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Assim como a prisão, a AIDS representa, para o escritor cubano, a destruição do
universo que, até então, se lhe apresentava como refúgio, no qual o sexo se configurava como
a afirmação de sua consciência como indivíduo privado de identidade no exílio, que, junto de
sua literatura, celebrava essa identidade ao mesmo tempo única e compartilhada pelo
contexto cubano. A doença não se apresenta, para Arenas, como uma conseqüência de seus
próprios atos, mas, sim, como o resultado de algo muito maior do que o ato sexual em si: a
destruição do que significava, para ele, a vivência plena. Para o escritor, a deterioração do
corpo se apresenta pior do que a própria morte, pois isso o impede de prosseguir sua vida sem
que essa tenha se concluído:
Vejo que chego quase no final desta apresentação, que é na realidade meu
fim, e não falei muito sobre a AIDS. Não posso fazê-lo, não sei o que é.
Ninguém sabe na verdade. Visitei dezenas de médicos e para todos é um
enigma. Trata-se as enfermidades relativas à AIDS, mas a AIDS parece
mais um segredo de Estado. Se posso assegurar que é uma doença, não é
uma doença do mesmo tipo das já conhecidas. As doenças são produtos da
natureza e, como tudo que é natural não é perfeito, é possível combater e
até eliminar. A AIDS é um mal perfeito porque está fora da natureza
humana e sua função é acabar com o ser humano da maneira mais cruel e
sistemática possível. Realmente jamais conhecemos uma calamidade tão
invulnerável. Esta perfeição diabólica é o que faz pensar às vezes na
possibilidade de haver a intervenção do homem. Os governantes do mundo
inteiro, a classe reacionária sempre no poder e os poderosos sob qualquer
sistema devem se sentir muito contentes com a AIDS, pois grande parte da
população marginal que não aspira mais do que viver, e que por isso, é
inimiga de todo o dogma e hipocrisia política, desaparecerá com essa
calamidade. (ARENAS, 1994, p.15)
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ocasiones, del crimen. Lo bello de la relación sexual está en la espontaneidad de la conquista y del secreto en
que se realiza esa conquista. En la cárcel todo es evidente y mesquino; el propio sistema carcelario hace que
el preso se sienta como un animal y culaquier forma del sexo es algo humillante.” (ARENAS, 2006, p. 205)
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No original: “Veo que llego casi al fin de esta presentación, que es en realidad mi fin, y no he hablado del
SIDA. No puedo hacerlo, no sé que es. Nadie lo sabe realmente. He visitado decenas de médicos y para
todos es un enigma. Se atienden las enfermedades relativas al SIDA, pero el SIDA parece más bien un
secreto de Estado. Sí puedo asegurar que, de ser una enfermedad, no es una enfermedad al estilo de todas las
conocidas. Las enfermedades son producto de la naturaleza y, por lo tanto, como todo lo natural no es
perfecto, se pueden combatir y hasta eliminar. El SIDA es un mal perfecto porque está fuera de la naturaleza
humana y su función es acabar con el ser humano de la manera más cruel y sistemática posible. Realmente
jamás se há conocido uma calamidad tan invulnerable. Esta perfección diabólica es la que hace pensar a
veces en la posibilidad de la mano del hombre. Los gobernantes del mundo entero, la clase reaccionaria
siempre en el poder y los poderosos bajo cualquier sistema, tienen que sentirse muy contentos con el SIDA,