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Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ
Centro de Filosofia e Ciências Humanas
Instituto de Psicologia
Programa de Pós-graduação em Psicologia
A PARTICIPAÇÃO DE CRIANÇAS NO ESPAÇO PÚBLICO:
ATUALIZANDO A LEITURA SOBRE INFÂNCIA E EDUCAÇÃO EM
HANNAH ARENDT
Marta Xavier Fadrique
Rio de Janeiro, Fevereiro de 2008.
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F146 Fadrique, Marta Xavier.
A participação de crianças no espaço público: atualizando a leitura
sobre infância e educação em Hannah Arendt / Marta Xavier Fadrique.
Rio de Janeiro: UFRJ, 2007.
x, 115f.
Dissertação (mestrado) Universidade Federal do Rio de Janeiro,
Instituto de Psicologia, 2007.
Orientador: Lucia Rabello de Castro.
1. Infância. 2.Educação de crianças . 3. Participação. I.Castro Lucia
Rabello. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Instituto de
Psicologia.
CDD: 305.23
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Marta Xavier Fadrique
A PARTICIPAÇÃO DE CRIANÇAS NO ESPAÇO PÚBLICO: ATUALIZANDO A
LEITURA SOBRE INFÂNCIA E EDUCAÇÃO EM HANNAH ARENDT
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal
do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários
à obtenção do título de Mestre em Psicologia.
Orientadora: Profª.Drª Lucia Rabello de Castro
Rio de Janeiro
2008
Marta Xavier Fadrique
A PARTICIPAÇÃO DE CRIANÇAS NO ESPAÇO PÚBLICO: ATUALIZANDO A
LEITURA SOBRE INFÂNCIA E EDUCAÇÃO EM HANNAH ARENDT
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal
do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários
à obtenção do título de Mestre em Psicologia.
Aprovada em: _____________________
______________________________________________________________
Profª. Drª. Lucia Rabello de Castro (Instituto de Psicologia/UFRJ)
_______________________________________________________________
Profª. Drª. Sandra Mara Corazza (Faced/UFRGS)
_________________________________________________________________
Prof°. Dr° Reuber Gerbassi Scofani (FE/UFRJ)
Aos meus pais
José Antonio e Dalva
Pela atenção amorosa e
Pelo apoio incondicional.
AGRADECIMENTOS
À Lucia Rabello de Castro, minha orientadora, que me ensinou a transformar as perguntas, as
dúvidas e os pensamentos inquietantes em pesquisa.
Às queridas colegas do NIPIAC e em especial as do grupo de pesquisa que me acolheram,
carinhosamente, durante estes dois anos.
Aos professores e assistentes da Pós-Graduação, pelo apoio tão importante ao percurso do
mestrado.
À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), pelo apoio
financeiro durante a realização dessa dissertação.
Aos professores, que me fizeram pensar, demandando tantas respostas.
E, em especial, às crianças, que me trouxeram tantas perguntas.
RESUMO
As relações entre crianças e adultos na escola tem sido pautadas por uma visão de infância
que é principalmente a de um sujeito em desenvolvimento. Nela, os adultos ocupam o lugar
de um saber absoluto a respeito dos passos e intervenções necessárias para que esse
desenvolvimento ocorra da maneira adequada, a partir de uma lógica evolutiva que é herdada
da modernidade, presente de forma significativa nos estudos e pensamentos sobre a infância
que temos ainda hoje. O presente trabalho de dissertação de mestrado discute esta idéia de
infância sustentada por uma hierarquia “naturalizada” dos adultos sobre as crianças. Através
da discussão sobre a crise educacional, que ocorre com o declínio da autoridade e da tradição,
e sobre a importância da educação para a humanidade, tal como pensada por Hannah Arendt,
interrogamos sobre as possibilidades de participação das crianças na escola. Arendt pensou os
grandes problemas políticos da modernidade e fundamentou a sua argumentação sobre a
educação nesta visão de infância moderna. Mas diante das profundas transformações que o
nosso mundo vem sofrendo, estes fundamentos, e dentre eles a idéia de infância, estão postos
à prova. Defendendo a importância do espaço público e da política que tem desaparecido do
mundo, trabalhamos as idéias de Arendt através de uma reflexão crítica que nos permita
atualizar algumas discussões, com o objetivo de evidenciar outras possibilidades de relação
entre crianças e adultos e também de outros espaços públicos possíveis. Desta forma,
queremos evidenciar como a escola pode se tornar um espaço público privilegiado para a
participação tanto dos adultos como das crianças na busca de interesses comuns e de
possibilidades de ação, de ensino e de aprendizagem sobre um mundo que não é mais tão
simples de ser transmitido e, em última análise, de exercício da política - num momento em
que a esfera política encontra-se cada vez mais ausente da vida cotidiana das pessoas.
Palavras-chave: infância, educação, participação, espaço público, política.
ABSTRACT
Relations between children and adults in the school has been guided by a vision of childhood
that is mainly that of a subject in development. Here, the adults occupy the place of an
absolute knowledge about the steps and assistance necessary to ensure that this development
takes place in an appropriate manner, from an evolutionary logic of modernity that is
inherited, this significantly in research and thoughts on childhood we have today. This
dissertation discusses the idea of childhood backed by a "naturalized" hierarchy of adults on
children. Through discussion on the educational crisis, which occurs with the decline of
authority and tradition, and on the importance of education for humanity, as conceived by
Hannah Arendt, we think about the possibilities of participation of children in school. Arendt
thought the political problems of modernity and justified its arguments on education this
vision of modern childhood. But given the deep transformations that our world is suffering,
these pleas, and among them the idea of childhood, are put to the test. Defending the
importance of public space and the politics that has disappeared in the world, we work the
Arendt’s ideas through a critical reflection which allows us to update some discussions with
the objective of seeing other ways of relationship between children and adults and also in
other possible public spaces. Thus, we want to show how the school can become a privileged
public space for the participation of both adults and children in the pursuit of common
interests and possibilities for action, teaching and learning about a world that is no longer so
simple, be transmitted and, ultimately, to pursue the politics - at a time when the political
sphere is increasingly absent from the daily life of people.
Keywords: childhood, education, participation, public sphere, politics.
Os adultos desejam e gostam das crianças, mas têm-nas cada vez menos, e cada vez têm
menos tempo e espaço para elas;
Os adultos acreditam que é bom para as crianças estarem com seus pais, mas cada vez mais
pais e filhos vivem os seus cotidianos separados uns dos outros;
Os adultos valorizam a espontaneidade das crianças, mas a vida delas é cada vez mais
submetida às regras das instituições;
Os adultos postulam que deve ser dada prioridade às crianças, mas as decisões políticas e
econômicas que têm efeito na vida das crianças são tomadas sem as ter em conta;
Os adultos concordam que elas devem ser educadas para a liberdade e a democracia, ao
mesmo tempo em que a educação escolar se assenta no controle e na disciplina;
As escolas são consideradas muito importantes pelos adultos para educar as crianças, mas não
há reconhecimento na contribuição das crianças para a produção do conhecimento;
Em termos materiais, a infância é importante para a sociedade, mas esta deixa a maior parte
das despesas ao cuidado dos pais e das próprias crianças.
Adaptado de Qvortrup e Sarmento (1999 p.13).
SUMÁRIO
Introdução 9
1. A crise educacional como ocaso da tradição e da autoridade: a visão de
Hannah Arendt 18
1.1 O problema político colocado para o mundo pela crise educacional 21
1.2 A autoridade na escola e a responsabilidade dos adultos 28
1.3 A educação resguarda a infância da vida pública 34
2. Configurações atuais para a infância e o espaço público: efeitos da crise da
modernidade 44
2.1 Para além do futuro, um presente: outros olhares para a infância 45
2.2 Participação: palavras e atos inserindo as crianças no mundo 59
2.3 Uma autoridade possível para os adultos nos dias de hoje 65
2.4 A escola: de lugar de convivência a espaço público 72
3. Uma experiência de participação na escola: crianças e adultos
comprometidos com um espaço comum 78
3.1 Sobre a pesquisa 78
3.2 O contexto institucional da escola 81
3.3 O trabalho nas oficinas: viabilizando a participação das crianças 87
3.4 A difícil experiência de liberdade 92
3.5 Da discussão de regras aos sentidos compartilhados por um grupo: O
espaço comum 101
3.6 Não é possível impor a participação 109
4. O que nós, adultos, fazemos com as crianças? 113
5. Referências 118
9
1. INTRODUÇÃO
O presente trabalho de dissertação de mestrado vem interrogar sobre as possibilidades
de participação das crianças na escola, através de uma análise das relações vividas neste
espaço, que é socialmente destinado a elas. Somando-se aos estudos que se dedicam a pensar
a infância na contemporaneidade, pretendemos discutir a compreensão de infância que pauta
as relações das crianças e dos adultos na escola, e também a importância da função
educacional para a humanidade, tal como pensada por Hannah Arendt. Destes elementos,
procuramos realizar uma ‘alquimia’ que nos permitisse não compreender, mas também
exercitar outras formas de relações entre as gerações no ambiente escolar derivadas de uma
revisão da idéia de infância e também da participação das crianças neste espaço
compartilhado.
A realização do Mestrado representa um marco importante na minha história
profissional dentro da psicologia, iniciada há treze anos e sempre ligada às questões da
infância. Olhando para trás, vejo que já durante a faculdade, realizada na PUCRS, eu
direcionava a minha formação para tudo o que dizia respeito à infância. Por conseguinte, as
minhas primeiras experiências profissionais se deram no campo da Educação, em escolas
particulares infantis. Logo após o fim da graduação, durante um curso de extensão em
ambulatório público, eu recebia em tratamento crianças ainda pequenas que vinham com
“sintomas escolares” e uma história de dificuldades das mais diversas em relação à escola.
Tratando inicialmente esta questão pela via individual de uma escuta clínica, pude aos poucos
perceber que o que ali se caracterizava como sintoma recebia grande influência das relações
vividas na escola, e que as questões de aprendizagem eram muito influenciadas pelas
possibilidades de relações afetivas que a criança vivia no ambiente escolar.
10
Mais tarde acabei por direcionar minha prática profissional para as instituições
públicas, trabalhando inicialmente com atendimento clínico. Posteriormente, passei a
trabalhar na Rede Municipal de Educação de Porto Alegre RS, assessorando escolas
infantis, de ensino fundamental e de Educação Especial. O trabalho se desenvolvia em
equipes multidisciplinares compostas por assessores pedagógicos de diferentes áreas, e tinha
por objetivo acompanhar as mais diversas situações de alunos, qualificar o trabalho dos
professores e dar suporte às equipes diretivas.
Nesse trabalho, muitas vezes me ocupei de situações-limite, que diziam respeito tanto
ao acolhimento e ensino de alunos com importantes dificuldades de aprendizagem ou
deficiências que freqüentavam as escolas comuns; como a diversas situações em que ocorrem
“quebras” nas relações educacionais, resultando em conflitos. Alguns exemplos disso são as
situações de indisciplina e as brigas entre pais e professores ou entre estes e seus alunos. Em
geral, eu me deparava com situações onde a criança encontrava-se à beira da desistência de
estudar, e com ela também desistiam seus pais e professores.
Ao entrar numa escola para escutar um conflito e tentar trabalhá-lo, fui percebendo
que tudo se falava a respeito da criança, mas que ela não falava, não participava das questões
em que estava envolvida. Através de formações, reuniões, entrevistas, observações e outros
canais de escuta a assessoria procurava entender os diferentes pontos de vista para,
essencialmente, sustentar o lugar da criança na escola, viabilizar a sua permanência e
aprendizagem.
Nas situações de conflitos entre os mais diversos atores escolares, sempre me chamava
atenção um certo hábito dos adultos de ignorar os interesses e a voz das crianças, como se o
que fosse vivido ali não dissesse respeito a elas. Sustentados por uma certeza de que sempre
sabiam o que era bom e certo para as crianças, pais, professores e diretores muitas vezes
11
estavam a anos-luz disso, e bastava dar às crianças a possibilidade de escuta para ver que elas
tinham com o que contribuir a respeito dos seus interesses e das suas vidas escolares.
Fui percebendo que as escolas, se por um lado, foram feitas para as crianças, por
outro, parecem atender muito mais aos objetivos e interesses dos adultos, como na
organização das disciplinas e no tempo de intervalo. As práticas cotidianas são pautadas por
uma visão de infância que é principalmente a de um sujeito cognitivo, em desenvolvimento,
onde os adultos ocupam o lugar de um saber total a respeito dos passos e intervenções
necessárias para que esse desenvolvimento ocorra da maneira adequada.
Mas este saber não se mostra tão seguro e confortável. A escola de hoje se depara
com diversos conflitos em relação às suas relações de autoridade e à importância do ensinar e
do aprender, dúvidas postas pelos tempos atuais. Com isso, os professores encontram-se
inseguros na sua posição de autoridade em relação ao aluno, pois ela não se sustenta como
antes: o conhecimento tradicional parece perder gradualmente importância na vida
contemporânea e, conseqüentemente, as crianças que estão hoje na escola não respondem a
ele da mesma forma. Além disso, os métodos de avaliação estão sendo profundamente
revistos. Diante desta realidade, podemos perceber que um dos caminhos que os professores
encontram para manter a sua autoridade, que não se sustenta mais apenas no processo
avaliação, é através do controle e da disciplina, práticas que nunca foram tão atuais.
Mesmo diante de tantos conflitos, na escola, em geral, as posições de quem ensina
(adulto) e quem aprende (criança) estão cristalizadas, e podemos perceber esforços para que
se mantenham intactas, mesmo quando, por algum motivo, as relações entre estas posições se
quebram. Dessa forma, perpetuam-se práticas de relações entre adultos e crianças que não
mais trazem estabilidade para os adultos, mas também não abrem espaço na dinâmica escolar
para que as crianças de hoje percebam as questões que envolvem a sua vida, sua
aprendizagem e os conflitos vividos nesta empreitada.
12
Foi a partir desta leitura das instituições educacionais que surgiu a necessidade de
pensar outra forma de lidar com os diferentes atores sociais que fazem parte do pequeno
mundo escolar. Assim, procuramos escutar os conflitos também pela via da criança, e tentar
fazer com que as outras pessoas envolvidas experimentassem escutá-las. Isso não é uma tarefa
simples, pois diante de tal possibilidade nem nós adultos nem as crianças sabem bem o que
fazer. Quando a fala das crianças é tomada como a sua expressão sobre questões que lhe
dizem respeito, cria-se uma nova responsabilidade que acaba sendo compartilhada por todos
os envolvidos na situação.
As atitudes de estranhamento provocadas pela oportunidade de se escutar a criança, de
se permitir a sua participação nas situações que dizem respeito à sua vida e à escola me
levaram a questionar como se estabelecem as relações entre as gerações neste ambiente. E
também, a buscar uma perspectiva teórica e de intervenção que permitisse olhar para a
infância em suas diferenças e particularidades perante os adultos.
Esse breve relato demarca o percurso de uma prática profissional que demandava
maiores reflexões teóricas para seguir adiante. Neste ponto, a realização do Mestrado em
Psicologia, produz o seu sentido ao me permitir pensar a infância nas suas formas de
subjetivação contemporâneas. Considero esse estudo de extrema relevância para uma melhor
compreensão sobre as crianças com as quais convivemos nos diferentes espaços sociais, e
sobre a idéia de infância que ainda encontramos na escola. Uma infância em eterno devir,
sustentada pela Psicologia do Desenvolvimento e pela Pedagogia, e centrada numa
perspectiva de vida adulta. Neste trabalho, mostrarei como este centramento acaba por excluir
outros olhares para a infância, pois o foco no desenvolvimento acaba por ignorar as
capacidades das crianças no presente. Com o olhar no futuro, restringe-se a capacidade de
expressão infantil, fazendo das crianças “atores sociais invisíveis no âmbito da dinâmica
cultural e da cena política”, como afirma Castro (ibid p.15). Isto não quer dizer que não
13
um importante trabalho a ser feito na atenção ao desenvolvimento infantil, mas pretendo aqui
atentar para outras possibilidades de concepção de infância reconheçam nas crianças sujeitos
atuantes na cultura no tempo presente.
Assim, esta dissertação se ocupa de pensar em como as relações entre crianças e
adultos na escola têm se dado, atentando para o fato de que, conforme argumenta Hannah
Arendt (2005), a Educação na contemporaneidade tem passado por uma crise herdada da crise
da modernidade. A autora será essencial neste trabalho, pois através dos seus estudos sobre a
crise moderna chegaremos às discussões sobre a infância e a função educacional dos dias de
hoje.
Arendt é uma importante filósofa política moderna, e seu pensamento sobre as
questões do nosso mundo comum tem um vigor impressionante. Ela tem sido de extrema
importância para a compreensão dos rumos que temos tomado no campo da Política, nas suas
mais diversas formas de expressão. Ela produziu uma compreensão riquíssima sobre os
efeitos das guerras e dos movimentos totalitários do século XX para a humanidade, que
engendraram transformações políticas e sociais profundas no nosso mundo.
Nascida na Alemanha e vivendo na época da ascensão do Nazismo, Arendt, que era
de origem judia, viveu a experiência de ter que se exilar na França durante a Segunda Guerra
Mundial até imigrar para os Estados Unidos, país onde escreveu a maior parte de sua obra
1
.
Desde o seu livro, de 1951, “As origens do totalitarismo” (1990), Arendt buscou compreender
como foi possível que a humanidade chegasse a produzir este tipo de domínio absoluto de uns
poucos sobre tantos outros homens. Sua obra nos mostra que ela não cansa de se perguntar – à
sombra da ruptura da tradição (Duarte, 2001 p.68) – como os homens chegaram à sua
condição atual e para onde conduzem a sua convivência no mundo. Atualmente no Brasil
podemos constatar uma intensificação na produção acadêmica e editorial sobre a filósofa.
1
Os dados biográficos sobre a autora foram retirados do posfácio de C. Lafer para o livro de Arendt “Homens
em tempos sombrios” (1987).
14
Muitos estudiosos têm se dedicado a resgatar e atualizar o pensamento arendtiano, bem como
a levantar questionamentos importantes, que só reiteram a relevância da sua filosofia política.
Em 1954, Arendt publica um livro com suas reflexões sobre o declínio da tradição na
vida moderna e os seus efeitos para os seres humanos, intitulado “Entre o passado e o
futuro”. Nele encontramos, entre outros, um artigo dedicado à crise na Educação, onde a
autora expõe suas argumentações sobre os elementos que a constituem, bem como as
conseqüências desta para a humanidade quando não mais se compromete com a educação das
suas crianças. Até pouco tempo, no entanto, as suas considerações sobre a Educação e sua
importância para a humanidade eram pouco referidas, mas, atualmente, Arendt tem sido
também muito estudada por educadores. Recentemente foi publicada por uma revista
especializada em Educação,
2
uma edição totalmente dedicada à autora e aos seus
questionamentos sobre a Política, onde o texto sobre a crise educacional tem destaque. Sendo
uma revista de circulação nacional, voltada à prática educacional, podemos reconhecer que as
suas idéias chegaram à escola.
Para refletir sobre a participação das crianças no ambiente escolar, foi necessário abrir
um canal de discussão entre Política e Educação, pois a idéia de participação faz parte do
campo da Política, que, afirma Arendt, está em oposição à Educação. Foi através dos estudos
de filosofia política de Hannah Arendt que encontrei a possibilidade de discutir esta oposição
e, ao mesmo tempo, a concepção de infância pautada na perspectiva do adulto, característica
da modernidade.
Esta idéia de infância, como mostra Corazza (2002), por um lado idealiza os discursos
e o imaginário sobre o infantil, por outro, nas práticas cotidianas, ignora e subestima a
infância a partir da idéia de uma insuficiência “natural”. Neste discurso sobre o infantil
2
Trata-se da Revista Educação, edição Biblioteca do Professor n°4, de junho de 2007, intitulada “Hannah
Arendt pensa a Educação”.
15
encontraremos um sujeito que está fora dos espaços de participação política e social, que não
tem expressão e é tutelado pelo adulto. A participação das crianças é um desafio que pede
mudanças não nas instituições, para que se abram para o melhor interesse das crianças,
mas, como nos lembra Sarmento (1999) também nas estruturas sociais e políticas, na nossa
cultura, de um modo amplo.
Através da associação da filosofia política com as questões educacionais no campo da
infância contemporânea, questionaremos os discursos e as práticas presentes nas relações
entre adultos e crianças na escola. Investigando esta relação, e buscando refletir sobre as
possibilidades de participação das crianças na instituição educacional, fizemos uma discussão
teórica a partir do texto de Arendt sobre a crise educacional (2005), procurando atualizar as
suas idéias em relação à concepção de infância que sustenta a oposição entre a Educação e a
Política e que mantém a infância aquém dos espaços de participação política.
Apresentamos também uma pesquisa empírica realizada com crianças de uma escola
pública do Estado do Rio de Janeiro que serviu como experiência de participação das
crianças, compartilhada com adultos, no mundo escolar. Esta pesquisa
faz parte de um projeto
que tem sido desenvolvido no NIPIAC
3
, núcleo integrante do Programa de Pós-graduação em
Psicologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ. Com o título de Subjetivação
Política na Infância e Adolescência Contemporâneas e Contextos Institucionais a
Democracia nas Escolas” (Castro, 2006), esta pesquisa tem por objetivo investigar a
participação política de crianças e jovens tendo em vista o contexto escolar, visto que na
escola as crianças têm a sua maior oportunidade de convivência plural ensejando, portanto,
lutas, embates e negociações” (Castro, 2006).
O primeiro capítulo desta dissertação apresenta as idéias arendtianas sobre a crise
educacional, seguindo os seus passos na estrutura de argumentação, mas com ênfase no que
3
Núcleo Interdisciplinar de Pesquisa e Intercâmbio para a Infância e Adolescência Contemporâneas.
16
Arendt não explicita: no modelo de relação educacional naturalizado para crianças e adultos.
Ali serão apresentados os importantes elementos que expõem a crise educacional, tais como a
crise na tradição e na autoridade, a ausência de responsabilidade dos adultos na condução dos
recém-chegados ao mundo, as conseqüências dos novos pressupostos da pedagogia moderna
na função educacional e a importância de se manter claras as fronteiras entre Política e
Educação.
O segundo capítulo faz uma discussão sobre a concepção de infância que emerge na
obra da filósofa, e a conseqüente função educacional que se constrói a partir desta concepção,
qual seja, mediar o contato das crianças com o mundo comum de forma a mantê-las
protegidas dele, hipotecando o presente da infância ao seu futuro. Esta gica voltada para o
futuro é característica da vida moderna e, como nos afirma Arendt, está posta em questão. A
crise da modernidade e o reconhecimento de novas configurações sociais fazem parte do
processo histórico que todos nós vivemos neste momento. Isto mostra a importância de
empreendermos uma atualização do pensamento de Arendt, de forma a manter a sua
vivacidade como contribuição para compreendermos estes tempos confusos e seguirmos
cuidando do nosso mundo comum.
Uma experiência de participação das crianças na escola está relatada no terceiro
capítulo deste trabalho. Nele, analisamos uma pesquisa-intervenção realizada com 36 alunos
da quarta série do ensino fundamental de uma escola pública estadual. Através de onze
oficinas realizadas com as crianças e uma feita com os professores, procuramos transformar
em vivência o que argumentamos através da discussão teórica do texto arendtiano. Na
coordenação da atividade, experimentamos as dificuldades de se promover uma suspensão
nos modos de relação rotineiros que se dão entre adultos e crianças na escola: por um lado,
nós propúnhamos debates sobre a escola, e trazíamos possibilidades de escolha que
demandavam das crianças um compromisso com esta atividade; por outro, éramos cobradas
17
pela instituição a ter o controle sobre as crianças. E elas, diante de um tempo e espaço menos
controlados, procuravam retornar às relações mais conhecidas e seguras, dando o poder de
decisão aos adultos, ou então tomar conta sozinhas das decisões, ou mesmo, em algumas
situações, compartilhar as ações e expressões entre si e com os adultos, construindo assim um
espaço comum.
Com este trabalho, então, queremos evidenciar como a escola pode se tornar um
espaço público privilegiado para a participação tanto dos adultos como das crianças na busca
de interesses comuns, na busca de possibilidades de ação e, em última análise, de exercício da
Política num momento em que a esfera política encontra-se cada vez mais ausente da vida
cotidiana das pessoas.
18
1. A CRISE EDUCACIONAL COMO OCASO DA TRADIÇÃO E DA
AUTORIDADE: A VISÃO DE HANNAH ARENDT
A educação é o ponto em que decidimos se amamos o mundo o
bastante para assumirmos a responsabilidade por ele e, com tal
gesto, salvá-lo da ruína que seria inevitável não fosse a
renovação e a vinda dos novos e dos jovens. A educação é,
também onde decidimos se amamos as nossas crianças o
bastante para não expulsá-las de nosso mundo e abandoná-las
a seus próprios recursos e tampouco arrancar de suas mãos a
oportunidade de empreender alguma coisa nova e imprevista
para nós... (Arendt, 2005 p.247)
A educação para Hannah Arendt é uma atividade humana que tem papel especial e
decisivo para o curso da nossa vida na Terra. É com a atividade educacional que acolhemos as
crianças e lhes ensinamos sobre o nosso mundo. No fim da modernidade, diante de um mundo
que se encontra em crise, Arendt percebe na educação importantes transformações que põem
em jogo as relações entre as gerações e, em última análise, a própria chance das crianças
encontrarem um mundo mais ou menos esclarecido e organizado para se incluírem. No
entanto, a crise da modernidade seguiu seu curso trazendo mudanças profundas às sociedades,
processo este que Arendt testemunhou de perto e que ainda produz seus efeitos.
No esforço em analisar a crise moderna, Arendt escreve diversos textos que,
agrupados formam o livro intitulado “Entre o Passado e o Futuro”, de 1954. O sentido dos
ensaios ali contidos é a reflexão sobre uma significativa mudança na compreensão atual das
experiências de passado e de futuro: para a autora, o presente não está mais ligado ao passado
pelos usos da tradição, e, sendo assim, não proporciona mais pistas claras sobre o nosso
futuro. No prefácio deste livro, Arendt explica que procurou fazer alguns exercícios de
pensamento político (2005 p. 41), ensaios críticos e experimentais a respeito das suas
19
inquietações sobre as relações políticas da época, que abrangem temas recorrentes em sua
obra, como liberdade, autoridade, justiça.
Deste livro faz parte o ensaio intitulado A crise na educação – de caráter mais
experimental do que crítico onde Arendt procura descobrir as origens e as conseqüências
desta crise para as novas gerações. Apesar de não ter discutido muito explicitamente as
questões da infância, nem a relação entre crianças e adultos no mundo, no ensaio sobre a crise
na educação Arendt nos mostra o que compreende ser a essência da infância e as obrigações
que esta impõe ao resto da humanidade.
A delicada tarefa da educação, diz Arendt, é essencial para toda a humanidade, pois
constitui a maneira pela qual as gerações que são adultas no presente acolhem as gerações
vindouras, cumprindo o seu papel de transmissão de um legado histórico e social que foi
construído ao longo das passagens de tantas gerações anteriores. A quebra ou o declínio dessa
função manifestaria de forma clara uma ruptura com a tradição, e teria, para a autora,
conseqüências danosas.
É importante lembrar que, devido a esta função, a escola é um espaço privilegiado de
convivência das diferentes gerações. Os conflitos vividos no âmbito educacional, tal como
postos por Arendt, podem trazer contribuições importantes para uma reflexão a respeito deste
espaço, que mesmo sendo caracterizado por uma “intermediação” entre o mundo privado do
lar e o mundo público dos adultos, acaba por se configurar em um importante espaço de
compartilhamento exatamente porque faz se relacionarem nele os adultos e as crianças. A
educação propõe formas de relações entre as gerações marcadas pela sua essencial função de
ensino e aprendizagem. Entretanto, na escola as crianças tomam contato com muito mais do
que isso: elas começam a conhecer o mundo como ele é, e não como ele se mostra em
forma de conhecimento. E este contato não é passivo, nem ocorre sem dificuldades.
20
Ao discutir a crise educacional, Arendt não foge ao seu campo de reflexão. A filosofia
política arendtiana se faz presente nessa discussão através das suas posições em relação às
causas da crise. Desta forma, ela aborda as relações entre Política e Educação para argumentar
que uma associação entre elas transformaria a Educação em uma prática complicada e até
prejudicial às crianças, pois introduziria, em ambos os lados, premissas que desviam a lógica
e função de cada uma destas funções humanas.
O raciocínio arendtiano que denuncia a crise educacional como algo produzido pela
introdução de conceitos políticos na educação nos leva a focalizar algumas das suas reflexões
políticas para pensarmos como elas podem auxiliar na compreensão desta relação. Neste
capítulo, portanto, seguiremos as argumentações da autora que se encontram no ensaio sobre a
crise educacional para compreendermos os termos em que esta crise é colocada. Nosso
interesse principal aqui será discutir estas argumentações associadas a outros conceitos
políticos de Arendt, como a ação, a autoridade e as esferas pública e privada.
1.1 –O PROBLEMA POLÍTICO COLOCADO PARA O MUNDO PELA CRISE
EDUCACIONAL
A questão do que faremos com a nossa condição humana no
mundo moderno é essencialmente política...
(Arendt, 2004a p.11)
Arendt inicia a sua reflexão sobre a educação tentando compreender e discutir o que
levou os Estados Unidos, país onde vivia na época, a viver uma importante crise educacional,
ressaltando que, na verdade, essa faria parte de uma crise geral que acomete o mundo
moderno. A sociedade americana vinha considerando esta crise como um problema político
de primeira grandeza, amplamente comentado pela mídia local; acrescentando que é possível
21
termos como uma regra geral neste culo que qualquer coisa que seja possível em um país
pode, em futuro previsível, ser igualmente possível em praticamente qualquer outro país
(Arendt, 2005 p.222).
Seu principal argumento pode ser assim compreendido: o contexto político e social
contemporâneo, tal como se apresenta, atinge a essência da educação, qual seja, acolher as
novas gerações num mundo preexistente a elas. Atinge também a base dos princípios da
relação educacional, que ela define como a hierarquia entre adultos e crianças, baseada na
autoridade do professor e no seu saber sobre o mundo. Para Arendt, pelo fato de trazerem
crianças ao mundo, cabe aos adultos a tarefa de introduzi-las neste espaço através da
educação, e isso é feito com base em uma relação entre adultos e crianças caracterizada pela
assimetria.
A autora identifica na configuração social e política da modernidade os elementos que
levaram à crise educacional, a saber: a associação entre Política e Educação, o declínio da
autoridade e da tradição, e a quebra das relações naturais entre crianças e adultos (ibid,
p.233) – questões que serão desenvolvidas adiante. Como uma instituição forjada para acolher
os novos no mundo, a educação vinha cumprindo com seu papel histórico, mas no contexto
atual tem enfrentado conflitos devido aos aspectos da modernidade que vêm aos poucos
transformando esse mundo. Este é um dos motivos que leva a autora a se ocupar da crise
educacional: as mesmas questões que produziram no mundo tantos conflitos no campo da
Política o fizeram também no campo da Educação.
Arendt ressalta que uma crise nos oferece a oportunidade única de quebrar com idéias
e preconceitos que sustentavam os sensos comuns: as respostas que tínhamos já não servem, e
por isso temos que nos voltar às questões essenciais. A perda do senso comum pode ser
entendida como a perda das significações que até então eram partilhadas por uma
comunidade. Uma crise é um tempo de re-significar, de encontrar outras respostas em lugar
22
das que não nos servem mais, mas se respondermos a estas questões com preconceitos,
perdemos a oportunidade de viver a “experiência da realidade” e a reflexão por ela
proporcionada.
Assim acontece com a crise educacional:
É a oportunidade, proporcionada pelo próprio fato da crise – que dilacera
fachadas e oblitera preconceitos
, de explorar e investigar a essência da questão
em tudo aquilo que foi posto a nu, e a essência da educação é a natalidade, o fato
de que seres nascem para o mundo. (Arendt 2005 p.223, grifo da autora).
Para Arendt, as crianças são, por nascimento e por natureza, novas no mundo. E como
ainda não estão ambientadas com o funcionamento e com a cultura do lugar onde são
inseridas, elas carregariam a mais pura expressão do novo. Cada criança representa a
possibilidade de um novo começo; é por isso que, em um mundo preexistente, a chegada dos
novos impõe aos que estão o compromisso de recebê-los e ambientá-los, processo que
Arendt identifica como o papel principal da educação.
O problema político trazido pela crise educacional diz respeito aos riscos que a
humanidade corre ao deixar de cumprir esse compromisso de maneira satisfatória. Arendt
deixa claro que a falta de acolhimento e acompanhamento das crianças pode ter
conseqüências graves na continuidade deste mundo.
Investigando as origens da crise, a autora aponta dois elementos importantes da
história ocidental moderna que dão início aos processos de mudança nas concepções e
práticas educacionais. Em primeiro lugar, o entusiasmo extraordinário pelo que é novo (ibid,
p. 224), marca determinante na cultura americana que perpassa todas as culturas ocidentais e
leva a uma maior atenção à infância, manifesta nas ciências, na cultura e no senso comum.
Um segundo fator seria o ideal educacional que fez da educação um instrumento da Política, e
que permitiu pensar a própria atividade política como uma forma de Educação.
Sobre a associação entre Educação e Política, Arendt defende que isto é um grande
equívoco, pois à Educação falta um requisito importante para ser política: a condição de
23
igualdade entre os sujeitos. De uma maneira geral a “politização” da Educação instituiria uma
igualdade que traria grandes riscos às relações hierárquicas necessárias à Educação. Para
Arendt as diferenças entre crianças e adultos são naturais, radicais e irredutíveis, o que faz
com que Educação e Política se mantenham em campos opostos.
Por outro lado, uma política com pressupostos educacionais, como acontece, por
exemplo, nos regimes ditatoriais, também destruiria a condição de igualdade necessária aos
sujeitos políticos, pois instituiria uma forte hierarquia como marca política. Isso significa,
para Arendt, que a Política deveria ser praticada apenas para os que já foram educados, isto é,
para os adultos, que foram apresentados ao conjunto de leis, instituições, bem como às
estruturas racionais, científicas e sociais que formam o nosso mundo. Portanto, para Arendt, a
Educação tem um ponto final que instaura para o sujeito educado (já o mais criança) a sua
condição de igualdade perante os outros humanos – por mais que possamos seguir aprendendo
por toda a vida, a Educação é outra coisa: é a formação humana para a vida pública.
Arendt deixa claro que Educação presume hierarquia, desigualdade; e Política presume
equivalência entre os sujeitos políticos. Desta forma, a Educação e a Política se encontram em
campos separados. Dar um caráter político à Educação, ou seja, trazer para este campo os
ideais igualitários da Política, seria prejudicial tanto para a Educação como para a Política,
pois as regras válidas para uma não valeriam para a outra.
Dentre os estudos atuais sobre Arendt, encontramos duas dissertações de mestrado em
Educação que se ocupam especificamente da questão educacional da autora. Para Carino
(1989), a questão relevante parece ser resgatar o texto arendtiano e trazê-lo para o mundo da
Educação. No trabalho de Ferreira (2007), percebemos um posicionamento claro na defesa de
que a Política e a Educação se mantenham em campos diferentes para que a autoridade e a
tradição sejam sustentados no acolhimento das crianças, tese que Arendt defende na
conclusão de seu texto. Ambos os trabalhos parecem suscitar questões que têm o sentido de
24
legitimar e sustentar os argumentos arendtianos, sem no entanto provocar muitas reflexões
críticas sobre o contexto da obra da autora, nem produzir novas discussões a respeito de como
podemos seguir pensando o texto arendtiano.
Diante de posições tão definidas para a Educação e para a Política, pode mesmo
parecer complicado pensarmos em articulações entre ambas, mas, como Arendt nos lembra,
uma crise nos permite abrir as idéias e procurar outros caminhos que permitam reconstruir os
alicerces ruídos que sustentavam as certezas perdidas.
Mas não podemos esquecer que, apesar desta aparente distância, Educação e Política
pelo menos se encontram quando uma passa a ser um problema no espaço da outra: a
Educação passou a ser uma questão para o mundo da Política, ou melhor, passou a questionar
a configuração política na qual temos vivido, como aconteceu com esta crise. ocorre um
encontro que pode ser muito valioso.
Se um papel político para a Educação, podemos inferir que este dois campos têm
uma aproximação. De fato, Arendt percebe claramente que a Educação tem uma função
política no sentido em que é tarefa das gerações adultas, diante das novas gerações,
perpetuando assim um longo ciclo que tem ocorrido na passagem do tempo humano.
A presença simultânea de diferentes gerações no mundo nos obriga a considerar os que
aqui estiveram e também os que virão. O fato de que crianças e adultos compartilham o
mundo produz a necessidade de estabelecer relações para dar conta desta convivência, que
cada geração vive sob contextos diferentes, tem necessidades e tarefas específicas. Cada
geração que chega encontra o mundo de uma forma diferente, e a tarefa educacional surge da
convicção de que os que aqui estão sabem como introduzi-la e fazê-la compreender melhor
este mundo. O que alimenta esta convicção é a idéia de que os adultos detêm o saber, devido à
sua experiência, e os mais novos, não saberão se não forem ensinados.
25
Esta idéia sustentou por muito tempo uma tradição de ensino que também se vê
questionada na crise da modernidade. Arendt afirma que quando a crise atinge a Educação,
provoca mudanças profundas nos princípios das teorias pedagógicas, que acabam por inverter
a importância da forma de ensino em relação ao conteúdo a ser ensinado e também a
valorizar a aprendizagem que se adquire através do fazer, o que produz uma supervalorização
do brincar na atividade escolar.
Outra concepção que Arendt aponta como fruto da pedagogia moderna diz respeito à
possibilidade da existência de um mundo específico da infância, de uma sociedade formada
apenas entre as crianças onde elas mesmas se governariam. O papel do adulto se resumiria a
auxiliá-las, que a autoridade sobre as crianças repousaria sobre o seu próprio grupo. O
efeito disto, diz Arendt, é pernicioso porque suspende as relações reais e “normais” entre
adultos e crianças, que se dão pelo fato de que pessoas de todas as idades se encontram
sempre simultaneamente reunidas no mundo (ibid p.230).
Aqui merece destaque a afirmação do fato de estarmos todos no mesmo mundo, que é
um argumento recorrente durante todo o ensaio arendtiano, e diz respeito ao
compartilhamento de uma espaço comum entre todos os que aqui nascem e seguem o tempo
da sua vida. O conceito de mundo, no entanto, por vezes aparece sob diferentes definições.
Em alguns momentos encontramos outra expressão que parece contradizer a afirmação
anterior: o “mundo dos adultos” (ibid p. 224, 230, 233). Ela aparece especialmente quando a
autora refere-se à noção de infância como estando a caminho da vida adulta, em uma
condição de vir-a-ser que torna a criança despreparada durante a infância para compartilhar
um mundo. Apesar de crianças e adultos estarem no mesmo mundo, portanto, Arendt a
entender que existe um espaço destinado apenas aos adultos, de onde as crianças estão
apartadas.
26
Arendt diz que a substituição da aprendizagem pelo fazer e pelo brincar, a inversão do
ensino e da aprendizagem, e a possibilidade de separação de crianças e adultos, pressupostos
que transparecem nas teorias pedagógicas modernas, impediriam a “preparação” da criança
para o mundo do adulto, onde o mais se brinca e sim se trabalha, e tenderia a uma perigosa
autonomização do mundo infantil. Este processo extinguiria o relacionamento natural entre
adultos e crianças, o qual, entre outras, consiste no ensino e na aprendizagem (ibid p.233), e
teria por conseqüência a “ocultação” do fato de que a criança é um ser em desenvolvimento: a
infância é uma etapa temporária, uma preparação para a condição adulta (ibid p.233).
A questão que a autora coloca é que devem existir diferentes formas de relação para a
convivência de diferentes gerações. Neste caso, entre crianças e adultos a relação é baseada
em uma hierarquia “natural”, e, como a hierarquia é a base das relações tipicamente escolares,
a convivência entre crianças e adultos acaba sempre se dando sob os moldes educacionais.
A filosofia política arendtiana, se traz importantes contribuições para pensarmos sobre
a como Educação atual demarca as possibilidades de relação das crianças com este espaço, é
também porque manifesta uma visão de infância construída social e historicamente que vem
pautando a forma de lidarmos com as crianças no mundo de hoje. A argumentação baseada na
falta de saber das crianças, numa hierarquia ‘natural’ e numa proposta de total proteção das
novas gerações diante do mundo revela um contexto que compreende a infância a partir da
perspectiva do adulto é, podemos dizer, “adultocentrada” – e tende a contrapor uma
provisoriedade e incompletude da infância à perenidade e a plenitude de uma vida adulta.
Sendo assim, esta concepção age na compreensão da crise educacional moderna e também na
busca de soluções para ela.
A crise educacional tem como primeiras conseqüências um certo declínio dos índices
de aprendizagem escolar e a desestabilização do papel do professor diante dos seus alunos. A
pergunta sobre porque as crianças não estão aprendendo da mesma forma, que aparece
27
constantemente na mídia, exigiria uma discussão voltada às questões pedagógicas, que não
são o foco de discussão de Arendt e nem deste trabalho. O que nos interessa aqui diz respeito
à preocupação com a autoridade do professor, que está diretamente relacionada com as
relações que se estabelecem cotidianamente na escola.
A preocupação com a perda de autoridade do professor é muito discutida atualmente
pelos professores, que reclamam esta perda na forma como se ensina hoje e na diminuição da
importância da escola para a sociedade atual. Devemos, entretanto, seguir Arendt para
entender melhor o conceito de autoridade e os efeitos do seu declínio na Educação.
1.2 - AUTORIDADE NA ESCOLA E A RESPONSABILIDADE DOS ADULTOS
Sempre com o cuidado de buscar uma melhor compreensão dos problemas do mundo
em que vivemos, a autora segue se perguntando que aspectos do mundo moderno se revelam
neste contexto, e principalmente o que podemos aprender com essa crise da essência da
Educação,
refletindo sobre o papel que a Educação desempenha em toda civilização, ou
seja, sobre a obrigação que a existência de crianças impõe a toda sociedade
humana. (Arendt, 2005 p.234)
Na discussão sobre a crise educacional, Arendt afirma que a confusão a respeito da
autoridade na escola se intensifica com a mudança de valores impressa pelos métodos
educacionais modernos, que surgem como efeito de um privilégio do que é novo e do
conseqüente declínio da tradição na modernidade. Estes métodos, para a autora, acabam
subtraindo a fonte mais legítima da autoridade do professor (Arendt, 2005 p.231), o seu
conhecimento e a responsabilidade de transmiti-lo aos novos. Por conseqüência, introduzem a
necessidade de coerções e argumentações, elementos que atestariam na verdade a ausência de
28
autoridade em tal relação. Na Educação, diz Arendt, a falta de autoridade se reflete
gravemente para as crianças, pois isso representaria a recusa dos adultos em assumir a
responsabilidade pela mediação do mundo, deixando as crianças perdidas, sem referências.
Para serem acolhidas no mundo, afirma Arendt, as crianças precisam de uma mediação dos
adultos que as mostre como o mundo é, como chegou até esta forma que se apresenta, e isso é
feito representativamente pela figura do professor.
A partir desta questão, a autora mostra como a chegada de uma criança ao mundo faz
com que os adultos adquiram uma grande responsabilidade. Cada criança é um ser humano
ainda não pronto, em formação, no que diz respeito ao mundo. Cabe aos adultos a
responsabilidade de cuidar para que elas sejam acolhidas, e ao mesmo tempo preservar o novo
que cada uma representa.
A Educação é, portanto, onde se realiza esta proteção. Arendt diz que justamente por
isso a prática educacional tem tanta importância social: cabe a ela preparar os novos seres
humanos para o mundo, como uma função ética que busca acolher os novos, mas com o
cuidado de não destruir o mundo antigo, na perspectiva de quem chega. Mas o sentido
fundamental do papel da Educação é dado pelo fato de as crianças serem vistas como não-
prontas, num devir adulto:
Esses recém-chegados, além disso, não se acham acabados, mas em um estado de
vir a ser. Assim, a criança, objeto da Educação, possui para o educador um duplo
aspecto: é nova em um mundo que lhe é estranho e se encontra em um processo
de formação. (Arendt, 2005 p.235)
Então, ao assumir a responsabilidade de transmitir os conhecimentos do mundo para a
criança em formação, o professor adquire autoridade. Mais um conceito muito caro e utilizado
na obra arendtiana: para a autoridade, a autora dedica um longo artigo
4
onde investiga as suas
origens e o declínio de todas as expressões de autoridade no mundo moderno ou ela não
representa mais nada ou tem um papel altamente contestado. Autoridade e responsabilidade,
4
O que é autoridade? (2005), em: “Entre o passado e o futuro” (2005).
29
diz Arendt, estão intimamente ligadas, pois sempre que a autoridade legítima existiu ela
esteve associada com a responsabilidade pelo curso das coisas no mundo (Arendt, 2005
p.240).
Esta noção de responsabilidade é importante para a autora, pois conta da obrigação
que a sucessão de gerações nos impõe, e também contribui para a manutenção da autoridade
na Educação. A importância da autoridade para a relação educacional está vinculada à
proteção e manutenção de um modus vivendi, garantida pela assimetria “natural” entre as
gerações. Na relação entre crianças e adultos esta assimetria marca o lugar de cada geração,
mas não engendra por si a autoridade. Atitudes de coerção, de ameaça ou autoritarismo na
verdade manifestam o poder de quem usa esses recursos. Autoridade e violência são
diferentes, até opostos, pois onde força, não há autoridade a presença de um manifesta a
ausência do outro:
Visto que a autoridade sempre exige obediência, ela é comumente confundida
como alguma forma de poder ou violência. Contudo, a autoridade exclui a
utilização de meios externos de coerção; onde a força é usada, a autoridade em si
mesmo fracassou. (Arendt 2005, p.129)
A origem de tal conceito, explica Arendt, nos leva à Roma antiga. Ele era usado para
designar os cidadãos que representavam a fundação, que obtinham autoridade por
descendência ou transmissão. Ao representar o passado fundamental, alguns romanos estavam
em posição hierárquica superior a outros, que a hierarquia é pré-condição à autoridade,
conforme Arendt. Assim, o primeiro uso da autoridade se dava em relações políticas.
Quanto a isso, Arendt faz uma ressalva ao lembrar os filósofos gregos, que tentavam
entender a Política a partir dos modelos das relações privadas, como as domésticas e as de
escravidão. Para a autora isto é um engano. A hierarquia das relações privadas é baseada
numa diferença naturalizada entre senhores e escravos, entre homens e mulheres, e adultos e
crianças. Esta autoridade privada não permitia nenhum tipo de igualdade entre os envolvidos.
30
Não é disso que se trata na Política. Nela, apenas os que têm a função de transmitir as
tradições ligadas ao passado adquirem alguma autoridade. Desta forma, Arendt diferencia as
relações “naturalmente” desiguais da vida privada, às quais atribui uma característica
educacional, de uma autoridade política, exercida entre os romanos, onde alguns
representavam a grandeza dos antepassados para cada geração subseqüente, mas todos tinham
alguma condição de participar. Entretanto, vale aqui lembrar que tanto a igualdade quanto as
relações desiguais entre os homens são sempre construções sociais, abstrações estabelecidas
nos acordos e negociações ao longo da história da humanidade, mesmo que eventualmente
elas nos possam parecer naturais, de tão arraigadas na nossa cultura.
Ao afirmar que a autoridade está desaparecendo do mundo moderno, a autora procura
investigar como isso ocorreu, e nesta busca destaca o vazio deixado pela tradição quando
passa a falhar em sua função de sustentar as relações de autoridade entre as pessoas. A crise
na autoridade seria a fase final de um processo que durante séculos solapou basicamente a
religião e a tradição (Arendt, 2005, p.130) e que chegou a todos os âmbitos da vida humana.
A crise da autoridade na Educação guarda a mais estreita conexão com a crise
da tradição, ou seja, com a crise da nossa atitude face ao passado. (Arendt, 2005
p.243)
Tradição e autoridade m estreita ligação. Elas nascem juntas no império romano,
onde a tradição tinha a função de preservar o passado, legando de uma geração à outra o
testemunho dos antepassados que originalmente fundaram aquela forma de viver, os valores,
as leis. O ato de transmitir, portanto, produz a autoridade de quem o faz. A perda da tradição,
para Arendt, não é necessariamente negativa, mas tem como conseqüência direta a perda da
autoridade em todas as esferas sociais.
Atualmente muitos autores se dedicam a analisar as contribuições arendtianas à
Filosofia Política, partindo da análise dos movimentos totalitários, o ponto por onde a autora
começou a investigar a Política Moderna. Dentre eles, Duarte (2001) procura mostrar que a
31
existência do Totalitarismo, cuja origem e conseqüência não poderiam ser compreendidas
apenas com as categorias teóricas do passado, somente foi possível porque rompeu com todas
as tradições, ao mesmo tempo em que abarcou um conjunto de pressupostos em torno dos
quais se constituiu a concepção tradicional da vida política no Ocidente (Duarte, 2001 p.64).
O advento dos regimes totalitários manifesta o declínio da tradição nas sociedades
contemporâneas, e a crise social e política vivida a partir daí não terminou nem parou de
produzir efeitos.
Para compreender este processo, Moraes (2001), lembra que, juntamente com a
tradição, também a Religião foi posta em questão pela modernidade. Isto ocorreu devido à
percepção humana de que a evolução técnico-científica moderna pôs em xeque a confiança
que se tinha na nossa capacidade receptiva de acolher a verdade de um modo geral, seja ela
de ordem sensível ou puramente intelectual (Moraes, 2001 p.41). Através do paradigma da
invenção do telescópio, este autor mostra que o avanço das tecnologias fez com que o homem
passasse a desconfiar de si mesmo, da sua capacidade de constatar e compreender a verdade
sem o uso de tecnologias que pudessem atestar a veracidade da sua observação. Esta
constatação contribuiu para que a transmissão dos valores através de verdades estabelecidas,
nada mais que a própria tradição, passasse a ser questionada.
No cerne da crise da tradição aparece justamente a escola. O agente desta transmissão,
o professor, acaba por representar tal movimento da Modernidade com a evidente fragilização
da sua posição perante não as crianças, mas a toda sociedade. A péssima remuneração da
profissão destinada a ensinar, as histórias de professores acuados e de alunos desafiadores,
sem respeito, atestam a fragilização da posição de ensino nos dias de hoje.
Na crise da tradição, nãoas crianças ficam perdidas, os adultos também vivem esta
experiência. Sem a força dos conhecimentos a serem ensinados, os professores ou se seguram
nas possibilidades de coerção que ainda são dadas pela avaliação (notas, faltas), ou constroem
32
a sua relação com os alunos baseada na disciplina que, se é essencial à possibilidade de
aprender, não deveria ser vista como o ator principal desta tarefa. No entanto, não devemos
esquecer que uma crise aponta a ruptura de um funcionamento instituído para a produção de
um outro modo de funcionar, que no caso da Educação, ainda não sabemos bem como será.
Dentre as referências a Arendt em artigos sobre Educação, encontramos professores
afinados com o seu pensamento na intenção de um resgate da autoridade do professor, como
defende Boto (2001), que propõe uma Educação ética para proteger os conteúdos clássicos, e
se remete a Arendt exatamente na questão da autoridade e na idéia de que cabe ao professor
evitar que as novas gerações destruam a memória e o acervo cultural acumulados pela
Humanidade pelo exercício da autoridade, critério que marca a relação assimétrica entre
professores (adultos) e estudantes (as novas gerações). A pedagoga defende, a partir do artigo
de Arendt, um resgate dessa autoridade através do retorno aos ensinamentos tradicionais
perdidos ao longo das transformações educacionais para manter a dimensão necessariamente
conservadora do ato educativo.
O “tom” de resgate da autoridade referido a Arendt não é injustificado. É verdade que
a filósofa sai em defesa do que considera importante para o cuidado com o mundo, a defesa
dos valores humanos é uma característica forte em sua vida, e isto lhe gerou muitas
adversidades. Apenas devemos ressaltar que, para Boto, o resgate da autoridade do professor
aparece sob a forma de evitar uma destruição real dos acervos culturais da humanidade,
retomando os ensinamentos clássicos, numa compreensão e certa forma literal do que Arendt
menciona como um cuidado mais simbólico em relação ao mundo: cuidar da tradição, dos
valores humanos, mas sem mencionar claramente quais riscos corremos sem esse cuidado. O
que Arendt afirma com segurança é que os adultos devem assumir a responsabilidade de
cuidar do mundo e das crianças, sendo esta a origem da autoridade do professor. Cabe a nós
33
pensarmos um pouco mais sobre que tipo de cuidado e de responsabilidade está dada para os
adultos envolvidos na Educação das crianças que temos hoje no mundo.
1.3 –A EDUCAÇÃO RESGUARDA A INFÂNCIA DA VIDA PÚBLICA
Diante do declínio quanto ao lugar da tradição e da autoridade para o mundo comum e
para a Educação, Arendt argumenta que se deve separar o mundo da Educação das outras
relações sociais e políticas, para manter exclusivamente ali um conceito de autoridade e uma
relação com o passado, que, na sua opinião, são mais adequadas ao acolhimento das crianças,
mas que não possuem o mesmo uso no mundo político. Trata-se na verdade de uma proposta
que diferencia os valores usados para a Educação dos valores da Política, o que fica muito
claro no trecho adiante:
O problema da Educação no mundo moderno está no fato de, por sua natureza,
não poder esta abrir mão nem da autoridade, nem da tradição, e ser obrigada,
apesar disso, a caminhar em um mundo que não é estruturado nem pela
autoridade nem tampouco mantido coeso pela tradição. Isso significa, entretanto,
que não apenas professores e educadores, porém todos nós, na medida em que
vivemos em um mundo junto a nossas crianças e aos jovens, devemos ter em
relação a eles uma atitude radicalmente diversa da que guardamos um para com
o outro.(Arendt, 2005 p.246)
O fato que sustenta essa diferenciação de valores é a necessidade de resguardar as
crianças até que elas estejam aptas a ter acesso a este mundo, lembrando que cabe à escola a
realização desta tarefa.
Para Arendt, o lugar originalmente destinado à infância é a família, pelos cuidados que
uma criança requer, e pelo resguardo do mundo público proporcionado por este ambiente.
Oferecendo uma maior intermediação da criança com a sociedade, a escola aparece como o
segundo ambiente destinado à infância. Ela cumpriria o papel de transição, estaria entre o lar e
o mundo, e, por isso, seria considerada “pré-política” (ibid p. 240). Família e escola aparecem
34
como lugares legítimos de acolhimento dos novos, o que os situa exclusivamente em espaços
privados. O caráter pré-político atribuído à estrutura educacional reitera a sua característica
mediadora, mas recoloca a discussão sobre a articulação Educação e Política, que merecerá
aqui a nossa atenção.
A denominação arendtiana da escola como espaço pré-político é a chave que mantém
um distanciamento entre os âmbitos da Política e da Educação, destituindo a escola dos
estatutos que fazem parte da Política constituída tal como a conhecemos no mundo humano.
Assim, a tradição e a autoridade, em declínio nas relações políticas, teriam um espaço seguro
onde se manter e, de alguma forma, atuar no mundo: a tradição como via de transmissão do
conhecimento universal, como uma proteção diante do novo da infância; e a autoridade na
base hierárquica onde se assenta a relação entre gerações na escola.
Diante da lógica da desigualdade intrínseca à relação entre adultos e crianças, tal como
Arendt a vê, ficam inviabilizados quaisquer outros modos de relação além do formato
hierárquico, cujo maior exemplo seria a Educação. Dito de outra maneira, toda e qualquer
relação entre crianças e adultos teria necessariamente um caráter educacional.
A existência de instituições pré-políticas assegura o lugar social dos sujeitos ainda
não-políticos, em formação para um dia advirem a esta condição. A concepção de espaços
pré-políticos para a infância é a forma que Arendt encontra para manter um locus possível
para a tradição e a autoridade diante da lacuna deixada pelo declínio da tradição no âmbito da
Política.
Sendo assim, o sentido mediador atribuído à Educação escolar e a sua associação
direta com a infância em vir-a-ser destinam à escola um lugar à parte do mundo público,
mesmo que ela tenha uma importante função política. Arendt (2005 p. 238) vai dizer que a
criança é introduzida no mundo pela primeira vez através da escola, mas esta não é o mundo,
35
e sim a instituição que interpomos entre o domínio privado do lar e o mundo com o fito de
fazer com que seja possível a transição, de alguma forma, da família para o mundo.
Pela “vocação” da escola em proteger a infância do mundo, o trabalho de mediação
não possibilita às crianças um contato com o mundo comum, mas apenas com um espaço
controlado que, sem dúvida, é compartilhado com os adultos. Esta divisão de “mundos” acaba
por demarcar lugares diferenciados para crianças e adultos e, sob este aspecto, tem por efeito
a restrição da importância da convivência das diferentes gerações. Para entender melhor esta
separação, trataremos um pouco mais detidamente sobre a vida pública e vida privada, o
espaço político e o social, de modo a compreender por que a infância é concebida sob as
condições citadas até aqui.
As mais clássicas discussões sobre as esferas pública e privada aparecem em A
condição humana, obra essencial de 1958 (2004a). Nela, a autora afirma que a distinção na
vida das pessoas entre o que é público e o que é privado nasce da diferença entre família e
política (polis e oikos), na Grécia antiga.
A vida privada seria o refúgio da diferença, da singularidade e da subjetividade, que
precisam do recolhimento para se constituir. Isso garante a instituição das diferenças entre os
sujeitos; é o espaço reservado às manifestações da individualidade de cada um, em
contraposição à pluralidade existente no mundo público, pois para que ela exista é preciso que
o sujeito se constitua em particular. Na privatividade se situa o lugar singular de expressão
das necessidades e satisfações de cada ser humano. Fazem parte dela o lar, a família e os
aspectos subjetivos do ser humano, e também as crianças:
Por precisar ser protegida do mundo, o lugar tradicional da criança é a família,
cujos membros adultos diariamente retornam do mundo exterior e se recolhem à
segurança da vida privada entre quatro paredes. Essas quatro paredes, entre as
quais a vida familiar privada das pessoas é vivida, constitui um escudo contra o
mundo e, sobretudo, contra o aspecto público do mundo.(Arendt 2005 p.234)
36
Em oposição à vida privada, a vida pública se caracteriza pela liberdade e pelo
reconhecimento da pluralidade entre as pessoas. É nela que se dão as relações políticas. Para
que haja liberdade, é necessária uma condição de igualdade atribuída às pessoas que
possibilite o seu aparecimento no espaço comum. Na privatividade desigualdade, mas na
vida pública a igualdade é instituída. Por isso, no público, onde impera a igualdade, não deve
haver comando e submissão, mas apenas consentimento e negociação.
A polis diferenciava-se da família pelo fato de somente conhecer iguais, ao passo
que a família era o centro da mais severa desigualdade. Ser livre significava ao
mesmo tempo não estar sujeito às necessidades da vida nem ao comando de outro
e também não comandar. Não significava domínio, como também não significava
submissão. (Arendt 2004a p.41)
É claro em seu texto que para a vida pública, vivida entre iguais, as relações que se
estabelecem pressupõem uma igualdade que aos que dela fazem parte condições de
aparecerem uns para os ouros. Na vida privada como lugar da desigualdade, por outro lado, se
estabelecem relações sustentadas pela assimetria e pela hierarquia, exemplificadas
principalmente pela família.
Para a autora, as distinções entre o que é público e o que é privado são muito claras.
Arendt opõe com bastante convicção ambas esferas, manifestando inclusive a sua
preocupação com o crescimento de um espaço que se configura entre uma e outra o social.
Carino (1989), em um estudo onde discute questões filosóficas da Educação sob a ótica de
Arendt, observa a tendência da autora em “compartimentar” estes espaços, com um privilégio
a tudo o que se refere à esfera pública. Isto é compreensível quando reconhecemos a
importância que a Política tem para a filosofia arendtiana, pois a vida pública é o espaço da
Política.
Sobre a esfera política, em A condição humana (2004a), por diversas passagens
inicialmente podemos encontrá-la como sinônimo da vida pública (p. 45, 47); adiante, porém,
ao definir o que é público, aparece uma distinção sutil, mas importante. O mundo público é
37
aquele onde o espaço da Política pode surgir, diante da existência das condições de igualdade
e liberdade necessárias para que os homens a exerçam. Ambos espaços eventualmente se
confundem porque um nasce no outro, sob certas condições: pode haver espaço público que
não seja político, ou seja, pode haver um espaço compartilhado, mas que não comporte
necessariamente as possibilidades de ação e liberdade características das relações políticas.
Entre os espaços público e privado se configura o social, espaço híbrido que vem
crescendo e é caracterizado pela ampliação dos preceitos da administração caseira à vida
pública, abarcando elementos de particularidade e publicização, simultaneamente. Para a
autora, o fenômeno social diz respeito à
Elevação do lar doméstico (oikia) ou das atividades econômicas ao nível público,
a administração doméstica e todas as questões antes pertinentes à esfera privada
da família transformaram-se em interesse ‘coletivo’. (p. 42, grifo da autora)
Arendt afirma que nas sociedades modernas vem ocorrendo uma exacerbação da vida
social em detrimento principalmente da vida pública, pois o advento da esfera social, que vem
ocupando espaços das outras esferas, diluiu a dicotomia entre público e privado e alterou os
significados destes para a vida humana. Arendt diz que o social institui o comportamento
como principal forma de relação entre os homens, esvaziando o sentido da ação política. Por
mais que englobe grande parte das possibilidades de atividade humana, Carino (1989) e
Abreu (2001) argumentam que o aumento da importância do social na vida humana manifesta
não mais que a dificuldade atual em delimitar tão claramente a que lugar pertence tal sujeito
ou atividade, pois uma maior fluidez entre estes lugares da vida humana. É como se o
modelo clássico não desse mais conta de compreender a nossa ‘vita activa’ atual, que ganhou
outros contornos e tornou a distância entre a vida particular e a pública menos abismal.
Definidos os espaços, fica a questão de entendermos a definição de mundo que
aparece no seu texto de diferentes maneiras. De que mundos nos fala Arendt? Por diversas
vezes, vimos, na discussão sobre a Educação Arendt usa o termo mundo comum, mas
38
também se refere a um “mundo dos adultos”, de onde, portanto, entendemos estarem as
crianças excluídas.
Ao longo da sua obra, ao referir-se ao mundo, Arendt apresenta diversas
possibilidades de compreensão: ele pode ser o habitat humano natural, sico, cujos recursos
servem à sobrevivência humana; ou também pode ser feito dos artefatos humanos, produto da
cultura onde o homem imprime as suas características, tornando este mundo a sua casa; e por
fim pode ser o mundo da pluralidade humana, que se forma entre os homens. Este último é o
mundo onde podem ocorrer a ão e o discurso, atividades da Política que, como vimos,
pressupõem pluralidade e liberdade. Esse mundo plural é público, é o “mundo das coisas no
qual os homens se movem, mundo este que se interpõe entre eles e do qual procedem seus
interesses específicos, objetivos e mundanos” (Arendt 2004a).
Mundo compartilhado por cada um de nós, onde conviver significa ter um mundo de
coisas interposto entre os que nele habitam em comum (...), pois como todo intermediário, o
mundo ao mesmo tempo separa e estabelece uma relação entre os homens (ibid p. 62).
Ao mesmo tempo, a princípio paradoxalmente, Arendt afirma:
O mundo comum é aquilo que adentramos ao nascer e que deixamos para trás
quando morremos. Transcende a duração da nossa vida tanto no passado quanto
no futuro (...) É isto o que temos em comum não com aqueles que vivem
conosco, mas também com aqueles que aqui estiveram antes e aqueles que virão
depois de nós. Mas esse mundo pode sobreviver ao advento e à partida das
gerações na medida em que tem uma presença pública. (2004a p. 65)
Podemos inferir que em Arendt o mundo dos adultos é o mundo público e
potencialmente político. Por outro lado, o mundo comum é aquele compartilhado não
entre os adultos e crianças, gerações presentes no mundo, mas com todos que aqui estiveram e
nele virão. O caráter comum deste mundo, diz a autora, sobrevive às intempéries da vida
pela possibilidade dele ser público, este caráter é o que lhe faz ter uma perenidade a ser
transmitida entre as gerações.
39
Mesmo sendo parte do mundo comum, para Arendt as crianças devem viver em um
espaço pré-político, fora do mundo público e pautado pelas relações educacionais. Como
membros diferenciados desta comunidade mundial, crianças estão ‘protegidas’ num espaço
a escola que não é o mundo, é um espaço de resguardo político necessário até que a criança
seja educada, mas também não é o lar, porque introduz elementos de uma vida compartilhada
para além das necessidades e satisfações particulares.
Em um texto sobre os conflitos raciais na cidade americana de Little Rock
5
, Arendt
afirma que, por seu caráter de intermediação, a escola encontra-se na esfera do social:
Para a própria criança, a escola é o primeiro lugar fora de casa em que ela
estabelece contato com o mundo público que a rodeia e à sua família. Esse
mundo público não é político, mas social. (Arendt 2004b, p. 280)
Apesar de preocupar-se com o fato de que o social de certa forma esteja ocupando o
lugar da Política na vida humana, para as crianças a autora afirma um espaço entre as esferas
privada e pública, na Educação. Ao mesmo tempo em que aponta os riscos da crescente
socialização da vida humana, Arendt defende para a escola esta localização justamente porque
para as crianças é defendida uma atitude diferenciada, mesmo que elas compartilhem um
mundo, e conseqüentemente, sofram os efeitos das ações ali efetivadas.
Em Little Rock, percebemos claramente a preocupação com o fato de que as crianças
estão expostas aos conflitos dos adultos, e condena a intromissão da Política no âmbito social
destinado a elas. Nesta cidade americana, as escolas públicas foram obrigadas a acolher
alunos negros, devido a uma legislação federal que pretendia acabar com o racismo.
Na visão de Arendt, as iniciativas de promover transformações na sociedade
americana estavam sendo feitas de forma errada, pois a tentativa de iniciar mudanças políticas
5
Em “Reflexões sobre Little Rock”, de 1959, Arendt discute as conseqüências dos conflitos raciais na educação
das crianças, a partir de uma fotografia de jornal que mostra uma moça negra sendo provocada por colegas
brancos. Em português, foi lançado em “Responsabilidade e julgamento”, uma coletânea de textos de 2004.
40
tão importantes e profundas, como as que envolvem o racismo, não deveriam jamais começar
pelas crianças.
A cidade de Little Rock nos mostra, no entanto, o quanto as crianças estão expostas às
decisões políticas que se toma no mundo público. Mesmo que a lei não determinasse o
acolhimento de alunos negros, fica evidente que o preconceito racial e todas as outras formas
de relações que estabelecemos na sociedade passam pelas crianças. Pelo social, espaço
híbrido entre o publico e o privado, passam concepções, atitudes e idéias que modulam as
relações que os adultos estabelecem entre si tanto na particularidade quanto na vida comum.
Por ali também passam concepções e atitudes em relação às crianças que são experimentadas
por elas no convívio com os adultos, e também entre si. Assim, grande parte da forma de
relações humanas são vividas também com as crianças, no social que abarca não a escola
como a convivência entre as pessoas.
Desta forma a escola acaba se tornando palco privilegiado de expressão dos modos
que encontramos para lidar uns com os outros. É por isso que se faz necessário apontar o
caráter público da Educação, reconhecendo a escola enquanto espaço de convivência e de
reprodução das relações políticas que os adultos travam entre si e que transparecem também
nas relações com as crianças.
Manifestando uma postura ética de resguardo da infância, como uma forma de cuidar
do mundo
6
, Arendt percebe e nos mostra as profundas transformações políticas e sociais que
testemunhou, apontando os seus riscos e possíveis efeitos para a humanidade. Entretanto,
Drucker (2001) nos lembra que a autora nunca realmente se dedica a mostrar como se daria a
combinação entre estabilidade e mudança (p.211), deixando espaço para que esta combinação
se mostre e seja construída em cada contexto, ao longo dos processos históricos.
6
Termo muito ligado à Arendt, que é título de uma importante e atual obra a seu respeito, de Sylvie Courtine-
Denamy - O cuidado com o mundo: Diálogo entre Hannah Arendt e alguns de seus contemporâneos. Belo
Horizonte, Editora da UFMG, 2004.
41
Nas reflexões finais de seu texto, Arendt, a partir de sua compreensão da infância,
defende que não se podem tratar as crianças como se elas fossem “maduras”, atribuindo a elas
capacidades que possuirão no futuro. Mas também se preocupa em evitar que a distância
entre adultos e crianças, necessária à Educação, se constitua numa muralha a separar crianças
e adultos, como se não vivêssemos no mesmo mundo e como se a infância fosse um estado
humano autônomo, capaz de viver por suas próprias leis” (Arendt 2005 p.246).
Se não queremos separar crianças e adultos, mas também não queremos forjar entre
eles uma ilusória igualdade, é preciso pensar sobre a convivência entre estes seres que são
diferentes sim, mas que pertencem compartilham um mesmo mundo de uma forma cada vez
mais próxima.
Um mundo que é diferente daquele, moderno, em que as verdades e o conhecimento
não tinham sido questionados através do declínio da tradição, em que as relações humanas
estavam organizadas de uma forma pré-estabelecida, dada pela negociação entre os iguais e
pela autoridade pelos que são parte das relações privadas. O mundo compartilhado hoje,
depois da crise da modernidade, mudou. As diferenças geracionais, que eram marcadas pela
detenção do saber e da autoridade, diminuíram e não sustentam mais estes lugares sem
conflitos. E a Educação, por sua vez, está à procura de outros sentidos para a sua função
política – o acolhimento das crianças num espaço comum.
42
2. CONFIGURAÇÕES ATUAIS PARA A INFÂNCIA E O ESPAÇO
PÚBLICO: EFEITOS DA CRISE DA MODERNIDADE
No capítulo anterior procuramos descrever e comentar as idéias de Hannah Arendt
sobre a crise da Modernidade e a conseqüente crise na Educação das crianças, que se amplia e
se solidifica no mundo contemporâneo. Nossa leitura procurou focar a forma como a autora
apresenta as origens da crise e as conseqüências para a humanidade do enfraquecimento do
processo educacional.
A obra de Arendt tem uma força e uma importância evidentes no que diz respeito à
compreensão da Política nos dias atuais. Ela desenvolve a noção de vita activa, onde discute
as idéias de espaço público, social e privado, os elementos necessários às relações políticas
como a ação humana e a pluralidade e o declínio das funções da autoridade e da tradição
para o mundo moderno. Todos eles fazem parte dos argumentos da autora para a compreensão
da crise educacional e nos permitem perceber a relevância política da discussão sobre a
Educação, que diz respeito à sua função na sucessão das gerações.
Porém, os elementos da Política não são suficientes para dar conta de todo o quadro da
crise da Modernidade, que parece atingir as mais fortes concepções que balizam as nossas
relações e o nosso modo de viver. É por isso que buscaremos analisar neste capítulo qual o
sentido atual das contribuições de Arendt para o campo da Educação, compreendendo que
algumas das bases teóricas sobre as quais se sustentam os seus argumentos precisam ser
revistas a partir do contexto atual. Isto se refere especialmente a uma concepção de infância
ligada a práticas de proteção e de resguardo que marcam a sua posição na sociedade.
Seguimos então empreendendo algumas discussões sobre a idéia de infância moderna,
sobre a ação e o espaço público e também sobre a preciosa idéia de responsabilidade que
43
Arendt atribui aos adultos em suas relações com as crianças, focando o espaço escolar, onde
crianças e adultos se encontram em um espaço comum. Através desta discussão queremos
explicitar um pouco mais que concepção de Educação e de infância sustentam os argumentos
apresentados por Arendt, discutindo as construções históricas e sociais que modulam a
convivência de crianças e adultos na situação educacional, bem como os efeitos da crise da
Modernidade nestas concepções. Também faz parte deste capítulo a perspectiva da
participação das crianças no mundo comum, dada a partir da conjunção das idéias de ação, da
escola como um possível espaço público e das possibilidades de autoridade dos adultos em
relação às crianças no contexto escolar atual.
2.1 - PARA ALÉM DO FUTURO, UM PRESENTE: OUTROS OLHARES PARA A
INFÂNCIA
Podemos perceber nos textos de Arendt uma grande preocupação com o futuro da
infância diante da crise que abala as estruturas educacionais. É importante apontar que a
discussão sobre a Educação que é feita pela autora parte de uma certa concepção de infância
que é produzida pelas idéias compartilhadas por nossa sociedade, que compõem uma rede de
significados em torno do ‘ser criança’. Esta rede forma um senso comum por onde as nossas
atitudes com as crianças são engendradas.
Temos visto que as questões trazidas pela filósofa passam por uma concepção de
infância e, conseqüentemente, de Educação que se baseiam nas premissas de uma hierarquia
naturalizada e das formas de ensino-aprendizagem que preservam a tradição. É importante
observarmos que estas premissas marcam os lugares e as possibilidades de expressão dos
atores sociais envolvidos no processo educacional.
44
É possível dizer que Arendt escreveu e pensou a vida adulta, para os adultos. Nas suas
reflexões políticas fica evidente
7
que as crianças fazem parte do mundo privado, o que faz
com que elas, apesar de compartilharem um mundo comum com os adultos, não tenham uma
forma de expressão pública. O texto sobre a crise na Educação, e também o de Little Rock
são as duas contribuições da autora à discussão sobre a Educação, e se tornam valiosas
oportunidades para pensarmos como a infância é pensada na obra arendtiana: uma geração
que, naturalmente, por ser nova no mundo, seria totalmente desprovida de condições de
compreendê-lo. O adulto, então, tem o papel de educá-la, protegendo-a enquanto dura a
infância, para que, posteriormente, a ‘não-mais-criança’ possa fazer parte do mundo e agir
nele. Isto se sustenta não numa idéia específica de infância como na separação total entre
público e privado, de modo a permitir um certo isolamento das crianças da vida pública. A
relação possível entre crianças e adultos trazida por Arendt é, portanto, sempre educacional,
pois em nenhuma situação há a ausência da condição hierárquica desta relação.
Neste trabalho nos cabe a função de questionar essa concepção.
Entender a infância com base nas concepções arraigadas compartilhadas pela nossa
sociedade é característica não dos escritos de Arendt, mas também de muitas outras teorias
que fazem parte da Modernidade. A obra arendtiana
8
faz parte de uma época histórica em que
se vivia a crise de uma lógica específica de valores e crenças e dos elementos da cultura
moderna que organizava a vida humana. No século XX, atravessado pelas duas grandes
guerras mundiais, as profundas transformações políticas e sociais se intensificaram, e as
certezas e referências que constituíam a Modernidade começaram a ruir. Segundo Arruda,
chega-se ao final dos grandes projetos.
Nas últimas décadas deste século, temos assistido, seja no campo da Ciência, da
Filosofia ou da Política, ao desmoronamento progressivo ou brutal dos projetos
que buscam dar conta da realidade em que vivem os homens. (Arruda, 2001
p.140)
7
Ver p. ex. A condição humana (2004a), e O que é autoridade (2005).
8
Conforme o prefácio de “Entre o passado e o futuro” (2005)
45
As grandes transformações desta época provocam uma mudança na visão de mundo.
Chega o tempo de olhar para o que fizemos do nosso mundo sem as convicções das gerações
anteriores, vivendo o estado de desamparo e desorientação dado pelo fim das bases seguras da
ciência e técnica moderna, e vivendo também o entusiasmo de poder descobrir caminhos
ainda não percorridos pelo ser humano no que diz respeito às suas relações políticas e sociais.
Com as certezas abaladas e as ciências postas em questão, o quadro do século XX
provocará ainda outra grande transformação: a noção de tempo, que até este momento era
totalmente voltada para o futuro, começa a mudar. A partir da premissa de que a História
constituiria um processo linear que avançaria por etapas até chegar a um fim determinado e
pleno, vivemos na Modernidade uma grande valorização da noção de futuro, dada pela lógica
da evolução. As experiências vividas na historia humana ganhariam sentido ao longo do
processo de evoluírem para uma culminância, num futuro que seria pleno para os seres
humanos, conquistado a partir dos avanços técnicos e científicos, que causavam espanto e
fascínio. As conquistas científicas sustentaram essa certeza até que os homens começaram a
usá-las para fins de destruição da natureza e do próprio ser humano. É como se as
conseqüências das nossas escolhas (da Modernidade) estivessem aparecendo e, como refere
Giddens (1991), provocando uma descontinuidade no desenvolvimento social moderno como
conseqüência do retorno das nossas próprias intervenções o mundo.
É nesse sentido que as guerras e os eventos políticos totalitários do século passado
permitiram a crítica do progresso, do desenvolvimento e do “destino glorioso” da
humanidade. Entre tantos questionamentos que foram empreendidos à noção progressista,
Jardim (2007) evidencia as obras de Hannah Arendt e Octavio Paz como manifestações do
campo da Política, da Filosofia e da Poesia que denunciam o ocaso da tradição, da autoridade
e da ilusão de que a humanidade evoluía. Como pensar numa evolução que leva à destruição?
O futuro assim acaba deixando de constituir a finalidade e razão de ser da humanidade, pois a
46
sua chegada não inspira mais progresso e plenitude, e sim uma grande vida. Jardim (2007
p. 31) diz que vivemos o ocaso do futuro como organizador da vida humana.
Dentro deste contexto aparecem questionamentos sobre a idéia de infância moderna,
que é essencialmente marcada pela lógica do desenvolvimento humano. Em um mundo
voltado para o progresso, as crianças estão para se desenvolver. Parte-se de um paradigma
evolutivo que identifica na criança uma incompletude diante do adulto, que encarna, de certa
forma, o seu futuro. Sob a égide deste paradigma, outras formas possíveis de se compreender
a infância são ignoradas. Isto ocorre tanto nas pesquisas e produções teóricas das Ciências
Humanas como no senso comum que se produz entre as pessoas, sob grande influência da
própria Ciência.
Em um estudo onde analisa as possibilidades para uma antropologia da infância,
discutindo a complexidade desta abordagem, Cohn, afirma que a infância é um modo
particular de pensar a criança (2005 p.21). Na antropologia, a definição do que é ser criança
costuma vir como uma grande divisão entre o mundo dos adultos e o das crianças, e Cohn
evidencia os esforços da antropologia em reconhecer na criança um ser social, a fim de
produzir conhecimentos específicos a uma antropologia que se dedique à infância. A sua
discussão é importante para ressaltar que a compreensão que temos de infância, presente nas
Ciências Humanas e no cotidiano das pessoas, é cultural, e determina algumas formas
possíveis de se olhar para a infância, deixando de lado tantas outras formas possíveis. Cohn
afirma que faz parte da história e da cultura dos povos, entre tantas idiossincrasias, a maneira
como são vistas e tratadas as crianças, e as produções científicas e filosóficas destes povos
acabam por manifestar essa posição, como nos mostram, por exemplo, as idéias de Arendt e
de outros pensadores da Modernidade que, falando sobre a infância moderna, evidenciam
alguns olhares para a infância que tiveram relevância neste contexto.
47
Muitos esforços tem sido empreendidos para evidenciar a complexidade presente na
história do conceito de infância na nossa sociedade. Além da Antropologia, também a
Sociologia tem se ocupado de instituir novas formas de pesquisa e produção de conhecimento
sobre a infância, que formam um movimento chamado de Sociologia da Infância. De acordo
com Delgado e Muller (2005), uma Sociologia votada à infância também se propõe a
considerar as crianças como atores sociais plenos, processo decorrente de um intenso debate
acerca dos conceitos de socialização.
É preciso ocupar-se das narrativas que nós, adultos, produzimos sobre as crianças, para
assim revelar os discursos e desvelar os silêncios em torno delas, para compreender as
transformações que estes discursos, e também as práticas com a infância, têm sofrido com a
experiência da crise da Modernidade. Diz Sarmento:
A infância, enquanto categoria social definida por limites etários, tem em si
mesma, deste modo, traços de intemporalidade e traços de variação
sincrônica: é, simultaneamente, una, por incorporar a totalidade de uma
geração, e vária, por nela coexistirem vários estatutos e papéis sociais.
(Sarmento, 1999 p.9)
E segue afirmando que em cada sociedade é atribuída à infância uma certa posição,
que mesmo atravessada por contradições e sendo objeto de mudança, não deixa de ter uma
estabilidade.
Os discursos sobre a infância moderna têm diversas ênfases, como a criança escolar, a
inocência infantil e o objeto científico. Corazza (2000) empreende uma análise dessas
diversas representações do infantil e, além das citadas, traz as representações de alteridade e
desajuste, da criança enquanto outro do adulto, da figura social que não se mantém na esfera
privada e demanda atenção do mundo público, do objeto de ternura e cuidados, e da noção
pejorativa de “infantilidade”. Em especial, a representação do infantil que denuncia uma
infância roubada, perdida, que compreende todos os movimentos de direitos da infância e de
48
plenitude no sentido de uma cidadania infantil, aparecem como o extremo ato de equalização
da infância com a vida adulta, esvaziando, por conseqüência qualquer diferença que ali existe.
Procurando evitar acrescentar mais um dado a este rol de representações, ou mesmo
reforçar algum deles, observar as idéias de infância de uma forma crítica nos permite
aproximar de uma realidade que está todos os dias na escola, a das crianças que, fazendo parte
de um contexto de incertezas e transformações, escapam de qualquer absolutização dada a
priori. Desta forma, a observação e a crítica de como a criança tem sido compreendida na
escola serve ao propósito de desconstruir uma estrutura conceitual que tem situado em lugares
desconfortáveis tanto as crianças quanto os adultos.
Podemos constatar que dentre estas representações de infância, um ponto se repete e
insiste como um paradigma a sustentar não teorias como práticas de manejo da infância: a
noção de desenvolvimento. A infância, de um modo geral, aparece no discurso dos adultos
como a etapa da vida em que ocorre o processo de desenvolvimento das capacidades físicas,
cognitivas e emocionais do ser humano. O objetivo deste desenvolvimento é chegar ao pleno
uso destas capacidades, o que acontecerá em um ponto final do processo, identificado com a
vida adulta. As ciências e técnicas envolvidas com a infância são os detentores desta
referência, que está presente na escola; na noção de “infantilização”, que representa tudo o
que o adulto deveria ter adquirido com a maturidade e não adquiriu; e na associação entre
infância e loucura, como traz Corazza:
Entre o louco, a criança e o sujeito que pronuncia É um louco / É uma
criança.
abriu-se uma distância... (Corazza, 2000 p. 151).
Por outro lado, está associada à infância um ideal de vida feito de inocência e
esperança que também pauta nossas referências às crianças. Existe uma nostalgia ou, como
prefere Sarmento (1999), uma imagem romântica da infância que é parte das idéias e
sentimentos que os adultos tem sobre as crianças, tanto as que eles foram como as que vivem
49
a infância no presente. A infância dos romances, das histórias, a criança que imaginamos no
passado representa estes sentimentos
9
.
Assim, a infância, para a ciência, é revestida das idéias de desenvolvimento, e, na
sociedade, é colorida pelos ideais de felicidade que são depositados nela. Quase tudo o que
diz respeito à infância em nosso meio social é visto sob a perspectiva de uma evolução em
curso e, apesar das práticas com as crianças serem as mais diversas possíveis, o ideal de
felicidade ali depositado seessencial para compor um imaginário sobre o infantil fará parte
da constituição dos artefatos humanos
10
destinados às crianças, sejam brinquedos infantis,
objetos de consumo e de mídia, que não reproduzem mas também incrementam estas
idéias.
Vamos desenvolver um pouco mais esta argumentação.
uma associação direta e inequívoca entre criança e desenvolvimento que se traduz
em uma atenção privilegiada para tudo o que diz respeito ao processo evolutivo das
características das crianças. Essa associação está em perfeita consonância com o projeto da
Modernidade. Os valores modernos ligados principalmente à razão científica e à noção de
evolução humana pautaram a idéia de infância que vigora ainda hoje, afirma Castro (1998).
Para entendermos como se deu este processo é importante acompanhá-lo desde as suas
origens.
De início, devemos ressaltar que até mesmo a idéia de ‘infância’ no singular pode ser
equívoca devido às múltiplas realidades e modos de vida das crianças atualmente. Entretanto,
como aqui falamos de uma concepção que se pretende generalizável, aplicável a todas as
crianças, é coerente a sua modulação no singular. O nosso esforço está justamente em quebrar
9
Por exemplo, o romance Oliver Twist, de C. Dickens, de 1838.
10
Termo usado por Arendt em ‘A condição humana’ (2004a) para definir os objetos produzidos pelo homem que
constituem o mundo comum.
50
uma idéia unívoca e predominante, e ampliá-la para abarcar outras idéias ligadas ao sujeito-
criança.
É no tempo histórico do início da era moderna que identificamos, com o trabalho de
Corazza (2002), a constituição filosófica do individualismo do indivíduo e de todas as suas
invenções – e o surgimento da dicotomia entre crianças e adultos. Sob influência dos
importantes marcos teóricos impressos neste campo por Ariès, a autora identifica neste
contexto o surgimento de um sentimento de infância e do reconhecimento das gentes
pequenas (Corazza, 2002, p.57). A partir deste processo, as crianças são diferenciadas dos
adultos, e causam a esses alguma estranheza. Isto ocorre porque se modificam os antigos
modos de relações entre crianças e adultos. Até este ponto todos os membros de um grupo
compartilhavam tarefas e espaços, mas isto vai se modificando com a identificação de
particularidades nos pequenos, processo que toma força na medida em que a racionalidade vai
adquirindo mais valor social.
Com o reconhecimento de um ser que não é como o adulto, se intensificam os esforços
em observar e sistematizar as características das crianças para que, desta forma, elas
pudessem ser definidas e compreendidas. Elas passaram a ser aqueles que necessitavam de
investimentos e cuidados devido ao fato que, comparando com os adultos, apresentavam-se
sempre em desvantagem. Corazza destaca também as relações de afeto que se desenvolvem
entre adultos e crianças com a constituição e valorização dos núcleos familiares. Com estas
relações assim estabelecidas, a infância passa a ser objeto de atenção e dedicação dos adultos:
... ficou decretado que as gentes pequenas precisavam, além de serem amadas,
serem também instruídas, formadas e educadas, porque eram de menores,
dependentes, insuficientes, carentes, frágeis, desprotegidas, imperfeitas,
irracionais, moralmente heterônomas, etc. ,etc.; isto é, tudo o que as raças
grandes não eram, e-vi-den-te-men-te! (Corazza, 2002 p.70)
A existência de um ser humano com muitas características diferentes e estranhas aos
adultos e o afastamento das gerações faz com que a criança, de certa forma, passe a constituir
51
uma alteridade para o adulto. Um outro ser, um diferente, em quem são depositadas muitas
das limitações da vida humana, fazendo com que o adulto não mais se reconheça nelas.
Assim, a criança passa a ser um estranho distanciado e diferenciado para ser depositário
daquilo que o adulto não reconhece em si. Corazza mostra que o distanciamento entre a
infância e a vida adulta produz idealizações tanto de um lado como de outro, pois se a
infância passa a ser depositária de saudade e de nostalgia (Corazza, 2002 p.62), o adulto passa
a ser completo, racional e “desenvolvido”, tudo isso em comparação às limitações da infância.
Para Merleau-Ponty (1990 p. 97), a condição de alteridade da criança, distanciada dos adultos
pela valorização da racionalidade moderna, provoca a produção de uma criança imaginária.
Todos os saberes que representam o investimento dos adultos nas crianças seriam produto da
imagem que o adulto constrói sobre este outro; a criança seria como um espelho onde estão
projetadas as idéias e os ideais sobre o que o adulto acredita ser a infância. Sendo como um
espelho, à criança caberia apenas receber e responder a esta imagem. Fernandes (1997)
reforça esta idéia mostrando o efeito da inclusão do dispositivo educacional na idéia de
infância: a diferença da criança foi transformada em desigualdade e, esta, em inferioridade.
O tempo da Modernidade, como conjunto de características cio-culturais
proporcionadas pelo industrialismo e pelo capitalismo nas sociedades ocidentais, a partir do
século XIX, expressa uma visão linear da História, sempre em direção ao progresso. Esta
idéia de uma História linear legitima a crença no aperfeiçoamento da humanidade e do
indivíduo ao longo do tempo da sua vida: da mesma forma que a humanidade progride com o
passar do tempo, também o indivíduo evoluiria na passagem da sua vida. Sob estas premissas,
as ciências modernas da Psicologia e da Pedagogia se ocuparam em sistematizar o
desenvolvimento humano de forma a atribuir à infância a etapa inicial de um processo
evolutivo que tem como meta final o ser adulto.
52
Uma análise da literatura psicológica portuguesa sobre a infância, feita por Martins
(1997), mostra que o discurso acerca das crianças no campo da psicologia se filia em
tradições disciplinares particulares (Psicanálise, Psicopedagogia, teorias do desenvolvimento)
e tende a enfatizar determinadas facetas da vida da criança. uma ênfase aos ciclos de vida
e um foco no desenvolvimento e a busca de um estado final único – o progresso aparece como
uma invariante nos discursos psicológicos sobre a infância.
A premissa produzida na Modernidade que liga infância e desenvolvimento dando o
sentido de uma evolução que vai da infância incompleta até a vida adulta plena foi definida
por Castro como razão desenvolvimentista (2001 p.20). Esta forma de racionalidade acaba por
cristalizar para as crianças o lugar de aprendiz, já que sua função é simplesmente dar conta de
uma trajetória a ser percorrida até a idade adulta (ibid p.20).
A força de uma trajetória rumo ao pleno desenvolvimento acaba por apagar outras
possibilidades de compreensão tanto das crianças quanto dos adultos, estabelecendo para eles
um processo que apenas transforma um no outro. E a infância, neste processo, mostra-se
sempre incompleta e incapaz, pois
a compreensão da especificidade da infância fica por conta de um ‘débito social e
cultural’ que lhe é atribuído frente à tarefa de crescer, e se tornar, eventualmente,
como um adulto. (Castro, 2001 p. 20 grifo da autora)
Detentora deste débito, a infância associa-se a uma perspectiva necessariamente
futura. É no tempo posterior que será vivida a plenitude deste ser que no presente tem apenas
a tarefa de crescer. Diversas teorias e práticas se ocupam de descobrir as melhores formas das
crianças chegarem no amanhã. Paradoxalmente, quando isso acontecer, elas deixarão de ser
crianças.
É assim que a preocupação com o melhor processo de fazer da criança um adulto
produz a necessidade de se criarem intervenções de cunho educacional, sustentadas pelo olhar
53
do adulto para o que deve ser feito para que as crianças “amadureçam”, adquiram autonomia e
racionalidade.
Com a perspectiva colocada no desenvolvimento e o tempo conjugado no futuro, o
presente da infância é resguardado, tutelado e mediado pelo adulto. É pela sua condição de
imatura e incompleta que a criança é vista como incapaz de ter alguma capacidade de agir e
participar do presente.
Conseqüentemente, tal perspectiva sobre a infância denega sua função de co-
participação na, e re-criação da cultura, que a criança efetivamente tem. (Castro,
1998 p.14)
A incapacidade naturalizada destina um lugar social para as crianças no âmbito
educacional. No contexto moderno podemos testemunhar a ligação quase total entre infância e
Educação. É como se a Modernidade tivesse produzido uma doença do olhar, como afirma
Fernandes (1997), que, olhando sempre da mesma forma para as crianças, cristalizou a idéia
de que o lugar de infância é na escola (Fernandes, 1997 p.61).
Definido o lugar social da infância, muitas ciências apropriaram-se dos discursos sobre
este tema, se constituindo através deles. Assim, além da Psicologia e Pedagogia, alguns dos
mais importantes campos do saber modernos, como a Sociologia e a Pediatria, alimentaram a
relação entre escola e infância, e têm com ela uma dívida de fundação e sustentação.
Fernandes conclui que o papel social da Educação termina quando surge um adulto no lugar
daquela criança que ali havia no início do processo, idéia também defendida por Arendt em
seu texto de 1954 que corrobora esta relação de interdependência entre infância e Educação.
A Educação, desta forma, se constituiu como o âmbito social da infância. Mas isso não
se sem conflitos. Com a crise da tradição, Arendt diz que os métodos pedagógicos que
eram usados até então perdem valor, e por isso vem sendo substituídos por novos métodos
que o fazem mais que dificultar a tarefa educacional. É interessante ver que essa discussão
encontra ressonâncias entre os pedagogos que empreendem a discussão dos rumos da
54
Educação contemporânea, mas sob uma leitura um pouco diferente. A partir do texto
arendtiano, discutindo as vicissitudes da Educação num mundo à deriva, César (2007) entende
que um dos motivos apontados pela filósofa para a crise educacional é
uma forma especial de abordagem da infância no interior das pedagogias ‘psi’
que, em vez de formar crianças e jovens para a ação do mundo público, os
deixam imersos em um processo de infantilização generalizada que,
posteriormente, irá acometer também os adultos. ( César, 2007 p.36)
Esta forma especial de abordagem é entendida por César como o uso de métodos
pedagógicos baseados na Psicologia do Desenvolvimento que, como dissemos anteriormente,
restringe a infância a uma noção evolutiva. Para ela, as práticas e os discursos ‘psi’
trouxeram para a Educação as noções de individualização, patologização e classificação do
ser humano, em detrimento da transmissão de um mundo comum através da cultura. Em vez
de se estabelecer enquanto um lugar fundamental de preparação para o mundo público, o
campo educacional surgirem, perigosamente, métodos pedagógicos centrados na criança
(ibid p.37).
César lembra que a criança vem ao mundo como uma desconhecida, sobre quem nós
fazemos muitas suposições e depositamos muitas teorias. Na medida em que ela está em
contato com o mundo, pela escola, vai se transformando em alguém cada vez menos estranho,
mais semelhante ao adulto. Mas vale destacar que este processo de transformação da
alteridade infantil em algo reconhecível não se sem ausência de tensão entre as gerações
velhas e novas é sempre um campo crítico (César, 2007 p. 44).
Na verdade, desde que se nomeou a infância, houve um desencontro entre as gerações,
pois a criança é essencialmente nova, como afirma Arendt. Entretanto, a função escolar até a
crise da Modernidade era mais eficiente em acolher e guiar os novos. Graças à crise, então, é
que se torna necessário não só rever a função educacional como também a idéia de infância.
vimos que a crise da Modernidade produziu um abalo importante nas certezas e na
razão científica que a sustentavam. Movimentos impulsionados por novas formas de trabalho,
55
de tecnologia, de lazer, de lidar com o tempo, entre tantos outras, vem transformando
significativamente as relações entre as pessoas, que não são mais tão asseguradas pelos
valores e pelas ordens técnicas.
Hoje são reconhecidas muitas faces diferentes de infância, compostas por uma
diversidade de condições por onde as crianças se movimentam. Pela via das ciências, há o
reconhecimento de uma pluralidade de infâncias. Isto abala a maneira tradicional de entender
quem é a criança, e o que as particulariza em comparação ao adulto.
As crianças de hoje parecem escapar a essas teorias baseadas na razão
desenvolvimentista (Castro, 2001), que por longo tempo as definiram e nos orientaram sobre
como devem ser tratadas. Os espaços de convivência entre crianças e adultos se modificaram,
assim como outras relações sociais.
As crianças atualmente vivem novas formas de convivência e circulação nos espaços
do mundo. São outras experiências em um mundo que não propõe muitos limites nem muitas
diferenciações entre as pessoas. Assim como elas, os adultos também enfrentam um tempo e
um lugar onde os recursos virtuais ampliam radicalmente as possibilidades de criação, de
encontro e de assombramentos. Mudam os valores, descobrem-se produções humanas para as
quais ainda não existem leis (clonagem humana, comércio e relações virtuais). Giddens
denomina estas transformações contemporâneas como um desalojamento do sistema social
(apud: Hall, 2005 p.15) que traz novas possibilidades de interações e interconexões sociais a
partir de outros tempos e espaços. Com novas possibilidades de ser e estar no mundo,
podemos entender que
os modelos de pensamento e compreensão sobre quem é a criança, quem é o
adolescente, e o que os particulariza enquanto tal, parecem insuficientes frente ao
inusitado que a contemporaneidade nos apresenta. (Castro, 1998 p.13)
Os movimentos sociais contemporâneos se caracterizam pela quebra das convicções
“científicas” modernas, que não dão mais conta das definições de infância referenciadas
56
essencialmente no seu desenvolvimento e na normatização do que deve acontecer para a
criança evoluir. Assim, Kupfer nos mostra o susto que os professores vivem na sala aula,
quando se deparam com um aluno que lhe é estranho, que lhe interroga sobre o sentido da
Educação:
Essa criança que a Modernidade vê é também aquela do educador, que se
encontra despistado, que a criança que lhe disseram que devia ensinar não
corresponde àquela que ele vê diante de si. (Kupfer, 2000 p. 36)
Dentre tantas manifestações culturais que passam a questionar as referências modernas
dadas pela Ciência, pela Religião e mesmo pela Filosofia, por dentro das Ciências Humanas
como a Psicologia, a Antropologia e a Sociologia, como vimos, começam a se solidificar
questionamentos importantes sobre a compreensão da infância pela via da evolução
11
ou,
como preferem alguns, pela lógica adultocêntrica (Alanen, 2001 p. 70).
Estes questionamentos nos conduzem a uma dúvida quanto ao conhecimento que
temos das infâncias contemporâneas. O desenvolvimento de diversas capacidades humanas se
de forma importante na infância, mas ele não cessa de acontecer na vida adulta, apenas se
transforma e perde a importância social que tem no início da vida.
Dentre as questões educacionais atuais, uma se destaca por suscitar uma certa inversão
desta lógica desenvolvimentista, pondo em dúvida o reconhecimento social de uma
completude da vida adulta. Os enormes investimentos de estudo e prática de ensino de jovens
e adultos são paradigmáticos na medida em que eles provocaram um curto-circuito nas lógicas
que associam criança com educação e vida adulta com plenitude ao reconhecer um sujeito
aprendiz no adulto, que necessita de educação escolar.
Assim como o adulto volta à escola, a criança do contexto atual circula de forma
diferente no mundo e, nesta vivência, adquire saberes novos, muitas vezes ainda não
conquistados pelos seus professores. Esta criança não está resguardada das questões do
11
Ver Castro (1998, 2001); Ghiraldelli (1997); Sarmento (1997, 1999); Faria, De Martini e Prado (2002), além
da essencial referência a Walter Benjamin (2002) que, na virada do século, já questionava a educação que, para
ele, tinha como objetivo transformar a criança num adulto “o quanto antes”.
57
mundo porque o mundo está diferente. O que acontece é que a visão que temos dela não
coincide totalmente com a criança que convive conosco. Assim, também as suas
possibilidades de atuação na sociedade da qual fazem parte devem ser repensadas.
2.2 - PARTICIPAÇÃO: PALAVRAS E ATOS INSERINDO AS CRIANÇAS NO
MUNDO
O modo como a infância é tratada nas Ciências Humanas é algo bastante significativo
para analisarmos os lugares sociais desta geração. Foi a partir da Sociologia, na figura de Karl
Mannheim (1980) que a categoria geracional começou a ser falada e reconhecida como parte
da diversidade humana. Em 1941, Mannheim se perguntava sobre o que os jovens têm a
oferecer à sociedade, num momento onde todas as forças sociais estavam sendo convocadas a
participar da reconstrução dos países devastados pelas guerras. Ele então define juventude e
vida adulta como gerações diferenciadas que têm atividades e características próprias. Os
jovens são vistos como parte da sociedade e devem por isso contribuir ativamente na sua
reconstrução. O autor prega a reciprocidade como elemento aglutinador das diversas gerações,
numa atitude que responsabiliza a todos na construção de mundo comum. E critica, tal como
Arendt, a emancipação de qualquer geração sobre as outras.
O século da criança julgou que todo período da vida era auto-suficiente e
tinha seus direitos próprios exclusivos, desprezando, assim, as forças
igualmente importantes que contribuem para a reciprocidades entre os
grupos de idade e a sociedade.” (Mannheim, 1980, p. 48, grifo do autor)
O mérito desta abordagem está fundar o reconhecimento da categoria geracional e em
reconhecer uma contrapartida da juventude para a sociedade, não pensando apenas nos
direitos e necessidades juvenis, mas no que retornará à sociedade a qual pertencem,
considerando que os jovens têm com o que contribuir: não mais formulamos as necessidades
58
da juventude de modo abstrato, mas sempre com relação às necessidades e finalidades de
uma dada sociedade (ibid p. 48). Se hoje pode nos parecer óbvio pensar na contribuição
juvenil para a sociedade, na época isto era estranho, revolucionário, e motivado pela profunda
crise política mundial que contribuiu profundamente com as transformações na nossa maneira
de viver no presente.
A partir de Mannheim, a geração passou a ser trabalhada como uma categoria social
que compreende um grupo de pessoas que nasceu numa mesma época, que viveu os mesmos
acontecimentos sociais durante a sua vida e que, por isso partilha algumas experiências
históricas, mesmo que elas tenham sido vividas sob algumas outras diferenças sociais, como
gênero, classe social ou nação (Sarmento, 2005).
Na seqüência deste mesmo processo, a Sociologia hoje abre espaço para que as
pesquisas sobre infância sejam feitas com as crianças, e não mais por via indireta, como nos
estudos sobe as famílias. O desenvolvimento de metodologias de pesquisa que sejam eficazes
na escuta de crianças manifesta o reconhecimento delas como atores sociais. De Martini
(2002) refere que existem muitos relatos sobre crianças, de adultos sobre seu tempo de
crianças, mas muito poucos em que as crianças falem da sua infância. Partindo do princípio de
que a criança já construiu algum tipo de identidade em qualquer grupo social, é possível tratar
seu relato como objeto de pesquisa, do passado e do presente.
um movimento atual das Ciências Humanas em direção a uma postura político-
ética (Castro, 2001 p.21) em relação às infâncias contemporâneas, que questiona a
desqualificação das crianças como seres atuantes na cultura. Quando a criança pode falar
sobre si, ao ser pesquisada, ela tem a sua expressão valorizada e acolhida como parte da
configuração de uma sociedade. Esta expressão toma força de uma ação, produzindo efeitos
que não podem ser previstos, como acontece na ação política tal como Arendt traz.
59
A ação humana, instrumento precioso da Política, é trazida por Castro como uma
ferramenta que pode proporcionar outras possibilidades de compreensão do papel social das
crianças. A partir das contribuições de Weber, Giddens, e também de Arendt, a ação pode ser
entendida como a expressão singular de um agente, destacando a dimensão coletiva do agir
humano, e portanto, sua prerrogativa relacional (ibid p. 29). A autora retoma o sentido
imprevisível e original da ação, tal como define Arendt, que permite aos sujeitos humanos
compartilharem as suas singularidades. A contribuição de Weber está no destaque ao caráter
relacional da ação, que permite considerá-la encadeada em processos que a antecedem e a
seguem.
O sentido da ação humana se reveste, então, deste caráter de intervenção
contínua e permanente dos sujeitos humanos nos acontecimentos do mundo.
(ibid, p. 31)
Toda a ação é um início. Ação e discurso aqui se confundem no sentido de que
também o discurso pode ser tomado como ação se ele acontecer num espaço que seja público
e, portanto, permita a aparição do sujeito que age. O tema da natalidade humana é por onde a
infância aparece na obra de Arendt. Natalidade é entendida como a possibilidade de inaugurar
algo novo no mundo. A infância seria o novo concreto. O nascimento de um ser humano é um
início real, concreto. A natalidade traz aos adultos uma responsabilidade para com os nascidos
a cada geração. Mas natalidade também pode ser entendida como a capacidade humana de
realizar algo novo, através da ação. Ela inaugura um evento na vida humana, é exercida
justamente por meio da ação, que permite aos indivíduos romper a cadeia de acontecimentos
e fatos (Abreu, 2004 p. 147). A possibilidade de iniciar alguma coisa nova entre os homens se
ou no nascimento, parte da vida privada, ou por meio da ação, que é exercida dentro de
instituições e regras construídas entre os sujeitos políticos.
A ação é uma das atividades que, juntamente com o trabalho e o labor, compõem a
vita activa, vida que os homens dividem com os outros; em contraponto à vita contemplativa,
60
que abarca as atividades que o homem faz consigo mesmo, como o pensar, o querer e o julgar.
Dentro das atividades humanas, a ação é aquela que inicia de forma espontânea, é
imprevisível, acontece especificamente no espaço público, e constitui o espaço político que
existe efetivamente apenas e durante o agir humano. Portanto a ação, e juntamente com ela o
discurso, são os modos pelos quais os seres humanos se revelam uns aos outros nas suas
relações intersubjetivas:
É com palavras e atos que nos inserimos no mundo humano; e esta
inserção é como um segundo nascimento, no qual confirmamos e
assumimos o fato original e singular do nosso aparecimento físico original.
(Arendt, 2004a p.189)
A inserção no mundo público seria como um segundo nascimento, pela sua
característica de inauguração de ações e discursos que são operados entre os sujeitos políticos
e que podem mudar o rumo dos acontecimentos.
Mas para Arendt, a ação encontra-se reservada aos adultos que compartilham o mundo
público. A forte associação entre a natalidade das crianças e a ação dos sujeitos políticos não
impediu a sustentação de uma grande distância entre os lugares destinados a eles na vida
humana.
Com o reconhecimento de uma dimensão relacional, Castro (2001) situa a
possibilidade de ação no processo de constituição de todos os sujeitos inseridos no mundo de
valores e normas constituem a sociedade, no mundo comum, o que significa que a
participação das crianças, em interação com as outras gerações, pode intervir e reverberar em
imprevisíveis agentes, e conseqüentemente, na cultura.
O que torna uma ação efetiva para Arendt é a consideração “a priori” da sua validade,
a partir de uma atribuição simbólica de igualdade que também considera as diferenças entre
eles. É pela pluralidade humana, pela conjunção dos pertencimentos e das particularidades
que os sujeitos se tornam capazes de agir. Aqui o conceito de pluralidade de Arendt se torna
61
uma ferramenta importante para a nossa discussão, pois ela é justamente a combinação entre
diferença e igualdade:
A pluralidade humana, condição básica da ação e do discurso, tem o duplo
aspecto de igualdade e diferença. Se não fossem iguais, os homens seriam
incapazes de compreender a si e aos seus ancestrais, (...) Se não fossem
diferentes, se cada ser humano não diferisse de todos os que existiram, existem ou
virão a existir, os homens não precisariam do discurso ou da ação para se
fazerem entender. (Arendt 2004a p.188)
A constituição de um espaço de ação se a partir dos elos que unem as pessoas mas
que não apagam as suas particularidades. Estes elos correspondem na verdade a uma
atribuição simbólica de condições iguais de expressão. Eisenberg (2001), em um artigo
destinado a articular a obra de Arendt com o pensamento político contemporâneo, investiga as
nuances do conceito de público em sua obra. Ele afirma que a liberdade necessária à ação
política provém de um elemento jurídico-formal nunca explicitado por Arendt (2001 p.169).
A associação humana que permite que a ação e o discurso ocorram em concerto é possível
a partir de
normas antecedentes que assegurem que aqueles que se encontram em posições
sociais assimétricas possam efetivamente gozar de igualdade política no espaço
público (ibid. p. 170).
Desta maneira, a atribuição de um estatuto político equivalente ente os sujeitos plurais
nada mais é que um ato simbólico.
Podemos admitir então que não são posições naturais que
determinam se os diferentes sujeitos terão ou não o estatuto de igualdade política, e que esta
atribuição simbólica atenta para algumas diferenças enquanto se mostra cega para tantas
outras. A questão que marca as relações entre a vida adulta e a infância na filosofia arendtiana
é que as diferenças entre ambas não são passíveis de uma equiparação simbólica. Para Arendt
a diferença entre as gerações é marcada pelos estatutos da vida privada, devido a uma
absoluta superioridade do adulto (ibid, p.225). Assim, o que configura as condições sociais e
62
(a)políticas para as crianças não teria propriamente relação com uma natureza infantil, e sim
com a lógica desenvolvimentista que pauta a concepção de infância da cultura moderna.
Esta lógica voltada para o futuro da evolução não observa o presente da infância. A
ação e a expressão se dão no presente e não são previsíveis, como parecem ser as etapas
evolutivas da infância. São, a princípio, noções contraditórias.
Mas o presente da humanidade também é feito de contradições.
Justamente porque muitos termos e razões estabelecidas estão desalojados é que se
torna possível pensar em criança como um agente que participa da sociedade. Seguindo nas
(aparentes) contradições do contemporâneo, ainda é necessária outra reflexão: a que traz de
volta a importância da autoridade para a relação entre as gerações e a função educacional.
O curto-circuito no eixo presente-futuro traz para a escola questões em relação a todas
as demandas que são colocadas na infância hoje, como o consumo, a exposição às questões
sociais, a crescente confusão de papéis e limites entre a vida infantil e a vida adulta. Não nos
parece interessante misturar os lugares e as características das gerações, mas sim aproximá-las
e fortalecer os laços que vêm se esvaziando. Enquanto reafirmarmos uma posição social e até
política para as crianças que não condiz com as suas reais condições e experiências no
presente, estaremos na verdade nos afastando delas, e até grande temor de Arendt –
abandonando-as, já que a crise educacional ainda atua. Para que isto não ocorra, torna-se
necessário enfrentar as questões que dizem respeito à autoridade que ainda pode existir na
relação entre as gerações, como uma forma de seguir acompanhando as crianças no seu
contato com mundo, mas acolhendo as diferenças que se colocam no exercício de uma
autoridade no mundo atual.
63
2.3 - UMA AUTORIDADE POSSÍVEL PARA OS ADULTOS NOS DIAS DE HOJE
A possibilidade de outras formas de relações que levem em conta uma infância não
apenas compreendida sob o ponto de vista da vida adulta, mas também como uma categoria
geracional única e particular, não iguala crianças e adultos. Na verdade, apenas aproxima as
distâncias entre eles; e pode, por isso, qualificar as suas relações.
Para pensar a participação infantil na escola não é necessário prescindir da autoridade,
mas é importante pensar que lugar ela vem ocupando na relação educacional, e discutir um
pouco sobre o seu tão alardeado declínio.
O discurso escolar contemporâneo sempre traz em tom de queixa a perda da
autoridade do professor diante do seu aluno. Como afirma Arendt, as propostas pedagógicas
atuais desestabilizaram o lugar do professor, e isto se manifesta no enfraquecimento dos
instrumentos de manutenção da ordem e das condições de aprendizagem dos alunos, tais
como avaliar, premiar e punir e decidir o que ensinar aos alunos de acordo com as suas
posturas e aprendizagens. Este é o ponto de maior concordância dos educadores com o texto
arendtiano, mas diz respeito a uma vasta discussão pedagógica que não será aprofundada aqui.
Vimos no capítulo anterior como Arendt define o papel da Educação: pelo fato de as
crianças serem naturalmente novas no mundo, cabe aos educados introduzi-las neste
mundo. Este argumento é central para Arendt e aparece reiteradamente no seu texto, pois não
situa qual a necessidade humana em relação à Educação como também introduz a
responsabilidade como elemento essencial nesta relação. sabemos então que a base da
autoridade do professor é uma junção do seu respeito ao passado manifesto pela tradição e a
hierarquia natural do professor em relação ao aluno.
Mesmo ciente de que está em declínio no mundo moderno, para a Educação, Arendt
advoga em favor de um espaço de manutenção da função da autoridade. Inicialmente esta
64
defesa pode parecer “conservadora”, ela agrada muito aos pedagogos que desejam a
manutenção da base educacional
12
, e desagrada os que são voltados à renovação na Educação.
Diante de uma reflexão mais aprofundada podemos perceber que esta proposta de Arendt é
coerente com o seu pensamento, onde a Educação tem uma importante contribuição à vida
humana, se configurando num espaço resguardado para a infância e mesmo para o mundo,
para que ambos sejam protegidos das “intempéries” a que estão sujeitos diante do encontro de
um com o outro. um grande mérito em buscar preservar a autoridade na relação
educacional, pois a função de acompanhar a infância no seu contato com o mundo exige que o
adulto possa ser considerado como alguém que tem algo a lhe dizer. Conduzir a aprendizagem
sem alguma autoridade é inviável, dizem os professores.
Já desenvolvemos no capítulo anterior a definição de autoridade e o seu uso na
Educação. Aqui, pretendemos esmiuçar alguns pontos para encontrar a possibilidade de
atualizar a autoridade para que ela faça parte da experiência educacional.
Vale destacar que a autoridade se sustenta em uma relação de mando e obediência, os
que obedecem devem reconhecer aquele que mandam, e a sua manutenção requer respeito à
atribuição de uma função tanto por quem a exerce como por quem obedece, como nos lembra
Ferreira (2007). Assim, autoridade exige respeito, reconhecimento e obediência.
Mas, estudando a argumentação arendtiana sobre autoridade, tal como exposta no
capítulo anterior, pudemos perceber que existe uma diferença colocada entre o seu exercício
nas relações “naturalmente” hierárquicas da vida privada, que têm uma característica
educacional, e na relação entre os cidadãos romanos paradigma de autoridade para Arendt
onde alguns representavam a grandeza dos antepassados para as gerações subseqüentes, mas
todos estavam em iguais condições de participação.
12
Por exemplo, o trabalho de C. Boto (2001).
65
A autoridade educacional, assentada nos alicerces da natureza e do passado, é
responsável por dar ao mundo a permanência e a durabilidade através da transmissão da
tradição. Arendt (2005 p. 132) diz que a perda dessa autoridade é equivalente à perda de
fundamento do mundo”. E ocorre quando a dúvida se instala no mundo e invade o domínio
político. A perda da convicção sobre o mundo acontece quando a tradição para de gerir a
nossa relação com o passado, e isso esvazia a autoridade porque tira dela um importante
sustento.
Na autoridade política, não é a natural assimetria que sustenta lugares diferentes para
os sujeitos. É, sim, um engajamento na tradição dos antepassados que sustentava a posição
hierárquica dos que mandavam. A diferença está no fato de que na autoridade política é a
assunção de uma função que diferencia alguns, mas todos têm de fato condições de igualdade
política para participar de alguma forma.
É nesta diferença de conceitual que podemos encontrar uma brecha para pensar a
autoridade possível numa época onde todas as hierarquias e responsabilidades são postas em
questão. Podemos descobrir assim uma forma de entender a autoridade nas relações humanas
que seja dada pela atribuição de funções específicas para alguns perante outros membros de
um mesmo mundo.
Na escola os professores queixam-se de serem constantemente questionados pelos
alunos, que não mais atribuem “naturalmente”, a princípio, a capacidade de um professor de
lhes ensinar sobre o mundo. Na Educação, a condição de autoridade “natural”, baseada em
uma radical assimetria entre crianças e adultos, se perdeu. Com os saberes contemporâneos
não mais concentrados no passado, mas valorizados em relação ao presente e ao futuro, como
mostram as novas e surpreendentes tecnologias, o que o professor teria a ensinar?
Muitas coisas, diz Arendt. Esquecer o passado é correr o risco de repetir os erros e
apagar a existência de tantas gerações de pessoas que aqui viveram e fizeram alguma coisa.
66
Novamente, porém, é preciso admitir a desvalorização do passado para encontrar com ele um
lugar de manutenção dessa transmissão.
O que percebemos na crise educacional é que a autoridade naturalizada ruiu junto com
o valor da tradição. Sem a naturalização da hierarquia, a partir do reconhecimento das noções
culturais que dizem o que é adulto e o que é criança, temos que encontrar outra forma de
garantir que o processo de contato das crianças com o mundo não seja feito sem algum
acompanhamento, alguma “tradução” que sustente o que consideramos importante de ser
preservado.
Acompanhando Arendt em seu exercício filosófico de voltar ao passado mas sem as
amarras da tradição, que apenas indicariam o mesmo caminho percorrido encontramos a
definição de uma autoridade política, que permite às pessoas compartilharem um mundo,
mesmo com importantes diferenças e particularidades. Na esfera política encontramos a
pluralidade como pré-condição simbólica, e a autoridade como atribuição de uma função de
alguns perante os outros. É disso que tratamos aqui: de rever as relações educacionais entre as
gerações sem necessariamente abrir mão da autoridade, mas considerando a criança como ser
humano capaz de participar da vida pública.
A autoridade possível, e até necessária à relação educacional que podemos ter hoje em
dia, diz respeito a uma diminuição da distância simbólica, política e subjetiva entre crianças e
adultos. Diminuir a distância significa aproximar as realidades de ambas gerações, reconhecer
as diferenças que existem entre o que está naturalizado e o que se experimenta numa
observação mais acurada do cotidiano de encontros e desencontros. O principal objetivo desta
aproximação é somar forças para a defesa de um mundo comum que possa acolher, de uma
forma pública, as diferenças humanas sem que elas entrem em conflitos que sirvam para
esvaziar a Política, ou seja, a capacidade de transformação do mundo.
67
Com as idéias sobre o mundo menos convictas, com o passado e o futuro esvaziados
diante do presente, e sem a certeza de uma hierarquia natural que situa confortavelmente a
criança longe do adulto, é necessário que o professor observe o que ainda se sustenta para ele:
a necessidade de que, como um adulto, pertencente a uma geração que chega antes ao mundo
e, por isso, cúmplice da sua condição atual, assuma alguma responsabilidade pelo que deve
transmitir às crianças. Mas isso não será dado de maneira unívoca; a autoridade, como uma
relação de uns com outros, precisa ser construída depois que perde a sua condição
naturalizada.
Ela não pode ser um recurso que sirva para distanciar adultos e crianças, mas sim para
atestar a responsabilidade que o adulto está assumindo em transmitir os seus conhecimentos
sobre o mundo de uma certa forma. De uma certa forma que é questionável, pois sempre será
uma versão do mundo, e isso precisa ser reconhecido depois que a tradição não mais diz que
conhecimentos devem ser transmitidos.
Na verdade, o exercício educacional impõe aos
adultos uma dupla responsabilidade: a de cuidar das crianças para que sejam acolhidas na sua
novidade, e também a de cuidar do mundo para que não seja destruído diante do novo que
cada geração vindoura representa. Isso representa amor mundi que Arendt tanto prezava.
O cuidado com as crianças e ao mesmo tempo com o mundo se daria pelo exercício da
autoridade do professor, calcada muito mais na responsabilidade que o adulto assume nessa
passagem do que no conhecimento que ele acumula. A qualificação do professor por si só não
engendraria autoridade, apenas daria a capacidade de instruir sobre o mundo, todavia, a
autoridade viria muito mais da responsabilidade que o professor assume pela transmissão de
um mundo do qual ele não faz parte, mas ajudou a construir. Com isso, o professor toma
para si a responsabilidade por seus atos educativos e suscita no aluno o reconhecimento e
também obediência a uma autoridade legitimada por esta postura.
68
A questão da obediência é um ponto relevante que precisa ser pensado para a
construção de uma autoridade possível no presente da Educação, pois o seu caráter ativo
costuma passar despercebido: será obediente aquele que reconhecer no outro a autoridade
dada por uma atribuição que tem importância no mundo comum. Assim, ela não pode ser
imposta e sim conquistada. Se for imposta, a autoridade vira força, vira coerção,
características que Arendt afirma serem contraditórias com a autoridade.
Como capacidade ativa, a obediência aparece aqui como função daquele que será de
alguma forma ordenado por quem tem autoridade. Assim, é o obediente que atribui autoridade
a um outro. É por isso que o professor hoje se depara com o questionamento da sua condição
hierárquica na sala de aula. Numa configuração em que a autoridade “natural” ruiu, o que lhe
resta é conquistá-la, na nossa opinião, através da responsabilidade que ele assume de mostrar
um mundo para os alunos. Como assumir isso é uma ação, ela não é dada de antemão, e sim
conquistada na relação com os alunos. Isso significa que ele precisa dos alunos, das crianças
para estar neste lugar. E esse mundo que ele vai mostrar não está dado, não é óbvio, precisa
levar em conta tanto o que está questionado como conhecimento válido do passado, quanto o
que as crianças sabem e construíram nas suas experiências fora do espaço escolar, que o
cada vez mais ricas.
O adulto precisa contar com a criança. Incluí-la no processo de construção do mundo,
permitir a sua expressão, fazer dela algo público para que tenha espaço, escuta e
conseqüência.
É neste sentido que podemos pensar a Educação com alguma função política. Como
espaço privilegiado da infância, caberia à Educação não cuidar da criança mas também
possibilitar a sua expressão e participação naquilo que lhe é conferido socialmente como
espaço privilegiado da infância. Mesmo sem abrir mão da autoridade e da responsabilidade,
os adultos que dividem este espaço com as crianças, atribuindo um valor à participação
69
infantil, podem intermediar de outra maneira a sua inserção no mundo público – uma inserção
menos passiva e mais condizente com as possibilidades e potencialidades infantis.
A atribuição de valor à participação infantil abre para as crianças um espaço político,
compartilhado e mediado pelos adultos. Isto traria espaço para o novo no mundo público,
como defende a autora, mas isso traria também mudanças importantes em sua configuração.
Em última análise, a crise educacional americana trabalhada por Arendt reflete a quebra de
posições arraigadas do adulto e da criança na sociedade, juntamente com a quebra da tradição
e da autoridade como operadores políticos. Isto tudo também nos permite pensar como a
escola pode ser este espaço que concilia as gerações e abre-se como espaço de participação no
mundo público.
2.4 - A ESCOLA: DE LUGAR DE CONVIVÊNCIA A ESPAÇO PÚBLICO
Se o mundo público não existe mais, talvez a Política
deva ser reinventada e comunidades escolares poderão
ser o novo local dessa invenção.
César, 2007 p. 36.
A grande conseqüência das transformações atuais na configuração do espaço público
para a Educação é trazida por Arendt, no texto Reflexões sobre Little Rock (2004b). Toda a
problemática racial vivida nesta cidade é um bom exemplo para mostrar como as questões
sociais e políticas, a princípio exclusivas dos adultos, acabam por fazer parte de alguma
maneira na vida das crianças. Esta é justamente uma das críticas da autora à forma como a
sociedade americana lidou com os seus conflitos, tentando resolver na escola o que não
consegue resolver na vida social, mas o que fica evidente neste caso é a exposição das
crianças às questões comuns da sociedade. Arendt diz que as mudanças políticas não devem
70
começar pelas crianças, afirmação com a qual concordamos. Entretanto, o que Little Rock nos
mostra também é que a separação entre o mundo público e privado está menos fixa, menos
determinada, e isso faz com que as experiências e conflitos humanos cheguem a todos de
alguma forma.
A argumentação de que as crianças devem ser protegidas dos problemas dos adultos,
presente no texto de Little Rock, é difícil de ser sustentada quando esta distinção não se
efetiva na vida cotidiana das pessoas não por um descaso com as crianças, mas pelo fato de
que temos hoje uma outra configuração dos espaços sociais. Dentro da escola de hoje as
crianças convivem com as mesmas diferenças e preconceitos encontrados em toda a
sociedade: etários, raciais, sócio-econômicos, culturais. Além disso, essas diferenças muitas
vezes se transformam em conflitos, onde as crianças são vítimas e também agentes, como
podemos ver seguidamente no contato com as escolas e na forma como a mídia representa a
Educação atual. Portanto, os problemas políticos e sociais que fazem parte da vida pública
estão presentes também na escola, para todos que ali convivem. A diferença é que cada um os
enfrenta com suas condições e seus pontos de vista, que o espaço de diálogo necessário ao
enfrentamento dessas questões não existe de forma legítima, pelo fato de que não há o
reconhecimento da pluralidade humana contida neste espaço.
vimos que crianças e adultos compartilham um mundo comum, mundo que engloba
de certa forma a vida privada e a vida social. Juntos, crianças e adultos compartilham a vida
privada, o mundo físico e os artefatos que constroem a morada humana. O espaço público, por
sua vez, é cada vez menos evidente nas sociedades atuais. Este é, como vimos, o que Arendt
(2005) chamou de mundo dos adultos, aquele onde são possíveis as condições de vida
necessárias às interações políticas.
O mundo social permite a exposição dos interesses particulares, publicizando assim a
vida privada, mas não reconhece a pluralidade humana. Arendt diz que somos todos
71
prisioneiros da nossa própria existência singular, que continua a ser singular ainda que a
mesma experiência seja multiplicada inúmeras vezes. (Arendt, 2004a p.67) Devido ao modelo
de administração herdado a esfera privada, as singularidades coexistem, porém sem o
estabelecimento de uma condição de igualdade que permita negociação e consenso. Em A
condição humana (2004a), Arendt afirma que as diferenças no social são apagadas pela força
do comportamento, que tende a igualar a todos a partir de normas de conduta. O mundo
comum acaba quando é visto somente sob um aspecto e se lhe permite uma perspectiva
(ibid p. 67). É por isso que dizemos que não lugar para a pluralidade na escola, pois não
existe a afirmação da diferença e da igualdade que levam à possibilidade de ação e expressão.
É como se a sociedade tivesse ocupado o espaço que seria público, e as diferenças
assim se ficam reduzidas às questões privadas do indivíduo. O que hoje vivemos como mundo
privado é dimensão da intimidade, âmbito enriquecido pela ascensão do individualismo e que
se opõe à vida social, e não mais à vida política. Arendt diz (2004a p. 47) que a intimidade
virou o espaço privado, em oposição à sociedade. Desta forma, o público perdeu a sua
importância e força dentro das relações humanas. A sociedade no lugar do espaço público
os indivíduos como iguais, eles se agrupam por identidades, formadas por traços de
reconhecimento de uma igualdade, e encontram lugar pra a diferença na vida privada. A
autora sempre afirma que o social, em substituição ao espaço público, esvazia a capacidade
política dos indivíduos, trazendo a via do comportamento como reguladora das relações entre
as pessoas.
A escola é parte da vida social, para Arendt. Tem uma função política no que diz
respeito à responsabilidade das antigas gerações diante das novas, mas se configura num
espaço resguardado, onde o contato das crianças com o mundo é mediado. Acrescentamos a
essa asserção a idéia de que ela é espaço privilegiado de convivência das crianças com os
adultos, e também deles entre seus pares. Mas, como parte do social, ela segue as normas
72
deste espaço e se configura como lugar de padronização pelo comportamento. É esperada de
cada geração e de cada ator social uma forma de comportamento específica que harmonize as
relações dentro da ordem estabelecida pela hierarquia das gerações. Não lugar para o
inesperado enquanto algo que constitua estas relações.
Assim como Arendt, acreditamos que é importante para a convivência humana que se
exercite a vida pública, isto é, o encontro entre diferentes que também o iguais em algum
ponto para tratar de interesses que vão além da vida privada.
Na escola coexistem diferentes personagens da vida humana, mas não apenas isso;
eles dividem experiências, dificuldades, conflitos e conquistas. Em geral é na escola que a
criança vai viver suas primeiras experiências fora de casa, é que ela se dará conta que
existem muitas outras formas possíveis de se viver.
Este rico espaço de compartilhamento, entretanto, acaba desperdiçado quando não se
reconhece ali as diferenças entre os indivíduos, para além da hierarquia e da posição de
aprendiz - ensinante; quando não se pensa na riqueza de diferenças que são apagadas pelas
regras e normas do social, que dizem quem o adulto é e quem a criança deve ser.
Assim, para Arendt, crianças e adultos compartilham os mundos privado e social, onde
se localiza a instituição educacional. O mundo público, espaço de ação e participação
humana, no entanto, se encontra inviabilizado para a infância por sua condição de
inferioridade “natural”. Mesmo que diversas diferenças possam adquirir um estatuto de
igualdade para a ação política, como as de gênero, de raça ou de classe social, para a infância
isso não seria possível, pois a diferença geracional acaba se deparando com a barreira
‘natural’ de uma absoluta superioridade adulta.
Para Arendt, como vimos, a condição radicalmente assimétrica entre crianças e adultos
não permitiria o compartilhamento de um mundo em que possam agir em concerto.
73
pudemos constatar que as crianças aparecem na obra arendtiana como seres
humanos que necessitam de resguardo e que estão em constante formação, na direção de se
tornarem adultos. Nesta seqüência, os adultos, ao passarem pela Educação, podem estar em
igualdade de condições, o que lhes permitiria exercer a Política e manifestar-se no espaço
público. Assim, o novo e a ação aparecem na vida pública apenas depois do processo
educacional, entre os adultos, então. Esta lógica arendtiana que situa a capacidade de ação na
vida adulta reafirma para a idéia característica da Modernidade de completude de uma vida
adulta, em contrapartida a uma incompletude das crianças, o que faz com que o “novo”
infantil apareça mais como insuficiente do que como original.
A importância de se pensar na escola um espaço público reside no fato de que nela
coexiste uma ampla diversidade humana, que tem diferentes interesses e vive muitos
conflitos. Como parte do mundo social, o que a escola tem feito com estes interesses e
conflitos é nivelá-los a partir da demanda de comportamento, o que empurra a diferença para
a experiência privada.
No entanto, acreditamos que a experiência de compartilhamento de interesses, de
discussão das questões comuns é essencial para a preservação de um espaço público e, em
última análise, do exercício da política cotidiana entre os homens. Se o espaço público tem
encolhido nas suas formas tradicionais de aparição, são os espaços privilegiados de
convivência humana, como a escola, que aparecem como alternativas a uma atuação política
que sirva como resistência ao esvaziamento da Política que tem sido encenado no social.
O reconhecimento da escola como um espaço público pressupõe que se recoloquem os
termos em relação à infância e à vida adulta, tarefa a que temos nos dedicado neste trabalho –
e funcionaria como uma alquimia: é preciso vislumbrar uma infância capaz, produzida
culturalmente num contexto que valoriza o presente e permite a ela circulação e experiências
pelo mundo comum. É preciso também re-situar o adulto diante desta infância, que ele
74
perdeu o estatuto de superioridade natural dado pela apropriação exclusiva da cultura e pela
suposição idealizada de plenitude. A alquimia se completa com o surgimento de um espaço
público que não é localizável geograficamente, mas aparece sob as condições de pluralidade
dadas pela inclusão da infância no rol de características humanas que permitem alguma
participação política, característica essa que guarda profundas diferenças com a vida adulta,
mas não deixa de ter capacidades.
Através da pluralidade reconhecida no contexto escolar, as diferentes gerações podem
transformar as suas relações e o mundo em que vivem.
A possibilidade de participação no mundo público pode se dar para os agentes da
Política de diversas maneiras. Assim como não há uma previsibilidade na ação, para além dos
foros políticos instituídos, como os partidos e as eleições de governantes, muitos outros
espaços de participação têm sido criados como os movimentos sociais, estudantis,
organizações não-governamentais, grupos comunitários, todos com o objetivo de permitir a
ação e a expressão de diferentes agentes em prol dos seus interesses comuns. A preservação
de espaços públicos passa, justamente, pela busca e pelo reconhecimento das condições que
equiparam e permitem a expressão de todos.
Pensar na participação como algo presente na escola significa necessariamente pensar
em atuações diferentes das características da política institucionalizada. Resguardando as
características específicas da função educacional, iniciativas de participação que poderiam ser
conciliadas com as particularidades das crianças e dos adultos ali envolvidos com o ensino e a
aprendizagem das coisas do mundo. Assim as crianças, mesmo em uma relação assimétrica
com os adultos, poderiam exercitar no presente alguma participação ativa na sociedade,
conforme as suas possibilidades e particularidades, a partir de uma escuta responsável e
conseqüente das suas questões diante do espaço escolar e do mundo. Esta iniciativa foi
realizada em forma de uma pesquisa-intervenção feita com crianças de quarta série numa
75
escola pública do estado do Rio de Janeiro. A trajetória e os efeitos desta pesquisa serão
analisados no capítulo seguinte, com o objetivo de analisar como esta experiência pode ser
vivida na escola e que possibilidades de relação ela pode trazer para as crianças e os adultos
que fazem parte deste espaço.
76
3 - UMA EXPERIÊNCIA DE PARTICIPAÇÃO NA ESCOLA:
CRIANÇAS E ADULTOS COMPROMETIDOS COM UM ESPAÇO
COMUM
3.1 - Sobre a pesquisa
A pesquisa-intervenção relatada e analisada a seguir faz parte do projeto de pesquisa
do NIPIAC
13
, intitulado Subjetivação Política na Infância e Adolescência
Contemporâneas e Contextos Institucionais - a Democracia nas Escolas
14
. Este projeto
está em andamento e tem como objetivo investigar as condições subjetivas e objetivas da
participação política de crianças e jovens tendo em vista o contexto institucional das escolas
(Castro, 2006/07 f.02). Ele continuidade aos projetos anteriores do NIPIAC, que
investigavam a participação política e social de crianças e jovens, porém enfocando agora o
contexto institucional, por entender que é na escola que crianças e jovens têm, em primeiro
lugar, e de modo universal, a oportunidade da convivência plural ensejando, portanto, lutas,
embates e negociações. (ibid f.03). Os objetivos do projeto em questão são, entre outros:
i) mapear e compreender as formas de participação e ação de crianças e jovens nos
processos de construção de espaços de diálogo e negociação no contexto escolar;
ii) mapear, observar e descrever os dispositivos de poder e comunicação que
permeiam as trocas entre adultos e crianças/ jovens no contexto institucional
escolar;
iii) produzir, junto com outros atores sociais dispostos a novas experiências postas em
curso pela pesquisa, novas possibilidades de ação e participação no contexto
escolar.
13
Núcleo Interdisciplinar de Pesquisa e Intercâmbio sobre a Infância e Adolescência Contemporâneas, parte do
Programa de Pós-graduação em Psicologia do Instituto de Psicologia da UFRJ, do qual participei durante a
realização do mestrado.
14
O projeto “Democracia nas escolas” tem apoio financeiro do CNPQ e da FAPERJ.
77
A investigação proposta e realizada pelo NIPIAC surge da necessidade de se
compreender de que forma as relações políticas que se dão entre as pessoas produzem efeitos
nas crianças e nos jovens, e de que forma eles respondem a isto. Esta questão participa do
desafio colocado às ciências humanas de produzir conhecimento sobre a infância e a
juventude contemporâneas, visando trazer à luz novas relações, compreender a realidade sob
novas perspectivas (ibid f.06).
A idéia de realizar a pesquisa-intervenção sobre participação na escola vem do desejo
de poder vivenciar um pouco das questões que mobilizaram a realização deste trabalho. Estar
no cotidiano da escola tem sido a minha prática profissional cotidiana, e ela precisava estar
presente também neste momento de estudo e investigação. Por este motivo também, a escola
escolhida foi da rede pública de ensino.
Todas as discussões que vêm acontecendo na contemporaneidade sobre o lugar da
infância na sociedade atual têm um fundamento importante em pesquisas sobre as crianças.
Na Antropologia, na Sociologia e mesmo na Psicologia, as pesquisas com crianças têm
produzido novos conhecimentos a partir da idéia de que ela pode ser tomada como sujeito das
pesquisas, capaz de falar de si e manifestar as suas questões em relação ao mundo. É delicado
discutir a autoridade do professor e a relação entre crianças e adultos na instituição
educacional sem viabilizar estas experiências. Assim, a pesquisa-intervenção realizada
pretendeu mostrar a viabilidade e dar substância à discussão sobre a participação das crianças
na escola realizada com os adultos.
Definida a escola, que havia se mostrado aberta a pesquisas em contatos anteriores,
decidimos que o trabalho seria nos moldes de uma pesquisa-intervenção, nos permitindo
conviver com as crianças e propor a elas recursos no sentido da reflexão sobre o espaço da
escola, e ver como isso se daria. Todos os detalhes práticos foram organizados em parceria
com a escola. Assim, realizamos doze encontros, ou oficinas, com a turma de quarta rie do
78
ensino fundamental que foi sugerida pela diretora da escola. Esta turma tinha 36 crianças, a
maioria com dez anos (duas delas tinham doze anos). No primeiro encontro com elas,
dividimos o grupo em dois, e a partir daí trabalhamos em separado. Cada grupo era
coordenado por duas pesquisadoras do NIPIAC. Assim, os grupos ficaram com dezoito
crianças e duas coordenadoras cada. Para melhor trabalharmos o material de análise,
nomeamos os grupos como G1, no qual eu trabalhei, e G2.
Entre os meses de agosto a dezembro do ano de 2006 fomos quase todas as semanas
na escola para as oficinas ou para reuniões com os professores. Também semanalmente,
tínhamos a reunião do grupo de pesquisa, que destinava regularmente um tempo para a
supervisão das oficinas. Nela, relatávamos os acontecimentos e discutíamos juntos,
planejando os próximos passos e cuidando das dificuldades que apareciam. Como parte do
trabalho, cada encontro com as crianças gerava um relatório, que era lido por todos os
membros da pesquisa e discutido nas supervisões. Assim, produzíamos semanalmente relatos
do G1 e do G2, prática que foi essencial para nos ajudar a entender o processo e a agir com as
crianças.
Terminadas as oficinas, produzimos uma trajetória contando como a pesquisa
transcorreu em cada um dos grupos, baseada nos relatórios semanais e nas supervisões. A
trajetória de pesquisa foi então lida e discutida por todos os pesquisadores para iniciarmos as
análises pertinentes à pesquisa-intervenção realizada. Este material da trajetória e das
discussões no grupo são a base dos recursos usados na análise da pesquisa-intervenção que é
feita neste capítulo.
79
3.2 O contexto institucional da escola
A escola onde realizamos a pesquisa - o R.S. - é pública, administrada pelo Estado do
Rio de Janeiro e situada em uma cidade da Baixada Fluminense. Ela tem vários prédios
interligados, muito grandes, mas baixos, e um bom pátio com duas áreas de esportes, uma
aberta e outra coberta. Na parte de trás da escola um espaço arborizado que funciona como
estacionamento para os carros dos professores, e onde fica a casa do caseiro, que tem coelhos,
galinhas e outros pequenos animais à vista das crianças. Toda a escola é cercada por um muro
alto, mas na entrada da frente o portão principal estava sempre aberto. No pátio da entrada da
escola, alguns bancos de cimento servem de ponto de encontro para os pais, e serviam
também para nós; ali traçávamos as últimas idéias para o trabalho do dia.
Parece ser um orgulho estudar no R.S. - os alunos que circulavam pelos arredores da
escola chamavam atenção: todos usavam uniformes que deviam estar sempre bem arrumados
- muitas vezes vimos as alunas ajeitando as saias azul-marinho pregueadas e as meias brancas
compridas até o joelho.
Nesta escola estudam desde crianças do último ano da Educação Infantil até jovens do
Ensino Médio, que pode ser regular ou Magistério. Ela, portanto, forma professores. É muito
procurada pelas famílias da cidade por apresentar uma boa qualidade de ensino, que se revela,
segundo a diretora, na associação da tradição - uso de regras, ordem e limites - com a
inovação. Os alunos vêm de diversos bairros da cidade e de outras cidades da Baixada
Fluminense - por isso a comunidade escolar espalha-se para além do bairro da escola.
Nenhum aluno ou família quer sair de lá, então mesmo quem não deseja de fato ser professor
permanece na escola durante ensino médio, pois o magistério tem freqüência diurna. Por isso
também, tantos alunos meninos no magistério: eles não querem nem estudar de noite, nem
trocar de escola. Com isso, são mais de 1500 alunos nos três turnos de aula.
80
As questões que mobilizavam esta escola e que chegaram até nós não eram muito
diferentes das de outras escolas públicas: a ausência de acompanhamento das crianças por
parte dos seus pais, os desmandos do governo gestor, a dificuldade de manter o interesse dos
alunos nos estudos. De qualquer forma, diante do quadro muitas vezes angustiante da
Educação Pública, eventualmente paralisada diante destes desafios, ali percebemos muita
atividade, pelas iniciativas por parte da equipe diretiva em movimentar a escola e vencer seus
desafios. Assim, acompanhamos durante a pesquisa atividades de integração de professores,
eventos que resgatavam a memória da escola, reuniões com pais que precisavam de um
acompanhamento mais próximo. Os professores pareciam acreditar na importância do seu
trabalho, mesmo com as dificuldades que enfrentavam como categoria profissional e com a
comunidade escolar. o estado era percebido como uma instância que mais atrapalhava do
que ajudava, mesmo que reconheesse a qualidade desta escola usando-a como “vitrine” para
os visitantes, como nos contou a diretora na primeira reunião.
O contato com o R.S. se deu pela via de uma das suas orientadoras educacionais, que
também faz parte do NIPIAC. Após uma consulta inicial da orientadora à equipe diretiva,
solicitamos uma reunião para mostramos a nossa proposta de pesquisa e avaliar a
possibilidade de realizá-la ali. Vale ressaltar que o apoio desta orientadora foi muito
importante para sustentar o nosso trabalho, mantendo o horário, conseguindo salas de aula,
conversando com as professoras e participando das reuniões de supervisão do grupo.
Na primeira reunião ficamos conhecendo mais detalhes sobre a escola, através da
diretora e das professoras das turmas que seriam pesquisadas, e também explicamos a
pesquisa que pretendíamos realizar. Estavam presentes: Sonia, uma das diretoras da escola;
Flora, professora da turma de quarta série que faria parte da pesquisa; a orientadora
educacional e a equipe do NIPIAC, composta pela coordenadora e as quatro pesquisadoras
que realizaram o trabalho.
81
Apareceram muitas questões sobre a rotina escolar, as professoras trouxeram as suas
preocupações com os alunos, demandando escuta e ajuda para questões familiares e de
aprendizagem. Entendemos que isso aconteceu devido ao fato de que o grupo que realizou a
pesquisa ser todo composto de psicólogas. Diante desta demanda institucional, detalhamos um
pouco mais os objetivos da pesquisa, falando sobre a participação das crianças na escola, e
esclarecendo que nosso propósito era investigar a possibilidade dessa participação acontecer
naquele espaço. As questões de alunos que diziam respeito às turmas que iríamos estudar
foram escutadas, mas até hoje não sabemos se os elementos trazidos, tais como histórico
familiar e diagnósticos clínicos nos ajudaram ou nos atrapalharam na realização da pesquisa.
As regras da escola pareciam rígidas para algumas questões, como a circulação pelos
espaços coletivos: ter alunos desacompanhados andando pelos corredores e pelo pátio era
visto como desorganização e bagunça. Da mesma forma, vozes altas e barulhos de cadeiras
arrastando nas salas logo eram notadas pelas inspetoras, figuras responsáveis pela disciplina
dos alunos que apoiavam as professoras e controlam os recreios, bem presentes e conhecidas
por todos. Ouvimos os professores falarem muito em “afeto” e “limite”. Mas, sem dúvida,
“pulso firme” foi a recomendação mais ouvida por nós, que vinha como dica para lidar bem
com as crianças em sala de aula, como nos disse Flora:
...eles são difíceis de controlar, brigam bastante mas produzem e se
organizam com “pulso firme”.
Sobre as crianças, ouvíamos expressões como esperto”, “necessidade”, “deficiência”
e “problema”. Para os pais, eram comuns os termos “ausência”, “abandono” e também
“dificuldade” - em geral, eles pareciam à escola ausentes, relapsos e impotentes para educar
seus filhos. Até aqui, nada de muito novo sobre uma escola pública de grandes dimensões e
responsabilidades junto à sua comunidade.
Pesquisas externas eram realizadas nesta escola com muita freqüência. Durante aquele
semestre pelo menos outras duas aconteceram. Mesmo acostumadas a terem pesquisadores
82
acadêmicos ou do Estado circulando por lá, a nossa pesquisa se destacou como algo um pouco
diferente. Pelo seu assunto. Desde o primeiro dia, percebemos que a palavra “participação”,
que é o conceito central da nossa proposta, não fazia muito sentido, não esclarecia o objetivo
de nosso trabalho.
Mesmo assim, a escola nos acolheu. Como contexto da pesquisa, ela se mostrou
receptiva, o que era evidente no fato de que a estrutura mínima pedida para que pudéssemos
trabalhar - uma sala extra - estava sempre pré-agendada e disponível. Além disso, nos dias em
que não era possível realizar a atividade, por algum imprevisto, éramos avisadas, o que
demonstrava respeito pelo nosso trabalho. Eles permitiram o desenvolvimento da pesquisa, o
que sabemos que não é pouco, que significa abrir mão de horas de aula com as turmas. Em
suma, havia um respaldo à nossa presença. Entretanto, foi importante perceber que algumas
características institucionais marcaram profundamente o trabalho de intervenção com as
crianças: por estarmos dentro de uma escola, a lógica do ensino e da aprendizagem, que
permeava todas as relações instituídas ali, se fazia fortemente presente para nós.
Esta lógica se mostrava ou sob a forma de demanda, através dos pedidos de alguma
intervenção terapêutica com alunos problemáticos, evidentes nas reuniões com as professoras;
ou como expectativa, quando percebíamos que a preocupação da escola era que as crianças
atingissem o objetivo imaginado para a pesquisa, isto é, mostrassem rendimento; ou até
mesmo na organização temporal característica das escolas, que bagunçou completamente o
final da pesquisa. Mas a lógica educacional aparecia principalmente sob a forma de uma
relação entre crianças e adultos profundamente pautada na hierarquia e numa condição de
poder e saber do adulto que detinha o controle sobre tudo o que dizia respeito aos alunos. Este
poder atribuído ao professor ali parecia ir além da sua autoridade do conhecimento, dizia
respeito ao que eles podiam e não podiam fazer, aos horários, às ordens, à organização da sala
e principalmente, às questões de disciplina, evidentes no contato com a professora, que se era
83
muito implicada com a sua turma, também procurava controlá-los em tudo o que podia, pois
isso é muito valorizado entre os professores. Seguidas vezes escutamos as orientações para
dar conta da organização da turma, que diziam respeito a impor disciplina, ordens, mesmo que
fosse através de gritos e ameaças, como relataremos adiante. É como se o adulto ali atestasse
a qualidade do seu trabalho o no que ensinava às crianças mas também no domínio que
tinha sobre elas.
Tínhamos o objetivo de pesquisar as crianças, de estar com elas e procurar entender
como elas percebiam as suas possibilidades de participação na escola. Neste espaço, as
crianças passavam praticamente todo o tempo juntas, mas isso não significava que elas se
reconhecessem nessa condição, isto é, que este fosse um espaço compartilhado. Queríamos
ver como elas agiam em grupo, como lidavam com as vicissitudes de compartilhar o espaço
com outras crianças.
Com tudo isso, estar na coordenação das oficinas, com a função de propor recursos
que facilitassem o processo do grupo, não foi tarefa fácil. Estávamos o tempo todo entre o
rochedo e o mar: de um lado as demandas institucionais apontando para o ‘pulso firme’ e, de
outro, o desejo de realizar algo com as crianças que as permitisse a experiência de uma outra
forma de se verem no seu grupo, e na escola.
Na segunda reunião, feita apenas com a professora Flora, ficamos sabendo mais
detalhes sobre a turma. Eles costumavam se separar entre os neros para qualquer atividade,
e brigavam bastante entre si. Tanto os meninos quanto as meninas muitas vezes se
desentendiam fortemente com os próprios amigos. Eram difíceis de controlar, demandavam
atitudes firmes por parte da professora para que a escutassem. Flora também queria saber mais
sobre a pesquisa, ela estava nervosa e ruborizada no início do encontro, por imaginar que
estava sendo observada e avaliada por um grupo de psicólogas. No final, parecia bem mais à
vontade, e se tornou uma cúmplice valiosa no processo da pesquisa. Combinamos com ela
84
então de virmos na semana seguinte, onde encontraríamos as crianças e dividiríamos o grupo
em dois para facilitar a pesquisa. Desta forma, os dois grupos - G1 e G2 - aconteceram
simultaneamente. Neste texto, procuramos organizar a discussão de acordo com temas; em
alguns deles o percurso do G1 será mais destacado, e noutros, o percurso do G2, devido às
características predominantes em cada um deles.
Os temas levantados adiante dizem respeito à rotina das oficinas, focalizando os
caminhos que encontramos para viabilizar a participação das crianças. Também são
observadas aqui as reações e respostas delas às atividades que propunham pensar sobre a
escola de uma maneira diferente da que estão acostumadas a fazer. Isto dizia respeito a como
as regras eram encaradas, às dificuldades de se lidar com uma maior liberdade de ação e
expressão, e também à possível constituição de um espaço comum na escola que acolhesse
adultos e crianças nas suas diferenças e, por isso mesmo, permitisse que um diálogo pudesse
acontecer.
3.3 O trabalho nas oficinas: viabilizando a participação das crianças
Desde o início as crianças nos receberam muito bem, e pareciam orgulhosas de
estarem sendo pesquisadas: Ah, então vocês querem nos conhecer!
As dificuldades dos primeiros contatos foram anuviadas pela felicidade delas em nos
receber e fazer algo diferente da rotina escolar.
Elas sempre nos perguntavam: o que vamos fazer hoje?
Por mais que a nossa tarefa geral girasse em torno de promover possibilidades de
participação e de ação em conjunto, a expectativa delas era sobre que atividades faríamos de
diferente em cada dia. A atenção das crianças era constantemente trazida para o processo, isto
85
é, para o que está acontecendo entre elas, na escola, isso sempre se sobressaía ao que estava
sendo feito propriamente em termos de atividade. assim conseguíamos nos destacar um
pouco das demandas institucionais. Se a tarefa a ser feita - teatro, desenho, escrita - fosse o
foco da atenção, ela seria ‘pedagogizada’, isto é, se revestiria de uma expectativa de
aprendizagem e rendimento que acabava por colocar a criança num lugar de não-saber. Nesse
sentido, precisávamos muito mais do saber delas que das suas falhas no conhecimento. Por
isso também não havia certo e errado nas atividades; o valor delas estava em realizá-las e ver
como isso se dava.
As propostas iniciais de apresentação e divisão do grupo foram bastante lúdicas, e
imprimiram um certo ritmo ao trabalho. Na divisão dos dois grupos, o temor da professora
aconteceu: eles ficaram marcadamente divididos por gênero.
No G1 ficaram 15 meninas e três meninos.
No G2 ficaram 13 meninos e cinco meninas.
Ainda no primeiro dia perguntamos para as crianças o que elas gostavam e o que não
gostavam na escola. Estes recursos nos serviram para seguir trabalhando ao longo da oficina
sobre aquele espaço comum que elas conhecem bem. Das coisas que gostavam na escola, se
destacaram o recreio, jogar futebol, “estudar” e os amigos. As coisas de que não gostavam
também giraram em torno de temas ligados ao entorno das atividades de sala de aula: o pouco
tempo do recreio, a sirene que parecia a de uma prisão, as brigas e fofocas entre os amigos, o
lanche da cantina, o banheiro mal cuidado, onde as meninas maiores importunavam as
menores e, como exceção, a sala (e a professora) de leitura. Com essas informações em mãos
procuramos ver com eles, entre as coisas que não gostavam, qual assunto os mobilizaria para
proporcionar iniciativas e ações coletivas que levassem a um exercício de participação para
além dos limites da sala, e que permitisse a eles ampliar a sua compreensão sobre aquele
espaço.
86
No segundo encontro com o G1, as crianças travaram conosco uma conversa sobre os
temas que elas tinham trazido como coisas que não gostavam na escola, percebendo que o
banheiro mal cuidado era um problema que afligia e mobilizava a quase todos. Por isso o
cuidado com os banheiros da escola foi o tema escolhido sobre o qual gostariam de fazer
alguma coisa. O “fazer alguma coisafoi uma proposta trazida por nós. Mais de uma vez o
tema foi questionado por nós nas conversas com eles, mas, indubitavelmente, o incômodo
com os colegas mais velhos que os assustavam, a sujeira e a desorganização dos banheiros
coletivos sempre voltavam como algo que deveria ser pelo menos falado. Disseram que ele
era muito sujo, mal-cheiroso e rabiscado. As meninas contaram que tinham medo de ir ao
banheiro, pois as alunas mais velhas ás vezes as prendiam lá dentro ou roubavam seus
materiais escolares das mochilas. Elas dividiam os banheiros com todas as turmas da escola, e
não tinham autorização para sair da sala em horário de aula, então todos se aglomeravam nos
banheiros no curto espaço de recreio (20 minutos). Os alunos pareceram gostar muito de
poder dar sua opinião livremente, pois todos queriam falar, todos tinham do que falar.
Enquanto isso, anotávamos na lousa os pontos lembrados por eles.
É interessante ver o que eles acharam que podiam fazer a respeito deste problema:
Reclamar, falar com a diretora... Sim, mas como fazer isso? Foi essa questão que serviu de
sustentação para a pesquisa-intervenção neste grupo.
Durante o transcorrer da pesquisa-intervenção, realizamos diversas atividades que
buscavam levá-los ao debate, ao exercício de uma coletividade que os permitisse pensar sobre
a escola e as suas possibilidades de ação sobre ela. Através de recursos como teatro, cartazes,
votações, trabalhos em subgrupos, pretendíamos viabilizar o surgimento de um grupo que se
percebesse capaz de atuar no espaço que compartilhavam, mesmo diante das limitações
inerentes ao espaço escolar. Como o que os mobilizava era o problema do banheiro, comum
para todas as crianças independente da idade e do gênero, a idéia inicial de fotografar e expor
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as fotos na escola acabou sendo substituída pela proposta, trazida por nós, de fazer uma
campanha nas outras turmas para que cuidassem melhor do banheiro que todos usavam. No
final, devido ao encerramento abrupto, o foi possível concretizar a campanha, ela ficou no
ensaio das falas e nos cartazes, que ficaram com a escola pra serem expostos nos corredores.
Com a proposta definida, o mais importante era viabilizar através dela ações e expressões que
pudessem levar à compreensão e a algum comprometimento deles com este espaço
compartilhado - e de conflitos.
Durante os encontros, no entanto, a tônica predominante foi o debate das questões que
diziam respeito às crianças e à sua forma de lidarem umas com as outras, que era pautada
essencialmente por fidelidade total às amizades e disputas intensas entre as meninas de grupos
diferentes pela atenção dos três meninos. Percebemos que essas discussões eram muito
importantes para eles, pois para poderem se comprometer com uma discussão que perpassava
a todos e não era particular de nenhum deles, foi importante que eles pudessem olhar para as
suas diferenças e para a dificuldade de conciliá-las no sentido de objetivos em comum: uma
verdadeira experiência de pluralidade. O que procurávamos fazer era trazer para o diálogo o
que eles em geral estavam habituados a exercitar na disputa e na briga, ás vezes terminando
em tapas e machucados.
Percebemos nas crianças do G1 uma certa compreensão do processo que vivemos
juntos. Principalmente na grande discussão que mobilizou a todos no penúltimo encontro,
envolvendo os afetos das crianças entre si na disputa da atenção de um colega. Thiago
chorava sem parar, depois de ter sido expulso do grupo das amigas por tanto incomodá-las.
Cristiny, uma das meninas do grupo, discordando das outras, sai com ele e entra em outro
grupinho para a realização dos cartazes. Quando as coisas pareciam acomodadas, a briga entre
as meninas que rejeitaram Thiago e as que o acolheram, toma grandes proporções e o grupo
todo se envolve na discussão. Esta discussão em seguida ficou insustentável, então todos
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precisaram parar, se acalmar e conversar. Eles se dispuseram a ouvir uns aos outros, e a nós
também. Puderam dar conta de algumas conseqüências dos seus atos, pois ao assumir uma
posição perante os colegas, escutaram e sofreram as conseqüências disto. De maneira um
tanto dolorosa, as crianças experimentaram olhar para si e seu grupo pela perspectiva do
outro. Ficamos com a impressão de que as brigas eram costumeiramente abafadas ou
resolvidas “aos tapas”, quando não eram repreendidas pela professora. Não chegar a extremos
e ter que escutar, além de decidirem juntos o que fazer com aquela situação os fez olhar para
um grupo, maior que a privacidade das amizades já conquistadas, mesmo que esse olhar fosse
acompanhado de um certo incômodo.
No G2, foi possível perceber nos relatórios das oficinas que havia uma expectativa por
parte da coordenação de que aquelas crianças já formavam um grupo. As crianças eram
tratadas como um coletivo que na verdade ainda não se efetivara e, portanto, não respondia
como tal. Por exemplo, na confecção do crachá, proposta do segundo encontro, a
coordenadora pediu para eles pensarem em coisas que todos eles teriam em comum e que
poderiam ser colocadas no crachá, o que surge na fala das crianças é: Pele, órgãos... visão,
audição, tato, paladar e olfato... brigas, amor, fofoca, bagunça...
Dos elementos físicos aos sentimentos e conflitos vividos e compartilhados, temos
algumas informações de como era aquele grupo. Mas no início não era possível nenhum
consenso quanto às decisões simples que tinham que tomar: na construção do crachá, com a
dificuldade de chegar a um consenso, a proposta das crianças era de que os adultos então
decidissem por eles.
Pudemos perceber que este grupo estava permeado por uma questão: Como podem
fazer algo juntos se cada um faz o que quer? O processo de pensar ações em conjunto para
refletirem sobre o que os chamava atenção na escola foi um pouco complicado, a proposta das
coordenadoras era de construírem juntos um jornal de mural que pudesse ser divulgado para
89
toda a escola. Nos primeiros encontros foram discutidas questões sobre jornal: o que seria,
quem o leria, o que teria nele, que noticias seriam importantes de constarem no jornal, e quem
poderia fazer o quê.
No jornal haveria noticias locais, da escola, mas também noticias de fora, do país,
sobre futebol e outras questões de interesse deles. Eles decidiram que o jornal poderia ser
vendido, para que os alunos juntassem dinheiro para o passeio do final de ano. Os planos para
o jornal seguiram fortes, trazendo a noção de união e compromisso com uma ação em
conjunto. Ele chegou a ser produzido na última oficina, depois de encontros carregados de
conflitos, até que, nos últimos dias, o grupo pudesse se comprometer com a atividade,
entendendo que não era para um outro, para as coordenadoras, e sim para eles. Quando
perguntada sobre o que ela achava que seria necessário para o jornal acontecer, Greice
respondeu: criatividade e paciência. Ela justificou dizendo que vai ser difícil conseguir que
todos trabalhem e que para o jornal sair todo mundo tem que ajudar, por isso tem que ter
muita paciência!
A expressão de Greice parecia condizer com o grande desafio que costuma ser, para
adultos e para crianças, participar em um espaço comum. A criatividade está presente em todo
início de uma ação que apareça para ao outros. A paciência, aqui, pode ser interpretada como
a disposição para o diálogo e o compartilhamento de um espaço, que por ser comum a várias
pessoas, carrega os conflitos inerentes à convivência com o outro na sua diferença.
3.4 A difícil experiência de liberdade
O trabalho de pesquisa intervenção se caracteriza por oferecer um momento de
suspensão e de quebra nos hábitos estabelecidos dos sujeitos que estão sendo pesquisados. A
90
intervenção por si permite que formas, regras e certezas estabelecidas sejam
‘interrompidas’ para que, se possam experimentar outras formas de se lidar com as situações
tão conhecidas. A pesquisa soma-se a esse movimento possibilitando o reconhecimento e o
aprendizado que surgem a partir desta suspensão. Os efeitos de uma pesquisa-intervenção não
podem e, talvez, não devam mesmo ser previstos com segurança.
Quando nos propusemos à realização da pesquisa-intervenção com as crianças,
discutimos muito sobre como poderíamos intervir para desvelar os possíveis efeitos de uma
interrupção na lógica estabelecida entre crianças e adultos no espaço educacional.
Entendemos que isto deveria ser feito na própria escola, como adultos que se oferecem a uma
relação com as crianças de forma diferente.
Por isso, nos contatos com os professores da escola, sempre buscávamos escutar o
discurso deles, que costumava vir recheado de preocupações com a disciplina. Isto nos dava
sinais de por onde andavam as relações entre os alunos e os professores naquela escola. Flora
sempre se mostrava preocupada com o G2, o grupo de meninos, que davam mais trabalho em
sala de aula. Não raro ela aparecia na sala durante a oficina para observar, e de certa forma
controlar seus alunos, até porque transparecia em suas conversas conosco que ela não tinha
certeza se nós teríamos condições de controlá-los sem a sua ajuda, e procurava nos orientar
com sugestões como essa: não deixem eles saírem da sala pra ir no banheiro, eles na verdade
querem passear pela escola. Se insistirem, podem dizer que eles sabem que eu não deixo.
Com as crianças a nossa postura era diferente. Desde o início procuramos não deixar
as questões de disciplina e controle tomarem conta do trabalho. Entendíamos que a nossa
proposta de fazer algo juntos abria para eles outras possibilidades de posicionamento em
relação a nós. Por isso, não proibimos saídas nem conversas, nem mesmo que circulassem
pela sala. Apenas tentávamos lidar com isso a partir do que estava sendo feito na oficina.
Entendemos que a nossa postura era hierárquica, sustentada por diferenças de funções entre
91
nós e elas; a nossa postura de autoridade era dada pelo compromisso que havíamos assumido
com a escola, mas esta procurava não ser absoluta nem autoritária.
Quase tudo era discutido, votado, escolhido em conjunto: o nome do grupo no G1, o
crachá no G2, as atividades e as regras. Algumas propostas vinham de nós, mas podiam ser
acolhidas pelo grupo ou não, como aconteceu com a proposta de utilizarmos o recurso
fotográfico no G1, idéia que não foi bem aceita e que se transformou em campanha para a
escola sobre os cuidados com o banheiro coletivo.
Durante as oficinas, pudemos ver como as crianças lidavam com uma forma de relação
hierárquica com adultos, mas menos autoritária, menos distante deles. A diminuição da
distância entre nós trouxe mais liberdade para elas, mas também uma sensação de confusão, o
que ficou muito claro no G2: a cada impasse as crianças pediam à professora que tomasse as
decisões por eles. Para decidir o formato do crachá que usariam, algo que as coordenadoras
propuseram que fosse comum a todos, mas que não produzia um consenso, a solução
encontrada pelas crianças foi de pedir que Flora resolvesse, assim não brigariam por causa
disso. Posteriormente, até mesmo as coordenadoras eram solicitadas a dizer para eles o que
fazer com as situações em que não conseguiam agir.
A liberdade de ão e expressão um pouco estendida deixava este grupo inseguro. O
efeito era confusão, falta de acordo e tomadas de decisão individuais. Com a presença
discreta, mas atuante da professora em alguns encontros, a dificuldade de tomar rédea das
atividades a que se propunham, como o jornal, ficou evidente. A presença de Flora se
apresentava como uma falta de confiança nas coordenadoras, que inicialmente até se sentiam
mais seguras desta forma, até perceberem que isso atrapalhava a construção de um vínculo
com as crianças. Com efeito, a trajetória de intervenção no G2 nos mostrou como podem ficar
as relações entre crianças e adultos quando estes últimos por algum motivo não conseguem
exercitar a responsabilidade necessária a esta relação.
92
No G1 as coisas se passaram de modo diferente. Ao longo dos encontros pudemos
perceber que o que surgia das crianças era uma compreensão um tanto dúbia das
possibilidades que tinham: elas se sentiram mais livres dos controles rigorosos exercidos pela
professora e se utilizaram disso de forma a ter o controle das suas ões através de uma
disputa sobre quem mandava e decidia as coisas ali, tanto em relação a nós como em relação e
eles entre si. Nas situações de votação, bem como nas brigas cotidianas, o que estava em jogo
não era o grupo e sim os interesses e vontades particulares. Assim, por exemplo, uma votação
só valia se o resultado beneficiasse às crianças que pretendiam decidir sobre a questão.
Isso aconteceu no primeiro dia. Quando um dos alunos sugere que se escolha um
nome para aquele grupo recém-formado, aproveitamos para ver como eles fariam para chegar
a um consenso. Muitos nomes foram sugeridos, mas nenhum servia, então decidimos que
pequenos grupos se reuniriam, escolheriam um nome pro grupo todo, e com esses 4 nomes
faríamos uma votação. As escolhas foram:
Equipe Branca;
Equipe Azul;
Grupo do Largadão e
Pró-jovem.
Na hora de votar, eles até pensaram que daria empate, mas o nome Grupo do
Largadão ganhou. Foi uma chateação só. Algumas meninas detestaram este nome, disseram
que não eram ‘largadas’ e que não aceitavam isso. Um bate-boca cresceu entre os ‘vitoriosos’
e os ‘derrotados’ e, no final, ninguém cedeu. As crianças que não aceitaram o nome não o
colocaram no crachá e pronto. Saímos com uma amarga sensação de como foi difícil para elas
decidir, perder, frustrar-se, mas imediatamente lembramos que essa tarefa não é muito mais
fácil para os adultos - como podemos ver nos processos eleitorais democráticos.
93
Outra situação do G1 mostra a disposição do grupo em controlar as decisões e
beneficiar a alguns de seus membros, os que de certa forma descobriram essa possibilidade de
não ser tão controlados: no segundo dia, quando propusemos fotografar algumas situações da
escola para serem expostas e discutidas, as crianças imediatamente se empolgaram com a
possibilidade de usar a máquina fotográfica. Mas decidiram que nem todos poderiam usar.
Independente dos nossos argumentos, que procuravam abrir discussão, ver como poderíamos
fazer, algumas meninas - Gabrielle, Cristiny e as amigas - resolveram “sortear” as crianças
que fotografariam. Retomamos que não era necessário sortear, que todos poderiam se
envolver, mas não éramos escutadas. Então, rapidamente elas escreveram alguns nomes em
pedaços de papel, dobraram e, no fundo da sala, sortearam os que usariam máquina. Nem
todos os nomes estavam lá, no sorteio ganharam elas mesmas, e comemoraram diante de
todos os colegas que ficaram olhando, esperando que as coordenadoras interviessem. Nós
deixamos terminar o sorteio, pois a nossa voz naquele momento era ignorada. As outras
crianças diziam:
Tia faz alguma coisa! Isso não vai valer, né?
Nesta situação incômoda, acabamos intervindo de forma a contrapor este movimento
das crianças. Entendemos aquilo como uma arbitrariedade e, autoritariamente, anulamos a
votação por nossa conta, justificando que ela não valia por ser parcial. Resolvemos o
problema das outras crianças, mas não percebemos que, agindo dessa forma, o ritmo que se
estabelecia neste grupo era o de uma disputa incessante pelo controle, pela decisão, pela
liberdade de fazer o que se quer em detrimento do outro.
O G1 se caracterizou então por uma alternância entre quem mandava e quem obedecia.
Isso apareceu em outras situações, como a do jogo de queimado, que foi de certa forma
imposto pelas crianças, porque não tinha nada a ver com a proposta de campanha pela escola,
mas significou uma concessão das coordenadoras às crianças. Funcionou como uma
94
barganha: “nós fazemos o que queremos um dia - jogar bola no pátio, e depois fazemos o que
vocês querem”. Desta forma, não podemos dizer que este grupo se comprometeu com a tarefa
a que se propôs. Ele lidou com as oficinas como uma oportunidade de exercer com as
coordenadoras o tipo de relação que estavam acostumados a viver com os professores, com os
adultos, e a riqueza dessa experiência esteve na alternância dos lugares de quem mandava e
quem obedecia.
Na escola, o poder de tomar decisões e fazer qualquer iniciativa era totalmente
exercido pela professora e pelos adultos em geral. Naquela oportunidade, ao invés de ser
revisto como modelo de relação, o poder apenas passou a ser exercido pelas crianças. A ação
e a participação, então, ficaram misturadas com o controle e a autoridade. Dar a palavra e dar
conseqüência a ela acabou virando um “fazer o que o outro quer”, tanto para nós quanto para
as crianças. Tentamos atender às demandas das crianças, a partir do estabelecimento de uma
responsabilidade com o que eles pediam, mas acabamos entrando de certa forma na querela
das disputas. E aprendemos que exercer uma relação menos hierárquica não significa fazer o
que o outro pede; significa muito mais considerar as demandas do outro dentro das
possibilidades de ação.
Se as atividades tinham particularmente a função de conduzir o grupo na direção de
um coletivo possível, o que acabou acontecendo foi que as demandas deles acabavam sendo
atendidas como se fosse a cessão de um espaço, como se ao fazerem o que quisessem
estivessem agindo. Assim aconteceu com o episódio do jogo de queimado, que era uma
atividade desejada por eles, mas que não fazia sentido dentro de uma idéia de participação no
coletivo, pois não surgiu de discussão, deliberação, e sim de pedidos aflitos e uma dose de
“pena” das coordenadoras que percebiam que eles precisavam de um pouco mais de espaço de
brincar.
95
Quando há uma maior abertura, mais liberdade e as vontades e individualidades
podem se expressar mais frouxamente (logo de início, essa é a impressão que a oficina
apresenta), essa confusão pode acontecer; tentativas desajeitadas de fazer valer seu desejo ou
impor sua vontade sobre os demais que desencadeiam a turbulência que observamos com
freqüência ao longo do trabalho: conflitos para ter seus desejos atendidos, saídas constantes
da sala, exigências de atividades que não condiziam com a proposta de fazerem algo juntos.
Se não se sentiam contemplados, não participavam, até o seu interesse voltar. Gabriele, do
G1, no dia em que brincamos com o teatro, onde eles representariam algum conflito vivido
por eles na escola, decidiu não fazer nada porque queria jogar queimado no pátio. Quando viu
que todas as amigas se divertiam no teatro, e que ninguém ficou com ela de cara feia, voltou
para o grupo, para ser a protagonista da peça.
Os conflitos que emergiam quando eles se confrontavam uns com os outros para
fazerem escolhas e ações para além dos desejos individuais mostravam o quanto era difícil
para as crianças lidar com os outros fora da mediação feita por uma forma de relação com os
adultos que controla tudo. Sem a presença marcante da professora para decidir, intervir nos
conflitos, dizer o que fazer, quem ocupava esse lugar eventualmente eram as próprias
crianças.
Para nós, por mais que acreditássemos na importância de uma proposta que permitisse
diálogo e encontro das crianças com aquele espaço maior, também tínhamos a sensação de
que muitas vezes não saíamos do lugar. É como se o funcionamento da escola - a sua
‘máquina de fazer aprender’ - atropelasse a nossa confiança em uma outra possibilidade de
participação das crianças naquele espaço. Como relatamos na trajetória, “o fato de não
mandarmos neles, não tomarmos todas as decisões ás vezes os deixa um pouco perdidos e a
nós também”.
96
As atividades de discussão coletiva, de negociação e de decisão pareciam às crianças
como falta do que fazer, como um tempo perdido, pois elas não pareciam acreditar que aquilo
poderia terminar em alguma coisa interessante. É como se, sem lápis nem papel, sem ordens
no quadro branco ou controle e silêncio, nada se pudesse fazer numa escola. A autoridade na
escola não deveria servir para isso, segundo Arendt. Ela é importante para conduzir as
crianças no seu aprendizado sobre o mundo, para dar ao professor a prerrogativa de ser
ouvido e atendido. Mas a autoridade que vimos acontecer na escola estava longe disso: ela
causava medo, constrangimento, anomia. Ela esperava obediência tácita dos alunos, mas de
uma forma que a sua capacidade de criar, de iniciar algo, de se expressar ficavam embotadas.
É essa autoridade que questionamos, pois acreditamos que a hierarquia do professor dada pela
sua experiência e responsabilidade não é incompatível com a participação dos alunos na
escola, de modo que eles sejam atores da sua aprendizagem e atuantes na cultura a qual estão
inseridos.
Percebemos em nossas atitudes como coordenadoras a necessidade de trazer algo
concreto para os encontros, que senão ficariam muito soltos e difíceis de serem coordenados.
Porém, a iniciativa de propor atividades em muitos momentos precipitou movimentos nos
grupos que talvez tivessem acontecido de outra maneira. A forma de coordenar os dois grupos
esteve pautada numa idéia de participação, trazida pelas coordenadoras, que tentava antecipar
para as crianças as atitudes que levariam o grupo a conseguir um efeito de participação.
Buscávamos instituir com eles ‘direitos’, deveres e responsabilidades que os induzissem a
fazer escolhas, para garantir uma certa justiça no grupo, para que houvesse espaço da
expressão de todos, ao invés de viabilizar ações que fizessem sentido para as crianças. Assim,
as votações e decisões coletivas acabavam expondo os conflitos pessoais que havia nos
grupos. É como se nós pudéssemos trazer para eles uma idéia de participação que seria
adotada por todos. Mas aprendemos na pesquisa-intervenção que também a participação
97
precisa ser construída, precisa fazer sentido para que as crianças se comprometam com ela.
Até porque participar é seguir em uma direção diferente da que costuma predominar na rotina
escolar.
Mesmo com essas dúvidas, o fato de termos na pesquisa uma postura diferente em
relação às crianças e às atividades com elas, só isso foi suficiente para provocar uma
ruptura na lógica institucional. Controle, desorientação, compreensão, responsabilidade foram
atitudes que observamos nas crianças a partir desta ruptura. As crianças não sabiam bem o
que esperar de nós a cada encontro porque não trazíamos ordens claras sobre o que fazer, nem
tantas demarcações sobre o que era permitido e o proibido. Então, no G1, o controle sobre
este espaço foi uma das alternativas encontradas por elas para lidar com a novidade. Como
isso não ia muito bem, devido aos constantes conflitos entre eles, percebemos um movimento
de maior compreensão das dificuldades de convivência e da necessidade de diálogo. E, por
serem consideradas difíceis pela escola (especialmente pela professora), os alunos do G2
ficaram mais inseguros sem o comando claro de Flora durante as oficinas. Chegando a um
ponto muito difícil de suportar isso, a atividade coletiva os comprometeu com algo que fazia
sentido para eles: experimentar fazer um jornal que falasse da escola e, mais, das coisas que
acontecem no país onde vivem, coisas das quais todos falam ao seu redor, mas não falam com
eles (o assunto presente no jornal era o chamado “escândalo do mensalão” do Governo Lula,
que na época tomava conta da mídia nacional).
3.5 Da discussão de regras aos sentidos compartilhados por um grupo: O espaço comum
Desde os primeiros contatos com a escola percebemos que o estabelecimento de regras
com as crianças para que as oficinas funcionassem seria uma questão importante e delicada.
98
Delicada porque a lógica institucional nos demandava uma postura disciplinadora. Enquanto
adultos responsáveis por uma atividade com as crianças que se tornou parte da rotina escolar,
éramos investidas de todas as demandas de controle e comando que são esperadas de um
professor daquela escola. Muitas vezes nas oficinas aconteciam momentos de maior barulho,
conversas, saídas da sala. Isto em geral era visto como desorganização, e algumas vezes
aparecia alguém para conferir a “confusão”.
Nós, por outro lado, o queríamos nos encaixar nessa postura. Era exatamente na
abertura de um regime de autoridade naturalizada que as oficinas se assentavam. Por isso,
coordenar os grupos foi uma tarefa difícil. Desde o início, como dissemos, nós, coordenadoras
nos deparamos com uma dúvida insistente por parte da escola (representada principalmente
pela professora Flora) se seríamos capazes de dominar os grupos, especialmente o G2, que
tinha mais meninos. Nele, a professora esteve muito presente. Flora acreditava que seria o
grupo mais difícil de controlar devido às situações de indisciplina com as quais lidava na sala
de aula. Assim, como já foi dito, ela esteve presente em muitos encontros e, com isso,
dificultou a vinculação das coordenadoras com as crianças.
Com esta interferência e a falta de confiança tanto das crianças quanto da escola - e no
início também por parte das coordenadoras, o G2 em alguns momentos esteve sem rumo. As
coordenadoras falavam sozinhas e as crianças faziam o que bem entendiam. Mas,
posteriormente, através da confecção do jornal, elas se comprometeram com a sua realização
de uma atividade em conjunto que fazia sentido para eles. A tentativa de construção de regras
foi importante para que isso ocorresse e funcionava como um termômetro dos grupos: a forma
com a qual eles reagiam às regras mostrava a sua disposição em fazer algo juntos.
Essa forma de reagir às regras trazidas para o grupo apresentou mudanças ao longo
dos encontros. No G1, a tônica desta questão esteve nas tentativas de burlar tanto as condições
mínimas que trouxemos como os acordos que eram estabelecidos em conjunto. A postura das
99
coordenadoras foi de iniciar com três regras básicas, que foram comunicadas nos primeiros
dias: as decisões a serem tomadas seriam discutidas no grupo, todos ali seriam escutados, e
nós confiaríamos na palavra deles.
Com esta combinação inicial, pretendemos estabelecer uma organização e um espaço
que se constituísse comum a todos, isto é, que permitisse liberdade e expressão das crianças,
mas com alguma conseqüência para todos. No entanto, a reação das crianças no G1 foi, como
dito anteriormente, de aproveitar esta liberdade para exercer a força da decisão em benefício
de cada um, sem se ocuparem de um grupo maior.
Daí veio toda a dificuldade com a questão das saídas de sala, por exemplo, pois
combinamos com as crianças que elas somente sairiam se realmente precisassem, e se nos
falassem. Aos poucos, quando perceberam que isso as permitia andar um pouco pelos
corredores, ver os colegas, ir ao pátio, logo os pedidos aumentaram e ficaram inviáveis; eles
iam e voltavam para a sala o tempo todo. Mas a escola não os suportava nos corredores - era
sempre signo de indisciplina. De novo, a pesquisa era vista como um trabalho que não tinha
muito controle sobre as crianças; e, ao chamarem a nossa atenção para isso, tivemos que
retomar a combinação, porque estávamos confiando na palavra deles, e quando um fugia ou
ficava brincando lá fora, descumprindo a sua palavra, os outros seriam prejudicados, pois a
regra que os permitia sair valia para todos. Esta relação das coordenadoras com as crianças
começou baseada numa confiança e responsabilidade que ainda eram frágeis ; na verdade, um
devir.
As tentativas de burlar as regras propostas nas votações e para as saídas de sala nos
levaram a pensar numa certa experimentação da liberdade que as oficinas representaram aos
olhos dos alunos. Eles percebiam um maior espaço de liberdade, provindo da estrutura que a
oficina propunha, decorrente também da postura das coordenadoras, que diferia
significativamente da professora quanto à exigência de uma disciplina mais ferrenha.
100
Acostumados a se expressar em espaços subjetivos restritos e controlados, os alunos
resolveram explorar esse campo novo que se apresentava diante deles, como que para testar
até onde podiam ir.
No outro grupo as coisas se passaram um pouco diferente. As dificuldades de
estabelecer algumas combinações no G2 eram mais evidentes. Nos primeiros dias, por
exemplo, para serem ouvidas, as coordenadoras combinaram que quando houvesse muito
barulho na sala elas levantariam o braço. Cada aluno que percebesse isso faria o mesmo, até
que todos dessem atenção a elas, então recomeçariam. Na primeira tentativa a idéia
funcionou, mas já na segunda vez do mesmo dia não teve efeito, e foi abandonada.
Sem algumas regras básicas que funcionassem para organizar o grupo, as crianças
pediam os limites da professora, mais conhecidos. Elas se remetiam muito à Flora, sugerindo
às coordenadoras, que, quando a bagunça estivesse atrapalhando o trabalho, usassem os
métodos de disciplinamento bem conhecidos por elas. Ir colocando as letras no quadro do
nome do aluno na medida em que ele bagunçava, até completar o nome, e ele então ter que
sair da sala para conversar com a inspetora ou orientadora da escola é um exemplo das
propostas que surgiram. Mas é interessante ver nesse grupo que a quando tarefa comum foi
trabalhada para acolher os interesses de cada um em discutir noticias do seu espaço ampliado,
e produzir algo que pudesse ter alguma visibilidade exterior à turma, o cumprimento das
regras ficou em segundo plano. Através das atividades de “nascimento do jornal”, que
mobilizou a todos, e da investigação das crianças sobre que notícias constituíam um jornal,
como elas poderiam fazê-lo, as crianças se implicaram e a discussão sobre disciplina se
esvaziou. Mesmo brincando na sala, saindo das carteiras e conversando, elas produziram. Este
detalhe é importante de ser apontado porque manifesta também uma maior tranqüilidade e
tolerância das coordenadoras em relação às atitudes dos alunos, que não precisam estar
imóveis e silenciosos, nem podem, para interagir num espaço comum, entre eles e conosco.
101
De um número de crianças que dividiam uma sala de aula, a um grupo que
compartilhasse sentidos, houve um caminho que teve de ser percorrido, mas não há uma
fórmula para se percorrer. A pesquisa-intervenção abriu o percurso, mas exatamente por ser
uma pesquisa, não conduziu, apenas propôs.
O que a pesquisa ofereceu às crianças foi um tempo de reflexão para que elas falassem
sobre a escola e tentassem fazer alguma coisa juntos a respeito do que era falado. Propôs abrir
um espaço que criasse alguns sentidos compartilhados, que permitissem o diálogo entre os
seus membros. Falar também é agir, nos lembra Arendt, e para dialogar é preciso reconhecer
que o outro não pensa como eu, mas também não está assim tão distante de mim.
Fazer com que as idéias e decisões dos grupos fossem levadas adiante sugere uma
consciência e responsabilidade sobre o que se pretende fazer que não é assim tão clara para as
crianças. Elas estão muito mais habituadas a fazer – ou não fazer – o que lhes é ordenado, que
é sempre uma referência forte para as suas atitudes. Estão acostumadas a ouvir: Silêncio! Ao
invés de: O que vocês acham disso?
Então pensar, discutir, escolher, decidir e fazer juntos percurso percorrido na
constituição deste espaço comum foi uma novidade tanto para elas quanto para nós. No G2,
especialmente, pudemos vivenciar com as crianças a dificuldade de não ordenar e não fazer
por atitudes características de relações de autoridade sustentadas numa hierarquia
naturalizada. Depois da experiência da perda de referências tão seguras, foi possível que o
grupo vivesse alguma responsabilização com as suas próprias propostas e dificuldades, e
pudesse se comprometer numa tarefa comum.
O nosso desafio foi achar meios para esse processo acontecer, e ao mesmo tempo,
lidar com as limitações inerentes à instituição escolar. O tempo todo nos perguntávamos:
Como se a palavra, como se autoriza as crianças a falar? E como se conseqüência ao
que é falado? Dar a palavra para nós significava inseri-la num contexto onde o que se fala é
102
escutado pelos outros, e levado em conta. É a expressão de um indivíduo, a partir das suas
experiências, sobre um mundo que ele compartilha com os outros. E dar conseqüência tem a
ver com valorizar as crianças, e fazer com que a expressão delas possa transformar algo neste
espaço, possa fazer dele um espaço comum.
Foi importante falar sobre a escola deles e fazer alguma coisa com isso que foi falado.
A participação na escola é viável nesse sentido, como uma busca de ampliação de sentido, de
compartilhamento e de ações possíveis que integrem e aproximem. É uma tentativa de sair do
‘cada um’ para um ‘nós’, contextualizado naquele espaço comum.
O jornal deste grupo, realizado com matéria-prima retirada dos interesses
compartilhados, foi posterior a um momento de caos. Através do recurso do jornal, uma maior
integração aconteceu, gerando compreensões compartilhadas sobre questões que os
interessavam, e isso permitiu a construção de um espaço onde elas puderam “aparecer” para
um espaço ampliado, a escola, através do jornal.
Toda vez que precisávamos explicar qual era a nossa proposta de pesquisa, o mesmo
pensamento vinha à cabeça: não entenderam...
Sabemos, a partir da idéia de infância que é característica da instituição escolar, e do
papel que se atribui a esta instituição, que participação e infância não são palavras comumente
associadas, pois à criança não caberia participar do mundo de alguma forma, e sim se preparar
para ele no futuro
15
. Quando muito, é pensado que as crianças participam da sua própria
aprendizagem, podem ser ativas em aula se fazem perguntas e tomam iniciativas de auxílio ao
professor e aos colegas. Certamente isto pode ser considerado como uma forma de
participação, mas não exatamente no sentido que estamos trabalhando.
Propor uma pesquisa sobre participação também tem por efeito fazer as pessoas se
perguntarem sobre o que isso significa. Nesta escola, as primeiras associações eram relativas
15
Conforme discutido no capítulo 2 desta dissertação.
103
ao que foi descrito acima. Mas aos poucos, como pudemos perceber ao longo dos encontros
com a diretora, e especialmente na oficina com os professores, transpareceu uma outra forma
possível de participação: a que diz respeito a saber sobre o seu mundo, e agir nele. Isso não é
tarefa simples, nem para adultos nem para crianças. Participar pressupõe abrir-se para um
espaço maior, para outras pessoas com seus desejos e conflitos.
Após o encerramento dos encontros com as crianças, como continuidade da parceria
com a escola, o NIPIAC realizou uma oficina com os professores do primeiro seguimento
16
no início do ano letivo de 2007. O sentido da oficina era trabalhar com os professores sobre o
que eles entendem por participação, que, enfim, funcionava como mote do nosso trabalho.
Assim, eles poderiam vivenciar de alguma forma o que estávamos trabalhando com as
crianças, e que seguiu acontecendo no ano letivo de 2007 com outra turma.
No encontro com as professoras, iniciamos propondo que elas se dividissem em dois
grupos e montassem um painel com imagens (oferecidas por nós) que representassem
algumas situações vividas por elas, e sobre o que poderiam fazer juntas a respeito delas.
Depois, elas apresentaram os dois painéis. Um grupo se colocou como participante da vida
coletiva e da escola. O nome escolhido para o painel foi “Responsabilidade de todos”,
atestando a intenção de se mostrarem sujeitos ativos, como professoras, na sala de aula, como
categoria profissional, e como cidadãs. O outro grupo foi mais pessimista, seu painel se
chamava “SOS Planeta” e apontava os percalços enfrentados na participação da vida em
comum. Surgiram muitas queixas quanto à participação dos outros: dos pais, do Estado, dos
vizinhos... Uma professora reclama dos pais que chama para oficina de culinária. Muitos vêm
aprender a fazer os alimentos, e até geram renda com isso, mas alguns não querem nem saber,
e dizem: Eu vim aqui só para comer!
16
Da Educação Infantil até a quarta série, incluindo a Educação Especial.
104
Mas essa queixa, em seguida, desliza. Esta mesma professora, ao comentar sobre a
(des)mobilização dos professores na própria escola, quanto à construção do currículo que será
trabalhado com as crianças, brinca:
Na verdade, nós viemos aqui, muitas vezes, só para comer...
Essa rica discussão dizia respeito apenas à participação dos adultos. Pensar em
crianças agindo é algo definitivamente estranho à escola. Além disso, ficou claro na oficina
com as professoras que é um desafio pensar na participação mesmo para os adultos em um
mundo onde a democracia está sempre no horizonte.
Nós exercitamos nesta escola a criação de espaços de expressão e ação coletivos, a
idéia de dar conseqüência ao que se fala e se faz. Mas testemunhamos o quanto isso é
desafiador e difícil, pois pudemos perceber que não conseguíamos ter a clareza durante o
processo de estar mesmo fazendo isso com as crianças. Mas nas supervisões, que durante a
pesquisa foram semanais, podíamos refletir e direcionar o trabalho com o grupo de crianças
para a reflexão e a participação para além das questões disciplinares. Foi assim que
sustentamos o nosso objetivo inicial de ver como se daria a possibilidade de formarmos um
coletivo com as crianças que olhasse para a escola como um espaço ampliado, comum, e se
habilitasse, com o nosso auxílio, a intervir nele.
Antes do encontro final com as crianças e da oficina com os professores, tivemos a
última reunião com Flora, para perguntá-la o que tinha achado da realização da pesquisa e
como ela estava vendo os seus alunos. Ela respondeu que os via mais ativos, mais
participativos na aula, mais desafiadores... mais atrevidos!
Essa é a melhor definição que ela encontra para os alunos, e identifica esta mudança
com a realização da pesquisa. Rindo do jeito dos seus alunos, ela nos conta, então, que um
dia na aula e as crianças estavam impossíveis. Ela tinha gritado, posto nome no quadro,
105
feito de tudo. Nada os acalmava. Então, como também é uma prática sua recorrente, ela pára
tudo e diz:
Vocês não estão se comportando, não me ouvem e fazem o que
querem, então agora vão ter um teste surpresa! (Na verdade, um
teste-castigo). Qual não foi a sua surpresa ao ouvir de Taylor, aluno
do G2: Gente, vamos votar pra ver quem quer fazer o teste-surpresa!
Todos riem, falam juntos, se movimentam... Ela então intervém: aqui
não vão votar nada, eu decido e está decidido! Teste surpresa pra
todo mundo!
Ela nos conta e ri... O que fizemos com os seus alunos? Nos parece que eles
entenderam bem a lógica dessa relação, mas já sabem que pode haver outras possibilidades. O
que percebemos na professora foi a sensação de que ela perdia um pouco do controle sobre
eles, e isso a preocupava. Pudemos perceber, na forma como foi conduzido o encontro final,
que de alguma forma ela tentava mostrar a eles e também a nós que ainda tinha força sobre a
sua turma, e que queria preservar isso. Compreendemos esta posição, e percebemos que era
importante envolver mais os adultos desta escola se desejássemos seguir trabalhando lá.
3.6 Não é possível impor a participação
Tu falas às crianças como se tivesse um velho livro
Na cabeça e um polícia no coração...
17
Dentre as questões institucionais que atuaram na pesquisa, o tempo foi um fator que
interferiu claramente no andamento do trabalho. O tempo de escola é diferente do tempo de
pesquisa - a organização por ano letivo imprime um ritmo mais forte ao fim do ano, as
agendas começam a se atropelar, as reuniões ficam mais limitadas e a época de provas faz
17
Esta citação é um trecho de J. Santos trazido por P. Martins (1999) em seu artigo sobre os discursos
psicológicos em torno da infância, que consta nas referências.
106
tudo o mais na escola parar. De outro lado, a pesquisa exige um ritmo definido, uma
freqüência regular, no mínimo que se possa seguir com os encontros. Mas o tempo da
pesquisa é limitado também, e esta precisava de um planejamento que fosse viável para
acontecer na escola em apenas um semestre, por isso foi pensado em doze encontros de uma
hora e meia, para ocupar o tempo que vem depois do intervalo. No entanto, não foi possível
realizar o total de encontros, porque houve muitos cancelamentos por parte da escola. Estes
‘buracos’ na freqüência eram contornados na seqüência do trabalho, mas a interrupção
abrupta dos encontros prejudicou muito o final. Sabemos que nas últimas semanas do ano
letivo as urgências se atropelam, e isso se repete ano a ano sem que as escolas, em geral,
consigam se preparar para isso. De repente, depois de anunciarmos para as crianças que
teríamos apenas mais três encontros, aquele e mais dois, fomos surpreendidos por um
telefonema que nos avisava de que as aulas tinham acabado. Na semana seguinte, seriam
aplicadas as provas diariamente, até o intervalo, e depois as crianças seriam liberadas. Como
assim, não sabiam disso antes?
Sem termos muito tempo para pensar, perguntamos à professora se era possível que
em algum desses dias as crianças ficassem até o fim. Ela, mostrando a sua força, disse que se
ela mandasse, eles ficariam. Queríamos pelo menos montar o jornal e fazer os cartazes para
deixar pelos corredores, que não teriam alunos em aula para visitarmos em campanha pelo
cuidado com o banheiro. Avaliamos que seria importante nos despedirmos das crianças e
darmos o trabalho por encerrado. Mas no dia essa se mostrou uma péssima idéia.
As crianças foram obrigadas a ficar, e muitas nem assim permaneceram, pois tinham
apenas uma forma de ir para casa, como por exemplo, as do ônibus escolar. As que tiveram
que ficar estavam frustradas, muito bravas conosco porque as impedimos de ir mais cedo para
casa, até porque no dia seguinte haveria outra prova que exigia estudo.
107
Este encontro, para o G1 foi o mais complicado, elas não tinham muito interesse em
concluir as propostas, pois não houve a construção de um efetivo comprometimento com o
que pretendia fazer. Assim, a muito custo alguns cartazes foram feitos, entre mil pedidos de
liberação para casa. Neste grupo, não se construiu uma idéia de conclusão.
no G2, com muita dificuldade, o jornal foi montado, e aconteceu porque eles
efetivamente tinham se comprometido com esta proposta. Aos poucos, o jornal os envolveu
como uma atividade importante, mas a sua divulgação teve que ocorrer apenas entre eles
mesmos, o que não era o objetivo do grupo. Mesmo assim, na apresentação eles puderam de
certa forma completar um ciclo, que incluiu o debate, os conflitos, o trabalho em comum, a
discussão e a execução de algo que refletisse as suas percepções sobre a escola que eles
freqüentavam.
Ficamos com a sensação de que as oficinas, que se propunham a abrir possibilidades
de outras relações entre adultos e crianças, no seu final, aconteceram por uma atitude de força
da professora em relação aos alunos. A grande insatisfação deles em relação a esta atitude, a
serem obrigados a ficar além do horário combinado, soou para nós como reação a um castigo,
mais que como compromisso com a conclusão de um trabalho. Sem a chance de vermos com
eles como poderíamos terminar o jornal e a campanha, a imposição de Flora mostra como os
interesses e posições dos adultos muitas vezes não condizem com o que as crianças querem e
podem, e isso, na nossa opinião, precisa ser mais considerado na tomada de decisões
cotidianas da escola. essa desconsideração estrutural, institucionalizada, nem mesmo
percebida, justifica que se tenha um intervalo de 20 minutos para as crianças, algo de que elas
reclamam constantemente, e que, por exemplo, se lave os bebedouros da escola com as
mesmas vassouras que se usa no chão.
108
A criação de espaços mínimos para a participação das crianças na escola, em conjunto
com os adultos, com quem compartilham o mundo escolar, permitiria uma reflexão dos
adultos em relação a como este espaço se apresenta para as crianças. E poderia também
destacar certas questões que parecem menores diante da tarefa educacional, mas que com a
devida importância modificariam significativamente a vivência do processo de aprendizagem
das crianças, para melhor.
Muitas coisas elas têm a dizer sobre o funcionamento da escola, se forem perguntadas.
E o efeito disso poderia ser um maior comprometimento delas com este espaço e com a tarefa
que elas têm de cumprir: conhecer este mundo da qual fazem parte e que, aberto à sua
expressão, causa muito mais curiosidade e interesse.
109
4. O QUE NÓS, ADULTOS, FAZEMOS COM AS CRIANÇAS?
A presença de outros que vêem o que vemos e que ouvem o que
ouvimos garante-nos a realidade do mundo e de nós mesmos.
Arendt, 2004a p.60.
Quando Flora nos perguntou o que nhamos feito com os seus alunos, ficamos
pensando que esta questão seria importante. O que fizemos com eles, em que sentido? No
sentido de uma ação sobre um sujeito passivo ou de um compartilhamento de ações, no
sentido da participação? Nós intervirmos através da pesquisa no cotidiano escolar de algumas
crianças, propiciando a elas a experiência de uma outra relação com adultos que lhes desse
maior liberdade de ação e expressão. Vimos que isto não é fácil, e que o espaço para a criação
no cotidiano escolar é, não só restrito, como, de certa forma, assustador. Acostumados ao uso
do controle para mediar as relações, tanto crianças como os adultos estranham atitudes de
suspensão nesta ordem e não sabem bem como agir. Propor uma pesquisa-intervenção exige
que se assuma uma responsabilidade com os possíveis efeitos dela para os sujeitos
pesquisados. No último encontro, Flora nos disse que eles estavam mais atrevidos. Também
mais ativos, mais participativos na aula. E nos conta que não aceitaram assim tão
passivamente o castigo que ela lhes impôs.
Com menos controle, que, como vimos no cotidiano da escola, tem se mostrado
excessivo neste ambiente, as crianças puderam participar mais da sua própria aprendizagem,
se comprometer com o que faziam ali como sujeitos ativos, e não como puros aprendizes. Este
é o sentido último do trabalho realizado: viabilizar a participação das crianças na escola não
leva somente à construção de um espaço público no campo educacional, pode levar também a
um maior comprometimento das próprias crianças com a sua aprendizagem. As crianças (e
110
também os adultos) podem aprender com os espaços de participação, pois estes permitem o
reconhecimento da pluralidade com a qual elas convivem no meio educacional.
O estranhamento que isso causa na professora nos revela a importância de trabalhar
não as crianças mas também os professores em relação à participação na escola, atividade
que realizamos posteriormente e que nos mostrou que participar é difícil também para os
adultos.
Para que se possam rever as relações entre crianças e adultos na escola, que se ter
na verdade um movimento importante da parte dos adultos. É deles que vêm as teorias e
práticas que dizem como temos que lidar com as crianças. É através da leitura do nosso
passado e presente no que diz respeito à compreensão e ao trato com a infância que podemos
encontrar discussões teóricas e experiências que nos mostram o quão desajustadas estão as
nossas relações com as crianças nos dias de hoje. A tradição, como vimos com Arendt, não
mais dita as regras do presente e, portanto, não exige pura repetição. Na escola, ainda temos a
responsabilidade de transmitir aos novos os conhecimentos sobre o nosso mundo, só que isso
se através do exercício de uma autoridade que não se sustenta mais nos mesmos pilares
modernos, e por isso, precisa ser revista. Como dissemos, a autoridade possível para o
sistema educacional hoje se sustenta mais na responsabilidade que o adulto assume em
transmitir um mundo que não parece mais seguir em direção a um progresso, que tem as suas
contradições expostas como nunca e do qual ele não só faz parte, mas também a criança.
Se as condições de transmissão do conhecimento não são mais as mesmas, se a
tradição não sustenta sozinha as nossas certezas sobre o mundo, e se a autoridade não está
mais garantida por uma hierarquia naturalizada, isto significa que muita coisa mudou, ou
deveria ter mudado, para a Educação. Esta é a face mais evidente da crise educacional. A
menos evidente é a que aponta para as conseqüentes transformações dos lugares de criança e
de adulto diante das transformações sociais que vem ocorrendo ao longo dos últimos anos. A
111
ordem das gerações, que segue ocorrendo no mundo, perdeu algo do seu ritmo costumeiro
quando deixou de ser natural: hoje em dia não é necessário primeiro crescer para depois saber.
No mundo contemporâneo, o saber se distribui por diversos agentes, e chega inclusive para as
crianças. Seja através da mídia ou de outras atividades que elas têm fora da escola, o mundo
pode ser muito mais explorado pelas crianças de hoje. No jornal, as noticias sobre a escola e
sobre o país mostravam que as crianças sabiam muito sobre o que se passava ao seu redor.
Mas a prática educativa não prescinde da autoridade do professor. Sem ele para guiar
as crianças, talvez a compreensão sobre o mundo, tão difícil, ficasse inviável. Mas educar
não precisa ser sinônimo de controlar, de dizer o que fazer e tomar todas as decisões. Esse foi
o desafio maior da pesquisa-intervenção com a turma da quarta série. A Educação se manteve
em crise porque ainda não conseguiu se rever de maneira efetiva; nela estão depositadas
grandes expectativas, mas poucos investimentos concretos, mais ou menos como acontece
com a infância.
Desenvolvemos toda a discussão deste trabalho partindo de Arendt. Nos afastamos um
pouco para rever as idéias de infância que aparecem em sua obra, no sentido de refletir e
atualizar o discurso sobre a infância na atualidade, que questiona a preponderância do modelo
desenvolvimentista e se abre para uma perspectiva das relações geracionais, ligada às
capacidades infantis no presente, e que nos permite vislumbrar na criança um ator social
capaz de ter expressão no mundo que ela compartilha com as outras gerações. Retornamos
então à obra de Arendt, valorizando a responsabilidade, a defesa do espaço público e a
pluralidade, como recursos essenciais para recolocar a questão da crise educacional e da
relação entre crianças e adultos. A sua obra continua tendo uma força e uma vitalidade que se
oferecem como importantes eixos de análise e compreensão do mundo contemporâneo.
A acolhida às novas gerações é uma função política, nos diz Arendt. Isto quer dizer
que a forma como se faz esta acolhida manifesta uma posição política em relação à infância.
112
A responsabilidade dos adultos na Educação hoje, na nossa opinião, passa por uma postura
que trate a escola como um espaço público, compartilhando este espaço e aprendendo com ele
e com as crianças.
A convivência também é uma maneira de aprender.
Através da pluralidade e da visibilidade, conceitos arendtianos, poderemos encontrar
possibilidades de um redimensionamento das distâncias entre Política e Educação. Eles
remetem às questões essenciais do ser humano, como diz Brayner (2001), enquanto ser de
relações e de ação, realizável no espaço do "entre nós", ali onde construímos, a partir de
perspectivas diversas, um mundo comum.
A Educação, então, faz política enquanto acolhe os novos, atestando a dimensão
pública da questão geracional. Para Arendt, ela é política até aí, mas para nós ela pode ter um
caráter político quando se transforma em um espaço público e permite que a infância faça
parte da pluralidade humana como uma diferença geracional.
Um espaço compartilhado se forma através de perspectivas distintas e plurais. Neste
sentido, a escola pode ser pensada como um lugar para o exercício político, que
proporciona aos seus atores contato com as diferenças e com possíveis causas comuns que os
mobilizem. Argumentamos em defesa deste espaço público juntamente com Brayner:
Contra o colapso da possibilidade de significar o mundo que a escola precisa
mesmo diante de um desorientador embaralhamento de fronteiras manter
aceso o interesse comum. Brayner (2001).
O que nós, adultos, faremos com as crianças, ou seja, no convívio com elas, depende
do que pretendemos fazer com o nosso mundo comum que, provavelmente, nunca precisou
ser tão cuidado.
113
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