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melhores. Quando não, instaura-se um caos de desrespeitos pessoais, profissionais e
hierárquicos, tudo em meio a ordens esquisitas, decisões injustificáveis tomadas in pectore
e, não raro, agressões à própria inteligência.
Mesmo quando o dirigente é mais civilizado, o fato de seu ordenamento precisar ser imposto
a uma redação formada por indivíduos acostumados à arbitrariedade retira muito de sua
capacidade de cooptação. Nessas condições, o ordenamento não é entendido pelas
pessoas, mas obedecido irracionalmente. É, por exemplo, o que acontece com a Folha.
(Diga-se, aliás, que esse jornal, como precursor, no Brasil, da introdução de mecanismos
estruturados e formalizados na redação, procurou inaugurar uma racionalidade prática que a
profissão desconhecia. Por isso, foi sempre muito mal compreendido.)
Há redações, por outro lado, que funcionam com base no princípio do chefe em sua
formulação mais brutal. Dirigentes desse tipo tomam decisões sem discuti-las, ofendem-se
quando questionados e agem como crianças mimadas. Tipicamente, carregam atrás de si
grupos de apaniguados: quando há uma mudança na direção, sai toda uma turma e entra
outra. Mas que profissionalismo é esse, em que só se consegue trabalhar com amigos, com
aqueles que são alvo de favorecimentos extraprofissionais e que, portanto, aprendem que a
blandícia, e não o mérito ou a capacidade, é o fator relevante para o progresso na
profissão?
Apesar de toda uma discurseira auto-referenciada, tais dirigentes são incapazes de
trabalhar com a diferença, não por simples falta de disponibilidade, mas porque isso se situa
fora de sua vivência. São, portanto, cercados de puxa-sacos, uma praga de redações que,
se não coibida com o máximo rigor, infecta todo o ambiente. E são, por seu turno, cultores
do poder, qualquer poder. O antijornalismo, que se reflete diretamente no noticiário.
Caso pensado
A ausência da consciência de que existe um dever profissional em justificar decisões
perante a estrutura dissolve a organicidade que está na base de uma organização
hierárquica. Hierarquias não existem para favorecer pessoas, mas para tornar o trabalho
mais eficiente. Se, à diferença disso, a hierarquia serve para estabelecer primordialmente
quem ganha mais e quem ganha menos, seu objetivo material deixa de existir: impera o
arbítrio pessoal. O diretor dá ordens diretas ao repórter e o editor é desautorizado, perdendo
qualquer possibilidade de ganhar o respeito de seus subordinados. Não é incomum que o
editor tenha medo de orientar o repórter ou o subeditor, porque este pode ser amigo de
alguém situado mais acima. Contratações, promoções e demissões obedecem não ao
propósito extrapessoal de fazer um produto melhor, mas à finalidade mafiosa de fortalecer
posições de grupo. A solidariedade profissional transforma-se em desvio em relação à
norma, um crime tornado mais grave porque expõe, pelo contraste, a esqualidez
circundante. O cinismo, secular moléstia profissional do meio, se transforma em instrumento
explícito de gestão. Pequenos assassinatos são cometidos diariamente nesse tipo de
redação.
Instruir um repórter que fará uma matéria é algo que só acontece no plano convencional. A
instrução é ministrada com consciência de que para nada servirá, e recebida com enfado.
Imagina-se que, de moto próprio, o repórter irá se preparar, escrever sem agressões
excessivas aos fatos, à gramática ou ao bom senso. Por que isso se imagina é um mistério,
pois para preparar-se o repórter precisaria saber que isso é importante, algo que só
acontece no discurso, raramente na prática. Como, várias vezes na vida, já estive do outro
lado da mesa, fui em muitas ocasiões entrevistado por repórteres (de grandes jornais, de
canais de TV globais, de revistas) que iniciavam o diálogo pela frase "Diga tudo sobre esse