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UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS
FACULDADE DE ARQUITETURA E URBANISMO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARQUITETURA E URBANISMO
MESTRADO EM DINÂMICAS DO ESPAÇO HABITADO
DEHA
DISSERTAÇÃO DE MESTRADO
No Olho da Rua
Dinâmicas da Arte Urbana na Cidade de Maceió
Renata Voss
Ivvy Pedrosa Cavalcante Pessôa Quintella
MACEIÓ
2007
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS
FACULDADE DE ARQUITETURA E URBANISMO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARQUITETURA E URBANISMO
MESTRADO EM DINÂMICAS DO ESPAÇO HABITADO (DEHA)
Ivvy Pedrosa Cavalcante Pessôa Quintella
DISSERTAÇÃO DE MESTRADO
No Olho da Rua
Dinâmicas da Arte Urbana na Cidade de Maceió
Orientador: Prof. Dr. Geraldo Majela Gaudêncio Faria
Catalogação na fonte
Universidade Federal de Alagoas
Biblioteca Central
Divisão de Tratamento Técnico
Bibliotecária Responsável: Helena Cristina Pimentel do Vale
Q7n Quintella, Ivvy Pedrosa Cavalcante Pessôa.
No olho da rua : dinâmicas da arte urbana na cidade de Maceió / Ivvy Pedrosa
Cavalcante Pessôa Quintella. – Maceió, 2007.
164 f. : il..
Orientador: Geraldo Majela Gaudêncio Faria.
Dissertação (mestrado em Arquitetura e Urbanismo : Dinâmicas do Espaço
Habitado) – Universidade Federal de Alagoas. Faculdade de Arquitetura e
Urbanismo. Maceió, 2007.
Bibliografia: f. 160-164.
1. Arte urbana. 2. Espaço público. 3. Esculturas – Maceió (AL). I. Título.
CDU: 7.067.3:711.4(813.5)
DEDICATÓRIA
Ao meu marido, Eduardo Quintella, e minha mãe, Zerilde Pessôa, sempre presentes;
os co-responsáveis pelas minhas conquistas.
Ao meu pai Edson Pessôa (in memorian)
AGRADECIMENTOS
- Minha família, em especial minha mãe e minha avó querida.
- Meu marido Eduardo, que pode se sentir um pouco “mestre” também, de tanto que me
ajudou. Obrigada por suportar todo esse processo. Te amo muito!
- À FAPEAL, pelo suporte financeiro necessário ao desenvolvimento desta dissertação.
- Ao meu orientador Geraldo Faria, com o qual eu tive a sorte e o prazer de conviver e
partilhar de seu conhecimento. Obrigada por tudo!
- À Profa. Dra. Vera Pallamin, que gentilmente aceitou nosso convite para examinar este
trabalho.
- A todos os professores que fazem o DEHA: Geraldo Faria, Regina Dulce, Emília Sarmento,
Ricardo Cabús, Josemary Ferrare, Maria Angélica da Silva, Leonardo Bittencourt, Verônica
Robalinho, Gianna Barbirato, Alexandre Toledo e Flávio de Souza. Cada um de vocês
contribuiu de diferentes maneiras para o meu trabalho. Queridos professores e atualmente
colegas, obrigada!
- À Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU). É um grande prazer fazer parte dela.
- À Profa. Dra. Célia Campos, eterna mestra.
- À Aliança Francesa de Maceió e seu diretor George Sarmento.
- Aos amigos e colegas do DEHA, em especial a turma de 2004. Nela encontrei amigos
verdadeiros.
- A Francisco Oiticica, amigo e colaborador.
- Aos amigos do extinto conselho curador da Pinacoteca da UFAL.
- Aos que colaboraram com este trabalho: Eulália Junqueira (ajuda inestimável!), Silvia Piatti,
Ana Paula e Adeciany, da Secretaria de Planejamento.
- Ao MISA, à Associação Comercial e demais órgãos públicos consultados.
- Aos bolsistas do MEP e do NEST e minha ex-bolsista Selene Morales.
- A todos os autores aqui referenciados que partilharam seus conhecimentos com outras
pessoas, contribuindo para o enriquecimento da rede de informação.
- Aos fotógrafos que me permitiram utilizar suas imagens: Ricardo Ledo, Francisco Oiticica,
Renata Voss, entre outros.
- A Miguel Vassalo, cujo trabalho foi de grande importância para esta pesquisa.
- Aos meus amigos queridos.
- Agradeço por não ter me faltado saúde nem força de vontade, apenas tempo.
Francisco Oiticica
“Uma obra de arte é uma coisa viva.
Qualquer obra de arte será viva
ou não será arte.”
(Ferreira Gullar)
RESUMO/ PALAVRAS-CHAVE
Arte Urbana/Espaço Público/Esculturas/Maceió
A construção desta dissertação baseou-se na compreensão de que as manifestações
artísticas enriquecem a experiência vivencial-sensorial na cidade, sendo, de algum modo,
significativas para a população. Propôs-se neste trabalho inventariar as expressões de arte
urbana presentes nos espaços públicos de Maceió, para, a partir delas, analisar as dinâmicas
que envolvem sua criação e sua presença na cidade. A expressão “no olho da rua” pretende,
assim, aludir à situação de estar de “corpo presente” no espaço público da cidade. Esta
investigação foi composta por três principais etapas de trabalho, a saber: 1 - Inventário das
manifestações artísticas presentes nos espaços públicos e coletivos de Maceió; 2-
Classificação destas manifestações; 3- Análise das diversas categorias e do conjunto. Os
referenciais teóricos, históricos, urbanos e artísticos foram abordados em duas seções
distintas. A primeira seção objetivou introduzir alguns conceitos fundamentais que
relacionam cidade e arte no contexto contemporâneo. A segunda seção dedica-se a traçar um
breve panorama da formação urbana de Maceió, enfocando seus referenciais históricos e
culturais. A análise do inventário da arte urbana de Maceió divide-se em três seções. As
seções três e quatro tratam da arte urbana “oficial”: esculturas públicas, memoriais e corredor
cultural. A quinta e última seção trata da arte urbana não concretizada por meio de iniciativas
das administrações públicas, denominadas de “arte urbana “não-oficial”: o popular e o
efêmero”. Do ponto de vista da pesquisa em arte contemporânea, a relevância deste estudo
encontra-se em sua inserção no campo de investigação da relação, cada vez mais intrínseca,
entre arte e cidade, e, mais ainda, entre arte e vida.
RÉSUMÉ/ MOTS CLÉ
Art Urbain / Espace Public/ Sculptures/ Maceió
La construction de ce mémoire est basé sur la compréhension que les manifestations
artistiques enrichissent l´expérience sensorielle dans la ville, étant, de quelque façon,
significatives pour la population. La proposition de ce travail est de construire un inventaire
des expressions de l´art urbain présents dans les espaces publics de Maceió, pour, à partir de
cela, analyser les dynamiques qui impliquent leur création et leur présence dans la ville. Ainsi,
l´expression “dans “l´oeil” de la rue” a pour but faire allusion à la situation d´être de “corps
présent” dans l´espace public de la ville. Cette investigation est composée de trois étapes
principales: 1- inventaire des manifestations artistiques présentes dans les espaces publics et
collectifs de Maceió; 2- classification de ces manifestations; 3- analyse des diverses catégories
et de l´ensemble. Les références théoriques, historiques, urbaines et artistiques furent abordés
dans deux chapitres. Le premier a pour but d´introduire quelques concepts essentiels qui lient
la ville et l´art dans le contexte contemporain. Le deuxième chapitre est dedié à tracer un bref
panorama de la formation urbaine de Maceió, en mettant l´accent sur ses références historiques
et culturelles. L´analyse de l´inventaire de l´art urbain à Maceió est divisée en trois matières.
Le troisième et le quatrième chapitre abordent l´art urbain “officiel”: sculptures publiques,
mémoriaux et “couloir culturel”. Le cinquième et dernier chapitre aborde l´art urbain qui n´est
pas lié aux iniciatives des gestions publiques, auquel nous avons nommé “l´art urbain “non-
officiel”: le populaire et l´éphémère”. Sur le point de vue de la recherche en art contemporain,
l´importance de cette étude est liée à son insertion dans le domaine de l´investigation du
rapport intrinsèque entre l´art et la ville, et, encore plus, entre l´art et la vie.
SUMÁRIO
Introdução
- No “olho” da rua_____________________________________________________________________ 01
- O popular e o erudito na cultura alagoana________________________________________________ 03
- A arte urbana e a visualidade de Maceió__________________________________________________ 06
- Modo de fazer________________________________________________________________________ 07
- Considerações acerca da experiência do inventário_________________________________________ 10
- Dinâmicas da arte urbana na cidade de Maceió____________________________________________ 12
Seção 1- Arte urbana: definições e panorama contemporâneo_____ 15
1.1 - Arte e cidade___________________________________________________________________ 16
1.1.1 - A paisagem urbana e as manifestações artísticas______________________________________ 17
1.1.2 - A arte e o espaço público na cidade contemporânea______________________________ _____ 21
1.2 - Arte urbana ____________________________________________________________________ 26
1.2.2 - Tendências da arte urbana contemporânea (pós 1960)_________________________________ 28
1.3 - O paradoxo da arte urbana contemporânea: a participação
nos processos de espetacularização das cidades_______________________________________ 34
Seção 2 – Maceió: referenciais históricos, culturais e artísticos_____ 41
2.1 - Referenciais históricos, sócio-econômicos e urbanísticos________________________________ 41
2.1.1 - Alagoas________________________________________________________________________ 41
2.1.2 - Maceió_________________________________________________________________________ 43
2.2 - Referenciais culturais e artísticos___________________________________________________ 53
2.2.1 - Artes plásticas x literatura em Alagoas______________________________________________ 53
2.2.2 - Artes plásticas em Maceió_________________________________________________________ 56
2.2.3 - Contextualizando a arte urbana de Maceió___________________________________________ 63
2.3 - A política cultural da cidade de Maceió:
alguns projetos e suas implicações__________________________________________________ 67
Seção 3 – Arte urbana “oficial”: esculturas públicas________________ 73
3.1 - A escultura e sua presença simbólica na cidade_______________________________________ 74
3.2 - Esculturas públicas de Maceió_____________________________________________________ 78
3.2.1- 1861/ 1960: homenagens a personalidades históricas e alegorias clássicas_________________ 78
3.2.2- 1861/ 1960: outros monumentos ___________________________________________________ 90
3.2.3 - 1961/ 1989: mudanças na concepção de esculturas e praças_____________________________ 92
3.2.4- 1990/ atual: esculturas abstratas e tematização da cultura______________________________ 99
Seção 4 – Arte urbana “oficial”: memoriais e corredor cultural_____ 107
4.1 - Corredor Cultural Vera Arruda___________________________________________________ 107
4.2 - Os memoriais __________________________________________________________________ 116
4.2.1 -Memorial da República__________________________________________________________ 117
4.2.2 -Memorial Teotônio Vilela_________________________________________________________ 121
4.3 - Balanço________________________________________________________________________ 123
4.3.1 - Da manutenção dos espaços e das obras públicas_____________________________________ 123
4.3.2 - Monumentos e memória__________________________________________________________ 126
Seção 5 – Arte urbana “não-oficial”: o popular e o efêmero_________ 130
5.1 - Pinturas murais, grafites e pixações________________________________________________ 131
5.1.1- Pinturas em fachadas de estabelecimentos comerciais_________________________________ 131
5.1.2 -Grafites e pichações______________________________________________________________ 140
5.1.3 - Pinturas murais de artistas plásticos________________________________________________ 144
5.2 - Intervenções efêmeras ___________________________________________________________ 147
5.2.1 - As performances________________________________________________________________ 147
5.2.2 - Instalações_____________________________________________________________________ 152
Considerações finais: a porta entreaberta__________________________________ 155
No Olho da Rua - Dinâmicas da Arte Urbana em Maceió INTRODUÇÂO - No Olho da Rua
No Olho da Rua - Dinâmicas da Arte Urbana em Maceió
1
INTRODUÇÃO
“Lambe-lambe”, intervenção urbana de Renata Voss e Flávio Rabelo, 2005. Fotos: Renata Voss
NO “OLHO” DA RUA
A expressão idiomática “no olho da rua” é geralmente associada a uma conotação
negativa: exprime uma situação onde alguém ou algo é excluído, por decisão de outrem e
malgrado o próprio, de um espaço privado. Em nossa interpretação, no entanto, estar “no olho
da rua” pretende aludir à situação de estar de “corpo presente” no espaço público da cidade. Ou
seja, ao evocar aqui esta expressão, buscou-se representar um ato voluntário: sair da segurança,
em certa medida, dos espaços privados, e lançar-se à aventura dentro da cidade, assumindo os
bônus e riscos desta situação. Riscos existem, evidentemente, e uma pista disto é que a única
expressão semelhante detectada foi “encontrar-se no olho do furacão”.
Através da expressão supracitada, pode-se associar a palavra “olho” a “núcleo”, ou seja,
a parte central de uma determinada configuração. Nesse sentido, as praças aparecem como os
possíveis “olhos” das ruas, pois são os núcleos destinados a agregar a população nos espaços
públicos. Funcionando como pontos focais, para elas também se dirigem os olhos, tanto os das
pessoas quanto, metaforicamente, os das edificações, que são as janelas. Uma outra metáfora
possível é imaginar a praça como um olho humano, composto de íris, pupila, córnea (o
“branco” do olho) e protegido pelas pálpebras. Associando a íris à praça propriamente dita, de
cor esverdeada pela presença da vegetação, o “branco” às ruas que a circundam, as pálpebras
às edificações que a delimitam, o que seria a sua pupila? Para nós, os pontos focais das praças,
aqueles que atraem para si os olhares, são as esculturas públicas. Ao mesmo tempo, as estátuas,
No Olho da Rua - Dinâmicas da Arte Urbana em Maceió INTRODUÇÂO - No Olho da Rua
No Olho da Rua - Dinâmicas da Arte Urbana em Maceió
2
enquanto presença física, também nos “olham”. Mas a pupila é na verdade um orifício, por
isso negro, que serve para regular o fluxo de entrada da luz na retina. É esse mecanismo que
nos possibilita enxergar. Nesse âmbito se insere nossa última metáfora: pretende-se aqui lançar
uma “luz” sobre as esculturas públicas da cidade de Maceió, hoje “enegrecidas” pelo pouco
conhecimento que se tem sobre elas. Consequentemente, esta “luz” pode ajudar a enxergar algo
sobre a própria cidade.
Ao adotar esta expressão para batizar esta dissertação, tinha-se em mente que estar “no
olho da rua” era fundamental para o objetivo proposto: inventariar as expressões de arte urbana
presentes nos espaços públicos de Maceió, para, a partir delas, analisar as dinâmicas
1
que
envolvem sua criação e sua presença na cidade. Trata-se de um conjunto fragmentário, sobre o
qual pouco se tem informação a respeito. Assim, estava-se em busca de um conhecimento que
não se encontrava nos livros, mas sim na própria cidade, entretecido no seu tecido urbano. Para
se juntar tais fragmentos (as manifestações de arte urbana) era preciso percorrer o “labirinto”
que é a própria cidade. A construção do trabalho demandava a adoção de uma postura que
privilegiasse a experiência vivencial de aventurar-se em busca destas expressões. Objetivou-se,
assim, pesquisar a arte feita em Maceió, mas observando-a integrada à cidade e em relação
com as pessoas. Não partindo de cenários artificiais (como museus e galerias)
,
mas de cenários
vivenciais, que é verdadeiramente onde o povo se expressa:
“As ruas são o apartamento do coletivo. O coletivo é um ser constantemente
em movimento, sempre agitado, que vive, experimenta, conhece e inventa
tantas coisas entre as fachadas dos imóveis quanto o faz o individuo no
abrigo de suas quatro paredes.” (BENJAMIN, 1989, 441)
Desta necessidade de pensar a arte enquanto manifestação da expressividade coletiva, é
que surgiu o direcionamento para a arte urbana. É na rua, nos espaços públicos, que o coletivo
vive, experimenta, conhece e inventa tantas coisas”, entre as quais a arte. Mesmo que grande
parte dos objetos artísticos inseridos no espaço público o sejam por vias institucionais, ainda
assim constituem elementos relacionais através dos quais a população se expressa, de diversas
formas, até mesmo através do olhar. Pois o ato de olhar já induz a uma transformação:
“Observar a arte não significa “consumi-la” passivamente, mas tornar-se
parte de um mundo ao qual pertencem essa arte e esse espectador. Olhar não
é um ato passivo; ele não faz que as coisas permaneçam imutáveis.”
(ARCHER, 2001, 235)
1
A definição de “dinâmica” que consta do dicionário Aurélio é a seguinte: “parte da mecânica que estuda o
movimento dos corpos, relacionando-os às forças que os produzem”. No Dicionário Houaiss, no sentido
metafórico, a definição é esta: “movimento interno responsável pelo estímulo e pela evolução de algo”.
Apropriando-se das duas definições, entende-se aqui, no sentido figurado, os “corpos” como as obras de arte e as
forças que os produzem” como as iniciativas, os projetos realizados e o modos de apropriação dos espaços e das
obras pela população. Ou seja, as ações, concepções e reações que envolvem a existência da arte na cidade.
No Olho da Rua - Dinâmicas da Arte Urbana em Maceió INTRODUÇÂO - No Olho da Rua
No Olho da Rua - Dinâmicas da Arte Urbana em Maceió
3
A arte urbana nos pareceu, assim, como uma solução possível para entender a arte
produzida em Maceió pelo viés de sua multiplicidade. Tinha-se por hipótese que um estudo
nesta seara, ainda inédito na cidade, poderia revelar aspectos inexplorados acerca desta cultura
urbana. Do ponto de vista da pesquisa em arte contemporânea, a relevância deste estudo
encontra-se em sua inserção no campo de investigação da relação, cada vez mais intrínseca,
entre arte e cidade, e, mais ainda, entre arte e vida.
O POPULAR E O ERUDITO NA CULTURA ALAGOANA
Investigar a arte feita em Maceió, como talvez qualquer outro aspecto da produção
cultural local, deixa o pesquisador em face de algo difícil de ser compreendido dentro de
princípios baseados em uma idéia tradicional de identidade nordestina. Trata-se, com efeito, de
uma localidade periférica aos centros hegemônicos de cultura, cuja “trama de tensões” varia
entre a abertura às influências externas e a permanência de valores da tradição local, mas que,
diante dos processos de transnacionalização da cultura, vem estruturando novas formas de
articulação e re-inserção na lógica global de trocas simbólicas. Desta forma:
Pensar a identidade nordestina nesse contexto requer, portanto, considerar
as formas específicas de reação/ integração ao processo de globalização
elaboradas pelos que produzem bens simbólicos no Nordeste do Brasil.”
(ANJOS, 2005, 61)
Estamos diante de uma cultura híbrida
2
, formada por fragmentos de traços locais e
exógenos imbricados que se articulam produzindo novas formas expressivas, o que desconstrói
a idéia de identidade local como um dado permanente e imutável. Entretanto, ao se referir a
uma cultura de fragmentos, não se quer significar a atestação de uma cultura que ruiu, mas que
talvez sempre se tenha constituído de forma fragmentária, ou seja, decorrente de um hibridismo
cultural. Neste âmbito, desconsiderar esse processo ao se pensar a cultura alagoana pode fazer
o pesquisador recair em clichês e simplificações extremas. Assim, muitos estudos enfocando a
cultura alagoana (e a nordestina) parecem colocá-la diante de uma espécie de “abismo”, em
uma polaridade que, de acordo com Dirceu Lindoso, assim se apresenta: em uma margem está
a chamada cultura popular, as manifestações ingênuas, o folclore. Em outra, a classe dominante
intelectualizada dá mostras de conhecer o que vem de fora, o que é notoriamente erudito, mas
muitas vezes com anos e até décadas de defasagem:
“No curso da história da cultura em Alagoas persistiu essa trama de tensões
2
De acordo com Stuart Hall, citado por Moacir dos Anjos, “uma cultura híbrida é, por definição, incontrastável
quer com uma cultura vernacular, quer com uma global, posto que não é síntese ou mero compósito de outras
construções simbólicas. Ela é resultado, ao contrário, de uma aproximação entre diferentes que não se completa
nunca (...).” (ANJOS, 2005,29)
No Olho da Rua - Dinâmicas da Arte Urbana em Maceió INTRODUÇÂO - No Olho da Rua
No Olho da Rua - Dinâmicas da Arte Urbana em Maceió
4
entre o popular e o erudito. A cultura estamental de eruditos e doutores
antepondo-se às razões de sobrevivência da cultura popular e pluralista.”
(LINDOSO, 2005, l01)
Diante deste quadro, a visão tradicional parece apontar apenas dois caminhos para o
enfrentamento das questões advindas da transculturação
3
: a assimilação completa da cultura
hegemônica ou a afirmação total da diferença no apego às manifestações simbólicas
imaginadas como originais. No caso dos estudos sobre cultura alagoana, suas análises parecem
manter-se firmemente atreladas a uma das margens, ou seja, opta-se por pesquisar um ou outro
aspecto, privilegiando ora a cultura erudita, ora a cultura popular e o folclore. Entretanto, ao se
abordar a arte alagoana, acredita-se que existam muito mais nuances que não caberiam nesta
pré-classificação representada pela dicotomia entre o erudito e o folclórico/popular. Existem,
entre esses dois pólos, diversas ordens intermediárias. Assim, “(...) fica evidente a
impropriedade de se pensar a arte ali criada como imitativa da produção feita nas regiões
centrais ou, alternativamente, como representação simbólica de territórios isolados.”
(ANJOS, 2005,61)
Acredita-se que este seja o caso da arte urbana de Maceió. Mesmo que haja uma arte
urbana “oficial” claramente identificada com o erudito, e uma arte urbana “popular”, as
relações entre elas são múltiplas: artistas eruditos inspiram-se no popular, artistas populares
valem-se de técnicas eruditas, a publicidade e a política permeiam as relações entre ambos,
entre outros aspectos. Assim, tratar de arte urbana é tratar de ambas as margens e de suas
manifestações intermediárias. A arte inserida em uma dimensão urbana envolve dinâmicas
mais complexas e híbridas. Como então identificá-las? Como perceber estes outros fragmentos,
que constituem parte da visualidade
4
da cidade?
Partindo do interesse em investigar as manifestações da arte contemporânea em Maceió
5
,
pensou-se inicialmente sobre quais os caminhos possíveis a se percorrer. O caminho que se
3
A qual se tornou ainda mais intensa diante dos processos de globalização ocorridos a partir da década de 1990.
4
Visualidade, de acordo com a definição do dicionário Houaiss: “1 - Qualidade ou estado de ser visual ou
visível; visibilidade. 2 - Imagem mental ou pictórica; visualização.” Em nossa interpretação, entende-se aqui
visualidade como um aspecto qualitativo da cidade, suas características visuais intrínsecas percebidas através do
embate direto ou por imagens.
5
A opção por investigar as contribuições das manifestações artísticas no espaço da cidade nasceu também da
intenção de utilizar, nesta dissertação de mestrado, a experiência de pesquisa adquirida a partir da concessão de
duas bolsas de iniciação Científica ligadas ao ÇNPq, onde foram desenvolvidos os projetos: “Cultura alagoana:
a questão da visualidade plástica em Maceió”
e “AnáIise da produção plástica contemporânea em Alagoas”
(orientação: Profa. Dra. Célia Campos). No trabalho de conclusão de curso em Arquitetura (1999) também se
abordou esta temática com a proposta de intervenções artísticas em escala urbana no Bairro de Pontal da Barra
("A Arte como Ato Urbano: Lugar; Imagem e Poéticas do Pontal da Barra”), orientado pela Profa. Dra. Maria
Angélica da Silva. Fundamental também no desenvolvimento do trabalho vem sendo a experiência de docência
no comando da disciplina “História das Artes, da Arquitetura e da Cidade” na UFAL, desde fevereiro de 2004.
No Olho da Rua - Dinâmicas da Arte Urbana em Maceió INTRODUÇÂO - No Olho da Rua
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5
concentra no folclore popular foi o primeiro a ser descartado. Alagoas já conta com a produção
de uma geração de eméritos folcloristas que pensam, colecionam e descrevem os diversos
aspectos dessas manifestações. Outra questão: a arte em Maceió não poderia ser tratada no
âmbito do “folclórico”, como se fosse algo exótico para o pesquisador. Há um sentimento de
pertencimento que não poderia ser negligenciado, e que, acredita-se, não fazia parte da postura
dos próprios folcloristas alagoanos (sempre a elite erudita a olhar para o povo “ingênuo”). No
nosso caso, o pesquisador é também, metaforicamente, “ser-sujeito” e “ser-objeto” de pesquisa.
Como coloca Lindoso:
Como sujeito da cultura, sou um ser social indagante; mas como objeto da
cultura, sou um ser social indagado. Diante da cultura alagoana, ao indagar
que sei dessa cultura? - estou a um tempo perguntando: que sei de mim? Pois
o ato do sujeito, a reflexão teórica, não se dissocia de sua matéria, o objeto
social da cultura Nesta situação, como ser social estou situado duplamente,
sou o sujeito indagante e sou objeto da indagação. Sou simultaneamente um
ser-sujeito da sociedade que me produziu e o ser-objeto da cultura sobre a
qual reflexiono, elaboro, teorizo” (LINDOSO, 2005, 58)
Um outro caminho evidente a se percorrer era concentrar-se apenas na arte dita “erudita”.
O que se apresentaria então seria discorrer principalmente sobre o que acontece dentro dos
museus e galerias, ou seja, dentro dos espaços institucionais. Mas tudo o que se expõe nesses
espaços é sempre pré-analisado, pré-classificado, envolto em uma aura intelectual. Pensa-se
sobre a montagem, faz-se a curadoria, escrevem-se textos jornalísticos e tudo culmina na
apoteose do vernissage. O público, ao menos aquele que não compra, não é convidado. Apesar
de contar com interessantes iniciativas, o espaço institucional em Maceió ainda deve percorrer
um considerável caminho para cumprir efetivamente seu papel educacional. Um segundo
problema é que são poucos os museus e galerias em funcionamento na cidade, o que denota
uma carência de espaços culturais em Maceió.
As perguntas eram então as seguintes: a arte em Maceió poderia ser representada apenas
pelo que era exposto nos espaços institucionais? Ou haveria mais fragmentos que se escondem
a uma primeira vista? Só haveria arte alagoana nesta polaridade abismal entre o erudito e o
folclórico? Será que a própria cidade não esconde algo mais? Será que todos estes aspectos (o
institucional, o folclórico, o contemporâneo, o ingênuo, o conformista, o libertário), tudo isso
não se veria com mais verdade na própria cidade? Assim, ao invés de enfocar a arte local
baseada apenas em uma das polaridades erudito/ popular, optou-se por tratá-la como uma
formação híbrida, evidenciando que é justamente a sua forma particular de negociação e
articulação entre as diferenças nesse território que a faz única. É possivelmente nesse âmbito
que se afirma a identidade local:
No Olho da Rua - Dinâmicas da Arte Urbana em Maceió INTRODUÇÂO - No Olho da Rua
No Olho da Rua - Dinâmicas da Arte Urbana em Maceió
6
“Entre a submissão completa a uma cultura homogeneizante e a afirmação
intransigente de uma tradição imóvel, instaura-se, portanto, um intervalo de
recriação identitária do local que é irredutível a um ou outro desses pólos
extremados.” (ANJOS, 2005,30)
A ARTE URBANA E A VISUALIDADE DE MACEIÓ
Os questionamentos acima expostos nortearam a opção pela arte urbana como uma
expressão que poderia, através da multiplicidade, fornecer pistas acerca da arte produzida em
Maceió, sem com isso se privilegiar apenas um dos aspectos, seja popular ou erudito. Assim,
este projeto pretendeu vislumbrar, a partir de suas manifestações artísticas diversas, a
expressão de uma visualidade urbana especifica à Maceió. Neste contexto cultural, investigou-
se onde e de que forma a arte se insere na configuração do espaço. Isto se concretizou através
da elaboração e análise de um inventário das manifestações de arte urbana em Maceió.
Caberia indagar sobre as funções dessas manifestações na dinâmica da cidade. As
importâncias de tais manifestações podem ser tais como: (a) funcionar como um elemento de
caracterização do espaço público, conferindo-lhe um significado singular, (b) tornar
acessíveis aspectos simbólicos da cultura, (c) criar elementos que funcionem como “ponto de
atração” para o habitante da cidade, que despertem sua atenção, (d) fomentar o turismo local,
(e) funcionar como meio de expressão da população. Destaca-se, pois, a importância da arte na
qualificação do espaço público como lugar do desenvolvimento da sociabilidade. Entende-se
que a arte urbana, traduzida em termos de visualidade nos espaços públicos da cidade, pode
proporcionar momentos sensíveis ao habitante, a partir do qual ele passaria a estabelecer uma
relação lúdica com o espaço, a desfrutar de uma experiência vivencial mais rica e intensa com
a urbe.
A proposta de elaborar um inventário de arte urbana torna-se complexa quando se
considera a mudança do entendimento de obra de arte no sentido de abarcar expressões antes
desconhecidas ou desprezadas. No mundo contemporâneo, através de quais parâmetros se
pode determinar as manifestações ou objetos que se enquadram dentro deste universo,
alcançando, portanto, um status de “obra de arte”? E quais aqueles que não se enquadrariam, e
por quê? Neste trabalho, deparou-se muitas vezes com estas questões, pois a inclusão de
determinadas manifestações em um inventário de arte urbana já implicaria em um respaldo
sobre seu status enquanto “arte”. Ou seja, a seleção das manifestações implicaria
primeiramente em questionamentos acerca do valor artístico das mesmas. Assim, para o
processo de seleção do repertório a ser trabalhado (o inventário de arte urbana em Maceió),
No Olho da Rua - Dinâmicas da Arte Urbana em Maceió INTRODUÇÂO - No Olho da Rua
No Olho da Rua - Dinâmicas da Arte Urbana em Maceió
7
necessitou-se de um posicionamento em relação ao conceito de arte urbana a ser adotado,
além de uma análise do contexto específico local.
MODO DE FAZER
Esta investigação foi composta por três principais etapas de trabalho, a saber: 1 -
Inventário das manifestações artísticas presentes nos espaços públicos e coletivos de Maceió;
2- Classificação destas manifestações; 3- Análise das diversas categorias e do conjunto. Tal
procedimento foi construído diante dos objetivos a que se propunha o trabalho, mas, por se
tratar de um campo relativamente inédito, não se adotou uma metodologia baseada em um
campo teórico específico, buscando, portanto, a interdisciplinaridade.
O primeiro e mais importante procedimento consistiu na elaboração de um inventário das
expressões artísticas presentes no espaço público de Maceió. Neste intento
6
, optou-se por, de
acordo com o que se colocou em relação ao título do projeto, ir ao “olho da rua” em busca
dessas manifestações. Ou seja, decidiu-se percorrer pessoalmente parte das ruas da cidade para,
a partir das expressões artísticas encontradas no percurso, construir o inventário. Este foi
executado através de um registro fotográfico. Escolheu-se realizar as visitas por bairros ou por
conjuntos de bairros próximos, encarando-os como pequenas cidades que talvez possuíssem
características próprias ou algum traço distintivo.
Este procedimento adotado foi inspirado na “deriva” situacionista
7
, que se entende aqui
como a adoção de uma postura do andar sem rumo, sem traçar prévios roteiros, deixando que
as manifestações expressivas
8
aparecessem. Tentou-se observar também os comportamentos
afetivos no espaço, ou seja, a forma como estas manifestações estavam inseridas e participando
do relacionamento das pessoas. Não se trataram de “derivas”, no sentido estrito do termo, pois
objetivou-se encontrar e identificar manifestações artísticas através destas experiências na
6
Consultou-se, também, as pouquíssimas fontes existentes sobre a escultura pública na cidade. No caso, o
trabalho mais próximo a este é o de Miguel Vassalo Filho (2000), que consistiu em uma série de artigos
jornalísticos acerca da história dos monumentos de Maceió.
7
A internacional situacionista (IS) será tratada na primeira Seção, tópico 1.3: “O paradoxo da arte urbana
contemporânea”. Quanto à definição de deriva, o procedimento adotado pelos situacionistas: “Modo de
comportamento experimental ligado às condições da sociedade urbana: técnica de passagem rápida por
ambiências variadas. Diz-se também, mais particularmente, para designar a duração de um exercício continuo
dessa experiência.” (JACQUES, 2003 (1), 65)
8
Por “manifestações expressivas” entende-se tudo o que tenha chamado a atenção da pesquisadora como
portador de uma expressividade estética, sem se questionar previamente se o que estava sendo fotografado era ou
não “arte urbana”. Esta amplitude pode ser constatada nas imagens dos levantamentos por bairro.
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8
cidade (executar um levantamento), e não traçar mapas afetivos baseados na psicogeografia
9
. A
adoção deste termo buscou enfatizar o interesse em considerar, nos objetos levantados, as
cargas afetivas e o estímulo sensorial proporcionado pela arte urbana na cidade. De acordo com
Freire:
“O andar pela cidade é princípio indispensável para que se estabeleça com
os monumentos uma relação. É preciso, inicialmente, observá-los com
atenção para vê-los, e esse encontro pode ter muitas nuanças. Se não
passarem totalmente despercebidos, se a velocidade do deslocamento não for
muito acelerada, podem até despertar lembranças, reavivar emoções e
desencadear narrativas.” (FREIRE, 1997, 124)
Devido a longa duração deste procedimento, o levantamento não foi realizado em todos
os bairros da cidade (cerca de 40), mas em 22 deles
10
, englobando alguns dos mais antigos,
alguns na periferia e no litoral norte, e alguns de classe média/ alta, para abarcar diversos
contextos. Concluiu-se que esta amostragem já era significativa para a análise, pela quantidade
e diversidade do material coletado. Outra opção metodológica da pesquisa foi não inserir os
espaços das favelas de Maceió neste inventário. Crê-se que seria preciso debruçar-se de modo
mais aprofundado para compreender sua particularidade expressiva
11
, o que já constituiria um
complexo trabalho de levantamento e análise.
O segundo passo metodológico dependia do anterior, pois se buscou classificar os dados
levantados (ou seja, as imagens de arte urbana na cidade), procedimento que forneceu pistas
importantes para o desenvolvimento das análises. As classificações, no caso estudado, tiveram
por objetivo particularizar as manifestações em categorias ou tipos, referentes aos meios e
linguagens adotados. Ressalva-se, entretanto, que essas categorias só foram estabelecidas após
a construção do inventário, para que se ajustassem ao caso específico de Maceió. Caso
contrário, haveria o risco de adotar parâmetros exógenos, o que poderia influir negativamente
na análise de seu conjunto. Ressalva-se ainda que tais classificações de natureza de linguagem
ou suporte não estão ligadas a juízos de valor.
9
“Estudo dos efeitos exatos do meio geográfico, conscientemente planejado ou não, que agem diretamente
sobre o comportamento afetivo dos indivíduos.” (JACQUES, 2003 (1), 65)
10
Bairros levantados: Sereia (Pratagi), Riacho Doce, Garça Torta, Guaxuma, Jacarecica, Cruz das Almas,
Mangabeiras, Ponta da Terra, Ponta Verde, Poço, Centro, Jaraguá, Pajuçara, Farol, Gruta, Clima Bom, Feitosa,
Levada, Vergel do Lago, Pontal da Barra, Prado, Trapiche. A preferência pelos bairros de ocupação mais antiga,
como Centro e Jaraguá, deu-se devido à maior presença de esculturas públicas nessas áreas. Os bairros da orla
marítima, tais como Jatiúca e Pajuçara, foram objeto de recentes intervenções urbanísticas do poder público,
inclusive com a implantação de esculturas e memoriais. Os demais bairros dão conta da diversidade de
expressões encontradas, principalmente as populares.
11
Sobre arte, estética e a idéia de "fragmento” nas favelas, consultar: JACQUES, Paola Berenstein : Estética da
Ginga, Casa da Palavra, Rio de Janeiro, 2003.
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9
Seguindo esta linha de pensamento, partiu-se para uma classificação geral dos quatro
grupos principais percebidos durante os levantamentos, a saber:
1-ESCULTURAS PÚBLICAS (FIGURATIVAS E ABSTRATAS);
2- MEMORIAIS E CORREDOR CULTURAL;
3- PINTURAS MURAIS, GRAFITES E PIXAÇÕES;
4-INTERVENÇOES EFÊMERAS (INSTALAÇÕES E PERFORMANCES).
A partir desta classificação, o inventário evidenciou a existência do que seriam duas
grandes categorias de arte urbana: no primeiro, a arte urbana de caráter oficial (tipos 1 e 2)
,
cuja produção parte de um minucioso planejamento e é geralmente patrocinada pelas
administrações públicas. Suas expressões podem ser enquadradas dentro das categorias
convencionais da arte erudita, principalmente no caso da escultura pública (tipo 1).
Para além dessa categoria, a qual se denominou “arte urbana oficial”, nos levantamentos
realizados observou-se a presença de outras manifestações que não se enquadravam nesta
classificação. Por exemplo, detectou-se claramente uma utilização massiva de técnicas
artísticas (pintura, grafite) como elemento de comunicação visual em estabelecimentos
comerciais, entre outros casos (tipo 3). Estes exemplos são expressões da arte popular, não
partem de iniciativas do poder público como os anteriormente citados (arte urbana de caráter
oficial). As raras performances e instalações, enquanto intervenções efêmeras (tipo 4),
também não se enquadravam nesse contexto. Assim, estas expressões populares e efêmeras
(tipos 3 e 4) foram inseridas numa outra categoria (“arte urbana “não-oficial” - o popular e o
efêmero”), que assim denominou-se, opondo-as ao caráter muitas vezes erudito e planejado
das manifestações da arte “oficial”.
Buscou-se também elaborar um mapeamento destas manifestações, para se obter pistas
acerca da recorrência destas em áreas específicas da cidade. As manifestações do primeiro tipo
são as que mais aparecem dentro dos espaços públicos por excelência, que são as praças. A
presença matérica e perene da escultura dentro da cidade contrasta com as manifestações do
tipo quatro. Entretanto, à exceção da área central do comércio (Centro) e da orla marítima, são
também as praças os palcos preferenciais para as manifestações efêmeras. Os grafites e murais
(tipo 3), por se localizarem quase sempre em fachadas, muros, cantos (seguindo a metáfora do
olho, nas “pálpebras” e “cílios”), foram os mais difíceis de serem inventariados. Dentro deste
tipo, o maior em recorrência na cidade, está contido a maior parte das manifestações “não-
oficiais” comentadas anteriormente. Os memoriais, inseridos no tipo dois, são sem dúvida o
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10
seu oposto: são os de presença mais imponente, a maior expressão da arte “oficial”.
As manifestações inseridas na categoria “arte urbana popular e efêmera” apresentaram
um problema que não aparecia nos outros: a efemeridade. As manifestações “oficiais” podem
não ser eternas, mas são da ordem do concreto, possuem materialidade, ou seja, provavelmente
estarão lá nos próximos dias, anos... Em uma performance, por exemplo, é a idéia que se
materializa em acontecimento. Uma vez acabada, resta apenas a memória,
no máximo o
registro fotográfico e em vídeo. No caso das pinturas e grafites, a efemeridade também está
presente. Como mapeá-las, então? Optou-se por apenas referir-se aos locais da cidade onde
estas ocorreram, pois isto forneceria pistas acerca dos lugares que mais servem como palco da
expressividade, o que também é um dado importante. Assim, o mapeamento só pôde ser
executado efetivamente acerca da localização das manifestações de caráter oficial, ou seja, dos
tipos 1 e 2.
A experiência da construção do inventário, através do levantamento da arte urbana na
cidade, consistiu no referencial empírico fundamental do trabalho e será explorada em detalhes
mais adiante. Finalizada a fase de classificação e mapeamento, partiu-se para a análise de suas
diferentes manifestações visuais. Segundo Armando Silva, para além das categorias estéticas, é
necessário classificar as manifestações em termos de intenções comunicativas (função) e de
programa (temática, linguagem, técnica). Assim, buscou-se abordar esses aspectos na descrição
e análise do material levantado:
“Se estudássemos a cidade sob a noção de registros visuais, seríamos
solicitados a compreender um cenário urbano habitado por muitas imagens, e
o objetivo não seria outro a não ser classificar suas intenções comunicativas,
para averiguar em que consiste o seu programa, inerente a cada classe de
iconografia.” (SILVA, 2001,6)
CONSIDERAÇÕES ACERCA DA EXPERIÊNCIA DO INVENTÁRIO
De acordo com o que foi colocado anteriormente, para se lançar ao “olho da rua” e
inventariar a arte urbana de Maceió era necessário destituir-se de pré-conceitos, de pré-
julgamentos. Era preciso não esperar um Louvre a céu aberto, não julgar o valor artístico, não
querer “classificar” no momento mesmo do embate. Esta talvez tenha sido a parte mais difícil
de empreender enquanto postura metodológica: “vivenciar” o espaço, perceber não apenas o
monumental, mas também a escala do detalhe. Parafraseando Hélio Oiticica, “aspirar ao
grande labirinto”, flanar dentro da cidade.
Esta experiência se deu, em parte, por aproximações sucessivas: do monumental ao
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11
espontâneo; das vias arteriais às pequenas vielas; dos bairros de classe média/alta aos bairros
mais populares, do conhecido ao desconhecido. O inventário foi se construindo desta forma: ao
invés de no primeiro momento fazer o levantamento bairro a bairro, percorrendo-os, preferiu-
se inventariar primeiramente tudo o que era “visível” e notório (escultura pública e
monumentos), para então concentrar-se nos interstícios, no que quase ninguém vê. Tem-se
consciência de que se deve ter deixado passar muita coisa
,
pois algumas vezes apenas num
segundo ou terceiro momento percorrendo um mesmo lugar é que se percebiam determinadas
manifestações.
As “derivas”
12
foram feitas, conforme comentado anteriormente, por bairros ou conjuntos
de bairros próximos,
utilizando câmera fotográfica digital e bloco para croquis e anotações.
Escolhia-se um ponto central (uma praça, por exemplo) na área em que se queria derivar,
partindo deste ponto a pé. Em cada bairro, as derivas ocupavam geralmente o período de uma
tarde, com variações dependendo do que se descobrisse na área, do estímulo que esta
proporcionasse.
Entretanto, surgiram algumas dificuldades na execução do inventário, principalmente nos
bairros mais afastados do centro ou próximos a favelas. Iniciaram-se as visitas
desacompanhada, mas cada vez foi ficando mais evidente a situação de insegurança iminente
de tal procedimento: sofreram-se algumas tentativas de roubou e assédio. Além disso,
percebeu-se certa agressividade das pessoas na rua, que se sentiam incomodadas ao ver alguém
fotografando a fachada de suas residências ou estabelecimentos comerciais, sem maiores
explicações. Começou-se, então
a solicitar a permissão para fotografar, o que era normalmente
dado a contragosto. Apesar de sempre explicar que se tratava de uma pesquisa
,
muitas pessoas
concluíam (proprietários de estabelecimentos, por exemplo) que era uma pesquisa do
concorrente comercial. Quando se estava a mirar casas, alguns perguntavam se a pesquisadora
era uma funcionária da Prefeitura (relacionada à cobrança de IPTU). Diante destes fatos, fica-
se a questionar o porquê de tais reações negativas ao interesse em registrar imagens da cidade.
Uma hipótese é que talvez “aprisionar” a imagem seja interpretado por alguns como uma
forma de “invasão de propriedade”.
O fato de, para conseguir fotografar com segurança, ter que fazer as visitas
acompanhada, nos fez questionar em parte se o procedimento escolhido de “derivar” pela
12
Conforme ressalva feita anteriormente, este procedimento, apesar de ter sido denominado como “deriva”,
significou mais uma inspiração na metodologia situacionista do que uma aplicação a rigor deste método. Uma
outra denominação possível era “flanar”, cujo significado e contexto será abordado na Seção 1.
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12
cidade seria adequado para os tempos de hoje. A dificuldade foi claramente maior por se tratar
de uma pesquisadora, mulher. A impressão que se teve foi de que a cidade não oferecia a
segurança necessária para tal prática em seus espaços públicos, podendo se tornar hostil para
quem esteja preocupado apenas com a estética urbana e esqueça dos possíveis assaltantes.
Entretanto, conseguiu-se finalizar o levantamento fotográfico sem maiores incidentes
registrados, o que indica que talvez esta impressão de insegurança seja devido à ausência do
hábito pessoal de caminhar pela cidade, e não uma realidade enfrentada por toda a população.
Mas se a “deriva” evidenciou um aspecto negativo da cidade
13
, ela também
proporcionou muitos frutos. Tem-se a impressão, após as visitas, de que uma outra cidade se
descortinou diante de nós: uma cidade portadora de uma sensibilidade estética (ainda que
muito própria), cheia de artistas anônimos e de ângulos inexplorados. Chamou a atenção, entre
outros aspectos, o intenso “colorido” de algumas partes da cidade, intensificado pela luz das
estações primavera e verão (período do levantamento). O contato direto com a cidade e com as
pessoas nos espaços públicos foi então fundamental para o despojamento de preconceitos, de
parâmetros exógenos, para poder se falar de uma Maceió vivenciada. Pôde-se desta forma
contrapor a postura intelectual de afastamento do objeto de estudo à experiência de aventurar-
se em seus espaços, experiência enriquecida por ser também habitante desta cidade, logo, fazer
parte dela.
DINÂMICAS DA ARTE URBANA NA CIDADE DE MACEIÓ
Os referenciais teóricos, históricos, urbanos e artísticos que fundamentam este estudo
foram abordados em duas seções distintas. A primeira seção, “Arte urbana - definições e
panorama contemporâneo” objetivou introduzir alguns conceitos fundamentais que relacionam
cidade e arte no contexto contemporâneo. Procurou-se também abordar a noção de paisagem
urbana compreendendo a arte como parte significativa da mesma. Buscou-se também elaborar
um panorama da presença da arte urbana na cidade através de noções que expressam a
complexidade e amplitude de suas inter-relações. Dois temas receberam especial atenção: as
tendências da arte urbana contemporânea, para que se possa compreender as manifestação
existentes em Maceió em relação ao contexto mundial e, em termos urbanos, o paradoxo da
arte urbana contemporânea na participação dos processos de espetacularização da cidade.
A segunda seção foi dedicada a traçar um breve panorama da formação urbana de
Maceió, enfocando seus referenciais históricos e culturais, em especial as suas manifestações
13
Falou-se anteriormente dos riscos de encontrar-se “no olho da rua”.
No Olho da Rua - Dinâmicas da Arte Urbana em Maceió INTRODUÇÂO - No Olho da Rua
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13
artísticas, com a ajuda dos autores que se debruçaram sobre aspectos deste tema. Pesquisou-se
também sobre questões da política cultural da cidade. Este esforço se deu no sentido de
ambientar, de contextualizar o “estado da arte” em Maceió, servindo de embasamento para as
análises da arte urbana.
A análise do inventário da arte urbana de Maceió inicia-se na Seção 3: “Arte urbana
“oficial”: esculturas públicas”. No caso das esculturas públicas, por se tratar do maior acervo,
que compreende um longo intervalo de tempo (1860/2006), optou-se por subdividi-las em
períodos correspondentes a prevalência de determinadas características em termos de
concepção, implantação e materiais utilizados. A análise da arte urbana “oficial” continua na
quarta seção, “Memoriais e Corredor Cultural”. Optou-se por analisar esta categoria em uma
seção diferente por tratar-se, nesse caso, da concepção de espaços arquitetônicos e
urbanísticos especialmente destinados a receber obras de arte e referências memoriais. A
nosso ver, esta concepção os distingue do caso da inserção de esculturas em espaços públicos
comuns da cidade (abordado na Seção 3), além de os casos enfocados constituírem apenas
intervenções contemporâneas, empreendidas nos últimos cinco anos.
A quinta e última seção trata da arte urbana não concretizada por meio de iniciativas
das administrações públicas, ou seja, diferente da arte urbana “oficial” anteriormente citada.
Nela se abordou duas das tipologias classificadas: pinturas murais, grafites e pixações (tipo 3),
e intervenções efêmeras (tipo 4). Percebeu-se que o tipo 4 ainda possui presença incipiente na
cidade, por isso optou-se por abordar as manifestações populares e efêmeras em uma só seção,
denominada “Arte urbana “não-oficial”: o popular e o efêmero”.
A construção desta dissertação baseou-se na compreensão de que as manifestações
artísticas enriquecem a experiência vivencial-sensorial na cidade, sendo, de algum modo,
significativas para a população. Entretanto, existem fatores sócio-político-culturais que podem
entravar o desenvolvimento destas manifestações em sua relação com o espaço público e
coletivo, ou seja, suas dinâmicas. O primeiro passo para desenvolvê-las e valorizá-las é
passando a conhecê-las. Neste âmbito pretende se inserir a contribuição desta pesquisa.
CRÉDITO DAS IMAGENS
CB- Celso Brandão
FO- Francisco Oiticica
IP- Ivvy Pessôa
MA- Marco Antônio
MISA- Museu da Imagem e do Som de Alagoas
RL- Ricardo Ledo
RV- Renata Voss
SM- Selene Morales
SS- Saudáveis Subversivos
TM- Tatiane Macedo
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No Olho da Rua - Dinâmicas da Arte Urbana em Maceió
15
SEÇÃO 1 – ARTE URBANA: DEFINIÇÕES E
PANORAMA CONTEMPORÂNEO
O estudo da arte na contemporaneidade é marcado por um alargamento de conceitos
em relação ao entendimento e significado da própria arte, e, consequentemente, do que é ou
pode ser considerado como tal. Isto impossibilita a delimitação rígida da abrangência de seu
campo fenomênico, uma vez que, nas últimas décadas, seus limites parecem se expandir cada
vez mais através do surgimento de novas linguagens, meios e interpretações:
“Quem examinar com atenção a arte dos dias atuais será confrontado com
uma desconcertante profusão de estilos, formas, práticas e programas. De
início, parece que, quanto mais olhamos, menos certeza podemos ter quanto
aquilo que, afinal, permite que as obras sejam qualificadas como “arte”,
pelo menos de um ponto de vista tradicional.” (ARCHER, 2001, IX)
É um caminho inverso do que se observou a partir de seus primórdios. Ao longo da
história até o século XX, constata-se uma evolução da compreensão e conseqüente
classificação da arte dentro dos campos de conhecimento no sentido de entendê-la como uma
atividade com características cada vez mais específicas e relacionadas ao campo estético. Mas
a etimologia da palavra nos mostra o quanto seu significado original era mais amplo
1
:
“A palavra arte vem do latim ars e corresponde ao termo grego techne,
técnica, significando: o que é ordenado ou toda espécie de atividade
humana submetida a regras.” (CHAUÍ, 2000)
Alguns fatores, como o estabelecimento da Estética como campo filosófico em fins do
século XVIII, reafirmando a distinção entre o “útil” e o “belo”, foram determinantes para o
entendimento contemporâneo de arte como expressão criadora. Entretanto, se ao longo dos
séculos a arte vinha se tornando muito específica em sua delimitação, constata-se atualmente
uma busca de ampliação de seus domínios e de integração com outros campos de
conhecimento. Nas artes plásticas, principalmente, assiste-se a uma vertiginosa expansão dos
seus limites. Desde muito
2
não é mais possível se compreender as artes visuais através de
1
Gombrich (1993, 3) coloca, sobre a diferença do significado da arte em distintos tempos e lugares: “Nada
existe realmente a que se possa dar o nome de Arte. Existem somente artistas. Outrora, eram homens que
apanhavam um punhado de terra colorida e com ela modelavam toscamente as formas de um bisão na parede
de uma caverna; hoje, alguns compram suas tintas e desenham cartazes para os tapumes; eles faziam e fazem
muitas outras coisas. Não prejudica ninguém dar o nome de arte a todas essas atividades, desde que se conserve
em mente que tal palavra pode significar coisas muito diversas, em tempos e lugares diferentes, e que Arte com
A maiúsculo não existe.”
2
Desde a primeira década do séc. XX as vanguardas vinham experimentando novas possibilidades plásticas para
além das categorias consagradas de pintura, escultura e gravura, por exemplo, mas sem dúvida uma das grandes
contestações dos limites e do significado da arte se deu a partir da vertente dadaísta, principalmente através de
Marcel Duchamp.
No Olho da Rua - Dinâmicas da Arte Urbana em Maceió SEÇÃO 1 - Arte Urbana
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16
conceitos delimitados por suas linguagens e meios tradicionais.
Estas delimitações se tornam ainda mais amplificadas e complexas quando se
considera o contexto urbano. O espaço das cidades e núcleos de população constituiu-se,
desde tempos remotos, como suporte para a expressão das manifestações artísticas e de
aspectos da cultura de uma sociedade. Mas as formas de integração da arte com a cidade
também evoluíram ao longo do tempo. Propõe-se então discutir as relações possíveis entre
arte e cidade no momento contemporâneo.
1.1 - ARTE E CIDADE
Arte e cidade estão entre os fenômenos mais difíceis de serem traduzidos em
conceitos. Ambos se caracterizam por estar em constante transformação e por englobar, em
suas dinâmicas, a vida do homem e sua relação com o que o cerca. Existe também uma
dinâmica ligando estes dois elementos, de universos tão imbricados que muito do que se
conhece sobre um é também útil para se conhecer o outro. São vários os estudos que tentam
desvendar esta inter-relação
3
. Além do seu papel como temática central de alguns movimentos
artísticos,
a cidade contém a arte concretamente em seus espaços. Segundo Giulio Carlo
Argan, mais do que mero suporte de obras, a cidade é intrinsecamente artística, ela é em si
uma “obra de arte”:
“A cidade favorece a arte, é a própria arte, disse Lewis Mumford.
Portanto, ela não é apenas, como outros depois dele explicitaram, um
invólucro ou uma concentração de produtos artísticos, mas um produto
artístico ela mesma”. (ARGAN, 2005, 73)
Cidade como tema, como suporte, como arte, estas são apenas algumas das
interpretações possíveis acerca da interação entre esses dois elementos. Assim, nesta seção,
propõe-se apresentar alguns dos mais representativos conceitos que expressam essa
interligação. Como a arte urbana se insere na paisagem urbana, sendo parte importante da
formação da sua visualidade, é preciso conceituar primeiramente este termo. Procura-se aqui
explicitar com qual entendimento de paisagem se pretende trabalhar, e como a arte aparece
nela. Na seqüência, trabalhar-se-á com os conceitos de cidade como obra de arte, a inter-
relação arte e espaço público e os processos de estetização e espetacularização na cidade
contemporânea. Após, concentrar-se-á na discussão da presença das manifestações artísticas
no espaço público e suas implicações. Finalmente, fecha-se com a discussão dos novos
encaminhamentos da arte urbana contemporânea, comentando algumas questões que
implicam o entendimento da arte no Brasil e em Maceió.
3
Pode-se citar, a título de exemplo, as contribuições de Sitte, Argan e Rossi, que serão abordadas nesta seção.
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17
1.1.1 - A PAISAGEM URBANA E AS MANIFESTAÇÕES ARTÍSTICAS
Fig. 1: “Detector de ausências”, Rubens Mano, Projeto Arte / Cidade, 2004. (Fonte: PEIXOTO, 2004).
A noção de paisagem, atualmente, vem evoluindo em um entendimento mais amplo,
que não se restringe apenas aos dados visuais do meio ambiente, considerando também
aspectos subjetivos e culturais. A paisagem pode ser definida como uma representação,
concebida por quem experimenta uma porção de espaço em um determinado tempo, através
de uma forma de percepção. A paisagem é marcada por certa subjetividade, pois é
especificada pelo sujeito que abriga em si sua bagagem cultural e sua personalidade, também
determinantes no processo.
Enquanto imagem construída pelo sujeito, ela é também produto de uma elaboração
cultural: “(...) é preciso adquirir certas maneiras de dizer, de ver, de sentir, para poder
gozar da paisagem, para apreciar a natureza como convém”
4
. O sentido da paisagem nunca
é estático, e sim marcado pela dinamicidade da interação homem/meio. Apesar de se reportar
necessariamente a dados concretos do mundo, caracteriza-se como uma entidade relacional.
4
BERQUE, 1994, 15 – tradução livre da autora. Original: “Il faut (...) acquérir certaines manières de dire, de
voir, de sentir, et alors seulement l´on pourra jouir du paysage, apprécier la nature comme il convient.”
No Olho da Rua - Dinâmicas da Arte Urbana em Maceió SEÇÃO 1 - Arte Urbana
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18
Sua essência não reside somente no objeto nem somente no sujeito, mas na interação
complexa desses dois elementos
5
. A paisagem é, assim, constituída por uma série de
fragmentos de imagens, unidos entre si pela pessoa que os experimenta.
Embora tradicionalmente este termo esteja ligado ao domínio do visual, a paisagem
pode ser ativada através de outras formas de percepção, por outros sentidos, pela memória.
Um cego também tem a sua paisagem. Uma paisagem pode ser criada ou se fazer presente
pelo cheiro, pelo gosto, pelo som. Seja experimentando o momento ou ativando a memória.
Um exemplo clássico encontramos na literatura de Marcel Proust, no personagem que
reconstrói a paisagem de sua infância ao sentir o gosto de uma madeleine
6
. Outra limitação
que faz parte do senso comum é associar o termo paisagem preferencialmente à composição
dos elementos naturais que nos circundam. Esta postura está em parte ligada à herança visual
da “pintura de paisagem” surgida no séc. XVI, que moldou a concepção que privilegia a
apreciação da natureza. Mas como se percebe no exemplo de Proust, existe paisagem na
cidade. Ou como disse Brissac Peixoto: “A cidade é a paisagem contemporânea”. E nesta
os fragmentos se multiplicam, permeiam-se uns aos outros:
“Horizonte saturado de inscrições, depósito em que se acumulam vestígios
arqueológicos, antigos monumentos, traços de memória e o imaginário
criado pela arte contemporânea. Esse cruzamento entre diferentes espaços
e tempos, entre diversos suportes e tipos de imagem, é que constitui a
paisagem das cidades.” (PEIXOTO, 2004, 13)
Aqueles que vivem na cidade dificilmente pensam seu espaço enquanto paisagem.
Mesmo para o citadino, paisagem ainda é natureza, ainda se remete a algo de idílico, a visões
do paraíso. Muitos não apreciam o que se apresenta diante dos olhos, pois, principalmente
nas metrópoles, quase não há mais elementos naturais. Às vezes não se vê sequer o horizonte.
No lugar de árvores, outdoors e outras imagens publicitárias. Debray (1993, 202) cogita que
talvez estejamos olhando o visual de hoje com os olhos da arte de ontem”. Por isso talvez se
observe tanta dificuldade em lidar com o turbilhão de imagens bombardeadas pela cidade,
tanta resistência em apreciar tal “horizonte saturado de inscrições”.
Mesmo enquanto espaço múltiplo e fragmentário, as cidades possuem identidade
5
BERQUE, 1994, 5.
6
N. do A.: Madeleine é uma espécie de pequenino pão-de-ló, tradicionalmente com o formato alongado como o
de um barquinho. Trecho da obra de Proust: “Et tout d´un coup le souvenir m´est apparu (…). La vue de la petite
madeleine ne m´avait rien rappelé avant que je n´y eusse gouté (...). Et dès que j´eus reconnu le goût du
morceau de madeleine (...), aussitôt Ia vieille rnaison grise sur la rue, où était sa chambre, vint comme un décor
de théâtre s´appliquer au petit pavillon donnant sur le jardin (...) et avec la maison, la ville, depuis le matin
jusqu´au soir et par tous les temps, la place où on m'envoyat avant dejeuner, les rues ou j´allais faire des
courses, les chemins qu´on prenait si le temps était beau.” (PROUST, 1988)
No Olho da Rua - Dinâmicas da Arte Urbana em Maceió SEÇÃO 1 - Arte Urbana
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19
“individualizada”, porque esta diversidade de elementos se organiza simbolicamente em uma
construção coletiva única que se torna emblema de seus indivíduos. Segundo Berque (1994,
7), é neste momento que se descobre um lugar enquanto paisagem, e não apenas como meio
concreto. A paisagem pode ser então o elemento individualizador através do qual o indivíduo
organiza seu mundo visual. Muitos artistas expressam o sentimento de pertencimento à
paisagem,
real ou de sonho, de uma cidade
7
. Como em Lêdo Ivo, poeta alagoano:
“Costumava andar sozinho por toda a cidade - a minha cidade peninsular,
nascida entre águas. (...) Emigrei, é certo, mas carreguei comigo a minha
paisagem - uma paisagem que hoje só a mim pertence, entranhada no meu
universo pessoal, vagas de um mar que apenas eu escuto, estrelas que,
semelhantes a insetos, vem pousar no meu papel branco no instante preciso
em que a noite cai.” (IVO, 1985, 75)
No exemplo supracitado, percebe-se que a paisagem construída pelo artista, enquanto
imagem mental alegórica, ainda revela o predomínio dos elementos naturais. Fala-se em
cidade, mas os elementos citados são águas, vagas, mar, estrelas. A “descoberta” da
paisagem urbana, e consequentemente de sua “poética”, deu-se na França do séc. XIX.
Destaca-se a prática da flânerie, exaltada por Baudelaire e analisada por Benjamin. O
flâneur, novo personagem nascido com a modernidade, é aquele que converte o ambiente
urbano em paisagem e cenário, que se aventura em adentrá-lo: "Paisagem - eis no que se
transforma a cidade para o flâneur” (BENJAMIN, l989, 186). A cidade, viva e mutante,
passa a ser não só local de residência e trabalho, mas onde se deve aproveitar a existência
8
.
Se a cidade é, metaforicamente, um organismo vivo, dinâmico, em eterna mutação,
assim também é a paisagem da cidade, que oferece um caleidoscópio de imagens. A
paisagem das cidades provoca a imaginação, não se trata apenas de uma tentativa de
decodificação racional do espaço construído. A imagem percebida leva a estabelecer
relações, sentimentos,
a construir uma poética singular que particularize o lugar. A imagem
percebida é objetiva, e esta será transformada na medida em que o sujeito vai aprofundando
sua relação com o lugar através da experiência sensorial, sentimental e social. Neste
momento a imagem da cidade torna-se subjetiva, particularizada pela experimentação do
sujeito:
7
Mesmo os elementos naturais adquirem mais vida e significado, personificam-se, quando “pertencem” a uma
cidade. Como no trecho citado, ou, por exemplo, na célebre canção “Sous le ciel de Paris”, onde o céu e o Rio
Sena se enamoram e seus habitantes vivem sob os humores dessa relação. Da mesma forma, pode-se citar as
canções “Corcovado” e “Aquarela do Brasil” como “personificações” de elementos simbólicos da paisagem.
8
Em uma interpretação mais radical, a figura do flâneur representaria simbolicamente a dissolução dos limites
entre os espaços públicos e privados: “A rua se torna moradia para o flâneur que, entre as fachadas dos
prédios, sente-se em casa tanto quanto o burguês em suas quatro paredes.” (BENJAMIN, 1989, 35)
No Olho da Rua - Dinâmicas da Arte Urbana em Maceió SEÇÃO 1 - Arte Urbana
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“A cada instante, há mais do que o olho pode ver, mais do que o ouvido
pode perceber, um cenário ou uma paisagem esperando para serem
explorados. Nada é vivenciado em si mesmo, mas sempre em relação aos
seus arredores, às seqüências de elementos que a ele conduzem, à
lembrança de experiências passadas” (LYNCH, 1995, 1)
Assim, não existe apenas uma paisagem da cidade, formada através da percepção de
seus aspectos objetivos (tal como o relevo), mas há também aquela formada pelo imaginário
coletivo, que por sua vez se compõe da multiplicidade de olhares e experiências particulares.
A forma da cidade, que compõe a imagem percebida, contém em si o passado, o presente e
seu projeto de futuro, em eterna mutação. Como coloca Rossi (2001): “A forma da cidade é
sempre a forma de um tempo da cidade.”
Para pensar a paisagem e o imaginário da cidade, as linguagens artísticas
9
podem ser
meios privilegiados, pois alguns artistas traduzem, em suas obras, elementos particulares a
um lugar, ainda que filtrados pela sua experiência e personalidade: “Do mesmo modo que a
espiritualidade, toda arte é local; exprime, quase sempre sem o saber o gênio de um lugar
cristalizado em uma certa luz, em cores, em tonalidades, em valores táteis.” (DEBRAY,
1993, 200).
Entretanto, no mundo contemporâneo, não se poderia afirmar categoricamente que
“toda arte é local”, pois nem sempre os artistas recorrem ao imaginário e à paisagem de seu
local de origem, algumas vezes opondo-se a eles de forma evidente. Além disso, diante dos
processos de hibridização, miscigenação e pluralidade cultural, que se tornaram cada vez
mais fortes no mundo globalizado atual, ressente-se grande dificuldade de determinar quais
elementos afinal seriam particulares a um lugar. Estes processos são ainda mais evidentes nas
localidades periféricas aos centros hegemônicos de cultura, como é o caso de Maceió. Ainda
assim, algumas obras de arte exprimem algo que só pode ser entendido diante de uma
contextualização local, mesmo que se trate justamente da evidência da hibridização e da
pluralização da cultura de um lugar.
Segundo Brissac Peixoto, a arte é a própria expressão da experiência do mundo. Desta
forma, pode-se ressaltar o seu incomensurável valor como testemunho cultural:
“A arte, além de um fenômeno estético é também um fato social, nesse
sentido a obra de arte pode ser considerada um testemunho cultural.
Portanto, um documento relevante para o estudo da atuação do homem
como agente no processo histórico”
10
.
9
Esta afirmação não se refere apenas às artes visuais: a literatura, por exemplo, também pode estar impregnada
da visualidade de um lugar.
10
Trecho extraído do Tema proposto para o Seminário Arte e Cidade/Salvador, 23 a 26 de maio de 2006.
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Após a abordagem da noção de paisagem na cidade contemporânea e de como a arte
insere-se nela, trataremos de alguns conceitos que relacionam arte e cidade, enfocando alguns
processos envolvendo a cultura contemporânea que também implicam questões no
relacionamento das duas entidades.
1.1.2 - A ARTE E O ESPAÇO PÚBLICO NA CIDADE CONTEMPORÂNEA
A obra de arte enquanto expressão humana e o espaço público enquanto meio desta
expressividade estão essencialmente interligados. Como foi colocado, sabe-se que o espaço
das cidades se constituiu, desde tempos remotos, como palco para a expressão das
manifestações artísticas e da cultura de uma sociedade. Mais do que apenas uma relação
obra/suporte com os espaços públicos, a obra de arte estaria na essência da criação da própria
esfera de vida pública:
“Teria sido para distinguir as ações especialmente humanas - a política e a
arte - daquilo que é condição da natureza, sugere-nos Hannah Arendt
(1958), que a humanidade inventou a esfera de vida pública.” (FARIA,
2002, 84)
Arendt (1991) coloca, assim, a arte como uma das ações humanas cuja existência
teria originado esta necessidade do estabelecimento da esfera pública. A arte, quando inserida
no espaço público, tende a ser decodificada como um bem pertencente a todos. Esta, com sua
presença eminentemente simbólica, é entendida como “coisa pública”, ou seja, como “(...)
algo que inter-essa,
que está entre as pessoas e que, portanto,
as relaciona e as interliga”
(ARENDT 1991, 195). A arte parece ter um poder de provocar, a um só tempo, identificação
e estranhamento:
“Para que as coisas ou fenômenos adquiram o status de “coisa pública” é
necessário que possuam qualidades ou atributos especiais que os façam de
alguma forma merecer a atenção e a reflexão por parte de indivíduos
inicialmente dispersos e desatentos”. (FARIA, 2002, 88)
Ao longo da história, a arte sempre se fez presente na cidade. Esta, como uma “coisa
pública” por excelência, seria responsável pela formação de uma parcela significativa do
imaginário simbólico, que reforçaria a identidade e a interação do grupo em seu território.
Assim, caberia talvez à arte a ordenação do universo cultural de uma sociedade, bem como
da sua espacialidade. O objeto de arte funciona então em duas instâncias: como presença
física (objeto relacional) e como imagem (percebida ou mental). Camillo Sitte
11
via o
11
Camillo Sitte: urbanista, escreveu, no final do séc. XIX (1889), o livro “A construção das cidades segundo
seus princípios artísticos”, uma das primeiras críticas ao pensamento e às intervenções concretas dos
modernistas. Segundo ele, a cidade, com a sua racionalidade ortogonal e seus espaços públicos imensos, tinha se
tornado menos “artística” e de difícil estímulo à sociabilidade. Sitte não queria negar o progresso em favor de um
passadismo romântico. Em sua visão, era possível aliar as necessidades modernas a uma concepção que
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tratamento artístico dos ambientes urbanos como dado fundamental para a existência de uma
vida pública realmente rica, e lamentava o desaparecimento do sentido estético e social do
espaço público. Isto devido à ausência de pontos de referência (as obras de arte),
responsáveis pela ordenação da espacialidade da cidade: “As obras de arte são transferidas
cada vez mais para as gaiolas artísticas dos museus, e com isso desaparece também o
alvoroço artístico das festas populares.” (SITTE, 1992, 112).
Entretanto, é preciso relembrar o conceito de Argan de que a cidade não é mero
suporte de obras de arte, ela é em si mesma um fato artístico: carrega em sua essência a
mesma carga de expressividade a que se atribui à arte. Da mesma forma, segundo ele, todas
as atividades que se relacionam ao pensar e ao fazer visual devem ser consideradas como
atividade urbanística, como parte da cidade:
“Todas as pesquisas visuais deveriam ser organizadas como pesquisa
urbanística. Faz urbanismo o escultor, faz urbanismo o pintor; faz
urbanismo até mesmo quem compõe uma página tipográfica; faz urbanismo
quem quer que realize alguma coisa que
,
colocando-se como valor, entre,
ainda que nas escalas dimensionais mínimas, no sistema de valores.”
(ARGAN, 2005, 224).
Esta visão de cidade como arte tomou fôlego a partir da década de 1960,
influenciando os teóricos que elaborariam a base do pensamento contestatório da pós-
modernidade. Estes, alguns dissidentes do próprio movimento moderno
12
, começaram as
poucos a substituir as teorias do “plano” por teorias do “lugar”
13
. Como Aldo Rossi e seu "A
Arquitetura da Cidade”. Nesta importante obra, percebe-se uma semelhança de idéias com
“História da Arte como História da Cidade” (Argan), onde este último explicita a noção de
cidade como artefato (no sentido etimológico: feito com arte, feito segundo os procedimentos
da arte):
integrasse valores artísticos. Mas estes princípios seriam eclipsados pelo projeto moderno e sua urbanização
planificadora, que algumas vezes desconsiderava centros históricos e recorria à padronização dos espaços
urbanos. Assim, a morte da dimensão estética da cidade estava relacionada também, além do super-
dimensionamento da metrópole, à concepção mecanizada e acrítica com que esta vinha sendo concebida.
12
Sabe-se que a crítica aos princípios racionalistas do movimento moderno surgiu também dentro dos “CIAMs”
(Congresso Internacional de Arquitetura Moderna), principalmente pelo grupo conhecido como “Team X”, os
participantes que organizaram o CIAM X. Outro grupo importante (apesar de marginal e independente) que
dirigia uma crítica radical aos princípios modernos e merece ser citado é o dos “situacionistas”. Sobre estes
últimos, consultar: JACQUES, Paola. “Apologia da Deriva”, Rio de Janeiro, Casa da Palavra, 2003.
13
Refere-se, aqui, às teorias difundidas a partir das décadas de 1950/1960 que propunham uma crítica ao
urbanismo moderno tipo “tábula rasa”, ou seja, aquele que desconsidera as características histórico-culturais e
identitárias dos lugares. Propunha-se, justamente, a noção de que cada lugar é único em suas características,
devendo qualquer intervenção observar as demandas específicas do lugar e das pessoas que nele habitam como
norteadoras do projeto. Tenta-se evitar, com isso, a padronização dos lugares através da implantação de um
mesmo tipo de proposta independente do contexto em que se insere.
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“O espaço urbano é o espaço de objetos (ou seja, de coisas produzidas); e
entre o objeto e a obra de arte existe uma diferença hierárquica (ou seja,
qualitativa, de valor), mas, ainda assim, dentro de uma mesma categoria,
de uma mesma série.” (CONTARDI. In: ARGAN 2005, 1)
Aldo Rossi (2001), com seu conceito de fato urbano, também coloca a questão da arte
como intrínseca à cidade: “Na natureza dos fatos urbanos há algo que o torna muito
semelhante, e não só metaforicamente, à obra de arte”. Apesar de o projeto de cidade
abarcar necessidades primeiras, relativas ao abrigo e à sobrevivência,
em seu caráter
simbólico e estético, e no fato de serem construções humanas que também advêm de
necessidades existenciais, “produto dos esforços da imaginação e da memória coletiva”
14
,
cidade e arte se relacionam:
“Como os fatos urbanos são relacionáveis às obras de arte? Todas as
grandes manifestações da vida social têm em comum com a obra de arte o
fato de nascerem da vida inconsciente, esse nível é coletivo no primeiro
caso, e individual no segundo, mas a diferença é secundária, por que umas
são produzidas pelo público, as outras, para o público, mas é precisamente
o público que lhes fornece um denominador comum”. (ROSSI, 2001, 19)
Uma transformação na cidade vem ocorrendo a partir da revolução industrial: a
mudança do caráter da vida pública, do significado e apropriação dos espaços urbanos. Sitte,
com sua quase obsessão pelo espaço da praça, foi o primeiro a apontar para a crescente perda
do sentido social destas através do esvaziamento da esfera pública:
“Há muitos séculos a vida popular vem retirando-se das praças públicas, e
mais acentuadamente em tempos recentes, sendo quase compreensível que
tenha diminuído tanto o interesse da grande massa pela beleza das
praças.” (SITTE, 1992, 113)
Na verdade, não se pode falar em “esvaziamento” da esfera pública, mas de uma
dissolução dos limites entre as instâncias do público e do privado:
Como as relações entre o público e o privado hoje ocorrem em vários
níveis, torna-se difícil situar a pertinência da oposição sem atentar para
eles. Acontece, porém, que esses planos passaram a se imbricar de tal
modo que parece impossível traçar um limite onde termina o privado e
onde começa o público; sempre se pode apontar em cada uma das esferas
traços determinantes da outra.” (GIANOTTI, 1995, 4)
Entretanto é inegável que o espaço público há muito vem perdendo parte do seu
sentido, no que diz respeito ao seu funcionamento como espaço para a expressão das
individualidades, como lugar de sociabilidade, como espaço de discussão, de debates. As
pessoas se voltam cada vez mais para as esferas da privacidade, e - na visão de Richard
Sennet (1989) – encontram-se presas nas “tiranias da intimidade”, caracterizando assim o que
ele classifica como um “declínio do homem público” na cidade contemporânea. Diante desta
14
GREGOTTI, 2001, 64.
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24
realidade, o espaço público contemporâneo parece configurar uma inexpressividade, que é
própria da sociedade de massas: transmutados de atores sociais para uma coletividade
informe, o público já não se apropria nem se expressa no lugar. O espaço público passa então
a privilegiar os deslocamentos, funcionar como simples derivação do movimento. A praça é
o local de passagem, aonde mais nenhum elemento vem atraindo as pessoas:
“O que torna tão difícil suportar a sociedade de massas não é o número de
pessoas que ela abrange, ou pelo menos não é este o fator fundamental;
antes, é o fato de que o mundo entre elas perdeu a força de mantê-las juntas,
de relacioná-las umas às outras e de separá-las.” (ARENDT, 1991, 62)
Uma outra questão presente na cidade contemporânea, além das metamorfoses
sofridas pelo espaço público, é que hoje se torna cada vez mais difícil entender sua
imagem
15
, visto que seus habitantes são constantemente bombardeados por imagens da mídia
e da publicidade, ligadas à cultura de consumo, à experiência de massa. A imagem passa a
ser explorada, consumida, massificada: “vivemos sob o signo do olhar sob o império da
imagem, no âmago de uma civilização de simulacro” (ARANTES, 1995, 19). Antes dela,
Bachelard (1991) já havia constatado: “Ora, estamos no século da imagem. Para o bem ou
para o mal. Estamos mais do que nunca sujeitos à ação da imagem”. Por fim, Baudrillard
16
coloca que, em um mundo totalmente dominado pela cultura da informação, vivemos em um
êxtase da comunicação” que conformaria nossa visão de mundo. Ele define a pós-
modernidade como uma “era de simulacros”.
Apesar de se estar constantemente consumindo imagens, isto não significa que se
desenvolve uma ampliação da capacidade perceptiva, pois, “por serem um conjunto de
imagens efêmeras e voláteis, principalmente de mensagens que se dirigem ao consumo, a
percepção se vê minimizada a um mecanismo reflexo e o sujeito se limita a observar coisas
sem realmente apreendê-las” (OSTERMANN, 1995,18). A conseqüência deste processo é
que se passa a estabelecer relações superficiais com o lugar: "falta de intimidade, falta de
referências para as pessoas, desestimuladas a fazerem distinções significativas num lugar
cada ver mais homogêneo.” (OSTERMANN, 1995, 18)
Assim, no mundo contemporâneo, a imagem da cidade vem se tornando uma questão
extremamente complexa e ambígua. Pode-se destacar que muitos críticos colocam que o
processo de globalização aportou uma suposta crise de valores identitários através da adoção
15
Comentou-se anteriormente que o citadino dificilmente associa a idéia de paisagem à imagem da cidade.
16
Uma referência fundamental sobre esta questão é a obra “Simulacros e simulação” (1991), do sociólogo e
filósofo francês Jean Baudrillard.
No Olho da Rua - Dinâmicas da Arte Urbana em Maceió SEÇÃO 1 - Arte Urbana
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de padrões universais, que impõem paradigmas advindos dos centros hegemônicos. Estes
valores impostos, muitas vezes efêmeros, terminariam por mergulhar o lugar em um processo
homogeneizante que destruiria os referenciais urbanos. Mas esta colocação, além de supor a
identidade de um lugar como algo fixo, desconsidera a capacidade de rearticulação local
dessas referências exógenas, que criam, a partir delas, algo novo que por sua vez é re-
inserido no contexto global. Assim, no mundo atual, torna-se cada vez mais evidente a
inadequação da noção usual de “pertencimento e da “associação imediata e exclusiva entre
lugar, cultura e identidade, forçando, para o entendimento contemporâneo desses termos, o
surgimento de paradigmas explicativos que sejam relacionados e centrados, como afirma
Stuart Hall, em idéias de contato e interconexão.” (ANJOS, 2005, 9)
Por outro lado, não se pode negar que a interconexão global aportou, paradoxalmente,
uma revalorização das cidades enquanto articuladoras desta dicotomia “local” x “global”.
Mas o objetivo desta revalorização seria o de inserir as cidades no panorama econômico
mundial através da exploração de suas supostas especificidades culturais locais, que passam a
ser transformadas em mercadorias exóticas.
Apesar destas enormes mudanças no contexto da vida contemporânea, das
metamorfoses sofridas no sentido do espaço público na realidade pós-moderna, da saturação
deste por meio de imagens publicitárias, em uma sociedade voltada para o consumo,
constata-se que a arte ainda se faz presente nos espaços públicos urbanos. Daí a importância
de se entender este fenômeno, de se investigar o seu papel na cidade. Como observa Argan:
As obras de arte - quer se trate de monumentos, quer de objetos móveis -
ainda constituem o tecido ambiental da vida moderna Se as conservamos,
ou seja, se toleramos ou desejamos a sua presença, é porque ainda têm um
significado”. (ARGAN, 2005, 86)
Acredita-se que o estabelecimento de referências no espaço urbano
17
é essencial para
o entendimento e a fruição da cidade. As obras de arte funcionam como marcos urbanos
fundamentais de referência histórico-cultural e espacial. A propósito, questiona Contardi: “Se
reconheceria a cidade sem aqueles extraordinários marcos urbanos (...), que são a mais
completa auto-representação da cidade e de sua historicidade?” (CONTARDI. In: ARGAN,
2005, 1). Basta cogitar o que seria Nova York sem a Estátua da Liberdade, ou Paris sem a
Torre Eiffel. Para os que conhecem estes monumentos apenas por representações, estas são a
própria imagem da cidade; para os que nelas habitam, são “elementos vitais de orientação,
ordenação da paisagem e da própria identidade da cidade” (BASSANI, 2003, 146).
17
Conforme se comentou anteriormente, este seria um dos papéis da arte urbana, segundo Sitte (1992).
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26
1.2 - ARTE URBANA
Pensar a paisagem da cidade contemporânea pressupõe ter-se em conta a
multiplicidade de elementos e tempos que a compõe. A arte urbana
se configura como um
dos elementos neste complexo contexto. Por “arte urbana”, entende-se aqui toda expressão
artística visual presente nos espaços públicos e coletivos da cidade. Ou seja, não se está
considerando nesse contexto obras inseridas em espaços institucionais, como museus e
galerias, nem em espaços privados, como edifícios de apartamentos. Apesar de seu apelo
visual e de sua forte presença nas cidades, por uma questão metodológica de delimitação do
campo de pesquisa, desconsiderou-se também as peças publicitárias
18
.
Conforme se afirmou anteriormente, pela sua presença na cidade enquanto objeto
estético e relacional, acredita-se que esta manifestação abre um campo privilegiado de
investigação acerca de questões como expressividade, sociabilidade e imaginário. Mas, se a
cidade é composta por fragmentos que se superpõem em camadas, temporal e espacialmente,
deve-se atentar para o fato de que o que se tem convencionado denominar “arte urbana” pode
ser também múltiplo e fragmentário. Envolve, em um mesmo conjunto, os objetos e práticas
mais diversos: de uma escultura pública a uma performance, de uma intervenção em escala
urbana ao grafite.
Para além de sua presença no espaço público, os objetos artísticos urbanos se
pretendem inegavelmente como obras de arte, como criações artísticas individuais. Além
disso, em muitos casos pretende-se apresentar um olhar crítico, gerar questionamentos sobre
a realidade
19
. Assim, são muitos os meios expressivos utilizados e os papéis exercidos pela
arte urbana na cidade contemporânea.
A arte urbana é também chamada de arte “pública”
20
, como um fator de distinção em
18
As exceções são as pinturas em fachadas comerciais feitas por artistas populares, por utilizarem o meio da
pintura, e os cartazes “lambe-lambe”, por serem “anti-publicitários”. Ambos serão abordados na quinta seção.
19
Muitos teóricos afirmam que, na arte contemporânea, o questionamento que a obra gera é tão ou mais
importante que a própria obra enquanto materialidade, enquanto objeto de fruição: “(...) a arte contemporânea,
conforme entendemos, livra-se do isolamento a que esteve confinada seja por conta de um certo funcionalismo
que lhe foi atribuído, seja pela mística do talento individual, estando mais voltada então para a produção de
pensamento sobre o seu tempo atual, no lugar de privilegiar a produção de objetos para serem usufruídos
desinteressadamente. O que a faz contemporânea é a vontade que tem a arte de investigar as razões e os
motivos que lhe colocaram ali, sem tarefa própria, à margem das atividades que afetam diretamente a vida em
sociedade.” (OITICICA FILHO, 2007, no prelo)
20
Neste trabalho optou-se pela denominação “arte urbana” para englobar tanto as manifestações de caráter
“oficial”, ou seja, empreendidas pelo poder público, assim como as manifestações populares e efêmeras na
cidade, de caráter mais urbano. Estas últimas geralmente não são entendidas como “bens públicos”, pertencente
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27
dois níveis: sua exposição se dá em local público, de acesso irrestrito; teoricamente também
se trata de um bem público, pertencente à cidade. Isto nos leva a refletir se existiria o seu
oposto equivalente: arte privada. A obra de arte, durante a maior parte da história,
caracterizou-se como um objeto perene, passível de ser possuído. O mercado de arte, sempre
dinâmico, evidencia a arte como um bem privado. Mas o artista sempre concebe a obra para
o “público”: promovem-se exposições públicas, reproduzem-se imagens para que a obra
passe a efetivamente existir, adquirir importância e notoriedade. Porque a arte pressupõe o
outro:
“Expressão de uma troca entre um ser e um outro, pretexto a um diálogo a
um tempo interior e exterior; no qual o ser inteiro a todo momento
constrói, desconstrói e reconstrói o espaço em que ele habita”
21
Mas qual a diferença fundamental do entendimento da arte urbana em relação à arte
inserida nos locais tradicionais de exposição? Ainda que se trate de um mesmo objeto, uma
escultura, por exemplo, a apreensão da arte e seu próprio significado mudam de acordo com
o local onde esta se insere. Canclini tenta indicar o motivo de tal fenômeno:
"A diferença básica é que, num lugar aberto, as obras deixam de ser um
sistema fechado de relações internas para converterem-se num elemento do
sistema social; em vez de isolarem-se numa cadeia de relações inter-
artísticas, situam-se no cruzamento dos comportamentos sociais e
interagem com comportamentos e objetos não artísticos. Já não se trata de
colocar uma obra num espaço neutro, mas de transformar o ambiente,
marcá-lo de um modo original ou delinear um ambiente novo.”
(CANCLINI, 1984,137)
Muito mais do que marcos físicos, a arte urbana revelaria aspectos do imaginário dos
seus habitantes. De fato, a arte é um gesto social. Ela não se caracteriza apenas como uma
sucessão de objetos isolados, mas como idéia complexa, algo que está presente no processo
vivencial, um elo simbólico entre o homem e o espaço, assim como a arquitetura e a cidade:
"A arte urbana é uma prática social. Suas obras permitem a apreensão de
relações e modos diferenciais de apropriação do espaço urbano,
envolvendo em seus propósitos estéticos o trato com significados sociais
que as rodeiam, seus modos de tematização cultural e política. Perpassar a
topologia simbólica da arte urbana é adentrar a cidade a partir do plano
do imaginário dos seus habitantes, incorporando-os, por princípio, à
compreensão da sua materialidade." (PALLAMIN, 2000, 23).
Esta definição também encontra eco nas palavras de Brissac Peixoto, quando este se
propõe a “Estudar as produções artísticas de forma a caracterizá-las como elementos
a todos. Sendo assim, é a arte urbana “oficial” que se adequa melhor ao termo “arte pública”.
21
TORTOSA, in MOSSER (org.), 1995, 462 - tradução livre da autora. Original: “Expression d´un échange
entre un être et un autre, pretexte à un dialogue à la fois intérieur et exterieur dans lequel l´être tout entier à tout
moment construit, déconstruit et reconstruit l´espace qu´il habite.”
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28
formadores de imaginários urbanos e das memórias e identidades dos lugares” (PEIXOTO,
2004,18).
Ao investigar as relações sociais permeadas pela arte, deve-se atentar para o fato de
que estas relações “dão-se em meio a espaços permeados de interdições, contradições e
conflitos”. (PALLAMIN, 2000, 24). Existem jogos de interesses atuando, processos de
exclusão social, ambigüidades
22
: a arte, que em si já constitui um fenômeno complexo,
quando imbricada no tecido da cidade, é produto de uma rede de relações sociais,
econômicas e políticas. Por isso, o fenômeno da presença da arte na cidade modifica-se
continuamente em termos de propostas e relações que se estabelecem a partir dele.
A seguir, serão abordadas algumas das principais tendências da arte urbana
contemporânea nos últimos cinqüenta anos, quando houve uma ampliação das propostas
artísticas para além das tradicionais formas de escultura públicas e monumentos. Nas
tendências contemporâneas, observa-se a redefinição de conceitos e práticas envolvendo a
arte urbana. Isto se deve aos processos anteriormente descritos, mas também às pesquisas
artísticas iniciadas na década de 1960, explorando a aproximação entre arte e vida.
1.2.2 - TENDÊNCIAS DA ARTE URBANA CONTEMPORÂNEA (PÓS 1960)
Sabe-se que, no cenário contemporâneo, a arte não só vem solicitando a cidade como
tema central de suas preocupações, como também se faz cada vez mais presente em seus
espaços. O debate em torno do universo da arte urbana
23
vem sendo alçado à ordem do dia,
diante das novas propostas de intervenções e megaeventos (no Brasil, principalmente a partir
dos anos 1990). A arte contemporânea, sobretudo a partir dos anos 1960, vem passando por
um processo de redefinição de seus limites, abarcando uma infinidade de práticas que
suplantam seus parâmetros tradicionais relativos a materiais, estilos e linguagens. Nestas
novas linguagens contemporâneas, percebe-se uma retomada de interesse na relação entre
arte e vida cotidiana, principalmente no que diz respeito à sua inserção e interação com o
espaço. Esta noção está inserida na mudança do entendimento do objeto de arte e marca uma
22
Estas questões serão abordadas mais adiante, no tópico “O paradoxo da arte urbana na cidade contemporânea”.
23
Conforme já se abordou anteriormente, obras de arte na cidade não constituem novidade. Dir-se-ia mesmo
que sempre estiveram presentes em seus espaços. Mas na cidade contemporânea essa presença vem mudando
significativamente em termos de proposta e conteúdo. A partir da década de 1960 os movimentos artísticos vão
mais fortemente proclamando a transgressão dos limites entre arte e vida, não mais se contentando com os
suportes e linguagens tradicionais. Ao mesmo tempo crescia o desejo, por parte dos artistas, de escapar da
exclusividade do mercado da arte e partir para um contato mais direto com o público. O resultado desta
tendência foi a redescoberta da cidade enquanto espaço privilegiado de interação com o público, em oposição
aos espaços institucionais.
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busca de maior interação arte/fruidor. O papel do expectador, acostumado à contemplação de
objetos isolados, transforma-se diante do convite para participar de uma experiência estética
interativa.
O próprio campo ao qual se denomina artes visuais está cada vez menos restrito:
“nada menos estritamente visual do que as artes plásticas de hoje”
24
. A própria obra vai
cada vez menos se caracterizar como objeto e mais como um “catalizador” da experiência do
espaço. Assim, o observador se torna participante ativo, um co-autor: “Obra de arte: de
auto-referencial e autônoma para a inclusão do usuário” (SHULZ-DORNBURG, 1999). A
obra de arte deixa de ser apenas para ser observada e passa a ser experimentada através de
todos os sentidos, numa experiência sensorial/sensual do espaço:
“Longe de se apegar exclusivamente em representar o real (...), a arte
contemporânea caracterizou-se cada vez mais por sua capacidade de
construir espaços, espaços diversos, a um só tempo físicos e mentais, (...)
nos quais o homem ocupa um lugar cada vez mais importante, não
enquanto observador, mas enquanto mediador”.
25
As grandes questões colocadas referiam-se duplamente ao lugar de fruição da arte: se
esta deveria se restringir ao espaço dos museus e galerias ou se deveria ser promovida sua
inserção nos espaços públicos e da coletividade. A submissão ao mercado de arte
26
foi um
dos motivos que levaram a esse questionamento. Assim, algumas manifestações da arte
contemporânea lançaram então esforços no sentido de se libertar dos espaços fechados das
galerias e museus (espaços institucionais) para se fazer presentes nos espaços da cidade:
“O sistema comercial de galerias era, evidentemente, apenas uma parte de
uma economia de mercado capitalista mais ampla. Inevitavelmente, havia o
conflito de quando a arte que expressava sua rejeição desse sistema era
forçada a depender dele para ser exibida, apreciada e consumida. A arte
pública desenvolveu-se, em parte, como resultado de um desejo de
contornar esse dilema. Usando locais alternativos como lojas, hospitais,
bibliotecas e a própria rua como espaço de exposição e os meios de
comunicação - televisão, rádio e publicidade – como caminho mais direto
para um público mais amplo e igualitário, a arte pública deu as costas para
as galerias.” (ARCHER, 2001, 144)
24
TORTOSA, In: MOSSER (org.), 1995, 461 - Tradução livre da autora. Original: “Rien de moins strictement
visuel que les arts plastiques d´aujourd´hui”.
25
TORTOSA, In: MOSSER (org.), 1995, 461 - Tradução livre da autora. Original: “Loin de s'attacher
exclusivement à représenter le réel (...), I´art contemporain s´est de plus en plus souvent caractérisé par sa
capacité à construire des espaces, des espaces divers, à la fois phisiques et mentaux, (...) dans lesquels l´être
humain occupe une place toujours plus importante, non pas en tant que voyeur, mais en tant que médium”.
26
A galeria é, por excelência, o local de comercialização de obras de arte, mas as aquisições de acervo dos
museus dedicados à arte contemporânea também movimentam o mercado, além de proporcionarem maior
visibilidade e credibilidade ao artista. Entretanto, por se tratar de “mercado”, os artistas por vezes sujeitam sua
criação (e seu conteúdo crítico) às demandas deste mesmo mercado, numa relação típica da “lei da oferta e da
procura”.
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30
As primeiras linguagens a se libertar do invólucro institucional e atuar diretamente na
paisagem são chamadas de Land Art ou Earth Works. Estas utilizavam a própria paisagem
como material e/ou suporte de suas obras, como se pode observar nas imagens dos trabalhos
de Robert Smithson e Christo Javacheff, aqui tomados como exemplos. Como não se
configuravam como objetos isolados e sim normalmente como intervenções efêmeras no
espaço, estas obras não eram passíveis de serem vendidas, ou seja, de participarem, enquanto
objetos, do mercado de arte
27
.
Figs. 2 e 3: Ilhas Cercadas, Christo J., EUA, 1983. (Fontes: JANSON, 2001 e ARGAN, 1992)
Figs. 4 e 5: Spiral Jetty, R. Smithson, EUA, 1970. (Fontes: ARGAN, 1992, e JANSON, 2001)
Mas estas primeiras atuações não se aventuravam pelos espaços urbanos. A arte
contemporânea só veio a intervir ativamente na cidade a partir da consolidação das teorias do
“lugar” comentadas anteriormente. Assim, passa-se a produzir obras que não se prestam a
deslocamentos, pois, sem o lugar onde estão inseridas, estas perderiam o seu sentido. A
noção do respeito à especificidade do sítio foi então uma mudança fundamental na concepção
da obra de arte no contexto urbano. A arte de Site Specific, como é chamada, vem substituir
o “(...) uso indiscriminado da Arte como complemento pitoresco do tecido urbano”
27
Entretanto, não se pode dizer que as obras dessa vertente escaparam de todo ao mercado de arte, pois as
representações dos mesmos (fotos, croquis elaborados pelos artistas, mapas, cartões postais) passaram a ser não
apenas expostas em galerias como também vendidas como “obras”. Christo, por exemplo, utiliza esta estratégia
para patrocinar a execução de suas obras, cujo investimento quase sempre sai de seu bolso, a fim de não
depender diretamente de patrocinadores públicos ou privados que pudessem forçar ou influenciar seu processo
de criação.
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31
(SHULZ- DORNBURG, 1999). As obras não mais seriam “acontextuais”, ou seja, passíveis
de serem inseridas em qualquer lugar, apenas como um adorno estético:
“A crise da autonomia modernista da obra de arte, tomada como um objeto
fechado em si próprio e isolado no espaço, coloca a questão da
localização,
da relação da obra com o entorno.” (PEIXOTO, 2004, 14)
Diferentemente das antigas práticas de se dispor de esculturas em espaços públicos, a
arte urbana atual visa estabelecer uma profunda relação com o entorno: “A obra como objeto
se dilui diante da utilização do lugar como forma de experiência estética” (PEIXOTO, 2004,
18). A arte deve agora realçar a natureza, o espaço, a história e o contexto social especifico
do lugar:
“A noção de especificidade do sítio, própria aos trabalhos escultóricos,
ganha aqui conotação mais ampla. Trata-se de tirar obras das instituições
culturais, dos circuitos de exibição estabelecidos, dos padrões
convencionais de classificação, e levá-las a um diálogo mais amplo. Não
tomar as obras isoladamente, como intervenção num espaço mais
complexo. Redefinir o lugar da obra de arte contemporânea, a partir de sua
integração com outras linguagens e outros suportes.”(PEIXOTO, 2004, 14)
As intervenções de site specific são exemplos de pesquisas artísticas que buscavam
investigar as possibilidades de integração (ou mesmo de diluição de limites) entre obra de
arte e espaço urbano. Mas o que vem sendo denominado de Arte Urbana hoje pode assumir
as mais diversas formas e causar os mais diferentes impactos e questionamentos. Esta pode
advir de uma encomenda do poder público para algum fato comemorativo
,
sendo oficial,
patrocinada e planejada em seus mínimos detalhes. Pode, também, ser “marginal” como a
pichação e o grafite. Mas, seja ela oficial ou marginal, qualquer forma de intervenção
artística no tecido urbano participa do imaginário da cidade.
É interessante observar, porém, que mesmo a arte pública “oficial” tem o poder de
causar tensões entre o público e a arte. Isto se reflete, por exemplo, nas depredações do
patrimônio público - quer de monumentos arquitetônicos, quer de esculturas em locais
públicos. Algumas vezes, a relação obra/ contexto/ público gera reações tais que podem
levar ao caso extremo da remoção ou destruição completa de uma obra. Um caso
emblemático aconteceu com a escultura “Arco Inclinado”, de Richard Serra, removida
devido a protestos dos usuários do local onde a obra estava inserida
28
. Como parte dos
28
“As tensões ainda existentes entre o público em geral e a arte, ostensivamente concebida com o total bem-
estar público em mente, ficaram patentes na discussão do destino do Arco inclinado de Serra, encomendado em
1981 por um programa oficial para a Federal Plaza de Nova York. A escultura em aço – muito mais alta que um
homem – cortava a praça, restringindo em muito a visão e o trânsito dos pedestres. Em 1985, o protesto dos que
trabalhavam em edifícios das imediações tornou-se tão intenso que a administração dos serviços Gerais, o
órgão governamental que havia encomendado a obra, anunciou que ela seria removida. Seguiu-se um processo
jurídico, com Serra afirmando que sua remoção constituiria uma violação ao seu contrato e que uma proposta
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32
artistas contemporâneos ocupa-se cada vez mais em instigar o observador, em causar
comoção, surpresa ou choque, exigindo uma participação
29
, um maior engajamento do
espectador, em muitos casos observou-se um aumento desta “tensão” arte/ público.
Entretanto, em alguns contextos o “choque”, por gerar questionamentos, pode ser
fundamental para tornar a vida cotidiana menos limitada a uma apreensão superficial dos
espaços.
Figs. 6 e 7: “Arco inclinado”, R. Serra, EUA, 1981, e “Standort Merry-go Round”, H.Haacke, Alemanha,
1997. (Fontes: ARCHER e WWW. sescsp. org.br)
Projetos de intervenção artística no espaço público já causaram impacto em diversas
cidades por ter estimulado uma revalorização de espaços antes relegados, dando-lhes novo
vigor como lugares de convivência social. Outros aspectos positivos dizem respeito à criação
de novos atrativos para a cidade, incentivando o turismo, tornando mais acessíveis produtos
culturais, reforçado aspectos da cultura local, ou, ainda, estabelecido referências de memória
a um lugar
30
. Principalmente, a arte urbana atual parece buscar estimular a experiência do
espaço:
de deslocamento para um dos lados da praça era inútil, pois a obra havia sido concebida para ocupar sua
posição original. Qualquer alteração nessa concepção destruiria a obra. Ela foi finalmente removida em 1989.”
(ARCHER, 2001, 196)
29
Um exemplo é a obra “Standort Merry-go Round” (fig. 7), de Hans Haacke: o público precisa se aproximar e
olhar por entre as frestas do “cercado” de madeira para poder vislumbrar o carrossel que está dentro dele
girando ao som do hino nacional alemão.
30
Conforme comentado anteriormente, a transformação de “não-lugares” em lugares sociais gerando um “re-
enervamento” da cidade.
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33
“A visita ao Museu é substituída por uma série de itinerários urbanos, numa
retomada anacrônica do modelo do flâneur e sua fascinação com o estranhamento da
cidade. A especificidade do sítio recupera a idéia de jornada.” (PEIXOTO, 2002, 19)
Mas a proposta de intervir em circuito na cidade também comporta riscos, e o
principal é o desta vir a se configurar como um “modo disfarçado de publicidade e política
corporativista” (PEIXOTO, 2002,19), participando assim dos processos de exclusão e de
espetacularização das cidades. Em outras palavras, a arte, transmutada em mera imagem
publicitária das forças dominantes, ao invés de contribuir fundamentalmente para a
consolidação e descoberta dos lugares, pode, ao contrário, concorrer para a alienação geral
das massas.
Por outro lado, as intervenções artísticas em escala urbana, como também são
chamadas; podem agir como “catalizadores” e agregar valor e significado a espaços muitas
vezes abandonados. Seu apelo democrático é caracterizado pelo embate direto com o
habitante: “a obra poderá ser a ocasião para cada passante ocasional, sem hierarquia
social, de viver a experiência provocada pelo encontro inopinado com uma representação
no meio do espaço público”
31
. Este elemento de surpresa, de não programação, pode
realmente contribuir para aumentar seu impacto. Diferentemente da visita a um museu, na
qual existe certa preparação mental para o embate com as obras, descobrir arte na cidade
pode causar estranhamentos e, desta forma, insuflar algo de “aventura” no quotidiano ao se
deparar com essas novas imagens: “A função da arte é construir imagens que sejam novas,
que passem a fazer parte da própria paisagem urbana.” (PEIXOTO, 2004, 15)
Se a princípio a crítica era muito reticente em relação à qualidade artística dessas
obras de site specific, o apelo à especificidade do lugar logo a conquistou pela possibilidade
de um papel social mais ativo para a arte. Entretanto, de seu sentido original de contato com
o público sem intermédio de instituições ou mercado, as propostas de intervenção atuais vem
se mostrando cada vez mais tendenciosamente voltadas para a promoção de megaeventos.
Cláudia Büttner (In: PALLAMIN, 2002, 74) descreve esta transformação recente na Europa:
“O principio básico, que consistia em criar obras artísticas como e para
um determinado lugar; tornou-se o paradigma de quase todos os
empreendimentos na área urbana. (...) Uma das razões que levaram a
aprovação da nova arte no espaço público foi o desejo de que a arte
tomasse em consideração as funções públicas dos locais assumindo ela
própria uma função pública; mas aos poucos foi se cristalizando o
31
GROUT, In: MOSSER (org.), 1995, 486. Tradução livre da autora. Original: “L´oeuvre pourra être l´occasion
pour chaque passant occasionel, sans hiérarchie sociale, de faíre cette experience due à la rencontre jnopinée
avec une réprésentatíon au milieu de l´espace pubIíc.”
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34
entusiasmo pelas instalações específicas como um gênero popular. (...)
Abriu-se então um mercado formidável: realizadores de festivais e
megaeventos, secretarias culturais e muitos empreiteiros de feiras,
aeroportos e shopping centers passaram a explorar a eficácia pública da
arte em benefício da própria imagem e da do local do evento.”
Inicialmente, os artistas entendiam arte pública como presença física perene na
cidade. Foi uma transformação significativa a que levou a arte na cidade a tornar-se cada vez
mais efêmera e performática. A obra vira um “acontecimento” programado pelo artista, de
propostas tão diversas que ultrapassam a idéia tradicional de arte
32
. Como, por exemplo, no
grupo de artistas vienenses Wochenklausur, que executa trabalhos sociais tal qual uma ONG,
mas que se beneficia do status de “obra-de-arte” em suas atuações. Isto nos mostra que os
artistas seguem pensando em estratégias para escapar da mercantilização da arte. Mas até o
momento isto não se tem mostrado possível: todas as novas propostas, por mais radicais que
sejam, terminam por ser absorvidas pelo meio e o mercado de arte.
Diante do exposto, permanece uma questão: a arte urbana, sobretudo em suas
tendência mais contemporâneas, tem logrado ampliar o debate sobre a cidade e o uso que se
faz dela - ou virou apenas uma estratégia de marketing estetizada? Tem tratado a memória e a
visualidade da cidade - ou participa dos processos de dominação? Tem promovido o resgate
dos espaços públicos como locais de criatividade, reunião, sociabilidade? Estas questões
serão abordadas adiante, ao tratar deste paradoxo da arte urbana na cidade contemporânea.
1.3 - O PARADOXO DA ARTE URBANA CONTEMPORÂNEA: A
PARTICIPAÇÃO NOS PROCESSOS DE ESPETACULARIZAÇÃO
DAS CIDADES
Nos dias de hoje, pode-se constatar uma amplificação do entendimento da noção de
patrimônio cultural - que anteriormente privilegiava expressões ligadas à “alta-cultura” - no
sentido de acolher algumas atividades voltadas para o consumo de experiências estéticas de
grande amplitude e para o lazer, tais como parques temáticos, espaços culturais e outros,
destinados a um mercado massificado. Isto vem ocorrendo em conseqüência de políticas e
iniciativas culturais mais abrangentes, nas quais “praticamente todo objeto ou experiência
pode ser considerado de interesse cultural” (FEATHERSTONE 1995, 135)
Esta noção de cultura, entendida por alguns autores como ligada a uma postura pós-
moderna, descortina talvez uma desconstrução das hierarquias vigentes e aponta para a
32
Esta tendência ficou bastante visível na última Documenta de Kassel (Alemanha, 2002). A “Documenta” é a
mais importante e influente exposição mundial de arte contemporânea.
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35
valorização de expressões da cultura popular e de massa como contribuições importantes
para a construção da imagem da cidade. Observa-se que esta ampliação de interesse pelo
patrimônio cultural está diretamente ligada à constatação de que o realce dos espaços
citadinos pode ser traduzido em aquecimento da economia local. Ou seja, não se trata apenas
de uma valorização do savoir faire popular, mas também da introdução de uma dimensão
mercadológica que passa a influenciar fortemente este processo no sentido da criação de
novos produtos, novos valores de uso e de troca para um mercado consumidor ávido de
novidades.
Assim, no mundo contemporâneo, são visíveis e marcantes as iniciativas para se
construir uma imagem para cada cidade. Via de regra, esta imagem é concebida valendo-se
de traços da cultura e realizações notáveis que possam dar consistência a uma “identidade
local”
33
(ainda que por vezes de forma simulada) como objetos ou serviços passíveis de
compra e venda, símbolos e ícones da cultura local, desde que atrativos e vendáveis. Esta
busca da “identidade da cidade”, do “genius loci”, como valor de troca alienável na forma de
espaços de fruição temático-cultural vem gerando mutações profundas no espaço habitado,
apontando para uma “tematização” singularizadora da cidade. Esta tentativa, porém, tem
levado mais a uma uniformização do que uma particularização de cada cidade:
“De fato, nas políticas e nos projetos urbanos contemporâneos,
principalmente dentro da lógica do planejamento estratégico, existe uma
clara intenção de se produzir uma imagem singular de cidade. Essa
imagem, seja ela forjada ou não, seria fruto de uma cultura própria, da
dita identidade de uma cidade. O que se vende hoje internacionalmente é,
sobretudo, a imagem de marca da cidade e, paradoxalmente, essas imagens
de cidades distintas, com culturas distintas, se parecem cada vez mais.”
(JACQUES, 2004, 24)
Neste processo, observa-se a multiplicação de certas práticas de valorização destes
espaços que, a depender do contexto e dos objetivos assume diversos nomes - revitalização,
requalificação, restauração - muitas vezes similares no resultado. Tudo em busca do aumento
do “capital cultural” da cidade, como define Bourdieu
34
(1984).
33
Conforme se abordou anteriormente, discordamos da noção de identidade como algo permanente e imutável.
Ela é, ao contrário, mutável e permanentemente reconstruída diante da incessante troca de informações
característica do mundo contemporâneo.
34
Pierre Bourdieu nos fala em “capital cultural” da cidade, onde esta seria valorizada pela carga cultural que
carrega. Pode-se observar em alguns procedimentos contemporâneos a busca de aperfeiçoamento deste “capital”
através da construção de uma nova imagem, como nos processos de revitalização de áreas urbanas. Intenciona-se
com isso transformar “não-lugares” em espaços onde sejam redefinidos aspectos como a carga histórica, a
identidade e a relação dos habitantes com o lugar. Têm-se exemplos desta tentativa em Maceió, como o projeto
de revitalização do bairro de Jaraguá e também o Corredor Cultural Vera Arruda, o primeiro abordado na Seção
2 e o segundo na Seção 4.
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36
Observa-se então, mais uma vez, que nunca antes na história a cultura esteve tão
conscientemente evidenciada pelo seu valor de troca e em sua conversão em capital
econômico. Reconhece-se que as artes Visuais, associadas à arquitetura, ao urbanismo e à
publicidade, vêm moldando novas concepções de espaço e de interatividade. Mas como se
articulam esses elementos formadores de uma nova imagem da cidade? Que discursos eles
representam? Muitas questões vêm sendo discutidas acerca da pertinência e das
conseqüências de tais práticas artísticas nos espaços públicos urbanos, podendo ser
sintetizadas da seguinte maneira: as obras inseridas em espaços não-institucionais, pelo seu
contato mais direto com o público, vêm logrando contribuir para a discussão das novas
formas de sociabilidade na cidade, ao tempo em que se destacam como presença estética?
Uma das críticas mais incisivas diz respeito à idéia de que estas estariam, acima de
tudo, contribuindo para os processos de gentrificação e de espetacularização
35
das cidades,
através da participação nos processos de renovação urbana que buscam inserir as cidades em
um padrão global de consumo e turismo cultural. Nestes processos, é evidente a busca que se
faz da construção de uma imagem da cidade que possa gerar um aquecimento de sua
economia, uma imagem que possa atrair investidores e turistas. Na citada tendência à
espetacularização do espaço urbano preocupa-se, sobretudo, em tornar a cidade visualmente
mais atraente. Gera-se com isso uma imagem que às vezes corresponde muito pouco à
realidade, podendo-se comparar a uma “maquiagem”, que visa esconder da vista as áreas
“problemáticas” e as contradições da cidade.
Entretanto, a cidade é muito mais que um cenário. Evidentemente a preocupação com
a aparência física dos lugares é importante, fundamental. Mas, na maior parte dos projetos de
renovação urbana, constata-se uma tendência a uma elitização dos espaços, reforçando,
consequentemente, a exclusão social. Nos processos de gentrificação, geralmente os antigos
habitantes das áreas renovadas são desapropriados, deslocados para lugares longe deste novo
centro de interesses da cidade. Normalmente busca-se capital e esquece-se das pessoas. Mas,
segundo Lynch, as pessoas são elementos primordiais dessas dinâmicas, devendo assim ser
consideradas como tal:
“Os elementos móveis de uma cidade, em especial, as pessoas e suas
atividades, são tão importantes quanto as partes físicas estacionárias. Não
35
De acordo com Jacques: “O atual momento de crise da noção de cidade se torna visível principalmente
através das idéias de “não-cidade”: seja por congelamento – cidade-museu e patrimonialização desenfreada –
seja por difusão – cidade genérica e urbanização generalizada. Essas duas correntes de pensamento urbano
contemporâneo, apesar de aparentemente antagônicas, tendem a um resultado bem semelhante e que pode ser
chamado de “espetacularização” das cidades contemporâneas.” (JACQUES, 2004, 23)
No Olho da Rua - Dinâmicas da Arte Urbana em Maceió SEÇÃO 1 - Arte Urbana
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37
somos meros observadores deste espetáculo, mas parte dele;
compartilhamos o mesmo palco com outros participantes.” (LYNCH,
1995, 2)
A primeira crítica a esse processo de espetacularização das cidades e de não-
participação do público partiu da Internacional Situacionista
36
, entre as décadas de 1950 e
1960. Tratava-se de um grupo formado por teóricos, artistas e ativistas que se opunham às
idéias estabelecidas pelo urbanismo modernista
37
. Propunham um outro modo de intervir na
cidade, através da construção de “situações”. Segundo Jacques, o interesse dos situacionistas
pelo urbanismo se deveu sobretudo à importância da cidade como terreno de ação de sua luta
contra os processos de espetacularização em geral:
“A IS (...) lutava contra o espetáculo, a cultura espetacular e a
espetacularização em geral, ou seja, contra a não-participação, a
alienação e a passividade da sociedade. O principal antídoto contra o
espetáculo seria o seu oposto: a participação ativa dos indivíduos em todos
os campos da vida social, principalmente no da cultura. O interesse dos
situacionistas pelas questões urbanas foi uma conseqüência da importância
dada por estes ao meio urbano como terreno de ação, de produção de
novas formas de intervenção e de luta contra a monotonia da vida
cotidiana moderna.” (JACQUES, 2004, 25)
O fato da crítica situacionista contra a espetacularização da cidade ser ainda tão atual é
prova de que ainda não se avançou na questão da participação popular. Diante desta
realidade, a arte urbana encontra-se em um paradoxo: ao mesmo tempo em que sua presença
na cidade democratiza o acesso à cultura e aos imaginários sociais, esta vem também
aparentemente servindo a processos de dominação e de subordinação da pobreza, reforçando
o status quo.
É preciso então refletir sobre a imagem formada e transformada por esses símbolos
inseridos na cidade e, principalmente, indagar se a arte vem contribuindo nos processos de
apropriação social dos espaços da coletividade. O papel da arte urbana na cidade
contemporânea seria o de inaugurar um diálogo com o espaço que a recolhe, marcando as
vias de passagem, insuflando ritmo e transformando este espaço em lugar. A obra na cidade
pode responder a uma idéia de junção, de união, seja da população em torno de símbolos,
seja de reestruturação urbana através da transformação de não-lugares
38
em lugares sociais:
um “re-enervamento
da cidade.
36
Citou-se a Internacional Situacionista na introdução desta dissertação, aludindo ao fato de que um dos
procedimentos do trabalho inspirava-se no conceito de “deriva” proposto pelos situacionistas.
37
Comentou-se anteriormente sobre as críticas ao urbanismo modernista aparecidas nesse período.
38
Termo definido por Marc Augé: “Se um lugar pode ser definido como identitário, relacional e histórico, um
espaço que não se pode definir nem como identitário, nem como relacional, nem como histórico definirá um
não-lugar.” (AUGÉ, 1994, 73)
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38
Entretanto, por na maioria das vezes a inserção da obra de arte responder a uma
comanda do poder público
,
existem questões políticas, econômicas e sociais envolvidas. Se
por um lado a obra é um gesto oferecido ao público, por outro lado espera-se uma
contrapartida: uma reestruturação do espaço social, uma revalorização imobiliária, a criação
de uma atração turística e às vezes a simples exaltação da imagem da gestão pública
enquanto “incentivadora”da cultura local. Mas o envolvimento governamental local revela
também o estabelecimento de uma nova mentalidade no tocante ao papel da arte para a
sociedade contemporânea:
“(...) a expansão do envolvimento governamental e semigovernamental no
financiamento das artes era sintomática de uma crença cada vez maior na
necessidade da arte na moderna sociedade democrática. A arte, sem
dúvida, não era um luxo, mas algo que qualquer sociedade evoluída que se
prezasse deveria ter como marca de sua condição de civilizada.”
(ARCHER, 2001, 146)
Outros elementos reforçam o paradoxo da arte urbana na cidade contemporânea: se por
um lado, como se colocou, a presença da arte em espaços públicos caracteriza o acesso
democrático e irrestrito a este bem cultural, por outro lado, sua presença física tem o poder de
gerar a valorização imobiliária dos espaços circunvizinhos, destinando-os mais uma vez à
elite. Neste caso, a arte é um objeto/fetiche, como uma jóia em uma vitrine, ao qual é
permitido olhar, mas jamais possuir. A inserção destes artefatos culturais na paisagem, aliada
aos processos de renovação urbana, realmente têm o poder de estabelecer uma nova dinâmica
econômica na cidade através, entre outros, do turismo cultural. Mas, ainda uma vez, não é ao
habitante comum que se destina esta nova cidade: os equipamentos culturais implantados são
sempre voltados ao turista e à elite, que podem consumir tais serviços. Não é todo o
“público” que está convidado
39
.
Diante dessas questões, uma das ambições da arte urbana contemporânea deveria ser a
da transformação do espaço em lugar: qualificar o lugar público através da inserção de
símbolos, dando forma ao amorfo, insuflando vida, surpresas e matizações no embate
cotidiano com os espaços. Pois, de acordo com Buttner:
“A arte pode exercer um papel importante no cotidiano. Sendo ela uma
forma de comunicação pública, é necessário aperfeiçoar os conteúdos para
participar desta forma de comunicação e dar-lhe mais vigor.”
40
39
Sitte, em 1889, já colocava a questão da exclusão social como justificativa para a presença da arte na cidade:
“ É preciso ter em mente que a cidade é o espaço da obra de arte por excelência, porque é esse tipo de obra que
surte os efeitos mais edificantes e duradouros sobre a grande massa da população, enquanto os teatros e
concertos são acessíveis apenas às classes mais abastadas.” (SITTE, 1992, 118)
40
BÜTTNER, In: PALLAMIN, 2002, 107.
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39
Como já colocava a Internacional Situacionista, a não-espetacularização da cidade só
pode se realizar diante da participação popular e de uma efetiva apropriação dos espaços
públicos da cidade. A arte urbana tem então dois caminhos: ou a concepção de obras que
contribuam para estimular esse processo, ou continuar fadada a ser apenas um dos elementos
na composição de cenários urbanos espetaculares.
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Urbanísticos e Artísticos
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41
SEÇÃO 2 MACEIÓ: REFERENCIAIS
HISTÓRICOS, URBANÍSTICOS E ARTÍSTICOS
Esta seção se concentra na contextualização da arte urbana de Maceió através da
abordagem de seus referenciais históricos, urbanísticos e artístico-culturais. Ainda que a
ênfase deste trabalho esteja na arte urbana encontrada na paisagem atual da cidade, é preciso
primeiramente compreender os reflexos da formação histórico-social presentes no panorama
atual. Para isto, enfocou-se brevemente alguns referenciais históricos fundamentais da cultura
alagoana e suas implicações na configuração do tecido urbano da cidade de Maceió. Objetivou-
se, assim, abordar alguns momentos do desenvolvimento da cidade a fim de melhor
compreender como se configurou os espaços onde se inserem as diversas manifestações de arte
urbana. Buscou-se também construir um panorama da arte alagoana, enfocando principalmente
as artes visuais e ambientando-as no contexto contemporâneo. Uma abordagem sobre algumas
políticas culturais na cidade, fator fundamental para o entendimento das iniciativas do poder
público em termos de arte urbana, complementa esta seção.
2.1- REFERENCIAIS HISTÓRICOS, SÓCIO-ECONÔMICOS E
URBANÍSTICOS:
2.1.1 - ALAGOAS:
O território onde hoje se situa o Estado de Alagoas pertenceu à Capitania de
Pernambuco até o início da segunda década do século XVII. Foi seu quarto donatário, Duarte
Coelho, que atribuiu a denominação de “Alagoas” à região situada junto às lagoas Mundaú e
Manguaba. Em 1706, oficializou-se a existência da Comarca das Alagoas, tendo como capital a
Vila de Santa Maria Madalena de Alagoas do Sul (atualmente denominada Marechal Deodoro).
O desmembramento de Pernambuco, e conseqüentemente a emancipação política de Alagoas,
deu-se oficialmente em 16 de setembro de 1817. Este fato é importante porque, independente
das razões da Emancipação, sobre as quais os historiadores divergem, estabeleceu-se para
Alagoas uma existência independente de Pernambuco: “A criação do espaço alagoano se
materializa, de fato, a partir das práticas sociais como uma imagem diferencial no contexto da
imagem de pernambucanidade.” (LINDOSO, 2005, 36)
Alagoas foi uma típica representante da economia desenvolvida no Nordeste no período
colonial, baseada principalmente na monocultura da cana-de-açúcar para exportação e com
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intensa utilização de mão-de-obra escrava. Esta sociedade tinha na figura do senhor de
engenho um de seus principais personagens, o qual detinha poderio econômico, influência
política e autoridade sobre os membros da família, escravos e agregados. Uma sociedade de
estrutura patriarcal, de forte cunho tradicionalista:
“Em Alagoas, a dependência quase exclusiva do açúcar e do algodão - duas
culturas que estruturam formas de vida social fortemente marcadas pelo
tradicionalismo - irá empurrar para um tempo a perder de vista o
desvencilhamento da sociedade alagoana da dependência em relação ao
velho engenho e ao ruralismo que por ele é engendrado.” (VERÇOSA, 1996,
102)
Mesmo o surgimento das usinas, em fins do século XIX, substituindo em parte os
antigos engenhos bangüês, não chegou a modificar significativamente a estrutura econômica e
social vigente. Verificou-se justamente o contrário - a manutenção e mesmo a ampliação dos
sistemas de dominação anteriormente estabelecidos:
“(...) trazendo, de quebra, maior concentração fundiária e controle sobre
mais amplas camadas da população. Ao deter a posse das melhores terras e o
pouco crédito disponível, ela representa a continuação da tarefa secular que
a cana-de-açúcar vem realizando na sociedade alagoana (...).” (VERÇOSA,
1996, 122)
Ainda nos dias de hoje, a agroindústria canavieira continua a ser o principal, pilar
produtivo da economia no Estado. É uma situação insustentável, levando-se em conta todas as
limitações socioeconômicas e os impactos ambientais que a monocultura extensiva pode
acarretar no longo prazo. Uma prova disto é que os indicadores sociais do Estado apontam
Alagoas como uma das localidades brasileiras com os piores níveis de expectativa de vida,
mortalidade infantil e analfabetismo. Sua injusta distribuição de renda completa este quadro,
que aponta para a concentração do poder nas mãos de uma elite econômica, perpetuando a
estrutura social dominada pelo setor agro-exportador estabelecida desde o período da colônia:
“O Estado se desenvolveu graças à agroindústria canavieira. Por isso
mesmo, atualmente, grande parte dos municípios alagoanos tem, na cana-de-
açúcar, a mola propulsora de sua economia, contando com 27 usinas ativas.
O cultivo, feito em latifúndios, é uma das razões para a concentração de
renda verificada no “Paraíso das Águas”. ”
1
A permanência dos resquícios da antiga sociedade escravagista voltada para a
monocultura de exportação revela-se também através do tradicionalismo verificado na
manutenção das estruturas sociais, dos valores e dos padrões de gosto em relação às
manifestações artísticas por aqui desenvolvidas:
“O englobamento das questões socioeconômicas indica o peso da tradição,
da manutenção das raízes familiares e do poderio político-econômico. Nessas
circunstâncias, qualquer movimento para mudanças em qualquer setor
1
Cd “Conhecendo Alagoas”, WWW.joc.com, 2005. Fonte: MISA
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43
enfrenta a força de uma sociedade rigidamente organizada e estabelecida e
de uma mentalidade tradicionalista. A influência desse fato sobre a produção
cultural artística é fator indispensável para a compreensão da arte como mais
um fator de continuum da história alagoana.” (CAMPOS, 2000, 30)
Para se compreender o contexto cultural de Alagoas, e, consequentemente, as
manifestações artísticas aí desenvolvidas, é preciso ter em conta estes aspectos específicos de
sua formação sócio-econômica. Apontou-se aqui para a manutenção de uma mentalidade
tradicionalista advinda de uma estrutura social que permanece ligada, desde a época da
Colônia, à hegemonia da monocultura da cana-de-açúcar. No entanto, estes breves comentários
sobre a influência da cultura sucro-alcooleira no Estado não pretendem esgotar a complexidade
da formação sócio-econômica, e principalmente cultural, de Alagoas. Para isto, dever-se-ia
considerar também a influência de outras dinâmicas presentes em seu processo histórico
2
.
2.1.2 - MACEIÓ:
A denominação “Maceió” deriva de Maçayó, nome indígena que designava um riacho
(o atual Salgadinho), e que significa “o que tapa (aterro sobre) o alagadiço”. Maçayó também
denominava um engenho bangüê de açúcar que se situava no local onde hoje se encontra a
Praça D.Pedro II, no Centro da Cidade. De acordo com o historiador Craveiro Costa, este lugar
parece ter correspondido ao sítio inicial da vila de Maceió
3
, onde se localizava o pelourinho,
segundo o mapa produzido em 1820 a mando de Melo Póvoas, o primeiro governador da
província de Alagoas.
Fig. 8: Povoamento inicial de Maceió (Fonte: MISA)
2
Aqui não exploradas em mais detalhes por extrapolarem o objetivo desta pesquisa. Existe uma considerável
bibliografia disponível sobre o assunto. Alguns títulos são citados neste trabalho e se encontram devidamente
inseridos em suas referências bibliográficas.
3
Esta versão é defendida pelo historiador Craveiro Costa: “Uma verdade, porem, é inconteste. A célula mater
do povoado foi o engenho com a sua ermida de S. Gonçalo, que existiram na atual praça D.Pedro II.” (2001,
17). Existe também uma outra hipótese, trabalhada por Moacir Sant´ana, de que o núcleo original da cidade
estaria situado onde hoje é o bairro de Jaraguá, a partir de um pequeno povoado de pescadores.
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Fig. 9: Mapa de Maceió elaborado em 1841 por Carlos Mornay, baseado no mapa de 1820 confeccionando
por José da Silva Pinto por determinação de
Melo e Póvoas. (Fonte: BARROS, 1991).
O relevo da cidade de Maceió caracteriza-se pela sua configuração em três planos, a
saber: uma planície litorânea, um platô intermediário, elevado do nível do mar entre 7 e 10
metros, e um planalto, com altitudes que variam entre 20 e 60 metros. Seu povoamento inicial,
conforme o mapa apresentado, ocupava a área do platô intermediário, onde hoje está o centro,
e uma área do atual bairro de Jaraguá, na planície, devido às suas qualidades de porto. Sua
expansão se deu posteriormente pela ocupação dos territórios circunvizinhos aos bairros
citados, entre eles os futuros bairros Prado, Farol, Trapiche da Barra, Poço, Levada,
Bebedouro, Ponta da Terra e Pajuçara.
Maceió foi elevada, por alvará régio, à condição de vila em 05 de dezembro de 1815. Em
16 de dezembro de 1839, devido ao seu desenvolvimento como empório comercial e à
importância estratégica que seu porto havia adquirido, deu-se oficialmente a transferência da
capital de Alagoas para a Vila de Maceió. Esta transferência também simbolizou o
estabelecimento de um novo modelo sócio-econômico:
“O modelo que serviu para a construção da vida urbana em Maceió foi o
burguês-mercantil, e não o modelo colonial de implantação da cultura
urbana. Há uma diferença fundamental entre a criação de Santa Maria
Madalena da Alagoa do Sul, a antiga capital, que ilustra o modelo colonial
de implantação e fixação da cultura urbana, e a criação de Maceió, produto
de um modelo burguês-mercantil de estabelecimento da vida urbana, e que se
opõe social e politicamente ao modelo urbano–rural que a antiga capital
representa.” (LINDOSO, 2005, 81)
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Entretanto, não desapareceu de todo a origem rural de sua estruturação social. Pode-se
falar, antes, em uma adaptação dos interesses dos antigos senhores de engenho frente a uma
nova realidade socioeconômica, mas ainda com uma semelhança fundamental: a permanência
da dominação das elites oriundas do sistema econômico baseado na agroindústria canavieira.
“Na realidade, o que fez Maceió superar sua origem, mas não negá-la,
foram as relações econômicas baseadas no comércio estabelecido pela
proximidade do porto de Jaraguá. Enquanto o engenho firma sua economia
na produção açucareira, Maceió se fortalece com o escoamento comercial do
açúcar de toda a região e o recebimento de mercadorias estrangeiras para
venda em toda a Alagoas. É sua situação logística que lhe consolida a
posição. Do mesmo modo, se a cidade parece querer afastar o magnata
explorador da terra e do regime escravocrata, ele acolhe seus filhos imbuídos
do velho poder do mando e da autoridade política, ambos ainda embasados
nos resquícios da riqueza oriunda do açúcar.” (CAMPOS, 2000, 31)
Observa-se, no século XIX, um intenso desenvolvimento demográfico e urbanístico na
Cidade, estimulado principalmente pelo seu florescimento econômico, sua nova condição de
vila, e, posteriormente, capital. O traçado das vias delineou-se de forma espontânea,
acompanhando os acidentes do terreno e o alinhamento das edificações existentes. O
Governador da Província Melo e Póvoas, a partir do mapa elaborado em 1820, chegou a propor
um plano de urbanização para Maceió, com a abertura de avenidas e correção do alinhamento
de algumas ruas. Mas esta proposta parece não ter sido executada. De acordo com Diegues Jr.:
“Começaram as realizações. Era preciso construir a cidade. Maceió cresceu
desordenadamente, sem ritmo, sem método, sem estilo. A planta de Povoas, de
1820, pretendia dar um plano de urbanização, mas este não foi cumprido.”
(DIEGUES JR., Manuel, In: COSTA, 2001, 156.)
A observação de Craveiro Costa reforça a idéia da resistência às mudanças no traçado
urbano original
4
:
“Melo e Póvoas cuidou seriamente da vila. As suas preocupações não
ficaram limitadas às obras de defesa militar que realizou; foram adiante,
estenderam-se à remodelação urbana, traçando o plano de uma cidade,
cortada por grandes avenidas, partido do mar para a lagoa. Mas a
ignorância predominante nesse tempo, na administração e na sociedade, não
podia compreender essas realizações. A planta de Póvoas foi legada ao
esquecimento, para que os compadres dos vereadores continuassem a aleijar
a cidade, impunemente...” (COSTA, 2001, 119)
Maceió se delineava como uma vila de características urbano-burguesas, dotada de uma
arquitetura inspirada mais nas feições estilísticas predominantes na capital do Brasil, Rio de
Janeiro, que no legado da arquitetura colonial. O classicismo europeu, principalmente o
francês, ainda era a influência reinante no estilo do Segundo Império, modelo estabelecido
4
Entretanto, hoje se contestam estas afirmações, conforme foi demonstrado nas teses de Verônica Robalinho
Cavalcanti (1998) e Geraldo Majela G. Faria (2002) comparando-se a planta de Melo e Póvoas com a malha
viária atual do Centro.
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desde a vinda da “Missão Artística Francesa” para o Brasil, em 1816, e da inauguração da
Academia Imperial de Belas Artes no Rio de Janeiro, em 1826
5
. A predominância deste estilo
em Maceió é comentada por Diegues Jr. (1939):
“Surgida nos fins do século XVIII para princípios do XIX, Maceió não chegou
a conhecer de verdade a vida colonial. Sua existência mesma começa com o
Império. De modo que o grosso das construções encontradas pela República
tinham as linhas características das edificações do Segundo Reinado. O gosto
pelo azulejo nas fachadas, os enfeites no alto das casas – as pinhas, as
figuras mitológicas, os abacaxis; as casas imprensadas umas nas outras,
quase sem ar, sem ventilação, contrastando com aquelas casas largas e
cheias de janelas do tempo da Colônia: eis aí alguns dos traços mais
evidentes nos tipos de construção de Maceió.” (DIEGUES JR., Manuel, In:
COSTA, 2001, 156.)
Maceió, após o advento da República (1889), intensificou ainda mais o seu progresso
urbano. A influência do estilo clássico continua até as primeiras décadas do século XX, mas
com características ecléticas. Neste período (1890-1930), aliás, verifica-se a construção de
algumas das edificações mais representativas deste “gosto europeu” na cidade: o Palácio
Floriano Peixoto (1903), o Teatro Deodoro (1910), a Intendência Municipal (1910)
6
, a
Associação Comercial (1923), entre outros. Excetuando-se este último exemplo, todas as
edificações citadas são obras do arquiteto italiano Luigi Lucarini, arquiteto oficial de Alagoas e
de Maceió durante o período dos governos dos irmãos Euclides e Joaquim Paulo Malta, que se
revezaram no poder entre 1900 e 1912
7
.
É neste período, acompanhando a implantação e enriquecendo o entorno dessas
imponentes edificações, que várias praças na cidade serão construídas ou reformadas, seguindo
o mesmo estilo clássico-eclético. O projetista responsável é o pintor Rosalvo Ribeiro
8
, cuja
formação artística se deu primeiramente na Academia Imperial, no Rio de Janeiro, e depois na
Academie Julien, em Paris. Teria sido o artista, provavelmente, o articulador da encomenda de
várias esculturas em ferro fundido provenientes de fundições do Val D´Osne (Paris) instaladas
5
A catedral de Maceió, Matriz de N.S. dos Prazeres, foi construída com base em projeto elaborado em 1838 por
Grandjean de Montigny, professor de arquitetura da Academia Imperial e chegado ao Brasil juntamente com a
missão artística francesa em 1816, a qual liderou. A catedral se situa defronte à Praça D.Pedro II.
6
Fonte: DIEGUES JR., Manuel, In: COSTA, 2001, 169.
7
Conhecida como a Oligarquia dos Malta, este foi um período onde o poder político concentrou-se nas mãos de
uma só família: “O poder dos Malta vai se espraiar por todos os setores da vida alagoana de forma
avassaladora.(...) oligarquia forte, os Malta tinham ao seu lado um legislativo que, trabalhando apenas dois
meses por ano, aprovavam ad referendum todos os decretos executivos que lhe eram enviados.” (VERÇOSA,
1996, 120)
8
Rosalvo Ribeiro será citado também no item 2.2, “referenciais culturais e artísticos”, como um dos principais
pintores alagoanos. Apesar de não haver comprovação documental a este respeito, acredita-se que este artista,
talvez em parceria com o arquiteto Lucarini, tenha projetado as praças construídas no período da Oligarquia dos
Malta.
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47
nas praças que projetou
9
. Este tipo de escultura, além de peças de mobiliário urbano feitas do
mesmo material (postes, fontes), quase todos do Val D´osne, foram intensamente utilizados na
cidade do Rio de Janeiro, na época a Capital do Brasil
10
.
Fig. 10: Praça Deodoro no início do século XX (Fonte: MISA, 2006).
As praças, reformadas, passaram a ser valorizadas como local de passeios e encontros
pela elite local. O espaço público passa a se efetivar, em termos, como espaço de
sociabilidades:
“As praças surgem nesse período, com mais importância; o contato com a
rua não é privativo dos moleques, dos negros, dos vagabundos, das mulheres
perdidas. As famílias já procuram as ruas, já vão às praças, já assistem a
festejos públicos. À democracia política que a República trouxe, alia-se a
democracia social; a aproximação entre as classes sociais, um como que
nivelamento. (...). A rua vai mudando a fisionomia, perdendo aquele ar de
coisa feia com que ainda nos dias do período imperial era tratada pelas
famílias. Com essa aproximação com a rua, a freqüência à praça - uma
oportunidade de contato coletivo para amostra de vestidos, de chapéus, de
sapatos, tão ainda ao gosto da cidade - torna-se ainda mais assídua.”
(DIEGUES JR., Manuel, In: COSTA, 2001, 158.)
As décadas de 1930 e 1940 são marcadas pela crescente ocupação das áreas litorâneas,
principalmente a Avenida da Paz (Centro/Jaraguá) e Pajuçara. Nesse período destaca-se a
9
Entre elas, cita-se as Praças Marechal Deodoro e Dois Leões. Os exemplares de esculturas do Val D´Osne, bem
como o traçado das praças, serão comentados e analisados na Seção 3, item 3.1.1, que trata das esculturas
públicas no período 1860/1960.
10
Existe um trabalho realizado pela Casa França-Brasil, em 1995, sobre as peças fabricadas pelas companhias de
fundição do Val D´Osne existentes no Brasil e na cidade do Rio de Janeiro em particular: “JUNQUEIRA,
Eulália; ROBERT-DEHAULT, Elisabeth; BULHÕES, Antonio - Fontes d´art: chafarizes e estátuas franceses
no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, Éditions de L´amateur, 2000.” Nesta obra de referência encontra-se um
histórico desta prática e sua importância para a arte do século XIX e início do século XX, além do inventário das
peças encontradas no Rio de Janeiro.
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construção do Cais do Porto, em Jaraguá, em 1940. Notável também foi o alargamento da
zona residencial do Farol, que, aos poucos, foi suplantando o Centro e o Bebedouro como
bairro preferido pelas famílias abastadas de Maceió: “Transformado na zona residencial mais
elegante da cidade, o Farol alarga a sua área de domínio; e expande-se e cresce como um
símbolo da própria expansão e do crescimento urbano de Maceió.” (DIEGUES JR., Manuel,
In: COSTA, 2001, 177.)
Fig. 11: Rua Ângelo Neto, Farol, em 1942. (Fonte: MISA, 2006).
Figs. 12 e 13: Pajuçara e Ponta Verde em 1930 (Fonte: MISA, 2006).
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Neste período destaca-se também a consolidação de um outro tipo de edificação
residencial, o bangalô, que vai se tornar o preferido pelas classes abastadas. Tal assimilação
seria fruto de um modismo, de acordo com Valdemar Cavalcanti
11
. Esta questão é comentada
por Silva (1991):
“A novidade em termos de moradia, dá-se com a divulgação do bangalô,
residência de pretensões pitorescas, normalmente inspirada em estilos
arquitetônicos alienígenas, resultando em construções de caráter exótico ou
romântico. Esta tendência construtiva contraria os pressupostos do
Regionalismo nordestino que é superado, neste caso, por veículos ideológicos
mais potentes como o cinema e as revistas de circulação nacional. Vence o
modismo, avalizado pelas metrópoles.” (SILVA, 1991, 31)
As primeiras obras de arquitetura moderna aparecem na cidade em meados da década de
1950. Destaca-se, por exemplo, a construção de habitações de linguagem marcadamente
moderna e desvinculadas dos limites dos lotes, e o aparecimento dos edifícios de mais de
quatro pavimentos
12
. Entretanto, não se pode deduzir destas observações que aqui se
estabeleceu nessa época uma “escola” moderna de arquitetura, nem no sentido estrito nem no
sentido figurado do termo
13
. Eram poucos os arquitetos que desenvolviam projetos na cidade,
devendo-se considerar também as contribuições de engenheiros e desenhistas na divulgação de
uma concepção moderna na arquitetura.
A aceitação e assimilação desses novos padrões de gosto por uma sociedade
tradicionalista como a alagoana é também fruto da avançada consolidação da arquitetura
moderna nos principais centros brasileiros, cujo ápice se deu com a construção da nova capital,
Brasília. Entretanto, tal sopro de modernidade permanece na superfície, não chegando a
modificar significativamente sua estrutura social:
“A modernização arquitetônica e urbana de Alagoas desenvolve-se enraizada
num contexto artificial, que contamina o seu produto. A arquitetura
moderniza-se mas, malgrado o papel ativo que cabe ao próprio espaço de
gerar renovações, a sociedade a que abriga permanece pouco mudada.
Apesar disso, deve-se ressaltar que a experiência da Arquitetura Moderna
permanece como fato significativo pois é etapa de fundo progressista no
caminhar da produção cultural de Alagoas. Há ganho na afirmação da
autonomia do objeto arquitetônico, nas facilidades do conforto e
funcionalidade que se estabelecem e no saldo de criatividade que
normalmente acompanha as renovações estéticas” (SILVA, 1991, 35)
11
CAVALCANTI, Valdemar. A invasão do Bangalô. In: Alagoas. Maceió, 1938.
12
O primeiro foi o Edifício Breda (1958), no Centro, que funciona até hoje como centro comercial.
13
O de uma agremiação de artistas (arquitetos) e intelectuais unidos por um mesmo ideal estético/ conceitual
que venha a nortear suas obras e que as caracterizem como dotadas de um estilo particular. Neste sentido, não
houve uma escola modernista alagoana de arquitetura. Os profissionais aqui atuantes trabalhavam isoladamente,
não se tendo verificado a criação de grupos ou agremiações como era de praxe entre os literatos. No sentido
estrito, a primeira escola de arquitetura de ensino superior de Alagoas foi inaugurada apenas em 1974, na
Universidade Federal de Alagoas.
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Na década de 1960, a gestão do Prefeito Sandoval Caju
14
destaca-se como um momento
de intensa intervenção nos espaços públicos da cidade, principalmente no que se refere às
praças. Grande parte delas foi reformada, outras construídas. O que chama atenção nessas
novas intervenções é a quebra com os padrões estilísticos clássico-ecléticos até então
utilizados, inaugurando uma estética mais “moderna”
15
para a cidade e tornando este novo
gosto vigente a marca de sua administração:
“Durante o governo Luiz Cavalcante, assume a prefeitura de Maceió,
Sandoval Caju. Sua gestão é marcada pela construção e reforma de inúmeras
praças, dentro de uma conduta de caráter populista. Reabilita o uso do
azulejo, num processo simultâneo em que este material é incorporado às
fachadas de residências populares. Esta tendência do uso do azulejo espalha-
se pelas cidades do interior, gerando um motivo de arquitetura típica que
colore a monotonia das ruas alagoanas.” (SILVA, 1991, 34)
Figs. 14 e 15: Casas de fachadas azulejadas (Fonte: IP, 2005).
Nas décadas seguintes, Maceió expande grandemente seu território. Uma das ocupações
mais intensas deu-se em sua expansão para o norte, na área do planalto ou tabuleiro, até
encontrar-se com os limites do município de Rio Largo, nas proximidades do Aeroporto Zumbi
dos Palmares. Esta expansão foi estimulada devido à abertura de um dos principais corredores
de circulação da cidade, a Avenida Fernandes Lima, e sua continuação, a Avenida Durval de
Góes Monteiro, que “deságua” no acesso norte para Maceió (BR-101). Excetuando-se as
margens destas avenidas, de forte presença comercial enquanto uso do solo, esta área é
predominantemente residencial. Implantaram-se aí muitos conjuntos habitacionais populares,
mas também, mais recentemente, alguns condomínios fechados destinados aos mais abastados.
A década de 1970 marca a progressiva consolidação da “área nobre” da cidade para a
14
Período de 1961 a 1964. Este administrador municipal foi deposto logo após o golpe que instaurou a Ditadura
militar no Brasil.
15
Ou popular, de gosto kitsch, segundo alguns estudiosos, mas ainda assim uma nova estética que se opunha aos
modelos clássicos tradicionalmente estabelecidos. Na seção 3, item 3.1.3 (1960/1980), abordar-se-á o assunto
mais longamente.
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faixa litorânea da Pajuçara e, posteriormente, Ponta Verde e Jatiúca, antigas áreas de sítios de
coqueirais. Neste período construíram-se os primeiros edifícios residenciais na Pajuçara, e, na
década de 1980, na Ponta Verde. Hoje esses bairros apresentam intensa verticalização e grande
densidade urbana. As orlas marítimas desses bairros são intensamente freqüentadas, dispõem
de muitos equipamentos de lazer e serviços (hotéis, restaurantes, bares, centros comerciais) e
grande vocação turística
16
. Recentemente, em 2006, a Prefeitura Municipal reformou toda a
orla da Pajuçara e intenciona estender a intervenção às orlas de Ponta Verde e Jatiúca.
Fig.16: A verticalização na Ponta Verde (Revista Construtora Falcão, 2004).
Em direção ao Litoral Norte, o crescimento da cidade também foi considerável, a ponto
de incorporar como zona de expansão urbana toda a faixa de território que vai do bairro de
Jacarecica até o antigo distrito de Ipioca. A princípio formada por vilas de pescadores e casas
de veraneio, essas localidades efetivaram-se como valorizadas áreas residenciais de Maceió.
Ainda não se verifica nenhuma verticalização na área que se situa entre Guaxuma e Ipioca, mas
atualmente seus moradores protestam contra a possível liberação da área para a construção de
edifícios. Teme-se que estas localidades percam suas características culturais, arquitetônicas e
ambientais, transformando-se em uma área de intensa verticalização, como aconteceu com os
bairros citados de Ponta Verde e Jatiúca.
Para o Litoral Sul, a expansão urbana, apesar de efetiva, não se caracterizou como área
16
Destaca-se nesse contexto a Piscina Natural de Pajuçara como uma das mais procuradas atrações. Os passeios
são feitos em jangadas, as embarcações típicas dos pescadores locais.
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muito procurada e valorizada, por dois motivos: primeiramente, a crescente poluição do Riacho
Salgadinho, que já havia sido desviado de seu curso original, desvalorizou todas as áreas que o
margeiam e as praias próximas ao local onde o mesmo deságua (Avenida da Paz, antiga área
nobre). Em segundo lugar, constata-se que a implantação de uma indústria especializada na
produção de soda cáustica e cloro (Salgema, atual Trikken) em 1976, no bairro de Pontal da
Barra, defronte à praia, inibiu em parte o crescimento urbano para essa área sul, ao menos
como localidade valorizada em termos imobiliários como normalmente são as de beira-mar na
cidade. Atualmente esta área é ocupada por bairros onde predomina a camada de população de
baixa renda. Toda a faixa litorânea que vai do Jaraguá ao Pontal da Barra é formada por praias
impróprias para o banho, resultado conjunto da poluição causada pelo deságüe do Salgadinho,
pelo óleo dos navios que aportam no Jaraguá, pela presença da citada indústria em plena zona
urbana e pelo emissário submarino de lançamento dos esgotos urbanos.
Fig. 17: Deságüe do Riacho Salgadinho no mar (Fonte: Google Earth, 2007).
A faixa que margeia a Lagoa Mundaú é uma das que concentram maior faixa de
população de baixa renda da cidade, assim como as áreas de encostas. Uma área considerável
foi aterrada quando da implantação do Dique-estrada. Apesar de ter havido também uma
reforma nesta orla lagunar, e da beleza natural desta localidade, existe ainda pouca exploração
turística. A exceção é feita ao bairro de Pontal da Barra, que alia sua vocação como centro de
produção e comercialização de artesanato (em especial o filé), ponto de saída de passeios de
barco para as nove ilhas da Lagoa e uma razoável estrutura de bares e restaurantes de comidas
típicas.
Apesar de todo o desenvolvimento econômico e urbano dos últimos cinqüenta anos,
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destacando-se, em especial, a consolidação da cidade como um dos principais destinos
turísticos do Nordeste, Maceió
17
ainda se configura como uma cidade carente de infra-
estrutura, serviços e equipamentos culturais. Sua configuração atual aponta para uma cidade
marcada por diferenças abismais entre suas áreas “nobres” e populares.
Esta configuração espacial também poderá ser constatada, por um outro viés,
observando-se o mapa de localização dos principais monumentos artísticos da cidade
18
. É
visível a concentração destes nos bairros históricos e nas áreas “nobres” de Maceió, ou seja,
nas localidades que foram ou são habitadas pela parcela de população de maior poder
aquisitivo. Os principais investimentos em infra-estrutura, lazer, cultura e em elementos
simbólicos, marcos espaciais, concentram-se invariavelmente nessas áreas. A análise desta
questão, entre outras, será objeto de discussão da terceira e da quarta seções, nas quais se
abordará a presença da arte urbana de cunho “oficial” na cidade.
2.2 – REFERENCIAIS CULTURAIS E ARTÍSTICOS:
2.2.1 - ARTES PLÁSTICAS X LITERATURA EM ALAGOAS:
Considerando o contexto nacional, Alagoas só veio a lograr certo destaque no campo
das artes e da expressão intelectual no domínio da literatura. Nas artes visuais, foram poucos e
de forma isolada os artistas que conseguiram alguma projeção. Este quadro reflete a situação
presente no próprio Estado no âmbito da apreciação da produção visual local, colocada por
longo tempo em segundo plano. A literatura, por outro lado, dispunha de grande prestígio
entre a sociedade alagoana. Criaram-se, a partir das primeiras décadas do século XX, várias
agremiações literárias
19
que movimentaram a cena artística da cidade. A pintura e a escultura,
no entanto, permaneciam secundárias:
“É nítida a desproporção cultural entre a produção literária e o nível de
prestígio da produção pictórica em Alagoas. Enquanto a literatura alcança
uma repercussão no meio social local, no Brasil e no exterior, vistos, entre
outros, os fenômenos Graciliano Ramos e Jorge de Lima, a pintura alcança
pouco eco até na própria capital. Há, também uma significativa produção
intelectual analítica sobre a literatura alagoana feita por conterrâneo ou por
estudiosos de outras regiões.” (CAMPOS, 2000, 37)
Entretanto, não existia na capital um meio literário/ intelectual suficientemente forte a
ponto de influenciar o que ocorria no cenário regional e nacional. Ao contrário, os
17
A área atual de Maceió é de cerca de 514 km², sendo 233 km² de área urbana (fonte: IBGE).
18
Consultar Seção 3.
19
Pode-se citar, por exemplo, a Academia dos Dez Unidos, o Grêmio literário Guimarães Passos (1927), o
Cenáculo Alagoano de Letras, entre outros. Fonte: DIEGUES JR., Manuel, In: COSTA, 2001, 166.
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movimentos que chegavam em ecos por aqui eram de alguma forma submetidos e adaptados
ao gosto conservador da elite alagoana. É verdade, como se colocou anteriormente, que a
produção literária local alcançou projeção nacional e internacional através de alguns de seus
expoentes. Entretanto, invariavelmente, tais expoentes galgaram seu prestígio primeiramente
fora de seu Estado natal:
“As maiores expressões alagoanas para o pensamento brasileiro
alcançaram a sua maturidade intelectual fora de Alagoas, para lá
retornando apenas eventualmente. (...) É dessa maneira que Alagoas se
insere na esfera cultural do país, através de indivíduos que em algum
momento de suas vidas passaram pela situação crítica de rompimento com a
vida cotidiana local.” (FARIA, 2002, CAP. 11, 33)
Para se entender a preferência pela literatura em detrimento das manifestações artísticas
visuais, é preciso ter em conta que o mesmo fenômeno ocorre, de uma forma geral, no Brasil
inteiro. Não há no País uma tradição cultural visual que tenha possibilitado a projeção dos
artistas brasileiros (a exceção de poucos) e dos movimentos nacionais em âmbito mundial. Este
quadro vem se modificando no cenário contemporâneo, conforme se comentou inicialmente,
mas o Brasil ainda não alcançou um patamar que o coloque em posição de influenciar
decisivamente as pesquisas artísticas visuais em escala global. O lento desenvolvimento das
artes plásticas no Brasil, de acordo com alguns estudiosos, teria se originado da pouca
predisposição portuguesa para o visual:
“É interessante observar que a dicotomia entre a produção literária e a das
artes plásticas ocorre, também, em Portugal. Em 1563, o tratadista português
Francisco de Holanda indica tal fato: a frágil tendência portuguesa para as
coisas visuais. Se, em geral, o Brasil herda da antiga metrópole, entre outras
características socioculturais, essa resistência às artes visuais, não
alcançando, até hoje, como enfatiza Rodrigo Naves, uma produção plástica
global fortemente estabelecida para um reconhecimento internacional, talvez
Alagoas represente um dos pontos mais altos dessa resistência, onde “um
meio sobremodo ingrato e sáfaro” indispõe o surgimento e florescimento da
pintura.” (CAMPOS, 2000, 37)
Em Alagoas, a literatura desenvolveu-se como o campo artístico mais profícuo e atuante
também devido ao seu papel de divulgador das ideologias dominantes e de seu desdobramento,
através da oratória, na arena política. A manutenção dos valores e da tradição encontra apoio
nas elites intelectuais, ainda que parte de seus escritores busquem romper com o status quo
através da inspiração em ideais de movimentos culturais modernos e da adoção de uma postura
mais crítica em relação ao seu meio. Este entendimento da literatura como uma arte que possui
utilidade prática” talvez seja o principal motivo para o desenvolvimento preferencial desta
forma artística em Alagoas em detrimento das artes plásticas, estas últimas consideradas por
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55
muito tempo como expressões voltadas para o diletantismo
20
. Faria (2002) comenta o papel da
literatura no cenário local:
“Dentre todas as formas de expressão, sobressaem a literatura e a oratória.
(...) A literatura, forma individual de expressão, é o modo de manifestação
principal desses segmentos em razão não apenas por sua utilidade prática
na política, onde desponta também a oratória, mas também nas atividades
administrativas e nas representações simbólicas.” (FARIA, 2002, 485)
Os dois principais movimentos artísticos da primeira metade do século XX no Brasil, o
Modernismo e o Regionalismo
21
, terão desdobramentos diferentes em Alagoas. Enquanto que
o Modernismo é assimilado de forma algo superficial, e interpretado por muitos como um
modismo passageiro, o Regionalismo finca suas bases na cultura alagoana de forma mais
duradoura, apesar de não se poder comparar com a profunda influência que este exerceu em
Pernambuco, berço do movimento. As propostas modernistas de quebra com os padrões e
valores da tradição estabelecida não se adequaram ao espírito conservador aqui reinante,
encontrando certa resistência para florescer, apesar de ter sido realizado até mesmo um evento
inspirado na Semana de Arte Moderna paulista (1922):
O modernismo, que se fizera presente no Rio de Janeiro e em São Paulo de
forma estrepitosa, já em 1922, só vai fazer eco na província bem mais tarde.
O evento denominado arte nova, realizado em Maceió em 1928 para
comemorar o modernismo nos moldes da semana de arte moderna, durou
apenas um dia, sem qualquer repercussão posterior.” (VERÇOSA, 1996,
157)
Esta festa reuniu obras de artistas plásticos e escritores. Apresentaram-se as primeiras
pinturas de inspiração “moderna”, mas ainda desenvolvidas de maneira inconsistente, sem
representar realmente a existência de pintores que buscassem desenvolver um estilo
20
A expressão literária, no entanto, não era privilégio de escritores; quem quer que lograsse alcançar uma
projeção social costumavam se aventurar nestes domínios, arriscando poemas, artigos, e participando, talvez, de
algum dos grêmios literários da cidade. Este amadorismo presente mesmo na expressão artística erudita por
excelência de Alagoas vai se refletir na superficialidade com que os movimentos artísticos foram assimilados,
como é o caso do modernismo, comentado adiante.
21
O movimento regionalista propunha a valorização da identidade cultural nordestina, e tinha na figura de
Gilberto Freire seu principal articulador. Pelo seu apelo às tradições nordestinas, esta proposta foi mais
facilmente assimilada pelo conservador contexto social alagoano. Entretanto, a valorização desta “identidade
nordestina” recaía em uma manutenção dos valores de permanência em detrimento de um posicionamento mais
crítico: “A posição defendida por Gilberto Freire a princípio pode ser avaliada como uma postura corajosa de
crença no Brasil e de crítica à estagnação cultural. Porém, passa ao largo de um questionamento da situação
conjuntural da região nordestina. A noção de valorização do Regional esvazia a polaridade de classes e a
discussão sobre a ordem patriarcal. Se o vetor modernista não é cabível pelo desajuste a um contexto social de
bases arcaicas, o Regionalismo apresenta um conteúdo conservador e limitado. Esta perspectiva não toca no
valor da considerável produção literária centrada no pensamento regional, onde cabem prestigiados escritores
alagoanos que, a partir de suas obras, superam inclusive as próprias debilidades do Regionalismo.” (SILVA,
1991,31)
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56
desapegado dos preceitos acadêmicos ainda vigentes
22
:
“A Festa da Arte Nova reúne literatos e pintores que apresentam seus
trabalhos sob críticas e aplausos. Porém o movimento não tem muito fôlego,
falta consistência na proposta de uma nova linguagem expressiva. Muitos
participam da manifestação apenas pela novidade que o fato representa,
outros por espírito de galhofa. Daí muitos serem modernos de uma obra só e
outros encerrarem sua produção nesta Festa.(SILVA, 1991, 30)
Como se colocou inicialmente, comparada com a literatura, as artes visuais em Alagoas
sempre ocuparam um papel de menor destaque
23
. Isto se refletirá, por longo tempo, na
ausência do desenvolvimento de uma linguagem artística local consistente, de uma produção
consciente das inquietações e pesquisas contemporâneas e de uma profissionalização do meio
artístico
24
. Conta-se também como causa para esta situação pouco avantajada a ausência de
incentivos públicos e a própria resistência do meio social:
“Aqui não se faz incentivo nenhum a artista nenhum. Auxílio pecuniário nem
falar é bom. O artista nosso que tem a desgraça de nascer com talento, há de
ter forte dose de paciência, tudo para suportar duas coisas comuns e
dolorosas: a mediocridade e a indiferença.”
25
Entretanto, apesar de todas as dificuldades relacionadas, desenvolveu-se efetivamente
uma produção artística local, principalmente no âmbito da pintura. Alguns artistas chegaram a
alcançar projeção e reconhecimento no meio social alagoano, mas persiste, ainda hoje, certa
resistência ao entendimento das artes visuais como uma atividade profissional reconhecida.
2.2.2 - ARTES PLÁSTICAS EM MACEIÓ:
Se no campo das artes em geral é notório o descompasso entre literatura e artes visuais
em Alagoas, em relação a esta última pode-se constatar um outro descompasso: o da escultura
em relação à pintura
26
. A pintura se desenvolveu de forma mais consistente do que a escultura
desde o século XIX. Este descompasso na valorização da escultura dá-se, talvez, porque este
meio implique um trabalho manual mais pesado, exigindo por vezes esforço físico, enquanto
22
A exceção é feita ao pintor Lourenço Peixoto, comentado mais adiante.
23
“A projeção da pintura é escassa quando comparada com a literatura produzida nos anos de 30 e 40. São
raros os artistas que conseguem sobrepujar o isolamento geográfico, a indiferença da sociedade, a ausência de
estímulo do governo, a falta de escolas de arte e a pobreza agravada do meio social.” (CAMPOS, 2000, 69)
24
Mesmo atualmente, Alagoas ainda não conta com um curso superior de artes plásticas. Já no domínio da
literatura, a Universidade Federal de Alagoas dispõe de um programa de pós-graduação (mestrado e doutorado)
dos mais atuantes e respeitados. A Academia Alagoana de Letras nunca fechou suas portas, ao contrário do
Instituto de Belas Artes Rosalvo Ribeiro, comentado adiante.
25
ABELHÂO, Davino - Feira de Arte. Jornal de Alagoas, Maceió 08/ 12/ 1929, p.1. In: CAMPOS, 2000, 67.
26
O mais consistente e aprofundado estudo sobre a arte alagoana de que se dispõe enfoca apenas a pintura:
“Uma Visualidade: trajetória e crítica da pintura alagoana. 1892-1992”. CAMPOS, Célia, 2000.
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57
que a pintura, para essa sociedade, já era mais ligada à atividade espiritual
27
. Esta situação
começa a ser modificada somente a partir de meados da década de 1980, com o surgimento de
grupos artísticos com propostas mais contemporâneas.
Se a situação dos pintores no séc. XIX em Alagoas era marcada pela falta de
reconhecimento público e de mercado para as suas obras, no caso da escultura era ainda pior:
ignora-se nesse período a própria existência de artistas que trabalhassem com esse meio de
expressão. As esculturas que passaram a ornar as praças e fachadas foram quase todas
importadas de outras localidades. Um exemplo da posição em segundo plano da escultura é o
caso do Liceu de Artes e Ofícios de Alagoas, fundado em 1884, já com a cadeira “desenho de
figuras”, mas apenas em agosto de 1908, mais de vinte anos depois, instituiu-se nele o curso de
escultura. Uma outra hipótese em relação a esse descompasso diz respeito aos investimentos
necessários para a estruturação de um atelier de esculturas, consideravelmente maior do que o
necessário para a atividade pictórica. Esta ausência de um espaço que viabilizasse o
aprendizado e a execução de esculturas configurou um atraso em relação à pintura em Maceió.
Já em 1853, tem-se registro da concessão de uma bolsa pela Província para um pintor estudar
na Academia Imperial. O principal artista alagoano do século XIX, Rosalvo Ribeiro, que
também recebeu bolsa de estudos
28
, também era pintor.
Fig. 18: “O Crochet”, Pintura de Rosalvo Ribeiro, 1867 (Fonte: CAMPOS, 2000)
27
Tal preconceito é talvez herança de tempos onde nem todas as artes alcançavam o mesmo status. Na
Antiguidade Clássica já havia a distinção entre as artes liberais (oratória, poesia) e as artes manuais (pintura,
escultura), estas últimas consideradas atividades inferiores por se usarem as mãos para executá-las. Gombrich
(1993, 52) comenta a posição social dos artistas nessa sociedade:
“Não devemos imaginar, porém, que os artistas dessa época estavam entres as classes intelectuais. Os gregos
ricos que administravam os negócios de sua cidade, gastando seu tempo em intermináveis discussões na praça
do mercado, e talvez até mesmo os poetas e filósofos, olhavam com sobranceria para os escultores e pintores, a
quem consideravam pessoas de classe inferior. Os artistas trabalhavam com suas próprias mãos - e
trabalhavam para viver. Passavam os dias labutando em suas forjas, cobertos de suor e fuligem, ou como
operários em pedreiras e canteiros, e por isso não eram considerados membros da classe refinada.”
28
Bolsa para a Academia Imperial do Rio de Janeiro e posteriormente, para estudar na Academie Julien, em
Paris. As subvenções se davam mediante um contrato que previa que as obras produzidas no período da bolsa
passariam a ser de propriedade do Governo de Alagoas.
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58
Nas décadas seguintes do século XX a situação não se modifica significativamente,
observando-se, como se colocou, certa mudança apenas a partir da efervescência cultural
observada na década de 1980. Mas a desproporção escultura/ pintura parece ter permanecido
como um traço da arte local. Um levantamento elaborado em 1979 constata a pouquíssima
quantidade de artistas alagoanos dedicados à escultura
29
, apenas seis nomes citados, aí
incluídos os artistas populares. Outro aspecto a ser comentado é a inexistência, até essa
década, de movimentos artísticos que agregassem os artistas locais em torno de propostas
comuns, diferentemente do que acontecia na literatura e do impacto que o movimento
regionalista produziu, também nas artes visuais, em outros estados do Nordeste, em especial
Pernambuco e Bahia. Segundo o crítico alagoano Romeu Loureiro, não se pode falar, assim,
em uma “escola” artística alagoana:
“De saída, cumpre-nos registrar o fato de que não existe uma Escola
Alagoana – ou seja, uma reunião de mestres pintores e escultores que se
distingam, por um espírito particular, em relação aos artistas de outros
estados do Brasil e que possam ser considerados como criadores de uma arte
marcada, de alguma forma, pelo que os franceses chamam de le goût du
terroir e que nós poderíamos traduzir, muito livremente, por “o cheiro da
terra”; com defeitos e qualidades que lhes sejam próprios, com uma
linguagem plástica e uma iconografia, senão privativas, ao menos bem
peculiares.” (LOUREIRO, 1989, 15)
Ao se comentar a influência dos dois principais movimentos do início do século XX,
Modernismo e Regionalismo, é interessante destacar que foi um escritor identificado com o
regionalismo que produziu os trabalhos artísticos mais próximos das pesquisas visuais
iniciadas pelas vanguardas européias, ou seja, no espírito do modernismo. Ironicamente, até
nas artes visuais um literato se coloca como “vanguarda”. Trata-se aqui, de Jorge de Lima
30
,
29
“Sem contar com um número razoável de representantes, deixaram trabalhos, alguns dos quais expostos no
Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas, Calheiros Gomes (“Artista na infância”- museu do IGHA), Manoel
Messias de Gusmão (“Churchill”- museu do IGHA), e Leonardo Viana, aluno, no início de carreira, de Lourenço
Peixoto, que o Preparou para a Escola de Belas Artes no Rio de Janeiro. Morreu cedo e ficou mais conhecido no
sul. No museu do IGHA encontram-se “Cabeça de espanhol” e busto de “Demócrito Gracindo”. Atualmente se
dedicam à escultura, entre nós, João Lisboa, natural de Pão de Açúcar, autor de monumentos em várias cidades
interioranas, como o Jumento de Santana de Ipanema,; e seu filho, Campos de Lisboa, autor das hermas de Jorge
de Lima e de Graciliano Ramos, encomenda da Prefeitura municipal de Maceió, para os novos viadutos dos
mesmos nomes. Zezito Guedes possui atelier em Arapiraca. Utiliza-se do ferro, da pedra e da madeira para criar
dentro de uma concepção popular. No município de Boca da Mata, o primitivo Mane da Marinheira está
trocando o roçado pela confecção de animais em madeira. No museu Théo Brandão estão reunidas algumas de
suas interessantes peças. Antonio Pedro, em Penedo, é um conhecido santeiro.”
Fonte: LAGES, Solange, DANTAS, Carmen Lúcia, DANTAS, Abílio, CHALITA, Pierre - Alagoas, Roteiro
cultural e turístico. Maceió, Recife Gráfica e Editora, 1979.
30
É verdade que este artista sempre praticou a pintura, mas a literatura sobressaía-se como seu meio expressivo
por excelência. Ele próprio afirma: “Já disse e repito: minha pintura, deficiente, imperfeita, autodidata é tão-
somente um complemento de minha poesia.” (LIMA, 1958, 79)
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59
que produziu interessantes fotomontagens
31
na década de 1940, publicadas no livro “A Pintura
em Pânico” (1943). Esses trabalhos lembram as fotomontagens do alemão Max Ernst, que se
inseriu nas vertentes do Dadaísmo e do Surrealismo. Esta técnica era novidade em âmbito
nacional e mesmo continental, o que mostra sua ânsia em conectar-se com as pesquisas
desenvolvidas nos grandes centros, sem contudo proceder a uma mera assimilação de
novidades. O que interessa ao artista é a diversidade de possibilidades abertas por novos meios
expressivos.
Figs. 19 e 20: “O sentinela”, pintura de Lourenço Peixoto, década de 1960, e fotomontagem de Jorge de
Lima, 1943 (Fontes: CAMPOS e www.unicamp.br)
Contemporâneo de Jorge de Lima, Lourenço Peixoto foi muito importante para o
desenvolvimento do cenário artístico local, porém menos como artista do que como professor
de artes e agitador cultural. Incansável na busca de uma profissionalização para o meio artístico
alagoano, funda, em 1925 o Instituto de Belas Artes Rosalvo Ribeiro. Esta instituição privada
foi responsável pelo ensino das artes em Maceió e por certa agitação cultural causada por
eventos por ela capitaneados (em especial a Festa da Arte Nova). Foram muitas as dificuldades
por ele enfrentadas, ocasionando fechamentos intermitentes deste instituto. Este artista é citado
por Valdemar Cavalcanti (In: CAMPOS, 2000) como o “inventor do modernismo na arte, em
Alagoas”, porém, como se colocou inicialmente:
“A importância de Lourenço Peixoto (...) deve ser enfocada em seu papel de
31
Sua técnica de fotomontagens consiste em sobrepor imagens recortadas de livros e revistas, montando-as
segundo sua lógica e fotografando por fim o resultado de suas montagens.
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60
propagador de novas idéias, de incentivador das discussões sobre arte em
rodas de colegas e alunos. (...) Assim, se o artista não alcança uma posição
de ruptura através da arte, é correto estabelecer sua influência sobre
algumas carreiras artísticas iniciadas e estimuladas por ele.” (CAMPOS,
2000, 76)
A partir da década de 1960, um outro artista passa a exercer papel de destaque na cena
artística local. Trata-se do pintor Pierre Chalita, que também se destacará como professor de
artes. A influência de seus trabalhos, idéias e personalidade causou um impacto tão profundo
em seus “seguidores” que até hoje estes são conhecidos como “chalitistas”. Se inicialmente
este artista representava uma visão de ruptura na arte alagoana
32
, após sua progressiva
consagração ele se tornou tão paradigmático que os novos artistas terminaram por identificá-lo
como o baluarte da tradição.
Fig. 21: S/T, 1987, Pintura de Pierre Chalita (Fonte: CAMPOS, 2000)
Desta forma, o grupo artístico Vivarte, criado em 1984, explicita o desejo de inovação
nas artes opondo-se aos chalitistas. Os “vivartistas” permanecem organizados até 1985, quando
o movimento se dissolve. Foi um período de intensa agitação cultural, que, apesar da curta
duração, provocou vários desdobramentos, tal como o surgimento de um outro grupo (formado
32
Na realidade, o trabalho que causou maior impacto na cena artística local foi sua pintura intitulada
“Crucificação”, na qual o artista retratou o Cristo nu. Esta obra provocou certa reação negativa da sociedade
local contra o pretenso “sacrilégio”, como se pode deduzir de alguns textos jornalísticos da época.
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61
por alguns dissidentes do grupo anterior) denominado “Cruzada Plástica”
33
, em 1987. No
manifesto do grupo, escrito por Maria Amélia Vieira e citado por Campos, “o Vivarte propõe-
se a dar um fim “no comodismo provinciano, no marasmo infame” de Maceió, buscando a
criação de uma consciência formal do que seja a arte e seu sentido”. (CAMPOS, 2000, 76)
Figs. 22 e 23: Obras de artistas participantes do Grupo Vivarte. S/T, 1990, Maria Amélia Vieira, e “Diário
do povo chinês”, Lael Corrêa 1990 (Fonte: CAMPOS, 2000)
Nesta mesma década, é importante destacar a presença de artistas alagoanos na mostra
“Geração 80 – Como vai você?”, no Rio de Janeiro, que marcou o período conhecido como
“retorno à pintura”, uma reação à arte “hermética” das últimas décadas. Dentre os cinco
alagoanos participantes, destaca-se Delson Uchôa, que continua atuante na cena local e
nacional. O trabalho desse artista talvez seja um dos que melhor representa a busca de re-
articulações entre o global e o local na cena artística alagoana:
“A obra de Delson Uchoa, pintor alagoano, se insere em tradições, se não
conflitantes, com freqüência dispersas. É patente, em seus trabalhos, uma
negociação constante entre as cores que o artista enxerga à volta (iluminadas
pelo sol do litoral do Nordeste) e aquelas pelas quais é atraído em uma
história seletiva da arte.” (ANJOS, 2005, 65)
Com a intensificação de artistas e movimentos após a década de 1980, novas linguagens e
meios serão largamente difundidos e assimilados em Maceió. Instaura-se até mesmo uma
celeuma acerca da arte abstrata, pois muitos artistas inicialmente figurativos passarão ao
33
Em ambos os grupos deve-se destacar o papel de Ricardo Maia como agitador cultural e como um dos
principais organizadores dos movimentos.
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62
abstracionismo, enquanto que outros trabalharão paralelamente as duas linguagens. Neste
âmbito, mais do que o interesse em acompanhar a produção contemporânea global, a explosão
do abstracionismo em Alagoas deve-se em parte ao papel dos arquitetos na definição de um
atraente mercado para essas obras, através de sua inclusão na decoração de ambientes
“modernos”.
Fig. 24: “Muxarabiê”, Delson Uchoa (Fonte: Catálogo MAMAN, 2005)
Por outro lado, alguns artistas interessaram-se de fato em propor uma renovação na arte
alagoana, não apenas em termos de linguagem, mas também na postura artística menos
submissa ao gosto estabelecido e menos preocupada com a inserção mercadológica das obras.
Assim, difundem-se, a partir dos anos 1990, novas expressões como a instalação, a
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63
performance, o grafite
34
, a vídeo arte, a cyber arte, entre outras. Diluem-se também as
fronteiras entre os diversos meios de expressão, que passam também a dialogar com as artes
visuais, a exemplo dos artistas que trabalham simultaneamente também com teatro, cinema,
música e literatura, criando por vezes trabalhos de linguagens híbridas. Nesse contexto, o
teatro
35
destaca-se atualmente como um meio que vem alcançando maior repercussão.
Observa-se o surgimento de vários grupos teatrais e uma intensificação de espetáculos que
evidenciam a busca de diálogo com a dança e com a performance.
Entretanto, até hoje, a cena artística local alterna momentos de agitação e de marasmo.
Algumas causas podem ser apontadas: a falta de incentivos públicos à arte local, a ausência de
instituições profissionalizantes, a exigüidade de instituições culturais dedicadas à arte
contemporânea
36
, e mesmo uma espécie de êxodo dos principais artistas que, para conseguirem
se conectar ao circuito artístico galerias/bienais/museus, vêem-se obrigados a viver nos grandes
centros. Isto não significa que os artistas que aqui permanecem isolam-se do mundo, realizando
uma arte “tipicamente alagoana”. Tampouco o fato de estar longe dos grandes centros
decisórios não submete os artistas a uma ânsia de assimilação total de novidades, desprezando
as referências locais. O que se coloca aqui é a presença de uma cena artística menos
“movimentada” em termos de eventos e de mercado, o que de certa forma se reflete na
produção local como um dado negativo.
Quando se trata da arte urbana, as especificidades desse tempo/ espaço tornam-se ainda
mais visíveis do que nas artes visuais dos circuitos galerísticos, uma vez que tais objetos
fixam-se na cidade testemunhando tempos e concepções. No caso da arte de galeria, as obras
circulam e se sucedem em diferentes espaços e tempos, de forma mais intensa. Assim, é
preciso contextualizar a arte urbana de Maceió em relação a esses condicionantes.
2.2.3 - CONTEXTUALIZANDO A ARTE URBANA DE MACEIÓ
Hoje em dia, pode-se constatar que as mais significativas manifestações de arte urbana
em termos de “contemporaneidade” estavam ou estão situadas nos centros hegemônicos de
cultura, quase sempre metrópoles mundiais. O caso da cidade de Maceió é bem outro. Não
existem grandes escalas a serem consideradas, a cidade não atrai nem produz “megaeventos”
34
A instalação, a performance e o grafite serão tratados na Seção 5.
35
Isto se deve também à atuação do curso superior em artes cênicas da UFAL.
36
Existe apenas a Pinacoteca Universitária da UFAL, inaugurada em 1981, e uma pequena galeria no SESC
Centro. A Pinacoteca passou alguns anos fechada e só foi reaberta em 1999, contando hoje com uma boa
estrutura. A Galeria SESC não é especializada apenas em arte contemporânea.
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culturais como bienais ou grandes salões de arte. Entretanto, consomem-se muitos produtos
culturais exógenos, conecta-se com o mundo como qualquer capital regional, e, também,
insere-se na tendência de realçar as especificidades locais para se lançar no mercado global.
Refere-se aqui ao turismo, principalmente, como mola propulsora na busca da definição de
uma imagem para a cidade, como, por exemplo, “Paraíso das águas”
37
. Complementando esta
imagem, a arte local aparece mais fortemente em duas instâncias: folclore e artesanato. Não se
põe aqui em dúvida a força das referidas manifestações para a cultura popular da cidade, mas
acredita-se que estas não abarcam a amplitude da visualidade de Maceió, ou seja, de como os
artistas interferem nela, de como as pessoas intervém no espaço onde habitam.
Constatando-se a presença de tendências artísticas mais contemporâneas em Maceió,
como contextualizá-las diante do que ocorre em outras cidades? De uma metrópole como São
Paulo, por exemplo - considerada o principal centro irradiador da cultura no País, que dispõe
de museus e centros culturais importantíssimos, sede das Bienais, com artistas integrados em
uma classe profissionalizada e um mercado de arte dinâmico, palco dos megaeventos
denominados “Arte / Cidade”. Diante de um contexto privilegiado como este, o que muda em
relação à arte urbana em Maceió? Parece, de imediato, haver aí uma questão de escala a ser
considerada. Escala dimensional, mas também escala “sensível”. Supõe-se que, diante da
quantidade de informações disponíveis e da hiper-saturação de imagens na grande metrópole,
que cria um campo altamente competitivo de notabilidades, os artistas se esforcem para
trabalhar com a expectativa de que a sua obra seja notada através de sua dimensão e/ou do
estranhamento causado. Tudo parece acontecer numa escala que tende para monumental, para
as experimentações mais ousadas e as pesquisas mais contemporâneas em termos de
linguagens e meios.
A arte urbana de São Paulo, continuando a comparação, parece ser produzida, em sua
maioria, por artistas que também freqüentam os espaços institucionais, que expõem em
museus e galerias, ou artistas performáticos
38
que também se apresentam em teatros e outros
espaços de maior visibilidade. Consta que até parte dos grafiteiros estão organizados em
37
Termo utilizado pela Secretaria de turismo (ENTURMA) em peças publicitárias para divulgação da cidade
como destino turístico. Em pesquisa realizada em 2002 em tese de doutoramento, a profa. Emília Sarmento
constatou que as mais fortes imagens veiculadas pela imprensa e experimentadas pela população estão
relacionadas às praias e à lagoa Mundaú.
38
Refere-se, aqui, a artistas que desenvolvem “performances”, uma forma de expressão artística que alia artes
visuais e artes cênicas, originada dos happenings surgidos em Nova York a partir da década de 1960. Segundo
Costa (2004), “o performer geralmente é um artista plástico e a performance pode se realizar por meio de gestos
intimistas ou numa grande apresentação de cunho teatral.”
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associações e volta e meia também expõem seus trabalhos. A Prefeitura de São Paulo já
chegou a delimitar espaços para a grafitagem
39
. Finalmente, a Avenida Paulista
40
é palco
constante das mais diversas experimentações artísticas, um espaço a ser apropriado
continuamente. Diante da profusão de obras e experiências neste espaço, geralmente com
grande divulgação pela mídia, tem-se a impressão de que quase tudo o que acontece lá parece
ser encarado com certa “naturalidade” pelos paulistanos. Ou seja, a constante apropriação da
avenida para experimentações artísticas parece já não causar tanto estranhamento. Como um
dos principais “cartões-postais” de São Paulo, não surpreende que a Avenida Paulista seja um
dos locais preferidos para divulgar a Cidade como referência artística contemporânea.
Admite-se que São Paulo, enquanto principal centro de referência para as artes nacionais,
conta com uma intensa vida cultural que promove um efeito mobilizador, estimulando o
desenvolvimento do mercado artístico local. Os eventos ligados à cultura são parte importante
da economia da Cidade. Contam-se muitos investimentos nesta área, seja por parte do poder
público ou do setor privado, geralmente com garantido retorno lucrativo. Ocorre sempre um
intenso afluxo de visitantes aos principais eventos culturais, mas lucra-se principalmente com
a imagem: em rede nacional, depara-se com informações acerca da importância e do teor de
novidade dos acontecimentos da vida cultural paulistana. Por outro lado, ao se falar de
cultura no resto do Brasil, à exceção de poucas cidades (como Rio de Janeiro e Belo
Horizonte), a mídia nacional enfoca quase tão somente festas populares de cunho folclórico.
Isto promove a errônea impressão que não existem manifestações artísticas contemporâneas
nesses lugares, ou, até mesmo, que não existe vida cultural suficiente para se justificar levar
exposições importantes para fora daquele circuito metropolitano capitaneado pelo eixo Rio -
São Paulo. Como resultado desta situação, os investimentos na área de produção cultural
tendem a se concentrar apenas nestas cidades centrais. Grande parte dos artistas nativos de
cidades periféricas emigra então para as metrópoles, atraídos por esses “mercados”. Sem
contar com as mesmas oportunidades, cada vez mais parece se intensificar a defasagem de
gosto e de conhecimento do público das cidades que não tem acesso às principais
manifestações da cultura contemporânea.
39
Um exemplo é o “Projeto Passagem da Consolação”, onde a Prefeitura da cidade cedeu o espaço do túnel que
liga a Avenida Paulista à Rua da Consolação para fins artísticos. Fonte: SILVA, 2001, p.5
40
Cristina Freire (1997) confirma essa vocação da Avenida Paulista:
“Se a Avenida Paulista é uma galeria privilegiada de obras de arte é porque se oferece como terreno propício
para o olhar.” (p. 283); “A maioria dos artistas, que realiza obras para o espaço público, não raro, almeja que
suas obras sejam colocadas na Avenida Paulista - fator de distinção para aqueles que pretendem que seus
nomes sejam plenamente visíveis através de suas obras.” (p. 279)
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Diante desse fenômeno, acredita-se não ser pertinente a adoção de parâmetros
semelhantes para a análise da arte urbana em Maceió. Não se está aqui partindo do
pressuposto de que tudo o que se faz em São Paulo é necessariamente mais significativo.
Fala-se simplesmente da presença de uma estética que não deveria ser julgada tomando-se a
arte de uma metrópole como parâmetro de valoração. Existe uma especificidade local que
deve ser respeitada, uma diferença de escala sensível que solicita do pesquisador e do público
um espírito aberto, desapegado dos paradigmas metropolitanos como padrões de referência.
Acredita-se que cada cidade desenvolve uma forma diferente de arte urbana, ligada às suas
próprias referências e realidade. É necessário, assim, que se observe cada cidade “falar”
através de sua criatividade artística particular e dos seus meios específicos, para então traçar
uma estrutura norteadora de pesquisa, como a que foi definida para se trabalhar a questão da
arte urbana na cidade de Maceió.
Em Maceió pareceu ser preciso observar também a escala do detalhe para se perceber as
manifestações artísticas, pelo menos para além do óbvio, do imediatamente perceptível. Para
isto, foi necessário primeiramente redefinir o conceito de arte,
agregando expressões artísticas
que de alguma forma repercutem na vida urbana, mesmo que estas já não possam ser
englobadas dentro das categorias da arte erudita. Ao conceituar “arte urbana” como o
conjunto das formas de expressividade, comunicação e intervenção estética que se fazem fora
de ambientes institucionais ou totalmente privados, não se deve, então, descartar nenhuma
forma de arte, mesmo se tratando de um conjunto artístico aparentemente caótico. Talvez, só
através da diversidade se consiga desvendar características específicas em termos de
visualidade, imaginário e sociabilidade em Maceió. O método de investigação adotado para a
análise das manifestações de arte urbana na cidade de Maceió foi então redefinido para que
esteja de acordo com esta focalização do objeto de estudo.
Se a princípio tinha-se clara a intenção de inventariar e caracterizar uma arte urbana que
em sua maioria poderia ser categorizada como “escultura pública” (figurativa ou abstrata),
percebeu-se, através do olhar atento à cidade, que existiam manifestações que escapavam
desta delimitação originalmente proposta. Uma opção possível seria concentrar-se em apenas
um meio expressivo (como a escultura, por exemplo) para o desenvolvimento desta análise. A
outra possibilidade, mais complexa, seria trabalhar a arte urbana em suas várias formas de
manifestação (popular ou erudita, institucional ou espontânea). O posicionamento pela
segunda opção, apesar de seus percalços, permitiu perceber a diversidade, a complexidade dos
elementos através dos quais se expressa as manifestações artísticas de caráter público ou
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comunitário: linguagens algumas vezes conflitantes que marcam a “epiderme” da cidade e
que participam do imaginário de seus habitantes.
2.3 - A POLÍTICA CULTURAL DA CIDADE DE MACEIÓ: ALGUNS
PROJETOS E SUAS IMPLICAÇÕES
Uma das questões mais evidenciadas pela administração pública
41
, tanto estadual como
municipal, vem sendo a necessidade de “reforçar a auto-estima do povo alagoano”
42
. Neste
intento, várias iniciativas
43
foram levadas a efeito com o enfoque na valorização do patrimônio
cultural, dentre as quais se destacam a revitalização do bairro de Jaraguá, a restauração da casa
do folclorista Théo Brandão com a sua transformação em museu etnográfico, “a casa do povo
das Alagoas”, do prédio neoclássico da Associação Comercial, do Museu da Imagem e do
Som, do Coreto da praia da Avenida, além da construção de um Centro de Convenções e da
reurbanização das orlas marítima e lagunar. A transformação do espaço da cidade de Maceió
através da implantação ou restauração de objetos de importância cultural é, portanto, visível.
Deve-se questionar, todavia, se essas tentativas de incremento do “capital simbólico” têm
contribuído efetivamente para o pretendido reforço da “auto-estima”.
Tome-se como exemplo o caso da revitalização do bairro portuário do Jaraguá. Nesse
local, apesar de certo furor inicial, o processo de apropriação simbólica e efetiva pela
população vem se mostrando ainda insipiente. O bairro não foi estimulado para o uso também
residencial, e, apesar dos investimentos aplicados na reforma do espaço físico e da implantação
de uma “agenda cultural
de eventos atrativos, os bares e restaurantes que haviam se instalado
foram fechados por falta de público.
Antes dos investimentos aplicados na recuperação e no embelezamento do espaço
físico, este bairro era ocupado por população de baixa renda
44
habitando antigas moradias
cortiços ou favela à beira-mar, por atividades ligadas ao porto, à pesca, comércio de materiais
41
Ano de 2005. Refere-se, aqui, às administrações de Ronaldo Lessa, como governador, e Kátia Born, como
prefeita.
42
Segundo depoimento da arquiteta Mirna Porto, coordenadora de desenvolvimento da Secretaria Municipal de
Planejamento e curadora do Corredor Cultural Vera Arruda, a esta pesquisadora, em 2005.
43
Todas as ações empreendidas baseiam-se na adoção de um modelo de cidade baseado no “Planejamento
estratégico urbano”, teoria que fundamenta a adoção de um conjunto de ações estratégicas com a pretensão de
inserir as cidades no mercado global. Está presente a noção de “cidade-empresa”, mas seus críticos objetam que
esta tende mais a “cidade-mercadoria”. O modelo de Barcelona foi o definidor das estratégias adotadas em
Maceió, com a contratação inclusive de uma equipe de profissionais barceloneses para o desenvolvimento de um
plano específico para esta cidade.
44
A população continua presente após a revitalização.
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de construção e agrícolas, bancos, associações da agricultura, sem contar o meretrício, expulso
da área desde a década de 70. Com os investimentos realizados com recursos de empréstimos
externos, essas atividades foram em grande parte desalojadas e substituídas por outras, voltadas
para o lazer noturno (bares, boates), para atividades culturais e para uma faculdade privada,
permanecendo as atividades bancárias. Não obstante a excelente localização do bairro na
cidade, durante várias décadas as antigas atividades, entre outros fatores, inibiram
investimentos de empreendedores privados e públicos que atuam sobre o mercado imobiliário
local. Isso contribuiu para preservar o acervo arquitetônico dos sobrados, palacetes e armazéns
(trapiches) do século XIX e XX, época áurea das atividades marítimas de
importação/exportação, quando o bairro era então a porta de entrada da cidade, o seu
waterfront
45
. Esse acervo foi transformado em patrimônio histórico e incorporado nos planos
de “revitalização” do bairro.
Como foi dito, essa iniciativa consistiu em modificar a composição dos seus usuários e
consumidores, não sem ter também contribuído de fato para dotar a cidade de um espaço com
qualidades de representação de parte importante de sua história. Esta talvez seja a função
cultural do bairro, a de facultar à imaginação dos indivíduos um retorno no tempo e,
simultaneamente, não sem problemas de interpretação, apresentar uma perspectiva de devir
através das novas atividades lá instaladas. Estas são agora essencialmente urbanas, sem
qualquer relação com as atividades portuárias que lhe deram origem nos primórdios do século
XIX. De qualquer modo pode ocorrer um processo social de apropriação simbólica do “novo”
bairro e a sua incorporação na imagem da cidade. Por enquanto, uma apropriação que se
resume apenas às qualidades evocativas e paisagísticas presentes na composição física do seu
casario e trapiches, pois, quanto à apropriação social propriamente dita, essa está ainda para ser
efetivada através da fixação de atividades que atribuam ao bairro uma feição própria.
Nesse âmbito, vale citar duas iniciativas, ambas do Serviço Brasileiro de Apoio às
Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE) Alagoas, que enfocaram o bairro de Jaraguá como
local de implantação de suas ações. O primeiro é o programa “Arranjos produtivos locais
(APL) Cultura”, iniciado em outubro de 2004, que tem por objetivo, segundo consulta ao site
do SEBRAE, “Fortalecer o bairro do Jaraguá como Pólo irradiador de negócios com a cara
45
Orla, parte da cidade visualizada a partir do mar, rio ou lagoa, “front de mer”.
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alagoana, aumentando a produtividade e sustentabilidade do setor cultural”
46
. O segundo foi
o programa “Jaraguá Cultura e Negócios”
47
, que, segundo o mesmo site, objetivou “promover
a cultura como oportunidade de negócios, valorizando raízes, artistas, promotores culturais e
a história cultural do povo alagoano”. Este último foi realizado nos verões de 2001, 2002 e
2003, caracterizando-se mais como um calendário de eventos culturais, mas cuja intensidade
movimentou efetivamente a vida cultural da cidade.
Fig. 25: Mapa turístico de Jaraguá (Fonte: APL, 2007)
Já o APL Cultura continua a atuar, empreendendo um conjunto de estratégias que
visam incentivar o surgimento e a manutenção de equipamentos culturais no bairro. O
programa declara como resultados esperados até dezembro de 2007: “1 - Aumentar o número
46
A coordenação do programa é do SEPLAN/AL e do SEBRAE. A justificativa da localização do APL em
Jaraguá, consultada no resumo do programa, é a seguinte: “Localização privilegiada; existência de
“equipamentos culturais”; vocação para “vitrine” da cultura alagoana; existência de projetos e iniciativas
culturais; existência de patrimônio histórico e arquitetônico; bairro preservado pela Lei Municipal 4545 (Zonas
Especiais de Preservação); revitalização do bairro já iniciada; marco do desenvolvimento do Estado de
Alagoas e de Maceió como Capital; e vocação para o turismo cultural.” Como especialização produtiva, o
programa enumera as seguintes: “expressões artísticas (musica, teatro, artes plásticas, multilinguagem,
literatura, cinema/vídeo e dança), patrimônio histórico, arquitetônico e urbano; e lazer; apresentando um nível
tecnológico e intelectual significativo; com alcance do mercado local, regional e internacional.”
47
Iniciativa do SEBRAE com o apoio de instituições públicas e privadas e produção cultural de Sue Chamusca.
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70
de empreendimentos culturais e de lazer no bairro do Jaraguá; 2 - Aumentar o nº. de pessoas
ocupadas nos empreendimentos culturais e de lazer no bairro do Jaraguá; 3 – Aumentar a
Taxa de Ocupação, número de eventos culturais e o público freqüentador do Bairro de
Jaraguá”. Entretanto, como se colocou inicialmente, essas iniciativas ainda não conseguiram
alcançar resultados duradouros acerca da fixação de atividades culturais no bairro e,
conseqüentemente, do estímulo à apropriação deste espaço pela população para além da
presença em eventos culturais efêmeros.
Outra iniciativa pública de incentivo ao desenvolvimento da arte em Alagoas, mas de um
âmbito menos urbanístico e localizado, deu-se sob a forma de uma premiação anual, o
“Alagoas em Cena”
48
. Este “Programa estadual de fomento e incentivo à cultura”, como o
mesmo é denominado, premiou, com valores distintos, obras nas seguintes categorias:
audiovisual, literatura (conto, poesia e romance), artes cênicas (teatro e dança), artes plásticas
(pintura e escultura), fotografia e música. A premiação é benéfica como incentivo, mas é sem
dúvida insuficiente para um real fomento das artes em Alagoas. Nesse sentido, um
acompanhamento em forma de “bolsas-projeto” talvez surtisse melhor efeito, em especial no
domínio das artes visuais. Principalmente se, juntamente com tal bolsa, fosse oferecido um
acompanhamento de críticos/ curadores como suporte ao processo. Tem-se conhecimento de
propostas semelhantes
49
que lograram bons resultados em termos de incentivo ao
desenvolvimento da cena artística, principalmente em relação aos jovens artistas iniciantes.
Além das iniciativas públicas em parceria com o setor privado, contam-se também
iniciativas individuais de implantação de projetos culturais com o objetivo de movimentar a
cena artística local, mas de forma ainda muito pontual. O projeto “Corredor das Artes”
50
, por
exemplo, consiste na realização de exposições periódicas de obras de artistas profissionais e
amadores no espaço ao ar livre do Corredor Cultural Vera Arruda
51
. Tal projeto surgiu como
alternativa a uma situação flagrante: em Maceió existe apenas uma galeria em funcionamento,
48
Programa implantado através da lei federal de incentivo à cultura, Ministério da Cultura. Contou, até agora,
com duas edições.
49
Um exemplo é o programa de bolsas da Fundação Joaquim Nabuco, em Recife. Em Alagoas pode-se citar o
programa de bolsas de extensão “Iniciação Artística” da UFAL, cuja primeira edição foi implantada no início de
2007. As bolsas anuais também foram distribuídas para projetos selecionados por categoria, as mesmas citadas
em relação ao Alagoas em Cena, à exceção da categoria audiovisual, substituída por produção cultural. Mas esta
bolsa dirige-se apenas aos alunos desta universidade, não contemplando a sociedade como um todo.
50
Coordenação de Freddy Correia.
51
Grande praça situada no bairro de Jatiúca, dotada de equipamentos de lazer, parque de esculturas e painéis
memoriais. Este espaço será analisado em detalhes na Seção 4.
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71
a Karandash. De propriedade de dois artistas bastante atuantes, Maria Amélia Vieira e Dalton
Costa, este espaço funciona há mais de vinte anos ininterruptos. Recentemente, diante da
dificuldade da inserção mercadológica de obras de arte contemporânea, a galeria terminou por
se especializar em arte popular. Assim, à parte as lojas de arquitetura e decoração, não existem
espaços para a venda de obras de artistas contemporâneos em Alagoas. Nesse sentido o
“Corredor das Artes” é uma iniciativa interessante, por usar o espaço público como espaço
expositivo, uma “galeria” ao ar livre. O problema é que não existe seleção de trabalhos, muito
menos linha curatorial. A exposição se torna assim mais como uma “festa” em meio a obras
distribuídas de forma caótica, que, além disso, devem “concorrer” a atenção com as esculturas
públicas e outros elementos já presentes no Corredor.
Finalmente, cita-se aqui, no contexto das iniciativas individuais, a promoção periódica de
cursos e palestras de nomes atuantes na cena contemporânea brasileira pela dupla Ana Glafira
e Tchelo de Barros, representantes da Câmara setorial de artes visuais de Alagoas. Além de
premiações e exposições, a existência de cursos beneficia a discussão e o entendimento das
questões atuais envolvendo o campo das artes, uma vez que não existem na cidade cursos
superiores em artes visuais que possam promover uma formação artística profissional.
As iniciativas públicas e privadas citadas não consistem nos únicos projetos culturais
existentes em Alagoas. Objetivou-se aqui abordar apenas alguns exemplos que oferecessem um
panorama das políticas culturais que enfocam as artes visuais e sua interação com o espaço da
cidade. A nosso ver, as políticas culturais do Estado ainda são incipientes para promover um
efetivo fomento das artes locais, mas já constituem um avanço em relação a épocas anteriores.
Espera-se, assim, que nos próximos anos haja um maior desenvolvimento da cena artística
local como resultado das atuais iniciativas, além da implantação de outras políticas que possam
melhorar ainda mais o quadro atual.
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73
SEÇÃO 3 - ARTE URBANA “OFICIAL”:
ESCULTURAS PÚBLICAS
De todos os meios expressivos de que se vale a arte urbana, ao longo de toda a história,
nenhum tem presença mais predominante na cidade do que a escultura. Devido a esta presença,
antes de passar a tratar das esculturas presentes na cidade de Maceió, é preciso destacar as
características que fazem deste meio expressivo a “arte pública” por excelência.
Quanto ao inventário das esculturas presentes no espaço público de Maceió, por se tratar
do maior acervo de arte urbana da cidade, optou-se por abordá-lo por períodos. Esses períodos
correspondem a um intervalo de tempo, que vai de 1861 (primeira escultura implantada em
Maceió) a 2006 (momento atual). A subdivisão efetuada pretendeu acentuar a prevalência de
determinadas características em termos de concepção, implantação e materiais utilizados em
cada um desses períodos.
Não são todas as esculturas públicas da cidade que serão aqui abordadas textualmente. Do
levantamento efetuado, optou-se por analisar apenas algumas, mais relevantes, ou que se
destacam por algum motivo. Além disso, algumas obras serão tratadas apenas na quarta seção
(“Memoriais e Corredor Cultural”). Conforme colocado anteriormente, estes espaços, apesar de
habitualmente conterem esculturas, foram especialmente concebidos como espaços de
memória, prevendo a inserção das obras e a evocação de fatos ou personagens históricos. Estas
características distinguem esses espaços do caso da inserção de esculturas em espaços públicos
comuns da cidade, tais como as praças. Como as duas seções (três e quatro) tratam da arte
urbana “oficial”, elas são complementares. Evidencia-se, nas análises efetuadas, a ênfase no
momento contemporâneo.
Apresentados como complemento às seções três e quatro, dois documentos integram esta
seção: uma listagem das esculturas presentes em Maceió e dois mapas marcando os locais de
implantação das mesmas. O levantamento foi organizado sob a forma de tabela. Nele buscou-
se incluir todas as obras existentes em Maceió, especificando local de implantação, autoria e
data. Algumas informações não foram possíveis de serem encontradas, sobre outras não
existem fontes seguras que comprovem sua veracidade. Apesar das dificuldades encontradas,
acredita-se que estes materiais são documentos importantes para a localização e visualização
dos espaços referidos nas análises, além de outros desdobramentos possíveis, como
levantamentos quantitativos de obras por bairro ou por categoria.
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3.1 - A ESCULTURA E SUA PRESENÇA SIMBÓLICA NA CIDADE
Fig. 25: Piazza Navona, L. Bernini, Roma (Fonte: Guia Arte em Itália, ENIT, 1989)
Inserida na modalidade artística conhecida como artes “visuais” ou artes “plásticas”
1
, o
termo escultura é uma generalização que compreende hoje incontáveis exemplos de
manifestações expressivas. Atualmente, considera-se a escultura como um dos inúmeros meios
possíveis para a concretização do trabalho do artista, cujas possibilidades ampliaram-se
grandemente nas últimas décadas. Trata-se de um dos meios expressivos
2
mais antigos, cujas
primeiras manifestações datam do período Paleolítico. Foram encontradas, além de pequenas
esculturas, várias tentativas de relevo nas cavernas pré-históricas. Complementando o efeito
das pinturas, buscava-se evidenciar também o volume das figuras escavando nas superfícies de
pedra. Observa-se, assim, uma origem simultânea da pintura, das primeiras esculturas em pedra
ou osso e dos primeiros relevos, também inseridos historicamente na categoria que engloba o
meio expressivo “escultura”.
1
O termo “artes visuais” refere-se, de uma forma mais abrangente, a todos os meios que trabalham
prioritariamente o domínio do visual. O antigo termo “artes plásticas” já não se enquadrava para definir algumas
novas linguagens, principalmente as que lidam com os meios tecnológicos. O atributo “plástico” pressupõe, a
princípio, um trabalho manual, ou seja, que lida com a transformação de materiais concretos. Assim, a videoarte,
por exemplo, é entendida apenas como arte visual, enquanto que a escultura é arte visual, mas também é plástica.
Por convenção, refere-se atualmente como artes visuais as linguagens que trabalham com meios tecnológicos e
passíveis de reprodução.
2
“Meio é o veículo pelo qual a arte se concretiza. Exemplos de meios tradicionais são a pintura, o desenho, a
gravura e a escultura, para citar os mais conhecidos.” (COSTA, 2004, 49)
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75
Na origem desta denominação, parecia existir certa distinção entre o que é esculpido
(utilizando-se material de certa dureza e desbastando-o com um cinzel ou instrumento similar)
do que é obtido por modelagem (como com a argila). Acredita-se terem sido os gregos do
período arcaico que fundiram os limites das duas técnicas utilizando a argila e a cera para a
produção de esculturas em bronze. Foram os responsáveis, assim, por uma terceira técnica
escultórica, obtida agora por meio da fundição do metal inserido em espécies de fôrmas
modeladas, deixando-se o trabalho do cinzel para o acabamento.
Ao longo da história, sobretudo a partir do século XX, a linguagem escultórica foi,
progressivamente, estendendo seus limites de experimentação e se afastando dos seus materiais
tradicionais (pedra, mármore, metal, argila, madeira...), abarcando qualquer objeto artístico que
suplante os limites da bidimensionalidade. Na verdade, nem a própria escultura precisa ser
tridimensional, não lhe é necessária grande “espessura”. A sua essência consiste em algo que
possa ser observado circulando-se em volta dele, algo que cria um espaço. Como coloca
Brissac Peixoto:
“A escultura exige ser vista em movimento, por alguém que percorra o
espaço criado por ela. (...) Dialética de andar e olhar que constitui a
experiência escultórica.” (PEIXOTO, 2004 179)
Esta colocação nos lembra o célebre ensaio de Zevi
3
sobre as quatro (ou mais)
dimensões da arquitetura: altura, largura, profundidade e tempo. Esta dimensão “tempo” a que
ele se refere significa que também é necessário andar e olhar para se completar a experiência
arquitetônica. Pois a arquitetura é eminentemente escultórica. O que, então, as diferencia?
Segundo Bassani, um dos fatores é a alta densidade que a função nela assume:
“Na literatura de história da arte existe distinção entre as diversas artes, não
entre arte e arquitetura. Porém, quando associada à construção das cidades,
(...) sua condição de abrigo a associa definitivamente à sobrevivência física
do homem, algo completamente distante das outras artes.” (BASSANI, 2002,
151)
Na escultura, não se observa esta função intrínseca de sobrevivência. Ainda que se
perceba sua função simbólica e estética, esta linguagem não está associada às necessidades
primais do homem:
“ O arquiteto trabalha com forma e volume, à semelhança do escultor, e, tal
como o pintor, trabalha com cor. Mas, entre as três artes, a sua é a única
funcional. Resolve problemas práticos. Cria ferramentas ou implementos
para seres humanos, e a utilidade desempenha um papel decisivo no
julgamento da arquitetura. (...) Em outras palavras, a diferença entre a
escultura e a arquitetura não está em que a primeira se preocupa com formas
3
ZEVI, 1978, 17-28.
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76
mais orgânicas e a segunda com formas mais abstratas. Até a mais abstrata
peça de escultura, limitada a formas puramente geométricas, não se converte
em arquitetura. Falta-lhe um fator decisivo: a utilidade.” (RASMUSSEN,
1998, 8)
No entanto, a escultura foi uma das primeiras manifestações expressivas do homem,
seus primeiros exemplares conhecidos datando de cerca de 30 000 a.C
4
. Ou seja, antes do
surgimento da própria arquitetura. Na verdade, as primeiras manifestações arquitetônicas
(menires, dolmens...) são muito próximas da escultura monumental, o que mostra uma origem
comum.
Um outro dado que se evidencia muito na escultura é que, dependendo de sua escala
,
esta assume um caráter eminentemente público, assim como a arquitetura. É inegável que
desde a Antiguidade a escultura se faz presente nos espaços da cidade. Mas este meio já teve
seus momentos de subordinação à arquitetura, principalmente na Idade Média, onde esta se
encontrava colada ao suporte arquitetônico, havendo-se perdido a possibilidade do circundá-la.
Ainda mais crítico para a escultura foi o movimento iconoclástico no Império Romano do
Oriente, que quase baniu para sempre este meio por apontá-lo como herético. Pois a escultura
parece ter sido desde suas origens associada a uma função mítico/religiosa que suplanta a
noção (bem mais tardia) de “obra de arte” e produz objetos de culto, de adoração, ídolos. Além
disso, a escultura,
talvez desde os egípcios, ultrapassou esta função mítico/ religiosa para servir
como meio de exaltação pública dos detentores do poder através da execução de colossos,
estátuas eqüestres
5
e bustos. Reis, generais, conquistadores, líderes religiosos: todos
convertidos a objetos de adoração assim como deuses, virando ídolos esculpidos. Estas
“funções
citadas persistem até hoje e podem ser observadas em nossas cidades.
Na cidade contemporânea, a escultura é um produto cultural imediatamente
reconhecível como sendo objeto de arte. Exposto ao público, ela se eleva a um status diferente
dos demais objetos no contexto do espaço urbano, pois ela se evidencia, como colocado
anteriormente, pela sua presença eminentemente simbólica e não pelo seu uso prático no
quotidiano. Por essa razão, a escultura parece se prestar melhor a representar aspectos do
imaginário social, particularmente os seus mitos, como observado em relação à feitura de
imagens. Assim, no caso mais específico da escultura figurativa, algumas vezes parece haver o
acúmulo de funções tais como “objeto de culto” e “objeto de arte”.
4
Período Paleolítico, conforme comentado anteriormente.
5
A primeira estátua eqüestre de que se tem notícia é a de Júlio César, erigida no Fórum Júlio. Entretanto, a
primeira escultura “sobrevivente” deste tipo de monumento é a do imperador romano Marco Aurélio, em Roma
(fonte: JANSON, 2001, 268).
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77
Talvez o surgimento da escultura dita “abstrata”, no séc. XX, tenha evidenciado de
maneira mais radical o aspecto eminentemente estético e simbólico da escultura. Mesmo que
toda escultura seja uma representação do imaginário social, percebe-se que, quando o cidadão
não associa a imagem representada a algo tangível ou decodificável, existe um estranhamento
mais declarado. Sem poder nomeá-la (por exemplo, estátua de Padre Cícero ou Marechal
Deodoro), o objeto escultórico apresenta maior possibilidade de estranhamento e de
descoberta, mas nem por isso necessariamente de maior deleite estético.
Figs. 26 e 27: Esculturas abstratas de Miró e de Calder em La Défense, Paris (Fonte: Bassani, 2003)
A escultura não é apenas monumento escultórico, pois este termo parece evocar sempre
algo de escala desmedida e de caráter perene, quase sempre associado a um fato histórico ou
personalidade (permite uma leitura decodificável). A escultura pode ser monumental ou uma
intervenção mínima na paisagem, ou até mesmo efêmera. A relação das pessoas com a
escultura no espaço público vai depender de inúmeros fatores, dentre os quais a linguagem, a
escala e o modo de implantação nos parece ser os mais importantes. São esses elementos que
vão definir sua presença matérica na cidade, a princípio o dado que a privilegia em relação aos
outros meios expressivos:
“Considerando o contato corporal físico e matérico, ao mesmo tempo
sincrônico e histórico e ao mesmo tempo simbólico,
nenhuma modalidade
artística interage de maneira mais sólida e material com o ambiente urbano
do que a escultura.” (BASSANI, 2002,147)
Reforça-se que desde a antiguidade a escultura se faz presente nos espaços públicos.
Comparando-a com a pintura, é a sua característica destacada de tridimensionalidade que
aporta a sua escolha como presença dentro da cidade. Entretanto, não se quer aqui afirmar que
a escultura é único meio expressivo adequado ao espaço público. Existem outros exemplos de
arte urbana que se valem exclusivamente da bidimensionalidade e que se mostram
perfeitamente adequados na interação arte/ público/ cidade.
Nesta terceira seção, no entanto, buscou-se enfocar apenas os objetos escultóricos
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78
presentes nos espaços públicos de Maceió. As considerações acima desenvolvidas objetivaram
ambientar o leitor acerca da inserção desse meio expressivo na história em sua relação com o
espaço público. Desta forma, pode-se compreender as razões pelas quais a escultura pública é a
modalidade de arte urbana mais presente nos espaços de Maceió.
3.2 - ESCULTURAS PÚBLICAS DE MACEIÓ:
Maceió possui um acervo de esculturas públicas relativamente difícil de ser
inventariado, devido à quase ausência de dados documentais sobre o assunto em órgãos
públicos e ao estado de degradação de parte dessas esculturas. Isto acontece talvez devido ao
relativo abandono dos próprios espaços públicos pelas sucessivas gestões, sobretudo das
praças, onde a maior parte delas está inserida
6
. As análises se debruçam sobre a inserção de
esculturas nos espaços públicos de Maceió, destacando, através de alguns dos seus principais
exemplares, as características específicas de cada de um dos períodos, construindo assim um
quadro evolutivo que busca compreender a presença destes na configuração da paisagem atual
da cidade.
3.2.1- 1861/1960: HOMENAGENS A PERSONALIDADES HISTÓRICAS E
ALEGORIAS CLÁSSICAS
Neste primeiro momento, que compreende o mais extenso intervalo de tempo, abordar-
se-á a presença de esculturas que podem ser englobadas em duas principais temáticas:
homenagens a personalidades históricas e alegorias clássicas. Trata-se, aqui, de um acervo
público que começou a se formar a partir do Séc. XIX, momento de consolidação em Maceió
de uma estrutura social baseada em um modo de vida burguês-mercantil, mas ainda dependente
do campo, origem e sede das principais oligarquias locais. De acordo com Dirceu Lindoso:
“As condições burguês-mercantis marcam, até hoje,
a criação da vida urbana
em Maceió, dando-lhe uma fisionomia própria entre tantas cidades
brasileiras: um estilo de vida urbano requintado para o nosso séc. XIX, com
palacetes, sobrados azulejados, jardins públicos de definição estética
inconfundível, como foi o que se ergueu sobre o aterro do antigo manguezal
do Cotinguiba, depois Praça Deodoro da Fonseca.” (LINDOS0, 2005, 82)
Nestes “jardins públicos” ou praças, a maior parte de traçado inspirado no estilo
paisagístico clássico francês, implantaram-se os primeiros monumentos em homenagem a
figuras públicas ou em comemoração a eventos históricos, mas também (já no início do séc.
XX) bronzes figurativos de temáticas diversas (temas mitológicos, alegorias, animais
selvagens). O primeiro monumento escultórico de Maceió, inaugurado em 31 de dezembro de
1861, situa-se na Praça D.Pedro II, no centro da cidade. Trata-se de um conjunto formado pelo
busto de D.Pedro II sobre um grande fuste canelado, este repousando sobre um pedestal, que
6
Esta questão será trabalhada na seção 4, no item “Da manutenção dos espaços e das obras públicas”.
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79
por sua vez se assenta em uma base circular em degraus
7
. O conjunto, importado de Lisboa, é
todo elaborado em mármore. É um monumento comemorativo da passagem deste imperador
por Alagoas, como atesta as inscrições em latim
8
contidas no mesmo:
“Aqui estou por longos anos, oh viajante, lembrando a viagem até aqui do
excelso Pedro, elevando o nome (dele) para os astros (as alturas). A
província alagoana agradecida ao grande Pedro.”
É emblemático que o primeiro monumento da cidade situe-se justamente no local que
corresponde ao primeiro centro administrativo da vila de Maceió e onde se localizava o
Pelourinho (segundo o mapa de Melo Póvoas), e provavelmente o Engenho Maçayó, conforme
comentado na Seção Dois. Mas a escolha desta praça para a ereção do monumento está
também relacionada à inauguração da Catedral de Maceió pelo Imperador, e ao fato de que o
mesmo se hospedou no palacete do Barão de Jaraguá, funcionando este temporariamente como
paço imperial. A catedral e o palacete (atual Biblioteca e Arquivo Público Municipal) se
localizam no entorno da mesma praça.
Figs. 28 e 29: Vistas do Monumento a D. Pedro II, Praça D. Pedro II, Centro (Fonte: IP, 2005).
7
Segundo Clarival Valladares, pelas suas características, trata-se de obra do canteiro-estatuário Francisco Salles,
da Rua do Arsenal e do Largo de Julião, de Lisboa. Em seu levantamento denominado “Nordeste histórico e
monumental”, Valladares declara que o monumento a D. Pedro II é uma das poucas obras relevantes existentes
em Maceió do ponto de vista do patrimônio cultural: “Excluindo-se os acervos etnológicos do Instituto Histórico
e Geográfico de Alagoas, fundado em 1869, o monumento a Dom Pedro II, inaugurado em 1862, e a graciosa
frontaria da Igreja de Nossa Senhora do Rosário, (...) Maceió é uma cidade intombável.” (VALLADARES,
Salvador, 1983)
8
“Excelsi Petri exto per longa aeva, viator, adventum huc memorans, nomem adastra ferens. Magno Petro
Alagoana Província Grata.”. Tradução: Miguel Vassalo Filho. Entre as diversas inscrições contidas no
monumento, lê-se também (em português): “Ao Comendador J. Antônio de Mendonça, Barão de Jaraguá, coube
a glória de se encarregar da fabricação d´este monumento em Lisboa”; “Glória aos Beneméritos que
contribuíram para a factura d´este monumento e ao engenheiro civil Carlos de Mornay que se encarregou de
dirigir planta e colocação do mesmo.” Fonte: VASSALO FILHO, 2001.
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Figs. 30 a 33: Vistas da Praça D. Pedro II em 1905, 1908, em 1950 e atualmente (Fontes: MISA e IP, 2005).
Não há documentação disponível acerca da autoria das obras instaladas até o início do
século XX. Desconhece-se, por exemplo, se os artistas que executavam os bustos ou esculturas
eqüestres em bronze eram alagoanos. É provável, segundo se pode deduzir das poucas
inscrições existentes em alguns monumentos, que antes da proclamação da República do
Brasil, em 1889, tais peças fossem encomendadas a fundições em Lisboa, depois, Paris, Rio de
Janeiro e São Paulo
9
. A autoria artística das mesmas não é identificada nas placas e brasões
existentes nos pedestais. Apenas as identidades da figura retratada e das autoridades
governantes que as encomendaram sobressaem. Tampouco se esclarece suas origens nos
jornais da época, que fazem menção apenas à inauguração oficial dos espaços onde se inseriam
as esculturas.
Desconhecem-se as razões desta falta de informação acerca dos artistas ou artesãos que
produziam as obras desse período. Uma hipótese é de que tal desconhecimento seja talvez
conseqüência de um costume da época: não se consideravam tais esculturas como “obras de
arte” autorais, cujo criador devesse necessariamente ser mencionado. Tais peças eram apenas
9
Uma das únicas a possuir identificação de origem, além do citado Obelisco em homenagem a Pedro II e das
esculturas da praça Dois Leões, é a estátua do Visconde de Sinimbu, na Praça de mesmo nome, Centro: Fundição
A. Angeli- São Paulo.
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“monumentos”, cujo interesse estava em seu valor simbólico, representativo, e não em suas
qualidades plásticas intrínsecas à habilidade de um determinado artista. A importância estava
na figura retratada e na simbologia por ela invocada.
No caso de esculturas que não representavam figuras públicas (bustos e estátuas de
personalidades), a maior parte consistia de réplicas de esculturas famosas encomendadas a
companhias de fundição artística
10
, que as forjavam em série a partir de moldes. Tais obras
eram vistas talvez como peças de mobiliário urbano usadas para proporcionar um tratamento
estético aos espaços públicos, o que era prática em todas as capitais que se queriam
“civilizadas”. No caso do Bairro de Jaraguá, por exemplo,
encomendou-se à companhia
francesa VaI D'Osne, que se forjasse tanto os postes de iluminação
11
e bancos quanto as
esculturas da Praça Dois Leões e a Estátua da Liberdade, que descreveremos adiante.
São poucos os conjuntos escultóricos significativos inseridos nos espaços públicos das
praças de Maceió. A prática mais recorrente consistia em inserir um busto ou escultura de
corpo inteiro, geralmente em posição central, sobre um grande pedestal de pedra elevando o
homenageado acima do plano da praça. Incluía-se ainda um jardim ou fonte em torno do
mesmo para aumentar o seu efeito monumental e talvez também impedir uma aproximação em
demasia do público
12
. A intenção é a de incitar uma atitude de admiração e reverência para
com as personalidades retratadas, forjando-se em bronze, e no imaginário popular, os heróis
locais. Dentre os mais recorrentes estão as figuras dos marechais Deodoro da Fonseca e
Floriano Peixoto
13
, os dois primeiros presidentes do Brasil, ambos de naturalidade alagoana.
No caso do proclamador da república, a praça que leva seu nome é adornada por uma
10
Tais companhias dispunham de catálogos com os modelos disponíveis para encomenda, propondo vasta gama
de equipamentos de mobiliário urbano, além de esculturas. Diversos artistas eram contratados para desenvolver
modelos para as mesmas. Ver adiante as imagens dos catálogos originais das peças inseridas em Maceió.
11
A prefeitura de Maceió, dentro das ações do projeto de revitalização do Jaraguá, encomendou a reposição dos
postes à companhia GHM, em Paris. Funcionários municipais, em especial a arquiteta Ana Paula Acioli, foram
em comitiva para a França para tal fim. A escolha dos modelos teve com base antigas fotografias do local e
partes dos antigos postes (que foram recuperados), encontrados por acaso no parque municipal da cidade, onde
estavam abandonados. Fonte: UEM e Secretaria de Planejamento.
12
Provavelmente, a intenção seria a de proteger os monumentos de atos de vandalismo. Entretanto, sabe-se que a
presença de correntes, fontes ou outras barreiras não chegam a impedir a depredação dos mesmos. A iniciativa
mais radical com a intenção de proteger monumentos e as próprias praças ocorreu durante a gestão do prefeito
Pedro Vieira, que, após a reforma desses espaços, ordenou o gradeamento das principais praças da cidade (1992),
inibindo assim a própria permanência da população nesses espaços.
13
Recentemente inaugurou-se o “Memorial da República”, no Jaraguá, ostentando esculturas dos dois Marechais.
Cita-se também a estátua do Mal. Floriano Peixoto, na praça de mesmo nome, no bairro do Centro; busto e
obelisco em homenagem a Floriano Peixoto, no distrito de Ipioca, e o grande baixo-relevo em concreto da figura
de Marechal Deodoro instalada à entrada da cidade de mesmo nome, vizinha à Maceió.
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imponente estátua eqüestre
14
, também elevada do solo para intensificar seu efeito majestoso.
Projetado por Rosalvo Ribeiro
15
, o traçado simétrico do espaço é acentuado por quatro
esculturas em bronze localizadas nos ângulos da praça, mas de escala mais modesta do que a
anteriormente citada, quase imperceptíveis em um vista geral do espaço. Nestas, que
representam os quatro continentes
16
,
chama a atenção o fato de, em reformas posteriores, estas
terem sido retiradas de seus pedestais originais, estando hoje em bases quase ao nível do solo,
tangíveis. Em visitas ao local, observaram-se diferentes atitudes do público na interação com
estas esculturas: o fato de as mesmas estarem acessíveis ao toque e mais próximas dos espaços
de estar parece fazer diferença no aspecto relacional. Estas parecem se integrar mais ao
movimento das pessoas do que o monumento principal, elevado, de caráter imponente em
escala e implantação, isolado no centro da praça e parcialmente escondido pelas árvores.
Entretanto, ao se observar antigas imagens da Praça Deodoro, com as árvores ainda jovens, a
impressão que se tem é outra: este parecia “reinar” sobre o espaço, atraindo para si todos os
olhares.
Figs. 34 e 35: Vistas da Praça Deodoro na década de 1940 (Fonte: MISA).
14
De provável autoria do escultor italiano Angeli Angioli. Tamanho natural, contabilizando cerca de cinco
metros com seu pedestal. Desde os primeiros exemplos encontrados na história, a utilização deste tipo de
composição visa aumentar a impressão de coragem, dinamismo e bravura no personagem retratado,
configurando-se em estratégia amplamente utilizada ao longo da história por pintores e escultores ao retratar reis
e outras personalidades ligadas ao poder.
15
Citado no histórico das artes visuais alagoanas, Seção 2.
16
Fabricação das Fonderies du Val D´Osne, autoria de Mathurin Moreau. Representados por figuras alegóricas
de crianças lutando com feras, os quatro continentes constantes na praça são América (criança contra uma cobra),
África (criança contra um crocodilo), Europa ( criança contra um lobo) e Ásia (criança contra um tigre). A
Oceania (criança contra um canguru) deve ter sido suprimida por uma questão de respeito à simetria, mas não se
sabe se o conjunto foi encomendado completo (5 peças) e se esta última (oceania) teria desaparecido. A temática
da representação alegórica dos continentes é bastante recorrente, podendo-se citar como exemplo o famoso grupo
à entrada do Museu D´Orsay, em Paris. Quanto ao modelo do conjunto de Maceió, existem as cinco peças no
acervo do Museu da República, no Rio de Janeiro . Existe uma réplica da “América do Sul”, igual ao d´Orsay,
também no Rio de Janeiro. (fonte: Eulália Junqueira)
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Fig. 36: Vista da Praça Deodoro, Centro, com a estátua eqüestre de Mal. Deodoro (Fonte: IP, 2005).
Fig. 37: Os quatro continentes, de Mathurin Moreau, Catálogo da Fundição do Val D´Osne (Fonte: Eulália Junqueira, 2007).
Figs. 38 a 41: Os quatro continentes. Praça Deodoro, Centro (Fonte: IP, 2005).
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Outra praça que se destaca pela presença de esculturas é a General Alberto Lavenère, em
Jaraguá. Ao longo de sua história, esta praça já portou diferentes denominações, sendo
primeiramente inaugurada como “Jardim de Jaraguá”, em 1870, pelo administrador da
Província José Bento Figueiredo Jr., em conjunto com a ponte de desembarque e o Consulado
Provincial (atual Museu da Imagem e do Som, MISA). Esta realização, entre outras obras
públicas, foi alvo de críticas, como a de Tomás Espíndola
17
:
“Não lamentamos o dinheiro gasto com obras públicas; não, apenas notamos
que se consumissem tantos contos de réis e se comprometessem as rendas
futuras com certas obras meramente improdutivas e algumas delas
essencialmente luxuosas, como o Jardim de Jaraguá, o calçamento da
cidade...”
A concepção clássica das mesmas, e das esculturas que as ornamentavam, também
eram alvo de observações algo irônicas
18
, provavelmente devido à falta de referências à cultura
local:
“(...) ruas novas, palacetes que se constroem, casas que se edificam, praças
que aparecem, tendo nas extremidades estátuas de animais, de homens
lutando com bichos; não faltam também a essas praças as figuras do Olimpo;
os deuses mitológicos enchem-nas, e ainda depois de 1930 um prefeito
municipal, querendo trabalhar, ressuscitou uma porção de velhos deuses que
descansavam nas sucatas da Prefeitura para colocá-los numa praça que
procurou renovar: a que tem o nome ilustre de Sinimbu.”
Outros expressavam opinião diferente
19
:
“Hoje a cidade é, indiscutivelmente, uma das mais belas capitais do norte,
possuindo lindas praças arborizadas com fontes luminosas (...).”
A concepção original do Jardim de Jaraguá foi provavelmente traçada pelo engenheiro
Olery, o paisagista responsável pela obra
20
. Sua remodelação foi elaborada por Rosalvo
Ribeiro em 1918. A influência do gosto francês na sua concepção é também fruto da sua
experiência como bolsista na Academia Imperial, no Rio, indo depois estudar em Paris, onde
consta que permaneceu por 13 anos. Talvez por influência do artista envolvido, viabilizou-se a
encomenda de seis esculturas à companhia VaI D'Osne
21
, representando animais selvagens,.
Destaca-se este fato por serem muito raras na cidade as praças que possuem mais de uma
17
ESPÍNDOLA, Tomás, In: COSTA, João Craveiro, 1981.
18
DIEGUES JR., Manuel, In: COSTA, João Craveiro, 2001, 157.
19
Silveira, J. Notícia histórica de Maceió. In: Ramalho, Joaquim - Maceió, cem anos de vida na capital. Casa
Ramalho Ed., Maceió, 1939, p.19.
20
Fonte: primeiro catálogo MISA, junho 1982 - FUNTED.
21
Autoria de Jaquemart (Fonte: Eulália Junqueira). As informações sobre datação e origem estão impressas nas
próprias peças.
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85
escultura. A presença destes animais (hoje existem apenas quatro: um leão, um tigre, um lobo e
um javali) na Praça General Alberto Lavenère fez com que esta se tornasse mais conhecida
atualmente como Praça Dois Leões.
Um outro monumento também bastante representativo entre as esculturas importadas
da França é o da “Estátua da Liberdade”, uma réplica em tamanho reduzido
22
da célebre
escultura de Nova York inserida no espaço urbano de Maceió. Esta sofreu uma verdadeira
peregrinação pela cidade, sendo deslocada por quatro vezes, até ser trazida recentemente ao
Bairro de Jaraguá, seu lugar de implantação original. Sua primeira locação estava situada no
Jardim de Jaraguá (atual Praça Dois Leões), conforme mostra foto de 1910.
.
Fig. 42: Modelo dos animais, de Jaquemart, no Catálogo da Fundição do Val D´Osne (Fonte: Eulália
Junqueira, 2007).
Figs. 43 a 46: Animais da Praça General Alberto Lavenère (Fonte: IP, 2005).
22
Sua altura é de 2,05m, com o pedestal atinge cerca de 6m. Esta escultura teria chegado a Maceió em maio de
1906 (fonte: UEM). Esta estátua foi confeccionada em uma fôrma produzida a partir dos desenhos originais de
Frédéric Bartholdi, o artista criador do monumento. Ambas as esculturas (a de Nova York e a de Maceió) são
originárias da mesma fundição do Val D´Osne. O exemplar de Maceió é o único existente no Brasil. Na
prancheta em sua mão esquerda tem-se gravado as seguintes datas: “14 juillet 1789” (queda da Bastilha - festa
nacional francesa) e “14 juillet 1906” (referindo-se talvez à data de sua inauguração em Maceió?).
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86
Fig. 47 e 48: Praça General Alberto Lavenère. Vista geral e esculturas (Fonte: IP, 2005).
Figs. 49 e 50: Cais de embarque do Jaraguá em 1920 e modelo da Estátua da Liberdade, de Bartholdi, no
Catálogo da Fundição do Val D´Osne (Fontes: MISA e Eulália Junqueira, 2007).
Figs. 51 e 52: Estátua da Liberdade na
Praça G. A. Lavenère, 1910, e na Praça Centenário, década de
1950 (Fonte: MISA).
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Figs. 53 e 54: Estátua da Liberdade na Praça 18 do Forte de Copacabana, Jaraguá (Fonte: IP, 2005).
Em 1915 ou 1918
23
, a escultura foi instalada
de frente para o cais de embarque do
Jaraguá, que, no início do século XX, ainda era a porta de entrada de Maceió, saudando os
visitantes. Intensificando esse efeito, duas outras alegorias emolduravam o final da plataforma
de embarque. No antigo local de instalação da “Liberdade”, a Praça General Lavenère, erigiu-
se, em 1922, um obelisco
24
em homenagem ao centenário dos heróis da Independência.
Quando este bairro portuário passou a sofrer um processo de decadência, a escultura foi
deslocada para a Praça Centenário, no Farol, localizada na principal via arterial da cidade
(Avenida Fernandes Lima), também uma das portas de “entrada” da cidade de Maceió.
Posteriormente, esta foi instalada na Praça Manoel Duarte, na Pajuçara. A obra só retornou ao
Jaraguá (Praça Dezoito do Forte de Copacabana, em frente ao antigo Cais de embarque) em
1992, por iniciativa do diretor do MISA
25
na época, Miguel Vassalo Filho, durante a
administração do Prefeito Pedro Vieira.
A contribuição de algumas destas antigas esculturas como testemunho do tempo e da
memória permite acompanhar a metamorfose dos espaços em que estas são inseridas e,
consequentemente, a mudança de alguns valores da própria sociedade. Tais valores se refletem
nas ações de implantação, deslocamento e destruição dos monumentos da cidade. Ao se
observar antigas fotos de Maceió, pode-se constatar os inúmeros deslocamentos sofridos por
diversas esculturas da cidade, bem como o desaparecimento de algumas. Estes deslocamentos
são curiosos porque geralmente acompanham a valorização dos bairros na cidade, bem como
23
Segundo dados da UEM a transferência se deu em 1915. Entretanto, esta pode ter sido re-inaugurada apenas
em 1918, conforme consta no seu pedestal: “Construído na administração do Excelentíssimo Sr. Dr. João
Batista Accioly Jr.,. 1918”.
24
Há um outro obelisco semelhante implantado na Praça Sergipe, Farol.
25
O MISA se localiza entre as praças Gal. Lavenère e Dezoito de Copacabana.
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88
as concepções e as vontades das sucessivas gestões públicas. Não raro, para se inaugurar a
implantação ou reforma de praças em bairros em processo de valorização, o poder público
deslocou monumentos trazidos de outros bairros que se encontravam em processo de
degradação. Compreende-se estas sucessivas mudanças como uma maneira de agregar uma
espécie de status a um espaço: as esculturas teriam, assim, o poder de conservar e transferir um
valor simbólico elevado aos lugares onde são instaladas. Outro aspecto, além da intenção de
valorizar determinado espaço, é a associação de tais monumentos à imagem de autoridades e
gestões políticas, o que lhes confere maior visibilidade. Mas há casos também onde o
desaparecimento de monumentos e até de praças estão ligados à prevalência de interesses
privados sobre o espaço público.
Como exemplo de esculturas que sofreram deslocamentos dentro da cidade, pode-se citar
a própria Estátua da Liberdade: esta obra só voltou ao Jaraguá quando foi integrada às ações do
programa de revitalização do bairro,
como uma forma de sinalizar que este viria novamente a
recuperar seu status, sua dignidade perdida, como atesta as palavras de Miguel Vassalo
26
:
“Alegra-nos ver aquele bonito monumento de Maceió harmoniosamente
compondo o renovado aspecto do histórico bairro de Jaraguá (também com a
reforma do centenário prédio do MISA), elogiável fruto do processo de
revitalização empreendido pela atual e laboriosa administração municipal.”
Foi o mesmo caso das esculturas de animais que haviam sido transferidas para o Parque
Gonçalves Ledo, Farol, inaugurado na gestão de Sandoval Caju
27
, e que voltaram para a Praça
Dois Leões quando da revitalização do Bairro. Pode-se citar ainda o caso dos “Continentes”,
pois dois dentre eles passaram cerca de 20 anos instalados na Praça Centenário antes de
voltarem à Praça Deodoro, também por determinação de Sandoval Caju.
O deslocamento de obras de espaços públicos para privados também veio a acontecer.
Um exemplo significativo é o da estátua em bronze do deus Mercúrio, localizado
originalmente na Praça Sinimbu. Quando esta praça foi remodelada, em 1963, Caju determinou
sua instalação sobre a base do antigo relógio oficial, na Rua do Comércio
28
, como uma forma
de homenagem da municipalidade, pois o deus Mercúrio é o patrono do comércio. Em 1967, o
prefeito Divaldo Suruagy doou a estátua à Associação Comercial de Maceió, que completava
nesse ano o seu centenário, objetivando reinstalar um outro relógio no lugar do antigo Relógio
Oficial. Desde esse ano até atualmente a escultura se encontra no interior do Prédio da
26
VASSALO FILHO, 2000.
27
As esculturas implantadas na gestão de Sandoval Caju serão analisadas no próximo item (1961/1990).
28
Fonte: LIMA JR., 2001, p.68
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Associação Comercial, Jaraguá, que foi restaurado e adaptado para novos usos. Ao mesmo
tempo em que se festeja o fato de que a mesma se encontre atualmente em ótimo estado
29
,
lamenta-se que esta não se encontre mais em espaço público, integrada à cidade. Mas o fato de
ele ter sido retirado da Rua do Comércio foi também ocasionado por certa reprovação popular
na década de 1960, devido à sua “nudez”, como coloca Floriano Ivo (1967) em seu artigo
“Mercúrio sai do sereno e ganha um palácio”:
“Mercúrio, agora, irá para o Palácio do Comércio, na Associação Comercial
de Maceió. Deixará de exibir sua nudez na via pública, causando indagações
absurdas de uns não muito versados em mitologia, mangação dos totalmente
iletrados e censuras de certos pudores exagerados.”
Figs. 55, 56 e 57: Estátua de Mercúrio na Praça Sinimbu, em 1915, e na Associação Comercial (Fonte:
MISA e IP, 2007)
Outro monumento, o busto de D. Rosa da Fonseca, que no início do século XX havia
sido instalado na praça de mesmo nome, Centro, foi retirado devido ao desaparecimento da
própria praça, pois seu espaço passou a ser ocupado por um estabelecimento privado, o Bar do
Chope. Atualmente, o monumento se encontra na Casa Marechal Deodoro, na cidade de
Marechal Deodoro, e não mais em espaço público, assim como a estátua de Mercúrio.
Figs. 58 e 59: Inauguração do monumento a D. Rosa da Fonseca, 1910, e vista de 1925 (Fonte: MISA)
29
A escultura passou por uma recuperação, assim como outros exemplares na cidade.
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3.2.2- 1860/ 1960: OUTROS MONUMENTOS
Dois outros monumentos, o Relógio Oficial e o antigo Farol, apesar de não se
configurarem como esculturas (foco desta pesquisa), funcionaram como marcos simbólicos na
paisagem da Cidade e, ainda que já não mais existam, estes são sempre citados pelos cidadãos
mais idosos como monumentos evocativos de memórias. O relógio, por exemplo, era
conhecido por se situar defronte a um antigo café que foi um local de encontro da
intelectualidade alagoana, principalmente literária. Mas o mesmo também funcionava como
um marco dentro do espaço do centro da cidade, que era utilizado até para desfiles de carnaval.
O relógio sofreu modificações em sua forma, como se pode observar comparando-se duas
imagens, das décadas de 20 e 30 do século XX:
Figs. 60 e 61: Relógio Oficial, vistas das décadas de 20 e 30 do século XX. (Fonte: MISA)
Fig. 62 e 63: O antigo Farol, atrás da Catedral e em primeiro plano, década de 1940. (Fonte: MISA)
O primeiro farol
30
, considerado na época um marco de modernidade por ter sido o
primeiro no Brasil a funcionar com luz elétrica, era referência tão importante do espaço que
terminou por renomear o bairro onde o mesmo se situava, de “Alto do Jacutinga” para “Farol”.
Este foi demolido devido a abalos em sua estrutura causados por desmoronamentos de terra na
encosta em que se situava, resultado de fortes chuvas (1949). Atualmente, o farol da cidade se
encontra bairro de Jacintinho. Existe também um outro, menor, na praia de Ponta Verde.
30
Construído entre 1851 e 1852.
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Entretanto, nenhum dos dois parece ter herdado a força simbólica do primeiro, marco de uma
época na paisagem urbana da cidade e até hoje lembrado.
Um outro monumento arquitetônico que deve ser citado enquanto marco no espaço
público é o Panteão
31
, localizado na Praça Afrânio Jorge (Praça da Faculdade), bairro do Prado.
Sua forma foi inspirada no Panteão romano, mas o mesmo foi construído com o intuito de
abrigar os restos mortais de figuras ilustres da história local, assim como o célebre Panteon
parisiense (França). Entretanto, tal intuito nunca foi levado a cabo, e o monumento se encontra
hoje abandonado, em péssimo estado de conservação.
Figs. 64 e 65: Vistas do “Panteão”, na Praça Afrânio Jorge (da Faculdade), Prado (Fonte: IP, 2007).
O último monumento aqui citado é o único que se encontra em boas condições: o coreto
da Avenida da Paz
32
. Já foi intensamente utilizado, em outras épocas, para as retretas, sendo
um ponto de encontro muito festejado e valorizado. Passou um período “abandonado”, mas foi
integrado às obras de revitalização do bairro de Jaraguá, na década de 1990. Entretanto, mesmo
após sua restauração, hoje em dia não há mais apresentações musicais. Mas o monumento
continua majestosamente presente, sinalizando uma época em que os espaços públicos eram
também lugares de apreciação musical, sem necessariamente se ligar ao carnaval.
Fig. 66: O coreto de Jaraguá (Fonte: IP, 2005).
31
Na única placa indicativa lê-se: “Parque Afrânio Jorge. Construído na administração do prefeito Abelardo
Pontes Lima e reformado na administração do prefeito Divaldo Suruagy”. Supõe-se, assim, que o Panteão deva
ter sido construído entre 1952 e 1960. Governo de Muniz Falcão.
32
Construído na administração do prefeito Jayme de Altavila entre 1927 e 1928.
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3.2.3 - 1961/ 1989: MUDANÇAS NA CONCEPÇÃO DE ESCULTURAS E PRAÇAS
No início da década de 1960, o prefeito Sandoval Caju fez da criação e reforma de praças
quase a marca de sua administração. Ele se auto-proclamava o “iniciador” de uma estética mais
moderna, menos “afrancesada”, nestes espaços em Maceió. Começou por adotar, por exemplo,
em vez dos antigos bancos em ferro fundido e madeira, bancos sinuosos de concreto. Uma
celeuma se instalou, pois, além de fazê-los com forma de “S”, nos modelos convencionais e
nas esculturas também mandava imprimir o tal “S”. Até nos pedestais de monumentos, como
no Moleque Namorador, o “S” estava presente. Em sua versão, isto significava “Cidade
Sorriso”, emblema de Maceió, mas seus inimigos políticos o acusaram de fazer propaganda de
si próprio, imprimindo o “S” de Sandoval.
No ano de 2006, foi inaugurada uma alça viária, no bairro do Farol, pelo Governo do
Estado. No seu agenciamento, implantou-se um monumento escultórico em homenagem ao
mesmo, um “S” em aço inox. Ironicamente, esta homenagem reforça o que já era concluído
por todos: a obsessão pelo “S” era uma auto-homenagem, uma maneira de associar obras
públicas à sua própria imagem. Esta associação simbólica entre obras públicas e administrador
é recorrente, como atestam as placas afixadas aos monumentos e, mais recentemente, as
publicidades das administrações públicas veiculadas em meios de comunicação.
Figs. 67, 68 e 69: Homenagem a Sandoval Caju, Farol, e Praça Moleque Namorador, Ponta Grossa (Fonte:
FO (67) e IP, 2006).
Dentre as praças implantadas em sua gestão que receberam novas obras, um exemplo
marcante foi a Praça Moleque Namorador
33
, na Ponta Grossa, na qual se instituiu a tradição de
33
Também conhecida como “quartel general do frevo”. No carnaval, tinha-se por costume dançar em torno do
monumento. Sobre Armando Veríssimo Ribeiro, o Moleque Namorador: “sambista, batuqueiro, engraxate,
pandeirista, tocador de realejo e o maior passista dos últimos tempos. Campeão absoluto dos concursos de
frevo, vencendo todos os concursos de que participava. Conquistou o glorioso apelido nos quatro cantos da
cidade. Cantava e tocava reco-reco nos festejos natalinos de nossa capital. Dentre suas façanhas, conta-se de
sua vitória sobre o negro Gia, afamado passista pernambucano”. (França, Ranilson. In: Vassalo Filho, 2000)
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se comemorar nesse local os festejos de carnaval, atraindo grande parte da população dos
bairros adjacentes, e que se faz até hoje. O “moleque namorador” é um exemplar único em
Maceió de escultura figurativa “vazada”, executada em ferro pintado, quase como um desenho
colorido traçado no ar. Tanto pelo material utilizado como pela sua concepção plástica, esta
obra é uma marca de uma nova estética na escultura pública. Ela é também um exemplo do que
se falou anteriormente sobre a escultura: não é necessário que ela possua grande “espessura”
para que se crie um “espaço” em torno da mesma. Mas, como era padrão, seu pedestal foi
concebido em forma de “S”, o que, se por um lado acompanha a sinuosidade da escultura, por
outro lado concorre visualmente com sua forma, ocasionando certa confusão visual.
A implantação de réplicas de esculturas célebres em espaços públicos é uma prática
bastante difundida e em Maceió encontramos alguns exemplares, como a já citada “Estátua da
Liberdade”. Um outro exemplo, que virou atração pelo seu apelo lúdico, foi a escultura do
“Mijãozinho”, inspirada no Manneken-pis, um símbolo da Bélgica
34
. Locado na Praça
Sinimbu
35
, Centro, praça reformada pela administração de Sandoval Caju com projeto do
desenhista Lauro Menezes, a escultura em bronze foi encomendada ao artista alagoano
Lourenço Peixoto. Sua implantação se destaca por este ter sido inserido em uma espécie de
cenário, formado por alguns pórticos e septos, recobertos por azulejos coloridos e retratando
cenas bucólicas, com jangadas e peixes. A utilização de azulejos é característica dos
empreendimentos de Caju, conforme comentado na Seção Dois. Estes septos delimitavam um
espelho d'água, acima do qual havia uma espécie de trampolim. A escultura encontrava-se
sobre este, “urinando” sobre a água, fazendo as vezes de fonte aos modos do original. Hoje este
conjunto está lamentavelmente quase todo destruído. A escultura não teve mais sorte que seu
original belga, tendo sido roubada primeiramente a sua parte superior, serrada do resto do
corpo, e depois retirada completamente. Esta foi uma escultura que “deixou saudade”, como
comprovam vários artigos de jornal pesquisados onde personalidades da cultura lamentavam o
34
O Manneken-pis é uma fonte/escultura em bronze de cerca de 50 cm, representando um garotinho urinando.
Situado na Grand-place, em Bruxelas, Le Petit Julien, como também é conhecido, é um símbolo irreverente da
independência de espírito belga. A escultura original foi encomendada em 1619 à Jérôme Duquesnoy. A
escultura atual é uma cópia, pois após esta ter desaparecido várias vezes ao longo de sua história, ela foi roubada
definitivamente em 1960. Este símbolo está ligado às festas, pois durante as mesmas era costume substituir a
água (a « urina » de Julien) por vinho ou lambic (cerveja belga), oferecidos gratuitamente à população. Existe
também o costume de vestir a escultura para homenagear personagens ou datas importantes, e seu extenso
guarda-roupa está abrigado na Maison du Roi, um museu. Existem inúmeras cópias do Manneken-pis espalhadas
pelo mundo. No Brasil, uma bastante conhecida se encontra no Rio de Janeiro, onde foi apelidada de
“Manequinho”.
35
Na verdade, na reforma efetuada esta praça foi dividida por uma via em duas partes, sendo a que possui a
estátua de Sinimbu foi mantida com o mesmo nome. A outra parte, onde se encontrava o Mijãozinho, foi
batizada de “Jorge de Lima” por se localizar defronte à antiga residência deste escritor.
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seu desaparecimento
36
.
Figs. 70, 71 e 72: o Manneken-Pis, em Bruxelas e o Mijãozinho, em Maceió (Fontes: www.ilotsacre.be, 2006
e RL, déc. de 1990).
Figs. 73, 74, 75 e 76: Momentos de um Mijãozinho: inteiro, serrado ao meio e desaparecido, condizente o
estado de abandono da Praça (Fontes: SILVA, 1991; RL, 2002; IP, 2005).
Um outro conjunto escultórico cuja composição se destaca por integrar esculturas, fonte
e elementos simbólicos é o da Praça Centenário, no Farol. Esta ainda possui um antigo
36
Apenas no jornal Gazeta de Alagoas, por exemplo, o tema foi abordado nos dias 20/06/02 (“A mutilação do
Mijãozinho”), 12/06/03 (“Patrimônio dilapidado”), 28/03/04, 16/01/05, 06/09/05, entre outros artigos.
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monumento em bronze no seu centro, a estátua do General Góes Monteiro, mas instalou-se em
uma das laterais, em 1963, um conjunto composto por um painel com o formato do mapa de
Alagoas na posição vertical ladeado por dois índios caetés. Este conjunto foi posicionado sobre
uma fonte projetada por Lauro Menezes. Anteriormente, as cidades que compunham o mapa
estavam marcadas em azulejo colorido, formando um mosaico, mas hoje só resta a sua
estrutura de concreto. A fonte também está desativada e o conjunto se encontra atualmente
bastante deteriorado. Mas esta praça já viveu melhores tempos. Em seu espaço já conviveram
inclusive outras esculturas, como a Estátua da Liberdade e dois dos “Continentes”.
Figs. 77 e 78: Praça Centenário na década de 1980, com painel cerâmico ainda intacto e brinquedos
revestidos de azulejo com o típico “S” da gestão de Sandoval Caju (Fonte: SILVA, 1991)
Os índios caetés que ladeiam o mapa estão em posição de lançar o olhar ao horizonte, em
direções opostas. Existe, neste conjunto, uma acentuação dramática, teatral, que não encontra
semelhantes na cidade. Outra distinção é o fato destas esculturas estarem integradas em um
contexto, como se fossem atores participando de uma mesma cena. Nos outros casos onde há
várias esculturas numa mesma praça, estas se encontram apenas dispostas em separado, não
dialogando entre si desta forma, mas somente enquanto elementos compositivos de um espaço.
O mapa de Alagoas também é um elemento que confere certa dramaticidade ao conjunto.
Colocado na vertical com os contornos marcando o espaço, seu formato faz lembrar um
coração alargado, uma imagem significativa para Alagoas.
Figs. 79, 80 e 81: Conjunto escultórico da Praça Centenário, Farol (Fonte: IP, 2005).
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Este período é marcado por uma mudança em termos de temática e de material nas
esculturas. Foi quando se começou a abordar outros temas que não os bustos de homenagem a
figuras históricas e religiosas ou alegorias clássicas. Mesmo no caso das antigas temáticas,
estas já passariam a admitir certa variação no caráter das figuras retratadas. Aos poucos, passa-
se a inserir obras de linguagem menos acadêmica e outros materiais, como o concreto (Praça
Centenário) e o ferro (Praça Moleque Namorador), começam a aparecer. As identificações dos
autores algumas vezes passam a ser gravadas nas obras e a temática se volta para elementos
simbólicos da cultura local. A ênfase no tema local atingirá seu auge de interesse no momento
contemporâneo, analisado mais adiante.
Figs. 82 a 87: Duas vistas: da Mãe Preta, no Poço, da Homenagem a Zumbi, no Centro, e de Ganga Zumba,
em Cruz das Almas (Fontes: IP, RL (83) e FO (87), 2006)
A título de exemplo, apareceram mais recentemente homenagens às figuras de Zumbi
dos Palmares e Ganga Zumba
37
localizadas nas praças de mesmo nome. Estas novas temáticas
37
Afixado ao monumento a Zumbi, encontram-se as inscrições: “1695 - Zumbi herói do povo negro” e “1995 -
Zumbi herói do povo brasileiro”. Foi uma homenagem ao tricentenário de sua morte, em 20 de novembro de
1695. No monumento a Ganga Zumba: “MEC- Pró memória. Escultor José Faustino. Idéia: Prof. Edson Moreira.
11/09/84” e “ O projeto União inicia com este marco as comemorações ao líder primeiro e herói negro Ganga
Zumba, o edificador da República dos Palmares. Congratulações...” A figura de Zumbi também foi homenageada
no novo aeroporto de Maceió, denominado Aeroporto Internacional Zumbi dos Palmares, que possui uma outra
escultura que será mostrada mais adiante.
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buscam uma valorização de outros aspectos da história local, como evidenciar a importância da
“República dos Palmares” (Quilombo) na luta contra a escravatura no Brasil. São símbolos que
remetem à valorização e o fortalecimento dos movimentos sociais negros. Destes exemplos,
constata-se que as imagens do negro e do índio (Praça Centenário), antes ignoradas, passam a
figurar como tema das esculturas nos espaços públicos. Complementando os exemplos
apresentados, pode-se citar também a escultura da “Mãe Preta”
38
(Praça 13 de Maio, Poço),
uma homenagem às amas-de-leite, personagem que também remete ao passado escravagista
dos antigos engenhos de Alagoas. No entanto, a mensagem passada por esse monumento
parece ser diferente, sendo esta menos ligada ao sentido libertário dos dois primeiros.
Um monumento atípico em relação ao homenageado é o “monumento aos Jangadeiros
Alagoanos”, marcando a realização de um feito de ares “épicos”: a chamada “jangada da
independência”, realizada em 1922. Tratava-se de um grupo de jangadeiros que, em
comemoração ao Centenário da Independência do Brasil, empreenderam uma viagem de
jangada até a capital federal naquele momento, o Rio de Janeiro. Como atesta a sua inscrição:
“Deste local partiu a jangada da Independência para o raid Maceió Rio em 27 de agosto de
1922”. Apesar da menção “deste local partiu” e de sua implantação na praia de Pajuçara, de
acordo com Vassalo Filho, os jangadeiros teriam na verdade partido da praia de Jaraguá. Mas é
a Pajuçara hoje que concentra as principais referências aos jangadeiros. Além do monumento
citado, uma de suas principais avenidas é denominada “Jangadeiros Alagoanos”. Ao longo da
praia a presença dessas embarcações é constante, devido à “balança” de peixes e o ponto de
embarque para passeios na piscina natural. Mas insiste-se que tal homenagem direcionada a
uma classe de trabalhadores é atípica diante dos outros monumentos da cidade, quase sempre
homenageando figuras históricas que pertenceram à elite
39
. O que não nos faz estranhar a sua
concepção modesta em termos de escala e materiais empregados. Por outro lado, suas linhas
limpas transmitem uma elegância quase minimalista. Mas não se trata de uma composição
totalmente abstrata: seu formato triangular faz clara alusão à forma da jangada.
38
Inscrição: “Os maceioenses à Mãe Preta, pelo muito que devemos a ela. 13.05.68. Administração Divaldo
Suruagy”.
39
Neste monumento dedicado aos jangadeiros, uma de suas placas de identificação exalta a iniciativa de
construí-lo como obra de uma gestão “alentada pelo ideal de bem servir à causa pública”. Ou seja, mesmo o
mais singelo monumento serve de suporte encomiástico para o poder público: “ (...)Esta obra marca a passagem
pela Prefeitura Municipal de Maceió, de uma equipe que, alentada pelo ideal de bem servir à causa pública,
muito fez pelo desenvolvimento urbano desta cidade. João Sampaio Filho, prefeito de Maceió, 09-11-74.”
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Fig. 88: Vistas do Monumento aos jangadeiros alagoanos, Praia de Pajuçara (Fonte: IP, 2007)
Fig. 89: a Sereia de Pratagy, vista do arrecife (Fonte: FO, 2006).
Dentre as esculturas implantadas até a década de 1990, uma se destaca pela sua
integração à paisagem natural e pela força com que esta se introjetou no imaginário da cidade:
a Sereia de Pratagy
40
. Construída em concreto e pintada de branco, a obra do escultor
pernambucano Corbiano foi instalada diretamente sobre os arrecifes, sendo possível aos
banhistas de interagir com a escultura, que se encontra acessível ao toque. A imagem da Sereia
40
Construída no governo de Luiz Cavalcante, entre 1960 e 1966.
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é “cartão postal” obrigatório da cidade, e sua implantação foi realizada em conjunto com um
mirante que se debruça sobre esta praia. A obra goza de grande popularidade, como destaca
Oiticica
41
:
“Uma maneira de constatarmos o grau de aceitação popular de que a sereia
é merecedora é observando a dimensão lúdica que ela adquiriu para os
banhistas. Eles se aproximam enfrentando a correnteza e montam em seus
seios, sobem em sua cauda, aglutinam-se aos seus pés, tudo no desejo de
aproveitar as suas formas fartas feitas não só para serem vistas desde o
mirante logo adiante mas também para serem tocadas com avidez.”
Como se viu, nem todas as obras em Maceió lograram a popularidade e a durabilidade da
“Sereia”, mas ainda assim foi um período profícuo na implantação de esculturas na cidade. A
fase atual desenvolverá as tendências iniciadas nesse momento. Particularmente, destaca-se a
quebra com as concepções tradicionais em termos de técnica, temática e implantação.
3.2.4- 1990/ ATUAL: ESCULTURAS ABSTRATAS E TEMATIZAÇÃO DA CULTURA
Uma marcante mudança na concepção das esculturas em Maceió, a partir deste período,
se deu com o aparecimento dos primeiros exemplares que se distanciavam das representações
figurativas, tradicionalmente utilizadas, valendo-se estas de formas abstratas para simbolizar
aspectos da cultura local. A primeira escultura abstrata implantada foi o “Obelisco do
Sesquicentenário” da cidade
42
, inaugurado em dezembro de 1989.
Apesar de nos referirmos a formas “abstratas”, a concepção da maior parte faz clara
alusão a algum elemento simbólico reconhecível,
como é o caso da homenagem ao “Gogó da
Ema”
43
, na Ponta Verde, e à Zumbi, no Centro (citado anteriormente) ou, recentemente, ao
artesanato filé, no Pontal da Barra. O “Gogó da Ema” era um coqueiro que se destacou devido
ao seu curioso formato, e que terminou virando forte referência simbólica para a cidade
44
até
hoje, mesmo após mais de 50 anos de seu desaparecimento. A escultura simboliza a ausência
do coqueiro marcando seu formato com um espaço vazio, enquanto que seu volume faz
referência às velas das jangadas, embarcações muito presentes nas praias de Maceió.
41
Oiticica Filho, Francisco. Revista Urupema, Maceió, 2006, p. 56
42
Excetuando-se os obeliscos da Independência e da Praça Sergipe, não consideradas por nós como esculturas
abstratas, por não fugirem ao modelo tradicional deste tipo de monumento, de concepção egípcia. Inscrição da
placa: “Homenagem do prefeito Guilherme Palmeira pelo transcurso do sesquicentenário da elevação de
Maceió à condição de capital. 09-12-89”
43
Inscrição no monumento: “Memorial ao Gogó da Ema, coqueiro símbolo de Alagoas, existiu por cerca de 40
anos, desaparecido em 1955. Maceió, Dezembro de 1996”. Administração do Pref. Ronaldo Lessa.
44
Existia também o conjunto dos “Sete Coqueiros”, outro exemplo marcante de referência natural para o espaço.
Os coqueiros originais foram recentemente substituídos por outros mais novos. O local, na orla de Pajuçara,
ainda é conhecido como Praia de Sete Coqueiros.
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Simbolizar a presença pela ausência, tornando-a plena de significados, foi uma estratégia
utilizada por alguns artistas de vanguarda, notadamente Lúcio Fontana. As cores do
revestimento escolhido, cinza e preto, simbolizam talvez o luto pelo coqueiro perdido.
Figs. 90 e 91: Obelisco do Sesquicentenário, vizinho à Homenagem aos Pracinhas da FEB Jaraguá (Fonte:
IP, 2006).
Figs. 92 e 93: O “Gogó da Ema”, em 1950, e sua homenagem na Ponta Verde (Fontes: MISA e FO, 2006).
A homenagem ao filé
45
está localizada no bairro de Pontal da Barra por ser este um pólo
produtor de artesanato, de forte vocação turística, mas também por ser o bairro onde se localiza
a indústria Brasken (atual Trikken), patrocinadora da obra. A escultura, em inox, faz alusão às
tramas deste artesanato típico, o filé, um dos mais bonitos de Alagoas. Entretanto, a obra está
situada em local de difícil acesso ao público, no canteiro central de uma pista de tráfego
intenso, complicando a possibilidade de aproximação do público com a mesma. Deduz-se,
45
Concebida por Alex Barbosa e executada por Freddy Corrêa, 2000. Inscrição: “esta obra é uma Homenagem da
Brasken a todos que fazem de tradições, como a renda (filé), uma referência à arte e à criatividade dos alagoanos.
Administração Prefeito Alberto Sexta-Feira.”
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assim, que se previa uma visualização da escultura a partir dos veículos, ou à distância, o que
ainda assim é dificultado por sua modesta escala em relação ao local de implantação
46
.
Figs. 94, 95 e 96: Placa da Homenagem ao filé, no Pontal da Barra, a escultura e detalhe do artesanato
(Fonte: IP, 2006).
O que difere estas novas esculturas dos tradicionais bustos ou estátuas, além da linguagem
mais contemporânea e utilização de novos materiais, é a sua implantação sem pedestais e não
obedecendo necessariamente a uma simetria em relação aos locais onde estão instaladas. Além
disso, as novas obras parecem querer mais do que nunca associar, a um só tempo, elementos
simbólicos da identidade local a uma imagem de modernidade.
Maceió, segundo Célia Campos (2000), conservou nas artes um gosto passadista, não
afeito a rupturas com as linguagens e meios tradicionais. Com efeito, deve-se admitir certa
defasagem das obras aqui criadas em relação às manifestações encontradas nos centros
hegemônicos de cultura. Por exemplo: as primeiras pinturas e esculturas que desafiaram a
tradição da figuração e que propunham experimentações inspiradas nas vertentes
abstracionistas só começaram a aparecer em Alagoas no final da década de 1970 e início de
1980 (nos espaços públicos, apenas a partir da década de 1990). Isto configura uma diferença
de quase quarenta anos do seu aparecimento no Sudeste, particularmente em São Paulo, na
década de 1940. O momento econômico da cidade de Maceió na década de 1980 é marcado por
um boom turístico, o que pode ter intensificado o contato com outras expressões culturais e a
introdução de outros valores. Além disso, neste momento torna-se mais evidente o anseio por
46
A implantação de esculturas próximas a auto-estradas é geralmente problemática porque as mesmas podem
distrair a atenção dos motoristas, se muito chamativas, ou passarem despercebidas, se muito modestas. É preciso
então um estudo aprofundado do impacto das mesmas no tráfego do local integrado ao projeto da obra. Um
exemplo que causou muita polêmica foi uma escultura em homenagem a Mário Covas instalada na rodovia AL-
101 Norte, em um trecho de canteiro central criado para abrigá-la. Houveram muitas queixas alegando que vários
acidentes quase ocorreram pela dificuldade de visualização da mesma, principalmente à noite. A escultura
terminou por ser completamente retirada.
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se construir uma imagem mais “moderna” da cidade.
A culminância dessa tendência (ênfase no tema local apresentado com linguagem
artística contemporânea) se daria nas obras empreendidas nas gestões do ex-governador
Ronaldo Lessa e da ex-prefeita Kátia Born
47
. Estes governos buscaram imprimir uma marca de
valorização de aspectos da cultura alagoana nos seus empreendimentos, seguindo as tendências
dos programas de revitalização urbana e qualificação da paisagem em voga no País e no
mundo. Daí a proliferação de esculturas patrocinadas pelo poder público que abordam temas da
cultura alagoana. Pode-se citar, a título de exemplo, as esculturas do “Corredor Cultural Vera
Arruda” e as obras do novo Aeroporto Zumbi dos Palmares (inaugurado em 2005), que serão
comentadas mais adiante.
Uma outra marca de tempos recentes (principalmente a partir do ano 2000) é a
implantação de esculturas patrocinadas por empresas privadas em espaços públicos, a título de
doações. Subentende-se, através dessas obras, que tais empresas valorizam e incentivam a arte
e a cultura locais, o que é benéfico em termos de publicidade para as mesmas, pois constrói-se
a imagem de empresas com “responsabilidade social”. É o caso do “chapéu de guerreiro” na
Praça Centenário, doado à cidade pelo Supermercado Via Box, do “pandeiro”, próximo ao
Shopping Iguatemi, doado por Tintas Ibratim, e da já citada Homenagem ao Filé, patrocinada
pela Brasken. Apesar de recentes, estas esculturas foram concebidas como referências
claramente identificáveis
48
de objetos concretos, como mimese. Mas estas são exceções entre
as obras implantadas nos últimos anos, quase todas esculturas abstratas.
Fig. 97, 98 e 99: “Homenagem ao Guerreiro”, Farol, e “Pandeiro”, Jatiúca (Fonte: FO, 2006 (97) e IP, 2005).
47
Pela quantidade de obras públicas, memoriais e esculturas implantadas, associadas a sua imagem, este gestor
público pode ser citado como uma espécie de “Sandoval Caju” deste período. Além do próprio Sandoval Caju,
um administrador público que também se destacou pelos mesmos motivos foi Divaldo Suruagy, que foi prefeito
e governador (várias administrações entre o final da década de 1960 e início da década de 1990).
48
A obra que faz referência à dança folclórica do guerreiro é de mais direta identificação local do que o pandeiro,
pois, apesar deste instrumento ser utilizado no pastoril, outra manifestação do folclore alagoano, ele se associa
mais fortemente ao samba. Acredita-se, entretanto, que a utilização de símbolos tão evidentes de forma
recorrente pode ser uma atitude equivocada, pois pode criar imagens fantasiosas, um pastiche da identidade local.
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No Olho da Rua - Dinâmicas da Arte Urbana em Maceió
103
Um exemplo significativo, que reforça a constatação da preferência, na última década,
por formas abstratas na concepção de esculturas públicas é o “Monumento ao Milênio”,
inaugurado em 2003. Seu local de implantação é no Dique-Estrada (bairro de Vergel do Lago),
às margens da Lagoa Mundaú. Este se configura como uma escultura de grande porte, que,
apesar de contar com um agenciamento paisagístico, parece se integrar pouco ao entorno. Sua
concepção plástica, em forma de dois septos de concreto que se entrecruzam, lembra alguns
dos trabalhos de Richard Serra, um dos primeiros artistas contemporâneos a trabalhar em
escala urbana. Este monumento recebeu críticas severas
49
devido ao montante investido em
sua construção, ao seu impacto ambiental, e ao contraste entre a imponência do monumento em
relação ao seu entorno, próximo a uma das áreas mais carentes de Maceió.
Questionou-se também quanto ao aporte simbólico da obra ao lugar, sobre a justificativa
da escolha do local e sobre a necessidade de uma mediação educativa visando a população do
bairro. Do mesmo modo que a obra de Serra comentada na primeira Seção, a presença desta
escultura parece ter gerado um conflito com os usuários do local. Mas, diferentemente do
acontecido em Nova York, aqui não se cogitou a sua remoção. O conflito se explicitou de
outro modo: através talvez da pouca apropriação simbólica pela cidade e por um outro tipo de
apropriação não prevista ou desejada no momento de sua concepção, ou seja, a pixação do
monumento, sua depredação e sua utilização como “banheiro público”. Questiona-se acerca
dos motivos de tal situação: esta foi ocasionada pela sua concepção formal abstrata/
minimalista? Pela sua escala? Pelos gastos públicos efetuados em sua construção? Pela escolha
do local implantado? Todos estes fatores parecem estar relacionados no impacto da obra sobre
o público, mas o que nos chama a atenção é que a concepção formal abstrata ainda aparece
como uma das causadoras do conflito, mesmo após mais de dez anos do aparecimento desta
linguagem nos espaços públicos de Maceió. A tensão provocada pela mesma fica patente na
declaração do presidente da federação de pescadores, Benedito Roque, referindo-se aos
49
Em reportagem no jornal Gazeta de Alagoas do dia 11/09/2005, expôs-se as principais queixas em relação à
construção deste monumento: “Há dois anos (no dia 16 de setembro de 2003), a localidade viu “nascer” o que
se transformaria no início de uma verdadeira polêmica: a construção de um monumento em homenagem ao
milênio. O que se questiona até hoje é a importância para a região e seus moradores, além da agressão ao meio
ambiente, já que o Estado não apresentou um projeto de estudo ambiental antes de iniciar as obras de
urbanização da orla lagunar, das quais a construção do monumento faz parte. A obra virou caso de Justiça
quando o Ministério Público notificou o Instituto do Meio Ambiente (IMA) a prestar explicações sobre a falta do
projeto de impacto ambiental. Para erguer o Monumento ao Milênio foram utilizados R$ 149 mil, de acordo com
o Serviço de Engenharia e Obras do Estado de Alagoas (Serveal). Todo o projeto de urbanização prevê gastos
da ordem de R$ 10 milhões. Hoje, passados dois anos da conclusão da obra, o que se vê é sua deterioração. O
monumento teve sua base quase toda rabiscada e a parte interna tem servido como banheiro público. As pedras
de mármore dos jardins que cercam a construção estão sendo arrancadas.“ Os próprios moradores daqui sujam
tudo”, diz o presidente da Federação de Pescadores de Alagoas, Benedito Roque da Costa, o Bida:“Eles não
estavam preparados para receber esse tipo de obra”, acredita.”
No Olho da Rua - Dinâmicas da Arte Urbana em Maceió SEÇÃO 3 - Arte Urbana “Oficial”: Esculturas Públicas
No Olho da Rua - Dinâmicas da Arte Urbana em Maceió
104
moradores do local: “Eles não estavam preparados para receber esse tipo de obra”.
Figs. 100 a 102: Vistas do Monumento ao Milênio e de sua placa de identificação, Dique-Estrada (IP, 2006).
O novo aeroporto internacional de Maceió, Zumbi dos Palmares, é digno de menção no
estudo deste período por abrigar em seu espaço a mais recente iniciativa do poder público de
construir um acervo de obras de artistas locais com temática preferencialmente voltada para a
cultura alagoana. Esta estratégia já havia sido efetuada também no Terminal Rodoviário de
Maceió, na Levada. Apesar de não se configurarem como espaços públicos a céu aberto, como
os outros casos analisados, aeroportos e rodoviárias são espaços destinados a uso público e
passíveis de visitação, além de comportar intensa circulação de pessoas. No caso do Aeroporto,
entretanto, várias das obras adquiridas foram instaladas em locais de uso restrito, tais como
terminais de embarque, o que impede o acesso a algumas obras de um público que esteja
interessado em conhecer esse acervo. Outro problema diz respeito à integração das obras com a
arquitetura
50
do aeroporto. Estes espaços não são concebidos para serem destinados
especificamente à exibição de obras de arte, devendo estas normalmente adequarem-se à
situação encontrada. Isto gera alguns conflitos, por exemplo: em alguns casos, o entorno
interfere na visualização dos trabalhos; em outros, o que se questiona é o conflito entre as
diferentes linguagens formais das obras e a concepção do edifício, o que por vezes resulta em
um efeito meramente decorativo. Ou seja: obras artísticas e projeto arquitetônico não
comungam de uma concepção conjunta, e o espaço passa a servir apenas como suporte e não
como elemento primordial de concepção das obras. Isto fere a idéia contemporânea de arte
urbana como obras concebidas para um lugar específico, que, em Maceió, já se havia tentado
50
Projeto do arquiteto Mário Aloísio Melo.
No Olho da Rua - Dinâmicas da Arte Urbana em Maceió SEÇÃO 3 - Arte Urbana “Oficial”: Esculturas Públicas
No Olho da Rua - Dinâmicas da Arte Urbana em Maceió
105
explorar nas obras do “Corredor Cultural Vera Arruda”
51
por alguns dos mesmos artistas com
obras presentes no aeroporto.
Figs. 103 e 104: Escultura de Zumbi e pintura no Aeroporto Internacional Zumbi dos Palmares (Fonte: IP
e FO, 2006).
Diante da diversidade das questões anteriormente colocadas, percebe-se que o acervo
de esculturas públicas de Maceió não se apresenta como um conjunto coeso. Antes,
corresponde a um repertório muito variado em termos de concepção e implantação. É patente a
irregularidade no apuro plástico, na adequação ao entorno e no impacto social das obras
levantadas. Entretanto, cada uma delas, em suas peculiaridades, conforma o tecido da cidade
como único. É esta estreita relação com a cidade e seus habitantes que as torna especiais.
51
Analisado na Seção quatro.
No Olho da Rua - Dinâmicas da Arte Urbana em Maceió SEÇÃO 4 - Arte Urbana “Oficial”: Memoriais
e Corredor Cultural
No Olho da Rua - Dinâmicas da Arte Urbana em Maceió
107
SEÇÃO 4 - ARTE URBANA “OFICIAL”:
MEMORIAIS E CORREDOR CULTURAL
Esta seção continua a focar o olhar nas intervenções patrocinadas pelo poder público
em termos de arte urbana. Mas aqui não se trata apenas da inserção de esculturas públicas em
espaços públicos comuns da cidade, ou seja, esculturas enquanto peças isoladas inseridas nos
espaços das praças e afins. O que se pretende enfocar aqui são a concepção e a construção de
espaços previamente destinados à exaltação da memória de personagens ou fatos. É certo que,
como a concepção desses espaços normalmente prevê a inserção de esculturas públicas, esta
categoria possui uma relação com a abordada anteriormente. Mas são as intervenções mais
recentes, implantadas nos últimos quatro anos, e que se destacam pela complexidade de seus
programas. Assim, temporalmente, esta categoria está inserida nas iniciativas de revitalização
urbana e de tematização da cultura local, ou seja, na última fase abordada anteriormente na
seção três. Serão três as obras analisadas: dois memoriais, “Memorial Teotônio Vilela” e
“Memorial da República”, e o “Corredor Cultural Vera Arruda”, três complexos paisagísticos
que também foram pensados para funcionar como “lugares de memória”. Fechando a análise
sobre a arte urbana “oficial”, abordada na seção três e na presente, discorreu-se sobre a
questão da manutenção dos espaços e das obras públicas e suas implicações.
4.1 - CORREDOR CULTURAL VERA ARRUDA
Trata-se de um empreendimento da municipalidade de Maceió, que consistiu em
construir um parque de esculturas e memorial que recebeu a denominação de “Corredor
Cultural Vera Arruda”. Esta iniciativa se destaca pela complexidade de seu programa, pela
grande dimensão da área de implantação e pelo envolvimento de profissionais de diversas
áreas em sua concepção. A construção desse equipamento urbano de uso público, não
obstante recente, evidencia o fato de que a área
1
vem se configurando como atração turística,
além de ter estimulado uma valorização imobiliária que fez aumentar o preço dos imóveis
vizinhos ao “corredor”
2
. Assim, é palpável uma geração de capital econômico advindo do
incremento do “capital cultural” daquela área da cidade, no caso, investimentos públicos
voltados para a criação de um espaço que põe em evidência aspectos da cultura local. Visto
que a área ocupada por este empreendimento era caracterizada como um local de pouco uso,
sem nenhuma estrutura, e que a partir de sua estruturação este espaço passou a fazer parte do
1
Localizada na orla de Jatiúca.
2
Segundo depoimento de alguns corretores imobiliários consultados em dezembro de 2004.
No Olho da Rua - Dinâmicas da Arte Urbana em Maceió SEÇÃO 4 - Arte Urbana “Oficial”: Memoriais
e Corredor Cultural
No Olho da Rua - Dinâmicas da Arte Urbana em Maceió
108
circuito cultural da cidade, a intenção nos parece em muito transcender a de uma implantação
de uma praça comum. Trata-se de um empreendimento cultural que ambicionou redefinir e
reforçar aspectos da cultura local.
Figs. 105 e 106: Layout da planta e o Corredor Cultural Vera Arruda à noite (Fontes: TM e
WWW.gazetaweb.globo.com
, 2004).
No Olho da Rua - Dinâmicas da Arte Urbana em Maceió SEÇÃO 4 - Arte Urbana “Oficial”: Memoriais
e Corredor Cultural
No Olho da Rua - Dinâmicas da Arte Urbana em Maceió
109
A faixa destinada à implantação do “Corredor” constitui o espaço central comunitário do
loteamento Stella Maris
3
, bairro de Jatiúca, que data do ano de 1976. A área verde central
onde o mesmo foi implantado correspondia a duas faixas retilíneas de 20.000m² e 22.430 m²,
uma com dimensões de 40 x 500m e outra de 40 x 560m. O sistema viário implantado tinha
como característica marcante na sua configuração a de permitir apenas o tráfego local
residencial. Desse modo, as ruas foram concebidas como “sem-saída”, dispondo de retornos
em cul-de-sac localizados junto à grande faixa de área verde situada no centro da gleba. Essa
faixa de domínio público sobre a qual foi implantado o Corredor Cultural Vera Arruda foi
pensada para integrar todo o loteamento com uma extensa faixa para uso de pedestres, sendo
interrompida em dois pontos com a passagem das duas vias onde se localizariam os
estabelecimentos comerciais. Para essa área central, foram destinados dois projetos de
ajardinamento e arborização, denominados respectivamente Jardim Juscelino Kubitschek de
Oliveira e Jardim Frei Damião Bozano
,
que não foram implantados, passando esta área mais
de 10 anos como um vazio urbano onde havia apenas a presença de algumas poucas espécies
arbóreas plantadas. Além disso, ocorria acúmulo de lixo no local e havia um sentimento de
insegurança dos eventuais usuários em ser vitimados de roubos ou agressões. Enfim, a área
verde deixada ao abandono havia se tornado um “estorvo” e fonte de insatisfação para os
moradores locais.
A implantação do “Corredor Cultural Vera Arruda” neste local pode então ser
considerada uma vitória conquistada pela associação de moradores do loteamento, que há
anos vinha solicitando junto à Prefeitura uma solução urbanística para o espaço. No projeto
paisagístico, de autoria das arquitetas Tatiane Macedo e Rosa Elena T. de Castro Nogueira,
propô-se uma grande praça onde teria lugar privilegiado os passeios e espaços destinados a
atividades físicas (caminhadas, ciclovia, baby-place, play-ground, equipamentos para
fisiculturismo e teatro de arena) e culturais como uma exposição permanente de esculturas e
painéis biográficos que reverenciam personalidades da história cultural de Alagoas.
O processo da criação do Corredor Cultural Vera Arruda pode ter sido engendrado
na confluência de distintas determinações, não antagônicas. Ele pode ter sido criado como
resposta a uma demanda de setores interessados na valorização econômica dos imóveis
localizados na proximidade. Por outra parte, a iniciativa da sua construção respondeu a
demandas antigas dos moradores do local no sentido de se implantar a praça prevista no
3
Dados sobre o loteamento Stella Maris obtidos através da colaboração dos bolsistas do grupo de estudos
Morfologia dos Espaços Públicos (MEP), junto com o qual foi elaborado trabalho aceito no XI ENA/ANPUR
(Salvador, 2005), intitulado: “A arte nos espaços urbanos de uso público: o caso do Corredor Cultural Vera
Arruda, em Maceió”. Orientador e co-autor: Geraldo Faria. O trabalho completo consta nos anais do congresso.
No Olho da Rua - Dinâmicas da Arte Urbana em Maceió SEÇÃO 4 - Arte Urbana “Oficial”: Memoriais
e Corredor Cultural
No Olho da Rua - Dinâmicas da Arte Urbana em Maceió
110
projeto original do loteamento. Porém nenhuma dessas demandas implica necessariamente a
forma final que veio a ter. Para se compreender isso é fundamental ampliar o âmbito dos
atores envolvidos e a dinâmica sócio-cultural subjacente a determinados investimentos
públicos. O resultado final parece corresponder a distintas respostas a todos esses níveis e
âmbitos de demandas e de necessidades postas pelo processo de urbanização numa área
valorizada da cidade. A ambigüidade resultante da superposição de funções permite um leque
maior de possibilidades de uso
,
ampliando dessa maneira o perfil do público a quem se
destina.
A concepção e a implantação do “Corredor Cultural Vera Arruda” foram executadas
pelo poder público municipal. Pode-se, inicialmente, entendê-las como tendo o objetivo de
democratizar o acesso à cultura (ou à arte) erudita, que usualmente é limitado, exposta ou
praticada em locais fechados, institucionais
,
de freqüência reservada à elite local. Entende-se
que o projeto parte de uma concepção das artes como bem cultural acessível a todos, o que é
em si mesmo louvável enquanto intencionalidade. Todavia, como qualquer iniciativa no
campo cultural
,
essa também deve estar associada a interesses econômicos e políticos,
particularmente em relação aos possíveis impactos do projeto concebido sobre a opinião
pública, uma vez que tais obras são exaustivamente exploradas em campanhas publicitárias de
gestões públicas veiculadas em diversas mídias, além da comentada valorização imobiliária
da área em questão.
A concepção deste espaço como um “corredor cultural” comportou, ao que parece,
algo de imitação de iniciativas levadas a efeito em outros lugares seguindo, portanto, posturas
universalmente difundidas em termos de políticas públicas e programas urbanísticos. Chama
atenção a preocupação em classificar o empreendimento com a mesma denominação adotada
para experiências diferentes
,
revelando assim uma postura resultante da repetição de
experiências importadas. É importante observar que várias cidades brasileiras possuem
corredores culturais ou algo similar
4
. Entretanto a concepção destes espaços difere bastante de
cidade para cidade. O corredor do Rio de Janeiro, por exemplo, consiste em uma grande área
do centro histórico que sofreu intervenções em vários níveis, com partes restauradas e
revitalizadas, e também com a implantação de museus, galerias e centros culturais,
concebendo-o como uma espécie de circuito de atrações culturais. Entretanto, o mais habitual
é a concentração dos “corredores culturais” em áreas menores, quase sempre nos bairros
históricos. No caso de Maceió, o corredor cultural não se localiza em um bairro histórico. Ele
4
Exemplos: Natal, Florianópolis, Belo Horizonte, São Paulo, Fortaleza, Salvador, Curitiba e cidades do interior
do Estado de São Paulo.
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e Corredor Cultural
No Olho da Rua - Dinâmicas da Arte Urbana em Maceió
111
foi concebido para ser uma grande praça adornada com nove esculturas, dezessete painéis
(cada um deles homenageando personalidades da cultura local), além de diversos outros
equipamentos destinados à fruição dos passantes tais como caramanchões, bancos, jardins,
paginações de piso, teatro de arena. Nela, o aporte financeiro e simbólico superou o que se
tem normalmente investido em outras praças da cidade, à exceção talvez da grande orla
litorânea. Por isto, de certa forma o programa do corredor transcendeu o de um equipamento
dessa natureza ou de uma área verde, apresentando-se como um equipamento realmente
diferente, de outro grau de qualidade e intencionalidade.
Também chama a atenção a sua grande extensão e a sua forma, que lembra a de um
“passeio” ou grande área de uso exclusivo de pedestres, como existem algumas famosas no
mundo, margeada por edifícios residenciais. Em uma de suas extremidades está o mar, forte
elemento de referência identitária da cidade com o qual este espaço procura talvez dialogar.
Na outra extremidade, tem-se uma rua que se consolida como um dos mais fortes pólos de
bares e restaurantes de Maceió, e que responde por uma parte dos locais de entretenimento na
área. A área implantada corresponde apenas à primeira fase do projeto, que prevê estender o
corredor por uma superfície de igual tamanho, duplicando-a, chegando próximo ao Shopping
Center Iguatemi
5
.
Num certo sentido pode ser considerada como sintomática a correlação entre o programa
do corredor cultural de Maceió e uma outra tendência do urbanismo contemporâneo que é a
de buscar, espacial e funcionalmente associar e integrar num mesmo circuito diferentes
equipamentos urbanos que se encontram dispersos na malha. No caso, conscientemente ou
não, o novo equipamento cultural e de lazer interliga, de uma parte a outra, os diferentes usos,
a saber: a praia, o espaço cultural e os bares e, talvez, futuramente, o shopping center.
Featherstone (1995,145) chama a atenção para a similaridade de fundamentos entre estes
equipamentos no que diz respeito às experiências urbanas:
“Existem características comuns entre os shoppings centers, grandes
galerias, museus, parques temáticos e experiências turísticas na cidade
contemporânea, nos quais a desordem cultural e o ecletismo estilístico
tornam-se aspectos comuns de espaços onde se pretende construir o
consumo e o lazer como experiências”.
A ênfase no aspecto lúdico da vivência citadina, na experiência exploratória e no
prazer transitório promove então uma equiparação dos diferentes níveis de apreensão cultural.
O próprio consumo é elevado ao nível de experiência cultural, onde o valor simbólico
transcende enormemente o valor real das coisas. O Corredor Cultural Vera Arruda pode então
5
Entretanto, passados alguns anos de sua inauguração, ainda não há sinais de que isto venha a se concretizar.
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e Corredor Cultural
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112
ser compreendido como um elo entre diferentes experiências “turístico-culturais” voltadas
para o consumo, presentes neste setor da cidade, estimulando de forma direcionada o
movimento exploratório dos passantes e enfatizando o seu aspecto de circuito que se realiza
concretamente através do conceito de corredor ou passagem.
Mas o próprio eixo de circulação foi entremeado e organizado didaticamente com
elementos de forte apelo cultural: esculturas e painéis biográficos de personalidades da
história local, nacional e internacional de naturalidade alagoana. Em si mesmas, esculturas e
placas de homenagem não são novidades e, de longa data, fazem parte de programas de ação
paisagística em espaços abertos destinados ao uso público, como já foi discutido. Também
não constitui novidade, seja na pequena ou na grande escala urbana, a utilização desses ou de
outros elementos como marcos de organização de um espaço que é oferecido à fruição na
forma de um percurso ou passagem. Pode-se então questionar o que se buscava com os
elementos utilizados em termos de conformação do corredor de Maceió e,
em conseqüência,
os efeitos que efetivamente se pretendia que provocassem. Pode-se supor que o resultado
inicial que se buscava com o corredor cultural era a de se criar uma área de lazer simples,
talvez como tantas outras da cidade
,
atendendo-se à principal reivindicação da associação de
moradores do bairro. Porém, com a inclusão no programa de um número expressivo de
elementos de apelo cultural, terminou-se por se criar uma espécie de lugar indefinido, meio
ambíguo, que ora pode ser entendido como uma área de lazer, ora como lugar de culto e
reverência às qualidades de um “ser alagoano”, enfatizadas aqui e ali nas biografias e
panegírios.
Essas qualidades que, em síntese, elevariam o “ser alagoano” a um alto grau em
termos de criatividade e engenho humano seriam evidenciadas através das importantes
contribuições que alguns dos membros da sociedade local empreenderam para o progresso da
humanidade ou, simplesmente localmente. Essa contribuição é enfatizada nos panegírios
dedicados a cada um dos personagens. As dezessete personalidades homenageadas no espaço
do corredor foram agrupadas segundo o campo de atuação em que cada uma delas se
distinguiu profissionalmente - artes plásticas, música, literatura, ciências sociais, ciências da
saúde.
Uma das polêmicas em torno do projeto ocorreu em relação à seleção dos notáveis a
terem seus painéis biográficos inseridos. Para esta seleção, a curadora artística formou uma
comissão de personalidades, em sua maioria membros do Conselho Estadual de Cultura e da
Academia Alagoana de Letras. Muitos foram os nomes levantados. Para restringir a lista,
estabeleceram-se dois critérios: a naturalidade alagoana e o falecimento tendo ocorrido até o
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e Corredor Cultural
No Olho da Rua - Dinâmicas da Arte Urbana em Maceió
113
século XX
6
.
Fig. 107: Um dos conjuntos de painéis biográficos, dedicados aos escritores alagoanos
Graciliano Ramos,
Jorge de Lima e Aurélio Buarque de Holanda (Fonte: WWW.gazetaweb.globo.com
, 2004).
Nove esculturas foram produzidas exclusivamente para servir de elementos focais no
espaço do corredor, e a cada grupo foi associada uma obra que propõe representá-lo
simbolicamente, engrandecendo-o por meio de uma linguagem estética elaborada.Os artistas -
fato inédito na cidade - tiveram de resolver plasticamente a relação obra-espaço urbano
trabalhando a sua implantação em coordenação com as arquitetas paisagistas e com a curadora
de arte. Foi encomendado aos artistas que produzissem obras que se articulassem
conceitualmente com os painéis que conteriam a imagem de cada uma das personalidades e os
textos biográficos. Assim, por exemplo, uma das esculturas propõe representar esteticamente
a complexidade do fazer literário, de modo a articular a contribuição de Graciliano Ramos,
Aurélio Buarque de Holanda, Jorge de Lima, alagoanos que se destacaram neste campo, tanto
em nível nacional como internacional. Outra pretende representar a arte musical e
homenagear os alagoanos ilustres da música, outra ainda as artes visuais, e assim por diante.
6
Todos os personagens selecionados se enquadram nesses critérios, com exceção da personalidade escolhida
para batizar a praça: Vera Arruda. Esta estilista alagoana, que alcançou projeção nacional, veio a falecer em
2004, aproximadamente dois meses antes da inauguração do espaço Isto indica que seu nome foi escolhido em
meio à comoção causada pelo seu abrupto falecimento, por câncer, aos 37 anos. Enquanto estilista, ela se
destacou pela pratica de inserir, em suas criações elementos do artesanato local como a renda, o filé, a palha, os
fitilhos e os espelhos do chapéu de guerreiro. Isto, segundo a curadora Mirna Porto, denota sua preocupação em
pensar elementos da identidade local e sua vontade de exaltar o “orgulho alagoano”. A sua obra mais conhecida
é um vestido que cita as formas e cores da bandeira nacional. Estranhamente, quase não há referências a ela no
corredor. A maioria da população pouco ouviu falar em seu nome. Isto acontece porque, como a maior parte dos
notáveis alagoanos, ela só veio a alcançar reconhecimento e notoriedade quando se mudou para trabalhar no eixo
São Paulo - Rio de Janeiro. As reações da população aos painéis biográficos, levantadas em entrevistas in loco
por esta pesquisadora logo após a inauguração deste espaço, em 2004, confirma que muitos desconheciam que
personalidades como Nise da Silveira e Aurélio Buarque de Holanda eram alagoanos.
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114
Figs. 108, 109 e 110: Algumas esculturas do “Corredor” . Artistas: 1-Vera Gama, 2- Maria Amélia e
Dalton Costa, 3- Beto Normande (Fonte: IP, 2004).
Fig. 111: Vista do Corredor mostrando integração visual entre esculturas e painéis (Fonte:
WWW.gazetaweb.globo.com
, 2004).
No corredor, uma das obras alia as duas modalidades de expressão visual: pintura e
escultura. É uma das que maior impacto pareceu produzir junto ao público
7
. Trata-se do
trabalho do artista plástico Delson Uchôa, constituindo-se de um painel curvo formado por
cilindros de concreto, minuciosamente pintado com cores vivas de tinta fluorescente. Relata o
artista de sua intenção de fazer uma mimesis do “curral”, espécie de grande armadilha de
7
Delson Uchoa, conforme consta na seção 1, é um artista importante para Alagoas porque é o que mais
ativamente tem participado de movimentos estéticos na cena artística contemporânea brasileira. Em relação ao
corredor, também foi um dos poucos a construir e a pintar a sua obra no local, o que o permitiu ter uma maior
noção das possibilidades de interação obra/espaço público, e dos elementos físicos e simbólicos com os quais
haveria de se confrontar. A sua iniciativa de produzir a obra no local atraiu a atenção dos passantes e causou
também reações, podendo também ser considerada como uma espécie de "happening urbano". Da mesma forma,
também se pode destacar a iniciativa do artista plástico Beto Normande, que construiu sua obra em homenagem
à Nise da Silveira com a colaboração de deficientes mentais de uma instituição de Maceió, ilustrando o ideal da
homenageada.
No Olho da Rua - Dinâmicas da Arte Urbana em Maceió SEÇÃO 4 - Arte Urbana “Oficial”: Memoriais
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115
pesca litorânea típica da região. Nesse curral de cilindros, esclarece o artista, o “olhar” é que
seria aprisionado. Ele também não se furta de evidenciar na sua fala a sua preocupação em
representar aspectos da identidade local como um dado fundamental deste trabalho especifico
assim como de toda a sua obra.
Figs. 112, 113 e 114 : Vista aérea do corredor e vistas diurna e noturna de “Caiçara”, obra de Delson Uchôa
(Fontes: IP, WWW.gazetaweb.globo,com
(112 e 113) e CB, 2004 (114)).
Localizada no início do percurso e servindo de pano de fundo ao teatro de arena, esta
obra funciona como uma espécie de portal de entrada do corredor que esconde -mas também
sugere - o que se pode encontrar na seqüência, tal qual o átrio de um templo com sua portada
monumental. Ultrapassando-se esse “portal”, adentra-se ao corredor propriamente dito ao
longo do qual estão dispostos ora os distintos ambientes temáticos, com seus objetos que são
oferecidos na forma de conteúdos culturais a serem apropriados como exemplos do “ser
alagoano”, ora como ambientes a serem desfrutados apenas como jardim ou como
dispositivos destinados ao lazer Essa dupla possibilidade de uso sugere uma ambigüidade de
orientações de comportamento que tem de ser resolvida tão somente pelo usuário: ou bem ele
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se descontrai e usufrui o corredor como área de lazer, ou bem se comporta como num recinto
sagrado. O traçado sinuoso, quase labiríntico, do trajeto foi o recurso utilizado para atenuar a
marcante retilinearidade da área. Simultaneamente, este recurso permitiu realçar cada um dos
ambientes como etapas diferentes de um mesmo percurso,
não só na forma como no conteúdo,
cada um deles individualizado por uma escultura e um conjunto específico de painéis.
Assim, algumas imagens foram criadas (esculturas
inspiradas em aspectos da cultura
alagoana) e outras resgatadas (painéis com figuras ilustres). Chama então atenção a ênfase na
dominância memorialista que se atribuiu ao equipamento. Para além de sua presença física,
tais marcos funcionam, sobretudo, como imagens que invocam uma idéia abstrata do “ser
alagoano”. Este não pode ser entendido como uma simples galeria de obras de arte, pois nele
estão expostas indicações exemplares de como “ser alagoano” notável. Trata-se de uma
espécie de memorial organizado à maneira do caminho ritualístico, com suas “estações” (os
campos de ação profissional ou criadora), nas quais os textos biográficos procuram elevar e
referenciar cada uma das personalidades ao seu altar específico (as esculturas). O modo de se
fazer isso diferiu da prática usual que consiste em homenagear individualmente cada
personagem em distintos logradouros da cidade - nome de rua, busto na praça, nome de
edifício público - além dos exemplos mencionados. Consistiu em construir um simulacro de
“panteão” na forma de um parque “memorial”, no qual esculturas e painéis que retratam a
biografia e o papel desempenhado por cada um deles são dispostos em ambientes temáticos ao
longo do trajeto.
Fig. 115: Jardim do Corredor Cultural, no lado oposto à praia (Fonte: FO, 2006).
4.2 - OS MEMORIAIS
Empreendidos pelo poder público, os espaços cívicos denominados “memoriais”
possuem muitas vezes um caráter austero e desconectado da vizinhança em que se inserem.
Geralmente, uma polêmica se instaura em torno da implantação desses equipamentos, por
várias questões, mas, normalmente, porque estes envolvem uma vultosa soma de recursos
públicos investida neles. Em se tratando de uma cidade com altos índices de concentração de
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pobreza, pesa um sentido de prioridade ao direcionamento assistencial na destinação de tais
recursos. Além disso, os governantes, sejam municipais ou estaduais, não demonstram pudor
em associar suas imagens a tais realizações, às vezes com claros fins eleitoreiros. É verdade
que a arte urbana cívica, de cunho “oficial”, sempre serviu como marca pessoal dos
governantes no espaço, mas, devido a sua massiva exploração nos meios de comunicação
através de peças publicitárias, esta relação aparece atualmente mais exacerbada. Mesmo que
sua concepção e implantação possam vir a gerar polêmica, estes espaços monumentais passam
a existir efetivamente na cidade e a exercer relações com os seus habitantes.
Apesar das implicações políticas relacionadas, enfatize-se que aqui não se quer analisar
estes espaços deste ponto de vista, nem empreender uma crítica ao trabalho dos arquitetos.
Questiona-se, aqui, sobre a integração de tais empreendimentos ao espaço da cidade, bem
como as mensagens simbólicas veiculadas ao público a partir dele, ou seja, acerca de sua
funcionalidade prática e simbólica.
4.2.1 - MEMORIAL DA REPÚBLICA
A iniciativa implantada mais recentemente e talvez a mais representativa desta categoria
é o espaço a que se chamou “Memorial da República”. Empreendido pelo governo de
Ronaldo Lessa, com projeto do arquiteto Alex Barbosa, sua construção foi embargada por
diversas vezes devido ao fato de o mesmo se localizar na faixa de areia da praia de Jaraguá -
logo, terreno do patrimônio da União, terreno de marinha
8
. Mas o governo terminou por
conseguir inaugurar o espaço em 15/11/2005, conforme havia anunciado. Este espaço, entre
outras realizações, virou emblema para a gestão deste governo, sob o bordão “Alagoas no
rumo certo”, sendo sua imagem espalhada em outdoors por toda a cidade.
Fig. 116: vista aérea da construção do Memorial, obra embargada diversas vezes (Fonte:
WWW.gazetaweb.globo.com, 2005).
8
“O Ministério Público (MP) Federal ajuizou uma Ação Civil Pública que desencadearia uma “queda-de-
braço” entre Estado e MP. A ação foi ajuizada pela procuradora federal Niedja Kaspary e resultou, no dia 25
de julho, em ordem judicial de paralisação da obra por decisão da 4ª Vara Federal de Alagoas. A Justiça
também fixou multa diária de R$ 10 mil pelo descumprimento da ordem judicial. A construção da obra fere “o
Artigo 20 da Constituição Federal, por ocupar terreno de Marinha cedido pelo governo federal ao município de
Maceió e onde não poderia ser erguido outro tipo de construção, a não ser aquelas especificadas no projeto
enviado pelo próprio município à União, ou seja, a reurbanização de Jaraguá e estacionamentos”.
Fonte: Jornal Gazeta de Alagoas, Cidades, 11/09/2005.
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Arquitetonicamente, Trata-se de uma plataforma elíptica elevada acessada por rampas,
que reúne: nas laterais esquerda e direita as esculturas em bronze dos marechais Deodoro da
Fonseca e Floriano Peixoto; defronte ao mar, um plano de mastros com bandeiras hasteadas
de todos os estados da Federação. A impressão de “espaço oficial”, onde se adentra com certa
reverência cívica, é acentuada pela sua dimensão e pelos elementos simbólicos utilizados.
Esta configuração é semelhante à utilizada na Praça Floriano Peixoto, que possui também
uma fileira de bandeiras e uma estátua de Floriano Peixoto. Entretanto, tal configuração
emoldura a antiga sede do Palácio do Governo, explicitando a sua função de espaço cívico,
sede do governo estadual, no centro da cidade. No caso deste memorial, sua implantação
defronte ao mar parece tornar ambígua a relação entre a solenidade que se espera de um
monumento e o deslumbramento provocado pela paisagem. Acredita-se que o arquiteto
tentou lidar com esta questão assumindo o contexto e deixando-o transparecer através da
simplicidade das linhas do projeto, na medida em que, uma vez adentrando-o, a paisagem
natural que se descortina do mesmo destaca-se mais do que o próprio espaço criado. Por
outro lado, quando se mira o memorial do nível da rua, o que se acentua é sua posição de
destaque em relação ao entorno. Fica-se com a impressão de que este é mais um “cenário” na
cidade, que se impõe ao olhar.
Diante destas observações, levantam-se algumas hipóteses sobre as possibilidades
funcionais de tal lugar: espaço para ritos cívicos, comemorações oficiais? Ponto turístico?
Composição cênica para ser apreciada ao se passar pela via pública? Espécie de praça
elevada? Isto nos fornece pistas acerca das possíveis relações da população com o espaço:
este é para ser admirado (pela “monumentalidade” do espaço), despertar o orgulho dos
habitantes (pela referência ao papel dos alagoanos na proclamação e manutenção da república
federativa), servir como parada turística obrigatória em city tours pela cidade, fotografado,
entre outras funções. Mas nos parece que este não foi efetivado como espaço vivencial, de
estímulo à sociabilidade, à integração da população, como uma “praça”, enfim.
Figs. 117 e 118: O hasteamento de bandeiras no Memorial da República e na Praça Floriano Peixoto
(Fontes: MA e IP, 2006).
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Figs. 119 e 120: Vistas da plataforma e as estátuas de Floriano Peixoto e de Deodoro da Fonseca (Fontes:
FO e MA, 2006).
No subsolo do Memorial criou-se um espaço destinado para museu, mas cujo acervo é ainda
reduzido
9
. O fato de não haver ainda um acervo consistente a ser visitado prejudica a sua
função primeira, que é a de servir como referência de memória:
“A construção de um memorial segue não só uma motivação comemorativa,
mas a necessidade de criação de um centro de documentação para o
fomento do estudo dos fatos que lhe são pertinentes.”
10
Um memorial, apesar desta denominação, corre o risco de servir menos como referência
de memória e mais como marco visível do jogo de poder, caso não se integre à vida na cidade
e seja ignorado pela população. Também deve este dialogar com o contexto urbano no qual se
insere, provocando mudanças positivas no seu entorno, seja do viés da infra-estrutura, seja
estabelecendo ações que integrem a população local. Este empreendimento, entretanto, parece
ter acentuado um conflito já existente no local: 200 metros adiante do Memorial, também à
beira-mar, encontra-se uma favela. Atualmente, os moradores de tal espaço se encontram em
querela com o poder público municipal, que pleiteia a remoção da população para outra área,
no bairro de Pontal da Barra
11
. Esta favela, para o poder público, configura um ponto de
contraste no cenário turístico que Jaraguá vem se tornando. Segundo o atual prefeito, Cícero
Almeida:
9
Prevê-se a instalação de um acervo proveniente do Museu da República, no Rio de Janeiro.
10
OITICICA FILHO, 2006, 55.
11
Quando da revitalização do Jaraguá, em 1998, a prefeitura da época já havia deslocado parte dessa população
para a periferia (conjuntos Carminha e Freitas Neto, no Tabuleiro do Martins) e derrubado barracos, prometendo
reconstruir este espaço com casas de alvenaria e transformando-o em uma vila de pesca e artesanato, conforme
previsto no projeto de revitalização. Entretanto, o projeto não chegou a ser executado. Por viverem da pesca, os
antigos moradores (a favela existe há cerca de 60 anos) voltaram para o mesmo lugar e o reconstruíram de forma
ainda mais precária. A ação está tramitando no Ministério Público Federal e na Auditoria Geral da União, que
vão mediar o embate entre os moradores da favela de Jaraguá e a Prefeitura de Maceió.
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“O interesse dos que fazem oposição à administração é que a favela fique
ali mesmo. (...) O que está interferindo... Nós temos a intenção de fazer o
melhor por Jaraguá. Queremos o melhor, queremos que Jaraguá seja o
nosso ponto turístico, atrativo, o nosso cartão de visita.”
12
A explicação oficial para justificar a retirada da população é de que se trata de uma área
da União, considerada de risco, onde estão instalados oleodutos da Petrobras no subsolo.
Entretanto, fica claro na fala do prefeito a intenção de tornar a área o “cartão postal” da
cidade, no qual o Memorial é um dos pontos focais. Parece-nos uma visão questionável tratar
a favela como uma “mácula” na área, propondo uma nova expulsão da população local aos
moldes dos processos de gentrification americanos. Tal visão estimula sobretudo um
mascaramento da pobreza e a exclusão social. A nosso ver, deve-se analisar a real pertinência
dos argumentos do poder público quanto aos perigos da existência de habitação no local, pois
a transferência impositiva de população é um processo traumático que deve ser evitado devido
a todas as implicações decorrentes. Em termos urbanísticos, é possível e desejável trabalhar a
sua estruturação, integração visual e acessibilidade em relação ao entorno, e a sustentabilidade
da área
13
. A construção do Memorial à República deveria ser justamente o fator de estímulo
para essas mudanças.
Figs. 121, 122 e 123: A Favela de Jaraguá e crianças no Memorial: de ponto turístico à necessidade de
estímulo à sociabilidade e à integração social dos moradores da favela vizinha (Fonte: IP, 2006).
12
Entrevista ao jornal Gazeta de Alagoas em 23/11/2005, seção Política.
13
A balança de peixes, por exemplo, poderia ser estruturada de forma a atrair a população local, enquanto que o
artesanato poderia ser estimulado, já que se trata de um bairro de vocação turística que conta já com um pavilhão
de artesanato do SEBRAE.
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4.2.2 - MEMORIAL TEOTÔNIO VILELA
Outro empreendimento público que também vem levantando questionamentos é o
“Memorial Teotônio Vilela”. Este importante personagem da história política nacional
ganhou, além de um busto na Praia de Jatiúca,
uma vigorosa estrutura composta de uma forma
escultórica em concreto pintado de branco, que serve de pedestal para uma escultura em
bronze de corpo inteiro do falecido senador alagoano. O croqui da concepção original foi
desenhado por Oscar Niemeyer
14
, sendo notória sua semelhança com a conhecida escultura do
memorial JK, também de Niemeyer, em Brasília. Na verdade, o arquiteto elaborou o croqui na
década de 1980, sendo a edificação prevista para ser implantada em um outro terreno, na
Levada, onde se construiria uma estrutura maior, abarcando um programa mais complexo.
Este projeto ficou arquivado até a decisão do ex-governador Ronaldo Lessa de efetivá-lo.
Nesse ínterim, decidiu-se transpor o projeto para uma área mais “turística”.
Figs. 124 e 125: Vistas comparativas do Memorial JK, em Brasília (à esquerda) e do croqui de Niemeyer
para o Memorial Teotônio Vilela, em Maceió (Fontes: WWW. Memorialjk.com.br e IP, 2005).
Essa estrutura escultórica se encontra elevada do solo a cinco metros, sobre um
terrapleno cortado em taludes formando um tronco de pirâmide. Um espelho d’água quadrado
isola o conjunto. Este elemento
,
por se localizar no alto, não é visto pelos passantes, sendo
perceptível apenas em vista aérea, o que faz supor que a intenção de Niemeyer era propor um
“teto alagado” que minimizasse a incidência de calor na laje
15
. O espelho d`água deveria
alimentar uma cascata, o que resultaria em um constante bombeamento da água. Entretanto,
este sistema não chegou a ser ativado e o enorme tanque de água parada virou um foco de
mosquitos. Após inúmeras reclamações por parte dos moradores próximos ao Memorial, o
polêmico espelho d´água foi esvaziado e cedeu espaço a um jardim, onde foram instalados
bancos, sendo este novo ambiente de estar acessado por uma escada instalada como acréscimo
14
O projeto de execução ficou sob encargo do escritório do arquiteto Mário Aloísio Melo.
15
Segundo entrevista do arquiteto e professor da UFAL Alexandre Toledo ao jornal Gazeta de Alagoas.
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posterior. Adentrando no interior do monumento, encontra-se uma sala onde se vê um vitral
com as cores verde e amarelo. Também neste espaço, o acervo a ser visitado é pouco
expressivo. Isto recai no mesmo problema comentado anteriormente acerca da falta de
referências de memória e pesquisa, função primeira de um “memorial”
16
.
Assim como o “Memorial da República”, o “Memorial Teotônio Vilela” também foi
instalado de frente para o mar, em terreno de marinha, e teve sua obra embargada por diversas
vezes, mas o problema também foi contornado e sua obra efetivada. O fato de todo o conjunto
escultórico estar voltado “de costas” para o mar, impedindo sua vista com o talude, levantou
questionamentos acerca de sua proporcionalidade em relação ao entorno. É um monumento
que se impõe ao olhar, entrando em conflito com a diversidade de elementos preexistentes em
seu contexto: edifícios, arborização, trânsito de veículos, o mar. Em comparação com o
Memorial JK, em Brasília, o qual pode ser observado à distância e cujas linhas recortam-se no
céu sem obstáculos, percebe-se que formas semelhantes, dependendo do contexto, podem
resultar em apreensões visuais muito distintas.
Figs. 126,127 e 128: O Memorial Teotônio Vilela, o layout de implantação e a escultura em bronze (Fontes:
FO, IP e MA, 2006).
Figs. 129 e 130: Vistas frontal e posterior do Memorial Teotônio Vilela (Fonte: MA, 2006).
16
No caso de Teotônio Vilela, existe também uma fundação com seu nome que talvez possua em seus arquivos
dados que possibilitem uma pesquisa aprofundada.
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4.3 – BALANÇO
4.3.1 - DA MANUTENÇÃO DOS ESPAÇOS E DAS OBRAS PÚBLICAS
Este item pretende discutir a questão da manutenção dos espaços públicos como
análise complementar às seções três e quatro. Tratando-se de arte urbana “oficial”,
empreendida pelas gestões públicas, não basta executá-las, mas também considerá-las como
equipamentos urbanos que necessitam de manutenção periódica.
Observando-se o estado em que se encontra atualmente parte das praças citadas, pode-
se constatar certo descaso do poder público para com a necessidade de manutenção dos
espaços de sociabilidade da cidade. Talvez o estado de degradação desses espaços públicos
incentive a desvalorização das próprias obras neles contidas, e até mesmo o vandalismo que
vem acontecendo em algumas das praças de Maceió, tendo como alvo principal suas
esculturas, como no citado caso do “Mijãozinho”. Houveram denúncias sobre peças de bronze
ou ferro fundido derretidas e vendidas no “mercado negro”. Outras obras de pedra ou concreto
são pichadas e depredadas. A maior parte, entretanto, sucumbe mesmo pela simples
degradação no tempo e pelo descuido.
Parece-nos que a aparente inexpressividade do espaço público de Maceió em termos
de obras artísticas seja já conseqüência dessa degradação física dos espaços, tendo como
conseqüência o esvaziamento do lugar, a ausência de pessoas interagindo nas praças. A perda
de suas características ao longo do tempo pode ser observada em dois exemplos, comparando-
se imagens antigas e atuais: mesmo que seja evidente a adoção de modelos importados na sua
versão original, em especial do modelo paisagístico francês, é inegável que estes espaços
antes eram utilizados pelas pessoas, enquanto que atualmente privilegiam-se as vias de acesso
e o estacionamento de veículos: a transformação dos espaços públicos em meras vias de
passagem, como disse Sennet (1989) em sua obra sobre o declínio do homem público
17
.
Recentemente, mais precisamente nos quatro últimos anos, sente-se uma reviravolta
neste processo com a implantação em Maceió de novos espaços públicos ambicionando um
tratamento artístico, um reforço da “identidade” local e um estímulo à articulação de
sociabilidades. Pode-se destacar principalmente a construção dos memoriais Teotônio Vilela e
da República, a revitalização das orlas marítima e lagunar, a implantação do “Corredor
Cultural Vera Arruda” e o tratamento “artístico”dado à nova passagem de nível do Farol, esta
última a mais recente inserção de esculturas em espaços públicos da cidade.
17
SENNET, Richard, O declínio do homem público, as tiranias da intimidade. São Paulo, Schwarcz, 1989.
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Figs. 131 e 132: Escultura de Marta Arruda e escultura de parede na passagem de nível do Farol (Fonte:
FO, 2006).
Entretanto, após quase dois anos da inauguração do “Corredor Cultural Vera Arruda”,
constata-se que o mesmo processo de depredação do patrimônio comentado anteriormente
vem atingindo as suas obras. Quase nenhuma obra permanece no seu estado original
18
,
conforme demonstram as seguintes imagens:
Figs. 133, 134, 135 e 136: Estado atual de algumas obras: painel descascado, cerâmica quebrada, totem com
pichação e cartazes, escultura enferrujada: obras depredadas ou desgastadas (Fonte: FO, 2006).
18
No caso de Delson Uchoa, o artista afirma ter previsto este processo de aparente degradação. Em entrevista ao
jornal Gazeta de Alagoas (04/03/07- pág. B9), Delson diz empolgar-se com a interação do público com sua obra
através da descamação de partes da pintura: “Soube de gente que foi lá e arrancou, com a unha, fragmentos do
painel. Acho maravilhoso aquele processo. Previ um embate com pichadores, que acabou não acontecendo,
para minha alegria.”
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Algumas hipóteses sobre as causas desse processo podem ser levantadas, como a
necessidade de uma preparação de âmbito educativo para a população interagir com a arte
pública. Na visão de Francisco Oiticica
19
, sobre o Corredor Vera Arruda:
“Obras de tal envergadura demandam, porém, a necessidade de uma efetiva
ação educativa que prepare a população para a recepção dos trabalhos de
arte pública, caso contrário essas obras serão rapidamente depredadas. A
esse respeito, ações meramente repressivas têm-se mostrado inócuas para
preservar o patrimônio artístico, posto que a incidência de muitas dessas
depredações aumenta e o combate a elas se intensifica na medida
justamente em que esses grupos se sentem legitimados pela repressão.”
Por outro lado, o estado das obras também reflete a escolha do artista. Para se executar
uma obra de arte pública que não se pretende efêmera, é necessário trabalhar com materiais e
técnicas que sejam resistentes às intempéries, à exposição solar, ao tempo. Algumas peças
encontram-se, pois, em mau estado de conservação devido à fragilidade do material escolhido,
que não resistiu à ação do homem nem do tempo. Conceber arte pública é um trabalho
especializado, pois se necessita lidar com múltiplos fatores que envolvem a existência de uma
obra na cidade, inclusive a contextualização da mesma no lugar: a especificidade do sítio.
Entretanto, independentemente do tipo de material, é necessário que haja uma
manutenção regular das obras, assim como dos outros equipamentos, o que em Maceió não
vem acontecendo. Inaugura-se o espaço com grande publicidade, mas após certo tempo este
parece ser abandonado à própria sorte. No caso do Corredor, atualmente reclama-se da
insegurança devido ao escasso policiamento da área e da falta de manutenção de seu
paisagismo. Este caso é emblemático, pois, em pouco tempo de existência, já se tem ilustrado
as conseqüências da ausência de manutenção necessária a uma obra desse porte.
É possível que haja a necessidade de estratégias de aproximação e de educação
visando a população, pois os monumentos são erigidos sem que haja qualquer consulta ou
explicações preliminares por parte do poder público. De modo que talvez a população se sinta
alheia a símbolos que não forem identificáveis no imaginário local, como no caso do
Monumento ao Milênio. O ímpeto de se erigir monumentos seguidamente, observado em
algumas gestões públicas, liga-se também a demonstrações de poder e auto-publicidade, o
desejo de “fazer história”, como no caso do prefeito Sandoval Caju e, mais recentemente,
Ronaldo Lessa e Kátia Born. Por essa ligação com a imagem de determinada gestão pública,
algumas obras de arte despertam sentimentos de hostilidade. Destruir tais símbolos de poder,
ainda que esculturas, é também uma forma de protesto político. Mas, como se colocou
inicialmente, no caso de Maceió os exemplares de arte pública sucumbem menos pela ação da
19
Oiticica Filho, Francisco. Revista Urupema, 2006, p. 52
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população do que pelo descaso das sucessivas gestões públicas.
4.3.2 – MONUMENTOS E MEMÓRIA
As inserções de símbolos invocados sob a forma de monumentos
20
ou memoriais
provocam, sem dúvida, uma re-interpretação do espaço onde estão inseridos. Trata-se de uma
transformação física de espaços da cidade que denotam certa ênfase memorialística,
característica do momento contemporâneo. Esta necessidade de evocar a memória de fatos
locais vem tomando corpo como reação ao contexto de interconexão global, não só como
elemento de reforço a uma dita “identidade” local, como também para inserir as cidades no
mercado mundial do turismo cultural. Mas, na cidade contemporânea, as questões em torno
deles se multiplicam, conforme anteriormente se comentou acerca da “espetacularização” das
cidades. Como se viu, estes geram reações que podem variar da destruição
21
à idolatria
(estátuas de santos, por exemplo) e à indiferença:
“A memória de uma sociedade é negociada no corpo social de crenças e
valores, rituais e instituições. No caso específico das sociedades modernas,
ela se forma para espaços públicos de memória tais como o museu, o
memorial e o monumento. Mas a permanência prometida pela pedra do
monumento está sempre erguida sobre areia movediça. Alguns monumentos
são derrubados com a maior alegria, em tempos de rebelião social,
enquanto outros preservam sua memória em sua forma mais fossilizada, seja
como mito, seja como clichê. Já outros se mantêm simplesmente como
figuras de esquecimento, com seu significado e propósitos originais erodidos
pela passagem do tempo.” (HUYSSEN, 2000, 68)
Ainda hoje existe certa reação ao monumental do ponto de vista arquitetônico e urbano,
pela sua escala opressora em relação à medida do homem, algo que foi largamente utilizado
até a primeira metade do século XX, dentro do contexto da concepção modernista. Pela sua
associação com a afirmação de formas de poder totalitárias, o monumental vinha sendo
bastante questionado nas críticas urbano/arquitetônicas anti-modernistas pós década de 1950.
Esta reação ao monumental repercutiu sob a forma de um sentimento geral que Huyssen
denominou de “antimonumentalismo”
22
. É verdade que tais considerações se aplicam mais ao
contexto europeu, ao qual se dirige a afirmação. Mas, em escala menor, podem ser transpostas
20
Monumento, segundo o dicionário Aurélio: “obra ou construção que se destina a transmitir à posteridade a
memória de fato ou pessoa notável”.
21
Lembra-se, por exemplo, do significado político da destruição das estátuas de Mão Tse Tung, na China, de
Lênin, na antiga União Soviética e, mais recentemente, de Sadam Hussein, no Iraque.
22
“O monumental é esteticamente suspeito porque se liga ao mau gosto do séc. XIX, ao Kitsch e à cultura de
massa. É politicamente suspeito porque visto como representativo dos nacionalismos oitocentistas e dos
totalitarismos novecentistas. É socialmente suspeito porque é o modo privilegiado de expressão dos movimentos
de massa e da política de massa. É eticamente suspeito porque sua predileção pelo grandioso se entrega ao mais-
que-humano, na tentativa de esmagar o expectador individual. É psicanaliticamente suspeito porque se liga às
ilusões narcisistas de grandeza e completude imaginária.”(HUYSSEN, 2000, 50)
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127
ao contexto local, pois as idéias de símbolo evocativo de poder, de propaganda política de
massa e de escala destacada do contexto urbano também estão presentes. Entretanto, para
além dessas questões, não se pode negar que os memoriais e monumentos possuem a
importante função de evocar e contextualizar traços da história local. Tornam-se, assim,
lugares de memória.
Em Alagoas, a questão da evocação da memória parece ter ganhado um novo fôlego
nos últimos anos, com a construção de memoriais, monumentos e revitalizações urbanas. Mas
ao lado da evocação de personalidades da elite dirigente que por alguma razão se notabilizaram
na história política e econômica estadual e local
23
, ainda prevalece o apelo a raízes culturais e
morais da sociedade com certo sentido de evocação nostálgica a épocas ou situações de um
passado onde as demarcações das fronteiras sócio-culturais eram mais fortemente definidas. As
manifestações folclóricas e os traços distintivos da constituição das classes populares são
preferencialmente enaltecidos enquanto elementos representativos dessas raízes,
particularmente aquelas que reproduzem situações míticas ou históricas
profanas ou religiosas.
Em Alagoas, ritos e danças do “guerreiro”, do “coco” e do “pastoril”, ao lado das cantorias
populares e do artesanato, ainda são os elementos mais utilizados para recriar e representar
uma “identidade” alagoana de base tipicamente rural, popular e primordial. Manifestações
desse teor na forma de representações de grupos folclóricos são freqüentes em eventos
culturais e institucionais, sempre identificados como traços fundamentais da cultura alagoana.
Referência protocolar ainda que passageira, duram apenas o tempo da representação como
espetáculo alegórico.
Mais recentemente, um elenco de personagens veio a ser integrado ao repertório das
imagens de cultura e memória. Trata-se de personalidades que se sobressaíram nas esferas
acadêmica, científica, artística e literária, sobretudo fora do Estado e da capital, em âmbitos
nacional ou internacional
24
. A evocação desse novo elenco parece ter uma destinação bem
precisa, a de induzir atitudes de iniciativa e auto-estima nos setores de renda média da
população urbana. É importante dizer que, de fato, nas últimas décadas, a auto-estima desses
segmentos médios vinha experimentando sérios reveses - Primeiro, sentimentos de fracasso e
de decepção na esfera política com o “impeachment” do presidente Collor e o affaire PC
Farias, que eclipsaram a lembrança do importante papel desempenhado pelo senador Teotônio
23
Apenas recentemente, na quadra da redemocratização, é que a figura de Zumbi veio a ser incluída no elenco
desses personagens.
24
A seleção das personalidades do Corredor Vera Arruda exemplifica esta colocação.
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Vilela (o pai) no processo de anistia e de restauração da democracia. Segundo, um sentimento
de impotência e frustração em modificar o perfil sócio-econômico-cultural da população, cujos
indicadores sociais insidiosamente persistem em denunciar Alagoas como uma das formações
sociais mais injustas do país. De modo que, para se contrapor a essas referências negativas,
recorre-se à biografia exemplar de pessoas que se notabilizaram em diversas áreas do
conhecimento.
O que justificaria a necessidade dessa reverência a pessoas do lugar? Talvez o problema
da revelação do “genius loci” e do fortalecimento da auto-estima. Numa competição entre
forças muito desiguais em torno da conformação de comportamentos num mundo
hegemonicamente mercantil, percebe-se o perigo político da perda das referências de alteridade
local com a sua subsunção total às tendências culturais ditadas desde o exterior. Os principais
sintomas dessa possibilidade são a valorização do produto cultural exógeno e a reprodução
indiscriminada dos valores metropolitanos em detrimento de quaisquer dos valores culturais
locais.
Com a ausência ou a redução desse sentimento de alteridade-identidade, que não é
consensual e perene e sim objeto de importantes conflitos de interesses de classe, a capacidade
de autodeterminação local ficaria seriamente comprometida. Daí porque as inúmeras iniciativas
político-ideológicas sobre esse campo da existência social. Instituída como valor de uso, a
busca de reinvenção da “identidade” e da alteridade pode muito bem resultar na apropriação
dos elementos através dos quais elas se expressam para dar forma e conteúdo a um mundo de
objetos de troca, aí incluído o espaço habitado.
Figs. 137 e 138: Lugares de memória: placas de identificação de monumentos no bairro de Jaraguá
(Fonte: IP, 2007).
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SEÇÃO 5 – ARTE URBANA “NÃO-OFICIAL”:
O POPULAR E O EFÊMERO
Algumas intervenções na cidade, apesar de nem sempre feitas com finalidade
deliberadamente artística, parecem revelar uma preocupação estética que as aproximam do
campo da arte. Neste caso, torna-se necessário considerá-las como dados visuais que também
marcariam a “epiderme” da cidade, portanto, dignas de figurarem legitimamente em um
estudo sobre arte urbana. Independente do seu grau de “intencionalidade artística”, estas
expressões também seriam emissoras de mensagens e desvendariam aspectos do imaginário
urbano. Este é o caso das pinturas em fachadas comerciais feitas por artistas populares, que
abordaremos adiante. Há também o caso do grafite, expressão artística contemporânea que
preserva ainda certa aura de “marginalidade” por se ligar, em suas origens, à expressão das
camadas menos favorecidas e à rebeldia juvenil. Para além destes exemplos de arte popular,
espontânea, ou “marginal”, existem também artistas em Maceió experimentando propostas de
linguagem mais contemporânea. Neste âmbito foram encontradas e categorizadas expressões
como instalações, performances e outras formas de intervenção efêmera na cidade.
Propõe-se discutir nesta seção as expressões acima comentadas, que, apesar de tão
distintas entre si, opõem-se ao objeto das duas seções anteriores por um aspecto fundamental:
não se ligam ao patrocínio nem à intervenção do poder público. Não são, logo, expressões da
arte urbana “oficial”, abordada anteriormente. As categorias apresentadas na introdução deste
trabalho, definidas após o levantamento de arte urbana efetuado, foram as seguintes:
1-ESCULTURAS PÚBLICAS;
2- MEMORIAIS E CORREDOR CULTURAL;
3- PINTURAS MURAIS, GRAFITES E PIXAÇÕES;
4-INTERVENÇOES EFÊMERAS (INSTALAÇÕES E PERFORMANCES).
As categorias que serão aqui abordadas consistem, assim, na terceira (pinturas murais,
grafites e pixações) e na quarta (intervenções efêmeras). Ambas foram englobadas no grupo
“arte urbana “não-oficial”: o popular e o efêmero”. A análise deste último grupo é fundamental
para reforçar o entendimento de que as expressões artísticas no espaço público não existem
apenas via intervenção pública, mas também através da participação popular. Neste sentido,
passa-se a perceber que a arte urbana consiste em um campo bastante diversificado dentro das
possibilidades de expressão artística na contemporaneidade.
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5.1 - PINTURAS MURAIS, GRAFITES E PIXAÇÕES
No inventário realizado sobre as manifestações de arte urbana em Maceió, uma das
categorias levantadas explorou os exemplares que se valem de técnicas de pintura em suporte
bidimensional como meio expressivo, observando-se na cidade tudo o que possuía essa
característica. Constataram-se três principais tipos de ocorrência: (1) as pinturas murais feitas
por artistas plásticos conhecidos, ligadas a iniciativas do poder público ou de empresas
privadas; (2) os grafites e pichações; (3) as pinturas em fachadas de estabelecimentos
comerciais representando o produto oferecido ou imagens afins.
Em termos de quantidade de ocorrências, constatou-se uma ordem crescente destes
tipos de manifestações citadas: enquanto que o primeiro tipo apareceu raramente na cidade,
constatou-se uma presença massiva do tipo três. Dentre as três ocorrências, as pinturas murais
de artistas plásticos, além de serem raras na cidade, ligam-se mais à arte urbana “oficial”.
Optou-se então por enfatizar, nesta análise, as pinturas “comerciais” (3), os grafites e as
pichações (2), enquanto manifestações mais distanciadas do campo tradicional da arte dita
“erudita” e de maior ocorrência em Maceió.
5.1.1 – PINTURAS EM FACHADAS DE ESTABELECIMENTOS COMERCIAIS
Hoje em dia, os letreiros de lojas e os cartazes de propagandas dos produtos são
elaborados em grande parte através do meio digital e plotados em grandes dimensões sobre
materiais resistentes, tais como a lona e o p.v.c. A criação destes elementos é feita por
agências de publicidade, designers, arquitetos ou pela própria empresa de comunicação visual,
que muitas vezes contam com sua própria equipe de criadores. Constata-se, nos últimos cinco
anos, uma proliferação exponencial deste tipo de bureau de serviços na cidade, bem como de
agências publicitárias. A possibilidade de se usar qualquer tipo de imagem, inclusive
fotográfica, reproduzida em qualquer dimensão, fez com que este recurso se tornasse o
preferido dos empresários que dispõem de meios para pagar por ele, pois, apesar de sua
difusão massiva atualmente, este continua sendo um serviço caro, inacessível para a maior
parte dos proprietários de estabelecimentos na cidade. Para aqueles que não dispõem de tais
recursos, ou mesmo desconhecem estas inovações tecnológicas, a solução adotada são as
pinturas que ornamentam as fachadas, feitas manualmente.
Este tipo de pintura foi encontrada abundantemente nos bairros populares, mas não
apenas neles. Assim, diante da quantidade de ocorrências na cidade, mesmo nos bairros mais
elitizados, seria talvez um erro concluir que tais pinturas só são utilizadas em último caso,
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como alternativa mais barata de comunicação visual. Na verdade, pode-se detectar quase um
gosto que se desenvolveu em Maceió por esse tipo de pintura, o qual terminou por criar um
movimentado campo de atuação para os artesãos locais.
Ao se observar estas pinturas em fachadas comerciais, surge uma questão: elas seriam
apenas uma forma de publicidade ou podem realmente ser consideradas como arte? A
princípio dir-se-ia que não são arte, pois, segundo o que se convencionou no meio artístico
profissional contemporâneo
1
, considera-se “arte” aquilo que é feito por um artista, com
intencionalidade deliberada de produzir uma “obra de arte”, independentemente do meio ou da
linguagem utilizada. No caso citado, nem sempre aqueles que executam essas imagens se
consideram artistas. Tampouco pensam estar fazendo “arte”. Mas por que então estas pinturas
aparecem de forma tão recorrente na cidade? Percebe-se que este fenômeno ocorre com mais
freqüência nos bairros periféricos, onde os habitantes não se contentam em escrever
“mercearia” ou “peixaria”, por exemplo, mas também desenham e pintam, com capricho,
frutas ou peixes nas fachadas.
Seriam essas representações icônicas tão literais para comunicar mensagens para os que
não sabem ler
2
? Ou seria para reforçar a idéia, despertar o desejo, a vontade de comprar? Ou a
intenção mais forte seria de diferenciar-se dos demais, agregar beleza e valor ao espaço? Ou
ainda, trata-se da intenção de imprimir uma espécie de “marca” territorial ao espaço?
Acredita-se que as quatro hipóteses tenham validade, mas a terceira, que considera o aspecto
estético como fundamental, parece ser a que mais se aplica a Maceió. Mesmo quando se trata
claramente de fins de comunicação para iletrados (como no caso dos bairros mais humildes,
próximos a favelas), é inegável a presença de uma sensibilidade, de um cuidado, de um
capricho, de uma vontade de suplantar a função original nessas pinturas. Algumas imagens
surpreendem pela demonstração de habilidade técnica próxima ao acadêmico, outras, pelo uso
do humor, enquanto que outras lembram expressões singelas da arte dita “ingênua” ou naif.
Ao exibir as imagens dessa “arte” para profissionais do meio acadêmico, alguns
contestaram, argumentando que este tipo de pintura “nunca poderia ser arte com A maiúsculo,
sendo, no máximo, artesanato”. Todos, entretanto, não questionaram que se tratavam de
1
Normalmente as expressões populares são enquadradas como “ingênuas” ou “naïf”, e geralmente não
participam dos circuitos artísticos contemporâneos. O caso abordado é um pouco diferente da arte dos artistas
naïf devido à sua finalidade de “propaganda”, como se discutirá adiante.
2
Parafraseando o Papa Gregório Magno sobre a arte sacra da Idade Média na Europa, em sua célebre máxima:
Quod legentibus scriptura, hoc idiotis pictura” ( “A pintura leva a palavra de Deus aos analfabetos.”). Fonte:
JANSON, 2001, p.285.
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pinturas, feitas com pincel e tinta, em sua maioria figurativas, com luz, sombra, e outras
técnicas convencionais. Estas também não haviam sido produzidas em série limitada, como é
característico do artesanato. Ao contrário, serviam para singularizar as fachadas e comunicar
mensagens. Além disso, para além das mensagens que circulam, estes fragmentos também
parecem contribuir na criação de uma estética popular particular à cidade, funcionando como
modo de expressão para muitos artistas populares. Ou seja, independente de seu valor como
obra individual, existe o seu valor enquanto conjunto
3
.
Atenta-se para o fato de que o caráter plástico/comunicativo destas pinturas
“comerciais” é sistematicamente ignorado ou desprezado pelos pesquisadores de arte, exceto
quando se trata de experimentações de artistas de vanguarda interessados em “flertar” com a
cultura de massa
4
, como no caso das diversas vertentes originadas da Pop Art. No entanto,
pode-se constatar facilmente sua presença nas cidades. Provavelmente pode-se encontrá-las
em todas as cidades brasileiras, em maior ou menor quantidade, constituindo-se em prática tão
antiga que não saberíamos precisar seguramente sua origem. Estas são expressões que não se
enquadram dentro da história da arte “oficial”, talvez até pela despretensão, conforme se
comentou, de serem vistas como arte por alguns dos próprios artistas que as produzem. Em
certas cidades, como é o caso de Maceió, estas pinturas tornaram-se imagens tão presentes no
cotidiano de seus habitantes que analisá-las artisticamente seja talvez tão pertinente quanto se
voltar para as raras intervenções dos artistas contemporâneos. Ao menos quando a intenção é
pensar a cidade em termos de sua visualidade.
Como uma das intenções desta investigação é evidenciar a função da arte urbana na
vida da cidade enquanto elemento de urbanidade, o fenômeno descrito pareceu-nos merecedor
de um olhar mais atento. Vistas em conjunto, essas pinturas atuam como elementos de
comunicação no espaço público e, por isto, podem contribuir para caracterizar parte
importante da visualidade de Maceió. Evitou-se então fazer delimitações apenas em termos de
qualidade plástica, de valor artístico intrínseco, buscando perceber as particularidades e a
diversidade deste conjunto expressivo. Ademais, na perspectiva de que cada formação social
desenvolve suas próprias formas de arte, concluiu-se que uma confrontação entre a arte oficial
e outras manifestações visuais mais populares da cidade era necessária para caracterizar uma
visualidade própria à Maceió. Neste sentido, Armando Silva ainda destaca que algumas
3
Entretanto, acredita-se que determinar se tal manifestação expressiva teria ou não valor social enquanto obra de
arte perpassa por estudos mais aprofundados valendo-se de metodologias do campo da representação social.
4
Alguns críticos consideram que a principal característica da arte dos anos 1980 é a consolidação da integração
da arte com a cultura de massa.
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expressões artísticas oferecem combinações destes dois universos:
"Teríamos dois grandes tipos de espaços a reconhecer no ambiente urbano;
um oficial, projetado pelas instituições antes que o cidadão o conceba à sua
maneira, e o outro, diferencial, que consiste numa marca territorial usada e
inventada na medida em que o cidadão o nomeia ou inscreve. Haverá muitas
e variadas combinações desses dois pólos”. (SILVA, 2001, p.21)
Acredita-se não ser apenas o artista erudito que produz arte urbana, se a considerarmos
também, além de um conjunto de obras exemplares, enquanto marca territorial traduzida em
uma estética particular à cidade. Existem expressões anônimas que atuam constantemente na
cidade, tal como as pinturas citadas, e que deveriam ser inventariadas no contexto da arte
urbana:
“Enquanto a arte pública de hoje fala de “intervenções” ou de
“performances”, os cidadãos, desde sempre,
fazem a cidade intervindo sobre
ela.” (SILVA, 2001, p.218)
Assim, percebeu-se que, além de inventariar expressões da arte oficial, uma das
contribuições desta investigação estaria no enfoque da construção da sensibilidade visual da
cidade por seus habitantes. Muitas vezes, esta construção se dá por meio das linguagens
artísticas. Sem se dar conta, os habitantes as empregam demonstrando que existe uma
sensibilidade que é inerente ao homem
5
, mesmo aqueles que possuem apenas o mínimo para a
sua sobrevivência. Neste sentido, são expressões de tanto valor social quanto as provenientes
dos circuitos artísticos eruditos e profissionais, de vanguarda ou “acadêmicos”, também
abordados neste trabalho.
Para definir-se aqui um posicionamento em termos de delimitação do objeto artístico,
dir-se-á que tais pinturas são efetivamente um tipo de manifestação de arte urbana. Como foi
abordado inicialmente, o próprio conceito de arte foi se expandindo e agrega novas expressões
a cada dia. Nem mesmo os teóricos da área possuem uma resposta pronta a uma pergunta tão
genérica como: “o que é arte?”. Lembrando a reflexão de Nestor Canclini (1984, p.9), só no
campo das artes ditas “plásticas”, reúnem-se objetos e experiências produzidos em tempos e
realidades absolutamente díspares:
“Mas é possível reunir, sob o nome comum de arte,
material tão diverso
como as pinturas rupestres, as máscaras africanas, as vasilhas dos índios
americanos, os vitrais medievais, as esculturas renascentistas, a pintura de
cavalete, os murais mexicanos, os ready-made, os happenings e os cartazes
cubanos ou poloneses?”
Por englobar tantas formas expressivas diferentes, cujas possibilidades se amplificaram
5
“A necessidade de fazer arte é exclusivamente humana. (...) Não restam dúvidas de que o homem possui uma
faculdade estética.” (JANSON, 2001, p.12)
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ainda mais a partir da década de 1960
6
, mais complicado hoje do que definir o que é arte, é
definir aquilo que não o é: “O que faz de um objeto uma obra de arte e permite diferenciá-lo
dos demais objetos?”(CANCLINI, 1984, p.10). Principalmente quando se trata de expressões
ligadas ao campo plástico, e, como no caso abordado, que se vale de técnicas tão antigas
quanto a pintura. O que faz com que uma performance seja considerada “arte plástica”,
enquanto que a pintura de uma vaca feita por um artista popular em uma fachada para muitos
não o seja? Lembremos a ironia da reflexão de Umberto Eco
7
:
“(...) E aplicando sua mentalidade casuística à estética, perguntava-se: se
um homem que, num repente de raiva,
quebra um pedaço de madeira,
consegue com ela esculpir a imagem de uma vaca, essa imagem é uma obra
de arte? E se não é, por quê?”
Fig. 139: Pintura na fachada de um açougue no bairro Clima Bom (Fonte: IP, 2005).
Talvez o que falte para que essas pinturas sejam consideradas “arte” esteja relacionada à
postura que se assume diante delas: se tais obras passarem a ser admiradas, e também os
artistas que as executam, seguramente estas seriam alçadas a outro patamar. O fato de que
6
Conforme abordado na primeira seção, no tópico “Tendências da arte urbana contemporânea”.
7
In: CANCLINI, 1984, p.7.
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estas pinturas beiram certa estética kitsch não representa grande empecilho, bastando lembrar-
se dos exemplos na história da arte (guardando-se as devidas proporções) onde os artistas
hiper-valorizaram elementos a princípio banais da cultura popular e de consumo, como na Pop
Art. Na arquitetura, lembramos do marco histórico que “Aprendendo com Las Vegas”, de
Robert Venturi, representou para a definição da pós-modernidade. Letreiros, néons,
construções miméticas, tudo o que era condenado pela estética moderna foi, de repente, alçado
a ícones contemporâneos, ignorando os críticos que apontavam o gosto duvidoso desta
arquitetura. No Brasil, o tropicalismo veio empreender o mesmo movimento de valorização do
kitsch, mas em nome de certa “brasilidade tropical”.
Estes exemplos, entre outros, foram selecionados para lembrar que a história do gosto
individual e coletivo é cambiante e pode vir a cooptar elementos antes ignorados ou
desprezados para dentro do conceito de arte, como já demonstrou Pierre Bourdieu em diversos
estudos. Para este pesquisador, quem define historicamente o que é ou não arte é a sociedade
de cada época e lugar. Ser “arte” não seria uma característica inerente ao próprio objeto, como
também coloca Canclini:
“(...) a distinção entre as obras de arte e os demais objetos, e a
especificação da atitude estética adequada para captar “o artístico” são o
resultado de convenções relativamente arbitrárias, cuja única
“legitimidade” é dada pelas necessidades do sistema de produção e pela
reprodução das atitudes consagradas com estéticas pela educação.”
(CANCLINI, 1984, p.12)
Obviamente não se esqueceu aqui de certa distinção empregada em relação aos objetos
ou práticas artísticas que possuem alguma finalidade comercial evidente. A tradição os
enquadra mais próximos ao campo das “artes menores”, hoje chamado de “artes aplicadas”,
do design ou ainda da “arte de massa”. Entretanto, tal distinção induz ao equívoco de que os
objetos gerados pela arte “erudita” estariam desvinculados do campo mercadológico, de que
estes não se configuram também como produtos. Em ambos os casos, tratam-se de objetos que
estão inseridos no sistema capitalista,
e, se nas expressões das artes aplicadas ou de massa fica
mais evidente as mensagens de incitação ao consumo, nas artes plásticas é a própria
obra/mercadoria que se coloca como objeto do desejo consumista.
Mas como podem as referidas pinturas em fachadas competirem, nos espaços da
cidade, com a sofisticação das imagens publicitárias, estas também cada vez mais com
pretensões artísticas
8
? Principalmente se pensarmos que, em meio à escassez de recursos, os
8
Não são apenas as imagens da arte contemporânea que inspiram as publicidades, mas também os conceitos
invocados pelos artistas em seus trabalhos. Assim como na moda, no mundo publicitário de hoje fala-se em
“conceito” de uma campanha para fundamentar a temática e o resultado visual da mesma.
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artistas são muitas vezes obrigados a “empregar formas simples, precárias, de rápida
execução, de estrutura ingênua e freqüente esquematismo” (CANCLINI, 1984, p.150). Outra
questão: o que as diferencia realmente das imagens publicitárias, já que as duas expressões
estão associadas a estabelecimentos de comércio e serviço? As duas seriam então formas
diferentes de expressão artística, ainda que ambas tenham por fim induzir ao consumo?
Deve-se ponderar a princípio sobre sua feitura. Em um caso, trata-se de imagens que
são criadas
9
por computador e por fim impressas em grande escala. No outro caso, trata-se do
trabalho manual de um artista, que teve que lidar com questões como escala, implantação,
preparação do suporte, escolha da tinta... Existe neste último caso um embate corporal do
artista com a superfície, o que deixa transparecer o trabalho do pincel, a textura da tinta e do
suporte, as camadas e os possíveis borrões. No caso de uma imagem impressa, tudo é
planificado pelo brilho de uma camada plástica. Além disso, a imagem impressa pode ser
reproduzida ad infinitum, enquanto que as pinturas possuem aquela unicidade de que falava
Benjamin
10
. As pinturas parecem tornar cada fachada única, ao mesmo tempo em que
comungam com uma linguagem que liga umas às outras formando algumas vezes uma espécie
de identidade visual de uma localidade.
Ainda importante para nós é a constatação da existência de um mercado informal que
absorve o trabalho de artistas locais, longe dos circuitos eruditos da arte. A própria existência
de uma diversidade de artistas já é em si surpreendente, pois parece existir em Alagoas um
preconceito latente sobre esta profissão disseminado em todas as classes, ainda mais evidente
nas camadas mais humildes por uma questão de acesso a uma educação artística. Por isso é
surpreendente que seja justamente nos bairros mais pobres que se criou esta demanda por
artistas para fazer letreiros, fachadas e afins, e que o trabalho destes seja solicitado e
valorizado.
Até mesmo os grafiteiros, que normalmente atuam desligados de qualquer demanda
comercial, trabalham intensamente neste tipo de serviço. Constatou-se até os nichos de
atuação: nove entre dez Lan houses e muitas oficinas mecânicas possuem suas fachadas
inteiramente grafitadas.
9
Quando não são capturadas de bancos de imagens pela internet, prática recorrente no meio.
10
"A mais perfeita reprodução falta sempre algo: o hic et nunc da obra de arte, a unidade de sua presença no
próprio local onde se encontra.” (BENJAMIN, 1989, p.7). Não se quer aqui obviamente desmerecer o trabalho
do publicitário, ou questionar o valor da fotografia. Conhece-se as várias objeções feitas ao texto (“A obra de arte
na época de suas técnicas de reprodução”) deste filósofo.
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Figs. 139 a 145: Pinturas em fachadas de estabelecimentos comerciais em Maceió: 1- pet shop, 2- bazar de
produtos para candomblé, 3- mercadinho, 4- quitanda, 5- casa de shows eróticos, 6- assistência técnica de
refrigeração, 7- cabeleireiro (Fonte: IP, 2005).
Figs. 146 a 151: Grafites em fachadas de estabelecimentos comerciais e nos muros da cidade de Maceió
(Fonte: IP, 2005).
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Normalmente as imagens de pinturas murais que foram identificadas configuravam
iniciativas isoladas, não sistemáticas dentro da cidade. Mas, em um caso específico, uma
campanha publicitária da empresa representante da Adams (a dos chicletes) em Mace
repercutiu e marcou os espaços públicos da cidade. A iniciativa consistiu na contratação de
um artista local para pintar paisagens de praias alagoanas nas paredes externas de bancas de
revista. Durante um ano, quase todas as bancas da cidade apresentaram estas pinturas, cujas
imagens foram retiradas de cartões postais locais. O artista Carlos, egresso de uma tradicional
empresa de comunicação visual e morador do bairro do Jacintinho, não participa dos circuitos
tradicionais de exposições. Sua experiência anterior consistia na pintura de letreiros, trios
elétricos, carros, tapumes e fachadas. Para a execução das pinturas, o artista utiliza técnicas
como a aerografia e a projeção de slides, almejando alcançar um efeito de hiper-realismo
fotográfico. O resultado plástico é bem uniforme nos exemplos observados. Diante da
quantidade de pinturas realizadas, em cerca de cinqüenta bancas, imaginamo-lo como um
“artista-operário”, que vai imprimindo sua marca pela imensa produtividade.
Figs. 152 a 154: Bancas de revista espalhadas pela cidade, pinturas de autoria do artista Carlos (Fonte:
SM, 2005).
Estas pinturas pareceram ter uma boa repercussão entre os habitantes da cidade, devido ao
aspecto lúdico das imagens, além de transparecer também certo orgulho identitário das praias
retratadas. Pois se há um aspecto em que a imagem de Alagoas é sempre exaltada, é em
relação à beleza de seu litoral. Obviamente foi uma grande jogada de marketing espalhar
“cartões-postais ampliados” em uma cidade de destino turístico como Maceió para vender a
imagem de um produto. Mas, independente de sua função publicitária, em algumas locações a
beira-mar, constatamos uma interessante sobreposição visual, quase uma citação literal do
lugar em que as pinturas se inseriam.
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5.1.2 – GRAFITES E PICHAÇÕES
O grafite, segundo tipo de pintura mural em ocorrência, mistura-se com o caso das
fachadas pintadas por partilharem algumas vezes do mesmo mercado, conforme comentado
anteriormente. Mas optou-se por reconhecê-lo como uma manifestação diferente dentro da
mesma categoria, pois esta é uma das formas de arte urbana mais reconhecidas e estudadas.
Conhece-se a sua origem: surgiu, talvez simultaneamente, em várias partes do mundo,
notadamente Paris
11
e Nova York
12
. Nesta última cidade, esta expressão viria a encontrar o
seu auge e seu reconhecimento dentro dos templos eruditos da arte
13
, como no emblemático
caso de Basquiat. Entretanto, até hoje esta linguagem continua a ter sua imagem atrelada à
rebeldia juvenil, a modas e estilos de música negra americana, quando não simplesmente
associada a atos de vandalismo
14
.
Neste momento cabe fazer uma precisão quanto a um desdobramento do termo grafite
em terras brasileiras, denominado de “pichação”, que será abordada mais adiante. Segundo
Armando Silva, esta distinção só existe (ou só começou a ser empregada) em nosso País, para
separar desenhos e pinturas feitas com spray de “meras” grafias, assinaturas, rabiscos ou
frases. Muitas vezes, tratam-se dos mesmos jovens que executam os grafites e as pichações.
Mas qual o sentido comunicativo destes fenômenos? Com qual finalidade os praticam? O
mesmo Armando Silva denominou os grafites de “tatuagens urbanas”, o que oferece uma
pista que leva a hipóteses como: afirmação de identidade, necessidade de ser reconhecido por
um grupo, ou mesmo marcação de território, pois quando se trata de pichações com
11
Década de 1960: “Naquela época, eram jovens de classe média, estudantes, que, em diferentes partes do
mundo, usavam o espaço público para afirmar seu protesto contra a cultura estabelecida. Eram dizeres que se
repetiam, como “Abaixo a ditadura”, no Brasil, e os de maio de 68, na França: “ Quando penso em revolução
quero fazer amor” ou, ainda, “É proibido proibir”. Nos Estados Unidos, alguns ficaram famosos, como “ Faça
amor, não faça a guerra” ou “Flower Power” .” (BUENO, 1999, 263)
12
“Foi nos bairros mais desfavorecidos de Nova York que os primeiros grafites - números de telefone e
endereços de fabricantes de droga - apareceram em 1961 (...) depois, os jovens descobriram as tintas em spray
que permitem o desenho a uma escala bem maior. Assim, os grafitistas nova-iorquinos tomaram,
progressivamente, possessão de fachadas de lojas, de muros inteiros, de monumentos, além de lugares
oficialmente reconhecidos na cidade como “writers corners” (cantos dos escritores) .” (POPPER, In:
CAUQUELIN, 1977, p.221) (tradução livre da autora)
13
“(...) aquilo que começou como uma marca agressiva acabou se convertendo em expressão artística. Ou seja,
como as assinaturas viraram pinturas que passaram a influenciar e circular nos segmentos artísticos
avançados, estabelecendo uma confluência entre o alto e o baixo, a elite e os excluídos. Esta interpenetração do
culto com o popular gerou uma nova forma de arte que não se define mais a partir desse parâmetro. (BUENO,
1999, 263)
14
Mesmo sendo reconhecida, esta manifestação ainda gera polêmica, como se constata através de um dos temas
propostos no seminário Arte e Cidade (Salvador, 23 a 26/05/2006) na sessão temática “arte e cenário público”:
grafite: vandalismo ou arte?”.
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assinaturas, observa-se o costume de inserir também o bairro de origem. Talvez estes tenham
sido os impulsos iniciais do seu aparecimento, mas a expressão grafite terminou por derrubar
fronteiras:
"Quanto ao extraordinário fenômeno dos grafites do metrô de Nova York,
podemos falar de uma reação contra um entorno sórdido e ultrapassado?
(...) Este fenômeno, que representava no seu começo um ato individual de
desafio, auto-expressão ou auto-satisfação, tornar-se-ia logo mais um meio
de comunicação clandestina, depois um jogo criativo sutil e finalmente uma
expressão coletiva e indomável de um forte impacto social e estético.”
15
Quanto aos grafites observados em Maceió, as temáticas mais recorrentes são
desenhos de super-heróis ou paisagens edificadas no estilo dos quadrinhos da Marvel Comics.
Em segundo lugar, aparecem as caricaturas. Mais raramente aparecem também algumas
pinturas abstratas ou paisagens. Encontrou-se com freqüência frases inseridas entre os
desenhos. Curiosamente, o que constava em cem por cento dos grafites observados foi o nome
e o telefone para contato do artista ou grupo que os tinham executados (fazendo sempre a
menção “grafites” logo abaixo do nome). Isto demonstra a inserção mercadológica que esses
artistas vêm alcançando em Maceió. Eles já reconhecem sua mão de obra como um valor e
cobram pelo seu trabalho.
Figs. 155 e 156: Grafite em fachada de loja, no Jacintinho, e detalhe do telefone para contato do grafiteiro
(Fonte: IP, 2005).
Neste momento, ao se constatar a não “espontaneidade” dos grafites encomendados,
coloca-se mais uma vez a questão de como categorizar tais manifestações: são expressões da
arte ou mero veículo publicitário? Se o ponto fundamental de distinção estiver em sua inserção
mercadológica, em seu caráter comunicativo voltado para a promoção do consumo, em sua
15
POPPER, In: CAUQUELIN, 1977, p.221 (tradução livre da autora)
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função enquanto mensagem publicitária, pode-se afirmar que, neste caso, pinturas e grafites
deixam de ser arte? Segundo Silva, a característica intrínseca à expressão grafite é justamente a
transgressão ao sistema social e econômico:
“(...) o que se opõe diametralmente ao grafite é a publicidade: enquanto o
primeiro busca um efeito social de forte carga ideológica ou, de algum
modo, transgressora de uma ordem estabelecida, a publicidade busca o
consumo do anunciado e assim sua intenção comunicativa é antes de tudo
funcional para um sistema social político e econômico. Entre publicidade e
grafite existirão várias ordens intermediárias nos muros (do latim murus, o
epidérmico).” (SILVA, 2001, p.6)
Seria a aparente ausência de uma carga ideológica /crítica e de uma “atitude” artística
suficientes para a exclusão de tais manifestações do entendimento da arte? Caso afirmativo,
estar-se-ia pressupondo que todas as expressões artísticas oficialmente reconhecidas seriam
portadoras de tais características. Empreendendo uma comparação entre a arte oficial e a arte
das massas, Nestor Canclini (1984) coloca ambas como instrumento de dominação e
perpetuação do sistema: "A função dos artistas, em ambos os casos, é “programar” as ilusões
coletivas, requeridas pela perpetuação e expansão do sistema (...).”
Acredita-se, diante das reflexões aqui expostas, que o fato das pinturas e dos grafites
estarem inseridos em fachadas comerciais não os desmerecem como expressões artísticas.
Toda forma de arte possui uma inserção mercadológica, em maior ou menor grau, até mesmo
aquelas de conteúdo crítico mais evidenciado. O distanciamento do universo dos circuitos
eruditos da arte também não apresenta em si um empecilho, uma vez que se trata de
expressões legitimamente populares de caráter urbano. Todavia, para se reconhecer o valor
artístico de manifestações como as acima citadas, foi necessário resgatar o sentido da ação
artística e desmistificar certos preconceitos que são produto de filtros ideológicos. Só desta
forma pode-se valorizar a presença destas manifestações populares no sentido de ampliar o
entendimento de como a população se expressa através da estética urbana de uma cidade.
Pela sua origem comum e pelo interesse em desvendar seus aspectos comunicativos,
fez-se necessário também observar as ditas “pichações” nos espaços da cidade. Assim como
na origem do grafite, que já foi um desdobramento das pichações, estas últimas apareceram
primeiro também no caso de Maceió. As primeiras pichações
16
datam do final da década de
1970, enquanto que o grafite se fará presente apenas no final da década de 1980, através da
influência do movimento punk inglês. O primeiro “personagem” a se tornar conhecido na
cidade chamava-se “Aranha”:
16
As quais se fez referência em jornais da cidade na época.
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143
“Maceió foi tomada da noite para o dia com frases criadas por um certo
Aranha, que explicitava seu sinal: “O aranha arranha e assanha” e outros
dizeres repletos de nonsense”. Esse personagem se misturou pelos muros da
cidade com inscrições sobre o regime militar que, na época, propunha uma
distensão rumo a uma democracia.”
17
Ao se efetuar esta pesquisa, terminou-se por descobrir a identidade do dito “Aranha”.
Tratava-se, na verdade, de um pequeno grupo de jovens de classe média que se tornaram os
pioneiros da pichação na cidade. Liderados pelo hoje professor da UFAL Ricardo Cabús,
esses jovens se reuniam na intenção de propagar mensagens contra a ditadura militar. Além
do engajamento político nascente, provavelmente estes também se encantaram com o ato de
rebeldia que isso representava na época. Mas no período da ditadura tal ato poderia vir a ter
conseqüências desastrosas. Assim, apesar da repercussão na cidade, esses garotos obrigaram-
se a manter sigilo de suas identidades, reveladas só agora, trinta anos depois, por este estudo.
Foi o primeiro posicionamento político de Cabús, que anos depois se engajaria nos
movimentos de militância de esquerda. Algumas frases freqüentes do grupo foram fornecidas
pelo mesmo, como por exemplo: “milica go home” e “avi sobra silmude” (“aviso: Brasil
mude”). Curiosamente, o estopim para a dissolução do grupo se deu justamente devido a uma
frase pichada
18
por um dos componentes, que não obteve a concordância de todos os seus
membros, principalmente do líder Ricardo. A polêmica dizia respeito à questão de que, para
ele, a orientação primordial do grupo deveria ser o engajamento político, e não o nonsense,
como se poderia deduzir da tal frase. Sobre esta questão, ele coloca:
Essa era talvez a minha posição pessoal, mas havia uma clara visão
anárquica (ideológica) no grupo e creio que alguns membros estavam
apenas por rebeldia ou diversão. Foi um processo no qual, com
o tempo, alguns membros optaram por um engajamento político, enquanto
outros preferiram o surrealismo. Surgindo daí a divergência que culminou
com a dissolução do grupo.”
19
O engajamento político e o nonsense não eram os únicos aspectos possíveis da pichação
em Maceió. Por exemplo, um outro personagem que se tornou conhecido era o que sempre
pichava frases fazendo referência à Nigéria
20
. Apesar de na época as pessoas deduzirem tratar-
17
Caderno de textos do Centro de Comunicação Social (UFAL), autor desconhecido, final da década de 1980.
18
A frase era a seguinte: “O aranha é fruto da imaginação do nada suspenso no vácuo etéreo do plasma”.
19
Depoimento de Ricardo Cabús a esta pesquisadora, abril de 2007.
20
Caso acontecido por volta de 1979, em Maceió: “Alguém grafou toda a cidade com duas frases: “Para que
lado fica a Nigéria?” e “Nigéria Air Lines: o vôo da solidão”. A cidade, tomada de surpresa, começou a
indagar a origem de tais dizeres. Uns achavam que estava se formando uma entidade que representasse os
anseios da comunidade negra; por ocasião da campanha pró-anistia, muitos pensavam que se tratava de algum
partido de esquerda, então proscrito, que fazia alusões ao país africano por uma série de infinitas semelhanças;
outros imaginavam que tal atitude se tratava da criação de uma nova agência de turismo, já que a cidade
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se de referências políticas, na verdade dizia respeito a uma desilusão amorosa.
Observando-se atualmente as pichações na cidade, pode-se constatar que hoje esta
expressão se caracteriza pela diversidade de mensagens. Quando se trata de palavras ou frases,
constatam-se conteúdos tão diversos como: referências a torcidas de futebol, frases obscenas,
de humor, incitação ao consumo de drogas, mensagens políticas agressivas e proclamações de
fé religiosa, entre outras. Mas, para além das frases, abundam também grafias ou assinaturas
que funcionam mais como marcação de território e auto-afirmação. A questão do desafio de se
escalar edifícios altos para pichá-los também está presente, mas não é muito característico de
Maceió como se observa abundantemente em grandes centros com São Paulo.
Figs. 155 a 158: algumas pichações espalhadas pelos bairros de Maceió(Fonte: IP, 2005).
A pichação, dissociada do grafite, parece ter perdido algo do seu “status”, sendo
associada mais ao vandalismo do que a uma expressão artística. Mas, como se viu, muitas
vezes eles contém uma forte carga comunicativa, funcionando como uma via de expressão
popular. Além disso, a linguagem escrita também possui uma visualidade que pode ser
explorada, como se faz, por exemplo, na poesia visual. Por esses motivos, consideramos a
pichação como uma forma legítima de arte urbana, importante também para Maceió.
5.1.3 – PINTURAS MURAIS DE ARTISTAS PLÁSTICOS
Figs. 159 e 160: Pintura mural de Diego Rivera na Universidade de Chapingo (notar incorporação de
janelas) e mural de artista contemporâneo na fachada cega de um edifício em Paris (técnica do trompe
l´oeil) (Fontes: www.diegorivera.com
e www.paris.fr).
embarcava nesse setor da economia. Por fim uma pessoa anos atrás conheceu o autor do feito, que confessou se
tratar de uma desilusão amorosa. Explica-se: durante o relacionamento esse casal tinha em mente passar uma
temporada na Nigéria.” (caderno de textos COS-UFAL- autor desconhecido, final da década de 1980).
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A última manifestação abordada consiste, no contexto desta seção, na única de longa
tradição artística
21
. Dentre os exemplos de pinturas murais da história da arte recente, alguns
dos mais significativos foram os trabalhos desenvolvidos dentro da vertente a que se chamou
de “muralismo mexicano”, capitaneada pelos artistas Rivera, Siquieiros e Orozco entre as
décadas de 1920 e 1930. Este movimento teve forte cunho político (de orientação comunista) e
identitário, pois buscava redefinir aspectos da cultura mexicana, sua principal temática. Os
murais mexicanos repercutiram nos principais centros artísticos, influenciando também alguns
artistas brasileiros. Geralmente, os murais em espaços públicos são executados através de
encomendas de instituições públicas ou privadas, possuindo, como anteriormente mencionado,
ligação maior com a arte urbana de caráter “oficial”. Este tipo de pintura consiste em um
grande desafio para os artistas, acostumados a trabalhar em outro contexto e dimensão. Pois os
murais em espaços públicos:
“(...) descentram o artista de sua intimidade sensível, dos ambientes
fechados onde essa intimidade ainda pretende ressoar, e o lançam à cidade,
ao espaço social em que as mensagens arquitetônicas, urbanísticas,
publicitárias formam a sensibilidade das massas.” (CANCLINI, 1984,144)
Em Maceió não se encontrou pinturas murais encomendadas diretamente pela
administração pública, mas um exemplo interessante aconteceu no âmbito do projeto “Jaraguá
Cultura e Negócios”, comentado na segunda seção. Em janeiro de 2004, contrataram-se alguns
artistas para pintar as fachadas de um armazém (trapiche) da Rua Sá e Albuquerque, no
Jaraguá, que se encontrava fechado. A escolha deste armazém se deu pela sua localização de
esquina, defronte à Praça Marcílio Dias, que era onde se realizavam os shows musicais
previstos no Projeto Jaraguá. A curadoria
22
foi orientada a selecionar artistas que tratam
preferencialmente da temática “cultura alagoana”, principalmente do folclore.
Como se tratou de uma iniciativa isolada, inserida em uma vasta programação de eventos
realizados nesse período em Jaraguá, esta pintura mural coletiva não ocasionou
desdobramentos em outros lugares da cidade. Entretanto, é possível tomar esta realização como
exemplo para a concepção de outros projetos que visem estimular a interação da pintura com a
cidade. Conforme se analisou na segunda seção, a pintura é o meio artístico que tem maior
21
As pinturas em cavernas são predecessoras da pintura mural. Esta expressão teve grande desenvolvimento a
partir da utilização da técnica do afresco, desde a Antiguidade.
22
Na realidade, a curadoria consistia na seleção dos artistas participantes e na divisão dos espaços das paredes
por artista, além de coordenar a execão dos painéis. O lado colorido, voltado para a Praça, ficou ao encargo do
artista Lula Nogueira, e o lado voltado para a rua Sá e Albuquerque sob a responsabilidade dos artistas Achiles
Escobar e Mirna Maracajá. Contou-se com a remuneração de R$ 1200,00 por artista, contando cerca de 10
participantes do projeto.
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representatividade em Maceió. Mas este dado se evidencia apenas a partir das produções de
artistas populares e anônimos, pois na arte urbana “oficial” o que sempre predominou foram as
esculturas. Isto se explica pela equivocada noção de que a pintura não seria um meio
“adequado” ou durável para utilização nos espaços públicos. Conforme explicitado
anteriormente, apesar do predomínio da escultura e dependendo de como a pintura seja
planejada e executada
23
, esta também pode ser um meio perfeitamente adequado para a
interação entre arte, público e cidade.
Fig. 161: Pinturas na fachada de um armazém, em Jaraguá. Figs. 162 e 163: Pinturas de Mirna Maracajá
(Fonte: IP, 2005).
23
Neste âmbito podem-se incluir os painéis cerâmicos e mosaicos, que são concebidos como pintura e
posteriormente executados por mão-de-obra terceirizada em outros suportes e em grandes dimensões.
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Outra manifestação de pintura na cidade são os murais “educativos”: pinturas de
estudantes nos muros dos colégios e trechos de poesia nos muros de instituições. São duas
práticas interessantes porque permitem despertar interesses lúdicos. Nas pinturas em muros, as
crianças aprendem a utilizar a tinta como expressão, em um embate corporal direto. Entretanto,
normalmente as temáticas são direcionadas, limitando a liberdade de experimentação. Assim,
este tipo de iniciativa é mais interessante pela experiência que proporciona do que
propriamente pelo resultado dos trabalhos. Nas poesias escritas nos muros, aproveita-se um
pouco da presença impositiva da arquitetura para divulgar uma linguagem que é cada vez
menos acessível à população média. Sua colocação estratégica em pontos de muito
engarrafamento proporciona um momento estético inopinado.
Figs. 164, 165 e 166: Pinturas na fachada de uma escola pública, em Jatiúca (notar identificação da série
dos alunos e o tema “Descobrimento do Brasil”), e uma das poesias pintadas em um muro da Praça
Marcílio Dias, em Jaraguá (Fonte: IP, 2005).
5.2- INTERVENÇÕES EFÊMERAS
5.2.1 - AS PERFORMANCES
Performances são expressões artísticas que se situam no cruzamento entre as artes
visuais e artes cênicas. Entretanto, foram os artistas plásticos os primeiros a propor
“acontecimentos” (ou happenings) como obras de arte, no âmbito das contestações sobre os
limites da arte da década de 1960, principalmente nos Estados Unidos. Uma das vertentes
desse período, conhecida como “Arte Conceitual”, colocava que o que importava para a arte se
realizar era a idéia da obra, e não necessariamente a sua execução. Esta contestação estava
ligada ao fato, colocado anteriormente, de que o objeto artístico estava cada vez mais
introjetado no mercado capitalista, e que era este que acabava ditando as “modas”. Como
poderia então o artista conceber uma obra de crítica a essa sociedade de consumo se a própria
obra de arte era absorvida como mercadoria? Argan coloca criticamente os questionamentos
dos artistas nos seguintes termos:
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“Não se deve fazer a obra de arte porque a obra de arte é objeto; numa
sociedade neocapitalista ou “de consumo”, o objeto é mercadoria; a
mercadoria, riqueza; a riqueza, poder. (...) O fato estético, enfim, quer ser
apenas um acontecimento (...). De início, a nova tendência se manifesta
como transposição da operação estética, passando da área da produção de
objetos (...) para a área do espetáculo: um espetáculo, naturalmente, cujo
palco é a realidade cotidiana do mundo.” (ARGAN, 1992, 584)
Diante da aparente incongruência de se produzir “objetos de consumo” os artistas se
propõem então a produzir “acontecimentos”, ou seja, realizarem performances que envolvam
ou não objetos e o público presente, cuja duração pode se dar em minutos, horas ou até dias.
Este redirecionamento do objeto para o acontecimento se deu no esforço de, primeiramente,
aproximar arte e vida cotidiana, mas também “escapar” das amarras do mercado de arte
24
.
Entretanto, não foi o que se verificou afinal, pois não apenas qualquer objeto envolvido nas
performances eram vendidos, como também toda a documentação visual produzida:
“As atividades dos artistas desse gênero são inevitavelmente transitórias e
portanto a documentação em forma de entrevistas, fotografias, filmes e
videoteipes é produzida em larga escala para o mercado de arte.”
(WALKER, 1977, 57)
A diferença entre as atuais performances e os “acontecimentos” da década de 1960 e
1970 é que hoje este meio artístico é muito mais utilizado pelos artistas do teatro e da dança
do que pelos próprios artistas plásticos, que seguiram fazendo objetos
25
. A maior parte das
obras de artes visuais que envolvem performances são filmes trabalhados com edição e
efeitos de computador, transformando-se assim em um outro meio, a “vídeo arte”. Os artistas
cênicos, no entanto, geralmente preferem manter o caráter presencial e de envolvimento do
público. Estes perceberam as possibilidades expressivas contidas na performance como um
caminho para uma abordagem mais contemporânea do teatro e da dança. Mas este não
configura um caso isolado. Não é novidade que as artes visuais sejam pioneiras na criação de
novas abordagens que serão desenvolvidas depois em outros contextos, como é o caso da
arquitetura e da publicidade.
Em Maceió, foram poucas as performances realizadas em espaços públicos da cidade,
mas este número tende a aumentar significativamente, pois os artistas cênicos são atualmente
mais atuantes do que os artistas plásticos, conforme se colocou na segunda seção.
Companhias como “Saudáveis Subversivos”, “CIA. LTDA.”, “Infinito Enquanto Truque” e
24
“Os acontecimentos não podem ser negociados como mercadoria artística num sistema capitalista e geralmente
são realizados do lado de fora das galerias de arte para atrair o público em geral.” (WALKER, 1977, 55).
25
Mesmo que tenha havido uma fase de “volta à pintura” na década de 1980, os “objetos” aqui referidos não
dizem respeito apenas aos meios tradicionais, mas a outras linguagens como instalação e intervenção urbana.
Mesmo que se trate da apropriação de objetos cotidianos, a inserção destes em outro contexto já implica em uma
“materialização” da idéia.
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“Cia. do Chapéu” são algumas das que empreendem esforços para desenvolver pesquisas
mais contemporâneas e que já realizaram performances em Maceió
26
. Estas realizações
geralmente dispõem de subsídios públicos ou de empresas através de sua inserção em editais
e concursos como o “Alagoas em Cena” e “Rumos Itaú Cultural Dança”. Assim, se a
princípio estas performances parecem ser acontecimentos caóticos e não planejados, na
verdade estas partem de projetos aprovados e de um treinamento cênico preparatório.
Escolheu-se aqui citar três dessas performances realizadas em Maceió, bastante
distintas, que dão uma idéia geral do que vem se produzindo nesse âmbito. Dos Saudáveis
Subversivos, por exemplo, a ação que obteve mais repercussão foi intitulada de “Desenho do
desejo”, mapeada pelo Rumos Itaú Cultural (artes visuais) e pela Rede Nacional de Artes
Visuais da FUNARTE. Consistiu em uma série de pinturas coletivas, realizadas em vários
locais da cidade, como no Calçadão do Comércio, Centro. Segundo artigo publicado no jornal
Gazeta de Alagoas:
“Os espectadores / transeuntes são convidados a pintar, em uma imensa
tela branca, o seu desenho do desejo. “Já temos 14 dessas pinturas feitas
nas apresentações da intervenção. O objetivo é futuramente fazermos uma
exposição desse material e investir o dinheiro arrecadado em projetos
sociais”, afirma o ator Glauber Xavier”.
Figs. 167 a 170: Imagens da performance “Desenho do Desejo” realizada no Caadão do Comércio, Centro
(Fonte: SS, 2005).
26
Alguns desses grupos criaram a “Cooperativa de Performance”, que é um grupo de estudos e execução de
performances, que mantém parceria com a “Cia. Sentidos Teatro Dança Música Artes Visuais” e o “NACE –
Núcleo Transdisciplinar de Pesquisas em Artes”, este último do Departamento de Artes da UFAL.
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Nesta performance, os artistas se propõem a provocar os “artistas-transeuntes” utilizando
a pintura como meio de interação lúdica entre universos distintos, optando preferencialmente
por lugares movimentados e freqüentados pela população de baixa renda:
“Em Desenho do Desejo a ação libertária acontece dentro da proposta de
construção de um espaço criativo coletivo, que provoque a interatividade
através da total liberdade criativa e técnica, pondo em reflexão a coragem,
a participação, a vontade, o repartir o seu espaço e o respeitar a igualdade
das diferenças como um todo.”
27
Uma outra performance de um dos membros do grupo aqui destacada denomina-se
“Estranho, um cara comum”, que virou o projeto de Mestrado
28
do ator Flávio Rabelo. A
proposta prevê que este ator se fantasie de mendigo e vá ao Centro da Cidade interagir com a
população para experimentar uma outra posição no mundo. Nas palavras do grupo:
“O acontecimento consiste em ficar doze horas sentado em frente à Catedral
Metropolitana da cidade, como quem desiste de ver o mundo da forma que
estava acostumado a ver. Viver nesse breve espaço de tempo, a experiência
de ser (in) visível aos olhos da sociedade fez o autor formular algumas
perguntas: O que é estranho e o que é comum ao olhar de quem passa? O
que muda nesse olhar quando o que era comum fica estranho? Quando arte
e vida se confundem? É possível se chegar a uma resposta para essas
perguntas?”
Figs. 171 a 174: Performance “Estranho, um cara comum”, de Flávio Rabelo, na Praça D. Pedro II
(Fonte: RV, 2005).
A CIA. LTDA
29
, que também pesquisa novas linguagens e meios, empreendeu
recentemente, em 2007, o espetáculo “Recursos Humanos”
30
, realizada na Praça General
Lavenère, no Jaraguá. Entretanto, ao invés de classificá-lo como performance, o grupo se
refere a um “projeto de dança”, porque a intenção maior é investigar as possibilidades
27
Retirado do histórico dos Saudáveis Subversivos, 2007, fornecido pelo grupo.
28
Em andamento na UNICAMP-SP.
29
Direção e coordenação de Jorge Shutze.
30
Também vencedor do “Alagoas em Cena”.
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expressivas do corpo. O “espetáculo” consistiu em uma série de apresentações onde,
perpassando por uma leve estrutura de canos e tule montada na praça, os artistas lançavam-se
a uma dança ritual. O mais importante nesse trabalho é que não há coreografia. Logo, ele é
diferente a cada apresentação, e isto o configura como performance. A música também é
executada ao vivo e sem regras. A interação com o público (os transeuntes) ficou ao encargo
do líder Jorge Shutze, que, “vestido” de fios de elástico amarrados pelo corpo onde prendia
centenas de papéis com poemas, convidava as pessoas a “desnudá-lo” retirando de seu corpo
um desses papéis. Os outros cinco dançarinos interagiam livremente entre si, mas raramente
com o público. Para a execução deste trabalho, os artistas passaram por um estágio
preparatório de cerca de seis meses, explorando as possibilidades da expressão corporal. O
objetivo é entender a dança como algo que é extraído das necessidades do próprio corpo:
“O corpo nesse trabalho é tratado como “cavalo”, apropriando-nos da
nomenclatura que o candomblé e a umbanda utilizam: como se nosso corpo
encontrasse ligações mais profundas com o todo, que ultrapassam o
conhecimento racional, permitindo-nos uma investigação mais profunda de
nós mesmos e de nossa situação. A dança é extraída das próprias
necessidades e reações do corpo, elaboradas a nível ritual e espetacular, no
dia-a-dia de nossa realidade, procurando expressar condições, movimentos
internos e necessidade expressiva do nosso espírito mais profundo.”
31
Figs. 175 a 178: Performance “Recursos Humanos”, da CIA. LTDA., em Jaraguá (Fonte: IP, 2007).
31
Retirado do projeto “Recursos Humanos”, 2006, fornecido pelo grupo.
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As performances, de todos os meios expressivos de arte urbana abordados neste
trabalho até agora, constituem os exemplares mais ligados às pesquisas recentes em arte
contemporânea. Entretanto, a inclusão das mesmas nesta seção se faz pelo viés do efêmero,
pois, como se viu, a maior parte delas é desenvolvida com o apoio e patrocínio de instituições
culturais. Mas a ligação com o público ainda é incipiente. Se por um lado isto provoca maior
estranhamento quando executadas, por outro lado, são acontecimentos tão pontuais que sua
memória e seu impacto (excetuando-se nos circuitos artísticos) são tão efêmeros quanto as
próprias performances. Se a intenção desses trabalhos é a formação de um público mais
sensível e questionador em Maceió, ainda há um longo caminho a ser traçado.
5.2.2 – INSTALAÇÕES E INTERVENÇÕES URBANAS
As instalações são organizações artísticas de ambientes através de elementos
escultóricos ou intervenções em um espaço. É um meio que se vale do conceito mais ampliado
de obra de arte exposto na primeira seção, de obra não como objeto isolado, mas como
catalisadora de experiências no espaço. Neste sentido, este meio possui uma estreita ligação
com a arquitetura, pois também lida primordialmente com a questão do espaço. Já a
intervenção urbana se refere, de modo mais ampliado, a qualquer tipo de intervenção que atue
diretamente sobre a paisagem visando proporcionar re-significações em seu contexto, sem
necessariamente definir um ambiente a ser adentrado e experimentado. De tão incipiente, não
se pode afirmar que em Maceió exista uma expressão de arte urbana que se valha da
instalação e/ou da intervenção urbana. Alguns poucos e isolados exemplos
32
não poderiam
configurar uma categoria nesta pesquisa, pois, diferentemente do caso das performances,
atualmente nenhum indício aponta para um maior desenvolvimento desses meios em Maceió.
Escolhemos citar aqui apenas uma intervenção urbana, intitulada “Lambe-lambe”, de
autoria de Renata Voss e Flávio Rabelo (autor da performance “Estranho”) e realizada em
2005. A intervenção consistiu em espalhar por diversos lugares do centro da cidade cartazes
“não-publicitários”, com imagens do artista associada a frases como “eu tô com fome”, “olhos
da cara” e, coincidentemente, “olho da rua”. Finalizar esta pesquisa mencionando este
trabalho foi uma forma de, simbolicamente, retomar a força da expressão “no olho da rua”
com a qual iniciamos nossa explanação. Como colocou T.S.Elliot, o fim de toda busca
32
A título de exemplo, sublinha-se aqui uma instalação concebida pelos bolsistas do grupo de pesquisa Estudos
da Paisagem, liderado pela Professora Maria Angélica da Silva, da UFAL, em 2004. Tratava-se de um ambiente
a ser adentrado, instalado na Praça Dois Leões, com o objetivo de transmitir a experiência sensorial da paisagem
brasileira do séc. XVI experimentada pelo olhar holandês, quando da presença destes no território nacional. Este
exemplo foi escolhido devido ao fato de ser uma das únicas intervenções artísticas na cidade que teve
participação efetiva de alunos do curso de arquitetura e urbanismo da UFAL.
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consiste em retornar ao lugar de onde partimos e o conhecermos pela primeira vez.
Figs. 179 a 181: Intervenção “Lambe-lambe”, de Renata Voss e Flávio Rabelo (Fonte: RV, 2005).
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BIBLIOGRAFIA
1- LIVROS:
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