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inimigos. O bom capoeirista é mágico. Ele tem poder de aprender boas orações e usar
um bom breve (patuá), porque a capoeira não livra a gente de bala” (SANTOS, 1991,
p.17). E continua:
Na mandinga está o segredo da dinâmica que fazia com que o Zé Ninguém,
Manuel Henrique virasse Besouro; Rafael Alves França virasse Cobrinha
Verde; e um capoeirista mandingueiro se transformasse num pedaço de pau,
quando estivesse apertado num ‘beco sem saída’ (idem, p. 40).
Estas místicas encarnadas nos objetos ou nas pessoas os transformam em seres
misteriosos, dotados de poderes que permitem façanhas inexplicáveis. Tais façanhas são
contadas pela cultura oral da capoeira, criando assim o universo mágico que a cerca.
Como contou Mestre João Grande num depoimento a Maurício Barros de Castro sobre
o episódio da morte de Besouro mangangá:
Besouro Mangangá, é porque prenderam ele, que se transformou num
besouro e saiu a voar, fugiu da cadeia. O carcereiro não viu ele sair, só ouviu
o zum, zum, zum... Aí que ficou o nome de Besouro. Ele tinha muita oração
forte. Mangangá é um besouro muito perigoso. Fica num toco de madeira e
se descarrega em qualquer pessoa. Quando eu cheguei a Salvador e entrei na
capoeira já tinham matado ele.
Mataram em Maracangalha, morreu no hospital. Assim Cobrinha Verde
falou. Besouro bateu no filho do prefeito de Santo Amaro. Depois o prefeito
mandou abrir sete covas para ele, ia cavando e benzendo as covas, depois
pagou uma mulher para ficar com ele. A mulher pegou o patuá dele. Quando
ele passou debaixo de uma cerca o arame cortou ele. Estava derrotado.
Tinha uma venda que ele bebia cachaça todo dia. Quatro homens foram
mandados por este prefeito para pegar ele. Quatro homens bons de facão.
Dois de um lado e dois do outro lado do balcão. Besouro botou uma cachaça
e bebeu. O outro disse: ‘Você bebe e não oferece para a ninguém que ta
aqui?’ ‘eu não, se quiser você bebe. Compra e bebe’. Eles discutiram e
jogaram cachaça no pé dele. Antigamente se jogasse cachaça no pé da pessoa
era briga. Derrubou a cachaça nos pés dele aí, pronto. Foram pra fora, os
quatro pra cima dele, facão pra cá, pra lá, mas por detrás veio um e cortou a
barriga dele com uma faca de ticum. Faca de ticum quebra qualquer
mandinga. Foi que Cabrinha Verde falou.
Ele tinha corpo fechado. Bala batia nele e caía no chão. Depois quebrou a
força. A mulher abriu o corpo dele. A faca de ticum cortou porque a mulher
abriu o corpo dele. Pegou o patuá dele... quebrou a força. Quem tem proteção
assim mulher não pode pegar. Quem tem essas mandingas não pode passar
debaixo de cerca de arame, não come mingau de tapioca, não pode passar
debaixo de vestido de mulher estendido em varal. Tem os dias certos de
dormir com mulher. Diziam que era muita mulher que ele tinha. Aí pronto
morreu (CASTRO, 2007, p. 151).
Tal como o personagem de Aquiles em a Ilíada, Besouro era um escolhido dos
deuses, mas tinha o seu ponto fraco que, atingido, o levaria à morte. Essas histórias que