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CÍNTIA REGINA DE ARAÚJO
ESTRATÉGIAS DISCURSIVAS NA COMISSÃO PARLAMENTAR MISTA DE
INQUÉRITO DOS CORREIOS: O CASO ROBERTO JEFFERSON
Belo Horizonte
Faculdade de Letras da UFMG
2008
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CÍNTIA REGINA DE ARAÚJO
ESTRATÉGIAS DISCURSIVAS NA COMISSÃO PARLAMENTAR MISTA DE
INQUÉRITO DOS CORREIOS: O CASO ROBERTO JEFFERSON
Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em
Estudos Lingüísticos da Faculdade de Letras da
Universidade Federal de Minas Gerais, como requisito
parcial para a obtenção do título de Doutor em
Lingüística.
Área de Concentração: Linha E – Lingüística
Linha de Pesquisa: Análise do Discurso
Orientador: Prof. Dr. Renato de Mello
Co-orientador: Prof. Dr. William Augusto Menezes
Belo Horizonte
Faculdade de Letras da UFMG
2008
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Araújo, Cíntia Regina de.
A663e Estratégias discursivas na Comissão Parlamentar Mista de Inquéritos dos Correios
[manuscrito]: o caso Roberto Jefferson / Cíntia Regina de Araújo. – 2008.
275 f., enc.: il. color. + 1 CD-ROM
Orientador: Renato de Mello.
Co-orientador: William Augusto Menezes.
Área de concentração: Lingüística.
Linha de Pesquisa: Análise do discurso.
Inclui CD com depoimentos e pronunciamentos de Roberto Jefferson.
Tese (doutorado) Universidade Federal de Minas Gerais, Faculdade de
Letras.
Bibliografia: f. 268-274.
Anexos: f. 275, CD-ROM
1. Análise do discurso – Teses. 2. Retórica – Teses. 3. Políticos Brasil
LinguagemTeses. 4. Persuasão (Retórica) – Teses. 5. Serviço postal Brasil
Teses. 6. Comissões parlamentares de inquérito – Brasil – Teses. 7. Emoções
Teses. 8. Comunicão – Linguagem Teses. 9. Representação (Filosofia)
Teses. 10. neros discursivosTeses. 11. Estratégia discursiva – Teses.
I. Mello, Renato de. II. Universidade Federal de Minas Gerais. Faculdade de
Letras. III. Título.
CDD: 418
Faculdade de Letras
Universidade Federal de Minas Gerais
Programa de Pós-Graduação em Estudos Lingüísticos
Tese intitulada “Estratégias discursivas na CPMI dos Correios: o caso Roberto Jefferson”,
de autoria da doutoranda Cíntia Regina de Araújo, apresentada à Banca Examinadora
constituída pelos seguintes professores:
___________________________________________________________________________
Prof. Dr.
Renato de Mello – UFMG - Orientador
___________________________________________________________________________
Prof. Dr. William Augusto Menezes – UFOP - Co-orientador
___________________________________________________________________________
Prof
a
Dr
a
Juliana Alves Assis - PUC Minas
___________________________________________________________________________
Prof
a
Dr
a
Ida Lúcia Machado - UFMG
___________________________________________________________________________
Prof
a
Dr
a
Helcira Maria Rodrigues de Lima – UFMG
___________________________________________________________________________
Prof
a
Dr
a
Jane Quintiliano Guimarães Silva - PUC Minas
Belo Horizonte, 17 de dezembro de 2008
Para Rogério
“A democracia é um sistema de governo
no qual uma minoria esperta explora uma
maioria ingênua”.
(Zé Leôncio, personagem de Cláudio Marzo
em “O Pantanal”)
AGRADECIMENTOS
Em especial a Deus, por ter me amparado, confortado e acalmado meu coração, durante esta
etapa.
Ao professor William Menezes, pela orientação precisa e segura, pelo incentivo mediante as
dificuldades e pela compreensão perante minhas dúvidas.
Ao professor Renato de Mello, por ter assumido, oficialmente, a responsabilidade de minha
pesquisa junto ao POSLIN e por me atender, sempre, com disposição, eficiência e atenção.
À professora Vanda Bittencourt, pelos ensinamentos, pela amizade, pelos conselhos e pelos
incentivos.
A professora Juliana Assis, pelos ensinamentos ao longo de minha trajetória acadêmica e pelo
exemplo de educadora e pesquisadora.
Ao professor Bruno Reis, do curso de Ciências Políticas da UFMG, pelos esclarecimentos e
pela atenção.
Aos meus alunos que todos os dias me ensinam o quanto a afetividade é importante ao
aprendizado.
A Isabel, minha professora de francês e minha amiga, pelos chás, pelos ensinamentos e pelo
incentivo de que eu era mais capaz do que eu poderia imaginar.
Ao Ricardo Andrade de Pádua e ao Dr. Hugo Alejandro Cano Prais por fazerem com que eu
acreditasse em mim e ignorasse as críticas destrutivas.
Ao Gegê, meu grande amigo, por ter me ajudado ao longo de toda a minha trajetória
estudantil.
Ao Igor, meu amigo, pelas palavras de incentivo e pela ajuda na leitura de alguns textos.
A Roseni, pelos diálogos e, sobretudo, pelo incentivo.
Ao Rogério, por acreditar em mim e ter me acompanhado durante esta jornada tão árdua.
Aos meus sobrinhos, alegria de meus dias, que me fazem ver que, apesar de tudo, a vida ainda
vale a pena.
A Cida, secretária do POSLIN, por me atender com respeito e eficiência;
A CAPES pelo financiamento de parte desta pesquisa.
RESUMO
O objetivo deste trabalho é analisar as principais estratégias discursivas utilizadas por Roberto
Jefferson durante a CPMI dos Correios, tendo como fio condutor o exame das provas
persuasivas aristotélicas: ethos e pathos e logos. A partir dos pressupostos teóricos da Teoria
Semiolingüística de Patrick Charaudeau (1983, 1992), da Retórica de Aristóteles (2005) e da
Nova Retórica de Perelman e Olbrechts-Tyteca (2000), procedemos à análise dos contratos
comunicacionais estabelecidos em cada um dos gêneros discursivos constitutivos do evento
da CPMI dos Correios (depoimento e pronunciamento) bem como das estratégias agenciadas
pelo sujeito falante. Postulamos que as provas ethos, pathos e logos constituem, com
destaque, o plano argumentativo do discurso da CPMI dos Correios, podendo, inclusive,
compor um modo de organização discursiva, o retórico. O logos (a dimensão técnica) sustenta
o pathos (a dimensão emocional) e o ethos, o anti-ethos e o pró-ethos (a dimensão
representacional), sendo a dimensão representacional a principal prova persuasiva agenciada
durante o processo argumentativo. As dimensões argumentativas foram mobilizadas tendo em
vista as representações sociodiscursivas do grupo social no qual o sujeito falante estava
inserido e do qual fazia parte.
Palavras-chave: estratégias discursivas, CPMI dos Correios, ethos, anti-ethos, pró-ethos,
pathos, logos, contrato comunicacional, gênero discursivo, modo de organização retórico,
dimensão representacional, dimensão emotiva, dimensão técnica, representações
sociodiscursivas.
R É S U M É
Cette thèse porte sur l’analyse des principales stratégies discursives manoeuvrées par Roberto
Jefferson pendant la CPMI de la Poste tout en s’appuyant sur l’hypothèse de la prédominance
des preuves aristotéliques de l’ethos, du pathos et du logos dans son discours. Ainsi, à partir
des présuppositions théoriques de la Théorie miolinguistique de Charaudeau (1983), de la
Réthorique d’Aristote (2005) et de la Nouvelle Rhétorique de Perelman et Olbrechts-Tyteca
(2000), on a procédé à l’examen des contrats communicationnels établis dans chaque genre
discursif constitutif de l’événement linguistique (dépositon et prononcement) ainsi qu’à
l’examen des estratégies menées par le sujet parlant. On a vérifié que les preuves ethos,
pathos et logos constituent le plan argumentatif du discours de la CPMI et peuvent, tout de
même, composer un mode d’organisation discursive, à savoir, le réthorique. Le logos (la
dimension technique) soutient le pathos (la dimension émotionnelle) et l’ethos, anti-ethos,
pró-ethos (la dimension représentationnelle), celui-ci étant la principale preuve manoeuvrée
pendant le discours argumentatif. Ces dimensions ont été mobilisées tout en prenant pour
repère les représentations sociodiscursives du groupe auquel le sujet parlant appartenait et
dans lequel celui-ci s’insérait.
Mots-clés: stratégies discursives, CPMI de la Poste, ethos, anti-ethos, pró-ethos, pathos,
logos, contrat communicationnel, genre discursif, mode d’organisation réthorique, dimension
représentationnelle, dimension émotionnelle, dimension technique, représentations
sociodiscursives.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
FIGURA 1 - Instâncias de fabricação do discurso político......................................................35
FIGURA 2 - Modo de organização discursiva retórico............................................................78
FIGURA 3 - A relação entre os principais escândalos...........................................................107
FIGURA 4 - Principais personagens da trama do “Mensalão” ..............................................111
FIGURA 5 - Dinâmica argumentativa do depoente junto à CPMI dos Correios...................115
FIGURA 6 - Instâncias de fabricação do pronunciamento durante CPMI dos Correios .......124
FIGURA 7 - Instâncias de fabricação do depoimento durante CPMI dos Correios...............134
FIGURA 8 - O narrador-protagonista é inserido na trama pela mídia como vilão ................195
FIGURA 9 - O narrador-protagonista denuncia o esquema do “Mensalão”..........................195
FIGURA 10 - O narrador-protagonista tece discurso de justificação ....................................198
FIGURA 11 - O narrador-protagonista tece discurso de acusação ........................................199
FIGURA 12 - Imagens de si construídas pelo narrador-protagonista durante a CPMI dos
Correios ..........................................................................................................252
FIGURA 13 - Principais imagens de si produzidas pelo narrador-protagonista durante a CPMI
dos Correios....................................................................................................253
QUADRO 1 Ordem dos depoimentos dados pelos principais indiciados à CPMI dos
Correios ..........................................................................................................108
QUADRO 2 Tese principal e alguns argumentos do depoente agenciados durante a CPMI
dos Correios....................................................................................................143
QUADRO 3 Estruturas modais e comparativas e seus possíveis efeitos discursivos .........147
QUADRO 4 Principais imagens agenciadas pelo locutor durante a CPMI dos Correios ...172
QUADRO 5 Referentes do pronome “nós” e possíveis efeitos discursivos........................174
QUADRO 6 Referentes da “expressão” “a gente” e possíveis efeitos discursivos.............176
QUADRO 7 Principais personagens inseridas na trama pelo narrador-protagonista..........202
QUADRO 8 Caracterização do Presidente Lula no início da CPMI dos Correios .............222
QUADRO 9 Caracterização do Presidente Lula no final da CPMI dos Correios ...............226
QUADRO 10 Caracterização do povo a partir da caracterização de Lula ............................241
QUADRO 11 Caracterização do povo a partir da caracterização da família e dos amigos do
narrador-protagonista......................................................................................242
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ABIN - Agência Brasileira de Inteligência Nacional
COAF - Conselho de Controle de Atividades Financeiras
CPI - Comissão Parlamentar de Inquérito
CPMI - Comissão Parlamentar Mista de Inquérito
DNIT - Departamento Nacional de Transportes
ECT - Empresa de Correios e Telégrafos
ELETRONORTE - Centrais Elétricas do Norte do Brasil S/A
ELETRONUCLEAR - Eletrobrás Termonuclear S/A
EMBRATUR - Empresa Brasileira de Turismo
IRB - Instituto de Resseguros do Brasil
MOA - Modo de organização argumentativo - FIG. 5
MOD - Modo de organização descritivo - FIG. 5
MOE - Modo de organização enunciativo - FIG. 5
MON - Modo de organização narrativo - FIG. 5
PL - Partido Liberal
PMDB - Partido do Movimento Democrático Brasileiro
PP - Partido Progressista
PT - Partido dos Trabalhadores
PTB - Partido Trabalhista Brasileiro
TRANSPETRO - Petrobrás Transportes S/A
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO ....................................................................................................18
1.1. O tema da pesquisa.................................................................................................18
1.2. A trajetória da pesquisa ..........................................................................................27
1.2.1. Ponto de partida......................................................................................................27
1.2.2. Objetivos da pesquisa .............................................................................................28
1.2.3. Abordagem proposta ..............................................................................................28
1.3. A organização do trabalho......................................................................................29
2. O DISCURSO POLÍTICO: UM EVENTO COMUNICATIVO .....................31
2.1. A en(cena)ção no discurso político ........................................................................31
2.1.1. Nível situacional: restrições contratuais do discurso político ................................34
2.1.1.1. A identidade das instâncias políticas......................................................................34
2.1.1.2. A finalidade do discurso político............................................................................43
2.1.1.3. As circunstâncias materiais do discurso político....................................................44
2.1.1.4. O domínio de saber veiculado pelo discurso político.............................................45
2.1.2. Nível discursivo: estratégias discursivas................................................................47
2.1.2.1. As estratégias discursivas na Análise do Discurso.................................................47
2.1.2.2. As estratégias discursivas no discurso político ......................................................51
2.1.3. Nível semiolingüístico: escolhas lingüísticas e efeitos discursivos........................53
2.1.3.1. A escolha das estruturas sintáticas..........................................................................55
2.1.3.2. A escolha lexical.....................................................................................................59
3. MODOS DE ORGANIZAÇÃO DO DISCURSO..............................................62
3.1. Os modos de organização do discurso: formas semiotizadas do mundo................62
3.2. Modo de organização discursiva enunciativo.........................................................63
3.3. Modo de organização discursiva narrativo.............................................................66
3.4. Modo de organização discursiva descritivo............................................................69
3.5. Modo de organização discursiva argumentativo ....................................................71
3.6. Modo de organização discursiva retórico...............................................................76
3.6.1. A dimensão representacional: imagens de si e do outro ........................................78
3.6.2. A dimensão técnica: provas demonstrativas...........................................................87
3.6.3. A dimensão emotiva: emoções, desejos e ações ....................................................91
4. METODOLOGIA E CONDIÇÕES DE PRODUÇÃO DO DISCURSO ......102
4.1. Estrutura e funcionamento de uma Comissão Parlamentar de Inquérito .............102
4.2. A Comissão Parlamentar Mista de Inquérito dos Correios ..................................104
4.3. Constituição, seleção e tratamento do corpus ......................................................108
4.4. Procedimentos metodológicos..............................................................................113
5. ROBERTO JEFFERSON: IMAGENS DE SI E DO OUTRO.......................118
5.1. A en (cena) ção na CPMI dos Correios................................................................119
5.1.1. O pronunciamento: considerações gerais .............................................................120
5.1.1.1. As instâncias de produção e recepção ..................................................................122
5.1.1.2. A finalidade do contrato .......................................................................................126
5.1.1.3. O conteúdo temático do contrato..........................................................................127
5.1.2. O depoimento: considerações gerais ....................................................................127
5.1.2.1. As instâncias de produção ....................................................................................131
5.1.2.2. As instâncias de recepção.....................................................................................133
5.1.2.3. A finalidade do contrato .......................................................................................134
5.1.2.4. O domínio temático do contrato...........................................................................135
5.2. As escolhas lingüísticas do sujeito falante: um passeio pelo bosque das palavras e
da sintaxe..............................................................................................................135
5.2.1. Estruturas sintáticas hipotáticas e paratáticas.......................................................136
5.2.1.1. Orações “contrastivas”: subordinadas concessivas ..............................................137
5.2.1.2. Orações coordenadas aditivas...............................................................................141
5.2.1.3. Orações coordenadas explicativas........................................................................143
5.2.1.4. Orações subordinadas modais ..............................................................................145
5.2.1.5. Orações subordinadas comparativas.....................................................................146
5.2.1.6. Orações coordenadas conclusivas ........................................................................148
5.2.1.7. Orações “contrastivas”: coordenadas adversativas...............................................148
5.2.1.8. Orações subordinadas causais ..............................................................................151
5.2.1.9. Orações subordinadas condicionais......................................................................153
5.2.1.10. Orações subordinadas conformativas ...................................................................154
5.2.1.11. Orações intercaladas/interferentes........................................................................155
5.2.1.12. Orações subordinadas adjetivas............................................................................156
5.2.2. Seleção lexical: figuras retóricas e campos lexicais.............................................157
5.2.2.1. O campo lexical do espetáculo político: o político honesto e sério......................159
5.2.2.2. Campo lexical da traição: a vítima .......................................................................160
5.2.2.3. O campo lexical do medo: o corajoso ..................................................................162
5.2.2.4. Campo lexical do sacrifício: o profeta..................................................................163
5.3. O dispositivo enunciativo: os jogos do locutor ....................................................165
5.3.1. O jogo de formas pronominais e nominais: as máscaras do locutor ....................166
5.3.1.1. O uso do pronome “eu” ........................................................................................166
5.3.1.2. O uso do pronome “nós” ......................................................................................173
5.3.1.3. O uso da “expressão” “a gente”............................................................................175
5.3.1.4. O uso da forma nominal “o PTB".........................................................................176
5.3.2. O jogo de relações enunciativas: os vínculos estabelecidos pelo locutor.............178
5.3.2.1. O locutor e o povo: a afetividade..........................................................................179
5.3.2.2. O locutor e os parlamentares: a intimidação ........................................................179
5.3.2.3. O locutor e a mídia: o acordo e a acusação ..........................................................182
5.3.3. O jogo de posicionamentos enunciativos: a verdade do locutor ..........................186
5.3.4. O jogo de “vozes” enunciativas: as testemunhas do locutor ................................191
5.4. A narratividade: a história do “Mensalão” na perspectiva do herói.....................194
5.4.1. Os “inimigos” do herói.........................................................................................204
5.4.1.1. O presidente, os parlamentares, os órgãos públicos e as empresas privadas........204
5.4.1.2. A mídia .................................................................................................................210
5.4.2. Os “amigos” do herói ...........................................................................................212
5.4.2.1. O povo ..................................................................................................................213
5.5. A organização descritiva: imagens do outro.........................................................218
5.5.1. Lula: de “homem do povo” a “rei ingênuo, hipócrita e omisso”..........................220
5.5.2. A cúpula do Partido dos Trabalhadores: os “fariseus”.........................................229
5.5.3. A Agência Brasileira de Inteligência Nacional (ABIN): a “polícia do governo” 235
5.5.4. A Revista Veja: a “conspiradora”.........................................................................237
5.5.5. O povo: os “discípulos” leais................................................................................240
5.6. A cena argumentativa: valores das personagens ..................................................243
5.6.1. O domínio da verdade e da ética: o herói e seus "inimigos”................................244
5.6.2. O domínio do estético, do hedônico e do ético: o herói e seus “amigos” ............247
5.7. A cena retórica: (des) construção de imagens de si e possíveis efeitos discursivos
..............................................................................................................................250
5.7.1. A metamorfose do vilão: nasce um profeta, forma-se um herói ..........................250
5.7.2. A desconstrução do vilão......................................................................................250
5.7.3. A fragmentação do “eu” .......................................................................................252
5.7.4. O nascimento do profeta.......................................................................................256
5.7.5. A formação do herói.............................................................................................262
6. CONCLUSÃO.....................................................................................................264
REFERÊNCIAS .................................................................................................268
ANEXOS .............................................................................................................275
Estratégias Discursivas na CPMI dos Correios: O Caso Roberto Jefferson
__________________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________________________________________
Introdução
18
1. INTRODUÇÃO
1.1. O tema da pesquisa
“A corrupção nasceu com Adão, implementou-se
com Eva e terminará quando o último homem
sair da face da terra”.
Jarbas Passarinho
Neste trabalho, discutiremos as estratégias discursivas colocadas em cena por Roberto
Jefferson durante a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito dos Correios, doravante CPMI
dos Correios. Consideramos importante ressaltar que, embora tenhamos tecido alguns
comentários, sucintos, a respeito da política, nosso trabalho é de natureza lingüística. O que se
pode aventar é que a análise do discurso proferido pelo então deputado durante o evento
1
nos
permitiu pôr em cena algumas questões relativas aos valores, às crenças e às práticas dos
parlamentares brasileiros. Nesse sentido, privilegiamos a política em forma de discurso que
remete, conseqüentemente, à ação - falar é uma forma de ação -, sem, no entanto,
desconsiderar que “a reflexão sistemática sobre a política é um passo necessário para o
aperfeiçoamento das práticas e instituições políticas” (BEZERRA, 1999, p. 11).
Ao iniciar a pesquisa, nossa intenção era analisar não só as estratégias agenciadas por Roberto
Jefferson, mas também por outros protagonistas do evento como: Mauricio Marinho, José
Dirceu, Delúbio Soares e Marcos Valério. Pretendíamos realizar uma análise contrastiva,
tendo em vista comparar fragmentos discursivos de cada um dos indiciados em momentos
(início, meio e fim) e situações (depoimento e pronunciamento) distintas, além das estratégias
adotadas por cada um deles em cenários diversos (Plenário da Câmara dos Deputados,
Comissão de Ética na Câmara dos Deputados e CPMI dos Correios no Senado Federal).
Nesse sentido, o corpus inicial da pesquisa era constituído de dez textos
2
escritos (seis
1
Consideramos o discurso da CPMI dos Correios um evento discursivo único, um grande acontecimento
político-discursivo, poderíamos assim dizer, para o qual concorreram: i) a produção discursiva restrita à
Comissão Parlamentar Mista; ii) a produção discursiva restrita ao Comitê de Ética da Câmara dos Deputados; iii)
a produção discursiva no Plenário da mara dos Deputados, através de pronunciamentos específicos em torno
de fatos que deram origem à convocação da Comissão, e uma série de reportagens, informações e documentos
postos em circulação pela mídia.
2
Consideramos texto a materialidade lingüística, o produto acabado, plausível de ser analisado.
Estratégias Discursivas na CPMI dos Correios: O Caso Roberto Jefferson
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Introdução
19
depoimentos e quatro pronunciamentos
3
), referentes ao esquema de compra de votos de
parlamentares e financiamento de campanhas eleitorais, em 2005 (escândalo do “Mensalão”).
No entanto, foi necessário redefinir o corpus. Assim, restringimos o trabalho à análise das
estratégias agenciadas por Roberto Jefferson em pronunciamentos e depoimentos dados
durante a CPMI dos Correios, tendo em vista a importância desse sujeito no evento.
O que nos motivou, a princípio, a realizar a pesquisa não foi propriamente o objeto
“estratégias”, mas, sim, o material discursivo que, depois de ter sido pronunciado, trouxe - e
continua acarretando - conseqüências sociais e políticas complexas: salientou a crise da
instituição política e do Partido dos Trabalhadores (PT) que, por sua vez, pôs a nu outra crise -
a crise da democracia representativa e de seus valores.
Conforme Corrêa (2005), após as denúncias terem vindo à tona, na e pela mídia, houve um
espanto geral por grande parte do povo brasileiro: o PT, cuja bandeira política levantada desde
sua criação em 1980 era a ética, estava, no decorrer dos acontecimentos discursivos, sob
análise em escândalos de corrupção
4
. O autor salienta que os brasileiros ficaram surpresos não
pelas denúncias que ocupavam as páginas da seção de política dos jornais nacionais -
compra de votos, tráfico de influência, desvio de dinheiro público, falsas declarações sobre os
gastos com campanhas, negociatas de cargos, nepotismo -, mas também pelo fato de o PT -
última esperança para muitos que votaram no Presidente Lula - ser o principal envolvido
nessas denúncias de corrupção. “Afinal de contas, não era qualquer partido. Era o PT
3
Dos depoimentos, quatro foram dados à CPMI dos Correios, no Senado Federal, ao passo que os outros dois
foram realizados na Comissão de Ética da Câmara dos Deputados. os pronunciamentos foram realizados na
Tribuna da Câmara dos Deputados.
4
A palavra corrupção, de origem latina “corruptione”, significa corrompimento, decomposição, devassidão,
depravação, suborno, perversão, peita. Na linguagem política contemporânea, a corrupção sempre assume uma
conotação negativa, o que, visto em uma perspectiva histórica, não foi sempre assim. Historicamente, a
corrupção esteve associada ao conceito de legalidade, ou seja, corrupto era caracterizado aquele que não seguia
as leis existentes. Mesmo determinados termos extremamente negativos que atualmente são usados para designar
formas de corrupção, como a peita, o nepotismo e o peculato, não tinham essa conotação até poucas décadas:
a peita estava instituída como um pacto entre os fidalgos e a plebe; o nepotismo era reconhecido como um
princípio de autoridade da Igreja na Idade Média, segundo o qual os parentes mais próximos do Papa tinham
privilégios e, posteriormente, a expressão “receber o boi” passou a ser usada para designar “troca de favores”,
pois o gado servia como uma forma de moeda em certas regiões rurais. O termo peculato, atualmente utilizado
para caracterizar favorecimento ilícito com o uso de dinheiro público, continua com essa referência histórica de
que para ter acesso a determinados privilégios é necessário um favor em forma de contrapartida. No Brasil se
associa a esse contexto histórico a assim chamada Lei de Gérson, ou seja, o comportamento de querer “tirar
vantagem em tudo”, pressupondo que os sujeitos aguardam o máximo possível de benefícios, visando
exclusivamente o benefício próprio. Esse tipo de comportamento, contudo, se adapta perfeitamente ao “espírito
capitalista”, como pré-condição esperada dos seres humanos numa sociedade centrada nos valores da economia
de mercado (ANDRIOLI, 2006, p. 1-2).
Estratégias Discursivas na CPMI dos Correios: O Caso Roberto Jefferson
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Introdução
20
“militante e operário”, o PT que ao longo dos anos denominara-se “socialista”, o “partido do
social”, a “esquerda da política no parlamento”” (CORRÊIA, 2005, p. 2).
Ainda segundo Corrêa, como se não bastassem as denúncias de corrupção que pesavam sobre
a direita e o centro, a “esquerda” naquele momento fora atingida. O sentimento nas ruas,
expresso pela maioria, parecia ser o de que “tudo estava perdido”, “a política é isso aí, não
adianta esperar nada desses corruptos”, “esse sistema está corrompido” ou “nada neste País
funciona mesmo”. As representações sociodiscursivas
5
“negativas” referentes à política
pareciam tomar corpo nas denúncias que iam surgindo a cada dia.
No entanto, para o autor, não era o PT que estava envolvido nas denúncias de corrupção,
mas boa parte dos partidos e dos políticos brasileiros. A compra de votos, as propinas das
grandes empresas, o cabide de empregos, tudo isso não era criação do governo do Presidente
Lula. Era, pelo contrário, cena antiga no palco da política institucional brasileira. Não era,
portanto, um problema exclusivo de um partido, mas da lógica institucional do Estado
Brasileiro.
Nessa perspectiva, é importante ressaltar que, em todos os momentos da política brasileira,
houve crises, mas o que presenciávamos naquele momento era mais do que uma crise. Era
uma política do PT que desnudava a crise da democracia representativa e de seus valores. O
que víamos com as denúncias era apenas um sintoma de algo que vai mal muito tempo.
Nas palavras de Corrêa, a democracia representativa parece estar deixando de ser suficiente
para solucionar problemas da humanidade, esvaziando-se de seu conteúdo, não servindo para
outra coisa senão para alienar as pessoas, dando a imagem de que “a política é para os
políticos”.
Assim, conforme Corrêa, assistíamos à crise da democracia liberal e social e à insuficiência
da democracia representativa. Sabemos que o processo de construção democrática enfrenta
hoje no Brasil um problema cuja origem está na existência de uma confluência entre dois
processos políticos distintos. Por um lado, há um processo de alargamento da democracia, que
se expressa na criação de espaços públicos e na crescente participação da sociedade civil, por
5
Discursos sociais que testemunham sobre o saber de conhecimento sobre o mundo ou sobre um saber de
crenças que encerram sistemas de valores dos quais os indivíduos se dotam para julgar a realidade
(CHARAUDEAU; MAINGUENEAU, 2004, p. 433).
Estratégias Discursivas na CPMI dos Correios: O Caso Roberto Jefferson
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meio dos processos de discussão e de tomada de decisão relacionados às questões políticas
públicas. Por outro lado, com a eleição de Collor em 1989 e como parte da estratégia do
Estado para a implementação do ajuste neoliberal, a emergência de um projeto de Estado
mínimo que se isenta progressivamente de seu papel de garantidor de direitos, através do
encolhimento de suas responsabilidades sociais e sua transferência para a sociedade civil.
Portanto, acreditávamos que a análise dos pronunciamentos e depoimentos, durante o período
da CPMI dos Correios, pudesse permitir identificar valores e atitudes circulantes frente à
construção do espaço sociopolítico democrático em nosso País.
Outro fator que nos despertou para a realização da pesquisa foi o interesse em analisar a
dinâmica argumentativa, enquanto espaço de constituição de identidades e construção de
ação, que se estabeleceu entre os interlocutores. Descrever e analisar as estratégias discursivas
agenciadas nos depoimentos e pronunciamentos durante a CPMI dos Correios poderia
contribuir para revelar alguma coisa “positiva” no espaço sociopolítico? Ao pôr a nu a crise
política, a crise do PT e, conseqüentemente, a crise da democracia representativa, os
depoimentos e pronunciamentos implicavam duas questões fundamentais. Por um lado,
reacendiam reflexões quanto à corrupção, no sentido de que é possível “mudar/transformar” a
sociedade - as CPIs e CPMIs são praxes “positivas” uma vez que emergem de grupos sociais
preocupados com uma nova ética. Por outro, reforçavam a imagem “negativa” da política
brasileira “todos os políticos são corruptos”, “não solução para o Brasil”. E não
podíamos deixar de observar que os depoimentos e pronunciamentos se tornavam, também,
palcos de disputas entre projetos políticos distintos e de dramatização/espetacularização da
política nacional.
Em outro plano, nos motivou o fato de que o trabalho possui uma importância teórica, uma
vez que o tema sobre a discursividade política contemporânea é bastante complexo e está em
discussão, carecendo de mais pesquisas. Também é importante salientar que não encontramos
estudos específicos sobre as estratégias discursivas agenciadas por participantes de CPMIs,
especialmente uma tão complexa quanto a dos Correios, além do que ainda vivenciávamos o
fato e suas conseqüências. Próximos ao momento eleitoral, a cada dia surgiam novos dados,
novos nomes, todos imbricados ao caso, como denúncias de corrupção, corporativismo, venda
de votos. Nesse sentido, o estudo nos parecia também ser relevante, tendo em vista que
estaríamos abordando um assunto que estava em curso e fazia parte das problemáticas
contemporâneas do País. As ações de parlamentares voltadas para o clientelismo e o benefício
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próprio abrem uma lacuna no processo de democratização do País, pondo a nu a corrupção
praticada por vários agentes, dentre eles, deputados, senadores, empresas privadas e públicas,
em detrimento dos direitos dos cidadãos.
Não constitui nosso interesse, neste trabalho, o estudo sobre a corrupção. Mas acreditamos ser
importante tecer algumas considerações sobre o tema, uma vez que a CPMI dos Correios foi
instaurada com a finalidade de apurar denúncias de corrupção em órgãos públicos e privados,
em especial nos Correios.
A palavra corrupção está cada vez mais presente na atualidade. A história brasileira está
repleta de exemplos sendo, talvez, a corrupção nos Correios uma das mais representativas.
Segundo Andrade (2005), a corrupção não é praticada somente pelas elites dirigentes. A
palavra corrupção em sua definição expressa a oposição aos valores que consideramos, ou
pelo menos deveríamos considerar, sustentáculos do bom andamento das relações
intrapessoais e sociais, necessárias à realização humana. Portanto, corromper é o ato pelo qual
se adultera, se estraga algo físico ou moralmente. A repercussão tem maior ou menor
amplitude conforme a ação que se realiza. As causas são praticamente inesgotáveis, pois
envolvem problemas estruturais, sociais e pessoais.
Na perspectiva de Andrade, a corrupção política, ou a corrupção na política de determinada
sociedade, deteriora as próprias estruturas da sociedade, uma vez que a política é o cuidado
com o que é coletivo, é a busca de soluções para os problemas que a sociedade como um todo
enfrenta. A corrupção na política é aproveitar-se, apropriar-se do que é coletivo, em benefício
próprio. Nas palavras da autora, é roubar. Se os agentes públicos - os políticos - são corruptos,
e/ou se associam a agentes privados corruptores, a saúde da sociedade corre sérios riscos.
Faltando o respeito pelo que é de todos, prevalece no comportamento de cada um o “vale
tudo”, o “levar vantagem” em tudo, o enganar para escapar ileso de eventuais punições.
A pesquisadora salienta que, no Brasil, a corrupção está espalhada pelos diferentes setores e
níveis da atividade política como, por exemplo, no Executivo, no Legislativo e no Judiciário,
do nível federal ao nível municipal, além de fazer parte também dos comportamentos das
empresas privadas que trabalham para o governo em obras e serviços ou que dele dependem
para autorizações e legislações de suas atividades.
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Andrade ainda ressalta que, no Legislativo e no Executivo, a corrupção é pior do que no
Judiciário, porque estes poderes mexem diretamente com o dinheiro e com as legislações. Os
legislativos costumam ser comparados com balcões de negócios. O Executivo Nacional
chegou até a criar mecanismos para a lavagem de dinheiro sujo, obtido com o narcotráfico ou
com a corrupção - como as contas CC5 autorizadas pelo Banco do Brasil - segundo a autora.
No Brasil, a corrupção, expressa através do interesse pessoal sobre o público, do oportunismo,
do tráfico de influência, do uso indevido de recursos públicos etc., teve início, segundo Nina
(2005), no Descobrimento do Brasil com Pero Vaz de Caminha. Conforme sabemos, embora
Pero Vaz não fosse escrivão da esquadra, escreveu uma longa carta ao Rei Dom Manuel, de
Portugal, relatando o que vira na terra descoberta e, sobretudo, pedindo-lhe, em tom de apelo,
o envio ao Brasil de seu genro Jorge Osório, que estava preso na Ilha de São Tomé.
Apesar das informações sobre a terra e a gente aqui encontrada, o detalhe que merece
destaque na carta de Caminha é precisamente um pequeno trecho de apenas três linhas, com
as quais o enunciador encerra a carta: “[...] peço que, por me fazer graça especial, mande vir
da ilha de São Tomé a Jorge Osório, meu genro - o que d’Ela receberei em muita mercê”
(CAMINHA, 2003). Para Nina, Pero Vaz de Caminha vislumbrou, na oportunidade, o
momento adequado para tirar proveito pessoal. E assim o fez. Curiosamente, somente a carta
de Pero Vaz, a pior de todas segundo o próprio escrevente, tornou-se conhecida e ganhou
notoriedade e registro histórico no que diz respeito ao Descobrimento do Brasil.
Nina salienta que, valendo-se do fato de que seus ascendentes tinham servido ao Rei, Pero
Vaz se julgava amigo pessoal de D. Manuel, podendo, assim, gozar do privilégio da
desigualdade e obter favores não concedidos aos demais mortais, o que, na realidade, continua
em voga no Brasil. A respeito da amizade, Andrioli (2006, p. 6) salienta que as relações de
caráter pessoal no Brasil, geralmente, são mais fortes do que a idéia de responsabilidade
política dos eleitos:
Trata-se de um acordo de reciprocidade, do reconhecimento da idéia de que
os seres humanos dependeriam uns dos outros e, por isso, a confiança e a
lealdade deveriam ser vistas como os valores mais importantes para a
convivência. A confiança é, muitas vezes, caracterizada como o cimento das
relações interpessoais, assim como a solidariedade e a predisposição à
ajuda, valores que, muitas vezes, são corrompidos ao servirem de base à
justificação de atitudes corruptas. Nessa lógica, instituições públicas passam
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a ser utilizadas com a finalidade de retribuir favores pessoais e boas
relações são usadas como instrumento de intermediação para obter
benefícios e privilégios, já que estão baseadas na intimidade, na confiança
mútua, numa maior facilidade de comunicação e acesso a pessoas em
cargos importantes. Nessa concepção, a corrupção, assim como a vida, o
encaradas como um intercâmbio, como um constante processo de “trocas”
entre pessoas (ANDRIOLI, 2006, p.6-7)
.
Assim, as representações sociodiscursivas que vigoram entre os brasileiros são as de que vale
a pena investir em boas relações com políticos e funcionários públicos, o que, conforme atesta
Andrioli (2006), tem o seu preço político: concessões econômicas são trocadas por concessões
políticas, e as dificuldades inerentes à concessão dos benefícios esperados aumentam
proporcionalmente o preço político na relação de “troca”. Nesse contexto, por outro lado, a
“inimizade”, ou seja, o “discordar” daquilo que se prega como verdade absoluta e regra
inquestionável em uma instituição pública, por exemplo, pode, inegavelmente, acarretar
conseqüências drásticas ao indivíduo que, muitas vezes, não se beneficia daquilo que lhe é de
direito ou recebe o benefício tardiamente.
Com seu pedido, Caminha não queria nada mais, nada menos, mas, apenas, que seu genro,
Jorge Osório, que cumpria pena de degredo em São Tomé, fosse libertado e mandado, às
custas da Coroa, para a companhia do corruptor: oportunismo, interesse pessoal acima do
interesse público, tráfico de influência, uso de recurso indevido. Hoje, venda de votos,
financiamento ilegal de campanhas eleitorais e impunidade marcam a CPMI dos Correios.
Segundo Nina, Jorge Osório entrou para a história como o primeiro beneficiário da corrupção
no Brasil. Assim começou a nossa história. Assim começou, mais especificamente, o
nepotismo nas terras brasileiras que vem desde o descobrimento. Desde então vieram o
"jeitinho brasileiro", a corrupção na política. Com seu pedido imoral, Pero Vaz inaugurou a
corrupção no Brasil, que em nada mudou. Apenas se disseminou. Institucionalizou-se. E,
conforme ressalta o autor, falta pouco para legalizar-se.
A princípio, a corrupção no Brasil parece ser, de fato, uma herança portuguesa. O jornalista
Laurentino Gomes
6
, em sua obra “1808: como uma rainha louca, um príncipe medroso e uma
corte corrupta enganaram Napoleão e mudaram a História de Portugal e do Brasil”, ao relatar
6
Cf. GOMES (2007, p. 8).
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a “fuga” da família real portuguesa para o Rio de Janeiro - o que mudou completamente o
destino nacional, segundo o autor -, defende que o DNA do Brasil está em 1808, ano em que
uma corte “corrupta” “fugiu” de Napoleão.
É importante observar que, para Gomes, o Brasil não nasceu 500 anos e, sim, 200, uma
vez que até 1807 não existia um Brasil, mas vários brasis: “não havia um sentimento de
identidade nacional”. O autor ressalta que as rivalidades eram muito grandes. Se D. João VI
não fosse para o Rio de Janeiro e passasse a funcionar como elemento agregador dos
interesses das diferentes províncias, o Brasil provavelmente teria se pulverizado, desagregado
em três ou quatro repúblicas. Até 1807, o Brasil era uma fazenda de Portugal. Quando D. João
foi embora, em 1821, o Brasil estava pronto para se tornar independente. D. Pedro é visto
como herói pela sociedade, mas o verdadeiro herói é D. João. Gomes salienta que:
O DNA do Brasil está em 1808. Em 1500 foi descoberto, mas foi criado
como país em 1808. Para o bem e para o mal. Esse período da corte
portuguesa no Brasil foi de muita corrupção, muita promiscuidade nos
negócios públicos e privados. D. João inaugurou o sistema de troca de
favores (GOMES, 2008, p. 8, grifo nosso).
Gomes ressalta que esse tipo de promiscuidade existia, mas foi exacerbado. O rei chegou
precisando de dinheiro, e os ricos da colônia passaram a financiar o rei em troca de benefícios
e de títulos de nobreza. Assim, durante os 13 anos em que a corte permaneceu no Brasil houve
mais títulos de nobreza do quem em todos os 500 ou 600 anos anteriores da História de
Portugal. Houve uma troca de interesses e muita corrupção. O positivo é que surgiu um país
grande de fronteiras preservadas, o grande herdeiro da cultura portuguesa no mundo. “Para o
bem e para o mal, o DNA do Brasil está em 1808”.
Além do pressuposto de que a corrupção brasileira é uma herança do patrimonialismo ibérico,
outros cientistas políticos acreditam que a origem da corrupção no Brasil esteja fundada na
ausência de uma história feudal no país como um elemento importante para descrever a falta
de separação entre as esferas públicas e privadas. A partir dessa perspectiva, Andrioli (2006)
ressalta que o desenvolvimento do Brasil está marcado por um processo de modernização e de
manutenção do patrimonialismo, ambos acontecendo simultaneamente, o que significa a
continuidade de uma estrutura de dependência do país em consonância com a manutenção do
status quo das elites brasileiras. Assim, conforme salienta o autor, existe, na realidade, uma
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modernização conservadora no Brasil, uma vez que não se trata de uma nova ordem e sim de
mudanças pontuais que contribuem para a consolidação da estrutura social injusta e desigual.
Nessa ótica, não um Estado de Direito consolidado no Brasil, e muito menos se poderia
falar da existência de um Estado de bem-estar social. O Estado neopatrimonial, que teve
origem em decorrência do desenvolvimento desigual e dependente do país, serve
prioritariamente aos interesses de grandes proprietários de terras, empresários e outros
representantes do capital, ressalta Andrioli. Portanto, trata-se de um Estado autoritário e
centralizado. E quanto mais autoritário e centralizado estiver organizado o poder, maior será a
probabilidade de se confundir o interesse público (res pública) com interesses privados.
(ANDRIOLI, 2006).
Segundo o autor, esse tipo de sistema político gera conseqüências graves tais como, a falta de
transparência, a exclusão da maioria da população das decisões políticas mais importantes, a
baixa participação política da sociedade civil e a impunidade diante das ações corruptas, além
da tendência à crescente profissionalização da política, o que aumenta o custo das campanhas
eleitorais e a dependência de candidatos de empresários dispostos a “investir em seu futuro”.
Ainda, conforme ressalta Andrioli (2006), é necessário levar em conta que o interesse em
obter um cargo público como troca de favor em governos aumenta durante os períodos de
altas taxas de desemprego. O próprio sistema eleitoral brasileiro, segundo o autor, contribui
para que a corrupção seja vista como parte integrante da política. A falta de limites no
financiamento privado de campanhas eleitorais aumenta a probabilidade de um futuro
beneficiamento de empresas com dinheiro público, conforme mostrou o relatório final da
CPMI dos Correios. Além disso, o fato de a maioria dos partidos políticos não ter programa
político claramente definido os transforma em instrumentos políticos a serviço de grandes
empresários.
Nas palavras de Andrioli, o voto na pessoa, motivado por critérios e influências pessoais, a
ausência de fidelidade partidária, a constante troca de partidos e a constituição de alianças
políticas antes das eleições são fatores que aumentam a tendência de transformar votos em
mercadorias. Ainda, o sigilo bancário que facilita a “lavagem de dinheiro” e as concessões de
meios de comunicação a políticos aumentam o potencial de manipulação da opinião pública.
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Na concepção de Andrioli, a experiência política brasileira demonstra que a tão propagada
democracia representativa não é democrática tampouco representativa, uma vez que não
existe a soberania popular, não a responsabilidade dos eleitos em relação aos eleitores e
inexistem mecanismos de controle dos eleitos após as eleições, um contexto no qual o
combate efetivo à corrupção se torna realmente muito difícil.
1.2. A trajetória da pesquisa
1.2.1. Ponto de partida
Um corpus apresenta várias possibilidades de análise, e o pesquisador a priori não possui
nenhuma razão determinante para estudar um fenômeno em detrimento do outro, da mesma
forma que nada o obriga a recorrer a determinado procedimento em detrimento de outro.
Conforme salienta Maingueneau (1989, p. 19), se, para atingir seu propósito, o
analista/pesquisador se interessa, por exemplo, pelos adjetivos avaliativos, por metáforas ou
por algumas estruturas sintáticas, isto ocorre unicamente em virtude de hipóteses, as quais
repousam a um tempo: i) sobre certo conhecimento do corpus da pesquisa; ii) sobre
conhecimento das possibilidades oferecidas ao analista pelo estudo de semelhantes fatos de
linguagem.
A partir de um primeiro olhar sobre o corpus da pesquisa, levantamos uma hipótese inicial: as
estratégias agenciadas pelo indiciado durante a CPMI dos Correios consistiam na construção
de imagens de si e do outro, por meio de recursos lingüísticos e/ou discursivos constitutivos
dos modos de organização discursiva enunciativo, narrativo, descritivo e argumentativo, tendo
em vista suscitar determinado sentimento/emoção no interlocutor. Aventamos, também, que
as provas retóricas de persuasão ethos, pathos e logos, uma vez que se plasmavam, com
destaque, no discurso da CPMI dos Correios, poderiam constituir um modo de organização
discursiva, o modo retórico, por sua vez, sustentado, pelos demais modos. Além disso,
acreditávamos em uma estreita relação entre essas provas retóricas e as estruturas sintáticas,
hipotáticas ou paratáticas, tendo em vista os efeitos discursivos pretendidos.
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A partir destas hipóteses, passamos a ter outros questionamentos como, por exemplo: i) no
corpus em questão tanto o ethos quanto o pathos tiveram a mesma importância no processo
argumentativo? ii) ethos e pathos constituíram, realmente, a dimensão argumentativa do
discurso da CPMI dos Correios?
1.2.2. Objetivos da pesquisa
Empreendemos uma investigação cujo objetivo foi analisar as estratégias discursivas
agenciadas por Roberto Jefferson durante a CPMI dos Correios, o que implicou: i) analisar o
quadro de restrições situacionais e as orientações discursivas, nos pronunciamentos e
depoimentos dados por Jefferson durante o evento; ii) investigar como se constituíram o
ethos, o pathos e o logos nos pronunciamentos e nos depoimentos dados por Roberto
Jefferson junto à CPMI dos Correios; iii) analisar os modos de organização discursiva
enunciativo, descritivo, narrativo, argumentativo e retórico, constituintes dos
pronunciamentos e depoimentos dados por Roberto Jefferson junto à CPMI dos Correios.
1.2.3. Abordagem proposta
Para realizar a pesquisa, assumimos alguns pressupostos teóricos da Análise do Discurso, na
perspectiva da Teoria Semiolingüística, de Patrick Charaudeau (1983, 1992), cuja concepção
considera imprescindível o quadro situacional em que se dá a encenação discursiva e o
contrato que orienta a ão dos sujeitos, enquanto seres de identidade social e psicológica. A
noção de contrato postula que os sujeitos participantes da relação discursiva compartilham um
conjunto de normas e regras que predominam nas práticas discursivas regulares de uma
comunidade de fala. O contrato compreende, então, um espaço de determinações - lugar de
imposições e limitações - e um espaço de estratégias - lugar de fala, em que predomina certa
margem de manobra e a escolha que os enunciadores realizam na enunciação.
Além disso, adotamos também alguns pressupostos teóricos de Perelman e Olbrechts-Tyteca
(2000) e de Aristóteles (2005), para fundamentar a análise das provas retóricas ethos, pathos e
logos. Salientamos, mais uma vez, que agregamos essas referidas provas em um plano
discursivo, o modo de organização discursiva retórico. Ainda, assumimos alguns princípios da
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Gramática Funcionalista (DU BOIS, 1993a; DIK, 1978, 1989a; NEVES, 2000), tendo em
vista a análise das escolhas sintáticas. Apresentaremos a constituição e a seleção do corpus
bem como o tratamento dado a ele na parte II, capítulo 3.
É importante ressaltar que consideramos a CPMI dos Correios um evento discursivo brido,
produzido pela ação da instância discursiva parlamentar, no qual os locutores se
posicionaram, na situação monolocutiva e contando com o concurso da dia, para persuadir
seu interlocutor - o cidadão - de algo relativo ao bem comum ou àquilo que se apresentava
como útil a todos nas representações da democracia política. Entretanto, os mesmos
parlamentares se tornaram inquiridores e promotores do inquérito, ou espectadores,
acusadores de uma contravenção do colega e/ou acusados (réus), a partir da denúncia de um
terceiro, em uma dinâmica interlocutória que se assemelhava ao discurso dos tribunais e à
distribuição da justiça.
1.3. A organização do trabalho
Dividimos o trabalho em duas partes. A primeira parte, denominada “Pressupostos teóricos”,
constitui-se de dois capítulos. No primeiro deles discutimos a Teoria Semiolingüística
proposta por Charaudeau (1983), tendo como pano de fundo o discurso político eleitoral
(CHARAUDEAU, 2006). no segundo, discorremos sobre os modos de organização
discursiva propostos por Charaudeau (1992), além do modo retórico, proposto por nós, a
partir das provas retóricas ethos, pathos e logos.
A segunda parte, intitulada “Apresentação do corpus, metodologia e proposta de análise”,
também se constitui de dois capítulos. No primeiro deles, discutimos a estrutura e o
funcionamento das Comissões Parlamentares de Inquérito, dando ênfase à CPMI dos
Correios. Além disso, relatamos as condições de produção do discurso analisado e a
metodologia proposta. no segundo capítulo, propomos a análise, observando os contratos
estabelecidos e as estratégias lingüísticas e discursivas postas em cena por Roberto Jefferson
durante o evento.
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PARTE I
PRESSUPOSTOS TEÓRICOS
Esta parte é composta de dois capítulos. No primeiro deles, tecemos considerações sobre a
Teoria Semiolingüística, de Patrick Charaudeau (1983), tendo como pano de fundo o discurso
político eleitoral (CHARAUDEAU, 2006), cujo fim é compreender a dinâmica discursiva da
CPMI dos Correios.
no segundo capítulo, discorremos sobre os modos de organização discursiva
(CHARAUDEAU, 1992), aos quais propomos acrescentar o modo retórico, compreendido
pelas provas aristotélicas persuasivas ethos, pathos e logos que, a nosso ver, constituem a
dimensão representacional, emotiva e técnica, respectivamente.
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Capítulo 01 - O discurso político: um evento comunicativo
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CAPÍTULO 01
2. O DISCURSO POLÍTICO: UM EVENTO COMUNICATIVO
“A diferença entre uma democracia e uma ditadura
consiste em que numa democracia se pode votar
antes de obedecer às ordens”.
Charles Bukowsk
Nenhum discurso é político a priori. Somente a situação de comunicação é que lhe confere
esse estatuto. Portanto, falar de discurso político implica, antes de tudo, analisar o evento
como um todo. Em outras palavras, considerar um discurso político é, na essência, analisar
suas condições de produção e recepção: seus contratos - espaço de imposições e estratégias
(MENEZES, 2004).
Portanto, no presente capítulo, em um primeiro momento, discutimos as restrições contratuais
e as estratégias discursivas do discurso político, em especial as do discurso político eleitoral,
na perspectiva da Teoria Semiolingüística, de Charaudeau (1983 e 2006).
em um segundo momento, tecemos considerações sobre as escolhas lingüísticas (sintáticas
e lexicais) do sujeito falante, a partir de formulações da Gramática Funcionalista (DU BOIS,
1993a; DIK, 1978, 1989a; NEVES, 2000) e dos estudos de Perelman e Olbrechts-Tyteca
(2000).
A escolha pela Teoria Semiolingüística se deu em virtude desta compreender melhor os
processos de produção e recepção que regem os atos linguageiros e pelo fato de Charaudeau
(2006) possuir um estudo bem fundamentado sobre o discurso político eleitoral, o que nos
serviu de referência para a pesquisa.
2.1. A en(cena)ção no discurso político
O discurso político, assim como qualquer outro discurso, é formado por uma série de atos de
linguagem, os quais, na perspectiva de Charaudeau (1983), se estruturam em três níveis,
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Capítulo 01 - O discurso político: um evento comunicativo
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sendo que cada um deles corresponde a um tipo de competência: i) o nível situacional: ligado
à competência situacional; ii) o nível discursivo: ligado à competência discursiva; iii) o nível
semiolingüístico: ligado à competência semiolingüística.
O nível situacional diz respeito ao espaço das restrições situacionais ou regularidades
comportamentais do ato de linguagem. A competência situacional requer que os interactantes
do ato de linguagem sejam capazes de construir seu discurso tendo em vista a identidade dos
parceiros da troca lingüística, a finalidade desta, o domínio de saber veiculado pelo objeto da
troca e as circunstâncias materiais da troca.
A competência situacional refere-se ao jogo
7
de expectativas que, na perspectiva da Teoria
Semiolingüística, representa um “jogo comunicativo”, uma espécie de “aposta” que fazemos
ao longo de nosso ato de linguagem, sendo que essa pode ser bem sucedida ou não.
o nível discursivo, espaço das estratégias, é o lugar de intervenção do sujeito falante,
enquanto sujeito enunciador, que constrói seu discurso orientando-se para atender às
condições de legitimidade (princípio de alteridade), de credibilidade (princípio de pertinência)
e de captação (princípio de influência e de regulação), para realizar os atos de discurso que
resultarão em um texto. Este se configura pela utilização de uma série de meios lingüísticos
(categorias da língua e modos de organização do discurso), em função, por um lado, das
restrições do nível situacional e das possíveis maneiras de dizer do comunicacional e, por
outro lado, do projeto de fala próprio ao sujeito comunicante.
A competência discursiva, portanto, requer que todo sujeito falante de um ato de linguagem
consiga manipular ou reconhecer os procedimentos discursivos da encenação linguageira que,
segundo Charaudeau (2001, p. 32), são: i) o enunciativo; ii) o enuncivo; iii) o semântico.
Os procedimentos enunciativos referem-se às atitudes enunciativas que o sujeito falante
constrói tendo em vista a situação de comunicação. Esses procedimentos relacionam-se
também com a imagem de si e do outro que os sujeitos desejam manifestar na cena. No
entanto, nesse “jogo”, os envolvidos devem respeitar as normas que prevalecem no grupo
7
A idéia de jogo é originária das pesquisas anglo-saxãs (games, jogo estratégicos, de ação e reação, de pergunta
e resposta, de dominação e de esquiva, como também de luta) (FOUCAULT, 2003, p. 9).
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Capítulo 01 - O discurso político: um evento comunicativo
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social no qual estão inseridos, o que os leva a pensar em certos rituais sociolinguageiros
durante suas interações.
Os procedimentos enuncivos referem-se aos modos de organização do discurso propostos por
Charaudeau (1992): i) o modo enunciativo, que comanda os demais; ii) o modo narrativo, que
consiste em descrever as ações das personagens de uma trama; iii) o modo descritivo, que
consiste em nomear, localizar e qualificar os objetos discursivos, com objetividade ou
subjetividade; iv) o modo argumentativo, que consiste saber organizar as redes de causalidade
explicativa dos acontecimentos, estabelecendo as provas do verdadeiro, do falso ou do
verossímil.
Os procedimentos semânticos, por sua vez, referem-se aos saberes comuns partilhados pelos
sujeitos da troca linguageira: i) saberes de conhecimento, que correspondem às percepções e
às definições mais ou menos objetivas do mundo; ii) saberes de crença, que correspondem aos
sistemas de valores, mais ou menos normatizados, que circulam em dado grupo social. Esses
saberes fundamentam os julgamentos dos membros desse grupo social e, ao mesmo tempo,
conferem a este grupo uma identidade.
Por fim a competência semiolingüística refere-se ao fato de todo sujeito falante saber usar e
reconhecer a forma dos signos, suas regras de combinação e seu sentido, sabendo que estes
são usados para exprimir uma intenção comunicativa. Portanto, para exercer esta
competência, o sujeito falante precisa possuir determinado “saber fazer” ligado à competência
textual, à construção gramatical, aos conectores do texto, enfim a tudo que se refere ao
aparelho formal da enunciação. Porém, este “saber fazer” necessita estar ligado ao uso
adequado das palavras do léxico, tendo em vista o valor social que elas veiculam.
Assim, os sentidos do discurso político produzido serão determinados, ao mesmo tempo,
pelas restrições situacionais e pelas estratégias discursivas. O sujeito comunicante fará
escolhas reveladoras de sua própria finalidade, de sua própria identidade, de seu propósito,
que lhe darão condições de construir sua própria legitimidade, credibilidade e captação.
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Capítulo 01 - O discurso político: um evento comunicativo
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2.1.1. Nível situacional: restrições contratuais do discurso político
2.1.1.1. A identidade das instâncias políticas
A identidade dos parceiros, na perspectiva de Charaudeau (2004), diz respeito a seus traços
identitários e se de duas formas diferentes, em dois domínios distintos; mas, ao mesmo
tempo, complementares, articulados ao ato enunciativo: uma identidade pessoal e uma
identidade de posicionamento.
Nessa concepção, a identidade pessoal pode ser: i) psicossocial (a do sujeito falante): o
conjunto de traços que definem o indivíduo conforme sua idade, seu sexo, seu estatuto, seu
lugar hierárquico, sua legitimidade para falar, suas qualidades afetivas, tendo em vista uma
relação de pertinência com o ato linguageiro. Por exemplo, Fernando Henrique Cardoso,
sociólogo, ex-professor universitário da USP, ex-presidente do Brasil, aposentado
compulsoriamente em 1969 etc.; ii) discursiva (a do sujeito enunciador): descrita com a ajuda
de categorias locutivas, de modos de tomada da palavra, de papéis enunciativos e de modos de
intervenção. José Dirceu, por exemplo, durante a CPMI dos Correios, através de declarações,
pôs em cena sua posição de militante da oposição ao regime militar: “Minha vida o Brasil
conhece, sempre foi pública, mesmo quando eu lutava de armas nas mãos” (Pronunciamento
realizado no Plenário da Câmara no dia 22/06/2005). As estratégias discursivas resultam da
articulação dos traços da identidade psicossocial e discursiva.
a identidade de posicionamento caracteriza a posição que o sujeito ocupa em um campo
discursivo em relação aos sistemas de valor que circulam, não de forma absoluta, mas em
função dos discursos que ele mesmo produz. Esse tipo de identidade inscreve-se então em
uma formação discursiva. Por exemplo, através de determinada escolha lexical, o sujeito
falante pode assumir uma posição política de direita ou de esquerda. Delúbio Soares, durante
a CPMI dos Correios, ao declarar “Participei da fundação do PT. Sou fundador do PT”,
assumiu, claramente, seu posicionamento político/social/ideológico de esquerda (Depoimento
dado à CPMI dos Correios no dia 20/07/2005).
Estratégias Discursivas na CPMI dos Correios: O Caso Roberto Jefferson
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Capítulo 01 - O discurso político: um evento comunicativo
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Charaudeau (2004, p. 393) salienta que o posicionamento corresponde à posição que um
locutor ocupa em um campo de discussão, aos valores que ele defende (consciente ou
inconscientemente) e que caracterizam reciprocamente sua identidade social e ideológica,
conforme o fez Delúbio Soares que, ao se declarar petista, se manifestou como representante
legítimo dos valores, das crenças e das doutrinas do Partido dos Trabalhadores (a esquerda).
Segundo o lingüista, esses valores podem ser organizados em sistemas de pensamento
(doutrinas) ou em normas de comportamento social que são mais ou menos conscientemente
adotadas pelos sujeitos sociais e que os caracterizam identitariamente. Assim, podemos falar
de posicionamento também para o discurso político, midiático, econômico, jurídico etc.
Tanto em um caso como em outro, a identidade resulta, ao mesmo tempo, das condições de
produção que exercem coerções sobre o sujeito, condições que estão inscritas na situação de
comunicação e/ou no pré-construído discursivo, e das estratégias que ele põe em
funcionamento de maneira mais ou menos consciente.
O discurso político, na concepção de Charaudeau (2006), uma vez que é produzido em três
lugares estruturais diferentes (um lugar de governança/discurso do profissional da política; um
lugar de opinião/discurso do cidadão que vive em sociedade e busca um bem comum e um
lugar de mediação/discurso das mídias), apresenta também três instâncias: i) uma instância
política e seu duplo antagonista, a instância adversária; ii) uma instância cidadã; iii) uma
instância midiática. Vejamos a figura 1:
FIGURA 1 - Instâncias de fabricação do discurso político
Fonte: CHARAUDEAU, 2006, p. 56
O que caracteriza a instância política, espaço da governança, segundo Charaudeau, é o fato de
seus atores possuírem um “poder de fazer” (decisão e ação) e um “poder de fazer pensar”
(manipulação). Nesse sentido, os atores dessa instância estão, a priori, sempre em busca da
legitimidade, para ascender a este lugar; de autoridade e de credibilidade, para poder geri-lo e
nele se manter: conquistar o poder, exercê-lo ou ter um lugar nele ou influir sobre ele, é o
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Capítulo 01 - O discurso político: um evento comunicativo
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objetivo dos homens que compõem a classe política” (AZAMBUJA, 2005, p. 323). No caso
da CPMI dos Correios, os indiciados buscavam fundamentalmente a credibilidade que,
naquele momento, estava em baixa tendo em vista as denúncias de corrupção das quais eram
alvo, para poder permanecer no poder.
Em outros termos, os atores desta cena desejam ocupar o poder e nele se manter (mas não
podem mostrar isso explicitamente), o que os leva a usar estratégias persuasivas e sedutoras,
adequadas à situação de comunicação na qual estão inseridos. Por exemplo, durante o evento
da CPMI dos Correios, Roberto Jefferson, principal envolvido no caso, procurou representar-
se na cena como um cidadão honrado, tendo em vista que acreditava poder sensibilizar o povo
com essa imagem, fazendo com que este, portanto, aderisse a seu discurso. Assim, os atores
da cena política justificam suas atitudes e decisões para defender sua legitimidade (discurso
de justificação/estratégia bastante usada pelos indiciados na CPMI dos Correios); criticam as
idéias dos adversários para reforçar sua posição; propõem projetos de governo ao se
candidatarem aos sufrágios eleitorais; conclamam o consenso social para obter o apoio dos
cidadãos.
A instância política se constitui por diversos “cenários”, denominados por Charaudeau (2006,
p. 56) de status e situações. Por exemplo, há chefes de Estado e de governo, ministros,
deputados, senadores, vereadores etc., os quais podem se encontrar em contextos variados: de
declaração pública, de depoimentos, de pronunciamentos, de decisão, de campanha eleitoral
etc. Além disso, a essa instância estão associadas várias entidades, sendo, pois, essa entidade
composta de um centro e de vários satélites.
Na parte central, segundo o autor, estão localizados os representantes do Estado, dos
governos, dos parlamentos e das instituições. Entre os satélites três círculos: um primeiro
constituído pelos partidos políticos (responsáveis pelo debate sobre a representação política);
um segundo, constituído pelas instâncias jurídicas, financeiras, científicas e técnicas,
dependentes do poder político por causa do processo de nomeação para as chefias de vários
órgãos de representação de uma mesma tendência política ou em virtude das pressões
exercidas pelos poderes públicos sobre as operações da bolsa, sobre o consumo; um terceiro
círculo, formado pelos organismos supranacionais, internacionais e não-governamentais, que
se encontram em posição de dependência em relação às instâncias governamentais, mas
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Capítulo 01 - O discurso político: um evento comunicativo
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também em posição de autonomia, uma vez que podem fazer pressão sobre esses mesmo
países, impondo regras de funcionamento e evocando para si um poder de controle.
Charaudeau salienta que essa instância estabelece com seu parceiro principal, a instância
cidadã, várias relações conforme a imagem que possui dela: um público heterogêneo, quando
se trata de dirigir-se a ela por meio das mídias, conforme aconteceu no caso da CPMI dos
Correios (os indiciados tinham plena consciência da heterogeneidade desse público,
principalmente Roberto Jefferson); um público-cidadão, que possui uma opinião, quando se
trata de fazer promessas eleitorais; um público-militante que já tem orientação política,
quando se trata de mobilizar os filiados. O jogo de imagens surge, portanto, como uma peça
fundamental na persuasão, não nesse, mas em todo e qualquer discurso, como também
observam Perelman e Olbrechts-Tyteca:
cada orador pensa, de forma mais ou menos consciente, naqueles que
procura persuadir e que constituem o auditório ao qual se dirigem seus
discursos, sendo, pois, o conhecimento daqueles que se pretende conquistar
uma condição prévia de qualquer argumentação eficaz” (PERELMAN;
OLBRECHTS-TYTECA, 2000, p. 22-23).
Roberto Jefferson, por exemplo, durante a CPMI dos Correios, tentou estabelecer uma relação
afetiva com o povo brasileiro - temos a imagem do amigo, do guia supremo na figura do herói
e do profeta e até mesmo, em alguns momentos, a do pai - uma vez que ele pressupunha um
povo sofrido, simples, cansado dos políticos e carente de um representante como o construído
na cena.
A instância adversária, por sua vez, segundo Charaudeau, também se encontra no mesmo
lugar da governança, à medida que é movida pelos mesmos objetivos. Tal como a instância
política, ela precisa propor ao cidadão um projeto de sociedade ideal, deve tornar-se fidedigna
e tentar persuadi-lo da legitimidade da sua posição. O que a difere da instância política é o
fato de que, estando na oposição (despojada de poder, mas representando uma parcela da
opinião cidadã), é levada a produzir um discurso sistemático de crítica ao poder vigente, que
lhe é simetricamente retribuído. Assim, a instância adversária usa as mesmas estratégias
discursivas que a instância política.
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Capítulo 01 - O discurso político: um evento comunicativo
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Quanto à instância cidadã, é preciso levar em conta que o termo cidadã diz respeito ao regime
democrático, o que implica trazer à tona a idéia de governo do povo pelo povo, um regime
político em que o poder reside na massa dos indivíduos e é por eles exercido, diretamente ou
através de representantes eleitos (AZAMBUJA, 2005, p. 212). Interpelar o povo através da
palavra cidadão, em um país que viveu anos de regime militar como o Brasil, conforme o fez
Roberto Jefferson durante a CPMI dos Correios, é uma importante estratégia discursiva
argumentativa, uma vez que põe em cena tanto a legitimidade desse regime quanto do
parlamentar e do próprio cidadão.
É interessante observar que, dentre os discursos dos indiciados analisados por nós (o de
Roberto Jefferson, o de Mauricio Marinho, o de José Dirceu, o de Delúbio Soares, o de
Marcos Valério), somente Roberto Jefferson interpelou o povo (e denominou-lhe cidadão).
José Dirceu, em um pronunciamento realizado no decorrer do evento, tematizou a palavra
Brasil dezessete vezes, mas em momento algum interpelou o povo: “O Brasil anseia por outro
formato de debate e de transparência nas campanhas eleitorais” (Pronunciamento realizado na
Câmara dos Deputados no dia 22/06/2005).
Na perspectiva de Charaudeau (2006, p. 58) “a cidadania se define pela filiação simbólica dos
indivíduos a uma mesma comunidade nacional, na qual eles se reconhecem porque ela é
fiadora de sua vontade de estar e viver junto, e na qual exercem sua parte de soberania ao
elegerem seus representantes”.
Nesse sentido, na instância cidadã, a opinião se constrói fora do governo. Neste espaço, os
atores buscam um saber para poder julgar os projetos que lhes são propostos ou as ações que
lhes são impostas, e para escolher ou criticar os políticos que serão seus mandantes. Assim, o
ato de “fazer/saber” por parte da instância política se faz importante para essa instância. No
caso da CPMI dos Correios, por exemplo, Roberto Jefferson, principal suspeito, fez o povo
saber sobre o financiamento das campanhas eleitorais no Brasil, tendo em vista produzir um
efeito de veracidade para o que contava a respeito do esquema do “Mensalão”.
A instância cidadã dispõe de um poder explícito, via indireta, de questionamento da
legitimidade e da credibilidade da instância política. Além disso, ela produz discursos de
reivindicação, de interpelação e também de sanção, sempre com a finalidade básica de
interpelar o poder governante, os quais apenas podem ser feitos em nome de uma coletividade
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Capítulo 01 - O discurso político: um evento comunicativo
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(busca do bem-estar comum). Ela se coloca sempre em posicionamento de interpelação
perante a instância política (discurso interpelativo) e se define diante da instância política em
relação recíproca de influência, mas de não-governança. Em nossa opinião, a instância cidadã
goza de tais “direitos”, tendo em vista estar inserida em um regime democrático, mas, no
Brasil em geral, ela não nos parece agir de tal forma nem ter o poder acima descrito por
Charaudeau. Portanto, a maneira como o autor propõe essa instância parece-nos um pouco
utópica. Além disso, acreditamos que o cidadão brasileiro tem pouco interesse pelas questões
políticas e, conseqüentemente, é pouco atuante nesta cena e pouco consciente de seu papel de
cidadão.
Essa instância também é constituída por “cenários” diversos tais como, sindicatos,
corporações, situações de protesto, manifestações de rua etc. (nesse sentido pode-se dizer que
maior atuação). Charaudeau salienta que, além dessa instância ser fragmentada, cada uma
dessas comunidades possui um modo diferente de perceber as instâncias política e midiática
que a elas se dirigem. Nesse sentido, o autor distingue sociedade civil e sociedade cidadã.
Para Charaudeau, a sociedade civil é um lugar de pura opinião (sem objetivo cidadão, mas
caracterizada por comportamentos ritualizados) que diz respeito à vida em sociedade, seja ela
pública ou privada. Segundo o autor, nessa sociedade, os membros se reconhecem em nome
do “estar junto” e não do “viver junto”, característica da cidadania. Externo a esse local de
filiação, os membros da sociedade civil julgam e agem individualmente ou em pequenos
grupos. O fato de se ter uma opinião não quer dizer que se tem necessariamente uma
consciência cidadã.
A sociedade cidadã, por sua vez, é uma construção, no sentido de que reúne indivíduos
conscientes de um papel a desempenhar na organização política da vida social. Segundo
Charaudeau, ela existe de forma orgânica: por atribuição institucional (convocação para
votar); por decisão própria (transformação do espaço público em espaço de discussão, o que
influencia os governantes por meio das mídias); por uma força de contrapoder (ação no
próprio espaço do poder de governança). Assim, a sociedade cidadã é a sociedade do “viver
junto” em nome de um projeto de sociedade. Ela compõe-se de indivíduos de direitos e não de
pessoas físicas concretas, o que a diferencia da sociedade civil.
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Capítulo 01 - O discurso político: um evento comunicativo
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Essa sociedade é constituída por grupos militantes que se organizam em partidos, sindicatos,
associações ou por grupos clandestinos. Essas organizações agem de maneira ordenada e
disciplinada, em grupos de “fazer junto”, conforme instruções de ação de seus líderes. Na
perspectiva de Azambuja (2005, p. 23) “a sociedade cidadã é formada por um grupo humano,
com poder próprio, para realizar o bem comum de seus membros” como, por exemplo, o
“Movimento dos trabalhadores sem terra (MST)”. Mesmo quando agem de forma violenta,
conforme o fez várias vezes o MST, essas organizações constituem parte da sociedade
cidadã. Segundo Charaudeau, o importante é que elas tenham um projeto de progresso e
justiça social e não ajam em defesa de interesses de classe, de grupos corporativos. O que
diferencia esses grupos dos primeiros são os meios usados para obtenção de seus objetivos.
Sua ação armada inscreve-se em um campo de enunciação política como uma ameaça de
sanção diante de um poder que então seria visto como exercendo um terrorismo de Estado.
A passagem da sociedade civil à cidadania é bastante comum na modernidade, o que faz com
que fique difícil a distinção, conforme ressalta Charaudeau. Além disso, a modernidade vive
uma tensão constante entre a sociedade cidadã, que tende a estabelecer um elo social entre os
indivíduos em torno de valores abstratos e de ordem racional, e a sociedade civil, que tende a
produzir agrupamentos comunitários em torno de valores de ordem afetiva.
A instância midiática, assim como a cidadã, também se encontra fora da governança. Uma vez
que ela pretende unir a instância política à cidadã, utiliza-se de diversos modos de mediação
como, panfletos; cartazes de rua; cartas confidenciais; grandes veículos de informação, dentre
eles, a televisão e o rádio, um dos principais meios de comunicação capaz de atingir a maioria
da população. Roberto Jefferson, durante o evento da CPMI, mostrou ter plena consciência do
papel e do poder que os meios de comunicação, em especial a televisão e o rádio, exercem na
sociedade, buscando se manifestar, por diversas vezes, explicitamente: “Exmo. Sr. Presidente,
Srs. Deputados, Sras. Deputadas, cidadão do Brasil que me ouve, cidadã do Brasil que me
ouve […]” (Segundo pronunciamento fragmento 01). Inclusive, ele chegou, no início do
evento, a propor, implicitamente, um acordo com a mídia, em especial com a Revista Veja.
Além disso, os próprios deputados e senadores, travestidos de inquiridores, pareciam falar
mais para as câmeras de televisão do que para o próprio depoente, o que caracteriza a
espetacularização da política. Bourdieu (2005, p. 189) se refere ao jornalista como “detentor
de um poder sobre os instrumentos de comunicação de massa que lhe um poder sobre toda
a espécie de capital simbólico - o poder de “fazer ou desfazer” reputações [...]”.
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Capítulo 01 - O discurso político: um evento comunicativo
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Os atores da instância midiática são legitimados de antemão em seu papel de informantes,
mas, simultaneamente, estão em busca da credibilidade tanto dos cidadãos quanto dos
políticos, além da captação do maior número de adeptos, tendo em vista sua situação de
concorrência com outros órgãos de informação, o que a inscreve em uma lógica de sedução
comercial. A cobertura da prisão do banqueiro Daniel Dantas, por exemplo, feita, somente,
pela Rede Globo, em junho de 2008, pôs em cena, explicitamente, a concorrência das
emissoras televisivas e sua busca por adeptos. Após denúncias de outras emissoras a respeito
do “furo”, a Rede Globo se pronunciou, no horário nobre, alegando ter sido a única emissora a
cobrir o caso tendo em vista sua “alta credibilidade”.
Na perspectiva de Azambuja (2005), a instância midiática, mesmo em se tratando de idéias,
possui um tom emocional, uma vez que não se dirige quase nunca à inteligência dos homens e
sim aos sentimentos. Na realidade, ela apela aos estados afetivos como, o medo, a esperança,
o preconceito etc. Roberto Jefferson, principal suspeito no caso do “Mensalão”, por exemplo,
tentou aproveitar bem esse tom dramático da mídia, manifestando-se na cena por meio de
imagens comoventes como, por exemplo, a de vítima.
Essa postura da mídia acarreta um olhar espectador específico que, segundo Charaudeau,
caracteriza-se pelo fato de a palavra pública, proveniente de uma instância de poder ou de
contra-poder, não mais circular de forma unidirecional, não mais estar diretamente
direcionada e, portanto, não poder mais ter força injuntiva, conforme acontecia com os
gêneros oratórios (judiciário, deliberativo e epidítico) que correspondiam, respectivamente, a
auditórios que estavam deliberando, julgando ou, simplesmente, usufruindo como
espectadores o desenvolvimento oratório, sem dever pronunciar-se sobre o âmago do caso.
Agora, ela possui uma origem difusa, ou seja, emana de uma fonte heterogênea em direção a
um alvo coletivo, o que faz com que não seja possível medir seu alcance.
Com o avanço cada vez maior dos meios tecnológicos como a internet, por exemplo, os
interlocutores perderam sua posição de possível interação com essa instância pública,
resumindo-se a meros espectadores (nesse sentido, a política é um espetáculo). Na verdade, é
um paradoxo. Ao mesmo tempo em que eles não sabem ao certo se determinada informação
lhes diz respeito, ela não pode dizer respeito senão a eles conforme acontece quando estamos
expostos aos noticiários da televisão. Nesse sentido Charaudeau salienta que toda instância
que deseja entregar suas mensagens aprende a construir alvos abstratos, categorias de público
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Capítulo 01 - O discurso político: um evento comunicativo
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que correspondem, geralmente, a grupos de indivíduos de comportamentos opostos, atitudes
imaginadas, imaginários calculados por pesquisas: “é muito comum acontecer que um orador
tenha de persuadir um auditório heterogêneo, reunindo pessoas diferenciadas pelo caráter,
vínculos ou funções. Ele deverá utilizar argumentos múltiplos para conquistar os diversos
elementos de seu auditório” (PERELMAN; OLBRECHTS-TYTECA, 2000, p. 24). Além
disso, Charaudeau acrescenta que não prova absoluta de que essas categorias de alvos
assim construídos coincidem com alvos efetivos. A palavra pública, ao mesmo tempo em que
não possui como alvo os espectadores, diz respeito a eles.
A instância midiática, segundo Charaudeau, encontra-se em um duplo dispositivo: de
exibição, que corresponde à busca por credibilidade, e de espetáculo, que corresponde à sua
busca por cooptação. Nesse sentido, esse discurso se encontra entre um enfoque de captação,
que o leva a dramatizar a narrativa dos acontecimentos para ganhar a fidelidade de seu
público (conforme o fez no caso da CPMI dos Correios), e um enfoque de credibilidade, que o
leva a capturar o que está implícito sob as declarações dos políticos, a denunciar as más
administrações, a interpelar e mesmo a acusar os poderes públicos para justificar seu lugar na
construção da opinião pública. No entanto, na perspectiva de Charaudeau, a opinião pública
não se encontra sob a influência direta da instância política. Segundo ele, se ela depende desta
instância para a pesquisa de informação (o que pode levá-la a alguns compromissos), ela não
é um satélite e, em princípio, goza de relativa independência, exceto quando controlada pelo
poder político, como ocorre nos regimes autoritários, ou quando é militante como é o caso de
emissoras particulares ou jornais de partidos. No caso da CPMI dos Correios, por exemplo, a
mídia, em especial a Revista Veja, foi a responsável pela denúncia do esquema de corrupção
nos Correios. O principal suspeito, Roberto Jefferson, acusou a referida Revista de fazer parte
de um complô a favor do governo e do PT.
A mídia é de fundamental importância para o campo político, sobretudo no que diz respeito
aos escândalos políticos, uma vez que ela constitui um dos poderes simbólicos que produz e
transmite capital simbólico (BOURDIEU, 2005), intervindo no curso dos acontecimentos,
influenciando as ações e crenças dos indivíduos e também criando acontecimentos mediante a
produção e a transmissão de formas simbólicas, conforme o fez no que diz respeito à CPMI
dos Correios.
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2.1.1.2. A finalidade do discurso político
A finalidade é uma condição contratual que exige que todo ato linguageiro seja produzido em
função de um dado objetivo, o que, na concepção de Charaudeau, se dá em termos de visadas,
uma vez que na comunicação linguageira a finalidade é, da parte de cada parceiro, fazer com
que o outro seja incorporado à sua própria intencionalidade. Por exemplo, em estudo realizado
por nós sobre o gênero editorial
8
, verificamos que um dos objetivos do enunciador era coagir
o Estado e organizações não governamentais na defesa de interesses dos segmentos
empresariais e financeiros e interesses da coletividade, incitando-os a tomar dada postura ou
atitude, ou mesmo elogiá-los perante alguma atitude tomada.
Segundo Charaudeau (2006, p. 69) várias visadas
9
, no entanto quatro são básicas, sendo
que essas podem combinar-se entre si: i) prescritiva: consiste em querer “fazer fazer”, isto é,
querer levar o outro a agir de determinada forma; ii) informativa: consiste em querer “fazer
saber”, isto é, querer transmitir um saber a quem se presume não possuí-lo. A mídia se diz
detentora desta visada, uma vez que seu principal objetivo é informar. Essa visada foi
bastante agenciada por Delúbio Soares, durante o evento da CPMI, para explicar o motivo
pelo qual o PT, em 2003 e 2004, havia usado um recurso não contabilizado: “Usamos esses
recursos para quitar essas dívidas” (Depoimento dado à CPMI dos Correios no dia
20/07/2005); iii) incitativa: consiste em querer “fazer crer”, isto é, querer levar o outro a
pensar que o que está sendo dito é verdadeiro (ou possivelmente verdadeiro). Essa visada é
bastante agenciada pelo homem político. Foi muito usada por Roberto Jefferson no sentido de
se construir como político honesto e sério; iv) patêmica: consiste em “fazer sentir”, ou seja,
despertar, no interlocutor, emoções agradáveis ou não, desejos, sentimentos. Essa visada foi
agenciada por todos os indiciados, em especial por Roberto Jefferson, tendo em vista
desencadear, no povo e em seus adversários, sentimentos diversos, dentre eles, o medo, a ira,
a compaixão, a admiração e a confiança. Conforme ressaltou Charaudeau, essas visadas
podem se combinar em um discurso. No discurso de Roberto Jefferson à CPMI dos Correios,
por exemplo, combinaram-se as visadas informativa, incitativa e patêmica, com
predominância das duas últimas.
8
Cf. Araújo (2002).
9
As visadas correspondem a uma intencionalidade psico-sócio-discursiva que determina a expectativa (enjeu) do
ato de linguagem do sujeito falante e, por conseguinte da própria troca linguageira (sic) (Charaudeau, 2004, p.
23).
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Na perspectiva de Charaudeau (2005), o dispositivo do contrato de comunicação política
possui por objetivo forçar discursos de legitimação que constroem imagens. A instância
política pretende construir a imagem de lealdade para reforçar a legitimidade da posição de
poder, uma atitude dos indiciados durante a CPMI dos Correios: “[...] servi durante 30 meses
ao Presidente Lula [...]” (Pronunciamento de José Dirceu, no dia 22/06/2005). Roberto
Jefferson, por exemplo, tematizou, largamente, lealdade versus traição. A instância cidadã,
busca construir discursos de protesto tendo em vista justificar a legitimidade do ato de tomar a
palavra. a instância midiática, por sua vez, pretende construir discursos de denúncia, que
mascaram a lógica comercial pela gica democrática, legitimando esta em detrimento
daquela, conforme o fez a Revista Veja, ao denunciar o esquema de corrupção nos Correios,
em uma tentativa de se construir como agente benfeitor, como se fosse, de certa forma,
também uma redentora.
Nesse sentido, esse dispositivo coloca em jogo a legitimidade dos Estados e de seus chefes,
dos governantes e de seus dirigentes, dos partidos, de seus líderes e militantes, dos povos, dos
cidadãos e dos seus modos de intervenção.
2.1.1.3. As circunstâncias materiais do discurso político
O dispositivo diz respeito às condições materiais em que se desenvolve o discurso. Em
outras palavras, falar de dispositivo é definir o ambiente em que se inscreve o ato de
comunicação, os lugares físicos ocupados pelos parceiros, o canal de transmissão utilizado:
o dispositivo é objeto de uma montagem cênica pensada de maneira
estratégica, como nas mídias televisuais (debates, emissões de variedades e
jogos) ou na publicidade; em outros casos, interfere muito pouco, como nas
conversas espontâneas, embora mantenha certas características
(CHARAUDEAU, 2006, p. 70)
Além disso, segundo Charaudeau (2006, p. 53) o dispositivo é de ordem conceitual. Ou seja,
ele é o que estrutura a situação na qual se desenvolvem as trocas linguageiras ao organizá-las
conforme os lugares ocupados pelos parceiros da troca, a natureza de sua identidade, as
relações que se instauram entre eles em função de certa finalidade. No entanto, o emprego do
dispositivo depende também das condições materiais em que se desenvolve a troca
linguageira. Estas podem variar de uma situação de comunicação a outra, o que faz com que
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Capítulo 01 - O discurso político: um evento comunicativo
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se estabeleça uma relação de encaixamento entre o macrodispositivo conceitual e os
microdispositivos materiais (variantes).
Nesse sentido, o dispositivo é responsável por parte da significação do discurso político, uma
vez que faz com todo enunciado produzido em seu interior seja interpretado e a ele
relacionado. Exerce a função de fiador do contrato de comunicação ao registrar como é
organizado e regulado o campo da enunciação de acordo com as normas de comportamento e
com um conjunto de discursos potencialmente disponíveis aos quais os parceiros poderão se
referir.
O dispositivo do discurso político, segundo Charaudeau (2006, p. 54), se define,
simultaneamente, por um macrodispositivo conceitual, que estrutura a situação de troca, e
microdispositivos materiais, que a especificam enquanto variantes tais como, o comício
eleitoral, a declaração televisiva, as promessas eleitorais, os discursos no Congresso Nacional,
as entrevistas radiofônicas etc. O discurso da CPMI dos Correios, por exemplo, aconteceu
tanto no Plenário da Câmara dos Deputados quanto no Senado Federal (CPI Mista) e foi
transmitido pela mídia via televisão e rádio.
2.1.1.4. O domínio de saber veiculado pelo discurso político
O domínio de saber veiculado pela troca, ou propósito, refere-se ao universo de discurso
dominante ao qual a troca deve reportar-se, uma espécie de macrotema, o qual só deve ser
admitido durante a interação. Ele corresponde ao tema do discurso ou assunto de uma
interação. Os temas discutidos na interação representam a visão que se tem do mundo, o
conhecimento da realidade e os julgamentos que se faz dela. Por exemplo, em editoriais
analisados por nós, em termos de domínios sociais, observamos que esse nero discursivo
aborda assuntos variados, mas privilegia três grandes temáticas: i) política; ii) economia; iii)
administração pública.
O sujeito falante tematiza o discurso tendo em vista a situação de comunicação na qual está
inserido. Ele não é totalmente livre para tematizar seu discurso. Nos editoriais analisados por
nós, por exemplo, os temas eram discutidos a partir de fatos noticiosos que se encontravam na
ordem do dia.
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Conforme salienta Charaudeau (2006, p. 188), a situação de comunicação restringe um campo
temático que lhe é apropriado e que impede que esta situação seja confundida com outra.
Assim é que um indivíduo não se dirige a uma farmácia para comprar carne; um professor não
ensinar Física durante a aula de Inglês. Ele precisa ter em consideração o campo temático
determinado pela situação comunicativa. Ele até pode inserir temas diferentes (transgressão
temática) no discurso, mas isso consiste em estratégias discursivas. Por sua vez, o interlocutor
espera ver tratado determinado tema que esteja em conformidade com o contexto. Por
exemplo, durante a celebração de uma missa, o auditório, a princípio, não espera que o padre
trate de política, a não ser, é claro, que isso se trate de uma estratégia, conforme dissemos.
O discurso político, na perspectiva de Charaudeau, aborda todos os assuntos referentes à
organização da vida em sociedade e à gestão da coisa pública como, por exemplo, saúde,
segurança, educação, transporte etc. e caracteriza-se pelo fato de que as instâncias política e
cidadã partilham de um mesmo ideal de sociedade: a primeira instância o propõe; a segunda o
reivindica. A ação política busca um bem soberano que possa unir essas duas instâncias em
um pacto de reconhecimento de um ideal social que é preciso querer atingir e para cuja
obtenção é preciso dar-se os meios. Assim, o objetivo do discurso político é determinar,
conforme seu propósito, esse ideal dos fins como busca universal das sociedades. Na
perspectiva de Aristóteles (2005, p. 107), “os temas mais importantes sobre os quais todos
deliberam e sobre os quais os oradores deliberativos dão conselho em público são
basicamente finanças, guerra e paz, defesa nacional, importações e exportações e legislação”.
No caso da CPMI dos Correios, tendo em vista que se tratava de denúncias de corrupção (a
CPMI é da ordem da denúncia), Roberto Jefferson tematizou, inicialmente, sobre as denúncias
referentes à corrupção nos Correios nas quais era citado como principal suspeito. No entanto,
ao longo do evento, ele passou a tematizou sobre outros assuntos: o escândalo dos Correios
virou escândalo do “Mensalão” e se desdobrou em outros tantos pequenos escândalos. Assim,
podemos dizer que o macrotema do evento era corrupção.
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Capítulo 01 - O discurso político: um evento comunicativo
47
2.1.2. Nível discursivo: estratégias discursivas
2.1.2.1. As estratégias discursivas na Análise do Discurso
De modo geral, uma estratégia consiste na aplicação dos meios disponíveis à realização de
objetivos específicos, podendo, pois, ser considerada uma arte. Na perspectiva de Charaudeau
(1983, p. 50), a noção de estratégia está fundamentada na l´hypothèse que le sujet
communiquant (JEc) conçoit, organise et met en scène sés intentions de façon à produire
certains effets - de conviction ou sédution - sur le sujet interprétant (TUi), pour amener celui-
ci à s´identifier - consciemment ou non - au sujet destinataire ideal (TUd) construit par
Jec
10
.
Além disso, o lingüista, juntamente com Maingueneau (2004, p. 219), ressalta que: i) as
estratégias dizem respeito ao modo como um sujeito, individual ou coletivo, é levado a
escolher, de maneira consciente ou não, determinado número de operações linguageiras
(recursos lingüísticos e/ou discursivos); ii) falar de estratégia tem sentido se elas forem
relacionadas a um quadro de coerções, quer se trate de regras, normas ou de convenções; iii) é
preciso um objetivo, uma situação de incerteza, um projeto de resolução do problema
colocado pela incerteza e um cálculo, questões já situadas pela Psicologia Social.
Para Charaudeau (1998, p. 13-14), as estratégias se desenvolvem em torno de três etapas, que
não são excludentes, mas que se distinguem pela natureza de seus objetivos: i) uma etapa de
legitimação que visa a determinar a posição de autoridade do sujeito; ii) uma etapa de
credibilidade que visa a determinar a posição de verdade do sujeito; iii) uma etapa de captação
que visa a fazer o parceiro da troca comunicativa entrar no quadro de pensamento do sujeito
falante.
10
“na hipótese de que o sujeito comunicante (EUc) concebe, organiza e executa suas intenções de modo a
produzir certos efeitos, de convicção ou de sedução, sobre o sujeito interpretante (TUi), para levar este último a
se identificar, conscientemente ou não, com o sujeito destinatário ideal (TUd) construído por JEc”
(CHARAUDEAU, 1983, p. 50, tradução nossa).
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Capítulo 01 - O discurso político: um evento comunicativo
48
A princípio, a legitimidade é um estado de direito que caracteriza um indivíduo a respeito de
sua situação (legitimidade de uma união), de uma filiação (legitimidade monárquica) ou de
um poder conferido (legitimidade democrática).
Em Análise do Discurso, legitimidade, segundo Charaudeau, pode ser usada para indicar que
o sujeito falante entra em um processo de discurso, tendo em vista levar o outro a reconhecer
que tem direito à palavra e legitimidade para dizer o que diz. Essa legitimidade pode derivar
tanto de uma situação de fato (como aconteceu, por exemplo, durante pronunciamento de José
Dirceu, no dia 22/06/2005, em que o presidente da Câmara necessitou intervir no discurso:
“Peço às galerias que ouçam silenciosamente. Mandarei esvaziar as galerias! orador na
tribuna! Eu estou tomando as providências! Não aceito! Eu estou protestando! Quem primeiro
chamou a atenção fui eu! Eu quero manter a ordem! Não vou aceitar isso!”) quanto do lugar
que lhe é dado por uma instituição qualquer (a atitude do presidente da Câmara só foi possível
tendo em vista o lugar que ele ocupava na Câmara dos Deputados). No entanto, é possível
também que o sujeito falante necessite construir uma posição de legitimidade aos olhos de seu
interlocutor.
Assim, a legitimidade, constituída a partir da identidade psicossocial do sujeito falante, é que
permite tomar a palavra e dizer. Ou seja, o fato de o indivíduo ser um juiz de Direito e
mostrar-se como tal durante a enunciação confere-lhe direito e poder de dizer em
determinadas situações específicas como, durante um depoimento no Tribunal do Júri, por
exemplo. Para Charaudeau (2004, p 295), essa posição de autoridade pode ser o resultado de
um processo que passa por dois tipos de construção: i) a de autoridade institucional, que é
fundada pelo estatuto do sujeito, que lhe confere autoridade de saber (professor, advogado,
médico) ou de poder de decisão (responsável por uma organização). Roberto Jefferson, por
exemplo, possui autoridade de saber, uma vez que é advogado, e de poder de decisão, tendo
em vista sua função de parlamentar, presidente do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB). Além
disso, a legitimidade se constrói nas representações sociais das quais o sujeito participa
(conhecimentos, crenças e opiniões), como uma representação do que ele possui de si e do
mundo.
a credibilidade advém das estratégias que o sujeito usa para fazer com que o outro tenha a
sua fala como credível. Essas estratégias inserem-se no imaginário de veracidade e
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Capítulo 01 - O discurso político: um evento comunicativo
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autenticidade do dizer; correspondem ao ideal de convencimento do outro e não possuem
índices de predeterminação.
Para Charaudeau, a credibilidade é uma estratégia discursiva que consiste para o sujeito
falante em determinar uma posição de verdade, de maneira que ele possa ser levado a sério, o
que é bastante complexo uma vez que os indivíduos possuem valores, crenças, opiniões e
ideologias diferentes. Perelman e Olbrechts-Tyteca (2000) ressaltam que todo grupo social é
regido por valores, crenças e normas e não por um conceito puro e inadmissível de verdade.
Portanto, o consenso social é que determina a verdade e não a adequação do enunciado ao
real, sendo, segundo os autores, mais plausível falar de probabilidades.
Na perspectiva de Charaudeau (2005, p. 143), o sujeito falante, imbuído do desejo de angariar
a credibilidade, pode se posicionar de três maneiras, tendo em vista a situação comunicativa.
Ora ele pode manter-se neutro quanto à opinião que exprime, o que o levará a apagar, em seu
modo de argumentação, qualquer traço de julgamento ou de avaliação pessoal, seja para
explicitar as causas de um fato, seja para demonstrar uma tese como, por exemplo, enunciar-
se, geralmente, na terceira pessoa (diminui a responsabilidade do sujeito, criando uma
distância entre ele e o que ele fala - efeito de objetividade). Ora ele pode mostrar-se engajado,
o que conduzirá o sujeito a optar (de maneira mais ou menos consciente) por uma tomada de
posição na escolha dos argumentos ou na escolha das palavras, ou por uma modalização
avaliativa associada a seu discurso, o que produzirá um discurso de convicção destinado a ser
partilhado pelo interlocutor. Durante o evento da CPMI, por exemplo, Roberto Jefferson usou,
bastante, as orações interferentes, tendo em vista expressar, fortemente, sua opinião,
modalizando seu discurso (efeito de confidência). Ou ainda, ele pode manter-se distanciado o
que o levará a tomar a atitude fria do especialista que analisa sem paixão, como o faria um
expert: “o estilo neutro aumenta a credibilidade por contraste com o que poderia ter sido um
estilo argumentativo mais insistente; age pelo conhecimento que, por outro lado, temos da
força argumentativa de certas variações de estilo” (PERELMAN; OLBRECHTS-TYTECA,
2000, p. 173).
A credibilidade, capacidade de dizer ou de fazer, é resultado de dupla identidade discursiva.
Uma diz respeito ao posicionamento ideológico do sujeito falante: corresponde ao conceito
político, enquanto lugar de constituição de um pensamento sobre a vida dos homens em
sociedade, conforme podemos ver no fragmento: Ingressei no movimento da luta pela
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Capítulo 01 - O discurso político: um evento comunicativo
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anistia, em 1976, em 1977, e também na luta por melhores condições de trabalho para a rede
de magistério do Estado de Goiás. Fui dirigente sindical do centro dos professores [...”]
(Depoimento de Delúbio Soares à CPMI dos Correios no dia 20/07/2005). A outra diz
respeito à posição do sujeito no processo comunicativo: corresponde à prática política, lugar
das estratégias da gestão do poder. Assim, o sujeito falante procura ou deseja construir a
imagem de um chefe ideal que se encontra no imaginário coletivo, conforme tentou fazer
Roberto Jefferson durante o evento da CPMI dos Correios ao se manifestar na cena como um
chefe soberano que se preocupava com o bem estar do povo e com o bom andamento das
questões políticas no País (como mudanças no sistema de financiamento das campanhas
eleitorais, por exemplo), uma vez que acreditava ser esse o desejo do povo brasileiro.
Por fim, no nível da captação, o sujeito comunicante busca atingir o lado emocional do sujeito
interpretante, seduzindo-o para o campo de suas formulações. Esse nível diz respeito ao
conjunto de crenças e estados emocionais que pode resultar em um ato linguageiro bem
sucedido. Além disso, ele corresponde aos recursos lingüísticos, lúdicos, às estratégias de
escrita, ao estilo, à cenografia. Durante a CPMI dos Correios, Roberto Jefferson se pôs em
cena como um político “bem humorado”, não austero, a nosso ver, uma representação que se
encontra no imaginário do brasileiro: a imagem de humor está associada a de uma pessoa
mais acessível, mais próxima do povo.
Na perspectiva de Charaudeau (1983, 2006), as estratégias se definem em termos de
imaginários, isto é, de representações sociodiscursivas, tendo, pois, uma função simbólica e
sendo configuradas, em algum momento da história de uma comunidade, sob a forma de
discurso - por isso representações sociodiscursivas - e de marcas lingüísticas. O sujeito,
durante a interação, mobiliza uma ou outra estratégia tendo em vista sempre as representações
do grupo social no qual está inserido e do qual faz parte, como uma representação de si
mesmo e do outro. José Dirceu, durante a CPMI dos Correios, por exemplo, ressaltou sua
participação ativa na luta contra o regime militar, uma vez que acreditava na aversão do povo
a esse tipo de governo: “Minha vida o Brasil conhece, sempre foi pública, mesmo quando eu
lutava de armas nas mãos ou na clandestinidade(Pronunciamento de José Dirceu na Câmara
dos Deputados, no dia 22/06/2005). As representações sociais regem a vida dos indivíduos
que vivem em determinado grupo social e, ao mesmo tempo, esses mesmos indivíduos são
responsáveis pela criação desses imaginários. Assim, as representações constituem uma
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Capítulo 01 - O discurso político: um evento comunicativo
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dialética, no sentido de que são determinantes na vida dos homens e são determinadas por
eles, ao viverem em grupo.
2.1.2.2. As estratégias discursivas no discurso político
Conforme dissemos, o homem político está em busca do poder, para conquistá-lo ou para
se manter nele, o que é possível, a princípio, pela legitimidade adquirida ou atribuída. No
entanto, isso não é suficiente. Assim, ele precisa mostrar-se o mais crível possível e tentar
persuadir o maior mero de indivíduos de que ele partilha certos valores que lhes são caros
como, por exemplo, a honestidade, a transparência, a lealdade, a honradez etc., o que põe a
instância política na perspectiva de ter que articular opiniões para estabelecer um consenso.
Quanto aos valores, Perelman e Olbrechts-Tyteca (2000, p. 84-5) ressaltam que “recorre-se a
eles para motivar o ouvinte a fazer certas escolhas em vez de outras e, sobretudo, para
justificar estas, de modo que se tornem aceitáveis e aprovadas por outrem”. O homem
político deve fazer uso da persuasão para desempenhar o papel de representante e fiador do
bem-estar social: aquele que se faz príncipe pelo favor do povo deve permanecer amigo
dele, o que não oferece dificuldades, pois este quer simplesmente não receber opressão.
Mas o que ascender ao principado contra a vontade do povo, por favor dos poderosos, deve,
em primeiro lugar, conquistar o povo” (MAQUIAVEL, 1999, p. 75, grifo nosso).
Assim, o sujeito político deve construir para si uma identidade discursiva dupla. Uma
corresponde ao conceito político, enquanto lugar de constituição de um pensamento sobre a
vida dos homens em sociedade (posicionamento ideológico). Durante a CPMI dos Correios,
José Dirceu, por exemplo, declarou: “Sr. Presidente, sou de esquerda. Sou do PT e sou de
esquerda. Portanto, a esquerda falou aqui, sim” (Pronunciamento realizado na Câmara dos
Deputados no dia 22/06/2005). A outra diz respeito à prática política, lugar das estratégias da
gestão do poder (posição na enunciação).
O que caracteriza essa identidade discursiva é o fato de ele falar em nome do povo, ou seja,
ser seu porta-voz, por isso uma identidade singular coletiva, conforme ressalta Charaudeau
(2006). Em sua singularidade, ele fala para todos como portador de valores transcendentais. É
o porta-voz de um terceiro, enunciador de um ideal social, a busca da felicidade que, segundo
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Capítulo 01 - O discurso político: um evento comunicativo
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Aristóteles (2005), consiste no bem comum. Ele estabelece um pacto entre três tipos de voz: i)
a voz do Terceiro, que é como um deus social ou um deus divino (o sagrado, como a imagem
de profeta e herói construída por Roberto Jefferson, por exemplo, durante o evento); ii) a voz
do Eu; iii) a voz do Tu-todos. Essas vozes se fundem em um corpo social abstrato, um “Nós”
que desempenha o papel de guia.
Nessa perspectiva, a instância política é provedora de um sonho, coletivo ou individual, está
associada ao cidadão e constrói o sonho (um ideal social) com ele, em uma espécie de pacto
de aliança. Portanto, é necessário que o político inspire confiança, admiração, o que pode ser
feito através da imagem de chefe ideal que se encontra no imaginário coletivo dos
sentimentos e das emoções, conforme o fez Roberto Jefferson, durante a CPMI dos Correios
ao se manifestar como um guia supremo (herói e profeta). A influência política é, pois,
praticada tanto no terreno da paixão (ethos e pathos) quanto no do pensamento (logos).
A convicção diz respeito ao puro raciocínio, tem origem nas faculdades intelectuais e está
voltada para o estabelecimento da verdade (logos). a persuasão, por sua vez, pertence ao
campo dos sentimentos/afetos, tem origem nos deslocamentos emocionais e está voltada para
o auditório (ethos e o pathos). De um lado o logos, de outro o pathos a que é necessário
acrescentar o ethos, que é, a princípio, a imagem daquele que fala e que é igualmente capaz de
tocar o auditório (sujeito interpretante) pela possível identificação deste à pessoa do orador
(sujeito falante). Portanto, a encenação do discurso político se dá:
entre a ordem da razão e a da paixão, misturando logos, ethos e pathos para
tentar responder à questão que se coloca o cidadão: o que me leva a aderir a
este ou àquele valor? Para o político, é uma questão de estratégia a ser
adotada na construção de sua imagem (ethos) para fins de credibilidade e de
sedução, da dramatização do ato de tomar a palavra (pathos) para fins de
persuasão, da escolha e da apresentação dos valores para fins de
fundamento do projeto político (CHARAUDEAU, 2006, p. 84).
Discutiremos, detalhadamente, ethos, logos e pathos no capítulo 2, na seção intitulada “Modo
de organização do discurso retórico”. Por ora, é importante ressaltar que tais “categorias”
constituem provas persuasivas situadas no enunciador, no enunciatário e no referente,
respectivamente: as provas de persuasão fornecidas pelo discurso são de três espécies: umas
residem no caráter moral do orador; outras, no modo como se dispõe o ouvinte; e outras, no
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Capítulo 01 - O discurso político: um evento comunicativo
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próprio discurso, pelo que este demonstra ou parece demonstrar(ARISTÓTELES, 2005, p.
96).
Conforme já dissemos, as estratégias discursivas se referem às atitudes enunciativas do sujeito
falante (aí entra a noção de ethos, por exemplo), aos modos de organização (enunciativo,
narrativo, descritivo e argumentativo) e aos saberes partilhados pelos membros de
determinada comunidade. No entanto, tendo em vista a complexidade dessas questões e a
pertinência delas para a pesquisa, apresentar-las-emos em um capítulo à parte, intitulado
“Modos de organização do discurso”, após a discussão sobre o nível semiolingüístico.
2.1.3. Nível semiolingüístico: escolhas lingüísticas e efeitos discursivos
No discurso político como em qualquer outro discurso, a competência semiolingüística,
conforme também dissemos, refere-se ao fato de todo sujeito falante saber usar e
reconhecer a forma dos signos, suas regras de combinação e seu sentido, tendo consciência de
que estes são usados para exprimir uma intenção comunicativa como, por exemplo, saber
selecionar determinado campo lexical cujas palavras possam produzir um efeito de temor,
escolher e combinar certas estruturas sintáticas com a finalidade de construir uma imagem de
credibilidade ou, ainda, escolher uma conjunção adequada ao valor semântico que deseja
atribuir a dado enunciado. Portanto, o vel semiolingüístico é o espaço das escolhas
lingüísticas (lexicais, sintáticas) que configuram o discurso. É importante ressaltar que esse
nível também constitui um espaço de estratégias, uma vez que o sujeito falante deve saber
escolher e organizar os signos lingüísticos, além de reconhecê-los, tendo em vista uma
finalidade.
Nesse sentido, é de fundamental importância à argumentação a seleção do léxico assim como
das estruturas sintáticas e de suas formas combinatórias (tendo em vista os efeitos discursivos
visados): “é indispensável chamar a atenção sobre o papel da seleção prévia dos elementos
que servirão de ponto de partida para a argumentação e da adaptação deles aos objetivos desta
última” (PERELMAN; OLBRECHTS-TYTECA, 2000, p. 131, grifo nosso). A seleção dos
elementos bem como a maneira como estes serão apresentados ao auditório (sujeito
interpretante) tornam-se, portanto, importantes ao processo argumentativo, sendo a
presentificação, segundo os autores, um recurso essencial, uma vez que ela atua de forma
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Capítulo 01 - O discurso político: um evento comunicativo
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direta sobre nossa sensibilidade. A questão é escolher os elementos e a forma de torná-los
presentes: “toda argumentação supõe, portanto, uma escolha, que consiste o na seleção
dos elementos que o utilizados, mas também na técnica da apresentação destes”
(PERELMAN; OLBRECHTS-TYTECA, 2000, 136).
Em nossa opinião, a relação entre recursos lingüísticos e efeitos discursivos, principalmente
no que diz respeito às estruturas sintáticas, pode ser pensada com apoio da Gramática
Funcionalista por três motivos básicos. O primeiro é que nessa concepção todas as dimensões
constitutivas da linguagem - fonologia, morfologia, sintaxe, semântica e pragmática - são
integradas, ou seja, a linguagem não é concebida de forma compartimentada, o que é de suma
importância ao estudar efeito(s) de sentido. O segundo é que essa gramática propõe analisar a
estrutura gramatical vinculada à situação comunicativa, conforme salienta Nichols (1984): a
gramática funcional, embora analise a estrutura gramatical, inclui na análise toda a situação
comunicativa: o propósito do evento de fala, seus participantes e seu contexto discursivo”. Por
fim, essa gramática não é excludente, e cada categoria funcional é apenas uma possibilidade
de escolha.
Em outras palavras, a língua é concebida como um conjunto de escolhas que o sujeito faz,
tendo em vista a interação social, o que equivale a dizer que o sujeito falante seleciona um ou
outro recurso lingüístico em virtude de seu projeto de fala. No entanto, a escolha dos recursos
lingüísticos não acontece ao sujeito falante de forma pronta durante a enunciação, mas é
conseqüência, geralmente, de um trabalho de seleção, organização e mobilização.
Conforme Hilgert (2003), é importante salientar que toda essa atividade de seleção,
organização e mobilização não é uma função exclusiva do sujeito falante em busca da melhor
formulação para transmitir a sua informação ao sujeito interpretante. Na realidade, ela
consiste no empenho do sujeito falante, determinado pelo sujeito interpretante, em construir o
sentido dos enunciados. Assim, nas palavras de Hilgert (2003, p. 77), os sentidos são
construídos em função de um fazer interpretativo do sujeito interpretante que também não
possui uma atuação isolada através da qual lhe caberia “desempacotar
11
um conteúdo
remetido pelo sujeito falante. Para o autor, a interpretação é construída pelo sujeito
11
Metáfora usada por Brinker e Sager (1989, p. 126-8, apud HILGERT, 2003), quando, a propósito de discussão
sobre a noção de sentido e o trabalho de atribuição de sentidos na construção do texto, discutem diferentes
modelos de comunicação.
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Capítulo 01 - O discurso político: um evento comunicativo
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interpretante na esteira das “instruções” - da proposta de compreensão - fornecidas pelo
sujeito falante, o que implica dizer que, assim como o fazer atribuidor de sentidos é
determinado pelo sujeito interpretante, o fazer interpretativo é orientado pelo sujeito falante. E
o processo da seleção lexical e sintática se explica e se entende nesse fazer convergente de
produzir sentidos e construir a compreensão.
Na perspectiva do autor, não é possível ter uma visão ingênua de que ao enunciador caberia o
papel atribuidor de sentido e ao enunciatário o fazer interpretativo. Enunciador e enunciatário
constituem os sujeitos da enunciação, uma vez que é na atuação interativa de ambos que as
escolhas para a construção dos sentidos no discurso são feitas. “O enunciatário, como filtro e
instância pressuposta no ato de enunciar, é também sujeito produtor do discurso, pois o
enunciador, ao produzir um enunciado, leva em conta o enunciatário a quem ele se dirige”
(FIORIN, 2003, p. 163).
A seleção dos recursos lingüísticos, raramente, vem desprovida de caráter argumentativo. Na
maioria das vezes, a escolha se dá em vista da intenção do sujeito falante, ou seja, do efeito (s)
pretendido (s). Perelman e Olbrechts-Tyteca, ao discutirem a escolha do léxico, corroboram
essa hipótese: “a apresentação dos dados não é independente dos problemas de linguagem. A
escolha dos termos, para expressar o pensamento, raramente deixa de ter alcance
argumentativo” (PERELMAN; OLBRECHTS-TYTECA, 2000, p. 168).
2.1.3.1. A escolha das estruturas sintáticas
Em um primeiro momento, é importante apresentar, sucintamente, algumas concepções de
sintaxe que foram relevantes para a pesquisa. Na perspectiva de Bechara (1992, p. 197), por
exemplo, a sintaxe diz respeito ao “estudo dos padrões estruturais de uma ngua determinada
pelas relações recíprocas na oração e das orações no discurso”. Além disso, o autor salienta a
possibilidade que o falante tem de fazer escolhas dentre os elementos da oração ou do
discurso, tendo em vista atingir melhor expressividade.
Perini (1996), ao se referir à relação entre os papéis semânticos e as funções sintáticas,
destaca a necessidade de se analisarem as relações de sentido expressas pelas funções
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sintáticas, independentemente de seu preenchimento léxico, e o complexo caráter da relação
entre forma e significado.
Fromkin e Rodman (1993), por sua vez, consideram a sintaxe como a parte do conhecimento
lingüístico que se refere à estrutura das frases. Segundo os autores, saber uma língua implica
ser capaz de juntar seqüências, fazer combinações. Conforme salienta Rocha (2001, p. 62), a
capacidade de emitir juízos de gramaticalidade reflete o conhecimento inconsciente que os
falantes possuem das regras sintáticas da gramática de sua língua. Esse conhecimento - que
faz parte das regras sintáticas que determinam a formação dos enunciados - implica não a
gramaticalidade, mas a ordem, a colocação dos enunciados, o conhecimento das estruturas,
das relações gramaticais.
Na perspectiva de Borba (2003, p. 182), o eixo condutor da sintaxe é a relação de que resulta
a subordinação de um termo a outro, determinada pela ordem estrutural e linear. Segundo o
autor, a sintaxe aborda as relações que as unidades constroem no enunciado. Essas unidades
se ajeitam conforme os interesses do falante ou segundo a própria mentalização do que se
quer comunicar.
Por fim Koch (1995), ao discutir “articulação entre as orações”, afirma que, na perspectiva
tradicional, as relações entre as orações são vistas em termos das noções de coordenação e
subordinação, noções predominantemente formais. A autora salienta que, no estudo das
orações justapostas, por exemplo, sem qualquer partícula de ligação, dificilmente se procura
analisar o tipo de relação que elas veiculam. Após reflexões sobre propostas apresentadas por
lingüistas textuais e analistas do discurso, Koch postula a existência de dois tipos
fundamentais de relações: i) as relações lógico-semânticas (ideacionais ou referenciais), que
são expressas por meio de um único ato de fala; ii) as relações discursivo-argumentativas
(funcionais, pragmáticas), que são expressas através de dois ou mais atos de fala - às quais se
acrescentam as relações contextualizadoras ou textuais em sentido restrito, ou seja, as que têm
a ver com a organização da seqüência textual. A autora ressalta que o estabelecimento de
relações entre as orações desempenha importantes funções de ordem argumentativa e
cognitivo-interacional, “resultado de atividades de construção textual, realizadas pelos
interlocutores por ocasião do processamento do texto, quer escrito, quer falado” (KOCH,
1995, p. 18).
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Todas as concepções acima apontam para uma perspectiva funcionalista em que a sintaxe se
relaciona à semântica e à pragmática. Conforme Dik (1978, 1989a), a linguagem pode
funcionar comunicativamente por meio de arranjos sintaticamente estruturados, organizados,
o que significa que não há uma sintaxe autônoma. Quando se admite o relacionamento íntimo
entre discurso e gramática, reconhece-se o relacionamento entre discurso e sintaxe. Desse
modo, a sintaxe é um componente da linguagem que se incorpora à própria interface
discurso/gramática: “a gramática é feita à imagem do discurso, mas o discurso nunca é
observado sem a roupagem da gramática” (DU BOIS, 1993a, p. 11).
Embora sucintamente, mas de forma a contribuir com os estudos sobre a argumentação,
Perelman e Olbrechts-Tyteca (2000) também discutem a questão das estruturas hipotáticas e
paratáticas:
quando dispomos de certo número de dados, oferecem-se-nos amplas
possibilidades quanto aos vínculos que estabeleceremos entre eles. O
problema da coordenação ou da subordinação dos elementos se prende em
geral à hierarquia dos valores aceitos; todavia, no âmbito dessas
hierarquias de valores, podemos formular ligações entre os elementos do
discurso que modificarão consideravelmente as premissas: operamos entre
esses vínculos possíveis uma escolha tão importante como a que
operamos pela classificação ou pela qualificação (PERELMAN;
OLBRECHTS-TYTECA, 2000, p. 176, grifo nosso).
Segundo os autores, a construção sindética é a estrutura argumentativa por excelência, uma
vez que o ndeto cria contextos, constitui uma tomada de posição: ele impõe-se ao leitor,
obriga-o a ver certas relações, limita as interpretações que ele poderia levar em consideração,
inspira-se no raciocínio jurídico bem-construído” (PERELMAN; OLBRECHTS-TYTECA,
2000, p. 178), conforme podemos ver no fragmento a seguir, em que a relação de explicação é
determinada pela conjunção “uma vez que”: “Sr. Presidente, Sr. Relator, não sou advogado,
não sou Parlamentar, sou um técnico dos Correios. Fiz o roteiro para falar. Pontuei. Achei
melhor anotar todos esses pontos, uma vez que me disseram que eu teria vinte minutos no
máximo”(Depoimento de Mauricio Marinho à CPMI dos Correios, no dia 21/06/2005).
a estrutura assindética renuncia a qualquer ligação precisa entre as partes: “o ouvinte fica
livre para imaginar entre os elementos de uma relação que, dada a sua própria imprecisão,
assume um feitio misterioso, mágico; por isso, aliás, ela pode provocar um efeito altamente
dramático” (PERELMAN; OLBRECHTS- TYTECA, 2000, p.175).
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Capítulo 01 - O discurso político: um evento comunicativo
58
Ainda, segundo os autores, é com a construção assindética que se deve correlacionar, pelo
menos em alguns de seus usos, a enumeração conforme podemos ver no fragmento: “Servi
durante dois anos ao Governo. Não respondo a um processo. Não sou réu”.
(Pronunciamento de José Dirceu no Plenário da Câmara dos Deputados no dia 22/06/2005).
Além disso, Perelman e Olbrechts-Tyteca (2000) salientam também que “de modo geral,
verifica-se que, na prática do discurso, quase sempre, sob a forma de uma coordenação,
insere-se uma intenção de subordinação” (PERELMAN; OLBRECHTS-TYTECA, 2000, p.
177).
A subordinação, por sua vez, não é expressa unicamente por conjunções, segundo os
pesquisadores. Outras formas gramaticais podem desempenhar a mesma função como, a
própria qualificação. Ao descrever o Presidente Lula, por exemplo, Roberto Jefferson assim o
fez: “O presidente Lula é um homem simples [...]”, pondo em cena a relação
determinante/determinado tão cara à sintaxe, à semântica e à pragmática (efeitos discursivos
diferem tendo em vista a relação estabelecida entre os termos). Recentemente, no programa
“Brasil das Gerais”, um empresário, ao ressaltar a excelência de sua empresa, declarou:
“Queremos ser uma grande empresa e não uma empresa grande”.
Os autores não discutem a topicalização, questão, a nosso ver, também de fundamental
importância aos estudos sobre a argumentação (tendo em vista as estruturas sintáticas), uma
vez que a ordem como agenciamos essas estruturas interfere na persuasão, embora tenham
discorrido, de forma bastante tímida, em que lugar recai o foco de determinada conjunção
como, por exemplo, a concessiva.
Em nossa opinião, são necessários estudos mais abrangentes sobre as estruturas sintáticas,
sobretudo sobre as orações assindéticas (tendo em vista, é claro, os efeitos discursivos
pretendidos). Ousamos dizer que concordamos com Perelman e Olbrechts-Tyteca, mas a
relação entre as estruturas sintáticas não nos parece tão simples quanto os autores propõem.
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Capítulo 01 - O discurso político: um evento comunicativo
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2.1.3.2. A escolha lexical
O léxico, segundo Vanoye (2002), pode ser compreendido como o conjunto de palavras de
uma ngua ou, ainda, como o conjunto de palavras de uma língua peculiar a um grupo social
ou a um indivíduo. Assim, o léxico de determinada língua constitui um conjunto no qual se
incluem os léxicos particulares.
Teoricamente, o léxico de uma língua é ilimitado, mas na prática o indivíduo conhece apenas
uma pequena parte do conjunto e, ao falar ou escrever, emprega apenas uma fração do que
conhece.
Conforme dissemos, raramente a escolha dos recursos lingüísticos é aleatória. Em
princípio, a opção por uma ou outra palavra se em virtude da intenção argumentativa,
assim como atestam Perelman e Olbrechts-Tyteca:
a escolha dos termos, para expressar o pensamento, raramente deixa de ter
alcance argumentativo apenas depois da supressão deliberada ou
inconsciente da intenção argumentativa é que se pode admitir a existência
de sinônimos, de termos que seriam suscetíveis de ser utilizados
indiferentemente um pelo outro. [...]. Por vezes a escolha de um termo será
destinada a servir de indício, indício de distinção, de familiaridade ou de
simplicidade. Por vezes ela servirá mais diretamente à argumentação,
situando o objeto do discurso numa categoria, melhor do que o faria o uso
do sinônimo: é a essa intenção que poderia corresponder a escolha da
palavra “hexaedro” em vez de “cubo” (PERELMAN; OLBRECHTS-
TYTECA, 2000, p. 168-9).
Os autores ressaltam que a intenção argumentativa geralmente pode ser detectada pelo uso de
um termo pouco habitual
12
na linguagem cotidiana, mas, por outro lado, a escolha de um
termo habitual pode, da mesma forma, ter valor de argumento.
Ainda segundo Perelman e Olbrechts-Tyteca não existe escolha neutra. Há, na verdade, uma
escolha que parece neutra, a partir da qual podem ser estudadas as modificações
argumentativas. O recurso ao estilo neutro, para os autores, deve também ser considerado
como um caso particular de renúncia, que se destina a aumentar a credibilidade por contraste
com um estilo argumentativo mais inflamado.
12
Aquele que passa despercebido (PERELMAN; OLBRECHTS-TYTECA, 2000).
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Capítulo 01 - O discurso político: um evento comunicativo
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Hilgert, ao discutir a seleção lexical no texto falado, também ressalta a não aleatoriedade da
escolha lexical: “o enunciador, em seu fazer enunciativo, faz escolhas lexicais para produzir
os sentidos que viabilizem os seus propósitos em relação ao enunciatário, na interação em
desenvolvimento” (HILGERT, 2003, p.72, grifo nosso).
A seleção lexical, segundo Koch (1999, p. 156-157), é um importante recurso retórico, uma
vez que através dela se estabelecem as oposições, os jogos de palavras, as metáforas, o
paralelismo rítmico, além de ser de fundamental importância na coesão lexical. Quanto a este
último item, para a autora, geralmente, não se torna possível a manutenção dos
pressupostos básicos do discurso por meio de uma seleção lexical adequada, como também se
estabelece a referência anafórica por meio de termos ou expressões de carga significativa
semelhante como, por exemplo, o uso de expressões referenciais
13
definidas. O fragmento a
seguir ilustra bem a questão da seleção lexical no processo de referenciação, com fins
persuasivos. Vejamos:
Segundo depoimento - fragmento 02
Sr. Presidente, assisti ontem a uma queda de braços de quase nove horas na Comissão para
se quebrarem ou não as contas do Sr. Marcos Valério, de Belo Horizonte, aquele moço
carequinha [...].
O sujeito falante selecionou, dentre as propriedades atribuíveis ao referente “Sr. Marcos
Valério”, aquelas que, naquela situação comunicativa, seriam relevantes à viabilização do
projeto de fala. Tendo em vista mostrar, através da comparação, que a atuação de Paulo César
Farias (PC Farias
14
) era igual a de Marcos Valério, ativou, dentre os conhecimentos
supostamente partilhados com os interlocutores, características de Marcos Valério que queria
enfatizar como, por exemplo, o fato de ele ser de Belo Horizonte e, principalmente, de ter
uma aparência semelhante à de PC Farias: “aquele moço carequinha”.
Durante o discurso, o sujeito falante pode selecionar, como estratégia discursiva
argumentativa, um conjunto de palavras para designar, qualificar, caracterizar ou significar
uma noção, uma atividade, uma técnica, uma pessoa, pertencentes a um mesmo campo lexical
(VANOYE, p. 2002, p. 28). Além disso, ele pode interrelacionar esses campos, obtendo
13
A interpretação de uma expressão anafórica, nominal ou pronominal, consiste não em localizar um segmento
lingüístico (um “antecedente”) ou um objeto específico no mundo, mas sim em estabelecer uma ligação com
algum tipo de informação que se encontra na memória discursiva (KOCH, 2002, p. 81).
14
Operador de Collor.
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Capítulo 01 - O discurso político: um evento comunicativo
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novos sentidos diferentes daqueles que seriam veiculados pelo uso de cada uma das palavras
dos campos separadamente. As unidades lexicais selecionadas podem ser sinônimas,
antônimas ou se associarem de alguma forma.
No capítulo seguinte, dando continuidade à apresentação das estratégias, discutiremos os
modos de organização do discurso, também na perspectiva de Charaudeau (1992).
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Capítulo 02 - Modos de organização do discurso
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CAPÍTULO 02
3. MODOS DE ORGANIZAÇÃO DO DISCURSO
“Democracia é quando eu mando em você.
Ditadura é quando você manda em mim”.
Millôr Fernandes
No presente capítulo, tecemos algumas considerações sobre os modos de organização do
discurso enunciativo, descritivo, narrativo e argumentativo propostos por Charaudeau (1992).
Além disso, neste capítulo, discutimos as provas retóricas persuasivas ethos, pathos e logos
15
que, a nosso ver, podem constituir um modo organizativo à parte, a que denominamos modo
retórico, em virtude de sua importância no discurso em questão.
É importante ressaltar que a exposição dos modos de organização a seguir tem como pano de
fundo o discurso político, em especial o da CPMI dos Correios, embora não se trate ainda
nesta parte da análise propriamente dita. Além disso, na exposição dos modos de organização,
nos limitamos à apresentação das categorias analisadas.
3.1. Os modos de organização do discurso: formas semiotizadas do mundo
Em princípio, podemos representar o mundo e interagir com ele a partir de, pelo menos,
quatro maneiras, isoladas ou combinadas - modos de organização discursiva: enunciativo,
descritivo, narrativo e argumentativo (CHARAUDEAU, 1992). A escolha de um ou outro
modo, ou ainda de algum de seus recursos, depende do que o sujeito falante considera mais
favorável a seus objetivos.
Assim, os modos de organização do discurso são procedimentos que consistem em utilizar
certas categorias lingüísticas em função das finalidades discursivas do ato comunicativo. Em
outras palavras, o sujeito falante põe em cena “recursos” lingüísticos e/ou discursivos que
acredita cumprir determinadas finalidades comunicativas ou produzir alguns efeitos
discursivos.
15
Cf. Aristóteles (2005).
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Capítulo 02 - Modos de organização do discurso
63
Charaudeau ressalta que o modo enunciativo tem uma dupla função, uma vez que, se, por um
lado, requer dar conta da posição do locutor em relação ao interlocutor, a si mesmo e aos
outros; por outro, intervém na encenação dos demais modos. Neste sentido, o modo
enunciativo comanda todos os demais modos de organização discursiva.
Em nossa opinião, além dos quatro modos de organização previstos por Charaudeau,
poderíamos acrescentar mais um, a que denominamos retórico, que seria constituído pelas
provas persuasivas aristotélicas ethos, pathos e logos. Ao enunciar (logos), o locutor constrói
imagens de si e do outro (ethos, anti-ethos e pró-ethos
16
), a partir de representações
sociodiscursivas disseminadas na e pela sociedade na qual está inserido (valores, idéias,
crenças, saberes), tendo em vista “comover” (pathos) o outro a aderir a seu projeto de fala.
Assim, propomos cinco modos de organização discursiva: enunciativo, narrativo, descritivo,
argumentativo e retórico, todos “comandados” pelo modo enunciativo, sendo que um deles
pode se destacar em determinado discurso. Vejamos cada modo separadamente.
3.2. Modo de organização discursiva enunciativo
Conforme Charaudeau (1992), o modo enunciativo se caracteriza pelo fato de o locutor
estabelecer uma relação de influência sobre o interlocutor; revelar seu ponto de vista sobre o
mundo e retomar a fala de um terceiro.
Ao enunciar, o locutor age sobre o interlocutor, levando-o a responder e/ou a reagir (relação
de influência). Ele pode se manifestar em posição de superioridade em relação ao interlocutor,
atribuindo a si papéis que fazem com que este execute ações (“fazer fazer”/”fazer dizer”), o
que caracteriza uma relação de força entre os interactantes como é o caso, por exemplo, das
modalidades de injunção e de interpelação.
A modalidade injuntiva tem uma relação direta com a questão da legitimidade, uma vez que
“somente surte efeito (tem força persuasiva) se o sujeito que ordena tem poder de ascendência
sobre a que executa: é uma relação de forças que não implica adesão nenhuma. Quando a
força real está ausente ou não se pretende a sua utilização, o imperativo toma a inflexão de um
16
Em oposição ao ethos, a imagem do antagonista, denominada de anti-ethos. À medida que o sujeito atribui
uma qualidade a si mesmo, imputa o oposto a seu adversário. Além disso, ele pode também qualificar seus
“aliados” (pró-ethos).
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Capítulo 02 - Modos de organização do discurso
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rogo” (PERELMAN; OLBRECHTS-TYTECA, 2000, p. 179). Além disso, segundo os
autores, a forma imperativa é bastante eficaz para aumentar o sentimento de presença.
Por outro lado, o locutor pode enunciar em posição de inferioridade em relação ao interlocutor
e assumir papéis através dos quais necessita do “saber” e do “poder fazer” do interlocutor,
estabelecendo entre ambos uma relação de petição. É o caso das modalidades de interrogação
e de pedido. Durante o evento da CPMI dos Correios, Roberto Jefferson, inicialmente,
manteve uma relação de aparente petição com a mídia (mostra consciência do poder
simbólico desse órgão). No entanto, é importante ressaltar que nem sempre a interrogação tem
valor de petição. Muitas vezes ela pode ser usada com fins de intimidação, conforme o fez
Roberto Jefferson e inquiridores durante o evento da CPMI dos Correios.
A interrogativa, segundo Perelman e Olbrechts-Tyteca (2000, p. 179), supõe um objeto, sobre
o qual incide e sugere que um acordo sobre a existência desse objeto. Responder a uma
pergunta é confirmar esse acordo implícito. Além disso, os autores ressaltam que a
interrogativa visa, muitas vezes, principalmente, no discurso judiciário, a uma confissão sobre
um fato real desconhecido de quem questiona, mas cuja existência, assim como a de suas
condições, se presume.
No entanto, conforme os autores, a interrogativa, muitas vezes, mesmo sendo real, não visa
tanto a esclarecer quem interroga como a compelir o adversário a incompatibilidade. Assim,
“as perguntas são, em geral, apenas um forma hábil para encetar raciocínio, notadamente
usando da alternativa ou da divisão, com a cumplicidade, por assim dizer, do interlocutor que
se compromete, por suas respostas, a adotar esse modo de argumentação” (PERELMAN;
OLBRECHTS-TYTECA, 2000, p. 180).
No discurso de Roberto Jefferson, durante a CPMI dos Correios, as interrogativas
contribuíram para r em cena um indivíduo corajoso que desafiava a ordem preestabelecida
e intimidava o adversário. Neste sentido, percebemos o discurso político da CPMI dos
Correios também como debate, luta e jogo, assim conforme ressalta Rapoport (1980), uma
vez que Roberto Jefferson buscou destruir seus inimigos, vencer seus adversários e fazer com
que o povo aderisse à sua fala; além da função patêmica da forma interrogativa.
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Capítulo 02 - Modos de organização do discurso
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Ainda segundo Perelman e Olbrechts-Tyteca (2000), a forma interrogativa pode ser
considerada um procedimento bastante hipócrita para expressar certas crenças, tendo em vista
os pressupostos implícitos em certas perguntas; pode servir para rejeitar outra interrogativa
(neste caso, o acordo com o interlocutor está fora de questão); pode ser um simples juízo,
introduzindo um apelo à comunhão com um auditório, ainda que este fosse o próprio sujeito.
Nesta perspectiva, acreditamos que as interrogativas possuem uma estreita relação com as
questões patêmicas. Ou melhor, elas podem ser consideradas índices patêmicos ao suscitar
emoções, desejos, sentimentos.
O locutor se manifesta também com função referencial, o que significa que ele não implica o
interlocutor na cena e modaliza seu dizer. Neste sentido, ele mostra um: i) modo de saber, que
especifica de que forma ele possui conhecimento de um propósito (modalidades de
“constatação” e de “saber/ignorância”); ii) avaliação, em que julga o propósito enunciativo
(modalidades de “opinião” e de “apreciação”); iii) motivação, em que mostra a razão pela
qual o sujeito é levado a realizar o conteúdo do propósito referencial (modalidades de
“obrigação”, “possibilidade” e “querer”); iv) engajamento, em que mostra seu grau de adesão
ao propósito (modalidades de “promessa”, “aceitação/recusa”, “acordo/desacordo” e
“declaração”); v) decisão, em que salienta tanto o status do locutor quanto o tipo de decisão
que o ato de enunciação realiza (modalidade de “proclamação”).
Por fim, neste “jogo”, o locutor pode “apagar-se” de seu ato enunciativo e não implicar o
outro. Assim, ele testemunha a maneira pela qual os discursos do mundo se impõem a ele, o
que resulta em enunciação aparentemente objetiva que deixa parecer os propósitos e os textos
que não pertencem ao sujeito falante (ponto de vista externo) sobre a cena do ato
comunicativo. Às vezes, ele diz como o mundo existe quanto a seu modo e grau de asserção
o caso das modalidades de evidência e de probabilidade, por exemplo); às vezes, ele
desempenha apenas como relator, uma vez que o texto já foi produzido por outro enunciador.
Então, ele reporta o que disse o outro e como ele disse. É o caso das diferentes formas de
“discurso relatado”.
Assim, para Charaudeau (1992), no modo enunciativo, o locutor agencia categorias
lingüísticas, que mostram sua posição de sujeito falante na enunciação (a pessoa, a
atualização, a dependência, a designação, a situação no tempo etc.) e que modalizam seu
dizer; e processos discursivos, os quais são descritos dentro dos diferentes modos de
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Capítulo 02 - Modos de organização do discurso
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organização do discurso: i) dentro da cena descritiva, através dos diferentes efeitos de saber,
de realidade/ficção, de confidência e de gênero; ii) dentro da cena narrativa, através das
diferentes formas de implicar o destinatário-leitor, dos modos de intervenção do narrador,
estatutos e pontos de vista do narrador; iii) dentro da cena argumentativa, através dos tipos de
posição do sujeito que argumenta e dentro dos tipos de valores dos argumentos e, ainda, em
nossa perspectiva iv) dentro da cena retórica, por meio das imagens construídas, dos efeitos
pretendidos e dos argumentos agenciados.
3.3. Modo de organização discursiva narrativo
De acordo com Charaudeau (2008), o modo narrativo é um dos componentes da narrativa
17
e
se caracteriza por dupla articulação: i) construção de uma sucessão de ações conforme uma
lógica acional que irá constituir o “esqueleto” de uma história (organização da lógica
narrativa); ii) encenação na narrativa (organização da cena narrativa).
A lógica narrativa apresenta componentes que estão estreitamente ligados uns aos outros e se
definem reciprocamente tais como: a) actantes que desempenham diversos papéis em relação
à ação da qual dependem; b) processos, que unem os actantes entre si, dando uma orientação
funcional à sua ão, os quais podem ser considerados como a semantização das ações, mas
em relação à sua função narrativa; c) seqüências, que integram processos e actantes em
finalidade narrativa conforme certos princípios de organização. Ela é uma sucessão de
acontecimentos coerente e fundamentada em um quadro espaço-temporal, conforme
determinados princípios tais como, princípio de coerência; princípio de intencionalidade;
princípio de encadeamento.
O dispositivo da encenação narrativa compreende quatro sujeitos, ligados dois a dois de
maneira não simétrica, mas unidos igualmente entre si, de um espaço a outro, podendo estar
presentes na mesma narrativa, explícita ou implicitamente, sob diferentes maneiras
18
.
Os métodos de configuração desta cena se referem à identidade, ao estatuto e aos pontos de
vista do narrador textual. Quanto à identidade, podem ocorrer: i) presença e intervenção do
17
Contar é uma atividade linguageira cujo desenvolvimento implica uma série de tensões e até mesmo de
contradições” (CHARAUDEAU, 2008, p. 154).
18
Cf. Charaudeau (1992).
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Capítulo 02 - Modos de organização do discurso
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autor-indivíduo; ii) presença e intervenção do autor-escritor; iii) presença e intervenção do
narrador-historiador; iv) presença e intervenção do narrador-contador.
Uma vez que nosso objetivo neste modo consiste em verificar como as personagens foram
inseridas na trama e quais foram seus papéis narrativos, além do posicionamento do narrador
na história, limitar-nos-emos, conforme dissemos, à exposição da hierarquização dos
actantes além da identidade, do estatuto e dos pontos de vista do narrador
19
.
Os actantes são categorias discursivas, cujos papéis narrativos dependem do contexto que dará
a um enunciado uma finalidade narrativa como, por exemplo, o papel de benfeitor, agenciado
por Roberto Jefferson durante o evento da CPMI, tendo em vista se construir na cena como
herói e profeta.
Os actantes narrativos se hierarquizam mediante dois pontos de vista: do ponto de vista de sua
natureza: os actantes de base (arquétipos) são actantes humanos, ou considerados como tais,
por exemplo, as personagens Roberto Jefferson, Mauricio Marinho, Delúbio Soares etc., o que
implica limitar o seu mero, em relação aos actantes de língua (de uma parte um actante
que age, de outra um actante que sofre a ação, em torno deles gravitam circunstantes); ii) do
ponto de vista de sua importância na trama: actantes principais e actantes secundários quando
a trama é construída em torno de pólos de ão (heróis), com actantes satélites. No caso da
CPMI dos Correios, por exemplo, Roberto Jefferson é o protagonista ao redor do qual giram
as demais personagens (actantes secundários) tais como, Mauricio Marinho, Marcos Valério,
Delúbio Soares, José Dirceu, José Genoíno, Sandro Mabel, Valdemar Costa Neto, Silvio
Pereira etc.
Um actante, tendo determinado papel narrativo, pode ser ocupado por diferentes tipos de
personagens, seja sucessivamente, seja alternativamente, seja simultaneamente. O papel de
benfeitor, exercido por Roberto Jefferson durante o evento, foi preenchido por herói, profeta,
amigo, pai etc. Um mesmo personagem, por sua vez, pode desempenhar muitos papéis
narrativos e ocupar o lugar de actantes diferentes, no desenvolver da mesma história.
19
Para informações completas sobre este modo Cf. Charaudeau (1992).
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Capítulo 02 - Modos de organização do discurso
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O narrador da trama da CPMI dos Correios constitui o narrador-contador. Esse narrador não
aparece enquanto tal na narrativa, fica apagado, o que não quer dizer que esteja ausente, pois a
própria organização da narrativa é testemunha de sua presença. No entanto, ele pode revelar-
se no próprio discurso da narrativa, não mais em relação a um contexto sócio-histórico ou a
um projeto de escritura, mas em relação à gestão interna da história que é contada, como se
quisesse ora confiar-se ao leitor, ora guiá-lo em sua leitura. Ele pode revelar-se
explicitamente, com o auxílio de pronomes pessoais (nós, eu) ou de termos como narrador,
romancista, para recapitular momentos passados na narrativa ou conduzir a momentos que
vão seguir; implicar diretamente o leitor, que se torna um leitor-destinatário privilegiado, pelo
emprego da palavra leitor ou de pronomes pessoais que se referem a ele; chamar
discretamente o leitor-destinatário a compartilhar de seus pensamentos, julgamentos e
opiniões, com a ajuda de enunciados que têm um valor de reflexão geral; mostrar, através de
incisos ou pela escolha de certas palavras, que toma distância em relação às personagens de
sua narrativa, e aos próprios acontecimentos, distância (mais ou menos irônica) que ele,
narrador, pode pedir ao leitor para compartilhar.
O narrador pode contar a história de outro indivíduo diferente dele mesmo, ou contar a
história da qual ele é a personagem central (ou uma das personagens centrais), como é o caso
de Roberto Jefferson, ou existir muitos narradores.
Quando o narrador conta sua própria história, como é o caso de Roberto Jefferson durante o
evento da CPMI dos Correios, está no interior da narrativa, à medida que o personagem
principal, o herói, é ele mesmo. Ele pode encaixar na história principal, da qual é herói, outras
histórias que se referem a outros personagens. Mas a narrativa em seu conjunto segue o
princípio de elocutividade, isto é, conta uma história em primeira pessoa, na qual narrador e
herói são supostamente idênticos.
Neste caso, ou o narrador é porta-voz do autor-indivíduo-escritor, logo, confunde-se com este.
É o caso da autobiografia real; ou ele não é o porta-voz do autor-indivíduo-escritor. vários
índices na história que configuram esse estatuto. O narrador é porta-voz de outro indivíduo
(real ou fictício), mas os dois são apresentados como coincidentes por meio de uma história
contada em primeira pessoa; ou o narrador-personagem, herói da história, é ao mesmo tempo
o autor-indivíduo e um indivíduo fictício. Isto é, o leitor pode supor, em virtude de certos
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Capítulo 02 - Modos de organização do discurso
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índices, que o herói da história coincide em parte com o autor-indivíduo e que procede em
parte da imaginação, da invenção do autor-escritor.
O narrador apresenta pontos de vista sobre as personagens, que põe em cena a relação que ele
estabelece com elas, além do saber que possui delas. Do ponto de vista objetivo, o narrador
mostra a exterioridade da personagem, sua aparência física, seus fatos e gestos visíveis, todas
as coisas que são suscetíveis de serem vistas ou verificadas por outro sujeito diferente do
narrador, achando-se no lugar deste.
Já do ponto de vista subjetivo, o narrador mostra o interior das personagens, seus sentimentos,
seus pensamentos e seus impulsos interiores, os quais não são necessariamente percebidos
como tais, nem verificados por outro sujeito diferente do narrador, que estivesse no lugar
deste. No caso da CPMI dos Correios, por exemplo, o sujeito falante apresentou tanto seu
ponto de vista subjetivo quanto objetivo, de forma bastante estratégica.
3.4. Modo de organização discursiva descritivo
O modo descritivo consiste “em ver o mundo com um “olhar parado” que faz existir os seres
ao nomeá-los, localizá-los e atribuir-lhes qualidades que os singularizam” (CHARAUDEAU,
1992, p. 561, grifo do autor).
O descritor existência a seres do mundo, nomeando-os; os localiza através de
características que supõe poder ser verificadas por outros sujeitos (construção objetiva do
mundo) e os descreve, conjuntamente com seus comportamentos, por meio de sua própria
visão (construção subjetiva do mundo).
Assim, o descritor põe em cena um conjunto de procedimentos de ordem lingüística,
discursiva e estrutural. Quanto aos procedimentos lingüísticos, ele utiliza uma ou várias
categorias da língua que podem combinar-se entre si para servir a um ou outro dos
componentes da organização descritiva: nomear, localizar-situar, qualificar.
No que diz respeito a nomear, ele pode fazer uso das categorias gramaticais que permitem dar
existência aos seres tais como: i) tipos de denominação, sob a forma de nomes comuns ou
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Capítulo 02 - Modos de organização do discurso
70
nomes próprios, cuja função é identificar o ser de um ponto de vista geral ou específico; ii)
tipos de indeterminação, que se encontram em certos gêneros que inscrevem a narrativa
dentro de uma certa intemporalidade e em lugares não identificados; iii) tipos de atualização,
que permitem, através de artigos, produzir diversos efeitos discursivos tais como, evidência,
singularidade, de familiaridade, de idealização; iv) tipos de dependência, que permitem,
através dos possessivos, produzir certos efeitos discursivos como, por exemplo o efeito de
apreciação; iv) tipos de designação, que permitem, através dos demonstrativos, produzir
efeitos discursivos como, por exemplo, o efeito de tipificação; vi) tipos de quantificação, que
permitem, através de quantificadores, produzir efeitos discursivos como o efeito de
subjetividade; vii) tipos de enumeração que, através de apresentadores e indefinidos,
permitem listar seres (humanos ou não humanos), qualidades, lugares e ações.
no quesito localizar-situar, o descritor pode usar as categorias gramaticais que permitem
fornecer ou considerar um quadro espaço-temporal, lidando com a precisão, o detalhe e a
identificação dos lugares e da época considerada. Ou, pelo contrário, deixando os lugares e o
tempo sem identificação específica.
Por fim, referente a qualificar, ele pode agenciar a categoria da qualificação que permite
construir uma visão objetiva ou subjetiva do mundo e produzir efeitos de realidade/ficção.
Esta atividade exerce a função de descrever os seres humanos, tendo em vista seu aspecto
físico, seus gestos, suas vestimentas, suas posturas, seus gostos, sua identidade (idade, sexo,
dimensão, peso, endereço etc.), suas manias, seus comportamentos, suas palavras, seus
objetos e os seres conceituais ou os fenômenos que são objetos de definições. Aqui, são
usados os seguintes procedimentos: i) acumulação de detalhes e precisões do tipo factual
sobre as maneiras de ser e fazer, com recursos a prazos especializados, mais ou menos
técnicos, acompanhados de definições; ii) utilização da analogia explícita, pelo emprego de
termos de comparação; ou implícita, por meio de transferências de sentidos (metáforas,
metonímias etc.).
Durante a encenação, o descritor pode intervir de maneira explícita ou o, sendo que em
todos os casos isso produzirá diversos efeitos como, efeito de saber, efeitos de realidade e de
ficção, efeito de confiança e efeito de tipo. No entanto, conforme salienta Charaudeau (1992),
é importante frisar que se trata apenas de efeitos possíveis (o leitor real pode não o perceber) e
que o descritor nem sempre tem consciência de todos os efeitos.
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Capítulo 02 - Modos de organização do discurso
71
Quando seu objetivo é “fazer saber”, ele narra uma série de identificações e qualificações que
o leitor não conhece. Assim, ele se constrói como um descritor sábio, que conhece o mundo
em seus menores detalhes e que utiliza este conhecimento para trazer a prova da veracidade
de sua narrativa ou de sua argumentação. Já quando ele deseja produzir efeitos de realidade e
de ficção, ele se instaura com dupla imagem: narrador e descritor: às vezes é externo ao
mundo descrito; às vezes é receptor na organização deste.
Por outro lado, se sua meta é produzir efeito de confiança, ele intervém, explícita ou
implicitamente, exprimindo sua opinião. Assim, o dispositivo enunciativo da descrição é
alterado com a ajuda de parênteses, travessões, reflexão de caráter geral (provérbios,
máximas), comparações etc.
Neste caso, o descritor pode se manifestar de diferentes maneiras: i) usando reflexões
pessoais; ii) interpelando diretamente o leitor; iii) chamando o leitor a compartilhar uma
reflexão na qual se faz narrador; iv) organizando o discurso de tal maneira que parece hesitar
na sua diligência descritiva; vi) negando certas qualificações antes de afirmar outras.
Por último, se ele busca produzir um efeito de gênero, usará determinados procedimentos
discursivos que caracterizam esse tipo textual como, por exemplo, iniciar o conto de fadas por
“Era uma vez”.
3.5. Modo de organização discursiva argumentativo
O modo argumentativo constitui o processo através do qual é possível produzir
argumentações
20
sob diferentes formas. Esse modo permite a construção de explicações sobre
asserções feitas acerca do mundo numa dupla perspectiva de razão demonstrativa e razão
persuasiva (CHARAUDEAU, 1992).
20
A argumentação se caracteriza por uma relação triangular na qual se situa um sujeito argumentante que, a partir
de uma tese sobre o mundo, se dirige a um sujeito alvo, sendo, portanto, uma atividade discursiva que, do ponto
de vista do sujeito argumentante, participa de dupla busca: i) uma busca da racionalidade que tende a um ideal de
verdade quanto à explicação de fenômenos do universo; ii) uma busca de influência que tende a um ideal de
persuasão, o qual consiste em compartilhar com outro certo universo de discurso até o ponto em que este último
seja levado a ter as mesmas propostas (CHARAUDEAU, 1992).
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Capítulo 02 - Modos de organização do discurso
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Nesta perspectiva, o sujeito argumentante busca explicar uma verdade em uma visão
racionalizante, para exercer influência sobre o interlocutor. Assim, ele possui dupla
finalidade: busca de uma racionalidade que sirva como um ideal de verdade quanto à
explicação dos fenômenos do universo e de uma influência como ideal de persuasão, cuja
finalidade é fazer com que o outro compartilhe certo universo discursivo.
Portanto, o sujeito argumentante desenvolve um conjunto de atividades linguageiras que
consistem em algumas atitudes. Primeiramente, em dizer propósitos sobre o mundo e
inscrevê-los em um quadro de questionamento que poderá gerar um ato de persuasão. Já em
segundo momento, consiste em tomar uma posição em relação a esses propósitos. Por fim,
justificar a sua posição no que diz respeito à sua argumentação e para ter êxito melhor em seu
objetivo de persuasão.
Conforme procedemos na exposição do modo narrativo, aqui também teceremos
considerações apenas sobre as categorias analisadas, as quais se resumem aos procedimentos
lingüísticos, semânticos e discursivos agenciados pelo indiciado durante o evento.
O sujeito argumentante põe em cena procedimentos lingüísticos, semânticos, discursivos e
organizacionais que servem ao seu projeto de comunicação em função da situação e da
maneira como o interlocutor o percebe. Esses têm a função essencial de validar sua
argumentação, ou seja, de mostrar que o quadro de questionamento (proposta) é justificável.
Quanto aos procedimentos semânticos, ele agencia argumentos que se apóiam sobre um
consenso social pelo fato de os membros de um grupo sociocultural ter certos valores, em
certos domínios de avaliação, como o da verdade, o da ética, o do pragmático, o do hedônico.
O domínio da verdade, que define de maneira absoluta, em termos de verdade e de falsidade,
por um lado o que se refere à existência de estar na sua originalidade, na sua autenticidade e
na sua unicidade; por outro, o que é da competência do saber como princípio único de
explicação dos fenômenos do mundo.
O domínio da estética define em termos de beleza e feiúra os seres da natureza, as
representações que os homens dão (a expressão artística) aos objetos que fabricam.
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Capítulo 02 - Modos de organização do discurso
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O domínio da ética define em termos de bem e de mal quais devem ser os comportamentos
humanos em relação a uma moral externa (as regras de comportamento são impostas a
indivíduos pelas leis do consenso social) ou interna (o indivíduo dá-se as suas próprias regras
de comportamento). Tato em um caso como no outro, o indivíduo deve agir de certa maneira.
O domínio do hedônico define em termos de agradável e desagradável o que é da competência
dos sentidos que procuram o prazer em relação aos projetos e às ações humanas. Este prazer é
suscitado pela satisfação de um fim desejado no momento mesmo de sua realização.
o domínio do pragmático define em termos de útil/inútil o que aumenta um cálculo. Este
cálculo consiste em medir os projetos e os resultantes das ações humanas em função das
necessidades racionais dos sujeitos agentes que o realizam (mesmo se devem passar por fases
desagradáveis) É este o domínio do interesse, no qual, pelo contrário da ética, o argumento é
posto como conseqüência de uma ação.
Por fim o domínio do dever e da obrigação (combina o ético e o pragmático), no qual, pelo
contrário do pragmático, o argumento é posto como origem de uma ação. Esta se realiza em
nome de um princípio, e este princípio é o argumento dele mesmo.
Os valores correspondem às normas de representação social, que são construídas em cada
domínio de avaliação: i) no que respeita ao domínio da verdade; ii) no que respeita ao
domínio da estética; iii) no que respeita ao domínio da ética tais como, solidariedade,
fidelidade, disciplina, honestidade e lealdade, responsabilidade, esforço e superação, justiça,
bondade etc.; iii) concernentes ao domínio do pragmático: fundados sobre a experiência que
se apóia às vezes sobre o que é habitual, durável, freqüente, e se inscrevem dentro de um
quadro de comportamento, às vezes sobre o que é singular, original, único e, por conseguinte,
dentro de uma diferença em relação à norma de comportamento; iv) no que diz respeito aos
domínios do pragmático e da ética: estes dois domínios podem combinar-se à medida que
uma regra de comportamento tem sua eficácia medida e verificada (pragmático) dentro de um
modelo de conduta (ética); vi) no que diz respeito ao domínio do hedônico.
Em termos discursivos, o sujeito argumentante usa, pontual ou sistematicamente, algumas
categorias da língua ou os procedimentos de outros modos de organização do discurso para,
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Capítulo 02 - Modos de organização do discurso
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no âmbito de uma argumentação, produzir certos efeitos de persuasão tais como, a definição,
a comparação, a citação, a descrição narrativa, a reiteração e o questionamento.
A definição é uma atividade lingüística que pertence à categoria da qualificação e ao modo de
organização descritivo. Consiste em descrever as características semânticas que caracterizam
um nome próprio, em dado contexto. No âmbito de uma argumentação, a definição é utilizada
para fins estratégicos, assim como o fez Roberto Jefferson durante o evento da CPMI dos
Correios, ao tecer atributos a seus amigos e inimigos. Mesmo não se tratando de uma
definição verdadeira (dá-se a aparência de uma definição), serve para produzir efeito de
evidência e de saber para o sujeito que argumenta.
A definição pode ser consensual (saber popular) ou científica (saber do conhecimento).
Temos: i) uma que consiste em definir um ser (objeto, pessoa, noção abstrata, palavra etc.); ii)
uma que consiste em definir um comportamento. Roberto Jefferson, por exemplo, definiu, ao
longo do evento, o comportamento do PT antes e depois de chegar ao poder, tendo em vista
comparar os governos de Lula e de Collor (na realidade queria mostrar que ambos eram
corruptos, mas o de Lula era ainda mais corrupto).
A comparação participa ao mesmo tempo de duas categorias de língua: da qualificação e da
quantificação. Da qualificação porque na maior parte do tempo as propriedades mostram a
semelhança ou diferença. quantificação porque quantidades são comparadas ou porque a
comparação das propriedades é graduada. No âmbito de uma argumentação, a comparação é
utilizada para reforçar previsão de uma conclusão ou de um julgamento, produzindo quer um
efeito pedagógico (comparar para ilustrar e melhor fazer compreender) quando a comparação
é objetiva; quer um efeito de “cegueira” (desviar a atenção do interlocutor para outro fato
analógico), quando a comparação é subjetiva. As marcas da comparação são diversas: i)
palavras gramaticais: como, como, tal, assim como... do mesmo modo, assim, como se, da
mesma maneira (que), mais que..., menos que...; ii) palavras lexicais: assemelhar-se
(comparação entre x e y), parecer, corresponder (correspondência entre x e y), aproximar
(aproximação entre x e y), comparar (comparável, comparação entre), ter conjuntamente, ter
diferente, diferenciar (diferença), opor (oposição entre). A comparação pode ser entre
diferenças ou coisas iguais, e pode ser objetiva ou subjetiva.
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Capítulo 02 - Modos de organização do discurso
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Na descrição narrativa, os procedimentos se aparentam à comparação, à medida que é descrito
um fato ou é contada uma história para reforçar uma prova ou um lugar comum. Entretanto
este procedimento tem uma existência própria: pode servir para desenvolver todo um
raciocínio dito por analogia que produz efeito de exemplificação.
A citação participa do fenômeno lingüístico chamado discurso relatado. Serve para narrar
fatos, dados, precisões, números, detalhes para reforçar um argumento. Corresponde à
categoria da descrição. Consiste em trazer, o mais fielmente possível (ou pelo menos dando
uma impressão de exatidão), os propósitos escritos ou orais, emitidos por um locutor diferente
do que cita, para produzir na argumentação um efeito de autenticidade. A citação lida com a
regra de verdade que testemunha uma declaração, uma experiência, um saber: i) de uma
declaração, quando traz as declarações acerca de um simplesmente para provar a veracidade,
para constatar, ou para sublinhar a exatidão; ii) de uma experiência, quando a citação traz as
declarações acerca de uma testemunha que viu ou entendeu; iii) de um saber, quando a
citação traz um propósito científico, ou que emana da pessoa que tem autoridade.
A acumulação consiste em utilizar vários argumentos para servir a uma mesma prova. Pode
ser feito por: i) uma simples acumulação (que pode parecer suspeita quando se trata de uma
desculpa); ii) uma escalada: (falsa) uma tautologia.
O questionamento consiste em pôr em questão um propósito, tendo em vista que a realização
depende da resposta (real ou suposto) do interlocutor. Questionamento ao valor argumentativo
corresponde a um tipo de validação hipotético. Pode ter várias finalidades: i) de estímulo a
fazer algo, a pergunta destaca uma falta, uma insuficiência, e chama a preencher esta fala; ii)
de proposição de uma escolha, a pergunta corresponde a uma oferta, que é feita ao
interlocutor. Da resposta deste, ou seja, da escolha que ele terá feito, dependerá ao mesmo
tempo a realização da oferta, e o que se encontra expresso na conseqüência; iii) de verificação
do saber: quando os dois interlocutores se encontram numa situação de troca argumentativa
(debate contraditório, discussão, face a face), o questionamento argumentativo permite ao
questionador mostrar que sabe e se assegurar eventualmente do controle sobre o que é
questionado. Da resposta, boa ou má, dependerá a sanção positiva ou negativa; iv) de
provocação: questionamento comporta uma apreciação sobre o questionado. Esse é chamado
a responder. Esta resposta pode consistir numa rejeição pura e simples da apreciação, ou uma
justificação. Este tipo de questionamento é, freqüentemente, usado nas entrevistas, quando o
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entrevistador, sob diferentes formas: a notar que a apreciação pode ser particularmente longa,
que pode ter por efeito de obstruir o entrevistado, e conduzi-lo a responder com modéstia; vi)
de recusa: questionamento consiste em propor um argumento que é rejeitado por
adiantamento, no mesmo tempo que é feita a pergunta.
3.6. Modo de organização discursiva retórico
A arte de persuadir é bastante antiga. Tanto na Ilíada quanto na Odisséia, de Homero,
encontramos uma Grécia eloqüente: os gregos combatentes se preocupavam com a arte de
bem falar, tendo em vista persuadir
21
. Mas, a Retórica foi sistematizada, no sentido de
discurso com fins persuasivos, de maneira completa, por Aristóteles.
Segundo o filósofo, a Retórica se propõe a diagnosticar situações de discurso para adequá-lo
ao seu objetivo maior, que é convencer, ou seja, ela pretende “a capacidade de descobrir o que
é adequado a cada caso com o fim de persuadir” (ARISTÓTELES, 2005, p. 95).
Para persuadir, o fundamental é a qualidade das provas empregadas pelo orador (sujeito
falante) que se dividem em dependentes e independentes. As primeiras ocorrem através de
testemunhas, confissões através de torturas ou por convenção escritas, ou seja, não dependem
do orador (sujeito falante). as provas que são tributárias do método e dos meios do orador
(sujeito falante) são consideradas dependentes (ARISTÓTELES, 2005).
No que diz respeito às provas dependentes, Aristóteles (2005, p. 96) ressalta que é necessário
inventá-las. Entre as provas engendradas pelo discurso, o filósofo salienta três espécies: as
que residem no caráter moral do orador/sujeito falante (ethos), as que dependem da disposição
que se cria no auditório/sujeito interpretante (pathos) e as que estão no próprio discurso, pelo
que ele demonstra ou parece demonstrar (logos).
O que está em jogo na arte de convencer pelo discurso não é a verdade, mas
os índices que provoquem os efeitos de verdade, levando os auditórios a
sentirem uma paixão “porque os juízos que proferimos variam consoante
experimentamos aflição ou alegrias, amizade ou ódio” (ARISTÓTELES,
2005, p. 33).
21
Esta “fase” é considerada como “Pré-Retórica” (ARISTÓTELES, 2005, p. 17).
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Capítulo 02 - Modos de organização do discurso
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A arte de convencer se apresenta, portanto, constituída de três provas dependentes articuladas
pelo discurso: uma centrada no orador (sujeito falante), outra centrada no auditório (sujeito
interpretante) e, por fim, uma última centrada no próprio modo do discurso, a que atribuímos
o nome de dimensão representacional (imagens de si e do outro), dimensão emotiva e
dimensão técnica, respectivamente. Tais dimensões se encontram imbricadas: “Os valores
aceitos pelo auditório, o prestígio do orador, a própria língua de que se serve, todos esses
elementos ficam em constante interação quando se trata de ganhar a adesão dos espíritos”
(PERELMAN; OLBRECHTS-TYTECA, 2000, p. 150).
Na dimensão representacional, os argumentos são da ordem da legitimidade e da
credibilidade. Na dimensão emotiva, os argumentos estão no domínio das emoções e
consistem em sensibilizar o interlocutor. Na dimensão técnica, os argumentos são de natureza
lógica.
Conforme já dissemos, acreditamos que essas dimensões podem constituir um modo de
organização no discurso da CPMI dos Correios, a que atribuímos o nome de retórico, pelo
fato de se plasmarem com destaque no referido discurso.
Além disso, no discurso da CPMI dos Correios, a dimensão técnica (o logos) sustenta a
dimensão representativa (as imagens de si e do outro) e a emotiva (o pathos), uma vez que ela
constitui a parte lógica do discurso ou o discurso em si mesmo. A dimensão emotiva, movida
por uma intencionalidade, determina a dimensão representacional: é, de fato, ao auditório
que cabe o papel principal para determinar a qualidade da argumentação e o comportamento
dos oradores” (PERELMAN; OLBRECHTS-TYTECA, 2000, p. 27). Essa, por sua vez,
determina a dimensão emotiva. Ou seja, uma relação dialética entre essas duas dimensões.
as três dimensões auxiliam na configuração do conteúdo temático do discurso, sendo,
portanto, nkjão estratégias discursivas persuasivas, mas também elementos importantes na
constituição da estrutura formal do discurso. Vejamos a figura 02:
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FIGURA 2 - Modo de organização discursiva retórico
A seguir, discutiremos cada uma dessas dimensões.
3.6.1. A dimensão representacional: imagens de si e do outro
A dimensão representacional compreende a construção das imagens de si (ethos) e do outro
(anti-ethos e pró-ethos). Em oposição ao ethos, a imagem do antagonista, denominada de
anti-ethos. À medida que o sujeito atribui uma qualidade a si mesmo, imputa o oposto ao seu
adversário. Além disso, paralelo ao ethos, em uma relação de reciprocidade, a imagem do
aliado, denominada de pró-ethos. À medida que o sujeito se atribui uma qualidade, imputa tal
característica a seu aliado, e vice-versa.
O ethos, em sua origem, significa “comportamento”, um conjunto de normas éticas que
regulam a conduta da vida. No entanto, duas posições se colocavam - e se colocam até hoje -
quanto a esse comportamento: o ethos era construído no e pelo discurso ou era um dado
preexistente?
Os romanos, inspirados em Isócrates (436-338 a.C.), acreditavam que o ethos se referia ao
caráter do sujeito. Ou seja, o ethos era um dado preexistente que se apoiava na autoridade
individual e institucional do orador (sujeito falante) como, por exemplo, no status social, na
reputação, no modo de vida, na trajetória familiar e profissional. É importante salientar que
caráter para os gregos era um costume constituinte de uma identidade. A generosidade, por
exemplo, pode ser um ethos, se for suficiente para conferir a um indivíduo o título de
generoso a partir de um comportamento renitente característico. Segundo os gregos, o ethos
atribui identidade individual ou coletiva através de ações repetidas e refere-se tanto a pessoas
quanto a povos. Um grande defensor desta posição foi Quintiliano, segundo o qual a trajetória
Dimensão
Representacional
Dimensão
Emotiv
a
Dimensão
Técnica
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Capítulo 02 - Modos de organização do discurso
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de vida de um indivíduo, quando transformado em argumento, pode persuadir mais que suas
próprias palavras.
os gregos, em especial Aristóteles, possuíam um posicionamento diferente dos romanos.
Para eles, o ethos é discursivo, ou seja, tem origem na enunciação. A identidade social não
possui nenhuma relevância na construção da imagem de si:
persuade-se pelo caráter quando o discurso é proferido de tal maneira que
deixa a impressão de o orador ser digno de fé. Pois acreditamos mais e bem
mais depressa em pessoas honestas, em todas as coisas em geral, mas
sobretudo nas de que não conhecimento exacto e que deixam margem
para dúvida. E, porém, necessário que esta confiança seja resultado do
discurso e não de uma opinião prévia sobre o carácter do orador; pois não se
deve considerar sem importância para a persuasão a probidade do que fala,
como aliás alguns autores desta arte propõem, mas quase se poderia dizer
que o carácter é o principal meio de persuasão (ARISTÓTELES, 2005, p.
96).
Para Aristóteles, o ethos é o caráter assumido pelo sujeito no discurso tendo em vista inspirar
confiança no interlocutor. O filósofo ressalta que os argumentos lógicos (logos), apesar de
importantes no processo argumentativo, não são suficientes sem essa credibilidade: o ethos é
praticamente a mais eficaz das provas (ARISTÓTELES, 2005). Portanto, o ethos é efeito de
um discurso e não de uma previsão sobre o caráter do sujeito falante, conforme pensavam os
romanos.
Além disso, segundo Aristóteles, as pessoas honestas é que inspiram confiança e três
motivos para isso: ter um ar ponderado (phrónesis
22
); apresentar-se como um homem simples
e singelo (areté); dar uma imagem agradável de si mesmo (eúnoia). Em outras palavras, para
despertar a confiança no auditório, o orador precisa que esse lhe reconheça três qualidades:
bom senso, virtude e honestidade. Se o orador não possuir bom senso na sua maneira de
pensar, então será incapaz de encontrar as melhores soluções. Por outro lado, se ele possuir
bom senso, mas não for inescrupuloso, pode encontrar a solução adequada, mas não a
comunicará ou tentará enganar. Somente em um homem insígne, que possua ao mesmo tempo
22
Aristóteles define a phrónesis como na Ética a Nicômaco: a prudência/razão prática (phrónesis) é uma boa
disposição (hexis) intelectual que torna capaz de bem liberar sobre o bem e o mal [...] tendo em vista a felicidade
(ARISTÓTELES, 2005, p. 1366a).
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bom senso, virtude
23
e honestidade, pode-se confiar. Portanto, o orador deve dar a impressão
de que possui referido caráter, se pretende persuadir, pois o seu êxito não depende do que
disser, mas também da imagem de si mesmo que projetar no auditório (sujeito interpretante).
O filósofo (2005) salienta que a forma como o orador se apresenta é mais útil nos atos
deliberativos.
O ethos em Aristóteles se liga, portanto, a dois campos: um no sentido moral da palavra,
ligado às atitudes e às virtudes como, por exemplo, honestidade e sabedoria; outro, com
sentido neutro, compreendido como o conjunto de hábitos e costumes.
Na Nova Retórica (2000), Perelman e Olbrechts-Tyteca
salientam a
necessidade de se ter
alguma qualidade para tomar a palavra e ser ouvido:
Às vezes bastará apresentar-se como ser humano, decentemente vestido, às
vezes cumprirá ser adulto, às vezes, simples membro de um grupo
constituído, às vezes, porta-voz desse grupo. funções que autorizam - e
elas - a tomar a palavra em certos casos, ou perante certos auditórios,
campos em que tais problemas de habilitação são minuciosamente
regulamentados (
PERELMAN; OLBRECHTS-TYTECA, 2000, p.21).
Nas Ciências da Linguagem, Ducrot foi o primeiro lingüista a usar o termo ethos. Ao tratar de
polifonia, o autor estabeleceu uma diferença entre locutor e enunciador como fonte das
posições assumidas no discurso. Ainda, dividiu o locutor em locutor enquanto tal” e
“locutor enquanto pessoa do mundo”, salientando que não apenas o locutor diz de si mesmo,
mas também mostra uma aparência conferida pela palavra: l´ethos est attaché à L, le
locuteur em tant que tel: c´est em tant qu´il est à la source de l´enonciation qu´il se voit
effublé de certains caracteres qui, par contrecoup, rendent énonciation acceptable ou
rebutante
24
” (DUCROT, 1984, p. 201).
Posteriormente, a noção de ethos foi retomada por Maingueneau (2005) que salientou ser
necessário refletir sobre ethos como uma noção sociodiscursiva, funcionalmente ligada a um
23
Em Ética a Nicômaco, Aristóteles (2001) propõe uma distinção entre dois tipos de virtudes: as virtudes do
pensamento (dinoética), adquiridas através do ensino (habitus intelectuais), e as virtudes do caráter (habitus
éticos/ética), adquiridas pelo hábito e que, conseqüentemente, requerem paciência e tempo.
24
“O ethos está ligado a L, o locutor tal como é: em sua essência mesma, como origem da enunciação que ele se
investido de certos caracteres que, em contrapartida, tornam essa enunciação aceitável ou rejeitável”
(DUCROT, 1984, p. 201, tradução nossa).
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processo interativo de influências mútuas entre orador/locutor e auditório/alocutário. Para o
lingüista, o ethos deve ser visto ligado a uma cena enunciativa, na qual estão inscritos o
enunciador e o destinatário, cada qual invocado em um quadro interativo no interior do qual
configurações culturais, papéis a serem exercidos, lugares e momentos legítimos, que
servem de suporte material e de modo de circulação dos enunciados.
A cena enunciativa, segundo Maingueneau (2005), se divide em cenas distintas: i) uma cena
englobante, que tem seu estatuto pragmático relacionado ao tipo de discurso, como, por
exemplo, o discurso político; ii) uma cena genérica que é a do contrato associado ao gênero
discursivo ou a uma instituição discursiva, tal como, o depoimento e o pronunciamento; iii)
uma cenografia que, via de regra, não é imposta pelas cenas englobante e genérica. Ou seja, a
cenografia é construída no texto: trata-se de uma cena apropriada para o discurso, para validá-
lo, torná-lo pertinente a determinado sujeito (MAINGUENEAU, 2005, p.75).
A cenografia, para o autor, não é somente um quadro, um cenário. Na realidade, é a
enunciação que, ao se desenvolver, esforça-se para constituir progressivamente seu projeto de
fala:
a cenografia é, assim, ao mesmo tempo, aquela de onde o discurso vem e
aquela que ele engendra: ele legitima um enunciado que, por sua vez, deve
legitimá-la, deve estabelecer que essa cena de onde a fala emerge é
precisamente a cena requerida para enunciar [...] (MAINGUENEAU, 2005,
p.77).
Portanto, a cenografia permite articular o discurso com sua origem e percurso, o que implica
dupla articulação: o discurso considerado como enunciação de um lado; a imagem do orador,
o lugar de onde ele fala; o momento histórico, de outro.
Assim, Maingueneau usa cenografia com duplo valor: i) na dimensão teatral da cena - a
grafia, o modo como o discurso se inscreve e se legitima em seu modo de existir; ii) o
desenrolar da enunciação como a instauração progressiva de seu próprio dispositivo da
palavra em que a grafia deve ser apreendida como quadro e como processo. Um ouvinte
constrói a cenografia de um discurso com o auxílio de vários índices como, por exemplo, o
reconhecimento de gênero discursivo, os níveis de linguagem, do conteúdo explícito.
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Para Maingueneau, cenografia e ethos implicam um processo conjunto: desde a emergência, a
palavra traz determinado ethos que é validado progressivamente: ele depende de vários
fatores, como ser pré-discursivo, discursivo, mostrado, dito diretamente ou indiretamente, o
que faz com que muitas vezes seja impossível descrever as fronteiras entre o dito, o sugerido,
o mostrado.
Além disso, Maingueneau (2005, p.72) salienta a idéia de incorporação, que se refere ao
modo como o sujeito se apropria de um ethos, preexistente à própria enunciação. Em outras
palavras, pela argumentação o sujeito enunciador constitui um corpo que o destinatário
reconhece como participante da relação discursiva, assimilando-o a um conjunto de esquemas
(e imaginários
25
) que corresponde a um modo específico de se referir ao mundo em relação a
esse corpo.
Pela noção de incorporação, segundo Maingueneau, o sujeito falante apresenta uma
identidade (mais ou menos sedimentada no imaginário sociodiscursivo
26
) que será
reconhecida não apenas por sua doutrina ou por suas idéias, mas também por sua maneira de
dizer, que retrata uma maneira de ser, mobilizando-o na direção de determinado sentido. Seu
poder de persuasão será maior se investido de valores historicamente especificados pelo
enunciatário/auditório. Seu ethos é a parte que garante, através da palavra, a identificação com
esses valores: é através do seu enunciado que se legitima a força de sua persuasão, não visto
como uma forma ou um conteúdo, mas como um acontecimento inscrito em configurações
sócio-históricas que associam a organização do conteúdo e da forma à cena que vai legitimar
essa enunciação:
O que o orador pretende ser, ele o a entender e mostra: não diz que é
simples ou honesto, mostra-o por sua maneira de se exprimir. O ethos está,
dessa maneira, vinculado ao exercício da palavra, ao papel que corresponde
a seu discurso, e não ao indivíduo “real”, (apreendido) independentemente
25
O imaginário é uma imagem da realidade, mas uma imagem que interpreta a realidade, que a faz entrar em um
universo de significações. O imaginário não é o que se opõe a realidade tampouco o que se refere a inventado.
Nesse sentido, o imaginário é uma maneira de como o indivíduo o mundo, como o representa. A realidade
não pode ser aprendida enquanto tal, uma vez que existe nela mesma, mas não significa (CHARAUDEAU,
2006, p. 203).
26
Uma vez que os imaginários são identificados por enunciados linguageiros produzidos de diferentes maneiras,
mas semanticamente reagrupáveis, ocorrem os chamados imaginários discursivos. Por fim, tendo em vista que
eles circulam no interior de um grupo social, instituindo-se em normas de referência por seus membros, temos os
imaginários sociodiscursivos. Portanto, os imaginários sociodiscursivos se referem ao conjunto de
representações discursivas do sujeito, as quais se ligam às crenças, aos valores, às opiniões e ao conhecimento
(CHARAUDEAU, 2006, p. 203).
.
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Capítulo 02 - Modos de organização do discurso
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de seu desempenho oratório: é portanto o sujeito da enunciação uma vez
que enuncia que está em jogo aqui (MAINGUENEAU, 2005, p. 138, grifo
do autor)
.
Outros pesquisadores também se dedicaram aos estudos sobre o ethos, tendo como fio
condutor as propostas de Aristóteles. Eggs (2005), por exemplo, ressalta que, embora o ethos
tenha um sentido moral ou ideal, é necessário observar que essa moralidade não nasce de uma
atitude ou de um sistema de valores abstratos, mas é produzida pelas escolhas competentes,
deliberadas e apropriadas. Portanto, para o autor, é no próprio discurso que se deve agir
estrategicamente para alcançar a moralidade a que se refere Aristóteles: “a questão não é se
dar a aparência de honesto e sincero, mas se apresentar honesto e sincero para que o
verdadeiro e o justo se imponham” (EGGS, 2005, p. 31).
Segundo Eggs (2005), o ethos, assim como o logos e o pathos, é tridimensional, uma vez que
se consolida apoiado pela phrónesis e pela are. Em outras palavras, primeiramente é
preciso levar em conta que o logos convence em si e por si mesmo, independentemente da
situação comunicativa, ao passo que o ethos e o pathos estão sempre ligados à questão de uma
situação e, sobretudo, aos indivíduos nela implicados. Depois, o peso dessas provas é relativo,
uma vez que depende do gênero discursivo. O ouvinte se deixa convencer tanto pelo pathos
quanto pelo logos e pelo ethos como não é possível excluir todo pathos do orador. O orador
deve mostrar não um sentimento de benevolência e de solidariedade com seu auditório,
mas também o logos prático. Segundo o autor, algo de racional (logos) e que inspira
confiança; algo de sincero (ethos) e de uma imagem agradável de si; além de algo de solidário
(pathos), de um ar ponderado, conforme ressalta Aristóteles.
O autor salienta também que Aristóteles somente considera as três provas como extrínsecas
caso elas não sejam produzidas no e pelo discurso. Nessa perspectiva, o caráter exterior,
extradiscursivo, na realidade, faz sentido se pensarmos que não é no próprio discurso que
as provas emergem. Além disso, segundo Eggs, é preciso analisar o ethos tendo em vista as
paixões, uma vez que essas duas provas se encontram imbricadas, se complementando, presas
num elo discursivo, na condição de provas pertencentes ao domínio das emoções:
A virtude do ethos tem estreita afinidade com as paixões sob vários
aspectos. Ademais, a phrónesis está intimamente ligada à virtude do ethos e,
inversamente, esta àquela, uma vez que os princípios da phrónesis são
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Capítulo 02 - Modos de organização do discurso
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conformes às virtudes éticas e o que é justo nestas últimas é determinado
por ela. Mas como as duas também estão ligadas às paixões, elas podem se
aplicar somente a um ser compósito (isto é, composto de um corpo e de um
espírito); e as virtudes de tal ser compósito são puramente humanas (EGGS,
2005, p. 36).
Eggs conclui que não se pode realizar o ethos moral sem realizar ao mesmo tempo o ethos
neutro, objetivo ou estratégico: “é preciso agir e argumentar estrategicamente para poder
atingir a sobriedade moral do debate” (EGGS, 2005, p. 39). Essas duas faces do ethos
constituem dois elementos essenciais do mesmo procedimento: convencer pelo discurso, o
que constitui, na realidade, segundo o autor, um problema, para a pragmática filosófica
moderna: não consegue explicar o desenvolvimento real dos processos de argumentação e de
convicção por não considerar o ethos no sentido procedural (ethos objetivo e neutro).
Já Amossy (2005) ressalta que o ethos é uma categoria discursiva e institucional:
a eficácia da palavra não é nem puramente exterior (institucional) nem
puramente interior (linguageira). Ela acontece simultaneamente em
diferentes níveis. o se pode separar o ethos discursivo da posição
institucional do locutor, nem dissociar totalmente a interlocução da
interação social como troca simbólica (no sentido de Bourdieu) (AMOSSY,
2005, p.136).
Segundo a lingüista, a posição institucional do orador e o grau de legitimidade que ela lhe
confere contribuem para criar uma imagem pré-discursiva. Tanto um nome quanto uma
assinatura são suficientes para evocar uma representação
27
estereotipada que é levada em
conta no jogo especular da troca verbal. Durante a enunciação, o locutor insere sua imagem
que corresponde a papéis sociais preexistentes nos lugares comuns do auditório. Esse
estereótipo se deixa aprender tanto na enunciação quanto no enunciado. A imagem que o
locutor constrói de si no discurso é constitutiva da interação verbal e determina a capacidade
de o locutor agir sobre seus alocutários.
27
As representações sociais organizam os esquemas de classificação e de julgamento de um grupo social e lhe
permitem exibir-se através de rituais, de estilizações de vida, de signos simbólicos. Elas constituem maneiras de
ver (discriminar e classificar) e de julgar (atribuir um valor) o mundo, através de discursos que engendram
saberes, sendo que é com estes últimos que se elaboram sistemas de pensamento, misturas de conhecimento, de
julgamento e de afeto. Os saberes não são categorias abstratas da mente, mas maneiras de dizer configuradas
pela e dependentes da linguagem que ao mesmo tempo contribuem para construir sistemas de pensamento,
reagrupados em: i) saberes de conhecimento; ii) saberes de crença (CHARAUDEAU, 2006).
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Capítulo 02 - Modos de organização do discurso
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Sua autoridade, segundo Amossy, não provém somente de seu estatuto exterior ou das
modalidades da troca simbólica da qual ele participa. Ela é também produzida pelo discurso
em uma troca verbal que visa a produzir e a fazer reconhecer sua legitimidade.
É de suma importância salientar a dimensão social do ethos discursivo e sua relação com as
posições institucionais, pois o imaginário social e a autoridade contribuem para sua formação,
centrada na materialidade do discurso, permitindo analisar a construção do ethos em termos
de enunciação e do gênero do discurso.
Charaudeau (2006) adota a mesma linha de pensamento de Amossy e destaca a existência de
duas grandes categorias de ethé no discurso político: os ethé de credibilidade, fundados em
um discurso da razão, e os ethé de identidade, fundados em um discurso de afeto. Dentre os
ethé de credibilidade, encontra-se o ethos de sério, o de virtude e o de competência. Já dentre
os ethé de identificação, está o ethos de potência, o de caráter, o de inteligência, o de chefe, o
de humanidade
28
.
A idéia de ethos esteve em voga também entre os sociólogos, como Bourdieu (1982), por
exemplo, mas com uma diferença: a ação exercida pelo orador sobre seu auditório não éde
ordem linguageira, mas, sobretudo, social. Sua autoridade não depende apenas das palavras
que utiliza, mas também do acesso que tem à palavra oficial ou ao que lhe legitimidade
para falar “daquele lugar”:
a ação exercida pelo orador sobre seu auditório não é de ordem linguageira,
mas social; sua autoridade não depende da imagem de si que ele produz em
seu discurso, mas de sua posição social e de suas “possibilidades de acesso
à palavra oficial ortodoxa, legítima” (BOURDIEU, 1982, p. )
Segundo o sociólogo, a eficácia de um discurso não se encontra em sua substância
propriamente lingüística. Um discurso tem autoridade se for pronunciado por alguém que
possui legitimidade para pronunciá-lo, conforme o fez Roberto Jefferson ao se dirigir ao povo,
à imprensa e aos demais parlamentares através de pronomes de tratamento ou de formas
nominais específicos. Nesse sentido, o ethos não possui nenhum aspecto de construção
discursiva, resumindo-se, pois, na autoridade exterior de que possui o locutor. É o que
28
Cf. Charaudeau (2006).
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Capítulo 02 - Modos de organização do discurso
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acontece, por exemplo, com o pesquisador que é visto pelos outros como legítimo ao dizer
sobre dado assunto:
a especificidade do discurso de autoridade (aula, sermão, etc.) reside no fato
de que sua compreensão não é suficiente (ele pode até mesmo, em certos
casos, não ser compreendido e mesmo assim manter seu poder), e de que a
efetivação de seu efeito específico depende de ele ser reconhecido como tal.
Esse reconhecimento - acompanhado ou não da compreensão - acontece,
uma vez que é evidente, sob certas condições, as quais definem o uso
legítimo (BOURDIEU, 1982, p.107).
Para Bourdieu, o dizer (discurso) pode ser um fazer (ação) na lógica da troca - interação
social. Assim, o discurso apresenta dupla perspectiva: i) interacional: a eficácia discursiva
pode ser compreendida na troca entre os participantes; ii) institucional: essa troca é
indissociável das posições ocupadas pelos participantes no campo no interior do qual atuam.
Na perspectiva dos pragmáticos, portanto, o ethos constrói-se na interação verbal e é discurso;
ao passo que, para os sociólogos, ele se inscreve em uma troca simbólica regrada por
mecanismos sociais e por posições institucionais exteriores.
Na dimensão representativa (ethos), é necessário pensar também na imagem do outro.
Segundo Perelman e Olbrechts-Tyteca (2000), o sujeito falante, com o intuito de persuadir o
interlocutor, constrói uma imagem deste, ou seja, pressupõe costumes, verdades, as regras
preestabelecidas pela comunidade na qual está inserido esse interlocutor, baseando-se em
classificações aceitas, universais, para obter um efeito argumentativo a partir dessas. O
interlocutor, por sua vez, também pressupõe uma imagem do orador (sujeito falante).
Assim, se instaura um jogo de imagens. O sujeito falante constrói seu discurso embasado em
proposições que pressupõe estar de acordo com o ponto de vista de seu interlocutor,
discernindo o grau, a hierarquia, o lugar que essas proposições ocupam na vida da
comunidade a qual se dirige uma vez que toda comunidade é regida por leis, regras, tradições
e não por um conceito puro e inadmissível de verdade. É importante salientar que o consenso
social é que determina a verdade e não a adequação do enunciado ao real. O sujeito falante
edifica uma imagem do interlocutor e argumenta com base nessa imagem, levando em conta
que deve haver um envolvimento dos interactantes, principalmente do enunciatário, que
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Capítulo 02 - Modos de organização do discurso
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precisa ter apreço pela adesão do interlocutor, pelo seu consentimento, pela sua participação
mental (PERELMAN; OLBRECHTS-TYTECA, 2000, p.18).
A imagem prévia que se faz do locutor e a imagem que ele constrói em seu discurso estão
indexadas em representações partilhadas, modelos culturais impregnantes. é que reside a
importância da idéia de estereótipo, uma operação que consiste em pensar o real por meio de
uma representação cultural preexistente, um esquema coletivo cristalizado (AMOSSY, 2005,
p.125). A sociedade avalia um indivíduo conforme um modelo pré-construído. Assim, a
construção do auditório (sujeito interpretante) passa por um processo de estereotipagem.
O mesmo se com a construção da imagem de si. O orador (sujeito falante) cria uma
imagem que vai de encontro aos esquemas coletivos que ele crê cristalizados e valorizados
por seu auditório (sujeito interpretante), através do que diz de sua própria pessoa como
também por meio das modalidades enunciativas. Essa imagem que se constrói se encontra nos
imaginários sociais.
3.6.2. A dimensão técnica: provas demonstrativas
A dimensão técnica comporta o logos que se refere ao domínio da palavra, aos conteúdos
transmitidos, às figuras de estilo, aos recursos oratórios, à argumentação propriamente dita do
discurso:
as provas de persuasão fornecidas pelo discurso são de três espécies:
umas residem no caráter moral do orador; outras, no modo como se dispõe
o ouvinte; e outras, no próprio discurso, pelo que este demonstra ou
parece demonstrar (ARISTÓTELES, 2005, p. 96, grifo nosso).
O logos constitui uma prova persuasiva que se concretiza através da demonstração real ou
aparente tal como, por meio da indução (exemplo), do silogismo (entimema) e do silogismo
aparente (entimema aparente) (ARISTÓTELES, 2005). O orador (sujeito falante) racionaliza
sua tese, apoiando-se em preceitos de ordem técnica, tendo em vista fazer com que o auditório
(sujeito interpretante) compreenda sua opinião e as justificativas nas quais ela se assenta. No
entanto, não se trata apenas do conteúdo dos argumentos, mas também de como esses se
relacionam para produzir uma conclusão plausível.
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Capítulo 02 - Modos de organização do discurso
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O exemplo se caracteriza pelo fato de demonstrar que algo é assim na base de muitos casos
semelhantes. o entimema consiste na demonstração de certas premissas que podem levar a
uma proposição nova e diferente somente porque elas são sempre ou quase sempre
verdadeiras. Aristóteles salienta que os dois tipos de argumentos são importantes e cada
orador (sujeito falante) usa, com mais maestria, um ou outro. No entanto, os entimemas são
mais aplaudidos.
Conforme Reboul (1998, p. 5), Górgias (1993) tinha uma visão peculiar sobre o logos, de
certa forma até um pouco utópica, uma vez que acreditava em determinado poder encantatório
da palavra. Segundo Górgias, o logos é um grande tirano que, com pequeno e invisível corpo,
leva a cabo obras divinas, fazendo cessar o medo e tirar as dores, infundir a alegria e inspirar
a piedade. Na concepção de Górgias, o orador (sujeito falante) desempenha uma função
semelhante à do advogado que em tribunal defende criminosos: o ethos não interessa ou está
subordinado ao logos, à necessidade de ganhar e convencer pela palavra.
Cícero (1956), por sua vez, defendia a dimensão da palavra, a eloqüência, o logos, a
necessidade de se vencer, além de ser ter em conta o pathos, o auditório (o sujeito
interpretante), o que ele queria ouvir, mas não a todo o preço. Assim, enfatizava o ethos
retórico. A relação entre orador (sujeito falante) e auditório (sujeito interpretante) devia
envolver eloqüência e capacidade de interpretar os desejos dos auditórios (sujeitos
interpretantes), mas devia também subordinar-se a valores éticos, a deveres morais, segundo o
filósofo.
Historicamente, a Retórica surgiu estreitamente ligada ao uso e abuso da palavra. Era comum
o uso, exagerado, das figuras de estilo e do discurso vazio. Isso se prolongou até a Idade
Média, o que desacreditou fortemente a Retórica e os retóricos, levando a um movimento de
rejeição, embora Aristóteles (2005) tenha mostrado não só a importância do logos, mas
também do ethos e do pathos no ato argumentativo.
Com o passar do tempo, alguns pesquisadores como, por exemplo, Toulmin (2006),
Habermas (2003) e Perelman (1984, 1993) associaram a Retórica à argumentação e lhe
conferiram um caráter ético e natural, sem os rebuscamentos e o vazio sofístico que lhe eram
característicos. Esses autores se fundamentaram em um “modelo” de argumentação judicial
que se contrapõe ao modelo matemático e lógico e às limitações e incapacidade deste em
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Capítulo 02 - Modos de organização do discurso
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refletir a complexidade do real humano com os seus valores e grau de liberdade. Perelman,
em seus estudos sobre a Retórica, salientou que o logos é uma categoria importante à
argumentação, mas essa não se resume àquele:
somente as palavras não podem garantir uma compreensão, sem falhas, da
mensagem, é preciso procurar fora da palavra, na frase, no contexto, verbal
ou não, naquilo que se sabe do orador e do seu auditório, suplementos da
informação, permitindo reduzir o mal-entendido, compreender a mensagem
de uma maneira adequada à vontade daquele que a emite (PERELMAN,
1984, p. 245)
Na perspectiva de Perelman (1984, p. 239), se a argumentação se dá entre dois sujeitos
(orador e auditório), ou seja, de forma restrita, o auditório (sujeito interpretante) configura-se
como ad hominem, o qual é estruturado em um discurso persuasivo, pautado no apelo às
paixões e à emoção do auditório. No entanto é preciso ressaltar que, para Perelman, o pathos é
prejudicial a uma boa argumentação.
A partir das idéias de Aristóteles, Perelman e Olbrechts-Tyteca (2000) propuseram classes de
argumentos, salientando que, se a argumentação
29
visa à adesão do auditório (sujeito
interpretante) a certas teses, o orador (sujeito falante) agencia técnicas argumentativas que se
apresentam sob dois aspectos: i) o aspecto positivo, que consiste no estabelecimento de uma
solidariedade entre teses que se procuram promover e as admitidas pelo auditório:
argumentos de ligação; ii) o aspecto negativo, que visa a abalar ou a romper a solidariedade
constatada ou presumida entre as teses admitidas e as que se opõem às teses do orador: trata-
se da ruptura das ligações e dos argumentos de dissociação. Os argumentos de ligação,
segundo os autores, podem ser agrupados em três grandes grupos: i) os argumentos quase
29
Os autores ressaltam que, antes disso, é necessário verificar as premissas da argumentação. Todo o movimento
da argumentação consiste em transpor a adesão inicial que o auditório tem relativamente a uma opinião que lhe é
comum para outra de que o orador o quer convencer. Daí a importância do kairós e do conhecimento que o
orador deve possuir do seu auditório, das suas opiniões, das suas crenças, enfim de tudo aquilo que ele tem por
admitido. Essas devem ser as premissas da argumentação: as teses sobre as quais um acordo. É claro que se
pode sempre utilizar o estratagema da petição de princípio simulando tomar por acordado precisamente aquilo
que se trata de demonstrar. No entanto não é esse o procedimento habitual. Segundo Perelman, dois tipos de
acordo presentes nas premissas da argumentação: acordo sobre o real e sobre o preferível.
O acordo sobre o real exprime-se em juízos sobre o real conhecido ou presumido: tudo o que é admitido pelo
auditório como fato, verdade ou presunção. Já o acordo sobre o que é preferível exprime-se em juízos que
estabelecem uma preferência em termos de valor, hierarquia ou ainda nos lugares (comuns) do preferível:
quantidade (a maioria preferível à minoria), qualidade (o que é raro preferível ao que é banal), existente (prefere-
se o que existe: mais vale um pássaro na mão que dois voandoetc.) (PERELMAN; OLBRECHTS-TYTECA,
2000).
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Capítulo 02 - Modos de organização do discurso
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lógicos; ii) os argumentos fundados na estrutura do real; iii) os argumentos que fundam a
estrutura do real.
Os argumentos quase lógicos se assemelham aos raciocínios lógicos, uma vez que não
recorrem à experiência. No entanto, apresentam uma natureza diferente destes: não possuem
valor conclusivo, ou seja, podem ser refutados, uma vez que é impossível eliminar da
linguagem toda a ambigüidade nem remover do argumento a possibilidade de rias
interpretações.
Dentre os argumentos quase lógicos, podemos citar, por exemplo, a transitividade, uma das
estratégias agenciadas por Roberto Jefferson durante o evento da CPMI dos Correios: “os
amigos de meus amigos são meus amigos; os amigos de meus inimigos são meus inimigos; os
inimigos de meus amigos são meus inimigos; os inimigos de meus inimigos são meus
amigos”. Ao instaurar o Presidente Lula na cena como seu amigo, Jefferson tentou angariar a
confiança do povo, uma vez que pressupunha ser o povo amigo de Lula: Lula é o “homem do
povo”. Portanto, se o povo é amigo de Lula, e Lula é seu amigo; o povo é seu amigo também:
relação de amizade.
Nesta classe de argumentos podemos citar também o argumento denominado ridículo, usado
por José Genoíno, presidente do PT, ao se referir ao empréstimo do PT no Banco Rural: “eu
não sabia que ele (Marcos Valério) é avalista. Eu assinei sem ler”, o que acabou provocando
riso no interlocutor.
os argumentos baseados na estrutura do real se constroem a partir não do que o real é no
sentido ontológico, mas do que o auditório (sujeito interpretante) acredita que ele seja, isto é,
aquilo que ele toma por fatos, verdades ou presunções. São aqueles cujo fundamento se
encontra na ligação existente entre os diversos elementos da realidade. Uma vez que se admite
que os elementos do real estejam associados entre si, em dada ligação, é possível fundar sobre
tal relação uma argumentação que permita passar de um destes elementos ao outro. Podem ser
de sucessão ou coexistência.
Os argumentos fundados na estrutura do real por sucessão são aqueles que dizem respeito à
relação de causa e efeito. Por exemplo, o argumento pragmático, que atribui o valor de uma
tese aos resultados causados por sua adoção, estratégia também bastante usada por Roberto
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Jefferson durante o evento ao salientar as conseqüências de não se assumir um
posicionamento em relação ao financiamento ilegal das campanhas eleitorais no Brasil.
Os argumentos fundados na estrutura do real por sucessão são aqueles que dizem respeito às
relações envolvendo realidades de ordens diferentes, em que uma seja a essência e a outra a
manifestação exterior dessa essência. É o argumento que procura associar o caráter de uma
pessoa a seus atos, por exemplo. Dentre eles, também se encontra o argumento por
autoridade, estratégia também agenciada por Jefferson durante o evento da CPMI. Ele
agenciou a “voz” de autoridades políticas e religiosas para reforçar seus argumentos.
Por fim, os argumentos que fundam a estrutura do real constituem um tipo de argumentação
que opera como que por indução, estabelecendo generalizações e regularidades, propondo
modelos, exemplos, ilustrações a partir de casos particulares. São aqueles que generalizam
aquilo que é aceito a propósito de um caso particular (ser, acontecimento, relação) ou
transpõem para outro domínio o que é admitido em domínio determinado. Trata-se dos
argumentos que se utilizam do exemplo, do modelo, da analogia e da metáfora.
Os argumentos por dissociação são aqueles que, ao invés de proceder através da ligação e
ruptura de associações anteriormente estabelecidas, procuram solucionar uma
incompatibilidade do discurso, restabelecendo uma visão coerente da realidade. Quando posto
em contradição, o orador procura construir um conceito de realidade capaz de ser usado para
julgar as aparências: aquelas que, se conformarem, são consideradas válidas; as que não se
conformarem são desconsideradas. A dissociação resulta da depreciação do que era até então
um valor aceito e a sua substituição por outro conceito que esteja de acordo com o valor
original.
3.6.3. A dimensão emotiva: emoções, desejos e ações
A dimensão emotiva compreende as emoções, uma vez que tem por finalidade sensibilizar e
mobilizar o interlocutor. A probabilidade de um discurso sensibilizar, mais ou menos,
depende de sua capacidade de atingir as emoções do interlocutor. Assim, as emoções são de
fundamental importância ao processo argumentativo. Por um lado prepara o espírito do
interlocutor para que, pelo menos, se disponha a ouvir o locutor. Por outro lado, procura
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Capítulo 02 - Modos de organização do discurso
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sensibilizá-lo para os valores e crenças que o locutor busca alcançar por meio da
argumentação, conforme atestam Perelman e Olbrechts-Tyteca (2000).
Embora durante muito tempo tenha se afirmado a primazia da razão
30
(logos) na célebre
dicotomia racionalismo cognitivo e tensões/perturbações da alma (emoções e sentimentos
31
),
é inegável a importância das emoções na argumentação. Conforme Sodré (2006), desde a
Antiguidade grega, os grandes oradores tinham consciência de que a eloqüência mais
poderosa é aquela que se vale da paixão calculada (as figuras de sentido sempre constituíram
excelentes recursos de mobilização emocional do interlocutor pela palavra). Aristóteles
chegou, inclusive, a dedicar um livro inteiro a esse assunto:
[...] é necessário não procurar que o discurso seja demonstrativo e digno
de crédito, mas também que o orador mostre possuir certas disposições e
prepare favoravelmente o juiz. Muito conta para a persuasão, sobretudo
nas deliberações e, naturalmente, nos processos judiciais, a forma como o
orador se apresenta e como a entender as suas disposições aos ouvintes,
de modo a fazer que, da parte destes, também haja um determinado estado
de espírito em relação ao orador (ARISTÓTELES, 2005, p. 159, grifo
nosso).
Na dialética aristotélica, portanto - assim como também na platônica
32
- sempre se apelou para
as emoções, ou seja, para uma retórica que se valesse de estados ou disposições psíquicos.
Hoje, mais do que nunca, parece que é justamente no plano do sentir que a nossa época
exerceu o seu poder (PERNIOLA, 1993). Bem como afirma Sodré (2006), vivemos a época
do estético, não por sua relação direta com as artes, mas por seu campo estratégico do sentir
(aisthesis) em contraponto ao do cognitivo e do prático. O discurso político contemporâneo,
por exemplo, mediante as grandes transformações pelas quais passa
33
, parece se inserir bem
nesse contexto.
30
O logos era considerado a fonte de todo conhecimento e verdade (SODRÉ, 2006).
31
Durante séculos, as emoções e paixões foram condenadas, consideradas como fator de perturbação e perda
temporária da razão. Para muitos autores, as paixões perturbavam a alma, impediam o homem de pensar,
portanto era necessário domá-las por meio da razão. As paixões, uma vez oriundas dos “pensamentos confusos”,
eram sem valor e desnecessárias. Possuí-las era resultado de ignorância humana e sua estupidez, uma vez que o
homem é dotado de razão, e sem a razão os homens são vazios e sem sentido. Somente na racionalidade reside a
fonte da sabedoria (SODRÉ, 2006).
32
Platão é considerado o criador da primeira teoria sobre as emoções (SODRÉ, 2006).
33
algumas décadas, a mediação do discurso político era somente por meio da palavra, seja ela falada ou
impressa. Ora o orador se instalava no palanque e, ali, marcava sua presença com sua voz, seus gestos, suas
vestes; ora sua imagem vinha delineada em cartazes e santinhos. Com o advento do rádio, a forma de contato
entre o político e seu público mudou. O político chegava quase pessoalmente por meio de sua voz a recantos
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Conforme dissemos, a argumentação, em sentido amplo, é possível mediante a
conjugação de três operações discursivas, tendo em vista que aquele que visa a persuadir e a
convencer deve instruir, agradar e fazer agir (docere, delectare e movere)
34
.Ou seja, ele
precisa tocar a razão e o coração, articular as dimensões técnica, representacional e emotiva.
Segundo Marques (2008), ao longo da história, vários autores mostraram a importância das
emoções à argumentação como, por exemplo, Pascal, Plantin, Quintiliano e Cícero. Pascal,
por exemplo, conforme a autora, afirma que para persuadir um indivíduo é necessário saber
do que ele gosta, conhecer o seu espírito e o seu coração: “A arte de persuadir consiste tanto
na arte de agradar como na de convencer, pois os homens governam-se mais por capricho que
pela razão!” (PASCAL, 2001, p.133). No entanto, conforme ressalta o autor, é preciso levar
em conta que ensinar regras para agradar é tarefa bem mais difícil, mais sutil, mais útil e
admirável do que ensinar a usar o entendimento e a razão para convencer.
Plantin (2004) salienta que a retórica das emoções é tida como uma das dimensões essenciais
da retórica. É aquela que se liga com os afetos. Segundo o autor, sem emoção e sem comoção
não retórica. Em Quintiliano (1975), nas palavras de Marques, o ethos funde-se nos afetos
e define-se como um afeto doce ou longo sobre o qual se adoçam as modulações emocionais.
Cícero, por sua vez, salienta Marques, enumera uma série de emoções retóricas de base
justificadora da primazia dos afetos na palavra argumentativa:
Les sentiments qu´il nous importe le plus de faire naître dans l`ame des
juges, ou de nos auditeurs quels qu´ils soient, sont l`affection, la haine, la
que mesmo os impressos alcançavam com dificuldade. No entanto, o rádio não alterou tanto o estilo do discurso
político. Seu discurso ainda parecia de comício, com um tom de palanque. Depois, o cinema trouxe algumas
mudanças. Mas, ainda havia o privilégio a uma locução empostada, com cenas de palanque, marcando a
distância em relação ao espectador uma distância que a própria sala de exibição e os rituais próprios da
projeção de filmes enfatizavam. Somente com o advento da televisão é que houve uma modificação radical na
forma do discurso político. Através da imagem, a televisão trouxe o homem político para dentro da casa do
cidadão. Os gestos e o rosto do orador ficaram mais próximos do público do que nunca. O cidadão, além de ter a
imagem, o que não ocorria com o rádio, passou a tê-la agora de forma instantânea. Assim, a televisão trouxe um
sentimento de intimidade, de proximidade. Nas palavras de Miguel (2000), a televisão trouxe mais que uma
aproximação. Ela permitiu o próprio contato face a face: um rosto para ser reconhecido. Essa intimidade
modificou o formato do discurso. O tom de palanque, que remete à praça pública, soava, agora, inadequado. Foi
surgindo um meio cada vez mais propício à patemização. Assim, as provas localizadas no auditório tiveram que
ser repensadas para um ambiente próprio a esta mídia: a produção do espetáculo (MIGUEL, 2000). Em seu
depoimento do dia 30/06/2005, no Senado Federal, Roberto Jefferson, por exemplo, mostra, claramente, saber
que está no ar: “Exmo. Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sras. Deputadas, cidadão do Brasil que me ouve, cidadã
do Brasil que me ouve” [...]. (Pronunciamento realizado no Plenário da Câmara dos Deputados no dia
14/09/2005).
34
Cf. Aristóteles (2005).
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Capítulo 02 - Modos de organização do discurso
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colére, l`envie, la pitié, l`esperance, la joie, la crainte, le mécontentement
35
(CÍCERO, 1956, II, p. 205).
Rien est en effect plus important pour l´orateur, Catulus, que de gagner
la faveur de celui qui écoute, surtout d`exciter en lui de telles émotions
qu`au lieu de suivre le jugement el la raison, Il cede à l`entraînement de la
passion et au trouble de son ame
36
(CÍCERO, 1956, II, p. 178).
Mas o que são as emoções?
O tema emoção é de complexa abordagem e se encontra em constante discussão na
Psicologia, Sociologia, Lingüística, Neurologia, Psiquiatria, Biologia, Antropologia etc. A
palavra “emoção” provém do latim emovere, emotus - donde, commuovere: movimento
energético ou espiritual desde um ponto zero ou um ponto originário na direção de outro,
como conseqüência de certa tensão, capaz de afetar organicamente o corpo humano. Emotus
que dizer abalado, sacudido, posto em movimento (ENCICLOPÉDIA LAROUSSE, 1998).
Assim, como a própria etimologia sugere, as emoções são reações manifestas perante
condições afetivas que, pela sua intensidade, nos mobilizam para algum tipo de ação, o que
nos permite dizer que uma estreita relação entre emoção, desejo (aqui compreendido como
intenção) e ação.
Ao longo do tempo, vários sinônimos foram usados para o termo: paixões, sentimentos,
percepções, sensações, perturbações, distúrbios, condutas, hábitos, valores morais,
desarmonias do organismo etc. O que um autor denomina emoção, outro denomina afeto, e
um terceiro, sentimento ou paixão. Outros estabelecem diferenciações entre emoção,
sentimento e paixão. Outros, como Aristóteles (2005), por exemplo, usam esses termos como
sinônimos. Além disso, as emoções foram qualificadas em boas ou más, primárias e
secundárias, ligadas ou não a fatores biológicos, a valores sociais e morais.
Não constitui nosso objetivo aqui discutir a trajetória dos estudos sobre as emoções. Portanto,
adotaremos a nomenclatura “patemização” que engloba tanto sentimentos, emoções e paixões,
de forma indistintiva, além da perspectiva de Aristóteles (2005, p. 160): “as emoções são as
35
“Os sentimentos que mais desejamos fazer nascer na alma dos juízes, ou de nossos auditores quem quer que
sejam, são a afeição, o ódio, a cólera, a inveja, a piedade, a esperança, a alegria, o temor, o descontentamento”
(CÍCERO, 1956, II, p.205, tradução nossa).
36
“Nada é, com efeito, mais importante para o orador Catulo que ganhar o favor daquele que escuta, sobretudo,
nele excitar emoções tais que, ao invés de seguir o julgamento e a razão, ele cede ao movimento da paixão e à
perturbação de sua alma” (CICERO, 1956, II, p. 178, tradução nossa).
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Capítulo 02 - Modos de organização do discurso
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causas que fazem alterar os seres humanos e introduzem mudanças nos seus juízos, na medida
em que elas comportam dor e prazer: tais são a ira, a compaixão, o medo e outras
semelhantes, assim como as suas contrárias”. Nesse sentido, acreditamos que as emoções
podem incitar uma ação, uma vez que elas portam uma intencionalidade (desejo). Por
exemplo, Roberto Jefferson se sentia ressentido tendo em vista a traição de seus colegas
parlamentares. Assim, tencionando se vingar, revelou o esquema do “Mensalão”.
No entanto, é fundamental que as emoções correspondam às representações sociais
(relacionada aos valores, às crenças, aos conhecimentos) do interlocutor para poder
desencadear sensações ou comportamentos e ser usadas no intuito de seduzir, ameaçar,
aterrorizar, enfim, atrair o interlocutor. Isto é, o sujeito falante precisa conhecer de antemão
pelo menos alguns valores comungados por seu interlocutor para poder tentar persuadi-lo.
Nessa perspectiva Perelman e Olbrechts-Tyteca (2000)
37
ressaltam que todo o movimento da
argumentação consiste em transpor a adesão inicial que o auditório (sujeito interpretante) tem
relativamente a uma opinião que lhe é comum para outra de que o orador (sujeito falante) o
quer convencer. Daí a importância do kairós e do conhecimento que o orador (sujeito falante)
deve possuir do seu auditório (sujeito interpretante), das suas opiniões, das suas crenças, de
seus conhecimentos, enfim de tudo aquilo que ele tem por admitido que sejam as premissas da
argumentação: as teses sobre as quais um acordo. É claro que se pode sempre utilizar o
estratagema da petição de princípio simulando tomar por acordado precisamente aquilo que se
trata de demonstrar. No entanto não é esse o procedimento habitual.
Na perspectiva de Charaudeau (2006), as representações sociais se estruturam através dos
saberes de conhecimento e de crenças. Os primeiros, ao contraírem representações
classificatórias do mundo, os últimos ao darem um tratamento axiológico às relações do
homem com o mundo. Os saberes de conhecimento, segundo o autor, possuem a função de
estabelecer uma verdade sobre os fenômenos do mundo. São oferecidos como existindo além
da subjetividade do sujeito, pois o que funda essa verdade é algo exterior ao homem. Esses
saberes dizem respeito aos fatos do mundo e à explicação que se pode dar sobre o porquê ou o
como desses fenômenos. Portanto, eles participam de uma razão científica que constrói uma
representação da realidade que vale pelo conhecimento do próprio mundo. Essa razão
37
É indiscutível a contribuição de Perelman tanto na revalorização teórica da Retórica quanto na sua equiparação
a uma teoria geral do discurso persuasivo, que é visto como visando a uma adesão, tanto intelectual quanto
emotiva, seja de tipo de auditório for (PERELMAN, 1993, p. 172).
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Capítulo 02 - Modos de organização do discurso
96
científica possui necessidade de fiadores. Ela usa instrumentos de visualização (microscópio,
lunetas, telemática), sistemas de medida ou de cálculo (estatística, informática),
procedimentos de figuração codificada (cartografia) e define conceitos e modos de raciocínio
que podem ser utilizados pela coletividade, portanto, que escapam à singularidade do
indivíduo. Nesse sentido, se constrói um discurso que não pertence a dada pessoa enquanto
tal, que seria a realização de um terceiro impessoal (a ciência ou aquilo que ocupa esse
lugar), que é independente de todo ato de enunciação pessoal e que desempenharia, ao mesmo
tempo, o papel de referência e de verificador do saber. Esses saberes de conhecimento
dependem das culturas nas quais nascem.
os saberes de crença, para Charaudeau, objetivam sustentar um julgamento sobre o mundo
e se referem aos valores que lhe atribuímos e não ao conhecimento sobre o mundo, que é um
modo de explicação centrado na realidade e que, supostamente, não depende de julgamento
humano. Os valores são procedentes de um juízo não relativo ao conhecimento do mundo,
mas aos seres que habitam o mundo, seu pensamento e seu comportamento. Os saberes de
crença são procedentes de um movimento de avaliação, findo o qual o sujeito determina seu
julgamento a respeito dos fatos. Agora é o sujeito que vai ao mundo e não este que se impõe
àquele. Portanto, deve-se admitir a existência de vários julgamentos possíveis. O sujeito que
fala faz sua escolha conforme uma lógica do necessário e do verossímil, na qual pode intervir
tanto a razão quanto a emoção. Uma vez que existem vários julgamentos sobre o mundo, eles
são objeto de confrontação e de divisão. Todo juízo de crenças está fundado sobre uma
partilha, pois se pode dizer que ele tem também uma função identitária.
Na concepção de Perelman e Olbrechts-Tyteca (2000), dois tipos de acordo presentes nas
premissas da argumentação: acordo sobre o real e sobre o preferível. O acordo sobre o real
exprime-se em juízos sobre o real conhecido ou presumido: tudo o que é admitido pelo
auditório como fato, verdade ou presunção. o acordo sobre o que é preferível exprime-se
em juízos que estabelecem uma preferência em termos de valor, hierarquia ou ainda nos
lugares (comuns) do preferível: quantidade (a maioria preferível à minoria), qualidade (o que
é raro preferível ao que é banal), existente (prefere-se o que existe).
Segundo Aristóteles (2005), o discurso será emocionado se, relativamente a uma ofensa, o
estilo for o de um indivíduo encolerizado; se relativo a assuntos ímpios e vergonhosos, for o
de um homem indignado e reverente; se sobre algo que deve ser louvado, o for de forma a
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Capítulo 02 - Modos de organização do discurso
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suscitar admiração; com humildade, se sobre coisas que suscitam compaixão
(ARISTÓTELES, 2005, p. 257).
para Charaudeau (2006), um discurso pode produzir um efeito emocional em um auditório
(sujeito interpretante) conforme a maneira como se combinam três fatores: i) a natureza do
universo de crença ao qual o discurso remete; ii) a encenação discursiva que pode, ela própria,
parecer dramática, trágica, humorística ou neutra; iii) o posicionamento do interlocutor em
relação aos universos de crença convocados e o estado de espírito no qual ele se encontra.
Assim, o sujeito falante escolhe universos de crença específicos, tematiza-os de determinada
maneira e procede à determinada encenação, tudo em função do modo como ele imagina seu
interlocutor ou seu público e em função do efeito que espera produzir nele.
O auditório (sujeito interpretante) pode ser sensibilizado basicamente através de três
“recursos”. Um deles consiste na construção de imagens de si (ethos), estratégia muito usada
por Roberto Jefferson durante o evento da CPMI dos Correios: “a forma como o orador se
apresenta é mais útil nos atos deliberativos [...]” (ARISTÓTELES, 2005, p. 159).
A outra estratégia, bastante usada nos discursos jurídicos, é o recurso a objetos concretos. “O
objeto real deve acarretar uma adesão que sua mera descrição parece incapaz de provocar; é
um auxiliar precioso, contanto que a argumentação lhe valorize os aspectos úteis”
(PERELMAN; OLBRECHTS-TYTECA, 2000, p. 133). O orador traz à presença objetos,
imagens e cenas que crê poderem sensibilizar o auditório - efeito de presença. Roberto
Jefferson, por exemplo, durante seu depoimento à CPMI dos Correios, trouxe uma pasta
vermelha que, segundo ele, continha tanto sua prestação de contas das campanhas eleitorais
quanto as de seus adversários, o que causou maior efeito de intimidação do que suas próprias
palavras agenciadas naquele momento.
Além disso, conforme salientam Perelman e Olbrechts-Tyteca (2000, p. 181), também o
emprego dos recursos lingüísticos, como a descrição, por exemplo, permite agir sobre o
auditório (sujeito interpretante). Toda língua oferece ao sujeito falante possibilidades que
mereceriam um estudo minucioso. Nesse sentido, os autores ressaltam o uso do tempo verbal
“presente” que, segundo eles, além de expressar o universal, tem a propriedade de
proporcionar mais facilmente o que chamamos de “sentimento de presença”, talvez motivo
pelo qual Roberto Jefferson contou os fatos no tempo presente, auxiliado pelo discurso direto.
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Capítulo 02 - Modos de organização do discurso
98
No entanto, independentemente do recurso, a seleção dos dados constitui um item
fundamental na sensibilização e mobilização do interlocutor:
o fato de selecionar certos elementos e de apresentá-los ao auditório
implica a importância e a pertinência deles no debate. Isso porque
semelhante escolha confere a esses elementos uma presença, que é um fator
essencial da argumentação [...] (PERELMAN; OLBRECHTS-TYTECA,
2000, p. 132).
Segundo Perelman e Olbrechts-Tyteca, “a presença atua de um modo direto sobre a nossa
sensibilidade. É um dado psicológico que, como mostra Piaget, exerce uma ação no nível
da percepção” (PERELMAN; OLBRECHTS-TYTECA, 2000, p. 132).
Na perspectiva dos autores, através da forma verbal é possível trazer à presença do auditório o
que está efetivamente ausente e que o orador (sujeito falante) considera importante para a
argumentação, ou valorizar, tornando-os mais presentes, certos elementos efetivamente
oferecidos à consciência.
Outros recursos lingüísticos podem ser usados como, por exemplo, o estilo lento que, segundo
os autores, é criador de emoção; a repetição; a acentuação de certas passagens, pela voz ou
pelo silêncio; a acumulação de relatos mesmo contraditórios sobre dado sujeito pode suscitar
a idéia da importância deste.
Ainda nesse sentido, é importante a insistência; a evocação de detalhes (mostrar como se
tomou conhecimento de algum fato ou detalhar as etapas de algum fato ou processo torna isso
presente na mente e facilita a tomada de posição); a especificação (as noções gerais, os
esquemas abstratos não atuam muito sobre a imaginação); o uso do termo concreto em vez do
termo abstrato (PERELMAN; OLBRECHTS-TYTECA, 2000, p. 166). Segundo os autores,
quanto mais especiais os termos, mais viva a imagem que evocam; quanto mais gerais eles
são, mais fraca ela é.
Jefferson, por exemplo, ao descrever a invasão da casa de sua filha pela Polícia Federal, o faz
de maneira tão viva (hipotipose) que parece fazer crer que o auditório a tenha diante dos
olhos. Além disso, sempre que ele se referia à mídia, em especial à Revista Veja, agenciava o
verbo “linchar”:
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Capítulo 02 - Modos de organização do discurso
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Primeiro depoimento – fragmento 03
Nesse dia, a Juíza da 10ª Vara Federal de Brasília, Sr. Presidente, Sr. Relator, Srs.
Senadores, Srs. Deputados, manda invadir duas residências em Petrópolis, de forma
leviana. Que ela esteja me ouvindo, para eu repetir isso para ela ouvir: leviana, solerte.
Primeiro, invade a casa de um menino que mora no Valparaíso, chamado Marcos Silva
Vasconcelos, que trabalha no Rio com a esposa, em frente à Beneficência Portuguesa, ao
lado do metrô. Arrombaram a porta, levaram tudo. que esse rapaz não é o meu genro.
Meu genro mora no Retiro, do outro lado da cidade. No dia em que eu estava depondo, a
ordem judicial tão leviana não sabia onde era a casa de minha filha tão leviana, tão
açodada, tão solerte, tão desonesta, tão comprometida com o Governo, como estava o
inquérito da Polícia Federal e o civil do Ministério Público.
Uma hora da tarde, recebo uma ligação da mãe de meus filhos. Fabiana estava em casa,
ela... Os marginais: minha filha de 28 anos, meu neto de um ano de idade, o Bernardo, o
caseiro, a empregada. Seis homens de colete e metralhadora da Polícia Federal, mais um
Procurador e um Delegado arrombaram o portão e invadiram a casa helicópteros, um
cerco de helicópteros – da minha filha, na hora em que eu ia sentar para depor.
Aristóteles ressalta que (2005, p. 159), ao passo que a forma como o orador se apresenta é
mais útil nos actos deliberativos, predispor o auditório de uma determinada maneira é mais
vantajoso nos processos judiciais. Acreditamos que Roberto Jefferson, durante o evento da
CPMI, quando estava sendo “julgado”, articulou muito bem essas duas categorias, tendo em
vista que se tratava tanto de depoimentos quanto pronunciamentos (as imagens construídas
pelo sujeito são bastante “emocionadas” - ethos patêmico).
Segundo Aristóteles, o estilo apropriado torna o assunto convincente, pois, por paralogismo, o
espírito do ouvinte é levado a pensar que aquele que está a falar diz a verdade. Com efeito,
neste tipo de circunstâncias, os ouvintes ficam num determinado estado emocional que
pensam que as coisas são assim, mesmo que não sejam como orador diz; e o ouvinte
compartilha sempre as mesmas emoções que o orador, mesmo que ele não diga nada. É por
esta razão que muitos impressionam os ouvintes com altos brados.
Esta mesma exposição enunciativa, sendo constituída por signos, exprime caracteres quando a
acompanha uma expressão apropriada a cada classe e maneira de ser. O filósofo denomina
classe o relativo à idade como, por exemplo, criança ou homem ou velho; ou mulher e
homem; ou lacônio e tessálio; maneira de ser, aquilo segundo o que cada um é, como é na
vida, pois nem toda a maneira de ser corresponde a que as vidas sejam do tipo que são. Além
disso, segundo Aristóteles, “[...] as palavras compostas e a abundância de epítetos, sobretudo
de termos invulgares, são ajustados ao orador do gênero emocional” (ARISTÓTELES, 2005,
p. 259).
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Capítulo 02 - Modos de organização do discurso
100
A seguir, no capítulo 3, teceremos algumas considerações sobre o funcionamento e a estrutura
de uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito, dando ênfase à CPMI dos Correios. Além
disso, apresentaremos o corpus da pesquisa e os procedimentos metodológicos.
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101
PARTE II
APRESENTAÇÃO DO CORPUS, METODOLOGIA E PROPOSTA DE ANÁLISE
Esta parte compreende dois capítulos. No primeiro deles, tecemos algumas considerações
sobre as Comissões Parlamentares de Inquérito, em especial sobre a dos Correios, e
delimitamos o corpus da pesquisa, salientando sua constituição, sua seleção e o tratamento
dado a ele, além dos procedimentos metodológicos usados para a análise.
Já no segundo capítulo, realizamos a análise proposta, examinando, inicialmente, a cena
enunciativa de cada gênero que compõe a CPMI dos Correios (pronunciamento e depoimento)
e, posteriormente, as principais estratégias lingüísticas e discursivas agenciadas pelo
indiciado, Roberto Jefferson, durante o evento.
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Capítulo 03 - Metodologia e condições de produção do discurso
102
CAPÍTULO 03
4. METODOLOGIA E CONDIÇÕES DE PRODUÇÃO DO DISCURSO
“Corrupção é uma constante. O que oscila é sua
revelação. O escândalo não a diminui, mas cria
eleitores mais exigentes”.
Theodore Lowi
Neste capítulo, discutimos, inicialmente, a estrutura e o funcionamento das Comissões
Parlamentares de Inquérito, dando ênfase à CPMI dos Correios. Posteriormente, apresentamos
a constituição e a seleção do corpus, além do tratamento dado a ele, bem como os
procedimentos metodológicos usados para a análise em questão.
4.1. Estrutura e funcionamento de uma Comissão Parlamentar de Inquérito
As Comissões Parlamentares de Inquérito, doravante CPIs, constituem um dos mais
importantes instrumentos usados pelo Congresso Nacional para fiscalizar atos do Poder
Executivo e de entes públicos ou privados que recebem recursos públicos:
a utilização de Comissões Parlamentares para a discussão de temas
específicos é, precisamente, um mecanismo de controle democrático dos
atos de governo e um instrumento de aperfeiçoamento das instituições
(RELATÓRIO FINAL DA COMISSÃO PARLAMENTAR MISTA DE
INQUÉRITO DOS CORREIOS, 2006, p.7).
Uma comissão de inquérito instituída no âmbito do Congresso Nacional pode funcionar em
uma Casa: uma CPI do Senado Federal ou da Câmara dos Deputados. Nesse sentido, é
formada nos termos do regimento interno de cada instituição legislativa. No entanto,
determinadas matérias, em virtude de sua importância, amplitude, dimensão e complexidade,
exigem a atenção de ambas as Casas do Congresso Nacional. Nesse caso, forma-se uma
Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI), composta por Senadores e Deputados
Federais.
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Capítulo 03 - Metodologia e condições de produção do discurso
103
Os trabalhos de inquérito são destinados a grupos de parlamentares, divididos conforme os
mesmos princípios que regem a atividade parlamentar como um todo: representatividade,
colegialidade etc. para que o Congresso tenha uma atuação mais rápida no exame das
questões que lhe são apresentadas, sem que haja perda da qualidade e do caráter democrático
das decisões.
Para se instaurar uma CPI, é necessária a participação de pelo menos um terço dos membros
de uma Casa e a participação pluripartidária na composição de uma comissão. Às comissões
de inquérito é conferido o exercício de poderes semelhantes aos das autoridades judiciais
(Constituição de 1988).
Conforme consta no Relatório, as comissões de inquérito possuem por objetivos: i) contribuir
para a transparência da Administração Pública, revelando, para a cidadania, fatos e
circunstâncias que, de outra forma, não seriam do conhecimento público; ii) possibilitar, na
qualidade de órgão do Poder Legislativo, o exame crítico da legislação aplicável ao caso sob
investigação; iii) propor à Casa respectiva do Congresso Nacional, sempre que cabível, a
abertura de processo contra Senador da República ou Deputado Federal, quando o nome do
parlamentar estiver vinculado a fatos ou atos que possam implicar prejuízo à imagem do
Congresso Nacional, ou seja, sempre que ali se possa identificar possível quebra de decoro
parlamentar; iv) interceder junto aos órgãos responsáveis da Administração Pública para
sustar as irregularidades e/ou as práticas lesivas que suas investigações identifiquem; v)
apontar ao Ministério Público os fatos que possam caracterizar delitos ou prejuízos à
Administração Pública, para que esse órgão estatal possa promover a responsabilidade civil e
penal correspondente; vi) propor modificações no arcabouço legal e institucional, de forma a
contribuir para o aperfeiçoamento constante da democracia do País, evitando a reincidência
no fato examinado.
As CPIs são criadas a partir de um fato determinado. A CPMI dos Correios, por exemplo, foi
criada para investigar fatos que desonraram e desonram a Administração Pública Brasileira:
as denúncias de corrupção nos Correios. Ocorrendo uma nova denúncia, durante a apuração
de uma CPI, aquele novo fato exige uma nova CPI – o escândalo dos Correios virou
escândalo do “Mensalão” e se desdobrou em outros tantos pequenos escândalos.
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Capítulo 03 - Metodologia e condições de produção do discurso
104
Quanto à determinação do fato, segundo Nina (2005), é importante que ele seja feito
corretamente, para evitar que uma medida judicial possa suspender ou mesmo anular uma CPI
que, na sua aprovação, não tenha tido o cuidado de observar esse requisito.
Sua criação, porém, depende de determinados procedimentos formais, ou seja, observar as
regras estabelecidas nos regimentos das respectivas casas parlamentares Câmara de
Vereadores, Assembléias Legislativas, Câmara Federal e Senado.
Nina ressalta que, muitas vezes, as CPIs são criadas corretamente, mas não produzem nenhum
resultado; porque, para presidi-las, são colocadas pessoas comprometidas e interessadas em
que a CPI não apure nada. E agem nesse sentido. Da mesma forma esse boicote pode ser feito
pelo Relator, que é a pessoa encarregada de elaborar o relatório e as conclusões da CPI. Além
disso, Nina acredita que a experiência tem mostrado que as CPIs servem mais para promoção
pessoal e novas negociatas do que mesmo para apurar e punir infratores.
Na perspectiva de Sherman (1990, apud BEZERRA, 1995), uma CPI constitui um dos
“estágios” de um escândalo
38
político. Um escândalo, segundo o autor, envolve “estágios” de
desenvolvimento tais como: revelação, publicação, defesa, dramatização, execução
(julgamento) e rotulação.
O que distingue um mero escândalo de um escândalo político é que a arena de discussão
política “implica lideranças políticas que estão envolvidas com o poder político num “campo
político” (CHAIA, 2004, p. 97). Por exemplo, no escândalo do “Mensalão”, ocorria um
confronto entre dois partidos políticos: o PT e o PTB.
4.2. A Comissão Parlamentar Mista de Inquérito dos Correios
Em 18 de maio de 2005, uma reportagem da Revista Veja
39
, intitulada “O homem-chave do
PT”, revelou a existência de um esquema de corrupção envolvendo o diretor do Departamento
38
“Escândalo se refere a ações ou acontecimentos que implicam certos tipos de transgressões que se tornam
conhecidas de outros e que são suficientemente sérios para provocar uma resposta pública” (THOMPSON, 2002,
p. 40).
39
Edição 1905.
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Capítulo 03 - Metodologia e condições de produção do discurso
105
de Contratação e Administração de Material dos Correios e Telégrafos (ECT), Maurício
Marinho, e o presidente do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), Roberto Jefferson. Trechos
de uma fita de vídeo obtida pela revista mostram Marinho tentando receber propina de
empresários para “facilitar” o acesso de suas empresas no grupo das que fornecem
equipamentos de informática aos Correios e cita o nome de Jefferson como suposto mandante.
Assim, Jefferson é instaurado na trama como vilão.
O então deputado, presidente do PTB, componente da base de apoio e sustentação do
Governo no Congresso Nacional, passou a apontar, em inúmeras manifestações na mídia
nacional, a existência de um complexo sistema de financiamento ilegal dessa base de apoio,
tanto em processos políticos ou eleitorais quanto fora deles. Cunhou-se, pois, o vocábulo
“Mensalão” para descrever esse esquema e apontar os que nele se envolveram, salientando a
participação, principalmente, de parlamentares, deputados federais. De vilão, Jefferson
começa a se inscrever como herói no cenário brasileiro.
Motivada por essas denúncias, a CPMI dos Correios, presidida pelo Senador Delcídio Amaral
(presidente) e pelo Deputado Asdrúbal Bentes (vice-presidente), foi, portanto, instaurada pelo
Congresso Nacional, no Conselho de Ética da mara dos Deputados, no dia 9 de junho de
2005, para investigar irregularidades financeiras cometidas por agentes públicos e privados
em órgãos do governo, em especial na “Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos”
(Correios).
Assim, a CPMI dos Correios dedicou-se à análise de um vasto conjunto de dados,
documentos, depoimentos e fatos relacionados a seu propósito. Para melhor organização dos
trabalhos e visando a mais ampla participação das diversas correntes políticas que compõem a
CPMI, o relator, Deputado Osmar Serraglio, dividiu a orientação de investigação em linhas
que correspondem as cinco sub-relatorias e às relatorias-adjuntas: i) relatoria-adjunta,
coordenação e sistematização do trabalho (relatores adjuntos: Deputado Eduardo Paes e
Deputado Mauricio Rans); ii) sub-relatoria de Movimentação Financeira (sub-relator:
Deputado Gustavo Fruet); iii) sub-relatoria de Contratos (sub-relator: Deputado José Eduardo
Cardozo); iv) sub-relatoria de Fundos de Pensão (sub-relator: Deputado Antônio Carlos
Magalhães Neto); v) sub-relatoria de Normas de Combate à Corrupção (sub-relator: Deputado
Onyx Lorenzoni); vi) sub-relatoria do Instituto de Resseguros do Brasil (IRB): (sub-relator:
Deputado Carlos William).
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Capítulo 03 - Metodologia e condições de produção do discurso
106
Os trabalhos contaram com a participação de servidores do Senado Federal, da Câmara dos
Deputados, do Tribunal de Contas da União e órgãos da Administração Pública Federal como
o Banco Central e o Banco do Brasil. Posteriormente, houve o reforço de empresas de
auditorias privadas contratadas pela Presidência do Congresso Nacional. A equipe contou
também com a colaboração da Polícia Federal, da Receita Federal e do Ministério Público
Federal.
Parte das investigações foi realizada no e pelo Tribunal de Contas da União, em um ajuste
estabelecido entre aquela Corte e esta CPMI. Ademais, as auditorias da Controladoria-Geral
da União foram valiosas para a CPMI.
A CPMI dos Correios debruçou-se sobre extensa base de dados, talvez a maior analisada em
investigações dessa natureza empreendidas pelo Congresso Nacional. Nos nove meses de
trabalho, a base de dados dos sigilos bancários foi carregada com mais de 20 milhões de
registros bancários e 33,8 milhões de registros telefônicos. Dezenas de pessoas entre elas, o
ex-ministro José Dirceu tiveram suas vidas investigadas. Marcos Valério e suas empresas
foram virados do avesso.
A CPMI dos Correios deu origem a outras CPIs, como a do “Mensalão”, por exemplo. O
desenrolar das investigações e das CPIs chamou a atenção para outros escândalos que
envolveram o partido do governo brasileiro em 2005, o Partido dos Trabalhadores (PT), e
eclodiram antes do aparecimento das primeiras grandes denúncias sobre a existência do
Mensalão.
Em 2004 estourou o escândalo dos Bingos e em maio de 2005 o escândalo dos Correios. As
investigações das CPIs trouxeram ainda para a pauta de discussões a misteriosa morte do
prefeito Celso Daniel (2002) e as denúncias de corrupção na Prefeitura de Santo André (São
Paulo), administrada por ele.
Dois inquéritos foram conduzidos. O primeiro, de abril de 2002, concluíra por seqüestro
comum, uma casualidade. Um segundo inquérito, conduzido pela Dr
a
. Elizabete Sato,
indicada pelo então Secretário Saulo de Abreu, aberto no segundo semestre de 2005,
novamente levou à tese de crime comum. O inquérito, com data de 26/09/2006, é anterior ao
Estratégias Discursivas na CPMI dos Correios: O Caso Roberto Jefferson
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Capítulo 03 - Metodologia e condições de produção do discurso
107
primeiro turno das eleições presidenciais. Sua repercussão na mídia se deu no final de
novembro de 2006. Vejamos a figura 3:
FIGURA 3 - A relação entre os principais escândalos
40
Por conseguinte, a crise do “Mensalão” envolveu não somente o escândalo provocado pela
denúncia de compra de votos (o mensalão, propriamente dito), mas todos esses escândalos
juntos, que de alguma forma ou de outra se relacionam. Um dos elementos que ligam esses
outros eventos com o “Mensalão” são as acusações de que em todos eles foram montados
esquemas clandestinos de arrecadação financeira para o PT. O dinheiro oriundo desses
esquemas, pelo menos em parte, poderia ter sido usado para financiar o Mensalão”. Agora
essa hipótese, ao menos em tese, se choca com a descoberta, em julho de 2008, de que o
Banco Opportunity foi uma das principais fontes de recursos do “Mensalão”: as investigações
da Polícia Federal apontaram que empresas de telefonia privatizadas, então controladas pelo
banqueiro Daniel Dantas, injetaram mais de R$ 127 milhões nas contas da DNA Propaganda,
administrada por Marcos Valério, o que alimentava o caixa do Valerioduto
41
.
Com o desenvolvimento da crise surgiram ainda novas denúncias e novos escândalos como,
por exemplo: o escândalo dos fundos de pensão, do Banco do Brasil, esquema do Plano Safra
Legal, a suposta doação de dólares de Cuba para a campanha de Lula e a quebra do sigilo
bancário do caseiro Francenildo.
Durante o evento, à medida que os indiciados se pronunciavam, novas personagens eram
inseridas na trama, conforme interesses da CPMI. Vejamos o quadro 1:
40
Embasado em: ESCÂNDALO DO MENSALÃO. In: WIKIPEDIA: a enciclopédia livre. Disponível em:
<http://pt.wikipedia.org./wiki/Esc%C3%A2ndalo_do_mensal%C3%A3o
41
Operação da PF prende Celso Pitta, Naji Nahas e Daniel Dantas. Folha Online, 8 de julho de 2008.
Quadrilha: Daniel Dantas e Naji Nahas comandavam organizações voltadas a crimes financeiros. O Globo
Online, 8 de julho de 2008.
Mensalão
Caso Celso Daniel
Correios
Bingos
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Capítulo 03 - Metodologia e condições de produção do discurso
108
QUADRO 1
Ordem dos depoimentos dados pelos principais indiciados à CPMI dos Correios
Sr. Mauricio Marinho em 21/06/2005 (1ª parte)
Sr. Mauricio Marinho em 22/06/2005 (2ª parte)
Deputado Roberto Jefferson em 30/06/2005
Sr.Marcos Valério Fernandes de Souza em 06/07/2005
Sr.Delúbio Soares em 20/07/2005
Sr. Mauricio Marinho em 29/09/2005 (Depoimento "Reservado")
Conforme dissemos na introdução deste trabalho, é importante lembrar que estamos
considerando a CPMI dos Correios um evento discursivo híbrido, produzido pela ação da
instância discursiva parlamentar, no qual os locutores se posicionaram, na situação
monolocutiva e contando com o concurso da mídia, para persuadir seu interlocutor - o cidadão
- de algo relativo ao bem comum ou àquilo que se apresentava como útil a todos nas
representações da democracia política. Entretanto, os mesmos parlamentares se tornaram
inquiridores e promotores do inquérito, ou espectadores, acusadores de uma contravenção do
colega e/ou acusados (réus), a partir da denúncia de um terceiro, em uma dinâmica
interlocutória que se assemelhava ao discurso dos tribunais e à distribuição da justiça.
4.3. Constituição, seleção e tratamento do corpus
Quanto à materialidade discursiva, selecionamos, inicialmente, um conjunto de fragmentos
produzidos por ocasião dos trabalhos da CPMI dos Correios, uma vez que nossa intenção era
analisar as estratégias agenciadas por cinco protagonistas do evento. Pretendíamos realizar
uma análise contrastiva, tendo em vista comparar fragmentos discursivos de cada um dos
indiciados em momentos (início, meio e fim) e situações (depoimento e pronunciamento)
distintos, além das estratégias adotadas por cada um deles em cenários diversos. Durante o
segundo semestre de 2005 e início de 2006 vários documentos foram produzidos, entre
depoimentos e relatórios, envolvendo personalidades políticas, empresários e cidadãos.
Dentre os depoentes, nos interessávamos, sobretudo, pelo discurso produzido pelo ex-
deputado federal Roberto Jefferson, durante o evento.
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Capítulo 03 - Metodologia e condições de produção do discurso
109
Portanto, o corpus inicial da pesquisa era constituído de dez textos escritos, referentes ao
esquema de compra de votos de parlamentares e financiamento de campanhas eleitorais em
2005 (escândalo do “Mensalão”), produzidos por Roberto Jefferson, Mauricio Marinho, José
Dirceu, Delúbio Soares e Marcos Valério: seis depoimentos e quatro pronunciamentos.
No entanto, redefinimos corpus, restringindo a pesquisa à análise das estratégias agenciadas
por Roberto Jefferson, tendo em vista a importância desse sujeito no evento. Assim, o corpus
da pesquisa compreende quatro textos produzidos por Roberto Jefferson, ex-deputado do
PTB, durante a CPMI dos Correios:
i) um pronunciamento realizado na Câmara dos Deputados no dia 17/05/2005
(primeiro pronunciamento realizado após as denúncias feitas na e pela Revista
Veja);
ii) um depoimento dado à Comissão de Ética no Plenário da Câmara no dia
14/06/2005, tendo em vista a representação no Conselho de Ética pelo Deputado
Valdemar Costa Neto, presidente do Partido Progressista (PL) (primeiro
depoimento);
iii) um depoimento dado à CPMI dos Correios no Plenário da Câmara dos Deputados
no dia 30/06/2005 (segundo depoimento);
iv) um pronunciamento realizado na Câmara dos Deputados no dia 14/09/2005
(último pronunciamento realizado pelo então deputado antes da votação do pedido
de cassação de seu mandato político).
O material discursivo analisado foi colhido no Portal da Câmara dos Deputados e não sofreu
nenhum tipo de tratamento, ou seja, foi analisado da maneira como se apresentava no “site”,
sem ter sido retextualizado
42
.
É importante ressaltar que tivemos preocupação, enquanto parâmetro metodológico, tanto
com os aspectos quantitativos quanto qualitativos, à medida que nos interessava, como
42
Cf. Marcuschi (2003).
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Capítulo 03 - Metodologia e condições de produção do discurso
110
exposto, identificar e analisar as principais estratégias discursivas agenciadas por Roberto
Jefferson durante o evento da CPMI dos Correios.
Além disso, o evento da CPMI dos Correios se constitui de duas situações de comunicação
(depoimentos e pronunciamentos), dois momentos (primeiro e último
pronunciamento/depoimento) e três “cenários” (CPMI, Plenário da Comissão de Ética e
Câmara dos Deputados). Assim, o corpus é constituído por dois gêneros discursivos
43
vistos
em uma dimensão espaço/temporal/institucional. A escolha por estas peculiaridades
(situações, momentos e “cenários” diferenciados) se deu em virtude de um dos objetivos:
fazer uma análise contrastiva das estratégias discursivas.
A escolha pelo discurso do ex-deputado Roberto Jefferson se deu tendo em vista dois
motivos. Desde o primeiro momento, Jefferson esteve no centro das denúncias relativas ao
“Mensalão”, ocupando o papel de deputado acusado de participar de amplo esquema de
corrupção financeira. Entretanto, à medida que era exposto em depoimentos, ele criava novos
fatos político-discursivos, passando ao papel de acusador e envolvendo novos participantes e
sujeitos discursivos como, por exemplo, José Dirceu, Delúbio Soares e Marcos Valério. É
importante ressaltar que Roberto Jefferson foi inserido na trama por Mauricio Marinho e que
a denúncia veio à tona através da mídia.
A figura 4 ilustra o eixo da história e os principais “agregados”. Não podemos nos esquecer
de que Roberto Jefferson, depois de ter sido denunciado como principal envolvido no
processo, anunciou a participação central de José Dirceu no caso, salientando ser o ministro o
chefe do esquema. Assim, dois partidos políticos em confronto: o Partido dos
Trabalhadores (PT) e o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB).
43
Os gêneros devem ser pensados tendo em vista a articulação entre as coerções situacionais determinadas pelo
contrato global de comunicação, as coerções da organização discursiva e as características das formas textuais,
localizáveis pela recorrência das marcas formais (CHARAUDEAU, 2000b).
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Capítulo 03 - Metodologia e condições de produção do discurso
111
FIGURA 4 - Principais personagens da trama do “Mensalão”
Vejamos um pouco sobre cada um dos principais indiciados no caso.
Roberto Jefferson, deputado federal por seis mandatos consecutivos, era presidente do Partido
dos Trabalhadores do Brasil (PTB) e componente da base de apoio e sustentação do Governo
no Congresso Nacional. Na reportagem da Revista Veja, que revelou a existência do esquema
de corrupção, ele foi citado como suposto mandante do plano. Assim, Jefferson foi instaurado
na trama como um dos principais vilões. Alegou, o tempo todo, ser vítima de “chantagem” e
negou qualquer participação no esquema. Teve seu mandato cassado em 14/09/2005.
Maurício Marinho, diretor do Departamento de Contratação e Administração de Material
dos Correios e Telégrafos (ECT), por sua vez, também foi inserido na história como um dos
vilões. Trechos da fita de vídeo obtida pela revista mostraram o então diretor tentando receber
propina de empresários para “facilitar” o acesso de suas empresas no grupo das que fornecem
equipamentos de informática aos Correios. Marinho foi demitido por justa causa em 08 de
setembro de 2005.
Ao ser citado como chefe do esquema, Roberto Jefferson passou a apontar, em inúmeras
manifestações na mídia nacional, a existência de um complexo sistema de financiamento
ilegal da base de apoio do governo, tanto em processos políticos ou eleitorais quanto fora
deles. Assim, o então deputado salientou a participação, principalmente, de parlamentares e
empresários.
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Capítulo 03 - Metodologia e condições de produção do discurso
112
Segundo ele, os recursos para alimentar o esquema, que consistia no pagamento de mesadas
de R$30 mil, pelo PT, a deputados de outros partidos da base aliada, vinham de estatais e de
empresas privadas. Esse dinheiro chegava a Brasília “em malas”, para ser distribuído em
ação comandada pelo tesoureiro petista, Delúbio Soares, com a ajuda de “operadores” como o
publicitário Marcos Valério.
Jefferson enfatizou que Marcos Valério, empresário do ramo de publicidade e proprietário das
agências DNA Propaganda e SMP&B Comunicação, era o vértice do esquema. Reafirmou
que Marcos Valério fazia os repasses financeiros sob auspícios de Delúbio Soares.
Conforme enunciado no relatório final da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito dos
Correios (2006, p. 205), Marcos Valério realizou sofisticadas operações financeiras de
distribuição de dinheiro a parlamentares. Angariava recursos no setor blico e privado e os
repassava, através de suas agências de publicidade, às pessoas indicadas por Delúbio Soares.
Havia seduzido o Partido dos Trabalhadores com um mecanismo para arrecadar fundos que
tinham sido oferecidos a políticos de seu Estado, Minas Gerais, durante a campanha eleitoral
de 1998.
Além disso, o empresário possuía uma relação muito próxima com o partido do governo e
com autoridades públicas. Suas agências de publicidade possuíam contratos com a
administração pública, incluindo os Correios, o Banco do Brasil, a Eletronorte, o Ministério
do Trabalho e o Ministério dos Esportes, todos apresentando irregularidades em suas
administrações.
Segundo Jefferson, Delúbio Soares, tesoureiro do Partido dos Trabalhadores, conhecido como
o dono da chave do cofre do PT, era quem distribuía o dinheiro. O então secretário, antigo
professor de matemática, era amigo de Marcos Valério. O tesoureiro também negou as
acusações, alegando que o que ocorreu foi um pedido de empréstimo a Marcos Valério para
saldar compromissos dos candidatos do PT e dos partidos de base. Foi afastado em
05/07/2005 e expulso em 23/10/2005.
Roberto Jefferson ressaltou que o ministro da Casa Civil, José Dirceu, tinha conhecimento de
todo o esquema. Segundo ele, José Dirceu era um dos cabeças do “Mensalão”: chefiava as
indicações para cargos em estatais com o objetivo de captar recursos para o PT. José Dirceu,
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Capítulo 03 - Metodologia e condições de produção do discurso
113
após vários mandatos como deputado federal pelo Estado de São Paulo, assumiu a Chefia da
Casa Civil da Presidência da República logo após a ascensão do Partido dos Trabalhadores ao
governo federal. Tendo seu nome envolvido no escândalo, pediu demissão do cargo de
ministro e voltou ao seu antigo cargo de deputado federal. No dia 30 de novembro de 2005,
José Dirceu teve seu mandato cassado por quebra de decoro parlamentar, ficando inelegível
até 2015.
4.4. Procedimentos metodológicos
Em um primeiro momento, realizamos uma análise global, horizontal, dos textos de Roberto
Jefferson. Apesar de exaustiva, essa análise se mostrou bastante produtiva, uma vez que nos
permitiu comprovar parte da hipótese inicial: as principais estratégias agenciadas por Roberto
Jefferson durante a CPMI dos Correios consistiam na construção de imagens de si e do outro,
tendo em vista suscitar sentimentos/emoções no interlocutor, por meio de recursos
lingüísticos e/ou discursivos constitutivos dos modos de organização discursiva enunciativo,
narrativo, descritivo e argumentativo. Além disso, a análise nos permitiu, também, identificar,
já de antemão, algumas estratégias recorrentes mobilizadas pelo indiciado durante o evento.
Observamos que o sujeito falante, à medida que tomava a palavra, procurava se constituir em
meio às denúncias e inquirições ora como político honesto e sério; ora como cidadão honrado;
ora como advogado competente; ora como ser humano “comum”; ora como guia supremo, na
figura do herói e do profeta, imagens que “expressavam” valores reverenciados na sociedade
como, por exemplo, honestidade, honradez, competência, fidelidade, amizade, lealdade,
seriedade, religiosidade etc.
De forma explícita ou implícita, ele deixava no discurso rastros nos quais podíamos
identificar dada imagem que ele acreditava poder suscitar, no interlocutor, sentimentos que o
levassem a tomar determinados posicionamentos a seu favor.
Para isso, o sujeito falante agenciava, durante a enunciação, recursos lingüísticos e/ou
discursivos constitutivos dos modos de organização discursiva enunciativo, narrativo, descrito
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Capítulo 03 - Metodologia e condições de produção do discurso
114
e argumentativo. Ele tecia, por exemplo, atributos, positivos ou negativos, a outros sujeitos
envolvidos no evento, o que punha a nu não só sua imagem como também a do outro.
Quanto a esse aspecto, é importante frisar que o sujeito falante mudava de estratégia tendo em
vista o desenrolar dos fatos. Ora ele predicava positivamente determinado sujeito, ora ele o
predicava negativamente, como o fez com José Genoíno, presidente do PT, por exemplo.
Além disso, o sujeito falante se preocupava em esclarecer os fatos disseminados na e pela
mídia, uma vez que parecia supor que o interlocutor ignorasse saber do ocorrido ou duvidasse
da verdade desse saber. Nesse sentido, às vezes dizia ter conhecimento de um saber que
outros teriam voluntariamente escondido como, por exemplo, sobre o financiamento das
campanhas eleitorais no Brasil; às vezes apresentava um saber, colocando-se em uma posição
de denunciante, tal como a denúncia do pagamento do “Mensalão”; às vezes declarava
verdadeiro um saber a propósito do qual ele supunha que o interlocutor tivesse dúvidas.
Durante esse percurso, estrategicamente, ele mobilizava ainda outros atos de fala tais como,
os refutativos, interpelativos, interrogativos, acusativos, de constatação, de intimidação, de
agradecimento, além de alguns argumentos
44
como, por exemplo, a ironia, a analogia, a
comparação, o exemplo, a fábula e a metáfora.
O sujeito falante trazia, para dentro do discurso, a “fala” de outros sujeitos, através de
provérbios, citações e narrativas religiosas, narrativas infantis e, principalmente, por meio do
discurso direto, selecionando vocábulos que contribuíam para a construção da imagem
pretendida, seja de si ou do outro, e que acionavam a memória discursiva do interlocutor,
reforçando a argumentação. Ele agenciava estratégias que acreditava poderem legitimar seu
“dizer”, dar-lhe credibilidade e, conseqüentemente, seduzir o interlocutor.
Essa análise nos permitiu, também, perceber a presença de um narrador-protagonista que
intervinha na trama discursiva, exercendo a função actancial de agente-benfeitor, e ver,
claramente, a quem o depoente se dirigia: parlamentares, cidadãos e mídia.
44
Consideramos argumentos os procedimentos lógicos e os discursivos como, por exemplo, a citação, a
comparação, a restrição, a disjunção, a fábula, o exemplo, a metáfora etc., propostos por Charaudeau (1992) e
Aristóteles (2005).
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Capítulo 03 - Metodologia e condições de produção do discurso
115
Assim, verificamos que as estratégias discursivas foram agenciadas pelo indiciado, durante o
evento, em função de um jogo especular de imagens, com fins patêmicos. Portanto, a
dimensão técnica (o logos) sustentava a dimensão representacional (as imagens de si e do
outro) e a emotiva (pathos), no sentido de construtor de imagens que se pretendiam como
patêmicas. Do nosso ponto de vista, isso mostrava que a dimensão representacional (as
imagens de si e do outro) e a emotiva (o pathos) eram as provas mais importantes. No
entanto, dentre essas, a dimensão representacional se configurava como a principal no
processo argumentativo da CPMI dos Correios. A figura 5 ilustra a hipótese. Vejamos:
FIGURA 5 - Dinâmica argumentativa do depoente junto à CPMI dos Correios
Após essa análise, procedemos a uma segunda, visando a verificar se essas estratégias se
confirmavam e se havia outras possíveis estratégias relevantes. Assim, observamos que as
estratégias, identificadas na primeira análise, se confirmavam, sendo possível, portanto, a
partir da Teoria Semiolingüística de Charaudeau (1983) sistematizar: a) no nível situacional:
os contratos estabelecidos durante o evento; b) no nível semiolingüístico: as estruturas
sintáticas e lexicais recorrentes; c) no nível discursivo: os modos de organização do discurso,
sendo que nestes propusemos as seguintes grades de análise:
i) o dispositivo enunciativo: verificação e análise dos jogos que se estabeleceram
durante o evento tais como, as formas pronominais e nominais assumidas pelo
locutor; as relações de força e petição estabelecidas entre os interlocutores; os
posicionamentos do locutor e as “vozes” trazidas por ele para dentro de seu
discurso;
M
O
N
M
O
D
M
O
A
Modo Retórico
Ethos – Logos - Pathos
M
O
E
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Capítulo 03 - Metodologia e condições de produção do discurso
116
ii) a cena narrativa: delimitação dos actantes e do desempenho de papéis narrativos;
iii) a organização descritiva: identificação da nomeação, localização e qualificação
dos principais objetos discursivos, observando a função dessa organização;
iv) a cena argumentativa: descrição e análise dos principais procedimentos semânticos
e discursivos;
v) a cena retórica: verificação e análise das principais imagens de si, dos efeitos
patêmicos pretendidos e dos argumentos.
No entanto, tendo em vista a extensão do corpus, não era possível analisar, em profundidade,
todo o material lingüístico. Nesse sentido, era preciso propor um recorte. Ou seja, seria
necessário selecionar fragmentos que representassem, de forma sistemática e segura, o
universo estudado. Mas que critérios usar?
Assim, fizemos uma “radiografia” da trajetória discursiva do depoente, selecionando os
fragmentos que ilustravam melhor esse percurso. Essa “radiografia” consistiu em definir as
seqüências temáticas do depoente durante o evento. Por exemplo: inicialmente ele negou as
acusações e teceu justificativas para determinados fatos como seu relacionamento com
Mauricio Marinho. Portanto, definimos “acusação” e “justificativa”. Recortamos, então, 137
fragmentos que delineavam a trajetória discursiva do indiciado. É importante frisar que nos
depoimentos interessava-nos o material lingüístico produzido pelo depoente; mas, em virtude
da necessidade de contextualização, em algumas partes dos depoimentos selecionamos o par
pergunta/resposta.
Após o recorte, primeiramente, procedemos ao levantamento das categorias referentes à
instância situacional, uma vez que pretendíamos analisar os contratos estabelecidos durante o
evento. Posteriormente, analisamos os recursos lingüísticos sintáticos e lexicais e os modos de
organização do discurso.
No próximo capítulo, realizaremos uma análise do corpus selecionado, tendo em vista
identificar e analisar os contratos estabelecidos em cada um dos gêneros discursivos
Estratégias Discursivas na CPMI dos Correios: O Caso Roberto Jefferson
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Capítulo 03 - Metodologia e condições de produção do discurso
117
constitutivos da CPMI dos Correios (pronunciamento e depoimento) e as principais
estratégias lingüísticas e discursivas agenciadas pelo sujeito falante durante o evento.
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Capítulo 04 - Roberto Jefferson: imagens de si e do outro
118
CAPÍTULO 04
5. ROBERTO JEFFERSON: IMAGENS DE SI E DO OUTRO
“O meu ideal político é a democracia, para que
todo homem seja respeitado como indivíduo e
nenhum, venerado”.
Albert Einstein
Neste capítulo, realizamos, em um primeiro momento, a análise dos contratos estabelecidos
em cada um dos gêneros discursivos constitutivos da CPMI dos Correios (depoimento e
pronunciamento) separadamente, tendo em vista mostrar o funcionamento do evento. Estes
dois gêneros constituem, a nosso ver, momentos enunciativos diferentes, portanto apresentam
situações discursivas distintas. Cada qual possui peculiaridades próprias e, conseqüentemente,
é regido por contratos diferentes.
Analisamos as restrições contratuais de cada gênero, tecendo, inicialmente, algumas
considerações, sucintas, sobre eles, com a finalidade de mostrar características lingüísticas,
enunciativas e estruturais que se mostraram pertinentes aos nossos propósitos. É importante
salientar que nosso foco de análise era o deputado Roberto Jefferson. Portanto, ao analisar as
instâncias de produção, privilegiamos os dados relativos a esse sujeito falante.
em um segundo momento, verificamos as estratégias discursivas e lingüísticas.
Discorremos, a princípio, sobre a escolha sintática (orações hipotáticas e paratáticas)
45
e
lexical, dando ênfase à sintaxe, uma vez que acreditamos em estreita relação entre as orações
tanto hipotáticas quanto paratáticas e as provas aristotélicas ethos, pathos e logos.
Posteriormente, analisamos os dados referentes aos modos de organização discursiva
propostos na metodologia, tendo em vista verificar os possíveis efeitos discursivos.
45
Orações coordenadas e subordinadas, respectivamente.
Estratégias Discursivas na CPMI dos Correios: O Caso Roberto Jefferson
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Capítulo 04 - Roberto Jefferson: imagens de si e do outro
119
5.1. A en (cena) ção na CPMI dos Correios
“É muito difícil compatibilizar política e moral”.
Francis Bacon
Analisar a CPMI dos Correios não se limita apenas a constatar que determinado sujeito,
imbuído de certo objetivo, buscou a adesão de outro sujeito a uma tese proposta. A análise do
evento deve delimitar e analisar os elementos que constituem a cena enunciativa tanto dos
depoimentos quanto dos pronunciamentos dados durante o acontecimento, uma vez que a
dinâmica argumentativa na CPMI dos Correios, como em qualquer outro discurso, envolve
certas condições de produção e recepção que determinam o formato de cada gênero que a
constitui e que nos permitem afirmar que as escolhas de “quem diz” não são aleatórias. Nessa
perspectiva, acreditamos que o mais importante, ao estudar a CPMI dos Correios, não é a
natureza argumentativa do discurso veiculado ali, uma vez que outros gêneros discursivos do
campo político tais como, campanha eleitoral e comício, também se caracterizam por forte
veio argumentativo. Em nossa opinião o estudo da argumentação em todo e qualquer evento
discursivo deve considerar os elementos que compõem a cena enunciativa.
É importante salientar que os interactantes do evento - parlamentares, povo e mídia - não são
apenas sujeitos empíricos, mas representam papéis sociais determinados na estrutura social na
qual estão inseridos. O parlamentar, por exemplo, representa a autoridade da instituição da
qual faz parte, sujeito imbuído de legitimidade para dizer e de determinada credibilidade que
tenta sustentar, ou até mesmo angariar ou aumentar, ao longo do discurso.
A construção dos gêneros que compõem o evento - depoimento e pronunciamento -, como a
de qualquer outro discurso, não é um ato isolado, solitário, mas um ato em conjunto, em que o
interlocutor (povo, adversários e aliados políticos e mídia) também faz parte da construção
discursiva. Ao construir o evento, o parlamentar o faz embasado nas representações
sociodiscursivas dos interlocutores ao qual se destina seu discurso, o que, conseqüentemente,
determina o formato dos gêneros. Sendo assim, é importante pensar na função que o
interlocutor exerce na configuração e funcionamento do evento, destacando-se na cena outro
sujeito: o interlocutor, representado pelos cidadãos, adversários e aliados políticos e mídia.
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Capítulo 04 - Roberto Jefferson: imagens de si e do outro
120
5.1.1. O pronunciamento: considerações gerais
“Deputado por deputado, prefira sempre adquirir
um parlamentar americano. São melhores e falam
inglês”.
Antônio Carlos Magalhães.
Os discursos deliberativos, dentre os quais se encontram os pronunciamentos realizados no
Plenário por Roberto Jefferson durante o evento da CPMI dos Correios, “ou são exortações ou
dissuasões e visam a mostrar a vantagem ou desvantagem de uma determinada acção”
(ARISTÓTELES, 2005, p. 38). Embora Aristóteles ressalte que nesse tipo de discurso
predomina o “futuro”, Roberto Jefferson agenciou o “presente” e o “pretérito”, que é peculiar
aos gêneros do campo jurídico.
Depois de o escândalo vir a público na e pela mídia, Roberto Jefferson se pronunciou no
Plenário da Câmara dos Deputados, negando as acusações e tentando explicar os fatos. Assim,
o primeiro proferimento a respeito das denúncias sobre o esquema do “Mensalão”, produzido
por Jefferson na Tribuna no dia 17/05/2005, é de natureza explicativa/refutativa. O então
deputado tentou se construir na cena como um político honesto e sério, tendo em vista
continuar no cargo ou sendo eleito para cargos públicos, o que nos permite dizer que esse
respectivo pronunciamento, assim como toda discursividade, se constitui,
predominantemente, do modo de organização discursiva retórico. É importante lembrar que
analisamos dois pronunciamentos, portanto dois momentos distintos.
O primeiro pronunciamento caracterizou-se pelo uso acentuado do discurso direto, do
raciocínio dedutivo e do operador discursivo argumentativo “mas” com função de refutação, a
nosso ver, agenciados como estratégias de credibilidade. Além disso, neste pronunciamento, o
modo narrativo foi agenciado como pano de fundo para o modo retórico. Nesse sentido,
acreditamos poder falar de “fundo” (modo narrativo) e “figura” (modo retórico), estando,
assim, o modo narrativo a serviço da persuasão neste gênero.
O sujeito falante tentou seduzir o interlocutor, agenciando, principalmente, valores relativos à
honestidade. Predominou, pois, conforme dissemos, a imagem do político honesto e sério,
apesar de que era possível vislumbrar alguns indícios do denunciante, na figura do herói e
do profeta.
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Capítulo 04 - Roberto Jefferson: imagens de si e do outro
121
Quanto à estrutura formal, o pronunciamento apresenta as seguintes seqüências temáticas
46
:
i) abertura: o sujeito falante saúda os interlocutores, através de vocativos específicos, o
que põe em cena sua legitimidade como parlamentar (marca de polidez);
ii) defesa: o sujeito falante nega as denúncias, com o intuito de se construir como um
político sério e honesto;
iii) encerramento: o sujeito falante fecha o discurso, agradecendo aos interlocutores
(marca de polidez).
o segundo pronunciamento, realizado no dia 14/09/2005, quando estava para ser votado o
pedido de cassação do mandato do então deputado, se caracterizou por grande afetividade do
sujeito falante em relação à família, amigos, colegas de trabalho, empregados, ou seja, valores
relativos à amizade. Assim, temos um gênero discursivo marcado por diminutivos, palavras
semanticamente “carregadas” de emotividade. Além disso, predominaram, neste
pronunciamento, as comparações, as analogias e os provérbios, na tentativa de desqualificar o
adversário e, conseqüentemente, de obter credibilidade.
Este pronunciamento também se divide em seqüências temáticas:
i) abertura: o sujeito falante saúda os interlocutores (marca de polidez);
ii) agradecimento: o sujeito falante agradece ao povo, representado,
metonimicamente, pela família, colegas de trabalho, amigos, cidade natal etc.,
tendo em vista se construir como amigo leal do povo (aparente marca de polidez);
iii) defesa: o sujeito falante continua negando as acusações, buscando reafirmar a
imagem de político honesto e sério construída desde o primeiro pronunciamento;
iv) acusação: o sujeito falante reafirma as denúncias feitas durante os depoimentos e,
conseqüentemente, busca se reafirmar como herói e profeta;
46
Tópico ou tema.
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Capítulo 04 - Roberto Jefferson: imagens de si e do outro
122
v) encerramento: o sujeito falante agradece aos interlocutores (marca de polidez).
É importante ressaltar que predominou neste pronunciamento a imagem do denunciante, na
figura do herói e do profeta, imagem que se manifestou, timidamente, no primeiro
pronunciamento e foi ganhando força ao longo dos depoimentos.
Ambos os pronunciamentos são atravessados por “vozes” que pretendem efeitos moralizantes
e didático/pedagógicos (provérbios, citações religiosas, narrativas religiosas e infantis). Além
disso, eles possuem uma natureza discursiva mais “livre” (monologal) no sentido de que o
sujeito “fala”
47
, tendo em vista seus objetivos, sem quase nenhuma interferência dos
interlocutores - exceto do presidente da Câmara, em alguns momentos, pedindo silêncio
com poucas digressões, repetições, hesitações, características peculiares aos discursos orais
48
.
O discurso flui, ininterruptamente, de forma assimétrica: papéis conversacionais que não se
alternam, papéis sociais e pessoais desequilibrados - locutor e interlocutor não são “iguais”
socialmente, e as “decisões” na construção do discurso parecem caber ao locutor.
Mesmo tendo sido planejados antecipadamente, os pronunciamentos acabam por apresentar
alguns traços da oralidade. Além disso, como o discurso é falado (lido), seu planejamento
prevê um discurso mais entrecortado, com unidades menores e menos complexas como, por
exemplo, as estruturas sintáticas coordenadas ou, quando subordinadas, não mistas.
5.1.1.1. As instâncias de produção e recepção
O autor do discurso, Roberto Jefferson, ser da experiência, assume o papel social de
parlamentar, momento em que passa de figura empírica para figura discursiva que “diz”, ou
seja, deixa de ser autor para se constituir como locutor, aquele que possui a legitimidade para
“dizer” no pronunciamento. Sendo assim, o locutor exerce a função social de parlamentar;
47
Os pronunciamentos passaram por um processo de retextualização: o material analisado é o produto das
notas taquígrafas.
48
Não uma dicotomia entre modalidade falada e escrita, embora cada uma delas apresente suas
peculiaridades. As diferenças entre fala e escrita se situam em um continuum tipológico de gêneros de textos
determinado pela correlação entre as modalidades (MARCUSCHI, 1997, p. 136).
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Capítulo 04 - Roberto Jefferson: imagens de si e do outro
123
passa a “dizer” de dado lugar social determinado pela instituição na qual está inserido e da
qual faz parte.
De certa forma, apaga-se o sujeito empírico, o indivíduo real, para dar lugar ao sujeito
institucionalizado, ao parlamentar, que “diz” não a partir do lugar social que ocupa
(parlamentar presidente do Partido Trabalhista Brasileiro, por isso o uso dos pronomes “eu”,
“nós”, da “expressão “a gente” e da forma nominal “o PTB”, com predominância do pronome
“eu”); mas, também, “harmoniza” no discurso “vozes”
49
que o constituem.
O parlamentar é, na realidade, porta-voz (representante) do povo, uma vez que foi eleito por
ele e deve-lhe satisfações, portanto busca construir no discurso imagens com as quais esse
interlocutor possa se identificar tais como, a de político honesto e sério (primeiro
pronunciamento) e a de denunciante dos esquemas de corrupção que assolam o País (segundo
pronunciamento). Nesse sentido, ele “diz” por outros indivíduos que “olham” e polemizam de
posições sociais e ideologias diferentes, tendo em vista seu projeto de fala.
Ele gerencia uma pluralidade de “vozes” que atravessam o pronunciamento tais como, os
discursos relatados, com predominância do discurso direto, das citações e narrativas religiosas
(discurso religioso), dos provérbios (“a voz do povo”) e das narrativas infantis. Essas “vozes”
contribuem para a construção do conteúdo temático do discurso e, sobretudo, para a
argumentação, uma vez que legitimam, reforçam ou refutam os argumentos e auxiliam na
construção das imagens de si e do outro.
O parlamentar, ao enunciar, “concede-se” o direito de fala e “atribui-se” um lugar a seu
interlocutor, para que sua “fala” seja legítima. Por exemplo, ao iniciar o pronunciamento, ele
delegou ao povo o papel social de cidadãos; e aos colegas parlamentares, o papel de
Congressistas, o que atesta sua legitimidade de parlamentar. Vejamos o fragmento:
Segundo pronunciamento – fragmento 01
Exmo. Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sras. Deputadas, cidadão do Brasil que me ouve,
cidadã do Brasil que me ouve” [...]
49
Polifonia.
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Capítulo 04 - Roberto Jefferson: imagens de si e do outro
124
Através dos vocativos “Exmo. Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sras. Deputadas, cidadão do
Brasil, cidadã do Brasil”, o sujeito falante mostra a situação na qual se encontra e a quem ele
se dirige: cidadãos e colegas parlamentares.
É importante observar que a oração adjetiva restritiva “que me ouve” põe em cena outro
interlocutor, a mídia, cuja função é unir a instância política à cidadã. A mídia é porta-voz dos
parlamentares, uma vez que se “responsabiliza” por levar ao cidadão as “palavras” e a
“imagem” dos parlamentares. Ela é legitimada, de antemão, em seu papel de informante, mas,
ao mesmo tempo, busca credibilidade e captação, o que a caracteriza como uma instância
responsável pela espetacularização e a dramatização das cenas políticas. O parlamentar
dialoga, pois, com os cidadãos, a mídia e os colegas parlamentares. Vejamos a figura:
FIGURA 6 - Instâncias de fabricação do pronunciamento durante CPMI dos Correios
Embora ele se dirija a todas essas instâncias, seu alvo principal é o povo:
nem sempre o orador deseja persuadir a quem ele interpela pelo nome.
Muitas vezes, o parlamentar, por exemplo, pode dirigir-se ao presidente,
mas estar procurando persuadir não só aqueles que o ouvem, mas sobretudo
à opinião pública. Ou, ainda, ele pode não ter objetivo persuadir a quem se
encontra à sua frente, como os colegas parlamentares, por exemplo, na
Tribuna, durante os pronunciamentos. O orador pode deixar de lado uma
desses auditórios (PERELMAN; OLBRECHTS-TYTECA, 2000, p. 21).
Ele interpela o cidadão brasileiro, principalmente, através de metonímias acrescidas de
sintagmas adjetivais (orações adjetivas restritivas, apostos e adjuntos adnominais), tendo em
vista torná-lo participante da cena política na qual está inserido, implicando-o, pois, a tomar
Parlamentar
Membros da
Câmara dos
Deputados
Mídia
Cidadão
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Capítulo 04 - Roberto Jefferson: imagens de si e do outro
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um posicionamento: “pessoas do Brasil”; “cidadão/cidadã do Brasil que me ouve”; “cidadãos
brasileiros que me assistem”; “povo da minha terra”; “Brasil/povo que me ouve”. Vejamos o
fragmento:
Segundo pronunciamento – fragmento 04
Ouvi pacientemente o Relator do Conselho de Ética. O relatório funda-se em 5 pontos.
Primeiro, não comprovou o mensalão. O povo do Brasil que julgue, em especial o povo
da Bahia, o relatório daquele moço que diz que o mensalão não é comprovado. Veja se o
relatório dele condiz com o sentimento do povo do Brasil, da mídia nacional, do que está
dito hoje aqui no Congresso.
O parlamentar mostra plena consciência de que se dirige a um auditório vasto e heterogêneo,
difícil de ser caracterizado, por isso o uso de sintagmas nominais genéricos como “povo”
(metonímia). Na perspectiva de Reboul (1998, p. 121), o poder argumentativo de uma
metonímia é o da denominação que reside no fato de ela ressaltar o aspecto da coisa que
interessa ao locutor. Os sintagmas nominais “cidadão e “povo” (este acrescido do sintagma
adjetival “da minha terra”) são metonímias extremamente valorizadas em regimes
democráticos que viveram períodos de ditadura, uma vez que remetem às questões relativas à
nação que:
“é um grupo de indivíduos que se sentem unidos pela origem comum, pelos
interesses comuns e, principalmente, por ideais e aspirações comuns. [...]. É
uma entidade moral no sentido rigoroso da palavra. Nação [...] é uma
comunidade de consciências, unidas por um sentimento complexo,
indefinível e poderosíssimo: o patriotismo”
(AZAMBUJA, 2005, p. 31).
Conforme podemos ver no fragmento a seguir, as orações adjetivas restritivas, além de
colocarem em evidência o fato de ser um povo que participa das questões políticas (não é um
povo qualquer, mas um povo participante), mostram que o locutor tem consciência de que o
povo o ouve e lhe assiste, o que, por si só, implica dramatização e espetacularização do
discurso. Vejamos:
Primeiro pronunciamento – fragmento 05
Sem cargos no Governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso no seu segundo
momento. Agora, temos esses. E digo ante V.Exas. e as pessoas do Brasil que nos
assistem pela TV Câmara e nos ouvem pela Rádio Câmara que todos os cargos estão à
disposição do Governo. Acabei de listá-los.
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Capítulo 04 - Roberto Jefferson: imagens de si e do outro
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O parlamentar usa um vocabulário bem próximo do povo como, por exemplo, “rabo entre as
pernas” (expressão muito usada); “Isso vai dar zebra”; “uma bomba debaixo da sua cadeira”;
“deu uma canetada”. Além disso, ele agencia frases feitas (máximas), provérbios, citações
religiosas, narrativas religiosas e infantis (o conto “A roupa nova do imperador”
50
, por
exemplo) o que mostra sua preocupação em trazer para o discurso o que é do cotidiano do
povo, procurando, portanto, uma aproximação maior com esse interlocutor.
Em relação aos Congressistas, o parlamentar os intitula como representantes do povo e se
dirige a eles por meio dos devidos pronomes de tratamento, conforme as hierarquias: “Senhor
Presidente”, “Senhor relator”, “V. Exas”, “Senhores deputados”. Geralmente, usa sintagmas
nominais que especificavam a filiação a um grupo ou mesmo a um partido.
5.1.1.2. A finalidade do contrato
Segundo Bourdieu (2005, p. 185), em política “dizer é fazer”, quer dizer, “fazer crerque se
pode fazer o que se diz e, em particular, dar a conhecer e fazer reconhecer os princípios de
divisão do mundo social, as palavras de ordem que produzem a sua própria verificação ao
produzirem grupos e, deste modo, uma ordem social.
Os pronunciamentos analisados diferem um pouco daqueles que ocorrem no dia a dia no
Plenário, uma vez que o objetivo principal do parlamentar é se defender de acusações de
corrupção, atribuídas a ele, na e pela mídia.
No primeiro pronunciamento, o objetivo do parlamentar foi fazer com que o interlocutor
acreditasse em seu discurso de justificação (não estava envolvido na corrupção nos Correios,
mal conhecia Mauricio Marinho, aliás nem sabia que tal corrupção existia). Nesse sentido,
ele buscou se construir como um político honesto e sério, imagens que acreditava poder
sensibilizar o outro.
Já no segundo pronunciamento, o parlamentar buscou reafirmar a “verdade” revelada ao
longo dos depoimentos: i) o esquema do “Mensalão era real; ii) o PT era o principal
50
Hans Christian Andersen (1837).
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Capítulo 04 - Roberto Jefferson: imagens de si e do outro
127
responsável por ele; iii) o financiamento das campanhas eleitorais no Brasil é ilegal. Nesse
sentido, ele tentou reafirmar o ethos de herói e profeta, o anti-ethos de seus “inimigos” e o
pró-ethos de seus “amigos”, construídos ao longo do evento. É importante lembrar que, em
oposição ao ethos, a imagem do antagonista, denominada de anti-ethos. À medida que o
parlamentar se colocava como herói e profeta, político honesto e sério, inseria o seu
adversário na posição inversa à sua, de modo que, ao atribuir uma qualidade a si mesmo,
imputava o oposto ao seu adversário. Além disso, ele buscava qualificar seus “amigos” (pró-
ethos).
Ao longo dos dois pronunciamentos, o parlamentar tentou fazer com que o interlocutor se
identificasse com as imagens que foi projetando na cena como, por exemplo, a de político
honesto e sério (no primeiro pronunciamento) e a de denunciante (herói e profeta).
5.1.1.3. O conteúdo temático do contrato
O que motivou a instauração da Comissão foram as denúncias de corrupção nos Correios
conforme dissemos. Assim, o assunto discutido, inicialmente, refere-se a esse tema. No
entanto, à medida que o principal suspeito foi depondo, novos fatores foram surgindo, dando,
portanto, origem a novas temáticas como, por exemplo, a compra de votos de parlamentares
(esquema do “Mensalão”) e o financiamento ilegal de campanhas eleitorais.
5.1.2. O depoimento: considerações gerais
“A verdade é sempre o argumento mais forte”.
Sófocles
Os depoimentos dados por Roberto Jefferson à CPMI dos Correios apresentam a característica
básica dos depoimentos do campo jurídico: “ou são acusações ou defesas sobre coisas feitas
no passado e visam mostrar a justiça ou injustiça do que foi feito” (ARISTÓTELES, 2005, p.
38). Além disso, o tempo verbal predominante nos referidos depoimentos é o pretérito: “o
tempo para que o julga é o passado, pois é sempre sobre atos acontecidos que um acusa e
outro defende” (ARISTÓTELES, 2005, p. 104).
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Capítulo 04 - Roberto Jefferson: imagens de si e do outro
128
O inquérito, segundo Foucault (1979), é uma forma de poder-saber:
o inquérito não é absolutamente um conteúdo, mas a forma de saber. Forma
de saber situada na junção de um tipo de poder e de certo número de
conteúdos de conhecimentos. Aqueles que querem estabelecer uma relação
entre o que é conhecido e as formas políticas, sociais ou econômicas que
servem de contexto a esse conhecimento costumam estabelecer essa relação
por intermédio da consciência ou do sujeito de conhecimento. Parece-me
que a verdadeira junção entre processos econômico-políticos e conflitos de
saber poderá ser encontrada nessas formas que são ao mesmo tempo
modalidades de exercício de poder e modalidades de aquisição e
transmissão do saber. O inquérito é precisamente uma forma política, uma
forma de gestão, de exercício do poder que, por meio da instituição
judiciária, veio a ser uma maneira, na cultura ocidental, de autenticar a
verdade, de adquirir coisas que vão ser consideradas como verdadeiras e de
transmiti-las. O inquérito é uma forma de poder-saber (FOUCAULT, 1979,
p. 77-8).
Esta questão é bastante interessante nos depoimentos dados por Roberto Jefferson à CPMI
dos Correios. Para alguns membros da CPMI dos Correios (talvez para a maioria), esse poder-
saber era parcial (ou mesmo nem existisse), uma vez que havia suspeitas de que eles se
estavam envolvidos no escândalo do “Mensalão”, o que fez com que restringissem o inquérito
a determinadas perguntas que pareciam “fugir” ao seu objetivo. O depoente declarou várias
vezes durante o evento o envolvimento de vários membros da Comissão tanto no escândalo
do “Mensalão” como em outros atos escusos como no financiamento ilegal das campanhas
eleitorais. Assim, o depoente mostrava ter um saber que lhe permitia dado poder sobre os
membros da Comissão. Vejamos o fragmento:
Segundo depoimento - fragmento 06
E cuidado para V. Exa. não ficar de rabo preso nela, hein? [...]. Muita gente da sua patota
vai ficar de rabo agarrado aqui (Roberto Jefferson se dirigindo ao deputado Mauricio
Rands (PT-RJ), durante depoimento à CPMI dos Correios realizado no dia 30/06/2005).
Conforme podemos observar, ocorre uma inversão de papéis. O depoente (acusado) se (e
se mostra como tal) na condição de poder intimidar quem lhe interroga. O acusado passa a
acusador. No fragmento acima, através de um vocabulário “chulo”, o depoente se dirige a um
membro da Comissão e o intimida.
Os depoimentos dados à CPMI dos Correios foram motivados por denúncias de
irregularidades nos Correios, feitas na e pela mídia. Nesse sentido, consideramos que eles
constituem gêneros discursivos da ordem da denúncia, peculiares ao domínio discursivo
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Capítulo 04 - Roberto Jefferson: imagens de si e do outro
129
jurídico, que “migraram” para a instância parlamentar, ou seja, para um espaço estrutural
político, onde sofreram algumas modificações.
O primeiro depoimento se deu na Comissão de Ética
51
no dia 14/06/2005, instaurado na Casa
a pedido do Partido Liberal (PL), uma vez que Roberto Jefferson afirmou em entrevista dada
ao Jornal Folha de São Paulo que o referido partido, além do PP, recebia Mensalão do PT.
Assim, o presidente do PL, Valdemar Costa Neto, fez a representação, alegando que Roberto
Jefferson havia cometido crime de falta de ética.
É prudente salientar que a condição do depoente era de investigado (acusado, portanto,
representado) e não de testemunha. A diferença é simples. O investigado possui maior
liberdade para mentir, uma vez que a legislação penal prevê que ninguém é obrigado a
produzir provas contra si mesmo. Já a testemunha, se não contar a verdade e isso for
comprovado, pode receber voz de prisão por falso testemunho.
Nos depoimentos predominaram os atos alocutivos, o que põe em cena quem controlava o
jogo: o depoente se manifestou no discurso, predominantemente, através da primeira pessoa
do singular, interpelando o interlocutor. Em alguns momentos, ocorreu a mudança da forma
pronominal “eu” para “nós”, na tentativa de mostrar solidariedade tanto com parlamentares de
seu partido, tendo em vista angariar adeptos, quanto com todos os parlamentares brasileiros,
no sentido de mostrar os deveres dos políticos com o povo.
Quanto à estrutura formal, o gênero se assemelha àlguns gêneros conversacionais como a
conversação e a entrevista, por exemplo, uma vez se constitui do par pergunta/resposta.
tomadas de turno, mas, em geral, cada interactante se mantém em seu devido “tempo/espaço”,
o que caracteriza uma restrição desse tipo de contrato. Os depoimentos analisados apresentam
quatro seqüências, sendo que algumas se subdividem:
51
Conforme consta no Portal da Câmara, o Conselho de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara dos Deputados é
o órgão encarregado do procedimento disciplinar destinado à aplicação de penalidades, nos casos de
descumprimento das normas relativas ao decoro parlamentar. Os trabalhos do Conselho de Ética e Decoro
Parlamentar são regidos por um Regulamento próprio, que dispõe sobre os procedimentos a serem observados no
processo disciplinar parlamentar, de acordo com o disposto no Código de Ética e Decoro Parlamentar e no
Regimento Interno da mara dos Deputados. O Conselho atuará mediante provocação da Mesa da Câmara dos
Deputados, nos casos de instauração de processo disciplinar, e das Comissões e dos Deputados, nos demais
casos. Cabe ao Conselho, entre outras atribuições, zelar pela observância dos preceitos éticos, cuidando da
preservação da dignidade parlamentar, e responder às consultas da Mesa, de Comissões e de Deputados sobre
matéria de sua competência.
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Capítulo 04 - Roberto Jefferson: imagens de si e do outro
130
i) abertura: o Presidente da Comissão, um parlamentar, travestido de juiz,
autoridade máxima durante o evento, declara aberta a sessão e a palavra,
inicialmente, ao depoente. O juiz é o responsável por determinar o início do
momento de fala não do depoente quanto dos inquiridores, sendo que
agradece a esses ao final de cada turno, com atos de fala específicos;
ii) apresentação: o depoente expõe os fatos, tecendo, inicialmente, uma breve
apresentação de sua trajetória pessoal e profissional. Essa seqüência é
semelhante a um pronunciamento e subdivide-se em três partes: a) saudação: o
depoente saúda os interlocutores, deixando transparecer sua condição de
parlamentar, tendo em vista a maneira como se dirige aos interlocutores; b)
exposição: o depoente expõe os fatos; c) agradecimento: o depoente agradece
aos interlocutores;
iii) inquérito: o juiz a palavra ao primeiro inquiridor, o relator da sessão, e,
sucessivamente, aos demais inquiridores. Assim, essa seqüência se caracteriza
pelas inquirições feitas pelos parlamentares, travestidos de advogados, ao
depoente;
iv) encerramento: o juiz fecha o inquérito, agradecendo a todos.
É importante salientar que ocorreram assaltos de turno em todas as fases do depoimento,
exceto na “apresentação”, principalmente quando o depoente acusou ou tentou intimidar os
parlamentares. Mas, o presidente interveio, tentando restabelecer a ordem no recinto.
As fases apresentam peculiaridades de cada uma das modalidades da língua. Conforme
dissemos, a fase “apresentação” se assemelha a um pronunciamento, no sentido de que o
discurso flui ininterruptamente, com poucas características próprias da oralidade. O texto
parece ter sido escrito e depois lido, perante os interlocutores. a fase “inquérito”, que, a
nosso ver, realmente caracteriza o depoimento, apresenta muitas marcas de oralidade como,
por exemplo, as hipercorreções, as digressões, as repetições. Os interlocutores encontram-se
face a face, e o discurso é marcado pelo par pergunta/resposta.
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Capítulo 04 - Roberto Jefferson: imagens de si e do outro
131
5.1.2.1. As instâncias de produção
A CPMI dos Correios põe em cena duas instâncias de produção - a do depoente e a dos
membros da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito. Essas instâncias se constituem de
parlamentares travestidos de juízes, advogados (de defesa e acusação) e réu.
O depoente “diz” a partir dos lugares sociais que ocupa (parlamentar, presidente do Partido
Trabalhista Brasileiro, advogado, cidadão honrado e ser humano “comum”), embora afirme
“falar” apenas como cidadão honrado e ser humano “comum”. Vejamos os fragmentos:
Segundo depoimento – fragmento 07
Hoje, aqui, o meu papel também não é de político, mas também não é de advogado,
porque advogado em causa própria é péssimo e eu não saberia fazer esse exercício [...]
Mas eu também não sou o político Roberto Jefferson [...].
Segundo depoimento – fragmento 08
Enfrento uma luta aqui como cidadão, como homem, como chefe de família, como
pai, como avô, que sai daqui do Congresso Nacional da maneira que entrou: pela
porta da frente. Ninguém vai me botar de joelhos e de rabo entre as pernas. Ninguém.
Ninguém vai me acanalhar. Ninguém.
Sou um homem, com erros e acertos; defeitos e virtudes. E vou sair daqui de cabeça
erguida. Lendo Mateus eu vi escrito: “Não temais aquele que pode matar o corpo,
temei o que pode matar a sua alma e o seu espírito”. Um homem que não tem honra não
tem alma. O homem desonrado é um zumbi, não tem espírito.
Na realidade, quem “diz”, predominantemente, nos depoimentos, é um parlamentar que
denuncia o financiamento ilegal de campanhas eleitorais e o esquema do “Mensalão”,
buscando se construir na cena como político honesto, herói, profeta. Discutiremos estas
questões na seção intitulada “O dispositivo enunciativo: os jogos do locutor”. Vejamos os
fragmentos:
Primeiro depoimento – fragmento 09
Explico a V.Exa. Não partido nenhum aqui que faça diferente, nem o de V.Exa.
Nenhum partido aqui, recebe ajuda na eleição que não seja assim; nenhum. Eu tenho
a coragem de dizer de público aqui: Eu não aluguei o meu partido, não fiz dele um
exército mercenário nem transformei os meus colegas de bancada em homens de
aluguel, mas eu sei de onde vêm os recursos das eleições e todos sabem. Aqui, todos
sabem de onde vêm. que nós temos a hipocrisia de não confessar ao Brasil. Eu estou
assumindo isso, aqui. E faço como pessoa física, faço como Roberto Jefferson. Os
dinheiros vêm dos empresários que, a maioria das vezes, mantêm relação com as
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Capítulo 04 - Roberto Jefferson: imagens de si e do outro
132
empresas públicas. É assim e sempre foi. E essas oligarquias antigas, corrompidas,
corrompedoras, acabaram por contaminar até a bandeira que, durante 25 anos, lutou a
favor da ética e da moralidade na coisa pública. Infelizmente, Sr. Presidente. Todo mundo
sabe de onde vem o recurso aqui. Não quem não faça eleição assim. Nós precisamos
é abrir aqui na Comissão de Ética essa ferida para que o Brasil saiba como é.
Primeiro depoimento – fragmento 10
Desde agosto de 2003, é voz corrente em cada canto dessa casa, que o seu Delúbio, com o
conhecimento do seu Zé Genoíno....SIM... tendo como pombo-correio o seu Marcos
Valério, que é um carequinha que é publicitário lá de Minas Gerais, repassa dinheiro a
partidos que compõem a base de sustentação do governo no negócio chamado
mensalão.
Tendo em vista a condição de acusado do depoente, era esperado que ele somente respondesse
às perguntas feitas pelos inquiridores (aliados ou adversários). No entanto, isso não acontece.
Ele assalta o turno diversas vezes para debochar dos inquiridores, interpelá-los, intimidá-los,
mostrando-se ter poder para tais atitudes, além de se atribuir o papel de advogado tanto de
defesa quanto de acusação (segundo ele era um advogado competente). Conforme
dissemos, ocorre uma inversão de papéis: o acusado passa a acusar os membros da Comissão.
A Comissão é constituída pelo presidente, pelo relator e pelos inquiridores (parlamentares
aliados e adversários). O presidente possui a função de abrir o inquérito e conduzi-lo, de
forma organizada e coerente, intervindo sempre que necessário no discurso do depoente e dos
inquiridores. Ele é quem organiza os turnos de fala, ou seja, determina o momento de fala de
cada um dos interactantes.
O relator, por sua vez, tem a função de elaborar o relatório e as conclusões das CPIs. Durante
o inquérito, ele também interroga o depoente, sendo, pois, uma figura importante no inquérito.
Já aos inquiridores, cabe a função de interrogar o acusado.
Apesar de o presidente estar investido da autoridade máxima, ele tem o turno assaltado pelos
demais interactantes que, aparentemente, se consideram na condição de poder dar sugestões
quanto ao andamento do depoimento. Além disso, ele se dirige ao depoente como se esse
estivesse na condição de parlamentar e não de depoente. Parece-nos que os membros da
Comissão e o depoente vão perdendo a condição de juízes, advogados e depoente,
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Capítulo 04 - Roberto Jefferson: imagens de si e do outro
13
3
respectivamente, ao longo do depoimento, e se manifestando, cada vez mais, com a identidade
de parlamentares.
Uma vez que ocorre uma inversão de papéis, o inquérito se torna palco de troca de insultos,
acusações, ironias, o que, a nosso ver, tira a credibilidade da CPMI dos Correios. É
importante ressaltar que, na realidade, as denúncias de corrupção resultaram de um confronto
político - subornados foram à mídia apresentando-se como “vítimas” à opinião pública com o
objetivo de atacar o PT, reforçar a oposição e impedir a reeleição de Lula.
Mas a quem se “diz” nos depoimentos?
5.1.2.2. As instâncias de recepção
Embora os inquiridores e o depoente estejam face a face, desejam persuadir o povo brasileiro,
a quem o depoimento chega através da mídia. A mídia, conforme dissemos, exerce o papel
de porta-voz das instâncias de produção: ela é o elo entre o depoente, os membros da
Comissão e o povo. Através dela, o povo toma conhecimento dos fatos e é levado, de certa
forma, a adotar determinadas atitudes, tendo em vista que ela não informa, mas também
manipula a opinião pública. Assim, a mídia seleciona, conforme seus objetivos, aquilo que
acredita ser melhor a seus propósitos, buscando ter credibilidade e seduzir o povo.
Ao povo é delegada a condição de cidadão brasileiro, o que implica portar determinado poder
de saber sobre os fatos e de cobrar providências/respostas aos parlamentares (acredita-se que
em uma democracia o povo possui poder). Nesse sentido, as instâncias de produção
estabelecem buscam angariar a simpatia e a confiança do povo, manifestando-se na cena com
imagens que acreditam poder sensibilizá-lo, levando-o a aderir a seus discursos. Vejamos o
fragmento a seguir:
Segundo depoimento – fragmento 11
Sr. Presidente, Srs. Senadores, Srªs Senadoras, Srs. Deputados, Srªs Deputadas,
cidadão do Brasil que me ouve, cidadã do Brasil que me ouve, inicialmente, peço
licença para dizer a V. Exªs que, apesar de estarmos num teatro de lutas, num teatro de
idéias, num teatro político, não vim aqui desempenhar nenhum papel de artista
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Capítulo 04 - Roberto Jefferson: imagens de si e do outro
134
No fragmento, através dos vocativos “Sr. Presidente, Srs. Senadores, Sr
a
s Senadores, Srs.
Deputados, Sr
a
s Deputadas, cidadão do Brasil que me ouve, cidadã do Brasil que me ouve”, o
depoente ilustra quem “diz” nos depoimentos e a quem ele “diz”: colegas parlamentares, povo
e mídia (a oração adjetiva restritiva “que me ouve” põe em cena que o depoente fala também
para a mídia).
A figura 07 a seguir ilustra as instâncias de produção e de recepção:
FIGURA 7 - Instâncias de fabricação do depoimento durante CPMI dos Correios
5.1.2.3. A finalidade do contrato
Ao contrário do discurso político eleitoral, em que o político está em busca da legitimidade,
nos depoimentos, o objetivo principal do depoente é construir um discurso coerente e crível e
ao mesmo tempo identificatório para ser inocentado e se manter no poder. Nesse sentido, o
depoente negou as acusações e tentou explicar os fatos (discurso de justificação),
manifestando-se na cena com imagens que acreditava poderem sensibilizar o povo para que
esse aderisse a seu discurso.
A Comissão, por sua vez, tinha por finalidade esclarecer os fatos à população, inquirindo o
depoente adequadamente. Assim como o depoente, ela também buscou construir imagens com
as quais o povo pudesse se identificar.
Depoente
Membros da
CPMI
Mídia
Cidadão
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Capítulo 04 - Roberto Jefferson: imagens de si e do outro
135
5.1.2.4. O domínio temático do contrato
Nos depoimentos, o assunto discutido foi o mesmo dos pronunciamentos: denúncias de
corrupção nos Correios, de compra de votos (“Mensalão”) e do financiamento ilegal de
campanhas eleitorais.
A seguir identificaremos e analisaremos as estruturas sintáticas (combinação hipotática e
paratática
52
) e lexicais mais agenciadas pelo sujeito falante durante o evento da CPMI dos
Correios.
5.2. As escolhas lingüísticas do sujeito falante: um passeio pelo bosque das palavras e
da sintaxe
“Uma boa frase cria a sua verdade. É por isso que
os políticos escolhem meticulosamente os seus
slogans para criarem a deles”.
Vergílio Ferreira
Conforme dissemos, nesta seção identificamos e analisamos as escolhas lingüísticas sintáticas
(combinação hipotática e paratática) e lexicais mais agenciadas pelo sujeito falante durante o
evento da CPMI dos Correios, tendo em vista verificar a função dessas estruturas no discurso.
No quesito sintaxe, em um primeiro momento, assumimos um posicionamento a respeito da
oração (coordenada ou subordinada) e ressaltamos sua função no discurso da CPMI dos
Correios. Posteriormente, analisamos um fragmento do corpus.
no que diz respeito à escolha lexical, a princípio, verificamos as figuras retóricas
53
mais
agenciados pelo sujeito falante. Depois, analisamos os campos lexicais predominantes no
discurso.
É importante salientar que, ao verificar o vínculo entre recurso lingüístico e efeito discursivo,
nos interessou não a escolha da estrutura como também seu posicionamento (a ordem) no
discurso da CPMI dos Correios. Por exemplo, quanto à seleção das estruturas sintáticas,
52
Orações coordenadas e subordinadas respectivamente.
53
Uso da língua que se distancia mais ou menos da expressão simples e comum (FONTANIER, 1968).
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Capítulo 04 - Roberto Jefferson: imagens de si e do outro
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observamos se o sujeito falante usou mais estruturas na ordem direta
54
ou não e, ao optar por
uma ou outra posição, qual foi o efeito pretendido.
Nesta análise, interessou-nos a seleção lexical e sintática enquanto processo ou trabalho
seletivo, e o produto desse processo - o item lexical e sintático selecionado - é pertinente
visto nas condições de produção do discurso e não como um dado desvinculado do percurso
enunciativo. Nesse sentido, a seleção lexical e sintática foi compreendida na perspectiva dos
estudos sobre “os mecanismos de produção, os processos pelos quais, nas circunstâncias
temporais e espaciais determinadas, a língua é posta em funcionamento” (GRESILLON;
LEBRAVE, 1987, p.130).
5.2.1. Estruturas sintáticas hipotáticas e paratáticas
Observamos que o sujeito falante selecionou, predominantemente, as orações “contrastivas”
(adversativas e concessivas), as intercaladas/interferentes, as conclusivas, as comparativas, as
causais, as explicativas, as adjetivas, as conformativas, as modais, as condicionais e as
aditivas, as quais foram de fundamental importância na constituição das imagens de si e do
outro (dimensão representacional) e na patemização (dimensão emotiva); mas, sobretudo, na
dimensão representacional, o que corrobora nossa hipótese de que predomina essa dimensão
no corpus da pesquisa.
Além disso, verificamos que o sujeito falante agenciou um período misto, composto por duas
orações condicionais, uma oração intercalada e uma oração adjetiva restritiva, usado com o
valor de uma comparativa.
Conforme dissemos, é importante ressaltar que não se trata apenas da seleção da estrutura
sintática, mas também da escolha da posição dessa estrutura no discurso, tendo em vista seu
possível efeito discursivo. Consideramos tanto a combinação hipotática quanto a paratática.
Vejamos algumas estruturas sintáticas recorrentes e seus possíveis efeitos discursivos.
54
Regularidades de construção frasal de toda língua. Na Língua Portuguesa, a estrutura regular, canônica, é
representada por sujeito, verbo e complementos (ALMEIDA, 1997).
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Capítulo 04 - Roberto Jefferson: imagens de si e do outro
137
5.2.1.1. Orações “contrastivas”: subordinadas concessivas
Segundo Neves (2000), as orações concessivas são também conhecidas, juntamente com as
adversativas, como estruturas contrastivas, que possuem por finalidade a quebra de
expectativa, um sentido que se origina não apenas do conteúdo do que está sendo dito, mas,
também, do processo comunicativo e da relação sujeito falante-sujeito interpretante.
Além disso, a autora argumenta que é possível também pensar em uma relação das
concessivas com as causais ou condicionais, uma vez que todas expressam, de certa maneira,
uma conexão “causal” compreendida em um sentido amplo. Por outro lado, as concessivas
também expressam uma conexão condicional, uma vez que são explicáveis em dependência
de satisfação (ou não-satisfação) de necessidade ou de suficiência de determinadas condições.
Neves salienta que:
uma das definições mais aceitas para a construção concessiva é a que diz
que nela se combinam uma oração principal e uma oração concessiva (ou
sintagma concessivo) que expressa um fato (ou noção), apesar do qual a
proposição principal se mantém. Isso equivale a dizer que, numa construção
concessiva, o fato (ou a noção) expresso na oração principal é asseverado,
a despeito da proposição contida na oração concessiva (NEVES, 2000, p.
865, grifo da autora).
Nesse sentido, no aspecto lógico, conforme a autora, pode-se dizer que, apesar de o fato (ou o
evento) da oração concessiva constituir uma condição suficiente para a não-realização do fato
(ou evento) expresso na oração principal, o dito na oração principal se realiza. Então, pode-se
dizer que a afirmação do que está na oração principal independe do que quer que esteja na
oração concessiva.
Segundo a pesquisadora, três grandes grupos de construções ligadas a uma oração
concessiva. No primeiro, concessivas factuais/reais, tanto o conteúdo da oração principal
quanto da concessiva devem ser verdadeiros para que a asserção global seja também
verdadeira. Assim, a enunciação de uma factual implica a realização dos conteúdos contidos
nas duas orações constitutivas do período. no segundo, concessivas contrafactuais/irreais,
tanto o conteúdo da principal quanto da concessiva devem ser não-verdadeiros para que a
asserção global seja também não-verdadeira, o que significa que a enunciação de uma
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Capítulo 04 - Roberto Jefferson: imagens de si e do outro
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contrafactual implicitaria a não-realização dos conteúdos tanto da principal quanto da
concessiva. Por fim, na terceira, concessivas eventuais, o conteúdo proposicional da oração
principal deve ser verdadeiro, mas o da concessiva pode ser verdadeiro ou falso. Isso significa
que existe uma incerteza epistêmica sobre a eventual ocorrência do conteúdo proposicional da
concessiva.
As três construções possuem em comum o fato de que em todas se instaura uma relação de
contraste entre o tipo de evento representado pela proposição concessiva e o representado pela
proposição principal. A autora ressalta ainda que:
pode-se dizer, pois, que as conexões contrastivas, entre as quais se
incluem as concessivas, se caracterizam por abrigarem eventos cujo curso e
cujas propriedades contrariam as expectativas acerca daquilo que é normal
em um mundo qualquer. Deve-se observar, entretanto, que não se trata,
realmente, de relações lógicas, resolvidas simplesmente em termos de
expectativas ditadas pelo que se passa em um determinado mundo. A
construção concessiva, como todos os enunciados, não pode ser
equacionada sem que interfira a relação falante-ouvinte, e sem que se
evoquem noções que envolvem conhecimento partilhado, argumentação
(plausível ou não), objetivação (admissível ou não) (NEVES, 2000, p. 871-
2, grifo da autora).
As relações expressas nas construções concessivas variam conforme o nível em que se
estabelecem. Por exemplo, em algumas estruturas, fica mais evidente uma relação entre
conteúdos, ou seja, uma relação entre os estados de coisas expressos nas duas orações. Em
outras construções, a relação concessiva é apresentada como passando pelo julgamento do
falante. Trata-se, portanto, de uma relação entre proposições e não entre simples estado de
coisas. Em um terceiro tipo de construções, o falante relaciona atos de fala. As orações
concessivas, como construções contrastivas, são essencialmente argumentativas:
vistas do ponto de vista pragmático, as construções concessivas indicam
que o falante pressupõe uma objeção à sua asserção, mas que a objeção é
por ele refutada, prevalecendo a sua asserção. O que está implicado, aí, é
que, nas construções concessivas como nas condicionais existe uma
hipótese, que, no caso das concessivas, é a hipótese de objeção por parte do
interlocutor (NEVES, 2000, p. 874, grifo da autora).
Nessa perspectiva, o sujeito falante registra na oração concessiva uma objeção que ele
pressupõe que o sujeito interpretante tenha e deixa prevalecer, no entanto, a idéia expressa na
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Capítulo 04 - Roberto Jefferson: imagens de si e do outro
139
oração principal. Em outras palavras, o mecanismo argumentativo das construções
concessivas consiste, em geral, na existência de dois argumentos que conduzem a conclusões
implícitas contrárias: a oração concessiva argumenta a favor de uma dada conclusão, e a
oração principal argumenta a favor de outra determinada conclusão.
É importante salientar que a ordem das estruturas concessivas obedece a propósitos
comunicativos, sendo mais freqüente, na Língua Portuguesa, a posposição da concessiva
55
.
Segundo Neves, quando as concessivas são antepostas, carregam informação mais conhecida
do sujeito interpretante, ocupando uma posição mais tópica.
No corpus da pesquisa, observamos que o sujeito falante usou, predominantemente, as
construções concessivas factuais antepostas, com o objetivo de registrar uma contestação que
pressupunha ser de seu adversário (“a política não é lugar de encenação”); reafirmar imagens
que pressupunha ser representações sociodiscursivas do povo (“a política é lugar de
encenação”); negar imagens de si mesmo postas em cena pelos adversários e pela doxa
(“estava encenando”)
56
e, conseqüentemente, construir novas imagens que acreditava serem
importantes à argumentação (“falava a verdade”), desqualificando os oponentes, conforme
podemos ver a seguir:
Segundo depoimento – fragmento 11
Sr. Presidente, Srs. Senadores, Srªs Senadoras, Srs. Deputados, Srªs Deputadas, cidadão do
Brasil que me ouve, cidadã do Brasil que me ouve, inicialmente, peço licença para dizer a
V. Exªs que, apesar de estarmos num teatro de lutas, num teatro de idéias, num
teatro político, não vim aqui desempenhar nenhum papel de artista.
Podemos observar no fragmento acima que o sujeito falante estava, na realidade, refutando o
ato de fala assertivo (tese) proferido pelos adversários e pela mídia em geral após depoimento
na Comissão de Ética na Câmara dos Deputados
57
: “Roberto Jefferson está encenando (papel
de artista)”. Assim, através da oração subordinada concessiva “apesar de estarmos num teatro
de lutas, num teatro de idéias, num teatro político”, ele pôs em cena um enunciador que
assumiu o posicionamento de que “a política é um teatro e de que todos nesse campo
desempenham papéis, inclusive ele”.
55
Cf. Gramáticas Normativas.
56
Esta imagem foi “posta” em cena pelos adversários após as denúncias de Roberto Jefferson sobre o esquema
do “Mensalão” à jornalista Renata Lo Prete, da Folha de São Paulo.
57
Essa análise só foi possível tendo em vista o cotexto e o contexto.
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Capítulo 04 - Roberto Jefferson: imagens de si e do outro
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No entanto, na oração principal “não vim aqui desempenhar nenhum papel de artista”, ele
refutou a tese de que durante a CPMI dos Correios estivesse encenando. Ou seja, a construção
concessiva foi mobilizada com a finalidade de desconstruir a imagem de que ele, Roberto
Jefferson, estivesse encenando naquele momento, e de se posicionar com novo ethos (a de
indivíduo que falava a verdade).
O enunciador posto em cena pelo sujeito falante não afirmou que a política é um espaço de
encenação, como também fez questão de enfatizar essa assertiva repetindo a palavra “teatro” -
usada três vezes no fragmento - e pela própria seleção lexical que remete ao campo lexical da
encenação: “teatro”, “papel”, “artista”.
Ainda quanto a esse aspecto, é importante observar que o sujeito agenciou a oração
concessiva anteposta, tendo em vista enfatizar a representação sociodiscursiva, bastante forte
no brasileiro, de que tudo na política não passa de encenação. Nessa perspectiva, o enunciado
“não vim aqui desempenhar nenhum papel de artista” é um ato de fala polifônico, uma
modalidade de julgamento, uma vez que marca a atitude do sujeito falante em relação ao que
foi dito por alguns parlamentares e pela mídia durante primeiro depoimento do sujeito falante
à CPMI dos Correios.
O então deputado tentou falsear o discurso do outro, desqualificando-o, e impor seu discurso
como verdadeiro. Assim, procurou se construir de forma “positiva”, como um político sério,
por exemplo, e desqualificar o oponente. Em outras palavras, o sujeito falante buscou durante
o jogo argumentativo polifônico vencer o adversário e impor seus argumentos, traçando uma
imagem “negativa” de alguns colegas parlamentares (anti-ethos) e, conseqüentemente, uma
boa imagem de si mesmo (ethos).
Várias outras estruturas concessivas factuais antepostas foram selecionadas pelo sujeito
falante para dar credibilidade ao discurso, ou seja, para sustentar seu posicionamento de que
estava dizendo a verdade como, por exemplo: “E, Sr. Presidente, apesar de fazer referências a
mim, não tenho nenhum problema, nenhuma preocupação, nenhum medo de entregar a V.
Exa., simbolicamente, essas fitas, que faço questão de distribuir depois para todos os Líderes
(Primeiro pronunciamento)”.
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Capítulo 04 - Roberto Jefferson: imagens de si e do outro
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5.2.1.2. Orações coordenadas aditivas
Ao tratar das coordenadas aditivas, geralmente os autores como, por exemplo, Neves (2000),
destacam a conjunção “e”, que evidencia exterioridade entre os dois segmentos coordenados e
acrescenta um segundo segmento a um primeiro, recursivamente, seja qual for a direção
relativa desses segmentos, determinada pelas variações contextuais. Segundo Neves (2000), o
“e” pode marcar tanto uma relação de adição entre os segmentos coordenados, o que implica
que esse coordenador possui um caráter mais neutro do que os outros quanto uma relação
semântica de contraste ou, ainda, de causa/conseqüência.
Para a autora, no que diz respeito à argumentação, ocorre uma adição de argumentos para
reiterar ou inverter a direção argumentativa. No primeiro caso, o segundo enunciado
coordenado reitera a direção argumentativa, indo em um mesmo sentido. no segundo, o
enunciado encabeçado pela conjunção inverte a direção argumentativa.
A Língua Portuguesa dispõe de estruturas correlativas para coordenar orações, conhecidas
como séries aditivas enfáticas, que são usadas para dar destaque ao conteúdo da segunda
oração, como é o caso da estrutura iniciada pela conjunção “mas também”, agenciada pelo
sujeito falante durante o evento. Vejamos:
Segundo depoimento – fragmento 08
Hoje, aqui, o meu papel também não é de político, mas também não é de advogado,
porque advogado em causa própria é péssimo e eu não saberia fazer esse exercício. Tem
aqui os dois advogados ao meu lado, o Dr. Luiz Francisco Barbosa e o Dr. Itapuã Prestes
de Messias, que farão isso por mim. Mas eu também não sou o político Roberto
Jefferson. E não sou o político porque não vim aqui pedir aos senhores que me absolvam.
Não vim aqui mendigar em favor do meu mandato. passei dele. Não vim aqui perorar
pelo Deputado. Absolutamente. Absolutamente!
Conforme podemos ver no fragmento acima, o sujeito falante continuou negando estar
exercendo papéis, mais precisamente os de político e de advogado. É importante ressaltar que
o sujeito refutou estar exercendo papéis pressupostos pela mídia, pela doxa e pelos
adversários. Ele desejava “despir-se” desses papéis sociais e assumir uma nova imagem. A
estrutura acima funcionou, portanto, como um arcabouço para a construção de um novo ethos.
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Capítulo 04 - Roberto Jefferson: imagens de si e do outro
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Através do operador discursivo argumentativo mas também”, ele acrescentou argumentos à
tese, descrita na abertura do depoimento: “não estou exercendo papéis nesta CPMI”. Assim,
nas duas primeiras orações que compõem o período aditivo ele refutou o pressuposto de que
estivesse desempenhando papel de político e de advogado. Nessa perspectiva, os enunciados
“Hoje, aqui, o meu papel também não é de político, mas também não é de advogado”
constituem, também, conforme pode ser visto no fragmento anterior, um ato de fala
polifônico, uma modalidade de julgamento, uma vez que marcam a atitude do sujeito falante
em relação ao que foi dito por alguns parlamentares em seu primeiro depoimento e em relação
ao que ele pressupunha ser a representação de seus interlocutores.
Acreditamos ocorrer neste trecho do fragmento um movimento argumentativo composto de
uma dupla refutação, uma vez que, através da oração “mas também não é de advogado”, ele
pôs em cena um enunciador que também refutava a conclusão esperada pelo enunciado “Hoje,
aqui, o meu papel também não é de político”.
Em um primeiro momento, o sujeito falante, através de um ato refutativo proposicional,
negou a asserção de que exercia papel de advogado por meio de um ato de justificação:
“porque advogado em causa própria é péssimo e eu não saberia fazer esse exercício”. Depois,
através de atos refutativos pressuposicionais
58
, ele tentou intimidar os colegas parlamentares:
esse tipo de negação traz mais prejuízos para a interação, uma vez que é mais ameaçadora
para a face positiva do enunciatário (MOESCHLER, 1982, apud NAGAMINE, 1998, p. 92).
Assim, ele continuou desqualificando os adversários e tentando se construir como um
indivíduo que falava a verdade: uma refutação pressuposicional tem por objetivo atingir mais
o enunciatário que sua enunciação, na medida em que ela o coloca diretamente em causa
(DUCROT, 1972).
O sujeito falante negou as asserções pressupostas a partir do posto no ato de justificação:
“Não vim aqui pedir absolvição”; “Não vim aqui mendigar a favor do mandato”; “Não vim
aqui perorar pelo deputado”. É importante observar que ele repetiu o enunciado “O meu papel
não é de político”, no sentido de dar ênfase à tese inserida no início do depoimento: “Os
políticos encenam, mas eu não estou encenando”.
58
Uma refutação pressuposicional possui por função recusar o conteúdo q expresso no ato de pressuposição
associado à enunciação A” (NAGAMINE, 1998, p.92)
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Capítulo 04 - Roberto Jefferson: imagens de si e do outro
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Além disso, é importante salientar que, através do modalizador epistêmico “Absolutamente!”
- usado duas vezes no fragmento –, ele mostrou total engajamento com o dito, alto grau de
certeza daquilo que foi dito, o que, a nosso ver, conferiu mais força argumentativa ao discurso
no sentido de intimidação.
O que podemos observar até então é que o sujeito falante agenciou a estrutura concessiva para
desconstruir uma imagem de si inserida na trama pelos adversários (a de estar encenando-
artista) e, conseqüentemente, construir outra que acreditava ser-lhe favorável no momento,
estabelecendo a tese “Não estou encenando”. Depois disso, através de orações coordenadas
aditivas, ele foi somando argumentos a favor dessa tese, na tentativa de reforçá-la, conforme
podemos ver a seguir:
QUADRO 2
Tese principal e alguns argumentos do depoente agenciados durante a CPMI dos Correios
Eu não estou encenando/estou falando a verdade (ethos de virtude)
Representações sociodiscursivas Posicionamento do sujeito falante durante
a CPMI
Apesar de os políticos
encenarem/mentirem (teatro político).
Não exerço papel de artista
Não vim pedir que me absolvam nem
mendigar em favor do meu mandato
Não sou o político Roberto Jefferson
Advogado em causa própria é péssimo. Não sou o advogado Roberto Jefferson
5.2.1.3. Orações coordenadas explicativas
As orações explicativas indicam uma justificativa ou uma explicação ao fato expresso na
oração anterior, tendo destaque a estrutura iniciada pela conjunção “porque” (ALMEIDA,
1997).
No material lingüístico analisado, as estruturas explicativas foram agenciadas pelo sujeito
falante principalmente para dar credibilidade e legitimidade ao discurso. Vejamos o
fragmento abaixo:
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Capítulo 04 - Roberto Jefferson: imagens de si e do outro
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Segundo depoimento - fragmento 07
Hoje, aqui, o meu papel também não é de político, mas também não é de advogado,
porque advogado em causa própria é péssimo e eu não saberia fazer esse exercício.
[...] Mas eu também não sou o político Roberto Jefferson. E não sou o político porque
não vim aqui pedir aos senhores que me absolvam. Não vim aqui mendigar em favor
do meu mandato. passei dele. Não vim aqui perorar
pelo Deputado.
Absolutamente. Absolutamente!
Na oração principal, o sujeito falante negou o pressuposto de que exercia o papel de político e
de advogado, tentando estabelecer uma nova imagem para si, ao passo que no enunciado
encadeado pela conjunção “porque” justificou essas negações, tendo em vista angariar
credibilidade e legitimidade ao discurso (no sentido de autenticidade, de verdade).
Segundo Nagamine (1998, p. 117), nesse tipo de enunciado, ao afirmar a relação de
justificativa, o indivíduo mostra total engajamento, uma vez que aparece como sujeito que,
tomado em uma rede de obrigações, estabelece seu direito de falar como ele o fez: “negar a
asserção do interlocutor e justificar sua negação”.
Na perspectiva de Ducrot (1984), uma estrutura do tipo “p porque q” admitiria, em princípio,
no mínimo três enunciadores: i) E1: asserção p; ii) E2: por quê? ; iii) E3: asserção q. No
fragmento acima, conforme atesta Nagamine, quatro enunciadores: i) E1: asserção p; E2:
oposição a p; E3: por quê? (interroga sobre o fato negado por E2); E4: asserção q (responde
ao questionamento de E3). Assim, temos:
E1: Roberto Jefferson está desempenhando papel de político e de advogado
E2: Eu não sou o político Roberto Jefferson e não sou advogado aqui
E3: por quê?
E4: porque advogado em causa própria é péssimo e eu não saberia fazer esse exercício;
porque não vi aqui pedir aos senhores que me absolvam. Não vim aqui mendigar em favor do
meu mandato. Não vim aqui perorar pelo Deputado.
É importante ressaltar que, diferentemente de Nagamine, acreditamos que o conteúdo
proposicional expresso por E1 é aquele que o sujeito falante pressupõe ser de seus
interlocutores. Além disso, o sujeito falante enfatizou a estrutura cujo conteúdo proposicional
diz respeito à sua atuação de político, conforme pode ser visto no fragmento acima.
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Capítulo 04 - Roberto Jefferson: imagens de si e do outro
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5.2.1.4. Orações subordinadas modais
Segundo Kury (1997), as estruturas modais
59
equivalem a um adjunto adverbial de modo,
além de expressarem a maneira, o meio pelo qual se realiza o fato enunciado na oração
principal.
Para Neves (2000), a construção modal expressa por um período composto é constituída de
uma oração nuclear, ou principal, e uma modal. Segundo a autora, não é comum a expressão
da relação modal através de uma oração. Ela se faz especialmente com “sem que” e com
verbo no subjuntivo.
Raramente, usa-se a conjunção “como”, que conserva um matiz conformativo, com o modo
verbal no indicativo, conforme pode ser visto no fragmento a seguir.
No corpus analisado, as orações subordinadas modais foram agenciadas pelo sujeito falante
tendo em vista construir imagens com as quais o povo pudesse se identificar, principalmente a
de cidadão honrado e a de ser humano “comum”. Vejamos o fragmento:
Segundo depoimento – fragmento 08
Enfrento uma luta aqui como cidadão, como homem, como chefe de família, como
pai, como avô, que sai daqui do Congresso Nacional da maneira que entrou: pela
porta da frente. Ninguém vai me botar de joelhos e de rabo entre as pernas. Ninguém.
Ninguém vai me acanalhar. Ninguém.
Sou um homem, com erros e acertos; defeitos e virtudes. E vou sair daqui de cabeça
erguida. Lendo Mateus eu vi escrito: “Não temais aquele que pode matar o corpo,
temei o que pode matar a sua alma e o seu espírito”. Um homem que não tem honra não
tem alma. O homem desonrado é um zumbi, não tem espírito.
Depois de negar os papéis de ator, advogado e político, o sujeito falante afirmou sua condição
naquele momento: a de cidadão honrado e ser humano “comum”: “Sou isso, não sou aquilo”
(BARTHES, 1966, p. 212). Mas quem é, em sua concepção, o cidadão honrado, o ser
humano “comum”?
59
As subordinadas modais não se incluem na Norma Gramatical Brasileira e, segundo Kury (1997), são
enquadradas, por alguns gramáticos, entre as comparativas (as encabeçadas pela conjunção “como” com o valor
de “tal qual, assim como, do que modo que”), entre as conformativas (as que são introduzidas por “como” com o
sentido de “conforme, segundo, consoante”), entre as consecutivas (as que se iniciam com as locuções “de modo
que, de sorte que, de forma”) entre as concessivas (em alguns casos, as que começam pela locução “sem que”,
sinônimo de “embora não, ainda que não”).
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Capítulo 04 - Roberto Jefferson: imagens de si e do outro
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Segundo o sujeito falante, exercia o papel de indivíduo responsável pela família, pai, avô, que
entrou no Senado pela porta da frente (honrado), ser humano com defeitos e virtudes, no
sentido de fazer com que o povo se identificasse com essa imagem e aderisse à sua fala.
Além disso, no fragmento acima, através do pronome indefinido “ninguém”, usado em dois
atos de fala refutativos, o locutor negou um ato de fala assertivo pressuposto a partir do posto
“Ninguém vai me botar de joelhos e de rabo entre as pernas. Ninguém. Ninguém vai me
acanalhar. Ninguém”, com a intenção de intimidar, mais uma vez, os adversários. Essa atitude
permitiu pôr em cena também a imagem do indivíduo corajoso.
O sujeito falante agenciou o ato de justificativa anteposto ao ato refutativo pressuposicional,
no sentido de dar ênfase ao papel assumido naquele momento (cidadão honrado e ser humano
“comum”): Enfrento uma luta aqui como cidadão, como homem, como chefe de família,
como pai, como avô, que sai daqui do Congresso Nacional da maneira que entrou: pela porta
da frente [...]”. Ao se manifestar na cena como cidadão honrado e ser humano “comum”, ele
buscou estabelecer uma relação de cumplicidade e intimidade com o povo.
5.2.1.5. Orações subordinadas comparativas
Segundo Neves (2000, p. 893), são características centrais das construções comparativas, do
ponto de vista sintático, a interdependência de dois elementos e, do ponto de vista semântico,
o estabelecimento de um cotejo entre esses elementos.
Nessa perspectiva, toda construção comparativa é uma reunião entre iguais (comparação de
igualdade) ou entre diferentes (comparação de desigualdade) [....]. Além disso, as
comparativas se caracterizam pela redundância.
Um traço essencial da construção comparativa é a existência de um elemento comum aos dois
membros comparados. Numa formulação bem simples, pode-se dizer que, nas construções
comparativas, dois membros são comparados a respeito de algo que têm em comum.
As orações comparativas foram agenciadas pelo sujeito falante principalmente para intimidar
os adversários e desacreditá-los. Vejamos o fragmento a seguir:
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Capítulo 04 - Roberto Jefferson: imagens de si e do outro
147
Segundo depoimento – fragmento 12
Não sou ator. Não faço aqui o papel do herói, porque não sou. Não sou melhor do que
nenhum dos senhores; não sou melhor do que nenhuma das senhoras. Sou igual. Não
faço o papel de vilão, porque não sou. E os senhores e as senhoras não são melhores do
que eu.
Depois de ter salientado a condição de cidadão honrado e ser humano “comum” no
depoimento, o sujeito falante voltou a reafirmar que não desempenhava o papel de ator (ato de
refutação) e, por meio de estruturas comparativas, colocou-se no mesmo patamar dos colegas
parlamentares (ethos de coragem - pathos de intimidação).
Em um primeiro momento ele refutou atos de fala postos em cena pelos colegas
parlamentares (Roberto Jefferson está encenando) e os justificou através de orações
coordenadas explicativas. Ele negou, novamente, o papel de ator: herói ou vilão.
Posteriormente, ele negou ser melhor ou pior que os colegas parlamentares (um pressuposto),
salientando, através de orações subordinadas comparativas, a igualdade entre eles, tendo em
vista intimidá-los. O sujeito falante se referia, naquele momento, às práticas de financiamento
ilegal de campanhas eleitorais no Brasil.
Através de estruturas subordinadas modais e comparativas, o sujeito falante articulou-se da
seguinte maneira:
QUADRO 3
Estruturas modais e comparativas e seus possíveis efeitos discursivos
O povo Estruturas modais Ethos de
identificação
O sujeito falante
Os parlamentares Estruturas
comparativas
Pathos de
intimidação
É importante observar que em um primeiro momento o sujeito falante tentou seduzir e atrair o
povo e posteriormente intimidar os adversários.
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Capítulo 04 - Roberto Jefferson: imagens de si e do outro
148
5.2.1.6. Orações coordenadas conclusivas
Pouco se discute sobre as orações conclusivas. Segundo Bechara (2003), as orações
conclusivas são aquelas que denotam uma conclusão. Em nossa opinião, as orações
conclusivas exercem uma importante função argumentativa no discurso, uma vez que o
sujeito falante enuncia, explicitamente, a justificativa ou a conclusão da tese posta em cena.
No corpus analisado, as estruturas conclusivas foram importantes para reafirmar, ao longo do
discurso, que o sujeito falante falava a verdade (era um indivíduo sério). Vejamos o
fragmento a seguir:
Segundo depoimento - fragmento 13
Li hoje nos jornais uma especulação especial. Alguém tentou intrigar dizendo que é uma
coisa do PT contra o PTB - não é -, do PMDB contra o PTB - não é -, do PL contra o
PTB. Não é uma luta política. É uma luta que envolve interesses empresariais
contrariados na Diretoria de Administração dos Correios. Por isso, não tenho
nenhuma preocupação em entregar a fita a V.Exas.
Neste fragmento, o operador argumentativo “por isso” introduziu uma conclusão relativa da
tese apresentada em enunciado anterior. É interessante observar que o sujeito falante afirmou
não ser uma luta política e sim empresarial.
5.2.1.7. Orações “contrastivas”: coordenadas adversativas
As orações coordenadas adversativas são consideradas como aquelas que estabelecem uma
relação de contradição, de adversidade, de oposição. Geralmente, predomina a coordenação
com a conjunção “mas” que, na perspectiva de Ducrot (1984), é por excelência
argumentativa.
Neves (2000), ao discutir as construções adversativas, destaca a coordenação com “mas”,
enfatizando que essa conjunção marca uma relação de desigualdade entre os segmentos
coordenados e, por isso, não recursividade nessa construção, que fica, portanto, restrita a
dois segmentos. Segundo a autora (2000, p. 756), na condição de coordenador, o “mas”
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Capítulo 04 - Roberto Jefferson: imagens de si e do outro
149
evidencia exterioridade entre os dois segmentos coordenados e, assim, coloca o segundo
segmento como, de alguma forma, diferente do primeiro, especificando-se essa desigualdade
conforme as condições contextuais.
Além disso, para a autora, os segmentos coordenados por “mas” podem ser sintagmas,
orações ou enunciados, sendo que nessas relações a desigualdade estabelecida é usada para a
organização da informação e para estruturação da argumentação, o que implica a manutenção
(em graus diversos) de um dos membros coordenados (em geral, o primeiro) e a sua negação
(também em graus diversos).
Neves (2000) ainda ressalta que o “mas” pode estar no início de sintagmas, orações ou
enunciados em função atributiva, indicando apenas contraposição ou, mais fortemente,
eliminação, ou, ainda, encabeçando enunciados, em início de turno, com finalidades
pragmáticas, podendo indicar também contraposição ou eliminação.
Na perspectiva de alguns lingüistas como, por exemplo, Maingueneau (1997), dois “mas”:
o “mas” refutativo e o “mas” argumentativo, ambos com funções pragmáticas. Tanto em um
caso como no outro ocorre, na realidade, segundo Maingueneau (1997, p. 166), um
afrontamento entre o locutor e um destinatário (fictício ou real) e não uma simples oposição
entre dois enunciados. O “mas” de refutação, para o autor, recusa a legitimidade daquilo que
um destinatário disse ou pensou, ou poderia ter dito ou pensado. Por outro lado, o “mas”
argumentativo possibilita a oposição à interpretação argumentativa que um destinatário atribui
ou poderia atribuir à proposição P de “P mas Q”. Assim, são dois interlocutores que se opõem
e não dois conteúdos.
O “mas” argumentativo liga dois atos distintos (“P mas Q”) que, na perspectiva inicial de
Ducrot (1984), funciona da seguinte forma: “Sim, P é verdadeiro. Assim, o interlocutor teria a
tendência, em decorrência disso, concluir R. No entanto, não deve fazê-lo, uma vez que Q é
apresentado como um argumento mais forte para não-R do que P o é para R. P é apresentado
pelo locutor como devendo conduzir o interlocutor a concluir R. Não está inscrito na natureza
das coisas e, fora de contexto, a priori, não nenhuma razão para opor os enunciados que
são opostos por “mas”. É o texto que, por meio de seu movimento, institui uma tal oposição.
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Capítulo 04 - Roberto Jefferson: imagens de si e do outro
150
É importante salientar que, posteriormente, Ducrot acrescentou uma correção à sua proposta
inicial de análise do “mas” argumentativo, em que o argumento não-R era considerado “mais
forte” do que R:
De fato, a única coisa constante é que o locutor declara negligenciar o
primeiro (enunciado) da argumentação que está construindo, para
apoiar-se apenas no segundo a força argumentativa superior
atribuída a este não passa de uma justificação desta decisão
(DUCROT, 1984, p. 9)
Nesse sentido, o “mas” não estabelece uma relação direta entre P e Q, mas apenas coloca P
como “negligenciável”, derivando a força maior de Q. Tanto Ducrot quanto Maingueneau
ressaltam a complexidade das estruturas sintáticas introduzidas pela conjunção “mas”.
Moeschler (1982, apud Nagamine, 1998), ao discutir os atos de refutação, evidencia um tipo
de estrutura estável na qual aparece a conjunção “mas” (ato de fala refutativo de retificação):
NEG (p), mas q. Nesse caso, o “mas” é um marcador indicativo de retificação.
Observamos que o sujeito falante usou tanto as estruturas com o “mas” refutativo quanto com
o “mas” argumentativo. No entanto, predominou o “mas” refutativo, com a função de refutar
imagens de si tanto postas em cena pelos adversários, quanto pressupostas pelo sujeito
falante. Vejamos o fragmento a seguir:
Segundo depoimento – fragmento 14
O mandato eu sublimei, mas o faço concessões à honra. Perfeito? Não sou. Passei,
como Presidente do PTB, na construção do meu Partido, aliás de braços dados e esposado
com outros presidentes, pelo afrouxamento das regras da eleição e do financiamento das
campanhas.
Na primeira estrutura adversativa, o sujeito falante, apesar de aderir ao que foi proferido na
oração principal, distanciou-se desse enunciado para assimilar-se ao dito na oração
adversativa, refutando, através de negativa, o ato de fala assertivo pressuposto a partir dessa
oração: “faço concessões à honra”. “O mas de refutação recusa a legitimidade daquilo que um
destinatário disse ou pensou, ou poderia ter dito ou pensado [...](MAINGUENEAU, 1997,
p. 166).
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Capítulo 04 - Roberto Jefferson: imagens de si e do outro
151
Segundo Maingueneau, é importante ressaltar que nesse caso não se trata de uma simples
oposição entre dois enunciados e sim de um afrontamento entre locutor e destinatário, seja ele
real ou fictício (1997).
na segunda estrutura concessiva (a conjunção “mas” argumentativa encontra-se implícita),
o sujeito falante, por meio de uma pergunta retórica, reafirmou ser um indivíduo “comum”,
com defeitos e virtudes: o papel de ser humano “comum”. Conforme pode ser visto no
fragmento 09, ele pôs em cena a condição de ser humano “comum” e ressaltou ser a honra a
virtude mais importante em um homem.
No entanto, ele distanciou-se do dito no enunciado e agenciou um argumento mais forte com
a finalidade de auxiliar na construção da imagem de político comprometido com o povo
(ethos de credibilidade): “ele contribuiu para o afrouxamento das regras de eleição e do
financiamento de campanhas”. É importante salientar que, na oração principal da segunda
estrutura adversativa, o sujeito falante refutou o pressuposto de que era perfeito: “Perfeito?
Não sou”.
Outras estruturas adversativas refutativas foram agenciadas pelo sujeito falante na
constituição do ethos e do anti-ethos como, por exemplo: “Digo ao Policarpo que aqui não
sou algoz, mas vítima de negócio que não foi feito” (Primeiro pronunciamento). Nesta
estrutura, o sujeito falante refutou uma imagem de si que pressupunha ser a imagem que
Policarpo tinha dele e afirmou sua condição de vítima (“mas” refutativo de retificação).
Observamos que, em alguns momentos, raros, o sujeito falante usou a conjunção “mas” com a
função de “marcador conversacional”, peculiar à modalidade falada
60
. A nosso ver, isso se
deu tendo em vista verificar o envolvimento de seus interlocutores.
5.2.1.8. Orações subordinadas causais
Segundo Neves (2000, p. 804), a relação causal se refere à conexão causa/conseqüência, ou
causa/efeito, entre dois eventos. Essas relações ocorrem entre predicações (estado de coisas),
60
Consideramos que duas modalidades lingüísticas, uma falada e uma escrita, sendo que essas não são
dicotômicas, mas se inserem em um continuum (MARCUSCHI, 2003).
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Capítulo 04 - Roberto Jefferson: imagens de si e do outro
152
indicando “causa real”, ou “causa eficiente”, ou “causa efetiva”. Assim, para a autora, a
relação causal, estritamente entendida, implica subseqüência temporal do efeito em relação à
causa. A autora salienta que a relação causal entre conteúdos (a “causa efetiva”), porém, o
necessariamente, envolve tempo. Ela pode dar-se entre estado de coisas não-dinâmicas.
Por outro lado, as expressões lingüísticas de ligação causal - as marcadas pelo conector
porque ou seus equivalentes semânticos - não se restringem a esse tipo de causalidade efetiva
entre conteúdos. A relação causal, na verdade, raramente se refere a simples acontecimentos
ou situações de um mundo. É necessário considerar que as relações causais também podem
ser:
i) relações marcadas por um conhecimento, julgamento ou crença do falante, isto é,
existentes no domínio epistêmico. Elas não se dão simplesmente entre predicações
(estado de coisas), mas entre proposições (fatos possíveis), passando, então, pela
avaliação do falante. Essa relação é tradicionalmente denominada “causa formal”;
ii) relações entre um ato de fala e a expressão da causa que motivou esse ato
lingüístico, sendo que na oração principal ocorre um ato de fala declarativo, ou um
ato de fala interrogativo ou ainda um ato de fala injuntivo (deôntico ou
imperativo).
No corpus analisado, as causais também tiveram como função discursiva básica tornar mais
crível o discurso do sujeito falante, sustentando seus argumentos (argumento pragmático).
Vejamos:
Segundo depoimento – fragmento 15
Eu vi ontem que a Receita Federal multou em R$63 milhões as empresas do Sr.
Marcos Valério, porque a movimentação financeira é incompatível com o dinheiro
declarado. A Receita já começou a agir com toda a firmeza.
No fragmento acima, o sujeito falante trouxe à cena enunciativa a constatação de que as
empresas de Marcos Valério foram multadas, conseqüência do fato da movimentação
financeira ser incompatível com o dinheiro declarado, o que contribuiu para dar mais
credibilidade ao discurso.
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Capítulo 04 - Roberto Jefferson: imagens de si e do outro
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5.2.1.9. Orações subordinadas condicionais
Na perspectiva de Neves (2000, p. 832-3), as conjunções condicionais entram nas construções
que exprimem o que genericamente pode se denominar como condição. No entanto, não é
somente esse tipo de relação que está expresso nas construções condicionais. Do ponto de
vista da organização da informação no texto, verifica-se que as orações condicionais
antepostas, que são as mais freqüentes, constituem, em geral, um ponto de apoio para
referência, um tópico discursivo. Sendo assim, as orações condicionais formam uma espécie
de moldura de referência em relação à qual a oração principal é factual, ou apropriada. Além
disso, freqüentemente nessas orações está uma informação que não é dita como novidade.
Observamos que o sujeito falante, durante o evento da CPMI dos Correios, agenciou as
estruturas condicionais principalmente para tentar intimidar os adversários, advertir o povo e
se construir como um visionário (ethos do profeta). Vejamos o fragmento:
Segundo depoimento - fragmento 16
Se PC faria” e fez –, hoje, Delúbio e Marcos Valério fazem e outros que virão
continuarão a fazer se não mudarmos essas práticas de financiamento eleitoral
.
É prudente ressaltar, em um primeiro momento, que a estrutura acima constitui uma
peculiaridade no discurso do sujeito falante: um período misto, composto de duas orações
condicionais, uma oração adjetiva restritiva e uma intercalada, com o valor de uma
comparativa.
Assim, através de relações de condicionalidade, o sujeito falante afirmou que PC Farias agiu
de maneira inescrupulosa assim como Delúbio Soares e Marcos Valério e outros indivíduos
comportar-se-ão da mesma maneira (ethos do visionário) caso não haja mudanças no sistema
político brasileiro, tendo em vista advertir o povo brasileiro e intimidar os adversários. Além
disso, essas relações permitiram-lhe comparar, implicitamente, o governo do Presidente Lula
ao de Fernando Collor de Melo.
Através do trocadilho “faria”, usado na oração condicional anteposta, o sujeito falante
agenciou um enunciador que pôs em cena um discurso irônico: vocês têm dúvida de que PC
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Capítulo 04 - Roberto Jefferson: imagens de si e do outro
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Farias fez? Freqüentemente, nas orações condicionais antepostas está uma informação que
não é novidade para o interlocutor (NEVES, 2000, p. 833). As orações subordinadas
adverbiais condicionais antepostas apresentam, em geral, uma parte do conhecimento
partilhado entre os interlocutores e, como tal, constituem uma base selecionada pelo locutor
para assentar a porção seguinte de seu discurso.
É necessário salientar que o sujeito falante agenciou o pronome “nós”, referindo-se aos
parlamentares (ethos de solidariedade), no sentido de pôr em cena que a responsabilidade
pelas mudanças no financiamento de campanhas eleitorais era de todos os parlamentares.
5.2.1.10. Orações subordinadas conformativas
Segundo Neves (2000, p. 926), “a oração conformativa expressa um fato que se dá em
conformidade com o que é expresso na oração principal”. Em outras palavras, o sujeito vai
contar algo em conformidade com a possibilidade existente. O sujeito falante agenciou as
conformativas tendo em vista legitimar seu discurso e dar-lhe credibilidade. Vejamos o
fragmento a seguir:
Segundo depoimento - fragmento 17
A fita é ilegal. Como diz a legislação americana, a prova é envenenada, podre, porque
fruto de árvore envenenada e podre. Quatro homens foram presos pelo crime de violação
de sigilo do Sr. Marinho, o que anula completamente aquela prova, mas isso prova legal.
A CPI não caminha sempre na vertente da legalidade. Ela busca fazê-lo. Ela tem como
motor, como móvel, como objetivo a discussão e o debate político das práticas de crime
diante do qual a sociedade se assusta e fica perplexa. E é esse motor que tem levado
adiante esta nossa CPI.
Conforme podemos observar, no trecho acima o sujeito falante ressaltou que a fita na qual era
citado como principal envolvido no escândalo do “Mensalão” era ilegal. Através do discurso
relatado, pôs em cena um enunciador - a legislação americana – para legitimar sua fala.
Ele trouxe, para a cena enunciativa, a voz de uma autoridade, na tentativa de atestar a
veracidade do fato. Indiretamente, ele salientou o que pensava a respeito da fita de DVD,
ocultando-se por trás de outro enunciador, o que, segundo Kerbrat-Orecchioni (1978, p. 60-
61), “é freqüentemente uma maneira hábil por ser indireta de sugerir o que se pensa, sem
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Capítulo 04 - Roberto Jefferson: imagens de si e do outro
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necessitar responsabilizar-se por isto”. O novo enunciador é um não-eu, uma autoridade que
confirmou o dito do locutor, conforme descreve Maingueneau:
reside toda a ambigüidade do distanciamento: o locutor citado aparece,
ao mesmo tempo, como o não-eu, em relação ao qual o locutor de delimita,
e como a autoridade” que protege a asserção. Pode-se tanto dizer que “o
que enuncio é verdade porque não sou eu que o digo” quanto o contrário
(MAINGUENEAU, 1997, p. 86).
5.2.1.11. Orações intercaladas/interferentes
Na perspectiva de Kury (1997), as orações interferentes são, na verdade, orações
independentes (ou mesmo, a rigor, períodos), uma vez que não exercem nenhuma função
sintática na frase a que se justapõem: “representam como um comentário subjetivo, uma
ressalva, um desabafo do autor, de valor antes expressivo, estilístico, do que “sintático,
gramatical” (KURY, 1997, p. 70).
Durante o evento da CPMI dos Correios, o sujeito falante agenciou as orações interferentes,
principalmente, tendo em vista tecer reflexões, emitir pareceres, opiniões, ressalvas, conforme
descrito por Kury (1997), além de “fazer saber” (efeito de saber) e reafirmar fatos. Trata-se de
apreciações pessoais e de asserções tendo em vista efeitos de confidência e de saber. Vejamos
o fragmento:
Segundo depoimento - fragmento 16
Se PC “faria” – e fez –, hoje, Delúbio e Marcos Valério fazem e outros que virão
continuarão a fazer se não mudarmos essas práticas de financiamento eleitoral.
No fragmento acima, a oração interferente foi agenciada pelo sujeito falante com a função de
reafirmar que PC Farias praticou atos inescrupulosos no governo Collor, caso o interlocutor
ainda tivesse alguma dúvida quanto a este fato. Nesse sentido, a oração interferente funcionou
como uma prova para a tese do sujeito falante de que é necessário mudar as práticas relativas
ao financiamento de campanhas eleitorais no Brasil.
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Capítulo 04 - Roberto Jefferson: imagens de si e do outro
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5.2.1.12. Orações subordinadas adjetivas
As orações adjetivas, segundo Bechara (2003), são aquelas que desempenham a função de
adjunto adnominal de um termo denominado antecedente, posto na oração a que se prende.
Classificam-se em restritivas e explicativas.
Nessa perspectiva, as restritivas restringem, limitam a significação do seu antecedente. São
semanticamente indispensáveis ao período e não se separam da oração principal por vírgula.
as explicativas não limitam o sentido do antecedente. Acrescentam uma informação que
pode ser eliminada sem causar prejuízo para a compreensão lógica da frase. Vêm sempre
separadas da oração principal por vírgula
61
.
Durante o evento da CPMI dos Correios, o sujeito falante agenciou as adjetivas restritivas, as
quais foram de fundamental importância à patemização, uma vez que elas permitiram pôr em
cena um sujeito falante consciente de que o povo o ouvia e lhe assistia. Vejamos o fragmento
a seguir:
Primeiro pronunciamento – fragmento 05
Sem cargos no Governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso no seu segundo
momento. Agora, temos esses. E digo ante V.Exas. e as pessoas do Brasil que nos
assistem pela TV Câmara e nos ouvem pela Rádio Câmara que todos os cargos estão à
disposição do Governo. Acabei de listá-los.
Conforme pode ser visto acima, o sujeito falante, através das adjetivas restritivas, demonstrou
saber que estava no ar, ou seja, que o “espetáculo político” estava sendo transmitido ao povo,
o que implica dramatização e espetacularização da cena política. Não se trata de pessoas
quaisquer, mas das que lhe assistem e o ouvem: os cidadãos brasileiros, participantes da cena
política. É importante observar que a delimitação de quem lhe assiste foi feita também através
do adjunto adnominal “do Brasil”.
61
Cf. Gramáticas Normativas.
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Capítulo 04 - Roberto Jefferson: imagens de si e do outro
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5.2.2. Seleção lexical: figuras retóricas e campos lexicais
“Se perco o controle da imprensa, não agüento no
poder nem por três meses”.
Napoleão Bonaparte
No que diz respeito à escolha lexical, verificamos que o sujeito falante agenciou várias figuras
retóricas, dentre as quais merecem destaque a metáfora, a analogia, a ironia, a hipérbole, o
trocadilho e a metonímia. Essas figuras foram de fundamental importância à argumentação,
uma vez que contribuíram na constituição das imagens de si e do outro (dimensão
representacional) e na patemização (dimensão emotiva). Algumas dessas figuras como a
metáfora, por exemplo, foram tão agenciadas pelo sujeito falante que o discurso ficou, de
certa maneira, alegórico.
As metáforas e as analogias foram usadas com fins comparativos e constituíram uma
importante estratégia argumentativa uma vez que permitiram levar o interlocutor a
determinadas conclusões pressupostas pelo sujeito de lhes serem favoráveis naquele momento
como, por exemplo, a de que o PT era um traidor. É importante salientar que o sujeito falante
mobilizava essas figuras de forma cumulativa, tendo em vista intensificar o efeito pretendido.
As hipérboles e as ironias, por sua vez, foram agenciadas tendo em vista, principalmente,
mostrar o quanto o PT era um partido corrupto; intimidar os adversários e ironizá-los (efeito
de sarcasmo e de depreciação). Destacam-se as hipérboles “mar de corrupção” e “campeonato
de sangue”, além de alguns diminutivos com fins irônicos.
Os trocadilhos também foram usados com fins de sarcasmo. Não poderíamos nos omitir de
falar sobre o trocadilho a seguir descrito usado pelo sujeito falante para ironizar e intimidar os
adversários, além de advertir o povo
62
:
Segundo depoimento - fragmento 16
Se PC “faria e fez –, hoje, Delúbio e Marcos Valério fazem e outros que virão
continuarão a fazer se não mudarmos essas práticas de financiamento eleitoral.
62
Veja orações subordinadas condicionais.
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É necessário ressaltar ainda o uso da metonímia “povo” em referência ao cidadão brasileiro,
tendo em vista se construir na cena como parlamentar, conforme dissemos na análise dos
contratos.
Além dessas figuras, o sujeito falante agenciou bastante os diminutivos, ao tentar estabelecer
uma relação de afetividade com o povo e de intimidação com os adversários, depreciando-os,
e criou algumas palavras (neologismos) em alusão ao alto grau de corrupção no governo Lula
como, por exemplo, “Mensalão” “bimensalão” etc., embora, quanto a este aspecto, ele afirme
não ser a palavra “mensalão” criação sua.
Outro aspecto que merece destaque aqui é o fato de o sujeito falante ter mesclado a
denominada norma padrão culta, com referência a obras eruditas como, por exemplo,
Carmina Burana, de Carl Orff, à norma coloquial, mais próxima do típico cidadão comum,
“as classes populares”. Dentre esse universo dito “popular”, ressalta- se a cultura do povo
como, por exemplo, o uso do tarô: pôs em cena conhecer a carta número 10 do tarô (“A roda
da fortuna”). No entanto, é importante salientar que predominou, no discurso da CPMI dos
Correios, um léxico mais próximo das classes populares.
Por fim, o sujeito falante selecionou quatro campos lexicais dominantes que se entrecruzaram:
i) o campo lexical do espetáculo político: o sujeito falante argumentou embasado nas
antíteses verdade versus mentira, pondo em cena vocábulos que remetiam ao campo
lexical do espetáculo, e tentou se constituir como um político honesto e sério;
ii) o campo lexical da traição: o sujeito falante pôs em cena vocábulos que remetiam à
traição, no sentido de desqualificar os adversários, construir para si, para o povo e
para o Presidente Lula a imagem de traídos (as vítimas), além de mostrar a relação de
amizade que mantinha com o povo (o amigo do povo);
iii) o campo lexical do medo: o sujeito falante tentou intimidar os adversários, se construir
como um indivíduo corajoso e destemido (o herói); trazendo à cena a CPI de PC
Farias;
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iv) o campo lexical do sacrifício: o sujeito falante agenciou vocábulos que remetiam à
peregrinação de Cristo, tendo em vista se construir como um mártir (o profeta).
Esses campos lexicais se entrelaçaram, diretamente. Vejamos cada um deles separadamente.
5.2.2.1. O campo lexical do espetáculo político: o político honesto e sério
Nos últimos tempos, a idéia de espetáculo político, fundada na antítese verdade versus
mentira, é recorrente tanto no discurso dos cidadãos, quando se referem à política e a seus
atores, quanto no dos políticos, principalmente durante as campanhas eleitorais e CPIs,
quando querem desqualificar seus adversários.
No discurso da CPMI dos Correios, o sujeito falante pretendia levar o interlocutor à conclusão
de que falava a verdade em relação às denúncias de corrupção e assim angariar sua confiança,
além de reativar em sua memória discursiva a imagem de que a política é um espaço de
encenação (teatro político) no sentido de mentira (cena política).
Portanto, os vocábulos que remetem à encenação política podem ser vistos ao longo de todo o
discurso da CPMI dos Correios, principalmente nos depoimentos, sendo que a maioria deles
foi usada repetidamente: teatro, teatro político, papel de artista, peças, atores, papel do herói,
mentira, papel de vilão, realidade, verdade. É importante salientar que, durante o primeiro
pronunciamento, Roberto Jefferson procurou se construir na cena como um político honesto e
sério. Somente a partir dos depoimentos é que ele negou a condição de político e tentou se
construir como um cidadão honrado. No entanto, uma vez que ele não conseguiu se manter no
papel de cidadão, deixando que o parlamentar “falasse” durante o evento, acreditamos que
prevaleceu até então a imagem de um político honesto e sério.
No fragmento a seguir, por exemplo, através da oração subordinada concessiva, o sujeito
falante pôs em cena um enunciador que não afirmou que a política era um espaço de
encenação (teatro político) como também fez questão de enfatizar essa assertiva por meio da
repetição da palavra “teatro”, usada três vezes no fragmento, e pela própria seleção lexical
que remete diretamente ao campo lexical da encenação, no sentido de mentira. Vejamos:
Estratégias Discursivas na CPMI dos Correios: O Caso Roberto Jefferson
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Capítulo 04 - Roberto Jefferson: imagens de si e do outro
160
Segundo depoimento – fragmento 11
Sr. Presidente, Srs. Senadores, Srªs Senadoras, Srs. Deputados, Srªs Deputadas, cidadão do
Brasil que me ouve, cidadã do Brasil que me ouve, inicialmente, peço licença para dizer a
V. Exªs que, apesar de estarmos num teatro de lutas, num teatro de idéias, num
teatro político, não vim aqui desempenhar nenhum papel de artista.
O sujeito falante salientou, através de uma oração subordinada concessiva
63
, que a política é
um espaço de encenação (teatro político) no sentido de mentira (cena política), tendo em vista
reativar na memória discursiva do cidadão brasileiro essa imagem da política. No entanto,
tentou se construiu na cena como aquele que não mentia (ethos de honesto e sério),
distanciando-se assim do grupo que encenava/mentia (excluiu-se do grupo político ocorreu
uma passagem do pronome “nós” para “eu”).
O político honesto e sério foi traído por seus aliados.
5.2.2.2. Campo lexical da traição: a vítima
A traição está associada a duas figuras: a do traidor e a do traído, a vítima. No caso da CPMI
dos Correios, o sujeito falante pôs em cena as imagens do traidor, representada pela cúpula do
PT, e a do traído, representada por ele, pelo Presidente Lula e pelo povo.
Nesse sentido, ele agenciou várias palavras que remetiam ao campo lexical da traição tais
como, leal, lealdade, conspirador, maçã envenenada, ferroada, dosezinha de veneno,
escorpião, confiei, traiu, traição etc., tendo em vista construir para si, para o povo e para o
Presidente Lula (pelo menos no início do evento) uma imagem de vítimas; levar o interlocutor
à conclusão de que o PT não era um partido leal e de que a lealdade era um valor que pautava
sua vida (ele é o amigo do povo).
O traidor, segundo o sujeito falante, era o conspirador do dia-a-dia, o que quis enterrar a CPI,
o desleal, o que envenenou os irmãos, o fariseu, o sem virtudes, o escorpião que envenenou a
rã, Judas Iscariote, Rasputim. É importante ressaltar que a imagem da cúpula do PT,
predominante no discurso, é a de traidores. Discutiremos essa questão na seção denominada
“A organização descritiva: imagens do outro”.
63
Veja orações subordinadas concessivas.
Estratégias Discursivas na CPMI dos Correios: O Caso Roberto Jefferson
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Capítulo 04 - Roberto Jefferson: imagens de si e do outro
161
Embora o sujeito falante tenha afirmado, no início do evento, que Lula havia sido traído pelos
membros da cúpula do PT, o então presidente, durante pronunciamento a nação, numa reunião
ministerial realizada em 12/08/2005 e transmitida ao vivo pelas redes de TV para todo o país,
disse “sentir-se traído e não ter sido traído”: “Eu me senti traído” (Pronunciamento do
Presidente Luis Inácio Lula da Silva, em 12/08/2005).
A palavra “leal” e seus derivados como, por exemplo, o adjetivo “lealdade”, foram usados
várias vezes, principalmente no último pronunciamento, em referência aos laços de amizade
do sujeito falante com o povo (o amigo do povo – relação de afetividade):
Segundo depoimento- fragmento 18
[...] Quero agradecer a Carla, minha companheira, Secretária do PTB, e a todos os
companheiros da sede do partido. A Marli Guaraciaba, Chefe de Gabinete da Liderança do
PTB - fez uma Liderança fraterna, querida, leal. A Ana Crivelaro, minha Secretária no Rio
de Janeiro, silenciosa, observadora, mas amiga e leal. A Solange Beiró. Vinte e três anos
comigo no meu gabinete. Vinte e três! Quando entrei no gabinete, já encontrei a Solange
lá. Vinte e três anos do meu lado. Ela tem mais convivência comigo do que minha
família. Amiga, leal, correta, companheira querida [...].
Na tentativa de reafirmar a traição do PT e sua condição de vítima, o sujeito falante afirmou
que a maçã envenenada (usada duas vezes no fragmento) foi-lhes servida, referindo-se à
narrativa infantil “Branca de Neve”:
Segundo depoimento- fragmento 19
Pegamos a maçã envenenada que o Governo colocou no meio da mesa dos deuses,
porque aqui não tem índio, tem cacique, e estamos vivendo uma hora fratricida. [...]
Rolaram entre nós a maçã envenenada, e estamos aqui.
No entanto, a imagem da traição foi usada com mais veemência ao fazer alusão à fábula O
escorpião e a rã”, de Esopo, cujo objetivo consistia em mostrar que o PT tinha índole ruim,
mais cedo ou mais tarde acabaria mostrando o que realmente era: um traidor.
Segundo depoimento- fragmento 20
Mais uma vez chamei os companheiros do partido e disse: olha aqui, ele vai enterrar a CPI
para salvar a cara de alguns do PT. Quero ressalvar a bancada; da cabeça. A bancada do
PT não está envolvida nisso, nem no mensalão; nunca ouvi dizer. O mensalão está em
outros lugares, em outros partidos. Estão tentando salvar a cara e nos enterrando, porque
eu sempre disse isso ao meu partido: essa gente não tem coração, só tem cabeça. Essa
gente do PT não é leal, nos usa como um sapo para atravessar o rio, e sempre nos dão
Estratégias Discursivas na CPMI dos Correios: O Caso Roberto Jefferson
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Capítulo 04 - Roberto Jefferson: imagens de si e do outro
162
uma ferroadinha. Paralisa o sapo, a gente nada mais 10 metros; outra ferroadinha, mais
uma dosezinha de veneno. que essa é tão forte que pode levar o sapo para o fundo do
rio, mas vai levar esses escorpiões da cúpula junto, não tenho dúvida disso.
O político honesto e sério, que foi traído pelos aliados, intimidou os adversários, trazendo a
verdade ao povo: ele é também corajoso.
5.2.2.3. O campo lexical do medo: o corajoso
O medo, segundo Aristóteles (2005, p. 174), consiste em uma situação aflitiva ou numa
perturbação causada pela representação de um mal iminente, ruinoso ou penoso. Tememos o
ódio e a ira de quem tem o poder de fazer malclaro que essas pessoas querem e podem, e a
prova é que estão prontas a fazê-lo) [....].
Durante o evento da CPMI dos Correios, o sujeito falante trabalhou com um encadeamento de
imagens intimidadoras tais como, CPI, PC Farias, fantasmas, fantasmas de PC Farias,
fantasmas do financiamento eleitoral, cadáver, assustar, assombrar, árvore envenenada e
podre, exorcizavam, fantasmas do Delúbio, fantasmas do Marcos Valério, PC Farias, Collor,
CPI de PC Farias, visando a suscitar o medo em seus adversários.
Ao longo de todo o discurso, ele se referiu à CPI de PC Farias. É interessante observar que os
fantasmas não são fantasmas quaisquer e, sim, os fantasmas de PC Farias, Delúbio Soares e
Marcos Valério.
O sujeito falante agenciou vocábulos que remetiam à CPI de PC Farias não no sentido de
intimidar seus adversários, mas também de trazer à memória discursiva do povo brasileiro a
história de PC Farias e, sobretudo, do governo Collor (quanto a esse aspecto, essas imagens
tinham um efeito de temor para o povo também). Vejamos:
Segundo depoimento- fragmento 21
[...] Também procurei evitar que os fantasmas do PC Farias pudessem viver à luz do dia.
E, nessa inversão de papéis que vivo hoje, vejo que muitos que ontem exorcizavam
aqueles fantasmas agora se abraçam com eles. que eles não são mais os fantasmas
do PC, são os fantasmas do Delúbio e do Marcos Valério [...]
Estratégias Discursivas na CPMI dos Correios: O Caso Roberto Jefferson
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Capítulo 04 - Roberto Jefferson: imagens de si e do outro
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[...] Esses fantasmas que ficam rondando o poder sempre são os fantasmas do
financiamento eleitoral: Delúbio, PC Farias, Marcos Valério [...]
E eu quero dizer a V. Exª que, no total como advogado, eu vi movimentados naquelas
contas fantasmas do PC Farias R$64 milhões, a conta dos fantasminhas. por dentro
nas contas do Sr. Marcos Valério no Rural tem R$45 milhões! Meça o tamanho do que vai
acontecer! Eu depois vou ter outro encontro com V. Exª para esse campeonato de ética e
moralidade que V. Exª arrosta. (Jefferson se dirigindo a Henrique Fontana, PT)
Conforme podemos observar no fragmento acima, as unidades lexicais agenciadas pelo
sujeito falante remetiam ao campo lexical do medo. A palavra “fantasma” foi usada
repetidamente, isoladamente ou acompanhada de determinantes que também produzem
efeitos de temor - “fantasmas do PC Farias, exorcizavam, fantasmas, fantasmas do PC,
fantasmas do Delúbio e do Marcos Valério” - com a função de intimidar os adversários,
marcando um direcionamento patêmico do discurso. Não o valor conceitual dos vocábulos
empregados como também a quem eles se “referiam” orientavam o interlocutor ao efeito
pretendido: causar temor. É importante ressaltar o uso do diminutivo “fantasminhas” com fins
irônicos: um diminutivo usado para mostrar o quanto a corrupção no governo Lula era grande.
5.2.2.4. Campo lexical do sacrifício: o profeta
Durante o evento da CPMI dos Correios, a principal vítima de traição (o político honesto e
sério que se manifestou como herói) passou por um processo de martirização, momento em
que tentou se construir na cena também como profeta. O profeta, além de ser capaz de
predizer o futuro, interpretar a mensagem divina, revelar coisas escondidas, passa por grandes
sacrifícios. Cristo dizia que nenhum profeta é bem aceito em sua pátria (Bíblia Sagrada, Lc,
4,24) e contava a si mesmo entre os profetas que Jerusalém fazia questão de matar (Bíblia
Sagrada, Lc, 13, 33).
Nesse sentido, durante todo o evento, o sujeito falante agenciou vocábulos que remetiam ao
campo lexical do sacrifício, em especial o bíblico, como, por exemplo, peregrinação,
provação (usado repetidamente), tentação, sofrimento, linchamento brutal, açoite etc. Na
realidade, esses vocábulos remetiam diretamente ao sofrimento de Cristo, o que nos permite
dizer que o sujeito falante tentava se construir na cena como um “Messias”, um “Salvador da
Pátria”. Vejamos os fragmentos a seguir:
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Capítulo 04 - Roberto Jefferson: imagens de si e do outro
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Segundo pronunciamento – fragmento 22
Quarta acusação que me faz o relatório: ter-se omitido e não revelar o mensalão assim que
soube. O Relator está de brincadeira. Fiz peregrinação. Ao José Dirceu, como Ministro-
Chefe da Casa Civil, falei isso uma 10 vezes. Falei ao Ciro. Depois nós descobrimos que o
Márcio, Secretário-Executivo do Ministério, tinha recebido do Marcos Valério 500 mil
reais para saldar contas de campanha. Mas falei ao Ciro, com lealdade. Ele disse: "Eu não
acredito nisso". Falei ao Ministro Miro Teixeira. Estava acompanhado do José Múcio.
Conversei com eles: "Isso vai dar zebra". Falei com o Presidente da República. O que
queriam de mim? O Lula na descendente, o PT se desmanchando, estou aqui para ser
cassado. Imaginem no início do ano passado, quando O Globo dizia que o Lula era o
maior Presidente do mundo. Qual era a condição que eu tinha de denunciar isso
Segundo depoimento – fragmento 23
Cumpri o meu dever como Deputado, Presidente do partido. “Roberto, e provas?”
Provação. Prova o tenho, mas tenho provação. Provação, vivi. Porque, além de eles
receberem a mesada, ainda ficavam tentando os nossos Deputados. “Aqui, vem pra cá seu
otário. Ah, aqui, oh, na mala. Vocês não têm. Aqui tem.” Eu e o Múcio vivíamos um
dia-a-dia de sofrimento com alguns companheiros que fraquejavam. E nós tínhamos que
está ali do lado dele: “Não vai. Fica aqui.” Um dia eu pedi a um companheiro, que o
teve coragem de sustentar e a gente compreende que isso não é dom de todos os
homens —, que dissesse ao Pedro Henry: “Avisa ao Pedro Henry que se ele tomar os 2
Deputados do PTB que ele está tentando com aquela mala de dinheiro, eu vou para a
tribuna e conto a história da “maçã” e do “mensalão”
As palavras agenciadas nos fragmentos acima podem sensibilizar o sujeito interpretante, uma
vez que, conforme dissemos, ativam sua memória discursiva para o martírio de Cristo:
provação, tentação, sofrimento, peregrinação.
No primeiro fragmento, o sujeito falante usou a palavra “peregrinação” que ativa a memória
do sujeito interpretante para a peregrinação de Cristo. No segundo fragmento, é importante
observar que ele se referia às várias tentações que sofreu: provação (usado três vezes no
fragmento); tentando (usado duas vezes), “história da “maçã” em referência à história bíblica
de Adão e Eva ele comparou a tentação do “Mensalão” à história de Adão e Eva. Além
disso, o sujeito falante salientou sua condição de profeta de saber de seu destino: “estou aqui
para ser cassado”; “cumpri o meu dever”.
A seguir, identificaremos e analisaremos as principais estratégias discursivas agenciadas pelo
sujeito falante durante o evento da CPMI dos Correios, enfocando o dispositivo enunciativo, a
cena narrativa, a organização descritiva, a cena argumentativa e a cena retórica.
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Capítulo 04 - Roberto Jefferson: imagens de si e do outro
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5.3. O dispositivo enunciativo: os jogos do locutor
“No Brasil de hoje, os cidadãos têm medo do
futuro. Os políticos têm medo do passado".
Chico Anísio
A história do “Mensalão” constituiu uma verdadeira trama, contada e recontada, no palco da
CPMI dos Correios, do ponto de vista de várias personagens, dentre elas Roberto Jefferson,
considerado o pivô do escândalo.
Ao se pôr em cena para contar a história da qual era personagem principal, Jefferson
estabeleceu um estratégico jogo de pronomes e formas nominais
64
; de relações de força e de
aparente petição; de posicionamentos e de “vozes”.
Portanto, nesta seção, identificamos e analisamos os jogos enunciativos propostos pelo
locutor, enfocando: i) as formas através das quais se manifestou na cena; ii) as relações que
estabeleceu com os interlocutores: iii) os posicionamentos que teve a respeito das denúncias
das quais era alvo; iv) as “vozes” que trouxe para dentro do discurso.
No jogo das formas pronominais e nominais, ressaltamos o uso estratégico do pronome “eu” e
“nós”, da forma nominal “o PTB” e da “expressão” “a gente”. Quanto às relações
enunciativas, verificamos as de afetividade com o povo; as de intimidação com os adversários
e as de “acordo” e acusação com a mídia, principalmente com a Revista Veja. No que diz
respeito aos posicionamentos, observamos o uso recorrente dos atos de declaração (confissão
e revelação), tendo em vista se manifestar na cena como herói e profeta. Por fim, referente às
“vozes”, analisamos o uso do discurso direto, dos provérbios, das citações e narrativas
religiosas, das narrativas infantis, agenciados pelo locutor como “testemunhos” para sua tese
(verdade).
Esses jogos possibilitaram ao locutor construir imagens diversas de si e do outro (dimensão
representacional), tendo em vista seduzir o interlocutor (dimensão emotiva) para que esse
aderisse a seu discurso.
64
O locutor pode assumir-se como “eu”, “nós” ou despersonalizar o discurso, utilizando-se de uma terceira
pessoa: “ele/ela”. No entanto, ele pode recorrer a outros enunciadores que “falam” por ele, caracterizando o
fenômeno conhecido por polifonia - uma situação em que em um discurso há mais de um enunciador.
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Capítulo 04 - Roberto Jefferson: imagens de si e do outro
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5.3.1. O jogo de formas pronominais e nominais: as máscaras do locutor
Durante o evento da CPMI dos Correios, o locutor manifestou-se na cena enunciativa através
de duas formas pronominais (“eu” e “nós”, com predominância do “eu”, o que mostra a
relação de poder do locutor em relação ao interlocutor), uma forma nominal (“o PTB”) e a
“expressão” “a gente”.
Nesta análise, acreditamos que o mais importante não é identificar o número de ocorrências
do uso do pronome “eu”, “nós” ou o silenciamento/apagamento desses pronomes, mas as
estratégias discursivas nas quais eles se engajaram. Vejamos:
5.3.1.1. O uso do pronome “eu”
O locutor, quando explícito, pode se manifestar por meio da forma pronominal “eu” ou “nós”,
porém com efeitos de sentido diferentes. O uso do pronome “eu” implica, a princípio, uma
tomada clara de posição, um total engajamento em relação ao dito. O indivíduo se propõe
como sujeito do discurso e assume, por sua conta, aquilo que diz.
O “eu” agenciado predominantemente pelo locutor no discurso foi, inicialmente, o de um
deputado que desejava provar sua inocência
65
, ou seja, levar o interlocutor à conclusão de que
não estava envolvido nas denúncias de corrupção nos Correios: ele é o político honesto e
sério. Portanto, se manifestou na cena negando as acusações feitas pela Revista Veja
66
de que
o PTB era o comandante e ele, o gerenciador do pagamento de propinas nos Correios e de que
temia uma CPI. Além disso, ele tentou explicar seu relacionamento com o Comandante
Molina
67
e com Mauricio Marinho (discurso de justificação). Vejamos o fragmento a seguir:
Primeiro pronunciamento – fragmento 24
Digo (eu) aos companheiros de partido, especialmente desta Casa, que jamais me
encontrei, dentro ou fora dos Correios, para conversar sobre negócios com o Sr. Maurício
65
Segundo as denúncias veiculadas na mídia, em especial na Revista Veja, o PTB era o suposto comandante e
Roberto Jefferson, o gerenciador da corrupção nos Correios.
66
Edição 1905, 18 de maio de 2005. Disponível em: <http://veja.abril.com.br/180505/p_054.html>
67
Molina procurou Roberto Jefferson para negociar a fita. Segundo Jefferson, esse alegou que era comandante
da Marinha.
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Capítulo 04 - Roberto Jefferson: imagens de si e do outro
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Marinho. Ele esteve uma vez no meu aniversário. Outra vez, no aeroporto, embarcando,
quando se encontrava com um grupo de pessoas da empresa e me cumprimentou. Esteve
uma vez com o Dr. Antonio Osório, com certeza na Liderança do partido. Mas nunca
integrou nossos quadros e nunca recebeu do PTB ou da minha parte, Presidente do
partido, delegação para pedir qualquer recurso a qualquer pessoa [...]
Sr. Presidente, li com carinho a matéria do rio jornalista. Quis saber quem é Policarpo
Júnior. Indaguei isso à minha assessoria de imprensa, que me disse: um homem sério,
correto. Duro, mas um homem correto, que não está livre de se enganar". Li com calma a
matéria que produziu, que envolve meu nome e mostra meu retrato embaixo, no momento
em que o Sr. Maurício Marinho recebia 3 mil reais, como se eu estivesse envolvido no
mar de corrupção que esse funcionário e os supostos empresários - dois arapongas -
dizem que existe na Empresa de Correios e Telégrafos.
O locutor se dirigiu aos companheiros de partido (ethos de legitimidade - quem fala é o
deputado Roberto Jefferson) e negou, através dos advérbios “jamais” e “nunca” (usado duas
vezes no fragmento), qualquer envolvimento político com Mauricio Marinho, tendo em vista
construir uma imagem de político idôneo e sério.
Além disso, através de uma modalidade delocutiva, ele negou ter conhecimento da existência
de corrupção nos Correios: “[...] esse funcionário e os supostos empresários dois arapongas
dizem que existe na Empresa de Correios e Telégrafos”, numa tentativa de se reafirmar na
cena como um político honesto e sério.
É importante ressaltar que, embora tenha negado as denúncias, implicitamente ele tentou
intimidar os adversários ao trazer à cena sua participação, como advogado, na CPI de PC
Farias:
Primeiro pronunciamento – fragmento 25
passei por uma CPI. Lembro-me de que, quando defendi Collor, o Senador Eduardo
Suplicy disse que eu havia levado 1 milhão de dólares do PC Farias para defender o
Collor. Fui sacudido de cabeça para baixo nesta Casa. Ao final da CPI, quem me
investigou foi o então Deputado Aloizio Mercadante, hoje Senador, que me disse:
"Roberto, você desculpe. Não nada contra você". Mas meu pai teve o sigilo quebrado,
assim como minha mãe, todos os meus 6 irmãos, meus filhos, minha esposa, todos. Passei
por esse sofrimento e não temo passar de novo.
Mas, ao longo do evento, a intenção do deputado “honesto” (provar sua inocência negando ter
conhecimento sobre a corrupção nos Correios) deu lugar a outra, que passou a ser seu
objetivo principal: denunciar o esquema do “Mensalão” (ethos de denunciante: o guia
supremo na figura do herói e do profeta). Isso ocorreu a partir dos depoimentos. Antes dessa
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Capítulo 04 - Roberto Jefferson: imagens de si e do outro
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denúncia, ele fez saber como se dá o financiamento de campanhas eleitorais no País e assumiu
que todos os parlamentares o realizam da mesma forma, inclusive ele. Vejamos:
Primeiro depoimento – fragmento 09
Explico a V.Exa. Não partido nenhum aqui que faça diferente, nem o de V.Exa.
Nenhum partido aqui, recebe ajuda na eleição que não seja assim; nenhum. Eu tenho
a coragem de dizer de público aqui: Eu não aluguei o meu partido, não fiz dele um
exército mercenário nem transformei os meus colegas de bancada em homens de
aluguel, mas eu sei de onde vêm os recursos das eleições e todos sabem. Aqui, todos
sabem de onde vêm. que nós temos a hipocrisia de não confessar ao Brasil. Eu estou
assumindo isso, aqui. E faço como pessoa física, faço como Roberto Jefferson. Os
dinheiros vêm dos empresários que, a maioria das vezes, mantêm relação com as
empresas públicas. É assim e sempre foi. E essas oligarquias antigas, corrompidas,
corrompedoras, acabaram por contaminar até a bandeira que, durante 25 anos, lutou a
favor da ética e da moralidade na coisa pública. Infelizmente, Sr. Presidente. Todo mundo
sabe de onde vem o recurso aqui. Não quem não faça eleição assim. Nós precisamos
é abrir aqui na Comissão de Ética essa ferida para que o Brasil saiba como é.
No fragmento acima (primeiro depoimento), o locutor declarou que todos os parlamentares
agem da mesma forma em relação ao financiamento de campanhas eleitorais e assumiu que o
seu partido também age da mesma maneira (ato declarativo de confissão), constituindo-se,
assim, na cena com um ethos de humanidade. Mas, negou ter recebido o “Mensalão”.
Além disso, ele denunciou também, na forma de revelação, o “Mensalão”, buscando se
constituir com um ethos de denunciante (o profeta e o herói). Em entrevista à repórter Renata
Lo Prete, da Folha de São Paulo, Roberto Jefferson contou que o governo do PT dera a
parlamentares do PP e do PL uma propina mensal de 30 mil reais em troca de apoio no
Congresso. O então deputado afirmou que o chamado “Mensalão” tinha sido pago por
Delúbio Soares até o início do ano, quando fora então suspenso:
Primeiro depoimento – fragmento
Desde agosto de 2003, é voz corrente em cada canto dessa casa, que o seu Delúbio, com o
conhecimento do seu Zé Genoíno....SIM... tendo como pombo-correio o seu Marcos
Valério, que é um carequinha que é publicitário lá de Minas Gerais, repassa dinheiro a
partidos que compõem a base de sustentação do governo no negócio chamado
mensalão.
Segundo o locutor, o dinheiro público é usado em campanhas eleitorais ao invés de ser
utilizado em benefício da sociedade, tentando se constituir como um denunciante: “o crime do
dinheiro do imposto”. Ao se manifestar contrário a essa prática (mostrou-se a favor do
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Capítulo 04 - Roberto Jefferson: imagens de si e do outro
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financiamento privado), ele propôs uma solução, “mágica”, para problemas sociais,
complexos, como a fome, a saúde e a educação (ethos de demagogo): põe em cena que o
dinheiro público usado nas campanhas eleitorais pode resolver todos os problemas sociais do
País.
Nesse sentido, ele buscou sensibilizar o povo através de um encadeamento de imagens que se
contrastavam e comoviam como, por exemplo: o político com a camiseta no corpo, mas o
velho no hospital sem remédio; o carro do político com a corneta de som, mas a criança fora
da escola; o político na faixa, no outdoor, mas o pobre sem comida. Vejamos o fragmento:
Segundo depoimento – fragmento 26
Eu não quero vestir amanhã uma camiseta Roberto Jefferson, Deputado Federal”,
sabendo que a camiseta que coloco no meu corpo tira do velho no hospital o remédio de
que ele precisa. Eu não quero botar uma corneta de som no meu carro, Sr. Presidente, Sr.
Relator, sabendo que vou tomar de uma criança a vaga na escola. Eu não quero estender
uma faixa,um outdoor, sabendo que o dinheiro público que vai para a minha campanha vai
tomar o prato de comida do pobre que não tem. Se fôssemos um país rico, tudo bem. Se
viesse o financiamento público para impedir o caixa dois, tudo bem. Ele não vem. Ele vai
somar crimes. O crime do dinheiro do imposto. Roubar do pobre em favor do
Governador, do Senador, do Deputado, do Vereador e do Prefeito e o crime do caixa
dois, que vai continuar a existir.
É importante salientar que, ao construir a imagem de denunciante (proposta a partir dos
depoimentos), o locutor pôs em cena que “falava” na condição de cidadão honrado e ser
humano “comum” (veja estruturas sintáticas subordinadas modais). Inclusive, ele negou o
papel social de deputado (como também o de advogado), conforme podemos ver na análise
das estruturas sintáticas coordenadas aditivas. Vejamos o fragmento:
Segundo depoimento– fragmento 09
“Enfrento uma luta aqui como cidadão, como homem, como chefe de família, como pai,
como avô, que sai daqui do Congresso Nacional da maneira que entrou: pela porta da
frente”
Sou (eu) um homem, com erros e acertos; defeitos e virtudes. E vou sair (eu) daqui de
cabeça erguida. Lendo Mateus eu vi lá escrito: “Não temais aquele que pode matar o
corpo, temei o que pode matar a sua alma e o seu espírito”. Um homem que não tem honra
não tem alma. O homem desonrado é um zumbi, não tem espírito.
No fragmento acima, ele ressaltou “falar” na condição de cidadão honrado, ser humano
“comum” (com erros e acertos, defeitos e virtudes), tendo em vista sensibilizar o povo e
angariar sua confiança e admiração.
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Essa imagem de ser humano “comum” parece estar atrelada ao discurso religioso: é um
homem de religiosidade. Podemos observar que o locutor agenciou uma citação bíblica com o
objetivo de reforçar o papel recém assumido (durante o evento, o locutor manifestou-se
também como um homem de religiosidade, tanto através da invocação do nome de Deus
quanto das citações e narrativas religiosas).
Podemos dizer que ocorreu uma mudança de estratégia no decorrer do evento: a imagem de
político honesto e sério, construída no primeiro pronunciamento, deu lugar a do denunciante
(depoimentos). O locutor negou os papéis sociais de parlamentar e advogado e assumiu os de
cidadão honrado e ser humano “comum” (depoimentos).
No entanto, o locutor não conseguiu se manter nesses papéis. Quem “disse”
predominantemente no evento foi o parlamentar: um representante do povo que denunciava o
esquema de pagamento de propina, pelo governo petista, a parlamentares do PP e do PL, em
troca de fidelidade aos projetos do governo, e propunha reformas políticas. Assim, prevaleceu
a imagem do denunciante na figura do herói e do profeta. Vejamos:
Segundo depoimento - fragmento 27
Eu vim dizer aos meus iguais, às minhas iguais, que quero contribuir para que esse
assunto possa ser discutido e debatido. Estamos às vésperas de reformas. Tenho ouvido
falar em financiamento público de campanha. Digo ao meu Partido, de que me afastei
como Presidente: é um escândalo o financiamento público, é um escândalo. Hoje, um
bilhão, pelos R$2,00 por voto que estamos vendo serem colocados a partir de agora no
Orçamento da União. Mas, lembrem-se, o senhor e a senhora que estão em casa, que quem
faz o Orçamento é o Congresso Nacional. Um bilhão hoje com o voto a R$2,00. Amanhã,
dois bilhões com o voto a R$4,00. Depois de amanhã, 3 bilhões vai custar a eleição com o
voto a R$6,00, porque quem faz o Orçamento somos nós, os que vamos nos beneficiar do
financiamento público.
Conforme podemos ver no fragmento acima, a maneira como o locutor dirigiu-se aos
interlocutores bem como outros índices lingüísticos põem em cena a imagem do parlamentar:
“Eu vim dizer aos meus iguais, às minhas iguais”; “Digo ao meu partido”.
Além de se manifestar como político honesto e sério, cidadão honrado, ser humano
“comum”, guia supremo (herói e profeta), o locutor se manifestou também como advogado
competente, embora tenha negado também esse papel social (veja estruturas sintáticas
coordenadas aditivas). Vejamos:
Estratégias Discursivas na CPMI dos Correios: O Caso Roberto Jefferson
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Capítulo 04 - Roberto Jefferson: imagens de si e do outro
171
Segundo pronunciamento – fragmento 28
“Exmo. Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sras. Deputadas, cidadão do Brasil que me ouve,
cidadã do Brasil que me ouve, começo percorrendo esta defesa em causa própria por uma
via não muito comum aqui na Casa. Confesso a dificuldade de fazê-lo, viu, Laurinha? Sou
bom advogado para os outros. Para mim...”.
A imagem do advogado apareceu no início do primeiro pronunciamento, ao se referir a PC
Farias, no sentido de causar temor nos adversários. Depois, ela foi sendo retomada em alguns
momentos do evento, com ênfase à competência do advogado: era um advogado
“competente”.
Em nossa opinião, ocorreu uma “dispersão” do “eu”, um esfacelamento dele em diversas
imagens, ou seja, o locutor foi enunciando, ao longo da CPMI dos Correios, vários ethé,
conforme seu projeto de fala: “o sujeito não é um” (NIETZSCHE
68
), “ele é fragmentado”
(LACAN, 1992)
Assim, disperso, mas constituindo um mosaico de imagens, ora ele era o cidadão honrado; ora
ele era o ser humano “comum”; ora era o político honesto e sério; ora era o advogado
competente; ora ele era o guia supremo (herói e profeta). No entanto, conforme dissemos,
predominou a imagem do guia supremo (herói e profeta), embora o locutor tenha tentado se
construir, principalmente, como cidadão honrado e como ser humano “comum” (ethé de
identificação). Vejamos o quadro 4:
68
Cf. Van Balen (1999).
Estratégias Discursivas na CPMI dos Correios: O Caso Roberto Jefferson
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Capítulo 04 - Roberto Jefferson: imagens de si e do outro
172
QUADRO 4
Principais imagens agenciadas pelo locutor durante a CPMI dos Correios
Forma pronominal
(subjetividade e unicidade)
“Caracteres” do “eu” (ethé) Gêneros discursivos
Político honesto e sério:
ethé de credibilidade -
dominação legal
69
Primeiro pronunciamento
Cidadão honrado: ethé de
identificação
Ser humano comum”:
ethé de identificação
Advogado competente:
ethé de credibilidade
“EU”
Guia supremo (herói e
profeta): ethé de
identificação - dominação
carismática
70
Depoimentos e segundo
pronunciamento
Apesar do uso acentuado do pronome “eu” ser passível de indicar ausência de credibilidade,
as estratégias referentes ao ethos nas quais o pronome se engajou foram de fundamental
importância na intenção de tornar o discurso crível e legítimo e fazer com que povo se
identificasse com as imagens produzidas. Além disso, em nossa opinião, o uso exarcebado do
pronome “eu” indica também personalização do discurso face ao embricamento com a mídia.
Embora em alguns momentos do evento o locutor tenha instituído explicitamente a mídia ou
os parlamentares como interlocutores, as marcas de primeira pessoa predominaram quando
ele se dirigia ao povo (o povo é seu principal interlocutor). O locutor tencionava o povo
brasileiro feliz e desejava que essa felicidade se concretizasse com o fim da corrupção cuja
raiz, segundo ele, está no financiamento público das campanhas eleitorais.
69
Subordina tanto o dominado quanto o dominante a um mesmo estatuto, evitando, assim, abusos de poder. Ela
supera a obediência tradicional (de cunho aristocrático) e a subordinação personalizada (carismática ou
sultânica) tendo em vista promover menor probabilidade de decisões arbitrárias. Ela acarreta maior estabilidade
na relação dominante/dominado, uma vez que os direitos deste estão previamente garantidos. Todavia, o
exercício legal/racional de dominação também envolve certa dose de força. Esta pode ser “ativa”, através de
agentes sociais, e estrutural, isto é, já implícita na situação (WEBER, 1982).
70
Esta dominação está fundamentada em uma devoção afetiva à pessoa e aos seus dotes sobrenaturais –
carismas, bem como a faculdades mágicas, revelações ou heroísmos, poder intelectual ou capacidade de
comunicação (WEBER, 1982).
Estratégias Discursivas na CPMI dos Correios: O Caso Roberto Jefferson
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Capítulo 04 - Roberto Jefferson: imagens de si e do outro
173
5.3.1.2. O uso do pronome “nós”
Segundo Benveniste (1995), a forma pronominal “nós” ora pode ser usada como um “nós
inclusivo” (eu + você(s)), referindo-se, concomitantemente, ao enunciador e ao co-
enunciador; ora como um “nós exclusivo” (eu + ele(s)) ao se afastar de seu co-enunciador ou
até mesmo unir-se a ele exclusivamente como um recurso discursivo.
O pronome “nós” pode se referir não a um “eu” ampliado, fazendo com que o sujeito seja
“uma pessoa mais massiva, mais solene e menos definida” (BENVENISTE, 1995, p. 258),
mas também a um “eu” genérico, em que o uso da forma pronominal “nós” coloca o sujeito
em uma dimensão mais ampla o “nós” de autor e de orador. Quanto a esta última categoria,
Maingueneau (1991) salienta que o “nóspode ser interpretado como um enunciador que não
é um indivíduo que fala em seu próprio nome, mas que, por um tipo de contrato
enunciativo”, coloca-se junto a uma coletividade investida da autoridade de um saber
legitimado por uma instituição.
O uso do pronome “nós”, sem determinante, possui uma natureza vaga, uma vez que não
sabemos quem se inclui na enunciação, o que implica uma estratégia de preservação de faces.
Delúbio Soares, por exemplo, durante o evento, agenciou, predominantemente, o pronome
“nós” sem determinante: Pegamos (nós) um empréstimo numa instituição financeira, via
terceiro, que é público, claro e notório, das empresas em que o Sr. Marcos Valério é sócio,
para fazer esses pagamentos” (Depoimento dado à CPMI dos Correios no dia 20/07/2005).
No entanto, é preciso ressaltar que posteriormente o então tesoureiro assumiu a
responsabilidade do empréstimo: Eu tenho a responsabilidade do empréstimo. A escolha do
empréstimo, a escolha da empresa para fazer o empréstimo e dos bancos é de minha
responsabilidade” (Depoimento dado à CPMI dos Correios no dia 20/07/2005).
O pronome “nós” agenciado durante o evento pelo locutor apresenta dois referentes, mas com
efeitos de sentido iguais:
Estratégias Discursivas na CPMI dos Correios: O Caso Roberto Jefferson
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Capítulo 04 - Roberto Jefferson: imagens de si e do outro
174
QUADRO 5
Referentes do pronome “nós” e possíveis efeitos discursivos
Forma pronominal
Referente(s) discursivo(s) Efeitos pretendidos
Nós 1
“Todos nós
parlamentares”
(Eu + você (s)
parlamentares
brasileiros).
Nós 2
“Todos nós petebistas” (Eu + você (s)
parlamentares
petebistas).
Ethos de
solidariedade
O mais usado refere-se a um locutor mais um interlocutor (Eu + você (s)) em que a forma
pronominal “eu” representa o parlamentar Roberto Jefferson, e “você” refere-se aos demais
parlamentares brasileiros. É um “nós” que se manifesta como os políticos que devem
satisfação à sociedade, uma vez que foram eleitos por ela para representá-la (representantes
do povo). Esse uso implica, conforme Charaudeau (2006, p.175), a instalação de um ethos de
“solidariedade” na convicção, no dever ou na ação. Vejamos o fragmento a seguir:
Segundo depoimento – fragmento 29
E as declarações à Justiça Eleitoral não traduzem a realidade; nem a minha, porque a
minha é igual à dos senhores, não é diferente. E onde enfrentamos esse problema,
Deputado Onyx? Eu assistia sábado ao Jornal Nacional e, de repente, entrou uma matéria
mostrando que o Coaf, por meio do Ministério Público Federal e a revista Istoé,
desvendou as contas do Sr. Marcos Valério. revestiu a realidade a prova que tanto foi
cobrada. No início me cobravam: “Provas, provas, provas”! A realidade foi vestida, vestiu
o discurso que fiz, as informações que dei
Conforme podemos ver no fragmento acima, o locutor agenciou o pronome “nós” tendo em
vista mostrar que todos os parlamentares praticam os mesmos atos quanto ao financiamento
das campanhas eleitorais no Brasil, portanto a responsabilidade é de todos. Essa estratégia foi
de fundamental importância à argumentação, uma vez que o locutor, na condição de acusado,
pôs em cena a seguinte premissa: como ser julgado por indivíduos que também praticam os
mesmos atos que eu?
É importante ressaltar que, no fragmento acima, o locutor instituiu como seu interlocutor o
Deputado Onyx Lorenzoni, sub-relator de Normas de Combate à Corrupção, tendo em vista
não só adverti-lo e constrangê-lo como também reforçar a defesa dele, depoente.
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Capítulo 04 - Roberto Jefferson: imagens de si e do outro
175
o outro uso da forma pronominal “nós” também põe em cena o ethos de solidariedade, mas
se refere ao locutor e aos políticos petebistas. Vejamos:
Segundo pronunciamento – fragmento 19
Pegamos (nós) a maçã envenenada que o Governo colocou no meio da mesa dos deuses,
porque aqui não tem índio, tem cacique, e estamos (nós) vivendo uma hora fratricida
[...].
No fragmento acima, o locutor pretendia mostrar que os petebistas foram traídos e não
somente ele (ethos de solidariedade), o que pode acarretar pressão maior sobre os adversários:
a força do grupo é maior do que a do indivíduo.
Embora os efeitos de sentido sejam os mesmos (ethos de solidariedade), temos o conjunto dos
parlamentares brasileiros e dois partidos políticos em destaque nesse conjunto. Os
parlamentares brasileiros, segundo o locutor, devem resposta ao povo, uma vez que foram
eleitos por ele. os petebistas, além de serem também representantes do povo, encontram-se
na condição de traídos por outro partido político, o PT (ethos de vítima).
5.3.1.3. O uso da “expressão” “a gente”
Segundo Lopes (1993), “a gente”, variante de “nós”, trata-se da expressão de um “eu-
ampliado” [eu+você(s), eu+ele/ela(s), eu+todos], denominado “pronome pessoal” (Luft, 1994;
Almeida, 1999) ou “pronome de tratamento ou indefinido”
71
.
A autora ressalta que vários lingüistas têm se ocupado da alternância das formas “nós” e “a
gente” no português brasileiro. Segundo Lopes, há uma diferenciação no emprego de “nós” e
“a gente” em relação a um uso mais restrito ou mais genérico. O favorecimento da forma
“nós” nas situações em que o falante expressa sua opinião é maior. Ao utilizar “a gente”, o
falante se descompromete com o seu discurso, comentando assuntos gerais e não particulares.
Durante a CPMI dos Correios, o locutor agenciou a “expressão” “a gente” com dois
referentes:
71
Adotamos a nomenclatura “expressão”, tendo em vista que não é nosso objetivo discutir esta questão aqui.
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Capítulo 04 - Roberto Jefferson: imagens de si e do outro
176
QUADRO 6
Referentes da “expressão” “a gente” e possíveis efeitos discursivos
“Expressão” Referente Efeito pretendido
Eu, Roberto Jefferson Ethos de modéstia A gente
Nós, os políticos Ethos de solidariedade
Em alguns momentos, o locutor agenciou a “expressão” “a gente”, referindo-se a todos os
políticos (ethos de solidariedade), com o objetivo de mostrar a responsabilidade de todos
perante o povo (representantes do povo):
Segundo depoimento – fragmento 30
Eu trouxe aqui, Srs. Senadores e Srs. Deputados, porque peguei na Justiça Eleitoral, todas
as prestações de contas, a minha e a dos senhores; na Justiça Eleitoral. Aí é o princípio da
mentira que a gente vive aqui.
Em outros, a “expressão” a gente” foi agenciada como marca de polidez, modéstia, levando
em conta que essa forma coloquial indica informalidade:
Segundo pronunciamento – fragmento 31
Por que sacrificar mandato parlamentar? Já vi tantas vezes isso! É sempre um esquema. Quem
vamos cassar? É como são essas CPIs aqui. Vamos fazer um acórdão aqui, vamos pegar uma
cabeça grande, vamos dar o Roberto Jefferson, o Zé Dirceu, vamos ver por baixo quem a gente
dá. Foram sempre assim as CPIs nesta Casa. E a gente encerra.
5.3.1.4. O uso da forma nominal “o PTB"
Segundo Charaudeau (1992), em muitos casos as marcas de primeira pessoa desaparecem,
dando lugar a formas lingüísticas cuja função principal é apagar a responsabilidade ou
participação do locutor com relação ao enunciado. Esse apagamento, segundo o lingüista,
pode ter dois efeitos principais: i) tornar o discurso “objetivo”, que a subjetividade do
locutor não aparece, pelo menos explicitamente; ii) tornar o discurso verdadeiro, uma vez que
é apresentado como certo e, portanto, relacionando-se à questão das modalidades.
Indursky (1997), por sua vez, ressalta que, quando a terceira pessoa é usada no lugar do
“eu”, simulando um apagamento do enunciador, há uma quarta pessoa discursiva. Nessa
perspectiva, o sujeito fica impessoalizado, uma vez que deixa de dizer “eu”, dando espaço
Estratégias Discursivas na CPMI dos Correios: O Caso Roberto Jefferson
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Capítulo 04 - Roberto Jefferson: imagens de si e do outro
177
para o acontecimento discursivo. Segundo a autora (1997, p. 23), o sujeito apresenta-se como
se fosse um outro, produzindo um efeito de sentido de simulação do preenchimento da forma-
sujeito (o sujeito simula seu apagamento, simultaneamente, sublinha o efeito de esvaziamento
da forma-sujeito, produzindo, portanto, a ilusão de que o acontecimento discursivo está
desvinculado do sujeito que constrói o discurso).
Em relação ao uso da terceira pessoa no lugar da primeira, Fiorin (2001) ressalta que esse uso
neutraliza o sujeito. Para o autor, as formas de terceira pessoa mais utilizadas para substituir o
“eu” são “ele” ou “ela” ou, ainda, com mais freqüência, um substantivo, sendo que, muitas
vezes, usa-se o nome próprio no lugar do “eu”. O autor ainda ressalta que também é comum
o “se” ou “a gente” como formas indeterminadas. Segundo o lingüista, quando se usa esse
tipo de embreagem, o enunciador aparece como que esvaziado de qualquer subjetividade,
apresentando-se apenas como papel social: o “ele” é um “eu” mantido à distância.
Durante a CPMI dos Correios, o locutor usou o referente “o PTB” como uma projeção do
lugar social em que estava inscrito, no intuito de criar um efeito de objetividade,
imparcialidade e, conseqüentemente, de dar mais credibilidade à sua fala. Parece que ele
tentou diluir-se no todo, de certa forma, apagar-se em uma massa amorfa, simulando o
silenciamento do “eu”. Vejamos o fragmento:
Segundo pronunciamento – fragmento 32
Sr. Presidente, Srs. Congressistas, o PTB quer enfrentar a reforma política. O que espera
de nós o povo que nos vê ao vivo aqui? Na raiz do “mensalão”, tenho certeza, está o troca-
troca de legenda, de partido. Até de “luvas” de R$1 milhão e financiamento de R$30 mil
de taxa de manutenção nós temos denúncia aqui na Casa. Uma Deputada vem e diz: “A
proposta a mim é R$1 milhão e R$30 mil por mês”. Por quê? Para que ela deixasse a
legenda original dela e fosse para outro partido.
No fragmento acima, o sintagma nominal “o PTB” assumiu o lugar do “eu”, Roberto
Jefferson; mas, também, do “nós”, os representantes do partido, o que nos permite dizer que é
um referente de terceira pessoa usado, estrategicamente, mascarando um “eu + eles
(petebistas)”, no intuito de dar mais força à argumentação. Na realidade, o locutor usou um
referente, que é uma instituição, para camuflar um desejo pessoal, mas que agenciado como
um desejo de um grupo tem mais força junto ao interlocutor. Nessa perspectiva, o “ele”
deixou de ser um referente conforme propõe Benveniste (1995) para se referir a uma pessoa
do discurso.
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Capítulo 04 - Roberto Jefferson: imagens de si e do outro
178
5.3.2. O jogo de relações enunciativas: os vínculos estabelecidos pelo locutor
Durante o evento da CPMI dos Correios, o locutor dialogou com o povo (seu principal
interlocutor), os parlamentares e a mídia, em especial com os jornalistas Policarpo Júnior, da
Revista Veja; Expedito Filho, do Estadão; Elimar Franco, do jornal O Globo, conforme
dissemos na análise dos contratos.
Ao se instaurar na cena, simultaneamente, instaurou o outro como “tu”, com o qual
estabeleceu, a partir de então, relações de força, caracterizadas, principalmente, pelas
categorias de interpelação, aviso (advertência) e julgamento ou aparentes relações de petição,
dentre as quais merecem destaque as categorias modais de interrogação e de pedido. Em
outras palavras, o ato de se pôr em cena implicou um interlocutor sobre o qual foi imposto um
comportamento de dizer ou fazer:
eu não emprego eu a não ser dirigindo-se a alguém, que será na minha
alocução um tu. Essa condição de diálogo é que é constitutiva da pessoa,
pois implica em reciprocidade – que eu me torne tu na alocução daquele que
por sua vez se designa por eu. Vemos aí um princípio cujas conseqüências é
preciso desenvolver em todas as direções. A linguagem só é possível porque
cada locutor se apresenta como sujeito, remetendo a ele mesmo como eu no
seu discurso. Por isso, eu propõe outra pessoa, aquela que, sendo embora
exterior a “mim”, torna-se o meu eco ao qual digo tu e que me diz tu
(BENVENISTE, 1989, p. 286, grifo do autor)
.
Acreditamos que a interação estabelecida entre “eu” e “tu” refere-se à tríade ethos, pathos e
pathos, uma vez que o vínculo entre os interactantes implica, sempre e necessariamente, a
construção de uma imagem de si com vistas à mobilização (dizer ou fazer) de determinado
indivíduo. Levar o outro a dizer ou fazer é possível à medida que o interlocutor se na
condição de influenciado, ou seja, sensibilizado pelo “eu”: “para que uma argumentação se
desenvolva é necessário, de fato, que aqueles a quem ela se destina lhe prestem alguma
atenção” (PERELMAN; OLBRECHTS-TYTECA, 2000, p. 20). Vejamos as principais
relações estabelecidas com os interlocutores durante o evento.
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Capítulo 04 - Roberto Jefferson: imagens de si e do outro
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5.3.2.1. O locutor e o povo: a afetividade
O locutor tentou estabelecer com o povo, principalmente, relações de afeto (cumplicidade e
amizade), tendo em vista criar efeito de envolvimento, comovê-los e conquistar sua simpatia
para as revelações que pretendia fazer. Apesar da busca desse efeito de afeto, ele manteve a
relação de poder, na qual ocupava o lugar hierarquicamente superior ao do povo.
Essa relação de afetividade atingiu seu ponto mais alto no final do evento (segundo
pronunciamento), quando o locutor teceu vários agradecimentos ao povo, representado
metonimicamente por familiares, colegas de trabalho, funcionários e amigos, tendo em vista
reafirmar-se na cena como “amigo” do povo. Discutiremos esta questão na subseção “O
domínio do estético, do hedônico e do ético: o herói e seus “amigos”.
Em nossa opinião, esse “ato de agradecimento” foi a cartada final” do locutor para tentar
fazer com que o povo aderisse de vez ao seu discurso (naquele momento estava para ser
votado o pedido de cassação do mandato do então deputado Roberto Jefferson). O locutor sai
de cena, mas sai com o povo.
5.3.2.2. O locutor e os parlamentares: a intimidação
No início do evento (primeiro pronunciamento), o locutor buscou estabelecer com os
parlamentares, sobretudo com a cúpula do PT, uma relação de afetividade, chegando,
inclusive, a chamar Genoino, presidente do PT, de amigo:
Primeiro pronunciamento – fragmento 33
Digo também ao meu amigo Genoino, que como eu não se afasta da ética - sempre tive
fama de troglodita, mas nunca de ladrão: o PTB não teme a CPI.
É importante lembrar que, naquele momento, a intenção do então deputado Roberto Jefferson
era apenas explicar as denúncias das quais era alvo (discurso de justificação). O Presidente
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Capítulo 04 - Roberto Jefferson: imagens de si e do outro
180
Lula chegou a mandar um recado ao aliado: “Diga ao Roberto Jefferson que sou solidário a
ele. Parceria é parceria. Tem de ter solidariedade
72
”.
No entanto, o apoio velado de Lula não servia a Roberto Jefferson. Ele queria sinais claros e,
sobretudo, explícitos de que contaria com o respaldo do governo para esmagar as denúncias.
Não os obteve. Em vez disso, José Dirceu deu uma entrevista na TV
73
na qual dizia que o
governo do PT não roubava nem deixava roubar. E evitou solidarizar-se com Jefferson.
A Revista Veja
74
novamente voltou a acusar o PTB e o presidente nacional do partido. Além
de suposto comandante do esquema de propinas dos Correios, Jefferson foi acusado de
ligação com grupos que roubavam no IRB, na Infraero, na Polícia Rodoviária Federal, no
INSS, na Agência Nacional do Petróleo, em Furnas e até no Instituto Nacional de
Traumatoortopedia. A oposição falava abertamente em criar uma CPI para investigar os
casos de corrupção no governo. O governo, por sua vez, fingia que o problema era única e
exclusivamente do PTB.
No final de maio de 2005, José Dirceu e o ministro Aldo Rebelo (Coordenação Política)
foram à casa de Roberto Jefferson para tentar acalmá-lo. No entanto, Jefferson não aceitou o
acordo proposto e ameaçou Dirceu: “Na cadeira em que eu me sentar na CPI, também vão se
sentar você, o Delúbio e o Silvinho”.
Em entrevista à repórter Renata Lo Prete
75
, Roberto Jefferson contou que o governo do PT
dera a parlamentares do PP e do PL uma propina mensal de 30 mil reais em troca de apoio no
Congresso. Segundo Jefferson, o chamado “Mensalão” tinha sido pago por Delúbio Soares
até o início do ano, quando fora então suspenso. Na entrevista, o deputado disse que alertou o
presidente Lula e os ministros José Dirceu, Aldo Rebelo, Antonio Palocci (Fazenda) e até o
petebista Walfrido dos Mares Guia (Turismo) sobre o esquema de compra de deputados.
72
PETRY, André. Diga-me com quem anda.... Revista Veja, São Paulo, ed. 1906, 2005. Disponível em:
<http://veja.abril.com.br/250505/p_038.html>. Acesso em 30 nov. 2006.
73
Em entrevista ao programa Roda Viva, em 16/05/2005, o ministro da Casa Civil, José Dirceu, negou ter
conhecimento de qualquer esquema nos Correios e declarou: “Este é um governo que não rouba, não deixa
roubar e combate a corrupção”.
74
JUNIOR, Policarpo; FRAGA, Ronaldo. Mesada de 400 000 reais para o PTB. Revista Veja, São Paulo, ed.
1906, 2005. Disponível em: <http://veja.abril.com.br/250505/p_040.html>. Acesso em 30 nov. 2006.
75
LO PRETE, Renata. Jefferson denuncia mesada paga pelo tesoureiro do PT. São Paulo, 06 de junho de 2005.
Folha de S. Paulo (conteúdo on-line). Disponível em:
<http://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc0606200502.htm> 4 de março de 2007
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Capítulo 04 - Roberto Jefferson: imagens de si e do outro
181
Roberto Jefferson percebeu que o governo e o PT não fariam nada para tirá-lo do problema
referente às denúncias de corrupção nos Correios. Chegou até a imaginar que José Dirceu, em
parceria com a ABIN, pudesse ter provocado a situação, a fim de eliminar um aliado que se
tornara inconveniente: “Estou percebendo que estão evacuando o quarteirão, e o PTB está
ficando isolado para ser explodido”, disse ele.
A partir de então, Roberto Jefferson passou tanto a tematizar quanto a interpelar os
adversários com a finalidade de ironizá-los, desqualificá-los e, principalmente, intimidá-los.
Vejamos:
Primeiro depoimento – fragmento 34
Quero dizer - e enfrentar aqui, porque isso vai para a CPI, esta é a preliminar-: o PTB
não é responsável pela corrupção nos Correios. Não é, Silvinho Pereira! Não é, José
Dirceu!
No fragmento acima, ele interpelou o ministro José Dirceu e o secretário do PT, Silvio
Pereira, segundo ele os responsáveis pelo esquema do “Mensalão”, nomeando-os pelos nomes
próprios, o que pôs em cena um ethos de familiaridade, e os intimidou-os. Assim, ele
estabeleceu com esses parlamentares relações de força.
Embora ele tenha delimitado quem eram seus adversários (a cúpula do PT), ele intimidou
outros parlamentares que se atreveram a questioná-lo como, por exemplo, a Senadora Ideli
(PT) que o interrompeu durante o depoimento dado à CPMI, alegando que ele não tinha
respondido às perguntas feitas pelo relator. Durante os depoimentos, o locutor intimidou
também parlamentares que, segundo ele, achavam-se na condição de julgá-lo. É importante
lembrar que o locutor ressaltou ser igual aos colegas parlamentares: referia-se ao fato de todos
praticarem os mesmos atos no que diz respeito ao financiamento de campanhas eleitorais no
Brasil. Portanto, a intimidação teve mais um caráter de advertência. Vejamos o fragmento:
Segundo depoimento - fragmento 35
É isso tudo, Sr. Relator, e peço desculpas; na próxima, vou procurar ser bem sintético; não
quero mais incomodar a Senadora Ideli, apesar de não estar preocupado com o julgamento
que ela faça de mim; não é para ela que falo, falo para o povo que me ; disso eu
passei, não é para ela que estou preocupado em falar, porque ela não é melhor do que eu,
nem V. Exª é. Os que aqui se arrostam juízes, vou questionar um por um. Vamos ver
se as práticas são diferentes daqueles que vão querer levantar a voz contra mim
.
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Capítulo 04 - Roberto Jefferson: imagens de si e do outro
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No fragmento acima, além de o locutor ter tentado se construir com uma imagem de corajoso,
intimidando os adversários, ele aproveitou o momento para tentar se construir também como
um político preocupado com o bem estar do povo (ethos de chefe): “[...] não é para ela que
falo, falo para o povo que me vê [...]”.
Em relação aos aliados, o locutor os interpelou ora por um pronome de tratamento,
mostrando-se “respeitoso”, ora pelo próprio nome (ethos de familiaridade), buscando
estabelecer uma relação de amizade. Vejamos:
Segundo depoimento – fragmento 36
Aí, o Ministro Walfrido disse: não, eu vou entrar nisso, vou conversar com o Ministro da
Justiça; não pode, eles não podem fazer isso com o PTB. Eu disse: Walfrido, acorda; está
vindo para o PTB. A mãe de meus filhos e avó de meus netos me liga no sábado
porque o jornal oficial, da imprensa oficial, O Globo, sai sábado; o jornal de domingo sai
sábado à tarde no Rio de Janeiro e diz: a matéria tem 8 páginas para te destruir. E me
mostrou a matéria da revista Época, com 3 páginas, para me destruir.
No fragmento acima, o locutor buscou mostrar que havia uma relação de amizade entre o
Ministro Walfrido e ele. No entanto, é importante salientar que o locutor se manifestou com
ressentimentos, durante o evento, não por ter sido traído pela cúpula do PT, segundo ele,
mas também por ter sido abandonado pelos seus aliados políticos (pathos de ressentimento).
5.3.2.3. O locutor e a mídia: o acordo e a acusação
A tentativa de fazer um acordo com a mídia talvez tenha sido uma das maiores estratégias do
locutor. No início do evento, ele tentou estabelecer uma relação aparentemente “amigável”
com o jornalista Policarpo Júnior
76
, da Revista Veja, responsável pela reportagem na qual foi
citado como principal envolvido no escândalo. Ele chegou, inclusive, a traçar uma imagem
“positiva” (pró-ethos) do então jornalista, mas ressaltando que esse havia se enganado,
conforme podemos ver a seguir:
76
Policarpo Júnior também foi o jornalista responsável pela divulgação da gravação na qual o ex-presidente do
IRB, Lídio Duarte, contava sobre o funcionamento do esquema coordenado por Jefferson nas estatais (REVISTA
VEJA, ed. 1906, 25/05/05).
Estratégias Discursivas na CPMI dos Correios: O Caso Roberto Jefferson
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Capítulo 04 - Roberto Jefferson: imagens de si e do outro
183
Primeiro pronunciamento – fragmento 37
Sr. Presidente, li com carinho a matéria do sério jornalista. Quis saber quem é Policarpo
Júnior. Indaguei isso à minha assessoria de imprensa, que me disse: "É um homem sério,
correto. Duro, mas um homem correto, que não está livre de se enganar" [...]
Para autenticar a tese de que o jornalista Policarpo era um indivíduo correto, mas havia se
enganado e, assim, se construir como um indivíduo sério, em um primeiro momento ele,
através do discurso direto, atribuiu a responsabilidade de tal imagem à sua assessoria de
imprensa.
Nessa nova enunciação, ele agenciou outro enunciador que pôs em cena uma estrutura
coordenada adversativa, na qual predominou a imagem de um jornalista passível de ter se
enganado. Logo depois, ele dirigiu-se a Policarpo, através da perífrase “desejo falar”, o que
implicou, de certa forma, um pedido e caracterizou um ethos de humildade e respeito pelo
então jornalista, confirmando a tese de que esse havia se enganado:
Primeiro pronunciamento – fragmento 38
Desejo falar um pouco agora para Policarpo Júnior, da Veja, a quem respeito e de quem
minhas assessoras de imprensa fizeram as melhores anuências: a matéria está
equivocada. A revista não pesquisou nada para receber essa fita. Repito: não pesquisou
nada
Em nossa opinião, o locutor tentou fazer com que a mídia fosse sua aliada, uma vez que sabia
de seu poder na sociedade - a mídia é o elo entre a instância política e a instância pública, um
dos instrumentos simbólicos de poder na sociedade (BOURDIEU, 2005).
No entanto, no decorrer do evento, uma vez que o locutor não conseguiu nenhum apoio da
mídia
77
, estabeleceu uma relação completamente diferente com ela. Passou a interpelar,
diretamente, o jornalista Policarpo Júnior, sempre no sentido de desacreditar a matéria
referente às denúncias e a alegar que a Revista Veja fazia parte de um complô (Teoria da
Conspiração). Vejamos o fragmento:
77
A mídia continuou a cercar Roberto Jefferson. Veja a seção “A narratividade: a história do “Mensalão” na
perspectiva do herói”.
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Capítulo 04 - Roberto Jefferson: imagens de si e do outro
184
Primeiro pronunciamento – fragmento 39
Policarpo, a matéria é tão frágil porque você atribui ao PTB empresas que o PTB
não tem. Não é o Maurício. É o próprio Policarpo. Ele diz aqui que a TRANSPETRO é
uma empresa de interesses do PTB, que o Diretor da TRANSPETRO, Álvaro Gaudêncio
Neto, é indicação do PTB. Não é. A matéria está equivocada. Nunca indicamos um diretor
para a TRANSPETRO [...]
No fragmento acima, ele dirigiu-se ao jornalista, nomeando-o pelo nome próprio (ethos de
familiaridade), na tentativa de desacreditar a matéria que, segundo ele, era frágil uma vez que
a lista dos cargos ocupados por seus afilhados
78
estava errada (agenciou uma oração
coordenada explicativa). A partir de então, durante todo o evento, o locutor tentou
desacreditar a Revista Veja, desqualificando-a
79
.
Além de Policarpo, ele dialogou também com o jornalista Expedito Filho, do Estadão, a quem
chamou, sempre, de amigo, com a finalidade de desconstruir o ethos pré-discursivo de
troglodita temido (homem violento e autoritário). Discutiremos essa questão, mais
detalhadamente, na subseção “A desconstrução do vilão”.
O locutor afirmou que poderia ter dado entrevista ao jornal O Estado de São Paulo, mas esse,
segundo ele, embarcou no linchamento, não se preocupou com ele, não lhe deu oportunidade
de defesa.
Ainda, o locutor interpelou Elimar Franco, do jornal O Globo, respondendo a uma acusação
do então jornalista:
Primeiro pronunciamento – fragmento 40
Quero dizer para a Casa sem nenhum problema quais são os cargos que o PTB ocupa no
Governo do Presidente Lula: Diretoria Administrativa da ELETRONUCLEAR;
Diretoria da BR Distribuidora - aliás, Elimar Franco publica isso hoje, em O Globo;
Presidência do IRB; Vice-Presidência da Caixa Econômica Federal; Presidência da
ELETRONORTE; e uma Diretoria na EMBRATUR [...]
No fragmento acima, através de uma ressalva (oração interferente), introduzida pelo operador
argumentativo “aliás”, que funcionou como um argumento decisivo, o locutor interpelou o
78
Segundo Lídio Duarte, a operação da máquina que arrecadaria recursos para o PTB incluía jantares na casa de
Jefferson em Brasília com todos os seus afilhados e a exigência de que cada um deles gerasse uma determinada
quantia de dinheiro em arrecadação para o partido por mês. A premissa era de que em troca da indicação para o
cargo o indicado teria de ajudar o PTB (FIGUEIREDO, 2006).
79
Veja seção “A organização descritiva: imagens do outro”.
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Capítulo 04 - Roberto Jefferson: imagens de si e do outro
185
jornalista Elimar Franco, do Jornal O Globo, para listar os cargos ocupados pelo PTB no
Governo de Lula. É importante ressaltar que o jornal “O Globo”, tendo em vista mostrar a
influência de Jefferson e de seus afilhados no governo, trouxe como principal reportagem um
texto indicando que os aliados do presidente do PTB ocupavam oito cargos importantes no
governo, responsáveis pela gestão de cerca de R$ 4 bilhões anuais – o que por si só já era uma
demonstração da falta de influência que José Dirceu disse a Jefferson ter.
Durante o evento, o locutor teceu várias descrições pejorativas ao Jornal O Globo:
Segundo pronunciamento – fragmento 41
O jornal que vive de manchete escandalosa, de libelos, quer acertar sempre com o
Governo. Quanto mais panfletária é a manchete, maior é o cheque que vão sacar no
banco oficial. Refiro-me a O Globo. Na área econômica, na área cultural, na área de
esporte, não tenho nada a dizer de O Globo. Mas, politicamente, é um jornal amoral.
Falido, fiou-se sempre nos cofres públicos, nas contas do povo do Brasil. O povo do
Brasil paga as contas de O Globo.
Passou a dizer que havia um complô da mídia. Acusou vários órgãos da imprensa de
trabalharem a favor do Governo Federal, entre eles o jornal “O Globo, a quem denominou de
“Diário Oficial do Governo”. Segundo Roberto Jefferson, a Revista Veja era politicamente
favorável ao PSDB: “A Veja não, a Veja é dos tucanos”. Criticou também a TV Globo e a
revista Época, insinuando que favoreciam o governo em suas reportagens.
O locutor interpelou a mídia, especialmente o jornalista Policarpo Júnior (Revista Veja), com
a finalidade de persuadir a opinião pública e não a própria mídia:
Com efeito, como a argumentação visa obter a adesão daqueles a quem se
dirige, ela é, por inteiro, relativa ao auditório que procura influenciar. Como
definir semelhante auditório? Será a pessoa que o orador interpela pelo
nome? Nem sempre: o deputado que, no Parlamento inglês, deve dirigir-
se ao presidente pode estar procurando convencer não só os que o
ouvem, mas ainda a opinião pública de seu país. (PERELMAN;
OLBRECHTS-TYTECA, 2000, p.21, grifo nosso).
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Capítulo 04 - Roberto Jefferson: imagens de si e do outro
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5.3.3. O jogo de posicionamentos enunciativos: a verdade do locutor
Conforme dissemos, no início do evento da CPMI dos Correios (primeiro pronunciamento)
o locutor negou saber sobre a corrupção nos Correios
80
. Inclusive, negou qualquer vínculo
político com Mauricio Marinho (Marinho dizia fazer parte de um esquema de arrecadação de
dinheiro para o PTB, do ex-deputado Roberto Jefferson – financiamento de campanhas
eleitorais). Portanto, naquele momento foram recorrentes os atos de fala refutativos expressos,
principalmente, por meio das subordinadas concessivas e das coordenadas adversativas.
No entanto, à medida que o locutor foi sendo exposto aos depoimentos, em um primeiro
momento ele assumiu (fez saber) e declarou (e confessou), principalmente através das orações
subordinadas comparativas e do agenciamento do pronome “nóse da “expressão” “a gente”,
que o financiamento das campanhas eleitorais no Brasil é irregular, além de ser realizado, da
mesma forma, por todos os parlamentares, inclusive por ele, o que constituiu uma forte
estratégia, uma vez que colocou os adversários, investidos do papel de inquiridores, no
mesmo patamar no qual se encontrava: réu. Vejamos o fragmento:
Segundo depoimento - fragmento 42
Eu trouxe aqui, Srs. Senadores e Srs. Deputados, porque peguei na Justiça Eleitoral, todas
as prestações de contas, a minha e a dos senhores; na Justiça Eleitoral. Aí é o princípio da
mentira que a gente vive aqui.
Não há, povo do Brasil, cidadã do Brasil, cidadão do Brasil, eleição de deputado
federal que custe menos de um milhão, ou de um milhão e meio de reais. Mas a
média, aqui na CPI e da Câmara dos Deputados, a prestação de contas é de R$100 mil.
Não há eleição de Senador da República que custe menos de dois milhões, R$3
milhões, mas a prestação de contas que exibo...
Não eleição de Senador que custe menos de dois milhões, R$3 milhões. Eu quero
mostrar a V. Exªs e ao povo do Brasil. Porque esse julgamento aqui do Plenário não me
preocupa, Senador. Não é pra vocês que eu tou falando. Nenhuma preocupação. É com o
povo que me vê lá fora.
Não uma eleição de Senador com menos de dois milhões, R$3 milhões e a
prestação de contas, a média é duzentos e cinqüenta mil. Esse processo começa na
mentira e deságua no PC Farias, deságua nos outros tesoureiros de campanha, agora no Sr.
Delúbio, agora no Sr. Marcos Valério. Esse afrouxamento é que tem levado ao
enfraquecimento da Câmara dos Deputados, do Governo Federal e dos Governos dos
Estados.
Fui ao Rio de Janeiro ver a prestação de contas do meu candidato a prefeito e comparei a
prestação de contas da candidatura dele com a do ex-candidato José Genoíno para
governador de São Paulo. É de deixar a gente perplexo. Ou alguém tem dúvida de que a
campanha mais rica de 2002 foi a campanha do PT? A mais milionária, a mais poderosa
em todo o Brasil, do Oiapoque ao Chuí, de Leste a Oeste.
80
Um esquema de pagamento de propina para fraudar licitações.
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Capítulo 04 - Roberto Jefferson: imagens de si e do outro
187
E as declarações à Justiça Eleitoral não traduzem a realidade; nem a minha, porque a
minha é igual à dos senhores, não é diferente. E onde enfrentamos esse problema,
Deputado Onyx? Eu assistia sábado ao Jornal Nacional e, de repente, entrou uma matéria
mostrando que o Coaf, por meio do Ministério Público Federal e a revista Istoé,
desvendou as contas do Sr. Marcos Valério. revestiu a realidade a prova que tanto foi
cobrada. No início me cobravam: “Provas, provas, provas”! A realidade foi vestida, vestiu
o discurso que fiz, as informações que dei.
No fragmento acima, em um primeiro momento, o locutor denunciou (e confessou) que, em
relação ao financiamento de campanhas eleitorais, todos os parlamentares vivem uma grande
mentira, inclusive ele (reconhecimento de culpa que invoca um ethos de humanidade), tendo
em vista se colocar no mesmo patamar de seus colegas parlamentares e, de certa forma,
intimidá-los.
É importante observar que, através da inserção
81
porque peguei na Justiça Eleitoral” (a
palavra Justiça Eleitoral foi usada repetidamente no fragmento), ele buscou dar mais força à
intimidação, uma vez que se referia a documentos oriundos de um órgão que tem
credibilidade perante o povo: a Justiça Eleitoral. Além disso, por meio do dêitico “aí”,
referindo-se à Justiça Eleitoral, constatou também o lugar de origem da mentira vivida pela
classe política brasileira, o que, a nosso ver, também reforçou a intimidação
82
.
Nessa perspectiva, ele se dirigiu ao povo brasileiro e, através de atos de refutação
retificadores
83
, denunciou as reais práticas de financiamento eleitoral no Brasil (ethos de
denunciante), fazendo saber, primeiramente, sobre as contas de deputado federal. Através do
aposto “na CPI”, que ampliou a dimensão do dêitico “aqui”, e da adjunção “a prestação de
contas”, ele tentou desqualificar a CPI e a Câmara dos Deputados. Em seguida, o locutor fez
saber sobre a prestação de contas dos Senadores, repetindo o ato de refutação que denunciava
essas contas.
Através de um período explicativo refutativo complexo
84
, ele continuou a intimidar os
parlamentares e se mostrou preocupado com o bem estar do povo (não admite que o povo seja
enganado), buscando se construir na cena com um ethos de chefe: “Porque esse julgamento
81
Esse “fenômeno” é conhecido na Gramática Normativa por oração intercalada/interferente.
82
Segundo Jefferson, todos os políticos fazem caixa 2, uma vez que a legislação eleitoral que nós temos ainda é
a do Marechal Castelo Branco (JEFFERSON, 2006, p. 182).
83
No ato de fala refutativo retificador o foco da negação incide sobre o conteúdo posto em seu conjunto
(NAGAMINE, 1998, p. 91).
84
Cf. Kury, 1997.
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Capítulo 04 - Roberto Jefferson: imagens de si e do outro
188
aqui do Plenário não me preocupa, Senador
85
. Não é pra vocês que eu tou falando. Nenhuma
preocupação. É com o povo que me vê lá fora”.
É importante ressaltar que o locutor levou uma pasta vermelha repleta de “documentos”
segundo ele, prestação de contas eleitorais de deputados e senadores no momento em que
discursava, retirava os referidos “documentos” da pasta, o que por si caracterizava um
gesto de intimidação
86
.
O locutor refutou a tese de que estava preocupado com o julgamento dos colegas
parlamentares, alegando que falava para o povo e não para os parlamentares. É importante
observar que no ato de justificação ele referiu-se aos parlamentares por vocês” e usou um
lexema da norma não padrão “tô”, a nosso ver, no sentido de mostrar desprezo. Além disso,
ele parafraseou esse ato refutativo, tendo em vista reforçar a intimidação.
Segundo ele
87
, o financiamento irregular é operado sempre da mesma forma, pela mesma
gente, isto é, através de um operador e/ou um tesoureiro, citando PC Farias, tesoureiro de
Collor, Delúbio e Marcos Valério, com o intuito de defender a reforma política e culpar o
próprio sistema pelos escândalos de corrupção – ressaltou, através de um tema marcado, que o
afrouxamento é o responsável pela corrupção: “Esse afrouxamento é que tem levado ao
enfraquecimento da Câmara dos Deputados, do Governo Federal e dos Governos dos
Estados”. Roberto Jefferson se referia à forma como as campanhas eleitorais no Brasil são
financiadas, uma prática que vem, segundo ele, desde o governo do Marechal Castelo Branco.
Nesse sentido, todos os parlamentares são iguais, pois praticam, ainda segundo Roberto
Jefferson, caixa 2.
Ele denunciou que todos os parlamentares financiam suas campanhas da mesma forma, mas
enfatizou as contas do PT, tendo em vista desqualificá-lo. Segundo ele, comparou as contas
85
Ele se dirigia ao Deputado Saturnino que tentava tomar-lhe o turno para protestar.
86
Com mais de duas horas de atraso, Jefferson chegou à CPI com uma maleta vermelha de rodinhas, levantando
burburinhos sobre a possibilidade de ter trazido “provas”. Dentro da pasta vermelha, porém, estavam pastas de
documentos, inclusive as prestações de contas eleitorais dos integrantes da CPI (FOLHA ON-LINE, 01/07/2005,
p. 1).
87
Toda classe política brasileira compartilha a culpa pelo afrouxamento moral nas regras de financiamento das
campanhas eleitorais – esta mentira que, no governo Lula, desaguou em Delúbio Soares e Marcos Valério, como
tinha desaguado, no passado, em PC Farias. É isso que tem levado ao enfraquecimento do Congresso Nacional,
do governo federal e dos governos estaduais. Nessa culpa somos todos iguais (JEFFERSON, 2006, p. 22).
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Capítulo 04 - Roberto Jefferson: imagens de si e do outro
189
do ex-candidatado a governador de São Paulo, José Genoíno (PT)
88
, com as de seu candidato
a prefeito e ficou perplexo. Através de uma interrogativa e depois de uma comparação, ele
dirigiu-se aos interlocutores para mostrar sua consternação e revelou que as campanhas do PT
em 2002, especificamente na derrota de José Genoíno para o governo de São, tinham sido
milionárias e não estavam representadas nas contas eleitorais oficiais: “Ou alguém tem dúvida
de que a campanha mais rica de 2002 foi a campanha do PT? A mais milionária, a mais
poderosa em todo o Brasil, do Oiapoque ao Chuí, de Leste a Oeste. E as declarações à Justiça
Eleitoral não traduzem a realidade; nem a minha, porque a minha é igual à dos senhores, não é
diferente”. Finalmente, ele revelou que as declarações feitas à Justiça Eleitoral são
fantasiosas.
É importante salientar que o ato de fala declarativo, tanto de confissão quanto de denúncia e
de revelação, ocorreu no domínio da verdade e contribuiu para a constituição do ethé de
identificação (ethos de denunciante na figura do herói e do profeta). Consideramos denúncia
diferente de revelação, embora essas palavras se encontrem dicionarizadas com o mesmo
sentido. A nosso ver, a revelação é da ordem do profeta, do divino e diz respeito à divulgação
de coisa ignorada, como o esquema do “Mensalão”, por exemplo. Já a denúncia é da ordem
do herói e se refere à evidência de algo não ignorado pelo outro (por isso se diz delatar). Em
nossa opinião, o herói denunciou o financiamento ilegal de campanhas eleitorais no Brasil. O
profeta revelou a verdade sobre o esquema do “Mensalão”.
No fragmento a seguir (já no primeiro depoimento), o locutor combinou atos refutativos com
constatativos e com declarativos (confissão, denúncia e revelação), tendo em vista denunciar e
revelar:
Primeiro depoimento – fragmento 09
Explico a V.Exa. Não partido nenhum aqui que faça diferente, nem o de V.Exa.
Nenhum partido aqui, recebe ajuda na eleição que não seja assim; nenhum. Eu tenho a
coragem de dizer de público aqui: Eu não aluguei o meu partido, não fiz dele um
exército mercenário nem transformei os meus colegas de bancada em homens de
aluguel, mas eu sei de onde vêm os recursos das eleições e todos sabem. Aqui, todos
sabem de onde vêm. que nós temos a hipocrisia de não confessar ao Brasil. Eu estou
assumindo isso, aqui. E faço como pessoa física, faço como Roberto Jefferson. Os
dinheiros vêm dos empresários que, a maioria das vezes, mantêm relação com as
empresas públicas. É assim e sempre foi. E essas oligarquias antigas, corrompidas,
corrompedoras, acabaram por contaminar até a bandeira que, durante 25 anos, lutou a
favor da ética e da moralidade na coisa pública. Infelizmente, Sr. Presidente. Todo mundo
88
Presidente do PT.
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Capítulo 04 - Roberto Jefferson: imagens de si e do outro
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sabe de onde vem o recurso aqui. Não quem não faça eleição assim. Nós precisamos é
abrir aqui na Comissão de Ética essa ferida para que o Brasil saiba como é.
Constatou que todos os parlamentares agem da mesma forma em relação ao financiamento de
campanhas eleitorais e assumiu que o seu partido também age da mesma forma (ato
declarativo de confissão), constituindo-se, assim, na cena com um ethos de humanidade. Mas,
negou ter recebido o “Mensalão”.
Concomitantemente a essas constatações e confissões, ele denunciou também, na forma de
revelação, o “Mensalão”, buscando se constituir com um ethos de denunciante (o profeta e o
herói). Em entrevista à repórter Renata Lo Prete, da Folha de São Paulo, Roberto Jefferson
contou que o governo do PT dera a parlamentares do PP e do PL uma propina mensal de 30
mil reais em troca de apoio no Congresso. O então deputado afirmou que o chamado
“Mensalão” tinha sido pago por Delúbio Soares até o início do ano, quando fora então
suspenso:
Primeiro depoimento – fragmento 10
Desde agosto de 2003, é voz corrente em cada canto dessa casa, que o seu Delúbio, com o
conhecimento do seu Zé Genoíno....SIM... tendo como pombo-correio o seu Marcos
Valério, que é um carequinha que é publicitário lá de Minas Gerais, repassa dinheiro a
partidos que compõem a base de sustentação do governo no negócio chamado
mensalão.
Além disso, ele denunciou irregularidades na Diretoria de Informática dos Correios e na
Valec Engenharia, Construções e Ferrovias S.A, na Ferrovia Norte-Sul (FNS) e no
Departamento Nacional de Infra-estrutura e Transportes (DNIT).
Nesse sentido, ele se manifestou como um indivíduo que detinha um saber, ou seja, um
segredo (o governo petista pagava uma mesada de 30 mil a parlamentares do PP e do PL para
que esses aprovassem projetos no governo), portanto detinha também determinado poder.
Em algum aspecto, ele se assemelha a Édipo Rei: detém um segredo, portanto detém dado
poder: “[...] pessoas, um soberano, um povo - ignorando uma certa verdade, conseguem [...]
descobrir uma verdade que coloca em questão a própria soberania do soberano”
(FOUCAULT, 2003, p. 31).
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Capítulo 04 - Roberto Jefferson: imagens de si e do outro
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No entanto, na trama da CPMI dos Correios, o povo e o soberano não descobrem a verdade,
mas esta lhes é oferecida, de presente e, como em Édipo Rei, ela também põe em perigo a
soberania do soberano. Na trama, a verdade é como em Édipo: ela é prescritiva e profética,
embora aquele que traz a verdade (o profeta) aponte o passado e o presente:
Segundo depoimento – fragmento 16
“Se PC “faria” - e fez -, hoje, Delúbio e Marcos Valério fazem e outros que virão
continuarão a fazer se não mudarmos essas práticas de financiamento eleitoral”
A verdade, conforme ressalta Foucault (2003), não vem completa, embora, diferentemente da
perspectiva do filósofo, ela tenha a dimensão do presente, da atualidade, da designação de
alguém (Delúbio Soares e Marcos Valério) e o testemunho do que realmente aconteceu (PC
Farias).
O locutor via-se como portador de uma verdade que deveria ser revelada ao povo (ele era a
própria verdade), tendo em vista salvá-lo das garras do mal, o PT: ele é o guia supremo na
figura do profeta e do herói. Mas a verdade completa precisa de testemunhas. Portanto, ele
agenciou o discurso direto, as máximas, os provérbios, as citações e as narrativas religiosas,
além das narrativas infantis.
5.3.4. O jogo de “vozes” enunciativas: as testemunhas do locutor
A verdade necessita de testemunhas. O discurso do locutor da CPMI dos Correios é, portanto,
marcado por uma importante multiplicidade discursiva. estão as enunciações que nem
sempre pertencem ao campo político como, por exemplo, os aspectos religiosos e os
populares (as máximas, os provérbios, as narrativas infantis), além do discurso direto, postos
em cena como testemunhas de suas revelações.
Os provérbios, segundo Maingueneau (2001, p. 169), são fundamentalmente polifônicos, uma
vez que o enunciador apresenta sua enunciação como uma retomada de inúmeras enunciações
anteriores, as de todos os locutores que já proferiram aquele provérbio. Proferir um provérbio,
na concepção do autor, significa fazer com que seja ouvida, através de sua própria voz, outra
voz, a da “sabedoria popular”, à qual se atribui a responsabilidade pelo enunciado. O
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enunciador não explicita a fonte desse enunciado: cabe ao co-enunciador identificar o
provérbio como tal, apoiando-se, ao mesmo tempo, nas propriedades lingüísticas do
enunciado e em sua própria memória. Na perspectiva de Aristóteles (2005, p. 151), “os
provérbios são testemunhos em causas jurídicas [...]”.
Durante o evento da CPMI dos Correios, os provérbios foram usados pelo locutor para
testemunhar sua verdade. Para sustentar a tese de que o esquema do “Mensalão” era de
responsabilidade da cúpula do PT (segundo o locutor, o PT roubou mais que qualquer outro
partido - e roubou sozinho), o locutor agenciou, num tom sentencioso, o provérbio: “Quem
nunca comeu mel quando come se lambuza”. Vejamos o fragmento:
Segundo pronunciamento – fragmento 43
O PT não tem projeto de governo. Quero dizer o PT nesse Campo Majoritário e essa
cúpula que assaltou o Brasil. Rato magro. Quem nunca comeu mel quando come se
lambuza. Rato magro. PC Farias é aprendiz de feiticeiro ante essa gente que assaltou o
Brasil. Rato magro. Mas nunca bati no peito para dizer que sou o paladino da ética e o
campeão olímpico da moralidade.
o discurso direto, segundo Maingueneau (2001), não se satisfaz em eximir o enunciador de
qualquer responsabilidade, mas ainda simula restituir as falas citadas e se caracteriza pelo fato
de dissociar claramente as duas situações enunciativas: a do discurso citante e a do discurso
citado. O discurso direto foi usado pelo locutor geralmente para criar um efeito de
autenticidade, distanciar-se do que foi dito ou apresentar-se objetivo e sério.
Através desse recurso, o locutor retratou os diálogos que teve com seus interlocutores,
principalmente, com o Presidente Lula, tendo em vista trazer mais autenticidade e dar mais
credibilidade ao seu discurso, conforme podemos ver a seguir:
Primeiro pronunciamento – fragmento 44
Noutro dia, o Presidente Lula me perguntou: "Roberto, com o que você sonha, o que
você quer?" Eu respondi: "Sonho em construir um grande partido. Não quero ser
Ministro, não quero ser Governador de Estado, não sonho em ser Senador da República.
Quero construir um grande partido, o grande PTB.
No fragmento acima, o locutor, tendo em vista “provar” que era um político sério e idealista,
amigo íntimo do Presidente Lula, agenciou o discurso direto do então presidente, autoridade
política máxima do País. Ele fez falar o presidente, atribuindo-lhe a responsabilidade da fala,
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Capítulo 04 - Roberto Jefferson: imagens de si e do outro
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dando a conhecer não o que o presidente dizia, mas, sobretudo, como dizia (“tom” de
amizade entre os interactantes).
Quanto às citações religiosas (também bastante agenciadas pelo locutor), ocorre um
distanciamento entre o discurso citado e o que cita. Conforme ressalta Maingueneau (2001), é
como se o locutor dissesse: o que eu digo é verdade porque não sou eu que o digo, como
também o contrário. O locutor citado é um não-eu em relação ao locutor que cita, ele constitui
também uma autoridade que protege o discurso do locutor que cita. No caso do discurso
religioso, esse distanciamento e essa ambigüidade devem ser apagados, uma vez que, para o
interlocutor desse discurso, a única palavra que se deve presentificar é a do locutor (o divino).
Vejamos o fragmento a seguir:
Segundo depoimento – fragmento 08
Enfrento uma luta aqui como cidadão, como homem, como chefe de família, como pai,
como avô, que sai daqui do Congresso Nacional da maneira que entrou: pela porta da
frente. Ninguém vai me botar de joelhos e de rabo entre as pernas. Ninguém. Ninguém vai
me acanalhar. Ninguém.
Sou um homem, com erros e acertos; defeitos e virtudes. E vou sair daqui de cabeça
erguida. Lendo Mateus eu vi escrito: “Não temais aquele que pode matar o corpo,
temei o que pode matar a sua alma e o seu espírito”. Um homem que não tem honra
não tem alma. O homem desonrado é um zumbi, não tem espírito.
No fragmento acima, o locutor agenciou um texto da Bíblia Sagrada, tendo em vista passar
para o interlocutor a imagem de autenticidade e fidelidade para com a palavra citada: a honra
é a maior virtude de um homem (o locutor tentou se construir durante o evento como um
cidadão honrado). Uma instituição religiosa se vale, portanto, da autoridade do discurso
bíblico para pregar suas verdades. O locutor se anulou diante do enunciador posto em cena
(Mateus), pois as palavras do discurso bíblico não podem ser atribuídas a um locutor comum.
Sendo divinas, emanando de Deus, elas constituem a verdade eterna e incontestável.
Acreditamos que as citações e as narrativas religiosas, postas em cena pelo locutor durante o
evento da CPMI dos Correios, auxiliaram também na constituição do ethos de homem de
religiosidade e de profeta, no sentido de ser aquele que conhece a palavra sagrada.
O locutor fez alusão a várias narrativas infantis, as quais também foram importantes na
constituição das imagens de si e do outro (dimensão representacional) e na patemização
(dimensão emotiva). Dentre essas narrativas merece destaque a referência ao conto
maravilhoso “A roupa nova do imperador”, de Hans Christian Andersen (1837), posto em
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Capítulo 04 - Roberto Jefferson: imagens de si e do outro
194
cena pelo locutor para comparar o Presidente Lula ao monarca da história: um rei ingênuo e
omisso. Discutiremos essa questão na subseção denominada “Lula: de homem do povo a rei
ingênuo e omisso”.
Na seção seguinte, analisaremos a história do “Mensalão” contada na ótica de Roberto
Jefferson.
5.4. A narratividade: a história do “Mensalão” na perspectiva do herói
“Um político divide os seres humanos em duas
classes: instrumentos e inimigos”.
Nietzsche
Nesta seção analisamos a história do “Mensalão” na perspectiva de Roberto Jefferson. Nosso
objetivo consiste em verificar quem são as principais personagens, como elas foram inseridas
na trama e qual foi o papel narrativo de cada uma delas, além do papel do narrador na trama.
O narrador da história do “Mensalão” (o escândalo dos Correios virou escândalo do
“Mensalão” e se desdobrou em outros tantos pequenos escândalos) tornou-se protagonista da
trama a partir de uma denúncia da Revista Veja
89
que o revelou como o principal responsável
pelo suposto esquema de corrupção na Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos. O artigo
descrevia, com base em gravações feitas com uma câmera escondida, um episódio em que o
diretor do Departamento de Contratação e Administração de Material dos Correios, Mauricio
Marinho
90
, parece explicar a dois empresários como funcionava um esquema de pagamentos
de propina para fraudar licitações. Na realidade, esse narrador somente se atribuiu a função de
narrador após as denúncias da e na mídia (a história contada pela mídia passa a ser contada na
visão do protagonista – narrador-protagonista).
Esse esquema seria supostamente gerido pelo diretor de Administração dos Correios, Antônio
Osório Batista, e por ele, Roberto Jefferson, deputado federal pelo Rio de Janeiro e presidente
do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), aliado do governo. O deo, que foi ao ar pelas
principais redes de televisão, mostra Marinho embolsando a quantia de R$ 3 mil, referentes a
89
JUNIOR, Policarpo. O homem-chave do PTB. Revista Veja, São Paulo, ed. 1905, 18 de maio de 2005.
Disponível em: http://veja.abril.com.br/180505/p_054.html. Acesso em 30 nov. 2006.
90
Alegava fazer parte de um esquema de arrecadação de recursos para a campanha do PTB.
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Capítulo 04 - Roberto Jefferson: imagens de si e do outro
195
um suposto adiantamento para garantir uma fraude. Assim, o narrador foi inserido na trama
discursiva na condição de vilão (acusado/anti-ethos). Vejamos:
FIGURA 8 - O narrador-protagonista é inserido na trama pela mídia como vilão
Mas, à medida que foi sendo exposto em depoimentos
91
, ele criou novos fatos político-
discursivos, passando ao papel de acusador (ethos de herói) e envolvendo novos participantes
e sujeitos discursivos no caso. É importante ressaltar que a trama teve início com a denúncia
da Revista Veja sobre o suposto esquema de corrupção nos Correios e culminou com o
escândalo do “Mensalão”. Vejamos:
FIGURA 9 - O narrador-protagonista denuncia o esquema do “Mensalão”
Curiosamente, durante o evento, o narrador-protagonista ressaltou:
Não sou ator. Não faço
aqui o papel do herói, porque não sou. Não sou melhor do que nenhum dos senhores; não
sou melhor do que nenhuma das senhoras. Sou igual. Não faço o papel de vilão, porque não
sou. E os senhores e as senhoras não são melhores do que eu (Primeiro depoimento
fragmento 12).
O narrador-protagonista apresentou-se, durante a trama, como um tipo de narrador-
historiador, uma vez que tentou organizar a representação da história contada da maneira mais
objetiva possível, mais próxima dos fatos da realidade, utilizando dados, valores, testemunhos
e documentos. Durante os depoimentos, por exemplo, fez questão de fornecer informações,
dados e números que pudessem ser averiguados tais como, o lugar onde os assessores dos
parlamentares recebiam o “Mensalão”, os registros na portaria do prédio, o valor sacado nas
91
Acredita-se que o acontecimento decisivo para a instalação da CPMI tenha sido a manchete do Jornal Folha de
São Paulo de 3 de junho “Operação abafa da CPI custa R$ 400 mi”. No artigo “Operação contra CPI envolve R$
400 milhões em emendas”, publicada na seção “Brasil”, o jornal denuncia que o governo estaria liberando a
quantia acima na forma de emendas ao orçamento, como moeda de troca para que o Legislativo não fizesse
nenhuma investigação.
Parlamentares
(o “Mensalão”)
Denúncia
Roberto Jefferson
(herói)
Revista Veja
Roberto Jefferson
(vilão)
Denúncia
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Capítulo 04 - Roberto Jefferson: imagens de si e do outro
196
contas do Banco Rural em Minas Gerais ou no Brasília Shopping, conforme podemos ver no
fragmento a seguir:
Segundo depoimento – fragmento 45
seis meses, e a imprensa notícia disso, o Estadão e O Globo noticiaram: a ABIN
infiltrar agentes lá, nos Correios, para descobrir irregularidades licitatórias em contratos.
A competência é tão grande que a ABIN conseguiu que os seus agentes filmassem um
“petequeiro”, um leviano apanhando R$3mil num movimento de contratos de bilhões, mas
a ABIN foi incapaz de dizer ao Governo, à Casa Civil, ao Presidente da República, ao
chefe da segurança institucional do Brasil que o Sr. Marcos Valério, versão moderna
embacaqueada do Sr. PC Farias, sacava um milhão por dia nas contas do Banco
Rural, ou sacava em Minas Gerais, ou aqui no prédio do Brasília Shopping, no nono
andar, onde muitos assessores dos que recebem “Mensalão” e que estão registrados
na portaria subiam até o escritório do banco para receber 30, 40, às vezes 20, e até
R$60 mil [...]
Assim, ele implicou o interlocutor na trama enquanto destinatário de uma história contada que
este deveria receber e, eventualmente, verificar, como representação de uma história real.
Além disso, ele interveio na narrativa, na condição de autor-indivíduo, sendo que sua
narrativa apresentava marcas discursivas que remetiam tanto ao seu contexto sócio-histórico
contemporâneo quanto ao seu pensamento ideológico (manifestou-se, predominantemente,
através da primeira pessoa do singular), tendo em vista produzir um efeito de verismo
(segundo ele, estava sendo vítima de um complô) e/ou de apelo a compartilhar de seus
pensamentos ou de uma experiência vivida. Ao se manifestar dessa forma, tornou-se uma
personagem que se dirigiu ao interlocutor de maneira explícita, apresentando-se como um
contador-testemunha de sua própria vida ou dos momentos de sua vida (contou uma história
da qual ele era personagem principal). Inseriu-se no interior da narrativa, uma vez que a
personagem principal, o herói, era ele mesmo, embora negasse esse papel.
A narrativa, em seu conjunto, conforme salienta Charaudeau (2008, p, 195), seguiu o
princípio da elocutividade, ou seja, o narrador contou uma história, predominantemente, na
primeira pessoa do singular, na qual narrador e herói eram supostamente idênticos. Em
relação às personagens, o narrador apresentou tanto um ponto de vista objetivo quanto
subjetivo. Ele mostrou a aparência física, os fatos e gestos visíveis das personagens, ou seja,
todas as coisas que pudessem ser percebidas (vistas) ou verificadas por outro sujeito diferente
dele que se encontrasse em sua condição de narrador. Por exemplo, ele salientou que a
personagem Marcos Valério era careca, tendo em vista compará-la a PC Farias: “De repente o
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Capítulo 04 - Roberto Jefferson: imagens de si e do outro
197
carequinha deixou de fora o que o PC Farias fez no passado, o rabo. E a Coaf mostrou os
saques dele [...] (Primeiro depoimento – fragmento 46).
Ainda ele salientou sentimentos, pensamentos, impulsos interiores das personagens, os quais
não seriam necessariamente percebidos como tais nem verificados por outro sujeito diferente
dele, que estivesse em seu lugar. Por exemplo, ressaltou que a personagem Molina era muito
bem-falante, delicada, gentil e habilidosa: “No dia 3 ou 4 de março deste ano, [...] meu filho,
Roberto Filho, assessor do Prefeito da Capital paraense, me disse: “Oh! Pai, está aqui um
moço da Fundação Getúlio Vargas, do Rio de Janeiro, Comandante Molina, que quer falar
com você, pai”. Falei: “Ué? Convida ele, nós estamos jantando aqui no hotel, ele pode sentar
conosco à mesa” [...]. Pois bem, sentou-se comigo, muito bem-falante, delicado, gentil e
habilidoso [...]” (Primeiro pronunciamento – fragmento 47).
É importante salientar que o ponto de vista do narrador-protagonista em relação às
personagens esteve sempre a serviço da argumentação. Ao descrever a personagem Marcos
Valério, por exemplo, o narrador tinha por finalidade mostrar a semelhança entre esta e PC
Farias, tesoureiro de Collor, conforme já dissemos. Discutiremos os pontos de vista do
narrador-protagonista na seção intitulada “A organização descritiva: imagens do outro”.
A história contada pelo narrador-protagonista foi, a princípio, uma resposta às denúncias da
Revista Veja. Ou seja, ele contou sua própria versão sobre o fato ocorrido nos Correios, tendo
em vista explicar seus atos e refutar as denúncias (discurso da justificação), colocando-se,
inicialmente, na condição de vítima de chantagem por parte de alguns empresários
92
. É
importante ressaltar que, embora tenha se dirigido à mídia e aos parlamentares, seu alvo
principal era o povo brasileiro. Vejamos:
92
Pronunciamento realizado por Roberto Jefferson na Câmara dos Deputados, no dia 17 de maio de 2005
(Primeiro pronunciamento).
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Capítulo 04 - Roberto Jefferson: imagens de si e do outro
198
FIGURA 10 - O narrador-protagonista tece discurso de justificação
Na Tribuna da Câmara, o narrador-protagonista rebateu as primeiras acusações de que era o
chefe do esquema nos Correios e de que temia uma CPI. Ele se dispôs, inclusive, a assinar o
requerimento para sua criação e colocou à disposição todos os cargos do PTB no governo - o
de ministro do Turismo, ocupado por Walfrido dos Mares Guia, e as diretorias na Caixa
Econômica Federal, Eletronuclear, Eletronorte, BR Distribuidora, Instituto de Resseguros do
Brasil (IRB) e Instituto Brasileiro do Turismo (EMBRATUR). Também negou ter indicado
Marinho para os Correios. Sua nomeação, segundo ele, havia sido feita pelo então diretor de
Administração da estatal, Antônio Osório Batista, este sim indicado pelo PTB, que fazia parte
da direção nacional. Para ilustrar a situação que vivia com Marinho, ele usou um exemplo do
começo de sua carreira de advogado. Naquele momento, o narrador-protagonista contou ter
sido alvo de uma chantagem organizada por Arlindo Molina e José Fortuna, os quais
defendiam interesses de empresas da área de informática nos Correios
93
(Teoria da
Conspiração). Segundo ele, foi procurado duas vezes por Molina, uma em Belém do Pará e a
segunda em seu gabinete na Câmara, e somente o atendeu por se tratar de um pedido do líder
do PMDB no Senado, Ney Suassuna (PMDB-PB) (CAMAROTTI; DE LA PEÑA, 2007).
Em síntese, naquele momento, até Marinho, o narrador-protagonista indiretamente defendeu
ao advogar a tese de que Fortuna queria prejudicá-lo porque ele havia anulado uma
concorrência na qual ele teria interesse e Molina oferecia a fita com a gravação a ser
negociada. O narrador-protagonista salientou que não queria novamente enfrentar a fama de
corrupto, que o PTB era igual ao PT e até citou o então presidente do partido, José Genoíno,
que depois anunciou como partícipe do esquema, para dizer que queria ver tudo apurado.
93
Mais tarde, o empresário Arthur Waschech, depois de preso, admitiu ter contratado o amigo Joel dos Santos
Filho para fazer a gravação com Marinho.
Parlamentares
Povo
Mídia
Roberto Jefferson
(discurso de
justificação)
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Capítulo 04 - Roberto Jefferson: imagens de si e do outro
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Com esse discurso, o narrador-protagonista acreditava ter dado uma resposta convincente à
sociedade e ter resolvido o problema (CAMAROTTI; DE LA PEÑA, 2007).
Somente depois de ter sido exposto na mídia, pela mídia, e, conseqüentemente a
depoimentos
94
, é que o narrador-protagonista “contou” a história do “Mensalão”, não
negando as acusações; mas, sobretudo, tecendo denúncias e revelações (ethos de denunciante:
o herói e o profeta). Assim, temos:
FIGURA 11 - O narrador-protagonista tece discurso de acusação
Mas, o que o levou a mudar de estratégia após o pronunciamento na Tribuna?
Os articuladores do governo, temendo a instauração da CPI dos Correios, fizeram um acordo
com Jefferson que, depois de saber que Marinho o poupara na Polícia Federal, prometeu
retirar sua assinatura e o apoio de seu partido à CPI dos Correios. José Dirceu, ministro da
Casa Civil, preocupado com os efeitos da abertura de investigações no Congresso para o
governo, prometeu a Jefferson, em troca, o que não poderia fazer: influenciar a cobertura da
imprensa do caso (CAMAROTTI; DE LA PEÑA, 2007). Em seu primeiro depoimento ao
Conselho de Ética no dia 14/06/2005, Jefferson descreveu o encontro e a manobra feita
naquele momento. Vejamos o fragmento:
Primeiro depoimento – fragmento 48
Quando recuei da CPI, tirei minha assinatura, me enfraqueci; quando acolhi o pedido, Sr.
Presidente, Sr. Relator, do Ministro Aldo Rebelo, em especial o do Ministro José Dirceu,
naquela manhã de terça-feira, na véspera da reunião da Comissão Executiva Nacional do
meu partido. No meio da reunião, chega um termo de um boletim que, no meio do
depoimento do Sr. Marinho, prestava depoimento naquela hora. À Polícia Federal ele
94
Instalou-se uma CPMI para apurar os fatos.
Parlamentares
Povo
Mídia
Roberto Jefferson
(discurso de
acusação)
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Capítulo 04 - Roberto Jefferson: imagens de si e do outro
200
desqualificara a fita e reafirmara o que dissera na carta: não conheço o Deputado Roberto
Jefferson; o que fiz foi leviandade da minha parte; eu não peguei 3 mil reais para dar para
o PTB, mas como parte de um contrato de consultoria de 15 mil, onde fui consultado.
Estavam em casa, sentados na minha sala, o Ministro José Dirceu e o Ministro Aldo
Rebelo. Eu falei: Zé, isso aqui me permite voltar, porque o que me move é lavar a honra
do meu partido; é a honra pessoal, é a honra da minha família; é a honra da cidade onde eu
nasci”. E disse a ele: “Você tem como me ajudar na Veja?” Ele falou: “Não, a Veja é
tucana”. Você tem como ajudar no O Globo?” Ele falou: “Esse eu tenho, por cima; esse
eu seguro”. E não segurou não, porque o enfraquecimento do PTB recrudesceu a ação da
Polícia Federal contra o Partido Trabalhista Brasileiro, contra mim [...].
Jefferson esperava que a onda de denúncias contra ele e seu partido se não acabasse pelo
menos diminuísse. Mas isso não aconteceu. Na realidade, o cerco na mídia foi aumentando.
Primeiro, houve a fita, revelada pela Revista Veja. Depois as denúncias de que o corretor de
seguros Henrique Brandão, dono do grupo Assurê e amigo de Jefferson 30 anos,
intermediava negócios com estatais e no Instituto de Resseguros do Brasil (IRB), agravadas
pelas declarações do ex-presidente da estatal, Lídio Duarte, indicado pelo PTB, de que vinha
sendo pressionado por Jefferson e pelo seu amigo Brandão para obter R$400 mil mensais para
o partido. Afilhado do PTB, Lídio Duarte havia contado ao repórter Policarpo Júnior, da
Revista Veja, em uma conversa gravada, como funcionava o esquema que seria coordenado
por Jefferson nas estatais. A operação da máquina que arrecadaria recursos para o PTB,
segundo Lídio, incluía inclusive jantares na casa de Jefferson em Brasília para todos os seus
afilhados e a exigência de que cada um deles gerasse uma determinada quantidade de dinheiro
em arrecadação para o partido por mês. A premissa era de que em troca da indicação para o
cargo o indicador teria de ajudar o PTB. Mas, na semana da publicação da revista, Lídio
prestou depoimento à Polícia Federal e recuou sobre o que havia dito. A Revista divulgou a
gravação na qual o ex-presidente do IRB contava o funcionamento do esquema
(CAMAROTTI; DE LA PEÑA, 2007).
Os jornais continuaram mostrando a influência de Jefferson e de seus afilhados no governo.
Em uma reportagem, o Globo mostrou que os aliados do presidente do PTB ocupavam oito
cargos importantes no governo, responsáveis pela gestão de cerca de R$4 bilhões anuais.
A revista Época revelou a existência de um laranja do deputado que tinha participação em
duas rádios no interior do estado do Rio de Janeiro. Apresentado como ex-motorista, ex-
segurança e ex-funcionário do gabinete do deputado e atualmente dono de uma sorveteria em
Cabo Frio, no litoral norte do Rio de Janeiro, Durval da Silva Monteiro seria o representante
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Capítulo 04 - Roberto Jefferson: imagens de si e do outro
201
de Jefferson nas rádios. No entanto, o que parece ter irritado mais o deputado não foi a
acusação, mas sim uma entrevista com Durval publicada pela revista. Em uma conversa com
o repórter Nelito Fernandes, o sorveteiro se apresentava como um amigo íntimo do casal, a
quem tratava por Roberto e Ecila (ex-mulher de Roberto Jefferson):
Puxa, eu brincava com a
Ecila! Eu agarrava e jogava no colo do Roberto, ela de baby-doll, pô! Nós éramos grandes amigos. Eu
lia o jornal para ele na porta do banheiro. Ele deixava a porta aberta e eu lia aqueles jornais todinhos
na porta do banheiro para ele, pô!. Ele exigia que eu estivesse na casa dele de manhã cedo para tomar
café com ele. Quando eu briguei com ela, ele falou? “O que você quer que eu faça? Que eu me ajoelhe
para você?”Eu falei para ele: “Roberto, você tem sua mulher, cara. Eu não sou sua mulher, não sou seu
homem. Então você tem que olhar o lado da sua mulher. Você vai ficar zangado com a tua mulher e
bem comigo?”(Revista Época
95
).
Assim, o narrador-protagonista, ao contar a história do “Mensalão”, trouxe para a cena
personagens
96
envolvidas na trama que acreditava ser peças estratégicas de fundamental
importância à sua defesa, dentre as quais merecem destaque Mauricio Marinho, diretor do
Departamento de Contratação e Administração de Material dos Correios; Policarpo Júnior,
jornalista responsável pela matéria da Revista Veja; Expedito Filho, jornalista do Estadão;
Elimar Franco, jornalista do jornal O Globo; Comandante Molina; Coronel Fortuna; Antônio
Osório, seu amigo e diretor do ECT; o Presidente Lula; Valdemar Costa Neto, presidente do
PL; Sandro Mabel, líder do PL; José Dirceu, ministro da Casa Civil; Marcos Valério,
empresário; José Genoíno, presidente do PT; Delúbio Soares, tesoureiro do PT; Sílvio Pereira,
secretário do PT; o povo, em sua condição de cidadão e também representado,
metonimicamente, por familiares, colegas de trabalho, funcionários e amigos íntimos.
O narrador-protagonista, ao inserir as personagens na trama, configurou a nação brasileira - o
presidente da República, o povo, os parlamentares, a mídia, os órgãos públicos e as empresas
privadas - que será, posteriormente, descrita na seção intitulada “A organização descritiva:
imagens do outro
97
. Vejamos o quadro:
95
FERNANDES, Nelito. E apareceu um laranja. Revista Época, Rio de Janeiro, ed. 368, p. 38-41, Jun. 2005.
96
Referimo-nos tanto à tematização quanto à interpelação de objetos discursivos.
97
Isso não quer dizer que o narrador inseriu as personagens na trama e depois as descreveu como se fossem
“atividades” separadas.
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Capítulo 04 - Roberto Jefferson: imagens de si e do outro
202
QUADRO 7
Principais personagens inseridas na trama pelo narrador-protagonista
Policarpo Júnior/Revista Veja (pró-ethos e
anti-ethos
98
)
Expedito Filho/Jornal Estadão (pró-
ethos)
Elimar Franco/ Jornal O Globo (anti-
ethos)
Mauricio Marinho/Correios (anti-ethos)
Comandante Molina (anti-ethos)
Coronel Fortuna (anti-ethos)
Antônio Osório (pró-ethos)
Presidente Lula ((pró-ethos e anti-ethos)
José Dirceu (anti-ethos)
Marcos Valério (anti-ethos)
José Genoíno ((pró-ethos e anti-ethos)
Delúbio Soares (anti-ethos)
Silvio Pereira (anti-ethos)
O povo (pró-ethos)
Valdemar Costa Neto/PL (anti-ethos)
Roberto Jefferson
(narrador-protagonista)
Sandro Mabel/ PL (anti-ethos)
Ele inseriu as personagens na trama, tematizando-as ou interpelando-as, no tempo e no espaço
que criava também ser oportuno. A princípio, o narrador-protagonista trouxe para a cena
narrativa os indivíduos que estavam diretamente envolvidos nas denúncias feitas pela Revista
Veja como, por exemplo, Antônio Osório, Comandante Molina, Mauricio Marinho, Coronel
Fortuna, além do jornalista Policarpo Júnior, da referida revista, responsável pela matéria a
respeito do escândalo, com a finalidade de esclarecer os fatos e mostrar que a mídia havia
distorcido as declarações (discurso de justificação). Isso pode ser observado no primeiro
pronunciamento feito por Jefferson na Câmara dos Deputados no dia 17/05/2005, momento
em que travou um forte diálogo com Policarpo Júnior, jornalista da Revista Veja.
Na trama, o narrador-protagonista estabeleceu com as personagens uma relação no domínio
da amizade: um jogo no qual ele pôs em cena dois valores antagônicos, a amizade versus a
inimizade, sendo que ora uma determinada personagem foi agenciada como sua amiga”; ora
como sua “inimiga”. Por exemplo, o Presidente Lula foi inserido na trama como “amigo”;
permaneceu durante quase toda a CPMI com essa caracterização, mas acabou com o atributo
98
O narrador-protagonista inseriu as personagens na trama narrativa e as descreveu pejorativamente (anti-ethos)
e positivamente ((pró-ethos), tendo em vista seu projeto de fala.
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Capítulo 04 - Roberto Jefferson: imagens de si e do outro
203
de “inimigo” no desfecho do evento, fato que discutiremos detalhadamente na seção
denominada “A organização descritiva: imagens do outro”.
A questão da amizade foi fundamental à argumentação do narrador-protagonista, uma vez que
ela contribuiu na constituição das imagens de si e do outro (dimensão representacional) e na
patemização (dimensão emotiva). O narrador-protagonista estabeleceu uma relação de
amizade estratégica que é, a nosso ver, peculiar à política: são seus amigos o povo e o
presidente do País. Na concepção de Aristóteles:
o amigo figura também entre as coisas agradáveis; porque é agradável amar
[...] e é agradável ser amado; pois também neste caso uma pessoa tem a
impressão de possuir um bem desejado por todos os homens dotados de
sentimento, e ser amado é ser objecto de afeição por si mesmo. É
igualmente agradável ser admirado pela mesma razão que receber honras
[...] (ARISTÓTELES, 2005, p. 137).
A relação estabelecida no domínio da amizade foi o alicerce de outros domínios
argumentativos como o da verdade e o da ética (CHARAUDEAU, 1992), uma vez que,
inicialmente, o efeito pretendido pelo narrador-protagonista era desacreditar seus “inimigos”
e, conseqüentemente, tornar crível sua fala. Assim, ele inseriu as personagens na trama
narrativa e foi descrevendo-as, “positivo” (pró-ethos) ou “negativamente” (anti-ethos), ao
longo do evento, conforme o grupo a que pertenciam. Se essas eram adversárias, eram,
portanto, sem virtudes, falaciosas e vice-versa. Essa estratégia foi de suma importância,
principalmente, na formulação do ethos de “político honesto e sério” (ethé de credibilidade)
versus a do “indivíduo desonesto e falacioso” (anti-ethos), questões que discutiremos na
subseção denominada “A metamorfose do vilão: nasce um profeta, forma-se um herói”.
É interessante observar que, em momento algum, o narrador-protagonista interpelou
determinadas personagens como, por exemplo, Marcos Valério, Mauricio Marinho,
Comandante Molina e Coronel Fortuna, talvez, pelo fato de não considerá-las importantes o
suficiente para trazê-las diretamente à cena narrativa (o narrador-protagonista salientou que
Mauricio Marinho, por exemplo, era um “Zé Ninguém”) ou por acreditar que suas “falas”
fossem demasiadamente comprometedoras.
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Capítulo 04 - Roberto Jefferson: imagens de si e do outro
204
Ao contrário, com outras personagens, ele interagiu, diretamente, através de atos de fala
interpelativos ou interrogativos (relações de força que puseram em cena o “poder” do
narrador-protagonista) como, por exemplo, José Dirceu, Policarpo Júnior, Expedito Filho,
Delúbio Soares, Valdemar Costa Neto etc. Geralmente, ele interpelava para tentar estabelecer
um acordo com os adversários, adverti-los ou intimidá-los. A interpelação de algumas
personagens, como foi o caso de José Dirceu, por exemplo, teve por finalidade intimidar e
desqualificar o então ministro.
O narrador-protagonista dividiu as personagens em cinco classes: i) os parlamentares; ii) o
povo; iii) os órgãos públicos; iv) a mídia; v) as empresas privadas. Essas foram agrupadas em
dois domínios, conforme salientamos: o dos “amigos” e o dos “inimigos”. Vejamos cada
domínio separadamente.
5.4.1. Os “inimigos” do herói
No grupo dos inimigos estão alguns jornalistas tais como, Policarpo Júnior (Revista Veja) e
Elimar Franco (O Globo); os políticos José Dirceu, Delúbio Soares e Sílvio Pereira (cúpula do
PT), Valdemar Costa Neto (Presidente do PL), Sandro Mabel (líder do PL) e, ainda, Mauricio
Marinho, Marcos Valério e alguns órgãos governamentais como, por exemplo, a Polícia
Federal, o Ministério Público e a Agência Nacional de Inteligência (ABIN). É importante
lembrar que o narrador-protagonista alegava haver um complô entre a cúpula do PT, a Revista
Veja, a ABIN, a Polícia Federal e o Ministério Público para incriminá-lo (Teoria da
Conspiração). Vejamos como alguns desses “inimigos” foram inseridos na trama.
5.4.1.1. O presidente, os parlamentares, os órgãos públicos e as empresas privadas
Na concepção do narrador-protagonista, dentre os “nobres parlamentares”, eram seus
principais “inimigos” a cúpula do PT (Delúbio Soares, José Dirceu, José Genoíno e Sílvio
Pereira); o líder do PL (Sandro Mabel) e o presidente do PL (Valdemar Costa Neto).
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Capítulo 04 - Roberto Jefferson: imagens de si e do outro
205
É importante ressaltar que a história do “Mensalão”, na realidade, pôs em cena o confronto
político entre a cúpula do Partido dos Trabalhadores (José Dirceu, Delúbio Soares, José
Genoíno e Silvio Pereira) e Roberto Jefferson, presidente do Partido Trabalhista Brasileiro.
Nesta trama, alguns partidos da base aliada também foram citados como, por exemplo, o PL,
representado por Valdemar Costa Neto e Sandro Mabel, e o PP, representado por José
Janene
99
. Segundo o narrador-protagonista, esses “inimigos” representavam o “mal” que
assolava o povo e que, portanto, deveria ser combatido pelo herói, o “Salvador da Pátria”.
Embora o narrador-protagonista tenha tematizado sobre essas personagens, principalmente
sobre José Genoíno, predominou a interpelação. Ao tematizar, ele desqualificava tanto o
parlamentar quanto seu discurso, tendo em vista se construir como um indivíduo crível: ele é
o político honesto e sério. ao interpelar, ele ironizava e intimidava os adversários, o que
punha em cena um indivíduo debochado e corajoso.
O narrador-protagonista salientou que nem todos os políticos do PT estavam envolvidos no
esquema do “Mensalão” e nomeou, através de nomes próprios acompanhados de adjuntos
adnominais (artigos), os responsáveis, o que acarretou efeitos tanto de familiaridade quanto de
evidência, conforme podemos ver no fragmento a seguir:
Segundo depoimento – fragmento 49
Não quero acusar o PT integralmente. É a cúpula: o Presidente do PT, José Dirceu; o
Vice, José Genoino; o Delúbio; o Silvinho Pereira [...].
É interessante observar que, ao delimitar os “inimigos”, pôs em destaque, por meio de apostos
designativos, a função exercida pelos dois primeiros acusados (Presidente do PT e Vice),
tendo em vista reforçar o efeito de evidência e também causar surpresa no interlocutor. O
aposto exerce uma importante função argumentativa, uma vez que, ao acrescentar uma
informação nova ao sintagma nominal, precisa com mais evidência e verismo o elemento
especificado.
Nessa perspectiva, o narrador-protagonista delimitou quem eram seus “inimigos”: “também é
estimado um príncipe quando sabe ser verdadeiro amigo e verdadeiro inimigo, isto é, quando,
99
Roberto Jefferson alegava que o PT pagava mensada ao PL e ao PP.
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Capítulo 04 - Roberto Jefferson: imagens de si e do outro
206
sem nenhuma preocupação, procede abertamente em favor de alguém, contra um
terceiro(MAQUIAVEL, 1999, p. 132, grifo nosso). Por meio de afirmações, ele declarou
verdadeiro um saber que acreditava ser uma dúvida do interlocutor, se atribuindo uma posição
de autoridade, no sentido de desqualificar o Governo e os adversários petistas e,
conseqüentemente, de se construir como um indivíduo crível: “nem todos os petistas estão
envolvidos no esquema, somente a cúpula: José Dirceu, José Genoíno, Delúbio e Silvio
Pereira”.
Além disso, o narrador-protagonista desvinculou o Presidente Lula de seu partido, o PT,
inserindo-o inicialmente na trama como seu amigo”. Vejamos a seguir dois diálogos entre as
personagens:
Primeiro pronunciamento – fragmento 50
Noutro dia, o Presidente Lula me perguntou: "Roberto, com o que você sonha, o que você
quer?" Eu respondi: "Sonho em construir um grande partido. Não quero ser Ministro, não
quero ser Governador de Estado, não sonho em ser Senador da República. Quero construir
um grande partido, o grande PTB".
Primeiro depoimento – fragmento 51
o Presidente bateu na minha perna e me disse: “Roberto, e o PTB?” Eu digo: “Não
está bem, não, Presidente. Infelizmente tudo que é tratado aqui não é cumprido. O
Dirceu não tem palavra, o que ele diz não cumpre, e eu tenho contra mim essa tentação do
“mensalão”, que é um negócio que está enfraquecendo o senhor na Casa.” Ele falou:
“Mas que é “mensalão”, Roberto?” Quando eu contei eu sou um homem vivido,
tenho mais de 200 júris feitos na minha vida, tenho uma trajetória, tenho 23 anos de
mandato —, a reação do Presidente foi de facada nas costas. “Que é isso?” Eu contei,
as lágrimas desceram dos olhos dele. Ele levantou, me deu um abraço e me mandou
embora. E eu sei que de para secou, que os passarinhos estão tudo de biquinho
aberto (risos) e as coisas pararam aqui nesta Casa. É a síndrome de abstinência! O
Presidente está inocente nisso. A reação é a reação do traído.
Nos fragmentos acima, o narrador-protagonista, ao descrever os diálogos, o fez como se se
tratasse de uma conversa entre amigos íntimos. No primeiro fragmento, Lula se dirigiu ao
narrador-protagonista pelo nome próprio e pelo pronome de tratamento “você”, mostrou-se
interessado em saber seus sonhos, seus desejos, o que, a nosso ver, são perguntas de foro
íntimo. Assim, o narrador-protagonista tentou mostrar que havia uma relação de amizade e
familiaridade entre as personagens.
Além disso, o narrador-protagonista pôs em cena que o diálogo aconteceu num dia qualquer,
indeterminado, o que a impressão de que as personagens mantêm um relacionamento de
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Capítulo 04 - Roberto Jefferson: imagens de si e do outro
207
amizade (tentou reafirmar a relação de amizade sugerida anteriormente e causar certo efeito
de mistério). O narrador-protagonista, por sua vez, respondeu ao presidente, buscando se
construir como um político idealista, o que, na realidade, poderia corresponder aos anseios do
povo brasileiro.
no segundo fragmento, além de o narrador-protagonista também ser tratado pelo presidente
pelo nome próprio (efeito de familiaridade); ele, novamente, mostrou a maneira íntima como
o presidente o abordou (o presidente bateu na minha perna) e como reagiu mediante a
revelação sobre o “Mensalão” (chorou, me deu um abraço), tendo em vista ressaltar a relação
de amizade e intimidade entre as duas personagens. No entanto, o narrador-protagonista
dirigiu-se à Lula por “Presidente Lula”, com o intuito de mostrar respeito pelo então
presidente.
É importante ressaltar que, no segundo fragmento, o narrador-protagonista pôs em cena um
presidente inocente, traído, que se comoveu perante a traição e que tomou uma atitude perante
a denúncia: “[...] as lágrimas desceram dos olhos dele [...]. E eu sei que de lá para secou,
que os passarinhos estão tudo de biquinho aberto (risos) e as coisas pararam aqui nesta Casa.
É a síndrome de abstinência!”
Graças à analogia “uma facada nas costas”, o narrador-protagonista apresentou o Presidente
Lula como alguém que fora vítima de traição, tendo em vista criar efeitos de sentido de
surpresa, de desconhecimento e, principalmente, de não envolvimento do presidente com
atitudes de corrupção, o que era, na verdade, seu grande objetivo naquele momento.
Essas marcas lingüísticas funcionaram como índices patêmicos, uma vez que, ao colocarem
em cena a relação de amizade e familiaridade entre as duas personagens, permitiram também
ao narrador-protagonista se mostrar como um líder preocupado com o bem estar do povo
brasileiro. Além disso, através delas, Lula foi descrito como uma pessoa sensível,
responsável, honesta, de atitude, que também foi traída por seus aliados. O narrador-
protagonista buscou construir imagens que acreditava poderem sensibilizar o povo (ethos de
identificação) e, portanto, fazê-lo aderir a seu discurso.
Ao mostrar a relação de amizade entre as personagens, o narrador-protagonista buscou
construir um ethos de credibilidade e de identificação, uma vez que a personagem Lula foi
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Capítulo 04 - Roberto Jefferson: imagens de si e do outro
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projetada, durante a trama (pelo menos no início do evento), como um homem do povo, um
homem crível, um político que lutou contra a corrupção no País e que conhecia, de perto, o
sofrimento do povo brasileiro. Assim, o objetivo do narrador-protagonista era levar o
interlocutor à conclusão de que se ele, narrador-protagonista, era amigo íntimo do Presidente
Lula (e esse era uma pessoa do povo, crível), era também merecedor de credibilidade.
No entanto, essa relação de amizade foi se diluindo ao longo do evento. À medida que as
coisas começaram a se complicar para o lado de Lula
100
, o narrador-protagonista passou a
desqualificar o presidente. Discutiremos essa questão na seção denominada “A organização
descritiva: imagens do outro”.
O narrador-protagonista inseriu as personagens Sandro Mabel, der do PL, e Valdemar Costa
Neto, presidente do PL, na trama, como “inimigas”. Essas, ao se sentirem ofendidas pelas
acusações de Roberto Jefferson de que recebiam “Mensalão”
101
, instalaram uma representação
contra o então deputado na Câmara. Assim, a atitude do narrador-protagonista foi a mesma:
desqualificou tanto o discurso dessas personagens quanto elas, através de recursos lingüísticos
e/ou discursivos diversos. Ao dialogar com Sandro Mabel, durante o depoimento na Comissão
de Ética, por exemplo, o narrador-protagonista atingiu um dos pontos mais altos de sua ironia.
Vejamos um fragmento:
Primeiro depoimento – fragmento 52
O SR. DEPUTADO ROBERTO JEFFERSON - Quanto recebeu o PL? Diga, se é homem.
O SR. DEPUTADO SANDRO MABEL - Nenhum centavo.
O SR. DEPUTADO ROBERTO JEFFERSON - Ah, Deputado!
O SR. DEPUTADO SANDRO MABEL - Que eu saiba, nenhum centavo. Quero dizer
mais uma coisa, Sr. Presidente...
O SR. DEPUTADO ROBERTO JEFFERSON - Diga, se é homem, Deputado.
O SR. DEPUTADO SANDRO MABEL - Eu sou muito homem, Deputado. Eu sou
muito homem, por isso que eu fico de aqui, porque eu sou muito mais homem do
que o senhor.
O SR. DEPUTADO ROBERTO JEFFERSON - O homem é quem fica de pé? (Risos.)
Conforme dissemos, o narrador-protagonista alegava ser vítima de um complô da Revista
Veja com o governo para incriminá-lo. Nessa perspectiva, ele implicou tanto a ABIN quanto a
Polícia Federal e o Ministério Público como órgãos sem credibilidade que agiam a favor do
100
Durante os depoimentos, os inquiridores questionavam a ciência e a participação do Presidente Lula no
esquema do “Mensalão”. Roberto Jefferson alegava que Lula era presidente do País e não do partido.
101
Roberto Jefferson afirmou que o PP e o PL recebiam o “Mensalão”.
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Capítulo 04 - Roberto Jefferson: imagens de si e do outro
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governo, descrevendo-os, pejorativamente. Em sua concepção, alguns “nobres órgãos
públicos” como a Polícia Federal, por exemplo, deveriam prestar serviços ao povo, mas agiam
a favor dos “nobres parlamentares”: é uma polícia política, segundo ele. Vejamos o
fragmento:
Segundo depoimento – fragmento 53
Então, são propostas que o PTB traz ao debate, porque esta Comissão não vai ficar eu
tenho certeza disso apenas no debate pequeno dos três mil reais, que um “petequero”
leviano que usa o nome alheio, e que foi gravado pela ABIN, que não viu Marcos
Valério, que não soube do Banco Rural, que não soube das movimentações do Banco
do Brasil, que não sabia das atividades do Sr. Silvinho Pereira nem do Sr. Delúbio;
sabia que tinha um cara que pegava três mil reais, chefe de departamento do
quarto escalão grande descoberta da ABIN! Grande descoberta! No próximo
Orçamento, quero votar contra recursos para a ABIN, porque vi que é apenas uma
polícia política usada para constranger os que se opõem, em certo momento, a certas
figuras do Governo. Não é o Governo em si.
No fragmento acima, o narrador-protagonista pôs em cena uma ABIN dissimulada, uma vez
que, segundo ele, sua “fala” era implausível (negação implausível) e focava apenas um
pequeno detalhe do esquema, tendo em vista desviar o foco de atenção para o pagamento de
propina nos Correios: “[...] sabia que tinha um cara que pegava três mil reais, chefe de
departamento do quarto escalão [...]”.
Além disso, o narrador-protagonista inseriu também, na trama, a personagem “Mauricio
Marinho”, considerada inicialmente um indivíduo sem importância, um “petequeiro”, “um
Ninguém”, mas que foi retomada, ao longo do evento, através de adjetivos pejorativos.
Ainda, o narrador-protagonista trouxe para a cena narrativa personagens “nobres” como, por
exemplo, o Comandante Molina, Fortuna e Marcos Valério que também foram tematizados,
pejorativamente, tendo em vista se construir como um indivíduo crível. Discutiremos as
descrições dessas personagens na seção intitulada “A organização descritiva: imagens do
outro”.
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Capítulo 04 - Roberto Jefferson: imagens de si e do outro
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5.4.1.2. A mídia
A mídia teve um papel importantíssimo na trama. Conforme dissemos, ela foi responsável
pela primeira denúncia contra Roberto Jefferson (reportagem da Revista Veja que mostra
Mauricio Marinho recebendo propina para a campanha do PTB) e por outras mais referentes
ao caso, sendo, inclusive, creditado a ela o fato de ter desencadeado realmente a instauração
da CPMI dos Correios. Assim, durante o evento, o narrador-protagonista, situado na trama na
condição de vilão, travou um forte diálogo com a mídia, em especial com a Revista Veja, no
sentido de desacreditá-la. Inicialmente, o narrador-protagonista, ao negar as acusações da
referida revista (discurso de justificação), declarou que essa havia se enganado. Vejamos o
fragmento:
Primeiro pronunciamento – fragmento 37
Sr. Presidente, li com carinho a matéria do sério jornalista. Quis saber quem é Policarpo
Júnior. Indaguei isso à minha assessoria de imprensa, que me disse: - É um homem
sério, correto. Duro, mas um homem correto, que não está livre de se enganar [...]
No entanto, posteriormente, ele passou a declarar que havia um complô da Revista Veja com o
governo e o PT (Teoria da Conspiração). Nesse sentido, ele se manifestou na cena narrativa
como vítima de uma conspiração por parte da Revista Veja que pretendia proteger o governo e
o PT. Vejamos o fragmento:
Segundo depoimento – fragmento 54
Quando li a revista, falei: “botaram jabuti na árvore , Salmeron, Antônio Osório, isso
é coisa do Governo, é coisa da ABIN”. O Governo acertou com a Veja e eles
esconderam o que tem aqui nesta fita que reproduzi à Casa. Sessenta por cento das
atividades bilionárias dos Correios estão aqui, na Diretoria de Informática. Puseram
Diretor virtual, que nem na cadeira sentou, nem nomeado foi. E a Veja escondeu o
Diretor real e seu padrinho real! Escondeu! Não fiz esta denúncia na tribuna porque,
em política, a gente deve tentar ajeitar as coisas até o momento de ruptura
.
O narrador-protagonista, inserido na trama pela Veja como vilão, tentou inverter os papéis.
Passou a se manifestar como vítima de uma conspiração tanto por parte da mídia, em geral,
quanto de seus “inimigos” políticos, em específico a cúpula do PT: a passagem de vilão a
herói. Vejamos:
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Capítulo 04 - Roberto Jefferson: imagens de si e do outro
211
Segundo depoimento – fragmento 55
Quando me senti isolado, no dia 6, com aquela matéria covarde do “diário oficial”, que é
o jornal O Globo [...] E, quando me senti atingido pela revista que compõe o “diário
oficial”, a revista Época, que pôs a mãe de meus filhos e a avó de meus netos de baby-
doll na revista e abriu a porta do meu banheiro e me colocou sentado na privada, numa
matéria desconstrutiva da minha imagem, eu disse aos meus companheiros de meu
partido que fazem a cúpula: O Governo vai botar o cadáver no colo do PTB. Olha a
imprensa oficial como está vindo.” Cometemos um erro. Quando recuei da CPI, tirei
minha assinatura, me enfraqueci.
Em suma, o narrador-protagonista inseriu a mídia na trama como um órgão que divulgava
informações falaciosas a seu respeito, portanto não digno de confiança. Ora tematizou
algumas instituições jornalísticas como, por exemplo, a TV Globo, o jornal O Globo, a Revista
Veja; ora interpelou alguns jornalistas dessas instituições tais como, Elimar Franco, Policarpo
Júnior, sempre com o objetivo de desacreditá-los. Na concepção do narrador-protagonista, a
mídia é uma instituição sem credibilidade, uma vez que agia a favor do governo, do PT e não
da sociedade.
Durante o evento, o narrador-protagonista, na tentativa de reforçar o argumento de que a
Revista Veja não era digna de confiança e estava apenas se “vingando”, inseriu o jornalista
Expedito Filho, do Estadão, na trama, contando que a Revista Veja havia ficado com
ressentimentos na época do Presidente Collor. Vejamos:
Primeiro pronunciamento – fragmento 56
Sr. Presidente, dinheiro nunca foi Deus na minha vida, nunca. Estou falando para uma
Casa que me conhece. Há companheiros aqui - tenho seis mandatos consecutivos - que me
acompanham ao longo desses anos. Já fui sacudido de cabeça para baixo em CPI para
destruir, porque errei com a revista Veja, à época da CPI do Collor, bati duro demais
na revista. E tenho de agradecer ao Expedito Filho, hoje jornalista contratado pelo
Estadão, que na época me advertiu - não o estou vendo aqui. Ele disse: "Roberto, você
defende o Collor, mas não exagera, você está fechando a porta". Como era transmitido ao
vivo pela CBN, eu pegava na revista Veja.
[...] Devo ter provocado realmente grande ressentimento na revista Veja. O Expedito,
àquela época, era jornalista da Veja. E ele diz mesmo na sua matéria: "Da tropa de choque
de Collor a aliado de Lula".
O narrador-protagonista desejava fazer com que o povo aderisse à sua tese de que a função da
mídia é informar e não distorcer informações, que era o que ela, segundo ele, estava fazendo
em relação às denúncias referentes ao escândalo nos Correios e do “Mensalão”. Em outras
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Capítulo 04 - Roberto Jefferson: imagens de si e do outro
212
palavras, a mídia deveria ser imparcial, informando, esclarecendo, trazendo a verdade dos
fatos ao povo. No entanto, ela agia a favor de determinados grupos.
5.4.2. Os “amigos” do herói
Encontram-se no grupo dos “amigos” predominantemente o povo, constituído pelo cidadão
brasileiro e também representado, metonimicamente, pela família, pelos amigos íntimos,
funcionários, professoras de canto, colegas de trabalho do narrador-protagonista; o Presidente
Lula e José Genoíno, presidente do PT (no início do evento); alguns políticos como, por
exemplo, Ciro Gomes; o funcionário público Antônio Osório, filiado ao PTB e diretor do
ECT e o jornalista Expedito Filho, do Estadão.
Discutimos sobre o Presidente Lula e José Genoíno na seção anterior. Ciro Gomes e Antônio
Osório foram tematizados na trama pelo narrador-protagonista como pessoas idôneas.
Vejamos o fragmento:
Primeiro pronunciamento - fragmento 57
Uma no meu aniversário do ano passado, a que foi acompanhado do Dr. Antonio Osório,
esse, sim, ex-Deputado Federal pela Bahia, meu companheiro 20 anos de partido,
que ocupa a Diretoria de Administração da ECT, onde trabalha o Sr. Maurício
Marinho, que, comunico ao Plenário, não é membro do PTB. A função que ocupa não é
política, é para funcionários de carreira [...]
Procurei saber com Antonio Osório ontem quem é o Coronel Fortuna. Sr. Presidente,
quero depois entregar isso a V.Exa [...]
Digo a V.Exas. que ponho a mão no fogo por Antonio Osório, funcionário de 35 anos
do IPEA que foi nosso companheiro, Deputado Federal desta Casa, homem limpo,
honrado, chefe de família exemplar, homem de bem. Ponho a mão no fogo por ele.
Conforme podemos observar no fragmento acima, o narrador-protagonista inseriu Antônio
Osório na história como seu “amigo”: homem limpo, honrado, chefe de família exemplar,
homem de bem. É interessante observar que, inicialmente, ele o nomeou por “Dr. Antônio
Osório”. No entanto, ao longo do pronunciamento, passou a tematizá-lo por “Antônio
Osório”, o que pôs em cena a relação de intimidade entre ambos. Além disso, ele afirmou os
princípios éticos de seu amigo através da frase Ponho a mão no fogo por ele”, agenciada,
duas vezes, no fragmento.
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Capítulo 04 - Roberto Jefferson: imagens de si e do outro
213
Já Expedito Filho foi interpelado pelo narrador-protagonista, várias vezes, através do vocativo
“amigo”, com objetivos diversos, sendo o principal desconstruir o ethos pré-discursivo de
troglodita (discutiremos esta questão na seção intitulada “A (des) construção do vilão”.
A seguir, verificaremos como o povo foi inserido na trama. Vejamos:
5.4.2.1. O povo
O narrador-protagonista, segundo ele vítima de uma conspiração, se manifestou não como
amigo do Presidente Lula (pelo menos inicialmente), mas, sobretudo, como amigo do povo
(tentou estabelecer uma relação de amizade e cumplicidade com o povo) a quem demonstrou
“amar” e buscou ser “amado”:
Ora, um dos remédios mais eficazes que um príncipe possui contra as
conspirações é não ser odiado pela população, pois aquele que conspira
crê que satisfará os anseios populares causando a morte do príncipe; se
acreditar, no entanto, que com isso ofenderá o povo, não terá a ousadia de
fazê-lo, pois as dificuldades com as quais lutaria seriam infindas
(MAQUIAVEL, 1999, p. 114, grifo nosso)
.
“Amar”, sobretudo na política, implica ouvir o povo, compreender suas reivindicações, seus
desejos, seus sonhos, além de agir a favor da concretização desses anseios, mostrando-se
solidário. Charaudeau salienta que ouvir é sempre valorizado, particularmente nas sociedades
em que a palavra prolifera:
“Saber ouvir”, “escutar” são expressões que denotam uma atitude de
consideração para com os outros, seus problemas, seu sofrimento, mas
também para com suas necessidades Essa atitude tem a virtude de mostrar
que se respeita esse outro pelo que ele é, sem ter a pretensão de julgá-lo,
mas conferindo-lhe sua legitimidade de ser. Assim, pode-se dizer que
“ouvir é fazer existir (
CHARAUDEAU, 2005, p. 165)
A relação de amizade requer reciprocidade: “é amigo aquele que ama e é reciprocamente
amado. Consideram-se amigos o que pensam estar mutuamente nestas disposições”
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Capítulo 04 - Roberto Jefferson: imagens de si e do outro
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(ARISTÓTELES, 2005, p. 170). Assim, o narrador-protagonista buscou se construir, durante
o evento, como amigo do povo, tentando fazer-se amado por ele:
E os homens relutam menos em ofender aos que se fazem amar do que aos
que se fazem temer, pois o amor se mantém por um vínculo de obrigação, o
qual, mercê da perfídia humana, rompe-se sempre que lhes aprouver,
enquanto que o medo que se incute é alimentado pelo temor do castigo,
sentimento que nunca se abandona (MAQUIAVEL, 1999, p. 106).
O narrador-protagonista tentou estabelecer uma relação de amizade com o povo, inserindo-o
na trama como seus amigos leais, seus confidentes, seus aliados: “[...] a um príncipe pouco
devem importar as conspirações, se for amado pelo povo; quando, porém, este é seu
inimigo e o odeia, deve temer tudo e todos” (MAQUIAVEL, 1999, p. 115, grifo nosso). É
importante lembrar que, na relação de amizade, sempre estão presentes os sentimentos de
confiança e de admiração.
Uma de suas principais estratégias para ter o “amor” do povo foi mostrar a relação de amizade
que mantinha com o Presidente Lula (o rei amado pelo povo, o homem do povo), uma vez
que:
[...] amamos os amigos dos nossos amigos, os que amam os que nós
amamos e os que o amados pelas pessoas que nós amamos. Do mesmo
modo, os que têm os mesmos inimigos que nós e odeiam os que nós
odiamos, assim como aqueles que são odiados pelos mesmos que nós
odiamos (ARISTÓTELES, 2005, p. 170).
Além disso, acredita-se que é oportuno ser amigo de quem é amigo de quem detém o poder,
como o rei, por exemplo: “[...] um príncipe deve estimar os poderosos, mas não se tornar
odiado pelo povo” (MAQUIAVEL, 1999, p. 116).
É interessante observar que o narrador-protagonista se pôs em cena, durante o evento,
negando ser Daniel, o profeta. Conforme relatos bíblicos (Bíblia Sagrada), Daniel era o
“administrador” preferido do rei Dario e terminou na cova dos leões por causa de inveja de
outros “administradores” do reino.
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Capítulo 04 - Roberto Jefferson: imagens de si e do outro
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Primeiro depoimento – fragmento 58
Mas foram pedir que eu renunciasse. E eu ponderei com meus companheiros o seguinte:
Vocês não podem me jogar no covil dos leões. Eu não sou o Daniel! Preciso de mais
um tempo para poder enfrentar isso com força”.
Ao fazer referência a Daniel, embora tenha negado ser o profeta, o narrador-protagonista buscou se
comparar a ele: o profeta amado pelo rei, enganado pelos colegas “administradores”, corajoso e
fervoroso.
Na trama, o povo foi representado, também, metonimicamente, na figura de Lula: “o
Presidente Lula [...] um homem do povo. Igual ao povo. Gente igual ao Brasil [...]” (Segundo
depoimento – fragmento 62). Discutiremos essa questão na seção “A organização descritiva:
imagens do outro”.
O povo constituiu, na realidade, os súditos leais do herói. Inclusive, é interessante observar
que, no campo lexical da traição, destacou-se a palavra “lealdade” (usada repetidamente) em
referência ao povo. Na trama, na concepção do narrador-protagonista, o povo é sempre o
“amigo leal”, o ouvinte/confidente (efeito de confidência), aquele com quem ele busca aliança
e a quem ele faz confissões, denúncias e revelações, além de ser também a quem “fala” sobre
democracia, soberania e identidade nacional.
O narrador-protagonista interpelou o povo, declarando saber a verdade sobre tudo que
acontece no cenário político brasileiro (o passado e o presente) e ter o poder de prever o
futuro caso não ocorram mudanças (visionário-ethos de profeta). Assim, ao se relacionar com
o povo, manifestou-se, na trama, imbuído da missão de salvar a Pátria, crente em mudanças e
desejoso de realizá-las, sendo capaz de tal proeza (manifestou-se a favor das reformas no
financiamento de campanhas eleitorais no Brasil que, segundo ele, constitui a raiz da
corrupção, e apresentou um “projeto” de governo).
Durante todo o evento da CPMI dos Correios, o narrador-protagonista convocou o povo a
participar diretamente da história e, sobretudo, a atuar, ativamente, como cidadão (como se
ele tivesse poder para isso e pudesse!) tomando um posicionamento, a ser cúmplice, de certa
forma, de seu “dizer”, mostrando que possuía legitimidade para falar como tal, conforme
podemos ver no fragmento:
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Primeiro depoimento – fragmento 59
O valor que o povo espera de nós nós vamos construir, colocando um basta. Isso, sim, nós
temos que fazer. É essa edição perversa das medidas provisórias que afoga o Legislativo e
nos impede de criar leis ou de fiscalizar, com eficácia, o Poder Executivo. Isso, sim, é um
erro grave do Governo. Conclamo a sociedade brasileira a dar uma resposta. Eu não
temo CPI nem investigação, passei por duas. Sei como eu passei
Mas, é importante ressaltar que esse “convite” (como também a relação de afeto estabelecida)
foi, na realidade, persuasivo: o narrador-protagonista buscou construir imagens de
credibilidade e, sobretudo, de identificação que acreditava capazes de seduzir o povo. Nesta
relação, tentou construir imagens tanto do profeta, aquele que é a verdade e que traz a
verdade, como do herói, o líder preocupado com seu partido, com seu País, com seu povo.
Além disso, ele tematizou o povo como o cidadão que estava cansado dos políticos,
mostrando-se consciente do posicionamento do povo em relação à classe parlamentar e
preocupado com o bem estar desse povo, também no sentido de se construir com uma imagem
com a qual o povo pudesse se identificar e, conseqüentemente, aderir à sua “fala”: ethos do
chefe ideal. Vejamos:
Segundo depoimento – fragmento 60
O povo cansou dos políticos. No processo do Presidente Collor [...] eu não brilhei como
político. Como político, fui um fracasso, porque fiquei contra a onda de opinião.
Ainda, ele deu ênfase às cidadãs, buscando se manifestar na cena como um político
preocupado com seu bem estar. Inclusive, quando interpelava o povo, ele usava ambos os
vocativos “cidadão” e “cidadã”. Vejamos o fragmento a seguir:
Segundo depoimento– fragmento 61
Mas a proposta que o Governo manda para e estou vendo, na relatoria, que vai a
plenário reduz de 5% para 2% a cláusula de barreira. Ou seja, hoje, de trinta partidos,
vamos pular para 60, para atrapalhar a novela da senhora, o jornal que a senhora gosta
de ver na televisão [...]
Conforme podemos observar no fragmento acima, ao declarar que o Governo iria atrapalhar a
vida da cidadã com sua nova proposta, ele pôs em cena a representação que possui das
mulheres brasileiras: assistem à novela e aos jornais essa imagem nos parece ser a da típica
dona de casa.
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Capítulo 04 - Roberto Jefferson: imagens de si e do outro
217
É importante salientar que o narrador-protagonista também representou o povo,
metonimicamente, através de sua família, seus amigos, seus colegas de trabalho, suas
professoras de canto, do padre de sua paróquia etc., pondo em cena alguns valores e
representações sociodiscursivas.
Na relação de amizade estabelecida com o povo, sobretudo com as cidadãs, o narrador-
protagonista manifestou-se na cena narrativa com dada virilidade, o que pode ser visto
principalmente no pronunciamento realizado antes da votação do pedido de sua cassação,
momento em que agradeceu ao povo, em especial às mulheres: buscou criar a imagem do
cavalheiro sedutor que valoriza e vangloria as mulheres, desde a avó até a uma cidadã
brasileira comum, considerando-as mais importantes do que os homens. Na realidade, ele
buscou se construir com uma característica peculiar ao cavalheiro medieval, a virilidade, uma
figura presente de forma bastante forte nos imaginários femininos, o gentleman. Vejamos o
fragmento a seguir:
Segundo pronunciamento – fragmento 18
Quero agradecer, em princípio, às mulheres que me permitiram chegar a este
momento importante que vivo hoje na minha vida. A minha avó Petiza, [...] A minha
mãe, Neusa, [...]. A Ecila, mãe de meus filhos e avó de meus netos, [...] A Cristiane,
minha filha [...] A Fabiana, minha filha [...] A Mary Land, minha querida prima, [...]
Eu quero agradecer às mulheres que trabalharam comigo. Não tenho preconceito
contra homem - quero que este Plenário, de maioria masculina, entenda isso, ouviu,
Capixaba, ouviu, Presidente? -, mas a minha assessoria sempre foi feminina, e isso sempre
me permitiu o sucesso.
Quero agradecer, primeiro, às minhas colegas Deputadas: Elaine, Edna e Kelly [...]
Quero agradecer a uma amiga querida do Rio Grande do Sul, [...]: Sônia Santos,
minha amiga.
Quero agradecer a 2 pessoas especiais que tiveram marca na minha vida, a Heloísa e
a Nádia, na Comissão de Seguridade Social [...].
Ao final do evento, quando estava para ser votado o pedido de sua cassação, o narrador-
protagonista fez o último “apelo” ao povo, representado, naquele momento,
metonimicamente, pelos de amigos íntimos, colegas de trabalho, professoras de canto,
motorista, o padre da cidade conforme dissemos. O narrador-protagonista agradeceu aos
“amigos”, predicando-os, “positivamente” (pró-ethos), em uma última tentativa de seduzi-los.
O herói sai de cena (o profeta sabe de seu destino), mas sai com o povo.
Estratégias Discursivas na CPMI dos Correios: O Caso Roberto Jefferson
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Capítulo 04 - Roberto Jefferson: imagens de si e do outro
218
Conforme vimos nesta seção, o narrador-protagonista inseriu as principais personagens na
trama, situando-as em dois blocos antagônicos: o dos “amigos” e os dos “inimigos”. A partir
de então, ele estabeleceu com as personagens de cada domínio relações estratégicas
diferentes: i) com o povo: relações de afetividade, fundadas na amizade e na cumplicidade; ii)
com os parlamentares: relações de intimidação, embasadas no deboche, na ironia e na
desqualificação; iii) com a mídia: inicialmente tentativas de acordo e, posteriormente,
acusações.
Dentre essas personagens, mereceu destaque o Presidente Lula que foi, a princípio, inserido
na trama como “amigo” íntimo do narrador-protagonista e, no decorrer do evento, passou à
condição de “inimiga”; a Revista Veja; a cúpula do PT, a ABIN e o povo.
Na seção seguinte, identificaremos e discutiremos as características de algumas personagens
inseridas pelo narrador-protagonista na trama e a importância dessa caracterização à
argumentação.
5.5. A organização descritiva: imagens do outro
“No regime democrático, todo partido devota todas
as energias para demonstrar que os demais partidos
não têm competência para governar. E todos eles
estão certos”.
Henry Louis Mencken (1880-1956)
Nesta seção, identificamos e discutimos as características de algumas personagens inseridas
pelo narrador-protagonista na trama e a importância dessa caracterização à argumentação.
Assim como na narratividade, a caracterização das personagens seguiu a mesma lógica da
usada na narratividade: as personagens foram separadas em “inimigas” e “amigas”.
A princípio, discorremos sobre o domínio dos “inimigos”, no qual merece destaque a
caracterização de Lula (no início e no final do evento); do PT (com ênfase a José Dirceu); da
ABIN e da Revista Veja.
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Capítulo 04 - Roberto Jefferson: imagens de si e do outro
219
Posteriormente, verificamos o domínio dos “amigos”, no qual se situa a caracterização do
povo, com destaque para a representação metonímica deste através da família, dos amigos,
dos colegas, dos funcionários que compõem o ciclo de amizades do narrador-protagonista.
O narrador-protagonista inseriu as personagens na trama, seja por meio da tematização ou da
interpelação, descrevendo-as, pejorativamente (anti-ethos) ou não (pró-ethos), conforme seus
interesses, na maioria das vezes tendo em vista produzir efeito de saber (trazer a prova da
veracidade de seu relato ou de sua argumentação) ou efeito de confidência (para exprimir sua
apreciação pessoal através de reflexões pessoais, interpelações diretas, convites a
compartilhar uma reflexão ou negando algumas qualificações antes de afirmar outras).
Nesse sentido, ele começou a delinear a identidade da nação brasileira que foi inserida na
seção intitulada “A narratividade: a história do “Mensalão” na perspectiva do herói”: quem é
o povo, os parlamentares, a mídia, os órgãos públicos, as empresas privadas deste País? Quais
seus valores, suas crenças, suas práticas?
A descrição dos “amigos” e dos “inimigos” foi, também, de suma importância na constituição
das imagens de si (dimensão representacional) e na patemização (dimensão emotiva). É
importante lembrar a reciprocidade” e o “antagonismo” das imagens: em oposição ao ethos,
há a imagem do antagonista, denominada de anti-ethos. Ao atribuir uma qualidade a si
mesmo, o sujeito imputa o oposto a seu adversário. Por outro lado, ao atribuir uma qualidade
a seu aliado (pró-ethos), se atribui essa mesma qualidade.
Na organização descritiva, tendo em vista a argumentação, o narrador-protagonista necessitou
não só selecionar os dados como também qualificá-los:
A organização dos dados com vistas à argumentação consiste não na
interpretação deles, no significado que se lhe concebe, mas também na
apresentação de certos aspectos desses dados, graças aos acordos
subjacentes na linguagem que é utilizada (PERELMAN; OLBRECHTS-
TYTECA, 2000, p. 143).
Nessa perspectiva, a escolha manifestou-se da forma mais aparente pelo uso do epíteto que
resultou da seleção visível de uma qualidade que se enfatizava e que devia completar nosso
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Capítulo 04 - Roberto Jefferson: imagens de si e do outro
220
conhecimento do objeto. Esse epíteto foi utilizado sem justificação, porque se presumia que
enunciava fatos incontestáveis; apenas a escolha desses fatos parecer-se-ia tendenciosa.
Vejamos como o narrador-protagonista descreveu algumas personagens.
5.5.1. Lula: de “homem do povo” a “rei ingênuo, hipócrita e omisso”
Segundo Camarotti e De La Peña (2007), durante as primeiras denúncias a respeito do
“Mensalão”, Lula ainda desfrutava de popularidade, afinal de contas o povo até então
demonstrava esperanças no partido que se dizia patrimônio da democracia brasileira e havia
construído sua reputação em cima da ética e do compromisso com a questão social, com os
setores menores favorecidos da sociedade brasileira. Além disso, havia uma grande tentativa
por parte das elites (a economia ia bem para os banqueiros) e do próprio PT
102
de preservar o
presidente que havia surgido como uma liderança redentora e cujo partido encarnava todos os
sonhos da esquerda. Lula surgiu como uma alternativa popular, mas acabou vivendo o papel
do Messias (papel que cultivou até chegar ao poder). Tendo em vista seu carisma pessoal, as
camadas mais humildes da sociedade ainda conservavam essa imagem.
Para os autores, Lula foi o primeiro presidente do PT, aglutinando o novo operariado
brasileiro, com o apoio decisivo de líderes progressistas da Igreja como Frei Betto, por
exemplo, e intelectuais e organizações clandestinas de esquerda (o partido herdou também,
por outra vertente, os militantes que participaram da luta armada). Movimentos de mulheres,
negros, índios e homossexuais encontraram abrigo no partido, da mesma forma que os
sindicalistas ligados à classe média (bancários, professores e profissionais liberais).
Camarotti e De La Peña (2007) ressaltam que a principal justificativa do governo era o de que
a crise não havia atingido a confiança no Presidente Lula e no seu governo. Desde o início
102
“O governo, após perceber que uma CPI seria inevitável, tendo em vista, principalmente, as denúncias de
Roberto Jefferson, resolveram montar uma estratégia para blindar a imagem do presidente Lula. “A ordem era
não deixar que as investigações da CPI dos Correios atingissem o principal patrimônio do governo Lula: o
próprio presidente. [...]. Se para evitar a contaminação fosse preciso sacrificar ministros, isso seria feito. Muito
em breve, Lula começaria a cortar na própria carne. Estrategicamente, José Dirceu foi excluído do processo de
blindagem do presidente. Nos primeiros dias da crise, a preocupação era a de que a exposição de Dirceu levasse
a crise para a ante-sala do gabinete presidencial. Não demoraria muito para Dirceu cair” (CAMAROTTI E DE
LA PEÑA, 2005, p. 213).
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Capítulo 04 - Roberto Jefferson: imagens de si e do outro
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das primeiras denúncias do “Mensalão”, o presidente resolveu viajar pelo país e intensificar
os contatos diretos com a população. Mas essa estratégia foi suficiente para segurar sua
popularidade durante dois meses. Depois disso, sua avaliação despencou, e Lula passou a ser
pressionado para falar mais claramente sobre a crise. De preferência, em uma entrevista
coletiva na qual pudesse esclarecer de forma mais objetiva o contraditório. Mas ele refutou a
sugestão. veio a falar no Planalto, após a morte da Velhinha de Taubaté, personagem de
Luis Fernando Veríssimo (discutiremos sobre essa personagem mais adiante).
Portanto, no início das primeiras denúncias, manifestar-se na cena como amigo de Lula era
bastante estratégico para Roberto Jefferson: Lula era o “homem do povo”, estava no poder e
tudo parecia conspirar a seu favor. “[...] um príncipe deve estimar os poderosos, mas não
se tornar odiado pelo povo” (MAQUIAVEL, 1999, p. 116, grifo nosso). No entanto, estimar
os poderosos, que são amados pelo povo, era estratégia melhor ainda.
Assim, ao tentar mostrar uma relação de amizade com o Presidente Lula, o narrador-
protagonista teceu-lhe elogios: Ele pôs em cena a imagem de um presidente com a qual o
povo pudesse se identificar, tendo em vista reforçar a credibilidade de Lula junto ao povo e,
conseqüentemente, fazer com que o povo se identificasse com a imagem de amigo do
presidente criada para si mesmo: “amam-se [...] os amigos dos nossos amigos, os que amam
os que nós amamos e os que são amados pelas pessoas que nós amamos” (ARISTÓTELES,
2005, p. 170). Na perspectiva do narrador-protagonista, Lula era um homem “virtuoso” e,
sobretudo, um “homem do povo”. Vejamos o fragmento:
Primeiro depoimento – fragmento 62
Ô Zé Dirceu, se você não sair daí, rápido, você vai fazer réu um homem inocente, que é o
Presidente Lula. Rápido, sai daí rápido, Zé, para você não fazer mal a um homem bom,
correto, que tenho orgulho de ter apertado a mão. Esse País sempre elegeu um Presidente
da elite. Ora um médico; ora um advogado, ora um general; ora, um sociólogo, gabola,
mas nunca tinha elegido um homem pobre, um homem do povo. Todos esses que
antecederam ao Presidente Lula, não é meu der? Me permite fazer um pouquinho de
plágio desse seu discurso. Homens ricos, só de classe média alta, que ouviram falar da
fome: Itamar, engenheiro de minas, mas ouviu falar, não sentiu fome. O Presidente Lula
sentiu fome. O Presidente Fernando Henrique ouviu falar na miséria lendo Graciliano
Ramos - Vidas Secas -, mas nunca passou miséria. O Ex-Presidente Collor pode ter
ouvido falar em miséria, mas nos versos de Catulo da Paixão Cearense. O Presidente
Figueiredo pode ter ouvido falar no retirante nordestino, mas nunca foi um retirante”. O
Presidente Lula, não. Igual ao povo. Gente igual ao Brasil: pobrezinho, retirante do
nordeste que passou fome. Sabe o que é desemprego, sabe o que é pau-de-arara,
viveu concretamente o que os outros ouviram dizer. E eu quero dizer aos senhores
aqui, neste momento que faço este depoimento: vi um inocente desabar ante essa
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Capítulo 04 - Roberto Jefferson: imagens de si e do outro
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realidade que lhe contei. Vi um homem de bem, um homem honrado, um homem
simples, um homem correto se sentir traído por uma cinta, por um cordão de isolamento
que havia em torno dele. Aí eu compreendi, Srs. Deputados, Sras. Deputadas, meus
advogados, Sr. Presidente, Sr. Relator, por que não permitiam, porque a gente esbarrava
sempre no Dirceu, no Rasputim? A gente não passava do Dirceu. Eu entendi:
porque o Presidente Lula abraça a gente assim e deixa a gente abrir o coração. Não é
fácil dizer o que eu disse a ele, mas eu medi a sua reação, feri um inocente e sei que ele
tomou atitude, porque atitude se percebe aqui nesta Casa, inclusive o marasmo que
vive o Plenário da Câmara dos Deputados está ligado à ausência do mensalão, a essa
síndrome da abstinência. Apareceu a primeira secretária. Eu pensei que estivesse só,
porque disse isso à cúpula de meu partido: Vou nessa luta. Essa luta não tem
companheiros, porque quando você rompe com o mandato, ou com medo do mandato,
Deputado Valdemar Costa Neto, de ele ser cassado, ou representar para ele refluir, quando
a gente rompe com isso, a gente vai em frente, e não é obrigado ninguém a seguir. Eu me
lembro de que dos apóstolos de Cristo o letrado era o traidor; os homens simples eram os
homens leais. E eu não quero pedir esforço pessoal de nenhum companheiro que tenha
presenciado, ouvido ou vivido essa [....]
Através de uma cadeia anafórica, o narrador-protagonista teceu várias qualidades ao
Presidente Lula, o que pôs em evidência a relação de amizade entre ambos: “[...] os amigos
elogiam as boas qualidades que possuímos (ARISTÓTELES, 2005, p. 171). Vejamos o
quadro 8:
QUADRO 8
Caracterização do Presidente Lula no início da CPMI dos Correios
um homem inocente
um homem bom
Correto
um homem pobre
um homem do povo
sentiu fome
igual ao povo
gente igual ao Brasil
Pobrezinho
retirante do Nordeste que passou fome
sabe o que é desemprego
sabe o que é pau-de-arara
um inocente
um homem de bem
um homem honrado
um homem simples
um homem correto
foi traído
abraça a gente
deixa a gente abrir o coração
um inocente
Lula
tomou atitude
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Capítulo 04 - Roberto Jefferson: imagens de si e do outro
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O narrador-protagonista qualificou Lula com a ajuda de traços objetivos, os quais podiam ser
verificados pelo povo brasileiro como, por exemplo, o fato de o presidente saber o que é pau-
de-arara, desemprego, ser um retirante do Nordeste que passou fome, tendo em vista efeitos
de verismo. No entanto, algumas características eram de cunho subjetivo como, por exemplo,
ser um homem simples, correto, de bem, honrado, inocente etc. Nesse sentido, o narrador-
protagonista deixou transparecer seus sentimentos, seu estado de alma, tendo em vista
sensibilizar o povo. Mostrou admiração pelo fato de o presidente ter sido um homem pobre (o
narrador-protagonista usou a palavra “pobrezinho”, salientou que o presidente não era um
retirante do Nordeste qualquer e, sim, um que passou fome) que se superou e se tornou
presidente do País, além de ter tomado atitude ao saber do “Mensalão”: “[...] que tenho
orgulho de ter apertado a mão [...] sei que ele tomou atitude, porque atitude se percebe aqui
nesta Casa, inclusive o marasmo que vive o Plenário da Câmara dos Deputados está ligado à
ausência do mensalão, a essa síndrome da abstinência [...]”. Na definição do narrador-
protagonista, Lula representava o povo brasileiro, por quem ele nutria respeito e admiração. O
povo era ali compreendido não como toda a população brasileira, mas apenas aqueles
advindos das classes “populares”, das camadas mais pobres da sociedade.
É importante ressaltar que o narrador-protagonista repetiu algumas predicações, no sentido de
reafirmar a imagem posta em cena na mente do interlocutor: Lula é “um homem inocente; um
inocente (usado duas vezes no fragmento); um homem igual ao povo; gente igual ao Brasil”.
A repetição, segundo Perelman e Olbrechts-Tyteca (2000, p. 164) é uma das técnicas mais
simples de emocionar, uma vez que ela mostra a convicção patética do orador. No caso, a
convicção do narrador-protagonista era de que o presidente era inocente, era igual ao povo,
representava o brasileiro comum. O narrador-protagonista, na realidade, desejava provar que
era inocente, por isso o raciocínio dedutivo, agenciado através de repetições: “Lula é igual ao
povo. O povo é inocente. Portanto Lula é inocente. Eu sou amigo de Lula. Lula é igual ao
povo que é inocente. Portanto, eu sou inocente e também sou amigo do povo”.
O narrador-protagonista definiu tanto o presidente quanto seu comportamento,
estrategicamente, com fins argumentativos, tendo em vista produzir efeitos de evidência e de
saber (reforçar a popularidade de Lula, mostrar que ambos eram amigos e, portanto, provar
sua inocência).
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Capítulo 04 - Roberto Jefferson: imagens de si e do outro
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Conforme dissemos, naquele momento, Lula ainda mantinha altos índices de credibilidade
junto ao povo brasileiro, por isso a estratégia de se manifestar como amigo do presidente e
elogiá-lo. Inclusive, o narrador-protagonista defendia o “amigo Lula”, não tecendo-lhe
elogios, mas, sobretudo, afirmando sua inocência. Vejamos o fragmento a seguir:
Segundo depoimento – fragmento 63
O SR. ROBERTO JEFFERSON (PTB-RJ) – Porque o Presidente Lula está acima disso.
Em duas oportunidades eu pude medir, nessa de Furnas e a do mensalão, eu vi
nitidamente que o Presidente Lula não sabia nada disso.
Bateu a ficha na hora. A conversa de Furnas...
O SR. ARNALDO FARIA DE (PTB-SP) Mas está dando a impressão de que o
senhor está tentando defender o Presidente Lula.
O SR. ROBERTO JEFFERSON (PTB-RJ) Não é isso, mas eu não posso fazer a
irresponsabilidade de acusar um inocente. Porque ele que insistiu que nós
nomeássemos. Eu tinha voltado atrás, tinha acertado com o Zé Dirceu de não mais trocar o
Dr. Dimas na Diretoria de Engenharia.
Quando sentamos eu, o José Dirceu, o Ministro Walfrido e o Presidente Lula, ele disse:
Oh, Jefferson, por que vocês mudaram, rapaz? Eu não quero manter esse cara lá. Por
que vocês não vão fazer a nomeação do PTB?
a minha ficha caiu. O Presidente não sabe de nada daquela conversa que eu tive, dois
ou três dias atrás com o José Dirceu. Bateu na hora a ficha. A maneira dele, sincera,
desabrida, ele não estava encenando um jogo comigo. Estava me cobrando por que eu
tinha recuado.
No diálogo acima, além de afirmar, categoricamente, que Lula não sabia de nada a respeito do
“Mensalão”, o narrador-protagonista aproveitou o momento para reafirmar sua relação de
amizade com o presidente: Lula o trata pelo nome próprio “Jefferson” e pelo sintagma
nominal “rapaz”, o que acarreta um efeito de familiaridade. É importante observar a “fala” de
Arnaldo Faria de Sá (PTB), membro da Comissão, na tentativa de “incriminar” o presidente, o
que punha em evidência o confronto político que ocorria naquele momento.
Além disso, o narrador-protagonista salientava que: “[...] mas eu percebia, Deputado, que o
Presidente ao saber, em janeiro, puxou o freio. Alguém do partido... porque temos que
separar partido e governo. Ele, apesar de ser do PT, não é o Presidente do PT. Eu
percebi que a coisa minou, porque as pressões cessaram sobre os meus Deputados (Segundo
depoimento - fragmento 64). A estratégia de dizer que Lula não era presidente do PT,
portanto não sabia dos atos do partido, também foi usada pelos aliados políticos de Lula.
No entanto, no decorrer dos acontecimentos, conforme Camarotti e De La Peña (2007), a
credibilidade do Presidente Lula começou a cair. No dia 25 de agosto, os jornais O Globo e O
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Capítulo 04 - Roberto Jefferson: imagens de si e do outro
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Estado de São Paulo trouxeram a “notícia” da morte da “Velhinha de Taubaté” (1915-2005),
personagem criada por Luis Fernando Verissimo. O texto informava que havia morrido no
último dia 19, aos 90 anos de idade, de causa ignorada, a paulista conhecida como a Velhinha
de Taubaté, “que se tornou uma celebridade nacional alguns anos por ser a última pessoa
no Brasil que ainda acreditava no governo”. No artigo, Verissimo explicava que “ela tivera
um pequeno acidente vascular ao saber da compra de votos para a reeleição do FHC, mas
após as explicações, recuperara-se”. A Velhinha estava acompanhando as CPIs, acreditava
em Lula e até rebatizara seu gato, que agora se chamava Zé. Acreditava principalmente no
Palocci”.
Nas palavras de Camarotti e De La Peña (2007), a personagem de ficção criada por Verissimo
ficou conhecida durante o governo do general João Figueiredo (1979-1985) por acreditar em
todos os presidentes desde Getúlio Vargas e nos colaboradores dos governos militares. A
morte da Velhinha de Taubaté foi um sinal de que a insatisfação havia atingido até mesmo os
simpatizantes da causa petista (Verissimo, historicamente, tinha identificação com a
esquerda). Assim, a morte da Velhinha de Taubaté tornou-se o mbolo da crise que tomou
conta do governo Lula, uma espécie de tradução no meio político de Brasília das pesquisas
que começavam a apontar a queda acentuada da popularidade do presidente.
Não era mais interessante para Roberto Jefferson mostrar-se amigo de Lula. Além disso, esse
nada havia feito a seu favor. Portanto, no pronunciamento realizado no dia 14 de setembro de
2005, momento em que estava para ser votado o pedido de sua cassação, o narrador-
protagonista mudou de estratégia: pôs em evidência um presidente diferente do que até então
havia mostrado ao longo da CPMI dos Correios. Vejamos:
Segundo pronunciamento – fragmento 65
Não acuso o Presidente Lula de participar de desonestidade. Ele é como José Genoíno.
Ontem, assisti ao José Genoíno na CPMI. Ele assinou contrato de empréstimo de 17
milhões de reais, outro de 2 milhões de reais, mas não leu. (Risos.) Houve o acordo
político-financeiro com todos os partidos da base - o meu, em especial, tratei com ele
diretamente -, mas ele o se lembra e não fez. O Presidente Lula é uma espécie de
Genoíno na Presidência da República, não sabe o que lê, não sabe o que assina, não
sabe o que faz. Ele é o Genoíno do Planalto, e deu a mãos erradas, a Luiz Gushiken e
José Dirceu, a confiança que o povo do Brasil depositou nele. Errou.
O meu conceito do Presidente Lula é que ele é malandro, preguiçoso. Não sei se
chegou da Guatemala. O negócio dele é passear de avião. De governar que é bom, ele
não gosta. E delegou. E essa cúpula... Esconderam debaixo da saia da Chefe da Casa
Civil o Gushiken, o José Dirceu já mandaram para cá. Essa cúpula desonrou a confiança
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Capítulo 04 - Roberto Jefferson: imagens de si e do outro
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que lhe foi depositada pelo Presidente Lula. Se ele não praticou o crime por ação, pelo
menos por omissão.
Naquele momento, a intenção do narrador-protagonista era outra. Para afirmar sua
credibilidade, buscou se construir na cena narrativa como um “inimigo” de Lula. O rosário de
elogios tecidos ao presidente deu lugar, então, a uma “fala” carregada de desqualificações. De
vítima, o presidente passou, na concepção do narrador-protagonista, a pelo menos omisso.
Vejamos:
QUADRO 9
Caracterização do Presidente Lula no final da CPMI dos Correios
é igual a José Genoíno
não sabe o que lê
não sabe o que assina
não sabe o que faz
Genoíno do Planalto
Errou
malandro
preguiçoso
o negócio dele é passear de avião
não gosta de governar
se ele não praticou o crime por ação
Lula
foi omisso
O narrador-protagonista, através de uma analogia, comparou o Presidente Lula a José
Genoíno, presidente do PT. Durante o acontecimento, Genoíno apresentava negações
implausíveis sobre o fato: “Eu não sabia que ele (Marcos Valério) é avalista. Eu assinei sem
ler” (José Genoíno sobre empréstimo do PT no Banco Rural em depoimento dado à CPMI dos
Correios). Segundo Camarotti e De La Peña:
no auge da crise, durante o mês de agosto, o presidente Lula não escondia
dos ministros sua decepção com a direção do PT que havia deixado no
comando do partido e com alguns dos petistas que ocupavam postos-chave
no governo e no Congresso. O grau de insatisfação do presidente Lula com
a antiga direção do PT passou a ser medido por assessores próximos no que
foi apelidado no Palácio do Planalto como “lulômetro” [...] Genoino
também não escapou do lulômetro. Para Lula, ele serviu como inocente
útil. O presidente critica também o que classificou como uma omissão de
Genoino no comando do partido. O ex-presidente do PT não havia se
apropriado de dinheiro de Marcos Valério ou mesmo de recursos
públicos, mas não interferiu no sentido de fiscalizar os desmandos da
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cúpula do PT (
CAMAROTTI E DE LA PEÑA, 2005, p. 178-180,
grifo nosso).
Na perspectiva do narrador-protagonista, Genoíno era não omisso, mas também
dissimulado, assim como Lula. Genoíno alegava não saber de nada sobre o esquema do
“Mensalão”, o que era implausível, segundo o narrador-protagonista, uma vez que ele era o
presidente do PT.
Além disso, o narrador-protagonista ressaltou que Lula era malandro, porque havia abusado
da confiança que o povo depositou nele (Lula passou da condição de traído pelos aliados
políticos a de traidor do povo). Ainda, em alusão ao Presidente Fernando Henrique Cardoso,
segundo o narrador-protagonista, Lula era também preguiçoso, gostava mesmo era de passear
de avião, tendo em vista desqualificá-lo.
O narrador-protagonista pôs em cena também o fato de Lula ter escolhido mal seus
“ministros” (delegou a mãos erradas), o que mostrava, segundo ele, ser o presidente um mau
governante:
Para um príncipe, não é de pouca importância a escolha dos ministros os
quais são bons ou não, de acordo com a prudência daquele. E a primeira
conjetura que se faz, em relação às qualidades de inteligência de um
príncipe, consiste na observação dos homens que ele tem em volta de si.
Quando estes são competentes e leais, pode-se considerá-lo sábio, pois
soube dar reconhecimento às qualidades daqueles e, conservá-los fiéis.
Quando assim não são, porém, pode-se avaliar sempre mal o senhor, pois
cometeu o primeiro erro nessa escolha (MAQUIAVEL, 1999, p. 135, grifo
nosso).
Essa imagem do mau governante foi reforçada pelo narrador-protagonista no final do evento,
fechando o último pronunciamento. Naquele momento, através da metáfora do jogo de
xadrez
103
, Lula foi descrito como mau jogador, ou seja, um mau governante que estava sendo
abandonado: “O rei está ficando sozinho no tabuleiro. Já queimou os peões, está perdendo a
base, está queimando as torres, os cavalos, os bispos” (Segundo pronunciamento
fragmento 66).
103
Curiosamente, no jogo de xadrez, um lado ou outro deve sempre ganhar e mesmo que haja empate não passa
de um equilíbrio bastante precário.
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228
Através de alusão ao conto “A roupa nova do imperador”, de Hans Christian Andersen
(1837), o narrador-protagonista reforçou a idéia de que Lula não era o traído e, sim, o traidor
do povo brasileiro, uma vez que foi, a princípio, ingênuo e, depois, omisso: “[...] Tirei a roupa
do rei, mostrei ao Brasil quem são esses fariseus (palmas), mostrei ao Brasil o que é o
Governo Lula, mostrei ao Brasil o que é o Campo Majoritário do PT” (Segundo
pronunciamento – fragmento 67).
No conto “A roupa nova do imperador”, um rei, em sua ingenuidade, deu ouvidos a dois
trapaceiros que chegaram ao reino. Esses larápios apresentaram-se como artesãos capacitados
para fazer uma roupa especial para o rei. A roupa, uma vez vestida, somente poderia ser vista
por quem fosse sábio ou por quem estivesse adequado para o cargo que exercia. Acontece que
fica deflagrada a crença ingênua do rei. O monarca acreditou nos trapaceiros, que o
enganavam com a promessa de tecer um pano supostamente visível por quem fosse digno
disso. Como todos, cortesãos, ministros, povo e mesmo o rei, tivessem medo da confirmação
da pecha de estupidez ou incompetência, todos, sem exceção, passaram a elogiar o traje do
rei. Até que o próprio rei, mesmo não conseguindo ver as vestes, desfila “vestido” com elas na
procissão, diante de seus súditos, que não paravam de aclamar a magnificência do traje. No
entanto, uma criança no exercício de sua lucidez, gritou: “O rei está nu!”.
Como o monarca do conto, Lula foi ingênuo porque delegou o poder aos larápios do reino (a
cúpula do PT). Posteriormente, ele foi omisso: tomou conhecimento do esquema do
“Mensalão”, mas não agiu. Além disso, podemos pensar que ele foi também hipócrita, tendo
em vista que não quis assumir o fato de não ter sido um bom governante: não soube escolher
seus “ministros”.
É importante ressaltar que, embora o narrador-protagonista tenha afirmado a omissão de Lula,
através de uma oração subordinada condicional, ele pôs em cena a dúvida de que Lula pode
ter agido em relação ao esquema do “Mensalão”: “[...] Se ele não praticou o crime por ação,
pelo menos por omissão” (Segundo pronunciamento fragmento 65). Nesse sentido, ele
tentou desconstruir toda a descrição feita anteriormente a Lula: ingênuo, hipócrita e omisso.
Todas essas estratégias do narrador-protagonista funcionaram como fator de reconhecimento,
de legitimidade e de captação. Assim, à medida que o povo se identificava com seu discurso,
se reconhecia nele e, portanto, aderia ao que ele falava.
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Capítulo 04 - Roberto Jefferson: imagens de si e do outro
229
5.5.2. A cúpula do Partido dos Trabalhadores: os “fariseus”
Tendo evidenciado quem eram seus principais “inimigos” (a cúpula do PT, constituída por
José Dirceu, Delúbio Soares, Silvinho Pereira e José Genoíno), o narrador-protagonista tratou
de descrevê-los, pejorativamente, na tentativa de desacreditá-los.
Uma de suas primeiras estratégias foi descrever o comportamento do PT, antes e depois de
galgar o poder, através de analogias. Nesse sentido, ele se deslocou para a instância
enunciativa referente à CPI de PC Farias, o operador de Collor. Vejamos o fragmento:
Segundo depoimento – fragmento 21
Participei no passado de uma CPI, a CPI do PC, como advogado. Exerci um papel de
advogado naquele momento. Tentei fazer naquela CPI o que vi ontem aqui por parte de
alguns membros de partidos políticos: impedir que as investigações avançassem.
Também procurei evitar que os fantasmas do PC Farias pudessem viver à luz do dia. E,
nessa inversão de papéis que vivo hoje, vejo que muitos que ontem exorcizavam aqueles
fantasmas agora se abraçam com eles. que eles não são mais os fantasmas do PC, são
os fantasmas do Delúbio e do Marcos Valério [...]
No fragmento acima, o narrador-protagonista fez alusão ao fato de a cúpula do PT ter tentado
evitar a instauração da CPI, comportamento que não condizia com sua ideologia antes de
chegar ao poder. Conforme dissemos, a imagem criada pelo PT em seus vinte anos de
existência era de um partido empenhado em acabar com a corrupção e com as desigualdades
sociais. Durante o evento, José Dirceu chegou a dizer que: “O PT não rouba e não deixa
roubar” (Pronunciamento de José Dirceu no Plenário da Câmara dos Deputados, no dia
22/06/2005).
Mais precisamente, o narrador-protagonista trouxe para a cena enunciativa a história de
Fernando Collor de Mello, que culminou no impeachment do então presidente em 1992,
acusado de corrupção, tentando mostrar como alguns parlamentares, petistas, mudaram de
posicionamento no decorrer do tempo. Em outras palavras, ele desejava mostrar a verdadeira
essência do PT: hipocrisia e fingimento. É importante lembrar que:
exatamente treze anos quando os escândalos de Collor se tornaram o
assunto diário no país, a sociedade (por repulsa) e a elite econômica (por
conveniência) decidiram colocar um fim em seu governo. Assim, instalou-
se o movimento pela ética na política”, cuja vanguarda cabia ao PT.
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Capítulo 04 - Roberto Jefferson: imagens de si e do outro
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Deputados federais do partido, como José Dirceu, José Genoino e
Aloizio Mercadante, viraram estrelas nacionais, em boa medida por
causa de suas exímias atuações em duas comissões parlamentares de
inquérito (a CPI do PC e a CPI do Orçamento) instaladas para
investigar a corrupção no Executivo e no Legislativo (FIGUEIREDO,
2006, p.78-79, grifo nosso).
Segundo Camarotti e De La Peña (2007), o PT foi o partido mais atuante na CPI que
redundou na queda do Presidente Fernando Collor de Melo. Naquela época, Lula dizia que, se
o PT chegasse ao poder, a corrupção seria drasticamente reduzida, o que resultaria em uma
sobra de pelo menos 10% no Orçamento da União. Portanto, o narrador-protagonista referia-
se, implicitamente, ao comportamento do PT nas duas CPIs: “vejo que muitos que ontem
exorcizavam aqueles fantasmas agora se abraçam com eles. que eles não são mais os
fantasmas do PC, são os fantasmas do Delúbio e do Marcos Valério”. Segundo ele, estava
ocorrendo uma inversão de papéis. Ao passo que no passado o PT lutou em prol da instalação
das CPIs, tendo como bandeira o combate à corrupção; no momento, no poder, buscava, de
todas as formas, impedir a criação da CPMI dos Correios, uma vez que estavam envolvidos
no escândalo.
Através de alusão à fábula “A e o escorpião”, de Esopo (século VI, a. C.), o narrador-
protagonista ressaltou a imagem de um PT falso, hipócrita, egoísta (interesseiro) e desleal.
Vejamos:
Primeiro depoimento – fragmento 68
Essa gente do PT não é leal, nos usa como um sapo para atravessar o rio, e sempre nos dão
uma ferroadinha. Paralisa o sapo, a gente nada mais 10 metros; outra ferroadinha, mais
uma dosezinha de veneno. que essa é tão forte que pode levar o sapo para o fundo do
rio, mas vai levar esses
escorpiões da cúpula junto, não tenho dúvida disso
Na fábula de Esopo, um escorpião chegou às margens de um grande rio, desejando atravessá-
lo. No entanto, não conseguia, uma vez que não sabia nadar. Estava quase desistindo quando
viu uma sobre a relva, próxima à correnteza. Seus olhos brilharam, pois pensou em ter
encontrado a solução. Portanto, pediu a que o carregasse nas costas até a outra margem do
rio. A hesitou, mas acabou cedendo ao pedido do escorpião. Durante a travessia, o
escorpião picou a rã. - Seu tolo! - gritou a rã. - Agora nós vamos morrer! Por que fez isso?
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Capítulo 04 - Roberto Jefferson: imagens de si e do outro
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O escorpião deu uma risada sarcástica e sacudiu o corpo. - Desculpe, mas eu não pude evitar.
Essa é a minha natureza.
Segundo Aristóteles, as fábulas são adequadas aos discursos públicos e apresentam esta
vantagem: é que sendo difícil encontrar factos históricos semelhantes entre si, ao invés,
encontrar fábulas é fácil. Tal como para as parábolas, para as imaginar, é preciso que
alguém seja capaz de ver as semelhanças, o que é fácil para quem é de filosofia
(ARISTÓTELES, 2005, p. 207).
No discurso da CPMI dos Correios, através de analogias, o narrador-protagonista associou os
membros da cúpula do PT a escorpiões, e o PTB a um sapo, tendo em vista levar o
interlocutor à conclusão de que o PT tinha natureza traiçoeira, hipócrita e “interesseira” e
havia usado o PTB (a rã) para atingir seus objetivos. É importante observar que o narrador-
protagonista, através dessa fábula, buscou também intimidar os membros do PT assim como o
fez a rã ao advertir o escorpião do destino que os esperava: iriam todos morrer.
Inclusive em outra passagem do discurso, o narrador-protagonista, por meio da metáfora
“bagaço de laranja de que vocês chuparam o caldo
, voltou a reforçar a imagem de um PT
completamente “interesseiro”:
Segundo depoimento – fragmento 69
Quando estiveram em casa, de manhã cedo, o Ministro Aldo Rebelo - na véspera de o
PTB decidir se assinava aquela CPI, logo no princípio de junho, não, final de maio -, o
Ministro José Dirceu e o Ministro Palocci (já disse isto aqui, da tribuna), o José Dirceu
afirmou 2 coisas que para mim são importantes, porque eu bati duro nele.
Eu disse a ele: "Isso não é papel de homem. Vocês não agem corretamente. Vocês jogam
fora os companheiros de aliança como se fossem bagaço de laranja de que vocês
chuparam o caldo. Isso não é papel
de homem, José Dirceu".
O narrador-protagonista também comparou o PT a Judas Iscariote, o discípulo que entregou o
que havia de mais sagrado, Cristo, pelo o que havia de mais profano (30 dinheiros), o que
constituiu, também, uma forte estratégia, uma vez que pôs em cena o fato de o PT ter traído
seus aliados em troca de poder.
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Além disso, ressaltou que o PT não tinha projeto de governo e roubava do povo. É importante
salientar que, ao acusar o PT de “ladrão”, ele pôs em cena um discurso recorrente na
sociedade: “o político tal rouba, mas ele faz”. Vejamos o fragmento:
Segundo pronunciamento – fragmento 70
[...] Ética, moralidade, o PT não rouba e não deixa roubar. Ouvi isso da cúpula do partido.
Rouba, mas rouba sozinho. E rouba muito.
A oração coordenada adversativa, agenciada pelo narrador-protagonista, pôs em cena um
enunciador cuja “fala” é que todos os parlamentares roubam, confirmando a representação
sociodiscursiva que o povo tem de que os políticos são “ladrões”, expressa pelo então
narrador-protagonista no início de seu segundo depoimento.
Ao fazer referência ao conto “A roupa nova do imperador”, de Hans Christian Andersen
(1837), ele buscou reafirmar a imagem de um PT hipócrita e traiçoeiro: “[...] Tirei a roupa do
rei, mostrei ao Brasil quem são esses fariseus (palmas), mostrei ao Brasil o que é o Governo
Lula, mostrei ao Brasil o que é o Campo Majoritário do PT” (Segundo pronunciamento
fragmento 67). Conforme dissemos na seção referente à seleção lexical, as figuras retóricas
foram usadas de forma cumulativa, tendo em vista reforçar o efeito pretendido: levar o
interlocutor à conclusão de que a cúpula do PT era falsa, hipócrita, desleal e somente desejava
o poder.
Posteriormente, o narrador-protagonista passou a desqualificar, separadamente, cada
componente da cúpula do PT. No entanto, seu alvo era José Dirceu que, segundo ele, era o
líder dos traidores. Ele comparou José Dirceu, em um primeiro momento, a Rasputim, o
primeiro-ministro do czar Nicolau II.
Rasputim era um místico russo que teve uma grande influência no final do período czarista da
Rússia. Sua conhecida reputação de místico colocou-o no restrito círculo da Corte Imperial
Russa, por volta de 1905, onde se diz que ele chegou mesmo a salvar Alexei Romanov, o
filho do czar, de hemofilia. Diante deste acontecimento, a czarina Alexandra Fedorovna
dedicou-lhe uma atenção cega e uma confiança desmedida, denominando-o mesmo de
“mensageiro de Deus”. Com esta proteção, Rasputim passou a influenciar, ocultamente, a
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Capítulo 04 - Roberto Jefferson: imagens de si e do outro
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Corte e, principalmente, a família imperial russa, colocando homens como ele no topo da
hierarquia da poderosa Igreja Nacional Russa.
Mas, o seu comportamento dissoluto, licencioso e devasso (supostas orgias e envolvimento
com mulheres da alta sociedade) levou a denúncias por parte de políticos atentos à sua
trajectória poluta, entre os quais se destacam Stolypine e Kokovtsov. O czar Nicolau II
afastou então Rasputim, mas a czarina Alexandra manteve a sua confiança absoluta no
decadente monge. A Primeira Guerra Mundial trouxe novos contornos à atuação de Rasputim,
odiado pelo povo, que o acusou de espionagem ao serviço da Alemanha. Ele escapou a
várias tentativas de aniquilamento, mas acabou por ser vítima de uma trama de aristocratas da
grande estirpe russa, entre os quais Yussupov (GRIGORI RASPUTIM. In: WIKIPEDIA: a
enciclopédia livre. Disponível em: <http:wikipedia.org/wiki/Grigori_Rasputin>. Acesso em
24 maio 2006). Vejamos o fragmento:
Primeiro depoimento – fragmento 71
[...] eu compreendi, Srs. Deputados, Sras. Deputadas, meus advogados, Sr. Presidente,
Sr. Relator, por que não permitiam, porque a gente esbarrava sempre no Dirceu, no
Rasputim?[...]
No fragmento acima, a argumentação por analogia funcionou como uma importante
estratégia, uma vez que o narrador-protagonista desejava mostrar que, assim como Rasputim
traiu (orientou mal) o czar Nicolau II, José Dirceu também havia traído o Presidente Lula. É
importante lembrar que essa imagem de traidor foi posta em cena desde o início do evento,
momento em que o narrador-protagonista ainda se considerava “amigo” do presidente. Além
disso, outros traços semânticos também podem ser vistos nas duas personagens: o monarca
(Lula) não decidia nada sem antes consultar Rasputim (José Dirceu). Rasputim tinha fama de
ser promíscuo, traço semântico que também foi dado a José Dirceu, pelo narrador-
protagonista, ao compará-lo, posteriormente, a Jeany Mary Corner. Vejamos o fragmento:
Segundo pronunciamento – fragmento 72
Sr. Presidente, Srs. Deputados, o Governo do Presidente Lula promoveu - e este é o
Governo mais corrupto que testemunhei nos meus 23 anos de mandato - o mais
escandaloso processo de aluguel de Parlamentar. Escolheu o Ministro José Dirceu como
uma espécie de Jeane Mary Corner (risos), o rufião do Planalto, para alugar
prostitutas, o que ele entendia poder fazer na Câmara dos Deputados. Tratou esta Casa
como se fosse um prostíbulo. Aliás, sempre conversou nesse sentido. As conversas
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Capítulo 04 - Roberto Jefferson: imagens de si e do outro
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com ele sempre começavam nesse nível, as festas, para depois ficar na ante-sala do
Presidente, do jeito que ele queria conduzir, de maneira anti-republicana.
Segundo Figueiredo (2006, p. 125-6), Jeany Mary Corner era uma conhecida promotora de
eventos a quem muitos políticos teimavam em chamar de cafetina. Jeany Mary Corner
trabalhava em Brasília havia 13 anos, fornecendo garotas – ou “recepcionistas”, como gostava
de dizer – para festas e eventos. Aos 43 anos, segundo o autor, ela era um legítimo subproduto
da redemocratização. Chegara à capital federal no mesmo dia posse de Fernando Collor de
Mello (15 de março de 1990) e, de lá para cá, prestara serviços para todos os governos e
partidos. A exemplo de Marcos Valério, Jeany Mary Corner não fazia distinções ideológicas,
desde que seus clientes pagassem em dia.
Delúbio Soares, o tesoureiro do PT, na concepção do narrador-protagonista, era o
“desencravador de unhas”. O narrador-protagonista descreveu Delúbio Soares como uma
pessoa simpática, simples (repetiu essa qualificação), mas que cumpria uma missão, tendo em
vista isentá-lo de maiores responsabilidades no esquema do “Mensalão” (conforme já
dissemos, o alvo do narrador-protagonista era José Dirceu). Ele usou a metáfora “desencravar
unhas” para mostrar que a função de Delúbio era solucionar os problemas do PT. Vejamos o
fragmento:
Primeiro depoimento – fragmento 73
Eu disse: “Pois não, José Múcio, eu vou atender o Delúbio. Eu atendi em minha casa. Isso
em princípios de 2004 janeiro, fevereiro não posso precisar a data. E o Delúbio foi
simpático, fumou um charuto. Simples, um homem simples, mas cumprindo uma
missão. Cheio de melindres, de tato para falar comigo, aquele jeitão dele de goiano
do interior. E disse que gostaria de ajudar a desencravar uma unha que pudesse
havera expressão que ele usa: “ajudar a desencravar uma unha” de algum
companheiro
que pudesse, faria uns repasses ao PTB.
Por sua vez, José Genoíno, presidente do PT, foi descrito como aquele que não sabia de nada,
não viu nada, não ouviu nada, ou seja, aquele que negou tudo. Essa descrição, inclusive,
permitiu ativar na memória do interlocutor a imagem dos três macaquinhos: o que não viu, o
que não ouviu e o que não disse nada: o dissimulado. Por fim, Silvio Pereira foi posto em
cena como o “juiz”, o que dava a última palavra quanto ao esquema do “Mensalão”. Segundo
o narrador-protagonista, Silvio Pereira batia o martelo.
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Capítulo 04 - Roberto Jefferson: imagens de si e do outro
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A cúpula do PT contava com aliados segundo o narrador-protagonista havia um complô
contra ele dentre os quais se encontrava a Agência Brasileira de Inteligência Nacional
(ABIN) e a Revista Veja.
5.5.3. A Agência Brasileira de Inteligência Nacional (ABIN): a “polícia do governo”
Durante a trajetória discursiva, o narrador-protagonista foi desqualificando o governo e o PT,
traçando imagens “negativas” (anti-ethos) tanto deles quanto daqueles que tinham algum
vínculo com eles, conforme podemos ver no fragmento a seguir:
Primeiro depoimento - fragmento 74
A CPI que ora empalmamos, Srs. Congressistas, tem origem numa fita que agentes, a
mando da ABIN, porque o braço sujo da ABIN é aquela gente tipo Molina, que não é
comandante. Aquilo é uma falsidade ideológica dele. Ele não é da Marinha. Já recebi da
Marinha vários documentos mostrando que ele não é comandante. E aquela súcia de
asseclas dele desempenha o papel sujo daquela que é filhote do SNI, a polícia de Estado, a
agência política que age em favor do Governo e não em favor da sociedade.
Através do sintagma nominal “braço sujo”, o narrador-protagonista salientou que a ABIN
(Agência Brasileira de Inteligência Nacional) realizava serviços ilegais, mas possuía “braços”
para estas tarefas, sendo que um desses braços era Molina. Ao desqualificar a ABIN, ele usou
não só um predicativo pejorativo, mas também um ato de refutação polifônico bastante
polêmico: “[...] é a polícia de Estado, a agência política que age em favor do governo e não
em favor da sociedade”.
À medida que ele inseria um novo objeto discursivo, outros novos surgiam atrelados a esse
primeiro, constituindo uma verdadeira trama como, por exemplo, ABIN e Molina, vistos
acima. As predicações pejorativas à ABIN continuaram:
Segundo depoimento - fragmento 45
seis meses, e a imprensa notícia disso, o Estadão e O Globo noticiaram: a ABIN
infiltrar agentes lá, nos Correios, para descobrir irregularidades licitatórias em contratos.
A competência é tão grande que a ABIN conseguiu que os seus agentes filmassem um
“petequeiro”, um leviano apanhando R$3mil num movimento de contratos de bilhões, mas
a ABIN foi incapaz de dizer ao Governo, à Casa Civil, ao Presidente da República, ao
chefe da segurança institucional do Brasil que o Sr. Marcos Valério, versão moderna
embacaqueada do Sr. PC Farias, sacava um milhão por dia nas contas do Banco Rural, ou
sacava em Minas Gerais, ou aqui no prédio do Brasília Shopping, no nono andar, onde
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Capítulo 04 - Roberto Jefferson: imagens de si e do outro
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muitos assessores dos que recebem “mensalão” e que estão registrados na portaria subiam
até o escritório do banco para receber lá 30, 40, às vezes 20, e até R$60 mil. O Brasil gasta
uma fortuna com a ABIN. Ela descobriu, através dos seus agentes, liderados pelo falso
comandante que um “petequeiro” leviano usava nome de gente ria para pegar R$3 mil,
R$2 mil. Só a TV Globo não sabe que ele é chefe de departamento. Até hoje eu vejo a TV
Globo colocar no ar: ex-diretor dos Correios... Porque a coisa é tão pequena que, se
dermos a dimensão da pequenez dela, apequenamos os nossos trabalhos: uma CPI de Srs.
Senadores, de Srªs Senadoras, de Srs. Deputados, de Srªs Deputadas, para apurar R$3 mil
que a ABIN conseguiu descobrir do Sr. Maurício Marinho. Até foi bom para dar pompa e
circunstância o “ex-diretor dos...”. Vejo aquele moço de cabecinha assim, com um
cabelinho assim meio branco, o Sr. Boner, dizendo “o ex-Diretor...”. Não é, não. É chefe
de departamento; é quarto escalão dos Correios.
No fragmento acima, o narrador-protagonista pôs em cena um enunciador que sustentou um
ponto de vista absurdo e até mesmo contraditório. Como um órgão pode ser tão competente e
cometer um erro tão grosseiro? É importante observar que o fato expresso no enunciado
104
“[...] a ABIN conseguiu que os seus agentes filmassem um “petequeiro”, um leviano
apanhando R$3mil num movimento de contratos de bilhões, mas a ABIN foi incapaz de dizer
ao Governo, [...] que o Sr. Marcos Valério, [...] sacava um milhão por dia nas contas do
Banco Rural, [...] deveria ser o efeito do que se declarou na oração principal “A competência
é tão grande [...]”. No entanto, isso é insustentável. Na realidade, trata-se de um discurso
irônico acusativo e defensivo ao mesmo tempo, uma vez que o narrador-protagonista pôs em
cena um enunciador que cumpriu um objetivo almejado por ele - desqualificar a ABIN (a
ABIN é incompetente) - e que assumiu toda a responsabilidade desse ato, o que fez com que
ele, narrador-protagonista, tivesse a possibilidade de não responder por tal atitude:
O interesse estratégico da ironia reside no fato de que o locutor escapar às
normas de coerência que toda argumentação impõe: o autor de uma
enunciação irônica produz um enunciado que possui, a um tempo, dois
valores contraditórios, sem, no entanto, ser submetido às sanções que isso
deveria acarretar. A ironia parece então “uma armadilha que permite
frustrar o assujeitamento dos enunciadores às regras da racionalidade e da
conveniência públicas” (BERRENDONNER, 1981
105
, apud
MAINGUENEAU, 1997, p.100).
O narrador-protagonista agenciou novamente, no início do fragmento, um argumento de
autoridade, O Estadão e O Globo, tendo em vista dar credibilidade à sua fala: “Há seis meses,
e a imprensa dá notícia disso, o Estadão e O Globo já noticiaram [...]”.
104
Trata-se de um período composto misto consecutivo.
105
BERRENDONNER, A. Éléments de pragmatique linguistique. Paris: Éditions de Minuit, 1981.
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É importante ressaltar também que foi a primeira vez que a palavra “mensalão” foi agenciada
neste depoimento, inserida entre aspas, com o mesmo efeito pretendido no uso da palavra
petequeiro: transferir a responsabilidade do seu uso a outro enunciador. No fragmento em
questão, o “outro”, segundo o narrador-protagonista, refere-se àlguns membros de partidos
políticos. O curioso nesse léxico é o uso do sufixo aumentativo “ao” que “carrega” um valor
semântico de intensidade, no contexto uma representação, pejorativa, da quantidade de
dinheiro recebido pelos parlamentares.
5.5.4. A Revista Veja: a “conspiradora”
Tendo em vista levar o interlocutor à conclusão de que a mídia, em princípio, é um veículo de
informação sem credibilidade, o narrador-protagonista a caracterizou como uma instância que
visa apenas ao lucro: deseja vender. Vejamos o fragmento:
Primeiro depoimento – fragmento 75
[...] A imprensa é assim: julga, acusa... Ah, não, investiga... Ela tem todos os poderes:
investiga, acusa, julga e executa, em uma semana. Não se importa. Não tem
responsabilidade com o que diz, quer destroçar, para vender. É um campeonato de
sangue. Mas eu nada temo.
Conforme podemos observar acima, através da hesitação “Ah, não, investiga...”, ele
descreveu, ironicamente, a mídia: “ela tem todos os poderes, em uma semana, investiga,
acusa, julga e executa”. Para mostrar a atuação da mídia, o narrador-protagonista agenciou o
léxico “julga”, acusa”, “executa”, “destroça”, com a finalidade de ativar na memória
discursiva do interlocutor a imagem de um “carrasco”. É interessante observar que, segundo
ele, todas essas ações são feitas em uma semana. Com a finalidade de reforçar o anti-ethos de
que a mídia visa apenas ao lucro, o narrador-protagonista pôs em cena a hipérbole
“campeonato de sangue”.
No entanto, seu alvo era a Revista Veja, responsável pela denúncia na qual foi citado como
principal suspeito no esquema de corrupção nos Correios. A referida revista, segundo o
narrador-protagonista, é caluniadora. Caluniou não a ele como também a seu amigo
Roberto Cardoso. Vejamos o fragmento:
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Primeiro depoimento – fragmento 75
Vi meu amigo, falecido, Roberto Cardoso Alves, também caluniado pela Veja. Oh,
revistinha! Oh, revistinha! Caluniado pela Veja! Lutou anos pelo direito de resposta.
Só deram depois que ele morreu, esmagado, quando seu carro capotou. Aí deram em preto
e branco. Porque é fácil. [...].
Para reforçar o anti-ethos da Veja de caluniadora, ele inseriu o exemplo de seu amigo Roberto
Cardoso Alves na trama, segundo ele, “também caluniado pela Veja”. É interessante observar
que “caluniado pela Veja” foi agenciado duas vezes no fragmento. A repetição tem o poder de
tornar presente na mente do interlocutor a imagem destacada (Koch, 2002). O narrador-
protagonista descreveu, detalhamente, como foi o acidente que matou seu amigo (morreu,
esmagado, quando seu carro capotou), tendo em vista sensibilizar o interlocutor. Conforme
Perelman e Olbrechts-Tyteca (2000), detalhar etapas de um fato o torna presente na mente e
facilita a tomada de posição. Além disso, ele caracterizou a Veja também pelo diminutivo
“revistinha” (usado duas vezes no fragmento), com a finalidade de mostrar desprezo: ela é
uma revista qualquer.
No entanto, o narrador-protagonista alegou que a Veja fazia parte de um complô com o governo e o
PT para incriminá-lo
(Teoria da Conspiração). Essa imagem de “conspiradora” foi agenciada
após tentativa frustrada do narrador-protagonista de estabelecer um acordo com a mídia, e a
partir de então, permeou todo o seu discurso:
Segundo depoimento - fragmento 54
Quando li a revista, falei: “botaram jabuti na árvore , Salmeron, Antônio Osório, isso
é coisa do Governo, é coisa da ABIN”. O Governo acertou com a Veja e eles
esconderam o que tem aqui nesta fita que reproduzi à Casa. Sessenta por cento das
atividades bilionárias dos Correios estão aqui, na Diretoria de Informática. Puseram
Diretor virtual, que nem na cadeira sentou, nem nomeado foi. E a Veja escondeu o
Diretor real e seu padrinho real! Escondeu! Não fiz esta denúncia na tribuna porque,
em política, a gente deve tentar ajeitar as coisas até o momento de ruptura.
Além desses “inimigos”, o narrador-protagonista também descreveu, pejorativamente,
Mauricio Marinho, Marcos Valério e Molina, de forma estratégica, tendo em vista construir-
se na cena como político honesto e sério; ser humano “comum”; cidadão honrado e líder
supremo, na figura do herói e do profeta.
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O narrador-protagonista inseriu a personagem Mauricio Marinho na trama principalmente
como um “petequeiro borriquoto”, com a finalidade de mostrar que o referido sujeito era uma
pessoa sem importância.
Marcos Valério, segundo ele, era uma versão embacaqueada de PC Farias. No entanto,
ressaltou que PC Farias era aprendiz de feiticeiro diante de Marcos Valério, no sentido de
destacar o tamanho da corrupção na qual o PT estava envolvido. Segundo ele, Marcos
Valerio: “[...] é maluco. Ele fala de dinheiro como se fosse um negócio assim banal, uma
coisa assim... Ele fala como se a coisa caísse do céu. [...] o cara é doido (Segundo
depoimento fragmento 76). É importante lembrar que o narrador-protagonista salientou
durante o evento ter sido advogado de PC Farias na CPI, o que a nosso ver remete a “conhecer
bem o esquema de corrupção no qual o PT estava envolvido e do qual Marcos Valério era o
operador.
Quanto a Molina, no início do evento (primeiro pronunciamento), o narrador-protagonista o
caracterizou como um indivíduo “muito bem-falante, delicado, gentil e habilidoso”. Ao
relatar o encontro que tiveram, o narrador-protagonista agenciou o discurso direto, no sentido
de dar autenticidade e veracidade ao discurso. Assim, ele tentou se construiu na trama como
um político honesto e sério em contraposição a Molina, um chantagista.
Ao longo da CPMI, Molina foi sendo retomado sempre de forma pejorativa. O narrador-
protagonista salientou que Molina era um dos braços sujos da ABIN (segundo ele, a ABIN
realiza serviços ilegais, mas possui “braços” para estas tarefas). Portanto, Molina
106
foi
inserido na trama não como um dos braços sujos da ABIN; mas, sobretudo, como um
mentiroso: “[...] Molina, que não é comandante. Aquilo é uma falsidade ideológica dele. Ele
não é da Marinha”.
O narrador-protagonista tentou refutar o discurso de Molina de que era comandante da
Marinha, expulsando sua fala da cena enunciativa e fazendo com que seu discurso
prevalecesse. Na realidade, o ato de fala refutativo do narrador-protagonista no sentido
polifônico é apenas um simulacro, uma vez que, em um primeiro momento, ele refutou o
discurso do outro, desqualificando-o; depois expulsou esse da cena e impôs seu discurso, de
106
Molina procurou Roberto Jefferson para negociar a fita. Segundo Jefferson, esse alegou que era comandante
da Marinha.
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forma completamente autoritária. Podemos observar que os enunciados agenciados por ele,
nesse momento, são orações absolutas
107
, curtas, como, por exemplo, “Ele não é da Marinha”.
Além de desqualificar Molina, ele ainda trouxe um argumento de autoridade, um pseudo-
discurso indireto, para reforçar seu discurso: “Já recebi da Marinha vários documentos
mostrando que ele não é comandante”. Acreditamos que esse pseudo-discurso relatado é uma
estratégia do narrador-protagonista para proteger sua face diante do que enunciava, uma vez
que envolve uma alta autoridade brasileira, a Marinha. Ele trouxe o parecer e o o dizer da
Marinha. Ao desqualificar a ABIN, ele usou não um predicativo pejorativo, mas também
um ato de refutação polifônico bastante polêmico: “[...] é a polícia de Estado, a agência
política que age em favor do governo e não em favor da sociedade”. Vejamos o fragmento:
Segundo depoimento – fragmento 77
A CPI que ora empalmamos, Srs. Congressistas, tem origem numa fita que agentes, a
mando da ABIN, porque o braço sujo da ABIN é aquela gente tipo Molina, que não é
comandante. Aquilo é uma falsidade ideológica dele. Ele não é da Marinha. recebi
da Marinha vários documentos mostrando que ele não é comandante. E aquela súcia de
asseclas dele desempenha o papel sujo daquela que é filhote do SNI, a polícia de Estado, a
agência política que age em favor do Governo e não em favor da sociedade.
À medida que o narrador-protagonista ia sendo exposto a depoimentos, desqualificava cada
vez mais Molina: “falso comandante, cara escroto, escroto, insinuante, boquirroto, lobista,
falso, uma figura horrorosa, frágil, vagabundo, sem essência, inconsistente... um lobista
vagabundo, um cabra horroroso, uma pessoa horrorosa, não é comandante, tão vagabundo, tão
vagabundo, tão inconsistente” (segundo depoimento).
5.5.5. O povo: os “discípulos” leais
Conforme dissemos ao longo da análise, o narrador-protagonista caracterizou os cidadãos
brasileiros, em geral, como um povo sofrido que se cansou dos políticos; que participa da
cena política e, portanto tem poder de decisão; que pagará mais impostos tendo em vista as
novas propostas do governo; que assiste a novelas e jornais; que confia no Presidente Lula
(Lula é o “homem do povo”), com a finalidade de se construir com um ethos de solidariedade
107
Acreditamos que o período simples/oração absoluta possui uma natureza de ordem mais pragmática e
impositiva (autoritária).
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e legitimidade. É importante lembrar que o povo construído na trama pelo narrador-
protagonista diz respeito às camadas mais pobres da população.
No início do evento (depoimentos), o narrador-protagonista representou o povo através da
figura de Lula: “o Presidente Lula [...] um homem do povo. Igual ao povo. Gente igual ao
Brasil [...]” (Segundo depoimento fragmento 62). Portanto, o povo foi descrito, pelo
narrador-protagonista, encarnando as características de Lula. Não podemos nos esquecer de
que, naquele momento, era interessante para o narrador-protagonista mostrar-se amigo do
presidente. Vejamos:
QUADRO 10
Caracterização do povo a partir da caracterização de Lula
um homem inocente
um homem bom
correto
um homem pobre
um homem do povo
sentiu fome
igual ao povo
gente igual ao Brasil
pobrezinho
retirante do nordeste que passou fome
sabe o que é desemprego
sabe o que é pau-de-arara
um inocente
um homem de bem
um homem honrado
um homem simples
um homem correto
foi traído
abraça a gente
deixa a gente abrir o coração
um inocente
Lula = cidadão brasileiro
tomou atitude
No entanto, no final do evento (segundo pronunciamento), uma vez que não era mais
interessante para o narrador-protagonista se apresentar como amigo de Lula, conforme
dissemos, esse representou o povo, metonimicamente, através de sua família, colegas de
trabalho, professoras de canto, amigos íntimos, motorista, funcionário etc. Assim, o povo
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Capítulo 04 - Roberto Jefferson: imagens de si e do outro
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naquele momento encarnou as características dessas pessoas que, segundo o narrador-
protagonista, eram bastante virtuosas. Vejamos os fragmentos:
Segundo pronunciamento – fragmento 18
Quero agradecer, em princípio, às mulheres que me permitiram chegar a este momento
importante que vivo hoje na minha vida. A minha avó Petiza, força vital. Um jequitibá.
Não quebrava, não vergava. Perdeu, precocemente, 2 filhos, o marido, mas não cedeu.
Não caiu. A minha mãe, Neusa, com sua inabalável em Deus, sua força espiritual para
enfrentar adversidades. A Ecila, mãe de meus filhos e avó de meus netos, amiga,
guerreira, conselheira. Foi pai e mãe de meus filhos. Deu-me a retaguarda para ir à luta,
porque a luta política faz isso conosco, nos transforma em pais ausentes. A Cristiane,
minha filha - fisicamente, a mãe, mas o espírito é meu. Sonhei para você, meu amor, a
carreira da magistratura. Pedi até a sua professora, Juíza Denise Frossard, que a
influenciasse, para que você persistisse na escola de magistratura e fosse uma juíza. Mas a
Laurinha, nossa irmã e amiga, conversando com você, convenceu-a a seguir a vida
pública. Sucesso, meu amor! Agradeço a você pelos meus 2 netos: Christian e Catarina. A
Fabiana, minha filha. Parece comigo fisicamente, mas herdou da mãe a doçura. Já me deu
3 netos: o Vítor, o Artur e o Bernardo. A Mary Land, minha querida prima, que, lá
adiante, sempre costura a união entre a família [...].
Segundo pronunciamento – fragmento 78
Agradeço à minha cidade de Petrópolis o apoio e a solidariedade. Ao meu amigo Padre
Jac, conforto espiritual. Agradeço aos amigos Joenes, Ronaldo Medeiros, Vereador
Vadinho, meu irmão, Vereador Canela, que aqui está, lá de Paraíba do Sul, meu irmão.
Agradeço ao meu avô Ibrahim, já falecido. Foi ele o responsável na família pela veia
poética, a observação da vida e o desprendimento.
Conforme podemos observar, as pessoas descritas acima são persistentes, amigas, gentis,
solidárias etc. Vejamos o quadro:
QUADRO 11
Caracterização do povo a partir da caracterização da família e dos amigos do narrador-
protagonista
força vital (persistência)
fé em Deus (força espiritual)
amigo
guerreira
conselheira
doçura
união
apoio
solidariedade
conforto espiritual
veia poética
observação da vida
família e amigos = cidadão brasileiro
desprendimento
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Capítulo 04 - Roberto Jefferson: imagens de si e do outro
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É importante ressaltar que a característica predominante, agenciada pelo narrador-
protagonista ao descrever o povo, representado metonimicamente, foi a lealdade: o povo era
seu amigo leal.
Segundo Aristóteles (2005 p. 112), o significado de muitos e bons amigos é fácil de
compreender a partir da definição de amigo: “amigo é aquele que pratica a favor do outro o
que julga que é bom para si. Quem tem muitos destes tem muitos amigos; e se estes são
homens virtuosos, tem bons amigos”.
Na seção seguinte, verificaremos como o narrador-protagonista caracterizou algumas
personagens a partir dos valores propostos por Charaudeau (1992) no modo de organização
discursiva argumentativo. Faremos a análise tendo em vista quatro domínios básicos: o da
verdade, o da ética, o do hedônico e o do estético.
5.6. A cena argumentativa: valores das personagens
“O povo na rua é minha verdadeira estátua. A
outra, de cimento armado, não me interessa, porque
passarinho faz cocô na cabeça”.
Ulisses Guimarães
O narrador-protagonista não caracterizou as personagens fisicamente e seus
comportamentos como também pôs em cena alguns de seus valores. Nesse sentido, agenciou
argumentos que se apoiavam sobre um consenso social tendo em vista que os indivíduos de
dada comunidade sociocultural compartilham certos valores, em certos domínios de
avaliação. Assim, ele argumentou fundamentado, basicamente, nos domínios da verdade, da
ética, do estético e do hedônico, nos quais s em cena valores antagônicos tais como,
verdade versus mentira, lealdade versus traição, honestidade versus desonestidade etc. Essas
estratégias também foram de suma importância na constituição das imagens de si e do outro
(dimensão representacional) e na patemização (dimensão emotiva).
Portanto, nesta seção, identificamos e analisamos os principais valores agenciados pelo
narrador-protagonista para algumas personagens, além de seus possíveis efeitos à
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Capítulo 04 - Roberto Jefferson: imagens de si e do outro
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argumentação, a partir de quatro domínios: o da verdade, o da ética, o da estética e o do
hedônico.
Discutimos as antíteses verdade versus mentira, lealdade versus traição, honestidade versus
desonestidade, tendo em vista os “inimigos” do narrador-protagonista. Além disso,
verificamos também alguns valores tais como, lealdade, beleza, generosidade, inteligência etc.
atribuídos aos “amigos” do narrador-protagonista por ele mesmo.
5.6.1. O domínio da verdade e da ética: o herói e seus "inimigos”
No que diz respeito aos “inimigos”, o narrador-protagonista argumentou fundamentado,
principalmente, nas antíteses verdade versus mentira, honestidade versus desonestidade e
lealdade versus traição, conforme dissemos ao longo da análise, tendo em vista tanto
desacreditá-los quanto seus próprios discursos. Em outras palavras, durante a CPMI dos
Correios, ele tentou levar o interlocutor à conclusão de que falava a verdade tanto em relação
às denúncias de corrupção nos Correios, das quais era alvo, quanto às referentes ao
financiamento ilegal de campanhas eleitorais e ao “Mensalão”. Nesse sentido, ele buscou se
construir na cena como um político sério e honesto, um denunciante (na figura do herói e do
profeta) em contraposição à imagem de seus “inimigos”, descritos como falsos, hipócritas e
corruptos (os “fariseus”). Assim, ele teceu uma teia muito tênue entre verdade e mentira,
tentando enredar o interlocutor na própria trama, como se esse fizesse parte do acontecimento.
Em um primeiro momento (primeiro pronunciamento), ele negou todas as acusações e tentou
se construir na cena como um político sério e, sobretudo, honesto, fornecendo vários
argumentos para tal como, por exemplo, declarar o valor de seu patrimônio:
Primeiro pronunciamento – fragmento 79
Policarpo, você diz na matéria que muitos, em especial eu, usam esses cargos de governo
para enriquecimento ilícito. Quero dizer a você, amigo, que não estou fazendo voto de
pobreza e tenho dois patrimônios na vida: uma casa em Petrópolis, avaliada em 500
mil reais, e meu escritório no Rio de Janeiro, que deve valer uns 100 mil reais. Tenho
23 anos de mandato.
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Capítulo 04 - Roberto Jefferson: imagens de si e do outro
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É importante lembrar que, naquele momento, Roberto Jefferson não acusou ninguém. Ele
chegou, até, a descrever, “positivamente”, alguns políticos como, José Genoíno, por exemplo.
Seu objetivo era apenas se defender: negou as acusações (discurso de justificação).
Posteriormente (nos depoimentos), o narrador-protagonista denunciou o esquema de
financiamento ilegal de campanhas eleitorais no Brasil e o “Mensalão, tendo em vista se
construir como herói. Segundo ele, bastava comparar a prestação de contas feita pelos
parlamentares, inclusive por ele, à Justiça Eleitoral, e o que se gastava realmente. Vejamos:
Primeiro depoimento - fragmento 42
Eu trouxe aqui, Srs. Senadores e Srs. Deputados, porque peguei na Justiça Eleitoral,
todas as prestações de contas, a minha e a dos senhores; na Justiça Eleitoral. é o
princípio da mentira que a gente vive aqui.
Não há, povo do Brasil, cidadã do Brasil, cidadão do Brasil, eleição de deputado federal
que custe menos de um milhão, ou de um milhão e meio de reais. Mas a média, aqui na
CPI e da Câmara dos Deputados, a prestação de contas é de R$100 mil. [...]
Não há uma eleição de Senador com menos de dois milhões, R$3 milhões e a prestação de
contas, a média é duzentos e cinqüenta mil. Esse processo começa na mentira e deságua
no PC Farias, deságua nos outros tesoureiros de campanha, agora no Sr. Delúbio, agora no
Sr. Marcos Valério. Esse afrouxamento é que tem levado ao enfraquecimento da Câmara
dos Deputados, do Governo Federal e dos Governos dos Estados. [...]
E as declarações à Justiça Eleitoral não traduzem a realidade; nem a minha, porque a
minha é igual à dos senhores, não é diferente. E onde enfrentamos esse problema,
Deputado Onyx? Eu assistia sábado ao Jornal Nacional e, de repente, entrou uma matéria
mostrando que o Coaf, por meio do Ministério Público Federal e a revista IstoÉ,
desvendou as contas do Sr. Marcos Valério. revestiu a realidade a prova que tanto foi
cobrada. No início me cobravam: “Provas, provas, provas”! A realidade foi vestida,
vestiu o discurso que fiz, as informações que dei.
À medida que tecia essas denúncias, colocava-se contra elas, desqualificando o governo e o
PT e, conseqüentemente, tentando se construir como um denunciante (a figura do herói e do
profeta).
Essa imagem do denunciante foi reafirmada no final da CPMI dos Correios, através da alusão
ao conto infantil “A roupa nova do imperador”, de Hans Christian Andersen, quando estava
para ser votado o pedido de cassação de seu mandato:
Segundo pronunciamento – fragmento 67
[...] Tirei a roupa do rei, mostrei ao Brasil quem são esses fariseus (palmas), mostrei ao
Brasil o que é o Governo Lula, mostrei
ao Brasil o que é o Campo Majoritário do PT
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Capítulo 04 - Roberto Jefferson: imagens de si e do outro
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Naquele momento, o narrador-protagonista ressaltou que havia tirado a roupa do rei no
sentido de ter desnudado a verdade para o povo: revelou o esquema do “Mensalão”.
Discutiremos esta questão na subseção “O nascimento do profeta”.
O narrador-protagonista buscou mostrar que agia de determinada maneira porque possuía
certos princípios, compartilhados pela sociedade, como a honestidade e a seriedade, por
exemplo (ele é o político sério e honesto). A honestidade foi uma das principais virtudes
agenciadas por ele, principalmente no primeiro pronunciamento. No fragmento a seguir, ele
deu um exemplo, do qual era uma das personagens principais, mostrando como se comportou
diante do acontecido, tendo em vista se construir como um indivíduo honesto.
Primeiro pronunciamento – fragmento 80
Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados, cidadãos brasileiros que me assistem. muitos
anos, quando eu ainda era advogado do júri, no Rio de Janeiro, vivi episódio que me
marcou muito pelo resto de meus dias. Eu começava no Tribunal do Júri, em 1978, 1979.
Presidia o Tribunal do Júri do Rio de Janeiro o Juiz José Carlos Watzl, hoje
Desembargador do Tribunal de Justiça do meu Estado. Num processo de homicídio com
três réus, ele nomeou três advogados dativos - eu, um deles - para fazerem, em nome do
Tribunal, a defesa daqueles três réus que não tinham advogados. No dia do júri - eu, de
beca -, o Dr. Watzl chamou os três advogados à sua sala, o representante do Ministério
Público à sua sala, o oficial de Justiça e disse: "Eu confiei nos senhores. Eu os designei
advogados dativos de três us aqui no tribunal, e um dos senhores traiu a minha
confiança, porque disse à família do réu que precisava de dinheiro para entregar a mim,
para que o réu fosse absolvido, que tinha sido escolhido por mim o advogado do
acusado".
Eu cheguei a gelar. E continuou: "Eu quero dar uma oportunidade ao advogado que fez
isso. Para não ser representado no Conselho da Ordem dos Advogados do Brasil, pela
traição cometida e pela indignidade profissional, vai chamar a família do réu aqui e agora,
na nossa frente, vai fazer um cheque e vai devolver o dinheiro que recebeu indevidamente
em meu nome, traindo minha confiança". Um dos advogados colocou a mão na cabeça e
disse: "Excelência, máxima permissa venia, data venia, fui mal-entendido quando falei
com a família do u. Eu não disse isso, eu não falei assim. Não era essa a minha
intenção".
O juiz disse: "O senhor vai chamar a família do réu aqui e agora e, na presença de todos os
que aqui estão, vai fazer um cheque e devolver o dinheiro que pediu indevidamente em
meu nome, eu, que confiei em V.Exa.
Assim se deu esse episódio, e colhi na vida essa lição para sempre. É comum pessoas
fazerem esse tipo de papel do colega advogado no Tribunal do Júri, no Rio de Janeiro,
que vi no passado. Muitos aqui, companheiros nossos, devem ter passado pela situação
de ver alguém, vendendo prestígio, vendendo intimidade, vendendo confiança, pedir
dinheiro em nosso nome.
Ele contou a história com a finalidade de compará-la à situação na qual estava inserido e levar
o interlocutor à conclusão de que era honesto, assim como as personagens da referida história.
Ele tentou desviar a atenção do interlocutor, por alguns instantes, para um caso semelhante
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Capítulo 04 - Roberto Jefferson: imagens de si e do outro
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ocorrido no passado, tentando reforçar o argumento de que estava sendo vítima de acusações
infundáveis.
Além disso, ele tentou se construir também como um indivíduo leal ao longo do evento. A
lealdade é um dos valores que predominou no final do evento (segundo pronunciamento).
Naquele momento, ele buscou se reafirmar como o “amigo” do povo, pondo em cena a
lealdade que familiares, colegas de trabalho, amigos íntimos e funcionários lhe dedicavam.
5.6.2. O domínio do estético, do hedônico e do ético: o herói e seus “amigos”
Durante todo o evento, o narrador-protagonista buscou enaltecer o povo, seus “amigos”,
ressaltando suas atitudes e seus valores. No entanto, essa estratégia atingiu o ponto mais alto
no final do evento (segundo pronunciamento), quando estava para ser votado o pedido de
cassação de seu mandato. Naquele momento, ele agradeceu ao povo, representado
metonimicamente pela família, colegas de trabalho, empregados, professoras de canto etc.,
pondo em cena alguns de seus princípios e buscando se reafirmar na cena como político
honesto, sério, leal, um “amigo” do povo.
Ele agradeceu a várias pessoas. Primeiramente, agradeceu à sua família, depois aos colegas,
funcionários e amigos. Agradeceu, inicialmente, às mulheres, buscando se construir na cena
também com um gentleman. Tentou mostrar ser um indivíduo que valor à família, em
especial às mulheres. Segundo ele, as mulheres de sua família permitiram-lhe chegar àquele
momento tão importante em sua vida. Ainda, segundo o narrador-protagonista, a estrutura
familiar é peça fundamental na realização, no sucesso de um indivíduo.
Nesse grupo, ele agradeceu à avó, à mãe, à ex-mulher, à atual mulher, às filhas e a prima
querida, buscando construir um ethos de bom neto, bom filho, bom marido, bom pai, primo
querido. Ele tentou mostrar que tinha uma “família perfeita”, conforme os preceitos da
sociedade tradicional: pai, mãe, avós, filhos, primos, todos unidos. É importante lembrar que
há uma representação na sociedade de que o “bom político” requer ter uma família como a do
narrador-protagonista. Além disso, é interessante observar que salientou ter sido um pai
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Capítulo 04 - Roberto Jefferson: imagens de si e do outro
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ausente, mas essa ausência se deu por motivos muito especiais: lutar pelo seu País, o que é
muito nobre por parte de um homem:
Segundo pronunciamento – fragmento 18
[...] A Ecila, mãe de meus filhos e avó de meus netos, amiga, guerreira, conselheira. Foi
pai e mãe de meus filhos. Deu-me retaguarda para ir à luta, porque a luta política faz isso
conosco, nos transforma em pais ausentes.
Depois, agradeceu às mulheres que trabalharam com ele. Naquele momento, ele salientou que
não tinha preconceito contra homem, mas quem lhe permitiu o sucesso foi uma assessoria
feminina – ele tentou reafirmar a imagem de indivíduo que valoriza as mulheres:
Segundo pronunciamento – fragmento 18
[...] Eu quero agradecer às mulheres que trabalharam comigo. Não tenho preconceito
contra homem - quero que este Plenário, de maioria masculina, entenda isso, ouviu,
Capixaba, ouviu, Presidente? -, mas a minha assessoria sempre foi feminina, e isso sempre
me permitiu o sucesso
[...].
O narrador-protagonista se dirigiu às suas interlocutoras de forma bastante carinhosa:
denominou-lhes “queridas”, “meninas”. Ele foi tecendo agradecimentos a esse grupo extenso:
amigas, colegas, companheiras do PT, secretárias, assessoras de imprensa. Agradeceu também
às professoras de canto e de música. Segundo ele, nos últimos tempos, os momentos mais
felizes de sua vida foram proporcionados por essas aulas. Assim, buscou se construir como
um indivíduo sensível (que canta e toca instrumentos), tentando desconstruir a imagem pré-
construída de troglodita (homem truculento e violento):
Segundo pronunciamento – fragmento 18
[...] Agradeço a Denise Tavares e a Kátia Almeida, minhas professoras de canto e de
música, todas duas. Elas são responsáveis pelas manhãs mais felizes que venho vivendo
neste último ano de minha vida. Obrigado às duas. Elas me ensinaram que cantar é abrir o
peito, é abrir o coração, é uma doação que a gente faz do espírito, é uma doação que a
gente faz da alma [...].
O narrador-protagonista agradeceu à cidade natal. Ele reconheceu o apoio e a solidariedade
que lhes foram dados em sua vida política. Logo, em seguida, ele agradeceu aos homens. Em
primeiro lugar, agradeceu a um representante de Deus aqui na terra: ao Padre Jac, quem lhe
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Capítulo 04 - Roberto Jefferson: imagens de si e do outro
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deu conforto espiritual, tendo em vista reafirmar a imagem de homem de religiosidade (e
católico), que foi sendo construída desde o início do evento.
A partir de então, agradeceu aos amigos, aos irmãos, aos avôs, ao pai, ao filho, ao genro, aos
colegas e companheiros do PTB, aos advogados, ao motorista. É interessante observar que ele
agradeceu ao motorista, o que pôs em cena que a imagem de um indivíduo não
preconceituoso:
Segundo pronunciamento – fragmento 78
Agradeço aos amigos - alguns estão aqui - Lino, Viviane, Marco Antônio Miranda e Bia,
Seu Walter, da Liderança; Ari, meu amigo especial da Liderança; Henrique, de
Aquidauana; Totó Queiroz, meu irmão, de Paraíba do Sul; Tatão Paiva, Buck Jones, de
Petrópolis; Anésio, meu companheiro 23 anos, pensa como eu, tem a mesma vibração
da inteligência; Murilo Rampinis, Mané Rampinis, Norberto, Edu - Edu é meu motorista
25 anos, meu filho mais novo ou mais velho, testado; Pedro Henrique, Pedrão,
Marco Aurélio, meu companheiro de gabinete 16 anos aqui na Câmara dos Deputados
[...].
Ao agradecer, traçou o perfil dos familiares, companheiros de trabalho, amigos, funcionários,
o que a nosso ver constituiu uma grande estratégia. As pessoas descritas em seu discurso são
virtuosas: fortes, sensíveis, religiosas, nobres, inteligentes, generosas, éticas, responsáveis,
talentosas, leais, amigas. uma representação de que indivíduos inseridos em grupo de
pessoas com tantas qualidades assim pode ser alguém de muitas virtudes, uma pessoa que
pratica o bem. Nesse sentido, principalmente de comparações e analogias, ele buscou mostrar
os valores de seus familiares e “amigos” e reafirmar o ethos de indivíduo honesto, sério, leal,
bom, generoso, religioso, sensível, que foi construindo ao longo do evento.
Esta estratégia do agradecimento foi bastante interessante. Ao pôr em cena valores de seus
familiares, amigos, colegas e funcionários, o narrador-protagonista se manifestou também
com tais valores: pró-ethos e ethos. Além disso, essas personagens representam o povo
brasileiro. Portanto, ele “agradecia” ao povo, tentando persuadi-lo. Ainda, ao enaltecer os
“amigos”, ele também punha em cena imagens de si que acreditava importantes à
argumentação como, por exemplo, o fato de ter se mostrado não preconceituoso ao agradecer
ao seu motorista.
A seguir, verificaremos a trajetória discursiva do narrador-protagonista para se desconstruir
como vilão e se construir, predominantemente, como herói e profeta.
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Capítulo 04 - Roberto Jefferson: imagens de si e do outro
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5.7. A cena retórica: (des) construção de imagens de si e possíveis efeitos discursivos
“Eu continuo sendo uma coisa, uma única coisa -
eu continuo sendo um palhaço. E isso me coloca
em um nível muito superior ao de qualquer
político”.
Charles Chaplin.
Nesta seção, verificamos a trajetória discursiva do narrador-protagonista para se desconstruir
como vilão e se construir, predominantemente, como herói e profeta. A princípio, mostramos
como ele se fragmentou ao longo do evento. Posteriormente, verificamos as principais
imagens de si no discurso, enfocando a de herói e a de profeta.
5.7.1. A metamorfose do vilão: nasce um profeta, forma-se um herói
Quando o narrador-protagonista se pôs em cena para contar sua versão sobre o esquema do
“Mensalão”, embora tenha negado os papéis de herói e de vilão, seu objetivo foi (des)
construir a imagem de vilão (corrupto e troglodita) com a qual foi inserido na trama e,
conseqüentemente, se construir com imagens que pressupunha favoráveis à sua
argumentação. Assim, em um primeiro momento, ele tratou de desconstruir a figura do vilão.
É importante ressaltar que a desconstrução de uma imagem já implica a construção de outras.
5.7.2. A desconstrução do vilão
No processo de desconstrução da imagem de vilão, as refutações foram fundamentais.
Inicialmente, o narrador-protagonista negou as acusações e tentou explicar todos os fatos nos
quais estava envolvido. Posteriormente, negou os papéis de ator, advogado e político,
manifestando-se, portanto, como cidadão honrado e ser humano comum”, tendo em vista
fazer com que o povo se identificasse com essas imagens. Não podemos nos esquecer de que
a imagem era de um cidadão exemplar (honrado) e de um ser humano como qualquer outro
(homem com defeitos e virtudes). Mas, conforme vimos no decorrer da análise, ele não
conseguiu se sustentar com essas imagens, deixando que o parlamentar se manifestasse de
forma predominante na figura do líder político supremo (o profeta e o herói).
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Além disso, o vilão tinha um passado comprometedor: havia sido acusado de corrupção na
CPI de PC Farias e era descrito como um troglodita (ethos pré-discursivo), por causa de suas
atitudes e seu porte físico. Desde o início do governo Lula, ele tentava mudar essas imagens.
Portanto, através de um diálogo com o jornalista Expedito Filho, jornal O Estado de São
Paulo, tentou mostrar que como não pretendia voltar a ganhar peso também não queria
novamente enfrentar fama de corrupto. Vejamos:
Primeiro pronunciamento - fragmento 81
Há um preconceito contra mim que eu não consegui quebrar, e é culpa minha, Sras. e Srs.
Deputados. Confesso que, no passado, eu vendia aquela imagem de troglodita mesmo:
175 kg.
Lembro-me de que, na sessão solene pela morte do Deputado Luis Eduardo Magalhães, eu
estava de terno de linho branco, era gordo, enorme [...].
Era um troglodita, sim. Expedito tem razão. Mas, Expedito, quero lhe dizer uma coisa,
amigo: usei revólver na cintura, pratiquei tiro ao alvo a minha vida inteira porque
fazia disso uma muleta.
[...] Eu era um troglodita, sim.
Eu queria vender a imagem do homem valente, bravo. E não descobri isso por mim
mesmo, não, mas na terapia que fiz para fazer a cirurgia. Precisava enxergar medo para
não ver rejeição. Eu era uma espécie de fantasma da ópera, eu era o fantasma do
Parlamento. Eu temia o olhar de rejeição, por isso fazia aquela cena de troglodita, de
homem bravo. Eu tinha medo do olhar de rejeição e preferia substituí-lo pelo olhar de
medo. Mas não sou aquele troglodita que, no passado, demonstrei como imagem a
que o Expedito se referiu: "Troglodita temido. Hoje, metido a cantar árias".
Melhorei por dentro e por fora. Sou muito mais sereno, muito mais calmo, estou
numa situação muito melhor. Minha auto-estima subiu. Fiz plástica. Voltar ao peso
ideal não é fácil. Tinha 175cm de cintura, hoje tenho 100. Sobrou e tive de fazer
plástica. Não é fácil voltar à normalidade. Mas eu me sentia o fantasma do Parlamento.
Repito: precisava intimidar com aquela imagem de valente, para não enxergar nos olhos
das pessoas a rejeição que hoje vi na rua no olhar de alguns: "Ali o cara envolvido no
escândalo dos Correios" [...].
Expedito, amigo, você, que me ajudou tanto na época da CPI quando dizia que eu
exagerava na adjetivação à Veja, sabe que não sou o troglodita que quer intimidar as
pessoas às quais você, de novo, se refere na sua matéria no jornal O Estado de S.Paulo
Inclusive, no final do primeiro pronunciamento, ele se dirigiu a Genoíno, presidente do PT,
para reafirmar ter fama de troglodita, mas não de ladrão. Vejamos o fragmento:
Primeiro pronunciamento – fragmento 33
Digo também ao meu amigo Genoino, que como eu não se afasta da ética - sempre tive
fama de troglodita, mas nunca de ladrão: o PTB não teme a CPI.
Estratégias Discursivas na CPMI dos Correios: O Caso Roberto Jefferson
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Capítulo 04 - Roberto Jefferson: imagens de si e do outro
252
Conforme dissemos na subseção “O domínio do estético, do hedônico e do ético: o herói e
seus “amigos”, ao agradecer ao povo, ele tentou reafirmar a imagem de homem sensível, fino
em contraposição ao troglodita. Segundo ele, agora tinha aulas de canto.
O vilão sai de cena. Entra o herói. Mas, antes disso, nasce o profeta.
5.7.3. A fragmentação do “eu”
Tendo em vista levar o interlocutor à conclusão de que falava a verdade (portanto era
inocente), o narrador-protagonista se manifestou na cena com rias imagens. Vejamos a
figura 11:
FIGURA 12 - Imagens de si construídas pelo narrador-protagonista durante a CPMI dos
Correios
No entanto, algumas dessas imagens ganharam força ao longo do evento. Conforme dissemos
na subseção “O jogo de formas nominais e pronominais: as máscaras do locutor”, o narrador-
protagonista se manifestou, predominantemente, como: i) político honesto e sério; ii) cidadão
honrado; iii) ser humano “comum”; iv) advogado competente; v) herói e profeta. Vejamos:
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Capítulo 04 - Roberto Jefferson: imagens de si e do outro
253
FIGURA 13 - Principais imagens de si produzidas pelo narrador-protagonista durante a CPMI
dos Correios
A imagem de político sério e honesto apareceu logo no início do evento (primeiro
pronunciamento), quando o narrador-protagonista estava preocupado apenas em se defender
(discurso de justificação).
Na abertura do pronunciamento, ele usou um exemplo do começo de sua carreira de advogado
para mostrar que era sério e honesto (produzir uma prova) e para ilustrar a situação que vivia
com Mauricio Marinho (efeito de exemplificação). Vejamos:
Primeiro pronunciamento – fragmento 82
[...] muitos anos, quando eu ainda era advogado do júri, no Rio de Janeiro, vivi
episódio que me marcou muito pelo resto de meus dias. Eu começava no Tribunal do Júri,
em 1978, 1979. Presidia o 4º Tribunal do Júri do Rio de Janeiro o Juiz José Carlos Watzl,
hoje Desembargador do Tribunal de Justiça do meu Estado. Num processo de homicídio
com três réus, ele nomeou três advogados dativos - eu, um deles - para fazerem, em nome
do Tribunal, a defesa daqueles três réus que não tinham advogados. No dia do júri - eu, de
beca -, o Dr. Watzl chamou os três advogados à sua sala, o representante do Ministério
Público à sua sala, o oficial de Justiça e disse: "Eu confiei nos senhores. Eu os designei
advogados dativos de três us aqui no tribunal, e um dos senhores traiu a minha
confiança, porque disse à família do réu que precisava de dinheiro para entregar a mim,
para que o réu fosse absolvido, que tinha sido escolhido por mim o advogado do
acusado".
Eu cheguei a gelar. E continuou: "Eu quero dar uma oportunidade ao advogado que fez
isso. Para não ser representado no Conselho da Ordem dos Advogados do Brasil, pela
traição cometida e pela indignidade profissional, vai chamar a família do réu aqui e agora,
na nossa frente, vai fazer um cheque e vai devolver o dinheiro que recebeu indevidamente
em meu nome, traindo minha confiança".
Um dos advogados colocou a mão na cabeça e disse: "Excelência, maxima permissa
venia, data venia, fui mal-entendido quando falei com a família do réu. Eu não disse isso,
eu não falei assim. Não era essa a minha intenção".
O juiz disse: "O senhor vai chamar a família do réu aqui e agora e, na presença de todos os
que aqui estão, vai fazer um cheque e devolver o dinheiro que pediu indevidamente em
meu nome, eu, que confiei em V.Exa.".
Assim se deu esse episódio, e colhi na vida essa lição para sempre
EU
Advogado Competente
Herói / Profeta
Cidadão honrado
Ser humano “comum”
Político sério e honesto
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Capítulo 04 - Roberto Jefferson: imagens de si e do outro
254
Essa imagem de político honesto e sério foi sendo reforçada ao longo não deste
pronunciamento, mas de todo o evento. No pronunciamento em questão, ela se fez presente
principalmente quando fez saber o valor de seu patrimônio:
Primeiro pronunciamento – fragmento 79
Policarpo, você diz na matéria que muitos, em especial eu, usam esses cargos de governo
para enriquecimento ilícito. Quero dizer a você, amigo, que não estou fazendo voto de
pobreza e tenho dois patrimônios na vida: uma casa em Petrópolis, avaliada em 500
mil reais, e meu escritório no Rio de Janeiro, que deve valer uns 100 mil reais. Tenho
23 anos de mandato [...]
Tenho uma casa em Petrópolis no valor de 500 mil reais, tenho à disposição meu
Imposto de Renda para V. Exas. conferirem, desde que sou Deputado Federal, e um
escritório no Rio de Janeiro que vale 100 mil reais.
O narrador-protagonista se utilizou, bastante, de quantificadores, tendo em vista produzir um
efeito de verismo. Ao enunciar o valor de seu patrimônio (uma casa avaliada em 500 mil reais
e um escritório no valor de 100 mil reais - agenciado duas vezes no fragmento), o narrador-
protagonista fez saber que tinha o suficiente para viver (ele possui moradia e emprego). A
priori, esta estratégia é interessante porque os bens e seus valores podem ser averiguados:
trata de dados concretos e não de simples opiniões. Ao mesmo tempo, o narrador-
protagonista deu a conhecer que não era um homem rico, aporque a carreira política não
permitia isso. Ele fez saber um patrimônio condizente com sua função social.
no decorrer do evento (logo no início do depoimento, por exemplo), surgiu a figura do
cidadão honrado (pai, avô, chefe de família) e do ser humano “comum”. O narrador-
protagonista pôs em cena o homem e sua condição humana de errar e acertar, de ser portador
de virtudes e defeitos, numa referência ao homem descrito no discurso religioso. Vejamos:
Segundo depoimento – fragmento 08
Enfrento uma luta aqui como cidadão, como homem, como chefe de família, como pai,
como avô, que sai daqui do Congresso Nacional da maneira que entrou: pela porta
da frente.
Sou um homem, com erros e acertos; defeitos e virtudes. E vou sair daqui de cabeça
erguida. Lendo Mateus eu vi lá escrito: “Não temais aquele que pode matar o corpo, temei
o que pode matar a sua alma e o seu espírito”. Um homem que não tem honra não tem
alma. O homem desonrado é um zumbi, não tem espírito.
Segundo depoimento – fragmento 14
O mandato eu sublimei, mas não faço concessões à honra. Perfeito? Não sou. Passei,
como Presidente do PTB, na construção do meu Partido, aliás de braços dados e esposado
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Capítulo 04 - Roberto Jefferson: imagens de si e do outro
255
com outros presidentes, pelo afrouxamento das regras da eleição e do financiamento das
campanhas.
Através de uma citação religiosa, o narrador-protagonista buscou tornar crível sua tese de que
era um homem honrado segundo ele a honra é a virtude mais importante em um homem.
Segundo Maingueneau, o “valor de autoridade ligado a toda enunciação (“é verdade, porque
eu o digo”) é geralmente insuficiente e cada formação discursiva deve apelar à autoridade
pertinente, considerando sua posição” (MAINGUENEAU, 1997, p. 86). É interessante
observar que ele tematizou, de forma marcada, o mandato, com a finalidade de intimidar os
parlamentares: “O mandato eu sublimei [...]”:
Pode-se dizer que, de modo geral, ao recorrer às construções com tema marcado, o
falante seleciona um elemento (estado de coisas, propriedade, relação, coordenada
espacial ou temporal, indivíduo ou grupo de indivíduo, etc.) que deseja ativar ou
reativar na memória do interlocutor e sobre o qual seu enunciado deverá lançar nova
luz para apresentar a seguir algo que considera desconhecido por este, que deseja
enfatizar ou com o qual pretende estabelecer algum tipo de contraste (VILELA;
KOCH, 2001, p. 523).
No período concessivo, o locutor, apesar de aderir ao que foi proferido na oração principal,
distanciou-se desse enunciado para assimilar-se ao dito na oração concessiva, refutando,
através de uma negativa, um ato de fala assertivo pressuposto a partir dessa oração: faço
concessões à honra. “O mas de refutação recusa a legitimidade daquilo que um destinatário
disse ou pensou, ou poderia ter dito ou pensado [...]” (MAINGUENEAU, 1997, p. 166).
Segundo Maingueneau, é importante ressaltar que nesse caso não se trata de uma simples
oposição entre dois enunciados e sim um afrontamento entre locutor e um destinatário, seja
ele real ou fictício (1997). O locutor recusou a asserção “Faço concessões à honra” através de
atos de justificação: “Perfeito? Não sou. Passei, como Presidente do PTB, na construção do
meu Partido, aliás de braços dados e esposado com outros presidentes, pelo afrouxamento das
regras da eleição e do financiamento das campanhas”.
Nessa justificativa, em um primeiro momento, através de uma pergunta retórica, ele reafirmou
sua condição humana - “Perfeito? Não sou” - para somente depois pôr em cena seus
argumentos. Ele agenciou dois argumentos, sendo que o segundo, introduzido pelo operador
“aliás”, funcionou, predominantemente, como um argumento decisivo:
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Capítulo 04 - Roberto Jefferson: imagens de si e do outro
256
[...] ele é apresentado como se fosse desnecessário, como se se tratasse de simples
“lambuja”, quando na verdade, é por meio dele que se introduziu um argumento
decisivo, com o qual se o golpe final”, resumindo ou coroando todos os demais
argumentos. Trata-se do operador aliás(KOCH, 1997, p. 33, grifo da autora).
Ao se manifestar como um cidadão honrado e um ser humano “comum”, ele tentou fazer com
que o povo aderisse ao seu discurso, uma vez que acreditava poder haver uma identificação
do povo com essas imagens. Além disso, ele se manifestou também como advogado
competente, tendo em vista intimidar os adversários. Vejamos:
Segundo depoimento – fragmento 60
O povo cansou dos políticos. No processo do Presidente Collor vejo ali atrás velhos
jornalistas que estão ficando de cabeça branca, como eu, que me acompanharam naquela
fase, treze anos, no passado –, eu não brilhei como político. Como político, fui um
fracasso, porque fiquei contra a onda de opinião. Eu tive rútilo como advogado. Político
estou; advogado eu sou. Amanhã posso deixar de ser, até por vontade dos senhores,
Deputado Federal aqui nesta Casa, no Congresso Nacional. Mas advogado serei até o
momento em que nosso Deus me chamar a seu convívio se Ele achar que eu mereço,
Sr. Presidente; se Ele achar que eu mereço. Sou advogado. Lá eu não brilhei como
político, porque esposei o que eu entendia ser a razão contra toda a onda de opinião.
Cento e três processos cuja defesa ajudei a escrever, cento e três absolvições.
No entanto, durante a trajetória discursiva, além dessas imagens, o locutor pôs em cena uma
imagem que predominou no discurso - a do guia supremo, que se desdobrou na figura do
herói e do profeta -, tendo em vista despertar admiração e confiança no povo bem como ira e
temor nos adversários políticos.
De político honesto e sério (dominação legal), o narrador-protagonista buscou se construir
como herói e profeta (dominação carismática).
5.7.4. O nascimento do profeta
A imagem do profeta, assim como a do herói , apareceu a partir dos depoimentos, momento
em que o narrador-protagonista denunciou o esquema de financiamento ilegal das campanhas
eleitorais no Brasil e revelou o do “Mensalão”.
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Capítulo 04 - Roberto Jefferson: imagens de si e do outro
257
A partir de então, segundo o narrador-protagonista, passou a ser perseguido, principalmente
pela mídia - tanto o profeta quanto o herói sofrem perseguições uma vez que rompem com
uma ordem preestabelecida
108
. O narrador-protagonista enfatizou seu sofrimento e o de sua
família, depois das denúncias, buscando se construir na cena como vítima. Vejamos os
fragmentos:
Primeiro depoimento – fragmento 03
Nesse dia, a Juíza da 10ª Vara Federal de Brasília, Sr. Presidente, Sr. Relator, Srs.
Senadores, Srs. Deputados, manda invadir duas residências em Petrópolis, de forma
leviana. Que ela esteja me ouvindo, para eu repetir isso para ela ouvir: leviana, solerte.
Primeiro, invade a casa de um menino que mora no Valparaíso, chamado Marcos Silva
Vasconcelos, que trabalha no Rio com a esposa, em frente à Beneficência Portuguesa, ao
lado do metrô. Arrombaram a porta, levaram tudo. que esse rapaz não é o meu
genro. Meu genro mora no Retiro, do outro lado da cidade. No dia em que eu estava
depondo, a ordem judicial tão leviana não sabia onde era a casa de minha filha tão
leviana, tão açodada, tão solerte, tão desonesta, tão comprometida com o Governo, como
estava o inquérito da Polícia Federal e o civil do Ministério Público.
Uma hora da tarde, recebo uma ligação da mãe de meus filhos. Fabiana estava em casa,
ela... Os marginais: minha filha de 28 anos, meu neto de um ano de idade, o
Bernardo, o caseiro, a empregada. Seis homens de colete e metralhadora da Polícia
Federal, mais um Procurador e um Delegado arrombaram o portão e invadiram a
casa helicópteros, um cerco de helicópteros da minha filha, na hora em que eu ia
sentar para depor.
Segundo depoimento – fragmento 55
Quando me senti isolado, no dia 6, com aquela matéria covarde do “diário oficial”, que é
o jornal O Globo [...] E, quando me senti atingido pela revista que compõe o “diário
oficial”, a revista Época, que pôs a mãe de meus filhos e a avó de meus netos de baby-
doll na revista e abriu a porta do meu banheiro e me colocou sentado na privada, numa
matéria desconstrutiva da minha imagem, eu disse aos meus companheiros de meu
partido que fazem a cúpula: O Governo vai botar o cadáver no colo do PTB. Olha a
imprensa oficial como está vindo.” Cometemos um erro. Quando recuei da CPI, tirei
minha assinatura, me enfraqueci.
Nos dois fragmentos, o narrador-protagonista tentou fazer com que o povo se visse naquelas
situações, ou seja, se identificasse com aqueles acontecimentos: ter a casa de sua família
invadida, ter sua filha, seu neto, desprotegidos, apenas com os empregados, sendo tratados
como se fossem bandidos, ter a intimidade de sua família exposta: “é evidente que, por força
das circunstâncias, aquele que está a ponto de sentir piedade se encontra numa situação de tal
ordem que há-de pensar que ele próprio, ou alguém de sua proximidade, acabará por sofrer
algum mal, idêntico ou muito semelhante a um mal destruidor e aflitivo [...]”
(ARISTÓTELES, 2005, p. 184).
108
Cf. Bíblia Sagrada (1995) e Campbell (1989).
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Capítulo 04 - Roberto Jefferson: imagens de si e do outro
258
Ele descreveu as cenas, detalhadamente, ressaltando as características dos marginais, a idade
de sua filha e de seu neto, o fato de que estavam somente com os empregados, a quantidade
de policiais, a maneira como estavam armados, as armas usadas, como adentraram na casa, o
uso de helicópteros (através de uma oração intercalada), a maneira como sua família se
encontrava no momento, tendo em vista reforçar na mente do interlocutor uma imagem
“negativa” da juíza e da mídia, em especial do jornal O Globo.
É importante ressaltar que o narrador-protagonista buscou se construir durante o evento com a
imagem de três vítimas diferentes. Primeiramente, como vítima de chantagem por parte de
Molina e Fortuna. Depois, como vítima de uma conspiração entre a mídia e o governo (Teoria
da Conspiração). Por fim, vítima da mídia que passou a tecer declarações falaciosas a seu
respeito. Em todas as construções”, pretendia sensibilizar o povo para que esse aderisse ao
seu discurso (era inocente).
Aristóteles ressalta que sentimos compaixão por nossos semelhantes (nossos amigos).
Segundo ele, as coisas que receamos para nós são as mesmas que geram compaixão quando
acontecem aos outros. Além disso: “mas, sobretudo, o que inspira piedade é ver gente
honrada em situações tão críticas (ARISTÓTELES, 2005, p. 186, grifo nosso). É
importante lembrar que o locutor manifestou-se, em vários momentos, como um homem
honrado:
Segundo depoimento – fragmento 08
Sou um homem, com erros e acertos; defeitos e virtudes. E vou sair daqui de cabeça
erguida. Lendo Mateus eu vi lá escrito: “Não temais aquele que pode matar o corpo, temei
o que pode matar a sua alma e o seu espírito”. Um homem que não tem honra não tem
alma. O homem desonrado é um zumbi, não tem espírito.
Segundo depoimento – fragmento 14
O mandato eu sublimei, mas não faço concessões à honra [...]
Na perspectiva de Braud (2007, p. 351), a vítima sofre tanto um prejuízo moral ou material
como também cria em torno de si mesma um halo emocional, ou seja, certos sentimentos
como, por exemplo, a simpatia ou a piedade. Além disso, pode suscitar também, em alguns
casos, a solidariedade embasada na indignação e na compaixão.
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Capítulo 04 - Roberto Jefferson: imagens de si e do outro
259
Segundo o autor, o sentimento de vítima é uma lamentação sobre si mesmo, embasada na
certeza de ter sofrido uma injustiça. Além disso, a eficácia da reivindicação de vítima depende
obviamente da sua plausibilidade. Para despertar simpatia, a verdadeira tima deve ser vista
como “inocente”. Nem responsável por seu próprio infortúnio, nem culpada de qualquer
crime cometido que seja equivalente a infortúnio grave. Braud ressalta que é por esse motivo
que tiranos depostos, apesar de se manifestarem como vítimas, alguns têm entendido mal a
suscitar compaixão ativa, mesmo que, aos olhos dos seus seguidores, eles pareçam mártires.
A solidariedade diz respeito à ajuda mútua, à adesão a uma causa. Para Braud (2007, p. 354),
a solidariedade é um sentimento de dependência mútua fundado com a consciência de um
interesse comum para permanecer unidos. Segundo o autor, a verdadeira solidariedade é um
sentimento que se baseia em algo mais forte do que mera compaixão: o sentimento de
identidade.
a compaixão, segundo Aristóteles (2005, p. 184), refere-se a uma dada pena causada pelo
surgimento de um mal destruidor e aflitivo, que afeta quem não merece ser afetado, podendo
também fazer sofrer tanto a nós próprios quanto a algum dos nossos, principalmente quando
esse mal nos ameaça de perto.
Além de sofrer perseguições - Cristo dizia que nenhum profeta é bem aceito em sua pátria
(Lc, 4, 24) e contava a si mesmo entre os profetas que Jerusalém fazia questão de matar (Lc,
13, 33), o profeta nasce predestinado e sabe de seu destino. Durante o evento (segundo
depoimento), o narrador-protagonista ressaltou que tinha uma missão e, no final, declarou:
Segundo pronunciamento – fragmento 83
Cumpri minha missão. Não arredo uma vírgula do que disse, nem mudo uma palavra do
que já falei. [...].
Curiosamente, no início do segundo depoimento, ele se referiu à carta do tarô “A fortuna”,
que significa a garantia de cumprimento de um destino, representado pela lei de causa e efeito
e também pela lei da compensação. Conforme esta carta, tudo leva a crer que de um jeito ou
de outro o destino de uma pessoa será cumprido (NAIFF, 2006).
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Capítulo 04 - Roberto Jefferson: imagens de si e do outro
260
O profeta é também aquele que ouve o povo, que o conforta sempre que necessário, que está
atento às suas aflições, assim como o fez o narrador-protagonista durante a CPMI dos
Correios:
Segundo depoimento – fragmento 60
O povo cansou dos políticos. No processo do Presidente Collor [...] eu não brilhei como
político. Como político, fui um fracasso, porque fiquei contra a onda de opinião [...]
No fragmento acima, conforme dissemos, o narrador-protagonista tematizou o povo, tendo em
vista se construir na cena não como um político que tem consciência das reivindicações do
povo, mas também como um profeta, um indivíduo que ouve o clamor do povo. Ainda, o
profeta prediz acontecimentos futuros: ele é o visionário. Vejamos:
Segundo depoimento - fragmento 16
Se PC “faria” e fez –, hoje, Delúbio e Marcos Valério fazem e outros que virão
continuarão a fazer se não mudarmos essas práticas de financiamento eleitoral.
Acima, o narrador-protagonista, através de uma oração subordinada condicional, advertiu o
povo do que pode vir a acontecer caso não ocorram mudanças no sistema de financiamento
eleitoral. Acreditamos que essa advertência tem valor de uma previsão: é como uma profecia
divina. É importante observar que o narrador-protagonista colocou a responsabilidade pelas
mudanças na classe política, incluindo-se nela (uso do pronome “nós”).
Mas o profeta é, sobretudo, aquele que revela coisas escondidas. Durante o evento da CPMI
dos Correios, o narrador-protagonista revelou o esquema do “Mensalão”, denunciando
parlamentares, empresas e civis:
Primeiro depoimento – fragmento 10
Desde agosto de 2003, é voz corrente em cada canto dessa casa, que o seu Delúbio, com o
conhecimento do seu Zé Genoíno....SIM... tendo como pombo-correio o seu Marcos
Valério, que é um carequinha que é publicitário lá de Minas Gerais, repassa dinheiro a
partidos que compõem a base de sustentação do governo no negócio chamado
mensalão.
No final do evento (segundo pronunciamento), ele reafirmou essa revelação, ao declarar:
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Capítulo 04 - Roberto Jefferson: imagens de si e do outro
26
1
Segundo pronunciamento – fragmento 67
[...] Tirei a roupa do rei, mostrei ao Brasil quem são esses fariseus (palmas), mostrei ao
Brasil o que é o Governo Lula, mostrei
ao Brasil o que é o Campo Majoritário do PT
Em uma alusão ao conto maravilhoso “A roupa nova do imperador”, de Hans Christian
Andersen (1837), o narrador-protagonista confirmou sua verdade. O rei a que se refere não é
um mero rei, é o Presidente Lula. Os larápios são a cúpula do PT. O menino lúcido é o
narrador-protagonista (Roberto Jefferson). Essa associação é possível tendo em vista que
entre rei e presidente traços semânticos comuns como, por exemplo, relativos ao cargo
mais alto correspondente à ação de governar um país. Nu está no sentido de desprovido de
vestimenta (expor a nudez, revelar a verdade). Além disso, há traços semânticos comuns entre
o menino lúcido e o narrador-protagonista (denunciaram a verdade); os larápios e a cúpula do
PT (enganaram o rei).
No conto “A roupa nova do imperador”, um rei, em sua ingenuidade, deu ouvidos a dois
trapaceiros que chegaram ao reino. Esses larápios apresentaram-se como artesãos para fazer
uma roupa especial para o rei. A roupa, quando vestida, somente poderia ser vista por quem
fosse sábio ou por quem estivesse adequado para o cargo que exercia. O monarca acreditou
nos trapaceiros, que o enganavam com a promessa de tecer um pano supostamente visível por
quem fosse digno disso. Como todos, cortesãos, ministros, povo e mesmo o rei, tivessem
medo da confirmação da pecha de estupidez ou incompetência, todos, sem exceção, passaram
a elogiar o traje do rei. Até que o próprio rei, mesmo não conseguindo ver as vestes, desfila
“vestido” com elas na procissão, diante de seus súditos, que não paravam de aclamar a
magnificência do traje. No entanto, uma criança no exercício de sua lucidez, gritou: “O rei
está nu!”.
Conforme vemos, a alusão ao conto é bastante significativa, tendo em vista a descrição que o
narrador-protagonista fez tanto do presidente quanto da cúpula do PT ao longo do evento: o
presidente, segundo ele, foi ingênuo, porque delegou a mãos erradas:
Segundo pronunciamento - fragmento 65
Não acuso o Presidente Lula de participar de desonestidade. Ele é como José Genoíno.
Ontem, assisti ao José Genoíno na CPMI. Ele assinou contrato de empréstimo de 17
milhões de reais, outro de 2 milhões de reais, mas não leu. (Risos.) Houve o acordo
político-financeiro com todos os partidos da base - o meu, em especial, tratei com ele
diretamente -, mas ele não se lembra e não fez. O Presidente Lula é uma espécie de
Genoíno na Presidência da República, não sabe o que lê, não sabe o que assina, não sabe o
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Capítulo 04 - Roberto Jefferson: imagens de si e do outro
262
que faz. Ele é o Genoíno do Planalto, e deu a mãos erradas, a Luiz Gushiken e José
Dirceu, a confiança que o povo do Brasil depositou nele. Errou [...]
Posteriormente, ele foi omisso, porque ficou sabendo do esquema de corrupção e não tomou
nenhuma providência (um rei omisso). Além disso, é interessante observar a hipocrisia de
todos perante o mau governo do presidente. O presidente é um mau governante, porque é
ingênuo demais. Diante dos acontecimentos, acabará sozinho:
Segundo pronunciamento – fragmento 66
O rei está ficando sozinho no tabuleiro. Já queimou os peões, está perdendo a base,
está queimando as torres, os cavalos, os bispos.
Nessa perspectiva, o narrador-protagonista se projetou na cena como o menino do conto: o
sábio, o lúcido, o vidente que desnudou a verdade ao povo. Esse menino pode ser visto
também como o profeta: o que tudo vê e tudo sabe.
No entanto, é importante ressaltar que essa revelação se deu, na realidade, porque o narrador-
protagonista desejava vingança, característica que o colocou mais próximo do povo (da
condição humana), o que nos permite dizer que ele se manifestou também como o herói.
5.7.5. A formação do herói
A origem do herói apresenta um fator de tragédia (CAMPBELL, 1998). É o nascimento
traumático que no caso do narrador-protagonista pode ser considerado como a traição pelos
aliados políticos. No entanto, o herói se caracteriza, fundamentalmente, por um ato moral: a
denúncia:
Primeiro depoimento – fragmento 09
Explico a V.Exa. Não partido nenhum aqui que faça diferente, nem o de V.Exa.
Nenhum partido aqui, recebe ajuda na eleição que não seja assim; nenhum. Eu tenho
a coragem de dizer de blico aqui: Eu não aluguei o meu partido, não fiz dele um
exército mercenário nem transformei os meus colegas de bancada em homens de
aluguel, mas eu sei de onde vêm os recursos das eleições e todos sabem. Aqui, todos
sabem de onde vêm. que nós temos a hipocrisia de não confessar ao Brasil. Eu estou
assumindo isso, aqui. E faço como pessoa física, faço como Roberto Jefferson. Os
dinheiros vêm dos empresários que, a maioria das vezes, mantêm relação com as
empresas públicas. É assim e sempre foi. E essas oligarquias antigas, corrompidas,
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Capítulo 04 - Roberto Jefferson: imagens de si e do outro
263
corrompedoras, acabaram por contaminar até a bandeira que, durante 25 anos, lutou a
favor da ética e da moralidade na coisa pública. Infelizmente, Sr. Presidente. Todo mundo
sabe de onde vem o recurso aqui. Não quem não faça eleição assim. Nós precisamos é
abrir aqui na Comissão de Ética essa ferida para que o Brasil saiba como é.
Conforme o fragmento acima, além de denunciar como funcionava o financiamento das
campanhas eleitorais no Brasil, ele ainda confessou que também o praticava da mesma forma:
o herói denuncia e confessa (CAMPBELL, 1998). O narrador-protagonista se projetou
durante o evento da CPMI dos Correios também com o ethos de humanidade (confissão).
Além de algumas características do profeta como, por exemplo, ser alvo de perseguição, ter
carisma, ouvir o povo, o herói encarna, com veemência, alguns valores tais como, a lealdade,
a coragem, a generosidade, a força física, a temperança (CAMPBELL, 1998). Ao intimidar a
classe política, o narrador-protagonista pôs em cena um ethos de coragem. Ele não
intimidou os adversários como também os ironizou, pondo em cena o poder do qual
acreditava dispor naquele momento. Conforme ele declarou, não estava preocupado com a
classe política e sim com o povo.
Além disso, o herói declarou ser a lealdade e a honra as maiores virtudes de um ser humano e
assumiu ter essas qualidades: se mostrou leal ao povo e ao seu partido, conforme podemos ver
no fragmento a seguir:
Primeiro depoimento - fragmento 84
Não sou melhor do que ninguém - sou igual. Por que que eu estou fazendo isso? Eu vou
lavar a honra do meu partido. Eu vou lavar a honra dos eleitores que acreditaram no
PTB. Eu vou lavar a honra dos meus colegas de partido, o Partido Trabalhista
Brasileiro, mesmo que eu viva, Presidente, algumas incompreensões.
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Conclusão
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6. CONCLUSÃO
O objeto deste trabalho foi definido como sendo o estudo sobre as estratégias discursivas
postas em cena por Roberto Jefferson, em depoimentos e pronunciamentos, dados junto à
CPMI dos Correios. A análise realizada leva à constatação de que Roberto Jefferson utilizou
estratégias a partir das representações sociodiscursivas do grupo social do qual faz parte e no
qual está inserido. Nos pronunciamentos e depoimentos realizados pelo então deputado
durante o evento, a dimensão representacional (imagens de si e do outro), a emotiva
(emoções) e a técnica (argumentos gicos) se plasmam, com destaque, podendo, inclusive,
constituir um modo de organização: o retórico. Neste modo a dimensão técnica sustenta a
dimensão representacional e a emotiva. No entanto, a dimensão representacional, constituída
pelo ethos, anti-ethos e pró-ethos, predomina no referido discurso. Todas as dimensões
constituem um elo, cuja função discursiva depende da articulação das três.
Os modos enunciativo, narrativo, descritivo e argumentativo constituem os “tentáculos” do
modo retórico, sustentando-o como se fosse um “guarda-chuva”: seus recursos lingüísticos
e/ou discursivos foram agenciados, mobilizados e organizados em função da constituição das
imagens de si e do outro (dimensão representacional), da patemização (dimensão emotiva) e
dos argumentos gicos (dimensão técnica). O narrativo teve função ímpar no processo, uma
vez que Roberto Jefferson, na condição de narrador-protagonista, se pôs a recontar a história
do “Mensalão”, inserindo as personagens na trama, ora as tematizando; ora as interpelando.
Nesse sentido é que acreditamos ter sido este modo agenciado como pano de fundo para os
demais modos, mas, sobretudo, para o retórico. Em outras palavras, a construção de imagens
com fins persuasivos se deu no contexto de uma trama, cujas personagens foram inseridas
estrategicamente.
Embora Roberto Jefferson tenha se manifestado na cena com a imagem de político honesto e
sério, de cidadão honrado e de ser humano “comum”, sobressaiu-se a imagem do “Salvador
da Pátria” (profeta e herói), que ele crê estar contida nos imaginários do povo brasileiro.
O profeta e o herói são figuras marcadas pela quebra da ordem preestabelecida, pela traição,
pela perseguição e pelo martírio, cujo fim se destina a salvar o povo. No entanto, elas se
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Conclusão
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diferem em alguns aspectos a nosso ver. A marca fundamental do profeta é predizer o futuro e
revelar a verdade (BÍBLIA SAGRADA, 1995). O herói se encontra mais próximo do
“humano”, “uma vez que encarna valores tais como, coragem, virilidade, generosidade, força
física, lealdade e temperanças”, e se caracteriza, principalmente, por um ato moral: a denúncia
(CAMPBELL, 1998). Acreditamos que denúncia e revelação, embora dicionarizadas com o
mesmo “sentido”, têm significado diferente. A revelação é da ordem do profeta, do divino e
diz respeito à divulgação de coisa ignorada, como o esquema do “Mensalão”, por exemplo. Já
a denúncia é da ordem do herói e se refere à evidência de algo não ignorado pelo outro (por
isso se diz delatar). Roberto Jefferson, “herói”, denunciou o financiamento ilegal de
campanhas eleitorais no Brasil. Roberto Jefferson, “profeta”, revelou a verdade sobre o
esquema do “Mensalão”.
Geralmente o herói apresenta alguma característica que o torna mais “humanizado”
(CAMPBELL, 1998) como, por exemplo, o ressentimento de Roberto Jefferson por ter sido
traído pelos aliados políticos, o que o levou à vingança. Roberto Jefferson assumiu a figura
do herói e do profeta, tendo em vista tentar fazer com que o povo se identificasse com essas
imagens e, assim, aderisse à sua fala.
O então líder político projetado na trama (o herói e o profeta) buscou a cumplicidade do povo,
conclamando-o a construir uma nação para todos. Nesse sentido, ele o convocou a participar
de sua trajetória de “mártir denunciante” dos esquemas de corrupção que, segundo ele,
assolam o País. No entanto, esse “convite” não passou de um discurso autoritário que tentou
falsear o discurso do adversário, silenciar a voz do próprio povo, da mídia e se impor e impor
seu discurso como único discurso verdadeiro capaz de resolver os problemas do País.
Ele trouxe para seu discurso aspectos religiosos, didáticos e pedagógicos que “diziam” qual
deveria ser o melhor caminho a ser seguido, o melhor projeto de governo a ser adotado, o
melhor líder a ser seguido. “Vozes” com efeitos moralizantes e pedagógicos, expressos
através de citações religiosas, narrativas infantis e religiosas e provérbios atravessaram o
discurso de Roberto Jefferson durante o evento. Portanto, o discurso político da CPMI dos
Correios ficou caracterizado por uma função didático/pedagógico/moralizante.
Roberto Jefferson foi mudando de estratégia no decorrer do evento, o que pôs a nu o jogo que
parece se estabelecer na política brasileira. No primeiro pronunciamento, uma vez que
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Conclusão
266
acreditava poder sensibilizar a mídia, o governo e o PT a ajudá-lo a se esquivar das acusações,
estabeleceu relações cordiais com esses interlocutores e buscou se construir como um político
honesto e sério. Não conseguindo nenhum apoio, mudou as regras do jogo. Passou a partir de
então a tecer várias denúncias na mídia, acusando o PT de ser o principal responsável pelo
esquema do “Mensalão” e, ainda, denunciando outras mazelas da política brasileira como, por
exemplo, o financiamento irregular de campanhas eleitorais. Nesse sentido, ele tentou contar
com o apoio do povo, a quem conclamou como seus aliados, seus cúmplices e com quem
buscou estabelecer uma relação de amizade. A CPMI dos Correios transformou-se em palco
de troca de acusações, deboches e ironias, o que, a nosso ver, tirou sua credibilidade e expôs
as vísceras do confronto político entre PT e PTB.
Roberto Jefferson descreveu os políticos brasileiros, em sua maioria, como mentirosos, falsos
e corruptos. Durante os depoimentos, intimidou e ameaçou deputados e senadores, o que
mostrou uma inversão de papéis durante o evento: o acusado passou a acusador. Segundo ele,
a maioria não tinha escrúpulos para lhe interrogar, uma vez que praticavam os mesmos atos
em relação ao financiamento ilegal de campanhas eleitorais e, muitos, estavam envolvidos no
esquema do “Mensalão”. Ainda, Roberto Jefferson ressaltou que o PT, o partido social, da
esperança, não passava de um engodo. Roubou mais do que qualquer outro partido ao chegar
ao poder. Não tinha projeto de governo e, sim, de poder.
Constatamos também que algumas estruturas sintáticas foram de suma importância na
constituição das imagens de si e do outro (dimensão representacional) e na patemização
(dimensão emotiva), sobretudo, na dimensão representacional, o que nos permite falar da
importância da sintaxe articulada aos estudos da Análise do Discurso, em especial aos
referentes à argumentação. Observamos que o sujeito selecionou, organizou e mobilizou
estruturas específicas regulares na construção dessas categorias, tendo em vista as restrições
impostas pelo contrato estabelecido. Chamou-nos atenção não a escolha da estrutura
sintática bem como sua ordem no discurso, o que causou um efeito discursivo diferente.
Acreditamos, portanto, haver um campo fecundo para o estudo de uma sintaxe articulada aos
estudos do discurso.
A nosso ver, os escândalos produzidos pelo governo Lula aumentaram a descrença do povo na
política, e isso foi agravado pelas respostas do Presidente Lula à crise. O principal acusado na
CPMI dos Correios pôs em cena o jogo que se joga na cena política brasileira. Primeiro, ele
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Conclusão
267
tentou de todas as formas um acordo com a mídia, com o governo e com o PT. Como esse
recurso não surtiu efeito Lula se negou a ajudá-lo e a mídia passou a cercá-lo cada vez mais
-, ele mudou de “cara”: passou a tecer várias denúncias na mídia nacional, expondo as
mazelas da política brasileira e adotando um discurso auto-exaltatório.
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(CD ROM)
Pronunciamento de Roberto Jefferson no Plenário da Câmara dos Deputados no dia
17/05/2005
Depoimento de Roberto Jefferson à Comissão de Ética no Plenário da Câmara no dia
14/06/2005
Depoimento de Roberto Jefferson dado à CPMI dos Correios no Plenário da Câmara dos
Deputados no dia 30/06/2005
Pronunciamento de Roberto Jefferson no Plenário da Câmara dos Deputados no dia
14/09/2005
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