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Resumo
Esta dissertação é fruto de uma pesquisa que pretendeu analisar como se constroem os
sentidos da fala, em sua acepção saussuriana, do principal telejornal brasileiro: o Jornal
Nacional. Por fala, entende-se a realização da língua, o que implica semioticamente a
existência de dois planos: conteúdo e expressão. Ao se trabalhar com os dois planos da função
semiótica, no que concerne à fala, requisitou-se, de um lado, a fonética acústica, disciplina
que analisa as características físicas dos sons da fala, ou seja, as ondas acústicas
mecanicamente produzidas. Por outro lado, ancorou-se no escopo teórico-metodológico da
semiótica do discurso, disciplina que se interessa pelos mecanismos intra-textuais de
produção de sentido do texto, lato sensu. Partindo da análise da fonética acústica, destaca-se o
resultado segundo o qual existe uma correlação muito baixa, de 17%, entre a variação
segmental (derivada de F0 interna de VV) e a variação prosódica para o F0 (pitch do GA).
Além disso, a correlação entre F0 do VV e pitch do GA também é baixa (22%). Isso indicaria
uma primeira relação entre conteúdo e expressão, já que se pode considerar o GA uma
unidade de sentido, enquanto o VV não. A análise fonética respondeu ainda à seguinte
pergunta: existe uma uniformização na fala de repórteres e apresentadores do JN com relação
à produção dos arquifonemas /R/ e /S/? A partir de dados fonéticos trabalhados
estatisticamente, pôde-se comprovar baixa variabilidade na realização de tais arquifonemas.
Quanto ao sentido do conteúdo, ao se fazer uma análise semiótica das matérias do Jornal
Nacional, puderam ser depreendidas algumas estruturas invariantes sobre as quais se constrói
o discurso desse noticiário. As matérias foram analisadas principalmente no que tange o nível
discursivo, previsto pelo percurso gerativo de sentido. Da semântica discursiva, observou-se
como se constroem sentidos por meio da análise de temas e figuras. Além disso, do nível
discursivo, analisou-se a aspectualização do tempo, ou seja, o andamento do texto. Quanto ao
andamento, os textos analisados se estruturam de duas maneiras: a primeira delas é um
andamento acelerado inicial que decresce no decorrer do texto. A segunda forma de
estruturação textual, no que se refere ao andamento, é uma oscilação entre aceleração e
desaceleração. Com relação às análises dos temas e figuras, pode-se dizer que o discurso do
Jornal Nacional é muito mais temático que figurativo. Isso quer dizer que o JN muito mais
explica e organiza a realidade, por meio de temas, do que a recria discursivamente, por
figuras. Buscou-se, ademais, perceber os traços sêmicos subjacentes e chegou-se a uma
relação entre, de um lado, o querer e, de outro, o dever. Essa tensão entre o querer e o dever
mostra que, na maioria das vezes, este é valorizado euforicamente, ao passo que aquele tem
um valor negativo construído no e pelo texto. Poder-se-ia afirmar que a noticiabilidade de
uma matéria jornalística, nasce do conflito especificamente entre o dever-não-fazer e o
querer-fazer, em que há uma quebra de um contrato fiduciário estabelecido. Por fim,
relacionou-se o conteúdo e a expressão da fala do Jornal Nacional para perceber de que
maneira se dá o comportamento mútuo desses funtivos. Partindo da proposta de Matte (2008),
que mostrou a inadequação do nível narrativo para o estudo interdisciplinar entre conteúdo e
expressão da fala, cruzaram-se dados semióticos provenientes de análise temático-figurativa e
aspectual do texto, ou seja, a partir do nível discursivo. Os dados semióticos foram
representados pelas etiquetas valor (positivo/negativo), disposição (do sujeito em questão,
dever/querer) e andamento (acelerado/desacelerado). Dados da pesquisa apontam para um
quadro em que alguns elementos do plano do conteúdo afetam, na fala do Jornal Nacional,
elementos do plano da expressão, em análises estatisticamente significantes e que, portanto,
não devem ser descartadas. Estabelecer-se-ia, portanto, uma relação simbólica, ou seja, que
alguns elementos do conteúdo – que não chegam a compor categorias – afetam alguns
elementos da expressão, que tampouco formam categorias, sugerindo uma relação
culturalmente estabelecida.