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ENATA
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ERNARDO
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CONSTRUÇÃO DA AMEAÇA
:
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UVENTUDE
,
D
ELINQÜÊNCIA E
E
DUCAÇÃO NOS
P
RIMEIROS
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EMPOS DA
R
EPÚBLICA NO
B
RASIL
(1890
1940)
I
TATIBA
2008
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R
ENATA
B
ERNARDO
A
CONSTRUÇÃO DA AMEAÇA
:
J
UVENTUDE
,
D
ELINQÜÊNCIA E
E
DUCAÇÃO NOS
P
RIMEIROS
T
EMPOS DA
R
EPÚBLICA NO
B
RASIL
(1890
1940)
ORIENTADOR(A): PROFª. D. MARIA ANGELA BORGES SALVADORI
I
TATIBA
2008
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação Stricto Sensu em Educação da
Universidade São Francisco para obtenção do
título de Mestre em Educação
.
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4
Para Francisco de Assis Bernardo
5
Agradecimentos
A Professora Dr.ª Maria Ângela Borges Salvadori pela competência, entusiasmo, atenção
e incentivo com que conduziu a orientação.
A Banca Examinadora do Processo de Qualificação, Prof.ª Dr.ª Vivian Batista da Silva,
Prof. Dr. Fernando Afonso Salla, pelas contribuições que enriqueceram o trabalho e a Profª. Drª
Heloísa Helena Pimenta Rocha pela oportunidade de tê-la como membro da Banca Examinadora
da Defesa da Tese, muito obrigada!
Ao meu pai Francisco (in memoriam), minha mãe Nereide e minha irmã Waléria, pessoas
preciosas que sempre estiveram ao meu lado, apoiando-me, conduzindo-me e incentivando-me.
Aos professores do Programa de Stricto Sensu em Educação da Universidade São
Francisco pelos ensinamentos e oportunidade de aprendizado: Prof. Dr. Moysés Kuhlmann Jr. e
Prof.ª Dr.ª Rosário Silvana Genta Lugli.
Aos funcionários da Universidade São Francisco pela atenção e comprometimento.
Aos amigos, Eliane, Pedro, Silvana, Sérgio, Maria Célia, Erci, Simone, Vanessa e
Antonio Gilberto, pela rica convivência.
A Universidade São Francisco, nas pessoas de Frei Agostinho Salvador Piccolo, Frei
Gilberto Gonçalves Garcia, Frei Jairo Ferrandin, Frei José Antonio Cruz Duarte e Frei Vitório
Mazzuco pela oportunidade, compreensão e incentivo, dispensados nesta trajetória.
A Cinthia, Cléo, Daniel, Isaac, Renato, Rita, Rodrigo, Simone e Vânia pelas traduções,
sugestões, convívio, interesse, apoio, correções, incentivo e amizade.
6
Resumo
Bernardo, R. (2008). A construção da ameaça: juventude, delinqüência e educação nos primeiros
tempos da república no Brasil (1890 – 1940). Dissertação de Mestrado, Programa de Pós-
Graduação Stricto Sensu em Educação, Universidade São Francisco, Itatiba.
Esta pesquisa pretende discutir, nos primeiros tempos da república no Brasil (1890 1940), as
relações entre educação, delinqüência e juventude, considerando tanto o estudo da construção da
noção de delinqüência juvenil quanto o modo como a educação aparece nos discursos jurídicos e
médicos, enquanto fator de correção de jovens criminosos, relacionando estas construções a um
contexto no qual se intensificam os aparatos de controle social, particularmente aqueles voltados
para as classes populares. A pesquisa foi desenvolvida considerando a discussão bibliográfica
produzida no período sobre o tema, o levantamento de documentos históricos de caráter
legislativo, como o Código Penal dos Estados Unidos do Brasil, o Código de Menores de 1927 -
Código Melo Matos e o Código Penal de 1940, processos judiciais denominados Depósito de
Menor, oriundos do Arquivo Judiciário da Comarca de Bragança Paulista, bem como fragmentos
de artigos escritos por médicos nas décadas de 20 e 30 do século XX, publicados nos periódicos
do Instituto Médico Legal e Identificação e do Manicômio Judiciário, ambos sediados no Rio de
Janeiro, com o intuito de investigar como as condições de pobreza, abandono e ócio dos jovens e
crianças brasileiras, na primeira República, influenciaram a preleção de justificativas dos grupos
dominantes no tocante às medidas públicas e privadas tomadas para a sua assistência, punição e
formação.
Palavras-chave: história da educação; história da juventude; criminalidade; delinqüência juvenil.
7
Abstract
Bernardo, R (2008). The construction of the menace: youth, delinquency and education at the
first periods of the republic of Brazil (1890 1940). Master degree Dissertation, stricto sensu
Post-graduation in education program, São Francisco University, Itatiba.
This research aims to discuss, at the first periods of the republic of Brazil (1890 1940 ), the
relation between education, delinquency and youth, considering as much the construction of the
juvenile delinquency notion study as the way how education is shown in the medical and juridical
speech, in the sense as a correction factor for the juvenile criminals, relating these constructions
to a context in which intensifies the social control apparatus, particularly those straight related to
the popular mass. The research was developed considering the bibliographical discussion
produced in the mentioned time period about the subject, analysis on the historical documents of
legislative nature, such as the United States of Brazil penal code, the Minor Code from 1927
The Melo Matos Code and the 1940 Penal Code, lawsuits denominated minor storaging from the
Juridical Archive from Bragança Paulista, as much fragments of written legal medical articles
and Juridical asylum, both based in Rio de Janeiro aiming investigate the poverty conditions,
abandon and inactivity of Brazilian youngsters and children in the First Republic, influentiated
the prelection of justifies of the dominant groups towards the public and private measures taken
for its assistance, punishment and formation.
Keywords: education history; juvenile history; criminality; juvenile delinquency.
8
Sumário
INTRODUÇÃO...............................................................................................................................09
CAPÍTULO 1 - ORDEM PÚBLICA, EDUCAÇÃO E A CONSTRUÇÃO DO PERIGO........18
1.1
R
EPÚBLICA
,
C
RESCIMENTO
U
RBANO E A
A
MEAÇA DA
P
OBREZA
..........................................18
1.2
O
RDEM
R
EPUBLICANA
,
O
C
ÓDIGO
P
ENAL DE
1890
E A
P
OLÍCIA
............................................24
1.3
J
UVENTUDE
,
E
DUCAÇÃO E A
L
EGISLAÇÃO
P
ENAL
.................................................................30
CAPÍTULO 2 - MEDICINA E EDUCAÇÃO: O JOVEM COMO DELINQUENTE...............34
2.1
A
S
T
EORIAS
C
RIMINOLÓGICAS DO INÍCIO DA
R
EPÚBLICA
......................................................34
2.2
O
D
ISCURSO
M
ÉDICO E A
D
ELINQÜÊNCIA
..............................................................................39
2.3
A
N
OÇÃO DE DELINQÜÊNCIA
:
ENTRE EDUCAÇÃO E MEDICINA
...............................................49
CAPÍTULO 3 - LEI, DELINQÜÊNCIA JUVENIL E EDUCAÇÃO........................................57
3.1
O
C
ÓDIGO DE
M
ENORES
M
ELO
M
ATOS DE
1927:
O
J
OVEM COMO
"MENOR"......................57
3.2
O
C
ÓDIGO
P
ENAL DE
1940
E A
E
RA
V
ARGAS
..........................................................................63
3.3
"DEPÓSITO
DE
MENOR"
-
U
MA
A
NÁLISE DE
P
ROCESSOS
C
ÍVEIS DO
I
NÍCIO DA
R
EPÚBLICA
....................................................................................................................................66
CONSIDERAÇÕES FINAIS .........................................................................................................83
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..........................................................................................86
9
INTRODUÇÃO
Michelle Perrot (1996), em estudo sobre a juventude operária européia do século XIX,
contemplou singularidades de seu cotidiano: os processos de escolaridade, a inserção no mundo
do trabalho, as relações com a família, a fábrica, o amor e o casamento, abordando as
especificidades desta categoria no que se refere ao lugar social de seus protagonistas, a classe
trabalhadora. Cabe ressaltar que a história da juventude esteve por muito tempo ausente do
campo de uma historiografia oficial, permanecendo objeto de estudo de outras áreas do
conhecimento.
No Brasil, há um considerável número de trabalhos historiográficos referentes à infância e
à educação das crianças, o mesmo não podendo ser mencionado em relação aos jovens e à
juventude, sobre os quais uma incidência maior de estudos de matriz sociológica. No que se
refere à juventude, observa-se uma grande dificuldade em categorizar este grupo, em razão das
diferentes concepções quanto à idade, passagem para a vida adulta, bem como às mudanças
sofridas na configuração desta categorização, no decorrer da história. É preciso destacar, também,
uma ausência histórica de políticas públicas direcionadas aos jovens que ultrapassem o mero
assistencialismo e um constante processo de aproximação entre o jovem pertencente às classes
populares e a criminalidade, que pode ser identificado nos textos legais e nas falas médicas, entre
outros discursos. Neste sentido, a presente pesquisa justifica-se mediante este hiato, ou seja, a
ausência de trabalhos marcadamente historiográficos sobre a construção de um período da vida
aproximado da juventude e os diferentes modos de educar os jovens, em particular, os jovens
pertencentes às camadas populares.
Sposito (1997) ressalta que a pesquisa sobre a juventude tem passado por algumas
modificações, sendo necessário frisar a preponderância de estudos de cunho pedagógico e
sociológico que abordam, principalmente, a relação dos jovens com a escolaridade, com o mundo
da escola e do trabalho, com a profissionalização, com a instituição escolar e os processos
educativos, possuindo foco no contexto da escola e em seus processos de ensino e aprendizagem,
partindo da condição de aluno do jovem sem levar em conta outras dimensões e práticas sociais
que os envolvem. Os estudos sobre juventude que privilegiam os jovens na condição de sujeitos
são raros, podendo-se afirmar que ainda um caminho a ser percorrido que problematize e
construa o conhecimento sobre a história social da juventude no Brasil.
Contudo, as pesquisas de caráter sociológico, pedagógico e psicológico sobre a juventude
brasileira despontam para o estudo dos programas estatais e civis direcionados ao atendimento de
jovens que se encontram em processos de exclusão social, bem como enveredam para a análise
do relacionamento da juventude com os sistemas de comunicação, a mídia, a violência urbana, a
pluralidade cultural e a temática racial e étnica (Sposito, 1997, p. 4).
Um leque de condições sociais aponta para processos de desigualdade da juventude
brasileira. Os noticiários, a mídia, as instituições de ensino, a família, estatísticas, enfim, a
sociedade se indaga cotidianamente sobre os direcionamentos da juventude. Crimes, processos
violentos, pobreza, trabalho, maternidade e paternidade, processos de alienação, o envolvimento
com entorpecentes, entre outras condições, formam um conjunto de variáveis que indicam outros
rumos para a pesquisa e o estudo sobre a juventude, na perspectiva do encontro de meios para o
entendimento das questões que as envolvem. Neste sentido, Sposito (1997) expõe ainda que o
tema da juventude constitui-se um campo de debate político e público que apenas nas últimas
décadas do século XX foi sendo incorporado pela sociedade.
Partindo desses questionamentos que atingem a juventude contemporânea, o
conhecimento histórico sobre a categoria apresenta-se como um suporte epistemológico para a
elucidação dos processos de constituição histórica e social da juventude brasileira nas diferentes
conjunturas, tempos e espaços brasileiros.
Na presente pesquisa, os protagonistas em questão compuseram uma juventude
pertencente às camadas populares da sociedade brasileira do início da República aquela
caracterizada pela condição de pobreza, abandono, crime e contravenção e, no que se refere à
especificidade deste estudo, ou seja, o caráter da historicização da educação brasileira, é preciso
ressaltar que as pesquisas apontam que os jovens aparecem em geral, relacionados ao estudo de
instituições escolares regulares, de caráter público ou privado que, no período do final do século
XIX e início do culo XX, eram aquelas que ofereciam cursos secundários, e parte significativa
da juventude das camadas populares não chegava a alcançar este nível de ensino.
O interesse pela categorização da juventude foi intensificado nas primeiras décadas do
regime republicano, precisando ser compreendido como parte de um contexto mais amplo e de
um conjunto de dispositivos elaborados por setores da elite para controlar as classes populares.
As elites viam nos sujeitos pertencentes às camadas populares: uma ameaça. Isso se configurou
principalmente pela necessidade de reelaboração da noção de classe trabalhadora no Brasil diante
do fim da escravidão, havendo uma preocupação com a construção da identidade nacional, a
inserção de imigrantes, as aglomerações urbanas, ou seja, com mudanças que colocaram os
sujeitos pobres em um processo de aproximação da sua condição social à criminalidade.
Muitos eram os fatores que influenciavam a sociedade nesse período e dentre eles a
constituição de um quadro de trabalhadores livres constituía-se no principal elemento de
consolidação do capitalismo e da República. A substituição da mão-de-obra escrava pela livre
representava um dos principais objetivos e interesses das elites no novo regime que pressupunha
outro movimento dos sujeitos e seus lugares sociais. Ortiz (1989, p. 19) ressalta que, “Como fato
político a Abolição marca o início de uma nova ordem onde o negro deixa de ser mão-de-obra
escrava para se transformar em trabalhador livre”. Neste sentido ainda, Kowarick (1987, p. 10)
aponta que: “Contudo, submeter pessoas para que vendam sua força de trabalho não é algo que se
possa fazer de um momento para outro. Ao contrário, a formação de um mercado de mão-de-obra
livre foi um longo e tortuoso percurso histórico marcado, no mais de vezes, por intensa coerção e
violência”. Assim, a sociedade brasileira passou por mudanças que constituíram-na mediante a
circulação de ex-escravos, imigrantes, jovens, mulheres pelas cidades, promovendo uma outra
dinâmica social e econômica.
Faz-se necessário ressaltar também que no início da República o campo educacional
constituía-se pautado em conceitos e discursos oriundos de diversas áreas, principalmente das
classes médicas e jurídicas, em meio a um processo de intersecção entre esses discursos, que
precisamente nas primeiras décadas do século XX ancorou-se no movimento da Escola Nova.
Nesse movimento, dentre outros temas, as falas médicas, os discursos jurídicos e criminológicos
e as legislações penais tratavam da problemática da delinqüência juvenil instituindo práticas de
correção e educação empreendidas por processos terapêuticos, preventivos e de reabilitação dos
sujeitos caracterizados como propensos delinqüentes. O discurso relacionado à juventude das
camadas populares caracterizava-se pela ênfase na falta, na pobreza, na violência e pela
necessidade da aplicação de medidas preventivas que fossem eficazes no combate à delinqüência.
Sob este aspecto, o caráter punitivo das medidas direcionadas à delinqüência juvenil era
de prevenir, curar e educar e, neste contexto, educação e medicina caminhavam juntas, pois a
educação empreendida aos sujeitos delinqüentes, principalmente os jovens, calcava-se nos
preceitos médico-higienistas e científicos em evidência do período.
Mediante tal perspectiva, esta pesquisa pretende discutir as relações entre juventude,
delinqüência e educação considerando tanto o estudo da construção da noção de delinqüência
juvenil quanto o modo como a educação aparece nos Códigos Penais e nos discursos médicos
enquanto fator de correção para os jovens criminosos, identificando quais as fronteiras
delimitadoras e diferenciadoras da categoria juventude no contexto do início da República
brasileira, no qual se intensificam os aparatos de controle social, particularmente aqueles voltados
para os sujeitos das classes populares.
Neste sentido ainda, pretende-se identificar como e quando o jovem aparece como
problema nesses discursos na República e quais as estratégias de disciplinarização e higienização
elaboradas para a juventude considerada contraventora e criminosa. Portanto, as fontes
selecionadas para a pesquisa trazem em seus discursos o que legisladores, pensadores,
criminologistas e médicos discutiam e determinavam para a juventude pertencente às camadas
populares, demonstrando uma preocupação com um período de vida considerado inicial para a
delinqüência.
Para tal, o presente estudo sustenta-se basicamente sobre três hipóteses co-relacionadas. A
primeira delas pressupõe que a associação entre juventude pobre e delinqüência foi produzida
pelos discursos jurídicos e médicos como legitimadora de políticas de controle e repressão social.
A segunda, por sua vez, presume que as instituições e práticas educativas criadas para atender os
jovens tidos como criminosos tinham um caráter confinante e destinavam-se antes a isolar o que
era considerado como perigo do que a uma suposta integração social. E, finalmente, a terceira
parte da premissa de que a educação para o trabalho aparece nesses discursos para atender às
necessidades determinadas pelos processos de modernização econômica, bem como era vista
como medida preventiva e profilática em relação aos jovens das classes populares.
Os limites temporais colocados consideram a promulgação do primeiro Código Penal
republicano, em 1890, e, no outro extremo, o ano de 1940, quando é promulgado um novo
Código Penal com o intuito de apontar as mudanças no tratamento conferido aos jovens
criminosos.
Trata-se, portanto, das primeiras décadas do regime republicano no Brasil, período no
qual procurou-se instalar, não sem resistências, mecanismos de controle para as classes
populares, antes garantidos pela existência da escravidão. O regime republicano, para legitimar-
se, fez um grande investimento educativo, do qual a expansão da rede escolar foi apenas uma das
facetas, sendo que outras instituições educativas, tais como hospícios, colônias correcionais,
prisões, orfanatos e asilos, compreenderam os lugares de abrangência de sistemas educacionais
destinados à juventude criminosa.
Naquele período, os republicanos elegeram a educação como grande tema e bandeira de
luta e, neste sentido, além dos discursos em defesa da expansão da rede de escola, da
alfabetização e da educação do povo, promoveram também o debate a respeito da educação de
jovens considerados potencialmente criminosos. Assim, com a intensificação de problemas
sociais a partir do fim da escravidão e com a vinda de grandes contingentes de imigrantes para o
Brasil, a educação para o trabalho passou a ser encarada como modalidade mais adequada para os
jovens potencialmente perigosos e oriundos das camadas populares.
Carvalho (1998, p. 136) ressalta que os movimentos que defendiam a escolarização como
principal instrumento para o progresso do país ampliaram suas expectativas no início da
República. Este entusiasmo pela educação se deu “porque a educação passou a condensar um
sem-número de expectativas de controle e organização social, política e econômica”. Segundo a
autora, foi através da imagem de um país decadente com promessa de futuro grandioso que se
constituiu a importância da educação.
A educação brasileira ganhava novas caracterizações no que se referia ao surgimento de
propostas educacionais e iniciativas públicas e particulares para o ensino, principalmente para a
juventude, com o intuito de formar o trabalhador sadio, disciplinado e moralmente conduzido
para o trabalho, paralelamente à necessidade de controlar socialmente o contingente que se
formava nas ruas visto como propenso à criminalidade.
A criação de diferentes instituições e práticas educativas voltadas para a formação e
correção dessa juventude constituiu instrumentos de controle social, de construção da noção de
delinqüência juvenil e do perfil do jovem delinqüente. A juventude criminosa não deveria ser
apenas retirada das ruas; não bastava isolá-la. Era preciso confinar, corrigir, disciplinar, educar
para o trabalho. A atividade produtiva emergia como possibilidade de recuperação desses
sujeitos. O trabalho tornava-se, assim, simultaneamente, castigo e redenção.
Pretende-se desenvolver a análise considerando a discussão bibliográfica sobre o tema, o
levantamento de documentos históricos de caráter legislativo, como o Código Penal dos Estados
Unidos do Brasil de 1890, o Código de Menores de 1927 – Código Melo Matos e o Código Penal
de 1940, com o objetivo de identificar as representações de delinqüência juvenil que aparecem
nas legislações e analisar as mudanças entre uma e outra. Além disso, objetiva-se pontuar o modo
como a educação aparece direcionada para os jovens nestas legislações. Serão utilizados também
um pequeno conjunto de processos judiciais envolvendo jovens, denominado “Depósito de
Menor”, do Arquivo Judiciário da Comarca de Bragança Paulista, dos anos 30, que se encontram
sob a tutela do Centro de Documentação e Apoio à Pesquisa em História da Educação (CDAPH)
da Universidade São Francisco (USF), e artigos escritos por médicos e publicados nos periódicos
do Instituto Médico Legal e Identificação e do Manicômio Judiciário do Rio de Janeiro nas
décadas de 20 e 30 do século XX com considerações sobre as causas da juventude contraventora
e criminosa do período e temas co-relacionados com medicina e educação.
O Código de Menores Melo Matos de 1927 foi a primeira legislação direcionada
exclusivamente para atender às questões das crianças e jovens da República, o chamado menor.
Esse Código foi instituído mediante um contexto de afirmação da República brasileira e em meio
a um processo de inserção e elaboração de preceitos científicos na sociedade representando uma
resposta ao “agravamento dos conflitos sociais que o Brasil vivia naquela época” (Ferla, 2005, p.
250).
Os artigos analisados fazem parte dos Archivos de Medicina Legal e Identificação do Rio
de Janeiro do Instituto do Instituto Médico Legal e Identificação e do Manicômio Judiciário do
Rio de Janeiro da década de 20 e 30 do século XX, que relatam os estudos, pesquisas e práticas
dos integrantes das entidades em questão.
Os processos denominados “Depósito de Menor”, selecionados para esta pesquisa, são
processos cíveis da década de 30 do século XX que fazem parte do Fundo do Poder Judiciário da
Comarca de Bragança Paulista (1798-1980), tutelados no Centro de Documentação e Apoio à
Pesquisa em História da Educação (CDAPH) da Universidade São Francisco (USF) e que se
diferenciam dos de tutoria e crime, pois são juridicamente pertencentes à esfera civil por tratarem
principalmente da guarda e do direcionamento de jovens pertencentes às classes populares da
região que se encontram em um processo de abandono, risco e delinqüência.
A denominação pertinente às fontes utilizadas para identificação do jovem difere uma da
outra. Nas legislações apropriadas de um discurso jurídico e criminológico, o jovem é chamado
de “menor” e identificado como abandonado, pobre, órfão, mendigo, vadio, contraventor e
criminoso. Os médicos utilizavam as denominações: adolescente, criança, jovem, incorrigíveis,
infratores, menor e delinqüente para identificar os sujeitos que, em suas teses, possuíam
condições de desenvolvimento de um quadro delinqüente.
Sobre as especificidades das fontes desta pesquisa faz-se necessário ressaltar que o
trabalho historiográfico com a utilização de fontes judiciais possui particularidades no que se
refere à relação do documento legal, o contexto social e os sujeitos que o constituem. Essa
relação é caracterizada por um movimento que estabelece, além da aplicação do poder legal sobre
as partes envolvidas, uma relação de conflito, resistência e diálogo que emerge quando
consideradas no campo da história.
Lara (2006, p. 11-13) enfatiza que, “[...] a lei e a justiça deixaram de ser vistas como
simples instrumentos de dominação de classe para se configurarem como recursos que poderiam
ser apropriados por diferentes sujeitos históricos que lhes atribuíam significados sociais distintos
[...]”. Dessa forma, a pesquisa no campo da história social envolvendo legislações e processos
judiciais tem como principal característica e objetivo investigar como se constituíram, em
diferentes tempos e espaços da história, as relações entre as sociedades e o poder legal.
A presente pesquisa, ao investigar a legislação, os juristas, os criminologistas e os
processos “Depósito de Menores” do início da República, tem por objetivo identificar qual foi o
sistema educativo direcionado para a juventude potencialmente perigosa, bem como as relações
de poder estabelecidas entre a lei, sua aplicabilidade e os sujeitos em questão: os jovens pobres,
no tocante à delimitação de um período da vida não historicizado, a juventude.
Os processos judiciais e as legislações passam a constituir um arcabouço de fontes
inesgotáveis numa perspectiva de construção de um trabalho historiográfico que tem por objetivo
a problematização e a emergência dos conflitos nas relações sociais. Com efeito, as legislações e
processos que envolvem jovens são documentos que devem ser problematizados com o intuito de
fazer emergir as relações de conflito e de poder que construíram perfis de crime, delinqüência e
contravenção da juventude brasileira.
Uma história-problema. Esta pesquisa apoderar-se-á da concepção foucaultiana de
história no que se refere à problematização dos processos que contribuíram para a construção do
perfil de delinqüência juvenil nas primeiras décadas republicanas. Rago (1993, p. 22,23) ressalta
que Foucault afirmava-se não como um historiador dos costumes, dos comportamentos e das
práticas sociais, mas das problematizações, isto é, das formas pelas quais determinadas questões
foram problematizadas nas diferentes épocas e como foram por elas percebidas. Neste sentido o
trabalho historiográfico de Foucault não privilegiou o sujeito como único e fundamental agente
responsável pelos processos históricos e sociais; ele considerou que são as relações de poder que
estabelecem a construção da história.
É imprescindível ressaltar que, para Foucault, o poder não possui apenas uma condição
negativa que o caracteriza como impositivo e implacável e como algo acima de tudo e de todos; o
autor o considera numa dimensão que reside no campo das relações, principalmente, em uma
micro-dimensão. Rago (1993, p. 23) afirma ainda que, de acordo com Foucault “[...] Desmontava
uma série de concepções estreitamente articuladas, como a de que o poder, além de negativo,
estaria localizado num ponto fixo o Estado e as instâncias político-institucionais. Mostrava a
astúcia da dominação e a ficção de sua negatividade [...]”, pontuando ainda sobre o poder que,
“Trata-se, pois, de percebê-lo em sua dimensão relacional e em suas inúmeras formas de
manifestação estratégica, nos vários momentos da vida social”. Neste sentido, as relações de
poder não se constituíram apenas em processos de imposição e aceitação, do Estado para a
sociedade, mas permearam por todos os espaços, pelas instituições, impondo-se numa dimensão
microscópica e subjetiva.
Assim, as relações de poder instituídas pela sociedade disciplinar da era moderna são
campos que constituem objetos que devem ser problematizados e trazidos à luz do debate
historiográfico numa perspectiva de elucidação dos conflitos, das permanências, disciplinas e dos
processos pelos quais os sujeitos se constituíram na história.
As propostas foucaultianas ajudam a compreender o que a presente pesquisa se propõe a
analisar, ou seja, ajudam a decifrar os caminhos pelos quais foi composta a noção de uma
juventude delinqüente no período republicano mediante um processo de inserção dos conceitos
científicos de classificação e padronização dos processos econômicos, políticos e sociais.
Foucault (1996, p. 1-20), em A ordem do discurso, propõe que seja considerado a partir de
suas práticas, pois são as “práticas discursivas que, instituem figuras sociais, constroem
identidades e objetivam o fato histórico, dando-lhe visibilidade e imprimindo-lhe um sentido
determinado”, considerando o discurso como acontecimento em “função de uma determinada
lógica ou racionalidade, no tocante à historicidade e a singularidade de determinadas práticas
sociais”.
Portanto, a perspectiva de análise dos discursos apontados nesta pesquisa é de historicizar,
ancorada nos apontamentos teóricos citados, a identidade de uma juventude supostamente
delinqüente na virada para o século XX, considerando que no processo de análise não se perderá
de vista o olhar crítico que deverá contemplar as especificidades das fontes, a estrutura dos
discursos, o lugar social dos sujeitos e, principalmente, as intecionalidades que regiam as relações
de poder e os processos sociais para uma historicização das identidades da juventude brasileira
que residia no campo da pobreza, do abandono e do crime nas primeiras décadas republicanas.
Pretende-se no primeiro capítulo, perante a análise do contexto das décadas iniciais da
República, explicitar questões relativas à instalação do regime republicano, suas preocupações
sociais com os processos de urbanização das cidades e, particularmente, com a condição de
vadiagem dos sujeitos das camadas populares, levando em consideração fontes bibliográficas,
decretos, legislações penais e discursos jurídicos e criminológicos, com o intuito de discutir o
modo como se define a categoria da juventude e como foi construído um perfil de delinqüência
atrelado às classes populares, considerando, em específico, os Códigos Penais da primeira
República.
No segundo capítulo analisam-se fragmentos dos discursos médico e psicológico que
remetem à delinqüência, presentes em artigos publicados nos periódicos do Instituto Médico
Legal e Identificação e do Manicômio Judiciário, dos anos 20 e 30 do século XX, procurando
identificar como os especialistas da medicina do início do século XX pensaram as causas da
juventude criminosa e indicaram soluções para tal condição.
No terceiro capítulo, pretende-se analisar processos judiciais envolvendo jovens que se
encontravam em condição de abandono, pobreza, crime e contravenção com o intuito de
promover uma discussão sobre a construção da noção de juventude delinqüente ancorada na
relação dos discursos médicos e nas legislações penais do período. Os processos escolhidos
foram os denominados “Depósito de Menor”, do Arquivo Judiciário da Comarca de Bragança
Paulista, da década de 30 do século XX, que se encontram tutelados no Centro de Documentação
e Apoio à Pesquisa em História da Educação (CDAPH), da Universidade São Francisco (USF),
em Bragança Paulista, São Paulo.
CAPÍTULO 1 ORDEM PÚBLICA, EDUCAÇÃO E A CONSTRUÇÃO DO
PERIGO
1.1 República, crescimento urbano e a ameaça da pobreza
A instalação da República brasileira não ocorreu sem conflitos. Os primeiros anos de
governo republicano assistiram a intensos esforços no sentido de legitimar o novo regime.
Simultaneamente, o período foi marcado também por um recrudescimento dos conflitos sociais,
particularmente mais intensos nas médias e grandes cidades que, em virtude da aceleração dos
processos de industrialização e urbanização, viram surgir novos espaços e relações sociais.
Um discurso científico próprio à modernidade balizou as medidas públicas adotadas para
a reorganização das cidades brasileiras no que se referiu à arquitetura, urbanismo e,
principalmente, aos significados sociais atribuídos aos espaços de circulação, moradia, trabalho,
estudo, entre outros.
As elites convergiram esforços com o objetivo de desenvolver processos de controle
social que, atrelados às dimensões do trabalho, da família e dos costumes visaram ao
ordenamento das classes populares no sistema instaurado. Com um discurso de culto e
nobilitação do trabalho, derrubaram sua representação opressora herdada do passado escravista,
instituindo-o como sinônimo de progresso pessoal e nacional (Moraes, 2003, p. 161).
Ao desenvolverem ações e práticas para o controle das classes populares, as elites
pautaram-se em discursos criminológicos, jurídicos e médicos de caráter moralizante, científico e
profilático que legitimaram medidas de vigilância e processos normatizadores para os sujeitos das
classes populares.
Para a análise dos discursos jurídicos, criminológicos e médicos selecionados nesta
pesquisa faz-se necessário o conceito de discurso com o qual Foucault trabalha em A ordem do
discurso (1996).
Para Foucault (1996) três procedimentos de exclusão, sendo o primeiro denominado
interdição, ou seja, os assuntos proibidos, os tabus, aquilo que as instituições não permitem que
seja abordado, falado, comentado. Como exemplo aponta o campo do sexo e da política como
esferas circundadas de tabus; assim, “longe de ser um elemento transparente ou neutro no qual a
sexualidade se desarma e se pacifica, é como se o discurso fosse um dos lugares onde estas
regiões exercem, de maneira privilegiada alguns dos seus mais temíveis poderes”. O autor
explicita a relação do discurso da sexualidade e da política a que o exercício de seus poderes se
aplica; o ritual da circunstância, apontando que não se pode falar de tudo em qualquer
circunstância, e o direito privilegiado ou exclusivo do sujeito que fala, sendo que qualquer um
não pode falar de qualquer coisa, formando um procedimento complexo interno do discurso que
delimita, controla e seleciona o próprio discurso e sua prática. O segundo procedimento de
exclusão consiste na rejeição. Foucault exemplifica o termo mediante a configuração do discurso
sobre o louco na história, expondo que, na Idade Média, a palavra do louco não possuía valor
social, nunca era considerada dentro da ordem do discurso das instituições, constituindo-se lugar
de separação e considerada apenas simbolicamente no teatro ou quando ouvidas eram revestidas
de premonições futuras. Na sociedade contemporânea de hoje a palavra do louco não é mais nula,
mas a separação continua, exercendo-se de outro modo, “segundo linhas distintas, promovendo
novos efeitos, diferentes efeitos”. Um terceiro processo de exclusão seria a vontade da verdade,
quando o verdadeiro é considerado por estar manifestado ou afinado dentro da ordem das
disciplinas, das instituições, seguindo suas regras de produção e distribuição.
A presente pesquisa baseia-se nas referidas considerações e princípios de análise do
discurso com o intuito de identificar as formas de controle, normatização, exclusão, limitação e
apropriação da juventude presentes nas falas jurídicas, criminológicas e médicas, nas primeiras
décadas republicanas.
Neste sentido pretende-se verificar como os discursos médicos e as legislações penais
indicavam quem era o criminoso e seu contraponto, o jovem inocente, o jovem aceitável,
desejável, aquele que era trabalhador, honesto e civilizado. Foucault (1996) considerou que existe
uma relação entre os discursos e o poder nas sociedades e que, os discursos são na realidade
dispositivos de poder, concluindo que é na relação de poder que se produz o discurso.
Um discurso jurídico, criminológico e médico direcionou as regras impostas para a
circulação e permanência dos sujeitos nos espaços públicos, como também as ações e práticas
disciplinares. Tais ações ultrapassavam o espaço das fábricas, avançando para as ruas, bairros e
moradias dos sujeitos das classes populares, em particular os trabalhadores pobres, através de
uma política de saneamento urbano com a instalação de redes de esgotos, canalização de água e
implantação de regras de habitação.
As elites republicanas procuravam regulamentar e legitimar suas ações por meio de um
discurso científico que submeteu a população à aceitação das medidas disciplinares com
alegações baseadas em preceitos higienistas e moralizantes. Toda e qualquer manifestação
contrária a tais alegações representava sinônimos e indicadores de vícios, malefícios, doenças,
perigos e ameaças à ordem republicana.
Manipular, controlar e vigiar as camadas populares não foi premissa exclusiva do regime
republicano; desde o Império as preocupações com as classes pobres e sua potencialidade para o
crime estavam presentes nos debates das elites. O que a República reconsidera mediante tais
preocupações é a necessidade da normatização dos sujeitos das camadas populares diante o
processo de reorganização da classe trabalhadora que, com a inserção do processo imigratório e a
abolição da escravidão, constituía um novo quadro social, político e econômico.
As inúmeras mudanças nas cidades brasileiras com a intensificação do processo urbano e
o crescimento populacional trouxeram um movimento diferenciado entre os sujeitos. Uma outra
circulação pelas ruas, relações comerciais, parentescos, enfim, surge um emaranhado social que
redefine os papéis sociais e econômicos. Sobre os sujeitos das camadas populares Carvalho
(1987, p. 18) conclui que esta
[...] população poderia ser comparada às classes perigosas ou potencialmente
perigosas [...] Eram ladrões, prostitutas, malandros, desertores do Exército, da
Marinha e dos navios estrangeiros, ciganos, ambulantes, trapeiros, criados,
serventes de repartições públicas, ratoeiros, recebedores de bondes, engraxates,
carroceiros, floristas, bicheiros, jogadores, receptores, pivetes [...] Morando,
agindo e trabalhando, na maior parte, nas ruas centrais da Cidade Velha, tais
pessoas eram as que mais compareciam nas estatísticas criminais da época,
especialmente as referentes às contravenções do tipo desordem, vadiagem,
embriaguez, jogo. Em 1890, estas contravenções eram responsáveis por 60%
das prisões de pessoas recolhidas à Casa de Detenção.
Carvalho (1987, p. 17) aponta que também, como conseqüência do crescimento das
cidades, o
acúmulo de pessoas em ocupações mal remuneradas ou sem ocupação fixa.
Domésticos, jornaleiros, trabalhadores em ocupações mal definidas chegavam a
mais de 100 mil pessoas em 1890 e a mais de 200 mil em 1906 e viviam nas
tênues fronteiras entre a legalidade e a ilegalidade, às vezes participando
simultaneamente de ambas.
No início da República, as elites manifestaram grande desconfiança diante da
possibilidade dos sujeitos das classes populares participarem efetivamente do governo, no que se
refere à construção da nova ordem política e social. O novo regime republicano não permitiu uma
expansão na participação política, pelo contrário, configurou-se através de uma postura repressiva
e controladora que inibia qualquer manifestação de resistência contra o novo governo (Alvarez et
al., 2007).
Na cidade do Rio de Janeiro, por exemplo, as moradias ocupadas por grupos sociais
marcados pela pobreza, as chamadas estalagens e cortiços, sofreram interdições da Inspetoria
Geral de Higiene no ano de 1893. Mediante uma ação policial, os dirigentes da cidade e exército
depuseram os casebres da população pobre com o intuito de limpar tais espaços. Os sujeitos
desabrigados habitaram os morros da cidade, construindo suas casas com madeiras aproveitadas
das demolições ocorridas, dando origem então às favelas. Em um processo conflituoso e
arbitrário as administrações públicas aplicaram as medidas de saneamento em prol da
reordenação das cidades no início da República (Chalhoub, 1990, p. 1,2).
As classes populares foram perseguidas diariamente pelas novas regras de higiene e
moral. Com um discurso de exaltação à família, ao trabalho e à moralidade, as elites promoveram
referências de socialização, bem como de comportamento e adequação dos sujeitos, em
contraposição a dinâmicas adversas, a proveniência do sustento através de atividades não
regulamentadas e autônomas, a ausência de um lar e a não-constituição de uma família regida
pelos cânones religiosos e morais. Nesta perspectiva, deve-se considerar que os parâmetros
republicanos de normatização social e disciplinarização contemplaram de modo particular, dentre
os trabalhadores, as mulheres, jovens, crianças e idosos.
Neste sentido, a lógica fabril, ancorada em conceitos científicos e higienistas, instituiu
uma rie de medidas de controle e disciplina implementando a caracterização do espaço da
fábrica, transformando-o em lugar asséptico, científico, propício e apto para o desenvolvimento e
aprendizado da operosidade industrial com o objetivo principal de disseminar concepções de
moralidade e higiene para os operários, tendo em vista promover uma mentalidade de
subordinação e aceitação ao sistema industrial que abafasse toda e qualquer intencionalidade ou
princípio de resistência e de luta às formas coercitivas de trabalho, alienação, domínio e
exploração. Neste contexto, medidas eram tomadas visando de reprimir atividades consideradas
prejudiciais ao operário, tais como, freqüentar bares, jogar, diversões e conversas que poderiam
promover sua dispersão em meio ao espaço da cidade. Em contrapartida, esses sujeitos resistiam
cotidianamente às investidas de controle e normatização de seus patrões com pequenos atos de
resistência, tais como, boicotes, roubos e omissões no trabalho (Rago, 1985, p. 37-39).
Controlar e disciplinar as classes populares abrangeu posicionamentos de vigilância e
coerção por parte dos poderes vigentes sob quaisquer espaços cultivados por esses sujeitos que
fugissem das normas estabelecidas pela ordem civilizatória, como, por exemplo, aqueles alheios
ao âmbito do trabalho, ou seja, as ruas, praças e locais de lazer.
A rua caracterizou-se, na perspectiva das elites, nas primeiras décadas republicanas, como
lugar de difícil controle, organização e manutenção. Lugar onde os sujeitos ficavam menos
vulneráveis às roupagens sociais prestabelecidas para circularem envoltos de uma “pseudo”
liberdade. Neste sentido, a rua configurou-se âmbito desprovido quase que inteiramente da
funcionalidade das normas e regras ditadas pelos juristas, médicos, higienistas, industriais e
governantes, ou seja, configurou-se campo e reduto de contestação e espaço aberto para os
sujeitos das camadas populares.
Com uma dinâmica diferenciada, a rua foi considerada, pelos discursos elitistas, lugar de
todos os vícios, de ausência de limites, indicando risco à moralidade e lugar de aprendizagem da
mendicância, delinqüência e criminalidade (Moura, 1998, p. 85, 86).
Uma “grande escola do mal”, assim a rua foi percebida no século XIX, na Europa,
justamente por abrigar fortes movimentos das classes populares. As práticas e discursos das elites
construíram imagens dos sujeitos que circulavam pelas ruas e das ruas como sinônimos de perigo
e ameaça à ordem, produzindo ações de vigilância dos espaços públicos, que passaram a ser
desqualificados e caracterizados como espaços indesejados e comprometedores que, portanto,
precisariam ser evitados. Nas primeiras décadas republicanas brasileiras em razão do crescimento
urbano acelerado e dos processos de saneamento dos centros das cidades, a rua foi se
transformando em espaço de circulação, descaracterizando-se como lugar de encontro, parada e
aglutinação dos sujeitos das classes populares (Rago, 1985, p. 121).
Como ressalta Mata (1997, p. 58, 59), “até hoje a sociedade parece fiel à sua visão interna
do espaço da rua como algo movimentado, propício a desgraças e roubos, local onde as pessoas
podem ser confundidas com indigentes e tomadas pelo que não são”. O autor reafirma a
conceituação de que a rua é considerada um espaço público muito perigoso, como tudo o que a
representa e que a constitui.
O governo republicano brasileiro objetivou colocar as moradias dos sujeitos das camadas
populares para fora das regiões centrais urbanas com o intuito de regulamentar o espaço
habitacional desses sujeitos, bem como privá-los da permanência nos centros das cidades e livre
circulação pelas ruas. As elites, através de um discurso de promoção do bem-estar do sujeito pelo
trabalho em concomitância ao cultivo do lar para o progresso da República, defendiam que nos
centros urbanos os sujeitos viveriam amontoados em cortiços e pensões insalubres, sendo
necessário sair destas regiões centrais rumo a locais propícios para sua habitação. Neste contexto,
Rago (1985, p. 175-177) aponta para a existência das vilas operárias como um exemplo deste
investimento dos poderes industriais e públicos. Nos momentos de lazer “as horas livres” os
operários deveriam permanecer na vila operária, evitando assim seu desvio para o bar e,
principalmente, para a rua, lugar propício para rebeldias, encontros e maquinações contra o
patrão. Dessa forma, tais sujeitos eram cercados e vigiados pela imposição de uma rotina de
controle e disciplina que delineava seus espaços de vivência e seu cotidiano.
Nesta perspectiva, as medidas de controle e vigilância visavam atingir perfis, que para os
discursos elitistas, descaracterizaram a formação de uma sociedade sadia, moralizada e apta para
o trabalho, ou seja, todo e qualquer sujeito que não se enquadrasse nos moldes pretendidos pelas
elites era vítima das ações de repressão, disciplina e normatização da República. Os principais
atingidos encontravam-se nas camadas populares, dentre eles, as famílias trabalhadoras, os
pobres e, em especial, os jovens.
As famílias das classes trabalhadoras foram compreendidas pelas elites não apenas como
desprovidas de recursos financeiros, mas, principalmente, como carentes de recursos morais e de
higiene, sendo, portanto, objeto de investigação e intervenção das ações de controle social (César,
2007).
A pobreza oferecia perigo de contágio à sociedade, devendo ser moralizada e corrigida.
Como aponta Chalhoub (2001, p. 76), os juristas brasileiros utilizaram o termo “classes
perigosas” como sinônimo de “classes pobres”, e isso significa que o fato de ser pobre tornava o
sujeito automaticamente perigoso à sociedade, pois considerava-se que os pobres apresentavam
maior tendência à ociosidade, eram cheios de vícios, menos moralizados e podiam facilmente
“rolar até o abismo do crime”.
A conceituação de que a pobreza remetia ao perigo de crimes e desestabilizações
justificava a formulação das medidas direcionadas para os sujeitos das classes populares. Assim,
os sujeitos passavam a ser considerados por prováveis posturas de comportamento, ou seja, a sua
condição de pobreza os revestia do estigma da periculosidade e sua representatividade estava
embuída de predisposições ao crime e à contravenção. Dessa forma, as práticas normatizadoras
que buscavam enquadrar e controlar os sujeitos estavam ancoradas na idéia de uma prevenção ao
crime.
O crescimento urbano, a afirmação do regime republicano e a ampliação do processo
industrial estabeleceram-se por meio de um discurso de moralidade e higiene que, de forma
impositiva, caracterizou os sujeitos das camadas populares pela sujeira, desordem e imoralidade,
balizando as determinações políticas de disciplinarização, normatização e adequação desses
sujeitos, em particular os jovens, no regime político vigente.
1.2 Ordem republicana, o Código Penal de 1890 e a polícia
A necessidade de controlar os sujeitos das camadas populares caracterizou-se, nas
primeiras décadas do sistema republicano, uma questão política, científica e de polícia. Um
discurso científico legitimou as ações dispensadas para o controle e a vigilância de todos os
segmentos da vida dos sujeitos das classes populares, principalmente dos jovens, bem como
ancorou as modificações arquitetônicas das cidades, procedimentos sanitaristas e intervenções
habitacionais. Contudo, foi um sistema judiciário e policial que buscou ajustar esses sujeitos às
novas normas mediante um movimento repressivo de inspeção e vigilância policial.
O primeiro Código Penal
1
da República, promulgado em 1890, consolidava diversas
práticas coercitivas de controle social, tornando-as legais, prevendo normas e critérios próprios
para a ação policial, no que se refere aos procedimentos de vigilância e controle social, como os
mecanismos e regulamentos de manutenção dos espaços públicos. À polícia cabia resolver as
ocorrências e os delitos previstos em lei, como as transgressões e oposições à ordem social nas
cidades.
O artigo 121 do Código Penal de 1890 remetia a permanências, reuniões e aglomerações
de pessoas, em espaços públicos, de caráter violento e tumultuoso à ordem pública, pontuando a
legitimação dos plenos poderes da polícia para a contenção de manifestações dos sujeitos
envolvidos, como segue,
1
Código Penal da Republica dos Estados Unidos do Brasil de 1890. Disponível em: www.senado.org.br.
Quando a autoridade policial for informada da existencia de alguma sedição, ou
ajuntamento illicito, irá ao logar, acompanhada do seu escrivão e força, e
reconhecendo que a reunião é illicita e tem fins offensivos da ordem publica, o
fará constar ás pessoas presentes e as intimará para se retirarem.
Si a autoridade não for obedecida, depois da admoestação empregará a força
para dispersar o ajuntamento e mandará recolher á prisão preventiva os cabeças.
Paragrapho unico. Para o uso desta faculdade não é necessaria prévia licença da
autoridade policial, que poderá prohibir a reunião annunciada, no caso de
suspensão das garantias constitucionaes, limitada em tal caso a sua acção a
dissolver a reunião, guardadas as formalidades da lei, e sob as penas nella
comminadas.
Assim as situações de prisão, revistas e vigilância nos espaços públicos das cidades foram
revestidas do uso de força e de violência em prol de um processo de estabelecimento da ordem
pública. Nesta perspectiva,
[...] a lei penal não restringiu a esfera de arbítrio da polícia; ao contrário,
permitiu que o executivo tivesse amplas prerrogativas regulamentares, ao
reconhecer uma certa correspondência entre ordem social e ordem legal [...] a
polícia foi órgão privilegiado da ordem pública, guardiã das leis e da
normalidade [...] (Alvarez et al., 2007).
A ordem pública foi resguardada no Código Penal de 1890 cujo conteúdo abrange vários
artigos que trataram de cercar o cotidiano dos sujeitos com limites de trânsito e ações. Um
aspecto importante e visivelmente presente no discurso jurídico do início da República
compreende a necessidade da prevenção e contenção da violência oriunda de manifestações
advindas das classes populares.
No artigo 118 está exposto que,
Constitue crime de sedição a reunião de mais de 20 pessoas, que, embora nem
todas se apresentem armadas, se ajuntarem para, com arruido, violencia ou
ameaças [...] constranger, ou perturbar, qualquer corporação política ou
administrativa no exercício de suas funcções [...].
Em seguida, o artigo 119 define como crime “[...] perturbar uma reunião pública, ou a
celebração de alguma festa cívica ou religiosa [...]”.
Esses artigos mostram as delimitações para os espaços públicos, observando-se a coibição
de uma suposta permanência nesses lugares dos sujeitos das camadas populares através do
instrumento da lei.
O artigo 123 estabelece a classificação do que não era desordem, ou seja, expõe as ões
legalmente permitidas para os sujeitos das camadas populares:
Não se considera sedição, ou ajuntamento illicito, a reunião, do povo
desarmado, em ordem, para o fim de representar contra as injustiças, vexações e
mão procedimento dos empregados públicos; nem a reunião pacifica e sem
armas, do povo nas praças publicas, theatros e quaesquer outros edifícios ou
logares convenientes para exercer o direito de discutir e representar os negocios
públicos.
Um ato cometido por um sujeito poderia ser considerado crime ou contravenção se
caracterizasse desestabilização da ordem pública, mesmo que o ato ou situação não constasse nas
leis. Neste sentido, o Código Penal de 1890 classificava como contravenção ações que poderiam
adquirir representações passíveis de medidas punitivas, como aponta o artigo 8º: “Contravenção é
o facto voluntario punível que consiste unicamente na violação, ou na falta de observancia das
disposições preventivas das leis e dos regulamentos”. Os contraventores, para o Código Penal de
1890, eram os sujeitos que não se encontravam nas condições previstas pela República, ou seja, o
sujeito pobre sem ocupação assalariada, o contestador da política vigente, etc.
A ociosidade foi tratada pelas elites governantes antes do regime republicano, ou seja,
com a abolição da escravidão o governo imperial ocupou-se em discutir e formular projetos de
leis que tinham como objetivo adequar os ex-escravos na sociedade como trabalhadores livres,
como também evitar a ociosidade e possíveis organizações por parte desses sujeitos. O projeto
contra a ociosidade previa o envio dos ociosos para colônias de trabalho, para o desenvolvimento
do hábito de trabalhar, por meio de atividades com agricultura, em um período de um a três anos
de reclusão nas colônias de trabalho. O projeto de lei contra a ociosidade contemplava também
que os condenados não deveriam apenas ser punidos pelo trabalho, e sim aprender com e por ele
a moralidade e a disciplina necessárias para a sua remissão (Chalhoub, 2001, p. 71).
A legislação brasileira, nos tempos imperiais, formulou-se calcada nos preceitos
europeus no que se referiu à necessidade da discussão de um projeto de lei contra a ociosidade,
em defesa da organização do trabalho. As justificativas dos legisladores e parlamentares
brasileiros basearam-se em fontes francesas, principalmente de autoria de M. A. Frégier
2
, de
1840, que abordava relatos dos viventes “malfeitores” das ruas de Paris e a aproximação de suas
condições paupérrimas com o nível de periculosidade de suas ações no espaço social, como
também a formulação de medidas legais de repressão a esses sujeitos.
As elites brasileiras republicanas, na tarefa de compor as diretrizes para a instalação do
novo regime de governo das dimensões educacional, jurídica e médica, trataram do trabalho
assalariado como instrumento de adequação dos sujeitos das classes populares com o objetivo de
evitar a ociosidade entendida como sinônimo de perigo.
O controle sobre os sujeitos das camadas populares foi instituído pelo discurso jurídico e
criminológico e contribuiu para sua inserção no sistema de trabalho industrial e assalariado, bem
como tinha como objetivo a manutenção da ordem pública mediante aparatos punitivos e de
vigilância ancorados no trabalho como forma de correção, punição e educação para os sujeitos,
principalmente os jovens.
O Código considerou o impedimento do exercício do trabalho assalariado como crime. Os
trabalhadores que fossem impedidos de trabalhar por imposição de outros trabalhadores para
diminuição de serviços e aumento de salários, o Código Penal previa medidas punitivas de multa
e reclusão, como observa-se no artigo 206: “Causar, ou provocar, cessação ou suspensão de
trabalho para impor aos operarios ou patrões augmento ou diminuição de serviço ou salário.”
As preocupações com os sujeitos sem-trabalho são trazidas desde os tempos imperiais. Na
República o Código Penal de 1890 utilizou-se do termo “tomar ocupação” para indicar e impor
trabalho para os sujeitos em condição de crime e contravenção. A legislação penal do início da
República considerou como contraventores os sujeitos que mendigavam, como também aqueles
caracterizados como vadios. Como define o artigo 399 do Código Penal de 1890, o vadio era todo
e qualquer sujeito que deixasse a profissão ou o ofício e que não possuísse meios de subsistência
e domicílio certo, ou ainda, que ganhasse a sua subsistência por meio de ocupação considerada
ilícita, ou seja, que não possuísse patrão e manifestasse abusos à moral e aos bons costumes pelo
seu comportamento, como segue,
2
Chalhoub (2001, p. 70).
Deixar de exercitar profissão, officio, ou qualquer mister em que ganhe a vida,
não possuindo meios de subsistencia e domicilio certo em que habite; prover a
subsistencia por meio de occupação prohibida por lei, ou manifestamente
offensiva da moral e dos bons costumes:
Pena – de prisão cellular por quinze a trinta dias.
§ Pela mesma sentença que condemnar o infractor como vadio, ou
vagabundo, será elle obrigado a assignar termo de tomar occupação dentro de
15 dias, contados do cumprimento da pena.
§ Os maiores de 14 annos serão recolhidos a estabelecimentos disciplinares
industriaes, onde poderão ser conservados até á idade de 21 annos.
O artigo 391 classifica os sujeitos na condição de mendicidade “Mendigar, tendo saude e
aptidão para trabalhar: Pena de prisão cellular por oito a trinta dias”, seguido pelo artigo 392
“Mendigar, sendo inhabil para trabalhar, nos logares onde existem hospicios e asylos para
mendigos: Pena de prisão cellular por cinco a quinze dias”, indicando que os sujeitos passíveis
de tais condições estavam propensos a medidas de punição.
No artigo 396 está definido que “Embriagar-se por habito, ou apresentar-se em publico
em estado de embriaguez manifesta: Pena – de prisão cellular por quinze a trinta dias”. O Código
previa a condição de “ébrio” para os sujeitos que, além de possuírem maus costumes pela
condição própria do vício, caracterizavam perigo por uma suposta proliferação viciosa e imoral,
necessitando assim ser combatidos.
Para as elites republicanas o Código Penal de 1890 tinha a função de ser um mecanismo
de normatização. Arbitrariamente, os dispositivos disciplinares do Código combatiam a
mendicidade e a vadiagem, categorizando como contravenção e potencial inclinação para crime
os sujeitos das camadas populares.
Salvadori (1990a, p. 38) aponta que uma aproximação entre as figuras do ocioso ao
preguiçoso, o vagabundo. Os sujeitos que eram avessos às regras do trabalho assalariado eram
tidos como imorais e perigosos “[...] em uma sociedade onde o trabalho passa a ser visto como
um dever moral do indivíduo, o ócio se torna uma ameaça, um crime, uma doença”.
Kowarick (1987, p. 108-112) aponta que a idéia de o sujeito ocioso ser aquele que não
estava predisposto para trabalho assalariado estava atrelada a um processo de estigmatização de
seu perfil social, pertinente ao processo capitalista e industrial vigente, concluindo que, “Para
tanto, era necessário depreciar os nacionais, isto é, retirar-lhes as possibilidades de trabalho
recriando as condições materiais de sua marginalização e atribuindo-lhes a pecha de indolentes e
indisciplinados”.
Para estar de acordo com a lei, a moral e os bons costumes ditados pelas elites, os sujeitos
deveriam estar devidamente empregados e submetidos a uma relação de patrão e empregado com
salário determinado, senão seriam identificados como vadios. Os sujeitos considerados vadios
eram aqueles que não pertenciam ao mercado formal de trabalho assalariado, ou seja, resistiam às
condições impostas da relação patrão e empregado, sobrevivendo no mercado informal de forma
autônoma, como ambulantes e mascates, estabelecendo condições próprias de sobrevivência e
ganho econômico.
O vadio, o malandro ou capoeira este sujeito delineou posturas de oposição às relações
de trabalho assalariado impostas pelo regime republicano. Faz-se necessário estabelecer que esses
sujeitos procuraram uma alternativa à tutela do Estado e dos patrões, bem como buscaram
escapar das medidas complexas de controle e vigilâncias que a eles eram impostas. O sujeito da
vadiagem procurava burlar as regras estabelecidas para o seu cotidiano do trabalho, sendo que:
[...] as diferentes malandragens cotidianas não significam apenas vadiagem ou
negação do trabalho em si mesmo; trata-se, antes, de escapar do trabalho
disciplinado e da vigilância que roubam do sujeito a possibilidade de conduzir-
se de acordo com seus horários, suas aptidões, necessidades, hábitos e
tradições. (Salvadori, 1990a, p. 15).
O Código Penal de 1890 era constituído por conceitos contraditórios. As concepções de
crime e contravenção confundiam-se, camuflando o que poderia vir a ser considerado restrição à
lei ou o que, na realidade, denotava um outro tipo de posicionamento social. O Código pre-
determinava as condições de trabalho e sobrevivência permitidas pela ordem legal e política,
promovendo posicionamentos de exclusão. O trabalho como forma de adequação e correção dos
sujeitos criminosos possuía dupla funcionabilidade: uma remetia-se ao cumprimento da lei,
necessária à ordem republicana, e outra à reforma moral dos indivíduos para o trabalho e pelo
trabalho.
Para as elites, a ordem pública na República seria mantida pela inserção e adequação dos
sujeitos na dinâmica do trabalho assalariado industrial. Para isso impunham a conservação e a
permanência das condições de exclusão e dos processos de vigilância para os sujeitos das classes
populares mediante de um discurso jurídico e criminológico discriminatório que promoveu a
construção de perfis de criminalidade e contravenção, dentre eles o da juventude potencialmente
criminosa.
1.3 Juventude, educação e a legislação penal
Entre este grupo das classes populares, a juventude teve lugar de destaque nas primeiras
décadas republicanas, originando um conjunto de medidas, leis e decretos que instituíram
processos normativos de controle social, punição e correção, bem como a criação de instituições
para jovens na condição de abandono, ociosidade e promiscuidade.
No Brasil, nesse período e por todo o século XX, foi perceptível um movimento em prol
da juventude, ou seja, médicos, educadores e juristas trataram da questão da juventude nos seus
mais variados aspectos, originando um processo de redefinição dos papéis sociais que os jovens
deveriam desempenhar na sociedade industrial capitalista.
Neste sentido, é de suma importância ressaltar algumas conceituações teóricas da
formação sócio-histórica da categoria “juventude”, como também salientar perspectivas e
elucidações sobre os processos pelos quais jovens e juventude se constituíram.
A divisão entre infância e juventude no decorrer do tempo modificou-se mediante
influências sociais e diante dos diferentes contextos da história, construindo uma identidade
ambígua e complexa da juventude.
Levi (1992) expõe que a juventude como construção social e cultural, portanto, histórica,
não deve somente ser analisada e definida segundo critérios exclusivamente biológicos. Faz-se
necessário considerar as especificidades de um determinado contexto, lugar, as mudanças e
conjunturas políticas, sociais e econômicas das diferentes sociedades. É necessário considerar que
a juventude não é uma extensão da infância e que a categorização de infância, juventude e idade
adulta constitui-se por meio de condicionantes transitórios que determinam os limites pelos quais
se dá a passagem de uma fase para outra.
De acordo com o mesmo autor (Levi, 1992, p. 8), a juventude sempre apareceu
categorizada por determinantes de limite de idade, através das legislações e de um conjunto de
símbolos e valores a ela atribuídos, sendo preciso considerar o caráter das idades que dividem a
juventude:
[...] dentre os princípios que servem de base para classificar as pessoas, a idade
tem uma característica específica e evidente: por definição, do ponto de vista
dos indivíduos, é uma condição transitória. Ao contrário do enquadramento em
uma classe social (da qual os indivíduos têm dificuldades para sair, a menos que
consigam realizar, em certos casos, suas esperanças de mobilidade social); à
diferença da definição sexual (que é unívoca, fixada de uma vez por todas),
pertencer a determinada faixa etária – e à juventude de modo particular –
representa para cada indivíduo uma condição provisória.
Neste sentido, considera-se que os sujeitos passam pelas idades preestabelecidas
permeando as diversas fases e condições impostas a elas. Com a juventude não é diferente, pelo
contrário, suas especificidades de constituição apontam que tal consideração é primordial para o
seu entendimento. A transitoriedade da categoria juventude nas diversas sociedades é
determinante na caracterização das atitudes sociais, tanto do jovem para consigo mesmo como
com outros jovens quanto com o meio social e cultural em que está inserido.
Nesta perspectiva, é preciso considerar que a constituição da condição de jovem ocorre
em meio a conjunturas variadas e não como um processo único. Considerando sua interpretação
mediante os processos e relações de poder social, político e econômico, pode-se afirmar que o
conceito e a configuração de juventude indica a existência de muitas juventudes. Portanto, não se
pode afirmar que a juventude das camadas populares perpassa pelas mesmas condições que a
juventude das elites ou vice-versa. Pode-se considerar o caráter transitório da condição juvenil de
ambas, porém deve-se atentar para as especificidades de cada uma no que se refere às diferenças
sociais e às desigualdades e descontinuidades dos processos pelos quais se constituem.
Para além de uma identificação dos papéis sociais dos jovens e da juventude, o trabalho
historiográfico aponta para determinada conceituação e identificação da lógica dos processos de
constituição da juventude. Nesta perspectiva, não cabe ressaltar somente os contrapontos entre
pobreza e riqueza, entre gêneros, entre representações de ordem ou da desordem pública, etc.; o
intuito está na análise e identificação de como se configuraram e convergiram tais processos de
constituição da juventude para restituir a propriedade dos lugares das juventudes e dos jovens nas
sociedades, considerando instituições, políticas, condições de trabalho e educação voltadas para a
juventude.
A juventude categorizou-se em meio a diferentes condições sociais, tempos e espaços,
num processo que não se apresenta linear e evolutivo, pelo contrário, o trabalho historiográfico
aponta que muitos contrastes emergem ao se tratar da juventude na história, caracterizando-se
uma operação privilegiada, instigante e desafiante, como, por exemplo, a juventude operária
européia do século XIX. Esta, condicionada à realidade de submissão e controle do poder
econômico e social da dinâmica da era industrial, vivenciou e organizou focos de greves,
protestos e atitudes ímpares perante o contexto de opressão, salvaguardando especificidades no
que se refere à sua historicidade (Perrot, 1996).
No Brasil, no início da República as elites consideravam que a juventude pertencente às
camadas populares necessitava ser educada física e moralmente para o trabalho assalariado com o
objetivo de evitar a formação do criminoso ou do contestador que desestabilizaria a ordem social
republicana. Os discursos higienistas, jurídicos e criminológicos tratavam do surgimento de
aspectos de periculosidade, crime e delinqüência nos jovens das camadas populares,
principalmente naqueles caracterizados pelas condições de pobreza e abandono.
O Código Penal de 1890 referiu-se aos jovens na condição de mendicância e vadiagem,
bem como a seus processos punitivos e de vigilância, sendo que o jovem na condição de
mendicidade não era punido diretamente, ou seja, a punição prevista era para os pais ou
responsáveis que permitissem tal condição, como aponta o artigo 395:
Permittir que uma pessoa menor de 14 annos sujeita a seu poder, ou confiada á
sua guarda e vigilancia, ande a mendigar, tire ou não lucro para si ou para
outrem:
Pena – de prisão cellular por um a tres mezes.
Para os jovens maiores de 14 anos e considerados vadios, o Código Penal de 1890 previa
que “§ 2º Os maiores de 14 annos serão recolhidos a estabelecimentos disciplinares industriaes,
onde poderão ser conservados até á idade de 21 annos”, pressupondo o trabalho e o ensino para o
trabalho como punição e forma de educação e inserção do jovem pobre na República.
A educação direcionada para os jovens propensos à delinqüência compreendia o envio
desses sujeitos a estabelecimentos disciplinares industriais, os quais pressupunham uma rotina de
aprendizagem para o trabalho na fábrica, entendendo-se que o jovem, ao sair dessa instituição,
teria um ofício para se enquadrar na sociedade que se firmava industrial e capitalista.
No limite das idades que identificavam as considerações penais para os jovens propensos
à delinqüência, o Código Penal de 1890 delimitava as fronteiras entre a infância e a juventude, e
esta última com o mundo adulto, isso de forma ambígua e contraditória; o jovem menor de 9 anos
era considerado sem nenhuma responsabilidade penal; os jovens maiores de 9 anos e menores de
14 anos possuíam imputabilidade penal plena, considerando-se a falta de intenção criminosa,
como consta no artigo 27: “Não são criminosos: § Os menores de 9 annos completos; §Os
maiores de 9 e menores de 14, que obrarem sem discernimento”. Entre os jovens com idade de 9
a 14 anos pautou-se ainda pela concepção do discernimento, passando-se pelo crivo e avaliação
do juiz de direito:
Art. 30. Os maiores de 9 annos e menores de 14, que tiverem obrado com
discernimento, serão recolhidos a estabelecimentos disciplinares industriaes,
pelo tempo que ao juiz parecer, comtanto que o recolhimento não exceda á
idade de 17 annos.
Este Código apresenta a dificuldade com a qual as elites lidavam para determinar a
diferença entre a infância e a juventude. Pela oscilação entre o limite das idades para a
determinação das punições percebe-se quão complexa foi a configuração das fronteiras da
juventude brasileira no início da República, bem como sua relação com o crime e a delinqüência.
Tal legislação aponta para a ausência de determinações educativas no tocante à
escolarização dos jovens sem direcionamentos que inserissem a juventude no processo escolar do
início da República. Em contrapartida a presença de processos educativos que indicavam a
aprendizagem para o trabalho e não para o desenvolvimento intelectual destes sujeitos. Contudo,
o Código Penal de 1890 representou um dispositivo para o controle da juventude brasileira.
Através de decretos-lei específicos o poder judiciário no decorrer das primeiras décadas
republicanas instituiu processos de punição, proteção e controle da infância e juventude
brasileira, como o Juizado de Menores do Distrito Federal, criado em 1923 e o Código de
Menores Melo Matos que foi estabelecido alguns anos mais tarde, em 1927.
CAPÍTULO 2 – MEDICINA E EDUCAÇÃO: o jovem como delinqüente
2.1 As teorias criminológicas do início da República
Para a compreensão das especificidades das fontes selecionadas para esta pesquisa, no que
se refere, aos discursos elaborados e ao movimento de idéias, direcionados para o estudo da
delinqüência juvenil, faz-se necessário pontuar a influência das teorias criminológicas oriundas
da Europa no Brasil.
As concepções da criminologia que começavam a se constituir como um campo de
conhecimento com pretensões de cientificidade, voltado para a compreensão do crime e do
criminoso, foram incorporadas com entusiasmo por grande parte da intelectualidade brasileira
entre 1880 e 1930. Para pensar a criminologia no Brasil é preciso antes de tudo pensar em uma
antropologia criminal oriunda do pensamento de Lombroso
3
que, pretendeu construir uma
abordagem científica do crime, baseado nas teorias científicas racistas e biodeterministas do
século XIX. Para Lombroso o crime possuía raízes biológicas e poderiam ser identificadas a
partir de “estigmas anatômicos” e da formação dos sujeitos, considerando e categorizando o
crime um “fenômeno natural”; e o criminoso “um primitivo e um doente” (Alvarez, 2002, p.
679).
O movimento cientificista do século que ganhou peso no século XIX com inovações nas
diversas áreas do conhecimento trouxe entre outras teorias, a antropologia criminal, que
modificou as concepções no campo do direito penal. Contudo, as concepções científicas de
Lombroso permearam os espaços da ciência na Europa e no mundo e suas concepções
3
Cesare Lombroso nasceu em Verona no ano de 1835, formando-se em Medicina na Universidade de Pavia, no ano
de 1858 e, no ano seguinte, em Cirurgia, na Universidade de Gênova, partindo depois para Viena, onde aperfeiçoa
seus conhecimentos, alinhando-se com o pensamento positivista. Desde os vinte anos demonstra a sua linha de
interesses, com um estudo sobre a loucura. Servindo como oficial-médico, publicou em 1859 estudo sobre os
ferimentos das armas de fogo, considerado um dos mais originais. Suas observações voltaram-se, logo, para as
preocupações antropológicas. Em 1876 publicou sua primeira obra sobre criminologia, onde faz-se presente a
influência da "frenologia": "O Homem Delinqüente". Suas obras abrangem diversas áreas como antropologia,
sociologia criminal psicologia, criminologia, filosofia e medicina. Os estudos por ele realizados ficaram conhecidos
como antropologia criminal. As idéias defendidas por Lombroso acerca do "criminoso nato" preconizavam que, pela
análise de determinadas características somáticas seria possível antever aqueles indivíduos que se voltariam para o
crime. Disponível em: www.wikipedia.org.
criminológicas tiveram lugar de destaque nos debates e nos campos jurídicos, principalmente no
Brasil.
Os juristas e criminologistas brasileiros acompanhavam as discussões e disputas das
correntes do pensamento europeu. Ferla (2005, p. 44,45) ressalta que A influência da Escola
Positiva no Brasil viria a ser grande, desde as últimas décadas do século XIX até as primeiras
décadas do século seguinte, paradoxalmente experimentando seu auge num momento em que já
se encontrava em franca decadência na Europa”.
Alvarez (2002) ressalta ainda que,
O Brasil estava na mesma situação que os demais países europeus, podendo
assim se situar na vanguarda da realização dessa autêntica revolução que
começava a despontar no campo do direito. (p. 685)
Não era por mera imitação que o Brasil deveria seguir as novas concepções da
antropologia criminal, mas sim por se tratar do que havia de mais avançado no
mundo em termos de doutrinas penais, segundo os defensores da criminologia.
[...] Logo, se esses e outros juristas defendem as idéias da antropologia
criminal, fazem-no tendo consciência das principais objeções presentes no
debate europeu. Parece difícil, desse modo, caracterizar a presença da
antropologia criminal e da sociologia criminal no Brasil apenas como mais um
caso de importação equivocada de idéias. Longe de se apresentarem somente
como idéias fora do lugar”, ou como simples modismo da época, as novas
teorias criminológicas parecem responder às urgências históricas que se
colocavam para certos setores da elite jurídica nacional. (p. 686)
Os juristas brasileiros estavam atualizados com as discussões sobre as teorias da
antropologia criminal, acompanhando o debate europeu em torno das novas teorias penais,
conhecendo inclusive as principais críticas a Lombroso,
Portanto, se os juristas valorizavam a Escola Antropológica não é por falta de
informação a respeito do que ocorria na Europa, mas sim por acreditarem que se
tratava do que de melhor se produzia na época no campo da compreensão
científica do crime (Alvarez, 2001, p. 685).
Contemplando uma esfera de vários domínios e relações, as concepções de Lombroso
sofreram críticas, tiveram seu ápice como também seu declínio entre os pensadores do século
XIX e XX. O que deve-se pontuar é a importância e a influência de suas idéias e estudos,
principalmente, no campo jurídico. Tais concepções científicas sobre o crime fizeram parte de um
arcabouço teórico da Escola Positiva que rejeitava uma definição categoricamente legal do crime
e defendia os pressupostos do determinismo biológico.
A principal crítica no trabalho de Lombroso e às teorias da antropologia criminal partiu de
um magistrado francês, Gabriel Tarde (1843-1904).
Em seus principais textos, como, por exemplo, La Criminalité Compareé, faz
críticas devastadoras aos trabalhos de Lombroso, ao indicar que a descrição do
criminoso nato corresponde muito mais às características de um tipo
profissional do que a determinações biológicas inatas. Às idéias da antropologia
criminal, Tarde contrapõe suas leis de imitação para explicar os
comportamentos sociais e as noções de identidade e similaridade social como
critérios de definição da responsabilidade penal” sendo a teoria lombrosiana
puramente dedutiva sob uma aparência de fidelidade ao método experimental
[...] Assim, no início do século passado na Europa, as idéias básicas da
antropologia criminal encontram amplo descrédito. E é nesse momento,
paradoxalmente, que elas encontrarão nos países latino-americanos
“verdadeiros eldorados da Nova Escola” (Alvarez, 2002, p. 682).
A antropologia criminal de Lombroso passou a reger os debates na América Latina em
relação à delinqüência, sendo que, mesmo em decadência na Europa estimulava as discussões e
promovia influências entre as elites latinas, principalmente no Brasil. Em meio a um contexto que
fervilhava no Brasil entre os pensadores, juristas e médicos em relação ao tema da criminalidade
em prol de mudanças no campo do direito penal, tais idéias contribuíram para o aumento destas
discussões no contexto brasileiro.
No Brasil as concepções de Lombroso sobre o crime também sofreram críticas. Apesar de
grande parte dos juristas brasileiros assimilarem a idéia da antropologia criminal houve um grupo
que olhou com criticidade e ponderação para tais conceitos, apontando para o caráter radical do
determinismo biológico absoluto na abordagem da questão do crime de Lombroso. As
concepções de Lombroso no Brasil em relação às abordagens do crime e à antropologia criminal
foram concretas, mas o discurso criminológico brasileiro possuía outras configurações em relação
ao pensamento criminal. Para os juristas brasileiros, crime e criminoso não era uma questão tão
simples,
Como resultado da recepção eclética e conciliadora das teorias criminológicas
européias pelos juristas brasileiros, o crime e o criminoso passam a ser
pensados como problemas complexos demais para serem observados de um
ponto de vista único. Tanto os aspectos biológicos quanto o meio social devem
ser assim estudados pelas disciplinas criminológicas (Alvarez, 2002, p. 687).
Apesar das resistências, críticas e posicionamentos contrários à antropologia criminal, é
preciso pontuar que as teorias criminológicas de Lombroso representaram suporte teórico
necessário para um momento em que a sociedade brasileira firmava-se industrial e capitalista,
mediante ao acelerado crescimento urbano no Brasil, à inserção dos sujeitos livres no mercado de
trabalho, à intersecção das relações sociais com a abolição da escravidão, à imigração, à
circulação dos sujeitos perante as transformações das cidades. O estabelecimento da ordem social
ancorava-se nos preceitos cientificistas da antropologia criminal justificando as diversas medidas
e procedimentos criados para a disciplina e normatização dos sujeitos da primeira República,
sendo que, os juristas brasileiros utilizaram tais teorias para propor e realizar reformas legais e
institucionais no Brasil.
Neste contexto, onde o pensamento jurídico foi influenciado pelos conceitos científicos
oriundos do pensamento médico de Lombroso, o jovem e a criança ganharam destaque nos
debates sobre a delinqüência. Como enfatiza Ferla (2005, p. 246),
Lombroso associava o comportamento infantil ao do seu criminoso nato. Em
sua principal obra, o autor apresentava “as provas convincentes” desta sua
teoria, demonstrando que as crianças possuíam cada um das atitudes que
caracterizariam o criminoso: a cólera, a vingança, o ciúme, a mentira, a falta de
sendo moral e de afeição [...] a crueldade [...] a preguiça e a ociosidade [...] o
uso da gíria, a vaidade, o alcoolismo e o jogo [...] a predisposição à
obscenidade, a imitação e a falta de previdência.
Para Lombroso tais predisposições determinavam o destino dos sujeitos para a
criminalidade, pontuando a composição biológica da criança e do jovem como único componente
responsável pela configuração destes sujeitos no crime. Seria nestas fases da vida que o
criminoso já se fazia presente na sociedade.
No Brasil, a incorporação destas idéias no campo do direito penal para o combate à
delinqüência juvenil representou a necessidade de se verificar as inclinações e predisposições das
crianças e dos jovens para a delinqüência, influenciando o direcionamento das medidas
elaboradas para a juventude delinqüente, no tocante, ao desenvolvimento de propostas
preventivas e disciplinares. Ferla (2005, p. 247) expõe que os juristas brasileiros não dispensaram
a conceituação do “livre-arbítrio” e do “discernimento” dos sujeitos no que se refere ao ato
criminoso, porém, ressalta que “[...] quando se tratava de um delinqüente menor de idade, o
conceito de livre arbítrio e discernimento se tornava mais vulnerável, fazendo com que a
audiência das teses positivistas ganhasse nesse campo mais aceitação [...]”.
Diante de um contexto de reorganização da sociedade brasileira, as idéias cientificistas do
crime credenciavam as decisões e reformas das elites brasileiras no que se referia à promoção da
ordem social em meio a um processo de normatização e classificação dos sujeitos, principalmente
dos jovens. Ferla (2005, p. 248) ressalta que “[...] uma luta histórica dos positivistas, na qual
contaram com muitos aliados, era o reconhecimento da menoridade enquanto categoria especial:
a ela deveria corresponder uma justiça e instituições de internamento específicas”.
O autor (2005, p. 248) expõe ainda que,
A classificação, que deveria atingir a construção de grupos cada vez mais
específicos e mais próximos ao indivíduo, não poderia ser viabilizada sem que
antes começasse pelos grandes grupos e categorias sociais. E desde tais patamares,
quanto maior a diferenciação alcançada, maior seria a eficácia terapêutica.
Neste sentido, para a criminologia positivista os jovens e crianças caracterizaram-se
categorias específicas, as quais, deveriam ser reconhecidas com suas especificidades em prol do
desenvolvimento de medidas para o cuidado da delinqüência juvenil. A necessidade da
elaboração de medidas profiláticas que promoveriam o tratamento do delinqüente expunha a
associação cientificista patológica da delinqüência.
Influenciadas pelas idéias da Escola Positiva as elites governantes brasileiras fomentaram
a criação de instituições próprias para a juventude e a infância, abrindo neste sentido, abrigos,
asilos, casas de correção, hospícios e institutos disciplinares, bem como instituíram legislações
próprias direcionadas aos delinqüentes juvenis.
Como enfatiza Alvarez (1996, p. 192),
Assim, os juristas brasileiros parecem ter visto nas ações ilícitas de crianças e
jovens e de sua presença nas ruas, a ameaça de um crescimento incontrolável da
criminalidade futura, de uma desagregação social progressiva, fruto da ausência
de uma política preventiva voltada para as crianças e jovens moralmente
abandonados.
Os juristas brasileiros passaram a defender que o jovem e a criança deveriam ser retirados
do campo existente do direito penal, devendo ser reservado a eles um tratamento jurídico
institucional diferenciado. Tais alegações respondiam às influências da antropologia criminal
bem como contemplavam as intenções de regulamentação da infância e da juventude, como
reflete Alvarez (1996, p. 190) “É difícil responder até que ponto a preocupação com a
criminalidade infantil e juvenil respondia às tendências efetivas de aumento das ações ilegais
neste segmento da população, ou até que ponto respondia às preocupações de controle social das
autoridades da época”.
Em linhas gerais é preciso considerar que, contundentemente, as concepções de Lombroso
influenciaram os juristas brasileiros, e que, grande parte destes sujeitos pautaram-se nas novas
idéias criminológicas para realizar reformas na legislação penal brasileira nos primeiros tempos
republicanos, principalmente naquelas direcionadas à juventude, em um movimento em que a
ciência do Direito e da Medicina caminharam juntas em prol à resolução dos problemas da
delinqüência.
2.2 O Discurso médico e a delinqüência
Um discurso higienista de matriz ligada aos saberes dos médicos orientou as diversas
práticas de controle destinadas à preservação da ordem pública, bem como de prevenção da
criminalidade nas cidades no início da República. Os médicos higienistas salientavam a
preocupação em limpar os espaços públicos para melhor fiscalizá-los. Contudo, a limpeza das
cidades passou pelos comportamentos dos sujeitos e de suas famílias, tornando urgente uma
interferência dos médicos para a transformação dos costumes e hábitos das classes populares.
Os discursos médico-higienistas apontavam para o surgimento de um processo de
incidência e proliferação de aspectos delinqüentes nos sujeitos das camadas populares da cidade.
As regiões centrais das cidades configuravam verdadeiros focos de criminalidade e aprendizagem
da delinqüência, principalmente entre a juventude.
Neste sentido, as práticas de disciplina e controle da sociedade visavam normatizar e
adequar a juventude ao novo regime por meio de uma intervenção direta em seus
comportamentos mediante processos legislativos e educacionais. Assim, todo e qualquer
comportamento diferenciado caracterizava-se como uma patologia em um movimento de
associação da transgressão com a ciência. Tais ações de disciplina tinham a intencionalidade de
atingir um contingente considerado potencialmente perigoso, sendo um dos fundamentos
principais o desenvolvimento de uma prevenção da criminalidade e da delinqüência.
Neste contexto há uma reorganização da Medicina, que desloca seu foco da doença para a
saúde, aumentando sua entrada na sociedade, bem como foi utilizada como apoio técnico-
científico no exercício dos poderes públicos. Foucault em O nascimento da clínica (1980, p. X,
XI) conclui que,
No início do século XIX, os médicos descreveram o que, durante séculos,
permanecera abaixo do limiar do visível e do enunciável. Isto não
significa que, depois de especular durante muito tempo, eles tenham
recomeçado a perceber ou a escutar mais a razão do que a imaginação;
mas que a relação entre o visível e o invisível, necessária a todo saber
concreto, mudou de estrutura e fez aparecer sob o olhar e
na linguagem o
que se encontrava aquém e além de seu domínio.
Foucault (1980, p. 12) analisa ainda que, o pensamento racional no século XIX passou a
estruturar as idéias e, conseqüentemente, as práticas médicas onde o “aparecimento da clínica,
como fato histórico, deve ser identificado com o sistema dessas reorganizações”.
Nunes (1995, p. 52) enfatiza que “o combate à libertinagem teve nos médicos líderes de
primeira hora que se esmeraram na determinação de medidas de higiene e profilaxia, cujo alvo
privilegiado era, sobretudo, o cotidiano das classes trabalhadoras” e, no que se referia ao
desenvolvimento de medidas higienistas que tinham a intenção de transformar e modernizar a
cidade, o objetivo foi atingir os costumes e hábitos dos sujeitos das camadas pobres da
população, valendo-se dos moldes de países estrangeiros embasados nos preceitos de ordem e
progresso (Schueler, 1998, p. 26).
Gondra (2002, p. 314, 315) pontua que,
menos do que gestos desinteressados ou infortúnio pessoal, o que pauta a
conduta do médico brasileiro é a possibilidade de ordenar uma sociedade que
julgava desorganizada quando contrastada com o que ocorria no mundo
civilizado (Europa e Estados Unidos). O que desejava era fundir o que os seus
olhos viam e liam no exterior, com o espaço e pessoas com as quais lidava,
sobretudo com as crianças pobres. Fusão que não era apenas o desejo de um
sujeito, mas de uma racionalidade que admitia, como solução, as práticas
geradas em seu nome e em nome de um projeto civilizatório que se desejava
empreender.
Para o autor (2002, p. 315, 316), o discurso médico estava atrelado a um processo de
controle social: “O projeto civilizatório tem na higienização do mundo social uma de suas faces
mais expressivas. No registro desses deslocamentos, contudo, é possível detectar permanências,
sendo uma delas a própria vontade de higienizar a sociedade, a escola e a infância [...]”.
Com efeito, no final do século XIX e início do culo XX, o pensamento criminológico
ancorado na Escola Positiva, pautava-se no conhecimento científico oriundo da medicina para a
classificação e orientação de crimes e delinqüência. Nesta perspectiva, os discursos médicos
indicados nas fontes comprovam que tais falas ocupavam-se das várias problemáticas do período
e, no caso específico do Brasil, da expansão da sua República e dos entraves conseqüentes desse
processo.
Correa (2001, p. 180–182) aponta que no início da República tal controle social se deu
também pela criação de órgãos públicos que atuavam nas esferas médicas e jurídicas com o
intuito de fomentar as práticas de normatização para a sociedade. A autora cita ainda a fundação
de sociedades de criminologia e a criação de institutos médico-legais que, principalmente pela
circulação de suas publicações, se faziam presentes na sociedade, salientando que havia uma
interconexão entre os médicos e juristas de São Paulo, Rio de Janeiro, Bahia e demais regiões do
Brasil com as teorias vindas da Europa. A atuação desses personagens concretizou-se pelas
alianças entre os agentes destas instituições por meio dos periódicos, de eventos e encontros que
promoveram um intercâmbio das teorias criminológicas no país. Tais publicações dessas
entidades representam fonte indispensável para a compreensão da influência do discurso médico
na área jurídica do início da República. Ferla (2005) indica que tais periódicos
[...] nasceram praticamente juntos com a entidade, constando dos seus estatutos.
Os exemplares eram remetidos gratuitamente aos sócios, às sociedades e
publicações congêneres nacionais e estrangeiras e às bibliotecas nacionais e
estrangeiras, a juízo do secretário geral. Poderiam, ainda, ser assinadas por
pessoas estranhas à Sociedade (p. 137-139).
Ressalta ainda que “os periódicos representavam o veículo oficial dos profissionais
médico-legistas e afins, e trazia as principais discussões e produções teóricas da categoria. Seu
caráter de porta voz da comunidade científica dedicada ao tema não deixou de existir mesmo na
fase em que esteve sob responsabilidade pluri-institucional” (Ferla, 2005, p. 119-121). Tais
periódicos proporcionaram maior visibilidade às teses biodeterministas da Escola Positiva,
conferindo-lhes legitimidade, possibilitando uma articulação institucional dos órgãos e entidades
envolvidos com a problemática do crime em um processo de racionalização das ações e práticas
de combate ao crime.
Portanto, as fontes selecionadas para esta pesquisa são artigos publicados nos periódicos
do Instituto Médico Legal e Identificação e do Manicômio Judiciário, dos anos 20 e 30 do século
XX, ambos sediados no Rio de Janeiro que possuem fragmentos dos discursos médico e
psicológico que remetem à delinqüência, procurando identificar como os especialistas da
medicina do início do século XX pensaram as causas da juventude criminosa e indicaram
soluções para tal condição, bem como analisar, mediante o processo de institucionalização das
teorias criminológicas e de prestígio da racionalidade e da ciência que se iniciou no século XIX,
como os discursos médicos chamavam a atenção para as suas práticas como forma de defesa da
sociedade.
Neste contexto, o médico Leonídio Ribeiro, em conferência de 1938
4
(p. 37), enfatizava
que
A medicina está sendo chamada a representar papel cada vez mais importante
na defesa da sociedade e, mais especialmente, na obra contra o crime, em que
estão hoje empenhados os especialistas de toda parte, tendo em vista que a
criminalidade cresce, continua e assustadoramente, nos centros mais cultos do
mundo.
[...] grande parte dos criminosos é evidentemente constituída de indivíduos
anormaes e doentes [...].
Leonídio Ribeiro (1938) pontuava ainda que nas prisões havia um exagerado número de
sujeitos portadores de taras hereditárias e predisposições mórbidas como doenças orgânicas, além
de outras de natureza física, salientando o atendimento médico e a assistência especializada:
“[...]todos precisando mais de cuidados médicos, em hospitaes, do que de penas e castigos,
applicados pelos juizes, para serem cumpridos nas prisões”. Expunha ainda que combater o crime
era uma questão médica e científica e que, principalmente no combate contra a delinqüência
juvenil, o médico tinha importante papel: “[...] os médicos já m assento até nos proprios
tribunaes especializados, no julgamento de certos crimes, particulamente os de menores” (p. 38).
Para eles os delinqüentes juvenis eram doentes que possuíam “reacções anti-sociais” e uma
“lesão pathologica”, e o crime e a delinqüência juvenil necessitavam ser prevenidos por ações
científicas.
Em estudo das causas da delinqüência e criminalidade na juventude, enfatizava:
Resulta de taes dados que é preciso renovar todo o apparelhamento technico
destinado a realizar estudos que possam permittir a repressão do crime e,
sobretudo, a sua prevenção, de maneira mais efficiente e scientifica (p. 38).
Seria fácil por esse meio diminuir a criminalidade, evita-la ou preveni-la, por
meio da medicina e da hygiene sociaes, tal como é hoje possível prevenir ou
evitar varias doenças physicas e mentaes (p. 41).
Ferla (2005, p. 246, 247) ressalta que as concepções médicas estavam ligadas às idéias de
Lombroso e da Escola Positiva no que se referia à visão científica do crime e suas formas de
prevenção, salientando que, mesmo havendo essa importação de idéias, havia uma releitura das
ações e pensamentos dos cientistas brasileiros, em especial no período da década de 30 do século
XX, em relação ao desenvolvimento de práticas para o controle da delinqüência juvenil. Como
informa o autor, “A concepção de um desenvolvimento do criminoso se dava por regra na
4
ARCHIVOS DE MEDICINA LEGAL E IDENTIFICAÇÃO Publicação Official do Instituto de Identificação
ano VIII, n. 15, jan. 1938. Leonídio Ribeiro. A criança e o crime.
infância e juventude”, o que modificou-se nas primeiras décadas do século XX, quando, para os
intelectuais brasileiros, tais tendências seriam “um sinal de alarme”, que denunciavam um
“desvio”, uma anomalia do desenvolvimento “normal”. Influenciados pelas teorias
biodeterministas, os médicos e juristas brasileiros consideravam mais o teor do “conceito de
predisposição em detrimento dos determinismos mais absolutos dos tempos de Lombroso”.
Com o intuito de se desenvolver uma profilaxia do crime, o olhar dos pensadores sobre a
infância e juventude também se relacionava com a perspectiva determinista na explicação da
delinqüência, desvinculando-se da idéia do criminoso nato e irrecuperável, para a idéia da
correção que eliminaria as tendências criminosas.
Estas correções ocorreriam no âmbito da educação e medicina mediante o
desenvolvimento de medidas profiláticas que corrigiriam as deficiências dos sujeitos logo na
infância e juventude. Portanto, um dos objetivos das elites na República foi a criação de meios
que contribuíssem para esse processo. Dentre as iniciativas, estavam as instituições de
normatização. Tais instituições tratariam da questão do menor delinqüente pautadas nas teses
positivistas com o objetivo de atingir o maior número possível de jovens que estivessem em
situação irregular com a justiça rumo à delinqüência promovendo uma eficiente profilaxia do
crime.
Ferla (2005, p. 298) diz que o
Manicômio Judiciário tinha por objetivos cumprir um papel de “instituto
psiquiátrico-legal”, destinado a examinar e observar presos enviados para tal
fim de prisões comuns. Em segundo lugar, exerceria a função de um
estabelecimento de assistência médico-psiquiátrica, pois para ali seriam
enviados a tratamento todos os condenados que, no curso do cumprimento da
pena, apresentassem perturbações mentais. Seria ainda um órgão de defesa
social, voltado à seqüestração de delinqüentes isentos de responsabilidade por
motivos de afecção mental e que fossem considerados perigosos para a
segurança pública a critério da Justiça. Por fim, deveriam ser desenvolvidas ali
atividades de pesquisa e estudos, que contribuíssem para o aprimoramento
científico da criminologia.
Tratar o preso como doente era o mesmo que tratar as causas da delinqüência. Para Correa
(2001, p. 182),
Os loucos eram doentes que deveriam ser tratados e, mesmo quando homicidas,
deveriam ser assim considerados. Isto implicava também em assegurar o papel
do perito na demonstração do lugar adequado aos psicopatas, homicidas ou não.
Uma série de artigos publicados por esses médicos nas revistas especializadas
nessa época concentrava seu interesse na figura de alguns “criminosos
célebres”, tratando justamente de demonstrar que seu lugar não era a prisão. No
processo desta demonstração, os critérios utilizados para distinguir “simples
assassinos” de “psicopatas” acabaram se transformando em instrumentos de
conhecimento primeiro, e de controle depois, da população como um todo
.
A autora informa ainda que “A importância dos hormônios na constituição da
personalidade, as novas técnicas de educação infantil, os testes de inteligência, são alguns
exemplos de saberes produzidos pela ciência e que seriam incorporados a projetos mais amplos
de controle social” (p. 192) e que a “higienização da sociedade” (p. 193) não era um objetivo
somente dos médicos, apontando que
O trabalho de Arthur Ramos no Serviço de Higiene Mental deve ser visto como
parte de um contexto no qual entram não só a Liga Brasileira de Higiene
Mental, formada por médicos psiquiatras, mas também as reformas
educacionais, promovidas por Fernando de Azevedo e Anísio Teixeira, que o
sucedeu na Secretaria de Educação, no Rio. (Correa, 2001, p. 251, 252)
O esforço da medicina em prevenir o crime compreendia em ajustar a juventude pobre aos
preceitos econômicos, sociais e políticos do país em meio à ênfase no confinamento dos
“delinqüentes de amanhã” e no tratamento de “pré-delinqüentes” (Ferla, 2005). Ferla conclui que
os
cientistas brasileiros da primeira metade do século XX se viam como os agentes
privilegiados da modernização do país. Construir a ponte que levaria das
persistentes heranças do Brasil colonial à civilização branca européia seria
impossível sem o altruísmo necessário da ciência. O cientificismo que então
tomava conta do país não pode ser entendido sem o que ele tinha de redenção,
de superação do atraso e de conquista civilizacional (p. 46).
A maioria dos juristas e médicos brasileiros depositou sua esperança na inserção das
concepções cientificistas no movimento de reformulação do país. A construção de um Brasil
moderno e marcadamente industrial e capitalista necessitaria de mudanças e transformações
perante as caracterizações coloniais e imperiais, as quais, seriam superadas em prol do progresso
e do crescimento através do regime republicano e da inserção das prescrições embasadas por
critérios científicos nas esferas sociais, políticas, econômicas e legais da sociedade brasileira:
A perspectiva positivista se apoiava nas ciências naturais, com destaque para a
medicina e a biologia, para dar conta do mundo social. A denúncia sistemática
da ilusão na liberdade individual e a conseqüente negação da existência do livre
arbítrio depositavam no determinismo biológico cientificamente legitimado as
chaves para a compreensão do funcionamento e das difusões da sociedade. Por
isso, a sua preocupação prevencionista requisitava o conjunto sociedade como
seu objeto (Ferla, 2005, p. 48).
Nesta perspectiva, os médicos brasileiros seguidores das concepções positivistas
européias encararam a problemática da delinqüência como ponto de conflito da sociedade a ser
superado pela ciência, ou seja, era necessário tratar e curar o crime e o criminoso para a
manutenção da nova ordem social. Contudo, a delinqüência passou a ser um caso médico
associado a representações patológicas como a loucura, a epilepsia, variados distúrbios, etc.
Foucault (1980, p. 1, 2) expõe que “a coincidência exata do corpo da doença com o corpo
do homem doente é um dado histórico e transitório” e que, “Ligadas às condições de existência e
às formas de vida dos indivíduos, as doenças variam com as épocas e os lugares”. Foucault diz
que na Idade Média, em épocas de guerras, os doentes estavam entregues ao medo e ao
esgotamento, estabelecendo um determinado significado e papel social na relação com as
enfermidades. Durante os séculos XVI e XVII, com um quadro também de guerras, o autor
pontua que “vê-se enfraquecer o sentimento da Pátria e das obrigações que se tem para com ela; o
egoísmo se volta sobre si mesmo, pratica-se a luxúria e a gulodice (doenças venéreas, obstrução
das vísceras e do sangue)”.
Sobre o século XVIII, Foucault (1980, p. 36, 37) analisa as doenças em relação a sua
época, citando que
vai-se ao teatro, lêem-se romances, exaltam-se os ânimos em conversas vãs;
vela-se à noite, dorme-se de dia; daí as histerias, as hipocondrias, as doenças
nervosas. Uma nação que vivesse sem guerra, sem paixões violentas, sem
ociosos não conheceria, portanto, nenhum destes males, e, sobretudo, uma
nação que não conhecesse a tirania que a riqueza exerce sobre a pobreza, nem
os abusos a que ela própria se entrega. Os ricos? Em meio à comodidade e entre
os prazeres da vida, seu irascível orgulho, seus despeitos amargos, seus abusos
e os excessos a que os conduz o desprezo de todos os princípios, os expõem a
enfermidades de todo tipo [...].
Assim, pode-se perceber que há uma relação histórico-social estabelecida entre a doença e
seu tempo. Todo o movimento médico e científico iniciado no século XIX aponta para uma
dinâmica que justifica o contexto em questão que, privilegiou a cientificidade dos segmentos da
sociedade, onde as ações judiciais e policiais pautavam-se na ciência em detrimento das questões
sociais e políticas para a resolução da questão do crime, promovendo um processo de
nivelamento dos sujeitos. Perante tais considerações Cunha (1990) considera que
A questão social, afinal, era mais que um caso de polícia. Seu enfrentamento
passava, para os republicanos, por iniciativas gestadas através de uma Razão
superior, capaz de transformar em questões técnicas enfrentadas pelos
mecanismos da cientificidade aquilo que antes pertencia aos domínios do
cotidiano, da cultura ou das contradições sociais (p. 35, 36).
Assim, a questão do crime passou a associar-se ao desenvolvimento de patologias, onde a
loucura representou paralelo em relação à delinqüência e os sujeitos “[...] na concepção da
loucura: ao transformar o desatino, o desvio ou a diferença em uma ‘doença’ como qualquer
outra, o alienismo retirava-lhe a dimensão da culpa e abria-lhe a possibilidade da ‘cura” (Cunha,
1990, p. 35, 36).
Cunha (1990, p. 38-40) ressalta ainda:
[...] loucura e criminalidade traduzida na permanente ameaça representada pela
convivência com “tipos degenerados”, dos quais os “loucos” eram apenas a
ponta visível. Toda uma ciência da criminalidade desenvolveu-se a partir deste
pressuposto, sobretudo através das elaborações de seu principal teórico,
Lombroso, que foram entusiasticamente incorporadas às práticas jurídicas e
policiais, mas também às páginas criminais da imprensa, à literatura que
reproduzia e divulgava as figuras temíveis dos “criminosos natos”, de perfis
indefinidos entre a culpa e a doença mental.
Portanto, a medicina passou a constituir-se um campo de referência e portador das
soluções dos males sociais, desempenhando um papel na sociedade que lhe atribuiu o poder de
intervir no cotidiano dos sujeitos. As elites defendiam que a medicina indicaria as soluções para a
delinqüência afirmando que as causas da criminalidade eram de ordem científica, necessitando,
assim, da implantação de um processo de profilaxia do crime. Como aponta Leonídio Ribeiro
(1938, p. 42):
[...] a contribuição trazida recentemente pela medicina, para a solução do
problema da delinqüência e da prophylaxia do crime, que só será encontrada, na
pratica, quando puder ser obtida uma collaboração mais intima e efficiente,
entre os juízes, pedagogos e médicos [...].
A vadiagem também foi tratada pelos médicos como traço de delinqüências. Fauto (1984,
p. 40, 41) expõe que “O quadro se altera a partir da última década do século XIX, quando a
vadiagem vem a merecer destaque especial. Os vadios passam a representar uma categoria à parte
de contraventores, o viveiro da delinqüência, seres dotados de atrevimento, astúcia e maldade
[...].”
Entretanto, o controle social dos sujeitos pobres e sem trabalho assalariado, vinculado à
relação de patrão e empregado, foi feito através de prisões e procedimentos coercitivos. Os
sujeitos considerados vadios eram perseguidos porque constituíam um perigo além de “um
inconveniente social”. Fausto (1984, p. 41-43) revela que, no período, a vadiagem é vista também
como uma propensa doença psíquica, que deveria ser tratada e prevenida. De acordo com este
autor, “Os relatórios das autoridades, assim como os projetos de regeneração dos vadios
refratários, revelam uma visão da vadiagem como desvio comportamental e não como
decorrência de contingências sociais [...]”.
Para o Dr. Bourguy de Mendonça
5
, em artigo escrito em 1937 (p. 15), a vadiagem podia
ser classificada em tipos que compreendiam em diversas origens como “origem étnica”, “origem
econômico social” e “origem patológica”. Tal classificação apontava para os estudos científicos
relacionados ao comportamento dos sujeitos:
-vadios de origem étnica: judeus, ciganos, alguns boêmios, etc., principalmente
os últimos têm hipertrofiado o “instinto da liberdade”
-vadios de origem econômico-social: estariam egressos das prisões e dos
manicômios, os reincidentes, mendigos profissionais, imigrantes desocupados,
os vencidos na luta pela vida, etc.
-vadios de origem patológica: pertencem a duas grandes categorias onde se
enquadram a vadiagem infantil e a vadiagem do adulto.
Demonstrando a construção de uma classificação que variava ainda entre “vadios
ocasionais e “vadios por incapacidade orgânica ou psíquica”, expõe ainda que
Vadio ocasional é o desocupado; alega a falta de trabalho, quer trabalhar, pode
trabalhar, porem, não encontra emprego, de acordo com suas aptidões ou
melhor falta-lhes uma orientação necessária, para readaptá-los a atividade de
um trabalho produtivo. (p. 15)
Relata, também:
Costumo perguntar a esses pacientes, quando os examino: por que não trabalha?
Muitas vezes a resposta é esta: “trabalho sim doutor, estou desempregado, mas
procuro ganhar a vida em “biscates”.” Não me parece resposta vã, ou pretexto
para dirimir a culpa; mostra antes tendência natural ao trabalho, reação
instintiva que encontramos até nos animais inferiores. É digno de toda a atenção
os vadios colocados nesse grupo, porquanto, não lhes sendo dado o destino
conveniente, o Estado concorrerá para a criação do vadio ocasional. (p. 15)
Os vadios por incapacidade orgânica ou psíquica pacientes acometidos de
tuberculose pulmonar; alcoolismo crônico, doenças venéreas, síndromes de
carência, etc. entre os doentes mentais avultam os oligofrênicos (débeis mentais
e imbecis), os epiléticos e os esquizofrênicos. (p. 16)
5
ARQUIVOS DO MANICÔMIO JUDICIÁRIO DO RIO DE JANEIRO. Ano. VIII, e sem., n. 1, 2. 1937.
Bourguy de Mendonça. Aspectos Médico-legais e sociais do problema da vadiagem.
Para os médicos era necessário serem feitos exames periódicos nos jovens ditos como
incorrigíveis, e o médico Marcio Munhoz
6
, em artigo escrito em 1932, defendia que
[...] deveriam ser feitos exames nos delinqüentes considerados incorrigíveis,
afim de verificar-se quando seu estado mental poderia ser considerado sem
perigos para a sociedade. Tais estudos poderiam ser feitos nas próprias colônias
ou estabelecimentos de segregação daqueles delinqüentes, por psiquiatras. (p.
10)
Neste sentido, as causas da delinqüência deveriam ser combatidas através de
procedimentos científicos que indicariam a cura para o problema da delinqüência. Faz-se
necessário ressaltar que os discursos médicos reconheciam as questões sociais como
possibilidades de causas para a delinqüência e a criminalidade, mas a ênfase de suas justificativas
para as práticas de prevenção e tratamento da delinqüência estava em causas ligadas aos
conceitos científicos. Leonídio Ribeiro
7
(1938, p. 36) define
A criminalidade é problema que infelizmente não encontrou ainda solução
dentro da sciencia. Pergunta-se: será que se não conseguiu ainda conhecer as
causas da criminalidade ou ellas são taes e tantas que se torna difficil remove-
las completamente? Infelizmente são affirmativas as duas respostas. É que de
um lado temos a influencia do meio em que vive o individuo, as circumstancias
ambientaes que actuam sobre elle, como a ausência do lar e da família, o perigo
da rua e das habitações colletivas, sommadas à ignorância e miséria em que
ainda vive uma grande parte das suas populações urbanas. São as causas sociaes
da delinquencia. Mas é preciso não esquecer que de outro lado está o criminoso
em si, isto é, o homem, com suas condições individuaes características e
incomplexas, ligadas as mais variadas taras e doenças geraes physicas ou
mentaes, suas e de seus antepassados [...].
Portanto, embasada na análise que busca compreender os processos pelos quais se
construiu uma noção de delinqüência juvenil, esta pesquisa, em específico, considera a
categorização de uma juventude que foi concebida entre configurações de sanidade e doença,
puritanismo e perversão, violência e paz, trabalho e vagabundagem, educação e saúde num
contexto em que as relações de poder instituíam a urbanização dos espaços das cidades, os
processos disciplinares e a fábrica.
6
ARQUIVOS DO INSTITUTO MEDICO-LEGAL E DO GABINETE DE IDENTIFICAÇÃO – Publicação Oficial
da Polícia Do Distrito Federal – n. 4, abr. 1932. Rio de Janeiro. Marcio Munhoz. A defesa social contra os
delinqüentes incorrigíveis.
7
ARCHIVOS DE MEDICINA LEGAL E IDENTIFICAÇÃO Publicação Official do Instituto de Identificação
ano VIII, n. 15, jan. 1938. Leonídio Ribeiro. A criança e o crime.
2.3 A noção de delinqüência: entre a educação e medicina
A educação e a escola junto às discussões e práticas de filantropia no Brasil e às práticas
médico-higienistas de prevenção e profilaxia implicaram em instrumentos de ordenação social e
práticas controladoras na implantação do Estado brasileiro republicano (Trindade, 1998, p. 35).
A educação emergia enquanto viés de formação e adequação da população e,
principalmente, das crianças e jovens, para o novo quadro social, conduzindo os saberes
necessários para uma nova vivência social e de trabalho, ganhando visibilidade por parte da
sociedade e das esferas políticas enquanto legitimadora do estado republicano e nacionalista e
propulsora de mecanismos de controle social.
A escola, além da função da aprendizagem das primeiras letras, possuía um caráter
disciplinador no tocante à tentativa de controlar a criminalidade, a delinqüência e a desordem
social por meio da retirada dos jovens das ruas e becos das cidades e do combate à ignorância e
ao analfabetismo, no que se referia à difusão do ensino (Trindade, 1998, p. 41). Moral, religião,
higiene e trabalho entravam no caldeirão dos elementos necessários para a formação dos sujeitos
que deveriam enquadrar-se nos moldes capitalistas que vigoravam em uma sociedade
cientificista.
Carvalho (2003, p. 13) aponta que a proposta escolanovista, que visava à modernização
das escolas, à formação de estatutos e à racionalização e sistematização dos processos
educacionais, tinha como intenção caracterizar a educação como instrumento homogêneo para o
projeto republicano de formação do cidadão e da cultura brasileira, concomitantemente à sua
configuração de veículo de controle social. Nesse último aspecto, legitimando o discurso
autoritário presente no projeto renovador da educação.
A escola atingia uma outra ordem social, que vinha sendo implantada pela
industrialização e concentração urbana, apresentando recursos para moldar os costumes às
exigências do trabalho industrial, disciplinando o corpo e o espírito de acordo com o ritmo da
fábrica. Nesta perspectiva, era o discurso de uma escola organizada nos referenciais da indústria,
ou seja, hierarquizada, com a valorização de aptidões individuais dos sujeitos, mediante critérios
de competição, estruturas do ensino escolar e profissional como um processo de disciplinarização
dos jovens por meio da educação para o trabalho, e conseqüentemente, para a ordem pública
(Carvalho, 1998, p. 151).
Ao lado da medicina social e da engenharia sanitária, a educação escolar, sobretudo o
ensino primário e profissional, exerceu importante função no processo de moralização e
ajustamento dos sujeitos das classes populares (Moraes, 2003, p. 161).
Um discurso médico de aproximação da pobreza com a doença e o ócio legitimava as
práticas e idéias educacionais, pautadas nos preceitos científicos e, simultaneamente, no
movimento escolanovista. Como aponta Carvalho (1998, p. 141), a imagem dos sujeitos pobres
associava-se ao “[...] doente e indolente, apático e degenerado, perdido na imensidão do território
nacional [...]”.
As elites ancoravam-se no escolanovismo enquanto propulsor de “novos” conceitos,
projetos e métodos pedagógicos. A concepção da Escola Nova era de que ela salvaria a educação
pela técnica e pela ciência mediante a inserção de concepções científicas da corrente taylorista de
racionalização e cientificidade no que se refere à lógica de funcionamento e organização das
instituições e à consideração das habilidades e competências individuais dos sujeitos.
Em 1910, no Rio de Janeiro, um grupo de intelectuais, dentre eles médicos, advogados,
juristas, professores, criam a Associação Brasileira de Educação (ABE), com o intuito de
coordenação e incentivo das práticas educacionais em nível nacional. Pautados no entusiasmo
pela educação as propostas e iniciativas educacionais possuíam um discurso autoritário,
configurado por projetos de homogeneização cultural e moral que visavam à “unidade nacional”
e à “organização racional do trabalho”, bem como à promoção de artifícios de controle da
população urbana através da educação (Carvalho, 1998, p. 135, 136).
A intenção pontuada permanecia nas propostas educacionais, que intervinham nas
camadas populares, tendo o civismo e moral presentes nos conteúdos a serem ensinados e
aprendidos, paralelamente com a necessidade de controle da população urbana. Para tanto as
elites ocupavam-se em desenvolver mecanismos de controle para os jovens, permeando de
iniciativas e conteúdos disciplinares os conteúdos dos programas educacionais, bem como dos
discursos direcionados para a educação. Assim, Carvalho (1998, p. 150) ressalta que “Questões
de saúde, de moral e relativas à ‘organização racional do trabalho’ integravam as expectativas
referentes à ação formadora da escola [...]” acoplando também a educação cívica que estava
direcionada para domesticar o corpo e a mente, evitar desestabilizações sociais e disciplinar para
o trabalho.
Para a autora (1998, p. 144-146), a ABE construiu uma imagem de um Brasil em “crise”,
produzido pelas elites, dizendo que o povo era “improdutivo, doente, viciado, vegetando na
imensidão do território do país”. Segundo a autora, esse era um discurso ambicioso da ABE, que
desconsiderava o povo brasileiro em sua totalidade e se considerava a solução dos problemas:
Constituir o país como nação, organizá-lo, era tarefa de elites, pensadas como
cérebro, que dirige o desenvolvimento orgânico com um discurso sanitarista a
ABE propunha eliminar os indivíduos perturbadores da ordem social e
desenvolver o povo nos aspectos físico, intelectual e moral. [...] convertendo
questões sociais e políticas em questões de higiene.
Neste sentido o investimento educativo abarcou a expansão da rede escolar e a criação de
outras instituições educativas, tais como hospícios, colônias correcionais, prisões, orfanatos e
asilos para a educação da juventude órfã, pobre e criminosa. Nas instituições, a aprendizagem de
ofícios tinha por objetivo profissionalizar precocemente para a garantia do próprio sustento
desses sujeitos. Os programas continham o trabalho com valores dignificadores que,
representavam fonte de saúde física e moral como, também, base da felicidade.
Correa (2001, p. 201) ressalta que a ênfase dos médicos nos “desvios de conduta da
adolescência” ou na análise de comportamentos “pré-delinqüentes” tinha o interesse voltado
principalmente para a fase da vida categorizada como juventude, pois representava período em
que várias faces da vida eram delineadas mediante as escolhas dos sujeitos e interferir nesta fase
em prol de uma sociedade definida pelo trabalho era tarefa urgente via educação.
Atuando preventivamente, as elites, principalmente os médicos, promoveram a criação de
uma série de instituições que acabaram por produzir na figura do jovem pobre e abandonado o
delinqüente em potencial. A intenção pontuada pelas instituições era preparar um lugar para os
“delinqüentes de amanhã”, onde constavam presentes implicitamente as noções de prevenção e
de controle social. Neste sentido, para a contenção e controle dos jovens criminosos foram
criadas instituições para o confinamento desses sujeitos, tais como asilos, casas de correção e
unidades de estabelecimento disciplinar industrial.
No limite desta dissertação é impossível fazer uma sistematização das instituições do
período, havendo muitas lacunas em relação à criação e ao funcionamento dessas instituições.
Portanto, pretende-se não elencar todas as instituições para jovens delinqüentes criadas no
período, e sim identificar, dentre as pontuadas, o teor das medidas correcionais, educativas e
punitivas empreendidas em seu quadro institucional.
Em 1902 o governo de Bernardino de Campos criou o Instituto Disciplinar, na cidade de
São Paulo, com o intuito de solucionar o problema dos jovens que se encontravam na
“ociosidade”, “ignoradas” e no trabalho informal (Moraes, 2003, p. 298-307).
O Instituto Disciplinar possuía atividades físicas, ensino das primeiras letras e trabalho
agrícola, todos com objetivos claros de disciplinarização e normatização. Neste sentido, Santos
(2006, p. 225) ressalta que,
Após breve período de adaptação, o jovem era imediatamente integrado às
frentes de trabalho, que naquele momento inicial era essencialmente agrícola. A
regeneração pelo combate ao ócio e a pedagogia do trabalho eram moedas
correntes no cotidiano do instituto. Tentava-se a todo custo incutir naquelas
mentes, hábitos de produção e convívio aceitáveis pela sociedade que os
rejeitava. Por meio de contínuas seções de exercícios físicos, tentava-se
doutrinar os jovens para uma vida mais regrada e condizente com os anseios de
uma cidade pautada pela lógica da produção.
Formar, educar a juventude das camadas populares para compor a mão-de-obra
trabalhadora das indústrias, bem como da agricultura, implicava várias outras intencionalidades
das elites republicanas, como o combate à criminalidade, associado de modo direto às classes
populares. A sujeição ao trabalho aparecia como fator regenerador e formativo desses sujeitos.
Perante as perspectivas pontuadas, o governo republicano regulamentou os patronatos
agrícolas “[...] para educação de jovens abandonados e órfãos, nos postos zootécnicos, fazendas-
modelo de criação, núcleos coloniais e outros estabelecimentos do Ministério” (Oliveira, 2003, p.
29) e, em 1910, a Secretaria de Agricultura criou o ensino itinerante de agricultura, que consistia
em palestras realizadas por inspetores de agricultura que percorriam a zona rural, compostas de
aulas práticas que abordavam os diversos ramos da agricultura (Moraes, 2003, p. 295).
Em 1909, no estado de Minas Gerais, foi criado o Instituto João Pinheiro, iniciativa do
Estado para assistir e educar jovens abandonados. Prevalecia como uma das diretrizes de
formação do instituto “[...] afastar os futuros trabalhadores do ócio patrono de todos os vícios –
mediante uma formação técnica, moral e ideológica [...]” (Faria Filho, 2001, p. 89).
Havia toda uma preocupação em educar os sujeitos do Instituto João Pinheiro aptos a
viver dentro dos preceitos republicanos; desta forma a instituição era organizada
hierarquicamente, atribuindo cargos e papéis representativos da República aos alunos, sendo
dividida os prédios como “Ministérios”, cada qual com seus “ministros” eleitos, sendo estes os
alunos que constariam no “quadro de honra”, ou seja, os melhores, com responsabilidades dentro
da “mini República” no que se referia a manter a ordem do instituto e suprir as necessidades
materiais. A lógica republicana vivida no instituto estava assegurada pelos elementos embutidos
dos programas de ensino que compreendiam a hierarquização, emulação, compensação,
premiação e castigo e competição (Faria Filho, 2001, p. 58, 59).
Alicerçadas na preleção do trabalho como método pedagógico, regenerador, disciplinar e
moralizador, as práticas do Instituto João Pinheiro, no que se referia à formação elementar de
seus alunos, inter-relacionavam-se com o ensino profissional através de aulas práticas e nos
conteúdos aplicados. Os conteúdos possuíam características e valores enobrecedores ao trabalho
e ao trabalhador, com o intuito de promover, entre os alunos, o ideário de dedicação da vida pelo
trabalho. As categorias do trabalho a ser realizado no instituto se dividiam em manual, agrícola,
nas oficinas (carpintaria, ferraria, funilaria, sapataria, alfaiataria, etc.) e interno, este último
associado ao trabalho doméstico (Faria Filho, 2001, p. 87-112). Como ressalta ainda o mesmo
autor (2001, p. 89), concebia-se que “[...] É o trabalho, principalmente nos seus aspectos
supostamente moralizantes, que deve nortear a formação e a vida dos futuros trabalhadores [...]”.
Moraes (2003, p. 101) ressalta que, na República, o Estado passou a ser o fomentador do
processo educacional no Brasil, pensando em uma educação profissional enquanto preparação
para a mão-de-obra trabalhadora assalariada mediante o contexto afirmação do processo
capitalista brasileiro, aproximando o mundo do trabalho e o mundo da educação.
O trabalho como elemento primordial para o processo educativo tinha a função de educar
e controlar, como também de punir e corrigir. O ensino profissional deveria qualificar e
disciplinar, surgindo as iniciativas públicas e privadas como elemento formativo e regenerador da
juventude das camadas populares.
Os discursos e, conseqüentemente, as práticas educacionais para essa juventude tinham a
intenção de desenvolver os sujeitos nos aspectos físico, intelectual e moral, por meio de um
sistema de valorização das competências e habilidades individuais, e no âmbito do trabalho
pretendia-se utilizar desses conceitos como instrumentos de seleção e qualificação dos
trabalhadores.
Sobre a questão do trabalho, em artigo escrito em 1937
8
o médico Borguy de Mendonça
concluía que
8
ARQUIVOS DO MANICÔMIO JUDICIÁRIO DO RIO DE JANEIRO. ano VIII, n. 1 e 2, e sem. 1937.
Bourguy de Mendonça. Aspectos Médico-legais e sociais do problema da vadiagem.
Não é fora de propósito salientarmos que a tendência natural, expontânea,
instintiva do ser vivo é para a atividade produtiva. Na rie zoológica
encontramos animais que desenvolvem intensa atividade laborativa; é
conhecido o labor de certos arachnídeos; a atividade maravilhosa das formigas
e das abelhas, com organização social baseada na divisão do trabalho; a
perseverança das aves na confecção dos seus ninhos; diz a lenda popular que o
castor ensinou o homem a fazer casa [...].
A tendência natural é, pois, para produzir, para trabalhar.
Ao nosso ver, constitue, por si só, uma anomalia o fato do homem não procurar
prover a sua subsistência pelo trabalho; criando para si próprio um complexo de
inferioridade.
Bourguy de Mendonça definia que o trabalho era a solução para os jovens e adultos
considerados vadios e propensos delinqüentes, sendo considerado o primeiro passo para uma
verdadeira profilaxia do crime:
O desvio da ética social manifestado por esses reincidentes encontra o seu
fundamento biológico na própria constituição anômala, irregular e defeituosa
que é esta constituição delinquencial [...].
Constituindo a vadiagem o primeiro passo na escala da criminalidade, é
desnecessário encarecer o valor do conhecimento dessas noções para as bases
da profilaxia racional do crime, visando as causas do delito e o tratamento do
delinqüente [...] O melhor remédio para a vadiagem é o trabalho
convenientemente orientado.
É a ortopedia mental pelo trabalho [...].
No Distrito Federal limitado por extensa faixa de terra, não faltará lugar para os
poderes competentes construírem colônias, instituições de assistência médico-
social, patronatos e oficinas, onde a divisão do trabalho e a convergência dos
esforços fará o milagre da readaptação social, dentro das normas humanas da
ciência e do direito.
As concepções de racionalização pautavam os critérios das organizações ligando ao
irracional tudo aquilo que não perseguisse a ordem vigente, discurso este das classes dominantes
que discriminava todo e qualquer movimento ligado a processos de resistência e à politização das
classes populares.
As instituições que tratavam do jovem criminoso e delinqüente foram instauradas
mediante os preceitos de uma educação voltada à formação para o trabalho que estava presente
nas propostas educacionais enquanto elemento necessário para a promoção da ascensão pessoal e
aceitabilidade social, em contrapartida ao seu verdadeiro papel, ou seja, metafóricas vendas
ocultavam os verdadeiros lugares sociais que o sistema reservava para esses sujeitos. O médico
Marcio Munhoz, em 1932
9
, escreveu sobre os chamados “incorrigíveis”, pontuando que “novas
soluções sobre a maneira de eliminar socialmente estes indivíduos seria a formulação de medida
de segurança a segregação em casa de trabalho ou em colônia agrícola”.
Gondra (2002, p. 316) aponta que, nesse processo de controle social, os médicos tiveram
lugar privilegiado no tocante ao desenvolvimento de medidas para a manutenção das classes
populares, frisando que
caberia assinalar que o acento posto na regeneração das famílias, via controle
dos casamentos, dentre outros procedimentos da ordem médica, e na
preservação da infância, via controle sobre o aborto, infanticídio, mortalidade
infantil e destinação da infância pobre configuraram vetores de um complexo e
descontínuo projeto de higienização da sociedade, visando a atender códigos de
um mundo civilizado os quais são construídos e reconstruídos por intermédio
de operações de empréstimo e afastamento entre homens ancorados em
racionalidades distintas, como a ordem médica [...].
O médico Leonídio Ribeiro, em artigo escrito em 1939
10
(p. 124), definiu a importância
da implantação de centros de pesquisas médicas que teriam como principais objetivos o
tratamento psiquiátrico como prevenção do desenvolvimento da delinqüência da juventude,
Centros de pesquisas biológicas da infância e da adolecência o menor ao
entrar nestes centros deve ser verificado suas condições físicas, por ocasião da
entrada em qualquer reformatório, para realização do exame médico-
psicológico [...].
Leonídio (1939, p. 56) afirmava ainda que
A prevenção criminal será realidade no dia em que houver, por toda parte,
institutos e laboratórios de estudos da criança e do adolescente, sob o ponto de
vista medico, anthropologico, psycologico e pedagógico [...] Antes de dar um
destino aos menores delinqüentes e abandonados, internado-os em institutos de
reforma ou escola profissionaes, é imprescindível submette-los previamente à
observação demorada, sob o ponto de vista medico, por especialistas idôneos,
para que possam ser convenientemente diagnosticados e tratados seus males
physicos e mentaes de tal forma que a collaboração entre o juiz, o medico e o
pedagogo possa ser cada vez mais intima [...].
9
ARQUIVOS DO INSTITUTO MEDICO-LEGAL E DO GABINETE DE IDENTIFICAÇÃO – Publicação Oficial
da Polícia Do Distrito Federal – n. 4, abr. 1932. Rio de Janeiro. Marcio Munhoz. A defesa social contra os
delinqüentes incorrigíveis.
10
ARQUIVOS DE MEDICINA LEGAL E IDENTIFICAÇÃO Comunicação apresentada ao Primeiro Congresso
Latino-Americano de Criminologia, reunido em Buenos Aires 1939. Leonídio Ribeiro. Estudo médico do menor
abandonado.
A aproximação da condição do jovem criminoso a um caráter patológico, que classificava
esses sujeitos supostos portadores de doenças mentais, neurológicas e psiquiátricas, previa o
desenvolvimento de ações que visavam a uma efetiva profilaxia do crime.
O desembargador Vicente Piragibe, em conferência inaugural do Curso de Serviço Social
(p. 127), em 1936
11
, estabeleceu que “O Serviço de Reeducação, subordinado ao Juízo de
Menores, destina-se a fiscalizar e orientar o funccionamento pedagógico e administrativo dos
Institutos Disciplinares do Estado.” Sendo estruturado através de,
Organiza scientificamente o serviço de reeducação integral, estabelecendo
medidas necessárias ao amparo medico pedagógico dos internados, a sua
readaptação social com institutos de psycho-technica e orientação e seleção
profissional, aptidão scientifica e trabalho às aptidões naturaes, tendo em conta
a economia nacional e o meio social brasileiro, com variedade de typos de
escola. Esse programma deverá ser realizado, harmonizando o ensino com
labor-therapia.
A medicina passou a desempenhar um papel na sociedade que lhe atribuiu o poder de
intervir nos processos que tratavam da delinqüência e lhe impôs certa importância perante a
solicitação da sua presença nas áreas jurídicas e educacionais. O discurso médico defendia a
medicina como alicerce que indicaria as soluções para a delinqüência. Sendo as causas da
criminalidade de ordem científica, necessitavam assim, a implantação de um processo de
profilaxia do crime.
11
ARCHIVOS DE MEDICINA LEGAL E IDENTIFICAÇÃO Conferencias, Cursos e Lições Conferencia
Inaugural do Curso de Serviço Social, Pronunciada no Laboratório de Biologia Infantil. out. 1936. Vicente Piragibe.
Infância abandonada e delinqüente.
CAPITULO 3 – LEI, DELINQÜÊNCIA JUVENIL E EDUCAÇÃO
3.1 O Código de Menores Melo Matos de 1927: o jovem como “MENOR”
As concepções de controle e normatização da sociedade no início da República,
respaldadas pelos conhecimentos criminológicos voltados para a prevenção da delinqüência e da
criminalidade, tinham na juventude esfera de circulação com o objetivo de combater as
predisposições criminais em um período da vida que se caracteriza por mudanças e
direcionamentos.
Para Ferla (2005, p. 50), “Movidos por essa preocupação, diversos juristas se engajaram
na defesa, perante a opinião pública, de um tratamento jurídico-penal diferenciado para a
menoridade, o que levou a que fossem propostos inúmeros projetos de reformas legais ou
institucionais que apontavam nesse sentido.”
A introdução das teorias criminológicas no Brasil representava a possibilidade de
implementar as estratégias específicas de controle social e de estabelecer formas diferenciadas de
tratamento jurídico-penal para determinados segmentos, dentre eles a juventude.
Entretanto, os juristas da Escola Positiva, ao longo de toda a Primeira República,
propuseram reformas legais e institucionais que intencionavam ampliar o papel da intervenção
estatal sobre as mulheres, jovens, crianças e loucos, pois esses eram considerados aqueles que
não se enquadravam plenamente na nova ordem social e que necessitariam de um tratamento
jurídico diferenciado. Foi neste contexto em torno da criação de uma legislação específica da
infância e juventude que se elaborou o Código de Menores Melo Matos de 1927. Assim, esse
Código foi influenciado pelas idéias originalmente desenvolvidas por Lombroso sendo que, “[...]
a incorporação das idéias da antropologia criminal ao debate jurídico local não deixou de
produzir efeitos concretos e duradouros, tanto no plano dos saberes como no das práticas penais”
(Alvarez, 2002, p. 695, 696).
Faz-se necessário ressaltar que a figura do menor aplicava-se a todos os jovens e crianças
pobres, abandonadas, criminosas e órfãs do período, tendo a denominação representado
indicadores de predisposições e tendências para a delinqüência cristalizando representações de
perigo à sociedade que deveria ser combatido através de um processo profilático do crime. Neste
contexto, o menor passou a representar o delinqüente juvenil, que deveria ser contido e punido e
educado para o trabalho para sua reinserção na sociedade.
Contudo, Fausto (1984, p. 80-82) afirma que
[...] a figura do menor, na aparência próxima do adolescente, aplica-se em
toda a extensão aos meninos pobres. Deixando de lado a menoridade civil,
concretizada nas normas legais de incapacidade, podemos mesmo afirmar que a
menoridade na sua dimensão ligada à esfera do trabalho ou à pedagogia
terapêutica é um conceito aplicável à gente pobre, existindo “sinais de alarme”
de predisposições e tendências ao crime, cuja origem pode ser de natureza
morfológica, funcional ou psíquica, que se instalam no período, sendo certo,
porém, que a configuração do conceito de menor em seu contorno atual
fundamenta uma mudança cujos efeitos estão longe de ser positivos.
É a preocupação com o controle social que prevalece nas entrelinhas do primeiro Código
para jovens e crianças na República. Embora as questões do abandono, da delinqüência, da
educação e do trabalho infantil estejam simultaneamente presentes, ambos foram subjugados e
colocados em segundo plano, mediante um processo de normalização e moralização da infância e
juventude pobre no início da República.
O Código de 1927 não implicou somente uma nova reformulação do controle social, mas
criou dispositivos que implicaram leis direcionadas para a regularização do trabalho de crianças e
jovens, estabelecendo um tratamento jurídico-penal especial para os jovens considerados
potencialmente perigosos, reservando, sobretudo, medidas normalizadoras e moralizadoras.
O Código de Menores de 1927 caracterizou a condição de abandono dos jovens como
ponte para o crime, considerando os menores nessas condições como vadios, mendigos e
libertinos. A questão da predisposição à delinqüência, e assim de uma postura preventiva em
relação ao crime, pontuou e manteve-se nas entrelinhas das medidas punitivas e de reeducação do
Código, como conclui Alvarez (1996, p. 234):
Por estes dispositivos, percebe-se que o espírito mais geral do Código es
plenamente de acordo com os ideais da Escola Positivista, apoiada nas idéias de
Lombroso. A começar pela mudança do caráter da ação penal, que se
transforma, sobretudo, em ação preventiva e recuperadora. Como bem
caracteriza uma comentadora da época, a ação do juiz frente aos menores se
desdobra em ação de proteção, de prevenção, de vigilância, de correção, de
moralização, etc., mas de nenhuma forma em ação propriamente penal.
Os limites estabelecidos pelo Código resultaram em frentes que posicionaram os jovens
na Primeira República no que se refere aos seus lugares sociais de trabalho, responsabilidade
civil, etc. Como exemplo, o jovem abandonado ou criminoso de 18 anos ficaria submetido ao
regime estabelecido pelo Código, o jovem de 14 anos seria considerado sem responsabilidade no
processo penal e aqueles com mais de 14 anos e menos de 18 anos seriam submetidos à “processo
especial” conforme demonstram os paralelos estabelecidos nesta legislação. O Código alterou
ainda a idade penal, criando categorias imprecisas para definir em que circunstâncias o jovem era
criminoso ou contraventor, deixando para o juiz estabelecer quem era o “menor abandonado”, o
“pervertido” ou em “perigo de o ser”, podendo dessa forma promover-se um nivelamento da
punição e identificação do jovem em questão, como segue, respectivamente, nos artigos 68 e 69:
O menor de 14 annos, indigitado autor ou cumplice de facto qualificado crime
ou contravenção, não será submettido a processo penal de, especie alguma; a
autoridade competente tomará sómente as informações precisas, registrando-as,
sobre o facto punivel e seus agentes, o estado physico, mental e moral do
menor, e a situação social, moral e economica dos paes ou tutor ou pessoa em
cujo guarda viva.
O menor indigitado autor ou cumplice de facto qualificado crime ou
Contravenção, que contar mais de 14 annos e menos de 18, será submettido a
processo especial, tomando, ao mesmo tempo, a autoridade competente as
precisas informações, a respeito do estado physico, mental e moral delle, e da
situação social, moral e economica dos paes, tutor ou pessoa incumbida de sua
guarda.
O Código possuía medidas punitivas ambíguas, ao considerar que os jovens de 14 anos
seriam “improcessáveis”. Já em relação aos maiores de 16 anos e menores de 18, o Código previa
que seriam “internados em estabelecimento especial” quando evidenciassem periculosidade. Para
os jovens “maiores de 18 e menores de 21 anos, incidiria a atenuante da menoridade”,
submetendo-se os processos às decisões dos juízes. Neste sentido o Código, ao determinar os
limites de idade, estabelecia as fronteiras da categoria juventude do início da República
brasileira: o menor, o jovem pobre.
Esse Código reafirmou a problemática da juventude considerada ociosa que circulava
livremente nas ruas promovendo ações intervencionistas entrelaçadas ao discurso dos médicos e
higienistas e respaldando em suas medidas a compreensão existente na legislação republicana,
da aproximação dos jovens das classes populares com o ócio e a vadiagem. Dessa forma, o
Código de Menores de 1927 manteve as caracterizações autoritárias como as encontradas
anteriormente nas leis direcionadas para os jovens, constituindo mais um elemento reafirmador
da noção de delinqüência juvenil. Os artigos que seguem reafirmam tal consideração:
Art. 28. São vadios os menores que:
a) vivem em casa dos paes ou tutor ou guarda, porém, se mostram refractarios a
receber instruccão ou entregar-se a trabalho sério e util, vagando habitualmente
pelas ruas e logradouros publicos;
b) [...] não tendo domicilio nem alguem por si, são encontrados habitualmente a
vagar pelas ruas ou logradouros publicos, sem que tenham meio de vida regular,
ou tirando seus recursos de occupação immoral ou prohibida.
Art. 29. São mendigos os menores que habitualmente pedem esmola para si ou
para outrem, ainda que este seja seu pae ou sua mãe, ou pedem donativo sob
pretexto de venda ou offerecimento de objectos.
Art. 30. São libertinos os menores que habitualmente:
a) na via publica perseguem ou convidam companheiros ou transeuntes para a
pratica de actos obscenos;
b) se entregam á prostituição em seu proprio domicilio [...].
O Código visava resolver o problema dos jovens abandonados, órfãos e criminosos
exercendo firme controle por meio de medidas tutelares, guarda, vigilância, reeducação,
reabilitação, preservação, reforma e educação, liberdade vigiada, reafirmando a concepção
presente em outras legislações direcionadas aos jovens, no que se referia à condição moral da
família, como frisam os artigos abaixo:
Art. 49. Quando o menor for entregue por ordem da autoridade judicial a um
particular, para que fique sob a sua guarda ou à soldada, não ha necessidade de
nomeação de tutor, salvo para os actos da vida civil em que é indispensavel o
consentimento do pae ou mãe, e no caso do menor possuir bens: podendo,
então, a tutela ser dada á mesma pessoa a que foi confiado o menor ou a outra.
Art. 50. Quando, pela intervenção do pae, da mãe, do tutor ou por decisão
judicial, o menor tiver sido confiado a alguma das pessoas previstas pelo artigos
antecendentes e o reclamar quem tenha direito, si fôr provado que o reclamante
desinteressou-se do menor desde logo tempo, a autoridade judicial póde,
tomando em consideração o interesso do menor, mantel-o sob a guarda e
responsabilidade da pessoa a quem estava confiado, determinando, si fôr
preciso, as condições nas quaes o reclamante poderá vêl-o.
Art.51 [...] a autoridade judicial póde tambem, conforme as condições pessoaes
do pae ou mãe, ou tutor, que reclama o menor, decretar a perda do patrio poder
ou a remoção da tulola, concedendo-o, a quem o menor está confiado ou a
outrem (Código de Menores Melo Matos, 1927).
Como aponta Hillesheim et al. (2007) a legislação para os jovens na primeira República,
[...] espelhava-se na família nuclear burguesa, sendo que, por exemplo, no caso
de um jovem não contar com a presença do pai na família, esta era
considerada como desagregada ou desestruturada. Evidencia-se que o fator
determinante que permitia incluir (ou excluir) estes jovens em certas medidas
de re-socialização era a origem sócio-econômica de suas famílias.
Em seus artigos que especificavam as medidas punitivas para os jovens, o Código de
Menores de 1927 tratava de apontar para processos de urgente moralização dos sujeitos e ensino
para o trabalho:
Art. 78. Os vadios, mendigos, capoeiras, que tiverem mais de 18 annos e menos
de 21, serão recolhidos á Colonia Correccional, pelo prazo de um a cinco
annos.
Art. 79. No caso de menor de idade inferior a 14 annos indigitado autor ou
cumplice de facto qualificado crime ou contravenção, si das circumstancias da
infracção e condições pessoaes de agente ou de seus paes, tutor ou guarda
tornar-se perigoso deixal-o a cargo destes, o juiz ou tribunal ordenará sua
collocação em asylo, casa de educação, escola de preservação, ou o confiara a
pessoa idonea, até que complete 18 annos de idade.
Art 80. Tratando-se de menor do 14 a 18 annos sentenciado á internação em
escola de reforma, o juiz ou tribunal póde antecipar o seu desligamento, ou
retardal-o até ao maximo estabelecido na lei, fundando-se na personalidade
moral do menor, na natureza da infracção e circumstancias que a rodearam no
que possam servir para apreciar essa personalidade, e no comportamento no
reformatorio, segundo informação fundamentada do director.
A questão do trabalho é bastante contraditória no Código de Menores de 1927. O Código
de Menores Melo Matos indica as brechas pelas quais a legislação brasileira reafirmou a inserção
de suas crianças e jovens no processo industrial e capitalista das primeiras décadas republicanas,
salientando uma legislação excludente. Fausto (1984, p. 81, 82) ressalta que “[...] com poucos
anos de vida as crianças pobres entravam no trabalho da fábrica ou da oficina. O caminho da
inserção do menor delinqüente na sociedade correspondia a sua conversão pura e simples em
força de trabalho desqualificada.”
Ao possuírem um trabalho informal e desenvolverem atividades autônomas, os jovens das
camadas populares apresentavam perigo às elites republicanas, pois, ao trabalharem como
ambulantes, engraxates, cambistas de loteria, mensageiros, não tinham patrão, estando livres para
circular pelos espaços públicos e escapando, assim, das práticas de controle e disciplina das
fábricas, como mostram os seguintes artigos:
Art. 101. É prohibido em todo o territorio da Republica o trabalho nos menores
de 12 annos.
Art. 102. Igualmente não se póde ocupar a maiores dessa idade que contem
menos de 14 annos. e que não tenham completando sua instrucção primaria.
Todavia. a autoridade competente poderá autorizar o trabalho destes, quando o
considere indispensavel para a subsistencia dos mesmos ou de seus paes ou
irmãos, comtanto que recebam a instrucção escolar, que lhes seja possivel.
Art. 103. Os menores não podem ser admittidos nas usinas, manufacturas,
estaleiros, minas ou qualquer trabalho subterraneo, pedreiras, officinas e suas
dependencias. de qualquer natureza que sejam, publicas ou privadas, ainda
quando esses estabelecimentos tenham caracter profissional ou de beneficencia,
antes da idade de 11 annos.
§ Todavia, os menores providos de certificados de estudos primarios, pelo
menos do curso elementar, podem ser, empregados a partir da idade de 12
annos.
Art. 104. Sao prohibidos aos menores de 18 annos os trabalhos perigosos á
saude, á vida, á moralidade, excessivamente, fatigantes ou que excedam suas
forças.
[...]
Art 109. Não podem ser empregados em trabalhos nocturnos os operarios ou
aprendizes menores de 18 annos.
Os dispositivos referentes à regulamentação do trabalho de crianças e jovens apontam
para uma realidade ambígua e complexa, institucionalizando o jovem pobre, abandonado,
delinqüente no menor. O Código parece ter representado, diante os problemas colocados pela
juventude pobre, trabalhadora e abandonada no período, um projeto para essas questões que deu
certo, e legitimou os limites que possibilitaram a categorização de um grupo específico da
sociedade, a juventude.
Ao classificar os jovens e crianças da República, o Código de Menores de 1927 incorpora
as principais idéias defendidas pela nova escola penal, tal como o conhecimento e a classificação
dos criminosos, a individualização, estabelecendo-se como mais uma estratégia ampla de
normalização das classes populares.
O Código de Menores de 1927 representou um amplo complexo tutelar, voltado
principalmente para a disciplina, normalização e moralização da juventude pobre. Os juristas
adeptos da Escola Positiva no Brasil buscaram formas de controlar as camadas populares pela
legislação penal. Nesse sentido, pode-se afirmar que a maior crítica que se deve fazer ao Código
de Menores de 1927 é a de privilegiar o caráter repressivo e penal das medidas destinadas aos
jovens na condição de pobreza e abandono, sem maiores referências a medidas educativas e de
proteção, levando em consideração apenas os fatores da delinqüência, perversão e desvio em um
processo discriminatório e de criminalização.
3.2 O Código Penal de 1940 e a Era Vargas
A legislação voltada para crianças e jovens passou por algumas modificações no governo
getulista na década de 30. O governo de Getúlio Vargas caracterizou-se por medidas autoritárias
e populistas que promoveram modificações principalmente no poder judiciário e no
direcionamento de medidas legais para o povo. Nesse sentido, a legislação para os jovens não
ficou excluída, passando por algumas modificações: “com a Constituição de 1934, determinou-se
a proibição ao trabalho dos menores de 14 anos sem permissão judicial”. Contudo, a política
direcionada para os menores na era Vargas fazia parte do conjunto de preocupações da chamada
“política social”, permanecendo a idéia da formalização jurídica da questão do “menor” com a
adequação de um processo de assistência no sentido de acolhimento dos jovens e crianças
desprovidos de subsistência acoplado a processos de educação, correção e sociabilidade;
justificando a incrementação das instituições a que estes eram destinados com a valorização da
infância e juventude, como também com a persistência da defesa do desenvolvimento de uma
educação voltada para a aprendizagem do trabalho (Passetti, 2006, p. 354-370).
Em 1940, através do Decreto - lei n.º 2.848, instituiu-se o novo Código Penal
12
brasileiro, o Código Penal de 1940. Essa legislação adaptou-se às novas realidades sociais,
mantendo a estruturação das legislações anteriores. Os artigos foram alterados mediante a
atualização do discurso jurídico, com “inovações de certos pontos de punição e caracterização
das infrações, mas que mantiveram a estrutura jurídica no tocante à caracterização das situações
irregulares abrangidas” (Segundo, 2007).
Com relação ao menor delinqüente, o Código Penal de 1940 foi impreciso, determinando,
no artigo 23, que “Os menores de dezoito anos são penalmente irresponsáveis, ficando sujeitos às
normas estabelecidas na legislação especial”. Dessa forma, tal legislação não trouxe modificações
específicas à legislação do menor, credenciando a já existente, o Código de Menores Melo Matos.
12
Código Penal da República Federativa do Brasil. Disponível em:www.senado.gov.br.
A era Vargas caracterizou-se também por um movimento de defesa de valores morais que
privilegiavam a família, o bom trabalhador e os bons costumes e implementava as medidas legais
de assistência social às camadas populares. Cabe ressaltar que, mesmo diante um processo de
reorganização das legislações voltadas para os pobres e trabalhadores, a era Vargas manteve
equívocos no que se referiu ao direcionamento de direitos a esses sujeitos. Para Fischer (2006, p.
421,422),
[...] criou-se um espectro em que a ausência de direitos se tornou cada vez mais
identificada à condição extrema de pobreza, enquanto a exigência por direitos
se tornou a marca e a esperança dos cidadãos-trabalhadores que mais se
beneficiaram da extensão do alcance da lei. O significado social e político desse
espectro permanece um tema a ser explorado, mas sua mera existência indica
quanto a lei na era Vargas auxiliou a forjar o perfil das desigualdades sociais no
Brasil moderno.
Ferla (2005, p. 49) ressalta que
As relações entre doutrinas biodeterministas e autoritarismo político se
tornaram mais explícitas e institucionalizadas no Brasil s Revolução de 30,
com a ditadura de Vargas. O ambiente político e social, de tendências
totalitárias, passou a favorecer cada vez mais a discussão, elaboração e
implementação de estratégias de controle social. A preocupação com a “defesa
da sociedade”, portanto, poderia ser mais naturalmente incorporada na atividade
científica em tal contexto.
O Código Penal de 1940 estabelecia o envio, para internação em colônia agrícola,
instituto de trabalho, instituto de reeducação ou de ensino profissional, dos sujeitos considerados
em condição de ociosidade e vadiagem, como indica o artigo 93: “São internados em qualquer
dos estabelecimentos referidos no art. 88, § 1°, n. III, segundo pareça ao juiz mais conveniente”
[...], b) o condenado a pena privativa de liberdade, se o crime se relaciona com a ociosidade, a
vadiagem ou a prostituição.”
A redenção através do trabalho é uma constante nos códigos penais. Representado como
medida educativa, o trabalho estabelece disciplina e normatização, demarcando nesta relação,
entre discurso e a prática discursiva, processos de subjetividade nos sujeitos. Nesse sentido o
artigo 29 expõe que
A pena de reclusão e a de detenção devem ser cumpridas em penitenciária, ou, à
falta, em secção especial de prisão comum.
§ 1° O sentenciado fica sujeito a trabalho, que deve ser remunerado, e a
isolamento durante o repouso noturno.
§ As mulheres cumprem pena em estabelecimento especial, ou, à falta, em
secção adequada de penitenciária ou prisão comum, ficando sujeitas a trabalho
interno.
[...]
Parágrafo único. O trabalho, desde que tenha carater educativo, pode ser
escolhido pelo detento, na conformidade de suas aptidões ou de suas ocupações
anteriores.
No que se referia ao encaminhamento do criminoso para as instituições, a ambigüidade
embutida na lei comprova uma relação que compromete todo um discurso jurídico e sua prática,
pois as medidas punitivas direcionavam os sujeitos considerados criminosos tanto para
instituições psiquiátricas, quanto de educação. Cabia ao juiz analisar os processos e julgá-los. O
que deve-se considerar é que o trabalho do médico também aparece no Código no papel de perito
para a indicação do veredito. Nessa relação é que se decidia o destino do criminoso, como
apontam os artigos abaixo:
Art. 90. O internado deve ser submetido a regime de reeducação, de tratamento
ou de trabalho, conforme suas condições pessoais.
Art. 91. O agente isento de pena, nos termos do art. 22, é internado em
manicomio judiciário.
[...]
§ O juiz pode, tendo em conta a perícia médica, determinar a internação em
casa de custódia e tratamento, observados os prazos do artigo anterior.
Nessa perspectiva, o Código Penal de 1940, como as outras legislações penais do início da
República, apontavam para a aplicação de medidas punitivas ancoradas nos preceitos médicos,
que visavam ao isolamento, ao regime celular, bem como à imposição de normas e regras
disciplinares calcadas nos preceitos da Escola Positiva de criminologia. Como aponta Ferla
(2001),
[...] havia de fato, durante o Governo Vargas, uma verdadeira re-
institucionalização do Estado brasileiro, e os criminologistas pretendiam
participar deste movimento. Por outro, a diferenciação das instituições do
combate ao crime em unidades cada vez mais especializadas e dirigidas a
“públicos” atendia ao preceito positivista da individualização da pena ou do
“tratamento”. Era este o objetivo quando se reivindicava a separação de
menores e adultos, de loucos e “normais”, de homens e mulheres, e assim por
diante (p. 120, 121).
As mudanças e permanências existentes no Código Penal de 1940 configuraram-se pelo
quadro político que se afirmava no país. O governo Vargas tinha como proposta o fortalecimento
do Estado mediante as decisões e direcionamentos da sociedade. Com um discurso populista, a
Era Vargas firmou-se através de uma postura controladora e autoritária, que reproduziu as
medidas de controle, normatização e manutenção da sociedade, em especial, das camadas
populares.
3.3 “DEPÓSITO DE MENOR” – Uma Análise de Processos Cíveis do Início da República
As legislações pontuadas até então indicam o quanto era ambígua a caracterização da
categoria juventude que se fazia presente no período. A juventude pobre encontrava-se imersa em
um contexto de reformulação da justiça, da economia e da política na sociedade brasileira.
Com o objetivo de identificar as especificidades da aplicação das legislações penais para
jovens e a inserção das concepções médicas no processo de correção e punição da juventude,
cinco processos cíveis “Depósito de Menor do Fundo do Poder Judiciário da Comarca de
Bragança Paulista (1798-1980) que se encontram tutelados no Centro de Documentação e Apoio
à Pesquisa em História da Educação
13
(CDAPH), da Universidade São Francisco (USF), foram
analisados. Os processos “Depósito de Menor” envolvem jovens pertencentes às camadas
populares e fazem parte de um arcabouço de medidas oriundas do período que visavam o controle
desses menores. Tais processos compreendem, especificamente, a regulamentação da situação
13
O Centro de Documentação e Apoio à Pesquisa em História da Educação (CDAPH), vinculado ao Programa de
Pós-Graduação em Educação da Universidade São Francisco, desenvolve atividades voltadas à identificação, coleta,
preservação, tratamento e divulgação de acervos de natureza arquivística e bibliográfica, relevantes à memória e
História da Educação brasileira, privilegiadamente do período republicano tem como objetivos a promoção de
diferentes atividades visando ampliar e garantir o acesso e a divulgação do conhecimento produzido no universo
acadêmico junto à sociedade em geral; o acesso e a divulgação de seu acervo; a participação em trabalhos de
preservação do patrimônio histórico e cultural brasileiro. O CDAPH reúne acervos documentais de origem e natureza
diversas, obtidos por meio de doação, cessão para reprodução, permuta, recolhimento, depósito e custódia. Dentre
seus principais fundos e coleções está o Fundo do poder judiciário da comarca de Bragança Paulista (1798-1980). O
Fundo do Poder Judiciário da Comarca de Bragança Paulista é custodiado pelo CDAPH em decorrência do convênio
firmado entre o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo e a Universidade São Francisco. É formado por
processos crimes, cíveis, comerciais e trabalhistas. Além de processos, inquéritos e editais, esse fundo contém
diversos tipos de livros: entre outros, de notas, de coletoria, de protocolo, de relação de jurados. A alguns processos
do Judiciário foram anexados, como elementos probatórios, plantas, mapas, jornais, fotografias, etc. Disponível em:
www. saofrancisco.edu.br/cdaph
civil de jovens que se encontravam fora da tutela de seus pais e residindo em outro lugar que não
era sua casa. Essas irregularidades configuraram uma realidade de abandono, contravenção e de
trabalho constituinte de uma sociedade oportunista e discriminatória.
Inseridos na conjuntura do Código de Menores Melo Matos de 1927, tais processos
correspondiam à vigência de tal Código e às mudanças pertinentes da década de 30 no Brasil,
como a constituição de 1934 e a promulgação do Código Penal de 1940. Faz-se necessário
pontuar o lugar em que tais determinações se efetivam. Calcados no Código Melo Matos, tais
processos encontraram respaldo nos artigos que se referem ao Pátrio Poder e à guarda de
menores. A questão do pátrio poder no Código de Menores Melo Matos de 1927 trouxe
considerações que flexibilizavam a decisão da justiça em relação à guarda dos jovens. Os artigos
31 e 36, respectivamente, elucidam tais determinações,
Nos casos em que a provada negligencia, a incapacidade, o abuso de poder, os
máos exemplos, a crueldade, a exploração, á perversidade, ou o crime do pae,
mãe ou tutor podem comprometer a saude, segurança ou moralidade do filho ou
pupillo, a autoridade competente decretará a suspensão ou a perda do patrio
poder ou a destituição da tutela, como no caso couber.
E’ licito ao juiz ou tribunal deixar de applicar a suspensão do patrio poder, si o
pae ou mãe se comprometter a internar o filho ou os filhos, em estabelecimento
de educação, ou garantir, sob fiança, que os filhos serão bem tratados (Código
de Menores Melo Matos, 1927).
O artigo 43 apresenta a autonomia que o juiz possuía em determinar o destino dos jovens,
salientando que qualquer pessoa, desde que considerada idônea, poderia candidatar-se para ficar
com o menor:
O juiz ou tribunal, na escolha de tutor para o menor retirado do patrio poder
ou removido da tutela, deve observar os preceitos dos arts. 406 a 413, do
Codigo Civil; salvo si o parente a quem competir a tutela não estiver em
condições moraes e economicas de prover á manutenção e educação do menor.
§ 3º Durante o andamento da acção de inhibição ou de remoção qualquer pessoa
póde dirigir-se ao juiz ou tribunal, pelo meio legal, afim de obter que o menor
lhe seja confiado, sujeitando-se ás obrigações e aos encargos de direito; e, si fôr
julgada idonea, o juiz ou tribunal poderá attende-la.
O artigo 46 aponta para o envio e guarda dos menores a “particulares” ou a instituições
que teriam a função de zelar pela guarda dos jovens e que, mediante autorização do juiz,
permaneceriam sob tal proteção:
Quando associações ou institutos regularmente autorizados ou particulares, no
uso e goso dos seus direitos civis, tiverem acceitado o encargo de menores de
18 annos abaixo, que lhes tenham sido confiados pelos paes, mães ou tutores, o
juiz ou tribunal do domicilio destes póde, a requerimento das partes
interessadas e de commum accordo, decidir que em beneficio do menor sejam
delegados os direitos do patrio poder e entregue o exercicio desses direitos A
administração do estabelecimento ou ao particular guarda do menor.
O artigo seguinte refere-se a situações de menores recebidos por instituições ou
particulares sem o conhecimento dos pais. Nesse caso, tanto a instituição quanto a pessoa que
estivesse com este menor deveriam recorrer ao juiz para regularizar a situação de ambos:
Quando as associações ou os institutos ou os particulares mencionados no
artigo precedente tiverem recolhido o menor sem intervenção do pae, mãe ou
tutor, devem fazer declaração, dentro de tres dias, á autoridade judicial, ou em
falta desta á policial, da localidade em que n menor houver sido recolhido, sob
pena de multa de 10$ a 50$; e a autoridade, que tiver recebido essa declaração,
deve, em igual prazo e sob as mesmas penas, notifical-a ao pae, mãe, tutor. Em
caso de reincidencia, applicar-se-ha a pena de prisão cellular de oito a trinta
dias (Código de Menores Melo Matos, 1927).
Os artigos demonstram a intencionalidade de regularizar a situação da juventude pobre da
República. No caso de o menor encontrar-se com algum particular, este último poderia solicitar
ao juiz a guarda do menor caso tivesse interesse. Essa regularização compreendia o
asseguramento do lugar desses jovens no campo do trabalho:
Art. 48. Si dentro de um prazo razoável, ao critério da autoridade competente,
mas nunca inferior a três mezes, a datar da notificação, o pae, a mãe ou o tutor
não reclamar o menor, quem o recolheu póde requerer ao juiz ou tribunal de seu
domicilio que no interesse do menor o exercício de todos ou parte dos direitos
do pátrio poder lhe seja confiado.
Os artigos do Código de Menores Melo Matos de 1927 indicam para a necessidade do
controle social da juventude, como segue:
Art. 51. Nos casos do artigo precedente, a autoridade judicial póde tambem,
conforme as condições pessoaes do pae ou mãe, ou tutor, que reclama o menor,
decretar a perda do patrio poder ou a remoção da tutela, concedendo-o, a quem
o menor está confiado ou a outrem.
Art. 53. A autoridade judicial póde a todo tempo, substituir o tutor ou guarda do
menor, ex-officio, a requerimento do Ministério Publico ou das pessoas ás
quaes aquelle foi confiado.
Art. 54. Os menores confiados a particulares, a instituto ou associações, ficam
sob a vigilancia do Estado, representado pela autoridade competente.
Nesse sentido, cabia ao juiz decidir para quem seria enviado o menor em questão em
casos de retirada do pátrio poder do pai, da mãe ou do tutor.
Os artigos do Código de Menores Melo Matos de 1927 indicam para a autoridade do juiz
de Direito ler os processos e destinar os menores mediante um processo de classificação e
controle dos jovens. Os artigos que informam sobre a questão do pátrio poder e o processo de
Depósito de Menor demonstram claramente uma sociedade configurada por medidas que
reservavam um lugar para os jovens pobres da primeira República atrelado a processos de
regulamentação e normatização. Os artigos visam também regulamentar os jovens órfãos e
aqueles que possuem herança em um movimento de controle familiar e regularização de seus
destinos, seja para parentes próximos seja para particulares ou instituições.
Dentro desses dispositivos importava regulamentar e inserir tais jovens na sociedade
republicana. O envio de menores para os institutos disciplinares industrial e de reeducação
demonstram tais intecionalidades.
Nos processos analisados, a situação irregular dos jovens chega de várias formas ao juiz
de direito da Comarca de Bragança Paulista, ou por reclame dos pais, ou por terem sido
cometidas atitudes consideradas prejudiciais à ordem da sociedade, ou por terem se rebelado
contra alguma realidade estabelecida, sendo considerados propensos delinqüentes.
Nos respectivos artigos 55 e 56 do Código de Menores Melo Matos a questão efetiva do
procedimento de “Depósito de menor” elucida as considerações efetuadas,
A autoridade, a quem incumbir a assistencia e pprotecção aos menores,
ordenará a apprehensão daquelles de que houver noticia, ou lhe forem
presentes, como abandonados os depositará em logar conveniente, o
providenciará sobre sua guarda, educação e vigilancia, podendo, conforme, a
idade, instrucção, profissão, saude, abandono ou perversão do menor e a
situação social, moral e economica dos paes ou tutor, ou pessoa encarregada de
sua guarda, adoptar uma das seguintes decisões.
a) entregal-o aos paes ou tutor ou pessoa encarregada de sua guarda, sem
condição alguma ou sob as condições qe julgar uteis á saude, segurança e
moralidade do menor; b) entregal-o a pessoa idonea, ou internal-o em hospital,
asylo, instituto de educação, officina escola do preservação ou de reforma;c)
ordenar as medidas convenientes aos que necessitem de tratamento especial,
por soffrerem de qualquer doença physica ou mental;d) decretar a suspensão ou
a perda do patrio poder ou a destituição da tutela; e) regular de maneira
differente das estabelecidas nos dispositivos deste artigo a situação do menor, si
houver para isso motivo grave, e fôr do interesse do menor.
Si no prazo de trinta dias, a datar da entrada em, juizo o menor fugitivo ou
perdido, ou que esteja nos casos do art. 26, ns. I e II, não fôr reclamado por
quem de direito, o juiz, declarando-o abandonado, dar-lhe-ha conveniente
destino. Todavia, a qualquer tempo que o responsavel reclamar, o menor poderá
ser-lhe restituído (Código de Menores Melo Matos, 1927).
Percebe-se que o Código previa a condição do menor como “fugitivo” ou “perdido”,
criando brechas para a interpretação do juiz em contrapartida à realidade efetiva dos menores.
Assim, os dispositivos são ambíguos e possuem duplas interpretações, de acordo com os
interesses envolvidos. A relação estabelecida entre os jovens e os poderes legislativos revela que
o jovem encontrava-se sempre em um posicionamento restrito no tocante aos lugares e
enquadramentos da ordem social vigente. É nesse sentido que artigos do Código de Menores
Melo Matos tratavam do destino de jovens pobres, demonstrando sua vulnerabilidade mediante a
sociedade.
Nesse contexto os processos Depósito de Menor denunciam os caminhos e os
descaminhos trilhados pela juventude pobre brasileira no início da República.
Ao analisar o processo “Depósito de Menorde 23 de maio de 1935, referente a um
jovem com idade de 12 anos denominado Nicanor Pedroso de Souza, pôde-se identificar a
vulnerabilidade dos processos aos quais os menores eram submetidos. Nicanor morava na casa de
seu padrinho Francisco Maiolino, “lavrador, residente e domiciliado na cidade de Bragança
Paulista”. O documento define que Nicanor possuía pai “incógnito” e que a mãe era “prostituta”.
Francisco declara, em depoimento ao juiz da comarca bragantina, que as razões pelas quais
entrega o jovem são a sua mudança para a Itália como também
a mãe de Nicanor é mulher de má conducta [...] foi casada mas Nicanor não é
filho do casamento da mãe [...]. Nicanor tem péssimo procedimento e por esse
motivo o declarante não pode mais te-lo em sua companhia.
Na declaração, o padrinho de Nicanor deixa claro por quais razões recorreu à justiça e que
a reputação da mãe era fator pelo qual o jovem não possuía bom comportamento. O processo
decorre com a intimação da mãe, a senhora Belarmina Pinto, e no dia 23 de maio de 1935 o
escrivão define no processo o seu depoimento:
Na declaração da mãe diz que é viúva de Carlos Theodoro de Faria e que a
única pessoa que poderia tomar conta do menor é o pai da declarante, José
Pedroso de Moraes [...] mas o mesmo é pobre e conta mais de setenta annos de
idade, achando-se, por isso, impossibilitado de assumir a responsabilidade pela
guarda do menor.
Em declaração datada de seis meses após a abertura do processo, Berlamina Pinto
ressaltou
que é casada, serviços domésticos; respondeu que Nicanor de Souza é seu filho
e que o deixou com o padrinho Francisco Maiolino por serem muito pobres, diz
que Nicanor não é filho do seu casamento, e que atualmente não vive amasiada
e deseja ter seu filho em sua companhia, embora, Nicanor não deseje o mesmo,
isto é, não queira viver na companhia da mãe.
O documento possui uma lacuna, que se faz necessário pontuar: não é designado o destino
do jovem em questão, ou seja, nesses seis meses após a entrega de Nicanor por Francisco
Maiolino à justiça, o processo não faz menção do destino do jovem até então. Somente passado
esse período o juiz determina, em 25 de outubro de 1935,
a intimação da mãe e do Dr. Curador Geral, e pede a apreenção do menor que
devera também comparecer a fim de se verificar si o mesmo necessita de
tratamento especial.
Informe o Sr. Escrivão si tem conhecimento de alguma família que se
prontifique a receber o menor em depósito, ainda que provisoriamente.
Pode-se estabelecer, então, que a partir desse período ele pede a busca de Nicanor para
verificação e apontamento da necessidade de um “tratamento especial”, que consistia no seu
encaminhamento para algum estabelecimento asilar, abrigo ou casa de correção. Se fosse
detectado que não haveria tal necessidade, o juiz deixa claro que o encaminharia para alguma
família interessada em recebê-lo.
Esse procedimento estava de acordo com o artigo 68 do Código de Menores Melo Matos,
que contém indicações para a averiguação do estado físico e mental do jovem, o caráter
prevencionista do Código e a relação da medicina com as determinações judiciais, pois, se fosse
diagnosticada no jovem alguma patologia que gerasse distúrbio de comportamento, a medida
legal a ser tomada deveria ser o envio desse jovem para um tratamento profilático e médico.
Assim, a delinqüência nos jovens deveria ser prevenida, tratada e curada. Como pontua o referido
artigo,
Art. 69. O menor indigitado autor ou cumplice de facto qualificado crime ou
Contravenção, que contar mais de 14 annos e menos de 18, será submettido a
processo especial, tomando, ao mesmo tempo, a autoridade competente as
precisas informações, a respeito do estado physico, mental e moral delle, e da
situação social, moral e economica dos paes, tutor ou pessoa incumbida de sua
guarda.
§ Si o menor soffrer de qualquer forma de alienação ou deficiencia cuidados
especiaes, a autoridade ordenará seja submettido ao tratamento apropriado.
Fausto (1984, p. 82) explicita que o contexto em que se desenvolve a delinqüência do
jovem estava associado muitas vezes a um processo de perseguição das famílias. “Criticando
muitas vezes a irresponsabilidade dos pais, a imprensa propõe medidas paternalistas ou
abertamente repressivas, como o recebimento de menores abandonados por parte das famílias
bem constituídas, a implantação de estabelecimentos especializados, a ação policial.”
Concomitantemente à necessidade de um cuidado especial o jovem delinqüente estava a
verificação das condições dos pais e tutores desses jovens mediante um processo de controle
dessas famílias através da regulamentação da situação dos jovens. Entretanto, o alvo das práticas
intervencionistas e disciplinadoras era a família das camadas populares. A família pobre foi
compreendida como carente de recursos morais e intelectuais para educar seus filhos, que se
encontravam em situação de risco e periculosidade pela sua própria condição.
No dia 26 de outubro de 1935 o menor Nicanor faz declaração ao juiz,
[...] sobre a mãe trabalha em serviço de roça; ignora o motivo que a mãe o
deixou na casa do padrinho. Disse: Que não é verdade que o declarante se
insubordina contra as ordens de seu padrinho querendo agredi-lo ou querendo
matá-lo; que também não é verdade que tenha habito de abandonar a casa de
seu referido padrinho, nem tirar as cousas do mesmo; que o declarante esteve
numa escola noturna e saiu da mesma porque o seu padrinho o obrigou não o
tendo deixado matricular-se no grupo; que o declarante não quer mais ficar em
companhia de seu padrinho apesar de não ter motivo para isso, desejando,
entretanto, ir, para a casa de Olympio Marques, o qual também o deseja em sua
companhia.
A declaração de Nicanor possui a tonalidade de uma defesa necessária tentando deixar
muito claro que supostas acusações sobre o seu comportamento não eram verdadeiras e, o que é
muito importante, indicou o nome da pessoa com a qual demonstrava interesse em ser
“depositado”.
Outro aspecto importante da declaração do menor é a referência que faz à sua educação,
informando que foi retirado da escola noturna, a qual freqüentava, e impossibilitado de retornar a
ela. O depoimento de Nicanor indica a ausência e a disparidade da educação na vida da juventude
brasileira.
Na mesma data foram ouvidas no processo três testemunhas, que explicitaram
basicamente características dos genitores e do menor, como segue:
Maria Dolores Rodrigues:
-mãe mulher de péssimo procedimento moral. Mãe infringiria mãos tratos ao
menor.
-menor – coducta por isso sr. Francisco Maiolino não consegue tê-lo em sua
companhia.
Florentina Alves de Moraes:
-mãe – mulher prostituta, foi casada e abandonada pelo marido.
-menor – é menino endiabrado e de má conducta.
Elias de Souza Penteado:
-mãe – mulher prostituta, casada com um primo do depoente.
-menor – menino travesso e briguento.
Sr. Francisco Maiolino não pode ter o dito menor em sua companhia devido o
comportamento do mesmo.
As testemunhas eram pessoas conhecidas da mãe e do padrasto do menor, sendo o último,
o senhor Elias, primo do ex-marido da mãe do menor.
Em todas as declarações as testemunhas afirmaram o mau comportamento do jovem,
deixando explícito que a mãe era prostituta e afirmando que estas eram as duas principais razões
pelas quais Francisco Maiolino requereu o “depósito do menor” Nicanor.
Pode-se perceber que nesse processo a ênfase dos depoimentos das testemunhas estava
nas descrições morais da mãe e do menor, estabelecendo indicadores para a decisão do juiz.
Em 7 de novembro de 1935 o juiz dá por encerrado o referido processo estabelecendo
[...] que, provisoriamente, fique o menor depositado em casa de Gentil de Assis
Gonçalves, onde poderá ele ser empregado em serviços de natureza leve, desde
quando complete 13 anos de idade, mediante a retribuição mensal de 5.000
(cinco mil réis), ficando o depositário com a obrigação de fornecer-lhe roupa e
alimento.
Nicanor foi depositado na casa de Gentil de Assis Gonçalves, que não era a mesma pessoa
indicada pelo menor para a sua entrega. O veredito do juiz demonstra também que o jovem não
irá receber uma nova família, e sim que estaria depositado em condição de prestações de serviços,
ou seja, de trabalho sob a condição de pagamento salarial. A idade de 13 anos estabelecida pelo
juiz de 13 anos para o depósito de Nicanor sinaliza novamente a vulnerabilidade e a ambigüidade
que caracterizavam a relação dos poderes públicos com a juventude das camadas populares do
início da República, reafirmando a associação das condições de abandono e pobreza ao
desenvolvimento de uma futura delinqüência.
Outro processo de “Depósito de Menor”, de 1935, da Comarca de Bragança Paulista,
referiu-se ao jovem Assis Mariano, que, em 18 de outubro de 1935, esteve à presença do juiz o
qual declarou:
Tendo vindo à minha presença o menor Assis Mariano, 17 anos de idade, o qual
fugiu da sua casa alegando ser maltratado por seu padrasto Juvenal Ferreira,
mando que, depositado provisoriamente o menor na casa de Camilo José
Oliveira, no bairro do Campo de Jacareí, sejam intimados o menor, sua mãe
Ana Ferreira e seu padrasto para prestarem declarações em juízo, no dia 25 do
mês corrente, às 13 horas, no Fórum, ciente do dr. Curador geral.
Esse processo mostra que o próprio jovem, Assis Mariano, recorreu à justiça, alegando os
maus-tratos sofridos na família, o que aponta para a resistência definida por esse jovem mediante
um contexto de opressão e violência.
O processo é composto pelas declarações do jovem, da mãe e do padrasto.
O menor Assis Mariano faz seu depoimento para o juiz de Direito, Dr. Octavio Guilherme
Lacorte, declarando que
[...] tem dezessete anos de idade, mais ou menos, ignorando, porém, o dia do
seu nascimento; que num destes domingos, à noite, o declarante abandonou a
casa de sua mãe e de seu padrasto, porque este último ameaçou de enforcar o
declarante; [...] que o padrasto do declarante costuma bater no mesmo, sem
razão plausível; que o padrasto do declarante também obriga o declarante a
trabalhos excessivos e não o sustenta convenientemente dando-lhe pouca
alimentação.
O padrasto do referido menor, Juvenal Ferreira, brasileiro e lavrador, com trinta e seis
anos de idade, declarou o seguinte:
Que não é verdade que o declarante em qualquer tempo haja aggredido o seu
enteado na fórma descripta por este; que o menor em questão é muito travesso e
não gosta de trabalhar, tendo o hábito de fugir de casa; que certa vez João
Geremias colono da fazenda de dona Sinhasinha Felix, espancou o menor em
questão, em vista de haver elle respondido malcriadamente ao referido colono;
que para provar que a accusação do menor não tem procedência, o declarante
pode indicar as seguintes testemunhas: Sebastião Marcolino.
Tanto no depoimento do menor quanto de seu padrasto, a questão do trabalho é uma
constante. Grande parte desses jovens não tinha acesso à educação escolar, permanecendo como
aprendizes de ofícios e mão-de-obra barata quando não gratuita.
A mãe, Anna Ferreira lavradora, também foi ouvida pelo juiz, afirmando que
não é verdade que o marido da declarante tenha batido no menor [...] que é
verdade que o marido [...] bastante enérgico para com o menor [...] que o menor
é um tanto travesso e que tem o habito de fugir de casa; que é verdade que o
padrasto do menor costuma insultá-lo, principalmente nas ocasiões das
refeições [...].
É importante observar que a mãe do jovem faz declaração em defesa do marido e padrasto
de Assis Mariano, indicando o jovem como o possível culpado pela situação por causa de seu
mau comportamento. Concomitantemente, Juvenal Ferreira defende-se das acusações indicando
testemunhas para a comprovação de sua inocência, afirmando também que o jovem possui
péssimo comportamento, o que causa transtornos para a família.
Em conclusão ao processo, o juiz manda que até outra deliberação o jovem permaneça
provisoriamente depositado na casa de Camilo JoOliveira, findando o processo. Verifica-se
diante do acervo desses processos, que não houve nenhum outro com referências ao referido
menor no período de dez anos.
O processo “Depósito de Menor”, de 1929, da menor Laurentina Maria de Jesus, possui
vários indicadores das especificidades até então citadas e analisadas. A menor era filha de pai e
mãe falecidos, Américo José de Almeida e Mariana de Jesus, ou seja, a menor era órfã e tinha 17
anos. Na abertura do processo consta o histórico da menor:
[...] se acha empregada em casa do Sr. Paulo da Silveira Pupo, nesta cidade,
tendo dita menor um irmão de nome Antonio José de Almeida, residente em
Jaguary, Estado de Minas, de onde a menor natural, contanto que além desse
irmão, a referida menor tem um cunhado de nome Ramiro José Ferreira,
jornaleiro, que mora na fazenda dos Irmãos Stefani, sita no bairro do Arraial,
deste município, muito distante da cidade, sendo certo que de accordo com a
Lei é necessário dar um tutor à referida menor, mas não havendo no momento
quem queira acceitar o encargo, é esta a V. Excia. para requerer se mandar que,
cumpridas as formalidades legaes, seja dita menor depositada em casa de uma
família, nomeando-se pessoa idônea depositaria, e para tal fim indica a casa do
Sr. Paulo da Silveira Pupo, nomeando-se depositário o mesmo Sr.
Percebe-se nesse processo que o próprio senhor Paulo da Silveira Pupo foi até o juiz para
regularizar a situação da menor, que se encontrava em sua casa e prestava serviços domésticos de
casa e comida. Pela regularização da situação da menor com a justiça, o senhor Pupo ficaria livre
de qualquer problema judicial em relação à guarda da menor, além de oficializar a condição da
mesma como funcionária da casa.
Nesse sentido, o processo aponta ainda que o senhor Pupo tinha o “compromisso legal”
de oferecer a retribuição dos serviços da jovem. No “Termo de compromisso” do processo consta
ainda que
O depositário Paulo Silveira Pupo, declarou que, debaixo do compromisso
prestado, se compromette a zelar da pessoa da referida menor, fornecendo-lhe
roupas, alimentos e instrucção primaria, e fazendo tudo quanto for a bem de
seus direitos. Nada mais declarou: do que para constar lavrou-se o presente que
vae assignado.
Em contrapartida à guarda da jovem, o “depositário” compromete-se a lhe fornecer bens
de consumo e sobrevivência, bem como a “instrução”. Tal instrução compreendia a inserção do
menor no processo de escolarização das primeiras letras do início da República, que, constituída
por uma multidão de analfabetos, necessitava instruir suas crianças e jovens para a composição
da sociedade industrial e do regime vigente.
Ao que parece, a educação ocorre nesses processos “Depósito de Menor” como forma de
barganha perante a lei para a obtenção da mão-de-obra dos jovens que, diante da suas condições
de pobreza e abandono só contam com a própria força de trabalho para a garantia de sua
subsistência.
A educação caracteriza-se nesses processos também como forma de prevenção e redenção
dos sujeitos. As elites contundentemente ampliaram as medidas para a juventude com um perfil
considerado pelos discursos médicos e jurídicos do período como predisposto à delinqüência
mediante perspectivas educacionais elaboradas que objetivavam uma eficiente profilaxia da
criminalidade.
Em estudo sobre o menor e o crime no início da República, Fausto (1984, p. 86, 87)
informa que
É comum associar-se a delinqüência à falta de educação formal e à pobreza.
Sob o primeiro aspecto, os dados não permitem ir muito além das relações entre
o grau de alfabetização de presos ou processados e a massa global da
população. Entre 1900 e 1916, as pessoas presas “com instrução” correspondem
a cerca de 53% do total. As informações posteriores a 1910 demonstram que
“instrução” equivale, maciçamente, quando muito, a saber ler e escrever.
No processo “Depósito de Menor” que data do ano de 1931, Ângelo Oliva solicita ao juiz
de Direito a guarda do menor Natal, relatando a história do jovem:
cerca de um anno e meio o lavrador Ângelo Oliva, de 50 annos, casado,
residente no Bairro da Água Comprida, nesta comarca, foi procurado por uma
mulher conhecida pela alcunha de “Dita”, que lhe fez entrega de um filho de 10
annos de nome Natal, allegando impossibilidade de mante-lo e ser elle orphão
de pae. Compadecendo-se da sorte do menor, Ângelo concordou em mante-lo,
como o fez, até hoje. A mãe do menor está, actualmente, entregue à prostituição
nesta cidade, não podendo, servir do artigo 26, n. n. III e IV do Código de
Menores (Decreto Federal 17.943 A, de 12 de Outubro de 1927), exercer
autoridade alguma. Acontece, porém, que Ângelo Oliva manifesta interesse
pelo menor e está disposto à sua guarda até a maioridade. Compromettendo-se,
ainda, à soldada de 5$000 mensaes, recolhida, trimestralmente, à Caixa
Econômica, em caderneta em nome do menor.
Para a obtenção da guarda do menor Natal, Ângelo Oliva declara a condição de prostituta
da mãe do jovem. Pelos preceitos legais a postura da genitora compreendia malefícios para o
jovem que, convivendo com tal realidade, poderia ser influenciado por ela e, conseqüentemente,
enveredar para uma conduta delinqüente. Citando o artigo 26 do Código de Menores Melo
Matos, o processo credita a não-condição da mãe em possuir a guarda do filho:
Consideram-se abandonados os menores de 18 annos:
[...]
III, que tenham pae, mãe ou tutor ou encarregado de sua guarda
reconhecidamente impossibilitado ou incapaz de cumprir os seus deveres para,
com o filho ou pupillo ou protegido;
IV, que vivam em companhia de pae, mãe, tutor ou pessoa que se entregue á
pratica de actos contrarios á moral e aos bons costumes;
[...]
O discurso da legislação específica para menores considerava que era preciso evitar,
prevenir e salvaguardar os jovens pobres da imoralidade de suas famílias, impulsionando um
movimento repressor às famílias pobres do início da República.
Ângelo Oliva também não possuía oficialmente a guarda do menor, recorrendo ao juiz
para regularizar a situação de ambas as partes. Seu procedimento indica que a condição desses
menores estava atrelada a uma realidade de ilegalidade, ou seja, não eram cuidados pelos pais ou
parentes, estavam sob a “guarda” de alguém que poderia prover a sua subsistência em troca, é
claro, de seus préstimos, ou seja, serviços domésticos na agricultura, comércio, etc.
O processo caminhou no sentido do juiz considerar que
Esta Curadoria, attendendo à situação do menor e às vantagens que lhe advirá o
do amparo que lhe é offerecido, requer seja applicada a providencia do artigo
49 do mesmo Código de Menores, deferindo-se ao mesmo Ângelo Oliva o
compromisso de guarda e soldada, como acima se expoz, sob as penas da lei.
O artigo 49 do Código de Menores Melo Matos considera que,
Quando o menor for entregue por ordem da autoridade judicial a um particular,
para que fique sob a sua guarda ou á soldada, não ha necessidade de nomeação
de tutor, salvo para os actos da vida civil em que é indispensavel o
consentimento do pae ou mãe, e no caso do menor possuir bens: podendo,
então, a tutela ser dada á mesma pessoa a que foi confiado o menor ou a outra.
Ângelo Oliva foi intimado a ser o “depositário” do menor Natal, em cujo “Termo de
depósito e compromisso” está indicado que
Aos quatorze de Abril de mil novecentos e trinta e um, nesta cidade de
Bragança, em meu cartório, presente o M. Juiz de Direito e exercício, Olympio
José de Oliveira, Juiz de Paz, comigo escrivão de seu cargo, adiante
declarando ali comparecer o cidadão Ângelo Oliva, lavrador, residente neste
município, a quem o M. Juiz deferiu o compromisso na forma de lei,
encarregando-o de bem e fielmente, com boa e consciência, desempenhar o
cargo de depositário do menor Natal, de dez anos de idade, filho de Benedicto
de tal, zelando de sua pessoa e fazendo tudo que seja preciso para a sua
manutenção e educação, até que o mesmo attinja a maioridade, ficando
obrigado a pagar as soldadas de cinco mil reis (5$000) mensaes que deverão ser
recolhidos trimestralmente na Caixa Econômica desta cidade em caderneta em
nome do menor, ficando sujeito às penalidades legaes. Aceito e prestando o
compromisso, assim prometteu cumprir, bem como sujeitou-se ao pagamento
das soldadas fixadas pelo M. Juiz. E para constar assim este termo que assegura
com o M. Juiz, fazendo Domingos Souza Dias a rogo de Ângelo Oliva, que
declarava não saber escrever, com as testemunhas abaixo, minhas conhecidas e
residentes nesta cidade, declarou fé.
No processo acima fica claro que Ângelo Oliva pleiteou a regularização da situação do
menor Natal perante a lei para não obter prejuízos e problemas com a lei. Este procedimento
demonstra que possivelmente a permanência de jovens pobres em casas de pessoas que não eram
de sua família, conhecidas ou até mesmo desconhecidas, não era uma exceção. A questão é que
os processos “Depósito de Menor” indicam a urgência do período no tocante à normatização
desses jovens perante o Estado.
Foi analisado outro processo “Depósito de Menor” que se caracteriza pela necessidade de
regulamentação do menor que se encontrava sob guarda de um particular de forma irregular. No
referido processo Alzira Villaça Guimarães era a pessoa que mantinha a menor Geralda em sua
casa sob guarda, recorrendo ao juiz para declarar e regularizar a situação da menor. Alzira
informou à lei que a família da menor vivia em situação de contravenção em meio a uma rotina
de mendicidade e pontuando claramente que a mãe da menor tinha inclinações para a
prostituição e que os outros filhos ficavam pelas ruas mendigando a mando dela declarou em 2 de
fevereiro de 1933, ao juiz de Direito, que
Alzira Villaça Guimarães, viúva, residente e domiciliada nesta cidade, vem
perante V. Excia. allegar e requerer o seguinte:
1º) Que há cerca de 4 annos, Maria Bafaccia de Souza, viúva, também residente
nesta cidade, não podendo manter sua filha Geralda que, naquella ocasião, tinha
9 annos, depositou a mesma na casa da requerente.
2º) Que a requerente recebendo em sua casa, a alludida menor, tem até esta
data, fornecido à mesma vestuários, alimentação e tudo que é necessário a sua
manutenção, pagando ainda a ella dez mil reis (10$000) mensaes, quantia essa
que até aqui, tem sido recebida por sua mãe.
3º) Aconteceu entretanto que, agora, a mãe da referida menor pretende retira-la
de sua casa, sem que haja motivo justo para isso.
4º) Que a menor em questão não pode residir em companhia de sua mãe, porque
esta freqüenta casas suspeitas, digo, esta freqüenta, assiduamente, casas
suspeitas nesta cidade, e, actualmente explora a caridade publica, por
intermédio de outros seus filhos, que os obriga a pedirem esmolas aqui.
Alzira informa ainda no processo que “em vista do exposto é a presente para requerer a V.
Excia. se digne mandar depositar a menor acima mencionada em casa da requerente mediante o
ordenado mensal de dez mil réis (10$000), obrigando-se a requerente a fornecer a ella roupa,
alimentação e trata-la com todo carinho.”
Percebe-se nesse processo que a requerente apenas compareceu ao juiz após a mãe da
menor solicitar a filha de volta. Até então a menor convivia e vivia sob guarda ilegal de Alzira
Villaça Guimarães.
No desenrolar do processo são solicitadas as presenças da menor, da mãe da menor e da
senhora Alzira novamente para serem interrogadas.
No dia 1.º de março de 1933, a mãe da menor presta depoimento para o Juiz de Direito da
Comarca de Bragança, Estado de São Paulo
Declarante: Mãe – Maria Bafaccia de Souza: “que absolutamente não é verdade
o que foi allegado pela requerente dona Alzira Villaça Guimarães, em sua
petição [...] que ella declarante vivia de lavar roupas até o anno passado, não
exercendo mais essa profissão por motivo de doença, sendo, certo que a sua
manutenção é feita pelos próprios filhos délla declarante de nomes Jorge, Maria
José e José, o primeiro com dezoito annos de idade, a segunda com dezessete
annos de idade e o último com quinze annos de idade, os quaes vivem de
salarios mensaes”, as quantias por volta de vinte e cinco mil is (25$000) [...]
que além desses filhos, um outro seu filho de nome João Evangelista de Souza,
também auxilia a declarante com a quantia de dez ou quinze mil réis e isto ora
um mez e ora de cada doiz mezes, que, apesar de ter declarado que a
requerente, digo que não concorda com as allegações da requerente, declara
entretanto, que a requerente tem fornecido alguma roupa a menor bem como
alimentação e tudo quanto é necessário à sua manutenção que quanto a
importância de dez mil is mensaes, a requerente pagou a menor até o mez de
Dezembro próximo findo, que sendo mãe de dita menor e achando-se em
condições de mantê-la quer retirar a dita menor para ir residir em companhia
della inventariamente [...] não sendo verdade o que se allega a respeito della,
quanto a freqüentar assiduamente, e mesmo de forma alguma casas suspeitas,
nesta cidade, não sendo verdade também que explora a caridade pública, por
intermédio de seus filhos.
A mãe da menor declara que não é verdade que faz de seus filhos mendigos e pedintes
pelas ruas e que o que Alzira declara são calúnias.
Para o Código de Menores Melo Matos, especificamente no artigo 142,
Mendigar em companhia de menor de 18 annos, ainda que seja filho, ou
permittir que menor sujeito a seu poder ou confiado a sua guarda ou cuidado,
ande a mendigar, francamente, ou sob pretexto de cantar, tocar qualquer
instrumento, representar, offerecer qualquer objecto à venda, ou cousa
semelhante, ou servir-se desse menor com o fim de exercitar commiseração
publica.
Pena de prisão cellular por um a tres mezes; com a inhibicão do patrio poder, si
fôr o pae, ou a mãe.
Assim, Alzira, valendo-se dos preceitos legais do Código de Menores Melo Matos, depõe
em 2 de março de 1933, confirmando todas as alegações da primeira declaração:
Declarante – D. Alzira Villaça Guimarães: fala que é verdade tudo quanto
allegou em sua petição inicial [...] e que si for precizo, provará com
testemunhas tudo que alegou, ou seja, a exploração da caridade publica e a
freqüência assídua em casas suspeitas [...] tem o testemunho dos visinhos e
demais pessoas que conheceu a declarante.
Em 10 de março de 1933 a menor é ouvida e declara:
Menor disse que de sua livre e expontanea vontade desejava residir em cada
de dona Alzira Villaça Guimarães, onde muito tempo se acha [...] é muito
bem tratada nessa casa [...] em casa de sua mãe não recebia o tratamento que
lhe dispensa a referida d. Alzira, pois na casa desta tem todo o conforto e
mesmo aprendeu a ler.
Em 14 de março de 1933 o juiz solicitou que Alzira fosse ouvida, em função das
declarações da menor Geralda, a fim de “positivar os motivos de ordem moral que allega contra a
mãe da mesma, para o que é preciso seja feita intimação na forma legal reservando-me para
opinar em seguida”.
Em 20 de março de 1933 Alzira Villaça foi ouvida pelo juiz novamente:
Declarante: Alzira Villaça Guimarães: diz que Maria Bafaccia de Souza é sua
comadre, tendo fallecido seu afilhado que se chamava Antonio, que Maria
Bafaccia é mulher séria e honesta, porém não tem recursos para manter a
família e por esse motivo faz com que a filha de dez ou onze anos de nome
Maria de Lourdes, às vezes recorra a caridade publica, que modifica qualquer
declaração prestada em depoimento anterior para affirmar que Maria Baffacia é
mulher séria e que nunca ouviu dizer que procedesse mal. Nada mais declarou.
Em 31 de março de 1933 foi promulgada a “entrega imediata da menor ao seu
representante legal, na espécie sua mãe Dona Maria Bafaccia de Souza”, justificando a
determinação através da alegação do direito que o pátrio poder defere, ou seja, que compete ao
pai ou a mãe o “exercício desse pátrio poder de reclamar a entrega do filho contra a pessoa que
illegalmente [...]”. A determinação do juiz neste processo foi favorável à requisição da mãe pela
menor.
Alzira ao denunciar uma postura da mãe da jovem e ao prometer apontar testemunhas
para a confirmação da realidade de contravenção que denunciou comprometeu a família da menor
ao seu favor, mas é preciso considerar que, somente se reportou ao juiz para a legalização da
situação da jovem depois que a mãe solicitou para si a guarda. Em depoimento posterior Alzira
cai em contradição elaborando outro discurso sobre a mãe da menor.
As disparidades presentes nos processos analisados nesta pesquisa apontam para lacunas
existentes na aplicação da legislação especial para os menores no início da República. É
perceptível que os jovens pobres brasileiros permaneciam sob a guarda de pessoas que não
possuíam nenhum parentesco em troca de casa, comida e préstimos domésticos, etc. É fato
também, que, estes jovens não possuíam escolaridade formal concluída e também não
freqüentavam as escolas de primeiras letras do início do século XX, enfim, sua formação
consistia no aprendizado da leitura e da escrita e principalmente de algum ofício que, lhe seria
útil para sua sobrevivência. Parece que manter estes jovens sob guarda em troca de seus
préstimos era um bom negócio, que somente passava a criar empecilho mediante alguma
denúncia ou pela procura dos pais e parentes.
Em um momento em que a necessidade da reorganização da sociedade brasileira
encontrava-se em primeiro plano, a realidade da juventude pobre parece ter sido configurada por
tentativas de normatização e regularização que direcionaram-na para um contexto de exploração,
trabalho e subjugação.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nos primeiros tempos republicanos o Brasil vivia um momento histórico de formação e
produção do imaginário de uma nação, processo que se deu ancorado nos preceitos de uma
sociedade moderna, no ideário da formação da nacionalidade e na formação de uma mão-de-obra
trabalhadora livre, oriunda do abolicionismo e do processo imigratório que se instalava no país. A
sociedade brasileira reorganizava-se mediante a afirmação do sistema econômico capitalista e
industrial, ao surgimento de novos espaços urbanos e as novas relações econômicas e sociais dos
sujeitos. A demanda industrial emergia e com ela a necessidade de trabalhadores aptos para o
acompanhamento do processo.
A necessidade de inibir as formas autônomas de subsistência e de enquadrar os sujeitos na
sociedade industrial capitalista que se firmava no país encontrou viés de atuação no campo
educacional, principalmente, no que se refere a processos educativos para o trabalho.
Nas fontes selecionadas e analisadas nesta pesquisa não uma referência direta à
educação e processos escolares para a juventude das camadas populares, mas, indicadores de
diferentes processos educativos voltados para estes jovens. Contudo, há uma preocupação
explícita de uma educação voltada para a formação para o trabalho e não com a escolarização
desta juventude. Tal formação para o trabalho se daria através do ensino de ofícios em
instituições, colônias industriais ou agrícolas bem como o aprendizado com a família nas oficinas
das próprias casas. Assim, as legislações ao indicarem a correção dos jovens com o ensino para o
trabalho estabeleceram o caráter dos sistemas educativos desenvolvidos para a juventude pobre,
abandonada e criminosa dos primeiros tempos republicanos.
Iniciativas públicas e privadas no âmbito do ensino para o trabalho surgiram com o intuito
de suprir as necessidades vigentes, paralelamente à necessidade de controlar socialmente o
contingente que se formava nas cidades. As condições de pobreza, abandono, ócio, imigração e
migração dos sujeitos abarcavam a preleção de justificativas das elites no que se referia ao
trabalho, enquanto elemento formativo e regenerador, principalmente das crianças e dos jovens.
Moral, saúde e trabalho, estavam presentes nestas propostas educacionais elitistas, enquanto
elementos necessários para uma boa formação e aceitabilidade social, em contrapartida com seu
papel metafórico de vendas ocultando os verdadeiros lugares sociais à que o sistema reservava
para a juventude das camadas populares.
Contudo, o Código de Menores Melo Matos, de 1927, a primeira legislação especial para
crianças e jovens do Brasil foi criado tendo como pano de fundo os preceitos cientificistas da
Escola Positiva e de Lombroso que, influenciaram os juristas brasileiros na realização de
reformas na justiça criminal brasileira ao longo da primeira República brasileira. As idéias
discriminatórias da antropologia criminal credenciaram o Código de Menores Melo Matos de
1927 nos processos de atendimento, proteção, defesa, processo e julgamento dos menores
criminosos brasileiros. Este Código assumiu a tarefa de direcionamento e reformulação da
legislação para a juventude brasileira através de articulações que visaram solucionar as
problemáticas pertinentes às condições de abandono, pobreza, trabalho e delinqüência da infância
e da juventude.
O discurso médico das fontes permite expor que o discurso pedagógico não estava ausente
e sim se ancorava no discurso médico. O trabalho, sua influência no processo de disciplinarização
dos sujeitos como estratégia na busca da estabilização social constava nos discursos médicos
como elemento reformador e educacional, seja na prisão, na fábrica, na casa de correção. A
medicina se apresentava com todo um otimismo científico portador e o trabalho enquanto objeto
de regeneração e correção dos sujeitos se transformou em elemento essencial para a elaboração
de uma eficaz profilaxia da delinqüência juvenil.
Portanto, neste contexto a sociedade brasileira através das legislações, de processos
disciplinares e da incidência de processos de ensino para o trabalho, instituiu os lugares da
juventude pobre. Os processos “Depósito de Menor” selecionados para esta pesquisa demonstram
que estes lugares dependiam de inúmeros fatores e principalmente da aplicação da legislação
especial para menores no que se referia ao tratamento da questão do pátrio poder, da tutela e do
direcionamento de menores pobres, órfãos e delinqüentes para instituições, tutores, particulares,
etc.
A análise dos processos, bem como das legislações apontam para a ambigüidade e
complexidade com que os poderes legislativos lidaram sobre questões da juventude pobre,
abandonada, órfã, criminosa e delinqüente, delineando os caminhos tortuosos que a regularização
da situação destes sujeitos percorriam. Tais caminhos indicam que os direitos e deveres destes
sujeitos modificavam-se de acordo com outros interesses envolvidos, mostrando que tais jovens
representavam mão-de-obra acessível e fácil para a sociedade republicana e que orientá-los e
direcioná-los para um contexto de adequação e normatização da sociedade de trabalho industrial
que se firmava foi tarefa urgente para as elites.
As representações pontuadas nesta análise, no tempo e contexto proposto, no Brasil,
demonstram algumas implicações no que se referiu à abordagem da juventude brasileira, suas
relações entre educação e trabalho e no caráter instituicionalizador pretendido às crianças e
jovens pertencentes às camadas populares do Brasil, pelos grupos dominantes durante a primeira
República.
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