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fornece uma variada e detalhada gama de informações sobre agentes, agências,
eventos, bem como sobre o espírito libertário que caracterizou aquele momento
particular:
Mil novecentos e setenta e sete...
Fátima Almeida* (Página 20, 17.09.2003)
Meados dos anos 70 assinalam um período conhecido por quase todos como de efervescência
cultural, em âmbito urbano, que coincide com uma fase de conflitos no campo - um barril de pólvora
com estopim curto. Chegavam os paulistas, adquiriam os seringais mais próximos às urbes e botavam
abaixo as florestas para fazer pasto de boi (...) As perdas no âmbito da biodiversidade foram
incalculáveis. Os custos sociais foram e têm sido pagos pela sociedade: o desemprego, a violência, a
perda progressiva na qualidade da educação, a impossibilidade da saúde pública de resolver problemas
que têm sua origem na falta de saneamento e na baixa escolaridade.
Na cidade de Rio Branco, por um feliz acaso, deu-se a confluência de pessoas que aliaram sua
criatividade artística a uma tendência para promover a reflexão crítica e com isso mobilizar a opinião
pública. A par, é claro, com o movimento nacional de mobilização pela restauração do Estado de Direito
violado pelos Atos Institucionais da Ditadura Militar. Na imprensa, entrou em ação o jornal O Varadouro,
com Silvio Martinello, Elson Martins, Arquilau Melo e uma série de colaboradores. No tocante às artes,
Gregório Filho retorna ao Acre, como filho pródigo, e dá início a uma serie de ações, com apoio de
pessoas que ocupavam cargos no Governo, como a professora Maria José Bezerra dos Reis, por
exemplo, quando surgiu o DAC (Departamento de Ação Cultural), com Gregório Filho e Laélia
Rodrigues, que passaram a traçar políticas como um programa na rádio veiculando MPB, cursos de
artes, num dos quais, ministrado por Genésio Fernandes, artista plástico, despontou Hélio Melo [pintor
acreano da tela usada na capa deste trabalho]; projeção de filmes de arte, em 16 milímetros, que não
eram exibidos nos cinemas locais, tais como Vidas Secas, Tenda dos Milagres, Joana a Francesa e
outros do cinema nacional, todas as realizações do neo-realismo italiano, Bergmann, Charles Chaplin e
outros. O cineclube Aquiry, como os demais cineclubes no país, foi uma escola de ciência política no
Acre de então, onde existia uma Universidade refratária e ao mesmo tempo com uma porta aberta, já
que o Cineclube instalou-se de início nas dependências dela e com total apoio do Departamento de
Assuntos Comunitários.
E ainda tivemos início ao teatro de vanguarda no Acre, com o grupo Ensaio, dirigido pelo próprio
Gregório. Tudo isso acompanhado de perto pelo primeiro repórter das artes no Acre, Chico Pop, que
aliás foi quem trouxe o Gregório para uma apresentação no Juventus, bastante decisiva para os novos
rumos que a Cultura iria tomar no Acre.
Na música, Antonio Manoel, Mário Sérgio e outros criaram o Grupo Raízes, equipado, que
realizava shows de MPB no Acre, quando se ouvia muitas vezes Geraldo Vandré e Chico Buarque.
Aconteceu ainda, o primeiro show que inaugurou a tendência geral nas artes de tomar como temática a
problemática do campo: Flora Sonora, com os compositores intérpretes Pia Vila, Felipe Jardim e Beto
Brasiliense. A composição dele, “1877”, é um clássico: “Mil oitocentos e setenta e sete, tudo seco no
Nordeste; foi o tempo que eu saí de lá, à procura de um lugar (...) agora cem anos depois, a mata pega
fogo e eu sei que sou dois, sou ainda quem ficou lá, sou também quem veio pra cá (...)”.
Márcia Cabral, atriz goiana, Cleber Barros, Carlitinho, Naylor e outros montam o espetáculo
“Agonia de um Sonho”, na Praça dos Tocos. O tema era bem a propósito: a Inconfidência. E daí
começaram a surgir grupos de teatro por toda parte, em especial aqueles ligados às Comunidades
Eclesiais de Base. A senadora Marina começou sua vida política ensaiando Morte e Vida Severina, na
Paróquia da Santa Inês, segundo Naylor George, que fez parte do grupo. O historiador Carlos Alberto, o
delegado José Alves, o professor Henrique Silvestre, o jornalista Altino Machado, o diretor de teatro
Betho Rocha, o vice-governador Arnóbio Marques e muitos outros fizeram teatro amador nesse
período.
De forma singular, a capital do Acre não tinha um Teatro, como Belém e Manaus, onde a
prosperidade do ouro negro doou para os moradores dois magníficos espaços.
Em 1977, aportam ainda em Rio Branco, oriundos do Rio de Janeiro, dois intelectuais com as
barbas da esquerda brasileira, um loiro e um moreno, ambos nordestinos, Jayme Ariston e seu parceiro
Álvaro Salmito.
Jayme havia sofrido perseguições políticas em Natal. Exonerado sumariamente, foi para o Rio,
recém-casado, onde ingressou no SESC e veio fundar a delegacia do Acre. Empreendedor, sociólogo,
fez de imediato uma apreensão da realidade, das forças políticas locais, articulou-se com a Igreja, (...)