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fundamentais, englobando aí tanto a questão da proximidade física quanto a inclusão numa
mesma realidade social. Para o autor, ricos e pobres que dividem o mesmo espaço, como
observamos frequentemente nas metrópoles, não constituem uma mesma comunidade, pois
não possuem uma convivência social próxima.
A comunidade coloca-se para a psicologia comunitária como instância de construção
coletiva e consciente da realidade, no qual os indivíduos têm espaço assegurado de
participação e expressão de suas posições. Nesse espaço de intimidade, a pessoa é
reconhecida e confirmada em sua identidade e como pertinente à comunidade, que garante a
“proteção da individualidade frente à natureza e à sociedade” (GÓIS, 2005, p.61). Ela
corresponde a “um agrupamento humano que expressa um sentimento claro de unidade e e
constitui um todo à parte” (RIOS apud GÓIS, 2005, p.63). Outro elementos agregadores da
comunidade são o conjunto das instalações, serviços e recursos materiais de que ela dispõe,
enfim, seus espaços institucionais (SÁNCHEZ VIDAL, 1991).
Observamos que as tentativas de definição do conceito de comunidade para a
psicologia, mesmo que variadas e imprecisas, são construídas a partir de uma compreensão
sociológica original, que relacionou comunidade e sociedade como categorias esquadrinhadas
por uma regulação social e disciplinar
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, compartimentada. Neste modelo de entendimento da
organização social, as relações entre os indivíduos são mediadas por um dispositivo
transcendente que é espacializado no entorno da vizinhança – o que esfacela as possibilidades
de constituição do comum, como entendido por Antonio Negri (2005). Os dispositivos que
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Compreendemos o conceito de sociedade disciplinar com Foucault (1987). Segundo o autor, com a passagem
do modo de produção feudal ao capitalismo, o corpo passou a adquirir valor de mercado através do refinamento
da exploração de sua força de trabalho. Tornava-se, então, necessário desenvolver estratégias de controle sobre
esse corpo através de um domínio minucioso, que ao mesmo tempo que o tornasse dócil e obediente, o
potencializasse ao extremo, com um resultado máximo em termos econômicos de utilidade. O poder soberano,
exercitado basicamente através da repressão das coletividades, deu passagem a um poder capilarizado, centrado
na exploração dos detalhes, que, mais que reprimir, constituía identidades e sujeitos. A lógica do
enclausuramento é própria a esse poder disciplinar, marcado pelo surgimento de disciplinas que buscarão
mapear cada vez mais o indivíduo em meio à massa, catalogá-lo, normatizá-lo. A vigilância hierárquica, a
sanção normalizadora e o exame, instrumento que une mecanismos inerentes a ambos, são estratégias sutis que
permitiam aos indivíduos a introjeção de um ordenamento e de uma norma espaço-temporal.