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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ
CENTRO DE CIÊNCIA DA SAÚDE
DEPARTAMENTO DE ENFERMAGEM
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENFERMAGEM
ANA LÚCIA CARDOSO NOGUEIRA DA SILVA
CONVIVENDO COM A AIDS E SEU TRATAMENTO: EXPERIÊNCIA DE
PORTADORES E FAMILIARES
MARINGÁ
2007
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1
ANA LÚCIA CARDOSO NOGUEIRA DA SILVA
CONVIVENDO COM A AIDS E SEU TRATAMENTO: EXPERIÊNCIA DE
PORTADORES E FAMILIARES
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em enfermagem, Área de
Concentração: enfermagem e o processo do
cuidado do Departamento de Enfermagem do
Centro de Ciência da Saúde da Universidade
Estadual de Maringá – PR, como parte dos
requisitos para obtenção do título de Mestre
em Enfermagem.
Orientadora: Profª Drª Sônia Silva Marcon.
MARINGÁ
2007
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2
Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)
(Biblioteca Central - UEM, Maringá – PR., Brasil)
Silva, Ana Lúcia Cardoso Nogueira da
S586a Convivendo com a Aids e seu tratamento: experiência de portadores e familiares /
Ana Lúcia Cardoso Nogueira da Silva. -- Maringá : [s.n.], 2007.
105 f. : il.
Orientadora: Profª. Drª. Sônia Silva Marcon.
Dissertação (mestrado) – Universidade Estadual de Maringá. Programa de Pós-
Graduação em Enfermagem, 2007.
1. Aids (Doença) - Enfermagem. 2. Cuidador familiar. 3. Adesão. I. Universidade
Estadual de Maringá. Programa de Pós-Graduação em Enfermagem. II. Título.
CDD 21.ed. 610.73699
3
ANA LÚCIA CARDOSO NOGUEIRA DA SILVA
CONVIVENDO COM A AIDS E SEU TRATAMENTO: EXPERIÊNCIA DE
PORTADORES E FAMILIARES
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em enfermagem, Área de
Concentração: enfermagem e o processo do
cuidado do Departamento de Enfermagem do
centro de Ciência da Saúde da Universidade
Estadual de Maringá – PR, como parte dos
requisitos para obtenção do título de Mestre
em Enfermagem.
Aprovado em: 26/03/2007.
BANCA EXAMINADORA
Profª. Drª Sônia Silva Marcon.
Universidade Estadual de Maringá – UEM
Profª. Drª Edir Nei Teixeira Mandu.
Universidade de Mato Grosso - UMT
Profª. Drª Magda Lucia Fêlix de Oliveira.
Universidade Estadual de Maringá - UEM
4
Aos meus queridos pacientes e amigos, fonte de minha inspiração na
construção deste trabalho.
Obrigada por terem me proporcionado o crescimento pessoal e profissional, ensinamentos que
ficarão para sempre, como conviver com a Aids.
Nunca me esquecerei daqueles que já se foram e deixaram ensinamentos valiosos para mim.
Eterna saudade!
5
AGRADECIMENTOS
Quero deixar aqui consignados meus mais sinceros sentimentos de amizade e
gratidão a quantos comigo estiveram presentes ao longo da realização deste Mestrado,
principalmente:
- a Deus, pela vida e pelas inúmeras oportunidades de crescimento e pelas conquistas
alcançadas;
- à Professora Dra. Sonia Silva Marcon, coordenadora e companheira, que me
acompanhou desde o momento em que perdi meu filho na prova de mestrado, na defesa e na
dissertação! Nossa história não podia ser diferente. A Sônia é especial!;
- à Professora Dra. Maria Angélica Pagliarine Waidman, pela disponibilidade em me
ajudar, pelas lágrimas que enxugou e pelos conselhos que me deu, sou eternamente grata;
- à Professora Dra.
Magda Lúcia Felix de Oliveira, sempre companheira, surgindo
como uma luz no fim do túnel;
- à Professora Dra. Luzia Marta Bellini, pelo carinho que depositou neste trabalho;
- ao Programa de Mestrado em Enfermagem da Universidade Estadual de Maringá,
por me proporcionar a oportunidade de realizar este trabalho, e a todos os professores que
fazem parte deste programa, com os quais foi muito bom conviver e aprender;
- aos participantes deste estudo, que através de seus relatos me proporcionaram a
construção deste trabalho;
- aos colegas do Mestrado da turma de 2006, pelas experiências divididas;
- à minha amiga Marla, que muito fez para que eu pudesse chegar até aqui;
- aos meus amigos da Coordenação Municipal de DST/Aids, pela descontração de
muitos momentos e pelo incentivo, pois, mesmo de longe, sei que torceram por mim;
- a meu esposo Narci, por ter me proporcionado meios para que eu pudesse realizar
este desejo, não poupando esforços para me ajudar, respeitando minha correria, acalentando
meus anseios e angústias, e sempre acreditando em mim;
- aos meus filhos, Gabriela e João Victor, seres amados que alegram minha vida;
sou-lhes grata pela amizade, amor e carinho que me dão, pelo incentivo e pela torcida, e peço
desculpa pelas ausências necessárias à construção deste estudo; sem eles nada valeria a pena;
-aos meus pais e meus irmãos, por me terem dado o aconchego de um lar e o amor de
uma família e por nos ensinarem a viver em família; são pessoas muito especiais para mim,
pela amizade, cumplicidade e incentivo;
6
- à minha sogra, aos meus cunhados, cunhadas e sobrinhos por sermos família, por
terem me proporcionado meio para que eu pudesse realizar esse desejo, ficando com meus
filhos e marido na minha ausência;
- à amiga Chrystianne, por ser a minha companheira de estrada, mesmo no frio e na
chuva; valeu sua torcida, incentivo e amizade;
- à amiga Maria Tereza, por ter me proporcionado segurança, aconchego e amizade e
as acolhedoras estadias.
7
Solidariedade, amigos, não se agradece,
comemora-se.
Betinho
8
RESUMO
SILVA, A. L. C. N. CONVIVENDO COM A AIDS E SEU TRATAMENTO:
EXPERIÊNCIA DE PORTADORES E FAMILIARES. 2007. 105f. Dissertação (Mestrado) –
Departamento de Enfermagem, Universidade Estadual de Maringá, Maringá, 2007.
O objetivo do estudo foi compreender os aspectos que influenciam pacientes com
Aids e seus familiares na adesão ou não-adesão à terapêutica anti-retroviral. Trata-se de um
estudo descritivo-exploratório, de natureza qualitativa, desenvolvido junto a 10 indivíduos
portadores do HIV/Aids acompanhados pelo Serviço de Atendimento Especializado em Aids
(SAE) da cidade de Campo Mourão - PR e seus respectivos cuidadores familiares. Os dados
foram coletados em duas etapas, nos meses de junho de 2006 e abril de 2007, utilizando
fontes documentais do SAE para descrever os usuários, e dois roteiros de entrevista, um
aplicado às pessoas portadoras de Aids e outro a seus cuidadores. As entrevistas, do tipo
entrevista semi-estruturada, foram realizadas individualmente com o portador e,
posteriormente, com o familiar, no domicílio, de acordo com a disponibilidade dos
informantes e da pesquisadora. Elas tiveram a duração média de 40 minutos e, mediante
prévio consentimento, foram gravadas. Na seleção dos informantes considerou-se como
condição eles comparecerem ao serviço durante o período destinado à coleta de dados
acompanhados dos respectivos cuidadores familiares. Para a análise dos dados utilizou-se
como referencial a Análise Temática, conforme Minayo (2004). O desenvolvimento do estudo
obedeceu aos preceitos éticos disciplinados pela Resolução 196/96, e o projeto foi
aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Estadual de
Maringá (Parecer 208/2006). Fizeram parte do estudo dez indivíduos (sete homens e três
mulheres), com idades entre 26 e 60 anos, sendo sete casados, dois em estado de união
consensual e um desquitado. Em relação à escolaridade, seis haviam completado o Ensino
Fundamental e quatro o Ensino Médio. Quanto aos(às) cuidadores(as), nove eram
companheiros(as) e uma era irmã do portador; tinham idade entre 25 e 60 anos e baixa
escolaridade, e nenhum estava no mercado formal de trabalho (duas mulheres trabalhavam
como domésticas, porém sem registro em carteira). A análise dos depoimentos permitiu a
identificação de duas grandes categorias. A primeira está apresentada sob o título “Impacto da
descoberta da sorologia positiva para o portador e sua família”, e nela se mostra que, apesar
9
da atual estratégia do Programa Nacional de DST/Aids de valorização da prevenção, dos 10
entrevistados, sete se descobriram portadores após a ocorrência de doenças oportunistas, duas
mulheres durante o pré-natal e somente um no Centro de Testagem e Aconselhamento. Esta
categoria está constituída por três subcategorias, representadas pelos subtítulos: 1)
Descobrindo-se portador de HIV/Aids uma fatalidade não esperada; 2) Depois da
tempestade vem a bonança: Sentimentos diante da descoberta da sorologia positiva; e 3) Os
percalços da convivência com a Aids, em que se mostra a interferência da condição de ser
portador de HIV/Aids em suas concepções sobre saúde e as mudanças ocorridas no cotidiano
para a adaptação ao diagnóstico do HIV pelo portador. A segunda categoria está sob o título
Adesão e não-adesão à terapêutica anti-retroviral: as duas faces de uma mesma vivência,
em que se mostra o portador de HIV/Aids convivendo, no cotidiano, com dificuldades
emocionais, financeiras, físicas e até religiosas. Esses fatores interferem no processo de
adesão à terapêutica ARV e deram origem às subcategorias denominadas: 1) Fatores
facilitadores e dificultadores da adesão”; 2) O paciente criando estratégias para facilitar a
adesão”; 3) A importância da religiosidade e da rede social como condição para a adesão”.
Diante dos resultados encontrados e de 10 anos de trabalho no Serviço de Ambulatório
Especializado, posso dizer que, mesmo prestando um cuidado humanizado junto com a equipe
multidisciplinar, nunca esperava encontrar resultados tão evidentes de não-adesão, com falhas
importantes entre o cuidado prestado na forma de orientações e o cuidado apreendido e
colocado em prática pelos entrevistados. Os resultados demonstram que o ser humano deve
ser trabalhado dentro do seu contexto biopsicosocioespiritual, em um processo continuo de
aprendizado entre o cuidador e o ser cuidado.
Palavras-chave: Família. Adesão. Aids.
10
ABSTRACT
SILVA, A. L. C. N. ADHESION TO THE ANTI-RETROVIRAIS AND
VULNERABILIDADE IN PATIENT AIDS. 2007. 105f. Dissertation (Master's degree in
Enfermagem) - Department of Enfermagem., State University of Maringá, Maringá, 2007.
The objective of this study was to understand the aspects that influence patients with Aids and
their relatives whether or not to take part in antiretroviral therapy. It is an exploratory-
descriptive study, of a qualitative nature, undertaken with 10 bearers of HIV/Aids, monitored
at the Specialized Care Service (SCS) for Aids in Campo Mourão, Paraná State, and their
respective family caretakers. Data was collected in two stages, during the months of June
2006 and April 2007, using SCS document sources to describe the users, and two interview
scripts one for people living with Aids and another for their caretakers. The interviews, of
the semi-structured type, were conducted individually with the patient, and later with the
relative, in the home, according to the availability of both subjects and researchers. They
lasted on average 40 minutes, and were recorded after consent was given. When selecting
subjects, the fact that they attended the data collection stages along with their family caretaker
was taken in consideration. The Thematic Analysis, according to (MINAYO, 2004) was used
as reference for data analysis. The development of the study followed the ethical precepts
underlined by Resolution n° 196/96, and the project was approved by the Committee of Ethics
in Research with human beings of the State University of Maringá (decision 208/2006). Seven
men and three women took part in the study, with ages between 26 and 60; seven were
married, two were in stable unions and one was divorced. In regard to education, six of them
had completed middle school and four had graduated from high school. As for the caretakers,
nine were companions and one was a sister of the subject; they were between 25 and 60 years
old, had little formal education and none of them were officially employed, although two of
them worked as cleaning ladies, but without formal work registration. The analysis of the
interviews allowed the identification of two broad categories: a) The impact of the discovery
of positive status for the bearer and his/her family, showing that in spite of the current
strategy by the National Program for STDs/Aids of valuing prevention, out of the 10
interviewees, seven found out their positive HIV status after the occurrence of opportunistic
diseases, two women during prenatal care and only one at the Center for Testing and
Counseling. This category is comprised of the following sub-categories: Being diagnosed as
11
an HIV/Aids bearer an unexpected fatality; The calm after the storm: Feelings upon the
discovery of the positive diagnosis and the challenges of living with Aids, which evidence the
influence of the condition of being a bearer of HIV/Aids in their conceptions of health and the
changes in the bearer’s daily life as an adaptation to the diagnosis of HIV; b) Participation and
non-participation in antiretroviral therapy: two faces of the same existence, which shows the
bearer living with HIV/Aids in his/her daily life, with emotional, financial, physical and even
religious difficulties, factors that interfere in the process of participation in ARV therapy, and
that gave origin to the following sub-categories: Facilitating and dissuading factors for
participation; The patient creating strategies to facilitate participation; The importance of
religiosity and a social network as conditions for participation. In views of the results and
having worked for 10 years in the Specialized Service Clinic, I can say that even when
rendering humanized care along with a multidisciplinary team, I never expected to find such
evident results of non-participation, with important flaws between the care rendered in the
form of instructions and the care that is learned and put in practice by patients. The results
demonstrate that the human being should be instructed within his/her bio-psycho-social-
spiritual context, in a continuous learning process between the caretaker and person being
cared for.
Keywords: Family. Participation. AIDS.
12
RESUMEN
SILVA, A. L. C. N. CONVIVIENDO CON EL SIDA Y SU TRATAMIENTO:
EXPERIENCIA DE PORTADORES Y FAMILIARES. 2007. 105f. Disertación (Máster en
Enfermería) - Departamento de Enfermería, Universidad Provincial de Maringá, Maringá,
2007.
El objetivo del estudio fue comprender los aspectos que influyen pacientes con SIDA
y sus familiares en la adhesión y no-adhesión a la terapéutica antiretroviral. Se trata de un
estudio descriptivo exploratorio, de naturaleza cualitativa, desarrollado junto a 10 individuos
portadores del HIV/SIDA, acompañados en el Servicio de Atendimiento Especializado en
SIDA (SAE) en la ciudad de Campo Mourão-PR y sus respectivos cuidadores familiares. Los
datos fueron colectados en dos etapas, en los meses de junio de 2006 y abril de 2007,
utilizando fuentes documentales del SAE para describir los usuarios, y dos guiones de
encuesta, uno aplicado a las personas viviendo con SIDA y otro a sus cuidadores. Las
encuestas, del tipo semiestructuradas, fueron realizadas individualmente con el portador y,
posteriormente, con el familiar, en el domicilio, de acuerdo con la disponibilidad de los
informantes y de la investigadora. Ellas tuvieron una duración media de 40 minutos y después
del consentimiento fueron gravadas. En la selección de los informantes se consideró el hecho
de que ellos compareciesen en el servicio durante el período destinado para colecta de datos
acompañados de su respectivo cuidador familiar. Para el análisis de los datos se utilizó como
referencial el Análisis Temático, conforme (MINAYO, 2004). El desarrollo del estudio
obedeció a los preceptos éticos disciplinados por la Resolución 196/96 y el proyecto fue
aprobado por el Comité de Ética en Investigación con seres humanos de la Universidad
Estadual de Maringá (parecer 208/2006). Hicieron parte del estudio siete hombres y tres
mujeres, con edad entre 26 y 60 años, siendo siete casados, dos con unión consensual y uno
divorciado. Con relación a la escolaridad, seis cumplieron la enseñanza fundamental y cuatro
la enseñanza media. Cuanto a los cuidadores, nueve eran compañeros y una hermana del
portador, tenían edad entre 25 y 60 años, baja escolaridad y ninguno de ellos está en el
mercado formal de trabajo, aunque dos trabajen como empleadas domésticas, pero sin registro
en el carné de trabajo. El análisis de las deposiciones permitió la identificación de dos grandes
categorías: a) El impacto de la descubierta de la serología positiva para el portador y su
13
familia, mostrando que, a pesar de la actual estrategia del Programa Nacional de DST/SIDA
de valorización de la prevención, de los 10 entrevistados, siete se descubrieron portadores
después de la ocurrencia de enfermedades oportunistas, dos mujeres durante el prenatal y
solamente uno en el Centro de Testaje y Consejo. Esta categoría está constituida por las
subcategorías: Descubriéndose portador de HIV/SIDA una fatalidad no esperada; Después
de la tempestad viene la calma: Sentimientos delante de la descubierta de la serología positiva
y Los percances de la convivencia con el SIDA, que muestran la interferencia de la condición
de ser portador de HIV/SIDA en sus concepciones sobre salud y los cambios ocurridos en el
cotidiano para la adaptación al diagnóstico del HIV por el portador; b) Adhesión y no-
adhesión a la terapéutica antiretroviral: las dos caras de una misma vivencia, que muestra el
portador viviendo con HIV/SIDA en el cotidiano, con dificultades emocionales, financieras,
físicas y hasta religiosas, factores esos que interfieren en el proceso de adhesión a la
terapéutica ARV, lo que dio origen a las subcategorías: Factores que facilitan y que dificultan
la adhesión; El paciente creando estrategias para facilitar la adhesión; La importancia de la
religiosidad y de la red social como condición para la adhesión. Delante de los resultados
encontrados y trabajando hace 10 años en el Servicio de Ambulatorio Especializado, puedo
decir que mismo prestando un cuidado humanizado junto con el equipo multidisciplinar,
nunca esperaba encontrar resultados tan evidentes de la no-adhesión, con fallas importantes
entre el cuidado prestado en la forma de orientaciones y el cuidado aprehendido y colocado en
práctica por los entrevistados. Los resultados demuestran que el ser humano debe ser
trabajado dentro de su contexto biopsicosocioespiritual, siendo un proceso continuo de
aprendizaje entre el cuidador y el ser cuidado.
Palabras-clave: Familia. Adhesión. SIDA
14
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO................................................................................................
16
2 REVISÃO DA LITERATURA ......................................................................
21
2.1 AIDS: HISTÓRIA SOCIAL DA EPIDEMIA ..................................................
21
2.2 ADESÃO AOS ARV ........................................................................................
25
2.3 FAMÍLIA CO-ADJUVANTE NO TRATAMENTO DA AIDS ......................
29
3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS ............................................... 35
3.1 A ESCOLHA DO MÉTODO ....................................................................... 35
3.2 LOCAL DO ESTUDO .................................................................................... 36
3.3 OS INFORMANTES ....................................................................................... 36
3.4 COLETA DE DADOS ..................................................................................... 36
3.5 A ANÁLISE DOS DADOS ..............................................................................
38
3.6 ASPECTOS ÉTICOS DA PESQUISA ............................................................ 39
4 APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS DADOS ..................................... 40
4.1 CONHECENDO OS INFORMANTES DO ESTUDO ....................................
40
4.1.1
Contextualização sócio-demográfica e clínico-epidemiológica dos
portadores ........................................................................................................
40
4.1.2 Os cuidadores ..................................................................................................
49
4.2 O IMPACTO DA DESCOBERTA DA SOROLOGIA POSITIVA PARA O
PORTADOR E SUA FAMILIA .......................................................................
50
4.2.1 Descobrindo-se portador de Hiv/Aids – uma fatalidade não esperada ..... 51
4.2.2
Depois da tempestade vem a bonança: sentimentos diante da descoberta
da sorologia positiva .......................................................................................
53
4.2.3 Os percalços da convivência com a Aids .......................................................
54
4.2.3.1
Mudanças no cotidiano decorrentes do fato de conviver com o HIV/Aids ......
55
4.2.3.2
Concepções sobre Saúde: o peso da experiência de conviver com HIV/Aids . 60
15
4.3 ADESÃO E NÃO ADESÃO À TERAPIA ANTI-RETROVIRAL: AS
DUAS FACES DE UMA MESMA VIVÊNCIA .............................................
63
4.3.1 Criando estratégias para facilitar a adesão ..................................................
70
4.3.2 Fatores facilitadores e dificultadores da adesão ..........................................
71
4.3.3 A questão do reconhecimento do medicamento ...........................................
77
4.3.4
Rede social de apoio como elemento motivador no enfrentamento da
doença ..............................................................................................................
79
4.3.5 A fé como condição para a adesão ................................................................ 84
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS .........................................................................
86
REFERÊNCIAS
APÊNDICES
ANEXOS
16
1 INTRODUÇÃO
A partir da minha adolescência, sempre me inquietaram as diferenças impostas pela
sociedade entre os pobres e os ricos, os brancos e os negros - enfim, as diferenças sociais. Por
isso, ao escolher a profissão que seguiria para o resto de minha vida, considerei a
possibilidade de cuidar das pessoas e as diferentes formas como são cuidadas, e assim, optei
pela enfermagem.
No período da graduação vivenciei várias experiências de cuidar, mas uma me
marcou de forma especial. Esta se deu quando tive a oportunidade de prestar cuidado a uma
pessoa vivendo com Aids, em 1989, a qual me fez refletir sobre a nova epidemia que estava
surgindo e toda a sua complexidade, que naquele momento era muito maior que hoje. No
instante em que prestava os cuidados de enfermagem, pude observar que a família
experimentava um enorme sofrimento diante do quadro estabelecido, pois o portador tinha um
aspecto muito ruim, com uma perda de peso importante, candidíase oral e esofágica, alopecia,
anemia e outros sintomas. Presenciei a morte desse portador, e naquela oportunidade pude
observar o sofrimento da família e o sentimento de incapacidade dos profissionais que ali
estavam, sem poder atuar de forma mais objetiva, que não existia tratamento específico
para a síndrome, somente sintomático.
Aquela realidade despertou-me algumas reflexões acerca da forma como o cuidado
era prestado, pois o portador ficava em isolamento total (em um quarto fechado), com
identificação do diagnóstico na porta do quarto e no prontuário médico. As pessoas que ali
circulavam tinham dois sentimentos: o de curiosidade de conhecer alguém com a doença, que
não era muito comum naquela época, e o de medo de ser contaminado pela doença. Foi me
inquietando o tratamento prestado àquele portador, e mesmo sendo aluna da graduação e
prestando poucos cuidados, notei que o portador em questão permanecia em isolamento total.
Isolamento biológico e psicológico. Vivenciar aquela situação mudou muitas coisas em mim,
e principalmente levou-me a refletir sobre a importância do preparo do profissional para
cuidar da pessoa portadora de Aids.
Após a graduação, o meu primeiro emprego como enfermeira foi na área da saúde
pública, onde atuei por quatro anos. Durante esse período não tive contato com essa patologia
e confesso passei por uma fase de congelamento das inquietações a respeito da Aids e
suas conseqüências sociais.
17
Posteriormente me foi proposto assumir a coordenação de enfermagem no Consórcio
Intermunicipal de Saúde da Comunidade de Campo Mourão (CIS-COMCAM), que era
referência em atendimento a pessoas portadoras Aids. Esta proposta me levou a refletir sobre
todos os meus conceitos anteriores, e percebi que aquela era uma boa oportunidade para o
desafio de cuidar da pessoa portadora de Aids.
O CIS-COMCAM atende uma média de 300 pessoas todos os dias, e pertence à
região da COMCAM, que conta aproximadamente 350.000 habitantes. O CIS-COMCAM é a
referência regional de especialidades, realizando consultas e procedimentos de pequeno porte,
como suturas, drenagens e biópsias. Vale a pena ressaltar que, diante de tantos afazeres, o
meu preferido era o serviço de ambulatório especializado em Aids (SAE), ao qual eram
dedicados 3 dias da semana, no período da manhã. A gerência do Consórcio tinha uma
preocupação com a parte ética do atendimento do SAE, que havia sido estruturado em 1993,
quando foi notificado o primeiro portador vindo do hemocentro da 11
ª
Regional de Saúde, de
Campo Mourão. Durante esse período - 1993 a 1996, anterior a minha entrada no SAE -
passaram três enfermeiras e três médicos pelo serviço, os quais, entretanto, não se fixaram,
por não terem afinidade com ele, e solicitaram transferência para outros setores, o que
demonstra que, para trabalhar nessa área, é necessário um tempo de adaptação e,
principalmente, gostar desse trabalho.
Atuei nesse serviço por sete anos, e posso afirmar que, apesar de tudo, foi uma
experiência profissional gratificante. Convivia com portadores em mau estado geral: alguns
estavam debilitados, outros em tratamento sintomático e muitos deles alternavam o tratamento
entre o hospitalar e o domiciliar. Durante este período, percebi que os portadores estavam
debilitados fisicamente, e por isso sofriam conseqüências sociais importantes: não
trabalhavam, não estudavam, não cuidavam mais dos seus filhos e dependiam de outras
pessoas para serem cuidados. O que me sensibilizava ainda mais era a vontade de viver que
eles mostravam. Encontravam forças até o final da vida para lutar, e foi com eles que aprendi
que podemos morrer sim, mas morrer dignamente, morrer lutando, e não se entregando.
Foi um período difícil, convivi com a perda de muitos portadores, sofri com eles,
mas isto fazia aumentar minha responsabilidade, o que me levava a buscar mais
conhecimento para poder promover o conforto a essas pessoas. Nesta época, quando as
possibilidades de tratamento eram limitadas e se resumiam ao tratamento sintomático. Muitas
vezes, o médico internava os portadores para amenizar as conseqüências das doenças
oportunistas. Diante de tal quadro, era esta a única forma de aliviar a dor dos portadores e de
seus familiares, para que aqueles pudessem morrer com dignidade.
18
Observava que os portadores necessitavam de uma atenção diferenciada, não apenas
pela doença, mas pelo estigma relativo a esse diagnóstico, o qual vinha acompanhado de
poucas perspectivas de vida. Os portadores sofriam ainda mais porque, sendo muitas vezes
jovens e com filhos pequenos para cuidar, viam a vida se esvair aos poucos e não conseguiam
vencer a síndrome. Por várias vezes pude observar que os portadores necessitavam de certo
tempo para absorver o diagnóstico da síndrome, sendo um tempo diferente para cada pessoa.
Esse tempo parecia estar diretamente ligado à sua qualidade de vida, ao seu aspecto
biopsicossocioespiritual e às suas vulnerabilidades pessoais, sociais e programáticas (serviço
oferecido para esse fim). Foi possível também observar que a Aids, ao mesmo tempo em que
traz sofrimento por ser uma doença incurável e estigmatizante, traz também uma mudança na
qualidade de vida, levando seus portadores a repensar seus comportamentos e buscar as
mudanças necessárias para viver mais e com maior qualidade.
Outro grande motivo que me inquietava era o sentimento de impotência diante de
toda a problemática vivida pelo portador e de suas conseqüências, principalmente no âmbito
social, que envolve a família, o trabalho, a escola, colegas e todo o enfrentamento social da
epidemia.
Após sete anos de atuação no CIS-COMCAM fui aprovada em concurso público
para trabalhar na Prefeitura Municipal de Campo Mourão. Nessa mesma época era implantada
a municipalização do SAE, o que me permitiu continuar desenvolvendo o mesmo trabalho,
especialmente porque houve um acordo entre a Secretaria Municipal de Campo Mourão e o
CIS-COMCAM, de forma que o SAE, localizado no município de Campo Mourão,
continuaria prestando serviço para os demais municípios da COMCAM. Com a
municipalização do SAE, foi possível aumentar o número de profissionais com vista a uma
assistência multiprofissional ao portador, com psicólogo, assistente social, médico,
farmacêutico, auxiliar de enfermagem e enfermeira. Também foi possível, através de projeto
do Ministério da Saúde, implementar dois novos programas para ampliar o atendimento a
essa patologia no município: o projeto de redução de danos (TROCA) e o centro de Testagem
e Aconselhamento (CTA).
Estes quase dez anos de atuação no SAE me possibilitam perceber que a enfermagem
é capaz de atender as pessoas portadoras Aids de forma humanizada e com qualidade. A
condição para tal entendimento é que esse serviço ofereça uma assistência integral, sem
preconceito, preocupando-se com o tripé que desenha o ser humano, ou seja, vislumbrando
necessariamente seus aspectos biopsicossociológicos, aos quais se devem acrescentar os
espirituais.
19
Percebi durante a minha vivência que ao fazer o acolhimento do portador com Aids
devemos seguir alguns passos, como: reforçar meios de prevenção, estimular mudança de
comportamento, dar tempo para assimilar o diagnóstico, saber respeitar o silêncio, ter
empatia, enfatizar a cronicidade da doença, atender parceiros e familiares, enfatizar
responsabilidades, saber escutar, evitar julgamentos, adequar linguagens, respeitar a cultura,
ser confidencial, oferecer informações precisas e discutir as dificuldades vivenciadas no
cotidiano.
Paralelamente a esse processo de observação e (re)construção de conceitos, foi
possível observar que, na contramão do que tem sido desejado pela enfermagem
contemporânea, apesar de trabalhar em um serviço de referência para um município-sede e os
24 municípios da região, a assistência e a orientação realizadas pelo serviço de enfermagem a
esses portadores eram insuficientes e incompletas.
O vínculo formado entre o profissional e os portadores é prolongado e contínuo, o
que permite acompanhar a história natural da doença em cada portador. Nestes muitos anos de
atendimento, temos portadores cadastrados há mais de dez anos, em uso de HAART, que
estão levando sua vida com qualidade. Estreitou-se o relacionamento entre os profissionais e
os portadores, e alguns portadores chegam a comparecer ao ambulatório apenas para nos
visitar e dizer que está tudo bem. Não para negar o vinculo entre os portadores e os
profissionais.
Não obstante, mesmo diante de todo o processo, que se acreditava acessível e voltado
a apagar o preconceito e a exclusão, em muitos momentos o que se vivencia é uma linha que
caminha na direção oposta, na qual muitas vezes estão se equilibrando as pessoas que
convivem com a Aids.
Para exemplificar, vou reportar dois casos específicos. Em 2003, atendi uma gestante
que chegou ao SAE acompanhada de seu esposo. Depois de ser acolhida conforme o
protocolo, foi encaminhada ao ginecologista que atua como referência do SAE. Durante a
gestação e puerpério ela recebeu a medicação conforme o Protocolo de Atendimento a
Gestantes Portadoras do HIV, do Ministério da Saúde (PACTG 076) e foi oferecido o xarope
de AZT para o bebê nos primeiros 40 dias de vida. Após a alta hospitalar, fui informada pela
enfermeira do município em que residia a portadora de que ela estava amamentando o bebê.
Ao investigar a informação, constatei que ela pertencia a um grupo do Movimento Sem Terra
(MST) e que as mulheres do grupo excluem aquelas que não amamentam o bebê, chegando
até a expulsar a família quando ela não aceita as regras do Movimento. Por medo, a portadora
preferiu amamentá-lo a expor a sorologia positiva para o grupo, pois também tinha medo de
20
ser descriminada e talvez até expulsa por esse motivo. Assim, apesar de estar registrada em
sua ficha ambulatorial a orientação feita por mim e também pela médica do SAE no sentido
de não amamentar a criança, devido ao risco de transmissão do HIV, essa mãe a amamentou.
Em 2004 atendi outra gestante com HIV, a qual foi acolhida e encaminhada
conforme o relato anterior. A gestante referia ser só. Tive a oportunidade de observar que
usava medicação enquanto estava internada no hospital, mas ao receber a alta hospitalar,
deixou de usá-la e passou a se comportar como se não fosse positiva para o HIV. Em uma
visita domiciliar realizada pela enfermeira do Programa Saúde da Família (PSF), foi
constatado que a portadora estava amamentando o bebê e que este não estava recebendo o
medicamento específico. Ao investigar o caso, verificamos que seu esposo não sabia da
sorologia positiva. Este caso, somado a muitos outros, atesta esta lacuna no serviço em que
atuo.
Quando, em 2005, surgiu a oportunidade de realizar o Mestrado em Enfermagem,
vislumbrei a possibilidade de estudar os aspectos que envolvem a adesão ao tratamento
medicamentoso e a vulnerabilidade experienciada pelo portador do vírus HIV; e, consciente
ou inconscientemente, fui levada a repensar na importância da adesão ao tratamento pelos
portadores de Aids e a buscar respostas para o atendimento de indivíduos com Aids. Assim
defini como objetivo do estudo compreender os aspectos que influenciam portadores e seus
familiares na adesão e não-adesão aos anti-retrovirais.
Para alcançá-los, defini como objetivos específicos: a) conhecer as características
socioepidemiológicas dos portadores em estudo; b) identificar como os indivíduos e famílias
tomam conhecimento do diagnóstico e como reagem a ele; c) conhecer motivações e
estratégias que favorecem ou dificultam a adesão à terapêutica anti-retroviral.
21
2 REVISÃO DA LITERATURA
Neste estudo objetivou-se conhecer dados da literatura sobre a Aids, adesão a terapia
anti-retroviral e a família.
2.1 AIDS: HISTÓRIA SOCIAL DA EPIDEMIA
A Acquired Imunodeficiency Syndrome (AIDS) ou ndrome da Imunodeficiência
Adquirida (SIDA) foi responsável por mudanças significativas na área da saúde (BRASIL,
2001). Essa síndrome surgiu na década de 80 do século XX, quando muitos casos da
síndrome apareceram nos EUA. Neste período, a comunidade científica parecia pouco
alarmada com os casos que atingiam homossexuais, grupos socialmente marginalizados.
Inquietou-se, porém quando casos iguais foram encontrados em hemofílicos que faziam
transfusão sanguínea e em dependentes de drogas (SOUSA et al., 2004; BRASIL, 2004,
2007).
Os primeiros casos de Aids ocorreram nos Estados Unidos, no Haiti e na África
Central. Nessa época, estes casos foram classificados como grupos de risco”, pois eram
indivíduos pertencentes a segmentos da população concentrados nos grandes centros urbanos
e em grupos de homossexuais, receptores de sangue e hemoderivados e usuários de drogas
injetáveis (BRASIL, 2001).
Esse vínculo inicial da doença com a homossexualidade masculina induziu tanto a
comunidade científica quanto a população em geral a um erro sobre as formas de transmissão.
No entendimento do Ministério da Saúde, a concepção errônea acerca da transmissão do HIV
centrou-se no comportamento dessa população, e contribuiu, em parte, para a difusão da
doença em outros segmentos populacionais (BRASIL, 2004; SOUSA et al., 2004).
Em 1983 foi identificado o agente etiológico da Aids, o vírus HIV ou Vírus da
Imunodeficiência Humana, pertencente à subfamília Lentivirus do retrovirus humano. Todas
as versões do vírus têm genomas similares, porém distintos. O HIV é semelhante ao Vírus da
Imunodeficiência Símea (SIU), encontrado nos primatas, daí a hipótese de que ele teria
chegado aos humanos pelo hábito de se alimentar com carne de macaco, ou até no manuseio
22
do corte desses animais. Existem dois tipos de HIV: o tipo 1, mais comum, e o tipo 2,
considerado endêmico na África Ocidental e muito raro fora dessa região (BRASIL, 2004).
De acordo com Rachid
e Schechter (2001), esse vírus infecta principalmente células
que apresentam a molécula CD4 em sua superfície, as quais são predominantemente os
linfócitos CD4 e macrófagos. Três anos após, em 1986, o Governo Federal, por meio de uma
portaria ministerial, criou o Programa Nacional de Combate às DSTs e Aids, e incluiu, nesse
mesmo ano, a Síndrome de Imunodeficiência Adquirida Aids na lista nacional de doenças
de notificação compulsória (Portaria 1.100, de 24 de maio 1986). Em 2000, cerca de 60%
dos municípios brasileiros registravam pelo menos um caso da doença (BRASIL, 2001).
Para fins didáticos, convencionou-se dividir a infecção pelo HIV em três fases: a fase
aguda, a fase assintomática e a fase sintomática. Na ausência de qualquer intervenção
terapêutica, a mediana de progressão da fase aguda até a fase sintomática é de
aproximadamente uma década (BRASIL, 2004). Um pequeno número de indivíduos
desenvolve Aids logo após a infecção. Se nenhum tratamento for feito, ao redor de 4% dos
portadores terão desenvolvido Aids após três anos de infecção e 50% após 10 anos (RACHID;
SCHECHTER, 2001).
Mesmo indivíduos assintomáticos e imunocompetentes produzem uma quantidade de
vírus que tem a meia-vida curta. O período de incubação varia com a idade do portador no
momento da infecção, sendo mais curto entre crianças e idosos. Evidências indicam que, após
o ajuste por idade, o período de incubação é similar entre usuário de drogas injetáveis,
indivíduo infectado por via sexual e hemofílico. Nos receptores de sangue contaminado essa
fase é mais curta, pela grande quantidade de vírus transmitida por essa via. Vale destacar que
o período de incubação não varia por sexo ou grupo racial (BRASIL, 2004).
Alves (apud AYRES, 1997) infere que, dada a relativa imaturidade das discussões a
esse respeito, o termo vulnerabilidade designa, originalmente, grupos ou indivíduos
fragilizados, jurídica ou politicamente, na promoção, proteção ou garantia de seus direitos de
cidadania.
A noção de vulnerabilidade é uma resposta à necessidade de extrapolar a tradicional
abordagem comportamentalista como estratégia individual e coletiva da redução de risco, mas
pode ser mais bem entendida no decorrer da epidemia e suas correspondentes formas de
resposta científica e técnica (AYRES, 2004).
Os fatores de risco no início da epidemia operaram um deslocamento discursivo de
implicações práticas extremamente relevantes. No entendimento de Ayres (1997, p.15), os
fatores de risco transmutam-se no conceito grupo de risco”, difundindo-se na mídia não
23
como categorias analíticas abstratas, mas como verdadeiras categorias ontológicas. Os
chamados “grupos de risco” tornaram-se então a base das estratégias de prevenção
preconizadas pela política de prevenção em saúde da época, mostrando-se noções
equivocadas, ineficazes e formadoras de preconceitos. Os 4 hh (homossexuals, hemophiliacs,
haitians e heroin-adictis) passaram a ser o primeiro alvo de prevenção e exclusão (AYRES,
2004).
De acordo com o Ministério da Saúde, a prevenção predominou, no início da
descoberta da síndrome, em torno dos “grupos de risco”. A prevenção era, então, não ter
relações sexuais, não doar sangue e não usar drogas injetáveis (BRASIL, 2005). Como
resultado, obtivemos estigmatização, preconceito, individualismo e insucesso.
Após 1984 a epidemia se transformou em pandemia, sem respeitar limites
geográficos. O caráter transmissível já estava bem delimitado e o seu agente etiológico
isolado. O conceito de “grupo de risco” entrou em processo de crítica e desuso. Foi
considerado inadequado para a dinâmica da epidemia e pelas pessoas que sofreram a
estigmatização e o preconceito (BRASIL, 2005).
O conceito-chave passou então a ser o “comportamento de risco”, retirando o
estigma dos grupos entre os quais foi detectada a epidemia da Aids. Esse conceito
universalizou a preocupação com o problema e estimulou um ativo envolvimento individual
com a prevenção. Segundo Ayres (1997), a tendência à culpabilização individual foi a outra
face da Aids: quando o indivíduo foi trazido à cena, houve também falha na prevenção.
E importante salientar que os movimentos “gays” tornaram-se vitais para o combate
à Aids. No inicio os grupos de homossexuais organizaram-se junto aos programas de saúde e,
de primeiro grupo entre os notificados, em 2004 passam a ser o terceiro grupo. Todavia, o
mesmo trabalho não ocorre entre as mulheres, que atualmente são as mais atingidas pela
epidemia. Isso poderá alterar significativamente a relação de três homens para cada mulher
nos índices de grupos notificados (BRASIL, 2004).
Para os leigos, a Aids é uma doença distante, que nunca vai atingi-los. Muitos grupos
de pessoas, freqüentemente, ligam a origem da Aids à responsabilidade e à culpabilidade de
determinados grupos sociais (JOFFE, 1998). Quando se estuda a representação social da Aids
em vários grupos, esta é considerada uma doença estrangeira, distante do nosso cotidiano,
como se não tivesse se disseminado. Neste contexto, quem a adquire é o responsável por sua
doença e por sua disseminação.
Geralmente, para interpretar os fenômenos corporais as pessoas se apóiam em
noções, símbolos e esquemas de referência interiorizados de acordo com seus meios sociais e
24
culturais. De acordo com Adam e Herzlich (1994), em casos como o câncer e a Aids,
bastantes presentes no imaginário coletivo, os conjuntos de sentidos constituídos apresentam
força específica e se impõem, principalmente, aos sujeitos por elas acometidos.
A Aids, na concepção de muitas pessoas, está ligada a uma conceituação particular
de comportamento perigoso, o qual, mais do que uma fraqueza, é considerado
irresponsabilidade e delinqüência (SONTAG, 1989). Ou seja, o doente é visto como viciado
em drogas ilegais de sexualidade divergente.
Nesta mesma direção, Simões (2004) afirma que a Aids é vista pelos segmentos
mais conservadores da sociedade como uma punição para as relações homossexuais, com o
uso da expressão “Aids é pecado [...]”. É interessante observar que, desse modo, são criados
dois grupos de doentes: o dos culpados e o dos inocentes. No primeiro grupo estão aqueles
que se contaminaram pelas práticas consideradas desviantes: homossexuais, prostitutas e
drogados. No segundo, aqueles que, de alguma forma, são vítimas da doença: mulheres
contaminadas pelos maridos, crianças contaminadas pelas mães e hemofílicos contaminados
em transfusões de sangue (SIMOES, 2004, p. 23).
Para Thiengo (2005), Jodelet (2001), a representação social da Aids estrutura-se em
torno de cognições ligadas à prevenção; mas é preciso entender que existe uma contradição
entre os conteúdos de conhecimento científico e as práticas do grupo. O autor sugere, então,
que as práticas de enfermagem tenham como objetivo reduzir a distância entre as práticas, as
representações sociais e o conhecimento científico, pois acredita que esclarecer a comunidade
em geral propicia um alargamento da compreensão acerca do tema e diminui o estigma da
doença.
A principal forma de transmissão às mulheres é o contato sexual. O HIV pode afetar
todos os órgãos ou sistemas, resultando em uma ampla gama de manifestações clínicas,
decorrentes da infecção pelo vírus, da ação de outro agente infeccioso e da alteração geral do
sistema imunitário. São doenças oportunistas associadas à Aids: Pneumocystis carinii,
tuberculose, herpes zoster, retinite por citomegalovírus e outras (BRASIL, 2004).
Segundo Rachid e Schechter (2001), a dificuldade em se achar uma nova vacina
eficaz deve-se muito à propriedade do vírus de sofrer mutações e rearranjos genéticos quando
se multiplica. A grande variabilidade genética do vírus, com uma grande diversidade viral e
grande variação antigênica, deixa a ciência em desvantagem na corrida pela cura da Aids.
25
2.2 ADESÃO AOS ARV
A identificação de formas recombinantes do rus tende a dificultar o controle da
epidemia da Aids. Variações do HIV já são conhecidas pelo menos 15 anos. Existem nove
subtipos do vírus, identificados por A, B, C, D, E, F, G, H, I, J e K. Todos agem destruindo o
sistema imunológico da pessoa infectada, e os sintomas que provocam, com as infecções
oportunistas, também são os mesmos. A diferença fundamental é que as variações são
formadas por seqüências de genes distintos. Por esta razão os subtipos podem ser mais ou
menos agressivos, ter maior ou menor capacidade de resistência aos medicamentos de ARV
(RACHID E SCHECHTER, 2001). Para os mesmos autores, a diversidade genética representa
cada vez mais um novo perfil da doença e pode ser um impedimento para os atuais
tratamentos e para a elaboração de uma vacina (RACHID E SCHECHTER, 2001).
Em termos de política pública, o Governo Federal - por meio da Coordenação
Nacional de DST/Aids do Ministério da Saúde - e as secretarias estaduais e municipais de
saúde têm-se empenhado na elaboração e implementação de políticas éticas, efetivas e
democráticas no que se refere ao HIV/Aids (BRASIL, 2004, 2007c).
Desde o início da epidemia até os dias atuais, muito se fez para proporcionar melhor
qualidade de vida aos portadores de HIV/Aids. A distribuição universal de medicamentos foi
iniciada em 1991, com a Zidovudina, e marcou um importante diferencial da política pública
brasileira de assistência em relação à maioria dos países afetados. O Brasil foi o primeiro país
do Terceiro Mundo a adotar a política de distribuição gratuita e universal de medicamentos
anti-retrovirais (BRASIL, 2004).
Para Gir, Vaichulonis e Oliveira (2005), o ano de 1996 representou um marco, pois
nesse período foi proposto o uso de ARV, inibidora de duas enzimas essenciais para a
multiplicação viral efetiva, a transcriptase reversa e a protease. Assim, a introdução da terapia
antiretroviral Highly Active Anti-retroviral Terapy (HAART) desenvolveu potencial de
transformar a Aids em doença crônica.
A eficácia da terapia ARV é evidente, principalmente após o conceito da terapia
combinada de inibidores de protease e novas gerações de inibidores da transcriptase reversa.
A efetividade da terapia anti-retroviral combinada e a profilaxia para as infecções oportunistas
vêm diminuindo substancialmente a progressão da doença e aumentando o tempo e a
qualidade de vida das pessoas portadoras de HIV/Aids. A co-infecção do HIV com outros
agentes infecciosos (tuberculose e leishmaniose), somada a uma situação precária do sistema
26
de atenção à saúde, ocasiona uma evolução mais rápida da doença nessa população (BRASIL,
2004). Jordan et al. (2000), no que diz respeito ao custo dos medicamentos, mostram que o
recurso gasto na compra de medicamentos é menor do que o que se gastaria nas internações e
outros procedimentos evitados pela diminuição das infecções oportunistas. Os autores
lembram, também, a economia com os custos sociais indiretos, representados por perda da
produtividade, aposentadorias e pensões, desestruturação familiar por incapacidade física ou
até mesmo a morte.
A história das conquistas na luta contra a epidemia da Aids segue desde a
desesperança até os benefícios da terapia ARV. Os profissionais de saúde que convivem com
a Aids são marcados com as lembranças da epidemia antes dos ARV, quando as pessoas com
Aids chegavam ao ambulatório e não havia tratamento apropriado, somente o sintomático. Foi
um período marcado por dor e morte. Após novembro de 1996, o perfil da epidemia mudou.
Paiva et al. (2000) referem ainda que a proposta terapêutica da época era frágil,
pautada pelo tratamento das doenças oportunistas e profilaxias secundárias, com
medicamentos que o portador tinha que tomar ininterruptamente para não voltar a adoecer.
Muitos médicos demoraram a perceber que o sucesso do tratamento dependia da adesão. A
não-adesão é responsável pelo adoecimento, piora clínica do portador e indução de resistência
do vírus.
Quando os medicamentos são tomados de forma errada, o que acontece na maioria
das vezes são subdoses, porque ninguém toma doses a mais. Quando o portador não adere ao
tratamento, toma até ou somente a metade das doses e vai falhando nas doses subseqüentes,
causando resistência viral, fato prejudicial não apenas no âmbito pessoal, mas também no
coletivo da saúde pública, pois está produzindo resistência viral, ou um novo vírus mutante.
Alguns fatores que têm sido identificados como limitativos ou impeditivos da adesão
do indivíduo à consulta e à terapêutica HAART são relacionados às características do
indivíduo, da doença e do tratamento por ela implicado, relação equipe de saúde/indivíduo,
inserção social, fatores como distância geográfica e dificuldades no acesso à consulta (GIR;
VAICHULONIS; OLIVEIRA, 2005).
Apesar de existirem várias definições acerca de adesão e aderência, optei pela
definição de Gir, Vaichulonis e Oliveira (2005), que reportam a adesão como a conduta do
indivíduo ao seguir as prescrições médicas, quanto à posologia, à quantidade de
medicamentos por horário, o tempo de tratamento e às recomendações especiais para
determinados medicamentos, sendo uma atividade conjunta entre o portador e a equipe de
saúde.
27
Quanto aos exames de carga viral e contagem de CD4, segundo o Ministério da
Saúde, cada portador deve realizar, em média, três exames por ano, desde que esteja em
tratamento e devidamente monitorado; crianças e gestantes costumam realizar até cinco
exames por ano. O portador pode realizar mais exames, conforme solicitação do médico, até
cerca de cinco por ano, caso haja mudança terapêutica (BRASIL, 2006, 2007 b).
O processo de adesão à HAART é bastante complexo, pois nenhum dos métodos
disponíveis (monitoração sérica das drogas, avaliação empírica da equipe de saúde, relato da
entrevista do portador, registro diário do uso de medicamento) é, de forma isolada, totalmente
satisfatório, fazendo-se necessária a associação de mais de um deles (GIR; VAICHULONIS;
OLIVEIRA, 2005).
Assim, para que a adesão ao tratamento se efetive, é preciso construir com o portador
os objetivos do tratamento, de forma a concretizar o comprometimento com este processo.
Isto se pela compreensão real do significado da doença e pela relação entre o doente e os
profissionais de saúde.
Na literatura encontramos referências à não-adesão à HAART relacionadas
basicamente a quatro grupos de fatores: a pessoa em tratamento, a doença, o serviço de saúde
e o apoio social (COLOMBRINI; LOPES; FIGUEIREDO, 2006).
Quanto aos fatores de risco relacionados à pessoa em tratamento HAART, verificou-
se que a renda apresenta relevância em extremos de pobreza, pois a medicação é gratuita
(BRASIL, 2004). A escolaridade tem sido apontada como um fator de baixo risco, assim
como as condições de moradia, a renda e a raça (BRASIL, 2004), Contudo, em estudos como
o de Nemes et al. (1999), a escolaridade também interfere negativamente na adesão, pois a
população de escolaridade inferior ao primeiro grau apresentou 39,5% de não-adesão, a com
primeiro grau completo, 29%, e a com segundo grau, 16,5%.
A ocupação/emprego, segundo Colombrini, Lopes e Figueiredo (2006), tem
associação direta com a adesão e condições de adversidade, pelas dificuldades no trabalho
para transportar o medicamento e o medo do preconceito (GIR; VAICHULONIS;
OLIVEIRA, 2005).
o sexo é um fator que merece ser mais bem estudado, pois tem sido identificada
melhor adesão masculina, o que se justifica pelo fato de ser a mulher quem cuida das crianças
e não cuida de si. O processo de feminização da epidemia da Aids é uma realidade, pois,
embora as mulheres tenham sido incorporadas no mercado de trabalho, sofrem a opressão de
gênero e etnia,
28
Em relação à idade, tem sido observado que a não-adesão aumenta com a idade, o
mesmo ocorrendo com a religião, uso de drogas, transtorno psiquiátrico, como a depressão e o
isolamento social. Quando o portador tem sua resposta à HAART prejudicada, verifica-se
frustração e até diminuição do investimento da equipe no portador. Cumpre lembrar também
que no sistema de saúde, podem-se gerar gastos com exames e procedimentos terapêuticos
desnecessários e de custos elevados.
Como fatores de risco relacionados à doença, a ausência de vantagem terapêutica faz
diminuir a adesão, relato de sentir-se bem, assim como o relato de sentir-se mal, a melhora do
CD4 tem aumento da adesão, sendo que quando a doença for mais intensa, com uma queda
grave de CD4, tem queda da adesão, pois o portador se sente desmotivado (COLOMBRINI;
LOPES; FIGUEIREDO, 2006). Para os autores, os fatores de risco relacionados ao tratamento
e à não-adesão aumentam com o tempo de tratamento, assim como o número de doses, o
número de drogas, os efeitos colaterais e a mudança do estilo de vida. Segundo o Programa
Nacional de DST/Aids, verificou-se o processo de pauperização da doença, pois a Aids no
Brasil se iniciou nos segmentos populacionais de maior nível socioeconômico, e hoje
sabemos que são os pobres os mais vulneráveis, entre esses, as mulheres e os adolescentes
(BRASIL, 2002, p. 8).
Quanto aos fatores de risco relacionados aos serviços de saúde oferecidos, constata-
se uma relação positiva entre o bom cuidado prestado e a adesão. O acesso fácil ao serviço, a
conveniência para agendar o retorno e o suporte social favorecem a adesão (COLOMBRINI;
LOPES; FIGUEIREDO, 2006). Segundo o Programa Nacional de DST/Aids, as
desigualdades sociais também são observadas no acesso às ações de promoção e prevenção da
saúde, na medida em que limitam o conhecimento e a informação. Outro agravante diz
respeito à rede de suporte social: falta de informação e medo de discriminação podem levar a
família ao enfraquecimento social, por exclusão (BRASIL, 2004). Não podemos esquecer que
a dificuldade de acesso a serviços de saúde enfrentada por essa população - por motivo
financeiro, falta de tempo, distância ou falta de incentivo - faz diminuir a adesão
(SCHAURICH; COELHO; MOTTA, 2006).
É necessário ressaltar que a Aids é uma doença crônica, sem cura conhecida até dos
dias atuais. Assim, seu portador vai ser tratado para viver com o uso constante de medicação,
ciente de que vai ser tratado para ter qualidade de vida. Dados obtidos junto a psicólogas do
Centro de Referência e Treinamento (CRT) DST/Aids de São Paulo confirmam que muitos
portadores elaboram melhor a situação quando compreendem que tomar remédio significa que
o portador assume que é doente, tem uma patologia incurável e que sua doença pode levá-lo à
29
morte se não for tratada adequadamente. Sabemos que a não-adesão leva a conseqüências
físico-biológicas que podem provocar resistência ao tratamento (TEIXEIRA, 2000).
Ayres (2004) evidenciou definiu três planos interdependentes de determinação e,
conseqüentemente, de apreensão da maior ou menor vulnerabilidade de indivíduos e de
coletividades à infecção e adoecimento pelo HIV: a) o comportamento pessoal, ou
vulnerabilidade individual; b) o contexto social, ou vulnerabilidade social; e c) o programa
nacional de combate à Aids, ou vulnerabilidade programática.
Esse mesmo autor refere que a vulnerabilidade individual parte de três pressupostos:
1) todo indivíduo é, em algum grau, vulnerável à infecção pelo HIV e às suas conseqüências,
podendo essa vulnerabilidade variar ao longo do tempo em função dos valores e recursos que
lhe permitam ou não obter meios para se proteger; 2) os indivíduos infectados pelo HIV têm
seu potencial de vulnerabilidade à morbidade, invalidez ou morte variável em função inversa
do amparo social e assistência à saúde de que dispuserem; 3) as condições que afetam a
vulnerabilidade individual são de ordem cognitiva, comportamental e social.
Assim, a vulnerabilidade individual está relacionada à integração do portador no
tratamento, ao conhecimento da medicação, à habilidade de lidar com suas próprias reações e
à aceitação emocional da medicação; e tudo está correlacionado com a adesão e não-adesão,
demonstrando-se, desta forma, a correlação entre a adesão e a vulnerabilidade.
Ademais, o comportamento individual é um determinante da vulnerabilidade à
infecção, todavia esse componente é mutável, pois varia durante os diversos períodos de vida
da pessoa.
A avaliação de vulnerabilidade coletiva tem o objetivo de fornecer aos indivíduos
subsídios para a sua auto-avaliação em um contexto social de cada um dos fatores de
exposição. Também tem a função de construir um diagnóstico para instruir as ações dos
movimentos sociais organizados e o planejamento das ações do governo, com escores de
avaliação que se classificam em três faixas de valores: baixa, média e alta vulnerabilidade
(AYRES, 1995, 2004).
2.3 FAMÍLIA CO-ADJUVANTE NO TRATAMENTO DA AIDS
A família encontra-se mergulhada numa rede de relações, interações, significados e
práticas que compartilha, constrói e elabora com outras pessoas e grupos, pois, segundo
30
Althoff (2004), a família não é uma unidade isolada, e sim, uma unidade integrante da
sociedade. Ela é entendida como uma unidade social bastante complexa, como um sistema
articulado de valores, crenças, conhecimentos e práticas, como espaço sico e psicológico
relevante para o processo de socialização e humanização de seus membros (ALTHOFF, 2004;
ELSEN, 2004).
Elsen (1994), por exemplo, ressalta que uma das funções da família é atender às
necessidades de crescimento e desenvolvimento de seus membros; destaca que a família atua
no ambiente em que vive, transforma-o e é transformada, enfrenta crises, conflitos e
contradições, construindo uma história, desenvolvendo-se, provendo meios para o
crescimento e desenvolvimento dos membros familiares.
Ao pensar família segundo os parâmetros dessa autora, podemos dizer que ela tem
papel fundamental na vida de seus membros, que o crescimento e desenvolvimento
acompanham as pessoas por toda a vida. Além disso, não podemos deixar de considerar que a
estrutura da família se modifica ao longo de seu ciclo vital. Entende-se por estrutura familiar
uma forma de organização ou disposição de um número de componentes que se inter-
relacionam de maneira específica e recorrente. Geralmente a estrutura familiar compõe-se de
um conjunto de indivíduos com condições e em posições reconhecidas na família e na
sociedade, sendo que cada um apresenta uma interação regular e recorrente, reconhecida e
aprovada socialmente (MINUCHIN, 1990).
A despeito das influências sociais, culturais e econômicas que alteram a estrutura
familiar, autores como Costa (1983), Grunspun (1990) e Samara (1983) afirmam que a
família ainda é a matriz mais importante do processo de desenvolvimento humano e fonte
principal de saúde para seus membros.
A família, destarte, desempenha papel fundamental não no desenvolvimento e
manutenção da saúde e no equilíbrio emocional de seus membros, enquanto "lócus" de
afiliação e/ou de reafiliação social, mas também na relação com o Estado, na perspectiva de
instituição social decisiva para o desenvolvimento do processo de integração/inclusão social
de seus membros.
Em estudo realizado por Althoff (2004), as famílias, ao relacionarem a saúde e a
doença, referem que o enfrentamento das questões da vida cotidiana, o compartilhar das
relações, das atribuições e tarefas e uma comunhão de valores fundamentais para o convívio
de seus membros conduzem à saúde da família. Por outro lado, a doença surge como um mal-
31
estar, como geradora de sofrimento e desajustes nas relações e na construção de valores na
família.
Alguns estudos identificaram que a dinâmica e a estrutura familiar são diferentes
na presença de doenças em relação a condições de saúde. A diferença das famílias entre o
primeiro e o segundo casos está nas respectivas necessidades. Na presença de doença, as
necessidades giram em torno da busca de respostas para satisfazer as ansiedades relacionadas
a essa doença, à busca de respostas e a outras necessidades pertinentes à patologia - por
exemplo, orientações, apoio, informações, ajuda para desenvolver um cuidado, entre outras
atividades, e em alguns casos, mudanças na rotina familiar (Waidman e Elsen, 2004).
Por esta razão, diversos estudos têm apontado e reconhecido a importância do papel
cuidador da família (CARTANA, 1988; BOHES, 1990, RIBEIRO, 1990 ; MOTTA, 1997;
KOGA, 1997; WAIDMAN, 1998) e quanto esse papel é exacerbado em situações marcadas
pela presença de doenças, hospitalizações e mesmo diante de sinais e queixas de mal-estar ou
dor (MOTTA, 1997; ALEIXO, 1999; RIBEIRO, 1999; LENHARDT, 2001; OLIVEIRA,
2004).
As características especiais de proximidade e convivência fazem com que a família
esteja mais bem equipada e tenha maiores condições para acompanhar o processo saúde e
doença de seus membros (TURNER, 1970). Por esta razão, na área da saúde, a família tem
sido apontada, na maioria das vezes, como a primeira e a mais constante unidade de saúde
para seus membros.
O cuidado familial concretiza-se nas ações e interações presentes na vida de cada
grupo familial, e se direciona a cada um de seus membros individualmente ou ao grupo como
um todo ou em parte, objetivando seu crescimento, desenvolvimento, saúde e bem-estar,
realização pessoal, inserção e contribuição social. (ELSEN, 2004, p. 23).
Elsen (1984) ressalta também a existência de um conjunto de valores, crenças,
conhecimentos e práticas (referencial cultural) que guiam as ações da família na promoção da
saúde de seus membros, na prevenção e no tratamento da doença. Este referencial ajuda a
família a compreender e enfrentar as diferentes situações de saúde e doença e vai sendo
construído ao longo da vida familiar, a partir das interações com os profissionais de saúde e
também com as pessoas que lhe são significantes.
Estudos - como o de Marcon (1999) - indicam que mudanças no contexto
biopsicossociocultural afetam os valores compartilhados e construídos na família, a
quantidade e qualidade do cuidado familial e as relações intra e extrafamiliares.
32
Nestes casos, percebe-se a influência marcante dos aspectos culturais de determinado
espaço social e momento histórico em que o individuo com Aids, por exemplo, está inserido,
lembrando-se que um contexto cultural difícil e carregado de preconceito aumenta a
vulnerabilidade destes indivíduos e sua resistência à terapêutica anti-retroviral, criando
situações que aumentam o risco de depressão e de desesperança (SCHAURICH; COELHO;
MOTTA, 2006).
Ferraz e Stefanelli (2007) asseveram que as famílias de pessoas com HIV/Aids
sofrem instabilidade emocional junto com seu familiar portador, o que muitas vezes exige
delas autenticidade e reciprocidade nas suas ações, a busca de um melhor relacionamento e
escolhas responsáveis nas atitudes que permeiam uma relação familiar (PAULA;
CROSSETTI, 2005).
Assim, verifica-se que quando a unidade familiar se encontra abalada pela presença
entre seus membros de alguma doença crônica, tornam-se necessários cuidados e orientação
para lidar com essa nova situação, o que gera mudança na rotina de suas atividades e nas
relações familiares. Famílias que convivem com doença grave, como as famílias dos
portadores de Aids, ou com hospitalização prolongada de um de seus membros, podem ser
afetadas no cuidado aos demais membros (RIBEIRO, 1999).
Neste sentido, precisamos pensar a problemática das pessoas com Aids não apenas
de forma meramente estatística. Precisamos ir além de dados objetivos e preocupar-nos com
dados subjetivos que estão vinculados ao ser humano. Para Souza, Silva e Silva (2003), a falta
de informação, os aspectos biológicos, culturais e psicológicos, bem como a falta de
assistência à saúde direcionada para a unidade familiar, justificam a inquietação da família na
busca de maior bem-estar para o seu membro com HIV/Aids.
Freqüentemente esses familiares vêem-se limitados. Sentimentos de desespero, raiva
e frustração alternam-se com os de culpa por “não estar fazendo o bastante” por um parente
amado. A rotina doméstica altera-se completamente e em geral uma perda da atividade
social da família. Além disso, muitos amigos não entendem as mudanças ocorridas nas
famílias que têm pessoa vivendo com Aids e se afastam (WALDOW, 2004).
Assim, é preciso considerar que a capacidade da família para cuidar de seus
membros individualmente, ou do grupo como tal, pode estar comprometida, diminuída ou
ausente em determinadas situações ou fases de sua trajetória de vida, pois a dinâmica da
atenção ao familiar adoecido que vive uma situação de dependência, seja esta física ou
emocional, apresenta uma estrutura específica que difere da assistência ao familiar sem
comprometimento. Ademais, vivenciar com o paciente um processo que apresenta um curso
33
inevitável pode ter efeitos devastadores nas pessoas afetadas e seus familiares (WALDOW,
2004).
Dentro desta perspectiva, considera-se que a vida em família é singular e complexa, e
é no ambiente familiar que se desenvolvem as relações afetivas e de cuidado, sendo comum
que um dos membros da família, geralmente uma mulher, assuma a responsabilidade pelo
cuidado daqueles que não são capazes de se autocuidar (MARCON, 1999; MOTTA, 2002;
MARCON et al., 2006; WAIDMAN et al., 2003). O membro familiar, amigo ou voluntário
da comunidade que assume o cuidado de outros no domicilio, normalmente sem possuir
formação na área da saúde, é chamado de cuidador familiar ou informal (WALDOW, 2004).
Esse cuidador pode ser categorizado em primário ou principal e secundário, a depender da
maior ou menor intensidade com que preste cuidados ao ente familiar (MOTTA, 2002).
O cuidador principal é aquele que tem a total ou a maior parte da responsabilidade
pelos cuidados prestados ao parente dependente, no domicílio; por sua vez, os cuidadores
secundários são os familiares, voluntários e profissionais que prestam atividades
complementares. Usa-se a denominação “cuidador formal” (principal ou secundário) para o
profissional contratado (auxiliar de enfermagem, acompanhante, empregada doméstica etc.) e
“cuidador informal” para os familiares, amigos e voluntários da comunidade (WALDOW,
2004).
Em relação ao cotidiano dos cuidadores, Motta (2002) afirma que, à medida que a
pessoa vai ficando dependente, ocorre uma mudança de papéis entre os membros da família.
Se o doente é um dos pais, os filhos adultos assumem a função de decidir e tomar as
responsabilidades dos pais; se o paciente é o marido, a mulher, antes acostumada a ser
cuidada e protegida, passa a cuidar e proteger, embora para as mulheres o ato de cuidar seja
secular, haja vista ser historicamente direcionado a ela o papel de cuidadora dos entes do lar
(MOTTA, 2002).
Geralmente, o familiar cuidador é o principal responsável pelos cuidados e assume a
maior parte da carga física e emocional. Por ter com o familiar uma relação anterior ao
processo de doença, o cuidador demonstra de diversas formas a dificuldade de aceitar a
transformação da pessoa adoecida, que progressivamente vai assumindo outro modo de ser,
ficando o cuidador sobre uma tênue linha entre o que sabe efetivamente e as dúvidas que
surgem no dia-a-dia (WALDOW, 2004).
Mendes et al. (1997) apontam que, geralmente, as decisões de assumir os cuidados
são mais ou menos conscientes. Estudos revelam que, embora a designação do cuidador seja
informal e decorrente de uma dinâmica, o processo parece obedecer a certas regras, refletidas
34
em quatro fatores: parentesco - com freqüência maior para os cônjuges, antecedendo sempre a
presença de algum filho; gênero - com predominância para a mulher; proximidade física -
considerando quem vive com a pessoa que requer os cuidados; proximidade afetiva -
destacando a relação conjugal e a relação entre pais e filhos.
Destarte, o que também preocupa é a questão da condição físico-emocional do
cuidador. Motta (2002) destaca que a assistência ao paciente acamado (ou não) pode ser muito
estressante e leva muitos familiares a desequilíbrios físicos e psicológicos. Os cuidadores
apresentam vários sintomas de estresse e geralmente têm um balanço afetivo negativo. Em
relação à população geral, os cuidadores apresentam menor nível de satisfação de viver, o que
pode exercer influência direta sobre seu estado físico, com o acometimento mais freqüente de
doenças.
Sabemos que não há uma organização familiar universal ou um modelo único de
família. O que se percebe é que as famílias variam substancialmente quanto a sua dinâmica,
estrutura e funcionamento, dependendo do grau de flexibilidade de atuação de cada família,
de seu lugar na estrutura social e do próprio momento histórico (STAMM, 2003, p. 165).
Marcon (2004) nos mostra a associação que tem sido feita, em diferentes momentos
históricos, da família com o processo perene de humanização e socialização das pessoas,
identificando-a como unidade social essencialmente cuidadora. Como bem assinala a autora,
“o cuidar de si e dos outros é um atributo inerente a todos os seres humanos, pois estamos
permanentemente cuidando, o que constitui inclusive, nosso principal diferenciador em
relação ao outros seres vivos” (MARCON, 2004, p. 45).
Vale destacar que cuidadores bem-orientados serão melhores que aqueles cujas
dúvidas não são sanadas. A orientação aos cuidadores deve, necessariamente, partir das
equipes de saúde que atuam diretamente com esses pacientes e seus cuidadores, no sentido de
manterem um relacionamento mais próximo que o de qualquer outro membro da comunidade.
Também, são eles detentores de conhecimento técnico-científico para orientar da melhor
forma possível a atuação dos cuidadores. Nesta mesma direção, Ribeiro (1988) ressalta que a
família com insuficiência de aporte socioeconômico e de rede de suporte social quase ausente
apresenta dificuldades em cuidar de seus membros.
Acreditamos na importância da adoção de novas abordagens, assim como de
parâmetros de assistir e cuidar pautados na integração entre o cuidado familial e o profissional
e no reconhecimento do cuidado prestado pela família, tanto em situações de saúde como de
doença, como meio de transformação de nossa realidade de saúde.
35
A condição de fragilidade na saúde das famílias que convivem com uma doença
crônica é conhecida (MARCON et al., 2004) e a condição de vulnerabilidade emocional
começa a ser discutida (AYRES, 1996, 2002). As famílias que vivenciam essas situações
necessitam de um olhar mais próximo por parte dos profissionais de saúde e de outras áreas
também. Nestes casos, a assistência precisa ser mais freqüente e mais efetiva, tendo em vista a
melhoria da qualidade de vida da família como um todo.
36
3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
As diferentes teorias, que abrangem certos aspectos particulares e relegam outros,
revelam o inevitável imbricamento entre conhecimento e interesse, entre condições históricas
e avanço das ciências, entre identidade do pesquisador e seu objeto e a necessidade
indiscutível da crítica interna e externa na objetivação do saber (MINAYO, 2004).
3.1 A ESCOLHA DO MÉTODO
Optamos por desenvolver um estudo exploratório-descritivo. Esse tipo de pesquisa
tem como uma das suas finalidades esclarecer e/ou modificar conceitos e idéias. Inicia-se
geralmente por algum fenômeno de interesse e busca explorar a dimensão desse fenômeno e
suas relações com outros fatores com os quais ele se relaciona (GIL, 1987; POLIT,
HUNGLER, 1995; BUSTO et al., 2002).
A metodologia qualitativa, segundo Minayo (2004), é aquela capaz de incorporar as
questões do significado e da intencionalidade como inerentes aos atos, às relações e às
estruturas sociais em que se vive, sendo estas últimas cômodas tanto no seu advento quanto na
sua transformação, como construções humanas significativas.
Tratando-se do HIV/Aids, a abordagem qualitativa mostra-se útil, por focar as
pessoas, para as quais o referido agravo à saúde traz importantes implicações; como também é
útil para a prática profissional em suas dimensões objetivas e subjetivas (OLIVEIRA et al.,
2006).
Segundo Minayo (2004), para conhecer mais sobre um grupo é preciso pensar em
pesquisa qualitativa, para inferir conseqüências teóricas e práticas na abordagem do social.
A pesquisa qualitativa contribui para a visão holística do ser humano, pois permite
avaliar problemas da assistência à enfermagem e, conseqüentemente, contribui para o
desenvolvimento do enfermeiro em sua profissão. Segundo Waldow (2004), algumas colegas
afirmam que o foco da enfermagem é a saúde, mas para ela o cuidado engloba a saúde de
forma integral, portanto, também nas dimensões psicobiológica, espiritual, social e política,
que a ela estão estreitamente ligadas. O respaldo humanístico e holístico ainda existente nas
instituições de saúde responsáveis pelo cuidar não condiz com a ão de muitos profissionais.
Existe um esforço para humanizar a enfermagem, embora muito rudimentar.
37
A pesquisa qualitativa oportuniza a interação entre o objeto de estudo e o
pesquisador, podendo aquele ser avaliado no seu contexto.
3.2 LOCAL DO ESTUDO
O estudo foi realizado no Serviço de Ambulatório Especializado em Aids de Campo
Mourão (SAE), que constitui referência para mais 25 municípios. O SAE foi fundado em
janeiro de 1991 e é vinculado integralmente ao Sistema Único de Saúde (SUS). Atualmente, o
ambulatório encontra-se localizado anexo à Secretaria Municipal de Saúde de Campo Mourão
e se constitui de cinco ambientes: dois consultórios, um refeitório, uma sala para o CTA
Centro de Testagem Anônima, uma sala para o Projeto TROCA Redução de Danos em
Aids. O ambulatório conta 273 pacientes notificados, incluindo portadores do HIV, doentes
de Aids e óbitos até o ano de 2006. O quadro de recursos humanos é constituído por uma
médica, um psicólogo, um bioquímico, uma enfermeira, uma assistente social, uma auxiliar
de enfermagem e quatro redutores de dano.
3.3 OS INFORMANTES
Foram informantes do estudo 20 indivíduos: 10 pessoas portadoras de HIV/Aids e os
respectivos cuidadores familiares.
A seleção dos informantes seguiu alguns critérios de inclusão, tendo em vista o
atendimento de meus interesses subjetivos e objetivos. Esses critérios foram: abranger pessoas
de ambos os sexos; a pessoa ser atendida no SAE; estar em uso de terapêutica ARV; ser
atendida no mês de junho; e ter comparecido ao serviço no período destinado à coleta de
dados, acompanhada do seu cuidador familiar.
3.4 COLETA DE DADOS
A coleta de dados se deu em dois momentos. O primeiro ocorreu em junho de 2006
e o segundo em abril de 2007.
38
Os dados foram coletados utilizando como técnicas a consulta a documentos e
entrevistas. Os documentos consultados foram os prontuários dos pacientes no SAE, de onde
foram coletadas informações referentes à história epidemiológica e à evolução do paciente no
serviço, mais especificamente quanto às características e mudanças do tratamento ao longo
dos anos.
As entrevistas, caracterizadas como semi-estruturadas, foram realizadas com os
pacientes e com os cuidadores. A entrevista é um instrumento valioso de coleta de dados para
as ciências sociais, sendo reveladora de valores, normas e símbolos de condições estruturais
(TRIVIÑOS, 1987, p. 146).
Segundo Minayo (2004, p. 108), a entrevista semi-estruturada é aquela que combina
perguntas fechadas e abertas, sendo que, neste último caso, o entrevistado discorre sobre o
tema proposto sem respostas prefixadas pelo entrevistador ou pesquisadoras. A entrevista
semi-estruturada valoriza a presença do entrevistador e enriquece a investigação (TRIVIÑOS,
1987, p. 146).
Todas as entrevistas foram realizadas no domicilio. Elas foram previamente
agendadas de acordo com a disponibilidade da pesquisadora e dos informantes, e mediante o
devido consentimento, foram gravadas. Na medida do possível, buscou-se agendar a
entrevista com cada um dos informantes em um horário em que o outro não estivesse em casa.
Quando isto não foi possível, foi solicitado que a entrevista fosse realizada individualmente,
em local reservado, de forma a garantir a privacidade do informante.
Para as entrevistas foram utilizados três instrumentos, a saber, um roteiro do tipo
planilha para o registro dos dados coletados a partir da consulta aos prontuários e dois roteiros
de entrevista, um para o paciente e o outro para o cuidador. Estes instrumentos foram
elaborados pela própria pesquisadora com base nos objetivos do estudo. Eles foram
previamente aplicados a quatro informantes que não fariam parte do estudo, para identificação
dos aspectos dúbios ou não suficientemente claros. Contudo, pelos resultados positivos
obtidos com os quatro pacientes, não foi necessário refazer os dois roteiros de coleta de
dados.
No formato definitivo, o instrumento utilizado com os pacientes ficou constituído de
15 questões, e o utilizado com o cuidador, de 08 questões. Nos dois casos as questões
objetivaram coletar dados referentes à experiência de convivência com HIV/Aids.
Posteriormente, á medida que os dados foram sendo analisados, sentiu-se a necessidade de
explorar mais os aspectos relacionados com a adesão ao tratamento. Assim, um novo
instrumento foi elaborado e aplicado aos mesmos pacientes e cuidadores que já faziam parte
39
do estudo. Este está constituído de apenas oito questões, voltadas especificamente a
identificar aspectos relacionados com a adesão a HAART. Num primeiro momento este novo
instrumento foi aplicado a dois pacientes e dois cuidadores, e após uma breve avaliação sobre
o retorno, a adequação aos propósitos previamente definidos e os ajustes necessários, foi
aplicado aos demais pacientes e cuidadores do estudo.
3.5 A ANÁLISE DOS DADOS
O método utilizado para a análise dos dados foi a Análise Temática. A partir do
material transcrito, a análise se deu de acordo com Minayo (2004, p. 209), que refere:
[...] a análise temática se encaminha para a freqüência das unidades de
significação como defini tórias do caráter do discurso. Ou, ao contrario,
qualitativamente a presença de determinados temas denota os valores de
referencia e os modelos de comportamento presentes no discurso.
A análise temática, operacionalmente, desdobra-se em três etapas. A primeira é a
pré-analise, que consiste na escolha dos documentos a serem analisados, sendo composta por
tarefas como a leitura exaustiva do material, que consiste em inteirar-se do conteúdo, e a
constituição do corpus, que é a organização do material para responder exaustivamente à
validação deste: conter o universo pretendido, obedecer aos critérios precisos em termos de
temas, técnicas e interlocutores e ter pertinência, sendo os documentos adequados ao objetivo
do trabalho. A segunda etapa é a de exploração do material, que consiste na codificação do
material. A terceira é a do tratamento dos resultados obtidos e interpretação. Nesta etapa todos
os resultados brutos são submetidos a operações estatísticas simples, como percentagens, ou
mais complexas, como análise fatorial, podendo-se propor inferências e interpretações
previstas em seu quadro teórico (MINAYO, 2004, p. 211).
Trata-se de um método empírico, dependente do tipo de comunicação e do objetivo
que se queira alcançar. A análise temática trabalha as palavras e suas significações; é a busca
de outras realidades por meio da mensagem, usando um mecanismo de dedução com base nos
indicadores construídos a partir de uma amostra de mensagens particulares.
Para a análise dos dados, inicialmente todas as entrevistas foram transcritas na integra
e digitadas. Na organização dos dados, cada díade (paciente e cuidador) foi agrupada no
40
mesmo arquivo, porém com cores das letras diferentes. Este cuidado foi importante para
facilitar a observação dos dados da díade de forma global.
Após a primeira organização do material das entrevistas, iniciou-se a pré-análise, que
consistiu em ler cada entrevista várias vezes, de forma minuciosa, grifando os pontos que
atendiam aos interesses objetivos e substantivos da pesquisa. Terminada essa primeira leitura,
todas as entrevistas foram lidas e relidas até o total envolvimento da pesquisadora com a idéia
expressa pelos entrevistados, buscando obter da mensagem inclusive o que ela não expressava
literalmente.
3.6 ASPECTOS ÉTICOS DA PESQUISA
O desenvolvimento do estudo seguiu os preceitos éticos disciplinados pela Resolução
196/96, do Conselho Nacional de Saúde, que estabelece normas para pesquisas com seres
humanos. O projeto foi aprovado pelo Comitê Permanente de Ética em Pesquisa COPEP da
Universidade Estadual de Maringá (Parecer número 208/2006).
A solicitação de autorização para o desenvolvimento do estudo foi feita através de
documento escrito da pesquisadora endereçado ao Diretor Geral e Diretora da Secretaria de
Saúde de Campo Mourão, acompanhado de cópia do projeto da pesquisa.
A solicitação de participação no estudo foi feita, de início, apenas verbalmente, por
ocasião do comparecimento do paciente acompanhado de um cuidador familiar no SAE,
durante o período destinado à coleta de dados. Nesta ocasião, paciente e cuidador foram
informados sobre o estudo, o tipo de participação desejada e a livre opção em participar, sem
qualquer prejuízo para o atendimento no SAE, além de lhes ser garantido o anonimato. Todas
as ades contatadas aceitaram participar do estudo, e nestes casos eram levantados dias da
semana e horários mais apropriados para a realização da entrevista.
No dia da entrevista, todos os informantes receberam novamente informações sobre
o estudo, e após leitura e concordância, assinaram o termo de consentimento livre e
esclarecido em duas vias, uma das quais ficou com o informante e a outra com o pesquisador.
Em relação às questões éticas, buscou-se resguardar os nomes das pessoas com Aids
e seus cuidadores familiares, atribuindo-lhes códigos - uma cor, aquela da pasta onde ficam os
respectivos prontuários no serviço.
Também a fidelidade da transcrição foi assegurada, pois foi realizada pela própria
pesquisadora e há como conferi-la, em caso de dúvida, no próprio material analisado.
41
4
APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS DADOS
Neste capítulo faz-se a apresentação e discussão dos resultados com respaldo na
literatura.
4.1 CONHECENDO OS INFORMANTES DO ESTUDO
Neste estudo objetivou-se conhecer o perfil dos portadores e seus cuidadores.
4.1.1 Contextualização sócio-demográfica e clínico-epidemiológica dos portadores
Os usuários foram sete homens e três mulheres, sendo sete casados (inclusive as três
mulheres), dois na condição de união consensual e um divorciado (Quadro 1). Este perfil é
coerente com o que foi encontrado por Freitas (2001), em estudo realizado em Belo Horizonte
com doentes de Aids, que identificou crescimento da população heterossexual masculina e
com parceria fixa, uma vez que 58% dos indivíduos em estudo eram constituídos de homens
casados ou vivendo em união estável, com aumento do número de mulheres infectadas
(FREITAS, 2001).
Observamos que a idade variou de 28 a 60 anos, com média de 40 anos, e que apenas
Branco tem mais de 60 anos. Os dados epidemiológicos referentes à Aids no Brasil revelam
que a forma de transmissão mais freqüente do HIVAids é a atividade sexual, mais
especificamente, a atividade heterossexual, e que ,em função disto, a maior ocorrência de
contaminação ocorre na faixa etária adulta (BRASIL 2004, 2007). Ribeiro e Jesus (2004), no
entanto, identificaram um aumento do número de casos em pessoas com 60 anos ou mais, o
que os levou a considerar a necessidade de novos subsídios norteadores das ações de saúde
junto a essa população.
Nota-se que a maioria dos portadores continuou trabalhando e provendo às despesas
da casa, o que nos desperta reflexão sobre a importância da evolução e eficácia da terapêutica
ARV atual, a qual permite ao paciente trabalhar e manter sua família. Os dados encontrados
reforçam aqueles encontrados no estudo de Freitas (2001) realizado em Minas Gerais, quando
foi identificado que 76% dos portadores possuíam trabalho fixo, com ou sem relações
42
trabalhistas bem-definidas. Divergem, no entanto, dos resultados encontrados no estudo de
Barroso (2006), realizado no Ceará, que identificou que 73,7% dos portadores estavam
desempregados.
Em relação à escolaridade, observamos que seis portadores haviam completado o
ensino fundamental e quatro o ensino médio. É importante salientar a ausência de analfabetos,
visto que um nível maior de escolaridade favorece a compreensão sobre a patologia e é
relevante para a adesão ao tratamento. A baixa escolaridade dos indivíduos infectados com o
HIV/Aids tem sido sistematicamente identificada (BRASIL, 2004; NEMES et al., 2003;
LIGNANI, GRECO, CARNEIRO, 2001). Barroso (2006), por exemplo, evidenciou que o
grupo de indivíduos em estudo apresentava precária inserção escolar e escassos recursos
financeiros, o que representa uma mudança no perfil da epidemia, uma vez que no início era
mais freqüente entre indivíduos do sexo masculino, com melhor poder aquisitivo e maior
escolaridade. Atualmente, a tendência da epidemia parece ser o crescimento relativo das
mulheres infectadas pelo HIV e a ascensão da doença nos estratos mais pobres da população
(GOLDMEIER, 2003). Este fenômeno tem sido identificado como pauperização da epidemia
(BRASIL, 2007).
A escolaridade constitui um aspecto importante a ser considerado. Segundo Fae et al.
(2005), os portadores mais aderentes são aqueles com maior nível de conhecimento escolar, o
que também é confirmado por Gir, Vaichulonis, Oliveira (2005), quando afirmam que o baixo
nível educacional associado à ausência de emprego é um fator relacionado à não-adesão.
É interessante observar que, dos dez portadores em estudo, oito nasceram na cidade
de Campo Mourão ou região, porém todos vivem na região mais de dez anos, o que
significa que não houve “importação” dos casos de Aids; por outro lado, é importante
considerar que dois deles eram caminhoneiros, sendo esta profissão mais vulnerável à
epidemia da Aids. Dois pacientes entrevistados tinham a profissão de motorista de caminhão,
fazendo parte de um grupo mais vulnerável à epidemia.
43
Cor Sexo Estado civil Idade Profissão Escolaridade
Amarelo M Casado 44 Policial Militar Ensino médio
Rosa F Casado 30 Vendedora Ensino médio
Laranja M União consensual 28 cnico em Eletrônica Ensino médio
Lilas F Casado 30 Do Lar Ensino fundamental
Branco M Casado 60 Motorista Ensino fundamental
Azul M Casado 53 Motorista Ensino fundamental
Verde M Casado 41 Mecânico Ensino fundamental
Vermelho
F Casado 39 Escriturária Ensino médio
Marrom M Divorciado 45 Açougueiro Ensino fundamental
Cinza M União consensual 34 Pedreiro Ensino fundamental
Quadro 1 – Dados sócio-demográficos dos portadores de HIV/Aids. Campo Mourão, 2007.
Ao investigar o comportamento e evolução dos usuários em relação ao tratamento
ARV, observamos que o tempo de tratamento variou de seis meses a quase dez anos, com
média de quase quatro anos de tratamento.
Como a Aids é uma doença crônico-degenerativa, o tratamento deve ser ininterrupto.
Depois de cadastrados para uso do medicamento ARV, os pacientes são acompanhados
durante todo o tempo do tratamento, pois este é vivenciado de forma diferenciada por cada
indivíduo. Em relação a este acompanhamento, o Ministério da Saúde recomenda a realização
de três exames de CD4 ao ano e exames complementares a cada quatro meses ou sempre que
for necessário (BRASIL, 2007).
Observamos nos prontuários que o número de exames de CD4 realizado pela
maioria (oito) dos pacientes em acompanhamento está muito aquém do número recomendado,
e que dos dois pacientes que realizaram o número de CD4 recomendado, um havia entrado
recentemente no programa e o outro já estava em tratamento havia cinco anos.
A não-realização de exames de CD4 com a freqüência recomendada não significa
simplesmente ausência de adesão ao tratamento, mas sim, constitui um indicativo das
dificuldades encontradas para o mesmo. Dessa maneira, percebe-se que o conhecimento do
paciente sobre o tratamento indicado é limitado, e isto dificulta sua adesão.
Com referência ao número de internamentos realizado, é importante destacar que a
maioria dos entrevistados foi cadastrada após complicações por doenças oportunistas que
desencadearam a necessidade de internação, sendo que apenas Laranja teve diagnóstico antes
44
das doenças oportunistas, e, por coincidência ou não, apesar de estar em tratamento três
anos, é o único que nunca precisou ser internado. Os demais procuraram o serviço após o
aparecimento dos sintomas que, em diferentes momentos, desencadearam a necessidade de
internação. Vermelho, por exemplo, passou por dez internações, e isto é coerente com seu
comportamento, uma vez que sempre apresentou dificuldades em aderir ao tratamento da
doença. Não podemos deixar de considerar que nove indivíduos passaram pelo menos por
uma internação, seja por ocasião do diagnóstico seja posteriormente, por manifestações de
sintomas, sinais ou doenças indicativos de imunodeficiência, conforme ocorreu com duas
mulheres, que tiveram o diagnóstico por ocasião da realização dos exames pré-natais.
No trabalho de Barroso (2006) foi identificado que mais da metade dos pacientes
chegou ao serviço especializado com doença indicativa de imunodeficiência, reforçando a
hipótese de acesso tardio ao diagnóstico de HIV/Aids. Dos dez usuários, somente quatro
ainda não haviam mudado de terapêutica ARV, mas todos eles já haviam passado por
internações, embora, em geral, o número de trocas de terapêutica ARV guarde relação com o
número de internações hospitalares. Em um trabalho realizado em Ribeirão Preto com
portadores do HIV, entre 200 pacientes entrevistados, 138 (69%) já haviam mudado de
terapêutica ARV, sendo que 66 (47,8%) relataram como causa a falência terapêutica, 44
(31,9%) referiram como causa os efeitos colaterais intensos, 16 não sabiam por que o médico
mudara o esquema, 8 (5,8%) relataram que a medicação causar problemas antes inexistentes e
4 (2,9%) relataram outras causas (GIR; VAICHULONIS; OLIVEIRA, 2005, p. 638).
A seguir serão apresentadas as histórias individuais dos portadores em estudo.
Amarelo (41 anos, sexo masculino, há seis anos em tratamento)
Está cadastrado no SAE desde 09/03/2001. É jovem, esportista, tem 1,67m de altura,
demonstra preocupação com a sua saúde. No início do tratamento indicou três parceiras do
sexo feminino no período, sua esposa e duas namoradas, uma delas casada. As três mulheres
foram avaliadas quanto à sorologia para o HIV, e todas eram negativas. Quanto aos dados
epidemiológicos, o paciente disse ter relações sexuais com mulheres, sem uso de droga
injetável, sem história de hemofilia ou de transfusão de sangue. O diagnóstico foi realizado
através de coleta de sangue no Centro de Testagem e Aconselhameno, de forma espontânea.
Desde a sua admissão ao ambulatório, em 2001, já realizou 20 exames de carga viral e
contagem de CD4, o que é coerente com o tempo de tratamento; nunca precisou fazer troca da
terapêutica ARV, porém já esteve internado por duas ocasiões.
45
É um policial militar e tem muito medo da exposição pública de sua condição.
Inclusive, a família extensa não sabe que ele é soropositivo, e embora seu sogro também
participe do ambulatório como doente de Aids, ele não quer contar-lhe sua condição. Na
entrevista demonstrou certo constrangimento e medo de ser identificado. É casado e tem dois
filhos com sorologia negativa. Usa preservativo com a esposa e participa de uma igreja
evangélica, onde faz parte do coral.
Rosa (30 anos, sexo feminino, há sete anos em tratamento)
É jovem, loira, mede cerca de 1,60m de altura e pesa cerca de 50kg. É bonita,
simpática e calma. Chegou ao ambulatório em 03/05/2000, por demanda espontânea. A
sorologia para o HIV foi detectada e feito o aconselhamento. Na época era estudante e
namorava seu atual marido. Quanto aos dados epidemiológicos, tem relações sexuais com
homens, sem o conhecimento de parceiro sabidamente positivo para HIV. Teve múltiplos
parceiros, nega usar droga injetável ou ter realizado transfusão sanguínea. Rosa engravidou
em 2001, casou-se e veio ao ambulatório para realizar a profilaxia para evitar a transmissão
vertical ao bebê, com uso de medicamento na gestação, durante o parto e após um mês do
nascimento do bebê (PACTG 076). Rosa aderiu ao tratamento profilático e fez o pré-natal
corretamente. Seu filho está bem, realizou todos os exames e tem sorologia negativa para o
HIV. Rosa tem somente esse filho, que é muito apegado a ele. Seu esposo estava
desempregado na época da entrevista.
Rosa se mostrou muito prestativa. Desde 2000 até o momento da entrevista, em
2006, realizou 5 exames de contagem de carga viral e linfócitos CD4, o que não é coerente
com o tempo de tratamento, por ser faltosa. Precisou fazer troca da terapêutica ARV duas
vezes e esteve internada por duas ocasiões.
Foi classificada por cinco anos como portadora do HIV e atualmente é doente de
Aids e responsável pela retirada do medicamento. O esposo sempre a acompanhou no pré-
natal, mas no momento da entrevista foi menos participativo; não usa preservativo e fez
sorologia de rotina, com exame negativo para o HIV.
Laranja (26 anos, sexo masculino, há três anos em tratamento)
É moreno, tem aproximadamente 1,6m de altura e pesa cerca de 55kg. Chegou ao
ambulatório em 26/02/2004, após diagnóstico de sorologia positiva para o HIV de sua esposa,
que estava grávida. Quanto aos dados epidemiológicos, Laranja teve relações sexuais com
mulheres, disse não ter tido parceiro sabidamente HIV positivo. Negou uso de drogas
46
injetáveis, hemofilia e história de transfusão de sangue. Desde a sua chegada ao ambulatório
em 2004, realizou 6 exames de contagem de CD4 e carga viral, o que é coerente com o tempo
de tratamento. Precisou fazer troca da terapêutica ARV uma vez, porém não esteve internado.
Atualmente trabalha como técnico em eletrônica e mora com a mãe, a esposa e o filho. Ele
tem diagnóstico livre de HIV e a responsável pela retirada do medicamento é a esposa.
Lilás (28 anos, sexo feminino, há dois anos e meio em tratamento)
É loira, tem aproximadamente 1,70m de altura e 75kg. Chegou ao ambulatório em
20/09/2004, após diagnóstico positivo para tuberculose e sorologia para HIV positiva.
Quanto aos dados epidemiológicos, disse ter relação sexual somente com o sexo
masculino, com múltiplos parceiros (trabalhou como profissional do sexo), nega uso de
drogas injetáveis ou ter recebido transfusão de sangue. Casou-se em 2005 e engravidou em
26/10/2005. Realizou profilaxia para transmissão vertical conforme PACTG 076, foi assídua
durante o pré-natal. Realizou três contagens de exames de CD4 e carga viral desde sua
admissão no ambulatório em 2004, o que não é coerente com o tempo de tratamento. Não
precisou fazer troca da terapêutica ARV, porém esteve internada por uma vez.
Seu esposo apresenta sorologia negativa para o HIV e usa preservativo; atualmente
está desempregado. O bebê está com três meses e encontra-se em avaliação da transmissão
perinatal. Lilás freqüenta o ambulatório e é a responsável por pegar os seus medicamentos.
Participa ativamente de uma ONG, tanto para participar de cursos quanto para realizar cursos
sobre DST e Aids. Atualmente é membro efetivo de uma igreja evangélica. foi monitora
em uma casa de recuperação de drogas, onde conheceu o esposo.
Branco (60 anos, sexo masculino, há dez anos em tratamento)
É moreno, de cabelos grisalhos, mede aproximadamente 1,60m de altura, usa óculos
e está obeso. Chegou ao ambulatório em 25/04/97, com 50 anos. Chegou com sintomas, como
emagrecimento, diarréia e febre. Não tinha parceira sexual no momento em que foi admitido
no SAE. Quanto à categoria de exposição, é heterossexual, com múltiplas parceiras. Negou
ser usuário de drogas, hemofílico ou ter recebido transfusão de sangue. Relatou que se
separou de sua primeira mulher há aproximadamente cinco anos.
Na primeira consulta, foi acompanhado pela filha e pela irmã. Trabalhava como
motorista de caminhão fazia vários anos. Branco participa de palestras no município de
Campo Mourão e dos treinamentos do Ministério da Saúde, mas seu testemunho nos
47
municípios da região, pois tem medo do preconceito local. Costuma ajudar os outros
pacientes na adesão ao medicamento de Aids.
Na entrevista falou dos seus sentimentos sem restrição. Teve falha da medicação
após anos de uso, fase em que, mesmo sendo cuidadoso com sua saúde, perdeu muito peso e
ficou deprimido. Teve medo da morte.
Hoje, Branco mora com sua esposa. Ela tem sorologia negativa para o HIV. Usa
preservativo e é membro de uma igreja evangélica. Tem problemas de relacionamento com
sua filha biológica e adotou a filha de sua esposa atual e um casal de netos. Coincidentemente,
o seu genro é doente de Aids, faz tratamento no ambulatório, mas não compartilha a sorologia
com a família.
Branco realizou 17 exames de CD4 e CV após a sua entrada no ambulatório - o que é
coerente com o tempo de tratamento. Precisou fazer troca da terapêutica ARV duas vezes,
porém só esteve internado uma vez. É o responsável pela retirada do medicamento no
ambulatório. Sua parceira é exigente e nervosa, mas boa cuidadora.
Azul (52 anos, sexo masculino, há quatro anos em tratamento)
É um homem magro, de 1,65m de altura e cerca de 60kg.
Chegou ao ambulatório em 27/02/2003, transferido de Curitiba, onde recebeu seu
diagnóstico positivo para o HIV quando ainda estava em tratamento de câncer de estômago.
Trabalhou como motorista de caminhão e na época da entrevista estava aposentado.
Quanto aos dados epidemiológicos, Azul disse ter relações sexuais com mulheres,
não ter tido relação sexual com indivíduos sabidamente HIV e ter tido cinco parceiras sexuais
nos últimos 10 anos. Não usou drogas injetáveis, não recebeu transfusão sanguínea e não é
hemofílico.
Desde que chegou ao SAE, em 2003, realizou exames de CD4 e CV seis vezes,
desde 2003, o que é coerente com o tempo de tratamento; precisou fazer uma troca da
terapêutica ARV e já esteve internado por duas ocasiões.
É Azul quem retira os medicamentos no ambulatório. Em um episódio de
emergência, quando ele foi internado, a esposa veio ao ambulatório comunicar o evento. Ela
tem sorologia negativa para o HIV e o casal mantém relações sexuais com o uso de
preservativo.
48
Verde (40 anos, sexo masculino, em tratamento há ano e meio)
Tem aproximadamente 1,70m de altura, 50kg de peso, estava de cor pálida e olhar
triste na entrevista.
Verde chegou ao ambulatório após ser diagnosticado com sorologia positiva para o
HIV por ocasião de um internamento em um hospital de traumatologia da cidade. Após um
acidente automobilístico em 1995, teve repetidas infecções no local da cirurgia. A família foi
avisada da sorologia positiva no hospital e foi orientada para um provável óbito. A família de
Verde chegou ao ambulatório muito assustada com o fato de esse usuário estar em uma
cadeira de rodas. Após chegar ao ambulatório, foi esclarecida sobre todos os cuidados
necessários. Verde é mecânico, porém está afastado do serviço após o acidente. A esposa de
Verde tem sorologia positiva para o HIV, mas ainda não está em tratamento. Verde aceita o
uso de preservativo nas relações sexuais. Desde que chegou ao ambulatório, em 2005,
compareceu duas vezes para realizar CD4 e CV, o que é coerente com o tempo de tratamento.
Nunca precisou fazer troca da terapêutica ARV, porém já esteve internado em três ocasiões. .
Quanto aos dados epidemiológicos, Verde disse ter relações sexuais com
mulheres, nega parceira com sorologia HIV positivo. Teve duas parceiras nos dois últimos
anos. Nega uso de drogas injetáveis, hemofilia e transfusão sanguínea.
Hoje anda com o auxílio de muletas e ganhou cerca de 10Kg de peso. Em
10/06/2006, a esposa de Verde nos comunicou que ele estava usando bebida alcoólica, e ao
ser questionado a respeito, confirmou o uso, mas manifestou o desejo de não mais usar. É um
alcoolista em recuperação. Durante a entrevista chorou e mostrou-se arrependido do
alcoolismo, que trouxe vários outros problemas.
No início do tratamento, em 2005, Verde dependia de sua esposa para pegar o
medicamento, mas atualmente ele é quem o pega.
Vermelho (37 anos, sexo feminino, há sete anos em tratamento)
Tem aproximadamente 1,60m de altura e 48kg de peso. É morena, de pele clara,
magra, de cabelos negros e cacheados, e usa óculos de grau.
Chegou ao ambulatório em 15/05/2000, acompanhada da mãe e da irmã,
aparentemente bem de saúde. Vermelho chegou ao SAE após sorologia para o HIV positiva
em seu filho de sete anos, o qual apresentava repetidos episódios de pneumonia. Desde a
admissão no ambulatório, Vermelho realizou 11 exames de CD4 e CV, o que não é coerente
com o tempo de tratamento, por ser faltosa. Precisou fazer troca da terapêutica ARV por três
vezes e já esteve internada em dez ocasiões.
49
Em 13/08/2003, Vermelho compareceu ao ambulatório, grávida de 12 semanas. Foi
encaminhada ao ambulatório de alto risco para realizar o pré-natal. O pré-natal seguiu
corretamente, assim como a profilaxia para a transmissão vertical. A criança nasceu
prematura e foi a óbito. Seu parceiro tem sorologia negativa para o HIV e não usa
preservativo. Trabalha como pedreiro, mas permanece a maior parte do tempo sem trabalho. É
o responsável pela retirada dos medicamentos. Atualmente, Vermelho espera a vaga para uma
cirurgia de laqueadura. Quanto aos dados epidemiológicos, Vermelho tem relações sexuais
com homens e não teve relações sexuais com indivíduos sabidamente HIV-positivos. Teve
múltiplos parceiros nega uso de droga injetável ou história de transfusão.
A maior preocupação de Vermelho é com a saúde de seu filho, que é doente de Aids
e toma medicamento três vezes ao dia, mas é saudável.
Marrom (42 anos, sexo masculino, há três anos em tratamento)
Tem cerca de 1,80m de altura e aproximadamente 90kg. É quieto e simples. Tem a
profissão de açougueiro, mas atualmente está afastado pelos problemas de saúde. Chegou ao
ambulatório em 07/07/2004, transferido de Itapevi, Estado de São Paulo, onde foi
diagnosticado após episodio de emagrecimento e encefalite viral, por solicitação da família,
que queria cuidar melhor do paciente. Chegou acompanhado de sua irmã, a qual já era
conhecida no ambulatório por ser cuidadora de outra irmã, cadastrada no ambulatório, a qual
foi a óbito em 2005 com úlcera hemorrágica. Marrom ficou com seqüelas devido às doenças
oportunistas. Uma delas foi uma herpes ocular, a qual diminuiu sua acuidade visual. Marrom
costuma andar com um lenço nos olhos e de cabeça baixa.
Quanto aos dados epidemiológicos, Marrom é desquitado, teve relações sexuais
com mulheres e ignora ter tido relações sexuais com indivíduo sabidamente HIV. Teve
múltiplas parceiras. Negou o uso de drogas injetáveis, hemofilia e transfusão sangüínea.
Quando chegou ao ambulatório, Marrom estava emagrecido e pálido. Desde o seu primeiro
comparecimento realizou quatro exames de CD4 e CV, o que não é coerente com o tempo de
tratamento, por ser faltoso. Precisou fazer troca da terapêutica ARV uma vez e igualmente
uma vez esteve internado.
Era alcoólatra e tabagista. Sua irmã disse que o usuário está bem, e foi ela a
responsável pela retirada do medicamento no dia da entrevista.
Cinza (33 anos, sexo masculino, há seis meses em tratamento)
Tem aproximadamente 1,60m de altura 50kg. É magro, moreno, de cabelos finos e
50
olhos castanhos. Chegou ao ambulatório em 20/06/2005, quando foi internado com suspeita
de câncer. O médico solicitou a sorologia para HIV, que teve diagnóstico positivo. Cinza é
pedreiro, teve um emagrecimento importante, mas agora está trabalhando novamente. Quanto
à epidemiologia, disse ter relações sexuais somente com mulheres, sem relações sexuais com
indivíduos sabidamente HIV. Teve duas parceiras nos últimos anos e negou uso de drogas
injetáveis, hemofilia e história de transfusão de sangue. Realizou dois exames de CD4 e CV, o
que é coerente com o tempo de tratamento. Nunca precisou fazer troca da terapêutica ARV,
porém já esteve internado uma vez desde o inicio do seu tratamento. Sua esposa tem sorologia
negativa para o HIV. Ela é a responsável pela retirada do medicamento.
4.1.2 Os cuidadores
Entre os cuidadores entrevistados, constatou-se que nove eram parceiros sexuais e
somente uma era irmã do usuário. Verifica-se que na maioria dos casos a provisão do cuidado
não estava relacionada com vínculo consangüíneo. Conforme Saraiva et al. (2007), quanto
maior o vínculo familiar, maior será a sobrecarga emocional dos envolvidos em todo e
qualquer processo de saúde e doença. De acordo com o quadro 3, observamos que os
familiares cuidadores tinham idade entre 25 e 60 anos, com predomínio na faixa etária de 30 a
40 anos. Todos eram mais jovens que os usuários, exceto a esposa do Cinza, que era mais
velha. Isto também difere do que é observado em outras doenças crônicas, em que os
cuidadores geralmente são mais velhos que os pacientes (SARAIVA et al., 2007). Entre os
familiares, três eram do sexo masculino os cuidadores de Rosa, Vermelho e Lilás - e os outros
sete, do sexo feminino; logo, havia predominância do sexo feminino na provisão do cuidado
na família, o que está de acordo com a literatura (WALDOW, 2001).
Quanto à profissão, cinco eram do lar, três estavam desempregados e as cuidadoras
de Marrom e Cinza trabalhavam como empregadas domésticas. Esse dado é bastante relevante
e nos permite pensar na pauperização da epidemia, conforme citado anteriormente,
confirmando que o estudo foi realizado com uma classe social mais desfavorecida,
pertencente ao SUS. Todos os cuidadores eram alfabetizados, seis haviam cursado o Ensino
Fundamental e quatro até o Ensino Médio, dado relevante quando pensarmos em trabalhar a
educação para a saúde com esses familiares. O perfil dos cuidadores pode ser observado no
quadro dois.
51
C
uidador
Sexo Estado Civil Idade Profissão Escol
AmareloC F C 30 Do Lar Ens médio
RosaC M C 37 Desempregado Ens médio
LaranjaC F A 25 Do Lar Ens médio
LilásC M C 33 Desempregado Ens funda
BrancoC F C 60 Do Lar Ens funda
AzulC F C 50 Do Lar Ens funda
VerdeC F C 36 Do Lar Ens funda
VermelhC M C 30 Desempregado Ens médio
MarromC F C 56 Doméstica Ens funda
CinzaC F A 50 Doméstica Ens funda
Quadro 2 – Dados sócio-demográficos dos cuidadores familiares. Campo Mourão, 2007.
Diante da Análise dos cuidadores familiares, os dados são próximos dos dados
nacionais (MS, 2006), com um grande número de familiares com falta de opção para o
trabalho, o que se associa ao estigma da doença, ampliando as estatísticas de desempregados e
empobrecidos (CARTANA, 1988; BARROSO, 2006).
Concordamos com Barroso (2006) quando afirma que particularmente os solteiros,
ou desprovidos de um cuidador, apresentaram em seu trabalho um percentual de 54,5% de
não-adesão, por não terem um compromisso mais efetivo com um parceiro para dividir suas
responsabilidades. Cumpre lembrar que os pacientes que se relacionavam com outros
portadores eram mais aderentes do que os que não se relacionavam (BARROSO, 2006).
4.2 O IMPACTO DA DESCOBERTA DA SOROLOGIA POSITIVA PARA O PORTADOR
E SUA FAMILIA
A análise dos dados permitiu identificar que as experiências de usuários e cuidadores
com a doença HIV/Aids são diferenciadas entre os indivíduos e para um mesmo indivíduo ao
longo do tempo, sendo constituídas de diversos processos que se intercambiam à medida que
o indivíduo responde ao tratamento. Essas experiências se mostraram constituídas de quatro
grandes categorias.
52
4.2.1 Descobrindo-se portador de Hiv/Aids – uma fatalidade não esperada
A atual política de saúde de combate à Aids centra seus esforços em duas direções:
1) o tratamento correto, pautado na adoção de medidas para a prevenção de novas infecções e
promoção de uma vida com mais qualidade e cidadania aos portadores do HIV. 2) a
descoberta precoce da sorologia positiva através dos centros de testagem e aconselhamento,
os quais realizam aconselhamento, pesquisa sorológica para o HIV e distribuição gratuita de
preservativos.
Não obstante, mesmo diante da existência de serviços de testagem anônima
disponibilizado para a população em geral nos centros de testagem e aconselhamento
(BRASIL, 2007), observou-se que, no caso dos portadores em estudo, a forma como estes se
descobriram com sorologia positiva para HIV é característica de um comportamento em saúde
marcado pela busca de uma assistência, predominantemente em situações em que existem
sintomas físicos e/ou diante de alguns eventos que marcam os ciclos da vida, como o nascer e
o morrer.
Prova disto é que somente um entre os dez portadores em estudo tomou
conhecimento de que tinha sorologia positiva a partir da realização periódica do exame de
sorologia para HIV, fato que revela quanto à realização de exames com fins preventivos ainda
é escassa em nosso meio.
[...] Sempre fazia exames e quando pediram para repetir, fui informado que
estava contaminado (Amarelo).
No entanto, é importante observar que Amarelo realizava os exames anualmente
porque tinha consciência de que apresentava um comportamento de risco, inclusive havia
convivido com pessoas doentes de Aids.
Em dois casos, a descoberta se deu a partir do acompanhamento pré-natal. Trata-se
de mulheres, ou até casais, que se viram frente a frente com o resultado da sorologia positiva
em um momento especial de suas vidas.
Quando minha esposa ficou grávida e submeteu-se ao teste de HIV
(Laranja).
[...] Quando meu filho nasceu (Marrom).
53
Fato semelhante aconteceu com Azul, que ficou sabendo ter sorologia positiva por
acaso, ao realizar exames de controle de tratamento de câncer, e não por ter procurado os
serviços de saúde por estar apresentando sintomas de doenças oportunistas ou com fins
preventivos.
Estava em tratamento de câncer e na rotina de exames detectou o vírus.
Estou nove anos tratando do câncer de próstata e a três anos da Aids
(Azul ).
A maioria dos portadores, no entanto, de fato se descobriram com sorologia positiva
a partir de exames realizados por ocasião do acompanhamento e tratamento das doenças
oportunistas.
[...] eu estava internado quando eu soube (Azul).
Deu uma dor de cabeça, procurei o médico e ele pediu o exame (Cinza).
Este fato é coerente com o que foi encontrado por Brito et al. (2006), quando
identificaram que em 59,4% dos casos com indicação da terapia ARV os portadores
tomaram conhecimento da infecção pelo HIV após ingresso em serviço especializado com
algum sinal, sintoma ou doença indicativos de imunodeficiência (BRITO;
SZWARCDWALD; CASTILHO, 2006).
É interessante observar que este tipo de comportamento, o de não procurar
assistência com fins preventivos, guarda certa relação com o comportamento dos profissionais
de saúde. O cuidador de Verde, por exemplo, ao relatar como foi a descoberta da sorologia,
revelou que os profissionais de saúde ainda não estão suficientemente sensibilizados para as
atuais características epidemiológicas da Aids, uma vez que continuam valorizando a
possibilidade do diagnóstico para grupos de risco, como: profissionais do sexo, usuários de
drogas e homossexuais (BRASIL, 2004).
Através da doença, que foi um acidente de carro e ficou internado. Ficou um
ano internado no pronto-socorro, depois disso que soube da sorologia (Verde
C).
54
4.2.2 Depois da tempestade vem a bonança: sentimentos diante da descoberta da
sorologia positiva
O impacto sofrido ao tomar conhecimento do diagnóstico foi relatado por todos os
portadores, revelando que este fato desencadeia uma diversidade de sentimentos e
comportamentos no portador de Aids e também para seu cuidador.
Após ser informado da real situação fiquei deprimido... (Lilás).
Fiquei muito triste na hora em que eu soube, mas agora eu me acalmei.
(Azul).
Fiquei apavorado... .(Marrom).
Fiquei com medo, assustada,... Tive muito receio (Amarelo C).
Isto provavelmente acontece porque tanto a Aids como o seu tratamento ainda são
pouco conhecidos pela população em geral. Assim, informações incompletas, deturpadas e
contraditórias veiculadas pelos meios de comunicação de massa assumem caráter
sensacionalista, preconceituoso e pejorativo, provocando confusão, divergências e
desconhecimento sobre a doença (BOCHEMBUZIO; MENEGUIN, 2000).
No entanto, nos casos em que a família desconfiava da existência de um problema
de saúde mais grave, o diagnóstico positivo não chegou a causar grande impacto.
A minha atitude foi normal, porque eu já desconfiava (Cinza F).
Já desconfiava, porque meses antes havia estado em casa e pelo estado físico
dava para perceber. Logo fomos buscá-lo e não tinha medo (Marrom F).
Às vezes a pessoa não tem noção da gravidade da doença, de forma que a primeira
preocupação surge em função das dificuldades econômicas experienciadas e das possíveis
conseqüências que isto poderia trazer para o tratamento, conforme observado no relato de
Rosa.
Eu fiquei preocupado com o meu tratamento, como eu iria comprar os
remédios, mas com a ajuda da médica e das outras, está tudo bem (Rosa ).
55
A preocupação com a compra de medicamentos, pelo menos nos casos dos ARVs,
não se faz necessária, uma vez que o Brasil ocupa posição de destaque no mundo no que
tange à assistência e prevenção desta epidemia. O Programa Nacional de DST/Aids, por meio
da Lei 9.313, de 13 de novembro de 1996, garante a distribuição gratuita e universal dos
medicamentos anti-HIV pelo sistema público de saúde (GALVÃO, 2002). Contudo, nesta
cesta não são incluídos todos os medicamentos necessários para o tratamento de doenças
oportunistas, nem mesmo apoio financeiro que possibilite ao portador e familiares comprarem
uma alimentação mais balanceada, ou ainda que supra as necessidades decorrentes da
impossibilidade de a pessoa trabalhar normalmente (SCHAURICH; COELHO; MOTTA,
2006).
Os cuidadores também deixaram claro que o impacto maior ocorre logo após o
conhecimento do diagnóstico, mas que, à medida são dados os esclarecimentos sobre as
possibilidades de tratamento e prognóstico da doença, a carga de sentimentos negativos
diminui.
Fiquei preocupada, depois tivemos apoio das pessoas, que explicaram tudo.
Então, ficou mais esclarecido. Agora estamos vendo esse problema co m
outros olhos (Azul C).
Goldmeier (2003), ao realizar um estudo com 17 portadores cadastrados no SAE de
Lajeado - RS, também identificou que no início, a aceitação do resultado positivo do teste do
HIV foi difícil, especialmente nos casos em que os entrevistados foram contaminados pelo
parceiro em um relacionamento estável.
4.2.3 Os percalços da convivência com a Aids
Com a evolução da tecnologia, as pessoas passaram a conviver com a doença por mais
tempo. Vários fatores estão contribuindo para o aumento da sobrevida da pessoa com Aids
(SCHAURICH; COELHO; MOTTA, 2006).
56
4.2.3.1 Mudanças no cotidiano decorrentes do fato de conviver com o HIV/Aids
A manutenção ou não de um comportamento pode estar associada às conseqüências
positivas ou negativas desse comportamento, o que pode ser observado no grupo estudado,
uma vez que em muitos casos o portador de HIV/Aids, após a descoberta da sorologia, passou
por mudanças positivas no cotidiano. Em minha vivência como enfermeira no Serviço de
Ambulatório Especializado, tenho observado que o portador do HIV aprende a valorizar cada
dia, cada pessoa, inclusive as pequenas coisas antes despercebidas, o que parece estar
relacionado com a experiência de proximidade da morte.
Queiros, Pessoa e Souza (2005), ao realizarem um estudo com mulheres portadoras
de uma DST (HPV), constataram que o sofrimento físico e psicológico de ter adquirido a
doença faz com que a cliente repense suas atitudes diante dos fatos e apresente mudanças no
comportamento.
Os portadores Lilás e Branco, ao referirem a qualidade do relacionamento familiar,
demonstraram tranqüilidade, levando-nos a inferir que a aderência pode estar relacionada à
forma como o ser humano interage em seu meio. Se ela vive em um ambiente calmo e
tranqüilo, parece que são maiores as chances de uma boa aderência.
Vivemos normalmente, temos uma convivência amigável (Lilás).
Bem, sou casado, depois de doente e minha mulher aceitou (Branco).
Tal como observado por Waidman (2004), constatamos, durante as entrevistas, que
as famílias apresentam características peculiares no seu modo de vive,r e o profissional que
deseja prestar um cuidado humanizado deve levar em consideração a forma como a família
interage dentro de seu lar.
Se eu disser que é tudo maravilha, estou mentindo, mas tento levar da
melhor maneira possível (Rosa).
No seu depoimento, quando afirma que tenta levar a vida da melhor forma possível,
Rosa deixa transparecer o sofrimento que é, para ela, a forma como a convivência familiar se
no interior das quatro paredes de seu lar: o marido não aceita o diagnóstico e por isto não
permite que outros saibam dele, e n em mesmo sua sogra, que mora na mesma casa, tem
57
conhecimento da situação, pois ele toma comprimido escondido. Isto tem como reflexo a
ausência de apoio familiar no tratamento. Várias são as vezes em que Rosa vai fazer a
consulta e passa todo o período da manhã no Serviço de Ambulatório Especializado,
conversando com outros portadores e familiares sobre o HIV/Aids, o que nos passa a
impressão de que ela precisa compartilhar com os outros seus problemas, para melhor
adaptar-se ao estresse experienciado em função do desconhecimento da doença por parte das
pessoas à sua volta.
Para Sousa, Kantorsk e Bielemann (2004), conviver com um familiar com Aids é ir
para além das fronteiras físicas que a doença impõe, ou seja, é direcionar-se a um mundo
invisível, carregado de conceitos e preconceitos a partir das representações desta doença na
vida das pessoas; é suscitar impressões positivas e negativas sobre a doença e a vida com a
Aids; é aproximar-se e distanciar-se do portador de Aids, da sociedade e da família. Neste
contexto, podemos inferir que o portador sente-se um estranho, mesmo estando em um meio
conhecido ambiente ou pessoas; ele precisa (re)aprender a viver para (re)conquistar sua
auto-estima e dignidade. Os portadores se vêem como vítimas da epidemia, uma vez que não
buscaram adquirir a doença, mesmo quando se expunham as atitudes de risco, pois nem todos
os que se expõem passam a ser portadores do HIV. Segundo Schaurich, Coelho e Motta
(2006) e Souza et al. (2004), o portador perde a sua identidade e passa a ter uma outra, a de
portador do HIV.
E problemas. Como a família que não entende o que é ter Aids (Lilás).
Lilás também demonstra uma convivência social conflituosa com a família ampliada,
que mora em Curitiba; assim prefere morar sozinha em uma cidade do interior, apesar de
quase não ter amigos. Para Schaurich, Coelho e Motta (2006), os portadores aderentes têm
uma história de superação de dificuldades, relacionadas não apenas às características
complexas dos esquemas medicamentosos, as dificuldades relacionadas ao estilo de vida e ao
estigma da doença.
[...] As dificuldades foram no início da nova terapia, mas me adaptei
quanto ao álcool, faz tempo que não faço o uso, mas o meu abuso total é
com o fumo (Cinza).
Os portadores da doença convivem com uma realidade em que sua trajetória
individual e coletiva é marcada por um processo de fragilização, diante das consecutivas
58
perdas de patrimônio, como o trabalho, por exemplo, ou até mesmo de uma função dentro da
empresa. Esta perda fragiliza as pessoas que portam o HIV/Aids e as desvinculam de suas
relações sociais, e elas passam a sentir o impacto das perdas sociais e necessidade de
reconstituir-se socialmente (BARROSO; SCHAURICH; COELHO; MOTTA, 2006).
Essa observação reforça o pensamento de Sousa, Kantorsk e Bielemann (2004),
quando afirmam que a doença assume caráter e forma singulares em cada família, e isto
geralmente está pautado na cultura, nos significados que a família atribui à doença e nas
regras sociais que influenciam o comportamento das pessoas.
O meu maior problema é ficar sem o cigarro, eu não consigo. (Lilás)
[...] já precisei de orientação, apoio psicológico, apoio médico. (Azul).
Parcela significativa dos entrevistados referiu mudanças nos hábitos de saúde,
demonstrando grande preocupação com o uso de tabaco ou de bebidas alcoólicas, ou ainda
com a ausência de exercícios físicos. È interessante observar que, embora todos façam uso da
terapia ARV, eles não reconhecem este uso como um fator de mudança no cotidiano.
Desconhecem como se dá e a importância do processo de adesão na evolução da doença e em
suas manifestações. Em função disto, as orientações normalmente são repetidas
mecanicamente conforme são apreendidas no início da terapia.
Portadores e seus cuidadores referem não ter havido mudanças no cotidiano e que a
adaptação à terapêutica ARV não gerou transtorno, embora em seus depoimentos as
mudanças sejam explicitas, e vão desde o aumento da ingesta de água até o aumento no
número de refeições. Isto, ao contrário do que se poderia supor, é bem-vindo, pois os
portadores de HIV/Aids são orientados sobre os benefícios de uma vida mais regrada,
representada, por exemplo, por uma alimentação mais saudável, aumento na ingesta hídrica e
uma quantidade mínima de horas de sono, para evitar as infecções oportunistas e neoplasias,
pois a doença compromete múltiplos órgãos e sistemas (BARROSO, 2006; BRASIL, 2007).
Eu não parei de fumar. Beber, eu já não bebia mais, eu tomo o mesmo tanto
de água (Branco).
Acho que o cigarro é um mal, mas do resto, ele se cuida muito bem (Branco
C).
Eu adoro refrigerante, eu como de tudo, eu bebo de tudo. Dieta balanceada
eu não faço, eu não sou apegado, eu adoro dinheiro, trabalho porque eu
quero é ter dinheiro. Eu fazia duas refeições, agora eu faço cinco
refeições. Eu também aumentei minha ingesta de água (Laranja).
59
Sou ociosa, nunca gostei de ginástica, ou exercício físico, e não mudei. Acho
que poderia mudar, mas não consigo (Rosa).
Observou-se que alguns portadores tinham conhecimento prévio sobre as formas de
transmissão do HIV - pelas relações sexuais desprotegidas, atitudes de risco - como o uso de
álcool e drogas - ou o aumento do número de parceiros sexuais. O depoimento de Azul ilustra
essa situação, pois ele sabia ter um comportamento de risco, mas não conseguiu mudá-lo.
Sempre tentei levar uma vida mais regrada, mas não consegui (Azul).
Os motivos para não aderir ao preservativo vão desde a idéia de que a contaminação
ocorre com os outros, até a ausência de informação, baixa auto-estima, deficiência no
autocuidado, falta de autonomia e medo de se expor a uma situação embaraçosa pelo uso do
preservativo (QUEIROZ; PESSOA; SOUSA, 2005).
Algumas pessoas revelaram uma mudança mais significativa em rios aspectos de
seu viver, reforçando o que já dissemos antes sobre a valorização das pequenas coisas da vida
Eu trabalhava muito, lavava parede, lavava janela, fazia calçada, mas agora
eu sei que não posso ficar me molhando. E também melhorei meu estado
emocional. Ficava muito deprimida, deixava as pessoas tomarem conta de
mim e das minhas coisas. Agora eu gosto mais de mim (Lilás).
Um dos portadores demonstrou a importância das questões econômicas em sua vida,
não deixando que a doença interferisse em sua dinâmica familiar, pois ao continuar sendo o
único provedor na família, sente o prazer de não ver este papel sendo alterado após a
descoberta da patologia. Para esse indivíduo, este fato constitui uma estratégia para fortalecer
sua auto-estima e a si mesmo frente à doença.
Quando os portadores conseguem superar com êxito a fase sintomática da Aids e
chegam à fase da doença crônica, normalmente valorizam a adoção de hábitos mais saudáveis
de vida.
[...] não me sinto uma pessoa debilitada, mas faço minhas caminhadas, ando
de bicicleta. Acho que fico a desejar com a questão alimentar e o tabaco,
mas me sinto bem (Cinza).
Parei com tudo depois que soube, comecei a tomar o remédio logo em
seguida. Eu adorava amanhecer no baile, mas hoje eu estou bem, não quero
60
mais aquela vida. Parei de fumar e de beber, mas o que dificulta é quando
eu fico nervoso, eu perco peso e não consigo beber o remédio, daí eu paro
(Verde).
É interessante observar no relato de Verde que o portador parece viver
constantemente em uma corda bamba, em que qualquer alteração é capaz de causar um
desequilíbrio emocional e interferir diretamente no modo de enfrentar a doença e, em
especial, de conduzir o tratamento. Isto, por sua vez, pode dar a impressão de um
comportamento incongruente.
Parece-nos que as informações foram passadas, mas não adequadamente aprendidas
e incorporadas no cotidiano. Lignani et al. (2006) destacam o importante papel do
profissional enfermeiro na mudança desta realidade, pois este recebe em sua formação
profissional conteúdos referentes às ciências humanas e biológicas que favorecem uma
educação para a saúde que transcenda os aspectos meramente informativos da educação em
saúde.
Sempre foi muito preocupada com beleza, sempre foi muito preocupada com
a casa, agora está se cuidando com o peso, pois não quer ficar gorda (Rosa
C).
Consegui afastar do álcool, mas do cigarro não, da gordura sim, ele deixa o
pão para comer mais carne e mais salada. Mudei a comida de casa para
mudar tudo (Marrom C).
É possível observar a preocupação dos cuidadores familiares com o tratamento,
valorizando a fase em que os portadores estavam sintomáticos. Assim, apesar das dificuldades
vivenciadas durante o tratamento, existe a valorização da qualidade de vida, com uma
alimentação mais saudável.
A equipe de enfermagem pode intervir de forma efetiva no aprendizado das famílias,
mediante formação especifica desses familiares para prestarem o cuidado ao doente de Aids,
sendo um apoio para a adesão aos ARVs (GIR; VAICHULONIS; OLIVEIRA, 2005).
Eu sei tudo o que ele tem que fazer para ficar bem. Acho que nós temos uma
vida legal. Come bem, dorme bem, tem uma vida regrada (Laranja C).
Ele é muito cuidadoso, mais que eu até (Azul C).
.
61
4.2.3.2 Concepções sobre Saúde: o peso da experiência de conviver com HIV/Aids
No que se refere ao significado de saúde, foi possível identificar que tanto as pessoas
com Aids como seus cuidadores valorizam mais a vida, especialmente nos casos em que o
portador experimentou e sofreu com os sintomas das doenças oportunistas. Observa-se que
os portadores passam a valorizar pequenas coisas do cotidiano e que esta concepção encontra-
se atrelada ao estado de controle da Aids no momento da entrevista
Ter saúde não é ter um corpo saudável, mas sim, ter uma mente, um espírito
saudável. Não penso que a Aids compromete a minha saúde, porque não me
acho doente (Lilás).
Ter saúde é ser tranqüilo, estar de bem com a vida. Neste momento, a Aids
não me compromete em nada (Verde).
As evoluções técnico-científicas e farmacológicas têm oportunizado aos portadores
de Aids viver com a doença, e não para a doença. Isto é, a terapêutica ARV tem possibilitado
aos portadores ter uma boa qualidade de vida e transformar a síndrome que levava à morte em
uma doença crônica (SCHAURICH; COELHO; MOTTA, 2006).
È interessante observar que, ao manifestarem suas concepções sobre saúde, os
portadores revelam que agora reconhecem a importância de assumir a responsabilidade por
seu próprio bem-estar.
Saúde é tudo na vida humana e ter Aids é comprometer-se a se cuidar mais
ainda (Amarelo P).
É estar saudável... Não posso dizer ao contrário. Ter Aids compromete a
minha saúde, pois compromete muitas coisas (Rosa P).
A saúde e a doença têm adquirido importante destaque nas discussões e debates
sociais, e os depoimentos de Amarelo e Rosa, que se predispõem a se cuidar no sentido de
evitar complicações, revelam coerência com a definição de que saúde é o completo bem-estar
físico, mental e social, com valorização de aspectos relacionados com a prevenção em vez
daqueles relacionados com práticas curativistas (BRASIL, 2004).
62
Estes portadores também referiram que passaram a ter algumas preocupações - com
o ganho de peso, por exemplo - que anteriormente não tinham. Isto sem dúvida é um reflexo
da convivência com a Aids e representa mais do que uma preocupação com questões estéticas,
uma vez que, conhecedores dos efeitos colaterais dos ARVs, eles temem o ganho de peso, que
é muito comum e o primeiro passo para outras manifestações, como a obesidade, a
hiperlipidemia, com aumento do colesterol total, acúmulo de gordura no perímetro abdominal
e o surgimento de mamas e giba de búfalo (dorsal), que afetam sobremaneira a auto-imagem
do portador (BRASIL, 2007b).
Sempre me cuidei esteticamente, estou mais gorda e estou de regime (Rosa).
Um aspecto relacionado com a saúde que nos chamou a atenção foi o fato de apenas
um dos portadores referir que faz uso do preservativo.
Acho que a única coisa que mudou foi a camisinha (Rosa).
A camisinha constitui a principal ferramenta na luta contra a transmissão sexual da
Aids, e todos os portadores, os soro-discordantes (apenas um indivíduo no casal é portador do
HIV) e os soro-concordantes (os dois indivíduos no casal são portadores do HIV) devem fazer
uso do preservativo, uma vez que não usar preservativo com parceiro soro-positivo dificulta o
controle da carga viral do portador e facilita o risco de contaminação por vírus resistentes aos
ARVs (BRASIL, 2004).
Constatamos que a maioria dos portadores (nove) tem companheiro fixo, e no caso
de sete deles, estes companheiros são portadores, fato que nos faz refletir sobre a adoção
dessa prática pelos portadores, pois este é um pontos muito ressaltado em todos os contatos
com os profissionais de saúde.
Silveira (2005), por exemplo, comenta que o fato de se saber portador do HIV não
implica no uso de preservativo, mesmo com parceiro não portador ou de sorologia
desconhecida.
Queiros, Pessoa e Souza (2005) afirmam que o uso do preservativo em relações
estáveis é complicado, e lembram que o discurso feminino é o da vítima que sofre as
conseqüências do marido traidor e culpado, pois usar preservativo nas relações é de
competência masculina, trazendo conflito na relação.
63
A consciência sobre as limitações impostas pela doença, acompanhada de uma auto-
responsabilização pelo estado de saúde e a lembrança dos momentos em que a Aids se
manifestou, faz com que portadores e cuidadores valorizem um estilo de vida sem exageros. É
possível observar que a preocupação dos cuidadores familiares com o tratamento constitui,
portanto, um reflexo da valorização da fase em que os portadores estiveram sintomáticos.
Apesar das dificuldades vivenciadas durante as fases do tratamento, existe a
valorização da qualidade de vida:
Parei de zoar, já tá bom demais. Me alimento bem, mas tomo pouca água, sei
que tenho que tomar mais (Branco).
Eu sei tudo o que ele tem que fazer para ficar bem. Acho que nós temos uma
vida legal. Come bem, dorme bem, tem uma vida regrada (Laranja C).
Às vezes, apesar dos esforços e da preocupação com os filhos ainda pequenos e de
conhecer todos os riscos de um estilo de vida comprometido com vícios, alguns portadores
não conseguem seguir as orientações importantes para o sucesso do tratamento.
Como eu falei, não parei de fumar, e não consigo parar. Sou magro, como
bem, durmo bem, tenho as crianças para cuidar (Branco).
No caso de Branco é importante salientar que este portador tem conseguido se
manter estável no tratamento medicamentoso com ARV, mesmo após dez anos de
diagnóstico. Em outros casos, no entanto, pudemos observar que tanto o portador quanto o
cuidador parecem não ter compreendido ainda a importância do estilo de vida para o controle
da doença. Este tipo de comportamento parece guardar alguma forma de relação com o fato
de já se ter ou não vivenciado as amarguras das doenças oportunistas, pois Vermelho, que não
se cuida como deveria, nunca esteve internado e ainda não sofreu conseqüências graves das
doenças oportunistas.
Não está se cuidando, mas está bem de saúde (Vermelho C).
É interessante observar a forma como esta cuidadora se posiciona em relação ao
comportamento de Vermelho, o que nos a impressão de que ela está sendo uma aliada em
sua não-aderência aos cuidados relacionados com o tratamento. Isto nos aponta a necessidade
de um trabalho mais profundo e específico com esta cuidadora por parte dos profissionais de
saúde.
64
De acordo com Waldow (2004), são poucos os familiares que desempenham sem
dificuldades o papel de cuidador. Esta situação, em que o cuidador não aceita a doença e é
cúmplice do portador que não se cuida, pode exigir mais da equipe de saúde, que necessita
estar alerta e muito bem capacitada para intervir não só junto ao portador, mas também junto a
seus familiares, aproveitando o espaço para educação em saúde, porém de forma a respeitar as
diferenças culturais e com o propósito de compreender o ambiente familiar e suas
particularidades. Para assistir de forma individualizada e integral o portador da ndrome, é
necessário que os profissionais, dentro do serviço de referência, ofereçam um cuidado
multidisciplinar e não poupem esforços para contar efetivamente com a ajuda do cuidador
familiar, mesmo que para isto faça uso de várias estratégias, até que encontre aquela que mais
se ajuste à realidade da família em questão (SILVA; FRAGA; NOBREGA, 2006).
4.3 ADESÃO E NÃO ADESÃO À TERAPIA ANTI-RETROVIRAL: AS DUAS FACES DE
UMA MESMA VIVÊNCIA
Um dos maiores desafios para o sucesso do esquema terapêutico adotado no
tratamento do HIV/Aids é a adesão ao tratamento ARV, pois ele é a mais poderosa arma
contra a Aids. Essa terapêutica tem produzido resultados muito positivos, representados pelo
prolongamento de sobrevida, melhoria da qualidade de vida, diminuição de episódios
mórbidos e do número e freqüência de internações. Em contrapartida, para que estes
benefícios sejam observados, faz-se necessário uma boa adesão por parte dos usuários (GIR;
VAICHULONIS; OLIVEIRA, 2005).
Estudos apontam que a eficácia do tratamento está atrelada a um processo dinâmico,
interativo e contínuo, que envolve os profissionais de saúde e o indivíduo com Aids, sendo
influenciada por fatores relacionados à síndrome, ao tratamento, à personalidade do indivíduo,
à equipe de saúde, à rede social, entre outros fatores (SCHAURICH; COELHO; MOTTA,
2006).
No caso específico do Brasil, a introdução da terapia anti-retroviral, associada à
oferta gratuita nos serviços de saúde pública e à modificação dos critérios de definição de
caso, tem permitido melhor expectativa e melhor qualidade de vida (BRASIL, 2004). Mas
para tanto o acesso ao tratamento deve ser facilitado, e isto não significa apenas disponibilizar
os medicamentos: significa a necessidade de, junto com o portador e a família, estabelecer um
plano terapêutico que possa ser seguido, uma vez que a adesão, segundo Bonolo (2001),
65
refere-se à habilidade do portador em seguir as prescrições e recomendações a ele propostas,
entendendo os benefícios que o tratamento pode trazer.
É importante considerar que, segundo Gir, Vaichulonis e Oliveira (2005), o uso da
terapêutica ARV sepor tempo ilimitado e impõe um grande número de comprimidos por
dia, e a não-adesão gera falências, possibilitando o aparecimento de novas cepas virais
resistentes e comprometendo o prognóstico do indivíduo.
Neste sentido, o Ministério da Saúde coloca como obrigação da Vigilância
Epidemiológica repensar sua prática, uma vez que a simples consolidação dos dados de Aids
não mais espelha a realidade da epidemia, sendo necessária uma análise global do portador de
HIV/Aids inserido em seu cotidiano (BRASIL, 2004, 2007). Assim, os profissionais de saúde
devem acolher e aconselhar o doente de Aids de forma holística, considerando seu contexto
social e reconhecendo este ser humano em suas diferentes formas e manifestações, ou seja,
aceitando suas diferenças e estando atento às suas expressões.
Os portadores revelaram que o modo como eles colocavam em prática o tratamento
prescrito era experienciado de formas diferenciadas, pois alguns demonstraram
comprometimento desde o início do tratamento.
[...] Quando descobri, estava só, então me virei sozinho desde o começo, e
aprendi a me virar sozinho (Rosa).
Outros, no entanto, deixaram perceber que precisaram de um tempo para tomar
consciência da necessidade de regularidade no uso dos medicamentos.
No começo da terapia eu precisava de suporte; é muito difícil, quando se está
doente. Para aderir à medicação, tem que ter vontade. Fui orientado dos
efeitos colaterais e estimulado (Azul).
Neste relato, Azul deixa transparecer o conflito experienciado, especialmente no
início do tratamento, quando os efeitos colaterais dos medicamentos parecem ser exacerbados.
Nesse mesmo relato também é possível observar que, ao ser informado e acolhido, o portador
pode sentir segurança e assim, aderir melhor à terapêutica ARV.
Destarte, é muito importante uma atuação eficaz dos profissionais no início do
tratamento, especialmente porque, segundo Barroso (2006), a boa adesão nesse período pode
significar adesão em longo prazo
.
66
Além disso, a introdução de esquemas terapêuticos fáceis e adequados, tendo em
conta o perfil biopsicossocial do indivíduo, pode facilitar a adesão à terapêutica ARV
(CARVALHO; MARTINS; GALVÃO, 2006).
Para Schaurich, Coelho e Motta (2006), a adesão envolve fatores e aspectos culturais,
sociais, históricos, demográficos, psicológicos e clínicos, devendo ser fortalecida por laços de
cumplicidade, confidencialidade e respeito.
Kaletra, tomo 4 comprimidos de 12 em 12 horas, com ingestão de alimentos.
No início causa enjôo e formigamento nos lábios, mas depois normaliza. A
Lamivudina pode ser tomada de 12 em 12, então podem ser tomados os dois
juntos. Efavirens eu tomo à noite, tem um efeito fortíssimo no início da
terapia, precisa de muito apoio da família e de psicólogo, pois causa delírio.
Depois normaliza. Também tomo Dapsona para controlar a infecção, com
imunidade baixa (Azul).
que o tempo para a aceitação da nova realidade é diferente entre os indivíduos,
observamos que parece também interferir nesta experiência seu estado de saúde na ocasião em
que recebeu o diagnóstico. Usuários que estão debilitados e sem condições físicas para o
autocuidado necessitam de assistência multidisciplinar mais amiúde, até adquirir capacidade
de autocuidar-se.
[...] antes eu sofria mais para tomar o remédio, eu não aceitava; agora caiu a
ficha e eu sei que eu tenho que tomar o remédio (Laranja).
Na fala de Laranja, observamos que o que retardou sua adesão ao tratamento ARV
foi aceitar ser portador de uma doença crônica, sem cura e sexualmente transmissível.
Sabemos que a Aids é uma doença socialmente estigmatizada, dificultando a qualidade de
vida do portador. Este toma o medicamento por obrigação. Segundo (SCHAURICH;
COELHO; MOTTA, 2006), o HIV projeta-se sobre o indivíduo e o despersonifica, pois ele
deixa de ter uma doença e passa a ser a própria doença.
Com o passar do tempo e a melhora dos sintomas de doenças oportunistas e das
reações aos medicamentos, os portadores passam a se sentir bem - embora ainda enfrentem
problemas relacionados com o estigma da doença - e passam, por conseguinte, a apresentar
melhor aderência ao esquema terapêutico proposto. Tem-se a impressão de que com o tempo
fica mais fácil o portador entender que a terapia ARV é a melhor forma de conviver com a
Aids, o que nos leva a concordar com Teixeira et al. (2000, p. 143), quando afirmam que “[...]
na prática, a adesão é um processo de construção gradual e demorado evitando que os HIV-
positivos progridam para Aids e diminuindo o aparecimento de cepas resistentes do HIV”.
67
Ele não precisa de ninguém para tomar medicação. No começo eu ajudava
muito, tinha que ficar no pé. Agora, eu tenho que trabalhar, e ele toma a
medicação bem (Verde C).
Em outros casos o portador, numa atitude de fuga e negação, afirma não querer obter
maiores informações sobre a doença e seu tratamento; mas no caso de Branco, por exemplo, a
memória da experiência vivenciada anteriormente lhe permite saber o mínimo necessário, ou
seja, que sem o tratamento as suas chances são baixas. Nestes casos, adere ao tratamento
proposto por obrigação ou por medo da morte:
Não conheço sobre o tratamento, e não quero conhecer, sei que quase
morri, e agora preciso tomar esse remédio para não morrer (Branco).
Este mesmo medo é o que leva a irmã de Marrom a ser tão cuidadosa e persistente
em relação ao uso da terapêutica ARV:
Sei que se ele ficar sem o remédio, vai morrer, ou ficar muito doente. O que
mais dificulta é o emocional: ele é muito teimoso, e deprimido (Marrom C).
Marrom é um portador que não valoriza a vida, pois tem dificuldades em aceitar o
diagnóstico da doença e por isto é bastante resistente ao uso dos medicamentos e à mudança
de hábitos. Ele manifesta claramente seu descaso com a terapia ARV:
Eu não cuido, quem cuida é minha irmã (Marrom).
O mesmo também é evidenciado na fala de sua cuidadora:
Ele não lembra nunca, às vezes ele acorda e ele diz:: “eu não vou tomar
remédio hoje, eu não tô doente...” (Marrom C).
A terapia ARV tem aumentado a sobrevida e proporcionado melhor qualidade de
vida aos portadores do HIV/Aids. Ter aderência ao tratamento ARV, portanto, significa um
distanciamento da morte, que antes parecia iminente (SCHAURICH; COELHO; MOTTA,
2006).
Quando comecei a medicação eu estava muito fraca e internada, então a
enfermeira é quem me dava a medicação; mas quando fui para casa,
conseguia tomar sozinha (Rosa).
68
Assim, percebe-se que a história dos aderentes é uma história de superação de
dificuldades, relacionadas não apenas às características complexas dos esquemas
medicamentosos, mas também às dificuldades referentes ao estilo de vida e ao estigma da
doença (TEIXEIRA et al., 2000).
È interessante observar que a polaridade observada em alguns fatores pode atuar
como determinante positivo ou negativo da adesão, dependendo das circunstâncias e do
momento em que eles se manifestem.
Assim, a maioria dos portadores de HIV/Aids, numa primeira abordagem, refere
adesão ao tratamento:
E faço o tratamento com total seriedade, tenho todo o apoio que preciso
(Lilás).
Sigo á risca o tratamento. Às vezes atrasa o medicamento, mas acabo
tomando... (Verde).
Não obstante, a nossa prática profissional tem revelado outra realidade, a qual
também começou a ser desvelada até mesmo entre os dez portadores em estudo, à medida que
eles iam sendo entrevistados. Eles revelaram, por exemplo, que não seguem as orientações
relacionadas ao tratamento anti-retroviral:
Eu não controlo, eu tomo na hora do café e ao jantar (Branco).
Alguns deixaram perceber a presença de um pensamento incongruente, pois ao
mesmo tempo em que referem tomar os medicamentos corretamente, confessam que vão
tentar tomar, pois ao ingerir a medicação sentem-se mal:
Cedo eu tomo três vermelhos de geladeira, e à noite também. E tem um tipo,
aquela sulfa, branquinho, na hora que eu janto e acordo. Tem um que eu
tenho que tomar ao dormir, mas eu não agüento, vou tentar tomar dia sim,
dia não, mas eu sei que não vou agüentar. O nome eu não sei, falei que eu
não lembro nome (Verde).
De fato, a baixa adesão constitui uma grande preocupação. Estudos como o de
Barroso (2006) e Teixeira (2000) identificaram elevado índice de não-adesão (em torno de
30%), sendo que, nos casos dos anti-retrovirais, a taxa de aderência exigida é de 100%
(BARROSO, 2006), pois a não-adesão gera falências, possibilitando o aparecimento de novas
cepas virais resistentes e comprometendo o prognóstico do indivíduo.
69
Não obstante, de início é importante esclarecer que, no caso da terapia ARV, ter
adesão não significa apenas ingerir os medicamentos prescritos, mas sim, ingeri-los de acordo
com o plano terapêutico estabelecido, o que implica manter uma regularidade no horário, uma
vez que a medicação ARV, assim como os antibióticos, tem um potencial de ação durante
certo período. Quando o portador não toma a medicação no horário certo, esse medicamento
não terá o efeito desejado.
A adesão, segundo o Rachid e Schechter (2004), gera falências, possibilitando a
emergência de estirpes virais resistentes e comprometendo o prognóstico do indivíduo.
Assim, a aderência pode ser entendida como a conduta do indivíduo em relação às prescrições
médicas, no que diz respeito à posologia, à quantidade de medicamentos por horário, ao
tempo de tratamento e às recomendações especiais para determinados medicamentos.
No horário em que eu como, se for jantar, eu tomo, se for tomar café, eu
tomo. Não me prendo a horário, a hora que der eu tomo, se jantar às 7 ou às
8, eu tomo (Verde ).
Observa-se que, apesar de os propósitos do serviço incluírem o estabelecimento do
plano terapêutico junto com o portador e a família, estes não parecem ter sido suficientemente
sensibilizados sobre a importância da regularidade do horário, e por esta razão adotam
estratégias que associam a atividade de ingerir os ARVs a outras atividades que já fazem parte
da rotina de vida - como dormir, acordar, fazer as refeições . Por sua natureza, muitos não têm
como ponto central a regularidade no horário:
Ao acordar e ao dormir, se eu durmo atarde, eu tomo tarde, se eu acordo
cedo, eu tomo cedo, mesmo sabendo que o horário tem que ser certinho
(Laranja).
Outro aspecto que se mostrou relevante para a não-adesão foi o surgimento de efeitos
colaterais intensos ou indesejáveis, e isto de fato constitui um problema da terapêutica ARV.
Enquanto profissionais de saúde comprometidos com a realidade da má adesão ou da não-
adesão, devemos nos preocupar em proporcionar uma intervenção efetiva junto a esses
indivíduos (GIR; VAICHULONIS; OLIVEIRA, 2005).
Nestes casos, segundo os autores supracitados, a intervenção efetiva envolve o
fornecimento de informações sobre os efeitos colaterais potenciais de cada medicação
prescrita e implementação de manobras para diminuir a incidência de efeitos indesejáveis,
como orientações alimentares sobre cada medicamento, sobre os horários mais apropriados
70
para a ingestão do medicamento de acordo com o efeito colateral mais ressaltado, e ainda
sobre o uso concomitante de outras medicações que possam potencializar efeitos indesejáveis
(GIR; VAICHULONIS; OLIVEIRA, 2005).
Gir; Vaichulonis e Oliveira (2005) referem ser possível melhorar a adesão dos
indivíduos portadores de HIV/Aids à terapêutica ARV através da participação ativa desses
indivíduos em seu próprio plano terapêutico, quando então será possível levar em conta o
perfil biopsicossocial do indivíduo, bem como suas rotinas diárias.
A problemática da não-adesão é exacerbada quando, além dos sintomas, a pessoa
tem medo da possibilidade de outros virem a saber do diagnóstico em decorrência de estar
sofrendo alguns efeitos colaterais:
Quando começou a medicação foi difícil, tinha sintomas, não queria que
ninguém soubesse; mas agora está mais fácil, tem menos medo (Rosa C).
Em relação a esta problemática, os portadores costumam referir que se sentem
descriminados pela sociedade, vizinhos e até mesmo parentes mais próximos (GOLDMEIER,
2003).
Também foi identificada como fator que interfere negativamente na adesão ao
tratamento ARV a falta de interesse e compromisso do portador:
[...] minha irmã cuida de tudo, na hora que eu acordo, até dormir. Enche o
saco, [...] (Marrom ).
Outra questão bastante referida pelos portadores é o medo do desconhecido - no
caso, a doença - ou até de ter que tomar remédio até o fim da vida (GOLDMEIER, 2003). Isto
pode comprometer o tratamento, mesmo quando este portador tem uma cuidadora
comprometida e sabedora da necessidade de se manter regularidade nos horários, conforme
observamos que ocorre no caso de Marrom:
Eu dou o medicamento na hora que ele levanta, às seis da manhã, mas tem
dia que ele levanta às 10 da manhã, tudo depende. À noite, ele toma às 10 da
noite. Tem que comer junto, se não ele não toma (Marrom C).
Barroso (2006, p.9), por sua vez, percebeu que déficit no autocuidado em
mulheres com HIV/Aids e que esse fato estava relacionado à não-adesão às recomendações
71
que visam manter a saúde dos portadores de HIV/Aids, como comparecer às consultas e
tomar o medicamento.
4.3.1 Criando estratégias para facilitar a adesão
È interessante observar que os portadores relatam ter adotado algumas estratégias que
os ajudassem a manter a regularidade do tratamento, procurando em alguns casos estabelecer
uma rotina:
Não sinto dificuldade, raramente eu esqueço a medicação; eu acostumei, tem
um lugar certo (Lilás P).
Eu programei meu celular para despertar às nove e às vinte e uma horas
(Rosa P).
Fiz um esquema de horário que fica bem mais fácil para que eu possa tomar
minha medicação com o despertador (Branco P).
Observa-se nestes casos que a adesão ao anti-retroviral foi facilitada a partir do
planejamento de horários da ingesta dos medicamentos. Esse fato também é relatado pelos
respectivos cuidadores.
Ele não me dá trabalho. Toma no café e no jantar (Branco C).
Ela programou seu celular para despertar às 9 e às 21 horas(Rosa C).
Em alguns esquemas anti-retrovirais se exige que o medicamento seja ingerido em
jejum, a fim de promover a sua absorção. Mesmo considerando o desconforto dessa ação,
identificou-se que, ao fazer uso de uma rotina, o portador tomava adequadamente os
medicamentos prescritos.
Como são vários comprimidos, separo os que têm que ser tomado em jejum,
e tomo os demais de uma vez, os que precisam estar de estômago cheio,
todos também (Azul).
Combinações entre as drogas e a falta de jejum constituem os erros mais freqüentes
relatados pelos portadores (GIR; VAICHULONIS; OLIVEIRA, 2005). É importante salientar
72
que o trabalho educativo no SAE é realizado pela enfermeira do programa com vistas a
alcançar resultados positivos na adesão à terapia anti-retroviral. Assim, constitui propósito do
enfermeiro do serviço discutir com o portador e família a definição da terapêutica ARV, em
especial o esquema terapêutico que melhor favoreça a adesão ao tratamento, o que é
implementado através do estabelecimento de acordo entre as duas partes.
Essas estratégias, em geral, contemplam um regime terapêutico mais simples e
adequado ao estilo de vida do portador e da família, uma vez que levam em conta o local e
horário de trabalho, a possibilidade de carregar os medicamentos, a existência de refrigerador
e outros aspectos (SCHAURICH; COELHO; MOTTA, 2006),
Sei que todos esses medicamentos precisam de orientação para poder tomar.
Falta de conhecimento dos efeitos colaterais, da dieta de cada medicação,
sem tal apoio, o portador se assusta, toma remédio irregular (Azul).
Concordamos com BONOLO et al. (2001) quando ressaltam a importância de o
portador ser acompanhado no primeiro mês, devido ao grande número de manifestações de
reação e efeitos colaterais, e também ao fato de que a intervenção precoce pode minimizar
essas conseqüências, as quais podem levar à não-adesão, particularmente com piora clínica do
portador em função do surgimento de novas cepas de vírus resistentes à medicação existente.
O horário, porque são duas vezes ao dia, as ausências de sintomas, porque eu
não sinto nada, e fiquei muito doente na época. tomo três comprimidos
por dia, e carrego na bolsa, sempre repondo à noite (Rosa).
4.3.2 Fatores facilitadores e dificultadores da adesão
Sabemos que o sucesso da terapia ARV depende da adesão do indivíduo ao programa
terapêutico, o que inclui uso correto dos medicamentos, dieta balanceada e acompanhamento
ambulatorial regular.
Dentre os fatores que facilitam a adesão ao tratamento, sem dúvida nenhuma a
ausência de efeitos colaterais figura entre os principais.
Só sei que tomo e não sinto nada (Marrom).
[...] a ausência de sintomas (Rosa C).
73
Também é valorizada a pequena quantidade de medicamentos a serem ingeridos:
Eu considero fácil, porque eu tomo três comprimidos por dia. Não passo
mal e não tenho enjôo (Lilás).
É fácil, porque são três. Dois branquinhos e um à noite, antes de dormir
(Marrom C).
São fáceis de tomar. São poucos (Marrom C).
São poucos comprimidos, acho que isso facilita a medicação (Laranja).
São igualmente valorizados os esquemas terapêuticos adotados representados pelo
número de vezes em que os medicamentos devem ser ingeridos ao longo do dia.
O horário, porque são só duas vezes ao dia... (Rosa C).
Em relação a esses aspectos, identificamos no estudo de Gir, Vaichulonis e Oliveira
(2005, p. 638), por exemplo, que 14% dos portadores, quando questionados sobre os fatores
que facilitam a adesão à terapêutica ARV, referiram o desaparecimento dos sintomas da
doença. O mesmo foi também verificado neste estudo, uma vez que, sem sintomas, o portador
pode retornar a sua vida normal, sem conseqüências para a vida social, e que a Aids é, na
atualidade, uma doença crônica com a qual todos podem conviver, desde que haja a adesão
adequada à terapêutica anti-retroviral.
Diante do exposto, nos resta concordar com Teixeira et al. (2000) e Souza (2004)
quando afirmam que o relato de sentir-se bem após o início da terapia constitui importante
fator de adesão à terapia ARV.
No que se refere ao número de comprimidos a serem ingeridos, Barroso (2006) cita
que a quantidade de medicamentos ingeridos diariamente interfere na adesão, em decorrência
da maior probabilidade de efeitos colaterais, além da dificuldade de ingestão.
Para Colombrini, Lopes e Figueiredo (2006) e Teixeira et al. (2000), a complexidade
do tratamento e o número de doses e de drogas contribuem para a não-adesão. Esses estudos
apresentaram resultados significativos em relação ao número total de comprimidos prescritos
por dia. Os resultados mostraram que, para cada comprimido ingerido, o risco da não-adesão
aumenta em 1,12 (12%).
74
De forma bastante relevante, outro aspecto que favorece a adesão aos medicamentos
anti-retrovirais é a presença de uma memória dos sintomas da doença. Os portadores
costumam referir que não querem passar pelo que já passaram anteriormente, quando estavam
sintomáticos, e por isto tentam tomar os remédios corretamente. Em síntese, a lembrança dos
sintomas estimula à continuidade do tratamento:
Sei que eu tinha muita dor de cabeça, e se eu parar, vou ter dor de cabeça de
novo (Marrom).
Se eu parar, ou deixar de tomar o medicamento, vou ficar doente de novo,
com tosse. Nem posso me lembrar daquela tosse... Eu tossi por meses, acho
que uns três meses. Fiquei sem fome, com dor no corpo, semanas de cama
(Lilás).
Por eu o ter sintomas, quando eu fiquei doente, eu fiquei amarelo, não
conseguia trabalhar, quase morri (Laranja).
È interessante observar que esta memória relacionada com a fase sintomática da
doença também é referida pelos cuidadores, que manifestam a preocupação em não deixar que
seu familiar interrompa o tratamento:
Sei que se ele parar ele vai piorar e voltar a ficar doente de novo, ele vai
ficar com quadros dificultosos (Marrom C).
No trabalho de Barroso (2006, p.8), a maioria dos portadores foram enfáticos ao
afirmarem ter boa adesão à terapêutica ARV, fato este que associam à percepção de melhora
clínica, ao medo de adoecer, a participarem de grupo e a não faltarem às consultas médicas.
Às vezes um cuidado simples, como o de ingerir algum tipo de alimento específico
após a ingestão do medicamento, ou até mesmo embrulhá-lo em alguma substância para
mascarar o cheiro e a aparência, atua como fator facilitador de adesão:
[...] o horário facilita, e poder tomar café depois, senão eu não conseguiria
tomar. Mesmo assim, eu já tive que cobrir as cápsulas de chocolate, pois eu
não conseguia. (Laranja).
A conscientização sobre a gravidade da doença e a importância do tratamento ARV e
de suas características também constitui um fator importante para a adesão:
Sei que se perder esse medicamento vai queimar uma etapa, e não posso
diminuir minha imunidade; então tento arduamente tomar corretamente meu
medicamento (Rosa).
75
Com relação a este aspecto, é importante esclarecer que, no início do tratamento,
portador e família são incentivados e orientados para o uso correto da terapêutica ARV, para
evitar falha terapêutica, pois é sabido que melhores resultados desta terapêutica ocorrem com
o primeiro e segundo esquemas e que os subseqüentes são menos eficazes (COLOMBRINI;
LOPES; FIGUEIREDO, 2006).
Por fim, um dos aspectos observados como favorecedores da adesão ao tratamento
foi a preocupação com os filhos. Esta faz com que os portadores assumam com
responsabilidade o tratamento. Observa-se que esta preocupação está presente mesmo entre
aqueles pais que não conseguem abolir todos os vícios.
Como eu falei, não parei de fumar, e não consigo parar. Sou magro, como
bem, durmo bem, tenho as crianças para cuidar (Branco).
Sei que posso cair de cama e finalizar minha vida a qualquer momento, e não
posso, porque sou um pai novo, com 50 anos (Verde).
Por outro lado, foi identificada como aspecto que dificulta a adesão ao medicamento
anti-retroviral a quantidade de medicamentos a serem ingeridos, pois a complexidade do
tratamento ARV desfavorece a adesão ao ARV.
O que dificulta é quando ele está longe de mim. Se ele vai para a casa do
meu irmão ele não toma. No começo ele não aceitava, e eu tinha que colocar
na comida, no suco; agora ele engole o comprimido, mas tem que dar na
boca. Ele toma vários outros medicamentos por dia: quatro psiquiátricos, um
dos diabetes e um do colesterol. Pelo menos agora ele não precisa mais de
vitaminas (Marrom C).
Este, contudo, não é um fator determinante, uma vez que Branco também ingere
vários comprimidos ao longo do dia, e ainda assim apresenta uma boa aderência ao esquema
terapêutico proposto.
Na verdade, eu tomo um monte de remédio... Para pressão, para diabetes, eu
tomo 23 comprimidos por dia, cada hora é um... Os de Aids, eu sei porque é
quando eu acordo e quando eu durmo, nunca carrego ele no bolso.Eu não
sinto nada de diferente, só as náuseas (Branco).
Os cuidados necessários com alguns medicamentos - como, por exemplo, a
necessidade de mantê-los sob refrigeração - também são alguns dos fatores apontados como
dificultadores da adesão, uma vez que nem todos os portadores contam com este aparelho em
seu domicílio, e por outro lado, quando há necessidade de levar o medicamento para o
76
trabalho, nem sempre é possível utilizar um refrigerador de uso comum sem que outras
pessoas fiquem sabendo do diagnóstico.
O que dificulta muito é quando eu trabalho. O remédio de geladeira, ele fica
borrachudo, eu não consigo tomar. Eu trabalho em fazendas, fica longe e por
vários dias, eu não tenho onde deixar [...] (Verde).
Observa-se assim que o medo do preconceito no local de trabalho constitui um fator
importante de não-adesão ao tratamento de forma correta.
[...] e não quero que eles saibam, geralmente o povo que me contrata não
sabe do meu problema, eu não vou colocar a caixa na geladeira deles
(Verde).
Quando ele trabalha, tenho que ficar lembrando para ele levar, e a bebida, de
vez em quando tenho que puxar a orelha (Verde C).
O estigma da doença e o medo de ser descoberto como portador de HIV/Aids fazem
com que os portadores, mesmo aqueles que se mostram conscientes da importância de um
tratamento regular, deixem de tomar a medicação por determinados períodos ou em
determinados horários do dia, comprometendo a qualidade do tratamento.
Santos (2000) assinala a importância de os profissionais de saúde ficarem atentos
para esta e outras questões, pois muitas vezes o relato de esquecimento pode estar ligado a
fatores como, por exemplo, a não-aceitação do diagnóstico.
Eu nunca bebi, nem fumei, meu único vício é namorar. Eu só tenho uma
dificuldade: quando eu trabalho, me envolvo de cabeça, e trabalho dia e
noite, sem parar, sem conseguir carregar o medicamento; então, como
trabalho por bloco, não consigo tomar direito nesses dias (Rosa).
Destarte, parece existir uma associação direta entre o fator trabalho e a não-adesão ao
medicamento ARV, gerando um impacto negativo na participação do cliente em seu
tratamento.
Outro fator bastante relevante da não-adesão ao tratamento ARV é o surgimento de
efeitos colaterais
No começo eu tinha náuseas, e às vezes eu tenho náuseas. Será que é por
causa do remédio? [...] eu não sinto nada de diferente, as náuseas
(Branco).
77
Para Colombrini, Lopes e Figueiredo (2006), a ocorrência de sintomas durante o
tratamento pode ser fator de baixa adesão, ou até mesmo de não-adesão. Assim, segundo o
autor, o suporte oferecido por profissionais em relação ao tratamento, representado por apoio,
informações adequadas sobre o tratamento e esclarecimentos sobre a gravidade dos efeitos
colaterais, pode aumentar a adesão.
A não-observação de resultados positivos, associada à necessidade de troca da
medicação, também representa um fator que dificulta a adesão, pois sempre que se troca a
medicação o portador tende a conviver com uma fase de adaptação à nova terapêutica, a qual
quase sempre é acompanhada de efeitos colaterais e mudanças na rotina.
O mais complicado são os efeitos colaterais, na troca de medicamentos.
Passou muito mal, ficou muito triste. Acho que tem que ter um apoio
psicológico muito grande, todo dia ficar insistindo que a vida é boa, que vale
a pena, não é fácil, lembrar de tudo o que passou. Ele quase morreu. Então
para mim o maior problema foi a troca de medicamento. Não sei por que ele
teve que trocar. (Cinza C)
A troca de esquema terapêutico se faz necessária quando o portador não responde ao
tratamento, o que é observado por aumento da carga viral na corrente sangüínea, que é
identificado a partir da contagem de células de CD4. Colombrini, Lopes e Figueiredo (2006)
afirmam que o grau de gravidade da doença diminui a adesão à terapêutica ARV em clientes
com a contagem menor de células de CD4, o que sugere que, como a doença torna-se mais
intensa em sua manifestação, a adesão pode ser comprometida.
Conviver com uma doença crônica é todo dia lutar contra ela, e muitas vezes os
portadores e/ou seus cuidadores manifestam a dificuldade que enfrentam para não se
deixarem abater:
Acho que o fator que mais dificulta é o emocional, o medo de morrer. Tudo
o que ela faz é pensando que quer viver, sempre lutando para não cair (Rosa
C).
Apesar de serem freqüentes e comuns, os distúrbios de comportamento que
acometem o portador de HIV/Aids, representados por ansiedade, depressão e estresse, muitas
vezes são ignorados e não valorizados. Isto só tende a agravar o quadro, uma vez que, se o
portador não é devidamente tratado em seus aspectos biopsicossociais, essa falta de valoração
da doença mental faz com que distúrbios mentais não sejam tratados.
78
O psicológico, ele é muito quieto, quase não fala. Eu tenho que mandar,
quando é a consulta, quando está faltando a medicação e tudo (Laranja C).
Acho que não tem dificuldades, somente o psicológico que precisa de ajuda
(Azul C).
Por fim, a negação da doença também constitui um fator relevante de não-adesão ao
tratamento.
O que dificulta é que ele não aceita o tratamento, ele joga o remédio fora,
pior que criança (Marrom C).
4.3.3 A questão do reconhecimento do medicamento
Quando questionados sobre como é o esquema de tratamento e como são os
medicamentos utilizados, vários portadores, apesar de demonstrarem familiaridade com o
esquema terapêutico, revelaram reconhecer os medicamentos a serem ingeridos em cada
horário de acordo com as características dos comprimidos, tais como o tamanho, a cor, a
quantidade e o número impresso, demonstrando que não têm dificuldades nesse aspecto.
Meu medicamento é básico e fácil de reconhecer, por isto reconheço até de
olhos fechados (Cinza ).
Cedo eu tomo três vermelhos de geladeira, e à noite também; e tem um tipo
aquela sulfa, branquinho, na hora que eu janto e acordo. Tem um que eu
tenho que tomar ao dormir, mas eu não agüento; vou tentar tomar dia sim,
dia não, mas eu sei que não vou agüentar. O nome eu não sei, já falei que eu
não lembro nome (Verde).
Eu tomo dois remédios, um grandão e um pequeno. O grandão é tipo cápsula
e o pequeno é comprimido, número 225. Eu sei que eu tomo o pequeno de
manhã e à noite, e o remédio grandão, só à noite. O grandão é 225 (Branco).
Tem um comprido que tem o mero 250 e um branco redondo e grande.
Não guardo o nome deles (Lilás).
Esta estratégia de reconhecimento também é utilizada pelos cuidadores:
Ele toma dois remédios, um grandão e um pequeno. O grandão é tipo
cápsula e o pequeno é comprimido (Branco C)
79
São dois medicamentos, um de cada de manhã e à noite. É fácil para tomar
(Cinza C).
O Biovir é branco e Atazanavir é azul (Rosa C).
Gir, Vaichulonis, Oliveira (2005), estudando os fatores de reconhecimento de cada
ARV entre usuários, também identificou que algumas características relacionadas à forma de
apresentação dos comprimidos são muito utilizadas, tais como a cor (29%), o formato (22%),
o tamanho (16%) e o nome (15%).
O fato de alguns portadores e cuidadores não se lembrarem do nome do
medicamento ARV é compreensível, pois este tem uma nomenclatura bastante diferenciada, o
que não favorece sua memorização. No entanto, o não-conhecimento do medicamento pelo
nome constitui um fator preocupante, ante a possibilidade de troca de fabricante a cada carta
de licitação. Os medicamentos são comprados pelo Ministério da Saúde através de carta-
convite, sendo adquiridos os de melhor preço. Assim, quando é trocada a embalagem da
medicação, os portadores podem estranhar, não reconhecer o nome comercial e sua nova
forma de apresentação, e isso pode acarretar erros na tomada dos medicamentos, seja por não
reconhecer o novo medicamento como similar ao que estava em uso anteriormente, seja por
acreditar que aquele medicamento não lhe pertence.
Barroso (2006) observou que, embora a memorização dos nomes dos medicamentos
constitua um recurso importante para assegurar o uso devido desses, a maioria dos indivíduos
por ele estudados não sabia informar a medicação prescrita, o que o levou a considerar que
isto talvez ocorra em função da complexidade e diversidade dos nomes dos ARVs, o que
dificulta sua assimilação.
Alguns portadores, no entanto, sabem o nome dos medicamentos que fazem parte de
seu esquema terapêutico; alguns sabem inclusive o nome comercial e o nome da composição,
além de saberem informar a dosagem utilizada.
Eu considero fácil, porque eu tomo 3 comprimidos por dia, não passo
mal, e não tenho enjôo: Biovir, que é AZT, e 3TC e Efavirens (Lilás).
É bem fácil, ele toma dois remédios, dois de manhã e dois à noite. É
Atazanavir e Biovir (Laranja C).
O Biovir é branco e Atazanavir é azul. Eu tomo de 200mg, porque eu
engordei (Rosa).
80
Quando Rosa relata que toma o medicamento mais concentrado porque engordou, ela
sabe que iniciou a terapia com uma dose menor do medicamento, porém, com o aumento de
peso, foi necessário aumentar a dose.
Alguns portadores conseguem relacionar os efeitos colaterais de cada um dos
medicamentos utilizados. No relato de Azul, por exemplo, além deste aspecto, é possível
perceber também quanto é difícil para o portador conviver com todos os efeitos colaterais e a
importância de se poder contar com a ajuda de familiares e até de profissionais, especialmente
no início do tratamento.
Kaletra, tomo 4 comprimidos de 12 em 12 horas, com ingestão de alimentos.
No início causa enjôo e formigamento nos lábios, mas depois normaliza. A
Lamivudina pode ser tomada de 12 em 12, então podem ser tomados os dois
juntos. Efavirens eu tomo à noite. Tem um efeito fortíssimo. No início da
terapia, precisa de muito apoio da família e de psicólogo, pois causa delírio;
depois normaliza.Também tomo Dapsona para controlar a infecção, com
imunidade baixa (Azul P).
4.3.4 Rede social de apoio como elemento motivador no enfrentamento da doença
Em estudos realizados com outras patologias crônico-degenerativas, como a
hipertensão arterial (FAÉ et al., 2006), observou-se que os indivíduos que apresentavam
melhor aderência ao tratamento eram aqueles que possuíam uma rede social, ou seja, que
referiam procurar colegas de igreja ou o marido para ajudar na resolução dos problemas,
enquanto os não-aderentes não pertenciam a nenhum grupo social. Na área de Aids, Barroso
(2006); Schaurich, Coelho e Motta, (2006) identificaram que a participação em grupos de
apoio estimula a adesão ao tratamento.
Em minha prática havia observado que Rosa, que não pode contar nem mesmo
para a sogra com quem mora sua condição de portadora do HIV/Aids, com freqüência passava
horas no ambulatório conversando com outros pacientes, revelando a falta que sentia de poder
conversar livremente sobre a doença com outras pessoas. Cada vez que observávamos a
atitude de Rosa no ambulatório pensávamos sobre a importância da rede social como apoio
para os indivíduos portadores desta e de tantas outras patologias, em especial as
estigmatizantes.
81
Desde o nascimento até a morte, o ser humano participa de uma trama interpessoal
que o molda e que ao mesmo tempo ele contribui para moldar: a sua rede social. De início,
essa trama é constituída pela família, mas em pouco tempo rapidamente se expande e passa a
incluir os amigos, colegas de estudo e trabalho, além de relações baseadas em atividades
sociais, culturais, esportivas, de culto e de cuidados de saúde (SIMIONATO; MARCON,
2006).
Sluzki (2003), Cartana (1988) e Bott (1976) assinalam que estudos sobre as redes de
suporte social desenvolveram-se com maior ênfase no final dos anos 1950, colocando em
evidência a importância dos vínculos sociais extrafamiliares na vida cotidiana das pessoas.
Para esses autores, a rede social é considerada como uma espécie de terceiro campo do
parentesco, da amizade, da classe social; um círculo social constituído por traços de afinidade,
formando uma teia que une as pessoas; e isto supõe todo o conjunto de seus vínculos
interpessoais: família, amigos, relações de trabalho e de estudo, de inserção comunitária e de
práticas sociais.
Sluzki (2003), Kaloustian (1994) e Cartana (1988) consideram o vínculo como uma
palavra-chave para a compreensão do conceito de rede social, pois corresponde a uma espécie
de mapa mínimo e íntimo das relações da pessoa, ao nicho interpessoal mais significativo no
plano dos afetos do sujeito, que é composto por quatro quadrantes, a saber: a família, a
amizade, as relações de trabalho ou de estudo e as relações comunitárias ou de credo. É no
conjunto dos habitantes desse mapa mínimo que se constitui a rede social de uma pessoa e
que se encontram os vínculos, nas suas mais variadas nuanças e atributos.
Petrini (2003) enfatiza a noção de pertença associando-a à rede social significativa de
cada pessoa através da família. O autor coloca a família como matriz do processo
civilizatório, como condição para a humanização e para a socialização das pessoas; como
ponto original da construção da rede de pertencimento do indivíduo. Para o autor, a família
constitui uma rede de relacionamentos, um território de pertencimento recíproco, um espaço
dos mais significativos para a convivência humana, uma rede de solidariedade fundamental
para a construção e o desenvolvimento da individualidade (SIMIONATO; MARCON, 2006).
Nas concepções dos diversos autores observam-se pontos comuns que nos permitem
concluir que uma rede social pessoal estável, sensível, ativa e confiável protege a pessoa na
vida cotidiana, atua como agente de ajuda e encaminhamento, interfere na construção e
manutenção da auto-estima, acelera os processos de cura e recuperação, aumenta a sobrevida -
enfim, é geradora de saúde tanto nos aspectos físicos e mentais como nos psicológicos e
afetivo-emocionais.
82
As redes podem ser entendidas como um sistema composto por vários objetos
sociais, ou seja, pessoas, funções e situações que oferecem apoio instrumental e emocional à
pessoa, em suas diferentes necessidades. Apoio instrumental é entendido como a ajuda
financeira, na divisão de responsabilidades em geral, e informação prestada ao indivíduo.
Apoio emocional, por sua vez, refere-se à afeição, aprovação, simpatia e preocupação com o
outro e, também, a ações que levam a um sentimento de pertencer ao grupo. Os suportes
sociais recebidos e percebidos pelas pessoas são fundamentais para a manutenção da saúde
mental, para o enfrentamento de situações estressantes - como cuidar de alguém doente por
muito tempo - e também para o alívio do estresse físico e mental e para a promoção da saúde
e do bem-estar.
O suporte social tem significativa importância na manutenção do bem-estar, pois
proporciona sustentação emocional, estabelecendo um relacionamento interpessoal baseado
na confiança e solidariedade, para se adaptar aos problemas sociais trazidos pela doença (FAÉ
et al., 2006).
A família ocupa espaço privilegiado na rede social de apoio da maioria dos
indivíduos, em especial daqueles que convivem com um problema de saúde. Assim, apesar de
serem amparadas por outras redes sociais, é da família que as pessoas normalmente esperam
suporte e apoio.
Destarte, a família constitui fator importante no cuidado do portador e em sua adesão
à terapêutica ARV, sendo que neste contexto o processo de adesão envolve vários aspectos,
dentre eles, o significado social em torno da Aids, a qualidade das inter-relações existentes, as
dificuldades familiares e as oportunidades do portador para lidar com a questão da adesão.
A partir do momento em que se tornou possível considerar a Aids como uma doença
crônica, houve uma alteração no processo saúde e doença, passando a existir uma relação
próxima com os significados estabelecidos, individuais e coletivamente, para o processo do
viver. Assim, a dimensão da doença ultrapassa os aspectos biológicos e envolve o contexto
social, psicológico, cultural e religioso das pessoas (SCHAURICH; COELHO; MOTTA,
2006).
Desta forma, tão logo aderem á terapêutica ARV, os portadores dão início a um
processo de mudança de comportamento, para cujo alcance normalmente se exige a
participação da família.
Quando eu fiquei bem doente, foi a Maria (esposa) quem me ajudou a tomar.
Mas agora, eu me viro sozinho (Cinza).
83
Já na fala de Laranja é possível perceber o descaso da família e do companheiro:
Sempre fui sozinho, minha mãe criou a gente largada. Eu sou acostumado,
fui criado pelas empregadas. Quando fiquei doente, minha mãe nem ligou, o
nenê falou alguma coisa quando eu fiquei doente; mas agora eu estou bem
(Laranja).
O cuidado à saúde é um processo complexo, dependendo de fatores relacionados à
doença, ao doente e ao tratamento. A família participa deste processo atuando como rede de
apoio social, mesmo naquelas situações em que seu comportamento não condiz com o que se
esperava dela. Laranja e Cinza fazem muito mais referência ao descaso familiar do que ao
apoio recebido, porém, é importante destacar que isto se refere à família estendida, pois
ambos recebem apoio da família/familiar com quem convivem; por outro lado, é importante
ressaltar que o que acontece hoje é reflexo de um elo fragilizado assim estruturado ao longo
dos anos e que o conceito de adesão à terapêutica ARV apresenta intrínseca relação com a
cultura e com a sociedade, e também com a história vivida pelo individuo (SCHAURICH;
COELHO; MOTTA, 2006),
Para Leite e Vasconcelos (2003), a adesão é afetada ou direcionada pelo meio social
e cultural em que acontece. Assim, concordamos com Jordan et al. (2000) quando destacam
que a história dos aderentes é uma história de superação de dificuldades, relacionadas não
apenas à complexidade dos esquemas de medicamentos ARV, mas também ao estilo de vida
do portador do HIV e ao estigma da doença (JORDAN et al., 2000).
No caso de casa, acho que o maior problema é que a Aids não vem
sozinha, ela vem junto com câncer e outros mais. Foi o nosso caso; mas eu
acredito muito em Deus, e vai dar tudo certo (Azul C).
Os cuidados que são feitos para mim, que graças a Deus, tenho pessoas
especiais ao meu lado, que me forças, me sinto protegida com essas
pessoas [...](Cinza ).
A rede de apoio familiar e o planejamento socioeconômico com que Azul contava
proporcionou conforto na hora em que ele mais precisou, pois mesmo trabalhando como
caminhoneiro ele tinha registro em carteira de trabalho, e este fato por si seria capaz de
preencher uma lacuna importante relacionada com sua auto-estima. Trabalhando no Serviço
de Ambulatório Especializado mais de dez anos, muitas vezes presenciei o sofrimento que
era para alguns portadores, na fase crítica da doença, não terem condições de trabalhar nem
poderem contar com o mínimo de recursos financeiros, uma vez que trabalhavam por dia, sem
registro em carteira.
84
No caso específico da Aids, é preciso considerar que, além de a família ser
considerada uma importante fonte de apoio e suporte social (GOLDMEIER, 2003), os
próprios serviços de atendimento especializados também o são. O portador em tratamento
com ARV necessita dos profissionais de saúde para estabelecer estratégias que promovam a
sua adaptação ao esquema terapêutico e ao processo do autocuidado (LEITE E
VASCONCELOS, 2003). A confiança estabelecida na assistência clínica pelo portador em
uso de ARV apoio para uma nova e mais ampla forma de lidar com o tratamento da Aids
(CARVALHO; MARTINS; GALVÃO, 2006).
Até quando precisei de uma cirurgia de apendicite, foi no ambulatório que
me acudiram. Não posso reclamar (Azul).
Ante este contexto, Carvalho, Martins e Galvão (2006) afirmam ser fundamental que
os serviços de saúde prestem real atenção aos portadores de HIV/Aids e possuam
profissionais sensibilizados quanto à problemática de lidar com essa questão junto a seus
portadores. Os autores salientam que isto implica a necessidade de conhecer o contexto
sociocultural dos assistidos para intervenções mais eficazes.
Mesmo diante de uma doença crônica, existe a necessidade de a pessoa se sentir bem,
como se não se tivesse nada, como se fosse uma pessoa normal, silenciando a doença no seu
cotidiano:
Hoje, sinto como se não tivesse nada, vivendo normal (Verde).
Podemos inferir que o viver com Aids está cada vez mais comum, na medida em que
os avanços médicos e sociais vão transformando a Aids em uma doença crônica. A adesão ao
tratamento medicamentoso ARV fez com que o portador de HIV/Aids possa viver sua doença
como crônico-degenerativa. A comunidade cientifica e a rede social estão unidas para
proporcionar qualidade de vida aos portadores. É importante combater o preconceito, o
estigma e a discriminação arraigados no viver com Aids (SCHAURICH; COELHO; MOTTA,
2006).
Teixeira et al. (2000) e Colombrini, Lopes e Figueiredo (2006) têm apontado para a
relevância dos fatores relacionados ao suporte social para avaliar a adesão ao tratamento
ARV, como acesso ao serviço (verificando a distância entre a casa do cliente e o local para o
seu atendimento), a conveniência para agendar procedimentos e consultas e suporte social.
Programas que provejam serviços ou incentivos, transporte e assistência aos filhos dos
clientes são aspectos que reforçam o sucesso da terapia ARV.
85
Para Gir, Vaichulonis e Oliveira (2005), a implementação de orientação e
aconselhamento para avaliar, discutir e conscientizar o indivíduo sobre o impacto da doença
na sua rotina diária lhe torna possível acolher propostas para o incremento da adesão correta
no seu cotidiano, bem como possibilita aos provedores dos serviços a programação de
reuniões periódicas com esses indivíduos e seus familiares para promover a partilha dessas
informações.
Um aspecto importante relacionado com a rede de apoio observado neste estudo foi a
condição de Marrom. Neste caso a família, representada pela irmã do portador. Pode ser
considerada como a principal, senão a única responsável pela continuidade do tratamento,
uma vez que Marrom, além de não facilitar a atuação de sua cuidadora, muitas vezes joga fora
os remédios, briga... Enfim, esta cuidadora está fazendo muito mais do que apenas atuar como
uma rede de apoio.
4.3.5 A fé como condição para a adesão
Após o impacto inicial de se saber portador de HIV/Aids, é comum portadores e
familiares apegarem-se na fé em busca de uma esperança de cura.
[...], mas eu acredito muito em Deus, e vai dar tudo certo (Azul C).
Esta questão foi explicitada com mais ênfase quando lhes foi perguntado se
procuravam alguma forma de ajuda para o enfrentamento da doença.
[...] a minha fé em Deus que me sustenta (Verde).
[...] somos evangélicos e buscamos nossas forças em Deus. Sem a fé nós não
estaríamos em pé (Lilás).
Isto também foi observado entre os cuidadores.
Rezo todas as noites e peço a minha Santa Nossa Senhora Aparecida que o
milagre cure eu e o meu filho (Vermelho C).
Evidenciamos assim que a age como fortalecedor da esperança, pois sabemos que
a Aids é uma doença crônica e sem cura. Vários estudos têm apontado que a religião constitui
um importante apoio para a família e o portador no enfrentamento da doença (PESSINI; FAÉ
et al.; CORRÊA, 2006). Corrêa (2006) considera a experiência religiosa fundamental na vida
86
de todo o ser humano, e ao realizar um estudo com portadores de doenças crônicas evidenciou
que a religião na vida dessas pessoas é extremamente importante, o que a levou a considerar
que o Sagrado possui um poder capaz de levá-las a uma confiança de que isso as salvará das
situações de desespero.
Carvalho, Martins e Galvão (2006), realizando um estudo com mulheres portadoras
de HIV/Aids, identificaram que o apoio religioso constitui um dos recursos mais utilizados
por elas para conseguirem viver e enfrentar a doença, e também para amenizar situações de
estresse decorrentes da Aids.
Waidman (2004), por sua vez, considera que a religião/espiritualidade tem papel
importante na manutenção e recuperação da saúde dos membros familiares, uma vez que a
e a esperança podem ajudar a aliviar a dor e o sofrimento da família causados pela presença
da doença no cotidiano, além de serem motivo de esperança em relação à cura.
Observamos também que, conforme identificado em outros estudos, é comum os
portadores acometidos por uma grave doença mudarem de religião ou mesmo se tornarem
assíduos freqüentadores:
[...] do contrário não encontraria forças para lutar. Participo agora da Igreja
Evangélica (Amarelo).
[...] sou evangélico e vou à igreja freqüentemente (Branco).
Isto ocorre, provavelmente, por dois motivos: o primeiro é que os portadores sentem
necessidade de uma maior aproximação com rituais religiosos, pois estes são carregados de
sentimentos de esperança, além de proporcionarem uma paz interior que eles não são capazes
de encontrar de outra forma; e o segundo é que, especialmente nos casos de doenças
estigmatizantes como a Aids, os portadores parecem sentir necessidade de seguir uma religião
que seja mais rigorosa, pois necessitam de estratégias que lhes possibilitem aliviar a culpa que
sentem por terem adquirido esta doença, que ainda não é aceita pela sociedade, a ponto de ser
necessário omitir que ela existe em seu cotidiano.
Sim, do contrário não encontraria forças para lutar. Participo agora da Igreja
Evangélica (Amarelo).
Carvalho, Martins e Galvão (2006), no estudo com mulheres portadoras do
HIV/Aids, observaram que ao longo das entrevistas elas revelaram reconhecer que a Aids não
tem cura e que buscam apoio religioso para amenizar o sofrimento diante da infecção.
87
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
No decorrer do estudo tive oportunidade de conviver um pouco mais com os
portadores e seus cuidadores e estreitar laços que existiam em função de minha atuação
como enfermeira do SAE de Campo Mourão. Nossos encontros foram marcados por uma
sensação de cumplicidade. Houve momentos em que a emoção esteve presente, com grimas
e dor, existindo a necessidade de dedicar um tempo maior para a escuta atentiva, como forma
de respeito ao entrevistado, fosse ele portador ou cuidador familial.
Também tive a oportunidade de observar quanto é sofrido, para eles, relembrar o
momento da descoberta da sorologia; porém, ao mesmo tempo em que choravam,
agradeciam-me pela ajuda e cumplicidade, o que me deixava aliviada, pois a preocupação
com o sofrimento que a rememoração da experiência vivida por eles poderia provocar sempre
me acompanhou, desde o início da pesquisa.
Diante da proposta do estudo de compreender os aspectos que influenciam
portadores e seus familiares na adesão e não-adesão aos anti-retrovirais no SAE de Campo
Mourão PR, ficou mais evidente a necessidade de sempre, independentemente da situação,
trabalhar com o ser humano considerando seu contexto biopsíquico e socioespiritual, e que
isto não é simples, pelo contrário, é bastante complexo, pois envolve um processo contínuo de
aprendizado entre o cuidador e o ser cuidado.
Em relação às características dos portadores em estudo, constatamos que elas não
diferem muito do perfil do portador de HIV/Aids que tem sido descrito em outros estudos
brasileiros abordando esta temática. Assim, embora não tenhamos qualquer pretensão em
extrapolar os dados, podemos observar nesta pequena amostra de apenas 10 indivíduos, a
presença de algumas características atuais da epidemia, como as de também atingir indivíduos
mais velhos (a idade variou de 26 a 60 anos, com média de 40 anos), heterossexuais e em
relações estáveis (sete casados, dois na condição de união consensual e um desquitado), do
sexo feminino (dos dez, três eram mulheres) e com baixa escolaridade (seis tinham apenas o
Ensino Fundamental e quatro o Ensino Médio). Quanto aos cuidadores, nove eram
companheiros e uma era irmã do portador; tinham idade entre 25 e 60 anos, baixa
escolaridade e nenhum deles estava no mercado formal de trabalho (duas trabalhavam como
domésticas, porém sem registro em carteira).
As características dos portadores reforçam a necessidade de se manterem as
campanhas de prevenção de transmissão do HIV.
88
A análise dos depoimentos, por sua vez, permitiu a identificação de duas grandes
categorias.
A primeira dessas categorias - sob o título O impacto da descoberta da sorologia
positiva para o portador e sua família”, constituída pelas subcategorias intituladas
“Descobrindo-se portador de HIV/Aids, uma fatalidade não esperada”, “Depois da tempestade
vem a bonança: sentimentos diante da descoberta da sorologia positiva” e “Os percalços da
convivência com a Aids” - mostra que, apesar da atual estratégia do Programa Nacional de
DST/Aids de valorização da prevenção, dos 10 entrevistados, a maioria deles (sete) se
descobriu portador após a ocorrência de doenças oportunistas, duas mulheres, durante o
acompanhamento pré-natal, e somente um se descobriu como tal no Centro de Testagem e
Aconselhamento. Isto revela um comportamento em saúde marcado pela busca de assistência,
predominantemente, em situações em que já existem sintomas físicos e/ou diante de alguns
eventos que marcam os ciclos da vida, como o nascer e o morrer.
A mesma categoria mostra também os sentimentos experienciados e a interferência da
condição de ser portador de HIV/Aids nas concepções dos indivíduos sobre saúde e as
mudanças ocorridas no cotidiano, para a adaptação do portador ao diagnóstico do HIV e seu
tratamento. Esses sentimentos se manifestam até mesmo em alguns membros da família,
considerando-se que hoje em dia, com o aumento da sobrevida, as pessoas têm oportunidade
de conviver durante anos com a doença.
Inicialmente, ao descobrir-se HIV+, portadores e seus cuidadores revelaram que este fato
desencadeia uma diversidade de sentimentos e comportamentos. No entanto com o passar do tempo essa
dificuldade vai dando lugar a outros sentimentos, como valorização da vida e mudança no cotidiano,
com vista à melhora na qualidade de vida. Demonstraram que, apesar de serem atendidos num serviço
especializado, ainda sentem dificuldades em, compreender a doença, e, ao relatar algumas orientações
recebidas, parecem repeti-las sem tê-las realmente introjetado no seu dia-a-dia.
Acreditamos que compreender a vida destas pessoas, portadores e seus familiares, ajuda na
reestruturação do atendimento oferecido, com vista a tra-los com respeito e dignidade, valores que até
o momento não foram muito presentes na vida dessas pessoas, em virtude do preconceito e estigma com
que foram tratadas durante muito tempo. Por isso, preparar profissionais para essa prática é uma
necessidade, e precisa começar ainda na fase de sua formação.
A segunda categoria “Adesão e não-adesão à terapêutica anti-retroviral: as duas
faces de uma mesma vivência”, mostra o portador vivendo com HIV/Aids no cotidiano, com
dificuldades emocionais, financeiras, físicas e até religiosas, como também a importância
destes aspectos no processo de adesão à terapêutica ARV.
89
Desta categoria cabe destacar as estratégias adotadas pelos portadores para facilitar a
adesão à terapêutica ARV, uma vez que estas podem, inclusive, ser adotadas por outros
indivíduos. Por esta razão, é importante que os profissionais de saúde passem a conhecê-las,
para então indicá-las ou mesmo discuti-las com os portadores que assistem. Também chama a
atenção o fato de portadores e cuidadores terem revelado que reconhecem o medicamento por
sua apresentação física. Como a possibilidade de troca de fabricante é freqüente, esse fato
pode comprometer o tratamento; portanto, os profissionais precisam estar atentos a estes
aspectos, especialmente nos primeiros meses após a troca de fornecedor, e enfatizar essa troca
durante o atendimento, indicando a equivalência desses medicamentos aos que estavam em
uso anteriormente.
Os fatores facilitadores e dificultadores da adesão constituem outros apsectos desta
categoria que precisam ser considerados pelos profissionais de saúde, assim como sua
valorização, com vista ao incentivo da manutenção e /ou conquista de uma rede de apoio,
inclusive de ordem religiosa, para que a adesão possa ocorrer de forma plena. Neste contexto,
é preciso inclusive que esses profissionais reconheçam que os próprios serviços de saúde
constituem-se numa rede de apoio importante para esses indivíduos doentes. Faz-se
igualmente necessário que eles (re)conheçam a rede de apoio existente e a rede em potencial e
trabalhem com as expectativas existentes, de forma a oferecer uma atenção voltada para as
reais necessidades dos indivíduos e seus familiares. Estes, por sua vez, devem entender a
importância da rede de apoio como fator de segurança, no sentido de poderem vivenciar essa
etapa de seu ciclo de vida sem maiores comprometimentos em sua estrutura familiar e social.
Por fim, diante dos resultados alcançados e do fato de que trabalho 10 anos no
Serviço de Ambulatório Especializado, posso dizer que, mesmo acreditando estar prestando,
juntamente com a equipe multidisciplinar, um cuidado humanizado, não esperava encontrar
resultados tão evidentes de não-adesão, resultados que denotam falha grave quanto ao cuidado
prestado na forma de orientações e ao cuidado apreendido e colocado em prática pelos
entrevistados.
Assim, a maior certeza que tenho é que a não-adesão está relacionada com a aceitação
da doença pelo portador, cabendo aos profissionais de saúde, em especial aos enfermeiros,
atuarmos na identificação dos limites do indivíduo, através da escuta ativa e dos vínculos
estabelecidos, permeados pelo bom senso e pelo conhecimento científico, para diminuir os
medos e anseios trazidos pela doença.
A implementação do planejamento do tratamento, considerando a elaboração de guias
e esquemas da terapêutica medicamentosa, com desenhos, unidades para uso de bolso e
90
adaptação à rotina de cada indivíduo, constitui um método eficaz para a ingestão de
medicamentos ARV, o qual precisa ser colocado em prática. Contudo, não se pode esquecer
que isto deve ser planejado e realizado em conjunto com o portador e seu familiar.
Acredito que os resultados deste estudo possam concorrer para a conscientização dos
profissionais da área de saúde quanto à importância do envolvimento da família dos
portadores do vírus do HIV e servir como apoio às novas propostas de assistência, com vista a
garantir o sucesso do tratamento.
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Universidade de São Paulo, 2005.
TRIVIÑOS, A. N. S. Introdução à pesquisa em ciências sociais: a pesquisa qualitativa em
Educação. São Paulo: Atlas, 1987.
TURNER, R. H. Family interaction. New York: John Wiley & Sons, 1970.
WAIDMAN, M. A. P. O cuidado às famílias de portadores de transtornos mentais no
paradigma da desinstitucionalização. 2004. Tese (Doutorado em Filosofia de
Enfermagem)–Programa de Pós-Graduação em Enfermagem, Universidade Federal de Santa
Catarina, Florianópolis, 2004.
WAIDMAN, M. A. P. Enfermeira e família compartilhando o processo de reinserção
social do doente mental. 1988. 114 f. Dissertação (Mestrado em Enfermagem)- Programa
de Pós-Graduação em Enfermagem, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis,
1988.
WAIDMAN, M. A. P.; ELSEN I. Família e necessidades revendo estudos. Acta
Scientiarum.Health Sciences, Maringá, v. 6, n. 1, p. 147-157, 2004.
WALDOW, V. R. O cuidado na saúde: a relação entre o eu e o outro e o cosmos. Petrópolis,
RJ: Vozes 2004.
100
APÊNDICES
101
APENDICE A
INSTRUMENTO DE COLETA DE DADOS (PACIENTE)
Pesquisa: A Representação Social da Aids em pacientes atendidos no Serviço de
Atendimento Especializado em HIV/Aids e seus cuidadores no município de Campo Mourão,
PR.
Responsável: Ana Lúcia Cardoso Nogueira da Silva.
Orientação: Prof. Dra Luzia Marta Bellini.
I – Identificação
Nome (iniciais):___________________________________________________
Sexo:______Estado civil:__________________________________________________
Data do Nascimento:_____________Profissão:__________________________
Grau de Escolaridade:_____________Local de Nascimento:
II – Questionário do paciente
1 Em que circunstância você soube que estava contaminado pelo HIV?
___________________________________________________________________________
_________________________________________
2 - Quais suas atitudes após conhecer sua situação? Segue à risca o tratamento prescrito? Tem
apoio à saúde e remédios?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________
3 – Como foi a reação de sua família?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________
4 – Passado o primeiro momento, como estão agora você e sua família?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________
5 – Busca algum tipo de ajuda religiosa, você e sua família?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________
6 – Tem companheiro?Como você e seu companheiro vivem?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________
7 – O que é saúde para você? Para você, ter Aids compromete sua saúde?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________
8 – As pessoas ao seu redor tratam você como uma pessoa saudável? Por que?
102
APENDICE B
QUESTIONÁRIO (FAMÍLIA CUIDADORA)
1 – Em que circunstância você soube da sorologia ?
2 – Qual foi sua atitude? Colaborou? Teve receio?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________
3 – Quais são suas atitudes nessa fase do tratamento?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________
4 – Neste momento, como você está encarando a sua vida?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________
5– Você busca algum tipo de ajuda religiosa? Grupos de Amigos? Associações?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________
6 – O que você gostaria de falar sobre sua visão da Aids?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________
7 – Você enfrenta dificuldades para o tratamento?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________
8 – Como você vê seu cuidando em termos de saúde e doença?
103
APENDICE C
ROTEIRO PARA ENTREVISTA (vivendo com Aids e cuidador)
Sobre a experiência da adesão a HAART:
1. Como você faz para controlar o horário da ingestão da medicação?
2. É necessário auxílio para ingerir a medicação? De quem?
3. Como você faz para reconhecer os medicamentos e seu horário?Relate cada um deles.
4. Cite os fatores que facilitam a terapêutica ARV.(horário, hábito, ausência de
sintomas, número reduzido de comprimidos, auxílio psicológico, ausência de efeitos
colaterais)
5. Cite os fatores que dificultam a terapêutica ARV.(características dos comprimidos,
efeitos colaterais, fatores psicológicos, diferentes horários, jejum, abstinência
alcoólica, ingesta hídrica)
6. Conhece a HAART, fatores de risco, complicações, gravidade e cronicidade.
7. Conhece as condutas do tratamento básico? (dieta, exercício físico, uso de gordura,
estresse, álcool, tabaco, peso)
8. Quais os cuidados recebidos e ou prestados? (orientação, lembrete, alimentação
coletiva, aquisição do medicamento, acompanhamento na consulta, acompanhamento
no exercício, uso de terapias alternativas, gerenciamento de estresse, administração de
medicamento).
104
APENDICE D
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Eu, ______________________________________, abaixo assinado, tendo recebido
informações sobre a realização da pesquisa intitulada: ADESÃO E VULNERABILIDADE
EM PACIENTES ATENDIDOS NO SERVIÇO DE ATENDIMENTO ESPECIALIZADO
EM HIV/AIDSE DE SEUS CUIDADORES NO MUNICÍPIO DE CAMPO MOURÃO, PR,
que visa estudar a adesão e a vulnerabilidade desse grupo de pessoas com HIV/Aids e como
pensam seus cuidadores. Ciente dos meus direitos a seguir relacionado concorda em participar
salvas seguintes condições:
Ter a garantia de receber a resposta a qualquer pergunta ou esclarecimento a qualquer dúvida
acerca dos procedimentos, riscos e benefícios relacionados à pesquisa.
Ter a liberdade de retirar o meu consentimento a qualquer hora e deixar de participar do
estudo sem que isso traga qualquer prejuízo à minha pessoa ou outrem.
Ter a garantia de que em hipóteses alguma serei identificado e que será mantido o caráter
confidencial das informações relacionadas à minha privacidade.
Ter garantido o compromisso de que o (a) pesquisador (a) me proporcionará informação
atualizada durante o estudo, ainda que possa afetar minha vontade de continuar participando.
Ter compromisso de se fazer cumprir a legislação em caso de dano.
Que se existirem gastos adicionais, estes serão absorvidos pelo orçamento da pesquisa.
________________________________ Data: ____ /___ /____
Assinatura do pesquisado
Eu,Luzia Marta Bellini e Ana Lúcia Cardoso Nogueira da Silva, declaro que forneci todas as
informações referentes ao estudo, ao cliente/participante desta pesquisa, a ser realizada no
Sae/Campo Mourão, responsabilizo-me em dar continuidade a este estudode acordo com os
direitos humanos. A resolução 196/96 MS, bem como informar a esse comitê de ética,
qualquer alteração, exclusão, inclusão, emendas e conclusão.
CAAE: 0023.0.093.000-06
Endereço:rua Vereador Valdomiro C de Araújo,55. Jd Gutierres. Campo Mourão-PR
Telefone: 35234860.
105
ANEXOS
ANEXO A
Autorização da Secretaria de Saúde de Campo Mourão
106
ANEXO B
Autorização COPEP
107
Livros Grátis
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