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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA
CENTRO DE COMUNICAÇÃO E EXPRESSÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LITERATURA
A ESPESSURA DA EXISTÊNCIA HUMANA:
Perdas & Ganhos na obra de Lya Luft
LEANI BUDDE
Florianópolis, outubro de 2007.
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LEANI BUDDE
A ESPESSURA DA EXISTÊNCIA HUMANA:
Perdas & Ganhos na obra de Lya Luft
Dissertação apresentada para aprovação em grau de Mestrado junto ao
Programa de Pós-Graduação em Literatura da Universidade Federal de
Santa Catarina, área de concentração Teoria Literária
Professora-orientadora: Dra. SALMA FERRAZ
Florianópolis
2007
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Para Luiz, Luise e Lucas,
Ainda que eu falasse a língua dos homens,
E eu falasse a língua dos anjos,
Sem amor, eu nada seria.
(Renato Russo)
AGRADECIMENTOS
À Prof. Dra. Salma Ferraz, que mesmo sem me conhecer, acreditou no projeto e no meu
potencial para realizá-lo;
À Prof. MSc Regina Carvalho, que me conhecia e me recomendou;
À prof. Dra. Julia Guivant, pelo incentivo para o retorno às salas de aula;
À prof. Dra. Tânia Ramos, pela afetividade na condução do curso e das aulas, e
especialmente, pelas sugestões na qualificação do projeto;
À prof. Dr. Helena Heloísa Tornquist, por aceitar o convite para qualificação, contribuindo
decisivamente para o aprimoramento do projeto;
À Elba e demais funcionários da PGLB pela disponibilidade no atendimento;
Aos meus pais, Lothário e Lusilda por ensinarem o valor do trabalho e de cada conquista;
Ao meu avô Walter Budde (in memorian) pelo incentivo e o amor à leitura, mesmo em
alemão;
A minha irmã/mãe Leni que acompanhou meus primeiros passos na vida;
Às amigas, especialmente Suzana e Salete, que apoiaram e acompanharam de perto cada
etapa;
Ao meu companheiro Luiz Carlos, pelo apoio logístico, paciência e compreensão em todas as
horas;
Até bem pouco tempo atrás
Poderíamos mudar o mundo
Quem roubou nossa coragem?
Tudo é dor
E toda dor vem do desejo
De não sentirmos dor.
(Dado Villa-Lobos/Renato Russo/Marcelo Bonfá)
RESUMO
BUDDE, L. A ESPESSURA DA EXISTÊNCIA HUMANA: Perdas & Ganhos na obra de
Lya Luft. Dissertação de mestrado. Florianópolis: UFSC, Out. 2007.
O estudo enfoca a obra de Lya Luft, especialmente Perdas & Ganhos que causou
controvérsias no meio literário por sua dificuldade de classificação. É mapeada a trajetória da
escritora desde os seus primeiros escritos na década de 1970. Observa-se que a escritora
retoma nos últimos anos os textos curtos – crônicas e ensaios - que também foram o começo
de sua vida literária. As crônicas publicadas em revista semanal e as comunidades de fãs do
sítio de relacionamentos da internet Orkut também são abordadas. Autores contemporâneos
das áreas de literatura e ciências humanas subsidiam teoricamente o estudo para entender
como o sucesso dos temas recorrentes e dos livros da escritora são parte do modus vivendi no
atual estágio da sociedade capitalista. Com Perdas e Ganhos, Lya Luft deixou de ser
reconhecida apenas pelo meio literário, para ser também referência do grande público no
Brasil e até no exterior. A despeito disso, no entanto, a crítica que a havia consagrado pelos
romances da década de 1980, passou a adotar uma postura de ressalva em relação a escritora,
como se tornar-se uma campeã de vendas a desmerecessem.
Palavras-chave: Classificações na literatura; crônicas e ensaios; sucesso literário X crítica.
ABSTRACT
The research is about Lya Luft, especially her book Perdas e Ganhos, who has caused
controversy in the Brazilian literature area due to the difficult of classification. We try to
understand it, with the study of all the production of Lya Luft, since the first one in the
1970´s. We can see that the author goes back to the same kind of writing that she used in the
beginning of her literature life: chronicle and essay. Therefore, we study also the chronicles
that Luft is publishing in a Brazilian magazine, and the communities made of Luft´s fans in
the relationship site of the Internet, the Orkut. Current names in the literature and human
science gave the theoretical instrument to understand how the success of the themes and the
books are part of the same modus vivendi of this moment in the life of the society. With the
successful of Perdas e Ganhos, Lya Luft are recognition not only by the literature
community, but, by the big public in Brazil and other countries too. On the other hand,
however, the critics who had applauded her novels in the 1980’s started to have a wondering
about the author, because if she is a best seller, she couldn´t be a good writer.
Key-words: Classification in Literatur; Chronicle and essay; successful in Literature X
literature community.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ........................................................................................................8
CAPÍTULO I - ALÉM DA TEORIA E DO GÊNERO: O prazer da prosa ... 18
1.1 A literatura e a contemporaneidade ...........................................................19
1.2 Uma relação tão delicada: o escritor, seus leitores, o mercado................26
1.3 O velho e bom conceito literário..................................................................30
1.4 Diálogo com o leitor em crônicas e/ou ensaios ...........................................35
1.5 Literatura de entretenimento: o sabor do texto.........................................39
CAPÍTULO II - A ESPESSURA E A ESSÊNCIA DA ESCRITURA
LUFTIANA: Lya antes e depois da academia.....................................................46
2.1 No princípio eram canções de limiar ...........................................................47
2.2 Os espelhos e as máscaras de Lya Luft.......................................................49
2.3 Lya na Academia: teses e dissertações........................................................52
2.4 Perdas & ganhos: O sucesso que assombra ................................................58
2.5 Perdas & Ganhos, Pensar é Transgredir e Matéria do Cotidiano: de volta
ao começo.............................................................................................................70
CAPÍTULO III - CONVERSA AO PÉ DO OUVIDO: Lya em crônicas da Veja
e no Orkut ................................................................................................................74
3.1 Mais ganhos do que perdas na lista dos mais vendidos e na coluna da
Veja.......................................................................................................................75
3.2 Outras palavras: A coletânea de crônicas em novo livro...........................86
3.3 Literatura.com.br – a importância da internet .........................................92
3.4 www.orkut.com – a febre .............................................................................94
3.5 Lya Luft vice-campeã em comunidades virtuais .......................................98
CONCLUIR É PRECISO....................................................................................107
REFERÊNCIAS ...................................................................................................113
ANEXOS ...............................................................................................................122
INTRODUÇÃO
Aprendi que, depois do horizonte, há mais horizonte.
Aprendi que não existe limite, a não ser o nosso próprio limite
.
Biafra,
Antologia da Nova Poesia Brasileira
A escritora Lya Luft, nasceu em 1938, em Santa Cruz do Sul – RS, e teve uma
infância “tranqüila e muito protegida, com um medo indefinido... uma fantasia excessiva,
alimentada por muita leitura e uma vida entre gente adulta”, conforme suas próprias palavras
1
.
Na juventude mudou-se para Porto Alegre, onde estudou Letras Germânicas e se pós-graduou
em Lingüística e Literatura Brasileira. Na Universidade conheceu Celso Luft, professor e
lingüista com quem casou e teve três filhos. Dele se separou em 1985, quando se apaixonou
pelo psicanalista Hélio Pellegrini, e foi morar no Rio de Janeiro. A paixão durou até a morte
de Hélio, por infarto, numa convivência de apenas três anos. Abalada, retornou a Porto
Alegre, onde reatou o casamento com Celso Luft e assumiu todos os cuidados quando da
longa enfermidade deste e conseqüente falecimento.
Perdas, começos e recomeços, ousadia, disponibilidade aos entes queridos
marcam sua trajetória e são aspectos que ajudam a entender seus livros lançados após estes
acontecimentos, recheados de reflexões que podem ser denominadas sabedoria. Ao mesmo
tempo em que as seguidas perdas que sofreu (o pai Arthur em 1973, Hélio em 1988, Celso em
1995 e amigos como Caio Fernando de Abreu, em 1996, e a mãe em 2004) lembram a
1
INSTITUTO ESTADUAL DO LIVRO. Coleção de autores gaúchos. Porto Alegre, 1989, fasc. 5, p.4.
9
recorrência do tema morte em seus romances mais conceituados, todos publicados de 1980 até
1987.
Dona de uma obra prestigiada no meio literário desde 1980, tornou-se um
nome conhecido do grande público no Brasil a partir de 2003, ao se transformar em fenômeno
de vendas com o livro Perdas e Ganhos
2
, que aborda temas do cotidiano, maturidade, solidão,
amor, harmonia. Até a publicação deste livro, seus leitores se encontravam mais no Sul e
Sudeste do país, sendo pouco conhecida do grande público nacional, apesar de ter escrito
romances reconhecidos pela crítica literária como As Parceiras, A Asa Esquerda do Anjo,
Exílio, Reunião de Família e outros. Com o sucesso da escritora, seus livros anteriores foram
relançados em sua maioria, e vários deles tiveram repetidas edições, como o Rio do Meio, de
1996, que foi relançado em 2004
3
. Lya Luft tem sua obra traduzida em vários países, adotada
em escolas e faculdades, comentada em grupos de psicanalistas, objeto de dissertações de
mestrado e teses de doutorado.
Os livros de reflexões de Lya Luft são os que mais venderam no Brasil em
2004 e 2005, entre os escritores brasileiros. Pensar É Transgredir, o primeiro depois de
Perdas & Ganhos e sua 15ª obra, saiu da gráfica com 40.000 cópias impressas e teve doze
edições até outubro de 2006, com 220 mil exemplares vendidos. Perdas & Ganhos vendeu
550 000 exemplares, e teve 31 edições
4
. Os temas dos livros citados são universais e, ao
mesmo tempo, pessoais, são os interesses, dores, sonhos e vivências de todos nós: o ‘jogo do
poder’ entre homens e mulheres, pais e filhos; o enigma do tempo, que a uns enriquece e
enlouquece a outros; o tênue fio entre fantasia e realidade; a busca de sentido e valores para a
vida.
2
Para o presente estudo utilizaremos por vezes a abreviatura P&G, relativa ao livro Perdas e Ganhos, 29ª.
edição. Rio de Janeiro: Record, 2003.
3
LUFT, L. O rio do meio. Rio de Janeiro: Record, 2004, 15ª. edição. Na orelha do livro de 1996 relançado em
2004, está descrito: “é um texto inusitado na literatura brasileira: nem ficção, nem relato jornalístico.
Originalidade reconhecida pelos críticos, que deram a este livro o prêmio de melhor obra do ano da Associação
Paulista de Críticos de Artes (APCA)”.
4
Dados informados pela assessoria de imprensa da Editora Record em outubro de 2006.
10
No início de 2004, a revista Veja relacionou os livros mais vendidos durante o
ano anterior, em classificação elaborada a partir de números de editoras e livrarias, mostrando
que P&G na média ocupou o 4º lugar na categoria ficção, desde maio de 2003, quando foi
lançado, até dezembro do mesmo ano
5
. E ao longo do mesmo ano e em 2005, Perdas &
Ganhos e Pensar é Transgredir permaneceram nos primeiros lugares do ranking na categoria
não ficção, período em que os dois livros alcançaram a considerável marca de mais de meio
milhão de exemplares vendidos. A autora se manteve por mais de 118 semanas consecutivas
na lista dos livros mais vendidos do Brasil, além de ter os direitos desta edição comprada por
editoras de 15 países.
O modo pelo qual eu mesma tomei contato com a obra talvez seja um indicativo do êxito
alcançado pela autora, a partir de um link na Internet que levava ao sítio da Isto é Gente,
revista de celebridades. Na chamada, uma entrevista com Lya Luft para falar da obra que
começava a se tornar uma campeã de vendas, destacando: “Lya Luft: ´Ficamos mais
interessantes depois dos 40 anos`. E no entre-título: Viúva duas vezes, a escritora gaúcha
levou oito anos para encontrar o tom do livro que desbancou Paulo Coelho da lista dos mais
vendidos e explica como se refaz a vida em qualquer idade
6
. As reflexões feitas pela autora
levaram-me diretamente à livraria para adquirir um exemplar. E a partir disso conhecer
também alguns dos livros anteriores da escritora, de cuja vida literária já ouvira falar sem
jamais ter lido suas publicações. Encontrar nos livros personagens e situações de
complexidade psicológica tornou-me mais uma leitora/admiradora, pois as temáticas
abordadas e o modo de falar de sentimentos humanos, de afetividade, tinham tudo a ver com
vivências recentes que eu experimentara depois de cursar Psicologia, participar de uma
formação clínica na abordagem reichiana
7
e passar por psicoterapia na mesma linha. Nesse
5
Atrás apenas dos fenômenos mundiais Harry Potter e a Ordem da Fênix, de J.K. Rowling, Onze Minutos, de
Paulo Coelho, e do livro Budapeste, de Chico Buarque.
6
Isto é Gente, 06/10/03, edição 218, entrevista concedida a Dirceu Alves Jr.
7
Abordagem derivada do psicanalista Wilhelm Reich (1897-1952), marxista, médico austríaco discípulo de
Freud, mas do qual se separou por não concordar com a teoria do instinto da morte e por incorporar os aspectos
11
sentido, eu não seria uma típica leitora a procura de auto-ajuda, ou seja, a leitura do livro não
teria funcionado como auto-ajuda, cujo nome mesmo se explica, e, portanto, auxilia a quem
quer resolver suas dúvidas e angústias sozinho, sem buscar o profissional adequado para
auxiliá-lo a se entender. O fato é que a partir das vivências psicoterápicas e da formação na
área, pude harmonizar melhor intelecto e sentimento, coisas geralmente tratadas
separadamente pelo ser humano. Pude perceber que a despeito de teorias coerentes, eficazes,
precisão científica e seriedade profissional, os humanos se movem primordialmente por suas
emoções. Mesmo quando tentam justificar racionalmente seus procedimentos. Mas falar disso
abertamente é encarado ainda como tabu, especialmente no meio acadêmico. Coisa da vida
privada, pieguice, são alguns dos termos utilizados para menosprezar quem e o que trata
dessas questões. O filósofo suíço Alain de Botton, por exemplo, é acusado de tirar da
filosofia nacos de auto-ajuda por escrever livros tipo Como Proust pode mudar sua vida e
Arquitetura da felicidade. Mas Botton rebate dizendo que os acadêmicos têm pavor de que a
vida seja traduzida em conceitos simples.
Mesmo assim, alguns intelectuais que tem tratado o tema, embora sejam
ainda pouco abordados nas universidades. O sociólogo italiano Giuliano da Empoli entende
que há em curso uma “brasilização do mundo” e observa:
O supérfluo, o luxo, a televisão, o espetáculo, a celebridade, o prazer,
o culto do corpo, os cosméticos, a beleza, tudo isso é tão importante e
central na vida de nossas sociedades hoje. E continuar a tratar isso
como um pequeno aspecto, uma degeneração, sobre a qual não se
deve falar porque não é importante,
é um erro, significa que não
entendemos o que se passa ao nosso redor
8
.
corporais do paciente na Análise do caráter, método e título de um de seus principais livros. Escreveu também,
entre outros, A revolução sexual e Psicologia de massas do fascismo.
8
Trecho da entrevista do sociólogo para Fernando Eichenberg, na revista Época no. 464, abril de 2007. Obtido
no site http://terramagazine.terra.com.br/interna/0,,OI1629561-EI6782,00.html, acessado em 21 de maio de
2007.
12
Igualmente o sociólogo francês Michael Maffesoli, autor de A Contemplação do
Mundo, demonstra que as categorias políticas da modernidade já não revelam a complexidade
do real. Segundo ele, cresce uma cultura dos sentimentos, baseada em valores não-unitários e
não racionais (emoção, afetividade, “estar junto”, efervescência, “sociabilidade”). Ele observa
já nas primeiras páginas, que.
é importante notar que a sociedade complexa que conhecemos
repousa sobre um conjunto de valores que não tinham direito de
cidade na vida social; quando muito estavam acantonados na ordem
do privado. Além disso, não se lhes conferia nenhuma dignidade
acadêmica. Esse era o caso daquilo que se relaciona com o
comunitarismo, com o cotidiano, o localismo, o presente, o passado e,
evidentemente, certamente com o imaginário, sob suas diversas
modulações. São essas banalidades que é útil analisar no momento em
que, tendo falido as grandes causas ideológicas, é urgente voltar aos
problemas essenciais da vida sem qualidade. (1995, p. 14)
Outra “coincidência feliz” é que este autor faz referência, entre outros, a André
Gide, cujo livro Os frutos da terra, tem tudo a ver com o que Lya Luft tem escrito. Ambos
falam da necessidade do contato dos humanos com as suas sensações, perceber suas
perplexidades, para uma melhor compreensão de si mesmos e do que se passa no mundo.
André Gide também propõe a solidariedade humana, a disponibilidade para o outro. Esta
percepção também é apontada por Silviano Santiago e definida “como uma solidariedade do
desejo. A harmonização do social em Gide passa antes de tudo pelo indivíduo, isto é, pela
harmonização centrada em suas opções de vida. A perspectiva é a narrativa em primeira
pessoa”. (1989, p. 146) Além disso, Luft e Gide, por seu estilo e seu lirismo, podem ser lidos
como poemas em prosa.
Assim, além do fascínio dos temas abordados no livro Perdas & Ganhos, era
motivo de inquietação também a predominância de opiniões sobre a obra que a denominavam
do estilo auto-ajuda, talvez pela indeterminação dessa textualidade contemporânea. Um pouco
de constrangimento de alguns críticos em rotulá-la assim, um desconforto em não encontrar o
lugar certo para encaixá-la, e um quê de incômodo pelo resultado crescente em vendas,
13
mostrando que a despeito de preconceitos acadêmicos, o público estava aprovando a obra.
Inicialmente pretendia, nesta pesquisa, entender que tipo de literatura é essa, mas ao
investigar mais detalhadamente a produção anterior de Lya Luft, constatei que a autora
aprofundava em P&G um estilo já utilizado em Matéria do Cotidiano, ou seja, crônicas.
Talvez um dos fatores do sucesso da escritora Lya Luft deva-se em grande parte
ao tom de conversa íntima que ela imprime. Perdas & Ganhos fala das armadilhas de gênero,
dos erros e dos acertos dos humanos. Possivelmente seja essa a “lacuna” que a escritora atinge
nos seus leitores: a intimidade de suas vidas. E um dos motivos de ter se tornado best seller
talvez seja exatamente por falar de modo simples sobre sentimentos humanos, afetos, coisas
tão buscadas mas ao mesmo tempo tão negadas e negligenciadas no dia-a-dia conturbado do
mundo contemporâneo. E nesse sentido penso que Lya está à frente de seu tempo: bota o
dedo na ferida sem medo de ser feliz. É uma estética da clareza e da simplicidade, da
ingenuidade e da emoção.
Entre os diferentes aspectos que poderiam ser estudados para tentar entender o
resultado obtido pela autora nos últimos quatro anos, optei, neste trabalho, por tentar
demonstrar que a transformação da escritora em celebridade está baseada numa contradição.
Ou seja, ao mesmo tempo em que seu livro melhor sucedido é um produto da indústria
cultural, a escritora alcançou uma legião de admiradores justamente por questionar os valores
reproduzidos por esta mesma indústria cultural. Assim, a presente dissertação, diferentemente
da maioria das já realizadas, que enfocaram obras de Lya Luft sob a metodologia feminista ou
de gênero, psicanalítica, etc. terá como referência a não filiação em uma vertente teórica
principal, mas pontuações de várias correntes de pensamento que analisam a sociedade
contemporânea. Parti do pressuposto que a obra literária não pode ser compreendida sem
analisar o contexto em que está inserida, ou sejam a sociedade consumista, individualista e
sem utopias.
14
Iniciarei por abordar, no primeiro capítulo, alguns conceitos
filosófico/literários, notadamente baseados em Jean Paul Sartre, Nestor Canclini, Terry
Eagleton e Marc Angenot. Trataremos também de questões relativas a gêneros literários
observadas por Massaud Moisés, Antonio Cândido, e Afrânio Coutinho, e passar pelas
concepções sobre texto explicitadas por Roland Barthes. Ao mesmo tempo, trarei algumas
definições ligadas ao conceito de indústria cultural, como a questão da literatura de mercado
ou entretenimento, particularmente os estudos de Muniz Sodré e Tânia Pelegrini. Esta autora
faz um paralelo entre os aspectos sociológicos, ou seja, com os diversos entendimentos do que
é a sociedade atual e como a literatura nela se insere. Questões sobre a pós-modernidade e a
literatura também serão abordadas, em especial, algumas relacionadas por Guy Debord,
Gianni Vattimo, Stuart Hall e Michael Maffesoli. Principalmente por entender que Lya Luft é
uma escritora singular justamente por que é bem sucedida nos moldes da indústria do
entretenimento que domina mentes e corações, mas, paradoxalmente, escrevendo,
questionando de modo crítico, os procedimentos padronizados pelo indivíduo a partir da
submissão a estes modus vivendi da indústria cultural. Ou seja, embora beneficiária da lógica
midiática e nela inserida, faz a crítica à forma de viver da sociedade atual espelhada nas
imagens propagadas por TVs e outros meios de comunicação de massa. E para entender o
sucesso das obras junto ao público tratarei de alguns aspectos da Estética da Recepção, ou
seja, a perspectiva do leitor perante a Literatura.
No segundo capítulo analisarei a trajetória da escritora e alguns dos estudos
referentes à sua obra. Tema de algumas teses, dissertações e diversos artigos em revistas
científicas, os romances Reunião de família, Exílio, O Quarto Fechado e A Asa esquerda do
Anjo foram objeto de análise em estudos da área de Gênero, Literatura, Psicanálise, entre
outros. Os estudos aprofundaram-se sobre a repetição de temas como família, morte, angústia
humana, presentes nos livros anteriores. Os mistérios mais profundos do ser humano –
15
solidão, morte, amor, vício, assombramento e desencontro – povoam os livros de Lya Luft,
apontada por muitos como a intérprete mais sutil do universo feminino e dos mitos da
sexualidade, da repressão familiar e dos temores infantis. Desde o início fala do amor, do
prazer e da dor da perda. Os mesmos temas estão presentes nas obras recentes, embora não na
forma de ficção. Num dos poucos artigos referentes a P&G, que justamente o classifica como
“auto-ajuda” destacamos inicialmente a seguinte afirmação da pesquisadora da UFPB,
Socorro Vilar: “É curioso que tantos anos de carreira e de merecida valorização da crítica não
a tivessem levado a ser reconhecida nem como grande escritora, nem escritora popular, que
pudesse falar a tantos, tantas coisas dignas de serem lidas”. (2004, p. 185) Curioso é que até
em alguns sítios de literatura que relacionam os principais autores brasileiros, como o Portal
Literário, Lya Luft não é incluída, mesmo com as referências elogiosas dos críticos literários
sobre as obras anteriores da escritora.
Seguindo o percurso, no capítulo dois estará em evidência também o livro
Perdas & Ganhos, abordado aqui principalmente como crônicas/ensaios, apesar das
controvérsias quanto ao estilo da obra. E a autora retoma o início da sua carreira para voltar a
produzir esses textos, ou seja, escreve crônicas, gênero literário considerado “menor” por
alguns teóricos, como Antonio Cândido. Por isso, talvez, a resistência de parte dos críticos e
leitores quanto às obras recentes, como se estas desmerecessem a escritora que já produziu
romances de grande valor literário, haja vista o considerável número de estudos realizados a
respeito deles. A crônica é talvez o gênero mais apreciado pelo público brasileiro, a se
considerar outros sucessos de vendas, como os livros de crônicas de Luiz Fernando
Veríssimo, por exemplo. Seu livro As mentiras que os homens contam foi adquirido por 310
mil leitores e contribuiu para o autor vender 3 milhões de exemplares em três anos. (GRAIEB,
2003 p. 75)
16
Lya Luft iniciou sua vida literária com poesias e também com crônicas. A
partir da leitura de uma das suas primeiras publicações, Matéria do Cotidiano, de 1978,
constatamos que o livro que viria a ser best seller, ou seja, Perdas & Ganhos, pode ser visto
como uma retomada ao princípio da carreira da escritora. Alguns temas são recorrentes, e ela
mesma admite isso
9
, mas em P&G há um aprofundamento maior, reflexões mais elaboradas.
Procurei, assim, fazer alusões entre aquela publicação e o maior sucesso de vendas da
escritora. Aliás, o gênero crônicas/ensaio é predominante entre os escritos de Lya a partir de
1996, com o Rio do Meio, pois desde então, além das obras já referidas como sucesso de
vendas, Lya Luft publicou apenas um livro de literatura infantil
10
e recentemente reuniu as
crônicas publicadas na revista Veja, no livro Em outras palavras. Apesar disso, tem dito em
diversas entrevistas que um novo romance está em gestação.
11
As crônicas quinzenais da escritora na revista Veja serão objeto de análise no
terceiro capítulo. Inicialmente a revista fez um “ensaio”, com a publicação de dois artigos da
autora num intervalo de duas semanas. Com a repercussão favorável, anunciou a coluna fixa
quinzenal, e a cada edição aumentavam as cartas dos leitores com comentários sobre o tema
abordado na seção. Um dos que causou maior polêmica foi sobre as baleias, tendo tanto
diversos apoios ao seu ponto de vista, como críticas. Esta crônica foi uma das primeiras a
tratar de assunto da “realidade”, em contraposição aos textos predominantes, que tratam de
questões subjetivas, de sentimentos e relacionamentos. Depois de alguns meses, ela começou
a opinar sobre questões políticas, mostrando uma faceta mais conservadora que os visíveis em
relação a outros temas. Coincidentemente, no mesmo período (meados de 2005) foi perdendo
9
Nas primeiras linhas de P&G, p. 13, ela escreve: “Que livro é este? Talvez um complemento ao Rio do meio,
de 1996. Escrito na mesma linha, retomando vários dos que são meus temas. Toda a minha obra é elíptica ou
circular: tramas e personagens espiam aqui e ali com nova máscara. Fazem isso porque não se esgotaram em
mim, ainda as vou narrando. Provavelmente assim continuarei até a última linha do derradeiro livro.”
10
LUFT, Lya. Histórias da Bruxa Boa. Rio de Janeiro: Record, 2005.
11
“Tem, mais remoto também, um romance para o qual eu encontrei um título, que é O Silêncio dos Amantes,
mas ele ainda está se fazendo aqui dentro, deixa quieto”. PUC RS Informação. Revista da Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Ano XXIX, no. 132 – Nov. Dez./2006, p.25.
17
posições no ranking dos mais vendidos da Veja. Seria um indicativo que ao se posicionar
politicamente perde parte do público que a admirava pelas crônicas mais afetivas?
No mesmo capítulo mostrarei a repercussão de Lya em comunidades virtuais.
Uma das campeãs em número de fãs e com mais de 114 mil referências no sítio de busca
Google (outubro de 2006), ela é uma das contempladas pela difusão dessa nova tecnologia de
comunicação que trouxe de volta o tradicional boca a boca devido a forma de relações em
rede que o meio possibilita. A rápida expansão da Web e algumas análises sobre comunidades
virtuais darão suporte a esta parte do capítulo que mostrará tipos de apoiadores e opositores
que a escritora tem no espaço virtual. E finalmente a conclusão, fechando assim o percurso
desta pesquisa.
CAPÍTULO I
ALÉM DA TEORIA E DO GÊNERO: O prazer da prosa
Todo o nosso conhecimento parte
dos sentidos, vai daí ao
entendimento e termina na razão,
acima da qual não é encontrado
em nós nada mais alto para
elaborar a matéria da intuição e
levá-la à suprema unidade do
pensamento.
Kant, Crítica da Razão Pura.
As perspectivas teóricas mais recentes têm questionado as posições
tradicionais, classificatórias e deterministas tanto para explicar as interações sociais, como
para definir a arte e a literatura. Conceitos rígidos, ordem de importância, manipulação,
purismo estético são termos que cedem espaço para visões menos redutoras da sociedade e
pela constatação que há um permanente entrelaçamento das partes que compõe a arte, a
literatura e a sociedade. Há os que anunciam inclusive a morte da arte e de suas instituições.
Para o professor Luiz Costa Lima, “se queremos estimular ao conhecimento da literatura,
teremos de atacar a teorização presente pelos defeitos que acusa: as ambigüidades que a
perseguem, a falta de informação em campos necessários, a dificuldade evidente em aprender
a falar do texto e não sobre o texto”. (1981, p.198) Assim, farei neste capítulo incursões pelas
ciências humanas em geral e não apenas na literatura para tentar entender os escritos recentes
de Lya Luft.
19
1.1 A literatura e a contemporaneidade
No mundo da contemporaneidade, em que alguns pressupostos filosóficos
predominantes durante o século XX começam a ser revisitados, há uma revalorização de
conceitos de alguns pensadores como Friedrich Nietzsche, Immanuel Kant e Jean Paul Sartre.
Este último, após a derrocada dos pilares marxistas que ocorreu a partir dos anos 1990, passou
a ser visto com um novo olhar. Além de livros filosóficos como O ser e o nada, Sartre
escreveu obras literárias como A Náusea e também refletiu sobre a própria literatura em Que é
a literatura?:
Ninguém é escritor por haver decidido dizer certas coisas, mas por
haver decidido dize-las de determinado modo. E o estilo, decerto, é o
que determina o valor da prosa. Mas ele deve passar despercebido. Já
que as palavras são transparentes e o olhar as atravessa, seria absurdo
introduzir vidros opacos entre elas. A beleza aqui é apenas uma força
suave e insensível. Sobre uma tela, ela explode de imediato; num
livro ela se esconde, age por persuasão como o charme de uma voz ou
de um rosto; não constrange, mas predispõe sem que se perceba, e
acreditamos ceder a argumentos quando na verdade somos solicitados
por um encanto que não se vê. (SARTRE, 1989 p. 22)
Sartre questiona o que é uma mensagem, e sugere que.
deve-se recomendar aos autores contemporâneos que passem
mensagens, i. é, que limitem voluntariamente seus escritos à
expressão involuntária de suas almas. [...] Quando, enfim, as
contradições internas da vida e da obra tornarem ambas inutilizáveis,
quando a mensagem, em sua profundidade indecifrável, nos tiver
ensinado estas verdades capitais: “o homem não é bom nem mau”,
“há muito sofrimento numa vida humana” – então o fim último dessa
culinária fúnebre será atingido, e o leitor, repousando seu livro,
poderá exclamar, com a alma tranqüila: “Tudo isso não passa de
literatura”. (Idem, p. 27-29)
Recorri a essas citações por considerá-las pertinentes dentro do escopo que
desenvolvo nesse estudo: o tipo de literatura presente nos últimos livros de Lya Luft. Sartre,
citado acima, lembra os conteúdos tratados nos livros da autora, que foram bem sucedidos em
vendas (considerando-se o ainda restrito público literário no Brasil), ou seja, agradaram uma
20
grande parcela de leitores, certamente fisgados pela sua escritura, tal como descreve o
pensador francês, confirmando uma pressuposição da Literatura de que em toda obra há
finitude e promessas.
Pelo menos um dos artigos que abordam a obra da escritora entende que
uma influência sartreana em seus escritos. A professora Níncia Cecília Ribas Borges Teixeira
diz em ensaio acadêmico:
O existencialismo percorre toda a escritura luftiana. As protagonistas,
se analisadas do ponto de vista existencialista, representam a negação,
o nada, pois não conseguem, do ponto de vista sartreano, realizar seus
projetos – Sartre afirma que "o homem nada mais é do que aquilo que
projeta ser" – Anelise, Guísela / Gisela, Alice, Renata são impedidas
de se realizarem como seres humanos plenos, independentes, sujeitos
ativos de seu destino. (TEIXEIRA, 2001, p. 19)
Embora neste caso se trate da angústia existencial tal como Sartre também
retratou, e que cabe perfeitamente para analisar as obras anteriores de Lya Luft, as definições
do pensador francês igualmente são adequadas para buscar entender a produção recente da
escritora. Sartre pretendia desvendar qual é o saber de Ser dos artistas que estudou, o que
significava saber se exerciam o poder de usar sua liberdade. E essa, na literatura, significava o
engajamento do escritor, ou seja, em última análise, a filosofia determinando o que a literatura
deve ser. Uma tomada de posição a priori em prol da sua liberdade de ser, e não de defensor
de alguma causa.
Então, mesmo que Lya Luft pareça fazer uma opção pela trilha da causa do
bom senso nas questões que aborda em seus livros do século XXI, sua obra tem forte
conteúdo filosófico/psicológico/social. O próprio título do livro premiado pela APCA, O Rio
do meio
12
e do qual Perdas & Ganhos seria complemento, como diz a própria autora no início
12
LUFT, L. O rio do meio. Rio de Janeiro: Record, 2004, 15ª. edição. Na orelha do livro inicialmente publicado
em 1996 e relançado em 2004, está descrito: “é um texto inusitado na literatura brasileira: nem ficção, nem relato
jornalístico. Originalidade reconhecida pelos críticos, que deram a este livro o prêmio de melhor obra do ano da
Associação Paulista de Críticos de Artes (APCA)”.
21
desta obra, evidencia a preferência por uma atitude conciliadora, nenhuma extremidade.
Nesse sentido, não é nada engajada, no modo definido por Sartre, ao mesmo tempo em que
parece haver uma contradição, pois questiona a necessidade das pessoas se fixarem em
objetividades definidas pelo social, e propõe o estabelecimento de suas próprias objetividades,
uma nova objetividade, produto da reflexão. Nesses momentos suas assertivas mostram-se
engajadas, ao defender que as pessoas exerçam sua liberdade como opção própria, que
percebam que as objetividades vindas da pressão social não necessariamente devem ser
seguidas.
Ao questionar atitudes petrificadas no cotidiano, atribuindo casualidades,
considerando que os objetos têm sentido em si, também aponta para a máxima filosófica de
que o sentido das coisas se constrói na experiência. E em outras situações, muito antes pelo
contrário: prima pela adaptação das pessoas à cultura, a uma revalorização de antigos valores
humanos. Talvez por isso essas obras tenham sido rotuladas de auto-ajuda, quando na verdade
há uma dialética: Perdas-ganhos, Pensar – transgredir. “[...] tudo faz parte do mesmo fluir:
amor e solidão, nascimento e morte, entrega e decepção” (LUFT, 2004) que já se mostrava
em romances anteriores da escritora. Outra evidência são os questionamentos que Lya Luft
faz, e a definição de que uma obra sobrevive porque não tem respostas, não trata de resolver
questões.
De qualquer modo, a forma como a autora escreve - como uma conversa com o
leitor, compartilhando intimidades - remete à fenomenologia, que é fazer ver aquilo que se
mostra desde si, tal como se mostra em si, nossos sentimentos, nossa fala. Ou seja, as
essências que correspondem à imagem que tenho de mim mesmo, construída nas relações
sociais. Na fenomenologia há uma imanência, e a consciência sempre pressupõe laços sociais,
vínculos, pois se compõe de vivências (públicas, pois reconhecidas em mim e nos outros)
essenciais e uma unidade de sentido. Desse modo, nada existe independentemente de minha
experiência. A própria autora assume: “Minha literatura não emerge de águas tranqüilas: fala
22
de minhas perplexidades enquanto ser humano, escorre de fendas onde se move algo que,
inalcançável, me desafia. Escrevo quase sempre sobre o que não sei.” (Idem p. 76)
Para além dos interesses conscientes, o leitor também vem permeado pelo
inconsciente, pelo desejo, identificando como um dos constituintes da leitura, e assim
explicitado por Ronald Barthes:
O Desejo não pode nomear-se, nem mesmo dizer-se. É certo,
entretanto, que há um erotismo da leitura. [...] Há três tipos de
prazer de ler: no primeiro, o leitor tem, com o texto lido, uma relação
fetichista, tira prazer das palavras; no segundo o leitor é de certo
modo puxado para frente ao longo do livro por uma força da ordem
do suspense e é nesse desgaste impaciente, arrebatado, que reside o
gozo; e o terceiro tipo é o da leitura condutora do Desejo de escrever.
Não é que necessariamente desejemos escrever como o autor cuja
leitura nos agrada; o que desejamos é apenas o desejo que o escritor
teve de escrever, desejamos o ame-me que está em toda escritura.
(BARTHES, 1988, negritos meus).
Tais enunciados ajudam a entender o sucesso de vendas dos livros de Lya Luft em
análise no presente estudo. O texto da escritora é amado pelos seus leitores, como se pode
observar especialmente nas comunidades de fãs do Orkut, conforme será abordado no terceiro
capítulo. Mesmo que esta paixão pelos textos da autora seja resultado de um gosto construído
pela indústria cultural ao longo dos anos dentro da lógica do livro-mercadoria, ou seja, aquele
feito sob medida para público definido em pesquisa de mercado.
Antonio Candido aborda a questão do gosto do público e afirma:
Se nos voltarmos para o comportamento artístico dos públicos,
veremos a influência dos valores que se manifestam sob várias
designações – gosto, moda, voga, - e sempre exprimem as
expectativas sociais, que tendem a cristalizar-se em rotina. [...]mesmo
quando pensamos ser nós mesmos, somos público, pertencemos a
uma massa cujas reações obedecem a condicionantes do momento e
do meio
.(CANDIDO
, 1976, p. 36)
As interfaces da literatura com a sociedade são os principais tópicos da obra de
Antonio Candido e permitem diversas aproximações na atual análise. Especialmente por
entender que as obras recentes de Lya Luft traduziram-se em sucesso de venda devido às
23
características do atual estágio da sociedade capitalista: centrada no consumismo, no
individualismo, na ambição desenfreada, na supervalorização da imagem estética, etc. Nesse
redemoinho da frenética vida urbana, o indivíduo se sente compelido a correr e a competir, as
vezes sem saber porque e para onde vai. Vive distante de si mesmo e sem as referências
morais e religiosas que antes o asseguravam. Suscetível especialmente ao Deus mercado e à
propaganda televisiva, o grande público já não distingue se a arte imita a vida ou vice-versa,
num redemoinho de ofertas, luzes e apelos consumistas. Nesse contexto, é crível a
observação de Stuart Hall de que o que está em discussão é o “jogo de identidades” e suas
conseqüências políticas. O indivíduo parece fragmentar-se , mas segundo Hall “ à medida
em que os sistemas de significação e representação cultural se multiplicam, somos
confrontados por uma multiplicidade desconcertante e cambiante de identidades possíveis,
com cada uma das quais poderíamos nos identificar – ao menos temporariamente.” (2005 p.
13) Na contemporaneidade, em que os grandes sistemas de pensamento se diluíram, mudando
o foco do político econômico para o ecológico político, há uma individuação da busca por
referenciais.
“Consumir é tornar mais inteligível um mundo onde o sólido se evapora”, diz
Nestor Canclini, acrescentando: “o consumo é um processo em que os desejos se transformam
em demandas e em atos socialmente regulados”. (CANCLINI, 1995 p. 59) A pesquisadora
Tânia Pellegrini fez uma análise pertinente sobre esse processo no contexto brasileiro. Ela diz
que
o universo dos simulacros se infiltra nos acontecimentos diários, nas
normas de comportamento individual, na noção de bem-estar, no uso
do corpo, no conceito de prazer, na consciência política,
reproduzindo-os e multiplicando-os, reduzindo tudo a um espetáculo
onipresente. [...] eliminando-se o passado como referência, o
indivíduo passa a fazer parte da imensa maioria que tem o consumo
como maior estímulo, o conformismo como traço de caráter e a
maleabilidade com formadora de hábitos e conceitos. (PELEGRINI,
1999 p. 200-201)
24
A mercadoria ocupa todos os espaços, e até o livro passa a ser um objeto de consumo
como qualquer outro, com embalagem atraente, estratégia de marketing e promoção,
completamente inserido nesta lógica comercial do início do século XXI. Nesse sentido, é
pertinente a observação de que “os valores da literatura formam um continuum com todos os
outros valores partilhados da cultura humana”. (Hirsch, Apud Angenot, 1995, p. 360)
Complementando este aspecto, na perspectiva dos Estudos Culturais fica evidenciando que os
projetos artísticos são constituídos pelos processos sociais; “o modo de vida de uma
determinada sociedade são internos a um projeto artístico na medida em que estruturam a
forma das obras dos projetos que, por sua vez, articulam os significados e os valores dessa
sociedade”. (CEVASCO, 2003, p. 64)
E as reflexões da escritora Lya Luft são exatamente de oposição a futilidade
explícita da vida contemporânea, tal como descrita acima, embora a escritora esteja nela
inserida e beneficiária da lógica da super exposição que predomina nos dias atuais.
13
No
mesmo artigo Vanessa Kukul faz referência ao crítico Antonio Olinto que escreveu sobre
P&G: “escrito, aparentemente, na primeira pessoa, revela-se como de abrangência maior,
porque sua primeira pessoa é a do plural. Não se restringe ao ´eu` busca o ´nós`. Lya Luft não
se dirige ao leitor em seu nome. Na realidade, ela fala por nós”.
14
Mas o diferencial da
escritora talvez esteja no fato de que suas palavras são permeadas pela fala do afeto, algo
exaustivamente buscado pelo ser humano de todas as estirpes, mas poucas vezes reconhecido
como falta, devido a predominância da hipocrisia do mundo das aparências. Ou, como explica
13
Sobre isso é interessante citar um artigo da então mestranda Vanessa Kukul descrevendo a “feira das vaidades
em que se transformou a Flip-Feira Literária Internacional de Parati, em que se badala mais a imagem dos
escritores do que sua obra”. KUKUL, Vanessa M. Da sombra dos gabinetes aos holofotes do espetáculo: as
celebrações em torno da escritora Lya Luft e de sua obra. Revista Patrimônio e Memória. Unesp-Cedap. v.1, n.
1, 2005. Obtido em
http://www.cedap.assis.unesp.br/pm2/Artigos/vanessa%20kukul%202002.pdf. Acessado em
20.01.2007
14
Não consegui acessar a referência original, assim transcrevi a citação de Kukul por ela obtida em Tribuna da
Imprensa Online. Rio de Janeiro. Seção Estante. Disponível em
http:/www.tribuna.inf.br/anteriores/2004/junho/01/bis.asp?bis=estante. Acesso em 23/09/04.
25
Guy Debord “A cultura é o lugar da busca da unidade perdida. Nessa busca da unidade, a
cultura como esfera separada é obrigada a negar a si própria” (2002, p. 120).
Para Tânia Pellegrini, pesquisadora brasileira que analisa o mercado literário,
o texto em prosa com certeza traz embutidas nas próprias categorias
que o fundamentam, as profundas transformações efetivadas nos
modos de produção e reprodução cultural, que incluem a proliferação
da imagem, sobretudo a eletrônica, se estão provavelmente impressas
nos temas, também surgem na sua estrutura e composição, em suma,
nas trama de todos os fios narrativos
. (PELLEGRINI, 1999, p. 18)
O modelo instituído pela narrativa televisiva se impõe nas outras linguagens,
numa tentativa de transcender dentro deste mundo, e não em outro que virá depois. As
narrativas apresentam relações de um mundo concreto que se abre ao transcendente como
algo a que se aspira no aqui/agora, mas que no final funcionam como mecanismo de
compensação, pois o indivíduo permanece desejante, caótico. Guy Debord diz que “a
realidade surge no espetáculo, e o espetáculo é real. Essa alienação recíproca é a essência e a
base da sociedade existente [...] do automóvel à televisão, todos os bens selecionados pelo
sistema espetacular são também suas armas para o reforço constante das condições de
isolamento das multidões solitárias.” (2002, p. 23)
Nesse sentido, o livro de Lya parece trazer uma possibilidade de porto seguro,
um ancoradouro, um momento de descanso antes de iniciar mais uma busca, de empreender
mais uma viagem deste ser humano estrangeiro em relação a si mesmo. Por isso é interessante
observar, quanto ao impacto causado pelos livros da autora no leitor, que podemos novamente
nos referir a Barthes quando escreve que “Abrir o texto é reconhecer que não há verdade
objetiva ou subjetiva da leitura, mas apenas a verdade lúdica” (BARTHES, 1988, p. 105).
Igualmente para ajudar a pensar as obras recentes de Lya Luft, há que se lembrar da
interdisciplinaridade propiciada pelas teorias de Roland Barthes. Ele defende que “o texto é
um espaço de dimensões múltiplas, um tecido de citações, saídas dos mil focos da cultura.
Para ele, o mundo é um grande signo concreto que se move, estabelecido num texto”. Há nos
26
livros da escritora aspectos de sociologia, psicologia, filosofia, teologia, deontologia, entre
outras tantas que tentam entender a complexidade desse dito ser humano.
Assim, adotarei também a perspectiva de Canclini (2006), que observa haver
uma hibridação na cultura, ou seja, uma mistura de elementos para transformação e/ou
manutenção de determinada arte ou valores sociais. Na sociabilidade híbrida, como a define
Canclini, “a que as cidades contemporâneas induzem, leva-nos a participar de forma
intermitente de grupos cultos e populares, tradicionais e modernos. A modernidade é uma
condição que nos envolve, na qual nunca se encerra a incerteza do que significa ser moderno.”
Nesse caso, permeado pelo mundo dito globalizado, em que predomina a lógica liberal de
livre comércio, e com supremacia da indústria cultural. De modo que esta concepção e suas
implicações será um dos principais norteadores teóricos deste estudo, assim como algumas
questões do sistema literário, especialmente as relativas a questionamentos dos conceitos
fixos.
1.2 Uma relação tão delicada: o escritor, seus leitores, o
mercado
.
No texto Os atos de fingir ou o que é fictício no texto ficcional, Wolfgang Iser
questiona a máxima de que os textos literários são de natureza ficcional. E afirma que:
a relação opositiva entre ficção e realidade retiraria da discussão
sobre o fictício no texto uma dimensão importante, pois,
evidentemente, há no texto ficcional muita realidade que não só deve
ser identificável como realidade social, mas que também pode ser de
ordem sentimental e emocional
(ISER, apud COSTA LIMA, 1983
p. 385).
A perspectiva anunciada por Iser permite uma maior aproximação com os
questionamentos acerca das obras recentes de Lya Luft. Embora a autora negue com
veemência, há passagens que se aproximam do tipo auto-ajuda, mas não de forma a nomeá-lo
27
taxativamente neste estilo. A dificuldade em reconhecer se há e quais são os traços estilísticos
presentes na obra poderia incluí-la no rol dos denominados “não-classificáveis”. Mas faltam
elementos para considerar que o texto seria um novo marco, um dos atributos para uma obra
não-classificável. Certamente que os textos não são ficcionais, e sim, aproximam-se mais de
memórias, de crônicas do cotidiano, de ensaios
15
.
No capítulo “A resistência do Leitor”, Antoine Compagnon cita uma assertiva
de Marcel Proust, que diz: “não é o próprio livro, mas o cenário no qual nós o lemos, as
impressões que acompanharam nossa leitura. A leitura tem a ver com empatia, projeção,
identificação...” (2001 p.143). Compagnon critica essa posição de Proust que defende “o
leitor livre, maior, independente, cujo objetivo seria menos de compreender o livro do que
compreender a si mesmo através do livro; aliás, ele não pode compreender um livro se não se
compreende ele próprio graças a esse livro”. (2001, p. 144). Embora Compagnon discorde de
Proust, tal concepção pode ajudar a explicar a alta vendagem de livros de conteúdo
reflexivo/psicológico e até os de auto-ajuda, categoria na qual Perdas & Ganhos estaria
incluído segundo uma parcela da crítica literária.
Mas para entender a receptividade que os livros recentes de Lya Luft tiveram há
que reportar a outros aspectos tratados por Compagnon. Em a Estética da recepção,
Compagnon a classifica em duas vertentes: os que dizem respeito à fenomenologia do ato
individual de leitura, de Ingarden e Iser, e os que se interessam pela hermenêutica da resposta
pública ao texto, de Gadamer e Jauss. Segundo o autor, ambos reconhecem o papel da
consciência na leitura. No primeiro estaria a concepção de Proust, com a noção de que o leitor
vai para o texto com suas próprias normas e valores. Iser trata do Leitor implícito, que:
“encarna todas as predisposições necessárias para que a obra literária exerça seu efeito –
predisposições fornecidas, não por uma realidade implícita exterior, mas pelo próprio texto”.
15
Afrânio Coutinho define Ensaio como uma dissertação curta e metódica sem acabamento sobre assuntos
variados em tom íntimo, coloquial, familiar. (COUTINHO, 1986 p. 118)
28
(COMPAGNON, 2001 p. 150) O público que aprova os livros de Lya Luft verificaria neles a
confirmação do que já estaria predisposto a encontrar, ou seja, suas normas e valores. E o
texto, por sua vez, remete aos valores esperados pelo público, numa cadeia que se retro-
alimenta.
Roland Barthes diz que é preciso incluir problemas de língua entre os problemas
de literatura e pergunta: quando começa um gênero? A própria Academia vive a angústia da
ausência de paradigmas causada pela transformação e até ruptura dos marcos literários, apesar
do ensino da Literatura ainda se basear nos gêneros literários, seqüência causal, etc, ou seja,
normatizações. Assim, dentro dela, há intelectuais que reconhecem que a autora domina a
arte e as técnicas literárias, embora também haja os que classifiquem sua produção de
“literatura menor”. A escritora mesmo constatava, ao falar de Perdas e ganhos: “Não é um
ensaio porque não sou acadêmica. Não é ficção porque não é inventado
16
. É o resultado
de idéias que vão surgindo de novas linguagens, novas coisas a serem ditas, mas ainda sem
nome.” (LUFT, 2003 entrevista na Isto é Gente. Negrito meu) Ou seria a escritora precursora de
um modelo novo? Se o que ela escreve não é ensaio, não é ficção, não é auto-ajuda, que tipo
de escritura é esta tão difícil de ser nomeada? E, aliás, porque há necessidade de
nomenclatura? Estaria Lya Luft fazendo uma travessia? Ultrapassando fronteiras demarcáveis
e não remarcadas das conhecidas formas de gênero? Inaugurando um novo modelo, que,
apesar de inominável e inclassificável, agrada e faz sucesso? Sua escrita de sucesso não
seriam uma escrita que não tem gênero, cujas fronteiras são fluídas e escorregadias?
Em As regras da Arte Piere Bourdieu acentua: “os campos literário ou
artístico caracterizam-se por um baixíssimo grau de codificação, e, ao mesmo tempo, pela
extrema permeabilidade de suas fronteiras...” (1996, p.256) No mesmo sentido o sociólogo
Zygmund Baumann (2001) define a “modernidade líquida”, em que todos os conceitos e
16
Percebe-se aqui que Lya Luft entende o conceito Ensaio como aquele mais utilizado no Brasil. A pesquisadora
Angélica Soares diz que “embora a designação de ensaio no país viesse se restringindo a produção universitária,
grandes escritores deixaram ensaios ontológicos, como José de Alencar e Machado de Assis”. (SOARES,1989)
29
relações são fluidos, escorregadios. O sociólogo polonês faz uma crítica interessante sobre a
dificuldade de nomeação dos conceitos:
A função nomeadora/classificadora da linguagem tem, de modo
ostensivo, a prevenção da ambivalência como seu propósito. O ideal
que a função nomeadora/classificadora se esforça por alcançar é uma
espécie de arquivo espaçoso que contém todas as pastas que contêm
todos os itens do mundo. É a inviabilidade de tal arquivo que torna a
ambivalência inevitável. E é a perseverança com que a construção
desse arquivo é perseguida que produz um suprimento sempre
renovado de ambivalência. (BAUMANN, 1999, p. 39).
Com ou sem classificação, os estudos literários estão sujeitos a interpretações
de todas as ordens, especialmente, as filosóficas, sociais, teológicas, históricas, psicanalíticas
ou políticas
17
. E, ao mesmo tempo, a ambivalência citada por Baumann no aspecto teórico, é
descrita por Lya Luft como vivência do cotidiano dos humanos, na ambigüidade dos
personagens, e também da própria escritora nos livros recentes. Umberto Eco, em A Obra
Aberta, usa o termo ambigüidade,
toda obra de arte é aberta porque não comporta apenas uma
interpretação; a obra de arte é uma mensagem fundamentalmente
ambígua, uma pluralidade de significados que covivem num só
significante. [...] tal ambiguidade se torna – nas poéticas
contemporâneas – uma das finalidades explícitas da obra.(2003, p.
22)
Um dos aspectos perceptíveis na obra de Lya Luft é, justamente,
ambiguidade. Como componente da arte, afirma Gianni Vattimo: “um dos critérios de
avaliação da obra de arte parece ser, em primeiríssimo lugar, a capacidade de a obra pôr em
discussão seu estatuto, seja de forma direta, seja de modo indireto, por exemplo, como
ironização dos gêneros literários, como reescrita, como poética da citação....” (2002 p. 42) Da
mesma forma entendo a análise de Marc Angenot (1995) sobre a Literatura, demonstrando
que não há uma via única para defini-la e, portanto, “as contradições devem ser incorporadas
17
Sob esta perspectiva talvez seja mais fácil entender recentes sucessos do mercado editorial, como Quando
Nietzche chorou, Código da Vinci, entre outros.
30
e entendidas como inerentes ao processo. As hierarquias dos discursos literários e científicos
são redefinidas e categorias convencionais como subalterno/hegemônico,
tradicional/moderno, são insuficientes.” Os textos são cada vez mais indeterminados, entende
este teórico da literatura.
Marc Angenot fala ainda da dificuldade de conceituar e sistematizar o literário,
chegando a afirmar que: “As fronteiras dos gêneros tornam-se menos claras, e a obra singular
afigura-se mais importante do que os gêneros.” (ANGENOT 1995, p. 38) Este autor lembra
que a classificação em gêneros surgiu como modo de normatizar, como indicador daquilo que
era exigido num determinado tipo de discurso, e ligavam-se à estética dominante de um dado
período. Mas esses parâmetros já não existem tão claramente na literatura contemporânea.
Segundo ele, trata-se de dar conta dos seus modos de funcionamento no interior de uma dada
cultura. Por isso neste estudo as concepções de literatura sempre são abordadas como partes
de um modus vivendi do mundo atual.
1.3 O velho e bom conceito literário
diversas concepções teóricas que poderiam ser utilizadas para tentar
entender as obras pela teoria literária, assim como mediante questões da sociologia da
literatura ou da estética da recepção. Transcrevo uma citação de Compagnon que sintetiza
bem a amplidão de possibilidades:
O crítico do romantismo M. H. Abrams descrevia a comunicação
literária partindo do modelo elementar de um triângulo, cujo centro de
gravidade era ocupado pela obra, e cujos três ápices correspondiam ao
mundo, ao autor e ao leitor. A abordagem objetiva, ou formal, da
literatura se interessa pela obra; a abordagem expressiva, pelo artista;
a abordagem mimética, pelo mundo; e a abordagem pragmática,
enfim, pelo público, pela audiência, pelos leitores.
(COMPAGNON,
2001)
As inquietações e dúvidas que a publicação do livro Perdas & Ganhos de Lya
Luft provocaram na busca por uma classificação adequada na literatura também se mostram
31
ao tentar encontrar a(s) teoria(s) que melhor abordem o objeto dessa pesquisa. As perguntas. e
contradições que permeiam a pesquisa que pretende abordar o livro Perdas e Ganhos, podem
ser resumidas numa observação de Wolfgang Kayser.
Quem queira penetrar no estudo da literatura não pode esperar ser
levado pela mão de um guia seguro, por caminhos solidamente
construídos que o conduzam a metas fixas. Logo que penetre mais
profundamente no estudo e na investigação, será convidado, sem
cessar, a tomar posição própria e a decidir; não raras vezes se verá
assaltado por dúvidas acerca da viabilidade dos caminhos até então
trilhados e não saberá ao certo se eles avançam suficientemente longe
e na devida direção
(1976, p. 10).
Os conceitos são diversos e contraditórios, e assim, a publicação de um livro e
seu sucesso ou fracasso junto aos leitores está inserido num contexto histórico específico. No
caso dos livros de Lya são sempre a mesma personalidade literária e os mesmos motivos
recorrentes que estão em jogo. Kayser já advertia que “todo o texto ´literário` é um conjunto
estruturado de frases fixado por símbolos. O conjunto é portador de um conjunto estruturado
de significados”. Ambas reflexões remetem a possibilidade de buscar explicações dentro da
perspectiva de sentido da obra e menos da estrutura a que pertence. E o sentido da obra vem
implicado no conteúdo tratado no livro em análise e na receptividade dele junto ao público.
Desse modo, Kayser trata dos conceitos fundamentais quanto ao conteúdo de
uma obra. Em relação ao Assunto, Kayser diz que “é sempre ligado a determinadas figuras,
contém um decurso no tempo. É mais ou menos fixado no tempo e no espaço” (Idem p. 53).
No caso da trajetória da escritora percebe-se a predominância do tema família, retomado de
várias formas em diversos livros e também nas suas crônicas. Neste sentido, volto ao texto de
Kayser:
mais difíceis ainda de apreender, mas de maior encanto, são os casos
em que a própria observação e a vivência pessoal fornecem o
assunto ao poeta. Neste campo a investigação recebe um novo e
especial impulso daquele princípio basilar da correlação da obra com
o autor. ´Por que motivo escolheu o poeta este assunto? O que foi
que o seduziu? Como, e para que fim, o desenvolveu?` Por vezes,
é costume falar com menosprezo da ´matéria prima` que o poeta
encontrou e a que insuflou vida. E não se dá conta de que, exceção
feita aos casos em que o autor se serviu das suas próprias observações
32
e vivências, se trata afinal de assuntos já elaborados. Qualquer relato
de jornal pode ser, em si, tão bem estruturado como uma obra de arte
que o aproveita como fonte
. [...] é preciso investigar como
determinados motivos foram postos em segundo lugar ou empurrados
para o primeiro plano pelos respectivos autores. Há, por outro lado,
motivos que surgem com freqüência tão especial em determinadas
épocas, que se tornam bem significativas do espírito então reinante.
(Idem, 1976 p. 54-60. Negrito meu)
Esses aspectos recorrentes são identificados nos textos de Lya Luft, em que
determinadas questões são sempre retomadas, republicadas, numa permanente
intratextualidade, demonstrando que são assimiladas pelos leitores possivelmente por
preencherem alguma lacuna no caos da vida moderna! Isso fica bem claro no caso dos artigos
quinzenais escritos por Lya na revista Veja textos curtos e de fácil leitura, que tratam em geral
de acontecimentos familiares e cotidianos.
O estudo procura apresentar questionamentos: auto-ajuda? crônicas? E
possibilidades: Ensaio, autobiografia, romance de formação. Até por que, no meio literário,
quando as obras objeto dessa pesquisa foram lançadas, houve uma dificuldade em classificar
os textos da autora. Seriam os “ensaios” ainda literatura? Se pensarmos a literatura de modo
tradicional, feita de classificações, talvez seja mais difícil encontrar o lugar adequado para os
textos. Mas a própria noção de literatura passa por essa dificuldade que há em discriminar o
literário e em conceituá-lo de maneira sistemática. Já não se configuram blocos compactos,
com contornos definidos. Por isso, em “A morte do autor”, Barthes (1988), lembra que
a imagem da literatura que se pode encontrar na cultura corrente está
tiranicamente centralizada no autor, sua pessoa, sua história, seus
gostos, suas paixões. [...] é a linguagem que fala, não o autor;
escrever é, através de uma impossibilidade prévia, atingir esse ponto
onde só a linguagem age, ´performa`, e não ´eu`. [...] O Texto não
pára na literatura; não pode ser abrangido numa hierarquia, nem
mesmo numa simples divisão de gêneros. O que o constitui é, ao
contrário (ou precisamente), a sua força de subversão com
relação às antigas classificações. [...] Se o Texto suscita problemas
de classificação, é que sempre implica certa experiência do limite.
18
[...] O Texto é sempre paradoxal.
18
Negrito meu.
33
Terry Eagleton estabelece o poder do leitor, ao dizer que “o que importa pode
não ser a origem do texto, mas o modo pelo qual as pessoas o consideram. Se elas decidirem
que se trata de literatura, então, ao que parece, o texto será literatura, a despeito do que o seu
autor tenha pensado” (EAGLETON, 2001 p. 12). Ele diz também que não existe uma obra ou
uma tradição literária que seja valiosa em si, “ ´valor`é um termo transitivo: significa tudo
aquilo que é considerado como valioso por certas pessoas em situações específicas, de acordo
com critérios específicos e à luz de determinados objetivos.” (Idem, p. 16) É pertinente aqui
lembrar uma citação de Silviano Santiago: “Há uma estética que já não comporta os velhos
padrões. O crítico moderno vai sempre dar ênfase ao traço individual. Quando Macunaíma
surgiu a crítica também não sabia onde enquadrá-lo: ´é um livro que não cabe em nenhuma
classificação`, dizia Augusto Meyer”. (SANTIAGO, 1989 p. 128) Traçando um paralelo para
o contexto dos anos 2000, mais uma vez evidencia-se que há pressupostos que levam a
interpretação de que o texto de Lya não aceita classificações.
Para a presente pesquisa, busquei investigar e elencar várias definições acerca
do tema. Conforme Marc Angenot, o literário e as suas realizações são considerados em
confronto e em relação com o seu outro, definido de forma interna ou externa ao objeto e ao
campo literário. No contexto atual, de início de século, de transformações tecnológicas, num
mundo sem transcendência e sem utopias, de busca de objetivos imediatos, e de crise de
certezas nas ciências humanas, a literatura serviria muito mais como referência, pela
possibilidade de polifonia, pela permeabilidade ao dialógico. E é neste sentido que
entendemos residir a importância e o valor das obras recentes de Lya Luft, inserindo sua
literatura numa ampla rede interdiscursiva. Para Angenot,
As discussões mais produtivas centram-se em dois critérios: Por um
lado, a literariedade é definida em termos da sua relação com uma
realidade suposta – como discurso fictício ou imitação dos atos de
linguagem cotidianos. Por outro lado, o que se visa são certas
propriedades da linguagem – eventualmente uma certa organização da
linguagem
(1995 p. 47).
34
Ainda na perspectiva de Angenot, os gêneros programam as modalidades de
leitura, e em nada diferem dos outros fatores do discurso literário: está orientado para o
receptor. Nesse sentido, o leitor se acomodaria às exigências do gênero que um dado texto
representa, e assim, o gênero torna-se uma espécie de regulador da leitura. Ou seja, pertence a
uma tradição literária familiar ao leitor, a hábitos em vigor no seio de uma determinada
cultura literária. No Brasil há uma predominância de escritores cronistas e de sucesso de
vendas dos livros de crônicas, tais como Luiz Fernando Veríssimo, Fernando Sabino, Rubem
Braga, entre outros. Muitos dos nossos mais conhecidos escritores, iniciaram sua carreira
como cronista de jornal ou revista, inclusive o maior de todos, Machado de Assis.
Afrânio Coutinho em A Literatura no Brasil (v. VI) divide os gêneros literários
em dois grupos: aqueles em que os autores usam um método direto de se dirigir ao leitor, aos
quais pertencem o ensaio, a crônica, o discurso, as memórias, e aqueles em que os autores o
fazem indiretamente, usando artifícios intermediários, como o romance e o conto.
Massaud Moisés (1973) explicita o conceito de gênero como sendo uma
vertente, um molde, uma filiação a que se agregam determinadas obras. Ele é enfático em
demonstrar que muitas vezes confunde-se gênero com formas, subclassificações de
determinado gênero. Assim, segundo ele, os gêneros existem como fato consumado, como
uma “instituição”, e seriam expressão de dois modos fundamentais de ver o mundo: o voltado
para fora – a prosa – e o voltado para dentro – a poesia. Esta última divide-se em lírica e
épica, enquanto a prosa tem as formas de conto, novela e romance. Para Moisés, tanto na
poesia como na prosa ficam excluídas as manifestações híbridas ou para-literárias como a
oratória, o jornalismo, a fábula, o ensaio, a crônica, etc.
Dentro desta perspectiva, pode-se observar então que em se tratando de gênero
literário, fica difícil a classificação de P&G, mas parece uma mistura de elementos, tendo
momentos de lirismo e até de poesia em prosa. Nas primeiras páginas do referido livro
aparece um poema sem título que diz: “Não sou a areia/ onde se desenha um par de asas/ ou
35
grades diante de uma janela. Não sou apenas a pedra que rola/ nas marés do mundo,/ em cada
praia renascendo outra./ Sou a orelha encostada na concha/ da vida, sou construção e
desmoronamento,/ servo e senhor, e sou/ mistério./ A quatro mãos escrevemos o roteiro/ para
o palco de meu tempo:/ o meu destino e eu./ Nem sempre estamos afinados,/ nem sempre nos
levamos/ a sério.(LUFT, 2005, p.12)
A maioria dos textos em P&G, no entanto, remete ao formato crônicas. Aliás,
é assim que ela mesma os denomina, ao falar de Pensar é transgredir: “A maior parte dos
textos deste livro podem-se chamar crônicas” (LUFT, 2004 p. 11). Passaremos então a nos
aprofundar sobre esta forma de texto literário.
1.4 Diálogo com o leitor em crônicas e/ou ensaios
A Crônica, texto curto, factual, registra o circunstancial e constrói uma época,
em “pequenos momentos que também fazem parte da condição humana... instante onde se
oculta a complexidade de nossas dores e alegrias, protegidas pela máscara da banalidade” (SÁ,
1987, p.12)
É considerada uma “literatura menor” por Antonio Candido, mas que “na sua
despretensão, humaniza” [...] “Ela é amiga da verdade e da poesia nas suas formas mais
diretas [...] e a sua perspectiva não é a dos que escrevem do alto da montanha, mas do simples
rés-do-chão.” (CANDIDO, 1992, p. 13-14) Para o crítico, a crônica simplificou e naturalizou
a escrita, e é um bom sintoma do processo de busca de oralidade na escrita. Jorge de Sá
lembra que João do Rio foi quem deu uma roupagem mais “literária” à crônica: em vez do
simples registro formal, o comentário do acontecimento, tudo examinado pelo ângulo
subjetivo da interpretação, da recriação do real. Essa faceta fica evidente nos textos de Lya
publicados quinzenalmente em revista de circulação nacional.
Nos textos de P&G, surge uma outra característica descrita por Jorge de Sá
sobre a crônica: A aparência de simplicidade, “que não quer dizer desconhecimento das
36
artimanhas artísticas [...] sua sintaxe lembra alguma coisa desestruturada, solta, mais próxima
da conversa entre dois amigos do que propriamente do texto escrito.” (1987 p. 10-11) É a
busca da oralidade na escrita, como já afirmou Candido, “com tom de coisa familiar”. E
embora pareçam “falar de coisas sem maior conseqüência, entram fundo no significado dos
atos e sentimentos do homem, e podem levar longe a crítica social”. O diálogo, assim,
equilibra o coloquial e o literário, permitindo que o lado espontâneo e sensível permaneça
como o elemento provocador de outras visões do tema e subtemas tratados na crônica. Mas o
diálogo, o coloquial, também é uma característica do Ensaio, definido por Afrânio Coutinho
como uma dissertação curta e metódica sem acabamento sobre assuntos variados em tom
íntimo, coloquial, familiar. No Ensaio, conforme o crítico, “É o sentido que marcha a passo
com o pensamento e o traduz, como um orador, sem nenhum intervalo, diretamente, do
pensamento à palavra, sem precisar de qualquer artifício intermediário para expressar a
realidade que está na alma do artista.” (COUTINHO, 1986 p. 118)
Embora a designação de ensaio, no Brasil, viesse “se restringindo a estudos
críticos e a produção universitária, grandes escritores nos deixaram ensaios antológicos como
José de Alencar e Machado de Assis”, lembra a pesquisadora Angélica Soares (1989, p. 66).
Mas as explicações abaixo de Afrânio Coutinho demonstram ainda mais a semelhança deste
tipo de texto com as obras recentes de Lya Luft:
O ensaio é um breve discurso, compacto, um compêndio de
pensamento, experiência e observação. É uma composição em prosa
(há exemplos em verso), breve, que tenta (ensaia) ou experimenta
interpretar a realidade à custa de uma exposição das reações
pessoais do artista em face de um ou vários assuntos de sua
experiência ou recordações. Pode recorrer à narração, descrição,
exposição, argumentação, e usar como apresentação a carta, o sermão,
o monólogo, o diálogo, a crônica jornalística. Não possui forma
fixa. Sua forma é interna, estrutural, de conformidade com o arranjo
lógico e as necessidades da expressão. (COUTINHO, 1986, p. 118.
Negritos meus).
A perspectiva do Ensaio assim definida, segundo Wellington Pereira, autor que
aborda a crônica no jornalismo, “resgata eventos sociais e os caracteriza para além do tempo
37
cíclico. O ensaísta não manuseia o tempo nem determina seus temas historicamente, mas
centra sua ênfase em um estilo próprio, no processo de construção da narrativa, quanto mais
próxima da linguagem coloquial melhor.” (2004 p.) Pereira não aceita a crônica como
apêndice do ensaio, e para diferenciá-los usa o exemplo do termo “amor”, que “o cronista não
define, mas percorre suas acepções emprestando-lhe novos significados. O ensaísta, mesmo
no sentido mais informal, busca a construção de um objeto lingüístico que possui significar as
razões conceituais da palavra amor.” (Idem)
Os conceitos de Ensaio citados acima remetem aos escritos de Michel
Eyquem de Montaigne no século XVI, tempo do Renascimento nas artes, da Reforma nas
religiões e outras mudanças radicais. O ideal do Humanismo foi sem dúvida o móvel desse
progresso e tornou-se o próprio espírito do Renascimento. O fato dos textos atuais de Lya
Luft estarem sendo considerados desta vertente mostraria que estamos vivendo um tempo
semelhante em termos de transformações históricas? Possivelmente buscando resgatar
concepções que passaram a vigorar naquele período, como o conceito
dinâmico do homem,
em que
o indivíduo passou a ter a sua própria história de desenvolvimento pessoal.
A questão do tempo é uma das particularidades da crônica, e faz juz assim à
origem do nome, Chronus, palavra grega relativa ao tempo. Mas a crônica, conforme Pereira,
a partir do século XIX, “abandona a fidelidade a um tempo historicamente determinado: passa
a enfocar as relações fragmentadas do mundo moderno, cujo modo de compreensão não tem
como instrumento apenas o código literário.” (2004 p.) Ou seja, os registros do tempo vivido,
num momento de transformações da humanidade em novo milênio, podem ser tanto crônicas
como ensaios, e talvez a principal diferenciação seja a que faz a própria Lya Luft: a de que
crônicas são textos mais curtos, próprios de jornais e revistas, enquanto os textos maiores, dos
livros, seriam ensaios
19
. Retratos de um tempo de inquietações, de rupturas e recomeços,
mostrando a escritora conectada a sua contemporaneidade e ajudando a entender as
19
Explicação dada através de e-mail que trocamos logo após a entrevista concedida pela escritora em
Florianópolis dia 23/05/2007.
38
inquietações de um humano cada vez mais solitário e em busca de referências no caos urbano
do século XXI.
Ao tratar de outros tempos verbais, o presente ou o passado composto, em O
grau zero da escritura que Roland Barthes ajuda a entender o sucesso de determinados estilos
de escrever da atualidade. O autor observa que
quando o passado simples é substituído por formas menos
ornamentais, mais frescas, mais densas e mais próximas da fala, a
Literatura torna-se depositária da espessura da existência, e não
de sua significação, [...] o uso do ´eu` se coloca além da convenção e
tenta destruí-la, remetendo a narrativa para a falsa naturalidade de
uma confidência. (BARTHES, s/d, negrito meu).
Pode-se fazer novamente uma ilação com os recentes livros de Lya Luft
(Perdas e Ganhos e Pensar é transgredir). Os livros analisados nesse estudo revelam que
neles estão depositados a espessura da existência da autora – seus sofrimentos, decepções,
alegrias e sabedoria. O compartilhar de vivências também é inferido por Roland Barthes em
Rumor da Língua, que observa nesse sentido: “ler é trabalhar o nosso corpo para o apelo dos
signos do texto...” (1998) É possivelmente esse aspecto - o de modificar hábitos, mexer com
significantes – mais um dos motivos do sucesso dos livros de Lya Luft em questão.
O contexto tem significado decisivo para a determinação do que é enfocado, e
nas formas e gêneros utilizados para tal criação literária. Assim, há que se tentar entender
P&G reunindo conceitos da literatura e das ciências humanas em geral para então depurar
seus sentidos. Benedetto Croce (apud KAYSER, 1976) já dizia que as obras literárias não
devem ser agrupadas em gêneros, já que se baseiam na expressão, por natureza individual e
única. Para ele, há quatro classes de literatura, literatura que não possui substância própria: o
belo vestuário do sentimental-objetivo, do discursivo, do recreativo e do instrutivo. Poderia
esta definição ser pertinente quanto as obras de Luft em questão? As classificações de Croce
remetem a chamada literatura de entretenimento.
39
1.5 Literatura de entretenimento: o sabor do texto
A Literatura deixa de ser no início do século XXI assunto nobre da área de
Ciências Humanas, e é tratada cada vez mais como apenas mais um produto da indústria
cultural. Ou seja, integra o reino da mercadoria e é objeto de consumo com valor de troca e
valor de uso. Marisa Lajolo diz que a “literatura nunca teve platéias tão grandes e tão
divididas, e com espetáculos em diversos palcos, nunca é vista em sua totalidade.” (LAJOLO,
2001 p. 110) Ao mesmo tempo ela constata: “O mercado acabou favorecendo a
democratização do conceito de literatura”. (Idem p.111). Por sua vez, Muniz Sodré afirma
que
o discurso da literatura de massa é a manifestação de um discurso
específico e não uma utilização medíocre do discurso literário. Esta
produção é resultado de exigências geradas pela sociedade moderna,
tanto que a indústria editorial responsável por esse tipo de literatura
investe cada vez mais neste mercado, sem jamais reclamar de
prejuízos.
(1978)
A afirmativa de Sodré tem eco neste momento da vida brasileira em que o
mercado editorial lança à profusão títulos que bem refletem as “exigências” da sociedade, em
que ao menos parcela significativa é ávida por saber detalhes da vida dos outros,
especialmente de pessoas em evidência na mídia. Nesse contexto inserem-se títulos como O
veneno do escorpião, relato de vida de uma prostituta, entre outros. Para E. Morin, os
produtos da indústria cultural
favorecem as estéticas médias, as poesias médias, os talentos médios,
as inteligências médias, as bobagens médias. É que a cultura de massa
é média em sua inspiração e seu objetivo, porque ela é a cultura do
denominador comum entre as idades, os sexos, as classes, os povos,
porque ela está ligada a seu meio natural de formação, a sociedade na
qual se desenvolve sua humanidade média, de níveis de vida médios,
de tipo de vida médio.
(1997 p. 13)
40
A literatura de entretenimento é baseada em fórmula que contempla, segundo
Muniz Sodré, o mítico - tipos modelares baseados em arquétipos; a atualidade informativo-
jornalística – necessidade de informar; pedagogismo – intenção clara de ensinar algo, e
retórica culta ou consagrada – modo de escrever já consagrado. (SODRÉ, 1985, p. 8-9).
Essas características estão presentes nas obras de Lya, e neste sentido podemos classificá-las
como literatura de mercado.
Contrariando MacDonald, para quem o midcult não passa de uma falsificação
comercial do que ele chama de Alta Cultura, José Paulo Paes confirma uma afirmação de
Umberto Eco, que observa
embora o midcult tenda à exploração de efeitos sobre a sensibilidade
dos seus consumidores, ele não ambiciona substituir as obras da
cultura de proposta. Seus produtos são, ao contrário, obras de
honestos e competentes artesãos que, longe de querer igualar-se aos
criadores de Arte com A maiúsculo, não pretendem mais do que
suprir as necessidades do consumir médio. (ECO, apud PAES, 1990 p
27.)
Conforme José Paulo Paes, isso “delimita as fronteiras do território privativo
da literatura de entretenimento. Dele tem o título legal de posse, de modo algum usurpado
ao minifúndio da alta literatura” (1990 p. 27, negrito meu). Paes destaca que marcou época
então José Mauro de Vasconcelos, autor de Meu pé de laranja lima, com um tipo mais ameno
de ficção que o iria popularizar. E ressalta:
A agressividade com que certos críticos se voltaram contra ele,
julgando-lhe o desempenho unicamente em termos de estética
literária, em vez de analisá-lo pelo prisma da sociologia do gosto e do
consumo, mostra a miopia de nossa crítica para questões que
fujam ao quadro da literatura erudita
20
. Talvez à mesma miopia se
deva não ter sido feito até agora um levantamento e avaliação de
nossa ainda paupérrima, mas nem por isso nula, literatura de
entretenimento
. (1990, p. 34-35)
20
Negrito meu. Isso lembra o que ocorre também com as obras recentes de Lya Luft.
41
Cabe salientar que este livro foi adaptado para uma telenovela da TV Bandeirantes
nos anos 1980, assim como várias outras obras literárias tornaram-se novelas de sucesso na
Rede Globo, como Éramos Seis, de Maria José Dopré, A moreninha, de José de Alencar e
Olhai os lírios do campo, de Érico Veríssimo. Isso não seria a consagração da literatura de
massa no país? Ao mesmo tempo, a adaptação de Os Maias, de Eça de Queiroz, um clássico
da literatura, foi um sucesso de crítica e fracasso em termos de público
21
. Paes relata ainda
que num país como o Brasil, em que o público ledor ainda é reduzido
torna-se difícil a profissionalização do escritor e o surgimento daquele
artesão despretensioso de cuja competência nasce a boa literatura de
entretenimento. Assim, nossos literatos se consolam em ter o nome
registrado nas páginas da história literária e [...] todos sonham ser
Flaubert ou James Joyce, ninguém se contentaria em ser
Alexandre Dumas ou Agatha Christie. Trata-se obviamente de um
erro de perspectiva: da massa de leitores destes últimos autores é que
surge a elite dos leitores daqueles, e nenhuma cultura realmente
integrada pode se dispensar de ter, ao lado de uma vigorosa
literatura de proposta, uma não menos vigorosa literatura de
entretenimento. (1990, p. 37, negrito meu)
Nesse sentido, vale a pena transcrever partes de um artigo publicado no
Rascunho, O Jornal da Literatura do Brasil, editado em Curitiba desde 2000, por citar
diretamente Lya Luft neste contexto:
[...] A excelente escritora Lya Luft (quem já leu, por exemplo, um
romance como O quarto fechado sabe que isso é verdade, que ela é
excelente) hoje virou uma maldição no meio literário brasileiro
porque, de uma hora para outra, e talvez sem ter esse propósito,
passou a fazer literatura adotando a fórmula Paulo Coelho. Pelo que
percebi em algumas entrevistas, ela abomina ser chamada de escritora
de auto-ajuda. Sendo ou não sendo, é no momento confundida com tal
— e vende muito, está no topo das listas já faz algum tempo. [...]
Contudo, na relação literatura e mídia, a coisa não é tão
maniqueísta como alguns colocam. Na verdade, nem tudo que
está ou foi veiculado pela mídia é ruim: José de Alencar é mídia;
Machado de Assis é mídia; Graciliano Ramos, Guimarães Rosa,
Chico Buarque — todos são mídia”. [...] Um leitor de alta
literatura, se é justo, um dia já teve contato com a baixa
literatura — o que o fez, inclusive, comparando as duas, chegar à
21
Mais recentemente, a adaptação de A Pedra do Reino, de Ariano Suassuna, numa micro-série da Rede Globo,
foi um verdadeiro fracasso de público. Uma hermética adaptação transformada num compêndio de citações e
alusões a personagens e obras da literatura. Até para um especialista em literatura a adaptação ficou pesada
demais.
42
conclusão de que prefere a primeira porque as suas densidades se
ajustam mais ao seu (sofisticado — e conquistado) modo de pensar o
fenômeno literário. Um leitor de baixa literatura, por sua vez,
poderá desenvolver seu gosto (já que prefere mais o distrativo e o
lugar-comum filosófico) e até adquirir um preparo para entender
Machado de Assis ou Guimarães Rosa. E há ainda uma mistura
curiosa: às vezes encontramos pessoas que lêem Paulo Coelho e que
já leram, com certo aproveitamento, Clarice Lispector. Uma coisa
parece certa: não gosta de alta nem de baixa literatura quem não
tem qualquer contato com um texto literário. Quem nunca lê um
livro.
(FERNANDES, 2005, negritos meus)
Embora concorde com as observações acima de forma geral, tenho dúvidas
quanto ao que o resenhista quis dizer quando afirma que “Lya passou a fazer literatura
adotando a fórmula Paulo Coelho”. Talvez se refira ao aspecto de ambas se caracterizarem
como literatura de entretenimento. De outro modo não compactuo com a posição de que a
escritora utilize a fórmula Paulo Coelho, uma narrativa de conteúdo místico, esotérico, ao
contrário de Lya, que trata de questões bem arraigadas na realidade cotidiana.
Aliás, falando em Paulo Coelho, sua obra foi objeto de pertinente análise no
Programa de Pós Graduação em Literatura da UFSC, através da dissertação Alquimias,
bruxarias e mercadorias: a narrativa de mercado e o fenômeno Paulo Coelho, de Maicon
Tenfen, orientada por Tânia Ramos. O autor utiliza a expressão narrativa de mercado, termo
que prefere utilizar à literatura de massa ou entretenimento, que seria aquela com recorrência
a aspectos míticos, atualidade informativo-jornalística, pedagogismo e retórica culta ou
consagrada. Tenfen observa que os livros de Paulo Coelho podem ser assim classificados,
pois a estrutura textual encerra um grande número de características comuns a esse tipo de
literatura. Além disso, conforme Tenfen, Paulo Coelho fala basicamente de sua vida e realça a
imagem do mago, do mito, do guia a ser seguido e não a de escritor. Enfático quanto à
manipulação da Grande Indústria Cultural (como a define) em relação a esta produção e
inclusive sobre os próprios escritores, Tenfen conclui, no entanto, que “é mais produtivo
entender do que ignorar”, e que “ler Paulo Coelho é melhor do que não ler Paulo Coelho”
(2002, p. 143), referindo-se a uma máxima de Calvino que preconiza: “o rendimento máximo
43
da leitura dos clássicos advém para aquele que sabe alterná-la com a leitura de atualidades
numa sábia dosagem”.
(1991)
Ainda na perspectiva da literatura de massa versus literatura culta, Paes abrange
a particularidade da literatura no Brasil, país em que apenas 26% dos adultos são considerados
plenamente alfabetizados. Paes distingue a cultura de proposta - cujas características são uma
visão de mundo singular e inconfundível e diversidade de estilo narrativo -, da cultura de
massa - aquela que dá menor importância à originalidade de representação e que se abstêm de
usar recursos de expressão que se afastem do gosto médio. O autor esclarece que é preciso
“observar os níveis de elaboração da cultura de massa: o masscult, que atende ao gosto do
povão, e o midcult, afinado com o gosto da classe média.” (1990 p. 26.)
Para Paes, a progressiva incorporação de novos leitores pela consolidação de
uma classe média, cujas necessidades culturais ainda não são tão apuradas pela tradição
quanto as da elite burguesa, é um dos motivos do surgimento e sucesso da literatura de
entretenimento. No Brasil, continua Paes, surgiu o dramalhão, e “uma das características da
nossa ficção romântica foi a de nunca ter se afastado dos padrões de gosto do leitor comum
de sua época, pelo qual mal se pode distinguir nela o propósito de mero entretenimento dos
propósitos mais ambiciosos da literatura comumente rotulada de erudita.” (Idem p. 33) No
mesmo sentido, Muniz Sodré denomina literatura culta
aquela em que o leitor é convidado a fruir o bem narrar, ou seja, o
ritmo, a ouriversaria do período, a boa imbricação dos planos
narrativos, as imagens. [...] O texto não é comandado por fatos reais
da história, por conteúdos informativos ou pedagógicos que
pretendam chegar como “verdadeiros” à consciência do leitor. A
história irrompe das malhas do próprio texto, autônomo na geração de
seu universo
. [...] A literatura culta, apesar de si mesma, vive uma
diferença de classes culturais
. (1985, p. 14-15)
As definições acima colocam a literatura em níveis, uma questão
questionada por autores como Angenot. E permite lembrar Eneida de Souza que assinala: “Os
44
críticos da relativização dos paradigmas teóricos ainda supervalorizam a literatura como
função hegemônica nas ciências humanas”. (SOUZA, 2002, p.83) Seria uma tentativa,
especula a autora, de reativar o poder de classe que está enfraquecido. Ou seja, a classificação,
o binarismo de alta e baixa literatura servindo como preconceito de classe social. Mas é em
Eagleton que a questão ideológica é claramente colocada: “...os juízos de valor que
constituem a literatura são historicamente variáveis, mas tem uma estreita relação com as
ideologias sociais. Referem-se não apenas ao gosto particular mas aos pressupostos pelos
quais certos grupos sociais exercem e mantêm o poder sobre outros.” (2001 p. 22)
Há uma procura por novos significados para as interfaces do culto e do popular
em todas as áreas, especialmente nas artes. Ao mesmo tempo, numa sociedade dominada pelo
consumo, há a padronização dos gostos da classe média, dividida pelo mercado em rentáveis
faixas etárias e econômicas, educado na estética da imagem e do espetáculo, como enfatiza
Tânia Pellegrini (1999).
No caso do livro Perdas & Ganhos, especificamente, poderia se dizer que há
uma mistura de elementos da literatura considerada culta e da de mercado, pois tem ritmo,
bem narrar, sutilezas e lirismo, que compõe ingredientes da primeira, e possui também
conteúdo destinado a mobilizar a consciência do leitor, característica da literatura de massa.
Para Canclini,
o artista que consegue ressonância popular, mas quer manter o
reconhecimento de minorias especializadas deve renovar seu
repertório, introduzir variações temáticas, e sobretudo formais, que
permitam a seus seguidores mais exclusivos tornar a encontrar em sua
pessoa e em seus produtos o signo da última distinção. Essa exigência
é pelo menos tão influente nas mudanças quanto as necessidades
intrínsecas da criação.
(2006)
Lya fomentou controvérsias quando modificou seu modo de escrever,
deixando os romances, sem variar as temáticas. Mas vem se mantendo em evidência,
45
superando rótulos e conceitos que se estilhaçam quando aplicados a sua obra e ao seu
sucesso. Primeiro junto a crítica e depois junto ao público, numa trajetória de 30 anos de
carreira literária. Vida literária que estará em foco no próximo capítulo, que mostra a
repercussão de seus romances e alguns estudos sobre os livros da escritora.
CAPÍTULO II
A ESPESSURA E A ESSÊNCIA DA ESCRITURA LUFTIANA:
Lya antes e depois da academia
É preciso escrever um poema várias vezes
Para que dê a impressão
De que foi escrito pela primeira vez.
Mário Quintana – Da difícil facilidade
A escritora Lya Luft iniciou sua vida literária nos anos 1960, primeiro com
poesias e crônicas, posteriormente como tradutora de literaturas em alemão e inglês. Traduziu
para o português mais de cem livros, entre os quais destacam-se obras de Virginia Wolf,
Reiner Maria Rilke, Hermann Hesse, Doris Lessing, Botho Strauss e Thomas Mann.
Destacou-se nesta área em 1974, com a tradução de Anestesia local, de Günther Grass, da
Editora Globo, de Porto Alegre, e a partir daí passou a traduzir para a Editora Record, do Rio
de Janeiro. Atuou também como professora universitária, concluiu mestrado em Lingüística e
em Literatura Brasileira e fez parte da academia por alguns anos, como professora de
Linguística
22
. Os romances começam a ser publicados em 1980, sendo o primeiro As
Parceiras, pela Editora Nova Fronteira. Os mistérios mais complexos do ser humano –
solidão, morte, amor, angústias, assombramento e desencontro – fazem parte dos livros de
Lya. Apontada por vezes como a intérprete mais sutil do universo feminino e dos mitos da
sexualidade, da repressão familiar e dos temores infantis, desde o começo fala do amor, do
22
Os dados desta primeira parte do capítulo foram obtidos no fascículo 5 da Coleção de Autores Gaúchos v. 1,
publicada pelo Instituto Estadual do Livro. Porto Alegre, 1989.
47
prazer e da dor da perda. A maneira pela qual ela trata de explorar a formação psicológica
das protagonistas é considerada uma de suas grandes contribuições para as letras brasileiras.
2.1 No princípio eram canções de limiar
Lya começou a carreira de escritora com poesias, sendo premiada em 1962 no
Concurso Estadual de Poesias, promovido pelo Instituto Estadual do Livro do Rio Grande do
Sul. Estes primeiros poemas foram reunidos no livro Canções de Limiar (1962), e enquanto
não vinha o segundo, Flauta Doce (1972), editado pela Sulina, escrevia crônica semanal no
jornal Correio do Povo, de Porto Alegre. Em 1976, escreveu alguns contos e mandou para
Pedro Paulo Sena Madureira, que era editor da Nova Fronteira. Pedro Paulo respondeu
dizendo que os contos eram todos “publicáveis”. O editor, no entanto, aconselhou Lya a
escrever um romance, dizendo que ela era romancista. Em 1978 lança seu primeiro livro de
crônicas, Matéria do Cotidiano, publicado pelo Instituto Estadual do Livro do Rio Grande do
Sul.
A ficção entrou em sua vida dois anos depois de um acidente automobilístico
quase fatal, em 1979. Segundo a autora, ao experimentar mais de perto a possibilidade da
morte, decidiu começar a fazer tudo que antes evitava. Na seqüência das crônicas, estréia no
gênero romance com o lançamento de As Parceiras (1980), e A Asa Esquerda do Anjo (1981),
ambos pela editora Nova Fronteira. Sobre este último ela disse: “foi o livro que escrevi com
mais paixão e compaixão pelas mulheres. Solidariedade de mulher para mulher, de ser
humano para ser humano”
23
.
23
INSTITUTO ESTADUAL DO LIVRO. Coleção Autores Gaúchos. Porto Alegre, 1989. V.1 fascículo 5, p.
10.
48
Em 1982 lança Reunião de Família, romance que retrata a deterioração dos
valores tradicionais, pela Nova Fronteira, e em 1984 outros dois livros: o romance O Quarto
Fechado (Nova Fronteira) e as poesias em que questiona o sentido da vida e da morte de
Mulher no Palco (Salamandra). O Quarto Fechado foi lançado nos EUA sob o título The
Island of the Dead, e Mulher no Palco foi adaptado para linguagem teatral. Em 1987 lança
mais um romance, Exílio, pela Editora Guanabara, segundo a própria autora, “de todos, o que
mais nutre esperanças em relação à vida humana”
24
. Em 1989 publicou o livro de poemas O
Lado Fatal, pela Rocco, ainda não relançado, em que expõe sua dor pela morte do
companheiro Hélio Pelegrino, e em 1994, A Sentinela. O premiado O Rio do Meio de 1996,
embora classificado como ensaios, foi considerado a melhor obra de ficção daquele ano pela
Associação Paulista de Críticos de Arte. Na mesma linha intimista, em 1997 surge Secreta
Mirada e em 1999 a escritora lança o livro O Ponto Cego.
25
Escreveu também Histórias do
Tempo, em 2000, e Mar de Dentro, em 2002. Tudo isso antes de “estourar” junto ao público a
partir de 2003, com a publicação de Perdas e Ganhos, seguida de Pensar é Transgredir,
ambos pela Record.
O tema predominante de seus romances é a identidade social e sexual,
especialmente das mulheres. Mas, na somatória, as obras tratam de temas que são também
universais e pessoais: são os interesses, dores, sonhos e vivências de todos nós: a dificuldade
de comunicação entre homens e mulheres, pais e filhos; o enigma do tempo, que a uns
enriquece e enlouquece a outros; o tênue fio entre fantasia e realidade; a busca de sentido e
valores para a vida; o constante aprender a jogar, ou pelo menos, saber as regras do jogo.
24
Idem, p. 16.
25
Informações retiradas do site http://www.releituras.com/lyaluft_bio_imp.asp, acesso em outubro 2006.
49
2.2 Os espelhos e as máscaras de Lya Luft
Numa resenha sobre a escritora obtida num sítio da internet com coletâneas
sobre escritores, há diversas considerações sobre algumas das suas obras. O ano era 2000 e o
resenhista escreve:
Lya Luft inventa máscaras para mostrar o próprio rosto. Foi
assim que ela estreou na literatura, há 20 anos, com As parceiras: um
romance assombrado de espelhos, escrito no avesso da memória,
na pele do breu, no paradoxo das inquietações. Até hoje, 12 livros
depois, Lya é confundida com a sua própria ficção. Provocados pela
atmosfera das histórias que ela escreve e dos autores que traduz,
muitos leitores a imaginam uma mulher sombria, fúnebre,
claustrofóbica. E Lya Luft é luminosa, adora filmes românticos, troca
qualquer programa literário pelo convívio com a família, ou por um
papo com os seus amigos essenciais.
26
O mesmo sítio informa que a partir de As Parceiras (1980) sua produção
cresce e tem uma série de êxitos.
O romance despertou a atenção do público e da crítica pela corajosa
abordagem de temas considerados tabus, pelo estilo e pelo perfeito
domínio da construção narrativa. A asa esquerda do anjo, segundo
romance de Lya Luft, correspondeu à expectativa, pois a autora dava
continuidade à sua criação literária. Nesse romance, a vida patética da
personagem Gisela se desenvolve entre frustrações que se acumulam
a ponto de a encaminharem para a autodestruição. O orgulho, a
hipocrisia, o ressentimento são componentes fatais do universo
familiar e social em que dia a dia se constrói o sofrimento de Gisela.
Sem reticências e com destemor, Lya Luft desce às dobras mais
recônditas da opressão, ou seja, do aniquilamento do ser humano. E
é a própria condição humana que passa a ser objeto de reflexão,
uma reflexão que traz à tona, de forma vigorosa e implacável, as
fraquezas e os anseios, os desalentos e os impulsos mais obscuros,
presentes inapelavelmente na vida de todas as pessoas.
27
As resenhas em jornais e revistas - forma de análise predominante em crítica
literária nos dias atuais - aqui parcialmente reproduzidas, mostram o resgate feito sobre a obra
de Lya Luft na seqüência do sucesso de Perdas e Ganhos. E demonstram que os temas
recorrentes sobre as incongruências da condição humana estão presentes tanto em forma de
ficção como nos livros de linguagem mais direta, de conversa com o leitor, como é o caso das
26
Trecho da entrevista de Lya Luft a Márcio Vassallo, para o Caderno 2, do jornal O ESTADO DE SÃO
PAULO.
http://www.bmsr.com.br/autores/detalhe_autor.asp?cod=Lya%20LUFT, acesso em outubro 2006,
negrito meu.
27
Idem/Ibidem, negrito meu.
50
publicações recentes. Ou seja, pode-se inferir nesta análise, que os temas do segundo
romance seriam explorados depois também em Perdas e Ganhos e Pensar é Transgredir, mas
de modo diferente. A escritora mudou a forma de abordar os temas, mas não os temas. Esse
impulso obscuro dos personagens também é ressaltado por Gustavo Bernardo numa resenha
em jornal de 2004, quando do relançamento do livro As Parceiras, na esteira do sucesso de
Perdas e Ganhos. Ele inicia observando:
Resenhar romance lançado há 23 anos, traduzido para o alemão,
reeditado e resenhado várias vezes, é uma temeridade – mas,
tratando-se do primeiro romance de Lya Luft, uma temeridade
necessária. Da mesma maneira que me parece um equívoco ler apenas
os últimos romances de Machado de Assis, deixando no limbo, por
exemplo, Ressurreição, no momento em que esta autora sofisticada
alcança o status de best-seller torna-se uma imposição retornar a As
parceiras, seu primeiro romance. A comparação com Machado de
Assis não quer colocá-la no mesmo nível, até porque em literatura
não há “níveis”, mas sim chamar a atenção para uma
característica comum a ambos os autores e, não por acaso, à
melhor literatura: o ceticismo.
(BERNARDO, 2004, negrito meu.)
Interessante notar que o resenhista de um suplemento literário, a compara,
guardadas as devidas diferenças, com Machado de Assis. Ele explica que não quer colocá-la
no mesmo nível de Machado e acrescenta “até porque em literatura não há níveis”. O
resenhista mineiro sabe disso, enquanto parte dos integrantes da Academia
28
ainda considera
que os best sellers não seriam dignos de análise. É como se, por exemplo, Lya tivesse
deixado de fazer literatura quando começou a fazer sucesso!! Ou como se o que ela escreve
atualmente, que se aproxima da autobiografia, a desmerecessem. E o resenhista destaca
também, ao falar da temática do livro:
Usamos o termo ´refletir` tanto para o ato de pensar quanto para o
´gesto` do espelho, mas o espelho reflete porque não se deixa
atravessar. A dúvida moderna nasce com o espelho, esse ´ser` que
nega. [...] Ainda que tente ver os próprios olhos, o próprio ver, o ser
humano, como a narradora de Lya, vê apenas a sua dúvida: ´bem que
me mirava no espelho para ver que cara a gente tem quando sofre
tanto, mas era sempre o meu rosto. ` (Idem, negrito meu).
28
O termo Academia neste trabalho sempre se refere à Universidade como centro de produção científica /
intelectual.
51
Nessas análises parece ficar claro que tanto naqueles romances dos anos 1980
como nos sucessos dos anos 2000, o fio condutor da escritora permanece o mesmo:
contradições da existência humana. “Meus personagens são a biografia de minhas
inquietações, e o mesmo acontece com Perdas & Ganhos e Pensar é Transgredir”, disse Lya
em entrevista. (MOSCOVICH, 2004) A diferença, a partir da experiência humana, talvez seja
que antes havia personagens fictícios a tratar de suas inquietações, e nos livros mais recentes,
a própria autora fala da sua vivência em primeira pessoa. Passa a ser uma prosa com nítida
configuração autobiográfica. Os dois resenhistas – Vassalo e Bernardo - se referem à obra de
Lya como espelho. Ao falar do espelho, o resenhista nos reporta às técnicas de psicoterapia,
em que o espelho é usado, tanto o objeto em si como através da figura do psicólogo, e
também à psicanálise, na sua definição do Outro. Se pensarmos as obras de Lya sob estas
perspectivas poder-se-ia concordar que os livros são autobiográficos, na medida em que quem
escreve sempre se coloca a si mesmo. Mas o livro realmente assumido como biografia é o
último antes de Perdas & Ganhos, ou seja, O Mar de Dentro, lançado em 2002. Na resenha
de revista semanal, sob a manchete Lya Luft faz idealização de sua infância em novo livro, o
jornalista escreve:
O Mar de Dentro do título é o furacão que todos temos em nós, o
inconformismo. Para Lya, o livro não passa de um relato do que ela
viveu ou pensou ter vivido. É bem mais do que isso. Pode ser
associado a seu romance O Ponto Cego, que mostra uma família
pelos olhos de um garoto, ou até mesmo a Perto do Coração
Selvagem, de Clarice Lispector. (ALVES JR, 2002.
)
A própria Lya admitiu em diversas entrevistas a influência dos escritores
Cecília Meirelles, Rainer Maria Rilke e Mário Quintana, na sua formação literária, e de que
Mar de dentro é o seu único livro confessional
29
. Mas toda sua obra traz subjetividades,
descentramentos, heterogeneidades, divergências. É uma constante recorrência à temática da
29
LUFT, Lya. Entrevista coletiva da qual participei concedida em Florianópolis dia 23.05.2007.
52
condição humana, ao ceticismo, às paixões ou pulsações, ou seja, sempre a complexidade do
Ser Humano.
2.3 Lya na Academia: teses e dissertações
As análises sobre as publicações de Lya Luft apresentadas a seguir são algumas
das inúmeras pesquisas realizadas sobre a obra da escritora. Certamente existem outras em
diversos centros de pesquisa do país e até do exterior, mas cada uma das escolhidas procura
contemplar algum dos títulos lançados pela autora, e praticamente todos são, assim,
esmiuçados. A maioria destas teses, dissertações e artigos científicos encontram-se
disponibilizadas em sítios de bibliotecas universitárias ou de órgãos de fomento da pesquisa
científica.
Os romances escritos no começo dos anos 1980, ou seja, As Parceiras, A Asa
Esquerda do Anjo, Reunião de Família e O Quarto Fechado, os mais estudados em teses,
dissertações e artigos científicos, “inserem-se nessa categoria de busca do sentido das relações
humanas deterioradas numa sociedade desigual, em que só vale a lei do mais forte. [...]
Investigação no âmbito da família, entendida como microcosmo desta sociedade”.
(BORDINI, 1989 p. 19)
A narrativa fala sempre de uma mulher, ou é narrada por uma delas, em
personagens divididos ambiguamente. O que remete à formação patriarcal do senhor dos
domínios, cindido entre um liberalismo frágil e o comportamento interno repressor, como
apontava Lucia Helena em 1989, no artigo A personagem feminina na ficção brasileira nos
anos 70 e 80. Lucia Helena acrescenta que “reflete também os dois brasis de imagem e
identidade rarefeita, no conflito entre um mundo agrário e uma sociedade que quer acertar,
ainda que desastradamente, seu encontro com a industrialização e os paraísos do progresso.”
Essa duplicidade, segundo Lucia Helena, permite vislumbrar outro desdobramento na
narrativa: a oposição e articulação de dois estilos, o barroco e o clássico, em que o primeiro
53
desconstrói o texto sempre aparentemente limpinho, e o segundo mescla o lirismo com a
narração. A autora destaca também que a personagem feminina evidencia, na constante
regressão ao mundo infantil, ter passado os primeiros anos de vida no período do Estado
Novo, o que é perceptível pelas alusões contextualizadoras, com referências também a avós e
bisavós alemãs e à repressão nazista. Nesse sentido, “o espaço é uma força abstrata na qual se
fundem alegoricamente o mundo externo e o mundo interno, em mulheres emparedadas pela
casa, pela família e por si mesmas.” (1989 p. 107)
Dualidade e espaços também estão presentes no terceiro romance, Reunião de
família (1982), uma trama afetiva das relações familiares. A morte ronda os personagens,
numa estória em que uma família se reúne em torno de uma irmã que está deprimida pela
morte prematura e violenta do único filho. A personagem principal, Alice, é uma mulher que
se olha no espelho e indaga sobre sua identidade. O espelho um instrumento que reflete o
outro lado de uma realidade. Sentimentos ambíguos são expostos tendo o espelho como
mediador, e pela utilização de flaschback, o leitor acompanha a memória da personagem
sempre em busca da identidade. Muitos críticos consideram que, junto aos dois primeiros
livros As parceiras (1980) e A asa esquerda do anjo (1981), compõem a “trilogia da família”,
conforme adverte Nelly Novaes Coelho:
A matéria ficcional dessa trilogia se identifica com uma das
tendências mais férteis da ficção moderna: a que registra as
relações humanas, presas à aparência inofensiva e rotineira do
cotidiano, para depois ir rompendo sua superfície tranqüila e, lá no
fundo oculto, tocar as paixões ou pulsações secretas que revelam a
duplicidade da vida vivida e/ou a mutilação interior dos seres que a
vivem.
(1996)
A pesquisadora acima citada é autora de uma das teses mais completas sobre a
obra de Lya, intitulada A mulher, o lúdico e o grotesco em Lya Luft, em que reordena o
universo simbólico da escritora, e afirma que a escritora “revela em sua narrativa um processo
de desnudamento do universo feminino, encoberto ainda, então, pela máscara da aparência
social” (Idem)
54
A questão do universo feminino, a dominância concedida à mulher, entretanto,
não significa uma visão feminista. Trata-se de uma narrativa intimista, em que os textos se
organizam em torno da consciência de suas heroínas, especialmente suas angústias, suas
carências afetivas, as incomunicabilidades, a desintegração de personalidades. Através de
memórias e reflexões, suas vidas atravessam o tempo em constante ir e vir, mesclando
presente e passado. São personagens em geral desagregados internamente, que vivem de
modo contraditório, ambíguo. Conforme Maria da Glória Bordini:
O determinante desses comportamentos familiares conflituados e
deformantes é a sexualidade feminina ou masculina, aquela em geral
reprimida e esta opressora. [...] Sobre o destino das famílias pesa uma
fatalidade imutável: a sexualidade é a causadora das desgraças da
família, porque gera vidas em que a morte já está instalada. [...] A
mulher como uma matriz trágica, a de que o fado feminino é gerar
para a morte. [...] Tal destino é esboçado nas famílias de modelo
autoritário, segregadas em si mesmas. A reclusão dessas famílias é a
causadora de sua desagregação. É esse o sentido do trabalho
romanesco de Lya Luft com a temática da mulher: mostrar onde se
aninham os cerceamentos à sua liberação. (1989, p. 20)
As prisões reais e psíquicas das personagens são mostradas numa constante
circularidade, de idas e voltas ao ponto de partida, em caos interior que não vê saída. Em
muitos casos a não vida é a única possibilidade, e em outros só a morte é vista como salvação.
A morte como mecanismo desencadeador da narração é o que observa o pesquisador Alberto
Moreira, no artigo Símbolo, alegoria y temporalidad em Reunião de família, de Lya Luft:
“a morte atua como gatilho disparador de forças de inteligibilidade a serviço da vida. [...] os
textos da escritora se exercem na necessidade de encontrar uma inteligibilidade que
transcenda e vença a fascinação pelo último abismo”. (1987 p. 250)
Dissertações como A relação entre a mulher contemporânea e a mulher-
personagem na obra de Lya Luft, defendida por Lérida Romagnoli em 1990, no Instituto de
Letras e Artes da PUC/RS, também tratam destas questões. A pesquisa é uma análise da
realidade feminina contemporânea relatada na obra ficcional de Lya Luft, e um paralelo entre
55
as personagens da autora e a mulher não-ficcional, com base na metodologia bibliográfico-
dedutiva. (ROMAGNOLI, 1990, resumo)
A temática da família e o universo neurótico que a envolve, abordado em
Reunião de família, é analisada por estudiosos como Donaldo Schüller: Lya luft, Reunião de
família (1983), e em dissertações como Pelos desvios familiares: realidade e ficção em Lya
Luft, de José Carlos Dussarrat.(1997)
Igualmente foram objeto de estudo, entre outros, os
livros Exílio (1987), na dissertação O conteúdo léxico de floresta no Exílio de Lya Luft, de
Lauro Dick
30
e O Quarto Fechado (1982), na produção científica intitulada A representação
ficcional do poder em A memória revoltada, de Maximiano Campos e O quarto fechado, de
Lya Luft
31
. Este último é analisado também na dissertação de mestrado de Vanessa Kukul, O
quarto fechado, de Lya Luft: uma ilha que emerge na noite, que trata dos espaços físicos e
psíquicos “indagando a significação do quarto na condição da vida humana e demonstrando o
apego do homem e da mulher pelos espaços, do quarto como temática de experiência
existencial e estética na literatura e como metáfora do que nos é insondável.” (2005, resumo)
O Rio do meio, obra de 1996, foi objeto da dissertação O Eu em O rio do meio
de Lya Luft num discurso representativo da condição feminina defendida por Marlene
Brandolt. Nela a mestranda procura
traçar uma perspectiva da construção do sujeito feminino valendo-se
de críticas feministas. Segue uma leitura hermenêutica, baseada no
processo narrativo em primeira pessoa da obra de Lya Luft que
assume importância sobretudo na escrita da mulher. [...] O discurso
luftiano questiona através de seus próprios enunciados um tempo
patrilinear, cuja experiência se revela na análise desse sujeito. Em
oposição à tradição cultural, a narração de Lya Luft provoca uma
postura voltada para o sentido de libertação, principalmente pessoal.
Este estudo discute ainda uma estética reveladora das transformações
do sujeito feminino e do ato de criação.
(2000, resumo)
30
DICK, Lauro. O conteudo lexico de floresta no Exilio, de Lya Luft Universidade Federal do Rio Grande do
Sul. Instituto de Letras. Curso de Pós-Graduação em Letras, 1990.
31
MIRANDA, Andrea Cabral de. A representacao ficcional do poder em A memoria revoltada, de
MaximianoCampos e O quarto fechado, de Lya Luft. Universidade Federal de Pernambuco. Centro de Artes e
Comunicação. Departamento de Letras. 1999.
56
O tema da família volta a estar presente em O ponto cego. (1999) Lya realiza
um projeto antigo: uma história de família, narrada do ponto de vista de uma criança.
Com esse menino-narrador, Lya elabora sua visão e experiência com
a criação literária. É o narrador que inventa e desinventa como quer,
mas pode cair em sua própria armadilha, e ser desinventado.
Sobretudo, como diz a autora, este é um romance de amor e mistério.
De muitos amores: sensuais ou trágicos, generosos ou cruéis. Amor
pela vida e pelo sonho – onde se ocultam os verdadeiros e sedutores
significados. O ponto cego nos inquieta e nos encanta, como toda a
obra de Lya Luft
32
.
No ensaio Nas fronteiras do inteligível: O Ponto Cego, Delineando um novo
traço na ficção de Lya Luft, a então mestranda em Teoria Literária no Departamento de
Teoria Literária e Literaturas da Universidade de Brasília, Simone Sampaio Silva focaliza a
“perplexidade frente aos moldes colocados à disposição de um ser em processo de construção
da própria identidade.” Ela explica que
Focalizando o interdito, o que é silenciado, o avesso e as criaturas que
lá habitam, o menino põe em evidência a rigidez de noções que
constroem homens e mulheres e que assim os tornam legítimos
membros da sociedade com seus códigos e práticas regulatórias. Lya
Luft coloca em xeque valores e padrões tradicionais na medida em
que cria uma criança em uma posição de estranhamento e aversão a
esses valores. Aqui, mais uma vez, é no sujeito da enunciação que
reside o aspecto questionador da obra.
33
As Parceiras e O ponto cego foram estudados por Rosane Schnädelbach, na
dissertação Entre o sonho e o real: um percurso pelo universo dual construído por Lya Luft.
A dissertação, orientada por. Helena Tornquist no Programa de Pós Graduação em Literatura
da UFSC, procurou analisar a recorrência de temas e personagens, o universo ficcional
marcado pela dualidade essência/aparência, imaginado/vivido. Na conclusão, Schnädelbach
afirma que
32
Trecho da entrevista de Lya Luft a Márcio Vassallo, para o Caderno 2, do jornal O ESTADO DE SÃO
PAULO.
http://www.bmsr.com.br/autores/detalhe_autor.asp?cod=Lya%20LUFT. Acesso em outubro de 2006.
33
Comunicação apresentada no VIII Seminário Nacional Mulher e Literatura, em Salvador, de 27 de Setembro a
29 de Setembro de 1999.
57
são textos que parecem não ter acabamento num processo de eterna
busca; sempre reenviam a outro texto que, por sua vez, reenvia a
outro, num processo interminável, a formar uma complexa tessitura
onde a ambigüidade revela um mundo dúplice. [...] Embora no final
do romance O Ponto cego não se revelem saídas, ficam ressoando no
leitor ecos de um universo de possibilidades já que o texto se propõe a
uma incessante reflexão sobre a precariedade da existência humana. É
impossível não reconhecer, ao final dessa leitura, a arte como porta-
voz das angústias humanas e da busca de uma linguagem como
uma forma de libertação; o texto, portanto, não se apresenta
como espaço neutro de significações, mas como o espaço capaz de
elaborar uma linguagem que define uma consciência
proclamadora de valores próprios
.
(2003 p. 84, negrito meu.)
Outra dissertação que abordou O Ponto Cego, relacionando-o com As
Parceiras e Reunião de Família, foi a de Cimara Valim de Melo, para observar “como
problematizam, através da memória e das digressões dos personagens, os conflitos familiares,
as contradições humanas e a fragmentação da sociedade”. O estudo intitulado Lya Luft –
percursos entre intimismo e modernidade enfoca o diversificado panorama da literatura
considerada como de estilo intimista, para mostrar a “forma como a escritora entrelaça sua
pujante expressão da interioridade ao desvelamento dos conflitos entre os indivíduos e destes
com o mundo moderno vazio de valores, repleto de arbitrariedades”. (2005, resumo)
Já está em voga então a questão dos valores realçados nas crônicas de Lya. Uma das mais
recentes produções científicas e com título semelhante foi a dissertação de mestrado de Jamily
Fehlberg, Melancolia e desafeto: um itinerário para a obra de Lya Luft, defendida na UFES
em 2005.
Falta de afeto, o não sentir-se em casa, estranhamentos em família. Temas que
submergem em todos romances da escritora. Um estudo relacionando o fio condutor narrativo
de sete romances de Lya Luft foi a tese de Eliane Ferreira de Cerqueira Lima, defendida na
UFRJ em 2006. Na pesquisa denominada O encontro com o arquétipo materno: imaginário e
simbologia em Lya Luft, é observado que “é possível identificar sempre uma falha profunda e
incontornável no que deveria ser uma ponte afetiva entre mãe e filha”. Desse modo, está
presente na obra o “sofrimento pela irrealização do arquétipo materno em face de uma
58
ausência real ou afetiva da mãe pessoal. É um levantamento dos recursos artístico-simbólicos
representativos dessa opressora lacuna psicológica e da insólita atmosfera do inconsciente”.
(2006, resumo) Uma das conclusões de Lima é de que a obra de Lya Luft é essencialmente
simbólica quando remete ao psiquismo dos personagens.
Histórias do tempo (2000), é uma mistura de delírio e reflexões sobre a vida.
Lya leva o leitor a mergulhar nos olhos da contradição, no estilhaço dos rótulos, na asa do que
rasteja. Assim como demonstrado na dissertação de Rosane Schnädelbach sobre O Ponto
Cego, já aparecem ali elementos do que seria predominante a partir da obra de maior sucesso
da escritora, Perdas e Ganhos, um dos objetos da presente análise. Ou seja, a precariedade da
existência humana, o universo de possibilidades de vivências, a arte como porta-voz das
angústias e alegrias dos humanos.
2.4 Perdas & Ganhos: O sucesso que assombra
Nos tópicos anteriores demonstrei trajetória da escritora e de seus romances
reconhecidos pelo público e pela crítica. Observei que há uma repetição de temas e
personagens femininos, em mulheres a beira do delírio e famílias sempre associadas à
repressão da sexualidade e do desejo. Ao mesmo tempo, “tais matérias são expostas com a
serenidade de quem já tivesse exorcizado antes da escrita os fantasmas. [...] uma narrativa que
disseca a crueza dos inter-relacionamentos, sempre provisórios e, sobretudo, fatais. [...] Há
nesses romances uma vontade particular de compreensão” (SANTOS, 1987, p. 25, negrito
meu.) Percebe-se aí já a veia da trilha que seria seguida com as obras da escritora no fim dos
anos 1990 e de 2000 em diante: “sua escrita procura não produzir um pensamento, uma
filosofia em seu sentido tradicional. Não é uma reflexão que se impõe, e sim a exposição
dos fatos” (Idem, ibidem, negrito meu). Apesar de Santos se referir aos romances, as
59
considerações são pertinentes para tentar entender os livros recentes da escritora,
especialmente Perdas &Ganhos. Percorre o livro um desejo de entendimento, de bom senso
entre os humanos, junto com a exposição de fatos cotidianos, como se estivesse meditando
sobre si mesma, para melhor explicitar aquilo que está sendo dito. Trata do desafio que é fazer
escolhas, escrever sobre a história pessoal, e da dificuldade de sermos responsáveis por
nossas opções; mas também escreve sobre ternura, alegria e perplexidade.
Os assuntos abordados no livro parecem ser determinantes para o sucesso junto
ao público, como veremos a seguir. Num sítio denominado agência literária BMSR
34
, pode-se
acompanhar a cada mês e ano, as manchetes em destaque na área de literatura. Reproduzi a
seguir algumas das manchetes que abordavam o livro Perdas & Ganhos. Ainda em 2003, em
novembro, entre as manchetes está: Perdas & Ganhos pelo mundo. Em janeiro de 2004 um
dos destaques é: Perdas & Ganhos vende mais de 100 mil exemplares, e em março: Lya Luft
brilha na Veja e nas palavras dos leitores. Já em abril aparece: Lya super lida, e em junho:
Lya Luft ganha um prêmio e tanto, referindo-se a escolha de seu nome pela Fundação
Conrado Wessel na categoria literatura, em que recebeu 100 mil reais, assim como outros
cinco pesquisadores, todos escolhidos com base em indicações. Já em agosto se noticia:
Perdas & Ganhos comemora um ano na lista da Veja. E continua em setembro: Lya na
Coréia, e em outubro: Lya Luft em espanhol e catalão. Já em novembro diz que Lya Luft não
pára de ganhar leitores e em janeiro de 2005 destaca que Lya Luft aterrissa na Espanha. Lya
Luft entra para a lista dos autores mais vendidos do mundo, é a manchete de março de 2005,
e em agosto: Lya Luft comemora dois anos na lista da Veja. Em 2006, no mês de março o
destaque é para: Lya Luft em audiobook, na Alemanha, e em abril é noticiado que Lya ganha
novas edições no exterior.
34
http://www.bmsr.com.br/diario/materias.asp, acessado em outubro de 2006.
60
As manchetes acima refletem a trajetória do livro que trata de grandes
questões humanas que atordoam uns, assustam outros e assombram a própria escritora
35
. Os
temas derivados em parte de sua própria experiência, em texto intimista, tratam de
inquietações que perpassam indivíduos perdidos em questionamentos na sociedade em que as
referências, as certezas, se perderam. O ideal cristão e suas premissas civilizadoras, a utopia
marxista e sua chegada a um mundo cor-de-rosa, e tantas outras promessas de futuro feliz, já
não estão na ordem do dia. O vazio existencial é quase unânime em pessoas que se
acostumaram a comprar para se realizar. Nesse contexto, o que importa é exercer o direito de
consumidor, antes até do que o de cidadão!! A esse propósito a professora e pesquisadora
Tânia Pellegrini observa, em artigo sobre questões da pós-modernidade e de como a ficção
brasileira contemporânea constitui uma forma de assimilação ou resistência às injunções
colocadas pela lógica cultural pós-moderna:
Emerge uma nova subjetividade, centrada na gradativa perda do senso
de história, de esperança de futuro ou de memória do passado,
dispersa numa sensação de “eterno presente”, que deriva para a
“diminuição do afeto” e a falta de profundidade. Daí, também, a
“morte do sujeito”, ou seja, o fim do individualismo organicamente
vinculado à concepção de um eu único e de uma identidade privada,
específicas do modernismo que engendrava uma visão própria de
mundo, vazada num estilo “singular e inconfundível”. (2001, p. 57)
No mesmo artigo, Pellegrini trata do fim das grandes narrativas, observando
que “restam apenas os ´pequenos relatos`, instáveis e mutáveis, que estabelecem consensos
igualmente instáveis e provisórios”. (Idem, p. 55) As palavras de Lya em P&G então, em
textos curtos, encantam e trazem um alento de “paraíso perdido”, de possibilidade de resgate
de valores, de transcender fragilidades humanas, mesmo que por algum instante fugaz do
cotidiano conturbado do mundo contemporâneo.
35
“Escrevo sobre o que me assombra, às vezes desde a infância”. (LUFT, 2004, p.179)
61
Uma das poucas referências em revistas de circulação nacional sobre o
lançamento do livro ocorreu na Istoé gente de 19/05/2003, em que o resenhista Dirceu Alves
Jr. o premiou com três estrelas. Sob o título Perdas & Ganhos - A gaúcha Lya Luft trata da
maturidade em obra intimista que mistura gêneros, entre outras coisas o jornalista informa:
Perdas & Ganhos, seu novo livro, trata do viço da pele que não é
mais a mesma e da experiência transformada em bagagem, capaz de
fazer a vida mais saborosa do que no tempo em que exibir as pernas
era fácil. A obra dá seqüência à linha intimista iniciada em O Rio do
Meio (1996) e seguida em Secreta Mirada (1997) e Histórias do
Tempo (2000). São memórias, reflexões e devaneios que apaixonam
alguns pela identificação imediata ou podem entediar por parecer
direcionado demais àqueles que já se preocupam com cabelos
brancos. Perdas & Ganhos não tem gênero e isso, apesar do ótimo
texto, às vezes tira o interesse de quem espera uma leitura regular. Por
outro lado, quem se permitir mergulhar nos escritos da autora pode
descobrir que existe uma imensa diferença entre maturidade e velhice.
36
A classificação dos gêneros literários é controversa, e citarei aqui a ordem
observada por Angélica Soares (1989), que os dividiu em traços e formas líricas, traços e
formas narrativas - a epopéia, o romance, o conto e a novela -, e traços e formas dramáticos –
a tragédia, a comédia e o drama. A pesquisadora classifica a crônica e o ensaio como formas
especiais. O livro de Lya incursiona parcialmente em vários destes gêneros, mas não se
enquadra claramente em nenhum desses e, por isso, causa incômodo por não poder ser
colocado “no lugar certo”. A falta de uma denominação também foi destacada por Márcio
Vassalo, escritor e jornalista que apresentou o novo livro em O Globo:
Sem nenhuma vocação para rótulos, a autora gaúcha diz que
Perdas & ganhos não é livro de ensaios nem é ficção. ´Cada um dê a
esta narrativa o nome que quiser. Para mim é aquela mesma fala no
ouvido do leitor, que tanto me agrada e faço em romances ou poemas
– um chamado para que venha pensar comigo`. E quem resiste a um
chamado de Lya? [...] seu chamado têm voz de profundeza e rumor de
sono fugido. [...] Lya nos provoca com a sutileza de quem trabalha a
linguagem até achar o seu próprio tom. Encantadora em todos os
aspectos, Lya Luft retorna aos seus temas prediletos sem ser
36
http://www.terra.com.br/istoegente/198/diversao_arte/livros_perdas_ganhos.htm, acessado em outubro de
2006. Negrito meu.
62
redundante. E fala sobre os passos da morte e a serventia dos lutos.
[...] Ler Lya Luft é uma deliciosa emergência.
37
A indefinição quanto ao tipo de literatura em que a obra de Lya Luft pode ser
enquadrada foi abordada desta forma por Angenot et all:
Um certo número de textos obrigou desde sempre a delimitar melhor
o literário e o ficcional relativamente aos outros gêneros discursivos.
É o caso da autobiografia, dos diários íntimos, das memórias, das
biografias em geral, de determinadas escritas da História, e, mais
recentemente, dos relatos de vida. Se é certo que esses escritos não
são auto-referenciais, que remetem, tal e qual como o texto realista,
para um fazer crer acerca da verdade, acerca do eu, acerca de
acontecimentos efetivamente ocorridos ou de personagens que
efetivamente existiram, não deixam por isso de estar presos à ordem
da linguagem, irredutível à ordem do real, e que a linguagem os
obriga a uma ordenação textual e discursiva. [...] Que dizer de Carta
ao Pai, de Kafka?”. (ANGENOT et all, 1995, p. 64)
Ao analisar o livro quando do lançamento, no Jornal do Brasil, Regina
Zilbermann não se preocupou em estabelecer uma classificação, mas afirmou:
A diferença entre os dois seres – o narrador que se apresenta nos
livros e a escritora que se distingue por suas preferências, hábitos e
visão de mundo – é que afiança a peculiariedade de Perdas & ganhos.
Embora seja livro aparentado a O rio do meio, sua singularidade se
patenteia por dar voz à artista, e não às personagens inventadas
por ela. E a artista mostra que tem muito a dizer a seus leitores,
discutindo questões que interessam a ambos. [...] Optando por uma
linguagem acessível, apoiada em exemplos extraídos de situações
pessoais, a autora evita abstrações que poderiam inibir a acolhida dos
destinatários. Com isso, estabelece uma sintonia fina e delicada com o
seu leitor com o ser com qual dialoga, revelando que, mesmo tratando
de perdas, comprovam-se facilmente os ganhos com a leitura do livro
(2003, p. 4, negrito meu)
Como se observa, uma representante da academia não denominou o livro de
auto-ajuda e estabeleceu paralelos pertinentes entre a obra recém lançada e os romances
anteriores da escritora. Mas pode-se observar também que deixa transparecer nas entrelinhas
que se aproxima de uma autobiografia, sem jamais usar a palavra explicitamente. Embora não
utilize o termo autobiografia, Regina Zilbermann, escreve também sobre Perdas & Ganhos:
Lya Luft reflete sobre suas próprias criações [...] e o que é mais
relevante, sobre sua relação com os assuntos e questões que manifesta
37
VASSALO, Márcio. A volta da sedutora Lya, sempre desafiadora. O Globo, 19/04/2003. Negrito meu.
63
em seus romances. Quando chega a esse ponto, ela trata de evidenciar
a distinção entre o mundo representado e suas atitudes pessoais.
Rejeitando a idéia de que possamos confundir a escritora com as
personagens ou os fatos exibidos em seus textos, ela afirma sua
identidade e individualidade de concepções e comportamento. (Idem,
ibidem)
As observações da pesquisadora fomentam a interpretação de que a obra de Lya
Luft realmente é em forma de Ensaio, um tipo de texto que “vai desde a impressão causada no
artista por sua própria personalidade ou pela de outrem, até a apreciação ou julgamento de
diferentes realizações humanas”, conforme Angélica Soares. Ela também localiza o Ensaio
em um território limítrofe entre o literário e o não-literário. E explica:
Isto porque a busca do pensamento original conduz a uma forma
original de enunciá-lo, pondo em tensão, a todo momento, a
subjetividade e a objetividade, a abstração e a concretude. De uma
coisa, porém, ele não abre mão: de seu caráter crítico, que separa para
distinguir, e assim caracterizar o objeto para o qual se volta através de
um exame tão racional quanto apaixonado, que faz da expressão da
verdade a verdade da expressão. (1989, p. 66)
Um sinal da dificuldade de enquadramento do livro é a coluna dos mais
vendidos da semana da revista Veja. Ao longo de nove meses, que começaram com o livro em
10º. lugar e gradativamente chegando ao primeiro, foi classificado na categoria
ficção
.
(Anexo E) Mas quando a autora lança Pensar é transgredir, que também logo chega às
primeiras colocações, a revista o classifica na categoria
não-ficção, para onde também re-
classifica Perdas e Ganhos, categoria em que ambos aparecem, respectivamente, em primeiro
e segundo lugar durante vários meses. Interessante é que a mudança se operou na mesma
edição em que a escritora aparece com sua primeira crônica, e sobre isto a revista apenas
informa: “esta edição traz na seção Ponto de Vista uma crônica da escritora gaúcha Lya Luft,
autora dos livros mais vendidos atualmente no Brasil” (VEJA. Carta ao Leitor. 07/04/2004.
Anexo D) E embora algumas análises definam os livros como sendo de auto-ajuda, eles nunca
figuraram na categoria de auto-ajuda e esotéricos, a terceira classificação do ranking da Veja.
Ou seja, os editores da revista consideraram-na nem ficção, nem auto-ajuda, mas um lugar
64
intermediário em que pode ir aquilo que não cabe em outro lugar, ou que não cabe em lugar
algum. É um entre-lugar, o estilhaçamento dos rótulos, já que os livros não cabem em nenhum
lugar antes delimitado.
Ao escrever sobre o lançamento do livro das crônicas
38
publicadas na Veja, o
resenhista reafirma que "desde Perdas & Ganhos de 2003, Lya inaugurou no Brasil uma
seara de ensaísmo moral”.
39
Enfim, cria-se um novo rótulo, que na verdade só confirma a
fratura dos antigos conceitos, por que estilhaça não só os rótulos, mas também os gêneros.
Ainda em março de 2004 a Veja já comentava sobre o sucesso dos livros:
Essa literatura, que se pode chamar de cunho moral, floresceu desde
a Antiguidade.... Hoje, afora o suíço Alain de Botton, que se diverte
compilando aquilo que os grandes filósofos pensaram sobre temas
caros também ao homem contemporâneo, como a falta de
popularidade ou de dinheiro, não há muitos escritores que se
dediquem ao gênero. É essa a lacuna que Lya Luft parece preencher
entre seus leitores
.
40
Depois desta classificação da revista Veja, a própria escritora começou a
conceituar os textos de P&G como sendo Ensaios:
Este livro foi um fenômeno que não entendendo, pois tem um irmão
mais velho, O Rio do Meio. Acho que pode ser denominado ensaio
moral, que é discorrer sobre um certo assunto, em tema que é meu
personagem desde sempre: a passagem do tempo, a vida, a família.
Agrada a culturas diversas (foi publicado inclusive em países como a
Coréia, Finlândia). Descobri que há uma globalização das emoções
humanas. No fundo o mundo não é tão diferente. Mas os ocidentais
têm vivido mudanças muito rápidas, transformando as relações. É um
livro de questionamentos, não de receitas
41
.
Em Portugal, Perdas & Ganhos foi lançado na categoria grandes narrativas e a
primeira edição foi rapidamente esgotada. Na sinopse da editora para o lançamento do livro
lia-se:
38
LUFT, Lya. Em outras palavras. Rio de Janeiro: Record, 2006, 224 pág.
39
VEJA. Palavras essenciais. n. 42, ano 39 edição 1979, p. 161, negrito meu.
40
BOSCOV, Isabela. No mundo da Lya. Veja. 03/03/2004, p. 69, negrito meu. (Anexo C)
41
Declaração de Lya Luft em entrevista coletiva da qual participei em Florianópolis, em 23.05.2007.
65
Lya Luft é um dos maiores nomes da literatura brasileira
contemporânea. A comprová-lo está o estrondoso sucesso de vendas
– 100.000 exemplares - que alcançou só no seu país natal. Uma
escrita dotada de uma doce feminilidade que fala sobre o valor da
vida e a necessidade de reinventá-la constantemente. Ao longo de
cinco capítulos o leitor é levado a ponderações que vão da infância à
velhice. «A vida pode ter mais ganhos do que perdas, desde que você
saiba ser responsável porque muito facilmente assumimos o papel de
vítima» diz Lya. Este romance é povoado pelo mistério mais
profundo do ser humano – solidão, morte, vício, assombramento,
desencontros mas também amor, ternura, magia e muita
transcendência. Autora de um universo ficcional que vai da
sugestão poética ao diálogo quase aberto com o leitor, Lya revela
que tudo o que escreve nasce do seu próprio amadurecimento. Um
livro deslumbrante sobre a capacidade de reaprendermos a ser felizes.
42
É digno de registro constatar que em Portugal a autora é considerada com um
dos grandes nomes da atualidade na literatura brasileira, e aqui, em alguns sítios dedicados a
assuntos literários ela sequer é citada na relação de escritores. Um exemplo é o
www.portalliterário.sites.uol.com.br, em que aparecem entre outros, o nome de Paulo Coelho
e Caio Fernando de Abreu, como representantes da literatura contemporânea brasileira.
Por sua vez, no lançamento de Pensar é Transgredir, um ano depois do
sucesso de Perdas & Ganhos, o mesmo resenhista Dirceu Alves Júnior, de Isto é Gente
destaca o livro como “crônicas”. Com o mesmo título do livro, no entretítulo está escrito: A
escritora Lya Luft repete a receita do bem sucedido Perdas & ganhos com textos sobre
alegrias e derrotas de encanto fugaz. E na sua análise ele enaltece:
Pela primeira vez, Lya Luft conquista um status mais que merecido.
Pensar é transgredir é lançado com tiragem 10 vezes superior à
média da Record, que não passa de 3 mil exemplares nas primeiras
edições. Prova de que a editora investe em Lya como a primeira
dama da literatura brasileira. Mas de que tipo de literatura?
Desde O Rio do Meio (1996) Lya se especializou em relatos
confessionais, a maioria belos e cativantes, difíceis de enquadrar
em algum gênero literário. Pensar é transgredir reúne 50 textos
redigidos com absoluta elegância. Falam de alegrias, derrotas fazem
refletir sobre muita coisa. O encanto é inevitável. E fugaz. Ou os
42
http://www.editpresenca.pt/imprensa_detalhe.asp?id=183&pagina=, acessado em outubro de 2006. Negrito
meu.
66
melhores momentos do livro não seriam aqueles em que Lya escapa
do tom positivo de conversa ao pé do ouvido e se aproxima de
elementos do seu incômodo universo ficcional. (...) A atual
badalação pode levar parte desse público a descobrir a
romancista. E aí reside outra virtude do sucesso de Lya..
43
Na publicação de Pensar é transgredir, como ocorrera com o livro anterior,
este também praticamente não tem resenha crítica no seu lançamento. Eles só começam a ser
abordados pelas principais publicações periódicas do país quando não há como negar o
sucesso junto ao público. Assim, a escritora é capa de Veja em 3 de março de 2004, numa
reportagem especial de sete páginas, intitulada “No mundo da Lya”. O título da matéria não
deixa de ser significativo, pois faz alusão “no mundo da lua”, ou seja, um mundo à parte, de
sonho, irreal. Alienação?? A jornalista Isabela Boscov enfatiza a própria negativa da escritora
de que seria uma representante do segmento auto-ajuda:
“A auto-ajuda pretende ensinar as pessoas a serem felizes. Eu quero
provocar meus leitores e fazer com que eles pensem” [...] em uma
prosa serena e de polimento nitidamente literário, a autora troca idéias
com o leitor, faz reflexões, rememora episódios de sua vida, conta
casos que lhe foram transmitidos por outros e emite opiniões –
opiniões, frise-se, não conselhos
.
44
Apesar das referências, em geral elogiosas sobre algumas de suas obras
literárias que passaram por análise crítica em dissertações, teses e artigos em revistas
científicas, as duas produções de 2003 e 2004, respectivamente Perdas & Ganhos e Pensar é
transgredir quase não tem estudos acadêmicos até agora. Isso, de certo modo, já justifica a
pertinência das reflexões do presente estudo. Quatro anos depois do lançamento do livro,
ainda se observa o mesmo discurso: “Os críticos (jornalísticos, não literários) não pouparam
esforços para separar a produção da escritora em duas fases, antes e depois de Perdas &
Ganhos. E, além disso, classificaram o best seller de auto-ajuda...” (MOREIRA ALVES,
2007) Vai neste sentido o artigo Travessia do Gênero ficção em Perdas & ganhos de Lya
43
ALVES JR. Dirceu. Pensar é transgredir. Isto é Gente. 15.03.2004, negrito meu.
44
BOSCOV, I. No mundo da Lya. Veja, 03/03/2004, p. 69, negritos meus.
67
Luft, de Socorro de Fátima Vilar que analisa “o valor e as particularidades do gênero auto-
ajuda, ao qual pertence o livro da escritora”. A pesquisadora diz que
Perdas & Ganhos dá credibilidade, sedimento e ajuda a compreender
o gênero auto-ajuda como prolongamento dos antigos manuais de
conduta e livros de sabedoria muito comuns na antiguidade e bastante
apreciados e imitados após a publicação, em 1528, da obra de
Baldassare Castiglione intitulada “O Cortesão”. (2004, p. 185)
No artigo, Vilar constata que não há consenso sequer sobre o que caracteriza a categoria auto-
ajuda, tão criticada, mas da qual se sabe tão pouco. A pesquisadora conclui que o termo só é
válido do ponto de vista daquele que lê, e assim, os livros de auto-ajuda possibilitam aos
leitores dispensar profissionais como psicólogos. E embora observe que a grandeza de Lya
seria justamente o fato de não apresentar receitas prontas, considera que Perdas & Ganhos
tem todos os ingredientes que caracterizam os bons livros de auto-ajuda, quais sejam: o tom
de conversa, recursos retóricos, utilização de primeira pessoa, o envolvimento. Porém,
observa-se que a obra não tem o principal critério incluso neste tipo de livro: a abordagem
diretiva, de aconselhamento e de receitas tal como verificado em publicações como Não leve
a vida tão a sério, de Hugh Prather
45
, que já anuncia na capa: Pequenas mudanças para você
se livrar de grandes problemas. E na orelha podemos ler: “O autor não se limita a dar
conselhos. Ele nos diz exatamente como agir e que ferramentas usar para alcançar essas
metas”. Então, inexistem em P&G parte dos ingredientes que compõe um livro de auto-
ajuda. Porém, Vilar conclui sobre o livro de Lya Luft:
A linguagem é de uma simplicidade que chega a ser prosaica: ou seja,
está destinada à leitora comum, que quer ler coisas que falem dela e
sobre ela. [...] apesar do tom poético com que são nomeados,
reconhecemos a divisão dos capítulos em sub-capítulos, como outro
aspecto dos livros de auto-ajuda, o que torna a leitura menos densa
favorecendo antecipações
. [...] Sobre fornecer respostas para
problemas tem razão quem não as identifica no livro. Nesse caso,
como exorta essa bela metáfora, em certo sentido muito parecida com
a dos celebrados autores de auto-ajuda; as respostas nunca são
elaboradas pelos escritores, mas pelos leitores que, através do
processo de apropriação, uso e atribuição de significados, pela seleção
45
PRATHER, Hugh. Não leve a vida tão a sério. Rio de Janeiro: Sextante, 2003, 4ª. edição.
68
e antecipação de sentidos, eles sim, transformam esses textos em
auto-ajuda, razão de ser da palavra. (Idem, p. 192,
negrito meu )
Mas isso não se pode inferir de todo e qualquer livro que se leia? Inclusive em
livros teóricos? É oportuno lembrar que Ovídio
46
, que influenciou escritores como Dante e
Shakespeare, escreveu A Arte de Amar e Os remédios do amor, que eram verdadeiros manuais
das relações amorosas, e nem por isso é rotulado de escritor de auto-ajuda. Ou seja, conforme
nossos interesses, nos apropriamos do texto, atribuímos significados e antecipamos sentidos.
É nesse sentido que vai o texto da professora Sandra Trabucco Valenzuela que
aborda o romance de formação (Bildungsroman)
47
. Nele, ela infere que o sucesso editorial de
Lya pode ser um indicativo, em certa medida, de um novo viés do romance de formação. Ou
seja, ela entende que algumas autoras contemporâneas, entre elas Lya Luft, permitem um
trabalho integrado com estudos concernentes à vida urbana e a aspectos psicológicos. Para
Valenzuela,
Luft propõe um recomeçar a vida, numa incessante e permanente
“formação”, por meio da autocrítica, questionamento e reflexão,
valorizando a vida mais do que a morte, o humano mais do que o
heroísmo. Não se trata mais de uma formação do jovem, mas uma
formação permanente do ser humano, num crescer cotidiano, com
base em reflexões sobre relações humanas, amadurecimento, e num
trajeto com “pontos altos e baixos”. (2004, p. 62, negrito meu)
Se considerarmos a definição de Wilma P. Maas, e a influência da literatura
alemã na formação da jovem e depois escritora Lya Luft, poderíamos inferir que nas suas
obras recentes há o resgate de aspectos determinantes apontados como origem do
Bildungsroman: o livro Os anos de aprendizado de Wilhelm Meister de Goethe, que mostra o
aperfeiçoamento humano em diferentes graus, formas, fases da vida. E os livros de Lya aqui
46
OVÍDIO, A arte de amar. São Paulo: Martin Claret. Coleção a obra prima de cada autor. 2003
47
“O Bildung e Roman são dois termos que entraram para o vocabulário acadêmico na segunda metade do
século XVIII. A formação do jovem de família burguesa, seu desejo de aperfeiçoamento como indivíduo, mas
também como classe, coincidem historicamente com a “cidadania” do gênero romance. Na Alemanha, é apenas
no fim do século XVIII, quando nomes como Goethe passaram a se dedicar ao gênero, que o romance deixa
de ser considerado literatura trivial e de má qualidade”. Definição extraída de MAAS, Wilma P., O cânone
mínimo: O Bildungsroman na história da literatura. Editora UNESP: São Paulo, 2000, p. 13. (Negrito meu)
69
estudados apontam para esta mesma abordagem. No estudo de Maas é mostrado também que
o psicanalista Renato Janine Ribeiro considerou a obra de Goethe constitutiva do mundo
burguês:
há no romance motivos temáticos e estruturais peculiares de uma
trajetória de desenvolvimento da personalidade, em sintonia com uma
época em que a transformação do homem pela cultura passou a ser
tônica dominante. A educação e a formação do jovem burguês
passaram a ser, nos inícios da época moderna, a ferramenta para a
transição de uma cultura do mérito herdado para a cultura do mérito
pessoal adquirido. (MAAS, 2000, p. 15)
Considerando-se o atraso brasileiro quanto a democratização do acesso à
educação, poder-se-ia afirmar que os conceitos do século XVIII na Alemanha permanecem
parcialmente válidos para a nossa realidade de início do século XXI, em que apenas 26% dos
adultos são considerados plenamente alfabetizados. E há aqui ainda uma luta entre a
permanência de valores burgueses de diferenciação por possuir refinamento cultural (o que é
defendido por Lya), a invasão de um modelo globalizado baseado no consumo de bens
materiais e descartáveis (indústria cultural e suas vertentes banalizando a arte) e, na
contramão, a busca de ascensão social dos trabalhadores, tentando adquirir capital econômico
e cultural nos moldes burgueses. Neste sentido, a obra de Lya pode ser vista como uma forma
de auxiliar na formação de pessoas de diferentes classes sociais, mas assimilando os valores
da classe média brasileira.
A questão do Bildungsroman como romance de tese igualmente é apontada
pela pesquisadora Susan Quinlan num artigo sobre a evolução da obra de Lya Luft. A
pesquisadora diz que no Bildungsroman contemporâneo, o protagonista se envolve numa
tentativa de dissociar o eu da mesma sociedade que anteriormente demandara total fidelidade,
ou seja, o objetivo é de escapar da sociedade. Segundo ela, Lya Luft
produz um exemplo de transição entre a literatura feminina
confessional e a literatura feminina testemunhal [...] Seus
protagonistas descobrem que não são capazes de se integrarem dentro
da classe média existente e, assim, começar a redefinir a sociedade
brasileira. (1997, p. 178)
70
A observação de Quinlan é válida para os romances de Lya Luft dos anos
1980, em que o grotesco e o inusitado permeiam os espaços onde se encontram as
personagens. Nas obras mais recentes as reflexões e questionamentos da autora valorizam
justamente a integração das pessoas aos valores da classe média, demonstrando que
transgressão, para Lya, é aquela realizada na ficção. Isso fica explícito tanto nos livros P&G,
Pensar é transgredir, como nos textos quinzenais da revista Veja.
2.5 Perdas & Ganhos, Pensar é Transgredir e Matéria do
Cotidiano: de volta ao começo
Os livros Perdas & Ganhos e Pensar é Transgredir sustentam uma crítica
contundente ao mito da felicidade que se constrói na busca da eterna juventude e da beleza
corporal. Condenam a futilidade, a superficialidade nas relações humanas. Resgatam valores
humanos, a importância da família, do relacionamento pais e filhos, amizades e amores. A
obsessão com a inevitabilidade da morte, as angústias da busca de identidade de um sujeito
muitas vezes feminino, mas também masculino, são novamente retratados, não como ficção,
mas de forma direta. Temas também presentes no livro Matéria do Cotidiano, de 1978, uma
coletânea das crônicas originalmente publicadas no jornal Correio do Povo, de Porto Alegre.
Embora a escritora não inclua este livro, assim como Flauta Doce e Canções de
Limiar em sua trajetória – ao relatar sua biografia inicia-a com As Parceiras (1980),
considerando os anteriores apenas escritos da juventude
48
– o livro Matéria do Cotidiano
contêm os temas e textos que seriam retomados quase 30 anos depois. No final dos anos 1970
a questão do tempo já era uma preocupação da escritora, no texto intitulado Tempo, aonde
48
Explicação dada por e-mail após entrevista coletiva em Florianópolis (23.05.2007), ao ser questionada por não
citar as primeiras publicações como parte de sua biografia.
71
vais?, que abre o livro. O texto pode ser considerado poesia em prosa. Cito como exemplo o
trecho abaixo:
... E a gente vai, passageira furtiva dessa nau de sombra e luz,
pendurada pelos mastros nas tranças da alegria, a embalar, a embalar.
Ou debruçada aos muros, trágica num instante, devorando de saudade
o mar, no pressentir sombrio. Ilhas, verdes pontos em que cravo o
meu olhar de âncora ansiosa, e o rastro de espumarada com cabelos
de sereia e esquivos de afogadas belas, a dançar, a dançar a sua dança
eterna, escura e verde. Ponho na mesa uma ampulheta antiga e fico a
ver. Vai, areia fina e pura, corre fugidia nas ogivas de cristal, levando
a minha vida. Quem pode te conter? Árvores se esgueiram pelos meus
telhados, roçam em noturnos carinhos a velha casa... (1978 p. 11)
Percebe-se neste texto de Matéria do Cotidiano uma linguagem mais refinada em termos de
obra literária. Já em P & G a questão do tempo é abordada com os nuances da maturidade e
da proximidade da velhice, numa linguagem simples e direta. Além de outras reflexões ao
longo das páginas, no final do livro ela explica:
Nestas páginas falei da passagem do tempo que aparentemente tudo
leva e tudo devolve como as marés, mas que só nos afoga na medida
em permitimos. Falei do tempo que faz nascer e brotar, porém é visto
como ameaça e sofrimento – o tempo que precisa ser domesticado
para não nos aniquilar. (2005, p. 154)
No livro Pensar é Transgredir, lançado na esteira do “estouro” de Perdas &
Ganhos, foram resgatados vários textos inicialmente publicados em Matéria do Cotidiano. A
escritora explica no começo de Pensar é Transgredir que “muitos textos foram publicados em
jornal, outros são avulsos que saíram não lembro bem quando nem onde.”.
Sob o mesmo nome aparecem, O menino e sua mãe, que relata as perguntas
impertinentes de um garoto à sua mãe ao voltarem das compras de ônibus urbano; A velhinha
no saguão, que mostra a indignação da escritora com o abandono de uma mulher idosa pelos
seus familiares; e Dicionário para crianças, que continha verbetes definidos pelo menino
André Luft, no livro de 1978, então com sete anos, enquanto no livro de 2004 o autor-mirim
não é nomeado. Em outros textos o título é diferente, porém, o assunto abordado é
semelhante: a convivência familiar, educação, a necessidade do silêncio.
72
A morte é um tema que permeia toda a obra de Lya, e em 1978, em Matéria
do Cotidiano, a escritora indica: “Alguém me diz que, escrevendo, eu tenho a obsessão da
morte. Será? Vou reler alguma coisa, e parece mesmo”. Depois, no final de P&G ela relata:
“Eu não escrevo obsessivamente sobre a morte, mas sobre a vida. Da qual ela faz parte. [...]
Fazendo aqui um pouco de literatura, posso dizer que a morte é que escreve sobre nós – desde
que nascemos ela vai elaborando conosco o nosso roteiro”. (2005, p.145) “Eu falo é da vida”,
a escritora repete em Pensar é Transgredir:
Certamente ao escrever me envolvo com algum objeto de minha
fascinação, talvez obsessão: a vida, os amores, os desvãos disso que
se chama alma humana. E, sobrepairando a tudo com seu olho de
espreita, o incompreensível e imponderável fim, que nos determina
pois dá valor à nossa vida. (2004, p. 121)
Na mesma crônica ela conta do seu primeiro encontro real com a morte, na adolescência ao
velar sua avó que acabara de morrer, durante algum tempo, sozinha no quarto. O relato é
idêntico ao feito em Matéria do Cotidiano sob o título Presença. Num dos trechos Lya
explica: “Acredito que aquele primeiro real encontro com a morte me foi como um longo
aprendizado. Se me indagassem o fato da vida que mais me transformou, eu diria que foi
aquela hora em companhia da morte. E nunca mais os temi, aos mortos, nem me pareceram
estranhos”. (1978, p. 34)
As próprias dúvidas e inquietações sobre o ofício de escrever já aparecem em
Matéria do Cotidiano, quando ela questiona se “valerá a pena, afinal, sentar-me cada semana
diante desta folha branca e desafiante, para redigir meia dúzia de frases que poderão provocar
amanhã um telefonema cálido ou um dedo acusador, um bilhete amigo, ou uma carta
amarga?” E ela conclui: “Deve valer a pena. Ainda que ninguém me lesse, eu teria aberto a
minha janela: para que entre um braço de amigo ou uma pedra de mágoa ou um sal de
indiferença, que importa?” (1978, p. 24) Depois, em Pensar é Transgredir a escritora diz;
“escrevo porque sou ambivalente, insegura e desejosa de cumplicidade [...] escrever para mim
73
é sobretudo indagar [...] escrevo para seduzir leitores”. Nesta “confissão”, Lya corrobora uma
definição de Afrânio Coutinho:
A crônica é na essência uma forma de arte imaginativa, arte da
palavra a que se liga forte dose de lirismo. É um gênero altamente
pessoal, uma reação individual, íntima, ante o espetáculo da vida,
coisas, seres. O cronista é um solitário com ânsia de comunicar-se.
Para isso, utiliza-se literariamente desse meio vivo insinuante, ágil
que é a crônica. [...] A integração da crônica se dá quando ela atinge a
transcendência literária. (COUTINHO, 1986, p. 136)
Numa das várias entrevistas concedidas pela escritora, ela declara também
sobre o seu ofício: “Escrever sempre foi uma tentativa de tentar organizar o mundo e de
entender o sentido das coisas. Como jamais vou entender, não paro de escrever”.
(MOSCOVICH, 2004) Percebe-se, assim, que Lya Luft reencontrou nos últimos anos, nesta
forma textual que remete ao início de sua trajetória, a sua forma de se comunicar, de mostrar
suas ambigüidades, as contradições inerentes às relações, a necessidade de dividir velhas e
novas inquietações que a acompanham ao longo da vida. A escritora lança um olhar
retrospectivo sobre as fases passadas de si mesmo. No lugar do narrador que aparecia em
seus romances, resgatou uma forma sua de escrever, uma interferência pessoal de autor, para
levantar temas e sussurrar lemas. De vida e de morte.
CAPÍTULO III
CONVERSA AO PÉ DO OUVIDO:
Lya em crônicas da Veja e as comunidades do Orkut
...os lugares-comuns, as frases feitas, os bordões,
os narizes-de-cera, as sentenças de almanaque, os
rifões e provérbios, tudo pode aparecer como
novidade, a questão está só em saber manejar
adequadamente as palavras que estejam antes e
depois.
José Saramago, História do Cerco de Lisboa.
A coluna quinzenal da escritora é uma das mais lidas e comentadas na Revista
Veja, desde que começou a ser publicada em abril de 2004. É o que se constata pelo número
de cartas do leitor publicadas pela revista a cada edição, e é dito pela própria Veja. A revista
semanal se posiciona claramente a principal representante dos valores do liberalismo
econômico e político no Brasil e oposição ao governo social-democrata de Luiz Inácio Lula
da Silva, iniciado justamente um ano antes. Os editores convidaram Lya Luft para escrever
nesse período e depois do livro Perdas e Ganhos integrar por nove meses a lista dos mais
vendidos da penúltima página da publicação. A primeira aparição do titulo deu-se na edição
de 16 de julho de 2003, em 10º lugar, na categoria ficção. (Anexo E) Duas edições depois, a
revista traz em destaque um perfil da escritora, com a manchete A preferida das maduras.
(Anexo C)
A reportagem diz num dos trechos que
O público da escritora é composto, em sua maioria, por mulheres
entre 40 e 60 anos, que, mesmo em romances familiares soturnos
como A Asa Esquerda do Anjo, costumam ouvir um eco de suas
próprias existências. Perdas & Ganhos, no entanto, vai além: é um
livro do qual essas leitoras podem extrair lições. Nele, a escritora
gaúcha de 64 anos decidiu revelar-se como a incorrigível otimista que
75
é na vida cotidiana. (...) Perdas & Ganhos insiste na necessidade de
construir uma auto-estima sólida para todas as idades. Mas a autora
não quer de modo algum que o livro seja colocado na seção de auto-
ajuda: ´Auto-ajuda é um tipo de paraliteratura, dirigida para
fazer bem. Eu não quero fazer bem, quero inquietar as pessoas`.
(...) Lya não quer limitar seu público apenas a balzaquianas ou pós-
balzaquianas, mas Perdas & Ganhos exerce mesmo maior apelo
junto à geração que ficou encurralada entre a timidez da antiga
dona-de-casa e a liberação feminina. A autora, é verdade, relata que
encontrou uma boa recepção à obra até mesmo em encontros com
estudantes secundários – mas alguns garotos reagiram com frases
como “minha mãe precisa ler esse livro!” (
TEIXEIRA, 2003, p.98,
negritos meus)
no texto uma nítida tentativa de enquadrar a obra como destinada a um
público específico e de insinuação de que se trata de auto-ajuda. Posições logo depois
reavaliadas, quando do convite para a escritora passar a escrever quinzenalmente na revista,
como veremos abaixo.
3.1 Mais ganhos do que perdas na lista dos mais vendidos e na
coluna da Veja
O livro vai gradativamente subindo na classificação dos mais vendidos até que
em 17 de setembro de 2003 ocupa o primeiro lugar, mantendo-se depois disso entre os quatro
primeiros classificados até abril de 2004. Nessa data, com o surgimento do livro da mesma
autora, Pensar é transgredir, imediatamente também um campeão de vendas, a Veja passa a
colocar os títulos na categoria Não ficção, em que ambos aparecem destacados, como se
observa no Anexo E. O editor da revista explica que
[...] decidiu tornar mais estritos os critérios de organização da lista.
Da categoria de ficção farão parte apenas romances e coletâneas de
contos. Da categoria de não-ficção constarão ensaios e biografias,
mas também livros de crônicas, cuja referência principal se
encontra no noticiário e no registro de uma realidade mais
imediata. Isso acontecerá ainda que o cronista lance mão de recursos
ficcionais. Em auto-ajuda e esoterismo ficarão os manuais de
aconselhamento e as obras de cunho religioso. Os novos critérios já se
refletem na lista desta semana. Dois livros da gaúcha Lya Luft
passam da categoria de ficção para a de não ficção. Isso vai de
76
encontro do entendimento da própria autora, como dito no prefácio de
Perdas & Ganhos e em conversa com Veja. Lya, de fato, pratica
uma espécie de ensaísmo moral – que não se confunde com a
auto-ajuda, apesar do tema, nem com a ficção, apesar da
linguagem literária.
49
Isto posto e bem explicado, na mesma edição de 7 de abril de 2004, na sua
Carta ao Leitor, a revista anuncia que “na seção Ponto de Vista há uma crônica da escritora
gaúcha Lya Luft, autora de Perdas & Ganhos e Pensar é Transgredir, os livros mais vendidos
atualmente no país”. Na crônica denominada Os imutáveis sentimentos
50
a autora relata uma
palestra que realizara falando sobre
Transgressões positivas: vencer o espírito de manada e a coerção da
superficialidade que nos esmagam neste nosso mundo. [...] um
empresário se posicionou diante de todos, sem receio de se mostrar
vulnerável, de ser uma pessoa como qualquer outra. Vi confirmada,
mais uma vez, minha suspeita de que no fundo o que prevalece em
todos nós, centro de nosso desejo e raiz de nossos temores, nossa
glória e possibilidade de nossa danação, são os velhos e imutáveis
sentimentos humanos. (Ponto de Vista, Veja, 07/04/2004, p. 16,
negritos meus.)
A edição seguinte recebeu 21 cartas comentando o assunto, entre elas quatro
publicadas, sendo uma de mulher e três de homens, dos quais dois de Pernambuco e um do
Maranhão
51
. E eles disseram: “Como pode alguém dizer tanto num texto tão curto. Belíssimo
artigo da senhora Lya Luft. Valeu por toda a edição da revista.” E também: “Fiquei não só
feliz, mas extremamente satisfeito com o artigo. Já se vê por que tanto se fala sobre seus
livros, pensamentos e notas. É realmente maravilhoso...” (Anexo F)
Em 28 de abril aparece o segundo texto Uma afirmação dura, que novamente é
um dos assuntos mais comentados pelos leitores da revista, com 28 cartas. A crônica trata da
luta de pessoas contra a dependência química, em que conclui: “no que se refere à questão da
violência ligada ao narcotráfico, sermos os eternos queixosos que não fazem nada é outra
49
VEJA. Os mais vendidos. 07/04/2004, p.116-117, negrito meu.
50
No Anexo F estão reproduzidas, em ordem alfabética, parte das crônicas abordadas neste capítulo, algumas
com comentários dos leitores da Veja na seqüência.
51
Faço esse registro para demonstrar que os elogios não vieram de seu público tradicional, mais localizado ao
Sul do país.
77
forma de violência – perigosa porque sutil”. Além do tema em si, cabe destacar neste artigo
outro trecho por se relacionar com tópicos abordados na presente pesquisa:
Não acredito em revolução, a não ser pessoal. Em algumas coisas sou
antipaticamente individualista. Não sou boazinha, e quem julga
meus livros bonzinhos está lendo com os óculos de sua própria
burrice. Mas acho que, quando o complicado não resolve, pode-se
tentar o mais simples. Às vezes, ser simples é ser original
. (Ponto de
Vista, Veja, 28/04/2004, p.20, negritos meus.)
E então a Veja anuncia uma coluna fixa a cada quinze dias para a escritora:
A partir desta edição, a escritora gaúcha Lya Luft passa a integrar o
time de colunistas de Veja. Sua colaboração será quinzenal, sempre
na seção Ponto de vista. Lya é a primeira mulher a ter uma coluna
regular na revista e já não era sem tempo. Seus artigos não são
dirigidos exclusivamente às mulheres. Os temas de Lya são universais
e, assim, interessam também aos homens. Separação, perdas,
recomeços, envelhecimento, família, amor o que há de bom e de
mau na essência humana – essa é a matéria-prima de nossa nova
colunista. Aos 65 anos, Lya vive seu melhor momento. Seus dois
últimos livros, Perdas & Ganhos e Pensar é transgredir, publicados
pela editora Record, são um fenômeno de vendas. Juntos, venderam
cerca de meio milhão de exemplares. Contar com a colaboração de
Lya é uma honra para Veja e um presente para seus leitores.
(Carta ao
leitor. Veja, 02/06/04, negritos meus
) (Anexo D)
Como no primeiro artigo, igualmente o texto Para honrar um pai (Anexo F)
foi elogiado especialmente por homens, por falar da importância dos homens no contexto
familiar. A pretexto do dia dos pais, Lya discorre sobre o papel do pai, em geral visto mais
como provedor, e de como também espera carinho, memória, esforço para superar alguma
barreira. Na conclusão, ela diz: “Para honrar um pai na vida adulta é preciso a coragem de um
coração grande e a memória daqueles tempos em que o passo dele no corredor nos salvava
quando a gente era pequeno – e a noite, muito escura.” (Ponto de Vista, Veja, 11/08/2004, p.
20). Nas cartas dos leitores, um deles, professor da UFPB, diz que “Lya passou a ser o Chico
da alma masculina”. E outro relata que chegou a se emocionar com o conteúdo, “pois lutei
muito para ter a guarda de meu filho de dois anos. [...] Agradeço a Deus quando leio escritos
78
como esse da senhora Lya Luft e vejo que existe a possibilidade de essa realidade antiquada
mudar, pois a imagem do pai apenas provedor está caindo por terra.” (Anexo F)
Os elogios dos leitores mostram a importância da crônica em periódicos,
modelo bem sucedido desde o final do século XIX e início do século XX, quando era
representado por nomes consagrados como Machado de Assis e Olavo Bilac, e que floresceu
especialmente nas décadas de 1930, 1940 e 1950. Conforme a pesquisadora da USP, Telê
Porto Ancona Lopez, “a conclusão a que se chega é de que o leitor não só gosta como precisa
de quem converse com ele, dizendo-lhe os sentimentos experimentados no dia-a-dia, frente
aos fatos que todos conhecem de algum modo, ou frente às ocorrências da vida pessoal de
quem escreve.” (apud CANDIDO et al, 1992, p. 166)
Depois da efetivação de Lya entre a página 20 e 24 da revista Veja, o primeiro
texto chama-se Nós, os Picassos. Nele, a autora enaltece:
Não falo em sermos Picassos-artistas, mas Picassos da vida. Para ele,
que enfrentou grandes conflitos pessoais e mundiais, a vida era um
dom precioso demais para ser desperdiçado. Soube ser sério, doido,
humano, brincalhão, soube ser igual aos mais simples. Não se
aposentou da existência.. (Ponto de Vista,
Veja, 02.06.2004)
Curiosamente, o mesmo tema é retomado posteriormente sob o título Podemos
ser Picasso, e destacado na resenha de Veja da edição em que é anunciado o lançamento do
livro Em outras palavras, que reúne os principais textos da escritora ao longo dos dois anos
na principal publicação semanal do país. Em box, sob o título O dom do sonho, o jornalista
destaca a parte do livro que diz::
Todos somos capazes de exercer a arte da vida e da construção de nós
mesmos. Cada um de nós tem sua parcela de dons: ensinar,
contemplar, cozinhar, criar filhos para a vida, mexer em engrenagens,
construir estradas, organizar uma comunidade, escrever textos, pintar,
dançar, fazer música. Ou simplesmente sonhar para que outros
sonhem junto, não é isso boa parte do que fazem os artistas – o sal da
terra, como os loucos?
52
52
Veja. Palavras essenciais., 25/10/2006, p.161
79
Interessante observar que nesta resenha o autor assume que “Com Perdas &
Ganhos, de 2003, Lya inaugurou no Brasil uma seara de ensaísmo moral”
53
definição
similar à dada por Isabela Boscov em No mundo de Lya, dois anos antes: “essa literatura, que
se pode chamar de cunho moral...”
Nos primeiros meses, as crônicas tratavam primordialmente de questões
emocionais, de relacionamentos e de afetos em geral, vivências percebidas em sua
objetividade própria e nas particularidades da escritora, eventualmente entrecortadas por
textos abordando algum tema em destaque na imprensa, com cerca de 30 cartas de leitores
comentando a cada edição seguinte da revista. Neste período o público lia Falta alegria em
nossas vidas (28/07/04), e também Deixemos Daiane viver, em 08/09/2004, sobre a badalação
em torno da ginasta.
Em Onde está nossa essência? (Anexo F) a escritora mais uma vez fala da
morte: “A rainha da nossa perplexidade, que torna o presente tão importante, o amor tão
urgente, a bondade tão necessária, a ética tão essencial, a arte tão explicável – ela, a majestade
morte, deveria nos tornar muito melhores do que somos. Muito mais generosos, audaciosos...”
(Ponto de Vista, Veja, 22/09/2004, p. 22) Entre os 29 leitores da Veja que comentaram o
texto, um deles observou “muito me encantam a pureza, a simplicidade e a maestria com que
Lya Luft expõe assuntos tão profundos”. (Cartas, Veja, 29/09/2004, p. 29)
Ainda daquele ano destaco: Bruxas e fadas existem, em 20/10/04. Família:
como fazer?, (Anexo F) em 03/11/04, Quando o homem é uma ilha, em 1º. /12/04, e O
Pecado da intolerância, (Anexo F) texto em que, depois de citar alguns exemplos de
intolerância, ela constata: “Queremos todos os privilégios para nós, a liberdade, a esperança.
Para os outros, mesmo se antes eram muito próximos, queremos a imobilidade, a distância
[...] A intolerância é com certeza um feio pecado capital. Do qual talvez nenhum de nós
escape, se examinarmos bem.” (Ponto de vista, Veja, 15/12/2004, p. 22) . Destacam-se
53
Negrito meu
80
também naquele período Brasil, mostra a sua (outra) cara, de 17/11/04, (Anexo F) sobre a
visão que o país vende no exterior, e Pessoal e intransferível, de 12/01/2005, que trata da
morte da mãe depois de anos de convalescença, e receberam, respectivamente, 52 e 53 cartas
de leitores.
Durante o primeiro semestre de 2005 os assuntos predominantes continuaram
nesse sentido: Notas sobre cinema (09/03/2005), Uma páscoa particular (06/04/05) Faxina
nos mitos I e II, 20/04 e 04/05/05, e O feio vício da inveja, em 1º/06/05. A partir daí a
escritora começou a opinar também sobre os temas políticos e a realidade social em destaque
no país; Quero a pena de morte, sobre pedofilia, em 15/06/05, Por que não aprecio a política,
em 15/06, A revolução da decência, de usar a crise para mudar, em 13/07, seguida de É hora
de agir, sobre o “vendaval desconcertante da política”, em 27/07/05. Este último teve duas
cartas publicadas na revista na edição seguinte e em todo o período, o livro Perdas & Ganhos
oscilou entre 2º. e 7º. lugar na lista dos mais vendidos. Em 18/09/05 o livro cai do 4º. para o
8º. lugar, e em 05/10 a crônica se chama Cansei desse assunto, ou seja, a crise política
brasileira. Mas logo em seguida (19/10/05) aborda novamente um tema polêmico, o
referendo sobre o desarmamento, em que se posiciona: Eu vou ser contra. A crônica teve 53
cartas de leitores na edição seguinte, enquanto o texto Coisas importantes, sobre alcoolismo,
em 02/11, recebeu 45 comentários.
Tratar de temas árduos também é função da crônica, como demonstrava
Afrânio Coutinho, ao relatar que até José de Alencar, no início do século XX, além de
amenidades, tratava de aspectos da realidade brasileira, e “colocava mesmo um ramo de urtiga
entre as suas flores mais mimosas”. Conforme Coutinho
Alencar dava a impressão de só querer mostrar o lado amável da vida,
na verdade, possuía um espírito público resoluto demais para que não
fizesse sentir de vez em quando a sua inconformidade com os
grimpões da sociedade ou da política. A moralidade desse episódio é
que a crônica pode tornar-se um poderoso agente de correção dos
costumes, ainda quando tenha ares de um passatempo frívolo.
(COUTINHO, 1986 p. 125, negrito meu.)
81
Em 30 de novembro de 2005, quando os livros de Lya Luft não constam mais
no ranking dos mais vendidos, depois de 118 semanas entre os 10 primeiros, a crônica é Em
outras palavras, que enaltece a importância do silêncio. Já em 2006, o tema família retorna na
crônica Irresponsáveis e incompetentes, sobre educação dos filhos, que foi publicada em 22
de fevereiro e teve 34 cartas dos leitores. O mesmo assunto retornou em 14 de junho sob o
título Por um pouco de limites (Anexo F) em que prega: “Um pouco de ordem na infância e
na adolescência em casa, na escola e na sociedade em geral, ajudaria a aliviar a perplexidade e
a angústia dessa fase da vida”. (Ponto de vista, Veja, 14/06/2006, p. 22) Como sempre, um
tema com diversas reações dos leitores, enquanto Caio, amado amigo, de 08 de março,
recebeu 16 referências nas cartas do Leitor da revista, conforme a edição seguinte, sendo que
duas foram publicadas. Numa o leitor diz que é “um artigo que tem de ficar guardado para ser
relido inúmeras vezes”, enquanto o outro afirma que “foi com a delicadeza das fadas que a
crônica foi escrita”. (Cartas, Veja 15 de março de 2006, p. 40.) (Anexo F)
Em meados de 2006, Lya trata de um tema recorrente em seus escritos atuais, a
conquista da velhice, (Anexo F) como a define. O mesmo assunto já fora tratado em Perdas
& Ganhos e em Pensar é Transgredir, sob o título Velhice, por que não? Nos textos com
algumas variações, a escritora diz que “a velhice, que hoje tarda bem mais do que décadas
atrás, pode ser bela na sua beleza peculiar; alegre na sua alegria boa; alerta na medida de seus
interesses; procurada e apreciada enquanto não for amarga”. E tanto no texto da Veja como
em Pensar é Transgredir Lya homenageia a amiga Mafalda Veríssimo, mãe de Luiz Fernando
Veríssimo, que “até o fim nos amou, nos apoiou, nos divertiu, nos escutou, aquela a quem
procurávamos pelo nosso próprio bem e deixou uma saudade boa, não um vazio de sombra”.
(Ponto de Vista, Veja, 12/07/2006, p. 30). Dos últimos meses daquele ano destacamos
também Homem mulheres ou pessoa?, de 06/09/06 e Perfil de um líder, de 04/10/2006,
ambas disponíveis ao final deste estudo. (Anexo F)
82
As crônicas de assuntos da atualidade brasileira é que tiveram maior reação do
público, tanto a favor das posições da escritora como contra. Assim, Os meninos do tráfico
(Anexo F) teve 48 cartas, no texto em que a escritora se diz de coração dilacerado com o
documentário sobre “os meninos banguelas, aquelas meninas magrelas, aquelas vozes
arrastadas de sono e droga”. E conclui que “a ferida aberta pelo documentário e pela realidade
talvez continue incomodando. Contra ela só há dois remédios: agir, ou alienar-se mais. Desejo
que ela nos machuque feito brasa ardente, até o fim da nossa miserável vida”. (Ponto de Vista,
Veja, 5 de abril de 2006, p. 22) Na outra, sobre o ataque de campesinas às instalações da
empresa Aracruz, houve a reação de 102 leitores. Em Para onde estamos indo? (Anexo F)
Lya cobra punição às camponesas que destruíram o centro de pesquisa florestal no Rio
Grande do Sul, e adverte:
Cuidado: se as autoridades deixarem impunes esses crimes
recorrentes nas cidades e no campo – como tanta coisa grave por aqui
é absolvida ou considerada normal – em breve nossas casas, nossas
escolas, hospitais, creches e fábricas serão invadidos e arrasados.
Pessoas honradas serão arrancadas de suas propriedades urbanas ou
rurais, trabalhadores honestos serão maltratados, famílias serão
humilhadas, lares e locais de trabalho serão destruídos entre gritos de
ódio, enquanto nós permaneceremos alheios ou inertes. (Ponto de
vista, Veja, 22 de março de 2006, p. 20)
nestes textos a intenção da escritora em ancorar seus textos na realidade e
abordar conteúdos significativos para seu público. Mas este mundo humano e social nunca é
descrito de modo inteiramente objetivo: sempre se mistura alguma opinião subjetiva. Assim,
entre este tipo de crônica, a que causou maior impacto foi Baleias não me emocionam (Anexo
F) em que diz que não gosta de ver bicho sofrendo,
mas preferia ver o dinheiro e a solidariedade usados para salvar
baleias fosse gasto com os animais depois de não haver mais crianças
enfiando a cara no vidro de meu carro para pedir trocados, adultos
famintos dormindo em bancos de praça, famílias morando embaixo
de pontes ou adolescentes morrendo drogados nas calçadas. [...]
Diante de um morto humano, ou de um candidato a morto na calçada,
a gente se protege com uma armadura. De modo que (perdão) vejo
sem entusiasmo as campanhas em favor dos animais – pelo menos
83
enquanto se deletarem tão facilmente homens e mulheres. (Ponto de
Vista, Veja, 25/08/2004, p. 20)
Entre protestos e elogios, 221 leitores enviaram carta à revista, o assunto mais
comentado na edição seguinte. Das publicadas pela revista, de leitores inclusive de Portugal,
Estados Unidos e Japão, quatro são de críticas feitas por mulheres, e uma delas diz que:
“Quando Lya Luft propõe que só voltemos nossa atenção para os direitos animais depois que
tivermos resolvido os problemas humanos, ela propõe a negligência perpétua dos animais.
Isso porque nunca chegará o dia em que todos os problemas humanos estarão resolvidos”. O
único elogio publicado veio de um homem que afirmou: “Nós nos sensibilizamos com aquilo
que não nos causa esforço. [...] Passo, a partir de hoje, a ler seus textos com outros olhos. A
senhora ganhou meu respeito e minha admiração”. (Cartas, Veja, 02/09/2004.) (Anexo F)
Mas a questão das baleias é similar a um texto de 30 anos antes, período em
que escrevia crônicas para o jornal Correio do Povo, de Porto Alegre. A crônica A refeição,
junto com outras reunidas no livro Matéria do Cotidiano, também criticava a “mordomia”
oferecida a cachorros de madames, enquanto pessoas moravam embaixo de pontes e
passavam fome. Naquele período ela também dizia:
[...] Por isso, a fotografia dos vinte cachorros comendo o seu banquete
não me divertiu, não me deixou indiferente, não me provocou um
encolher de ombros. Ele me deu uma profunda e triste revolta: não
pode sobrar amor para os bichos, onde falta o mínimo afeto para
pessoas neste mundo. (1978, p. 60)
Críticas mais ácidas vieram quando ela publicou Descendo a lomba. (Anexo
F) No texto ela critica a fragilidade das instituições, o movimento sem terra, a cota para
negros nas universidades, etc. Ela escreve que tem vontade de “sumir de aspectos da realidade
que insultam e mancham” o Brasil. (Ponto de Vista. Veja, 09/08/2006) Atrai a ira de várias
pessoas, como Marco Aurélio Weissheimer, jornalista da Agência Carta Maior, que observa:
Seu artigo indica que já fez essa operação [sumir de aspectos da
realidade], típica de uma consciência alienada, ultra-conservadora
e preconceituosa, que associa lutas sociais (com todas as
84
contradições que elas envolvem) a atos de criminosos e facínoras,
que iguala lideranças dessas lutas a criminosos, que se refere à
população negra como “pessoas de cor”, e que fala da guerra no
Líbano apenas dando graças a Deus pelo fato de que os “katiuchas”
foguetes usados pelo Hezbollah contra Israel – não estão caindo “em
nossa alienada cabeça”. O fato de não ter feito menção aos
imensamente mais poderosos “katiuchas” de Israel que estão caindo
sobre a cabeça de homens, mulheres e crianças no Líbano é mais uma
evidência de que ela já “sumiu de aspectos da realidade”. O fato de
sua indignação seletiva deixar de lado alguns “aspectos da realidade”
é uma explicitação dessa operação.
54
A mudança no tipo de texto, passando do pessoal, intimista, para o social e
político expõe a escritora a conseqüências impremeditadas como a citada acima. Talvez por
escrever visando o leitor assíduo da Veja, que provavelmente concorda com a linha editorial
da revista. Parece esquecer que leitores que não coadunam com os princípios da Veja também
lêem a revista, inclusive para contestá-la. A escritora se posiciona partindo do próprio real,
numa postura pessoal, sobre os temas em debate na sociedade. Durante o ano de 2006, aliás,
muitos foram os textos que abordaram o momento político brasileiro. Destacamos, entre eles,
ainda em janeiro, As elites e o povão, (Anexo F) em que discorre sobre várias categorias de
elites do país – social, intelectual, financeira, artística e política – para salientar que
seria melhor largar essa bobagem de elite versus povão e pensar em
habitantes deste planeta e deste país. Todos merecendo melhor
cuidado com a saúde, melhores escolas e universidades, melhores
condições de vida, melhor salário, melhores estradas, lugares de lazer
mais bem-cuidados, mais tranqüilos e seguros, menos impostos,
menos mentiras. Mais oportunidades, mais sinceridade, mais vida.
Melhor uso das palavras. Mais respeito pela inteligência comum e
pelo bom senso. (Ponto de vista, Veja, 25/01/2006, p. 25)
No texto Bondades e Obrigações, de 19 de abril, (Anexo F) a escritora destaca
que “um governo não age por ´bondade`: tem obrigação de proporcionar dignidade e
oportunidades aos cidadãos, do mais simples ao mais privilegiado”. Perto da data da eleição
presidencial, a crônica No denso nevoeiro, (Anexo F) inicia dizendo que “o momento
nacional nos dá a impressão aflitiva de estarmos envolvidos num denso nevoeiro, por cima de
54
Weissheimer, Marco Aurélio. A lição de Pontecorvo para não descer a lomba. Obtido em
http://www.novae.inf.br/pensadores/preconceito_lya_luft.htm, acesso em outubro de 2006. Negrito meu.
85
um atoleiro de perplexidade no qual vamos afundando”. E Lya faz críticas aos “intelectuais de
boa formação, pessoas com preparo suficiente para serem lúcidas parecem cegas à realidade,
arrastando velhas ideologias com cheiro de naftalina, que desmoronam em outras partes mas
aqui persistem. Querem nos convencer de que este país nunca esteve tão bem”. (Ponto de
Vista, Veja. 20/09/2006, p. 24) Na véspera do segundo turno da eleição presidencial de 2006,
a escritora voltou a falar de elites: “Gosto de pensar que existe uma elite dos honrados e dos
capazes. Gosto de pensar que existe uma elite que nada tem a ver com nome, dinheiro ou
cargo, mas que superou o retrógrado conceito de que ´as elites` são culpadas pelas desgraças
da humanidade.” A autora foi bem explícita no artigo Está em nossas mãos:
A idéia de que só pobres e explorados são boa gente é de chorar de
tão tola. É perigosa, é manipuladora. Gera ódios, provoca injustiças,
rasga abismos. É uma desgraça a mais a nos rondar nesta fase de
desgraceira e danação. [...] A importância do que vamos fazer é de
assustar, mas, se não formos pusilânimes ou manipulados, teremos a
consciência tranqüila, e o país encaminhado para mais independência,
dignidade e crescimento real. (Ponto de Vista, Veja, 18 de outubro de
2006, p. 22.) ( Anexo F)
O texto foi comentado na edição seguinte da revista em 20 cartas de leitores,
das quais duas foram publicadas, ambas apoiando a posição da escritora. Na primeira o leitor
diz que “o maniqueísmo pobre-bom, rico-mau é levado a cabo por uma bem-sucedida
campanha insidiosa do esquerdismo que domina a nossa forma de pensar há décadas”. E a
outra enaltece: “O artigo diz tudo: é preciso querer mais”. (Cartas, Veja, 25.10.2006 p. 40.
Anexo F) E depois da reeleição do Presidente Lula, num dos últimos textos do ano, Sem ritmo
nem afinação, ela cita números negativos da economia, a falta de investimentos
governamentais em várias áreas e diz “caminhamos com passos atrapalhados num samba de
incerto destino”. (Ponto de vista, Veja, 29.11.2006, p. 22)
A tônica das crônicas varia desde a delicadeza das fadas até descendo a lomba
em brasa ardente. A polêmica causada ao opinar sobre questões da realidade brasileira é,
talvez, um resultado buscado pela escritora e pela revista para atrair o público. Mas mostra
86
também um aspecto delicado da crônica que contêm uma filosofia particular, como afirma
Coutinho:
O cronista que tiver uma filosofia particular ou pública dará mais
substância e unidade às suas crônicas, mas, tanto quanto possível
deve abster-se de assumir tom dogmático para não afugentar os
leitores que não desejarem partilhar de seus princípios. O
cronista hábil faz o leitor deglutir insensivelmente as suas idéias.
(1986, p. 134, negrito meu)
Em muitas crônicas, a escritora se explica em relação a sua obra ou suas
opiniões. É o caso de Inevitáveis transições, publicada em 13 de dezembro de 2006. A autora
observa que “alguém comentou que escrevo sempre sobre as mesmas coisas: pode ser. Todo
artista tem seus temas viscerais, dos quais não quer se livrar. Ao contrário, ele os repete,
exorciza e transfigura de muitos modos, não repetindo por pobreza, mas intensificando para
melhor expressar”. (Ponto de Vista, Veja, 13/12/2006.) (Anexo F) É a circularidade já
nomeada pela própria Lya em outras entrevistas e textos, presente tanto nas crônicas como
nos romances.
3.2 Outras palavras: A coletânea de crônicas em novo livro
O livro Em outras palavras reúne 54 dos artigos escritos na revista Veja desde
2004, “não estão em ordem cronológica e alguns sofreram pequenas alterações”, diz na orelha
da capa do livro. A própria Lya explica: “Faz parte dos meus vícios burilar meus textos
enquanto for possível: pelo prazer, e pelo respeito a mim mesma e a meu leitor – não importa
se é um romance ou ensaio, poema ou crônica”. E a apresentação do livro pela editora
continua:
Assim como em ficção e poesia, aqui a autora nos faz ver que as
velhas paixões humanas ainda nos movem: medo e prazer, instinto
de morte ou de sobrevivência, afeto e aversão, desejo de poder e de
permanência; e tantas outras. Usando sua linguagem com a precisão
de um bisturi, Lya também nos faz acompanhar suas preocupações
ou receios relacionados a vida pública, ética, educação, conflitos
87
gerados por transformações sociais e culturais. [...] O leitor de Lya
Luft vai reencontrar neste volume toda a paixão, a ternura, a
perspicácia e o humor, a indignação e a simplicidade sofisticada dessa
autora, saboreando tudo que sua arte de escrever nos
proporciona.” (
LUFT, 2006, negritos meus.)
À primeira vista, percebe-se que as pequenas modificações levaram em
conta o filtro da reação dos leitores aos escritos na revista Veja. Assim, embora o conteúdo
seja semelhante, foi modificado o título da polêmica Baleias não me comovem, que se
transformou em Baleias sim, mas eu prefiro gente. Da mesma maneira: Família: como fazer?
mudou para “Família: conflito e transformação”, e Quero a pena de morte chama-se agora
Pena sem pena. Permaneceram idênticas, entre outras, a crônica Caio, amado amigo, em que
relata a última conversa com o escritor Caio Fernando de Abreu, dias antes de sua morte, e
Por um pouco de limites, em que trata da educação de crianças e adolescentes. A contundente
Descendo a lomba não está incluída nem sob outro nome. Mas observa-se em muitas crônicas
uma alusão mais constante a insatisfação com o momento político brasileiro do que nos
primeiros textos do estilo projetado com sucesso a partir de Perdas e Ganhos, de ensaísmo
moral, como definiu a própria Veja. Ou seja, percebe-se nas entrelinhas um discurso
ideológico de direita que anteriormente não aparecia, quando falava basicamente de questões
comportamentais, de dores e amores, e que possivelmente, atraiu tão grande público para seus
escritos. Tanto que nas chamadas sobre o livro, na contra-capa e na orelha estão em destaque
esses aspectos: a vida bem vivida, o cotidiano, as relações sociais.
Interessante verificar de novo a circularidade dos temas abordados pela
escritora. Mais uma vez, observa-se a retomada de temas e questões já abordadas em Matéria
do Cotidiano, de 1978, inclusive no título de algumas crônicas, tais como O menino é o pai do
homem. Os textos são diferentes, já que naquele de 1978 Lya descrevia um instante fugaz de
um “gesto de menino sozinho ao sol”, enquanto no livro mais recente a autora explica que
roubou o título de uma crônica de Machado de Assis, e encerra o texto com a constatação de
que “a criança que fomos continua nos parindo pela vida afora...” (LUFT, 2006, p. 167)
88
A crônica não deixa de ser mais ou menos importante pelo fato de ser publicada
em livro, entende Afrânio Coutinho, que “alarga consideravelmente o campo de divulgação,
mas é enganoso supor que o livro é que dá qualificação definitiva a qualquer escrito”.
Segundo ele, “a crônica que não haja pago excessivo tributo à frivolidade estará sempre a
salvo, como obra de pensamento ou de arte, embora não saia nunca das folhas de um
periódico”. (1986, p. 135)
Pode-se supor que a ênfase à crítica em relação a tudo que sejam propostas
de “esquerda” (MST, cota para negros, governo Lula, etc) tem a ver com uma incorporação
do discurso da própria revista Veja, qual seja, de ser a maior representante da “direita”
brasileira, do conservadorismo político do país. Ou seria até uma orientação editorial da
revista para que incorporasse esse discurso? A escritora nega qualquer interferência neste
sentido
55
, e a independência é um dos aspectos destacados também por Coutinho ao analisar a
crônica: “o cronista deve procurar defender a sua independência moral, além do mais pelo
efeito psicológico que esta atitude produz sobre os leitores”. (1986, p. 135) Outra possível
suposição ainda é de que a “raiva” contra algumas críticas ao sucesso do livro Perdas e
Ganhos faz com que coloque todos esses posicionamentos como sendo da mesma vertente
(esquerda), e, portanto, mexem mais profundamente com sua subjetividade? A autora é
explícita no artigo O feio vício, em que diz:
Pois outro dia tive que escutar alguém amargo e bastante mal
educado, condenando os chamados best sellers e seus autores, na
minha cara, quando por acaso um entre meus tantos livros ´vende
bem`. Ao mesmo tempo tal pessoa injuriava os leitores que compram
coisa tão ruim... O que é um best seller? Entre nós era até pouco
tempo o livro estrangeiro que vendia milhões, enquanto o autor
brasileiro chupava o dedo. Hoje se rotula assim também o livro
de autor brasileiro que não mofa nas prateleiras. E o termo vem
com uma franja pejorativa.... Quero dizer que cansei. Nem por
desinformação ou má vontade me perguntem se, depois de ser
tachada de escritora ´complicada`, hermética e obscura por
tantos anos, passei – para alguns menos elegantes – a ´facilitar
para me nivelar aos leitores`. Se só vulgarização e baixo nível
´vendem` uma obra, o Espírito Santo – para quem nele acredita – teria
descido de nível ao inspirar a Bíblia, certamente o livro que mais
55
Conforme declarou em entrevista coletiva em Florianópolis, dia 23/05/2007, anexada ao final do trabalho.
89
vende no mundo. Somos realmente tão tolos? Sempre há os que
detestam autores cujo trabalho é mais amplamente reconhecido,
seja por qualidade, sorte ou essa marca de imponderável que faz
com que um livro ´pegue`ou não. Sempre há os que acham defeito
no empresário bem sucedido (´deve ser corrupto), no casal feliz (,,
´mas com certeza ele a passa pra trás`), na mulher bonita (´Ah, mas eu
soube que...`) A lista do ressentimento e da calúnia é longa. Sinto lhes
dizer, mas coisas boas acontecem, pessoas às vezes se amam de
verdade, felicidade existe, famílias podem ser unidas, sucesso ocorre
– e acreditem, não é caminho para o céu ou porta aberta para qualquer
academia – aliás, nenhuma me interessa. De preferência, nem dêem
tanta opinião, se não forem críticos, resenhistas, professores – e
mesmo aí, aceitem seus limites.
(LUFT, 2006 , p. 108, negritos
meus
)
Realmente um basta contundente, um verniz algo arrogante (será que se
inspirou em Diogo Mainardi, outro colunista da Veja?) ou um desejo de estar acima de
qualquer crítica? Interessante é que frequentemente seu discurso é de que a opinião do público
não interfere na sua produção, inclusive em entrevistas, mas, ao mesmo tempo, muitas vezes
ela se explica sobre afirmativas que fez em seus textos. É o que se observou recentemente, em
junho de 2007, quando “recebeu grande e variado número de e-mails, telefonemas e
abordagens depois de escrever que família deveria ser careta”. A escritora destaca:
Houve quem dissesse que minha posição naquele artigo é
politicamente conservadora demais. [...] E assim, sem me pensar de
direita ou de esquerda, por ser interessada demais na minha
comunidade, no meu país, no outro em geral, em tudo o que faço e
escrevo, mostro que sou pelos desvalidos. Não apenas no sentido
econômico, mas emocional e psíquico: os sem auto-estima, sem amor,
sem sentido de vida, sem esperança e sem projeto. (Ponto de Vista,
Veja, 06/06/07, p. 26)
A crônica a que se refere a escritora, fora publicada na Veja em 14 de
fevereiro e conclui que “a vida é dura e os meninos não pediram para nascer”. Na edição
seguinte, a revista recebeu 30 cartas de leitores, das quais foram publicadas quatro que
apoiavam a posição de Lya Luft. Uma delas foi enfática: “É emocionante deparar com um
texto definitivo sobre família e filhos. [...] Só não entende quem não quer. Que ninguém mais
se habilite a escrever sobre o mesmo tema”. Outra, de uma educadora, dizia: “É comum eu
90
ouvir pais dizer que não sabem o que fazer, não podem com os filhos. Se tivessem dito não e
corrigido (imposto limite) na hora certa, com certeza teriam ´poder` sobre eles”.
A polêmica, então, está invariavelmente presente. Assim, pode-se levantar a
hipótese inclusive de que o lançamento da coletânea das melhores crônicas publicadas na
revista semanal seria uma tentativa da autora e sua editora voltarem ao topo dos mais
vendidos, depois da última aparição de Perdas e Ganhos no ranking, em 9º. lugar, na edição
de 16/11/2005.(Anexo E) Outro indicativo do possível afastamento de parte do público que a
idolatrava é a diminuição no número de comunidades no Orkut. Por ser do espaço virtual,
certo é que os dados estão sempre em mudança. Assim, no início da pesquisa sobre as
comunidades do Orkut relacionadas a Lya Luft, em junho de 2006, havia 17 e alguns meses
depois (novembro de 2006) eram apenas 12, com a retirada, inclusive, da maior comunidade,
que tinha mais de 5 mil membros.
Poderia ser um indicativo de que a fórmula do bom senso pregado em seus
textos estaria cansando o leitor? Mas, considerando-se que há uma reafirmação crescente
quanto a ascensão de uma “cultura marcada pela priorização não mais da "conquista do
mundo" - típica da época da dominação masculina -, mas sim de "construção de si" sustentada
na sexualidade e na combinação do que, antes, eram pólos opostos: afetividade e razão, corpo
e espírito, masculino e feminino “
56
, parece-me que as razões podem ser outras. Talvez o fato
de a escritora adotar posições polêmicas sobre assuntos da realidade brasileira afaste
determinado público. Ou seja, diminuíram as falas sobre sentimentos humanos,
relacionamentos, família, e começam as defesas de determinados posicionamentos, em temas
como proteção às baleias, não ao desarmamento, como deve ser um líder, etc. Passou a
mostrar uma face politicamente conservadora, inimaginável nos textos que pareciam
celestiais, modernos, inovadores ao falarem de coisinhas dos humanos. Aquela que pregava a
56
Citação de parte do livro O Mundo das Mulheres do sociólogo francês Alain Tourraine (trad. Francisco Morás,
208 págs., R$ 35), que está saindo no Brasil pela editora Vozes, na entrevista concedida pelo pensador a Caio
Liudvik no caderno Mais da Folha de São Paulo, em 26.08.2007.
91
diminuição do consumo, a valorização das rugas, a afetividade e a não competitividade entre
homens e mulheres, seria a mesma que de repente destila indignações diversas sobre aspectos
da nossa não tão cor de rosa realidade, na crônica Descendo a lomba? (Ponto de Vista. Veja,
09/08/2006)
Ao refletir sobre transições e retomar o tema perdas, no final de 2006 a
escritora admite: “Somos contraditórios como tudo o mais”. E relata entre seus projetos
futuros um livro de contos e um ensaio sobre silêncio, mas que “talvez ambos acabem se
fundindo num romance, o que muitas vezes foi assim, muitas vezes será”. Sobre seu ofício ela
diz:
O artista precisa de boa escuta; seguir o sopro do vento interior, que
não é o dos elogios, críticas, vendagem ou fracasso, mas acontece
num outro registro, que só ele percebe. É dele, ninguém mais tem
acesso – nem deve ter. Nesse novo trabalho ainda indefinido, ainda
emergindo das águas profundas, escrevo sobre relacionamentos
deteriorados, ou delicados amores. Sobre a nossa dificuldade em ser
mais felizes, sobre a luta eterna entre pulsão de alegria e desejo de
término e morte. (Ponto de Vista, Veja, 13/12/2006)
Ou seja, a escritora vai manter a fórmula de sucesso que a consagrou junto ao grande público
a partir da publicação de Perdas & Ganhos, obedecer ao sopro de vento interior, voltando-se
aos temas intimistas e deixando o social e o político de lado. Vai ao encontro de outra
avaliação de Touraine destacada na mesma entrevista, de que “hoje a mulher afirma sua
autonomia e liberdade sem recorrer ao discurso da vitimização nem à queima de sutiãs em
praça pública. E, assim, ela também reflete e reforça o primado da felicidade individual e o
descrédito que pesa sobre a política e sobre as formas tradicionais de ação e de utopia
coletivas.”
(Idem, citação 54.) Ou seja, a escritora que ousou em sua vida pessoal e retratou
com maestria o universo psíquico em personagens femininas marcantes nos romances dos
anos 1980, mostra-se mais uma vez à frente de seu tempo ao abordar nos livros recentes
questões que começam agora a ser considerados de importância para análise, pela percepção
mais evidente de que as grandes transformações do mundo atual são mais culturais do que
sociopolíticas.
92
3.3 Literatura.com.br – a importância da internet
O acelerado desenvolvimento da Internet a partir da virada do século trouxe
novos elementos para compreender o sucesso imediato de determinado artigo ou objeto e a
difusão de opiniões do público sobre qualquer assunto. Periódicos, artigos, livros e textos em
geral, diferentes linguagens, sinais e imagens passam a ser compartilhados por pessoas das
mais variadas culturas e países. Em 2002, J. Rowley já anunciava: “A internet conecta mais
de 1 milhão de computadores no mundo, e sua velocidade de crescimento em termos de uso e
novos assinantes aumenta a cada mês."
57
Da arte à política, a favor e contra, com mais ou
menos seguidores, “a internet, é o maior amplificador do boca-a-boca que já se viu”, diz o
jornalista Chris Anderson, autor do livro A cauda longa” (MARTHE, 2006, p. 89)
Na busca ao nome Lya Luft no sítio de pesquisa Google, o maior sítio de
busca da Internet, há a informação de que existem 114 mil páginas a seu respeito. A escritora
também somava 14 comunidades virtuais no Orkut, sítio de relacionamento situado no
Google, num total de 16.760 membros. Numa pesquisa informal realizada em junho de 2006,
constatou-se que o campeão de comunidades relacionadas a escritores era de Luiz Fernando
Veríssimo
58
. Percebeu-se que a grande maioria das comunidades é de admiradores, mas há
também os que são do contra, e criam grupos como “eu odeio Lya Luft”, há os que só gostam
de uma obra específica, os que se preocupam com a vida pessoal do escritor, etc. Os membros
das comunidades são em sua maioria fãs que criaram as páginas e, em nenhuma delas, consta
qualquer contato com o escritor. E no recentíssimo You Tube a escritora surge através de um
poema extraído do livro Mulher no palco, que é apresentado por Mari Castelo Branco, em
vídeo inserido em 20 de junho e que até 07 de novembro de 2006 teve 199 visitantes.
Não só mais uma mídia da indústria cultural, a Internet também
57
ROWLEY, J. A biblioteca eletrônica. Briquet de Lemos/Livros. 2002, p. 187.
58
Pesquisa feita por mim e a colega Patrícia Vitara, mestrandas, para um trabalho sobre vida literária na Web
para a disciplina Vida Literária 2000, ministrada pela prof.ª Tânia Ramos.
93
propaga informações de todo o tipo e permite a organização e
propagação de qualquer evento e de comunidades. A internet tem uma
capacidade quase infinita de armazenar dados, e seus servidores são
enriquecidos segundo a segundo de maneira voluntária por milhões de
fornecedores de conteúdo, os próprios usuários. (...) O principal
atrativo atual é o You Tube, um site de vídeos em que a chance de
encontrar um clipe sobre qualquer pessoa pública é maior do que em
qualquer outra fonte de pesquisa. Eles são comunidades para quem
gosta de ver, comentar e fazer vídeos. O usuário pode opinar sobre
tudo isso por escrito e também acrescentar um vídeo próprio ao
conjunto
. (MARTHE, 2006, p. 90, negrito meu)
O articulista escreve baseado no livro de Chris Anderson, como a internet
mudou a lógica da cultura de massa:
No lugar do tradicional mercado de poucos megassucessos, a rede
possibilita o surgimento de milhares de pequenos hits. Com sua
capacidade de armazenar informações, ele é uma espécie de vitrine
infinita, em que todos os produtos podem ficar expostos e,
eventualmente, encontrar um interessado. O You Tube reflete essa
nova ordem. Seus vídeos não saem de cartaz, alguns com milhares de
espectadores por dia, outros com apenas um ou dois. Essa curva de
audiência compõe a tal cauda longa. (Idem. Ibidem)
A reportagem destaca ainda que a internet tem capacidade de amplificar a um
nível surpreendente fatos que de outra forma poderiam para passar despercebidos, tais como
gafes cometidas por apresentadores de TV. E funcionam até como catarse coletiva em vídeos
largamente difundidos como a parte de um show de uma artista que apenas repete cantando,
em intensidade crescente, o palavrão: “Vai tomar no...” É como já havia sido dito em crônica
atribuída a Milôr Fernandes que circula na internet denominada O direito ao foda-se:
“ficamos todos de alma lavada.”
Já em 2004, na edição de 5 de maio, a Veja noticiava “Como a internet
reinventou o boca a boca”, explicando que em sítios como o da Amazon, resenhas de leitores
comuns ajudam a vender produtos. A reportagem relata que a enquete eletrônica é composta
de cotação por número de estrelas, mas “as resenhas de consumidor quase nunca revelam
pendor analítico. Em geral, o leitor se limita a dizer se gostou ou não do livro”, declarava
então o jornalista James Marcus, autor de um livro sobre a experiência.
59
59
O livro Amazônia é resultado do trabalho de cinco anos do autor para o site Amazon.
94
3.4 www.orkut.com – a febre
A evolução das formas instantâneas de comunicação é acelerada e começou
com. a febre do e-mail. Depois surgiram os programas de mensagens em tempo real que
rapidamente conquistaram mais adeptos. Eles permitem que os usuários conversem via
teclado e têm em comum o fato de serem gratuitos, de instalação simples e abertos a
internautas de qualquer parte do mundo. Além da possibilidade da troca de mensagens em
tempo real via internet, há como enviar e receber arquivos e fotos. Lançado em 1996, o
precursor dos programas de mensagens instantâneas foi o ICQ (I Seek You – “eu procuro
você”), criado em Israel e comprado pela América On line. Virou mania entre os jovens por
possibilitar também o envio de mensagens de texto para telefones celulares. Com 160 milhões
de usuários em todo o mundo em 2004, no Brasil o sucesso do ICQ foi tamanho que o
programa ganhou uma versão em português, incluindo um serviço de auxílio em vários
idiomas. Em seguida surgiu o MSN, lançado pelo Hotmail, um dos serviços de e-mail mais
populares do mundo, também um serviço de mensagens instantâneas. O programa também
permite fazer chamadas telefônicas, se o usuário tiver microfone acoplado ao computador, e
enviar mensagens para pagers. Dá para compartilhar a conversa com até 14 pessoas numa
mesma janela e participar de jogos on line.
Ao mesmo tempo surgiram os blogs, diários virtuais de jovens que
compartilhavam suas idéias e emoções para quem quisesse ler, os fotologs, com fotos de
pessoas, e as comunidades em torno de algum interesse comum. O formato se difundiu tanto
e propiciou o surgimento de um novo serviço, o Orkut, em 22 de janeiro de 2004. O Orkut,
site de relacionamento hospedado no Google, um site de buscas, tornou-se a maior rede de
amigos e de comunidades de todos os tipos que há na Internet. Inicialmente tinha por função
congregar pessoas com interesses em comum para debater determinado tema, e só podia
95
participar quem era convidado. Mas os convites rapidamente se multiplicaram, especialmente
entre jovens que não podem “ficar por fora”. Destacando a linguagem típica dos internautas,
com palavras abreviadas e neologismos, em junho de 2004, numa edição especial sobre
jovens, a revista Veja constatava: “dos blogs existentes, 51,5% são de pessoas de 13 a 19
anos. O adolescente gosta não só de produzir o próprio blog, mas também de espiar a página
dos outros. No Brasil, 42% da turma de 12 a 24 anos que acessa a internet visitou algum
blog.”
60
Um ano depois, a mesma revista trazia uma reportagem que mostrava a
ferramenta que passava a ser utilizada na política e em negócios. Estimava-se então que havia
mais de 30 milhões desses diários virtuais no mundo, sendo que 7 milhões de brasileiros
visitaram blogs ou fotologs, o que equivaleu a 60% dos internautas do país. A reportagem,
além de ensinar como se cria em 15 minutos uma página de blog na internet, comenta a
interatividade:
Cada texto postado num blog vem acompanhado de uma janela para
que os leitores façam comentários, o que torna essas páginas espaços
de debate por excelência. [...]as comunidades vão se ampliando e
sobrepondo: um blog já nasce com a necessidade de se interligar ao
máximo a seus congêneres. Se há um traço comum entre os
blogueiros que se destacam é a ânsia em falar e ser ouvido. [...] Os
blogs hoje são formadores de opinião tão influentes quanto a grande
mídia, [...] e para as empresas, uma poderosa arma de comunicação
institucional.
(MARTHE, 2005, p. 86)
Na reportagem especial sobre jovens, de 2004, o redator também afirmava: “O
conteúdo típico de um blog adolescente é uma fascinante miscelânea: poemas, letras de
música, desenhos de bichinhos, registro das atividades do dia, pensamentos e fotos de ídolos”
61
. A reportagem também observa que os usuários mantêm seu blog sempre atualizado e tem
feito amizades virtuais com os visitantes que deixam comentários na sua página. A partir
disso surgiu o Orkut, uma mistura de site de relacionamento e de comunidades. No Brasil a
60
VEJA. Aki a gente tah em ksa! Especial jovens, junho de 2004, p. 68.
61
Idem
96
propagação desta “comunidade virtual” foi tão intensa que em 2006 tornou-se o país com
maior número de pessoas conectadas ao Orkut (73% dos usuários)
62
, atingindo agora também
outras gerações, e não mais apenas os adolescentes. É a experiência que mais se enquadrou às
necessidades do internauta de se colocar diante da rede, de fazer parte dela, de ser um usuário
ativo dentro de uma comunidade virtual. “Chamamos de comunidades a uma relação social na
medida em que a orientação da ação social, na média ou no tipo ideal, baseia-se em um
sentido de solidariedade: o resultado de ligações emocionais ou tradicionais dos
participantes”
63
O conceito de tribalismo onde o indivíduo só tem valor em função do grupo
no qual se inseriu, e que está baseado em pulsão primária, conforme definido por Michel
Maffesoli, também pode ser adequado para entender essa nova forma de congregação de
pessoas. Conforme este autor, “Talvez se devesse falar do nascimento de um “ego coletivo”,
que não se reconhece mais nos ideais longínquos, racionais, universais, mas se nutrem do
mais próximo, no cotidiano vivido”. (1995, p. 25)
Para Correa,
a principal peculiaridade da comunidade virtual é o fato de surgir de
forma espontânea, quando se estabelecem agrupamentos sociais com
base em afinidades. O indivíduo não é obrigado a integrar
determinada comunidade, a motivação é individual, é eletiva,
subjetiva. Essa possibilidade de optar por traços de identificação é o
que a diferencia do modelo tradicional de atribuição de identidades
culturais, como o caso da identidade nacional, em que todo um povo
era obrigado a aderir a determinados símbolos nacionais [...] na
comunidade virtual, o indivíduo escolhe, elege qual comunidade quer
fazer parte.
64
A forma simples, acessível e sem nenhum custo para se criar um perfil ou
fazer parte de uma comunidade atraiu milhares de pessoas com desejos comuns sobre diversos
assuntos. No site Web insider, por exemplo, ainda em 2003, era ensinado como construir
comunidades virtuais. O texto iniciava dizendo que a internet existe para aprimorar a
62
MARTHE, Marcelo. É como o Orkut... mas tem trilha sonora. Veja. 12/04/2006, p. 67
63
WEBER, Max.(1987:77) In Recuero, Raquel. Comunidades Virtuais – Uma abordagem teórica. p. 2, site
www.pontomídia.com.br/raquel/teorica.htm
64
CORRÊA, Cynthia H. W. Comunidades virtuais gerando identidades na sociedade em rede. p 10, site
www.uff.br/mestcii/cynthia1.htm
97
comunicação, e onde existe comunicação, surgirão comunidades. Entre as dicas, sugestões
como: “Cultive uma comunidade você atrairá a atenção de pessoas interessadas em escutar o
que você tem a dizer. Incentive discussões e você se cercará de gente disposta a compartilhar
as próprias idéias.”
65
Das novidades trazidas pelo Orkut, destacam-se os fãs-clube de alguma
estrela, artista ou celebridade. No lugar de sede física com pôster na parede, a comunidade
virtual apresenta fotos e os fãs trocam informações a distância, em tempo real. Os assuntos
são tão variados que há na página principal do sítio, links com acesso por tema de interesse,
para facilitar a busca: arte e entretenimento, profissões, lugares, etc. Encontra-se de tudo o
que se possa imaginar.
“A importância que eu vejo no Orkut está no fato de que, para muitas pessoas,
ele foi a primeira grande experiência – real e profunda – de ´virtualidade`. A primeira
experiência de se colocar na Rede, de fazer parte Dela – de sofrer as conseqüências”. Assim
começa a análise de Julio Daio Borges em artigo com o título “Orkut ano dois”, publicado em
03/02/2006, no sítio digestivocultural.com. Ele acrescenta, entre outros aspectos, que
o espaço da Internet é público e qualquer pessoa que coloque lá sua
cara, vai estar suscetível de escrutínio – e às opiniões nem sempre
favoráveis - de outros internautas. [...] A diferença da internet para a
vida real, talvez seja, justamente, uma diferença de meio. [...] em
geral, na Web não existem espaços “fechados” para ninguém. Não há
as tradicionais barreiras que na vida social limitam o acesso a pessoas
muito diferentes de você. Então, na internet, você encontra gente de
todo o tipo. E gente doente. [...] A internet é apenas uma ferramenta, e
com toda a sua superficialidade, com toda sua mediocridade, eu dou
importância ao Orkut no Brasil. A humanidade em grande parte é
superficial e medíocre. Por que seria diferente numa mídia de plena
democracia, como a internet?
66
No mundo virtual, aparentemente todos são iguais e se sentem protegidos,
pois o contato real é apenas com o computador, geralmente na comodidade da casa de cada
um. Nesse sentido, há uma “coragem” maior de se expor, tanto mostrando o melhor como o
pior de si mesmo. E, fundamentalmente, exibir-se, exaltar o aparente e o profundo, mas
também o superficial e o medíocre.
65
http.//www.webinsider.com.br/vernoticia.php?id=1841, publicado em18/08/2003 e acessado em 11/06/2006.
66
www.disgestivocultural.com/colunistas/coluna.asp?codigo=1812
98
3.5 Lya Luft vice-campeã em comunidades virtuais
E nessa onda, nem os escritores ficaram de fora. O mundo cibernético
inclusive, inicialmente usado por aqueles que sempre foram rejeitados, os excluídos de nossa
literatura, os que justa ou injustamente foram, são e serão sempre deixados de fora da festa,
agora já constitui alternativa também para os bem sucedidos no livro impresso de forma
tradicional. Na pesquisa de junho de 2006, anteriormente citada, Luiz Fernando Veríssimo
tinha então cinco comunidades referentes a ele, com um total de 126.359 membros, enquanto
Lya Luft aparece em segundo lugar, com número maior de comunidades (14), porém, com
menos pessoas ligadas a elas (16.760). Interessante observar que o termo “virtual” já foi
usado por Von Viese (1933)
67
: “o público não constitui um grupo, mas um conjunto informe,
isto é, sem estrutura, de onde podem ou não desprender-se agrupamentos configurados [...] o
seu estado normal é de “massa abstrata”, ou “virtual”. E Antonio Candido enfatiza:
Existem, numa sociedade contemporânea, várias dessas coleções
informes de pessoas, espalhadas por toda parte, formando os vários
públicos das artes. Elas aumentam e se fragmentam à medida que
cresce a complexidade da estrutura social, tendo como denominador
comum apenas o interesse estético. A sua ação é enorme sobre o
artista.
[...] quando se diz que escrever é imprescindível ao verdadeiro
escritor, quer dizer que ele é psiquicamente organizado de tal modo
que a reação do outro, necessária para a autoconsciência, é por ele
motivada através da criação. Escrever é propiciar a manifestação
alheia, em que a nossa imagem se revela a nós mesmos. Por isso,
todo escritor depende de público. [...] Tanto assim que a ausência
ou presença da reação do público, a sua intensidade e qualidade
podem decidir a orientação de uma obra e o destino de um
artista. (
CANDIDO, 1975, p. 35, negritos meus)
A escritora Lya Luft tem vários tipos de comunidades no Orkut, criadas por
admiradores ou contestadores. (Anexo G) A maior delas, com 5.188 membros, em outubro de
2006 estava classificada na categoria arte e entretenimento, e foi criada em maio de 2004 por
67
VON VIESE,Leopold. System der Allgemeinen Soziologie. 2ª. Ed., Dunkler und Humblot, Munique e
Leipzig, 1933 p. 406-446. In CÂNDIDO, Antonio. Literatura e Sociedade. São Paulo:Companhia Editora
Nacional, 1975, p. 406. 5ª. ed.
99
Daniela
68
. Tem como comunidades relacionadas: Literatura Brasileira, Literatura Feminina,
Maníacos por livros, Clarice Lispector, Florbela Espanca, etc. As escritoras relacionadas são
conhecidas, entre outros aspectos, por terem publicados seus diários e cartas. Com 1089
participantes e apenas denominada Lya Luft, (Anexo G), outra comunidade tem relacionado
o livro Secreta Mirada, também da autora Lya Luft. Com 382 membros, a comunidade
descrita “A escritora é conhecida por sua luta contra os estereótipos sociais”, foi criada em
dezembro de 2004, por Ricardo Paula. Enquadrada na categoria arte e entretenimento, tem
como comunidades relacionadas: Hilda Hilst, Psicanálise de Freud a Lacan, Psicólogo não é
ET, Fernando Pessoa, etc. Outras comunidades favoráveis à escritora se denominam “Lya
Luft escreve para mim”, destinada a todos “que se identificam com os textos da escritora”,
com 89 associados, “A Lya Luft é a melhor” de 79 participantes, e “Eu amo Lya Luft”, com
50 membros.
E têm também as comunidades que são do contra, como a denominada “Eu
Odeio Lya Luft” (Anexo G) com o convite “Se você acha que essa Lya não passa de um
Paulo Coelho de saias,.... esse é o seu lugar”. Criada em novembro de 2004, por Saulo
Vassaulo, (Anexo G) de Curitiba, tem 114 membros. Mas recebe opiniões também de
admiradores da escritora, que não aceitam as críticas à Lya Luft, nem quando um dos
membros os lembra de que podem procurar as outras comunidades. É uma das poucas contra
a escritora assim como uma outra descrita como “Eu sobrevivi a Lya Luft”, com 27 membros,
criada em novembro de 2004 por Lurian Endo. Tinha como comunidades relacionadas:
História Unirio, Odeio a Lya Luft, O queijo e os vermes, etc. No mesmo sentido tem uma
pequena comunidade de dois integrantes denominada “A Lya Luft é muito chata”. E ainda
“Eu lya Luft” mas parei, muito dramático, com 11 membros, criada recentemente, em 12 de
agosto de 2007.
68
Os nomes foram mantidos como aparecem nas páginas do Orkut, muitas vezes incompletos ou até apelidos.
100
Além da constante transformação das páginas, da perenidade do que cada um
escreve, percebem-se diferentes níveis culturais e sociais nas comunidades. Em algumas,
domínio da linguagem culta, em outros erros grosseiros de Língua Portuguesa (propositais ou
não), palavras abreviadas. O que os membros das comunidades têm em comum? Pelo que
divulgam (pois nem tudo é verdadeiro, inclusive os nomes, quase sempre incompletos!!), a
maioria tem idade entre 23 e 35 anos; bom nível cultural, alguns dizem que falam outros
idiomas; interesse em livros (de todos os tipos), amigos, esporte e Internet; a maioria mora no
Sudeste ou Sul do País (mesma localidade dos escritores com maior número de comunidades
de fãs); a maior parte está solteira ou namorando; sem filhos; bebem socialmente, não fumam.
Verifica-se em muitos uma forte necessidade de exibição, aliás, este talvez o principal fator de
sucesso do Orkut no Brasil, por constituir-se tal como uma vitrine em que todos podem
aparecer!
Quem são os criadores das comunidades? Um exemplo é Sandra Cristina, que criou a
comunidade “Para quem gosta de boa literatura e dessa mulher maravilhosa!!!”, com 371
membros. No seu perfil ela identifica suas preferências, que em alguns detalhes saem da
média referida anteriormente, mostrando, inclusive, diversidade no gosto cultural:
no orkut: amigos; filhos: sim – moram comigo; etnia: multiétnico;
religião: Tenho um lado espiritual independente de religiões; visão
política: libertário; humor: inteligente/sagaz; estilo: alternativo; fumo:
regularmente; bebo: socialmente; animais de estimação: prefiro que
fiquem no zoológico; moro: com filho(s), amigos visitam com
freqüência; cidade natal: Fortaleza; paixões: minhas filhas, minha
família, os amigos, filosofia, literatura, boa música, o mar...; esportes:
dormir muuuuuito...; atividades: ensino e pesquisa; livros:
Noooossa!!!! São tantos... Os Frutos da Terra (André Gide), Eu
Profundo e outros Eus (F. Pessoa), As Brumas de Avalon (Marion
Zimmer), O Pendulo de Foucault (H. Eco), Crítica da Razão Pura (E.
Kant).... e outros... muitos outros!!!!!
69
69
www.orkut.com/profile . Todos depoimentos retirados das páginas do Orkut citadas a partir daqui mantêm-se
tal como redigidas ali, para maior fidelidade à forma como interagem os membros das comunidades.
101
Em contato através da própria página do Orkut, perguntei a alguns dos
“donos” das comunidades sobre as motivações para a iniciativa. Numa das maiores em
número de membros, a líder Márcia, de 18 anos, explicou:
na verdade eu não sei a biografia da escritora Lya Luft, lembro que ,
quando li um texto seu pela 1ª vez (não lembro qual) achei muito
agradável , eh um texto leve, de fácil linguagem, que provoca
reflexão no leitor e fascinação pela sabedoria da escritora. Foi isso
que mais me chamou a atenção. essa comunidade era de outra
pessoa, mas a mesma saiu do orkut e ai assumi o comando.
A pessoa que saiu do orkut não pediu para eu assumir hehe, na
verdade nem conhecia, mas como a comunidade estava sem dono,
não achei justo uma escritora de tanta credibilidade ter uma
comunidade sem dono Gosto muito de seus textos na revista Veja.
Abraço
70
A criadora de outra comunidade, Thá Trugílio, (Anexo G) mostrou-se
interessada em responder a questão, mas não retomou o contato: “estou um pouco afastada do
orkut... assim q tiver uma folguinha volto para trocarmos figurinhas sobre Lya Luft -será um
prazer!” Já o criador da única comunidade remanescente que “odeia” a escritora, Saulo
Vassaulo, também não aprofundou seu posicionamento, dizendo apenas: “eu juro que um dia
eu respondo esse recado decentemente, hahahahahahaaa e quando for a hora, eu coloco
AAAND enumero todos os motivos pelos quais odeio a dita cuja, hehehe.”
Nas páginas das comunidades há um espaço para o fórum de debates, e cada
membro pode inserir algum tópico.
Na comunidade eu odeio Lya Luft, alguns dos tópicos,
além dos posicionamentos dos que detestam a escritora, também há “intrusos” que na verdade
são admiradores da escritora que questionam “PQ?????????” (uma das maiores postagens, 29)
e “gente, pensa melhor antes de falar”, criticando os membros por detestá-la. Dos que não
toleram a escritora, um dos tópicos é denominado “vontade de ser Lispector” e “Ponto de
vista: Lya Luft – Revista Veja, 25/08/04”, que traz o texto sobre as baleias, já referido
anteriormente. Mas o que tinha maior número de opiniões (27), em agosto de 2007, era o
“Qual o motivo do ódio?”, do qual destaco alguns depoimentos:
70
Deixei os textos tal como escritos para retratar com precisão a linguagem usada pelos jovens no Orkut.
102
Larissa
- 23/09/05 - Poxa ki coincidência Mariana... eu peguei ódio dela por essa
mesma idiotice dessa mulher...alias ódio mortal por kualker pessoa ki pense
como ela penso a respeito da baleia...
Mateus - 26/09/05 - Eh uma tremenda duma babaquice pra vender revista essa historia de
que nao temos que dar atencao as baleias pq nunca vimos uma, e sim as
criancinhas/ um tremendo lugar comum / alias a coluna dela (nunca li nenhum
livro, nao me daria esse trabalho) so tem lugar comum / pode ter certeza que
se os gringos do Greenpeace se preocupam tanto com as baleias eh porque
eles nao tem como cuidar das criancas deles melhor do que eles ja cuidam/
Duvido que algum brasileiro faz doacao por exemplo ao Greenpeace sem
antes ter se preocupado em ajudar um ser humano da maneira que for / se ela
acha que existe alguem assim vai ver ela esta se tomando por base, porque ela
eh uma tremenda duma duas-caras.
Geisinha
- 29/09/05 - Eu tb fiquei com ódio por causa do artigo da baleia. Lógico q temos q
cuidar de nossas crianças, mas isso ñ impede a preservação da natureza. Mas
como ela tem um pensamento bastante limitado ela ñ consegue ver isso.
ODEIO A LYA LUFT.
Henrique
- 15/10/05 - Eu odiei ela
71
a partir de uma crônica dela na revista Veja ridícula, do
mesmo nível dessa da baleia. Ela falou sobre o "poder das palavras", como
agente pode magoar ou elevar alguem dependendo das palavras que nós
usamos...PORRA!! Que coisa mais BATIDA! é ridículo e ultrajante!!! Essa
mulher merece a Guilhotina!
leticia
- 21/10/05 - pensar eh transgredir alguém jah leu essa MERDA?? um amontoado de
lugares-comum, clichês em profusão, pieguice e a mais absoluta e completa
falta de talento. na minha opinião ela eh pior q paulo coelho... pelo menos ele
naum nos irrita toda semana com uma coluna cretina na veja. acho q o melhor
uso q se pode dar a um livro d lya luft eh usar as folhas como papel higienico.
71
Foram mantidas as partes em negrito tal como aparecem na própria declaração dos membros das comunidades.
103
Mas a maioria dos tópicos é de elogios à escritora. Um exemplo é a questão
abaixo retirada de uma das comunidades que apóiam Lya Luft:
Gabriela
08/07/2004 18:23 - Qual o livro da Lya que vocês mais gostaram?
Leonardo 12/07/2004 16:45 - os 2 últimos. Gostei de todos que li, mas os 2
últimos - pensar é transgredir e perdas e ganhos - são show de bola. Não é por
acaso que estão entre os mais vendidos sempre...
Letícia
16/07/2004 13:04 - O primeiro que li, Reunião de Família e também O Rio do Meio
Marta 21/07/2004 12:43 Adoro todos os livros dela. Bah o mais marcante para mim com
certeza foi o quarto fechado que tem a ilha da morte na capa... Foi uma
surpresa para mim....
DRIKA
23/07/2004 09:35 Estou lendo o terceiro livro dela agora, e por enquanto acho o
Perdas e Ganhos o mais especial!!!
Mary 26/07/2004 09:55 Histórias do Tempo Acho-o maravilhoso!
BaBi 28/07/2004 11:23 todos.. mas em especial Quarto Fechado e A Asa Esquerda do Anjo...
Mas todos os seus livros foram muito significativos pra mim...
Em outra comunidade, o tópico trechos essenciais teve a maior participação, com 60
postagens, alguns deles citados a seguir:
Rita
- 17/12/06 - Mar de Dentro Nunca mais foi como aquele o cheiro de lençóis limpos
nem o aroma das comidas, a música das vozes amadas e o crepitar das
lareiras, nunca mais a mesma sensação de acolhimento, nunca mais pertencer
a nada com tamanha certeza."
Pedro Paulo
- 20/12/06 - Na juventude somos aprendizes, somos amadores na vida.
Na maturidade devíamos ser bons profissionais do viver: lúcidos e ainda
otimista, mais serenos, de uma beleza diferente, produtivos e competentes.
(Perdas & Ganhos)
104
Elinaldo 23/12/06 - De "Perdas e Ganhos” “... a vida não tece apenas uma teia de perdas,
mas nos proporciona uma sucessão de ganhos. O equilíbrio da balança
depende muito do que soubermos e quisermos enxergar."
Amanda
- 25/12/06 - O tempo me ensinou a nao acreditar demais na morte, nem desistir da
vida: cultivo alegrias num jardim onde estamos eu, os sonhos idos, os velhos
amores e seus segredos. E a esperanca_que rebrilha como pedrinhas de cor
entre as raizes.
Por vezes o espaço interativo serve para outros assuntos que não aquele
sugerido, como alguém solicitar ajuda para encontrar um livro da escritora, como fez Soraya
,
em 16/07/2005, que procurava o livro O lado fatal para fazer uma homenagem à mãe já
falecida. Na comunidade “Adoro os artigos da Lya Luft”, de 300 membros uma pergunta:
Você é do tipo que não pode ver uma revista Veja na frente que vai logo procurando ler
algum artigo da Lya Luft? Ou quando está lá no consultório esperando pra ser atendido e
pega uma revista veeeeeeelha....” No fórum de debates da página, um dos tópicos com mais
postagens perguntava “qual artigo você mais gostou?”
Maria Lucia
– 06/05/2005 – Vale o último? Sei lá... Tão difícil responder, né? Eu gostei das
baleias, dos mitos e dos tantos mais que estão nos livros dela, como aquele no
“Pensar é transgredir” que se chama “Canção aos homens”! É lindo e
quebra um pouco daqueles “mitos” que fazemos dos homens, que eles não
podem chorar, receber colo ou cuidar dos filhos... Acho lindo...Mas ela é tão
maravilhosa que é difícil eleger um só, né??? VC leu “Histórias de uma bruxa
boa?” É sensacional!!
Lynnete
– 13/07/2005 – Concordo com a colega. Adoro os artigos dela. Principalmente pelo
sentimento e a visão que trangride um pouco a realidade. O que mais me
marcou também foi o artigo das Baleias. Já li vários, mas esse em especial me
chamou a atenção.
105
Paula – 13/12/2005 – Adoro a forma como a Lya Luft escreve. É incrível a forma com que ela
consegue se expressar e alcançar os nossos sentimentos. O artigo dela que
mais me marcou, foi o que ela escreve p/ Veja no Dia dos Pais de 2004. Foi
mágico a maneira com que ela me fez ver uma série de coisas que até então
sequer tinha pousado em meu pensamento.
Suzana
– 26/03/2006 – eu amei o artigo A FORÇA DAS PALAVRAS eu coleciono os artigos
da LYA são simplesmente maravilhosos...
E não poderia deixar de registrar algumas opiniões do tópico sobre “o que achou do
livro Perdas e Ganhos”, um dos objetos desta pesquisa:
Carla Valéria - 8 jan - Adorei. Li num momento importante da minha vida, descobri que nao
estava sozinha.... toda mulher deveria se dar esse presente
Antonio Isuperio 10 jan - Acredito ser um visão sensata da vida. Sem grandes dramas nem
ilusões.
Lilian 10 jan - Não só lí, como tbm dou sempre de presente. Volta e meia quando passo por
alguma fase complicada, dou uma lidinha em alguns pontos
Itamir
- 12 jan - Eu li sim! A Lya Luft é uma daquelas escritoras que possuem uma
sensibilidade muito ativada. E o legal é que ela passa essa sensibilidade para
os textos que escreve. Muito bom mesmo. Também recomendo Pensar é
Transgredir e O Rio do Meio. Abraços!!!
†|ågø
- 11 fev - Eu li hoje (comecei pela manhã e terminei à tarde). Isso que me fez entrar
aqui como membro da comunidade agora. Muito bom o livro, como tudo o que
ela escreve. Não que eu concorde com 100% do que ela fala, mas esse não é o
objetivo. Ela é ótima, tem idéias excelentes, prende o leitor em cada artigo,
crônica ou livro. Até queria tomar um suco com ela qualquer hora dessas...
Será que rola? ;) Só pra dar um abraço... :D
Marli Cleice
- 12 fev - li e reli... Sabe aquele livro q vc engole todo de uma vez como um
copo d¨água num dia quente e vc está com aquela sede... depois reli
106
devagarinho como q degustando cada palavra, cada vírgula... cada
sentimento. Recomendo
Shirley
- 25 fev - Li, reli, leria e releria mil vezes.... Amei este livro, mas tem outros dois
maravilhosos tb: ´Pensar é transgredir e O rio do meio...Vale a pena!!!
Mesmo que, pela própria virtualidade do mundo cibernético, algumas sejam
fugazes, as comunidades do Orkut, têm alcance imensurável junto ao público. E são um
exemplo peculiar do modus vivendi e do pensamento dos jovens do início do século XXI.
Pelo exposto acima, tem-se uma noção de como o leitor de Lya Luft, especialmente o mais
jovem, recebe seus escritos, tanto realçando os aspectos positivos quanto os negativos.
Constata-se também que além da troca de idéias e até de ofensas, a interatividade das
comunidades abrigadas sob a internet permite aos participantes conhecer outras obras de Lya
Luft, além das publicadas recentemente. E embora a escritora diga que não se importa com as
opiniões favoráveis ou desfavoráveis, é um considerável espaço de divulgação de seus
escritos e publicações.
CONCLUIR É PRECISO
Após a análise da produção e dos estudos sobre os livros de Lya Luft, constatei
que sua obra é elíptica e circular, como a própria autora a denomina. Há uma constante
retomada de temas, de personagens e de situações que tratam sempre de angústias humanas,
de perplexidades, e de absurdos e de acertos da condição humana. A morte apresenta-se como
saída para prisões subjetivas e objetivas do universo familiar doentio e caótico na fase de
romances da escritora, como Reunião de Família. E também assertivas de otimismo, de bem
viver a vida, de resgate dos afetos, num sopro a la carpe diem – aproveite o seu dia -, nas
publicações dos últimos dez anos, a partir de O rio do meio. E quando se chega às crônicas na
revista Veja observa-se uma opção política conservadora, de defesa da manutenção do status
quo, especialmente a partir de meados de 2005. Na revista e nos textos de Pensar é
Transgredir, também, se observa algumas transposições explícitas de palavras e coisas já
escritas em Matéria do Cotidiano, obra nem citada quando a autora fala do início do seu
ofício literário.
Ao mesmo tempo, verifica-se na trajetória da escritora a experiência do limite,
ou seja, que ela inaugurou e fez sucesso com uma obra que navega por mares nunca antes
navegados, ao mesmo tempo em que passeia em fronteiras já conhecidas. Os textos suscitam
problemas de classificação, pois de difícil enquadramento nos cânones literários geralmente
valorizados pela crítica e os estudiosos da literatura. Por tudo isso considero que a obra
recente de Lya Luft tem que ser analisada à luz dos valores vigentes ou inexistentes na
sociedade contemporânea. Um tempo de ascensões e quedas rápidas, de consumo, de objetos
descartáveis, de transformações tecnológicas e de mudanças na própria definição de
relacionamento humano/amoroso.
108
E apesar dos críticos e além das controvérsias, o público reconheceu a obra,
confirmando o que disse Eagleton, de que é literatura aquilo que o leitor considera como tal.
Nesse sentido, o leitor consagra – vide o número de livros vendidos – esta fase insondável de
Lya Luft.. Se a Academia prestigiou os romances dos anos 1980, o grande público consagrou-
a após a publicação de Perdas & Ganhos e Pensar é Transgredir. O público de agora, dos
anos 2000, considera estes livros como literatura. Este público de Lya não está interessado em
rótulos, gêneros, alta ou baixa literatura. Está interessado naquilo que a escritora sabe melhor
oferecer: o prazer do texto. Como já anunciava Barthes.
E voltando a Eagleton, para quem, ´valor` é um termo transitivo: significa
tudo aquilo que é considerado como valioso por certas pessoas em situações específicas, Lya
sobreviveu e sobrevive a todos os rótulos que se estilhaçam quando aplicados a sua recente
produção e ao seu sucesso. Para além dos rótulos como crônica, ensaio, auto-ajuda ou
autobiografia, a consagração da escritora é evidente. Quando Lya estava na Academia era
desconhecida pelo grande público e agora que é best seller, ou seja, agradou, se consagrou
junto aos leitores, ainda não foi estudada sob este aspecto na Academia: eis um dos motivos
deste trabalho. Perspectiva também defendida por Silviano Santiago quando diz em Nas
malhas da letra que é preciso conseguir vencer inteiramente a inércia dos preconceitos
falsamente acadêmicos.
Sua recente produção não funciona como máscara para a escritora, mas como
espelho que reflete suas próprias angústias. E ela mostra sua face e diz o que pensa, quer
agrade ou não. Nestes livros não existe mais narrador, é a escritora Lya Luft que fala, e não
um ser de papel! Corrobora uma idéia de Regina Zilbermann, quando afirma que “sua
singularidade se patenteia por dar voz à artista, e não às personagens inventadas por ela”. A
realidade do cotidiano, das relações humanas, da convivência entre as pessoas, tal como ela as
percebe, é o material da sua criação literária. É a sua experiência como mãe, mulher,
profissional, de viver a vida. Talvez essa audácia, de se expor tão amplamente, seja o que
109
causa atração e repulsa. O público deseja (re)conhecer a escritora em seus livros, já para parte
dos intelectuais isso é inadmissível. Barthes, por exemplo, decretou a morte do autor, e de que
o autor deve desaparecer atrás do texto. Mas os livros de Lya mostram, conforme entende a
psicanálise, que estamos sempre falando de nós mesmos, inclusive a escritora Lya Luft, que
nas obras recentes não se intimida em fazê-lo. Mostrar-se humana, com defeitos e qualidades,
parece fascinar os leitores em busca de referências num mundo conturbado. A despeito de
tecnologias e outras inovações, as profundas mudanças de comportamento e na forma dos
relacionamentos amorosos, o “vire-se” difundido pelo neoliberalismo, faz com que pessoas
sintam-se “sem pai nem mãe” para lidar com sua vida. E Lya Luft com seus textos, assim
como grandes obras da literatura, vem trazer o componente “humano” que parece ser preciso
resgatar nas pessoas. E o faz com simplicidade, profundidade e transparência. Os leitores
destes últimos livros, pelo que se constata nas comunidades do Orkut, foram também em
busca dos romances anteriores da escritora, e lá encontram a mesma Lya, porém, se
expressando de forma diferente. Os escritos demonstram que suas preocupações
fundamentais, entremeadas a seu estilo inconfundível, não se diferenciam por gêneros nem
por épocas. São sempre a mesma personalidade literária e os mesmos motivos recorrentes que
estão em jogo. A repetição, a associação de idéias é outro componente psicanalítico que pode
ser referenciado aqui.
Retornando ao que dissemos: a autora mudou a forma de abordar os temas,
não os temas, não os textos. Lya confirma isto ao afirmar que sua obra é cíclica e circular, o
que já foi apontado por resenhistas como Gustavo Bernardo: a obra de Lya Luft como espelho
de suas vivências. Talvez o que explique o estrondoso sucesso é que o leitor se veja refletido
fielmente nas palavras de Lya, fechando um ciclo/círculo de espelhamentos: vivência da
autora » obra » leitor » vivência da autora. O espelho como mediador, que serve não para
refletir frívolas vaidades, mas que possibilita novas indagações, ou o rompimento com
imagens que não servem mais. Lya reconhece os sentimentos humanos, os “feios” e os
110
“bonitos”, e por outro lado, quer também ser reconhecida, como se verifica nas entrelinhas em
várias declarações. Ou seja, é o ame-me presente em toda a escritura, tanto para quem escreve
como para quem lê. É como no mito de Narciso, aquele que se vê espelhado na água e
apaixona-se pela imagem, um dos principais fundamentos da psicanálise, mas o ultrapassa,
pois os questionamentos se aprofundam, vão além da imagem refletida no primeiro momento.
Assim, retomando a idéia de Zilbermann, constata-se que a partir de Perdas &
Ganhos e Pensar é transgredir e as crônicas da Veja, é a artista, a escritora Lya Luf quem fala
e não seus personagens e narradores, e ela mostra sua cara e externa suas opiniões. Adota uma
atitude narradora que apreende sensorialmente e descreve o apreendido. A classificação do
resenhista de Veja denominando de ensaísmo moral os textos, só aponta para o
estilhaçamento dos rótulos antigos, de qualquer rótulo. No estilhaçamento dos rótulos e dos
gêneros, uns apontam os escritos como auto-ajuda, outros ensaísmo moral e há os que
consideram os textos relatos confessionais. No formato podem ser considerados como
crônicas, o tipo de texto dos que mais se abrasileiraram, no estilo, na língua, nos assuntos, na
técnica, ganhando proporções inéditas na literatura brasileira. Como bem observou Afrânio
Coutinho, a crônica, pelo desenvolvimento, categoria artística e popularidade, é hoje uma
forma literária de requintado valor estético, um gênero específico e autônomo.
Pode-se inferir aqui que nos textos da revista Veja, está em evidência a Lya
racional, adaptada aos valores burgueses em que foi educada e, neste sentido, seus escritos são
ensaios morais, textos de formação, filtrados pelo superego que diz o que é adequado. Com a
maturidade talvez isso tenha se acentuado nos últimos anos, tanto que ficaram para trás os
romances que retratavam o grotesco, o absurdo, a tragédia da condição humana. Nesse sentido
é significativo constatar o nome de um dos livros recentes que é Pensar é transgredir, e não
Pensar e transgredir. Nos textos em que fala de sentimentos, afetividade, tal como no livro
Perdas & Ganhos, transparecem aspectos geralmente considerados da vida privada, íntimos,
em que, sob o bom senso, tudo pode ser falado. Ambigüidades, contradições, humanidades.
111
Procura reconciliar, combinar os opostos, nisso que se tornou um grande tema da cultura
contemporânea. Mas tudo dentro da “normalidade”.
Por fim, de tanto se defender e se explicar, a própria Lya chega a uma definição
que nos parece bastante apropriada para este momento: “O escritor fala pelos outros. Trabalha
para que os outros sonhem ou enxerguem melhor coisas que nem ele próprio adivinha – estão
além de sua visão, mas dentro do seu pressentimento. Talvez seja essa a função de toda a arte
(se é que ela tem alguma): a libertação e o crescimento de quem a exerce e de quem a vai
contemplar. Nessa medida a pessoa do escritor é desimportante: valem os questionamentos
que faz, e a forma com que elabora em textos a nossa essencial contradição – matéria viva de
sua contemplação e arte”. (2004, p. 181). Ao assumir a condição de profissional das letras,
uma escritora sem temor do sucesso e tudo o que ele acarreta, Lya Luft percebe que quando
se perde também se ganha. Ou seja, teve perdas enquanto qualificação de sua obra dentro do
cânone literário, mas teve ganhos enquanto visibilidade pessoal e retorno financeiro.
Lya Luft dialoga consigo mesma e com seu leitor, domina a arte da palavra, o
jogo de montar do texto, e recheá-lo com vida e alma, tal como outros grandes escritores que
a precederam e inscreveram seus nomes na história da literatura. Assim, atingindo o leitor que
lê pelo prazer de ler, que se reconhece no que está escrito, Lya Luft grava seu nome entre os
prediletos do público e dos mais conceituados de seu tempo, um tempo de rápidas
transformações de valores e de modos de vida. Suas palavras tornam significativo, dão sentido
a este mundo que aí está. O sentido é um efeito experimentado pelo leitor, uma expectativa
que se completa em função do que já leu antes e do que encontra na leitura.
O teólogo Leonardo Boff, em artigo recente em que observa que “a própria
ciência superou sua posição reducionista” diz que “o grande desafio atual é conferir
centralidade ao que é mais ancestral na humanidade, o afeto e a sensibilidade”.
72
Por essas e
outras questões minha pesquisa percorreu tal trajeto, tentando conciliar noções teóricas ainda
72
Resgatar o coração. Diário Catarinense, 05/08/2007, p. 22
112
em construção com a perspectiva da pessoalidade presente sempre nas escolhas dos humanos,
mesmo quando baseados em argumentos ditos puramente científicos. Para além das
convenções sociais e dos códigos literários, tal como apontado por Lya nesta fase de sua
escrita, eu tentei.
Lya atinge a essência do ser humano: é o ser humano a matéria-prima de sua
escritura. É um ser humano-leitor que vê o rosto de quem escreve, critica, argumenta,
aconselha, interroga, debate, erra e acerta. A espessura e essência de sua escritura é de ser
humano para ser humano e nelas Lya sussurra sonhos, temas, lemas, numa escritura simples,
original, nem um pouco preocupada com rótulos e críticas. Uma escritura que oferece prazer
na leitura, resgatando o leitor adormecido. Que como ela, muitas vezes sofreu, perdeu e
também ganhou. E também aquele leitor, cada vez mais comum nas grandes cidades, tão
isolado e solitário que já demanda serviços específicos e inimagináveis em outros tempos, tal
como o personal friend, um acompanhante pago para ir junto ao cinema, ao teatro, para
conversar no bar, etc. Que busca alguém para conversar pois já não tem amigos reais, só
virtuais. Com sua conversa ao pé do ouvido, como a própria Lya diz, ela seduz e aconchega
em seus braços, tal como as vovós em sua cadeira de balanço, encarnando a sabedoria, a
bondade e o consolo do mundo, a contar histórias e embalar imaginação e sonhos de gente
grande. Mas que ainda porta em si coisa de crianças, como afetos genuínos, autenticidade,
alegria e a capacidade de rir. Até de si mesmo!
REFERÊNCIAS
Bibliografia da autora:
LUFT, Lya. A asa esquerda do anjo. 3ª. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1981.
LUFT, Lya. A sentinela. 3ª ed., São Paulo: Siciliano, 1994.
LUFT, Lya. As parceiras. 4ª. ed., Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980.
LUFT, Lya. Canções de Limiar. Porto Alegre: IEL/RS, 1962.
LUFT, Lya. Em outras palavras. Rio de Janeiro: Record, 2006.
LUFT, Lya. Exílio. Rio de Janeiro: Rocco, 1988.
LUFT. Lya. Flauta Doce. Porto Alegre: Sulina, 1978.
LUFT, Lya. Histórias da bruxa boa. Rio de Janeiro: Record, 2005.
LUFT, Lya. História do tempo. 3ª. ed., São Paulo: Mandarim, 2001.
LUFT, Lya. Mar de dentro. Rio de Janeiro: Record, 2002
LUFT, Lya. Matéria do Cotidiano. Porto Alegre: IEL, 1975.
LUFT, Lya. Mulher no palco. São Paulo: Siciliano, 1984
LUFT, Lya. O lado fatal. Rio de Janeiro: Rocco, 1989.
LUFT, Lya. O ponto cego. São Paulo: Mandarim, 1999.
LUFT, Lya. O quarto fechado. São Paulo: Siciliano, 1984.
LUFT, Lya. O rio do meio. Rio de Janeiro: Record, 2004. 15
a
ed
LUFT, Lya. Para não dizer adeus. Rio de Janeiro: Record, 2005
LUFT, Lya. Pensar é transgredir. Rio de Janeiro: Record, 2004.
LUFT, Lya. Perdas e Ganhos. Rio de Janeiro: Record, 2005. 29
a
ed
LUFT, Lya. Reunião de Família. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1982.
LUFT, Lya. Secreta Mirada. 5ª. ed., São Paulo: Mandarim, 1997.
114
Crônicas de Lya Luft na seção Ponto de Vista da Revista Veja, citadas no
trabalho, por ordem alfabética de título
:
A conquista da velhice. 12/06/06
A revolução da decência. 13/07/05
A volta da família careta. 06/06/07
As elites e o povão. 25/01/2006
Baleias não me emocionam. 25/08/04
Bondades e Obrigações. 19/04/06
Brasil, mostra a sua (outra) cara. 17/11/04
Bruxas e fadas existem. 20/10/04
Caio, amado amigo. 08/03/06
Cansei desse assunto 05/10/05
Coisas importantes. 02/11/05
Deixemos Daiane viver. 08/09/04
Descendo a lomba. 09/08/06
É hora de agir. 27/07/05
Está em nossas mãos. 18/10/06
Eu vou ser contra. 19/10/05
Falta alegria em nossas vidas. 28/07/04
Família: como fazer? 03/11/04
Faxina nos mitos I e II. 20/04 e 04/05/05
Homem mulheres ou pessoa? 06/09/06
Inevitáveis transições. 13/12/06
No denso nevoeiro. 20/09/06
Nós, os Picassos. 02/06/04
Notas sobre cinema. 09/03/2005
115
O feio vício da inveja. 1º./06/05
Onde está nossa essência? 22/09/04
Os imutáveis sentimentos. 07/04/04
Os meninos do tráfico. 5/04/06
O Pecado da intolerância. 15/12/04
Para honrar um pai. 11/08/04
Para onde estamos indo? 22/03/06
Perfil de um líder. 04/10/06
Pessoal e intransferível. 12/01/05
Por que não aprecio a política. 15/06/05
Por um pouco de limites. 14/06/06
Quando o homem é uma ilha. 1º./12/04
Quero a pena de morte. 15/06/05
Sem ritmo nem afinação. 29/11/06
Uma afirmação dura. 28/04/04
Uma páscoa particular. 06/04/05
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de Lya Luft a Márcio Vassallo, para o Caderno 2, do jornal O ESTADO DE SÃO PAULO.
http://www.bmsr.com.br/diario/materias.asp, acessado em outubro de 2006.
www.cchla.ufba.br/leituranapb/pdf/Travessia maio2006%50pdf. Acessado em 16.10.2006
www.disgestivocultural.com/colunistas/coluna.asp?codigo=1812
http://www.editpresenca.pt/imprensa_detalhe.asp?id=183&pagina=, acessado em outubro de
2006.
http://www.releituras.com/lyaluft_bio_imp.asp
121
http://www.terra.com.br/istoegente/198/diversao_arte/livros_perdas_ganhos.htm, acessado em
outubro de 2006.
http://www.webinsider.com.br/vernoticia.php?id=1841, publicado em18/08/2003 e acessado
em 11/06/2006.
122
ANEXOS
123
.
ANEXO A
Declarações de Lya Luft na entrevista coletiva concedida em Florianópolis,
em 23/05/2007
:
Mar de Dentro: “È o meu único livro confessional, escrevi por prazer; os outros são ficção”.
Influências literárias
: “A influência tem a ver com a fase, mas poderia citar como principais
três escritores: Mário Quintana, Cecília Meirelles e Raike Maria Rilke,
que fazem parte da minha formação. Depois a gente tenta se livrar para
formar seu próprio estilo. Tudo nos influencia em qualquer profissão;
O amadurecimento vem de descobrir o seu modo de fazer. Acho que
não é grande a influência da cultura alemã nos meus livros.”
Perdas e Ganhos
: “Foi um fenômeno que não entendo, pois tem irmão mais velho, O Rio do
meio. Pode ser “Ensaio moral” que discorre sobre um certo assunto, em
temas que são meus personagens desde sempre: a passagem do tempo,
vida, família. Agradou em culturas diversas, até em países como Coréia,
Finlândia e na Europa. Descobri que há uma globalização das emoções
humanas, no fundo o mundo não é tão diferente. Mas os Ocidentais vivem
mudanças muito rápidas, transformação das relações. É um livro de
questionamentos, não de receitas. Ninguém estava preparado para o
sucesso – pegou um público maior do que meus romances.”.
Novo livro
: “Estou escrevendo sobre as incomunicabilidades. Os amantes não só das relações
amorosas, mas também na família. Todos querem saber o sentido da vida, e os
jovens também tem perdas, é uma ilusão de que é só bom na juventude. Há
várias ameaças, como a falta de mercado de trabalho – e como se afirmar num
mundo cruel.”.
Panorama atual da literatura
: “Literatura está sendo confundida com autobiografia, é um
pouco nebuloso. De momento há uma tentativa de escrachar
124
mais as coisas... A confessional é um modelo, a auto-ajuda é
um tipo, todas convivem. É literatura mas não é arte”.
Conservadorismo na Veja
: “Não sou conservadora, sou severa com algumas coisas. Certas
coisas são um escracho, acho que estamos perdendo as
referências. A vida é uma coisa séria. Sou a mesma pessoa na
Veja e nos livros. Só tenho duas obrigações com a revista: fazer o
texto dentro do espaço definido e entregar até terça-feira. No mais
sou livre para escrever.”
Máximas:
“Sou individualista. Temos muitas escolhas a fazer, somos muito queixosos, temos
que pagar o preço das escolhas e não se lamentar. Encarar a vida como
transformação até o último suspiro; estamos recriando mitos, arquétipos. Nem tudo
deve ser visto de modo negativo.”
125
ANEXO B
Capa dos livros de Lya Luft mais referenciados ao longo do trabalho
ANEXO C
Reportagens sobre Lya Luft na revista Veja, seguida de cartas dos leitores a
respeito da matéria;
ANEXO D
Carta ao Leitor da Veja anunciando coluna fixa de Lya Luft na revista;
ANEXO E
Classificação dos livros mais vendidos da semana
ANEXO F
Algumas crônicas de Lya Luft na Veja, em ordem alfabética, parte delas
seguida de cartas dos leitores
;
ANEXO G
Exemplos de comunidades virtuais sobre Lya Luft criadas no Orkut, sítio de
relacionamento da internet
.
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
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Baixar livros de Geografia
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Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo