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DANIELLA MACHADO DE OLIVEIRA
CONTRIBUIÇÕES PARA O ESTUDO
DA ADOLESCÊNCIA
SOB A ÓTICA DE WINNICOTT
PARA A EDUCAÇÃO
PUC – CAMPINAS
2009
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DANIELLA MACHADO DE OLIVEIRA
CONTRIBUIÇÕES PARA O ESTUDO
DA ADOLESCÊNCIA
SOB A ÓTICA DE WINNICOTT
PARA A EDUCAÇÃO
Dissertação apresentada ao programa
de Pós-Graduação Strictu Sensu em
Psicologia do Centro de Ciências da
Vida – PUC-Campinas, como requisito
para obtenção do título de Mestre em
Psicologia como profissão e Ciência.
Orientador: Prof. Dr. Leopoldo Fulgencio
PUC- CAMPINAS
2009
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DANIELLA MACHADO DE OLIVEIRA
CONTRIBUIÇÕES PARA O ESTUDO
DA ADOLESCÊNCIA SOB A ÓTICA DE
WINNICOTT PARA A EDUCAÇÃO
BANCA EXAMINADORA
_________________________________________
Presidente Prof. Dr. Leopoldo Pereira Fulgencio Jr.
___________________________________________
Profa. Dra. Maria Lúcia Toledo Moraes Amiralian
________________________________________
Profa. Dra. Vera Lúcia Trevisan de Souza
PUC-CAMPINAS
2009
Ficha Catalográfica
Elaborada pelo Sistema de Bibliotecas e
Informação - SBI - PUC-Campinas
t155.5 Oliveira, Daniella Machado de.
O48c Contribuições para o estudo da adolescência sob a ótica de Winnicott
para a educação / Daniella Machado de Oliveira. - Campinas:
PUC-Campinas, 2008.
156p.
Orientador: Leopoldo Fulgencio.
Dissertação (Mestrado) - Pontifícia Universidade Católica de Campinas,
Centro de Ciências da Vida, Pós-Graduação em Psicologia.
Inclui bibliografia.
1. Adolescência - Aspectos psicológicos. 2. Psicologia do adolescente.
3. Educação do adolescente. 4. Pais e adolescentes. 5. Relações entre
gerações. I. Fulgencio, Leopoldo. II. Pontifícia Universidade Católica de
Campinas. Centro de Ciências da Vida. Pós-Graduação em Psicologia.
III. Título.
20ed. CDD - t155.5
Dedicado
Aos meus pais Lauro Sérgio e Maria, pelo apoio e incentivo.
“Nenhum homem é uma ilha inteira em si mesma,
Cada um é um pedaço do continente, uma parte do todo”.
John Donne
AGRADECIMENTOS
Desejo agradecer aos meus pais, Lauro Sérgio e Maria, minha gratidão por
mais esta etapa concluída.
Ao meu irmão Luis Felipe, por me auxiliar nas formatações finais de
padronização deste trabalho.
Em memória de meus avós paternos e maternos: Lauro, Cacilda, Attilio e
Mercedes.
Desejo agradecer aos alunos do Colégio de Aplicação Pio XII, por me servirem
de inspiração na realização desta pesquisa.
Devo meus agradecimentos ao Diretor do Colégio Pio XII, Professor Benedicto
Maurício Bueno, por permitir pedido de concessão para bolsa capacitação
docente da PUC-Campinas.
Aos professores Mauro Martins Amatuzzi, pela empatia, desde o início do
curso, e Vera Lúcia Trevisan de Souza, pelos apontamentos teóricos e pela
qualidade das suas aulas.
E, finalmente, agradeço ao Professor Dr. Leopoldo Fulgencio, pela
generosidade em me ensinar os primeiros caminhos desta jornada de busca,
pesquisa e aplicação do conhecimento.
RESUMO
Esta pesquisa tem como objetivo apresentar as principais concepções de
Winnicott sobre a fase da adolescência, com vistas, especialmente a uma
contribuição para o trabalho dos educadores de adolescentes. Esta análise
será feita tendo sua Teoria do Amadurecimento Pessoal como referência.
Winnicott tem sido interpretado como apresentando uma nova teoria
psicanalítica para a compreensão do desenvolvimento psico-afetivo do ser
humano, que considera, além dos motores instintuais (ou sexuais), outros
determinantes deste processo, a saber: a necessidade de ser e a tendência
inata à integração, ambos em profunda dependência do ambiente. Neste
sentido, pretende-se analisar as diversas fases deste processo, com seus
respectivos estágios que vão da dependência absoluta em direção à
independência relativa, dado que na adolescência, para Winnicott, estes
estágios infantis do início retornam acrescidos de uma nova potência (física e
sexual). Winnicott enfatiza a adolescência como um período em que o
adolescente é essencialmente um ser isolado, que não aceita falsas soluções e
que procura sentir-se real, que quer ser descoberto por si mesmo. São estas
formulações, dentre outras, dirigidas à adolescência que serão explicadas
nesta dissertação. Com este estudo, espera-se contribuir por meio deste
recorte da obra de Winnicott, para a compreensão dos adolescentes, seja para
eles mesmos seja para pais, professores e todos aqueles que lidam com eles.
Palavras–chaves: Adolescência, amadurecimento, necessidade de ser,
espontaneidade, si-mesmo.
ABSTRACT
The aim of research is to show up Winnicott main conceptions about the
teenage years stages, especially as a contribuition for the work of teenagers
educators, who must have a particular care about them. His ‘Teoria do
Amadurecimento Pessoal’ will be taken as reference is this analysis. Winnicott
has been interpreted as a hostess of a new psychanalystic theory to the
understanding of the human being psych-affection improvement, which it is
considered, beside the instinctive motors (or sexuals), others determinant of
this process, which are: the needing of being and the unquestionable tendency
to the integration, both being in a deep environment dependency. In this way,
we intend to analyse the several stages of this process, with their respectives
traineeships which go from totally dependency toward the relative
independency, because to Winnicott these childhood stages from the beginning
come back with a new potency (physics and sexual). Winnicott points out the
teenage years as a time which the teenage is essentially a lonely human being,
who does not agree with fake solutions and who wants to be real, who wants to
be found by him/herself. Among others, these are the formulations which are
leaded to the teenage years and which will be explained in this work. With this
study, we hope contribute, through this Winnicott work clipping, to the
teenagers understanding, which can be to themselves or their parents,
teachers, educators and all people who lead with them.
Key-words: teenage years, maturity, needing of being, spontaneity, self
SUMÁRIO
I.INTRODUÇÃO
1. Aspectos gerais e origem desta pesquisa 9
2. Perspectiva Teórica 19
3. Justificativa 31
4.Metodologia 34
5. Objetivo e Desenvolvimento 37
II.CAPÍTULO 1. Aspectos gerais das tarefas e conquistas das fases da teoria do
amadurecimento pessoal
1. A linha geral do amadurecimento e suas fases 39
2. Estágio de desilusão e início dos processos mentais. 59
3..A fase da transicionalidade 62
4. A fase do EU SOU 85
5. A fase do concernimento. 87
6. A fase do estágio edípico 91
III.CAPÍTULO 2: Comentários pontuais de Winnicott a respeito da adolescência
1. Caracterização geral da adolescência para Winnicott. 94
2.A adolescência é uma fase que passa 97
3.O isolamento do adolescente 113
4. A questão da formação de grupos 117
5. As necessidades do adolescente 125
6. A escola como ambiente 128
IV.Considerações Finais 133
V.Referências Bibliográficas 151
9
I.INTRODUÇÃO
Winnicott tende a procurar não o que é
remotamente inconsciente, o desconhecido
esotérico, mas aquilo que está lá, em uma
pessoa, esperando pelo reconhecimento.
(Phillips, 2006,p.86)
1. Aspectos gerais e origem desta pesquisa
Esta dissertação tem o objetivo de explicitar as concepções de Winnicott
sobre a fase da adolescência. Meu interesse pela adolescência nasce de uma
série de observações derivadas de minha experiência como docente de um
colégio particular, com alunos de 5ª à 8ª série, entre 10 e 15 anos, de ambos
os sexos.
Antes de especificar a perspectiva teórica e o objetivo dessa
dissertação, creio que será útil e de interesse mostrar a origem de minhas
preocupações sobre a adolescência. Neste sentido, gostaria de retomar uma
série de observações pessoais derivadas da minha experiência e contato com
os adolescentes. Isto servirá para mostrar como o tema foi delimitado, como
também por em evidência um tipo de caminho (método) na formulação do
desenvolvimento de meu objeto de estudo.
10
Notei, nas aulas que ministrei, a influência dos meios de comunicação
nas atitudes destes alunos, no modo como se agrupavam, como excluiam um
amigo. Mostravam-se competitivos, ágeis e criativos. Muitos eram impacientes
e falavam todos ao mesmo tempo. Outros eram indiferentes e frios. Nossos
encontros se davam uma vez por semana, em sala de aula, com duração de 50
minutos.Trabalhei no colégio de 2006 a 2008 e lecionei a disciplina Ensino
Religioso, de forma ecumênica, abrangendo diversas crenças e filosofias
presentes na humanidade.
Por se tratar de um colégio confessional, havia uma diferenciação em
relação ao que as famílias buscavam e esperavam para seus filhos do ponto de
vista de valores, pois muitos pais acreditam que um colégio religioso possui
uma formação ética, baseada no desenvolvimento de valores e virtudes, algo a
mais que os colégios particulares com ênfase apenas nos vestibulares não
possuem. Este dado era confirmado pelas coordenadoras pedagógicas, em
momentos de entrevistas com as famílias.
Outro dado interessante era a classe social das famílias. Havia muita
variedade e oscilação da condição sócio-econômica, sendo que muitos alunos
eram bolsistas, filhos de funcionários que moravam em bairros distantes ou na
periferia de Campinas. Grande parte dos alunos era de classe média e, uma
pequena parte, de classe média alta.
Isto favorecia uma grande interação e convivência entre diversos níveis
sociais. Entretanto, grande parcela destes alunos possuía uma vida sócio-
11
econômica confortável, com atividades extra-escola, como inglês, esportes em
geral, viagens no mês de julho e no final do ano letivo. Possuíam uma visão
estreita sobre os fatos sociais do cotidiano como fome, miséria, desemprego
com um discurso básico de que é só se esforçar que o ser humano consegue o
que quer.
Ao conversar com colegas de profissão na sala dos professores, ouvia
reclamações em relação ao mau humor dos alunos, a irresponsabilidade na
execução de tarefas, faltas nas aulas de recuperação, faltas nos dias de provas
oficiais, acarretando o pedido de segunda chamada para a realização das
mesmas.
Mas, por outro lado, também escutei e presenciei o bom desempenho e
participação de alunos que encontravam no ambiente escolar um modo de
viver descontraído, alegre e com muita dedicação. Destacavam-se pela
educação primorosa, bom desempenho escolar, atenção e disposição, seja
para aprender coisas novas ou para trocar experiências. Senti que a escola,
para estes alunos, passava a ser uma extensão de si mesmos, um lugar em
que se sentiam confortáveis e acolhidos.
Como percebi que muitos estão em uma fase de busca da identidade, de
esclarecimentos para diversas questões, questionamentos, rompimentos com
tradições, acabava introduzindo Filosofia, Ética e cidadania e Psicologia
através de dinâmicas, vivências, leitura sobre fatos sociais do cotidiano que
envolviam a violência, auto-estima, vida familiar, relacionamentos
12
interpessoais. Os mais novos (alunos de 5ª e 6ª séries) eram mais afetuosos,
gostavam de tocar, abraçar, contar fatos, presentear. Os alunos de 13 a 15
anos, já se revelavam mais distantes, evitavam o toque, a aproximação e
testavam de diversas formas a paciência, o humor e a autoridade.
Mostravam-se mais despreocupados, impacientes e, muitas vezes,
utilizavam-se da ironia. Entretanto, uma pequena parcela mostrava-se dócil,
mais próxima, perguntavam se eu precisava de alguma ajuda para levar
materiais, ofereciam sugestões de filmes ou documentários que consideravam
interessantes assistir e debater em aula,colocavam a necessidade de
desabafar sobre conflitos pessoais e desilusões amorosas. Em alguns
momentos, sentia-me desafiada e ao mesmo tempo, colocada no lugar de
figuras primárias, necessitando acolhê-lhos como se fossem bebês, em um
padrão que se encontra próximo à dependência primitiva, pois em algumas
aulas, mostravam-se tristes, apáticos, em outras demonstravam desespero,
angústia por notas baixas, problemas familiares, desavenças com colegas.
Um dos dilemas mais difíceis da profissão de docente com esta faixa etária
é tolerar as reações rebeldes dos alunos adolescentes, rejeição às atividades
propostas e provocações. Na prática, são atitudes penosas que podem
desestabilizar o equilíbrio do profissional. O fundamental é procurar entender o
que está por trás (pano de fundo) destes comportamentos, que mensagem
implícita está envolvida.
13
É óbvio reconhecer que o ensino não é perfeito, sendo necessário uma
reformulação constante de conceitos pelo professor, novas estratégias, novas
atitudes, ou seja, rearranjos a serem feitos. O mais difícil para um docente
aceitar é que, muitas vezes, um bom conteúdo, um jogo interativo é rejeitado
pelo grupo. Então, ele tem que aceitar a situação, elaborá-la e devolvê-la de
modo a adaptá-la ao grupo. E nem sempre isso é possível no dia a dia.
Percebi que meus alunos adolescentes acabavam transportando para a
situação escolar dúvidas, incertezas, vontades, intenções que fazem parte do
caráter de cada um: distorções emocionais, verdades a serem checadas,
testadas, pois sempre estão esperando encontrar um ambiente de suporte e
de experimentações. A tarefa exige do professor, nestas situações, suportar
estes desafios a que estará exposto.
Percebe-se, através das conversas em sala de aula, a necessidade que
o adolescente demonstra em afastar-se dos pais, irmãos, aprecia tumultuar a
escola, auto-afirmando-se como onipotente. Como, nesta fase, o adolescente
apresenta poucos papéis sociais, pois ainda é financeiramente dependente dos
pais e, depende dos mesmos para que suas vontades e desejos se
concretizem, o ambiente escolar representa o espaço mais adequado para que
sua identidade seja fortalecida através do papel de estudante.
Preocupam-se com a aparência e imagem corporal, muitos sendo alvos
de apelidos e gozações por estarem acima do peso ou por serem altos demais
ou de menos. Quanto às meninas, o início da menstruação marca o princípio
14
da maturidade física e sexual e o desejo de se sentirem mulheres. Nos
rapazes, a mudança de voz marca a passagem para a fase adulta, aumento do
tronco e quantidade de pêlos. Essas mudanças corporais expressam no plano
psíquico, uma sensação de estranheza pelo corpo que, ora ocupa espaço
demais, ora de menos. Na escola, sentam-se de modo desajeitado, desleixado,
demonstrando que ainda estão se adaptando a um novo corpo.
Os agrupamentos revelam uma grande necessidade de fazer parte de
algo, pertencer a uma comunidade de valores, interesses. Os assuntos dos
garotos giravam em torno de festas, jogos eletrônicos, internet, futebol, leitura
de blogs, cadastros no Orkut, filmes, vídeos do site Youtube, produtos
eletrônicos altamente modernos (MP3, ipod, laptop dos pais, máquinas
fotográficas digitais, celulares que tiram fotos e possuem Internet).
O grupo de meninas apresentava conversas envolvendo músicas,
festas, shoppings, quem “ficou com tal garoto“ e com quem mais ele ficou,
moda, internet, orkut, máquinas fotográficas digitais para armazenar fotos,
celulares, viagens. Gostavam de se vestir bem, utilizavam inúmeros acessórios
como: brincos, pulseiras, batons de várias cores, anéis, fichários coloridos.
Quase todos passavam por uma crise de identidade. “Quem eu sou?”, “Em
que acredito?”, “O que eu quero ser?”, “O que eu não quero ser?”, “Qual o meu
destino?”. “Não sei o que quero da vida”, são questões cruciais deste período
para a constituição da identidade, como já estudou Erikson (1979). Geralmente,
15
meninas manifestavam mais instabilidade emocional, eram mais intensas nas
suas expressões.
Ambos, meninos e meninas já pensavam na questão vocacional. Se
fariam um colegial técnico ou se preparariam intensamente para os
vestibulares. Almejavam universidades públicas, mas caso ingressassem em
uma particular, não apresentavam a preocupação financeira, pois afirmavam
que seus pais podiam arcar com as despesas. Oscilavam entre a dependência
dos pais e a necessidade de independência para a vida. Desejavam liberdade
para sair e voltar no momento que bem entendiam, mas precisavam do
dinheiro dos pais para isso.
Geralmente, os garotos apresentavam mais comportamentos de
variação de atitudes como agressões físicas e verbais a colegas,
hiperatividade, agitação, perdiam limites e desafiavam professores através de
ofensas, deboches, uso de materiais tecnológicos como celular, ipod, MP3,
com emissão de toques e sons nas salas de aulas. No caso das meninas,
apresentavam-se, em alguns casos, irônicas, debochadas e apreciavam mais
desafiar figuras femininas (professoras), pois as viam como modelo de
autoridade. Utilizavam-se também de objetos tecnológicos, leitura de blogs na
biblioteca, revisão de fotos arquivadas em celular durante a aula, espelhinho
para retocar maquiagem. Com as colegas de turma, ou se uniam formando um
grupo, ou rivalizavam entre si.
16
Grupos, tribos eram citados em sala de aula como os roqueiros, clubers,
patricinhas, mauricinhos, rappers, punks, góticos, funkeiros e emos.
Manifestavam grande intolerância aos emos, um estilo de ser emocional, que
segundo os alunos, chora por qualquer coisa, utilizando-se de roupas rosas e
franjas na testa e pelos góticos também, sendo estes últimos considerados
como esquisitos, doentes, pois o grande divertimento deles é ir à noite aos
cemitérios, com roupas pretas, maquiagem escura e pesada, além do olhar
parado e sem vida que possuem.
Ambos, garotos e garotas (grande parte) comentavam o programa
Pânico na TV, da Rede TV e CQC na Rede Bandeirantes como um momento
de descontração. Muitos assistiam ao Fantástico (Rede Globo) e chegavam a
comentar as reportagens polêmicas na segunda-feira, afirmando um ao outro:
“Você viu aquele caso, que loucura !” ou “Eu achei que era tudo mentira, só
para dar ibope”.
O grupo, em geral, demonstrava bastante influência na forma de
relacionar-se através dos meios midiáticos. Parecia que algo os padronizava e
quem não se encaixava nestes padrões era excluído do grupo, “não fazendo
parte de“. O descompromisso, desatenção, indiferença marca este processo
como um preparo para a maturidade efetiva.
A convivência com adolescentes neste ambiente escolar revela a
intensidade deste fenômeno do adolescer em relação às atitudes e
comportamentos deles, pois é uma fase do desenvolvimento em que desejam
17
buscar a si mesmos, estabelecer uma identidade e, para tanto, em alguns
casos a arrogância, hostilidade, ironia sarcástica mostram-se presentes através
da grande satisfação em ridicularizar a figura do professor e coordenadores.
Via de regra, alguns alunos apresentam-se frios com colegas diferentes do
padrão atual, que não se encaixam nas idéias globais ignorando, isolando e
excluindo as pessoas com alto nível de preconceito e rótulos.
Reclamam da dependência dos pais (autorização para sair, dinheiro,
escolha da escola ou academia), das desavenças com os mesmos juntamente
com a posição em que se sentem submetidos aos professores.
Utilizam–se de objetos tecnológicos avançados para pertencer a um
grupo e para se comunicarem, localizarem-se, registrar momentos, arquivar
fotos, telefones e mensagens.
A Internet é um grande recurso utilizado como forma de comunicação,
contato com o outro, de expressão e interação. Cadastros no Orkut, leitura de
blogs, salas de bate-papo são experiências cotidianas intermediando os
relacionamentos.
Presencia-se uma elevada despreocupação a fatos sociais do cotidiano,
uma certa ausência de sentimento de culpa por atitudes inadequadas e
imaturas, que na verdade são utilizadas como uma forma de auto-afirmação e
constituição das suas identidades.
Quando advertidos, fingem não entender, fazem “caras e bocas“ e
insistem em permanecer e testar a autoridade do professor.Além disso, o
18
telefone celular de última geração é um acessório fundamental para ouvir e
baixar músicas, enviar e receber mensagens, fotografar amigos em sala de
aula, bem como o uso de aparelhos de multimídia como MP3, ipod, o que, por
vezes, desestabilza o andamento das aulas. Os comentários sobre vídeos
expostos no site Youtube servem como motivo de descontração, através do
olhar virtual sobre o outro, a “gozação” em relação ao que o outro fez.
Adolescer, então, pode em linhas gerais, como afirma Ricotta (1991) ser
considerado como um amadurecimento do pensamento concreto para o
abstrato, um movimento da antidependência, geralmente observado em
desobediências, transgressões, oposições, enfrentamento de adultos (pais,
professores, autoridades em geral), com o objetivo de não ser mais criança,
direcionar sua própria vida.
Através destas observações iniciais, manifestei interesse em estar
aprofundando um estudo sobre a adolescência. Já em uma primeira
aproximação, notei que o tema adolescência é muito complexo, pois há fatores
históricos, sociológicos, antropológicos e psicológicos envolvidos nos diversos
aspectos da sua constituição. Mais ainda, sendo psicóloga, reconheci também
a diversidade de abordagens teóricas da Psicologia para compreensão desta
fase.
Estas observações foram feitas, no entanto, sem uma linha teórica clara,
que pudesse verificar e tornar o material sistematizável, em busca de sua
teorização.
19
Como já comentou Popper:
A observação é sempre seletiva: exige um objeto, uma tarefa
definida, um ponto de vista, um interesse especial, um problema.
Para descrevê-la, é preciso empregar uma linguagem apropriada,
implicando similaridade
e classificação - que, por sua vez, implicam
interesses, ponto de vista e problemas (Popper,1994, p.76).
Seguindo os conselhos de meu orientador, procurei então um quadro de
referência teórico para meu estudo. É isto que pretendo explicitar nesta
introdução.
2. PERSPECTIVA TEÓRICA DA PESQUISA
A adolescência pode ser entendida sob muitos pontos de vista: histórico,
sociológico, político, antropológico, filosófico, mas também, e mais importante
para mim, do ponto de vista de uma psicologia.
Há um profundo interesse no mundo pela adolescência e seus conflitos,
sendo que vários estudos já foram realizados neste campo e muita literatura
20
publicada. Dentre os pesquisadores, Arminda Aberastury (1990),entre outros,
contribuíram significativamente para a compreensão da adolescência, ainda
que isto não signifique nem unidade na compreensão desta fase da vida, nem
a solução definitiva dos problemas aí encontrados, independente da
perspectiva da qual se trata este tema.
Vou estabelecer um esboço de um quadro geral com respeito ao estudo
da adolescência para esclarecer, posteriormente, em qual perspectiva me
apoiarei na realização desta pesquisa.
Muitas são as perspectivas teóricas e práticas possíveis para a
compreensão da adolescência. Do ponto de vista histórico, Ariés (1981) em
sua obra, situa a adolescência a partir da história da criança e da família como
uma categoria etária entre os séculos XVIII e XIX. Com a sociedade industrial e
todas as mudanças sociais e econômicas ocorridas, houve a necessidade de
delimitar grupos etários para a regulamentação das leis trabalhistas da época
(Kett,1993). Surgiram vários movimentos de educadores, psicólogos,
professores que defendiam que o trabalho era prejudicial para o
desenvolvimento de crianças e púberes. Percebe-se que a adolescência surgiu
com a industrialização.Houve então, como conseqüência, um aumento do
tempo de permanência nas escolas, determinando assim um caminho para a
criação da categoria adolescência.
Dentro de uma perspectiva antropológica-sociológica, Muuss (1969) e
Campos (1987) destacam, entre muitos estudos para a compreensão da
21
adolescência, a obra de Margaret Mead (1943), Coming of Age Samoa. Este
trabalho dedica-se ao estudo da adolescência em uma comunidade primitiva
em que se observa a passagem da infância para a adolescência e
possivelmente a fase adulta, com o assumir de novas responsabilidades e
autonomia. Isso depende de como cada adolescente vive, convive, integra e
elabora esta fase intermediária da vida no grupo social em que vive.
No campo das psicologias, mais especificamente no campo da
Psicanálise, Freud foi o primeiro a estudar empiricamente os impulsos
inconscientes com grande minúcia e lançou as bases de uma teoria das
motivações humanas (Fromm, 1963,p.39).
Para Freud (1905), os estágios de desenvolvimento psicossexuais são
relativamente universais e independem de fatores ambientais, sendo estes
considerados secundários em relação à personalidade já estruturada nos
primeiros anos de vida, além de colocar a presença de processos psíquicos
insconscientes, sexualidade e Complexo de Édipo como pilares fundamentais
de sua teoria, enfatizando que a causa das dificuldades se origina em conflitos
envolvendo a sexualidade e os instintos.
Erich Fromm, um psicanalista com estudos dirigidos para a Psicanálise
da sociedade, diz em relação ao Complexo de Édipo em sua obra Análise do
Homem:
Ele alvitra que os impulsos sexuais da criança dirigem-se para o
genitor do sexo oposto, que, em conseqüência, ela detesta o genitor
rival do mesmo sexo, e que necessariamente surgem hostilidade,
22
medo e culpa dessa situação inicial (Complexo de Édipo). Essa
teoria é a versão secularizada do pecado original (Fromm,1963,p.41).
Fica claro que o pensamento, raciocínio de Freud relaciona estes
impulsos homicidas como parte integrante da natureza humana e, assim, teve
que criar normas éticas para que a vida em sociedade fosse possível,
protegendo o homem e o grupo social contra perigos destes impulsos.
Assim, para o autor, há na adolescência uma revivência inconsciente da
situação edipiana, sendo a energia sexual agressiva e intensa.O
desenvolvimento corporal juntamente com a sexualidade genital possibilitam a
função reprodutora, o que torna as fantasias edipianas uma possibilidade real.
É durante a infância que a criança, através da identificação com os pais,
estabelece os seus primeiros modelos relacionais interpessoais e
heterossexuais e, na adolescência, eles ressurgem. Se o conflito edipiano da
infância teve uma solução satisfatória, na adolescência haverá uma maior
aceitação da identidade sexual e da interdição frente aos desejos incestuosos.
Por outro lado, se esse processo foi conturbado, o jovem pode sentir-se
confuso, agressivo, angustiado, culpado, podendo autopunir-se, em função dos
temores despertados pelas fantasias. Assim, nos seus relacionamentos com o
sexo oposto, ele poderá viver intensa angústia e inibição.
Já Erik Erikson, apresenta uma psicanálise mais atual e questiona a
instintualidade e o determinismo biológico dado por Freud e reconstruiu suas
concepções psicanalíticas em estudos da antropologia cultural. Erikson se
23
destaca por enxergar a adolescência como uma etapa do ciclo de vida e não
como uma fase peculiar com características semelhantes a uma síndrome e é
um representante do ponto de vista psicossocial da psicanálise (Lopes,2006).
Para Erikson (1979), a busca do sentido da individualidade é um
processo básico vivido na adolescência. É comum que o adolescente nesse
processo busque uma solução temporária por meio da identificação com algum
herói popular ou juntando-se a algum grupo que lhe dê identidade por meio da
separação entre os iniciados e os estranhos com base em esteriótipos
(Erikson, 1983,p.236).
Diz Erikson: “O adolescente procura mais fervorosamente homens e
idéias em que possa ter fé, o que também significa homens e idéias em cujo
serviço pareça valer a pena provar que seja digno de confiança” (Erikson,
1987,p.129).
Erikson, em seus escritos, assinala que o termo identidade tem, pelo
menos, quatro sentidos: um sentimento consciente de ser alguém separado,
distinto e único; um sentimento de igualdade interna e continuidade consigo
mesmo no tempo; o eu como uma totalidade acabada e plena; e um sentimento
de profundo acordo com a maneira de ser e com os ideais de algum grupo
determinado (Erikson, 1959,p.102).
No prefácio de seu livro Identidade, Juventude e Crise, o autor deixa
claro que seus estudos psicanalíticos sobre identidade possuem ênfase nas
mudanças históricas, políticas sobre a sociedade:
24
E, finalmente, escrever ou ter escrito sobre identidade apresenta uma
especial lição objetiva ao escritor sobre o desenvolvimento humano:
ele não pode furtar-se à necessidade de reavaliar o seu próprio
pensamento, à luz de decisivas mudanças históricas. O leitor, por
seu turno, terá de mobilizar a sua consciência histórica para ajuizar
que tendências gerais de longo alcance, nesse conjunto de escritos,
parecem ter sido confirmadas pela marcha dos acontecimentos
contemporâneos e que observações parecem ter sido convincentes
apenas em seu contexto transitório (Erikson, 1987,p.11).
Outra psicanalista, Aberastury, afirma que a adolescência “é um período
de contradições, confuso, ambivalente, doloroso, caracterizado por fricções
com o meio familiar e o meio circundante” (Aberastury,1990,p.16).
A autora, além de considerar os aspectos individuais do adolescente,
leva em conta também as influências culturais, sociais e históricas. Destaca,
nesta fase da vida, a necessidade de entrada para o mundo do adulto e as
conseqüentes mudanças como assumir novos papéis, ocupar um novo lugar
no mundo. Enfatiza que a adolescência é marcada por perdas que passam
pelas modificações culturais.
Com toda a contribuição destes psicanalistas, que abriram caminho para
vários estudos e questionamentos, situo meu estudo a partir de uma
psicanálise que justifica os primeiros cuidados como um terreno sólido para um
psiquismo saudável.Estes psicanalistas focalizaram a adolescência no instante
em que ela chega, sem se apoiar no papel da mãe, num ambiente sustentador
25
que possibilite que as principais necessidades sejam reconhecidas e atendidas.
Para que a adolescência seja estudada, um longo caminho no desenvolvimento
humano deve ser percorrido, ou seja, uma linha da vida deve ser estudada.
Após Freud, reiterando esta perspectiva básica, muitos autores
desenvolveram os estudos clínicos e teóricos sobre a adolescência. Neste
caminho do desenvolvimento da psicanálise, há também uma outra perspectiva
a ser considerada, aquela proposta por Donald Winnicott. Certamente também
haveria de ser considerada uma série de outras perspectivas, tais como a
proposta por Lacan, Bion dentre outros. No entanto, ao focar minha atenção
sobre Winnicott mostrarei algumas justificativas de minha escolha.
Este pediatra inglês, que se tornou psicanalista, iniciou seus trabalhos e
aprofundamento em Psicanálise analisando bebês e suas mães. Ele percebeu,
na sua prática clínica, “de que a maior parte dos problemas que levavam mães
e bebês ao consultório era devida a dificuldades emocionais extremamente
primitivas” (Dias 2003, p 14).
Para Dias, organizadora da obra de Winnicott (cf. Dias, 2003): “A ênfase
de sua teoria recai sobre os estágios iniciais, pois é nesse período que estão
sendo constituídas as bases da personalidade e da vida psíquica” (Dias, 2003,
p.13). Estes estágios iniciais são fundamentais para que o bebê se integre,
transformando estas integrações em conquistas para o amadurecimento
pessoal. Fulgencio diz:
26
Em termos gerais, podemos dizer que Winnicott refez a teoria
psicanalítica, seja introduzindo novos fatos a serem considerados no
processo de amadurecimento, seja redescrevendo, a partir dessas
descobertas, o que a psicanálise tradicional formulara dentro do
paradigma proposto por Freud (Fulgencio,2006, p. 2).
Além disso, sua obra apresenta uma compreensão sobre infância,
adolescência e maturidade, sem a fixação na sexualidade como única raiz na
compreensão da etiologia de perturbações emocionais. Outeiral, Hisata e
Gabriades afirmam:
Winnicott tem algo diferente a dizer sobre o fenômeno da
adolescência, como um estudo objetivo da natureza humana,
contribuindo para a profilaxia de diversas doenças mentais, uma
verdadeira contribuição para a família e a sociedade.Escreveu textos
importantes sobre adolescência, tanto em artigos específicos sobre
este momento evolutivo, quanto desenvolvendo idéias sobre a
adolescência que constam de trabalhos sobre outros temas (Outeiral,
Hisata & Gabriades, 2001, p. 325).
Dias afirma em relação à teoria de Winnicott:
Ela serve, portanto, de guia prático para a compreensão dos
fenômenos da saúde, assim como para a detecção precoce de
dificuldades emocionais, podendo ser útil não só para os
psicanalistas e psicoterapeutas, mas também para as mães e pais
preocupados em facilitar o amadurecimento pessoal de seus filhos,
para os profissionais cujo trabalho afeta, em algum nível, o
desenvolvimento emocional de bebês, crianças, adolescentes e
27
adultos e, igualmente, para todos os que foram alertados para a
necessidade de se pensar em atividades e políticas de prevenção na
área de saúde psíquica (Dias,2003,p.14)
Para ter uma visão mais clara das propostas de Donald Winnicott, vou
me apoiar em uma série de estudos já feitos que apresentam a psicanálise
winnicottiana como um novo paradigma, no sentido teórico para a psicanálise
(cf. Loparic 2001, 2006; Fulgencio 2007). Este tipo de recurso tem como
objetivo apresentar uma visão geral que serve de quadro para o
desenvolvimento desta dissertação, marcando um tipo de leitura da psicanálise
e da obra deste autor.
Tais estudos se baseiam na obra de Thomas S. Kuhn “A estrutura das
revoluções científicas” (1970), sendo Kuhn considerado um dois mais influentes
epistemólogos do século XX.
Considero fundamental estabelecer um quadro geral para visualizar e
compreender esta teoria escolhida através da noção de paradigma proposta
por Thomas S. Kuhn, o qual o define como um instrumento para olhar e
identificar elementos de uma teoria que possibilitam resolver problemas
empíricos. Desse modo, tem-se a perspectiva de onde parte este estudo.
Ao definir o que é um paradigma, Kuhn afirma: “Considero paradigmas
as realizações científicas universalmente reconhecidas que, durante algum
tempo, fornecem problemas e soluções para uma comunidade de praticantes
de uma ciência” (1990,p.13). Mais ainda, um paradigma é composto pelas
28
características gerais (cf. Kuhn,1970,p.239): um exemplar, que se caracteriza
por ser um problema básico a partir do qual tudo é feito; uma teoria geral-guia
que serve de base para resolução dos fenômenos; um modelo metafísico que
se caracteriza por crenças coletivas, as quais servem para auxiliar na
organização e sistematização dos dados empíricos; um modelo heurístico, o
qual é composto por analogias, metáforas e modelos comumente aceitos e
utilizados e valores teóricos e epistemológicos, os quais delimitam o quadro
geral de inserção da disciplina e um conjunto de valores práticos, os quais
estabelecem, por exemplo, qual o objetivo geral a ser procurado e como isso
deve ser perseguido
Assim, tem-se um instrumento para estabelecer um quadro geral de uma
teoria para que este possibilite enxergar melhor dentro de qual perspectiva o
pesquisador se apóia.
Para Kuhn, a comunidade científica que constitui ou defende um
paradigma resolve seus problemas como se estes fossem quebra-cabeças. Diz
Kuhn
:
De um lado, indica toda constelação de crenças, valores, técnicas
etc, partilhadas pelos membros de uma comunidade
determinada(sentido sociológico). De outro, denota um tipo de
elemento dessa constelação: as soluções concretas de quebra-
cabeças que, empregadas como modelos ou exemplos, podem
substituir regras explícitas como base para a solução dos restantes
quebra-cabeças da ciência normal (Kunh,1970, p.218).
29
Fulgencio comenta, em termos gerais, porque é necessário ter um
quadro teórico claro, com referentes empíricos específicos, na compreensão
científica dos fenômenos e nas discussões sobre estes:
A utilização da proposta de Kuhn, em termos metodológicos
corresponde a um tipo de exigência de uma ética da terminologia,
mas avança um pouco mais do que apenas fornecendo uma mera
orientação geral, uma vez que além de exigir a constante
preocupação em relacionar termos teóricos a seus referentes
específicos, fornece, por meio das caracterísiticas que delimitam e
estabelecem o que é um paradigma, quais são os aspectos centrais
a serem considerados para que disciplinas e propostas díspares
possam ser comparadas e compreensíveis umas às outras
(Fulgencio,2006,p.5).
Loparic confirma em relação ao paradigma :
...uma ciência factual madura é o quadro no qual se desenvolve uma
atividade de resolução de problemas semelhantes a quebra-cabeças.
A estrutura interna desse quadro é caracterizada por uma maneira de
ver o mundo e de falar sobre ele, compartilhada por um grupo
institucionalizado, estruturado por um paradigma ou matriz disciplinar
(Loparic,2006,p.1).
Assim, nota-se que, um paradigma para ser sustentado, precisa resolver
problemas e dar conta destes, bem como possuir uma comunidade de
cientistas que enxerguem os problemas e suas soluções, de uma mesma
30
maneira. Isso pode ser comparado a um tipo de grau, como os existentes em
óculos. Somente com grau específico enxerga-se totalmente o problema.
Para a realização desta pesquisa, meu apoio teórico tem as seguintes
características:
O novo exemplar proposto por Winnicott é o bebê no colo da mãe,
que precisa crescer, isto é, constituir uma base para continuar
existindo e integrar-se em uma unidade.A generalização guia mais
importante é a teoria do amadurecimento pessoal, da qual a teoria da
sexualidade é apenas uma parte.Winnicott também introduziu um
novo modelo ontológico do objeto de estudo da psicanálise, centrado
no conceito de tendência inata à integração, para o relacionamento
com pessoas e coisas.Quanto à ontologia, a teoria do
amadurecimento pessoal de Winnicott baseia-se numa nova
concepção do ser humano.Em relação a modelos heurísticos e
metáforas, Winnicott os rejeita e sua concepção de natureza
humana, fundamenta-se, numa hipótese muito geral, que diz respeito
à capacidade humana de ter experiências.Em termos de valores
teóricos, vê a Psicanálise como uma ciência que tem o dever de
testar suas hipóteses e, do ponto de vista prático, acredita que os
sofrimentos realmente mais graves são aqueles que derivam das
necessidades não atendidas, que se originam da necessidade de ser
(Loparic,2006.p.45).
Fica claro que este paradigma valoriza a relação inicial de dependência
mãe-bebê como condição para o amadurecimento, relação esta que serve de
base para a estruturação de um amadurecimento saudável e o autor acabou
identificando nesta relação dual um verdadeiro exemplar, fazendo-o
31
desenvolver uma teoria do desenvolvimento emocional, valorizando o bebê
como ser humano.
Adam Phillips esclarece bem neste trecho o papel deste ambiente :
Winnicott tentou explicar como o indivíduo cresce, para além da
dependência, em direção a um jeito de ser pessoal, como ele se
torna a um só tempo comum e característico de acordo com a
percepção que tem de si mesmo e como o ambiente precoce faz com
que isso seja possível (Phillips,2006,p.22).
A partir do esclarecimento, deste quadro de referências, poderei expor o
que Winnicott tem a dizer sobre a adolescência.
3. JUSTIFICATIVA
Primeiramente, as motivações pessoais que me fazem realizar esta
pesquisa partem de observações de minha experiência como professora de
adolescentes e de dificuldades surgidas durante o trabalho com eles,
envolvendo principalmente o relacionamento interpessoal. A partir daí, senti
32
necessidade de ampliar meus conhecimentos sobre esta fase de
desenvolvimento humano, sobretudo compreender como pensa, age e sente o
adolescente e, certamente, saber com mais precisão dos seus conflitos,
dúvidas e medos que fazem parte do universo do adolescente.
É sabido que a escola é um campo em que a criança e o adolescente
ampliam suas relações e atuam de forma a fortalecer seu papel em um novo
ambiente. Sanches comenta sobre isso:
Trata-se de um lugar da diversidade e diferenças entre as crianças.
Nele, a criança amplia suas referências, antes apenas familiares,
conhecendo e tendo acesso a formas e maneiras diferentes de ser
daquelas da sua própria casa ou família. Exatamente por isso, a
escola é um ótimo campo para as crianças experimentarem suas
relações. É muito comum que apareçam questões na escola que
não surgem em casa, pois é lá que elas têm a possibilidade de
experimentar (Sanches, 2005,p.160).
Desse modo, tenho como intenção contribuir para o conhecimento,
especialmente para o campo dos profissionais da educação (professores,
coordenadores pedagógicos, orientadores pedagógicos) oferecendo uma visão
clara e objetiva de um ponto de vista específico, o modo de ser dos
adolescentes, como eles estão se identificando, relacionando-se, propiciando
certas orientações gerais para o cuidado com estes jovens, pois a Psicanálise
Winnicottiana é pouco conhecida no campo da Educação e os espaços de
formação incluem a prática pedagógica, o desempenho do aluno, sendo que
33
muito pouco é estudado e discutido sobre a Psicologia do adolescente no
ambiente escolar. E, há de fato, em Winnicott, uma teoria da adolescência. A
psicanálise winnicottiana pode ser uma alternativa a mais de conhecimento e
estudo para os educadores, não invalidando as demais teorias da Psicologia.
Winnicott tem sido considerado, no campo psicanalítico, um psicanalista
que teria fornecido um estudo objetivo da natureza humana, estudo no qual o
reconhecimento de um ambiente sustentador é fundamental para a integração
do indivíduo. Sua Teoria do Amadurecimento Pessoal possui uma
compreensão do adolescente a partir da gradual ampliação do grupo com o
qual um ser humano é capaz de se identificar sem perder de vista sua
identidade pessoal.
Para alguns estudiosos de Winnicott, por exemplo, Sanches (2005), “A
psicanálise e a educação têm sido vistas, tradicionalmente, como duas áreas
com campos de situação distintos” (Sanches, 2005,p.159). No entanto,
considero que há uma contribuição recíproca que deve ser explorada e
explicitada, pois as proposições de Winnicott parecem abranger não somente
a psicanálise praticada nos consultórios particulares, mas também nas mais
diversas práticas institucionais, no atendimento de crianças, adolescentes,
adultos, idosos e famílias.
A proposta aqui é o desenvolvimento de um olhar psicanalítico para
observar, pensar, refletir e tentar compreender adolescentes, atitudes que
34
chamam a atenção e, possibilitar construir, outros modos de relacionamento,
estratégias diferentes para os educadores.
Para Sanches (cf.Sanches, 2005) a teoria de Winnicott favorece a
profilaxia de diversos distúrbios psicológicos, dado que ela tem demonstrado
que quanto mais precoce a resposta do ambiente a dificuldades, maiores as
possibilidades de evitar que estas se solidifiquem em estruturas sintomáticas
defensivas; isto torna a escola, a qual trabalha com crianças e adolescentes, o
contexto propício para o reconhecimento das necessidades e dificuldades,
abrindo espaço e caminho para o ajuste das respostas ambientais às
necessidades das crianças e adolescentes.
Creio que este estudo possa abrir caminhos para modificar o que já é
estudado, conhecido, possibilitando uma atuação mais profilática dos
educadores, pois como já foi dito anteriormente, muito se estuda sobre a
adolescência, mas os problemas continuam.
4. METODOLOGIA
No que se refere a uma metodologia para este tipo de estudo, trata-se aqui
de explicar que tipo de caminho ou método irei me utilizar para chegar ao
objetivo proposto.
35
Primeiramente, a compreensão winnicottiana da adolescência faz parte do
caminho inicial desta pesquisa, ou seja, a apresentação de parte de sua obra,
tendo como fio condutor a preocupação em explicar esta especificidade
temática.
Em seguida, trata-se de ler a obra explicitando os aspectos da Teoria do
Amadurecimento Pessoal que serve para compreender a adolescência.
Ultrapassadas essas etapas, cada citação de Winnicott sobre adolescência,
será lida e analisada tanto nela mesma quanto em relação ao contexto geral da
obra (nesta perspectiva de interpretação).
Trata-se de uma pesquisa teórica que parte do estudo da obra deste autor
no que se refere à abrangência da sua compreensão do que ocorre na fase da
adolescência, relacionando-a com sua teoria do amadurecimento pessoal,
teoria esta relacionada, por sua vez, com a questão da tendência inata à
integração e a necessidade de ser.
Dias esclarece uma questão relativa à pesquisa objetiva em psicanálise:
Como o rigor de uma ciência consiste exatamente em que sua
metodologia e procedimentos se adaptem ao seu objeto de estudo, é
de esperar que uma ciência dedicada ao estudo da natureza
humana seja regida por um outro critério de objetividade e rigor. A
objetividade, nas questões humanas, não pode, de modo algum,
seguir o padrão de pesquisa das ciências físicas ou naturais; não se
pode pensar o ser humano a partir das categorias formuladas para o
estudo dos entes naturais e mensuráveis. O material de pesquisa de
uma ciência da natureza humana “é essencialmente o ser humano
36
sendo, sentindo, relacionando-se e contemplando (1965vb,
p.137,Dias, 2003,p.39)
A objetividade, na compreensão da adolescência, aqui procurada nesta
pesquisa, é, em primeiro lugar, uma objetividade no estudo teórico, mas ela
aponta também para a questão da objetividade na apreensão dos fatos
observados. Para Winnicott a objetividade na apreensão dos fatos não é
conseguida por meio de testes e questionários, mas sim pela intimidade,
confiabilidade e comunicação que um contato verdadeiro e confiável,
construído no tempo, permite alcançar.
Nesta perspectiva, a aplicação de questionários e tabulação de seus
resultados em nada contribuiria para meus objetivos, dado que estes me
forneceriam apenas suas respostas “conscientes” e reativas às minhas
perguntas, e não o material que surge espontaneamente de suas ações entre
si e no meu relacionamento com eles.
37
5.OBJETIVO E DESENVOLVIMENTO
Pretendo, através deste estudo, contribuir para o conhecimento dos
profissionais da educação (professores, coordenadores pedagógicos,
orientadores pedagógicos) e todos que lidam com adolescentes, oferecer uma
perspectiva atual sobre o que ocorre neste período da vida e como lidar com
estes jovens, bem como, contribuir para obter uma explicação sobre como eles
estão se identificando, relacionando-se e, deste modo, oferecer instrumentos
teóricos para todos que cuidam de jovens, nas mais diversas perspectivas de
ação, uma vez que todas dependem da referência, explícita ou não
(consciente ou inconsciente) de uma teoria do desenvolvimento do ser humano
em termos dos seus afetos.
Para atingir este objetivo proponho, no capítulo 1, apresentar, em linhas
gerais, a Teoria Winnicottiana do Amadurecimento Pessoal, dentro de um
desenvolvimento saudável, deixando de lado o desenvolvimento patológico,
pois tenho consciência de que muitos dos adolescentes, com os quais tenho
convivência, nem sempre estão em estado saudável, mas é com o referencial
da saúde que creio que há na obra de Winnicott, que acredito, posso ter
condições de saber o que é patológico. Tomarei, pois, a saúde como
38
parâmetro para a compreensão da adolescência. Neste período, ocorre uma
retomada dos estágios iniciais de integração, acrescidos agora de força (física
e sexual) e astúcia. Neste capítulo pretendo chamar a atenção para a
caracterização geral das fases e tarefas de cada fase do processo de
amadurecimento, tendo sempre em mente o que destas fases são importantes
para a compreensão da adolescência.
No capítulo 2, serão apresentados comentários sobre os diversos
momentos em que Winnicott fala diretamente sobre a adolescência,
caracterizando suas posições, principalmente quando afirma que o jovem é
“um vir a ser”, está em busca de si mesmo e que não aceita falsas soluções,
pois quer descobrir as suas verdades, bem como retratar a escola como
ambiente.
Ao final, na conclusão, após retomar os principais resultados obtidos
com este estudo, será possível indicar um possível desenvolvimento de
minhas pesquisa que, com um instrumental teórico mais preciso, possa ser útil
para os próprios adolescentes como forma de compreensão de suas dúvidas,
conflitos e para pais, professores na busca de esclarecimentos sobre este
período de desenvolvimento humano, sendo que outros estudos podem
apontar mais aprofundamento na relação professor-aluno, a oscilação do
comportamento adolescente,comunicação e não-comunicação presentes no
cenário atual através do meio tecnológico, mídia virtual.
39
II. CAPÍTULO 1. ASPECTOS GERAIS DA TEORIA DO AMADURECIMENTO
PESSOAL DE DONALD W. WINNICOTT
1. A linha geral do amadurecimento e suas fases
Ao expor a obra de Winnicott, apresentando sua Teoria do
Amadurecimento Pessoal, Dias afirma que para Winnicott, o processo de
amadurecimento pessoal depende, fundamentalmente, de dois fatores: a
tendência inata ao amadurecimento e a existência contínua de um ambiente
facilitador*.
Fulgencio diz que Winnicott fez um estudo objetivo da natureza humana,
sem recorrer a teorizações do tipo metapsicológicas:
Winnicott caracteriza a psicanálise como uma psicologia dinâmica,
ou seja, uma psicologia que se ocupa do desenvolvimento
emocional do indivíduo. Trata-se de uma psicologia que se ocupa
dos sentimentos, da vida afetiva das pessoas, suas emoções e
instintos, pensados na consideração de que grande parte da vida
psíquica é fruto de processos inconscientes, processos que são,
para ele, sempre referidos a relações interhumanas, desde o seu
início mais remoto (Fulgencio,2006,p.1).
__________________________________________________
* Neste capítulo, tomo como fio condutor e referência central o livro de Dias (2003).
40
Elsa Dias, estudiosa da obra winnicottiana, afirma que para Winnicott “a
existência humana consiste numa tendência inata à integração, numa unidade
ao longo de um processo de amadurecimento, ou seja, uma tendência à
integração num todo unitário” (Dias,2003,p.94).
Em termos gerais, Winnicott (cf. Winnicott,1990) considera que há três
tipos de casos, sobre o modo de funcionamento em termos de relações: 1)
aqueles que funcionam em termos de pessoa inteira, cujas dificuldades
localizam-se no reino dos relacionamentos interpessoais; 2) aqueles que são
recém-chegados a essa condição, cujas personalidades recém começaram a
integrar-se e a tornarem-se algo com o que é possível contar; 3) aqueles que
estão num modo de ser emocional.
Respectivamente, pode-se dizer que o primeiro caso se refere aos
indivíduos neuróticos, ou seja, pessoas inteiras relacionando-se com pessoas
inteiras; o segundo grupo citado, aos casos bordelines e, o terceiro grupo, aos
indivíduos psicóticos, que não se constituíram em um eu coeso, unitário, capaz
de estabelecer relações inteiras consigo mesmos e com os outros.
Mello Filho, em sua obra “O ser e o viver” enfatiza que Winnicott sempre
acreditou na recuperabilidade do homem, ao afirmar, principalmente em
programas de rádio, que :
A delinqüência ou outras atitudes anti-sociais são um sinal de
esperança de alguém que está buscando consertar situações
41
originais distorcidas, cindidas e encontrar o acolhimento que tem
direito como ser humano. É por esta razão que este autor se
interessou em realizar palestras, falar em rádios para professores,
assistentes sociais, enfermeiras, médicos, mães, cuidadores em
geral (babás, tutores), pois ele sabia e acreditava na ação
terapêutica destas pessoas em relação àqueles que dependiam de
seus cuidados (Mello Filho,2001,p.32).
Segundo a teoria do amadurecimento pessoal, o homem é o produto de
uma integração constante e permanente com o meio, resultado do encontro
dos processos de maturação com um ambiente facilitador, que possibilite que
estas potencialidades emerjam. Em relação à saúde, para Winnciott, significa
continuidade de ser”. “Ser”, aqui, tem um sentido muito específico, significa
ser a partir de si mesmo e não como uma reação” (Fulgencio,2006,p.3).
Winnicott colocava suas esperanças nas famílias estáveis, sadias, pois
constituíam e ainda constituem a única base para a estabilidade de uma
sociedade. Considerava-as como um território sagrado.A saúde de um país,
para ele, dependia das unidades familiares sadias, ou seja, pais
emocionalmente maduros e responsáveis (Winnicott,1954b,p.203). Os pais
sabem que os filhos pequenos precisam de um ambiente estável e acolhedor.
Sob a luz dessa teoria, “Winnicott define saúde como “continuidade de ser”, ou
seja, o ser humano possui uma tendência inata (biológica) à integração ou
amadurecimento e essa tendência só acontecerá se o ambiente for
satisfatório, acolhedor e sustentador” (Dias,2003,p.96). Esse ambiente é a mãe
42
que, inicialmente, deve possuir uma identificação com seu bebê e atendê-lo
nas suas necessidades. Para Dias, mesmo que as estruturas biológicas e
cerebrais estejam intactas, o ter nascido, simplesmente, não garante que
sejam alcançados o sentimento de estar vivo, de sentir-se real e de poder
fazer experiências sentidas como reais (Dias,2003,p.97).
Para Winnicott (cf. Dias, 2003, p.97), o processo de amadurecimento
tem início em algum momento após a concepção e continua ao longo da vida
do indivíduo até a sua morte natural. Este processo inclui estágios ou etapas
que, de acordo com Elsa Dias (2003, p.97), em sua obra “A teoria do
amadurecimento pessoal de D.W.Winnicott”” podem ser classificados como:
Estágios de dependência absoluta:
1.1- Solidão essencial, experiência do nascimento e da primeira mamada
teórica (de 0 a quatro meses, estágios nos quais se constituem as bases da
existência, os alicerces da personalidade e da saúde psíquica);
Dos estágios de dependência relativa (de quatro meses a 1ano e meio),
participam:
1.2 - Estágio de desilusão e inicio dos processos mentais; (separação do
estado de unidade mãe-bebê)
1.3- Estágio da transicionalidade; (forma intermediária de realidade, entre
o subjetivo e o que é objetivamente percebido)
1.4- Estágio do EU SOU (constituição de um eu como identidade,
separado do não-eu, que reconhece o mundo externo e interno)
43
Após estes estágios, o bebê caminha para a independência relativa que
compreende os demais estágios :
1.5 Estágio de concernimento (de um ano e meio a dois anos e meio e se
refere à capacidade de se preocupar);
1.6 Estado edípico; (dos três anos aos seis anos, envolvendo a relação
triangular pai-mãe-filho, que sucederá todas as demais relações ao longo da
vida);
1.7- Estado de Latência (de sete a oito anos);
1.8- Adolescência (de doze anos a dezoito anos);
1.9- Fase Adulta,
2.0-Velhice e morte.
Globalmente, o amadurecimento pode ser comparado a uma jornada,
partindo da dependência absoluta, passando por um período de dependência
relativa, até chegar à independência relativa. Para tanto, neste trabalho, irei
aplicar-me em apresentar os estágios iniciais de desenvolvimento da teoria
para atingir o estudo da adolescência, pois tais estágios são revividos na
adolescência acrescidos de potência física e sexual. Não apresentarei a fase
adulta e velhice.Tais estágios citados, principalmente os primitivos, “podem,
portanto, ser ditos fundamentais, no sentido literal de que é nesse período que
estão sendo constituídas as bases fundamentais da existência, ou seja, os
alicerces da personalidade e da saúde psíquica” (Dias,2003,p.99).
44
Quando Winnicott fala em saúde psíquica, refere-se “ao fato de uma
criança ter resolvido as tarefas iniciais de maneira satisfatória e ter conseguido
alcançar o estatuto unitário, que é a condição básica para que a independência
relativa comece a se estabelecer” (Dias, 2003,p.99). Esta conquista de um eu
unitário atinge-se no estágio “EU SOU” a ser descrito mais adiante, neste
capítulo. Podem, entretanto, acontecer fracassos em alguns estágios e, nestes
casos, distúrbios emocionais costumam instalar-se, pois “a natureza do
distúrbio está relacionada com o seu ponto de origem na linha do
amadurecimento, isto é, com a natureza da tarefa com a qual o bebê ou a
criança estava envolvida, por ocasião do fracasso ambiental”
(Dias,2003,p.103). Percebe-se que, se o bebê não resolve a tarefa pertencente
ao estágio em que se encontra, pode ocorrer uma interrupção do processo de
amadurecimento pessoal.
Se o ambiente não for satisfatório, rompe-se a linha da vida e as
tendências herdadas não podem levar a criança à plenitude pessoal.Toda
criança possui uma linha de vida que começa no nascimento, sendo missão de
seus cuidadores zelar para que esta linha não se rompa
(Winnicott,1952{1951}p.249). Linha de vida, aqui se refere à continuidade de
ser e, tudo que divide a existência humana da criança em fragmentos é
prejudicial para seu desenvolvimento integrado.
Não precisa ser nenhum especialista para perceber que lares alcoólicos,
violência doméstica, abusos, separações ininterruptas, pais com variações de
45
humor etc, são exemplos de situações factuais que promovem este
rompimento da continuidade de ser. Nestes casos, deve-se esperar a “perda
de fé em”, ou seja, perda da confiança no ambiente, perda do sentido de estar
protegido, seguro e da necessidade de ser atendido, ou seja, “uma sensação
de despedaçamento, de estar caindo num poço sem fundo”
(Winnicott,1965vf{1960},p.27).
Ambiente satisfatório corresponde à “mãe suficientemente boa”, uma mãe
capaz de reconhecer e atender às necessidades do seu bebê, através de uma
intensa identificação com ele, permitindo-lhe saber qual é a necessidade que
está sendo solicitada. Elsa afirma em relação a esta mãe: “Ela é
suficientemente boa porque atende ao bebê, na medida exata das
necessidades deste, e não de suas próprias necessidades” (Dias,2003,p.133).
Cada indivíduo tem uma tendência para se integrar e amadurecer, mas
isto dependerá profundamente das provisões ambientais. Amadurecer significa
unificar-se e constituir um eu, e chegar a uma autonomia relativa, adaptar-se
ao mundo, sem perder a espontaneidade natural. Isto é a conquista básica
para a saúde. Falhas neste processo podem ocasionar perturbações
psíquicas, conseqüências negativas no comportamento, sendo a mais grave a
esquizofrenia. As falhas grosseiras e constantes da mãe podem despertar no
bebê intensos sofrimentos, desconfortos semelhantes às vivências de
desintegração, despedaçamento, as quais Winnicott denominou “angústias de
aniquilamento”, ou seja, sensações de estar caindo em abismos sem fim,
46
desconexão com as partes do corpo, ameaça de caos. Em seu artigo “Teoria
do relacionamento paterno-infantil”, Winnicott se refere ao aniquilamento da
seguinte maneira:
A alternativa a ser é reagir, e reagir interrompe o ser e o aniquila.
Ser e aniquilamento são as duas alternativas. O ambiente tem por
isso como principal função a redução ao mínimo de irritações a que
o lactente deva reagir com o conseqüente aniquilamento do ser
pessoal (Winnicott,1960c,p.47).
Também Phillips deixa bem claro o papel do ambiente na visão winnicottiana
ao dizer:
O trabalho de Winnicott com pacientes adultos psicóticos, assim
como seu trabalho com crianças evacuadas, havia reforçado sua
percepção de que era a provisão ambiental e não exclusivamente a
constituição humana, como construída pela Psicanálise, o que
gerava a psicopatologia (Philips, 2006, p.130).
Tais ansiedades são comuns em estados psicóticos ou pacientes
borderlines.
Dias afirma em relação ao aspecto biológico e hereditário: “Mesmo que
os tecidos cerebrais estejam intactos, perfeitos, o simples fato de ter nascido
não garante que o sentimento de estar vivo e realizar experiências de sentir-se
real seja alcançado” (Dias,2003,p.118). Percebe-se que não basta apenas o
47
tempo passar para que este processo ocorra, mas oferecer condições para
que este potencial herdado encontre condições adequadas para que suas
necessidades sejam atendidas. Pela teoria do amadurecimento pessoal, todo
ser humano (bebê, criança, adulto) possui como necessidade básica: ser.
Fulgencio comenta esta necessidade básica do ser humano:
A necessidade básica do existir humano e, portanto do bebê, da
criança como do adulto, é a de ser. Tudo aquilo que quebra a
continuidade de ser, num momento em que essa quebra não pode
ainda ser suportada, é vivido como trauma e atrapalha ou paralisa o
processo de amadurecimento. Caberá ao ambiente reconhecer as
necessidades específicas da criança, dando-lhe as condições para
que ela seja e continue sendo (Fulgencio,2006,p.4).
Para que um ser seja e continue sendo, é preciso distinguir
amadurecimento pessoal de crescimento corpóreo, pois o primeiro, de acordo
com Dias (2003,p.103), está relacionado às experiências do viver as quais,
facilitadas pelo ambiente, permitem a constituição de um eu unitário, enquanto
que o segundo depende de fatores genéticos, mas também pode ser afetado
por um ambiente não satisfatório para atender às suas necessidades. Desse
modo, nota-se que para o autor “a natureza humana não é uma questão de
mente e corpo, mas de psique e soma inter-relacionados” (Dias,2003,p.104).
Em sua obra, Dias afirma que:
48
O soma é o corpo vivo que vai sendo personalizado à medida que é
elaborado imaginativamente pela psique. É um aspecto do estar vivo
do indivíduo, da sua vitalidade, respiração, motilidade, temperatura
enquanto que a psique abrange tudo o que, no indivíduo não é
soma, incluída aí a mente. A psique começa com uma elaboração
imaginativa das partes, sentimentos e funções somáticas, isto é, do
estar vivo fisicamente (Dias,2003,p.105).
Ao longo de seus estudos, Winnicott afirma que após o nascimento “a
principal tendência do processo de amadurecimento é a integração no tempo e
no espaço, seguida pelo alojamento da psique no corpo e, por último, início do
contato com a realidade” (Dias,2003,p.166).
Esclarecendo, um soma (corpo) que é cuidado e acolhido pela mãe,
transforma-se em um corpo, que reconhece a presença do outro. As
experiências sensoriais do bebê vão criando uma organização, constituindo a
imagem de um corpo psíquico, estruturado pela função imaginativa. Esta
dinâmica possibilita a ancoragem no corpo. Tais experiências sensoriais
organizam-se em integrações e são registradas como memória corporal,
contribuindo assim para a capacidade de sentir-se vivo e real, expandindo a
vida psíquica. Esta memória corporal torna-se o lugar em que o viver se
expressará em relações criativas consigo e com o ambiente. Deste modo, o
corpo (cf.Ferreira,2007.p.76) é o lugar no qual a vida se revela para si mesma.
Gilberto Safra (cf.Ferreira,2007), em Espaço Potencial evidencia a
fundamentação do ser humano para além da palavra:
49
O outro ponto diz respeito à observação, fundamentada em
Winnicott, de que havia pouca formulação do lugar da corporeidade
na clínica psicanalítica, que, por ter se constituído como clínica da
palavra, imobilizou o corpo, perdeu a oportunidade de investigar
como o ser humano acontece corporalmente (Safra, 2007,p.56).
Assim, o bebê possui uma necessidade básica que é mais profunda que
as necessidades instintuais: a necessidade de ser, isto é, uma crescente força
instintiva, um estado de expectativas que o impulsiona a encontrar algo em
algum lugar, mas sem saber o quê. Se as primeiras mamadas são mal
conduzidas, pode ocorrer uma longa série de problemas, pois a mãe não está
integrada ao seu bebê e apresenta o mundo a ele de uma maneira muito
contraditória, sem espaço para que ele realize experiências imaginárias, e sem
esta sustentação e acolhimento, o bebê não consegue atingir uma identidade
unitária.
Fungencio diz em relação a esta interação mãe-bebê:
O bebê não possui maturidade para compreender o que precisa. Ele
sente, experiencia suas necessidades que o levam a procurar algo
em algum lugar, sem saber o que está procurando. Quando a mãe
entende o que o bebê está solicitando e coloca, por exemplo, o seio
ao seu encontro, o bebê pode entender que era justamente o que
estava precisando. Acaba dando sentido às suas vivências corporais
e aos cuidados ambientais (Fulgencio,2006,p.11).
Tais vivências, ocorrendo com uma certa repetição no tempo e no
espaço, geram no bebê, um antes e um depois, um aqui e ali subjetivos,
50
tornando as integrações mais estáveis (Fulgencio,2006,p.11). O bebê precisa
sentir que o ambiente é confiável, previsível, tornar este ambiente conhecido,
saber o que vai acontecer para que sua necessidade seja atendida, fé de que
é possível ser, pois este ambiente não o desaponta.
Isto se dá pela resolução das três tarefas básicas citadas que o bebê se
envolve: integração no tempo e no espaço, alojamento gradual da psique no
corpo e início das relações objetais, isto é, o contato com a realidade.
Estas três tarefas são as mais básicas e fundamentais do
amadurecimento, pois Dias, ao interpretar Winnicott em relação a estas três
tarefas, concluiu:
Com efeito, não há sentido de realidade possível - nem do corpo -
nem do mundo, nem do si mesmo - fora de um espaço e de um
tempo; não há indivíduo se não houver uma memória de si, aquilo
que mantém a identidade em meio às transformações; não há
encontro de objetos se não houver um mundo onde os objetos
possam ser encontrados e se não houver um si-mesmo que possa
encontrá-los. Todo o processo integrativo tem sua base na
temporalização e espacialização do bebê, que começam a realizar-
se no início da vida (Dias,2003,p.197).
Como no início da vida o bebê habita um mundo subjetivo, Dias esclarece
que “iniciá-lo no sentido de tempo e do espaço, significa cuidar de que o tempo
e o espaço que regem esse mundo sejam também subjetivos”
(Dias,2003,p.197). Desse modo, nota-se que a presença repetida da mãe é
51
fundamental para que o bebê sinta a continuidade de cuidados e assim crie
uma memória dessa presença.
Sendo estas tarefas realizadas, há outra em seguida: o si mesmo que se
constitui pela repetição contínua de pequenas experiências de integração,
caminhando o bebê na direção de integrar-se em uma unidade.
Phillips comenta em relação aos estágios primitivos:
Os estágios mais precoces do desenvolvimento são vistos como um
processo de desabrochar (a analogia, novamente, com a vida das
plantas) e auto-apropriação da desordem das sensações e da
motilidade que se manteriam unidas pelo ambiente que as conduz
próprio do cuidado materno (Phillips,2006, p.177).
Desse modo, apresentei em linhas gerais, uma breve exposição da teoria
do amadurecimento de Winnicott, com suas características gerais. A partir
deste ponto, farei uma exposição breve dos estágios primitivos, os quais
constituem a base de sustentação e formação de um eu unitário, até os
estágios rumo à independência relativa, para que seja possível um
entendimento para compreensão da adolescência para Winnicott, a ser
explicitada no capítulo 2, pois tais estágios retornam na adolescência,
acrescidos de potência física e sexual.
Como já foi citado anteriormente, Winnicott afirma que “a única data
segura é a da concepção” (Winnicott,1990,p.47). Após a concepção, ocorre um
“primeiro despertar”, a partir do qual pode haver “um simples estado de ser, e
52
uma consciência (awareness) incipiente de continuidade do ser e da
continuidade do existir no tempo” (Winnicott,1990,p.157). Winnicott denominou
este espaço de solidão essencial, fazendo uma analogia com uma bolha:
Se tomarmos como analogia uma bolha, podemos dizer que quando
a pressão externa está adaptada à pressão interna, a bolha pode
seguir existindo. Se estivéssemos falando de um bebê humano,
diríamos “sendo”. Se, por outro lado, a pressão no exterior da bolha
for maior ou menor que aquela em seu interior, a bolha passará a
reagir à intrusão (Winnicott,1990,p.148).
E quando se reage, não corresponde a um gesto espontâneo de ser. Isto
significa uma interrupção na continuidade de ser. Se a intrusão se encerra, a
reação também desaparece, podendo haver um restabelecimento da
continuidade de ser. Na vida intra-uterina, o bebê está mais protegido de
movimentos invasivos. O feto pode sentir, contudo, mudanças no ritmo
cardíaco da mãe, alimentação desregrada ou tóxica, movimentos bruscos,
inadaptação da mãe, estados depressivos e estas invasões obrigam o bebê a
reagir, buscando um estado de alerta, vigilância a uma invasão ou ameaça.
Este é um aspecto um tanto confuso na obra de Winnicott que provavelmente
não ficará claro neste trabalho. No entanto, para esclarecer mais, pode-se
comparar a reação a um aspecto do falso-self, algo que o indivíduo cria para
proteger seu núcleo verdadeiro de existência (verdadeiro self). Falso self será
um tema mais explorado adiante nesta dissertação.
53
Deste modo, a reação quebra a continuidade de ser, pois não tem relação
com o processo vital do sujeito. Pela Teoria do Amadurecimento, quando estão
reagindo, um bebê, uma criança, um adolescente ou adulto, não estão sendo
eles mesmos, pois há quebra da espontaneidade, do movimento de busca de
algo que interessa ao ser humano. Quando há um adaptação total ao
ambiente, às circunstâncias, o indivíduo realiza atividades sem colocar nada
que seja próprio seu, da sua estrutura de personalidade, do seu jeito de ser,
ele está apenas reagindo e não sendo ele mesmo, como agente ativo na
construção de sua história.
Após o nascimento do bebê, Winnicott elaborou um termo denominado
“preocupação materna primária” a um estado de simbiose da mãe para com o
bebê antes e após o nascimento. Um estado de sensibilidade aflorada, uma
identificação primitiva com o bebê, sendo um processo natural. A esta mãe
preocupada, Winnicott chamou de “mãe devotada comum” e o processo de
integração, desenvolvimento do ser do bebê, depende dessa preocupação
materna.
Seguindo este processo, ao longo de sua obra, há um momento que
Winnicott usa a expressão “primeira mamada teórica”, referindo-se, diz Dias: “à
seqüência das primeiras experiências de amamentação, compreendendo os
três ou quatro meses de vida do bebê. O mais importante nesta fase é a
qualidade do contato humano, as experiências que são providas ao bebê por
meio da amamentação. A mãe apresenta o mundo ao bebê em pequenas
54
doses, não gerando caos” (Dias,2003,p.165). Ao exprimir seu amor em termos
de assistência física, ela prepara a psique infantil a começar a viver no corpo
da criança.
Cada bebê tem sua maneira de fazer a sua aproximação com o seio, e a
mãe deve estar disponível e relaxada para compreender o jeito do seu bebê.
Se a mãe demonstra ansiedade, não será capaz de permitir que seu bebê
explore o seio, não estabelecendo uma sincronia entre ambos. Winnicott, em
relação a este momento, ressalta o valor da comunicação mãe-bebê neste
trecho:
Quando mãe e bebê chegam a um acordo na situação de
alimentação, estão lançadas as bases de um relacionamento
humano. É a partir daí que se estabelece o padrão de capacidade da
criança de relacionar-se com os objetos e com o mundo
(Winnicott,1968f,p.55).
Neste estágio, o bebê se envolve com as três tarefas básicas já citadas
anteriormente: integração, personalização e adaptação à realidade. A
integração compreende a realização de experiências no tempo e espaço, isto
é, temporalização e espacialização. Fulgencio esclarece que o bebê dá sentido
às suas vivências corporais e aos cuidados ambientais.
É importante notar que não se trata, para o bebê de representar
suas experiências, mas sim de dar sentido e importância a elas.
Além disso, essas vivências e essa dação de sentido ocorrem
55
repetindo-se no tempo e no espaço, o que gera, no bebê, um antes
e um depois pessoal, um aqui e ali pessoal, ou seja, um tempo e um
espaço que dizem respeito àquele bebê, um tempo e um espaço,
por assim dizer, subjetivos (Fulgencio,2006,p.11).
Assim, o bebê não sabe da existência da mãe, mas sente os efeitos da
sua presença, da freqüência dos cuidados, criando, desta forma, uma
memória.
A mãe propicia ao bebê um início de período de tempo, pela repetição da
experiência e o bebê começa a ser capaz de prever o que virá. Esta previsão
se dá através dos ruídos, cheiro, luminosidade, tom de voz da mãe. Pode-se
dizer que ele está sendo temporalizado, adquirindo um sentido de futuro, e isto
indica a sua capacidade de esperar. Exatamente neste ponto que os
psicóticos, por não terem sido temporalizados na subjetividade, sofrem do
imediatismo, sendo a espera, para eles, inconcebível.
A personalização indica o alojamento da psique no corpo. O corpo do be
é a sua primeira morada (cf.Dias,2003,p.166) e é fundamental que este corpo
não fique solto no espaço, mas sinta que está sendo envolvido, segurado
pelos braços da mãe. Se ele for deixado por muito tempo sem ser sustentado,
perde o contato com seu próprio corpo e isto indica estados de
despersonalização, ou seja, não pertencer ao próprio corpo.O bebê deve
possuir uma rotina, um sentido de segurança, caso contrário, pode ocorrer
dispersão, confusão. Em relação a isso, Dias afirma: “Residindo no corpo, o
bebê começa a ocupar espaço, a dar concretude à presença, a ter distâncias e
56
proximidades e a aceder ao caráter transitório daquilo que envelhece e morre”
(Dias,2003,p.167).
Assim, um bebê que não é sustentado, segurado pela mãe, sente-se
espalhado. Este segurar corresponde ao segurar físico (holding), pois nele
estão incluídas as experiências sensoriais necessárias: temperatura e ritmo
cardíaco, que faz o bebê sentir tanto o corpo da mãe como o seu;
luminosidade dos ambientes; ser acariciado, cheirado. Segurar bem o bebê é
uma forma de amá-lo e a única pela qual a mãe pode demonstrar o seu amor.
Jurandir Freire Costa diz:
Além de ser uma totalidade expressiva, este processo possui uma
característica fundamental para o desenvolvimento do indivíduo. Sua
integração não é um fato inato, mas o resultado desse processo de
personalização ou localização do eu no corpo. As falhas no processo
– “dissociações”, na terminologia winnicottiana -, dão lugar à
imobilidade do “sonho e da realidade psíquica” que traduz na
imobilidade da ação e da vida e na ruptura da continuidade de
existência (Costa, 2005,p.107).
Para que estas tarefas sejam realizadas com sucesso, é imprescindível
que o bebê desenvolva a confiabilidade no ambiente, sentir que sua
necessidade será atendida, “ter fé em”, tornando as integrações mais estáveis,
pois este ambienta não o desaponta.
Para tanto, estes objetos precisam ser confiáveis, isto é, reais. O bebê cria
o que encontra e para que este mundo subjetivo permaneça vivo, é preciso
que a mãe apresente amostras do mundo ao bebê, de uma forma
57
compreensiva e contínua. Este objeto é criado pelo bebê, sendo que ao
mesmo tempo que o cria, cria a si mesmo, como identidade. Para esclarecer
isso, Fulgencio afirma:
É por isso que Winnicott diz que o bebê vive, nesse momento, uma
“ilusão de onipotência”, ou seja, o que ele encontra é na verdade,
uma criação dele. Noutros termos, o bebê cria o seio que encontra.
Esse seio que ele encontra é o seio de que ele precisa, é o seio da
sua necessidade (se a mãe se adaptou adequadamente) e não
exatamente o seio objetivamente dado, pois além de ser real, é um
seio subjetivo (Fulgencio,2006,p.12).
Percebe-se que, na medida em que se encontra com o objeto subjetivo, o
bebê faz uma experiência de identificação primária com este objeto, isto é, ele
se torna o objeto. Este processo constitui uma experiência de ser que vai além
da continuidade do ser: trata-se aqui de ser como identidade.
Mello Filho comenta em relação à comunicação mãe-bebê:
Um fator essencial desta comunicação silenciosa entre mãe-bebê é
o olhar da mãe. Quando mama, o bebê passa a olhar a sua volta e,
provavelmente, encontra o olhar da mãe. Este olhar é como se fosse
um espelho em que ele encontra a si mesmo, não como uma
imagem, mas a visão da mãe sobre a satisfação de ter um bebê em
seus braços. A fisionomia da mãe reflete o que ela vê, sente, isto é,
a sua visão do bebê e este ser visto é um das formas mais primitivas
de existir (Mello Filho,2001,p.220)
.
58
Este fato pode ser mais esclarecido através da citação de Adam Phillips:
Não ser visto pela mãe, ao menos no momento do gesto
espontâneo, é não existir. Nos relatos de Winnicott, ser visto pela
mãe é ser reconhecido por alguém que é, bem como o que o bebê é
e o que ele sente. O bebê não pode arriscar-se a olhar se o olhar for
mal-sucedido, ele deve receber algo de si mesmo de volta daquilo
que ele olha (Phillips, 2006, p.185).
Assim, fica claro que há bebês que não recebem através do olhar materno
o que estão buscando. Olham e não vêem a si mesmos. Se o fracasso
ambiental é severo, sendo incompreensível para o bebê, este irá desenvolver
uma fantasia combativa de auto-suficiência, utilizando sua mente para
substituir o contato com a mãe.
Amatuzzi, ainda que não se refira a Winnicott, expressa muito bem esta
questão da confiança, fé, em conceitos fenomenológicos: “Temos fé, ainda nas
potencialidades dos outros (um recém-nascido que não recebe a fé de seus
pais, sua confiança, não poderá crescer bem)” (Amatuzzi, 1999, p.188). Nota-
se que, fé, na obra winnicottiana, em nada possui consonância com sentido
religioso, mas sim o sentido mais puro da fé: confiar, acreditar que as
necessidades serão atendidas, que os gestos de buscas serão compreendidos
e que a comunicação será de intensa identificação.
Pela teoria do amadurecimento pessoal, o primeiro ambiente do bebê é a
experiência de estar no colo da mãe (holding) e a forma com que esta o
abraça designa a maneira com que este bebê é sustentado na mente da mãe.
59
Portanto, o desenvolvimento, segundo a Teoria do Amadurecimento, tem
início como algo mágico, um processo ricamente imaginativo do bebê que
invoca para sua mãe o que ele necessita, sendo que esta fantasia é um
método para encontrar a realidade, e não substituí-la. A mãe, então, deve
proteger seu bebê de complicações, que ainda não podem ser elaboradas e
interpretadas por ele, ou seja, apresentar o mundo de forma simples não
exigindo nem o sujeitando a experiências que estejam além de sua
compreensão.
2. Estágio de desilusão e início dos processos mentais
Neste estágio, tem início “uma desadaptação gradual da mãe com relação
às necessidades do bebê. Se é saudável, a mãe emerge naturalmente do
estado de ”preocupação materna primária”, cansada já do estreitamento de
seu mundo e da extrema exigência que a dependência absoluta do bebê
requer” (Dias,2003,p.228). Pequenas falham começam a ocorrer e são
adaptadas, toleradas pelo bebê. Dias ainda diz que ”esta desadaptação é
essencial para o rompimento da unidade mãe-bebê, de modo a pôr em marcha
o longo e vagaroso processo de separação que levará o pequeno individuo à
60
integração em um eu unitário e separado, capaz de estabelecer relações com
o não-eu ou o mundo externo” (Dias,2003,p.228).
Sanches, em sua obra Winnicott na clínica na instituição, reforça estas
afirmações ao dizer
:
Se, por um lado, é ela quem sustenta o processo de ilusão inicial,
são seus fracassos, inevitáveis, que possibilitarão, gradativamente o
processo de desilusão sem o qual não há crescimento. Assim como
Bion e Aulagnier, Winnicott descreve uma mãe que tem funções: no
seu caso, as de acolher, delimitar, apresentar o bebê a si mesmo e
ao mundo, suportar e viver aos seus ataques, sustentar o processo
de ilusão e desilusão (Sanches,2005,p.16).
À medida que o bebê evolui deste estado de dependência absoluta para
um estado de dependência relativa, a mãe começa a abandonar sua
preocupação materna primária e apresenta algumas falhas, toleráveis para o
bebê.
Estas falhas são toleradas porque o bebê já possui uma memória corporal
e temporal, percebe os barulhos, cheiros que identificam que o que ele
necessita está por vir. Dias explica que o bebê começou a experimentar o que
chamou de desilusão:
O que o bebê deixa para trás, ao amadurecer, não é a ilusão básica,
que permanecerá se houver saúde, mas a ilusão de onipotência.
Com o tempo, surgirá na criança, a compreensão de que não é ela
61
que cria, efetivamente, o mundo; de que a existência do mundo é
anterior e independente dela. Ela saberá que o mundo sempre
esteve ali e continuará a estar após a sua morte (Dias, 2003,p,228).
Assim, a desilusão compreende o abandono da ilusão de onipotência, em
que o bebê compreenderá que não é ele que cria o mundo, mas que a
existência deste é anterior e independente dele. É durante este período que os
processos intelectuais começam a entrar em cena, auxiliando o bebê a lidar
com os espaços, lacunas entre a adaptação e desadaptação (cf. Dias,2003).
Winnicott, em seu artigo, “Vivendo de modo criativo”, diz:
A despeito da compreensão intelectual, o indivíduo retém a
capacidade para a ilusão, exercendo naturalmente a criatividade que
é, como já vimos a manutenção, através da vida, de algo que
pertence à experiência infantil: a capacidade de criar o mundo
(Winnicott,1986h,p.32).
É nesta fase que há um primeiro insight da dependência, pois o bebê
sente em sua mente que a mãe é necessária, mas esta separação entre
ambos deve ser gradual, pois para se libertar do colo da mãe, o lactente
precisa ir para um lugar que simbolize este colo, “mas não ir para o espaço;
ele tem de ir para uma área de maior controle;algo que simbolize o colo que
deixou” (Winnicott,1965p,p.110).
Este momento de sair e libertar-se permanecerá também ao longo da vida,
pois para o autor, “a vida é uma longa série de clausuras, e de correr novos
62
riscos e enfrentar novos e excitantes desafios. Mas, o caminho de retorno, tem
de estar sempre aberto, pois sair de um espaço, mas não ter para onde
retornar é extremamente ameaçador” (Winnicott,1965q,p.51).
Esta necessidade de retorno indica a confiabilidade no ambiente, uma
necessidade que permanece para sempre. O autor em relação a esses
retornos afirma: “Essas imaturidades indicam saúde, sendo os resíduos
daqueles estados sadios de dependência que caracterizam as fases iniciais do
crescimento” (Winnicott,1954b,p.2005).
Assim, a criança, o adolescente, o adulto, conservam muitas imaturidades,
isto é, retornos, caminhos de volta a não-integração. Para a teoria do
amadurecimento pessoal, isto é saúde, pois lhes foi dada o caminho inicial, o
ponto de partida de estados sadios de dependência iniciais de
desenvolvimento.
3. A fase da Transicionalidade
Uma das mais importantes descobertas de Winnicott, que lhe deu
notoriedade científica, foi a dos objetos e fenômenos transicionais (Mello
Filho,2001,p.71). Destacou objetos e fenômenos aos quais a criança se liga
para substituir a figura materna da qual precisa se individualizar. O que
63
interessava para Winnicott, não era o objeto em si, mas a utilização deste, os
modos de ser e relacionar-se (Mello Filho,2001,p.71).
De acordo com a obra winnicottiana, os fenômenos transicionais são
fundamentais para o amadurecimento humano e inauguram uma das etapas e
conquistas de um novo sentido de realidade, instalando-se futuramente uma
área específica de experiência. No entanto, o sucesso na execução das
tarefas desta fase, depende de um bom caminho nos estágios anteriores, pois
a experiência da transicionalidade tem suas raízes no mundo subjetivo do
bebê.
Winnicott classificou esta fase como uma “área intermediária“ de
experiência (entre o polegar e o ursinho de pelúcia, mamadeira e o pano de
fralda que não pode ser lavado, o travesseiro que leva em todo lugar) e é
considerada por ele como a terceira área do ser humano, que vem se agregar
ao interno e ao externo.
Em, O Brincar e a Realidade, Winnicott diz:
A terceira parte da vida de um ser humano, parte que não podemos
ignorar, constitui uma área intermediária de experimentação, para a
qual contribuem tanto a realidade interna quanto a vida externa.
Trata-se de uma área que não é disputada, porque nenhuma
reivindicação é feita em seu nome, exceto que ela exista como lugar
de repouso para o indivíduo, empenhado na perpétua tarefa humana
de manter as realidades interna e externa separadas, ainda que
inter-relacionadas (Winnicott,1953c,p.15).
64
É a jornada do bebê entre o subjetivo e a objetividade, o pensar e o
fantasiar, uma relação compartilhada com o mundo e os objetos percebidos.
Nota-se que, em toda sua obra, Winnicott (cf.Winnicott,1971q) também
mencionou espaço potencial, área intermediária, local de repouso, local de
experiência cultural, o lugar em que vivemos.
No desenvolvimento de um bebê, cedo ou tarde, surge nele a necessidade
de ir em direção a algo, uma tendência a buscar objetos diferentes dele. Em
relação a este movimento, Winnicott afirma: “Mais cedo ou mais tarde, no
desenvolvimento de um bebê, surge por parte dele uma tendência a entremear
objetos “diferentes de mim” no padrão pessoal” (Winnicott,1953c,p.16).
Como exemplo, pode ser levar a ponta de um cobertor à sua boca e este
tecido é segurado, mordido; movimentos bucais, acompanhados de sons que
representem algo para o bebê ou até mesmo uma melodia. Para Winnicott, há
uma idade específica para este processo acontecer: “Sugiro que o padrão dos
fenômenos transicionais começa a surgir por volta dos quatro e seis aos oito e
doze meses de idade. Intencionalmente, deixei campo para amplas variações”
(Winnicott,1953c,p.17).
Esta materialidade não precisa ser algo sólido que se segura, mas é algo
que representa a primeira possessão não-eu, o que diferencia fato e fantasia,
mundo subjetivo e realidade objetivamente percebida, criatividade primária e
percepção. O bebê percebe que há algo fora dele e que não é criação dele.
65
Para Winnicott, este lugar entre a subjetividade e objetividade pode ser
explicado da seguinte maneira:
Concretizo minha idéia sobre a brincadeira, reivindicando que o
brincar tem um lugar e um tempo. Não é dentro, em nenhum
emprego da palavra (e infelizmente é verdade que a palavra “dentro”
possui muitos e variados usos no estudo psicanalítico). Tampouco é
fora, o que equivale a dizer que não constitui parte do mundo
repudiado, do não-eu, aquilo que o indivíduo decidiu identificar (com
dificuldade e até mesmo sofrimento) como verdadeiramente externo,
fora do controle mágico. Para controlar o que está fora, há que fazer
coisas, não simplesmente pensar ou desejar, e fazer coisas toma
tempo. Brincar é fazer (Winnicott,1968i {1967},p.63).
Assim, através desta citação de Winnicott, percebe-se que este espaço
não é dentro, nem fora, é uma área que constitui o brincar, a origem da
criatividade e é o espaço em que vivemos, pois passamos grande parte de
nosso tempo não em comportamentos ou contemplações, mas em outro lugar
que se refere a estas experiências. Em seu artigo “Objetos transicionais e
fenômenos transicionais”, Winnicott delimita o que seria este espaço potencial:
A área intermediária a que me refiro é a área que é concedida ao
bebê,entre a criatividade primária e a percepção objetiva baseada no
teste da realidade. Os fenômenos transicionais representam os
primeiros estádios da ilusão, sem os quais não existe, para o ser
humano, significado na idéia de uma relação com um objeto que é
por outros percebido como externo a esse ser
(Winnicott,1953c,p.26).
66
Os objetos transicionais possuem relação com o simbolismo. Em O Brincar
e a Realidade, Winnicott afirma:
É verdade que a ponta do cobertor (ou o que quer que seja) é
simbólica de algum objeto parcial, tal como o seio. No entanto, o
importante não é tanto o seu valor simbólico, mas sua realidade. O
fato dele não ser o seio (ou a mãe), embora real, é tão importante
quanto o fato de representar o seio (ou a mãe).Quando o simbolismo
é empregado, o bebê já está claramente distinguindo entre fantasia
e fato, entre objetos internos e objetos externos, entre criatividade
primária e percepção (Winnicott,1953c,p.19).
Desse modo, a criança faz com o objeto transicional o mesmo que gostaria
de fazer com sua mãe, e é isso que dá vida ao objeto. Winnicott refere-se a
este movimento como o início da simbologia: o símbolo sem a presença do
seu referente, o valor deste símbolo vem da própria mãe. Em seu artigo “A
localização da experiência cultural”, Winnicott afirma: “Ao observarmos o uso
pela criança de um objeto transicional, a primeira possessão não-eu, estamos
assistindo tanto ao primeiro uso de um símbolo pela criança quanto à primeira
experiência da brincadeira” (Winnicott,1967b,p.134).
O objeto em si não é transicional, pois para o autor, “ele representa a
transição do bebê de um estado em que está fundido com a mãe para um
estado em que está em relação com ela como algo externo e separado”
(Winnicott,1953c,p.30).
67
Quando uma criança não passa por este processo ou perde o objeto
transicional, Winnicott diz: “O bebê que perde o objeto transicional perde ao
mesmo tempo a boca e o seio, a mão e a pele da mãe, a criatividade e a
percepção objetiva. O objeto é uma das pontes que tornam possível o contato
entre a psique individual e a realidade externa” (Winnicott,1965s{1955},p.219).
Este processo demonstra o quanto o estágio da desilusão é importante para
que a criança preencha este vazio com a simbologia.
Se uma criança é privada dos fenômenos transicionais, distúrbios podem
ocorrer e Winnicott comenta isso no seu artigo “A criança desapossada e como
pode ser compensada pela falta de vida familiar”:
Se privamos uma criança de objetos transicionais e perturbamos os
fenômenos transicionais estabelecidos, então a criança só tem uma
saída, que é uma cisão da personalidade, com uma metade
reagindo, com complacência, ao mundo objetivo com que entrou em
contato. Quando se forma essa cisão e as pontes entre o subjetivo e
o objetivo são destruídas, ou nunca chegaram a ser bem
construídas, a criança é incapaz de funcionar como ser humano total
(Winnicott,1965k {1950},p,213).
Em contraste com estas duas realidades, há uma membrana limitadora,
uma área de manobra que é variável entre os indivíduos, pois se tratam de
experiências pessoais individuais (bebê, criança. adolescente, adulto) no
ambiente em que vivem. Tem-se então o interior e o exterior de um indivíduo.
Winnicott se questionou:
68
De todo indivíduo que chegou ao estágio de ser uma unidade, com
uma membrana limitadora e um exterior e um interior, pode-se dizer
que existe uma realidade interna para esse indivíduo, um mundo
interno que pode ser rico ou pobre, estar em paz ou em guerra
(Winnicott,1953c, p.15).
Para Winnicott, este objeto transicional é descoberto e ao mesmo tempo
criado uma vez que: “Dada a oportunidade, o bebê começa a viver
criativamente e a utilizar objetos reais, para neles e com eles ser criativo”
(Winnicott,1967b,p.141).
Como o bebê está em um estado de fusão com a mãe, sente uma
necessidade de separá-la do seu eu (self), enquanto ela diminuiu suas
adaptações em relação a ele.Este processo para Winnicott indica que :
...essa adaptação concede-lhe certa medida de fidedignidade. A
experiência que o bebê tem dessa fidedignidade, durante certo
período de tempo, origina nele, e na criança que cresce, um
sentimento de confiança. A confiança do bebê na fidedignidade da
mãe e, portanto, na de outras pessoas e coisas, torna possível uma
separação do não-eu a partir do eu. Ao mesmo tempo, contudo,
pode-se dizer que a separação é evitada pelo preenchimento do
espaço potencial com o brincar criativo, com o uso de símbolos e
com tudo o que acaba por se somar a uma vida cultural
(Winnicott,1971q,p.151).
Existem, porém, casos de fracassos de confiança (cf.Winnicott,1971a)
que limitam a capacidade criativa, pobreza de brincadeiras e de vida cultural.
Não que não tenham encontrado lugar para expressão, mas pode acontecer
69
um relativo fracasso, falhas por parte daqueles que cuidaram e fizeram parte
do mundo da criança, não oferecendo bases, elementos suficientes nas fases
apropriadas para o desenvolvimento.
Winnicott deixa claro que, aqueles que cuidam da criança, devem ser
capazes de colocá-la em contato com elementos culturais, de acordo com sua
faixa etária, idade emocional (Winnicott,1971q,p.152). Trata-se de uma
exigência fundamental. Este espaço potencial, lugar da experiência cultural,
varia de indivíduo para indivíduo, e seu fundamento está na confiança que a
mãe inspira e representa para o bebê, confiança que deve ser experimentada
por um longo e contínuo tempo, no estágio da separação entre o não-eu e o
eu.
Em relação à indiferença materna, Winnicott acrescenta em “O Lugar
em que vivemos” :
Um bebê pode ser alimentado sem amor, mas um manejo
desamoroso, ou impessoal, fracassa em fazer do indivíduo uma
criança humana nova e autônoma. Onde há confiança e
fidedignidade há também um espaço potencial, espaço que pode
tornar-se uma área infinita de separação, e o bebê, a criança, o
adolescente e o adulto podem preenchê-la criativamente com o
brincar (Winnicott,1971q,p.150).
Assim, nota-se que característica especial desse espaço é depender,
para sua existência, de experiências do viver. Em O Brincar e a Realidade,
70
Winnicott novamente esclarece com grande ênfase a importância dos
fenômenos transicionais:
Em outros termos, é a brincadeira que é universal e que é própria da
saúde: o brincar facilita o crescimento e, portanto, a saúde; o brincar
conduz aos relacionamentos grupais; o brincar pode ser uma forma
de comunicação na psicoterapia; finalmente, a psicanálise foi
desenvolvida como forma altamente especializada do brincar, a
serviço da comunicação consigo mesmo e com os outros
(Winnicott,1968i {1967} p.63).
Estes símbolos de união mãe-bebê são adotados, descobertos pelo bebê.
Oferecida a oportunidade, o bebê começa a viver criativamente e a utilizar
objetos reais e experimentando com eles a criatividade. Se ele não receber
esta oportunidade, não existirá área em que possa brincar, produzir, não
existindo vínculos com a experiência cultural. O fracasso desta fidedignidade e
confiança,significa para a criança, perda da área da brincadeira e de um
símbolo significativo e pode ocorrer ausência de criatividade ou um uso
incerto.
Em caso de fracasso, pode ocorrer o perigo deste espaço potencial ser
preenchido com o que nele é introduzido, uma intrusão ambiental, mas nada
que venha do bebê
Para Phillips, estudioso da obra winnicottiana, “se a mãe impõe ao bebê
seu próprio desejo e conseqüentemente não lhe permite oportunidade para a
71
ilusão, o bebê tem a submissão como única opção viável de sobrevivência”
(Phillips,2006,p.172). E, como já citado anteriormente, reagir não é ser e uma
das maneiras de se reagir, é retrair-se, e é o verdadeiro self, que na maioria
das vezes se retrai. O bebê passa então a apresentar o falso self para se
relacionar, “utilizado pela criança para lidar com o fardo da ilusão imposta que
não é a sua própria” (Phillips,2006,p.172), pois o verdadeiro self fica tão
protegido, escondido, que fica impossibilitado de existir.
A capacidade para ser espontâneo só pode emergir a partir de uma
experiência inicial de confiabilidade e fidedignidade. Crianças com boas
experiências iniciais podem fazer uso do ambiente, ao invés de serem usadas
por ele. “Pais e mães dominadores, intrusivos, rígidos, impositores são ideais
negativos e sabotadores do desenvolvimento pessoal” (Phillips,2006,p.103),
pela perda da espontaneidade e confiança da criança no ambiente,
favorecendo a formação do falso-self.
Se a mãe iniciou bem o bebê na ilusão, então ele poderá utilizar este
espaço potencial entre a criatividade primária e a percepção objetiva.
Cabe salientar que, confiança na teoria winnicottiana, refere-se à
previsibilidade de ser cuidado, visto, compreendido através das necessidades
atendidas e oferecidas no momento propício. Isto é diferente de desejo que
significa fazer algo com objetos.
Se ela é incapaz de responder ao seu bebê através da identificação, ele se
submete para viver. Esta organização do falso-self resulta em um sentir-se
72
irreal. Mas, para Winnicott, há gradações de falso-self e elas se classificam
começando com o caso mais severo, terminando com o mais simples, de
acordo com Adam Phillips :
O falso self substitui e parece ser a pessoa real, enquanto o self
verdadeiro se encontra tão oculto que parece estar ausente; o falso
self protege o self verdadeiro, que é “reconhecido como um
potencial, tendo permissão para desenvolver uma vida secreta”; o
falso self tem uma “preocupação principal” que é encontrar e
sustentar condições de um ambiente “que permitirá que o self
verdadeiro se estabeleça”; o falso self, “construído sobre
identificações”, copia os outros para proteger o self verdadeiro de
falhas de reconhecimento; o falso self representa “ter modos”
socialmente falando, apresentado ordinariamente qualidades
adaptativas. É o saudável compromisso da civilidade social que é
visto como tal, como a capacidade de poder prescindir-lhe da ação
irrefletida, impulsiva. Este procedimento concomitantemente
sustenta e implicitamente valida a existência de um self pessoal
privativo, particular (Phillips, 2006, p.191).
Transpondo este conceito para a vida do indivíduo, pode-se exemplificar
os sujeitos extremamente adaptados, estáveis e seguros, profissionais bem-
sucedidos, mas desinteressados da vida subjetiva, refugiando-se em
conquistas materiais, títulos, status, contudo em situações que exijam deles a
espontaneidade, criatividade, certamente se perderão.
Sanches esclarece bem em Winnicott na Clínica e na Instituição: “Além
disso, os indivíduos estruturados em torno de um falso-self patológico, embora
73
possam ser bem sucedidos social e profissionalmente, são marcados por uma
vivência de vazio, de futilidade e de irrealidade” (Sanches,2005,p.22).O falso-
self toma a forma de uma máscara que se cola para proteger o rosto,
tornando-o, às vezes, irreconhecível.
Convém esclarecer também o que Winnicott mencionou como Verdadeiro-
Self. Phillips diz: “Todo mundo tem um self que, como uma planta, depende,
para seu reconhecimento, de um ambiente que o nutra” (Phillips,2006,p.182).
Em “O papel do espelho da mãe no desenvolvimento infantil”, Winnicott fala
sobre o verdadeiro self da seguinte forma: “Sentir-se real é mais do que existir,
é descobrir um modo de existir sendo um si mesmo, e de se relacionar com
objetos sendo quem se é, e de ter um self para dentro do qual se recolher para
relaxar” (Winnicott,1967c,p.138).
Assim, verdadeiro-self pode ser comparado a um estado que os seres
humanos têm de real, autêntico, uma essência conhecida. Este estado pode
ser descoberto por cada indivíduo e reúne os detalhes da experiência do estar
vivo, o nada de onde viemos, ou seja, o lugar em última instância em que o ser
humano pode ir. Também chamado de recuo ou solidão essencial.
Há pessoas que experienciam falhas tão graves, severas no ambiente
(cf,Phillips,2006) que sentem que nem começaram a existir. Sentem suas
vidas carregadas de um sentimento de inutilidade, futilidade, vazio existencial,
indiferença. Winnicott relaciona o verdadeiro self com o gesto espontâneo,
sentimento de existir e sentir-se real, ter uma vida que combina com si mesmo.
74
Para Adam Phillips, o verdadeiro self é único e não possui variações e
pode ser entendido da seguinte forma:
Primeiro, ele é “a posição teórica a partir da qual brotam o gesto
espontâneo e a idéia pessoal. O gesto espontâneo é o Self
Verdadeiro em ação”; O Self Verdadeiro é a fonte do que é autêntico
em uma pessoa. “Somente o Self Verdadeiro pode ser criativo”,
insiste Winnicott, e “somente o Self Verdadeiro pode sentir-se real”;
O Self Verdadeiro está ligado ao viver físico. Ele é “pouco mais do
que o resumo da vitalidade motor-sensorial”. De fato, “ele vem da
vitalidade dos tecidos corporais e do funcionamento das funções
corporais, incluindo a ação do coração e a respiração”; Uma vez que
ele é tudo aquilo que é original em uma pessoa que se origina de
“potencial herdado”, o Self Verdadeiro é “no início essencialmente
não reativo a estímulos externos, sendo, ao contrário, básico”; O Self
Verdadeiro é o corpo enquanto criativo (Phillips, 2006, p.191).
Nota-se, então, que o verdadeiro self é o potencial, o núcleo da
personalidade com o qual o ser humano vem ao mundo. No entanto, para que
o verdadeiro self possa existir, são necessárias experiências de continuidade
de existência, sendo estas, dependentes das possibilidades de transformar
este potencial em algo que é sentido e vivido pelo indivíduo.
Sendo assim, o self verdadeiro sobrevive a processos invasivos e
destrutivos, preservando seu núcleo. Aliás, a função do falso self é garantir
esta sobrevivência, podendo ficar empobrecido, pois irá depender das
possibilidades que o ambiente irá oferecer a ele. Desse modo, toda essa
movimentação de gestos, o criar, brincar, experimentar dependem do
75
ambiente satisfatório. O gesto espontâneo e o movimento em direção a
procura “de” indicam a presença do verdadeiro self nos fenômenos
transicionais.
Mello Filho comenta que, à medida que o bebê cresce, vai ampliando seu
repertório de objetos transicionais:
À proporção que o bebê cresce, os objetos transicionais vão sendo
substituídos por fenômenos mais abstratos como as canções de
ninar, sons que o bebê emite, ritmos corporais, abrindo espaço para
o simbolismo, distinguindo realidade e fantasia, realidade interna e
realidade externa (Mello Filho, 2001,p.72).
Estes fenômenos transicionais apontam características essenciais que
determinam uma relação, elo, ponte, ir e vir, continuidade. Fundamental
esclarecer que a descoberta em si do objeto transicional não foi esplêndida,
mas sim a descoberta do seu uso. Os objetos transicionais e, posteriormente o
brincar, indicam o início da capacidade do adulto de adentrar no campo da
cultura, da religião, da arte para separar os fatos da fantasia.
Mello Filho em O ser e o viver (2001) aponta que esses objetos possuem
uma importância toda especial, são tratados e segurados com carinho,
cuidado, posse, mas também podem ser alvos de brutalidade e destruição,
como se fosse um teste para a percepção de que são duradouros, sobrevivem
a si mesmos:
76
Convém ressaltar que não é o objeto que é transicional, mas
representa a transição do bebê deste estado de fusão com a mãe
para outro estado em que ele está em relação com ela e, para que
este processo ocorra, o bebê necessita criar um novo espaço, um
novo mundo. Esta área entre o bebê e a mãe, em que essas
experiências acontecem, Winnicott denominou de espaço potencial,
que cresce, alarga-se para, posteriormente, no futuro, conter a
riqueza da vida cultural, religião, atividades artísticas, hobbies, lazer
e ideologias (Mello Filho,2001,p.75).
Nota-se que este espaço passa a ser sem limites na existência humana,
onde o indivíduo exerce toda projeção e fantasia, explorando sua criatividade
E é no brincar que o sujeito pode ser criativo e encontrar seu self (si-mesmo).
Para esclarecer com exemplos, na nossa sociedade de consumo, os
objetos transicionais são fabricados em número cada vez maior. Julio de Mello
Filho apresenta o seguinte comentário:
Sobre a continuidade do uso de objetos com características
transicionais pela vida afora, poderíamos apontar vários exemplos,
como o hábito de ler livros na hora de dormir, numa forma de lidar
com angústias de separação que nessas horas estão sempre
presentes, no mais das vezes de forma consciente. Objetos dos
quais não conseguimos quase nunca nos separar, como certas
bolsas, carteiras, canetas ou peças de nosso vestuário que temos
muitas dificuldades em abandonar, também parecem ser herdeiros
dos nossos antigos objetos transicionais. Na área dos fenômenos
transicionais, parece haver uma ligação muito importante, já
apresentada por Winnicott, sobre o hábito de ouvir música e o
77
dançar com aquelas antigas cantigas ou ritmos em que éramos
ninados (Mello Filho, 2001,p.75).
Pessoas também adquirem para outras pessoas, características várias de
um relacionamento transicional, principalmente aquelas que possuem grau de
dependência em relação a uma outra pessoa, como se fossem parte do self do
outro, como por exemplo, babás, secretárias, pacientes.
Para Winnicott, o estabelecimento desta terceira área, é o próprio pulsar
da vida que contém desde os ritmos biológicos de cada um até os vários
ritmos que se originam dos relacionamentos entre dois seres humanos.
Fundamental citar um breve resumo que Winnicott elaborou em O Brincar e a
Realidade sobre esta relação com o objeto transicional:
O bebê pressupõe direitos sobre o objeto, e concordamos com sua
pressuposição. Todavia, um tanto de revogação dessa onipotência é
uma característica dessa relação desde seu princípio;O objeto é
afetivamente aconchegado, bem como excitadamente amado e
mutilado;Ele nunca deve mudar, exceto quando mudado pelo bebê;
Ele deve sobreviver ao amor pulsional e também ao ódio e, caso
seja também uma característica da relação,à agressão pura; Ao
mesmo tempo ele deve parecer ao bebê dar calor, ou se mover, ou
ter textura, ou ter algo que lhe transmita vitalidade ou realidade
própria;Ele vem de fora conforme nosso ponto de vista, mas não é
assim do ponto de vista do bebê. Ele também não vem de dentro;
ele não é uma alucinação; Seu destino é ser gradualmente
desinvestido de energia emocional, de forma a ser, com o passar
dos anos, relegado ao limbo em vez de esquecido. Quero dizer, com
isso, que na saúde o objeto transicional não “vai para dentro“, e nem
78
o sentimento em relação a ele sofre repressão. Ele não é esquecido
e não é pranteado. Ele perde sentido, e isto se dá porque os
fenômenos transicionais tornaram-se difusos, tornaram-se
espalhados sobre o território intermediário entre a “realidade
psíquica interna” e o “mundo externo como percebido por duas
pessoas em comum“, ou seja, sobre o campo cultural total
(Winnicott,1953c, p.18).
Ilusão pela teoria do amadurecimento pessoal, indica a crença do bebê de
que ele cria o que de fato encontra. Se a mãe impõe ao bebê seu próprio
desejo e não lhe permite oportunidade para a ilusão, o bebê encontra a
submissão como única opção de sobrevivência, uma ameaça à intrusão, uma
reação. Isso indica a formação de um falso self, uma forma de lidar com a
angústia que não é espontânea. Por outro lado, se a mãe percebeu e se
adaptou aos desejos do deu bebê, ele terá um bom início e poderá utilizar a
área intermediária, entre a criatividade primária e a percepção objetiva.
Este espaço transicional, em que a criança brinca e o adulto conversa,
constitui uma área de experimentação, em que tanto a realidade interna
quanto a externa contribuem, compartilham ilusões. Este é o único meio para a
auto-realização, a experiência da cultura. Esta é a raiz para a reunião e
formação de grupos baseados nas afinidades.
Fundamental também neste ponto explicitar o que Winnicott denomina de
“ser e fazer”. O termo objeto subjetivo refere-se para descrever o primeiro
objeto de relação, o objeto ainda não percebido como não-eu. Winnicott diz:
79
“...à medida que o bebê cresce, nenhum sentimento do eu (self) surge, exceto
na base desse relacionamento no sentimento de SER. Este último é algo que
precede a idéia de estar-em-união-com” (Winnicott,1971g,p.114).
Neste relacionamento do bebê com o seio e a sua experiência com objeto
subjetivo, abre-se caminho para o sujeito objetivo, possibilitando, então, uma
experiência, uma sensação real do sentimento de existir. Para o autor, o que
se estabelece “...é talvez a mais simples de todas as experiências, a
experiência de ser” (Winnicott,1971g,114).
Nota-se que esta sensação de ser está nos primórdios da existência
humana. Daí para frente, como o caminho para a constituição da identidade
exige operações mentais mais complexas, necessitando de tempo para
surgirem, o bebê aprenderá a lidar com frustrações, separações e concederá
ao objeto a qualidade de não-eu. Neste ponto, o bebê está apto para fazer,
agir, transformar, modificar.
O autor comenta:
Tenho de referir-me pormenorizadamente ao exemplo bastante
especial do fator ambiental. Ou a mãe possui um seio que é, de
maneira que o bebê também pode ser, quando bebê e mãe ainda
não estão separados na mente rudimentar daquele, ou então a mãe
é incapaz de efetuar essa contribuição, caso em que o bebê tem de
se desenvolver sem a capacidade de ser, ou com uma capacidade
mutilada de ser (Winnicott,1971g,p.116).
80
Assim, o bebê, para ter este sentimento de existir, precisa de um seio que
é, e não um seio que faz. Fica claro para Winnicott que, antes de o ser
humano fazer, ele tem primeiramente que ser. Posteriormente, no capítulo
referente aos principais apontamentos do autor sobre a fase da adolescência,
este ser e fazer serão retomados como pontos chaves fundamentais na busca
do adolescente por si mesmo.
Como os fenômenos transicionais são o terreno sólido para uma forma de
ser e viver no mundo, Winnicott, então, ampliou esta idéia e apresenta uma
exposição positiva do que se identifica cultura. Retornando aos objetos
transicionais, a primeira possessão não-eu da criança, presencia-se tanto no
primeiro uso de um símbolo quanto à primeira experiência de brincadeira. O
brincar não é um tipo de fenômeno restrito somente à infância. É um fenômeno
da existência humana e é neste brincar que a vida tem sentido e vale a pena
ser vivida.
Winnicott explica isso nesta citação:
O espaço potencial entre a mãe e o bebê, entre a criança e a família,
entre o indivíduo e a sociedade ou o mundo, depende da experiência
que conduz à confiança. Pode ser visto como sagrado para o
indivíduo, porque é aí que este experimenta o viver criativo
(Winnicott,1967b,p.142).
A condição essencial (cf.Winnicott,1971q) para que se possa brincar é a
constituição do objeto transicional. Não se trata de uma elaboração das forças
81
instintivas, agressivas. É uma forma de se viver no mundo. Brincando, o ser
humano se expressa como ele mesmo é, realiza algo que tem a ver com a sua
necessidade de ser. Esta brincadeira pode estar acompanhada do corpo,
movimento, mas não é esse o seu motor. A brincadeira indica saúde, e esta,
para Winnicott, nada mais é que o gesto espontâneo, um movimento interno
em relação ao mundo exterior, necessidade de ser e de continuar sendo.
No livro Espaço Potencial Winnicott: diversidade e interlolução, Luciana
Bertini Godoy comenta: “A experiência cultural é uma continuidade das
primeiras experiências do bebê no campo intermediário da transicionalidade,
da mesma forma que o uso da primeira possessão não-eu (objeto transicional)
é a primeira experiência da brincadeira” (Godoy, 2007,p.109).
É assim que o objeto transicional ganha sentido único para a criança
que o elege e as experiências culturais, mesmo sendo compartilhadas pelos
adultos, também adquirem este sentido único, ou seja, um fato marcante para
quem as desfrutou.
Como exemplo, pode-se citar a atividade de inúmeras pessoas que as
realizam sem o mínimo esforço, cansaço, stress. Tudo é espontâneo, agem
como se estivessem brincando. Jogadores de futebol, artistas em geral
(dançarinos, atores, cantores, esportistas, etc) que não buscam o fruto de sua
criação como busca de si-mesmos, mas são eles mesmos que realizam o ato.
É no ato em si que o verdadeiro self está presente.
82
Brincar é um termo profundo e amplo na obra winnicottiana,
expressando-o como se fosse os diversos passos de uma coreografia. Ora se
está no centro do palco, ora os movimentos são ágeis e rápidos ora lentos,
conforme o ritmo da música. Este brincar humano pode ser desde um registro
comportamental ou uma posição existencial, como uma forma de se colocar no
mundo que é misteriosa. Uma criança, um adulto que não sabe brincar, perde
a sua espontaneidade, falta algo a essa pessoa. É como se ela estivesse
travada, parada em algum ponto do seu caminho. Este mundo misterioso
refere-se a emergência do novo, criatividade, um gesto em busca de algo. Este
gesto espontâneo é o gesto brincante, isto é, o reconhecimento de si mesmo e
do outro. Já o falso-self refere-se a quem não brinca.
Como já foi citado anteriormente, se a criança reage, ela não está
brincando, não está sendo espontânea. O brincar é a realização de uma
comunicação profunda entre as pessoas. O conteúdo pouco importa, mas o
mais importante é que um indivíduo vê o outro e vive-versa. Este brincar
facilita o crescimento, conduz aos relacionamentos grupais.
Winnicott (cf.Winnicott,1967b.p.137) diz: “Empreguei o termo
‘experiência cultural’ como um ampliação da idéia dos fenômenos transicionais
e da brincadeira, sem estar certo de poder definir a palavra cultura”. Na
verdade, Winnicott refere-se à experiência, “em algo que pertence ao fundo
comum da humanidade, para o qual indivíduos e grupos podem contribuir, e do
83
qual todos nós podemos fruir, se tivermos um lugar para guardar o que
encontramos” (Winnicott,1967b,p,138).
Desse modo, nota-se que as experiências culturais estão em relação
direta com a brincadeira, ou seja, comunicação profunda entre os seres. O
lugar que esta experiência cultural ocupa está entre o espaço potencial
existente entre o indivíduo e o meio ambiente, sendo que o uso deste espaço é
determinado pelas experiências precoces de vida que ocorrem nos estágios
primitivos da existência já esclarecidos anteriomente. Como já foi esclarecido
no item transicionalidade, o espaço potencial só pode acontecer com o
sentimento de confiança e fidedignidade por parte do bebê em relação à mãe e
ao ambiente.
Luciana Bertini Godoy no livro Espaço Potencial Winnicott: Diversidade
e interlocução comenta:
Sugere que a terceira área de experiência, quando comparada às
duas anteriores, caracteriza-se pela flexibilidade e extrema
variedade entre os indivíduos, pois é resultante das experiências da
pessoa individual no meio ambiente que predomina, ou seja, uma
interação das outras duas áreas. Além da flexibilidade, esta terceira
área, o espaço potencial, envolve o paradoxo união-separação (da
figura materna). A separação é necessária para o amadurecimento e
autonomia do indivíduo[...] (Godoy,2007,p.112).
Assim, o bebê que vai se desenvolvendo requer uma separação
paulatina e, tal separação entre o mundo dos objetos e o eu só se torna
84
possível pela ausência de um espaço intermediário, sendo este criado e
preenchido como foi descrito até agora.
Este espaço potencial (cf.Winnicott,1971q), que inicialmente se compõe
por mãe-bebê, amplia-se para criança-família, indivíduo-sociedade, indivíduo-
mundo, depende desta experiência máxima de confiança. Trata-se de um
espaço sagrado para o ser humano, pois é aí que se experimenta o viver
criativo e pode ser variável de indivíduo para indivíduo, devido a limitações
ambientais, relativos fracassos das pessoas envolvidas em iniciar a criança em
contextos diferenciados. A escola desempenha também um papel de
ampliação deste espaço, através de experiências e vivências através de
expressões artísticas como danças, trabalhos manuais, teatro, música. Quanto
mais pobre esta expansão cultural, mais limitado torna-se este espaço.
A tese principal de Winnicott sobre a experiência cultural pode ser
descrita da seguinte maneira:
O lugar em que a experiência cultural se localiza está no espaço
potencial existente entre o indivíduo e o meio ambiente
(originalmente, o objeto). O mesmo se pode dizer ao brincar. A
experiência criativa começa com o viver criativo, manifestado
primeiramente na brincadeira; Para todo o indivíduo, o uso desse
espaço é determinado pelas experiências de vida que se efetuam
nos estágios primitivos de sua existência; Desde o início, o bebê tem
suas experiências maximamente intensas no espaço potencial
existente entre o objeto subjetivo e o objeto objetivamente
percebido, entre extensões do eu e do não-eu.(...). O espaço
85
potencial acontece apenas em relação a um sentimento de
confiança por parte do bebê, isto é, confiança relacionada à
fidedignidade da figura materna ou dos elementos ambientais, com a
confiança sendo a prova da fidedignidade que se está introjetando; A
fim de estudar a brincadeira e, depois, a vida cultural do indivíduo,
há que estudar o destino do espaço potencial existente entre
qualquer bebê e a figura materna humana (e, portanto, falível) que é
essencialmente adaptável por causa do amor
(Winnicott,1967b,p.137).
Assim, esta área intermediária tem a ver com a experiência do viver.
Entende-se que para o autor, sua descoberta sobre o brinquedo e o brincar,
bem como os fenômenos transicionais, formam a base para a experiência
cultural e a vida em grupo. O brinquedo passa a ser uma peça rudimentar, pois
tê-lo em mãos significa lidar com o subjetivo e o que e objetivamente
percebido e, a partir disso, criar, viver criativamente a partir de si mesmo.
4. A fase do “EU SOU”:
É neste estágio, como o próprio nome diz, que ocorre a conquista do eu
integrado, uma estabilidade, por volta dos dois ou três anos de idade e, se
86
pudesse expressar algo que determina este momento, a criança diria: “EU
SOU”.
Winnicott diz:
O estatuto unitário do eu não é um todo coeso, sem fraturas ou
isento de conflitos, mas um estado de integração espaço-temporal,
onde existe um eu (si-mesmo) que contém tudo, ao invés de
elementos dissociados em compartimentos, ou dispersos e
abandonados (Winnicott,1971g,p.98).
O resultado deste estágio é decorrente de um longo processo de
amadurecimento e integração que se iniciou no si-mesmo primitivo e ao longo
dos demais estágios vários aspectos da personalidade vão sendo integrados,
o si-mesmo e o falso-si mesmo. Neste momento, o bebê já se separou da mãe
e vendo-se separado dela, separa-se do ambiente total.
Esta conquista do EU SOU implica em um sentimento de ser real e de
se sentir diferente dos outros, pois “a criança, agora, habita mais firmemente
no corpo; percebe-se tendo um contorno, com uma membrana limitante, a
pele, que a separa de tudo o que é não-eu” (Dias,2003,p.255). Passa a ter
uma realidade psíquica, que inclui as memórias de experiências, não correndo
o risco de perder contato com seu corpo. É um modo de relacionar-se com o
mundo, mas não indica ainda a pessoa inteira de fato.
A Teoria do Amadurecimento Pessoal, em relação à afirmação e o
sentimento “EU SOU”, enfatiza que “...é preciso admitir que só aqueles que
87
alcançaram o estágio de fazer esta afirmação é que estão realmente
qualificados para serem membros adultos de uma sociedade”
(Winnicott,1986d,p.110,).
Assim sendo, o amadurecimento da criança nesta fase é apenas uma
plataforma de onde a vida pode ser vivida e é pré-requisito para o próximo
estágio: concernimento, em que o bebê refere-se a uma preocupação com o
resultado dos seus instintos em si mesmo e no outro.
5. A fase do concernimento
Neste estágio, na idade de um ano e meio a dois anos e meio, tendo a
criança alcançado, de algum modo, uma identidade unitária, possui agora
condições de integrar sua vida instintual e se esta integração se realizar de
forma consistente, sólida, a criança se tornará uma pessoa inteira.
De incompadecida que era, passa agora a ter uma preocupação com o
resultado dos seus impulsos e que estes podem ferir o outro, percebendo que
ela mesma é capaz disso. Passa então a desenvolver um sentimento de culpa
e de responsabilidade em relação à sua destrutividade. Percebe também que o
estrago que produziu, pode ser reparado, remendado, consertado.
88
A criança começará a perceber que ela ama e odeia o mundo fora
dela, que esse mundo pode satisfazê-la, mas também frustrá-la. Ela
terá que viver com a dura realidade de que ela tem impulsos
amorosos e destrutivos em relação aos mesmos objetos que ela
ama e odeia ao mesmo tempo, esquematicamente, diríamos, ela
percebe que a mãe que ela ama e a mãe que ela odeia são a
mesma pessoa. Mais ainda, que ela é responsável pelos seus
impulsos que podem ou que danificaram a mãe
(Fulgencio,2006,p.17).
Aqui a palavra preocupação indica a expressão pela palavra culpa. Diz
Winnicott em “O desenvolvimento da capacidade de se preocupar” :
O sentimento de culpa é a ansiedade ligada ao conceito de
ambivalência e implica certo grau de integração do ego do indivíduo
que possibilita a retenção das imagens de bons objetos
concomitante com a idéia de destruição dos mesmos. Preocupação
indica maior integração e crescimento e se relaciona de modo
positivo com o senso de responsabilidade do indivíduo,
especialmente no que concerne aos relacionamentos em que entram
os impulsos primitivos (Winnicott,1963b {1962},p.70).
Fundamental neste momento, a presença da mãe e sua sobrevivência
nos momentos em que seu filho está integrando a agressividade que faz parte
da sua natureza. Ela deve permanecer presente, disponível, acessível, não
recuar ao se sentir ofendida, mas também não ser permissiva demais. Deve se
defender, mas sem retaliação.
89
Dias comenta sobre este aspecto: “Quando a mãe oferece a
oportunidade do machucar-remendar se repetir várias vezes, dando chances
para a culpa ser suportada pela criança, esta passa a crer na capacidade de
reparação” (Dias,2003,p.262).
É neste momento que se origina o sentimento de culpa e a conquista
desta capacidade vem acompanhada de um tempo mais elaborado, em que
passado-presente-futuro se articulam.
A tarefa de uma mãe suficientemente boa é permanecer atenta e
disponível para reconhecer e receber a reparação do seu filho, pois este ainda
depende de alguém que reconheça este gesto. Torna-se desesperador para a
criança não possuir alguém que receba, reconheça seu esforço de reparação.
Esta construção/destruição é o fundamento para a capacidade de
brincar e, na fase adulta, de trabalhar e encontrar satisfação, motivação na
vida profissional (Dias,2003,p.265). O estágio do concernimento atinge seu
ápice por volta dos dois anos e meio. Na segunda metade de elaboração deste
estágio, o pai entra em cena como a terceira pessoa e sua presença,
manifestando extrema importância. Dias diz:
À medida que a criança vai se separando da figura materna
subjetiva, passa a pertencer ao pai que é visto como alguém que
pode ser temido, odiado, amado, respeitado. O pai, visto como o
terceiro elemento da relação, promove a visão do triângulo familiar e,
a criança começa a perceber, imaginar a relação excitante entre os
pais, sendo isto essencial para a estabilidade do indivíduo,
90
favorecendo o sonho do filho tomar o lugar de um deles, mas
reconhece que é o terceiro na relação (Dias,2003,p.267).
A estabilidade vinda desta constatação depende da capacidade da
criança em lidar com os sentimentos que surgem ao notar que ela é a terceira
pessoa nesta relação. Esta capacidade se refere a ficar só, que tem base
quando a criança ainda era bebê, quando, sem saber da existência do
ambiente, ficava só, recuado à solidão essencial, em decorrência da confiança
na presença da mãe e de seus cuidados. Quando maior, com a continuidade
de cuidados e amparos, a criança é capaz de ficar só sem o apoio contínuo da
mãe.
Se a criança se desenvolveu de modo sadio, é capaz de lidar com sua
raiva a respeito dessa nova descoberta. A presença do pai é fundamental para
pôr limites nos impulsos instintivos, segurança, apoio, lei, ordem, rigor, para
um pouco mais tarde, no estágio edípico, o filho rivalizar com o pai,
confrontando-o, sendo isto necessário para seu amadurecimento.
A ausência desta contenção de limites, severidade, rigor fica clara
nos casos de delinqüência, especialmente envolvendo roubos e
destruição. Nestes casos, evidencia-se a necessidade que o filho
possui de um pai severo, rigoroso, amoroso também, mas que
estabelece limites claros. Notadamente, quanto à falta de limites,
Winnicott concluiu que se referem a falta de um lar primário, isto é, a
experiência de um ambiente adaptado às necessidades da criança,
sem o qual torna-se impossível edificar os alicerces da saúde
91
mental. Sem alguém que reconheça e atenda as suas necessidades,
a criança não encontra uma relação operacional com a realidade
externa, não consegue descobrir seu corpo, muito menos
desenvolver uma personalidade integrada (Dias,2003,p.268).
Desse modo, se a criança não encontra a quem amar e odiar, não pode
amar e odiar a si mesma, nem descobrir seu sentimento de culpa e o desejo
de reparar seus estragos. Sem um pai e uma mãe que assumam a
responsabilidade por ela, não sentirá o impulso para separá-los e alívio por
não poder fazer isso.
6. A fase do estágio edípico
Para Winnicott, só se pode citar Complexo de Édipo quando todos estes
estágios citados anteriormente foram elaborados de forma saudável, sem
falhas grosseiras. Para ele, no Complexo de Édipo, cada um dos integrantes
da relação triangular é uma pessoa inteira, principalmente a própria criança.
Se ela consegue vivenciar as ansiedades do Édipo, ela alcançou a identidade
primária:
Não posso ver nenhum valor na utilização do termo “Complexo de
Édipo” quando um ou mais de um dos três que formam o triângulo é
92
um objeto parcial. No Complexo de Édipo, ao menos do meu ponto
de vista, cada um dos componentes do triângulo é uma pessoa
inteira, não apenas para o observador, mas especialmente para a
criança (Winnicott,1990,p.67).
Mesmo que um indivíduo tenha tido um bom começo, se for exposto a
situações traumáticas para além de sua tolerância, pode desenvolver uma
psicose, mas esta será diferente dos estágios mais primitivos que constituem a
integração do ser humano. Uma coisa é não ter alcançado a conquista básica
do amadurecimento, e outra coisa é perdê-la.
Neste estágio, a criança pode apresentar vários sintomas neuróticos,
dificuldades próprias em relação à vida e aos relacionamentos interpessoais,
podendo ter ataques intempestivos de raiva, crueldade, bem como ser dócil e
amorosa. Apresenta atração pelo genitor do sexo oposto e tensões,
ambivalências em relação ao genitor do mesmo sexo, ou seja, amor e ódio
intercalando-se. Esta relação triangular é primária e básica, necessitando a
criança de um ambiente doméstico estável, seguro, para poder brincar, sonhar,
expressar-se, ser espontânea, sem ter que se preocupar com a estabilidade do
lar.
É nesta relação que a criança vai avançar, passo a passo, do
relacionamento entre três pessoas para outros círculos mais complexos. Uma
necessidade da criança bem desenvolvida aos quatro, cinco anos é ter pais
com quem se identifique, e a conduta de ambos e as relações recíprocas são
percebidas, absorvidas e imitadas pelo filho.
93
No estado edípico, tem-se a primazia da genitalidade, fantasias
enriquecidas com atos masculinos e femininos, de penetrar e ser
penetrada, entrar e sair, colocar e tirar. Neste momento, a criança é
capaz de ter experiências sexuais genitais, com as excitações que
fazem parte, garantindo uma nova potência, porém a imaturidade
física a impede de exercê-la em sua plenitude, adiando esta
manifestação total até a puberdade (Dias,2003,p.278).
Quando a puberdade chegar, uma nova forma de potência surgirá e
estas experiências e fantasias infantis do estado edípico serão fundamentais
para exercê-las. Para Winnicott, a constituição da identidade sexual é
elaborada através de uma teoria da sexualidade que pertence à teoria da
instintualidade e, esta por sua vez, faz parte do processo de amadurecimento.
Durante este período, por volta dos cinco, seis anos, a criança
(cf.Dias,2003) faz todo tipo de experiências nas suas brincadeiras, sendo que
as experiências genitais incluem o corpo e os prazeres que advém dele. Se a
família oferece um bom suporte, um ambiente confiável, não desapontador, a
criança dá-se conta da passagem do tempo, trazendo alívio para momentos e
situações que se apresentam intoleráveis. A sexualidade infantil é real e não
se pode ignorá-la. “Se está imatura, inibida ao final desse primeiro contato com
os relacionamentos interpessoais, na adolescência, ressurgirá dessa maneira”
(Winnicott,1990,p.75).
94
III-CAPÍTULO 2. COMENTÁRIOS PONTUAIS DAS POSIÇÕES DE
WINNICOTT EM RELAÇÃO À ADOLESCÊNCIA
1. Caracterização geral da adolescência para Winnicott
A Teoria do Amadurecimento Pessoal serve de base, guia para o
entendimento e detecção de dificuldades emocionais, sendo útil não somente
para pais, mas sobretudo para médicos, professores, visando a uma
compreensão do desenvolvimento emocional de bebês, crianças, adolescentes
e adultos na trajetória de suas existências.
Em Winnicott, na adolescência retomam-se as questões de identidade:
Quem eu sou. Trata-se de um replay dos estágios iniciais do desenvolvimento,
dependência relativa rumo à independência, isto é, um segundo desafio.
Outeiral e colaboradores, em Winnicott: Seminários Paulistas, comentam a
adolescência na visão winnicottiana, realmente como uma reedição dos
estágios primitivos do amadurecimento: “O desenvolvimento do adolescente
está estreitamente ligado à existência, nas etapas iniciais do desenvolvimento
de uma “experiência suficientemente boa” com o casal parental”
(Outeiral,Hisata & Gabriades,2001,p.353).
95
Todos os estágios iniciais são retomados, mas acrescidos de um poder
instintual (força física e sexual), que não existiam anteriormente, juntamente
com a astúcia, arrogância, hostilidade, mentira, ironias e a necessidade de
confronto com a sociedade. Dias diz: “O que aponta para o fato de que o
adolescente repete os padrões dos estágios primitivos é que ele padece do
sentimento de irrealidade, e sua principal luta diz respeito a sentir-se real”
(Dias,2003,p.293).
Esta luta para sentir-se real vai envolver a necessidade de passagem
por várias experiências que nem mesmo o adolescente entenderá o porquê de
estar fazendo certas coisas, mas buscará diversas situações para vivenciar
emoções para isso.
Winnicottt em “Deduções a partir de uma entrevista psicoterapêutica
com uma adolescente”, define a adolescência como:
A adolescência é o estágio de tornar-se adulto através do
crescimento emocional(...)Abrange um período de tempo durante o
qual o indivíduo é um agente passivo dos processos de
crescimento,(...) à época em que não existe solução imediata para
qualquer problema (Winnicott,1964b,p.249).
Continua o segmento da necessidade de ser alguém em algum lugar,
tendência a se constituir em um “eu“ dentro de um grupo. O ser e o fazer se
dão em razão do espaço cultural, grupos de encontros, idéias compartilhadas.
96
O ambiente (cf.Winnicott,1962a{1961}) desempenha, neste estágio de
desenvolvimento, papel importantíssimo para a continuidade da existência
através dos interesses dos pais pelos filhos. Muitas das dificuldades dos
adolescentes derivam de más condições ambientais. O adolescente, para
Winnicott, é um ser isolado (Winnicott,1962a{1961}.p.118) e todo
relacionamento entre pessoas, toda sociabilidade, tem como ponto de partida
o isolamento.
Segundo Dias:
Esse período é particularmente difícil para o indivíduo, que, não
tendo tido um bom início, carrega consigo a ameaça da
desintegração, porque a adolescência arrasta-o para perto do
colapso. Para o indivíduo que, ao contrário, teve um bom começo, o
tempo se encarrega de muitas coisas, caso o ambiente familiar
sobreviva e permaneça confiável (Dias,2003,p.294).
Percebe-se que os primórdios da existência são a base para a formação
da vida psíquica do ser humano. Se os cuidados iniciais tiveram muitas falhas,
falta de amparo e de sustentação física, agora, na adolescência, estas fases
iniciais são retomadas, mas com buracos, vazios, favorecendo o aparecimento
de distúrbios psicológicos mais intensos, devido à falta de integração anterior.
No entanto, se tudo correu bem no início, a família precisa estar pronta para
esta nova jornada de busca de identidade e de si mesmo, permanecendo
presente, atuante e demonstrando amparo e confiança ao filho.
97
2. A adolescência é uma fase que passa
Para Winnicott, a adolescência é uma segunda chance de reviver os
estágios primitivos seja para o bem ou para o mal. E não há como evitar,
retardar, impedir este processo. Ele é natural, saudável e necessário para se
chegar à maturidade, mas é um processo que pode ser interrompido por
invasões e intrusões, devido à falta de provisão ambiental, ou seja, os pais
devem estar sempre presentes, transmitindo preocupação e demonstrando
que estarão por ali, caso o filho precise de ajuda, amparo, bem como perceber
as necessidades do mesmo.
Em seu artigo “O atendimento hospitalar como complemento de
psicoterapia intensiva na adolescência”, Winnicott coloca a adolescência como
uma fase de processo de crescimento de um ser humano:
Adolescência, que significa se tornar um adulto, é uma fase de
crescimento normal. Ela cobre o período da puberdade do indivíduo.
Inclui também a socialização do moço ou da moça. Neste sentido, a
palavra socialização não significa adaptação e conformidade.
Normalmente o moço ou a moça se torna capaz de assumir
responsabilidades e ajudar a manter ou modificar ou mesmo alterar
completamente o legado da geração anterior (Winnicott,1965u
{1963},p.218).
98
Assim, compreende-se que o sinal para se atingir a maturidade é a
autonomia relativa e responsabilidade pelos seus atos.
Qualquer pessoa que esteja convivendo com adolescentes deve ter em
mente que este processo de se tornar adulto indica a capacidade do jovem de
se identificar com figuras paternas e com alguns aspectos da sociedade.
Dias comenta sobre a cura para a adolescência:
A única coisa a fazer é dar tempo ao tempo e sobreviver à
turbulência que, poderá, inclusive ser tanto maior quanto melhor tiver
sido o começo, uma vez que o sentido de liberdade e riquezas
pessoais não tornam as coisas mais simples (Dias, 2003 ,p 292).
A cura deste período vem com o passar do tempo e com os processos
de amadurecimento, sendo estes que conduzem, de fato, a transformação do
adolescente em um adulto. Com o amparo da família e sua sobrevivência às
explosões de rebeldia, despreocupação do filho, irresponsabilidade quanto aos
estudos e atividades corriqueiras, sendo duros no momento em que sentem
que é necessário para o filho e demonstrando afeto à medida que percebem a
fragilidade chegando.
Estes processos não podem ser acelerados ou atrasados, mas sim
invasivos, destrutivos, pela ameaça de aniquilamento do que o adolescente
tem de mais autêntico, podendo ocasionar distúrbios psicológicos.
Winnicott esclarece este aspecto em “O ambiente e os processos de
maturação”:
99
Não devemos tentar curar adolescentes como se estivessem
sofrendo de alguma doença psiquiátrica. Utilizei a frase “tédios de
adolescente” para descrever os poucos anos em que cada indivíduo
não tem outra saída a não ser esperar e ainda assim fazê-lo sem ter
consciência do que está acontecendo (Winnicott,1965u
{1963},p.221).
Nota-se, então que a imaturidade é essencial na saúde da
adolescência, pois nela estão presentes os aspectos mais interessantes,
excitantes do processo criativo, atitudes novas, pensamentos novos
(Winnicott,1969c,p.198), isto é, segundo Winnicott, idéias de um novo viver e a
sociedade precisa ser abalada, tocada, chocada pelas idéias daqueles que são
imaturos e irresponsáveis. O autor mostra este aspecto em O Brincar e a
Realidade:
O conselho à sociedade poderia ser: por amor aos adolescentes e à
sua imaturidade, não lhes permitam crescer e atingir uma falsa
maturidade, transmitindo-lhes uma responsabilidade que ainda não é
deles, mesmo que possam lutar por elas (Winnicott,1969c,p.198).
Esta maturidade vem através do processo de crescimento e
amadurecimento. Deve-se resistir e impedir a maturidade falsa, baseada na
fácil personificação do adulto jovem (Winnicott,1969c,p.198). Aqui, Winnicott
chama a atenção para os adolescentes adaptados, os chamados “certinhos”
em nossos dias, responsáveis além da conta, tolerantes, que cuidam de si
100
mesmos e até da família, com perda do brilho dos olhos, da vivacidade e
espontaneidade, com o desenvolvimento do falso self e abafamento do
verdadeiro si mesmo.
Este período trata de uma transitoriedade no qual o jovem é um vir a ser,
preparando-se para ser um adulto e aparece associado a um desejo de
liberdade, de prazer, expressão de comportamentos exóticos. Associa-se a um
tempo para ensaio e erro, isto é, um período marcado por descompromissos e
irresponsabilidades, pois o jovem terá de fazer experiências, errar, perceber o
erro para não repeti-lo, “quebrar a cara”, em uma linguagem mais informal,
levantar do tombo e recomeçar a sua busca pelo que deseja ser, sentir.
Um fato é percebido inevitavelmente e Winnicott expressa bem isso em
seu artigo Adolescência: Transpondo a zona de calmarias: “...o menino ou a
menina adolescentes não querem ser entendidos. Esta é uma fase que precisa
ser efetivamente vivida e é essencialmente uma fase de descoberta pessoal.
Cada indivíduo vê-se engajado numa experiência viva, num problema de
existir” (Winnicott,1962a {1961},p.115).
Este período é também marcado pelas transformações biológicas,
psicológicas e de inserção social. É nesta fase que a potência física realmente
se estabelece pelo poder de procriar, matar. O púbere dá sinais de ter menos
necessidade de proteção por parte da família buscando, então, independência
através de grupos de amigos (cf.Outeiral,2001).
101
Na obra winnicottiana, há uma visão sobre a adolescência muito curiosa:
a mistura de rebeldia e dependência:
Aqueles que cuidam de adolescentes não raro vêem-se perplexos
com o fato de que esses meninos e meninas, por vezes tão rebeldes,
podem também ser ao mesmo tempo, dependentes a ponto de
parecerem crianças e mesmo bebês, manifestando padrões de
dependência que talvez remontem aos primeiros meses de vida
(Winnicott,1962a {1961,p.123).
Assim, passam por este intenso processo de altos e baixos no campo
das emoções, lidam com as oscilações de temperamento, querendo e
temendo ser independentes. Uma turbulência de sentimentos, emoções,
comportamentos, algo semelhante aos transtornos bipolares.
Contudo, a grande busca do adolescente é ser alguém em algum lugar,
“sentir-se real” (Winnicott,1962a{1961}p.123), necessitando de um ambiente
confiável, suficientemente bom, com uma comunicação verdadeira e autêntica,
que saiba reconhecer as suas necessidades: ser e continuar sendo, a
veracidade de situações que está vivendo, as dúvidas e angústias na busca de
sua identidade, ou seja, a sua procura existencial.
Madeleine Davis e David Wallbridge, na obra Limite e Espaço,
enfatizam bem esta questão de sentir-se real:
102
...nesta época de grande tensão, o indivíduo é imaturo no sentido de
que só descobriu em parte o eu e a confiança no eu. Winnicott
descobriu que uma nova luz foi lançada sobre a adolescência
quando vista da seguinte maneira: Poderíamos dizer que os
problemas do menino ou da menina adolescente giram em torno da
afirmação “Eu sou” e da questão “Quem sou eu?”. Sem uma
resposta a esta questão é difícil sentir-se real, porque a capacidade
para sentir-se real é ela mesma um resultado da autodescoberta
(Davis & Wallbridge, 1982,p.96).
Nota-se que os autores chamam a atenção para as buscas do
adolescente, principalmente a descoberta de si mesmo através da indagação
“Quem eu sou?”. E, desse modo, como não sabem ainda o que são, acabam
passando e experimentando diversas situações como forma de busca de si
mesmos. A luta para se sentirem reais (cf.Winnicott,1962a), para
estabelecerem uma identidade pessoal, não se encaixa em um papel pré-
determinado, mas precisa passar por qualquer coisa que seja necessário
passar. Não sabem quem são, e o que estão esperando. Já que tudo está
suspenso, sentem-se irreais, e isto os leva a fazer certas coisas que os façam
sentir-se reais.
No artigo “Comunicação e falta de comunicação levando ao estudo de
certos opostos”, o autor intensifica o uso de defesas pelo adolescente como
forma de se preservar de invasões:
Na adolescência, quando o indivíduo está sofrendo as mudanças
puberais e não está ainda pronto para se tornar um membro da
comunidade de adultos, há um fortalecimento das defesas contra o
103
fato de ser descoberto, isto é, ser encontrado antes de estar lá para
ser encontrado (Winnicott,1965j {1963},p.173).
Dessa forma, a rebeldia e o desafio, bem como a dependência, são
características marcantes da adolescência nesta busca de “sentir-se real”.
Segundo a Psicanálise, a identificação é um processo básico de
interiorização do outro. Isto pode ser definido como “um processo psicológico
pelo qual um indivíduo assimila um aspecto, uma propriedade, um atributo do
outro e se transforma, total ou parcialmente, segundo o modelo dessa pessoa”
(Laplanche & Pontalis,1994,p.295).
A maioria (cf.Sanches,2005) dos adolescentes busca se identificar com
pessoas que representam força, segurança, como um desejo e tentativa de
serem como elas. E essas figuras são procuradas primeiramente dentro do
próprio lar, sendo os pais as primeiras figuras do processo identificatório dos
filhos. Mas também procuram a si mesmos como uma forma de criar a si
mesmos. Este duplo movimento pode indicar o tipo de busca do adolescente.
Em Winnicott, esse processo de identificação e de encontro consigo
mesmo não deve ser confundido apenas como um complexo jogo de
identificações e projeções, especialmente se estes estiverem referidos ou
reduzidos aos seus aspectos psicológicos mentais. A identificação e o
encontro consigo mesmo é uma experiência que envolve uma certa criação de
si mesmo, tal como ocorre, para Winnicott, na brincadeira.
104
Afirma o autor: “É no brincar, e talvez no brincar, que a criança ou o
adulto fruem sua liberdade de criação”(Winnicott,1971r,p.79).
Assim, ao brincar, a pessoa encontra a si mesma não por causa de um
complexo jogo de projeções e introjeções, mas porque o ato de brincar é uma
ação espontânea do si mesmo.
Passando para a função familiar nesta fase de desenvolvimento na
grande jornada da vida, em Winnicott, a família é a única entidade
(cf.Winnicott,1965p {1960}) que pode dar continuidade à tarefa da mãe para
atender às necessidades de um ser humano. Estas necessidades incluem a
dependência ao caminhar até a instalação da independência, que nunca é
total, pois não há crescimento independente. A tarefa da família neste
processo de adolescer é estar preparada em aceitar as irrupções de rebeldia e
as recaídas em uma dependência bem regressiva. É impossível pedir ao
adolescente que seja constante, pois a cada momento quer uma coisa
diferente, quer ser alguém diferente ou não sabe o que quer. Isso faz parte da
sua busca de identidade.
Cabe, neste momento, a administração de como estar disponível para as
crises emocionais dos filhos, que ora se apresentam infantis, imaturos,
querendo colo, ora manifestam rebeldia e necessidade de independência para
estabelecerem suas identidades. Winnicott esclarece isso em seu artigo
Adolescência: Transpondo a zona de calmarias (cf.Winnicott,1962a):”É
característica da faixa etária em questão a rápida alternância entre
105
independência rebelde e dependência regressiva, e mesmo a coexistência dos
dois extremos num mesmo momento”.
Na rebeldia, o jovem rompe um cercado que lhe oferece proteção,
segurança. Mas, para que este cercado seja rompido é preciso que já exista
outro mais amplo, vantajoso, atraente e que queira aceitá-lo. Winnicott, em
relação a isso, diz:
O indivíduo precisa inserir-se num círculo mais amplo que esteja
pronto a aceitá-lo, o que equivale a dizer que ele tem necessidade de
retornar à situação rompida. Na prática, a criança precisa sair do colo
da mãe, mas não daí para o espaço sideral; esse afastamento deve
dar-se em direção a uma área maior, mas ainda sujeita a controle:
algo que simbolize o colo que a criança abandonou (Winnicott,1965p
{1960},p.132).
Isso indica que o ser humano tem a necessidade de ampliar seus
contatos, círculos, mas precisa ter um núcleo de proteção, um cercado menor,
para ter por onde retornar. Ele precisa de um lugar para viver. Winnicott
comenta sobre este lugar em “O lugar em que vivemos”:
É preciso que constitua emprego bastante moderno da palavra
‘interno’, utilizá-la para designar a realidade psíquica: reivindicar que
existe um interior onde a riqueza pessoal se constrói (ou a pobreza se
mostra),à medida que fazemos progressos no crescimento emocional
e no estabelecimento da personalidade(Winnicott,1971q,p.145).
É neste lugar que o adolescente tem suas experiências de existir.
106
Na experiência real, a criança precisa sair do colo da mãe, mas não cair
no espaço sideral (cf.Winnicott, 1965p,p.132). Precisa ir para um espaço que
ainda tenha controle, proteção, algo que simbolize o colo da mãe. Quando
maior, a criança foge de casa até o portão, depois da esquina para o mercado
e, assim, sucessivamente. Quando vai à escola, já elaborou todas estas saídas
e agora entra em relação a um grupo com pessoas fora do lar. Cada uma
destas fugas, representa uma fuga de casa e todas elas representam que este
lar foi deixado para trás e destruído na fantasia
Transpondo para a adolescência, isso se refere à necessidade do jovem
de se rebelar, querer ser livre, mas ao mesmo tempo, tornar-se dependente,
carente, precisando de colo. Ele quer a liberdade, mas precisa do controle
familiar. É muito difícil para o adolescente elaborar seus conflitos internos sem
um apoio satisfatório da família. Como diz Winnicott: “É fundamental para um
ser humano pensar que, por piores que tenham sido a condições, os
momentos, as crises, sua família nunca o abandonou”
(Winnicott,1965p,{1960},p.130).
Este momento de sair e de se libertar, permanecerá ao longo da vida,
pois para o autor:
...a vida é uma longa série de clausuras, e de correr novos riscos e
enfrentar novos e excitantes desafios. Mas, o caminho de retorno
tem de estar sempre aberto, pois sair de um espaço, mas não ter
para onde retornar é extremamente ameaçador
(Winnicott,1965q,p.51,W20).
107
Esta necessidade de retorno indica confiabilidade no ambiente, uma
necessidade que permanece para sempre. O autor, em relação a esses
retornos afirma que: “Essas imaturidades indicam saúde, sendo os resíduos
daqueles estados sadios de dependência que caracterizam as fases iniciais do
crescimento” (Winnicott,1954b,p.205).
Aqui, nota-se que, se tudo correu bem na infância, a criança chega à
adolescência equipada para lidar com emoções, tolerar situações de apuro.
Assim, o adolescente conserva muitas imaturidades, isto é, retornos,
caminhos de volta a não-integração. Para a teoria do amadurecimento pessoal
isto é saúde, pois lhe foi dado o caminho inicial, o ponto de partida de estados
sadios de dependência iniciais de desenvolvimento.
Entretanto, essa passagem para a adolescência torna-se, para o jovem,
um momento de grandes transformações, tanto físicas quanto psicológicas. Em
O Brincar e a Realidade, Winnicott comenta sobre o termo assassinato no
processo adolescente :
É-nos de grande valia comparar as idéias adolescentes com as da
infância. Se, na fantasia do crescimento primitivo estiver contida a
morte, então, na adolescência, ver-se-á contido o assassinato.
Mesmo quando o crescimento, no período de puberdade, progride
sem maiores crises, é possível que nos defrontemos com agudos
problemas de manejo, porque crescer significa ocupar o lugar do
genitor. E realmente o é. Na fantasia inconsciente, cresce é,
inerentemente, um ato agressivo (Winnicott,1969c,p.195).
108
Fica claro que, quem lida com adolescentes, tem experiências concretas
de lidar com a destruição, pois os ataques acontecem e deve-se ter uma
capacidade grande de sobreviver aos mesmos, recomeçar de novo. Este
assassinato a que Winnicott se refere, é o assassinato simbólico dos pais, pois
para ser algo diferente deles, o adolescente tem que matá-los dentro de si. Por
isso que o adolescente se opõe tantas vezes aos pais, numa busca de
diferenciação, mas estes devem sobreviver, sem retaliações.
A própria sociedade, na visão de Winnicott, deve encarar este fenômeno
do adolescer como natural e tolerá-lo, reagir ativamente, ir ao seu encontro,
porém, jamais tentar curá-lo, produzindo reações dos jovens, pois assim eles
não serão eles mesmos.
A estrutura de uma sociedade (cf.Winnicott,1949j) reflete a natureza do
indivíduo e da família. Um dos grupos de extensão do grupo familiar é a
escola, onde há papéis, normas, desempenhos a serem atingidos. E é neste
grupo que o adolescente vai fazer seus ideais se tornarem reais, através de
ações coletivas em grupo ou até mesmo individualmente, através do seu jeito
espontâneo, criando o seu jeito de ser e estar no mundo.
Quando os pais não são capazes de dar o que é necessário, cabe aos
professores (cf.Winnicott,1949j,p.247) ou a própria escola cobrir essa
deficiência, mais pelo exemplo, pela integridade e honestidade pessoais, pela
dedicação e pela presença direta para responder a perguntas, e não pela
intrusão.
109
Pais e professores precisam estar aptos e esperar o antagonismo que
os adolescentes podem demonstrar em relação aos adultos, principalmente
contra aqueles que desejam dar conselhos ou lições de moral.
Este período aparece associado a um tempo de desejo de liberdade, de
prazer, expressão de comportamentos exóticos e, a isso, Winnicott chama de
“as calmarias da adolescência” (Winnicott,1962a,p.124), como um período
para ensaio e erro, um período marcado por descompromissos e
irresponsabilidades. Um fato é percebido inevitavelmente: o garoto ou a garota
púbere não querem lições de moral. “Esta é uma fase que precisa ser
efetivamente vivida, e é essencialmente uma fase de descoberta pessoal.
Cada indivíduo vê-se engajado numa experiência viva, num problema de
existir” (Winnicott,1962a {1961 }, p.115).
Este período é marcado também pelas transformações biológicas,
psicológicas e de inserção social e é nesta fase que a potência física
realmente se estabelece pelo poder e pela possibilidade efetiva de procriar e
matar. O púbere dá sinais de ter menos necessidade de proteção por parte da
família, buscando independência através de grupos de amigos.
A adolescência é a área intermediária (cf.Dayrell, 1999) da vida entre
infância e fase adulta, em que os fenômenos de interconexão adquirem
extrema importância. São os sons, as músicas, ídolos dos quais utilizam o
mesmo penteado, games, vários talismãs e objetos de adornos (tatuagens,
piercings) que atuam nos inter-relacionamentos. Estes elementos acabam
110
tendo existência similar a dos objetos transicionais, ou seja, uma membrana de
interconexão entre o mundo externo e a realidade psíquica. Quanto menos o
adolescente se encontra dentro de si, mais ele se produz externamente, como
forma de sentir, perceber que está sendo notado. Em O ser e o Viver, Mello
Filho comenta o uso do cigarro como objeto transicional patológico:
Para Winnicott, o uso do cigarro, seja de nicotina ou maconha,
indica um uso patológico de fenômeno transicional. O cigarro se liga
diretamente aos dedos, que funcionam como precursores dos
objetos transicionais (segurar a ponta de um cobertor). Além disso, o
cigarro atua como abrigo das ansiedades, um objeto que funciona ao
mesmo tempo como externo e interno, um intermediário entre o eu e
o outro (Mello Filho,201,p.76).
A brincadeira na adolescência toma outra forma. No artigo “Notas sobre
o brinquedo”, Winnicott lista os “objetos de brinquedo” dos adolescentes:
“Brincam” com a política mundial, sentem-se intensamente, e
envergonham os adultos por realmente se preocuparem, ou
“brincam” de pais e mães no sentido de terem casos amorosos e
talvez casar e ter filhos ou “brincam” com a construção imaginativa,
tornando-se ou aprendendo a se tornarem artistas, músicos,
filósofos, arquitetos, entusiastas religiosos, etc, ou “brincam” em
jogos, tornando-se profissionais ou competindo por campeonatos
mundiais ou “brincam de guerra”, por irem a ela e lutarem, ou por
fazerem coisas que os envolvem em risco real. Se
delinqüentes,“brincam” de ladrões sendo ladrões, ou não
111
conseguem brincar, havendo perdido essa capacidade
(Winnicott,1989u, p.52).
Desse modo, os adolescentes brincam de ser adultos e suas
brincadeiras passam a ser brincadeiras de experiências, de trocas afetivas e
de idéias.
Contudo, fica bem claro, na obra winnicottiana, que a adolescência
envolve crescimento emocional e este crescimento leva tempo. Em O Brincar e
a Realidade, o autor comenta isso enfatizando a importância dos pais neste
processo:
E, enquanto o crescimento se encontra em progresso, a
responsabilidade tem de ser assumida pelas figuras parentais. Se
essas figuras abdicam, então os adolescentes tem de passar por
uma falsa maturidade e perder sua maior vantagem: a liberdade de
ter idéias e de agir segundo o impulso (Winnicott,1969c,p.202).
Assim, a rebelião é própria deste processo e os pais devem sobreviver
sem a mudança de seus princípios.
Cabe aqui uma notificação sobre o não desenvolvimento do tema da
tendência anti-social nesta pesquisa. Este trabalho ocupa-se em apresentar
aspectos da adolescência do ponto de vista da saúde. O desenvolvimento do
tema tendência anti-social na obra da Winnicott, exigiria maiores
esclarecimentos e um desenvolvimento mais profundo acerca do tema.
112
Certamente, fica uma lacuna neste trabalho em relação a este aspecto.
Apenas mostrarei, em termos gerias, este conceito.
Sabe-se que Winnicott atendeu crianças evacuadas de seus lares
durante períodos de guerra atendendo-as em abrigos, constatando, através de
suas observações e atendimentos, que a tendência anti-social é resultante de
uma deprivação, representando a reivindicação por parte da criança para
retornar ao estado ou momento em que tudo corria bem.
Na verdade, atitudes como a enurese noturna, mentiras, roubo, são
gritos de socorro, uma espécie de SOS, uma esperança de que o ambiente
possa reconhecer e compensar a deficiência ou falta deste desajustamento
psíquico.
O autor comenta no seu artigo “A psicoterapia de distúrbios de caráter”:
Por trás do desajustamento de uma criança está sempre um
fracasso do meio ambiente em ajustar-se às necessidades absolutas
da criança numa época de relativa dependência.Depois, pode-se
acrescentar um fracasso da família em curar os efeitos dessas
deficiências; e poder-se-á ainda acrescentar o fracasso da
sociedade, quando esta toma o lugar da família (Winnicott,1956ve
{1963},p.281).
Ainda em “A luta para superar depressões”:
Na raiz da tendência anti-social existe sempre uma privação. Pode
ser simplesmente que a mãe, num momento crítico, encontrava-se
113
num estado de depressão, ou talvez a família tenha se
dissolvido.(...)... há sempre uma história de alguma saúde e depois,
uma interrupção, após o que as coisas nunca mais voltaram a ser as
mesmas (Winnicott,1962a {1961},p.174)
Fica claro que, para o autor, as atitudes anti-socias derivam de falhas
ambientais em um momento em que a criança experimentou a saúde, o
amparo e, de repente, algo desmoronou na vida familiar desta criança, não
tendo esta condições emocionais para suportar esta ruptura.
3. O isolamento do adolescente
Para Winnicott, todo processo de socialização entre sujeitos, parte de
uma posição de isolamento. O adolescente é por si só um ser isolado
(Winnicott,1962a{1961}.p.118). Desse modo, ele revive esta fase de solidão
essencial da infância precoce até constituir-se em um eu coeso e unitário para
se relacionar com objetos externos ao self.
Em “O ambiente e os processos de maturação”, o autor explica esta
questão do isolamento do adolescente:
Esta preservação do isolamento pessoal é parte da procura de uma
identidade, e para o estabelecimento de uma técnica pessoal de
comunicação que não leva à violação do self central. Esta deve ser
114
uma razão pela qual os adolescentes em geral evitam o tratamento
psicanalítico, embora estejam interessados nas teorias
psicanalíticas. Eles sentem que pela psicanálise podem ser
estuprados, não sexualmente, mas espiritualmente. Na
adolescência, quando o indivíduo está sofrendo as mudanças
puberais e não está ainda pronto para se tornar um membro da
comunidade de adultos, há um fortalecimento das defesas contra o
fato de ser descoberto, isto é, ser encontrado antes de estar lá para
ser encontrado (Winnicott,1965j {1963},p.173).
Tudo isso faz parte da crise de identidade e a busca pela mesma para o
adolescente.
Assim, os grupos de adolescentes (cf.Winnicott,1962a) podem ser
comparados a um aglomerado de sujeitos isolados que desejam formar um
agregado de seres através da similaridade de gostos e afinidades. São
capazes de inúmeras peripécias quando em grupo, pela liderança de alguns,
mas, quando cessam as atividades, cada um retorna novamente ao seu
estado de isolamento.
Em “A luta para superar depressões”, Winnicott aponta para a reedição
dos processos primitivos na linha de amadurecimento:
São as relações individuais, uma por uma, que levam finalmente à
socialização. O adolescente está repetindo uma fase essencial na
infância, pois o bebê também é um isolado, pelo menos até que seja
capaz de estabelecer a capacidade de relacionamento com objetos
115
que estão fora de seu controle mágico (Winnicott,1962a
{1961},p.165).
Pode-se dizer que o adolescente segue na linha do amadurecimento,
procurando reconhecer e integrar objetos que não são parte integrante dele.
É como se o adolescente (cf.Winnicott, 1962a) tivesse que partir de um
estado de isolamento. As relações, primeiramente, devem ser ensaiadas com
coisas subjetivas. Assim, vemos às vezes, adolescentes com grupos de jovens
isolados, formando um agregado de idéias, ideais, modos de viver e de vestir
comuns.
Não aceitam falsas soluções e possuem uma moralidade intensa de
verdadeiro ou falso, tudo ou nada, uma autenticidade feroz. Os adolescentes,
na visão winnicottiana, “buscam curas imediatas, mas ao mesmo tempo,
rejeitam todas as curas que encontram, pois acabam enxergando nas mesmas
um elemento falso” (Winnicott,1962a{1961}.p.122).
Assim, para eles, as soluções verdadeiras são as que eles encontram,
pois são criações deles. Na realidade, estão em busca das “suas verdades”,
sentem-se fúteis, perdidos e buscam o verdadeiro encontro consigo mesmos.
Mas, se o adolescente encontra sentido no meio-termo, pode descobrir
vários modos de abrandar tais verdades absolutas. Winnicott faz o seguinte
comentário:
116
Há, por exemplo, uma solução que consiste na identificação com a
figura dos pais; pode haver uma maturidade sexual prematura; pode
ocorrer um redirecionamento do sexo para proezas físicas no
atletismo, ou das funções corporais para as realizações intelectuais
(Winnicott,1962a {1961},p.122).
O púbere, porém, ao optar pela rejeição do meio-termo, acaba
começando sempre da estaca zero, ignorando experiências anteriores,
histórias culturais. Cita o autor:
Vemos nossos adolescentes começando tudo de novo, como se não
houvesse nada que pudessem emprestar de outrem. Vemô-los
constituindo grupos com base em uniformidades de importância
menor, e com base em um tipo de ligação que tem a ver sobretudo
com o local e a idade. Vemos os jovens buscando um tipo de
identificação que não os abandona sozinhos em sua luta: a luta para
sentir-se real, a luta para estabelecer uma identidade pessoal, uma
luta para viver o que deve ser vivido sem ter de conformar-se a um
papel preestabelecido. Os adolescentes não sabem no que se
tornarão. Não sabem onde estão, e estão a esperar. Tudo está em
suspenso; isso acarreta o sentimento de irrealidade e a necessidade
de tomar atitudes que lhes pareçam reais, e que de fato são, na
medida em que afetam a sociedade (Winnicott,1962a {1961 },
p.123).
Assim, ser descoberto, significa ser explorado e é isso que o
adolescente evita e não quer. Ele quer ser explorado por si mesmo. Nota-se,
117
que este período é um momento para o tudo ou nada, uma reedição das
experiências e oportunidades não vividas na infância.
4. A questão da formação de grupos:
Winnicott esclarece em Natureza Humana:
A base para o grupo é a vida em família, e sabemos o quanto é
conveniente para o adolescente que o lar original continue a existir,
de modo que ele possa rebelar-se contra o mesmo tanto quanto
utilizá-lo, de modo a que possam ser feitas experiências com grupos
diferentes e mais amplos sem a perda do grupo original que possui
uma pré-história, ou seja, que exista nos primeiros anos de formação
do indivíduo antes da latência (Winnicott,1990,p.173).
Ainda em “Fatores de integração e desintegração na vida familiar”, o autor diz
em relação à família:
O modo pelo qual organizamos nossas famílias demonstra na
prática o que é a nossa cultura, assim como uma imagem do rosto é
suficiente para retratar o indivíduo. A família nunca deixa de ser
importante, e é responsável por muitas de nossas viagens
(Winnicott,1961b{1957, p.59).
118
Como exemplo, observa-se pessoas que mudam de estado em um país,
trocam o sul pelo norte e vice-versa, devido ao desejo de libertarem-se de
certos controles familiares e não raro pode-se verificar viagens de volta,
retornos à casa para renovar este contato familiar. Em momentos de tensão,
conflitos para as pessoas, essas mantêm-se leais, ligadas à família.
Para compreender a formação dos grupos no processo de adolescer,
torna-se fundamental apresentar a idéia de Winnicott, estabelecendo a família
como primeira unidade grupal dos indivíduos.
Como primeiro grupo no qual a criança se insere, o autor diz:
A família protege a criança do mundo; este, porém aos poucos vai
se introduzindo: as tias e tios, os vizinhos, os primeiros grupinhos de
crianças, e por fim a escola. Essa introdução gradual do ambiente
externo é a melhor maneira de levar a criança a entrar em bons
termos com o mundo mais vasto, e segue de modo exato o padrão
pelo qual a mãe apresenta à criança a realidade externa
(Winnicott,1961b {1957},p.60).
A família como uma estrutura de confiabilidade, mutualidade entre seus
membros possibilita que este padrão se estenda aos demais grupos que vão
chegando. Diferente daqueles que não tiveram um lar suficientemente bom,
sustentador, pessoas a quem pudessem amar e odiar, pois passam a
desconfiar de qualquer pessoa, por mais indefesa que seja.
Novamente em “Fatores de Integração e desintegração na vida familiar”,
Winnicott afirma:
119
Há algo no desenvolvimento sadio de cada criança que constitui a
base da integração do grupo familiar. Do mesmo modo, e com
certeza, são as famílias sadias que possibilitam as maiores
integrações, os agrupamentos mais vastos de todos os tipos,
agrupamentos estes que se sobrepõem e são às vezes mutuamente
antagônicos, mas que podem sempre conter o germe de um círculo
social cada vez mais largo (Winnicott,1961b {1957},p.72).
Para que estas ampliações do grupo ocorram de modo saudável e
satisfatório, é fundamental que o filho sinta segurança, apoio no grupo familiar.
Pais que conseguem (cf.Winnicott, 1965vg{1969},p.43) manter um lar unido
estão prestando um serviço inestimável a seus filhos, pois a desestruturação,
desintegração de um lar produz vítimas entre as crianças. Diz o autor: “As
crianças vêem na segurança uma espécie de desafio, que as convida a provar
que podem ser livres” (Winnicott,1965vg {1960},p.43).
No entanto, para o autor, as pessoas (cf.Winnicott,1965vg {1960},p.44)
precisam viver livres para viver com criatividade e imaginação, pois a liberdade
é fundamental, favorecendo aos indivíduos perceberem neles mesmos, o que
têm de melhor. Em seu artigo “Segurança”, há a seguinte afirmação de
Winnicott sobre a liberdade: “Não obstante, convém admitir que alguns
indivíduos não podem viver em liberdade, por temerem a si mesmos e ao
mundo” (Winnicott,1965vg {1960},p.44).
Para compreender tal idéia, deve-se considerar o bebê, a criança, o
adolescente e o adulto não somente através da linha de evolução, mas
120
também do que eles exigem do ambiente quando vão crescendo e
amadurecendo.
As crianças nos dão sinal de sua boa saúde quando começam a ser
capazes de desfrutar da liberdade que cada vez mais lhe
conferimos. Esperamos que cada uma aos poucos adquira um
sentido de segurança. É necessário que se edifique, no interior de
cada criança, a crença em algo que não seja apenas bem, mas seja
também confiável e durável, ou capaz de recuperar-se depois de se
ter machucado ou mesmo perecido (Winnicott,1965vg {1960},p.44).
Assim, a criança, o adolescente devem ter um estado satisfatório de
confiança nas pessoas e objetos que os circundam. É este ambiente
(cf.Winnicott, 1965vg {1960},p.45) que torna possível o desenvolvimento sadio
das crianças e, sem uma confiabilidade mínima, o crescimento pessoal do ser
humano não acontece de forma integral ou ocorre com distorções.
Novamente no artigo “Segurança”, Winnicott explicita que, após os
períodos iniciais de dependência absoluta, a mãe vai aos poucos abrindo
espaço para que seu filho explore o mundo e expresse-se livremente, mas
com controle do ambiente:
Essa guerra contra segurança e os controles prolonga-se por toda a
infância; mas os controles permanecem sendo necessários. Os pais
ainda mantêm a postos uma estrutura disciplinar, com suas paredes
de pedra e barras de aço, mas na medida em que conhecem cada
criança individualmente, e na proporção em que se preocupam com
121
a evolução pessoal de cada um de seus filhos, eles aceitam a
atitude desafiadora dos pequenos. Continuam no papel de guardião
da paz, mas aguardam a anarquia e até revolução
(Winnicott,1965vg{1960, p.46).
As crianças, deste modo, vão tentar verificar se ainda podem confiar nos
pais, testando-os seja pelas regras, disciplinas e essas verificações se
fortalecem ainda mais na adolescência. Se as condições foram boas nos
estágios iniciais, acabam crendo que tudo deve ser assim e necessitam testar
medidas de segurança. Diz Winnicott:
Carregam consigo um sentido de segurança que é a todo momento
reforçado pelos testes que aplicam aos pais, aos familiares, aos
professores e colegas e a toda pessoa que conhecem. Tendo
encontrado todas as fechaduras trancadas, procedem a destrancá-
las e a abrir as portas e repetidamente lançam-se para fora. Por que
cabe aos adolescentes especialmente empreender tais testes? A
resposta parece ser que os adolescentes começam a encontrar em
si próprios uma nova gama de sentimentos fortes e até
amedrontadores e desejam verificar se os controles externos ainda
estão de pé. Mas, ao mesmo tempo, querem provar serem capazes
de romper esses controles e estabelecer a si próprios como pessoas
autônomas (Winnicott,1965vg {1960},p.47).
Desse modo, todo este mecanismo é um relacionamento vivo entre as
pessoas o qual abre espaço para o verdadeiro crescimento, pois as crianças
necessitam que o controle seja colocado, mas as pessoas que estabelecem
122
este controle devem ser amadas e odiadas, desafiadas e parceiras. Assim,
conclui o autor:
Aos poucos, e com o tempo, o crescimento verdadeiro confere à
criança ou ao adolescente um sentido adulto de responsabilidade,
sobretudo daquela responsabilidade ligada à provisão de condições
adequadas de segurança às crianças de uma geração mais nova
(Winnicott,1965vg{1960}, p.47).
Estendendo agora para os grupos, segundo Winnicott (Winnicott,1965s
{1955},p.220) podem ter origem de acordo com dois extremos a seguir:
Unidades sobrepostas e grupos de cobertura.
As unidades sobrepostas (cf.Winnicott,1965s{1955},p.220)
compreendem as unidades individuais e sua multiplicação que formam a base
de formação de um grupo maduro. Como exemplo, pode-se citar oito pessoas
bem integradas, que sobrepõem à vontade suas oito integrações,
compartilhando todos de uma certa membrana limitadora, semelhante ao
espaço potencial entre mãe-bebê. Estas pessoas se encontram, cada uma
com seu jeito de ser, com suas idéias, conceitos e, o grupo passa a ser um
local de encontro, em que as idéias são encontradas e compartilhadas,sem
invasões e violações, como no espaço potencial.
Esta membrana limitadora representa cada pele de cada membro
individual do grupo. Isto indica que, cada sujeito, traz consigo organizações
psíquicas, integrações pessoais que tendem a se manter de dentro para fora
123
na entidade grupal.O grupo, então, ganha o benefício, a vantagem de
transformar-se através das experiências pessoais de seus integrantes.
Já ao termo cobertura,o qual sugere cobertura (cf.Winnicott,1965s
{1955},p.220) a indivíduos não tão bem integrados, mas que através dela, o
grupo pode ser formado. O trabalho, resultado deste grupo, não vem dos seus
elementos, mas da cobertura oferecida. Os elementos passam por três
estágios: Manifestam contentamento por estarem cobertos e adquirem
confiança; exploram situações, tornando-se dependentes, regredindo para a
não-integração; os integrantes, independentemente uns dos outros, começam
a iniciar alguma integração e passam a utilizar a cobertura oferecida pelo
grupo, do qual necessitam pelas suas expectativas de perseguição.
Estes mecanismos de cobertura são submetidos a grandes tensões.
Alguns dos integrantes chegam a alcançar a integração pessoal e tornam-se
aptos, prontos para migrarem para outro tipo de grupo.
Os demais não podem ser curados somente pela terapia de cobertura e
continuam dependentes de uma direção. Os grupos mais maduros, integrados,
correspondem à democracia. Os grupos de adolescentes, mesmo que cada
elemento seja maduro, necessitam de uma supervisão, direcionamento São
oferecidas oportunidades para a contribuição da coesão do grupo, através das
mesmas forças que permitem a coesão nas estruturas egóicas individuais.
Em Sanches (2005), os grupos de iguais, gosto por afinidades:
124
Contribuem para a formação da identidade do adolescente e é o
grupo que define as normas do aceitável ou não-aceitável
socialmente para os seus membros. No entanto, a pressão do grupo
pode ter tanto efeitos positivos quanto negativos. Desta forma, a
interação entre amigos constitui um espaço de descobertas,
aprendizado, intimidade, de trocas afetivas, de informação, idéias e
projetos (Sanches,2005,p.176).
Aqui fica claro a necessidade de expansão do núcleo familiar, auxiliando
no desenvolvimento da identidade e é esse “nós” como grupo que dá a
sensação de identidade social.
Para Winnicott: “Ao observarmos o adolescente, vemos a gradual
ampliação do grupo com o qual o indivíduo é capaz de se identificar sem
perder sua identidade pessoal” (Winnicott,1990,p.173).
Desta forma, cada grupo é um aglomerado de indivíduos isolados, com
suas histórias, ideais a serem defendidos.
Em seu artigo “Família e maturidade emocional”, Winnicott conclui:
Se aceitarmos como correta a identificação entre saúde e
maturidade relativa, devemos ter como certo que o indivíduo só
possa atingir sua maturidade emocional num contexto em que a
família proporcione um caminho de transição entre o cuidado dos
pais (ou da mãe) e a vida social. E deve-se ter presente que a vida
social é em muitos aspectos uma extensão das funções da família
(Winnicott,1965p {1960},p.136).
125
É portanto, na família, que se confere a matriz inicial, o locus primitivo
de uma formação grupal.
5. As necessidades do adolescente
Winnicott relacionou as principais necessidades dos adolescentes
(Winnicott,1962a {1961}p.123): a necessidade de evitar a falsa solução: a
necessidade de sentir-se real, ou de tolerar a falta absoluta de sentimento;
necessidade de ser rebelde num contexto no qual confiadamente acolha
também a dependência e a necessidade de espetar, provocar a sociedade de
modo que o antagonismo desta faça-se manifesto, e possa ser rebatido por um
contra-antagonismo.
Em relação à necessidade (cf.Winnicott, 1962a) de evitar a falsa
solução, o adolescente expressa a sua incapacidade de aceitar o meio-termo;
a necessidade de sentir-se real ou ausência de realidade, correspondendo à
depressão psicótica ou despersonalização, sentimento de inutilidade, vida fútil;
A necessidade de desafiar aos pais, à sociedade corresponde ao assassinato
simbólicos dos pais, ou seja, para que o jovem púbere possa ser algo diferente
de seus pais precisa matá-los dentro de si. Por isso que os adolescentes tanto
se opõem aos pais.
126
O grande erro dos pais e especialistas é querer encontrar uma solução
para este período. “Há centenas de soluções falsas” (Winnicott,1962a
{1961},p.127). Qualquer conselho ou atitude de apoio, compreensão, estará
errado para os adolescentes, pois a resposta verdadeira para o adolescente é
a que ele faz e não a que dizem para ele.
Em O Brincar e a Realidade, Winnicott diz:
Os pais quase não podem ajudá-los; o melhor que podem fazer é
sobreviver, sobreviver incólumes e sem alterar-se, sem o abandono
de qualquer princípio importante. Isso não quer dizer que eles
próprios não possam, crescer (Winnicott,1969c,p.196).
Com o passar do tempo, porém, percebe-se que aquele garoto e aquela
garota temperamentais, impacientes, depressivos, maníacos já transpuseram
este período e começam a se identificar com a sociedade e com os diversos
papéis que ela exige.
Passam também a se identificar com os pais, com todos os gêneros de
grupo, expandindo a área da criatividade, sem sentirem a ameaça da perda de
si mesmos e das suas identidades.
Quando se observa estes ciclos evolutivos que se iniciam com os
cuidados maternos iniciais, o holding, manejo e seus prolongamentos até o
interesse dos pais pelos seus filhos, agora adolescentes, fica evidente a
necessidade humana de possuir um círculo, contato cada vez mais amplo,
largo, proporcionando cuidado ao indivíduo e a necessidade deste de inserir-
127
se em um contexto que possa, posteriormente, acolher aceitar seu gesto de
criatividade, espontaneidade.
Todos estes círculos, (cf.Winnicott, 1965p {1960},p.131) que se iniciam
com um pequeno cercadinho e, aos poucos, tornam-se imensos cercados,
nada mais são que o colo, braços e o cuidado da mãe.
Winnicott cita o seguinte trecho: “Só em uma atmosfera criada pela
maturidade dos adultos é que os adolescentes sadios podem descobrir em si
próprios, o anseio de corpo e alma por uma união de corpo e alma”
(Winnicott,1949j,p.244). Como a adolescência é uma reedição dos estágios
precoces do amadurecimento pessoal, explicados no capítulo 1, ocorre aqui
um novo casamento entre psique e corpo. O que acontece com o corpo nos
estágios precoces oferece sentido ao que acontece de fato. Em situações
patológicas, psique e corpo se separam. Há seres humanos que possuem
mente, mas não têm corpo.
Assim, as transformações corporais que se seguem ao adolescer vão
exigir uma nova harmonização do alojamento da psique ao corpo. Isso só será
possível com a sustentação do ambiente, um manejo, holding eficientes,
tornando a família como referência central para este processo.
E, novamente, o adolescente vivencia as três realidades*: Subjetiva
(poder encontrar no mundo o que ele cria); transicionalidade e o ideal do eu
(encontrar no mundo coisas que não se é, mas que tem a ver consigo mesmo).
*O desenvolvimento deste tema foi explicado na fase da transicionalidade, no capítulo
1 deste trabalho.
128
Em seu artigo “Moral e Educação”, Winnicott o finaliza afirmando:
Como disse o Prof. Niblett na primeira conferência desta série, não
podemos nos dirigir aos adolescentes com as palavras: é com
vocês. Temos de lhes propiciar, na primeira infância, na meninice e
na adolescência, no lar e na escola, o ambiente favorável em que
cada indivíduo possa desenvolver sua capacidade moral própria,
desenvolver um superego que evoluiu naturalmente dos elementos
da crueza do superego do lactente, descobrir seu próprio modo de
utilizar ou não o código moral e o acervo da cultura geral de sua
época (Winnicott,1963d,p.98).
Contudo, é muito bom que os jovens (cf.Winnicott,1969c) tentem
modificar a sociedade e mostrem aos adultos outras formas de ver o mundo,
mas onde este desafio de adolescer estiver, é fundamental que haja adultos
para os aceitarem e não os combater.
6. A escola como ambiente
É fato que cultura e ambiente, juntos, favorecem os processos
constitutivos do sujeito nas práticas educativas.
A escola, antes de educar e transmitir instrução, é um espaço da
sociedade e assume a função de civilizar o indivíduo. Winnicott (df.Dias,2003)
sempre se ocupou de falar para cuidadores em geral como babás,
129
enfermeiras, assistentes sociais, professores, mães, médicos, pois sabia da
importância do suporte afetivo e sua teoria permite esta abrangência de
discussão no ambiente escolar, pois é uma teoria que trata das relações inter-
humanas, em termos dos seus afetos.
Sanches diz:
A escola, de fato, está menos “misturada” com as crianças do que as
famílias. Dessa forma, é mais fácil para a instituição enxergar
questões que os pais, tão diretamente ligados a elas, não têm
possibilidade de ver. É como se a escola entrasse nas famílias como
um olhar de fora, mais isento, mais objetivo, menos carregado de
fantasmas. (Sanches,2005,p.60).
Assim, aparecem fatos e comportamentos na escola que, muitas vezes,
não ocorrem no ambiente familiar, ou este não o vê. O professor, neste caso,
precisa ter um vínculo, elo afetivo com seus alunos para perceber um grito de
socorro, uma dificuldade, evitando sofrimento tanto para o aluno quanto para a
família.
Experiências dolorosas como separações, doenças, falecimentos,
exclusão por parte de amigos, implicância de professores, podem se tornar
traumáticas para o aluno, se a escola, como um ambiente suplementar em
relação à família, não enxergar a tempo.
Fundamental que não somente que o professor polivalente, mas
também que os especialistas troquem informações entre si sobre seus alunos,
pois é uma forma de avaliar e refletir como profissionais de áreas diferentes
130
percebem seus educandos. Esta avaliação, segundo Sanches (2005) pode ser
feita nos mais diversos contextos como no recreio, aulas de Educação Física,
sala de Artes e outros momentos que se achar importantes.
Tal observação se refere ao que o professor está sentindo diante da
situação. Nota-se que a perspectiva winnicottiana coloca o ambiente como um
fator de base e suporte para as relações humanas. No entanto, isso dependerá
muito da estrutura do colégio em estar ou não aberta a outros conhecimentos
e estudos, principalmente de outras áreas e, se os vários segmentos do
colégio (ensino fundamental I e II, ensino médio) possuem sincronia entre si;
se há ou não disputas entre professores, coordenadores e direção, se há
participação e envolvimento dos pais em atividades e reuniões. Então, é o
ambiente que precisa ser avaliado.
Logo, parece importante a abertura (cf.Sanches,2005) das escolas para
essas reflexões e, a teoria winnicottiana amplia o olhar do leitor no que se
refere à sustentação ambiental, o cuidar, o manejo.
Assim, pode haver um avanço na qualidade do atendimento e
supervisão dos alunos, bem como a melhora nas relações inter-pessoais com
uma atuação mais preventiva de situações conflituosas. Como experiência
própria, considero importante, em algumas vezes, deixar o conteúdo de lado, e
realizar uma atividade de conversa com a classe, revelar nossos sentimentos,
como estamos nos sentindo, o que os alunos têm a dizer, oferecer abertura
131
para sugestões, trazer um tema de destaque social para a sala, usar uma
estratégia que tenha “a cara” da turma e aplicá-la.
Mas, para isso, o professor deve fazer uma boa e criteriosa avaliação
diagnóstica da classe, traçar o seu perfil, identificar quais atividades podem ser
exploradas e quais não dão certo. Trata-se de um desafio para o docente que,
sobrecarregado de horas/aula, provas a serem corrigidas, conteúdos a serem
atingidos e assimilados, pressões por parte da diretoria e coordenação, muitas
turmas sem saber exatamente o nome de cada aluno, desenvolver esta
capacidade de prestar atenção ao jovem, perceber a necessidade de uma classe
quanto a uma atividade que pode fazer florescer idéias, trocas e debates. Isso é
cuidar na obra winnicottiana, é saber segurar o aluno, ampará-lo, ter jogo de
cintura (manejo) para mudar o foco de uma atividade que não está dando
resultado e modificá-la com outra estratégia, de modo que ele possa extrair de si
mesmo ou desenvolver seu potencial criativo. Apresentar a ele condições para
que seu potencial seja expresso.
Quando ingressei no colégio, em 2006, percebi e senti muita indisciplina
e hostilidade de algumas classes. Fui, em muitos momentos, desafiada e
ridicularizada por alunos adolescentes que agiam individualmente e, em grupo.
Senti que, se demonstrasse impotência e fraqueza, estaria no domínio do
grupo. A teoria de Winnicott me auxiliou a perceber que o ambiente e as
pessoas que o compõem (familiares, educadores, amigos, etc.) devem ter um
relacionamento pessoal e afetivo. Não se trata de uma técnica (no sentido
132
mecânico) dos cuidados, mas das efetivas relações inter-humanas marcadas
pela comunicação e pela proximidade emocional, sem que isto signifique
aceitar tudo que o adolescente faz. Mas, eu precisava melhorar a qualidade no
relacionamento com os alunos.
A questão que se coloca ao ambiente é a de sustentar o adolescente no
seu amadurecimento, o que implica em reconhecer sua condição (imaturidade,
procura de ser real, necessidade de enfrentamento, de agrupamento etc.) e
poder, nesta experiência de comunicação verdadeira, colocar-se no lugar em
que ele precisa, seja para fornecer “colo” na dependência seja para oferecer
um enfrentamento firme e afetivo.
Ao me mostrar firme, presente, pude reconhecer exatamente o que
aqueles alunos precisavam em termos de atividades, formas de
relacionamento, pois este jogo de testar o professor é, na verdade, uma
afirmação de si mesmo. Ao final de dois anos, nosso relacionamento inter-
pessoal melhorou significativamente, com resgate do respeito a minha pessoa,
bem como a participação dos alunos nas aulas.
É óbvio que há casos isolados e que requerem intervenções e
encaminhamentos para profissionais especializados, como os psicólogos. No
entanto, ler e estudar Winnicott nos auxilia a ampliar, reconhecer e atuar de
forma preventiva nos relacionamentos, auxiliando tanto professores,
coordenadores e, principalmente os alunos, em uma perspectiva que valoriza a
figura do adolescente e suas necessidades.
133
IV.Considerações Finais
Nos capítulos anteriores, ocupei-me em mostrar que Winnicott considera
a adolescência uma situação na qual são retomados diversos aspectos dos
estágios primitivos de desenvolvimento, isto é, neste momento são retomadas
questões relativas à integração entre a psique e soma, as relações com os
diversos tipos de realidade (subjetiva, transicional, objetivamente percebida),
as relações identitárias e existenciais, bem como a administração dos instintos,
nas relações interpessoais.
A adolescência é o momento (cf.Davis & Wallbridge,1982,p.95) de se
fazer uma nova adaptação à realidade, e a vulnerabilidade do eu ocasiona uma
nova dependência em relação aos cuidados, amparo e sustentação do
ambiente, pois o adolescente padece do sentimento de irrealidade e sua luta
indica este caminho: ser alguém e constituir-se em um eu dentro de um grupo
por meio de um ambiente firme, seguro que o sustente no que ele é ou procura
ser.
O poder instintual é reforçado com uma potência que confere ao
adolescente a possibilidade de gerar e de matar, juntamente com a astúcia, a
arrogância, ironia, mentira e a necessidade de confronto com a sociedade
134
(Winnicott,1969c,p.199). Sua luta dirá respeito à necessidade de sentir-se real
e ser alguém em algum lugar a ser descoberto (Winnicott,1962a{1961},p.123),
necessitando de um ambiente confiável, seguro e com uma comunicação
autêntica que reconheça as suas necessidades: ser e continuar sendo
(Winnicott,1962a{1961},p.123).
A rebeldia, o confronto, a contestação e o movimento são formas de
experiências de si mesmo (Winnicott,1969c) e da imaturidade também pois,
estas são sinais de saúde, compreendendo todos os aspectos mais ricos do
processo criativo, idéias de um novo viver, rompimentos com tradições e novas
ideologias (Winnicott,1969c,p.198).
Com tudo isso, os adolescentes não aceitam falsas soluções, conselhos,
lições de moral, pois vêem nelas a falsidade, querendo buscar e encontrar
respostas próprias, pois elas são parte da criação de si mesmos
(Winnicott,1962a,p.122). Querem criar suas respostas aos seus modos,
modificar a sociedade, movimentar e alterar o que, para eles, não é autêntico.
Para Winnicott, o adolescente é por si só um ser isolado
(Winnicott,1962a,p.118) e esta preservação de seu isolamento é parte da sua
procura de identidade (Winnicott,1965j,p.173). Os grupos de adolescentes são
coleções de jovens isolados que anseiam formar um agregado de indivíduos
por afinidades (Winnicott,1962a). São essas relações individuais, uma a uma,
que levam à socialização. É um momento em que o jovem repete a sua solidão
essencial quando bebê, partindo de um estado de isolamento
135
(Winnicott,1962a,p.165) até que seja capaz de estabelecer relacionamentos,
seguindo na linha do amadurecimento, procurando reconhecer e integrar
objetos.
Constatei que os estudos e observações de Winnicott referem-se a um
tipo de experiência da natureza humana que podem ser encontrados em todo
indivíduo, pois são questões que fazem parte da constituição psíquica do ser,
experiências de sentir-se real, continuidade de ser, ou seja, a provisão
ambiental que lança e solidifica estas bases.
A exposição da teoria do amadurecimento pessoal de Donald Winnicott
enfatiza o papel da mãe (cf Dias, 2003, p.96) nas tarefas primitivas de
constituição do ser humano, a importância de uma linha da vida, uma evolução
psíquica do indivíduo através de cuidados e de um ambiente acolhedor e
sustentador. Afirma-se ainda que, a adolescência é uma reedição das
dinâmicas que caracterizam a primeira infância, bem como o momento de
retomar os problemas desta fase, de modo que o jovem possa finalizar seu
amadurecimento no encontro de si mesmo e na conquista de uma
independência relativa.
A busca de si mesmo em um “eu” diferente dos outros, com opiniões
próprias, vontades e necessidades, retorna com grande intensidade acrescido
de uma potência física e sexual (cf.Winnicott,1969c) que não existia
anteriormente, mas que agora, dá ao adolescente o poder de matar e de gerar.
136
Este retorno aos estados primitivos do desenvolvimento humano
(cf.Winnicott, 1962a) são recapitulados, justamente, pelo padecimento do
sentimento de irrealidade pelo qual o adolescente passa, pois ele não sabe
quem ele é, o que deseja ser, o que quer fazer e, sua principal luta e busca
neste ponto refere-se às experiências de sentir-se real. Para tanto, o jovem
(cf.Winnicott, 1962a, p.123) busca estas oportunidades de experimentar o que
procura de modo intenso, para organizar sua realidade subjetiva, transicional e
sua realidade interna e externa.
Mais ainda, ele quer que a realidade e o lugar onde possa viver sejam
diferentes do que ele recebe do mundo de fora, pois ele precisará chegar à
realidade do mundo com a sua realidade.
Na maioria das vezes nunca sabe (cf.Winncott,1962a,p.123), ou não
compreende, o porquê de tantas coisas que faz, mas suas emoções indicam
que este é o caminho para a busca de si mesmo.
Para Winnicott (cf.Winnicott, 1969c), o adolescente vivencia então, três
tipos de realidades: a subjetiva, que se refere a encontrar no mundo o que ele
cria; a realidade transicional, que indica o ser que se constitui por meio do
gesto e só alcança a possibilidade de viver no registro da transicionalidade,
aquele que acolhe o registro de viver na transitoriedade. É justamente este
aspecto que o possibilita reinventar-se na realidade objetiva significando
encontrar no mundo coisas e fatos que o jovem sabe que não é ele, mas que
tem relação consigo mesmo.
137
Como exemplo, ele pode não concordar com a ideologia e regras do
colégio que estuda, mas gosta de estar ali, fazer parte de, pois tem uma
relação que vai ao encontro dos seus interesses em estudar, ser alguém na
vida. Isto é, um ambiente que possibilita ao jovem um modo de ser, expressar o
seu gesto espontâneo que o constitui e encontrar a si mesmo em um lugar que
permite esta expressão.
Em uma gincana escolar, a escolha das provas, a definição dos passos
do concurso de dança ou o repertório do grupo de rock são modos de
expressão deste Ser no mundo.
Outro aspecto importante da psicanálise winnicottiana e que vivenciei
diversas vezes na minha atuação como docente foi, a confrontação
(cf.Winnicott,1969c) e, nestes casos, a grande dificuldade sentida de minha
parte foi, aceitar este desafio proposto por Winnicott. O desafio do confronto,
da rebeldia, da ironia, do inconformismo do adolescente citados em O Brincar e
a Realidade: “A confrontação tem de ser pessoal. Se é que os adolescentes
querem ter a vida e vitalidade, os adultos são necessários. A confrontação é
própria da contenção que não é retaliatória, nem vindicativa, mas possui sua
própria força”(Winnicott,1969c,p,202).
Então, pais e professores são reconhecidos ora como opositores, ora
como cuidadores, pois o jovem não quer respostas prontas e lições de moral,
definições sobre o que é certo e errado. Ele quer suas próprias respostas
(cf.Winnicott 1962a,p.122) para o que está buscando, mesmo que isto custe
138
errar sucessivas vezes, pois estas respostas e erros são criações dele mesmo,
o seu jeito de ser e estar no mundo, autenticamente do seu estilo.
Simultaneamente, ele oscila entre a dependência e a independência
(cf.Winnicott,1965p,p.130) querendo colo e o amparo ou deseja se afastar dos
pais e professores, realizando coisas que dêem a ele o sentimento de auto-
suficiência. É este movimento de ir e vir que indica a necessidade de
sustentação por parte do ambiente e a confiança no mesmo.
Ser confrontado por um adolescente (cf.Winnicott, 1969c) exige firmeza
do adulto em estar preparado para ver e ouvir insultos, ser testado na sua
autoridade até o ponto de “Vamos ver até quando e o quanto eles agüentam”,
presenciar indisciplina e uma ironia sarcástica dando a entender que o adulto é
ridículo, não sabe o que diz, está por fora do que acontece ou “Não estou nem
aí para o que é, diz ou pensa”, beirando a uma indiferença e desprezo pelo
adulto.
Como diz Winnicott em O Brincar e a Realidade: “O conselho dado à
sociedade poderia ser: por amor aos adolescentes e à sua imaturidade, não
lhes permitam crescer e atingir uma falsa
maturidade...”(Winnicott,1969c,p.198). Será que a sociedade está pronta e
suporta tudo isso?
No entanto, para que isso seja possível, torna-se fundamental um
ambiente suficientemente bom e acolhedor (cf.Winnicott,1953d,p.217),
substituindo os cuidados característicos dos estágios primitivos de
139
desenvolvimento. Os pais, professores e cuidadores de adolescentes em geral,
não podem simplesmente “jogar a toalha” ou “entregar os pontos”, esperando
que o tempo se encarregue de fazer concertos. Tais concertos são possíveis
com cercados, proteções que vão se ampliando gradativamente.
Dar este tempo (cf.Winnicott, 1962a) significa possibilitar ao adolescente
oportunidades para ele experimentar a si mesmo, suas buscas, com amparo e
sustentação de uma ambiente acolhedor e previsível. Este confronto é
justamente o teste dos cercados citados no capítulo 2.
Trata-se então, de um grande desafio para os cuidadores de
adolescentes, no sentido de estarem prontos e firmes para receberem este
confronto, elaborá-lo e devolvê-lo sem retaliação. A indisciplina é, não só, um
pedido do jovem para a imposição de limites e contenção, mas também o
encontro (cf.Winnicott, 1965q) e afirmação de si mesmo. Ele pode sair do
cercado, mas não destruí-lo.
Citei no trabalho que, para Winnicott, a cura da adolescência
(cf.Winnicott ,1969c) vem com o passar do tempo, mas não basta esperar três
ou quatro anos para esta cura. Pais precisam estar presentes para sobreviver
aos impulsos agressivos do filho e este precisa sentir que seus pais estão na
retaguarda e se preocupam com ele. O jovem precisa experimentar. É a
confiabilidade no ambiente (cf.Winnicott,1965q) que vai permitir ao jovem ter
experiências de si mesmo. O ambiente precisa fazer o papel de um holding
satisfatório, um manejo adequado e atuante, sendo duro no momento em que é
140
preciso conter e acolher quando o filho se sente fragilizado. Pais precisam
perceber as necessidades do filho, o que ele está sentindo e expressando, mas
não invadir a necessidade de isolamento do filho, pois esta “solidão” é o
momento de recuo para o núcleo central se sua vida.
No meu dia a dia senti que adolescentes da 5ª série, com toda uma
gama de dificuldades de adaptação a uma nova série, comportamentos ainda
infantis e dependentes, brincadeiras bobas e que atrapalhavam as aulas,
quando chegavam à 7ª e 8ª séries, apresentavam uma evolução e melhora em
relação a estes comportamentos.
É fato que, em Winnicott, o adolescente é imaturo
(cf.Winnicott,1969c,p.198) e esta imaturidade contém aspectos preciosos desta
fase de desenvolvimento como o pensamento criativo, sentimentos novos e
diferentes, idéias de um novo viver.
Há dinâmicas envolvidas neste aspecto de mudança de série, pois o
adolescente, por ser imaturo, se identifica com pessoas, figuras que
representam força, segurança e vitalidade (Sanches,2005). Nesta passagem
de uma série para outra, o grupo exerce um papel de extrema importância para
a busca de identidade do jovem, favorecendo a ele perceber o que ele tem de
melhor nele mesmo. Ele passa por um processo de integração em si mesmo,
reconhecendo e integrando elementos. Os grupos homogêneos, de igualdade
entre gostos e afinidades, contribuem para a formação da identidade do jovem
e do sentimento de pertença a um núcleo.
141
Esta interação entre os membros do grupo promove descobertas, trocas
de idéias e trocas afetivas, lembrando que, para Winnicott, todo processo de
socialização entre sujeitos parte de uma posição de isolamento. O adolescente
é por si só um ser isolado (Winnicott,1962a{1961},p.118). Portanto, os grupos
de adolescentes (cf.Winnicott,1962a) podem ser comparados a um aglomerado
de sujeitos isolados que desejam formar um agregado de seres através da
similaridade de gostos e afinidades.
A presença atuante dos pais, que vão à escola obter informações,
conversar com orientadores e professores, favorece este processo, pois eles
transmitem segurança, apoio e preocupação com o desempenho escolar,
afetivo e social de seus filhos.
A transicionalidade e a criatividade a ela associada, retorna na
adolescência (cf.Filho,2005,p.75) sob a forma de comportamentos exóticos
semelhantes aos fenômenos transicionais, como pintar os cabelos, uso de
tatuagens e piercings, andar despenteado ou desarrumado, no cantarolar de
uma música ou mesmo ouvi-la por meio de aparelhos como MP3, MP4, sons e
fotos em celulares, sendo este um acessório tão básico, inseparável e
fundamental assim como uma escova de dentes. Práticas esportivas
(Sanches,2005) também favorecem que este espaço potencial se enriqueça
pela expressão da autenticidade, pois o jogo, a competição são recursos na
construção do si mesmo, garantindo ao jovem a descoberta da sua capacidade
142
de fazer, expressar, sentir, realizar o seu potencial, por meio de suas
características pessoais.
Ao ter o seu jeito de chutar uma bola, sacar, atacar, defender, o
adolescente (cf.Sanches,2005,p.182) sente-se seguro para utilizar este
potencial pela sua vida, desenvolvendo uma capacidade para criar e descobrir
coisas novas. Ele cria a si mesmo.
Na verdade, qualquer atividade pode vir a fazer parte desta área
intermediária, com o colorido e o sentimento de estar pessoalmente presente.
No entanto, o espaço potencial não possui vez nas circunstâncias em que a
linha da vida é interrompida, pois há violações e invasões ao verdadeiro self.
Se o ambiente não foi previsível e fidedigno, há empobrecimento desta área
intermediária. Winnicott diz :
A confiança do bebê na fidedignidade da mãe e, portanto, na de
outras pessoas e coisas, torna possível uma separação do não-eu a
partir do eu. Ao mesmo tempo, contudo, pode-se dizer que a
separação é evitada pelo preenchimento do espaço potencial com o
brincar criativo, com o uso de símbolos e com tudo o que acaba por
se somar a uma vida cultural (Winnicott,1971q,151).
Esta provisão ambiental proporciona (cf.Winnicott,1949j) o sentimento de
confiança ao bebê no ambiente e, para o jovem, há esta necessidade de sentir
confiança em saber que seu gesto de expressão será compreendido e tolerado,
com liberdade e espaço para este viver criativo. Os jogos, as brincadeiras, o
143
ouvir música, a prática de esportes, o andar em bando possibilitam aos
adolescentes as suas descobertas em poder fazer, pensar, sentir, ou seja,
realizar coisas que sintam como “sendo eles” e que os outros os vejam: “Assim
somos nós”.
É neste ponto que o jovem se constitui por meio do gesto, da ação
espontânea, da sua criação, pois o objeto transicional (cf.Winnicott,1968i,p.62)
é encontrado e criado durante a vida toda, através das três realidades:
subjetiva, transicional e realidade externa.
Entretanto, há jovens que apresentam um padrão de falso self
estruturado, devido à submissão proveniente (cf.Phillips,2006) de estados de
invasão ao verdadeiro self e quando as exigências de sujeição são
avassaladoras. O verdadeiro self, então, se recolhe para se proteger, dando
vez a uma máscara que executa socialmente seus papéis, mas sem a
espontaneidade e criatividade tão fundamentais na criação de si mesmo. Tudo
passa a ser muito mecânico e superficial, sem a participação e envolvimento
efetivo e afetivo do indivíduo nas suas conquistas e objetivos.
São os jovens muito adaptados (cf.Sanches,2005), que aceitam tudo
com muita naturalidade e sem contestação, mesmo contra suas vontades, que
cuidam das responsabilidades do lar, sendo pais dos próprios pais e dos
irmãos. Isto se torna um fardo pesado demais para estes jovens, pois destrói o
que há de mais precioso: sua autenticidade.
Winnicott comenta isso em O Brincar e a Realidade:
144
Uma criança de qualquer idade (seis anos, digamos) pode
subitamente necessitar tornar-se responsável, talvez devido à morte
de um genitor, ou à desagregação da família. Essa criança tem de
envelhecer prematuramente e perder a espontaneidade, a
capacidade de brincar e o impulso criativo despreocupado. (...)
Alguém fica contente? Certamente não o fica o adolescente (...) .Há
perda de toda a atividade e dos esforços imaginativos da imaturidade
(Winnicott,1969c,p.197).
Seus desejos, anseios e metas são sepultados
(cf.Winnicott,1969c,p.197) ou adiados para, quem sabe, em um outro momento
da vida serem retomados ou não, devido às pressões deste ambiente que não
o proveu o suficiente e, como a adolescência é o momento de retomar os
problemas da primeira infância ou concertar situações conflitantes, o tempo se
esgota aqui. O adolescente não pode ser este ambiente, ou se prover sozinho
ou ser a provisão de outras pessoas, pois este percurso ainda está em
andamento e, não deve ser interrompido. Por vez, acabam se tornando adultos
com sentimento de vazio e futilidade em suas vidas, com uma ausência de
sentido e esperança além do horizonte.
Sanches esclarece este sentimento de futilidade em Winnicott na clínica
e na instituição: “A máscara, bela, feia ou apavorante, mas sempre estranha,
deixa de ser reconhecida como tal. E o rosto, tão bem escondido, não vive,
fenece” (Sanches,p.24,2005).
145
Estes sujeitos chegam à fase adulta (cf.Sanches,2005) sem brilho e
vitalidade, como se tudo fosse uma obrigação, formalidade social, ou seja, um
empobrecimento da sua capacidade de expressão criativa e da vida afetiva.
Mas, ao se depararem com situações que envolvam a espontaneidade, o
despojamento e a autonomia, certamente se frustrarão, pois esta capacidade
de ser no mundo através da expressão criativa está escondida ou foi perdida.
A objetividade surge nestes aspectos e há total ausência da capacidade
de brincar, de aproveitar um momento de descontração, de se divertir sem
compromisso, de esboçar um sorriso natural e autêntico. Tudo fica muito
sacrificante e pesado na vida destas pessoas (Sanches,2005).
A provisão ambiental (cf.Winnicott,1965k) é fundamental para a
estruturação da vida psíquica do ser humano. Fica claro que a desconfiança e
decepção ao ambiente, favorecem o aparecimento de distúrbios psicológicos,
problemas concentrados na experiência do existir, do sentir-se real, do fazer
parte de.
Cuidadores em geral de adolescentes, sobretudo no campo da
Educação, precisam entender o que o jovem quer expressar. Precisam ser
mais próximos no sentido do toque ou apenas estar ali com um sorriso, entrar
em uma brincadeira, saber do que gostam e, sempre, não bater de frente em
um confronto originário de uma brincadeira ou pegadinha. O professor acaba
assumindo o papel de um amigo caloroso e simpático (cf.Winnicott
1953d{1951},p.221), uma pessoa coerente em seu comportamento, discernindo
146
alegrias e mágoas dos alunos, tolerante com as incoerências dos mesmos e
apto a ajudá-los em momentos de necessidades especiais.
Rir de si mesmo pode parecer regressão ou “passar de bobo”, mas é
uma forma de conquistar a confiança e empatia de um adolescente, pois o seu
gesto de criação será reconhecido. Uma dinâmica de interação, uma
brincadeira em grupo que promova a cooperação e união, como o teatro, são
atividades que possibilitam o enriquecimento da expressão criativa, o
relacionamento interpessoal e a interação do grupo, bem como um elo de
afinidade com o professor. No entanto, se o confronto beirar à falta de respeito
à dignidade da pessoa humana, com agressões verbais ou físicas, cabe ao
ambiente intervir através do cuidado, amparo, pois a escola tem um papel
suplementar em relação aos primeiros cuidados em fases primitivas. É um local
de ampliação destes cuidados.
O autor comenta sobre a função da escola em “A mãe, a professora e as
necessidades da criança”:
Uma delas é o fornecimento, durante algumas horas diárias, de uma
atmosfera emocional que não é a tão densamente carregada do lar.
Isso propicia à criança uma pausa para o desenvolvimento pessoal.
(...) A escola, que é um apoio, mas não uma alternativa para o lar,
pode fornecer oportunidades para uma profunda relação pessoal
com outras pessoas que não os pais (Winnicott,1953d {1951},p.217).
147
Sendo assim, estas oportunidades surgem com a presença dos
professores, funcionários, alunos e no estabelecimento de uma estrutura
ambiental que garanta aos últimos a possibilidade de realização de
experiências. Isto significa que a escola tem que criar condições para que a
linha intermediária entre ilusão e realidade enriqueça a capacidade criativa dos
alunos, auxiliando-os a encontrar uma relação entre suas idéias livres e o
comportamento que precisam ter para se relacionar em grupo. A escola deve
propiciar a comunicação, trocar experiências com, debater com, conviver com.
São estas ações que demonstram que nós estamos ali, não precisamos
dizer nada, mas estamos disponíveis.
Winnicott afirmou em “A criança e seu mundo: ”Um bom ensino, exige do
professor uma tolerância das frustrações em sua espontaneidade de dar ou
alimentar-frustrações que podem ser agudamente sentidas”
(Winnicott,1941a,p.229).
Sendo assim, é possível, mesmo em situações difíceis e
constrangedoras, que são submetidos os profissionais da Educação, fazer uma
leitura rápida do que este jovem está pedindo e necessitando. Se a família
(cf.Winnicott,1953d{1951},p.221) não pode sustentar psiquicamente e acolher
este adolescente, a escola pode e deve realizar este trabalho, pois é neste
ambiente que o jovem irá testar toda sua potencialidade e exercer seu papel
social de estudante.
148
Há grupos de adolescentes (cf.Winnicott,1946a,p.234) cujos lares são
satisfatórios e outros cujos lares são insatisfatórios. O primeiro grupo
compreende jovens que usam esses lares para seu desenvolvimento
emocional, pois os pais são dispostos e aptos a proporcionar, identificar o que
é essencial para seus filhos. A escola, para este grupo, acaba sendo um
ambiente que acrescenta algo às suas vidas, querem aprender ensinamentos.
Por outro lado, o segundo grupo vai à escola com outro objetivo: que este
ambiente forneça a eles o que seus lares não lhes proporcionaram. Não vão à
escola para aprender, desempenhar, perguntar, mas para encontrar um “lar“
fora de casa, uma situação emocional ou grupo do qual possam fazer parte e,
fazer experiências com este ambiente-escola, testá-lo para verificar se tolera
seus conteúdos agressivos.
Fundamental também entendermos (cf.Winnicott,1962a,p.123) a
oscilação emocional do adolescente que ora quer uma coisa, ora quer outra.
Em um momento é dócil, educado e, em outro age com rispidez e indiferença,
pois ele é imaturo e tem problemas com a realidade. Como já foi citado no
capítulo 2, o adolescente quer ser alguém em algum lugar, mas ainda não
descobriu este lugar e, esta oscilação indica esta busca, este encontro.
Em relação à família (cf.Winnicott, 1965vg,p.43), o adolescente precisa
sentir esta abertura de contato, que pode se movimentar e ir até aos pais pedir
ajuda, ou seja, sair do cercado e ter por onde retornar pois, sua família está ali,
esperando por ele. Isto é confiabilidade. O adolescente tem que sentir: “Eu
149
tenho com quem contar”. Poder depender é poder prever que o ambiente dará
conta das suas necessidades. Torna-se desestruturante para o adolescente
não poder “contar com”.
Sendo assim, se tudo correu bem no início, este é o processo seguinte:
estar pronto para esta inquietação, movimento e vitalidade do jovem que
deseja transformar e chocar a sociedade. Trata-se de um sinal de saúde para a
sociedade. Por isso, não há gratidão e reconhecimento por parte dos
adolescentes, pois eles conseguem toda esta transformação por meio de si
mesmos, e não propriamente recebem algo de fora para que esta inquietação
aconteça (cf.Winnicott,1969c,p.202).
À escola, cabe o papel (cf.Winnicott, 1953d{1951},p.221) de fornecer
oportunidades para o florescimento de potencialidades criativas, emocionais,
sociais e intelectuais, por meio de um ambiente confiável, estável que favoreça
a inventividade, a brincadeira. O professor deve ter uma capacidade intuitiva
para perceber e auxiliar seus alunos. Ele deve, antes de ensinar, conhecer seu
educando, ter uma relação de reciprocidade, não uma relação de comando,
submetendo seus alunos a condições.
Winnicott diz em seu artigo “Sobre influenciar e ser influenciado”:
Quanto mais observamos, tanto mais concluímos que se os
professores e alunos estão convivendo de um modo saudável,
encontram-se empenhados num sacrifício mútuo de espontaneidade
e independência, e isso é quase tão importante, como parte da
150
educação, quanto o ensino e aprendizagem dos assuntos
programados” (Winnicott,1941a,p.230).
Fica evidente que o autor chama a atenção para a relação, vínculo
professor-aluno e que a subserviência de um aluno, nem sempre é sinal de
aprendizagem. O elo, a ligação entre educador e educando que promove o
alicerce para o ensino.
Enfim, os cuidados iniciais dos estágios primitivos do desenvolvimento
humano são o alicerce da vida psíquica do ser humano. A relação de
reciprocidade mãe-bebê (cf.Phillips,2006,p.26) é única e primordial para a
saúde, pois é ela que lança as bases para as experiências de ser e sentir-se
real. Para a adolescência (cf.Sanches,2005), estes cuidados são retomados
para que o adolescente, através da sua imaturidade, possa realizar
experiências de si mesmo, expressar o seu potencial criativo, desenvolver um
modo de ser e de se relacionar espontaneamente, autêntico e real, como
sendo o seu jeito de ser e de estar no mundo por meio de um ambiente firme,
seguro e confiável.
151
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__________________________________________________________________
*As referências à obra de Winnicott foram feitas segundo a classificação estabelecida por
Knud Hjulmand (1999), professor do Departamento de Psicologia da Universidade de
Copenhagen. As letras minúsculas, por exemplo, 1965b, referem-se à ordem em que os
artigos foram publicados. Esta bibliografia está presente na Revista Natureza Humana, volume
9, número especial 1, maio de 2007, revista esta publicada pelo Grupo de Pesquisa em
Filosofia e Práticas Psicoterápicas da PUC-SP.
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