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Universidade Federal do Rio de Janeiro
Instituto de Psicologia
Programa de Pós-graduação em Teoria Psicanalítica
Bulimia: uma resposta paradoxal
Camila Peixoto Farias
2009
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UFRJ
Bulimia: uma resposta paradoxal
Camila Peixoto Farias
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de
Pós-graduação em Teoria Psicanalítica, Instituto de
Psicologia, da Universidade Federal do Rio de Janeiro,
como parte dos requisitos necessários à obtenção do
título de Mestre em Teoria Psicanalítica.
Orientadora: Marta Rezende Cardoso
Rio de Janeiro
Fevereiro/2009
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Bulimia: uma resposta paradoxal
Camila Peixoto Farias
Orientadora: Marta Rezende Cardoso
Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Teoria
Psicanalítica, Instituto de Psicologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ,
como parte dos requisitos à obtenção do título de Mestre em Teoria Psicanalítica.
Aprovada por:
___________________________________
Profa. Dra. Marta Rezende Cardoso
___________________________________
Profa. Dra. Cláudia Amorim Garcia
___________________________________
Profa. Dra. Maria Isabel de Andrade Fortes
Rio de Janeiro
Fevereiro/2009
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Farias, Camila Peixoto
Bulimia: uma resposta paradoxal.
Camila Peixoto Farias. Rio de Janeiro: UFRJ/IP, 2009
95 f. ; 29,7 cm
Orientadora: Marta Rezende Cardoso
Dissertação (Mestrado) UFRJ/IP/Programa de Pós-graduação em
Teoria Psicanalítica, 2008.
Referências Bibliográficas: f. 93-95.
1. Bulimia 2. Trauma. 3. Paradoxalidade. 4. Psicanálise. 5.
Dissertação (Mestrado). I. Cardoso, Marta Rezende. II.
Universidade Federal do Rio de Janeiro/ Instituto de Psicologia/
Programa de Pós-graduação em Teoria Psicanalítica. III. Título
5
Dedicatória
A Maiquel dos Santos Canabarro,
Por acreditar que esse projeto era possível, e lançar-se comigo nessa aventura.
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Agradecimentos
A Marta Resende Cardoso pelo acolhimento e pela aposta em meu trabalho, por sua
primorosa e estimulante orientação, mas acima de tudo pela amizade que esse percurso
nos permitiu construir e cultivar.
Aos professores das disciplinas cursadas durante o mestrado pelas enriquecedoras
trocas.
Às professoras Regina Herzog e Isabel Fortes pelas valiosas contribuições no exame de
qualificação.
À CAPES pelo financiamento desta pesquisa.
A Pedro Henrique Rondon pelo cuidadoso trabalho de revisão.
A Maria Luiza Furtado Kahl, que me apresentou à psicanálise, por tudo que ela
representa em meu percurso.
Aos colegas de trabalho da Unidadesica de Saúde de São Martinho da Serra, que me
possibilitaram um imenso crescimento profissional, através do trabalho multidisciplinar
que realizávamos e, sobretudo, pelo imenso crescimento pessoal e pelos laços que o
convívio com pessoas das mais diversas formações me possibilitou.
A meus pacientes que com suas questões me interrogaram acerca do conhecimento
psicanalítico, motivando este trabalho.
A Dalva Peixoto Farias e Luiz Aldenir Rolin Farias pelo que eles são, e por tudo que
isso me permite ser hoje, meu infinito amor e gratidão.
A Luiz Francisco Peixoto Farias e Gilson Peixoto Farias pelo amor, pela amizade, pelo
apoio e pelo incentivo que sempre meforça para seguir em frente.
A Maiquel dos Santos Canabarro, meu porto seguro, pelo amor e apoio incondicionais,
e acima de tudo pela vida que estamos construindo juntos.
A Shana Wottrich e Síglia Hohër, irmãs que a vida me permitiu escolher.
A Raquel Del Giúdice Monteiro por sua amizade e por sua presença carinhosa e
incentivadora tão importante ao final deste percurso.
A Ana Bárbara Andrade grande amiga e companheira ao longo do mestrado.
A Lilia Moriconi, Gabriela Maldonado, Bianca Savietto e Patricia Paraboni pelas trocas,
pela força e acima de tudo pela amizade.
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Resumo
Bulimia: uma resposta paradoxal
Camila Peixoto Farias
Orientadora: Marta Rezende Cardoso
Resumo da Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação
em Teoria Psicanalítica, Instituto de Psicologia, da Universidade Federal do Rio de
Janeiro - UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre
em Teoria Psicanalítica.
O principal objetivo desta dissertação é investigar os mecanismos psíquicos
envolvidos na bulimia visando delinear com maior precisão os seus contornos
específicos. Para tal é destacado inicialmente o papel do trauma nessa patologia na qual,
em função da precariedade dos processos de representação, dá-se uma convocação do
corpo e do ato. Vindo complementar este aspecto, analisa-se a questão da dependência
estabelecida entre o ego e o objeto, sob uma perspectiva tanto intrapsíquica quanto
intersubjetiva. Supõe-se que o estado de dependência e submissão do sujeito ao objeto
externo possua um caráter paradoxal em função da ação significativa da pulsão de vida
que vem se mesclar com a dimensão destrutiva que permeia a constituição dessa
modalidade singular de resposta psíquica. A elaboração dessa idéia é apoiada não
somente em aspectos relativos ao registro primário, mas também ao do secundário,
edipiano, registros intimamente articulados entre si.
Ao não permitir uma adequada interiorização do interdito, a travessia do
Complexo de Édipo torna o processo de genitalização ameaçador, provocando a
regressão a uma lógica própria à oralidade, operação que se expressa através do ato
bulímico. Este movimento regressivo constitui um dos elementos essenciais para a
compreensão desse ato/cena cuja singularidade se revela justamente no caráter
paradoxal que comporta. Trata-se de uma “apresentação”, fixada, portanto, no encontro
8
com o objeto primário, mas onde o simultaneamente atuadas, de forma deslocada, a
realização e a recusa de um desejo edipiano transgressivo.
Palavras-chaves: Bulimia Trauma Paradoxalidade Psicanálise Dissertação
(Mestrado).
Rio de Janeiro
Fevereiro/2009
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Abstract
Bulimia, a paradoxical response
Camila Peixoto Farias
Tutor: Marta Rezende Cardoso
Abstract of the Dissertation presented to the Post-graduation Programme of
Psychoanalytic Theory, Instituto de Psicologia da Universidade Federal do Rio de
Janeiro UFRJ, as a part of the requisite for obtaining the Master's Degree in
Psychoanalytic Theory.
The main objective of this dissertation is to investigate the psychological
mechanisms involved in bulimia, aiming at more sharply delineating its specific
contours. So, we highlight at first the role of trauma in this pathology in which the body
and the act are summoned up, because of the precariousness of the representation
processes. In order to complement this, we examine the issue of dependence between
ego and object, from both intra and intersubjective perspectives. The state of
dependence and submission of the subject to the external object is supposed to have a
paradoxical character because of the significant action of the life drive that merges with
the destructive dimension that permeates the constitution of this unique form of
psychological response. The elaboration of this idea is based not only on features
relating to the primary register, but also to the secondary and the oedipal, registers that
are closely articulated to each other.
As the proper internalization of the interdict is not allowed, the crossing of the
Oedipus complex causes the genitalization process to become threatening, leading to the
regression to a logics of orality, an operation that is expressed through the bulimic act.
This regressive movement is one of the essential features for the understanding of the
act/enactment whose uniqueness is revealed precisely in its paradoxical nature. So this
is a "presentation", set to the encounter with the primary object, but where the
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accomplishment and the refusal of an oedipal transgressive desire are simultaneously
acted, in a dislocated way.
Keywords:
Bulimia – Trauma – Paradoxality – Psychoanalysis –
Dissertation (Master’s Grade).
Rio de Janeiro
February/2009
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Sumário
Introdução............................................................................................................. 12
Capítulo I – Compulsão bulímica: uma convocação do corpo e do
outro ........................................................................................................................ 16
I.1 – A dimensão de trauma na bulimia ................................................................... 16
I.2 – O corpo e o excesso pulsional ......................................................................... 18
I.3 – A passagem ao ato .......................................................................................... 21
I.4 – A apresentação de um ritual ............................................................................ 24
I.5 – A apresentação do traumático.......................................................................... 26
I.6 – A dimensão de alteridade ................................................................................ 28
I.7 – O paradoxo bulímico....................................................................................... 30
I.8 – Breve contraponto entre bulimia e anorexia..................................................... 34
Capítulo II – Uma “estranha” dependência ao objeto
........................ 37
II.1 – A lógica da adicção........................................................................................ 37
II.2 – A dependência, no cerne da adicção............................................................... 39
II.3 – Relação de objeto e dependência na adicção .................................................. 44
II.4 – Impossibilidade de acesso à satisfação alucinatória........................................ 47
II.5 – A impossibilidade de “perder” o objeto.......................................................... 50
II.6 – Um movimento regressivo ............................................................................. 53
II.7 – Bulimia versus anorexia................................................................................. 57
II.8 – O estatuto do objeto adictivo.......................................................................... 58
Capítulo III – Impossibilidade de ambivalência: a manifestação de
um paradoxo ........................................................................................................ 62
III.1 – Impossibilidade da introjeção: o predomínio da incorporação....................... 63
III.2 – O mecanismo da clivagem............................................................................ 67
III.3 – A paradoxalidade.......................................................................................... 70
III.4 – A presença de um antagonismo..................................................................... 72
III.5 – A impossibilidade de acesso à ambivalência................................................. 73
III.6 – Organização Edípica..................................................................................... 77
III.7 – Encontro com a genitalização: um encontro ameaçador ................................ 80
III.8 – Uma cena transgressiva ................................................................................ 81
III.9 – Resposta bulímica versus Resposta anoréxica............................................... 86
Considerações finais......................................................................................... 88
Referências Bibliográficas............................................................................. 93
Introdução
Na clínica psicanalítica atual temos nos deparado com significativa incidência de
patologias alimentares. O incremento dessas patologias, cujos sintomas são
predominantemente ligados ao registro do corpo e do ato, tem colocado questões de
grande envergadura na área da Psicanálise. Dentro desse contexto, escolhemos
investigar em nossa pesquisa a patologia da bulimia.
O interesse por esse tema surgiu a partir da nossa experiência profissional como
terapeuta numa Unidade Básica de Saúde em São Martinho da Serra, Estado do Rio
Grande do Sul, durante os anos de 2005 e 2006. Dentro desse campo, viemos a dedicar
especial atenção a pacientes sofrendo de bulimia. O encontro com estas trouxe-nos
inúmeros questionamentos acerca da montagem psíquica que poderia estar subjacente à
resposta bulímica, particularmente no que se refere à estruturação narcísica desses
sujeitos e à questão da singularidade do modo de relação estabelecido entre sujeito e
objeto. Naquela ocasião, questionávamo-nos igualmente quanto a qual seria a forma
singular de sofrimento própria à bulimia, na qual muitas vezes tem lugar, além de uma
ingestão alimentar desmedida, a provocação de vômito logo em seguida, até a expulsão
de todo o alimento anteriormente ingerido.
Em nossa dissertação realizamos uma pesquisa teórica, fundamentada no
referencial da Psicanálise, sobre os mecanismos psíquicos envolvidos na base da
bulimia, visando dar relevo à sua especificidade, procurando, assim, contribuir para a
sua melhor compreensão.
Consideramos que a nossa investigação seja relevante, devido não apenas ao
lugar de destaque que essa patologia vem assumindo no cenário clínico atual, em função
de sua alarmante freqüência, mas fundamentalmente pelo fato de tentarmos melhor
precisar algumas questões mais diretamente ligadas à problemática das relações
objetais, além de procurarmos articulá-la, de forma consistente, aos aspectos tópicos,
econômicos e dinâmicos que estariam na base do fenômeno. Esta investigação se revela
essencial para que possamos alcançar uma compreensão mais aprofundada do tema, o
que poderá vir a iluminar, valeria acrescentar, a própria condução do tratamento de tais
pacientes. Acreditamos também que a nossa pesquisa possa vir a contribuir, em um
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âmbito mais geral, para uma maior entendimento dos diversos matizes existentes nas
relações entre corpo, ato e psiquismo.
Na bulimia, o sofrimento é privilegiadamente expresso por meio do registro da
convocação do corpo, através do ato, o que nos permite supor a existência de uma
precariedade no que concerne aos mecanismos de simbolização psíquica. Constatamos
a presença de um modo peculiar de defesa que envolve, dentre outros aspectos, um
curto-circuito do trabalho de elaboração psíquica e a conseqüente convocação dos
registros corporal e comportamental. Isso nos leva a pensar que, na base desse processo
de adoecimento haveria a presença de uma dimensão traumática, dimensão de violência
psíquica, que nos parece habitar essa problemática a qual, no nosso entender, pode ser
situada na categoria dos estados limites.
Explorando algumas questões centrais relativas a esse campo mais amplo,
viemos abrir vias produtivas em nossa análise sobre os processos e mecanismos
psíquicos envolvidos na bulimia. Viemos, assim, nela destacar a problemática do
trauma, a qual aponta para a precariedade no plano do desenvolvimento psíquico vindo
comprometer a delimitação das fronteiras existentes entre o eu e o outro. O sujeito
tende, neste caso, a apresentar dificuldades no manejo da relação com o outro com a
alteridade o que, em última instância, evidencia uma dificuldade de ordem narcísica.
Essa dificuldade não pode, entretanto, ser dissociada daquela que diz respeito à ordem
pulsional, em particular, à questão do excesso pulsional e de sua relação com a
alteridade.
Partimos, então, do exame dessas categorias mais gerais relativas ao campo dos
estados limites, utilizando-as como instrumentos privilegiados em nossa tentativa de
compreensão da montagem psíquica que estaria implicada na resposta bulímica, tendo
em vista a complexa e tortuosa relação aí travada entre sujeito e objeto. Nesta vemos
evidenciar-se, dentre muitos outros fenômenos, um funcionamento limite, precário, no
plano da constituição e manutenção da fronteira eu/outro. Concedemos, então, particular
atenção à dimensão traumática do encontro com outro e ao seu papel na estruturação
narcísica.
Encontramos freqüentemente na literatura dedicada às patologias alimentares a
tendência a considerações em que se observa uma imbricação da bulimia com a
anorexia. Embora reconheçamos que essas patologias possuem vários pontos de
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contato, nossa investigação vem contrariar aquele movimento. Um de nossos principais
objetivos é justamente o de marcar certos pontos de diferenciação entre elas, visando
acentuar a singularidade que seria própria da bulimia.
Uma das hipóteses que tentamos elaborar nesta pesquisa, hipótese segundo a
qual haveria uma presença significativa da ação da pulsão de vida na bulimia, parece-
nos bastante frutífera Ao considerarmos esse aspecto, somos conduzidos à construção
de uma distinção consistente entre a bulimia e a anorexia, além de oferecermos uma
delimitação mais precisa dos contornos específicos da bulimia.
O roteiro que adotamos segue, em linhas gerais, uma estrutura em que em
primeiro lugar exploraremos a relação que o sujeito bulímico estabelece com seu corpo,
tendo como referência a dimensão de violência psíquica que estaria na base de sua
constituição psíquica. Analisaremos nesse momento o ato bulímico, buscando
circunscrever a sua especificidade e conhecer de que modo a dimensão de alteridade
interna/externa poderia estar aí implicada.
No segundo capítulo, investigaremos a organização pulsional que assentaria a
resposta bulímica, procurando dar, assim, continuidade à nossa discussão a respeito das
particularidades desse funcionamento quanto ao encontro com o outro interno/externo.
Para realizar tal tarefa, escolhemos explorar a singular relação de dependência com o
objeto envolvida nessa patologia. Analisaremos a problemática da dependência a partir
do universo mais geral das adicções, do qual faz parte a bulimia, tendo em vista,
inclusive, o posterior exame de aspectos relativos ao seu modo mais específico de
dependência.
Em nossa análise das adicções, queremos sublinhar a relação com os objetos
libidinais e o modo de funcionamento psíquico que engendra. Nesse contexto, a relação
com o objeto primário, mais especificamente o que concerne à sua internalização,
adquire grande relevância, uma vez que esse processo revela-se fundamental para a
diferenciação/separação entre sujeito e objeto, ponto que vem, assim, iluminar a nossa
abordagem da problemática da dependência. Interessa-nos muito compreender a
“estranha” relação de dependência que se estabelece entre o sujeito bulímico e o objeto,
aspecto que nos leva a explorar qual seria o estatuto metapsicológico mais específico do
objeto da adicção bulímica – a comida.
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Concluindo o nosso percurso, analisaremos, no terceiro capítulo desta
dissertação, a alternância entre a avidez e a rejeição dirigidas ao objeto, o que pode ser
observado na crise bulímica. Um dos pontos envolvidos refere-se, especialmente, aos
aspectos psíquicos que embasariam esse duplo movimento, apontando para o
movimento paradoxal que nos parece caracterizar tal patologia. Na oscilação constante
que ela comporta, vislumbramos uma particular economia dos investimentos libidinais,
principalmente no que se refere à possibilidade de ambivalência e dialetização.
Ao examinarmos esse aspecto, procuramos estabelecer uma articulação
conseqüente entre os aspectos primários e edípicos. Desta forma, iremos ainda abordar,
mesmo que de forma breve, o desenvolvimento psicossexual feminino, que
consideramos possuir significativa importância para a compreensão da bulimia,
levando-se em conta a sua incidência consideravelmente maior nas mulheres. A partir
da análise de alguns elementos relativos à problemática feminina, preocupamo-nos em
sublinhar o caráter transgressivo que acreditamos estar presente na bulimia. Esta
conclusão nos permite indicar com mais precisão alguns traços singulares da bulimia,
além de vir a fortalecer a nossa hipótese da presença significativa da ação da pulsão de
vida.
A compreensão da bulimia é extremamente complexa e aponta para múltiplas
direções. Portanto, em nossa pesquisa furtamo-nos à pretensão de esgotar a discussão.
Imbuídos desse espírito, passemos, então, à apresentação dos principais passos do
percurso que viemos a realizar em nosso curso de Mestrado.
Capítulo I – Compulsão bulímica: uma convocação do corpo e
do outro
A crise bulímica é caracterizada pela ingestão de alimento, realizada de forma
impulsiva e voraz, na maioria das vezes às pressas e às escondidas. Este ato é seguido
de comportamentos compensatórios inadequados. O principal deles é o vômito auto-
induzido, além do uso indevido de laxantes e diuréticos, prática de jejuns e exercícios
físicos excessivos, acompanhados de intenso medo de ganhar peso, assim como de uma
perturbação na percepção do corpo, de suas sensações, sua forma, dimensões e
contorno. Essa conduta é sentida pelo sujeito como uma exigência imperativa de comer,
aspecto julgado excessivo por ele próprio.
O caráter abrupto e compulsivo da crise bulímica demanda uma análise da
singularidade da economia pulsional no sujeito bulímico. Neste observamos a tendência
à repetição, à desorganização do ego, e um recurso ao agir, indicativo de deslocamento
do registro psíquico interno para o exterior. O sofrimento passa a ser expressado pela
via do corpo e do ato. Estes aspectos nos remetem a uma investigação do papel da
dimensão de violência psíquica, dimensão de trauma nessa patologia.
Neste capítulo será, então, explorada a relação que o sujeito bulímico estabelece
com seu corpo, tendo como pano de fundo a questão do traumático na vida psíquica,
seus fundamentos e destinos. Analisaremos a especificidade da passagem ao ato na
bulimia, dirigindo-nos de maneira mais específica, à forma como a dimensão de
alteridade interna/externa pode estar implicada. A nossa investigação estará pautada,
particularmente, pelo lugar fundamental que acreditamos ter o trauma e a alteridade na
bulimia.
I.1 – A dimensão de trauma na bulimia
Freud (1920/1972) sustenta que o trauma seria a conseqüência do excesso de
excitação, do rompimento da proteção que defenderia o “órgão anímico” contra as
excitações. Diante do traumático, o processo de elaboração psíquica falha, e com ele, o
domínio do princípio do prazer, pois o aumento do fluxo de excitação estaria além do
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tolerável, impedindo o trabalho psíquico e submetendo, assim, o psiquismo a uma única
tarefa, a de tentar “dominar” tal excitação.
Ao pensar o traumático, Freud articula dois aspectos fundamentais: o efeito
devastador dessa excitação que atinge o escudo protetor, e o completo despreparo do
ego (ou do escudo protetor) para receber essa excitação. Então, a responsável pelo fator
traumático não seria apenas a quantidade de excitação, mas também, a impossibilidade
do ego, naquele momento, de responder ao excesso de excitação. A indicação da
condição de despreparo do escudo protetor como elemento fundamental do traumático
possibilita a Freud mostrar que a situação traumática também diz respeito às
excitações advindas do interior. Desta forma, o que é excessivo para o aparelho psíquico
não viria apenas do exterior, mas também de dentro do próprio sujeito, de seu universo
pulsional (FREUD, 1920/1972, op. cit.).
Freud aponta para a presença, no mundo interno, de uma força pulsional excessiva
que deverá ser sujeitada através de um trabalho de ligação, para que o princípio de
prazer possa se exercer. Esta força pulsional excessiva estaria relacionada diretamente à
ação da pulsão de morte, face destrutiva da pulsão, contrária ao trabalho de ligação, de
representação. Uchitel (2001, p. 56) destaca que: Na instalação do trauma, a excitação
que deveria ter tomado o caminho da representação, da ligação, ficou presa no circuito
incessante das excitações sem forma”.
Em “Os instintos e suas vicissitudes”, a pulsão é descrita por Freud como “medida
da exigência de trabalho que é imposta ao psíquico em conseqüência de sua ligação ao
corporal” (FREUD, 1915/1972, p. 148). Nos termos de Birman (1995, p. 46) “a pulsão é
uma força (drang), antes de mais nada, que precisa ser submetida a um trabalho de
ligação e de simbolização para que possa se inscrever no psiquismo propriamente dito”.
Ou seja, haveria a necessidade do domínio da força pulsional, o que se realiza em torno
dos registros do objeto e da representação. Isso possibilitará a constituição do circuito
pulsional, uma “domesticação” da força pulsional, tornando-a tolerável. Quando não
consegue ser agenciada com eficiência pelo registro do objeto e das representações que
ele permite, a força pulsional se torna excessiva, traumática.
A pulsão, como força, visa à descarga instantânea, sem mediação, inviabilizando a
construção de um circuito pulsional e, conseqüentemente, a obtenção de prazer por meio
dos objetos. Birman (loc. cit.) acrescenta que: “Para que o psiquismo se constitua, é
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fundamental que a força pulsional possa se transformar num circuito pulsional, de
maneira a se introduzir formas de mediação que evitem o imediatismo da descarga.”
Esse trabalho de mediação é promovido pelo outro através do oferecimento de
possibilidades de satisfação para a força pulsional, interceptando a descarga imediata.
Esse processo indica a fusão pulsional, possibilitando a instalação de um circuito
pulsional o qual, mais que controlar os estímulos, busca a obtenção de satisfação, de
prazer. É através do ingresso da pulsão no campo da representação que será
possibilitada “a passagem do ‘além’ do princípio do prazer para o registro econômico
do princípio do prazer” (Id., ibid., p. 48).
Na crise bulímica, a desesperada urgência de descarga que assola o sujeito
evidencia a precariedade da mediação pulsional. Vemo-nos diante de uma lógica
traumática onde o que está em jogo, como resposta, é a tentativa de “dominação”, por
meio da descarga, dos aspectos excessivos e irrepresentáveis presentes no psiquismo. A
idéia de descarga pressupõe uma passagem direta da energia psíquica para o corpo, sem
a presença, no entanto, de um trabalho de simbolização. Esta tendência equivale,
portanto, à manifestação da pulsão em sua dimensão mortífera que a repetição
compulsiva da crise bulímica evidencia. Nesse caso, o psiquismo do sujeito se mantém
habitado por um excesso pulsional que não chegou a alcançar um efetivo processamento
interno.
I.2 – O corpo e o excesso pulsional
Na crise bulímica, o vivido do sujeito é o de um corpo agindo à sua revelia,
ganhando a cena, expressando algo que lhe é “estranho”. Nota-se os sentimentos de
estranheza, vergonha e culpa dos sujeitos diante da selvageria do ato bulímico. Eles
parecem observar, assustados, a glutonaria desse corpo que parece não lhes pertencer.
Trata-se de um corpo que faz barulho, corpo vigiado, odiado, que incomoda, muitas
vezes não sendo reconhecido como próprio.
O corpo parece assumir aqui um lugar privilegiado de expressão do mal-estar
subjetivo em vista da precariedade dos mecanismos psíquicos para elaborar o excesso
pulsional. Diante da falha nos processos psíquicos de simbolização, o corpo passa a ser
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utilizado como recurso de expressão da dor e do sofrimento. Quais seriam os efeitos do
traumático sobre o corpo, corpo que escapa, neste caso, à representação?
Segundo Maria Helena Fernandes (2002), o corpo da psicanálise diz respeito a
um corpo atravessado pela representação. Mas, segundo a autora, isso não esgotaria a
problemática do corpo em Freud. Com o segundo dualismo pulsional, a instituição de
uma força pulsional excessiva com a emergência, portanto, da pulsão de morte
Freud abre espaço para pensarmos um corpo habitado pelo excesso pulsional.
Fernandes traça a distinção entre um corpo regido pela representação e um
corpo regido pelo traumático, pelo excesso pulsional. Essa autora mostra que “(...) com
a histeria, Freud faz do corpo o lugar da simbolização” (FERNANDES, 2002, op. cit., p.
54). Esse corpo, descoberto com a histeria, é denominado pela autora como corpo da
representação , que estaria situado na lógica do recalcamento. Trata-se aqui de um
corpo atravessado pela pulsão e pela alteridade, e que se constitui como lugar de
realização do desejo inconsciente.
Fernandes sustenta igualmente a idéia de um corpo que permaneceria à mercê do
excesso pulsional. Esta idéia vem abrir caminho para se pensar num corpo do
transbordamento, o qual ela opõe ao corpo da representação. O corpo do
transbordamento não estaria ligado a um sistema de significação; seria habitado por
sintomas corporais que podem ser pensados como descarga, expressão, justamente, de
um excesso pulsional. Tal excesso atravessaria o aparelho psíquico, o que pressupõe
que a organização em questão ultrapassaria a lógica representacional. Nesse sentido,
Fernandes (loc. cit.) destaca que: “Explorar as relações entre o corpo e o inconsciente
implica, então, não restringir nossas reflexões ao registro da representação, ampliando
nossas possibilidades de reflexão para além da lógica do recalcamento”. A concepção
do corpo do transbordamento sinaliza o modo silencioso de atuação da pulsão de morte,
referido a uma lógica situada além da representação, lógica na qual predominaria um
“além do princípio do prazer”. De acordo com esta concepção, o corpo se articula com
aquilo que escaparia à possibilidade de representação.
Levando-se em conta essas duas lógicas que regulam o funcionamento psíquico,
percebemos que, na bulimia haveria a predominância da lógica própria ao corpo do
transbordamento, referida à problemática do excesso pulsional. Que implicações essa
lógica teria na relação que o ego estabelece com o corpo na bulimia? A este respeito,
20
Philippe Jeammet (2003) fornece-nos elementos importantes. Este autor faz referência a
um corpo regido por um auto-erotismo negativo, centrado na sensação e na ão, em
oposição ao auto-erotismo de prazer libidinal, que possui valor de ligação, de passagem
para uma relação objetal. Assim, o auto-erotismo negativo limita-se a uma auto-
estimulação, à procura de sensações, e não de satisfação.
Este movimento pode ser percebido na crise bulímica através das sensações
corporais do sujeito, de estar cheio ou vazio. Esta busca de sensações seria
caracterizada por um aumento da autodestrutividade pois tende a ir apagando os traços
de ligação ao objeto. Jeammet esclarece que:
Trata-se de um dos elementos mais característicos desses comportamentos, que revela o
alcance do fracasso das zonas erógenas em seu papel de ligação libidinal e de organização de um
auto-erotismo que associa intimamente ligação objetal, construção das fronteiras do ego e
autonomia narcísica incluindo o objeto em seu funcionamento (JEAMMET, 2003, p. 119).
Caracterizando-se por uma busca de sensações que se tornam progressivamente
mais violentas e destrutivas, o estabelecimento de uma relação objetal desse tipo acaba
por prejudicar a possibilidade de um verdadeiro investimento nos objetos, prejudicando,
ao mesmo tempo, os investimentos no próprio eu. Ao levar em conta esse aspecto,
Jeammet (Ibid.) vai sublinhar o efeito mortífero dessa conduta.
Em nosso entender, esse movimento põe em evidencia a ausência ou a
insuficiência dos processos de mediação e de ligação no psiquismo, o que pensamos
estar relacionado com a vigência de um modo de funcionamento psíquico que seria
próprio ao “além do princípio de prazer”. Quando o corpo articula-se com o que escapa
à possibilidade de representação, tomam a frente os mecanismos de descarga e
desligamento.
Na bulimia, o reconhecimento do corpo como um corpo próprio fica
comprometido, pois o ego parece não conseguir se apropriar desse corpo, tornando-o
seu; o corpo torna-se, então, um corpo estranho, “hiper-presente e exigente cujas
demandas espantam pela falta de conexão com o ego do sujeito” (FERNANDES,
2006b, p. 3). Percebemos o estabelecimento de uma clivagem entre o corpo e o ego.
A convocação do corpo na bulimia está ligada, portanto, à ação interna do traumático,
alheia à representação. Diante da importante falha dos mecanismos psíquicos internos, o
corpo é utilizado como recurso de contra-investimento do excesso pulsional. É
necessário destacar, entretanto, que este contra-investimento também traduz, como
21
procuraremos mostrar mais adiante, a busca de figurar na cena externa aquilo que não
pôde ser representado internamente. Podemos dizer que, nesse caso, o corpo toma a
frente como forma de expressão do sujeito pela via da passagem ao ato.
A passagem ao ato ganha relevo para a compreensão da bulimia. Percebemos que,
embora de forma o exclusiva, haveria nessa patologia o predomínio de um regime de
funcionamento pulsional que busca o domínio da excitação, a contenção do excesso
pulsional, através da passagem ao ato.
I.3 – A passagem ao ato
A crise bulímica comporta uma perda do controle, a revelação de um aspecto
inaceitável de si, a manifestação de um “estranho”, ato no qual o sujeito não se
reconhece. Ela é vivida primeiramente como um estado de grande excitação interna,
ultrapassando os recursos de defesa do sujeito: um estado de urgência. O sujeito vê-se
entregue a uma força que o domina, sujeita-o e o conduz posteriormente ao ato, em
busca de descarga da excitação excessiva. Essa força ameaça a integridade egóica e,
destra maneira, o funcionamento psíquico em geral.
Estamos assim diante da ação do traumático. Quando a força pulsional não
ingressa na via representacional, uma das formas encontradas pelo ego para tentar
dominá-la, é a repetição compulsiva da experiência traumática sofrida. Repete-se
ativamente tal experiência na busca de uma preparação que não pôde ser realizada no
instante do trauma, quando o ego foi atingido de surpresa. Sem a possibilidade de
simbolização não possibilidade de recalcamento, colocando em cena a compulsão à
repetição. Acerca da compulsão à repetição Cardoso destaca:
Noção de grande abrangência, sua definição fala de uma exigência interna de agir, de
caráter imperativo. A dimensão do ato relativa à fronteira entre psíquico e corpo – é prioritária
nesse terreno, e se articula com a de uma força violenta que se impõe ao sujeito sem que este
possa dominá-la (CARDOSO, 2006, p. 10-11).
As proposições desta autora vêm pontuar a importância da idéia contida na
compulsão à repetição sobre a questão dos limites entre o corpo e o psíquico, aspecto
que consideramos estar fortemente implicado no ato bulímico, uma vez que, neste caso,
o ego não consegue dominar a força pulsional no interior de seus limites, precisando,
para tal, convocar o corpo, através da passagem ao ato.
22
Na crise bulímica somos confrontados com a passagem ao ato repetida de
maneira compulsiva. O sujeito não consegue sair desse circuito fechado, dessa repetição
sem fim. Esta busca de apaziguamento incessante visa exorcizar o excesso pulsional que
faz uma pressão constante no psiquismo. No plano intrapsíquico, o ego encontra-se
submetido a uma exigência interna de agir, de caráter imperativo, à qual não pode
furtar-se.
Diante dessa exigência interna, a passagem ao ato constitui, no entanto, uma
resposta do psiquismo, por mais primária e elementar que possa ser. Trata-se de uma
resposta a uma quantidade de excitação que excede a possibilidade de ligação,
ultrapassando os limites psíquicos de representação e ameaçando a integridade egóica.
Nesse contexto, o ego busca livrar-se desta excitação excessiva para a qual não
conseguiu dar um encaminhamento psíquico. uma convocação do corpo através do
ato, fonte de alívio momentâneo da excitação. A passagem ao ato vem justamente tomar
o lugar do trabalho de elaboração psíquica.
Podemos supor a presença, na bulimia, de um ego mal definido em suas
fronteiras, tanto externas quanto internas, deixando-o suscetível à utilização de defesas
arcaicas as quais estariam na base das respostas ao nível do ato, em detrimento, como
dissemos, da dominância do psíquico. Este aspecto está intimamente relacionado com a
precariedade, tanto da capacidade de representação (simbolização), quanto da de
recalcamento diante de alguns elementos, apontando para a propensão a uma invasão de
elementos não passíveis de ligação nas fronteiras do ego.
Inspirada na expressão “transgressão marinha”, movimento das águas do mar, ao
invadirem um trecho do continente, Cardoso (2002) desenvolve a idéia de uma
transgressão pulsional, que supõe estar subjacente às passagens ao ato. Nesse contexto,
o termo transgressão não esassociado à dimensão própria à lei e à castração, e sim ao
sentido que a autora encontrou na expressão “transgressão marinha”.
A transgressão pulsional é definida como um atravessamento pulsional no
território egóico, ao qual o sujeito tende a responder de forma primária, elementar,
passando ao ato. A violência é posta em ato em “...uma desesperada tentativa de
dominação do excesso pulsional” (Id., ibid., p. 161). uma tentativa egóica de
recuperar seu território, suas fronteiras, diante de uma transgressão pulsional, da
invasão interna da força pulsional. Essa parece ser uma tentativa desesperada do ego de
23
“tornar-se senhor” do excesso pulsional, da transgressão pulsional que o atingiu. Essa
invasão a que o ego fica sujeito dimensão de violência interna vem impulsionar o
sujeito a atuar respostas também violentas. Assim, nas passagens ao ato, promove-se
uma ação de extrema destrutividade contra si mesmo ou contra o outro, na tentativa de
ver-se livre daquilo que o assola do ponto de vista psíquico.
Na bulimia, a excitação pulsional não consegue ingressar em um circuito
pulsional, em um trabalho de mediação, de simbolização, tendo que ser descarregada
imediatamente no domínio corporal, de forma repentina e disruptiva. Isso vem nos
confrontar com o caráter impulsivo da compulsão à repetição. Segundo Cardoso (2006,
op. cit.), esse aspecto indicaria a singularidade da temporalidade dos processos
psíquicos implicados no traumático, o tempo do imediato, do não-mediado. Estaríamos,
então, diante de um modo de funcionamento psíquico específico onde a possibilidade de
representar ou de mentalizar encontrar-se-ia dificultada, o que se constituiria como
condição fundamental dessa modalidade de resposta: “É a sinalização de que algo está
ocorrendo no psiquismo, mas não somente no âmbito do aparato psíquico
representacional” (MAIA, 2003, p. 183).
Na crise bulímica, o ego, através da passagem ao ato, busca dominar o excesso
pulsional que ameaça invadir suas fronteiras, mas como não alcança um meio de
simbolizar ou ligar tal excesso, vai lhe ser exigida a repetição compulsiva do ato. A
passagem ao ato possui, entretanto, um caráter paradoxal pois, por um lado, assinala a
desorganização e o transbordamento do ego, recolocando-o diante do sofrimento
traumático, dimensão destrutiva, mas por outro, constitui-se como um movimento de
dominação, permitindo um alívio temporário da excitação disruptiva. Vemos aqui a
presença de uma tentativa, ainda que precária, por parte do ego, de se reorganizar, de
reverter em atividade a passividade à qual se encontra submetido; está presente, de
alguma maneira, uma dimensão de salvaguarda do aparelho psíquico. Este constitui um
dos pontos que queremos sublinhar em nossa investigação.
Estamos aqui diante de uma forma particular de defesa, que se pela via da
exteriorização, ou seja, através do apelo a um recurso situado fora do âmbito psíquico,
ao contrário do que ocorre, por exemplo, no processo de recalcamento, que se processa
no interior do psiquismo. A tendência a um movimento de externalização sinaliza a
impossibilidade de interiorização, de assimilação de elementos traumáticos.
24
A crise bulímica pode, assim, ser considerada uma modalidade de externalização de conteúdos
internos que encontram dessa maneira um modo de figuração e uma via de expressão autorizando
um controle que as representações internas não permitem tão facilmente (JEAMMET, 2003, op.
cit., p. 123).
É através do ato bulímico que o sujeito paradoxalmente consegue uma via para
responder e se defender do excesso pulsional que passou a habitar seu psiquismo.
na bulimia a presença de um complexo jogo entre atividade e passividade no qual se
busca, em última instância, a ligação da impressão traumática.
Mas seria apenas a dimensão de descarga que estaria em jogo no ato bulímico?
I.4 – A apresentação de um ritual
No cotidiano do sujeito bulímico uma grande desordem alimentar, em função
da ausência de um quadro regular de refeições. A forma como a alimentação se faz
presente em sua vida é por acessos brutais. O “caos alimentar”, propõe Brusset (2003),
constitui um marcante traço desse quadro clínico. Esta desorganização torna-se radical
durante a crise bulímica. O sujeito entrega-se a uma orgia alimentar e o único limite,
nesse momento, é o esgotamento, a dor, a impossibilidade de o estômago suportar mais
comida.
De acordo com Igoin (1979), em La boulimie et son infortune, a crise bulímica
caracteriza-se por alguns elementos. O primeiro deles seria a excitação prévia, que
poderia ser compreendida tanto como uma vaga impressão que remete à sensação de
fome, quanto como angústia, irritabilidade ou indisposição. Trata-se de uma sensação
difícil de descrever, que invade e pressiona o sujeito, cuja origem ele não consegue
determinar, e que o “obriga” a comer em excesso. Poderíamos considerá-la como uma
primeira excitação, sinal da ocorrência da crise. O sujeito lança-se em uma luta
ferrenha, visando afastar o ato, a crise; ele tenta dizer “não” à comida, procurando
resistir a este impulso, mas a sua luta termina sempre em fracasso. Esta luta seria o
segundo elemento que caracterizaria a crise bulímica.
Após o fracasso de sua luta, o sujeito rende-se ao alimento. Temos aqui o
terceiro elemento indicado pela autora, a saber, a escolha do alimento. Segundo Igoin
(Ibid), a alimentação do sujeito bulímico está sempre submetida a um regime que não
está prescrito, mas é auto-imposto. Nesse regime constam os alimentos que o sujeito
25
considera adequado comer, e as suas quantidades apropriadas. O sujeito estabelece uma
distinção entre uma boa alimentação e uma alimentação, com a imposição, a partir
daí, de um regime, de acordo com o qual ele deveria ingerir alimentos que fariam
parte de uma suposta “boa alimentação”. A escolha do alimento, que antecede a
ingestão voraz, pauta-se, na maioria das vezes, por aqueles que estariam proibidos em
função do regime imposto. Os alimentos escolhidos encontram-se de alguma maneira
em oposição ao que ele acredita dever comer, seja no que se refere à sua quantidade ou
qualidade. Assim o sujeito, na crise bulímica, deixa de cumprir o regime que ele impõe
a si mesmo; em outras palavras, vem a transgredir as regras alimentares determinadas
por ele mesmo.
Um outro elemento de grande importância na crise bulímica é a solidão: a crise
ocorre sempre em momentos em que o sujeito está sozinho, dificilmente ocorrendo na
presença de outra pessoa. Durante a crise, a comida é ingerida às pressas e com grande
avidez; o sujeito mastiga muito pouco os alimentos, e somente pára de comer quando os
alimentos acabam ou quando não consegue mais comer, em função do limite da dor ou
do esgotamento. Assim, a pressa e a voracidade também são uma constante no
momento da crise.
O desfecho da crise bulímica é marcado freqüentemente pelo vômito, ou por
comportamentos compensatórios, que buscam evitar as conseqüências do excesso
alimentar, como laxantes, jejuns e exercícios físicos. Por outro lado, esses
comportamentos recriam a necessidade alimentar, reenviando o sujeito ao ato alimentar
voraz, reiniciando o circuito de preenchimento e esvaziamento sem fim.
A crise bulímica segue uma seqüência relativamente organizada, sem que ocorram
alterações significativas ao longo de suas repetições. Diante disso, propomos, em
consonância com Igoin (Ibid.) que, embora a desordem, o caos tanto alimentar, quanto
na vida do sujeito de maneira geral possuam grande relevância na bulimia, é preciso
se atentar igualmente para a presença de uma organização, ordenação à qual a crise
bulímica estaria submetida. Rueff-Escoubes (1994) também sublinha que, na bulimia, a
descarga das excitações se daria por meio de uma seqüência de atos relativamente
organizada, contendo uma ritualização característica e fechada, mas que seria, ao
mesmo tempo, psiquicamente desorganizada por seu caráter de impulsão violenta e
tirânica, marca do impedimento de um processo de elaboração psíquica.
26
A partir dessa vertente da questão, levantada por Igoin e Rueff-Escoubes,
percebemos que a problemática da passagem ao ato, em questão na bulimia, torna-se
mais complexa. Estas autoras puderam nos mostrar como o ato bulímico pode ser
considerado como da ordem de um ritual. Encontramos aqui a indicação de não se
tratar, neste caso, apenas de uma pura descarga de excitações. Esta posição poderia,
entretanto, nos levar a considerar que estaria em jogo a presença de um sentido
oculto, de uma dimensão simbólica. Porém, como pontuamos acima, Rueff-Escoubes
(Ibid.) nos adverte de que, de fato, esse ato seria totalmente desorganizado
psiquicamente, sem ligação com o sistema representacional. Isto vem corroborar a nossa
hipótese segundo a qual na base do ato bulímico estaria a ação de uma dimensão de
violência psíquica, traumática, o que inviabiliza a pressuposição de uma dimensão
simbólica subjacente a este ato.
A presença, no ato bulímico, de um ordenamento ritualístico, conduz-nos
também a analisar a questão da apresentação de uma cena, que se repete aqui
compulsivamente. Retomamos, assim, a questão anteriormente levantada por nós: seria
apenas a dimensão de descarga que estaria em jogo no ato bulímico?
I.5 – A apresentação do traumático
Myriam Uchitel oferece-nos novos elementos que m contribuir para o avanço
de nossa pesquisa. Segundo a autora, o trauma não se representaria, ele se apresentaria
em forma de ato. “O sintoma traumático fica alheio ao sentido, à representação, às
cadeias associativas e por isso se mostra como ato, como força, acusando um “não-
sentido”, uma “não-memória” (UCHITEL, 2001, op. cit., p. 71).
De acordo com essa concepção, a noção de apresentação se contrapõe à de
representação, pois constitui um recurso quando não é possível representar. O que vem
a ser apresentado diz respeito à ordem do traumático supondo a ausência de uma
formação de compromisso entre o ego e o recalcado. Por não ser representado, o
traumático tende a ser exteriorizado, apresentado, apresentação que se faz pela via do
corpo, do ato. A idéia de apresentação, além de remeter à dimensão de uma
“externalização”, coloca em relevo a dimensão de alteridade, uma vez que se trata de
um ato através do qual se apresenta alguma coisa, acrescentaríamos, a alguém. Isso vem
27
abrir uma outra questão: que lugar o outro ocuparia no ato bulímico no qual parece
prevalecer essa dimensão de apresentação?
A passagem ao ato se distingue do acting out, ato que porta um sentido
subjacente e um endereçamento ao outro. Como exemplo clássico do acting out,
Laplanche & Pontalis (1982/2001) destacam o ato transferencial, através do qual, no
lugar de lembrar, o sujeito repete no presente, e pela via do ato, desejos e fantasias
inconscientes que marcaram sua história passada. Compreendemos o acting out como
um ato determinado por elementos inconscientes comportando, assim, uma significação
oculta, conforme assinala, por exemplo, Mayer (2001). Um conteúdo mental é encenado
e endereçado a um outro, indicando uma dimensão de convocação, de espera por
alguma forma de resposta do outro. Sendo assim, a ação se faz aqui no lugar da palavra,
e não em sua ausência, como seria o caso da passagem ao ato. Esta parece ser destituída
de uma dimensão de alteridade, dimensão que parece habitar, no entanto, o fenômeno
do acting out. Não poderíamos, portanto, considerar a apresentação como uma forma de
mensagem endereçada ao outro, uma vez que ela não comportaria um sentido
subjacente.
Segundo o nosso ponto de vista, o ato bulímico não estaria situado, nem do lado
da passagem ao ato pois não o consideramos apenas como uma descarga radical de
excitação nem do do acting out, tem em sua base o traumático, não comportando,
assim, nenhum sentido subjacente.
Diante dessa dificuldade teórica, faz-se necessário trazermos novos elementos a
esta discussão através dos quais possamos vislumbrar outras formas de relação com a
alteridade e não apenas aquela que estaria contida nos atos que trazem em si um sentido
subjacente. A partir da noção de apresentação proposta por Uchitel (2001, op. cit.),
consideramos que também nas formas de atuação do traumático a referência à alteridade
pode estar presente.
28
I.6 – A dimensão de alteridade
Na tentativa de melhor compreendermos a singularidade do agir na bulimia
seguiremos algumas indicações de René Roussillon (1995). O autor inicia a sua reflexão
tentando traçar a distinção entre acting out e acting in. Ele considera os dois como atos
que possuem em sua base um sentido subjacente e um endereçamento ao outro, porém o
acting in ocorreria no contexto da sessão analítica. Na seqüência de sua discussão,
Roussillon complexifica essa primeira diferenciação propondo outras acepções mais
específicas sobre o agir. Vale ressaltar que as suas proposições o podem ser
consideradas como estanques, opostas umas às outras, devendo ser consideradas como
fazendo parte de uma linha de continuidade, o que pressupõe a idéia de uma
movimentação de uma à outra.
A primeira delas é a noção de ato descarga, que se caracterizaria por operar uma
descarga direta de grandes quantidades de excitação, sem passar por nenhum processo
de elaboração psíquica. Tratar-se-ia, neste caso, de um movimento de excorporação cuja
função seria defensiva e protetora. Em seguida, o autor postula a noção de ato signo.
Este comportaria um conteúdo psíquico, porém, sem forma, mas em busca de um
recipiente que o contivesse. Esse ato estaria a serviço da busca pela construção de uma
tela de contenção que poderia permitir ao sujeito dar uma primeira forma a esse
conteúdo psíquico, descortinando, assim, a possibilidade de vir a representá-lo. Esta
modalidade de ato poderia vir a deslizar em direção a uma operação mais próxima da
representação.
São destacados ainda dois outros tipos de ato: o ato tela e o ato experiência de
apoio. O ato tela traria, subjacentes, elementos psíquicos insuficientemente
simbolizados que buscariam a ligação a outras representações. Assim, essa atuação
seria, ela mesma, um continente, uma tela, “um colocar em cena” de conteúdos
inconscientes. o ato experiência de apoio o autor aproximará do atuar na
transferência, como uma maneira de fazer presentes as experiências infantis ou arcaicas
insuficientemente vividas, para que venham a adquirir uma simbolização mais
completa.
Vale novamente destacar que embora o autor tenha separado didaticamente tais
tipificações do ato, elas constituem, em sua visão, um contínuo, sendo complementares
29
e não opostas. Retomemos, a seguir, a categoria do ato signo sobre a qual se foca o
nosso maior interesse, pois acreditamos que esta noção vem em auxílio de nossa
tentativa de aprofundar a problemática do ato na bulimia.
Como indicamos acima, o ato signo caracteriza-se pela externalização de
conteúdos sem forma, em busca de uma tela de contenção. O ato signo não estaria,
originalmente, destinado a convocar o outro. Porém, o fato de ele veicular para o
exterior esse conteúdo psíquico ainda sem forma, abriria a possibilidade de o outro
servir de tela de contenção, dando-lhe, assim, uma primeira forma. Esses aspectos,
levantados por Roussillon (1995, op. cit.) acerca do ato signo – especialmente a idéia de
o outro poder servir de tela de contenção – permitem-nos aproximá-lo da idéia de
apresentação proposta por Myriam Uchitel, discutida por nós anteriormente.
Inspirados nas proposições de Roussillon quanto ao ato signo, propomos a
seguinte idéia: na apresentação de um conteúdo traumático seria possível considerarmos
também que, quando este conteúdo é trazido para o exterior, abre-se a possibilidade de
esta ação implicar o outro, embora estes atos não estejam originariamente destinados a
esse fim. Esta idéia se baseia no fato de pensarmos que o movimento de exteriorização
pressuporia, dentre outros aspectos, um estado de abertura do espaço egóico ao outro.
Seguindo as contribuições de Roussillon (1995, op. cit.) acerca do ato signo, podemos
pensar que o que este visaria seria justamente a apresentação de conteúdos ainda sem
forma – visando sua externalização, em busca de uma tela de contenção.
Apesar de o haver nesses casos um endereçamento prévio a um outro, este
poderia vir a participar dessa apresentação, como tela de contenção conforme pontua
Roussillon (Ibid.) dando-lhe uma primeira forma, abrindo, assim, a possibilidade de
uma representação posterior de tal conteúdo, possibilitando, portanto, que se chegue
posteriormente a constituir um ato tela. Esses aspectos vêm, assim, ratificar e dar
consistência ao que estamos buscando indicar com a idéia de apresentação.
Acreditamos na possibilidade de um ato signo poder capturar o outro, como tela
de contenção. Porém, caberia ressaltar que, embora consideremos o ato signo como
podendo ser aproximado da idéia de apresentação de conteúdos traumáticos, podendo
inclusive enriquecê-la através da idéia de busca de uma tela de contenção não
estamos afirmando que essa dimensão de possibilidade de captura do outro presente no
30
ato signo esteja presente em todas as formas de apresentação, mas a consideramos
presente na apresentação que seria realizada no ato bulímico.
Nosso objetivo com essa discussão foi o de buscar elementos para pensarmos a
implicação da dimensão alteritária no ato bulímico. Encontramos, assim, a partir das
proposições de Roussillon (Ibid.), elementos para aprofundarmos a nossa discussão
sobre a dimensão de apresentação que havíamos indicado como sendo prevalente no ato
bulímico. Constatamos que este pode ser considerado como um ato signo no qual a
apresentação de conteúdos sem forma mas, em última instância, em busca de uma tela
de contenção. Embora essa apresentação não tenha como objetivo a convocação do
outro, este pode vir a participar como tela de contenção.
Nesses casos, não ocorreria um efetivo endereçamento ao outro, no sentido de
uma mensagem enviada ao outro já que, como vimos, não é possível admitir a presença
de um sentido subjacente. Porém, consideramos que a dimensão de alteridade, tanto
interna alteridade radical quanto externa, estariam implicadas, ponto que será
mais detalhado no próximo capítulo. Em nosso ponto de vista, o ato bulímico parece
apresentar uma cena, que pode ou não vir a capturar o outro. Mas, a externalização
implicada na formação dessa cena já indicaria uma primeira organização pulsional, uma
primeira contenção do excesso pulsional que invadiu o território egóico. Além disso,
podemos pensar que o ato bulímico traria potencialmente a possibilidade de vir a ser
representado, uma vez que, se o outro for capturado por tal cena e servir de tela de
contenção para que ela ganhe contornos mais nítidos, o caminho para a sua
representação poderá começar a ser trilhado. Isso nos permite considerar que, como
tentaremos mostrar adiante, o ato bulímico, possui, tanto uma dimensão traumática,
quanto uma dimensão “terapêutica”. Esse paradoxo será objeto do próximo tópico.
I.7 – O paradoxo bulímico
De acordo com o que temos procurado sustentar, a crise bulímica apresenta uma
dimensão traumática, da ordem de um excesso pulsional, que ameaça as fronteiras
egóicas, impelindo o ego à ação – marca da impossibilidade de perder o objeto e,
diretamente ligado a isso, da fragilidade das fronteiras eu/outro. A bulimia comporta
uma relação de caráter muito particular do ego com a alteridade. Diante de uma
31
alteridade interna radical que ameaça invadir seu território, o ego defende-se por meio
do ato bulímico. Esta resposta constitui uma tentativa, ainda que precária, por parte do
ego, de se reorganizar, de reverter em atividade a passividade à qual se encontra
submetido, como tentativa de salvaguardar o equilíbrio psíquico, como defesa contra o
excesso pulsional.
Caberia, porém, atentarmos, conforme sugere Brusset (2003, op. cit.), para a
possibilidade de a crise bulímica vir a constituir-se como uma ancoragem libidinal,
produzindo efeitos psíquicos que podem dar inicio a uma reorganização, e abrir
caminho para ligação da impressão traumática. Encontramos, assim, na crise bulímica
uma tentativa de autotratamento, uma primeira tentativa egóica de ligação da impressão
traumática. Acreditamos que isso indicaria uma dimensão terapêutica” da crise
bulímica, para além de sua dimensão de defesa.
Uma dimensão inerentemente “terapêutica” da crise bulímica é, no entanto,
pouco sublinhada na literatura, como aponta Rueff-Escoubes (1994, op. cit.). Em
concordância com a autora, pensamos ser fundamental atentarmos para essa dimensão,
com a finalidade de melhor compreendermos a singularidade dos processos envolvidos
nessa repetição compulsiva, bem como a grande dificuldade de abandonar de tais atos.
A autora indica que essa dimensão poderia ser mais bem esclarecida através da idéia de
procedimentos autocalmantes. Segundo esta visão, a crise bulímica funcionaria ao
mesmo tempo como um procedimento autocalmante e como uma forma de
automaternagem. A idéia de procedimentos autocalmantes não é trabalhada de maneira
detalhada pela autora, mas apenas citada. Buscaremos, ainda que de maneira sintética e
abreviada, dar início a um esclarecimento de tal idéia visando explorar esse seu caráter
“terapêutico”.
A idéia de procedimento autocalmante refere-se a medidas específicas de que o
sujeito lança mão, essencialmente pela via da motilidade, e cujo objetivo principal seria
a diminuição do nível de tensão no aparelho psíquico. Tratar-se-ia de uma maneira de
controlar a excitação psíquica a partir do recurso ao corpo, mais precisamente, do
recurso à motilidade (SZWEC, 1993). Os sujeitos que se utilizam deste tipo de
procedimento buscam a diminuição da tensão por uma via motora ou perceptiva, o que
acompanharia e até facilitaria o funcionamento psíquico. Mas, por outro lado, esse
procedimento pode vir a adquirir um caráter excessivo conduzindo a uma certa dose de
32
sofrimento físico, especialmente, nos casos em que ele vem a assumir valor de defesa
frente a uma excitação traumática.
Segundo Szwec (Ibid.) o objetivo principal dos procedimentos autocalmantes
seria o de tentar estabelecer o que ele indica como sendo um primeiro nível de ligação
de uma excitação traumática prejudicial para o funcionamento psíquico. Porém, este
objetivo procuraria ser atingido por meio de uma ação que se processa em uma dupla
temporalidade. Em um primeiro momento, buscar-se-ia o aumento da excitação, o que
pode atingir níveis tão elevados que chegaria a produzir dor física. O segundo momento
se caracterizaria pelo retorno a uma sensação de calma, resultante da descarga desta
quantidade elevada de excitação pela via do corpo. Essa descarga não produziria
satisfação, apenas uma redução do sofrimento causado no primeiro tempo. Assim, os
procedimentos autocalmantes travam uma luta contra a excitação mas, paradoxalmente,
essa luta provoca, em um primeiro momento, um aumento da excitação visando o
segundo tempo da descarga, do retorno à calma.
Os procedimentos autocalmantes podem ser entendidos como uma tentativa de
ligação entre os aspectos pulsionais traumáticos e os eróticos. Mas, trata-se aqui de uma
tentativa que se pela via comportamental e não psíquica. Seria uma tentativa de
resolução de uma problemática psíquica por meio de uma solução comportamental.
Desta maneira, embora nesses procedimentos a ligação das excitações
traumáticas não se dê, eles conduzem o sujeito a um apaziguamento temporário. Este
nos parece dizer respeito à possibilidade de dominar, mesmo que temporariamente, a
energia pulsional traumática. Szwec (Ibid.) considera que os procedimentos
autocalmantes permitiriam uma ligação, no nível corporal, da energia pulsional
excessiva. Mas, em nosso entender, acreditamos que o termo ligação deva ser reservado
para as situações nas quais está em jogo a representação. Como não é este o caso nos
procedimentos autocalmantes, preferimos utilizar, no que diz respeito a eles, a idéia de
“dominação”.
A possibilidade de considerarmos a crise bulímica em termos de um
procedimento autocalmante vem reforçar a nossa idéia de que esta crise, este ato,
consistiria numa tentativa de autotratamento, uma vez que, conforme desenvolvemos
anteriormente, o que o processo autocalmante buscaria na bulimia, seria a ligação da
impressão traumática, mesmo que o seu alcance seja limitado, ao nosso ver, a uma
33
dominação temporária da energia pulsional excessiva. Isso indica esse caráter
eminentemente terapêutico da crise bulímica, que a dominação da excitação constitui
a condição primeira e indispensável para a simbolização.
Essa dimensão de autotratamento que a crise bulímica parece comportar seria,
nos termos de Rueff-Escoubes, (1994, op. cit.) uma espécie de automaternagem, como
prática de sobrevivência, ou seja, uma tentativa do sujeito de reparar o seu narcisismo.
A autora propõe que esse processo, próprio à crise bulímica, teria duas dimensões, não
se dirigindo apenas ao próprio sujeito, mas também ao objeto, a esse objeto intrusivo
que o sujeito tenta, assim, salvaguardar. Esta tentativa de salvaguarda do objeto é feita
através de seu ataque contínuo, na mesma proporção em que o sujeito sente-se atacado
por ele.
Nesse sentido, a crise bulímica pode ser considerada como uma forma de
procura de contato com o objeto na tentativa de alcançar uma absorção assimiladora, na
tentativa de alcançar sua introjeção, ponto que pretendemos melhor explorar no terceiro
capítulo desta dissertação. Percebemos uma tentativa de solução de uma situação
altamente angustiante pelo apaziguamento alimentar, ao mesmo tempo em que se
mantém uma insatisfação, um impasse. Com seus movimentos violentos e
contraditórios, a crise bulímica, apontaria para a tentativa de salvaguardar o objeto.
O processo de automaternagem que encontramos na bulimia vem iluminar a
nossa discussão acerca de sua dimensão de autotratamento. A tentativa de salvaguarda
da relação com o objeto indica que, embora a dimensão destrutiva predomine, uma
dimensão erótica, libidinal, também está aqui em ação, engendrando um movimento de
autotratamento, ou seja, uma dimensão, de certo modo, “terapêutica”.
A crise bulímica comporta, portanto, um caráter paradoxal. Ao mesmo tempo
em que é uma manifestação que traz, em sua base, uma dimensão traumática, destrutiva,
parece também constituir uma conduta de sobrevivência psíquica e de tentativa de
salvaguarda do objeto através dos procedimentos autocalmantes e do processo de
automaternagem. Estaria envolvida a ação significativa da pulsão de vida, vindo impor
um certo limite à ação destrutiva da pulsão de morte, à ação do traumático.
A hipótese de uma presença significativa da ação da pulsão de vida na bulimia
ganha especial destaque em nossa investigação. Acreditamos que esse aspecto pode nos
conduzir à construção de uma distinção consistente entre a bulimia e a anorexia, além de
34
nos permitir delinear com maior precisão os contornos específicos da bulimia. Ao longo
de nosso percurso buscaremos enriquecer e dar maior consistência a esse aspecto. A
seguir daremos, então, inicio a essa empreitada.
I.8 – Breve contraponto entre bulimia e anorexia
Como desenvolvemos no tópico anterior, a crise bulímica se mostra paradoxal,
apresentando tanto uma dimensão traumática quanto uma dimensão de autotratamento,
relacionada, principalmente, à tentativa de salvaguarda da relação com o objeto. Já a
anorexia parece marcada pela dimensão da recusa na qual encontramos a recusa do
alimento, do corpo, do outro, do tempo e inclusive da morte (FERNANDES, 2006)
A crise bulímica é acompanhada por sentimentos de vergonha, culpa e
desqualificação de si, aspectos que correspondem ao negativo da força, do dinamismo e
das satisfações encontradas na restrição alimentar anoréxica, expressão de uma “recusa
radical”, implicando um desafio quanto à necessidade e ao outro, como tentativa de
prescindir do objeto, buscando, assim, manter-se como um “sujeito ideal”, trazendo em
si a sua própria completude. A anorexia nos remete, dessa forma, a um ideal de
onipotência. Através da recusa do alimento, recusa-se também o tempo, a morte e o
outro, ou seja, recusa-se a realidade humana no que ela tem de mortal e erótica, em uma
tentativa de defender-se contra o desamparo (FERNANDES, 2006, op. cit.). Na bulimia,
como temos procurado mostrar, encontramos uma tentativa de salvaguarda do objeto,
mesmo que sob um estatuto ao mesmo tempo contraditório e paradoxal, o que é fonte de
uma dimensão traumática, mas também, ao mesmo tempo, de uma dimensão de
autotratamento.
Com a recusa do alimento, a anoréxica sente o corpo e as excitações dele
provenientes o tempo todo, estando exposta a uma excitação contínua, que não cessa
com uma suposta satisfação, retornando posteriormente. as crises bulímicas
apresentam intervalos, por menores que possam ser, postulando um tempo do antes e
um tempo do depois, certa modulação da descarga, o que deixa aparecer o desamparo,
implicando, assim, um certo contato com sua fragilidade narcísica.
Como destaca Lippe, na anorexia “Esta suspensão do tempo e dos processos de
vida gera (revela) um fantasma inconsciente de imortalidade, que pode, aliás, até se
35
congelar na morte real” (LIPPE, 1999, p. 86). Percebemos, então, que a anoréxica tenta
evitar o confronto com o desamparo introduzido pela questão da morte, da
continuidade/descontinuidade, mantendo um jejum contínuo, fonte constante de
excitação, e talvez de prazer, mas um prazer muito mais tingido de destruição do que
propriamente de erotismo.
Nesse sentido, talvez possamos pensar que o jejum inabalável da anoréxica e a
glutonaria bulímica, além das práticas purgativas, enfim, das provações físicas que as
anoréxicas e bulímicas se impõem, funcionam, na verdade, como um acúmulo de
excitação e fonte de prazer, um prazer mais ou menos excessivo dependendo do
investimento erógeno em jogo. Diante disso, nós nos questionamos: a resposta
anoréxica e a resposta bulímica estariam no mesmo nível de precariedade diante da
irrupção do excesso pulsional no psiquismo?
Acreditamos que o investimento erógeno em jogo constitui-se em um aspecto
importante para encaminharmos o questionamento acima, pois indica se estamos
referidos à égide do princípio de prazer submetido, por conseqüência, à realidade e às
interdições que o mesmo impõe – ou na do campo do excesso pulsional, que se encontra
além do princípio do prazer. O “prazer”, ligado ao excesso pulsional escapa à apreensão
apaziguadora do sentido; é disruptivo e está ligado à expressão da pulsão de morte, mais
ou menos amansada pelo erotismo. Nessas vivências de prazer ligadas ao excesso, como
aponta Sapoznik:
(...) o sujeito experimenta tensões radicais, que são normalmente intoleráveis para o psiquismo
quando esse se encontra sob domínio do princípio do prazer, mas que se tornam não só aceitáveis
como desejadas, quando este é posto de lado. Está muito mais próximo da pulsão de morte,
porque, na busca de sensações, o sujeito transgride as interdições e se aproxima de situações
limite, onde o prazer está no risco e na dor (SAPOZNIK, 1999, p. 15).
Dessa maneira acreditamos que um caminho para compreendermos a anorexia e
a bulimia poderia ser baseado na questão das fusões e desfusões realizadas entre pulsão
de vida e pulsão de morte. Dependendo do predomínio de forças no embate entre elas,
teremos como resultado uma ação mais disruptiva, ou uma ação mais colorida de Eros.
A pulsão de vida e a pulsão de morte formam um par que funciona num movimento
amalgamado e dialético, que, dependendo da história libidinal de cada sujeito, adquirirá
um colorido mais erótico ou mais mortífero. Esse amálgama se constituiria,
inicialmente, no registro da relação primária com o objeto, sendo o outro o
possibilitador do agenciamento, da mediação da pulsão de morte.
36
Essa perspectiva nos conduz a propor a hipótese segundo a qual a anorexia
talvez tenha a presença de Eros mais frágil do que a bulimia, atenuando-se com mais
facilidade em proveito de uma desintrincação pulsional com efeitos destrutivos, em
função da recusa radical do objeto, na anorexia, que pode levar o sujeito inclusive à
morte. a repetição compulsiva, talvez mostre que na bulimia a luta entre a pulsão de
morte e a pulsão de vida é desigual, porém a salvaguarda do objeto, mesmo que se trate
de um objeto parcial e precário, viria impor um certo limite à ação destrutiva da pulsão
de morte.
Em última instância, o objetivo desse breve contraponto que realizamos entre
bulimia e anorexia, é destacar a hipótese da presença, na bulimia, de uma ação
significativa da pulsão de vida, em contraponto com a maior fragilidade desse registro
na anorexia, não esquecendo que ambas estariam situadas num contexto no qual se
revela, entretanto, o predomínio de uma dimensão destrutiva.
Capítulo II – Uma “estranha” dependência ao objeto
Nosso objetivo no presente capítulo é investigar a organização pulsional
subjacente à resposta bulímica tendo em vista o papel da dimensão de alteridade. Para
tal vamos nos dedicar à análise da problemática da dependência, privilegiando seu
estudo a partir do campo das adicções, campo em que se situa a bulimia. Pretendemos
explorar a singularidade da relação de dependência com o objeto, própria a esta
patologia.
Discutiremos a lógica de funcionamento das adicções, dando relevo
especialmente às relações com os objetos libidinais e ao modo de funcionamento
psíquico que elas engendram. O campo das adicções pode nos oferecer elementos de
análise bastante frutíferos para a compreensão da “estranha” relação de dependência que
o sujeito bulímico estabelece com o objeto.
II.1 – A lógica da adicção
Buscando melhor compreender a montagem psíquica subjacente ao modo de
relação estabelecida com o objeto na bulimia, passamos a um estudo mais detalhado da
lógica da adicção. Interessa-nos aqui conhecer e explorar os aspectos envolvidos na
conduta adictiva, tendo em vista a relação de dependência estabelecida com o objeto
externo.
Poderíamos ser levados a pensar que, na adicção, o encontro com o produto,
objeto externo ou comportamento uma vez que traz um alívio, mesmo que
momentâneo – seria suficiente para explicar a repetição dos atos e a dependência.
Pedinielli & Rouan (2000) indicam que a lógica que rege o comportamento adictivo
seria esta, mas destacam que seria importante atentarmos para uma outra lógica e uma
outra causalidade psíquica ligadas à relação da conduta adictiva com os objetos
libidinais.
A forma como o comportamento adictivo se exerce fornece indicações
essenciais para a nossa investigação acerca do funcionamento psíquico que lhe estaria
subjacente. As adicções apresentam-se como atos, como comportamentos os quais,
38
segundo os autores, não constituiriam formações do inconsciente, tendo maior relevo,
nesse caso, a intensidade das sensações em detrimento dos afetos e das representações.
Em outras palavras, estamos diante da prevalência do recurso ao ato, associado a uma
ausência de elaboração psíquica. Encontramos, assim, uma dificuldade do sujeito adicto
quanto a reconhecer e exprimir os seus afetos e as suas emoções.
Joyce McDougall (2001) assinala que, através da solução adictiva, o sujeito
parece buscar uma descarga rápida para toda tensão psíquica, quer sua fonte seja
exterior ou interior. O que o sujeito procuraria conscientemente no objeto da adicção
seria o prazer absoluto, como tentativa de sair dessa situação penosa. A autora pontua
que a fundamental dimensão que embasa a conduta adictiva é a necessidade de se
desembaraçar o mais rapidamente possível de seus afetos, sejam eles penosos,
excitantes ou agradáveis. O sujeito buscaria modificar seu estado mental pela repetição
do comportamento adictivo.
Quando o sujeito apela a essa solução como única forma para dar conta dos
elementos que não consegue elaborar psiquicamente, torna-se compulsivo nessa
tentativa de reencontro com o objeto. Além disso, este comportamento compulsivo
confere supostamente ao sujeito uma identidade e um poder diante do objeto, embora
este seja apenas um recurso de tipo paliativo para as problemáticas internas envolvidas
nas adicções, mesmo que possibilite um equilíbrio psíquico passageiro.
A partir da analise da solução adictiva, Pedinielli & Rouan (2000, op. cit.)
traçam uma distinção importante entre adicção como processo, e adicção como
comportamento. Como processo, a adicção seria precursora do comportamento adicto,
isto é, precursora da dependência física (nos casos em que esta tem lugar) ou da
dependência estabelecida entre sujeito e objeto externo. Dessa forma, o comportamento
adictivo, supõe, subjacente, a presença de um modo particular de funcionamento
psíquico. No modo característico da adicção, concede-se pouco lugar para o objeto
libidinal, como se este constituísse uma ameaça. É da dominação que o objeto pode
exercer que o sujeito busca se defender; é desta dominação que o sujeito tenta fugir, por
meio da adicção. Porém, o recurso ao ato como defesa diante do sofrimento, vem
reforçar a impotência do sujeito diante dos objetos libidinais, uma vez que contraria o
movimento de elaboração psíquica.
39
Os referidos autores indicam que a adicção se efetiva para o sujeito no momento
em que este se confrontado com a dependência a um comportamento ou a um objeto
externo. É quando a onipotência é colocada em xeque fazendo aparecer o sentimento
de ser prisioneiro daquilo que se acreditava poder controlar que o sujeito reconhece o
surgimento da adicção. Aqui entra em cena um outro sofrimento, ligado à incapacidade
de romper com a adicção, prejudicando o seu papel de restauração do equilíbrio
psíquico e de extinção do sofrimento. Pedinielli & Rouan (2000, op. cit.) destacam que
a adicção não se resumiria ao consumo ou ao uso de produtos, nem mesmo ao abuso de
produtos, mas que o que a define é o estado de dependência a um produto ou a uma
determinada situação, procurada e exercida com avidez.
Em nosso ponto de vista é precisamente o sentimento de dependência que
constitui o ponto essencial da adicção posição que se sintoniza com a desses autores.
É na problemática da dependência que vamos nos centrar a seguir, procurando articular
a questão da dependência ao objeto externo, ligada ao comportamento adictivo, com a
da dependência ligada a um modo particular de funcionamento psíquico o qual estaria
na base de tal comportamento.
II.2 – A dependência, no cerne da adicção
Dependência é um termo que originariamente não está situado no campo
psicanalítico e exprime, de modo geral, um estado de subordinação a uma influência, ao
poder ou à intervenção de um outro, conforme indicam Bournova e Miedzyrzecki
(2004). A dependência pode ser pensada como uma modalidade particular de relação,
seja ela estabelecida com outras pessoas, com atividades, com produtos ou
comportamentos, conforme assinala Catherine Chabert (2006).
A ligação inicial aos objetos parentais torna-se o terreno da organização
pulsional e narcísica que deve permitir a libertação do sujeito de sua dependência
inicial. Em outras palavras, uma certa libertação em relação aos objetos de amor e de
satisfação deve ser possível, condição que parece o ocorrer na adicção. Do ponto de
vista do funcionamento psíquico, Chabert propõe que a dependência supõe a utilização
de defesas da realidade perceptivo-motora e, também, o contra-investimento de uma
realidade psíquica interna faltante ou ameaçadora.
40
A fragilidade dos recursos internos compromete a capacidade de autonomia e
prejudica a qualidade das bases narcísicas. São estas que poderiam assegurar a
continuidade do sujeito e a permanência de seu investimento em si mesmo, oferecendo
um território a investir, com limites relativamente estáveis e constantes, assegurando,
nos termos de Winnicott, a continuidade do ser. Inspirando-se em certas contribuições
deste autor, a autora chama a atenção para o paradoxo aí existente, uma vez que as bases
narcísicas constituem-se através da relação com o objeto. Esta relação se
inicialmente sem que a diferença entre sujeito e objeto se coloque, sendo necessário que
reste uma ambigüidade, capaz de preservar uma área de trânsito entre eles. Segundo
Winnicott (1975), tratar-se-ia da preservação de uma área transicional. É nessa área de
trânsito entre sujeito e objeto que as identificações irão se estabelecer. A partir dessas
primeiras identificações, a progressiva diferenciação sujeito/ objeto pode se operar
sem comprometer o sentimento de si do sujeito.
Tudo que faz com que a criança sinta prematuramente o peso de sua relação com
o objeto, e sua impotência diante dele, pode comprometer a constituição das bases
narcísicas. Seja pela falta ou pelo excesso de presença, o que está em jogo, nesse caso, é
um antagonismo entre o sujeito e os seus objetos de investimento. Dessa forma, as bases
narcísicas não se constituem com e pelo objeto mas, em proporções variadas, contra o
objeto. Esse antagonismo na relação entre sujeito e objeto indica que a relação com os
objetos de investimento, em vez de fortalecer a constituição narcísica, ameaça-a.
Segundo Chabert (2006, op. cit.) ocorre nesse caso um trabalho de exclusão do objeto,
não tanto por sua qualidade pulsional agressiva, mas, sobretudo, porque ele vem
ameaçar a integridade do sujeito.
As situações que fazem aparecer cedo demais o antagonismo entre o
investimento do objeto e a salvaguarda da integridade do sujeito situações que
conferem uma função antinarcísica ao investimento do objeto tendem a obstruir os
mecanismos de introjeção e impedem, portanto, a qualidade do processo de
interiorização, aspecto que pretendemos melhor explorar no terceiro capítulo desta
dissertação. Isso virá comprometer a aquisição da autonomia, pois, de acordo com
Chabert (Ibid.), se constituiriam zonas de indistinção entre sujeito e objeto, zonas de
intromissão recíproca e de incorporação do objeto. A diferenciação sujeito/ objeto não
se daria de maneira eficiente; os limites entre eles tornar-se-iam esmaecidos.
41
Nesse contexto, estabelece-se uma luta paradoxal permanente pelo objeto e, ao
mesmo tempo, contra o objeto, luta que se originaria da impossibilidade de separação
do objeto, de sua perda. A fragilidade das fronteiras eu/outro impossibilita o sujeito de
enfrentar o excesso pulsional, uma vez que as excitações provocadas pelo objeto são
sempre vividas como invasivas. Essa fragilidade das fronteiras levará o sujeito,
paradoxalmente, a procurar o objeto, em função da impossibilidade de a ele renunciar e
da onipotência que essa relação comporta.
O sujeito não pode se separar do objeto, mas também não pode dele tirar
proveito e prazer; não consegue torná-lo seu. Sem uma internalização eficiente do outro
regulador de si, ele tende a permanecer desamparado perante o excesso pulsional. Isso
faz com que se produza uma oscilação entre a dependência e o retraimento na relação
com os objetos, conforme indica ainda Jeammet (2003, op. cit.). Esse modo de relação
com o objeto é por ele denominada de “apetência objetal”, relação caracterizada pela
constante busca de um objeto a ser consumido ou sobre o qual se apoiar. Na base desse
movimento supomos a presença de uma excitação interna permanente que o encontro
com o objeto tende antes a agravar do que a acalmar. Dessa forma o encontro com o
objeto é marcado por uma adesão absoluta a ele, seguida de sua rejeição absoluta. Essas
oscilações indicam justamente uma significativa dificuldade na gestão da distância
relacional. Este aspecto será retomado e analisado no terceiro capítulo.
A ausência do objeto assume um poder desorganizador do qual o sujeito tentará
se proteger desenvolvendo uma atividade compensatória, visando, ao menos, recuperar,
ainda que provisoriamente, o seu equilíbrio psíquico. Este é buscado em objetos do
mundo externo que funcionem como contra-investimento a uma realidade interna que
ameaça o sujeito de desorganização. Os contra-investimentos privilegiam a regulação
das tensões internas pela via externa perceptiva e motora, pelo controle do objeto
externo, em detrimento da via interna ligada à satisfação alucinatória do prazer. A
importância dos contra-investimentos para a economia psíquica torna o sujeito
dependente dos objetos contra-investidos.
A apetência objetal, própria à bulimia, sinaliza uma apetência sem limites em
relação ao objeto, busca de um objeto ideal, processo que faz com que tal busca, sempre
insatisfeita, reforce a apetência. O objeto externo é sempre decepcionante e insuficiente
nessa tarefa que o sujeito destina a ele: a de assumir o papel de regulador econômico
42
diante do afluxo de excitações. A constante busca por um objeto externo é movida por
uma excitação interna permanente, excitação que o sujeito o consegue apaziguar, em
conseqüência do relativo fracasso das primeiras internalizações. O seu equilíbrio
narcísico passa a depender dos objetos externos e de suas respostas. Assim, a apetência
objetal pode ser considerada como uma apetência introjetiva cuja função seria dar
suporte às bases narcísicas precárias. Um dos recursos encontrados para se lidar com
essa apetência objetal seria, então, a conduta adictiva.
O efeito protetor desses contra-investimentos sobre o narcisismo não é
garantidor da qualidade das defesas narcísicas; eles têm apenas o poder anti-objetal,
afastando o sujeito das relações com seus objetos de desejo, e trazendo alívio
temporário para a ameaça de aniquilamento que a relação com esses objetos parece
comportar. No movimento de externalização, opera-se uma dupla negação: das fontes
internas do desejo e de suas ligações aos objetos infantis (CHABERT, 2006, op. cit.).
A capacidade introjetiva é obstruída por essa tentativa radical de deslocar a fonte
interna da excitação através de um movimento de externalização para a excitação
ligada à concretude do objeto. Este processo torna possível, por um lado, o controle da
excitação, mas tal controle se faz por meio do apelo à realidade externa, do apelo a um
objeto externo; por outro lado, esse mesmo controle vem bloquear as relações libidinais
com os objetos, responsáveis pelas trocas afetivas que deveriam fortalecer o narcisismo.
A convocação dos objetos externos, do registro do comportamento, do ato,
representa uma espécie de compromisso entre dois fracassos: o da interiorização do
objeto e o das defesas narcísicas. Dessa forma, o contra-investimento em objetos do
mundo externo ganha especial relevo nessa problemática da dependência. Porém,
Chabert (Ibid.) destaca queo se trata aqui de uma substituição simbólica, que suporia
um trabalho de separação, de interiorização e representação do objeto inicial, processo
que justamente não foi possível nesse caso. Tratar-se-ia de uma recusa do papel desse
objeto e de seu contra-investimento em um “pseudo-objeto” substituto, uma vez que
este não se presta ao trabalho de elaboração e de reforço do recalcamento.
O processo de interiorização necessitaria de um contato mínimo entre
representações e afetos. Isso implicaria o reconhecimento das percepções internas, ou
seja, das percepções que o sujeito experiencia em termos de emoções e afetos, de prazer
ou desprazer, de acordo com a sua ligação a representações de objeto. Nestes casos, é
43
essa operação fundamental que se revela inoperante ou inacessível à interiorização. O
contato com o mundo interno é evitado porque revelaria a diferença entre o sujeito e o
objeto, marcando a possibilidade de separação entre eles.
O processo de autonomia fica prejudicado uma vez que o ego parece não ter
conseguido ultrapassar o modo de dependência próprio à relação primária. Em lugar da
representação de um objeto interno como outro regulador de si, tem lugar a constituição
interna de um objeto onipotente e persecutório, obstrutor do processo de separação.
Diante do objeto externo, o sujeito também irá se encontrar em uma posição de
passividade. Essa experiência de passividade, vivenciada na relação de dependência é,
no entanto, revertida em atividade diante do objeto externo, na tentativa de mantê-lo sob
seu domínio. Isto se dá como proteção contra uma dependência radical ao objeto interno
intrusivo e insistentemente presente.
A falha no plano do investimento e no da elaboração das bases narcísicas faz
com que haja um prejuízo na capacidade egóica de simbolização da excitação pulsional.
Esta situação, própria à dinâmica pulsional, intrapsíquica, resulta em que o outro
adquire um poder salvador/ destruidor, fascinante/ perigoso. Portanto, na base do
processo adictivo está o outro, em última instância, o objeto interno, fonte maior desse
receio de dependência, dessa forma particular de sofrimento na qual o objeto aparece
como o controlável, suscitando movimentos pulsionais internos diante dos quais o
ego não possui recursos para elaborar. Isto vem estabelecer uma relação de radical
dependência. Nas palavras de Brusset, “Tudo se passa como se o ajuste conveniente
sujeito-objeto não tivesse podido ser feito, deixando persistir uma dependência que
priva o sujeito de si mesmo” (BRUSSET, 1999, p. 55).
A adicção corresponderia a uma tentativa de evitar o reconhecimento do desejo
do outro, uma vez que este reconhecimento parece implicar para o sujeito uma
submissão e um assujeitamento insuportáveis, os quais o ameaçam de aniquilamento.
Para tentar evitar o assujeitamento ao outro interno, para fugir do insuportável da
dependência psíquica, o ego, paradoxalmente, recorre a um objeto ou a um ato que o
mergulhará, porém, em outra dependência, mantendo-o aprisionado a esse modo de
relação, capturado, em sua base, a um estado de passividade pulsional.
Portanto, como estamos procurando mostrar, subjacente à relação de
dependência travada com os objetos do mundo externo, parece haver uma dependência
44
intrapsíquica, dependência, em última análise, em relação ao objeto próprio à relação
primária. É dessa situação básica de dependência psíquica que acreditamos emergir a
adicção. Nesse contexto, a relação com o objeto, especialmente a relação com o objeto
primário, merece destaque em nossa discussão.
Vamos nos deter de forma detalhada, a seguir, na articulação entre dependência
e ligação inicial aos objetos parentais, com o intuito agora de destacar a importância das
qualidades particulares de tais ligações para a compreensão dos fenômenos adictivos.
II.3 – Relação de objeto e dependência na adicção
Segundo Blondel (2004), a relação com as figuras parentais estaria na origem da
economia psíquica da dependência adictiva. As modalidades de separação na relação
mãe/bebê ganham ainda maior relevo. Em concordância com as idéias do autor,
consideramos que o estudo dos processos de separação, de construção dos limites entre
mãe e bebê, constitui um solo consistente para avançarmos em nossa investigação,
voltando-nos para os aspectos singulares de tal processo.
Nosso interesse por esses aspectos é despertado igualmente pelas proposições de
Roussillon (2004), segundo as quais a possibilidade de superação da dependência
estaria relacionada com a maneira como ela será vivenciada subjetivamente, ou seja, a
maneira como foi construída a relação com o objeto materno e, em particular, a questão
da qualidade do prazer que tal relação contribuiu para organizar. Analisemos, então, o
que poderia vir a comprometer a superação da dependência ao objeto materno, objeto
primário.
Blondel (2004, op. cit.) assinala que certas mães não conseguem se manter
separadas de seus bebês no período das primeiras relações. Em função dessa
dificuldade, tendem a mergulhar num estado de confusão ou de temor, visando evitar
essa separação. Neste caso, elas podem apelar a atitudes, tanto de investimento, quanto
de desinvestimento muito maciços, atitudes que freqüentemente evidenciam um
prejuízo na triangulação no próprio psiquismo materno.
De acordo com as hipóteses do autor, algumas mães vivenciam o processo de
separação de seu bebê como uma experiência de afastamento radical e de perda. Suas
angústias de separação estariam muito ativas. As respostas dirigidas ao be
constituiriam, portanto, uma tentativa de enfrentar suas próprias angústias, como forma
45
radical de defesa. Elas tenderiam a repetir com seu bebê as mesmas modalidades de
apaziguamento utilizadas como recurso para si mesmas: o bebê seria usado como
recurso de contra-investimento das excitações do mundo interno materno, em prejuízo
do valor narcísico que tal investimento materno poderia ter para ele.
A mãe veria em seu be uma reatualização muito maciça de sua própria
história, por ter permanecido absorvida demais por suas próprias angústias. Suas
respostas seriam dirigidas, em última instância, às angústias que a relação com o bebê
veio reatualizar de sua própria história; não seriam, portanto, respostas efetivamente
dirigidas a ele. Essas mães podem ser consideradas como mães onipotentes, que não se
deixam apagar, que buscam constantemente a adequação do bebê a seus ideais,
independentemente das reações dele; isso em muito prejudica a constituição de um
espaço fronteiriço entre eles, espaço de troca e negociação, em função do curto-circuito
que este tipo de resposta provoca na criatividade das trocas afetivas. (BLONDEL, 2004,
op. cit.).
A partir dos aspectos propostos por Blondel em relação ao processo de
separação mãe/bebê, é possível indicar que, nesse caso, o investimento que a mãe dirige
ao bebê é precário, prejudicando a constituição das bases narcísicas, obstruindo, assim,
o processo de separação. Isso nos permite propor a hipótese de que talvez a mãe não
possa vir a ser vivida como objeto de amor privilegiado, mas sim como um objeto de
amor cuja perda constitui um perigo psíquico, perigo de desorganização do ego.
A este respeito, Bourdellon (2004) acrescenta que a mãe não poderia utilizar seu
espaço psíquico, pois não disporia, transitoriamente ou estruturalmente, da riqueza
identificatória de um Édipo organizador. Diante da demanda do bebê, seu psiquismo
tornar-se-ia evacuador, buscando livrar-se o mais rápido possível de suas experiências
infantis, reativadas pela relação com seu bebê. Para evitar o reaparecimento de
experiências traumáticas, a mãe evita as suas próprias emoções, escapando também do
contato com o bebê. Podemos constatar que este tenderia a ser cuidado em função das
emoções maternas, sem que suas próprias emoções sejam efetivamente consideradas.
A insuficiência de ligações vivas, diferenciadas e matizadas, pode induzir a
colagem entre mãe e bebê, o que visa, segundo Bourdellon (Ibid.), a não deixar aparecer
o sofrimento do lado do bebê e, igualmente, do lado da mãe, pois a autonomia da
criança vem ferir o narcisismo materno. Sublinhemos, neste ponto, o estado de
46
dependência, em primeiro lugar, da mãe em relação ao filho, tornado, assim, um objeto
indispensável para atenuar as tensões maternas. A insuficiência de ligações mãe-be
induz a insuficiência das ligações intrapsíquicas no novo ser, constituindo um obstáculo
à organização do seu funcionamento psíquico, à constituição dos processos de
pensamento e de elaboração psíquica. Estes processos, como estamos procurando
mostrar, se mostrariam comprometidos na organização psíquica materna.
Como indica igualmente Joyce McDougall (2001, op. cit.), esse tipo de relação
dificulta ao bebê o desenvolvimento de seus próprios recursos psíquicos para atenuar as
suas tensões afetivas. Uma das possíveis saídas” utilizadas poderá ser o
estabelecimento de uma relação de colagem com a figura materna. Este modo de relação
pode ser considerado justamente como adictivo. Em sua base haveria a não-aquisição
da representação de uma mãe interna reguladora, cuidadosa, que lhe daria a capacidade
de com ela se identificar a fim de suportar seus estados de sofrimento psíquico.
Ao o alcançar tal representação interna, o sujeito permanecerá incapaz de
suportar os momentos de tensão, quer provenham de fonte interna ou externa, de modo
que procurará uma solução a fim de dissimular a falta das introjeções reguladoras. Tal
solução, conforme sublinhamos acima, tenderá a ser buscada no mundo externo. Por um
lado, a relação de colagem com a mãe pode servir de sustentação, recurso para lidar
com as excitações tanto externas, quanto internas; por outro lado, ela comporta um
caráter ameaçador – ameaça de aniquilamento, inerente à relação de dependência.
A colagem ao objeto tem por função proteger o sujeito da angústia de abandono,
e da ameaça de destruição às quais a diferenciação o exporia; mas também desencadeia
o temor de aniquilamento, de morte psíquica, como pontua Joyce McDougall (2001, op.
cit.). Isso ocorre porque, como dissemos acima, a relação com o objeto torna-se
paradoxal: o objeto torna-se tão necessário quanto ameaçador; a figura materna, uma
figura tão amada quanto temida, devido à impossibilidade do sujeito de separar-se dela.
Quando o objeto materno o suporta as exigências narcísicas, onipotentes, do
bebê, este último não consegue se libertar de um nível mais primitivo de relação com o
objeto. Esta relação caracteriza-se por movimentos de oscilação: , ao mesmo tempo,
uma busca de domínio sobre ele e uma tendência a estabelecer com ele uma
dependência de caráter vital. A diferenciação ego/objeto fica prejudicada, pois a
superação da primitiva relação de dependência o chega a ser alcançada. Como vimos
47
anteriormente, aí a indicação de um prejuízo no processo de interiorização do objeto.
Na ausência do objeto, o sujeito não disporia de recursos próprios para suportar as
tensões, tanto internas, quanto externas. Isso ocorre porque, sem a representação do
objeto, não se pode lançar mão do recurso à satisfação alucinatória do desejo. A
regulação das tensões seria feita, portanto, por uma via externa em detrimento da via
interna ligada às potencialidades alucinatórias.
II.4 – Impossibilidade de acesso à satisfação alucinatória
A representação do objeto é indispensável para que o sujeito possa dispor do
recurso à satisfação alucinatória do desejo quando confrontado com a sua ausência. O
processo de representação constitui um processo extremamente complexo, cujo
detalhamento ultrapassaria, no entanto, os limites desta investigação. Restringir-nos-
emos então a algumas indicações referentes à noção de representação de objeto,
indispensáveis à continuidade de nossa discussão.
A noção de representação de objeto não pode ser concebida, mostram Botella &
Botella (2007), nem como um desdobramento de uma percepção, nem como uma figura
estável, mas como uma formação complexa, como um reservatório de investimentos do
eu, em acordo com a tendência unificadora que lhe é própria. Assim, a representação de
um objeto fortemente investido seria uma espécie de reservatório da sexualidade infantil
que polarizaria o conjunto das ligações infantis, narcísicas e objetais, como pólo de
atração para todas as outras representações. Vale acrescentar que a possibilidade de
representação do objeto comporta a possibilidade de representação de si. Ao descobrir o
objeto, descobre-se a si mesmo. Assim a representação do objeto, sua interiorização,
constitui um processo estruturante para o psiquismo, indispensável à separação
sujeito/objeto.
A ausência do objeto pode ser experienciada como angústia extrema, que
ameaça o eu de desorganização. A solução para lidar com o desamparo que tal ausência
provocaria não deveria ser limitada ao investimento da presença do objeto ou ao recurso
auto-erótico a uma parte do corpo como seu substituto, pois, como mostram Botella &
Botella (Ibid.), esses recursos seriam apenas paliativos. O caminho mais adequado seria
o investimento da representação do objeto, caminho da satisfação alucinatória do
desejo, de fundamental importância para constituição e consolidação do eu.
48
Levantamos, então, a seguinte questão: o que possibilitaria o recurso à satisfação
alucinatória do desejo, ao investimento da representação do objeto?
Se o bee a mãe conseguem uma integração satisfatória, se a mãe adapta-se
minimamente às necessidades do bebê, este se sentirá onipotente. No momento em que
busca o seio, encontra-o; nesse caso as respostas maternas estariam voltadas para as
necessidades do bebê. Segundo Blondel (2004, op. cit.), essa ilusão de onipotência, a
partir desse tempo das primeiras experiências de satisfação, seria a condição que
permitiria o recurso à realização alucinatória do desejo, além do desenvolvimento da
capacidade materna de devanear e de se identificar com seu bebê, identificação que
solicitaria a sua história infantil.
A riqueza dessas experiências de satisfação permitiria então, ao bebê, o acesso
ao recurso da satisfação alucinatória na ausência da mãe. Blondel (Ibid.) sublinha que o
apaziguamento da fome e das necessidades elementares não é suficiente para deixar um
traço que permita a emergência do pensamento. Os traços deixados pela satisfação
precisam ser reinvestidos, sem o que o recurso alucinatório e o desenvolvimento do
espaço fronteiriço entre sujeito e objeto ficam esmaecidos, obrigando o bebê a manter
uma relação de colagem, quer seja à mãe ou a um objeto substitutivo. É necessário que a
satisfação da necessidade tenha deixado traços suficientemente carregados de prazer
para que o processo alucinatório possa reinvesti-los. Do ponto de vista do bebê, a
formação da ilusão criadora necessária demandaria, da parte da mãe, uma identificação
capaz de permitir a criatividade e o estabelecimento das bases de uma compreensão
mútua.
A realização alucinatória do desejo supõe um apagamento do objeto, uma
resposta não imediata dele, permitindo um acúmulo das tensões. Isto somente se mostra
possível pelo investimento dos traços deixados pela satisfação. O bebê, incapaz de
utilizar os processos alucinatórios como recurso na ausência da mãe, contribui para a
instauração de uma relação de domínio recíproco, pois organiza um tipo de relação de
objeto visando negar a ausência, a impossibilidade de elaborá-la. Segundo a hipótese de
Blondel (Ibid.), não basta pensarmos na presença maciça da mãe como fator que seria
obstáculo ao desenvolvimento da realização alucinatória do desejo (que permitiria ao
bebê suportar a sua ausência); é preciso considerar também a ausência de devaneio
49
materno no tempo da satisfação, a ausência de movimentos de regressão de caráter
identificatório.
Podemos, então, concluir que na adicção a satisfação da necessidade o teria
deixado traços suficientemente carregados de prazer capazes de ser reinvestidos, em
função da ausência de movimentos de regressão identificatórios por parte do objeto
materno. Além disso, o objeto materno que não se deixa apagar, constituindo-se como
uma presença maciça, o permite ao bebê desenvolver suas potencialidades
alucinatórias (em primeiro lugar, em sua presença), fazendo-o recorrer à descarga.
Dessa forma a perda/separação do objeto o pode ser simbolizada, vindo imprimir à
relação com o outro uma dimensão de dependência, dependência da presença constante
do outro, do objeto real.
McDougall (2001, op. cit.) sublinha que, nesses casos, a ausência não se
constitui em uma presença virtualizada, presença da representação do objeto ausente,
presença do objeto internalizado, mas como ausência “absoluta”; a presença do objeto
somente sendo considerada a partir de sua presença efetiva no mundo externo. A
ausência do objeto provoca aqui o seu desaparecimento no espaço psíquico, porque
nenhum sentido pôde ser dado a ela, porque ela não pode dar lugar a nenhuma
construção fantasística, a nenhuma representação, aquilo que permitiria a sua
elaboração. Nessas condições, a ausência adquire uma dimensão traumática.
Em função de o bebê, durante a ausência da figura materna, não poder apelar ao
desenvolvimento do seu auto-erotismo o que demandaria a ligação com a
representação do objeto ausente ele passa a utilizar outros meios para lidar com a
ausência do objeto, como o contra-investimento no mundo externo, procurando, por
esse meio, libertar-se da tensão. Esse processo não está ligado a uma atividade libidinal,
e os objetos do mundo externo estariam aqui a serviço de uma dissimulação temporária
da tensão psíquica. Trata-se de tentativas de ordem antes somática do que psicológica
para enfrentar a ausência do objeto; elas apenas permitem um alívio temporário para o
sofrimento psíquico.
A dimensão do agir revela-se especialmente importante na adicção, já que o
sujeito busca modificar seu estado mental por um comportamento repetitivo atrelado a
objetos externos. Uma solução momentânea é encontrada, solução que, como
mostramos, se pela via do contra-investimento do objeto externo, através do
50
estabelecimento da relação adictiva. Porém, este recurso não soluciona a problemática
da separação/dependência ao objeto da relação primária, da impossibilidade de
interiorização do objeto. Por não ter conseguido simbolizar a perda do objeto, por não
possuir o outro interno como regulador de si, o ego tende a buscar essa regulação no
exterior. A cena psíquica é situada fora e necessidade e mesmo a urgência de
recorrer a um ‘metteur em scène’ para sentir-se existir” (CHABERT, 1999; p. 99).
A partir dos aspectos desenvolvidos a este ponto, consideramos que a
possibilidade de o be dispor do recurso à satisfação alucinatória é um aspecto
fundamental para possibilidade de perda/separação do objeto materno, uma vez que
indica o estabelecimento da representação do objeto ausente sendo, portanto, condição
indispensável como exploraremos melhor no tópico seguinte ao trabalho de luto.
Quando isso não ocorre, vemo-nos na contramão de um trabalho de luto, pois o sujeito
não renuncia à posse do objeto, à união narcísica. Estamos diante da impossibilidade da
“perda” do objeto.
II.5 – A impossibilidade de “perder” o objeto
André Green vem enriquecer nosso debate, acrescentando novos elementos para
darmos continuidade à análise da relação com o objeto primário, principalmente no que
se refere ao processo de internalização e à dimensão pulsional implicada na dinâmica da
adicção.
A respeito do trabalho de luto, André Green (1986) enfatiza que, no contexto do
luto, a questão do objeto se articula à da negatividade. O termo negatividade se refere
aqui à possibilidade de perder o objeto, de o objeto poder “apagar-se” no interior do
psiquismo. Este processo é nomeado pelo autor como “trabalho do negativo” e diz
respeito ao trabalho de internalização, de simbolização do objeto primário, aspectos que,
conforme fomos mostrando ao longo do presente capítulo, parecem precários no quadro
das adicções, em particular, na bulimia. Isso nos permite concluir que não tenha sido
possível ao sujeito bulímico realizar o trabalho do negativo.
O trabalho do negativo engendra um movimento estruturante, possibilitando ao
objeto primário sofrer um processo de negativização interna que diz respeito, dentre
outros aspectos, à possibilidade de ser recalcado e transformado em representação
psíquica. Porém, é importante destacarmos que o trabalho do negativo não se refere
51
apenas ao recalque; ele diz respeito a todas as formas de “dizer não” ao objeto (Id.,
ibid.).
Se esse processo for realizado com sucesso, o objeto primário será internalizado,
vindo efetivar a diferenciação entre o eu e o outro, entre mundo interno e mundo
externo. A internalização do objeto pressupõe que ele pôde ser perdido, “esquecido”,
dando passagem a outros fenômenos, conforme esclarecem Figueiredo & Cintra: “... na
atenuação de sua presença {do objeto} para dar lugar, de um lado, à representação e, de
outro e mais profundamente, ao vazio internalizado na forma de uma estrutura”
(FIGUEIREDO & CINTRA, 2004, p. 17).
Na contracorrente deste processo encontramos, segundo os termos utilizados por
estes autores, o “objeto absolutamente necessário”. “Este não é introjetado como ‘objeto
interno’, mas, tal como ocorre no luto, como elemento estrutural e estruturante do
psiquismo” (loc. cit.). Sendo estruturante, o “objeto absolutamente necessário” possui
funções importantes do ponto de vista das pulsões, pois seria o responsável tanto por
despertá-las, como por contê-las, ligá-las. A partir dessa visão, o objeto primário, o
outro, possui uma dupla função: a de excitar e também a de aplacar esta mesma
excitação que desperta. O “objeto absolutamente necessário” deve, entretanto,
desaparecer como objeto no interior do psiquismo, devendo ser internalizado como
função estruturante de estimulação e contenção da pulsão, reaparecendo como algo
diferente, distanciado, como objeto de atração e repulsão. Isto caracterizaria um
processo bem-sucedido de constituição do psiquismo” (loc. cit.).
Portanto, o trabalho do negativo cumpre a sua tarefa quando transforma o objeto
primário em uma “presença ausente”, estando sempre presente, não como objeto, mas
como elemento estruturante da vida psíquica. Isso indica que o objeto, como objeto,
estará para sempre perdido, permitindo a busca por novos objetos, por novas ligações,
abrindo espaço para a necessária contingência que é própria ao objeto da pulsão. Desta
forma, o sujeito torna-se capaz, ele próprio, de gerir sua força pulsional, de contê-la e
dirigi-la para investir novos objetos.
Se o trabalho do negativo não puder ser realizado, o objeto permanecerá no
espaço psíquico como uma presença absoluta, externa à cadeia representativa e fora do
campo do recalcado, seus efeitos se traduzindo por uma ameaça ao funcionamento
psíquico. Quando o objeto e suas funções não podem ser internalizados em seu viés
52
estruturante, ele passa a habitar o espaço interno de maneira não-integrada e, ao invés de
contribuir para a contenção da força pulsional, ao não permitir a sua ligação, deixa o
ego exposto à invasão de um excesso pulsional ameaçador. Nesse caso, segundo
Figueiredo & Cintra, à luz das considerações de André Green, o objeto não só deixa de
conter esta força pulsional como realiza uma espécie de coalescência com ela, tornando-
a ainda mais excessiva. O efeito do objeto primário na constituição psíquica faz-se
perceber nessas situações em que não desempenhou suas funções primordiais, quando
não se deixou “esquecer”. “É quando os objetos fracassam ou produzem efeitos
‘extraordinários’ que mais somos obrigados a reconhecer seu papel constitutivo.”
(FIGUEIREDO & CINTRA, 2004, op. cit., p. 15-16). Portanto, o outro não é apenas
fundador e organizador da vida psíquica: em algumas situações ele pode contribuir para
desestruturá-la.
O trabalho do negativo pode assumir a forma daquilo que Green (1986, op. cit.)
denominou uma exclusão radical. O objeto vem ocupar o espaço psíquico: ele não é
recalcado, nem se submete ao domínio do ego. Fica excluído, na qualidade de objeto
externo internalizado, mas não integrado, como um núcleo de exterioridade no interior
do psiquismo. Isso nos remete ao que Cardoso (2005) sugere constituir-se como uma
“alteridade radical” cuja origem residiria em elementos vindos do outro que passam a
habitar o mundo interno, mas que, por não serem elaborados, permanecem como um
núcleo externo interiorizado, mas não integrado ao psiquismo.
Assim, os aspectos traumáticos não dizem respeito apenas a uma dimensão
econômica e dinâmica, mas também, à forma como o objeto passa a habitar o espaço
interno, ao impasse que a relação com o outro pode produzir no ego. Uma vez que “são
os objetos primários que, interceptando essa pulsionalidade, podem conduzi-la às
ligações ou, por sua ausência ou por suas insuficiências, podem provocar e disparar as
forças de descargas e do desligamento” (FIGUEIREDO, 2003, p.152).
A intrusão do objeto vem fragilizar a constituição dos limites entre o eu e o
outro. O objeto deixa de cumprir seu papel de objeto, por sua presença maciça e
contínua. Isto dificulta a criação do espaço fronteiriço, do espaço da conflitualidade,
impedindo que o objeto seja “perdido”, internalizado, e sua perda simbolizada. Os
investimentos libidinais tendem a se fixar no objeto primário, este permanecendo como
um “objeto absolutamente necessário”, em última instância, necessário a um suposto
53
equilíbrio narcísico do sujeito. Vemo-nos aqui diante do fracasso do trabalho do
negativo, da impossibilidade de “perder” o objeto primário, aspecto que constituiria, no
nosso entender, o cerne da problemática da dependência.
A crise bulímica nos confronta com a tentativa do ego de reverter a passividade,
à qual está submetido, em atividade, resposta arcaica que envolve, paradoxalmente, a
busca por um mínimo distanciamento desse objeto excessivo e violento que veio a
ocupar o espaço psíquico. Porém, esta resposta terá que ser constantemente repetida,
pois o fracasso do trabalho do negativo faz com o que o objeto permaneça como
presença intrusiva e insistentemente presente no espaço psíquico.
Buscaremos a seguir compreender os efeitos da intrusão no psiquismo desse
objeto excessivo e violento.
II.6 – Um movimento regressivo
A intrusão do objeto no espaço psíquico instaura uma lógica singular de
funcionamento psíquico, uma vez que inviabiliza, dentre outros aspectos, a construção
de um espaço fronteiriço. Os investimentos libidinais mantêm-se fixados ao objeto
primário, dificultando o processo de unificação narcísica. Este aspecto nos leva a
explorar o campo do auto-erotismo, tempo primeiro e primordial da constituição do
psiquismo. Para analisarmos este ponto, nossa atenção dirigir-se-á primeiramente à
noção de apoio.
A noção psicanalítica de apoio designa a relação primitiva entre as pulsões de
autoconservação e as pulsões sexuais, sendo que estas últimas secundariamente vão
se tornar independentes; para tal, apóiam-se nas funções vitais que lhe fornecem uma
fonte orgânica, uma direção e um objeto (LAPLANCHE & PONTALIS, 1982/2001, op.
cit.). Em 1905, em “Os Três ensaios sobre a teoria da sexualidade”, Freud descreve a
proximidade existente entre a pulsão sexual e certas funções corporais, necessárias à
conservação da vida. Isso é particularmente exemplificado através da sucção do seio
que, além de fonte de alimento, constitui-se como grande fonte de prazer. Dessa forma,
a satisfação da zona erógena está, a princípio, estreitamente associada à satisfação da
necessidade de alimento.
54
Nesse primeiro momento, a função corporal forneceria à sexualidade a sua fonte,
um objeto, permitindo que fosse experimentado um prazer não redutível à satisfação da
fome. Nesse movimento do apoio, o objeto das pulsões de autoconservação e das
pulsões sexuais é o mesmo. Freud indica que “(...) em breve a necessidade de repetir a
satisfação sexual irá separar-se da necessidade de nutrição” (FREUD, 1915/1972, p.
182). A sexualidade somente tornar-se-á autônoma a partir do surgimento de um
desdobramento auto-erótico, em função da perda do objeto da autoconservação.
Nesse momento não se pode, no entanto, descartar a presença do objeto, se
levamos em conta a dimensão da fantasia “(...) e a suposição de um objeto externo
interiorizado, porém ainda não integrado: objeto parcial, insubstituível, ‘objeto único’
(nos termos de Jacques André), fonte do pulsional, em primeiro lugar, do excesso
pulsional” (CARDOSO, 2005, p. 70). É esse objeto fantasístico que se tornará o objeto
fonte da pulsão sexual. Assim o objeto que é perdido é o leite, objeto real, objeto da
autoconservação. O objeto que se buscará reencontrar não é o objeto perdido, objeto da
autoconservação, mas seu substituto fantasístico, o objeto da pulsão sexual.
A problemática do apoio designa o movimento de apoio sobre a função vital e os
deslizamentos progressivos pelos quais se chega à perda do objeto original,
possibilitando a construção do objeto da pulsão sexual. Portanto, a idéia de apoio diz
respeito ao movimento de constituição do próprio objeto fonte da pulsão, o objeto do
auto-erotismo. Este aponta para uma alteridade radical diante da qual se faz
necessária uma nova ação psíquica para que esse objeto possa vir a ser assimilado nos
limites do ego ou recalcado, consolidando o espaço do eu, através da unificação
narcísica.
O objeto do auto-erotismo parece constituir o “objeto absolutamente
necessário”, de acordo com o que foi abordado no tópico anterior deste capítulo.
Através do trabalho do negativo, ele poderá tornar-se uma “presença ausente”, elemento
sempre presente, não como objeto, mas como elemento estruturante da vida psíquica.
Reaparecerá como algo diferente, distanciado, como objeto de atração e repulsão,
permitindo que o movimento pulsional seja guiado pela necessária contingência própria
ao objeto da pulsão.
No caso da bulimia não é isso que ocorre. Como vimos, o sujeito permanece
dependente de um objeto externo absolutamente “necessário”, movimento que contraria
55
a necessária contingência que seria própria ao movimento pulsional. Isso vem
promover um desvio de um regime objetal descontínuo, insatisfatório, regime pulsional,
rumo a um regime substancial contínuo. Consideramos, em sintonia com Cardoso
(2005, op. cit.) que esse processo implica num “movimento de des-apoio” (Id., ibid., p.
70), no sentido de uma tendência regressiva. O que estaria na base dessa tendência
regressiva?
Segundo Laplanche & Pontalis (1982/2001, op. cit.), o apoio das pulsões sexuais
primeiramente sobre a fonte e o objeto das pulsões de autoconservação, e a sua posterior
independização, indicaria que existe uma diferença de natureza entre as duas. De acordo
com estes autores, as pulsões de autoconservação teriam seu funcionamento
predeterminado pelo aparelho somático e o seu objeto seria imediatamente fixado. as
pulsões sexuais definir-se-iam por um modo de satisfação que, no início, diz respeito a
um ganho obtido à margem das pulsões de autoconservação, não possuindo um
funcionamento ou um objeto predeterminados. A partir dessa diferenciação entre as
pulsões de autoconservação e as pulsões sexuais, tendo como foco seu regime de
funcionamento, acreditamos ter encontrado um caminho frutífero para pensarmos a
tendência regressiva a que a pulsão está submetida na bulimia.
Essa tendência regressiva, esse desvio, parece incidir na via de busca da
satisfação, produzindo uma mudança do caminho percorrido diante da reivindicação
pulsional. Em vez de esse caminho seguir a necessária contingência do objeto da
pulsão, passando de objeto-substituto em objeto-substituto, sempre em busca de “outra
coisa”, cujo sentido seria a própria experiência de busca. Teríamos aí a passagem para
um regime da substância no qual o caminho é marcado por um imperativo que exige
sempre mais, mais do mesmo, sem a possibilidade de mudança para outra coisa”
(CARDOSO, 2005, op.cit.). Neste caso, a única resposta à reivindicação pulsional seria
a de mais substância, uma vez que estaríamos diante de um regime quantitativo.
A crise bulímica parece-nos estar submetida a esse regime quantitativo. O
sujeito bulímico mantém-se fixado ao objeto parcial, fonte da pulsão, objeto do auto-
erotismo, operação que estaria aquém da unificação narcísica. Isso aponta para um
descaminho no registro do desejo, “no sentido de uma ‘perversão’ da própria via
pulsional, e que atrela o sujeito a uma servidão ao objeto fonte da pulsão” (Id., ibid.,
p. 73).
56
Jacques André (2008, comunicação oral em grupo de estudos) permite-nos
aprofundar essa questão ao sublinhar que o registro do desejo estaria submetido, nos
casos de adicção, a uma exigência, a um imperativo, vindo obstruir a fluidez dos
investimentos libidinais. Essa proposição do autor nos levou a pensar que o registro do
desejo possa aqui ter se mantido atrelado a um modo de funcionamento próximo ao do
registro da autoconservação, modo de funcionamento que seria da ordem de um
imperativo.
Sobre este ponto, Igoin (1979, op. cit.) propõe a hipótese segundo a qual, na
bulimia, a pulsão sexual não deixaria de apoiar-se sobre o objeto da função vital. Essa
autora destaca, porém, que a questão que se colocaria o seria a da fixação a um
objeto da autoconservação, do qual a sexualidade não poderia se libertar, mas a de uma
escolha de objeto sexual cuja particularidade seria a de poder “imitar” uma relação vital.
Diante das proposições da autora acreditamos que nossa hipótese se fortalece, e
podemos avançar em seu esclarecimento, a partir da idéia da escolha de um objeto
sexual sob o modelo do objeto da autoconservação. Isso nos ajuda a deixar claro que
não se trata de supor a idéia de um retorno ao modo de funcionamento da
autoconservação, mas de uma “imitação” dessa lógica de funcionamento pela pulsão
sexual.
Avançando em suas proposições, Igoin (Ibid.) sustenta que na bulimia tudo se
passaria como se o objeto perdido (da autoconservação) e o objeto a ser reencontrado
(da sexualidade) fossem o mesmo. A sexualidade não teria seu próprio objeto; a
alimentação seria convocada sem consideração à fome, perdendo seu papel de nutrir,
impedindo que a saciedade seja alcançada. A função alimentar, portanto, que
normalmente seria uma conduta neutralizada, dessexualizada, sublimada, fonte de um
prazer não-sexual, ou antes, de um sexual sublimado, aqui se torna também objeto da
pulsão sexual.
Supomos, assim, que o registro do desejo funcionaria, na bulimia, sob o modelo
da autoconservação, indicando uma coalescência entre o objeto da sexualidade e o
objeto da autoconservação, o que justifica pensarmos em um movimento de “des-
apoio”, em uma tendência regressiva. Este ponto abre, mais uma vez, um rico caminho
para a marcação de algumas diferenças importantes entre o quadro da bulimia e o da
anorexia. Ao tentarmos traçar essa distinção, temos o principal objetivo, por
57
comparação e contraste, de colocar em relevo algumas características mais singulares da
bulimia.
II.7 – Bulimia versus anorexia
Na bulimia, como desenvolve Igoin (1979, op. cit.), a sexualidade tenderia a
“imitar” a função da autoconservação da qual justamente se diferencia, se delimita.
na anorexia, a sexualidade invadiria tal função ao ponto de torná-la inoperante, de
paralisá-la. Na anorexia, a sexualidade vem invadir o campo da autoconservação,
subvertendo seu modo de funcionamento e impondo-lhe um outro, regido pelas pulsões
sexuais. Dessa forma percebemos que, no que diz respeito a esse aspecto, o caminho
percorrido na anorexia seria, de certa maneira, o inverso do caminho percorrido na
bulimia. Nesta, as pulsões sexuais passam justamente a funcionar sob um modelo muito
próximo ao da autoconservação, enquanto na anorexia a sexualidade parece invadir este
campo, impondo-lhe o seu modo de funcionamento.
Cabe, entretanto, atentarmos para um importante matiz nessa diferenciação, a
saber: na bulimia, a junção entre sexualidade e autoconservação parece manter-se,
embora o funcionamento das pulsões sexuais revelando-se atrelado, de certa maneira,
ao da autoconservação – traga prejuízos para ambas, uma vez que se centraliza em torno
de um mesmo objeto. na anorexia, a sexualidade prejudica o funcionamento do
registro da autoconservação, subvertendo sua lógica de funcionamento. Esta posição se
aproxima daquilo que Fernandes (2006, op. cit.) aponta, ao afirmar que a disjunção
entre fome e sexualidade, que teria lugar na anorexia, indicaria uma espécie de curto-
circuito entre sexualidade e função nutritiva, como se uma primeira desfusão pulsional
se operasse no interior mesmo da pulsão de vida, conduzindo-a a uma fragmentação.
Isso estaria intimamente ligado a maior ou menor desintrincação entre pulsão de vida e
pulsão de morte.
Encontramos aqui um aspecto significativo que parece descortinar uma via
importante no que se refere à diferenciação entre essas duas patologias, tão
freqüentemente associadas. Dessa forma podemos encontrar na dinâmica pulsional
envolvida em cada uma dessas patologias algumas diferenças marcantes, o que
acreditamos ter repercussão direta na forma de relação travada com o objeto externo,
nesse caso, o objeto comida.
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A intrusão no psiquismo de um objeto excessivo e violento repercute
diretamente na relação que o sujeito bulímico estabelece com o objeto externo. Este
adquire uma natureza singular, de caráter absoluto e fixo e, no âmbito da dinâmica
pulsional, envolve um modo de funcionamento determinado por um imperativo, no
sentido de uma exigência de sempre mais, sempre mais, de fato, do mesmo objeto.
Mas faz-se necessário examinarmos o estatuto metapsicológico desse objeto
externo, ao qual o sujeito bulímico apela como forma de resposta ao objeto interno
intrusivo e violento.
II.8 – O estatuto do objeto adictivo
Na adicção, o equilíbrio psíquico é buscado em objetos do mundo externo que
servem de contra-investimento a uma realidade interna que ameaça o sujeito de
desorganização. Segundo essa visão, a adicção corresponderia a uma tentativa de evitar
o reconhecimento do desejo do outro, já que este reconhecimento parece implicar para o
sujeito uma submissão e um assujeitamento insuportáveis, provocando o sentimento de
ameaça de aniquilamento. Tratar-se-ia, assim, de uma recusa do papel do objeto
libidinal do qual o sujeito não consegue se libertar, e de um contra-investimento em um
“pseudo-objeto” substituto. Esse objeto, contra o qual o sujeito procura defender-se.
através do investimento de um pseudo-objeto”, resulta, conforme desenvolvemos
anteriormente, de uma presença absoluta que ocupou o psiquismo, constituindo-se como
uma “alteridade radical”, como um objeto indiferenciado do eu, perigosamente intrusivo
e dominador.
A adicção parece constituir um recurso a um substituto objetal cuja perda
poderia mergulhar o sujeito em uma situação de aniquilamento. Mas é preciso destacar
e para tal apoiamo-nos em algumas das contribuições de Jeammet (1999) que este
risco, representado pelo abandono ao objeto, encontra seu fundamento interno nas
próprias modalidades do funcionamento psíquico do sujeito. A adicção aparece como
uma defesa extrema contra o medo de ser invadido por esse objeto intrusivo, situado no
plano interno, como pára-excitação e limite entre si mesmo e o objeto, como uma
barreira ao poder do outro. O sujeito apela para a conduta adictiva como um último
recurso para fugir de sua crescente dependência e para afirmar a sua identidade, no que,
de fato, como procuramos mostrar, não alcança êxito.
59
Ao pensarmos acerca do objeto da adicção poderíamos apressadamente nos
remeter à idéia daquilo que Winnicott (1975) denomina de objeto transicional.
McDougall (2001, op. cit.) considera, entretanto, as atividades adictivas ou o uso de
substâncias adictivas como supostos substitutos de um objeto transicional objeto que
representaria, na verdade, o início da introjeção da função materna. Os objetos da
adicção não cumprem essa função. Inspirando-se em algumas indicações de Winnicott,
a autora esclarece que não é o objeto que seria transicional, mas a utilização que o bebê
faz dele. Trata-se de um objeto que o liberta da necessidade da e ela mesma, sem
negar a sua ausência, contribuindo para sua internalização, tornando-se mais importante
do que ela. Ele deve também ser indestrutível, permitindo ao bebê agir sobre ele sem
riscos os seus movimentos pulsionais. Como vimos, os objetos da adicção entram em
cena para tranqüilizar o sujeito acerca da manutenção de seus limites e de seu poder
sobre o objeto. Tomam então o lugar dos objetos transicionais. Todavia, ao contrário
destes, que libertariam o sujeito de sua ligação de dependência com o objeto primário,
eles conservam essa relação de dependência, além, inclusive, de criar outra.
Em contraposição aos objetos transicionais, McDougall (2001, op. cit.) propõe o
termo “objetos transitórios” para nomear os objetos adictivos. Para descrever esta
problemática, a autora propõe a expressão “neonecessidade”. Esta é considerada como a
criação de uma falsa necessidade, pois permite uma resposta geralmente imediata,
conforme o modelo da satisfação da necessidade, vindo substituir a elaboração do
desejo e sua realização alucinatória. A criação de uma neonecessidade está diretamente
ligada, em nosso ponto de vista, ao fato de o funcionamento do registro do desejo se
manter, de certo modo, atrelado ao modelo da autoconservação. Além disso, as
neonecessidades conduzem, dentre outros aspectos, a uma confusão das percepções, das
sensações internas e de seus objetos respectivos; todas as excitações são apaziguadas
com a mesma resposta imediata. No caso das neonecessidades, a questão da falta e da
ausência é desviada e travestida em falsa necessidade, permitindo o acionamento de
uma resposta imediata.
Ao discutir a problemática do objeto da adicção, Jeammet (1999, op. cit.)
assinala que, ao tornar possível a construção de um pseudo-objeto” sob controle, a
conduta adictiva funciona como uma solução” para evitar o perigo incestuoso e
alienante trazido pelo objeto, perigo de apagamento dos limites entre o objeto e o eu.
60
Este “pseudo-objeto”, que se constitui como objeto da adicção, possuiria as seguintes
características e funções: seria manipulável, estando sempre à disposição e não trazendo
qualquer necessidade de confrontação com a diferença, de modo a permitir a evitação
das angústias de separação e de castração. Além disto, funcionaria como fonte de
excitação externa, como contra-investimento às angústias de aniquilamento, ao mesmo
tempo em que serviria como pára-excitação ao potencial excitante e incestuoso do
objeto libidinal. A fonte de excitação tornar-se-ia externa e precisaria, portanto, ser
incessantemente renovada. Além disso, a ancoragem da excitação sobre uma atividade
fisiológica e sobre uma substância exógena autorizaria o seu domínio e a sua aparente
independência em relação aos objetos investidos. Contudo, a problemática da profunda
dependência aos objetos de desejo permanece sem elaboração psíquica.
Encontramos, assim, nas proposições do autor, as bases para pensarmos a
bulimia a partir de um arranjo da relação com o objeto de tipo “perverso”, o qual
salvaguardaria a ligação objetal, embora a reduzisse a uma ligação de contato,
superficial, evitando os perigos da internalização assim como da perda. Essas
características indicariam que “(...) uma das funções econômicas essenciais da
perversão, a saber, transformar o objeto de desejo em objeto de necessidade sob
domínio, e o objeto total em um objeto parcial à mercê do sujeito, está em primeiro
plano” (JEAMMET, 2003, op. cit., p. 127).
Ao considerarmos a presença desse “arranjo perverso” para qualificar a relação
que o sujeito bulímico mantém com o objeto, devemos precisar que não estamos
propondo a presença de uma estrutura perversa, mas de um arranjo defensivo
secundário que surge em resposta à relação de dependência mantida com o objeto
libidinal. A fragilidade narcísica conduziria o sujeito a arranjos defensivos voltados para
a realidade externa, em detrimento de defesas pautadas pela representação e pela
elaboração psíquica, modo de defesa também utilizado, ainda que de forma distinta, no
quadro da perversão.
Jeammet (Ibid.) supõe que tal arranjo esteja presente na bulimia como arranjo
defensivo que visaria fazer frente ao sentimento de dependência com relação ao objeto
libidinal, comportamento defensivo que visaria o domínio do objeto externo com fins
utilitários. É nesse ponto que nos sintonizamos com a posição do autor: a dimensão
perversa de tal comportamento se fundamenta no fato de o objeto o ser reconhecido
61
em seus desejos próprios e diferenças, mas apenas em sua função de reasseguramento
narcísico. Esse arranjo defensivo regeria o comportamento e a utilização que o sujeito
faz dele como substituto relacional. O uso que o sujeito faz dessa relação – na economia
psíquica e relacional confere a esse encontro, de algum modo, uma tonalidade
perversa. Há uma recusa da alteridade do objeto o qual é investido, não com a finalidade
de troca, mas unicamente como proteção contra uma perda possível e como fonte
mínima de excitação pulsional. Esta questão da tonalidade perversa que encontramos no
arranjo defensivo próprio à bulimia seretomada e aprofundada no terceiro capítulo, a
partir da análise da dimensão transgressiva que encontramos nesta patologia.
O que teria papel determinante no arranjo defensivo do sujeito bulímico seria a
angústia de perda/separação do objeto, com sua oscilação entre abandono e intrusão,
diferentemente do que ocorre na perversão, em que a angústia de castração é
determinante. Na bulimia, não é à angústia de castração que o sujeito tenta fazer frente,
mas à angústia de perda do objeto.
O que ganha relevo no arranjo defensivo que encontramos na bulimia é a
manutenção do contato com o objeto para assegurar-se de sua presença e de sua não-
destruição, contato que torna possível mantê-lo sob domínio. Além disso, encontramos
a tendência à busca de sensações ligadas à exterioridade, em detrimento das emoções,
das trocas afetivas, da interioridade. O arranjo relacional com o objeto é substituído por
uma alternância da busca de sensações de excitação e de apaziguamento através da
satisfação direta, sob o modelo da satisfação da necessidade. O sujeito manteria um
contato com o objeto garantindo a sua presença e a sua não-destruição, tentando
assegurar o seu estatuto de extraterritorialidade, o que, em alguma medida,
salvaguardaria os seus limites e a sua identidade.
Seguindo ainda essa proposta de Jeammet segundo a qual o arranjo defensivo
próprio da bulimia seria inspirado em um ordenamento perverso, o objeto da adicção
bulímica a comida poderia ser aproximado do modelo do objeto-fetiche. De acordo
com Blondel (2004, op. cit.), o objeto fetiche constituir-se-ia como um objeto que
permite manter a recusa da falta, da mãe, neste caso, permitindo negar a falta e a
ausência e, por conseguinte, impedir o processo de introjeção.
Capítulo III – Impossibilidade de ambivalência: a
manifestação de um paradoxo
A crise bulímica atua a voracidade, a avidez e a rejeição dirigidas ao alimento,
objeto externo, através da alternância entre preenchimento e esvaziamento, sem atingir a
satisfação. Trata-se de um ato/cena que não consiste em se alimentar, mas em comer
tudo, não importa o que, até que o corpo não suporte receber mais alimento. O sujeito
permanece aprisionado a essa forma de comportamento alimentar onde se alternam
ingestão e expulsão com a mesma intensidade, uma avidez e uma rejeição.
Encontramos aqui, portanto, esse ato/cena de caráter paradoxal.
No presente capítulo temos por objetivo dar continuidade à investigação acerca
de aspectos da paradoxalidade que marca a bulimia. Procuraremos investigar,
especialmente, a montagem psíquica subjacente a esse peculiar ato/cena de caráter
paradoxal. Para isso analisaremos alguns aspectos envolvidos, principalmente, a
alternância entre avidez e rejeição dirigidas ao objeto, tendo em vista a articulação entre
os aspectos primários e edípicos. A partir dessa articulação procuraremos compreender
qual seria a cena apresentada em tal crise, buscando, assim, circunscrever de forma mais
nítida alguns contornos singulares da bulimia.
No capítulo anterior, a nossa atenção se voltou, especialmente, para a radical
relação de dependência estabelecida com o objeto, marcada por uma dupla face: adesão
absoluta ao objeto e sua rejeição absoluta. A relação de dependência evidencia,
portanto, um aspecto dessa paradoxalidade. Nesse contexto a ausência do objeto torna-
se traumática, o que conduz o sujeito a um contra-investimento maciço em objetos do
mundo externo, através de uma relação adictiva, obstruindo, assim, o processo de
introjeção. Na busca por avançarmos em nossa discussão acerca das particularidades do
encontro com o outro interno/externo na bulimia, principalmente voltada para seu
caráter paradoxal, passaremos a uma investigação mais detalhada acerca do processo de
introjeção.
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III.1 – Impossibilidade da introjeção: o predomínio da incorporação
O processo de introjeção possibilita a superação da dependência do sujeito ao
objeto primário, permitindo a expansão de seus investimentos libidinais em direção a
um vasto campo de objetos substitutos. A introjeção do objeto é o que garantiria o
sentimento de continuidade de existir, a associação entre afetos e representações, assim
como o contato com a realidade interna. Jeammet (2003, op. cit.) destaca que na bulimia
o sujeito estaria na contramão dos processos de assimilação e de introjeção do objeto;
isso nos conduz a uma investigação mais detalhada de tal processo e de seus devires,
especialmente quanto ele torna-se impraticável.
Segundo Laplanche & Pontalis (1982/2001, p. 248), na introjeção: “O sujeito faz
passar, de um modo fantasístico, de ‘fora’ para ‘dentro’, objetos e qualidades inerentes a
esses objetos”. Este processo envolve um trabalho de luto objetal, de elaboração da
perda, e representa, conseqüentemente, um processo de mudança no psiquismo, que
deve reorganizar-se em função da assimilação das propriedades relativas ao objeto.
Dessa forma a introjeção está na base dos processos identificatórios e diz respeito à
assimilação de traços pertencentes ao objeto no território egóico. Ela contribui para o
enriquecimento egóico, pois permite a apropriação das representações investidas, das
quais o objeto é portador; em outras palavras permite a integração de elementos do
mundo externo na esfera egóica e, além disso, uma metabolização dessa apropriação. O
processo de introjeção possibilita, assim, a representação e a associação de
representações, produzindo fantasias, operação determinante para a estruturação
narcísica do sujeito (PINHEIRO, 1995).
Segundo Abraham & Torok (1995), o momento prototípico da introjeção deve
ser remetido ao instante no qual o vazio da boca da criança deixa de ser preenchido pelo
seio, e passa a ser propriamente preenchido pelas palavras. Por sua vez, este processo
possibilita a superação da dependência em relação ao objeto através da inclusão do
sujeito na ordem da linguagem, da apropriação do sentido das palavras. É por meio do
processo de introjeção que o sujeito poderá metaforizar a perda do objeto. Essa inclusão
do objeto no psiquismo começa a povoá-lo de representações.
64
Como vimos na bulimia, o objeto primário não se deixa apagar, sendo uma
presença maciça que responde ao bebê de forma imediata, não deixando espaço para a
“boca vazia”, para o vazio em torno do qual se funda a representação. Nesse contexto o
objeto não consegue ser mediador da introjeção de seus traços, não conseguindo servir
de suporte para introjeção das representações das quais ele é portador; em outras
palavras, não serve de suporte para a introjeção do próprio mundo simbólico do qual ele
é portador.
A introjeção permitiria a transformação do que é estranho em familiar, a
eliminação das diferenças, possibilitando fazer o eu próprio a partir de traços do objeto,
do outro. Porém, na bulimia o sujeito parece não conseguir tornar familiares alguns
traços do objeto, que se mantêm como estranhos, tornando a introjeção impraticável.
Segundo Pinheiro, “A introjeção não se realiza ou porque o objeto de interesse
desapareceu, ou porque o objeto não possui as condições necessárias para servir de
mediador” (PINHEIRO, 1995, op. cit., p. 53). Seguindo as indicações da autora, um dos
caminhos para compreendermos porque o objeto não conseguiria ser mediador da
introjeção de seus próprios traços, é a presença dentre estes de elementos traumáticos,
não metabolizados em seu próprio psiquismo. Dessa forma o objeto não possuiria as
condições necessárias para servir de mediador da introjeção de seus próprios elementos
traumáticos.
Esse aspecto nos permite ampliar nossa compreensão acerca do caráter
traumático da relação com o objeto primário na bulimia. As experiências traumáticas
não representadas pelo objeto interferem diretamente em sua capacidade de ser
mediador de sua própria introjeção. Estamos, assim, procurando salientar a articulação
entre as experiências traumáticas não representadas pelo objeto e sua relação com a
impossibilidade de sua introjeção pelo sujeito bulímico; o que acreditamos engendrar a
dimensão traumática da relação com o objeto primário nesses casos.
Os elementos traumáticos advindos do objeto o podem ser introjetados,
comprometendo também a introjeção do universo de representações que ele traz. Diante
disso, o sujeito bulímico defender-se-ia por meio do mecanismo da incorporação.
Abraham e Torok traçam uma distinção entre as noções de introjeção e de
incorporação. Esta distinção nos parece essencial para compreendermos a obstrução do
processo de introjeção na bulimia.
Quando ocorre uma falha no processo de introjeção, o mecanismo psíquico da
incorporação tende a ser utilizado como um procedimento defensivo que visa a
65
instalação do objeto em si dentro do aparato psíquico, indicando uma regressão a um
modo primário de funcionamento psíquico. A incorporação entra em cena quando o
objeto o cumpre a sua função de mediação, necessária para que as suas qualidades
sejam metabolizadas pelo ego. Em função dessa instalação do objeto em si no aparelho
psíquico, o mecanismo de incorporação dispensa o ego do trabalho de reorganização
psíquica que o luto objetal exigiria:
(...) A ‘cura’ mágica por incorporação dispensa o trabalho doloroso da recomposição. Absorver
o que vem a faltar sob forma de alimento, imaginário ou real, no momento em que o psiquismo
está enlutado, é recusar o luto e suas conseqüências, é recusar introduzir em si a parte de si
mesmo depositada no que está perdido, é recusar saber o verdadeiro sentido da perda, aquele que
faria com que, sabendo, fôssemos outro, em síntese, é recusar sua introjeção (ABRAHAM &
TOROK, 1995, op. cit., p. 245. Grifos dos autores).
A incorporação é considerada pelos autores como uma fantasia, diferentemente
da introjeção, considerada como um processo. Porém, a fantasia de incorporação teria
algumas especificidades que a diferenciariam da fantasia comunicada. A fantasia de
incorporação não se revela à consciência, mantendo-se oculta no aparelho psíquico,
opondo-se a mudanças no interior deste. Além disso, não se mostra por meio do
discurso; em vez disto, é atuada.
A fantasia de incorporação teria por finalidade reparar a ausência da introjeção,
como uma forma de reparação narcísica. Visa à recuperação instantânea do objeto
buscando evitar os efeitos de sua perda. Isto acaba por dificultar qualquer possibilidade
de enriquecimento e desenvolvimento psíquico. “(...) Ela [a incorporação] implica a
destruição fantasística, do ato mesmo pelo qual a metáfora é possível: o ato de pôr em
palavras o vazio oral original, o ato de introjetar” (Id., ibid.; p. 251. Grifos dos autores).
A noção de incorporação comportaria três significações: obter prazer, fazendo
penetrar um objeto em si, destruir esse objeto e assimilar suas qualidades, conservando-
o dentro de si. Esse último aspecto faria da incorporação a matriz da introjeção e da
identificação (LAPLANCHE & PONTALIS, 1982/2001, op. cit.). Vale atentarmos para
o seguinte aspecto: além de a incorporação constituir uma defesa quando a introjeção é
impraticável, ao permitir a conservação do objeto dentro de si, ela se torna a sua matriz .
Consideramos que na bulimia opera-se a atuação de uma fantasia de
incorporação na qual o objeto não pôde ser conservado dentro de si, em função de seu
caráter traumático; a incorporação aqui o serve de matriz para a introjeção. Este
processo e a fantasia de incorporação operam em sentidos contrários, e mais do que isso
“(...) a incorporação denuncia uma lacuna no psiquismo, uma falta no lugar preciso em
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que uma introjeção deveria ter ocorrido” (ABRAHAM & TOROK, 1995, op. cit., p.
245). A precariedade da interiorização do objeto na bulimia parece justamente indicar a
presença de uma obstrução no processo de introjeção, o que irá resultar na utilização do
mecanismo defensivo da incorporação, através do qual o sujeito bulímico cola no
objeto, mais precisamente nesse “pseudo-objeto” que é o alimento. Mas, analisemos os
fatores determinantes dessa obstrução, ponto que nos parece essencial nesta patologia.
Abraham & Torok consideram que o que impediria a introjeção seriam as perdas
“(...) que não podem por alguma razão se confessar enquanto perdas” (Id., ibid., p.
248). Isso vem complementar o que avançamos no capítulo anterior acerca da
impossibilidade da “perda” do objeto na bulimia. O que tornaria o processo de
introjeção impraticável nessa patologia seria, em primeiro lugar, a impossibilidade de
“perder” o objeto primário, a impossibilidade de elaboração de sua perda, em função,
como estamos procurando mostrar, de sua dimensão traumática. Mediante o trabalho de
luto do objeto, o ego recupera a libido que nele estava investida, direcionando o
investimento dessa libido para novos objetos. Quando isso não ocorre, os investimentos
libidinais perdem sua fluidez e permanecem fixados a um objeto, que precisa ser
constantemente incorporado.
O fracasso do processo de introjeção deixaria o sujeito à mercê da necessidade
de incorporar o objeto, ou seja, da atuação da fantasia de incorporação. Portanto, na
bulimia, a relação ego/objeto envolve, de maneira privilegiada, o mecanismo de
incorporação, do aniquilamento do objeto, sem a possibilidade de uma efetiva
assimilação de suas qualidades.
O mecanismo da incorporação tende, portanto, a ocupar a cena na bulimia,
reforçando a ligação com o objeto, como protótipo de uma diferenciação corporal, com
a exigência da presença do objeto externo. Mais do que isso, trata-se de exigir o seu
aniquilamento, contrariamente ao que se na introjeção na qual está implicada a
ampliação do campo psíquico pela via da integração contínua das pulsões, permitindo
ao ego adquirir certa independência em relação ao objeto (FERNANDES, 2006b).
A relação com o objeto fica, neste caso, atrelada à necessidade de incorporá-lo,
de destruí-lo, obstruindo a possibilidade de metaforização, de deslocamento, de
substituição, próprias ao regime representacional. Portanto, na base da obstrução do
processo de introjeção na bulimia, parece haver um objeto impossível de ser
metaforizado por seu caráter traumático, que é incorporado e mantido clivado no
interior do psiquismo. Segundo Pinheiro a incorporação “(...) atravanca o psiquismo e
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exige a clivagem traumática.” (Pinheiro, op. cit., p. 78). O mecanismo da incorporação
está, portanto, intimamente relacionado ao mecanismo da clivagem. De acordo com as
proposições da autora a incorporação traria em si mesma a própria clivagem. Isso
porque, como vimos, por seu caráter traumático esse objeto não pode ser nem recalcado,
nem integrado ao espaço psíquico pelo ego, ou seja, não pode ser acomodado junto ao
universo psíquico representacional do sujeito, tendo, portanto, um destino diferente no
interior do aparelho psíquico.
III.2 – O mecanismo da clivagem
Na bulimia o ego defende-se do objeto traumático incorporado, por meio da
clivagem. Isso ocorre porque quando o aparelho psíquico é atingido pelo traumático,
por um excesso que ameaça o ego de aniquilamento, este lança mão de defesas muito
arcaicas, que estariam aquém do recalcamento. De acordo com Reis, o traumático pode
ser pensado como “(...) o que não pode ser recalcado, e em relação ao qual só é possível
a defesa pela clivagem” (REIS, 2004, p. 1).
A clivagem, portanto, seria o modo de defesa possível ante o traumático. Vale,
neste ponto, circunscrevermos de maneira mais detalhada a experiência traumática a que
estamos nos referindo, para que possamos avançar em nossa compreensão do
mecanismo da clivagem que atua na bulimia.
O traumático coloca o sujeito em um estado de passividade pulsional, em um
estado de desamparo. Com relação ao trauma, Roussillon (2001) faz uma importante
precisão: ele propõe que o desamparo seria resultante do fracasso dos recursos internos
ante o excesso pulsional, e o diferencia de estados psíquicos que resultariam, além
disso, do fracasso dos recursos externos, ou seja, que implicam o objeto. O estado de
desamparo é um estado vivido de impotência, de desprazer; é um estado de falta,
vivenciada por todos os seres humanos, mas que comporta a busca por um objeto de
recurso.
Quando, em um estado de desamparo, encontra-se um objeto de recurso
adaptado às necessidades egóicas, a moção pulsional encontra um destino, encontra
satisfação. Isso indica que o objeto pôde ser mediador de sua própria introjeção. Porém,
quando o objeto de recurso não é encontrado, ou quando se trata de um objeto
“excessivo” que porta elementos traumáticos o-elaborados, impossibilitando a
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constituição de um contrato narcísico, o sujeito é conduzido a um estado de desespero,
de agonia. Esse estado agonístico tem origem na experiência de fracasso da satisfação,
do encontro com um objeto “inutilizável” como objeto de recurso, ou seja, encontro
com um objeto que não pode ser mediador de sua própria introjeção; a introjeção é
condição indispensável para que o objeto sirva de recurso para enfrentar o estado de
desamparo. Quando sua introjeção fica obstruída, o objeto intensificaria, mais que
apaziguaria, o estado de desamparo do sujeito, que se torna, nesse contexto,
desespero/agonia.
Isso ocorre porque o objeto ao ser incorporado, permanece no espaço psíquico
como um estrangeiro radical, como uma presença absoluta externa à cadeia
representativa e fora do campo do recalcado. Seus efeitos se traduzem por uma ameaça
ao funcionamento psíquico, como vimos no segundo capítulo. Não se trata de um
estrangeiro da mesma ordem do recalque estrangeiro que efetiva compromissos, com
quem acordos são possíveis: trata-se de um núcleo clivado com o qual não
possibilidade de negociação. Dessa forma o psiquismo do sujeito é apossado por um
estrangeiro radical que ameaça invadir o território egóico. Portanto, ao invés de o
psiquismo apossar-se do objeto, apaziguando seu estado de desamparo, o objeto se
apossa dele, instaurando uma clivagem, a qual engendra um estado agonístico.
Para Roussillon (2001, op. cit.), o estado de desespero/agonia comporta uma
dimensão de violência radical, violência situada fora dos limites de um traumático
constitutivo, ou seja, fora do campo de uma violência que seria inerente à constituição
do psiquismo humano. Trata-se aqui de um vivido traumático que, mais do que afetar a
experiência de uma forma secundária, atinge a própria organização do processo
psíquico, configurando uma situação subjetiva extrema. É esse traumático que
acreditamos estar na base da clivagem que encontramos na bulimia.
Vejamos, em linhas gerais, alguns aspectos relativos a esta noção.
Na teoria freudiana o mecanismo de clivagem somente ganhará destaque com a
formulação da noção de clivagem do eu (1927), considerada como uma forma de
defesa. Antes disso, sua utilização é bastante rara, não revelando um sentido expressivo
quanto à teoria psicanalítica como um todo. Somente então, a partir de 1927 é que
Freud virá defini-la de forma mais sistemática.
Acerca da clivagem do eu, Laplanche & Pontalis indicam:
Expressão usada por Freud para o fenômeno muito particular que ele operar, sobretudo, no
fetichismo e nas psicoses da coexistência, no seio do ego, de duas atitudes psíquicas para com a
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realidade exterior quando esta contraria uma exigência pulsional. Uma leva em conta a realidade,
a outra nega a realidade em causa e coloca em seu lugar uma produção do desejo. Estas duas
atitudes persistem lado a lado sem se influenciarem reciprocamente” (LAPLANCHE &
PONTALIS, 1982/2001, op. cit., p. 65).
Segundo essa definição, haveria a coexistência no seio do ego de duas atitudes
opostas com relação a uma determinada realidade, como ocorre, por exemplo, no
fetichismo, com relação à castração. Essa divisão egóica seria resultado da tentativa de
rejeição de tal realidade, o que nunca alcançaria êxito efetivo. Nessa perspectiva
encontramos, então, um eu cindido entre duas correntes representativas incompatíveis
entre si.
Parece-nos que na bulimia a clivagem não ocorreria no seio do ego. Como
desenvolvemos, ela parece atingir o universo psíquico, instaurando uma separação
radical entre o objeto traumático inassimilável e o ego. Como poderíamos pensar o
mecanismo de clivagem que atua nesse contexto?
As proposições de Roussillon (1999) oferecem elementos importantes para o
encaminhamento da discussão sobre esta questão. O autor considera que a clivagem
seria o mecanismo defensivo diante da ão de um traumatismo primário o qual, como
indicamos, antecederia a constituição do eu, ameaçando a vida psíquica. O autor propõe,
então, para os estados limites uma outra modalidade de clivagem tendo como base o
mecanismo de clivagem do eu proposto por Freud. Em contraposição a este mecanismo
de clivagem do eu, ele propõe a idéia de clivagem ao eu que, diferentemente da idéia de
um eu cindido entre duas correntes representativas incompatíveis entre si, conforme os
desenvolvimentos de Freud, indica uma clivagem da subjetividade, cindida entre uma
parte representada e uma parte o representada. Trata-se, neste caso, da clivagem de
traços da experiência traumática que nunca fizeram parte do eu.
A clivagem ao eu faria desaparecer da circulação psíquica do sujeito os
elementos traumáticos advindos do objeto, elementos aquém da representação. Dessa
forma esses elementos permaneceriam desintegrados do restante do conteúdo psíquico
do sujeito, em um núcleo clivado, do qual o é possível se apropriar: uma parte não-
metabolizável do outro. Embora essa parte não representada se encontre presente no
psiquismo, ou seja, faça parte da subjetividade, os traços da experiência traumática
jamais fizeram parte do ego.
Dessa forma Roussillon (1999, op. cit.) cria uma “nova” categoria no campo
dos mecanismos de defesa para dar conta dos elementos da experiência que não
puderam ser assimilados pelo ego. O autor indica que poderíamos, inclusive, denominar
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esse mecanismo de clivagem da subjetividade, pontuando, assim, o caráter des-
subjetivante da clivagem, uma vez que esta impede que o ego tenha acesso a elementos
que foram determinantes para sua constituição. O ego fica, então, de certa maneira,
privado de si mesmo. Isso conduz a uma procura de si mesmo no objeto.
A partir das idéias de Roussillon, compreendemos o processo de clivagem que
atua na bulimia, como sendo da ordem de uma clivagem ao eu, como um mecanismo
que busca destruir qualquer espécie de ligação do eu com os traços da experiência
traumática. Estes traços seriam mantidos sob um regime de separação mais rigoroso do
que aquele instaurado pelo recalque. Buscamos, assim, marcar a distinção proposta por
Roussillon entre a clivagem do eu e a clivagem ao eu, dando ênfase a esta última, com o
objetivo justamente de reiterarmos a especificidade da relação com o outro na bulimia,
especialmente seu caráter inassimilável.
Esse núcleo clivado da subjetividade não estaria inativo, pelo contrário,
exerceria uma violenta influência sobre o psiquismo do sujeito. A parte não
representada pode a qualquer momento romper o isolamento e invadir o território do
ego. De que ordem seria esse encontro entre o ego e o objeto traumático inassimilável?
III.3 – A paradoxalidade
Dando continuidade a nossa investigação acerca das particularidades do
encontro com o outro interno/externo, analisaremos que tipo de relação se estabelece
nas fronteiras entre o eu e o núcleo clivado da subjetividade. Analisaremos as
modalidades de relação com o outro a partir das proposições de Dominique Scarfone, na
tentativa de melhor compreendermos sua singularidade na bulimia.
Dominique Scarfone (1994), em Éloge de la conflictualité, propõe como uma
modalidade de relação com o outro, a idéia de conflitualidade, na qual, como
procuraremos mostrar, está envolvida uma “positivação” da noção de conflito psíquico.
Segundo o autor, após o recalcamento primário ter instituído a divisão interna do
psiquismo, o eu deverá conflitualizar para poder se manter. Em outras palavras, o
conflito será a forma de defesa de que o eu lança mão contra as forças de
desligamento do id. Cabe-nos esclarecer que as proposições de Scarfone (1994, op. cit.)
têm como base as concepções de “ligação” e “des-ligação” de Jean Laplanche, dois
modos de funcionamento que podem estar presentes nas diferentes tópicas psíquicas.
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A conflitualidade está referida aqui a um processo amplo no qual o ego exerce
sua tarefa de ligar o que se encontra desligado, buscando a construção de sentido. O
autor indica que o conflito psíquico caracterizar-se-ia por um confronto de forças. Esse
mesmo confronto já seria uma forma de ligação, uma vez que supõe a existência de uma
área de confronto e luta e, assim, de alguma espécie de compromisso entre as duas
partes envolvidas. A dimensão de ligação presente no conflito ganha relevo aqui, já que
marca a construção de um sentido, mesmo que se trate de um sentido fixo, como ocorre
na neurose.
Em oposição à conflitualidade, Scarfone (Ibid.) propõe a existência de uma outra
modalidade de relação com o outro na qual predominaria o des-ligamento, a não
comunicação entre as duas forças, não sendo possível sequer o estabelecimento de um
campo de batalha entre elas. Essa outra forma de relação com o outro interno/externo é
denominada pelo autor de paradoxalidade. Diferentemente do que caracteriza a
conflitualidade, a paradoxalidade o comporta nenhuma modalidade de ligação. Nesse
caso, o ego encontra-se diante de um princípio de des-ligação que impede qualquer
empenho em direção à ligação. Segundo o autor, a des-ligação o seria somente o
contrário da ligação, mas tenderia a desligar o conflito, a própria conflitualidade.
Portanto, mais do que desligar o ligado, a des-ligação incide sobre o mecanismo que
produz ligações o conflito psíquico eliminando, assim, a possibilidade de
estabelecimento de uma área de confronto e luta entre as partes.
Apoiados nas proposições de Scarfone (Ibid.) acreditamos que, em função do
traumático primário que atinge o sujeito e da clivagem radical que ele instaura em seu
psiquismo, as relações com o outro na bulimia estão predominantemente situadas no
âmbito da paradoxalidade aquém, portanto, do conflito psíquico, aquém do
estabelecimento de um território de confronto e de negociação entre o eu e o outro.
Encontramos, assim, um aspecto crucial da paradoxalidade que acreditamos
marcar a bulimia: seu predomínio no âmbito do funcionamento psíquico, no âmbito
intrapsíquico. Nessa perspectiva o outro ora é lançado violentamente para longe, sendo
clivado de qualquer possibilidade de comunicação com o eu, ora é percebido como
retornando de forma maciça, invadindo o território egóico e dele tomando posse. Isso
recolocaria o sujeito constantemente em um estado agonístico, em função da repetição
compulsiva da experiência traumática. Em função disso o funcionamento psíquico passa
a ser regido pela instabilidade.
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Mas, quais seriam os efeitos da paradoxalidade que encontramos atuando no
nível intrapsíquico, para os investimentos libidinais do sujeito bulímico?
III.4 – A presença de um antagonismo
Na bulimia, diante da impossibilidade de manter um nível estável de
funcionamento psíquico, observamos uma forma particular de vinculação, caracterizada
por uma oscilação constante. Jeammet destaca que (...) uma homologia entre a
forma da conduta bulímica, a natureza das relações de objeto destas pacientes e as
características de seu funcionamento mental” (JEAMMET, 2003, op. cit., p.108).
Haveria um funcionamento instável pautado pelas oscilações entre tudo ou nada,
entre cheio ou vazio, o que pode ser considerado como expressão da dificuldade de
encontro com outro, dificuldade de gerir a distância relacional. Como acrescenta o autor
“(...) o qualificativo de bulimia se aplica com pertinência ao conjunto de seu estilo
relacional que é, com as pessoas, análogo ao vínculo que mantém com a alimentação e
que alterna com a mesma intensidade, avidez e rejeição.” (loc. cit.).
O que podemos observar a partir desse modo de relação estabelecido com o
objeto é uma avidez excessiva por ele e uma paradoxal ameaça à própria autonomia
diante de sua aproximação. Isso cria condições para o surgimento de um antagonismo
entre as aspirações relativas aos objetos e a salvaguarda do equilíbrio narcísico.
Estabelece-se aí uma lógica que Jeammet considera comportar um caráter paradoxal:
“Aquilo de que tenho necessidade, porque necessito e, à medida mesmo que necessito, é
o que ameaça minha autonomia nascente” (Id., ibid., p. 117). A fragilidade das
fronteiras do ego impede que ele possa renunciar ao objeto. Por outro lado, a sua
proximidade traz a ameaça de invasão, ameaça também de aniquilamento do eu. O
sujeito encontra-se diante de um objeto ambíguo, idealmente benéfico, necessário e
essencialmente perigoso, destruidor, o que torna a relação com ele uma relação de
radical dependência e, desta forma, radicalmente ameaçadora.
Esse antagonismo que marca a relação do sujeito bulímico com o objeto faz com
que ele vivencie constantemente angústias sicas ligadas ao encontro com o outro,
angústias cujo caráter é paradoxal: angústia de separação, de perda e, simultaneamente,
angústia de invasão ou engolfamento pelo outro, pelo objeto. Essas angústias apontam
73
para a impossibilidade do estabelecimento de um comércio equilibrado entre o eu e seus
objetos e assim para um conseqüente desequilíbrio na balança de investimentos.
Figueiredo considera essas angústias como ... ‘doenças das fronteiras do ser’ e
implicariam possibilidades aterrorizadoras de morte e dissolução” (FIGUEIREDO,
2003, op. cit., p. 82). Elas apontariam, assim, para a dificuldade de
separação/diferenciação do objeto, sendo uma resposta ao impasse que a alienação ao
outro coloca ao ego.
Essa lógica antagônica que marca os investimentos libidinais do sujeito
bulímico, expressada por meio das angústias paradoxais, parece-nos diretamente ligada
à paradoxalidade que passa a reger de forma predominante o funcionamento psíquico.
Sem um território de conflito, de negociação, a relação entre o eu e o outro
(interno/externo), tende a adquirir um caráter absoluto, oscilatório, que repete um
padrão cíclico e pendular ausência/invasão, tudo/nada. O eu ora se encontra muito
próximo do objeto – tendendo a se confundir com ele (o que coloca em ação a angústia
de invasão ou engolfamento) ora dele se afasta excessivamente a ponto de pôr em
risco o próprio sentido de si (o que põe em ação a angústia de separação, de perda). Isto,
por sua vez, faz com que o eu se reaproxime excessivamente do objeto e o circuito
repetitivo se reinicie, em uma repetição infinita e paradoxal. Dessa forma, essa lógica
antagônica que rege os investimentos libidinais do sujeito bulímico tem repercussão
direta na forma de relação travada com o objeto externo, nesse caso, o objeto comida.
III.5 – A impossibilidade de acesso à ambivalência
Na crise bulímica, avidez e urgência em relação ao objeto, o que, em um
primeiro momento, vem atenuar um estado afetivo intolerável mas, imediatamente após
ser sentido como dentro de si, o objeto torna-se ameaçador, levando o sujeito a livrar-se
dele com a mesma urgência e avidez com que o incorporou. A resposta bulímica
comporta, em geral, essa dupla exigência: a ingestão e a expulsão do alimento.
Antes de avançarmos em nossa investigação, cabe-nos, no entanto, precisar que
o movimento de expulsão do alimento através do vômito não está presente de maneira
unânime na bulimia. Porém, como mostram Jeammet e Brusset, constantemente a
apresentação de comportamentos compensatórios após a ingestão excessiva de alimento,
tais como jejuns, uso indevido de laxantes, pratica excessiva de exercícios físicos, etc.
74
Conforme sublinha Brusset (1999, op. cit.), a significação do vômito tem sido,
muitas vezes, negligenciada na análise da bulimia, embora seja um recurso utilizado
com grande freqüência. Como nosso interesse dirige-se especialmente para a dimensão
paradoxal do ato bulímico, o vômito adquire significativa relevância em nossa
investigação. Passemos, assim, a uma análise mais detalhada de tal recurso.
O recurso ao vômito representa uma saída para a violenta contradição entre a
apetência alimentar persistente e o desejo de emagrecer e de manter o corpo vazio. Uma
de suas funções é evitar as conseqüências do excesso alimentar sobre a digestão e sobre
o peso corporal. Em alguns casos, o ato de vomitar pode tornar-se a conduta
sintomática mais importante, podendo, inclusive, adquirir, ele mesmo, uma dimensão
adictiva.
De acordo com o Brusset (Ibid..), isto daria à crise alimentar uma função
preparatória para o vômito, podendo estar, inclusive, a seu serviço. Nesses momentos, o
sujeito não consegue digerir o que come; a penetração do alimento torna-se
insuportável. É percebida como deformação, sensação de domínio, ampliação
incontrolável, portanto, como ação exercida sobre o corpo que o privaria de todo
controle, levando a constituir-se como uma deformação horrível e dolorosa. Haveria
uma tentativa de manter o corpo vazio: vomitar seria o último recurso para guardar o
vazio, restabelecê-lo. O vômito também daria a impressão de que tudo é possível, de
que nada é guardado no corpo. Ele permite acalmar a angústia à medida que faz
reencontrar o controle dos atos, evitando o ganho de peso.
Nesse contexto o “tubo digestivo” aparece como lugar de domínio do objeto
interno e de risco de despossessão de si mesmo pela possessão desse objeto. A rejeição
do alimento ingerido, anteriormente tão cobiçado, mostra a impossibilidade de guardá-
lo e, principalmente, de torná-lo seu, permanecendo como um corpo estranho
ameaçador no interior do sujeito (BRUSSET, 2000). Nessa perspectiva podemos pensar
o vômito em termos de expulsão do objeto incorporado, concretizado na alimentação,
em função da ameaça de despossessão que a sua presença representa no interior do
corpo.
Consideramos que a incorporação do objeto, materializada através da ingestão
da comida, reenvia o sujeito a um vivido de perda de si mesmo, ligado à intrusão do
objeto primário no psiquismo. Isso exigiria o vômito como forma de defesa por meio da
expulsão desse objeto intrusivo, o que em alguma medida restauraria o objeto. O sujeito
tenta, assim, retomar, precariamente e provisoriamente, a integridade narcísica
75
ameaçada pela presença do objeto no interior do corpo; embora logo o sujeito sinta-se
ameaçado por seu afastamento, buscando novamente a sua incorporação.
No caso da impossibilidade de se separar do objeto, da impossibilidade do
trabalho de luto, o ato de vomitar pode representar uma tentativa de libertação através
da negação da dependência ao objeto. O sujeito experiencia o sentimento de controle e
triunfo sobre o objeto, evitando a decepção, a raiva e a depreciação. Mesmo se o alívio
imediato é obtido, essa solução está a serviço da compulsão à repetição, que confere
também a esse ato de expulsão um caráter adictivo, artifício que vem mascarar a
angústia da perda do objeto.
A partir desses aspectos desenvolvidos podemos perceber a significativa
importância que o vômito adquire, ao lado da ingestão excessiva de alimentos, para
compreensão da bulimia. Através desse duplo movimento, vemos, assim, nessas crises,
a materialização do antagonismo existente entre as aspirações relativas aos objetos e
aquelas relativas à salvaguarda do equilíbrio narcísico. A partir disso podemos concluir
que na bulimia a paradoxalidade que encontramos no nível intrapsíquico engendra uma
ação paradoxal dirigida ao objeto externo, objeto comida. Ou seja, o modo de relação
estabelecido com o objeto interno, a paradoxalidade, engendra um modo de relação com
o objeto externo, também, paradoxal. Isso é evidenciado na separação radical entre a
adesão ao objeto e a sua rejeição, entre amor e ódio, ou seja, na absolutização dos
investimentos libidinais.
A absolutização que encontramos no campo dos investimentos libidinais na
bulimia pode ser considerada como um reflexo da clivagem a que a subjetividade está
submetida. Isso porque, como vimos, a clivagem engendra, no nível intrapsíquico, um
funcionamento psíquico predominantemente regido pela paradoxalidade, prejudicando a
dialetização dos investimentos e, assim, no nível interpsíquico, movimentos libidinais
absolutizados.
Essa forma absolutizada dos investimentos, segundo indica Chabert (1999), seria
exemplar de uma economia singular no tratamento pulsional: economia pulsional
primitiva cujo elemento subjacente seria o ódio. Freud (1915) esclarece que o ódio não
provém da vida sexual, mas da luta do eu pela sobrevivência e para se impor; o amor
encontraria sua origem nas pulsões sexuais. A fonte do ódio pode ser situada na recusa
do mundo externo no inicio da vida psíquica, constituindo uma manifestação de
desprazer em relação aos objetos, uma primeira manifestação da destrutividade, de
especial importância no processo de diferenciação entre sujeito e objeto.
76
O objeto materno deverá conduzir o bebê na travessia dessa primeira versão da
manifestação da destrutividade. Ele deverá servir de pára-excitação nesse primeiro
contato do bebê com seu potencial destrutivo, auxiliando-o no processo de integração
deste em seu psiquismo. Isso diz respeito à constância e à manutenção do investimento
materno mesmo diante da agressividade advinda do bebê.
A destrutividade, considerada por Roussillon (2006) como forma primária de
ódio, é fundamental para constituição do objeto externo e, portanto, do espaço interno.
A descoberta da relativa independência do objeto, de sua exterioridade dá-se, portanto,
através do ódio. Através das manifestações agressivas do bebê, “O objeto deve, pois, ser
ao mesmo tempo atingido (destruído) e não destruído, atingido para dar valor e
realidade à destrutividade reconhecê-la e o destruído para localizá-la no domínio
da vida psíquica(Roussillon, 2006, op. cit., p.147). Isso aponta para a construção de
um espaço transicional, nos termos de Winnicott (1975, op. cit.), para um duplo
pertencimento do objeto, à fantasia e a realidade. É nesse espaço transicional, a partir do
duplo pertencimento do objeto, que a dialética dos investimentos, do conflito pulsional,
inscreve-se nesse “entre-dois”, nesse espaço que possibilitaria a coexistência de forças
opostas e a negociação entre elas (CHABERT, 1999, op.cit.).
Quando o processo de integração da destrutividade no psiquismo é bem
sucedido, a destrutividade torna-se potencial, ou seja, a destruição constante do objeto
passa a ocorrer ao nível inconsciente, e não mais na realidade externa. Além da
diferenciação do sujeito em relação ao mundo externo, a integração da destrutividade no
psiquismo vai permitir a possibilidade da ambivalência na relação objetal, possibilidade
de associação entre a destrutividade e o amor. Nesse caso, a relação com o objeto
primário tecumprido sua função de ancoragem para o ingresso do sujeito na dialética
de investimentos, ou seja, ela te conduzido a uma primeira versão do conflito
ambivalente (Roussillon, 2006, op. cit.). Dessa forma a ambivalência constitui-se como
um conflito organizador, que modula os afetos de amor e de ódio, torna-os toleráveis ao
sujeito, uma vez que possibilita a unificação das pulsões agressivas e libidinais em torno
de um mesmo objeto.
Na bulimia, a construção do espaço de confronto e negociação entre sujeito e
objeto, espaço da conflitualidade, fica prejudicado, como vimos, o que compromete o
estabelecimento da dialética de investimentos. Em vez disso, em função do predomínio
da paradoxalidade, ocorre uma separação radical, uma impermeabilidade entre os
movimentos positivos e negativos, prejudicando o acesso à ambivalência.
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Encontramos, assim, uma não-dialetização primária dos investimentos, ligada à
obstrução do processo de introjeção, ligada à impossibilidade de constituição de um
objeto total, ao mesmo tempo bom e mau.
Nossa investigação acerca de aspectos da paradoxalidade que marca a bulimia
nos conduziu à problemática da impossibilidade de acesso à ambivalência, que até aqui
analisamos a partir da relação primária com o objeto. Porém consideramos fundamental
atentar que as problemáticas próprias ao registro primário são re-significadas no âmbito
da configuração edípica. É ela que dará um destino aos elementos da vida psíquica
primitiva, possibilitando ou não sua elaboração. Para darmos continuidade a nossa
investigação se faz, então, necessário dirigirmo-nos a um novo registro, o do referencial
edípico, ainda não explorado em nossa pesquisa. Analisar o caráter paradoxal que
encontramos na bulimia a partir apenas da relação primária com o objeto e
desarticulando-o, portanto, do referencial edípico é, no nosso modo de ver, equivocado
e insuficiente. Acreditamos que uma exploração articulada desses dois registros poderá
resultar em uma melhor compreensão da complexidade envolvida no ato paradoxal que
encontramos na bulimia.
Dessa forma consideramos que, embora na bulimia o funcionamento psíquico
seja regido predominantemente pela paradoxalidade em detrimento da conflitualidade,
isso não diminui a importância da questão edípica para sua análise, ao contrário,
consideramos fundamental que seja levada em conta pela importância que possui nessa
problemática. Cremos, portanto, que na bulimia essas duas temporalidades, a da relação
primária e a do referencial edípico, estão em profunda e íntima articulação,
influenciando-se mutuamente, numa relação de sobredeterminação.
III.6 – Organização Edípica
Percebemos na bulimia a existência de dificuldades singulares no vivido infantil,
principalmente no que se refere ao processo de separação-diferenciação do objeto
primário. Como procuramos mostrar no segundo capítulo desta dissertação o objeto
materno não se deixa apagar, constituindo-se como uma presença maciça, o que impede
o bebê de elaborar sua ausência. A impossibilidade de elaborar a ausência da mãe ganha
especial relevo nesse ponto de nossa discussão que nos propomos a articular os
78
elementos relativos ao registro primário com aqueles que seriam próprios ao registro
edípico.
Segundo Marinov (2001), é a ausência da mãe que engendrará as primeiras bases
que permitirão a separação entre ela e o bebê, uma vez que a sua ausência representaria
o seu encontro com um terceiro, com o pai e seu pênis, ou seja, representaria o seu
investimento na potência fálica e genital paterna. O autor indica que quando a ausência
materna não tem lugar, isso pode indicar a dificuldade da e em investir seu parceiro
em sua potência fálica e genital passando, em vez disso, a investir seu bebê como um
substituto fálico.
A propósito da presença maciça da mãe, Bourdellon (2004, op. cit.) propõe que
ela, neste caso, parece não dispor transitoriamente ou estruturalmente da riqueza
identificatória de um Édipo organizador. Haveria, assim, um prejuízo na triangulação no
psiquismo materno, o que apontaria para a ausência de recursos maternos para conduzir
o be na travessia de uma relação dual para uma relação triangular. Dessa forma, a
impossibilidade de efetiva separação entre a mãe e o bebê diria respeito a uma
dificuldade, já no psiquismo materno, de investir um terceiro. Nessas condições a mãe
não conseguirá deixar o filho só para desfrutar de um encontro com um terceiro.
Para que ocorra uma efetiva diferenciação entre o sujeito e o objeto é necessário
que o sujeito possa experienciar a possibilidade de estar só, ao mesmo tempo no
contexto da relação com a mãe e ante o casal parental e sua sexualidade, ou seja, a
possibilidade de ter prazer, mantendo uma relação ao mesmo tempo necessária, mas
suficientemente distante do principal objeto de investimento (Id., ibid.). Na bulimia
isto parece não ocorrer: as ligações primárias não introduzem adequadamente a
percepção das diferenças, incentivando a continuidade sensorial e corporal entre mãe e
bebê. Isto inviabiliza o investimento da espera, do desconhecido, da perda, vindo
impedir o trabalho de luto e a gestão das diferenças através da fantasística edípica.
A travessia do Complexo de Édipo estará, então, marcada pela relação de
dependência mantida com o objeto primário. Em nossa investigação acerca da
problemática edípica seguiremos os apontamentos de Catherine Chabert. Cabe-nos
ressaltar que as contribuições dessa autora estão voltadas para o campo dos estados
limites. Embora ela não se refira apenas à bulimia acreditamos que suas idéias podem
nos oferecer elementos frutíferos para nossa investigação, descortinando novas vias para
explorarmos suas especificidades.
79
Um dos efeitos da relação de dependência mantida com o objeto primário incide
sobre as bases daquilo que se tornará a fantasia da cena primitiva, provocando
alterações em sua organização. Nesse contexto o sujeito passaria, então, a atribuir a si
mesmo um lugar nas fantasias originárias, principalmente naquelas que sustentam a
cena primitiva, quando deveria excluir-se e retomar a posição infantil de impotência. A
criança deveria normalmente se excluir da cena, não podendo se introduzir na relação
amorosa do casal parental, inscrevendo, então, a dupla proibição do incesto e do
parricídio. Trata-se de um vivido conflituoso, portador de dor e de excitação, mas que é
capaz de abrir a via da curiosidade, das representações consoladoras do auto-erotismo.
Como pontua Chabert (2006), nos estados limites, o lugar ativo não é atribuído ao
outro, ele é ocupado pelo sujeito que, assim, passa a ocupar o lugar central no cenário
das fantasias incestuosas.
Propomos, assim, em harmonia com as idéias de Chabert (1999 b), que o sujeito
bulímico parece apresentar uma dificuldade em assumir uma posição de passividade, de
espectador diante da cena primitiva cena que se encontra na base do Complexo de
Édipo tomando para si o papel de “atividade”, no sentido de fantasisticamente se
situar na cena como sujeito afirmativo e participante “ativo”. A fantasística edípica,
dessa maneira, tende a se tornar desorganizada e desorganizadora.
O sujeito mantém, assim, uma ligação com a mãe e uma ligação com o pai, de
forma a desconsiderar a ligação entre os dois, estando sempre ligado a somente um
deles, nunca ficando diante da relação dos dois. Isso faz com que a configuração
edípica seja marcada por uma separação singular: amor por um dos genitores e ódio
pelo outro. Os pais, nesse caso, seriam diferenciados segundo sua qualidade positiva ou
negativa, e não segundo a sua identidade sexual. Dessa forma a diferença entre os sexos
não seria considerada. A triangulação ficaria, portanto, prejudicada, uma vez que a
relação se estabeleceria entre o sujeito e dois objetos, que neste caso (amado/odiado)
são um o duplo inverso do outro, constituindo na verdade um único objeto, e assim uma
relação dual, uma relação de dependência. (Chabert, 1999).
O pai parece esquecido como objeto pulsional, apreendido como a mãe,
havendo, assim, uma negligência de seu papel como representante dos interditos. Dessa
forma ele dificilmente dará sentido ao desejo edípico, não se constituindo como pólo
identificatório. Para a criança falta, então, um terceiro simbólico. Nesse contexto o
processo de interiorização do interdito não se realiza de forma consistente, como ocorre,
por exemplo, nos casos de neurose. Isso impede a possibilidade de elaborar e recalcar a
80
cena de sedução edípica, comprometendo a elaboração do Complexo de Édipo.
Destacamos que, embora sua interiorização seja prejudicada, os interditos estão
presentes. Chabert (1999b, op. cit.) indica que, mesmo sendo precários, eles produzem
excitações que exigem contra-investimento maciço.
Isso nos conduz a propor que haveria na bulimia a recusa do reconhecimento da
sexualidade dos pais, mantendo a impossibilidade infantil de representá-la, buscando
realizar, assim, o desejo de separação do casal parental, e também a tentativa de
escamoteamento da diferença entre as gerações. A diferença entre os sexos, que o é
efetivamente reconhecida e representada, não cumpre a sua função de estruturar a
relação edípica em torno da problemática da castração. Isso faz com que a angústia de
castração fique esmaecida em proveito da angústia de separação e de sua oscilação entre
abandono e intrusão.
Uma efetiva diferenciação das figuras parentais, como objetos totais, não é
alcançada, o que impede que a problemática edípica forneça uma cena estruturante para
o conflito ambivalente. Portanto, a organização psíquica é, nesse caso, caracterizada,
por um lado, pela não-integração da ambivalência pulsional, o que torna impossível a
elaboração da perda do objeto primário; por outro lado, pelo fracasso da estruturação
edípica através da diferença dos sexos e das gerações e, assim, pelo fracasso da
constituição da sexualidade genital.
III.7 – Encontro com a genitalização: um encontro ameaçador
A sexualidade genital oferece um meio, dentre outros, de elaborar as fantasias e
conflitos primitivos; ela oferece uma cena estruturada na qual o sujeito pode situá-los e
dar um destino a eles, o que possibilitaria uma reorganização em função da diferença
dos sexos e da diferença entre as gerações. Isso daria acesso à simbolização, permitindo
a elaboração das fantasias pré-genitais da cena primitiva através da construção de uma
cena estruturante para a ambivalência de amor/ódio. O objeto adquiriria, então, um
caráter “não-incestuoso” e “extrafamiliar”, em outras palavras, novas figuras poderiam
tomar o lugar dos objetos infantis.
No entanto nossa investigação nos levou a considerar que esse direcionamento à
elaboração do Complexo de Édipo e, assim, à entrada na genitalidade, fica prejudicado
na bulimia, em função da ausência de significativo preâmbulo narcísico. Como vimos,
81
as relações objetais primárias não foram capazes de oferecer ao sujeito uma
solidificação narcísica. Em função disso a continuidade do ser não é assegurada diante
dos desejos incestuosos e das exigências de renúncia aos objetos familiares que a
problemática edípica impõe. Aparecem, então, com grande força, as angústias de
separação e de intrusão, além de diferentes formas de destrutividade (agressividade)
endereçadas ao eu e ao objeto. Como a diferença sexual não é considerada de forma a
manter uma diferença mínima com o objeto, é pela via da destrutividade, da
agressividade, do ódio, que ela é buscada. Para o sujeito bulímico, portanto, a
problemática edípica o é vivida como organizadora, mas como ameaçadora, como
sinalizadora da tão temida separação/intrusão do objeto.
Aqui a fragilização narcísica e o vivido edípico incestuoso parecem reforçar-se
mutuamente. Nesse contexto ganham relevo especialmente algumas vivências próprias
ao desenvolvimento psicossexual feminino, que acreditamos possuir significativa
importância para compreensão da bulimia; uma vez que sua incidência é
consideravelmente maior nas mulheres. Cabe-nos ressaltar a complexidade da
problemática ligada ao desenvolvimento psicossexual feminino, sendo que sua
investigação mais aprofundada transbordaria os objetivos de nossa pesquisa. Limitar-
nos-emos a realizar, a seguir, algumas indicações, restritas a alguns aspectos relativos
ao encontro com a genitalização, que consideramos relevantes para darmos
continuidade à nossa investigação.
III.8 – Uma cena transgressiva
O encontro com a genitalização desencadeia as fantasias de penetração, de
receptividade e de passividade ligadas à sexualidade feminina. Essas fantasias na
bulimia desencadeariam um grande afluxo de excitações em função das experiências
infantis que estariam diretamente associadas a elas. Dentre essas experiências a
problemática narcísica da intrusão do objeto primário ganharia especial destaque.
Nossa hipótese é que ocorreria uma coalescência entre a problemática narcísica
da intrusão e as problemáticas femininas da passividade, da receptividade e da
penetração; estas últimas o conseguiriam organizar e dar um sentido ao vivido
primário de intrusão, passando, ao contrário, a potencializar sua intensidade traumática.
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Nesse contexto o encontro com a genitalização tornar-se-ia, então, ameaçador,
por um lado pela ameaça de intrusão que a possibilidade de penetração passa a indicar e,
por outro lado, porque o processo de internalização do interdito não se realizou de
forma consistente. Isto faz com que a genitalização comporte, no plano fantasmático
inconsciente, a ameaça de realização da cena incestuosa. Essa situação engendra um
grande afluxo de excitações tendo como efeito um movimento de desligamento
pulsional e de regressão da genitalidade a modos de funcionamento pré-genitais,
principalmente ligados à incorporação. Dessa forma o sujeito bulímico, ao reviver a
situação edípica de forma ameaçadora, regride à oralidade por meio da atuação, como
uma forma de afastamento do encontro com a genitalização.
Diante das fantasias de penetração, de receptividade e de passividade que a
genitalização provoca, é a crise bulímica, segundo Brusset (2003), que constitui, em
graus diversos, a saída encontrada. Como não dispõe de formas de contenção no mundo
interno do grande afluxo de excitação que essas fantasias provocam, o sujeito dirige-se
ao mundo externo.
Esse recurso defensivo ofereceria uma maneira de organizar a relação entre o
“mundo fantasmático” e a “realidade externa”: a realidade externa ocuparia o lugar da
realidade interna e a substituiria (Chabert, 2006, op. cit.). A forma de lidar com as
moções pulsionais ligadas às fantasias precariamente recalcadas passaria a ser através
do ato. Isso nos conduz a propor que na crise bulímica seria apresentada uma cena
fantasística que, por falta de recursos internos, o pôde ser efetivamente recalcada ou
elaborada. Mas, que cena seria apresentada então?
Como procuramos indicar ao longo desse capítulo, a bulimia é marcada pela
presença de um duplo movimento, de caráter paradoxal, materializado na crise bulímica.
Brusset (2000, op. cit.) destaca duas dimensões importantes ligadas à ingestão e à
expulsão da comida: a de defesa, de caráter adictivo, e que pode estar implicada tanto na
relação com a comida, quanto na relação com o vômito e na atuação de fantasias que
podem estar a ela associadas. A atuação de fantasias condensaria, segundo o autor, as
fantasias relacionadas à sexualidade pré-genital e as fantasias relacionadas à sexualidade
genital. As primeiras estariam ligadas à incorporação e à destruição do objeto, conforme
indicamos no início do presente capítulo. Já as relacionadas à sexualidade genital diriam
respeito à problemática edípica, à angústia de castração, às fantasias de penetração, de
passividade e de gravidez.
83
Nosso interesse dirige-se nesse momento às fantasias ligadas a sexualidade
genital que possam estar implicadas no ato bulímico. Abraham (1920 apud
FERNANDES, 2006) indica que o ato de comer tem geralmente uma significação
inconsciente “de engravidar”. A idéia proposta por Abraham nos conduz a crer que
dentre as fantasias ligadas à sexualidade genital, a fantasia de gravidez desempenharia
um papel de grande relevância na bulimia.
Encontramos, assim, nas idéias de Brusset e de Abraham indicações importantes
que podem descortinar novas vias para a nossa investigação acerca da cena que seria
apresentada na crise bulímica. Seguindo tais indicações e buscando desenvolvê-las de
forma mais aprofundada, retomaremos alguns aspectos já abordados que nesse contexto
adquirem novos matizes.
Como indicamos no segundo capítulo dessa dissertação, na bulimia encontramos
uma escolha de objeto sexual que tem a particularidade de “imitar” uma relação vital,
havendo, assim, uma coalescência entre o objeto sexual e o objeto da autoconservação.
Dessa forma, a comida tornar-se-ia um objeto sexual. Isso nos permite avançar que a
cena que é apresentada na crise bulímica seria uma cena de caráter sexual.
Deparamo-nos nessa crise com a ingestão de alimentos até o sujeito não suportar
mais, até a dilatação máxima de seu abdômen, seguida pela provocação do vômito.
Esses elementos, aumento da ingestão de alimentos, vômitos, abdômen aumentado, nos
remetem a um cenário ligado ao universo de uma gravidez. Em um dos relatos de Wulff
sobre uma paciente bulímica, encontramos claramente essa indicação. “Ela {paciente
bulímica} se fartava de tal modo nesses momentos, que mal podia respirar; seu ventre
se arredondava e ela o mostrava fazendo esta observação: ‘olhe, eu pareço uma mulher
grávida agora!’” (Wulff, 2003; p. 67). Dessa forma acreditamos que nossa hipótese de
que a fantasia de gravidez desempenharia um papel de grande relevância na bulimia,
adquire consistência.
Porém ao analisarmos com cuidado o cenário acima descrito e observando o
modo como ele se organiza, encontramos alguns matizes importantes. A ingestão de
alimento é realizada às pressas e às escondidas, de maneira impulsiva e voraz, gerando,
ao final, um sentimento de culpa. Este impulsionaria o sujeito a lançar mão do vômito,
como medida de “expiação” na tentativa de anular o ato cometido.
A presença do sentimento de culpa e do vômito, como medida de “expiação”,
leva-nos a pensar que a ingestão do alimento é sentida pelo sujeito bulímico como algo
da ordem de uma transgressão. A partir disso poderíamos indicar que na crise bulímica
84
é apresentada uma cena de caráter sexual, mais especificamente ligada a uma fantasia de
gravidez, que seria da ordem de uma transgressão.
Encontramos nas proposições de Igoin (1979) indicações que nos permitem
avançar em nossa discussão. Segundo a autora, na bulimia, a alimentação seria um
substituto simbólico para o pênis paterno, o que a faz utilizar a expressão incesto
alimentar para designar a crise bulímica. Isso nos envia a cena de sedução edípica, uma
cena sexual incestuosa, que indica a transgressão do interdito. A partir disso podemos
incrementar nossa hipótese, indicando que a fantasia de gravidez que desempenharia um
papel de grande relevância na bulimia seria a fantasia de gravidez incestuosa.
Acreditamos, assim, que na crise bulímica a cena apresentada, seria, de forma
deslocada, a realização da fantasia incestuosa. Portanto podemos pensar que na crise
bulímica o que é atuado é a transgressão da lei. A partir dessa constatação nossa
indicação da presença de uma tonalidade perversa na bulimia parece ganhar novos
elementos, merecendo ser retomada e repensada.
Indicamos, no capítulo dois, para qualificar a relação que o sujeito bulímico
mantém com o objeto a presença de um “arranjo perverso”, de um arranjo defensivo
secundário, voltado para realidade externa, um comportamento defensivo que visaria o
domínio do objeto externo com fins utilitários, de reasseguramento narcísico. Em
função dos aspectos que avançamos em nossa discussão, vislumbramos na crise
bulímica a realização, de forma deslocada, de um desejo perverso, do desejo incestuoso,
o que corrobora e enriquece nossas proposições anteriores.
Um ato perverso, mesmo que de maneira deslocada, é realizado, maso
podemos esquecer que a crise bulímica vem acompanhada do vômito “expiatório”, que
busca anular o ato cometido, indicando algum nível de interiorização da lei, mesmo que
precário. Isso reforça nossa posição de que na bulimia não estaríamos diante de uma
estrutura perversa, mas de um arranjo defensivo secundário com tonalidades perversas.
Nesse contexto, a presença do vômito como medida de “expiação” pode ser mais bem
compreendida. A realização da fantasia incestuosa parece gerar o desencadeamento de
uma violência transbordante retornada contra o próprio corpo, como forma de punição
pela transgressão cometida. Dessa forma o caráter transgressivo que a bulimia comporta
articula-se à dimensão de culpabilidade. Não exploraremos em nosso trabalho a
dimensão de culpabilidade de forma mais aprofundada, mas consideramos fundamental
indicar sua importância.
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Diante da ameaça que a genitalização representa o sujeito bulímico regrediria
para um modo de relação com o objeto ligado à oralidade. Essa regressão permitiria a
ele proteger-se da realização da fantasia incestuosa, mas também permitiria sua
realização, de forma deslocada, através da crise bulímica. A crise bulímica seria, então,
uma reação à ameaça de transgressão da lei que o encontro com a genitalização
desencadearia. Dessa forma o sujeito bulímico reagiria contra a transgressão, agindo-a.
Não estaríamos aqui diante de uma formação reativa?
A formação reativa indica uma “Atitude ou hábito psicológico de sentido oposto
a um desejo recalcado e constituído em reação contra ele (o pudor opondo-se a
tendências exibicionistas, por exemplo).” Laplanche & Pontalis (1982/2001, p.200). Na
bulimia encontramos o desejo incestuoso precariamente recalcado e uma reação contra
sua realização, porém tal reação não tem sentido oposto, ao contrário, visa sua
realização de maneira deslocada, protegendo o sujeito de sua realização efetiva. Em
lugar de uma ão oposta ao desejo incestuoso encontramos uma ão paradoxal, que o
evita e o realiza, o que descaracterizaria uma formação reativa.
Isso nos conduz a propor que na bulimia encontraríamos uma ação reativa diante
da ameaça de transgressão da lei, que paradoxalmente, age a transgressão. Um recurso
falho, que permite um encaminhamento momentâneo do excesso de excitações,
precisando ser constantemente repetido, uma vez que não vem abrir uma via de ligação,
de simbolização, embora porte essa potencialidade.
Encontramos, portanto, na bulimia a perpetuação de uma posição infantil,
através da regressão à oralidade, o que permite a coexistência de duas posições
inconciliáveis: a não realização da cena incestuosa e sua realização. Isso se alinha com a
aproximação que propomos no segundo capítulo entre o objeto da adicção bulímica a
comida – e o modelo do objeto fetiche.
Porém na crise bulímica não encontramos uma “formação de compromisso”
entre duas realidades inconciliáveis, mas sua paradoxal “apresentação” por meio do ato.
Dessa forma o ato bulímico não porta a marca de um conflito, base de uma formação de
compromisso, mas porta, a marca, justamente, da impossibilidade do conflito, marca da
paradoxalidade, em última instância, marca da clivagem radical que o trauma instaurou
no psiquismo.
A articulação do registro primário com o referencial edípico nos permitiu
avançar em nossa compreensão acerca da complexidade envolvida no ato paradoxal que
encontramos na bulimia. Concluímos que o ato bulímico apresenta, de forma deslocada,
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a cena de realização da fantasia incestuosa, visando, assim, paradoxalmente, evitar sua
realização efetiva.
Acreditamos que a paradoxalidade que marca a bulimia, em especial a cena de
caráter paradoxal que é apresentada na crise bulímica, constituem pontos crucias para
diferenciação entre a bulimia e a anorexia, além de indicarem de forma preponderante
contornos singulares da bulimia.
III.9 – Resposta bulímica versus Resposta anoréxica
No capítulo I indicamos a hipótese segundo a qual na bulimia a salvaguarda do
objeto, mesmo que um objeto parcial e precário, indicaria uma ação significativa da
pulsão de vida, embora o sujeito bulímico continuasse predominantemente submetido a
uma lógica destrutiva. Tal situação não aconteceria na anorexia na qual a recusa do
objeto nos parece apontar para uma fragilização da ão da pulsão de vida, marcando,
assim, um ponto de diferenciação entre as duas patologias.
Nossa hipótese fortaleceu-se quando em nossa investigação constatamos, a partir
das contribuições de Igoin (1979, op. cit.), que na bulimia a sexualidade tenderia a
imitar a função da autoconservação da qual ela justamente se diferenciaria, se
delimitaria. na anorexia, a sexualidade invadiria tal função, impondo-lhe outra lógica
de funcionamento. Embora na bulimia ocorra um prejuízo tanto para as pulsões sexuais
quanto para as pulsões de autoconservação, uma vez que se centralizam em torno de um
mesmo objeto, a função de autoconservação continua preservada. Na anorexia, porém, a
sexualidade prejudica o funcionamento do registro da autoconservação, subvertendo sua
lógica de funcionamento ao ponto de torná-la inoperante, de paralisá-la. Encontramos,
assim, na dinâmica pulsional envolvida em cada uma dessas patologias algumas
diferenças significativas, o que acreditamos ter repercussão direta na forma de relação
travada com o objeto externo, nesse caso, o objeto comida.
A análise da paradoxal relação travada com o objeto externo na bulimia exigiu
uma articulação entre as temporalidades primária e edípica. Isso descortinou elementos
importantes para darmos continuidade à diferenciação entre bulimia e anorexia. A
organização edípica própria a cada uma das duas apresentam muitos pontos de
aproximação, ligados ao campo mais geral dos estados limites, do qual elas fazem parte.
Em ambas encontramos um tropeço no acesso à genitalização desvelado pela regressão
87
à oralidade. Porém na anorexia isso se através da recusa do alimento, na bulimia,
através da ingestão e da expulsão do alimento; a forma de relação travada com a comida
nos parece marcar um ponto de diferenciação importante entre as duas patologias.
Na crise bulímica encontramos uma reação à possibilidade de realização da
fantasia incestuosa, uma reação à possibilidade de transgressão, que paradoxalmente se
por meio de sua atuação, de forma deslocada. Isso nos conduziu a propor na bulimia
a presença de uma ação reativa, paradoxal, diante da ameaça que o encontro com a
genitalização provoca. Já na anorexia, diante de tal ameaça, encontraríamos a defesa por
meio da recusa, recusa da transgressão, e assim recusa da lei edípica, recusa da
problemática da interdição.
A resposta dada pelo sujeito bulímico e a resposta dada pelo sujeito anoréxico
diante dos impasses colocados pela problemática edípica, re-atualizados pelo encontro
com a genitalização, marcam um ponto crucial de diferenciação entre essas duas
patologias. Encontramos, portanto, no campo da problemática edípica elementos de
grande relevância para tornarmos ainda mais consistente a diferenciação entre bulimia e
anorexia que viemos construindo ao longo de nossa investigação. Além disso, a
articulação entre o registro primário e o registro edípico nos permitiu colocar em
evidência um aspecto crucial do caráter paradoxal que encontramos na bulimia, o que
cremos marcar de forma inegável um contorno singular dessa patologia.
A partir da análise desses aspectos ligados à problemática edípica acreditamos
ser possível propor na bulimia além da indicação da ação significativa da pulsão de vida
em função da salvaguarda do objeto, sua importante atuação através da presença da
dimensão transgressiva, uma vez que isso indicaria que a problemática da interdição
estaria em ação, embora de uma maneira muito particular. Acreditamos que isso, sem
dúvida, possibilita, em alguma medida, salvaguardar a vida do sujeito bulímico.
Considerações finais
Esta pesquisa pretendeu realizar uma investigação acerca dos mecanismos
psíquicos envolvidos na patologia da bulimia, visando delinear com maior precisão
os seus contornos específicos.
A convocação do corpo nessa patologia está ligada à ação interna de
elementos traumáticos. Diante da falha nos processos psíquicos de simbolização, o
corpo, através do agir, passa a ser utilizado como recurso privilegiado de expressão
da dor e do sofrimento. Trata-se de um corpo atravessado pelo excesso pulsional, o
que nos remete à lógica do “corpo do transbordamento”, contraposta àquela do
“corpo da representação”. O recurso da convocação do corpo por meio da atuação
desvela um processo interno de desfusão pulsional em que a dimensão destrutiva e
mortífera faz-se predominantemente presente. na bulimia o predomínio de um
regime de funcionamento pulsional, que busca o domínio da excitação, a contenção
do excesso pulsional, pela via do ato; como a ligação desse excesso pulsional não é
alcançada, torna-se necessária a sua repetição compulsiva.
Na crise bulímica uma ritualização característica que parece não sofrer
alterações significativas ao longo de suas repetições, ponto que nos levou a analisar a
noção de apresentação. Consideramos que, por sua característica de visibilidade, a
apresentação do traumático que tem lugar na bulimia indica a apresentação de algo
para alguém. Ao explorarmos a noção de apresentação pudemos dar relevo, portanto,
ao papel da dimensão de alteridade nessa patologia, dimensão que se revelou como
tendo especial importância em nossa investigação.
Segundo os nossos desenvolvimentos, o ato bulímico não constituiria nem
uma passagem ao ato – pois não se constitui apenas como descarga radical de
excitação nem um acting out, que se trata de um ato que, em sua base, comporta
uma dimensão traumática. Explorando algumas das contribuições de Roussillon
(1995) sobre a problemática do ato, concluímos que o ato bulímico pode ser
entendido como um ato signo no qual se opera a apresentação de conteúdos sem
forma, mas que, em última instância, estariam em busca de uma tela de contenção.
Embora essa apresentação não vise à convocação do outro, este pode vir a dela
89
participar como tela de contenção. O ato bulímico apresenta uma cena que comporta,
portanto, a possibilidade de vir a ser ulteriormente representado.
Ele veicula, ao mesmo tempo, uma dimensão traumática e uma dimensão
“terapêutica”. Se, por um lado, recoloca o sujeito diante do sofrimento traumático,
por outro, indica uma tentativa de autotratamento, como primeira tentativa egóica de
“ligação” da impressão traumática. Sob esta perspectiva, a crise bulímica funcionaria
simultaneamente como procedimento autocalmante e como forma de
automaternagem, entendidos aqui como conduta de “sobrevivência” psíquica e de
salvaguarda do objeto.
Ao apreendermos essas especificidades próprias ao ato bulímico, viemos a
formular a idéia de que na bulimia há a presença de um caráter paradoxal que
engendra, juntamente, aspectos destrutivos e a ação significativa da pulsão de vida, o
que se evidencia nessa tentativa de salvaguarda do objeto. Acreditamos que isso
imporia um certo limite à ação destrutiva da pulsão de morte, à ação do traumático.
Além disso, constatamos que tal aspecto não estaria presente da mesma forma na
anorexia, pois nesta a recusa do objeto vem sugerir uma maior fragilidade da ação da
pulsão de vida.
Em nossa pesquisa sobre as particularidades do encontro com o outro
interno/externo na bulimia, buscamos igualmente explorar a singular relação de
dependência que o sujeito bulímico estabelece com o objeto. A problemática da
dependência foi estudada tendo como ponto de partida o campo mais geral das
adicções, no qual se integra a bulimia. Nesta análise, sublinhamos as particularidades
das relações estabelecidas com os objetos libidinais, e aquelas relativas ao modo de
funcionamento psíquico envolvido. A relação com o objeto primário, mais
especificamente a questão de sua internalização no universo psíquico, ganhou
significativa importância em nosso estudo.
Na bulimia, a ligação inicial com os objetos parentais não serve de suporte
para a organização pulsional e narcísica do sujeito, impedindo-o de superar sua
dependência inicial. Disso resulta uma dificuldade acentuada no processo de
interiorização do objeto. Por não ter conseguido simbolizar a perda do objeto, uma
vez que o possui o outro interno como regulador de si, o ego tende a buscar essa
regulação por meio de uma via externa, em detrimento de uma via interiorizada. A
dependência ao objeto externo é conseqüência de o sujeito não ter conseguido se
apropriar adequadamente do objeto da relação primária, nem dele diferenciar-se, o
90
que o torna um “objeto absoluto”. Trata-se aqui, prioritariamente, de uma
impossibilidade de se “perder” o objeto da relação primária resultado, em última
instância, do extravio do trabalho do negativo. Esse objeto tende, assim, a “ocupar”
o espaço psíquico, o que nos permite supor a presença, no mundo interno do sujeito
bulímico, de uma alteridade radical, núcleo de estraneidade que se instala, de modo
clivado, no interior do psiquismo. Os investimentos libidinais tendem a se fixar em
torno desse objeto intrusivo. A insistência desse objeto, no interior, leva, como
resposta, ao estabelecimento de uma relação de radical dependência com o objeto
externo, relação que é, paradoxalmente, ameaçadora. Estabelece-se na bulimia uma
“estranha” relação de dependência com o objeto, caracterizada por uma adesão
absoluta e, simultaneamente, por uma rejeição absoluta. Isso vem desvelar uma outra
face dessa paradoxalidade que tentamos sublinhar no quadro da bulimia, aspecto que
se revela, dentre outros, nessa absolutização que caracteriza os investimentos
libidinais.
A intrusão do objeto no espaço psíquico vem instaurar uma lógica singular
quanto ao modo de funcionamento psíquico nessa patologia. Trata-se aqui de um
regime substancial contínuo, que exige sempre mais (e de um mesmo objeto),
movimento que vem, de fato, contrariar a necessária contingência própria ao
movimento pulsional. Haveria uma espécie de descaminho nessa tendência
regressiva operada no registro do desejo, registro que se mantém, neste caso, atrelado
a um modo de funcionamento que seria próximo ao da autoconservação.
Apoiados nas proposições de Igoin (1979, op.cit.), constatamos que na
bulimia a sexualidade tende a “imitar” a função da autoconservação da qual
justamente viria se diferenciar. Já na anorexia, a sexualidade parece invadir tal
função, impondo-lhe a sua lógica de funcionamento. Embora na bulimia ocorra um
prejuízo, tanto para as pulsões sexuais quanto para as de autoconservação pois
ambas convergem para um mesmo objeto a função de autoconservação continua
resguardada. Na anorexia, porém, constatamos que a sexualidade bloqueia, de certa
forma, o funcionamento do registro da autoconservação, vindo desorganizar a sua
lógica de funcionamento a ponto de torná-la ineficiente. A dinâmica pulsional
envolvida em cada uma dessas patologias apresenta, portanto, algumas diferenças
básicas, o que vem fornecer um outro indicador quanto à especificidade da bulimia.
Explorando a dinâmica pulsional própria da bulimia, entendemos que o
objeto da adicção bulímica seria da ordem de uma “neonecessidade”. A bulimia
91
supõe a construção de um “pseudo-objeto”, mantido sob controle e que envolve, de
fato, a recusa da alteridade do objeto o qual passa a ser investido, não com a
finalidade de troca, mas unicamente com fins utilitários, de reasseguramento
narcísico. O ato bulímico constitui-se, então, como um arranjo defensivo secundário,
arranjo que possui tonalidades perversas e que surge como resposta à relação de
dependência mantida com o objeto libidinal. Isso salvaguardaria a ligação objetal,
embora vindo reduzi-la a uma ligação de contato, de caráter superficial.
Estudamos a montagem psíquica que estaria implicada nesse duplo
movimento de caráter paradoxal, característico da bulimia. Para tal, nos detivemos na
questão da obstrução do processo de introjeção. O fracasso desse processo deixa o
sujeito à mercê da necessidade de incorporar o objeto, levando-o a uma atuação da
fantasia de incorporação. O objeto incorporado mantém-se clivado no interior do
psiquismo. Sublinhamos, então, a importância do mecanismo de clivagem nessa
dinâmica, e que instaura uma separação radical entre o objeto traumático e o ego,
destruindo qualquer espécie de ligação do eu com os traços da experiência
traumática. Estes traços são mantidos sob um regime de separação mais rigoroso do
que aquele promovido pelo recalque. Isto se porque a clivagem ao eu instaura no
psiquismo um modo de relação com o outro situado predominantemente no âmbito
da paradoxalidade, aquém da constituição de um efetivo conflito psíquico aquém,
portanto, do estabelecimento de um território de confronto e de negociação entre o eu
e o outro.
Defendemos a hipótese segundo qual a paradoxalidade, que rege de forma
predominante o funcionamento psíquico na bulimia, promove o surgimento de um
antagonismo entre as aspirações relativas aos objetos e a salvaguarda do equilíbrio
narcísico, expresso por meio das angústias paradoxais. Na crise bulímica, esse
antagonismo vem a ser materializado através de uma dupla exigência: a ingestão e a
expulsão do alimento. Portanto, o modo de relação estabelecido aqui com o objeto
interno – a paradoxalidade – engendra um modo de relação com o objeto externo, ele
também de caráter paradoxal. Isso se expressa por exemplo, através da separação
radical que se opera entre a adesão absoluta ao objeto e a sua rejeição absoluta,
indicando a impossibilidade de um efetivo acesso à ambivalência, à sua dialetização.
Dirigimo-nos ainda ao registro edípico, visando realizar a sua articulação com
o registro primário antes explorado. Na bulimia, a travessia do Complexo de Édipo
parece-nos ser caracterizada por uma repetição da relação de dependência mantida,
92
anteriormente, com o objeto primário Isso acarreta uma intensa dificuldade no
trabalho de interiorização do interdito, e desta forma, o trabalho de recalcamento das
fantasias incestuosas.
Em decorrência da precária interiorização do interdito, nos sujeitos bulímicos
especialmente aqueles do sexo feminino as fantasias incestuosas ameaçadoras
permanecem excessivamente atuantes no psiquismo, provocando um grande afluxo
de excitações. O encontro com a genitalização torna-se, então, ameaçador, pois no
plano fantasístico inconsciente, traz uma ameaça de realização da cena incestuosa,
provocando uma regressão rumo a uma lógica própria à oralidade, por meio da
atuação, como forma de afastamento do encontro com a genitalização. Esta
regressão, como fuga do encontro ameaçador com a genitalização, constitui um
elemento fundamental para compreendermos o caráter paradoxal presente na
bulimia.
Esta regressão funciona como uma reação à possibilidade de transgressão,
que, de forma deslocada, vem paradoxalmente se realizar no ato bulímico. Este
mecanismo defensivo foi considerado por nós em termos de ação reativa. O ato
bulímico apresenta, de forma deslocada, a cena de realização da fantasia incestuosa,
visando, ao mesmo tempo, evitar a sua realização efetiva. A resposta dada pelo
sujeito bulímico ação reativa e a resposta dada pelo sujeito anoréxico recusa –
diante dos impasses trazidos pela problemática edípica, re-atualizados pelo encontro
com a genitalização, marcam um ponto crucial de diferenciação entre essas duas
patologias.
Ao colocarmos em relevo alguns elementos singulares da bulimia usando,
como estratégia, o estabelecimento de um contraponto entre ela e a anorexia,
rompemos com a tendência, presente em vários estudos voltados para as patologias
alimentares, de uma justaposição das duas. Em nosso entender, esta tendência, ao
tornar as fronteiras entre elas muito pouco tidas, compromete uma investigação
mais rigorosa acerca dos contornos singulares de cada uma, comprometendo, assim,
a sua compreensão mais aprofundada. Embora consideremos que essas patologias
tenham muitos pontos em comum, ao pontuarmos os traços particulares da bulimia
pensamos ter conseguido demonstrar que elas são distintas.
Esta contribuição, de caráter mais diretamente teórico, vem certamente
inaugurar novas vias de pesquisa no campo da prática clínica, via que deixamos em
aberto para as nossas futuras reflexões.
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