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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEA
ADRIANA MADJA DOS SANTOS FEITOSA
ESCOLA PRIMÁRIA NA PROVÍNCIA DO CEARÁ:
organização e formação docente
FORTALEZA - CEA
2008
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ADRIANA MADJA DOS SANTOS FEITOSA
ESCOLA PRIMÁRIA NA PROVÍNCIA DO CEARÁ:
organização e formação docente
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Educação do Centro de Educação da
Universidade Estadual do Ceará como requisito
parcial à obtenção do título de mestre em Educação.
Orientadora: Prof.ª Dr.ª Sofia Lerche Vieira
FORTALEZA - CEA
2008
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F311e Feitosa, Adriana Madja dos Santos
Escola primária na província do Ceará: organização e
formação docente/ Adriana Madja dos Santos Feitosa.
Fortaleza, 2008.
197p. ; il.
Orientadora: Profa. Dra. Sofia Lerche Vieira.
Dissertação (Mestrado Acadêmico em Educação)
Universidade Estadual do Ceará, Centro de Educação.
1. Escola primária história - Ceará. 2. Currículo. 3.
Formação docente I. Universidade Estadual do Ceará,
Centro de Educação.
CDD: 370.92
ADRIANA MADJA DOS SANTOS FEITOSA
ESCOLA PRIMÁRIA NA PROVÍNCIA DO CEARÁ:
organização e formação docente
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Educação do Centro de Educação da
Universidade Estadual do Ceará como requisito
parcial à obtenção do título de mestre em Educação.
Aprovada em:___/___/___
BANCA EXAMINADORA
____________________________________
Prof.ª Dr.ª Sofia Lerche Vieira
Orientadora - UECE
________________________________
Prof.ª Dr.ª Isabel Maria Sabino de Farias
Examinadora interna UECE
________________________________
Prof. Dr. Idevaldo da Silva Bodião
Examinador externo UFC
Para
Guilherme e Morais Junior, meus amores;
e
José Maria e Ivoneide,
meus pais,
pelo amor e confiança
essenciais
à trajetória.
AGRADECIMENTOS
À professora Dra. Sofia Lerche Vieira, orientadora desta pesquisa, que desde minha
graduação em Pedagogia, vem participando, com sensibilidade e rigor, de minha trajetória
intelectual e profissional.
Aos professores do Mestrado Acadêmico em Educação da UECE, Marcília Barreto, Germano
Magalhães, Isabel Sabino, Glaúcia Albuquerque, Ana Ignez Belém, João Bastista, JoÁlbio
Moreira e Eloísa Vidal, pelas intervenções (re) constrões teóricas e metodológicas.
À Dianaídes Fernandes pelo coleguismo no convívio no Curso.
Aos pesquisadores André Frota de Oliveira e Jo Joaquim Neto Cisne e Paulo Roberto
Oliveira Marques, pelas contribuições lúcidas e competentes.
Às amigas Margarete Sampaio, Zilmar Queiroz e Luisa Xavier, pelas contribuições e apoio.
Aos sempre professores e amigos, Idevaldo da Silva Bodião, Maria de Lourdes Brandão e Rui
Martinho.
Aos familiares, principalmente, irmãos, Fabiana, Alessandro, Leiliana e sobrinha, Natália, à
minha sogra, Aneci, e cunhadas Íris Jeannita e Marilângela pelo incentivo e confiança.
A Araci Cavalcante e Morais Junior, que contribuíram efetivamente com este trabalho.
Ao Instituto Histórico e ao Arquivo Público e ao Núcleo de Estudos, Documentação e
Difusão em Educação (NEED), que disponibilizaram os acervos, destacando-se o empenho de
funcionários, como Cinthia Maria Marcos Ramos e Júnior Beviláqua (Instituto Histórico) e às
bolsistas Maria do Socorro Bezerra e Monalisa Tatiana de Almeida Barros (NEED), que
facilitaram as buscas e organização dos documentos históricos.
À Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FUNCAP) e à
Secretaria da Educação do Ceará (SEDUC), instituições que contribram concretamente com
recursos e tempo, essenciais a este trabalho.
RESUMO
Este é um estudo sobre currículo primário e formação docente. A investigação procura
compreender a organização do ensino e a preparação docente no período, correspondente à
segunda fase do Estado imperial brasileiro. A questão norteadora busca compreender as
formas de organização do ensino primário, no Ceará dos anos oitocentos, e seus vínculos com
os processos formativos dos professores. O trabalho recorre ao suporte teórico e metodológico
da História Nova e do currículo fundamentado na abordagem crítica como referência à análise
de documentos. Nesta pesquisa, foram selecionadas as seguintes fontes primárias: leis
educacionais, relatórios provinciais, ocios de professores, artigos jornasticos, junto aos
acervos do Arquivo Público do Estado Ceará, Biblioteca Menezes Pimentel e Instituto
Histórico do Ceará e Núcleo de Estudos, Documentação e Difusão em Educação da
Universidade Estadual do Ceará. De modo geral, é possível afirmar que, na segunda metade
do século XIX, são observadas poucas inovações nos programas escolares primários
cearenses em relação às escolas de primeiras letras. A análise dos documentos indica que nas
aulas primárias elementares predominam os conhecimentos de leitura, escrita, arittica e
religião. É possível identificar estudos mais avançados de Gramática e das matérias de
Geografia e Hisria Sagrada, na Aula Secundária de Fortaleza e em algumas aulas da capital
e do interior da província. Na organização do ensino primário, são aplicados os Métodos
Mútuo e o Simulneo, que privilegiam a organização dos alunos em classes por nível de
conhecimentos. É legítimo afirmar, a partir do exame dos documentos escolares, que os
vínculos entre o ensino e modelo prático de preparação do professor estão nos conhecimentos
exigidos e nos espaços escolares primários para a habilitação dos professores primários do
período.
PALAVRAS-CHAVE: História da escola primária cearense; currículo; formação docente.
ABSTRACT
This is a study about primary school curriculum and the professional development of teachers.
The investigation sought to understand the organization of teaching and the preparation of
teaching staff, which corresponds to the second phase of the Brazilian Imperial State. The
guiding question was to understand the organizational forms of primary education in Ceará in
the 1880‟s and their links to the processes of the professional development of teachers. The
paper refers to the theoretical and methodological support of the New History and to a
curriculum based on the critical approach as a reference to the analysis of documents. In this
study, the following primary sources were selected: educational laws, provincial reports,
teacher records, news articles, together with the holdings of the Public Archive of the State of
Ceará, the Menezes Pimental Library and Historical Institute of Ceará and the Center of
Studies, Documentation and Diffusion in Education of the State University of Ceará. In
general, it is possible to affirm that in the second half of the XIX century, few innovations are
observed in primary school programs in Ceará, related to the schools of early learning. The
analysis of the documents indicates that in primary school classes, knowledge about reading,
writing, math and religion is predominant. It is possible to identify more advanced studies on
grammar and the subjects of geography and sacred history in the “Aula Secundária de
Fortaleza” (a model program) and in some classes in the capital city as well as in the
countryside of the province. In the organization of primary education, the Mutual and
Simultaneous methods are applied, which allow for the organization of students in classes by
level of knowledge. One can affirm, from the examination of the school documents that the
links between teaching and the practical model of teacher preparation are in the knowledge of
the required subjects and in the context of the primary school where teachers of the period
were trained.
KEY WORDS: History of the Primary School in Ceará; curriculum; professional
development of teachers.
LISTA DE ABREVIATURAS
arithm
Aritmética
Art.
Artigo
conhecim.
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Conhecimentos
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Regularidade
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Suplicante
V. M.
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Senhora
V. S.
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Vossa Senhoria
V.Exª
Vossa Excelência
V.Exc.
Vossa Excelência
LISTA DE SIGLAS
Arquivo Público do Estado do Ceará
Biblioteca Menezes Pimentel
Grupo de Pesquisa Política Educacional Docência e Memória
Instituto Hisrico do Ceará
Núcleo de Estudos, Documentação e Difusão em Educação da
Universidade Estadual do Ceará
Universidade Estadual do Ceará
LISTA DE FIGURAS
Figura 1
Aspectos constituintes da concepção do currículo como práxis de
Sacristán (1998; 2000).
37
Figura 2
Características da Estrutura Curricular elaboradas por Sacristán
(1998, 2000)
51
Figura 3
Fases da estrutura curricular - Elaborado a partir de Sacristán (2000).
52
LISTA DE IMAGENS
Imagem 1
Prova de Escrita Aluna: Guilhermina de Araújo-1868
103
Imagem 2
Prova de Escrita Aluna: Maria Dulcinéia Carvalho-1868
104
Imagem 3
Retrato do professor primário Joaquim Guilhermino da Costa Cysne -
1881-1882
112
Imagem 4
Compêndio Elementar de Geografia Geral e Especial do Brasil 1869
123
Imagem 5
Prédio público da Escola de Ensino Mútuo de Fortaleza
145
Imagem 6
Termo de Exame da Professora D. Angelina Correia Lima-1874
154
LISTA DE QUADROS
Quadro I
Legislação educacional nacional (1824-1874)
45
Quadro II
Legislação educacional local (1849-1874)
45
Quadro III
Documentos
46
Quadro IV
Ofícios dos professores por localidade
47
Quadro V
Ofícios dos professores por sexo
48
Quadro VI
Material de ensino
48
Quadro VII
Provas escritas
49
Quadro VIII
Jornais
49
Quadro IX
Aspectos da avaliação dos alunos primários
67
Quadro X
Programa do exame de capacidade profissional
70
Quadro XI
Gratificação anual dos professores adjuntos
71
Quadro XII
Dados dos exames anuais 1874-1884
79
Quadro XIII
Livros-textos de escolas públicas primárias -1865
98
Quadro XIV
Programas de provas de Leitura, Escrita e Gramática
105
Quadro XV
Matérias das Ciências Exatas nas leis educacionais
116
Quadro XVI
Programa teórico-prático para as provas de Aritmética
117
Quadro XVII
Classificação das escolas primárias por categoria/gênero
129
Quadro XVIII
Programa curricular das escolas elementares femininas e masculinas
131
Quadro XIX
Inventário da escola de segundo Grau primária - 1870
137
Quadro XX
Grau de instrução do aluno José Bastos Lima
157
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO....................................................................................................................
15
1 OS PERCURSOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS DA INVESTIGAÇÃO ...........
21
1.1 A História Nova: abordagem teórico-metodológica para investigação.....................
22
1.2 Currículo: um campo de análise da instrução primária e da formação docente.....
28
1.2.1 Orientação teórico-crítica..............................................................................................
31
1.2.2 Currículo: concepções e práticas..................................................................................
35
1.2.3 Organização curricular e formação docente: construções histórico-sociais...............
38
1.3 Procedimentos Metodológicos......................................................................................
44
1.3.1 A estrutura curricular e os documentos para reconstrução do ensino e da formação
docente...................................................................................................................................
52
2 CONTEXTOS E TEXTOS LEGAIS DA ESCOLA PRIMÁRIA NO CEARÁ
PROVINCIAL ..................................................................................................................
55
2.1 Província cearense no Estado imperial brasileiro: estrutura socioeconômica........
56
2.2 Província cearense no Estado imperial brasileiro: estrutura político-
administrativa.......................................................................................................................
58
2.3 Os textos legais para organização curricular e formação docente............................
62
2.3.1 Reformas da instrução primária da segunda metade do século XIX............................
63
3 ORGANIZAÇÃO CURRICULAR E FORMAÇÃO DOCENTE À LUZ DOS
DOCUMENTOS..................................................................................................................
83
3.1 Currículo primário do século XIX: formação moral, civil e intelectual...................
85
3.2 Programas curriculares primários por meio de materiais e exames........................
94
3.2.1 O ensino da Leitura, da Escrita e da Gramática e os exames de ensino........................
102
3.2.2 Moral, civilidade e religião: filhas da boa ordem..........................................
110
3.2.3 As Ciências Exatas: conhecimentos teóricos e práticos................................................
116
3.2.4 A Geografia e a História do Brasil pelos materiais de ensino.......................................
121
3.2.5 A Prática de ensino: componente do programa curricular primário.............................
124
3.3 Escola provincial cearense: programas e práticas diferenciados.............................
128
3.4 Organização dos conhecimentos: tempos e métodos escolares..................................
141
CONSIDERAÇÕES FINAIS..............................................................................................
160
REFERÊNCIAS ..................................................................................................................
172
ANEXOS................................................................................................................................
180
INTRODUÇÃO
O currículo, em seu conteúdo e nas formas
através das quais se nos apresenta e se
apresenta aos professores e aos alunos, é uma
opção historicamente configurada, que se
sedimentou dentro de uma determinada trama
cultural, política, social e escolar: está
carregado, portanto, de valores e pressupostos
que é preciso decifrar.
SACRISTÁN
Este estudo aborda o currículo primário e da formação docente na província cearense
da segunda metade do século XIX. O seu conteúdo é constituído da análise de documentos de
naturezas distintas (leis, relatórios provinciais, ofícios de professores primários, inventários,
compêndios, provas de alunos e professores) que aproximam o ensino realizado nas aulas
primárias blicas. O interesse que move essa investigação é contribuir para uma melhor
compreensão do ensino primário, suas formas de organização e preparação do professor,
partindo do pressuposto de que esse conhecimento é relevante para a hisria da escola
pública cearense.
O empenho pela compreensão da escola primária cearense, com destaque para a
posição central do campo curricular na análise do ensino e na formação docente, no contexto
do Ceará do século XIX, justifica-se pelos motivos que se seguem.
No contexto nacional, há estudos baseados em relatórios e regulamentos que revelam a
escola de províncias sobre a compreensão dos métodos de ensino, da organização dos
programas escolares e dos procedimentos didáticos da instrução pública, na Parahyba do
Norte (CURY, 2006). , também, estudos sobre a Instrução Pública e formação de
professores, de 1825 a 1852, (VILLELA, 2003), assim como a análise sobre a instrução
16
elementar no século XIX da província de Minas Gerais (FARIAS FILHO, 2003). Vale
mencionar, ainda, a contribuição de Saviani (2006) sobre o debate pedagógico da escola do
século XIX na província paulista.
São escassas, todavia, as pesquisas acerca da escola cearense, sua organização
curricular e formação docente no século XIX. Aqui, vale citar a análise de Olinda (2004)
sobre as práticas pedagógicas vivenciadas entre a segunda metade do século XIX e a primeira
do século XX, objetivando traçar o perfil do professor primário tradicionalista; Moraes (2006)
sobre as políticas de formação do professor no Ceará (1822-1922); e o estudo de Vieira
(2002), que oferece leitura integral da educação cearense, em obra sobre história.
No Brasil, os estudos de currículo analisam a história da disciplina escolar em face da
cultura escolar (PESSANHA; DANIEL; MENEGAZZO, 2003). Destaca-se, no âmbito da
análise histórica, a produção de Souza (2000), sobre o currículo primário, métodos e
programas, a partir da reforma da instrução pública de 1883. Também os estudos de Carneiro
(1998), sobre história das Ciências como disciplina, no Ceará, são referências para a
compreensão das práticas curriculares
1
.
A análise do contexto educacional da segunda metade do século XIX deve-se às
diversas elaborações legais e práticas, que apontam para a organização de ensino com
características próprias na província
2
, explicitada, sobretudo, nas prescrões legais.
Reconhece-se, também, nesse contexto as estruturas iniciais de um sistema de ensino nacional
e local
3
. Assim, o período é rico em propostas e experiências educacionais, nacionais e locais
(FARIA FILHO, 2003; OLINDA, 2004).
Os contextos e textos historicamente distintos de minhas experiências profissionais e
acadêmicas apontam o papel central do currículo para a organização do ambiente escolar, pois
nele, firmam-se as regularizações dos conteúdos, tempos, espaços. As estruturas curriculares
modelam, também, as práticas de ensino, regras e valores pedagógicos e, conseqüentemente,
1
É oportuno registrar as dificuldades de acesso à bibliografia na área, principalmente os escassos estudos de
história curricular, no que diz respeito à organização e gestão do currículo da escola brasileira. O material
encontrado, em sua maioria, centra-se nas disciplinas escolares, decorrentes dos estudos e análise de Goodson
(1995), que marca o estudo da história das disciplinas, na perspectiva da construção social das profissões como
definidora da importância e poder dados a certas disciplinas do currículo.
2
O Ato Adicional de 1834 estabelece a autonomia relativa das províncias, cria as assembléias legislativas e
extingue o Conselho de Estado. Na educação, o caráter descentralizador se traduz no artigo 10 (§2º), que define
a competência legislativa das províncias (de criação e manutenção) da instrução pública primária e secundária.
3
Entende-se que um sistema de ensino em formação século XIX, principalmente na sua segunda metade,
expressando a necessidade de organização da escola de massa e a idéia de organização central para o ensino
(SAVIANI, 2001).
17
as orientações dos modelos formativos do professor. (SACRISTÁN, 1995, 1998, 2000;
GÓMEZ, 1997 e LIMA, 2004).
O esforço de construção e delimitação do objeto, nas perspectivas profissionais e
sociais, ajudou-me na definição da questão norteadora deste estudo: quais as formas de
organização do ensino primário no Ceará dos anos oitocentos e seus vínculos com os
processos formativos dos professores? Essa questão principal interliga-se às seguintes
indagações: Quais são os conteúdos e formas de organização do tempo de aprendizagem,
todos, materiais pedagógicos e exames que caracterizam o ensino da escola primária
cearense oitocentista? Quais são as propostas e ões do Estado Imperial relativas à formação
dos professores da escola primária? Qual a relão entre a organização do ensino da escola
primária oitocentista, na Província do Ceará, e a formação de professores?
Decorrente dessas questões, emerge o objetivo geral:
Compreender as formas de organização do ensino que caracteriza a escola primária
cearense oitocentista, da segunda fase do Estado imperial brasileiro, seus vínculos e
significados em relação à formação dos docentes.
Como desdobramento, são apresentados as seguintes objetivos específicos:
Examinar o contexto potico-administrativo (central e local) da organização do
ensino primário e da formação docente da segunda metade do século XIX;
Caracterizar a escola primária cearense oitocentista considerando os conteúdos
primários, e formas de organização do ensino, como tempo de aprendizagem,
todos de ensino, materiais pedagógicos e exames;
Reconhecer as propostas e ações do Estado imperial relativas à habilitação dos
professores primários.
À vista disso, este estudo tem como tema a organização curricular e a formação
docente do Ceará provincial. O exame da escola cearense oitocentista fundamenta-se, teórica
e metodologicamente, no campo da História e no âmbito do Currículo para a compreensão da
temática proposta.
18
A opção pelo campo histórico é determinada pelo interesse do estudo no passado da
escola cearense. Da ciência histórica, escolhem-se os fundamentos da História Nova e seus
respectivos conceitos de tempo e documentos históricos que introduziram inovações teóricas e
metodológicas na área
4
.
A área curricular constitui a segunda opção teórica desta investigação, pois considera-
se os projetos curriculares como testemunhos visíveis e blicos das poticas educativas de
determinado momento histórico (SACRISTÁN, 1998, 2000; GOODSON, 1995). Seus
conhecimentos são propícios à apreciação de contradições entre as intenções prescritas nos
documentos reguladores da política educacional e as práticas que se manifestam na realidade
escolar (Prescrição/Projeto Educativo e Prática/Ensino).
No exame da organização curricular, a pesquisa orienta-se por fundamentos teóricos
da orientação crítica de Sacristán (1998; 2000); Silva (2005); Lobo (2005); Apple (2006);
Goodson (1995) e Carneiro (1998). Estes autores situam a área curricular na perspectiva de
análise dos processos, superando os estudos tradicionais que examinam esse conhecimento
como produto final e neutro.
A formação inicial dos docentes integra-se à investigação da organização do ensino,
pois entende-se que o projeto educativo curricular impulsiona modelos formativos e
proporciona, pela prática, a reelaboração de experiências profissionais e individuais de
professores e professoras. A ligação entre formão inicial e currículo firma-se, igualmente,
porque, na organização do ensino, é o professor o principal sujeito de aplicação das intenções
propostas no currículo.
Nesse sentido, os estudos curriculares favorecem a compreensão da formação docente
na província do Ceará, pois direcionam algumas práticas para o desenvolvimento profissional
do professor. Nele, encontram-se os pressupostos, valores pedagógicos, filoficos e
psicológicos que delineiam a função de socialização da escola, as formas de organização do
ensino e a prática docente proposta pelos sistemas educacionais das províncias.
Paradoxalmente à amplitude desse campo, o que se observa, na prática escolar do
século XIX e na contemporaneidade, é uma visão restrita de currículo, sobretudo como lista
de conteúdos para composição do programa de ensino. Constata-se, então, que o currículo
4
Neste estudo, a História é a ciência que estuda o homem e suas mudanças. Colaboraram para definição as
leituras da Nova História (LE GOFF, 1992; 2005; REIS, 2000).
19
encontra-se à margem das discussões centrais da escola e, conseqüentemente, dos processos
formativos docentes e suas práticas
5
. Fazem-se necessários, portanto, estudos que valorizem e
apresentem novas perspectivas para esse campo no ambiente educativo e, em especial, da
história da escola primária cearense.
Pode-se dizer, como síntese, que o currículo não manifesta as intenções; nele é (re)
conhecido o cotidiano do ensino. Por isso, as estruturas curriculares são construções que
possibilitam a compreensão possível de momentos da evolução da instituição escolar e da
profissionalização docente.
Os contextos da segunda metade do século XIX são compreendidos a partir dos
estudos de Carvalho (1996), sobre a homogeneidade de ações da elite potica; de Faoro
(1989), acerca do Estado patrimonial brasileiro; de Girão (1953), Sousa (1994) e Vieira
(2002), que examinam a realidade local da província cearense. Essas referências foram
básicas para o entendimento das estruturas socioeconômicas e poticas do Estado imperial
brasileiro e do contexto da província cearense e suas influências sobre a organização potico-
administrativa da escola primária do período.
Para a reconstrução da organização do ensino e dos processos formativos dos
professores primários, da segunda metade do século XIX, os documentos escritos foram
eleitos como fontes, pois os seus conteúdos indicam vestígios das práticas sociais e culturais
dessa escola.
Considerando os limites para a reconstrução das práticas curriculares no século XIX,
sobretudo, aquelas relativas ao cotidiano da sala de aula, a pesquisa selecionou documentos
que representavam fases distintas de uma estrutura curricular, que tem início com a
elaboração do projeto educativo até sua aplicação no cotidiano escolar. Desta forma, a
diversidade documental, é um recurso metodológico usado pela pesquisadora, para legitimar
suas análises sobre a realidade escolar da época, à medida que não se pode reconstituí-la na
sua totalidade.
Nesse estudo, foram escolhidas, então, leis educacionais, regulamentos da instrução
pública, regimentos de escolas públicas, relatórios provinciais, narrativas literárias, registros
jornalísticos, ocios de professores, inventários escolares, livros-textos, provas de alunos e
5
Acredita-se que essa visão secundária dos processos curriculares é oriunda do modelo de escola tecnicista que,
fundamentado no modelo de trabalho taylorista, retira do espaço escolar e do professor a sua função de
elaborador das práticas escolares.
20
exames de professores como fontes primeiras para revelar essas práticas (intenções e ações)
para a escola primária. As fontes documentais foram coletadas nos seguintes acervos:
Biblioteca Pública Menezes Pimentel (BMP), Arquivo Público do Estado do Ceará (APEC),
Instituto Histórico do Ceará (IHC) e Universidade Estadual do Ceará (UECE)-Grupo de
Pesquisa Potica Educacional Docência e Memória (GPPEM).
É a partir desses parâmetros que essa discussão sobre as formas de organização do
ensino e da formação docente no Ceaprovincial é entendida, muito mais como prática e
formas de ensinar da época do que como intenção potica. Essa compreensão, no entanto, não
exclui o valor da análise dos documentos legais, pois na estruturação de um currículo
representa a fase inicial para a organização das práticas de ensino.
21
1 OS PERCURSOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS DA INVESTIGAÇÃO
Assim como o fato não é dado, o passado
também não é dado: o passado e o fato
histórico dados não engendram o historiador e
a hisria, mas é o historiador em seu presente
que reabre o passado e constrói os dados
necessários, a partir dos documentos, à prova
de suas necessidades que responderiam aos
problemas postos, ligados à sua experiência do
presente.
FEBVRE
Na introdução registrou-se que o estudo fundamenta-se no campo curricular com o
foco sobre a organização do ensino e a formação docente, destacando-se seu caráter histórico.
Este capítulo, por sua vez, tem como objetivo explicitar aspectos relacionados aos
pressupostos teórico-metodológicos que norteiam o trabalho.
Na pesquisa acadêmica, a definição do referencial não é tarefa das mais simples, posto
que exige do pesquisador conhecimento dos limites e possibilidades do caminho escolhido,
assim como clareza das críticas que podem advir desta escolha. Desse modo, das leituras de
Le Goff (1992; 2005), Reis (2000), Vieira, Peixoto e Khoury (1991) faz-se a opção pela
Escola dos Annales, haja vista sua posição de temporalidade que amplia o campo de
conhecimento histórico e das fontes documentais. Os Annales revisam a história pela
concepção do tempo, fundamentados, sobretudo, nas estruturas das ciências sociais
(mentalidades e socioeconomia).
A discussão sobre o campo do currículo fundamenta-se na abordagem crítica de Apple
(2006), Silva (2005), Forquin (1993) e Goodson (1995), que reconhecem o currículo,
sobretudo, como construção social e histórica. A partir das discussões críticas é possível
22
conceber o currículo como um processo constituído por direcionamentos políticos e
administrativos. Essa concepção rompe com as vies do currículo como produto final e
neutro das orientações tradicionais.
Recorreu-se à visão de currículo como prática, desenvolvido por Sacristán (1998,
2000), para entendimento do ensino e da organização. Essa perspectiva permite compreender
o contexto de realização da prática curricular, que se constitui da elaboração e organização do
projeto educativo até sua realização final na sala de aula.
O currículo imprime conhecimentos e comportamentos na prática profissional e na
formação do professor. Como já referido, a compreensão dos vínculos entre a organização
curricular e os processos formativos docentes se a partir dos estudos de Sacristán (1995).
Também são utilizadas as contribuições de Gomez (1995; 1998), Schön (1997), Nóvoa (1995,
1997 e 1998), Nunes (2001) e Lima (2004).
À luz das referências da História Nova e da abordagem crítica de currículo são
definidos os procedimentos metodológicos e os agrupamentos teóricos para o exame da
temática. Entende-se que essas referências teóricas são apropriadas ao desdobramento de
discussões mais ricas acerca da realidade escolar, do ensino e da formação docente.
1.1 A História Nova: abordagem teórico-metodológica para investigação
Para pesquisadores de História da Educação são freqüentes as incertezas quanto ao
conhecimento do campo. Por isso, cumpre-se, inicialmente, neste estudo, dirimir as vidas
mediante questões que guiam a reflexão do quadro teórico-metodológico, assim, formuladas:
Quais são os objetos e objetivos do investigador da História? É possível analisar o passado
com o olhar do presente? Qual a estrutura temporal que será dada ao estudo? Quais os
procedimentos metodológicos usados na investigação do campo histórico?
Entende-se que, dada a amplidão e diversidade de concepções e metodologias no
campo da História, é salutar a delimitação dos percursos escolhidos para o estudo. Logo,
elucidar inquietações constitui passo importante para a explicitação do campo de refencia
escolhido e dos meios investigativos necessários à pesquisa.
23
Os conhecimentos e as noções de história são longínquos e diversos
6
. A acepção
originária, de ciência nova das ações humanas no tempo, remonta à Grécia antiga,
concorrendo para um dos mais duradouros conhecimentos da humanidade.
Via de regra, ao falar de história, a primeira noção que advém é de experiência escolar,
disciplina, matéria, conhecimentos selecionados com o objetivo de tornar inteligível a história
da humanidade (Disciplina História Geral e do Brasil). Há, também, as noções de campo de
conhecimento das Ciências Sociais e da cultura
7
, lições do passado e experiências humanas.
História pode ser, ainda, compreendida como narrativa literária.
As o reconhecimento dos diferentes significados do vocábulo, é sensato apontar,
para efeito de delimitação do percurso teórico-metodológico, a acepção de história adotada
neste estudo.
Entende-se por História, a ciência que estuda o homem e suas mudanças, validada nos
pressupostos da História Nova
8
que compreende o conhecimento histórico:
[...] incluindo quantidade, o conceito, análise, a problematização, pois o
trata mais de um mundo histórico volátil, sustentado e suspenso por um final
especulativamente antecipado, mas um mundo histórico estruturado, durável,
lento. (REIS, 2000, p. 21).
Essa concepção de hisria rompe com a acepção tradicional, marcada pela
determinação de fatos autênticos e ênfase no documento escrito oficial, como prova histórica.
Segundo Reis (ibid., p. 27), a História Nova o é mais representada no sentido histórico do
progresso, não realiza valores transcendentais. Ela não possui sentido/direção final
antecipável. O desdobramento do tempo não é uniforme, linear, homogêneo”.
A História Nova propõe ruptura com as concepções tradicionais, predominantes no
século XIX, que vê a história linear, universal e personalista e fundamentada em provas
documentais que apregoam a evolução da história progressiva. Os teóricos contrapõem-se,
6
O significado, na sua origem etimológica, grega, Historie, de Histor (testemunha e sentido de quem vê e
também de quem sabe) e Historiein (procurar saber, informar-se) revela o sentido de procura e investigação. O
termo exprime, também, três diferentes conceitos: o da procura das ações realizadas pelo homem, o objeto da
procura e o que os homens realizaram e o de narração (LE GOFF, 1992).
7
Em Teorias da Historia, Gardiner (1968) apresenta uma antologia de obras que refletem os caminhos da história
do século XVII, até hoje. August Comte, Marx, Croce, etc têm, em suas obras, elementos conceituais e
metodológicos de interpretação do conhecimento da História. Também, em texto sintético de Jacques Le Goff, no
livro História e Memória (1992), no capítulo História, são apresentadas as primeiras concepções de história,
registradas desde a Grécia Antiga.
8
A História Nova é o campo da história que surge na França, em 1929, a partir de Annales, fundada por Lucien
Lebvre e Marc Bloch. (LE GOFF, 1992, 2005); (REIS, 2000)
24
veementes, a essas concepções, e reinventam a história, integrada às Ciências Sociais como a
Sociologia, a Geografia e a Economia.
O conhecimento histórico, na visão dos Annales, não é definitivo e total, sustentado
por provas documentais irrefutáveis e neutras e sim “construído pouco a pouco, através de
revisões incessantes do trabalho histórico, com laboriosas verificações sucessivas e
acumulação de verdades parciais.” (LE GOFF, 1992, p. 33).
A renovação da História, inspirada nas Ciências Sociais, defende que o conhecimento
deve ser científico, por isso a busca de objetividade
9
do campo. A evolução do conhecimento
atrela a produção de saber à delimitação de problemas e aos procedimentos adequados que
dão conta do objeto a ser investigado.
Ao se aproximar das Ciências Sociais, os Annales se apropriam dos pressupostos
cientificistas do século XX, aceitando que o neutralidade dos objetos construídos pelos
historiadores, pois o conhecimento provém das ações do homem, definidas em diferentes
correlações de forças. Considera-se que existe poder vencedor que impõe ideologias e história
ao vencido, portanto o investigador deve atentar às condições históricas, para torná-las mais
inteligíveis e verídicas quanto possível. A Hisria, enquanto ciência, deve manter-se objetiva
e imparcial
10
.
Outro aspecto determinante da revisão do campo histórico é a relação entre passado e
presente, construída, essencialmente, pelo problema a ser investigado. Entende-se que razões
presentes motivam o pesquisador à composição do seu problema. Nas proposições dos
teóricos da História Nova, os problemas decorrem das preocupações dos estudiosos de
história e não, propriamente, dos fatos ou documentos históricos:
O fato histórico não está presente bruto” na documentação. O historiador
não é um colecionador e empilhador de fatos. Ele é um construtor,
recortador, leitor e intérprete de processos históricos. O fato histórico não é
dado, assim como o passado não é dado. (REIS, 2000, p. 25).
9
A questão da objetividade, nas Ciências Sociais, é objeto de análise de Max Weber que adverte ao pesquisador
que toda a tentativa de compreender a realidade (História), sem hipóteses subjetivas conseguiria chegar a
um caos de juízos existenciais sobre inúmeros acontecimentos isolados.” (WEBER apud, LE GOFF, 1992, p. 31).
10
Para a discussão, é pertinente esclarecer, inicialmente, que os conceitos objetividade e imparcialidade não são
similares. A objetividade demanda a busca da validade e verdade dos fatos construídos, enquanto a
imparcialidade relaciona-se ao juízo de valor.
25
Por isso os objetos da história não são os fatos dados
11
e, sim, os construídos pela
pesquisa. São os sujeitos com os problemas que fazem aparecer a imagem nova do passado.
“A pesquisa-história conduzida por problemas é uma reconstrução temporal, que polemiza
com o passado-presente, mas não chega a reconstituí-los tal como se passaram” (ibid., p. 27).
Outra marca da revolução dos estudos da Nova História é a representação dada ao
tempo (REIS, 2000). A concepção do tempo é de grande importância para a história. O tempo
é a base da História. Desde os gregos até a hisria renovada, o olhar do historiador é
estruturado pela representação de tempo
12
. “A história é a ciência do tempo. Está estritamente
ligada às diferentes concepções de tempo numa sociedade e são um elemento essencial da
aparelhagem mental dos seus historiadores.” (LE GOFF, 1992, p. 52).
Os teóricos dos Annales, fundamentados na revisão teórica de Fernand Braudel
13
acerca da temporalidade histórica, concebem o tempo na perspectiva da longa duração, ou
seja, como “permanência, continuidade, inércia, repetição constante do mesmo, tendência à
rotina e ao repouso do cotidiano.” (REIS, 2000, p. 19).
Ao considerar o tempo de longa duração, se apropriam também da idéia de estrutura
das Ciências Sociais, permitindo, assim, que se faça uma análise da história não mais como
eventos que se sucedem, mas a partir de temáticas simultâneas. Esses estudiosos entendem o
sentido da história como evolução, na perspectiva de progresso construído, simultâneo, móvel
e singular, não linear
14
. Nessa revisão do tempo proposto, a história desacelera-se, estrutura-
se, torna-se reversível, simultânea: sucessão sem mudança, repetição.” (ibid., p. 22).
As novas proposições de tempo e do objeto de estudo histórico nos Annales exigem,
também, a ampliação do conceito de documentação
15
, agora, relativa ao campo econômico-
social-mental; é massiva, serial, revelando o duradouro, a longa duração.(ibid., p. 23).
11
Para a história positivista, basta os testemunhos (vivos e escritos) para o fato ser configurado. Ao investigador,
cabe a função de explicitar ou narrar os fenômenos. Nessa perspectiva histórica, o conceito do objeto histórico
não se limita ao fato.
12
A história, campo da ciência, apresenta diferentes formas de análise do tempo (linear, cíclico, teológico, e de
multiplicidade de tempos).
13
Braudel concebe o tempo como plural, poliestruturado, problemático e jamais unívoco-unitário. Aponta três
tempos da história: os de curta duração, os de permanências relativas, os de longa (ou longuíssima) duração que
colhe as permanências profundas, as estruturas quase invariantes (LE GOFF, 1992, 2005; CAMBI, 1999; REIS,
2000).
14
A perspectiva de longa duração enfatiza o caráter conservador que deve ter a história quando enfatiza a
simultaneidade, a reversibilidade, a interdependência dos eventos (REIS, 2000).
15
O termo documento vem do latim documentum, que significa ensinar, e evolui para o significado de prova,
sentido usado, amplamente, na história fundamentada nos métodos da erudição, base do positivismo.
26
A ampliação do conceito permite que sejam revistas as posições da história tradicional
quanto ao papel central dos documentos escritos, na construção do conhecimento da ciência
social
16
. A história não é somente reconstruída com esses documentos, mas com todos os
vestígios da passagem do homem. “A história faz-se com documentos escritos, sem dúvida.
Quando estes existem. Mas pode fazer-se, deve fazer-se sem documentos escritos, quando não
existem.” (LE GOFF, 1992, p. 540).
A compreensão de que os documentos são produções históricas dependentes e
determinadas pelas condições econômicas, sociais, culturais, espirituais e, sobretudo, de
poder, propõe novas atitudes do investigador frente ao objeto histórico e às fontes de
documentação. Os documentos, produtos da realidade múltipla e complexa, precisam ser
desvelados ou, como diz Le Goff (1992, p. 545), desmontados, demolidos, desestruturados
para análise de produção de documentos/monumentos.
O documento não é qualquer coisa que fica por conta do passado, é um
produto da sociedade que o fabrica segundo as relações de forças que aí
detinham o poder. Só a análise do documento enquanto permite à memória
coletiva recupe-lo e ao historiador usá-lo cientificamente, isto é, com pleno
conhecimento de causa.
A posição crítica em relação aos documentos é indispensável no estudo da história.
Essa atitude possibilita a construção de uma história imparcial, primaz para a história
científica. O pesquisador deve analisar o documento fazendo o exercício de extrapolação da
técnica pela técnica, ou seja, o exercício de análise crítica da história que desmistifique o seu
significado aparente, já que o mesmo não é inócuo.
A noção de documento dos Annales conduz à análise investigativa para outra
periodização que “tende a promover uma nova unidade de informação: em lugar do fato que
conduz ao acontecimento e a uma história linear a uma memória progressiva, ela privilegia o
dado, que leva à série e a uma história descontínua.” (ibid., p. 541). Os dados e as
informações devem ser organizados pelo problema, objetivos e procedimentos traçados pelo
investigador que os organiza, em séries ou temáticas.
O conhecimento histórico dos Annales sofre críticas dos historiadores tradicionais que
o concordam, principalmente, com o seu caráter conservador de inspiração da ciência
sociológica estruturalista de Émile Durkheim. Segundo esses críticos, a renovação do
16
No modelo tradicional histórico, os documentos são neutros e provas do passado, não sendo possível estudar
a história sem documentos (textos) que comprovem os fatos e os acontecimentos.
27
conhecimento histórico conduz a outra ciência social que o a História. É que a essência do
conhecimento narrativo das ações realizadas pelo homem, originária da civilização grega e da
história filosófica, sofre modificações profundas do objeto e, conseqüentemente, de seu
campo.
Para além das críticas, a revisão proposta pelos teóricos da Nova História fomenta
novas possibilidades para a História contemporânea que, através da revisão do conceito de
temporalidade, renova também seus conhecimentos e procedimentos.
As discussões dos Annales impulsionam para o campo educacional, a adoção de novas
perspectivas para a investigação histórica. Seus estudos sugerem que o investigador esteja
atento aos seguintes posicionamentos teórico-metodológicos:
Na construção do objeto histórico, deve-se considerar a relação entre o passado e o
presente, ou vice-versa, já que o pesquisador encontra, no presente, muitas explicações
do passado. O presente também é história, pois o investigador encontra no passado
elementos concretos de sua experiência;
O tempo de longa duração permite análises históricas das estruturas sociais
permanentes e duráveis, como as estruturas socioeconômicas e das mentes. Todavia, o
investigador histórico não deve desconsiderar outras estruturas temporais como a
história potica
17
classificada como de média duração. Ao historiador cabe, então,
procurar, durante a investigação constatar, reconstituir e articular esses distintos
tempos (REIS, 2000);
A ampliação da noção de documento possibilita ao pesquisador a busca de novos
materiais da memória coletiva. Os documentos devem ser interpretados na amplitude
histórica e no bojo das causas humanas. São válidos quando adequados ao objeto de
estudo da pesquisa;
A subjetividade natural das ciências sociais impõe aos investigadores a necessidade de
aperfeiçoamento dos instrumentos e procedimentos de pesquisa, a fim de tornar a
investigação imparcial e verdadeira. Isso implica que, no momento da definição dos
percursos de pesquisa, fiquem evidentes os passos tomados, justificando-os,
17
entre investigadores da Nova História, posição para o regresso à história política. Segundo os
pesquisadores, a nova política deve ser enriquecida com a antropologia histórica, que ao invés de estudar reis,
príncipes, presidentes, estuda o grupo político, a classe de funcionários.
28
sobretudo, pelo campo teórico que fundamenta o estudo. Assim, as medidas podem
amenizar o caráter subjetivo da história.
É essencial, na composição do percurso teórico-metodológico, a exposição dos
procedimentos de pesquisa adotados pelo investigador. Nesse momento, mapeiam-se os
documentos selecionados, justificando as decisões tomadas no processo de seleção e
organização de fontes e temáticas para análise da organização do ensino e a formação
docente.
1.2 Currículo: um campo de análise da instrução primária e da formação docente
Não é simples compreender o sentido de currículo, uma vez que o termo apresenta
distintos significados, em diferentes contextos socioculturais. A diversidade de terminologias
oferece um leque de possibilidades à compreensão de seus(s) conceito(s)
18
.
O currículo se refere aos planos de estudo ou programas curriculares do curso, nas
etimologias francesa, espanhola e portuguesa. Todavia, curriculum tem significado mais
amplo na língua inglesa, por referir-se a “um percurso educacional, um conjunto contínuo de
situações de aprendizagem às quais um indivíduo vê-se exposto ao longo de um dado período,
no contexto de uma instituição de educação formal.” (FORQUIN, 1993, p. 22).
As diversas concepções de currículo são resultantes de distintas abordagens e
contextos. Por isso, o termo pode referir-se a inúmeras práticas e significados do ambiente
escolar e do trabalho docente ao mesmo tempo em que não o isenta de outros entendimentos,
em outros contextos. São, portanto, as relações escolares e sociais de diferentes épocas que
produzem uma cultura com práticas e terminologias próprias, a escolar. Exemplo dessa
cultura que se legitima no ambiente da escola são os termos classe e curriculum que resultam
da função emergente que assume o currículo, de padronização e organização do controle
social (HAMILTON, 2002). Essas terminologias entram no vocaburio educacional no
18
Um mesmo significante com múltiplos significados (SACRISTÁN, 2000).
29
decorrer dos séculos XVI e XVII, em colégios
19
e universidades, integram-se à escola de
massa e à escola elementar no século XIX.
O currículo se refere também ao conhecimento científico-teórico, fomentado pelo
discurso moderno, principalmente da primeira metade do século XX. Seu conteúdo está
associado ao desenvolvimento econômico e à necessidade de escolarização das massas
(SACRISTÁN, 2000; SILVA, 2005). o os estudos teóricos construídos pelos pesquisadores
e estudiosos do campo curricular para a área educacional.
A compreensão científica do currículo é uma construção recente na história da
educação. Sua origem se na sociedade norte-americana, com a publicação de The
Curriculum, de Bobbitt (1918). O marco expressa as idéias da dualidade entre teoria e prática
no plano administrativo e pedagógico na organização do ensino, nos moldes da gestão
científica de Taylor.
No Brasil, a teorização sobre currículo tem origem nos anos 1920. Nesse período
20
,
ocorrem mudanças no campo social, econômico e cultural, impulsionadas pelo acelerado
movimento de urbanização e industrialização; pelas idéias modernistas no campo das artes, e
pelo movimento de reformas desencadeado pelos pioneiros da educação.
Considerando as marcas da cultura escolar, é possível afirmar que no ambiente de
ensino, bem anterior à produção científico-teórica recente, já apresenta características dos
conhecimentos da área curricular. Silva (2005, p. 21) reflete sobre a questão e conclui que:
As professoras e professores de todas as épocas e lugares sempre estiveram envolvidos, de
uma forma ou outra, com o currículo, antes mesmo que o surgimento de uma palavra
especializada como currículo.”
Em decorrência dessas diversas influências sociais e culturais que o termo currículo
recebe na história é organizada uma síntese das diferentes teorias curriculares, levando em
conta a sua origem e evolução. A opção pela análise evolutiva não impõe linearidade de
discussão, pois entende que as orientações se entrecruzam e se relacionam em diferentes
tempos e modelos escolares. É o caso de legados da orientação humanista ainda considerada
ponto de referência de práticas escolares contemporâneas.
19
Goodson (1995) faz uma análise sobre a origem das classes. Segundo o seu estudo, é no programa de 1509,
de Montaign, em Paris, que se encontra pela primeira vez uma divisão clara e precisa de alunos em classe
(p.31).
20
Veja sobre este período, seus contextos e especialmente sobre o escolanovismo, em Nagle (2001).
30
Pode-se dizer, que o currículo não se elabora e nem se realiza em realidade abstrata, à
margem do sistema educativo. Os conceitos e teorias curriculares são construções históricas,
no espaço e tempo escolares. Assim, as orientações teóricas são determinadas, ou seja,
recebem as inflncias de saberes e práticas pedagógicas e de conhecimentos sociais e
culturais inerentes a época.
É nessa direção que devemos entender, por exemplo, a orientação humanista que,
durante milênios, foi ponto de refencia de debates e elaborações em matéria educativa
(CAMBI, 1999). Suas orientações fixam concepções e modelos centrais para a compreensão
da história da cultura escolar atual. Mudando a forma natural originária do humanismo
clássico, agrega-se à formação cristã e à filosofia medieval. Na modernidade evolui, ao
agregar-se ao pensamento humanista/renascentista, chega aos nossos dias associado ao
pensamento científico característico da modernidade. Suas características mantêm os
princípios de valorização dos conhecimentos universais produzidos pela humanidade
ocidental, o dualismo entre o trabalho intelectual e o manual e o modelo de escola da elite.
À medida que o processo de industrialização se consolida, próximo aos 1900, emerge
a escola para proporcionar às massas populares os meios de produção necessários ao
desenvolvimento de Estados-Nações
21
. Nesse contexto histórico, são elaboradas as
concepções e práticas da orientação tecnicista, conforme a hierarquização de tarefas de
produção taylorista. Seu conteúdo estabelece no ambiente escolar, práticas e terminologias
especializadas, separando momentos de teoria, restritos a técnicos e profissionais qualificados,
enquanto prática, ensino e avaliação interna são ações de profissionais da escola. Essa
orientação institui na organização do ensino, os graus, os padrões de currículo, os objetivos de
ensino e aprendizagem, para maior racionalização e controle da escola (SACRISTÁN, 1998;
2000).
Emerge também, nesse contexto das primeiras décadas do século XX, a filosofia
pragmática do norte-americano John Dewey que sistematiza, com outros teóricos
22
modernos
da educação e da psicologia, a orientação da pedagogia ativa. Essa teoria proe um fazer
pedagógico diferenciado de orientações humanistas e tecnicistas, ao criticar o ensino
formalista, disciplinar, abstrato, sem base na ação. Os teóricos dessa orientação propõem
21
Petitat (1994) afirma que “próximo a 1900, quase todos os países atingidos pela industrialização haviam
adotado a escola gratuita e obrigatória.
22
Teóricos, como Ovide Decroly e Edouard Claparède, Maria Montessori, Celestin Freinet e William. H. Kilpatrick,
consolidam o modelo da Escola Ativa (CAMBI,1999).
31
como meio concreto contra a sociedade industrial e tecnológica a democratização de saberes e
conhecimentos produzidos que motivará a participação dos cidadãos na vida social e potica.
As orientações curriculares humanistas, tecnicistas e da pedagogia ativa são
contestadas nos movimentos de reconceptualização do currículo e da Nova Sociologia da
Educação (SILVA, 2005; FORQUIN, 1993). Do ponto de vista teórico, reorganiza-se o
campo curricular em dois grupos: o das orientações tradicionais (Humanista, Tecnicista e
Pedagogia Ativa) e o crítico. Esse movimento reformula a concepção do currículo, ampliando
o seu campo nos estudos educacionais. De acordo com o debate crítico, o que é entendido por
currículo nas perspectivas tradicionais era precisamente o que precisava ser questionado e
criticado (SILVA, 2005).
1.2.1 Orientação teórico-crítica
Os movimentos de renovação do campo curricular, presentes na Inglaterra e nos
Estados Unidos, nos anos 1970 e 1980 do século XX, inscrevem-se no contexto internacional
de crise cultural e de turbulências políticas
23
(FORQUIN, 1993; SILVA, 2005). No âmbito
educacional, esses movimentos se opõem, sobretudo, ao predomínio da sociologia positivista
na produção do conhecimento.
O positivismo é predominante até os anos1960, no campo educacional e, por sua vez,
na área curricular. Todavia, nos anos 1970, tem início o movimento crítico na literatura
sociológica, impulsionado pelos estudos de teóricos como Louis Althusser, Pierre Bourdieu,
Jean-Claude Passeron, Baudelot e Establet, Basil Bernstein, Michael Young e Michel Apple
que renovam a forma de produção do conhecimento na ciência educacional (SILVA, 2005).
Nos Estados Unidos, a renovação da teorização sobre o currículo parece ter sido
exclusividade do chamado movimento de reconceptualização” (SILVA, 2005, p. 29) que revê
o pensamento iniciado com a Nova Sociologia e sua crítica ao currículo tradicional. Seus
pressupostos nascem do movimento de crítica à sociologia do currículo tradicional, na
23
Os movimentos de independência das ex-colônias africanas e asiáticas; os protestos estudantis na França e
em vários outros países; a continuação do movimento dos direitos civis nos estados Unidos; os protestos contra
a guerra do Vietnã; os movimentos de contracultura; os movimentos feministas; a liberação sexual; as lutas
contra a ditadura militar no Brasil (SILVA, 2005).
32
Inglaterra, a partir da publicação do livro Knowledge and control, em 1971, organizado por
Michael Young. Sua contribuição está centrada nas questões “dos determinantes e dos fatores
(culturais, sociais, poticos) dos processos de seleção, de estruturação e de transmissão dos
saberes escolares.” (FORQUIN, 1993. p. 25).
Nos movimentos de renovação do currículo, a instituição escolar e os conteúdos não
são entes abstratos e, sim, constituídos historicamente em contextos diversos marcados pelas
relações de poder e de conflitos sociais. A escola é determinada, reproduz estruturas e
relações sociais, ecomicas e culturais, ao mesmo tempo em que estabelece novas relações e
estruturas institucionais, em síntese, “Apple o curculo em termos estruturais e
relacionais. (SILVA, 2005, p. 46).
O principal expoente da renovação teórica norte-americana é Michael Apple
24
. O autor
trata do papel ideológico do currículo buscando, assim, desvendar os vínculos entre educação
e estrutura econômica, assim como as conexões entre conhecimento e poder. Seus estudos
fundamentam-se em análises estruturais das formas e processos de controle de Bernstein e na
relação entre estruturas sociais e os saberes escolares defendidos por Michael Young. As
análises dos teóricos contribuem para a compreensão do vínculo entre
controle/poder/educação. Sustentam, assim, a tese de que “a estruturação do conhecimento e
do símbolo está intimamente relacionada aos princípios de controle social e cultural de uma
sociedade.” (APPLE, 2006, p. 36).
Bernstein, um dos autores da Nova Sociologia, apresenta a análise dos “códigos do
saber escolar. Sua teoria sociológica do currículo é centrada nas formas de organização, de
apresentação, de delimitação de saberes transmitidos na escola que podem ser reconhecidos
pelos “códigos” que controlam as relações escolares. Os códigos podem ser identificados no
currículo, na pedagogia e na avaliação, tidos como os três sistemas de mensagens do
conhecimento educacional formal (FORQUIN, 1993; SILVA, 2005).
Os estudos de Bernstein explicam as estruturas de controle e poder dos modelos
curriculares. Distinguem dois tipos fundamentais de organização estrutural do currículo: o
código serial/coleção” e o “integrado”.
24
Sua obra introduria é o Livro Ideologia e Currículo, publicado em 1979. Seus estudos estão apoiados no
neomarxismo da Escola de Frankfurt que desenvolve uma crítica vigorosa frente à razão/iluminista que
fundamenta as abordagens humanistas e tecnicistas que dão uma falsa neutralidade aos estudos curriculares e
aos conteúdos produzidos neste campo.
33
O currículo organizado segundo o código serial/coleção” é mais rígido e hierárquico.
Exemplo desse modelo é o ensino nas séries finais do ensino fundamental e médio. Nessa
forma de organização os conhecimentos são classificados em disciplinas e distribuídos em
níveis iniciais, passando pelos intermedrios até os conhecimentos mais especializados.
A outra forma de organização do currículo apresentada por Bernstein é o “código
integrado”. Por ser mais flexível, horizontal e interdisciplinar, esse digo é aplicado,
sobretudo, no ensino infantil em que os conhecimentos são classificados em áreas e não por
disciplinas especializadas.
Os currículos (“serial/coleçãoe “integrado”) refletem estruturas e relações distintas
entre professor-aluno. Assim, quanto mais rígidos e enquadrados os formatos de organização,
menores são as possibilidades de alunos e professores construírem novos saberes e
estabelecerem relações mais autônomas em suas práticas. Bernstein compreende que a
mudança da organização do digo serial/coleção para o integrado determina alterações
profundas na cultura escolar.
Assim, a opção por uma das alternativas de currículo, citadas anteriormente, determina
distintas organizações em ritmo, tempo e espaço de transmissão do ensino e da avaliação
escolar. Sacristán (2000, p. 76) comenta os códigos curriculares na organização do ensino e na
formação docente:
Agrupar objetivos e conteúdos sob um esquema de organização ou outro tem
conseqüências muito decisivas para a elaboração de materiais, que o os
que desenvolveo realmente os conteúdos curriculares para a formação, a
seleção e organização do professorado, para que o professor sinta de forma
distinta o conceito de especialidade a que ele se dedica, para a própria
concepção do que é competência profissional nos professores.
Michel Young segue a linha analítica de Bernstein, em que os currículos são meios de
veiculação de ideologias e interesses sociais dos grupos dominantes. Seus estudos têm, como
principal foco, identificar os princípios que governam a organização do currículo. Defende
que quanto mais hierárquico e especializado, melhor desempenho terá na transmissão dos
interesses materiais e simbólicos dos grupos socialmente dominantes. Seus estudos
apresentam o conceito de saberes dotados de status mais elevado (código escrito e a avaliação
formal), característicos da cultura acadêmica dominante, que diferencia funções e papéis
sociais (FORQUIN, 1993).
34
Outra tese importante da visão crítica de Michael Apple é o vínculo entre cultura e
educação, inspirado, em especial, na teoria social de Raymond Williams
25
, acerca dos fatores
culturais e sociais da educação. As análises constituem-se em um divisor de águas para os
estudos de cultura
26
, sociedade e educação, ao reconhecer que aspectos culturais do passado
(tradição cultural) sobrevivem no presente, mediante a função seletiva de interpretação e
reelaboração das experiências humanas.
Considerando o conceito de hegemonia
27
, Raymond Williams concebe a tradição
seletiva como um processo “pela qual, de toda uma área possível do passado e do presente,
somente determinados significados e práticas são escolhidos para ênfase, enquanto outros
significados e práticas são negados e excluídos. (Williams apud, Apple, 2006, p.39).
Conforme os estudos do autor, a seleção é determinada e representada em termos da cultura
efetivamente dominante.
Na compreensão de Apple sobre tradição seletiva, “as escolas são instituições que
incorporam tradições coletivas e intenções humanas que, por sua vez, são os produtos de
ideologias sociais e econômicas identificáveis. (ibid., 2006, p.84). Os programas e as
matérias são escolhidos conforme os valores sociais e os poderes de determinado grupo social
ou grupos para transmissão às novas gerações. Enquanto tal, a escola seleciona, interpreta e
reelabora culturas.
Em face dessas concepções, a orientação crítica propõe, para os estudos curriculares,
uma perspectiva que reflita sobre as relações de poder e controle das estruturas (materiais e
ideológicas), para seleção ou não de diferentes conhecimentos e formatos. Por isso, na análise
das práticas curriculares, deve-se dar atenção aos significados da configuração e às relações
que estão embutidas na aceitação ou não de determinado lugar ou organização de
conhecimentos.
As posições críticas renovam os estudos contemporâneos da área ao se contraporem às
teorias tradicionais (humanistas e tecnicistas) que tratam os conteúdos e a organização
25
Raymond Williams é considerado fundador das pesquisas pluridisciplinares que se constituiem a partir de 1960,
na Grã-Bretanha, sob o nome de cultural studies. Suas obras, Culture and society (1958) e The long revolution
(1961), trouxeram contribuições valiosas ao desenvolvimento da reflexão sobre os fatores culturais e sociais da
educação (FORQUIN, 1993).
26
Sua acepção de cultura se contrapõe à visão ideal da cultura como um conjunto do patrimônio intelectual e
artístico legado pelas gerações anteriores e podendo constituir objeto de um inventário e de uma investigação
(FORQUIN, 1993, p.34).
27
A hegemonia refere-se a um conjunto organizado de significados e práticas, ao sistema central, eficaz e
dominante de significados, valores e ações que são vividos”. (APPLE, 2006, p.39).
35
curricular de forma racional e neutra, frente às questões econômicas sociais e culturais. Muda-
se, assim, o foco da análise curricular de qual conhecimento deve ser ensinado para a quem o
conhecimento ou saber é considerado importante ou válido para ser selecionado no currículo
(APPLE, 2006).
As bases tricas das concepções críticas da Nova Sociologia e do movimento de
reconceptualização marxista, nos Estados Unidos, são inspiradoras para a literatura recente no
campo educacional. leituras pós-modernas de Currículo que valorizam as dimensões
culturais e dão novas interpretações à Teoria crítica. Uma dessas orientações é a s- Crítica
que entende a realidade curricular fundamentada nos discursos s-estruturalistas (SILVA,
2005).
1.2.2 Currículo: concepções e práticas
Neste estudo são identificadas, na bibliografia analisada, duas concepções de
currículo: a primeira como projeto educativo, e a segunda, como prática curricular no
cotidiano escolar.
O currículo como projeto diz respeito a textos formais: regulamentos ou diretrizes
oficiais que servem de parâmetro de organização do ensino. Neles, são identificados
conteúdos e meios de ordenamento do ensino, a forma de classificação dos níveis de
aprendizagem dos alunos, orientação sobre os métodos e materiais de ensino, cujos formatos
são definidos, sobretudo em relação à abordagem teórica e potica que fundamenta sua
elaboração.
Em estudos do campo curricular identificam-se as concepções de currículo manifesto
(SACRISTÁN, 2000) e prescrito/escrito (APPLE, 2006; GOODSON, 1995), que se referem,
especificamente, à fase de elaboração e sistematização oficial do projeto curricular, o produto
final.
O projeto educativo é um aspecto específico da potica educativa, que estabelece a
forma de selecionar, ordenar e mudar o currículo dentro do sistema educativo.”
(SACRISTÁN, 2000, p.109). Nele, são estabelecidas as coordenadas e determinações próprias
36
da administração e do contexto político, econômico e social. Pelas prescrões e
regulamentações são delineadas, inicialmente, as práticas que devem ser ou o aplicadas nas
escolas.
Em decorrência dessas características, o currículo como projeto é entendido como
instrumento legítimo de análise de uma potica curricular e deve ser referência para a
compreensão do modelo escolar e das práticas docentes. Goodson (1995, p.21) assim defende
a fuão decisiva da organização curricular em estudos sobre a história da escolarização: O
currículo escrito nos proporciona um testemunho, uma fonte documental, um mapa do terreno
sujeito à modificação; constitui também um dos melhores roteiros oficiais para a estrutura
institucionalizada da escolarização.
É pertinente considerar que nem tudo que esteja no âmbito das intenções poticas se
materializa na prática do ensino. Por isso, é imprescindível a ampliação da concepção e das
fases do campo curricular
28
que ultrapasse a visão de currículo como produto escrito,
alcançando, assim, os momentos de operacionalização em situação de aula.
A segunda concepção identificada diz respeito ao currículo como prática. Nessa
perspectiva, é possível avaliar a efetividade ou o das propostas formalmente elaboradas no
projeto curricular. É o que de fato acontece na escola, em que são identificados valores, rituais
e vivências desenvolvidos pelo professor e realizados pelos alunos, em especial, em situação
de aula (SACRISTÁN, 2000; FORQUIN, 1993; MCLAREN, 1991).
As concepções de currículo ativo (GOODSON, 1995) e prático (SACRISTÁN, 2000)
discutem o que de fato acontece na rotina escolar. Ao se referir às ações propriamente ditas,
Michel Young, citando Goodson (1995), aponta o currículo como fato ou como prática
relacionando-o, assim, com o que está sendo desenvolvido em aula. Identifica-se, nessa
categoria, o currículo oculto, que diz respeito às práticas socializadas (saberes, competências,
representações, papéis, valores, rituais), que jamais encontram-se manifestas e prescritas em
programas oficiais ou explícitos (FORQUIN, 1993).
O currículo como prática (SACRISTÁN, 1998, 2000) está fundamentado em estudos
críticos da Nova Sociologia da Educação (NSE), que apontam o conhecimento curricular
28
Sacristán, (1998; 2000) aponta cinco fases que compõem o processo de realização do currículo: o prescrito,
currículo apresentado aos professores; o currículo moldado pelos professores, o currículo em ação, o currículo
realizado e o currículo avaliado. Essa questão é retomada mais adiante (ver item: 1.3.1 A estrutura curricular e
os documentos de reconstrução do ensino e da formação docente).
37
como construção social e cultural. Sua função expressa um projeto cultural e social, por meio
de conteúdos, formatos e práticas, criados em torno de si. Sacristán (1998, p.137) explicita o
significado de currículo destacando que: “O fato de que seja caracterizado como práxis
significa que em sua configuração intervém idéias e práticas, que adquirem sentido num
contexto real, com determinadas condições, que todo ele é uma construção social.
A dinamicidade da instituição escolar e dos saberes e práticas por ela veiculados
indica, sobretudo, que o conhecimento curricular se constrói em contexto histórico marcado
por interesses e forças, por isso, não cabe a assepsia científica para análise de seu campo, pois
o projeto cultural e de socialização que a escola tem para seus alunos não é neutro.
(SACRISTÁN, 2000, p. 17).
Outra característica de currículo como prática é a possibilidade de diálogo entre o
teórico (intenções) e a prática (ações), favorecendo a leitura total dos processos curriculares.
Desta forma, pretende-se romper com a visão parcial em fases isoladas do processo curricular,
que resulta, muitas vezes, em conhecimentos parciais do processo curricular. Pelo enfoque
processual e prático o currículo é um objeto que se constrói no processo de configuração,
implantação, concretização e expressão de determinadas práticas pedagógicas e em sua
própria avaliação, como resultado das diversas intervenções que nele se operam”. (ibid., p.
101).
O quadro, a seguir, apresenta os aspectos constituintes de currículo, conforme as
discussões levantadas sobre o currículo como prática:
FIGURA 1: Aspectos constituintes do currículo como prática, de Sacristán (1998; 2000).
CURRÍCULO:
EXPLÍCITO E OCULTO
SELEÇÃO NATURAL
CONCEPÇÕES CURRICULARES:
OPÇÕES POLÍTICAS,
CONCEPÇÕES PSICOLÓGICAS,
CONCEPÇÕES EPISTEMOLÓGICAS,
VALORES SOCIAS,
FILOSOFIAS E MODELOS
CONDIÇÕES INSTITUCIONAIS:
POLÍTICA EDUCATIVA, ESTRUTURA
DO SISTEMA EDUCATIVO E
ORGANIZAÇÃO ESCOLAR
38
O currículo é determinado pelas condições institucionais e, em especial, pelas
situações de aula. Sua prática está associada às idéias pedagógicas, filosóficas e psicológicas e
às opções poticas. Além disso, sua aplicação, teórica e prática norteia o desenvolvimento de
modelos escolares e formativos docentes.
A essas concepções curriculares é importante acrescentar o entendimento de currículo
pré-ativo, que corresponde às formas prévias de reprodução (legados) que se constituem e se
reproduzem nas práticas da organização escolar (GOODSON, 1995). São os parâmetros
anteriores que permanecem vinculados à prática docente e delimitam o debate
contemporâneo.
À vista do que foi apresentado nesse capítulo, a compreensão do currículo como
prática é fundamental à análise do ensino e da formação docente. É que suas discussões
permitem o diálogo entre as intenções propostas inicialmente nos projetos curriculares e o
que, de fato, ocorre no ambiente escolar.
Na compreensão da organização curricular, não se pode negligenciar o papel do
professor, principal agente de ativação dos pressupostos do projeto educativo. Sua função é
efetivar, pelas práticas, apoiado em meios didático-pedagógicos, materiais e sicos, o projeto
curricular. (SACRISTÁN, 2000). Assim, a fuão dos professores é decisiva no
desenvolvimento do projeto educativo curricular. De forma recíproca, o curculo assume
papel central no norteamento das oões pedagógicas e sociais do comportamento
profissional docente.
1.2.3 Organização curricular e formação docente: construções histórico-sociais
O currículo é a expressão da função social da instituição escolar e isso tem suas
conseqüências, tanto no comportamento de alunos como para o professor.(SACRISTÁN,
2000, p. 173). Definindo práticas, o currículo encontra-se diretamente integrado à vida
profissional do professor por diversos fatores tais como salário, cultura, ambiente escolar,
demanda do mercado de trabalho, carreira e formação (IMBERNÓN, 2000).
39
Essa característica da profissão docente aponta a formação como objeto construído,
por isso constitui “um processo complexo, não podendo ser enfocado de modo isolado,
fragmentado e desvinculado de seu cotidiano socioeconômico, potico e histórico.(LIMA,
2004, p. 17). Os modelos formativos são expressões da evolução da sociedade, da escola e da
prática profissional do professor
29
.
A diversidade de práticas culturais, pedagógicas e institucionais vivenciadas em
ambientes escolares aponta que as análises de formação docente não podem ser
compreendidas por esquemas simples e nem definidas em acepções únicas (SACRISTÁN,
1995; 1998; LIMA, 2004). A diversidade de conhecimentos escolares exige atenção ao
modelo de formação do professor, pois o mesmo representa e reflete as teorias e práticas
pedagógicas do contexto educacional.
No exame da profissionalização docente, Nóvoa (1995; 1997; 1998) sistematiza, em
quatro etapas, sua evolução, e aponta a crescente especialização de processos impostos,
sobretudo, pelos Estados Modernos como marca da profissão.
A primeira etapa do processo histórico de profissionalização consiste na efetivação do
exercício integral da profissão docente, pelo menos, como ocupação principal. À proporção
que o trabalho docente se especializa, saberes e fazeres se tornam cada vez mais
especializados, ou seja, constituem-se como conjunto de normas e de valores próprios da
prática. A especialização é decorrente da crescente fragmentação de conteúdos e estruturas
organizativas curriculares que introduzem novos métodos, materiais escolares e técnicas
pedagógicas. Assim, a atividade, na gênese, secundária
30
, torna-se principal e necessária,
demandando, cada vez mais, dedicação ao exercício do magistério.
A segunda etapa da evolão da profissão docente decorre do estabelecimento legal e
normativo para o exercício da atividade docente. voa (1995, p. 23) afirma que “a
profissionalização do professorado acompanha-se de uma potica de normalização e de
controle estatal. Sua análise aponta para o fato de que as primeiras medidas dos Estados-
Nações, no século XVII, consistem na definição de regras uniformes de seleção e de
nomeação de professores.
29
Sacristán (1995, p. 65) entende por prática profissional o “que é específico na ação docente, isto é, o conjunto
de comportamento, conhecimentos, destrezas, atitudes e valores que constituem a especificidade de ser
professor”.
30
Segundo Nóvoa (1995), a atividade docente no Estado Português, em sua gênese, é exercida pelo clérigo
como atividade secundária.
40
A partir do final do século XVII não é permitido ensinar sem uma licença ou
autorização do Estado, a qual é concedida na seqüência de um exame que
pode ser requerido pelos indivíduos que preencham um certo número de
condição (habilitações, idade, comportamento moral, etc.) (ibid.,1995, p.
17).
Os exames tornam-se suportes legais do exercício da atividade docente, definindo
competências, conhecimentos e saberes, para desempenho e recrutamento de professores que
contribuem na delimitação do campo profissional de ensino e na atribuição ao professorado
do direito exclusivo de intervenção na área. “A licença funciona como uma espécie de aval do
Estado ao grupo docente, que adquire, por esta via, uma legitimação oficial de sua atividade.
(NÓVOA, 1995, p. 17).
As normas do Estado para o exercício docente são importantes na defesa da condição
profissional do ensino. Contudo, a interferência estatal funciona paradoxalmente como
mecanismo de controle do corpo docente. Além disso, exclui os professores da gestão da
própria profissão. (NÓVOA, 1995, 1997, 1998)
A terceira etapa de profissionalização consiste na criação de instituições específicas de
formação de professores. As escolas de formação são criadas, sobretudo, no século XIX, para
suprir as novas demandas socioprofissionais. O ambiente escolar moderno leva professores e
professoras à aquisição de conhecimentos cada vez mais especializados (NÓVOA, 1995;
SCHÖN, 1997; CAMBI, 1999).
Os espaços formativos das escolas normais definem novas exigências de ingresso na
profissão, configurando-se, assim, em etapa inicial de formação. Seus currículos devem
sistematizar e organizar, em programas e cursos, conhecimentos necessários ao ingresso do
professor em seu campo de atuação. A importância profissional das escolas normais é
destacada por voa (1995, p. 18) ao considerar este que: Mais que formas profissionais (a
título individual), as escolas normais produzem a profissão docente (no âmbito coletivo),
contribuindo para a socialização dos seus membros e para a gênese de uma cultura
profissional.
As escolas normais, em diferentes espaços sociais, representam um passo fundamental
para a história da profissionalização docente primária, pois se delineiam, pelos programas e
funções docentes, os conhecimentos necessários ao exercício profissional. Assim, a origem da
instituição formativa, no final do século XIX, representa “uma verdadeira mutação
41
sociológica do corpo docente: o velho mestre-escola é definitivamente substituído pelo novo
professor de instrução primária.” (ibid., p. 18).
Na evolução do modelo formativo, as concepções introduzidas pela racionalidade
técnica
31
, em programas curriculares modernos, exigem mais mudanças na prática de ensino e,
conseqüentemente, na preparação dos professores.
Os programas são organizados racionalmente, sendo fragmentados de progressões
mais elementares para os níveis mais avançados de conhecimentos. A hierarquização de
saberes engendra mudanças nas estruturas do sistema de ensino, em primeiro lugar, no uso de
conhecimentos como parâmetro para a classificação dos alunos na organização do ensino. Um
exemplo a ser observado são as divisões em classes, níveis, e, posteriormente, em turmas
seriadas de ensino. Tamm, aos programas escolares, em especial, no final do século XIX,
são agregados novos saberes das ciências empíricas como a sica, a Biologia, a Geografia.
Finalmente, tem-se a classificação de conhecimentos em agrupamentos de uma categoria
de modo a facilitar o processo de ensino, originando, assim, as disciplinas escolares.
Amplia-se o papel social da escola que, mediante códigos, unifica valores e condutas,
atingindo, gradativamente, maior número de cidadãos. O Estado precisa ser cada vez mais
eficiente, pois isso constrói a lógica reguladora em torno do saber escolar. Schön (1997, p. 87)
assim comenta a evolução da organização das estruturas didáticas da escola nesse período.
A escola divide o tempo em unidades didáticas e divide o espaço em salas de
aula separadas que representam níveis, tal como os horários letivos
representam período de tempo nos quais se dá cumprimento aos planos de
aula. Do mesmo modo, a progressão nos diferentes níveis representa uma
passagem de níveis mais simples do saber escolar para outros mais
complexos. Os testes o feitos para medir este progresso e os professores
também são medidos pelos resultados dos seus alunos, e promovidos, pelo
menos em parte, de acordo com esta prática. O sistema burocrático e
regulador da escola é construído em torno do saber escolar.
Exige-se, dos professores, o domínio dos conhecimentos escolares, em níveis e
disciplinas. O exercício profissional é controlado pelos sistemas educativos que, por meio de
exames, aferem os níveis de conhecimentos de alunos e de ensino do professor.
31
Suas concepções influenciaram a forma de organização curricular, ainda que de forma mida, na segunda
metade do século XIX e, principalmente, na primeira metade do século XX.
42
As inovações engendradas pela racionalidade da ciência moderna também impõem,
para a formação docente, a ruptura da perspectiva de formação, fundamentada na prática, para
o especialista (acadêmico ou técnico), característico da modernidade.
A perspectiva prática
supõe a valorização do modo prático, ensinado pelo mestre
experiente a futuros alunosmestres. Consta, basicamente, de ensino por imitação da ação
observada e orientada pelo tutor, em ambiente (cenário) que permite fazer experiências de
conhecimentos adquiridos. Gómez (1998, p. 363) concebe essa abordagem como:
[...] uma atividade artesanal. O conhecimento sobre a mesma foi se
acumulando lentamente ao longo dos séculos por um processo de tentativa e
erro, originando uma sabedoria profissional que se transmite de geração em
geração, mediante o contato direto e prolongado com a prática especializada
do professor/a experiente. O conhecimento profissional é tácito,
escassamente verbalizado e menos ainda teoricamente organizado; está
presente no bom desempenho do docente experiente [...]
Com a modernização da organização da escola, a prática docente torna-se complexa.
Mais competência e conhecimentos especializados são exigidos dos professores. Observa-se a
desvalorização gradativa da dimensão prática dos processos formativos, somente retomada em
discussões tricas contemporâneas sobre formação docente que tentam romper com o
modelo imposto pela racionalidade técnica.
À medida que a escola e o currículo se especializam, configuram-se novos modelos
formativos, ainda voltados à transmissão de conhecimentos, agora munidos com técnicas e
meios mais sofisticados para viabilização da escola de massa, sob o controle do Estado.
Em programas formativos modernos, valorizam-se conhecimentos teóricos,
apresentados como base de análise da prática de programas, no final dos cursos de formação.
A perspectiva teórica tem orientado a formação dos professores, “considerando que a posse
de múltiplos saberes, separados e longe da prática, tornariam os professores capazes de
executar segundo as orientações das ciências.” (SACRISTÁN, 1995, p. 84).
No campo formativo, os modelos teóricos (acadêmicos e técnicos) são mais presentes
na atualidade que os práticos.voa (1995 p. 26), nos estudos de profissionalização e
formação, aponta as orientações como indicadoras de práticas formativas de docentes: “Ao
longo da sua história, a formação de professores tem oscilado entre modelos acadêmicos,
43
centrados nas instituições e em conhecimentos fundamentais e modelos práticos, centrados
nas escolas e em métodos aplicados.”
A última etapa da evolução da profissão é identificada por Nóvoa (1995; 1997) nos
processos coletivos de professores que institucionalizam as associações profissionais, locais
de desempenho do seu papel, no desenvolvimento do corpo coletivo e na defesa do estatuto
profissional.
A prática docente se amolda, então, às mudaas reguladas e controladas pelo Estado,
pois a profissão docente é construída, em sua origem, pelos Estados-Nações que definem,
pelos regulamentos, as competências e saberes para o exercício da profissão.
O nculo direto da formação docente com os sistemas de regras estabelecidos pela
sociedade e a escola revela que, diferentemente de outras profissões, os professores não têm o
monopólio das práticas escolares. Os elementos da ação docente resultam, em sua maioria, de
regras e regulamentos estabelecidos em poticas educativas e no projeto educativo escolar. A
marca implica, em termos gerais, que a profissão docente não detém a responsabilidade
exclusiva sobre a atividade educativa devida à existência de influências mais gerais (poticas,
econômicas, culturais). (SACRISTÁN, 1995, p.68).
Na mesma linha analítica, Gómez (1997) afirma que a concepção de formação está
condicionada diretamente à forma de entender o currículo, a instrução escolar, o ensino e a
profissionalização docente.
Ao mesmo tempo, os professores o apenas reproduzem regras externas, mas
reelaboram, pela própria experiência, a prática profissional. Essas situações não se constituem
somente por imposição de políticas educativas ou do projeto curricular escolar, mas são
redefinidas e reelaboradas pelos professores que selecionam previamente experiências mais
bem adequadas à prática e à cultura escolar. Ademais, concebe-se o professor como agente
que “está imerso em um contexto social, cultural, potico e econômico mais amplo,
entrecortado de reação de poder de gênero, classe e raça/etnia que potenciam ou limitam seu
desenvolvimento profissional.” (NUNES, 2001, p.24).
A formão, neste estudo, se situa no contexto da atividade docente, pois são os
regulamentos e normas do projeto educativo e curricular que estabelecem modelos de práticas
e ações que orientam a formação inicial ou continuada do professor. Além da organização
44
institucional interna, que normatiza a escola e seu currículo, deve-se observar as dinâmicas
externas da profissão, como status, salário e condições de trabalho, aspectos relevantes para a
investigação das práticas de ensino.
1.3 Procedimentos metodológicos
A opção pela História Nova e o seu olhar renovador do objeto e do documento
histórico permitiu à pesquisadora, diante do problema, organizar, pelo campo curricular, os
procedimentos metodológicos que orientaram a coleta, a seleção dos documentos e a
construção de séries e temáticas de análise.
Ao considerar os pressupostos teóricos e práticos, a pesquisa está centrada na leitura e
análise de fontes documentais correspondentes ao interstício de trinta e oito anos (1844 a
1882), selecionadas junto aos seguintes acervos: Biblioteca Menezes Pimentel (BMP),
Instituto Histórico do Ceará (IHC), Arquivo Público do Estado do Ceará (APEC) e
Universidade Estadual do Ceará (UECE)-Grupo de Pesquisa Potica Educacional Docência e
Memória (GPPEM).
Foram examinados fontes e documentos, segundo diferentes graus de aproximação do
ensino e da formão, considerando, sobretudo, as possibilidades dos conteúdos, nas
características do ensino e da formação docente na província cearense do período delimitado.
Levou-se em conta, também, as condições de acessibilidade e manipulação dos documentos,
pois, para fins de preservação dos acervos, nem sempre os locais pesquisados permitiram o
manuseio de documentos considerados raros.
São apresentadas, neste tópico, as fontes documentais selecionadas para a
compreensão do ensino e da formação docente da escola primária, bem como a justificativa
para a seleção das mesmas.
Os primeiros documentos são relativos à prescrição da potica educacional (legislativa
e administrativa), compreendendo, assim, que “as leis, ao lado dos planos, programas e
projetos, configuram-se como um dos instrumentos do Poder Público para acionar as
alternativas buscadas para a educação em diferentes momentos históricos. (INEP, 2006, p.7).
45
Recorre-se, desse modo, às seguintes leis nacionais da instrução pública primária, conforme
quadro a seguir:
Quadro I
Legislação educacional nacional (1824-1874)
Para a análise das poticas educacionais correspondentes à organização do ensino e da
formação docente, na província cearense, foram selecionadas as seguintes leis da instrução
pública primária:
Quadro II
Legislação educacional local (1849-1874)
NACIONAL
ACERVO/FONTE
Constituição de 1824
Lei de 15 de outubro de1827
Ato adicional de 1834
GPPEM
CASTELO (1970)
Reforma do ministro imperial Couto Ferraz (1854)
Decreto 1.331 A, de 17 de fevereiro de 1854
GPPEM
Reforma do conselheiro imperial João Alfredo (1871-1875)
Projetos e emendas que reorganizam o ensino primário e secundário no
Município da Corte.
ALMEIDA (1989)
PRIMITIVO MOACYR (1937)
LOCAL
ACERVO/FONTE
Lei 507, de 24 de dezembro de 1849
Instruções de 10 de julho de 1853
APEC
CASTELO (1970)
O Regulamento da Instrução Pública de 02 de janeiro de 1855
Instruções para verificação de capacidade para o magistério, de 21 de Maio de
1855.
Regimento interno provisório de 20 de Março de 1856.
Instruções para professores, de 08 de abril de 1856.
Regulamento Geral das Escolas Primárias, de 11 de Abril de 1856.
Resolução de 23 de dezembro de 1870.
GPPEM
IHC
Regulamento da Instrução Pública de 19 de dezembro de 1873.
Instruções para exames de capacidade profissional de 1874.
Regimento Interno das escolas públicas primárias, de 04 de março de de 1874.
IHC
46
Os documentos de controle das ações administrativas do ensino selecionados foram
relatórios provinciais
32
, elaborados pelos diretores da Instrução Pública; ocios dos
professores blicos primários para os diretores da Instrução Pública. Constam, ainda, os
mapas de registro anual dos alunos, os exames gerais e os termos de exame dos alunos,
conforme se vê no quadro a seguir
Quadro III
Documentos
Dentre os documentos selecionados, os ocios de professores primários aos diretores
da Instrução Pública são de grande valor para a compreensão do ensino do período. Os
conteúdos permitem o estudo de algumas práticas docentes da organização da escola primária,
aproximando, assim, as supostas atividades dos professores das intenções políticas e
administrativas manifestas nas leis educacionais provinciais.
Por ocasião da coleta de dados, entre maio e agosto de 2007, o acesso à documentação
do acervo do grupo da Instrução Pública do Arquivo Público do Estado do Ceará
33
foi
limitado. Isto porque estava sendo feita a organização e catalogação de documentos da
32
Os relatórios eram elaborados pelos administradores locais, para prestação de contas das atividades
desenvolvidas nas províncias. Eram mecanismos de controle do governo central que, através desses registros,
mantinham o controle das províncias e dos seus administradores.
33
O acervo da diretora da Instrução Pública consta dos ofícios dos diretores para os presidentes, dos inspetores
das aulas para a diretoria da Instrução Pública, e dos professores primários das cidades e localidades da
província que tinham escolas para os diretores da Instrução Pública e presidentes provinciais. documentos
referentes ao assentamento dos membros do Conselho da Instrução Pública, dados de matrícula e ofícios do
Diretor do Liceu para os presidentes e os exames da capacidade e dos exames de alunos do Liceu, dados da
fundação e do regimento da escola Normal de 1884 e muitos outros documentos a serem ainda identificados e
organizados.
TIPO
PERÍODO
ACERVO
TOTAL
Relatórios do diretor da província para os presidentes da
província
1849-1874
APEC
BMP
09
Ofícios dos professores para o diretor da instrução pública
1844-1882
APEC
54
Inventários e orçamentos de utensílios e móveis das aulas
públicas
1848-1880
APEC
09
Mapas de registro anual dos alunos
1870
APEC
01
Exames gerais dos alunos
1868
APEC
02
Termos de exames dos alunos
1848-1880
APEC
06
TOTAL
81
47
Diretoria da Instrução Pública, por estagiárias do Curso de Hisria da Universidade Federal
do Ceará. Assim, foram coletados somente os ocios expedidos pelos professores primários
das cidades de Fortaleza, Crato, Barbalha e São Benedito.
Do acervo do APEC foram coletados trezentos e seis (306) ofícios de professores
primários para os diretores da Instrução Pública, expedidos entre os anos de 1844 a 1882.
Recorreu-se, também, ao acervo particular de JoJoaquim Neto Cisne, trineto do professor
Joaquim Guilhermino da Costa Cysne, da aula pública primária do sexo masculino da
povoação de Sant‟ Anna, contendo cinqüenta e um (51) ocios, do período de 1856 a 1872.
Esses ocios representam um total de trezentos e cinqüenta e sete (357) documentos.
Pelo considerável quantitativo de correspondências, fez-se uma segunda seleção, com
escolha dos ofícios, cujos conteúdos apresentam, objetivamente, as características da estrutura
curricular do período estudado. Nesse segundo momento, foram examinados os ocios de
escolas do interior e da capital, chegando a um quantitativo de cinqüenta e quatro (54)
textos
34
.
Quadro IV
Ofícios dos professores por localidade
Com o objetivo de obter-se uma visão geral do ensino, optou-se pela escolha
equitativa de ocios dos contextos das escolas de Fortaleza e do interior da província.
Valorizou-se, além do mais, na seleção de documentos, as práticas da organização do ensino
das escolas primárias, femininas e masculinas.
34
Os ofícios selecionados foram catalogados e seus conteúdos transcritos, ipsis litteris, para a leitura e análise
dos documentos.
CADEIRA DO ENSINO PÚBLICO PRIMÀRIO
LOCALIDADE
CAPITAL/INTERIOR
Fortaleza
28
Barbalha
12
Crato
06
São Benedito
02
Povoação de Sant’anna
06
TOTAL
54
48
Quadro V
Ofícios dos professores por sexo
CADEIRA DO ENSINO PÚBLICO PRIMÀRIO
SEXO
TOTAL
FEMININO
MASCULINO
Fortaleza
11
17
28
Barbalha
01
11
12
Crato
06
-
06
São Benedito
-
02
02
Povoação de Sant’anna
-
06
06
TOTAL
18
36
54
O material pedagógico dos professores foram os documentos mais concretos de
caracterização de ensino do período. Por isso, a importância do reconhecimento de objetos e
móveis das escolas primárias, por meio de inventários e orçamentos de professores à diretoria
da Instrução Pública
35
. Outro dado relevante, é a descoberta de dois compêndios
36
usados
pelos professores do ensino primário, dos quais trechos foram transcritos e catalogados.
Neles, podem ser identificados os conteúdos dos programas curriculares e a organização
didática do período.
Quadro VI
Material de ensino
35
Os Regulamentos de 1855 (§6 do art. 66) e 1873 (§6 do art. 24) estabelecem como responsabilidade da
inspetoria distrital e dos professores o levantamento dos utensílios e móveis da escola. O professor, ao assumir
a escola, ou no princípio de cada ano, deve, na presença dos respectivos inspetores, fazer inventário do que
possuir e receber na cadeira pública.
36
Livros-textos para o uso em sala de aula pelos alunos primários.
TIPO
PERÍODO
ACERVO
TOTAL
Compêndio
Cathecismo de Agricultura, de Antonio de Castro
Lopes
1869
IHC
01
Geografia Geral e Especial do Brasil, de
Thomaz Pompeu de Souza Brasil
1869
IHC
01
Inventários e orçamentos de utensílios e móveis das aulas públicas
1848-1880
APEC
09
TOTAL
11
49
Foram também selecionados exemplares de provas escritas dos exames de capacidade
profissional dos aspirantes ao magistério primário e dos professores adjuntos
37
. Seus textos
são apropriados à compreensão dos conhecimentos exigidos para a habilitação e preparação
do profissional do magistério cearense, no período compreendido pela pesquisa.
Quadro VII
Provas escritas
A pesquisa hemerográfica foi realizada nos acervos da Biblioteca Menezes Pimentel
(BMP) e do Instituto Histórico do Ceará (IHC), concentrada no período entre 1849 e 1881. A
necessidade do exame dos textos jornalísticos provém da perspectiva de agregar valores
sociais, poticos e culturais da sociedade civil sobre os serviços oferecidos pela instituição
escolar no período. O jornal é uma fonte adicional à compreensão da organização do ensino.
O estudo examina matérias de um jornal católico de circulação nacional, O Brazil
Catholico, publicado na Corte, na segunda metade do século XIX; e um jornal local, O
Cearense, que representava os ideários do partido liberal cearense, publicado no período entre
1846/1892.
Quadro VIII
Jornais
Os poucos registros revelam que a instrução primária não constituía temática principal
da sociedade cearense. Os assuntos escolares de fontes jornalísticas surgem, sobretudo, em
37
Em 1854, a Reforma do ministro imperial Couto Ferraz cria o cargo de professor adjunto para formação na
prática do professor primário. Os adjuntos são preparados para o magistério primário durante três anos em aulas
públicas que têm mais de 100 alunos, exercendo a função de ajudantes.
TIPO
PERÍODO
ACERVO
TOTAL
Exames de capacidade para habilitação do professor
1864-1882
APEC
38
Exames dos Professores Adjuntos
1874-1875
APEC
08
TOTAL
46
TÍTULO
ANO
NACIONAL/ LOCAL
ACERVO
QUANT.
O Brazil Catholico
1881
Nacional
IHC
01
O Cearense
1849-1865
Local
BMP
12
TOTAL
13
50
momentos que antecedem ou se seguem às reformas de ensino, muitas vezes Relatórios de
diretores da Instrução Pública ou comunicados de exames públicos.
As obras educacionais, do contexto dos anos mil e oitocentos, analisadas foram: A
Sciencia da Civilisação Curso Elementar Completo de Educação Superior Religiosa
Individual e Social (1877) de D. João Maria Pereira D‟ Amaral e Pimentel e A Instrução
Pública no Brasil (1867) de José Liberato Barroso, em que se veiculam pensamentos
políticos, administrativos e pedagógicos da escola e sua organização.
A caracterização da sociedade cearense é feita a partir das obras: A Fome, de Rodolfo
Teófilo (1890), que retrata a seca de 1878-79 e Dom Lino - Prelado do Nordeste, de Joaquim
Moreira de Sousa (1960). Procurou-se, nessas obras, regastar contextos da província cearense
e da escola primária à época.
As obras históricas da educação nacional, A Instrução e o Império e A Instrução e as
Províncias, de Primitivo Moacyr (1937; 1939); História da Instrução Pública no Brasil
(1500-1889), de Jo Ricardo Pires de Almeida (1989); e as obras históricas do sistema
educacional cearense, O Ceará no Centenário da Independência do Brasil (1926), de Thomaz
Pompeu de Sousa Brasil; História do Ensino no Ceará, de Pcido Aderaldo Castelo (1970),
foram tidas, também, como fontes do estudo e referências para a compreensão da história da
escola.
Os conteúdos de leis e instruções do ensino público, de ocios de professores
primários, relatórios provinciais e de artigos jornalísticos selecionados foram organizados em
relatórios por unidades de análises ou agrupamento por meio de recurso
tecnológico/NUDIST
38
.
Nessa análise, os agrupamentos foram definidos pelas características/propriedades da
estrutura curricular a partir das iias de Sacristán (1998, 2000) sobre currículo como
configurador de práticas e contextos, representada na figura a seguir.
38
Trata-se de um programa de computador que configura-se como ferramenta de auxílio para a análise
qualitativa de dados. Através dele, é possível proceder a um conjunto de manipulação dos dados, com o fim de
extrair significado relevante em relação a um problema de pesquisa.
51
São consideradas, na organização curricular, as seguintes características:
Conteúdos - estão explícitos, nos programas curriculares, ocultos, nas práticas
cotidianas de ensino e em rituais escolares e digos escolares (atividades e material
diário da organização curricular) e na prática do ensino. Considera-se, também, como
os conteúdos são tratados e selecionados e sua função social e cultural.
Meios de organização dos conhecimentos - representam formatos da organização
técnico-pedagógica, definidos em poticas curriculares elaboradas pelos agentes do
sistema de ensino. Constituem modelos de divisão de classes e níveis de aprendizagem
dos alunos, métodos e materiais pedagógicos usados no processo ensino-
aprendizagem.
Meios de avaliação - são mecanismos usados pelo sistema escolar para legitimar o
progresso dos alunos pelo currículo seqüenciado e comprovar a realização dos
objetivos do ensino.
Esses documentos foram catalogados, digitalizados e transcritos integralmente, na
escrita do período, mantendo, sua historicidade. A organização demandou tempo considerável
da pesquisa, no entanto, foi imprescindível para realização de outras fases de estudo. Além
disso, entende-se que o material histórico catalogado pode introduzir pesquisadores(as)
educacionais nas temáticas da escola do século XIX.
Figura 2 - Características da Estrutura Curricular elaboradas por Sacristán (1998, 2000).
Conteúdos:
Explícitos e ocultos
Currículo
Meios de
organização:
Tempos de
aprendizagem (Classes,
Séries), Métodos e
Materiais de Ensino.
Meios de
Avaliação:
Avaliações feitas pelos
professores e externas
Currículo
Currículo
52
1.3.1 A estrutura curricular e os documentos de reconstrução do ensino e da formação
docente.
O campo curricular é elemento privilegiado para apreciação das contradições entre o
currículo prescrito e as práticas vivenciadas em sala de aula. Sacristán (1998, p. 137) proe
que “para conhecer o currículo é preciso ir muito além das declarações, da rerica dos
documentos, ou seja, ficar muito mais próximo da realidade.”
Na análise de projetos curriculares, tentou-se ultrapassar a perspectiva do produto final
escrito na lei, agregando ao estudo outras fontes de compreensão da escola primária imperial,
no reconhecimento das contradições entre as intenções das diretrizes potico-administrativas
educacionais e as práticas do ambiente escolar.
A leitura e interpretação dos documentos de caracterização da instrução primária
fundamentam-se no currículo como prática, na perspectiva delineada por Sacristán (1998,
2000), que expressa distintamente cinco fases
39
de desenvolvimento da estrutura curricular.
Figura. 3. Fases da estrutura curricular - Elaborado a partir de Sacristán (2000).
39
Terminologia empregada por Sacristán (1998; 2000) para se referir às cinco etapas da estrutura curricular.
O Curículo PRESCRITO E REGULAMENTADO
(Âmbito de decisões políticas e administrativas)
O currículo PLANEJADO para professores e alunos
Práticas de desenvolvimento, modelos em matérias, guias,
livros-textos
O currículo ORGANIZADO no contexto de uma escola
Práticas organizativas
O currículo EM AÇÂO
Reelaboração na prática: no pensamento e no plano dos
professores/as
O currículo AVALIADO
Práticas de controle, internas e externas
Condições Escolares
Campo econômico, político, social, cultural e
administrativo
53
A estrutura curricular apresenta práticas específicas que, embora em contextos
distintos, devem manter relão constante entre si. Um exemplo disso, são as práticas de
decisões poticas e administrativas centrais pertencentes à fase inicial da estrutura curricular.
As práticas devem ajustar-se às condições escolares, caso contrário não ultrapassarão o plano
das idéias.
A seleção de documentos históricos deve aproximar a realidade, com o intuito de
proporcionar olhares distintos acerca do desenvolvimento da estrutura curricular. Nesse
sentido, buscou-se reconstruir os conhecimentos acerca das formas de organização escolar
de ensino primário no Ceará dos anos oitocentos e seus possíveis vínculos com processos
formativos de professores, por meio de documentos relativos às distintas fases da realidade
da escola.
Para a escolha das fontes foi considerado, principalmente, o limite evidente de
caracterização do currículo como prática no século XIX. Nessas circunstâncias, durante o
percurso metodológico, procurou-se por documentos que revelariam o currículo pela ordem
decrescente de aproximação, conforme a referência apresentada no Esquema explicativo das
fases do projeto curricular:
Leis de orientações curriculares do Estado Imperial e da província cearense;
Relarios de diretores da instrução pública que caracterizam o ensino primário e os
processos formativos dos seus professores;
Ocios de professores primários que caracterizam conteúdos e meios de organização
do ensino (tempo de aprendizagem, métodos e materiais pedagógicos), contendo
detalhes do currículo em ação;
Artigos jornalísticos com posicionamentos de cidadãos cearenses, sobre a escola
primária pública e suas práticas.
Livrostextos, com conteúdos do processo ensino-aprendizagem.
Exames de capacidade de professores primários, que revelam vínculos ou o entre o
processo formativo e o currículo, de modo especial em relação aos conhecimentos
exigidos no seu processo de habilitação;
54
Exames realizados pelos professores para aferir o processo de ensino pelo sistema
escolar.
À luz das concepções e práticas do campo da História Nova e do Currículo, enquanto
construção social e cultural, cumpre, agora, compreender a organização do ensino na escola
provincial primária cearense, na perspectiva dos vínculos e significados em relação à
formação dos docentes. Para facilitar esta compreensão, o estudo focalizará aspectos relativos
aos contextos e textos político-administrativos (central e local) da instrução primária, na
segunda metade do século XIX.
55
2 CONTEXTOS E TEXTOS LEGAIS DA ESCOLA PRIMÁRIA NO CEARÁ
PROVINCIAL
Não é suficiente analisar o texto; é preciso
examinar o contexto. Não basta ler nas linhas;
é necessário ler nas entrelinhas.
SAVIANI
Este capítulo discute momentos da tessitura do ensino primário no Estado imperial
brasileiro
40
e no Ceará provincial. Toma, por base, as concepções da História Nova e seu
olhar renovador do objeto e dos documentos históricos, assentando-se na compreensão do
currículo como processo e sua possibilidade de diálogo entre a teoria e prática.
Para o conhecimento do contexto brasileiro, na segunda metade do século XIX, optou-
se pelos estudos de Faoro (1989) e Carvalho (1996). Na constituição da história local desse
período, são considerados os estudos de Girão (1953) e Sousa (1994). De igual modo, as
contribuições de Primitivo Moacyr (1937), Almeida (1989), Saviani (2001), Faria Filho
(2003) e vero (2005) são escolhidas como referências ao conhecimento de poticas
educacionais nacionais. As análises de Castelo (1970); Vieira (2002), Olinda (2004) e
Documentos (2006), por sua vez, contribuem para o entendimento da política local.
Conforme observado no capítulo anterior, para a reconstrução dos contextos
educacionais, são examinados os seguintes documentos históricos: relatórios provinciais, o
livro Instrução Pública no Brasil, do conselheiro José Liberato Barroso (1867), representando
o ideário dos administradores e poticos blicos do Estado brasileiro desse interstício; e, as
leis educacionais, fontes históricas imprescindíveis de reconstrução histórica das práticas
escolares.
40
Período que compreende as seguintes fases: o Primeiro Reinado (1822-1831), as Regências (1831-1840) e o
Segundo Reinado (1840-1889).
56
Assim, por meio do exame contextualizado dos documentos históricos, explicitam-se
os contextos e as práticas poticas e administrativas (nacionais e locais) da escola blica
primária. Examina-se, inicialmente, o cenário do Ceará provincial, apresentando, de forma
sintética, os elementos estruturais do Estado imperial e suas implicações na conjuntura local e,
conseqüentemente, na organização do ensino e da escola. No segundo momento, deste
capítulo, são analisadas as bases legais da educação nacional e local e suas diretrizes
referentes às formas de organização do ensino e aos modelos formativos dos professores
primários da segunda metade do século XIX.
2.1 A província cearense no Estado imperial brasileiro: estrutura socioeconômica.
O Estado imperial brasileiro baseia-se no modelo agrário-exportador (café) no sistema
escravagista, gerando uma sociedade patriarcal, escravocrata e ruralista, detentora do poder
político e econômico. Segundo Lima (1994), o café, a partir da segunda metade do século
XIX, constitui, ao lado do comércio interprovincial de escravos
41
, o principal produto da
economia do País.
O café, por tratar-se de produto agrícola que exige condições naturais próprias de
cultivo, não é cultivado em todo o território brasileiro. A produção ocupa províncias cujas
condições de clima e solo favorecem o cultivo, como as de Minas Gerais, São Paulo e Rio de
Janeiro. No Cea, cultiva-se o café em regiões serranas, com a temperatura e a pluviosidade
procias, como as das serras de Baturité, Aratanha, Maranguape, Uruburetama, Serra Grande
e Araripe
42
.
A província cearense excluída do ciclo do café está classificada como província de
relevância intermediária e de setor econômico periférico. Sua produção baseia-se na
agricultura e no comércio interno de carne, couro e cultura de algodão que é, a partir da
segunda metade do século XIX, fator de desenvolvimento econômico, ao conquistar o
mercado externo, principalmente, o norte-americano.
41
O tráfico internacional de escravos foi proibido pela Lei Eusébio de Queiroz em 1855, restando apenas o tráfico
interno.
42
Registra-se que, mesmo sendo produzido em pequena escala, devido à escassez de terra para a cafeicultura,
o café se destaca na economia provincial do período (LIMA, 1994, p.100).
57
A produção pecuarista, predominante nos séculos XVII e XVIII, representa o sustento
da população sertaneja que economicamente “exporta seu gado abatido transformando em
carne seca salgada e em couro, abastecendo o mercado interno da carne e do couro” (GIRÃO,
V.,1994, p. 65). Essa estabilidade ecomica é alterada pelas crises climáticas constantes que
causam grandes prejuízos a esse setor. A condição climática, assim, reestrutura a produção
econômica que passa da indústria da carne
43
para a agricultura e indústria de transformação de
exportação do algodão
44
.
No Ceará provincial, a estrutura econômica e social o se constitui na mesma ordem
de proncias que têm, no café, o centro da produção econômica. Em torno do ciclo cafeeiro,
são definidas posições sociais próprias da sociedade rural escravista, composta por
proprietários de grandes latifúndios, poticos, altos funcionários públicos, eclesiástico,
militares de alta patente e intelectuais, exceto o restante da população livre, constituída de
pequenos funcionários públicos, comerciantes, militares.
As posições sociais, na organização escravista, são hierárquicas, sem mobilidade e
representatividade potica. Sua organização básica fundamenta-se na manutenção da
representação desigual entre grupos, e no uso do Estado como provedor do status de grupos,
como políticos e proprietários rurais e comerciantes do café. Na ordem social escravista, o
Estado representa, na figura do Monarca, os interesses do mercado comercial e da classe
dominante-dirigente.
Diferente do modelo escravista, a sociedade rural agropastoril segue o modelo de
parceria e não de escravidão (ARAÚJO, 1994; BORZACCHIELLO, 1994). Para exemplificar
a posição social, no contexto sertanejo, tome-se o vaqueiro que, pela produção pecuarista, a
remuneração é “feita com a instituição da quarta, que consistia no pagamento de uma cria de
gado dentre quatro que nascessem. Essa forma permitia que o vaqueiro se tornasse parceiro nos
resultados da produção.” (ARAÚJO, 1994, p. 109).
Além de definir estruturas econômicas diferenciadas, as condições geográficas, em
especial, as de períodos de estiagem, influenciam, sobremaneira, no modelo de ocupação
territorial. A ocupação do espaço cearense caracteriza-se, na segunda metade do século XIX,
43
Já no século XVIII, as chamadas Oficinas, Charqueadas ou Feitorias, instaladas nos estatuários dos rios
Jaguaribe, Acaraú e Coreaú, de beneficiamento da carne bovina, possibilitam o surgimento de núcleos urbanos.
A indústria da carne promoveu o progresso de vilas da província como Sobral, Aracati, Granja e Acaraú.
44
As condições climáticas do sertão favoráveis ao cultivo do algodão redefinem um novo ciclo social e
econômico para o Ceará que substitui, paulatinamente, o setor pecuário e da sua indústria de transformação.
58
pelo movimento migratório do sertão para o litoral, que tem como causas principais: fuga da
população sertaneja para o litoral por causa de secas rigorosas
45
e a instalação de bricas de
beneficiamento de algodão e do porto de Fortaleza
46
.
As indústrias de transformação de produtos agrícolas (algodão), e o porto promovem a
capital da província a centro coletor de produtos agrários do interior, determinando mudanças
significativas no modelo econômico e na estrutura social cearense (BORZACCHIELLO,
1994).
A riqueza oriunda da exportação do algodão, no entanto, não à população melhores
condições de vida. Os municípios, localidades e vilas, que convivem com o flagelo da seca,
sofrem com os problemas de abastecimento d‟água e epidemias, como a varíola, que causa
milhares de mortes
47
. A província é pobre, os poucos bens gerados são propriedades de um
seleto grupo que domina política e economicamente.
O Ceará do século XIX diferencia-se na organização do modo de produção e na
estrutura da sociedade rural do modelo agrário-exportador e escravista do Estado imperial.
peculiaridades da sociedade, da geografia e da economia que configuram um cenário próprio
com conseqüências para o modelo escolar. Assim, a influência das estruturas o é tão direta,
pois elementos da conjuntura imperial nacional não se concretizam, de fato, na realidade
provincial.
2.2 A província cearense no Estado imperial brasileiro: estrutura potico-administrativa
A organização jurídico-potica do Brasil independente está configurada na
constituição de 1824, que institui a forma de governo monárquico-hereditária, constitucional e
45
Esse movimento migratório é notório a partir da seca de 1845, no entanto, é na estiagem dos anos de1877 a
1879 que acorre um dos maiores êxodos do século XIX. Essa seca traz para Fortaleza, cerca de 250.000
sertanejos fugindo dos lugarejos das províncias e de suas circunvizinhas que não ofereciam condições mínimas
de sobrevivência (GIRÃO, 1953).
46
A partir do emprego dos navios a vapor, após 1860, o porto do Aracati torna-se inviável à navegação.
Fortaleza, assim, assume o papel de pólo de beneficiamento dos produtos agrários das cidades do interior,
principalmente do algodão e de exportação através do seu porto.
47
Segundo Girão (1953), esse vírus chega a infectar 80.000 pessoas em um único dia no ano de 1878, levando
a óbito mil e nove (1009) vítimas diárias, somente em Fortaleza.
59
representativo (ARAÚJO, 1994)
48
, e pelo Ato Adicional de 1834, que descentraliza para as
Assembléias Provinciais a responsabilidade de organização legal da economia, potica
municipal e ramos blicos, como da instrução primária e secundária
49
. Os preceitos legais
asseguram, no período imperial, as bases fundamentais de ações poticas e de administração
pública e a efetivação e a manutenção do modelo econômico e social vigente.
A estrutura jurídica, potica e administrativa imperial come-se dos poderes:
Judiciário - representado por juízes e jurados; Executivo - exercido pelo imperador que
também detém o quarto poder, o Moderador, e os ministros de Estado e o Legislativo
composto de Assembléias Províncias, Câmara de Deputados e Senado que, por meio de
eleições indiretas
50
, escolhem os representantes provinciais para provimento de cargos, de
acordo com o sistema eleitoral.
A população das localidades, reunida em assembléia, designava os
compromissários, aos quais competia nomear os eleitores de paróquia. Os
eleitores de paróquia, reunidos na sede da comarca, escolhiam os eleitores
de comarca, que, na capital da província, elegiam os deputados (FAORO,
1989, p. 366).
A representação potica pelo voto indireto, vinculado à renda de eleitores (voto
censitário), não passa, no regime imperial, de relações de trocas de serviços e favores entre
eleitores e candidatos. Além do favorecimento pessoal para fins eleitorais, causador de vícios
ainda hoje praticados no sistema potico-partidário-brasileiro, o modelo eleitoral de caráter
excludente e elitista representou, tacitamente, a dominação das elites centrais e locais (política
e econômica), sobre o restante da população livre. No Estado imperial desde a reação
centralizadora de 1837 até o último ato de 1889, o sistema representativo será a imensa cadeia
do cabresto e do comando da vontade do eleitor.” (ibid., 1989, p. 375).
Na organização potico-partidária, dois partidos: o Conservador, que defende leis
de centralização da Carta Constitucional de 1824, e o Liberal, partidário da descentralização
48
Essa estrutura política consegue alcançar o êxito esperado, somente após 20 anos, desde a Independência
onde encontra as condições estruturais (políticas, econômicas e sociais) propícias à ordem e ao progresso da
nova nação.
49
Outro fundamento legal do Estado Imperial é a Lei da Interpretação de 1840 que retoma no Estado monárquico
o modelo centralizador para viabilização da estrutura socioeconômica escravista.
50
Esse sistema transplantado do modelo eleitoral português e espanhol tem vigência até a República, com
algumas modificações na forma de administração do pleito (instruções eleitorais de 1842): diminuição da
circunscrição eleitoral de deputado, desligamento da junta de qualificação e mesas das assembléias paroquiais
de obediência ao governo (Lei de 19 de setembro de 1855). (FAORO, 1989)
60
do modelo jurídico e político do Ato Adicional de 1834. Concorrentes nessas questões
51
, os
partidários representam a população nos três poderes (Judiciário, Legislativo e Executivo) do
Estado nacional.
No Ceará, a organização política é mantida com os liberais, chamados de chimangos; e
os conservadores, denominados de caranguejos. Os objetivos dos partidos, mais que
ideológicos, primam por assegurar a hegemonia de oligarquias rurais, pela demarcação de
domínios territoriais e, conseqüentemente, políticos, dos redutos eleitorais
52
. De modo que
estar num ou noutro partido, numa ou noutra facção, era expediente para atingir objetivos
pessoais, virias eleitorais, empregos para parentes e afilhados, etc (ARAÚJO, 1994, p.
119). Ratificando esse posicionamento, Vieira (2002, p. 79) afirma que o Ceará “atravessa o
Segundo Reinado sob a hegemonia das oligarquias rurais tradicionais, que se organizam
politicamente entre liberais e conservadores.”
Peça fundamental da potica administrativa imperial são os presidentes de províncias,
representantes da estrutura do poder executivo local, que ajustam interesses locais aos da
Corte. “Agente de confiança do chefe do Ministério movimenta a máquina na província,
organiza as molas da qualificação e da eleição, comanda os bonecos eleitorais, inclusive os
potentados rurais.” (FAORO, p. 377).
Em estudo sobre a elite potica imperial Carvalho (1996, p. 109) ressalta a figura dos
presidentes e suas funções poticas e administrativas:
Era um cargo importante uma vez que dele dependia a vitória do governo
nas eleições. Mas mesmo em períodos não eleitorais o presidente conserva
atribuições importantes, uma vez que controlava nomeações estratégicas
como a dos promotores, delegados e subdelegados de polícia e oficiais
inferiores da Guarda Nacional.
O cargo de presidente provincial é tão estratégico na estrutura organizacional da
administração imperial que o governo central organiza um modelo administrativo de
treinamentos, fundamentado no princípio de circulação interna de informações
53
. Assim, esse
51
Os partidos políticos do império surgem nos anos 30 e início dos anos 40 do século XIX. (ARAÚJO, 1994).
52
As lutas partidárias entre esse dois grupos são acirradas na província, resultantes em especial dos ranços
oriundos da Confederação do Equador. Exemplificando as cismas políticas do período verifica-se, na
administração de José Martiniano de Alencar, conflitos armados entre conservadores na Vila de Sobral e o
presidente partidário dos liberais (GIRÃO, 1953).
53
Pelo projeto de circulação geográfica de cargos de 1860, é determinado como requisito para administração
das mais importantes províncias (Rio de Janeiro, Minas Gerais, Pernambuco, Rio Grande do Sul e Pará) haver
61
agente blico exerce um papel significativo na unificação ideológica e administrativa do
modelo hegemônico imperial.
O modelo administrativo de circulação geográfica, no Ceará, traz, como conseqüência,
grande mobilidade do cargo
54
. No quadro de dirigentes, entre 1836 e 1889, constatam-se
quarenta e dois presidentes, em administrações que não ultrapassavam dois anos, chegando
alguns a permanecer no cargo por poucos meses (GIRÃO, 1953). A grande mobilidade
prejudicava o lado administrativo, mas, sem vida, contribuía para fornecer experiência de
conhecer melhor o país e desenvolver perspectivas menos provincianas.” (CARVALHO,
1996, p. 110).
Tem-se, então, o recurso de formação em serviço para unificação geográfica pelas
ações administrativas. O treinamento determina relação tácita, direta, na formação do Estado
brasileiro, pois a “homogeneidade de cunho ideológico e de treinamento reduzia os conflitos
intra-elite e fornecia a concepção e a capacidade de implementar um determinado modelo de
dominação potica. (ibid., 1996, p. 18).
A homogeneidade das ações da elite potica é conseqüentemente da formação
jurídica, do modelo de treinamento do funcionalismo blico e do isolamento ideológico, em
relação a doutrinas revolucionárias, engendra ações comuns às estruturas poticas e
administrativas. Assim, no Brasil, “essa elite se reproduziu em condições muito semelhantes
após a Independência, ao concentrar a formação de seus membros em duas escolas de direito,
ao fazê-los passar pela magistratura, ao circulá-los por vários cargos e por várias províncias.
(ibid., 1996, p. 34).
No Ceará, além do modelo de formação/treinamento da elite potica para minimizar
conflitos sociais, segundo Montenegro (1992), observa-se o papel dos intelectuais tradicionais
que ajustam as doutrinas revolucionárias (positivista/liberal) aos moldes menos radicais.
Desta forma, os preceitos modernos mais radicais não atingem as instituições e normatizações
legais da província.
primeiro passado pelas de menor peso. Esse projeto é um passo importante de unificação do espaço geográfico
brasileiro (CARVALHO, 1996).
54
A grande mobilidade de cargos também é justificada na função que cumpre de premiação dos amigos, pois os
ministros, responsáveis diretos pela indicação dos presidentes, usam deste recurso para a manutenção dos seus
domínios partidários e políticos (CARVALHO, 1996).
62
Feita esta exposição inicial das estruturas e dos contextos do Estado imperial e da
província do Ceará, situa-se a temática da instrução pública, considerando esse macro-
contexto e as influências no modelo de escola pública primária cearense.
2.3 Os textos legais para a organização curricular e formação docente
As leis e regulamentos da instrução pública são fontes imprescindíveis de
reconstrução do modelo escolar primário provincial, uma vez que ordenam as relações sociais
e o ensino do referido período histórico (FARIA FILHO, 1999).
O estudo mais acurado da organização do ensino revela um surpreendente e extenso
arcabouço de resoluções, leis e regulamentos que regem a Instrução Primária na segunda
metade do século XIX. No entanto, a abrangência legal não significa que as intenções tenham
se concretizado no ambiente escolar.
Os projetos oficiais da escola imperial não ultrapassam, muitas vezes, os discursos e
os feitos são limitados. Vieira (2002, p. 24) corrobora com essa posição ao dizer que “às
escolas de primeiras letras, no passado, nunca se imprimiu um caráter prioritário, senão pela
declaração de intenções que, no mais das vezes, não ultrapassava o papel.”
Em exame mais apurado das legislações nacional e local, é possível perceber que as
leis cearenses não são anacrônicas, pelo contrário, as intenções estão muitas vezes à frente de
orientações do município neutro (corte). Os intelectuais cearenses, provavelmente, são os
principais responsáveis pela atitude inovadora, buscando, nas literaturas educacionais
nacional e internacional, modelos de escola primária em formação. Cita-se, em especial, o
padre Thomaz Pompeu de Sousa Brasil, primeiro diretor do Liceu e da Instrução Pública
55
,
que teve importante papel na organização do sistema de ensino no Ceará.
55
Segundo Girão (1953, p.159), esse ilustre cearense “de invulgar erudição, bacharel em direito, professor,
jornalista, parlamentar, chefe da política liberal que dirigia, através do jornal “Cearense, alteou-se no nível geral
dos homens da cultura da época e o seu nome se impôs como orientação firme em todos os setores da vida da
província. Thomaz Pompeu de Sousa Brasil, conforme os documentos examinados, foi diretor da Instrução
Pública nos anos de 1848, 1849, 1851, 1852, 1853, 1854, 1855 e 1856.
63
Exemplo de vanguardismo educacional da província cearense é a Lei Nº 507, de 27
de dezembro de 1849, que apresenta aspectos inovadores na adoção do método simultâneo
56
e
na organização do tempo de aprendizagem de alunos da instrução primária em categoria
57
.
Essas inovações somente seriam apresentadas seis anos depois, na Reforma da província do
Rio de Janeiro, elaborada pelo Ministro Couto Ferraz.
É importante ressaltar que a delimitão de exame das leis educacionais da segunda
metade do século XIX deve-se, principalmente, às intenções potico-administrativas, a favor
do sistema único de ensino imperial, mediante questões técnico-pedagógicas. Assim,
compreende-se, com SAVIANI (2001), que a idéia de sistema de ensino no Brasil começa a
se delinear, inicialmente, a partir do Regulamento de 1855, decorrente da reforma Couto
Ferraz, quando se encontram presentes as propriedades
58
de um sistema de ensino em
formação.
2.3.1 Reformas da instrução primária da segunda metade do século XIX
A Lei 507, de 27 de dezembro de 1849, é a primeira diretriz para exame das
reformas primárias realizadas na segunda metade do século XIX. Sancionada pelo presidente
da província, Fausto Augusto de Aguiar, as bases apresentam evidências de período de
transição entre as novas propostas da década de cinqüenta e as antigas orientações, em
especial, da Lei de 1827
59
.
A lei inova ao estabelecer que as escolas devem seguir o método simulneo de escrita
e leitura e de organização do ensino. Propõe novo tempo de organização da aprendizagem,
segmentando os conteúdos primários em duas categorias, segundo o grau de adiantamento dos
alunos. Classifica-se, então, a instrução primária em escolas de categoria, para o ensino
56
Método aplicado a partir da segunda metade do século XIX no Ceará, que caracteriza-se pela organização
dos alunos em classes homogêneas, considerando o nível de conhecimento do aluno.
57
Organização do período que classifica o ensino primário em duas categorias ou níveis: o elementar e o ensino
mais adiantado.
58
As propriedades da natureza de um sistema de ensino são: o padrão, oficial ou privado; o grau de ensino:
primário, médio, superior; a natureza do ensino, comum ou especial; o tipo de preparação, geral, semi-
especializado ou especializado e os ramos de ensino, comercial, industrial, agrícola, etc.
59
As orientações educacionais da Lei de 1827 são seguidas pelas províncias nas orientações no magistério
primário e da seleção de conteúdos a serem ministrados pelos professores na escola primária, até a Reforma de
1855.
64
mais elementar da leitura, escrita, contagem e da doutrina cristã; e escolas de categoria,
para o ensino de gramática da língua nacional, elementos de geografia e sistema decimal de
pesos e medidas.
A Lei de 1849 estabelece ações administrativas e pedagógicas que visam,
essencialmente, à uniformização do ensino. Nessa perspectiva, é criado o cargo de inspetor
geral, vinculado à diretoria do Liceu, para o exercício de gerência da instrução pública e são
estabelecidos procedimentos de adoção de livros-textos.
À medida que aumenta a demanda escolar
60
, o Estado procura estabelecer mecanismos
de controle do ensino cada vez mais aprimorados nas prescrições. Por isso, diferentemente das
reformas da primeira fase do governo imperial, as mudanças educacionais da segunda metade
dos anos mil e oitocentos são constituídas por um conjunto de Regulamentos de Instruções
Primárias, Regimento Interno das Escolas Públicas e Instrões e Resoluções.
Nas leis educacionais, indicam-se direcionamentos minuciosos de atividades e
conteúdos da rotina escolar
61
. Espera-se pela organização de aspectos técnico-pedagógicos
que a escola exerça a função de transmissora de cultura comum, essencial para a nação em
formação e para a hegemonia da elite sociopolítica e econômica do Brasil imperial.
Exemplo do controle administrativo realizado pela Diretoria de Instrução Pública
provincial são as diretrizes estabelecidas nas Instruções de 10 de Julho de 1853
62
, elaboradas
na administração de Tomaz Pompeu de Sousa Brasil
63
. Em seus capítulos há orientações
específicas para a seleção de conhecimentos; sugestões para aplicação de métodos e divisão
dos alunos em classes e indicações de comndios e livros de leitura para o ensino. Suas
diretrizes sugerem até os tipos de mobília e estabelecimentos para o ensino primário.
No âmbito nacional, a partir dos anos 50, do século XIX, administradores públicos e
políticos, além de decidirem sobre programas curriculares, propõem, para o controle de
questões educacionais, modelos mais elaborados para a gestão do sistema educacional. Essa
60
Os dados dos relatórios dos presidentes apresentados à Assembléia Legislativa até1854 revelam que, entre os
anos de 1845 a 1854, o número de matriculas sobe de 1.332 para 2.433. Isso corresponde a um crescimento de
82,6% para o intervalo de 10 anos. Segundo Thomaz Pompeu de Souza Brasil, esse mero está longe do
atendimento ideal, que seria por volta de 100 mil crianças e jovens no ano de 1855, considerando a população
livre de 300 mil almas. (Relatórios do Diretor da Instruçãoblica-1863-1874, APEC)
61
No exame das prescrições de 1855-6 e 1873-74 nota-se que as mesmas determinam a os livros que devem
ser adotados, chegando à normatização de atitudes e comportamentos dos alunos e professores nas aulas
públicas.
62
Ver a análise das Instruções de 10 de julho de 1853 em Castelo (1970, p.98) e Primitivo Moacyr (1939, p.321).
63
Essas diretrizes têm como base a Lei N.º 607, de 15 de Novembro de 1852.
65
característica pode ser percebida nas diretrizes educacionais das reformas de 1855 e 1873 na
província cearense.
O Regulamento da Instrução Primária e Secundária, de 17 de fevereiro de 1854, do
ministro do Império, o conselheiro Luiz Pedreira do Couto Ferraz, configurou o modelo
organizativo do sistema escolar nas províncias brasileiras.
A esse respeito, Almeida (1989, p.143) diz o seguinte:
Entre s, pode-se dizer com segurança; as leis a este respeito, depois de
1854, estão à frente dos costumes. Os quadros reguladores o o que menos
faltam à instrução. A lei desejada pelo imperador, elaborada pelo Visconde
de Bom Retiro, teve a felicidade de se tornar uma lei orgânica, que o tempo
consagrou e a experiência o modificou, a não ser em aspectos acessório:
nas proporções em que foram calculadas antecipam as necessidades ao invés
de ficarem aquém delas. Trata-se, pois, hoje, de como se desenvolver no
meio das populações, no espírito coletivo das assembléias provinciais, o
gosto pelos serviços para os quais esta lei foi dada.
Feita a devida restrição ao discurso enaltecedor do autor, a Lei representou relevante
papel na uniformização da organização do ensino pririo nas províncias, revelado pela
Resolução de de 665, de 04 de outubro de 1854, que no Art. 1º, estabelece que a reforma
da instrução primária da província cearense deve seguir o Regulamento expedido pelo
município neutro do Rio de Janeiro.
As intenções principais do Regulamento de Instrução Primária e Secundária de 1854,
Reforma Couto Ferraz, dizem respeito às seguintes questões:
possibilidade de assegurar uma melhor organização do ensino com a divisão da escola
primária de primeiro e segundo graus;
definão de novas exigências de ingresso na profissão, por meio de provas de
capacidade profissional;
formação inicial pelo modelo prático do professor adjunto;
ruptura oficial da organização do ensino pelo Método tuo, vigente na legislação do
país, desde 1827.
Com orientação de Tomaz Pompeu de Souza Brasil, a diretoria da Instrução Pública
reforma a instrução pública cearense, pelo Regulamento do Município do Rio de Janeiro, de
66
1854
64
. Todavia, essa regulamentação somente é aprovada em caráter definitivo na
presidência de Francisco Xavier Paes Barreto
65
, em 22 de outubro de 1855.
O Regulamento da Instrução Pública prescreve no Capítulo I, Art. 13, a forma de
organização do ensino primário em dois graus: o primeiro grau ou instrução elementar; e o
segundo grau, a instrução média. Nessa normatização é estabelecido que as escolas apliquem
o ensino pelo Método Simultâneo, salvo quando o número de alunos for muito reduzido ou
por circunstâncias especiais quando o diretor optar pela adoção de outro método.
O Regulamento de 1855 seleciona conteúdos de cada grau da instrução primária.
Compreendem os conteúdos do primeiro grau: instrução moral e religiosa, leitura e escrita,
noções essenciais de gratica nacional, princípios de aritmética com a prática das quatro
operões em números inteiros, quebrados, decimais e complexos, até proporções e o sistema
usual de pesos e medidas da província e Império.
As matérias do ensino primário do segundo grau compreendem os conteúdos
precedentes do ensino elementar que constam de: Gramática Nacional, elementos de
Geometria Plana, noções de Geografia e História, principalmente do Brasil; leitura explicativa
dos Evangelhos e noções da História Sagrada. Também é sugerido o ensino da Música e do
Desenho Linear.
Os conteúdos do ensino primário para as escolas femininas de segundo grau são os
mesmos das de sexo masculino, com exceção de conhecimentos de números complexos e
quebrados ordinários, substituídos pelo ensino de agulhas e outras prendas domésticas.
O tempo de aprendizagem da escola primária é organizado em classes, conforme o
nível dos alunos e das alunas, com a distribuição dos trabalhos diários em turnos: matutino
(8h às 11h e 30min.) e vespertino (15h às 17h e 30min).
Em 1856, o Regimento Interno Provisório determina que os alunos das aulas primárias
sejam organizados em até oito classes. A mais adiantada corresponde à classe e a mais
atrasada à classe. Como critério de divisão de classes, tem-se o nível de ensino de
conteúdos e matérias. À medida que os alunos passam de uma classe inferior a outra de nível
64
Conforme estabelece, a Lei provincial de Nº 42, de 02 de Janeiro de 1855.
65
Segundo Girão (1953) Francisco Xavier Paes Barreto foi presidente da província cearense de 13 outubro de
1855 a 26 de março de 1857.
67
mais avançado, são determinadas novas matérias. O ensino da classe mais adiantada está sob
a responsabilidade do professor e as outras, de adjuntos ou decuriões
66
.
Cabe ao professor apreciar os avanços da instrução registrando, mensalmente, o
adiantamento de cada aluno no livro de matrícula, na organização dos trabalhos escolares. O
registro consta de notas convencionadas para aferição da índole, inteligência/habilidade e
comportamento.
Quadro IX
Aspectos da avaliação dos alunos primários
Fonte: Instrões para a Escola Primária de um e outro sexos, de 08 de abril de 1856.
Além da avaliação de processo, as instruções propõem que o professor indique os
alunos prontos para os exames gerais de matérias primárias, sempre no final de novembro ou
início de dezembro de cada ano. Conforme o Art. 65 do Regulamento de 1855, “versarão os
exames sobre as matérias que constituem a instrucção primaria, e poderão ser feitos tanto por
palavras, como por escripta, dando aos alumnos assumptos fáceis para composição”.
O zelo pela higiene dos alunos, para conservação da saúde do corpo e da mente, é
outra função sugerida nas diretrizes educacionais para a prática do professor primário do
período. O papel de guardião da saúde dos alunos é expresso no Art.20:
Sendo o asseio, quer na pessoa, quer nos vestidos, uma boa regra de higiene,
que tem por fim conservar a saúde do corpo, e que influe também sobre a
moral, deve o professor, que é também director, de seus discípulos, vigiar
que estes se apresentem diariamente limpos, tanto no corpo, como nos
vestidos, entendendo-se a este respeito com os pais, ou encarregados dos
mesmos.
A disciplina dos alunos e a rotina estão determinadas no Regulamento Geral das
Escolas Primárias, de 14 de Abril de 1856. À chegada à escola, os alunos devem saudar o
professor e pôr o chapéu no cabide e, silenciosamente dirigirem-se a seus lugares. Quem falta
66
Essa terminologia é característica da organização do Sistema Mútuo ou Lancasteriano. Sua função consiste em
controlar os alunos das classes menos adiantadas, auxiliando o trabalho do professor.
ASPECTO AVALIATIVO
VALOR
Índole
Boa
Inteligência
Pouca - Regular - Muita
Comportamento
Bom - Mau
68
às aulas deve trazer a comunicação com a justificativa da família. Se não o fizer, deve ser
punido pelos professores. Não é permitido o uso de livro não adotado pelo conselho diretor
67
,
falar ou sair sem licença do professor.
O regulamento prescreve o tratamento de professores e professoras, em aulas, com os
discentes. Os vínculos interpessoais devem ser suprimidos e os docentes devem manter
tratamento formal e impessoal com alunos e alunas:
Art. 89. O professor nunca tratará seus discípulos por tu; nem com eles se
familiará, quanto os trate com amor.
Art. 90. O professor deve abster-se o mais possível de falar quando der
ordens a seus alunos, devendo substituir a palavra por sinais, com a prática
nas escolas do ensino mútuo (CEARÁ, 1856).
Muitas intenções de regulamentação da organização do ensino não ultrapassam o
discurso oficial. A demora na realização de propostas é evidente, em descompasso com o
discurso e as práticas do ensino. É o caso do ensino primário de segundo grau sugerido na lei,
que somente começa a funcionar em abril de 1869, 14 (catorze) anos após o início de sua
vigência.
Transcorridos quatro meses da publicação do Regulamento de 1855, a diretoria da
Instrução Pública divulga, pela Portaria, de 21 de maio do ano corrente, direcionamentos
administrativos para Verificação de Capacidade para o Magistério e Provimento das Cadeiras
Públicas da Instrução Primária.
É interessante ressaltar que a Lei provincial, de dezembro de 1849, proe o exame
de habilitão como requisito de admissão ao cargo de professor. Contudo, somente na
Reforma de 1855, são explicitadas as estratégias de operacionalização do modelo de
habilitação profissional. Comentando a proposta, o presidente da província, Fausto de Aguiar,
em relatório de 1850, transcrito da publicação de Primitivo Moacyr (1939, p.318), tem a
seguinte posição sobre as provas dos exames de capacidade profissional:
nela uma lacuna, quando se limita a exigir, nos exames de admissão dos
candidatos, somente provas de capacidade intelectual, nada estatuindo sobre
a aptidão para o ensino. Si em geral é certo, que para se ensinar com fruto
não basta que se possuam os conhecimento necessário, mas é também e,
sobretudo indispensável que se tenha o talento de os transmitir
convenientemente, sobre a importância desta habilitação, quando se trata de
67
No Regulamento de 1855,
o Conselho Diretor é um componente da organização administrativa do Sistema
Educacional da província cearense. É composto pelo diretor geral, pelo professor mais antigo do Liceu, e de
mais 02 do mesmo Liceu e um primário, designado pelo presidente, no principio de cada ano; e de mais 02(dois)
membros também anualmente nomeados pelo presidente, totalizando 07(sete) membros.
69
cultivar e dirigir a inteligência e a alma na idade em que apenas começam a
desenvolver-se.
Estão, nas Instruções para o Exame de Capacidade, os passos dos candidatos que
desejam o título de magistério de ensino primário. A pessoa, para habilitar-se ao magistério,
deve ser cidadão brasileiro e comprovar inicialmente a maioridade legal
68
, apresentar folha
corrida dos lugares em que residiu, pelo menos, no intervalo de 03 anos, atestado de conduta
moral do pároco e certificado dos estudos práticos, por três meses, em escolas da capital da
província, do ensino primário de primeiro Grau (instrução elementar) e/ou de segundo Grau
(instrução dia) pelo professor titular. Os candidatos devem provar a capacidade
profissional, mediante exames orais e escritos. Desta forma, adquirem a habilitação para o
exercício profissional, nos setores público e particular.
O aspirante ao título solicita, primeiramente, em requerimento ao diretor da Instrução
Pública, o exame de capacidade encaminhado ao presidente da proncia que, em seguida,
nomeia a comissão julgadora das habilitações para o ensino, ou capacidade profissional do
candidato.
Os exames de capacidade acontecem em sala do Liceu, presididos pelo diretor da
Instrução Pública, que depois concede aos concorrentes os títulos de magistério de ensino
primário de primeiro ou de segundo graus. As provas são anunciadas 15 (quinze) dias antes
do pleito, garantindo a publicidade e confiabilidade de diferentes setores da sociedade.
Podem ser examinados um ou mais pretendentes ao mesmo tempo, e cada examinador,
pode argüir, pelo menos por meia hora, cada candidato, conforme orientações da Portaria. Se
muitos, são divididos em turmas de três a cinco para o exame oral; para a prova escrita, o
assunto é comum para os pretendentes.
Cumpre à diretoria da Instrução Pública providenciar materiais pedagógicos, como
exemplares de obras, papel, tinta, penas, lousa, esfera, cartas geográficas, compêndios e a
taboa envernizada de uso nas escolas primárias para os candidatos durante a realização das
provas.
68
Maioridade legal com certidão de idade de 21 anos para os homens; e para as mulheres; é exigida a certidão
de idade de 25 anos. Exigem-se para as mulheres as certidões de casamento e/ou certidões públicas na forma
de sentença de divórcio, caso vivam separadas do marido.
70
O tempo de cada exame é de 1 hora e meia para o oral e mais 01(uma) hora para a
prova escrita, constando de relatório, ocio, ou de algum tema de História ou Religo. Os
temas das provas escritas são sorteados antes, entre os pontos de programa formulado no
princípio de cada ano, pelo Conselho Diretor compreendendo todas as matérias de ensino.
Os candidatos respondem questões do programa de matérias da instrução primária
(elementar e média) e do sistema prático e sobre os métodos do ensino. Para as candidatas,
são elaboradas questões que versam sobre bordados e prendas domésticas.
QUADRO X
Programa do exame de capacidade profissional
Fonte: Portaria para a Verificação de Capacidade para o Magistério de 21 de maio de1855.
O traço marcante da reforma educacional dos anos 50 do século XIX é a preparação de
novos professores pelo modelo do professor adjunto. Assim, o Regulamento provincial de
1855, no artigo 52, seguindo esse modelo formativo, sugerido pelo Regulamento do
Município Neutro de 1854, institui a classe dos adjuntos.
MAGISTÉRIO PRIMÁRIO
PROGRAMA
Primeiro Grau
(Instrução Elementar)
Instrução Moral e Religiosa;
Catecismo e História Sagrada (Antigo Testamento e Novo
Testamento);
Leitura (Impressos e Manuscritos);
Escrita em Letras e Ordinais Maiúsculas (Bastardo; Bastardinho e
Cursiva);
Elementos da Gramática Portuguesa (Gramática e Ortografia) e
(Análise gramatical de frases ditadas e teoria e prática);
Elementos de Cálculo; numeração, adição, subtração,
multiplicação, divisão e proporções, aplicação de meros inteiros,
quebrados, complexos e decimais (teoria e prática);
Sistema usual de pesos e medidas da província e do Império.
Conhecimentos dos deveres, ou da legislação que rege a instrução
pública na província.
Segundo Grau
(Instrução Média)
Tudo que fica compreendido no programa para a instrução
elementar acrescidos das seguintes matérias:
Proporções nas regras de três, de juros, de desconto, etc..
Elementos de geometria com a aplicação aos misteres ordinários
das artes, como ângulos perpendiculares, paralelos, superfície dos
triângulos, dos quadriláteros, círculos, polígonos, volume dos
corpos mais simples;
Elementos geografia e de história do Brasil, noções sobre a esfera.
71
Have uma classe de professores adjuntos, cujo numero será marcado pelo
presidente, ouvido o director geral, os quaes serão addidos ás escolas do
segundo go e do primeiro que tiverem matriculados de cem alumnos para
cima, sob proposta do director geral.
É possível notar, com essa normatização, que o modelo formativo de professores,
sugerido na Lei 91 de 5 de outubro de 1837 pelo presidente José Martiniano de Alencar
69
,
em escolas normais, é substituído pelo formato baseado na prática e na experiência. Os
professores adjuntos são preparados, na prática, durante três anos na escola de um professor
experiente. Aprendem desde conhecimentos necessários (saberes elementares dos programas
de instrução primária e pedagógicos) ao exercício do magistério primário. Saviani (2006,
p.22) destaca “que esse entendimento de um ensino estreitamente ligado à prática pode ser
reconhecido como uma idéia-força da Reforma Couto Ferraz.”
Os adjuntos o alunos aprovados em exames gerais e escolhidos pelos professores,
em consonância com o diretor da Instrução Pública e o presidente da província. Utilizam-se,
na seleção dos adjuntos, os seguintes critérios: alunos com mais de doze anos de idade e, de
preferência, entre os mais pobres ou filhos de professores.
Os professores adjuntos recebem gratificação
70
proporcional aos anos de exercício,
conforme quadro a seguir.
QUADRO XI
Gratificação anual dos professores adjuntos
Fonte: Regulamento da Instrução Pública de 1855
Os professores adjuntos são lotados em escolas primárias como ajudantes, para
aperfeiçoamento em matérias e prática do ensino primário durante três anos. A cada ano
letivo, os aspirantes fazem exames para o acompanhamento e avaliação da formação. Os
resultados determinam ou não a continuidade do exercício da função e, conseqüentemente, da
69
Nesse governo foi criada uma escola Normal temporária no Ceará, onde seria preparado o professor primário,
seguindo o Método Lancaster. Seu espaço seria o mesmo da escola de Ensino Mútuo.
70
A gratificação dada aos professores adjuntos era feita em Reis, moeda que circulou no período imperial
brasileiro.
ANO
VALOR
Primeiro
60Rs$000
Segundo
90Rs$000
Terceiro
120Rs$000
72
preparação profissional. São julgados em matérias de ensino primário, todos de ensino e
direção de escola, ao fim do terceiro ano de prática. Aprovados, recebem o título de
capacidade profissional e continuam lotados em escolas públicas.
As funções dos adjuntos são, basicamente, de auxílio e substituição de professores
titulares, cujas competências constam do artigo 56 do Regulamento Geral das Escolas
Públicas Primárias:
1. Substituir ao professor nas suas ausências momentaneas.
2. Ajudar a aparar as pennas, e preparar a escola, distribuindo as cousas
por seus lugares competentes.
3. Conceder licença aos alumnos para sahirem.
4. Vigiar e inspeccionar as classes regidas pelos monitores ou decuriões.
5. Reger especialmente uma classe que for designada pelo professor, que
se alterada todas as semanas.
6. Fazer chamada geral dos alumnos ao abrir e ao fechar a aula, tomando
o ponto.
A preparação profissional pela prática de ensino não é uma proposta bem aceita entre
os administradores durante os dezessete anos de vigência da Reforma de 1855-56. Exemplo
dessa não-aceitação é o Relatório provincial de 1864, da administração do presidente
Lafayette Rodrigues Pereira
71
, extrdo de Primitivo Moacyir, (1939, p.334), em que o mesmo
afirma que o Regulamento de 02 de janeiro de 1855 não adotou nem o uso das Escolas
Normais e nem a formação do professor pela prática.
Não temos escolas normais, nem uma condição para o provimento que o
aspirante tenha adquirido pratica do ensino, como ajudante ou professor
adjunto. Apenas um dispositivo regulamentar exige a freqüência de alguma
das escolas desta capital durante um s, para que o candidato posa ser
admitido a concurso. Em outro ensaiou-se a criação de professores adjuntos
de um modo imperfeito.
A crítica ao modelo formativo do professor adjunto é feita, também, pelo diretor da
Instrução Pública, Hyppolito Gomes Brasil
72
, em Relatório de 02 de junho de 1866:
Esta classe de professores, em quanto for mesquinhamente retribuída como
he actualmente, não pode progredir, nem tão pouco corresponder á
expectativa do legislador.
71
O presidente Lafayette Rodrigues Pereira administrou a província cearense no período de 04 de abril de 1864 a
10 de junho de 1865.
72
Segundo os documentos selecionados, Hyppolito Gomes Brasil foi diretor da Instrução Pública da Província
Cearense nos anos de 1865-1867.
73
Com uma gratificação inferior a 300 $R he raro começo que na idade de 16 a
18 anos que continuar até chegar aos 21, idade exigida por lei para o
provimento effectivo. He, sem duvida, esta a rasão principal do pequeno
numero que se nota de professores adjuntos de serem poucos destes que
completando o trienno de habilitação e obtendo o titulo de capacidade
profissional, perseveo até obter o de professor effectivo.
Dentro dos onze annos decorridos á ccontar da creação d‟esta classe de
Professores em 1855 a o corrente ano, somente 2 resistirão Luis Feliz de
Sales e Francisco d‟ Oliveira Conde, os quaes o hoje professores
effectivos, o da Povoação de Monte Mar e o da Villa de Maranguape.
Emygdio Delfino de Moreira nomeado, na mesma conformidade, professor
effectivo para a povoação de Soares, já havia deixado há 5 annos o exercício
de Adjunto.
Essas críticas sugerem que o modelo de preparação do professor baseado na prática
o é unânime entre os administradores. quem diga, nesse momento histórico, que o
espaço da escola normal é o ideal para a habilitação de novos professores. Identificam-se,
assim, nas intenções poticas e pedagógicas do período, dois modelos que se intercalam,
conforme orientações de governos províncias.
A criação da Escola Modelo, nesse interstício, é uma tentativa administrativa de
restabelecimento do modelo acadêmico da escola normal de 1837 que funcionaria na aula de
segundo Grau, primária, pela Resolução de 05 de dezembro de 1864. Essa instituição nasceria
da elevação de uma escola primária da capital para segundo Grau, onde se preparariam novos
mestres em práticas de ensino durante pelo menos 6 (seis) meses. O programa dessa escola
seria composto de matérias específicas de segundo Grau, prática do ensino primário ou de
pedagogia, desenvolvido por um professor titular.
As tentativas de instalação de um espaço para preparação de professores nesse período
são descritas em Relatórios do diretor da Instrução Pública, Hyppolito Gomes Brasil (1865-
1866). Crítico do modelo prático do professor adjunto, prescrito no Regulamento de 1855, o
administrador defende que os professores primários devem ser preparados em espaços
pedagógicos de Escolas Normais apropriados à aprendizagem dos conhecimentos para o
exercício satisfatório dos deveres profissionais.
Assim afirma trecho do Relatório, de 19 de junho de 1865:
Professores não se improvisão, alem do comportamento das matérias
exigidas para o ensino, he mister que tenhão dedicação e habito. Com essas
poucas habilitações, entregues á si, sem inspecção, o he de estranhar que
não saibão satisfazer completamente seus deveres.
74
O esforço da administração de Hyppolito Gomes Brasil, para instalação de escola de
professores, pode ser identificado em Relatório de 31 de dezembro de 1865. Nele, têm-se a
situação de construção do edifício e a preocupação pedagógica do diretor da Instrução na
preparação do professor para a regência da escola.
Ainda não está concluído o edifício em que deve funccionar essa escola, nem
nomeado o professor que a deve reger, achando-se porem o edifico bem
adiantado e com toda a probabilidade de ficar prompto até março próximo
futuro, muito occorrerá tratar-se logo do provimento d‟esta importante
cadeira. Minha opinião, como tive occasião de pessoalmente apresental-a
a V. Ex.ª, he que para reger esta escola mande um professor desses
preparados nas escolas normais do Rio de Janeiro ou da Bahia, ou que se
designe em dos nossos professores, que mais se distingua pela sua
intelligência e vocação, para ir praticar quatro ou seis meses em uma das
referidas escolas, e depois desse tirocínio ser então provido. Continuando e
que muito aproveitará, eu assisto nisso: V. Ex entretanto tome-a na
consideração que lhe merecer.
Hyppolito Gomes Brasil, em Relatório de 02 de Junho de 1866, continua informando
ao presidente da província os preparativos para a instalação da escola de professores:
Esta escola creada pelo art. 6 da Lei 1138 de 5 de Desembro de 1864,
ainda não poude ser inaugurada.
Nem Edeficio, onde elle deve funccionar está concluído, nem ainda
nomeado o professor que deverá reger. Acha-a porém em boa via de
execução e disfeitos as coisas para poder se ella inaugurada ainda este anno.
O Edificio que he uma casa com accomodação appropriados á seo fim, a um
exterior elegante, murada, tendo na frente em gradil de ferro; o edifício,
digo, está muito adiantado, e segundo promette o engenheiro encarregado
desta obra, deve estar prompto por todo o s de Julho.
O individuo que diz ser nomeado professor d‟esta escola o Senr‟ José
Barcellos, moço intelligente, talentoso, acha-se na Bahia, onde por ordem
d‟essa presidência, foi alli praticar três meses na escola normal, afim de
completar todas as habilitações que são exigidas, reunidos as literárias que
tem, as pedagogicas, de que se não pode precindir.
tendo, segundo communicou-me, dado começo ao seo tirocinio no
principio do mês de abril, deu terminado até o fim do mês de junho corrente,
podendo achar-a aqui de volta por todo o mês de julho próximo futuro.
A leitura indica desvelo do gestor educacional, na organização do espaço para
preparação de futuros professores. Observa-se, ainda, a indicação de José Barcellos
73
,
professor da escola, para assumir a função do professor titular.
Transcorridos 40 anos da proposta de criação da escola, na administração do
presidente José Martiniano de Alencar, as intenções e ações administrativas do presidente
73
José de Barcellos foi o primeiro diretor e professor da Prática de Ensino da Escola Normal do Ceará.
75
Lafayette Rodrigues Pereira e de Hypollito Gomes Brasil, em favor do espaço de preparação,
o podem ser vistas como mais um arranjo da organização de ensino para a habilitação do
professor cearense. A iniciativa administrativa configurou-se como uma ação efetiva de
implantação do modelo formativo acadêmico no Ceará.
A proposta é deixada de lado na gestão do diretor da Instrução Pública, José Lourenço
de Castro Silva
74
, que indica, nesse trecho do Relatório de 30 de julho de 1869, a nova
finalidade determinada para esse espaço.
Baldarão-se todas as esperanças de sua creação depois de immensos gastos.
Se magestoso edifício depois de concluído, foi destinado para a Biblioteca,
mallogrando-se a tão esperançosa escola normal! A creação desta dama por
certo, feliz-resultado tendo um ensino regular e methodico. Devia-se esperar
mais d‟aquelles que tendo este ensino se habituarão desde logo ao
professorado, aprendendo a saber dirigir seos futuros discípulos.
Frustradas definitivamente as esperanças da escola de preparação dos professores
primários, os aspirantes à profissão devem seguir as orientações do Ato de 20 de março de
1864, obrigados a comprovarem tirocínio em aula de segundo Grau, conforme relatório do
diretor Domingo José Nogueira Jaquaribe:
Por ato de V. Exª de 20 deste mês, tendo sido de entre as Cadeiras desta
Capital, elevado o 2º Grau a que é regida pelo Professor Joaquim Alves de
Carvalho, para servir de aula publica, digo pratica as aspirantes ao
magistério e antes deste tudo V. Ex.ª decidida por acto de 24 do mês passado
que as Cadeiras do sexo masculino só fossem postas em Concurso depois
da designação daquella aula pratica a fim de os aspirantes praticarem pelo
menos seis mezes, na forma da Resolução Provincial N.º 1.138, de 5 de
dezembro de 1864, Art. 6 §1, é em consonancia d‟essas decisões de V. Ex.ª
que tenho deixado de pôr em concurso as Cadeira Vagas do Sexo masculino
qual poderá ter lugar 6 meses depois daquella designação, como já fiz
publico por editais e pela imprensa.
A instituição de um espaço obrigatório para a prática de ensino na aula primária de
segundo Grau, do professor Joaquim Alves de Carvalho, em 1869, representou a reafirmação
do modelo formativo baseado na prática como proposta de formação do professor cearense.
As dezessete anos da Reforma Couto Ferraz, são redefinidos novos direcionamentos
educacionais, para orientação da instrução pública do Município Neutro e das províncias do
Estado Imperial, no ministério de João Alfredo Correa de Oliveira, em 1872.
74
Os Relatórios provinciais e os ofícios dos professores reconhecem o diretor José Lourenço de Castro Silva
como diretor geral da Instrução Pública do Ceará nos seguintes anos: 1867, 1870, 1871, 1872.
76
Na visão do diretor da Instrução pública, Justino Domingues da Silva
75
, em Relatório
de 28 de maio de 1873, essa diretriz assenta-se em bases estreitas e acanhadas não podendo,
assim satisfazer as necessidades urgentes para edificação da instrução primária no Brasil. A
avaliação negativa da nova legislação é reafirmada em Relatório ao presidente da província,
de 20 de junho de 1874:
Não estou ainda habilitado a conhecer do proficiado e vantagem d‟essa
reforma em rasão do pouco tempo de sua existência, em pouco por menos
quais ella o trará melhor facetas a instrucção do que as anteriormente
obtidos sob a segurança do antigo regulamento de 2 de Janeiro de 1855.
Na província cearense, a Reforma Educacional de 1872 não mudou o modelo da
organização de ensino e formação docente do projeto educativo de 1854-55. Suas principais
intenções para a escola primária do período estão presentes nas seguintes propostas:
Confirmação da divisão da instrução primária, em elementar e primária de Grau e
do Método Simulneo;
Criação de escolas mistas e permissão para que, nas escolas do sexo feminino, se
admitam crianças entre 7 a 10 anos do sexo masculino;
Determinação de que as escolas primárias de segundo Grau sejam responsáveis pela
formação de professores primários elementares;
O aperfeiçoamento do sistema de direção, inspeção e fiscalização do ensino.
Embora, nesse período, as regulamentações do Rio de Janeiro sejam modelo para
outras províncias, é possível perceber, pelo exame das legislações cearenses, prescrições
próprias que representam as características de seu contexto educacional. Nesse sentido, no
intervalo entre a Reforma de 1854 e a de 1872, na província do Ceará, identificam-se 02
(duas) resoluções administrativas que inovam a organização do tempo escolar e do espaço
pedagógico do ensino primário e, até mesmo, estão à frente do modelo nacional.
A primeira refere-se ao horário diário das escolas primárias que, pela Resolução de
1042, de 09 de dezembro de 1862, passam a funcionar em jornada única, com inicio das
75
Justino Domingues da Silva, conforme os documentos examinados, foi diretor da Instrução Pública nos anos de
1873-1877.
77
atividades às 10 horas da manhã e término às 14 horas da tarde, alterando-se, assim, o horário
dos trabalhos diários, em dois turnos, conforme a Reforma Educacional de 1855.
A segunda Resolução, de 1.381, cria a primeira escola do sexo masculino regida
por professora, em 1870. A inovação é adotada na capital da província, tendo em vista
vantagens das práticas de ensino empregadas por professoras, para meninos entre 07 a 10 anos
de idade. O artigo prevê que, se no fim de 05 (cinco) anos, o ensino da professora não for
mais proveitoso do que o dos professores primários, a cadeira seextinta.
De modo geral, nota-se o peso do modelo educacional de 1872 no Regulamento de 19
de dezembro de 1873, sobre a organização da instrução primária cearense, em escolas
masculinas de primeiro e segundo Graus, e de escolas públicas femininas de primeiro Grau
76
.
Os conteúdos do ensino devem ser selecionados conforme a divisão de graus da instrução
primária. O professor da escola primária de segundo Grau do sexo masculino da capital ensina
os seguintes conteúdos: Aritmética teórica; Gramática Nacional; Geometria Plana; Sistema
Métrico; Elementos de Geografia e História, principalmente do Brasil; noções de História
Sagrada e Prática de Pedagogia.
Nas escolas de primeiro Grau de instrução primária devem ser ensinados os seguintes
conteúdos: Leitura e Escrita, Instrução Moral e Religiosa, noções essenciais de Gramática
Nacional, princípios de Aritmética com a prática das quatro operações em números inteiros,
quebrados, decimais e complexos até proporções; Sistema de Pesos Medidas do Império e
Prática do Ensino Primário.
A Lei de 1873 recomenda, conforme art. 36, programas distintos para a instrução do
grau elementar e médio primário. Também orienta a matrícula de alunos nas aulas de segundo
Grau, mediante comprovação de exames nas matérias de primeiro Grau ou que tenham dez
anos completos. Pode-se dizer que as especificidades do ensino em graus representaram uma
característica da estrutura didática de ensino dos anos1870 do século XIX.
De acordo com esse Regulamento, os conhecimentos ensinados às alunas nas escolas
primárias de primeiro Grau devem ser, excetuando-se os conteúdos de bordado, marca e
76
No Ceará, a partir de 1853, a diretoria da Instrução blica classificou as escolas primárias em 4 (quatro)
categorias: as de primeira e de segunda categoria na capital, as de terceira em outras cidades; as quartas das
vilas e cabeças de comarca. Essa medida atingiu diretamente o salário dos professores primários que eram
pagos conforme essa classificação geopolítica.
78
labirinto e demais prendas domésticas, os mesmos das aulas de instrução elementar
masculinas.
Os trabalhos escolares continuam em única sessão diária, de 10 horas da manhã às 14
horas da tarde, organizados, em geral, pelo Método Simultâneo, podendo o Diretor Geral,
ouvido o Conselho Diretor, determinar que se adote outro qualquer, julgado conveniente.
As intenções legais de 1873 reafirmam a sistemática de habilitação já em vigor,
mediante exames de capacidade e formação inicial pela prática. Assim, ficam adiadas as
pretensões de criação da escola normal cearense para década de 1880 do século XIX, embora,
haja mudança resultante da organização do ensino em graus. As aulas primárias de primeiro
Grau são responsáveis pela prática de ensino, enquanto os pretendentes ao cargo de professor
para a instrução média primária devem praticar o ensino em escola de segundo Grau,
conforme as instruções para exames de capacidade profissional de 1874.
Ao mesmo tempo, a distinção da habilitação de instrução primária elementar e média
para os professores primários início, no século de XIX, aos estudos diferenciados para os
professores de escola elementar e dos que ministram conhecimentos mais avançados ou finais
da instrução primária.
Destacam-se os exames de capacidade como protagonistas na habilitação dos futuros
professores primários. As provas de comprovação de conhecimentos para o exercício do
magistério, estabelecidas pela Reforma de 1855, perduram até 1884, quando se iniciam os
estudos da Escola Normal de Fortaleza, conforme registros do Livro de Exames (1874-1884).
Os exames de capacidade definem competências, conhecimentos para o desempenho
profissional e recrutamento de novos professores, contribuindo, desta forma, para a
delimitação do campo profissional e a atribuição ao professor do direito exclusivo de
intervenção na área (NÓVOA, 1995).
Os dados do “Livro de Exames de Capacidade Profissional entre 1874 a 1884”, da
Diretora da Instrução Pública, confirmam essa posição. Nesse período, são examinados cento
e quarenta e cinco candidatos (as), com cento e trinta e quatro aprovações. É provável
79
perceber pelos dados que os exames continuam mesmo após a regulamentação de 1881, que
estabelece a habilitação profissional em Escola Normal
77
.
Durante a segunda metade do século XIX, no Ceará, os exames de capacidade
representam a principal potica de habilitação do professor primário à época. O gráfico traz o
quantitativo de exames anuais, evidenciando um esforço de profissionalização da docência
primária no Ceará.
Quadro XII
Dados dos exames anuais 1874-1884
Fonte: Livro de exame de Capacidade Profissional entre 1874 a 1884”-APEC
Verifica-se um quantitativo médio de treze professores habilitados na modalidade
formativa, em dez anos dos exames de capacidade, conforme o que consta no Livro de
Registro da diretoria da Instrução Pública. Salvo nos anos 1878-1879, período da grande seca
que afetou todos os setores públicos, em que foram habilitados apenas seis professores. O
quantitativo de onze habilitações nos anos de 1881, 1883 e 1884, confirma essa potica para o
magistério. Os dados indicam, que mesmo com a regulamentação de habilitação pela Escola
Normal, no ano de 1882, vinte e dois candidatos(as) ao magistério primário fazem exame de
capacidade.
77
A Escola Normal de Fortaleza é criada em 1878 (Lei de nº 1790, de 28 de dezembro). O Regulamento
Orgânico de 1881 confirmaria esse espaço como responsável pela formação do magistério.
ANO
Nº de
CANDIDATO
SEXO
RESULTADO
FEMININO
MASCULINO
APROVAÇÃO
REPROVAÇÃO
1874
19
10
9
13
6
1875
21
8
13
20
1
1876
15
7
8
15
-
1877
20
8
12
20
-
1878
1
1
0
1
-
1879
5
5
0
5
-
1880
20
16
4
19
1
1881
9
6
3
9
-
1882
22
11
11
20
2
1883
5
2
3
4
1
1884
8
4
4
8
-
TOTAL
145
78
67
134
11
80
Observa-se, no período de 1874 a 1877, um equilíbrio entre mulheres e homens que
aspiram à habilitão de professor primário. Entretanto, o quadro modifica-se a partir dos
anos de 1878 e 1879, quando há mais candidatas para a escola primária. De modo geral, o
dado indica tendência inicial de aumento da presença feminina, nos anos oitenta do século
XIX, na organização do ensino primário cearense.
A habilitação por exames é criticada pelo diretor Justino Domingues da Silva, em
Relatório de 20 de junho em 1874:
[...] a prova a não habilitação exhibida em um exame de capacidade
profissional, é posteriormente um concurso, pressupõe no candidato
approvado o necessário conhecimento das matérias, que entram no programa
do ensino, isto porem uma regra geral. Isso disse em meu anterior
relatório; e a proteção ao que se cercam ao candidato para conseguirem em
resultado razoável em seu exame.
Em sua crítica, acerca dos exames de capacidade, o referido diretor indica que há por
parte da banca examinadora proteção a alguns candidatos no momento de verificação para a
habilitação. Nessas circunstâncias, é possível, observando os dados do Quadro XII, página 80,
justificar o quantitativo menor de reprovações, treze no total geral de dez anos.
O modelo aplicado para a formação do professor cearense é o prático, até o ano de
1884, ainda que o Regulamento de 1881 estabeleça a Escola Normal como responsável pela
titulação da capacidade profissional. A habilitão por meio de exames ocorre aentão, pois
os trabalhos escolares da Escola Normal somente têm início em 1883.
Nos anos de 1881 a 1884, observa-se a coexistência dos enfoques prático e
acadêmico
78
pelos documentos da Escola Normal e dos registros de exames. Esse período
representa o tempo de passagem entre os dois modelos que somente se completa nos anos de
1885 e 1886, em que se formam as primeiras professoras na Escola Normal de Fortaleza.
O convívio de dois modelos do sistema educacional da província não é harmônico,
pelo contrário, gera discussões e conflitos entre os futuros professores e gestores
educacionais, sobre qual seria mais adequado para avaliar a capacidade profissional dos
futuros professores.
78
O enfoque da escola Normal é representante da perspectiva acadêmica que prioriza, no processo formativo, os
conhecimentos teóricos e didáticos no processo de preparação profissional.
81
O conflito é exposto em ofício de José de Barcellos, diretor da Escola Normal, em 05
de agosto de 1885, em que questiona a aplicação dos exames de capacidade como modelo de
habilitação, ao presidente da província Sinval Odorico de Moura
79
, acerca das funções da
Escola Normal:
Como director desta Escola, corre me o rigoroso dever de representar
perante V. Ex.
a
contra um acto de máxima gravidade.
Diz o Art. 170 do Regulamento Orgânico que poderá propor-se ao
magistério público quem, entre outros requisitos provar:
Capacidade profissional (§ 5)
Ora, a capacidade profissional como se prova? Dil-o o art. 171 § 5:
Com o diploma conferido pela Escola Normal.
Em nossa atual legislação escolar não uma palavra sequer, nada,
absolutamente nada que altere ou revogue determinação tão expressa.
Entretanto, uma senhora requer à Inspectoria Geral da Instrucção Publica
para fazer exame de capacidade afim de se inscrever no concurso da cadeira
de Boa Viagem; - apetição é deferida, marca-se para o exame o dia de hoje,
nomea-sea respectiva comissão!
E a escola normal? É a pergunta que naturalmente se faz.
Nesse sentido, a efetivação do espaço formativo da Escola Normal cearense como
suporte profissional de docência é uma conquista de profissionais da escola, como José de
Barcellos, que não mediram esforços para sua concretização no âmbito político e prático.
As discussões apresentadas nesse capítulo sobre os contextos e textos da segunda
metade do culo XIX sugerem, emntese, o seguinte sobre a organização do ensino e
formação docente:
As leis e os regulamentos educacionais nacionais e provinciais apresentam práticas
ordenadoras iniciais de formação do sistema de ensino local e nacional;
As intenções do sistema provincial cearense não são destoantes dos modelos do
Município Neutro, mesmo que o sistema de ensino, em formão, o se constitua
nacionalmente;
As diretrizes educacionais cearenses apresentam prescrições próprias considerando as
características da província, alunos e dos professores. Destaca-se o vanguardismo das
regulamentações. Exemplo é a Lei, de 27 de dezembro de 1849, que propõe a
organização da escola em categorias seis anos antes da reforma Couto Ferraz de 1855;
79
Presidiu a província cearense entre 19 de fevereiro de a 01 de outubro de 1885 (GIRÂO, 1953).
82
Os escassos recursos financeiros da província impedem a realização de intenções
administrativas nacionais e locais
80
. Exemplo, nesse sentido, é a Escola Normal. Tida
como importante nos discursos liberal e conservador para o ensino primário sua
criação e efetivação é dificultada;
O modelo prático é protagonista da formação docente do período. Nesse modelo, o
professor pode habilitar-se pelo exame de capacidade e pelo modelo de formação de
professores adjuntos Essas duas formas de habilitação foram importantes suportes de
profissionalização docente do professor primário cearense;
A Escola Normal e o seu modelo formativo instituem-se pouco a pouco no sistema
provincial. A efetivão dessa formação com característica acadêmica é o resultado
das novas orientações pedagógicas que organizam o ensino primário da segunda
metade do século XIX e do empenho potico e administrativo de profissionais da
escola.
Que intenções propostas transformam-se em realidade na escola cearense? Os dados
examinados, em especial, as correspondências oficiais de professores primários do interior e
da capital da Província e relatórios de diretores da província, revelam uma realidade distante
dos propósitos de poticas educacionais. Nesse sentido, o Capítulo 3 Organização
Curricular e Formação Docente à Luz dos Documentos, busca aproximar as intenções
educacionais e o cotidiano de ensino para fins de desvelar um pouco a história do currículo e
da formação docente no Ceará.
80
Em estudo sobre o financiamento da educação pública cearense, Bezerra (2006, p. 85) afirma que “houve
descompasso entre estimativas e despesas realizadas, assim como entre estas e os resultados”. Assim, o
financiamento é uma temática que ficará ainda por muito tempo ausente nas políticas educacionais brasileiras.
83
3 ORGANIZAÇÃO CURRICULAR E FORMAÇÃO DOCENTE À LUZ DOS
DOCUMENTOS
Os Professores circunscriptos ao programma
das mencionadas cadeiras limitão-se a ensinar
leitura, escripta, a prática das quatro operações
da arithmética, um pouco de doutrina Christã,
e grammatica elementar da língua nacional.
Desta não são todos os alumnos que se
aproveitão, porque em geral satisformando-se
com o ler, escrever e contar, dispensão o
ensino da grammatica dispidindo-se das
escolas antes mesmo de se poderem nelle
iniciar.
BRASIL
A epígrafe acima, extraída do Relario de 19 de junho de 1865, do diretor da
Instrução Pública, Hyppolito Gomes Brasil, revela os problemas do currículo praticado na
escola primária cearense do século XIX. Aqui, é possível perceber o descompasso entre o que
é intencionado para a escola primária do período e, de fato, realizado.
Considerando o anunciado no capítulo referente aos contextos e os textos legais da
instrução primária, pretende-se, agora, reconhecer o curculo em registros de professores, de
diretores da instrução pública, em artigos jornalísticos e nos livros A Sciencia da Civilisação
(1877), Catechismo de Agricultura: para uso das escolas de Instrucção Primaria do Brazil
(1869) e Geografia Geral e Especial do Brazil (1869), buscando assim maiores aproximações
do currículo em ação, aplicado nas aulas primárias no período.
Para isso, elegem-se os seguintes documentos pela ordem decrescente de
aproximação:
84
Os relatórios da Instrução Pública para exame, selecionados entre os anos de 1849 e
1873, são dos diretores Thomaz Pompeu de Sousa Brasil, Hyppolito Gomes Brasil, Jo
Lourenço de Castro Silva, Domingues José Nogueira Jaguaribe e Justino Domingues da Silva.
São documentos fundamentais para estudar a situação escolar e tendências educacionais.
Reconhece-se pela leitura, sobretudo a posição de administradores sobre os fins educacionais
do período, dados de matrícula e número de escolas e cadeiras criadas, lotação de cadeiras
públicas, situação do professorado, progressos e dificuldades de efetivação das reformas
educacionais do interstício.
Os ofícios de professores são também importantes para a compreensão da organização
curricular e do ensino. Selecionados entre aqueles elaborados no período de 1844-1882, os
dados dos documentos oferecem a visão dos professores sobre as condições materiais e físicas
das aulas primárias e também sobre aspectos pedagógicos das Reformas de 1855 e 1873.
Os ocios foram selecionados segundo o valor e o significado da temática curricular.
Escolheu-se os que trazem conteúdos ensinados nas aulas pelos professores e meios de
organização do ensino como material didático, métodos e tempos de aprendizagem.
Os artigos jornalísticos são também achados importantes de reconstrução de
momentos da escola provincial cearense. A linguagem crítica e sugestiva do jornal
proporciona, sobretudo, o exame de posicionamentos dos cidadãos cearenses, sobre a escola e
suas práticas.
Dos artigos jornalísticos, citam-se, em especial, 03(três), do ano de 1864, do jornal O
Cearense, da secção Collaboração. São textos que apresentam pistas valiosas sobre o ensino
desenvolvido em aulas primárias cearense após 10 (dez) anos da Reforma de 1855.
O livro A Sciencia da Civilisação (1877), da autoria, de D. João Maria Pereira D
Amaral e Pimentel, é um achado fundamental para compreensão do pensamento pedagógico
da época. Trata-se de tratado da ciência da educação para os pais e mestres que apresenta
referências sobre o desenvolvimento formativo das crianças e jovens. Nesse sentido, entende-
se que suas concepções e propostas metodológicas o essenciais para entendimento das
práticas educativas do período
81
. As discussões apresentadas em orientações formativas desse
ensaio pedagógico revelam as finalidades da instrução escolar, possibilitando, assim,
aproximações das práticas educativas escolares do século XIX.
81
Esse livro está no acervo da sala Tomaz Pompeu Brasil Soares, do Instituto Histórico do Ceará.
85
O compêndio Catechismo de Agricultura: para uso das escolas de Instrucção
Primaria do Brazil (1869), da autoria de Antonio de Castro Lopes, foi usado pelos
professores primários para o ensino da agricultura. Esse livro-texto é citado em inventários
dos professores e seus conteúdos também estão presentes nos exames de capacidade de
professores primários.
Geografia Geral e Especial do Brasil (1869) é um livro-texto usado pelos alunos do
Liceu, da autoria de Tomaz Pompeu de Souza Brasil. Seus textos podem revelar os
conhecimentos adotados na escola primária, pois foi referência para a elaboração de um
compêndio para uso de alunos no ensino primário.
Compondo o currículo avaliado, os exames gerais dos alunos, no final de cada ano,
representam o processo final de realização do currículo. Por isso, entende-se que as duas
únicas provas primárias encontradas na coleta em campo representam importante achado para
o estudo que pretende compreender o ensino praticado na escola cearense do século XIX.
As provas escritas de candidatos em exames de capacidade profissional e de
professores adjuntos são analisadas para reconhecimento de vínculos e significados da
organização do ensino primário e formação de seus docentes
À luz dos documentos, busca-se a compreensão do ensino e da formação docente no
Ceará imperial. Todavia, sabe-se que os textos apresentam apenas vestígios de momentos da
escola, pois entende-se que a prática do passado não pode ser recuperada de modo integral
(OLINDA, 2004). Assim, quer-se, pelo menos mediante o exercício de aproximação de
diferentes fontes, reconstruir alguns momentos da história do currículo e da formação de
professores na segunda metade do século XIX.
3.1 Currículo primário do século XIX: formação moral, civil e intelectual.
Antes da exposição das características da organização do ensino e dos processos
formativos de professores primários, cumpre reconhecer o papel social e cultural da escola
primária, mediante a compreensão de teorias e práticas pedagógicas comuns à época.
86
A escola permeada de ideário moderno precisa estabelecer novo projeto educativo,
cujo fim é a formão do homem como “um indivíduo ativo na sociedade e inserido na
comunidade estatal, ligado aos costumes do povo a que pertence e à prosperidade da nação e
consciente de seus direitos de seus deveres sociais como sujeito social” (CAMBI, 1999, p.
211).
A cultura moderna introduz novos papéis para as instituições sociais. A família,
diferentemente do contexto medieval, torna-se cada vez mais importante, pois cabe a essa
instituição a formação inicial dos indivíduos. Outra instituição social central é a escola, que,
em conjunto com a família, assume a função dupla de produtora e reprodutora de valores e
conhecimentos (APPLE, 2006). Perseguindo o modelo social e cultural do século XIX, as
instituições sociais, responsáveis pela formação de jovens, devem, em primeira ordem,
introduzir os membros sociais na formação religiosa, moral, intelectual e social.
A instituição escolar assume papel central na ordem social moderna, quando, seleciona
conhecimentos (científicos, políticos, morais e religiosos), interpreta e reorganiza
pedagogicamente a transmissão do saber sobre as novas gerações. A instrução deve seguir o
modelo de escola humanista/literária de formação do homem nobre, ajustando e minimizando
pela formão religiosa e moral os conflitos de grupos sociais.
É a partir desse ideário moderno que a escola pública cearense, no contexto da
segunda metade do século XIX, é instituída. Sua função consiste na preparação de crianças e
jovens, entre 7 a 14 anos
82
, em conhecimentos elementares para ingresso no ensino
secundário, visando, sobretudo, o exercício de cargos públicos. O modelo de organização do
ensino sinaliza, sobretudo, que o sistema prepara escolas para gerar letrados e bacharéis,
necessários à burocracia, regulando a educação de acordo com suas exigências sociais.
(FAORO, 1989, p. 388).
No âmbito escolar, enfatiza-se também a aprendizagem moral, mediante regras
inculcadas à força pela repetição ou pela palmatória. A educação intelectual é transmitida pelo
ensino de matérias que, a cada ano são aferidas pelos exames que julgam os níveis do ensino e
conhecimentos dos alunos.
82
O Regulamento de 1873 define que a instrução primária é obrigatória de sete até quinze annos para o sexo
masculino, e de sete até doze annos para as meninas (Art. 27).
87
As características dessa formação devem-se, em especial, ao modelo curricular dos
jesuítas representado pela articulação e coerência dos conteúdos e à disciplina rigorosa do seu
projeto educativo. “Toda a organização curricular proposta pelos Jesuítas tem como objetivo a
formação da elite para o trabalho intelectual, formando clérigos e profissionalizando
amanuenses.” (VIEIRA; MOURA e VERAS, 1993, p. 6).
As finalidades educacionais, enunciadas pelo diretor da Instrução Pública, Hyppolito
Gomes Brasil, em Relatório de 19 de junho de 1865, alcançam dois fins: da instrução, dita
intelectual; e da educação que trata, especificamente, da formação moral.
Para muitas pessoas as palavras instrucção e educação são como synonimas,
ao passo que entre estas vai todo o espaço que separa a moralidade ao saber,
coisas que em verdade deverião andar sempre unidas, mas que infelismente
nem sempre se encontrão juntas. A primeira só interessa ao espírito, a
segunda ao espírito e ao coração.
Em outra passagem do Relatório de 31 de dezembro de 1865, Hyppolito Gomes Brasil
propõe a integração dos ramos para a formação do homem civilizado.
[...] formando a instrucção o espirito e a educação o coração, sendo está que
regula a conducta, ensino a vontade a seguir os preceitos da virtude e a se
conformar ao dever; ainda distinctas o unidas entre si, auxilia-se
mutuamente, uma não pode ser completa sem a outra.
[...] He na cultura da inteligência e do coração que consiste a felicidade de
um povo.
É possível perceber, pelos trechos em destaque do citado diretor, que a sociedade
cearense oitocentista, na sua segunda metade, defende um projeto educativo com fins mais
distintos e amplos para a escola. Tal intento consiste na formação das crianças e jovens
assentada em bases literárias e científicas, mas sem desconsiderar os princípios morais e o seu
papel no aperfeoamento do espírito humano.
No Brasil da segunda metade do século XIX, , nos discursos de intelectuais e
administradores da educação, preocupação evidente em agregar valores morais aos novos
conhecimentos produzidos pela ciência que, paulatinamente, torna-se mais presente em
programas primários. Entende-se que essa posição é proveniente do ideário iluminista
88
português, em especial, da Reforma de 1772
83
, que procura ajustar doutrinas revolucionárias
(positivista/liberal) ao modelo potico e cultural português.
A reforma promovida pelo Marquês de Pombal visa implantar a racionalidade
científica na sociedade portuguesa levando-a à modernização, mantendo incólume a cultura
religiosa e cristã e o modelo patrimonialista de Estado português. Esse paradoxo obriga o
estabelecimento de estratégias poticas e pedagógicas, a moldes menos radicais para Portugal.
No Brasil, as conseqüências do despotismo esclarecido português são evidentes na
expulsão dos padres da Companhia de Jesus e nos primeiros passos para institucionalização
da escola estatal brasileira, através do sistema de ensino das Aulas gias
84
, em 1759. Seu
ideário, no entanto, ultrapassa a educação no século XVIII, chegando, ter grande profusão no
século XIX. Segundo (BOTO 2004, p. 175), a inspiração desse iluminismo pode ser
identificada,
quer pelo tom do discurso político, que pelo teor do pensamento pedagógico
expresso em periódicos da época, quer pelo próprio conteúdo dos manuais e
compêndios escolares, o rosto do Marquês ilumina a história da educação
portuguesa na trajetória do século XIX; sendo também referência necessária
para o estudo da educação brasileira relativa aos períodos imediatamente
anterior e posterior à nossa Independência.
A inspiração do sistema de ensino das Aulas-Régias, para a organização do ensino no
Estado imperial e na província do Ceará, em especial, na utilização do espaço da casa do
professor, ou as casas d‟aula, para o exercício do magistério primário.
Na organização do ensino cearense, foram reconhecidas iniciativas governamentais
para construções de escolas do ensino primário, conforme a Lei de 1855 no art. 19 que
estabelece: “serão constrdas casas com precisas acomodações, sob um plano geral em todas
as cidades para as escolas do segundo grau. No entanto, as propostas não ultrapassam o
âmbito legal, pois somente foi identificada a existência de 01 (um) prédio público a serviço da
Instrução Provincial, em Fortaleza
85
. Cabe registrar, na estrutura de ensino público da
província primário, o Colégio de Educandos para meninos órfãos (1856) e educandários
83
Os princípios políticos e os fundamentos científicos dessa Reforma encontram-se mais detalhados em Bastos
(2004).
84
Essas eram constituídas pelos Estudos Menores (aulas de ler, escrever e contar) e Aulas de Humanidades
(cadeiras de gramática latina, língua grega, língua hebraica, retórica e poética, filosofia moral e racional).
85
Esse prédio era a antiga cadeia pública da Prainha, local de funcionamento da Escola de Ensino Mútuo e
depois da Terceira Aula Pública de Fortaleza. Nele, também, a partir de 1867, funcionou a única aula primária de
segundo Grau da Província.
89
particulares, como Ateneu Cearense (1863), que oferecia instrução primária. Assim, durante a
segunda metade do século XIX, as aulas primárias domiciliares providas pelos cofres públicos
e particulares, foram as protagonistas do ensino provincial cearense.
Seguindo as orientações da reforma pombalina, os intelectuais cearenses,
fundamentados em doutrinas tradicionais, adaptam as ideologias revolucionárias
(positivista/liberal) pelos ensinamentos morais, principalmente, religiosos (MONTENEGRO,
1992). Acreditava-se que, pela formação, podia-se frear atitudes mais progressistas e
transformadoras, priorizando, assim, a harmonia e o bom funcionamento sai da sociedade
imperial.
Exemplo de pensamento que expressa o teor da reforma pombalina são os escritos
pedagógicos de D. João Maria Pereira DAmaral e Pimentel, bispo de Angra, que elabora um
tratado pedagógico para a formação do clero e de professores. Seu livro A Sciencia da
Civilisação, publicado no ano de 1877, em Portugal, representa bem o ideário desse
pensamento. Seus textos elucidam conhecimentos, valores e significados da escola, no século
XIX. Enunciam, ainda, concepções, etapas e formas da educação do homem civilizado,
consideradas pelas instituições sociais da época para a instrução das criaas e jovens
O discurso pedagico de Pimentel (1877) aponta a formação em três dimensões:
espiritual, religiosa e social. Tem-se a formação espiritual como a mais importante, pois se
refere aos aspectos intelectuais e morais do indivíduo. Pela formação religiosa são repassados
os ensinamentos da religo católica, preceitos e rituais. Com a educação social, são
apresentados os modos e comportamentos civis necessários ao convívio harmonioso entre as
classes sociais.
Segundo o referido autor, a instrução primária diz respeito, sobretudo, à fase de
preparação para conhecimentos mais avançados. Os programas devem abranger conteúdos
básicos de inserção do homem no mundo civilizado: como leitura e escrita da ngua materna,
aritmética e conhecimentos das ciências da natureza, ditos com aspectos intelectuais da
formação.
Confirmando tal concepção, Domingo José Noqueira Jaguaribe
86
, diretor da província,
em Relatório de 31 de março de 1869, revela preocupação de inclusão de saberes escolares de
86
Conforme, os relatórios provinciais e os ofícios de professores primários, Domingo José Nogueira Jaguaribe foi
diretor geral da Instrução Pública, nos anos de 1864, 1869, 1870.
90
leitura, escrita e contagem para os jovens excluídos do ambiente escolar. Segundo o trecho, os
conhecimentos escolares são o divisor de águas entre populações civilizadas e rbaras:
Como o objecto de que me lembro occupado tem ultima relação outro de que
penso a tratar, é saber como resolver e consegui que aquella parte da
mocidade de um e outro sexo, que deixou a passar a idade escolar, sem
buscar a escola para ali receber o baptismo da Civilisação, como entendo que
se deve denominar a aquisição dos rendimentos de instrucção primária, ler,
escrever e contar, visto que sem e elas tem confusa e mal traçada é a linha
divisória que separa as populações civilizadas das bárbaras que mal
classificadas devem achar-se aquellas, que, querendo esmar-se com o
prompenso titulo daquela primeira classificação, reconheceram que em sua
maioria não possuem aquelles rudimentares, como infelizmente succede
ainda.
É possível perceber, pelo referido trecho, o papel fundamental da escola em introduzir
os conhecimentos produzidos pela humanidade/civilização ocidental. Segundo Domingos
Jaguaribe, é através do ambiente escolar primário que a população excluída da sociedade tem
acesso aos conhecimentos elementares de leitura, escrita e contagem.
A educação moral é outro componente no currículo escolar do século XIX. Seus
conhecimentos são extraídos das leis do Estado imperial, de catecismos e livros sagrados da
Igreja Católica e auxiliam o homem civilizado na convivência social e na saúde corporal.
A educação moral, baseada nos conhecimentos legais e religiosos, é um recurso de
regulação do Estado imperial sobre a vida dos alunos e professores. Em aulas afere-se a
índole e a boa conduta no julgamento semestral dos alunos. A moral é pré-requisito para a
prova escrita e oral de exames de capacidade profissional para professores. Exige-se que os
aspirantes ao magistério comprovem, mediante folhas corridas e atestados de conduta do
pároco da localidade, a sua idoneidade moral e boa conduta.
Sobre a ênfase na exigência de comportamento moralmente aceito, na admissão dos
futuros professores, Vilella (2003, p. 106) afirma que:
[...] provavelmente relacionava-se à sensação de intranqüilidade vivida em
tempos tumultuados por movimentos considerados desordeiros. Percebe-se
que os subiam ao poder não pretendiam abrir mão da submissão e obediência
dos funcionários.
Todavia o modelo de formação moral não é unanimidade na ordem educacional da
época. Em artigo do jornal O Cearense, seção Collaboração: A instrucção Publica (14 de
91
junho de 1864, p. 01), o redator enfatiza que com a formação intelectual -se a verdadeira
libertação do homem.
De todas as questões que podem agitar o mundo moral, uma das mais vitaes
é a instrucção publica.
N‟ella se resume todo o futuro. D‟ella depende a sorte do individuo, da
família, da sociedade.
Difundir a luz da instrucção em todas as classes é transformal-as, é abrir-lhes
novos horizontes.
“Sem a instrucção diz V. Hugo, o individuo não pode ser homem. É uma
cabeça d‟esse rebanho chamado multidão, que se deixa conduzir pelo dono
da pastagem, ou ao matadouro. Na creatura humana o que resiste á
escravidão não é a materia, é a intelligencia. A liberdade começa onde acaba
a ignorância.
Se há, entre administradores da educação, hesitação quanto à função da formação
intelectual, encontram-se também defensores dos conhecimentos científicos e literários.
Reconhecem-se posições diversas sobre a função da escola desse período, revelando, assim,
que a história da escola cearense não tem um único discurso, mas vários.
Pela formação social, são apresentados códigos de urbanidade e civilidade, de
aperfeiçoamento de convívio entre grupos sociais distintos. A formação do homem civil é um
dos primeiros processos de ajustamento de culturas, consistindo no estabelecimento de
códigos social e de linguagem, que orientam as relações entre sexos e superiores, uso do
corpo, tipologias de aproximação sica ou verbal. Os digos caracterizam as diferenciações
e o convívio por classes e grupos. As regras são introduzidas, principalmente em espaços da
aristocracia e burguesia que estabelecem estilos de vida civil ideal.
Cambi (1999, p.310) indica os procedimentos usados pela família e a escola na
formação civil:
Sobre boas maneiras escrevem-se livros, estabelecem-se regras e exceções,
produzem máximas e provérbios como o modo de memorizar as normas e
difundi-la por toda a sociedade, começando pelas crianças, para as quais
devem voltar-se nesta campanha de civilidade tanto a família justamente
aquela família nuclear burguesa que agora investe sua própria função social
e suas próprias relações afetivas sobre os filhos como a escola, com o seu
sistema de interdições, de castigos e controles.
O princípio social da civilidade é uma característica da cultura moderna. Sua origem
está relacionada à necessidade de sedimentação de cultura comum voltada para o estudo do
92
Homem, do Belo e do Bem, essência da cultura humanista greco-romano. Seus fundamentos
visam ao encurtamento de distâncias sociais entre dirigentes e os grupos sociais menos
favorecidos (PETITAT, 1994).
Assim, a função de civilidade dá-se pela mobilidade social, atributo de ascensão da
burguesia que usa desse princípio social para adquirir status similar ao da nobreza
87
e pela
formação de hábitos costumes e conteúdos visando, sobretudo, à homogeneização social da
juventude.
Pimentel (1877, p. 268) afirma que a urbanidade é a parte da educação social que
dirige o homem no modo de se portar na presença dos outros”. Os comportamentos sociais,
no século XIX são determinados conforme a posição social, ou em grupos: superiores,
inferiores, iguais
88
.
A temática do tratamento social é trazida em ofício da professora primária, Francisca
Pereira de Albuquerque, em 28 de janeiro de 1856, para o diretor da Instrução Pública,
Thomaz Pompeu de Sousa Brasil Soares. A professora sugere a elaboração em
regulamentação de códigos de tratamento entre professoras e alunas, pois não há regras claras
para essa relação:
Quanto ao tratamento das alumnas entendia q. não estando designado p.
r
instrucções regulamentares, podia ser dar a de tu, ou vos, tanto mais quanto
uma professora é figura como mãe de suas discipulas, mas julgando também
V. S.
a
este tratamento impróprio dos nossos hábitos ou costumes sollicitaria
de V. S.
a
qual o tratamento que V. S.
a
quer que se use n‟aula de Dona, de a
de Sern.
a
ou V. M.
ce
p.
a
que se fique adoptando uma regra invariável.
Qual a relação apropriada a ser adotada entre professora e alunas? Os tratamentos são
entre pessoas iguais e próximas de mãe para filha, de tratamento de respeito, consideração e
subordinação ao mestre, de pessoas tidas como superiores na sociedade?
No Regulamento Geral das Escolas Primárias de 1856, é estabelecido o modo de
tratamento entre professores e alunos. O artigo 89 define a seguinte regra comportamental: “O
professor nunca tratará seus discípulos por tu; nem com elles se familiará, quanto os trate com
amor”.
87
Segundo Petitat (1994), essa função não consegue atingir plenamente esse objetivo.
88
“Os iguaes dizem-se as pessoas que estão na mesma posição social. Taes são os njuges, os irmãos e
parentes próximos de igual grau, os estudantes, os militantes da mesma patente” (TEIXEIRA, p. 275)
93
Tidas como seres inferiores, as mulheres, segundo Pimentel (1877, p. 280), são:
[...] em geral muito inferior ao homem em forças physicas, em faculdades
intellectuaes, e em juízo prudencial em particular; mas excede-se muito em
viveza de imaginação, em força de paixões e sentimentos. Pelo que carece de
ser tratada de modo um pouco differente dos homens; afim de se o
aggravarem, mas antes remediarem seus defeitos.
As mulheres do século XIX devem exercer a função de esposas e mães virtuosas. A
posição social da mulher estabelece um modelo de escola diferenciada para o sexo feminino.
A distinção pode ser identificada nos conteúdos, no tempo de aprendizagem, chegando até
mesmo a influenciar o nível de tratamento que deve ocorrer entre as mestras e discípulas.
Os fins educacionais do período (intelectual, moral e social) podem ser observados no
Quadro de Registro Anual”
89
. Nesse Instrumento de controle de matrícula e nível de
aprendizagem dos alunos, são identificadas algumas terminologias pedagógicas, utilizadas na
composição de práticas pedagógicas do período.
Esse quadro tem duas partes. A primeira refere-se aos dados de identificação do aluno:
nome, filiação, naturalidade e residência e data de nascimento. A segunda parte é reservada às
anotações pedagógicas do professor sobre educação e instrução dos alunos. Registram-se os
níveis de conhecimento dos alunos, na entrada e no final de cada ano letivo, considerando os
seguintes aspectos: o grau de instrução das classes, índole, inteligência, comportamento e
faltas dos alunos.
De modo geral, o registro anual dos alunos da escola pública de primeiro Grau do sexo
masculino, datado de 16 de Novembro de 1870, do professor João Baptista Hoteleão de
Jordão, aproxima as intenções legais e pedagógicas às práticas do registro de ensino das aulas
primárias. Nele, são identificados os conhecimentos que os professores primários consideram,
ao avaliarem
90
a instrução de seus alunos. O professor registra o grau de instrução, nível da
classe e respectiva matéria, ações morais e comportamentais e o nível de capacidade
intelectual dos alunos mediante notas convencionadas.
Nesse sentido, pela leitura desse instrumento, os registros das práticas escolares do
professor de São Benedito estão em sintonia com os fins educacionais da segunda metade do
século XIX. Seus alunos são verificados nos conhecimentos intelectuais, morais e sociais que
89
Quadro de controle de ensino, em que o professor registra a matrícula e o adiantamento dos alunos. (Anexo B).
90
Fala-se em adiantamento do aluno verificado pelos exames parciais e gerais, nas Reformas de 1856 e 1872,
94
remetem aos princípios formativos apresentados no tratado pedagógico A Sciencia da
Civilisação.
Confirmando essa orientação educacional, no século XIX, no Ceará, Hyppolitho
Gomes Brasil, em trecho, em destaque, do relatório da Diretoria Geral da Instrução Pública,
de 31 de dezembro de 1865, diz o seguinte:
A instrucção, como disse M. Rendu, deve ser educativa, he só assim ella
esclarece as regras do dever, eleva o homem á seus próprios olhos, contribue
para remover as grosseiras inclinações, os cegos prejurios; as paixões
exageradas abruptas, conseqüências ordenaria da ignorância
Pode-se dizer que a fundamentação de Pimentel (1877) e os registros dos diretores da
instrução pública e dos professores primários abrem novos horizontes de compreensão do
papel social e cultural da escola. Esses documentos aproximam a teoria pedagógica das
práticas curriculares ao dirimir as dúvidas constantes de quem examina o passado escolar do
século XIX, preso à temporalidade presente e, conseqüentemente, ao seu modelo pedagógico.
3.2 Programas curriculares primários por meio de materiais de ensino e exames
Acompanhando inovações da segunda metade do século XIX, as prescrições
educacionais indicam novos conteúdos e reorganizam o modelo de ensino das escolas de
primeiras letras, da Lei de 1827, que tem a marca de ensino rudimentar como princípio
formativo (FARIA FILHO, 2003).
O enriquecimento dos programas primários, com conhecimentos mais avançados, é o
anseio de educadores e administradores da educação que criticam, com veemência, as
limitações dos conteúdos e o seu papel de inserção social.
Thomaz Pompeu de Sousa Brasil, diretor do Liceu e da Instrução Pública, avaliando
os programas curriculares regulamentados pela Lei de 20 de setembro de 1836, no jornal O
Cearense de (07 de Maio de 1849), revela que antes da segunda metade do século XIX, nas
escolas cearenses, ensinavam-se rudimentos de matérias que não favoreciam ocupações
profissionais do jovem.
95
[...] alem de mal executado pelos mestres, é certamente muito essencial para
dar uma instrucção primaria tal que complete os conhecimentos precisos ao
trabalhador, e em geral á todo homem, que [doc. ilegível/duas palavras] de
occupar empregos na sociedade, tem todavia necessidade a uma educação
sufficiente para profissão, a que houver de entregar-se.
Em Relatório publicado no Jornal O Cearense (12 de junho de 1855), três meses
depois da aprovação do Regulamento da Instrução Pública, de 02 de janeiro de 1855, o
aludido diretor observa o seguinte sobre programa do ensino:
[...] limita a instrucção nas cadeiras de e Cathegorias (cidades, vilas e
comarcas) a ler, escrever, calcular até as quatros espécies de contas,
doutrina, elementos de geographia, e de geometria, que se ensinão em parte
alguma na província.
O programa primário, além de apresentar conteúdos limitados, é aplicado
inadequadamente pelos professores que não possuem conhecimentos suficientes para
explicação de conteúdos selecionados. Por isso, utilizam-se da memorização como estratégia
de ensino visando amenizar a inaptidão dos professores primários.
No mesmo Relatório, Thomaz Pompeu de Sousa Brasil avalia a prática docente e
critica da formação dos professores. Para ele, a preparação do docente limita, ainda mais,
a aprendizagem dos alunos.
[...] apesar da lei recommendar a instrucção religiosa esta importante parte
da educação e tão mal ensinada em nossas escolas que quase não existe.
Limita-se este ensino dos cathecismos de alguns preceitos dogmaticos, que
os mestres mandarão decorar, e que nem elles sabem explicar, e nem os
discípulos entender.
Embora a crítica incida diretamente sobre o professor e sua prática, cumpre-se
considerar as condições sicas e materiais como fatores limitantes à execução do programa
curricular do período. Nesse sentido, JoCavalcante, professor da Vila de Barbalha, em
1848, aponta que o progresso da instrução dos alunos e o bom desempenho dos trabalhos em
aula dependem diretamente de melhores condições de ensino. O professor, em ofício ao
diretor Tomaz Pompeu de Sousa Brasil, afirma cumprir seu papel, no entanto, reclama da falta
de espaços e utensílios escolares.
Eis cópia de trecho do ofício, de 01 de março de 1848:
96
Contando apenas trez meses no exercício do meo cargo não tenho tempo de
apresentar hum adiantamento singular em meos alumnos, e sim posso
asseverar, que tenho exactamente comprido com os deveres de meo
Magistério. Quanto aos embaraços que tenho encontrado; por que metade
dos alumnos sãoo pobre que quase sempre lhes faltão livros, papel, pennas
e vistuario decente. Frequentão Aula vinte e cinco alumnos, como mostrado
o Mappa que junto remetto, podendo freqüentar mais do duplo se a casa
d‟Aula tivesse cômodo e os precisos utencilios que demostra o orçamento
incluso, alem do vestuario e mais utencilios para o uso dos alumnos pobres.
A discussão revela que os conhecimentos ensinados na escola, na primeira metade do
século XIX, além de muito elementares, são desenvolvidos inadequadamente pelos (as)
mestres (as), quer pela inaptidão profissional de aplicá-los, quer pela falta de condições
escolares de realização dos programas escolares.
A seleção de conhecimentos mais avançados no currículo primário é explicada pelos
avanços científicos do período que introduzem novas relações entre o saber escolar e as
ciências. Valorizam-se, então, conhecimentos de natureza mais científica, como Geografia
que se integram aos conteúdos humanista-literários da gramática e as línguas modernas
introduzidas pelo movimento iluminista europeu.
A introdução de conhecimentos mais avançados, na realidade escolar cearense, dá-se
inicialmente pela Lei de 27 de dezembro de 1849, que prescreve conhecimentos de
Gramática, Geografia, e do Sistema Decimal de Pesos e Medidas. Esses conteúdos integram-
se aos literários e à educação moral e religiosa.
Seguindo essa tendência educacional do período, os Regulamentos da Instrução
Pública da província cearense de 1855 e 1873 sugerem estudos, por matérias primárias mais
avançadas como: Gramática Nacional, Geometria Plana, Geografia, História do Brasil e
História Sagrada, Música e Desenho Linear, em escolas primárias de 2º Grau.
Pimentel (1877) explicita os novos objetivos formativos, indicando as disciplinas que
devem compor os programas da educação primária. Para ele, as matérias que formam o
currículo têm por fim a preparação da intelincia humana para o progresso literário visando,
sobretudo, conhecimentos mais avançados.
Dentre os ensinamentos preparatórios de formação intelectual, a linguagem é essencial
a toda instrução. Dominar a língua materna consiste em falar, ler e escrever e analisar a
gramática em suas regras.
97
Outra disciplina da formação intelectual é a aritmética pois, segundo Pimentel (1877,
p. 74),
[...] o uso da numeração e das diferentes combinações dos números tem
grande aplicação ás necessidades da vida que o conhecimento d‟este ramos
de saber humano mais ou menos adiantado é indispensável a toda a pessoa
que se pretende algumas educação intellectual.
Faz-se necessário desenvolver a inteligência por meio da aritmética e suas operações e
combinações. Também é indispensável compreender bem a geometria, lógica e a ciência que
dá regras a esses conhecimentos.
Embora os currículos da segunda metade do século XIX mantenham as idéias de
rudimentos da Lei de 1827, ou seja, de formação elementar, os programas permitem pensar
também, naquilo que é princípio básico, o elemento primeiro, e do qual nada mais pode ser
subtrdo dos processos de instrução.” (FARIA FILHO, 2003, p, 138).
Os projetos educativos desse período têm, como idéia central, o enriquecimento de
conhecimentos visando a melhoria da inserção social e cultural da população, trazendo
inovações para seleção de conteúdos e organização do ensino. É a partir dessas idéias que, em
programas primários da época,
Ao ler, escrever e contar” agregaram-se outros conhecimentos e valores,
que a instituição escolar deveria ensinar às novas gerações, sobretudo às
crianças. Conteúdos como “rudimentos de gramática”, de língua pátria”, de
“aritmética” ou “rudimentos de conhecimentos religiosos”, lentamente,
apareceo nas Leis como componentes de uma instrução elementar. (ibid.,
p. 139).
Se as orientações pedagógicas e legais anunciam novos ares para o currículo no Ceará,
quais dessas intenções são aplicadas no ambiente das aulas primárias públicas? É evidente,
conforme o que já foi discutido, nesse estudo, a impossibilidade de reconstituição dessa
realidade escolar, no entanto, buscou-se pelo menos confirmar algumas tenncias presentes
nos materiais de ensino do período nas propostas, em especial, verificando os materiais.
Nessas circunstâncias, perseguindo o objetivo de compreensão do currículo em ação,
optou-se pela análise de materiais pedagógicos solicitados pelos professores, para o ambiente
escolar primário, entendendo que utensílios didáticos, como livros-textos, representam meios
concretos para averiguações das inovações introduzidas. Deste modo, as solicitações de listas
98
de utensílios de professores de 39 (trinta e nove) escolas primárias extrdas do Relatório de
19 de junho de 1865, de Hyppolito Gomes Brasil, podem representar a tendência de
programas de ensino mais avançados para o ensino primário. Dentro dessa perspectiva os
livros-textos
91
e os materiais de ensino denotam ações do currículo escolar da época.
Quadro XIII
Livros-textos de escolas públicas primárias -1865
Fonte: Lista dos dados extraídos do Relatório da Instrão Pública, de 19 de junho de 1865.
Foram identificados os seguintes livros-textos segundo seus conteúdos: catecismos
para os ensinamentos iniciais da formação religiosa; cartas de ABC e silabários de ensino
elementar da leitura, traslados
92
de ensino da escrita e tabuada para o ensino da aritmética. À
luz do relatório é possível afirmar que os professores solicitavam para o uso escolar lápis,
penas, giz, réguas e papel para o exercício da escrita e dos cálculos aritméticos.
91
Os livros-textos, no século XIX, eram denominados de compêndios.
92
Cadernos de caligrafia utilizados à época.
LISTA
TOTAL
Aritimética
1
Aritimética do Doutor Soares
1
Catecismo/Catecismo da Doutrina Cristã/ Catecismo Histórico Dogmático
20
Cartas de ABC/Abecederário
17
Compêndios para os Primeiros Conhecimentos
3
O livro, D. João de Castro
2
Gramáticas
8
História Sagrada
9
História do Brasil
3
Livro do Povo
1
Metódo Facílimo de A. Montreude
2
Os Lusíadas, de Camões
9
Simão de Nântua
2
Silabário
11
Tabuada
20
Traslado
13
99
O quantitativo geral de 122 (cento e vinte e dois) livros-textos para 39 (trinta e nove)
escolas indicam, provavelmente, que esses utensílios escolares são distribuídos somente entre
os professores, pois o número de pedidos é insuficiente para o uso dos alunos. Os dados desse
relatório podem sugerir, também, que a diretoria da Instrução Pública do Ceará, priorizava a
distribuição desses materiais para os professores que em suas aulas, reproduziam os conteúdos
das matérias, através de cópias ou ditados.
Reconhece-se que, na sua maioria, os livros-textos da lista representam, sobretudo, o
programa curricular de instrução primária elementar. Nesse sentido, nas aulas primárias da
província, considerando a lista de solicitações de 1865, é provável que os professores
valorizassem estudos do catecismo, a tabuada e os primeiros ensinamentos para aquisição da
escrita e da leitura.
A escola primária pouco ensina as matérias avançadas como a Gramática, a História
do Brasil e a Aritmética. Ao mesmo tempo, as indicações de gramática, de livros de História
Sagrada e clássicos da literatura portuguesa, como Os Lusíadas, apontam indícios da
existência de estudos que avançam nos conhecimentos propostos, no projeto das escolas
primárias elementares, embora a província ainda não dispusesse de escolas primárias de 2.º
Grau. Todavia, os estudos secundários na escola primária, considerando o nível de
conhecimentos exigidos dos professores primários, expressos nas provas escrita dos exames
de capacidade e dos adjuntos, poderiam não ser tão avançados. É provável que, nas aulas
primárias, o estudo de clássicos como Os Lusíadas, se restringissem às atividades de ditados
ou cópias de trechos desse épico da literatura portuguesa.
Nas discussões presentes nos documentos foi-se percebendo inviabilidades de
aplicação do programa de matéria proposto, pois em relatórios e ofícios de professores são
constantes as reclamações da falta de utensílios e materiais escolares nas aulas primárias
públicas. Logo, essa falta de condição sugere que, provavelmente, o professor primário, em
1866, não teria esses utensílios solicitados em 1865, em sua aula.
No Ceará, a aplicação do programa avançado da instrução primária somente se
efetivou, em parte, com a elevação da 3ª Cadeira do Ensino Público Primário do Sexo
Masculino, do professor Joaquim Alves de Carvalho, para o segundo Grau primário, em 20 de
março de 1869, na gestão de Domingo José Nogueira Jaguaribe.
100
No mês seguinte à criação da escola, o professor Joaquim Alves de Carvalho descreve,
em ocio datado de 16 de abril de 1869, a situação do prédio escolar e solicita, ao diretor da
Instrução Pública, material pedagógico para o desenvolvimento do programa curricular.
Eis a cópia de trecho inicial do ofício:
Achando me provido na Cadeira de Go, ultimamente creada, vou levar
ao conhecimento de V. S.
a
algumas considerações, afim de que possa
oportunamente providenciar a respeito. A Casa em que está colocada a
minha aula, não obstante tem espaço sufficiente, não tem as accomodões
precisas para a boa ordem e direção dos trabalhos da escola. Tem um
Corredor, e um pequeno quadro em frente do portão. Descobertos, que
podião ser aproveitados para commodidade d‟aula. A mobília precisa de
concertos ou reforma. Os bancos de escripta e assento dos alumnos alem de
estarem bastantemente estragados [...]
Embora criada por ato presidencial, a escola do segundo Grau primária não é
adequadamente preparada para funcionamento. Faltam, sobretudo, condições estruturais
(física e material) para que o professor inicie o projeto educativo.
Em trecho destacado do mesmo ocio, encontra-se lista de material solicitado pelo
professor para o uso dos alunos:
È uma necessidade que V. S.
a
me mande fornecer uma Colecção de pesos e
medidas, para que nos exercícios de cálculo e de Sistema Metrico, fique
mais fácil aos alumnos a compreenção, vendo, tocando e examinando ditas
medidas, bem assim 50 tinteiros, um quadro para s‟colle de escrever os
nomes dos alumnos, que se destinguissem por seo bom comportamento, uns
50 quadros de História Sagrada, coloridos, uns Attlas, umas pequenas
Cartas, America, Asia, Africa, Europa, Mappa Mundi , um compasso de
mão para giz com parafuso de pressão, um esquadro, alguns compendios de
geografia, historia da pátria, e 2º livros de leitura e um diccionário
portuguêz; pois que em fase da módica quantia marcada na respectiva verba
do orçamento municipal para fornecimento das mesmas, tonar-se quase
improfícuo o supprimento feitos pelas municipalidades.
A partir da solicitação de utensílios do professor Joaquim Alves de Carvalho é
possível observar que a aplicação do currículo primário mais avançado, requer materiais de
ensino com outros formatos para a aprendizagem dos alunos. Na visão do referido professor,
o aluno deveria manusear a coleção de pesos e medidas para melhorar a compreensão dos
conteúdos do Sistema de Pesos e Medidas do Império. Os pedidos do professor indicam que
os ensinamentos da conduta moral podiam ser ministrados pelo o uso de quadros para registro
dos nomes de alunos que se distinguiam na escola. Também é possível inferir pela solicitação
101
que a educação religiosa deve avançar para estudos da História Sagrada, através do recurso de
quadros coloridos que motivariam a aprendizagem desse conteúdo pelos alunos. A Geografia
poderia ser ensinada por mapas, cartas cartográficas e por livros-textos. As solicitações
sinalizam, também, que o ensino de História poderia ser ministrado pela leitura de
compêndios sobre a história pátria. O uso do recurso do compasso de mão e esquadro para o
estudo das formas geométricas e de livros de leitura e dicionários para o ensino da ngua
Materna é valorizado pelo professor, conforme a referida solicitação.
A implantação da única escola secundária, na capital da província, e as dificuldades
financeiras para viabilização desse projeto educativo limitou o ingresso dos jovens às
inovações pedagógicas e aos conhecimentos do programa dessa instrução primária. Assim, a
tendência de um programa de ensino mais avançado pouco significou em mudanças, na
formação da população na província cearense. Isto porque é nos espaços das aulas públicas de
instrução elementares que se dá o desenvolvimento do projeto curricular do ensino primário.
Corroborando com essa posição, sobre o projeto educativo primário em dois graus,
Villela (2003, p.123) aponta que essa organização primária não produz o efeito esperado de
aprimoramento da população, pois:
[...] a maioria das escolas é de primeira classe, com um currículo bem
reduzido, o que significa retroceder ao modelo das escolas de primeiras
letras. As escolas de segunda classe, em número reduzido, localizadas
apenas nas freguesias ou curatos, destinar-se-iam somente aqueles elementos
que reunissem condições mais favoráveis para continuar os estudos.
Pode-se dizer que as práticas da instrução primária no Ceará dizem respeito,
sobretudo, à aplicação de programas primários elementares, apesar da introdução de novos
conhecimentos nas prescrições legais. Este fato pode ser observado pela análise das
solicitações dos livros-textos em 1865, representativos, na maioria, de conteúdos de instrução
primaria de 1.º Grau.
O cotidiano escolar é revelado também em trecho de artigo da seção Collaboração:
A Instrucção Pública do Ceará, do jornal O Cearense (de 14 de junho de 1864, p. 01).
[...] O ensino é dos mais elementares e entretanto gasta se sempre de 4 a 5
annos. Depois desse tempo o menino mal, escreve mal, conta mal. É o
que aprende, nada mais.
A religião e a moral são julgadas desnecessárias, despresam-na. Esquecer o
ensino moral e religioso é deixar se cumprir o mais essencial dos deveres
[...]
102
A ineficiência do ensino primário escolar é avaliada pelo tempo de estudos e nível de
aprendizagem. Os aprendizes da escola blica escrevem, lêem e contam mal, desconhecem
os preceitos religiosos e morais, e não sabem dos deveres essenciais cobrados pela sociedade.
Ultrapassando a crítica negativa do ensino da época, destacada no texto jornalístico,
compreende-se que a inserção de saberes científicos e de conteúdos mais enriquecidos no
ensino é um avao importante das reformas. A agregação paulatina de conhecimentos e
valores modifica a organização do ensino e, por conseguinte, da escola cearense.
No entanto, muito que compreender sobre o programa curricular primário e sua
realização na escola cearense. Desta forma, o estudo se detém, agora, a especificar os
conhecimentos e práticas das reformas de 1855 e 1873, por meio de exames gerais de alunos e
professores primários e dos comndios usados pelos professores.
3.2.1 O ensino da Leitura, Escrita e Gramática e os exames de ensino
Conforme mencionado, os exames de alunos e professores resultam essenciais à
compreensão do que é exigido pelo sistema provincial cearense para o ensino e a
aprendizagem dos jovens. Os exames gerais são obrigatórios aos alunos que desejam
continuar os estudos acadêmicos e são usados como parâmetro de aferição do trabalho
docente. Por isso, representam instrumentos importantes de compreensão da fase final de
realização do projeto curricular no ambiente escolar.
Durante toda segunda metade do século XIX, os exames orais e escritos acabam
assumindo um papel definidor nas práticas de ensino do período. Os professores buscam
responder às obrigações impostas pelo sistema de ensino provincial formando, a cada final de
ano, grupos de alunos prontos para o exame das matérias primárias. Assim, faz a professora
Generosa Cândida de Albuquerque, da aula blica do sexo feminino, na Cidade do Crato,
que, em ofício do dia 09 de dezembro de 1868 à Diretoria da Instrução Pública, registra a
satisfação, diante dos resultados de suas alunas:
[...] os exames geraes, em que distinguirão-se as alumnas Maria Dulcinea de
Carvalho, Epifhania Joanna de Lima, Guilhermina de Araújo Candeia, as
quais maravilhosamente satisfasendo a supradita comissão forão plenamente
103
approvadas com louvor, deixando-me assim possuída de grande jubilo sendo
datamente prehenchidos os meus incessantes desejos nesta laboriosa tarefa
do magistério, onde muitas veses todo zelo, dedicação e cuidados é
infrutífero.
A prova da aluna Guilhermina de Araújo Candeia (Imagem 1), da cidade do Crato,
representa dado relevante na busca pela reconstrução do passado escolar, pois seus escritos
permitem reconhecer o que se ensina de fato na escola
do século XIX.
Tem-se aqui a cópia do ditado:
Chorte ao sal, de que só se deve usar raras veses, e com moderação.
Contribue muito para divertir huma compahia, mas para esse fim comporta
que seja natural e purificada a qualquer expressão obscena, e incivil.
As alunas são submetidas o exame escrito, que consiste em saber escrever. Verificam-
se a escrita do alfabeto e dez algarismos seguindo o modelo da escrita do Bastardo e
Bastardinho
93
. Julga-se a escrita cursiva por meio de texto ditado pelos examinadores que
verificam os conhecimentos gramaticais de pontuação e ortografia.
93
Bastarda é uma fonte de letra com características manuscritas. Este tipo de letra é a selecionada no programa
escolar para ser ensinada aos alunos. Bastardinho é a forma minúscula da fonte Bastarda.
Imagem 1
Prova de Escrita-
Aluna: Guilhermina de Araújo-1868
Fonte: acervo do APEC
104
O exame da aluna Maria Dulcinéa de Carvalho confirma igualmente os conhecimentos
de escrita obrigatórios à aprovação de alunos primários. Isso pode ser observado pela imagem
da sua prova (Imagem 2).
Eis a cópia do ditado:
Mais pode uma favorável ventura do que um vigilante cuidado. Mais pode
uma hora de felicidade do que um século de diligencia. Mais vence a
violência de um destino do que a necessidade de um discurso. O deligente
desterra a necessidade, porque o homem activo quase sempre é feliz.
Pelas provas, é possível observar que, nas escolas primárias, o ensino da escrita
poderia ser realizado com atividades escritas do alfabeto, nas formas Bastarda e Bastardinha,
com traslados, material que auxilia o professor na técnica da escrita. Outra atividade do
ensino da escrita, praticada pelos professores, é o ditado de texto. A escrita em ditados é
realizada pelos alunos iniciantes e pelos mais avançados e constitui uma das principais
atividades da escola primária da época, cuja permanência é verificada até hoje no ensino
inicial da Língua Portuguesa.
As provas revelam conteúdos do ensino moral às jovens da época. Em especial, os
escritos ditados para a aluna Guilhermina tratam de orientações comportamentais, indicando
valores morais e sociais a serem alcançados, na formação das meninas, incutidos na leitura
dos livros indicados pela escola.
Imagem 2
Prova de Escrita-
Aluna: Maria Dulcinéia Carvalho-1868
Fonte: acervo do APEC
105
Outros documentos de ensino da Língua Materna são os Exames de Capacidade e as
provas anuais realizados pelos professores adjuntos, requisitos obrigatórios para quem almeja
exercer a profissão de professor primário.
Os exames de capacidade são obrigatórios para a habilitação dos professores primários
cearenses da segunda metade do século XIX. Os professores devem versar sobre os
programas da instrução primária e a prática de ensino. Nesse sentido, dominar os
conhecimentos de leitura, escrita e gramática é um aspecto avaliado para o ingresso
profissional, conforme o programa proposto para o exame de capacidade de 1856:
Quadro XIV
Programas de provas de Leitura, Escrita e Gramática
Fonte: Instruções da Diretoria da Instrução Primária para os Exames de Capacidade-1856.
Os programas das provas de capacidade são semelhantes aos do currículo dos alunos
primários, pois o modelo formativo do período privilegia os conhecimentos de matérias e as
práticas respectivas do curso. Examinando as provas de professores, em especial de adjuntos,
notam-se diferenças somente no modo de correção dos futuros professores. A comissão de
examinadores anota e comenta os erros dos adjuntos, comprovando que o modelo formativo
prático, no Ceará, é supervisionado pelos gestores e acompanhado pelos professores titulares.
O cuidado do professor experiente, em corrigir e comentar as provas dos adjuntos,
sugere a necessidade de que o aspirante à profissão possua mais conhecimentos do que seus
futuros alunos. Essa correção do professor examinador, no entanto, o é suficiente para a
preparação dos professores pririos no Estado imperial. É que, considerando a precária
formação primária e o nível social do professor adjunto, sua formação profissional deveria
focalizar o aprofundamento dos conhecimentos primários, da pedagogia e das práticas do
ensino primário.
Outro conteúdo do programa curricular da Língua Materna é a gramática, cujos
conhecimentos são para a compreensão de regras de escrita do ensino mais avançado da
instrução primária. O conhecimento é ensinado pela memorização de regras e posterior
Leitura
Impressos.
Manuscrito
Escrita
Bastarda.
Bastardinho.
Cursivo.
Em Letras.
Ordinais.
Maiúsculas
Elementos da
Gramática
Portuguesa
Gramática.
Ortografia
Análise gramática/Frases ditadas.
Teoria.
Prática
106
análise de textos, principalmente cssicos da Língua Portuguesa, como Os Lusíadas, de
Camões
94
.
Pelo exame de capacidade de José Luiz de Queirós Jucá Junior, datado de 18 de junho
de 1874, é possível compreender bem melhor o ensino de gramática em escolas. Na prova, o
candidato escreve texto ditado pelo examinador para análise, segundo as regras. O candidato
classifica a classe gramatical de cada palavra do texto e depois faz a análise sintática da
frase
95
.
Reproduz-se, aqui, o trecho transcrito dessa prova:
Quando alguem tem pão em sua caza, tem também em sua caza amigos.
Analyse grammatical
Quando Adverbio de tempo
Alguem - pronome pessoal
Tem - é o verbo ter-verbo de acção transitiva
Pão - Subs. Commum
Em - Preposição
Sua - Pronome Possessivo
Caza - Subs. Commum
Ter é o verbo ter
Também- Advérbio de modo
Em Prepozição
Sua - Pronome pessoal
Caza - Subs. Commum
Amigos- Subs. Commum.
Analyse lógica
Neste período há duas orações, o verbo da é- tem falla na pessoa de
prezente do indicativo, o sujeito desta oração é alguém- o complemento
objetivo é pão- em sua caza complemento circunstancial de lugar onde.
O verbo da oração é m.
mo
verbo tem falla na pessoa do prezente do
indicativo, o sujeito desta oração estar occulto por Elleipse, mas entende-se-
pessoa- amigos é o complemneto objetivo do verbo tem.
A análise gramatical é a atividade que exige dos alunos amplos conhecimentos da
Língua Materna, impondo, assim, rigor metodológico para sua realização. Na análise, os
alunos inicialmente classificam a classe gramatical para, em seguida, fazer a análise sintática.
94
Essa indicação para a análise gramatical é do diretor da Instrução Pública, Pe. Hyppolito Gomes Brasil, em
Relatório de 02 de junho de 1866.
95
Essa atividade é intitulada como análise lógica da frase.
107
Embora as regulamentações prescrevam o ensino de elementos iniciais de gramática,
as práticas dos exames são muito avançadas. O rigor metodológico, nas análises lógicas dos
textos, dos alunos de classes superiores do ensino primário, pouco se assemelha à formação
primária da escola blica do século XXI. É notório que não se pode reconstituir a totalidade
das práticas da época e nem compará-las com o que se vivencia hoje, pois os tempos e
espaços são historicamente distintos. Todavia, os conteúdos da avaliação apontam que, em
especial, o ensino de gratica não é tão elementar como reclamam os críticos e estudiosos
da escola do peodo.
Com posição contrária a essa afirmação, o jornal O Cearense (de 14 de junho de 1864,
p. 01) afirma que:
Depois de 3 annos, ás vezes 4, o menino abre a grammatica. Decora-a um
anno inteiro. Não aproveita nada que quando chegar a ultima pagina ainda
não distingue um verbo de um adjectivo! Decorou muito, mas não fez
nenhum exercício! Depois de sobrecarregar a memória de definições sobre
definições, muitas das quaes inúteis, ociosas, ei-lo analysando. O que? o
uma obra clássica, mas uma tradução do francez. No meio de um alluvião de
locuções afrancezadas aprende elle sua língua!
Segundo o ponto de vista do redator da seção Collaboração: Instrucção Pública do
Ceará, o pouco aproveitamento dos alunos no ensino da gramática resulta, em especial, de
práticas de ensino que priorizam os estudos orais e a memorização, desconsiderando outras
atividades, como a escrita.
Pelo ofício de 25 de junho de 1870, de Rufino JoGouveia, pode-se caracterizar o
ensino de escrita e leitura. Em resposta ao Diretor da Instrução Pública, José de Lourenço de
Castro Silva, professor da cadeira do sexo masculino de Fortaleza, apresenta orientações
teóricas, todos e práticas das matérias:
No meo caso isso, ou parte material do ensino pratico primário elementar
certos minuciosidades que não devem ser despresados; ellas formão, ou são,
por assim dizer, a condição, ou a disposição da boa leictura e da boa escripta
Eu por tanto sigo, na primeira parte do ensino pratico elementar a opinião
do Professor Emilio Achilles Monte Verde, que diz que na soletração das
palavras, será conveniente dar-se logo a cada uma das syllabas o mesmo som
e valor, que ellas syllabas devem ter, quando as palavras forem pronunciadas
por inteiro, por assim ficarem logo os sons da formão das palavras iguais
aos sons da pronunciação das mesmas palavras, ou por assim ficarem logo os
primeiros sons iguaes aos segundos. As Contradicções ou incoherencias,
foo, eo sempre prejudiciaes a quem aprende. Na soletração da palavra
que tem dithongo, sigo a opinião do Professor José Maria Barher, e a do D
or
108
Abílio Cezar Borges, Director do Ginasio Bahiano, que dizem: que na
formação das syllabas para a composição das palavras, não sejão apontadas
as vogais q‟ formão dithongo, por que cada um dithongo quer no singular,
quer no plural forma uma e o 2 syllabas. Na leitura coerente, sigo a
opinião de A. F. de Castilho que diz: que deve ser feita com pausa e accento
No conhecimento das letras do abecedário, sigo a opino de Castilho que
diz: que se a cada letra de a.b.c. um presença ou semelhaa de um
objectos que com ella so pareça mais ou menos para ser immediatamente
tomada pela sombra ou imagem da letra, e a letra pela sombra ou imagem do
objecto. Este modo d‟ ensino no conhecimento das letras é de alguma
forma vantajosa. De pouco deveria mortificar a memória do mesmo sem
lhe faltar a imaginação; a excitação do sentimento é do gosto forma-lhe o
juízo para discenir os objectos; em summa, diz o mesmo actor, que ensinar
não é outra coiza mais do que desenvolver em armonia as faculdades da
alma.
À luz de orientações de Emilio Achilles Monte Verde, José Maria Barher, Abílio
Cezar Borges A. F. de Castilho, Rufino José Gouveia justificam-se aspectos teóricos e
metodológicos do ensino da leitura e da escrita, revelando os fundamentos que considera na
organização dos seus trabalhos escolares.
Pode-se dizer, também que as orientações teóricas do professor Rufino são indicativas
das práticas de leitura e escrita do cotidiano da sala de aula. O ensino inicial da Língua
Materna é praticado pela leitura e escrita do alfabeto. O estudo das letras é feito associando
objetos ao som correspondente. Após o ensino das letras, os alunos aprendem a técnica de
soletrar labas para composição das palavras. Para os alunos mais adiantados, o ensino de
leitura é praticado através de atividades de leitura corrente de texto, pausadamente,
ressaltando a acentuação de palavras.
Por meio de produções nacionais e internacionais que tratam de temáticas
educacionais, o professor situa suas práticas e reflete sobre métodos e procedimentos de
atuação profissional. Como a formação docente do período fundamenta-se no cotidiano da
escola, a produção de conhecimentos baseia-se, fundamentalmente, em aspectos do fazer
docente que, todavia, não são somente repetidos, como afirmam críticos do modelo formativo
prático e, sim, refletidos teoricamente para a produção de novas práticas escolares.
Por isso, no final da exposição, o referido professor comenta para o diretor da
Instrução, conforme trecho destacado: Propuz-me a dizer alguma causa sobre o ensino
pratico pririo elementar, se bem que minha inteligência não me fornecesse os meus para
uma boa exposição, todavia leva este pequeno trabalho ao illustrado conhecimento de V..
109
Infere-se que o professor primário não somente reproduz regras externas, mas
reelabora, pela própria experiência, sua prática profissional. As práticas o se constituem por
imposição de tratados teóricos ou de políticas educativas, todavia são redefinidas e
reelaboradas pelos professores que selecionam previamente as experiências mais bem
adequadas à sua prática e cultura escolar.
Dado interessante para o entendimento da história da escola primária e da formação
docente do período, é um registro do curso de Caligrafia, de professores da proncia. O curso
inicia no final de agosto de 1860, freqüentado por 19 (dezenove) professores da capital e de
vilas e povoados próximos. A formação constou de 15 lições sobre o sistema de caligrafia
realizado pelo professor inglês Guilherme Scully.
Tem-se a justificativa, em trecho transcrito de Relatório, de 9 de abril de 1861, da obra
de Primitivo Moacyr (1939, p. 330):
Dentro os defeitos que tive ocasião de observar nas aulas primarias da
capital, quando por mim visitada tornaram-se sensíveis os que se referem aos
trabalhos de escrita, executados quase geralmente como muita imperfeição e
deformidade até pelos próprios professores.
Essa medida é uma das primeiras ações efetivas para a formação docente e,
conseqüente, melhoria do ensino blico primário. Pode-se dizer que essa iniciativa formativa
ultrapassa o discurso de crítica constante à prática docente do peodo feita pelos diretores da
Instrução Pública. Ao término do curso, os professores são orientados pelo diretor, Carlos
Peixoto de Alencar, a desenvolver o novo sistema de escrita no cotidiano escolar.
De modo geral, as discussões apresentadas sobre o ensino da Língua Materna
permitem à pesquisadora inferir que uma boa formação da linguagem falada e escrita
significa: saber pronunciar e acentuar bem as palavras; escrever as letras com boa forma;
aprender as regras da gramática e, em especial da escrita ortográfica; e redigir com facilidade
qualquer documento.
Assim, saber a Língua Materna é exigência que a escola deve empenhar-se em
desenvolver, pois os conteúdos dessa matéria o de grande utilidade na inserção social e
cultural, sobretudo para a formação superior e exercício profissional de cargos públicos.
110
3.2.2 Moral, civilidade e religo: as filhas da boa ordem
A educação moral e religiosa
96
ministrada na segunda metade do século XIX no Ceará
tem por fim a formação de bons hábitos e costumes. Seus conteúdos fundamentam-se em leis
civis e da Igreja Católica Romana, considerados relevantes ao bom convívio social, assim,
essenciais à hegemonia social e potica do Estado imperial brasileiro.
O currículo primário sugere que os professores devam ensinar, nas escolas de primeiro
e segundo Graus da instrução primária, educação moral e religiosa. Ensina-se na educação
religiosa, orações, mandamentos da religião católica e hisrias sagradas do Novo e Velho
Testamentos, por meio de materiais didáticos, como catecismo com orações da Diocese e
Resumos da História Sagrada
97
.
É obrigatório ao professor primário conhecer o programa de instrução moral e
religiosa, exigência observada em exame da candidata Maria Jerônima de Sousa, em 05 de
novembro de 1874, em questão de prova escrita de pedagogia: Qual é preferível, a educação
religiosa, ou a civil?
Acho preferível a educação e a Religião: a educação por que, o homem sem
educação é incapaz do estado social, ignorando os deveres para com Deus,
para com seu semelhante, e para consigo. Desconhece a Deus; o bem, e o
semelhante; e implacável inimigo de si mesmo.
A religião porque, é a base principal da vida humana; Ella informa hábitos e
corrige os vícios. Depois disto, sem a religião, não se poderá ter parte nas
recompensas da vida eterna.
Os conhecimentos considerados de ensino moral são, sobretudo, os religiosos, tidos
como básicos à disseminação de hábitos e costumes do homem civil. Segundo a candidata,
esses conhecimentos têm por finalidade a formação e correção de hábitos.
Devido a sua importância na sociedade oitocentista, a formação religiosa é temática
presente em relatórios de diretores da Instrução e em artigos jornalísticos, especificamente
entre os anos de 1855 a 1865. Os registros argumentam sobre o fracasso do ensino
regulamentado na reforma de 1855.
96
Ressalta-se que, na primeira metade do século XIX, as leis educacionais denominam a formação religiosa,
“instrução moral cristã”, somente, no Regulamento de 1855 é que no Ceará identifica-se pela primeira vez o uso
da terminologia: “ensino religioso”.
97
Esses materiais pedagógicos são indicados pelo diretor da Instrução blica, Pe. Hyppolito Gomes Brasil, em
Relatório de 02 de Janeiro de 1866.
111
A preocupação de que os alunos não estão sendo bem formados é discutida pelo
diretor, Pe. Hyppolito Gomes Brasil, em Relatório de 19 de junho e 31 de dezembro de 1865.
Em destaque, trecho sobre as atividades realizadas pelos professores no ensino religioso:
[...] cifra-se em fazer os discípulos decorar em dois dias da semana algumas
orações da nova Religião. Uma parte por ignorância e alguns por negligencia
para aplicação de princípios doutrina da Religião Chrisã, os professores em
geral limitar-se a mandar os discípulos dar de cor algumas orações, sem que
nessa occasião se occupam de esclarecer lhes os espíritos desenvolvendo o
sentimento de moral e religião indispensáveis á boa educação.
No artigo do jornal O Cearense (21 de junho de 1864, p. 01) faz-se associação do
fracasso da instrução com o professor que não ensina adequadamente a História Sagrada. No
início do texto, o autor afirma que a instrução religiosa, base de ensino tão recomendada pelos
legisladores, é, na província do Ceará, uma ficção. E continua com esta opinião sobre o
ensino:
Em que recebem-na as crianças? Se n‟um cathecismo que os mestres não
explicam porque não sabem? Parece que não.
Em todas as escolas protestantes o menino o evangelho, possue extractos
da bíblia; nas nossas escolas catholicas não se verá isso. Pergunte-se a um
menino o que é biblia, não responde porque n‟ella nunca lhe fallou o
mestre.
O mau desempenho dos alunos motiva o diretor da Instrução Pública, Hyppolito
Gomes Brasil, ordenar que os professores levem, aos domingos e dias santificados, seus
alunos às matrizes e capelas para o catecismo dos padres, devidamente formados para a
prática.
O diretor defende, em Relatório de 19 de junho de 1865, que o papel do professor
primário é de “iniciar seus alumnos na educação moral e religiosa, ensinando e praticando os
preceitos da religião de uma maneira exemplar [...].
Consta dos registros de administradores da Instrução Pública que a causa principal do
fracasso da formação religiosa está relacionada à má formação dos professores que não
ensinam devidamente os seus discípulos seus conteúdos.
Defendendo-se das críticas constantes, os professores apontam, como obstáculo
principal ao progresso do ensino religioso, a falta de condições materiais de trabalho,
sobretudo, de livros que auxiliem a aplicação de conhecimentos pelo ensino simulneo.
112
O professor da escola do sexo masculino, Felismino José Pereira da Vila de Barbalha,
em ocio de 09 de novembro de 1858, justifica o não adiantamento dos alunos, na matéria
primária, devido à falta absoluta de recursos práticos. Do ponto de vista do professor, sua
dedicação ao cargo não é suficiente para que seus alunos aprendam, pois
Não tem se quer somente, só se for providenciado, a falta dos Mysterios do
Christianismo, que irá soffrendo esta escola; ella tem soffreido, sofre e o
bem soffrerá tudo o que é preciso para o adiantamento dos meninos, a boa e
verdadeira ordem dos trabalhos, como exigem os regulamentos, como avisa
e recommenda V. S.
a
e segundo o voto que conscienciosamente prestei de
promover a educação literária e moral dos seus concidadãos; E em
conseqüência das muitas e nimio graves faltas, humildemente digo à V. S.
a
que seo ellas a cauza de por mim não serem á todo o meu pesar, cumpridos
os regulamentos, pelos quais devo-me conduzir, e as advertências, que
partirem dessa Directoria, e de torna-me ensurdecido aos dictames e
reproches da minha consciência.
Em ocio, de 15 de Maio de 1860 da escola masculina do povoamento de Sant‟ Anna
do Acaraú, o professor Joaquim Guilhermino da Costa Cysne (Imagem 3), acusa que recebeu
a recomendação da diretoria para o uso do exemplar Cathecismo Histórico Dogmático Moral
e Liturgico da Doutrina Christã, no entanto, informa que, meus alumnos não se munirão
d‟este Cathecismo com aquella brevidade, que deseja, não pela falta absoluta d‟ele aqui á
venda, como também pela distancia á essa capital, onde deve haver;”.
No contexto educacional da segunda metade do século XIX, a formação moral
corresponde à instrução de hábitos e costumes urbanos, relacionados à higiene e forma de
Imagem 3
Retrato do Professor Primário
Joaquim Guilhermino da Costa Cysne-
1881-1882
Fonte: acervo particular
113
tratamento civil. Também compõem a educação moral, conhecimentos de leis para a boa
conduta social.
Com relação ao material de ensino da educação moral, o professor Joaquim de
Carvalho de Carvalho, da cadeira masculina de Grau, em ocio de 12 de outubro de 1874,
tem opinião sobre a adoção do livro de Filgueiras Sobrinho: Curso Elementar de Direito
Penal - para uso da instrução primária e do povo. Sobre a obra literária e uso, em escolas
públicas cearenses, o professor, membro do Conselho Diretor da Instrução Pública, diz o
seguinte:
1. Dito impresso nada contém opposto á moral e bons costumes, e por
isso pode ser lido, como livro doctrinário pelos alumnos
2. Que o mesmo impresso, não contêm novidade alguma, sinto dictar
resumidamente em um só volume a doctrina contida na Constituição-
Código, parte do Cathecismo.
3. Que bem como todos esses outros, que servem, ou o empregados
para leitura de servir o actual livrinho do D.
or
Filgueiras Sobrinho, nesta
hipothese fica declarado meu humilde parecer a respeito.
Segundo o parecer do professor, os ensinamentos da obra não são novidade, pois
outros livros já trazem os conteúdos do Código Penal (1832) e a Constituição (1824).
Reconhece-se, então, que as bases legais do Estado imperial brasileiro são também os
conteúdos de formação dos bons costumes do povo brasileiro e, portanto, compõe o currículo
primário da educação moral
98
.
Outro livro utilizado para educação moral é D. João Castro. Seus conteúdos valorizam
o cotidiano da nobreza e sua cultura, e consideram como parâmetro dos grupos sociais em
ascensão como os altos funcionários públicos, comerciantes e fazendeiros e dos pobres.
Pelo trecho em destaque do livro 4, transcrito da prova escrita de capacidade para
habilitação de professor primário, Joaquim Floriano Delgado Perdigão, pode-se compreender
melhor o padrão social da nobreza:
Logo que o Viso-Rei soube que entrára náu do reino, mandou desembarcar
os doentes que lhe em pessoa foi visitar, e prover. È certo que entra as
excelências d‟esse bom Viso-rei podemos dar o primeiro lugar á caridade,
por não costumar ser virtude do soldado e menos de Ministro. Recebêo as
vias em que acham as honras e mercêz, que havermos dito, estimando estar
para desempenho, aquellas para premio de que os fidalgos a si própria se
98
Ressalta-se que a leitura da Carta Constitucional como ensinamento é obrigatório no artigo 6.º da Lei de
1827.
114
davão parabéns contentes de que fornece o Viso- Rei outro triênio
governado, como quem entendia que tinhão melhores soldados[...].
Os subalternos da realeza têm como função principal servir aos nobres. Segundo o
trecho em destaque, os ministros e soldados não são pessoas caridosas como os nobres. Os
fidalgos são apresentados como um grupo social de alta virtude para a sociedade. Assim,
através desses conhecimentos, trabalhados no cotidiano escolar, são mantidos os padrões e o
estilo de vida social e cultural dos nobres portugueses no Brasil Imperial. A partir do exame
do referido professor é possível perceber que os conhecimentos desse livro introduziam esses
hábitos e costumes sociais aos jovens cearenses.
A moralidade, na sociedade do século XIX, é tida como filha da boa ordem. Essa
posição confirma o papel ideológico do currículo e seus nculos entre o conhecimento e o
poder (APPLE, 2006). É nessa direção que o diretor do Colégio de Artífices expressa a
importância da formação moral e civil de meninos desvalidos, ao presidente da proncia, Dr.
Lafayette Rodrigues Pereira
99
, em Relatório publicado no jornal O Cearense de (16 de
setembro de 1865) diz o seguinte:
[...] a respeito da moralidade dos meninos, que tenho tomado em muito seria
consideração, proporcionando-lhes meus de adquirir uma educação civil e
religiosa adequada ao fim a que elles se propõe na sociedade, corrigindo e
extirpando os vícios e máos costumes, e communicando-lhes os bons,
formando assim seus espíritos e hábitos anteriores.
A higiene é outro conteúdo do currículo primário que objetiva a formação moral dos
alunos primários. Seus conhecimentos e práticas estão presentes nas instruções do diretor
Thomaz Pompeu de Sousa Brasil, de 10 de julho de 1853, em Castelo (1970, p. 102).
O Art. 22, do capítulo IV, das Instruções prescreve que:
Sendo o asseio, quer na pessoa, quer nos vestidos, uma boa regra de higiene,
que tem por fim conservar a saúde do corpo; e influindo também sobre a
moral e cuidado do asseio do corpo, deve o professor, que igualmente é
diretor de seus alunos, vigiar que estes se apresentem diariamente na escola
com todo o asseio, quer no corpo, quer na roupa; entendendo a esse respeito
com os pais ou encarregados dos meninos.
99
Segundo Girão (1953), o Dr. Lafayette Rodrigues Pereira foi presidente da província cearense entre 04 de abril
de 1864 a 10 de junho de 1865.
115
A regulamentação impõe ao professor mais uma fuão: de vigia da higiene dos
alunos. Para isso deve orientar os alunos a vir para a escola bem vestidos e asseados para
conservação da saúde do corpo.
Na prática escolar, contudo, a determinação é aplicada na medida do possível pelo
professor da Primeira Cadeira do Ensino Simultâneo. Segundo Manoel Caetano Spínola, não
como exigir dos alunos asseio, se o ambiente da própria escola não favorece lições de
higiene.
Conforme ofício, de 15 de novembro de 1853, ao diretor da Instrução Pública, Tomaz
Pompeu de Sousa Brasil, queixa-se o professor das condições da escola:
Permitta a V. S.a que eu aprroveite essa occasião para fazer-lhe um Pedido.
Assim como a lei quer que os meninos se apresentem na escola limpos e
acciados, e assim desempenhar essa disposição bem atendida, porque, sendo
o occio regra de hygienes, não contribue para a saúde do corpo, como
mesmo brio e certo ár de nobres ao menino; assim também entendo que
esta escola, que é um edifício publico, deve existir constantemente limpa e
acciada para que tudo marche de armonia; pois quer o acceio da casa
também influe na saúde: e por isso rogo a V. S.a digne dar as providencias
necessárias afim de que, apreveitando-se as rias, que estão próximos, se
fação os reparos, cuja necessidade V. S.
a
reconheceu no dito (4) do mês
próximo passado.
A o-aplicação, em sala de aula, de ensinamentos da formação moral e religiosa, por
falta de professores comprometidos, ou de material, é um risco à sociedade, que precisa
incutir deveres e direitos na instrução.
Trecho do jornal O Cearense (de 21 de junho de 1864, p. 01) propõe que, para a
instrução moral e religiosa não ser fictícia é necessário primeiramente que:
Comprehenda a directoria da instrucção publica a sua alta missão. Trate de
fazer da escola o terreno, onde se lança os germes de melhoramento moral,
que as segure nas massas a manutenção dos principios que são a necessidade
vital da sociedade. Faça a infância compreheender deveres que mais tarde é
chamada a cumprir para com seu paiz.
Embora ofícios e relatórios provinciais indiquem a relevância da formação religiosa e
moral para os jovens e crianças da sociedade, da segunda metade do século XIX, reconhecem-
se muitos obstáculos na sua realização no ambiente escolar. As principais dificuldades estão
relacionadas, sobretudo, à falta de formação dos professores e de condições de trabalho.
116
Assim, mais do que exigir compreensão, por parte da diretoria da Instrução Pública, e
elaborar regulamentações para a formação religiosa e moral, é necessário que os
administradores ofereçam melhores condões de trabalho e formação de professores para a
realização na escola das propostas desse ensino.
3.2.3 As Ciências Exatas: conhecimentos teóricos e práticos
As escolas primárias de e Graus devem ensinar conhecimentos do ramo
100
das
ciências exatas, tais como Arittica, Sistema de Pesos e Medidas e Geometria. As Ciências
Exatas são assim chamadas por Pimentel (1877, p.75) “porque teem por fim determinar, e
calcular as quantidades d‟um modo exactissimo”. Para melhor entendimento do currículo das
Ciências Exatas, organizou-se o seguinte quadro:
Quadro XV
Matérias das Ciências Exatas nas leis educacionais
A aritmética é tida como disciplina da formação intelectual, que deve compor a
formação de alunos das classes menores e das mais adiantadas. Essa matéria é indispensável a
toda pessoa que pretenda a educação intelectual, pois o uso da numeração e as diferentes
combinações dos números tem grande aplicação na vida (PIMENTEL,1877).
A Geometria, diferentemente da disciplina de Aritmética, não é indicada como
conhecimento do ensino primário elementar. Esse conteúdo das Ciências exatas, porém, é
100
Teixeira (1877) classifica os ramos das ciências em quatros classes: Sciencias naturaes; 2.º Sciencias
positivas; 3.º Sciencias exactas e 4.º e Bellas-letras e artes.
LEIS E REGULAMENTOS
MATÉRIAS DAS CIÊNCIAS EXATAS/CONHECIMENTOS
Lei de 27 de Dezembro de1849
As quatro operações da aritmética sobre números inteiros, frações
ordinárias, decimais e proporções; sistema decimal de pesos e medidas.
Regulamento de 02 de Janeiro
de 1855
Principio de aritmética com a prática das quatro operações em meros
inteiros, quebrados, decimais e complexos, até proporções, inclusive.
Sistema usual de pesos e medidas da província e império
Regulamento de 19 de
Dezembro de1873
Principios de aritmética com a prática das quatro operações em números
inteiros, quebrados, decimaes e complexos até proporções, inclusive.
Sistema de pesos e medidas do império.
117
presença regular nos programas escolares de instrução primária de segundo Grau, em
currículos do período entre 1849-1873.
Conforme dito anteriormente, durante a segunda metade do século XIX a habilitação
profissional está vinculada às matérias primárias, o programa de verificação de capacidade
profissional exige dos candidatos conhecimentos aritticos teóricos semelhantes ao dos
alunos, todavia acrescidos de práticas de entendimento e resolução de cálculos.
Quadro XVI
Programa teórico-prático para as provas de Aritmética
Fonte: Instruções da Diretoria da Instrução primária para os Exames de Capacidade- 1856 e 1873
Como os conhecimentos dos professores e aprendizes são os mesmos, conforme
registram os quadros XVI e XVII, página 131, a leitura de exames de capacidade e dos
professores adjuntos são pistas valorosas para bem melhor caracterizar as práticas da
aritmética na escola primária.
É nessa direção que esse estudo examina, agora, as provas de aritmética de candidatos
selecionados, como José de Luiz de Queiros Jucá que, para habilitar-se ao magistério, em
junho de 1874, responde questões sobre números inteiros, proporções numéricas e lculos e
conteúdos do sistema de pesos e medidas, conforme a transcrição da prova, ANEXO C.
O candidato deve responder às questões combinando variáveis dos conhecimentos de
números inteiros e racionais, sendo necessário que seja exímio nos cálculos das quatro
operões, pois as respostas devem ser exatas. Para a solução dos problemas, são aferidos
conhecimentos de graduações diversas da matéria. Por exemplo, ao aluno cumpre resolver
cálculos simples com a adição, ao mesmo tempo, de operações de proporções. Assim, os
candidatos devem possuir, obrigatoriamente, conhecimentos elevados em lógica, além da
necessidade de perícia em lculos nuricos para as resoluções. Isso pode ser observado no
exame José de Luiz de Queiros Jucá, em que o candidato informa, no final da prova, não
poder resolver nenhum dos problemas propostos. É possível inferir que a dificuldade do
CONHECIMENTOS
Elementos de
Cálculo
Teoria
Prática
Numeração, Adição,
subtração, multiplicação,
divisão e Proporções
Aplicação a números inteiros,
quebrados, complexos e decimais.
118
candidato pode estar relacionada à compreensão do enunciado das questões-problema e à
técnica do cálculo numérico.
A prova, de 28 de agosto de 1874, da concorrente ao título ao magistério, Maria
Jerônima de Sousa, exige conhecimentos similares, comparada à anterior. Todavia os
conteúdos aferidos são mais acessíveis do que os exigidos do primeiro exame. Veja a prova,
(ANEXO D).
Os exames dos professores adjuntos, Francisco Feliz Salamico (ANEXO E), e
Joaquim José Freire (ANEXO F) em 30 de maio de 1874, permitem compreender as práticas
da aritmética na escola pública primária cearense. As duas provas supervisionadas pelo diretor
da Instrução Pública, Justino Domingues da Silva; o professor primário, Pedro Pereira da
Silva Guimarães Junior, averiam os conhecimentos (teóricos e práticos) de aspirantes ao
magistério.
Pelos exames do ano dos adjuntos, embora a exatidão dos cálculos seja uma das
principais habilidades julgadas do ensino, o professor deve adquirir conhecimentos de
técnicas de cálculos e métodos que facilitem a aprendizagem dos alunos. É possível também
observar nas provas que, existe a preocupação de que os professores, além de estarem
preparados nos conteúdos, devam também saber ensiná-los da melhor forma possível,
organizando cálculos escritos através de regras, na resolução do problema.
No final da prova do aspirante Francisco Felix Salamico, o professor Guimarães
nior apresenta a seguinte avaliação: “Os problemas estão de uma forma tal, que não
obstante mostrarem um rezultado certo demonstra não ter pericias do modo de praticar, e
devia fazel-a como acima menciono”. Considerando a posição do professor, é possível
observar no contexto educacional cearense, do século XIX, um início de inflncia dos
estudos da pedagogia e metodologias, à medida que são exigidos os saberes práticos para
melhoria desse ramo de ensino.
Também é possível, pelo o ofício do professor da Escola de segundo Grau primária,
Joaquim Alves de Carvalho, de 03 de outubro de 1874, a revelação de momentos do ensino de
aritmética no cotidiano escolar. À leitura atenciosa de texto, pode-se perceber as inquietações
da prática pedagógica, expressas na resposta que aos professores primários, Francisco
Oliveira Conde e Manoel Jorge Vieira, sobre números e seu valor posicional.
119
Li a exposição que faz o Senr‟ professor de Maranguape Fr.
co
d‟ Oliveira
Conde em duvidas com o seu Colega Manoel Jorge Vieira acerca do modo
de conhecer o valor de um nº qualquers, cumprindo dar meu parecer a
respeito, segundo o despacho de V. S.
a
exarado na m.
ma
, digo: que acho
razão no que dizem ambos professores, notando que o illustrado Collega
Conde, corroborando seus argumentos com a doctrina de E. M. Bezout, o
reparasse p.
a
um a sua nota, em que explica (tratando do modo de ler os
números 23 milhares, 456 bilhões, 789 milhares, 234 milhões, 565 milhares,
456 unidades) da maneira reg.
a
. Compre advertir que este modo de ler e dizer
os n.
os
que passão alem das centenas de milhão, não é geral em todas as
nações, nem em todos os tratados de Arithmetica; e que pelo contrário está
sendo mais usual principalmente em Fraa, o não dar a denominação de
milhares senão a segunda classe de três letras, dando a terceira, quarta,
quinta dito as de milhão, bilhão, trilhão dito deste modo o numero proposto
se lerá 23 quatrilhões, 456 trilhões, 789 bilhões, 234 milhões, 565 mil, 456
unidades. À vista p.
r
do que diz nesta nota o m.
mo
Bezout, aqui o professor
Conde se reccorre dar o dizer, que é questão o nome chamar milhar de
milhão- bilhão- o milhar de bilhão trilhão- como seria o mesmo chamar 100
milhésimas uma décima, uma desena unidades, uma centena, 60 dezenas,
ou 100 unidades.O que posto entendo sem fundamento a varia denominação
de milhares de milhão, ou bilhão, que em resultão o é do m.
mo
valor
algorithmo
Na discussão do ofício, sobre a forma correta da leitura de valores nuricos, os
docentes da época fundamentam o exercício profissional em estudos teóricos. É o caso
específico de professores em discussão teórica, sobretudo fundamentada em tratados franceses
de Arittica, sobre conteúdos e procedimentos pedagógicos usados no cotidiano escolar.
Nesse sentido, pela discussão apresentada pelo Professor Joaquim Alves de Carvalho,
é possível reconstruir a prática de leitura de números aplicada no cotidiano escolar. O ensino
de aritmética é ministrado pela leitura de números e pela escrita numérica, observando-se as
ordens e classes do sistema de numeração. Considerando a leitura do referido ocio, é
legítimo afirmar que nesse ensino uma ênfase do saber cumulativo dos conteúdos,
característica essencial da orientação humanista do modelo escolar da época.
O ocio revela, igualmente, que, mesmo isolados em escolas, os professores trocam
experiências e conhecimentos sobre práticas de ensino que não se limitam à leitura de tratados
pedagógicos, mas discutem, entre profissionais, experiências de trabalho.
Observa-se, assim, o espírito de solidariedade e respeito recíproco entre colegas de
mesma profissão que procuram dirimir as vidas sobre o ensino. A troca de experiência
aponta um início da tendência que se consubstanciaria, no final do século, em organização de
120
associações, etapa importante da construção da identidade profissional docente pois, como
nos diz Villela (2003, p. 127),
A emergência desse ator corporativo constitui a última etapa do processo de
profissionalidade da atividade docente, pois significa uma tomada de
consciência dos professores de seus próprios interesses como um grupo
profissional e a criação dessas corporações está relacionada à existência
prévia de um trabalho coletivo de constituão dos docentes em um corpo
solidários e da elaboração de uma mentalidade e de uma ideologia comum.
A forma como os conhecimentos aritticos são ensinados, no Ceará, o
evidenciados, também, no jornal O Cearense de (21 de junho de 1864, p. 01)
A arithmetica é ensinada de um modo todo singular. A rotina é ainda a
mesma, o menino a prende sem saber o que. O estudo pratico da arithmetica
é uma grande necessidade, que todo o mundo reconhece, mas nós temos
seu estudo material. E que tempo perdido!
Em uma das escolas da capital é costume cantarem os meninos a taboada
desde o principio a o fim. E isto todo o dia! O mestre ainda o
comprehendeu que o tempo gasto em semelhante algazarra é sem nenhum
proveito.
Diz-se que tabuada é o instrumento usado pelos professores para o ensino da
aritmética. Os dados do QUADRO XIII, página 98, mostram o uso unânime desse material
didático nas aulas das províncias. Assim, firmado em bases mnemônicas, o ensino da
aritmética parece um tanto sem significado para a realidade dos alunos pobres, que têm que
manipular os números em assuntos cotidianos.
Tal como no ensino de gramática, em que se privilegia a memorização de regras
gramaticais para posteriores análises de textos, também no aprendizado da Arittica os
alunos devem saber de memória a tabuada como habilidade fundamental para a introdução de
outros conhecimentos, como os das quatro operações com números inteiros.
Segundo sugere o crítico, é necessário o ensino prático, ou seja, a operacionalização de
cálculos aritméticos pelos alunos e material didático para o uso de alunos da matéria em
substituição ao modelo ineficiente aplicado no ensino.
Sobre o sistema métrico, eis o que diz o artigo do jornal O Cearense, (21 de junho de
1864, p. 01),
O systema métrico de pesos e medidas temos a registrar mais desleixo. O
systema trico acha-se definitivamente adoptado no império. Fala-se do
121
metro em algumas de nossas escolas: será uma novidade. Nem mesmo o
arguidos a esse respeito os que se propõem ao professorado.
Pelas provas de aspirantes ao cargo de professor, identificam-se os conteúdos como
critério de avaliação. Todavia, verificando as lista de utensílios para as aulas primárias, do ano
de 1865, de 39 (trinta em nove) professores, não se encontram registros quaisquer sobre
materiais de facilitação de ensino do sistema métrico nas escolas da província.
Considerando o vínculo entre o programa primário das ciências exatas e o dos
professores para os exames de capacidade e das provas dos adjuntos, reconhecem-se, na
prática escolar, com exceção da geometria, conteúdos prescritos nas leis do período.
Os achados revelam que o ensino da aritmética não se limita às quatro operações
fundamentais ou à tabuada, conforme a crítica do jornal O Cearense. Pelos exames de
professores, é possível observar que os conhecimentos da matéria não são tão elementares,
pois é preciso que os candidatos dominem conteúdos mais avançados para resolver as
questões de avaliações finais e de concursos. É legítimo afirmar, também, que, no Ceará
provincial, o professor primário deve saber mais aritmética do que seus alunos.
3.2.4 A Geografia e a História do Brasil pelos materiais de ensino
Os conteúdos de geografia são introduzidos, no currículo cearense, através da Lei de
dezembro de 1849, Art. 11º, que determina que os professores devem versar sobre os
elementos de Geografia para alunos primários. Seis anos depois, a Lei de 1855 confirma o
ensino, somente para aulas de 2º Grau primárias
101
.
Examinando ocios de professores, levantamento de livros-textos solicitados em
1865
102
e inventários feitos pelos professores, identificam-se poucos vestígios de ensino da
Geografia e de História. Dos poucos registros, encontra-se a lista de material pedagógico
usado pelo professor Joaquim Alves de Carvalho, com alunos da escola de Grau, única na
província.
101
Essa prescrição curricular é ratificada no projeto educativo escolar na Reforma Educacional de 1873.
102
Ver os dados do QUADRO XIII, página 98.
122
Pelo trecho destacado do ocio de 16 de abril de 1869, o professor solicita [...] uns
Attlas, umas pequenas Cartas, América, Asia, Africa, Europa, Mappa Mundi, alguns
compendios de geografia, historia da pátria [...].
Indícios de prática escolar de Geografia são identificados em publicações jornalísticas
de 1850, 1854 e 1864, do jornal O Cearense. O primeiro artigo registra a repercussão da
publicação do compêndio elementar do professor de Geografia no Liceu, Thomaz Pompeu de
Sousa Brasil, intitulado Elementos de Geographia: para o uso das escolas primárias.
Transcrição do artigo extraído desse jornal (de 10 de setembro de 1850, p. 04), sobre o
livro-texto:
Tendo a lei de 24 de desembro do anno passado prehenchido uma grande
lacuna de nossa instrucção primaria, obrigando aos professores o ensino dos
Elementos de Geographia, hoje reconhecido indespensavel em todo mundo
civilisado á qualquer individuo, que queira aparecer na sociedade, tornava-se
indispensável um compendio elementar de geographia para servir de textos
nas escolas primarias; pois que ou o temos em nossa lingoa, ou o o há
entre nós. No intuito de satisfaser esta necessidade o professor de geographia
do Lyceo deo-se ao trabalho de coordenar um Compendio elementar
acommodado ao ensino primário, para que é destinado. Pessoas habilitadas
que forão consultadas, acharão-no completo, e que plenamente satisfasia
nesta parte ao programma do ensino recommendado na lei.
A avaliação feita pelo Instituto Histórico Geográfico Brasileiro do uso do compêndio
Elementos de Geographia, no ensino primário, está estampado no O Cearense de (18 de abril
de 1854, p. 01). -se, aqui, o Relario do secretário, J. M. de Macedo da Revista do
Instituto, de 1854.
O Sr. Dr. Pompeo adoptou o seo compendio de geographia o methodo
dialogistico, que por ventura não tem o mérito da originalidade,
recommenda-se ao menos pelos resultados obtidos; comprehendendo que lhe
não era licito transpor os limites de um compendio, nem por isso desmerece
o seo trabalho por uma concizão levada a excesso, tanto mais que em todas
as partes de que elle se compõe é sempre realçado pela puresa da linguagem,
elegância do estylo, e escrupoloso exame dos factos.
Essa mesma concizão que o Sr. Dr. Pompeo respeita tanto no sytema que
seguia e finalmente e muito á propósito menos attendida quando começa a
tratar do Brasil, sobre a qual se permitte tanto desenvolvimento, que não era
possível caber dento das raias, em que o operara o plano da sua obra: é
principalmente neste ponto que o Sr. Dr. Pompeo se faz credor dos mais
justos encômios; a critica mais imparcial reconhece que elle se deo a um
estudo prolongado de todos os documentos officiaes, que podião servir de
base a um trabalho de semilliante naturesa; se por ventura pode-se duvidar
da certesa da sua estatística [...]
123
A leitura atenta da publicação revela avaliação bastante criteriosa do compêndio para
adoção no ensino elementar. Acredita-se, pelas informações, que o livro para os alunos
primários seja adaptado do Compêndio Elementar de Geografia Geral e Especial do Brasil
(Imagem4) para o ensino secundário.
A adaptação é feita com o resumo do material e ajustamento do texto dissertativo para
o método dialogístico, técnica de organização didática dos conteúdos, mediante perguntas e
respostas. O método é usado comumente de maneira a ordenar os conteúdos dos livros-textos
do ensino primário, pois o próprio avaliador afirma que o compêndio apreciado “por ventura
o tem o mérito da originalidade” para edição dos livros nesse nível de ensino.
No último documento de exame da prática de ensino de geografia é identificado, na
secção Collaboração - A Instrucção Publica no Ceará-III, do jornal O Cearense, de (21 de
junho de 1864, p. 01), os conhecimentos necessários à aprendizagem de geografia, ao final da
instrução primária, apontados, pelo redator:
Por meio da simples noções geographicas, conheçam os meninos o paiz onde
nasceram, o meio em que vivem. Com as noções elementares de geographia
aprendam alguns princípios de historia. Longas séries de dactas, áridas
nomenclaturas, factos sem nenhuma importância nada deixam car seu
escripto.
O referido trecho indica que os conteúdos de Geografia são referencias para o estudo
da História. Pelo ensino dessa matéria primária os alunos aprendem sobre o país onde
nasceram e vivem. Esses conhecimentos são desenvolvidos pelos professores, sobretudo
através de atividades orais e pelo exercício da memorização.
Imagem 4
Compêndio Elementar de Geografia
Geral e Especial do Brasil 1869
Fonte: acervo do IHC
124
Os poucos indícios encontrados limitam a reconstrução de mais recortes desse ensino
no cotidiano escolar. Todavia, a publicação do compêndio Elementos de Geographia: para o
uso das escolas primárias e a introdução de materiais pedagógicos na escola de segundo Grau
primária, em 1869, são pontuais no reconhecimento de momentos do ensino de Geografia na
escola primária já no século XIX no Ceará.
3.2.5 A Prática de Ensino: componente do programa curricular primário
Até a década de oitenta do século XIX, na província cearense, os aspirantes ao
magistério primário têm, nos espaços de escolas primárias, locais únicos de preparação inicial
do magistério
103
. Os futuros professores deveriam, por meio da observação da prática de um
professor designado pelo diretor da Instrução Pública, realizar o tironio, no período prescrito
nas regulamentações.
As intenções poticas do Estado imperial e da província cearense estabelecem a
habilitação de professores primários pelos exames de capacidade profissional e a preparação
inicial de professores adjuntos nos ambientes das aulas primárias. Esses dois modos de
habilitação profissional estão apoiados nas referências formativas do enfoque prático
tradicional, em que os aspirantes aos magistérios devem aprender o ofício docente com um
professor experiente (GÓMEZ, 1998).
A Lei de 1855, no Art. 29 determina que, para a admissão aos exames de capacidade, é
necessário que o candidato estude, no espaço de um mês, o modo prático de ensino, em
escolas da capital, designada pelo diretor da Instrução Pública. O tempo destinado aos estudos
práticos de ensino é redefinido nas Instruções para a Verificação de Capacidade para o
Magistério, e Provimentos das Cadeiras Públicas de Instrução
104
, para três meses.
A reforma de 1873 traz, também, modificações no período de realização do tirocínio e
na obrigatoriedade de, pelo menos, um mês de estudos práticos pelos aspirantes ao magistério,
em escolas de segundo Grau primário. Assim, estes devem cumprir quatro meses, em cadeiras
103
A partir de 1883, começa a preparação dos professores primários na Escola Normal de Fortaleza.
104
Essas instruções constam de portaria do Presidente provincial Vicente Pires da Mota, de 21 de maio de 1855.
125
de instrução elementar. Aos pretendentes do sexo masculino é necessário a complementação
de mais um mês na escola do segundo Grau.
É a primeira diferenciação na preparação do ocio docente, no período, pois somente
os homens podem ingressar em estudos preparativos do magistério superior primário,
realizado com o professor Joaquim Alves de Carvalho. A diferença é decorrente da
organização curricular do ensino feminino na época.
Mesmo que as Instrucções de Exames de Capacidade Profissional, Concursos e
Provimentos das Cadeiras Públicas Primárias, de 1874, estabeleçam no Art. 4º, que
“ninguém será admittido a exame de capacidade profissional sem exibir attestado com
aproveitamento”, são dispensados de estudo nos seguintes casos:
Aqueles com grau acadêmico, em faculdades ou escolas superiores do império.
Os clérigos de ordem sacra;
Os com diploma de academias estrangeiras competentemente legalisados;
Os bacharéis do Imperial Colégio de Pedro II;
Os alunos do Liceu, aprovados em todas as disciplinas do curso;
Os professores adjuntos, que estiverem conforme o artigo 80, do Regulamento de 19
de dezembro de 1873.
Para ser professor primário basta ter o título de renomada academia para ministrar
conteúdos programados, com exceção dos professores adjuntos, dispensados do tirocínio, que,
durante três anos, aprendem o exercício da profissão.
Em discussão sobre a importância dos estudos práticos, na preparação do futuro
professor, o diretor da Instrução Publica, Hippolito Gomes Brasil, considera incompleta a
sistemática de titulação dos exames de capacidade, pois limitam-se às matérias do ensino
primário, desconsiderando conhecimentos didáticos, somente exigidos em tirocínio.
Eis, abaixo, trecho do Relatório, de 19 de junho de 1866:
Os exames a que se sujeitão os candidatos ao professorado o incompletos;
apenas exige-se que exhibão provas de conhecer as matérias que se propõem
á ensinar, tenhão, ou não aptidão para transmittil-as á mocidade que tem de
ser confiada a seus cuidados.
A didactica uma das partes essenciais do exame he ommittida,
satisformando-se a leiem exigir o pequeno tironio de um s em uma das
126
escolas desta capital para obteão dos conhecimentos práticos de reger uma
escola.
No tirocínio, os professores regentes, tidos como experientes pelos diretores da
Instrução Pública, apreciam a freqüência do aspirante e sua habilidade com a prática de
ensino. Devem atestar se os candidatos tiveram bom aproveitamento e se freqüentaram
devidamente o período obrigatório nimo de prática.
Pela solicitação, em de julho de 1869, da candidata Josefa Águida de Oliveira, para
o exercício do modo prático de ensino, e atestado, datado de 31de julho do mesmo ano,
concedido pela professora Cornelia Altina de Souza Beserra, constatam-se os critérios de
julgamento nesse período: Attesto que a Senr.
a
D. Jozepha Águida de Oliveira, fez durante
este mez o tirocínio, ordenado pelo Regulamento da Instrucção Publica, revelando
intelligencia e aptidão para o magistério, sendo o tironio feito em minha escola.
A Reforma de 1873 prescreve que, para a obtenção do atestado de estudo do modo
prático de ensino, os futuros professores devem realizar estudos primeiramente em escolas
primárias de instrução elementar e completá-los em escola primária de segundo Grau.
Conforme documentos selecionados, a prescrição é cumprida prontamente como etapa
de titulação do professor. O procedimento é revelado pela solicitação de José Luis de Queis
Jucá Junior, de 16 de janeiro de 1874, para o tirocínio e a apreciação dos dois professores. Eis
os atestados em graus distintos da instrução primária nas linhas abaixo:
Attesto que o Senr‟ José Luiz de Queiros Jucá Junior freqüentando esta
escola desde 17 de janeiro do corrente ano até a presente data, feito com
assiduidade e aproveitamento quanto ao modo assiduidade e aproveitamento
quanto ao modo pratico do ensino, mostrando alem disto gosto para o
magistério.
2ª escola Publica do 1ª Gráo da Cid.
e
da fortaleza de 17 de maio de 1874.
O professor,Tristão Pacheco Spinosa
Attesto que Senr‟ José Luiz de Queiros Jucá Junior p.
or
matricular-se n‟aula
que dirigo, para estudar o modo pratico do ensino dia 17 de Maio, e que
freqüentou ate hoje com aproveitamento. Ceará 17 de junho de 1874.
O professor, Joaq.
m
Alves de Carvalho
Os critérios de julgamento, são apontados pelos professores primários Tristão
Pacheco, Pedro Pereira da Silva Guimarães nior e Cornélia Altina de Souza Beserra, que
consideram aptos para as próximas etapas de titulação aqueles que tiverem bom
aproveitamento, freqüência e intelincia.
127
Em face dos atestados, observa-se que os professores experientes julgam a assiduidade
dos futuros professores, apreciam a inteligência, a aptidão e o bom gosto no magistério dos
aspirantes. Embora os critérios não estejam claros, os atestados indicam, em especial, o
cumprimento da política de preparação profissional no período.
Os documentos examinados não caracterizam os momentos da prática desse ensino na
escola primária. Persiste a vida das atividades desenvolvidas pelos futuros professores
nesses estudos. Os aspirantes, candidatos de exames de capacidades, observam somente as
práticas dos professores experientes ou realizam outras atividades em sala de aula durante seu
tirocínio?
Vestígio dessa prática é relevado em ofício datado de 11 de maio de 1870, pelo
professor de aula blica do Grau, Joaquim Alves de Carvalho, ao diretor da Instrução
Pública, José de Lourenço de Castro. No ocio, o professor solicita um adjunto, pois, embora
conte com cinco aspirantes, os mesmos não têm, contudo, competências de adjuntos. Eis a
cópia do trecho em destaque do ocio:
O Senr‟ Fr.
co
. Fontalles Bezerril foi alumno de minha escola, e durante o
tempo em que a frequentou, sempre apresentou conducta, e habilidade.
Que presentem.
e
pratão em minha aula cinco aspirantes ao magistério que
me auxilião mas que este auxilio não é duradouro, visto que os mesmos
aspirantes deixão de praticar logo que completão sue tirocinio.
Ditos na escola certos trabalhos que o da competência dos adjuntos,
bem como abrir a aula, assistir a reunião dos alumnos, fazer chamada e
escripturação da casa, no que, parece-me, no deve empregar ditos aspirantes,
e nem é de suas atribuições.
Julgo por tanto de necessidade a nomeação de um adjunto pª. minha escola,
que hoje conta matriculados 157 alumnos.
No ocio são identificadas, pelas funções dos adjuntos, as atividades que não devem
ser exercidas pelos aspirantes que realizam o modo prático de ensino como pré-requisito para
o exame de capacidade profissional. No entanto, persistem vazios para a reconstrução das
suas funções exercidas no cotidiano escolar e como os professores experientes julgam seus
estudos durante o tirocínio.
O ensino do modo prático é realizado também em escolas primárias pelo modo de
preparação de professores adjuntos. Essa formação inicial consiste da aprendizagem da
profissão docente por alunos, preferencialmente pobres e com bom aproveitamento do ensino
128
primário, verificados em exames gerais. Os alunos aperfeiçoam-se em matérias e na prática
primária durante três anos.
Os adjuntos devem auxiliar os professores nos trabalhos de escrituração da aula, na
chamada dria, regência de classes, inspeção de alunos, na tomada de pontos de matérias e,
até mesmo, na substituição de professor titular.
Os administradores da Instrução Pública cearense, ao final de cada ano, avaliam a
preparação dos professores adjuntos, através de exames apreciados por comissão que observa
o aproveitamento em estudos práticos.
Os exames de professores adjuntos são os únicos documentos coletados que mostram
conhecimentos exigidos pelos professores nesses estudos. Na aritmética, exincias para a
resolução de problemas e cálculos numéricos. A comissão examinadora julga se os adjuntos
realizam lculos com exatidão e se apresentam, na sistematização, perícia em procedimentos
que facilitam a ordenação, de modo prático ou método para esse ensino.
Pode-se dizer, pelo exame dos atestados, que as exigências para a habilitação do
professorado no século XIX, no Ceará são, preferencialmente, os conhecimentos e práticas do
cotidiano escolar primário. Assim, o principal requisito de julgamento da matéria, consiste no
conteúdo primário que deve ser ministrado com aptidão e bom gosto pelos futuros
professores.
Embora esse estudo reconheça ainda muitas lacunas nos conhecimentos sobre o ensino
prático, os exames de provas dos professores adjuntos indicam pistas valiosas para
entendimento da realização da política de preparação do professor, pois esses documentos
indicam, concretamente, sua realização na escola.
3.3 Escola provincial cearense: programas e práticas diferenciados
Os registros dos documentos escolares examinados apontam projetos e práticas de
ensino diferenciadas, em aulas para meninas do interior da província. As diferenças são
reconhecidas em leis educacionais que classificam as escolas primárias em categorias,
conforme o critério de atendimento (masculina ou feminina) e localização geopolítica.
129
A Lei N.º 607, de 15 de novembro de 1852, no Art. 2, classifica as escolas da
província cearense em 04 (quatro) categorias, segundo a localização e o gênero. Suas
diretrizes serviram de bases para as Instruções das Escolas blicas, de 10 de julho de 1853,
elaborada na administração de Thomaz Pompeu de Sousa Brasil. Nessas diretrizes, observa-se
a seguinte classificação para as escolas primárias:
Quadro XVII
Classificação das escolas primárias por categoria/gênero
Fonte: Classificação retirada da Lei Nº 607 de 15 de novembro de Castelo (1970)
As orientações escolares do início da segunda metade do século XIX excluem, de certa
maneira, a mulher cearense da instituição escolar, pois observando o quadro são identificadas
poucas localidades para o ensino primário das jovens na província. o há aulas públicas para
meninas em povoações e, comparando com as cadeiras masculinas, é bem menor o número de
escolas para o sexo feminino.
Como foi dito anteriormente, a mulher, no século XIX, é tratada de maneira inferior,
na sociedade, pois é considerada inapta para tarefas que exijam esforços físicos e intelectuais.
Cabe ao sexo feminino, o papel de mãe, de organizadora de tarefas domésticas. As tarefas
apropriadas às mulheres, nesse período, segundo Pimentel (1877, p. 216), o as seguintes:
Fiar, cozer, tecer, bordar, fazer meia, rendas, engommar. Cortar e fazer vestidos e
enfeites. 3º A arte culinária e confeitaria. 4º Ordenar, dirigir e governar uma casa.”
ESCOLA DO SEXO
MASCULINO
LOCALIZAÇÃO
ESCOLA DO SEXO
FEMININO
LOCALIZAÇÃO
CATEGORIA
CATEGORIA
1ª Categoria
Fortaleza, Aracati, Sobral
e Icó
1ª Categoria
Fortaleza
2ª Categoria
Granja, Ipu, Baturité,
Quixeramobim, Tauá,
Imperatriz e Crato
2ª Categoria
Sobral, Aracati e Icó
3ª Categoria
Vilas que não forem
cabeças de comarca
3ª Categoria
Granja, Imperatriz,
Baturité, Quixeramobim e
Crato
4ª Categoria
As cadeiras das
diferentes povoações
-
-
130
Conforme o modelo social, o currículo escolar para mulheres se institucionaliza como
projeto educativo, apresentando conteúdos e tempo escolares distintos
105
. Os conhecimentos
de meninas são mais elementares e agregam-se aos conhecimentos práticos de agulha, e
atividades domésticas. O tempo de aprendizagem é desigual, pois a escola é obrigatória para
meninas entre 07 (sete) aos 12 (doze) anos, enquanto o tempo escolar para meninos se estende
até os quinze anos.
O ensino das jovens diferencia-se na Lei de 15 de outubro de 1827, Art. 12, que
prescreve que as mestras, além do declarado no artigo
106
, excluindo geometria, devem
ensinar prendas e economia domésticas. A diferenciação dos programas curriculares
permanece em reformas posteriores da segunda metade do século XIX que apontam
conteúdos distintos do ensino masculino e feminino.
Durante 24 (vinte quatro) anos nos programas das aulas femininas primárias são
incluídos, paulatinamente, os mesmos conteúdos do ensino masculino, e, nos anos 1870, os
currículos têm os mesmos conteúdos de ensino para ambos os sexos, excetuando-se os
destinados exclusivamente à formação da mulher.
Todavia, com a Reforma de 1855, o projeto curricular exclui as jovens cearenses de
receber conhecimentos mais avançados, ensinados em escolas de segundo Grau, que somente
atendem o sexo masculino. Tem-se, assim, um projeto educativo de ensino para mulheres,
objetivando a instrução elementar e suas atividades próprias.
A pouca instrução é queixa apontada na prova de Pedagogia, de 05 de novembro de
1874, da candidata Maria Jerônima de Sousa, que diz o seguinte:
Bem quisera fazer uma dissertação, que causasse apreciação e expectativa V.
S.
a
e a presença elegante do Ex.
mo
S.
r
Presidente; mas apenas pude diser duas
palavras, por que a minha mesa não me ajuda a fazer couza melhor.
Peço desculpa, e que attendão que a educação das moças nessa província é
apenas de primeiras letras.
105
A diferenciação, principalmente nos conteúdos que as meninas estudariam, perdurou, segundo Olinda (2004,
p.19), “por longos anos e até a década de 1940, mesmo nas escolas de elite, a preparação das meninas para o
casamento e para o bom desempenho do papel de esposas foi um forte componente dos programas
curriculares”.
106
Artigo 6º - Os professores ensinarão a ler escrever as quatro operações de aritmética, prática dos quebrados,
decimais e proporção, as noções mais gerais de geometria prática, a gramática da língua nacional, e os
princípios de moral cristã e da doutrina da religião católica, apostólica romana, proporcionados à compreensão
dos meninos: preferindo para as leituras a constituição do Império e História do Brasil
131
Eis o quadro comparativo dos conteúdos selecionados das escolas, segundo
atendimento, a partir das leis de 1849:
Quadro XVIII
Programa curricular das escolas elementares femininas e masculinas
As práticas do ensino das escolas femininas são apresentadas em ocios de professoras
primárias para Thomaz Pompeu de Sousa Brasil. Neles, as professoras respondem o
comunicado oficial, de 07 de janeiro de 1856, da Diretoria de Instrução Pública que
estabelece novas orientações para a organização de aulas femininas, as Hypollito Gomes
Brasil inspecionar, no final do ano de 1855, as aulas primárias da capital.
Pela inspeção distrital, as escolas femininas de Fortaleza não cumprem o programa de
ensino, pois consomem o tempo em atividades de agulha, em detrimento de outros
conhecimentos do currículo primário.
A primeira resposta é identificada no ofício de rpetua Carolina de Moraes, da
Cadeira blica do Sexo Feminino de Fortaleza, em 17 de janeiro. No comunicado, a
L
ANO
AULA/ ENSINO PRIMÁRIO ELEMENTAR
FEMININA
MASCULINA
1
1849
Ler e escrever; princípios de moral cristã, as
quatro operações da aritmética, frações
ordinárias, decimais e proporções; gramática
da língua nacional e as prendas
domésticas necessárias
Ler e escrever; princípios de moral cristã, as quatro
operações da aritmética, frações ordinárias,
decimais e proporções; gramática da língua
nacional; elementos de geografia, e o sistema
decimal de pesos e medidas.
1
1855
A instrução moral e religiosa; a leitura e
escrita; as noções essenciais da gramática
nacional; o princípio de aritmética (quatro
operações; números inteiros, quebrados,
decimais); o sistema usual de pesos e
medidas e obras de agulha e mais prendas.
A instrução moral e religiosa; leitura e escrita;
noções essenciais da gramática nacional; o principio
de aritmética (quatro operações; números inteiros,
quebrados, decimais e complexos, até
proporções); o sistema usual de pesos e medidas.
1
1873
Leitura e escrita; instrução moral e religiosa;
noções essenciais de gramática nacional;
principios de arittica (quatro operações;
meros inteiros, quebrados, decimais,
complexos até proposções); sistema de
pesos e medidas; prática do ensino primário
e trabalhos de agulha, como bordados,
marca, labirintho.
Leitura e escrita; instrução moral e religiosa; noções
essenciais de gramática nacional; principios de
aritmética (quatro operações em meros inteiros,
quebrados, decimais e complexos até proporções);
sistema de pesos e medidas e ptica do ensino
primário.
132
professora expõe como é a rotina de ensino na escola, defendendo-se das informações da
inspetoria.
Em resposta ao officio de V. S.a de 7 do corrente mes, tenho a dizer-lhe que,
desde de 1854, epocha em que V. S.a me dirigio hum officio, recomendando
que não occupasse as minhas discipulas nos trabalhos d‟agulhas, senão huma
hora; tenho cumprido exactamente da recommendação, empregando o resto
de tempo em leitura, Grammatica, e Religião; e tenho convicção de que
nesta ultima parte, quasi todas tem aproveitado. Sinto que tantos esforços em
cumprir com as obrigações de meu magistério, sejão sempre recompensados
com tão mas informação.
A professora Anna Joaquina, da cadeira do sexo feminino de Fortaleza, apresenta,
em ocio, as atividades da escola e as dificuldades no ensino das jovens. Eis a transcrição da
cópia de trecho do ofício:
Accuso a recepção do officio de V. S.a com data de 7 do corrente mez, ao
qual passo a responder. Diz V. S.a que consta lhe que nas escolas de meninas
se ensina pouco Religião e Grammaticas, e se da mais tempo aos trabalhos
de agulha. Na minha escola não acontece isso, pois minhas alumnas não só
decorão o Cathecismo da Doutrina como todos os dias a tarde resão as
principaes orações; a respeito de Grammatica é que tenho ensinado a pouco
porque logo que ficam promptas nas mais matérias saem da escola, e quanto
a obras de agulha tem sido pratica minha ensinar áquellas que tem
algum adiantamento na educação intellectual e moral e creio que deste modo
não pode prejudicar a essa parte de ensino. Agora reservarei, como me
ordena, uma hora os trabalhos manuaes.
Os registros, em ocios de 1856, pelas professoras primárias, manifestam a
preocupação de dirigentes pela instrução feminina, pois avaliam o ensino feminino na
província mais rudimentar do que o das escolas masculinas. A avaliação é ratificada por
Thomaz Pompeu de Sousa Brasil, em Relatório de 1849, publicado no jornal O Cearense (de
07 de Maio de 1849, p. 3):
Nas escolas do sexo feminino ainda há mais atraso; e isso procede não so das
causas acima apontadas, como da pouca habilitação, que no geral tem as
professoras. Creio, que definitivamente sahirá uma menina soffrivelmente
educada de nossas escolas. Tambem os paes geralmente se contentão, que as
filhas aprendão um pouco de ler, escrever, e algumas prendas domesticas.
As professoras, no Ceará, regem aulas exclusivamente para meninas até o ano de
1870, quando a Lei Provincial de 1.381 de 23 de dezembro de 1870 cria 01 (uma) escola
primária do sexo masculino dirigida por professora.
133
A inovação didática e sua prática são comentadas pelo diretor da Instrução Pública,
Justino Domingues da Silva
107
, em trecho do Relatório, de 28 de Maio de 1873:
A Lei provincial N.º 1381 de 23 de desembro de 1870, orçar nesta Cidade
mais uma Cadeira do Sexo masculino para ser regida por uma da professoras
mais aptas á [ilegível/uma palavra] da presidencia. Esta Cadeira esta sendo
regida pela professora D. Perpetua Carolina de Morais. Nota-se o
adiantamento nesta escola pelo numero de meninos que forão dados. O
exame e approvados o anno passado.
O sucesso da escola de meninos, regida pela professora Pérpetua Carolina de Moraes,
é uma inovação do período, apontando o ingresso preferencial de mulheres no nível inicial de
instrução primária como tendência que se confirmará no século XX.
A aplicação da Lei encontra resistência entre professoras que organizam suas práticas,
durante 43 (quarenta e três) anos somente para meninas. A professora Cornélia Altina de
Souza, da segunda escola blica feminina da capital, justifica a não aceitação da referida
cadeira recém-criada. A recusa é expressa em ocio, de 13 de fevereiro de 1873:
[...] Tenho repugnância de incumbir-me de trabalho, para que me falta
precisa vocação e jeito.
É verdade que exerço, há doze annos, o magistério com aproveitamento para
minhas alumnas e certa satisfação para mim própria, que vou colhendo
resultados dos esforços, que emprego no ensino, e dedicação, com que pro-
[doc. danificado/uma palavra]
108
cumprir os meus deveres.
Assim tenho sido feliz, segundo a escola de meninas, mas não e sêl-o
passando a ensinar crea [rasurado/uma palavra] outro sexo, de índole
differente [doc. danificado/uma palavra] tos diversos, que me obrigaria
estudos especiais, para estabelecer methodo de ensino compatíveis com a sua
natureza e idade.
Trata-se de uma experiência, é conveniente o confial-a a uma professora,
que confesso não se juízo no caso de tental-a com proveito.
Nesta circustancias espero que S.Exª se dignará de attender a esta
reclamação, concendendo-me escusa, que peço[...]
No ofício, a professora, seguindo o modelo social da época, acredita na desigualdade
entre sexo, e é, incisiva em sua atitude negativa em ministrar o ensino primário para meninos
de 7 a 10 anos. Diz-se despreparada para o ensino, já que é preciso e que são necessários,
segunda a mesma, estudos especiais para o estabelecimento de métodos compatíveis com a
natureza masculina e a idade.
107
Justino Domingues da Silva foi diretor da Instrução Pública, conforme relatórios provinciais e ofícios de
professores de 1873-1877.
108
Formato utilizado nesse trabalho histórico para informar ao leitor que o documento está danificado ou
rasurado, logo, não é possível a transcrição integral de palavras do texto.
134
A instrução dos alunos de escolas de cidades do interior e da capital é outra diferença
do ensino cearense da época, pois examinando inventários entre os anos de 1844 a 1870, de
escolas masculinas e femininas do interior e da capital, diferença do ambiente escolar, da
dimensão material.
Exemplo é o ocio de Generosa Cândida de Albuquerque, professora, em 1868,
transferida dos Inhamuns para a cadeira feminina de Crato. Ao encontrar, na escola, uma
mesa, seis bancos, quatro cadeiras de o, três livros de escrituração, três compêndios de
compilação de Leis, um exemplar do Íris, dois catecismos gerais, uma caderneta de registro
das faltas, quatro tinteiros, uma régua e duas palmatórias; indigna-se com a situação de
precariedade e abandono.
O ambiente escolar precário motiva a professora a redigir ofício ao diretor geral da
Instrução Pública, JoLourenço de Castro e Silva, em 30 de julho do mesmo ano. -se
atenção especial ao seu sentimento de indignação quanto ao estado de total abandono da sala
de aula e ao que está fazendo para mantê-la funcionando.
Em cumprimento ao que me ordenou V. S.
a
na circular de 9 do corrente,
achará com este, a relação dos objetos que faltão nesta escola, os quaes
julguei de absoluta necessidade, pois sendo esta escola estabelecida em uma
das principaes Cidades da província, admira que estivesse em o grande
abandono, como em que a encontrei, de forma que para conservar algum
accio, tenho feito alguma despesa, e o mesmo conseguias das pessoas que
tem possessão, que tém suas filhas em minha aula que mandem para aquella
assentos decentes, cuja exigência tem sido satisfeita a ponto que quando vem
alguma auctoridade ou qual quer pessoa grata, visitar n‟aula [...]
Em ofício, Joaquim Guilhermino da Costa Cysne, da aula blica do sexo masculino
da Povoação de Sant‟ Anna, reclama, com vigor, da falta de móveis em sua escola que
pertencente à categoria, freqüentada por 52 (cinqüenta e dois) alunos e solicita,
urgentemente, a provisão de móveis:
em 11 de agosto do anno próximo tive a honra dirigir-me a V.S.
a
fazendo
ver quanto era visível a falta de assento para os alumnos.
Esta aula, com quanto seja das de mais ínfima categoria, isto é, de Povoação,
me parece que nem por isso, deve ser das mais desprovidas; uma vez que é
freqüentada por bastante alumnos, como se pode ver dos mappas e attestados
de freqüência.
Constando a molia d‟ella tão somente de quatro bancos, dous para
scripturação e dous para assentos, é sem duvida alguma insuficiente para os
alumnos que a frequentão salvo se eu não houvesse ministrado alguns
assento e meza. Já por empréstimo, já por aluguel e até por compra.
135
Assim pois, por segunda vez, torno a lembrar a V. S.
a
que são de urgente
precizão mais quatro bancos, dous para asssentos, e igualmente uma meza e
uma cedeira para o professor: Vê-se portanto que só peço aquillo que de
forma alguma se pode dispensar.
Confio pois, [....]
Constatam-se melhores condições de ensino no inventário de móveis e utensílios da
escola da povoação de São Benedito. O professor registra, em oito de janeiro de 1870, os
seguintes móveis e objetos pedagógicos: quatro bancos, sendo dois para escrita e dois para
assentos; dois livros de escrituração, um exemplar de compilação de Leis e regulamento da
Instrução Pública, uma cadeira para o professor e uma companhia de freqüência e banca, uma
tábua envernizada para exercícios aritticos, dois bancos (para escrita e assento) relógio de
banca, uma tabolita com as armas imperiais, quatro lousas, quatro relógios, um livro do
Mistério do Cristianismo, quatro livros Iris Clássicos, oito Compêndios do Catecismo da
Agricultura, dois livros do Povo, quatro livros de História; quatro de Aritmética e quatro
compêndios de Metrologia; quatro tabuadas e compêndios de Metro-Decimal.
A aula do sexo masculino da Vila de Barbalha, diferenciando-se da escola de São
Benedito apresenta, no inventário de 23 de março de1870, poucos utensílios e móveis
pertencentes da escola.
9 Bancas em bom estado
1 Mesa a utilizar- se
2 Compêndios Simão de Nântua, em bom uso
1 Di
to
dos Luzíadas
2 Grammaticas Portuguesas
2 Sombreiros com cabides
O professor Felismino José Pereira queixa-se da distinção de tratamento entre escolas
da província, principalmente das aulas da capital, em ofício expedido ao diretor da Instrução
Pública, Carlos Augusto Peixoto d‟Alencar, em 09 de novembro de 1858:
Queira, portanto V. S.
a
, senhor Director, como zeloso da instrucção e
civilidade da mocidade do nosso paiz, e a quem sua Excellencia o senhor
Presidente, bem acertadamente, elegeu para fazer, progredir o mais sublime
dos conhecimentos, fazer com que os professores de longe da capital tenhão,
ao menos, a gloria de, com os dados convenientes, exercerem a sua missão; e
que, em desenfado da sua árdua e pouca indemnizada tarefa, vejão florescer
o seu trabalho em aquelles, cuja instrucção lhes é confiada.
136
Para o professor primário, o progresso do ensino e aprovação em exames gerais dos
alunos dependem diretamente das condões do ambiente escolar. É que, para os alunos
pobres, a falta de material, mormente compêndios, é empecilho ao progresso da instrução.
Compreende que o acesso aos bens materiais e culturais é um forte componente para o
sucesso dos estudos de crianças e jovens
Em ocio de 10 de dezembro de 1863 ao diretor geral, Carlos Augusto Peixoto, o
professor expõe, tacitamente, sua posição:
Nesta data remetto o mappa de meus alumnos deste ultimo simestre. É
notável eu ainda este anno o tenha dado alumnos promptos para exames.
Os costumes dos paes de família é a cousa deste, porquefins, apenas os filhos
leem, escrevem e contão alguma cousa, satisfazendo-se somente com isso,
logo os retirão da escola; outros os entretendo em seus serviços, mandão-nos
para a escola la um dia no mur motivando andarem os filhos sempre em
princípios e não tomarem gosto pela instrucção e, finalmente, quasi todos
enconto difficuldades em arranjar os compêndios que lhes peço para os
filhos, que, porisso mesmo, deixão de aprender as matérias contidas alhi.
Peço pois a V. S.
a
que, do menos em favor dos meninos pobres faça por mim
essa falta de compêndios[...]
Como o ofício revela, os ambientes escolares em localidades interioranas são
precários, não móveis e os poucos utensílios o são suficientes para o bom andamento do
projeto curricular.
As escolas da capital são mais bem providas de utensílios e móveis. A situação é
descrita em ocio da primeira cadeira da capital, regida por Manoel Caetano Spínola, para
Thomaz Pompeu de Souza Brasil. Na corresponncia, de 9 de Julho de 1853, o professor diz
que
Em cumprimento á circular de V.Sª de 8 de junho próximo passado, naq.
l
.
exige que eu remetta com brevidade a essa directoria em orçamento dos
objectos declarados no art. 7 da lei de 15 de Novembro de 1852 para serem
fornecidos ás escolas publicas, scientifico a V.Sª. que a minha escola
actualmente de nada precisa.
A Assembleia Provincial do anno passado, em virtude d‟ um requerimento
que lhe apresentei, acompanhado de uma relação dos objectos indispensáveis
a esta escola foi servida auctorisar ao Presidente da província pra despender
a somma que fosse necessária com a compra do que tratava a mencionada
relação, o que se acha quase tudo comprado, faltando somente o que
depende de Typographia que já está incommendado, e os traslados que ha
muito se estão encaxilhando.
137
Em ofício de 26 de março de 1849, o professor Manoel Caetano Spínola, titular da
escola de Ensino Mútuo da capital, comunica que,
Em 11 de Julho do anno passado recebi cincoenta Compedios da História
Sagrada para serem distribuídas aos alumnos pobres desta Escola, assim
como um officio do Director interino do Lyceo o Dr. Manoel Theofilo
Gaspar d‟ Oliveira, com data e mes supra, que acompanhou a remessa, que
ávista da qual julguei opportuna a occasião de premiar alguns dos meus
alumnos com as mencionadas.
Como é possível notar-se a falta de material didático e móveis para as escolas do
interior, na escola de Ensino Mútuo, os alunos pobres da capital recebem quantidade
razoável de livros para sua instrução. Essa escola primária é tida como modelo na aplicação
dos programas de ensino, no período anterior à reforma de 1854-1855. Portanto, são
envidados esforços administrativos para o êxito do método e, conseqüentemente, do programa
curricular.
Pelo inventário do professor Joaquim Alves de Carvalho, de 05 de fevereiro de 1870, é
possível observar que a solicitação de utensílios, feita através do ocio de 16 de abril de 1869,
página 100, não foi atendida.
Quadro XIX
Inventário da escola de segundo Grau primária - 1870
Quadro do Senhor Crucificado, um
1
Tabuas envernisadas pª. exercício d’arithm, q
tro
4
Bancos para escripta, dezeseis
16
Idem assentos, dezeseis
16
Relógio, um
1
Cadeiras de palinha, seis
6
Collecção de traslados encaxilhados, uma
1
Escrivaninha, uma
1
Regua, uma
1
Ardosias, quarenta
40
Ponteiros, dois
2
Estrado, um
1
Regulamento, um
1
Lusiadas de Camões, quatro
4
Arithmética, uma
1
Idem C. Baptista, uma
1
Compendios [danificado/uma palavra] Metrologia [danificado/duas palavras], um
1
138
Assim, a efetivação do ensino primário avançado, através de materiais que motivariam
aprendizagem do aluno é uma realidade ainda distante no ano de 1870, para os alunos dessa
escola primária. De todo modo, pelo registro de utensílios do professor, são verificadas
melhores condições materiais de desenvolvimento do programa curricular na escola modelo
de segundo Grau primário, do que em escolas do interior da província.
As diferenças na distribuição de recursos entre escolas do interior e da capital devem-
se, sobretudo, aos critérios usados pelos administradores provinciais e municipais para a
compra de materiais e móveis pelos professores. A distribuição depende, em primeira ordem,
da arrecadação de impostos e da situação do reduto político em que está situada a escola.
O tratamento desigual entre escolas da província pode ser explicado na facilidade de
comunicação entre as aulas da capital e a diretoria da Instrução. Enquanto ocios de escolas
do interior demoram dias e até meses para chegar ao seu destino, os da capital se beneficiam
da pouca distância da administração central.
Os poucos móveis e utensílios indicam que a situação das escolas femininas, mesmos
das aulas da capital, é tão insuficiente quanto das localidades interioranas. É o que se no
inventário apresentado por Anna Joaquina Pereira, da aula de meninas, de 25 de maio de
1855: uma mesa com duas gavetas, três cadeiras de palhinha, sete lousas, três canivetes, duas
resmas de papel, três garrafas de tinta, uma dúzia de lápis, quatro réguas e duas palmatórias.
Diante da desigualdade das escolas, Hyppolito Gomes Brasil, em Relatório de 19 de
junho de 1865, compara o ensino do interior e da capital e o nível de aproveitamento dos
alunos:
Desta não o todos os alumnos que se aproveitão, porque em geral
satisformando-se com o ler, escrever e juntar, dispensão o ensino da
grammatica dispedindo-se das escolas antes mesmo de se poderem nelle
iniciar. Nos pequenos povoados he isso quase geral, não se dando o mesmo
nas cidades e villas principais onde se vai desenvolvendo mais o gosto
pelas letras.
Sensível às diferenças do contexto rural, o professor da Vila de Barbalha, Felismino
José Pereira, em ocio de 07 de dezembro de 1866, ao diretor Hyppolito Gomes Brasil,
sugere que sejam modificados os horários de entrada e saída dos alunos, pois
Sendo commumente maior o numero dos meninos pobres, esses são
occupados, por seos paes em diferentes serviços, ordinariamente pela manhã
139
e á tarde, e porisso deixão as escholas de approveitar á mor parte dos
pobres, e os poucos, que alli vão é com incríveis interrupções. Dahi a falta de
concurrencia ás escholas; dahi a irregularidade dos trabalhos; dahi a falta de
gosto nos alumnos; e mais ainda para o professor, que necessariamente sente
se desanimado á vista de tantos atropelos. E, por muito que trabalhe por
methodisar seo ensino, sempre é vencido; e afinal por motivos involunrios,
toma á nota de máo professor.
Pela experiência do professor, os alunos não cumprem os horários prescritos nas
instruções de 1856, pois seus pais só deixam os filhos irem para escola, após as 10 horas,
depois dos afazeres domésticos: pilar, carregar água e os trabalhos da roça de primeiras horas
da manhã. Para ele, é trabalhoso o cumprimento de prescrições administrativas e pedagógicas
do ensino primário que não considerem as condições socioculturais dos alunos rurais.
Reconhece-se que os ambientes escolares devem ser tratados distintamente, pois
uma cultura própria que se produz no contexto das escolas do interior e da capital, cumprindo,
assim, a adoção de projetos educativos que respeitem as nuanças desses ambientes
(FORQUIN, 1993).
Pelo que foi dito pelo professor, faz-se imprescindível a proposição de projetos
educativos para as escolas do interior. Uma das propostas do período é adoção, na rotina
escolar, de práticas agrícolas e pecuárias por meio do compêndio Catecismo de Agricultura:
para uso das escolas de instrucção primaria do Brazil, de autoria de Antonio de Castro
Lopes, publicado, em 1869.
O livro- texto de agricultura configura uma inovação do ensino primário desse
período. Tem-se os conhecimentos da área de ciência da natureza e da prática de agricultura
pelo todo das perguntas e respostas. Pela análise do livro, é possível perceber alguns dos
conhecimentos ministrados pelos professores primários no cotidiano escolar para o ensino
rural.
Eis aqui a síntese dos conteúdos do compêndio Catecismo de Agricultura: para uso
das escolas de instrucção primaria do Brazil: Da agricultura e seus fins; Do ar; Do clima; Da
água; Dos vegetais ou plantas; Do solo; Do sub-solo; Das manhas ou meios para melhorar a
Terra; Dos estrumes; Da preparação da terra; Das semeaduras e plantações; Da monda,
arrenda e abacellamento; Dos trabalhos de colheita; Do descanso da terra; Dos alqueires, da
cultura continua e das queimadas; Da conservação dos productos; Da cultura especial de
algumas plantas (da Mandioca; do Milho; do Feijão; Do Arroz; da Canna de Assucar; do
140
Café; do fumo ou Tabaco; do Algodoeiro; do Chá; do Anileiro; da Amoreira); Das moléstias e
outros inimigos das plantas e do gado.
Mais vestígios do ensino da teoria agrícola são revelados em ocios enviados pelos
professores Joaquim Guilhermino da Costa Cysne, em 3 de dezembro de 1861; e Luís Carlos
da Silva Peixoto, em 10 de Novembro de 1862. Os documentos indicam que nessas escolas
masculinas primárias, no início de 1870, os professores receberam exemplares desse livro-
texto.
tamm indícios do ensino da teoria agrícola no inventário da escola pública
masculina de São Benedito e pelos exames de capacidade para o magistério primário. Cita-se,
especificamente, o exame da candidata Josefa Águida de Oliveira, no Liceu do Ceará, em 24
de janeiro de 1870. A prova escrita apresenta o texto Vantagens da Agricultura”, ditado pelo
examinador para apreciação da escrita ortográfica:
Não pode o homem prescindir do trabalho, pois foi-lhe elle impôsto por
Deos em castigo de sua desobediência no paraíso terrestre, como condição
de sua vida. Nenhum trabalho porem é mais honroso e nem offerece maiores
vantagens, do que o da agricultura, pois é Ella a fonte de todas as riquezas, e
sem Ella jamais poderia o homem satisfazer as principaes necessidades da
vida.
É, no texto destacado da prova da candidata, a comprovação de que se exige do
professor conhecimentos teóricos de agricultura, pois é urgente oferecer aos jovens uma
leitura, que lhes inspire gosto e simpatia pela principal fonte de nossa riqueza (LOPES, 1869).
Nesse sentido, é possível afirmar, que o professor primário para ensinar nas aulas primárias os
conhecimentos de agricultura deve saber um pouco mais do que os alunos.
Compondo o currículo primário da segunda metade do século XIX, o ensino da
agricultura é a primeira proposta de preparação dos alunos da escola primária para o trabalho.
A opção pelos estudos teóricos do trabalho rural é uma tendência que se confirma na
organização do curculo primário brasileiro até os dias atuais.
Considerando as discussões sobre os conhecimentos da escola primária pode-se dizer
que a escola cearense da segunda metade do século XIX não é única, mas representa
diferentes modelos sociais e escolares. Essa diversidade no ambiente escolar sugere, então,
que muito ainda que ser revelado sobre projetos educativos da segunda metade do século
XIX. Cita-se, como exemplo, os meios de organização dos conhecimentos e das classes de
141
alunos no sistema de ensino, que abre novas possibilidades para a reconstrução hisrica do
currículo e suas práticas.
3.4 Organização dos conhecimentos: tempos e métodos escolares
O projeto curricular, além de versar sobre programas de ensino que devem ser
ministrados, também define a forma de organização do ambiente escolar, ou seja, métodos e
tempo de aprendizagem.
Diferentemente da primeira metade dos anos oitocentos, o projeto educativo primário,
a partir da década de 1850, apresenta inovações
109
, decorrentes, sobretudo da urgência de
adoção de princípios de racionalidade moderna, firmando o rigor experimental e lógico pela
adoção de métodos e materiais de ensino.
O novo direcionamento é confirmado em Leis da província, de 1849, e nas Instruções
de 1853, posteriormente no Regulamento de 1855. Consta a indicação do método e a divisão
de classes nos artigos , 7º e 8º, do Capítulo I, das instruções de 10 de julho de 1853,
transcritos de Castelo (1970, p. 98):
Art. - Os professores serão obrigados a observar o todo simultâneo
(Art. 11 da Lei n. 501) quando sua escola for freqüentada por tal número de
alunos, que não se possa usar do método individual, por exemplo, quando
forem mais de dezesseis alunos.
Art. - No todo individual, que consiste o professor fazer ler, escrever,
calcular etc. seus discípulos separadamente, uns após outros, deve todavia o
professor combinar quando for possível o ensino simultâneo a respeito dos
alunos mais adiantados.
Art. 8º- No ensino, ou método simultâneo, que consiste em fazer participar, a
cada lição, todos os alunos capazes de recebê-la, deverá o professor dividir
os discípulos em várias classes, fazer ler, escrever, calcular etc. todos de uma
mesma classe; de maneira que cada um aproveite da lição dada á classe.
109
Justificam-se as inovações pedagógicas no cuidado em adaptar os conteúdos escolares ao desenvolvimento
de crianças e jovens, nesse período, com base, principalmente, no pensamento moderno de que
diferenciações na aprendizagem de adultos, jovens e crianças. Ler mais sobre essa questão em (ARIÉS, apud.,
PETITAT, 1994).
142
Diferente do sentido pedagógico, hoje, dado ao termo método
110
, no ambiente escolar
dos anos oitocentos, a terminologia é empregada, preferencialmente, como base de
organização do ensino e espaços escolares. Faria Filho (2003, p. 143) afirma
[...] que a discussão sobre o método de ensino, entendido muito mais como
forma de organização da classe de como forma de ensinar, vai se processar,
no Brasil, no decorrer dos anos 40 a meados dos anos 70 do século XIX.
Assim, no contexto escolar dos anos oitocentos, reconhece-se a adoção dos métodos
de ensino: Individual, Mútuo ou Lancasteriano
111
e o Simulneo que determinam a
organização do ensino, pela classificação, ou não, de alunos em níveis hierárquicos de
conhecimentos.
O método Individual é o dos preceptores
112
, em que os professores são responsáveis
pelo acompanhamento individual ou de poucos alunos. Esses mestres acompanham a
formação intelectual, religiosa e moral, orientando o desenvolvimento, em diferentes
momentos, dos seus aprendizes.
O ensino individual é realizado com filhos da classe abastada, por padres ou parentes
conhecedores de ensinamentos da leitura e escrita. É o método adotado na formação da elite
imperial. Descrevendo a organização desse ensino da primeira metade dos anos oitocentos, no
Ceará, Sousa (1960, p. 59) expõe o seguinte:
Naquele tempo, eram poucas as escolas públicas, na Capitania; ensino
particular organizado não existia; quando muito, davam lições os racos a
alguns filhos-famílias, entre os mais abastados e de bom nascimento. o
havia, de forma alguma, a escola para todos.
Traço peculiar desse ensino é o atendimento individualizado, limitado ao tempo de
formação dos alunos. Os preceptores ensinam conforme os ritmos de aprendizagem,
acompanhando os diferentes momentos de desenvolvimento dos aprendizes, não se restringem
aos conteúdos dos programas, mas orientam todo processo educacional. Segundo Faria Filho
(2003, p. 140), aplicação do método individual em aulas blicas caracteriza-se pelo fato de
110
Os métodos facilitam, sobretudo, os processos de aprendizagem.
111
O modo de organização do Ensino Mútuo é baseado nas orientações metodológicas de Jose Joseph
Lancaster (1778-1836) que cria a partir do modelo de Andrew Bell (1753-1832) o método do Ensino Mútuo.
(CAMBI, 1999) e (FARIA FILHO, 2003).
112
O preceptor brasileiro é um tipo de mestre-escola como padres-mestres, pais-doutores e humanistas
clássicos.
143
os alunos ficarem muito tempo sem o contato direto com o professor, fazendo com que a
perda de tempo fosse grande e a indisciplina um problema presente.
Em decorrência desses fatores, o atendimento individualizado, marca desse ensino,
o responde ao debate potico sobre a necessidade de expansão da escolarização para a
população pobre intencionada na segunda metade do século XIX (FARIA FILHO, 2003).
Para generalizar a instrução primária, as poticas do Estado imperial, nas primeiras
décadas dos anos oitocentos, estabelecem novos meios de organização do tempo e do espaço
escolar. Nesse sentido, a Lei de 1827 no Art. orienta, que “as escolas serão de Ensino
Mútuo e nas capitais das províncias; e o serão nas cidades, vilas e lugares populosos delas, em
que for possível estabelecerem”.
O Método Lancasteriano, proveniente da Inglaterra, tem como principal objetivo
oferecer instrução em massa às classes populares, sem onerar o Estado. Na experiência
inglesa, a escola desenvolve o ensino com mais de 700 alunos, organizados em turmas
homogêneas, instruídos por discípulos mais adiantados, em função de monitores. A proposta
desse ensino é a racionalização do tempo escolar, a disciplina do processo de ensino e redução
de gastos públicos.
A organização da escola pública, do Método Mútuo, tem divisões em classes, com
decuriões ou monitores para vigiar o ensino dos discípulos. Outra característica são
premiações semanais e mensais que incentivam a passagem de classe mais atrasada para outra
mais adiantada. Esse método pretende inovar a organização da escola primária blica que,
segundo Primitivo Moacyr (1939 p. 22-23), deve seguir as seguintes práticas:
cada escola é dividida em classes por rapazes quase das mesmas idades, e que
tenham feito iguais progressos; o lugar de cada um se determinado pelo seu
adiantamento. Cada classe desta se divide em decuriões, e em discípulos. Os
decuriões devem fazer estudar as lições de seus discípulos ao mesmo passo
que as estudam eles mesmos, vigiar no seu bom comportamento, e no socego
e boa ordem da classe. As lições de cada classe devem ser fáceis, cada uma
deve o conter poucas idéias, mas deve ser posta em linguagem tal que
seja no mesmo grau, clara, correta e concisa. Não se deve antecipar; o que
aprende uma lição deve preparar a seguinte. Devem as lições ser de tal
extensão que não levem mais de dez minutos a aprender, quando muito, um
quarto de hora; e logo o que estiverem sabidas, devem os decuriões fazel-as
repetir tantas vezes quantas forem suficientes para se ficarem sabendo com
exatidão. sem a necessidade de se levantarem e vagarem pelas aulas
freqüentemente.
144
O ensino pelo Método tuo não estabelece normas para o programa primário, já que
os objetivos maiores são a organização dos alunos em classes e a disciplina baseada em
prêmios e castigos morais. Confirmando essa posição, Olinda (2004, p.14) diz “que a nova
prática do Ensino Mútuo não mudava os antigos procedimentos com sua seqüência de silabar,
soletrar e repetir até que se decorasse os conteúdos recitados pelo monitor”.
Acompanhando essa inovação o Art. 1.º, do Regulamento 1837, estabelece, para o
ensino provincial, que os professores das escolas de primeiras letras observem as orientações
do método Lancasteriano:
Nas escolas de primeiras letras, que não forem de ensino mútuo, observa-se-
á, quando for possível o método de Lancaster na disposição dos utensílios,
divisão de classes e nomeação de monitores, de sorte que seja fácil aos
professores manter a melhor ordem e inspeccionar as acções dos alunnos; e a
estes cumprir com os seus deveres.
As cinco anos, é criada, pela Lei Nº. 281, a única cadeira de Ensino Mútuo na
capital da província cearense, em 13 de dezembro. Suas práticas são reconstruídas pelos
relatórios dos diretores da Instrução; e ofícios do professor Manoel Caetano Spínola, entre
1844 a 1853.
As práticas iniciais do método são confirmadas pelo professor, em ocio de 28 de
junho de 1844, ao relatar que se acham estabelecidas as classes e as decúrias drias e as
formalidades das passagens de uma classe para outra, segundo o plano do Ensino Mútuo.
Também, em ocio de 19 de fevereiro de 1848, constata-se a aplicação das
orientações do sistema de Lancaster:
Como se achão estabelecidas as classes, decuriais diárias, e as formalidades
das passagens de uma para outra classe, segundo o plano do ensino Mutuo,
julgo que, para se primar e corrigir moralmente as acções dos meninos se
deve empregar diariamente os prêmios nominaes, que devem ser
semelhantes as que actualmente se usa nesta Escola, e a permutação dos
mesmos no fim de cada s por outros effectivos próprio e accommodados
aos gastos e idéas deo tenras idades.
145
O Ensino pelo Método Lancasteriano é feito pela organização dos alunos em classes
com alunos que estejam no mesmo nível de conhecimento. Os alunos das classes são dirigidos
por discípulos mais adiantados que ensinam orientados pelo professor da escola as matérias
do programa primário. As mudanças de uma classe para outra o um momento importante,
pois os alunos são premiados formalmente pelo professor e as autoridades da província.
Considerando os parcos recursos provinciais, e, em especial da pasta da Instrução, esse plano
de passagem através de prêmios mensais torna bastante dispendioso o Ensino Mútuo para o
sistema de ensino cearense.
O Método tuo apresenta organização de ensino que inova na forma de lidar com o
castigo. Na escola tradicional, os castigos sicos estão em primeira ordem. A substituição da
palmatória, de caráter punitivo, por outros tipos de controle, como vigilância constante dos
pares (alunos mais adiantados e monitores), associada ao controle do tempo e à emulação e à
premiação, é o modelo ideal para reprodução da função ordeira que escola deve exercer para a
sociedade do período.
A substituição da palmatória por castigos morais e a premiação dos alunos ameniza os
conflitos na relação professor-aluno, proposto pelo método? A questão pode ser bem melhor
entendida pela leitura do ofício de 02 de maio de 1851, do professor da escola, para Thomaz
Pompeu de Sousa Brasil.
Exemplo de indisciplina é exposto pelo professor Manoel Caetano Spínola, que
solicita providências imediatas ao diretor da Instrução sobre aluno que transgride as normas.
Imagem 5
Prédio Público
da Escola de Ensino tuo de
Fortaleza
Fonte: acervo particular
146
No registro, é possível reconhecer a relação entre o professor e aluno, face às regras do
Ensino Mútuo.
Neste Instante acabo de ser com o despresso desobedecido dito Aureliano da
Rocha, discípulo desta escola, a quem mandei de monitor para uma classe,
respondendo-me que não ia.
Outro monitor disendo áquelle que mi obedecesse, ele respondeu-lhe
madraço, não vou porque não quero. O menino offendido dito o outro lhe
chama madraço, desafia-o para um certame litterario, ao que responde o
desobediente: não aceito o desafio, nem vou para a classe, e eu quero ver ser
castigado!
a presença de V.Sª. agora poderá pôr cabo ao que acabo de sofrer de um
discípulo!
Passados doze anos da regulamentação do todo Mútuo do Ceará, Thomaz Pompeu
de Souza Brasil apresenta a seguinte posição sobre seu ensino, no Ceará, em Relatório da
diretoria geral da Instrução de1849, publicada no jornal O Cearense, de (07 de maio de 1849):
Mas pela experiencia que tenho tido dos exames nas duas escolas de
meninos desta cidade, das quaes a do ensino mutuo é a mais freqüentada da
província, pois teve o anno findo 147 alumnos, vejo que muito vagaroso, e
insignificantente é o aproveitamento annual; por quanto apenas 4 a 5
alumnos saem annulamente promptos da primeira escola da província;
acontecendo porem que a maior parte saem da escola sem acharem se
devidamente promptos. Por outra parte vêem se nas escolas, como na do
ensino mutuo, meninos com 7 e 8 annos de escola com superficial
instrucção.
Embora tida como modelo de poticas educacionais, a primeira escola de Ensino
Mútuo da capital não apresenta, segundo Thomaz Pompeu de Souza Brasil, diferenças
significativas quanto ao desempenho dos alunos em exames gerais anuais.
No mesmo Relatório de 1849, o diretor continua comentando as desvantagens do
todo, no contexto do Ceará,
A nossa escola de ensino mutuo não tem apresentado as vantagens, que se
esperão, e aprova é o pequeno numero de alumnos, que annualmente
prepara, e o facto de alli se demorarem meninos a8 annos sem adquirir
instrucção primaria. Creio, que por isso não procede do professor, cujo o
zelo, e actividade não se podem contestar; mas principalmente da falta de
monitores, e ajudantes na escola; porque os meninos apenas adquirem
alguma instrucção são logo retirados as escola pelos Paes, de modo que
nunca o professor pode ter um monitor habilitado.
Se uma das principais desvantagens da organização é a despreparação dos monitores,
o diretor geral sugere a adoção, em escolas com mais de 70 alunos, ao invés de
147
alunos/monitores, do sistema de adjuntos pagos para o auxílio dos professores, podendo
também preparar-se para o magistério:
Sabe muito bem V. Exc. que na Inglaterra, e nos países onde se tem
adoptado esse methodo, cujas escolas contão até mil meninos, e mesmo na
Hollanda nas escolas dos pobres, onde todavia não se adopta esse methodo,
os professores tem submestres, mestres adjuntos, ajudantes, e aspirantes
pagos para os ajudar; porque na verdade não é presumível, que a atteão de
um professor se possa repartir por um tão grande numero de meninos. Na
Hollanda toda escola, que excede de 70 alumnos, tem um submestre, e
adjuntos. Na Inglaterra, onde o ensino-mutuo é mais geral por causa das
classes de indigentes, os meninos pobres, que se destinguem,o obrigados á
ficar na escolas por certo tempo, servindo de monitores, até se lhes dá
alguma vantagem para isso.
Finalmente, propõe ao presidente da província, Fausto de Aguiar
113
, a substituição do
Método Mútuo pelo Simultâneo de ensino.
Na opinião de um homem muito illustrado da Hollanda Mr. Vanden Eten,
citado por Mr. Cousin, o ensino mutuo pode apenas dar alguma instrucção;
porem nunca educação, e a educação é o fim da instrucção. O ensino
simultâneo na opinião do mesmo auctor, na falta do individual, é o único,
que convem á uma creatura racional. Com tudo julgo conveniente, que
subsista a nossa escola, e que se habilite o professor com os objetos, que lhes
faltão para fasermos ao menos uma experiência.
Em análise da aplicação do Método Mútuo, na história da Educação, Faria Filho
(2003) apresenta obstáculos no contexto brasileiro: falta de acomodações mais amplas para o
ensino de classes homogêneas e o despreparo dos professores para a execução da proposta.
Embora as leis educacionais estabeleçam a substituição do método, verificam-se, na
primeira escola da Capital, práticas de supervisão de turmas por monitores e o controle de
alunos por emulações e prêmios, realizados mensalmente, na presença do diretor da Instrução
Pública. Assim, na rotina escolar, o professor Manoel Caetano Spínola continua aplicando o
Método Lancasteriano.
Nas escolas cearenses, conforme a avaliação do diretor da Instrução Pública, Thomaz
Pompeu de Sousa Brasil, retirada do jornal O Cearense 1849 de (07 de maio de 1849), os
professores ensinam não exclusivamente pelo Método Mútuo, como prescreve as diretrizes
educacionais do período.
113
Leia em Girão (1953) sobre os presidentes de províncias do Ceará.
148
O methodo de instrucção primaria reccomendado por nossa legislação (Lei
de 20 de setembro de 1836; é o de Lancater: mas so temos uma escola n‟esta
capital montada soffrivelmente segundo esse methodo. Em todas as demais
os mestres ensinão pelo methodo do simultâneo, ou individual, ou para fallar
mais exactamente, a maior parte dos mestres não sabem o que é methodo de
ensinos: ensinão como podem. O ensino-mutuo tão gabado em Inglaterra,
como sabe v.exc., e mesmo na França, outrora, perdeo a voga de que
gosava. Na Alemanha e Hollanda, países clássicos e na matéria de instrucção
primaria, não se encontra uma escola de ensino mutuo. Nesses países segue-
se os principios de que a educação depende do mestre, e do inspector ; não
seguem o methodo exclusivo.
Nessas circunstâncias, pode-se afirmar que no cotidiano da escola cearense o ensino é
praticado pelos professores não por um método único, mas adaptando os métodos existentes à
realidade escolar do período. Considerando esse relato, pode-se observar, também, que nas
aulas primárias a prática do Método Simulneo é precedente às prescrições legais que
estabelecem a simultaneidade no ensino como meio de organização no Ceará provincial.
Segundo exame de ocios expedidos da Primeira Escola da Capital, o Ensino Mútuo
perdura até o ano de 1853
114
, quando entra em vigor o Regulamento de 1855, estabelecendo
definitivamente, o ensino Simultâneo na província.
O Método Simultâneo caracteriza-se pela organização dos alunos em classes
homogêneas, com professores titulares ou adjuntos. Na prática, os professores ensinam
simultaneamente alunos que estão no mesmo período da matéria do programa escolar.
Prescreve o Art. 13 da Lei de 27 de dezembro de 1849, sobre a organização das turmas:
Os professores dividirão os seus discípulos segundo o adiantamento delles
nas seguintes cathegorias: 1º, os que aprendem a ler, escrever, contar e
doutrina christã; 2º, os que aprendem grammatica da lingua nacional,
elementos de geographia, e o systema decimal de pesos e medidas, sem
prejuízo de quaesquer divisões que exija o methodo do ensino.
O professor deve em primeiro lugar verificar o nível de conhecimento dos alunos
matriculados para depois nivelá-los nas classes de leitura, escrita, cálculo. O nivelamento de
conhecimentos propicia certa igualdade entre os alunos, facilitando, assim, o desenvolvimento
de conteúdos simultaneamente.
114
Os ofícios expedidos da aula pública primária regida pelo professor Manoel Caetano Spínola dos anos de
1849 e 1853 indicam que até os anos de 1850 essa aula pública primária é denominada por “Escola de Ensino
Mútuo da Capital”. A partir de 1851, essa aula é identificada por nova terminologia “1ª Cadeira de Instrução
Pública Primária da Capital da Província”.
149
Assim, em 1856, o Regimento Interno Provisório propõe que o professor classifique os
alunos em classes, considerando o adiantamento dos alunos e do número de decuriões e
monitores que o ajude nos trabalhos escolares.
Art. 2. Nas escolas em que o numero de alumnos de algumas classes for tal,
que para boa ordem dos trabalhos, e melhor aproveitamento dos alumnos
convenha subdividi-la em secções, o professor o poderá fazer, tendo em
attenção o numero dos decuriões, ao adiantamento dos alumnos, que tiverem
de servir de monitores.
Art. 3. A direcção da classe é exclusivamente do professor, que
encarregará a das outras ao adjunto e decuriões, devendo porém mudar estes
de uma classe para outra.
Art. 4. Na formação dessas classes terá o professor todo o cuidado de reunir
em cada uma, alumnos, que tenhão o mesmo gráo de adiantamento.
Art. 5. O professor além da exclusiva direcção da ultima classe, visitará
alternada e freqüentemente as demais classes, de maneira que todos os
mezes se tenha por si directamente informado do estado de adiantamento de
todos os seus alumnos.
As a divisão dos alunos, os professores devem gerenciar as classes com os decuriões
e monitores, ocupando atenção dos alunos dos diferentes veis. A gerência da classe mais
adiantada está sob a responsabilidade do professor, destinando as outras classes para seus
auxiliares (decuriões, monitores e adjuntos).
É possível observar, pelas regulamentações, que a função de ajudante de professor, no
cotidiano escolar, está tanto na organização do Ensino Simultâneo como no Mútuo, embora a
Lei de 1855 estabeleça o cargo do professor adjunto para auxílio de professores que tenham
mais de 100 (cem) alunos. Nesse caso, a existência de decuriões e monitores, não pagos pelo
Estado é um recurso usado para redução de despesas, na organização do ensino dos métodos
Mútuo e Simultâneo. Essa medida, de natureza paliativa desobriga a província cearense de
contratar novos professores para as escolas públicas primárias.
O exame dos documentos indica poucas diferenças nos meios de organização do
ensino pelos métodos Simultâneo e tuos. A forma mais simplificada de passagem entre as
classes no Ensino Simultâneo sem as formalidades e as premiações do Método Mútuo é uma
primeira diferença reconhecida nesse estudo. , também, a presença do professor adjunto no
Ensino Simulneo que auxilia o professor da escola, vinculado oficialmente ao sistema,
recebendo vencimentos e preparando-se em serviço para a habilitação no magistério primário.
Outra característica que se firma com o Ensino Simultâneo é o uso de livros-textos.
Para organização do ensino, Thomaz Pompeu de Souza Brasil sugere, em O Cearense, de (07
150
de maio de1849), que as aulas primárias devem usar livros padronizados para cada classe de
alunos, sendo necessária
[...] uma lei regulamentar mandasse dividir as escolas por classe, tres por
exemplo, como na Hollanda, principiante, media, e superior: que se
adoptasse um plano geral de lições para todos, admitindo se para isso
compêndios elementares, que fossem os mesmos para todos. Na Hollanda,
como sabe v. exc. é o governo central, quem tem o direito exclusivo de
autorisar os livros, que podem ser admittidos nas escolas: forma um grande
catalogo uma lista menor para as escolas de sua província, e cada mestre
pode adoptar dessa segunda lista a queles que lhes parecer. Mr. Consin
considera como um dos maiores benefícios para a instrucção publica
resultante desse plano de lições para todas as escolas populares a igualdade
de instrucção nas classes inferiores, a identidade de hábitos intelectuaes, e
moraes, a unidade, a racionalidade.
A intenção do diretor Thomaz Pompeu, de adotar um plano geral de lição para todos,
através de comndios primários, em 1849, é uma realidade distante no cotidiano da escola
cearense. Em 23 de julho de 1857, JoVictor Barbosa, talvez como muitos professores do
período, aponta a falta de livros como um impedimento à aplicação do Método Simulneo,
prescrito na Regulamentação provincial, em ofício enviado ao diretor da Instrução Pública,
Thomaz Pompeu de Souza Brasil.
Sinto dizer a V.S.a que aqui não se possa ensinar simultaneamente pela falta
absoluta de livros para os alumnos, que não aonde se compre, e muito
principalmente Cathecismo da doutrina Christã; que só vindo dessa Capital
para se poder cumprir restrictamente o que está determinado no programa da
instrucção primaria elementar desta Província, de 2 de janeiro de 1855, o que
peço a V.S.
a
se digne remetter me vinte Cathecismo da doutrina Christã, que
sobretudo são de mais indispensáveis para a Educação dos alumnos, visto
que não um só alumno que saiba que cousa é por signar, sendo tais
recommendas por V. S.a , a religião, nas escolas da província, e a vista do
referido.
De acordo com Farias Filho (2003, p.142), “o estabelecimento do Método Simultâneo
somente é possível com a produção de materiais didáticos, como livros e cadernos, para os
alunos e a disseminação de materiais como o quadro-negro, que possibilita ao professor fazer
com que os grupos diversos fiquem ocupados ao mesmo tempo”. Além de materiais
pedagógicos próprios, são necessários, como o Método Mútuo, espaços apropriados para a
aplicação.
151
Avaliando a aplicação dos métodos prescritos para o ensino primário, Thomaz
Pompeu de Sousa Brasil, em Relatório de 13 de junho de 1855, divulgado no jornal O
Cearense, (de 08 de junho de 1855, p.01), afirma o seguinte:
Além de poucas escolas o más organisadas, tanto a respeito do methodo,
ou forma, como quanto a doutrina. Quanto ao methodo a lei de 1836
recommendara o de Lancaster para todas as escolas, sem que ao menos os
professores tivessem ouvido fallar em tal methodo, senão pela leitura da lei;
depois a de 24 de desembro de 1849 recommendou o simultaneo simples de
que também não tem melhor noticia. Para falar exactamente, não há methodo
regular, cada qual ensina por onde aprendeo, ora individualmente, ora
simulando o methodo simultaneo.
Para o referido diretor da Instrução pública, em 1855, não há um método exclusivo nas
aulas cearenses, pois o professor aplica no cotidiano escolar o método que aprendeu no
próprio processo de formação. Essa avaliação é ratificada no Relatório de 1849, conforme
dados anteriormente apresentados desse estudo.
Dez anos depois, o diretor Hippolito Gomes Brasil, em Relatório de 19 de junho de
1865, escreve o seguinte sobre a prática do Método Simultâneo:
Com quanto o muitas veses citado regulamento da instrucção de 2 de
Janeiro de 1855 mande adoptar nas escolas e methodo, elle não he todavia
rigorosamente, observado, também não he individual, nem mutuo
exclusivamente, pode-se diser que he um mixto de mutuo e simultâneo.
Se na prática escolar do período, conforme Relatório, o se aplica o Método tuo,
modelo trazido de experiência inglesa, e nem o Simultâneo, quais os todos aplicados nas
escolas primárias cearenses?
Reconhece-se que o método seguido pela escola depende da escolha dos mestres que
consideram o que proporciona bons resultados de ensino. Isso é confirmado pelo professor
primário Ruffino Jode Gouvêa, em ocio expedido de 25 de junho de 1870, sobre as
orientações regulamentares e a adoção dos métodos na prática escolar:
O Regulamento da instrucção publica manda adoptar, geralm.
e
, o methodo
simultaneo, um dos 3 methodos ou modos de fazer-se o ensino pratico
primario elementar, a qual, realmente, vai sendo preferível aos outros 2
Individual, e Mutuo. Mas o Regulamento da instrucção publica não mandou
adoptar a nenhum do 3 methodos.
152
O entendimento de professores sobre a organização de ensino pelos métodos Mútuo e
Simultâneo no Ceará é observado no exame de capacidade de uma aspirante ao cargo. A
candidata Maria Jerônima de Sousa, de 22 de outubro de 1874, respondendo questões que
justifiquem a aplicação do melhor método, diz o seguinte sobre o assunto:
O ensino mutuo, é aquelle que se estabelece além da simultaneidade geral
dos exercícios, a transmissão do ensino entre todos os alunos da m.
ma
escola.
O ensino simultaneo, é aquelle que durante certo tempo, o mestre ensina a
seus alumnos por decúrias divididas segundo os grãos de sues conhecim.
tos
.
Quanto a mim, o mais preferível é o mútuo, por ser o mais econômico e por
conseguinte deve ser co m.
o
útil.
O admittido na Instrucção Publica, senão me engano é o simultaneo.
Pelo texto, a futura professora confunde as características principais dos métodos. Esse
engano pode ser explicado na pouca clareza da própria legislação do período que estabelece o
Ensino Simultâneo agregando características do Ensino Mútuo. Exemplo são classes dirigidas
por decuriões e monitores. Em decorrência disso, a explicação da futura professora também
o é clara quanto às concepções e práticas desses métodos.
, também, registros de todos da instrução do Ceará conforme o jornal O
Cearense do ano de 1864, seção Collaboração. O primeiro artigo (de 14 de junho de 1864,
p.01) afirma o seguinte sobre métodos do ensino primário: “Não fallemos de methodo de
ensino; isso o existe”. Nessa mesma seção, considerando o Regulamento de 1855, é
publicado, em 21 de junho de 1864, que os princípios são ensinados sem ordem e sem
todo”.
Outro meio usado pelo sistema provincial para organização do ensino primário da
segunda metade do século XIX trata da tendência de classificação das escolas em categorias e
graus.
Nesse sentido, as instruções de 10 de julho de 1853, no Ceará, inauguram esse modelo
com a criação de escolas de 1ª, 2ª, 3ª e 4ª Categorias, com prescrição de programas
específicos. Nas aulas blicas de Categoria e de 2ª Categoria, os professores ministram
conhecimentos mais avançados para o sexo masculino; nas cadeiras de 3ª e 4ª Categorias e de
diferentes povoações, ensinam-se conteúdos mais elementares da instrução primária
115
.
115
Os Regulamentos de 1849, das províncias da Paraíba e do Rio de Janeiro, também, apresentam divisões na
organização da Instrução Primária. A primeira faz três divisões de acordo com a idade dos meninos. O Rio de
Janeiro divide a instrução em primeira e segunda classe.
153
É possível reconhecer que é a subdivisão do ensino primário em dois graus é
identificada pela primeira vez no sistema de ensino cearense nas diretrizes do Regulamento da
Instrução Pública de 1855. Na reforma de 1855, a instrução primária é organizada em escolas
de primeiro e de segundo Graus.
O primeiro Grau consiste na instrução primária elementar, ou seja, são introduzidos os
conhecimentos básicos e preparatórios ao ensino de segundo Grau ou superior, que é onde são
ministrados conhecimento mais avançados, quando se preparam alunos para o ensino em
colégios secundários.
O ensino de segundo Grau primário cearense é aplicado somente na aula pública do
professor Joaquim Alves de Carvalho. Os programas, por serem mais avançados,
impulsionam novas perspectivas de organização de ensino, identificados em inventários e
listas de material da escola.
Pelo exame dos materiais de ensino é reconhecida, no ensino secundário do primário,
a introdução de novos utensílios pedagógicos como coleção de pesos e medidas, quadros de
história sagrada coloridos, atlas, cartas geográficas da América, Ásia, África, Europa, Mapa
di e compassos. Os materiais indicam um inicio de práticas escolares com meios que
facilitam o processo de ensino, ressaltando primeiramente a aprendizagem e privilegiando os
novos meios. A escola de 2º Grau dá inicio à aplicação dotodo Intuitivo.
Introduzido na década de 1870
116
, o método aponta inovações da organização do
ensino que se consubstanciam nos anos finais do século XIX e, principalmente, na primeira
metade do século XX. Faria Filho (2003, p. 143) justifica a denominação, pois, “o assim
chamado “Método Intuitivo” deve essa denominação à acentuada importância que os seus
defensores davam à intuão, à observação, enquanto momento primeiro e insubstituível da
aprendizagem humana.
Os novos recursos pedagógicos de ensino da escola de segundo Grau primária
alcançam um número restrito de alunos da capital. Nesse sentido, essa experiência educativa
pode ter sido profícua na preparação docente, no Ceará, já que é obrigatório o tirocínio para
os candidatos a exames de capacidade de, pelo menos, um s nesse espaço.
116
A forma de se trabalhar com o método intuitivo na escola primária, no Brasil, perdurará aa década de 1930
do século XX (FARIA FILHO, 2003).
154
É nesse sentido que a organização didática da escola primária em graus pode
influenciar a preparação dos professores e o ingresso profissional no magistério primário
cearense. Isto pode ser observado na obrigatoriedade de comprovação de conhecimentos
intelectuais e pedagógicos, nas matérias dos programas primários de primeiro e de segundo
Grau pelos futuros professores
Eis aqui a imagem do termo de exame da candidata com a titulação profissional para a
instrução primária de 1º grau.
Pelas provas de capacidade e dos professores adjuntos é possível verificar que os
conhecimentos exigidos para a obtenção do título de magistério versam sobre programas dos
dois graus do ensino primário. O termo de exame da professora, D. Angelina Correia Lima,
aprovada plenamente, em 10 de julho de 1874, pela banca formada do diretor da Instrução
Pública, Justino Domingues da Silva, e pelos professores primários Tristão Pacheco Spinosa e
Izabel Viera Theofilo, revela que a candidata recebe a titulação específica segundo o grau da
instrução.
A divisão das matérias primárias em classes e a distribuição do tempo do ensino
primário são outros recursos aplicados pelo sistema, na racionalização do tempo e do espaço
escolar. Esta organização do Ensino Simulneo pode ser compreendida melhor pelo Quadro
Divisão em Classes e Distribuição dos Trabalhos, fotocopiado do Regimento Interno de
1856, ANEXO A.
Imagem 6
Termo de exame da professora
D. Angelina Correia Lima-1874
Fonte: acervo do APEC
155
O referido Quadro é uma proposta da diretoria da Instrução Pública para a unificação
dos trabalhos escolares primários. Assim, para consolidar um modelo de rotina escolar na
província, o instrumento traz em detalhes as orientações para a organização do tempo e dos
conteúdos do ensino primário. Nele, tem-se a classificação das matérias, com carga horária de
5 horas e meia, em duas sessões (manhã e tarde), detalhando os trabalhos escolares diários de
cada classe da instrução primária. Por isso, o Quadro Divisão em Classes e Distribuição dos
Trabalhos, nesse estudo, foi um importante instrumento de caracterização da rotina escolar.
O instrumento evidencia o esforço didático de aplicação do Ensino Simultâneo,
prescrito na Reforma de 1885. Sua organização do ensino em classes exige, principalmente,
um ambiente escolar apropriado e materiais de ensino, tais como compêndios, que facilitariam
os estudos simulneos. Nesse sentido, considerando essas exigências, é possível questionar
até que ponto, levando-se em conta as condições precárias dos professores públicos, a
proposta dessa rotina pode ser efetivada no cotidiano escolar.
Sobre essa rotina diária no cotidiano escolar, o professor Felismino José Pereira, em
ofício de 07 de dezembro de 1866, aponta empecilhos para o cumprimento dos horários de
aprendizagem na escola, em Vila de Barbalha:
Devendo, segundo a Lei regulamentar da instrucção primaria, abrir se a
eschola ás 8 horas d‟amanhã, feixal-a ás 11 ½, reabril-a ás 3 da tarde, e
feixal a ás 5 ½, por muito que o professor trabalhe por trazer sua aula com a
regularidade prescripta, jamais o pode, porque muitos são as dificuldades
que encontram. Tudo marja em desordem não se pode mandar aos alumnos
fazer a oração d‟amanhã, antes dos trabalhos; o escrevem , não m
simultaneamente, e muitas vezes não achão se todos na eschola ás horas da
lição! E á tarde? Acontece o mesmo. A cousa destes abusos é porque ás 8
horas a m‟or parte dos meninos, máxime, os que morão pelos contornos do
lugar onde está a eschola, occupão se em pilar, carregar agoa, trabalhar na
roça, etc: e quase todos, ainda têm almoçado, desorte que vêm chegando
para a eschola um a um aás 10 horas, estes almoçados, aquelles não, e
assim á proporção que cada um vai acabando de escrever pede para ir
almoçar, aquelles não, accotecendo por isso achar se quasi sempre a eschola
desoccupada das 9 para ás 10 horas. E á tarde entrão do mesmo modo, um a
um, e muitos sem terem ainda jantados, e alguns faltão porque foo
buscar lenha.
Sendo commumente maior o numero dos meninos pobres, esses são
occupados, por seos paes em diferentes serviços, ordinariamente pela manhã
e á tarde, e porisso deio as escholas de approveitar á m‟or parte dos
pobres, e os poucos, que alli vão é com incríveis interrupções. Dahi a falta de
concurrencia ás escholas; dahi a irregularidade dos trabalhos; dahi falta de
gosto nos alumnos; e mais ainda para o professor, que necessariamente sente
se desanimado á vista de tantos atropelos. E, por muito que trabalhe por
„methodisar se o ensino, sempre é vencido; e afinal por motivos
involuntários, toma á nota de máo professor.
156
De acordo com o oficio, a escola blica primária intencionada em lei e regulamentos
encontra-se bem distante da realidade descrita pelo professor. A organização do tempo e da
distribuição de matérias talvez seja ideal para o modelo urbano. No meio rural, todavia, são
enfrentadas, segundo o professor, inúmeras dificuldades para efetivação do prescrito pelos
administradores educacionais.
Considerando a realidade da escola do professor Felismino José Pereira, pode-se
inferir que as poticas educacionais do período propõem um modelo único de escola, sem
levar em conta os vários contextos configuradores do século XIX na província cearense. No
entanto, conforme outras discussões apresentadas nesse estudo, os conhecimentos e as
experiências reconhecidos no ambiente escolar primário pelos documentos, indicam que, no
contexto do Ceará, há diferentes modelos de escolas.
Identifica-se, também, no artigo do jornal Pedro II, (de 09 de novembro de 1861),
escrito pelo professor primário D. Lino Deodato
117
, publicado por Sousa (1960, p.103-104), a
rotina do professor em sala de aula. Nesse artigo, aqui, transcrito, o professor descreve como
realiza as atividades escolares e como cumpre, na sua aula de Russas, a carga-horária diária
proposta no Regimento Interno de 1856.
Eis o que acontecia na minha escola: na falta de carteiras ou bancos
inclinados para a escrita, fui obrigado a colocar as mesas no meio da sala e
fixar sobre elas os tinteiros, a fim de que os alunos pudessem escrever, mais
comodamente. Como, porém, essas mesas, apesar de ocuparem grande parte
da sala não podiam admitir todos os alunos, ao mesmo tempo, ficavam estes
na contingência de esperar uns pelos outros, resultando daí uma tal ou qual
simultaneidade na distribuição dos trabalhos. Os alunos que chegando,
posteriormente eram obrigados, para não perderem tempo, a ocupar-se com
o processo da leitura, até que se desocupassem as mesas e pudessem tratar
do processo da escrita. O mesmo inconveniente tinha na escola, à tarde,
quando se tratava do processo de contas.
Pelo exame do Quadro de Registro Anual (ANEXO B), da escola blica de Grau
do sexo masculino, em São Benedito, o professor João Baptista Hoteleão de Jordão registra,
passo a passo, no item grau de instrução, a classe de entrada do aluno e nível de
conhecimentos atuais e respectivos ciclos e períodos de ensino.
117
D. Lino Deodato foi professor da Instrução Primária em Russas de 1855 a 1867.
157
Pode-se compreender bem melhor o ensino do período, considerando os dados da
instrução do aluno José de Barros Lima que , com 17 anos, freqüenta a escola primária de São
Benedito, em 1870. Tem-se na síntese abaixo as classes e o período de instrução do referido
aluno extraído do referido:
Quadro XX
Grau de instrução do aluno José Bastos Lima
No registro, é possível reconhecer que o professor verifica os conhecimentos do aluno
José Bastos Lima no momento em que este inicia sua instrução escolar. A partir desse
diagnóstico, o aluno é classificado segundo o nível de conhecimentos que possui em classes
de leitura, escrita, aritmética e religião. No final do ano escolar, novamente o professor
verifica o vel de conhecimentos do aluno. Caso tenha ele progredido na sua formão
poderá passar para classes mais adiantadas das matérias primárias.
Descrevendo as atividades em aula, especificamente da classe mais avançada, a
professora primária blica da escola do sexo feminino de Crato, Generosa ndida
Albuquerque, em ocio para o diretor da Instrução Pública, Domingos Jo Nogueira
Jaguaribe, em 19 de dezembro de 1870 , registra que
[...] antes me achava trabalhando toda cheia de animação com aquella classe
e empregava todo o meu cuidado com tal dedicação e gostos que as vezes
abdicava do trabalho das demais classes, e ao ficava ocupada com a mais
adiantada, em exercícios orthograficos, isto, é em escripturação de frases
ditadas, em contabilidade, e em argumentação ou exercícios de Religião, até
que passava d‟oras do trabalho, e não sentia, por que contava com o
reconhecimento de seus Pais, e com a artimanha que ia offerecer a sociedade
do meu trabalho, mas bem depressa vi o meu engano e desaparecerem
minhas esperanças como um sonho! Mas estou satisfeita, ellas não poderão
jamais esquecer meu desempenho e o que lhes ensinei; [três palavras
ilegíveis] e encerrei os trabalhos de minha aula com sobriedade; e assim
ultimando meus deveres, tenho, não só dado a V. S.a, uma relação
CLASSE
PERÍODO/ CICLO NA ENTRADA
PERÍODO / CICLO
QUE ATUALMENTE ESTUDA
Classe
(Leitura e Noções grammaticaes)
3.º Leitura Corrente
4.º Noções grammaticaes
Classe
(Escripta e Orthographia pratica)
4.º Cursivo
4.º Cursivo
Classe
(Arithmetica e Sistema de pesos e
medidas)
6.º.Fracções e complexos
6.º.Fracções e complexos
Classe
(Religião)
4.º Historia Sagrada
4.º Historia Sagrada
158
circunstanciada do processo e resultados dos exames, como de todo
movimento occorrido em minha aula.
O texto enfatiza o empenho redobrado da professora para que as alunas estejam
prontas aos exames gerais, no final de novembro. Seus trabalhos focalizam, em especial, os
resultados finais dos exames de matérias do ensino primário das alunas das classes mais
avançadas.
As queixas indicam o descompromisso dos pais que retiram as filhas antes das provas
dos exames de comprovação de estudos primários, impedindo a finalização do curso. Assim,
reduzem-se as chances de estarem prontas para a avaliação do nível de aprendizagem e
julgamento de sua prática como professora pelos gestores.
Os trabalhos de classes mais avançadas também é motivo de empenho do professor
José Alves de Carvalho. Este registra, em ocio de 04 de novembro de 1867, que, durante a
reforma da aula, continuará ministrando matérias das classes mais adiantadas. Isto será feito
para que os alunos não atrasem os estudos preparatórios dos exames, no final do ano.
Conforme foi analisado, o estabelecimento da obrigatoriedade de exames para a
passagem do nível elementar ao superior da instrução primária
118
, observado no Regulamento
de 1873, é uma propensão didática do ensino primário cearense na Primeira República. Essa
organização do ensino, é um obstáculo para que os alunos da escola pública não finalizem os
estudos primários, conseqüentemente, para que tenham acesso à escola secundária.
De todo modo, as propostas do sistema educativo público provincial cearense, a partir
da segunda metade do século XIX, são para que as aulas primárias assumam, paulatinamente,
quantitativos maiores de alunos. Cumpre-se, pois, racionalizar, cada vez mais, o ensino pelo
ordenamento dos tempos e espaços. Nesse contexto, institucionalizam-se, nas estruturas de
ensino, níveis, graus e sistemas centralizados. A “ordenação em graus e em classes escolares,
dos humanistas, sobretudo dos reformadores, advém de princípios propagadores e teóricos da
racionalização das relações pedagógicas” (PETITAT, 1994).
A partir de 1850 é predominante o modelo de currículo seqüenciado, associado à
pedagogia de classes, na organização do ensino. Essa estrutura curricular muda somente no
118
No artigo 36 do Regulamento de 1872, que estabelece que na escola “só serão recebidos à matricula os
alumnos que tiverem sido approvados em exames publicos nas escolas de gráu ou tiverem completado a
idade de dez annos.
159
final desse século e nas primeiras décadas do século XX quando, de fato, -se a passagem do
sistema de classe para o seriado organizado em sala de aula por idade. Essa passagem
transforma o ambiente escolar, o ordenamento especial e o tempo de aprendizagem do
ambiente escolar (FARIA FILHO, 2003). Em decorrência dessas experiências, é possível
afirmar que os princípios pedagógicos da razão técnica são uma construção de vários
momentos da história da escola brasileira e cearense.
Entre 1844 a 1882, no ambiente escolar cearense são aplicados os métodos Mútuo e
Simultâneo para o ordenamento de classes por matérias. Este padrão metodológico começa a
ser modificado somente com a implantação da Escola de Segundo Grau que possivelmente
inova os meios pedagógicos de ensino.
De modo geral, as prescrições e práticas curriculares dessa época indicam a
necessidade de novos métodos e materiais de ensino mais sofisticados e variados para o
ambiente escolar cearense. As práticas docentes, antes configuradas para o ensino individual,
em escolas dos mestres escolares régios, agora tornam-se mais complexas e precisam ajustar-
se ao ensino de grupos diferentes e com níveis e conhecimentos heterogêneos em espaços que
homogeneízam o ensino-aprendizagem.
160
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O passado o é constituído somente de
vestígios de um texto ou instrumentos
arcaicos. É algo também presente entre nós de
duas maneiras: através da continuidade, das
afiliações evidentes com o presente, e pela
consciência das rupturas, do novo, de onde nos
vem o reconhecimento de nossa própria
especificidade.
PETITAT
À luz de teóricos da História Nova, compreende-se, como André Petitat, que a história
do currículo e da formação dos professores cearenses não é constitda somente de vestígios
descobertos em arquivos e bibliotecas, mas é algo permanente em nossas consciências e
práticas. Assim, pelo diálogo entre o passado-presente, a história reconstrói o passado não
chegando, contudo, a recriá-lo tal como verdadeiramente se passou. (REIS, 2004).
Considerando as discussões dos teóricos críticos do campo curricular e suas
concepções de currículo como projeto e prática, pode-se remeter a certo conjunto de
documentos para a análise do ensino no contexto do século XIX. Esses teóricos apresentam os
projetos curriculares e seus conhecimentos propícios à apreciação de contradições entre as
intenções prescritas nos documentos reguladores da potica educacional e as práticas que se
manifestam na realidade escolar (Prescrição/Projeto Educativo e Prática/Ensino)
(SACRISTÁN, 1998, 2000; GOODSON, 1995).
Assim, levando-se em conta as contradições entre o curculo, como projeto, e o
prático, essa pesquisa, optou por escolhas de documentos escolares de natureza distintas (leis,
provas, compêndios, matérias de ensino) para aproximações possíveis do cotidiano da sala de
161
aula. Deste modo, foram identificados, nos Regulamentos da Instrução Pública e outros
documentos escolares, concepções teóricas, conhecimentos e seus meios organizativos
(materiais pedagógicos; manuais do professor, livros, livrostextos), ou seja, aspectos que
caracterizam práticas curriculares (SACRISTÁN, 1998; 2000).
A história do currículo e da formação docente, nesse estudo, se faz, portanto, por
descobertas aproximadas pela questão-problema principal: quais as formas de organização
do ensino primário no Ceará dos anos oitocentos e seus vínculos com os processos
formativos dos professores? A partir dessa questão central, foi possível reconstruir, pelos
documentos, o currículo intencionado e praticado no cotidiano da sala de aula. Assim, por
meio, dessa pesquisa, pode-se compreender bem melhor a história do currículo e da escola
cearenses.
Os conhecimentos e as matérias do currículo primário da segunda metade do século
XIX.
O exame da estrutura curricular do século XIX indicou, inicialmente, que o currículo e
sua estrutura representam uma cultura de longa duração na escola, pois são reconhecidas
permanências nas estruturas, nas terminologias e nos formatos organizacionais (LE GOFF,
1992; 2005); (CAMBI, 1999); (REIS, 2000). Por exemplo, os termos programa, matéria e
graus de ensino, encontram-se presentes tanto na prática atual, como nos documentos legais
do século XIX.
Embora seu estudo científico tenha se constitdo somente no século XX, a pesquisa
constatou temáticas próprias do campo curricular. Concorda-se, assim, com a idéia de que
questões do currículo são permanentes na prática escolar docente de diferentes épocas e
lugares (SILVA, 2005).
Na segunda metade do século XIX, são reconhecidos, na organização da escola
cearense, regulamentos para padronização do currículo. As diretrizes são propostas por
administradores cearenses que, motivados pelas discussões internacionais em prol da
massificação da escola blica, envidam esforços no sentido de organizar e selecionar os
saberes para a escola pública.
162
Na escola primária cearense, o programa de ensino é composto pelos conhecimentos
sobre escrita, leitura, contagem e religião, já presentes nas escolas de primeiras letras da
primeira metade do século XIX, enriquecido pelos conhecimentos de Geografia, Geometria e
Hisria do Brasil. São identificados, nos programas curriculares de formação intelectual, os
conhecimentos literários provenientes da cultura escolar jesuítica de orientação humanista e
das ciências modernas. A permanência dos conhecimentos literários dos colégios jesuíticos
confirma a posição de Apple (2006) de que a escola seleciona, interpreta e reelabora culturas
de vários tempos e espaços.
À luz dos documentos é possível afirmar que o ensino primário cearense do Estado
imperial é bastante elementar. Os estudos limitam-se, conforme dito, ao ensino do
catecismo, da tabuada, da leitura de letras e sílabas e da escrita de letras e textos em traslados.
Logo, a preparação de alguns grupos sociais como agricultores, pecuaristas e servidores
públicos de baixo escalão, não exigem uma formação escolar mais aprofundada. Deste modo,
o currículo em conhecimentos ninos estava consonante com o modelo socioeconômico do
Estado imperial. Nesse modelo socioeconômico, a escola primária, tinha o papel de selecionar
programas curriculares para uma formação rudimentar, cuja função era manter a ordem
política e social à época. É nessa direção que esse estudo concorda com Apple (2006), que a
escola, pelo seu currículo, traduz as ideologias e interesses das classes dominantes.
Na escola provincial cearense, a seleção de conteúdos mais avançados delineia a
tendência de organização do ensino primário em dois graus: o primeiro, que exerce a função
de introduzir os alunos nos conhecimentos elementares; e de Grau, que exige dos alunos
conteúdos mais avançados das matérias. Essa inovação no programa escolar primário da
segunda metade do século XIX configura, pouco a pouco, a função social da escola primária
cearense de preparação dos alunos para os exames de admissão do grau secundário de ensino.
Este papel está em consonância com os estudos de Faria Filho (1999), que revelam um início
de articulação entre os níveis de ensino (primário e secundário) na estrutura curricular do
período.
A aplicação da organização curricular em dois graus o atinge todas as localidades e
unidades escolares no Ceará. A única escola de 2º Grau primária, criada em Fortaleza, após 14
(catorze) anos da Lei de 1855, indica contradições entre as prescrições legais e as práticas
desenvolvidas no cotidiano escolar.
163
A escola primária cearense, sem os ambientes adequados para ensinar os conteúdos
mais avançados, continua exercendo a mesma função de ministrar os ensinamentos
elementares das aulas de primeiras letras, da primeira metade dos anos oitocentos. Contudo,
ao exame das provas de alunos e de professores, reconhece-se um ensino primário que
lentamente avança em conteúdos e exige habilidades intelectuais elevadas em leitura, escrita,
gramática e aritmética. Nesse sentido, os exames dos alunos, apontam a presença de
conhecimentos mais avançados na rotina da escola primária, mesmo que, inexista, nas
localidades, ambientes escolares de segundo Grau.
Além desses conteúdos e matérias na organização do ensino primário cearense, são
reconhecidos novos conhecimentos e valores na composição dos programas curriculares.
Exemplo disso é o ensino de regras comportamentais e atitudes urbanas e civis, em
atendimento aos dispositivos da Carta Magna de 1824 e do digo Penal. Esses conteúdos
são ministrados na rotina da escola objetivando a homogeneização social da ordem potico-
econômica do Estado imperial.
No Ceará, o ensino primário das aulas do sexo feminino, diferencia-se na seleção dos
conteúdos e no tempo de aprendizagem. Para as jovens cearenses, as professoras devem
ministrar conhecimentos da formação doméstica e das atividades de bordados, próprias da
educação feminina da época. As meninas, também, não têm acesso ao grau secundário da
instrução primária, seus ensinamentos limitam-se ao ensino aplicado nas escolas de primeiro
Grau.
Nas localidades interioranas, os conteúdos ministrados nas escolas primárias não se
apresentam significativos para a população rural cearense do século XIX. Esta afirmação
advém das críticas dos professores e dos dirigentes sobre as dificuldades no progresso dos
estudos de alunos moradores de localidades e no desinteresse dos pais, para que seus filhos
finalizem os estudos primários.
A partir dessas discussões, é possível afirmar que a proposta curricular da escola
pública cearense decorre dos vários discursos pedagógicos e políticos da época que se ajustam
às precárias condições materiais e financeiras da escola primária dos anos mil e oitocentos.
Suas práticas são bastante modestas, cabendo-lhe a formação religiosa, moral e a instrução de
conhecimentos elementares, embora, sejam reconhecidas práticas mais avançadas na escola
secundária de Fortaleza e em algumas escolas do interior da província.
164
Os materiais utilizados para o ensino dos conhecimentos e das matérias pririas
Nesse estudo, sobre a organização do ensino, foi possível observar, pelos orçamentos
elaborados a partir da década de 1850, dos anos mil oitocentos, que os professores solicitavam
para o ensino primário materiais como a tabuada, catecismos, cartas de ABC, silabários e
traslados, espécie de cadernos para o exercício da escrita. Também são freqüentes as
solicitações de lápis, penas, giz, réguas e papel para o exercício da escrita e dos lculos
aritméticos.
Dos materiais pedagógicos propostos para o ensino à época, os compêndios poderiam
ter sido fundamentais para facilitação do ensino na segunda metade do século XIX. Estes
meios são sugeridos pelos diretores da Instrução Pública para auxiliar os professores e alunos
na aquisição dos conhecimentos propostos no programa curricular. Além de facilitadores do
ensino, os livros-textos são apresentados na organização do ensino para unificação dos
conteúdos e para a aplicação do Método Simultâneo.
Nesta pesquisa, foram encontrados dois compêndios usados na escola primária pública
do período: Catechismo de Agricultura Para uso das escolas de Instrucção Primaria do
Brazil, de autoria de Antonio de Castro Lopes, utilizado no ensino das técnicas de agricultura;
e Geografia Geral e Especial do Brasil, de Thomaz Pompeu de Souza Brasil, para auxiliar o
ensino da matéria de Geografia. Seus conteúdos estão organizados e sintetizados por
perguntas e respostas visando facilitar o ensino e a aprendizagem dos alunos. É possível
afirmar, pela leitura desses compêndios, que um padrão na elaboração desses materiais
para o ensino primário.
Além desses materiais de ensino, são registrados para o uso nas escolas, compêndios
para o ensino da Arittica, História Sagrada e História do Brasil e Geografia, gramáticas,
clássicos da literatura portuguesa como Os Lusíadas, para o ensino mais avançado da Língua
Materna. Em relação ao uso do Livro de Camões no ensino primário, os inventários nos
revelam a presença de poucos exemplares nas escolas primárias. A pequena quantidade de
livros, no ambiente escolar, sugere que os mesmos poderiam ser utilizados somente pelos
professores que, possivelmente, copiavam ou ditavam seus conteúdos para os alunos.
Considerando, ainda, a complexidade desse texto literário português, questiona-se „o que
poderia significar, por exemplo, estudar Camões numa classe primária provincial?‟ É bem
165
provel, conforme os registros das provas escritas de exames finais, que os alunos apenas
memorizavam seus sonetos para ditados e cópias.
Confrontando os pedidos registrados em orçamentos de aulas blicas e os inventários
elaborados pelos professores e inspetores da Instrução Pública é possível constatar que o
poucos recursos pedagógicos presentes no ambiente da sala de aula. Os escassos utensílios
escolares enviados pelos governos provincial e municipal para aulas quase sempre não
chegavam aos alunos, devendo o professor reproduzir, em especial, os conteúdos dos
compêndios por meio de cópias ou ditados para os seus alunos.
Nessas circunstâncias, a falta constante de material e de infra-estrutura são aspectos
observados no ambiente escolar dos anos mil e oitocentos, conseqüência dos poucos recursos
financeiros de que a escola primária dispunha. Nas aulas, não havia livros, penas, tintas e
papel para alunos pobres, os espaços eram inadequados. Assim, a precariedade do ambiente
escolar configura obstáculo real para a melhoria do ensino e do progresso dos alunos que
freqüentavam essa escola primária. Logo, esse estudo, concorda com a posição de Sacristán
(1998; 2000) de que condições materiais afetam a realização do currículo no cotidiano
escolar.
Os métodos de ensino aplicados na escola provincial primária
No contexto escolar dos anos oitocentos foi reconhecida, pelos documentos legais e
administrativos, a adoção dos métodos de ensino: Individual, Mútuo ou Lancasteriano e o
Simultâneo, que caracteriza a organização do ensino pela classificação ou não, de alunos em
níveis hierárquicos de conhecimentos.
No entanto, no Ceará, a partir da segunda metade do século XIX, é identificada a
intenção potica de substituição do Ensino Individual na escola primária pelo Mútuo e
Simultâneo. Para os diretores da Instrução Pública, esses métodos apresentam-se como meios
inovadores do ensino, pois rompem com a perspectiva de ensino individual, até então
predominante no ensino primário, para uma organização que classifica os alunos em grupos,
conforme o nível de conhecimento e das matérias.
166
O ensino organizado pelos sistemas Mútuo e Simulneo propõe, para o ambiente
escolar, novas formas de tempo, espaço, novos materiais de ensino como comndios e, cada
vez mais, se exigem espaços e ambientes escolares apropriados para grupos maiores, em
virtude do acesso crescente à escola pública. É nessa direção que esses métodos objetivavam
meios que economizariam recursos blicos para o Estado tendo em vista a generalização da
instrução pública para classes ditas inferiores da sociedade.
As intenções poticas para aplicação desses métodos e suas inovações na estrutura
curricular, todavia, não são aplicadas na escola primária cearense à época, pois são constantes
nos depoimentos dos professores reclamações sobre a falta de condições materiais (livros,
penas, papel) e de ambiente sico para sua realização. Nessas circunstâncias, a substituição
do método Individual pelos métodos Mútuo e Simultâneo esbarra no ínfimo financiamento
destinado para a escola primária da segunda metade do século XIX, que não se ajusta às
propostas introduzidas pelos regulamentos da Instrução Pública do período analisado.
De modo geral, é possível afirmar, conforme os documentos pesquisados, que na
escola primária provincial cearense não se aplica o todo Mútuo e nem o Simultâneo. O
todo seguido depende da escolha de grande parte dos mestres que consideram o que
proporciona bons resultados de ensino e das condições da escola. Assim, prevalece a velha
forma tradicional de ensinar por meio do castigo físico, permitido oficialmente no século
XIX, e da memorização.
O modelo prático e seu protagonismo na preparação do professor primário cearense
oitocentista.
Nesse estudo sobre a história da escola primária cearense da segunda metade do século
XIX, procurou-se, sobretudo, compreender os nculos e significados entre a organização do
ensino e a formação, pelo reconhecimento dos conhecimentos profissionais necessários à
prática docente.
Esta perspectiva de análise advém da compreensão de que não se pode analisar a
formação de professores sem associá-la a outros fatores escolares, pois as orientações
167
formativas adotadas ao longo da sua história sofrem influências dos modelos de escola, ensino
e currículo peculiar a cada época (GÓMEZ, 1997).
A pesquisa permitiu constatar, conforme a discussão teórica apresentada no início do
estudo, que a preparação do professor da segunda metade do século XIX caracteriza-se pela
valorização da experiência e da prática que devem ser ensinadas pelo mestre experiente para
os futuros alunos-mestres. Os professores primários são preparados para o exercício do
magistério, observando e ajudando o professor na rotina diária da profissão. A preparação dos
professores, no modelo prático, acontece no próprio ambiente escolar. Os professores
ministram os conhecimentos elementares de leitura e escrita, aritmética e catecismo propostos
nos regulamentos da instrução do período. Observa-se que esses conteúdos são os mesmos
exigidos para o ingresso e preparação profissional, excetuando-se os conhecimentos
pedagógicos que se referem, sobretudo, à prática de ensino. Neste modelo, os professores
somente repetem a prática do professor experiente. Não ocorrem discussões teóricas e nem
tampouco reflexões sobre seus momentos de preparação.
Neste estudo, observou-se, através das provas escritas, que na preparação dos adjuntos
pelo modelo prático de formação, era exigido que os futuros professores tivessem um pouco
mais de conhecimentos de que seus alunos. Contudo, essa exincia de conhecimentos
determinada nas administrações provinciais cearense o é suficiente para preparar os futuros
professores no período, pois os exames apenas verificavam conhecimentos de escrita
correspondentes aos formatos de letras e repetição de textos.
Como se vê, o sistema provincial cearense pouco se importou com a formação do
magistério primário e se contentou, durante todo Estado imperial em exigir o nimo dos
aspirantes em seu processo preparação. Assim, pode-se concluir que o modelo prático não
favoreceu o desenvolvimento desse profissional. É possível reconhecer também, como
conseqüência desse modelo de formação aplicado no século XIX, a tendência contemporânea
de projetos de formação que priorizam conhecimentos do ensino fundamental na preparação
do professor primário.
O exame dos ocios de professores primários do Ceará permite verificar que os
processos formativos e as práticas docentes não se constituem somente por imposição de
políticas educativas e do projeto curricular. O ensino é redefinido e reelaborado pelos
professores que selecionam previamente as experiências mais bem-sucedidas às condições
168
ambientais e à cultura escolar. Assim, compreende-se que os docentes não apenas reproduzem
as diretrizes do sistema provincial, mas reelaboram, pela própria experiência, seus
conhecimentos profissionais (SACRISTÁN, 1995).
A experiência de criação de um espaço de formação foi proposta por Hyppolito
Gomes Brasil que sensível à problemática, propõe ões para sua concretização. Exemplo
disso é a construção de prédio público na década de 1860 e o tirocínio praticado como
preparação do primeiro diretor da escola normal, José de Barcelos em 1866.
A opção política e administrativa pelo enfoque prático na província cearense está
presente nas diretrizes que regulamentam o ingresso profissional até o ano de 1884, quando é
criada a Escola Normal. Constatou-se, pelos exames documentais, que seu processo de
implantação é uma construção paulatina, realizada através de ações isoladas de presidentes
provinciais.
As tentativas administrativas de implantação da Escola Normal cearense não se
concretizam devido às mudanças constantes de presidentes e à falta de condições financeiras
na província, que não favorecem sua concretização. Villela (2003), analisando a experiência
das Escolas Normais nesse período no Brasil, afirma que “durante todo o século XIX esse tipo
de formação se caracteriza por um ritmo alternado de avanços e retrocessos, de infindáveis
reformas, criações e extinções de escolas normais.
Nessa constituição de um ambiente próprio para a formação do professor primário
cearense, foi constatado que à medida que se privilegia, na modernidade, o conhecimento
teórico (disciplinar e pedagógico), o modelo prático é excluído gradativamente do sistema de
ensino provincial (NÓVOA 1995, 1997, 1998).
Assim, implantação da Escola Normal, no ano de 1884, significou um início da
priorização de conhecimentos e práticas especializados na formação inicial. Deste modo, a
perspectiva formativa acadêmica representou inovações nas práticas de ensino e na produção
de novas exigências profissionais para o desempenho da atividade do professor nas últimas
décadas do século XIX.
169
As leis e o financiamento insuficiente: marcas das políticas educacionais da escola
primária da segunda metade do século XIX
A marca da potica educacional do período é a valorização dos aspectos legais e
administrativos da gestão pública, em detrimento as condições materiais e financeiras. A falta
de financiamento traz conseqüências notórias às ações políticas, pois nem sempre o que é
declarado em leis converte-se em realidade escolar.
Embora se reconheça, nesse estudo, as leis como organizadoras iniciais do projeto
educativo da escola primária e instrumento primaz para compreensão das práticas sociais do
período, de se considerar os desencontros decorrentes de leis educacionais que não se
afinam com os meios financeiros e materiais da realidade escolar do período (SAVIANI,
2001); (FARIA FILHO, 1999) e INEP (2006).
O financiamento insuficiente determina, para o cotidiano da escola primária cearense,
condições precárias de infra-estrutura, espaço e material. Para o professor, a desvalorização da
instituição escolar primária ocasiona baixos sarios e a má formação profissional.
A escola primária cearense recebe críticas da sociedade, identificadas, em especial nos
jornais O Cearense e o Brasil Católico que denunciam o insucesso da escola como
conseqüência da formação dos professores e da sua prática de ensino.
Os administradores públicos indicam que o insucesso da escola cearense deve-se,
sobretudo, ao despreparo dos seus profissionais. Segundo relatórios provinciais dos diretores
da Instrução, os professores primários cearenses não conseguiam nem ao menos transmitir os
conteúdos elementares primários. Entende-se que esse posicionamento é uma estratégia
política administrativa do Estado imperial para eximir-se de sua fuão de provedor,
organizador e executor principal do projeto educativo do período.
Os professores também criticavam o serviço escolar, ressaltavam, todavia, que o
principal motivo para que o aluno não aprendesse estaria nas condições precárias da escola,
no desinteresse dos pais em matricularem os filhos na escola, na falta de material e espaço
para aplicação adequada do ensino.
170
Essas discussões comprovam a posição de Gimeno Sacristán (1998; 2000) de que a
polarização de práticas não traz benefícios à execução das políticas curriculares. É que as
condições potico-administrativas e os meios de organização do ensino e os professores são
constituintes para a execução do programa curricular. Assim, desconsiderar um desses agentes
do currículo prático é pôr em risco a execução e o êxito das diretrizes em sala de aula.
Os documentos históricos coletados abrem possibilidades de estudos para a história do
currículo cearense
Nesse trabalho buscou-se vencer o esquecimento, preencher silêncios, recuperar
intenções e práticas superadas pelo tempo das práticas escolares, esperando, assim, reconstruir
o passado da organização do ensino e da formão de professores do Ceará provincial.
Todavia, pela limitação do tempo, marca do curso de pós-graduação como Mestrado,
as buscas e análises apontam ainda inquietações e novas perspectivas sobre a temática
curricular e escola primária do século XIX.
Uma dessas se refere ao papel dos livros-textos na organização do ensino na segunda
metade do século XIX. A padronização é apontada como necessária para o controle e gerência
pelos dirigentes. Além disso, os compêndios são os meios de ensino mais próximos para a
análise da prática curricular do século XIX.
As buscas identificaram dois exemplares pertencentes ao acervo de Thomaz Pompeu
Brasil Soares. O primeiro comndio consta de uma publicação do ano de 1869, intitulada
Catechismo de Agricultura Para uso das escolas de Instrucção Primaria do Brazil, de autoria
de Antonio de Castro Lopes. O segundo livro, Geografia Geral e Especial do Brasil, foi
publicado no ano de 1869, de autoria do professor de Geografia do Liceu do Ceará, Thomaz
Pompeu de Souza Brasil
Impôs-se, pelos estudos documentais, a necessidade de compreender as concepções
que influenciaram o pensamento pedagógico de dirigentes, como Thomaz Pompeu Brasil
Soares, primeiro diretor da Instrução Pública, e como um dos administradores mais influentes
na constituição da escola pública cearense do período.
171
Nesse sentido, pelas duas temáticas apresentadas pode-se perceber as muitas
possibilidades de estudos que possam vir contribuir para a reconstrução do passado curricular
da escola cearense. As proposições são motivadoras para os que, como eu, se apaixonaram
pelos estudos da história educacional cearense e brasileira do século XIX.
172
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Caixa de documentos dos professores de 1ª Letras de Barbalha e São Benedito dirigidos para
a Diretoria Geral da Instrução Pública, caixa sem número, 1848- 1888. In. Arquivo Público
do Estado do Ceará.
Caixa de documentos dos professores de Letras de Crato dirigidos para a Diretoria Geral
da Instrução Pública, caixa sem número, 1848-1888. In. Arquivo Público do Estado do
Ceará.
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maio de 1874. In. Arquivo Público do Estado do Ceará.
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In. Arquivo Público do Estado do Ceará.
180
ANEXO A - Divisão em Classes e Distribuição dos Trabalhos 1856
Fonte: Regimento Interno Provisório de 1856
Tempo
¼ de hora
Classes
Três quartos de hora.
Primeiro processo- Escrito
Uma e meia hora.- Segundo
processo - Leitura
Meia hora
Das
Das 8 horas da manhã às 11 e meia.
Abertura
dos
trabalhos e
distribuição
dos
utensílios
para o
processo
de escrita e
recitação
da oração
Formação de linhas retas e
curvas.
Leitura do alfabeto seguido e
salteado em diversos
caracteres.
Terminação dos
trabalhos,
chamada dos
alunos, recitação
da oração final,
saída do grupo.
Escritas em papel do alfabeto
ligado em letra minúscula por
cima de traslado
Leitura silábica anunciada a
sílaba em uma só prolação de
voz
Escrita do alfabeto ligado em
letra minúscula e a maiúscula.
Leitura de palavras de duas, três
e mais sílabas, e exercício na
decomposição delas.
Escrita do alfabeto desligado em
letras maiúsculas
Leitura de fabulas, ou pequenos
contos.
Bastardo copiado do respectivo
traslado
Leitura mais corrente de fabulas
ou pequenos contos.
Bastardinho copiado do
traslado.
Leitura corrente de lão
decorada de gramática
(princípios da etimologia até a
conjugação dos verbos.)
Cursivo largo, ditado nas
quartas e sábados, e copiado
nos mais dias
Leitura da historia do Brasil por-
Lição decorada de gramática
(continuação da etimologia e
regras de ortografia
Temas ditados nas segundas,
quartas e sextas feiras, devendo
os alunos nos mais dias corrigir
os erros ortográficos uns dos
outros.
Leitura poética. Gramática
decorada, sintaxe, prosódia e
analise gramatical, e lógica de
períodos ditados
alternadamente pelos alunos.
Tempo
¼ de hora
Classes
Uma hora. Primeiro
processo- Contas
Três quartos de hora.-
Segundo processo Lições
lidas e decoradas
Das 3 às 5 e meia
Horas da tarde
Distribuição
dos
utensílios
para o
processo
de contas
Conhecimento e formação dos
números, dígitos e seus valores
Leitura do alfabeto, etc, como de
manhã.
Leitura e formação dos números
compostos e tabuada de somar.
Leitura silábica, etc. como de
manhã.
Continuação da tabuada de
somar, e exercícios práticos
desta operação
Leitura de palavras de duas,
três e mais sílabas, etc., como
de manhã.
A soma de maior número de
parcelas, prova desta operação
e tabuada de multiplicar.
Leitura de fabulas, etc., como de
manhã.
Subtração e multiplicação com
suas provas.
Lições decoradas do catecismo
de Fleury, traduzido por Silveira,
nas segundas, quartas e
sábados. Da aritmética nas
terças e sextas.
Divisão dos números inteiros
Soma, subtração, multiplicação
e a divisão dos decimais e suas
provas.
Continuação das lições da
classe precedente com
argumentação ás quartas e
sábados.
Operações práticas dos
quebrados ordinários, redução
destes em decimais e vice-
versa.
Idem e leitura de manuscritos
Aplicação das operações
aritméticas em resolução de
problemas mais comuns aos
usos da vida.
Idem
181
ANEXO B - Quadro de Registro Anual
Proncia do Ceará- escola Pública de 1º grau do sexo masculino, em S. Benedicto, município e freguesia da Villa da caza da Comarca de Granja.
Professor: João Baptista Hoteleão de Jordão. Mappa ou Registro Anual por alumnos da sobredita escola no anno de 1870.
Número
Nomes
Idade
Filiações
Naturalidade
Residencia
Matricula
Gráu de instrucção
Indole
Intelligêencia
Comportamento
Faltas
Observação
Dia
Mes
Anno
Na Entada
Na
actualidade
Ciclos e
Período
Ciclos e
Período
1
2
3
4
1
2
3
4
1
José de Barros Lima
17
Antônio Pereira
Gomes
Villa
Viçoza
S.
Benedicto
1
Jan.
1870
3
4
6
4
4
4
6
4
B
R
B
125
2
Francisco Raimu.
do
Gomes
16
"
"
"
"
"
"
2
3
5
3
3
3
5
3
B
P
B
118
3
Dom.
os
de Raelses Penha
15
Fran.
co
Antonio Az.
a
Piauhy
"
"
"
"
1
0
0
0
2
2
2
1
"
R
"
70
4
Luis Rodrigues Barbosa
10
Ant.
o
Fereira de
Oliveira
V.
a
V.
ço
"
"
"
"
1
1
0
0
2
2
2
1
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"
"
20
5
Fran.
co
Ferr.
a
Lima
9
Adeodato Ferr.
a
Lima
"
"
"
"
"
1
1
0
0
2
2
2
1
"
P
"
50
6
João Ferr.
a
Lima
8
"
"
"
"
"
"
1
1
0
0
2
1
1
0
"
"
"
26
7
Emiliano Aze.
do
de Freitas
10
Florinda Alvez de
Freitas
"
"
"
"
"
2
1
1
0
2
1
1
0
"
"
"
156
8
Cezario Rodrigues Lima
11
Raimu.
da
Roriz
Lima
St
a
Quitéria
"
18
Jan
1870
2
2
2
0
2
2
2
1
"
"
"
80
9
Raimu.
do
de Barros Alarcão
10
Theresa Martins da
Cone.
"
"
"
"
"
1
0
0
0
2
1
1
0
"
R
"
156
10
Marco Alvez Barbaso
17
Manuel alvez
Barbosa
Piauhy
"
7
fev
1870
2
2
2
0
3
2
2
1
"
"
"
156
11
Fran.
co
Xavier de Maria
11
Maria Martins dos
V.
a
V.
ço
"
"
"
"
1
0
0
0
2
1
1
0
"
P
"
102
12
José Martins de Barros
7
Antonio Ferr.
Soares
"
"
"
"
"
2
2
1
0
2
1
1
0
"
"
"
118
13
Amaro Martyir dos Santos
15
Joaq.
m
José de
Miranda
"
"
"
"
"
2
2
1
0
2
2
1
0
"
"
"
140
14
Vicente Bezerra da Silava
14
Fran.
co
Bezerra da
S.
a
"
"
8
Fev.
1870
2
2
1
0
2
2
1
0
"
R
"
150
15
Franklin Fern.
do
Soarez
15
Isidoro Fran.
co
Soares
"
"
14
Fev.
1870
3
4
5
3
4
4
5
3
"
"
"
86
16
José Fran.
co
de Soarez
14
"
"
"
"
"
"
3
4
5
3
4
4
5
4
"
"
"
67
182
17
Joaq.
m
Benício da Silva
14
Luis José de
Miranda
"
"
14
Mar.
1870
3
3
4
3
3
3
5
3
"
P
"
76
18
José Pereira de Paiva
14
Don.
os
Pereira de
Paiva
"
"
28
Mar.
1870
2
2
2
0
2
3
3
2
"
R
"
53
19
Martiniano Per
.a
de Paiva
16
"
"
"
29
Mar.
1870
3
4
4
3
4
4
5
3
"
R
"
90
20
Rafael Luis de Medeiros
16
Helena de
Medeiros Barbosa
"
"
"
"
"
3
2
2
1
3
2
2
1
"
"
"
130
21
João da cruz Souza
14
Manoel Joaq.
m
da
souza
Sobral
S.
Benedicto
27
Abr.
1870
3
2
3
2
3
2
3
2
"
"
"
84
22
Saturnino Rod.
o
de Souza
10
Rufino Roid.
O
de
souza
V.
a
V.
ço
"
"
"
"
1
0
0
0
2
1
2
1
"
"
"
33
23
Ignacio Fran.
co
Xavier
13
Manuel Fran.
co
Xavier
Mombaç
a
"
13
jun
"
2
1
1
0
2
1
2
1
"
"
"
36
24
Felismino Fran.
co
Xavier
11
"
"
"
"
"
"
2
1
1
0
2
1
1
0
"
"
"
49
25
Miguel Fran.
co
X.
8
"
"
"
"
"
"
1
0
0
0
2
1
1
0
"
"
"
34
26
José da costa Ferreira
14
M.
el
da costa
Vieira
Ipú
"
1
ago
"
0
0
0
0
2
1
1
0
"
"
"
16
27
Raim.
do
Nonato da Sr.
or
Martins
7
Serafim Martins de
Silva
V.
a
V.
ço
"
5
set
"
0
0
0
0
2
1
1
0
"
R
"
24
28
Trajano Alvez de Oliveira
13
Theresa Lais de
Maria
"
"
9
"
"
2
1
1
0
3
2
2
1
"
"
"
17
29
Ignacio Fran.
co
de Sousa
15
Fran.
co
Alvez de
Souza
Sobral
"
19
set
1870
1
0
0
0
3
2
2
1
"
"
"
13
30
José Miguel da Costa
10
Manuel da Costa
Vieira
V.
a
V.
ço
"
"
"
0
0
0
0
2
1
1
0
B
R
B
18
31
José Veríssimo de Araujo
10
Manoel Verissimo
de Ar.
"
"
26
out
1870
0
0
0
0
1
1
1
1
"
"
"
13
32
Fran.
co
Isidoro da costa
8
Manuel da Costa
Vieira
"
"
28
Out
1870
0
0
0
0
1
1
1
0
"
P
"
13
33
Luis Fernandes da Costa
10
Manuel da Costa
Vieira
Ipú
"
2
Nov
1870
0
0
0
0
1
1
1
0
"
R
"
10
34
Gonçalo Martiniano Ribeiro
12
Fran.
co
Bexerra de
Barro
V.
a
V.
ço
"
"
"
"
0
0
0
0
1
1
1
0
"
"
"
10
S. Benedicto, 16 de Novembro de 1870.
Inspector Local
Fran.
co
Cassiano
183
ANEXO C - Transcrição da Prova de Aritmética de José de Luiz de Queiros Jucá- 1874
Dom.
es
Operações arithmeticas á praticar
1) Qual é o dividendo, cujo divisor foi 1111, o quociente 1111, e o resto 1110?
1111x1111+1110=1235431 q’ é o dividendo procurado.
2) Nasceo em 10 de Nbrº de 1836; procionalidade morreo em 19 de março de 1872; q.
tos
annos meses e dias viveo?
@ m d
1872 2 19
1836 10 10
35 4 9 e este é o tempo de vida
3) José e João juntos tem 72 annos e meio, a diferença das idades é de 15 anos; q’ idª tem
cada um?
36,25
7,50
36,25
7,50
43,75
28,75
28,75
Prova
72,50
4). + do comprimento de um jardim são 38 metros, q’comprimº tem o jardim?
+ = = = 44 este é o comprimº do jardim
Licéo 18 de junho 1874
O examinador
Pedro Pereira da Silva Guimarães Junior
[Nhão posso resolver nenhum dos problemas]
Fortaleza 18 de junho de1874
José Luiz de Queiros Jucá
184
ANEXO D - Transcrição da Prova de Arittica de Maria Jerônima de Sousa 1874
Domingues
1. Quanto dá de juros 700 # a 2 % em 5 meses?
100 : (2 x 5) = 10 : : 700 000 : x = 70 000
10
700000(00
1(00
2. Uma perna de fasenda de 40 jardas comprada por 25000, por q
to
. Se pode vender o
metro?
40
35000
44
11
04240
795
40
0220
4
0
44(0
1(0
3. O Brasil foi descoberto a 3 de Maio do anno de 1500, q
os
. Annos conta?
anno
m.
dias
1874
1500o
8
5
28
3
0264
3
25
Lyceu 28 de agosto 1874
Maria Jerônima de Sousa
Estão bem resolvidos Fort. 18 de agosto de 1874
O examinador
Joaquim Alves de Carvalho
185
ANEXO E- Transcrição da Prova de Aritmética do Professor Adjunto Francisco Felix
Salamico 1874
Domingues
Brito e Samico contam 37 annos de idade a diferença de uma a outro é de 3annos pergunta se
qual a idade cada um.
37
3
34.....2
14.....17 = 20
00
[Solução]
37 2 = 18,5 + 1,50 = 20 annos de um
37 2 = 18,5 + 1,50 = 17 annos de outro
Differença 3 ( 0 37 annos de ambos
Um estafeta em discurso de um dia caminha 5 kilometros porem outro apenas anda 2 milhões
de decímetro perguntase qual caminho mais e quantos kilometros caminharam?
2000:00(0 1(0
200:000 metros
5000
195000
200.00(00 100
5000 2050
2050(00
Sala do exame em 30 de maio de 1874.
Francisco Felix Salamico
Observação
Os problemas estão de uma forma tal, que não obstante mostrarem um rezultado
certo, demonstra não ter pericias do modo de praticar, e devia fazel-a como acima menciono.
Outro sim notar-se erros na orthografia. O examinador.
186
ANEXO F - Transcrição da Prova de Aritmética do Professor Adjunto Joaquim José Freire-
1874
Domingues
Brito e Samico contão 37 annos de edade a diferença de um a outro e de 3annos perg. q.
l
a
idade cada um.
37
3
34.....2
00.....17 = 20
[Solução]
37 2 = 18,5 + 1,50 = 20 annos id.
e
de um
37 2 = 18,5 + 1,50 = 17
" "
de
outro
Differença 3 ( 0 37
"
"
"
ambos
Um estafeta em discurso de um dia caminha 5 quilometros porem outro a penas caminha dois
milhões de decímetro perg. q.
l
caminha mais e quantos quilometros caminharão?
200000 metros
55000
195000
200000
5000
205(0(00 1(000
5 kilo-metros metros = 5000 decimetros + 2000000 =
2050000- deci- metros
O 2º estafeta caminha mais do que e t.
o
e caminha 2050.
O 1º 195000
Lycêo 30 de Maio de 1874
Joaq.
m
José Freire
Observação
119
Os cálculos dão um resultado certo, porem deverão ser feitos pelo methodo acima.
Notamse na ortographia muitos erros.
O examinador
Pedro Guimarães Junior
119
Observação feita pelo examinador quanto à resolução do modo prático realizado professor adjunto.
187
ANEXO G - Transcrição da Prova Escrita de Josefa Águida de Oliveira, de 24 de janeiro de
1870
[J.Brígido dos Guim.
aes
Jr.]
120
[Jaguaribe]
121
Abcdefghijklmnopqrstuvxyz
ABCDEFGH
Vantagens da agricultura.
Não pode o homem prescindir do trabalho, pois foi-lhe elle impôsto por Deos em castigo de
sua desobediência no paraíso terrestre, como condição de sua vida. Nenhum trabalho porem é
mais honroso e nem offerece maiores vantagens, do que o da agricultura, pois é Ella a fonte
de todas as riquezas, e sem Ella jamais poderia o homem satisfazer as principaes necessidades
da vida.
LMNOPQRSTUVXYZ
Lycêo do Ceará 24 de janeiro de 1870
Josefa Aguida de Oliveira
120
Assinatura dos examinadores
121
Assinatura do examinador
188
ANEXO H - Transcrição da Prova de Pedagogia de Maria Jeronima de Souza, de 22 de
outubro de 1874
Programma
O que é ensino mutuo?
O que é ensino simultaneo? [Paulino Nogueira]
122
Qual dos dous é preferível?
Por que?
Qual o admittido no Regulam.
to
da Instrucção Publica?
O ensino mutuo, é aquelle que se estabelece além da simultaneidade geral dos exercícios, a
transmissão do ensino entre todos os alunos da m.
ma
escola.
O ensino simultaneo, é aquelle que durante certo tempo, o mestre ensina a seus alumnos por
decúrias divididas segundo os grãos de seus conhecim.
tos
.
Quanto a mim, o mais preferível é o mútuo, por ser o mais econômico e por conseguinte deve
ser co m.
o
útil.
O admittido na Instrucção Publica, seo me engano é o simultaneo.
Tenho muito desejo de faser uma dissertação que satisfaça-se a expectativa de V. V. SS.
os
,
mas como o lugar que hoje occupo e bastante para confunder-me as idéias, peço desculpa de
algumas faltas que forem encontradas.
Sala dos actos dos exames 22 de Outubro de 1874
Maria Jeronima de Souza
122
Assinatura do examinador
189
ANEXO I - Transcrição do Atestado do Tirocínio de JoLuis de Queiros Jucá Junior, de 16
e 17 de janeiro de 1874
Ill.
mo
Senr.
o
D.
or
Director G.
al
da Instrucção Pub.
a
[Designo a aula da 2ª Cadeira. Directoria
Geral da Inst.
am
. P.
a
do Ceará 16 de Janeiro
de 1874
Paulino Nogueira]
123
José Luis de Queiros Jucá J.
or
querendo habilitar-se para exercer o magistério
publico requer a V. S.
a
que se digne uma das aulas primarias desta cidade para o supp.
e
fazer
o seu tirocinio de conformidade com a Lei, pelo que
E. R. M.
ce
Fortaleza 16 de janeiro de 1874
José Luiz de queis Jucá J.
or
Attesto que o Senr‟ José Luiz de Queiros Jucá Junior freqüentando esta escola desde
17 de janeiro do corrente ano até a presente data, feito com assiduidade e
aproveitamento quanto ao modo assiduidade e aproveitamento quanto ao modo pratico
do ensino, mostrando alem disto gosto para o magistério.
2ª escola Publica do 1ª Gráo da Cid.
e
da fortaleza de 17 de maio de 1874.
O professor
Tristão Pacheco Spinosa
123
Despacho dado pela autoridade administrativa
190
Attesto que Senr‟ José Luiz de Queiros Jucá Junior p.
or
matricular-se
n‟aula que dirigo, para estudar o modo pratico do ensino dia 17 de
Maio, e que freqüentou ate hoje com aproveitamento. Ceará 17 de
Junho de 1874.
Joaq.
m
Alves de Carvalho
191
ANEXO J - Transcrição de Ofício da Aula Pública de Barbalha, de 7 de desembro de 1866
Il.
mo
e Rem.
o
Senhor Director
Tendo o antecessor de VS.
a
poupado aos professores a confecção do mappa geral,
determinando fosse remettido o de 15 de Novembro depoiz de encerradas as escholas, e então
nelles‟incluisse e que devera conter aquel1outro, isto é o resultado dos exames, deixei por este
motivo de enviar o presente naquella data e sim agora.
Nenhum exame procedeo se nesta minha esclhola por não ter meninos habilitados; e,
pelo que parece, jamais teria um tal praser, visto que costumas os paes contentar com seos
filhos saberem somente ler, escrever e contar alguma cousa; e si algum alumnos passão desses
conhecimentos para o estudo de grammatica, de historia sagrada, etc, não chegão as fim; ou
sahem para sempre, ou frequentão tão pouco a escholas e com tantas interrupções, que sempre
vivem em começo.
Concinta me agoraV.S.
a
que lhe faça sentir quanta vantagem seria para a diffusão da
instrucção elementar si se restaurasse o exercício das aulas uma vez por dia. Experimentei
no pouco tempo que vigorou esse systema mais regualridade nos trabalhos, mais concurencia
de alumnos, muito gosto entre elles sendo, alem de tudo isso, mais fácil, pelo lado econômico,
aos paes pobres o ensino de seos filhos.
Devendo, segundo a Lei regulamentar da instrucção primaria, abrir se a eschola ás 8
horas d‟amanhã, feixal-a ás 11 ½, reabril-a ás 3 da tarde, e feixal a ás 5 ½, por muito que o
professor trabalhe por trazer sua aula com a regularidade prescripta, jamais o poderá, porque
muitos são as dificuldades que encontram. Tudo marja
124
em desordem não se pode mandar
aos alumnos fazer a oração d‟amanhã, antes dos trabalhos; não escrevem , não lêm
simultamamente, e muitas vezes o achão se todos na eschola ás horas da lição! E á tarde?
Acontece o mesmo. A cousa destes abusos é porque ás 8 horas a m‟or parte dos meninos,
máxime, os que morão pelos contornos do lugar onde está a eschola, occupão se em pilar,
carregar agoa, trabalhar na roça, etc: e quase todos, ainda têm almoçado, desorte que vêm
chegando para a eschola um a um até ás 10 horas, estes almoçados, aquelles não, e assim á
proporção que cada um vai acabando de escrever pede para ir almoçar, aquelles não,
accotecendo por isso achar se quasi sempre a eschola desoccupada das 9 para ás 10 horas. E á
124
Leia-se marcha.
192
tarde entrão do mesmo modo, um a um, e muitos sem terem ainda jantados, e alguns faltão
porque forão buscar lenha.
Sendo commumente maior o numero dos meninos pobres, esses são occupados, por
seos paes em diferentes serviços, ordinariamente pela manhã e á tarde, e porisso deixão as
escholas de approveitar á m‟or parte dos pobres, e os poucos, que alli o é com incríveis
interrupções. Dahi a falta de concurrencia ás escholas; dahi a irregularidade dos trabalhos;
dahi a falta de gosto nos alumnos; e mais ainda para o professor, que necessariamente sente se
desanimado á vista de tantos atropelos. E, por muito que trabalhe por „methodisar seo ensino,
sempre é vencido; e afinal por motivos involuntários, toma á nota de máo professor.
As vantagens porem que resultarão do exercício das aulas uma vez por dia são:
Entrarem todos os alumnos simultaneamente na eschola, porque todos têm almoçado:
acharem-se desocupados dos mandados de seos paes: ir a eschola com reconhecido gosto, e
boa ordem: chegar a instrucção para a gente pobre, até para os que os morrão distante meia
gua e mais: estarem eles á tarde, ás 2 horas desoccupados para ajudarem seos paes; estc, etc.
faça se isto, dê-se boa casa para a eschola, forneça-se utencilios; obrigue se os senhores paes a
conservar seos filhos na eschola até que soffrão um exame que os julgue instruídos nas
matérias do ensino; dê se melhor ordenados aos professores, classe pobre por si e sua família,
com quem deve dividir seo ordenado insignificante; facilite-se lhes ao menos os meios d”elles
receberem seo s ordenados, ordenado se as Collectorias de centro lh‟es paguem, e não mais
sujeitos a rebalte os com os ricos do logar com prejuiso de 10 e 15%, se é que querem comer,
e acreditar se para os carniceiros. Feito tudo isto, aperte-se então o proffessor, e seja castigado
severamente, quando não cuidar de seos deveres.
Rogo pois a VS.
a
digne se concorrer para que sejão removidos todos esses
obstáculos, que a experiência tem me mostrado contrários á difusão da instrucção primária, e
ao bom regime das escholas.
Deos Guarde a VS.
a
. Barbalha, 7 de desembro de 1866.
Il
mo
. e R.
mo
Senhor Hyppolito Gomes Brasil
Diginissímos Director Geral da Instrução Publica
193
ANEXO L - Transcrição de Ofício da Segunda Escola Pública de Fortaleza, 13 de Fevereiro
de 1873
Segunda Escola Publica de Menina na Capital do Ceará, 13 de Fevereiro de 1873.
Ill.
mo
Ex.
mo
Senr‟
Accuso a recepção do officio de [rasurado] datada 6 do corrente mez recebido a 8,
em que me communico haver sido designada pela Ex
mo
Senr‟. Presidente para reger a cadeira
de meninas ultimamente [doc. danificado/uma palavra], e em resposta tenho a dizer á V.Sª,
para fazer chegar ao conhecimento de V.Exª, que, duvidando de minha aptidão, para
corresponder as vistas do legislador provincial, na experiência que se vou tentar, sobre a
utilidade do ensino primário, applicado para uma professora a crenças do sexo masculino,
sinto necessidade de [doc. danificado/uma palavra] á V.Exª. dispensou d‟essa desi [doc.
danificado/uma palavra], aliás honrosa, não devo acceitar sem [doc. danificado/uma palavra]
á V.Exª. os escrúpulos, que te-[doc. danificado/uma palavra] esse respeito.
Tenho repugnância de incumbir-me de trabalho, para que me falta precisa vocação e
jeito.
É verdade que exerço, há doze annos, o magistério com aproveitamento para minhas
alumnas e certa satisfação para mim própria, que vou colhendo resultados dos esforços, que
emprego no ensino, e dedicação, com que pro-[doc. danificado/uma palavra] cumprir os meus
deveres.
Assim tenho sido feliz, segundo a escola de meninas, mas não e sêl-o passando a
ensinar crea[rasurado] outro seco, de índole differente [doc. danificado/uma palavra] tos
diversos, que me obrigaria estudos especiais, para estabelecer methodo de ensino compatíveis
com a sua natureza e idade.
Trata-se de uma experiência, é conveniente não confial-a a uma professora, que
confesso não se juízo no caso de tental-a com proveito.
Nestas circustancias espero que S.Exª se dignará de attender a esta reclamação,
concendendo-me escusa, que peco.
D‟G
e
á V.SªIll
mo
S‟
Ill
mo
Senr D
or
. Mendes da Cruz Guimar
aes
Junior D. Secretario Interino [doc. danificado/uma
palavra] da Provincia
Carnélia Altina de Souza
Professora Primaria
194
ANEXO M - Transcrição de Ofício da Escola de Ensino Mútuo de Fortaleza, de 28 de Junho
de 1844
[Data 28 de Junho]
125
Ill
mo
. Ex
mo
. Senhor
Tenho a honra de enviara a V. Ex.ª a relação inclusa dos objectos precisos a esta
Escola, que V. Ex me ordenou que me remettesse.
Quanto aos prêmios todos sabem, que o interesse é o móvel das acções humanas: e
que d‟ordinario nas Escola castigos de mais e galardão de menos; tendo pela maior parte a
obediência e os esforços dos discípulos antes a sua viagem no medo, do que no desejo de bem
desempenhar as suas obrigações, ou consuma louvavel emulação por lhes não ser conhecida
desvantagens que dos estudos lhes resulta, é pois necessário á maneira do systtema
Lancasteriano premiar todas as boas acçoes escolásticas, e corrigir as más de um modo tal,
que não hajão flagelles, o memo perder de vista a mui louvável a na minha sempre preferir o
castigo mental ao corporal, e este ultimo de extrema necessidade, e sempre com attenção á
idade.
Para este fim aco-se estabelecidas as classes as decúrias diárias e as formalidades
das passagens de uma á outra classe, segundo o plano do ensino-mutuo, e para que o systema
marche com toda regularidade, é mista que hajão prêmios, para condecorar aquelles meninos,
que mais se distinguirem, e estimular os que menos se esforçarem; e com tais incentivos
objectos da educação da mocidade com a mior moderação possível.
Digne-se pois V.Exª mandar, que se forneça a Esta Escola os dois objectos
mencionados quais se tornão indispensáveis no systema que dirigo.
Deus Guarde à V.Sª. Exª por muitos annos.
A Escola de Ensino-Mutuo 28 de Junho de 1844.
125
Despacho da autoridade.
195
Ill.
mo
e Ex.
mo
. Senhor Brigadeiro Jozé Maria Bitancourt Presidente e Commandante das
Armas desta Provincia
Manoel Caetano Spinola
Professor
Precisa-se para a Escola de Ensino Mutuo o seguinte:
1º. 3 Collecções de exemplares para as classes de leituras as quaes contenhão o A.B.C.,
syllabas, e nomes; elementos de civilidade; alguns textos da Escritura Sagrada; elemento de
Arithemetica, e de Grammatica de Lingua Nacional.
2.º Alguns prêmios, tanto para as classes de escrita, como para as de leitura; e algumas
medalhas, cuja inscripção será aquelle que V. Ex designar.
Escola de Ensino Mútuo no Ceará, em 28 de junho de 1844.
Manoel Caetano Spinola
Professor
196
ANEXO N- Transcrição de Ofício da Aula Pública do Grau na Capital do Ceará e de
Inventário, de 5 de Fevereiro de 1870.
Ill.
mo
Ex
mo
Senr‟
Em observância do que dispôs o art. 4º e 5º do regulamento geral das escolas
primarias, passo ás maós de V.Exª. a copia do inventario feito nos objectos existentes em
minha escola
Deus Guarde a V.Exª.
Aula Pública do 2º grau na Capital do Ceará, 5 de Fevereiro de 1870.
Ill
mo
Ex
mo
.D.
or
Domingos José Noguª Jaguaribe Director Geral da Intrucção Publica da
Provincia.
Professor
Joaquim Alves de Carvalho
197
Aos dez dias do mez de janeiro do anno de mil oitocentos e setenta, na escola do
gráu desta cidade da Fortaleza, Capital da Provincia do Ceará, achando-se presentes o
Inspector da Instrucção primaria e o respectivo Professor passou a proceder ao inventario dos
objectos existentes na mesma aula na forma do art. 4º do regulamento de 1856; a saber:
Quadro do Senhor Crucificado, um
1
Tabuas envernisadas pª. exercício d‟arithm, q
tro
4
Archivo, um
1
Bancos para escripta, dezeseis
16
Idem assentos, dezeseis
16
Relógio, um
1
Cadeiras de palinha, seis
6
Idem inultilisados, três
3
Collecção de traslados encaxilhados, uma
1
Escrivaninha, uma
1
Regua, uma
1
Ardosias, quarenta
40
Ponteiros, dois
2
Estrado, um
1
Livro de matricula e registro
2
Regulamento, um
1
Lusiadas de Camões, quatro
4
Arithmética, uma
1
Idem C. Baptista, uma
1
Compendios [danificado/uma palavra] Metrologia
[danificado/duas palavras], um
1
E nada mais havendo se de compor concluído o inventario que por certa forma ficão
encerrado a assignado pelo mesmo Sr. Inspector acima nomeado, consigna: Professor: Luiz
Carlos da Silva Peixoto - Inspector das Aulas: Joaquim Alves de Carvalho, Professor.
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