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Tatiana Hoffmann Palmieri Perches
Plantão psicológico: o processo de mudança
psicológica sob a perspectiva da psicologia
humanista
PUC-Campinas
2009
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Tatiana Hoffmann Palmieri Perches
Plantão psicológico: o processo de mudança
psicológica sob a perspectiva da psicologia
humanista
Tese apresentada ao Programa de Pós-
Graduação Stricto Sensu em Psicologia
do Centro de Ciências da Vida - PUC-
Campinas, como requisito para
obtenção do título de Doutor em
Psicologia como Profissão e Ciência.
Orientadora: Profa. Dra. Vera Engler Cury
PUC-Campinas
2009
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Ficha Catalográfica
Elaborada pelo Sistema de Bibliotecas e
Informação - SBI - PUC-Campinas
t157.9 Perches, Tatiana Hoffmann Palmieri.
P428p Plantão psicológico: o processo de mudança psicológica sob a perspectiva da
psicologia humanista / Tatiana Hoffmann Palmieri Perches. - Campinas: PUC-
Campinas, 2009.
146p.
Orientadora: Vera Engler Cury.
Tese (doutorado) – Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Centro de
Ciências da Vida, Pós-Graduação em Psicologia.
Inclui anexos e bibliografia.
1. Psicologia clínica. 2. Psicologia humanística. 3. Psicologia fenomenológica.
4. Psicoterapia centrada no cliente. I. Cury, Vera Engler. II. Pontifícia Universidade
Católica de Campinas. Centro de Ciências da Vida. Pós- Graduação em Psicologia.
III. Título.
18ed. CDD – t157.9
BANCA EXAMINADORA
________________________________________
Profa. Dra. Vera Engler Cury
Presidente
_________________________________________
Prof. Dr. Mauro Martins Amatuzzi
Membro
__________________________________________
Prof. Dr. Leopoldo Pereira Fulgencio Júnior
Membro
_________________________________________
Profa. Dra. Maria Luisa Sandoval Schmidt
Membro
_________________________________________
Prof. Dr. Miguel Mahfoud
Membro
AGRADECIMENTOS:
Aos meus queridos pais, José Carlos e Nilce; sogros, Carlos e Cristina; irmãos
e cunhadas (os), que são parte da minha vida e minha família, com eles
aprendo o caminho do amor, do apoio e da determinação.
Ao meu Marido Daniel, com o qual aprendo todos os dias, outra faceta do
Amor, da Vida, da Família. A partir do seu exemplo, dei asas aos meus sonhos
e me permiti ser eu mesma. Agradeço por todos os dias ao seu lado!
À minha orientadora Vera E. Cury, que, para mim, representa mãos fortes e
macias, ao conduzir-me com tanta sabedoria, competência e ética durante
meu doutorado, sem nunca perder a delicadeza e o bom humor.
Ao Mauro M. Amatuzzi, minha gratidão por ampliar meus horizontes como
pessoa e como psicóloga. A partir das nossas conversas e da convivência em
grupo, vi pouco a pouco e à minha maneira, minha tendência atualizante
emergir.
A Ana Paula, Tata e Camila que são amigas e parceiras de profissão e de vida.
Confirmam-me como as boas amizades perduram por anos e à distância, se
preciso.
Às minhas amigas da pós-graduação, Maria Amélia, Helen, Renata, Thais e
Karine que se tornaram pessoas tão queridas para mim durante essa
caminhada.
Aos funcionários do Hospital onde desenvolvi esta pesquisa, que se
entregaram aos meus cuidados de atenção psicológica, mas não eles foram
ajudados, também eu me transformei com suas histórias.
À direção do Hospital onde este trabalho foi desenvolvido e, em especial, ao
Dr. Filippo e Sra. Vera Campione, Sr. Franscisco Espinha, Dr.Valter Nelson,
Dr. Marcelo de Assis e Dr. Guilherme Bourganos, pela oportunidade e
confiança que depositaram no meu trabalho.
Às secretárias da Pós-Graduação Elaine, Eliane, Maria Amélia e Dareide pelo
trabalho, dedicação e paciência constantes.
À CAPES, pelo financiamento integral desta pesquisa.
Palmieri-Perches, T. H. (2009). Plantão psicológico: o processo de mudança
psicológica sob a perspectiva da psicologia humanista. Tese de Doutorado - Programa
de Pós-Graduação Stricto Sensu em Psicologia do Centro de Ciências da Vida – PUC-
Campinas. 147 pp.
Resumo
Esta pesquisa objetivou evidenciar como um processo de mudança psicológica
é desencadeado no cliente a partir do atendimento de plantão psicológico. Baseou-se
nos pressupostos da ACP - Abordagem Centrada na Pessoa, desenvolvida por Carl
Rogers. Foi realizada no contexto de um serviço de plantão psicológico disponibilizado
a funcionários de um Hospital Geral do interior do estado de São Paulo. Adotou-se o
método fenomenológico de inspiração husserliana que é compatível com os princípios
epistemológicos da psicologia humanista, possibilitando uma análise dos elementos
presentes na experiência intersubjetiva vivida nas sessões de plantão, pela
pesquisadora/plantonista e os clientes. Esta modalidade de atenção psicológica
denominada plantão psicológico, quando praticada à luz da ACP, propõe que o
plantonista adote atitudes facilitadoras de consideração positiva incondicional,
compreensão empática e congruência ou autenticidade. Estas atitudes constituidoras
da relação psicoterapeuta/cliente aproximam-se do conceito de encontro dialógico
desenvolvido por Buber. A pesquisadora construiu quatro narrativas a partir dos
atendimentos realizados, com base em fragmentos das sessões de plantão
psicológico que representam os elementos essenciais apreendidos. Estas sugerem a
presença de um processo de atualização do potencial de auto conhecimento por parte
dos clientes que lhes possibilitou readquirir a autonomia pessoal. Entende-se, nesta
pesquisa, por processo de mudança psicológica significativa a atribuição de
significados às experiências ou sentido às angústias, a partir de um processo de
simbolização. Desta forma, as narrativas descreveram o processo de mudança num
sentido positivo na direção de uma simbolização adequada das experiências
vividas. Concluiu-se que os elementos que facilitaram este processo de simbolização
foram a busca espontânea do cliente, motivada pela vulnerabilidade desencadeada
pela experiência de angústia; a dimensão temporal, vista como uma possibilidade de
atualização da historicidade, por meio da peculiaridade deste encontro intersubjetivo; o
estar em relação no sentido buberiano - evidenciando a importância da reciprocidade e
da mutualidade na relação, uma vez que a simbolização adequada ocorre a partir da
fala e da escuta genuína de ambos, plantonista e cliente, ao longo do processo; uma
disponibilidade emocional autêntica por parte do plantonista traduzida por atitudes de
aceitação positiva incondicional, empatia e congruência, essenciais no
desencadeamento de um processo de crescimento psicológico no qual a busca pelo
sentido das experiências vividas é mobilizada e potencializa um produtivo reencontro
consigo mesmo. Concluiu-se, ainda, que o Plantão Psicológico como uma intervenção
que legitima a demanda imediata do cliente representa uma alternativa importante de
atenção psicológica em instituições, ao constituir-se em uma proposta inovadora por
seu caráter inclusivo.
Palavras-chave: 1. plantão psicológico; 2. pesquisa fenomenológica;
3. abordagem centrada na pessoa, 4. narrativa, 5. processo de mudança psicológica.
Palmieri-Perches, T. H. (2009). Psychological on duty service: Psychological change
process under the humanistic psychology approach. Doctorate thesis. Post graduation
stricto sensu Program in Psychology. Pontifical Catholic College of Campinas. 147 pp.
Abstract
This research aimed to bring about essential elements present in the psychological
change process that is triggered by the psychological on duty service on the clients;
this modality of psychological intervention is characterized by a unique session
encounter. One or two meetings afterwards are also possible. This study is based on
the Person Centered Approach, developed by Carl Rogers. It took place in a
psychological service offered to the staff of a General Hospital in the countryside of
São Paulo state. It was adopted the phenomenological method with a Husserl’s
inspiration which is compatible with the epistemological principles of humanistic
psychology. It was possible to make an analysis of the elements that were present in
the researcher and clients´ inter-subjective experiences. This modality of psychological
intervention, so called, psychological on duty service, when it is practiced according to
the person centered approach, suggests that the professional on duty adopts
facilitating attitudes of unconditional positive regard, empathic comprehension and
congruency or authenticity. These attitudes constitute the therapist-client relation and
they are close in the meaning to the dialogic and mutuality encounter performed by
Buber. Four narratives were stated by the researcher from the sessions, based on
fragments of sessions from the psychological on duty service, which represent the
essential elements of the experience, taken from the process. The narratives enlighted
elements of psychlogical nature which suggest the actualization of the self-knowledge
potential of the clients, along with the personnal autonomy. The concept of significative
psychological change refers to the simbolization process with the meaning given to
experiences, from the psychological helping relation. The researcher concluded that a
constructive changing process was triggered in the clients in the psychological on duty
service context. The elements that facilitated this simbolization process may be these:
client’s spontaneous search for help, motivated by his feeling of vulnerability the
anguish experience promoted; the on duty service proposal that is limited to a single
session which encourages the stablishment of an important affective feeling in an inter-
subjective nature; an authentic emotional availability in the professional, which is visible
by the unconditional positive regard, empathy and congruency, that became essential
for the important stablishment of a process of psychological growth, when
communicated to the client and the fact of being in a mutual relation, in the buberian
meaning, allowing that the adequate simbolization happens from genuine talking and
listening during the process. The psychological on duty service as a psychological
intervention which legitimates client´s emergential demand represents an important
alternative for psychological attention in institutions due to its inclusive and innovative
clinical psychological proposal.
Key words: Psychological on duty service, phenomenological research, person
centered approach, narrative, psychological change process.
Palmieri-Perches, T. H. (2009). Guardia psicológica: el proceso de cambio psicológico
bajo la perspectiva de la psicologia humanista. Tesis de Doctorado - Programa de Pos-
Graduación stricto sensu en Psicología del Centro de Ciencias de la Vida PUC-
Campinas. 147 pp.
Resumen
Esta investigación tuvo como objetivo mostrar evidencia sobre como un proceso
de cambio psicológico es desencadenado en el cliente a partir de una consulta de
guardia psicológica, modalidad de atención psicológica que se caracteriza por una
única consulta, con posibilidad de uno o dos retornos.
Se basó en los presupuestos de la teoría centrada en la persona desarrollada por Carl
Rogers. Fue realizada en el contexto de un servicio de guardia psicológica ofrecido a
los trabajadores de un hospital general del interior del estado de São Paulo. Se adoptó
el método fenomenológico de inspiración husserliana que es compatible con los
principios epistemológicos de la psicología humanista, posibilitando un análisis de los
elementos presentes en la experiencia intersubjetiva vivida en las sesiones de guardia,
por la investigadora y los clientes. Esta modalidad de atención psicológica llamada
guardia psicológica cuando es practicada a la luz de la teoría centrada en la persona,
propone que el profesional de guardia adopte actitudes facilitadotas de consideración
positiva incondicional, comprensión empática y congruencia o autenticidad. Estas
actitudes constitutivas de la relación terapeuta / cliente se aproximan al concepto de
encuentro dialógico y de mutualidad desarrollados por Buber. La investigadora
construyó cuatro narrativas a partir de las consultas realizadas, basada en fragmentos
de consultas de la guardia psicológica que representan los elementos esenciales de la
experiencia, aprehendidos a lo largo del proceso. Las narrativas trajeron a la luz
elementos de naturaleza psicológica que sugieren la actualización del potencial de
auto conocimiento por parte de los clientes, el retorno a la autonomia personal. El
concepto de cambio psicológico significativo se refiere al proceso de simbolozación
con la atribución de significados a las experiencias, o sentido a la angustia, a partir de
una relación de ayuda psicológica. Se conluyó que un proceso de cambio psicológico
constructivo fue desencadenado en los clientes en el contexto de la consulta de
guardia psicológica. Los elementos que facilitaron este proceso de simbolización
pueden ser así descriptos: la búsqueda espontánea del cliente por ayuda, motivada
por la vulnerabilidad que la experiencia de angustia promovió; la propuesta de guardia
limitada a una consulta es potencializadora para el establecimiento de un vínculo
afectivo importante de naturaleza subjetiva; una auténtica disponibilidad emocional por
parte del profesional de guardia, que se traduce por las actitudes de aceptación
positiva incondicional, la empatia y congruencia, que al ser comunicadas al paciente
se tranforman en esenciales para desencadenar el proceso de crecimiento psicológico,
y el hecho de estar en una relación que tiene mutualidad en el sentido buberiano,
permitiendo que la simbollización adecuada ocurra a partir de un hablar y escuchar
genuinos a lo largo del proceso. La guardia psicológica responde a la demanda por
atención psicológica clínica innovadora en instituciones, al contribuir para la
consolidación de prácticas psicológicas de carácter clínico inclusivas.
Palabras llave: guardia psicológica, investigación fenomenológica, teoria centrada en
la persona, narrativa, proceso de cambio psicológico.
ÍNDICE
Introdução.................................................................................... 01
Capítulo 1: ACP e Processo Psicológico ......................................... 05
1.1 Abordagem Centrada na Pessoa (ACP): pressupostos
teóricos..........................................................................05
1.2 Atenção psicológica clínica, ajuda psicológica e suas
vicissitudes.....................................................................14
1.3 O que é mudança
psicológica?....................................................................21
1.4 Como são os processos
psicológicos?..................................................................31
1.5 Plantão Psicológico: uma apresentação e algumas
reflexões........................................................................41
Capítulo 2: As contribuições de Martin Buber para a compreensão da
Abordagem Centrada na Pessoa.....................................................54
2.1 Interposições teóricas entre Carl Rogers e Martin buber.......54
2.2 Processos psicológicos a partir de Carl Rogers e Martin
Buber............................................................................63
Capítulo 3: Delineando o caminho de pesquisa ..............................69
3.1 O processo de construção das narrativas................................79
O Hospital Geral como contexto de pesquisa.......................80
Cuidados éticos necessários à realização desta
pesquisa........................................................................85
Capítulo 4: Narrativas desvelando os muitos sentidos dos
diálogos.........................................................................................87
4.1 Júlia..................................................................................87
4.2 Patrícia .............................................................................98
4.3 Jussara ...........................................................................108
4.4 Edgar..............................................................................116
O Plantão Psicológico revisitado...................................................122
Conclusão.....................................................................................131
Referências bibliográficas............................................................135
Anexos.........................................................................................144
Anexo A - Termo de Consentimento Livre e esclarecido........................146
Anexo B – Carta de autorização da Instituição.....................................147
Introdução
A despeito de a prática clínica da pesquisadora apontar perspectivas
positivas em relação à modalidade de atenção psicológica denominada plantão
psicológico, há algum tempo, ela passou a interessar-se em aprofundar a
compreensão sobre essa prática, criada como uma alternativa às respostas
tradicionais geralmente oferecidas às pessoas, que procuram por algum tipo de
ajuda psicológica em instituições. A pesquisa anterior, realizada pela autora
deste trabalho durante o mestrado, foi desenvolvida a partir da implantação de
um Serviço de Plantão Psicológico, disponibilizado aos funcionários de um
hospital geral, localizado em uma cidade do interior do estado de São Paulo.
Concluiu-se que o plantão psicológico, ao ser levado para o contexto de um
hospital geral, com o objetivo de beneficiar, diretamente, os funcionários, com
efeito, facilitou o crescimento psicológico dos clientes e, assim, de forma
indireta, promoveu também uma melhora no ambiente de trabalho da
instituição hospitalar como um todo (Palmieri, 2007).
Ambos os estudos da autora inserem-se na linha de pesquisa
“Prevenção e Intervenção Psicológica”, adotada pelo Grupo de Pesquisa
institucional denominado “Atenção Psicológica Clínica em Instituições:
prevenção e intervenção”, cujo foco são os enquadres clínicos diferenciados.
Talmon (1990) concluiu que 78% dos 200 clientes que participaram de
sua pesquisa, quando indagados sobre o motivo que os levou a desistir do
tratamento psicológico, a partir de muitas faltas que acarretaram o
desligamento do cliente e, conseqüentemente, a interrupção do processo
psicoterapêutico, informaram que não haviam abandonado a psicoterapia, mas
2
apenas não retornaram porque já se sentiam satisfeitos com os resultados
da(s) primeira(s) sessão(s). Posteriormente, foram analisadas por esse mesmo
pesquisador 100.000 mil entrevistas durante um período de cinco anos, o que
constatou que, ao longo de um ano, cerca de 30% do total de pacientes
compareceu à primeira entrevista mesmo os que se comprometeram a
retornar e que não pagariam nenhuma taxa pelo acompanhamento psicológico.
Diante desses dados, emergiu uma questão relevante a ser pesquisada:
qual processo de mudança psicológica significativa é desencadeado no cliente
a partir do atendimento de plantão psicológico? Esta pesquisa volta-se para a
importância de se consolidar, teoricamente, práticas psicológicas clínicas
desenvolvidas em instituições, em particular, num país cuja maioria da
população depende, exclusivamente, de atendimentos institucionais, inseridos
em serviços públicos de saúde. Por sua vez, o plantão psicológico que se
estuda mantém estreita relação com o arcabouço teórico e metodológico da
abordagem humanista em Psicologia, de modo mais específico, a desenvolvida
pelo psicólogo americano Carl Ransom Rogers.
Assim, fez-se necessária a adoção de um método para descrever e
analisar a experiência terapêutica compatível com o posicionamento
epistemológico da psicologia humanista e, em especial, da Abordagem
Centrada na Pessoa (ACP), desenvolvida por Carl Rogers. A ACP valoriza
elementos da intersubjetividade humana e o faz com inspiração
fenomenológica. Portanto, o método de investigação por meio do qual essa
pesquisa foi desenvolvida é o fenomenológico, e a narrativa constituiu-se em
uma estratégia para descrever, compreender e interpretar as experiências
intersubjetivas vividas no contexto dos atendimentos de plantão psicológico
3
num hospital geral.
Cada uma das narrativas foi composta por elementos da experiência da
pesquisadora, ao tornar-se plantonista, inclui desde suas impressões pessoais
acerca do vivido nas sessões, até elementos por ela apreendidos acerca do
processo psicológico desencadeado nos clientes, e tem a esfera da
intersubjetividade como intencionalidade. As narrativas permitem uma análise
do atendimento de plantão a partir da experiência do plantonista, ao serem
apresentadas impregnadas do processo dialógico vivido. A partir dos dados
empíricos, buscou-se desvelar a intencionalidade da consciência.
Pode-se compreender a prática clínica de Rogers, especialmente, em
relação às atitudes propostas para o psicoterapeuta e ao conceito de
facilitação, subjacente à relação psicoterapeuta/cliente como uma aproximação
à fenomenologia empírica de Husserl que busca como a compreensão da
vivência se apresenta na consciência, por meio da apreensão da
intencionalidade e da subjetividade. Rogers (1947) afirma que “se é o campo
perceptual que determina o comportamento, então o objeto de estudo dos
psicólogos seria a pessoa e seu mundo, tais como vistos pela própria pessoa”
(p.53).
O estudo definiu-se ao redor da construção de quatro narrativas,
geradas a partir dos atendimentos realizados no Serviço de Psicologia de uma
instituição hospitalar pela própria pesquisadora. Pretendeu-se o
estabelecimento de reflexões a respeito das possíveis mudanças psicológicas
significativas, ocorridas a partir do atendimento psicológico clínico, denominado
plantão psicológico. Tais narrativas foram inspiradas na prática clínica da
4
pesquisadora nos atendimentos de plantão psicológico e foram construídas
com o intuito de não expor os clientes, mas são fiéis aos elementos
psicoterápicos presentes no contexto de atendimento dessa modalidade de
atenção psicológica, considerada como um enquadre diferenciado em relação
à psicoterapia tradicional.
Entende-se, nesta pesquisa, por mudança psicológica significativa a
atribuição de significados às experiências ou de sentido às angustias a partir da
atitude relacional. Amatuzzi (1995) descreve o processo psicológico de
mudança como um movimento, em relação a uma pessoa que está estagnada,
a despeito de viver na multiplicidade dos fatos cotidianos, de repente, entrar em
contato consigo mesma, essa estagnação se liquefaz, e ela começa a mudar.
A matriz teórica que inspirou a análise foi a teoria rogeriana acerca do
funcionamento psicológico. Priorizou-se a obra de Carl Rogers e de seus
colaboradores mais próximos, com a intenção de explicitar os conceitos sobre
plantão psicológico, psicoterapia, saúde mental e processo psicológico.
Se eu deixar de interferir nas pessoas, elas se encarregarão de si mesmas; se
eu deixar de comandar as pessoas, elas se comportam por si mesmas; se eu
deixar de pregar às pessoas, elas se aperfeiçoam por si mesmas; se eu deixar
de me impor às pessoas, elas se tornam elas mesmas (Rogers)
Capitulo 1 – ACP e Processos Psicológicos
1.1 Abordagem Centrada na Pessoa (ACP): pressupostos teóricos.
A Abordagem Centrada na Pessoa (ACP) propõe-se a facilitar o
desenvolvimento do potencial humano sem direcionar seu comportamento,
uma vez que a responsabilidade pelo processo de crescimento psicológico
somente pode ser exercida pela própria pessoa, a partir da tendência
atualizante, que é inata, e está presente em todos os seres humanos ao longo
da vida. Essa força possibilita que a pessoa possa compreender-se e construir
sua personalidade, com base nas próprias experiências vividas, num processo
contínuo de atribuição de significados. Ampara-se na premissa de que o
homem é capaz de auto-determinação e de autocompreensão e que o faz a
partir de relações interpessoais de natureza dialógica; os outros significativos
exercem papel determinante nesse processo de auto-regulação e de
crescimento psicológico, o qual, em síntese, constitui o que se pode denominar
de liberdade individual.
A trajetória de Rogers como psicólogo clínico trouxe contribuições tanto
para o âmbito das relações sociais quanto para a esfera política da vida em
sociedade. (Rogers, 1961/1997; 1979/2001). Rogers (1951; 1980/1983) propôs
um método psicoterápico que se caracteriza por tomar como referência o
6
mundo interno do cliente, tal como este o percebe, sente e avalia; preservando-
se a concepção de que o sentido apreendido na relação intersubjetiva constitui
a matéria prima da psicoterapia. Cury (1994) afirma que o psicoterapeuta parti-
cipa dos significados da experiência do cliente, via seu próprio processo
experiencial, assim, criam-se novos conceitos a partir da relação intersubjetiva
vivida por ambos.
A pessoa cuja orientação filosófica tende a mover-se em direção a
um maior respeito pelo indivíduo encontra, na abordagem
centrada no cliente, um desafio e uma implementação a seus
pontos de vista. Descobre nessa abordagem algo acerca das
relações humanas que tende a levá-lo mais longe filosoficamente
do que jamais ousou, além de lhe possibilitar uma técnica
operacional para colocar em ação esse respeito pelas pessoas,
tanto quanto possa estar desenvolvido em suas próprias atitudes
(Rogers, 1951, p. 29-30).
Rogers (1951) prioriza, assim, sua preocupação com a importância da
postura do psicoterapeuta como pessoa na relação com o cliente e, também,
com a aplicação dessa filosofia de ajuda psicológica por meios de atitudes
concretas, ainda que não sejam técnicas de psicoterapia. Para tal, é necessário
que o psicoterapeuta despoje-se de teorias e de psicodiagnósticos para
permitir-se vivenciar a realidade intersubjetiva daquela relação de ajuda
psicológica, ao levar em consideração tanto o referencial de vida e de valores
7
do cliente como a sua própria subjetividade na relação (O’Hara, 1983). Rogers
baseava a psicoterapia a partir de uma confiança na tendência do indivíduo
quanto: ao crescimento para a saúde (tanto física como psicológica) e para a
maturidade; à maior ênfase à compreensão dos sentimentos do que à
compreensão intelectual; à maior importância à situação imediata do que à
história passada do cliente e, ainda, considerava a relação psicoterapêutica em
si mesma como uma experiência de crescimento (Rogers, 1979/2001).
Alguns dados sobre a vida e a obra de Carl Ranson Rogers, fundador da
Abordagem Centrada na Pessoa, merecem destaque: nasceu em 1902, em
Oak Park, Illinois, e faleceu em 1987, na Califórnia, onde passou os últimos
trinta anos de sua vida. Deixou documentada sua vida por meio de artigos e
livros, tornou-se PhD em Psicologia Clínica pela Universidade de Colúmbia.
Iniciou a vida profissional como psicoterapeuta de crianças e famílias numa
clínica infantil pública em Rochester, no estado de Nova York, e seu trabalho
clínico colaborou para legitimar a prática psicoterápica como uma atribuição
dos psicólogos, e não apenas dos médicos, nos Estados Unidos. Autor de
inúmeras obras sobre psicoterapia; grupos; ensino e aprendizagem e conflitos
sociais, desafiou a ciência da época ao assumir uma postura eminentemente
humanista, ao imprimir ênfase à tese da autodeterminação e da tendência
atualizante, e ao facilitar, com sua equipe, encontros intensivos entre grupos de
pessoas com conflitos de natureza racial, política, ideológica e religiosa. Autor
consagrado inspirou artigos, livros, teses, dissertações e monografias de outros
autores ao redor do mundo. Aventurou-se em parcerias com pesquisadores e
psicoterapeutas que se dispunham a desenvolver uma melhor compreensão da
teoria e da prática centrada na pessoa e assim, rompiam com os cânones
8
acadêmicos.
Muitos pesquisadores buscaram superar com suas obras o paradoxo de
uma teoria que, surgida da prática clínica exercida por um psicólogo
competente, foi impedida de tornar-se assumidamente fenomenológica em
função dos ditames da época, do lugar e, por consequinte, da formação do
próprio Rogers. Dentre eles, encontram-se: Hart (1970); Puente (1978);
Amatuzzi (1989; 1993; 1995; 2001); Cury (1994); Wood (1995); Boinain (1998)
e Holanda (1998).
diversas classificações que tentam organizar a obra de Rogers,
determinadas pelas proposições que cada autor construiu a partir de suas
investigações científicas individuais acerca das fases no desenvolvimento da
Abordagem Centrada no Cliente. Apesar das divergências entre elas, Hart
(1970) desenvolveu uma das definições clássicas e divide o trabalho de Rogers
em prática, teoria e pesquisa, nas seguintes fases:
1ª fase - entre 1930 e 1950: Terapia não-diretiva: nesse período, o
psicoterapeuta preocupava-se em compreender a pessoa que estava em busca
de ajuda, a partir de uma abordagem clínica não-diretiva, isto é, eximia-se de
dar conselhos, de orientar ou de fazer perguntas ao cliente sobre os problemas
dele. O foco do atendimento era a subjetividade do cliente comunicada ao
psicoterapeuta. Para provar a eficácia desse tipo de psicoterapia, foram
realizadas pesquisas por meio de avaliações psicológicas, feitas antes do início
da psicoterapia e, ao final, para apreender quais mudanças haviam ocorrido na
dinâmica psicológica da pessoa. A obra que caracteriza essa fase é
Psicoterapia e consulta psicológica, publicada em 1942. Essa fase corresponde
9
ao período durante o qual Rogers trabalhou numa clínica blica em
Rochester, destinada ao diagnóstico e ao tratamento de crianças que
apresentavam problemas de desajustamento psicológico e de suas famílias.
fase: Psicoterapia Reflexiva ou Centrada no Cliente entre 1950 e
1957, caracterizada pela mudança na compreensão da prática e do
pensamento de Rogers. Nessa fase, sistematiza-se um método capaz de
facilitar maior compreensão do processo psicoterapêutico. Desenvolveu-se,
como forma de intervenção do psicoterapeuta, o reflexo de sentimento, além da
preocupação com a forma de comunicação adotada por ele e como ela
repercutia no cliente. Foram realizadas pesquisas que tinham como foco o
processo psicoterapêutico. Nesse momento, Rogers enuncia a importância de
três atitudes que deveriam estar presentes no psicoterapeuta: empatia,
aceitação positiva incondicional e congruência, porque as considerava
necessárias e suficientes para a eficácia do processo psicoterapêutico. Alguns
autores construíram escalas para verificar cada uma dessas atitudes. A obra de
Rogers que corresponde ao pensamento e prática daquela época é
Psicoterapia Centrada no Cliente, publicada em 1951. A ênfase desse período
foi a análise do processo e as atitudes do psicoterapeuta.
fase Psicoterapia Experiencial entre 1957 e 1965, um salto
qualitativo, pois auxilia o cliente a usar sua experiência o que promove a
congruência entre o self e o desenvolvimento relacional. Nessa fase, Rogers
teve como principal colaborador Eugene Gendlin, que emigrara da Alemanha
para os Estados Unidos, e com sólida formação filosófica. Tornou-se
orientando de Rogers na Universidade de Chicago; obteve o título de PhD em
psicologia clínica; colaborou nos estudos sobre a sistematização da
10
experiência e dos processos subjetivos que se referem à mudança na dinâmica
psicológica, o que gerou as primeiras formulações teóricas que constituem o
arcabouço da Abordagem Centrada no Cliente, como o conceito de
experienciação. Foram realizadas pesquisas que relacionavam o nível de
experienciação e a eficácia psicoterapêutica, e apontavam que a pessoa evolui
à medida que percebe o que se passa, interiormente, o que se denomina de
experienciação, ou seja, simbolização das experiências vividas no presente
imediato.
Segundo Gendlin (1964), “experienciação é o processo de sentimento
vivido corpórea e concretamente que constitui a matéria básica do fenômeno
psicológico e de personalidade” (p.111). Nessa fase, houve a ampliação da
prática psicológica em outros contextos, além do consultório, tais como
escolas, centros comunitários, hospitais, grupos sociais, dentre outros. Essa
mudança de perspectiva da psicoterapia tradicional a práticas psicológicas em
instituições e grupos sociais originou a Abordagem Centrada na Pessoa. A
publicação do livro Tornar-se pessoa em 1961 evidencia o surgimento dessa
nova fase.
fase Psicoterapia Centrada na Pessoa - proposta por Cury (1994)
com ênfase nos elementos interpessoais que se desenvolvem na interação
entre o psicólogo clínico e o cliente, com a valorização da intersubjetividade na
relação psicoterapêutica. Marca o início de uma tendência mais
fenomenológica no trabalho de Rogers e de sua equipe. É uma fase centrada
na relação, pois visa a conferir poder às pessoas envolvidas na criação de um
ambiente facilitador e gerador de mudança, com ênfase na qualidade da
relação e, não apenas, no que ocorre no psicoterapeuta ou no cliente. Essa
11
etapa baseia-se nos princípios norteadores da Terapia Centrada no Cliente
(TCC), no entanto, sua aplicação volta-se à psicoterapia sob a influência das
experiências de Rogers com os Workshops e Grupos Intensivos a partir da
década de 70. “O eixo principal desloca-se de uma tentativa de centração no
cliente, que na prática nunca ocorreu efetivamente, para uma visão mais
realista que visa conferir poder à relação intersubjetiva” (Cury, 1994, p.134).
Essa autora esclarece, ainda, que ampliou a compreensão sobre os elementos
que incidem na relação a dois, pois, apesar de já serem vivenciados na prática,
ainda não havia coerência teórica. Nessa fase, percebe-se a aproximação do
pensamento de Rogers ao do filósofo Martin Buber (1982), uma vez que
uma preocupação com a mutualidade da relação e também com a qualidade da
mesma.
Wood (1995) contraria as classificações tradicionais, ao afirmar que a
Abordagem Centrada na Pessoa sempre esteve presente desde o início da
prática clínica de Rogers, pois se preservou o conceito de facilitação do
crescimento pessoal e a ênfase na saúde psicológica dos indivíduos, apesar
dos problemas psicológicos deles. Ainda assim, as fases descritas o úteis
para a compreensão da trajetória histórica da prática clínica de Rogers, porém
não devem ser assumidas como se ele tivesse tomado diferentes perspectivas
à medida que ampliava a atenção psicológica a diferentes contextos.
Ressaltava, ainda, que essas etapas têm sempre algo de artificial, são um
modo de se compreender um percurso que não se deixa cortar assim o
nitidamente. Além disso, Wood (1995) considera que a Terapia Centrada no
Cliente evoluiu, juntamente, com os princípios organizadores e tornou-se um
sistema de mudança na dinâmica da personalidade. Ao longo das diversas
12
etapas, a abordagem nunca mudou. Nos primeiros 30 anos, a Terapia
Centrada no Cliente era chamada de Abordagem Centrada no Cliente e, nos
anos seguintes, vem sendo chamada de Abordagem Centrada na Pessoa. No
início, contribuiu, mais especificadamente, para a prática e para a teoria da
psicoterapia e da psicologia humanista, depois, Rogers ampliou a prática e os
conceitos teóricos derivados para, praticamente, todos os tipos de
relacionamento humano, sempre com a aplicação das três condições
necessárias e suficientes (Rogers, 1957) a outros campos, como educação;
organizações; grupos; famílias; comunidades e instituições psiquiátricas. A
denominação Abordagem Centrada na Pessoa é adequada a todas as fases e
contextos, porém, deve-se compreender a obra de Rogers como
eminentemente clínica, não por ter sido assim iniciada em sua trajetória
pessoal, mas porque a análise das intervenções propostas revela-se
extremamente coerente com uma prática psicológica clínica aplicada a pessoas
em diferentes contextos e formas de relacionamento - psicoterapeuta e cliente;
aluno e professor; patrão e empregado; pais e filhos; membros de grupos com
conflitos inter-raciais, religiosos e político-ideológicos.
Wood (1995) propõe uma análise da Abordagem Centrada na Pessoa a
partir de sete pontos centrais que possibilitam uma compreensão dos
elementos essenciais dessa abordagem psicológica de inspiração humanista:
1. perspectiva de vida positiva;
2. crença numa tendência formativa direcional, “trata-se de uma
tendência evolutiva para uma maior ordem, uma maior complexidade, uma
maior interrelação”. E quanto ao ser humano, expressa-se “quando o indivíduo
13
progride de seu início unicelular para um funcionamento orgânico complexo,
para um modo de conhecer e de sentir abaixo do nível de consciência, para um
conhecimento consciente do organismo e do mundo externo, para uma
consciência transcendente da harmonia e da unidade do sistema cósmico, no
qual se inclui a espécie humana" (Rogers, 1980/1983, p.50);
3. intenção de ser eficaz nos próprios objetivos, facilitar o processo de
mudanças construtivas na dinâmica psicológica;
4. consideração pelo indivíduo, na sua singularidade, por sua autonomia e
capacidade de se auto-determinar;
5. flexibilidade de pensamento e de ação não tolhido por teorias;
6. tolerância quanto às incertezas e às ambigüidades;
7. capacidade de senso de humor, humildade e curiosidade.
O autor também descreve que a Abordagem Centrada na Pessoa “é um
jeito de ser ao se deparar com certas situações” (p.iii), “um posicionamento
existencial em suas atitudes”(p.iii) e também “uma perspectiva
fenomenológica em suas intenções”(p.iii), ainda que não seja uma filosofia,
como o próprio autor ressalta.
Tassinari (2003) defende que a expressão correta seria um jeito de
estar, que a tradução do verbo to be pode ser tanto ser quanto estar, além
de indicar a provisoridade desse modo único de se aproximar de um fenômeno
e captá-lo em sua singularidade, quando se leva em consideração o ser
humano sempre em processo de atualização.
14
1.2 Atenção psicológica clínica, ajuda psicológica e suas
vicissitudes.
Afinal, o que se quer explicitar com a denominação atenção psicológica
clínica ou ajuda psicológica? Morato (1997) esclarece que ajudar significa
propiciar ao outro condições necessárias para o seu desenvolvimento. Wood
(1995) acrescenta que ajudas bem-sucedidas parecem envolver um processo
de facilitação psicológica à(s) pessoa(s) em transição, para que possa(m)
experienciar e dar sentido à(s) própria(s) vida(s) e, ao mesmo tempo, possa(m)
acreditar na pessoa como capaz de crescer e de assumir novas posições frente
às exigências do processo de viver.
Segundo os pressupostos da ACP, a atenção psicológica do
psicoterapeuta destina-se a significar, compreender e desdobrar sentidos que o
cliente vivencia em determinado momento da vida, a partir da escuta empática,
da autenticidade e do interesse genuíno por parte do profissional. Rosenberg
(1987) afirma que compreender o significado da experiência do outro significa
viver temporariamente, no mundo do cliente, a procura da revelação de
sentimentos emergentes ou escondidos, com a finalidade de encontrar a
pessoa que está atrás daquela fala, além do comportamento manifesto. Nesse
sentido, Macedo (1998) realizou uma pesquisa que visava a compreender,
fenomenologicamente, as vivências da relação psicoterapêutica, tais como
descritas pelos próprios clientes que se encontravam em processo
psicoterapêutico centrado no cliente. Concluiu que a relação psicoterapêutica
na ACP é uma relação de ajuda, na qual a dimensão interpessoal é
15
determinante do processo de mudança significativa do cliente, e que a relação
profissional é relevante para diferenciar a relação psicoterapêutica de outros
tipos de relação interpessoal. Ademais, o alcance mais significativo é o
crescimento psicológico do cliente.
Rogers (1951) refletiu sobre quais elementos tornariam qualquer relação
mais facilitadora no sentido não de propiciar um desenvolvimento e
amadurecimento humano e pessoal, como também de dificultar esse
amadurecimento psicológico, para promover, a partir da relação, atitudes
defensivas e, até mesmo, uma barreira entre ambas as partes. Percebe-se,
assim, que Rogers construiu uma teoria de relações construtivas e
degenerativas a partir da prática clínica.
Enfim, em que elementos específicos uma relação significativa ou
facilitadora se diferenciaria de uma relação qualquer? Rogers encontrou esses
elementos por meio da investigação profunda em processos psicoterápicos
bem-sucedidos e constatou que esses mesmos elementos estão presentes em
qualquer mudança construtiva que uma pessoa realize para reintegrar-se
psicologicamente. Processos psicoterápicos bem-sucedidos ou situações de
mudança psicológica construtiva são entendidos, pois, quando uma pessoa
está em atualização plena conceito que Rogers (1951; 1975; 1997/1961)
formulou ao referir-se às características de saúde psicológica ou mental que
uma pessoa apresentaria, além de enfatizar que consiste num processo e, não,
num estado de ser:
1. a pessoa apresentaria maior congruência e abertura à experiência,
além de tornar-se menos defensiva;
16
2. as experiências que vive são acessíveis à consciência;
3. espera-se melhor adaptação, pois desenvolveria uma percepção mais
clara e menos distorcida da realidade, o que promoveria também uma redução
da vulnerabilidade, ameaça e sofrimento;
4. essa pessoa confiaria mais em si mesma, pois sua vivência
organísmica direcionaria o comportamento e, não, os códigos e valores
adquiridos;
5. lidaria melhor com as contingências da vida e das adequações que
cada situação exige.
Esse processo flui quando as experiências da pessoa são acessíveis à
consciência de forma não deformada, pois são apreendidas por um self flexível,
e seu processo de avaliação o está submetido a condições externas.
Portanto, comportamentos específicos não podem ser considerados como
previsíveis, e a única previsão sobre essa pessoa é que manifestará, sob
quaisquer circunstâncias, um funcionamento criativo comprometido num
processo contínuo de atualização. Este é inerente ao ser humano e, para ser
facilitado ou restabelecido, necessita de certas condições psicológicas; de um
ambiente no qual possa desenvolver uma relação permeada por três atitudes
facilitadoras, denominadas condições necessárias e suficientes - empatia,
aceitação positiva incondicional e autenticidade (ou congruência). Dessa forma,
o psicoterapeuta funciona como um “catalisador” das potencialidades do
cliente, ao proporcionar-lhe uma relação facilitadora e por conseguinte,
promove nele mudança psicológica significativa (Rogers, 1951).
A primeira condição facilitadora é a atitude de empatia, que, durante a
17
fase inicial da teoria, foi a mais valorizada por Rogers (1977): que entendia que
essa atitude é um dos fatores mais relevantes numa relação, uma vez que
promove mudança e aprendizagem; “não é em si mesma ‘uma condição’ da
terapia mas é provavelmente uma pré-condição” (Shlien, 1998, p.40). A
empatia é um processo de aproximação da vivência do outro, de percepção e
de experimentação de seus significados, com o intuito de devolver-lhe esse
sentido experimentado naquele momento. É uma confirmação de que a pessoa
existe, ao ser compreendida por outrem que lhe é significativo.
Barret-Lennard (1962) entende que a pessoa disponível a ajudar
reconhece ou sente o que é significativo para o outro, ao interessar-se em
saber a visão do outro sobre o mundo, como se sente em relação a si mesmo e
qual é a sua própria experiência subjetiva com referência a qualquer aspecto
do seu processo de vida. De certa forma, a experiência da outra pessoa torna-
se sua também, embora não deva confundir sentimentos e percepções
originados no outro com aqueles que se originaram em si mesma. Tal processo
é difícil e desafiante: distinguir os sentimentos e significados que surgem na
subjetividade da pessoa que ajuda em relação aos presentes na pessoa que
está sendo auxiliada. Trata-se, assim, de um processo intersubjetivo em ação
durante o encontro entre psicoterapeuta e cliente.
A atitude de consideração positiva incondicional é a segunda condição
facilitadora e não deve ser confundida com aceitação ou conivência com
qualquer comportamento ou posicionamento do outro. Trata-se de aceitar cada
elemento da sua experiência, ao reconhecê-lo como se apresenta e como parte
integrante de seu organismo naquele momento, e não se deve rejeitar esse
aspecto que emergiu, tampouco, ter a intenção de mudá-lo. Dessa forma, a
18
pessoa vivencia o sentimento de que é valorizado por alguém, apesar de seus
aspectos positivos e negativos.
Na obra de Rogers (1977b), esse conceito adquire importância no
estudo clínico desenvolvido, a partir de experiências com psicoterapia aplicada
a pacientes esquizofrênicos internados em um hospital psiquiátrico.
Pesquisadores concluíram que, com esses clientes, a empatia tornava-se
secundária, uma vez que a não-integração dos elementos da personalidade
impedia uma autêntica relação intersubjetiva entre psicoterapeuta e cliente. Tal
como na relação entre a mãe e seu bebê, o paciente esquizofrênico
encontrava, na aceitação positiva incondicional do psicoterapeuta, a
possibilidade de um encontro consigo mesmo menos ameaçador e mais
integrativo (Rogers, Stevens e cols, 1977). Rogers (1959) exemplifica esse
conceito ao apontar que a aceitação positiva incondicional por parte dos pais
em relação ao filho assume, dessa forma, um papel facilitador do
desenvolvimento emocional, ou seja, ao amarem o filho - ainda que não
apreciem todas as atitudes que ele assume estão, potencialmente,
promovendo a construção de relações interpessoais mais saudáveis.
A terceira condição facilitadora é a atitude de congruência ou
autenticidade do psicoterapeuta, que recebeu mais ênfase na terceira fase da
ACP (fase experiencial). Consiste num estado de acordo interno, que, não
necessariamente, precisa ser explicitado, no entanto, deve haver uma sintonia
entre as representações subjetivas do psicoterapeuta e a sua comunicação ao
cliente durante os encontros. No contexto psicoterapêutico, significa a escolha
de comunicar o que estiver em sintonia com o que está sendo vivenciado pelo
cliente, ou mesmo, na relação, de forma verdadeira e genuína. “Não digo que
19
seja útil exprimir impulsivamente qualquer sentimento momentâneo ou
qualquer acusação, sob a impressão cômoda de que estamos sendo
autênticos. Ser autêntico inclui a difícil tarefa de conhecer o fluxo da vivência
que ocorre em nosso íntimo, um fluxo marcado principalmente pela
complexidade e pela mudança contínua” (Rogers, 1977b, p.106). Essa atitude
requer do psicoterapeuta ou facilitador consciência do seu próprio referencial
de valores e reconhecimento de suas próprias vivências, o que propicia, assim,
uma escuta compreensiva e um reconhecimento da própria subjetividade na
relação dialógica. Ressalta, pois, que embora a atitude de autenticidade
promova uma relação intersubjetiva, nesse contexto de ajuda psicológica, esta
fica centrada no cliente. Rogers (1977) descreve essa atitude da seguinte
maneira: “Ao me voltar para o crescimento de outra pessoa, faço-o cada vez
mais através de uma busca de minha própria autenticidade e não por meio da
aplicação rigorosa de procedimento” (Rogers & Rosenberg, 1977, p.15), e
Bozarth (1998) ressalta que essas atitudes são o próprio psicoterapeuta, que
minimiza o caráter técnico das atitudes.
Estabelece-se, assim, uma relação dialógica e pessoal entre
psicoterapeuta e cliente, e a torna uma relação Eu-Tu, como Buber (2001) a
concebe. Rogers (1983/1980) afirma, no seu livro Um jeito de ser, que “nesses
raros momentos, em que uma profunda autenticidade de um encontra uma
autenticidade no outro, ocorre uma ‘relação eu-tu’, como diria Martin Buber”
(p.12).
Outra formulação de Rogers (1997/1961) tem como base a sua crença
no Homem direcionado para o desenvolvimento de sua potencialidade inata -
quanto a sua ontologia de Homem assim como as suas características
20
singulares. Esse conceito foi denominado de tendência atualizante ou
tendência à auto-atualização, o qual pressupõe um Homem direcionado para o
crescimento de forma global. Rogers (1951) descreve-o como um “impulso que
é evidente em toda vida humana e orgânica - expandir-se, estender-se, tornar-
se autônomo, desenvolver-se, amadurecer -, a tendência a expressar e ativar
todas as capacidades do organismo na medida em que tal ativação valoriza o
organismo ou o self “(p.35).
Esse conceito é um dos postulados centrais que fundamenta todos os
empreendimentos da Abordagem Centrada na Pessoa e rompe com o
paradigma que faz do Homem um ser determinado por seu meio externo ou por
impulsos internos, ainda que considere a influencia deles.
Numa entrevista a Frick (1969), quando questionado quanto à sua
crença no grau de determinismo que atua sobre o Homem, Rogers posiciona-
se em termos existenciais, pois apesar de afirmar a existência de uma base
biológica para o comportamento humano, a qual ele denomina de tendência
formativa, presente em todos os seres vivos do universo, defende que o
componente consciente e o potencialmente consciente oferecem ao indivíduo a
possibilidade de atuar sobre vários aspectos do seu eu e, dessa forma, criar-se
a si mesmo. Para Rogers, essa é uma das características que distingue o ser
humano de outras formas de vida, pois é o seu elemento essencial.
Rogers (1980/1983) ainda afirma que, se essa tendência construtiva
estiver distorcida por algum motivo, ou seja, aparente estar contra o organismo
do ser humano, este tem a capacidade de resgatá-la quando as compreensões
ou significados atribuídos as suas vivências forem apreendidos de forma
21
adequada e, sob esse contexto, a relação dialógica o facilita.
Assim, o psicólogo clínico deve atuar a fim de promover condições que
facilitem a auto-atualização, quando esta estiver distorcida, que pode ser
restabelecida em qualquer etapa da vida. Para tanto, é necessário
compreender o cliente como único e de modo verdadeiramente empático, de
modo a abster-se das teorias psicológicas por um momento e, só depois,
retornar a elas.
1.3 O que é mudança psicológica?
Rogers (1957) descreveu seis condições, mencionadas a seguir, que
devem existir entre duas pessoas para que ocorra um processo de ajuda
psicológica e que promova, assim, um clima facilitador na relação.
1. Psicoterapeuta e cliente devem estar em contato psicológico.
2. O cliente necessita se encontrar num estado de incongruência que se
manifesta sob a forma de um estado de vulnerabilidade que pode gerar
grande ansiedade (ou angústia).
3. O psicoterapeuta precisa estar num estado de congruência ou
integração na relação.
4. Cabe ao psicoterapeuta experienciar consideração positiva incondicional
pelo cliente e compreender, empaticamente, o esquema de referência
interno dele.
5. O empenho do psicoterapeuta em comunicar tal experiência de
22
consideração positiva incondicional e de compreensão empática que
sente pelo cliente.
6. Essa comunicação deve ser efetivada, pelo menos, num grau mínimo,
de forma que o cliente experiencie essas atitudes do psicoterapeuta.
No entanto, o que seriam as mudanças que essa relação facilitadora
promove? Que processo psicológico ocorre no cliente ou na relação
intersubjetiva dos envolvidos?
Rogers (1961/1997) sempre buscou compreender o processo de tornar-
se uma pessoa plena ou psicologicamente saudável. No início da sua carreira,
preocupou-se em investigar o processo de mudança que ocorre na psicoterapia
e, posteriormente, o processo que ocorre nas demais relações interpessoais
com o objetivo de encontrar os mesmos elementos que facilitam todos os tipos
de relações e de ampliar a compreensão prática e teórica dele além dos limites
da clínica. As pesquisas nas quais pretendeu investigar essas constantes que
intervêm no estabelecimento do processo psicoterapêutico ou o processo pelo
qual a dinâmica psicológica se altera, Rogers ouviu horas de gravações de
entrevistas clínicas realizadas por ele ou por outros membros de sua equipe e,
como “instrumento” (p.144) apontou que usou sua própria pessoa e a forma
como aquelas entrevistas o tocavam. Para tal, procurou colocar entre
parênteses as concepções teóricas e abrir-se ao fenômeno da mudança como
este se apresentava na fala dos clientes durante o processo psicoterapêutico.
Por meio dessa descrição, percebe-se que Rogers utilizou-se do método
fenomenológico de inspiração husserliana, já que pretendia restituir o sentido
das vivências, no entanto, até aquele momento, não reconhecido como tal.
23
Nessas publicações, cujos originais o da década de 50 e 60, Rogers
(1961/1997) defende que o conhecimento precisa de um novo domínio para se
expandir e que exige “que nos aproximemos dos fenômenos com o mínimo de
preconceitos possível, que assumamos a atitude observadora e descritiva do
naturalista, extraindo inferências elementares que parecem ser mais próprias
ao material estudado” (p.144).
A respeito dessa descrição, Amatuzzi (1993), no artigo intitulado Etapas
do processo terapêutico, aponta que: “é interessante como isso se aproxima do
que, numa linguagem diferente da de Rogers, vem a se chamar de pesquisa
fenomenológica: aproximar-se dos fenômenos descritivamente, sem idéias pré-
concebidas, com generalizações as mais próximas dos dados” (p.4). Ainda que
a descrição em fases pareça apontar para uma rigidez metodológica, o foco foi
descrever a qualidade da experiência e da expressão.
Rogers (1961/1997) afirma que, para desenvolver suas pesquisas, havia
empregado o método que muitos pesquisadores, inclusive ele, utilizavam para
levantar hipóteses: “usei-me como instrumento” (p.144). No entanto, essa
perspectiva fenomenológica não era aceita como método científico na época, e
tampouco o próprio Rogers percebia sua atitude como tal.
Diferente de outros psicólogos-pesquisadores da época que se
interessavam em pesquisar as constantes da personalidade, Rogers
(1961/1997) interessou-se pelos aspectos constantes que intervêm na
mudança da dinâmica psicológica. As etapas desse processo são conhecidas
como fases da mudança da personalidade, ocorrem a partir da premissa de
que o cliente precisa sentir-se plenamente aceito pelo psicoterapeuta, sejam
24
quais forem seus sentimentos, modo de expressão ou palavras, pois a vivência
de ser aceito e compreendido com empatia otimiza a relação. Rogers não
defendia que uma mudança psicológica significativa implicasse mudanças
concretas no modo de agir - de um ponto para outro nos comportamentos
cotidianos das pessoas -, pois concebia o crescimento psicológico como um
fluxo contínuo e gradual de movimento interno que vai da fixidez para a
mudança, da estrutura rígida para o movimento, enfim, de um estado de
estabilidade crônica para uma realidade processual. Identificou, no processo
psicoterapêutico, um contínuo com sete fases que ocorrem ao longo da
psicoterapia, entretanto, nem sempre os clientes passam por todas as fases,
mas, em sua maioria, evoluem melhor quando iniciam a psicoterapia na
terceira ou quarta fase desse processo.
Esclarece-se, porém, que o termo personalidade sob esta perspectiva
não é entendido como um constructo teórico, substantivado, como é apropriado
pela teoria positivista, e sim, como uma organização interna ou um
funcionamento psicológico. Dessa forma, mesmo sob uma perspectiva
fenomenológica, como este trabalho aponta, permite-se o uso desse conceito
teórico a partir desse referencial.
A primeira fase caracteriza-se por um estado de fixidez e de
distanciamento em relação à própria experiência da pessoa, que, dificilmente,
procura pela psicoterapia. Na segunda fase, se a pessoa vivenciar a
experiência de ser totalmente aceita, começa a haver a expressão de tópicos
referentes ao não-eu, pois ainda não existe sentimento de responsabilidade
pessoal, posto que apesar de poder descrever a depressão ou a angústia, não
o faz em relação a como as sente. Na terceira fase, é mais comum as pessoas
25
procurarem psicoterapia e pode ocorrer maior maleabilidade e fluência da
expressão das experiências pessoais; no entanto, ainda como exteriores ao eu,
guiam-se pelos valores e opiniões alheias. Na quarta fase, começa a haver
uma fluência gradual dos sentimentos, e a pessoa os descreve, de forma mais
intensa, mas como objetos do passado. Tende, assim, à busca de uma
simbolização exata, a procura de nome e de compreensão, além de sentir
incômodo frente às contradições entre o eu (self) e a experiência. na quinta
fase, há um aumento no fluxo experiencial, pois ocorre a irrupção de
sentimentos presentes e a busca por expressá-los e vivenciá-los. A experiência
interna começa a se tornar o principal ponto de referência, e alguns clientes
desistem da psicoterapia por medo de se descobrirem.
Quando o cliente vai para a sexta fase, percebe-se que a experiência é
vivida subjetivamente e, não, como objeto de um sentimento (o “eu” é o
sentimento), pois a vivência assume a qualidade de um processo real, a
maleabilidade fisiológica acompanha a dos sentimentos e, além disso, a
incongruência entre experiência e consciência é vivamente experimentada no
mesmo momento em que desaparece no interior da congruência. Não
“problemas” interiores ou exteriores, pois a pessoa não os vivencia mais como
objetos (todos são interiores, são ele próprio). Ainda, segundo Rogers “uma
vez que a experiência se tornou plenamente consciente e aceita, ela pode ser
enfrentada com eficácia como qualquer outra situação real” (Rogers,
1961/1997, p.172). Finalmente, na sétima fase, nas áreas em que o cliente
atingiu o sexto estágio, a necessidade de aceitação passa a não ser tão crucial,
embora seja importante. Nesse sentido, para vivenciar essa fase talvez nem
precise do auxílio do psicoterapeuta, pois, a partir da aceitação de si próprio,
26
ocorre uma autonomia psicológica que não deixa a pessoa dependente tanto
do amor quanto da rejeição do outro. O eu (self) torna-se, cada vez mais, a
consciência subjetiva e reflexiva da experiência, e os constructos pessoais são
constantemente revistos e atualizados a partir da experiência em curso.
Amatuzzi (1993; 1995; 2001) expõe a continuidade que deu às idéias de
Rogers quanto à pesquisa do processo psicoterapêutico em movimento, o que
significa investigar o fenômeno tal como ele ocorre e também sobre os
diferentes tipos de mudança psicológica, o que corrobora a existência de
processos efetivos de transformação para além da clínica tradicional.
Descreve-os não apenas a partir da relação entre cliente e psicoterapeuta seja
nos consultórios ou em outros contextos institucionais, mas também sobre o
que ocorre nas pessoas por meio de vários tipos de relacionamento humano, o
que permite um contínuo processo de mudança, aprendizado e crescimento.
Ressalta que um processo pessoal pode ser desencadeado por diferentes
circunstâncias que a vida oferece e não apenas por meio de uma psicoterapia.
Defende que a vida promove constante transformação e que permite às
pessoas enfrentarem os desafios existenciais inerentes às diferentes etapas do
desenvolvimento humano; no entanto, muitas vezes, esse fluxo é bloqueado.
Considera, ainda, a possibilidade do não-comprometimento com esses
movimentos “de descobertas pessoais, de aprendizagens verdadeiras e de
encontros transformadores” (Amatuzzi, 2001, p.120), o qual bloqueia, assim, o
processo de viver.
uma distinção entre esses dois níveis: o processo pessoal e o
processo relacional. Na psicoterapia, instaura-se um processo relacional, no
qual uma coisa acontece em decorrência de outra sucessivamente (contrato,
27
honorários, encontros semanais, dentre outros), o que não significa que a
pessoa esteja vivenciando um processo pessoal (Amatuzzi, 2001). Para que tal
ocorra, é necessário que haja um movimento interno diretamente ligado à
experiência vivida (Rogers, 1961/1997). Desse modo, o que faz com que o
cliente, a partir do processo relacional com o psicoterapeuta, vivencie um
processo pessoal? Amatuzzi (2001) esclarece que, para este ocorrer, é preciso
que a pessoa passe a funcionar de forma diferente, no sentido de se posicionar
diante das mesmas situações de outra forma. Quando esse fato ocorre de
forma profunda, uma modificação interna e até viceral, da qual não como
retornar ao modo de funcionamento anterior. Nesse nível de experiência, a
pessoa começa a se questionar não apenas no que diz respeito aos seus
comportamentos, mas quanto às suas estruturas de orientação, àquilo que está
por trás e faz a lógica ou a coerência de seu modo de viver. Isso acontece, por
um lado, principalmente, quando esse questionamento não é intelectualizado,
mas é sentido de forma profunda, de modo que a pessoa não pode mais se
esquivar de algumas mudanças na sua vida, a despeito de toda angústia que
possa lhe acarretar. Por outro lado, uma pessoa pode estar em processo
psicoterapêutico (relacional) há algum tempo e não estar em um verdadeiro
comprometimento pessoal, pois ela se encontra estagnada psicologicamente,
mantém seus mesmos padrões, ou seja, não ocorre uma mobilização interior,
uma mudança psicológica; vive apenas os encontros psicoterapêuticos de
forma mecânica, ao contar os fatos externos da sua vida - falta-lhe, assim,
atribuir significados às suas experiências.
Gendlin (1984) explica que “as pessoas mudam através de sentimentos
dos quais elas não tinham consciência e nem os tinha expressado
28
anteriormente. Maior intensidade de sentimentos conhecidos não conduz à
mudança. Pessoas muitas vezes sentem e expressam sentimentos repetitivos
de forma contundente, e mesmo assim, mudanças não ocorrem” (p.77).
Com a proposta de resgatar a intenção inicial de Rogers quanto ao
estudo das etapas do processo psicoterapêutico, Amatuzzi (1995) utilizou-se
da descrição fenomenológica e desenvolveu a Versão de Sentido - que se trata
de um relato livre, cujo objetivo é captar o vivido das sessões. Não se
caracteriza, pois, como um registro objetivo daquele encontro; o importante é
que seja feito, imediatamente após, o término do ocorrido de caráter escrito
ou falado - pois consiste numa expressão da experiência imediata de seu autor,
ao oferecer indícios do sentido atribuído ao diálogo ou evento. Nessa pesquisa,
Amatuzzi (1995) questiona sobre a possibilidade de encontrar, nas versões de
sentido dos psicoterapeutas em relação às sessões, distinções que
caracterizam momentos de mudança ou de virada no processo dos clientes. Ao
dividir essas Versões de Sentido em etapas, verificou-se que o que precede
uma mudança é um tom de angústia crescente diante do questionamento do
presente e da própria vida. Acrescenta, ainda, que a revisão de valores e
comportamentos gera uma crise, que representa o encontro com a realidade
dura no presente e no desamparo. Considera, também, que essa crise
despertada pelo acontecer psicoterapêutico pode desencadear um fluxo de
mudança.
Em um estudo fenomenológico, Denne e Thompson (1991) analisaram o
processo vivido por pessoas que transitaram de um estado de desespero e de
falta de sentido e significado para a própria vida para um estado prolongado de
força, clareza e satisfação diante de uma vida à qual atribuíram significado.
29
Essas pessoas perceberam que tal é possível mediante um movimento interno
de mudança, não necessariamente desencadeado em contexto
psicoterapêutico; essa progressão pode surgir como conseqüência de novas
atitudes, decisões e atividades que se desenvolviam em espiral, o que
aumentou a abertura tanto de si mesma quanto delas em relação ao mundo,
sem que fossem necessárias mudanças no meio ambiente. Encontraram-se,
assim, cinco variáveis constituintes dessa transição, citadas a seguir.
1. Durante a transição, os participantes assumiram responsabilidade
pela própria vida, ao preferirem criar para si mesmos uma vida
significativa a depender de outros ou do meio ambiente para tal
mudança. Eles aceitavam a responsabilidade por sua existência o
que ocorria a partir de um desenvolvimento da autoconsciência e
dos próprios valores durante a relação e da conversa com outras
pessoas.
2. Houve aceitação de aspectos resistentes da experiência; os
indivíduos começaram a aceitar aspectos positivos e negativos de
si mesmos e de sua existência. Quando não o faziam
imediatamente, admitiam, na consciência, a existência desses
aspectos.
3. Ocorreu congruência entre a personalidade, conceitos
significativos e a experiência, o que serviu de base para formar o
conceito do que seria uma vida realmente significativa.
4. A transição envolvia a tomada de decisões, com aceitação dos
riscos e das possibilidades envolvidas. Algumas vezes, essas
30
decisões podiam ser vivenciadas de forma dramática; outras
ocorriam mais gradualmente, mas resultavam em efeitos
observáveis, como a escolha de viver em congruência com os
próprios ideais ou efeitos mais íntimos, por exemplo, priorizando
as emoções como uma importante parte da existência.
5. Um relacionamento progressivo e equilibrado entre si mesmo e o
mundo. Os indivíduos passavam por uma transição de uma
relação ansiosa e alienada com o mundo para uma relação
sentida como satisfatória e balanceada entre a consciência de si
mesmos e as exigências externas.
Nessas duas pesquisas descritas, os autores (Amatuzzi, 1995; Denne e
Thompson, 1991) referem-se a uma mudança no sentido existencial e íntimo, e
não puramente cognitivo ou comportamental - apesar de isso também poder
ocorrer.
Esse processo, em um contexto clínico sob orientação da ACP, pode
emergir a partir do psicoterapeuta ao facilitar o reconhecimento dos
sentimentos e pensamentos do cliente, que passa não a tomar maior
consciência e contato com o seu material vivencial, como a apreender aspectos
de sua dinâmica psicológica e de seus comportamentos os quais lhe
escapavam anteriormente. Assim, o cliente, auxiliado pela ajuda
psicoterapêutica, passa a modificar ou a amadurecer o conceito que tem de si
mesmo e, conseqüentemente, a reavaliar seu modus vivendi e visão de mundo
(Rogers, 1977).
Entende-se, dessa forma, que mudança psicológica significativa tende a
31
ser um movimento crescente da própria pessoa em direção ao seu referencial
interno e conduz a um funcionamento integrado do organismo como um todo,
ou seja, é um processo de simbolização.
1.4 Como são os processos psicológicos?
No livro Tornar-se Pessoa, Rogers (1997/1961) descreve o processo
pelo qual uma pessoa se tornaria amadurecida, com a capacidade de exercer a
auto-regulação e o controle de seus impulsos. Quando tal ocorre, a pessoa
está apta a encontrar um equilíbrio interno e natural que lhe permite
estabelecer relações afetivas com outras pessoas e o predomínio do respeito
mútuo, pois estão em funcionamento atributos especificamente humanos, que
fluem na direção de um comportamento construtivo, não necessariamente
convencional. Há um movimento que o organismo adota - quando lhe são
dadas condições para seu desenvolvimento - que torna o Homem um
organismo integral e consciente da sua experiência, processo que será
individualizado, no entanto, igualmente socializado e digno de confiança.
Existe uma desmistificação da polaridade mau-bom, quando se tornou
evidente que esses sentimentos considerados “maus” ou “associais” não são
nem os mais profundos, tampouco os mais fortes na pessoa que os vivencia e
que o núcleo da personalidade do Homem é o próprio organismo, o qual é
essencialmente autopreservador e social (Rogers & Rosenberg, 1977). Rogers
concebe que no ser humano uma liberdade subjetiva para concretizar suas
potencialidades, para procurar realizar-se ao desempenhar um papel
responsável e intencional sobre os acontecimentos e sobre o destino de seu
32
próprio mundo, porque é dotado, em termos existenciais, do poder de escolha
(Rogers, Stevens e cols, 1977).
Vale lembrar um dos preceitos de Bleger (1963) cuja obra A psicologia
da conduta aponta que a “manifestação de qualquer conduta é sempre a
melhor, no sentido de ser a mais adequada às possibilidades momentâneas
daquela pessoa, incluindo-se aí tanto a normalidade como a patologia” (p.144).
E ainda, Frankl (1991), no seu livro Em busca de sentido, também
recoloca a liberdade como principal condição do ser humano e a chama de
liberdade espiritual. O autor descreve ter observado que a despeito da apatia
que abalava os internos dos campos de concentração alemães na Segunda
Guerra, as pessoas eram capazes de conservar, mesmo em situação de
extrema tensão psíquica e física, vestígios de liberdade espiritual e de
independência mental. O autor acredita que o homem exerce a sua liberdade
quando se posiciona diante das condições que a vida lhe impõe, dos seus
instintos e das suas características herdadas. Rogers (1977) assim expõe essa
idéia:
Todas as escolhas do ser humano são consideradas expressões
da busca pela auto-realização, pelo crescimento integrado. A
plenitude pessoal, adequada em termos tanto do indivíduo como
da sociedade e da espécie, não é um movimento induzido de fora,
e sim uma característica inseparável da existência; contudo, para
que esta plenitude seja alcançada pelo organismo, requer certas
condições básicas no ambiente em que se concretiza. Quando
estas circunstâncias externas estabelecem ameaças e imposições
33
ao eu, a prioridade de defender a integridade deste eu leva o
indivíduo a falsear ou negar internamente a sua realidade
vivenciada, a reprimir sentimentos e desejos percebidos como
incompatíveis com a satisfação de necessidades básicas (Rogers
& Rosenberg, 1977, p.12).
Esse processo pode ser mais bem compreendido ao tratar-se do
desenvolvimento emocional inicial, pois Rogers considera que a criança possui
um sistema inato de motivação (tendência atualizante) e um sistema inato de
controle (processo de avaliação organísmica) que permitem a avaliação
contínua de suas experiências e a atribuição de um caráter negativo àquelas
contrárias à totalidade do ser.
Sua experiência é acompanhada de um processo contínuo de
avaliação. Esta avaliação pode se denominar “organísmica”,
que é a tendência atualizante que lhe serve de critério. Atribui um
valor positivo às experiências que percebe como favoráveis à
preservação e à valorização do organismo; e atribui um valor
negativo às experiências que percebe como contrárias à
preservação e à valorização do organismo totalidade do seu
ser) (Rogers & Kinget, 1975, p. 196).
Desse modo, a experiência e a realidade exterior na criança não estão
34
separadas, pois “percebe sua experiência como sendo a realidade. Sua
experiência é sua realidade(p.196). Portanto, não simbolização tampouco
atribuição de significados, a criança está baseada, fortemente, numa avaliação
organísmica, enriquecida ou deturpada segundo outros fatores importantes,
como, por exemplo, a consideração positiva (condicional ou incondicional) que
adultos significativos podem vir a ter em relação a ela. Rogers (1959; 1975)
considera que o bebê humano, em condições naturais, nasce num estado de
congruência, ou seja, vive o fluxo de sua experiência imediata, sem distorções
e tem como critério único a tendência atualizante, no entanto, num grau de
funcionamento psicológico rudimentar - que é esperado nessa etapa de seu
desenvolvimento. Gradativamente, porém, seu desenvolvimento global se torna
mais complexo e, em consonância com a “tendência à diferenciação” (que se
constitui como um aspecto da tendência atualizante), uma parte da sua
experiência começa a se diferenciar durante a interação com o ambiente,
principalmente, com pessoas significativas, e inicia-se, assim, uma
configuração coerente de experiências em fluxo contínuo, potencialmente
disponíveis à consciência: o self (eu).
O desenvolvimento do self ocorre num contínuo que se inicia com a total
dependência do bebê em direção à autonomia do adulto, e essa singularização
da experiência vai ocorrer gradualmente. Rogers (1977) refere-se a uma etapa
desse processo cuja experiência de si mesmo ocorre ao diferenciar-se do
outro, como a criança que está se percebendo e se diferenciando, mas precisa,
igualmente, de aceitação e de reconhecimento de sua diferença por parte da
pessoa que lhe é significativa. Nesse momento, um segmento da experiência
se diferencia e é simbolizado; essa tendência à diferenciação, que todo ser
35
humano possui, caracteriza-se como o desenvolvimento da capacidade de
diferenciar o ‘eu’ e o ‘tu’ (Rogers & Rosenberg, 1977).
O desenvolvimento do self é, portanto, resultado da tendência à
diferenciação que ocorre quando um “certo segmento da experiência se
diferencia e se simboliza na consciência” gerando a experiência do eu, que
significa a “consciência de existir e de agir enquanto indivíduo”. Em decorrência
da interação entre organismo e meio e da crescente consciência de existir,
forma-se a noção do eu, que “enquanto objeto da percepção, faz parte do
campo da experiência total” (Rogers & Kinget, 1975, p. 196/197). Dessa forma,
à medida que o self se constrói, o indivíduo passa a desenvolver uma
necessidade de consideração positiva por parte de seus pares significativos, o
que justifica a importância que a atitude de aceitação positiva incondicional dos
pais à experiência de seu bebê tem nas etapas precoces de seu
desenvolvimento, pois permite a validação da experiência do bebê pelo seu
organismo, apreendido pela sua tendência atualizante. Por sua vez, quando a
criança experimenta essa incondicionalidade precocemente, pode desenvolver
um self menos rígido e não depender tanto da consideração positiva
(condicional ou incondicional) dos seus pares significativos, e passa a confiar
mais em suas próprias experiências, mediadas por um ambiente facilitador e
baseadas na tendência atualizante inerente a ela.
A compreensão do funcionamento do self na Abordagem Centrada na
Pessoa faz-se mister para esta pesquisa de processo de mudança psicológica
significativa, pois é um determinante do modo de ser do indivíduo, considera
Rogers (1947). Assim, por meio das vivências experimentadas no campo
fenomenal de uma pessoa, ocorreriam os diferentes graus de acesso ao
36
mundo consciente, podendo ser distorcidas ou mesmo bloqueadas, o que
indica que as pessoas não reagem aos fatos em si, mas às suas percepções
sobre eles, ou seja, self é o conjunto de percepções e de valores que a pessoa
constrói sobre si mesma, sobre suas relações consigo, com os outros e com o
mundo a partir das simbolizações ou significações que fazem das suas
experiências, por isso o self é mutável e está sujeito a constantes alterações
(Rogers & Kinget, 1975). Rogers não faz distinção entre os conceitos de
simbolização e significação, pois considera que o processo de simbolização de
uma experiência consiste em imprimir-lhe um significado pessoal.
A incongruência, no ser humano, por exemplo, ocorre quando
discrepância entre a vivência organísmica e a estrutura de self; pois, quanto
maior o grau de discordância entre a vivência organísmica e a assimilação
desta por meio da estrutura do self, maior será o estado de desequilíbrio e o
desajuste psicológico, pois as experiências são sentidas como ameaçadoras.
Também, quanto maior a congruência entre a vivência do seu organismo e o
conceito que tem de si mesmo, maior o grau de simbolização correta das suas
experiências e maior o grau de integração. Dessa forma, quando o organismo
está saudável ou congruente, o tempo de simbolização ou significação
adequada é quase o mesmo da vivência, e ocorre a auto-atualização no
organismo da pessoa como um todo, e a experiência é incorporada ao self de
forma não deformada (Rogers, 1959; Rogers & Kinget, 1975).
Cabe apontar que ‘experiência’ refere-se a tudo o que é vivido no
organismo e está potencialmente disponível à consciência e essa experiência
ao se tornar consciente é passível de simbolização, pois lhe o atribuídos
significados (Rogers & Kinget, 1975). Neste estudo, ‘experiência’ está sendo
37
considerada um sinônimo de campo fenomenal ao abranger também
fenômenos que não são puramente conscientes. Shlien (1977) aponta que
campo fenomenal é tudo o que é vivenciado ou experimentado por uma pessoa
num dado momento, quer as experiências captadas sejam conscientes ou não
e como elas serão captadas, depende das características do self da pessoa.
dois tipos de processos organísmicos que ocorrem no campo fenomenal: 1)
os das experiências e sensações e 2) o do self ou dos símbolos e conceitos.
Nas formulações teóricas enunciadas em 1959, Rogers define
consciência como a representação ou a simbolização de uma parte da
experiência vivida. Entende-se, assim, consciência, como um processo de
simbolização das experiências vividas e, não, como um locus ou entidade
psíquica, até porque o organismo é concebido como um todo integrado e
tornar-se consciente de algo implica, necessariamente, a construção de um
dado subjetivo, portanto, simbolizado. Essa simbolização pode apresentar
graus variados de intensidade e, quando uma experiência é susceptível de ser
significada sem nenhuma dificuldade, isto é, sem ser deformada pela ação das
forças defensivas, diz-se que está acessível ou disponível à consciência.
diferentes níveis para o reconhecimento da própria experiência,
reconhecidos no grau de integração ou de congruência da pessoa. Os seus
extremos são a ocorrência da experiência junto ao ato do seu reconhecimento,
por conseguinte, a pessoa é a própria ação, e o oposto é a pessoa estar tão
distante de sua experiência que não a reconhece em nenhum momento. Na
relação é que a fala autêntica surge, pois há um fluxo de rompimento de
silêncios e aproximações cada vez mais sucessivas à sua experiência e à sua
intencionalidade. Mas para tal, o psicoterapeuta também deve ser autêntico
38
para permitir esse fluxo experiencial de integração entre experiência,
consciência e comunicação. Nesse processo, podem ocorrer bloqueios entre
um plano e outro, o que impede a autenticidade, por exemplo, quando a
experiência (sentimento/ vivência) não condiz com a consciência (pensamento/
reconhecimento), tende a negar ou distorcer essa experiência para manter seu
auto-conceito ou self preservado.
Assim, é o auto-conceito ou self que permite à experiência fluir para a
consciência; se o self for flexível (processo interno), a pessoa não precisará
distorcer a própria experiência. o grau de fluidez ou bloqueio da consciência
para a comunicação é o grau de necessidade de consideração do outro ou de
preservação da auto-imagem. No caso de um intercâmbio direto entre a
experiência e a comunicação, excluindo o plano da consciência, ocorre a
intuição (Rogers, 1978).
Um modo simplista de considerar o conceito de autenticidade ou
congruência de Rogers (1961/1997) é entendê-la como o emparelhamento
entre experiência, consciência e comunicação. No entanto, a experiência deve
ser compreendida, não como uma entidade estática a ser descoberta pela
consciência e expressa por meio da comunicação, mas sim, que experiência,
assim como consciência e comunicação, determinam-se e transformam-se
mutuamente, que são intersubjetivas. Quando a experiência é comunicada,
é transformada pela própria comunicação, a proximidade à experiência a
mobiliza e a transforma, o que permite um fluxo de novas experiências. Nesse
sentido, a fala autêntica não é aquela que revela tudo de alguém, mas sim, a
instrumentaliza para viver esses três níveis internos de forma congruente e
fluida. Amatuzzi (1989) descreve que a autenticidade é a atualização de um
39
potencial, por meio do qual o psicoterapeuta se transporta por inteiro “para um
nível superior de complexidade e funcionamento” (p.122), no qual há uma
integração entre experiência, consciência e comunicação. A partir dessa
atitude, o psicoterapeuta pode propiciar que o cliente se aproxime de sua
própria autenticidade e, assim, de seu processo experiencial de crescimento.
Para Rogers (1961/1997), a pessoa plena vive esses processos internos
como uma unidade e eles estão, constantemente, em processo de atualização.
A fala autêntica consiste, pois, em efetuar a atualização do estar sendo da
pessoa e, não, de revelar o que existia anteriormente. A fala autêntica é,
assim, integradora, pois liberta o potencial criador e transformador frente ao
mundo, e possibilita a expansão e continuidade fluida do viver, em contraste a
um viver estagnado. Sob esse contexto, proporcionar a fala autêntica gera um
processo de atualização e de crescimento pessoal, e tal é a função da ajuda
psicológica.
Como, a partir dessa compreensão teórica, o psicoterapeuta centrado na
pessoa pode ser efetivo e como ocorre o processo de mudança psicológica
significativo? Pode-se apontar que um elemento facilitador é dispor-se ao
cliente de forma empática, aceitadora e congruente - no sentido de
possibilitar-lhe um espaço de reconhecimento de si mesmo, das características
do seu funcionamento psicológico em relação ao mundo, às pessoas e consigo
próprio; pois quando a pessoa conscientiza-se de suas características de self e
reencontra-se com as vivências de seu campo fenomenal pode alcançar um
estado de maior congruência, em conseqüência da integração desses pólos -
por meio da simbolização adequada desses aspectos na sua consciência.
Rogers (1951) afirma que ansiedade e tensão surgem em decorrência de uma
40
situação de incongruência entre o campo fenomenal de uma pessoa e seu self;
a angústia é um estado psicológico mais elaborado, pois envolve um certo
grau de simbolização a respeito da ansiedade vivida, ou seja, angustiar-se é
dar-se conta da incongruência, o que possibilita a não emergência de sintomas,
que estão mais bem associados a uma tensão ou à ansiedade básica, não
compreendida pela pessoa, mas desencadeada pelo organismo para fazer
frente a algo que contraria a tendência atualizante. Desse modo, a ansiedade e
a angústia são fundamentalmente importantes como um aspecto motivacional
para que a pessoa busque e aceite a ajuda psicológica.
1.5 Plantão Psicológico: uma apresentação e algumas reflexões.
As primeiras práticas clínicas denominadas Plantão Psicológico
iniciaram-se em 1969, sob a orientação de Rachel Rosenberg – colaboradora e
amiga de Carl Rogers que, na ocasião, coordenava o Serviço de
Aconselhamento Psicológico (SAP) na Clínica Psicológica da USP. Naquela
época, a prática do plantão consistia em oferecer uma atenção diferenciada, na
recepção, aos clientes que procuravam pelo atendimento psicológico
tradicional no Serviço de Aconselhamento.
O plantão psicológico originou-se, portanto, como uma prática
institucional que objetivava o atendimento à demanda emocional emergencial
dos clientes, praticada por plantonistas disponíveis e qualificados, e que
funcionava, em geral, numa sessão única, com possibilidade de um ou mais
retornos, conforme a necessidade do cliente e as normas de funcionamento do
serviço em que se inseria (Cury, 1999). Ancona-Lopes e Cols (1995) afirmam
41
que esse tipo de atendimento tem como característica principal a
disponibilidade sem considerações prévias e a capacidade do psicólogo para
compreender a demanda de uma pessoa angustiada que busca ajuda para
lidar com suas dificuldades e sofrimento. Essa pessoa, ao ser compreendida a
partir da relação intersubjetiva que estabelece com o plantonista, experiencia
um ambiente de segurança que opera de maneira a facilitar a abertura a novas
possibilidades de autocompreensão a partir de uma relação dialógica.
A partir da década de 70, alguns psicólogos humanistas, liderados pela
psicóloga Dra. Rachel Rosenberg, começaram a desenvolver reflexões acerca
da teoria e da prática do plantão psicológico e, assim, pesquisas foram feitas a
partir da implantação de Serviços de Plantão Psicológico na Universidade de
São Paulo, o que contribuiu para o embasamento teórico-prático dessa
modalidade de atenção psicológica em instituições. Tassinari (2003) aponta
que o plantão psicológico pode ser visto como um desdobramento da ACP,
pois, como prática psicológica, conserva as características da Psicoterapia
Centrada na Pessoa e dos Grupos de Encontro.
Assim, cabe destacar os elementos que evidenciam uma afinidade entre
a prática do plantão psicológico e os pressupostos teórico metodológicos da
Abordagem Centrada na Pessoa desenvolvida por Rogers:
atenção ao impulso sutil, mas sempre existente, em direção ao
crescimento e à saúde psicológica. A psicoterapia nada mais é que a ajuda
para a liberação do cliente em sua busca natural para o crescimento e para o
desenvolvimento das suas próprias potencialidades;
maior ênfase aos aspectos afetivos e existenciais, que são muito mais
42
potentes que os intelectuais. Maior ênfase ao material trazido pelo cliente e à
sua situação imediata do que ao passado;
grande ênfase no relacionamento psicoterapêutico em si mesmo, que
constitui um tipo de entidade orgânica que se forma a partir do encontro entre
psicoterapeuta e cliente e que, em si, traz força para a experiência de
crescimento de ambos.
A modalidade de plantão psicológico, desenvolvida a partir dos
pressupostos da ACP, foi concebida pelos colaboradores de Rogers a partir
dos seguintes princípios norteadores:
o plantão psicológico apresenta-se como uma alternativa às
intervenções clínicas tradicionais, emergiu a partir de uma percepção da
necessidade de ampliação dos serviços disponibilizados à população e,
ainda, como um questionamento em relação aos modelos padronizados
de atenção psicológica vigentes nas instituições de saúde (Mahfoud,
1987);
essa modalidade também atende a uma gama bastante ampla de
demanda - ainda que não seja esse o objetivo - que o foco se define
pelo referencial do próprio cliente; além de criar um espaço para as
pessoas, muito mais do que para os problemas, o que promove, assim,
a consciência de si mesmas e da realidade, e as leva a ter
conhecimento dos diferentes recursos disponíveis (Mahfoud, 1987);
nasceu de uma concepção preventiva a partir do pressuposto de que se
pode evitar a cronicidade de uma dificuldade psicológica circunstancial
43
com o oferecimento de uma atenção de caráter emergencial a qual
privilegie a demanda emocional imediata e a busca espontânea por
ajuda. Esse ponto vem corroborar também a convicção de que nem
todas as pessoas que buscam os serviços psicológicos,
necessariamente, precisam submeter-se a um processo longo de
psicoterapia para beneficiar-se do tratamento (Cury, 1999).
No caminho rumo à sistematização do Plantão Psicológico no Brasil -
que surgiu ao final da década de 80, Mahfoud (1987) discorre em um capítulo
da obra Aconselhamento Psicológico na Pessoa sobre os três pilares de
sustentação de um Serviço de Plantão Psicológico:
A expressão plantão está associada a certo tipo de serviço
exercido por profissionais que se mantêm à disposição de
quaisquer pessoas que deles necessitem, em períodos de tempo
previamente determinados e ininterruptos. Do ponto de vista da
instituição, o atendimento de plantão pede uma sistematicidade
do serviço oferecido. Do profissional, esse sistema pede uma
disponibilidade (nem um pouco remota) de que o encontro com o
cliente seja único. E, ainda, da perspectiva do cliente significa um
ponto de referência, para algum momento de necessidade (p.75).
Cury (1999), em outro estudo que descreve uma experiência de
implantação de um Serviço de Plantão Psicológico num serviço universitário de
Psicologia, mais especificamente no contexto da clinica-escola da PUC-
Campinas, sistematiza a experiência do plantão para aqueles que se
44
responsabilizam por sua efetivação institucional. Para tanto, utilizou-se de uma
metodologia fenomenológica para analisar depoimentos de estagiários,
supervisores e funcionários. A experiência vivida e os resultados sugerem que
o Plantão Psicológico representa uma flexibilização em relação às formas de
atendimento clínico oferecido à população, pois diminui as listas de espera
junto ao serviço de triagem da própria clínica, e pode levar também a uma
economia para o sistema, à medida que promove encaminhamentos internos e
externos. De maneira geral, proporciona, efetivamente, uma relação de ajuda
suficiente a quem recorre a ele, pois, “(...)os clientes beneficiam-se da
oportunidade de um atendimento psicológico que se configura no momento em
que uma demanda emocional, diminuindo o nível de ansiedade e
viabilizando o surgimento de recursos pessoais para a busca de soluções para
a problemática vivida” (p. 128/129).
Deve-se esclarecer também que o plantão psicológico não foi proposto,
necessariamente, para atender a emergências psiquiátricas, embora também
possa ser destinado a instituições e serviços de psiquiatria, tampouco se
destina a fazer triagem ou diagnóstico; ele é uma modalidade que oferece
intervenção e prevenção psicológica. Em um Serviço de Plantão Psicológico, a
ação do psicólogo é efetivamente terapêutica, e suas intervenções dependem
da necessidade e da motivação interna do cliente, cujas queixas podem variar
em complexidade e podem ir desde a necessidade de esclarecimento de
dúvidas sobre questões simples ou informais (por exemplo, sobre como
funciona o plantão) a a sentimentos de angústia, manifestações de
ansiedade, desespero, culpa, dentre outros. Salienta-se que o plantonista que
se orienta por uma abordagem humanista ou existencial não tem a intenção de
45
“livrar” a pessoa desses sentimentos, mas de apontar o sentido que estes têm
para ela naquele momento.
Quando uma pessoa integra elementos que estavam fragmentados
dentro de si, gera uma mudança psicológica que a leva a compreender melhor
a si mesma e a sua situação. Portanto, quando o cliente não tem a finalidade
apenas de obter uma informação, o plantonista terá como objetivo promover
um novo olhar acerca de sua questão psicológica. Assim, ambos poderão
pensar o próximo passo num sentido que pode ser um movimento psicológico
sem direcionamentos para mudanças comportamentais, ou mesmo, atitudes a
serem tomadas, como iniciar uma psicoterapia, fazer um acompanhamento
psiquiátrico, procurar outro profissional ou serviço que possa auxiliar o cliente
naquele momento, ou ainda, fazer uma mudança ou uma decisão necessária
na sua vida. O primordial nessa relação dialógica é dar sentido à angústia - ou
a outro sentimento - emergente de quem buscou por essa ajuda psicológica.
Para tal, o plantonista não se foca na queixa, mas adota uma atitude relacional
com aquela pessoa que está diante dele e, a partir dessa relação, surgem as
simbolizações ou significações. Essa atitude do plantonista permite ao cliente
colocar-se diante da mesma questão que o trouxe ao plantão de forma
diferente, ao indicar-lhe um movimento ou mudança psicológica e, comumente,
ao promover nele o alívio psicológico.
Nesse sentido, Chalom e cols. (1999) relataram a experiência de
implantação de um Serviço de Plantão Psicológico num projeto chamado
Esporte-Talento, realizado por estagiários do SAP do Instituto de Psicologia da
USP, durante três meses. Esse projeto Esporte-Talento era ligado à Fundação
Ayrton Senna e visava a promover a educação por meio do esporte a crianças
46
entre 10 e 16 anos que residiam nas proximidades da Cidade Universitária.
Como o corpo técnico desse projeto havia encontrado dificuldades em lidar
com algumas situações do cotidiano desses jovens, recorreu-se à equipe de
psicologia da USP. Esta se definiu pela modalidade de atendimento de plantão
psicológico, que ocorria, uma vez por semana, por estagiários do 5º ano de
psicologia, os quais recebiam supervisão no dia seguinte. Compreendeu-se a
partir dessa prática que:
O que define o plantão não é propriamente a queixa, que essa
pode variar muito, mas é a maneira de lidar com esta enquanto
sintoma de uma demanda, cujo esforço de compreensão é feito
na medida em que interesse ao cliente. Um plantão pode ter uma
função iniciadora de um processo maior reveladora/organizadora
de uma problemática. Pode ser também um local no qual a
angústia pode ser expressa e acolhida; sobretudo o plantão é um
processo com começo, meio e fim (p.180).
Como descrito anteriormente, a modalidade de plantão psicológico é
considerada um atendimento psicológico que se completa em si mesmo, ou
seja, ele pode ser caracterizado como um processo com começo, meio e fim, e
tanto plantonista como cliente devem saber da possibilidade de o encontro ser
único, no entanto, a questão do limite passa a ser por si reorganizadora, o
que pode gerar uma modificação interna nos participantes do encontro
(Tassinari, 2003; Cautella, 1999; Chalom e cols, 1999).
47
O estudo realizado pela pesquisadora, que resultou em uma Dissertação
de Mestrado (Palmieri, 2005; 2007) sobre um Serviço de Atenção Psicológica
destinado aos funcionários de um hospital geral, sugere que o atendimento de
plantão visa a levar a pessoa a entrar em contato, naquele momento, com seu
fluxo vivencial e psicológico, pois lhe oferece apoio, compreensão e
conscientização desses elementos significativos por meio das atitudes de
empatia, aceitação e autenticidade. Os clientes apontaram que o atendimento
de plantão psicológico proporcionou-lhes a sensação de maior perspectiva e de
liberdade de escolha sobre suas vidas, o que indica que esse atendimento atua
a partir dos recursos internos existentes na pessoa, como seu potencial de
autonomia e de auto-direção. Nesse sentido, o plantonista deve ausentar-se da
função de conduzir ou de orientar uma decisão, que esta deve ser da própria
pessoa.
Considera-se, assim, que, num curto espaço de tempo, é possível
proporcionar a livre expressão de problemas ou de questionamentos e a
atribuição de sentido àquilo que foi posto. Dessa forma, o plantão psicológico
não visa somente a um alívio imediato da tensão psicológica, mas busca
promover ao cliente maior compreensão de si e de sua situação de forma
relacional. Rogers (1951) aponta, nesse sentido, que a atitude do psicólogo é a
de reconhecer a capacidade de significação que a pessoa possui, ao permitir-
lhe, de forma construtiva, manejar todos os aspectos da sua vida que,
potencialmente, possam vir a ser reconhecidos pela sua consciência.
Assim, essa modalidade vai ao encontro do posicionamento que
considera válida e respeitável a opinião de que o psicodiagnóstico surge no
decorrer do processo psicoterapêutico; constitui-se em uma das formas de
48
compreender o cliente, e o, como pré-condição para o início do atendimento.
Desse modo, o que é considerado importante para a efetividade da ajuda
psicológica é verificar se as condições que se têm a oferecer a cada pessoa
em particular são adequadas às suas necessidades (Eisenlohr, 1997).
Rogers (1957/1995) já enfatizava essa proposta de atendimento clínico
no artigo As condições necessárias e suficientes para a mudança terapêutica
de personalidade”, cujo original é de 1957:
Não está proposto que é necessário para a psicoterapia que o
terapeuta tenha um diagnóstico preciso sobre o cliente. Aqui,
novamente, perturba-me sustentar um ponto de vista tão
contraditório ao de meus colegas clínicos. Quando se pensa na
grande quantidade de tempo gasto em qualquer centro
psicológico, psiquiátrico, ou de higiene mental com avaliações
psicológicas exaustivas sobre o cliente ou paciente, conclui-se
que elas devam servir a um propósito importante, no que
concerne à psicoterapia. No entanto, quanto mais tenho
observado terapeutas e quanto mais próximo tenho estado do
estudo de pesquisas como a de Fiedler e outros, mais sou forçado
a concluir que este conhecimento diagnóstico não é essencial à
psicoterapia (p. 174).
Rogers (1987/1942), ao realizar entrevistas de demonstração, aponta
para a possibilidade de que um único encontro possa ser significativo para
49
provocar mudanças positivas na vida das pessoas. Evidencia, assim, sua
crença no poder transformador da escuta atenciosa, não-diretiva, centrada no
cliente, confiante na tendência atualizante e na possibilidade de ela ser
estimulada, mesmo por meio de um único encontro com um profissional, desde
que este possa oferecer sua presença inteira, através de atitudes facilitadoras
(Rogers, 1995/1957). O autor salienta que:
Se atendermos à complexidade da vida humana com olhar justo,
temos que reconhecer que é altamente improvável que possamos
reorganizar a estrutura da vida de um indivíduo. Se pudermos
oferecer este limite e nos abstivermos de desempenham o papel
de Deus, poderemos oferecer um tipo muito preciso de ajuda, de
esclarecimento, mesmo num curto espaço de tempo. Podemos
permitir ao cliente que exprima seus problemas e sentimentos de
forma livre, e deixá-lo com o reconhecimento das questões que
enfrenta (Rogers, 1987/1942, p.207/208).
Esse posicionamento de Rogers (1957/1995) é confirmado por Barret-
Lennard (1962) que concluiu, em uma das suas pesquisas, que os clientes
melhoraram à medida que percebiam que seus psicoterapeutas eram
compreensivos, congruentes, positivos e incondicionais em relação a eles.
Destaca-se, ainda, a problemática acerca de o trabalho do plantonista
distinguir-se do atendimento psicoterapêutico convencional relacionada à
consideração de que a psicoterapia abrange um processo no qual a pessoa,
50
que busca ajuda, consegue tomar consciência de uma área mais ampla e
profunda da sua natureza e circunstância, enquanto que o plantão psicológico
não promoveria essa consciência profunda de si. No entanto, segundo os
autores estudados neste trabalho, as opiniões divergem, mas convergem no
aspecto em que as diferenças claras entre os dois tipos de atendimento são a
estruturação e os objetivos, que o plantão psicológico rompe com
parâmetros estabelecidos nos modelos clássicos de atendimento psicoterápico,
pois estes primam pela longa duração do processo e pelos horários pré-
estabelecidos, enquanto, nessa modalidade de atendimento, relativamente
nova, a aproximação do plantonista em relação à diversidade do sofrimento
psíquico de todos a quem atende.
Apesar de inúmeras pesquisas, como as mencionadas anteriormente,
apontarem resultados positivos quanto à eficácia do serviço de plantão
psicológico, ainda questionamentos acerca dessa questão. Furigo (2006) e
Halpern-Chalom (2001), pesquisadoras dessa modalidade de atendimento
clínico, apontam questionamentos em relação ao que levaria as pessoas, em
um espaço de tempo tão curto, desencadearem mudanças após serem
atendidas na modalidade de plantão psicológico. Ainda não um consenso
quanto à deflagração do processo de mudança, à retomada à tendência
atualizante da pessoa, a como ocorre o vínculo psicoterapêutico em uma única
sessão, no que consistem as emergências psicológicas de quem procura por
um Serviço de Plantão Psicológico. Halpern-Chalon (2001) entende que essas
lacunas possam ocorrer pela não definição operacional de algumas situações
ou de vivências típicas e específicas dessa relação de ajuda, cujos referenciais
são comuns a quase todos os autores.
51
A maioria dos autores pesquisados aponta a atitude de acolhimento por
parte do plantonista como essencial para a eficácia dessa modalidade de
atenção psicológica, mas o que significa acolher numa intervenção
psicoterapêutica? Cordioli (1998) teve a intenção de desfazer o que considerou
um mal-entendido, ao afirmar que acolhimento pode ser confundido com “um
bom papo” para se chegar ao desabafo, ou ainda, “reforçar” a pessoa quanto
ao que pensa sem que haja uma interação da parte do plantonista para ampliar
a sua consciência, além de atribuir à atitude de “apoio” o sentido de não
contrariar aquela pessoa, que ela está supostamente em sofrimento
psíquico. Esse pode ser um dos motivos pelos quais a modalidade de plantão
psicológico possa ter sido “desvalorizada”, ou mesmo, ter sofrido
questionamentos quanto a sua eficácia (Furigo, 2006).
Na teoria de Buber (1923/2001), o acolhimento pode ser, efetivamente,
um tipo de cuidado autêntico, se firmado em solo existencial. A atitude Eu-Tu
que se configura em uma relação dialógica entre duas pessoas permite que se
reconheçam a si mesmas e, assim,, possam confirmarem-se mutuamente, ao
longo de um tempo e num espaço vivido.
No hospital onde foi desenvolvida a pesquisa de mestrado da
pesquisadora, os clientes buscavam ajuda para lidar melhor com as pressões
internas e externas que sofrem em decorrência do ambiente de trabalho e, às
vezes, recorreram ao Serviço de Plantão por curiosidade ou pelo desejo de
conversar com alguém de maneira mais livre e menos formal como se exige no
ambiente de trabalho (Palmieri, 2005, 2007). Deve-se considerar que uma
faceta difícil com a qual o psicólogo lida nos atendimentos de plantão
psicológico é que, a despeito do acolhimento oferecido e do empenho em
52
promover o alívio e a conscientização de elementos internos, nem sempre lhe é
possível determinar se, de fato, essa proposta foi alcançada, que a direção
dessa ajuda não pertence ao plantonista.
Halpern-Chalom (2001), cuja Dissertação de Mestrado teve como
questionamento o tipo de ajuda que o psicólogo pode oferecer, orientado na
busca de compreensão do sentido dessa prática profissional a partir das
abordagens fenomenológica e junguiana, afirma que se o cliente está ciente de
sua própria problemática e busca, tem a responsabilidade de decidir,
juntamente com o plantonista, como deseja encaminhar seu próprio processo.
A partir daí, faz-se o encaminhamento, que não é, necessariamente, a
indicação para a realização de algum tipo de trabalho psicológico.
A definição do fim do processo de plantão é, assim, o esclarecimento da
demanda da pessoa que procurou por esse atendimento, quanto à queixa, ao
problema e ao que foi ressignificado, mudando, ou mesmo, ampliando a
percepção da própria situação e da problemática em que ela se encontrava.
Nesse sentido, não resposta padrão, os plantões são pensados caso a
caso, mas sempre a possibilidade de indicação a psicólogos particulares,
cadastrados com o serviço ou da rede pública, os quais configuram uma rede
de apoio em saúde mental.
Ao finalizar este capítulo, acrescenta-se que o plantão psicológico é uma
modalidade que tem apresentado transformações e tem se adequado a cada
contexto no qual é implantado; sua prática e teoria têm se desenvolvido em
decorrência das experiências vividas e relatadas pelos profissionais-
plantonistas por meio de pesquisas. Constitui-se, assim, em um tipo de atenção
53
psicológica diferenciado que pretende satisfazer as exigências do homem
moderno, que vive constantemente desafiado a mudar e adaptar-se, muitas
vezes, à revelia de si mesmo. Além disso, o plantão psicológico ainda, mostra-
se rico em potencialidade, exatamente, por não assumir um contorno rígido e
permitir inserções interessantes quando aplicado a contextos e a pessoas
diferentes.
Para tanto, uma exigência maior quanto à formação do psicólogo
plantonista, uma vez que deve preparar-se para enfrentar situações
psicológicas permeadas pelo imprevisto e pela impossibilidade de um
planejamento tradicional que o contrato psicoterapêutico permite.
O que esperamos nós quando desesperados, e mesmo
assim, procuramos alguém? Esperamos, certamente, uma
presença por meio da qual nos é dito que o sentido ainda
existe” (Buber)
Capítulo 2: As contribuições de Martin Buber para a compreensão
acerca da Abordagem Centrada na Pessoa.
Percorrer as idéias de Carl Rogers - psicólogo fundador da Abordagem
Centrada na Pessoa (ACP) e tematizá-las à luz da filosofia de Martin
Buber, com o objetivo de contextualizar a Abordagem Centrada na Pessoa
(ACP), como uma abordagem fenomenológica e existencial sobre as relações
interpessoais, é o desafio a que este capítulo se propõe.
2.1 Interposições teóricas entre Carl Rogers e Martin Buber.
A relação psicoterapêutica é concebida por Rogers como uma relação
intersubjetiva que objetiva facilitar o crescimento psicológico do cliente e que
supõe também o desencadear de um processo de crescimento no terapeuta,
deve constituir-se como uma relação interpessoal significativa para ambos. A
Abordagem Centrada na Pessoa (ACP) compreende, como descrito neste
trabalho, que, para essa relação ser efetivada, necessidade de três atitudes
por parte do terapeuta - empatia, aceitação positiva incondicional e
autenticidade - a fim de favorecer um clima propício para um processo de
mudança psicológica no cliente. No entanto, para que esse clima facilitador
possa ser desencadeado, torna-se necessária a participação efetiva do
psicoterapeuta como pessoa, e não apenas o exercício do seu pape
55
profissional na relação. A concepção de relação psicoterapêutica sob essa
abordagem é que cliente e psicoterapeuta compartilham novos significados, e
ambos crescem apesar da diferença de papéis.
O filósofo alemão Martin Buber, por sua vez, entende o homem como
um ser-com-o-outro; concebe-o como situado diante da realidade em que vive
e do mundo em que está inserido. Nesse sentido, as atitudes do homem frente
aos outros homens, ao mundo e às coisas da natureza são concebidas como
duas posturas distintas e excludentes, caracterizadas como relações Eu-Tu e
Eu-Isso. O princípio da relação Eu-Tu constitui-se numa atitude de abertura
frente aos objetos do mundo, animados ou inanimados, humanos ou não-
humanos, materiais ou imateriais; é a atitude pela qual o homem se presentifica
e presentifica o outro, pois é uma atitude de reciprocidade e de confirmação
mútua. Já o princípio do Eu-Isso refere-se a uma atitude que permite ao
homem utilizar o outro como um objeto coisificado, é uma atitude coisificante. A
existência humana é construída pela alternância dessas duas atitudes, ambas
essenciais à vida (Buber, 1923/2001).
Devemos estar alertas ao equívoco de atribuir ao Tu, o significado
simplista de pessoa e ao Isso o significado de coisa, objeto (...)
muitas maneiras de Eu-Tu e o Tu pode ser qualquer ser que
esteja presente no face-a-face: homem, Deus, uma obra de arte,
uma pedra, uma flor, uma peça musical. Assim como o Isso pode
ser qualquer ser que é considerado um objeto de uso, de
56
conhecimento, de experiência de um Eu, Eu e Tu não aceita a
distinção familiar entre as coisas e pessoas (Von Zuben, p.38,
2001).
Buber faz uma diferenciação entre essas duas formas de existir, nomeia
a atitude Eu-Tu como uma relação, e a atitude Eu-Isso como um
relacionamento. Também empregou os termos diálogo; relação essencial; inter-
humano; encontro tuo; reciprocidade e encontro para designar o fenômeno
da relação (Eu-Tu).
Cury (1994) considera que se pode compreender a psicologia de Rogers
e a filosofia de Buber como convergentes a uma mesma postura face aos
relacionamentos interpessoais, ainda que o último seja um fenomenólogo
existencialista, e o primeiro, um psicólogo humanista que se reconheceu como
praticante da psicologia clínica de uma maneira fenomenológica, apesar de não
ter desenvolvido esse ponto, suficientemente, em seus textos teóricos. No
entanto, há algumas diferenças importantes, quanto às respectivas concepções
acerca das relações interpessoais, que merecem destaque. Para Buber, a
relação Eu-Tu é uma relação plena e genuína, portanto não ocorreria na
relação entre cliente e psicoterapeuta por causa da mediação de papéis.
Amatuzzi (1989), por um lado, no livro O resgate da fala autentica, explica que
a relação Eu-Isso para Buber é uma relação funcional, assim, embora possa
existir afeto na relação entre professsor-aluno e cliente-psicoterapeuta, essa
relação se constitui como Eu-Isso, por haver uma mediação como contrato de
pagamento, horário, regras institucionais e burocráticas. Por outro lado, aponta
57
que Rogers concebe a relação psicoterapêutica como o melhor exemplo de
relação Eu-Tu, pois pelo fato de haver a autenticidade do psicoterapeuta na
relação, defende que a psicoterapia se aproxima das relações pessoais,
portanto, quanto mais se aproxima da relação Eu-Tu, mais eficaz o é.
Corrobora esse ponto de vista a consideração de Buber (1923/2001) de que o
Eu de Eu-Tu existe em virtude do Tu, pois cada um deles existe na
relação, e não, fora dela. O autor também aponta as características dessa
relação, constituída de quatro aspectos essenciais e indispensáveis:
a reciprocidade: ao pronunciar Eu, recebe-se também Tu, o que exige
dos parceiros da relação uma dupla ação de mutualidade;
a presença: é o momento no qual ocorre a reciprocidade, com a
preservação da alteridade;
a imediatez: nada se interpõe, pois o Tu acontece na presença e, não,
na representação;
a responsabilidade: que é o nome ético para reciprocidade, que a
resposta autêntica ocorre nos encontros inter-humanos.
A despeito de enfatizar-se a relação Eu-Tu, pois é, a partir dela, que o
homem encontra o sentido mais profundo da sua existência, não se deve
considerar que a atitude Eu-Isso seja um modo de existir negativo ou inferior,
porque esse modo de existir também é uma das formas de o Homem
relacionar-se com o mundo e é, por meio do qual o Homem pode compreender
o conhecimento que a ciência e a tecnologia vêm agregando à humanidade.
Von Zuben (2001) esclarece que esse modo se torna fonte de mal, na medida
58
em que o homem deixa subjugar-se por esta atitude...deixando, enfim, fenecer
o poder de decisão e responsabilidade, de disponibilidade para o encontro com
o outro, com o mundo e com Deus (p.37).
Quanto à referência a Deus, Buber (1923/2001) descreve uma terceira
forma de existir a que denomina de Eu-Tu eterno, na qual Deus é o Tu eterno
com o quem o Homem pode relacionar-se de forma pessoal, e não conceitual
ou dogmaticamente. Para o Homem, o que é importante é a sua relação com
Deus, a principal implicação da concepção buberiana sobre o Tu eterno é que
não nos interessa saber nada sobre Deus, Tu eterno, para que possamos
entrar em contato do Ele e falar com Ele (Von Zuben, p.42, 2001). O meio de
vivenciar essa relação seria pela força do diálogo que faria do homem uma
pessoa livre e responsável diante de seu destino. No entanto, este capítulo não
abordará o terceiro modo de existir que Buber considerou, e sim, a elucidação
dos modos Eu-Tu e Eu-Isso, cuja diferença, segundo Buber (1923/2001) é
ontológica, pois enquanto atitudes humanas, as duas são autênticas.
Ao retomar as características da relação Eu-Tu, aponta-se que a
reciprocidade que Buber (1982) enfatiza como essencial, está presente na
relação psicoterapêutica que a ACP preconiza quando ocorre a autenticidade.
Buber (1923/2001) aponta que o fenômeno da resposta é fundamental à
relação, pois que sentido teria receber a palavra se não fosse para respondê-
la? É essa experiência que permite reciprocidade. a responsabilidade que
rege essa experiência é no sentido de responder ao apelo do dialógico, pois é
a aquisição do entendimento da verdadeira natureza das coisas ou das
pessoas que permite integrar-se a elas.
59
Buber (1982), no seu livro Do diálogo e do dialógico, distinguiu duas
formas da existência humana: uma que se define a partir do ser, e outra, do
parecer; nenhum Homem define-se, puramente, por um ou outro aspecto, mas
é importante considerar o que é predominante na pessoa. Em geral, estas duas
espécies apresentam-se sob a forma de uma mistura: deve ter havido poucos
homens inteiramente independentes da impressão que causavam aos outros,
mas provavelmente será difícil encontrar alguém que se guie exclusivamente
pela impressão que causa (p.141). Para o autor, o inter-humano ocorre
quando, entre duas pessoas, não se introduz nenhum jogo de aparência. Pode-
se estabelecer um paralelo com os conceitos de Self e Self ideal de Rogers
(1977) quanto à afirmação de Buber (1982) de que o Homem deve funcionar a
partir do ser, o qual chama de aparência genuína, mas assume que o Homem
não está livre do parecer, o que denomina de falsa aparência.
A maneira como o Eu coloca-se diante do outro é o que define o modo
de existir em cada momento ou situação (Buber, 1982) e, nesse sentido,
duas possibilidades: a de impor-se a alguém e a de propiciar abertura ao outro.
Para que haja a conversação genuína - inerente ao encontro inter-humano - é
necessário estar aberto ao outro, confiar na capacidade deste para o
crescimento, o que remete ao conceito de tendência atualizante que Rogers
postulou (1961/1997) e também à aceitação positiva incondicional, pois, ao
querer impor-se denota a não-valorização do outro diante da sua
potencialidade, enquanto, na abertura ao outro, aconteceria o oposto. Cabe
ressaltar que na primeira e segunda fase da ACP, a atitude de aceitação
positiva incondicional pressupunha a abstração do psicoterapeuta dos seus
60
valores pessoais (redução fenomenológica), porém, na quarta fase, o
psicoterapeuta coloca-se na relação e comunica o que sente e pensa desde
que seja coerente com aquele contexto e de forma a contribuir para o
crescimento do outro.
Pode-se afirmar, assim, que o conceito de empatia de Rogers (1957) e o
de conhecimento íntimo de Buber (1982) - o qual pressupõe pessoalidade -
aproximam-se? Na segunda fase do pensamento de Rogers, por exemplo, cuja
ênfase estava nas atitudes do psicoterapeuta, não há similaridade, pois a
empatia está no psicoterapeuta; na quarta fase da ACP, em que se valoriza
a intersubjetividade (Cury, 1994), afinidade com esse pensamento, pois, a
partir dessa relação, surge a empatia mútua e não apenas a do psicoterapeuta
para com o cliente. Conhecimento íntimo a que Buber (1982) refere se é
possível quando se coloca, de forma elementar, na relação, pois não é
analítico; ressalta-se que a pessoalidade manifesta-se, na relação, a partir da
mutualidade e da intencionalidade. Esse aspecto mostra a importância de o
psicoterapeuta colocar-se na relação do modo o mais humano possível, ainda
que seja uma relação profissional em que um lado procura a ajuda do outro.
Von Zuben (2001) descreve essa atitude, sob a perspectiva de Buber:
Olhar profundo que parecia tocar a intimidade de seu interlocutor,
e que, contudo, sabia acolher na simplicidade e na fugacidade de
um diálogo. Uma presença autêntica emanava de sua pessoa, e a
profundeza de seu semblante residia na presença a si mesmo.
Exatamente por esta presença a si mesmo é que ele podia tornar-
61
se presente aos outros, acolhendo-os incondicionalmente em sua
alteridade (p.15).
Buber (1982) apresenta o conceito de tornar-se presente, ao referir-se à
atitude de perceber o outro em sua totalidade e concretude, quando o
diferencia de uma mera contemplação, assim como a atitude de empatia para
Rogers (1957), que ambas significam experienciar a relação por meio da
consciência do outro e de si próprio.
Buber (1982), a partir da sua teoria, ajuda a articular, teoricamente, a
prática e a evolução do pensamento de Rogers, principalmente, quanto à
quarta fase proposta (Cury, 1994). A primeira e segunda fase da ACP põem em
evidência as atitudes do psicoterapeuta, e a terceira fase é voltada à
experienciação do cliente; a quarta fase da ACP, por volta da década de 70,
considera que o psicoterapeuta não deve omitir-se dos seus valores - anuncia
a intersubjetividade como pilar deve ser autêntico e colocar-se na relação,
além de voltar-se para uma fase mais dialógica. Esta enfatiza não apenas os
valores do cliente, mas a intenção e os significados do que a pessoa está
expressando, o que significa criar possibilidades para ela a partir da presença
do psicoterapeuta. Dessa forma, na relação psicoterapeuta-cliente, o que é
relevante não é o método a que toda a situação deve submeter-se em vista de
seu esclarecimento, mas sim, o psicoterapeuta de um lado e o cliente de outro,
por meio do reconhecimento que, em certos momentos, o cliente, em sua
unicidade como pessoa, defronta-se na pessoalidade, também única, do
psicoterapeuta. Embora este não possa desvencilhar-se, completamente, de
seu papel profissional, deve saber em que momento colocá-lo de lado e tornar-
62
se presente no encontro - tornar-se presente é a própria confirmação mútua no
momento dialógico, e esta é dinâmica, pois um confirma o outro em sua
experiência que também é mutável e é, nessa presença, que permeia e surge o
que pode vir a tornar-se.
2.2 Processos psicológicos a partir de Carl Rogers e Martin Buber.
Amatuzzi (1989), no seu livro O Resgate da fala autêntica aponta que
uma das formas de alcançar uma psicoterapia bem-sucedida consiste em
aprender a falar, ou seja, uma queixa psicológica pode ser compreendida, de
forma mais ampla, quando uma pessoa ainda não consegue falar, de modo
significativo sobre si mesma, de modo pleno. Pode-se falar de algo que ainda
não se sabe, mas se sente, pois uma inspiração ou desejo dentro de si que
não consegue expressar-se de modo claro ou completo. É por meio da palavra
que o Homem introduz-se na existência, a fala autêntica é sempre dirigida para
o outro, surge como uma resposta àquilo que foi ouvido, nesse sentido, é
relacional e dialógica, pois nasce de um ouvir e, na esfera do inter-humano, ou
seja, na relação Eu-Tu (Buber, 1923/2001).
Como Buber concebe o diálogo? O autor valoriza o vivido da experiência
humana, em todas as suas manifestações, mais do que qualquer
sistematização conceitual. Dessa maneira, o diálogo ou a relação dialógica não
é um conceito ao qual ele chegou por vias de raciocínio dedutivo. No seu livro
Eu e Tu, Buber (1923/2001) esclarece que o encontro simplesmente acontece,
pois ele é essencialmente um evento. Para que surja o diálogo autêntico ou a
63
conversação genuína é necessário que os envolvidos na relação enxerguem-se
como realmente o são, o que implica um conhecimento íntimo do fato de que
ele é outro, essencialmente outro, e não eu; mas, ainda assim, constituindo-se
o modo de existir Eu-Tu, pois, nesse modo, não se conhece o outro do mesmo
modo que se toma conhecimento de um objeto. O dialógico é o desdobramento
do inter-humano que surge no face-a-face e na aceitação mútua; o oposto a
esse movimento dialógico, é o dobrar-se-em-si-mesmo, por meio da não-
aceitação de uma outra singularidade que não seja reconhecida como parte do
seu próprio eu.
Buber (1923/2001) não compreende o Homem como indivíduo, mas
como relação, o que pressupõe que, para conhecer o outro, é necessário
compreender os modos de existir Eu-Tu e Eu-Isso. Assim, a psicoterapia
poderá ocorrer a partir de um diálogo autêntico, em que o cliente não é objeto
da fala do psicoterapeuta, mas representa uma atualização das possibilidades
existenciais, e tal é possível no contexto de uma vivência relacional, que se
concretiza a partir da palavra. As falas inautênticas que Buber (1982) denomina
de palavreado - em oposição à conversação genuína - por terem grande
importância dentro de uma construção gramatical e de raciocínio, não são
descartadas do diálogo. Sem a fala inautêntica, não seria possível a fala
autêntica. Busca-se, na psicoterapia, não a eliminação do palavreado, mas o
resgate de falas autênticas com a conversação genuína, o qual aponta a
importância da relação e da escuta e ressalta que o sentido revela-se no
“entre”. Acrescenta-se que Heiddeger (2002) utiliza o termo tagarelice ou
falatório como diferenciação de uma fala autêntica. Nesse sentido, Buber
64
contribui com uma idéia tão importante quanto a disseminada nas psicologias
humanistas, fenomenológicas e existenciais: a possibilidade de se efetivar uma
relação próxima a que ele denomina de Eu-Tu, na qual as pessoas fazem-se
presentes por inteiro, fogem, assim, da hegemonia do racionalismo (Amatuzzi,
1989).
Mas como acontece o distanciamento da pessoa da sua experiência e,
assim, da própria autenticidade? Segundo Rogers (1977), desde a infância, a
pessoa pode deixar de expressar o que é verdadeiro no intuito de receber o
afeto das pessoas que lhe são significativas, como seus pais, por exemplo.
Com o passar do tempo, afasta-se tanto do seu self, que desaprende a olhar
para si e afasta-se, cada vez mais, de sua experiência. Desse modo,
desaprende a falar de modo pleno, o que significaria dar sentido às suas
experiências e, assim, permitir o lidar criativo. Rogers (1978) descreve esse
processo:
Cada pessoa aprende cedo na vida que tem mais probabilidade
de ser amada ao comportar-se de acordo com as maneiras que
são aprovadas pelas pessoas que lhe são importantes, do que se
seu comportamento for a expressão espontânea de seus próprios
sentimentos. Por isso, começa a desenvolver uma carapaça de
comportamentos externos, pela qual se relaciona com o mundo
exterior. Quando o individuo deixa cair parte de sua carapaça
defensiva, está na altura em que é mais vulnerável à verdadeira
solidão. Desenvolve-se assim um sentido profundo de alienação
dos outros, uma sensação de que, se alguém chegasse a
65
conhecer-me como realmente sou, por dentro, não poderia,
provavelmente, respeitar-me ou amar-me (p.108).
Para Rogers (1977), a experienciação é o grau de proximidade com o
núcleo vivencial, o acesso à experiência que é uma maneira de designar um
constructo, um nível vivencial, é o que está pronto. Nesse sentido, congruência
e experienciação equivalem-se. Ressalta-se que, ao entrar em contato com
uma experiência, esta já adquire significado e, quando se comunica essa
experiência a alguém, seu sentido também é alterado o que faz parte do
processo de simbolização.
Um dos caminhos para facilitar ao outro viver de modo autêntico pode
ser caracterizado como ouvir a si mesmo e, para uma pessoa aprender a se
ouvir, precisa antes de um outro que a tenha ouvido plenamente e a tenha
aceitado de forma incondicional. Quando uma pessoa que busca ajuda
psicológica sente-se aceita incondicionalmente, pode, aos poucos, aceitar-se
também e abrir-se a níveis cada vez mais profundos de experienciação - o
contato com a experiência pode ocorrer, se houver liberdade e ausência de
ameaças na relação. Sob esse contexto, o encontro psicoterapêutico deve
constituir um momento de abertura e, ao mesmo tempo, de desafio para que o
cliente reveja seus modos de ser no mundo e de dizer sua própria palavra; a
atitude de não-imposição permite ao outro fazer escolhas mais conscientes e
integradas com sua vivência, pois facilita o contato maior à experiência do
cliente e às suas forças de atualização (Amatuzzi, 1989).
66
Quando uma pessoa é capaz de dizer por si mesma quanto aos seus
sentimentos e pensamentos, dizer a sua palavra livre de convicções que lhe
foram impostas, um desencadeamento de novos atos e formas de relação
com o mundo. Amatuzzi (1989) complementa que esse olhar para dentro de si
mesmo deve vir acompanhado do olhar voltado, intencionalmente, para o
mundo, pois a palavra própria é intrínseca à tomada de posição frente ao
mundo.
Rogers (1977) considera importante, na relação de ajuda psicológica, o
encontro existencial, pois nele também ocorre a interpretação. Amatuzzi (1989)
refere-se a essa questão e afirma que a explicitação da experiência na
comunicação não a esgota e, sim, deixa um espaço aberto para sucessivas
interpretações a partir da relação. Pode-se entender que tal fato é a
interpretação da relação, que faz emergir o que o cliente propicia ao
pensamento e sentimento do psicoterapeuta, e vice-versa, quando estão juntos
na sessão. Nesse sentido, é, a partir da presentificação, que ocorre esse tipo
de relação na qual as interpretações de sentido surgem, quando o
psicoterapeuta considera o outro como um todo integrado e passa a reagir face
a ele como um todo integrado também. Dessa forma, Amatuzzi (1989) aponta
para um modo de interpretação que é o próprio ouvir, receber e acolher. É por
meio desse ouvir que nasce a resposta e o posicionamento do interlocutor, no
caso, o psicoterapeuta, e essa resposta suscita no cliente novos sentidos de
sua experiência, o que permite o processo de mudança psicológica. Ressalta-
se que é um tipo de interpretação que se num clima de reciprocidade, pois,
ao vivenciar a relação, é que surgem novos sentidos - sentidos estes que não
67
serão do psicoterapeuta, nem do cliente, mas um sentido construído no entre,
na relação.
Amatuzzi (1989), ainda, chama a atenção para o risco de cair na
intectualização ou na decifração se o psicoterapeuta tiver a intenção de
descobrir o oculto no outro. Assim, perdem-se o significado e a autenticidade,
distancia-se do sentido experiencial, pois o que o cliente fala é tomado muito
mais como objeto de análise do que como um tema existencial para a relação.
Evidencia-se que essa forma de interpretação é baseada numa ética que se
fundamenta na crença do potencial do outro para geração de novos sentidos e,
nesse sentido, não se pode escutar o outro literalmente, pois a expressão da
fala é uma procura, uma tentativa.
Buber (1982) afirma que o conhecimento íntimo torna-se possível
quando um dos envolvidos coloca-se de forma elementar na relação com o
outro e, assim, torna-se presença para o outro. Como descrito, Buber não
considera que a relação psicoterapêutica possa constituir-se numa
conversação genuína, já queuma diferenciação de papéis, o que propiciaria
uma desigualdade de posições e não permitiria uma plena mutualidade.
No entanto, Amatuzzi (1989) aponta que é possível aproximar-se desse
tipo de relação Eu-Tu, conforme Buber (1982) descreve, à medida que exista
uma presentificação e que o processo psicoterapêutico represente um
significado para o psicoterapeuta também.
A psicoterapia, assim, pode tornar-se uma relação Eu-Isso quando
ocorrem imposições e prescrições de como agir no mundo as quais distanciam
68
o cliente de sua própria experiência, pois, quando uma pessoa termina um
processo psicoterápico que o conseguiu aproximar-se da sua vivência,
posicionar-se-á perante o mundo e sua vida por meio de um mero palavreado.
“Não existe moral do fenômeno, existe a interpretação
moral do fenômeno” (Moustaka)
Capítulo 3: Delineando o caminho da pesquisa.
Esta pesquisa objetivou apreender, sob um ponto de vista
fenomenológico, o processo de mudança psicológica desencadeado nos
clientes a partir do atendimento de plantão psicológico. Para tanto, baseou-se
no arcabouço teórico da Abordagem Centrada na Pessoa (ACP) e dispôs-se a
trilhar um caminho iluminado por uma postura fenomenológica que demanda
algumas considerações.
A pesquisadora compreende o ser humano sob a visão de homem da
Psicologia Humanista, mais precisamente, da Abordagem Centrada na Pessoa
de Carl Rogers, na qual há a valorização do ser humano como sujeito
determinante no seu mundo de experiência. Nesse sentido, o uso de narrativas
insere-se como uma opção no contexto de um estudo de natureza
fenomenológica, pois permite compreender e interpretar a atenção psicológica
constituída pela modalidade de plantão psicológico, a partir da relação entre
pesquisadora-plantonista e cliente-participante como pessoas singulares em
relação à experiência vivida, e não, como objetos a serem estudados de
maneira objetiva.
Sob o ponto de vista de uma psicologia fenomenológica, Merleau-Ponty
(1945/1999) aproxima-se desse sentido, ao referir-se ao ser humano em
contato com o mundo, quando afirma que há sempre uma relação entre alguém
que percebe e algo que é percebido. Este filósofo francês, fenomenólogo-
existencialista, no excerto a seguir, enfatiza o Homem não como uma parte do
70
mundo, um objeto a ser investigado pelas diversas áreas do saber ou o
resultado de causalidades que o explicam; ao contrário, apresenta a
experiência vivida do Homem no mundo como a fonte absoluta do universo da
ciência:
Todo o universo da ciência é construído sobre o mundo vivido, e
se queremos pensar a própria ciência com rigor, apreciar
exatamente seu sentido e seu alcance, precisamos primeiramente
despertar essa experiência do mundo da qual ela é a expressão
segunda. A ciência não tem e não terá jamais o mesmo sentido
de ser que o mundo percebido, pela simples razão de que ela é
uma determinação ou uma explicação dele (...) Tudo aquilo que
sei do mundo, mesmo por ciência, eu o sei a partir de uma visão
minha ou de uma experiência do mundo sem a qual os símbolos
da ciência não poderiam dizer nada (Merleau-Ponty, 1945/1999,
p.3).
Entende-se, assim, que o conhecimento sempre deriva de algum tipo de
percepção, no entanto, para se transitar de acordo com os parâmetros
científicos, é necessário encontrar um método de pesquisa, que essa
proposta não se insere no referencial do pensamento racional conhecido.
Dessa forma, pode-se reconhecer a narrativa como um meio apropriado para
tal. Nesse sentido, Halpern-Chalom (2001) expressa que “a narrativa permite
que o episódio entre por um universo sem fronteiras nem direções conhecidas:
71
o mundo individual, tocado pelo coletivo (...) Um mundo que é único, singular,
pleno de significações e afetos, ao mesmo tempo em que é seguro, acolhedor
e coletivo. Pode propiciar o encontro com o si mesmo” (p.40).
Para que a Psicologia possa cumprir essa tarefa de desvelar,
cientificamente, o sentido das experiências inerentes ao seres humanos,
transformá-las em realidades descritivas, a Fenomenologia contribui ao
direcionar um caminho que possibilita ao pesquisador o acesso a essa
compreensão, por meio do enfoque a fenômenos subjetivos aos quais se
tem acesso a partir da experiência vivida. É através da análise fenomenológica
que se torna possível retornar ao vivido e ao sentido que nele está contido, a
partir das indagações do pesquisador. Assim, adota-se, nesta pesquisa, a
epistemologia fenomenológica, e, como estratégia metodológica, a construção
de narrativas, em busca da compreensão abrangente e integradora das
vivências dos participantes, ainda que incompleta, que se trata de um
processo intersubjetivo no qual permeiam os múltiplos sentidos que podem ser
atribuídos a uma experiência contada por outrem, no caso, pela psicóloga-
pesquisadora.
Não a intenção de obter generalizações - já que se propõe uma
metodologia fenomenológica -, mas sim, o estabelecimento de reflexões e
hipóteses a respeito das possíveis mudanças psicológicas significativas,
ocorridas a partir do atendimento psicológico clínico, denominado plantão
psicológico. Assim, foram construídas narrativas fictícias, inspiradas na prática
clínica da pesquisadora nos atendimentos de plantão psicológico, para ilustrar
os elementos psicoterápicos presentes no contexto de atendimento dessa
modalidade de atenção psicológica, considerada como uma prática clínica
72
diferenciada em relação à psicoterapia tradicional.
As narrativas construídas pela pesquisadora inspiraram-se na proposta
do filósofo Benjamin (1936/1994), que as define como uma forma artesanal de
comunicação, na qual se privilegia mais do que a verossimilhança do fato o
sentido próprio à pessoa ou à comunidade da qual emanou por meio da
recuperação da relação com o vivido. Dessa forma, o que se procura descrever
e compreender, psicologicamente, são os significados que emergem dos
atendimentos e, não, os fatos, nem cada cliente em particular, o que possibilita
que se efetive uma descaracterização de elementos identificatórios, de modo a
preservar o anonimato e o sigilo necessários, uma vez que as narrativas em
textos representativos dos atendimentos e, não, relatos de sessões.
Benjamin (1936/1994) ainda aponta que a narrativa é uma forma de
comunicação que não enfatiza a explicitação de informações ou fatos, como
um relatório objetivo, mas sim, a experiência relatada por uma pessoa e
recontada por meio da narrativa, e ainda, sugere a possibilidade de o leitor
interpretar, enquanto acompanha a história, que se esquece de si mesmo
nesse momento da leitura. Dessa forma, a esfera pessoal do vivido amplia-se
num intercâmbio intersubjetivo, pois é transformada, outra vez, em experiência
por quem ouve ou a história, que evidencia os múltiplos sentidos das
vivências humanas, assim como seu aspecto mutável e inacabado.
Nesse sentido, a partir de uma pesquisa realizada, Dutra (2002) aponta
a narrativa como “técnica metodológica apropriada aos estudos que se
fundamentam nas idéias fenomenológicas e existenciais” (p.37), que
possibilita a expressão da experiência, que pode ser da própria pessoa ou a
relatada por outro. Também Aiello-Vaisberg, Machado e Ambrosio (2003)
73
adotam a narrativa no contexto de uma clínica psicológica de caráter social,
sob um enfoque teórico winnicottiano, e consideram-na uma estratégia
metodológica que, no encontro inter-humano, provoca um intercâmbio de
experiências. Posteriormente, esse intercâmbio enseja elaborações teóricas
que se aproximam da vida humana concreta, transformam o viver, além de
permitir a interlocução favorável à produção do conhecimento.
Amatuzzi (1989), ao referir-se à relação psicoterapêutica, cita que, num
certo sentido, “ninguém interpreta ninguém, mas o que fazemos é interpretar a
nós mesmo em nossa relação com o outro. A interpretação do outro é, na
realidade, nossa resposta ao outro e, como tal, corresponde a uma definição de
sentido daquilo que ocorre em nós face ele (...)” (p.136). Portanto, parte-se do
pressuposto de que, para conhecer os elementos significativos de uma dada
experiência, é necessário posicionar-se diante da vivência de alguém - que é
subjetiva e constitui seu modo particular de existir e, para tanto, o
pesquisador assume a sua própria subjetividade.
A narrativa favorece acessar o mundo vivido pelo cliente-participante, o
qual não pode ser acessado diretamente, uma vez que se manifesta
acompanhado de significações, e permite, assim, a intersubjetividade entre o
cliente-participante - que comunica elementos da sua própria vivência - e a
psicóloga-pesquisadora - que apreende esses elementos por meio da relação
dialógica com ele, quando se deixa impressionar pelo que é significativo e
intencional na experiência das pessoas envolvidas na pesquisa.
Por fim, acrescenta-se que o uso das narrativas como método de análise
em pesquisas psicológicas refere-se a uma realidade não objetivante, ou seja,
não se propõe, nem interesse que seja definida como uma realidade em si.
74
A noção de realidade proposta pelas narrativas aproxima-se da concepção de
Rogers (1977) sobre a realidade vivida, de acordo com a qual não reagimos a
nenhuma realidade absoluta, mas à percepção que temos dela.
Husserl entende por fenômeno “tudo aquilo de que podemos ter
consciência, de qualquer modo que seja” (p.17), são como as “coisas”
apresentam-se ou manifestam-se, imediatamente, à consciência, portanto, o
estudo das significações das vivências da consciência é o objetivo da
fenomenologia husserliana. Esta pretende focalizar, pois, “não puramente o
ser, nem puramente a representação ou aparência do ser, mas o ser tal como e
enquanto se apresenta à consciência como ‘fenômeno’” (p.18). Por isso, diz-se
que a fenomenologia husserliana é pura, pois se propõe ao “estudo dos
fenômenos puros (...) o ser tal como se apresenta no próprio fenômeno (...)
fenômeno tal como se torna presente e se mostra à consciência” (Zilles, 2008,
p.17).
Quanto à consciência humana, Brentano (1973) - que foi
professor/mestre de Husserl conceitua como um lugar em que se cruzam
informações e no qual reside uma visão de mundo singular e não repetível para
cada ser humano. Husserl, por sua vez, descreve-a a partir de três sentidos: 1.
“como conjunto de todas as vivência, ou seja, como unidade”, 2. “como
percepção interna das vivências psíquicas, ou seja, o ser consciente” e 3.
“como vivência intencional” . Para Husserl, “a consciência é ‘uma corrente de
experiências vividas’” (Zilles, 2008, p.29).
Para acessar os fenômenos da consciência, é necessária a
intencionalidade - que é um modo de ser da consciência, uma característica
desta -, ou seja, dirigir-se a outro fenômeno que não é o próprio ato de
75
consciência, pois não existe consciência ou conhecimento puro . Por sua vez, a
intencionalidade conduz à redução ou epoqué, que pressupõe a “colocação
entre parênteses da realidade como a concebe o senso comum” (p.31), para
“suspender apenas o juízo em relação a esta existência” (p.33). “A
intencionalidade fenomenológica é visada de consciência e produção de um
sentido que permite perceber os fenômenos humanos em seu teor vivido”
(Zilles, 2008, p.29). Moreira (2004) acrescenta que a fenomenologia pretende
apreender as vivências intencionais da consciência, para assim, perceber o
sentido do fenômeno. Dessa maneira, com base nas idéias da fenomenologia,
caberia à Psicologia, enquanto ciência humana, desvelar a intencionalidade do
ser humano.
Além das características de intencionalidade e de redução
fenomenológica (representado pela époché) do método fenomenológico
adotado por Husserl, é necessária também a intersubjetividade. A pesquisa
fenomenológica em Psicologia - também conhecida como fenomenologia
psicológica - caracteriza-se pela consideração da experiência intencional, e o
fenômeno é o da relação/apreensão do ser humano com a realidade e, para tal,
é necessária a intersubjetividade para ensejar elaborações teóricas a respeito
do estar no mundo e dos significados que daí se constroem. A fenomenologia
é, assim, um modo de se pensar, um caminho que se abre para além do
funcionamento das coisas e busca um sentido mais profundo, um significado
que transcende a relatividade individual. Além disso, é um pensamento
passível de discussão e confronto, que não busca verdades imutáveis e
absolutas.
76
Husserl (1954/2008) aponta que a Psicologia não necessita das
diretrizes das Ciências Naturais e deveria propor outro caminho para se
compreender o sentido do ato humano, pois o autor se interessa em recuperar
o sentido da realidade para o ser humano, que acreditava que a ciência
estava esquecendo a importância desse questionamento. Desse modo,
procurou um caminho científico para se chegar a esse sentido, para pensar um
modo de refletir acerca da experiência comum e que apontasse como é essa
realidade que se apresenta ao ser humano. O problema para a ciência na
época foi que essa busca não poderia ser feita segundo o método
convencional, que implica a vivência do ser humano, a sua intencionalidade,
e não, uma associação de causas e efeitos observáveis.
Goto (2007), em sua pesquisa de doutorado, apresenta o pensamento
de Husserl no sentido da origem e desenvolvimento de um movimento que se
expandiu para diversas áreas do conhecimento, entre elas, a pesquisa
fenomenológica em Psicologia. Nesse sentido, vale destacar também que,
embora Husserl não estivesse refletindo sobre pesquisa quando desenvolveu o
método fenomenológico, pesquisadores acabaram utilizando alguns dos
principais conceitos dele a fim de elaborar uma metodologia de pesquisa.
Nesse sentido, ao desenvolver uma pesquisa teórica sobre a evolução das
formulações a respeito da Abordagem Centrada na Pessoa, Cury (1987) refere-
se ao termo fenomenologia psicológica como um método aplicado aos
problemas de cunho psicológico nos quais é possível explorar a consciência e
a experiência imediata atos, conteúdos, objetos e significados, a partir de
dados fenomenais - percepções, sentimentos, imagens, memórias, idéias,
dentre outros. Amatuzzi (2001) apresenta a pesquisa fenomenológica, como
77
uma pesquisa cujo “relato é tomado em sua intencionalidade própria e
constitutiva” (p.20), ou seja, não corresponde a algo pré-determinado, mas a
uma experiência intencional vivida.
Como mencionado, Husserl (1954/2008) afirma que, é por meio da
intencionalidade, que se unem realidade e Homem, pois um mundo se
houver uma consciência para atribuir-lhe significado, e a consciência é sempre
intencional e vinculada a um mundo a ser percebido. Buber (1923/2001), por
sua vez, que tende para uma fenomenologia existencialista, enfatiza a relação
quanto a essa questão, ao apontar que a intencionalidade não é algo que está
na consciência, mas algo que está entre a consciência e o mundo, assim como
a relação, a qual aponta como um evento que acontece entre duas pessoas, e
não se constituindo como propriedade do Homem.
A partir dessas considerações, ressalta-se que, para a ACP, a atitude
empática do clínico o leva a entrar em contato não somente com o sentimento
puro, mas com seu significado também, o que equivale a dizer que a empatia
capta o movimento intencional dos sentimentos. A prática e a atitude de Rogers
são fenomenológicas porque não enfatizam os estímulos enquanto fatos reais,
e sim, a aproximação do vivido do cliente. Sob essa perspectiva, apesar da
formação de Carl Rogers como pesquisador positivista, e pelos ditames
acadêmico-científicos da época, eram baseados no modelo da ciência natural,
a prática da ACP aproxima-se da fenomenologia, pois não se baseou em
explicações sobre a natureza humana a partir do princípio de causalidade, nem
do modelo da ciência natural, tampouco compreendeu o ser humano como um
mecanismo a ser entendido e, sim, como uma pessoa que demanda cuidado e
necessita da mutualidade para alcançar o seu amadurecimento pleno como ser
78
humano.
A ACP tem sua prática clínica amparada numa atitude fenomenológica,
um dos motivos que a aproxima da fenomenologia. Além disso, a partir da
década de 50, evidencia-se a mudança de pensamento de Rogers do
positivismo lógico para uma postura fenomenológica-existencial, tanto ao
enfoque teórico quanto à forma de fazer pesquisa. Ele próprio descreve, em um
dos seus artigos, a conciliação desses dois papéis, de psicoterapeuta com o de
pesquisador, ao aludir ao conceito de Eu-Tu de Buber: “Porque a ciência é
também, no seu início, uma relação ‘Eu-Tu’ com o mundo dos objetos
percebidos, tanto quanto a terapia na sua dimensão mais profunda é uma
relação ‘Eu-Tu’ com uma pessoa ou pessoas. Somente como pessoa subjetiva
serei capaz de entrar em qualquer dessas relações” (Rogers, 1953/1995, p.
155).
Ressalta-se que esta pesquisa propôs-se a usar como método os
pressupostos da fenomenologia husserliana, pois se amparou nos conceitos de
intersubjetividade, redução fenomenológica (époché) e intencionalidade.
3.1 O processo de construção das narrativas.
A pesquisadora construiu quatro narrativas, inspiradas em sua prática
clínica nesse tipo de modalidade de atenção psicológica. As narrativas foram
construídas por meio da retomada do modo como os clientes-participantes
contaram sua experiência, em busca de uma aproximação ao que emergiu dos
79
encontros intersubjetivos como significativo, ou seja, esse processo de
construção das narrativas norteou-se por dois critérios: o primeiro enfocado na
apresentação dos temas significativos que emergiram dos atendimentos de
plantão psicológico acompanhados da sua intencionalidade via de acesso à
consciência, e o segundo, na inclusão de citações literais breves, porém
ilustrativas, selecionadas pela clareza com que contribuíram para a
compreensão do processo vivencial como um todo. Aponta-se que o uso de
vinhetas e trechos de falas é defendido por Moreira (2004), que as denomina
como uma metodologia intimista de pesquisa.
O “envolvimento existencial” e o “distanciamento reflexivo” da
pesquisadora, tal como propostos pela Forghieri (1993/2001) para a redução
fenomenológica, possibilitaram que as narrativas contivessem não
elementos vivenciais essenciais, colhidos no contato com os clientes-
participantes, mas também uma articulação com a teoria, o que levou a uma
compreensão psicológica mais abrangente daquele acontecer humano.
Assim, os encontros foram narrados na primeira pessoa, e adotou-se
como critério as impressões da plantonista-pesquisadora, ou seja, as suas
vivências ao longo do processo de atendimento de plantão psicológico, quando
se colocou como intérprete do vivido pelos participantes. Posto que narrar
refere-se à possibilidade de se contar uma experiência, compartilhando-a e
presentificando-a para além do tempo na vida, sua característica principal é a
de promover a experiência do outro, como passível de comunicação, de ser
partilhada. Nesse sentido, a psicologia clínica pode ser vista como uma forma
de a pessoa abrir-se para a sua própria história, ao apropriar-se das suas
experiências. Nessa intervenção, o compartilhar a sua história com o psicólogo
80
torna-se um contraponto à interpretação não-dialógica, que evidencia sua
natureza hermenêutica, pois a narrativa privilegia o contar a experiência, que é
o que emerge de uma relação interpessoal, a qual, nesse contexto, tem como
motivo a relação de ajuda.
O Hospital Geral como contexto da pesquisa.
Este trabalho foi desenvolvido em um hospital geral, localizado em uma
cidade do interior do Estado de São Paulo, inaugurado dez anos e que,
atualmente, atende a um fluxo grande de pessoas de cidades vizinhas. A
população atendida pelo Hospital é composta de clientes particulares e por
pessoas que têm convênio médico; não atendimento ao público pelo
Sistema Único de Saúde (SUS). Os serviços oferecidos aos clientes se dividem
em atendimentos ambulatoriais, exames, pronto-socorro, cirurgias e internação
(enfermaria, apartamentos, pediatria, maternidade e UTI).
O Hospital dispunha de seis psicólogas e três estagiárias de Psicologia
nos seguintes campos de atuação:
1. Recursos Humanos: duas psicólogas e uma estagiária responsáveis
pelo recrutamento /seleção, treinamento, integração e avaliação dos
funcionários do Hospital;
2. atendimento ambulatorial: três psicólogas para atendimentos tanto
individuais como em grupo aos clientes do convênio e/ou
particulares, os quais, em geral, são encaminhados pelos médicos;
3. serviço de acompanhamento psicológico hospitalar: uma psicóloga e
duas estagiárias nessa área de atuação, que consiste em atender a
81
pessoas internadas no Hospital e, quando necessário, também são
atendidos seus familiares;
4. Serviço de Atenção Psicológica destinado aos funcionários e a seus
familiares (SAP) por meio das modalidades de atendimento de
plantão psicológico e psicoterapia. Esse serviço foi implantado no
hospital pela própria pesquisadora e outra psicóloga. A psicóloga-
pesquisadora atuou por quatro anos nesse Serviço, de forma
voluntária, com o propósito de desenvolver a sua pesquisa de
mestrado (Palmieri, 2005) e esta de doutorado. O Serviço continuou
sendo mantido após sua saída, durante um breve período, por outra
duas psicólogas funcionárias do hospital.
Esse último setor, denominado de SAP, apresenta algumas
particularidades que serão relatadas desde a sua implantação. Esse Serviço foi
iniciado com a modalidade de plantão psicológico, em seguida, ampliou-se com
a modalidade de psicoterapia (ainda somente destinada aos funcionários) e,
posteriormente, integrou também esses dois tipos de atendimento psicológico
aos familiares dos funcionários do hospital, de forma a oferecer uma resposta à
demanda emocional deles (funcionários). Também se propôs a ampliar a
prática da Psicologia Clínica e inseri-la em um contexto hospitalar. Nessa
instituição, essa proposta ofereceu um espaço em que os funcionários
pudessem exercer a sua individualidade, além de suas funções como
trabalhadores.
O Serviço de Atenção Psicológica desse hospital, cuja modalidade de
intervenção denominada plantão psicológico está inserida, foi destinado a
82
todos os funcionários do hospital, e sua implantação ocorreu no sexto ano de
existência da instituição. Antes de esse serviço ser oferecido, os funcionários
eram assistidos por duas psicólogas que os atendiam a partir das queixas, ou
seja, a psicóloga da área de Recursos Humanos do hospital acolhia os
funcionários cujas queixas eram relacionadas a problemas do âmbito
profissional, enquanto a psicóloga da área clínica (hospitalar) acolhia os
funcionários cujas queixas decorressem de problemas pessoais e/ou familiares.
Após a implantação desse serviço, todos os funcionários tiveram a opção de
serem atendidos por ele, independente da natureza da queixa e gratuitamente.
Essa atenção psicológica prestada é de caráter clínico e direcionada,
exclusivamente, aos funcionários, enquanto o trabalho da psicóloga hospitalar
é direcionado apenas aos pacientes do hospital. Já o trabalho das profissionais
da área de Recursos Humanos, de natureza organizacional, volta-se a
atividades que promovem o desenvolvimento e crescimento profissional dos
funcionários e da empresa.
Para efetuar essa implantação, ocorrida em Janeiro de 2004, foi
necessário que o projeto fosse submetido à aprovação da diretoria do Hospital
e, após essa etapa, foi feita a divulgação do Serviço aos usuários. Inicialmente,
realizou-se uma reunião com a equipe de chefias para explicar e esclarecer a
finalidade do serviço e seus objetivos, com o intuito de que os responsáveis
pelos diversos setores do hospital incentivassem os membros de suas equipes
a procurá-lo quando sentissem necessidade. Também foram fixados cartazes
nos murais do hospital e distribuídos panfletos explicativos aos funcionários
para melhor repercussão e esclarecimentos. Ademais, foram feitas outras
divulgações ao longo do tempo, como visitas aos setores de trabalho, para
83
esclarecer aspectos importantes do serviço, além da inclusão de um anúncio
impresso sobre o serviço no holerite.
Para os atendimentos, que tiveram início em março de 2004, foi
destinada, inicialmente, uma pequena sala e, após três meses, o Serviço de
Plantão Psicológico mudou-se para outra sala maior e mais adequada, na qual
a psicóloga-pesquisadora e a outra psicóloga permaneciam de plantão todas
as quintas-feiras e sextas-feiras, das 9h30 às 17h30.
No início, o plantão psicológico estava organizado de uma forma que se
confundia com o serviço prestado pelos médicos do ambulatório, pois havia
uma secretária do próprio ambulatório que agendava os atendimentos
solicitados, principalmente, nos dias em que as duas plantonistas não estavam
no hospital, e também por se instalarem, inicialmente, nessa ala. Com o passar
dos meses, os funcionários compreenderam que esse serviço oferecia um tipo
de atenção diferente daquele que prevalecia na instituição. Assim, as
psicólogas ficavam de plantão em dias e horários pré-determinados, e eles
podiam aparecer na hora em que quisessem, mesmo sem marcá-la
antecipadamente e, caso quisessem agendar um horário, conversavam,
diretamente, com as plantonistas.
Além do pedido espontâneo do próprio funcionário por um atendimento
psicológico, também, freqüentemente, a sugestão por parte da assistente
social ou da chefia do colaborador para que ele procure pelo serviço. Esses
profissionais têm um contato intenso com os seus colegas de trabalho, afinal,
chegam a ter de 6 a 12 horas por dia de convivência e, geralmente, estão
atentos a alguns de seus aspectos emocionais. Apesar de não existir nenhum
treinamento específico e, tampouco o pedido das plantonistas para que os
84
profissionais identifiquem alguma, muitos deles acabam percebendo as
alterações de humor dessas pessoas com quem trabalham e convivem, o que
as fez incentivá-las a procurar pelo plantão, no entanto, o atendimento só
ocorre a partir da procura e do interesse do próprio cliente.
Nesse hospital, as modalidades de plantão psicológico e de psicoterapia
foram utilizadas pelos funcionários como forma de alívio para a ansiedade,
significação das suas angústias e também como um espaço que proporcionava
reflexão sobre seus questionamentos e problemas não de âmbito
profissional (Palmieri, 2007). A partir da solicitação de alguns funcionários para
que seus familiares fossem atendidos, foram disponibilizadas as mesmas
modalidades de atendimento ao cônjuge ou filho dos funcionários. Esse pedido
sempre partia do funcionário e, inicialmente, o familiar era atendido em primeiro
lugar e, com o tempo, as plantonistas perceberam que o pedido de
atendimento deveria ser aceito somente após o atendimento do funcionário,
pois, na maioria das vezes, prevalecia sua própria angústia. Ao final do
atendimento do plantão psicológico, decidia-se se era pertinente ou não
chamar o familiar.
Quando o caminho escolhido pelo cliente foi o de prosseguir em
psicoterapia, o serviço ofereceu-lhe essa possibilidade, que se tornou a
segunda modalidade de atendimento incorporada pelo Serviço de Atenção
Psicológica destinado aos funcionários (SAP). Nos primeiros meses do Serviço,
a maioria dos clientes que passava pelo atendimento de plantão psicológico
era encaminhada para a psicoterapia, como se as plantonistas não
acreditassem na suficiência da primeira modalidade oferecida. À medida que
se concentraram naquilo que o cliente parecia precisar, os encaminhamentos
85
para psicoterapia diminuíram. Assim, notou-se que, para muitos clientes, o
atendimento emergencial, que nesse serviço permitia dois retornos, bastava.
Enquanto não surgisse a necessidade de psicoterapia por parte do cliente, não
era mais indicada, a não ser nos casos em que se considerava indispensável
motivar o cliente para a psicoterapia, a qual podia durar oito sessões, em
média. Ainda assim, sempre cabia ao cliente assumir a responsabilidade pela
continuidade do processo.
Cuidados éticos necessários à realização desta pesquisa.
Como a pesquisadora estava inserida no contexto do hospital desde
2004 a fim de desenvolver a pesquisa do mestrado e havia implantado o
SAP - Serviço de Atenção Psicológica - destinado aos funcionários, foi
necessária apenas a autorização da direção do hospital (Carta de autorização
da instituição Anexo II) para que pudesse dar continuidade ao serviço e
desenvolver a pesquisa para o doutorado.
As quatro narrativas foram desenvolvidas pela pesquisadora, inspiradas
em atendimentos clínicos de plantão psicológico, que se revelaram úteis para
uma compreensão acerca do processo de crescimento psicológico
desencadeado a partir da relação dialógica entre plantonista e cliente. Portanto,
indiretamente, todos os atendimentos contribuíram com elementos
experienciais para o desenvolvimento das narrativas. Sob o ponto estritamente
objetivo, nenhum cliente, em particular, constituiu-se uma personagem das
narrativas, umas vez que contêm recortes de diversos atendimentos.
Sob o ponto de vista ético, houve o cuidado em desenvolver as
86
narrativas de forma a não possibilitar a identificação de nenhum cliente em
particular, com a manutenção da relevância do fenômeno em questão. Outro
autor que nos auxilia nesse recurso é Van Den Berg (1955/1973), que, em O
Paciente Psiquiátrico, descreve que esse paciente “existe e não existe. Não
existe no sentido de que o paciente descrito seja um indivíduo identificável
pelas queixas aqui relatadas; existe, sim, enquanto as suas queixas pertencem
a umaclasse de pacientes. Conheço esse paciente; encontro-o em cada um
dos meus enfermos” (p. 10). Em outras palavras, recolhida dentre os casos
clínicos de Van Den Berg, uma única personagem se formou.
Com base no exposto acima, solicitou-se a todos os clientes atendidos a
assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
Aconselhar é menos responder a uma pergunta do que fazer
uma sugestão sobre a continuação de uma história que está
sendo narrada. (...) O conselho tecido na substância viva da
existência tem um nome: sabedoria. A arte de narrar está
definhando porque a sabedoria o lado da verdade está
em extinção (Benjamin)
Capitulo 4: As narrativas – desvelando os muitos sentidos dos diálogos.
4.1 Júlia
Júlia é uma mulher bonita, alta, ruiva e muito expansiva. Eu a tinha
visto pelo hospital antes de ela marcar essa sessão de plantão psicológico, e a
imagem que eu tinha dela era de uma mulher forte e decidida, pois era sempre
comunicativa e andava de maneira firme. Chegou dez minutos antes da hora
marcada e veio em busca de uma orientação, pois estava com problemas de
relacionamento com seu filho, decidiu interná-lo numa clínica de
desintoxicação, e queria saber se devia fazê-lo.
Sentia-se desanimada, depois disse que não era exatamente desanimada e
buscou outra palavra: “chateada”, mas, ainda assim, disse: “não sei qual é a
palavra, mas também não é chateada e, finalmente, satisfez-se quando
encontrou a palavra “frustrada”, pois percebi pela sua expressão de alívio o
quanto lhe foi importante nomear seu sentimento. Então continuou: “pois
imagina que eu quis tanto um filho, mas agora não nos damos bem, e ele está
com problemas de drogas. Tenho quase cinquenta anos, não sou uma mãe
adolescente”. Eu não havia entendido o que ela quis dizer com mãe
adolescente, mas não a questionei. Ao ser interrogada sobre o que houve
88
durante esse período para não se darem bem, contou que vinha se
desentendendo com o marido, e depois que veio o filho, começou a não se
relacionar bem com eles dois. Desde que se casou, há 15 anos, ela vinha
sentindo que as diferenças entre ela e o marido a tinham frustrado muito.
Depois de muitos anos na tentativa de resolver, sem sucesso, as suas
diferenças, ela decidiu ficar com seu marido porque o amava e, então, tentou
aceitar essa situação, mesmo sem compreender porque ele não pretendia
mudar algumas coisas importantes, como o seu hábito de beber muito. Ela
disse que como ele não procurava ajuda para tal, acreditava que não queria
mudar nesse aspecto. Comecei a entendê-la melhor quando complementou
que ter um filho era um sonho que tinha desde antes de se casar e, então,
depois que ele nasceu se contentou em realizar esse sonho e deixar o anterior
em segundo plano, o de ter um casamento feliz. Logo compreendi o sentido de
quando mencionou que não era mais adolescente, ela disse que o “tempo”
sempre fora uma questão de conflito para ela, como se estivesse sempre
correndo contra ele, pois se casou com mais de trinta anos e sentia que estava
tarde; quando sentiu vontade de se separar, achou que já era tarde para
recomeçar, para mudar de vida, de casa; com o emprego foi a mesma coisa e
naquele momento sentia que estava ficando tarde para ser feliz como mãe.
Ao ouvir a impressão da plantonista de que parecia ter sempre lutado
contra o tempo para realizar o que desejava, mas, ao mesmo tempo, ele
parecia paralisá-la, Júlia assentiu e acrescentou que a possibilidade de ser
tarde, de não dar tempo, não a deixava seguir em frente e realizar o que queria
e salientou que, naquele momento, tal sentimento estava mais forte nela, sentia
que estava diferente, “antes acho que eu era mais determinada, pelo menos,
89
os outros me achavam, mas agora não sei se isso era verdade ou uma
aparência falsa”, ela disse. Julia prosseguiu, com um tom alterado, ao contar
que foi impelida a ter que ser ou parecer forte, “pois, depois que meu pai
morreu, minha família me perguntava o que devia fazer sempre, e até hoje é
assim, mas eu não agüento mais isso, não sou assim tão forte como eles
gostariam”. Indagada quanto a como realmente se sentia, respondeu que se
sentia uma pessoa indecisa e fraca, com medo de tomar decisões. Disse que,
às vezes, pensava que seu filho não tinha mais jeito, nem seu casamento e
acreditava que a culpa era sua, por não tomar atitudes na hora certa, porque
quando pensava que devia fazer algo, logo desistia, pois acreditava que eles
poderiam mudar por si e, então, tudo melhoraria. “Eu poderia ter feito algo
antes, mas nunca faço, entende, até quando vou continuar assim?”.
Eu assenti com a cabeça e houve um silêncio que não me pareceu
incômodo – então eu disse que entendia que era difícil para ela aceitar que não
tomara atitudes que pareciam necessárias e tinha medo de continuar sendo
assim. Em seguida, sinalizado que parecia haver uma mudança nela, que
estava tomando uma posição em relação ao filho daquela vez, Júlia disse que
sabia que teria muitos problemas para resolver com essa decisão de interná-lo,
mas queria muito fazer alguma coisa certa nesse sentido, “a maternidade
sempre foi um sonho pra mim e agora preciso tomar essa decisão e sentir que
sou boa mãe, pelo menos nisso quero me realizar”.
Questionava-se se era uma boa mãe, se conseguiria enfrentar o que
essa decisão exigia e isso a fazia duvidar se estava pronta para tomar uma
decisão, no entanto, deu-se conta de que não havia como prever e com um
suspiro conformado, disse: “Pois é, mas como vou saber o que virá com uma
90
decisão?”. A partir daí, entrou em questões mais profundas que essa posição
de ser mais “dura” estava trazendo à tona, como problemas não resolvidos com
o marido, com sua família e, principalmente, com a família do marido que a
rejeitava. Por esse motivo, não queria que o marido contasse para os pais dele
o que estava acontecendo, mesmo entendendo que ele tinha esse direito, e ele
já dissera que queria dividir esse problema com eles.
Ao ser compreendida pela plantonista quanto aos motivos que a levaram
a preferir que os pais do marido não participassem dessa problemática do filho,
deu-se conta do quanto essa situação fez aflorar questões mal-resolvidas entre
ela e o marido, que antes puderam ser evitadas. Júlia afirmou com uma voz
firme e decidida que não queria a participação dos pais do marido porque
fizeram tudo para afastá-los (ela e o marido) e nunca a trataram bem: “para que
contar a quem não vai dar apoio? Mas meu marido não entende, diz que o
nosso filho vai ter que conviver com os avós, com os tios, e eu entendo que
sim, mas tenho medo de deixar meu filho sozinho com eles e de ser tratado
mal”. Indagada se pelo fato de os pais do marido não gostarem dela acreditava
que não iriam tratar bem de seu filho na condição em que ele se encontrava,
Júlia disse que sim e complementou ter medo de que eles tratassem mal seu
filho por não gostarem dela e ele se sentisse rejeitado naquele momento o
delicado para ele. Contou que, numa conversa, seu marido discordou dela em
relação a esse medo, ao dizer-lhe que ela poderia surpreender-se com eles.
Então, ela gritou com ele dizendo coisas que, segundo ela, não sentia de
verdade. lia declarou que tal fato acontecia num ímpeto, no sentido de se
defender, que perdia a paciência e expressava o que não deveria, nem o que
realmente pensava, mas ele não a entendia e ficava sempre magoado.
91
Indagada se tal fato sempre acontecia enfatizou que sim, que não
conseguia controlar-se e que seu marido deveria estar acostumado. Levada
a refletir quanto a essa certeza de que o marido compreendia bem esse modo
de ela reagir, houve, novamente, um silêncio e retomou dizendo que acreditava
que ele devia saber, que “era óbvio que ele sabia”, mas, ao se acalmar,
percebeu que talvez ele não soubesse como era o jeito dela funcionar
realmente. Júlia achava que ele deveria compreendê-la que conviviam por
tantos anos, no entanto, pela reação dele, sempre tão ofendido e acuado com
os desabafos dela, percebeu que ele não a conhecia bem sob esse aspecto.
Para ela, as brigas que tinham com o marido eram por falta de diálogo - ele não
queria conversar com ela e não lhe respondia quando ela falava com ele,
durante as discussões, que sempre acabavam a concordância dele com a
cabeça e pedindo para voltar a ver tv. Ao refletir no quanto ela poderia estar
contribuindo para que essas conversas importantes para eles se
desenrolassem dessa forma, respondeu, de forma direta, que era uma pessoa
crítica consigo e com todos e, na hora de falar, sempre parecia ser impositiva,
forte, mas era porque precisava desabafar antes, para depois, conseguir
escutar o que a outra pessoa tinha a dizer e se colocar no lugar dela; e
continuou: “mas ele sempre fica impregnado pela primeira parte da conversa
dizendo que se eu estou dizendo isso, o que mais ele vai falar, está
decidido”. Ela então lhe respondeu, sem paciência, que não decidira, para
que conversassem mais para que pudesse escutar o que ele tinha a dizer,
“mas ele o diz mais absolutamente nada, se acua ou se defende de mim e
das nossas conversas, ficando mudo”.
A dinâmica do plantão, naquele momento, concentrou-se na sua atitude,
92
no modo como ela funcionava e como os outros a enxergavam. Júlia deu-se
conta de que havia uma falha nessa comunicação que antes não era
consciente, já que acreditava que era óbvio que quem convivia com ela deveria
entender o seu jeito. Já no final daquele plantão, Júlia ainda retomou o assunto
de que não queria que o filho fosse maltratado pela família, e levantou uma
dúvida: como ela poderia evitar que ele freqüentasse a casa dos tios e avós e
ainda que não a questionassem quanto ao motivo para tal? Ao tentar obter o
controle da situação, percebi, então, o quanto essas questões estavam difíceis
para ela; quando compreendida acerca do seu intuito de proteger o filho, já que
seria tão difícil vê-lo sofrer, Júlia retoma o seu questionamento do início do
plantão: “mas como prever o que acontecerá após uma decisão tomada?”.
Antes de finalizarmos aquele encontro, essas questões quanto à
proteção de seu filho, e sobre o que os familiares poderiam fazer foram
ampliadas sob a forma de outros questionamentos: “poupá-lo da convivência
familiar, realmente, ajudaria? Como ajudá-lo a enfrentar a realidade que, no
seu caso, era a de enfrentar as conseqüências pessoais e sociais que seu
problema de dependência química acarretariam e ainda o de pertencer a uma
família que tinha conflitos entre seus membros? O que fazer diante dessa
dicotomia: protegê-lo no intuito de evitar um possível sofrimento ou apenas
apoiá-lo se ele viesse a sofrer? Será que protegê-lo dessa forma o impediria de
amadurecer?”. Não foram aprofundadas e tampouco respondidas essas
perguntas que, apesar de serem relevantes, ainda estavam dissociadas de
Júlia, pois vieram dela como se fossem soluções para seu filho, além de que
havíamos passado de uma hora. Então, avisei-a de que nosso tempo havia
acabado e que ela poderia voltar se sentisse necessidade, levantamos-nos e
93
encerramos a sessão com um abraço quando lhe desejei sorte.
Ao refletir acerca desse plantão, fica claro que a dor de Júlia foi
legitimizada. Foi aprofundada a questão psicológica que ela trouxe e efetivou-
se uma compreensão psicológica voltada à contribuição para aquela
problemática. O plantão durou cerca de uma hora e dez minutos, e ela
demonstrou ter conhecimento de que este teria a duração de um único
encontro. Como a maioria dos clientes, ela chegou com uma questão concreta,
objetiva a ser resolvida, que, durante o plantão, foi se desdobrando em outros
questionamentos a partir de uma relação dialógica, e fez emergir sentimentos e
significados novos diante da vivência emocional dela.
Apesar de ser óbvio que a situação é muito mais profunda do que a
conversa, acredito que clareamos algumas questões que a estavam
paralisando e lhe causando muita angústia e raiva em relação a si mesma e
aos seus familiares, pois elas derivam ou são sintomas de questões não
resolvidas, como a falta de diálogo com seu marido e suas famílias
(principalmente, a do marido) e que, naquele momento, com a necessidade de
cuidarem do problema que seu filho estava enfrentando, vieram à tona. Diante
do exposto, questionei-me, durante a sessão, se deveria enfatizar que o modo
de ela expressar-se não contribuía para facilitar um bom diálogo, que, além
do que ela descreveu, eu também o havia percebido na sua relação comigo,
mas sabia que soaria como uma crítica o que não a ajudaria - pois era claro
que ela mesma se incomodava com esse seu aspecto, apesar de não
consegui-lo fazer diferente, ao menos, até aquele momento. Para meu alívio,
no meio da sessão, ela significou isso, à sua maneira, ao perceber que o que
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ela esperava do marido deveria partir dela para com ele, ao ajudá-lo a entender
o seu jeito para promover um melhor diálogo entre eles. Ao ter consciência do
modo como ela funciona e como os outros a enxergam, deu-se conta de que
uma falha nessa comunicação que antes não era consciente; assim, ela
pôde significar, de forma diferente, o que acontece entre ela e o marido, em
parte, por ter olhado essa situação por outra perspectiva, naquele momento, a
partir do marido.
O sentimento de raiva que Júlia tinha em relação ao marido por causa
dessas conversas frustradas entre eles - a partir desse novo significado
atribuído por ela durante o plantão - pôde dar espaço para outro sentimento,
que, para Júlia, foi de alívio e de raiva em relação a si mesma, quando
percebeu que não contribuiu para ajudá-lo a conhecê-la melhor, e não mais a
esperar que ele a entendesse por conta própria. O excerto a seguir expõe tal
fato teoricamente:
O mecanismo de repressão atua cegamente, atingindo não o
conteúdo ou a percepção que nos atemoriza, mas também a parte
de nós mesmos que quereríamos conservar e cultivar. O indivíduo
pode sentir-se incapaz de amar enquanto não admite plenamente
sua raiva, porque a abertura necessária não se fragmenta e, tal
como a defesa, atua sutilmente sobre o ser inteiro. A difusão e a
falta de delimitação dos processos de repressão surgem muito
claramente no momento de sua reversão. Ao permitirmos a
expressão do desamor ou do desinteresse, abrimos também
caminho onde aparecem o afeto e o empenho, fenômeno que
95
nosso raciocínio muitas vezes não previria (Rogers & Rosenberg,
1977, p.13).
Apesar de Júlia dar-se conta de que pode melhorar os seus
relacionamentos ao perceber que essa sua dinâmica de esperar compreensão
dos outros ocorre de modo mais amplo, e não apenas com seu marido, ainda
terá que encontrar outros recursos inerentes a ela para poder conduzir, de
forma diferente, os relacionamentos no seu cotidiano.
Júlia também ampliou o olhar diante de outro problema considerado por
ela: o desejo de que o filho não mantivesse contato com os pais do marido,
apenas com os seus, uma vez que o marido gostaria muito de ter os seus pais
como participantes desse momento da sua vida. Essa imposição de Júlia de
não aceitar esse compartilhamento vinha do desejo de proteger o filho da
suposta rejeição ou de maus-tratos, já que a família do marido não gosta dela e
acredita que eles poderiam querer afetá-la por meio do filho. Nessa questão, o
desdobramento principal foram questões levantadas que não foram
respondidas, pois colocadas de forma objetiva, chegaríamos ao que é mais
“certo” ou “adequado” de se fazer, o que não provocaria mudança significativa
já que tais questões são de caráter intelectual. Ainda assim, acredito que
podem levá-la a pensar acerca de sua contribuição para manter esse modus
vivendi, se forem, de uma maneira pessoal e processual, - conduzidas com
referência nos seus próprios valores e sentimentos - e não, impostas por
outrem, no caso eu, como plantonista.
Em relação à pergunta inicial de Júlia - se deveria internar o filho -
percebe-se que não voltou durante todo o tempo em que estivemos
96
conversando, talvez porque seja apenas a ponta do iceberg de questões mais
profundas que foram desveladas e que, essencialmente, estão em busca de
uma maior congruência com necessidades atuais de ela sentir-se uma boa
mãe e de obter mais apoio e compreensão por parte do marido.
Acrescenta-se, ainda, que gerar e criar filhos seria um exemplo da
manifestação da tendência atualizante, que envolve não a satisfação de
necessidades básicas e a especialização de órgãos e funções, mas também
atividades mais complexas e mais evoluídas, como: “a revalorização do ser por
meio de aprendizagem de ordem intelectual, social e prática (...) e o
enriquecimento do indivíduo por meio da reprodução” (Rogers & Kinget, 1977,
p.160).
Para Júlia, constituiu-se, naquele momento, potencialmente, uma
oportunidade de auto-realização e de investimento na facilitação da
manifestação da tendência atualizante do filho. de se considerar também
que a maternidade contemporânea traz desafios adicionais a enfrentar como,
por exemplo, a conciliação da maternidade com o trabalho para a mulher e a
maior demanda de dedicação do homem aos cuidados com os filhos.
Granato e Aiello-Vaisberg (2003) problematizam tal questão, ao apontar
que a aparente perda da complementaridade entre o feminino e o masculino
que a contemporaneidade trouxe tem acrescentado certo incômodo às relações
interpessoais de homens e mulheres, o que talvez leve a um rearranjo desses
elementos que, “se produz confusão e sofrimento, também inaugura a
possibilidade de configurações sequer imaginadas” (p.76), o que conduz a
novos questionamentos éticos.
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Quais significados ou que continuidade ela dará a essas questões que
ampliou durante o atendimento do plantão não como saber, tampouco era
preciso que fosse feito todo esse trabalho juntas, mesmo que tivéssemos mais
tempo. Cabe a Júlia atribuir novos significados a esses desdobramentos feitos,
e o mais importante foi que saiu do plantão compreendendo mais sobre si
mesma, aceitando-se melhor, e esses sentimentos e significados sobre si
mesma é um começo; assim, cabe a mim, apenas confiar no seu desejo de
crescimento e de mudança.
Finalmente, penso que algo moveu-se no interior de Júlia, ao procurar
por esse tipo de atendimento, pois precisou abrir mão da fachada de mulher
forte para revelar-se frágil; ao fazê-lo pôde experienciar novos significados
sobre si mesma e, quanto aos problemas que a trouxeram, ainda estavam lá ao
final do plantão, à espera de uma tomada de decisão dela. No entanto, por ter
sido capaz de desfazer o modo habitual de considerar seus relacionamentos,
talvez possa estar mais apta a lidar com a difícil tarefa de ser mãe que apenas
se iniciou ao ter começado a ser uma melhor cuidadora de si mesma.
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4.2 Patrícia
Patrícia me esperava na capela do hospital, pois o chefe dela havia me
ligado e pedido um atendimento de plantão psicológico para ela, pois, como ele
me disse: “estava preocupado com seu estado emocional”. Ele cogitava a
possibilidade de despedi-la, que ela estava apresentando problemas que a
atrapalhavam no seu desempenho e também na rotina da equipe porque ficava
contando para todos o que estava passando. Perguntei se Patrícia concordou
em fazer esse plantão comigo, ele disse-me que sim e, como eu estava
atendendo outra pessoa, ela preferiu me esperar na capela do hospital.
Fui buscá-la e me apresentei porque não nos conhecíamos. Patrícia é
morena, de olhos vivos e com menos de trinta anos. Fomos à sala de
atendimento e ela começou a chorar ao contar-me que não sabia o que fazer,
que “estava sem chão”, porque seu marido queria separar-se dela. Apesar de
eu sentir o seu sofrimento, queria me aproximar mais do que a angustiava
naquele momento, enfim, o que estava sendo mais difícil para ela diante
daquela situação que estava enfrentando. Ela conduziu nosso diálogo no
sentido de que não entendia como ele poderia não gostar mais dela “assim de
repente”, e como ele podia fazer tal coisa posto que eles tinham uma filha com
Síndrome de Down. Continuou contando que eles não brigavam muito, apesar
de o marido alegar que o motivo da separação era porque eles sempre
brigavam. Ela, então, explicou que eles discutiam, mas não brigavam.
Incentivada a dizer sobre como percebia o que eram discussões e o que eram
brigas, Patrícia disse que, para ele, sempre estavam brigando, mas, para ela,
não estavam:“só digo o que preciso dizer”, frase que me marcou. Incentivada a
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contar algo a esse respeito, ela começou com um episódio no qual o marido
ficou de buscar a filha e não foi no horário, “então a escola me ligou para eu ir
buscá-la e eu fui, depois ele aparece lá atrasado e me pergunta por qual motivo
eu fui buscá-la se era para ele fazer isso, ai, eu fico louca com isso! Aí
discutimos e não entramos em um acordo, porque ele se justifica dizendo que
foi buscar, mas eu digo que foi atrasado e, então, brigamos”.
Diante da percepção da plantonista de que os mal-entendidos pareciam
começar com uma discussão e depois se transformavam numa briga, Patrícia
respondeu: ”é, mas não para não brigar, ele é muito avoado e eu sou muito
responsável”. Ficou evidente à plantonista que parecia ser-lhe difícil aceitar o
jeito do marido, que, muitas vezes, soava-lhe como irresponsável, que eles
tinham naturezas diferentes como ela mesma o descreveu. Patrícia, de certo
modo, acalmou-se, e o mais chorando continuou a dar vazão aos seus
conflitos internos em relação ao marido: “Ele é muito bom, mas eu sou muito
estressada e não agüento o jeito dele sossegado, assim, sempre estou
discutindo com ele sobre as nossas contas, sobre nossa filha...”.
Houve um silêncio breve e logo expressou inconformada: “eu não
entendo, acho que ele não me ama, nós estamos juntos três anos e meio,
nos conhecemos e logo quisemos nos casar, tivemos essa filha e agora ele faz
isso, não entendo”. Assegurada no seu sentimento de que para ela o motivo
que o levou a querer a separação era não amá-la, e não, o fato de haver
muitas brigas, como ele alegou, ela continuou: “Eu deixei de sair com minhas
amigas depois que me casei, e ele, depois de um tempo, quis voltar a sair com
os amigos dele, eu acho que ele não fez nada de mais deixando de sair com os
amigos nesse tempo, por que ele precisa sair com os amigos? Eu não preciso,
100
eu mudei porque me casei, porque tenho uma filha, a vida mudou”. Ao ouvir a
impressão da plantonista de que parecia ter sido mais fácil para ela deixar de
sair com as amigas e mudar algumas coisas da sua vida para poder assumir as
responsabilidades de casada, ela questionou-se por que ele o conseguiu
fazer o mesmo. Frustrada quanto ao fato “de ele o entender” o ser
possível ter a mesma vida de quando era solteiro, perguntei se ele continuou a
fazer as mesmas coisas de antes. “Não exatamente”, ela explicou, “ele agora
quer sair para tomar uma cerveja no domingo com um amigo”, mas
complementou, em tom alterado, que não gostou, me incomodo, porque é o
dia que temos pra ficarmos juntos, mas ele diz que não agüenta ficar em
casa comigo e com a filha, que assim ele não vai agüentar e quer dar uma
saída pra espairecer”. Descreveu, então, mais uma discussão entre eles: ela
disse que eles deveriam sair juntos, pois ela também não queria ficar em
casa na folga dela e ele respondeu-lhe que com a filha ficava difícil. Voltando a
chorar, desabafou: “eu acho que é falta de cuidado comigo”. Aceita em relação
ao seu ressentimento por essa atitude do marido, continuou no mesmo tom de
desabafo ao dizer que “ele simplesmente sai assim com um amigo, como
quando era solteiro, mas agora ele tem uma esposa que precisa cuidar e uma
filha também, ele às vezes é muito imaturo. Não deixou essa vida para trás. Aí
perco a paciência querendo que ele entenda isso, a gente acaba discutindo e
ele diz que eu já estou brigando de novo com ele”.
Quando dei-lhe a entender que seu jeito de conversar com o marido
poderia soar para ele como se quisesse convencê-lo, Patrícia assentiu num
primeiro momento, ao complementar que ele sempre disse que ela sabia
criticá-lo, que nunca conversava com ele com calma, nem o elogiava. Mas ao
101
ser questionada sobre o que ela própria pensava a respeito do que eu lhe havia
colocado, responde indecisa que o criticava quando precisava, e
complementou: “talvez eu seja muito brava mesmo, mas queria que ele
mudasse em algumas coisas, sou sempre eu que resolvo tudo, estou cansada”.
E voltou a dizer que não agüentava vê-lo se atrasar para buscar a filha deles,
sair com algum amigo e deixá-la em casa e ela estava sempre resolvendo
todos os problemas que surgiam. Após uma breve pausa, desabafou que o
amava muito e que não achava que essas discussões eram tão ruins para ele,
“na minha casa com meus pais sempre discutíamos assim, não sei conversar
essas coisas de outro jeito”.
Patrícia começou a refletir que talvez para seu marido fosse muito difícil
conviver com essas discussões e brigas e para ela não o era, que assim
ocorria no seu convívio familiar, com seus pais. Achava que essas discussões
eram esquecidas e explicou, “eu esqueço de tudo depois que falei, mas parece
que ele guardou tudo, que se magoou demais e não me falou na hora”.
Sinalizada a dificuldade de eles se compreenderem, que tinham
necessidades e naturezas diferentes, Patrícia reconheceu essa diferença e
descreveu o modo de reagir de cada um quando se ressentiam um com o
outro: ela precisava desabafar esse sentimento, “pôr para fora”, como
acontecia quando ele não cuidava dela e da filha como ela achava que o
deveria. Ele guardava para si, não expressava seus sentimentos e tampouco
seu ponto de vista, “como nas vezes em que ele se ressentiu com as
discussões, mas não disse nada e só depois eu percebi que ele se sentiu muito
criticado”. Patrícia parece surpreender-se ao dar-se conta de como vinha
resolvendo as diferenças entre ela e o marido - o que antes lhe parecia natural
102
fazer, evidenciou-se não ter feito bem para eles como casal. E finalizou essa
percepção ao mudar o rumo da conversa: “ele é mais sensível mesmo, eu
sempre me virei sozinha, não tive pai e mãe cuidando de mim, é isso que eu
não queria que acontecesse com minha filha”.
Contou, então, que sua mãe separou-se do seu pai quando era
adolescente e, depois disso, nunca mais foi a mesma coisa, “sentia que meus
pais não foram tão presentes quanto eram e acabei me virando sozinha”.
Patrícia chorou e foi acolhida pela plantonista, principalmente, quanto ao medo
de que essa situação que viveu se repetisse naquele momento com a família
que formou. Como quem conheceu bem aquele história continuou: “Eu não
quero me separar, não aceito ele decidir fazer isso, porque sei que ele não vai
ser tão presente quanto ele é hoje, não tem jeito de ser, ele vai ver a filha só de
final de semana e mesmo que ele diga que vai ajudar não é igual, eu passei
por isso e não é tão simples”.
Há, então, uma mudança de rumo novamente: ao questionar-se como
seu marido de mudar tanto, ela acreditava que ele ia voltar para casa e
querê-la de volta como esposa. Interrogada se o aceitaria de volta, caso ele, de
fato, mudasse de idéia, disse que sim, mas que ele precisaria mudar algumas
coisas. Após insistência da plantonista a pensar se o aceitaria como ele era,
como se estivesse percebendo um lado dele que antes não conhecia, Patrícia
disse que essa importância que ele dava em estar com os amigos, ela não
aceitava, e retrucava consigo mesma, “então eu também vou sair com minhas
amigas e ele o vai gostar”. Mas indagada se também sentia falta de estar
com suas amigas, respondeu que não, “nunca tive isso de ficar com amigas”.
103
haviam se passado 50 minutos, o plantão foi finalizado pela
plantonista que apontou que sentia o quanto era difícil olhar para esse lado do
marido, como quando ele queria sair com os amigos, pois para Patrícia era
como se estivesse sendo “colocada de lado”, pouco cuidada por ele. Ela então
finalizou também, depois de muito choro, que não entendia, achava que,
depois que se casassem, ele não iria mais querer ficar com os amigos.
Dei mais um lenço a ela e dispus-me a ouvi-la de novo quando
precisasse, que era vir à minha sala nos dias em que eu estivesse de
plantão no hospital. Ela me agradeceu, levantamo-nos e nos despedimos com
um abraço.
Ao distanciar-me desse plantão, percebo que ele se iniciara quando a
busquei na capela do hospital; pelo inchaço (de choro) no seu rosto, percebi
seu sofrimento e, a partir daí, minha intenção foi me aproximar do sentido que
tinha para ela aquela vivência de sofrimento. Primeiro, emergiu, na nossa
relação dialógica, o choque que teve com a atitude do marido de sair de casa e
querer separar-se, que ela não enxergava problemas sérios entre eles, nem
percebia que brigavam, como ele afirmou. Vai aos poucos ampliando essa
percepção de que existiam brigas, mas que ela não reagia e tampouco lhes
dava o mesmo valor como seu marido. Desdobrou esse sentido ao identificar
que talvez ela não sentisse as brigas como ele porque sempre viveu num
ambiente hostil com seus pais; por isso, para ela eram apenas discussões que
eram esquecidas depois daquele momento, mas para ele as brigas foram se
tornando intoleráveis.
104
Quando compreendida no seu modo de funcionar e quanto à maneira de
resolver as diferenças entre ela e o marido, reconheceu-as e apontou que ela
funcionava de um jeito muito responsável (também legado da sua história
familiar), e ele, de um jeito mais “avoado”. Patrícia, então, deu mais um passo
rumo à difícil descoberta de enxergar como, realmente, estava seu casamento,
ao dar-se conta de coisas difíceis sobre si mesma, como, por exemplo, mais
brava e intolerante do que antes se percebia. Nesse processo, não muda a
percepção que tinha do marido (avoado, sossegado, irresponsável no
casamento), e sim, a que tinha de si mesma e do seu relacionamento com ele.
um conflito na aceitação desse lado dela que o definiu como “brava e briga
mesmo”, pois ao mesmo tempo em que se assume, também se defende ao
atribuir esse comportamento como reativo à conduta do marido e ao ressaltar
que “é apenas quando ele merece, pois faz coisas que não deveria fazer sendo
um homem casado”.
De acordo com Rogers (1961/1997), esse tipo de incongruência ocorre
como forma de a pessoa proteger-se do sofrimento, pois é mais fácil negar ou
distorcer uma experiência do que simbolizá-la acuradamente e entrar em
contato com sentimentos dolorosos. Outro aspecto de rigidez, na dinâmica
psicológica de Patrícia, a qual percorremos juntas foi ela não aceitar a decisão
do marido de sair de casa: ela o quer de volta, mas não como ele é afirma
que “para ficar com ele e dar certo, ele deve mudar”. Esses aspectos de
incongruência, que ainda não haviam sido incorporados ao seu self, geram
conflitos e sofrimento. Patrícia vive um momento no qual não aceita e
tampouco respeita as particularidades e necessidades que seu marido
apresenta na convivência como casados, mas também não aceita a idéia da
105
separação, do fim do seu casamento com ele. Moreira (2002) afirma que para a
pessoa que está incongruente, devido à presença de fatores perturbadores, a
expressão de seu comportamento aparecerá de maneira “irracional,
subjetivamente insatisfatória e objetivamente ineficaz, pois a percepção que o
indivíduo tem de seu self é negativa”.
É atribuído por Patrícia o significado de que seu casamento não estava
tão bem - como seu marido apontou e ela não acreditava - quando se
conscientizou de que somente ela estava acostumada a viver daquele modo
(em meio a discussões). Evidenciou-se que, ao permitir-se ter os próprios
sentimentos e experiências de forma pessoal e livre de julgamento, a mudança
pôde ocorrer, pois, a partir dessa contradição, ela desdobrou um sentido mais
próximo do seu sofrimento: de que não é fácil aceitar a decisão do marido de
sair de casa e separar-se dela porque não quer viver o mesmo drama que
passou na sua adolescência, quando seus pais separaram-se. O medo de que
se repetisse essa experiência parece ter contribuído para que Patrícia não
entrasse em contato com os conflitos que seu casamento apresentava, assim,
distorcia essa experiência.
Esse momento descrito marcou-me durante o plantão, pois, quando
Patrícia descreveu as diferenças entre ela e o marido, mudou de rumo,
evidenciou-se outro sentido psicológico: a história de abandono que viveu,
quando menina, ainda a perturbava. Rogers e Rosenberg (1977) constatam
que “há dois modos de se conhecer a realidade: o primeiro expressa-se naquilo
que o individuo crê ser real, e é algo que ele pode perceber e relatar; o
segundo modo consiste num nível mais profundo de conhecimento, em que a
106
pessoa sabe uma realidade porque a sente como tal. Ambas as formas podem
se referir a um mesmo objeto (...)” (p.59).
Ao deixá-la livre para expressar seus sentimentos de raiva e de revolta
contra seus pais, de abandono e de medo que sentiu durante anos, Patrícia
ficou mais confiante para desdobrar os significados da sua experiência atual, o
que lhe propiciou a simbolização adequada em relação ao seu casamento, pois
essas vivências e sentimentos para ela tão angustiantes a faziam negar essa
realidade. Rogers (1970) aponta que se houver esse desacordo entre os
valores introjetados no self com as experiências vividas de uma pessoa “um
estado de angústia se apoderaria do indivíduo” (p.189). Dessa forma, não
ocorreria a simbolização correta pela consciência já que as experiências seriam
deformadas para proteger o auto-conceito desse indivíduo.
Quando assumiu que não sentia a mesma necessidade de estar com os
amigos como seu marido o fazia, deparou-se com mais uma incongruência
sua, e assim, não foi possível apoiar-se, da mesma forma, na sua antiga
racionalização. Uma pessoa pode desdobrar sentidos ou ressignificar sua
experiência “à medida que se pergunta ‘por quê?’” pois, “é levada a abandonar
antigas condutas que lhe parecem fictícias e sem sentido, e inventar outras que
atendam à sua busca de congruência” (Rogers & Rosengerg, 1977, p.57).
De algum modo, ela se deu conta de que a história da sua adolescência
a influenciava e de que seus significados antigos continuaram presentes dentro
dela o que gerava medo de viver essa história novamente, e contribuía para ela
simbolizar algumas das suas experiências de modo distorcido. Queria lhe dizer
essas considerações, de forma clara, principalmente, que ela não era mais
aquela adolescente que lidou com aquele passado, mas senti que poderia soar
107
cruel e que seria racional demais para ser apreendido de maneira significativa.
Deixei-a livre para vivenciar essas descobertas no seu próprio tempo, além
disso, ela havia caminhado bastante nessa uma hora em que estivemos
juntas, ao enfrentar seus medos, sua dor do passado e do presente.
Finalmente, aponta-se, ainda, que eram nítidas as “quebras” na
conversa, que, a priori, pareciam sem sentido, mas, ao distanciar-me, parecem
ter ocorrido sempre depois de uma simbolização, ou seja, ter surgido um novo
sentido àquela experiência e que Patrícia assumira uma parte de si que havia
sido negada ou distorcida. Naqueles momentos, ela não faz uma
racionalização, como, por exemplo, “isso faz tempo e não importa mais”,
mas, ao contrário, dá-se conta de um lado de si mesma antes não simbolizado;
estranha-se quando se percebe com medo e ao querer ser cuidada, que,
durante toda a vida, considerou-se forte e a cuidadora de todos a sua volta.
108
4.3 Jussara
Jussara me ligou e marcou uma hora para o fim do dia. Chegou,
timidamente, à sala e pediu-me desculpas por não ter vindo ao plantão que
havia pedido na semana anterior. A despeito dos seus 37 anos, parece uma
jovem indefesa, de porte pequeno, bem magra e com traços delicados; sua
postura recolhida deixava sua beleza sem realce.
No início do plantão, ela me disse que era sozinha, nem amigos tinha.
Tocou-me esse comentário dela e pensei: “o que aconteceu para ela estar tão
sozinha?”. Eu a conhecia de vista, pois trabalhava perto de onde eu entrava
nos dias em que eu fazia esse plantão no hospital. Ela sempre foi muito
educada e prestativa, não pensei que estivesse tão triste e sozinha como ela
se mostrou naquele plantão, mas como a maioria das pessoas a quem atendi
nesse serviço, ela me surpreendeu, ao confiar-me um sofrimento sobre qual eu
não tinha idéia quando as encontrava pelo Hospital, inseridas no cotidiano do
trabalho.
Ela disse que procurou pelo Serviço porque, há quatro anos, sofrera
sintomas de estresse e se tratou. No ano anterior, foi diagnosticada com
depressão e também se cuidou, mas, naquele momento, sentia que estava
piorando de novo. “Já estou tomando remédios, mas o meu psiquiatra me
indicou psicoterapia e eu aceitei vir conversar”.
Jussara havia se separado do marido três anos, disse que brigavam
muito por causa da família dele. Eles não gostavam dela devido ao fato de ela
ser dez anos mais velha que ele, e disse que a avó dele que foi quem o criou
– humilhava-a muito, no entanto, ela nunca conseguiu defender-se e exigia que
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o marido a protegesse. Quando a avó dele faleceu, pensou que as brigas iriam
acabar, mas não foi o que aconteceu, eles continuaram brigando porque o
marido culpou-a pela morte dela, ao dizer que morreu de desgosto, que eles
deveriam ter vivido melhor. Contou, então, que agora não via sentido em sua
vida e queria mudar seu jeito, “sou muito fechada, sei que não é bom, porque,
às vezes, ponho tudo pra fora de uma vez”, ela disse. Incentivada a falar mais
sobre o que dissera, contou que acreditava que seu casamento havia
terminado, em parte, por sua responsabilidade, por explodir tantas vezes e
cobrar do seu marido que a defendesse das intrigas que a família dele fazia.
Após uma breve pausa, em tom inconformado, disse que ela própria
deveria ter se defendido e não deixar que dominassem o seu casamento. Deu-
se conta de tal fato a partir do que estava passando, atualmente, com sua
chefe que fazia o mesmo movimento da avó dele, ao tentar humilhá-la e
dominá-la, e novamente, ela não estava conseguindo reagir. Ao compreender
esse problema que viveu no passado e que, atualmente, esse sentimento de
não conseguir defender-se e sentir-se acuada voltara, Jussara disse que lhe
veio à cabeça que o estresse e a depressão poderiam voltar porque não
mudou seu jeito, e que gostaria de não mais se acuar e nem guardar tudo para
si para poder livrar-se dessas doenças. Confirmada na sua percepção sobre
seu jeito e no que lhe afetara esse modus vivendi, com conseqüências na
sua saúde psicológica e até física, ela continuou dizendo que queria ser mais
corajosa, que esse jeito medroso dela não a ajudava, “só me atrapalha, porque
as pessoas fazem e dizem o que querem e eu não consigo me defender, chego
até a me questionar se estão certas”.
110
Ficamos em silêncio. Ao encontro da minha congruência, indaguei-a se
sentia alguma culpa em relação à morte da avó do ex-marido. Seus olhos
marejaram e assentiu com a cabeça: “Eu acho que não tenho culpa, quando
penso racionalmente, mas logo penso que talvez eu tenha, pois afinal meu
marido me acusava disso; será que não é possível mesmo?”. Jussara queria
livrar-se dessa culpa ou questionamento sobre se tinha ou não
responsabilidade pela morte da avó do ex-marido, queria, realmente, acreditar
que não tinha culpa e que o ex-marido jogou-lhe essa culpa num momento de
raiva. Depois atribuiu outro sentido ao dizer que se alguém tinha culpa pela
morte da avó, talvez fosse culpa do seu ex-marido, pois se aquela senhora
tivesse morrido de desgosto, seria por causa dele e, não, dela. Desabafou que
de falar sobre esses pensamentos tão angustiantes lhe proporcionava um
alívio, além disso, foi como reconhecer que conviveu com um pensamento de
natureza mágica, ao dar a si mesma um poder desproporcional sobre a
vida/morte de outrem – foi como se a culpa que sentia não fizesse mais sentido
naquele momento.
tínhamos meia hora para conversarmos, ela havia me avisado, no
início, a hora em que queria sair para não perder o seu ônibus; estava na
hora de encerrarmos e eu, então, lembrei-a do horário. Ela estava com um
semblante mais leve e disse que se sentia melhor após essa nossa conversa,
“como se tivesse tirado uma carga das costas pelo fato de ter encontrado
uma pessoa de confiança para falar sobre isso, ter guardado essa culpa estava
me fazendo mal”.
Antes de acabar, ainda perguntou-se o porquê de ela estar tão sozinha:
“será que sou eu que faço algo que afasta as pessoas ou são elas que não dão
111
oportunidade para eu me aproximar”. Disse que se deu conta do quanto lhe faz
falta uma companhia e que talvez não estivesse fazendo nada para mudar: “Me
vi sozinha esse final de semana, muito sozinha, percebi o quanto quero ter um
companheiro pra oferecer e receber carinho, ou mesmo, apenas amigos para
sair ou ir ao cinema“, complementou que, no último final de semana, não teve
ânimo para sair quando se viu sozinha, sem ter alguém para acompanhá-la.
Não continuamos esse assunto devido ao tempo, ela ainda disse que
nem percebeu a hora passar, “foi tão pido”. Coloquei-me à disposição caso
ela quisesse continuar a conversa em outro dia e nos levantamos, quando ela
me perguntou se não poderia fazer psicoterapia comigo. Eu lhe disse que se
quisesse sim, e marcamos um horário para conversarmos.
Ao fazer um distanciamento reflexivo, para mim, foi um dos plantões que
ficou mais claro e, de modo rápido, como a depressão e o estresse foram o
reflexo, um modo de ser ou de funcionar da própria pessoa. Ela própria
conscientizou-se disso e percebera que não era fácil mudar seu modo de reagir
a certas situações, mas queria criar recursos pessoais para tal. Ela sentia que
lhe faltava coragem para enfrentar pessoas que lhe pareciam dominadoras,
como a avó do ex-marido e, atualmente, sua chefe e que guardar os seus
sentimentos, não era bom para ela, que alguns problemas surgiram por não
conseguir reagir a algumas situações.
Jussara, durante o plantão, pôde reconhecer e expressar seus
sentimentos guardados, como a culpa que sentia pela morte da avó do ex-
marido, quando surgiu, assim, espaço para novos sentimentos e sentidos
fluírem, sem precisar deformar ou negar o que realmente experimentava, como
parecia ter feito antes, em função da conservação do afeto ou da estima de
112
outras pessoas. Constatei que vivenciou o sentimento de confiar em alguém e
se apresentar como era naquele momento, pois confessou que fora a primeira
vez que verbalizou esse problema atual que sofria em relação à chefe, à culpa
que guardava em relação ao rmino de seu casamento e em relação à morte
da avó do ex-marido. Ficou-lhe claro, também, que a despeito de trazer um
passado que não pode ser mudado, queria fazer diferente, dessa vez, em
outras situações, o que indica que está no presente e não estagnada na sua
vivência passada.
Ficaram sem respostas objetivas alguns questionamentos importantes
para ela “como mudar meu jeito e no que isso me afeta? Qual a minha
responsabilidade para eu estar sozinha? O que eu faço para não cair,
novamente, em depressão como aconteceu quando me senti sem forças para
reagir?” no entanto, como foram baseados em sua própria experiência, pode
vir a simbolizá-los na sua consciência, no momento, com sentidos mais
próximos à vivência do seu self atualizado.
Senti sua solidão no meu corpo, senti um aperto, uma angústia no meu
peito quando Jussara se descreveu em casa, quase meia-noite, o medo de
ficar sozinha em casa à noite, quando o bairro está silencioso e não há mais
nada na tv que a distraia; a falta de uma companhia para conversar ou apenas
para sentir que há alguém em casa. Nessas noites, o sono não vinha e a noite
era longa, pensava em seus medos, em seus sonhos.
Barret-Lennard (2002) afirma que a pessoa disponível para ajudar
reconhece ou sente o que é significativo para o outro em qualquer momento
especifico. Dessa forma, interessa-se em saber como o outro o mundo,
como se sente em relação a si mesmo e qual é a sua própria experiência
113
subjetiva com referência a qualquer aspecto do seu processo de vida. Em certo
sentido, a experiência da outra pessoa torna-se sua também; o que é difícil e
desafiante: distinguir os sentimentos e significados que surgem na
subjetividade da pessoa que ajuda em relação àqueles presentes na pessoa
que está sendo ajudada. Rogers (1977) aponta essa experiência de sentir-se
solitário e a descreve como “isolamento fundamental do homem moderno”,
caracterizado pela “incapacidade do indivíduo de se comunicar livremente
consigo mesmo”. Tal ocorre quando um grande desacordo entre a
apreensão dos significados da experiência pela consciência e os significados
captados pelo organismo fisiológico (p.91), ou seja, o limite da incongruência.
Uma situação de incongruência entre o campo fenomenológico de uma pessoa
e seu self gera ansiedade e tensão, pois sua energia fica dividida entre manter
essa distorção do self e as vivências emocionais em seu campo
fenomenológico. A pessoa fica com a sensação de não ser ela mesma, pois
seu comportamento é dissonante e se percebe com atitudes “estranhas”
(Rogers, 1951). "Quando não existe um relacionamento em que possamos
comunicar ambos os aspectos de nosso eu (self) dividido - nossa fachada
consciente e nosso nível mais profundo de experiência - sentimos a solidão de
não estarmos em contato real com qualquer outro ser humano" (Rogers,
1977b, p.92).
Dispus-me à vivência emocional de solidão de Jussara, mais do que à
solução de uma patologia de ordem psicológica (se é que alguma nessa
vivência de solidão), e acolhi-a de forma a facilitar a mobilização de seus
próprios recursos psicológicos. Jussara entrou em contato consigo mesma,
quando reviveu, no plantão, suas noites solitárias - como ela mesma as nomeia
114
–, e o fato de ela vivenciar essa angústia em companhia de alguém no caso,
eu mostrou-se muito significativo somente pelo fato de estarmos em relação
e de ela poder observar-se em funcionamento, sem tanto receio do sofrimento
que esse sentimento lhe traz. Em alguns momentos, a necessidade de que
alguém organize, construtivamente, a experiência do outro, e esse é, em última
análise, a função do psicoterapeuta. Cabia a mim favorecer o desenvolvimento
de uma experiência intersubjetiva que permitiu a Jussara experienciar seu self
de muitas maneiras ao longo do plantão. Como plantonista, não fui apenas
uma testemunha desse processo, fui cúmplice, pois participei, com toda a
minha subjetividade e com a flexibilidade que meu self pode oferecer -, e, ao
dar ênfase à comunicação de calor humano e de aceitação incondicional a
partir da minha presença à Jussara, que vivenciava um sentimento de estar
solitária, pude redescobrir meus próprios sentimentos de solidão.
À medida que a pessoa vai tornando-se consciente de sua natureza e
de seu funcionamento psicológico, poderá aprender a lidar consigo e com o
mundo de forma mais saudável. Quando a pessoa consegue, pois, ver-se
como agente perceptivo, ocorre a reorganização da percepção, assim como a
conseqüente mudança nos padrões de reação a qual ocorre a partir da
relação, o verdadeiro agente da mudança psicológica que deve ser atribuído ao
diálogo humano e genuíno entre dois seres humanos em relação. Naquele
plantão, houve a confirmação mútua da nossa existência. Buber (1982) refere-
se a um processo intersubjetivo em ação, pois afirma que a tomada de
consciência acontece em relação, que é, no encontro com o outro, que
alguém se apropria de si mesmo.
115
A escolha de Jussara, por fim, foi fazer um acompanhamento psicológico
e, como estivesse disposta a tal, poderia ser muito proveitoso para ela, no
sentido de encontrar um novo modo de reagir a certas situações para ela tão
paralisantes, como a que estava vivenciando com a sua chefe. O fato de
buscar, ativamente, uma relação de ajuda naquele momento em que se sentiu
emocionalmente fragilizada representa uma tentativa de preservação de sua
autonomia pessoal, apesar de uma vulnerabilidade temporária.
116
4.4 Edgar
Edgar apareceu, timidamente, na sala onde eu atendo e declarou ter
curiosidade de conhecer como é a “sala da psicóloga”. Eu o convidei para
entrar, “fique à vontade, por favor”, e apresentei-lhe a sala: “quando atendo a
alguém, uso este sofá e esta cadeira e, quando faço relatórios ou estudo algo,
sento-me junto a esta mesa em que estou”. Havia uma cadeira do outro lado da
mesa, ele perguntou-me se poderia sentar-se, e eu assenti. Ele contou que
tinha mandado os funcionários da equipe dele vir conversar comigo, que eles
não eram fáceis e que não era fácil ser chefe, “é pressão pra todo lado”. Eu
disse que fazia idéia de como devia ser difícil esse papel; Edgar continuou a
olhar a sala, ficou em silêncio.
Ele então perguntou se teria que se sentar no sofá se quisesse
conversar comigo, e eu respondi-lhe que ficava a critério dele, que ele poderia
sentar-se onde preferisse. “É que eu não vou me sentir bem de ficar sentado
num sofá no meio do expediente, prefiro sentar na cadeira”, eu perguntei:
“nessa em que você está?”, ele apontou para a que estava em frente ao sofá
onde eu costumo sentar-me quando atendo a alguém: “naquela”. Eu lhe disse
que podia e perguntei se ele gostaria de continuar a nossa conversa naquela
hora, e ele disse que não, que voltaria no fim do dia.
Edgar voltou, no final do dia, agitado, disse-me que o dia fora uma
loucura “achei que eu nem conseguiria vir à psicóloga hoje, é Plantão
Psicológico que chama aqui, né?“, disse que achava muito bom ter esse
serviço para eles no hospital, “porque tem dia que não é fácil, e a gente quer
conversar com alguém, mas com quem eu vou falar? No trabalho, você nunca
117
sabe em quem deve confiar, eu estou com problemas em casa e aqui também,
não é fácil”. Contou que a família do seu irmão estava na sua casa porque este
tinha problemas de alcoolismo, e os filhos e a esposa dele não estavam bem,
“aí eu estou cuidando deles, enquanto meu irmão se recupera. Eu estou
esgotado, saio daqui cansado e ainda tenho que dar atenção para eles em
casa, eu mesmo o tenho família, minha mãe e minha irmã que moram
comigo”. Depois de tomar fôlego, continuou: “Acho que nunca tive tempo de
construir minha família, quando eu era mais novo trabalhava bastante e
estudava, nunca deu certo com as moças que eu namorei, e agora continuo
trabalhando muito, acho que não vou conseguir encontrar alguém para casar”.
Questionado sobre se, a despeito de ele querer encontrar uma pessoa,
fora a falta de tempo que o dificultou, com ar indeciso respondeu que vinha
pensando sobre tal fato, “afinal, todo mundo tem tempo para namorar, por que
eu não arrumei tempo?”. Quando lhe perguntei quanto ao que lhe vinha à
cabeça quando se perguntava sobre tal, ele descreveu uma infância muito
solitária, disse que teve que trabalhar desde cedo e que demorou para
melhorar de vida, comprar seu carro, financiar sua casa, e que quase se casou
uma vez, mas não deu certo.
Senti seu senso de responsabilidade e admirei sua coragem para se
abrir, pois percebi que lhe era difícil esse movimento. Continuou a contar que
sentia uma angústia quando pensava sobre isso e, naquele momento em que
estava mais próximo da família do irmão, sentia que “deve ser muito bom ter
pessoas que gostem assim da gente, mas eu não tenho isso”. Depois de um
pequeno silêncio, afirmou que devia ter acontecido algo para ele e para o
irmão, pois acreditava que ambos desperdiçaram essa oportunidade de
118
construir uma família; explicava que o que ele queria dizer é que acreditava
que acontecimentos marcantes da sua infância contribuíram para ele não ter
constituído sua própria família, e que o irmão, apesar de ter uma família, não
parecia ter dado certo e antecipou que não queria aprofundar sobre sua
infância, “tenho que contar minha história toda para você?”, ele perguntou. Ao
entender que não era necessário, e que ele devia me contar o que sentisse
vontade e necessidade naquele momento, falou-me que tem pensado muito
sobre como seria ter uma família, ter filhos, ter uma esposa em casa, se seria
bom. “Meus amigos vivem reclamando das esposas, então, eu fico mais
tranqüilo, pensando que mesmo eu sentindo falta, nem sempre seria bom”.
Refletiu que tudo, na vida, tinha dois lados e fez uma analogia com seu
trabalho, ao contar que batalhou muito para chegar ao cargo que ocupava,
queria muito melhorar de vida, crescer profissionalmente, “e estou
conseguindo, mas tem dia que dá vontade de largar tudo, nem sempre é bom
como quem está de fora percebe”.
O nome do Edgar foi anunciado no auto-falante do hospital, ele bateu as
mãos no braço da cadeira e exclamou: “ta vendo, começou, não posso sair
nem meia hora que já me chamam!”. Depois de usar o telefone da sala em que
estávamos, para ligar no ramal solicitado, ele disse que precisava ir, “eu não
disse para onde eu tinha vindo, e eles estão me procurando”.
Eu lhe disse que entendia, que ele precisava cuidar do trabalho dele,
que estava à disposição caso ele sentisse vontade de continuar a nossa
conversa. Ele perguntou-me se poderia voltar para conversar sobre outro
assunto que não tinha relação com ele, e sim, com a sua sobrinha que não
estava muito bem; eu lhe disse que sim, que se ele estava preocupado com
119
ela, relacionava-se com ele também. Ele riu como quem não havia pensado
assim e complementou que também queria falar dos seus relacionamentos no
ambiente de trabalho e questionou-me se o que fosse falado não sairia daquela
sala. Eu confirmei que sim, que tudo que falássemos, ficaria somente entre nós
dois. Ele finalizou agradecendo e afirmou ter sido bom poder desabafar um
pouco o que ele estava sentido, “eu estava com uma angústia no peito com
tudo isso que está acontecendo que foi bom dar esta parada para recarregar,
mesmo que tenha sido pouco tempo”. Deu-me um aperto de mão forte, eu
retribuí e desejei-lhe bom trabalho.
Ao reclinar-me sobre esse plantão, evidencia-se como Edgar toma
consciência de si ao envolver-se com o problema de outra pessoa, que seus
anseios emergiram a partir do que tem acontecido com a família do seu irmão.
Ele tem como questionamento, nesse plantão, entender por que não constituiu
sua própria família, como seu irmão e a maioria dos seus amigos o fizeram;
aproxima-se dessa vivência ao perceber o sentimento que a cunhada e
sobrinhos nutrem pelo seu irmão e que ele não tem na sua vida uma esposa
e filhos para se preocupar com ele, dar-lhe afeto.
A partir desse questionamento existencial: “o que o impediu e o impede
de construir sua própria família, ter pessoas que o amem perto?” iniciou um
diálogo interno, abriu um caminho de maior intimidade com seu próprio modo
de funcionar. Fica claro como esse processo desenrolou-se de forma
cuidadosa por ele ao adentrar no seu mundo interno, pois teve consciência dos
caminhos que queria ou o seguir naquele diálogo e, por parte da plantonista,
que usou de delicadeza e empatia para não ser invasiva, ao respeitar-lhe a
120
autonomia para conduzir aquele momento, de se ver mais de perto. Nesse
sentido, os fatos e dados objetivos ficaram em segundo plano, como a
cronologia em que ocorreram e a descrição da sua infância, o que evidenciou
seu momento subjetivo de percepção sobre eles.
Edgar interpreta que algo na infância dele e do irmão influenciou para
que não tenham tido “sucesso” ao formarem suas famílias, que ele não veio
a se casar e seu irmão está se tratando de alcoolismo e, assim, ocorrem
problemas à família dele construída. Ao mesmo tempo em que entra em
contato com essa vivência, também se esquiva - é respeitado esse limite e
essa liberdade de Edgar de não se expor mais do que gostaria e de não
aprofundar o que sente que lhe traria muita angústia ou mal-estar psicológico
naquele momento. Quanto a sentir-se angustiado, Rogers (1961/1997)
descreve esse processo como a percepção do seu próprio estado de
incongruência que se desenvolve quando o self experiencia um desacordo
entre o vivido e a simbolização deste, isto é, quando a abertura a novas
experiências fica condicionada à manutenção do self. Essa discrepância ou
incongruência entre o self e as percepções atuais é entendida no sentido de
que o conceito de self resiste em incorporar a si qualquer percepção que não
seja consistente com sua organização atual.
O tempo daquele plantão foi em torno de meia hora, mas, como
esperado, foi vivido de forma subjetiva, pois, apesar de Edgar não sair dele
com respostas para seu questionamento, pôde ter um maior contato com essa
parte da sua vida afetiva que deixou de cuidar, e deu-se conta de dois motivos
para tal: sentiu que, de alguma forma, as experiências da sua infância
contribuíram para tal e devido à grande dedicação à sua carreira em busca de
121
estabilidade financeira. Dessa forma, por um lado, responsabiliza-se ao
assumir que escolheu dedicar-se à carreira mais do que a outros setores da
sua vida, no entanto, por outro lado, evidencia-se que não atualizou elementos
ou eventos da sua infância, e responsabilizou-os pelo seu destino ou “fracasso”
na tarefa de construir sua própria família - como se não fosse ele mesmo essa
experiência, essa trajetória de vida, e sim, um objeto externo e imutável.
Quanto ao conceito de liberdade experiencial, que Rogers (1977)
relaciona à congruência entre self e experiência, entende-se que não é papel
do plantonista tentar mudar a percepção, pois a pessoa deve ter a autonomia
de reconhecer e de elaborar suas experiências e sentimentos pessoais como
ela os experimenta e independente de sua conformidade às normas sociais e
morais que regem seu meio. Também é justo apontar que o fato de Edgar
procurar uma atenção psicológica para acompanhá-lo nessa tarefa de
questionar-se, pode apontar um self mais flexível do que Edgar apresentou,
como se, nessa conversa, demonstrasse apenas a ponta de um iceberg, que
se permitiu vislumbrar outras possibilidades e anseios para sua vida atual
nesse sentido, o próprio ato de falar pôde ser uma forma de significar. Edgar
mostrou intenção de que as experiências que antes o deixaram atado não o
determinem mais, assim, novas simbolizações possibilitarão conscientizar-se
das influências externas e internas que se apresentam na sua história de vida.
Edgar declarou ter se sentido aliviado no fim do plantão, no entanto,
questionou se nossa relação naquele ambiente era protegida no quesito
sigilo; após confirmação, acrescentou estar interessado em voltar para
cuidar de outros assuntos, como sua sobrinha e, principalmente, seus
relacionamentos no ambiente de trabalho. Nesse sentido, aquele plantão
122
apontou ter a função de prepará-lo para adentrar em assuntos mais difíceis,
como se ele tivesse ido nessa primeira vez, para definir e conhecer se era
um lugar seguro para cuidar de assuntos que o tinham espaço no seu
cotidiano de vida e de trabalho, muito menos, sozinho. Ressalta-se, dessa
forma, que o potencial curativo dos encontros reside na possibilidade de
estabelecer-se uma relação genuinamente humana e real; o plantão requer
o envolvimento e a busca de ambos, plantonista e cliente, nessa relação
construtiva.
Poderíamos dizer que vemos o significado que as coisas têm para nós. Se
não vemos o significado não vemos coisa alguma (Van Den Berg)
O Plantão Psicológico revisitado.
A modalidade de atenção psicológica denominada plantão psicológico
não se configura ainda como um modelo estabelecido de ajuda psicológica,
pois nasceu, despretensiosamente, com o objetivo de responder a demandas
psicológicas que não se adequavam às formas tradicionais assumidas pelas
práticas clínicas em contextos institucionais de saúde pública. É uma resposta
inovadora que acabou por democratizar o atendimento psicológico, isto é,
apresentou-se como uma relação de ajuda oferecida a quem dela precisasse,
imediata e inclusiva, ainda que sob uma perspectiva clínica rigorosa diante do
sofrimento psicológico que se manifesta sob múltiplas faces. Assim, o é um
modelo de atendimento psicológico pronto, e sim, uma prática psicológica
flexível que abre possibilidades para a instituição em que se insere, que deve
ser compreendido como um fenômeno que se abre às possibilidades e que
deve reconstruir-se continuamente; inventando-se a partir dos sentidos que lhe
imprimirão aqueles a quem servirá. O risco é que seja aprisionado como
apenas mais uma prática da qual a instituição lança mão para resolver
problemas crônicos e com a formação de uma grande lista de espera. O
desafio é inserir-se nas instituições sem perder a autonomia e a originalidade
que lhe conferiram significados próprios.
O momento da busca espontânea do cliente pelo atendimento de
plantão é motivado pela vulnerabilidade que a experiência da angústia promove
124
nele; há a presença de um acontecimento de vida que o ameaça, por lhe
faltar um sentido; o atendimento viabiliza-se a partir do que mobiliza o cliente, e
o impede de prosseguir com autonomia, em seu processo de crescimento
psicológico. O plantonista deve oferecer-se como um outro que é capaz de
legitimar a angústia do cliente, por meio de atitudes terapêuticas que facilitem a
busca pelo significado da experiência, ao atualizá-la para além das
contingências que a vida impõe. O plantonista deve estar atento e disponível,
porém sem a expectativa de um próximo encontro como premissa para a
solução do problema. Ambos, plantonista e cliente, têm sua consciência
alterada nesse sentido. Os elementos essenciais para que esse tipo de relação
de ajuda possa ser eficaz incluem a mobilização do cliente e a presença ativa
do plantonista para disponibilizar o suporte psicológico necessário – essa é sua
configuração básica.
Esta pesquisa evidenciou uma significativa alteração na maneira como o
cliente vivencia os problemas que o mobilizaram a buscar o plantão
psicológico, entre o início e o término do atendimento, ao permitir vislumbrar
um processo de mudança psicológica na direção da retomada da autonomia
pessoal. A duração limitada do encontro, colocada como um determinante,
mostrou-se potencializadora para o estabelecimento de um vínculo afetivo
importante, ao mobilizar o cliente a voltar-se para si mesmo a partir da
preocupação autêntica do profissional que se concentra em conhecê-lo, pela
via da empatia; ao mesmo tempo em que o confirma como alguém digno de
confiança, pela via da aceitação incondicional. Por conseguinte, a dimensão
temporal torna-se uma aliada para o objetivo dessa modalidade de atenção
psicológica, pois permite a atualização da historicidade por meio da
125
peculiaridade desse encontro intersubjetivo. Sabemos que, psicológica e
fenomenologicamente falando, uma hora pode ser vivida como uma eternidade,
e a eternidade pode ser vivida como um instante.
Trata-se de uma relação intersubjetiva, o que significa que afeta a
ambos os participantes, e tem como finalidade facilitar o encontro do cliente
consigo mesmo e, em conseqüência, com seu crescimento pessoal. Entende-
se que, na modalidade de plantão psicológico, esse processo também ocorre
como em qualquer outra modalidade de intervenção psicológica, no entanto,
cada modalidade e cada contexto têm suas peculiaridades. Destacam-se, a
seguir, alguns elementos que caracterizaram o processo de mudança
psicológica apreendidos no cliente a partir do atendimento de plantão
psicológico pela pesquisadora no contexto de um hospital geral.
Durante os atendimentos, emergiram novos significados em relação ao
questionamento inicial que trouxe os clientes ao plantão: a partir de um
sentimento de desconforto emocional, aprofundou-se a questão psicológica
que foi trazida ao encontro, e foi inevitável o sentimento de frustração deles, ao
perceberem que não poderiam, simplesmente, distanciar-se dos seus
problemas, ao despejá-los no psicólogo; mas, ao contrário, tiveram que se
apropriar dessas vivências de forma subjetiva, ao intuírem que suas
queixas/problemas eram intrínsecas a eles, e não, objetos externos como os
representavam no início, ao transformarem-se em um “olhar para dentro de si
mesmos”. Nesse percurso, a ansiedade tomou conta dos clientes, tatearam
seus sentimentos, como medo, frustração, confusão, insegurança, na iminência
de entrar em contato com o real questionamento daquele momento. Ao
conseguirem aproximar-se de seu âmago, sentiram a angústia de forma
126
iminente, a qual, durante o plantão, vai sendo desdobrada em outros
questionamentos e sentidos a partir de uma relação dialógica.
Apesar de suas vivências serem mais abrangentes e profundas do que
aquilo o que foi experienciado no encontro de plantão, este trouxe à luz
algumas questões que estavam paralisando os clientes, como os aspectos que
apreenderam de si mesmos sobre os quais não tinham consciência e, ao terem
consciência do modo como eles próprios funcionavam, puderam reconhecer
suas incongruências; não sem conflito e sofrimento emocional, pois, ao mesmo
tempo em que assumiram novos elementos, a sua consciência sobre si
mesmos, também os rejeitaram, ao buscarem justificativas para manterem seu
modus vivendi. Ainda assim, sentiram, invariavelmente, uma dose de alívio, ao
significarem à sua maneira o que antes lhes parecia não ter sentido, ao
perceberem que muitas questões não eram da responsabilidade do outro como
entendiam antes, enquanto outras não eram da responsabilidade e do controle
deles mesmos, o que lhe seria mais satisfatório. Encararam, portanto, o difícil
dilema de abandonar certas percepções em função de estarem em contato
com uma nova realidade emocional que lhes surgiu como inegável, quando
submetida à prova da experiência pessoal; renderam-se a si mesmos no
encontro com o outro, abriram mão de posturas rígidas que os mantinham
impermeáveis ao novo, para revelarem-se frágeis naquele momento e foram
recompensados pela apreensão de novos significados sobre si mesmos e
sobre suas preocupações e sofrimento emocional. Ao final do atendimento,
não se olhavam da mesma forma e foram capazes de desfazer o modo habitual
de considerar seus problemas; puderam estar mais aptos a lidar com a difícil
127
tarefa de apropriarem-se de si mesmos e a tomar uma posição pessoal diante
do seu momento de vida, apesar de lhes trazer algum tipo de sofrimento.
Nesse sentido, dispor-se a facilitar a experiência imediata dos clientes
por parte da plantonista mostrou-se muito significativo pelo fato de
desencadear um processo intersubjetivo e, por permitir ao cliente poder
observar-se em funcionamento, sem precisar armar-se de defesas contra as
próprias percepções. Ao ser compreendido em relação aos seus piores
sentimentos de forma profunda - a partir dos seus significados o cliente pode
abrir-se a novos sentimentos; a ausência de julgamento na relação promove a
aceitação do que considerava inaceitável, pois, ao dizer algo de maneira
autêntica a si mesmo numa relação com alguém significativo diminui as
contradições entre o campo fenomenal e o self. Os clientes permitiram-se,
então, experienciar seu self de muitas e peculiares maneiras ao longo do
atendimento de plantão. Tem-se, então, a angústia como reveladora do sentido
mais profundo daquele seu momento de vida, e o falar nesse contexto, como
restaurador da experiência, pois facilita uma simbolização adequada das
experiências vividas.
Os encontros de plantão psicológico constituíram-se como um momento
de abertura e, ao mesmo tempo, de desafio para que os clientes pudessem
rever seus modos de ser no mundo, pois, no início do plantão, estavam apenas
vagamente conscientes acerca das questões que traziam e estas não poderiam
ser respondidas de forma objetiva; tiveram que ser desveladas e percebidas
por meio da sua intencionalidade, única e pessoal, que, essencialmente,
caminhava ao encontro de maior congruência com suas necessidades atuais.
Nesse sentido, Amatuzzi (1990) esclarece que o que deve ser buscado num
128
atendimento psicológico é “a intencionalidade do significado” (p.25) e, não
exatamente, o sentimento deve ser o parâmetro de busca do psicoterapeuta
(Gendlin, 1984), porque a intencionalidade é composta de significados
implícitos, enquanto a experienciação aparece e se expressa a partir de uma
relação.
Buber (1982) afirma que é, no espaço da intersubjetividade, que
emergem os sentidos e significados dos envolvidos na relação. Assim, as
interpretações psicológicas foram construídas de forma relacional e, não, a
partir de uma interpretação, a priori, da teoria do terapeuta em relação ao
cliente. Para tal, o self do plantonista esteve imerso na relação e foi também
experienciado nessa busca de sentido desenvolvida pelo cliente, ao levar-se
em consideração que não existe um sentido único, que ele é um
desdobramento e, ainda, que, muitas vezes, pode vir a distanciar a pessoa de
algo que era tido, anteriormente, como verdade, e que pode gerar sofrimento
psicológico naquele momento.
A busca nos encontros foi pelo domínio de um sentido que oferecesse
coerência, ou seja, embora a plantonista soubesse que o contexto em que
estava inserida ajudava a compreender o cliente - pois os sentidos e
significações também vêm da dinâmica das relações sociais -, buscou,
principalmente, o sentido próprio, aquele que é mais essencial a cada pessoa.
Amatuzzi (1989) evidencia que essa forma de interpretação é baseada numa
ética que se fundamenta na crença do potencial do outro para a geração de
novos sentidos; assim, não se pode escutar o outro literalmente, pois a
expressão da fala é uma procura, uma tentativa de simbolização. Esse tipo de
interpretação se num clima de reciprocidade; pois, somente ao vivenciar-se
129
uma relação, podem surgir novos sentidos e estes não serão, exclusivamente,
do psicoterapeuta ou do cliente, mas, segundo Buber (1982), será um sentido
construído no entre, na relação.
Apesar de o agente da mudança psicológica ser atribuído ao diálogo
humano e genuíno entre dois seres humanos a partir do encontro, cabe aos
clientes continuarem o trabalho de atribuir novos significados a esses
desdobramentos feitos, e deve o plantonista apenas confiar no desejo de
crescimento e de mudança dos clientes e na capacidade natural de
simbolização do ser humano. Nesse contexto, mudança psicológica
significativa refere-se à mudança na percepção da pessoa e à retomada da
autonomia pessoal, que a fala significativa do cliente abre possibilidades; o
que evidencia, assim, não os fatos, e sim, o processo de consciência.
Fica evidente que o papel do psicoterapeuta é deixar a pessoa com o
reconhecimento das questões que enfrenta (Rogers, 1987), no entanto, ações
práticas e mudanças no padrão de comportamento da pessoa podem vir a
ocorrer.
Nesse sentido, a atitude de empatia apresentou-se como um movimento
afetivo-cognitivo do plantonista em direção à perspectiva fenomenológica do
cliente. A partir da intimidade do terapeuta com a experiência do cliente e da
relação dialógica construíram-se os significados e sentidos do vivido, e
apresentou-se a intersubjetividade em movimento. A atitude de aceitação
incondicional da vivência psicológica por parte do plantonista surpreendeu o
cliente, pois o primeiro não se propôs a mudar a representação que o cliente
apresenta sobre si mesmo, porém, exigiu dele uma nova afirmação de si.
Atitudes de aceitação positiva incondicional e de empatia comunicadas pelo
130
plantonista, ao longo do atendimento, tornaram-se essenciais no
desencadeamento de um processo de crescimento psicológico no qual o
sentido das experiências contadas foi mobilizado e potencializou um produtivo
reencontro consigo mesmo, portanto, uma disponibilidade emocional autêntica
por parte do plantonista possibilitou que o cliente se apropriasse do espaço
clínico.
Assim, a relação não se constituiu como uma relação de mão única em
que apenas um fala para o outro, e o outro o ajuda (Buber, 1982). Evidenciou-
se a importância da reciprocidade e da mutualidade na relação, trata-se do
fenômeno de ambos serem interpelados e se transformarem mutuamente a
simbolização adequada ocorre a partir da fala e da escuta genuína de ambos
ao longo do processo. Assim, essa modalidade de atenção psicológica sob a
perspectiva humanista-fenomenológica passa pelo processo de quebra do
discurso mecanizado em prol de um modelo relacional, que traz embutido em si
uma dimensão do ouvir que provoca o contato com o outro. Foi por meio da
relação e da expressão de suas vivências que o cliente pôde mobilizar em si
mudanças psicológicas; portanto, torna-se crucial, na relação de ajuda
psicológica, o ouvir e o responder de forma mútua e autêntica. A partir do
encontro intersubjetivo, ocorreu a integração de alguns elementos psicológicos,
pela apropriação da sua própria dinâmica psicológica, ou mesmo, apenas uma
aproximação do que se passava dentro de si é o que permitiu um grau maior
de integração e, assim, o potencial de cada cliente encontrou-se mais
plenamente liberado para atuar e aproximar-se do que “realmente se é”, ao
menos, naquele momento.
131
Enfim, nos atendimentos de plantão psicológico, priorizou-se a
compreensão do cliente em sua dimensão total como pessoa, ao considerá-o
na expressão mais profunda da sua experiência; a qual foi presentificada e
singularizada a partir da relação dialógica e compõe-se de comunicação,
consciência, sentimentos, intencionalidade e atitudes. Assim, não basta apenas
uma consciência acerca dos fatos, mas sim, dos significados, e é necessária a
implicação pessoal de ambos nessa exploração. Por isso, pode-se dizer que a
modalidade de plantão psicológico baseia-se na crença de que o ser humano é
digno de confiança, capaz de desenvolver e de exercer seu potencial como
pessoa, mesmo que, às vezes, necessite da ajuda de outra pessoa, no caso, o
psicólogo, para se reorganizar e atuar com todos os seus recursos internos já
existentes, pois é, a partir da relação com o outro, que o ser humano apropria-
se de si mesmo, da sua subjetividade única e singular - contradição que se
apresenta como condição inevitável do ser humano.
É preciso decidir terminar, pois sempre algo que poderia ser dito. E
não decidir aqui (mas, pelo contrário, continuar falando) seria estagnar
a vida, pois é com essa decisão que se muda de nível, é essa
decisão, apoiada sem dúvida no sentimento de completude de uma
presença, que transporta o sujeito (Mauro Amatuzzi)
Conclusão
Esta pesquisa pretendeu apreender os elementos experienciais
presentes numa modalidade de atenção psicológica clínica conhecida como
plantão psicológico, que, além de propor-se à construção de um conhecimento
gerado a partir do diálogo entre teoria e prática, permitiu à pesquisadora
ampliar sua prática profissional e enriquecer seu conhecimento clínico
vivencial. Ademais, culminou com uma contribuição de natureza social, ao
empenhar-se numa empreitada que trouxe benefícios à qualidade de vida dos
funcionários de um hospital geral.
Nos atendimentos de plantão, o fazer clínico mostrou-se diferenciado, o que
ocasionou uma desconstrução da forma tradicional de se fazer clínica,
principalmente, quanto às dimensões temporais e relacionais. Evidenciou-se
um processo de mudança psicológica significativa no contexto de atendimento
de plantão psicológico, o qual levou a uma simbolização adequada das
experiências vividas pelos clientes. Os elementos que facilitaram esse
processo de simbolização podem ser descritos a partir da angústia, que
mobiliza o cliente a buscar a ajuda psicológica; a duração limitada do encontro
que se apresenta como potencializadora para o estabelecimento de um vínculo
afetivo; a disponibilidade emocional autêntica por parte do plantonista, a qual
133
se traduz pelas atitudes de aceitação positiva incondicional, empatia e
congruência comunicadas pelo mesmo ao longo do atendimento, e, ainda, o
estar em relação, no sentido buberiano, quando se evidencia a importância da
reciprocidade e da mutualidade na relação, que a simbolização adequada
ocorre a partir da fala e da escuta genuína de ambos plantonista e cliente -
ao longo do processo.
Percebe-se que a vivência que decorre da relação/atendimento desse
tipo foca-se num encontro dialógico que permite ao cliente assumir novos
posicionamentos diante de si mesmo e do mundo, o que legitima o seu modo
de ser e de sentir naquele momento de vida específico. Além disso, essa
modalidade clínica torna-se um exemplo de atenção psicológica na qual se
estabelece um campo dialógico que supera o uso de técnicas para apoiar-se
no compromisso humano e relacional. Bleger (1963) propõe o abandono de
teorizações e de técnicas mecanicistas para se referir ao fenômeno humano,
ao enfatizar a integração entre o campo experiencial e o teórico.
Protagonizar o acontecer clínico sob a forma de narrativa mostrou-se
especialmente produtivo, pois propiciou um intercâmbio entre a experiência
humana e sua compreensão e interpretação, ao permitir a expressão das
diversas dimensões do vivido. A narrativa constituiu-se como uma autêntica
expressão do encontro: desde o início do atendimento, caracterizado por um
contato impessoal do cliente com seu próprio sofrimento, visto como exterior a
si próprio, até a gradual aproximação em relação à experiência de angústia, ao
ter como norteador o encontro intersubjetivo inevitável entre plantonista e
cliente. que o princípio norteador de uma pesquisa fenomenológica é uma
134
relação de implicação entre pesquisador e participante, a subjetividade da
pesquisadora e suas idiossincrasias foram elementos importantes no processo
de desvelar o acontecer clínico em relação ao fenômeno da mudança
psicológica significativa desencadeada no cliente, a partir da experiência de ser
atendido nessa modalidade de intervenção psicológica. Assim como o
fenômeno, na concepção husserliana, é tudo de que se pode ter consciência, o
processo de construção de significado é um fluxo, não é estagnado, assim
como a consciência não é (Husserl, 1954/2008). No processo de simbolização,
ao entrar-se em contato com uma experiência, esta é significada de forma
diferente e ao ser esta comunicada, o sentido dela também é alterado. Buber
(1923/2001) afirma que a tomada de consciência acontece em relação, o
que significa que é somente no encontro com o outro que posso aproximar-me
de mim mesmo.
Embora houvesse um processo delineado nos próprios atendimentos
de plantão psicológico, as narrativas o ampliaram, pois permitiram sair do
descritivo e adentrar os sentidos e significados, ao levar-se em consideração o
não dito para apreender o fenômeno a partir da interpretação e
intersubjetividade na relação plantonista e cliente. Apesar de se manter a
essência do processo de atribuição de significados que emergiram nos
atendimentos, a narrativa não se esgota, que as pesquisas o temporais e,
em outro momento, esses mesmos significados podem ser desdobrados e
suscitar o interesse do leitor acerca do tema, que os significados se
constroem e se transmitem, ao evidenciarem o humano em movimento.
Finalmente, a perspectiva centrada na pessoa de Rogers amparou a
pesquisadora na sua prática clínica, ao nutri-la com princípios norteadores para
135
o desencadeamento da relação com os clientes. Deve-se, pois, enfatizar que
os pilares do Humanismo guiaram esta pesquisa-intervenção por meio das
noções de alteridade, autenticidade, auto-atualização, liberdade de
pensamento, de expressão e de escolha. Além disso, tais pilares possibilitaram
o encontro inter-humano, pois se considerou a capacidade unicamente humana
de pensar o mundo e as relações por meio de uma consciência reflexiva e
intencional, levando-se em conta que não como apreender as vivências e
significados originais do outro, pois estes são tecidos e apreendidos por meio
da relação, do diálogo e a partir do contexto pessoal e histórico.
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145
Anexo A - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
Eu, Tatiana Hoffmann Palmieri, aluna do Curso de Doutorado do
Programa de Pós-Graduação em Psicologia da PUC-Campinas, estou
realizando uma pesquisa sobre processo de mudança psicológica
desencadeado a partir do atendimento de plantão psicológico, e para tanto,
utilizarei as anotações por mim escritas, após a realização destas sessões de
plantão psicológico. O conteúdo destas anotações se utilizado,
exclusivamente, para fins de análise e publicação científica, suprimindo-se os
dados que permitam a identificação do(a) cliente.
Coloco-me à disposição para quaisquer outros esclarecimentos no
endereço eletrônico: tatain[email protected] ou pelo telefone (19) 3386-1190. O
telefone do Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da PUC-
Campinas também estará à disposição dos participantes: (19) 33436777.
Eu__________________________________, RG__________________,
declaro ter concordado em participar da pesquisa de Doutorado de autoria da
psicóloga Tatiana Hoffmann Palmieri, permitindo que ela utilize as anotações
das sessões de plantão psicológico da(s) qual(s) participei, exclusivamente
para fins de pesquisa, tendo ela se comprometido a não revelar quaisquer
dados que possam identificar-me. Declaro, ainda, ter sido suficientemente
informado(a) acerca dos objetivos e da metodologia deste estudo e de que
minha participação é voluntária, sendo mantido sigilo sobre minha identidade
pessoal, mesmo em futuras publicações.
Estou ciente de que poderei a qualquer momento retirar meu
consentimento, caso isto se justifique por quebra das condições ora propostas
pela pesquisadora, e que isto não implicará em danos para futuros
atendimentos no Serviço de Atenção Psicológica oferecido pela Instituição.
____________________________ _______________________________
Assinatura da pesquisadora Assinatura do participante da pesquisa
Cidade, ______de_______________ de 200_.
146
Anexo B – Carta de autorização da instituição
Informações sobre a Pesquisa
Esta Pesquisa intitulada “Plantão psicológico: o processo de mudança
psicológica sob a perspectiva da psicologia humanista” está sendo
desenvolvida, como parte dos requisitos exigidos para a obtenção do título de
Doutor em Psicologia, pela psicóloga Tatiana Hoffmann Palmieri junto ao
Programa de Pós Graduação em Psicologia da PUC-Campinas.
A pesquisa propõe-se a compreender o processo de mudança
psicológica desencadeado no cliente a partir do atendimento de plantão
psicológico. Para tanto, a pesquisadora construirá algumas narrativas fictícias –
para preservar a identidade dos clientes-funcionários - inspiradas em
sua prática clínica desenvolvida neste Hospital.
Aponta-se que as narrativas formam-se com base na experiência da
pesquisadora ao efetivar inúmeros atendimentos de plantão psicológico, e não
a partir de atendimentos específicos; sendo assim, não se prevê a
possibilidade de prejuízos/riscos para os clientes-funcionários, pois estes
passaram pelo atendimento, tendo assinado um Termo de Consentimento Livre
e Esclarecido adequado às condições desta pesquisa. Quanto aos benefícios
decorrentes da realização desta pesquisa, dizem respeito à contribuição para o
desenvolvimento teórico e prático da Psicologia Clínica em instituições como
também, o benefício direto aos funcionários desta instituição que tiveram um
Serviço de Atenção Psicológica disponibilizado a eles gratuitamente.
Coloco-me a disposição para possíveis esclarecimentos pelo endereço
eletrônico [email protected] ou pelo telefone 19- 33861190.
________________________________
Tatiana H. Palmieri CRP 06/73748
Doutoranda em Psicologia
147
Carta de autorização para realização da Pesquisa no Hospital
Autorizo a Psicóloga Tatiana Hoffmann Palmieri, doutoranda em
Psicologia junto ao Programa de s Graduação em Psicologia da Puc-
Campinas a realizar a pesquisa intitulada “Plantão psicológico: o processo de
mudança psicológica sob a perspectiva da psicologia humanista”, a partir dos
atendimentos realizados no Serviço de Atenção Psicológica que oferece aos
funcionários deste Hospital.
Declaro estar ciente da Resolução 196/96 do Ministério da Saúde que
regulamenta as pesquisas com seres humanos no Brasil. Também estou ciente
de que o objetivo deste estudo refere-se a compreender o processo
de mudança psicológica desencadeado no cliente a partir do atendimento de
plantão psicológico e que a identidade dos funcionários atendidos será
preservada.
_________________________________
Diretoria da Instituição
Data: __/__/___
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