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Conrado Moreira Mendes
A EXPRESSÃO E O CONTEÚDO
DA FALA DO JORNAL NACIONAL
Belo Horizonte
Faculdade de Letras da UFMG
2009
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ii
Conrado Moreira Mendes
A EXPRESSÃO E O CONTEÚDO
DA FALA DO JORNAL NACIONAL
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Estudos Linguísticos, da Faculdade
de Letras da Universidade Federal de Minas
Gerais, como requisito parcial à obtenção do título
de Mestre em Linguística Aplicada.
Área de Concentração: Linguística Aplicada
Linha de Pesquisa: Linguagem e Tecnologia
Orientadora: Profª. Drª. Ana Cristina Fricke Matte
Belo Horizonte
Faculdade de Letras da UFMG
2009
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iii
Mendes, Conrado Moreira.
M538e A expressão e o conteúdo da fala do Jornal Nacional [manuscrito] /
Conrado Moreira Mendes. – 2009.
223 f., enc. : il., p&b, graf., tab. + 1 CD-ROM
Orientadora: Ana Cristina Fricke Matte.
Área de concentração: Lingüística Aplicada.
Linha de Pesquisa: Linguagem e Tecnologia.
Dissertação (mestrado) Universidade Federal de Minas Gerais,
Faculdade de Letras.
Bibliografia : f. 186-193.
Anexos : f. 194-207.
1. Jornal Nacional (Programa de televisão) – Teses. 2. Semiótica
Teses. 3. Análise do discurso – Teses. 4. Semântica – Teses. 5. Análise
prosódica (Linística) Teses. 6. TelejornalismoLinguagem – Teses.
7. Análise de conteúdo (Comunicação) – Teses. 8. Expressão Teses.
9. Televisão Programas Enredos, temas, etc. 10. Fonética acústica
Teses. I. Matte, Ana Cristina Fricke. II. Universidade Federal de Minas
Gerais. III. Título.
CDD : 414
v
Dedicatória
Aos meus pais Rachel e Guaraci, pelo apoio.
vi
Agradecimentos
Agradeço à minha querida orientadora Ana Cristina Fricke Matte, pela extrema
generosidade e doação; pelas inúmeras contribuições, sem as quais este trabalho não teria sido
possível. Obrigado.
À CAPES, Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, cuja bolsa de
mestrado fomentou o último ano desta pesquisa.
Ao Poslin e, em especial ao coordenador, Luiz Francisco Dias, pela concessão de auxílios
financeiros com os quais pude participar de eventos imprescindíveis à minha formação como
linguista.
Ao grupo de pesquisa SEMIOFON, Semiose e Fonoestilística, que acolheu meu projeto,
assim como aos integrantes do grupo, pelas muitas ajudas diretas e indiretas.
Aos membros da banca, professores Waldir Beividas e Alexsandro Meireles, seguramente os
leitores mais atentos que este trabalho terá.
À Mirian Chrystus, que me deu todo suporte no que se refere ao telejornalismo nesta pesquisa
e que, de orientadora na monografia de conclusão do curso de Comunicação, tornou-se grande
e querida amiga.
À Glaucia Muniz Proença Lara, por ter me ensinado os primeiros passos na semiótica.
Ao Bruno Alberto, pela preciosa contribuição na extração do corpus da pesquisa.
À amiga Daniervelin pela amizade fiel e por tantas ajudas, dentre as quais, a revisão deste
trabalho.
Àqueles cuja colaboração, apesar de indireta, o foi menos importante: Thaís Elena, Carol
Macedo, Wellington Braga, Gerlane Roberto, Carolina Salomé, Priscilla Portela, Joyce
Lemos, Cláudia Caetano, Roberto Almeida, Sílvia Amélia, Maria Antônia Chaves, Marina
Renault.
Aos amigos feitos nas repúblicas por que passei: Gu, Kleyson e Dimitri; Dudu, Vinny e
Marquini, e também ao núcleo anexo: Mitiko, Aiko, Alice e Cecília.
À minha família, principalmente a Mariana e Guaraciara Mendes Cornélio, Cintia Moreira
Kallás e aos meus avós.
Enfim, a todos que contribuíram de alguma forma para com a realização deste trabalho.
vii
Resumo
Esta dissertação é fruto de uma pesquisa que pretendeu analisar como se constroem os
sentidos da fala, em sua acepção saussuriana, do principal telejornal brasileiro: o Jornal
Nacional. Por fala, entende-se a realização da língua, o que implica semioticamente a
existência de dois planos: conteúdo e expressão. Ao se trabalhar com os dois planos da função
semiótica, no que concerne à fala, requisitou-se, de um lado, a fonética acústica, disciplina
que analisa as características físicas dos sons da fala, ou seja, as ondas acústicas
mecanicamente produzidas. Por outro lado, ancorou-se no escopo teórico-metodológico da
semiótica do discurso, disciplina que se interessa pelos mecanismos intra-textuais de
produção de sentido do texto, lato sensu. Partindo da análise da fonética acústica, destaca-se o
resultado segundo o qual existe uma correlação muito baixa, de 17%, entre a variação
segmental (derivada de F0 interna de VV) e a variação prosódica para o F0 (pitch do GA).
Além disso, a correlação entre F0 do VV e pitch do GA também é baixa (22%). Isso indicaria
uma primeira relação entre conteúdo e expressão, já que se pode considerar o GA uma
unidade de sentido, enquanto o VV não. A análise fonética respondeu ainda à seguinte
pergunta: existe uma uniformização na fala de repórteres e apresentadores do JN com relação
à produção dos arquifonemas /R/ e /S/? A partir de dados fonéticos trabalhados
estatisticamente, pôde-se comprovar baixa variabilidade na realização de tais arquifonemas.
Quanto ao sentido do conteúdo, ao se fazer uma análise semiótica das matérias do Jornal
Nacional, puderam ser depreendidas algumas estruturas invariantes sobre as quais se constrói
o discurso desse noticiário. As matérias foram analisadas principalmente no que tange o nível
discursivo, previsto pelo percurso gerativo de sentido. Da semântica discursiva, observou-se
como se constroem sentidos por meio da análise de temas e figuras. Além disso, do nível
discursivo, analisou-se a aspectualização do tempo, ou seja, o andamento do texto. Quanto ao
andamento, os textos analisados se estruturam de duas maneiras: a primeira delas é um
andamento acelerado inicial que decresce no decorrer do texto. A segunda forma de
estruturação textual, no que se refere ao andamento, é uma oscilação entre aceleração e
desaceleração. Com relação às análises dos temas e figuras, pode-se dizer que o discurso do
Jornal Nacional é muito mais temático que figurativo. Isso quer dizer que o JN muito mais
explica e organiza a realidade, por meio de temas, do que a recria discursivamente, por
figuras. Buscou-se, ademais, perceber os traços sêmicos subjacentes e chegou-se a uma
relação entre, de um lado, o querer e, de outro, o dever. Essa tensão entre o querer e o dever
mostra que, na maioria das vezes, este é valorizado euforicamente, ao passo que aquele tem
um valor negativo construído no e pelo texto. Poder-se-ia afirmar que a noticiabilidade de
uma matéria jornalística, nasce do conflito especificamente entre o dever-não-fazer e o
querer-fazer, em que uma quebra de um contrato fiduciário estabelecido. Por fim,
relacionou-se o conteúdo e a expressão da fala do Jornal Nacional para perceber de que
maneira se dá o comportamento mútuo desses funtivos. Partindo da proposta de Matte (2008),
que mostrou a inadequação do nível narrativo para o estudo interdisciplinar entre conteúdo e
expressão da fala, cruzaram-se dados semióticos provenientes de análise temático-figurativa e
aspectual do texto, ou seja, a partir do nível discursivo. Os dados semióticos foram
representados pelas etiquetas valor (positivo/negativo), disposição (do sujeito em questão,
dever/querer) e andamento (acelerado/desacelerado). Dados da pesquisa apontam para um
quadro em que alguns elementos do plano do conteúdo afetam, na fala do Jornal Nacional,
elementos do plano da expressão, em análises estatisticamente significantes e que, portanto,
não devem ser descartadas. Estabelecer-se-ia, portanto, uma relação simbólica, ou seja, que
alguns elementos do conteúdo – que não chegam a compor categorias afetam alguns
elementos da expressão, que tampouco formam categorias, sugerindo uma relação
culturalmente estabelecida.
viii
Resumen
Esta disertación es producto de una investigación que tuvo el objetivo analizar cómo son
construidos los sentidos del habla, un su acepción saussuriana, del principal noticiero de la
televisión brasileña: Jornal Nacional (JN). Por habla se entiende la realización de la lengua,
lo que implica semioticamente la existencia de dos planes: contenido y expresión. Por eso se
demandó, por un lado, el suporte la semiótica del discurso, asignatura que se interesa por los
mecanismos intratextuales de producción de sentido del texto lato sensu. Por otro lado, se
ancoró en el escopo teórico y metodológico de la fonética acústica, que analiza las
características sicas de los sonidos del habla, o sea, las ondas acústicas mecánicamente
producidas. Partiéndose del análisis fonético, se destaca el resultado, segundo el cual existe
una correlación muy baja, el 17%, entre la variación segmental y la variación prosódica para
F0. Además, la correlación entre F0 del segmento VV (vocal-vocal) y el picth (tono) del
grupo acentual (GA) también es baja, el 22%. Eso podría indicar una primera relación entre
contenido y expresión, ya que se puede considerar el GA una unidad de sentido, mientras el
VV no. Además de eso, el análisis fonético contestó a la siguiente pregunta: ¿existe una
uniformización en el habla de reporteros y presentadores de Jornal Nacional, con relación a la
producción de los arquifonemas /R/ y /S/? A través de datos fonéticos trabajados
estadísticamente, se pudo comprobar baja variabilidad en la realización de tales arquifonemas.
Cuanto al contenido, se hizo un análisis semiótico de las materias y se pudo deprehender
algunas estructuras invariantes sobre las cuales se construye el discurso de ese noticiero. Las
materias fueron analizadas principalmente en relación al nivel discursivo. De la semántica
discursiva, se observó cómo se construyen sentido a través de temas y de figuras. También del
nivel discursivo, se analizó la aspectualización de tiempo, o sea, su andamiento. Así, los
textos analizados se estructuran de dos maneras: la primera es un andamiento acelerado inicial
que decrece durante el texto. La segunda manera de estructuración del andamiento es una
oscilación entre acelerado y desacelerado. Acerca de los análisis de temas y de figuras, se
puede decir que el discurso del JN es mucho más temático que figurativo. Eso significa que
ese noticiero mucho más explica y organiza la realidad, a través de temas, que la reconstruye
discursivamente, por medio de figuras. Se intentó, además, percibir los rasgos sémicos
subyacentes a los temas y se llegó a una relación entre el querer y el deber. Esa tensión
muestra que en la mayoría de las veces, este es valorado eufóricamente, mientras aquel tiene
valor negativo. Se podría afirmar que la noticiabilidad del texto periodístico del JN nace del
conflicto entre ele deber-no-hacer y el querer-hacer, conllevando a un rompimiento de un
contrato fiduciario. Por fin, se relacionó el contenido y la expresión del habla de JN para
comprender cómo ocurre la relación recíproca entre essos dos funtivos. Partiéndose de la
propuesta de Matte (2008), que enseñó la inadecuación del nivel narrativo para el estudio
interdisciplinar entre contenido y expresión del habla, se cruzaron estadísticamente datos
fonéticos y semióticos, estos del nivel discursivo. Datos de la investigación apuntan para un
cuadro en que algunos elementos del plan del contenido afectan, en el habla de JN, elementos
del plan de la expresión, sugiriendo una relación simbólica y por lo tanto culturalmente
establecida.
ix
Índice de tabelas:
Tabela 1: diferenças entre língua e fala................................................................................................09
Tabela 2: lexemas e semas...................................................................................................................18
Tabela 3: subdimensões e foremas.......................................................................................................30
Tabela 4: título e cabeça das matérias analisadas................................................................................71
Tabela 5: média e DP de Z suavizado de segmentos compostos de vogal + /R/.................................93
Tabela 6: segmento /aR/.......................................................................................................................95
Tabela 7: segmento /AR/.......................................................................................................................95
Tabela 8: segmento /ehR/.....................................................................................................................96
Tabela 9: segmento /eR/.......................................................................................................................96
Tabela 10: segmento /iR/.......................................................................................................................97
Tabela 11: segmento /ohR/...................................................................................................................97
Tabela 12: segmento /oR/.....................................................................................................................98
Tabela 13: segmento /uR/.....................................................................................................................98
Tabela 14: média e DP de Z suavizado de segmentos compostos de vogal + /S/...............................99
Tabela 15: segmento /aS/....................................................................................................................100
Tabela 16: segmento /AS/...................................................................................................................100
Tabela 17: segmento /ES/...................................................................................................................101
Tabela 18: segmento /OS/...................................................................................................................101
Tabela 19: segmento /as/....................................................................................................................103
Tabela 20: segmento /Es/....................................................................................................................104
Tabela 21: temas e figuras da corrupção............................................................................................111
Tabela 22: percursos temático e figurativo da destruição...................................................................115
Tabela 23: figuras da prisão/encarceramento.....................................................................................124
Tabela 25: temas e figuras (ciclone extratropical)...............................................................................139
Tabela 26: valores de querer versus dever.........................................................................................146
x
Índice de figuras:
Figura 1: signo linguístico saussuriano..................................................................................................10
Figura 2: função semiótica hjelmsleviana..............................................................................................14
Figura 3: signo linguístico hjelmsleviano...............................................................................................15
Figura 4: relações no quadrado semiótico.............................................................................................23
Figura 5: gradiente da extensão no eixo x e gradiente da intensidade no eixo y..................................29
Figura 6: subdivisões da intensidade versus subdivisões da extensidade...........................................30
Figura 7: curva de onda de /u/...............................................................................................................35
Figura 8: espectrograma de /u/..............................................................................................................36
Figura 9: curva de onda de nasal /m/....................................................................................................36
Figura 10: espectrograma de nasal /m/.................................................................................................37
Figura 11: curva de onda de oclusiva /p/...............................................................................................37
Figura 12: espectrograma de oclusiva /p/..............................................................................................38
Figura 13: curva de onda e espectrograma de fricativa........................................................................38
Figura 14: curva de onda de oclusiva ...................................................................................................39
Figura 15: curva de onda de fricativa....................................................................................................39
Figura 16: curva de onda de nasal .......................................................................................................40
Figura 17: espectrograma de oclusiva...................................................................................................40
Figura 18: espectrograma de fricativa ..................................................................................................41
Figura 19: espectrograma de nasal ......................................................................................................41
Figura 20: curva de onda de africada....................................................................................................42
Figura 21: espectrograma de africada...................................................................................................42
Figura 22: curva de onda e espectrograma de sentença......................................................................76
Figura 23: quadrado semiótico de figuras da corrupção.....................................................................110
Figura 24: temas e figuras da corrupção.............................................................................................113
Figura 25: quadrado da veridicção......................................................................................................128
Figura 26: linha do tempo e temas......................................................................................................134
Figura 27: quadrado entre querer versus dever..................................................................................146
Figura 28: percurso euforizante da presença/ausência.......................................................................142
Figura 29: quadrado semiótico querer versus dever...........................................................................144
xi
Índice de gráficos:
Gráfico 1: tempo no eixo x e pressão no eixo y.....................................................................................32
Gráfico 2: média de F0 no eixo x e nº de segmentos no eixo y............................................................78
Gráfico 3: média de F1 no eixo x e nº de segmentos no eixo y............................................................79
Gráfico 4: média de F2 no eixo x e nº de segmentos no eixo y............................................................80
Gráfico 5: média de F3 no eixo x e nº de segmentos no eixo y............................................................80
Gráfico 6: média de F4 no eixo x e nº de segmentos no eixo y............................................................81
Gráfico 7: intensidade média no eixo x e nº de segmentos no eixo y...................................................82
Gráfico 8: média de pitch no eixo x e nº de GAs no eixo y....................................................................83
Gráfico 9: segmentos por GA................................................................................................................83
Gráfico 10: duração do GA....................................................................................................................84
Gráfico 11: TE do GA............................................................................................................................85
Gráfico 12: categoria no eixo x e TE no eixo y......................................................................................86
Gráfico 13: tipo da curva no eixo x e duração absoluta do segmento no eixo y...................................87
Gráfico 14: tipo da curva no eixo x e Z suavizado no eixo y.................................................................88
Gráfico 15: posição da curva no eixo x e duração absoluta do segmento no eixo y.............................88
Gráfico 16: tipo da curva no eixo x e média de F0 no eixo y.................................................................89
Gráfico 17: tipo da curva no eixo x e desvio-padrão de F0 no eixo y....................................................89
Gráfico 18: posição da curva no eixo x e desvio-padrão de F0 no eixo y.............................................90
Gráfico 19: posição da curva no eixo x e média de F0 no eixo y..........................................................91
Gráfico 20: tipo da curva no eixo x e desvio-padrão de pitch no eixo y................................................91
Gráfico 21: tipo da curva no eixo x e média de pitch no eixo y.............................................................92
Gráfico 22: segmentos no eixo x e Z suavizado no eixo y....................................................................94
Gráfico 23: tempo no eixo x e aceleração no eixo y (oscilante)..........................................................116
Gráfico 24: tempo no eixo x e aceleração no eixo y (decrescente).....................................................132
Gráfico 25: tempo no eixo x e aceleração no eixo y (final não-desacelerado)....................................133
Gráfico 26: tempo no eixo x e aceleração no eixo y (uma oscilação).................................................135
Gráfico 27: tempo no eixo x e aceleração no eixo y (final não-desacelerado)....................................140
Gráfico 28: tempo no eixo x e aceleração no eixo y (decrescente).....................................................143
Gráfico 29: tempo no eixo x e aceleração no eixo y (oscilante)..........................................................143
Gráfico 30: distribuição das etiquetas do valor....................................................................................150
Gráfico 31: médias com valor semiótico no eixo x e média de F1 no eixo y.......................................151
Gráfico 32: médias com valor semiótico no eixo x e desvio-padrão de F1 no eixo y..........................151
Gráfico 33: médias com valor semiótico no eixo x e média de F2 no eixo y.......................................152
Gráfico 34: médias com valor semiótico no eixo x e média de desvio-padrão de F2 no eixo y..........153
Gráfico 35: médias com valor semiótico no eixo x e média de F3 no eixo y.......................................153
Gráfico 36: médias com valor semiótico no eixo x e desvio-padrão de F3 no eixo y..........................154
Gráfico 37: médias com valor semiótico no eixo x e média de F4 no eixo y.......................................155
Gráfico 38: médias com valor semiótico no eixo x e duração absoluta do segmento VV fonético no eixo y.....156
Gráfico 39: médias com valor semiótico no eixo x e taxa de elocução no eixo y................................157
Gráfico 40: médias com valor semiótico no eixo x e média de F0 no eixo y.......................................157
Gráfico 41: médias com valor semiótico no eixo x e desvio-padrão no eixo y....................................158
Gráfico 42: médias com valor semiótico no eixo x e média de pitch no eixo y....................................159
Gráfico 43: médias com valor semiótico no eixo x desvio-padrão do pitch no eixo y..........................159
Gráfico 44: distribuição das etiquetas da disposição...........................................................................161
Gráfico 45: médias com disposição semiótica no eixo x e desvio-padrão de F1 no eixo y.................162
Gráfico 46: médias com disposição semiótica no eixo x e média de F2 no eixo y..............................162
Gráfico 47: médias com disposição semiótica no eixo x e desvio-padrão de F2 no eixo y.................163
Gráfico 48: médias com disposição semiótica no eixo x e média de F3 no eixo y..............................164
Gráfico 49: médias com disposição semiótica no eixo x e desvio-padrão de F3 no eixo y.................164
Gráfico 50: médias com disposição semiótica no eixo x e média de F4 no eixo y..............................165
Gráfico 51: médias com disposição semiótica no eixo x e desvio padrão de F4 no eixo y.................165
Gráfico 52: segmentos e disposição no eixo x e Z suavizado no eixo y.............................................167
Gráfico 53: segmentos e disposição no eixo x e média de F1 no eixo y.............................................168
Gráfico 54: segmentos e disposição no eixo x e média de F2 no eixo y.............................................168
Gráfico 55: segmentos e disposição no eixo x e média de F3 no eixo y.............................................171
Gráfico 56: segmentos e disposição no eixo x e média de F4 no eixo y.............................................169
Gráfico 57: distribuição das etiquetas do andamento..........................................................................170
Gráfico 58: médias com andamento semiótico no eixo x e média de F1 no eixo y.............................171
xii
Gráfico 59: médias com andamento semiótico no eixo x e desvio-padrão de F1 no eixo y................171
Gráfico 60: médias com andamento semiótico no eixo x e média de F2 no eixo y.............................172
Gráfico 61: médias com andamento semiótico no eixo x e desvio-padrão de F2 no eixo y................173
Gráfico 62: médias com andamento semiótico no eixo x e média de F3 no eixo y.............................173
Gráfico 63: médias com andamento semiótico no eixo x e desvio-padrão de F3 no eixo y................174
Gráfico 64: de médias com andamento semiótico no eixo x e média de F4 no eixo y........................174
Gráfico 65: médias com andamento semiótico no eixo x desvio-padrão de F4 no eixo y...................175
Gráfico 66: médias com andamento semiótico no eixo x e taxa de elocução no eixo y.....................176
Gráfico 67: médias com andamento semiótico no eixo x e média de F0 no eixo y.............................176
Gráfico 68: médias com andamento semiótico no eixo x e média do pitch no eixo y.........................177
Gráfico 69: médias com andamento semiótico no eixo x e desvio padrão do pitch no eixo y............178
xiii
Lista de abreviaturas
ANOVA: análise de variância
Acel: acelerado
Desac: desacelerado
DP: desvio-padrão
FO: frequência fundamental
F1: primeiro formante
F2: segundo formante
F3: terceiro formante
F4: quarto formante
F0media: média de F0
F1média: média de F1
F2média: média de F2
F3média: média de F3
F4média: média de F4
GA: grupo acentual
Hz: Hertz
Int: categoria internacional
Loc: categoria local
MS: milissegundos
Nac: categoria nacional
Não-acel: não-acelerado
Não-desac: não-desacelerado
Não-neg: não-negativo
Não-pos: não-positivo
Neg: negativo
Neu: neutro
Pos: positivo
S: segundos
TE: taxa de elocução
VV: unidade VV (vogal-a-vogal)
xiv
Sumário
Introdução............................................................................................................................01
1 – Das bases teóricas........................................................................................................04
1.1.1 – O CLG e um breve panorama da história da linguística...............................................05
1.1.2 – A linguística por Saussure.............................................................................................07
1.1.3 – A perspectiva de Hjelmslev..........................................................................................12
1.2.1 – A semiótica do discurso: da semântica à semiótica......................................................16
1.2.2 – Semiótica e sentido.......................................................................................................19
1.2.3 – Semióticas.....................................................................................................................20
1.2.4 – O percurso gerativo de sentido......................................................................................22
1.2.5 – Críticas à teoria.............................................................................................................26
1.2.6 – Semiótica e tensividade.................................................................................................27
1.3 – A fonética acústica: um breve panorama.........................................................................31
1.4 – A semiótica do discurso e a fonética acústica: possíveis convergências.........................43
2 – O Jornal Nacional.......................................................................................................46
2.1.1 – Uma breve apresentação da televisão...........................................................................47
2.1.2 – TV ao vivo....................................................................................................................49
2.1.3 – Telejornalismo, um gênero televisual...........................................................................52
2.2.1 – O Jornal Nacional.........................................................................................................56
2.2.2 – Histórico do JN.............................................................................................................57
2.2.3 JN, telejornal referência................................................................................................59
2.2.4 – Padronização das pronúncias........................................................................................64
2.2.5 – O peso da palavra..........................................................................................................66
2.3.1 – A semana analisada: objetivação metodológica............................................................67
2.3.2 – Descrição da semana.....................................................................................................68
3 – A expressão da fala do JN........................................................................................73
3.1 − Dos métodos....................................................................................................................75
3.2 − Análises acústicas de todo o corpus................................................................................77
3.2.1 − Média de F0..................................................................................................................77
3.2.2 − Média de F1..................................................................................................................78
xv
3.2.3 − Média de F2..................................................................................................................79
3.2.4 − Média de F3..................................................................................................................80
3.2.5 − Média de F4..................................................................................................................81
3.2.6 − Intensidade média.........................................................................................................81
3.2.7 − Média do pitch do grupo acentual.................................................................................82
3.2.8 − Número de segmentos por grupo acentual....................................................................83
3.2.9 − Duração do grupo acentual...........................................................................................84
3.2.10 − Taxa de elocução........................................................................................................85
3.2.11 − Posição e tipo da curva de F0.....................................................................................86
3.3 – Análise do arquifonema /R/.............................................................................................93
3.4 – Análise do arquifonema /S/..............................................................................................99
3.5 − Considerações sobre padronização da fala do JN..........................................................105
4 – O conteúdo da fala do JN.......................................................................................106
4.1 − Segunda-feira, 05 de maio.............................................................................................107
4.1.1 − Matéria nacional.........................................................................................................107
4.1.2 − Matéria local...............................................................................................................113
4.1.3 − Matéria internacional..................................................................................................116
4.2 − Terça-feira, 06 de maio..................................................................................................117
4.2.1 − Matéria nacional.........................................................................................................117
4.2.2 − Matéria local...............................................................................................................119
4.2.3 − Matéria internacional..................................................................................................120
4.3 − Quarta-feira, 07 de maio................................................................................................121
4.3.1 – Matéria nacional..........................................................................................................121
4.3.2 − Matéria local...............................................................................................................123
4.3.3 − Matéria internacional..................................................................................................125
4.4 − Quinta-feira, 08 de maio................................................................................................126
4.4.1 – Matéria nacional..........................................................................................................126
4.4.2 − Matéria internacional..................................................................................................128
4.5 − Sexta-feira, 09 de maio..................................................................................................130
4.5.1 – Matéria nacional..........................................................................................................130
4.5.2 − Matéria local...............................................................................................................132
4.5.3 − Matéria internacional..................................................................................................133
4.6 − Sábado, 10 de maio........................................................................................................135
4.6.1 – Matéria nacional..........................................................................................................135
4.6.2 − Matéria local...............................................................................................................138
4.6.3 − Matéria internacional..................................................................................................140
4.7 − Considerações sobre o andamento nos textos analisados..............................................142
xvi
4.8 − Considerações sobre os temas e figuras nos textos analisados......................................143
5 – Relações entre conteúdo e expressão..................................................................147
5.1 Relações entre o valor e dados fonéticos.......................................................................149
5.2 Relações entre o querer/dever e dados fonéticos...........................................................160
5.3 Relações entre o andamento e dados fonéticos.............................................................170
5.4 Considerações sobre a relação do conteúdo com a expressão......................................178
Conclusão............................................................................................................................182
Referências bibliográficas.............................................................................................186
Anexo....................................................................................................................................194
1
Introdução
Esta dissertação é fruto de uma pesquisa que pretendeu perceber como se constroem os
sentidos da fala, em sua acepção saussuriana, do principal telejornal brasileiro: o Jornal
Nacional. Para este trabalho, evitam-se visões redutoras e ideologizantes desse noticiário, cuja
audiência de 30 milhões de brasileiros todas as noites, comprova sua importância nos lares
brasileiros. Para Bucci (apud TRAVANCAS: 2007), ou se assume que o JN é bom e bem feito,
“ou se abandonam condições de criticá-lo com maturidade e honestidade intelectual” (2007:11).
O objetivo aqui, apesar de tangenciar a prática jornalística, não é problematizá-la, como fazem
autores das teorias da comunicação. Ressalta-se, entretanto, que, ao se trabalhar com um objeto
tão presente no cotidiano, esse trabalho, em última instância, discute a mídia, que se imbrica na
sociedade e vice-versa. Para Silverstone (2002), não podemos escapar a ela: a mídia se
presentifica continuamente no dia-a-dia das pessoas. Essa simples presença é uma razão para
se estudá-la e, em específico, estudar o JN, programa jornalístico de maior audiência no País.
Assim, a presente investigação buscou perceber como são engendrados os sentidos da fala
no JN. Por fala, entende-se a realização da língua, o que implica semioticamente a existência de
dois planos: conteúdo e expressão. Estes termos advêm de um dos principais continuadores de
Saussure, Louis Hjelmslev, que tem papel fundamental na organização e desenvolvimento das
ideias do linguista genebrino. Hjelmslev, por sua vez, influenciou sobremaneira A. J. Greimas,
que foi quem estabeleceu as bases de uma disciplina, inicialmente concebida como uma
semântica estrutural, a qual, entretanto, ultrapassou os domínios da palavra e da frase e acabou
interessando-se pelos mecanismos intra-textuais de produção de sentido do texto, num sentido
lato. A disciplina, não mais semântica, passou a ser designada semiótica, cujo objeto é a
produção de sentido, resultado da semiose do plano de conteúdo e do plano da expressão. De
certa forma, Greimas acaba possibilitando a criação da disciplina que Saussure havia
vislumbrado, isto é, uma ciência que “estude a vida dos signos no seio da vida social”
(SAUSSURE, 2006:24), embora para a semiótica de Greimas a noção de significação seja mais
importante que a de signo.
Ao se trabalhar com os dois planos da função semiótica, no que concerne à fala,
requisitou-se, além da semiótica, o escopo teórico-metodológico da fonética acústica, que analisa
2
as características físicas dos sons da fala, ou seja, as ondas acústicas mecanicamente produzidas.
Ao se apoiar nessas duas disciplinas, baseou-se na premissa semiótica, segundo a qual é possível
trabalhar separadamente conteúdo e expressão. Sabe-se, no entanto, que o sentido só se com a
reunião desses dois planos. Assim, no primeiro capítulo, apresentar-se-ão as bases deste trabalho,
cuja nese remonta a Saussure e seu Curso de Lingüística Geral, passando por seu continuador
Hjelmslev, chegando finalmente à semiótica do discurso
1
, abordando a teoria standard, assim
como alguns de seus desdobramentos atuais. Nesse mesmo capítulo, apresenta-se um breve
panorama da fonética acústica, para depois relacioná-la à teoria semiótica, um esforço teórico que
remonta ao trabalho interdisciplinar de Matte (2002).
O segundo capítulo trata de apresentar o objeto desta pesquisa, não sem antes oferecer
uma visão geral sobre televisão e telejornalismo, apoiando-se em autores, para quem a TV não é
boa nem a priori. Além disso, semioticamente, como aponta Fechine (2008) ela é uma forma
de presença que, em si, é algo da ordem daquilo que significa. O telejornalismo é apresentado
como um gênero televisual, na leitura de Machado (2002) dos gêneros de discurso de Bakhtin
(2003). A seguir, o capítulo versa sobre o Jornal Nacional e suas especificidades, que, segundo
Gomes (2005), é um telejornal referência. Esse capítulo também aborda a padronização das
pronúncias de repórteres e apresentadores desse noticiário, que se inclui num projeto maior, a
implementação do padrão Globo de Telejornalismo. Finaliza-se com a descrição das matérias
analisadas.
No terceiro capítulo, realiza-se um estudo fonoestilístico da fala do JN buscando dados
fonéticos que descrevam a variabilidade dos arquifonemas /S/ e /R/, cujo trabalho de
padronização de fala por fonoaudiólogos, mencionado no capítulo 2, pretendeu amenizar. Além
disso, apresentar-se-ão outras observações fonéticas igualmente importantes referentes a todo
corpus estudado.
No quarto capítulo, analisa-se semioticamente como se a construção dos sentidos dos
textos das matérias do JN. As matérias são avaliadas principalmente no que tange ao nível
discursivo, previsto pelo percurso gerativo de sentido, especificamente a semântica discursiva,
pela análise de temas e figuras. Também, do nível discursivo, analisa-se a aspectualização,
principalmente em relação ao tempo, ou seja, o andamento do texto, o que confere às análises
1
Também conhecida como semiótica greimasiana ou Escola de Paris.
3
uma perspectiva por vezes tensiva. Buscaram-se, assim, padrões, estruturas invariantes sobre as
quais se constrói o discurso jornalístico.
Finalmente, no quinto capítulo, relacionam-se dados fonéticos e dados semióticos,
objetivando compreender como se o engendramento do sentido por meio da relação entre
conteúdo e expressão. O intuito é perceber se existe uma relação direta entre expressão e
conteúdo e de que maneira um seria afetado pelo outro. Com isso, para além de uma análise
semiótica do discurso, o objetivo desta pesquisa é conjugar também uma análise fonética da fala.
Se para a teoria semiótica, o discurso emerge pelo texto, a representação da expressão da fala
pode dar pistas para se compreender a natureza do texto, levando em consideração seus dois
funtivos: expressão e conteúdo, e a relação entre eles.
4
Capítulo 1
Das bases teóricas
“O mundo humano se define essencialmente como o mundo da significação.
Só pode ser chamado ‘humano’ na medida em que significa alguma coisa” (GREIMAS, 1976:11)
5
O título desta dissertação evoca dois conceitos hjelmslevianos: plano do conteúdo e plano
da expressão. Antes de se adentrar a obra do linguista dinamarquês Louis Hjelmslev, optou-se
por um caminho um pouco mais extenso, porém, de bases mais sólidas. Esse trajeto, muitas vezes
esquecido por estudos cada vez mais compartimentados no campo da linguística, é
imprescindível para a demarcação do campo de atuação, a definição do objeto e a reafirmação
constante da natureza do signo linguístico, que é a combinação de duas grandezas: de um lado a
imagem acústica; de outro, o conceito. Esse pressuposto é fundamental para a concepção deste
trabalho, ou seja, a partir desse todo, formado por essas duas grandezas, que se pode pensar a
linguística. Como apontou Saussure em sua mais famosa obra, o Curso de Linguística Geral, essa
ciência trabalha numa zona limítrofe, que não tem a imagem conceitual como objeto, nem a
imagem acústica, mas a união dessas duas grandezas.
Para Zilberberg (2006), conhecer o pensamento de Hjelmslev depende da elucidação da
relação entre o pensamento fundador de Saussure e o pensamento ordenador de Hjelmslev”
(2006:19). O objetivo deste capítulo é, portanto, refazer o trajeto teórico iniciado por Saussure e
por Hjelmslev, considerado o principal continuador de sua obra, para se chegar à semiótica do
discurso e à fonética acústica, que são as duas disciplinas que vão procurar analisar o objeto desta
pesquisa.
1.1.1 – O CLG e um breve panorama da história da linguística
Começa-se pelo fundador da linguística moderna, Ferdinand de Saussure. Sua obra
seminal, o Curso de Linguística Geral (CLG), tem sua primeira edição em 1916, por Bally e
Séchehaye, e é uma obra póstuma, que Saussure falecera em 1913. O livro é uma compilação
das anotações de alunos de Saussure das aulas ministradas na Universidade de Genebra dos anos
de 1907 a 1911.
Logo na introdução do CLG, Saussure oferece um panorama da história da linguística
indicando suas três fases. A primeira se referia ao estudo da gramática, realizado inicialmente
pelos gregos e depois pelos franceses. Esse estudo, segundo Saussure, nada tem de científico e
não tem interesse pela própria língua: “[a gramática] visa unicamente a formular regras para
6
distinguir as formas corretas das incorretas; é uma disciplina normativa, muito afastada da pura
observação e cujo ponto de vista é forçosamente estreito” (SAUSSURE, 2006:07).
É curioso, pois passado um século da publicação do Curso, ainda faz-se necessário ao
linguista sempre ter que diferenciar a linguística do estudo da gramática, de certa forma o ofício
de linguista parece ainda remanescer na ignorância da maioria. Nesse sentido, Possenti (2008)
afirma: Quando alguém informa que é linguista causa espanto” (POSSENTI, 2008:46). Trata-se
de um ofício cujas funções são pouco conhecidas. No artigo Como água e óleo, o autor mostra de
forma simples e clara a diferença entre linguistas e gramáticos. Para Possenti,
(...) o linguista não caracteriza fatos linguísticos em termos de certo ou errado, nem a partir da
autoridade de escritores ou da tradição. Classifica fatos como populares, regionais, cultos, literários
etc. (...), [ele] observa fatos e tenta descrevê-los e explicá-los (...). E como disse Saussure, para ele
tudo é ‘matéria’, o que significa que leva em consideração qualquer manifestação linguística (de
analfabetos, crianças; antigas, atuais), e não as dos falantes cultos de um período vagamente
definido. Para ele, a correção ‘linguística’ é um valor social, que leva em conta, mas como questão
social e submetida a regras de um tipo especial, similares às que governam a etiqueta (POSSENTI,
2008:46-47).
Um gramático, por sua vez, “também observa e organiza fatos (...) mas ele os coleta em
textos definidos como ‘bons’” (idem). Embora se saiba que uma explicação dessa natureza seja
supérflua para um trabalho como este, optou-se por inseri-la, pela demarcação da epistemologia
da disciplina linguística.
A segunda fase dos estudos da linguagem, denominada filologia, tem sua origem na
Alexandria, mas esse termo se vincula principalmente ao movimento criado por Friedrich August
Wolf, a partir de 1777, e segue existindo até a atualidade. A filologia visa a fixar, interpretar e
comentar textos, por meio de seu método, a crítica. Para Saussure, a filologia falha ao apegar-se
“muito servilmente” à língua escrita, esquecendo a falada. O terceiro período é chamado de
filologia comparativa ou de gramática comparada e tem seu nome ligado, sobretudo à obra de
Franz Bopp, que descobriu que o Sânscrito tem parentesco com línguas indo-européias. A crítica
que Saussure faz à gramática comparada se baseia no fato de que esses estudos nunca se
perguntaram a que levavam as comparações que faziam, ou seja, unicamente pela comparação,
não se pode concluir nada. Para o autor do CLG, a linguística propriamente dita inicia-se por
Diez, em sua Gramática das Línguas Românicas (1836-1838). Em seguida, com os
neogramáticos, representados principalmente por Whitney, percebeu-se que a língua o é um
organismo que se desenvolve por si, mas um fruto de uma coletividade linguística.
7
No entanto, para Paveau (2006), é Saussure quem inaugura a chamada linguística
moderna, que o CLG constitui o que a autora chama de “corte epistemológico”, ou seja, “uma
maneira radicalmente diferente de se considerar os fatos da linguagem” (2006:63). O trabalho do
linguista suíço rompe com a perspectiva comparatista e propõe uma abordagem não histórica e
sim descritiva e sistemática, o que mais tarde será chamado estruturalismo.
1.1.2 A linguística por Saussure
Para Saussure, a matéria da linguística concerne a todas as manifestações da língua
humana, independentemente de se tratar de “povos selvagens ou nações civilizadas”. A tarefa da
linguística é, por sua vez,
“(a) fazer a descrição histórica de todas as línguas que puder abranger (...); (b) procurar as forças
que estão em jogo, de modo permanente e universal, em todas as línguas e deduzir as leis gerais às
quais se possam referir todos os fenômenos peculiares à história; (c) delimitar-se e definir-se a si
própria” (SAUSSURE, 2006:13).
Saussure aponta a utilidade da linguística para a cultura geral. Para ele, a linguagem
constitui um fator importante na vida dos indivíduos e dos grupos sociais, e essa é uma razão para
que a linguística não seja um estudo limitado apenas a poucos especialistas. Além disso, ele
afirma ser a linguagem o lugar no qual se reproduzem ideias absurdas, preconceitos etc; caberia
então à linguística desmistificá-los.
Com o intuito de fundar uma disciplina, o linguista genebrino teve que definir seu objeto.
Diferentemente de outros domínios científicos, cujo objeto precede o ponto de vista, na
linguística é o contrário, ou seja, o ponto de vista precede o objeto. Para Saussure (2006:25), o
fato linguístico é imperceptível e indeterminável sem a adoção prévia de um ponto de vista
linguístico. Isso porque, como aponta Paveau (2006), “os fatos da linguagem não são exteriores à
experiência humana, mas fazem parte dela” (2006:66). A adoção desse ponto de vista decorre da
natureza da linguagem, que reside na dualidade do fenômeno vocal como tal e do fenômeno
vocal como signo (SAUSSURE, 2006:20-21).
O objeto da linguística não é a linguagem, mas a língua. A primeira é uma faculdade
humana, muito mais vasta e menos específica que a segunda. A linguagem engloba produção e
8
recepção, pensamento e sua expressão fônica, dimensão individual e social, dimensão estática e
histórica. A língua é, por sua vez, “o produto social cuja existência permite ao indivíduo o
exercício da faculdade da linguagem” (SAUSSURE, 2006:66). Em outra definição, Saussure
afirma: “a língua é um todo por si e um princípio de classificação” (2006:17). Esse “todo” se
refere ao sistema de signos, “onde de essencial existe a união do sentido à imagem acústica, e
onde suas duas partes do signo são igualmente psíquicas” (2006:23). A língua é então um sistema
de signos que exprime ideias e, para o linguista suíço, ela é comparável a outros sistemas de
signos, tais como o alfabeto dos surdos-mudos, ritos simbólicos etc. No entanto, a língua é o
principal desses sistemas. Assim, Saussure vislumbra a criação de uma disciplina que se ocuparia
dos signos em geral, a semiologia: “uma ciência que estude a vida dos signos no seio da vida
social” (2006:24). À linguística caberiam os sistemas de signos linguísticos, enquanto à
semiologia caberiam todos os sistemas de signos. Dessa forma, a linguística faz parte dessa
ciência geral, que é a semiologia.
Para Saussure, a linguística comporta duas partes: a língua e a fala. A língua é social e
independente do indivíduo, a fala, por sua vez, é individual. Para ele, a fala, como objeto da
linguística, é secundária. Língua e fala estão, apesar disso, estreitamente ligadas, já que a língua é
necessária para que a fala seja inteligível e a fala é necessária para que a língua se estabeleça. A
língua é, ao mesmo tempo, instrumento e produto da fala, “Tudo isso, porém, não impede que
sejam coisas absolutamente distintas” (SAUSSURE, 2006:27). Veja-se a definição mais
completa de língua proposta por Saussure:
A língua existe na coletividade sob a forma de uma soma de sinais depositados em cada cérebro,
mais ou menos como um dicionário cujos exemplares, todos idênticos, fossem repartidos entre
indivíduos. Trata-se, pois, de algo que está em cada um deles, embora seja comum a todos e
independa da vontade dos depositários. (SAUSSURE, 1996:27).
Em relação à fala, Saussure afirma se tratar de combinações individuais, dependente da
vontade dos que falam; atos de fonação igualmente voluntários. Para ele, nada existe de coletivo
na fala. A língua é marcada por aquilo que é essencial, ou seja, o que é permanente, ela é
adquirida de maneira passiva, e é coletiva no conjunto de falantes. No plano cognitivo, ela é
detida mentalmente sob a forma de marcas, de natureza psíquica, enquanto as produções de fala
são marcadas pela dimensão física da fonação. Gadet (1996:77) apud Paveau (2006:68) propõe
uma tabela que resume as diferenças entre língua e fala:
9
Língua Fala
Social
Essencial
Registrada passivamente
Psíquica
Soma de marcas em cada cérebro
Modelo Coletivo
Individual
Acessório mais ou menos acidental
Ato de vontade e de inteligência psicofísica
Soma do que as pessoas dizem
Não coletivo
Tabela 1: diferenças entre língua e fala
Para o autor de CLG, poder-se-ia pensar numa linguística da fala, no entanto, a linguística
cuidará unicamente da língua que, não menos que a fala, é um objeto concreto. Sendo assim, ele
estabelece uma hierarquia entre língua e fala. Paveau (2006) afirma, apesar disso, que as
evoluções futuras das ciências da linguagem vão reclamar para si o lugar da linguística da fala,
tais como a estilística, a pragmática, a análise do discurso etc. O presente trabalho enquadrar-se-
ia nos domínios da linguística da fala. Salienta-se que as duas são colocadas como possíveis por
Saussure e, embora ele demonstre preferência pela língua, a separação entre linguística da língua
e linguística da fala “não tem caráter de verdade exclusiva”, afirma Paveau (2006:69).
Outro ponto importante da obra saussuriana são as relações sintagmáticas e associativas
(paradigmáticas). Na esfera sintagmática, ocorre o desencadeamento linear das unidades da
língua, devido à impossibilidade de se pronunciar dois elementos ao mesmo tempo. Na esfera
associativa, formam-se mentalmente associações entre palavras, relações que repousam na
analogia dos significados, por exemplo: aprender, aprendizagem, desaprendendo etc.
Outra dicotomia apresentada por Saussure é a sincronia e a diacronia. A linguística
sincrônica ocupa-se das relações lógicas e psicológicas que unem os termos coexistentes e que
formam sistemas, tais como são percebidos pela coletividade. A linguística diacrônica estuda, por
sua vez, as relações que não se percebem numa mesma coletividade, mas são relações entre
estados de língua e estados de tempo. Resumidamente, da linguagem, vêm a língua e a fala. A
língua pode ser estudada sob duas óticas: a sincronia e a diacronia.
Para este trabalho, a dicotomia saussuriana elementar se refere à natureza do signo
linguístico, cujos termos, ambos psíquicos, estão unidos no cérebro. Trata-se da dicotomia
significado/significante, formadores do signo linguístico. O autor do CLG salienta que a relação
não é de palavra e coisa, mas entre grandezas linguísticas:
10
O signo linguístico une não uma coisa a uma palavra, mas um conceito a uma imagem acústica.
Esta não é o som material, coisa puramente física, mas a impressão (empreinte) psíquica desse som,
a representação que dele nos dá o testemunho de nossos sentidos (SAUSSURE, 2006:80).
O esquema a seguir representa o signo linguístico proposto por Saussure:
Figura 1: signo linguístico saussuriano
Assim, Saussure chama a imagem acústica de significante e o conceito de significado,
elementos que, unidos, dão origem ao signo linguístico. Salienta-se que um significante não
representa um significado, nem vice-versa: o signo linguístico é resultado da associação dessas
duas grandezas. O primeiro princípio do signo é a arbitrariedade, que não existe nenhum laço
natural que una um significante a um significado. O linguista suíço o exemplo da palavra mar
cuja ideia não tem nenhuma relação com a sequência de sons m-a-r. Diferentemente do signo, o
símbolo possui algum rudimento de laço natural entre o significante e o significado. A balança
é o símbolo da justiça e o poderia, por exemplo, ser substituída por um carro, afirma Saussure.
O autor chama atenção à palavra arbitrário, que não deve ser entendida no sentido livre, mas
como sinônimo de imotivado. O segundo princípio do signo é a linearidade, ou seja, o
significante, dado sua natureza auditiva, desenvolve-se no tempo, sob forma de uma extensão que
se desenvolve numa única dimensão, como se fosse uma linha. Diferentemente de
significantes visuais, que podem ter atrês dimensões, o significante acústico possui uma.
Dessa forma a palavra cadeira é a sequência dos sons c-a-d-e-i-r-a, necessariamente nessa ordem.
Para Saussure, o significante possui uma cadeia sonora diferente em cada língua. Esse
significante que vai diferir de língua para língua se combinará com um conceito que também é
próprio de cada cultura, cada língua. Os conceitos de soeur, em francês, e sister, em inglês,
possuem entre si uma relação de semelhança conceitual, mas não se trata, pois, de um conceito
11
pré-existente a cada língua. Apesar disso, a relação que a cadeia sonora s-o-e-u-r tem com o
conceito soeur é uma relação fixa dentro da língua francesa. Essa fixidez tem a ver com o caráter
imutável do signo a que se refere Saussure. Paralelamente, o signo linguístico também tem um
caráter mutável, isto é, tanto significados, quanto significantes se alteram ao longo do tempo.
Saussure cita a palavra latina necare (matar) que deu em francês noyer (afogar). Esses dois
postulados indicam que a língua desenvolver-se-ia, no tempo, tencionada, de um lado pela
imutabilidade e, de outro, pela mutabilidade.
Saussure afirma que sem os signos seria impossível distinguir ideias de forma clara e
constante. O pensamento, para ele, seria uma nebulosa, onde nada está delimitado: não existem
ideias pré-estabelecidas antes do aparecimento da língua. O autor do CLG afirma que essa
indefinição também se aplica aos sons, que esses tampouco são unidades circunscritas de
antemão. A língua seria comparável a uma folha de papel, de modo que o pensamento é anverso e
o som, verso. Abstraindo-se tais elementos separadamente, chegar-se-ia à fonologia e à
psicologia puras, segundo Saussure. A linguística então trabalha numa zona limítrofe, de
combinação de elementos de duas ordens, conceptual e acústica: “Essa combinação produz uma
forma, não uma substância.” (SAUSSURE, 2006:131).
Assim, tanto a parte conceitual, quanto a parte sonora teriam um valor, que é o que a
distingue, o que constitui relações de diferença. O que importa, portanto, não é o som em si, mas
as diferenças fônicas que permitem distinguir sons de outros sons. Um sistema linguístico seria
então uma série de diferenças de sons combinadas com uma rie de diferenças de ideias. E essa
confrontação de diferenças constrói um sistema de valores. Em Écrits de linguistique générale,
manuscritos de um livro escrito de próprio punho pelo linguista suíço encontrado somente em
1996, Saussure (2002) aborda a questão do valor linguístico e, segundo o autor, uma forma
linguística não significa, mas vale, o que implica consequentemente a existência de outros valores
tanto materiais, de ordem acústica “(...) Il n’y a pas la moindre limite définissable entre ce que les
formes valent en vertu de leur différence réciproque et materielle”, quanto valores de natureza
conceutual : “ou ce qu’elles valent en vertu du sens que nous attachons à ces différences
(SAUSSURE, 2002:28, grifo do autor). É uma disputa de palavras, finaliza o mestre genebrino.
Mais adiante, na mesma obra, o autor, de certa forma, resume tanto a questão do signo e da
significação, quanto a do valor, que lhe é inerente. Para ele, o signo existe em função de sua
significação, da mesma forma que a significação existe em função do signo. E tanto signo
12
como significação existem em função da diferença entre os signos, ou seja, seus respectivos
valores.
1.1.3 A perspectiva de Hjelmslev
Louis Hjelmslev (1899-1965), linguista dinamarquês, é criador da glossemática,
perspectiva a partir da qual a língua é concebida como uma combinatória. Sua obra de maior
importância são os Prolegômenos a uma teoria da linguagem, de 1943, cuja tradução brasileira
veio em 1975. Prolegômenos significa princípios ou noções básicas para um estudo de qualquer
natureza.
Segundo Fiorin (2003), Hjelmslev opõe-se ao discurso do humanismo, uma vez que
pretende apreender com premissas puramente formais a estrutura específica da linguagem. “Isso
não quer dizer que ele não reconheça as flutuações e as mudanças da fala, mas significa que não
atribui a elas um papel preponderante em sua teoria” (FIORIN, 2003:02). Para Zilberberg (2006),
a obra do linguista dinamarquês, apesar de possuir um esforço teórico incomparável, ainda possui
uma difusão restrita. Traçar-se-á um pequeno panorama da obra desse linguista para pensá-la
como devedora em parte da obra de Saussure e como influenciadora da obra de Greimas.
Logo no início do primeiro capítulo dos Prolegômenos, Hjelmslev ressalta de maneira
poética a importância da linguagem humana: “A linguagem humana é o instrumento graças ao
qual o homem modela seu pensamento, seu sentimento, suas emoções (...), instrumento graças ao
qual ele influencia e é influenciado, a base última e mais profunda da sociedade humana”
(2006:01). Essa linguagem, não obstante sua importância, quer ser ignorada: “(...) é seu destino
natural ser um meio e não um fim” (2006:03), afirma o linguista dinamarquês; apenas de forma
artificial pode haver a pesquisa de um objeto que é naturalmente um meio. A linguística como
ciência deve procurar apreender a linguagem como um todo formado de aspectos físicos,
fisiológicos, psicológicos, lógicos e sociológicos. Esse conglomerado basta-se a si mesmo, e
apenas dessa maneira pode-se pensar a língua como objeto da linguística.
O modelo dinamarquês concebe o signo como uma unidade em configuração, ou seja, o
signo não é da ordem do dado, do fixo, mas algo que está em constante construção, combinação,
relacionado fortemente a aspectos contextuais:
Toda grandeza e, por conseguinte todo signo, se define de modo relativo e absoluto, isto é,
unicamente no lugar que ocupa no contexto. (...) Considerados isoladamente, signo algum tem
13
significação. Toda significação de signo nasce de um contexto, quer entendamos por isso um
contexto de situação ou um contexto explícito. (HJELMSLEV, 2006:50).
Para Hjelmslev, é insustentável do ponto de vista linguístico a visão de que o signo seja
signo de alguma coisa, ou seja, o signo seria a expressão de um conteúdo. Nesse aspecto, esse
autor entra em confluência com a perspectiva saussuriana. Hjelmslev utiliza o termo função
semiótica para designar a relação entre duas grandezas: conteúdo e expressão. Tanto o plano do
conteúdo quanto o plano da expressão subdividem-se em forma e substância. A substância refere-
se ao continuum, tanto o do plano do conteúdo, que é o continuum do pensamento, quanto da
expressão, continuum de sons da língua. A forma, por sua vez, tem a ver com o modo como cada
cultura recorta seu pensamento em conceitos (conteúdo), e em fonemas (expressão).
A substância, tanto do plano de expressão, quanto do plano de conteúdo, constitui-se um
elemento dessemantizado que passa a ter sentido, uma vez recortada por cada cultura,
tornando-se, assim, forma. Portanto, todos os sons passíveis de ser produzidos pelo trato vocal
humano passam a ter sentido após a identificação com elementos que nada mais são que
recortes culturais do continuum sonoro e colocados em sequência; sequência essa pertinente à
língua em questão. A perspectiva de Câmara Jr. (2002) assemelha-se à hjelmsleviana em relação
à cadeia fônica como se observa a seguir:
A divisão mínima na segunda articulação da língua é a dos sons vocais elementares, que podem ser
vogais ou consoantes. A divisão resulta de um processo psíquico da parte de quem fala e quem
ouve. Na realidade física, a emissão vocal é um contínuo, como assinalam quer os aparelhos
acústicos, quer os aparelhos de registro articulatório. Já se trata, pois, de uma primeira abstração
intuitiva do espírito humano em face da realidade física (CÂMARA JR., 2002:33).
A abstração a que se refere Câmara Jr. (2002) tem a ver com um pequeno número de
propriedades acústicas articulatórias chamadas de traços
2
, quer dizer, para a comunicação
humana, de acordo com a perspectiva de Câmara Jr. (2002), o que realmente interessa são esses
traços distintivos e não a emissão contínua do som, que, em si mesma, não significa nada.
Hjelmslev mostra que o sentido assume diferentes cadeias linguísticas em cada língua. A
sentença Eu não sei, em português, veicula um sentido comum – mas não o mesmo sentido – para
a sentença Jeg véd det ikke, em dinamarquês, ou I do not know, em inglês. Para esse linguista,
2
O fonema, dessa forma, é o conjunto desses traços distintivos e opõe entre si formas da língua, por
exemplo, mala e cala. O autor atenta para o fato de que o fonema, fenômeno da língua oral, não se confunde com
letra, da língua escrita, de modo que um mesmo fonema pode ser representado por várias letras.
14
cada uma dessas línguas estabelece suas fronteiras de maneira distinta no continuum do
pensamento. Quanto à expressão, culturas diferentes estabelecem fronteiras diferentes entre o
continuum de cores. De acordo com Pietroforte e Lopes (2003), por exemplo, o arco-íris do
mundo anglo-saxão teria uma cor a menos que no mundo que fala português, que a cor purple
teria as variações roxo e anilado (PIETROFORTE & LOPES, 2003:116).
Segundo o dinamarquês, o que une a expressão ao conteúdo é a função semiótica. Essa
função é solidária e pressupõe necessariamente um ao outro: “Uma expressão é expressão
porque é expressão de um conteúdo, e um conteúdo só é conteúdo porque é conteúdo de uma
expressão” (HJELMSLEV, 2006:54). Na função semiótica, necessariamente haverá solidariedade
entre seus funtivos conteúdo e expressão. Não há, portanto, função semiótica sem a presença
simultânea desses elementos. De modo esquemático, apresenta a função semiótica proposta por
Hjelmslev:
Figura 2: função semiótica hjelmsleviana
Hjelmslev, apesar de creditar a Saussure o título de criador da linguística moderna e de ter
se baseado em alguns de seus fundamentos, afasta-se um pouco do modelo do linguista suíço.
Para este, a língua é um sistema de signos, enquanto para Hjelmslev, a ngua é um sistema de
figuras que, combinadas, dão origem aos signos. Tanto a forma do conteúdo, como a forma da
expressão são formadas por partes menores, os pleremas, no caso do conteúdo, e os ceremas, no
caso da expressão. A glossemática ocupa-se então da relação entre essas unidades.
Para Hjelmslev a substância, ou seja, a cadeia do pensamento e a cadeia fônica, não
precede a língua, como defendia Saussure. Para o autor dinamarquês, a substância depende
Plano do Conteúdo
Função
semiótica
Plano da Expressão
15
exclusivamente da forma, e não se admite a existência da substância independente da forma. O
signo linguístico então seria o todo constituído pela forma do plano do conteúdo e pela forma do
plano da expressão da expressão, estabelecido pela função semiótica: (...) parece mais adequado
utilizar a palavra signo para designar a unidade constituída pela forma do conteúdo e pela forma
da expressão” (HJELMSLEV, 2006:62). O esquema a seguir representa o signo linguístico para
Hjelmslev:
Figura 3: signo linguístico hjelmsleviano
Para Zilberberg (2006), as proposições hjelmslevianas em relação ao par forma/substância
levantam algumas questões, pois levam a uma clareza na análise da forma em detrimento de um
obscurecimento da análise da substância: “(...) o ajuste entre forma e substância não deixa de
trazer problemas. Como decorrência de alguma justiça imanente, a substância está longe de ser
uma massa dócil, amorfa e indiferente à forma que a modela” (ZILBERBERG, 2006:61-62). Para
esse autor, a obra de Hjelmslev ainda está por ser conhecida; a maior parte das apresentações
elaboradas sobre sua obra “restringe, deturpa ou falseia o pensamento do grande linguista”
(2006:61). O progresso nesse conhecimento tende a levantar outras inquietações, tais como a
continuidade entre Saussure e Hjelmslev: “(...) será que Hjelmslev é o continuador de Saussure?
Será que é o único? Será que acreditando ser o continuador de Saussure, acabou fazendo outra
coisa? Essas questões permanecerão” (Zilberberg, 2006:61).
O pensamento de Hjelmslev é decisivo para o estabelecimento das bases da semiótica
greimasiana, que essa toma para si, de um lado o par expressão/conteúdo e, de outro, o par
forma/substância. O primeiro permite introduzir a função semiótica, ou seja, a maneira como se
combinam o plano da expressão e o plano do conteúdo de forma incessante e mútua. O segundo
par, forma/substância, permite testar e avaliar o que foi encontrado: é a partir da identidade entre
Forma
do plano do conteúdo
+
Forma do plano da expressão
Signo
Linguístico
16
forma do conteúdo e forma da expressão que se contribui para a objetivação da teoria. Outro
ponto importante na obra de Hjelmslev caro à teoria semiótica é a exclusão em parte do signo.
Para Zilberberg (2006), isso se deve mais a uma abordagem do que a uma escolha. Situa-se a
reflexão não no nível do signo (constituído), mas nas partes do signo (constituintes). Ou seja, ao
se analisar o plano da expressão e o plano de conteúdo de forma independente, a semiótica abriu
para si o campo do discurso. Além disso, ao se substituir significado por plano do conteúdo e
significante por plano da expressão, lançam-se bases para o estudo de textos num sentido amplo,
ou seja, tudo o que produz sentido. A perspectiva hjelmsleviana permite a análise independente
entre conteúdo e expressão. No entanto, esse descolamento se unicamente como ferramenta
analítica, pois o sentido se constitui a partir da função semiótica. Apesar disso, a possibilidade de
análises em separado constitui um caminho teórico-metodológico que leva ao todo da
significação.
Após terem sido recuperadas as contribuições imprescindíveis dos linguistas Ferdinand de
Saussure e Louis Hjelmslev, o objetivo do capítulo até aqui foi de traçar as bases das disciplinas
que vão dar sustentação teórica às análises realizadas neste trabalho: a semiótica do discurso e a
fonética acústica. Em relação à primeira, esses autores a influenciaram sobremaneira, assim como
aponta Tatit:
Na realidade, apenas uma das diversas teorias que hoje se dedicam à abordagem do discurso e do
texto pode ser considerada inteiramente comprometida com os princípios do pensamento
saussuriano, trata-se da semiótica, que (...) jamais deixou de reconhecer sua dívida principal com o
projeto científico globalizado de L. Hjelmslev, erigido, por sua vez, sob a metodologia linguística
de Saussure (1997:73).
Dessa forma, apresentam-se, a seguir, alguns elementos da semiótica do discurso, até
mesmo pela continuidade natural entre as obras de Saussure/Hjelmslev e Greimas. Em seguida,
abordar-se-á a perspectiva da fonética acústica. Fiorin (1995) reafirma a possibilidade de o
conteúdo ser analisado separadamente da expressão, de modo que se propõe uma abordagem
dupla pelas disciplinas em questão, que, como poderá ser visto, convergem em alguns aspectos.
1.2.1 – A semiótica do discurso: da semântica à semiótica
17
Foi a partir da obra Semântica estrutural, publicada originalmente em 1966, que Algirdas
Julien Greimas (1917-1992), linguista lituano radicado na França, lança as bases do que será
conhecido posteriormente como semiótica greimasiana, Escola de Paris ou semiótica narrativa ou
do discurso. Para Greimas (1976), “(...) o mundo humano se define essencialmente como o
mundo da significação. pode ser chamado ‘humano’ na medida em que significa alguma
coisa” (GREIMAS, 1976:11). O autor acrescenta que é pela pesquisa das significações que as
ciências humanas podem encontrar um denominador comum. Assim, a semiótica, ou o estudo do
sentido, seria o que estaria na base das ciências humanas em geral. Em Semântica Estrutural,
obra seminal da semiótica estabelecida por Greimas, o autor vai reclamar à semântica um lugar
de maior destaque, junto aos outros ramos da linguística, como, por exemplo, a fonologia. O fato
apontado pelo autor de a semântica ser a “parente pobre”, deriva da dificuldade em determinar
métodos próprios a essa disciplina. E é justamente essa a contribuição de Semântica Estrutural às
teorias da significação e, mais especificamente, à semiótica.
A primeira escolha metodológica feita por Greimas é tomar a percepção do sentido como
“o lugar não linguístico onde se situa a apreensão da significação” (GREIMAS, 1976:15), ou
seja, as significações se encontram no nível da percepção. Disso decorre que, como poderá ser
visto, a semiótica se preocupa não com o sentido ontológico, mas como o seu parecer. Outra
definição metodológica greimasiana é a classificação dos significantes, segundo a ordem
sensorial, como visuais, auditivos, táteis etc. Isso implica a noção de texto como tudo o que
produz sentido, podendo ser considerados textos objetos tão diversos como uma fotografia, uma
canção ou uma partida de futebol.
A concepção de estrutura para Greimas se relaciona com a afirmação saussuriana de que a
língua é feita de oposições. Graças à possibilidade de perceber as diferenças, o mundo toma
forma. No plano linguístico, perceber as diferenças significa captar dois termos-objetos como
simultaneamente presentes, e disso decorrem duas consequências: (1) um único termo-objeto não
comporta significação, (2) que esta se pela relação entre seus termos. E as estruturas de
significação se manifestam na comunicação, pois é que o significado encontra o significante.
E, pela comunicação, juntam-se as unidades mínimas do discurso: o fonema e o lexema. Nota-se
que não existe isomorfia entre os planos de expressão e conteúdo, pois, um fonema não
corresponde a um lexema, mas à combinação de fonemas. A análise entre os dois planos deve ser
feita em separado e deverá perceber os semas presentes em cada lexema.
18
Assim, para Greimas, é possível e necessário utilizar o significado para o estudo do
significante e vice-versa. A relação entre semas e lexemas pode ser expressa no quadro a seguir
proposto por Greimas (1976:48). Lexemas, grosso modo, seriam as entradas de dicionário, ao
passo que os semas, seriam os traços distintivos do conteúdo entre elementos de mesma base
semântica. A cada lexema deve corresponder ao menos um semema, ou seja, uma acepção
possível, estabelecida culturalmente.
Transcreve-se aqui parte do quadro para a exemplificação entre a relação desses termos.
No quadro se encontram os lexemas alto, baixo, longo, curto, largo e estreito e os semas
espacialidade, dimensionalidade, verticalidade, horizontalidade, perspectividade e lateralidade.
Lexemas
Semas
espacialidade dimensionalidade verticalidade horizontalidade perspectividade lateralidade
alto + + + - - -
baixo + + + - - -
longo + + - + + -
curto + + - + + -
largo + + - + - +
estreito + + - + - +
Tabela 2: lexemas e semas
A semântica estrutural, proposta por Greimas, pretende agir analogamente à fonologia,
cujos fonemas são formados por femas, isto é, traços distintivos do plano da expressão.
Exemplificando, o /b/ é um fonema que possui os traços de bilabialidade e vozeamento, ao passo
que o /p/ possui bilabialidade, mas não possui vozeamento. Fiorin (2003), no entanto, aponta que
fazer uma análise exaustiva do plano de conteúdo, tal como propôs Greimas, resultou numa
impossibilidade. A ideia de decompor signos em figuras foi abandonada, por não terem sido
obtidos resultados satisfatórios, a não ser com palavras do mesmo campo semântico, como
cadeira, banco, pufe etc. A ideia de utilizar a mesma abordagem da fonologia para a semântica
foi então deixada de lado. O próprio Greimas o reconhece no ensaio Sobre o Sentido dizendo:
Assim deixamos cada vez mais de considerá-lo [o sentido] como um encadeamento linear e
uniplano das significações nos textos e nos discursos. Começamos a compreender o que de
19
ilusório no projeto de uma semântica sistemática que articularia, como uma fonologia, o plano do
significado de uma língua determinada (GREIMAS, 1975:17).
No entanto, Greimas, ao dotar a semântica de métodos próprios de análise, por "(...)
refletir acerca das condições pelas quais seja possível um estudo científico da significação"
(GREIMAS, 1976:14), acaba estabelecendo as bases para a semiótica. O salto da semântica para
a semiótica realizou-se quando se percebeu que o texto tem uma estruturação própria e não é uma
mera somatória das frases ou de palavras. Para o autor, “Só uma semiótica de formas como esta
poderá surgir, num futuro previsível, como a linguagem que permite falar do sentido”
(GREIMAS, 1975:17). Dessa forma, a então semântica estrutural deixa de se interessar pela
totalidade da descrição do plano do conteúdo das línguas naturais e a semiótica, termo cunhado
em seguida, põe em seu escopo a descrição e explicação dos mecanismos que engendram o
sentido. Assim, extrapolam-se os domínios da semântica (a palavra e a frase) e se passa a
apreender como se constrói o sentido do texto como um todo. Faz-se necessário agora definir o
domínio da semiótica.
1.2.2 – Semiótica e sentido
De acordo com Bertrand, “O objeto da semiótica é o sentido” (2003:11), apreensível pelo
resultado da função semiótica da linguagem, ou seja, a reunião dos planos da expressão e do
conteúdo. O que diferencia esta disciplina de outras, como a história ou antropologia, que
também podem ter o sentido como objeto é “o parecer do sentido” (BERTRAND, 2003:11). Tal
parecer se apreende por meio da linguagem verbal, não-verbal (visual, plástica, gestual, musical
etc) ou sincrética, como, por exemplo, o cinema, que agrupa algumas dessas linguagens.
que o objeto da semiótica é o sentido, é conveniente falar um pouco mais sobre esse
ele. Para Greimas, é “extremamente difícil falar do sentido e dizer alguma coisa significativa”
(1975:07), segundo o autor, só se poderia falar do sentido de forma conveniente se se criasse uma
metalinguagem para isso, ou seja, construir uma linguagem que não significasse nada. Sabe-se,
entretanto, que essa linguagem desprovida de sentido é inconcebível. Para complicar, vive-se
num mundo significante e o sentido se coloca como um “‘sentimento de compreensão’
absolutamente natural” (1975:12). Paradoxalmente, a língua natural nunca é denotativa, mas
20
possui diversos planos de leitura. Para Greimas, viver sob a constante ameaça da metáfora é um
estado normal da condição humana. Assim, questionar a construção de sentidos num mundo em
que as coisas parecem naturalmente significar, é uma tarefa metalinguística difícil. A descrição
semiótica da significação seria, portanto, a construção de uma linguagem artificial adequada para
falar da construção do sentido, “porque a forma semiótica é exatamente o sentido do sentido”
(1975:17).
Para Greimas, “O sentido enquanto forma do sentido, pode ser definido então como a
possibilidade de transformação do sentido” (1975:15), em outras palavras, produzir sentido é
transformar um sentido dado. O sentido não é apenas o que dizem as palavras, mas ele é, antes de
mais nada, uma direção. Para Fontanille (2007), essa direção equivale a tender a algo: “(...) o
sentido designa um efeito de direção e de tensão mais ou menos conhecível produzido por um
objeto, uma prática ou uma situação qualquer” (FONTANILLE, 2007:31). A significação, por
sua vez, segundo esse autor, é o produto organizado pela análise. A significação diz respeito a
uma unidade, “e repousa na relação entre um elemento da expressão e um elemento do conteúdo”
(2007:32). Contrariamente ao sentido, a significação é sempre articulada. Ela é reconhecível
após segmentação e comutação e se pode apreender a significação por meio das relações que
uma unidade estabelece com as outras. O termo significância, por sua vez, diz respeito à
globalidade de efeitos de sentido de um conjunto estruturado e não corresponde ao das
significações. Segundo Fontanille (2007), hoje em dia, significância quase não é utilizada; no
seu lugar, usa-se o termo significação, que não se acredita que o local (a parte) determina o
global (o todo). Utiliza-se então significação numa acepção genérica que substitui significância.
1.2.3 – Semióticas
Além da semiótica estabelecida por Greimas, reconhece-se a existência de outras
correntes
3
, tais como a americana, que é calcada na obra do filósofo e pensador Charles Sanders
3
Além das correntes americana e francesa, destaca-se ainda a semiótica russa ou semiótica da cultura,
segundo a qual, “a cultura é entendida como texto e a comunicação, como processo semiótico” (citado de
http://www.pucsp.br/pos/cos/cultura/semicult.htm acesso em 05/05/2007) e tem como maior expoente Iuri Lotman.
Mais recentemente, a partir da década de 1980, desenvolve-se, na Austrália, a semiótica social ou sociossemiótica,
“ciência que analisa e estuda os signos na sociedade” (Pimenta, 2007:153), a partir dos trabalhos de Michael
Halliday.
21
Peirce (1839-1914) e se atém fundamentalmente ao modo de produção do signo e sua relação
com a realidade referencial. Trata-se de uma semiótica lógica, filosófica, desvinculada de
qualquer ancoragem nas formas linguageiras (BERTRAND, 2003:14).
A semiótica de linha francesa tem filiação saussuriana e hjelmsleviana, por isso, é
ancorada numa teoria da linguagem, de postulados estruturais e na concepção de que a língua é
uma instituição social. A diferença fundamental entre as duas correntes semióticas aqui
apontadas é que a primeira é fundamentalmente lógica e de filiação filosófica, ao passo que, a
francesa, ou Escola de Paris, é fundamentada nas teorias da linguagem e do discurso. Ambas,
muitas vezes tomadas como sinônimas, têm em comum o fato de atravessarem a fronteira da
palavra ou da frase: diferentemente da semântica, elas se preocupam com o texto.
A semiótica francesa, para se constituir, foi influenciada por três áreas do conhecimento: a
linguística, a antropologia e a filosofia. Para escrever a obra fundadora da semiótica da qual se
falou, Semântica Estrutural (1966), Greimas teve como alicerce os trabalhos de Saussure e
Hjelmslev, que são também base para este trabalho. A antropologia cultural, pelos trabalhos de
Lévi-Strauss e Marcel Mauss, também influenciaram a semiótica. A conexão entre as duas
disciplinas está no estudo daquilo que rege e permeia o discurso: a cultura, ou seja, como ela
forma ao imaginário humano. A última influência é um ramo da filosofia chamado
fenomenologia. Esta se preocupa com o parecer de um objeto empírico, ontológico, enquanto,
para a semiótica, o parecer é construído no e pelo discurso, quer dizer, não existe a preocupação
com uma correspondência entre mundo real e signo linguístico.
Por fim, aponta-se para uma concorrência entre os termos semiótica e semiologia. Para
Bertrand, “a distinção teórica e metodológica entre semiótica e semiologia (...) está mais ligada às
transformações históricas de sua formação recente no campo das ciências da linguagem”
(2003:12). Semiologia, portanto, estaria mais ligada à obra de R. Barthes, enquanto a semiótica
do discurso remeter-se-ia a A. J. Greimas. No entanto, além dessa diferença, enquanto a
semiologia se preocupa com a “vida dos signos no seio da vida social” (idem), a semiótica se
preocupa com o sentido suscitado pelo signo. Esta, portanto, se interessa pela significação. Do
signo empírico ela não diz quase nada; seu projeto não é o signo, mas as relações subjacentes que
produzem a significação. Para J. C. Coquet, “O objeto da semiótica é explicitar as estruturas
significantes que modelam o discurso social e o discurso individual” (apud Bertrand, 2003:115).
Trata-se de uma ciência que procura explicitar as condições de produção e apreensão do sentido.
22
1.2.4 – O percurso gerativo de sentido
Segundo Fiorin (1999), o projeto greimasiano foi de criar uma teoria gerativa,
sintagmática e geral. Sintagmática porque se preocupa não apenas com o conteúdo, mas com o
texto (expressão + conteúdo); é geral porque se interessa por qualquer tipo de texto (veiculado
em qualquer materialidade); e é gerativa porque concebe o processo de produção de sentido de
um texto como um percurso gerativo que vai do mais simples e abstrato ao mais complexo e
concreto: “Constitui ele um simulacro metodológico, para explicar o processo de entendimento,
em que o leitor precisa fazer abstrações, a partir da superfície do texto, para poder entendê-lo”
(FIORIN, 1999). Tal percurso leva em conta o trabalho do russo Vladimir Propp, que reuniu um
inventário das variantes do Conto Maravilhoso Russo, que somavam 31 funções.
Para a semiótica, um texto pode ser fatiado em camadas, pelas quais se o percurso
gerativo de sentido, que se estrutura do mais simples e abstrato ao mais complexo e concreto.
Tem-se, assim, nesta ordem, o vel fundamental (ou profundo), o narrativo e o discursivo. Cada
um desses níveis tem uma sintaxe e uma semântica próprias; a sintaxe seria o mecanismo que
ordena os conteúdos, e estes estariam no domínio da semântica.
No nível fundamental, mais especificamente na semântica fundamental, a significação se
apresenta por uma oposição, por meio de estruturas fundamentais que se opõem. Para Barros
(2003), os termos dessa oposição são determinados pelas relações sensoriais do ser vivo com
esses conteúdos, que podem ter um valor positivo (eufórico) ou negativo (disfórico). Tais termos
são negados e afirmados por meio de operações de sintaxe elementar e podem ser representados
por meio de um modelo lógico de relações, chamado quadrado semiótico. A sintaxe fundamental
se ocuparia de tais relações, que podem ser de contrariedade, contraditoriedade e implicação. No
quadrado semiótico mostrado a seguir, os termos a vs b mantêm entre si uma relação de
contrariedade, assim como ocorre com os termos não-a vs não-b. Entre a e não-a e b e não-b
existe uma relação de contradição ou contraditoriedade. Além disso, não-a mantém com b, assim
como não-b com a, uma relação de implicação ou complementaridade:
23
Figura 4: relações no quadrado semiótico
Esses termos hipotéticos a e b podem ser representados por categorias semânticas
fundamentais em oposição tais como vida versus morte, liberdade versus dominação etc.
Salienta-se que a disforia ou euforia de uma categoria semântica não se de antemão, mas se
constrói no e pelo texto. Assim, morte não é necessariamente uma categoria disfórica, nem vida,
uma categoria eufórica a priori. Um suicida, para quem viver é insuportável, tem a morte como
categoria semântica eufórica, por exemplo. Isso, porque, de acordo com Tatit,
(...) o ser vivo não se relaciona com (...) categorias semânticas sem nelas imprimir sua marca
sensível. (...) de acordo com o contexto de exame, todo microuniverso semântico contém um índice
axiológico (...), portador de valores considerados atraentes ou repulsivos (TATIT, 2006:199).
No quadrado semiótico, um estado A não se converte a um estado B, sem antes passar
pela negação do próprio estado A. Euforia e disforia são, de acordo com esse autor (2006),
articulações da categoria foria, que significa “força que leva adiante”. A categoria eufórica
encontra-se em estado de relaxamento, ao passo que a disfórica em estado de tensão. Do mesmo
modo, a categoria não-disfórica encontra-se num estado de distensão, enquanto a não-eufórica,
em estado de retensão.
Os conteúdos do nível fundamental são concretizados em objetos, quando passam para o
nível narrativo. Assim, neste nível, o sujeito se encontra em conjunção ou disjunção com tais
objetos. Se no nível fundamental houvesse a oposição vida versus morte, no nível narrativo, dir-
se-ia que um sujeito está em disjunção ou em conjunção com o objeto vida. Uma narrativa
24
compreende uma mudança de estado, que pode se realizar tanto de forma implícita ou explícita.
Em outras palavras, uma narrativa para essa teoria é a mudança de estado de um sujeito em
relação a um objeto.
No nível narrativo, especificamente na sintaxe narrativa, essas transformações obedecem
a uma sequência canônica, chamada de programa narrativo. Essa sequência é composta então de
quatro fases, sendo que a fase seguinte sempre pressupõe a(s) anterior(es). Dessa forma, tem-se a
manipulação, a competência, a performance e a sanção. A manipulação é quando um sujeito
transmite a outro um querer ou um dever fazer. Para a semiótica, existem quatro tipos de
manipulação: por tentação, por sedução, por provocação e por intimidação. No primeiro caso, um
sujeito oferece um objeto de valor positivo a outro sujeito, caso esse aceite ser manipulado; no
segundo, o sujeito cria uma imagem positiva do outro sujeito, e para que essa imagem seja
mantida, ele aceita a manipulação. No terceiro tipo, um sujeito faz uma imagem negativa do
outro sujeito, com o intuito de que este faça o que se pede para reverter tal imagem e, por fim,
pela intimidação, oferece-se um objeto de valor negativo, caso não seja feito o que se pede. Na
fase da competência, um sujeito atribui a outro um saber e um poder fazer a outro. Na terceira
fase, a performance, ocorre a transformação principal da narrativa e, na última, a sanção, tem-se
o reconhecimento de que a performance de fato ocorreu. Note-se ainda que dois tipos de
sanção: a pragmática e a cognitiva. No primeiro caso o sujeito é sancionado pragmaticamente, ou
seja, recebe algum tipo de punição ou prêmio e, no segundo, existe o reconhecimento da
performance, mas não há prêmios ou castigos de fato. Como aponta Fiorin (1999), A sequência
canônica não é uma fôrma onde se faz caber a narrativa”, ou seja, os textos ao serem analisados
podem não conter uma transformação explícita, uma vez que o programa narrativo pode ser
realizado até a fase da manipulação ou da competência, sem chegar à performance ou à sanção.
No nível narrativo, dois tipos de objetos buscados pelo sujeito: os objetos modais (o querer, o
dever, o poder e o saber) e os objetos de valor. Salienta-se que os objetos modais o necessários
para a obtenção dos objetos de valor.
Para Barros (2002), a semântica narrativa, por sua vez, é o lugar onde se realizam as
atualizações dos valores. As categorias semânticas de base do nível fundamental, ao passarem ao
nível narrativo, são convertidas em valores, mediante inscrição em um ou mais objetos em junção
com o sujeito. Assim, tais categorias passam a ser valores narrativos e valores modais (saber,
poder, querer, dever). As categorias modais ou modalidades determinam as relações que ligam o
25
sujeito ao objeto. As paixões, na semântica narrativa, são entendidas como efeitos de sentido de
qualificações modais que modificam o sujeito de estado. Segundo Greimas e Fontanille
(1993:21), as paixões aparecem no discurso criando efeitos de sentido muito particulares. Esses
autores comparam tais efeitos a um cheiro que não se identifica facilmente. Para a semiótica, essa
peculiaridade tem a ver com a organização discursiva das estruturas modais, principalmente no
que se refere à modalização do estado do sujeito, ou seja, se quer, pode, deve ou sabe. Dessa
forma, objeto desejado faz do sujeito um sujeito desejoso: “a modalização do estado incide sobre
o objeto ou, mais particularmente, sobre o valor nele investido e que isso repercute na existência
modal do sujeito”. (FIORIN, 2007:04). Para a semiótica das paixões, paixões simples,
resultantes de uma única modalização do sujeito, e paixões complexas, que encadeiam rios
percursos modais. Fiorin (2007) exemplifica a paixão da cobiça como uma paixão simples, que se
define por um querer-ser, enquanto para Greimas (1983), a paixão da lera teria um percurso
complexo, pois pressuporia um estado de frustração, que seria seguido por um estado de
descontentamento e que desembocaria num estado de agressividade. No último vel, o
discursivo, é onde as estruturas se tornam mais concretas e complexas. Segundo Fiorin
(1999:s/n),
O percurso gerativo é composto de veis de invariância crescente, porque um patamar pode ser
concretizado pelo patamar imediatamente superior de diferentes maneiras, isto é, o patamar
superior é uma variável em relação ao imediatamente inferior, que é uma invariante.
Dessa maneira, aquele sujeito do nível narrativo, em disjunção com o objeto vida, poderia
ser representado por Estudante universitário foi morto por três tiros a queima-roupa na
madrugada de ontem. Nas estruturas discursivas, a concretização pode ocorrer tanto por
tematização, por termos abstratos, ou por figuração, por termos concretos. Assim, encontram-se
textos que são mais figurativos, como na literatura, e textos que são mais temáticos, como os
científicos. Na semântica discursiva, o texto é composto por uma recorrência de traços que a
semiótica chama de isotopia, ou seja, aquilo que possibilita um ou mais planos de leitura para o
texto.
A sintaxe discursiva se organiza em torno das projeções da enunciação no enunciado para
persuadir e manipular o enunciatário. Essas projeções abarcam a temporalização, a espacialização
e a actorialização, isto é, pessoa, espaço e tempo em que se ancora o texto. Dessa forma o uso de
uma pessoa no lugar de outra, de um tempo no lugar de outro ou de um espaço no lugar de outro
26
são estratégias que criam efeitos de sentido que visam à manipulação do enunciatário, como
mostra Fiorin (2002):
Todos esses mecanismos produzem efeitos de sentido no discurso. Não é indiferente um narrador
projetar-se no enunciado ou alhear-se dele; simular uma concomitância dos fatos narrados com o
momento de enunciação ou apresentá-los como anteriores ou posteriores a ele; presentificar o
pretérito; enunciar um eu sob a forma de um ele, etc (FIORIN, 2002:54).
1.2.5 – Críticas à teoria
Segundo Lara e Matte (2007a), a teoria semiótica é muitas vezes acusada de ser como
uma “camisa de força”, que tenta encaixar o texto a todo custo num modelo canônico. Para as
autoras, ao invés disso, a semiótica se presta a verificar os usos que o texto faz de uma dada
estrutura para construir seu sentido específico” (LARA & MATTE, 2007a:01). Os modelos
canônicos estabelecidos pela teoria semiótica, numa análise, “são convocados ou revogados pelo
exercício concreto do discurso” (idem). É cada análise que vai, então, desconstruir o texto para
perceber como são engendrados os sentidos ali presentes, o que significa dizer que cada análise
será uma análise e não um modelo dentro do qual devem caber todos os elementos do texto:
Diferentemente de engessar uma análise, a narrativa tem o poder de explicitar relações lógicas que
o discurso manipula a fim de produzir efeitos de sentido. Em outras palavras: se a semiótica
oferece modelos (enunciativos, narrativos, figurativos e passionais) para a análise, esses modelos
não são dados de uma vez por todas, mas convocados ou revogados pelo exercício concreto do
discurso (LARA & MATTE, 2007b:01).
Outra crítica recorrente à teoria estabelecida por Greimas é o fato de a semiótica ser “(...)
uma teoria que desconsidera o contexto, que deixa de lado a história, que se mostra, enfim,
imperdoavelmente estruturalista” (LARA & MATTE, 2007b:01). Na semiótica prioriza-se, sim, o
texto, ou seja, os mecanismos intradiscursivos de constituição do sentido. No entanto, a teoria
não ignora que os contextos histórico ou social sejam também textos, que podem estar em
diálogo com o texto em análise. A semiótica, portanto, ao privilegiar o texto, não exclui o
contexto, “Apenas optou por olhar, de forma privilegiada, numa outra direção” (LARA &
MATTE, 2007b:01). Essa direção à qual se referem as autoras tem a ver com a base
estruturalista, estabelecida por Saussure e Hjelmslev.
27
No entanto, ser estruturalista passou a ser quase um “crime” e diz-se que a semiótica
estaria passando por uma fase pós-estruturalista. Há que se salientar, entretanto, que foram
justamente as bases estruturalistas que permitiram à semiótica adentrar os campos da enunciação,
das paixões, da expressão e da continuidade. Ao beneficiar-se dos estudos no campo da
enunciação, a semiótica não abandona o enunciado, mas o associa à sua produção em ato.
1.2.6 – Semiótica e tensividade
Para Fontanille (2007), são quatro as estruturas elementares da significação: a binária, o
quadrado semiótico, a estrutura ternária e a estrutura tensiva. As primeiras são oposições, muitas
vezes privativas, entre contrários. Por exemplo, os termos masculino e feminino se opõem sob o
mesmo eixo, o da sexualidade, obedecendo ao princípio da contrariedade. A segunda estrutura
elementar de significação, o quadrado semiótico, apresenta dois tipos de oposições binárias em
um sistema que administra a presença simultânea dos traços contrários, assim como a presença e
a ausência desses dois traços. Assim, como se exemplificou no item 1.2.4 deste capítulo, no
quadrado semiótico, um elemento como vida é contrário à morte; ao mesmo tempo, contraditório
à não-vida e complementar à não-morte.
A estrutura ternária foi desenvolvida pela obra do pensador C. S. Peirce e não se trata de
estrutura de significação em termos de categoria, como as duas anteriores, mas dos níveis de
apreensão dessa categoria, ou ainda, três modos de apreensão da significação. Para Peirce, há três
níveis dessa apreensão: a primeiridade, a secundidade e a terceiridade. No primeiro nível,
apreendem-se as qualidades sensíveis/emotivas do mundo, ou seja, a qualidade em si, por
exemplo, a sensação de molhado. O segundo nível comporta dois elementos, a qualidade
relaciona-se com outra coisa que não ela mesma, a sensação de molhado, neste vel, relacionar-
se-ia com a chuva que cai, por exemplo. No terceiro nível, que comporta três elementos,
apresenta-se como uma lei ou uma convenção, como exemplo, pode-se ter “está molhado”.
Segundo Fontanille (2007), a tríade peirciana se refere, quando se pensa na elaboração de uma
linguagem e do funcionamento que a concretiza, às etapas de um processo de produção de
sentido ou de interpretação. Essas etapas, por sua vez, dizem respeito às modalidades da
elaboração das significações. As propriedades modais caracterizam os níveis de articulação da
28
significação, que o autor chama de modos de existência. Os modos de existência são quatro:
virtualizado, atualizado, realizado e potencializado.
A estrutura tensiva, um desdobramento recente da semiótica chamada standard,
estabelecida principalmente pela obra de Fontanille e Zilberberg, Tensão e Significação (2001),
surge como uma possível resposta aos modelos anteriormente propostos, devido às limitações que
cada um apresenta. Se o quadrado semiótico apresenta cada categoria como um todo acabado,
mas deixa perceber as nuances, as complexidades e as imbricações ocorridas no discurso, o
modelo peirciano, apesar de mostrar a relação sensível/inteligível, nada fala sobre os sistemas de
valores, em relação aos quais o quadrado semiótico é explícito. Assim, impõem-se exigências ao
modelo tensivo, tais como perceber a ligação entre o sensível e o inteligível, resultar na formação
de um sistema de valores, levar em conta os estilos de categorização, e respeitar as coisas, assim
como elas se apresentam no discurso.
Dessa forma, a principal característica da semiótica tensiva é introduzir o contínuo à
teoria. Assim, se a significação é apreensível pela discretização, esta opera sobre um continuum,
que, segundo Fiorin (2008), constitui uma potencialidade de sentido. Levando em conta a
continuidade, torna-se possível compreender determinados fenômenos linguísticos e textos, nos
quais o contínuo e o gradual são tematizados. Na fase que se costuma chamar estruturalista da
linguística e da semiótica, o sentido, que é um objeto dinâmico, transformava-se num modelo
estático, como se viu com o quadrado semiótico. Esse modelo eliminaria de seu campo de estudo
o caráter gradual do sentido. Assim, a semiótica tensiva procura analisar as figuras da ordem da
instabilidade, do devir, da gradiência etc, objetos que não estavam no escopo da semiótica
standard.
Pode-se dizer que a semiótica tensiva não se apega à ideia de estruturalismo, mas à noção
de estrutura, que segundo Hjelmslev, é uma “entidade autônoma de dependências internas” apud
Fiorin (2008:01), o que significa que se mantém a ideia de que a significação nasce das relações,
mas não um compromisso com as oposições privativas. Além disso, assume-se que o contínuo
e o descontínuo são modos pelos quais o sentido se apresenta e, finalmente, atribui-se um lugar
ao andamento e à velocidade, que levam em conta o devir. Assim, para Zilberberg (2006), a
estrutura formula, o devir orienta e o andamento dirige a duração do devir.
Segundo Fontanille, antes de qualquer categorização, uma grandeza para o sujeito do
discurso se expressa em uma “presença sensível” (2007:75). Essa presença se efetua em termos
29
de intensidade, da ordem do sensível, e de extensão (ou extensidade), da ordem do inteligível. Por
exemplo, em relação aos elementos naturais, antes de se reconhecer a água, por exemplo,
reconhece-se o fluido. Cada efeito de presença, para ser qualificado de fato como uma presença,
associa, de um lado uma extensidade (posições e quantidades) e, de outro uma intensidade
(forças). Para a semiótica tensiva, a articulação entre intensidade e extensidade é chamada de
correlação: “A correlação será estabelecida a partir de uma certa qualidade e de uma certa
quantidade da presença sensível antes mesmo que uma figura seja conhecida” (FONTANILLE,
2007:76). Tensividade é então o eixo semântico em que se articulam intensidade e extensidade.
Tanto a intensidade como a extensão são eixos graduais, e no espaço compreendido entre eles se
realiza a correlação. O eixo vertical é o da intensidade, ao passo que o horizontal, o da
extensidade, como se vê a seguir:
Figura 5: gradiente da extensão no eixo x e gradiente da intensidade no eixo y
O eixo da intensidade caracteriza o domínio interno, que vai ser o plano de conteúdo; o
eixo da extensidade caracteriza o domínio externo e se relaciona ao plano de expressão. A
correlação resulta no efeito da presença do sensível. Considerando o espaço interno entre os dois
eixos, todas as combinações entre intensidade e extensidade são possíveis. Existem dois tipos de
correlação: a direta e a inversa. No caso da primeira, quanto maior a intensidade, maior será a
extensidade e, no caso da inversa, quanto menor a intensidade, maior será a extensidade. Valores
são, dessa forma, posições relativas dessas correlações, ou ainda, diferenças entre essas posições.
As valências, por sua vez, são os dois eixos do espaço externo.
A intensidade possui duas subdimensões: andamento e tonicidade. A extensidade, por sua
vez, possui as subdimensões da temporalidade e da espacialidade. Salienta-se ainda que a
intensidade regula a extensidade, de modo que o tempo e o espaço são controlados pela
30
intensidade. O andamento rege a temporalidade (duração) e a tonicidade governa a espacialidade
(profundidade), como se observa no esquema:
Figura 6: subdivisões da intensidade versus subdivisões da extensidade
Assim, quanto maior a tonicidade, mais forte o andamento e quanto menor a tonicidade,
mais lento o andamento. Da mesma forma, quanto maior a espacialidade, maior a temporalidade
e quanto menor a espacialidade, menor será a temporalidade. O produto da tonicidade e do
andamento é o impacto, ou valores do absoluto; o resultado da maior extensão temporal e
espacial é a universalidade, ou valores do universo.
A intensidade é então a dimensão que rege a
extensidade, se dividem em andamento e tonicidade e espacialidade e temporalidade. Cada uma
dessas subdivisões é dotada dos foremas posição, dimensão e elã. O cruzamento de três foremas
com quatro subdimensões produz doze pares de valências como se no quadro proposto por
Zilberberg (2006):
dimensões intensidade
regente
extensidade
regida
subdimensões
foremas
andamento
tonicidade
temporalidade
espacialidade
direção aceleração
vs
desaceleração
tonificação
vs
atonização
foco
vs
apreensão
abertura
vs
fechamento
posição adiantamento
vs
retardamento
superioridade
vs
inferioridade
anterioridade
vs
posterioridade
exterioridade
vs
interioridade
elã rapidez
vs
lentidão
tonicidade
vs
atonia
brevidade
vs
longevidade
deslocamento
vs
repouso
Tabela 3: subdimensões e foremas
31
Para Fontanille (2007), a estrutura tensiva resulta de quatro etapas: a identificação das
dimensões da presença sensível; a correlação entre as dimensões; a orientação dessas dimensões e
a emergência de quatro zonas típicas, assim como no exemplo dos elementos naturais. De acordo
com esse autor, o modelo tensivo obedece às exigências impostas pelas limitações dos modelos
anteriores, além do fato de que as regras de constituição de uma linguagem são respeitadas, “(...)
que a correlação e a orientação das duas dimensões resultam da tomada de posição de um
corpo perceptivo, que esquematiza a presença sensível e a divide entre um domínio interno (a
intensidade) e um domínio externo (a extensão)” (2007:82). Dessa forma, pode-se afirmar que a
semiótica tensiva busca uma teorização sobre a natureza do sensível além de perceber o sentido
como um contínuo. Se o estruturalismo negligenciou a “elasticidade” (ZILBERBERG, 2006) do
discurso, a semiótica tensiva busca conjugar as relações da estrutura, levando em conta os
diferentes graus de intensidade e extensidade. Pode-se dizer que a fonética acústica procede
analogamente ao estudar o contínuo sonoro. Apresentam-se, a seguir, alguns fundamentos da
outra disciplina que aqui se propõe articular com a semiótica do discurso.
1.3 – A fonética acústica: um breve panorama
O som é o resultado final da fala e para entender a fonética acústica, começar-se-á a falar
sobre como se percebe esse elemento acústico. Para Ladefoged (1996), umas das dificuldades de
se estudar a fala é o fato de o som ser de natureza fugaz, fugidia e transitória. o ainda
nenhuma ligação visível entre quem fala e quem ouve. O que existe entre interlocutores é ar, e
normalmente não é possível perceber as mudanças na condição do ar, ao conduzir o som. Devido
a essas condições, o autor julga pertinente, antes de se falar de som, examinar o funcionamento
do ouvido humano, por ser algo mais tangível. O ouvido possui uma membrana, o tímpano, que
se move com a passagem do ar. Conectado a essa membrana está a cadeia de ossos (bigorna,
martelo e estribo), cuja função é transmitir os movimentos da membrana ao líquido que está no
ouvido interno. Juntamente desse líquido estão os nervos que conduzem esses estímulos à área de
sensação auditiva do cérebro. Assim, movimentos desse líquido estimulam esses nervos, de modo
que se experiencia a sensação de ouvir.
32
O som, por sua vez, seria um distúrbio no ar que ao chegar aos ouvidos teria esse
percurso. O som é uma fonte de energia que se desloca no ar causando movimentos em suas
partículas, de modo que uma partícula afeta a partícula seguinte. Como se uma bola de bilhar
batesse em outra, que, por sua vez batesse em outra e assim sucessivamente. Esse processo se
por compressões e rarefações sucessivas, e esse fenômeno é conhecido por ondas sonoras:
It is in this way that vibratory motion is transmitted through the air. The individual particles move
backward and forward, while the waves of compression move steadily outward. Consequently a
listening ear will experience moment of higher pressure followed by moments of lower pressure
(LADEFOGED, 1996:08).
Nem todas as variações na pressão do ar são perceptíveis como sons, no entanto, pode-se
afirmar que qualquer variação apropriada é uma fonte de som. No caso da voz humana, diferentes
flutuações da pressão do ar são causadas principalmente pela abertura e fechamento das cordas
vocais. Tais variações na pressão do ar afetam o ar na garganta e na boca, em cada maneira como
os sons são produzidos.
Até agora, descreveu-se o som como o movimento das partículas de ar, devido à variação
da pressão. No entanto, uma forma mais apropriada de se representar o som. O microfone que
produz essa variação numa voltagem elétrica que é exatamente proporcional às mudanças da
pressão do ar pela passagem do som. Com a ajuda de um microfone, pode-se produzir um gráfico
da variação da pressão do ar que ocorre durante a emissão de um som qualquer. Assim, a altura
de qualquer ponto na curva sobre o centro da linha representa o aumento da pressão do ar. Pontos
abaixo da linha indicam a pressão do ar abaixo do nível normal do ar circundante, como se a
seguir:
Gráfico 1: tempo no eixo x e pressão no eixo y
33
As variações na pressão do ar estão diretamente relacionadas aos movimentos das
partículas do ar. Picos de pressão ocorrem quando elas se aproximam, e momentos de menor
pressão quando elas se afastam. A soma de um pico e um vale resulta numa onda sonora.
Segundo Ladefoged (1996), existem três fatores que podem ser usados para diferenciar os
sons: altura, pitch e qualidade. Em relação à altura, um grande movimento da força do som
produz um som alto, e um movimento pequeno resulta num som suave. Se se considerar sob o
ponto de vista da vibração do ar, um movimento grande da força do som provoca um movimento
grande das partículas de ar, o que quer dizer uma grande alteração da pressão dele. Sob o ponto
de vista do ouvinte, essa alteração na pressão do ar vai provocar de forma correspondente um
grande movimento do tímpano, o que é interpretado como um som alto. A extensão da variação
máxima na pressão do ar, a partir da duração normal do som, é chamada amplitude; se a
amplitude do som diminui, então o som será percebido mais baixo.
O pitch seria, por sua vez, o índice de variação da vibração por segundo do som. Para
Delgado Martins (1988), o pitch (ou tom, na tradução da autora), é a frequência fundamental da
voz que se percebe. Quanto maior o pitch, maior o número de vibrações por segundo. Variações
na pressão do ar em qualquer som formarão um padrão que se repetirá em intervalos regulares de
tempo. Uma variação completa na pressão do ar é chamada de ciclo. O índice em que os ciclos
ocorrem é chamado de frequência e medido em hertz. Dessa forma, o pitch depende da
frequência ou índice de repetições das variações na pressão do ar. Assim, sons com baixo pitch
têm baixa frequência.
Salienta-se que a maioria dos sons não é constituída por ondas simples, como aquelas
produzidas por um diapasão. No caso das ondas complexas, as partículas de ar se movimentam de
forma irregular. As vogais, por exemplo, causam alterações na pressão do ar de forma complexa.
As formas das ondas estão relacionadas à qualidade do som, ou seja, a diferença entre a qualidade
do som de um diapasão, piano ou de uma vogal reside na diferença da complexidade da forma da
onda sonora. Diferenças em termos de qualidade podem ser descritas numericamente, uma vez
que cada som terá uma frequência correspondente. Ladefoged (1996) exemplifica que um [u]
teria em torno de 300 Hz, enquanto um [i] teria, por sua vez, 250 Hz.
34
Segundo Matte
4
, a onda periódica simples tem uma única frequência, de modo que toda
sua energia está concentrada num dado nível de energia. Ao contrário, as ondas complexas,
formadas por duas ondas simples, terão dois picos em que a energia se concentra; esses picos de
energia são chamados de formantes. O espectro da onda mostra o ponto em que há essa
concentração de energia. Ondas periódicas raramente acontecem; as mais frequentes são as
aperiódicas (ruídos) ou as quase-periódicas. O que caracteriza as vogais são esses picos,
formados de muitos harmônicos, mas com uma concentração de energia numa determinada
região da frequência. O que distingue um /a/ de um /u/ é a distância entre seus três primeiros
formantes, contando do mais grave ao mais agudo.
Relacionando então som, representação e fala, pode-se dizer, por exemplo, que para se
produzir a vogal /i/, ocorre um fechamento da região frontal da boca e a criação de uma cavidade
pequena, que produz formantes altos. Quando se produz um /u/, ocorre o contrário, ou seja, cria-
se uma cavidade na região frontal da boca. Em relação ao /a/, não existe nenhum tipo de
fechamento. Segundo Matte (2008), a posição da língua será o principal fator responsável pela
configuração formântica. Os formantes produzidos no trato vocal são os três primeiros: F1, F2 e
F3. Esses são os formantes principais para se distinguir os sons da fala. O quarto e quinto
formantes são responsáveis por criar efeitos de emoção e intenção na fala. O F0 ou frequência
fundamental é o único formante que é produzido pela vibração das pregas vocais. O espectro é a
representação dos picos de energia, como se fosse uma foto. O espectrograma, por sua vez, é a
representação dinâmica dessas fotos, como se fosse um filme que vai mostrando os picos de
energia de forma temporal.
Em relação aos sons da fala do português do Brasil (PB), podemos dividi-los em vogais,
oclusivas, fricativas, nasais, laterais e vibrantes. Nas vogais, o fluxo de ar é livre e geralmente há
vozeamento, isto é, vibração das cordas vocais. Uma vogal se diferencia da outra pela
configuração do tubo do trato vocal (maior ou menor abertura) e pelo levantamento da ngua.
Nas oclusivas, ocorre a interrupção do fluxo do ar justamente pela oclusão e em seguida ocorre
uma explosão, pelo aumento da pressão na boca. O que diferencia uma oclusiva de outra é o
ponto de oclusão ou o fato de ser sonora ou surda. Nas fricativas, ocorre uma diminuição do
espaço por onde passa o ar, a ponto de se criar um ruído pela simples passagem desse ar. Essas
4
No curso on-line sobre fonética acústica, ofertado pela Profª. Drª. Ana Cristina Fricke Matte,
disponibilizado em http://transtextual.semiofon.org/moodle/course/view.php?id=7, acesso em 17/06/2008.
35
também se diferenciam por serem surdas ou sonoras. Em relação às nasais, um fechamento do
trato bucal e uma abertura do nasal. Segundo Matte
5
, “A oclusão na boca produz o retorno das
ondas que ali ressoam, provocando apagamento de alguns formantes”. Quanto às laterais, a
língua provoca o fechamento parcial da boca. Dessa forma, o som sai pelas laterais e também
apagamento das ondas que ressoam na parte fechada pela língua. Por fim, configuram as
vibrantes, cuja simples é conhecida como tap, uma oclusão pida e, muitas vezes, é relaxada a
ponto de não concluir a oclusão, ficando parecida, no espectro, com uma lateral. O fonema /r/,
para Matte, pode ter muitas variantes, por exemplo, o /r/ carioca, gaúcho, mineiro, nordestino,
entre vogais, em final de frase etc.
Matte arrola alguns exemplos de como se comportam acusticamente alguns dos sons da
fala do PB. O /u/ geralmente não mostra o terceiro formante, porque possui pouca energia, como
se a seguir, no espectrograma e na curva de onda de um /u/. Salienta-se, entretanto, que na
grande maioria dos casos de fala, a transição faz com que essas linhas horizontais e paralelas
sejam modificadas na passagem de um som a outro, geralmente afetando boa parte de cada sinal
de fala. As figuras apresentadas a seguir foram produzidas no Praat e são tanto do corpus da
pesquisa, como de gravações feitas com o intuito de gerar ilustrações.
Figura 7: curva de onda de /u/
5
Idem.
36
Figura 8: espectrograma de /u/
O caso da nasal /m/, ocorre apagamento de ondas como principal características. O som
que vem da laringe entra na boca e no nariz (pois o caminho para a narina, geralmente fechado,
está aberto). A boca, geralmente aberta, está fechada nos bios. O som entra na cavidade bucal
e, ao bater no obstáculo lábios retorna, apagando todas as ondas iguais que encontrar pelo
caminho. Esse apagar é gradual: ondas semelhantes têm sua amplitude diminuída também,
embora não sejam totalmente apagadas” (Matte, 2008). Mostra-se a seguir um exemplo de curva
de onda e de espectrograma da nasal /m/:
Figura 9: curva de onda de nasal /m/
37
Figura 10: espectrograma de nasal /m/
Em relação à oclusiva /p/, ocorre um fechamento total seguido de explosão, ou seja, uma
abertura abrupta devido ao aumento de pressão intra-bucal. Essa explosão aparece na curva de
onda como uma "sujeirinha", como se vê a seguir:
Figura 11: curva de onda de oclusiva /p/
O espectrograma pode variar conforme o local de fechamento (/p/ fecha nos lábios, por
exemplo). A explosão do /p/ no espectrograma está marcada com um rculo. Nota-se o espectro
do momento da explosão do /p/, mostrando concentração de energia maior nas frequências mais
baixas. Note que não há formantes, o som da explosão é um ruído.
38
Figura 12: espectrograma de oclusiva /p/
A fricativa seria como uma explosão que dura no tempo: nota-se que as vogais antes e
depois da fricativa facilmente indicam ondas quase periódicas, enquanto na fricativa se um
borrão. A seguir, mostra-se o exemplo de uma fricativa tanto na curva de onda, como no
espectrograma:
Figura 13: curva de onda e espectrograma de fricativa
39
Apresentam-se agora três exemplos de curvas de ondas e em seguida três exemplos de
espectrogramas das sequências /apa/ /asha/ e /ma/.
Figura 14: curva de onda de oclusiva
Figura 15: curva de onda de fricativa
40
Figura 16: curva de onda de nasal
Figura 17: espectrograma de oclusiva
41
Figura 18: espectrograma de fricativa
Figura 19: espectrograma de nasal
As africadas são compostas por uma oclusão e uma fricação. É como se a explosão da
oclusão fosse mantida por algum tempo. Há dois exemplos do português, como em [dia] ou [tia].
Apresenta-se a seguir a curva de onda e o espectrograma de [tia].
42
Figura 20: curva de onda de africada
Figura 21: espectrograma de africada
43
1.4 – A semiótica do discurso e a fonética acústica: possíveis convergências
Ao se retomarem as dicotomias hjelmslevianas conteúdo/expressão e substância/forma,
pode-se dizer que a fonética se ocupa da substância da expressão, enquanto a fonologia
preocupar-se-ia com a forma desse funtivo. Segundo Matte (2002), à sintaxe caberia a forma do
conteúdo, enquanto sua substância não seria objeto da linguística, mas de outras ciências, como a
psicologia ou a antropologia. A semiótica, poderia ocupar-se, assim como a sintaxe, da forma do
conteúdo. No entanto, adota-se a ótica saussuriana/greimasiana, segundo a qual, a linguística
seria um ramo da semiótica, que, por sua vez, debruçar-se-ia sobre todas as formas de signos
(linguísticos ou não) e suas relações. Dessa maneira, assume-se que a semiótica se ocupa tanto da
forma do plano do conteúdo, como da forma do plano da expressão, se se pensar, por exemplo,
no semi-simbolismo, que é a homologação entre plano de conteúdo e plano de expressão.
Diferentemente da fonética tradicional, a acústica não vai se preocupar com a percepção
de um som, mas com a sua produção, o que implica uma diferença em relação à fonética
tradicional. Matte (2002) aponta que o som produzido não necessariamente será o som percebido
devido à percepção de diferentes faixas de frequência, intensidade ou duração de um som.
Segundo essa autora, foi recentemente que a fonética acústica passou a perceber o continuum,
isto é, que entidades abstratas, tais como no Alfabeto Fonético Internacional, não existiam no
elemento acústico, como se propôs. Passou-se então a considerar unidades maiores como a
sílaba
6
. Assim, a fonética acústica desmistifica a ideia de que as unidades abstratas usadas pelos
fonólogos existem na materialidade do som, o que acabaria por talvez promover uma fusão entre
a fonética e a fonologia. Para Matte (2002), tal rompimento dever-se-ia ao fato de se tratar da
substância e da forma do mesmo lado da folha de papel, ou seja, da expressão. A fonologia
trabalha com a ideia de descontínuo, quer dizer, com recortes e abstrações do fluxo sonoro, no
entanto, a autora pondera que a própria ideia de forma é descontínua, assim como havia proposto
L. Hjelmslev, e indaga: “Teria a Fonologia que se fundir com a Fonética? Teria a forma que se
fundir com a substância?” (MATTE, 2002:123).
É possível, no entanto, pensar esse impasse sob outro ângulo. A fonética sempre se
ocupou de discretizar o contínuo, ou seja, recortar o continuum sonoro em unidades
6
Barbosa (2001) apud Matte (2002) argumenta que a vogal e a consoante são essenciais para a identificação
dos segmentos na fala. Assim, um modelo que separe consoantes de vogal é inadequado.
44
compreensíveis a partir de cada língua, cada cultura. Graças a isso, a fonologia pôde se beneficiar
de uma forma inteiramente discretizada. Dessa maneira, nada impede que a forma tenha outra
forma, ou seja, a fronteira que se estabelece no continuum sonoro é arbitrária e faz sentido a
partir da língua que a recorta. Para a autora, então, não se trata de fundir a fonética com a
fonologia, embora essas disciplinas apresentem convergências. Assim, a fonética continuará se
preocupando com a substância, enquanto a fonologia com a forma da expressão.
Segundo Matte (2002), por muito tempo, seccionar o contínuo foi tido como uma atitude
verdadeiramente científica. Atualmente, existe uma parcela da comunidade científica que procura
trabalhar com o todo, o processual. No caso da fonética-acústico-articulatória, os traços
conduziram ao gesto
7
, e na semiótica, um de seus desdobramentos, a semiótica tensiva, prefere
trabalhar a significação como um continuum. Para Matte, “O corte funda o sentido. O sentido do
segmento é um retalhamento do fluxo contínuo” (2002:133). Pode-se pensar, portanto, esse
recorte tanto de um espectrograma e de uma curva de onda, objetos que estariam no domínio da
fonética acústica, como em relação à frase e o texto, este último, no âmbito da semiótica. Tanto
em um caso como em outro, por mais que se segmente, por uma questão analítica, haverá
sentido no continuum sonoro ou no texto como um todo. Para Greimas e Fontanille (1993) apud
Matte (2002), o continuum é pré-condição necessária à instalação do sentido pelo corte.
Em relação à sílaba, a semiótica propõe uma interessante relação entre conteúdo e
expressão. Para Tatit (1997), durante muito tempo, essa disciplina, ao tomar o discurso
(conteúdo) como objeto de análise, retirou de seu escopo a expressão, de modo que se passou por
cima das proposições saussuriana (significante/significado) e hjelmsleviana (função semiótica). O
resgate, por assim dizer, do plano da expressão, tem a ver com as leis rítmicas de silabação: “A
importância da sílaba como categoria abstrata foi introduzida por Saussure, definida e estendida
ao plano de conteúdo por Hjelmslev e generalizada por Zilberberg na qualidade de categoria
universal para a aplicação de todos os domínios semióticos” (TATIT, 1997:19). A afirmação de
Tatit se refere àquilo que se chama de prosodização da semiótica. Para o autor, a silabação
mostra de que maneira o ritmo influencia o tempo cronológico. Dessa forma, em se tratando da
silabação, a abertura sonora aponta para o seu fechamento e vice-versa. Para Saussure, uma
7
Para a fonética tradicional, traços, produzidos pelos articuladores do trato vocal, compõem os sons, como
oral, nasal, bilabial, sonoro, surdo, etc. Segundo Matte (2002), a fonologia articulatória de Browman & Goldstein
questiona o traço como elemento constitutivo da unidade sonora. O argumento é que o traço se trata de um elemento
estático, enquanto a unidade acústica é dinâmica. O gesto passa a ser visto como uma tarefa cuja execução é definida
por um conjunto de gesto dos articuladores.
45
soante será sempre delimitada por uma consoante assim como o contrário. Tal ritmo dará origem
aos conceitos saussurianos de fronteira silábica (demarcações e limites) e ponto vocálico
(segmentações e extensões). Segundo Tatit (1997), quando se amplia a ideia de silabação para o
plano do conteúdo, encontra-se o mesmo ritmo que regula as continuidades e descontinuidades.
Como se viu no item sobre semiótica tensiva, as continuidades se referem às extensões, aos
momentos de desaceleração do discurso, ao passo que, as descontinuidades se referem às
rupturas, às tensões, à aceleração do discurso.
Outra convergência entre as duas disciplinas é em relação ao uso do gesto fonatório feito
pelo sujeito que fala. Matte (2002), ao ampliar os conceitos de Tatit sobre a canção, afirma haver
dois processos na fala: um processo temático e um processo passional. No primeiro caso, faz-se
uso da fala com o objetivo único de informar/comunicar algo. No segundo caso, a expressão
adquire sentido, “podendo mesmo transformar o sentido da mensagem verbal que carrega
consigo” (MATTE, 2002:135). O sujeito que faz uso do gesto fonatório, então é o sujeito de uma
escolha: a fala temática ou a fala passional. Segundo a autora, a fala emotiva é uma fala
intermediária, que modifica o percurso da expressão na voz e impregna semi-simbolicamente o
verbal de conteúdos emocionais.
Essas são algumas possíveis relações entre a semiótica do discurso e a fonética acústica.
Espera-se que, ao fim deste trabalho, possa-se, ainda que de forma modesta, contribuir para com
essa relação, que se acredita ser extremamente profícua. Assim, como aponta o nome do capítulo,
procuraram-se, pois, estabelecer as bases para as análises que serão realizadas nos capítulos
seguintes.
46
Capítulo 2
O Jornal Nacional
“Pode-se dizer que ele é a instituição jornalística central no Brasil de hoje”
(BUCCI apud TRAVANCAS, 2007:11)
47
O presente capítulo apresenta o objeto empírico desta pesquisa: o Jornal Nacional.
Aborda-se ainda o entorno deste objeto: a televisão e o telejornalismo, para então observarem-se
as peculiaridades do noticiário de maior audiência da história da TV brasileira. Em seguida,
mostrar-se-ão as matérias a serem analisadas tanto pela fonética acústica (capítulo 3), como pela
semiótica do discurso (capítulo 4), para, por fim, observar relações entre o conteúdo e a
expressão nas mesmas (capítulo 5).
2.1.1 Uma breve apresentação da televisão
Inicia-se este capítulo com uma citação de Arlindo Machado talvez um pouco longa, mas
seguramente necessária:
Durante muito tempo, os teóricos da comunicação, seguindo (estranhamente) a mesma orientação
dos magnatas da mídia, nos acostumaram a encarar a televisão como um meio popularesco, “de
massa” no pior sentido da palavra, e dessa maneira nos impediram de prestar atenção a um certo
número de experiências poderosas, singulares e fundamentais para definir o estatuto desse meio no
panorama da cultura do final de século. Uma pesquisa séria e exaustiva, entretanto, poderia
proporcionar uma surpresa a todos aqueles que encaram a televisão como um meio “menor”. A
despeito de todos os discursos popularescos e mercadológicos que tentaram e ainda tentam explicá-
la, a televisão acumulou, nestes últimos cinqüenta anos de sua história, um repertório de obras
criativas muito maior do que normalmente se supõe, um repertório suficientemente denso e amplo
para que se possa incluí-la sem esforço entre os fenômenos culturais mais importantes de nosso
tempo. (MACHADO, 2000:15).
Ao se propor estudar o Jornal Nacional, esbarra-se com outros estudos realizados no
campo das ciências da linguagem e da comunicação que abordam a temática da televisão. Como
o próprio Arlindo Machado mencionou, o destino desse meio é, para muitos, o esquecimento ou a
sua não inclusão no rol dos objetos de pesquisa realmente importantes, já que se convencionou
considerar a TV uma coisa menor, comparada a outras formas de expressão, como a literatura ou
o cinema. Portanto, quem diga que seja perda de tempo estudar um meio cuja programação
dependa inteiramente de anunciantes e faça parte da engrenagem do mercado. Este trabalho
choca-se frontalmente com essa visão redutora da televisão e da mídia como um todo. Como se
apontou na introdução deste trabalho, para Roger Silverstone, uma das razões para se estudar a
mídia é a sua onipresença: “Não podemos escapar à mídia. Ela está presente em todos os aspectos
de nossa vida cotidiana” (2002:09). A mídia é fundamental na vida cotidiana, e essa é uma forte
48
razão para estudá-la, acredita o autor. Este trabalho está de acordo com a visão de Silverstone e
acrescenta o fato de que não se pode subestimar a dia e juntamente dela, a televisão, o meio de
comunicação mais presente na cultura e na sociedade brasileiras. Essa é uma razão, talvez a
principal, da escolha de um produto midiático: não subestimá-lo, não julgá-lo desmerecedor de
uma pesquisa.
Para Machado, a televisão permanece ainda como o “mais desconhecido dos sistemas de
expressão de nosso tempo” (2000:16). Evidentemente, esse desconhecimento se deve à ideia de
que a televisão é um serviço, um sistema de difusão ligado às leis de mercado. De acordo com
essa concepção, não interessa o que se veicula nesse meio, mas o sistema político, econômico e
tecnológico que perpassa a produção e a recepção. Numa linguagem semiótica, essas abordagens
se esquecem do texto e debruçam-se apenas sobre os contextos da televisão, ou ainda, usam o
texto como pretexto para analisar apenas o contexto. Tais perspectivas, que se furtam em analisar
o texto televisivo, filiam-se a principalmente duas escolas: a adorniana e a mcluhiana. Para a
primeira
8
, a televisão é necessariamente ruim, enquanto, para a segunda
9
, a televisão é
necessariamente boa. Os argumentos são da mesma natureza: sua estrutura tecnológica e
mercadológica e seu modelo abstrato e genérico. Para Machado (2002), assim como para este
trabalho, a televisão não é boa nem má, a priori. Deve-se pensá-la como um conjunto de
produções audiovisuais que a constituem e não como um meio, ou seja, não se pode generalizá-
la. Os contextos, aos quais fica presa grande parte das análises, têm seu grau de importância, que
não é absoluta, mas relativa ao texto audiovisual em análise.
Estruturalmente a programação televisiva se configura por meio de enunciados televisuais
que possuem em comum apenas o fato de possuírem som e imagem constituídos eletronicamente
e transmitidos também de forma eletrônica. Tais enunciados se articulam em séries sintagmáticas,
com singularidade distintiva, em relação a outras séries sintagmáticas. Machado (2000) chama
essas séries sintagmáticas de programas. Raymond Williams
10
, no lugar do conceito de programa
propõe o termo fluxo televisual, em que os limites entre um programa e outro têm suas fronteiras
8
O ideário da Escola de Frankfurt e, mais especificamente, o pensamento de Adorno em relação à televisão,
para quem esse meio é necessariamente ruim, parecem ter resistido ao tempo. Como aponta Machado, no ano 2000
ainda existem intelectuais que não assistem à televisão, por considerá-la um meio menor.
9
O teórico canadense Herbert Marshall McLuhan (1911-1980) ficou conhecido, sobretudo, pela frase "o meio é
a mensagem", o que apontaria para uma equivalência entre forma e conteúdo na transmissão da informação.
10
Williams (1979) apud Machado (2000:28).
49
atenuadas. De qualquer forma, essas duas ideias se prendem a uma maior que é a noção de
gênero, que, de acordo com o conceito bakhiniano se refere a:
(...) uma força aglutinadora e estabilizadora dentro de uma determinada linguagem, um certo modo
de organizar idéias, meios e recursos expressivos, suficientemente estratificado em uma cultura, de
modo a garantir a comunicabilidade dos produtos e a continuidade dessa forma junto às
comunidades futuras (MACHADO, 2000:68).
Dessa forma, o gênero é aquilo que orienta a linguagem dentro de um determinado meio,
pois é nele que se estabilizam suas tendências expressivas. No entanto, é preciso reconhecer que
o gênero se renova com o tempo. Os gêneros existem em grandes quantidades, alguns aparecem e
outros desaparecem com o tempo. O nero televisivo reality show, por exemplo, passou a
existir no Brasil pouco mais de uma década. Machado (2000) divide os gêneros da seguinte
forma: formas fundadas no diálogo; narrativas seriadas; telejornal; transmissões ao vivo; poesia
televisual; videoclipe e outras formas visuais. Mais adiante, quando tratar-se-á do telejornal como
gênero televisual, voltar-se-á à questão do gênero do discurso, para se compreender as
especificidades do noticiário.
2.1.2 – TV ao vivo
Para Fechine (2008), a televisão é, sobretudo, uma forma de presença, ou seja, o modo
como um sujeito somática ou sensorialmente sente. A presença se constitui pela relação abstrata
de junção (conjunção ou disjunção) que os actantes (sujeito e objeto) estabelecem entre si. Num
nível mais concreto, esses actantes podem ser figurativizados por um sujeito-espectador com um
objeto-mundo, um sujeito-televisão em relação ao objeto-mundo, um sujeito-espectador em
relação ao objeto-televisão e assim sucessivamente. Assim, manter a televisão ligada e
simplesmente fruir aquele fluxo televisual é uma prática que pode ser semiotizada, uma vez que
estar em frente à TV implica uma presença.
Tecnicamente, a transmissão direta é uma operação que permite a produção, a transmissão
e a recepção de um programa de forma simultânea. Tal procedimento é conhecido como “ao
vivo”. Esse tipo de transmissão é um fato técnico, mas o “ao vivo”, ou seja, o efeito de sentido
dessa transmissão, é necessariamente um fato semiótico, aponta Fechine (2008:26). Isso se deve à
50
possibilidade de se criarem “efeitos de ao vivo”, ainda que o programa seja gravado. Geralmente,
à direita no canto superior ou inferior da tela, aparece a marca do “ao vivo”, quando de trata de
uma transmissão direta, justamente para distingui-la das demais. O reconhecimento de uma
transmissão direta se ancora num acordo fiduciário entre os sujeitos envolvidos, a partir do qual
quem transmite quer fazer-crer quem assiste que se trata de uma transmissão direta. Quem
assiste, por sua vez, deve apresentar um crer-verdadeiro, ou seja, acreditar que se trata de uma
transmissão direta, de fato. Salienta-se que, além desse acordo, existe uma vigilância recíproca
dos meios de comunicação em geral que coíbe qualquer falseamento do “ao vivo” na TV.
A autora realiza uma abordagem semiótica das transmissões ao vivo e o faz mais
detidamente em relação ao telejornal. Segundo o ponto de vista de Fechine (2008), a transmissão
direta é uma modalidade que envolve tanto a produção, como a recepção, ou seja, o programa em
si, como aquele a quem se destina o programa ou, empiricamente, o próprio telespectador, que se
intercambia com o sujeito semiótico. Tributária à semiótica das experiências sensíveis
11
, a autora
trabalha com um conceito mais ampliado de texto
12
: “a própria distinção entre texto e contexto
perde a pertinência, porque o que se tenta semiotizar agora são as próprias situações nas quais
determinadas formas se definem como significantes” (FECHINE, 2008:17). Para a autora, não é
possível delimitar o que está dentro e o que está fora do texto televisivo, já que o sentido do que é
transmitido é determinado pelas próprias condições de transmissão. Em outras palavras,
estabelece-se à situação comunicativa um estatuto textual, estatuto esse que incorpora produção e
recepção e, mais ainda, uma situação: “o próprio sentido que emerge desse tipo de situação se
como um objeto de interação” (FECHINE, 2008:87). Dessa forma, a transmissão direta pode ser
considerada um tipo de enunciado que se organiza em ato, que implica necessariamente uma
presença. Esse discurso/texto em situação, segundo a autora,
(...) descreverá, no estudo da transmissão direta, um discurso-enunciado que incorpora à sua
organização interna a própria situação na qual ele está se constituindo como tal; um discurso
enunciado que se faz no próprio momento em que as instâncias de produção e recepção, por meio
das estruturas semióticas que se manifestam neste ato, interagem (FECHINE, 2008:44).
11
Principalmente, a partir trabalhos de E. Landowski, a semiótica das experiências sensíveis se preocupa com
o sentido que emerge da nossa relação com ‘coisas mesmas’, com o próprio mundo enquanto mundo significante”
(FECHINE, 2008:15). A semiótica do sensível se volta ao sentido produzido em ato, de modo que a própria
enunciação ganha valor de enunciado. Em outras palavras, como se a realização de um enunciado torna-se tão
importante como o próprio enunciado.
12
Segundo Fechine (2008), o debate entre semioticistas de inspiração hjelmsleviana e filósofos pragmatistas
em torno da supremacia da imanência ou do contexto está superado. Atualmente, o que se procura é construir uma
problemática que integre linguagem em contexto ou, semioticamente, o discurso em situação.
51
O tempo para a transmissão direta, aponta a autora, “não é apenas o suporte por meio do
qual se veicula um conteúdo” (FECHINE, 2008:63). Essa duração é significativa na medida em
que é através do tempo e no tempo que essa produção produz sentido. Esse tempo em que se
uma transmissão é concomitante à produção e à recepção, ou seja, esse texto em ato é
irreprodutível, pois só tem sentido no momento em que se dá a transmissão. Assim, numa
transmissão direta, o presente se instaura, perpassando tanto a transmissão, como aquilo que é
transmitido: “o tempo do discurso está ancorado no tempo do ‘mundo’; o tempo histórico e
crônico (...) ‘o tempo’ real ganha estatuto de elemento significante” (FECHINE, 2008:66).
Segundo a autora, a partir da terminologia hjelmsleviana, o tempo seria então o que recortaria o
conteúdo, ou seja, sua forma.
Numa transmissão direta, a produção incorpora uma recepção, pois se pressupõe que o
espectador assista à TV num momento determinado, ou seja, no momento em que o programa
que está ao vivo, sendo realizado concomitantemente à sua transmissão. Para a autora, o objeto
semiótico existe quando um espectador concreto assiste, naquele momento, e não em outro, a
um determinado programa que só pode ser considerado como direto justamente porque sua
transmissão se dá naquele momento, e não em outro” (FECHINE, 2008:56). Trata-se, pois, de um
enunciado que se organiza como ato no momento de sua enunciação, ou seja, uma enunciação
propriamente dita
13
.
Para essa autora, a transmissão direta é um recurso eficaz para propor ao espectador uma
experiência de sentir-se em frente ao mundo “real”. A transmissão direta marcou o início da
televisão, uma vez que o havia possibilidade de gravar (métodos de gravação magnética de
audiovisual) e sua marca permaneceu, uma vez que o fluxo televisual se organiza de forma
ininterrupta, tal como uma eterna transmissão direta.
13
Fechine (2008) mostra que a enunciação, ato de realização de um enunciado, manifesta-se de três maneiras.
A primeira delas é a enunciação enunciada, um simulacro de enunciação produzido pelas marcas deixadas no
enunciado. O segundo regime é o do enunciado enunciado, no qual procura-se mascarar as marcas da enunciação,
deixando o texto com maior aspecto de objetividade. O terceiro tipo de enunciação é chamada por Greimas de
enunciação verdadeira ou enunciação propriamente dita: “(...) textos que existem como tal no ato efêmero e
irrepetível no qual m lugar; textos nos quais o que importa é o presente mesmo da sua própria enunciação”
(FECHINE,2008:54).
52
2.1.3 – Telejornalismo, um gênero televisual
Segundo Machado (2000), o telejornal é uns dos gêneros televisuais mais conhecidos e
talvez o mais difícil de abordar. O conceito de gênero a que se refere esse autor é no sentido
bakhiniano (BAKHTIN, 2003), de modo que, antes de se abordar o que vem a ser gênero
telejornalístico, faz-se necessário voltar ao sentido primeiro de gênero, que ilumina a
categorização proposta por Machado (2000).
Para Bakhtin (2003), o uso da linguagem está intrinsecamente relacionado às atividades
humanas. Para esse autor, o emprego da língua se por meio de enunciados concretos, orais e
escritos, que se localizariam no campo da fala (parole) saussuriana: “Esses enunciados refletem
as condições específicas e as finalidades de cada referido campo não só por seu conteúdo
(temático) e pelo estilo da linguagem (...) mas, acima de tudo, por sua construção composicional”
(BAKHTIN, 2003:261). Para o autor russo, tais elementos estariam “indissoluvelmente ligados”.
Os gêneros do discurso, na concepção bakhiniana, seriam os tipos relativamente estáveis de
enunciados (BAKHTIN, 2003:262). O autor salienta que a riqueza e a diversidade dos gêneros do
discurso são inesgotáveis que também são abundantes as possibilidades da atividade humana.
De modo que, uma determinada função, por exemplo, científica, técnica, jornalístico-publicística
etc, e determinadas condições de comunicação discursiva geram diferentes gêneros do discurso.
Cabe salientar que a definição de gênero do discurso contrapõe-se de certo modo à dicotomia
saussuriana língua/fala, pois o enunciado, apesar de estar na esfera da fala, ou seja, a realização
da língua por um sujeito, não é puramente individual. As formas de combinações desses
enunciados dão origem aos gêneros do discurso e, por isso, são de natureza social. Pode-se
afirmar que o telejornal é então um gênero televisual, pois possui uma forma específica de
combinação de enunciados, quer dizer, um arranjo indissolúvel entre um conteúdo temático, um
estilo e uma construção composicional.
Machado (2000) evita uma análise politizante do telejornal ou do jornalismo enquanto
instituição e propõe pensá-lo como um gênero televisual. No entanto, essa abordagem não deixa
de trazer problemas, pois, por mais fechado e pretensamente unívoco que seja um telejornal,
haverá sempre espaço para novas interpretações. Segundo esse autor, o telejornal é, a priori, um
efeito de mediação. Ou seja, os repórteres, apresentadores e o telejornal como um todo se
propõem a mediar, ser porta-voz de eventos, por meio de versões: No telejornal (...) existem
53
mediações; os próprios enunciados de repórteres e protagonistas aparecem como mediações
inevitáveis e como a condição sine qua non do relato telejornalístico” (MACHADO, 2000:102).
A principal diferença entre um jornal impresso e um telejornal é a presença de rios
enunciadores no segundo gênero. No telejornal, qualquer matéria é apresentada por um
apresentador, que, por sua vez, chama o repórter, que entrevistará pelo menos uma pessoa. Além
disso, trata-se de um texto oral, passível de ser recoberto de elementos emotivos. Dessa forma, “o
telejornal é, antes de mais nada, o lugar onde se dão atos de enunciação a respeito de eventos”
(MACHADO, 2000:104). Assim, enunciadores são sujeitos implicados pelos eventos em questão,
daí a importância de se criar um sistema enunciativo, por meio do qual se instala um eu, um aqui
e um agora.
Segundo Fechine (2008), o que define semioticamente o telejornal é o fato de ele se
constituir como um enunciado englobante, que resulta da articulação de um conjunto de outros
enunciados englobados, os quais, apesar de serem autônomos, apresentam uma interdependência,
devido a um nível enunciativo que os engloba. Essas estratégias se definem pela delegação de
voz, quando um apresentador delega voz ao repórter e, nesse momento, ocorrem deslocamentos
espácio-temporais. No entanto, a pretensão do jornalismo é apagar essas marcas que separam o
tempo da cobertura jornalística do tempo do fato coberto, ou seja, criar o efeito de um
estiramento do presente, para que o espectador possa ter a sensação de presenciar o evento no
momento em que ocorre: “Diante da reconhecida impossibilidade de manter equipes de
reportagem em todos os lugares ao mesmo tempo, o primeiro desafio que todo telejornal enfrenta
é o de ‘mascarar’ a sua própria ausência onde os fatos se o” (FECHINE, 2008:186). Dessa
forma, não importa que o repórter fale sobre o fato antes ou depois do seu acontecimento. Esse
falar no momento em que o telejornal é levado ao ar já é suficiente para que se produza um efeito
de envolvimento com o conteúdo reportado. O telejornal desempenharia, por assim dizer, uma
ponte espácio-temporal entre TV e mundo “real”.
A manifestação mais importante da organização de seus enunciados é a transmissão ao
vivo, ou seja, no momento em que o acontecimento está se fazendo, segundo Fechine (2008).
Nesse momento, constrói-se uma temporalidade na TV que se descola da temporalidade do
mundo, quando o espectador passa a vivenciar a transmissão do fato como sendo o próprio fato.
O sentido da transmissão direta nos telejornais reside no seu caráter de inesperado e,
54
paradoxalmente, na espera desse inesperado. O ato de manter jornalistas no local do
acontecimento instaura esse sentido de expectativa.
O telejornal é uma representação do que acontece no mundo. Essa representação se refere
unicamente aos acontecimentos, no sentido jornalístico, ou seja, o que “emergindo da superfície
supostamente lisa da vida, irrompe como singularidade” (CHRYSTUS, 2007: 143). Tais
acontecimentos são transformados em relatos jornalísticos, ou seja, são revestidos do que se
chama de linguagem jornalística. Machado (2000) aponta que um telejornal pode ser visto como
uma desmontagem de discursos a respeito de acontecimentos. Colam-se textos de forma
sintagmática, mas essa sequência não chega a constituir uma unidade: ou seja, esses emaranhados
de enunciados podem, no máximo, construir uma ideia não acabada desses acontecimentos.
Assim, o telejornalismo não se preocupa com “a verdade”, mas com as variadas versões sobre o
mesmo fato.
Para Rezende (2000), cinco formatos praticados no telejornalismo: a nota, a notícia, a
reportagem, a entrevista e os indicadores. A primeira se refere a um relato mais sintético e
objetivo de um fato, sem ou com imagens o que a torna uma nota coberta, ou seja, com a
sobreposição de uma locução. A notícia, por sua vez, é um relato mais completo que a nota;
combina a apresentação ao vivo do repórter e a narração em off coberta por imagens. A
reportagem é uma matéria jornalística com relato ampliado de um acontecimento, mostrando suas
causas, correlações e repercussões, relativa aos acontecimentos do dia-a-dia, ou referente a
assuntos de interesse permanente. A entrevista corresponde ao diálogo em que o jornalista
mantém com o entrevistado pelo sistema de perguntas e respostas, com o objetivo de extrair
informações, ideias e opiniões a respeito de fatos, questões de interesse público e/ou aspectos da
vida pessoal do entrevistado. Os indicadores são matérias que se baseiam em dados objetivos e
que indicam tendências ou resultados de natureza diversa, de utilidade para o telespectador em
eventuais tomadas de decisão, com um sentido de jornalismo de serviço.
Para o mesmo autor, integram o gênero opinativo, no telejornalismo, três formatos:
editorial (texto lido geralmente pelo apresentador, que expressa a opinião da emissora sobre uma
determinada questão); comentário (matéria jornalística em que um jornalista especializado faz
uma análise, uma interpretação de fatos do cotidiano); crônica (mesmo remetendo a um assunto
da atualidade, desenvolve-se num estilo mais livre, no limite entre a informação jornalística e a
produção literária, contando com recursos expressivos além da palavra, como imagens e música).
55
Machado (2000) classifica os telejornais em polifônicos e centralizados-opinativos. O
Jornal Nacional enquadrar-se-ia no primeiro modelo, ao passo que, um telejornal com um âncora
que emite explicitamente opiniões, como o apresentado por Bóris Casoy estaria relacionado ao
segundo tipo. No caso do telejornal polifônico, as opiniões, ou as distintas vozes, estariam
diluídas, de modo que o apresentador seria um condutor das notícias. No caso do telejornal
opinativo, o objetivo é o contrário: abre-se mão do efeito de objetividade, muitas vezes, em razão
de que o efeito de subjetividade também pode ter um valor eufórico no jornalismo. É
desnecessário apontar que a questão da neutralidade ou objetividade jornalística não passa de
efeitos de sentido construídos no e pelo discurso, coisa que para a semiótica é ponto pacífico.
O que se pode dizer é que essa pluralidade de vozes no discurso jornalístico gera efeito de devir,
não se trata, pois, de um sentido acabado.
O maior objetivo do telejornal é atingir um vasto público: milhões de telespectadores dos
mais diversos estratos sociais, níveis de escolaridade, repertórios de vida etc.: “Espécie de utopia
midiática, o telejornal persegue uma espécie de linguagem ‘branca’, isto é, sem marcas autorais,
semelhante ao sonho borgeano de um conto passível de ser lido em qualquer língua, em qualquer
tempo” (CHRYSTUS, 2007:143). Para atingir essa meta, o telejornal cultiva o que se chama de
balance, ou seja, as matérias conhecidas como hard news (política, economia) e aquelas que
supostamente causariam um efeito de relaxamento em quem assiste. Geralmente essas últimas
são veiculadas ao final do telejornal: após o caos, a bonança.
Diniz (2006), no âmbito da semiótica tensiva, cujos fundamentos foram mostrados no
capítulo 1, afirma que o fluxo televisual contínuo é interrompido pelo telejornal, que carrega
consigo uma promessa de informação. Assim, o telejornal e, por sua vez, cada notícia, instaura
uma descontinuidade. Para a autora: “O TJ [telejornal] é sempre um espetáculo intenso, usa e
abusa da intensidade, mas sabe dosar a extensidade” (DINIZ, 2006:05). Essa intensidade
decorreria do corte temporal realizado pela edição do telejornal, que condensa, em poucos
minutos, horas, dias etc. nos quais se desenrolaram os acontecimentos. Dessa maneira, romper-
se-ia com a extensidade e se instaurar-se-ia uma descontinuidade pelo telejornal. Outras
considerações sobre a semiótica tensiva e a análise das matérias do Jornal Nacional ancoradas
nessa disciplina poderão ser vistas no capítulo 4 deste trabalho. Pretendeu-se aqui apenas dar um
panorama geral do telejornal como um gênero de discurso da TV. Uma vez localizado esse
56
produto midiático e onde ocorre sua veiculação, a televisão, apresenta-se agora o objeto deste
estudo.
2.2.1 – O Jornal Nacional
De acordo com Eugênio Bucci, no prefácio de Travancas (2007), é pouco dizer que o
Jornal Nacional seja o maior e o melhor telejornal realizado no Brasil. Trata-se do programa
jornalístico mais influente do Brasil. O autor destaca que, além da manutenção da audiência de 30
milhões de telespectadores todas as noites, a qualidade do JN também mudou para melhor:
20 anos, ou até o início dos anos de 1990, ele era sinônimo de fraude e empulhação. Podia ter
mais audiência, mas não tinha esse atributo fundamental do jornalismo, que é a credibilidade. o
era respeitado em termos de fidelidade aos fatos, ao menos junto aos públicos mais informados.
(2007:10)
O ano de 2006, para Bucci, marcou o JN como o momento em que esse telejornal, após
mudanças de ordem “plásticas e estruturais”, passou a desfrutar de uma credibilidade jamais
antes obtida. A cobertura das eleições de 2002 foi mais equilibrada que as anteriores e a cobertura
do governo Lula, que teve início no ano seguinte apresentou o mesmo tom. Para Bucci, “o
noticiário se livrou da subserviência solícita ante o Executivo federal” (2007:10). Segundo esse
autor, não se podem ignorar os méritos do JN: é bom, bem-feito e não é dado a sensacionalismos:
“Ou se admite isso, com todas as letras, ou se abandonam as condições de criticá-lo com
maturidade e honestidade intelectual” (2007:11). Para este trabalho, evitam-se quaisquer
simplificações no sentido de repetir o discurso da Teoria Crítica, extremamente enraizado no
senso comum, segundo a qual a mídia e, por extensão, a Globo ou o JN sejam “vilões
manipuladores”. Embora não seja o foco aqui, salienta-se que, hoje em dia, a epistemologia da
comunicação já abandonou a noção de que os meios de comunicação cumpririam o papel de uma
agulha hipodérmica, por meio da qual se injetariam conteúdos em sujeitos passivos. Percebe-se
hoje a comunicação como um processo complexo e circular, e várias são as formas de
codificação e decodificação, como aponta Stuart Hall (2003). Assim, admite-se que o efeito dos
meios de comunicação são bem mais difusos e sutis do que se supunha.
A suma importância do JN no Brasil se deve principalmente ao fato de a televisão ter um
alcance infinitamente maior que quaisquer práticas de leitura. Segundo Travancas (2007), não
existe hábito de leitura na população brasileira e isso contribui para com a maior presença da
57
televisão. Assim, para essa autora, “quanto mais pobre e com mais baixa alfabetização, maior o
peso da televisão” (2007:58). Ressalta-se a importância das TV e do JN também em meios de
maior letramento
14
. Presente cinco décadas no Brasil, a televisão muito deixou de ser um
veículo elitista, assim como a maioria dos programas veiculados por esse meio. Os telejornais,
assim como apontou Chrystus (2007), têm o objetivo de atingir a todos e em todos os cantos do
país. Com esse propósito nasce o JN, com o diferencial de unir esse país de ponta a ponta.
2.2.2 – O histórico do JN
No dia 1º de setembro de 1969, estreou o primeiro telejornal transmitido em rede nacional
no Brasil, o programa de maior audiência da história da televisão brasileira: o Jornal Nacional.
Gerado no Rio de Janeiro, sede da TV Globo, o JN era retransmitido para suas emissoras em
vários pontos do país, por meio de um sistema no qual a Embratel associava a emissão de micro-
ondas e por satélite.
O Jornal Nacional foi criado por uma equipe comandada pelo jornalista Armando
Nogueira e foi o primeiro a apresentar reportagens em cores e a mostrar imagens via satélite de
acontecimentos internacionais, no mesmo momento em que ocorriam. Segundo Paternostro
(1999), o estilo de linguagem, a narrativa e a figura de repórter de vídeo vinham dos telejornais
norte-americanos. Um dos grandes diferenciais trazidos pelo JN foi o fato de trazer matérias
testemunhais, com a fala dos entrevistados. De acordo com Armando Nogueira, “O que
caracterizava nosso jornal era o som direto. O Repórter Esso
15
não tinha som direto porque saía
embalado da redação do Jornal do Brasil, onde funcionava a [agência de notícias] United Press,
distribuidora do noticiário” (apud ORGANIZAÇÕES GLOBO, 2004:34).
14
Um exemplo disso foi a "Pesquisa CDN - Credibilidade da Mídia", realizada entre maio e julho de 2008,
que comparou dados de 2003 e 2005 para identificar a importância e a credibilidade atribuídas por executivos (91%
deles concluíram a graduação e a pós-graduação) aos diferentes tipos de mídia, o peso de cada um deles na formação
de opinião, os hábitos de leitura, o impacto e a repercussão de notícias positivas e negativas, e a avaliação da notícia
em relação à publicidade. O estudo percebeu que os jornais impressos e a televisão continuam sendo, em relação a
2005, os meios de comunicação com maior penetração entre o público entrevistado, apesar do crescimento de 30%
dos sites de Internet e das revistas nesses três anos. Em relação às emissoras de TV, o estudo mostrou que os
programas das Organizações Globo são os preferidos do público pesquisado: o Jornal Nacional foi o preferido entre
72% dos entrevistados. Fonte: Portal Imprensa, acesso 18/10/2008.
15
Telejornal da TV Tupi SP e RJ. Esteve no ar entre os anos de 1953 a 1970. “Nos primeiros tempos da TV
brasileira, como os anunciantes compravam os espaços, os programas recebiam o nome do seu patrocinador, como
é o caso desse telejornal” (PATERNOSTRO, 1999:35).
58
Desde sua criação, o Jornal Nacional, pelo fato de ser o primeiro noticiário transmitido
em rede nacional, se apresentava como o “telejornal da nação brasileira”. Segundo as
Organizações Globo (2004), um dos indícios de tal afirmação era o slogan utilizado pelo JN: “A
notícia unindo seis milhões de brasileiros”. Explica-se que esses seis milhões correspondiam às
pessoas que tinham acesso e/ou possuíam um televisor que lhes permitisse assistir ao Jornal
Nacional. O segundo slogan, também fazendo a linha do primeiro, era: “Três anos de liderança
integrando o Brasil através da notícia”. Percebe-se que esse telejornal, mais que a função de
narrar fatos, caracteriza-se como um fator de aglutinação da nação brasileira e, de certo modo,
acaba virando um legitimador dessa ideia. Essa vocação nacionalista é reforçada, segundo
Chrystus (2007), principalmente por algumas séries de reportagens como Brasil Bonito e
Identidade Brasil. Como aponta a autora: “Através de suas narrativas carregadas de emoção, o
JN, hoje, é um dos principais senão o principal forjador da representação do que se imagina
ser a nação brasileira contemporânea” (CHRYSTUS, 2007:155).
O JN empenhou-se na criação do conceito de uma notícia com dimensão nacional, até
mesmo por uma questão do próprio formato da mídia, quer dizer, pelo fato de ser transmitido em
rede nacional. “As matérias deveriam ser de interesse geral e não regionais ou particularistas. Os
assuntos tinham que chamar atenção tanto do telespectador de Manaus quanto de Porto Alegre”
(ORGANIZAÇÕES GLOBO, 2004:39).
No que se refere ao contexto histórico da época, o Jornal Nacional nasceu sob o signo da
ditadura militar, implantada no Brasil pelo Golpe de 64. E, com a decretação do Ato Institucional
nº5, em 1968, o JN nasceu marcado pela censura. Na estreia, a notícia de derrame do
presidente Costa e Silva teve que ser negociada, que era objetivo dos militares esconderem
esse fato. A despeito da censura, “(...) a Globo atingiu seu objetivo de tornar-se um modelo para
o telejornalismo brasileiro mais que isso, tornou-se o modelo único no país (...) de linguagem
completamente diversa” (CHRYSTUS, 2002:75).
É importante também salientar que a criação de um telejornal de caráter nacional era
desejável pelos militares então no poder. O desenvolvimento de grandes feitos nacionais, como a
criação das estatais ou a rodovia Transamazônica, datam desta época e um jornal que unisse
simbolicamente um país, povoado nas regiões Sudeste, Sul e litorânea, mas parcamente habitado
nas regiões Norte e Centro-Oeste, era de interesse daqueles que queriam construir a imagem de
59
um “grande país”. Portanto, se o Jornal Nacional nasceu sob a égide da censura, ele não deixa de
ser um projeto apoiado pelos militares.
2.2.3 – JN, telejornal referência
O Jornal Nacional se confunde, muitas vezes, com o próprio telejornalismo e, ao mesmo
tempo, distingue-se dos outros telejornais. Para Gomes (2005), o JN é um telejornal referência.
Essa diferenciação em relação aos demais telejornais remonta ao conceito que essa autora chama
de modo de endereçamento, ou seja, a forma como “o programa se relaciona com sua audiência a
partir da construção de um estilo, que o identifica e que o diferencia dos demais” (GOMES,
2005:02). É, portanto, sobre a construção do estilo do Jornal Nacional da relação que ele
estabelece com a audiência que se refere o conceito de Gomes. Segundo essa autora, o JN possui
todas as marcas que caracterizam um telejornal: a temática, o formato, o cenário, os
apresentadores. “Tudo contribui para a identificação do programa com o gênero
[telejornalístico]” (GOMES, 2005:06).
O noticiário tem início com a apresentação do patrocinador e os apresentadores, em
seguida, são anunciadas as principais manchetes. Tudo é feito de forma ágil, para chamar a
atenção do telespectador. “Eles [os apresentadores] miram a tela de forma fixa e nos convocam:
veja agora, no Jornal Nacional”. Para a autora, “o texto evidencia uma estratégia de
‘aproximação’ com o leitor(GOMES, 2005:06). Rezende (2000) afirma que o JN mantém a
mesma estrutura desde sua criação. Depois da escalada, o noticiário se desenvolve em blocos, que
são separados por passagem de bloco, até os créditos finais, no encerramento. O tempo médio
situa-se em torno de 1346 segundos. Segundo Gomes (2005), “a estrutura do JN é impecável:
chamada, matéria no clássico formato off passagem sonoras e nota (muito presente no
jornal)” (2005:09).
Os dois apresentadores ocupam uma bancada prateada, em um cenário cuja cor
predominante é o azul. Eles apresentam o JN acima da redação, o que é emblemático, pois eles
estão “acima da produção da notícia”. Ao fundo nota-se um mapa-múndi em um globo azulado.
A tecnologia é de ponta e é muito frequente a utilização do efeito chromakey, por meio do qual,
imagens são projetadas atrás dos apresentadores.
60
Para Gomes (2005), a notícia do Jornal Nacional se constrói de forma imparcial. “Uma
das formas mais visíveis da construção da credibilidade no JN é através da elaboração, retórica,
dos ‘dois lados da notícia’” (GOMES, 2005:07). Chrystus corrobora a posição de Gomes (2005)
afirmando: “Fiel ao seu estilo ‘imparcial’, a notícia se constrói mostrando os chamados ‘dois
lados’ da situação. Qualquer que seja o tema ou a reportagem, sempre haverá dois lados, num
evidente dualismo: nem um, nem três, nem cinco – sempre dois lados da questão” (2007:182). No
Jornal Nacional não emissão explícita de opiniões por parte dos apresentadores, e isso se
caracteriza como um fator de construção de imparcialidade. Gomes (2005) ainda ressalta a
constante presença de especialistas e da sustentação por números, dados estatísticos e gráficos, o
que evidencia um caráter didático do noticiário.
Além disso, esse telejornal valoriza sua cobertura, dando destaque ao trabalho de
repórteres espalhados pelo Brasil e pelo mundo. Isso se relaciona à construção do estilo
inconfundível de ser do JN que é, para Gomes (2005), a capacidade de “estar lá”, possível
graças ao poderio econômico e tecnológico da Central Globo de Jornalismo. Essa ideia de
onipresença do JN é construída por meio das entradas ao vivo dos repórteres, que causa o efeito
de credibilidade da notícia. Esse efeito de presença, graças ao “ao vivo”, pode ser entendido, de
acordo com Fechine (2008), como um aqui e um agora instaurados por um tipo de enunciado, o
texto em ato. Esse enunciado específico, devido à sua forma de enunciação produz um efeito de
correspondência entre o espaço e o tempo da TV e do “mundo”. Graças às entradas ao vivo de
repórteres, cria-se um efeito de que, o JN estando onde acontecem, aconteceram ou acontecerão
os fatos de relevância jornalística, ao telespectador é proporcionado um contato com o mundo
“real”. Assim, para a autora, essa dimensão espácio-temporal criada pelo “ao vivo” não é nem
interna (de ordem semântica) nem externa (de ordem pragmática) ao discurso: é vivida no ato de
uma prática discursiva.
Segundo Gomes (2005), “o principal pacto estabelecido com a audiência é em relação ao
recorte dos fatos mais ‘importantes’ do cotidiano do país (o país privilegiado pelo noticiário)”
(2005:08). Ou seja, é estabelecido um contrato fiduciário
16
entre JN e audiência baseado na
16
No âmbito da teoria do jornalismo, Guerra (1998) pontua que é sobre o contrato fiduciário que se baseia o
jornalismo, ou seja, jornalistas e público mantêm uma confiança mútua de que a notícia se trata de realidade e não
de ficção. De acordo com Matte (2002), na perspectiva da teoria semiótica francesa, o contrato fiduciário é
realizado pela relação ser/parecer. Essa relação, desse modo, funda-se da confiança e no crer e se realiza como um
sintagma intersubjetivo composto de três fazeres: o fazer veridictório, epistêmico e fiduciário. O primeiro consiste
na inscrição de marcas mediante as quais se produz um efeito de verdadeiro/falso/mentiroso/secreto. O segundo
61
crença de que o recorte que esse noticiário faz equivalha aos fatos mais importantes e o que mais
tem relevância para a vida dos brasileiros. Outro fator de fidúcia entre JN e audiência é o papel de
organizador do mundo, de acordo com Gomes (2005). Esse noticiário se apresenta como um
organizador do fluxo caótico de notícias e dá sentido aos fatos. A autora ainda salienta o papel do
JN de alimentar a “conversação social”: “Um pouco de política, de economia, esportes,
internacional, apenas o essencial de cada uma das editorias é suficiente para repor o estoque de
informação para a conversa do próximo dia” (GOMES, 2005:08).
O Jornal Nacional organiza as notícias sempre do mais forte para o mais leve. Para
Gomes (2005), essa tendência é perceptível tanto em relação a todo o noticiário quanto em
relação a cada bloco. A ordem de apresentação das notícias mostra-se da seguinte maneira:
Segurança/Polícia, Economia, Política Nacional, Internacional, Serviços (previsão do tempo,
cotações da bolsa e das moedas), Esporte e Social. Há ainda matérias o fixas sobre Ciência e
reportagens especiais, sobre temas diversos, geralmente temas sociais pertencentes às séries de
reportagem Brasil Bonito e Identidade Brasil, o que Chrystus (2002) chama de matérias
edificantes do Jornal Nacional. Nota-se que, após o telespectador ser bombardeado por notícias
pesadas, ele, ao final do noticiário, tem a impressão de um final feliz”. Esse efeito de sentido é
construído pela organização das editorias do Jornal Nacional.
Gomes (2005) aponta o caráter fortemente conservador do JN: “é bastante conhecida a
proximidade do Jornal Nacional e da própria Rede Globo com todos os governos” (Gomes,
2005:09). Os mediadores (apresentadores, repórteres e comentaristas) são a “cara” do telejornal.
De acordo com essa autora, o JN empresta aos apresentadores “uma identidade forte, porém
temporária”. Eles “representam e traduzem todo o sentido de tradição e conservadorismo do
telejornal” (GOMES, 2005:10). Por 27 anos, Cid Moreira e Sérgio Chapelin ocuparam a bancada,
dando lugar, posteriormente, a William Bonner e a Lilian Witte Fibe, que inauguraram uma
mudança de conceito de jornalismo: “(...) os apresentadores, antes meros veículos, passaram a
tomar para si o posto de ‘âncoras’ e a responder, também, pela editoria dos jornais” (Gomes,
2005:10). Sai Witte Fibe e entra em seu lugar Fátima Bernardes, formando com o marido Bonner
o “casal celebridade do jornalismo brasileiro” (PORTO apud GOMES, 2005:10):
consiste no fazer interpretativo do sujeito, a partir de sua cultura, seus valores. O fazer fiduciário, por sua vez, o
sujeito confia ou espera mais do que o fazer epistêmico permite, ou seja, ele se deixa conduzir por uma atitude
passional, um estado de alma, que toma o parecer como sendo ser.
62
O exemplo de casal feliz, bonito e bem-sucedido é uma peça fundamental na composição do
território limpo, discreto, quase asséptico do programa. Durante todo o jornal, Fátima e Bonner
permanecem sentados em suas bancadas, quase não gesticulam e nem falam entre si. O casal não
‘chama a atenção’, porque ali o espaço de protagonista parece ser reservado apenas para a ‘notícia’
(GOMES, 2005:10).
Para Chrystus (2007), pode-se dizer que o Jornal Nacional organiza-se em torno de dois
eixos principais. O primeiro visa a fidelizar a audiência e atrair cada vez mais público. O segundo
eixo se relaciona à valorização da identidade nacional. Não é à toa que esse telejornal carrega em
seu nome a palavra nacional, adjetivo que corresponde à locução da nação. Para Chrystus,
“Através de suas narrativas carregadas de emoção, o JN, hoje, é um dos principais se não o
principal forjador da representação do que se imagina ser a nação brasileira contemporânea”
(2007:155). A construção da imagem de nação é, segundo ela, um dos compromissos editoriais
do JN. Essa imagem é sempre estereotipada
17
, o que não significa ser falsa, mas certamente
redutora. Reproduz-se a imagem de um povo bom, e que a cultura brasileira, apesar de sua
diversidade, repousa na unidade (CHRYSTUS, 2007:199).
Fiorin (2005) sustenta que, em relação à cultura brasileira, exclusão mesmo no seio da
mistura. O autor, baseando-se na teoria de I. Lotman, afirma haver duas condutas na semiosfera –
o domínio que permite que uma cultura se defina e se situe para poder dialogar com outras
culturas. A primeira conduta age pelo princípio de exclusão e a outra pelo da mescla. Segundo
Fiorin, a cultura brasileira age sob o princípio da mescla, haja vista a exaltação da miscigenação
de raças e culturas no País. No entanto, ele aponta que, mesmo dentro da mescla, existe o
processo da exclusão, uma vez que, nem todo e qualquer elemento é desejável dentro de uma
composição: Obsérvese por qué es necesario establecer una diferencia entre culturas de la
mezcla y de la selección. Porque la cultura de la mezcla también establece fronteras y
demarcaciones” (FIORIN, 2005: s/n).
O autor cita como exemplo o mito formador da nação brasileira: a história de Peri e Ceci,
personagens que, no romance O Guarani, de José de Alencar, povoam a nova nação sob o
princípio da miscigenação o branco e o índio idealizado. Nota-se que essa mescla não se dá
pelo princípio da participação total, uma vez que exclui o contingente de pessoas negras
17
Em relação ao estereótipo, Bhabha apud Chrystus afirma que “O estereótipo não é uma simplificação
porque é uma falsa representação de uma dada realidade. É uma simplificação porque é uma forma presa, fixa, de
representação que, ao negar o jogo da diferença (que a negação através do Outro permite), constitui um problema
para a representação do sujeito em significações de relações psíquicas e sociais” (20:2007).
63
habitantes do Brasil à época. Para Fiorin (2006), em relação à cultura brasileira, exaltou-se de tal
modo a mescla que se passou a considerar inexistentes as camadas reais da semiose onde opera o
princípio da exclusão. Para Chrystus (2007), o JN é um dos principais, senão o maior elemento
que reverbera essa ideia de nação. Não se pode esquecer que esse construto de nação, ainda que
crie um efeito de diversidade, opera sobre a lógica da exclusão, por meio de imagens
estereotipadas. Segundo a autora, no entanto, nenhum estereótipo surtiria efeito, caso não
houvesse um pacto discursivo, um acordo fiduciário, entre o telejornal e sua audiência.
Como se disse, a forma como as matérias são dispostas cria um efeito que vai do pesado
para o leve, do intenso para o extenso. Ao final de cada edição, o telespectador vai para a cama
relaxado. Travancas (2007) aponta que na pesquisa realizada sobre a recepção do JN, a maioria
dos entrevistados disse perceber esse telejornal como entretenimento. Para Chrystus, esse efeito
de agradável do Jornal Nacional se deve a um pacto discursivo que remonta ao caráter romântico
do pacto discursivo do século 19, de traços folhetinescos: “aventuras amorosas, peripécias,
desencontros e reencontros: tudo embalado numa linguagem acessível, coloquial para a época,
com traços de brasilidade” (2007:207).
Para a autora, imagens da nação romântica de José de
Alencar pouco ou nada se diferenciam da imagem de nação construída pelo JN. Chrystus (2007)
afirma que o JN atualiza e rearticula o pacto romântico com o público, principalmente pelo
aspecto de folhetim, resultando em uma linguagem confortável e acessível aos mais diversos
públicos: “o telejornal se encarrega de organizar essa sensação de vertigem, conferindo uma certa
ordem e assegurando certezas de caráter positivo” (CHRYSTUS, 2007:209). Em entrevista a
Travancas (2007), William Bonner, apresentador e editor-chefe do JN, afirma que o telespectador
pode não saber o que vai ver na próxima edição, mas certamente sabe o que não vai ver: sangue.
Essa “limpeza” corrobora o efeito tranquilizador, agradável do telejornal.
Afirmou-se que um telejornal preocupa-se com o fato jornalístico, daquilo que se descola
de uma linearidade extensa. Esses fatos, no entanto se desenrolam no cotidiano, que, para
Blanchot apud Chrystus (2007), tem o traço essencial de não se deixar apanhar: “Enfim, o
cotidiano escapa. O que o significa abandonar a empreitada de persegui-lo, compreendê-lo”
(CRYSTUS, 2007:228).
É nesse cenário que se entrecruzam “os destroços ideia de nação” pela
barbárie apresentada diariamente na sessão das hard news, com as imagens de um Brasil bonito,
de um projeto de nação una. A autora poeticamente conclui sua tese sobre as imagens da nação
desde o romantismo até o pacto discursivo telejornalístico da seguinte forma:
64
Na verdade, todo esse aspecto edificante do “nosso povo maravilhoso” está contornado/corroído
pelo mundo dos acontecimentos diários, que aparentemente degradam e provocam a queda daquela
origem tão bela, tão pura “como a luz sem sombra da primeira manhã” (Foucault, 2005, p. 18). Um
projeto certamente da ordem do impossível mas projetos impossíveis não são menos perseguidos
que outros, ao contrário. Há, então, que se contentar provisoriamente com essa verdade mediana
oferecida pelo jornalismo, com esses rastros de verdade? Talvez. (2007:228).
Assim, o telejornalismo e, especificamente o JN, na impossibilidade de apreender o
cotidiano em sua totalidade, oferece aos seus espectadores rastros de verdade, vestígios do mundo
“real”.
2.2.4 – Padronização das pronúncias
Segundo Medeiros, “Há uma tendência generalizada entre os repórteres de emissoras
distantes do eixo Rio-São Paulo de modificarem a forma de falar cotidiana, no momento em que
pegam o microfone e se posicionam diante de uma câmera de TV” (2006:13). A hipótese da
autora é corroborada por um projeto explícito da Rede Globo, que foi o da padronização das
pronúncias de repórteres do maior telejornal da TV, iniciado da década de 70/80.
O ano de 1983 marcou a divisão do jornalismo da Rede Globo em dois setores:
comunitário e de rede. A separação entre o jornalismo que era produzido localmente e o que era
produzido para ser veiculado em cadeia nacional se baseou no fato de que a cobertura local tem
pouco a ver com a cobertura nacional. Nessa época, foram criados os telejornais locais RJTV,
SPTV, MGTV, NETV e DFTV, além do Globo Cidade. De acordo com as Organizações Globo
(2004), com a divisão entre jornalismo local e nacional, a capacitação e o aperfeiçoamento dos
jornalistas passaram a ganhar importância. Profissionais de todas as praças passavam por um
treinamento na sede da emissora, no Rio de Janeiro. Nessa época, a Central de Afiliadas à Rede
Globo criou o Prodetaf (Projeto de Desenvolvimento do Telejornalismo das Afiliadas), que
objetivava “minimizar as distorções entre diferentes regiões do Brasil e criar um padrão de
qualidade no telejornalismo de todas as emissoras da Rede Globo” (ORGANIZAÇÕES GLOBO,
2004:123).
A fala também entrou no pacote do “padrão Globo”, de modo que, a partir de 1974, a
fonoaudióloga Glória Beuttenmüller passou a desenvolver um trabalho de uniformização da fala
de repórteres e apresentadores. Beuttenmüller pretendia amenizar os sotaques regionais. Houve a
65
definição de um padrão nacional, estabelecido de acordo com um congresso de filologia realizado
em Salvador, em 1956, “no qual ficou acertado que a pronúncia-padrão do português falado no
Brasil seria a do Rio de Janeiro, com algumas restrições. Os esses’ não poderiam ser muito
sibilantes e os ‘erres’ não poderiam ser muito arranhados, guturais” (ORGANIZAÇÕES
GLOBO, 2004:123). Houve então um projeto explícito de padronizar as pronúncias do Brasil em
uma que seria a padrão: a do Rio de Janeiro, com as exceções citadas acima. Tal projeto
pretendeu dar uma unidade ao falar do telejornalismo da TV Globo. Essa padronização do falar
está dentro de um projeto maior, que é a implementação do padrão Globo de Telejornalismo.
Em função de um padrão Global de qualidade e de uma suposta maior
compreensibilidade, Beuttenmüller criou o falar-padrão da Rede Globo: um falar que não
pertence, de fato, a nenhuma cidade do Brasil. Poder-se-ia denominar o falar do Jornal Nacional,
o falar da “Via Dutra”, do eixo Rio-São Paulo. Ou seja, um falar cujas características estão
compreendidas entre os falares das cidades Rio de Janeiro (padrão estabelecido) e São Paulo
(ausência de “esses” sibilantes, chiados, e de “erres” guturais). Em relação à compreensibilidade,
Beuttenmüller afirma: “Meu trabalho na Rede Globo (...) criou um padrão, embora muitos
critiquem esse trabalho, alegando que todos falam igual na emissora. (...). Não anulei a pronúncia
regional. Apenas tentei suavizá-la para haver maior compreensão nacional do noticiário” (apud
ORGANIZAÇÕES GLOBO, 2004:123). Se houve anulação completa da pronúncia regional, isso
caberia a um trabalho no âmbito da fonética, tema do capítulo 3.
Ainda que a pronúncia regional sobreviva ao falar-padrão do Jornal Nacional, a
imposição desse padrão baseia-se, também, no argumento da compreensibilidade, quer dizer,
atingir o maior número de pessoas possível. Porém, por que razão o falar do JN, portanto o falar
com características da Região Sudeste, seria mais compreensível que o falar de outras regiões? O
que faz com que o sotaque da região Sudeste seja compreensível, por essa perspectiva, e, em
oposição, que o sotaque de outras regiões do Brasil não o seja? Percebe-se que o argumento da
compreensibilidade não se aplica de fato, pois está mais ligado a questões ideológicas que
linguísticas, quer dizer, adota-se o falar da região Sudeste
18
pelo fato de ser mais prestigioso
19
, já
que não se pode partilhar a ideia de sotaques mais ou menos compreensíveis sob o ponto de vista
18
Deve-se ter claro que a adoção de um falar-padrão não implica ausência de sotaque desse falar. Este falar-
padrão possui sotaque, já que sotaque são marcas de procedência do falante. Se se trata de um falar do eixo Rio-São
Paulo, não se trata da inexistência de um sotaque, mas, do sotaque do eixo Rio-São Paulo.
19
Sobre o caráter ideológico do falar do Jornal Nacional, veja-se Mendes (2006).
66
linguístico. Assumir tal postura seria o mesmo que dizer que existem línguas ou variantes
linguísticas superiores ou mais corretas que outras.
2.2.5 – O peso da palavra
Para Fechine (2008), na televisão, a voz, é o elemento sonoro hegemônico. De acordo
com a autora, pode-se associar à voz uma experiência pessoal fundada no sentimento de contato
que a própria voz inspira. Esses sentimentos se relacionam com o próprio caráter pessoal da voz,
uma marca de personalidade e até mesmo da corporeidade do repórter ou apresentador de
telejornal. A voz, dessa maneira, passa a compor o ethos do comunicador, ou seja, a imagem que
o enunciatário fadaquele enunciador. A voz, ainda, aponta essa autora, constitui também uma
forma de presença que “‘enche’ o ambiente, influindo sobre a nossa própria percepção do espaço
físico em redor” (FECHINE, 2008:115).
Travancas (2007) aponta para um dado muito interessante sobre a audiência do JN em
relação ao caráter supostamente indivisível do áudio e do visual:
E fico lembrando as afirmações dos manuais de telejornalismo que garantem que uma imagem vale
mais que mil palavras... Quando o que pude perceber é que nem sempre a imagem vem na frente.
Há uma recepção da TV idêntica à do rádio. Os telespectadores ouvem a televisão e, em momentos
especiais, vão vê-la. Nenhum dos meus entrevistados afirmou fazer o contrário, ver sem o som. Até
porque é possível conciliar a escuta com outras tarefas (TRAVANCAS, 2007:70).
Travancas é autora de uma pesquisa de bases antropológicas sobre a recepção do JN na
juventude. O presente trabalho, como se sabe, não se preocupa com a recepção, mas com o texto.
No entanto, a afirmação da autora vem ao encontro a uma opção metodológica crucial: ao se
estudar a fala do Jornal Nacional, ou seja, seu elemento sonoro, deixa-se de lado o elemento
visual, plástico desse produto audiovisual. Não se deixa de reconhecer, entretanto, que o JN se
enquadre no que Greimas e Courtés chamam de sincretismo
20
, ou seja, rias linguagens
articuladas produzindo sentido. Para este trabalho, no entanto, optou-se por não abordar a questão
da imagem. Não se trata de uma mea culpa, mas da consciência da necessidade de fazer recortes,
20
Greimas e Courtés definem as semióticas sincréticas como sendo aquelas que “acionam várias linguagens
de manifestação” (1983:426).
67
de discretizar o contínuo para perceber como se constroem efeitos de sentido, ainda que se
reconheça a importância da imagem nesse engendramento.
Dessa forma, como aponta o título dessa dissertação, vai-se tratar do elemento sonoro das
matérias do Jornal Nacional: a fala, tanto o seu conteúdo como a sua expressão. Apresentar-se-á,
em seguida, a semana do JN que foi analisada para serem realizadas as análises propriamente
ditas nos capítulos seguintes.
2.3.1 – A semana analisada: objetivação metodológica
Optou-se por se analisar uma semana do Jornal Nacional. O noticiário é exibido de
segunda a sábado, ou seja, seis vezes por semana. A semana em questão foi escolhida
aleatoriamente, apenas foi condição imprescindível que, nessa semana, os apresentadores oficiais
William Bonner e Fátima Bernardes estivessem presentes de segunda a sexta; no sábado, eles são
substituídos por outros dois apresentadores. Isso se deve ao fato de que este estudo tem como
objeto a fala do Jornal Nacional e, por isso, escolheu-se uma semana na qual estivessem
presentes os apresentadores oficiais, ou seja, uma semana típica do JN. A semana analisada é
compreendida pelos dias cinco a dez de maio de 2008, segunda a sábado. Cada edição do JN
possui diariamente em torno de 13, 14 matérias.
Dessa gama, extraíram-se três matérias por dia, totalizando 17 matérias o corpus da
pesquisa. Utilizou-se o seguinte critério para a seleção de três matérias diárias: matérias
nacionais, internacionais e locais. Explicita-se que esse critério tem caráter principalmente
espacial, ou seja, o lugar onde se desenrolam os acontecimentos, que, de certa forma, acaba por
definir a editoria em que entram tais matérias. Assim, um evento relacionado à política,
provavelmente terá ocorrido em Brasília, ou o repórter falará de Brasília, por mais que o fato não
tenha acontecido na capital federal. O mesmo em relação às matérias de economia, que
geralmente estará relacionada aos estados de maior poder econômico do País. Desse modo, a
categoria “nacional”, escolhida arbitrariamente, relacionar-se-á, principalmente, a temas políticos
e econômicos. A categoria “internacional”, por sua vez, tem a ver principalmente com eventos
passados fora do Brasil. Sabe-se que a Rede Globo possui correspondentes em todos os
continentes do mundo e que as entradas desses profissionais, como se viu, criam a ideia de
onipresença desse noticiário. Por fim, a categoria “local” se relaciona a eventos ocorridos fora do
68
eixo São Paulo-Rio-Brasília. Geralmente, mas nem sempre, são matérias edificantes (CHYSTUS,
2002) ou temas cujo olhar é sempre do estrangeiro, como as “pitorescasfestas populares Brasil
afora ou qualquer outro evento ocorrido nesses estados. Observa-se que nem sempre as matérias
mostradas, ou seja, o corpus desta pesquisa, vão obedecer rigorosamente a essa classificação.
Ressalta-se que se optou por categorizar as matérias e depois fazer a triagem de três delas por
edição do noticiário. Como se sabe, as categorizações são arbitrárias e as fronteiras entre uma
categoria e outra podem não ser bem delimitadas. O que se pretendeu fazer foi, ao se optar por
três matérias por dia, tentar ser o mais abrangente possível em relação a temas e lugares
mostrados pelo JN.
A razão de se analisarem três matérias por dia e não as 13 ou 14, quer dizer, toda a edição
desse noticiário, decorre de uma questão metodológica que restringe o estudo da edição completa.
A análise acústica, tema do capítulo seguinte, ainda que seja feita por um programa de
computador, é um processo lento e praticamente manual. A segmentação de vogais e consoantes
de uma semana de edições inteiras do noticiário impossibilitaria a conclusão deste trabalho dentro
do tempo estabelecido pelo Programa de Pós-Graduação ao qual se está vinculado e pela agência
de pesquisa que fomenta este trabalho.
Para a análise acústica, utilizou-se tão-somente o som das matérias, descartando-se a parte
visual, como foi apontado anteriormente. Esse som foi retirado do site do noticiário
(http://jornalnacional.globo.com/), no qual as matérias são dispostas individualmente. Procedeu-
se então extraindo o vídeo completo, ou seja, com o áudio, por meio de um programa compatível
ao navegador Mozilla, chamado Download Helper. Este programa salva os vídeos em formato de
vídeo .flv que, em seguida, foram convertidos para o formato de áudio .wav por um programa
conversor chamado Total Video Converter. Todos os softwares utilizados são gratuitos ou livres.
Em relação ao texto de cada matéria, o próprio site do noticiário os disponibiliza, de modo que
não foi necessária a transcrição de cada matéria para o capítulo 4, quando os textos serão
analisados à luz da semiótica do discurso.
2.3.2 – Descrição da semana
69
A descrição do conteúdo das matérias do JN da semana do dia cinco a dez de maio de
2008 pretende apresentar rapidamente os temas de cada uma delas.
Inicia-se pelo dia cinco de maio, segunda-feira. A matéria nacional selecionada é
intitulada por “Deputado poderá ser investigado”. Trata-se do processo que cita a participação do
deputado federal Paulo Pereira da Silva em um esquema de desvio de dinheiro do BNDES. Na
categoria internacional, figura a matéria sobre um austríaco que manteve em cativeiro sua filha
por 24 anos. De acordo com a repórter, o “maníaco”, como é chamado o homem acusado pelo
JN, planejara seus atos e construíra o cativeiro no porão da casa com seis anos de antecedência.
Na categoria local, encontra-se uma matéria sobre um ciclone extratropical no Sul do Brasil.
Houve destruição de casas e da rede elétrica de muitas cidades no Rio Grande do Sul e em Santa
Catarina.
Na terça feira, seis de maio, a matéria nacional selecionada tem como tema o caso da
menina Isabella, cujo pai e madrasta são acusados de matar a menina, jogando-a da janela do
apartamento da família. Na matéria, o promotor Francisco Cembranelli pediu a prisão preventiva
Alexandre Nardoni e Anna Carolina Jatobá. Para o promotor, há evidências suficientes para levar
o casal a júri popular. Na categoria internacional, selecionou-se a matéria que trata da corrida
presidencial nos Estados Unidos. A matéria mostra que, enquanto os democratas titubeiam para
escolher seu representante, Barack Obama ou Hillary Clinton, o candidato republicano John
McCain percorre os EUA em campanha. Na categoria local, foi extraída a matéria que trata da
prisão do dono de uma fazenda de arroz em Roraima, cujos seguranças atacaram a tiros um grupo
de índios que tinha invadido a propriedade.
Quarta feira, sete de maio de 2008, na categoria nacional, a matéria selecionada trata de
um teste político ao qual será submetida a Ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff. A Ministra foi
ouvida por mais de nove horas em uma comissão do Senado e voltou negar que a Casa Civil
tenha montado um dossiê com informações sobre o ex-presidente Fernando Henrique. Esse
dossiê conteria informações pessoais do ex-presidente, inclusive extratos bancários. Na categoria
internacional, a matéria destacada se refere a uma situação dramática em Mianmar. O país foi
assolado por um ciclone que, segundo informações extra-oficiais, deixou 100 mil pessoas mortas.
Na categoria local, um agricultor de Pedranópolis, interior de São Paulo, é acusado de manter em
cárcere privado a esposa por 20 anos.
70
No dia oito de maio, quinta-feira, na categoria nacional, figura a matéria sobre o
desenrolar do suposto dossiê elaborado pela Casa Civil sobre informações pessoais do ex-
presidente Fernando Henrique Cardoso. Segundo o laudo técnico ao qual o JN teve acesso, as
informações sigilosas foram divulgadas por um funcionário da Casa Civil. Na categoria
internacional, evidencia-se a matéria sobre a comemoração dos 60 anos do Estado de Israel.
Nesse dia oito de maio, não houve nenhuma matéria que se enquadrasse no que se propôs chamar
de categoria local e, dessa forma, foram analisadas apenas duas matérias desse dia.
Na sexta-feira, nove de maio de 2008, destaca-se na categoria nacional uma matéria sobre
economia. Segundo o texto do repórter, o alimento é considerado o maior causador do aumento
da inflação no País. Para categoria internacional, selecionou-se a matéria sobre o poder bélico da
Rússia. O governo russo promoveu naquele dia o maior desfile militar desde o fim da União
Soviética para lembrar a vitória sobre as tropas nazistas na Segunda Guerra Mundial. A categoria
local traz a matéria sobre a invasão da Universidade Federal do Ceará por famílias de sem-teto;
14 mil estudantes perderam aulas devido à ocupação.
No último dia analisado, sábado, dia 10 de maio de 2008, para a categoria nacional,
selecionou-se a matéria que discute a questão das cotas raciais. “Reunidos em São Paulo,
militantes do Movimento Negro Socialista fizeram um manifesto contra o Estatuto da Igualdade
Racial, em debate na Câmara dos Deputados”, afirma o texto da matéria. Na categoria
internacional, mostra-se a matéria sobre a desocupação das ruas da capital do Líbano pelos
militantes do grupo terrorista Hezbollah. A matéria da categoria local aborda os desdobramentos
da matéria que tratou do ciclone extratropical no Sul do País. Após uma semana do
acontecimento, famílias voltaram para casa, mas 16 cidades se encontravam em estado de
emergência.
Como se pôde perceber na descrição realizada, procurou-se, com instauração das
categorias nacional, internacional e local, tratar dos mais diversos temas, lugares, enfim, ser o
mais abrangente possível, falando de política, economia, esporte, grandes comoções sociais,
casos espalhados pelo Brasil e pelo mundo. Com isso, tenta-se minimizar possíveis perdas em
decorrência da decisão de se analisarem três matérias por dia e não a edição completa do
noticiário durante uma semana.
71
A seguir apresenta-se uma tabela que contém os títulos e as cabeças, ou seja, o lide
21
da
matéria; que é lido sempre pelo apresentador, que introduz o assunto da matéria feita pelo
repórter. As matérias são dispostas pelas categorias e pelas datas da semana analisada.
21
No 'lide', do inglês lead, tenta-se responder a seis perguntas: quem, o quê, onde, quando, por quê e como.
72
Tabela 4: título e cabeça das matérias analisadas
O objetivo deste capítulo foi localizar o Jornal Nacional em relação à televisão, o meio de
comunicação extremamente enraizado no modo de vida brasileiro. Como apontou Machado
(2000), não se deve subestimar a TV, ou nas palavras do autor, deve-se levá-la a sério. Em
seguida abordou-se o telejornalismo como um gênero e suas especificidades, para então trazer à
tona o Jornal Nacional que, para Bucci (2007), é a instituição jornalística central no País
atualmente. Pensar esse produto midiático implica reconhecê-lo imbricado ao próprio fazer
telejornalístico no Brasil.
73
Capítulo 3
A expressão da fala do JN
“Uma expressão só é expressão porque é expressão de um conteúdo, e um conteúdo só é
conteúdo porque é conteúdo de uma expressão” (HJELMSLEV, 2006:54).
74
O presente capítulo visa a fazer uma descrição em termos fonéticos da expressão
(Hjelmslev, 2006) da fala (Saussure, 2006) do Jornal Nacional. Como se apontou no capítulo 1, a
fonética se preocupa com a substância da expressão, isto é, com o contínuo sonoro, ao passo que
a fonologia, com a forma desse funtivo, ou seja, o recorte do continuum. A fala, por sua vez, tem
a ver com a realização individual da língua, pela concepção saussuriana. Este estudo
fonoestilístico objetiva fazer uma descrição dessa fala principalmente por uma razão apresentada
no capítulo 2, que é analisar o efeito acústico do trabalho realizado de uniformização da fala de
repórteres e apresentadores. Essa fala uniformizada é, para Silveira (2008)
22
, a unidade padrão
que emerge na diversidade das pronúncias do Português Brasileiro (PB).
Como se apontou anteriormente, a fonoaudióloga Glória Beuttenmüller pretendia, com o
trabalho de uniformização da fala de repórteres e apresentadores, amenizar os sotaques regionais.
Esse trabalho de padronização da fala pautou-se em um congresso de filologia realizado em
Salvador, em 1956, “no qual ficou acertado que a pronúncia-padrão do português falado no Brasil
seria a do Rio de Janeiro, com algumas restrições. Os ‘esses não poderiam ser muito sibilantes e
os ‘erres’ não poderiam ser muito arranhados, guturais” (ORGANIZAÇÕES GLOBO, 2004:123).
Dessa maneira, neste capítulo, dentre outras observações fonéticas igualmente importantes,
descrever-se-á como se a realização dos arquifonemas
23
/R/ e /S/ visando a perceber se, de
fato, existe uma uniformização da fala de repórteres e apresentadores do JN ou não. Em outras
palavras, pretende-se perceber qual o grau de variabilidade na produção desses sons.
22
A pesquisa realizada por Silveira (2008) toma como base a pronúncia dos apresentadores de telejornal da Rede
Globo de Televisão que, progressivamente, devido ao seu poder de acesso ao público nacional e internacional tem
sido agente de estandardização da pronúncia brasileira” (SILVEIRA, 2008:17). Para ela, essa pronúncia é
representada por nativos e estrangeiros como padrão de grau ótimo. Essa escolha se deve a uma série de fatores que,
segundo a autora, devem ser analisados por diferentes perspectivas tanto lingüística, como cognitiva, social,
ideológica e idiomática. Os estudos dessa autora tratam o “globês”, termo cunhado por ela para designar a pronúncia
dos profissionais da notícia da Rede Globo, como a pronúncia identitária para o PB, trata-se de uma “arquinorma
televisiva irradiada pela TV Globo, resultante do grande alcance geográfico dessa rede de televisão e de sua
aceitabilidade por parte dos falantes/ouvintes do português brasileiro, tanto em território nacional quanto
internacional, ainda que não a usem, efetivamente” (SILVEIRA, 2008:33). Passa-se, assim, a reconhecer tal
arquinorma como a pronúncia mais representativa do Brasil e, graças a razões ideológicas, é largamente aceita. Ao
se estudar a padronização da fala do JN, esbarra-se na questão colocada por Silveira (2008), que é a escolha de uma
pronúncia como a mais aceita e a escolhida para representar a identidade do povo brasileiro.
23
O arquifonema representa todas as possibilidades de realizações de um mesmo fonema em posição de coda e cada
possibilidade é denominada alofone. Para Crystal (2000), o alofone é uma variação perceptível de forma de uma
unidade linguística, sem afetar a identidade funcional. A variação formal não é linguisticamente distintiva, quer
dizer, não há mudança de sentido.
75
3.1 − Dos métodos
Para este estudo, utilizou-se o corpus resultado de uma semana de gravação do JN, sendo
que, de cada edição, são selecionadas três matérias, das categorias local, nacional e internacional.
O corpus foi analisado no software livre para análise acústica Praat (www.fon.hum.uva.nl/praat/
)
e conjuntamente foi utilizado o script Beat Extractor traduzido por Barbosa (2006), que segmenta
automaticamente segmentos VV, ou seja, de uma vogal até outra vogal.
A opção de se analisar os segmentos VV e não apenas vogais e consoantes em separado
decorre do fato de que o sinal acústico da fala é um sistema dinâmico e não estático. Sistema
dinâmico, na concepção de Barbosa (2006), é aquele que muda de estado com a passagem do
tempo e essa mudança é considerada pelo autor uma propriedade rítmica fundamental. Para a
teoria dos sistemas dinâmicos, o indivíduo e o ambiente se articulam em partes que se relacionam
e evoluem no tempo. Esse sistema dinâmico formado por homem/ambiente obedece a um
princípio de auto-organização, de acordo com o qual não há dicotomias entre mente/corpo,
planejamento/execução, programa/executor. Assim, o nível abstrato (mental) seria um continuum
do nível físico. No sistema dinâmico do ritmo de fala, o autor argumenta que sua unidade mínima
é a VV “a duração abstrata de uma unidade delimitada por dois onsets consecutivos como
parâmetro de ordem” (BARBOSA, 2006:04). O sistema do ritmo de fala separa os componentes
prosódico e segmental. O ritmo é o resultado desses dois componentes mas a organização
temporal propriamente rítmica é dada pelo sistema de osciladores acoplados subjacente”
(BARBOSA, 2006:27).
A unidade VV foi depreendida a partir do movimento mandibular, a partir da qual se
organizam os gestos consonantais em torno da vogal (RHARDISSE & ABRY apud BARBOSA,
2006). De acordo com Barbosa (2006:30), o VV é “cada ciclo do oscilador silábico [que] tem
seus limites alinhados com o onset de duas vogais consecutivas”. A unidade VV é constituída por
uma vogal e todos os segmentos assilábicos que a sucedem, não importando a fronteira silábica,
até o onset da vogal seguinte, que, por sua vez, determina o início da próxima unidade VV. Para
Barbosa (2006), a periodicidade das unidades VV relaciona-se com o fato de que, na cadeia da
fala, observam-se vogais que se interrompem pela perturbação de consoantes. Os formantes de
uma vogal (ou soante, para a fonética acústica) influenciam os formantes da consoante fricativa
76
seguinte de forma dinâmica. A seguir apresenta-se uma imagem da sentença sem a ajuda de
pedreiros, retirada do corpus da pesquisa, segmentada no Praat:
Figura 22: curva de onda e espectrograma de sentença
A unidade VV proposta por Barbosa (2006) é vantajosa, pois concebe a fala como um
sistema dinâmico. Em outras palavras, caso se analisem apenas os arquifonemas /R/ ou /S/ em
separado, não se obteria um resultado confiável, pois a configuração formântica de um segmento
altera os formantes vizinhos, ou seja, a frequência das vogais que precedem as consoantes de uma
unidade VV vai influenciar-lhes a frequência. Além disso, Barbosa (2006:56-57) argumenta que
a unidade VV é mais estável que a sílaba fonológica, pois existe uma resistência dos onsets
vocálicos à perturbação consonantal e prosódica. Dessa maneira, a unidade VV, que possui
grandeza de sílaba, cumpre de forma dinâmica a manutenção da regularidade e da periodicidade,
funcionando como um atrator cíclico. A regularidade do fluxo vocálico é definida pelo autor
77
como silabicidade, quer dizer, uma produção contínua de unidades que têm o tamanho de uma
sílaba.
Após as segmentações, foram feitas transcrições fonológicas, como podem ser vistas na
figura 22, gerada pelo programa Praat, com base na tabela proposta por Albano & Moreira
(1996). Optou-se pela transcrição fonológica, pois a análise pressupõe que a realização acústica
dos sons de cada língua não é fixa, embora exista uma intenção fonológica para cada execução
que permite a identificação de sons diferentes mesmo quando sua realização sobrepõe parâmetros
acústicos. Assim, a etiquetação é sempre fonológica, descontínua, enquanto os dados para análise
são acústicos, numéricos e da ordem do contínuo. Os resultados encontrados no Praat foram, por
sua vez, analisados no software livre de análise estatística, chamado R (www.r-project.org/).
3.2 − Análises acústicas de todo o corpus
A seguir será analisado todo o corpus da pesquisa (6455 segmentos de VV) quanto às
seguintes categorias: F0, F1, F2, F3, F4, - todos relativos aos segmentos VV - duração do grupo
acentual, número de segmentos por grupo acentual, pitch do grupo acentual e taxa de elocução e
curva de F0 dentro do segmento VV. Ressalta-se que os parâmetros foram escolhidos para
abarcar o maior número possível de variáveis, considerando-se os limites da coleta de dados
naturais, que não possuem controle de intensidade ou fonológico.
3.2.1 − Média de F0
A frequência fundamental ou F0 é a frequência mais baixa em uma onda sonora. A
frequência se refere ao número de ciclos completos (movimentos de abrir e fechar) da vibração
das cordas vocais por segundo. Esse dado é de particular relevância para o estudo da entonação,
pois mostra uma correspondência com os movimentos de pitch envolvidos, ou seja, pontos em
uma escala de sensação auditiva. Assim, como aponta Ladefoged (1996:99), o pitch de um som
depende em muito da frequência fundamental.
78
No gráfico abaixo (segmentos por frequência), observa-se que grande parte de todos os
segmentos da pesquisa se concentra numa faixa de frequência fundamental de 150 a 300 Hz.
Gráfico 2: média de F0 no eixo x e nº de segmentos no eixo y
3.2.2 − Média de F1
Para Ladefoged (1996), o pico de energia no espectro de vogais, assim como outros sons,
corresponde às frequências básicas de vibrações do ar no trato vocal. Esses modos de vibração
são chamados de formantes. Os formantes de um som dependem diretamente da forma do trato
vocal. A frequência dos formantes depende de três fatores: a posição do ponto máximo de
constrição do trato vocal, que é controlado pela movimentação para frente e para trás da língua; o
tamanho do diâmetro máximo de constrição, que é controlado pelo movimento da língua tanto em
direção ao palato, quanto em direção à garganta e o terceiro fator é a posição dos lábios. A
abertura da cavidade nasal, por sua vez, apagando alguns formantes e reforça outros, como se viu
no capítulo1.
No histograma de F1, nota-se que a maior parte do F1 dos segmentos concentra-se numa
faixa de frequência que vai de 250 a 1000 Hz. Em contraposição, na língua inglesa, como aponta
Ladefoged (1996:130) esses valores ficam próximos à casa dos 500 Hz. Isso pode significar que
o primeiro formante no PB tem frequência superior ao F1 na língua inglesa, por exemplo.
Segundo esse autor, quando o diâmetro da constrição máxima do trato vocal aumenta, a
79
frequência do primeiro formante também cresce (1996:109), ou seja, quanto maior a cavidade
oral, maior será o primeiro formante e, quanto maior a cavidade glotal, menor será o F1.
Gráfico 3: média de F1 no eixo x e nº de segmentos no eixo y
3.2.3 − Média de F2
Segundo Ladefoged (1996), no caso do F2, quanto maior for a constrição do trato vocal,
menor a frequência do segundo formante. Variações na frequência do F2 também têm a ver com
o arredondamento dos lábios. No histograma abaixo, percebe-se que o F2 dos segmentos
concentra-se em uma faixa de frequência que vai de 1500 a 2500 Hz. Ao se buscar um paralelo
na literatura de fonética acústica na língua inglesa, encontram-se os mesmos valores em Hz, entre
1500 a 2500, em Ladefoged (1996). Salienta-se que, dessa forma, o PB e o inglês apresentam
resultados semelhantes quanto ao segundo formante.
80
Gráfico 4: média de F2 no eixo x e nº de segmentos no eixo y
3.2.4 − Média de F3
O terceiro formante relaciona-se com as duas cavidades estabelecidas pela posição da
língua, ou seja, à cavidade atrás da constrição da língua e a outra, localizada à frente. No
histograma de F3, observa-se que a maior parte dos segmentos concentra o F3 na faixa que vai
dos 2500 a 3500 Hz. Em comparação com o inglês, o terceiro formante do corpus aqui analisado
possui média próxima à língua inglesa, aproximadamente 3000 Hz (LADEFOGED, 1996).
Gráfico 5: média de F3 no eixo x e nº de segmentos no eixo y
81
3.2.5 − Média de F4
O quarto formante relaciona-se ao formato da laringe e da faringe na mesma altura. De
acordo com Matte (2002), o quarto e quinto formantes são responsáveis por criar efeitos de
emoção e intenção na fala. Quanto ao F4, nota-se que a maioria dos segmentos se concentra
numa faixa de frequência que vai dos 3500 a 4500 Hz, como se vê a seguir:
Gráfico 6: média de F4 no eixo x e nº de segmentos no eixo y
3.2.6 − Intensidade média
Neste histograma, a maioria dos segmentos demonstra uma intensidade média que vai dos
65 a 80 decibéis. A variação da intensidade pode ter a ver com o aumento de intensidade enfática
em determinado tema. No entanto, é importante ressaltar que, como a gravação não é feita com
um microfone de cabeça, que fixaria a distância entre o microfone e a boca, a intensidade pode
estar variando aleatoriamente.
82
Gráfico 7: intensidade média no eixo x e nº de segmentos no eixo y
3.2.7 − Média do pitch do grupo acentual
Pelo gráfico a seguir, observa-se que a maioria dos grupos acentuais possui um pitch
24
que não ultrapassa os 300 Hz. As vozes masculinas geralmente ficam em torno de 100 a 200 Hz,
enquanto as femininas podem ser bem mais altas que isso. Como o JN apresenta uma diversidade
de vozes, masculinas e femininas, começando pelos apresentadores, que apresentam a “cabeça”
da matéria, antes de chamar o repórter, ao realizar o estudo estatístico, as frequências relativas a
cada locutor acabam por se misturar, o que impõem um limite a essa análise.
24
Ressalta-se que no escopo desta pesquisa, convencionou-se chamar F0 o valor relativo a F0 dentro do VV e pitch o
mesmo valor em segmentos maiores, do tamanho do GA.
83
Gráfico 8: média de pitch no eixo x e nº de GAs no eixo y
3.2.8 − Número de segmentos por grupo acentual
O histograma a seguir mostra que a maioria dos grupos acentuais possui de 2,5 a 10
segmentos. Observa-se que o número de segmentos VV varia consideravelmente. A média, no
entanto, é de 6,25 segmentos VV/grupo acentual.
Gráfico 9: segmentos por GA
O valor obtido pela dia dos dados do gráfico acima é próximo ao encontrado por
Barbosa (2006:178). O autor analisou um corpus composto pela locução de quatro homens
84
paulistas. A média para os quatro locutores foi de 6,5 VV/grupo acentual. O corpus desse autor é
constituído por texto lido, assim como é o texto do JN. Em relação à frase isolada, esse autor
afirma que o locutor produz de 3 a 3,5 unidades VV por grupo acentual. Em frases ligadas
semanticamente, existe uma tendência a produzir grupos acentuais maiores do que em frases
soltas. Para Barbosa (2006:183), o exame de número de segmentos por grupo acentual mostra
que se deve descartar qualquer isocronismo absoluto. No entanto, ele aponta para um dado
interessante: línguas silábicas e acentuais apresentam, numa locução de texto lido, números
semelhantes de unidades VV: “o PB se aproximaria do inglês e do sueco, mas também não
diferiria significativamente do telegu, grupos de línguas de ritmos alegadamente distintos”
(2006:183).
3.2.9 − Duração do grupo acentual
No gráfico de duração do grupo acentual, os segmentos possuem entre 0,5 a 2,5
segundos de duração. No entanto, observa-se que a maior parte das unidades VV se concentra em
0,5 e 2 segundos, como se observa a seguir:
Gráfico 10: duração do GA
Uma média entre esses valores seria de 1,25 segundos ou 1250 milissegundos. Esses
valores ao serem comparados com as durações da pesquisa de Barbosa (2006), mostram-se
85
próximos aos valores da taxa de elocução de normal a rápida. A média da locução normal de seus
quatro informantes é de 1221 milissegundos e a média da locução rápida é de 1123
milissegundos.
3.2.10 − Taxa de elocução
O histograma seguinte mostra que a maioria dos segmentos VV do corpus possui uma
taxa de elocução (número de segmentos VV por GA) que vai de 4 a 7 segmentos por segundo,
uma média de 5,5 unidades VV por segundo. Essa taxa de elocução pode ser considerada maior,
ou seja, ler o mais rapidamente possível sem cometer lapsos (BARBOSA, 2006:174). No
telejornalismo, isso significa otimizar o tempo, sem perder em compreensibilidade. Em relação à
enunciação do discurso telejornalístico, Borges (2008:79), encontrou valores próximos, em torno
de seis sílabas por segundo, embora a autora tenha trabalhado com a noção tradicional de sílaba
fonológica e não com a unidade VV.
Gráfico 11: TE do GA
O próximo gráfico mostra a taxa de elocução por categoria internacional, local e nacional.
Observa-se que as matérias da categoria internacional possuem menor taxa de elocução, ao passo
que a local, a maior taxa de elocução. Disso, pode-se afirmar que as matérias internacionais são
menos rápidas enquanto as locais e as nacionais têm maior velocidade.
86
Gráfico 12: categoria no eixo x e TE no eixo y
3.2.11 − Posição e tipo da curva de F0
O SetFon
25
analisa a curva de F0 conforme a classificação abaixo:
1. Tipo de curva:
Ascendente (inicia baixo e sobe até o final)
Descendente (inicia alto e desce até o final)
Pico (inicia baixo, sobe e desce novamente)
Vale (inicia alto, desce e sobe novamente)
2. Posição da curva compara três pontos de F0 (F0 mínimo, F0 máximo e valor de F0 na
posição central do segmento):
25
O SetFon, projeto do grupo de pesquisa Semiofon semiose e fonoestilística, coordenado pela Profª Drª. Ana
Cristina Fricke Matte, tem como objetivo a modelagem orientada ao objeto e elaboração do Algoritmo do SetFon,
programa automático de anotação em mídia contínua com a finalidade de agilizar as etapas que precedem à etapa de
análise prosódica e/ou fonoestilística de dados de fala com corpus composto por textos com mais de uma sentença e
que atualmente ocupam uma substancial parte do tempo da pesquisa lingüística em prosódia e fonoestilística. A
concepção de orientação ao objeto permite a transposição do conhecimento lingüístico para a linguagem
computacional sem distorcer as premissas e hipóteses lingüísticas envolvidas. Trata-se, portanto, da automatização e
gerenciamento/disponibilização de dados e resultados de análises fonético-fonológicas e fonoestilísticas para
diversas finalidades, dentre elas a síntese de fala.
87
Início: F0 mínimo e máximo acontecem antes do centro
Fim: F0 mínimo e máximo acontecem depois do centro
Distribuída: F0 mínimo e máximo se posicionam um antes e um depois do centro.
Nota-se que, por enquanto, o programa somente faz essa análise para os valores de F0
dentro do segmento VV. No gráfico 13, nota-se diferença significativa entre os tipos de curva
conforme a duração absoluta do segmento. As curvas descendentes duram menos que as curvas
ascendentes e em forma de vale, enquanto o pico aparece com durações maiores.
Gráfico 13: tipo da curva no eixo x e duração absoluta do segmento no eixo y
No gráfico 14, de Z suavizado por curva de F0, observa-se que não existe diferença
estatisticamente significante entre os tipos de curva se considerados o tipo de segmento, no
entanto, os picos tendem a acontecer em segmentos com duração absoluta maior.
88
Gráfico 14: tipo da curva no eixo x e Z suavizado no eixo y
No gráfico 15, de posição curva por duração do segmento VV, nota-se que a duração
absoluta apresenta fortes diferenças entre as posições. Ao considerar o tipo fonológico de
segmento, a diferença mantém-se apenas para a posição inicial. Observa-se que os resultados
seriam conclusivos se levasse em conta o segmento mesmo, mas que para isso seria necessário
um corpus muito maior.
Gráfico 15: posição da curva no eixo x e duração absoluta do segmento no eixo y
89
No gráfico de curva por média de F0, vê-se que o F0 é significativamente mais alto na
curva em forma de pico (começa mais grave, sobre e desce), pois os segmentos com essa forma
têm duração absoluta e F0 médio maiores.
Gráfico 16: tipo da curva no eixo x e média de F0 no eixo y
O gráfico 17 formado por curva e desvio-padrão de F0 mostra que as diferenças são
significativas, e que quando o segmento termina subindo (ascendente e vale) o desvio padrão é
menor que quando termina descendo (pico e descendente)
Gráfico 17: tipo da curva no eixo x e desvio-padrão de F0 no eixo y
90
No gráfico 18, entre a posição da curva pelo desvio-padrão do F0, observou-se diferença
significativa e pode-se ver no gráfico que as três posições são diferentes, sendo que a mais
variada (maior DP) é a distribuída. Como as unidades VV estão sendo analisadas, percebe-se uma
forte reação entre a vogal e a consoante seguinte, ou seja, a consoante que está no final. Portanto,
esses dados devem refletir essa coesão entre os segmentos internos do VV, pois a variação é
menor quando a curva está mais próxima da consoante.
Gráfico 18: posição da curva no eixo x e desvio-padrão de F0 no eixo y
No gráfico 19, de posição da curva de F0 por média de F0, pretende-se perceber se a
média de F0 é influenciada pela posição da curva. Nota-se que a final tem média de F0 bem
baixa, por volta de 150 Hz, enquanto as outras duas estão por volta de 220 Hz. Observa-se
também que parece que a posição final do desenho da curva dentro do segmento aparece mais
quando o segmento está em posições de F0 mais baixo.
91
Gráfico 19: posição da curva no eixo x e média de F0 no eixo y
No gráfico de desvio-padrão do pitch por curva de F0, vê-se que pico e ascendente são os
mais altos, sem diferença significativa. No entanto, o vale é próximo de descendente, com
diferença significativa. Observa-se que esse dado é completamente diferente do que se obteve
dentro do segmento, para o F0. É importante salientar que se convencionou chamar de F0 nesta
pesquisa ao valor obtido no segmento VV e chamar de pitch ao valor obtido para o GA, mas que
sempre se trata de F0.
Gráfico 20: tipo da curva no eixo x e desvio-padrão de pitch no eixo y
92
Observa-se no gráfico 21, de média do pitch por curva de F0, que, novamente, a diferença
é significativa. Nota-se também que o pitch é mais baixo nas curvas descendentes e nos vales,
aumentando nos picos e culminando nos ascendentes.
Gráfico 21: tipo da curva no eixo x e média de pitch no eixo y
Isso indicaria uma variação de F0 interna no segmento relacionada com a média de pitch
do GA. No entanto, ao se efetuar um teste de correlação Pearson entre média de pitch de GA e
derivada de F0 de VV, observou-se uma correlação estatisticamente significante muito baixa, de
17%. Isso significa que não relação entre a derivada de F0 interna do segmento e o pitch do
grupo acentual, ou seja, não relação entre a variação segmental e a prosódica para o F0.
Também a correlação entre F0 do VV e pitch do GA é significativa e baixa (22%, teste de
correlação de Pearson). Este resultado, embora previsível, é interessante porque muitos resultados
da análise interdisciplinar entre semiótica e fonética não são significantes em função do recorte
do corpus, que é baseado na análise fonética. Justifica-se, no entanto, esse recorte, pois é mais
detalhado do que seria um recorte semiótico, que trabalha com porções maiores de texto e
perderia em detalhes para a análise fonética.
93
3.3 – Análise do arquifonema /R/
Os resultados que serão apresentados a seguir têm a ver com a realização do /R/ e, para
isso, selecionaram-se os segmentos /aR/, /AR/, /eR/, /ehR/, /iR/, /ohR/, /oR/, /uR/. Optou-se por
tais segmentos pelo fato de serem formados por apenas dois sons e, dessa forma, é possível
deduzir a frequência da realização do /R/.
Inicialmente foi feita uma de análise de variância ANOVA (one-way) no software R entre
todos os segmentos e Z suavizado. Salienta-se que o Z suavizado é uma medida relativa, que
indica o quanto a duração varia em relação ao padrão esperado. A média geral para todos os
segmentos é de 5.669 Hz. Desse corpus retiraram-se os segmentos em questão, dispostos na
tabela que se segue:
Tabela 5: média e DP de Z suavizado de segmentos compostos de vogal + /R/
Nota-se que, em relação ao /R/, esses segmentos variam tanto para mais, como para
menos, o que, no entanto, está dentro do desvio-padrão dos outros segmentos, como pode ser
visto no gráfico 22:
94
Gráfico 22: segmentos no eixo x e Z suavizado no eixo y
As tabelas a seguir foram formadas a partir de análise de variância ANOVA (multi-way) e
foram escolhidas como fatores categoria e segmento e como variável de resposta a média de F1,
F2, F3, e F4. Apresentam-se agora as tabelas e, a seguir, algumas considerações:
Segmento :
aR
F1 F2 F3 F4 Número de
segmentos
Categoria
Internacional
768 1540 2670 3816 35
Categoria
Local
757 1557 2650 3759 36
Categoria
Nacional
780 1550 2612 3832 59
Desvio-padrão Internacional Local Nacional
F1
113 109 117
F2
147 156 160
F3
205 163 165
F4
361 256 239
95
Diferença maior: é significativa (); Diferença menor: não é significativa (=)
F1 F2 F3 F4
Nacional = Local
Nacional = Local
Nacional = Local
Nacional = Local
Nacional = Internacional
Nacional = Internacional
Nacional = Internacional
Nacional = Internacional
Internacional = Local
Internacional = Local
Internacional = Local
Internacional = Local
Tabela 6: segmento /aR/
Segmento :
AR
F1 F2 F3 F4 Número de
segmentos
Categoria
Internacional
878 1611 2565 3907 2
Categoria
Local
787 1788 2766 3922 9
Categoria
Nacional
680 1676 2555 3837 8
Desvio-padrão Internacional Local Nacional
F1
18 77 151
F2
13 129 134
F3
179 155 170
F4
545 207 132
Diferença maior: é significativa (); Diferença menor: não é significativa (=)
F1 F2 F3 F4
Nacional = Local
Nacional = Local
Nacional Local
Nacional = Local
Nacional Internacional
Nacional = Internacional
Nacional = Internacional
Nacional = Internacional
Internacional = Local
Internacional = Local
Internacional Local
Internacional = Local
Tabela 7: segmento /AR/
Segmento :
ehR
F1 F2 F3 F4 Número de
segmentos
Categoria
Internacional
609 1785 2678 3841 4
Categoria
Local
760 1770 2692 3713 5
Categoria
Nacional
681 2019 2777 3947 9
Desvio-padrão Internacional Local Nacional
F1
75 221 206
F2
202 171 280
F3
116 515 252
F4
196 234 288
96
Diferença maior: é significativa (); Diferença menor: não é significativa (=)
F1 F2 F3 F4
Nacional = Local
Nacional = Local
Nacional = Local
Nacional = Local
Nacional = Internacional
Nacional = Internacional
Nacional = Internacional
Nacional = Internacional
Internacional = Local
Internacional = Local
Internacional = Local
Internacional = Local
Tabela 8: segmento /ehR/
Segmento :
eR
F1 F2 F3 F4 Número de
segmentos
Categoria
Internacional
571 429 2649 3995 7
Categoria
Local
587 600 2665 3567 10
Categoria
Nacional
500 375 2636 3904 8
Desvio-padrão Internacional Local Nacional
F1
144 113 61
F2
93 298 135
F3
265 322 110
F4
219 451 260
Diferença maior: é significativa (); Diferença menor: não é significativa (=)
F1 F2 F3 F4
Nacional = Local
Nacional = Local
Nacional = Local
Nacional = Local
Nacional = Internacional
Nacional = Internacional
Nacional = Internacional
Nacional = Internacional
Internacional = Local
Internacional = Local
Internacional = Local
Internacional = Local
Tabela 9: segmento /ehR/
Segmento :
iR
F1 F2 F3 F4 Número de
segmentos
Categoria
Internacional
511 1822 2741 4011 3
Categoria
Local
472 2107 2805 3902 11
Categoria
Nacional
459 2122 2807 4020 8
Desvio-padrão Internacional Local Nacional
F1
71 146 67
F2
504 168 238
97
F3
302 180 128
F4
199 260 154
Diferença maior: é significativa (); Diferença menor: não é significativa (=)
F1 F2 F3 F4
Nacional = Local
Nacional = Local
Nacional = Local
Nacional = Local
Nacional = Internacional
Nacional = Internacional
Nacional = Internacional
Nacional = Internacional
Internacional = Local
Internacional = Local
Internacional = Local
Internacional = Local
Tabela 10: segmento /iR/
Segmento :
ohR
F1 F2 F3 F4 Número de
segmentos
Categoria
Internacional
713 1542 2914 3935 12
Categoria
Local
675 1463 2761 3710 6
Categoria
Nacional
561 1603 2539 3931 2
Desvio-padrão Internacional Local Nacional
F1
85 71 168
F2
330 361 263
F3
257 261 98
F4
229 160 155
Diferença maior: é significativa (); Diferença menor: não é significativa (=)
F1 F2 F3 F4
Nacional = Local
Nacional = Local
Nacional = Local
Nacional Local
Nacional = Internacional
Nacional = Internacional
Nacional Internacional
Nacional = Internacional
Internacional = Local
Internacional = Local
Internacional = Local
Internacional = Local
Tabela 11: segmento /ohR/
Segmento :
oR
F1 F2 F3 F4 Número de
segmentos
Categoria
Internacional
580 1400 2786 3901 11
Categoria
Local
562 1373 2727 3777 15
Categoria
Nacional
585 1464 2832 3951 17
Desvio-padrão Internacional Local Nacional
F1
113 93 97
98
F2
133 246 293
F3
128 156 213
F4
127 160 163
Diferença maior: é significativa (); Diferença menor: não é significativa (=)
F1 F2 F3 F4
Nacional = Local
Nacional = Local
Nacional = Local
Nacional Local
Nacional = Internacional
Nacional = Internacional
Nacional = Internacional
Nacional = Internacional
Internacional = Local
Internacional = Local
Internacional = Local
Internacional = Local
Tabela 12: segmento /oR/
Segmento :
uR
F1 F2 F3 F4 Número de
segmentos
Categoria
Internacional
401 1339 2737 3822 5
Categoria
Local
537 1373 2841 3963 8
Categoria
Nacional
597 1727 2953 4045 10
Desvio-padrão Internacional Local Nacional
F1
50 189 131
F2
90 272 478
F3
164 376 295
F4
446 240 424
Diferença maior: é significativa (); Diferença menor: não é significativa (=)
F1 F2 F3 F4
Nacional = Local
Nacional Local
Nacional = Local
Nacional = Local
Nacional Internacional
Nacional = Internacional
Nacional = Internacional
Nacional = Internacional
Internacional = Local
Internacional = Local
Internacional = Local
Internacional = Local
Tabela 13: segmento /uR/
Pôde-se observar pelas tabelas apresentadas dos segmentos /aR/, /AR/, /eR/, /ehR/, /iR/,
/ohR/, /oR/ e /uR/ que poucas diferenças significativas e a maioria está dentro do desvio-
padrão. Além disso, relativamente poucos desvios-padrão cuja diferença seja grande. Assim,
ao se analisar apenas os segmentos em que o /R/, precedido de vogal (que poderia ser realizado
de diversas formas, quer dizer, um arquifonema) e de se constatar que poucas diferenças
significativas quanto à realização desse /R/, pode-se inferir que, a partir dos dados disponíveis,
não existe grande variabilidade quanto à realização do arquifonema /R/ no Jornal Nacional.
99
3.4 – Análise do arquifonema /S/
Assim como no arquifonema /R/, inicialmente foi feita uma análise de variância ANOVA
(one-way) no software R entre todos os segmentos e Z suavizado, isto é, uma medida relativa que
indica o quanto a duração varia em relação ao padrão esperado. A média geral de todos geral para
todos os segmentos é de 5.669 Hz. Desse corpus retiraram-se os segmentos /aS/, /AS/, /ES/, /OS/
dispostos na tabela que se segue:
Tabela 14: média e DP de Z suavizado de segmentos compostos de vogal + /S/
Observa-se que, assim como no arquifonema /R/, no arquifonema /S/ existe uma variação
tanto para cima, como para baixo em relação à media global dos segmentos. No entanto, tal
variação ainda fica dentro do DP, como mostrou o gráfico 22, segundo o qual, as médias dos
segmentos variam principalmente entre 4,5 e 7,8.
As tabelas que se seguem apresentam a realização do arquifonema /S/ nos segmentos /aS/,
/AS/, /ES/, /OS/. Não foi possível utilizar exatamente os mesmos segmentos das tabelas do /R/,
uma vez que muitos deles não apresentam mero significativo, quando se trata do /S/. De
qualquer maneira, mantiveram-se os segmentos formados por uma vogal + /S/, de modo que a
frequência da realização do /S/ analisados deduzir-se-ia mais facilmente já que se trata de
segmentos compostos de duas partes. Assim como nas tabelas anteriores, tabelas apresentadas a
seguir foram formadas a partir das médias ANOVA (multi-way) no software R. Foram escolhidas
como fatores categoria e segmento e como variável de resposta a média de F1, F2, F3, e F4.
Após a apresentação das tabelas, alguns apontamentos serão feitos sobre as mesmas.
100
Segmento :
aS
F1 F2 F3 F4 Número de
segmentos
Categoria
Internacional
680 1594 2863 4237 15
Categoria
Local
824 1925 3140 4174 5
Categoria
Nacional
687 2012 3159 4336 7
Desvio-padrão Internacional Local Nacional
F1 140 163 250
F2 190 212 360
F3 169 280 340
F4 230 243 154
Diferença maior: é significativa (); Diferença menor: não é significativa (=)
F1 F2 F3 F4
Nacional = Local
Nacional = Local
Nacional = Local
Nacional = Local
Nacional = Internacional
Nacional Internacional
Nacional = Internacional
Nacional = Internacional
Internacional = Local
Internacional Local
Internacional Local
Internacional = Local
Tabela 15: segmento /aS/
Segmento :
AS
F1 F2 F3 F4 Número de
segmentos
Categoria
Internacional
711 1829 3137 4176 11
Categoria
Local
702 1751 3065 4158 13
Categoria
Nacional
763 1989 3164 4342 9
Desvio-padrão Internacional Local Nacional
F1 173 200 141
F2 211 285 365
F3 277 233 407
F4 223 200 238
Diferença maior: é significativa (); Diferença menor: não é significativa (=)
F1 F2 F3 F4
Nacional = Local
Nacional = Local
Nacional = Local
Nacional = Local
Nacional = Internacional
Nacional = Internacional
Nacional = Internacional
Nacional = Internacional
Internacional = Local
Internacional = Local
Internacional = Local
Internacional = Local
Tabela 16: segmento /AS/
101
Segmento :
ES
F1 F2 F3 F4 Número de
segmentos
Categoria
Internacional
567 1808 3204 4311 8
Categoria
Local
781 2054 3118 4216 14
Categoria
Nacional
1033 2627 3141 4431 7
Desvio-padrão Internacional Local Nacional
F1 175 146 391
F2 207 253 406
F3 296 278 396
F4 259 296 115
Diferença maior: é significativa (); Diferença menor: não é significativa (=)
F1 F2 F3 F4
Nacional = Local
Nacional Local
Nacional = Local
Nacional = Local
Nacional Internacional
Nacional Internacional
Nacional = Internacional
Nacional = Internacional
Internacional Local
Internacional = Local
Internacional = Local
Internacional = Local
Tabela 17: segmento /ES/
Segmento :
OS
F1 F2 F3 F4 Número de
segmentos
Categoria
Internacional
746 1991 3317 4247 24
Categoria
Local
858 2092 3258 4271 19
Categoria
Nacional
786 2178 3364 4346 20
Desvio-padrão Internacional Local Nacional
F1 254 272 319
F2 376 417 404
F3 288 301 295
F4 213 264 214
Diferença maior: é significativa (); Diferença menor: não é significativa (=)
F1 F2 F3 F4
Nacional = Local
Nacional = Local
Nacional = Local
Nacional = Local
Nacional =
Internacional
Nacional =
Internacional
Nacional =
Internacional
Nacional = Internacional
Internacional = Local
Internacional = Local
Internacional = Local
Internacional = Local
Tabela 18: segmento /OS/
102
Como se pôde observar pelas tabelas exibidas, formadas a partir dos dados disponíveis,
nota-se que existem poucas diferenças significativas, em relação aos quatro primeiros formantes,
quando se comparam as categorias nacional versus local; nacional versus internacional e
internacional versus local. Assim, comparou-se o F1, o F2, o F3 e o F4 contrapondo-se as
categorias, de modo que, o número de formantes (4) vezes o número de categorias (3)
multiplicado pelo número de segmentos analisados (4) é igual a 48 possibilidades de haver
diferença significativa ou não. Dessas 48 possibilidades, houve sete diferenças significativas
(apenas nos segmentos /aS/ e /ES/) e 41 diferenças não-significativas. Em relação ao segmento
/aS/, houve diferença significativa em relação aos segundo e terceiro formantes. Quanto ao
segmento /ES/, o segundo e o primeiro formantes mostraram diferença significativa. Já os outros
segmentos não apresentaram diferença significativa.
Em relação às diferenças significativas do segmento /aS/, observa-se quanto ao segundo
formante que:
As matérias da categoria nacional apresentam uma média de F2 maior que as matérias da
categoria internacional;
As matérias da categoria local apresentam um F2 maior que as matérias da categoria
internacional.
Quanto ao terceiro formante:
As matérias da categoria local apresentam média de F3 maior que as matérias de categoria
internacional.
Em relação às diferenças significativas do segmento /ES/, observa-se, em relação ao
primeiro formante, que:
As matérias da categoria nacional possuem média de F1 maior que as matérias da
categoria internacional;
103
As matérias da categoria local possuem média de F1 maior que as matérias da categoria
internacional.
Quanto ao segundo formante, nota-se que:
As matérias da categoria nacional possuem média F2 maior que as matérias da categoria
local;
As matérias da categoria nacional possuem média de F2 maior que as matérias de
categoria internacional.
Salienta-se, todavia, que o número de diferenças significativas é pequeno (14,5%),
quando comparado ao número de diferenças não-significativas (85,5%). Dessa forma, pode-se
afirmar que o grau de variabilidade na realização do arquifonema /S/ é pequeno.
Para contrapor às tabelas de realização do arquifonema /S/, propõe-se agora apresentar
tabelas que mostram como se dá a realização do fonema /s/ nos mesmos segmentos em que houve
diferença significativa, os segmentos /aS/ e /ES/. Dessa forma, apresentam-se as tabelas dos
segmentos /aS/ e /ES/:
Segmento :
as
F1 F2 F3 F4 Número de
segmentos
Categoria
Internacional
771 1899 3115 4243 18
Categoria
Local
926 1947 3195 4316 20
Categoria
Nacional
882 1789 3075 4150 24
Desvio-padrão Internacional Local Nacional
F1 132 163 142
F2 295 274 332
F3 307 297 207
F4 254 242 259
Diferença maior: é significativa (); Diferença menor: não é significativa (=)
F1 F2 F3 F4
Nacional = Local
Nacional = Local
Nacional = Local
Nacional = Local
Nacional = Internacional
Nacional = Internacional
Nacional = Internacional
Nacional = Internacional
Internacional = Local
Internacional = Local
Internacional = Local
Internacional = Local
Tabela 19: segmento /as/
104
Segmento :
Es
F1 F2 F3 F4 Número de
segmentos
Categoria
Internacional
761 2083 3204 4313 23
Categoria
Local
826 1973 3118 4167 34
Categoria
Nacional
805 2099 3141 4312 31
Desvio-padrão Internacional Local Nacional
F1 176 223 240
F2 304 320 360
F3 300 304 349
F4 219 300 267
Diferença maior: é significativa (); Diferença menor: não é significativa (=)
F1 F2 F3 F4
Nacional = Local
Nacional = Local
Nacional = Local
Nacional = Local
Nacional = Internacional
Nacional = Internacional
Nacional = Internacional
Nacional = Internacional
Internacional = Local
Internacional = Local
Internacional = Local
Internacional = Local
Tabela 20: segmento /Es/
Nas tabelas apresentadas, contrapondo-se a realização do fonema /s/ à do arquifonema /S/,
observou-se que, em relação ao /s/ não diferenças significativas em relação à variação. Assim,
o fonema varia menos que o arquifonema, confirmando a literatura segundo a qual o /s/ é mais
estável do que o /S/, como aponta Mattoso Câmara (2002). Ressalta-se ainda que a configuração
formântica do /S/ muda pouco conforme a categoria do texto, mantendo o contexto fonológico
com a vogal precedente. Isso significa que o arquifonema possui um grau de instabilidade maior
que do fonema numa locução que visa a um alto controle e estabilidade fonológica, como é a
locução do JN. No entanto, salienta-se que, ainda que o arquifonema apresente alguma variação
pelos dados exibidos, essa variação é pequena, que há poucas diferenças significativas nas
tabelas que analisam o arquifonema /S/.
105
3.5 − Considerações sobre padronização da fala do JN
Observou-se pelas tabelas dos itens 3.3 e 3.4 que existe pouca diferença significativa entre
a realização dos arquifonemas /R/ e /S/ quando se contrapõem matérias das categorias nacional,
local e internacional. Isso significa que o grau de variabilidade em relação à realização do /R/ e
/S/ é pequeno. Assim, é possível afirmar que um repórter do eixo Rio-SP-Brasília, da categoria
nacional, realiza os arquifonemas em questão de forma semelhante ao repórter que se encontra na
região Sul ou Norte, por exemplo. Os dados fonéticos, após analisados estatisticamente, apontam,
portanto, para uma uniformização, ou uma pequena variabilidade, em relação à realização dos
arquifonemas /R/ e /S/. Evidentemente, existem inúmeras outras variáveis fonéticas, de ordem
segmental e supra-segmental que não foram objeto desta análise. No entanto, esta investigação se
pautou pelas próprias diretrizes do Jornal Nacional, que sugeriu que o /R/ não deveria ser “muito
arranhado, gutural” e o /S/ não poderiam ser muito “sibilante” (ORGANIZAÇÕES GLOBO,
2004:123). Portanto, se houve uma intenção em padronizar a fala de repórteres e apresentadores
do noticiário mais assistido da TV brasileira, dados fonéticos e estatísticos podem confirmar essa
uniformização.
106
Capítulo 4
O conteúdo da fala do JN
“A semiótica não visa propriamente ao sentido, mas a sua arquitetura, não tem por objetivo
estudar o conteúdo, mas a forma do conteúdo” (FIORIN, 1999:04).
107
No presente capítulo, serão realizadas as análises semióticas dos textos das matérias do
Jornal Nacional. Isso quer dizer que se pretende verificar o que é dito e como se faz para dizer o
dito, ou seja, os efeitos de sentido criados nos e pelos textos. As matérias serão analisadas
principalmente no que tange ao nível discursivo, previsto pelo percurso gerativo de sentido,
especificamente a semântica discursiva, pela análise de temas e figuras. Também, do nível
discursivo, vai se analisar a questão da aspectualização, principalmente em relação ao tempo, ou
seja, o andamento do texto, o que confere às análises uma perspectiva por vezes tensiva. Optou-
se por esses elementos de análise visando a encontrar padrões, estruturas invariantes sobre as
quais se constrói o discurso jornalístico. Outros pontos da teoria, no entanto, poderão fazer parte
das análises, que cada uma é única e não se pretende “amarrar” textos dentro de “camisas de
força”, mas perceber a construção de sentidos a partir de estruturas intra-discursivas de cada
matéria jornalística. Essas foram divididas por data, e cada dia possui três matérias cujas
categorias já foram anteriormente referidas: nacional, local e internacional.
4.1 − Segunda-feira, 05 de maio
4.1.1 − Matéria nacional
No primeiro dia, na matéria da categoria nacional do dia 05 de maio, trata-se do caso da
investigação de um deputado, envolvido num esquema de desvio de dinheiro. A primeira análise
a ser feita é a dos temas, figuras e isotopias encontrados no texto em análise. Inicia-se com uma
pequena revisão da teoria, o que será feito sempre que for pertinente.
O nível discursivo, previsto pelo percurso gerativo de sentido, como descrito no primeiro
capítulo, articula-se por meio de uma sintaxe e de uma semântica discursivas. À primeira
caberiam as projeções da pessoa, do tempo e do espaço no enunciado. A semântica discursiva se
preocupa com tematizações e figurativizações. As relações de conjunção/disjunção do nível
narrativo concretizam-se, ao passar ao discursivo, recobrindo-se sob forma de temas e, mais
concretamente, sob forma de figuras. Para Fiorin, “a tematização e a figurativização são dois
níveis de concretização do sentido” (FIORIN, 2006:90). Segundo o autor, todos os textos
concretizam o nível narrativo necessariamente em temas. As figuras poderão ou não recobrir
108
esses temas. Temas seriam elementos mais abstratos e figuras corresponderiam ao mundo natural
ou a um mundo construído discursivamente como tal. Para Fiorin, no entanto, abstração e
concretude não são termos que se opõem de maneira privativa, mas que repousam em um
continuum que vai do mais abstrato ao mais concreto. Os textos figurativos constroem um
simulacro da realidade, ao passo que os textos temáticos tentam explicar essa realidade,
estabelecendo para isso relações. Salienta-se que, quando se fala em textos figurativos ou
temáticos, significa dizer que esses textos são predominantemente figurativos ou
predominantemente temáticos. Barros (2002:115) prefere chamar esses últimos de textos de
figurativização esparsa, uma vez que a autora considera que não textos não-figurativos. Essa
autora, em relação às figuras, afirma ser esse o lugar do ideológico nos discursos, que as
figuras de um texto não estão ali por acaso, mas são, antes de mais nada, o resultado da escolha
do enunciador.
Temas e figuras se disseminam no texto criando percursos temáticos e figurativos.
Segundo Fiorin (2006), numa análise, não importam os temas ou as figuras isolados, mas o
encadeamento desses, já que o que sentido é essa recorrência. Para Barros (2002), a reiteração
discursiva dos temas e a recorrência de figuras, “quando ocupam a dimensão total do discurso”
(2002:124), são chamadas isotopias. Termo advindo do domínio da física, a isotopia é aquilo que
dá ao texto uma coerência semântica ou um plano de leitura ao texto.
Veja-se agora o trecho inicial da matéria nacional do dia 5 de maio:
Trata-se de um texto temático, ou na acepção de Barros (2002), um texto de figuração
esparsa. O texto mostra dois percursos temáticos. O tema principal do primeiro percurso temático
é o da corrupção. O outro percurso, o da investigação, fica mais evidente no próximo excerto:
Para o Ministério Público, há indícios da participação do deputado no esquema. Em entrevista,
a procuradora que cuida do caso disse que os indícios vão além das escutas telefônicas. “O
indício que seja ele são as ramificações das investigações e, na verdade, algumas vezes não
foi só citado o nome Paulinho”.
A Justiça de São Paulo mandou para o Supremo Tribunal Federal o processo em que o nome
do deputado federal Paulo Pereira da Silva, do PDT, aparece citado como beneficiário de um
esquema de desvio de dinheiro do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social.
109
Para uma melhor visualização de ambos os percursos temáticos, propõe-se uma
disposição dos mesmos com elementos do texto na íntegra, que se encontra no anexo deste
trabalho, assim como todos os textos analisados.
Observa-se que o percurso temático da corrupção origem ao segundo percurso, o da
investigação. Ambos estão intimamente relacionados durante todo o texto, uma vez que o
segundo depende do primeiro, quer dizer, não havendo suspeitas de corrupção não caberiam
investigações. Observa-se ainda que no trecho Foram feitos 11 pedidos de prisão” existe uma
sanção pragmática, que é justamente o final do percurso temático da investigação. Houve um
contrato de honestidade que foi quebrado com a corrupção e a incriminação é a sanção cognitiva
enquanto o pedido de prisão, a sanção pragmática.
Nota-se que o tema da corrupção é figurativizado por desvio de dinheiro e o tema da
investigação é concretizado pela figura escutas telefônicas. Desvio de dinheiro e escutas
telefônicas são termos que remetem ao mundo natural e por isso podem ser considerados figuras,
no entanto, são figuras esparsas que não chegam a formar um percurso figurativo. Em relação à
isotopia do texto, pode-se dizer que se trata de uma isotopia da corrupção, uma vez que uma
recorrência de temas e, em menor medida de figuras, que criam um plano de leitura, um todo de
sentido, que remete ao tema da corrupção. Ressalta-se que uma isotopia da investigação/justiça
estaria circunscrita a uma isotopia maior, a da corrupção, uma vez que a segunda isotopia
existe em função da primeira. Como aponta Barros (2002) “As relações entre isotopias são
denominadas metafóricas ou metonímicas, conforme sejam ligadas por similaridade ou por
Percurso temático da investigação
Temas: indícios da participação do deputado no esquema evidências da participação de 11
prefeituras indícios do envolvimento de funcionários do BNDES 11 pedidos de prisão
envio de cópias do processo ao Tribunal Regional Federal e ao Supremo Tribunal Federal
abertura de processo contra do deputado condicionada ao parecer da Procuradoria Geral da
República.
Percurso temático da corrupção:
Temas: citação do nome do deputado em processo que o cita como beneficiário no esquema
de corrupção ausência do político na Câmara dos Deputados Declaração de defesa do
deputado pela Força Sindical
110
contiguidade do conteúdo”. A relação, portanto, entre a isotopia da investigação/justiça e da
corrupção enquadrar-se-ia no segundo tipo descrito por Barros (2002), já que se trata de uma
relação todo-parte. Por fim, acrescenta-se que a figura desvio de dinheiro teria um valor
negativo, ao passo que, a figura escutas telefônicas, um valor positivo, pois esta reveste o tema da
investigação. Outras duas figuras recorrentes no texto que concretizam o tema da investigação
são indícios e evidências, elementos que fazem parte do jargão policial e que remetem a
elementos concretos. Assim como em escutas telefônicas, elas teriam um valor eufórico, ao passo
que a figura do desvio de dinheiro um valor disfórico como se vê no quadrado semiótico a seguir:
Figura 23: quadrado semiótico de figuras da corrupção
Propõe-se agora um quadro para analisar o valor atribuído a todos os temas e figuras
presentes no texto:
Disforia Euforia
Desvio de dinheiro Manutenção do dinheiro
Não-manutenção do dinheiro Não-desvio de dinheiro
? Escutas telefônicas
Não-escutas telefônicas não-?
111
Euforia Disforia
Percurso temático da
investigação
Indícios da participação do
deputado no esquema;
Suposta participação de 11
prefeituras;
Suposto envolvimento de
funcionários do BNDES;
11 pedidos de prisão;
Envio de cópias do processo
ao Tribunal Regional Federal e
ao Supremo Tribunal Federal;
Abertura de processo contra
do deputado condicionada ao
parecer da Procuradoria Geral
da República.
Percurso temático da
corrupção
Citação do nome do deputado
em processo que o cita como
beneficiário no esquema de
corrupção;
Ausência do político na
Câmara dos Deputados;
Declaração de defesa do
deputado pela Força Sindical;
T
E
M
A
S
Figuras da investigação
Indícios
Escutas telefônicas
Evidências
Figuras da corrupção
Desvio de dinheiro
F
I
G
U
R
A
S
tabela 21: temas e figuras da corrupção
Outro conceito chave para a presente análise é o de aspectualização, que é a
sobredeterminação por um ator do discurso das categorias de enunciação. Em outras palavras,
seria o ponto de vista desse ator do discurso, que aspectualiza, ou seja, um aspecto ao espaço,
tempo e pessoa. Para Fiorin (1999), o conceito de aspectualização é entendido como um processo
112
de sobredeterminação do tempo, mas também das outras categorias de enunciação, espaço e
pessoa. Para o autor, o conceito de foria, ao ser conjugado a uma intensidade e a uma
extensidade, ao projetar-se no tempo e no espaço, produz efeitos de andamento e ritmo
discursivos. Em resumo, o ator do discurso sobredetermina as categorias da enunciação,
relacionando-as a uma continuidade ou uma descontinuidade. Em relação ao tempo, a
aspectualização consiste principalmente no andamento do texto, tornando-o mais rápido ou mais
lento. Andamento mais rápido, maior intensidade; andamento mais lento, maior extensidade.
Os percursos temáticos descritos acima parecem se relacionar a um texto de andamento
rápido, como nesse caso. No texto em análise, uma sucessão de fatos que coincide quase
inteiramente com o percurso temático mostrado no quadro anterior. O texto, dessa forma, tem
inicialmente um andamento rápido, pois uma sucessão ininterrupta de fatos que se sucedem.
Veja-se, portanto, como se dá a sucessão desses fatos:
Após o sexto fato, surge uma explicação: “Prefeitos e deputados têm foro privilegiado.
Por isso, o Ministério Público pediu e a Justiça Federal de São Paulo enviou cópias do processo
ao Tribunal Regional Federal e ao Supremo Tribunal Federal”. Essa passagem causa uma
desaceleração no andamento do texto, uma vez que não se trata de um fato novo, mas de uma
aclaração dos trâmites legais envolvendo os políticos envolvidos. Em seguida, mais uma
elucidação dessa natureza, pois “para processar o deputado Paulo Pereira da Silva, o STF
depende do parecer da Procuradoria Geral da República”. Nota-se uma manutenção da
desaceleração do texto. A fala do procurador-geral Antônio Fernandes de Souza tampouco
promove uma aceleração, pois não traz nenhum elemento novo: “A hora que chegar eu vou
examinar para verificar. Se tiver alguma coisa, eu tomo as providências que eu sempre tenho
tomado”. O andamento volta a ficar mais rápido no final com uma declaração de defesa da Força
1) Abertura de processo contra deputado supostamente envolvido com desvio de
dinheiro do BNDES;
2) Ausência do deputado em seu gabinete para preparar explicações ao seu
partido;
3) Existência de indícios contra o deputado, não apenas escutas telefônicas;
4) Suposta participação de 11 prefeituras;
5) Existência de do envolvimento de funcionários do BNDES;
6) Realização de 11 pedidos de prisão.
113
Sindical: “Em nota, a Força Sindical defendeu seu presidente, dizendo que ele é vítima de
implacável perseguição política”. Tal declaração, no entanto, não tem a força de um novo
acontecimento e, por isso, pouca aceleração do andamento consegue promover. Em termos
tensivos, pode-se dizer que o texto começa com uma intensidade alta, mas, quando se aproxima
do meio para o final, essa intensidade começa a diminuir, pois o andamento, antes rápido, torna-
se mais lento.
A matéria da categoria nacional do dia 5 de maio mostra um texto predominantemente
temático, ou de figuração esparsa. Esse predomínio de temas encadeados faz com que o texto
tenha inicialmente um andamento rápido, que perde a força aproximadamente a partir do meio
do texto. Não pretendendo generalizar, o texto jornalístico obedece a uma forma padrão chamada
de pirâmide invertida, a partir da qual, as informações principais, ou seja, o lide, tais como “o
que”, como”, “quando”, “onde” e “por que” vêm o quanto antes. No final, alguns
esclarecimentos ou explicações. Dessa forma, a matéria nacional do dia 5 de maio tem uma
intensidade decrescente e um texto que procura explicar a realidade, e não recriá-la, pois se trata
de um texto predominantemente temático. Como aponta Fiorin: “há dois tipos de texto: os
figurativos e os temáticos. Os primeiros criam um efeito de realidade, pois constroem um
simulacro da realidade (...) os segundos procuram explicar a realidade. (2006:91).
4.1.2 − Matéria local
A matéria da categoria local do dia 05 de maio trata das consequências deixadas pelo
ciclone extratropical que atingira o Sul do Brasil no fim de semana precedente. Diferentemente
do último texto analisado, neste texto, além de um percurso temático, há também um percurso
figurativo. Vejam-se os dois primeiros parágrafos:
A Defesa Civil em Porto Alegre confirmou hoje a segunda morte causada pelo ciclone
extratropical que atingiu a Região Sul do Brasil no fim de semana.
Depois da chuva, a preocupação agora é com os rios que não param de subir. Em Taquara, a
70 quilômetros de Porto Alegre, o Rio dos Sinos está oito metros acima do nível normal.
Centenas de casas ficaram submersas.
114
No primeiro parágrafo, encontra-se o tema da morte e, no segundo, o tema da destruição.
O tema da destruição, no entanto, é recorrente, formando um percurso temático: o percurso
temático da destruição. Mais adiante outro tema é observado pela frase “De barco, os moradores
ainda tentam salvar alguns móveis”. É o tema da sobrevivência, que não chega a compor outro
percurso temático, uma vez que é apresentado apenas de forma pontual no texto. Mais adiante, o
percurso temático da destruição é retomado, figurativizado por chuva, vento de mais de 100 km/h,
árvores arrancadas, casas destruídas, redes elétricas destruídas e casas sem luz e a calçada que
cedeu bem debaixo de um veículo que estacionava. O percurso temático da destruição é
figurativizado em seguida por 3 mil pessoas desabrigadas, duas vítimas e um homem morreu
afogado. Na segunda parte da matéria, que trata dos estragos causados em Santa Catarina, o tema
da destruição é figurativizado por rodovia interditada, pista inundada, rio transbordado e
engarrafamento de 14 km, casa arrastada, enchente, pertences espalhados pelo terreno, ruas
transformadas em rios e 1600 pessoas desalojadas. Pelo que se pode observar pelo texto, existem
dois percursos: um temático e um figurativo. O temático tem como tema principal a destruição,
enquanto o percurso figurativo concretiza esse tema com elementos do mundo natural. A isotopia
do texto ou um plano de leitura é a da catástrofe, talvez um termo mais abrangente que
destruição. Elementos recorrentes no texto levam à formação de um efeito de sentido final, que é
justamente esse efeito ligado à calamidade pública. Tanto o percurso temático quanto o figurativo
são valorados negativamente pelo texto, ou seja, criam um efeito disfórico. No quadro a seguir,
propõe-se uma esquematização dos valores atribuídos aos percursos temáticos e figurativos do
texto:
Percurso temático da destruição
(Disfórico)
Percurso figurativo da destruição
(Disfórico)
Morte;
Inundação;
Perdas materiais;
Situação de emergência;
Sujeira;
Falta d’água.
Ciclone extratropical
Rios que não param de subir;
Rio dos Sinos oito metros acima do
nível normal;
Casas submersas;
Chuva e ventos de mais de 100 km/h;
Árvores arrancadas;
Casas destruídas;
Moradores sem luz;
3 mil pessoas desabrigadas;
Um homem morto por afogamento;
Rodovia interditada;
115
Rio transbordando;
32 municípios atingidos;
Engarrafamento;
Lama;
Ruas transformadas em rios;
1600 pessoas desalojadas.
Tabela 22: percursos temático e figurativo da destruição
Quando à aspectualização, o texto apresenta um andamento acelerado no início, como se
vê no trecho seguinte:
Em seguida, o texto sofre uma desaceleração, já que descreve as consequências da passagem do
ciclone:
Mais adiante, o texto volta a ter um andamento mais rápido, apresentando fatos novos:
Mas perde novamente em aceleração, quando em seguida é apresentado um relato de uma
mulher indignada com a falta de luz:
Dessa forma, o texto é construído de um andamento mais rápido seguido de um
andamento lento. Diferentemente do anterior, o andamento desse texto alterna-se em
A Defesa Civil em Porto Alegre confirmou hoje a segunda morte causada pelo ciclone
extratropical que atingiu a Região Sul do Brasil no fim de semana. Depois da chuva, a
preocupação agora é com os rios que não param de subir.
Em Taquara, a 70 quilômetros de Porto Alegre, o Rio dos Sinos está oito metros acima do
nível normal. Centenas de casas ficaram submersas.
No fim de semana, a chuva e os ventos de mais de 100 km/h arrancaram árvores, destruíram
casas e a rede elétrica de muitas cidades. Nove mil e quinhentos consumidores ainda estão
sem luz. Em protesto, moradores de Guaíba, na Grande Porto Alegre, fecharam hoje uma
das principais avenidas da cidade.
“Nós resolvemos protestar porque desde sexta-feira, às oito e meia, nós estamos sem luz.
Estragou toda a nossa alimentação”.
116
acelerado/desacelerado. Poder-se-ia propor um gráfico do andamento do texto. No eixo vertical,
dispor-se-ia a aceleração e no horizontal, o tempo:
Gráfico 23: tempo no eixo x e aceleração no eixo y (oscilante)
4.1.3 − Matéria internacional
A matéria internacional do dia 05 de maio, segundo a repórter, envolve segredos de
família. São dois casos ocorridos na Europa; o primeiro revela detalhes do cativeiro do caso em
que o pai sequestrou e violentou a filha no porão da casa da família por 24 anos. O segundo
mostra o caso em que uma mãe, e suposta assassina, é presa após ter três filhos mortos
encontrados no freezer da família.
No primeiro caso, existem dois temas: o tema do incesto e o tema da premeditação. No
trecho a seguir pode-se observá-los:
O tema do incesto não é figurativizado. Quanto ao tema da premeditação, são atribuídos
dois valores disfóricos surpreendente e revoltante. O tema da premeditação é figurativizado por
porão e fortaleza com oito portas e um complexo sistema de trancas eletrônicas.
A
C
E
L
E
R
A
Ç
Ã
O
+
-
TEMPO
A polícia da Áustria informou um detalhe ainda mais surpreendente e revoltante no caso do
homem que seqüestrou e violentou a filha no porão de casa durante 24 anos. Joseph Fritzl
começou a preparar o local do cativeiro com seis anos de antecedência.
117
No segundo crime trazido pela matéria, observa-se o tema do segredo trazido à tona,
como se vê a seguir:
Três bebês mortos num freezer no porão são figuras que recobrem esse tema de
concretude. Em ambos os casos, tanto as figuras quanto os temas são disfóricos.
Quanto ao andamento do texto, nota-se um andamento rápido no início, o que
corresponde ao relato do fato principal. Em seguida, o texto torna-se mais descritivo e, por isso,
perde em andamento, tornando-se mais lento. Depois disso, no segundo caso da matéria, ocorre a
mesma coisa, isto é, um andamento rápido no início e lento do meio para o final.
4.2 − Terça-feira, 06 de maio
4.2.1 − Matéria nacional
A matéria do dia 06 de maio da categoria nacional aborda o caso da menina Isabella,
assassinada supostamente pelo pai e pela madrasta. A matéria desse dia traz mais desdobramento
do caso que se estendeu por mais de três meses, período em que havia, pelo menos, uma matéria
sobre o tema levada ao ar diariamente. Naquela terça-feira, o promotor Francisco Cembranelli
havia feito a denúncia contra o casal acusado: Alexandre Nardoni e Anna Carolina Jatobá. Veja-
se o trecho a seguir:
Nesse excerto, o tema da denúncia se apresenta. Denunciar é para o Dicionário Houaiss
da Língua Portuguesa “atribuir responsabilidade a alguém ou a si mesmo” ou ainda “tornar
Na cidade alemã de Wenden, uma mulher foi presa depois que três bebês foram encontrados
mortos num freezer no porão.
O promotor Francisco Cembranelli ofereceu hoje denúncia à justiça - e pediu a prisão
preventiva de Alexandre Nardoni e Anna Carolina Jatobá. Ele afirma que há evidências
suficientes para levar o casal a júri popular, pela morte da menina Isabella.
118
público, difundir, propagar”. Denunciar, nesse sentido, é retirar algo do âmbito do segredo
(aquilo que é, mas não parece), e colocar no âmbito do que é verdadeiro, quer dizer, que é e
parece ser. O tema de tornar algo público faz parte de um percurso temático maior, que é o
percurso da investigação. Investigar, por sua vez, para a mesma fonte é “seguir os vestígios, as
pistas de; procurar metódica e conscientemente descobrir algo”. Nesse caso, o tema investigação
é pressuposto ao tema descoberta, que passa a fazer parte do percurso temático da investigação. O
texto segue detalhando o tema da investigação que, esparsamente, é recoberto de figuras:
O termo sangue, nesse caso, figurativiza tanto o tema da investigação, quanto o tema da
morte. Quer dizer, trata-se de um indício que ligaria a participação dos acusados com o crime,
além de um elemento do mundo natural que reveste um elemento abstrato como morte ou
investigação. O promotor além de denunciar o casal, decretou sua prisão preventiva. A prisão,
nesse microuniverso semântico, trata-se do fim do percurso temático da investigação. Uma
sanção pragmática que finda o percurso da investigação. Imbrica-se ao tema da investigação o
tema da morte. Para que houvesse a investigação, dever-se-ia investigar alguma coisa, um crime
de qualquer natureza, que no caso é tematizado pela morte. Em termos de valores, o percurso da
investigação seria eufórico, enquanto o tema da morte teria um valor disfórico. Ressalta-se que
esses temas não são positivos ou negativos a priori. São valores construídos no e pelo texto,
assim como as figuras relacionadas aos respectivos temas.
Quanto ao andamento, o texto apresenta uma organização semelhante ao texto de item
4.1.2. O texto começa com um andamento acelerado, que passa a ficar mais lento e, em seguida
mais acelerado, depois mais lento... Essa organização se dá devido à apresentação do tema
principal no início da matéria, que perde em aceleração logo depois, pois uma descrição das
circunstâncias e causas do crime. Da mesma maneira, quando se dá voz a um entrevistado, perde-
se em aceleração, pois o objetivo não é oferecer fatos novos, mas criar um efeito de credibilidade
por meio daqueles dizeres. Assim, apresenta-se um fato novo, que é descrito em seguida. Depois
disso, mais um evento seguido de mais aclarações circunstanciais e assim por diante.
O promotor deixou claro que não se prendeu a nenhum detalhe da investigação. Concluiu pela
culpa do casal porque, segundo ele, um conjunto de provas suficiente para incriminar os
dois. Um dos pontos mais questionados foi se havia sangue no carro de Alexandre e se era de
Isabella.
119
4.2.2 − Matéria local
A matéria nacional do dia 6 de maio relata a invasão de indígenas a uma fazenda de arroz.
Durante a ocupação houve confronto entre índios e seguranças da propriedade. A invasão teve
consequências para o proprietário, que foi preso:
No trecho acima, observam-se os temas da insurreição o e da prisão. Esses temas ligar-se-
iam à isotopia da justiça. Tanto uma justiça realizada pelas próprias mãos, no caso dos índios,
quanto em relação à justiça do Estado, que determinou a prisão do rizicultor, como também em
relação à ação da polícia, que coibiu a ocupação das terras pelos indígenas:
O percurso temático da insurreição, do nível discursivo, teria no nível fundamental duas
categorias semânticas de base: liberdade versus opressão. No entanto, nota-se que esses valores
se axiologizam de forma distinta dependendo do ponto de vista do observador. Para o rizicultor
(dominante), a insurreição dos índios é disfórica, pois ameaça o esquema de exploração do
homem pelo homem que, para ele, é eufórica, que se encontra no topo da pirâmide do sistema
de produção. Para os índios, entretanto, a figura do grande proprietário de terras representa a
dominação, que possui, por sua vez, um valor disfórico pelo ponto de vista dos dominados.
Índios feridos e bombas de fabricação caseira são algumas figuras esparsas que recobrem
o tema da insurreição e mais amplamente a isotopia da justiça. Após a insurreição indígena,
estabelece-se novamente a ordem:
A Polícia Federal prendeu, no fim da tarde, em Roraima, o dono da fazenda de arroz onde
seguranças atacaram a tiros um grupo de índios que tinha invadido a propriedade.
Ontem, cerca de 70 índios invadiram a propriedade. Eles dizem que começavam a montar
acampamento quando um grupo de homens encapuzados chegou atirando. Uma bomba de
fabricação caseira foi usada.
O ministro da Justiça Tarso Genro veio hoje a Roraima, acompanhado do diretor-geral da
Polícia Federal. Eles sobrevoaram a região da Raposa Serra do Sol. A determinação do
ministro é que a Polícia Federal mantenha a ordem na região.
120
Considerando-se que a justiça, por meio de valores deônticos, do dever-ser e do dever-
fazer, restabeleceria a ordem da propriedade invadida, promovendo sua desocupação, o tema da
ordem cruzar-se-ia com o tema da insurreição, que culminaria na prisão do fazendeiro:
Com relação ao andamento, o texto apresenta um andamento acelerado no começo,
quando apresenta os fatos principais, não obedecendo à cronologia dos acontecimentos, que o
que aparece primeiro no texto, isto é, no lide, é a prisão do dono das terras. Após a apresentação
desses fatos, são descritas as circunstâncias de como tais fatos ocorreram, o que torna o
andamento menos acelerado. Essa organização textual, como se apontou anteriormente,
remonta à pirâmide invertida, técnica jornalística na qual as informações mais relevantes são
colocadas em primeiro lugar, para que o leitor, ou telespectador, no caso, não tenha que,
necessariamente ler ou assistir à matéria até o final. O que se pode observar principalmente nesse
texto analisado é que a ordem de apresentação dos fatos não corresponde à ordem cronológica de
acontecimento, assim como o percurso temático “canônico” é algo que se depreende do texto e
que se forma virtualmente.
4.2.3 − Matéria internacional
A matéria da categoria internacional daquela terça-feira aborda a corrida presidencial
americana. E o primeiro tema que se apresenta é o tema da indefinição em relação à escolha do
candidato democrata. O segundo tema é a campanha do candidato republicano John McCain
pelos Estados Unidos. Um elemento constituinte do texto da matéria é a explicitação da voz dos
repórteres, o que, segundo Fechine (2008), cria um efeito de uma ponte espácio-temporal entre
mundo real e o telespectador, como se vê no trecho a seguir:
Enquanto os democratas decidem quem será o candidato deles à presidência, o republicano
John McCain percorre os Estados Unidos em campanha. Os correspondentes lia Teles e
Sherman Costa acompanharam o senador numa viagem.
Paulo César Quartieiro foi preso por formação de quadrilha, ocultação de armas e obstrução de
estradas.
121
Assim, em termos de acontecimentos, não se agrega em nada o fato de a repórter
acompanhar o candidato republicano Estados Unidos afora. Semioticamente, no entanto, a
explicitação da presença da repórter constrói um efeito de credibilidade, exclusividade, que a
experiência daquela profissional será vivida por quem assiste ao Jornal Nacional, e apenas a esse
noticiário, já que nenhum outro conta com a presença in loco de um repórter no avião do
candidato republicano.
A matéria segue descrevendo a viagem de John McCain, o que faria parte do percurso
temático campanha política. Em um determinado momento da matéria, a repórter afirma:
O termo “por mim” marca novamente a pessoa da enunciação, um eu, um ponto de vista
que estrategicamente cria um efeito de subjetividade, mais um elemento linguístico do texto
marcado pela pessoa da enunciação.
O enunciado, marcado pela pessoa projetada, tem um andamento inicial pido, que se
torna lento após o primeiro parágrafo, em termos jornalísticos, após o lide. O andamento então
menos acelerado é resultado de um texto mormente descritivo, como se vê neste excerto:
4.3 − Quarta-feira, 07 de maio
4.3.1 – Matéria nacional
A matéria da categoria nacional do dia 07 de maio revela um vazamento indevido de
informações, pela Casa Civil, sobre gastos pessoais do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso
e de sua família durante seu mandato. O primeiro tema que salta aos olhos é o da negação:
Na entrevista, ele escolhe os jornalistas e responde a uma pergunta feita por mim sobre o
etanol brasileiro.
Nós acompanhamos a maratona do candidato, que inclui conferências, discursos, entrevistas e
viagens a até três estados num único dia.
122
O texto se constrói, portanto, em função da negação por parte da ministra Dilma Rousseff
de que houve a divulgação dessas informações. A citação anterior condensa os fatos mais
importantes, que voltam a ser mais bem explicados no parágrafo seguinte. De modo que um
andamento rápido inicial torna-se mais lento, ao explicar as condições do interrogatório:
Mais adiante no texto, um líder político coloca em xeque a negação da ministra da Casa
Civil insinuando que ela poderia estar mentindo. O tema da insinuação cruza-se com percurso
temático da negação. Nega-se, insinua-se o contrário e volta-se a negar. Após a segunda negação,
esse percurso praticamente se desfaz, dando início ao tema do favorecimento político. A mudança
de um tema para o outro é figurativizada por perder o rumo, expressão que denota falta de
perspectivas:
O tema da negação é valorado euforicamente pelo texto. Essa valoração é perceptível pelo
excerto a seguir:
Para a teoria semiótica, enunciador e enunciatário são desdobramentos do sujeito da
enunciação (Barros, 2002:92). O enunciador coloca-se como um destinador-manipulador,
A ministra Dilma Rousseff voltou a negar, hoje, que a Casa Civil tenha montado um dossiê
com informações sobre o ex-presidente Fernando Henrique. Ela foi ouvida por mais de nove
horas em uma comissão do Senado.
Dilma Rousseff chegou na hora marcada. Foi para a Comissão de Infra-Estrutura
acompanhada pelo presidente do Senado e por aliados. A oposição foi direto ao dossiê: as
informações sigilosas do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso que vazaram da Casa
Civil.
A oposição perdeu o rumo. A ministra passou a falar do PAC, o Programa de Aceleração do
Crescimento, e os senadores começaram a perguntar sobre as obras dos seus estados. Em
um clima de elogios e cordialidade, surgiram poucas perguntas sobre o dossiê, que a ministra
voltou a negar.
O governo estava tão confortável com o depoimento, que concordou em prorrogar a sessão.
As votações em Plenário foram canceladas. Anoiteceu e o Senado ainda estava ocupado com
a única agenda do dia: o depoimento da ministra. Para o Planalto, Dilma Rousseff venceu um
grande teste político.
123
responsável por levar o enunciatário a crer ou a fazer. Manipular, semioticamente, é um fazer-
fazer ou um fazer-crer. O fazer interpretativo do enunciatário realiza uma espécie de filtragem (a
partir de valores, cultura etc) da manipulação exercida pelo destinador-manipulador e pode ser ou
não ser manipulado. Dessa forma, a verdade ou a falsidade de um discurso dependem do tipo de
discurso, cultura e sociedade etc, o que significa dizer que o contrato de veridicção de um
discurso se liga a uma rie de outros contratos relacionados a diversos aspectos de cada povo. O
contrato de veridicção determina as condições para que o discurso seja considerado verdadeiro,
falso, mentiroso ou secreto. Dessa forma, o texto mesmo constrói sua própria verdade, uma
verdade interna. Dessa maneira, o enunciador não cria discursos verdadeiros ou falsos, mas
discursos que têm um efeito de verdade ou falsidade. Segundo o texto analisado, construiu-se
discursivamente uma verdade: o fato de a ministra negar o vazamento das informações acrescido
da informação final da matéria “Para o Planalto, Dilma Rousseff venceu um grande teste
político”, faz com que esse negar implique que o não-vazamento de informações seja
discursivamente verdadeiro. O texto valora euforicamente o tema da negação justamente por que
a ele se ligou outro tema, também de valor positivo, ou seja, a aprovação da ministra em um
importante teste político.
4.3.2 – Matéria local
A matéria da categoria local daquela quarta-feira traz a história de um agricultor acusado
de manter em cárcere privado a esposa por vinte anos:
Após o lide, com andamento acelerado, a matéria passa a ter um andamento lento, devido
às descrições.
No interior de São Paulo, a polícia prendeu um agricultor aposentado, acusado de manter a
mulher em cárcere privado por duas décadas.
A aparência é de um lugar tranquilo, mas, durante 20 anos, este sítio no município de
Pedranópolis foi o cárcere de uma dona de casa, que saiu poucas vezes da propriedade, e
somente acompanhada do marido.
124
O texto, que começou com um andamento acelerado, mantém o andamento lento até o
último parágrafo. No final do texto, alguns fatos novos se apresentam, tais como indiciamento do
agricultor e a pena estimada para os crimes cometidos. Essas novas informações, no entanto, não
têm peso para tornar o andamento acelerado, torna-o, no máximo, não-desacelerado.
Como aponta o trecho acima, quanto a temas e figuras, o lugar aparentemente tranquilo,
esconde uma ilusão, ou seja, uma coisa que parece, mas não é. Assim, “aparência de lugar
tranquilo” figurativiza o tema da ilusão de tranquilidade/liberdade, uma vez que, em seguida, o
texto declara que esse lugar de suposta calmaria (que poderia ter valor positivo) tem, no texto, um
valor disfórico: o sítio, por 20 anos, serviu cárcere, figura do tema da prisão, à qual foi submetida
a dona de casa pelo marido. Esse tema, por sua vez, recobre um destinador-manipulador que
priva o sujeito do objeto-valor liberdade. O tema da prisão/encarceramento é figurativizado por:
Figuras da prisão/encarceramento:
Dona de casa, marido, Não acompanhar as duas filhas até a escola, não ir visitar parentes, não
receber visita da família em casa, serviços pesados (ordenha, cerca, sacos), dois revólveres, uma
espingarda, cárcere privado, trabalho escravo.
Tabela 23: figuras da prisão/encarceramento
A prisão/encarceramento a que a dona de casa foi submetida tem um valor negativo,
que se trata de um rcere ilegal e imoral, segundo as leis que governam a conduta na sociedade,
ou semioticamente, o contrato fiduciário estabelecido. O cárcere legal, por sua vez, tem valor
eufórico, uma vez que parte da premissa de que a liberdade é irrevogável, a não ser que o
indivíduo tenha cometido um ato pelo qual ele tem que ser punido, justamente com a privação à
liberdade. O texto é predominantemente temático, embora algumas figuras, como se apontou
acima, recubram o tema da prisão. O tema da sanção, figurativizada por “16 anos de prisão” é
apresentado ao final e, nesse caso, como se apontou, a privação à liberdade possui valor eufórico.
Um ponto que também chama atenção neste texto é a relação entre um texto e outro(s).
Segundo Matte (2004), quando se trata da intertextualidade, faz-se necessário distinguir o que
está dentro e o que está fora do texto. Para a autora, a enunciação é uma instância membrana do
texto, quer dizer, aquilo que regula as trocas entre o dentro e o fora do texto. O discurso, por sua
vez, que se materializa em texto, oferece pistas sobre o intertexto graças à permeabilidade da
enunciação. Além da interdiscursividade imanente do texto, que permite, até certo ponto, várias
125
leituras, ele pode ser lido conjuntamente a outros textos, que, por sua vez, vão redirecionar o
sentido inicial do texto. Dessa maneira, um objeto-texto é um recorte do contínuo textual, o que
significa que diferentes recortes vão produzir diferentes textos. Assim, o contexto, qualquer que
seja ele, é considerado outro texto com o qual o texto em análise dialoga. O caso da matéria do
agricultor preso dialoga explicitamente com outro, o austríaco, em que o pai sequestrou e
violentou a filha por 24 anos:
4.3.3 – Matéria internacional
A matéria selecionada da categoria internacional relata o drama do país asiático Mianmar,
assolado por um ciclone. O tema é a catástrofe:
Assim como na matéria analisada, que também aborda a passagem de um ciclone
extratropical no sul do Brasil, nessa existe também um número significativo de figuras, que
recobrem o tema da catástrofe, da destruição. O trecho a seguir mostra a formação desse percurso
figurativo, cujo valor é marcadamente disfórico:
Outro tema se coloca em meio ao tema da catástrofe, que é a recusa da ajuda. O governo
de Mianmar se recusa a receber ajuda de outros países e até o Papa tenta intervir:
O caso do austríaco, que manteve a filha em cativeiro durante 24 anos, motivou a família da
dona de casa a fazer a denúncia só agora.
É dramática a situação dos sobreviventes do ciclone que arrasou Mianmar no fim de semana.
um milhão de desabrigados e a ajuda humanitária chega lentamente às áreas mais
atingidas. Extra-oficialmente, já há quem fale em 100 mil mortos.
Pessoas em desespero tentam caminhar e encontrar abrigo, mas todos os abrigos vão
sendo destruídos e arrastados pelo vento. Quando a tormenta vai embora, surge a visão
chocante de uma cidade em ruínas. Famílias sem rumo em busca de água e comida.
Macas improvisadas carregam os feridos e os famintos se juntam em abrigos
improvisados.
126
Quanto ao andamento, o texto apresenta uma estrutura que não foge ao padrão da maioria
dos textos até aqui analisados, ou seja, um andamento forte no início como se no primeiro
excerto deste item. Após um andamento acelerado, cujo efeito é produzido pela apresentação de
novos fatos, por rupturas, ele passa a ter um andamento mais lento, representado pelo trecho a
seguir:
Um andamento mais lento é fruto do efeito de continuidade, extensidade, que são
resultado de um texto majoritariamente descritivo. Como se no trecho apresentado, não é
apresentado um fato novo, mas a descrição de um fato que fora apresentado anteriormente.
Assim, partes descritivas do texto têm um andamento mais lento, ao passo que aquelas que
apresentam fatos, promovendo rupturas, possuem um andamento acelerado.
4.4 − Quinta-feira, 08 de maio
4.4.1 – Matéria nacional
A matéria da categoria nacional do dia 8 de maio dialoga com outra, a matéria da mesma
categoria do dia anterior. De acordo com o texto desse dia, houve vazamento de informações
relativas às despesas pessoais e da família do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, à época
de seu mandato, e que tais informações foram divulgadas por um funcionário da Casa Civil:
Mesmo diante dessa tragédia gigantesca, o governo de Mianmar continua dificultando a
entrada de estrangeiros. Equipes de assistência humanitária são barradas na fronteira. As
imagens de sofrimento levaram o Papa a fazer um apelo: Bento XVI pediu a todos que abram
os corações para a colaboração dos que podem e querem ajudar.
Cinco mil km² Estão debaixo d’água. O ciclone engoliu cidades inteiras e até mudou o mapa
da região. As duas fotos do satélite mostram como está diferente o desenho do litoral.
127
A passagem de um estado de segredo (é, mas não parece) para um estado de verdade e
parece ser) é o tema que se pode depreender do texto inicialmente. A verdade discursivamente
construída pela Ministra da Casa Civil, que afirmou não ter havido vazamento de informações,
torna-se agora uma não-verdade, por meio de um desvelamento de um segredo.
A matéria do caso começa com um andamento acelerado, mas, em seguida, esse
andamento perde em aceleração, uma vez que o texto da matéria torna-se majoritariamente
explicativo, isto é, descrevendo as condições da existência desse dossiê, comprovada pelo ITI,
Instituto de Tecnologia da Informação, responsável pela perícia nos computadores da Casa Civil.
De acordo com esse laudo, houve uma troca de e-mail entre um funcionário da Casa Civil com
um assessor do senador Álvaro Dias, do PSDB, partido que faz oposição ao PT, partido da
situação. Para o texto da matéria “O laudo do ITI confirma agora que o dossiê realmente existiu.”
Dessa forma, um segredo, ou seja, a existência do dossiê que não parecia haver, agora existe e
parece existir, por meio da confirmação pelo laudo do ITI. Dessa forma, passa-se do estado do
/não-parecer-ser/ para o /ser-parecer/, como se vê no diagrama a seguir:
Um laudo técnico dos peritos que examinaram computadores do Palácio do Planalto revela
quem vazou o dossiê com os gastos da presidência no governo Fernando Henrique. A
investigação mostra que as informações sigilosas foram divulgadas por um funcionário da
Casa Civil.
128
Figura 25: quadrado da veridicção – passagem do secreto ao verdadeiro
Nota-se que o tema do segredo é tido como disfórico, ao passo que o desvelamento desse
segredo, ou seja, a verdade, a existência do dossiê, eufórica. Sabe-se que, no sistema
democrático, não é desejável que governantes ajam sem respeitar princípios de democracia e
ética, e que tais ações põem em risco o próprio sistema. No final da matéria, o andamento, que
estava desacelerado, ganha um pouco em aceleração, mas não o suficiente para acelerar o texto,
que termina de forma não-desacelerada, como se vê no trecho a seguir:
4.4.2 – Matéria internacional
A matéria da categoria internacional mostra a festa dos israelenses, que comemoravam os
60 anos de fundação do estado hebreu. O primeiro tema que se observa é o da celebração do
Ser Parecer
Não-parecer Não-ser
Secreto
Falso
Ilusório
A ministra Dilma Rousseff não quis falar sobre as informações do laudo. Disse que vai
aguardar a investigação da Polícia Federal. A Justiça autorizou hoje a prorrogação por mais
60 dias do inquérito que apura o vazamento do dossiê.
Verdadeiro
129
patriotismo, quer dizer, “qualidade ou característica de quem é patriota”. Patriota, por sua vez,
denota “que ou aquele que ama a pátria e a ela presta serviços”
26
. Trata-se de um texto
predominantemente temático, com algumas figuras esparsas, como se observa no excerto a
seguir:
As figuras marcadas em negrito, mar, praia e céu figurativizam os tantos espaços em que
se expressa o tema do da celebração, figurativizado por exibição militar. O texto segue
enaltecendo os avanços desse país que, no entanto, está em disjunção com um objeto-valor: a paz:
Estando Israel em disjunção com o objeto-valor paz, depreende-se então o tema da
guerra. O percurso temático da guerra então se constrói a partir de dois pontos de vista: o que é
festa para os judeus, para os palestinos, o texto chama de catástrofe:
Assim, o patriotismo dos judeus, para esses, é eufórico, pois representa a reconquista
territorial do estado hebreu, ao passo que, para os palestinos, é disfórico, uma vez que os
segundos se consideram destituídos de seu território após a Guerra dos Seis Dias. Quanto à
aspectualização do tempo, o texto apresenta um andamento inicial acelerado (a comemoração dos
60 anos do estado hebreu) e mantém o andamento acelerado ao fazer um desvio de foco: em vez
26
Definições do Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa.
Começaram, em Israel, as comemorações dos 60 anos de fundação do Estado hebreu. No
mar, na praia, no céu. A exibição militar lembrou como Israel sempre teve que se preparar,
numa região de vizinhos hostis.
País mais desenvolvido do Oriente Médio, Israel sempre encantou o mundo com seus
avanços na agricultura, na tecnologia de ponta. Falta uma conquista fundamental que
ninguém esquece, mesmo nesses churrascos, tradição local, no Dia da Independência. “Paz”
pede esta israelense.
Na Cisjordânia ocupada, hoje houve protestos. A chave é símbolo das casas que os
palestinos perderam ao fugir de onde viviam. Para eles, o que os israelenses festejaram hoje
tem o nome, em árabe, de catástrofe.
130
de falar em comemoração israelense, o texto faz uma retrospectiva histórica e apresenta o outro
lado da moeda, a situação do povo palestino. Em seguida o texto perde em aceleração ao realizar
descrições. No final, o texto termina não-desacelerado, ao relatar a indefinição das fronteiras de
Israel e da Palestina, ou seja, ao final, não mais se descreve, mas se apresenta a situação efetiva
desses dois territórios. O texto, que termina não-desacelerado, apresenta, ao final, um novo tema:
a indefinição política daquela região.
Esclarece-se que a matéria terceira matéria da quarta-feira foi retirada do corpus da
pesquisa, pois o tema não encaixava no que se convencionou chamar de categoria local.
4.5 − Sexta-feira, 09 de maio
4.5.1 – Matéria nacional
A matéria da categoria nacional do dia 09 de maio fala da alta do preço de alimentos
básicos na alimentação do brasileiro:
O texto apresenta uma isotopia econômica, ao tratar do tema da alta de preços dos
alimentos. Esse tema é figurativizado pelo trecho: “Farinha no Nordeste, massa em São Paulo e
o angu dos mineiros”. Em seguida o texto, que tinha um andamento rápido, torna-se explicativo,
perdendo em aceleração, mantendo, no entanto a mesma isotopia econômica:
Sessenta anos de sua fundação, Israel é bem maior do que previa a resolução da ONU, mas
ainda tem fronteiras indefinidas.
Aqui no Brasil, o preço dos alimentos voltou a pressionar a inflação, que fechou o mês de abril
em alta. Alguns produtos típicos da mesa dos brasileiros estão entre os que ficaram mais
caros.
131
Outro tema se apresenta após o tema da alta dos preços dos alimentos que é o tema de
como contornar essa adversidade, mantendo uma dieta saudável e equilibrada:
Pode-se perceber que o tema da alta dos alimentos é tema um valor disfórico, por
representar uma privação a que o povo brasileiro está submetido. Tentar burlar essa dificuldade é
eufórico, pois, com isso, obter-se-ão dois benefícios: um custo baixo, figurativizado por não-
sensação de peso no bolso, e uma alimentação saudável, figurativizado por produtos saudáveis.
Nota-se que, a uma isotopia econômica, cruza-se uma isotopia da qualidade de vida, que abarca
não apenas uma vida financeira equilibrada, mas também uma vida sã em todos os aspectos.
O andamento do texto reflete a presença dos dois temas principais: o tema da alta dos
preços dos alimentos e o tema de como burlar essa dificuldade de forma saudável. Dessa forma, o
andamento se apresenta inicialmente acelerado, como se pode ver pelo primeiro trecho deste
item, para sofrer uma desaceleração, como se pode conferir no segundo fragmento. Com a
apresentação do novo tema, o texto ganha em aceleração, que volta a cair em seguida. Essa perda
da aceleração é resultado de um texto que se torna mais exemplificativo como se percebe a
seguir:
Nota-se pelo trecho acima que feijão carioquinha figurativiza o tema de burlar a alta dos
preços e manter-se com uma dieta saudável. Por fim, pode-se dizer que o andamento dessa
matéria é uma variação do andamento de matérias que oscilam a aceleração, podendo ser
representado da seguinte maneira:
Os preços de produtos que fazem parte da base da alimentação do brasileiro pressionam a
inflação desde 2007. Em abril, o índice ficou em 0,55%. Só os alimentos representam metade
da taxa. O aumento é maior que o de março.
Como não pra cortar comida do orçamento, o desafio é montar um cardápio que fuja dos
pratos mais tradicionais, que estão mais caros, e encontrar na variedade de prateleiras
produtos que também sejam saudáveis, e que depois o dêem aquela sensação de peso no
bolso.
Os cariocas Wanda e Roberto não ficavam sem feijão preto, até que o aumento chegou a 45%
esse ano. Trocaram pelo feijão carioquinha, bem mais em conta, mas mantiveram o tempero.
132
Gráfico 24: tempo no eixo x e aceleração no eixo y (decrescente)
4.5.2 – Matéria local
A matéria da categoria local evidencia a paralisação de aulas na Universidade Federal do
Ceará devido uma ocupação por um grupo de sem-teto:
Observam-se dois temas: o tema da invasão pelos sem-teto e o tema da suspensão das
aulas. No trecho a seguir, retoma-se o tema da invasão, notadamente disfórico, pois invasão
significa, pelo dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, “ato ou efeito de invadir; ato de
penetrar ocupando-o pela força”. A diferença entre ocupar e invadir, portanto é o uso da força. A
escolha lexical, dessa forma, cria um efeito negativo. O tema da invasão é figurativizado pelos
termos marcados em negrito:
+
-
TEMPO
A
C
E
L
E
R
A
Ç
Ã
O
A reitoria da Universidade Federal do Ceará suspendeu, a partir de hoje, todas as atividades.
14 mil alunos ficarão sem aulas por causa de uma invasão de sem-teto.
No maior campus da universidade, a única movimentação é de
seguranças
. Eles tentam
impedir que os prédios sejam invadidos. Há 15 dias, 600 pessoas derrubaram o muro,
ergueram barracas e demarcaram terrenos dentro da instituição.
133
Quanto ao andamento, o texto mostra-se acelerado inicialmente, mas ao começar a
descrever a situação, o andamento torna-se mais lento. No final, no entanto, a aceleração tende a
aumentar, pois se apresentam fatos ainda não apresentados na matéria:
Apresenta-se, dessa maneira um novo tema, o tema da desocupação. Ao se apresentar um
novo tema, o andamento tende a se acelerar, como se apontou. Um gráfico do andamento pelo
tempo, nessa matéria, tem a seguinte representação:
Gráfico 25: tempo no eixo x e aceleração no eixo y (final não-desacelerado)
4.5.3 – Matéria internacional
Na matéria da categoria internacional, observa-se o seguinte lide:
A
C
E
L
E
R
A
Ç
Ã
O
+
-
TEMPO
A Justiça já determinou a desocupação da área e a Polícia Federal informou que vai cumprir o
mandado de reintegração de posse a qualquer momento. No início da noite, os invasores se
comprometeram a deixar o campus até o início da manhã de sábado.
Na Rússia, o governo promoveu hoje o maior desfile militar desde o fim da União Soviética
para lembrar a vitória sobre as tropas nazistas na Segunda Guerra Mundial. Quem informa é o
enviado especial Renato Peters.
134
Como se previu no início do capítulo, outros pontos da teoria semiótica podem se fazer
presentes, e se pretende nesse momento também observar a sintaxe discursiva, mais
especificamente, a projeção da categoria de pessoa no enunciado. Como aponta Fiorin (2005), as
categorias de enunciação podem projetar-se no enunciado, por meio de debreagem enunciativa,
ou ainda estar ausentes do enunciado, no caso da debreagem enunciva. Ao se projetar a categoria
de pessoa da enunciação no enunciado: “Quem informa é o enviado especial Renato Peters”, o
texto é debreado enunciativamente. Essa prática discursiva cria um efeito de subjetividade, de
aproximação. No caso do telejornalismo, como apontou Fechine (2008), essa presença in loco do
repórter cria o simulacro de que o telespectador está vivendo a mesma experiência do profissional
da notícia, por meio de uma ponte espácio-temporal.
Observa-se pelo fragmento acima o tema do desfile militar, que, por sua vez, representa
outro tema: a vitória dos russos sobre os nazistas na II Guerra. Depreende-se do texto uma
isotopia bélica. As figuras que concretizam o tema do desfile são: 100 carros de combate, oito
mil militares, mísseis balísticos, ogivas nucleares. Após o tema do desfile, apresenta-se outro
tema, que é o da demonstração bélica:
Ao tema do desfile militar mais um tema se imbrica: o tema da demonstração bélica.
Assim, em relação ao tema do desfile militar, existe um tema que se estende para o passado, a
vitória da segunda guerra mundial, e um tema que se estende para o futuro, a mostra de poderio
bélico, que poderia indicar uma motivação de guerra:
Passado Presente Futuro
Tema do desfile
militar
Tema da
demonstração
bélica
Tema da vitória
sobre as tropas
nazistas
18 anos, quando a Praça Vermelha ainda era o coração da União Soviética, não se via
tamanha demonstração bélica. A Rússia decidiu mostrar ao mundo que voltou a investir em
armamentos, no feriado mais importante do país.
Figura 26: linha do tempo e temas
135
Outro tema que se apresenta é o da primeira aparição do então recém-eleito presidente
Dimitri Medvedev. Quanto ao andamento, o texto apresenta a seguinte estrutura mostrada
anteriormente:
Gráfico 26: tempo no eixo x e aceleração no eixo y (uma oscilação)
Os picos coincidem com a apresentação de novos temas, ou seja, uma maior intensidade,
pois a apresentação de fatos novos provoca rupturas, tensões. Ao passo que, na região dos vales,
o texto passa a descrever e contextualizar os fatos. Tem-se então um momento de maior
relaxamento e, portanto, de maior extensidade.
4.6 − Sábado, 10 de maio
4.6.1 – Matéria nacional
Na matéria de categoria nacional do último dia da semana analisada, a política de cotas
para negros, previsto pelo Estatuto da Igualdade Racial, foi criticada pelo próprio movimento
negro, teoricamente o maior beneficiado por tal documento:
Do trecho acima, depreende-se o tema da crítica à política de cotas para indivíduos
negros. Tal crítica vem do próprio movimento negro e, portanto, esse tema é valorado pelos
+
-
TEMPO
A
C
E
L
E
R
A
Ç
Ã
O
A política de cotas para negros voltou a ser criticada. Reunidos em São Paulo, militantes do
Movimento Negro Socialista fizeram um manifesto contra o Estatuto da Igualdade Racial, em
debate na Câmara dos Deputados.
136
manifestantes como disfórico. A isotopia predominante no texto é uma isotopia racial. Em
relação ao andamento, o texto começa acelerado, mas, logo esse andamento tende a ficar mais
lento. No segundo parágrafo, explicam-se alguns pontos do Estatuto da Igualdade Racial:
Como foi dito anteriormente, no texto, esses momentos caracterizam-se por representar
uma continuidade, sempre de natureza extensa. Invariavelmente, a continuidade, no entanto, é
seguida de uma ruptura, que é o momento de aumento de intensidade:
Ao qual, logo a seguir, se impõe mais um momento de continuidade, de relaxamento:
Outro tema da matéria, que se apresenta do meio para o final, é tema das cotas para
negros em universidades:
Nota-se, no fragmento acima, outro momento de ruptura, que é a inserção de um novo
tema. A essa ruptura se segue outro momento de continuidade, que é justamente um
detalhamento/contextualização desse sistema de cotas universitárias:
A matéria termina de forma desacelerada, ao trazer duas vozes opinando em relação às
cotas: a primeira delas em relação às cotas universitárias e a segunda delas, em relação às cotas
O projeto que determina, por exemplo, a contratação de negros por empresas que prestam
serviço a órgãos públicos está em discussão no Congresso.
Do encontro, saiu um documento que será entregue a deputados e senadores.
Na carta, os integrantes do Movimento Negro Socialista explicam porque são contra a criação
de novas cotas para os chamados "afro-brasileiros".
A política de cotas para negros, nas universidades, bem mais antiga, ainda é polêmica.
Hoje, segundo o MEC, 22 universidades públicas do país têm cotas para negros. Nessas
instituições de ensino, para conseguir uma vaga, o candidato definido como negro precisa de
menos pontos no vestibular do que um outro candidato definido como branco.
137
estabelecidas pelo Estatuto da Igualdade Racial. A primeira é favorável, enquanto a segunda é
contrária. Embora tais opiniões sejam divergentes, o que implica em termos tensivos uma
descontinuidade de uma em relação à outra, a forma como as coisas se apresentam no texto, quer
dizer o andamento, tende a ficar menos acelerada no final, já que essas vozes apenas “ilustram” o
tema das políticas para cotas, mas não apresentam de fato uma ruptura, que haveria com a
inserção de um novo tema, coisa que não acontece. Essa confrontação de opiniões sobre o
mesmo tema, ou sobre temas semelhantes, como nesse caso, tem a ver como a forma de
construção da notícia desse noticiário, como apontou Gomes (2005) no capítulo 2. Retomando
uma citação de Chrystus, a construção dos dois lados da notícia do JN, a autora afirma: “Fiel ao
seu estilo ‘imparcial’, a notícia se constrói mostrando os chamados ‘dois lados’ da situação.
Qualquer que seja o tema ou a reportagem, sempre haverá dois lados, num evidente dualismo:
nem um, nem três, nem cinco sempre dois lados da questão” (2007:182). Apesar, desse estilo
que confronta dois pontos de vista, um ponto de vista costuma sobressair. Ou seja, apesar de uma
aparente neutralidade jornalística, semioticamente, o texto valora as cotas para negros
disforicamente, apoiando-se durante a maior parte da matéria em vozes contrárias a essa política.
Explicitamente são duas vozes contra e uma a favor:
Além das vozes, o texto se constrói, desde o início, a partir da seguinte tese: os próprios
negros (representados pelo Movimento Negro) são contra a política de cotas, disforizando, dessa
maneira, essa prática. Além disso, existe outro argumento implícito no texto. A matéria se
estrutura em termos argumentativos da seguinte maneira:
Co
ntra:
Nós queremos viver numa sociedade onde as pessoas se respeitem, onde as
pessoas possam crescer e onde não exista essa distinção motivada por cor de pele, pelo
conceito de raça, pelo conceito religioso”. “Políticas que melhorem a vida de todos, que
melhorem a educação básica, com certeza a universidade será preenchida por pessoas de
todas as cores, de todas as origens”
A favor:
“As cotas são, na realidade, mecanismos, instrumentos que permitem de fato com que
essa população que não tem acesso consiga atingir esse patamar que é o ingresso nas
instituições de nível superior”.
138
1) Para os negros, a política de cotas teria valor eufórico, pois esse grupo em tese
seria beneficiado, mas não tem, que os próprios negros (o Movimento Negro)
são contrários à política;
2) Para o resto da sociedade, ou seja, para a porção não-negra da sociedade
brasileira (não-negra pelo menos em termos discursivos), essas cotas têm um
valor disfórico, pois essas pessoas ver-se-iam destituídas da possibilidade de
conquistar postos de trabalho/estudo.
A partir desses dois argumentos, depreende-se uma implicação: se, nem para os negros,
nem para os não-negros, a política de cotas tem valor positivo, logo, ela tem um valor negativo.
4.6.2 – Matéria local
A matéria da categoria local do sábado aborda a situação após da passagem do ciclone
extratropical que atingiu o Sul do Brasil no início da semana:
No excerto acima, percebe-se a existência de três temas: o primeiro é a passagem de um
ciclone extratropical no Sul do país; o segundo é a volta das famílias para as casas; o terceiro
tema é o estado de emergência de 16 cidades. O primeiro e o terceiro temas são disfóricos, ao
passo que o segundo, eufórico. Assim, como na matéria local da segunda feira, existe uma
recorrência de figuras que recobrem esses temas. De forma esquemática apresentam-se as figuras
correspondentes a cada tema. Os temas disfóricos foram agrupados em conjunto, como se vê:
Uma semana depois do ciclone extratropical, que atingiu o Rio Grande do Sul, as famílias
atingidas começam a voltar pra casa. 16 cidades ainda estão em situação de emergência.
139
Temas Figuras
Passagem do ciclone/
situação de emergência
(disfórico)
Ciclone extratropical, famílias atingidas, Seu Lídio, calças
emprestadas, roupa (molhada), casa, água, alagado, marca (da
inundação) na parede, ventos de mais de 100 quilômetros por hora,
chuva, duas pessoas mortas, casas inundadas, Rio dos Sinos
transbordado, mais de três mil e quinhentas pessoas desabrigadas,
abrigos, donativos
Volta das famílias às
casas
(eufórico)
Volta às casas, caminhões, mudança.
Tabela 25: temas e figuras (ciclone extratropical)
O andamento da matéria tem o começo acelerado, mas essa aceleração se perde, em
decorrência de um estado de distensão, em termos de aspectualização do tempo, que se deve
basicamente a descrições do estado em que se encontram as pessoas afetadas pelo ciclone:
A aceleração do texto é decrescente. No final, no entanto, um novo tema, o dos dias das
crianças, figurativizado por crianças, mães e dia, promove uma não-desaceleração/aceleração:
O gráfico de aceleração pelo tempo é representado no gráfico a seguir:
Seu Lídio usa as calças que conseguiu emprestadas. A roupa dele está assim. Ele voltou
para casa, mas perdeu o pouco que tinha.
Em São Leopoldo, na região metropolitana de Porto Alegre, o sábado foi de muito trabalho. Os
caminhões ajudaram na mudança de quem saiu às pressas de casa.
Mas se depender das crianças estas mães nãoo ficar sem carinho. Elas também não
esqueceram que amanhã é um dia um especial.
140
Gráfico 27: tempo no eixo x e aceleração no eixo y (final não-desacelerado)
4.6.3 – Matéria internacional
A última matéria analisada, da categoria internacional, relata a situação na capital
Libanesa, sob a ação da organização xiita Hezbollah
27
, que desocupa as ruas de Beirute:
Observa-se no fragmento acima o tema da desocupação das ruas pelo Hezbollah. Em
seguida, o texto apresenta outro tema:
O segundo tema que se apresenta é o assassinato de duas pessoas e o ferimento de outras,
por meio da ação de um xiita, sem ligação com o Hezbollah. O texto que, até então, possuía um
andamento rápido, perde aceleração em função de descrições da situação como a contagem do
27
Organização política e militar dos muçulmanos xiitas do Líbano, criada em 1982 no contexto da invasão de
Israel ao sul do Líbano. O Hezbollah, sendo uma organização de resistência contra Israel e dos interesses dos Estados
Unidos, é considerado por ambos como sendo uma organização terrorista. Para a grande maioria dos habitantes do
Líbano, do mundo islâmico e da opinião publico ocidental em geral, é apenas uma organização de resistência a
Israel. (fonte: Enciclopédia livre Wikipédia. Acesso 21/11/2008).
A
C
E
L
E
R
A
Ç
Ã
O
+
-
TEMPO
Militantes do grupo terrorista Hezbollah desocuparam hoje as ruas da capital do Líbano. O
governo cedeu, e aceitou parte das exigências do grupo.
Em pleno funeral de uma das vítimas de sexta-feira, mais dois mortos e vários feridos. Um
atirador disparou contra a multidão.
141
número de mortos e sobre a trégua oferecida pelo Hezbollah em troca de duas reivindicações. O
andamento tende a ficar mais rápido com a afirmação de que:
Mas, sem seguida, volta a desacelerar, ao dizer que integrantes do Hezbollah desocupam as
ruas da capital do Líbano. O andamento termina de forma não-acelerada, pois:
Como se viu pela análise, o andamento do texto oscilou entre o acelerado e o
desacelerado, do mesmo modo que em gráficos que se exibiram anteriormente. Em relação ao
tema da ocupação do Hezbollah nas ruas de Beirute, pode-se dizer que se trata de uma presença,
ou seja, de uma existência atualizada, uma conjunção. A presença dessa organização xiita tem um
valor negativo construído pelo texto. Uma das razões seria os mais de 37 mortos e feridos, em
função da ocupação pelo Hezbollah. A desocupação, por sua vez, tratar-se-ia de uma não-
presença, ou seja, de uma existência virtualizada, uma não-conjunção, que, por oposição, tem um
valor não-negativo e, portanto, eufórico. Um percurso euforizante da desocupação iria da
ocupação (presença) à não-ocupação (não-presença), que, por sua vez, iria à ausência total e
absoluta da organização:
Figura 28: percurso euforizante da presença/ausência
O grupo xiita vai manter a rede de telecomunicações e a chefia da segurança no Aeroporto de
Beirute.
Avisaram que vão manter a campanha de desobediência civil até que todas as exigências
sejam atendidas.
Presença
(existência realizada)
Ausência
(existência atualizada)
Não-ausência
(existência potencializada)
Não-presença
(existência virtualizada)
Disforia
Euforia
142
4.7 − Considerações sobre o andamento nos textos analisados
As análises realizadas objetivaram perceber a existência de padrões recorrentes nas
matérias jornalísticas do JN a partir de intra-discursivas que subjazem aos textos. Alguns padrões
foram observados. Em relação ao andamento, os textos analisados se estruturam de duas
maneiras:
1) A primeira delas é um andamento acelerado inicial que decresce no decorrer do
texto. Isso se deve à apresentação do fato principal da notícia, em termos
semióticos, em decorrência de uma ruptura, de uma tensão. Em seguida o texto
perde em aceleração, devido a descrições, elucidações e contextualizações, o
que semioticamente significa uma distensão, um maior relaxamento. Uma
variação desse tipo de estrutura é um andamento não-desacelerado no final, mas
que não chega a ser acelerado.
2) A segunda forma de estruturação textual em termos de andamento é uma
oscilação entre aceleração e desaceleração. Isso se deve, como se viu, à
apresentação de um fato (ruptura/intensidade) para depois discorrer sobre esse
fato (continuidade/extensidade), e assim sucessivamente. Esse padrão foi o
segundo mais observado pelas análises. O que se pode afirmar é que uma
matéria longa, por trazer mais temas, tende a ter essa organização, ao passo que,
uma matéria mais curta, à organização de numero um.
Os gráficos representam os dois tipos de organização quanto à aspectualização:
143
Gráfico 28: tempo no eixo x e aceleração no eixo y (decrescente) Gráfico 29: tempo no eixo x e
aceleração no eixo y (oscilante)
4.8 − Considerações sobre os temas e figuras nos textos analisados
Com relação às análises dos temas e figuras, pode-se dizer que o discurso do Jornal
Nacional é muito mais temático que figurativo, ou na acepção de Barros (2002) um texto de
figuração esparsa. Pelas análises, nota-se com muito mais recorrência a formação de percursos
temáticos que figurativos. Isso quer dizer que o JN muito mais explica e organiza a realidade, por
meio de temas, do que a recria discursivamente, por figuras.
Não se deve perder de vista que o
JN sendo um telejornal, ele faz uso de imagens para, de certa forma, explicar os textos de
figuração esparsa. Essa prática faz coloca o JN num meio caminho em direção a textos
efetivamente figurativos, pois é uma forma de garantir o interesse e a compreensão do público
desse telejornal, que, como afirmara Chrystus (2007), visa a atingir um público vasto. Isso
também reforça a condição de que textos longos devam alternar períodos acelerados e
desacelerados, enquanto textos mais curtos possam iniciar acelerados (chamando a atenção) e
seguir desacelerando, com tempo para explicações. Salienta-se, além disso, que além dos textos
possuírem estrutura polêmica binária (sempre dois lados da questão), eles possuem traços de
sensacionalismo, mas um sensacionalismo o explícito, imbricado à formalidade da
apresentação do Jornal Nacional. Ao não assumir a figuratividade em sua plenitude, o jornal
garante mais um reforço para esse efeito de seriedade.
Tentou-se, ademais, perceber quais traços sêmicos subjazem aos temas encontrados nas
matérias analisados. Pode-se dizer que os temas podem, num nível mais abstrato, ser reduzidos a
uma tensão entre um querer versus um dever. Observa-se que um possível quadrado semiótico
144
composto por esses elementos não tem uma relação de implicatura, mas de probabilidade.
Evidentemente, o querer e o dever só têm seus valores atualizados no microuniverso semântico
do texto.
Figura 29: quadrado semiótico querer versus dever
Inicia-se pela segunda feira, matéria nacional: o político deve ser honesto, no entanto, ele
quer desviar dinheiro. Dever nesse caso é eufórico, ao passo que querer é disfórico, por exemplo.
Na local, o volume dos rios sobe (quer subir), mas deve baixar para evitar mais morte e
destruição. Na internacional, pais que devem proteger, mas querem fazer mal a seus filhos. Dever
nesse caso tem valor positivo.
A mesma relação se encontra na matéria nacional da terça-feira, em que o pai e a madrasta
querem matar a filha, mas devem protegê-la. O mesmo se pode dizer dos índios que devem
permanecer em suas aldeias, mas querem invadir uma fazenda de arroz. Em relação ao candidato
republicano, ele quer angariar votos percorrendo os EUA, ao passo que os democratas devem
definir um representante para as eleições. A notícia coloca como uma vantagem o fato do
candidato republicano ter sido escolhido. Sendo assim, nessa matéria o dever é negativo e o
querer, positivo.
Na quarta-feira, nacional, para a ministra, informações devem ficar contidas na Casa
Civil, mas quem queira que tais informações vazem. Na local, o agricultor deve, assim como
reza a constituição, garantir liberdade de ir e vir à sua esposa, no entanto, ele quer privá-la da
liberdade. Na catástrofe em Mianmar, pessoas querem ajudar e as vítimas devem aceitar, já que o
próprio texto disforiza a negativa do presidente em receber ajuda internacional. Nesse texto em
específico há um quadrado diferente. O grande foco não é ajudar, mas ser ajudado. Pode-se
145
pensar que a grande oposição seja querer não ser ajudado vs. dever ser ajudado: querer não-ser-
ajudado > não-querer não-ser-ajudado > dever ser-ajudado. Assim, querer não-ser-ajudado é o
polo negativo, enquanto dever ser ajudado, o polo positivo. Nesse caso, existe uma composição
no quadro de valores, em que o querer ser ajudado é sinônimo de dever ser ajudado: não é
esperado que seja diferente.
Na quinta-feira, nacional, o tema é o mesmo da mesma categoria do dia anterior, ou seja,
informações que devem manter-se confidenciais, mas alguém quer disseminá-las. Na
internacional, Israel deve rever sua situação com relação à Palestina, entretanto, quer comemorar
sua fundação.
Na sexta-feira, categoria nacional, os preços devem permanecer estáveis, mas sobem, por
determinadas razões que justificam um querer-fazer de quem pode fazê-los subir. Na categoria
local, sem-teto querem invadir a Universidade, mas devem não fazê-lo, uma vez que, segundo
regras vigentes, a universidade não é um espaço destinado a indivíduos que não têm onde morar.
Na internacional, a Rússia quer festejar seu poderio militar, mas deve manter-se longe de
conflitos bélicos, já que o texto disforiza a guerra.
No sábado, na nacional, os integrantes do movimento negro, como representantes dos
favorecidos pelas cotas, deveriam defendê-las, mas querem sua revogação. Como o texto
disforiza a política de cotas, pode-se dizer que querer rejeitar as cotas é eufórico, ao passo que
dever aceitá-las é disfórico. Na local, catástrofe no sul, pessoas querem voltar à normalidade, mas
devem lutar pela sobrevivência, mostrando-se mais uma vez um conflito entre o querer e o dever.
Aqui oposição entre necessidade e desejo. O necessário (dever) é negativo, que o desejo
(querer) é positivo. Responder às necessidades seria uma condição negativa, mas imprescindível
para alcançar o desejo. Por fim, na categoria internacional integrantes do Hezbollah querem
manter-se nas ruas de Beirute, mas devem desocupá-las.
Como se pôde ver, os temas podem ser abstraídos na relação entre o querer e o dever. A
seguir, apresenta-se a esquematização em uma tabela que indica essas relações e como são
valoradas pelo texto:
146
Tabela 26: valores de querer versus dever
Essa tensão entre o querer e o dever mostra que, na maioria das vezes, este é valorizado
euforicamente, ao passo que aquele tem um valor negativo construído pelo texto. Como pode ser
visto na tabela acima, a notícia, ou a noticiabilidade de uma matéria jornalística, nasce de um
conflito entre o querer e o dever. Mais recorrentemente, entre o dever-não-fazer e o querer-fazer,
em que há uma quebra de um contrato fiduciário estabelecido. Caso não fosse rompido tal
contrato, não haveria notícia. Ao jogar luz sobre as quebras de contrato, o JN reforça o quadro de
valor preponderante, protegendo-o contra possíveis desejos de mudança. Poder-se-ia pensar,
dessa maneira, que o Jornal Nacional seria uma força que ajuda a manter o contrato fiduciário
vigente, noticiando rompimentos.
Segunda-
feira
Terça-
feira
Quarta-
feira
Quinta-
feira
Sexta-
feira
Sábado
Categoria
Nacional
Querer
(disfórico)
VS
Dever
(eufórico)
Querer
(disfórico)
VS
Dever
(eufórico)
Querer
(disfórico)
VS
Dever
(eufórico)
Querer
(disfórico)
VS
Dever
(eufórico)
Querer
(disfórico)
VS
Dever
(eufórico)
Querer
(eufórico)
VS
Dever
(disfórico)
Categoria
Local
Querer
(disfórico)
VS
Dever
(eufórico)
Querer
(disfórico)
VS
Dever
(eufórico)
Querer
(disfórico)
VS
Dever
(eufórico)
*
Querer
(disfórico)
VS
Dever
(eufórico)
Querer
(eufórico)
VS
Dever
(disfórico)
Categoria
Inter-
nacional
Querer
(disfórico)
VS
Dever
(eufórico)
Querer
(eufórico)
VS
Dever
(disfórico)
Querer
(disfórico)
VS
Dever
(eufórico)
Querer
(disfórico)
VS
Dever
(eufórico)
Querer
(disfórico)
VS
Dever
(eufórico)
Querer
(disfórico)
VS
Dever
(eufórico)
147
Capítulo 5
Relações entre conteúdo e expressão
“A língua é também comparável a uma folha de papel: o pensamento é o anverso e som o verso;
não se pode cortar um sem cortar, ao mesmo tempo, o outro”
(SAUSSURE, 2006:131)
148
Após terem sido realizadas análises fonéticas, no capítulo 3, e semióticas, no capítulo 4, o
objetivo do presente capítulo é analisar a relação entre o conteúdo e a expressão da fala de forma
conjunta. Note-se que esta pesquisa serviu de modelo para a criação de uma interface gráfica,
prevista no projeto original do SetFon: algoritmo para produção e organização de
semioetiquetas fonológicas
28
, a qual permite inserir informações extras, neste caso, resultadas das
análises semióticas, nas frases segmentadas em grupos acentuais, aqui tomadas como frases
prosódicas. A interface gráfica, ainda em fase alfa, permite visualizar os grupos acentuais com
sua transcrição fonológica, com caixas de texto para inserção de informações novas. Por
exemplo, a análise semiótica do andamento constitui uma dessas informações. Sob a rubrica de
andamento, inserida inicialmente na criação da nova coluna de dados, é possível manualmente
determinar se o andamento é acelerado, desacelerado, não-acelerado ou o-desacelerado. Essa
nova informação, inserida com absoluta independência das análises fonéticas que a precederam,
constitui um parâmetro para as análises estatísticas, permitindo cruzar os dados de fonética
acústica com os dados de semiótica. As outras informações extras são: valor (positivo/negativo) e
disposição (do sujeito em questão, dever/querer).
Os parâmetros semióticos com os quais se vão cruzar dados fonéticos pertencem
principalmente ao nível discursivo. Cabe notar que disposição e valor, embora sejam dados
referentes ao nível narrativo, foram obtidos pela análise temático-figurativa do texto, portanto a
partir da análise discursiva. Trata-se, assim, de elementos cuja existência se dá no texto de forma
concreta, diferentemente dos veis narrativo ou fundamental. Matte (2008) realizou uma
investigação cujo intuito foi de cruzar dados fonéticos e semióticos, estes relativos ao nível
narrativo, principalmente no que concerne ao caráter emotivo de ambos os planos da função
semiótica. A autora afirma:
28
O SetFon, projeto do grupo de pesquisa Semiofon semiose e fonoestilística, coordenado pela Profª Drª. Ana
Cristina Fricke Matte, tem como objetivo a modelagem orientada ao objeto e elaboração do Algoritmo do SetFon,
programa automático de anotação em mídia contínua com a finalidade de agilizar as etapas que precedem à etapa de
análise prosódica e/ou fonoestilística de dados de fala com corpus composto por textos com mais de uma sentença e
que atualmente ocupam uma substancial parte do tempo da pesquisa linguística em prosódia e fonoestilística. A
concepção de orientação ao objeto permite a transposição do conhecimento linguístico para a linguagem
computacional sem distorcer as premissas e hipóteses linguísticas envolvidas. Trata-se, portanto, da automatização e
gerenciamento/disponibilização de dados e resultados de análises fonético-fonológicas e fonoestilísticas para
diversas finalidades, dentre elas a síntese de fala.
149
Tendo trabalhado durante anos com base nesse arcabouço [semiótico], decidimos, no presente
trabalho, fazer uma pesquisa às avessas: se a teoria nos diz que a narrativa tem pouco ou nada a ver
com o problema [a questão da fala], vamos testar interdisciplinarmente justamente elementos do
nível narrativo para verificar se, em algum ponto, essa premissa cai por terra ou, pelo menos,
deveria ser revista. (Matte, 2008: 02).
Matte (2008) parte da premissa que o nível narrativo não está vinculado à emoção, que
se trata de uma estrutura lógica e não-cronológica, enquanto a emoção é aspectual,
principalmente no que se refere à intensidade e à temporalidade. Após o cruzamento de dados
fonéticos e semióticos a autora conclui que as premissas a respeito da narrativa se verificam na
pesquisa, isto é, as análises mostraram uma desvinculação entre plano de conteúdo e plano de
expressão, assim como previa a hipótese da autora. Tal desvinculação se pelo fato de o nível
narrativo ser um nível extremamente lógico e abstrato, cujas relações não correspondem
diretamente ao plano da expressão.
Ao se trabalhar com o nível discursivo, ou seja, o nível mais concreto do plano de
conteúdo, podem-se encontrar resultados diferentes daqueles encontrados por Matte (2008), uma
vez que se trata de outro nível do percurso gerativo de sentido. Barros (2007) afirma:
O nível discursivo é o patamar mais superficial do percurso, o mais próximo da manifestação
textual. Pela própria definição do percurso gerativo, estruturas discursivas são mais específicas,
mas também mais complexas e “enriquecidas” semanticamente, que as estruturas narrativas e
fundamentais (2007: 53).
Segundo a autora, o sujeito da enunciação faz escolhas relacionadas à pessoa, ao espaço e
ao tempo, além de temas e figuras. Isso é responsável pela passagem da narrativa para o discurso.
Assim, sendo esse nível o mais complexo, mais marcado por escolhas do sujeito da enunciação e,
além disso, o mais próximo à manifestação textual. Sendo assim, justifica-se uma análise que
pretenda perceber como se relacionam as estruturas discursivas com a manifestação do texto, isto
é, com dados fonéticos.
5.1 – Relações entre o valor e dados fonéticos
Como se apontou anteriormente, um dos dados semióticos que vai ser cruzado com dados
fonéticos é o valor. Na interface gráfica onde se inserem dados aos grupos acentuais (doravante
150
GAs), tomados como frases prosódicas, esses GAs, receberam uma etiqueta semiótica, ou seja,
nos momentos em que o texto valoriza um tema euforicamente, o GA recebe uma etiqueta de
positivo (ou não-negativo) e, quando o texto valora um tema disforicamente, o GA recebe uma
etiqueta de negativo, ou não-positivo. Quando o texto não valora o segmento, classificou-se como
neutro. Esclarece-se que a classificação dos subcontrários se pautou em GAs simultaneamente
formados pelos valores positivo e negativo. Quando tende para o positivo, ou seja, quando o GA
possui mais segmentos positivos, considera-se não-negativo e, quando o GA possui mais
segmentos negativos, ele é considerado não-positivo. Dessa forma, após os grupos acentuais
terem sido etiquetados com o valor, relacionou-se esse a valor a dados de ordem fonética. Como
se disse, o objetivo foi perceber possíveis relações entre conteúdo e expressão. O programa
utilizado para fazer esse trabalho estatístico foi o R, mencionado no capítulo 3. A seguir,
mostra-se a relação entre os GAs etiquetados semioticamente quanto ao valor. No gráfico 30,
observa-se que o valor negativo ocupa pouco mais de 50%, seguido pelo positivo, neutro e os
subcontrários não positivo e não negativo, cujo número é bem inferior em relação aos demais.
Gráfico 30: distribuição das etiquetas do valor
O primeiro dado fonético a ser cruzado com o valor foi a duração. Para isso, foi feita uma
análise de variância ANOVA one-way (DF = 4, SumSq = 0,008, Mean = 0,002, F = 0,03363,
p>0,05). Observou-se que não significância estatística, o que significa dizer que o valor não
afeta a duração absoluta dos segmentos.
Em seguida, foi repetida a mesma operação, ANOVA one-way (DF = 4, SumSq =
1807541, Mean = 451885, F = 9.505, p < 0,001) comparando média de F1 e valor. O resultado
estatístico, de diferença altamente significativa, mostrou que os GAs etiquetados com o valor
151
negativo são os que possuem maior média de F1, o que significa que o valor negativo afeta o
primeiro formante, como se observa no gráfico 31:
Gráfico 31: médias com valor semiótico no eixo x e média de F1 no eixo y
A seguir foi feita uma ANOVA one-way (DF = 4, SumSq = 3205445, Mean = 801361, F=
21.239, p < 0,001) entre valor e desvio padrão de F1. Novamente, encontrou-se diferença
altamente significativa entre os desvios-padrão de cada valor. Observa-se no gráfico 32 que o
negativo é muito mais instável que o neutro:
Gráfico 32: médias com valor semiótico no eixo x e desvio-padrão de F1 no eixo y
152
O próximo dado acústico a ser cruzado com a etiqueta semiótica valor é a média do
segundo formante. Para isso, fez-se uma análise de variância ANOVA one-way (DF=4, SumSq =
12899816, Mean = 3224954, F = 25.003, p < 0,001) e novamente encontrou-se alta significância
estatística. O gráfico a seguir mostra que novamente o valor negativo influencia na frequência,
dessa vez, do F2. Assim, a média de F2 dos GAs marcados como negativos é maior que os
marcados como neutros, que, por sua vez, é maior que os positivos, como se vê no gráfico 33:
Gráfico 33: médias com valor semiótico no eixo x e média de F2 no eixo y
Em seguida fez-se uma ANOVA one-way (DF=4, SumSq = 704417, Mean = 176104, F =
3.7085, p < 0,01) para se observar a relação entre valor e desvio-padrão do F2. Observou-se uma
diferença significativa, ilustrada pelo gráfico 34, que mostra que o negativo varia bem mais que o
positivo.
153
Gráfico 34: médias com valor semiótico no eixo x e média de desvio-padrão de F2 no eixo y
Em seguida relacionou-se a média de F3 com o valor. Para isso, novamente realizou-se
uma análise de variância ANOVA one-way (DF=4, SumSq = 4905641, Mean=1226410, F =
14.134, p < 0,001) e encontrou-se diferença altamente significativa. Pelo gráfico 35, nota-se que
os segmentos valorados negativamente pelo texto são aqueles com a maior média de F3. Isso
significa que o valor negativo aumenta a média da frequência do terceiro formante.
Gráfico 35: médias com valor semiótico no eixo x e média de F3 no eixo y
A seguir fez-se uma análise de variância ANOVA (DF=4, SumSq = 1509797, Mean =
377449, F = 10.952, p < 0,001) one-way entre valor e desvio-padrão do F3. Novamente, observa-
154
se diferença altamente significativa e que os segmentos com maior variação de F3 são aqueles
marcados com a etiqueta semiótica valor negativo. Em seguida o positivo é o segundo que
apresenta maior variabilidade e, por fim, os GAs classificados de neutro são os que menos sofrem
variação, como se vê no gráfico 36:
Gráfico 36: médias com valor semiótico no eixo x e desvio-padrão de F3 no eixo y
A seguir fez-se mais uma análise de variância ANOVA one-way (DF=4, SumSq =
2196310, Mean=549077, F=7.0201, p < 0,001) para cruzarem-se os dados fonéticos relativos à
média da frequência do quarto formante com o valor e encontra-se diferença altamente
significativa. Nota-se que, assim como nos três primeiros formantes, a maior média de F4 fica
com os GAs identificados com o valor negativo. Salienta-se que o F4, segundo a literatura, é o
formante que é mais afetado pela emoção e, portanto, pelo conteúdo (Matte, 2002). O gráfico 37
confirma essa tese e mostra que a média de F4 em GAs negativos é maior que dos positivos, que,
por sua vez, é maior que os GAs identificados como neutros:
155
Gráfico 37: médias com valor semiótico no eixo x e média de F4 no eixo y
Em seguida, executou-se mais uma ANOVA one-way (DF=4, SumSq = 221294, Mean=
55324, F = 1.9186, p > 0,05) entre desvio-padrão de F4 e valor. O resultado mostrou que desvios-
padrão de F4 conforme as classificações de valor não apresentaram diferenças significativas.
Outra relação foi entre valor e Z suavizado, que é a variação da duração do segmento em
relação à duração esperada conforme seus componentes fonológicos. Para isso, efetuou-se uma
ANOVA one-way (DF=4, SumSq = 12.9, Mean = 3.2, F = 4.1011, p < 0,01) – diferença
significativa – e foi possível observar que, na duração relativa, o neutro é mais longo (e, portanto,
mais devagar) que o negativo e este que o positivo. O gráfico 38 ilustra essa relação:
156
Gráfico 38: médias com valor semiótico no eixo x e duração absoluta do segmento VV fonético no eixo y
Taxa de elocução foi o próximo dado fonético que se relacionou com o valor. Aplicou-se
ANOVA one-way (DF = 4, SumSq =15.4, Mean = 3.9, F=3.4061, p < 0,01) e observou-se
diferença significativa. Pelo gráfico 39, observa-se que, embora a duração relativa dos segmentos
com valor negativo seja maior (como visto no gráfico 38), a taxa de elocução não distingue
neutro e positivo. A taxa de elocução somente fica mais lenta em não-positivo, que, por sua vez,
tende ao negativo. No quadrado semiótico, não existe a passagem de um estado para outro, sem
antes passar pela negação do próprio estado inicial. Assim, passa-se do positivo para o não-
positivo para se chegar ao negativo. Isso poderia indicar um efeito de preparação, uma
antecipação, isto é, não-positivo prepara o negativo na taxa de elocução, mas vai ser nos
formantes que o negativo vai atuar. A seguir, apresenta-se, no gráfico 39, a relação entre taxa de
elocução e valor:
157
Gráfico 39: médias com valor semiótico no eixo x e taxa de elocução no eixo y
Depois disso, cruzaram-se os dados da média de F0 com o valor
29
. Executou-se mais uma
análise de variância ANOVA one-way (DF = 4, SumSq = 158114, Mean = 39528, F = 5.3144, p
< 0,001) e observou-se diferença altamente significativa, mas somente o neutro se destaca, com
F0 mais alto que o positivo e o negativo, como se vê no gráfico 40:
Gráfico 40: médias com valor semiótico no eixo x e média de F0 no eixo y
29
Ressalta-se que no escopo desta pesquisa, convencionou-se chamar F0 o valor relativo a F0 dentro do VV e pitch o
mesmo valor em segmentos maiores, do tamanho do GA.
158
A seguir, realizou-se mais uma análise de variância ANOVA one-way (DF = 4, SumSq =
10661, Mean = 2665, F = 6.5512, p < 0,001) entre valor e desvio-padrão de F0. Encontrou-se
uma diferença altamente significativa, e os GAs marcados como neutros apresentaram um maior
desvio-padrão de F0 que o positivo, que, por sua vez, tem um maior DP que o negativo, como se
vê no gráfico 41:
Gráfico 41: médias com valor semiótico no eixo x e desvio-padrão no eixo y
Esses dois últimos gráficos apresentados apontam que, enquanto o conteúdo negativo
influencia os formantes tornando-os mais instáveis, ele influencia o F0 com maior estabilidade.
Em seguida, aplicou-se uma análise de variância ANOVA one-way (DF = 4, SumSq =
61062, Mean = 15265, F = 6.666, p < 0,001) entre valor e média de pitch (F0 no GA) e
encontrou-se diferença altamente significativa. O gráfico 42 mostra a média de pitch semelhante
para os valores negativo, neutro e positivo, enquanto a média de pitch é maior para o subcontrário
não-positivo.
159
Gráfico 42: médias com valor semiótico no eixo x e média de pitch no eixo y
Ainda aplicou-se mais uma análise de variância ANOVA one-way (DF = 4, SumSq =
36429, Mean = 9107, F = 17.895, p < 0,001) entre valor e desvio-padrão do pitch. Encontrou-se
diferença altamente significativa. Como no gráfico 42, observam-se valores semelhantes para
negativo, neutro e positivo, enquanto os subcontrários têm alta variação no gráfico 43:
Gráfico 43: médias com valor semiótico no eixo x desvio-padrão do pitch no eixo y
160
Após o cruzamento da etiqueta semiótica valor com os dados fonéticos, observou-se um
padrão muito interessante: o valor negativo do plano do conteúdo sempre tornou os quatro
primeiros formantes - plano da expressão - mais altos. Isso significa que, nos trechos do texto
valorados negativamente, a qualidade vocálica se modifica, produzindo um efeito de sonoridade
mais aguda. Poder-se-ia pensar que esse agudo seria fruto da coincidência de uma repórter
mulher narrar matérias marcadas disforicamente. Argumenta-se, no entanto, que seria impossível
que as mulheres se concentrassem apenas em textos negativos, pois houve mudanças de valor até
mesmo dentro da mesma frase. Corrobora essa assertiva o comportamento do gráfico de F0 para
valor, que, de modo algum, assemelha-se aos gráficos dos formantes para esse mesmo elemento
do conteúdo, descartando totalmente a hipótese de haver correspondência entre uma possível
coincidência entre os valores negativos e as vozes femininas.
Ao se observar a relação entre o valor negativo e os quatro primeiros formantes da fala,
constata-se a existência de um sistema simbólico, pois se trata da relação entre um elemento do
plano do conteúdo e um do plano da expressão e não de relação entre categorias, como no semi-
simbolismo. Cada formante é um elemento, que poderia constituir uma categoria, especialmente
porque se trata de valores numéricos, facilmente organizáveis numa sequência. Por outro lado, o
valor resultante da análise semiótica pode ser colocado em sequência também, que se baseou
no quadrado semiótico para fazer a classificação e o quadrado pressupõe um percurso. Ou seja,
poder-se-ia, sim, enquadrar num sistema semi-simbólico a categoria F1 relacionada à categoria
valor, mas se, e somente se, os valores de F1 correspondessem à mesma sequência do valor na
mesma direção ou em direção contrária.
Por fim, salienta-se que os dados acústicos foram obtidos com completa independência
dos dados semióticos, o que confere força aos resultados encontrados.
5.2 – Relações entre o querer/dever e dados fonéticos
Outro dado semiótico que se comparou com dados acústicos foi a disposição do sujeito,
ou seja, se ele quer ou deve realizar alguma ação, como se mostrou no final do capítulo 4. Pelo
gráfico 44, nota-se uma pequena diferença entre do querer sobre o dever. Ou seja, mais GAs
etiquetados com a etiqueta “querer” do que com a etiqueta “dever”:
161
Gráfico 44: distribuição das etiquetas da disposição
O primeiro dado fonético a ser cruzado com o valor foi a duração. Para isso, foi feita uma
ANOVA one-way (DF = 1, SumSq = 0.001, Mean = 0.001, F= 0.155, p > 0,05) e não houve
diferença significativa, o que significa dizer que o valor não afeta a duração absoluta dos
segmentos.
Em seguida, foi repetida a mesma operação, comparando F1 e disposição (DF=1, SumSq
= 28904, Mean = 28904, F=0.6047, p > 0,05). Novamente não houve diferença significativa.
Aplicou-se, em seguida, uma análise de variância ANOVA (DF = 1, SumSq = 963568, Mean =
963568, F = 963568, p < 0,001) one-way para se observar a relação entre desvio-padrão de F1
com a disposição e observou-se diferença altamente significativa quanto à variação dos DPs, o
que significa que os GAs marcados pelo querer variam mais o F1 que aqueles marcados pelo
dever, como se observa no gráfico 45:
162
Gráfico 45: médias com disposição semiótica no eixo x e desvio-padrão de F1 no eixo y
A seguir, cruzaram-se a disposição e a média de F2. Aplicou-se ANOVA one-way (DF =
1, SumSq = 1991127, Mean = 1991127, F = 15.245, p < 0,001). Observou-se diferença altamente
significativa, como se no gráfico 46, o que mostra que os GAs marcados pelo querer
apresentam uma média de F2 maior que os GAs marcados pelo dever:
Gráfico 46: médias com disposição semiótica no eixo x e média de F2 no eixo y
163
O desvio-padrão de F2 foi o próximo dado acústico que se cruzou com a disposição.
Aplicou-se análise de variância ANOVA one-way (DF = 1, SumSq = 814580, Mean = 814580, F
= 17.168, p < 0,001) e encontrou-se diferença altamente significativa, que mostra que o F2 de
querer varia mais que o F2 de dever, como se vê no gráfico 47:
Gráfico 47: médias com disposição semiótica no eixo x e desvio-padrão de F2 no eixo y
A seguir foi aplicada uma ANOVA one-way (DF = 1, SumSq = 2337077, Mean =
2337077, F = 26.823, p < 0,001) comparando média de F3 com valor. Novamente, encontrou-se,
como pode ser visto no gráfico 48, diferença altamente significativa, mostrando que os GAs
marcados pelo valor querer possuem média de F3 maior que os GAs marcados pelo dever:
164
Gráfico 48: médias com disposição semiótica no eixo x e média de F3 no eixo y
Contrastou-se, depois disso, o desvio-padrão de F3 com relação à disposição
(querer/dever). Aplicou-se ANOVA one-way (DF = 1, SumSq = 361052, Mean = 361052,
F=10.427, p < 0,01) e observou-se diferença significativa, como se no gráfico 49. Isso indica
que os GAs querer variam mais o F3 que os GAs dever.
Gráfico 49: médias com disposição semiótica no eixo x e desvio-padrão de F3 no eixo y
Aplicou-se ANOVA (DF = 1, SumSq = 405521, Mean = 405521, F = 5.1687, p < 0,1)
one-way para se observar a relação entre média de F4 e disposição. Observou-se uma diferença
165
significativa pequena, mas ainda sim os GAs marcados pelo querer têm uma média de F4 maior
que aqueles marcados pelo dever. Veja-se o gráfico 50:
Gráfico 50: médias com disposição semiótica no eixo x e média de F4 no eixo y
Outra ANOVA (DF = 1, SumSq = 242175, Mean = 242175, F = 8.4034, p < 0,01) one-
way foi realizada, dessa vez para ver a relação entre desvio-padrão de F4 com a disposição do
sujeito (querer/dever). Observa-se, no gráfico 51, diferença significativa, o que mostra que os
segmentos marcados pelo querer possuem variação de F4 maior do que aqueles marcados pelo
dever:
Gráfico 51: médias com disposição semiótica no eixo x e desvio padrão de F4 no eixo y
166
Dessa maneira, observou-se até agora que, quanto aos quatro primeiros formantes, apenas
o F1 não tem diferença significativa, enquanto o F2, F3 e F4 têm médias maiores quando se trata
dos GAs marcados pelo querer. Quanto ao desvio-padrão, todos os formantes apresentam maior
variabilidade nos GAs marcados pelo querer. Ressalta-se que, por mais que os dados encontrados
sejam estatisticamente significantes, existem muitas variáveis não controladas e isso leva a crer
que um bom procedimento para trabalhos futuros com fala espontânea seria aumentar o corpus, o
que somente será possível quando o SetFon estiver pronto.
Outra relação foi entre disposição e Z suavizado. Para isso, efetuou-se uma ANOVA (DF
= 1, SumSq = 0.1, Mean = 0.1, F = 0.1025, p > 0,05) one-way e não se observou diferença
significativa na duração relativa dos GAs. Em seguida, comparou-se taxa de elocução com
disposição. Aplicou-se ANOVA one-way (DF = 1, SumSq = 0.1, Mean = 0.1, F = 0.0743, p >
0,05) e tampouco se observou diferença significativa entre as taxas de elocução dos GAs.
Contrastou-se, em seguida, média de F0 e disposição. Aplicou-se ANOVA one-way (DF
= 1, SumSq = 8833, Mean = 8833, F = 1.1845, p > 0,05) e não se encontrou diferença
significativa na média de F0 quanto à disposição. Depois disso, comparou-se desvio-padrão de F0
e disposição. A análise de variância ANOVA one-way (DF = 1, SumSq = 618, Mean = 618, F =
1.5129, p > 0,05) mostrou que novamente não houve diferença significativa.
Em seguida aplicou-se uma ANOVA (DF = 1, SumSq = 1758, Mean = 1758, F = 0.7649,
p > 0,05) one-way entre valor e média de pitch (F0 no GA). Observa-se que não diferença
significativa. Por fim, comparou-se desvio-padrão do pitch com disposição. Para isso, fez-se uma
média ANOVA one-way (DF = 1, SumSq = 224, Mean = 224, F = 0.435, p > 0,05) e não houve
diferença significativa.
Fez-se, depois disso um gráfico de médias entre segmento e disposição vs. Z suavizado e
segmento (gráfico 52) e segmento e disposição vs. F1, F2, F3 e F4, como se a seguir nos
gráficos 53, 54, 55 e 56 respectivamente:
167
Gráfico 52: segmentos e disposição no eixo x e Z suavizado no eixo y
Observa-se, acima, que o querer e o dever estão distribuídos igualmente entre os
segmentos e variam conforme o tipo de segmento (sua composição em vogais e consoantes). Isso
mostra que o fator segmento é muito importante para a definição dos formantes, como pode ser
observado também nos quatro gráficos a seguir. A disposição (querer/dever) é um fator
secundário, mas inegavelmente presente.
168
Gráfico 53: segmentos e disposição no eixo x e média de F1 no eixo y
Gráfico 54: segmentos e disposição no eixo x e média de F2 no eixo y
169
Gráfico 55: segmentos e disposição no eixo x e média de F3 no eixo y
Gráfico 56: segmentos e disposição no eixo x e média de F4 no eixo y
Após o cruzamento de dados fonéticos com o dado semiótico da disposição, percebe-se
que é nos formantes, com exceção do primeiro, que ocorre uma relação em que o conteúdo afeta
a expressão. Observa-se que os GAs marcados pela etiqueta do querer apresentam frequências
170
maiores que os GAs etiquetados com dever. Essa relação confirma a relação entre querer/dever
eufórico/disfórico vista no capítulo anterior. Ou seja, os GAs marcados pelo querer tendem a ser
negativos, ao passo que aqueles marcados pelo dever, tendem a ser positivos. Isso reforça a tese
de que o Jornal Nacional contribui para com a manutenção do contrato fiduciário, ao euforizar o
dever e disforizar o querer.
5.3 – Relações entre o andamento e dados fonéticos
Outro dado semiótico que se comparou com dados acústicos foi o andamento nos textos,
isto é, se o andamento é acelerado, significa maior intensidade, maior ruptura, por meio da
inserção de fatos. Se, por outro lado, o texto tem um andamento desacelerado, essa extensidade é
fruto de um texto mais descritivo e/ou explicativo. Pelo gráfico 57, nota-se uma predominância
de GAs etiquetados com “desacelerado”, seguido por “acelerado”. Os subcontrários apresentam
baixa recorrência.
Gráfico 57: distribuição das etiquetas do andamento
Ao andamento semiótico cruzaram-se dados fonéticos e, respeitando a ordem dos dados
fonéticos, inicia-se comparando andamento e duração. Aplicou-se para isso ANOVA one-way
(DF = 3, SumSq = 0.062, Mean = 0.021, F = 3.432, p < 0,1). Mas não houve diferença
significativa. Em seguida, aplicou-se uma análise de variância ANOVA (DF = 3, SumSq =
1793630, Mean = 597877, F = 12.577, p < 0,001) one-way entre média de F1 e andamento e
171
observou-se diferença altamente significativa. Pelo gráfico 58, nota-se que os GAs marcados com
andamento desacelerado apresentam maior média de F1, enquanto aqueles marcados com a
etiqueta “acelerado” possuem a menor média de F1.
Gráfico 58: médias com andamento semiótico no eixo x e média de F1 no eixo y
Depois disso, aplicou-se ANOVA one-way (DF = 3, SumSq = 1303226, Mean = 434409,
F = 11.426, p < 0,001) para se observar o cruzamento de desvio-padrão de F1 com andamento.
Novamente encontrou-se diferença altamente significativa. No gráfico 59, observa-se que os GAs
acelerados têm variação inferior aos GAs desacelerados.
Gráfico 59: médias com andamento semiótico no eixo x e desvio-padrão de F1 no eixo y
172
Depois disso, para relacionar média de F2 com andamento, aplicou-se ANOVA one-way
(DF = 3, SumSq = 9368359, Mean = 3122786, F = 24.113, p < 0,001) e observou-se, mais uma
vez, diferença altamente significativa. No gráfico 60, vê-se que o não-desacelerado tem maior
média de F2 que o desacelerado, que tem maior média de F2 que o desacelerado, que, por sua vez
apresenta maior média de F2 que o acelerado.
Gráfico 60: médias com andamento semiótico no eixo x e média de F2 no eixo y
A seguir, contrastou-se desvio padrão de F2 com andamento. Para isso aplicou-se
ANOVA one-way (DF = 3, SumSq = 424489, Mean = 141496, F = 2.9774, p < 0,1) e encontrou-
se uma diferença pouco significativa, sendo que andamento não-desacelerado mostrou-se mais
variável, seguido pelo desacelerado, acelerado e não acelerado, como pode ser visto no gráfico
61:
173
Gráfico 61: médias com andamento semiótico no eixo x e desvio-padrão de F2 no eixo y
A seguir, cruzou-se andamento e média de F3. Aplicou-se ANOVA one-way (DF = 3,
SumSq = 11778819, Mean = 3926273, F = 45.818, p < 0,001) e encontrou-se diferença
altamente significativa. O gráfico 62 mostra que o andamento não-desacelerado apresenta a maior
média de F3, seguido pelo desacelerado, acelerado e não acelerado.
Gráfico 62: médias com andamento semiótico no eixo x e média de F3 no eixo y
Para se obter o cruzamento do desvio-padrão de F3 com andamento, efetuou-se ANOVA
one-way (DF = 3, SumSq = 510526, Mean = 170175, F = 4.9164, p < 0,01) e encontrou-se
174
diferença significativa. Nota-se, pelo gráfico 63, que os GAs marcados com andamento acelerado
possuem maior variação que aqueles de andamento desacelerado.
Gráfico 63: médias com andamento semiótico no eixo x e desvio-padrão de F3 no eixo y
Para se obter a relação da média de F4 com o andamento, aplicou-se ANOVA one-way
(DF=3, SumSq = 20513910, Mean = 6837970, F = 90.734, p < 0,001) e encontrou-se diferença
altamente significativa. Desacelerado possui maior média de F4, seguido de não-desacelerado e
acelerado. Não-acelerado, por sua vez, possui a média mais baixa, como pode ser visto no gráfico
64:
Gráfico 64: de médias com andamento semiótico no eixo x e média de F4 no eixo y
175
A seguir, foi comparado o desvio-padrão de F4 com o andamento. Aplicou-se ANOVA
one-way (DF=3, SumSq = 1384869, Mean = 61623, F = 16.112, p < 0,001) e a diferença foi
altamente significativa. Pelo gráfico 65, nota-se que os GAs marcados como acelerado possuem
maior variação que aqueles marcados como desacelerado.
Gráfico 65: médias com andamento semiótico no eixo x desvio-padrão de F4 no eixo y
Quanto à frequência dos quatro primeiros formantes, observa-se que os GAs marcados
como desacelerado possuem maior média do que aqueles marcados como acelerado.
Outra relação foi entre andamento e Z suavizado. Para isso, efetuou-se uma ANOVA one-
way (DF = 3, SumSq = 4.9, Mean = 1.6, F = 2.0779, p > 0,05) e não foi encontrada diferença
significativa entre a duração relativa dos GAs.
Em seguida, comparou-se taxa de elocução com andamento. Aplicou-se ANOVA one-
way (DF=3, SumSq = 51.9, Mean = 17.3, F = 15.369, p < 0,001) e encontrou-se diferença
altamente significativa. Os GAs marcados como acelerado possuem taxa de elocução maior que o
desacelerado, cuja TE é próxima ao não-acelerado, como se no gráfico 66. Mais uma vez,
observa-se que não se trata de uma relação semi-simbólica. O o-desacelerado, como o próprio
nome diz, é a negação do desacelerado; no entanto, essas duas etiquetas marcam segmentos com
a mesma taxa de elocução. Seria interessante, numa análise futura com um corpus
quantitativamente bem maior, a observação da reação entre andamento e Z suavizado, já que este
nada mais é do que uma representação da taxa de elocução da fala (se positivo, significa lentidão;
se negativo, significa rapidez).
176
Gráfico 66: médias com andamento semiótico no eixo x e taxa de elocução no eixo y
Contrastou-se, em seguida, média de F0 e andamento. Aplicou-se ANOVA one-way (DF
= 3, SumSq = 717733, Mean = 239244, F = 32.55, p < 0,001) e encontrou-se diferença altamente
significativa. Os GAs marcados como desacelerado possuem médias semelhantes ao não-
desacelerado, enquanto acelerado e não-acelerado possuem médias inferiores, como pode ser
visto no gráfico 67:
Gráfico 67: médias com andamento semiótico no eixo x e média de F0 no eixo y
177
Para se obter a relação entre o desvio-padrão de F0 com o andamento, aplicou-se ANOVA
one-way (DF = 3, SumSq = 3005, Mean = 1002, F = 2.4554, p > 0,05) e não houve diferença
significativa quanto à variação do F0. Em seguida aplicou-se uma análise de variância ANOVA
one-way (DF = 3, SumSq=57941, Mean = 19314, F = 8.4333, p < 0,001) entre valor e média de
pitch (F0 no GA) e observou-se diferença altamente significativa, como mostra o gráfico 68. Os
GAs marcados como acelerado mostraram maior pitch. O andamento acelerado do plano do
conteúdo afetaria, portanto, o pitch dos grupos acentuais em que se encontra, elevando-os.
Gráfico 68: médias com andamento semiótico no eixo x e média do pitch no eixo y
Por fim, comparou-se desvio-padrão do pitch com andamento. Aplicou-se ANOVA one-
way (DF = 3, SumSq = 182619, Mean = 60873, F = 125.21, p < 0,001) e verificou-se diferença
altamente significativa. O acelerado, nesse caso, tende a variar mais que o desacelerado, como se
no gráfico 69. De acordo com o trabalho realizado por Matte (2002), nos trechos de fala que
apresentavam conteúdo tenso (aceleração é intensidade, desaceleração é extensidade), grande
variação na duração relativa dos segmentos. O presente estudo aponta uma relação semelhante
para o pitch.
178
Gráfico 69: médias com andamento semiótico no eixo x e desvio padrão do pitch no eixo y
5.4 −Considerações sobre a relação do conteúdo com a expressão
Matte (2008), ao relacionar dados fonéticos e semióticos, mostrou a inadequação do nível
narrativo, um nível lógico e a-cronológico, para o estudo interdisciplinar entre conteúdo e
expressão da fala. Por outro lado, a autora sugeriu que o nível discursivo, por ser um nível
superficial e próximo à manifestação textual, poderia oferecer resultados profícuos em pesquisas
dessa natureza. Na esteira de Matte (2008), cruzaram-se dados semióticos provenientes de análise
temático-figurativa e aspectual do texto, portanto, a partir do nível discursivo. Os resultados desta
pesquisa apontam para o que vislumbrou a autora, ou seja, que, ao se trabalhar com o nível
discursivo, dados fonéticos são afetados por dados semióticos. Em outras palavras, o conteúdo
atua modificando a expressão.
Isso pode ser comprovado, no caso da etiqueta semiótica valor (positivo ou negativo). A
maioria dos GAs etiquetados com “negativo” apresentaram a maior média de frequência e o
maior desvio padrão de F1, F2, F3 e F4. Além disso, observa-se que a taxa de elocução é mais
lenta em “não-positivo”, que, segundo o quadrado semiótico, tende ao negativo. Isso indicaria um
efeito de preparação à atuação do valor negativo pelos formantes. A análise do valor semiótico e
F0 corrobora essa tese ao mostrar que não correspondência entre o valor de F0 e dos
formantes. Isso descartaria a hipótese de uma possível correspondência entre vozes femininas
179
narrando notícias de valor negativo, já que vozes femininas apresentam média de F0 maior que
vozes masculinas.
A etiqueta disposição (querer/dever) também mostrou atuar sobre padrões fonéticos. GAs
etiquetados com “querer” apresentaram F2, F3 e F4 com maior média de frequência, com relação
aos GAs marcados pela etiqueta “dever”. Quanto ao desvio-padrão, os quatro primeiros
formantes mostraram maior variabilidade quando etiquetados com “querer”. Dessa forma, assim
como na etiqueta valor, em disposição, percebe-se que é nos formantes que ocorre uma relação
em que o conteúdo afeta a expressão. As etiquetas “querer” e “negativo”, ao apresentarem
resultados coincidentes, confirmam estatisticamente uma maior disforização do querer e
euforização do dever, mostrada no capítulo 4. Disso, depreende-se que, pelos dados analisados,
tanto fonética como semioticamente, o Jornal Nacional atua como uma força mantenedora do
contrato fiduciário, que disforiza o querer e, em última instancia, o rompimento desse acordo.
A etiqueta andamento” também mostrou influenciar dados fonéticos, como pôde ser
visto durante este capítulo. O GAs marcados com “desacelerado” mostraram média maior que os
GAs marcados com “acelerado” em todos os quatro formantes. Além disso, os GAs etiquetados
com “acelerado” mostraram taxa de elocução maior que em “desacelerado”. Em média de F0,
desacelerado também possui valor maior que acelerado. Além disso, constatou-se que o
andamento acelerado, no plano do conteúdo, altera o pitch dos grupos acentuais, e que o pitch
tende a variar mais nos GAs marcados como acelerado. Como o F0 é pontual e o pitch é mais
extenso, é preciso verificar o comportamento do DP no GA (gráfico 37). Nota-se que o acelerado
tem alto desvio-padrão, enquanto o desacelerado tem um desvio-padrão bem menor, o que indica
a possibilidade da ocorrência de segmentos VV com valores bem diferentes. Infelizmente, a
ANOVA do F0DP conforme andamento não obteve significância estatística, de modo que seria
necessário um corpus com muito mais dados para possibilitar uma análise conclusiva.
Todas essas evidências apontam para um quadro em que alguns elementos do plano do
conteúdo afetam, na fala do Jornal Nacional, elementos do plano da expressão, em análises
estatisticamente significantes que, portanto, não devem ser desprezadas. Não se trata, porém,
como se apontou, de uma relação semi-simbólica
30
. O sistema semi-simbólico sempre relaciona
30
Barros (2002:153) dá um exemplo de semi-simbolismo, por poesia de Drummond, na qual o traço nasal opõe-se ao
traço oral, categorias do plano da expressão, que, por sua vez, articulam-se com categorias do plano do conteúdo, que
também se opõem: mudança/transformação vs. manutenção/conservação. A categoria nasal relacionar-se-ia à
180
categorias, por exemplo, cores quentes e cores frias (expressão) com desejo e repulsa (conteúdo).
Somente seria considerado semi-simbólico um sistema no qual, por exemplo, quanto mais
próximo ao extremo de cores quentes, maior o grau de desejo, enquanto a maior proximidade a
cores frias aumentasse a repulsa. Além disso, num sistema semi-simbólico, existe uma
correspondência entre categorias contrárias e subcontrárias, como seria de se esperar num
quadrado semiótico, o que, por sua vez, não acontece num sistema simbólico.
Sustenta-se, dessa maneira, que a relação entre conteúdo e expressão da fala do JN
caracteriza-se por ser uma relação simbólica, que não se homologam categorias do plano da
expressão com categorias do plano do conteúdo, mas elementos do plano do conteúdo com
elementos do plano da expressão. Ademais, não correspondência entre elementos contrários e
subcontrários. O som agudo ou grave, o traço nasal ou oral, são elementos que podem compor
categorias. Entretanto, quando não organizados como tal, são apenas elementos. Um sistema de
símbolo, por sua vez, é aquele cujos dois planos estão ligados por uma relação de conformidade
(GREIMAS & COURTÉS, 2008: 318, 464). O símbolo possui um estatuto autônomo e, por isso,
não permite várias interpretações, como seria o caso do signo. Tal relação simbólica, percebida
pelo fato de que elementos do conteúdo afetam alguns elementos da expressão, sugere, assim,
uma relação culturalmente estabelecida.
Dessa maneira, expressão e conteúdo são, pois, dois sistemas independentes, mas
conectados de alguma maneira, isto é, podem se afetar ou não. Quando não se afetam, isso
caracteriza uma relação arbitrária, como é o caso do signo. Se um for afetado pelo outro, a
relação pode ser semi-simbólica ou simbólica. A primeira configura-se por relações estabelecidas
no microuniverso semântico de cada texto. A segunda, por sua vez, é sempre cristalizada social e
culturalmente, tendo um caráter de convenção. A sonoridade mais aguda da voz, resultada pelo
aumento da média dos formantes, no plano da expressão, indica uma relação simbólica ao
relacionar-se com o conteúdo negativo, por exemplo.
Ao se empreender este estudo interdisciplinar entre conteúdo e expressão da fala,
analisou-se a fala em processo, encontrando-se relações que a cultura reconhece e que não foram
descritas antes. Tais conclusões a que se chegou neste trabalho, por meio do cruzamento
estatístico de dados fonéticos e semióticos, poderiam sugerir que, em condições normais, as
categoria mudança/transformação, ao passo que a categoria oral relacionar-se-ia com categoria
manutenção/conservação.
181
pessoas não poderiam supor a existência de relações simbólicas entre conteúdo e expressão, tais
como foram atestadas aqui. Sabe-se, no entanto, que se faz uso, mas não se tem consciência do
sistema. Como apontou Hjelmslev, “(...) é destino natural [da fala humana] ser um meio e não um
fim” (2006:03). Eis a função da ciência: desvelar processos com os quais se convive, mas que
não se sabe explicar.
182
Conclusão
A proposta de estudo da fala do Jornal Nacional partiu da dicotomia saussure-
hjelmsleviana, segundo a qual, a realização da língua pressupõe um conteúdo e uma expressão.
Esse foi o ponto de partida para se analisar esses dois lados da mesma folha de papel, numa
alusão direta à metáfora de Saussure (2006:131). Cada lado contou com pressupostos teóricos
diferentes, de um lado a semiótica do discurso, teoria do texto e do discurso, que estuda a
significação. Por outro, a fonética acústica, que estuda ondas sonoras mecanicamente produzidas
e que, por isso, trabalha com dados numéricos, estatísticos. A relação poderia à primeira vista
soar como incompatibilidade, mas a presente investigação confirmou o quão possível é a
convergência dessas disciplinas para o estudo da expressão e do conteúdo da fala. Optou-se por
trabalhar com a fala de um produto midiático, guiando-se pelo princípio da importância de se
estudar a mídia e suas estruturas intra-textuais, da qual emana o sentido por meio da semiose
entre conteúdo e expressão.
Para o estudo da expressão da fala, baseou-se nos fundamentos da fonética acústica, para
fazer uma análise de todo o corpus da pesquisa. Destaca-se o resultado segundo o qual existe
uma correlação muito baixa, de 17%, entre a variação segmental (derivada de F0 interna de VV)
e a variação prosódica para o F0 (pitch do GA). Além disso, a correlação entre F0 do VV e pitch
do GA também é baixa (22%). Isso indicaria uma primeira relação entre conteúdo e expressão, já
que se pode considerar o GA uma unidade de sentido, enquanto o VV não.
A análise fonética respondeu ainda à seguinte pergunta: existe uma uniformização na fala
de repórteres e apresentadores do JN com relação à produção dos arquifonemas /R/ e /S/? A partir
de dados fonéticos trabalhados estatisticamente, pôde-se comprovar baixa variabilidade na
realização de tais arquifonemas. Como se apontou no capítulo 3, optou-se em trabalhar com
apenas esses dois arquifonemas, guiados pelas mesmas diretrizes da produção do noticiário
(Organizações Globo, 2004) que orientou seus profissionais quanto à realização do /S/ e do /R/. O
resultado encontrado nesta investigação confirma estatisticamente o que haviam sugerido
trabalhos anteriores, que supunham uma uniformização da fala de profissionais da notícia desse
noticiário (MEDEIROS, 1999, 2006; MENDES, 2006). Segundo Medeiros, haveria “uma
tendência generalizada entre os repórteres de emissoras distantes do eixo Rio-São Paulo de
183
modificarem a forma de falar cotidiana, no momento em que pegam o microfone e se posicionam
diante de uma câmera de TV” (2006:13). Portanto, se houve uma intenção em padronizar a fala
de repórteres e apresentadores do noticiário mais assistido da TV brasileira, a análise estatística
de dados acústicos pôde confirmar essa uniformização. Nota-se que, pela análise dos
arquifonemas, o foco manteve-se apenas na expressão, o que, entretanto, já carrega consigo um
sentido (HJELMSLEV, 2006:61). Um sentido da expressão pautado pela pouca variabilidade
poderia sugerir uma lógica dos valores do absoluto sobrepondo-se aos valores do universo, pela
perspectiva tensiva.
Quanto ao sentido do conteúdo, no capítulo 4, ao se fazer uma análise semiótica das
matérias do Jornal Nacional, puderam ser depreendidas algumas estruturas invariantes sobre as
quais se constrói o discurso desse noticiário. As matérias foram analisadas principalmente no que
tange ao vel discursivo, previsto pelo percurso gerativo de sentido. Da semântica discursiva,
observou-se como se constroem sentidos por meio da análise de temas e figuras. Além disso, do
nível discursivo, analisou-se a aspectualização do tempo, ou seja, o andamento do texto.
Quanto ao andamento, os textos analisados se estruturam de duas maneiras: a primeira
delas é um andamento acelerado inicial que decresce no decorrer do texto. Isso se deve à
apresentação do fato principal da notícia, em termos semióticos, em decorrência de uma ruptura,
de uma tensão. Em seguida, o texto perde em aceleração, devido a descrições, elucidações e
contextualizações, o que semioticamente significa uma distensão, um maior relaxamento. Uma
variação desse tipo de estrutura é um andamento não-desacelerado no final, mas que não chega a
ser acelerado. A segunda forma de estruturação textual, no que se refere ao andamento, é uma
oscilação entre aceleração e desaceleração. Isso se deve, como se viu, à apresentação de um fato
(ruptura/intensidade) para depois explicar e/ou descrever esse fato (continuidade/extensidade), e
assim sucessivamente. Esse padrão foi o segundo mais observado pelas análises. O que se pode
afirmar é que uma matéria longa, por trazer mais temas, tende a ter essa organização, ao passo
que, uma matéria mais curta, à primeira organização.
Com relação às análises dos temas e figuras, pode-se dizer que o discurso do Jornal
Nacional é muito mais temático que figurativo. Observou-se, pelas análises, maior recorrência na
formação de percursos temáticos que figurativos. Isso quer dizer que o JN muito mais explica e
organiza a realidade, por meio de temas, do que a recria discursivamente, por figuras. Salienta-se,
que, sendo o JN um telejornal, ele faz uso de imagens para, de certa forma, explicar os textos de
184
figuração esparsa. Essa prática poderia indicar uma posição intermediária entre textos temáticos e
efetivamente figurativos, o que seria uma maneira de garantir o interesse e a compreensão do
maior público possível.
Pela análise de temas e figuras, buscou-se perceber os traços sêmicos subjacentes e
chegou-se a uma relação entre, de um lado, o querer e, de outro, o dever. Essa tensão entre o
querer e o dever mostra que, na maioria das vezes, este é valorizado euforicamente, ao passo que
aquele tem um valor negativo construído no e pelo texto. Poder-se-ia afirmar que a
noticiabilidade de uma matéria jornalística, nasce do conflito especificamente entre o dever-não-
fazer e o querer-fazer, em que uma quebra de um contrato fiduciário estabelecido. Ao colocar
em relevo as quebras de contrato, o JN reforça o quadro de valor preponderante, protegendo-o
contra possíveis desejos de mudança. Portanto, o Jornal Nacional atuaria como uma força que
ajuda a manter o contrato fiduciário vigente, ao noticiar rompimentos.
O objetivo do último capítulo foi relacionar o conteúdo e a expressão da fala do Jornal
Nacional e perceber de que maneira se dá o comportamento mútuo desses funtivos. Partindo da
proposta de Matte (2008), que mostrou a inadequação do nível narrativo para o estudo
interdisciplinar entre conteúdo e expressão da fala, cruzaram-se dados semióticos provenientes de
análise temático-figurativa e aspectual do texto, ou seja, a partir do vel discursivo. Os dados
semióticos foram representados pelas etiquetas valor (positivo/negativo), disposição (do sujeito
em questão, dever/querer) e andamento (acelerado/desacelerado). Após o cruzamento desses
dados, conclui-se que dados fonéticos são afetados por dados semióticos.
Resgatando algumas evidências do capítulo 5, observou-se que, no caso da etiqueta
semiótica valor (positivo ou negativo), todos os GAs etiquetados com “negativo” apresentaram a
maior média de frequência e o maior desvio padrão de F1, F2, F3 e F4. A etiqueta disposição
(querer/dever) também mostrou atuar sobre padrões fonéticos. GAs etiquetados com “querer”
apresentaram F2, F3 e F4 com maior média de frequência, como relação aos GAs marcados pela
etiqueta “dever”. As etiquetas “querere “negativo”, ao apresentarem resultados coincidentes,
confirmam estatisticamente uma maior disforização do querer e euforização do dever, mostrada
no capítulo 4. A etiqueta “andamento” também mostrou influenciar dados fonéticos, pois GAs
marcados com “desacelerado” mostraram média maior que os GAs marcados com acelerado”
em todos os quatro formantes. Além disso, os GAs etiquetados com “acelerado” mostraram taxa
de elocução maior que em “desacelerado”.
185
Essas evidências apontam para um quadro em que alguns elementos do plano do conteúdo
afetam, na fala do Jornal Nacional, elementos do plano da expressão, em análises
estatisticamente significantes que, portanto, não devem ser descartadas. Dados da pesquisa
indicam haver uma relação simbólica, ou seja, que alguns elementos do conteúdo que não
chegam a compor categorias afetam alguns elementos da expressão, que tampouco formam
categorias, sugerindo uma relação culturalmente estabelecida. Ao se empreender este estudo
interdisciplinar entre conteúdo e expressão da fala, analisou-se a fala em processo, encontrando-
se relações que a cultura reconhece e que não foram descritas antes.
Por fim, o ineditismo dos resultados encontrados nesta pesquisa confirma a proficuidade
do recente campo de estudos, que envolve o trabalho interdisciplinar entre semiótica e fonética
acústica para o estudo do conteúdo e expressão da fala, cujos precedentes foram abertos por
Matte (2002, 2008).
186
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194
Anexo
195
Nota sobre o anexo:
A seguir seguem, na íntegra, as matérias que foram analisadas. As mesmas foram
retiradas do site do Jornal Nacional. Essas matérias, no site, possuem a versão escrita e a versão
em vídeo, dando ao internauta a opção entre ler ou ver a matéria. O texto escrito tem algumas
diferenças em relação ao texto da matéria lido pelos repórteres ou apresentadores. Tais diferenças
são, principalmente, de ordem dêitica ou elementos que identificam os entrevistados, tais como
tarjas na tela. Os textos das matérias analisadas são idênticos aos textos lidos pelos repórteres e
apresentadores e, por isso, as matérias podem prescindir de tais elementos.
Ao final da dissertação, também compondo este anexo, apresentam-se em CD, os arquivos de
som das matérias analisadas.
Segunda-feira, 05 de maio
Matéria nacional
A Justiça de São Paulo mandou para o Supremo Tribunal Federal o processo em que o
nome do deputado federal Paulo Pereira da Silva, do PDT, aparece citado como beneficiário de
um esquema de desvio de dinheiro do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social.
O deputado Paulo Pereira da Silva, o Paulinho da Força Sindical, não apareceu no
gabinete da Câmara. Ficou em São Paulo preparando as explicações que vai dar amanhã ao PDT,
partido dele. Para o Ministério Público, indícios da participação do deputado no esquema. Em
entrevista, a procuradora que cuida do caso disse que os indícios vão além das escutas
telefônicas. “O indício que seja ele são as ramificações das investigações e, na verdade, algumas
vezes não foi só citado o nome Paulinho”.
A procuradora disse que, nas escutas telefônicas, evidências da participação de 11
prefeituras. Também foram encontrados indícios do envolvimento de funcionários do BNDES.
Foram feitos 11 pedidos de prisão. Prefeitos e deputados têm foro privilegiado. Por isso, o
Ministério Público pediu e a Justiça Federal de São Paulo enviou cópias do processo ao Tribunal
Regional Federal e ao Supremo Tribunal Federal.
Para processar o deputado Paulo Pereira da Silva, o STF depende do parecer da
Procuradoria Geral da República, que pode pedir ou não a abertura de inquérito contra o
deputado. “A hora que chegar eu vou examinar para verificar. Se tiver alguma coisa, eu tomo as
providências que eu sempre tenho tomado”. Em nota, a Força Sindical defendeu seu presidente,
dizendo que ele é vítima de implacável perseguição política.
196
Matéria local
A Defesa Civil em Porto Alegre confirmou hoje a segunda morte causada pelo ciclone
extratropical que atingiu a Região Sul do Brasil no fim de semana.
Depois da chuva, a preocupação agora é com os rios que não param de subir. Em Taquara,
a 70 quilômetros de Porto Alegre, o Rio dos Sinos está oito metros acima do nível normal.
Centenas de casas ficaram submersas. “Chegou de repente, pegou todo mundo desprevenido”.De
barco, os moradores ainda tentam salvar alguns móveis. “Perdi roupa, perdi móvel, dentro de
casa, TV, rádio, tudo eu perdi, tudo ali dentro”.
No fim de semana, a chuva e os ventos de mais de 100 km/h arrancaram árvores,
destruíram casas e a rede elétrica de muitas cidades. Nove mil e quinhentos consumidores ainda
estão sem luz. Em protesto, moradores de Guaíba, na Grande Porto Alegre, fecharam hoje uma
das principais avenidas da cidade. “Nós resolvemos protestar porque desde sexta-feira, às oito e
meia, nós estamos sem luz. Estragou toda a nossa alimentação”.
Nesta rua da capital gaúcha, a calçada cedeu bem debaixo de um veículo que estacionava.
A motorista do carro e o filho dela, de cinco anos, tiveram que sair pelo porta-malas. “Tentaram
quebrar o vidro. Eu acho que ela mesma conseguiu acionar o porta-malas e abriu. Os vizinhos
tentaram tirar ela pelo porta-malas. Graças a Deus que não se machucaram, né”.
Por causa da passagem do ciclone, sete cidades decretaram situação de emergência. Três
mil pessoas ainda não voltaram para casa. O temporal fez duas vítimas no Rio Grande do Sul. Na
noite de ontem, um homem morreu afogado na serra gaúcha.
Em Santa Catarina, na divisa com o Rio Grande do Sul, a BR 101 está interditada desde o
fim da tarde de ontem. A rodovia foi inundada depois que um rio da região transbordou. O
engarrafamento chega a 14 quilômetros. Os temporais dos últimos dias atingiram 32
municípios do estado. A situação é mais grave no sul.
Em Ermo, esta casa foi arrastada para dentro do rio. Muitas comunidades rurais ainda
estão isoladas. Hoje, quando a água começou a baixar, dona Aurora voltou para casa e se
desesperou ao ver a destruição causada pela enchente. “Perdi o que tinha de roupa, e comida, e
coisa. Não dá para aproveitar mais nada”.
A falta de água dificulta a limpeza da lama. Todos os pertences de dona Maria Bento
ficaram espalhados pelo terreno. "Nós com essa muda de roupa aqui. Nós tiramos uma muda
de roupa de cada um e uma caixinha de leite. O resto ficou ali".
Na passagem do ciclone, entre a sexta-feira e o domingo, choveu três vezes mais do que o
esperado para o mês inteiro em algumas cidades do Sul. A água que desceu das montanhas
transformou ruas em rios. Oito municípios decretaram situação de emergência. A preocupação
da Defesa Civil é com o frio. Pelo menos mil e seiscentas pessoas estão desalojadas. “A maior
preocupação é fazer chegar alimento e agasalhos para a população que está desabrigada,
desalojada e alguns isolados, porque a previsão, neste momento, é frio”.
197
Matéria internacional
A polícia da Áustria informou um detalhe ainda mais surpreendente e revoltante no caso
do homem que seqüestrou e violentou a filha no porão de casa durante 24 anos. Joseph Fritzl
começou a preparar o local do cativeiro com seis anos de antecedência.
O porão em que o austríaco Joseph Fritzl escondeu a filha Elisabeth e os filhos que teve
com ela era uma fortaleza. Oito portas, com um complexo sistema de trancas eletrônicas,
impediam qualquer pessoa de entrar ou sair da prisão.
Um plano que começou quando Elisabeth ainda tinha 12 anos. Para a polícia austríaca, foi
um crime premeditado. Joseph Fritzl construiu o cárcere para a filha Elisabeth sozinho sem a
ajuda de pedreiros. Ele se aproveitou da obra do porão da casa dele, autorizada pela prefeitura em
78, e mais tarde construiu mais quatro cômodos ilegalmente.
Hoje, um outro crime envolvendo segredos de família chocou a Europa. Na cidade alemã
de Wenden, uma mulher foi presa depois que três bebês foram encontrados mortos num freezer
no porão. Quem descobriu os corpos foram dois filhos do casal, que procuravam comida no
congelador enquanto os pais estavam fora de casa.
A polícia alemã ainda não conhece a causa das mortes, mas disse que os corpos podiam
estar escondidos há vinte anos.
Terça-feira, 06 de maio
Matéria nacional
O promotor Francisco Cembranelli ofereceu hoje denúncia à justiça - e pediu a prisão
preventiva de Alexandre Nardoni e Anna Carolina Jatobá. Ele afirma que evidências
suficientes para levar o casal a júri popular, pela morte da menina Isabella.
O promotor foi categórico: Alexandre Nardoni e Anna Carolina Jatobá mataram Isabella.
Eles foram denunciados por homicídio doloso, em que há a intenção de matar, triplamente
qualificado, ou seja, por meio cruel, sem chance de defesa para a vítima e por ter sido cometido
para ocultar outro crime. "Ela estava ferida, ela estava passando por um processo de asfixia
bastante grave, contundente e que fatalmente a levaria à morte. Houve a aceleração desse
processo com o lançamento da criança. Ninguém joga uma criança de 5 anos pela janela, do sexto
andar e imagine que ela vá sobreviver"
Francisco Cembranelli não fala em motivação, mas sim nas circunstâncias em que o crime
ocorreu. “Houve discussão relacionada ao ciúme. No meio dessa discussão a menina foi agredida.
Imediatamente outras agressões foram praticadas, culminando com o lançamento dela pela
janela”. O promotor deixou claro que não se prendeu a nenhum detalhe da investigação. Concluiu
pela culpa do casal porque, segundo ele, um conjunto de provas suficiente para incriminar os
dois.
Um dos pontos mais questionados foi se havia sangue no carro de Alexandre e se era de
Isabella: “O sangue é de Isabella. Para se concluir se o sangue no carro é de Isabella ou não, não
somente o DNA será considerado. Existem outras provas no inquérito policial que serão levadas
em consideração”.
No inquérito, ao qual o Jornal Nacional teve acesso com exclusividade, o laudo dos
peritos não é conclusivo. A perícia encontrou uma mistura de materiais biológicos de duas ou
198
mais pessoas. Por causa dessa mistura, os peritos não conseguiram dizer se o material encontrado
é de Isabella, do pai, da madrasta ou dos irmãos. Todos estavam no carro.
Pergunto se o sangue no carro é determinante para a denúncia contra o casal. “Não, não é
determinante”. Pergunta também como o promotor pode dizer que provas conclusivas. “Há
provas como disse e não é em relação ao DNA. provas de que o sangue é de Isabella sim e
isso vai ficar provado no curso da instrução criminal”.
O promotor também não considera fundamental saber se o sangue na fralda era de
Isabella. Sobre um exame de DNA mais detalhado, ele não acredita ser necessário. O promotor,
mais uma vez, descartou a versão apresentada pelo casal. “Não só existe prova de que eles
praticaram o ato, como existe prova de que nenhuma outra pessoa entrou no prédio naquela noite.
A investigação, ao contrário do que dizem, nunca descartou qualquer linha que pudesse talvez
trazer algum desconhecido para o inquérito policial”.
Além de denunciar o casal, o promotor deu parecer favorável ao pedido de prisão
preventiva feito pela polícia contra Alexandre Nardoni e Anna Carolina Jatobá. Para Francisco
Cembranelli, a prisão é necessária por causa da repercussão e da gravidade do crime, pelo perfil
agressivo que, segundo o promotor, o pai e a madrasta de Isabella têm, e ainda pelo fato de o
casal ter cometido, segundo a denúncia, o crime de fraude processual - no caso, alterar a cena do
crime para destruir provas. “Isso vai dar celeridade ao processo. Não vida. Se tivermos eles
presos poderemos com absoluta tranqüilidade colher a prova, levar adiante este propósito e num
futuro não tão distante assim colher a manifestação social quanto à responsabilidade criminal
atribuída a ambos”.
O advogado de defesa do casal considerou a denúncia frágil. “Nós entendemos que a
denuncia é superficial. A gente vem ressaltando pela vulnerabilidade das provas e a gente pode
observar e confirmar isso na própria denúncia. E agora haverá o transcurso da instrução criminal
e a gente então está confiante numa decisão favorável ao casal.”
O juiz Maurício Fossen, do segundo Tribunal do Júri, terá cinco dias para decidir se aceita
a denúncia e se decreta a prisão preventiva do casal. A condenação pelos crimes de que são
acusados pode significar de 12 a 30 anos de prisão para Alexandre Nardoni e Anna Jatobá.
Matéria local
A Polícia Federal prendeu, no fim da tarde, em Roraima, o dono da fazenda de arroz onde
seguranças atacaram a tiros um grupo de índios que tinha invadido a propriedade. O policiamento
foi reforçado, hoje, nas imediações da fazenda de arroz onde funcionários e indígenas entraram
em confronto. Policiais federais e da Força Nacional de Segurança patrulham as estradas da
região.
Ontem, cerca de 70 índios invadiram a propriedade. Eles dizem que começavam a montar
acampamento quando um grupo de homens encapuzados chegou atirando. Uma bomba de
fabricação caseira foi usada.
O índio que filmou a ação fugiu quando foi avistado pelos seguranças da fazenda. Dez
índios ficaram feridos no ataque. Eles foram medicados e liberados. O dono da fazenda é o
prefeito de Pacaraima e presidente da Associação de Rizicultores do estado, Paulo Cesar
Quartiero. Ele chegou a ser detido pela Polícia Federal em março, acusado de incitar a violência
contra os índios e tentar impedir a desocupação da área.
199
Por telefone, Paulo sar culpou os índios pelo confronto de ontem: “invadiram a
fazenda, aí os funcionários foram pra que eles se retirassem e foram recebidos a flechadas. Houve
o confronto e realmente houve feridos”.
O ministro da Justiça Tarso Genro veio hoje a Roraima, acompanhado do diretor-geral da
Polícia Federal. Eles sobrevoaram a região da Raposa Serra do Sol. A determinação do ministro é
que a Polícia Federal mantenha a ordem na região. “A nossa missão é pacificar a região, aguardar
a decisão do Supremo Tribunal Federal, que é quem indica a interpretação da lei da constituição
em última instância e cumprir a lei”.
A Polícia Federal cumpriu mandados de busca e apreensão na Fazenda Depósito. E
prendeu o dono da propriedade: o visicultor Paulo César Quartiero. Este líder macuxi disse que a
ocupação da fazenda vai continuar. “Tá chegando os indígenas. Vai chegar ais ou menos uns 4
mil”.
O Supremo Tribunal Federal está julgando uma ação que questiona a demarcação
contínua da reserva. Até lá, a operação de retirada dos arrozeiros está suspensa. Paulo César
Quartieiro foi preso por formação de quadrilha, ocultação de armas e obstrução de estradas.
Matéria internacional
Enquanto os democratas decidem quem será o candidato deles à presidência, o
republicano John McCain percorre os Estados Unidos em campanha. Os correspondentes Lília
Teles e Sherman Costa acompanharam o senador numa viagem.
A preocupação de John McCain não é mais com as prévias. A definição do candidato
republicano - que vai representar o partido nas eleições presidenciais americanas - aconteceu seis
meses antes da convenção, marcada para setembro.
Isso representa a também uma rotina dura, que desafia a resistência do senador de 71 anos
de idade, que pode se tornar o mais velho a assumir a presidência dos Estados Unidos. Nós
acompanhamos a maratona do candidato, que inclui conferências, discursos, entrevistas e viagens
a até três estados num único dia.
John McCain amanheceu em Cleveland, no estado de Ohio. Explicou a médicos e
profissionais de saúde o que pretende fazer para ajudar os 47 milhões de americanos que não têm
plano de saúde. Nesses dias, este tem sido o principal tema da campanha.
Na entrevista, ele escolhe os jornalistas e responde a uma pergunta feita por mim sobre o
etanol brasileiro. Mccain disse: "acho que a importação do etanol brasileiro deveria ser permitida
neste país. Existe uma inabilidade deste país de acolher combustíveis alternativos com preços
mais baixos. Acho que os subsídios que nós colocamos sobre o etanol levaram crise ao mercado e
acarretaram a alta de alimentos na América”.
Depois, o candidato enfrentou duas horas e meia de vôo até Des Moines, em Iowa, num
avião fretado, fabricado pela Embraer. O batalhão de jornalistas dos principais jornais e
emissoras americanos viaja no mesmo avião, mas afastado de McCain. Cercado de assessores, ele
recebe tratamento de estrela. Mais palestras e esquema de segurança rigoroso. Esquadrão
antibombas, policiais com cães farejadores, detectores de metais e agentes secretos encarregados
de afastar protestos. E eleitores insatisfeitos. Mais duas horas de vôo e chegamos a Denver, no
Colorado. A mudança de clima, com tempestade de neve fora de hora, o altera a disposição do
senador. Ele é anunciado como o próximo presidente dos Estados Unidos. Aplausos e mais
discursos. As idéias podem ser boas. Mas muitos eleitores não o se lembrar dos discursos.
Dormiram embalados pelas palavras de McCain. Mas os eleitores enfrentam fila para ouvir o
200
candidato: este diz: "gosto da sinceridade dele e da preocupação com os problemas do país". O
outro conclui: "vou votar em McCain porque sou republicano e é o melhor que a gente tem".
Quarta-feira, 07 de maio
Matéria nacional
A ministra Dilma Rousseff voltou a negar, hoje, que a Casa Civil tenha montado um
dossiê com informações sobre o ex-presidente Fernando Henrique. Ela foi ouvida por mais de
nove horas em uma comissão do Senado.
Dilma Rousseff chegou na hora marcada. Foi para a Comissão de Infra-Estrutura
acompanhada pelo presidente do Senado e por aliados. A oposição foi direto ao dossiê: as
informações sigilosas do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso que vazaram da Casa Civil.
O líder do Democratas insinuou que a ministra poderia mentir à comissão, lembrando uma
entrevista em que ela falou sobre o tempo em que ficou presa durante a ditadura militar. “Vossa
excelência responde: a prisão é uma coisa em que a gente se encontra com os limites da gente. É
isso que, às vezes, é muito duro. Nos depoimentos, a gente mentia feito doido. Mentia muito, mas
muito. O que quero dizer com tudo isso? Que eu tenho medo de estarmos voltando a um regime
de exceção”. Desconforto geral. A ministra Dilma Rousseff respondeu: “Eu tinha 19 anos, eu
fiquei três anos na cadeia e eu fui barbaramente torturada, senador. Qualquer pessoa que ousar
dizer a verdade para interrogadores compromete a vida dos seus iguais e entrega pessoas para
serem mortas. Eu me orgulho muito de ter mentido, porque mentir na tortura não é fácil. Na
democracia, se fala a verdade. Diante da tortura, quem tem coragem, dignidade, fala mentira.
Esse diálogo é democrático. A oposição pode me fazer perguntas e vou poder responder. Estamos
em igualdade de condições humanas e materiais. Nos não estamos em um diálogo entre o meu
pescoço e a forca, senador. Eu acredito que nós estávamos em momentos diversos da nossa vida
em 1970”.
A oposição perdeu o rumo. A ministra passou a falar do PAC, o Programa de Aceleração
do Crescimento, e os senadores começaram a perguntar sobre as obras dos seus estados. Em um
clima de elogios e cordialidade, surgiram poucas perguntas sobre o dossiê, que a ministra voltou
a negar.
“Não dossiê. O que há, o que foi e o que existe, que está à disposição, inclusive, da própria
CPI, são dados. Nós considerados que foi vazado informações absolutamente privativas da Casa
Civil. Está sob investigação quem vazou.”
O governo estava tão confortável com o depoimento, que concordou em prorrogar a
sessão. As votações em Plenário foram canceladas. Anoiteceu e o Senado ainda estava ocupado
com a única agenda do dia: o depoimento da ministra. Para o Planalto, Dilma Rousseff venceu
um grande teste político.
201
Matéria local
No interior de São Paulo, a polícia prendeu um agricultor aposentado, acusado de manter
a mulher em cárcere privado por duas décadas.
A aparência é de um lugar tranqüilo, mas, durante 20 anos, este sítio no município de
Pedranópolis foi o cárcere de uma dona de casa, que saiu poucas vezes da propriedade, e somente
acompanhada do marido.
Aos 16 anos, ela foi morar com o agricultor Ary Hernandes Castijo. Em depoimento à
polícia, a mulher disse que não podia sequer acompanhar as duas filhas que teve com ele até a
escola. Ela afirmou ainda que era impedida de visitar os parentes, de receber visitas da família em
casa. Também disse que era obrigada a fazer serviços pesados. "Trabalhos que são realizados por
homens, como ordenha, fazer cerca, carregar sacos”.
O caso do austríaco, que manteve a filha em cativeiro durante 24 anos, motivou a família
da dona de casa a fazer a denúncia só agora.
Ary Hernandes Castijo foi preso em flagrante. Na casa, a polícia encontrou dois
revólveres e uma espingarda. Em depoimento, a dona de casa disse que tinha medo de denunciar
o marido porque ela e os parentes eram ameaçados de morte. Ele vai ser indiciado por cárcere
privado, posse ilegal de armas, ameaça e por submeter a mulher a trabalho escravo. A pena para
esses crimes pode chegar a 16 anos de prisão.
Matéria internacional
É dramática a situação dos sobreviventes do ciclone que arrasou Mianmar no fim de
semana. Há um milhão de desabrigados e a ajuda humanitária chega lentamente às áreas mais
atingidas. Extra-oficialmente, já há quem fale em 100 mil mortos.
Desafiando o perigo, um cinegrafista amador registrou a passagem do ciclone na região
onde ele foi mais violento. Pessoas em desespero tentam caminhar e encontrar abrigo, mas todos
os abrigos vão sendo destruídos e arrastados pelo vento.
Quando a tormenta vai embora, surge a visão chocante de uma cidade em ruínas. Famílias sem
rumo em busca de água e comida. As vítimas buscam ajuda no templo budista, mas ele foi
destruído também. Macas improvisadas carregam os feridos e os famintos se juntam em abrigos
improvisados.
Cinco mil km² Estão debaixo d’água. O ciclone engoliu cidades inteiras e até mudou o
mapa da região. As duas fotos do satélite mostram como está diferente o desenho do litoral.
Mesmo diante dessa tragédia gigantesca, o governo de Mianmar continua dificultando a entrada
de estrangeiros. Equipes de assistência humanitária são barradas na fronteira.
As imagens de sofrimento levaram o Papa a fazer um apelo: Bento XVI pediu a todos que
abram os corações para a colaboração dos que podem e querem ajudar. Enquanto a ajuda não
vem, as famílias atingidas têm que tomar decisões que não podem esperar. A primeira delas é
onde enterrar os milhares de mortos. A maré traz os corpos dos que foram arrastados pelas águas.
Ainda é impossível calcular o número exato de vítimas, porque, nas áreas isoladas, muitos estão
em um momento crítico entre a vida e a morte.
202
Quinta-feira, 08 de maio
Matéria nacional
Um laudo técnico dos peritos que examinaram computadores do Palácio do Planalto
revela quem vazou o dossiê com os gastos da presidência no governo Fernando Henrique. A
investigação mostra que as informações sigilosas foram divulgadas por um funcionário da Casa
Civil.
O Jornal Nacional teve acesso ao laudo preliminar do ITI, o Instituto de Tecnologia da
Informação, responsável pela perícia nos computadores da Casa Civil. A fonte que deu acesso ao
documento não permitiu que fossem feitas cópias. Permitiu apenas que o documento fosse lido e
que o repórter tomasse nota de algumas de suas partes.
O documento é assinado por Jean Carlo Rodrigues, José Rodrigues Gonçalves e André
Machado Caricatti. Os peritos do ITI recuperaram no disco rígido de um dos computadores, e-
mails que haviam sido excluídos. Era a correspondência entre José Aparecido Nunes Pires,
secretário de controle interno da Casa Civil e André Eduardo da Silva Fernandes, assessor do
senador Álvaro Dias, do PSDB. No dia 19 de fevereiro, às doze e trinta, aparece uma mensagem
de André para Aparecido sem texto. Às catorze e trinta e nove, Aparecido escreve para
André: "Vamos almoçar nesta semana?”. No dia seguinte, às oito e trinta e nove, André responde:
"Te ligo na quinta". Às dez e quarenta e seis, Aparecido devolve, dizendo: "André, leia o
texto". Segundo o laudo do ITI, esse e-mail continha um arquivo anexo com 28 páginas, onde
estavam as informações sobre gastos sigilosos da Presidência da República no governo Fernando
Henrique. Tudo isso foi descoberto no computador de Aparecido, apreendido na sexta-feira.
Os técnicos trabalharam no fim de semana e nessa terça-feira foi entregue à comissão de
sindicância que investiga o vazamento do dossiê.
No dia 4 de abril, o jornal Folha de São Paulo divulgou as planilhas contidas no dossiê,
um arquivo criado pela Presidência da República, no dia 11 de fevereiro. No mesmo dia, a
ministra Dilma Rousseff desqualificou o documento divulgado pelo jornal. “Numa planilha excel
monta-se o que se quer. O próprio jornal assim o fez. É possível alegar que ela estava aqui,
perfeitamente, mas o que mostra é que ela também é facilmente modificada. Mostra as duas
coisas”.
O laudo do ITI confirma agora que o dossiê realmente existiu. Zé Aparecido é funcionário
do Tribunal de Contas da União e trabalha na Casa Civil por indicação do ex-ministro José
Dirceu. Ele confirma a troca dos e-mails com André, mas nega que tenha enviado o dossiê. “Mas
houve, seguramente, troca de e-mails, mas de amigos que foram colegas de trabalho. E jamais
teve qualquer coisa que pudesse pelo menos beirar a ilegalidade”.
Confrontado com o teor dos e-mails citados no laudo, ele primeiro negou que no e-mail
houvesse algum documento anexado: “Olha, a troca de mensagens é possível que tenha havido.
Mas, como fala aí, é texto, é literal”. No decorrer da entrevista, Zé Aparecido acabou admitindo a
possibilidade de que houvesse mesmo um arquivo anexado à mensagem, mas negou mais uma
vez que fosse o dossiê. “Um texto anexado possivelmente, que era coisa de dez, doze linhas.
Provavelmente de suprimento de fundos, colocando a legislação que rege a matéria”.
No dia 11 de fevereiro, antes da criação da CPI dos cartões corporativos, a pedido do
secretário de administração da Casa Civil, Norberto Temóteo, Aparecido disse que cedeu dois
funcionários para criar um arquivo sobre gastos do governo Fernando Henrique. "Nessa conversa,
ele disse que iria ter uma CPI e que, no escopo dessa CPI, eles seguramente iriam pegar dados a
partir de 98, do suprimento de fundos. E que como esses dados estavam desorganizados, eles
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achavam que a CPI, em algum momento, poderia vir a pedir esses dados e então eles precisavam
de certa forma organizar, sistematizar esses dados".
Na terça-feira, Aparecido prometeu entregar cópias dos e-mails trocados com André
para provar que o anexo do e-mail não era o dossiê. Mas hoje alegou que as cópias estão em
Goiás e na próxima semana poderá apresentá-las. O senador Álvaro Dias disse que, num
primeiro momento, não sabia quem tinha enviado o dossiê ao seu assessor, mas que agora sabe e,
diante da informação de que a TV Globo teve acesso ao laudo da perícia, confirmou tudo. “As
informações vieram do computador do senhor José Aparecido, que trabalha na Casa Civil da
Presidência da República. Essas informações vieram por e-mail, do computador do senhor José
Aparecido, para um computador no Senado Federal”.
O senador não quis pronunciar o nome de André Eduardo da Silva Fernandes, o
funcionário de seu gabinete que recebeu o dossiê. Mas confirmou que se trata dele mesmo. “O
nome que a Globo tem eu confirmo e ele me autorizou a confirmar”. O senador não soube
explicar por que o dossiê foi parar na mão dele, que é de oposição. “Não imagino o porquê.
Certamente houve uma alteração de cronograma, houve um atravessamento, não era hora de
vazar esse dossiê, não era isso que estava estabelecido por quem ordenou. O mais importante
agora é saber quem mandou fazer esse dossiê e por que mandou fazer”.
A ministra Dilma Rousseff não quis falar sobre as informações do laudo. Disse que vai
aguardar a investigação da Polícia Federal. A Justiça autorizou hoje a prorrogação por mais 60
dias do inquérito que apura o vazamento do dossiê.
Matéria internacional
Começaram, em Israel, as comemorações dos 60 anos de fundação do Estado hebreu. No
mar, na praia, no céu. A exibição militar lembrou como Israel sempre teve que se preparar, numa
região de vizinhos hostis. Mas, como nos conflitos, às vezes nem tudo sai bem: um pára-quedista
errou o alvo e acabou ferindo oito espectadores.
País mais desenvolvido do Oriente Médio, Israel sempre encantou o mundo com seus
avanços na agricultura, na tecnologia de ponta. Falta uma conquista fundamental que ninguém
esquece, mesmo nesses churrascos, tradição local, no Dia da Independência.
“Paz” pede essa israelense. “Com todas as pessoas, judeus, árabes, cristãos, vivendo juntos, sem
guerra”, diz.
Na Cisjordânia ocupada, hoje houve protestos. A chave é símbolo das casas que os
palestinos perderam ao fugir de onde viviam. Para eles, o que os israelenses festejaram hoje tem
o nome, em árabe, de catástrofe.
Para muitos, as conquistas territoriais da Guerra dos Seis Dias, principalmente as de
Jerusalém e da Cisjordânia, foram a concretização final do sonho de Israel: de retomada, pelos
judeus, da chamada Palestina histórica.
Por outro lado, isso acabou se transformando numa espécie de armadilha, que aprisiona os
palestinos, mas também os israelenses. Os palestinos querem sua capital em parte de Jerusalém,
que os israelenses declaram indivisível.
Sessenta anos de sua fundação, Israel é bem maior do que previa a resolução da ONU,
mas ainda tem fronteiras indefinidas.
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Sexta-feira, 09 de maio
Matéria nacional
Aqui no Brasil, o preço dos alimentos voltou a pressionar a inflação, que fechou o mês de
abril em alta. Alguns produtos típicos da mesa dos brasileiros estão entre os que ficaram mais
caros.
Farinha no Nordeste, massa em São Paulo e o angu dos mineiros. “Tem que cortar. Vai
acabar com a cultura mineira, será”.Para levar tradição à mesa, o consumidor está pagando mais
caro. “Arroz, feijão, que é o básico meu, é difícil, tem que pesquisar muito”. Os preços de
produtos que fazem parte da base da alimentação do brasileiro pressionam a inflação desde 2007.
Em abril, o índice ficou em 0,55%. os alimentos representam metade da taxa. O aumento é
maior que o de março. Desde janeiro, a inflação acumulada passa dos 2% acima do mesmo
período do ano passado. Entre os itens que deixaram a lista do supermercado mais cara estão o
pão francês, outros derivados do trigo como farinha e o macarrão, leite, arroz e carne. Segundo o
IBGE, a alta de preços no mercado internacional tem influenciado o valor dos alimentos no
Brasil. “Se a inflação está associada aos alimentos, as pessoas de mais baixa renda sofrem mais
ainda”.
Como não pra cortar comida do orçamento, o desafio é montar um cardápio que fuja
dos pratos mais tradicionais, que estão mais caros, e encontrar na variedade de prateleiras
produtos que também sejam saudáveis, e que depois não dêem aquela sensação de peso no bolso.
A nutricionista procurou alternativas na pesquisa do IBGE. Para a carne, os substitutos
podem ser frango, ovo ou sardinha, que ficaram mais baratos. E o consumidor pode escapar de
outro vilão da inflação de abril: o óleo de soja. “A indicação é para que façamos tudo cozido ou
assado e evitar totalmente qualquer prato seja ele feito de frituras”. Os cariocas Wanda e Roberto
não ficavam sem feijão preto, até que o aumento chegou a 45% esse ano. Trocaram pelo feijão
carioquinha, bem mais em conta, mas mantiveram o tempero. “Alho, um pouquinho de cebola,
não pode faltar cominho, cominho é tudo, muita gente nem usa. Eu não tenho saudade do feijão
preto, já me despedi dele”.
Matéria local
A reitoria da Universidade Federal do Ceará suspendeu, a partir de hoje, todas as
atividades. 14 mil alunos ficarão sem aulas por causa de uma invasão de sem-teto.
No maior campus da universidade, a única movimentação é de seguranças. Eles tentam
impedir que os prédios sejam invadidos. 15 dias, 600 pessoas derrubaram o muro, ergueram
barracas e demarcaram terrenos dentro da instituição. “A gente não tem onde morar”.
Ninguém sabe exatamente quantas famílias estão na universidade. A cada dia aumenta o
número de invasores e a ocupação já está bem perto dos prédios onde funcionam as salas de aula
e laboratórios. Foi o motivo que levou a reitoria a suspender todas as atividades. Ao todo, 14 mil
alunos estão sem aulas e 600 funcionários, entre professores e servidores, impedidos de trabalhar.
“Imagina parar o campus que tem o centro de ciências, o centro de tecnologia e o centro de
ciências agrárias, muitas pesquisas em andamento. No momento é incalculável mas é
significativo o prejuízo".
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A Justiça determinou a desocupação da área e a Polícia Federal informou que vai
cumprir o mandado de reintegração de posse a qualquer momento. No início da noite, os
invasores se comprometeram a deixar o campus até o início da manhã de sábado.
Matéria internacional
Na Rússia, o governo promoveu hoje o maior desfile militar desde o fim da União
Soviética para lembrar a vitória sobre as tropas nazistas na Segunda Guerra Mundial. Quem
informa é o enviado especial Renato Peters.
Foram mais de 100 carros de combate, oito mil militares e os mísseis balísticos que
carregam as ogivas nucleares russas. 18 anos, quando a Praça Vermelha ainda era o coração
da União Soviética, não se via tamanha demonstração bélica.
A Rússia decidiu mostrar ao mundo que voltou a investir em armamentos, no feriado mais
importante do país. 9 de maio de 1945, a Alemanha nazista se rendia à União Soviética. Era o fim
da Segunda Guerra Mundial na Europa.
O desfile de hoje foi o primeiro sob o comando do recém-empossado presidente Dimitri
Medvedev. Ele passou a cerimônia toda ao lado do agora primeiro-ministro Vladimir Putin.
Medvedev disse que os conflitos nascem por ambições irresponsáveis daqueles que ignoram os
interesses de países e continentes.
Longe da formalidade do desfile militar, o povo saiu às ruas para comemorar o dia 9 de
maio e o ponto de encontro aqui em Moscou foi a Praça da Vitória, que ficou assim ó: cheia de
gente. Entre as milhares de pessoas, personagens da história. Eles receberam o carinho e o
reconhecimento dos mais jovens. A moça fala que acordou com lágrimas nos olhos pelos que
perderam a vida. O ex-soldado o esquece o último dia do conflito. Ele ouviu gritos e tiros,
pensou que a tropa dele estava sendo atacada, mas era a festa pela rendição dos alemães.
Esta simpática senhora, de 84 anos, ganhou várias medalhas como espiã. Revela que não
gostou de ver o desfile na Praça Vermelha. Teme que as armas de hoje possam acabar com a
humanidade. No aniversário do fim da Segunda Guerra Mundial, esse parece ser um pensamento
comum entre várias gerações.
Sábado, 10 de maio
Matéria nacional
A política de cotas para negros voltou a ser criticada. Reunidos em São Paulo, militantes
do Movimento Negro Socialista fizeram um manifesto contra o Estatuto da Igualdade Racial, em
debate na Câmara dos Deputados.
Com diferentes experiências, 104 pessoas de dez estados brasileiros discutiram, em São
Paulo, o Estatuto da Igualdade Racial. O projeto que determina, por exemplo, a contratação de
negros por empresas que prestam serviço a órgãos públicos está em discussão no Congresso.
Do encontro, saiu um documento que será entregue a deputados e senadores. Na carta, os
integrantes do Movimento Negro Socialista explicam porque são contra a criação de novas cotas
para os chamados "afro-brasileiros". “Nós queremos viver numa sociedade onde as pessoas se
respeitem, onde as pessoas possam crescer e onde não exista essa distinção motivada por cor de
pele, pelo conceito de raça, pelo conceito religioso”
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Até ser votado o estatuto ainda deve gerar muitas discussões. A política de cotas para
negros, nas universidades, bem mais antiga, ainda é polêmica. Hoje, segundo o MEC, 22
universidades públicas do país têm cotas para negros. Nessas instituições de ensino, para
conseguir uma vaga, o candidato definido como negro precisa de menos pontos no vestibular do
que um outro candidato definido como branco. Quem defende as cotas, como o coordenador da
Educafro, Frei Valnei, alega que essa é uma maneira de corrigir uma injustiça histórica. “As cotas
são, na realidade, mecanismos, instrumentos que permite de fato com que essa população que não
tem acesso consiga atingir esse patamar que é o ingresso nas instituições de nível superior”. Os
críticos, como o coordenador do Movimento Negro Socialista defendem investimentos públicos
que beneficiem toda a sociedade. “Políticas que melhorem a vida de todos, que melhorem a
educação básica, com certeza a universidade será preenchida por pessoas de todas as cores, de
todas as origens”
Matéria local
Uma semana depois do ciclone extratropical, que atingiu o Rio Grande do Sul, as famílias
atingidas começam a voltar pra casa. 16 cidades ainda estão em situação de emergência.
Seu Lídio usa as calças que conseguiu emprestadas. A roupa dele está assim (molhada).
Ele voltou para casa, mas perdeu o pouco que tinha. “Eu senti um desespero grande porque eu
tou com 55 anos e do jeito que está, emprego não pego mais, e em 10 anos eu não recupero”. Em
São Leopoldo, na região metropolitana de Porto Alegre, o sábado foi de muito trabalho. Os
caminhões ajudaram na mudança de quem saiu às pressas de casa. “Nós vamos ter muito trabalho
para colocar tudo no lugar”. Nesta casa, que fica próxima ao rio, a água entrou pelos fundos e,
segundo os moradores, avançou rapidamente. Em apenas uma hora tudo estava alagado como
mostra esta marca aqui na parede. “17 anos que eu moro aqui e primeira vez vi coisa igual. Foi
um horror, não quero mais passar por isso”
O ciclone extratropical se formou há uma semana. Ventos de mais de 100 quilômetros por
hora atingiram o litoral norte e a região metropolitana da capital gaúcha. A chuva provocou
alagamentos. Duas pessoas morreram. Milhares de casas foram inundadas. O Rio dos Sinos
transbordou e ainda está quase quatro metros acima do nível normal. Mais de três mil e
quinhentas pessoas não conseguiram voltar para casa. Os abrigos continuam recebendo
donativos. Fátima permanece com a família neste ginásio de Novo Hamburgo. “Eu esperava
passar pelo menos o dia das mães em casa, né”
Mas se depender das crianças estas mães não vão ficar sem carinho. Elas também não
esqueceram que amanhã é um dia um especial.
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Matéria internacional
Militantes do grupo terrorista Hezbollah desocuparam hoje as ruas da capital do Líbano.
O governo cedeu, e aceitou parte das exigências do grupo.
Em pleno funeral de uma das vítimas de sexta-feira, mais dois mortos e vários feridos.
Um atirador disparou contra a multidão. O Hezbollah reconheceu que foi um xiita, mas afirmou
que ele não teria ligação com o grupo guerrilheiro.
Em quatro dias, pelo menos 37 pessoas morreram nas ruas de Beirute. “Já tivemos o
suficiente”, diz uma senhora. “Esperamos que conversem e acabem com isso. Queremos viver.
Afinal, somos um povo”, ela conclui. O primeiro-ministro libanês, Fouad Siniora, falou em
uma tentativa de golpe de Estado e encarregou o Exército a tarefa de acabar com a revolta. Os
militares aceitaram duas reivindicações do Hezbollah e conseguiram uma trégua.
O grupo xiita vai manter a rede de telecomunicações e a chefia da segurança no Aeroporto
de Beirute. Integrantes do Hezbollah começaram a desmontar as barricadas nas ruas, mas
avisaram que vão manter a campanha de desobediência civil até que todas as exigências sejam
atendidas.
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