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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
Luis Antonio Dourado Junior
Evolução paralela da ciência e da arte e sua converncia na produção
de material didático para o ensino de biociências.
RIO DE JANEIRO
2008
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Luis Antonio Dourado Junior
EVOLUÇÃO PARALELA DA CIÊNCIA E DA ARTE E SUA
CONVERGÊNCIA NA PRODUÇÃO DE MATERIAL DIDÁTICO
PARA O ENSINO DE BIOCIÊNCIAS.
Tese apresentada ao Curso de Pós-Graduação
em Química Biológica,como requisito parcial
à obtenção do tulo de Doutor em Química
Biológica, na área de concentração em
Educação, Difusão e Gestão em Biociências.
Orientador: Prof. Dr. Leopoldo de Meis
RIO DE JANEIRO
2008
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Para Cíntia e Lana.
Gostaria de agradecer imensamente a todo pessoal do Laboratório de Bioenergética e
do Instituto de Bioquímica Médica que, nesses cinco anos, me deu inteiro apoio nos
momentos difíceis e muitos bons momentos para recordar sempre (vou esquecer
alguém...):
Paulinho, Elisângela, Vavá e Carlinhos, meu muito obrigado;
Reinaldo, Ana Paula, Luísa, Wagner, Joyce, Mariana e todos que passaram pela
“bancada” e me ajudaram a perceber que o que faz o bom cientista: paixão e muito
trabalho;
Lúcia pela ajuda e compreensão;
Diucênio, Alexandro, Bruno, Carlos, Mariana, Marcos e outros alucinados que
invadiram o “aquário” do laboratório, muito obrigado pelas intermináveis horas do
mais puro nonsense, da imensa galhofa e pelas jocosas diatribes – tudo aquilo que
vale a pena viver!
Vivian Rumjanek, pela paciência e imensa ajuda.
E Leopoldo de Meis, por compartilhar seus sonhos e proporcionar uma experiência
valiosa, realmente transformadora, em minha vida.
O que em mim sente está pensando”
Fernando Pessoa (1969)
(Folha de Aprovação)
Nota introdutória
Talvez o resultado mais importante da coleção de vídeos “Ensinando Ciência com
Arte” seja a formação de uma equipe de artistas e cientistas que trabalha em
harmonia. Tanto a ciência quanto a arte progrediram ao longo do tempo utilizando
linguagens e formas de pensar específicas e muito distintas entre si. Este
distanciamento entre as duas áreas ainda hoje provoca na sociedade a discrepância
entre a percepção da ciência como algo assustador e a arte como algo sublime.
A criação do núcleo de ciência e arte do laboratório de Bioenergética (Instituto de
Bioquímica dica) não se originou de uma arbitrariedade emocional, um simples
desejo de fazer algo diferente. Na realidade, trabalhos de pesquisa sistemáticos do
laboratório de bioenergética precederam a criação deste núcleo. Os trabalhos
documentaram a grande distorção entre o que seja arte e o que seja ciência que existe
entre os diversos segmentos da sociedade, em particular, entre estudantes do curso
básico, secundário, universitário e mesmo entre professores universitários (DE MEIS
et al, 1989; DE MEIS et al, 1993 a e b; DE MEIS et al, 1995; DE MEIS, LETA,
1997; DE MEIS, 1998, 2002). Os resultados destes trabalhos mostravam que a
ciência era uma atividade essencialmente gica e metódica, destituída de qualquer
componente criativo ou emocional enquanto que a arte era uma atividades
emocional, livre para criar, sem ser limitada pelas amarras da gica ou metodologia.
Esta visão era contestada por cientistas de renome que quanto entrevistados,
afirmaram que ciência dependia essencialmente de fatores subjetivos, tal como
intuição, emoção etc.
Baseado nestas observações criou-se o Núcleo de Ciência e Arte. No início, seu
crescimento foi lento e tempestuoso. A grande diferença entre as linguagens
aparentou ser um obstáculo intransponível. Mesmo coexistindo em um espaço
comum, o Laboratório de Bioenergética do IBqM, os jovens artistas e os aprendizes
da ciência não interagiam entre si, muito pelo contrário, cada qual via o outro como
um adversário. Ao longo do tempo, estes dois grupos estabeleceram um canal de
comunicação que permitiu umas interações amigáveis, fluidas e construtivas entre as
duas equipes. Em nossa visão otimista, esta experiência seja, quiçá, o início de uma
ampla frente de interações entre as diversas atividades criativas do homem que, sem
o freio aterrador do preconceito, possam crescer e mostrar os frutos deste encontro.
RESUMO
Este trabalho trata da criação de material áudio-visual para a educação em ciências
biomédicas. Um dos objetivos deste trabalho é desenvolver uma linguagem capaz de
associar a emoção com a transmissão do conhecimento.
Abordamos da evolução da arte e das ciências como atividades praticamente
estanques e acessíveis somente a uma elite que muitas vezes utilizava a emoção para
impor sua doutrina. A partir do século XIX, a invenção da fotografia, do cinema,
rádio e televisão provocaram uma mudança radical nas artes e meios de
comunicação, difundindo o acesso à informação e entretenimento. O surgimento de
computadores pessoais e o desenvolvimento de novos softwarespossibilitaram o
desenvolvimento da computação gráfica onde informação, imagens e sons se
associam para aumentar a capacidade de criar idéias. Embora a computação gráfica
date dos meados dos anos 50, somente nesta última década anos alcançou a
capacidade e o custo que permite tratar temas diversos com um viés artístico.
Nos resultados descrevemos como tema de ciência (bioquímica) é descrito com uma
linguagem audiovisual. Durante o projeto de doutorado, foi desenvolvido o DVD
“Ensinando Ciência com Arte: A contração muscular”, formado inteiramente por
animações detalhadas que apresentam a atividade e a estrutura das proteínas
envolvidas na contração muscular. O DVD anexo também mostra novas cenas que
estão sendo criadas para o próximo DVD, que tratará da Era das Trevas, o
Iluminismo e surgimento do Método Científico”.
ABSTRACT
This work deals with the video creation for science education in biomedical sciences.
One of the aims of this work is the development of a language capable of mixing
emotion with the description of biological phenomena.
In the Introduction we deal with the evolution of art and science as two independent
subjects which were accesible only to a wealthy minority which used the emotion
raised by arts to impose a given doctrine. Starting in the XIX century, the discovery
of photography, movies, radio and television set a radical change in arts, creating a
broader access to the different social strata. These developments, plus the availability
of both personal computers and new softwares, paved the way of computer graphics
where information, images and sounds are blended to enhance creative processes.
Although computer graphic began in the 1950‘s, it was only during the past 10 years
that it reached a technical level that allowed an artistic approach to different
technical subjects.
In the results section, we describe how a scientific subject (biochemistry) can be
described using an audiovisual language. Over the period of elaboration of this
thesis, the DVD video “Teaching science with art - vol IIwas developed, showing
detailed animations presented in a didactic manner the molecular activity and
structure of the proteins involved in muscle contraction. The attached DVD also
shows scenes which are being created for the next production dealing with “The
Dark Age, the Age of Enlightment and the surge of the Scientific Method”.
.
Ilustrações
Fig. 2 – “A ascensão do Profeta ao paraíso”.. ....................................................................................................................................................17
Fig. 5 – Boris Karloff e sua transformação na Criatura de Victor Frankenstein..........................................................................................21
Fig. 8 – Estudo geométrico da projeção de sombras (umbra e penumbra) e sua utilização na técnica do esfumatto (uso de
suaves passagens de tonalidade para representar a forma e o volume).. ..................................................................................................23
Fig. 9 - O Batismo de Cristo (1472-1475), Andréa Del Verrocchio. Galeria Uffizi, Florença...................................................................25
Fig. 10 - De Humani Corporis Fabrica, Andreas Vesalius, Atelier Editorial/Unicamp, 2003....................................................................30
Fig. 11 - Piero della Francesca. A Flagelação, c. 1455. Galleria Nazionale delle Marche, Urbino........................................................32
Fig. 12 – Diagrama com estrutura da composição geométrica e linhas que estabelecem a construção do espaço através da
perspectiva..................................................................................................................................................................................................................33
Fig. 17 – Anúcio divulgando a facilidade de manuseio da câmera Brownie. Strong National Museum of Play, Rochester, NY ....39
Fig. 19 – “Fuzil fotográfico” de Étienne Jules Marey. gravura, la Nature, Paris, 22 abril de 1882. ........................................................40
Fig. 20 – MAREY, Étienne Jules. Le vol du pélican. Fotografia, 1885. ........................................................................................................41
Fig. 21 – MUYBRIDGE, Eadweard.The Horse in Motion: 'Sallie Gardner. Fotografia, 1878. Stanford Family Collection/Cantor
Arts Center, Standford..............................................................................................................................................................................................41
Fig. 22 – Thaumatrópio ............................................................................................................................................................................................43
Fig. 23 – Fenakistoscópio........................................................................................................................................................................................43
Fig. 24- Zootrópio ......................................................................................................................................................................................................43
Fig. 25 - Praxinoscópio.............................................................................................................................................................................................43
Fig. 26 - Zoopraxiscópio...........................................................................................................................................................................................43
Fig. 28 - La Sortie des usines Lumière, 1895. Cinémathèque française, Paris..........................................................................................45
Fig. 29 - L'Arrivée d'un train en gare de la Ciotat, 1895. Cinémathèque fraaise, Paris........................................................................45
Fig. 31 – Boneco utilizado durantes os testes da televisão analógica em 1928 (esq.) e a sua respectiva imagem formada no
aparelho receptor. NBC/RCA. ................................................................................................................................................................................52
Fig. 32 – Sala de controle do Whirlwind I, 1950. Servomechanisms Laboratory, MIT..............................................................................54
Fig. 33 - Ivan Sutherland demonstrando o Sketchpad (1962). Lincoln Laboratory, MIT. .........................................................................55
Fig. 34 – Apple Macintosh II....................................................................................................................................................................................56
Fig. 35 – Estação Gráfica SGI Iris Crimson. Silicon Graphics Inc. ................................................................................................................56
Fig. 37 – Exemplo de aplicação do Software de modelagem tridimensional Wings3D com os modelos da Cálcio ATPase em
diversos ângulos de visão. ......................................................................................................................................................................................64
Fig. 38 – Cálcio ATPase em seu aspecto final, como visto no DVD “A Contração Muscular”................................................................65
Fig. 39 – a maior acessibilidade às ferramentas disponíveis no Wings3D, possibilitou a criação de modelos mais complexos e
melhor conformação topológica.............................................................................................................................................................................65
Fig. 40 – Miosina e Actina no segmento didático de “A Contração Muscular”............................................................................................65
Fig. 41 – Referência em vídeo da coreografia desenvolvida e executada por Clarice Kirszberg. .........................................................67
Fig. 42 – Animação realizada sobre referência de vídeo.................................................................................................................................68
Fig. 43 – Quadro de seqüência de “A Contração muscular” com aproximadamente 1 GB de informação, realizado em
equipamentos com apenas 256 Mb de memória RAM.....................................................................................................................................69
Fig. 44 – Personagem em wireframe e render com aplicação de mapas de texturas. .............................................................................70
Fig. 45 – Quadros individuais que formarão, uma vez codificados, o fluxo de imagens de um vídeo..................................................71
Fig. 46 – Software de edição não-linear de vídeo Sony Vegas......................................................................................................................73
Fig. 47 – Galáxia em espiral criada no Lightwave3D através de simulação por sistema de partículas.. .............................................75
Fig. 48 – Visão do clausto virtual de Roger Bacon (em produção). Podemos ver à esquerda a câmera virtual e em azul claro
um arco que exibe graficamente o caminho a ser percorrido por esta.........................................................................................................77
Fig. 49 – Modelo tridimensinal do personagem “Fome”. No ambiente de animação cada círculo posicionado sobre as
articulações representa um controle de animação............................................................................................................................................78
Fig. 50 – Ilustração da patente recebida em 1917 por Max Fleischer pelo processo de rotoscopia.....................................................79
Fig. 51 – O performer em azul, que juntamente com as demais regiões da mesma tonalidade são eliminados durante a pós-
produção, fornece o ritmo da ação para os animadores responsáveis por adicionar as criaturas em “Guerra nas Estrelas III – A
Vingança dos Sith” (George Lucas, 2005)...........................................................................................................................................................80
Fig. 52 – Guerreiros. “A Contração Muscular”....................................................................................................................................................87
Fig. 53 – “Papageno” e “Papagena”. Detalhe da fisionomia e músculos da face das “cabeças cantantes” em “A Contração
Muscular”.....................................................................................................................................................................................................................87
Fig. 54 – Quadros extraídos da aproximação do complexo actomisiona. “A Contração Muscular”. .....................................................88
Fig. 55 – Funcionamento do complexo actomiosina: o cálcio se liga às troponinas permitindo que a cabeça da miosina
encontre o sítio de ligação da actina. “A Contração Muscular”. .....................................................................................................................89
Fig. 56 – Quadro extraído do “passeio” pelas estruturas da actomiosina. “A Contração Muscular”. ....................................................90
Fig. 57 – A câmera se aproxima da região de descargas elétricas próxima aos Tubulos T. “A Contração Muscular”.....................91
Fig. 58 – Diucênio Rangel e Juliana de Meis. Intenso pós-processamento da imagem para similar a visão turva do recém-
nascido.........................................................................................................................................................................................................................92
Fig. 59 – Vídeo “bruto”, sem tratamento digital e sem as manipulões que suprimiu diversos elementos não pertencentes à
uma sala de cirurgia..................................................................................................................................................................................................92
Fig. 60 – “O homem primitivo”, personagem criado e manipulado por Diucênio Rangel. Teste para rastreamento da câmera
real e consequente tranposição do movimento para a camera virtual. ........................................................................................................96
Fig. 61 – “Homem primitivo” sendo atacado por tigre virtual. Etapas de produção...................................................................................97
Fig. 62 – Primeiro teste combinando bonecos com ambientes virtuais........................................................................................................97
Fig. 63 – Video original e modelo tridimensional animado. .............................................................................................................................98
Fig. 64 – Modelo tridimensional animado com base na referência de vídeo. .............................................................................................99
Fig. 65 – Teste inteiramente digital para a segunda versão de “O Método Científico”.......................................................................... 100
Fig. 66 – Ataque ao “homem primitivo”. ............................................................................................................................................................ 101
Fig. 67 - Apresentação do título da segunda versão de “O Método Científico”....................................................................................... 101
Fig. 68 – Mosquito voa pela floresta. Teste de “motion blur” ....................................................................................................................... 102
Fig. 69 – Gorila ataca mosquito. Teste de geração de pêlos....................................................................................................................... 103
Fig. 70 – Ambroise Parè. Amputação de um feridos da batalha................................................................................................................. 103
Fig. 71 – Modelo tridimensional da “Guerra“ no ambiente virtual do Lightwave...................................................................................... 104
Fig. 72 – Imagem finalizada da “Guerra” .......................................................................................................................................................... 104
Fig. 73 - Modelo tridimensional da “Fome” no ambiente virtual do Lightwave......................................................................................... 105
Fig. 74 - Imagem finalizada da “Fome”.............................................................................................................................................................. 105
Fig. 75 - Modelo tridimensional da “Peste” no ambiente virtual do Lightwave................................................................................................... 106
Fig. 76 - Imagem finalizada da “Peste”. .................................................................................................................................................................. 106
Fig. 77 - Modelo tridimensional da “Morte” no ambiente virtual do Lightwave.................................................................................................. 107
Fig. 78 - Imagem finalizada da “Peste”. .................................................................................................................................................................. 107
Fig. 80 – MIETH, Hansel. Albert Einstein, Collection Center for Creative Photography, Universidade do Arizona, 1941. ........... 115
Sumário
1 - Introdução ................................................................................................................................................15
Ciência e Arte ................................................................................................................................................15
O artista.........................................................................................................................................................16
O Cientista.....................................................................................................................................................19
Pontos de divergência e convergência da ciência e da arte ...........................................................................20
Intuição..........................................................................................................................................................27
A influência da ciência na arte ......................................................................................................................28
A exclusividade da arte..................................................................................................................................30
O desenvolvimento da ciência e a democratização ou popularização da produção de imagens...................35
Ciência e Arte: atividades da cultura humana..............................................................................................35
A fusão das diversas áreas da arte ................................................................................................................36
Fotografia ......................................................................................................................................................37
Cinema...........................................................................................................................................................43
Rádio..............................................................................................................................................................47
Televisão ........................................................................................................................................................50
Computação Gráfica .....................................................................................................................................53
Recursos audiovisuais para a educação ........................................................................................................57
A divulgação da ciência .................................................................................................................................59
2. Objetivo .....................................................................................................................................................62
3. Material e métodos ....................................................................................................................................63
3.1.1 - Modelagem..........................................................................................................................................64
3.1.2 - Tratamento digital de imagens e criação de mapas de textura. .........................................................66
3.1.3 - Registro em vídeo para referência......................................................................................................67
3.1.4 - Animação ............................................................................................................................................68
3.1.5 - Renderização.......................................................................................................................................69
3.1.6 - Composição de Vídeo e Imagem.........................................................................................................71
3.1.7 - Edição e som .......................................................................................................................................71
3.1.8 - Compressão e “autoração” para DVD ...............................................................................................73
3.2 - O Método Científico ..............................................................................................................................74
3.2 - Produção de animação tridimensional ..................................................................................................74
3.2.2 - Registro em vídeo para referência ...............................................................................................77
3.2.3 - Hardware............................................................................................................................................80
4 - Resultados.................................................................................................................................................82
4.1 - O aprimoramento dos processos de produção ......................................................................................82
4.2 - Seqüências desenvolvidas sob a responsabilidade do autor desta tese..................................................85
4.2.1 - Guerreiros...........................................................................................................................................86
4.2.2 - Cabeças cantantes...............................................................................................................................87
4.2.3 - Actomiosina: segmentos didático e lúdico ..........................................................................................88
4.2.4 - Parto....................................................................................................................................................91
4.2.5 - A precisão da informação...................................................................................................................93
4.3 - “A Era das trevas, o iluminismo e surgimento do método científico ..................................................95
4.3.1 - Cavaleiros do Apocalipse..................................................................................................................104
4.3.2 - Roger Bacon......................................................................................................................................108
Referências ..................................................................................................................................................116
Anexo I.........................................................................................................................................................120
15
1 - Introdução
Ciência e Arte
O senso comum, acrítico em sua expectativa de nos oferecer as respostas imediatas e
indolores, rapidamente aponta para uma não-relação entre estas duas atividades
humanas: Ciência e Arte. Uma das causas desta aparente desconexão está na
dificuldade de flagrar o momento máximo, o clímax da experiência científica e
artística: o momento no qual se o ato de criação ou do momento mágico que
podemos experimentar apenas através das exclamações -Parla!”, de Michelangelo, e
“-Eureka!”, de Arquimedes.
Da antiguidade até o século XIX, ciência e arte evoluíram paralelamente
acompanhando as transformações que ocorreram em sua época. Deparamo-nos
durante a história com o brilho da Renascença, momento onde compartilharam o
mesmo espírito de formação do “homem universal”. Após este breve período de
convivência estreita, o exponencial crescimento do saber foi compartimentando as
áreas e subdividindo especialidades.
Em contraste a esta especialização do saber, a partir da Revolução Industrial a
tecnologia invade o fazer e a razão de existir dos novos meios de expressão artística: a
fotografia e o cinema tornaram a interação entre arte e ciência explícita. Esta mescla
entre estas duas atividades humanas vem se ampliando na passagem da “sociedade
industrial” para a “sociedade da informação” ou “sociedade do conhecimento”.
O crescimento exponencial da ciência no século XX e o incremento das tecnologias
de informação e comunicação (rádio, televisão, computadores, Internet, etc.)
proporcionaram uma aceleração nos processos de produção e disseminação do
conhecimento. O saber anteriormente confinado em bibliotecas restritas a uma
diminuta parcela da população
pode, em pleno século XXI, ser acessado em
praticamente todo o planeta (D'HAUCOURT, 1994).
Então “vivemos em uma época de mudanças ou em uma mudança de época?”
(BURCH, 2005). Artistas e cientistas estarão juntos neste período de intensas
transformações técnicas, artísticas, culturais, sociais e educacionais?
16
O artista
O conceito de artista assume diferentes rótulos durante a história, englobando um
amplo espectro de atividades, todas elas relacionadas com o processo de criação na
arte (Fig. 1). Diferentes épocas, culturas, religiões e regimes políticos influenciam o
processo criativo das expressões artísticas. Os conflitos e interesses da sociedade
tendem a definir os rumos da criação artística e, sendo o artista uma “antena”, um
receptor que capta e registra a sensibilidade de época em que vive. O universo
artístico tende, dessa forma, a
espelhar a sociedade na qual está
imerso o artista. Um exemplo é a
arte desenvolvida nas regiões
ocidentais sob a influência da Igreja
Católica, onde houve a solidificação
de uma iconografia para a fé cristã.
Dominante no mundo ocidental, a
Igreja de Roma definiu um conjunto
de símbolos que por atração ou
repulsa aos significados adotados
são utilizados em nossos dias na
estrutura narrativa e pictórica das
artes visuais (parábolas da bíblia,
alegorias visuais para o Paraíso e para
o Inferno, a livre representação de Cristo e dos mártires do cristianismo, etc.). Esta
necessidade de estruturas narrativas e a livre representação das figuras humanas
formatou as características encontradas na arte ocidental até o século XIX: a
importância da anatomia, da perspectiva e do figurativismo. Em contraposição à arte
ocidental, a arte islâmica evita a representação do homem e das personagens
sagradas. A principal característica destas expressões artísticas é o interesse pelas
formas e pela cor: nas mesquitas, a decoração fica por conta dos ricamente
Fig. 1 - Johannes Vermeer. Alegoria da pintura.
1667. Kunsthistorisches Museum, Viena.
17
detalhados arabescos decorativos. Mesmo objetando a representação de Allah e do
Profeta Muhammad, na Turquia do século XVI encontram-se iluminuras e pinturas
de passagens religiosas com representação de figuras humanas. Nelas, a perspectiva
ocidental era rejeitada e, nas imagens produzidas, o mundo era ordenado segundo a
relação hierárquica entre as figuras representadas o personagem mais relevante da
cena era maior do que os demais personagens; nas raras representações do profeta
Maomé (Fig. 2), não era permitido representar sua face, que aparece encoberta ou
sem detalhes anatômicos (BRIGGS, 2004).
Fig. 2 “A ascensão do Profeta ao paraíso”. No
detalhe acima, verificamos que não existe
qualquer traço representando o semblante de
Alllah (Deus). Masterpieces of Illumination: The
World’s Most Beautiful Illuminated Manuscripts
from 400 to 1600. Taschen, 2005.
A arte se manifesta de diversas formas: pintura, escultura, teatro, literatura, poesia,
etc. Não podemos fazer uma afirmação qualquer sobre arte sem que “tenhamos que
admitir, num ou noutro contexto, precisamente o contrário. A obra de arte é
simultaneamente forma e conteúdo, afirmação e decepção, jogo e revelação, natural e
artificial, intencional e sem finalidade, dentro e fora da história, pessoal e supra-
pessoal” (HAUSER, 1973). Portanto, a arte é uma expressão da criatividade humana
difícil de ser definida. Quando perguntado sobre o que era realmente a essência da
arte, o mestre espanhol Pablo Picasso (Fig. 3) afirmou:
18
“Vocês esperam que eu lhes diga o que é a arte.
Se o soubesse, não o diria a ninguém!
(WALTHER, 1994)
O objetivo perseguido pelo artista é
despertar a sensibilidade, a emoção do
espectador, conduzindo o interesse de
seu apreciador para uma experiência de
caráter estético
1
. Dentro deste conceito,
surgem três perguntas que dificultam a definição do que seja a arte:
1) Será que a noção de arte de um poeta, romancista, músico, dançarino ou cineasta é
a mesma?
2) Entre cada um dos meios da expressão artística, a percepção do criador de um
quadro ou uma poesia será a mesma que do espectador que os aprecia?
3) Entre os diferentes indivíduos de uma platéia presenciando o mesmo concerto ou
exibição de obras artísticas, as emoções despertadas em cada um deles serão as
mesmas?
Estas questões e a dificuldade em aferir as experiências subjetivas dificultam a
identificação das características universais do conceito de arte e tornam ainda mais
difícil a tarefa de determinar as fronteiras da arte com outras atividades criadoras; o
fato de várias expressões artísticas empregarem estratégias de meios diversos (sendo
o cinema o exemplo mais radical desta capacidade de assimilação) transforma a
experiência da obra de arte em um fenômeno de análise complexa e aberta a diversas
abordagens de estudo (antropológica, semiótica, histórica, etc.).
1
Ou em posição de “relativa segurança ou de alienação social dos artistas a arte “se afasta do
mundo e pretende ser indiferente a fins práticos, declarando existir por si e por amor ao Belo.”
(HAUSER, 1973).
Fig.
3
DOISNEAU, Robert.
Retrato de
Pablo Picasso. Life Magazine.Vol. 65, n. 26,
Dez. 1968.
19
O Cientista
Na ciência, assim como na arte, a forma de
pensar varia significativamente de uma área
do conhecimento para a outra. Os cientistas
de cada área do conhecimento tendem a
desenvolver linguagens e maneiras de pensar
muito distintas umas das outras, o que
dificulta a comunicação a ponto dos
cientistas de diversas áreas se agruparem na
universidade em unidades estanques, com
pouca ou nenhuma interação entre si. Essas
diferenças podem ser notadas entre as
grandes áreas do conhecimento, em
particular, entre as ciências experimentais e
as ciências sociais e da educação. Uma
característica comum das ciências exatas e da
vida é a possibilidade de utilizar plenamente
o método científico, podendo projetar experimentos para comprovar de forma
conclusiva a veracidade das premissas propostas. Nas ciências sociais, por outro lado,
a comprovação experimental é muito difícil; isso leva a uma dicotomia tal que, com
freqüência, essas áreas do saber se confrontam de forma agressiva, principalmente na
ocasião de compartilhar os escassos recursos disponíveis para a pesquisa. Um caso
clássico que atesta essa confrontação foi a atitude da Royal Society quando a
“Associação Internacional de Academias Científica foi criada em 1889. As
principais academias européias e americanas reuniram-se na Alemanha em
assembléia preparatória para o lançamento da Associação Internacional no ano
seguinte. Nesta ocasião, verificou-se que, embora as ciências exatas e biológicas
estivessem muito bem representadas pela Royal Society, a Inglaterra o havia
enviado um representante de associações que congregassem humanistas e cientistas
sociais. No ano seguinte, por ocasião do primeiro encontro da associação
internacional de academias realizadas em Paris, a Royal Society, pela segunda vez,
Fig. 4 Marie Curie. Eminent Chemists of
Our Time. 2 ed. Van Nostrand,1927.
20
não apresentou representantes das áreas de humanidades e, de uma forma
embaraçosa, declarou que não ampliaria suas áreas de interesse e, portanto, não
poderia abrigar as humanidades. Para evitar situações semelhantes no futuro, em 1901
houve uma reunião no museu britânico de Londres da qual se decidiu criar uma nova
sociedade dedicada ao estudo de ciências humanas e sociais (DE MEIS, 1988).
Situações semelhantes se repetiram em outros países ao longo dos anos. No Brasil a
Academia Brasileira de Ciências que data do início do século XX, dedicou-se
aproximadamente um século exclusivamente as ciências exatas e biológicas e,
somente em 1999, criou a seção de ciências humanas.
Pontos de divergência e convergência da ciência e da arte
Embora não seja aparente, a ciência e a arte sempre influenciaram uma à outra,
caminhando lado a lado durante séculos. Muito se escreveu sobre as diferenças e
semelhanças entre a arte e a ciência, sobre a relação entre o artista e o cientista e suas
atividades; nos últimos dez anos, uma série de autores com amplo conhecimento e
experiência no campo científico e artístico (MILLER, 2001; NULAND, 2001;
SHLAIN, 1991; ATALAY, 2007) vem oferecendo sua grande contribuição para que
as fronteiras entre estes dois saberes /fazeres sejam diluídas. O afastamento em que a
população se encontra em relação aos espaços de criação (o laboratório e o ateliê) e
de discussão (revistas especializadas, seminários, debates, etc.) é terreno fértil para a
criação de estereótipos simplistas e enganosos. Sem o devido contato com as
questões que norteiam a ética na ciência, é fácil tomar o romance de terror de Mary
Shelley “Frankenstein ou o Moderno Prometeu”, quase 200 anos depois de sua
publicação, como cânone do comportamento e ambição do cientista. Shelley, talvez
inspirada nas experiências realizadas na suíça por Luigi Galvani sobre o estímulo da
musculatura de animais mortos através da eletricidade, gerou um novo gênero de
horror que influenciou a literatura e o cinema. Seu livro contribuiu juntamente com
os filmes com Boris Karloff (Fig. 5) interpretando a famosa criatura na versão de
James Whale - para criar o estereótipo de cientista louco, sem escrúpulos, cujo
trabalho é potencialmente perigoso e sem limites que até hoje se perpetua.
21
Fig. 5 – Boris Karloff e sua transformação na Criatura de Victor Frankenstein.
BOJARSKI, Richard. The Films of Boris Karloff, 1974.
Para quem se dedica à ciência, a imagem pública
de sua atividade talvez não sobrecarregue tanto o
indivíduo, uma vez que seus trabalhos são
avaliados por seus pares: as chances de encontrar
ressonância entre o seu fazer e seu pensar
ampliam-se em relação aos artistas. Quem possui
maior poder para analisar um trabalho de arte e
determinar seu valor são os críticos de arte,
pessoas ilustradas que, em geral, não vivenciam o
fazer artístico e detém o poder de influenciar a
sobrevida e destino da produção de um artista.
Entre o universo do discurso estético e o espaço
do ateliê existe um enorme vazio e a produção da arte se manteve sempre à margem
das idéias externas a si mesma (MACEDO, 2000). divergências entre os
interesses de quem produz e aquele que comenta uma obra, algo que Eugène
Delacroix (1979), já no século XIX, se queixava:
“O que pode parecer estranho num pintor que escreve sobre as artes –
que muitos bios de meia tigela abordaram a filosofia da arte?. Tudo
leva a crer que a sua [dos críticos] profunda ignorância da parte cnica
lhes pareceu até uma vantagem, convencidos que estavam que a atenção
Fig. 6 – Leonardo da Vinci.
c. 1512-1515. Biblioteca Reale,
Turim.
22
prestada pelo artista de ofício a essa parte vital de qualquer arte devia
constituir para ele um obstáculo às especulações estéticas.”
Se lembrarmos que um artista da relevância de Pablo Picasso se recusou a definir
“Arte”, torna-se difícil acreditar que críticos que nunca criaram uma obra artística,
embora cultos, possam afirmar categoricamente o que venha a ser arte.
Talvez o maior e único indivíduo que vivenciou a estreita relação entre ciência e arte,
foi Leonardo da Vinci (1452-1519) (Fig. 6), um dos intelectos mais notáveis já
conhecidos, que viveu intensamente tanto a ciência como a arte, ultrapassando, em
muito, os limites do conhecimento de sua época. Para Leonardo, a essência das duas
atividades era a descoberta, seja de um fenômeno natural desconhecido (ciência), ou
de uma nova experiência pictórica (arte). Em seu ensaio sobre a metodologia das
descobertas Leonardo da Vinci afirma:
Para uma mente completa estude a arte da ciência,
Estude a ciência da arte, aprenda a enxergar.
Perceba que tudo se conecta a tudo”
(WHITE, 2000)
Os estudos de anatomia de Leonardo parecem
estar ligados ao interesse de aprender como
representar a figura humana e, ao mesmo
tempo, entender como a máquina humana
funciona. Os diversos cadernos de estudos (os
Códices) preenchidos durante décadas
sugerem que Leonardo não tinha interesses
específicos, mas, sim, uma curiosidade
incomum que o levou a praticar a ciência e a
arte. Um exemplo típico são seus trabalhos
sobre a visão humana: além de aprender
como representar todas as suas estruturas graficamente, Leonardo descobriu como as
imagens são formadas no interior do globo ocular (Fig. 7).
Os estudiosos da obra e vida de Leonardo da Vinci debatem se o gênio italiano foi
Fig. 7 Leonardo da Vinci. Seção
vertical e horizontal da cabeça com a
anatomia do olho. Royal Library,
Windsor, c. 1489
23
basicamente um cientista que usava a arte para ganhar seu sustento ou se era um
artista que projetava máquinas para financiar seu ateliê. Mesmo com as divergências
entre os especialistas sobre a vida e obra de Leonardo, podemos identificar em da
Vinci a entusiasmo pela investigação plástica e científica (Fig 8).
Fig. 8 – Estudo geométrico da projeção de sombras (umbra e penumbra) e sua utilização na técnica
do esfumatto (uso de suaves passagens de tonalidade para representar a forma e o volume).
Leonardo da Vinci. Estudo para sombra de esfera. Bibliothèque de L’Institut de France, Paris, 150?.
Leonardo da Vinci. Cabeça da Virgem. The Metropolitan Museum of Art. Nova Iorque. 1508-1512.
O método de instrução que educou Leonardo foi muito diferente da forma empregada
em nossas escolas e universidades
2
. Em sua época, o aprendizado de uma profissão
exigia dedicação exclusiva a um mestre durante anos para que a experiência do
mestre no fazer cotidiano fosse absorvida. O mestre de Leonardo da Vinci foi Andrea
Del Verrocchio (1435-1488), habilidoso e respeitado artista florentino com quem
trabalhou diversos anos e aprendeu as técnicas do ofício de pintor e escultor. Em
ciências, da Vinci ampliava seus conhecimentos adquiridos como autodidata com o
contato informal com os estudiosos das mais diversas áreas de seu tempo: pintura,
arquitetura, geometria, matemática e anatomia; não havia para ele áreas
compartimentadas, pois todos os conceitos se interpenetravam:
2
"A educação [na Idade Média era] comandada não por idéias prontas ou uma bagagem comum a
ser dada de início (exceto a formação religiosa, vista como fundamental), mas, como diríamos hoje,
pela orientação profissional." (D'HAUCOURT, 1994)
24
ele era capaz de ver a ciência sob o ponto de vista de um artista,
de visualizar a arte com a estrutura mental de um cientista, e a
arquitetura da perspectiva de um artista-cientista
(WHITE, 2000).
a aprendizagem de outra grande expressão das artes do séc. XX, Pablo Picasso
(1881-1973), foi muito diferente do que a do Leonardo. Apesar de Picasso ter
freqüentado uma academia de arte durante dois anos, onde foi influenciado por
diversos mestres, seu verdadeiro mestre era seu pai José Ruiz Blasco, pintor e
professor de arte em Málaga e Madrid. Portanto, à semelhança de Mozart, Picasso
aprendeu na intimidade de sua família e não em uma oficina compartilhada com
muitos aprendizes, como no caso de Leonardo. Apesar dessa diferença, uma das
características comum a ambos era a busca de novos meios expressivos que
permitissem despertar emoções do espectador. Nesta tarefa, ambos procuraram
romper as barreiras do statu quo de seu tempo para vislumbrar novos horizontes.
Embora seja difícil correlacionar a ciência com a arte, características comuns
entre cientistas e artistas que os aproximam. Não importa a especialidade, as duas
comunidades valorizam a criatividade e a capacidade de transformar idéias em algo
concreto que possa ser apreciado por seus pares e a sociedade em geral. Na arte, um
exemplo clássico é novamente dado por Leonardo da Vinci. Como comentado acima,
Leonardo entrou como aprendiz na oficina de Andrea Del Verrochio, pintor e
escultor muito apreciado em Florença. Como era o costume da época para
encomendas de quadros de grandes proporções, o mestre planejava o conjunto e
pintava o motivo principal; a tarefa de executar as figuras de segundo plano e os
cenários era entregue aos jovens aprendizes. Em uma das encomendas feitas ao seu
ateliê - “O Batismo de Cristo” pintado entre 1474 e 1475 (Fig. 9), o mestre
encarregou o jovem discípulo da execução de um anjo. Leonardo realizou com
extrema beleza a tarefa ordenada pelo mestre, deslumbrando os demais aprendizes do
ateliê. Del Verrochio contemplou por um longo tempo o quadro; este anjo ofuscava
todas as outras partes do quadro pintadas pelos colegas aprendizes e pelo experiente
mestre. Após um contido gesto de aprovação, Verrochio nunca mais empunhou um
25
pincel e passou a se dedicar exclusivamente à escultura. Nesta passagem relatada
pelo historiador Vasari (VASARI, 1998), o mestre se rende ao poder criador do
aprendiz ao identificar a capacidade extraordinária e original de seu pupilo.
Fig. 9 - O Batismo de Cristo (1472-1475), Andréa Del Verrocchio. Galeria Uffizi, Florença.
Segundo Ellis Paul Torrance (TORRANCE,1979):
Os fatores emocionais, não racionais e motivacionais, são
especialmente importantes na produção de idéias originais. A
criatividade é uma tradução dos talentos humanos para uma
realidade exterior que seja nova e útil, dentro de um contexto
26
individual, social e cultural. O potencial criativo humano pode
ser vislumbrado na habilidade de recombinar objetos
existentes em maneiras diferentes para novos propósitos. [...] é
"brincar" com a forma com que as coisas estão inter-
relacionadas.”
A criatividade representa a necessidade de um indivíduo de criar algo singular,
original. É o processo de identificar problemas e estabelecer hipóteses; testar estas
proposições e difundir os resultados. Para tanto, conhecimento (em latim, scientia) e
técnica ou habilidade (em latim, ars) se fazem necessários ao indivíduo para a
resolução dos problemas oferecidos, como Luís de Camões (CAMÕES, 2000)
solicitou às ninfas do rio Tejo que o ajudassem a cantar a glória do povo português:
Cantando espalharei por toda parte,
Se a tanto me ajudar o engenho e arte."
Tanto a ciência como as artes extrapolam as questões da destreza física e da razão;
perpassam o estado emocional, tendo início com a inspiração e com os sentimentos.
Para o físico, matemático e filósofo Blaise Pascal, o que provoca o entusiasmo criador
não é a razão, mas a paixão. Em oposição ao puro modelo racional do método
geométrico cartesiano, Pascal conclama o “entusiasmo do coração” (MONDIN,
1981), um método afetivo que articula o raciocínio lógico e a emoção: evoca as
razões do coração que a própria Razão ignora (PASCAL, 2004).
Fernando Pessoa (1888-1935), em seu poema Ela canta, pobre ceifeira”, também se
refere ao trabalho conjunto entre razão e emoção com o verso “O que em mim sente
‘stá pensando” (PESSOA, 1969). A interpretação do poema na íntegra sugere que o
autor português expresse a incapacidade do homem instruído de sentir sem analisar;
os instrumentos da razão tomam de assalto a competência dos sentimentos e o poeta
(o “eu lírico”) constata que não consegue separar emoção e razão. Esta plena
consciência da dificuldade em separar fatores emocionais e racionais é o que
transforma as atividades do Homem em algo complexo, multifacetado e de difícil
explanação.
Assim como Pablo Picasso se recusava a definir o que era arte, o químico Joel
27
Hildebrand (1881-1983), pesquisador até quase seu falecimento aos 103 anos de
idade, respondia a quem lhe perguntava o que é a ciência: “a ciência é o que os
cientistas fazem” (PITZER,1993; DE MEIS, 2002) , numa clara manifestação de que
algo maior – e inexplicável –lança os indivíduos em direção às suas formas de
compreender a Natureza: a ciência e a arte. Este pensar com o corpo, que reúne o
sensível e o intelectual, foi chamado pelos filósofos românticos alemães de intuição
intelectual”.
Intuição
A palavra intuição tem origem no latim in tueri (ver em, contemplar). Em nossa
experiência cotidiana, esta capacidade de percepção clara e imediata, a habilidade de
intuir, é um dos fatores essenciais para o ato da criação. Mesmo assim, é complexo
definir a intuição ou, ainda, arriscar uma hipótese para elucidar o que propicia o ato
de intuir; descrever a intuição através do raciocínio discursivo - lógico, formal e
linear - continuaria a nos afastar de sua essência.
A intuição permite um salto importante na resolução de questões científicas ou
artísticas. No caso da ciência, a intuição é seguida de uma atitude objetiva em que a
premissa intuída, muitas vezes, pode ser comprovada experimentalmente. Para o
matemático e físico teórico Henri Poincaré, “é algo extraordinário, [a] aparição de
uma iluminação súbita, sinal de um trabalho anterior longo e inconsciente
(OSTROWER, 1999), que não apresenta a solução concreta de um problema, mas
aponta para certas relações possíveis.
Se nos parece estranho, em primeiro momento, falar em intuição nas ciências, nas
artes se o fenômeno inverso. O trabalho do artista é apenas a manifestação da
“intuição sensível”, principalmente observável na produção oriunda da estética
idealista e romântica (DELLAVOLPE, 1979), ars gratia artis (a arte pela arte).
O conhecimento intelectual se apóia na razão, avançando coerentemente; a
intuição cria imagens imprevistas que, muitas vezes, se apresentam diametralmente
28
opostas ao conhecimento previamente estabelecido. Para seguir adiante é necessário
acreditar nesta imagem antagônica sugerida pela intuição. A razão nos acompanha
até a fronteira de nossa inteligência; entretanto, a intuição não admite limites: para
Albert Einstein (1879-1955) “a imaginação é mais importante que o conhecimento”
(VIERECK, 1929).
Encontramos outro clássico exemplo da interação entre a intuição e razão na
descoberta da fórmula estrutural do benzeno por Kekulé (HORVITZ, 2003).
Friedrich August Kekulé era um estudioso de química orgânica. Debruçou-se durante
muito tempo tentando combinar seis átomos de carbono com seis átomos de
hidrogênio, numa fórmula que ilustrasse de forma satisfatória as propriedades
especiais que esses átomos exerciam na molécula do benzeno. Depois de muitos
experimentos e proposições, sentou-se em uma poltrona e tirou um cochilo frente à
lareira. Ao acordar, lembrou-se de um sonho estranho que tivera: uma cobra
mordendo a própria cauda! Imediatamente, associou a forma cíclica dessa visão com
o arranjo de átomos que pesquisava, chegando à fórmula estrutural do benzeno. Com
essa descoberta, abriu-se um campo enorme para a indústria farmacêutica elaborar a
síntese de novos produtos tendo como ponto de partida este hidrocarboneto
aromático.
A influência da ciência na arte
Durante o século XVI, o Renascimento marcou o final da idade média e se
caracterizou por grandes mudanças culturais e sociais. O renascimento se
desenvolveu inicialmente na Itália, especialmente em Florença, e em pouco tempo
espalhou-se por toda a Europa difundindo um grande interesse no retorno ao estudo
das obras clássicas da Antigüidade. O enciclopedista italiano Petrarca incentivou o
resgate intelectual que antecedia o cristianismo. Na busca das grandes obras do
império Romano, descobriu que a origem das artes e em particular, da arquitetura da
Roma antiga eram na realidade oriundas da Grécia. Porém a partir da renascença,
inicia-se a separação entre os dogmas estabelecidos pela e o uso da razão e pela
comprovação experimental (GOMBRICH, 1990).
29
Nas artes, a grande conquista foi o desenvolvimento da perspectiva linear, que
possibilitou um maior grau de naturalismo nas representações pictóricas. Apesar da
compreensão da organização de espaço das obras de Giotto (1267-1337), foi somente
com Brunelesci (1377-1446) que a perspectiva adquire o status de uma técnica
artística formalizada e difundida como conhecimento organizado e passível de ser
transmitido didaticamente (OSTROWER, 1983). Outra grande contribuição da
renascença foi o estudo da luz e da sombra, o sfumato para reproduzir suaves
passagens tonais, simulando volume; e o estudo das transformações visuais ocorridas
na figura humana decorrentes da aplicação das leis da perspectiva, ampliou a
capacidade de representação realística durante o período renascentista.
As concepções artísticas do Renascimento, portanto, foram fortemente influenciadas
pela geometria e pela ótica, temas de estudo de experimentalistas como Roger Bacon
e do próprio Leonardo da Vinci. vários exemplos indicando uma associação entre
arte e ciência que, embora modesta, ilustram um interesse multidisciplinar da
renascença. Um exemplo clássico é o atlas anatômico De humani corporis fabrica de
Andreas Vesalius (1514-1564), médico belga, considerado o “pai da anatomia
moderna”. Os Atlas anatômicos anteriores eram esquemáticos e de difícil
interpretação. Vesalius buscou o auxílio de um discípulo do ateliê de Ticiano para
ilustrar as estruturas anatômicas que identificava em seus estudos de dissecção e
assim surgiu, em 1543, o primeiro Atlas completo que reproduzia de forma fidedigna
os músculos e ossos do corpo humano (Fig. 10).
30
Fig. 10 - De Humani Corporis Fabrica, Andreas Vesalius, Atelier Editorial/Unicamp, 2003
No início da Era das Trevas o ensino na Europa tornou-se uma prerrogativa da
religião, sendo fortemente subordinada aos dogmas por ela estabelecidos. Todos os
fenômenos deveriam ser explicados pela fé. Com a liberdade de pensamento
propiciado pela dinastia dos Médici em Florença, e a possibilidade de um retorno ao
aprendizado das artes e ciências naturais descobertos na antiguidade, como o empuxo
de Arquimedes e a arte escultórica grega, houve o resgate dos conhecimentos antigos
que se opunham aos dogmas religiosos da igreja católica. Foi também durante o
renascimento que os paradigmas da ciência e da arte mudaram e evoluíram para
novos conceitos.
A exclusividade da arte
Desde a antiguidade até a revolução industrial, a arte e a ciência eram confinadas
apenas aos estratos sociais de alto poder aquisitivo e a templos religiosos. Esta
31
situação só foi mudada com o desenvolvimento dos meios de comunicação de massa.
Durante a Idade Média, a arte foi amplamente usada como instrumento de
doutrinação. Grande parcela da população vivia em condições precárias, e o “belo”
não fazia parte do seu cotidiano, exceto quando freqüentava os templos religiosos.
Desde seu início, a igreja católica usava a arte como um poderoso instrumento de
doutrinação. O contraste entre o templo e a experiência cotidiana era impactante: nas
igrejas, o povo era exposto à música, arquitetura, pintura e escultura em seu mais alto
nível de execução. Obras de arte da nobreza eram, obviamente, inaccessíveis ao
cidadão comum; pertenciam a um segmento que podia sustentar seus caprichos por
encomendas aos artistas.
A experiência estética e a experiência religiosa são processos psicológicos complexos
que envolvem os sentidos, os processos cognitivos e a afetividade (VYGOTSKY,
1996). Na música ecoando por uma catedral, pelas luzes filtradas por um vitral, ou
mesmo na escuridão e no silêncio, o homem medieval vai encontrar o oposto de sua
experiência cotidiana: ao invés da construção rústica, mal iluminada, exalando odores
fétidos de sua morada (FUMAGALLI, 1988; MOLLAT, 1989), encontra em uma
catedral tetos elevadíssimos, iluminados por diversas cores brilhantes da luz que
atravessa os vitrais ricamente decorados, além da música sacra entoada em louvor ao
Senhor. Esta se afigurava às pessoas simples como sendo realmente o local do divino,
do transcendente e não do horror da existência terrena.
Se a casa do fiel não possui qualquer adorno, a igreja a qual freqüenta possui ouro em
abundância e ainda a maravilha das imagens santas dos bem-aventurados. Pinturas
exibem o sofrimento e a graça dos santos e mártires, compondo uma poderosa
narrativa visual das passagens bíblicas (MALE, 1972). Em uma representação do
poder do Criador, as imagens dos afrescos, o brilho dos vitrais, a música em coro, o
grande espaço livre da nave principal de catedral impunham sua majestade perante o
homem simples e rústico da era medieval.
Os pensadores do final da Idade Média estimularam o fazer científico e artístico, e a
necessidade de experimentar sensorial e intelectualmente o mundo instigou nos
intelectuais do renascimento europeu a visão de um homem amplo, total, capacitado
32
para representar seu conhecimento sobre o visível, o sensível e o racional. Este
homem total passa a compreender suas atividades como expressão de sua própria
natureza: não como separar as manifestações artísticas e científicas. Estas
manifestações do gênio humano (ciência e arte) pertencem ao mesmo homem e
caminham paralelamente, integrados dentro de um mesmo contexto mesmo que por
vezes estas se contradigam ou se apresentem expressões contraditórias.
A expressão dessa totalidade se faz presente, por exemplo, na pintura dos mestres
renascentistas: o uso da perspectiva e do claro-escuro ambos os desenvolvimentos
alcançados com auxílio da matemática permitiram criar um espaço de representação
que obedece a hierarquia geométrica da formação da imagem encontrada nos estudos
de ótica e anatomia do globo ocular, suprindo os artistas com um instrumento
científico de seu tempo. Nas pinturas de mestres como Piero della Francesca (também
um estudioso da matemática), a perspectiva permite estabelecer distintas relações
entre os planos e um rigoroso esquema geométrico para determinar a estrutura de sua
obra (Fig. 11 e 12).
Fig. 11 - Piero della Francesca. A Flagelação, c. 1455. Galleria Nazionale delle Marche, Urbino.
33
Fig. 12 – Diagrama com estrutura da composição geométrica e linhas que estabelecem a
construção do espaço através da perspectiva.
A união entre a geometria, ótica e criação de
imagens atinge seu vel máximo com o advento
da fotografia (Fig. 13), capaz de reproduzir com
impressionante vel de detalhes o mundo visível.
“Pela primeira vez, uma imagem do mundo
exterior se forma, automaticamente, sem a
intervenção criadora do homem, segundo um
rigoroso determinismo” (BAZIN, 1991, p. 125).
O espanto inicial provocado pela fotografia era a
capacidade de reproduzir com perfeição a
fisionomia e a riqueza de informação visual dos
objetos, embora estivesse limitada, inicialmente, à
representações monocromáticas.
A reação da pintura à invenção da fotografia foi se concentrar em cores e texturas
em detrimento da verossimilhança entre o modelo e sua representação na tela. Já não
era primazia do artista habilidoso retratar os aristocratas, paisagens, etc., forçando a
Fig. 13 Autor desconhecido.
Retrato de Edgar Allan Poe.
Daguerreótipo.1849. J. Paul Getty
Museum
,
Los Angeles
.
34
arte pictórica a buscar outras formas de se expressar. Esta reação iniciou-se com os
pintores românticos, tendo Eugène Delacroix (1798-1863) como um dos primeiros
representantes a utilizar expressivamente o registro das pinceladas e a exaltar os
sentimentos por meio da cor.
Inspirados pela liberdade e explosão expressiva da obra de Delacroix (Fig. 14), os
Impressionistas ousaram se libertar da definição do desenho, aplicar as cores com
pinceladas livres, dar um grande destaque para a própria tinta (textura) sobre a tela e
produzir mais a atmosfera que o detalhe, tudo isso em franca oposição à arte
acadêmica neoclássica produzida em estúdio, que demandava a fidelidade da
representação realística - critérios dominados com perfeição pela fotografia. Surgiu
assim uma nova sensibilidade estética que propiciou o surgimento de novos
movimentos artísticos, uma vez que o processo fotográfico permitiu à pintura
ocidental desembaraçar-se definitivamente da obsessão realista” (BAZIN, 1991).
O desenvolvimento de sociedades técnico-científicas da Revolução Industrial não
prejudicou a arte; pelo contrário, permitiu novas formas de expressão artística. A
Fig. 14 - Eugène Delacroix, Caçada ao leão,1854. Art Institute, Chicago.
35
fotografia deu origem a uma nova arte, a “arte fotográfica”, com características
estéticas diferentes da pintura; o cinema é herdeiro direto da descoberta científica da
fotografia e das estratégias de representação por ela estabelecida. Estas
transformações passaram a ser cada vez mais aceleradas e influentes na sociedade.
O desenvolvimento da ciência e a democratização ou popularização da
produção de imagens.
Embora sempre tenha havido uma interação implícita entre a ciência e as artes, a
partir do século XIX esta interação intensificou-se. O exponencial crescimento do
saber iniciado durante a Revolução Industrial trouxe para a esfera artística a
fotografia e o cinema, influenciando também movimentos artísticos (pontilhismo,
cubismo, futurismo, etc.) e desembocou, na passagem para o século XX, no
desenvolvimento do rádio e da televisão. Estas inovações ampliaram em muito o
público potencial, trazendo à tona a heterogeneidade de gostos, interesses e credos.
Os novos meios de produção de imagem promoveram o acesso facilitado à imagem,
que deixa de ser limitado às classes sociais de alto poder aquisitivo ou dos credos
religiosos. A produção de imagens passa a se libertar de servidões seculares (mesmo
das mais férteis e elevadas) e passa a dialogar com um conjunto de novas aspirações
da sociedade.
Ciência e Arte: atividades da cultura humana.
Pode-se definir “arte” como uma atividade do homem em busca das emoções
associadas à beleza (êxtase estético) e ao sublime (transcendência). As artes visuais,
a música, a literatura, a dança e o teatro são todas ramificações da arte que buscam
despertar emoções ou senso crítico, a percepção do belo ou evidenciar o poder
criador da espécie humana.
A gênese da arte remonta à origem do próprio do homem. Nas diversas culturas,
desde a despertar da civilização em Ur na Mesopotâmia até as culturas pré-
36
colombianas, a arte floresceu nas atividades ritualísticas que buscam o contato com o
divino. A possibilidade de ruptura entre o divino e o belo somente ocorreu de forma
efetiva com o advento da ciência moderna, que forneceu um novo olhar sobre o
mundo e gerou tecnologias para a criação de novas formas de expressão artística.
Da antiguidade até o século XVIII, o escopo maior da arte ocidental em reproduzir a
figura humana, captar suas emoções e. A pintura, por exemplo, era vista por nobres e
ricos comerciantes como uma forma de se imortalizar e demonstrar suas posses. Este
interesse prolongou-se através dos anos, até a descoberta da máquina fotográfica e
das técnicas que permitiam sua fixação da imagem em um suporte permanente. Este
avanço tecnológico permitiu que qualquer pessoa, artista ou não, produzisse suas
próprias imagens em um curto intervalo de tempo, sem maiores esforços e sem
nenhuma instrução em artes.
A fotografia provocou uma mudança nos paradigmas da arte e foi, provavelmente, a
mais significativa intervenção da ciência na arte: a criação de um meio de expressão
intimamente ligado a um aparato tecnológico. A partir da máquina fotográfica
surgiram, em curtos intervalos de tempo, novas descobertas que permitiram a fusão
dos diversos ramos da arte e sua democratização, no sentido de permitir que a arte,
antes restrita à elite cultural e econômica, passasse a alcançar as diversas camadas
sociais.
A fusão das diversas áreas da arte
A Igreja foi a primeira instituição a combinar conscientemente o poder das artes
plásticas com a música. Como comentado acima, para o povo que não tinha acesso à
arte, o ritual religioso levava a confundir as emoções provocadas pela arte com a
espiritualidade dos ritos religiosos. Posteriormente, a ópera permitiu a junção da
dramaturgia, literatura e música fora dos templos, com temáticas para o deleite dos
monarcas e de sua corte.
No curso do século XX, o desenvolvimento e a expansão dos meios de comunicação
de massa seguiram o progresso científico e tecnológico. De fato, os meios para
37
veicular as informações são também os objetos tecnológicos com os quais o usuário
interage. O avanço da tecnologia permitiu a reprodução em grande quantidade de
materiais informativos a baixo custo. As tecnologias de reprodução física, como a
imprensa, a gravação de discos de música e a reprodução de filmes seguiram a
reprodução de livros, jornais e filmes com preços acessíveis para um amplo público.
Fotografia
Fig. 15 –Joseph Nicéphore Niépce. Point de vue pris de une fenêtre du Grãs à Saint-Loup-de-
Varennes. Heliografia, c. 1926. Harry Ranson Humanities Research Center, Universidade do Texas,
Austin.
As primeiras experiências bem sucedidas em fixar uma imagem pelo processo
fotográfico datam de 1824, desenvolvidas pelo francês Joseph Nicéphore Niépce. Sua
mais antiga heliografia” (“escrever pelo sol”) que sobreviveu foi produzida em 1826,
numa placa de estanho (Fig. 15). Estes primeiros registros utilizaram o conhecido
processo da camara obscura, exigindo cerca de oito horas de exposição à luz solar
para fixar a imagem ao suporte. Face este longo período necessário para registrar uma
imagem, as primeiras fotografias necessariamente mostravam apenas edifícios e outros
objetos inanimados (LEMAGNY, 1988). Em 1829, Niépce juntou-se ao artista e
químico Louis Daguerre para desenvolver conjuntamente um aperfeiçoamento das
ainda primitivas técnicas existentes.
38
Niépce morre subitamente em
1833, deixando Daguerre
desenvolvendo um processo
mais sofisticado e detalhista
para registrar a luz, o
daguerreótipo (Fig. 16), usando
uma placa de cobre revestida
com prata. Na mesma época,
William Fox Talbot
desenvolveu um processo
distinto denominado calótipo, usando folhas de papel cobertas com cloreto de prata.
Este processo é muito parecido com o processo fotográfico em uso hoje, pois também
produz um negativo que pode ser reutilizado para produzir várias imagens positivas.
Hippolyte Bayard também desenvolveu um método de fotografia semelhante ao
desenvolvido por Talbot, mas sua demora em anunciar os resultados impediu seu
reconhecido como inventor. Inúmeros processos de registro da luz foram criados
simultaneamente e coexistiram durante estes anos pioneiros, com diversas
designações. Para isso, o termo fotografia foi escolhido em 1855 para facilitar a
nomenclatura de diversas técnicas.
O daguerreótipo tornou-se popular durante as primeiras décadas da segunda metade do
séc. XIX, pois atendeu à demanda por retratos da classe média, exigida durante a
Revolução Industrial. Esta demanda, que não podia ser suprida em volume nem em
custo pela pintura a óleo, forneceu um ambiente fértil para o desenvolvimento da
fotografia. A fotografia evoluiu para atender o mercado de massa em 1901 com a
introdução da câmera Brownie-Kodak. George Eastman fundador da Kodak – pedira
a seu projetista para criar uma mera de fácil utilização, possível de ser operada até
mesmo por uma criança Fig. 17).
Fig.
16
-
Louis Daguerre
.
Nature morte
, 1837. Societé
Française De Photographie, Paris.
39
Fig. 17 – Anúcio divulgando a facilidade de manuseio da câmera Brownie. Strong National Museum
of Play, Rochester, NY
Quanto mais pessoas tivessem
acesso aos equipamentos
necessários para obter fotografias,
mais rolos de filmes fotográficos
seriam vendidos. Em uma operação
de marketing, a Kodak vendia a
câmara com o filme preparado
para ser utilizado. Depois de tirar as
fotos, o cliente enviava o
equipamento de volta para empresa,
que se responsabilizava pela
revelação e ampliação da fotografia,
assim como de recarregar a máquina
com um novo filme. Para o fotógrafo amante da fotografia em preto e branco, pouco
mudou desde a introdução da câmera Leica de filme de 35mm em 1925. Este avanço
popularizou a fotografia, permitindo que o processo se difundisse entre um número
maior de pessoas (ROSENBLUM, 1992).
O primeiro filme colorido, o Autocromo, somente chegou ao mercado no ano de 1907
e era baseado em pontos tingidos de extrato de batata. O primeiro filme colorido
moderno similar aos utilizados hoje, contendo três emulsões coloridas, foi produzido
pela Kodak (Kodachrome), chegando ao mercado em 1935. A maioria dos filmes
coloridos modernos, exceto o Kodachrome, o baseados na tecnologia desenvolvida
pela Agfa (Agfacolor) em 1936 (Fig. 18).
Fig. 18 Autor desconhecido. Película fotográfica
reversível (positivo) Agfacolor, 1942. Disponível em
<http://historicphotoarchive.com/f2/ansco.html>.
Acesso em: 15 mar. 2007.
40
A fotografia como precursora do cinema
O avanço nas técnicas de registro fotográfico (negativo flexível, maior sensibilidade
das emulsões, menor dependência da intensidade da luz) permitiu o desenvolvimento
de instrumentos para o estudo da decomposição do tempo.
Fig. 19 – “Fuzil fotográfico” de Étienne Jules Marey. gravura, la Nature, Paris, 22 abril de 1882.
Eadweard James Muybridge, em suas investigações sobre a decomposição do
movimento iniciadas em 1872, realizou diversas experiências para o registro
fotográfico de um corpo em movimento. Simultaneamente ao trabalho de Muybridge
nos Estados Unidos, Étienne Jules Marey desenvolveu na França um sistema chamado
cronofotografia, que permitia acompanhar o deslocamento dos animais, registrando as
diversas etapas de movimento para futura análise.
Marey desenvolveu uma espécie de fuzil fotográfico (Fig. 19): ao invés de disparar
projéteis, o cano da “arma” era a objetiva (lente) da câmera. Acompanhando o
movimento do animal, múltiplas exposições eram feitas sobre um rolo contínuo de
papel fotográfico (Fig. 20).
41
Fig. 20 – MAREY, Étienne Jules. Le vol du pélican. Fotografia, 1885.
Em 1878, havia uma grande discussão entre os entusiastas das corridas de cavalos a
respeito dos movimentos dos animais: durante o trote, o cavalo retira as quatro patas
do chão? O político e proprietário de cavalos de corrida Leland Stanford acreditava
que, durante um momento, o cavalo não permanecia com um ponto de apoio sobre o
chão. Stanford contratou os serviços de Muybridge para resolver essa questão com
rigor científico. O inglês conseguiu fotografar uma égua galopando com uma série de
doze imagens. Cada câmera foi posicionada de forma paralela à trajetória do cavalo;
um cabo ligado ao disparador de cada mera era colocado a intervalos regulares para
registrar o avanço do animal.
Fig. 21 – MUYBRIDGE, Eadweard.The Horse in Motion: 'Sallie Gardner. Fotografia, 1878. Stanford
Family Collection/Cantor Arts Center, Standford.
42
Este experimento fotográfico é conhecido pelo título de "O cavalo em movimento"
(Fig. 21) e nos mostra algo que Étienne Jules Marey havia afirmado - mas não havia
conseguido demonstrar - anteriormente: o cavalo em galope mantém os quatro cascos
no ar, simultaneamente, sem manter apoio algum sobre o terreno, embora o olho
humano não seja capaz de percebê-lo. A visão humana compreende os movimentos
rápidos como borrões, contornos imprecisos e prega peças na percepção: os raios de
rodas girando para trás enquanto o veículo vai para frente, por exemplo. Essa
singularidade da visão é conhecida como persistência retiniana
3
, que consiste na
retenção do estímulo em, pelo menos, 0,1 segundo. Esta fração de tempo é suficiente
para que o rebro acumule todas as partes de modo a formar um quadro completo.
Essa persistência significa que, após um estímulo (entrada de luz no olho), mesmo que
a luz desapareça, a retina continuará a enviar sinais para o cérebro durante essa fração
do segundo. As estruturas fotossensíveis da retina (células chamadas de cones e
bastonetes), nossos sensores de luz, continuam a enviar sinais elétricos para o cérebro
mesmo depois da extinção do breve pulso de luz.
Aproveitando-se desta característica fisiológica da retina, é possível recriar o
movimento de um objeto mostrando imagens sucessivas como no caso do "O Cavalo
em movimento" de Muybridge. Este aprimorou um dispositivo já conhecido para
exibir seus estudos sobre o movimento, criando em 1879 o Zoopraxiscópio (Fig. 26).
Este dispositivo consistia em um disco de vidro em cuja borda era pintada as
sucessivas silhuetas que bloqueavam a luz projetada sobre um anteparo.
Dentre os brinquedos óticos inventados, podemos destacar o thaumatrópio, inventado
entre 1820 e 1825 (Fig. 22); o fenakistoscópio, 1829 (Fig. 23); o zootrópio, 1834 (Fig.
24) e o praxinoscópio, 1877 (Fig. 25), dispositivos de entretenimento bastante
populares durante a era vitoriana na Inglaterra (FINLER, 1997).
3
Em 9 de dezembro de 1824, Peter Mark Roget apresentou à “Royal Society” de Londres, um
artigo intitulado Explanation of an optical deception in the appearance of the spokes of a wheel
when seen through vertical apertures”.
43
Fig. 22 – Thaumatrópio
Fig. 23 – Fenakistoscópio
Fig. 24- Zootrópio
Fig. 25 - Praxinoscópio
Fig. 26 - Zoopraxiscópio
Cinema
De entretenimento inocente, os brinquedos ópticos
tornaram-se os precursores do cinema. Os mecanismos
lúdicos desenvolvidos a partir de meados do século
XIX apresentavam a possibilidade de sugerir a
impressão de movimento a partir de imagens
bidimensionais.
É problemático apontar o detentor da primazia da
invenção do cinema. A trajetória do desenvolvimento
do processo de reprodução do movimento perpassa
décadas de contínuos avanços e, aproximando-se do
Fig. 27 Programa de uma sessão
do Irmãos Lumière (1896).
44
final da década de 1880, acontece uma verdadeira corrida para aprimorar os engenhos
que possibilitariam registrar e reproduzir as imagens do mundo visível. Diversas
propostas e soluções foram apresentadas com maior ou menor complexidade e sucesso
(como, por exemplo, o complexo equipamento dos irmãos Skladanowski na
Alemanha, a fragilidade da técnica empregada por Louis Le Prince na França, a
excelência mecânica dos equipamentos de Robert W. Paul na Inglaterra e as cabines
individuais do Kinetoscópio de Thomas Edison
4
nos Estados Unidos), fazendo do
cinema um suporte artístico realmente criado empiricamente com base na tentativa e
erro (FINLER, 1997; HERBERT, 2000). Apesar dos registros históricos não
apontarem precisamente para um inventor em especial, a sessão dos irmãos Auguste e
Louis Lumière é acolhida pela da literatura cinematográfica como o marco inicial da
nova arte (Fig. 27). A primeira projeção pública comercial organizada pelos Irmãos
Lumière no final em 28 de dezembro de 1895, no subterrâneo do Grand Café, em
Paris: uma série de dez filmes, com duração de 40 a 50 segundos cada. Os filmes mais
conhecidos até hoje desta primeira sessão chamam-se La Sortie des usines Lumière
(“A saída dos operários da Fábrica Lumière”) (Fig. 28), e L'Arrivée d'un train en gare
de la Ciotat (“A chegada do trem à Estação Ciotat”) (Fig. 29), ambos produzidos em
1895, cujos são praticamente sinopses desses primeiros e curtíssimos filmes de
aproximadamente um minuto cada. Na sessão inaugural, os 33 espectadores ficaram
assombrados com o movimento do trem avançando em direção da platéia, chegando a
fugir da sala de projeção temendo serem atropelados pela máquina que
assustadoramente avançava pela tela. O assombro com as imagens em movimento ao
final do século XIX era tamanho que jornalistas e críticos de arte mais afoitos
declararam à época que com o cinematógrafo dos irmãos Lumière “a morte deixará de
ser absoluta” (TOULET, 1988).
4
Edison já havia registrado em outubro de 1888 patente sobre o funcionamento de um aparelho
para registrar e reproduzir imagens em movimento. Seu engenheiro William Dickson desenvolveu
entre 1889 e 1892 esta máquina, que utilizava uma tira de celulóide com os sucessivos quadros a
serem apresentados. O Kinetoscópio, como foi batizado, foi apresentado ao público na primeira
sessão comercial de imagens em movimento em 1894, na cidade de Nova Iorque (HERBERT,
2000).
45
Fig. 28 - La Sortie des usines Lumière, 1895.
Cinémathèque française, Paris.
Fig. 29 - L'Arrivée d'un train en gare de la Ciotat,
1895. Cinémathèque française, Paris.
O equipamento dos Lumière possuía robustez mecânica, simplicidade de operação e
também podia ser utilizado como projetor. Estas características permitiram a expansão
do cinema primeiramente pela França e depois se alastrando pela Europa, Estados
Unidos e vários locais conhecidos pelo exotismo de suas paisagens e costumes.
Através de cinegrafistas enviados pelos irmãos Lumière estes registros eram
distribuídos por várias localidades, instigando a imaginação das platéias primeiramente
pela curiosidade científica da maravilha tecnológica representada pelo cinematógrafo e
posteriormente pelo desejo de conhecer lugares exóticos e civilizações distantes.
Nesta mesma época, um gico ilusionista
chamado George Meliès desejava obter o
equipamento produzido pelos irmãos Lumiére;
mas foi barrado pelos próprios, que não
desejavam comercializar suas máquinas com
(futuros) produtores independentes. Depois de
muita insistência e sem conseguir realizar seu
intento, Meliès obteve seu aparelho ainda um
protótipo - com o inventor inglês Robert W. Paul. Começou a produzir filmes que se
assemelhavam mais à linguagem do teatro de espetáculo, com efeitos mágicos e
pequenas histórias cômicas situadas dentro de um universo fantástico (Fig. 30). A
inventividade de Meliès permitiu que ele se aproveitasse de um feliz acidente enquanto
filmava na Place de l’Ópera. A película ficou presa no aparelho, mas rapidamente o
problema foi solucionado e as filmagens recomeçaram. Quando projetou o filme
revelado viu algo estranho: um ônibus se transformou em carro fúnebre e homens em
Fig. 30 – George Meliès, Le Voyage dans
la lune, 1902. British Film Institute.
46
mulheres. Graças a esse acidente – mesmo que se trate apenas de uma anedota -
George Meliès promoveu o encontro entre mágica e o cinema, transformando o
dispositivo criado pela curiosidade e inventividade científica em um meio de
expressão artístico (TOULET, 1988).
Após duas décadas de experimentações plásticas e narrativas, o cinema chega ao
momento em que realmente percebe seu grande poder de impacto e manipulação da
estrutura narrativa: David Wark Griffith realiza, em 1915, The Birth of a Nation (“O
Nascimento de uma Nação”), o longa-metragem que estabelece um novo patamar para
as possibilidades do cinema
5
. A grandiosa obra de D. W. Griffith condensa as
estratégias narrativas desenvolvidas até aquela data em duas horas e meia de projeção
e estabelece um marco divisório entre as experimentações dos pioneiros do cinema e o
desenvolvimento das qualidades expressivas do cinema, estabelecendo o que hoje se
denomina “narrativa cinematográfica clássica” (XAVIER, 1984).
Outrora apenas um mecanismo de interesse científico ou atração em feiras de
entretenimento, Griffith estabelece o Cinema como um veículo para a narração de
histórias estruturadas, com grande aproximação emocional do espectador. O cinema
mudo se consolida grande veículo de comunicação de massa, atingindo milhões de
pessoas que se deliciam com a comédia de Chaplin e Keaton, os (melo)dramas da
heroína Lilian Gish e as aventuras de Douglas Fairbanks Sr. As cinematografias
nacionais também se desenvolvem, permitindo o surgimento de obras que
influenciaram a cinematografia mundial (“A Paixão de Joana D' Arc” de Carl Dreyer,
“Metropolis” de Fritz Lang, “O Gabinete do Doutor Caligari” de Robert Wiene, etc.).
O cinema - antes visto como entretenimento essencialmente vulgar começa a
despertar a atenção e paixão dos movimentos da vanguarda artística: em 1911, o
intelectual italiano Ricciotto Canudo publica o artigo intitulado A Naissance d'um
sixième art. Essai sul le cinématographe (CANUDO, 1911). Para Canudo, com o
cinema nascia a plástica em movimento, alinhado com o espírito da modernidade, que
5
A dimensão do impacto causado por “O nascimento de uma nação” pode ser medida pela
declaração do Presidente Woodrow Wilson, feito à época de seu lançamento: It is like writing
history with lightning and my only regret is that it is all so terribly true.” (FINLER, 1997).
47
reunia as artes espaciais e artes temporais em um único suporte. Em 1923, publica uma
revisão de seus trabalhos anteriores em "Manifeste Sept Arts" que incorpora em
definitivo o meio de expressão recém-criado com as mais tradicionais manifestações
da arte (pintura, arquitetura, escultura, dança, música e poesia), batizando-a de “a
Sétima Arte”.
Até as duas primeiras décadas do século XX, o cinema era uma forma de arte
primordialmente visual. Porém, desde seu início, inventores e produtores tentaram
desenvolver um sistema que garantisse a sincronia entre a imagem e o som. Diversas
tecnologias foram desenvolvidas, mas comercialmente todas se revelaram um fracasso.
Assim, durante 30 anos, os filmes não possuíam diálogos ou trilha sonora incorporada
ao filme, sendo geralmente acompanhados de música ao vivo (pequenas orquestras ou
piano) e narração ao vivo e diálogos escritos, presentes entre cenas (intertítulos)
(FINLER, 1997).
Em 1926, a Warner Brothers introduziu o sistema de som Vitaphone (gravação de som
em disco para fonógrafo de 16 polegadas). No ano seguinte, a Warner lançou o filme
"The Jazz Singer" (O Cantor de Jazz), um musical que pela primeira vez obteve
sucesso técnico e comercial apresentando alguns diálogos e canções sincronizadas com
a ação vista na tela. Com o sucesso estrondoso da produção, os demais estúdios de
Hollywood iniciaram a produção em massa de filmes sonoros, e no final de 1929 o
cinema americano era quase totalmente falado (os populares talkies) (SCHATZ, 1991;
NAZÁRIO, 1999). No resto do mundo, por razões econômicas, a transição do mudo
para o falado foi muito mais lenta, arruinando a cinematografia de diversos países
dado o elevado custo da aparelhagem de som e pessoal qualificado envolvido, pela
necessidade de utilizar estúdios e câmeras cinematográficas com tratamento acústico e
pelas dificuldades encontradas em divulgar os filmes produzidos em mercados com
idioma diferente do original.
Rádio
A partir de 1883, o alemão Henrich Rudolph Hertz (1857-1894) obtém a comprovação
48
experimental do trabalho professor de Cambridge James Clerck Maxwell. Vinte anos
antes, Maxwell formulara as equações matemáticas básicas relativas ao campo
eletromagnético. Hertz descobre a produção e a propagação das ondas
eletromagnéticas bem como formas de controlar a freqüência das ondas produzidas,
demonstrando experimentalmente a existência da radiação eletromagnética.
Quando o italiano Guglielmo Marconi chegou a Grã-Bretanha em junho de 1896, as
descobertas de Hertz haviam sido comunicadas à comunidade científica. Marconi
queria divulgar em solo inglês o que chamara de "desenvolvimentos na transmissão de
sinais e impulsos elétricos"; um escritor da Quarterly Review pode avaliar que o
italiano havia "somente introduzido outro modo de fazer o que havia sido feito
anteriormente" (BRIGGS, 2004).
Não desistindo de tornar pública suas idéias e equipamentos, Marconi efetua em 1901
a primeira comunicação de rádio a longa distância: de Poldhu, Reino Unido, para St.
Johns, na ilha da Terra Nova (Canadá) - uma distância superior a 2.000 milhas. O
grande problema para o inventor italiano era que transmissão sem fio foi concebida
apenas como um substituto para a telegrafia por fios. Marconi não via o rádio como
um meio de difusão e havia ainda o inconveniente das mensagens enviadas poderem
ser recebidas por qualquer pessoa (durante 25 anos esta "falha" era vista como uma
severa desvantagem sobre o telégrafo por fios) (GIOVANNINI, 1987).
As primeiras idéias para o uso do rádio não consideravam a hipótese de utilização
como instrumento de comunicação coletiva e grandes esforços foram feitos para tentar
canalizar por vias obrigatórias a propagação das ondas eletromagnéticas; desejavam
assim garantir a reserva e o sigilo das transmissões (GIOVANNINI, 1987).
Entre 1922 e 1924 uma série de experimentos de Marconi iria levar a adoção de
freqüências em ondas curtas (de 03 MHz a 30 MHz), o que transformou radicalmente
a técnica da radiodifusão.
Embora seja atribuída a Marconi a descoberta da transmissão sem fio, em 1890, o
padre-cientista brasileiro Roberto Landell de Moura previa em suas teses a
49
“telegrafia sem fio”, a radiotelefonia”, a “radiodifusão”, e os satélites de
comunicações”. Dez anos mais tarde, em 1900, o governo brasileiro concedeu ao
Padre Landell Moura a patente mero 3.279 para "um aparelho apropriado à
transmissão da palavra a distância, com ou sem fios, através do espaço, da terra e da
água" (TAVARES, 1999).
Nos Estados Unidos foram necessários muitos anos de aprimoramento, aLee Forest
instalar a primeira “estação-estúdio” de radiodifusão no ano de 1916, em Nova Iorque.
Após o término da Primeira Guerra Mundial tem início a chamada “Era da Rádio”; o
conflito mundial aumentou a demanda por tecnologias de comunicação tanto para o
uso militar quanto para fornecer informações – e propaganda comercial e política – aos
civis. Após o término das hostilidades, a Westinghouse Electric and Manufacturing
Company fez nascer, por acaso, a radiodifusão para o público em geral. A empresa
produzia equipamentos de rádio para as tropas americanas da Primeira Guerra Mundial
e, com o fim do conflito, ficou com um grande número de aparelhos acumulados. A
solução, ainda que bastante artesanal e fruto dos esforços de pequeno número de
pessoas, para minimizar o prejuízo foi instalar uma grande antena no pátio da fábrica -
conhecida "K.D.K.A." de Pitisburgh - e transmitir música para os moradores da
vizinhança (SAMPAIO, 1984). Os aparelhos em estoque foram então comercializados
para as redondezas das instalações da empresa através de anúncios de jornal.
A chegada da rádio comercial não demorou e as pequenas radio-difusoras espalhadas
pelos Estados Unidos reivindicaram o direito de venda de intervalos na programação,
obtendo recursos financeiros para permitir ampliar as atividades e a qualidade de
transmissão quanto maior o alcance da transmissora, maior o número de ouvintes e
maior o potencial de venda para seus anunciantes. Este modelo vingou rapidamente e
se espalhou pelo mundo, sendo até hoje utilizado, assim como grande parte das
características de radiodifusão encontradas desde a Era de Ouro do dio 1920 até
meados da década de 1950 (TAVARES, 1999).
O rádio é o meio de comunicação ao qual a maioria da população tem amplo acesso.
Por se tratar de um aparelho de baixíssimo custo, portabilidade e enorme diversidade
50
de propostas de comunicação, possui grande presença na vida cotidiana: nas
residências, no comércio, no campo, nos diversos meios de transporte, etc. Alcança as
mais diversas localidades do mundo oferecendo informações locais, flexibilidade de
programação, interação com a comunidade, proporcionando uma forma de
comunicação coletiva eficiente e veloz.
Televisão
A incrível capacidade de reprodução de detalhes da fotografia - a ilusão de uma pia
fiel do mundo - foi ainda mais ampliada pelo cinema. A projeção sucessiva de quadros
estáticos permitiu que as imagens adquirissem vida, mesmo que esta ilusão de vida
esteja congelada no intervalo de tempo registrado. A televisão (do grego "tele",
distante, e do latim "visio", visão) possui alguns elementos pertencentes ao cinema,
mas se posiciona tecnologicamente alinhada ao seu irmão das conquistas da eletrônica,
o rádio. A capacidade de dialogar com o tempo presente (transmissões ao vivo) e a
praticidade de encontrar-se na sala de estar das residências permitiu que a televisão se
transformasse no mais poderoso meio de entretenimento e transmissão de informações
e do século XX.
Desde meados do século XIX, pesquisadores estavam interessados na transmissão à
distância de imagens e, em 1842, Alexander Bain (1811-1877) obteve a primeira
transmissão telegráfica de uma imagem através de um dispositivo mecânico batizado
de fac-símile ou, como conhecido atualmente, simplesmente fax. Entretanto, este era
um dispositivo mecânico que analisava o relevo de texto ou desenho feito em uma
placa de metal. Como a invenção do microfone demonstrou a transformação eficiente
do som em impulso elétrico, restava inventar um dispositivo que transformasse a luz
nestes impulsos e, em conseqüência, se tornasse habilitado em transformar a imagem
em um sinal eletrônico. Em junho de 1880, George R. Carey publicou na revista
Scientific American uma artigo demonstrando um sistema precursor de câmera e
receptor de televisão: um arranjo retangular de células fotossensíveis e cabos
transmitiam o sinal para um tela formada por diversas pontos luminosos (cada célula
51
era ligada individualmente a uma lâmpada). Entretanto, o invento de Carey era
complexo e muito caro mesmo para construir um aparelho de pequenas dimensões
(CAREY, 1880).
Em 1884, mesmo ano em que Hertz exibiu seus trabalhos sobre a propagação de sinais
por ondas de rádio, o alemão Paul Nipkow (1860-1940) apresentou seu processo para a
construção de um sistema de varredura de imagem. Utilizando o método hoje
conhecido como Disco de Nipkow, o aparelho precisava de apenas um sensor de luz; o
disco rotativo possuía pequenas perfurações que realizavam a decomposição da
imagem, que eram enviadas de forma mais eficiente até o receptor.
Em 1904 John Ambrose Fleming produziu a válvula de diodo a vácuo, com dois
eletrodos, posteriormente aperfeiçoadas por Lee De Forest. O russo Boris Rosing em
1907 patenteou um sistema a base de varredura da imagem pelo Disco de Nipkow,
mas não conseguiu sincronismo de rotação entre os discos empregados na transmissao
e recepção (SAMPAIO, 1984) e em 1910 projetou um tubo de raios catódicos
eletrônico – trabalho abandonado em virtude da 1ª Guerra Mundial.
Mesmo com os seguidos fracassos de sistemas mecânicos de televisão, Baird insistiu
na técnica de Nipkow e realizou com um seu transmissor e receptor uma transmissão
experimental de imagens em 1924. Dois anos depois, repetiu-as para apreciação do
Instituto Real de Londres, que firmou acordo com Baird para iniciar transmissões
experimentais BBC, mesmo com a difícil sintonia de seus aparelhos.
Vladimir Zworykin, russo naturalizado norte-americano, criou o iconoscópio:
desenvolvido a partir das descobertas anteriores sobre a eletrônica, foi o primeiro
aparelho a fazer testes nos EUA (SAMPAIO, 1984). Patenteou seu invento em 1925
quando trabalhava na Westinghouse. Em 1926, transferiu-se para a RCA, onde atuou
no laboratório de pesquisas eletrônicas e apresentou, em 1929, o primeiro sistema
completamente eletrônico e comercialmente viável de televisão.
O primeiro teste de um sistema semi-mecânico de televisão foi demonstrado pela RCA
em fevereiro de 1928, em Nova Iorque; este teste consistia em registrar e difundir um
52
vídeo em baixa resolução para os tempos atuais (60 linhas de definição) de um boneco
do personagem Gato Félix (Felix the Cat) em papier marché fixado a uma base
giratória para a primeira transmissão experimental (Fig. 31).
Fig. 31 Boneco utilizado durantes os testes da televisão analógica em 1928 (esq.) e a sua
respectiva imagem formada no aparelho receptor. NBC/RCA.
em 1936, a cidade de Londres recebe sinais televisivos com 405 linhas de definição
(semelhante à resolução da TV convencional ainda hoje empregada) e inaugura a
primeira estação regular da BBC. No ano seguinte, três câmeras eletrônicas
transmitem a cerimônia da Coroação de Jorge VI para cerca de cinqüenta mil
telespectadores.
Com a padronização do primeiro sistema de transmissão em 1941 (NTSC, National
Television System Committee), a televisão começou seu lento avanço com
retransmissoras comerciais por todos os Estados Unidos. Entretanto, a concentração
de recursos destinados aos esforços durante Segunda Guerra Mundial
6
impediu o
6
Durante a Segunda Guerra Mundial, a Alemanha foi o único país da Europa a manter programação televisiva
no ar. Paris voltou com as transmissões em outubro de 1944, Moscou em dezembro de 1945 e a BBC em junho
53
avanço inicial da venda de aparelhos e seu desenvolvimento técnico. Com o final do
conflito, a televisão passou a ser produzida comercialmente, sendo a RCA a empresa
que produziria o primeiro tubo de televisão em escala industrial.
Assim como o cinema, a televisão oferece estímulos visuais e sonoros aos seus
espectadores. Mas oferece um diferencial em relação ao seu primo do século XIX:
chega ao dia a dia das pessoas. A televisão possui vínculos muito fortes com o rádio: o
hic et nunc, o sentido de urgência, proximidade emocional e, agora, “física” – realçada
pela presença “comprovada” pela imagem do emissor da mensagem. Graças às
transmissões via satélite, ajudou a reduzir a distância entre os continentes e contribuiu
decididamente para interferir nos hábitos dos telespectadores. A agilidade da
transmissão e recepção das imagens é diretamente proporcional ao volume de
informação veiculada; entretanto, o tempo para assimilar estes dados é, por vezes,
insuficiente para reflexão da mensagem transmitida. O ritmo acelerado do emissor, em
descompasso com a audiência, gera duas características intrínsecas ao meio: para a
compreensão da mensagem, deve ser suprimida uma grande parcela de informações
(superficialidade na abordagem dos temas); como não é interativa, o espectador não
pode decidir por uma cadência que melhor se adapte à sua velocidade de absorção dos
conteúdos exibidos (a TV é um meio excepcional para difundir mensagens de
informação e persuasão graças ao diminuto intervalo de reflexão do espectador).
Computação Gráfica
Uma das mais importantes invenções da era moderna, o transistor em 1950, com a
possibilitou a criação de uma verdadeira revolução no universo dos equipamentos
eletrônicos e dos computadores. Foi possível projetar computadores de tamanho
reduzido (computadores valvulados frequentemente ocupavam todo um pavimento de
um prédio), mais confiáveis (as válvulas apresentavam um alto índice de falhas) e,
de 1946, com a transmissão da vitória dos aliados.
54
mais importante, mais velozes e capazes de oferecer o desempenho computacional
necessário para a geração de gráficos por computador.
Fig. 32 – Sala de controle do Whirlwind I, 1950. Servomechanisms Laboratory, MIT.
O primeiro computador com a capacidade de ser operado em tempo real e a possuir
recursos gráficos para visualização de simulações numéricas foi o "Whirlwind I" (Fig.
32), desenvolvido no Massachusetts Institute of Technology (MIT). Este equipamento
foi desenvolvido com financiamento da Marinha dos Estados Unidos, que desejava um
simulador de vôo mais complexo e realístico que as unidades Link Trainer, utilizadas
desde a década de 1930. O projeto do simulador encontrou diversos problemas e a
Marinha decidiu que o “Projeto Whirlwind seria utilizado como base para a
concepção de diversos computadores de uso militar voltados para a defesa aérea, como
o sistema SAGE - Semi-Automatic Ground Enviroment (os dados capturados pelo
radar seriam exibidos em um tubo de raios catódicos e manipulados com uma caneta
ótica) (LEMNIOS, 2002).
Até a década de 1960, os computadores eram máquinas de interesse quase que
exclusivo de físicos e de atividades militares. Entretanto, em 1963 foi apresentada uma
das mais importantes publicações para a computação gráfica, a tese do Dr. Ivan
Sutherland ("Sketchpad - A Man-Machine Graphical Communication System")
(SUTHERLAND, 1963). Ancestral dos programas de CAD (Computer Aided Design)
55
o Sketchpad propunha uma forma de interação amigável, interativa, apresentado um
sistema de menus que podiam ser manipulados através de uma caneta ótica (Fig. 33).
Fig. 33 - Ivan Sutherland demonstrando o Sketchpad (1962). Lincoln Laboratory, MIT.
Este trabalho - também realizado no MIT - chamou a atenção das indústrias
automobilísticas e aeroespaciais norte-americanas, que passaram a se associar às
empresas fabricantes de hardware como DEC e IBM. A própria IBM mergulha com
afinco na produção de sistemas gráficos interativos junto a grandes fabricantes do
ramo automobilístico e aeronáutico. Lança em 1964 o mainframe IBM 360,
substituindo o transistor por circuitos integrados, uma série de transistores
miniaturizados montados em uma única e diminuta pastilha de silício.
A massificação do uso dos circuitos integrados durante a década de 1970 permitiu uma
nova redução nas dimensões dos novos equipamentos e reduziu o custo de produção
dos computadores. Com preços mais baixos, aconteceu uma popularização e
computadores, consequentemente, uma maior familiarização com o ambiente digital
mesmo com as precárias interfaces visuais existentes na época (LUCENA, 2002).
Mas apenas na década de 1980 ocorre a maciça penetração de computadores no
cotidiano das pessoas: computadores não são apenas instrumentos utilizados por
cientistas e engenheiros; passam a substituir diversos equipamentos - e funções - do
56
escritório. Pequenas empresas de hardware e software liderada por jovens imberbes
vislumbram esse então apenas promissor mercado e lançam produtos que vencem a
disputa com os monolíticas empresas de informática já estabelecidas na época (o
exemplo mais claro desta imobilidade era a IBM).
Fig. 34 – Apple Macintosh II.
Apple Computers, Inc.
Fig. 35 – Estação Gráfica SGI Iris Crimson.
Silicon Graphics Inc.
Não acreditando no potencial do mercado de computadores pessoais, a IBM possibilita
que Apple computers apresente um produto revolucionário, sendo o primeiro
computador de uso doméstico possuir interface gráfica: o Macintosh (Fig. 34).
O Apple Macintosh (1984) iniciou o processo criação do Desktop Publishing
(Editoração Eletrônica), permitindo a criação de toda a papelaria de um escritório em
um Mac e na espantosa impressora LaserWriter. Esta dupla fez a transição para o
ambiente das gráficas industriais e até hoje computador da Apple é sinônimo de
equipamento para artes gráficas.
Outra empresa fabricante de hardware de grande expressão intimamente ligada ao
imaginário da produção de computação gráfica durante as décadas de 1980 e 1990 foi
a Silicon Graphics Inc. (SGI). A SGI tornou-se presença constante nas peças de
divulgação dos blockbusters hollywoodianos das duas últimas décadas do séc. XX.
Equipamentos com forte identidade visual e de belíssimo design, as estações de
trabalho da SGI (Fig. 35) possuíam custo proibitivo para produções fora do eixo de
Hollywood e dos mais abastados mercados publicitários do planeta. Isso sem incluir o
preço do software de animação, que, durante meados da década de 1990, poderia
57
custar até US$ 50.000,00 por estação.
O grande sucesso das produções que utilizaram computação gráfica (“O exterminador
do futuro 2”, 1991; “Parque dos dinossauros”, 1993; “Forrest Gump”, 1994;
“Twister”, 1996, etc.) e a redução agressiva do preço e aumento expressivo do poder
computacional dos computadores pessoais possibilitaram que a manipulação e criação
de imagens por computador não permanecesse em nichos específicos - utilizados
apenas por grandes empresas e profissionais da área - e permeasse para os demais
espaços de produção: a realização independente e a livre expressão artística.
A popularização dos computadores permitiu que a computação gráfica deixasse de ser
um assunto mistificado e difícil de ser compreendido para se tornar algo corriqueiro.
Não é mais necessário gastos dispendiosos em software e hardware ou estar ligado à
grandes grupos televisivos ou à indústria cinematográfica; o foco encontra-se agora no
artista, na necessidade de exprimir com audiovisual seu saber, suas dúvidas e suas
apostas/colaborações para o futuro.
Recursos audiovisuais para a educação
Na educação, a imagem tem uma função muito importante que hoje é freqüentemente
subutilizada na escola. Na Antiguidade e na Idade Média, em que a maioria da
população era analfabeta, a imagem possuía um papel educacional bem mais
acentuado - semelhante ao que possui atualmente na educação não-formal ou seja, a
educação recebida fora do ambiente escolar. Para o historiador francês Emile Mâle
"[na] idade média a arte era didática" (MALE, 1972); as pessoas aprendiam com as
imagens "tudo o que era necessário saber - a história do mundo desde a criação, os
dogmas da religião, os exemplos dos santos, a hierarquia das virtudes, o âmbito das
ciências, artes e ofícios: tudo era ensinado pelas estatuas dos pórticos" (BRIGGS,
2004).
Em nossa era, existe o temor que a excessiva ênfase na imagem seja simplificadora e
58
superficial; acredita-se que em função da influência generalizada dos novos meios de
comunicação, estamos passando para uma cultura da imagem e do som, deixando para
trás a cultura letrada que imperou durante séculos, a partir da popularização da
impressão. Este seria o motivo que leva os jovens a optar hoje por assistir televisão a
ler, ou a ver a versão filmada de um livro a ler a própria obra literária.
Diversos autores (VIRILIO, 2002; BAUDRILLARD, 2002; DEBORD, 1997) criticam
esta suposta primazia da imagem sobre o texto; sempre o temor que a maciça
presença dos meios essencialmente visuais ou orais de comunicação (a televisão
principalmente) acabe por decretar um declínio da imaginação: os meios de
comunicação de maior densidade informacional, imediatista e que não permitem uma
pausa para a reflexão - os meios audiovisuais, multimídia, jogos eletrônicos e internet -
caracterizam-se mais por ilustrar do que por estimular a imaginação.
Por outro lado, os recursos audiovisuais permitem realizar estudos de universos
intergalácticos e, da mesma forma, penetrar em realidades de dimensões
microscópicas; situações abstratas e desprovidas de representação podem ser
apresentadas por algum tipo de estrutura audiovisual. Possue também a capacidade de
aproxima a sala de aula do cotidiano, das linguagens de aprendizagem e comunicação
da sociedade urbana (MORAN, 1995).
Um filme ou programa multimídia tem um forte apelo emocional e, por isso, motiva a
aprendizagem dos conteúdos apresentados pelo professor. Ou seja, o sujeito
compreende de maneira sensitiva, conhece por meio das sensações, reage diante dos
estímulos dos sentidos, não apenas diante das argumentações da razão. Não se trata de
uma simples transmissão de conhecimento, mas sim de aquisição de experiências de
todo o tipo: conhecimento, emoções, sensações, etc. Am disso, a quebra de ritmo
provocada pela apresentação de um audiovisual nos parece saudável, pois altera a
rotina da sala de aula e permite diversificar as atividades ali realizadas. Portanto, o
produto audiovisual pode ser utilizado como motivador da aprendizagem e
organizador do ensino na sala de aula.
O consumo das novas tecnologias de comunicação, em especial da televisão e da
59
Internet, é uma realidade de nossa era de informação e conhecimento. O tempo
dedicado diariamente a estes meios, pelos diversos setores da sociedade, transforma o
espectador usuário em um indivíduo com elevado nível de compreensão da mensagem
transmitida por estas mídias. Hoje, praticamente tudo é visto pela tela da televisão ou
pela do computador: trabalho, entretenimento ou educação. Assim, torna-se necessário
que a escola esteja preparada para educar com os meios audiovisuais. A educação terá
que capacitar pessoas que irão enfrentar um mundo digital com criatividade e reflexão.
A divulgação da ciência
O grande sucesso dos canais por assinatura que abordam ciência, história, geografia,
biologia e conhecimentos gerais sobre o mundo, como é o caso do History Channel, do
National Geographic, do Animal Planet e do Discovery Channel, por exemplo, que
utilizam a linguagem audiovisual para desvendar conceitos científicos é um indicativo
de transformações na visão da sociedade sobre as visões estereotipadas sobre a ciência.
Com a base de assinantes do Discovery Channel apenas, 328 milhões de residências
em 170 países
7
podem ser alcançados. Dessa forma, a ciência, através do veículo
audiovisual, pode alcançar bilhões de espectadores; a procuram por respostas e os
conceitos científicos são exibidos de forma atraente, trazendo à população as questões
atuais do homem. Como expôs Albert Einstein (apud MOREIRA, 2005) sobre o
ensino tradicional:
"A comunidade dos pesquisadores é uma espécie de órgão do corpo da
humanidade. Esse órgão produz uma substância essencial à vida, que
deve ser fornecida a todas as partes do corpo, na falta da qual ele
perecerá. Isso não quer dizer que cada ser humano deva ser atulhado
de saberes eruditos e detalhados, como ocorre freqüentemente em
nossas escolas, nas quais [o ensino das ciências] vai até o desgosto.
Não se trata também do grande público decidir sobre questões
estritamente científicas. Mas é necessário que cada ser humano que
pensa tenha a possibilidade de participar com toda lucidez dos grandes
problemas científicos de sua época, mesmo se sua posição social não
lhe permite consagrar uma parte importante de seu tempo e de sua
7
http://corporate.discovery.com/brands/discoverychannel.html
60
energia à reflexão científica. É somente quando cumpre essa
importante missão que a ciência adquire, do ponto de vista social, o
direito de existir."
A ciência se transforma em algo cotidiano, impossível de ser desvinculado de nossa
existência e experiência do mundo. Sempre nos lembramos que estamos imersos em
um mundo do discurso das artes: música nos iPods, imagens em movimento na
televisão e vídeos na Internet e a expressão das experiências pessoais nos “blogs”. Mas
nos esquecemos do discurso da ciência na tecnologia que permite estas expressões e ao
bombardeamento audiovisual que experimentamos hoje. São duas faces de um mesmo
homem que se expressa através do conhecimento e pela disseminação desse saber.
E assim como o leigo em ciências que se aproxima da experimentação, da
comprovação pelo método, aprendemos a enxergar o cientista como um homem ligado
ao seu tempo e às manifestações culturais. Surge uma nova estética: o artista até pouco
tempo atrás poderia apreciar a ciência, mas não a vivia como experiência estética; o
cientista poderia apreciar as artes, mas o a utilizaria para visualizar eventos
científicos e expressar sua visão sobre a natureza. Esta convivência entre ciência e arte
- experiência vivenciada por Leonardo da Vinci - é algo que displicentemente nos
deparamos a cada momento. Fernando Pessoa, em seu heterônimo Álvaro de Campos
(1960), mais uma vez conseguiu sintetizar (e inquietar!) em sua obra:
O binômio de Newton é tão belo como anus de Milo.
O que há é pouca gente para dar por isto.”
O barateamento da produção som e imagem em movimento por computador abre as
portas para a educação através do audiovisual, que possibilita a capacidade de produzir
e analisar suas próprias mensagens. Esta é a experiência desenvolvida pelo Núcleo
Audiovisual do Laboratório de Bioenergética do Instituto de Bioquímica Médica da
UFRJ. A dramatização de temas científicos, explorando o método científico como
mais um instrumento desenvolvido para explicar o mundo em que vivemos, e não
como uma atividade que permite acumular mais informações. A compreensão do fazer
científico ou artístico permite a busca das emoções vivenciadas no estúdio/atel ou
laboratório de pesquisa; o despertar de emoções é o ponto comum do fazer científico e
61
artístico. De uma forma geral, o grande objetivo do núcleo é criar material audiovisual
que possa ser usado não na sala de aula, mas também no conforto do lar como um
DVD trazido de uma locadora. Na convergência da arte com a ciência, pretende-se
transformar o lugar-comum do quadro negro e a apatia da transmissão de
conhecimento atribuída ao ensino de ciências em novos canais de comunicação com os
jovens alunos, privilegiando a inspiração e a emoção em lugar do ensino automatizado,
burocrático.
As moléculas e o funcionamento das estruturas celulares tornaram-se protagonistas do
grande drama da vida. As rotas metabólicas deixam de ser esquemas impessoais para
se transformar em uma coreografia maior que exalta a maquinaria da vida, sem, no
entanto, perder o rigor e a precisão necessária da ciência e da educação.
62
2. Objetivo
a) produzir obras audiovisuais para serem utilizadas como métodos alternativos de
ensino e popularização da ciência;
b) combinar animação em computação gráfica com os dados extraídos de pesquisas
científicas para criar material didático atraente e com o poder de emocionar o
estudante com temas da ciência. Essa associação deve ser desenvolvida sem a perda da
precisão do tema abordado.
c) aprofundar o conhecimento em temas da história da ciência, humanizar assuntos
referentes a biociências e facilitar o estudo para aqueles que as conhecem, como no
caso de professores e alunos universitários e professores da educação básica, e também
despertar a curiosidade e a atenção para a ciência naqueles que se iniciam em suas
carreiras, como estudantes do ensino médio;
d) desenvolver obra audiovisual didática acompanhada por uma visão estética e lúdica.
63
3. Material e métodos
Para a realização do material audiovisual desenvolvido no laboratório de
Bioenergética do Instituto de Bioquímica da UFRJ, foram utilizados diversos
programas de computador. A equipe inicial responsável pela criação do DVD “A
Mitocôndria em três Atos” utilizou somente um programa, o 3D Studio Max, cuja
principal característica é estimular o uso de operadores e funções para criar um
objeto virtual – uma experiência bastante distinta da experiência com materiais
tradicionais quando se utilizam ferramentas. A partir da produção do DVD “A
Contração Muscular” (Fig. 36) foram
utilizados diversos programas,
tentando aproveitar as características
mais eficientes de cada um. Por
exemplo, o programa utilizado para o
tratamento e mixagem de som foi
diferente do software empregado para
a edição de vídeo – os softwares de
vídeo possuem recursos embarcados
de manipulação do áudio menos
sofisticados. Para o novo trabalho ora
em andamento, O Método científico e
como o saber mudou a vida do
homem”, passamos a utilizar novos
softwares recém lançados no mercado.
A diferença básica entre os novos
softwares e os usados é a possibilidade
de utilizar novas funções que permitem aprimorar o desenvolvimento de modelagem
tridimensional, a animação e sonorização, ampliando as possibilidades criativas do
artista. Embora mais versátil, os novos programas requerem um maior conhecimento
e experiência em computação gráfica.
Durante o meu doutorado, uma das atividades que ocupou boa parte de meu trabalho
Fig. 36 – Capa do 2° Volume da coleção
“Ensinando Ciência com Arte”.
64
de foi à instalação dos novos programas e trabalhá-los no sentido de otimizar os
instrumentos, as ferramentas, que o artista necessita para criação de sua obra. A
aquisição deste “know-how” foi então gradualmente transferida para toda a equipe
de computação gráfica. Abaixo segue uma breve análise dos programas utilizados:
3.1.1 - Modelagem
O popular software 3D studio MAX , utilizado para a o DVD “Ensinando Ciência com
Arte Vol. I”, foi substituído pelo programa Wings3D (Fig. 37), que oferece uma
abordagem mais amigável do processo de modelagem tridimensional. A diferente
proposta de interface com o usuário e uma coleção de ferramentas de modelagem
poligonal mais eficiente, permitiu modelar formas com maior liberdade na criação de
estruturas orgânicas, trazendo uma plasticidade distinta à “A Contração Muscular”
com a modelagem de diferentes objetos reconhecíveis: esqueleto e órgãos internos
humanos em ação, bem como a criação de interpretações artísticas das estruturas não
visíveis da complexa rede de estruturas responsáveis pelo movimento voluntário e
autônomo (Figs. 38, 39 e 40).
Fig. 37 – Exemplo de aplicação do Software de modelagem tridimensional Wings3D com os
modelos da Cálcio ATPase em diversos ângulos de visão.
65
Fig. 38 – Cálcio ATPase em seu
aspecto final, como visto no
DVD “A Contração Muscular”.
Fig. 39 a maior acessibilidade
às ferramentas disponíveis no
Wings3D, possibilitou a criação
de modelos mais complexos e
melhor conformação topológica.
Fig. 40 Miosina e Actina no
segmento didático de “A
Contração Muscular”
66
3.1.2 - Tratamento digital de imagens e criação de mapas de textura.
As imagens utilizadas em produção podem ser digitalizadas em um scanner de mesa
ou criadas em meio digital através de mesas digitalizadoras no ubíquo Adobe
Photoshop. Esta é uma etapa na qual detalhes são adicionados à superfície dos
objetos tridimensionais, acrescentando complexidade aos modelos criados com a
maior economia de informação (espaço ocupado em memória) possível.
Todas as imagens criadas para uma produção realizada em ambiente digital devem
possuir dimensões mínimas compatíveis com o produto final desejado. Este é um
dos principais motivos necessidade de planejamento (ou pré-produção). Todas as
imagens que serão exibidas frente à câmera virtual devem possuir, pelo menos, a
mesma dimensão em pixels do dispositivo de saída (televisão convencional, 720
pixels de largura por 480 de altura; TV de alta definição, 1920 por 1080 pixels), e
dimensoes na como potência de 2 (256x256, 512x512, 1024x1024 e assim
sucessivamente). Mesmo um exemplo simples como um cubo em três dimensões
demonstra o cuidado a ser observado durante a preparação dos mapas de textura: um
fictício dado tridimensional - elaborado de forma pouco eficiente, mas com grandes
pretensões didáticas! - necessitaria de seis mapas distintos para representar o valor
correspondente a cada face. Para que o dado permaneça no enquadramento bastaria
um mapa de 512 pixels de lado, pois a resolução máxima para vídeo é 480 pixels de
altura. Cada mapa de 512x512 ocuparia 768 Kbytes de memória e o total destinado
apenas à textura seria de 4,5 Mbytes (6 x 768 Kbytes = 4.608 Kbytes). Caso seja
necessário a aproximação da câmera para exibir o detalhe de um círculo e sem
saber de antemão qual face será mostrada em detalhes -, esse deve possuir o
tamanho máximo para não acontecer perda de definição. Possivelmente, um mapa de
2048x2048 pixels será necessário; cada arquivo com essas dimensões possuirá 12
MBytes e o total de memória alocada para textura será de 72 MBytes.
Face aos limitados recursos computacionais disponíveis, a dimensão das imagens
criadas ou editadas no Photoshop era controlada para tornar o processo eficiente,
utilizando métodos (truques!) diversos para balancear a qualidade desejada com a
realidade tecnológica disponível.
67
3.1.3 - Registro em deo para referência
Modelos tridimensionais, imagens digitais simulando texturas, iluminação virtual
posicionada. Com todos os procedimentos necessários para construir uma imagem
sintética efetuados, como realizar os movimentos da dança, em uma coreografia
específica, em animação?
Em uma seqüência sobre as possibilidades trazidas pela ação dos músculos, podemos
observar na dança e nos movimentos faciais de modelos em Computação Gráfica
(CG), a complexidade de movimentação garantida pelos músculos. Esta gama de
movimentos é tão rica que para elaborarmos a dança realizada pelos personagens
utilizamos a gravação em vídeo de uma bailaria (Clarice Kirszberg) sob dois ângulos
simultaneamente. Estes vídeos fora empregados como referência no correto
posicionamento dos membros (modelo e animação realizados por Marcelo Neves do
Vale) (Figs. 41 e 42).
Fig. 41 – Referência em vídeo da coreografia desenvolvida e executada por Clarice Kirszberg.
68
Fig. 42 – Animação realizada sobre referência de vídeo
3.1.4 - Animação
Etapa crítica na confecção de qualquer obra audiovisual, a animação de “A Contração
Muscular” apresentou um salto em termos de limitações técnicas que foram
sobrepujadas em relação ao vídeo “Mitocôndria em Três Atos”. O significativo
aumento na complexidade dos modelos necessários para representar as estruturas da
actomiosina e do retículo sarcoplasmático (Fig. 43) foi possível graças aos novos
equipamentos adquiridos para a realização do projeto e, principalmente, pelas novas
técnicas, softwares e conhecimento sobre o funcionamento do computador, algo
essencial para o planejamento de cenas que possuem gigabytesde informação e são
manipuladas em desktops com ¼ da memória exigida, sem que seja necessário o
vagaroso processo conhecido como “memória virtual” (swap): a troca de blocos de
informação entre a memória principal e o Disco rígido.
69
Fig. 43 – Quadro de seqüência de “A Contração muscular” com aproximadamente 1 GB de
informação, realizado em equipamentos com apenas 256 Mb de memória RAM.
3.1.5 - Renderização
Durante o processo de animação, os objetos existem apenas como uma grade de
arame (wireframe) ou com um processo de sombreamento das faces com o auxílio de
bibliotecas gráficas
8
e hardware” dedicado para apresentar uma rápida visualização
do modelo. Mas o resultado das informações armazenados em um arquivo deve ser
calculado para a sua apresentação final. A esta etapa é vulgarmente empregado o
anglicismo renderização” (de rendering), passo onde são realizados os lculos que
definem os pontos, planos, superfícies, interação com a luz, sombras, etc. Uma
seqüência de avaliações define a aparência dos objetos e texturas aplicadas, e
8
OpenGL (www.opengl.org) e DirectX são as bibliotecas gráficas mais utilizadas e que apresentam aceleração
por hardware de funções específicas para o construção de imagens em display gráfico. Quanto mais poderosa a
placa gráfica utilizada (GPUs da Nvida, ATI, etc), mais veloz será a capacidade de redesenho do computador.
Entretanto, esta exibição em tempo-real não apresenta a mesma qualidade e diversas características que
garantem uma representação mais detalhada do objeto que o cálculo efetuado na Unidade Central de
Processamento - CPU.
70
armazena cada elemento formador da imagem digital (pixel) em um mapa de bits
(bitmap). Cada bitmap (um arquivo como “letraA_001.jpg”, “letraB_001.bmp”)
constitui uma imagem que pode ser visualizada em qualquer software que interprete
a informação codificada no arquivo e a exiba na tela do monitor. Na figura 44,
podemos observar a representação em wireframe e a mesma imagem após a
renderização.
Fig. 44 – Personagem em wireframe e render com aplicação de mapas de texturas.
Uma animação é constituída pela exibição contínua de imagens sucessivas, ou seja,
para cada nova imagem a ser exibida, todo o processo de cálculo que gerou a
primeira imagem deve ser reiniciado, recalculado e armazenado. O nome cujo
prefixo é mantido inalterado e o sufixo incrementado em uma unidade
(“letraA_001.jpg”, “letraA_002.jpg”, “letraA_003.jpg”, etc...), mantendo também
sem alterações a extensão.
A figura 45 ilustra uma seqüência fictícia de arquivos individuais que se
transformarão em uma animação.
71
Fig. 45 – Quadros individuais que formarão, uma vez codificados, o fluxo de imagens de um deo.
3.1.6 - Composição de Vídeo e Imagem
Uma das técnicas empregadas para otimizar o uso de memória RAM (random access
memory), é a divisão das cenas por camadas (plano principal e cenário, por exemplo).
Eliminando do arquivo elementos que permanecerão estáticos, alivia-se a quantidade
de informação a ser enviada à memória principal e reduz-se o número de interações
aos quais são submetidos os modelos para o cálculo de sua aparência.
Armazenadas as informações de cor (“R” - vermelho, “G” - verde, “B” - azul) e a
transparência (“A- alpha), uma imagem pode ser sobreposta à outra sem que seja
necessário criar manualmente máscaras que protejam áreas com as informações de
cor (canais R, G, B). Especificados dentro do próprio arquivo os valores de
transparência e opacidade, cenários, planos intermediários e o motivo principal
podem ser combinados em um único ou vídeo.
Esta técnica permite ainda que as cores originais da imagem possam ser modificadas,
balanceadas com outros elementos e que efeitos possam ser aplicados em zonas
distintas da imagem sem a necessidade de criar mascaras para isolar os itens
desejados.
3.1.7 - Edição e som
Uma vez completado o processo de “renderização”, checados os erros e combinados
os diversos elementos que darão origem à imagem final, as seqüências isoladas de
animação devem ser editadas de forma a produzir a sensação de unidade e coerência
com a narração.
Nesta fase, os problemas de fluxo das imagens e idéias são observados com nitidez.
A re-articulação das seqüências e a criação de novas imagens são constantes, dada
72
suas peculiaridades.
O processo de edição não-linear de vídeo e áudio é um método não-destrutivo que
permite rearranjar imagem e som de maneira flexível, em tempo real, permitindo a
rápida visualização do encadeamento de imagens que está sendo produzido (Fig. 46).
Os elementos produzidos (animação, gráficos, imagens estáticas, efeitos sonoros,
narração, etc.) são então distribuídos na seqüência de eventos inicialmente concebida
e, gradualmente, são manipulados para adquirirem o sentido (ou efeito emocional)
desejado.
Não relacionadas com as tarefas essencialmente produtoras de sentido da
edição/montagem, outras necessidades estritamente técnicas são também efetuadas
com as ferramentas disponíveis; a mais importante e talvez a menos evidente para
o espectador é correção de cor realizada entre cada vídeo. Durante a criação das
seqüências de animação, em não havendo um esquema de cores ou um detalhado
estudo de tonalidades para cada segmento, cada artista empregou suas estratégias
para garantir a melhor representação e compreensão das estruturas e mecanismos
envolvidos. Pode haver um choque entre as opções cromáticas escolhidas por
diferentes artistas e criar estranhamento quanto às súbitas mudanças da
predominância de uma cor. Assim como mixagem final de áudio garante que todos
os segmentos mantenham uniformidade de volume, a correção de cores (ou color
grading) tenta estabelecer identidade e coerência visual através da aproximação das
tonalidades.
O software escolhido para esta tarefa foi o Sony Vegas, que incorpora em seu fluxo
de trabalho ferramentas poderosas de fácil utilização e a capacidade de operar em
tempo real sem a necessidade de hardware específico para acelerar as tarefas por ele
desempenhadas – não é necessário adquirir um sistema fechado de edição, com
equipamentos (placas gráficas dedicadas, frame-buffers, arranjos de discos-rígidos,
etc.) dedicados a um software específico.
73
Fig. 46 – Software de edição não-linear de vídeo Sony Vegas.
3.1.8 - Compressão e “autoração” para DVD
Uma vez efetuada a edição e mixagem final, a transposição do material bruto para o
suporte DVD é realizada através da compressão do vídeo para a codificação em
MPEG2, especificação dos aparelhos reprodutores de DVD-vídeo. Um compromisso
entre qualidade de compressão e o fluxo de dados possível em um segundo
estabelece as diretrizes para que sejam especificados fatores de descarte de
informação entre o original e o vídeo codificado. A promessa de qualidade de vídeo
e áudio de cinema é uma estratégia de marketing muito utilizada na vendagem de
discos e aparelhos de vídeo digital, mas a etapa de compressão de vídeo realiza um
processo agressivo de descarte da informação, uma forma de reduzir o espaço
necessário para o armazenamento do vídeo em DVD e restringir a banda de
passagem de dados durante a leitura do disco.
O processo de autoração define a estrutura hierárquica dos elementos componentes
de um DVD (vídeo, áudio, legendas, etc.), o esquema de navegação e as opções de
seleção de capítulos e linguagem utilizados. Em um último estágio, todos os arquivos
são ordenados e formatados em uma estrutura que pode ser interpretada
74
(reproduzida) em qualquer aparelho compatível com a especificação DVD-vídeo
como um filme comercial que locamos ou adquirimos nos estandes de compra de
filmes.
3.2 - O Método Científico
O sucesso obtido pela obra “A Contração
Muscular” estimulou a equipe a se propor
um desafio de maior escala: narrar, no
formato audiovisual, a aventura do homem
pelo mundo da descoberta e da liberdade de
pensamento, em uma adaptação da peça
teatral “O Método Científico: como o saber
mudou a vida do homem - Uma peça em 1
ato e 20 cenas” (MEIS & RANGEL, 2005),
encenada em diversos estados brasileiros,
e pela graphic novel” difundida em
diversas instituições de ensino “O Método
científico” (MEIS & RANGEL, 2002).
Agora não apenas seriam realizadas estruturas moleculares, mas seria narrado o
despertar do homem, desde nossos primeiros ancestrais até a atualidade, para a
construção do saber. Vastas paisagens, cenários elaborados e o que é mais
aterrador para um animador – diverso figuras humanas a serem construídas em
computação gráfica.
3.2 - Produção de animação tridimensional
Dentro de grande espectro de programas envolvidos na produção de um trabalho
audiovisual, a escolha de uma plataforma comum para a criação dos elementos
formadores do vídeo se faz necessária. Uma pequena equipe de produção deve utilizar
75
os softwares que apresentem uma maior facilidade de apreensão dos conceitos de
modelagem, texturização e animação – isso sem abrir mão das ferramentas mais
sofisticadas disponíveis. Além da equipe de produção ter sido bastante reduzida
(quatro artistas diretamente envolvidos na criação dos elementos), dois artistas não
possuíam experiência na produção de imagens em movimento e também nunca
haviam utilizado ambientes de criação de imagens tridimensionais por computador.
Com metade da equipe não apresentando proficiência nas atividades necessárias, a
produção do DVD Ensinando Ciência com Arte Vol. III - O método cientifico:
como o saber mudou a vida do homem” transformou-se em um espaço de
aprendizado em técnicas e tecnologias audiovisuais. Os alunos selecionados na Escola
de Belas Artes da UFRJ apresentavam um compromisso fundamental com a pesquisa
desenvolvida neste núcleo audiovisual: Bruno Matos Vieira, mestrando pelo Instituto
de Bioquímica Médica, e Mariana Figueiredo Nobre, graduada em biologia e
cursando Desenho Industrial na Escola de Belas Artes da UFRJ.
Fig. 47 – Galáxia em espiral criada no Lightwave3D através de simulação por sistema de partículas.
A liberdade proporcionada pelo ambiente de criação tem um preço elevado a ser pago: tudo o que
observamos e podemos reconstruir como modelo tridimensional pode ser “fotografado” pelo
software; entretanto, absolutamente todos os detalhes devem ser recriados. O avanço da câmera
em direção aos braços da espiral não revela nada, apenas pontos no espaço cartesiano. Para um
76
encontro com o nosso sistema solar, todos os planetas devem ser modelados. Para adentrarmos na
Terra, nuvens, montanhas, superfície da água, etc. devem ser criados. E assim sucessivamente,
até o nível máximo de aproximação desejado.
O perfil investigativo e artístico dos estudantes se mostrou ideal para a proposta do
vídeo, mas não suas qualificações técnicas. Para minimizar esta carência, uma
estratégia de desenvolvimento conjunto do conhecimento sobre linguagem
audiovisual e as técnicas de produção de imagem e som por computador foi
empregada, utilizando softwares que melhor ilustram os procedimentos utilizados em
um estúdio de gravação e correspondente técnica utilizada no ambiente
computacional. Para esta proposta foi radicalmente transformado o fluxo de trabalho
utilizado nos DVDs anteriores, passando a serem empregados diferentes softwares.
Vital para esta estratégia foi a opção pelo software Lightwave3D (Fig. 47), veterano
programa de modelagem e animação tridimensional amplamente empregado em
séries televisivas (Babylon 5, Starship Troopers, Max Steel, etc.) e filmes (300 de
Esparta, Sin City, Guerra nas Estrelas Episódio I, etc.)
9
. Este programa se
assemelha a um estúdio cinematográfico, uma metáfora de utilização que facilita a
compreensão e a realização de técnicas e que se aproximam das técnicas
cinematográficas. Um programa específico apresenta uma “oficina” (Modeler) com
todas as ferramentas para construir o cenário peça a peça como, por exemplo, criar
uma cadeira e posteriormente uma mesa (cada objeto em seu respectivo arquivo).
Outro programa, o Layout, é o estúdio virtual com mera e refletores, onde são
carregados os modelos tridimensionais. Neste ambiente são montadas as cenas (por
exemplo, a mesa anteriormente criada e quatro cópias do único arquivo da cadeira
em criado), posicionados as fontes de luz e posicionada a câmera, simulando assim
um estúdio cinematográfico, com as vantagens de não haver as limitações impostas
por restrições de espaço físico ou financeiro para a construção de gruas (braços para
elevar as câmeras) ou dollys (câmera posicionada sobre trilhos para a criação de
panorâmicas sem trepidação).
As estratégias empregadas em uma gravação no mundo real são intuitivamente
9
Para uma completa lista das produções que fizeram uso do Lightwave3D, consultar
<www.newtek.com/lightwave3d>
77
transportadas para o ambiente digital. Agora é “apenas” necessária a criação de todos
os elementos que serão focalizados pela câmera virtual: cadeiras, mesas, estantes,
pessoas, roupas, casas, vilarejos, paisagens inteiras! (Fig. 48)
Entretanto, mesmo com a árdua tarefa de modelar um verdadeiro universo particular
de cada cena, o desafio maior e mais trabalhoso é a movimentação das figuras
animadas.
Fig. 48 Visão do clausto virtual de Roger Bacon (em produção). Podemos ver à esquerda a
câmera virtual e em azul claro um arco que exibe graficamente o caminho a ser percorrido por esta.
3.2.2 - Registro em vídeo para referência
O movimento dos seres humanos é complexo e facilmente reconhecido: apenas o
movimento da silhueta de uma pessoa conhecida é suficiente para identificá-la. Esta
capacidade do ser humano de reconhecer não apenas a forma, mas como também as
características do movimento e associá-las a um indivíduo é um fator que transforma
o trabalho de animação em um verdadeiro enfrentamento contra os mecanismos de
percepção. Sem o auxílio de referências para a criação de movimentos, o trabalho de
animação se torna ainda mais complexo e moroso.
Para auxiliar na elaboração das cenas e na referência para os animadores, cenas com
os próprios artistas foram realizadas sobre fundo neutro; toda a atuação dos
78
personagens em cena seria primeira desempenhada fisicamente e, depois, utilizada
como referencia visual nos softwares de animação. O movimento era
cuidadosamente analisado pelo animador; sua tarefa é se apropriar dos movimentos
registrados em vídeo e aplicá-los no modelo digital criado previamente. Este
processo é conhecido no universo audiovisual como “rotoscopia” (Fig. 49) e foi
desenvolvido pelos pioneiros estúdios de animação na primeira década do século
XX (Fig 50): um artista reproduzia em papel translúcido, quadro a quadro, a projeção
de um ator filmado em película. Este procedimento é empregado até hoje, com novas
ferramentas, mesmo na mais prestigiada empresa de efeitos especiais: a Industrial
Light & Magic, de George Lucas.
Fig. 49 Modelo tridimensinal do personagem “Fome”. No ambiente de animação cada círculo
posicionado sobre as articulações representa um controle de animação. O video posicionado atrás
da criatura oferece uma referência sobre o posicionamento do corpo e a velocidade dos membros
do personagem.
79
Fig. 50 Ilustração da patente recebida em 1917 por Max Fleischer pelo processo de rotoscopia.
Uma ação registrada em filme é posteriormente projetada sobre sobre uma lâmina de vidro
translúcida. A imagem formada sobre o vidro é utilizada como referência no desenho do
personagem a ser animado.
A mesma técnica centenária, agora aplicada com o auxílio da tecnologia digital,
permitindo que não apenas a imagem seja traçada bidimensionalmente, mas que este
movimento seja recriado em três dimensões (Fig. 51), possibilitando a criação de
novos ângulos de mera, e assim alterar a dinâmica interna das seqüências
previamente registradas em vídeo.
80
Fig. 51 O performer em azul, que juntamente com as demais regiões da mesma tonalidade são
eliminados durante a pós-produção, fornece o ritmo da ação para os animadores responsáveis por
adicionar as criaturas em “Guerra nas Estrelas III – A Vingança dos Sith” (George Lucas, 2005).
3.2.3 - Hardware
Para a realização dos DVDs da coleção “Ensinando Ciência com Arte” utilizamos
computadores disponíveis no mercado, não sendo empregados estações gráficas
especificamente projetadas para o desenvolvimento audiovisual. O Núcleo
Audiovisual do Laboratório de Bioenergética conta atualmente com 14 (quatorze)
81
máquinas ao todo: quatro computadores com processadores AMD 64 Dual Core de
3800 MHz, acompanhadas de acelerador gráfico GeForce 6600GT, HD de 120 GB
Serial ATA e com 1.500 MB de memória RAM. Outros quatro computadores de
médio porte com processadores AMD 64 3000 MHz, placa de vídeo GeForce4 4400,
HD 80 GB Serial ATA, 01 GB de memória RAM. E mais 6 computadores também
de porte médio usados como cluster de “renderização”. Para digitalização de imagens
utilizamos scanner Hewlet Packard 3800, mesa digitalizadora Wacom Graphire2 e
Wacom Graphire3, câmera Sony DVCAM DSR-370K2.
Mesmo com as sucessivas atualizações realizadas podemos observar que não
utilizamos o estado da arte em matéria de recursos computacionais. O constante
incremento do poder computacional que a indústria da informática vem
desenvolvendo desde meados da década de 1970 (Lei de Moore
10
) impossibilita a
manutenção dos equipamentos e cria situações que causam profunda frustração nos
artistas e em particular, do coordenado do projeto: apenas seis meses após a
aquisição de determinado hardware, um novo componente apresentado
comercialmente aumentaria a eficiência do processo. Em testes comparativos
realizados com arquivos utilizados durante a produção de “A Contração Muscular”,
observamos que a renderização de uma imagem tornou-se pouco mais de vinte vezes
mais veloz em um intervalo de dois anos.
10
Durante a década de 70, Gordon Moore, fundador e, à época, presidente da Intel lançou uma
proposição estabelecendo que o poder de processamento dos processadores seria multiplicado por
dois a cada 18 meses. Esta "profecia" tornou-se tão verdadeira que se transformou na famosa “Lei
de Moore”, que realmente vem se mantendo precisa até os dias de hoje.
82
4 - Resultados
O conjunto de resultados obtidos está documentado no DVD anexo. Como se trata de
uma obra audiovisual é muito difícil traduzir com fidelidade o conjunto em um texto
escrito. O texto a seguir descreve o desenvolvimento do trabalho, principalmente
aquele diretamente relacionado a esta tese. O DVD documenta as cenas de
“Ensinando Ciência com Arte vol. II”, além de cenas do DVD ora em progresso
intitulado “A era das trevas, o Iluminismo e o Método Científico”, nos quais o
candidato desta tese teve uma contribuição preponderante. O texto terá uma melhor
compreensão se o leitor tiver um conhecimento prévio dos DVDs e, sendo assim,
recomenda-se assistí-los antes de dar continuidade à leitura.
4.1 - O aprimoramento dos processos de produção
A adaptação do material de animação produzido para o CD-ROM A Mitocôndra em
3 Atos” para o suporte DVD apresentou diversos comprometimentos em relação à
qualidade do vídeo, que podem ser observadas por freqüentes “pulos” que se
apresentam durante a execução do disco em aparelhos domésticos de reprodução ou
em dispositivos de leitura de DVD para computador. A experiência pioneira da
criação do primeiro volume da coleção Ensinando Ciência com Arte” em DVD
pagou o custo de ser projetado para uma mídia distinta em seu propósito original
(CD-ROM interativo). Produtos interativos para serem executados em computadores
possuem uma flexibilidade de formatos, implicando em diversas dimensões,
cadência de quadros por segundo, profundidade de cores, algoritmos de compactação
e diferentes estratégias empregadas pelos softwares responsáveis pela decodificação
do vídeo para manter o fluxo de som ou imagem (por vezes descartando quadros
componentes do vídeo para preservar a fluidez do áudio). Essa flexibilidade, porém,
apresenta seus problemas: o usuário inexperiente ou pouco entusiasmado em manter-
se constantemente atualizado em relação aos compressores de áudio e vídeo
existentes ou seja, a porção mais expressiva de usuários de computadores -, pode
esbarrar em dificuldades para que o vídeo funcione em seu equipamento.
83
O suporte DVD-Video (a mídia de distribuição de filmes que encontramos nas
grandes lojas de departamentos, livrarias, bancas de jornal, etc.), entretanto, é um
formato de armazenamento de dados em discos ópticos que possui uma padronização
estabelecida para que seja imediatamente reconhecido como um disco que apresenta
um filme. A especificação DVD-video permite a inclusão de menus, capítulos e
trilhas de áudio distintas tanto em um computador quanto em seu dispositivo
preferencial, o aparelho doméstico (DVD player). Com isto, quem adquire um DVD
de vídeo pode, com muita comodidade, apenas desfrutar do conteúdo, sem
transtornos. Atualmente, o sistema operacional mais utilizado nos computadores
pessoais (PC), o Microsoft Windows, possui todos os pré-requisitos para executar
DVDs sem muita dificuldade. Mas a produção do conteúdo (animações, áudio,
ilustrações, etc.) e estrutura de dados deve ser criteriosa, atendendo a especificações
determinadas para maximizar a compatibilidade com os diversos equipamentos
disponíveis.
A introdução de um fluxo de trabalho direcionado para a criação de material
específico para a distribuição em DVD-Video permitiu que várias características
encontradas nos produtos comerciais fossem identificas no segundo volume da
coleção “Ensinando Ciência com Arte”: seleção de áudio (português, espanhol e
inglês inclusive durante a execução do vídeo), menus animados, seleção de
capítulos, legendas eletrônicas em inglês e espanhol para os textos encontrados
diretamente no deo, qualidade cristalina de imagem para execução em SD
(Standard Definition, definição de TV analógica) e fluidez no fluxo de vídeo.
Por mais valoroso que o trabalho constante e a vontade de produzir sejam,
determinadas abordagens de trabalho implicam em processos ineficientes que
posteriormente se transformam em problemas incontornáveis. A prática de renderizar
as imagens diretamente em vídeo é um exemplo interessante de tais problemas. Ao
contrário da estratégia adotada no ambiente profissional, todas as cenas eram
calculadas tendo seu produto final um vídeo (um arquivo com extensão “avi” -
Audio Video Interleave - com o codec - compressor/decompressor - Indeo 5). de
se concordar que, intuitivamente, esse seja o procedimento mais seguro. Entretanto,
84
se em uma seqüência de cinco segundos (150 quadros) acontecer algum problema de
software, hardware ou uma queda de energia durante um dos últimos quadros da
seqüência - como quadro 148, por exemplo -, todo o material processado tem
grande possibilidade de ser inutilizado pelo simples fato de o arquivo ter sido
corrompido. Outro problema ocasionado pelo mesmo procedimento é a criação de
um arquivo master que apresenta degradação na qualidade de imagem, motivada
pelo esquema de compressão de vídeo adotado.
Nossa equipe desejava um feedback imediato das imagens geradas; como não era
possível com o equipamento disponível na época assistir a um vídeo sem compressão
ou com compressão mínima, uma compactação mais agressiva (ou seja, com um
grande descarte de informação) era utilizada, prejudicando a qualidade da imagem.
Uma análise subjetiva do vídeo em monitores descalibrados e sem o auxílio de
monitores externos de vídeo não permite identificar com clareza os ruídos de
compressão; a partir desses vídeos realizados por cada artista, o processo de edição
originava um novo vídeo, novamente comprimido, contendo todas as seqüências
agrupadas em uma edição definitiva. Para originar o arquivo MPEG-2, a
especificação de vídeo contido no DVD, a montagem final sofre ainda mais uma
compressão para que seja compatível com os aparelhos domésticos.
Em uma estimativa otimista, três processos de descarte de dados (informação sobre a
imagem) foram efetuados. Mas analisando o fluxo de dados em um editor de vídeo,
podemos observar uma degradação muito maior na definição de contornos, na
reprodução de cores e no constante padrão temporal destrutivo causado pela re-
compactação de material previamente comprimido, que se manifesta visualmente
como pequenos saltos” na imagem.
O que parece ser apenas um pequeno detalhe e se estendeu durante todas as etapas de
produção, culminou em efeitos que podem distrair a percepção do telespectador (“-
Meu aparelho de DVD está com problema?” ou “- O meu disco está danificado!são
impressões comuns e legítimas já reportadas por pessoas que assistiram a obra).
Uma expressão muito empregada no meio audiovisual para se referir à entrega do
85
espectador à narrativa apresentada é “suspensão da descrença” (suspension of
disbelief). é bastante difícil obter essa cumplicidade com a platéia mesmo em
filmes produzidos com grandes equipes, atores talentosos e diretores experientes;
permitir que espectador perceba o dispositivo (“- Tem alguma coisa errada com meu
DVD!”) ajuda a quebrar o encanto da narrativa audiovisual ninguém aplaude a
quebra da película durante a projeção no cinema!
Dessa forma, ao salvar cada frame como arquivo independente, elimina-se todos
os problemas acima mencionados, ou seja, uma seqüência de cinco segundos será
armazenada como 150 arquivos autônomos. Caso o fornecimento de energia elétrica
seja interrompido durante o cálculo do quadro 148, para usar o mesmo exemplo
acima, será necessário apenas produzir os quadros a partir desse: 148, 149 e 150. É
uma constatação bastante simples que não se manifesta como solução coerente
quando o aprendizado audiovisual se apenas através de ferramentas digitais de
criação. Ao contrário, vale ressaltar que quando aprendemos a produzir imagem em
movimento através do cinema de animação tradicional, quadro a quadro, esta
constatação parece por demais óbvia. A sensação da velocidade de produção com o
uso de computadores incentiva essas manifestações de impaciência, de feedback
imediato; entretanto basta apenas citar essa possibilidade uma única vez para que se
fizesse compreender as inúmeras possibilidades abertas por essa mínima intervenção.
Seqüências inteiras de animação produzidas para “A Contração Muscular não
poderiam ser realizadas com outro procedimento senão com a confiança em
distribuir uma seqüência em centenas ou, muito freqüentemente, milhares de
arquivos.
4.2 - Seqüências desenvolvidas sob a responsabilidade do autor desta tese
(Segue em anexo, DVD contendo trechos do trabalho desenvolvidos durante o projeto de
doutorado).
Além da tarefa de monitorar a qualidade dos arquivos gerados, treinar a equipe e
sugerir potenciais melhorias no fluxo de trabalho, o autor era responsável pela
86
produção de animações para e vídeos para o DVD “A Contração Muscular”. Entre as
cenas realizadas sob minha responsabilidade no DVD em “A Contração Muscular”,
cabe destacar:
4.2.1 - Guerreiros
Primeira cena realizada ao integrar a equipe (Fig. 52), esta cena vem acentuar o
enfoque dado ao livre arbítrio no uso da máquina humana, seja para a violência como
para a manifestação do que de mais elevado na expressão do poder de criação do
homem através do controle de seu corpo: o canto e a dança. Assim como a
representação do violinista em que o vencedor do combate se transforma no final da
seqüência, os guerreiros utilizam esse controle sobre a sua musculatura para
manipular os instrumentos criados pelo conhecimento: o violino e a espada. O mesmo
homem, da mesma espécie, elege o que fará com a habilidade motora de seu corpo,
escolhe entre a força bruta e o sublime. Representando o embate entre os homens, em
meio às trevas, o mau tempo e a capacidade de decidirem sobre seus futuros, o
vencedor não se furta em desferir o golpe fatal em seu adversário. Seu domínio sobre
as coisas e os homens se manifesta por levantar o símbolo de seu poder; na falta da
luz da razão, manifesta-se apenas a natureza em sua força mais primitiva e terrível: o
raio. O guerreio escolhe o caminho da imposição pela força, quer emular a natureza
em seu poder, mas apenas expõe sua face mais selvagem e obscura. Sua metamorfose
em violinista traz o homem novamente para o campo da compreensão, da integração
ao mundo pela sensibilidade, pelo conhecimento. É o conhecimento que nos traduz o
funcionamento do corpo humano; é a ciência que oferece representações para nos
aproximar uns dos outros; é a sensibilidade que nos coreógrafa para um caminho
distinto da barbárie.
87
Fig. 52 – Guerreiros. “A Contração Muscular”
4.2.2 - Cabeças cantantes
Durante a cena dos bailarinos animados por Marcelo Neves do Vale -, dois
personagens aparecem em destaque no canto superior direito da tela, cantando o dueto
de Papageno e Papagena do segundo ato de “A Flauta gica” de Mozart. Além da
grande energia da performance dos bailarinos, os músculos são capazes de incríveis
sutilezas. Nesta cena estão reunidas seqüências realizadas por três artistas (Marcelo
Neves do Vale, Luis Dourado e Alexandro Machado), combinadas para a execução de
diferentes veis de detalhes: o modelo tridimensional criado para o corpo humano
não possui o nível de detalhes necessários para uma aproximação de câmera que
revelasse os detalhes anatômicos e a necessária diferenciação entre o “cantor” e a
“cantora”. A dupla” (Fig 53) está sincronizada à trilha sonora, que, por sua vez, dita
a coreografia dos demais elementos em cena.
Fig. 53 “Papageno” e “Papagena”. Detalhe da fisionomia e músculos da face das “cabeças
cantantes” em “A Contração Muscular”.
88
4.2.3 - Actomiosina: segmentos didático e lúdico
Ampliando a proposta inicial apresentada em “A Mitocôndria em 3 Atos” (cada ato
empregando abordagem distinta: narrativa, didática e lúdica), no segundo volume
todas as abordagens fazem parte de um fluxo narrativo, conjugando estes três
tratamentos. Destacamos a apresentação didática da actomiosina (Fig. 54) como uma
forma de aprendizado sobre a cadeia de reações que possibilitam a contração
muscular. Diferente do procedimento tradicional, toda a animação do funcionamento
do complexo actomisiona (ligação do ADP, acoplamento do cálcio na tropomiosina,
movimentação da miosina até o sítio de ligação na actina, etc.) foi realizada antes da
redação do texto a ser narrado (Fig. 55). Na verdade, a narração foi criada a partir da
seqüência de animação completa, ou seja, os artistas realizaram todo o trabalho de
pesquisa conferindo, através de uns sucessivos ciclos de análise por especialistas,
corretas recriações dos modelos de funcionamento das estruturas envolvidas.
Fig. 54 – Quadros extraídos da aproximação do complexo actomisiona. “A Contração Muscular”.
89
Fig. 55 Funcionamento do complexo actomiosina: o cálcio se liga às troponinas permitindo que a
cabeça da miosina encontre o sítio de ligação da actina. “A Contração Muscular”.
Para o segmento lúdico um passeio pelo complexo de estruturas relacionadas à
actomiosina foi realizado, conferindo a utilização de uma ampla gama de cnicas de
representação em computação gráfica para criar um passeio em nível molecular.
A principal observação feita pelo diretor foi evidenciar o espetáculo e a incrível
complexidade de todas as estruturas da Machina carnis. Para tanto, o nível de
complexidade do modelo e da “aparência” das superfícies foi elevado a extremos sem
paralelo em relação à “A Mitocondria em 3 Atos” (Fig. 56). Cada quadro de animação
consumia quarenta e oito minutos para ser calculado. Para evidenciar as diminutas
estruturas envolvidas, foi empregada a simulação de profundidade de campo (quanto
mais próximo do objeto, menos nítido ele se torna); este é um procedimento
proibitivo, dispendioso em termos de tempo de processamento. Este efeito,
combinado a uma simulação das características da microscopia eletrônica (a “luz”
parece ser proveniente de todas as direções, mas, estranhamente, não ilumina o centro
visual de cada objeto) sugere o registro de um fenômeno de dimensões microscópicas.
O esquema de cores bastante próximo, em tons de marrom, salmão e ocre , evita o uso
90
de cores saturadas que poderiam aludir a superfícies sintetizadas (ou o efeito de
“brinquedo de plástico”).
Fig. 56 – Quadro extraído do “passeio” pelas estruturas da actomiosina. “A Contração Muscular”.
O fluxo de imagens também possui um truque para evidenciar o estranhamento do
espectador: toda a seqüência possui apenas metade dos quadros necessários; entre
cada quadro completo existe um quadro-fantasma” composto pela somatória de dois
quadros originais (uma grande economia de uso de processador). Assim, o fluxo é
linear e sem interrupções, mas, seguramente, algo de difícil descrição para o
espectador comum acontece, ampliando a sensação de um espaço enigmático, de estar
um local diferente onde a experiência cotidiana não oferece o devido suporte para
explicar o observado.
Para completar, a trilha sonora possui diversos elementos de atração e repulsão do
espectador. Primeiro, um som sintetizado que nos remete aos sinos convida a atenção
para um evento; uma explosão de som e imagem nos introduz sem tempo de preparo
para o interior de uma mara (ou será uma caverna?) habitada pelas estruturas que
vislumbramos na etapa didática anterior. Segmentos extraídos da música Myth of
Creation”, de Roland Baumgartner, cria uma atmosfera densa, estranha; escutamos ao
91
fundo o sugestivo ruído constante de uma máquina, recurso sonoro que nos aproxima
do áudio anteriormente usada para representar o complexo actomiosina. Se
encontrarmos avisos sonoros e visuais que nos distanciam deste ambiente fantástico, a
o ruído das descargas elétricas que simulam o potencial de ação e aumentam de
intensidade enquanto nos aproximamos dos túbulos T (Fig. 57). A simulação do som
espacial, que sugere proximidade com as estruturas que passam rente à câmera,
lembra sempre que o espectador é companheiro nesta viagem, vem de mãos dadas
com o narrador que nos apresentou estas complexas interações moleculares.
Fig. 57 A câmera se aproxima da região de descargas elétricas próxima aos Tubulos T. “A
Contração Muscular”.
4.2.4 - Parto
Para apresentar a musculatura lisa, estriada e esquelética em sua forma mais sublime,
apresentamos ao final do DVD, como o auge da atividade das estruturas musculares,
o nascimento de um novo ser. A encenação de um parto ocorreu no próprio
Laboratório de Bioenergética, com Diucênio Rangel como “o obstetra”, Juliana de
Meis como “a mãe” e Renato, neto de Leopoldo de Meis, como “o recém-nascido”.
92
Fig. 58 – Diucênio Rangel e Juliana de Meis. Intenso pós-processamento da imagem para similar a
visão turva do recém-nascido.
Esta seqüência foi realizada com gravação em vídeo, sendo posteriormente
processada digitalmente para sugerir a visão turva e muito sensível à luz de um recém
nascido (Fig. 58). Curiosamente, a sala de parto é o próprio escritório do diretor,
Leopoldo de Meis: um extenso trabalho de rastreamento da câmera e substituição dos
elementos que descaracterizariam o ambiente asséptico de uma sala de parto foi
realizado.
Fig. 59 – Vídeo “bruto”, sem tratamento digital e sem as manipulações que suprimiu diversos
elementos não pertencentes à uma sala de cirurgia.
Estes quadros originais da seqüência (Fig. 59) revelam a quantidade de pós-
processamento empregado e demonstra a importância do processo digital como
ferramenta de produção de vídeo. vinte anos, não seria possível realizar essa cena
sem uma locação em sala completamente produzida para se assemelhar a uma sala
cirúrgica. E os efeitos aplicados para distorcer, “sujar”, limpar” e simular cada
fechamento dos olhos seriam praticamente impossíveis de serem produzidos, mesmo
nos estúdios mais sofisticados de Hollywood.
93
Foram tomadas diversas “liberdades artísticas” nesta representação, com o objetivo de
reforçar o lado humano dessa jornada pelo entendimento dos mecanismos
moleculares da contração muscular e festejar a indescritível beleza deste momento
especial onde todos os tecidos musculares se desvelam em sua plenitude.
4.2.5 - A precisão da informação
Antes da prensagem e distribuição dos DVDs, todas as seqüências de animação foram
analisadas por importantes pesquisadores com ampla experiência e reconhecimento
nesta área do saber. As sugestões dos especialistas (modificação da estrutura e
movimentos realizados pelas proteínas, proporção entre as estruturas, correta sucessão
de eventos das reações, etc.) foram incorporadas na versão final do vídeo, que
originalmente possuía 45 minutos de duração (a versão constante no DVD tem a
duração de 30 minutos). A versão de final foi novamente enviada aos cientistas, que
apresentaram suas observações, tendo obtido uma resposta extremamente positiva,
tanto em relação ao conteúdo didático quanto a apresentação visual das estruturas
moleculares.
A seguir, algumas considerações de cientistas gabaritados que gentilmente avaliaram
o material e enviaram suas impressões sobre o produto final, ainda distribuído em
cópias provisórias para avaliação:
Fiquei profundamente impressionado... minha impressão geral do
filme foi extremamente boa.”
Sir Andrew Huxley, OM, FSR, Cambridge, Reino Unido (Prêmio Nobel de
Fisiologia ou Medicina em 1963).
Tenho elogios para o DVD “A Contração Muscular”. O
material é apresentado de forma muito bonita, e com grande
precisão científica.”
Cecília Hidalgo, Coordenadora de Educação da União Internacional de
Bioquímica e Biologia Molecular.
94
Vi e gostei muito da animação “A Contração Muscular”. Eu acho
que o DVD mostra de uma forma muito eficiente os aspectos
fisiológicos e moleculares do tema. É uma introdução muito boa
para os estudantes que se iniciam no tema.”
Giuseppe Inesi, Chefe do Departamento de Bioquímica da Universidade de
Maryland, Escola de Medicina, Baltimore, EUA.
Além dos avaliadores científicos, a versão final foi analisada por produtores de
cinema e televisão e de divulgadores de ciência internacionais:
“’A Contração muscular’ é um trabalho de Arte e também de
Ciência. A Animação criativa traz luz sobre fenômenos complexos
de um modo que não somente explica claramente, mas ao mesmo
tempo comove”.
Dorrit Vibeke Sorensen Professora e fundadora da Divisão de Animação e
Artes Digitais, Escola de Cinema e Televisão, USC, EUA.
“Um filme maravilhoso! Leopoldo de Meis e os artistas que ele
trouxe para seu laboratório abriram novas janelas para
enxergarmos os seres vivos, quebrando o mito de que a ciência está
sempre separada do resto de nossas culturas”.
Tor Norretranders Divulgador científico, Prêmio União Dinamarquesa de
Escritores e Clube de Editores da Dinamarca.
No final de 2007, a edição do DVD “Ensinando Ciência com Arte - Vol. II: A
Contração Muscular” encontrava-se em vias de ser prensada em sua edição. Em
cada edição, foram impressos 2.000 discos. Distribuído gratuitamente para escolas e
universidades públicas, o DVD obtém grande aceitação entre professores e alunos do
ensino médio e superior. Mesmo sem grande visibilidade na mídia, é solicitado por
professores de todo o Brasil e exterior (Tabela 1), como suporte para aulas ou como
ferramenta de aprendizado ou consulta pessoal.
Este DVD também é distribuído entre os participantes do Curso de Férias promovido
pelo Instituto de Bioquímica Médica, que alcança centenas de alunos e professores a
cada semestre.
95
Aproximadamente 3.600 cópias do DVD “Ensinando Ciência com Arte - Vol. II: A
Contração Muscular” foram distribuídas até novembro de 2007. A primeira remessa
de DVDs prensados pela Videolar S.A. chegou ao Laboratório de Bioenergética no
início de 2005; Nesses três anos, uma média de cinco unidades por dia útil foi
distribuída pelo Brasil e países como Estados Unidos, México, Espanha, entre outros.
4.3 - “A Era das Trevas, o Iluminismo e surgimento do Método Científico”
“Era das trevas, o iluminismo e surgimento do método científico” é um dos projetos
ora em produção no Núcleo de Ciência e Arte de Bioenergética e encontra-se em fase
de reestruturação de conteúdo e roteiro, assim como está sendo feita um readaptação
da linguagem visual e técnicas de produção.
Combinando diferentes aspectos da narrativa da história em quadrinhos “O método
científico” e de elementos dramatúrgicos da peça homônima, o projeto teve início
imediatamente após a conclusão dos trabalhos de “A Contração Muscular” e “O por
que do projeto”. Esta adaptação para a linguagem audiovisual tem se mostrado cada
vez mais complexa e morosa por conta do nível de detalhes que estão sendo
desenvolvidos tanto em vel de complexidade do tema abordado quanto pelas
exigências audiovisuais intensificadas por se tratar de uma história com personagens
humanos.
Tornou-se excessivamente complexo partir da abordagem bastante flexível adotada
pelo outros DVDs produzidos. Narrar a trajetória do homem desde o homem
primitivo até os dias atuais através da narrativa cinematográfica
*
exige uma etapa de
pré-produção (planejamento) muito intensa. Nas produções anteriores não havia uma
centralização de idéias na mão do diretor Leopoldo de Meis ou do diretor de arte
Diucênio Rangel. Todos os membros da equipe contribuíam igualmente, com absoluta
liberdade criativa, para o desenvolvimento do projeto. Entretanto, esta política de
*
Gostamos de comparar, humilde e jocosamente, nossa “missão” com o problema enfrentado por
Stanley Kubrick em “2001, Uma odisséia no espaço” (1968): como fazer a transição entre o
hominídeo (“a aurora do homem”) e o novo homem (“Júpiter e além”)? Kubrick resolveu em apenas
um único (e maravilhoso) corte. Nosso trabalho agora é “preencher este intervalo de tempo!
96
realização criou um severo impasse em uma obra da magnitude pretendida: com o
incremento da complexidade, apenas um artista tem dificuldade em realizar uma
seqüência solo. A estratégia de especialização, isto é, a divisão de tarefas entre os
artistas, está sendo aplicada ainda que timidamente para avaliar as benesses para o
projeto e o prejuízo para a formação dos alunos que estão iniciando sob a supervisão
de pessoal mais experiente. Este procedimento comumente empregado em ambiente
profissional havia sido empregado para possibilitar que cada integrante
principalmente os alunos de iniciação científica pudessem participar ativamente do
projeto – mesmo que isso significasse um menor rendimento.
Mas, na escala da obra que está sendo realizada, até mesmo os animadores mais
experiente tem o entusiasmo diminuído pelo intrincado processo, que possui diversas
etapas executadas, em softwares distintos e em fases que não podem ser ignoradas.
Sob a responsabilidade do autor da tese recaíram, inicialmente, as questões técnicas
envolvidas em relação à adaptação de novas tecnologias e ao aprimoramento dos
atuais procedimentos empregados.
A primeira abordagem utilizada fazia uso de bonecos manipulados. Como é
necessário um grande numero de personagens, planejamos inicialmente utilizar
bonecos feitos de espuma e gravados sobre fundo verde para serem posteriormente
aplicados em cenas tridimensionais.
Fig. 60 – “O homem primitivo”, personagem criado e manipulado por Diucênio Rangel. Teste para
rastreamento da câmera real e consequente tranposição do movimento para a camera virtual.
A sala de projeção de vídeos do Laboratório de Bioenergética transformou-se em
estúdio de chroma-key. Como a tinta especial para produzir a tonalidade verde correta
97
(a mais pura possível) era constrangedoramente cara, empregamos uma solução bem
mais adequada à realidade orçamentária: tinta convencional para paredes! Mesmo não
apresentando o mesmo desempenho do seu correspondente internacional, a utilização
de ferramentas digitais de monitoramento de vídeo possibilitou um índice correto de
retorno da cor verde – com a menor contaminação possível de azul e vermelho.
Fig. 61 – “Homem primitivo” sendo atacado por tigre virtual. Etapas de produção.
Fig. 62 – Primeiro teste combinando bonecos com ambientes virtuais.
98
Entretanto, esta solução se mostrou complexa logística e espacialmente: onde
armazenar tantos personagens? Como manter um registro e a sanidade quanto aos
acessórios utilizados em cada por personagem, dado o reduzido número de pessoas
envolvidas na produção? Para cada personagem, são necessários três manipuladores
para determinados movimentos; como proceder em caso de um diálogo? Estas e
outras questões e comprometimentos de ordem espacial e logística colocaram e
segundo plano esta alternativa.
Com a suave transição realizada para o software de modelagem e animação
Lightwave 3D, agora poderíamos contar com um ambiente realmente amigável para a
realização de movimentos de câmera e iluminação mais sofisticados. Entretanto, uma
das limitações software utilizado como estúdio virtual é a sua limitação quanto à suas
características voltadas para a animação de personagens. Para contornarmos esta
restrição, optamos por realizar a animação de personagens em outro software
especializado em figuras humanas. Retornamos à técnica da rotoscopia, agora
utilizada em doses maciças.
Fig. 63 – Video original e modelo tridimensional animado.
99
Fig. 64 – Modelo tridimensional animado com base na referência de vídeo.
Embora seja teoricamente o mesmo processo empregado desde “A Contração
Muscular”, a técnica da rotoscopia foi aprimorada para este novo projeto. Além do
software diferenciado, os animadores passaram por treinamento e supervisão
constante para que os resultados apresentem maior qualidade. O principal obstáculo
para obter mais vida na atuação de cada personagem é o limitado tempo que pode ser
dedicado a uma cena pequenos detalhes que incrementariam o visual extremamente
seriam muito morosos para serem aplicados.
As cenas criadas tanto para A Contração Muscular” como para a Era das Trevas, o
Iluminismo e o surgimento do Método Científico” ora em criação estão documentadas
no DVD anexo.
Nesta dia encontraremos testes da tecnologia de produção e a verificação da
viabilidade de produção inteiramente em computadores. O processo inteiramente
digital tem grandes opções de flexibilidade, porém o tempo de produção é estendido
drasticamente. Outro problema encontrado é a aderência ao naturalismo dos modelos
humanos utilizados. O alívio mico que foi conquistado com personagens feitos de
espuma foi perdido, transformando a linguagem do filme. Produções milionárias
como Final Fantasy (Hironobu Sakaguchi, 2001) e o recente Beowulf (Robert
100
Zemeckis, 2007) apresentaram o estado da arte na representação naturalística de
personagens humanos animados. Entretando, a resposta da audiência não foi das mais
positivas. Com nossas severas restrições em orçamento, número de pessoas
envolvidas e limitação tecnológica, a observada tendência desta linguagem visual
criou um enorme impasse no desenvolvimento do filme.
Como ainda não se configura como obra audiovisual completa, encontrando-se ainda
descontextualizada, sem a edição definitiva e áudio provisório, apresentamos sem a
descrição emocional de narrativa as seqüências a seguir:
4.3.1Abertura
A primeira introdução do vídeo foi criada ainda como um projeto derivado apenas dos
quadrinhos, apresentava o solitário homem das cavernas contemplando a natureza,
admirado com o sol. Trata-se de um remake inteiramente produzido em computação
gráfica do primeiro teste realizado com bonecos de espuma.
Fig. 65 – Teste inteiramente digital para a segunda versão de “O Método Científico”.
101
4.3.2 - Ataque do tigre
O “homem primitivo” é atacado por um tigre a sua espreita.
Fig. 66 – Ataque ao “homem primitivo”.
4.3.3Título
O tigre vence.
Fig. 67 - Apresentação do título da segunda versão de “O Método Científico”.
102
4.3.4 - Diversidade de ambientes e personagens
Alguns dos maiores problemas encontrados na síntese de imagens por computador
estão presentes na abertura do vídeo. Amplas planícies, os “borrões” nos objetos que
se movem em grande velocidade (asa do mosquito, por exemplo) e agora, para
adicionar ainda mais elementos problemáticos, acrescentamos vegetação densa, pelos
em um gorila e diversos personagens humanos interagindo.
Fig. 68 – Mosquito voa pela floresta. Teste de “motion blur”
103
Fig. 69 – Gorila ataca mosquito. Teste de geração de pêlos.
Fig. 70 – Ambroise Parè. Amputação de um feridos da batalha.
104
4.3.1 - Cavaleiros do Apocalipse
Personagens marcantes na peça teatral, os Cavaleiros do Apocalipse não são
apresentados na história em quadrinhos “O Método Científico”. Odiretor de arte
Diucênio Rangel projetou o visual dos personagens com uma proposta totalmente
diversa em relação à linguagem teatral antes utilizada. Alexandro Machado
transformou os desenhos em objetos em três dimensões. Dediquei-me à minha
especialidade: criar uma estrutura de deformação semelhante ao esqueleto e planejar
as diferentes alterações na superfície do objeto para simular musculatura e constância
de volume durante o movimento.
Guerra
Fig. 71 – Modelo tridimensional da “Guerra“ no ambiente virtual do Lightwave.
Fig. 72 – Imagem finalizada da “Guerra”
105
Fome
Fig. 73 - Modelo tridimensional da “Fome” no ambiente virtual do Lightwave.
Fig. 74 - Imagem finalizada da “Fome”.
106
Peste
Fig. 75 - Modelo tridimensional da “Peste” no ambiente virtual do Lightwave.
Fig. 76 - Imagem finalizada da “Peste”.
107
Morte
Fig. 77 - Modelo tridimensional da “Morte” no ambiente virtual do Lightwave
Fig. 78 - Imagem finalizada da “Morte”.
108
4.3.2 - Roger Bacon
O frade franciscano Roger Bacon, que realizou importantes contribuições na
geometria, filosofia e óptica, recebe especial atenção: em dois minutos e quinze de
animação 3D é condensada a busca pelo conhecimento e a censura por parte da igreja
de Roma contra a franciscano.
Em janeiro de 2007, o vídeo ““A Era das Trevas, o Iluminismo e surgimento do
Método Científico” apresenta aproximadamente 22 minutos de animação
tridimensional por computador. Ainda não possuem a trilha sonora final, dependendo
ainda de uma reestruturação das seqüências estabelecida após o primeira edição
efetuada no material bruto.
109
Discussão
O primeiro material criado pelo grupo audiovisual do Laboratório de Bioenergética
do Instituto de Bioquímica Médica/CCS/UFRJ (“Ensinando Ciência com arte Vol.
I: A mitocôndria em três atos”), foi inicialmente distribuído como CD-ROM. Para
assistir ao conteúdo era necessário utilizar um computador com recursos multimídia, e
assisti-lo de frente para a máquina, em uma situação desconfortável e individual.
Esta primeira obra possui três abordagens distintas em cada trecho produzido
(narrativo, didático e lúdico), que podem existir independentes da ordem de execução.
A utilização da mídia DVD-vídeo possibilitou uma experiência distinta, permitindo a
sua fácil difusão graças à ampla presença de aparelhos reprodutores deste suporte no
ambiente doméstico e escolar. Ao serem exibidos em aparelhos de televisão em sala
de aula, os três segmentos são ordenados linearmente, criando uma progressão gica
sobre o tema abordado: a apresentação das hipóteses sobre a origem da mitocôndria,
sua conformação estrutural, os mecanismos de seu funcionamento, suas funções e
uma apresentação de seu funcionamento como uma organela complexa e bela.
O sucesso do primeiro volume da coleção Ensinando Ciência com Arte” como uma
obra linear (introdução desenvolvimento – conclusão) estimulou o desenvolvimento
de um segundo volume, desta vez mais ambicioso em sua produção visual e estrutura
narrativa: em sua edição final,A Contração Muscular” possui trinta minutos de
vídeo inteiramente produzidos em computação gráfica, perpassando várias estratégias
de apresentação da “máquina humana” e suas manifestações criativas – e destrutivas.
Este material poderia ser realizado como encomenda a uma produtora comercial, que
baseado em um roteiro preestabelecido e fechado poderia preparar, possivelmente, o
DVD em um intervalo de tempo menor, com melhor utilização dos recursos de
hardware e software disponíveis no mercado. Todavia neste caso o custo seria muito
mais elevado e, seguramente proibitivo para os padrões econômicos da Universidade.
Entretanto, a obra audiovisual “A Contração Muscular” ultrapassa a questão
puramente utilitária da criação de um material de suporte visual ao estudo de uma
disciplina: este é um produto da união entre cientistas e artistas, de uma colagem de
universos criativos vistos como realidades distintas. Portanto seria praticamente
110
impossível redigir um roteiro “a priori”. A diferença de linguagem entre artistas e
cientistas teve que ser domesticada para que a interação entre os participantes
permitisse que o trabalho se tornasse produtivo.
“A Contração Muscular” é uma progressão lógica e artística de um ideal único: arte e
ciência como instrumentos do homem que tentam explicar o mesmo mundo que
compartilham através de suas experiências. Ambos, cientistas e artistas, compartilham
as mesmas luzes e palco; estão expressando um entendimento sobre o mundo e
compartilham as mesmas aspirações de uma civilização e época e por ela são
influenciados. Assim como o artista da Renascença que “embora treinad[o] para os
princípios racionais da construção e proporção, tem ainda um lado intuitivo que [...]
flui para o lado da arte ‘científica’, influenciando e animando a teoria, enquanto lhe
diminui a severidade." (FONTERRADA, 2001), o cientista sopra sua porção intuitiva
a qual, na verdade, não pode e não consegue se livrar em seu procedimento
enquanto pesquisador racional, analítico.
Agora, na primeira década do século XXI, a tecnologia e a comunicação invadem a
vida de todas as pessoas; encontramo-nos em uma época tão efervescente quanto à
encontrada no início do século anterior (primeiros momentos com a nova civilização
dos automóveis, do cinema, do rádio, da eletricidade, da aviação, dos raios-x, etc.). É
extremamente necessário que ciência e arte compartilhem do mesmo espaço, que
dividam suas impressões sobre as transformações por elas promovidas, tragam à tona
novas forças e novos ideais. Não mais expressar uma visão de ruptura apenas, mas
almejar uma contribuição entre as mais diversas facetas da atividade humana; integrar
as manifestações do homem (artes e ciências) na construção de uma imagem do
conhecimento científico como um conjunto dinâmico em que conhecimento
(informação) e sentimentos (música, cores, movimentos etc.) mesclam-se em um
conjunto harmônico.
Nada melhor para colocar em prática estas idéias e ideais que promover a interação
entre artistas e cientistas, compartilhando um espaço comum (o “laboratório-ateliê”
ou “ateliê-laboratório”), como uma forma aprendizado e estreitamento de laços entre
comunidades que vem - gradualmente se reencontrando. O Laboratório de
111
Bioenergética transformou-se em uma espécie de ateliê de aprendizado como o
freqüentado pelos jovens artistas da renascença: aprendizado pela convivência com
seus pares (aprendizes e artistas experientes) e pelo contato com o pensamento e a
práxis das atividades científicas de seu tempo (pesquisadores e intelectuais que
visitavam os ateliês). Assim como os aprendizes do ofício de épocas passadas
estavam imersos no universo cultural de seu tempo, a proposta de co-existência entre
artistas e cientistas em uma mesmo ambiente remonta ao mesmo espírito de formação
do homem renascentista. Este anseio de unidade com o conhecimento é a principal
característica do Uomo Universale ("homem universal"), do indivíduo que procura
desenvolver suas capacidades em seu expoente máximo, transformando sua vida em
constante aprendizado.
Este desejo de conjugar as várias facetas da capacidade criadora humana fica
evidenciado em toda a produção do DVD “A Contração Muscular” e na obra em
realização “A Era das Trevas, o Iluminismo e o Método Científico”. Ciência e arte se
unem para expressar a vocação do homem para o aprendizado, para a necessidade de
entendimento sobre o mundo que habita. A produção audiovisual vem de encontro
com essa união tão preconizada entre ciência e arte, como forma de expressão
característica da competência humana em amalgamar o conhecimento adquirido em
algo novo, que manifeste sua necessidade de comunicação e difusão do saber.
A tradução do mundo visível que experimentamos em nossa vida cotidiana em termos
audiovisuais é amplamente baseada no próprio contato que possuímos com os meios
de comunicação. Transpor o universo das estruturas moleculares para imagens em
movimento combinadas ao som é, também, uma tarefa que se realiza com
determinados códigos estabelecidos durante o desenvolvimento da técnica
cinematográfica. O aprendizado apenas pelo acúmulo do mero de filmes assistidos
ou a alfabetização audiovisual pela televisão (a “babá eletrônica”) possui a
característica de ensinar a utilização do cliché. O cliché é o lugar-comum: é o
emprego de uma idéia que já foi utilizado à exaustão, perdendo sua capacidade de
surpreender ou gerando uma reação adversa ao efeito desejado. Educar para a imagem
foi outra intervenção transparente e sistemática no aprendizado da equipe de produção
112
audiovisual; comentários sobre os longas-metragens em exibição, trailers disponíveis
na internet, filmes assistidos em DVD, saudosas recordações dos desenhos animados
da infância são “seminários” - os journals” do laboratório - que praticamos com
intensa atividade para aprimorar o entendimento sobre os instrumentos narrativos do
cinema e as estratégias de envolvimento emocional deliberadamente empregadas
nessas produções. Oportunidade única é participar diretamente de um projeto que se
conforma durante sua execução, sendo elaborado passo a passo em conjunto, com
pessoas de diversas formações: na área de artes, a equipe acomodou integrantes da
área de gravura, pintura, desenho industrial e cinema; enquanto que a equipe
científica mesclava diversos saberes e perfis: farmacêuticos, biólogos, médicos e
químicos.
Entretanto, produzir material audiovisual em um laboratório especializado em
Bioenergética certamente não é uma experiência apenas positiva. A comunicação de
idéias e o modo de construir a informação para que esta comunique a mensagem
desejada apresenta divergências que, certamente, esbarram na diferença de linguagem
entre a o cientista e o artista. Apesar da ciência e da arte terem crescido lado a lado e
se influenciando mutuamente, a comunicação entre artistas e cientistas, na maior parte
das vezes, é extremamente difícil. falhas, barreiras e grandes lacunas de
comunicação; muitas vezes leva a animosidade entre os dois grupos, o que torna
extremamente intricado o trabalho colaborativo.
Estabelecer as bases de convivência e superar os preconceitos formados e alimentados
durante séculos mostrou-se um grande desafio. Apenas para ilustrar uma destas pré-
concepções, confirmou-se o estereótipo que atribui exclusivamente à ciência o
processo de análise e exclusivamente a arte o processo de síntese (cientista =
investigador, metódico, análise a partir do que existe; artista = criador ex-nihilo).
Jacob Bronowski contesta essa visão pré-concebida, pois tanto o cientista quanto o
artista se ocupam de ambos os processos. A imaginação é despertada pela observação
e análise da natureza, e termina na síntese, numa forma da mente criativa transcender
os limites que a natureza fornece (BRONOWSKI, 1983). São apenas dois universos,
duas culturas que, quando se encontram, admiram suas semelhanças e estranham suas
113
diferenças.
Na conferência que o químico e romancista inglês Charles P. Snow (SNOW, 1995.)
proferiu em Cambridge, "As duas culturas", destacou o tratamento diferenciado do
cultivo da cultura humanística em relação à cultura científica:
" Estive muitas vezes em encontros com pessoas que, pelos
critérios da cultura tradicional, eram altamente instruídas e que
expressavam com um prazer notável a sua incredibilidade
relativamente à ignorância dos cientistas. Em uma ou duas
ocasiões fui provocado e perguntei aos presentes quantos dentre
eles saberiam dizer o que era a Segunda Lei da Termodinâmica.
A resposta era fria e também negativa. Entretanto, o que eu
estava a perguntar era algo que, do ponto de vista científico,
equivalia a perguntar:”Você leu alguma obra de
Shakespeare?".[...]
"Hoje penso que, mesmo que tivesse feito uma pergunta ainda
mais simples - algo como “o que entende você por massa, ou por
aceleração?”, que equivale, em termos científicos, à pergunta:
“Você sabe ler?” - apenas uma em cada dez dessas pessoas
altamente instruídas compreenderia que eu estava falando no
mesmo idioma ."
O embate entre estas duas culturas intensificou-se após a revolução científica iniciada
na Europa no século XVI. Com o exponencial crescimento e a super especialização do
saber ocorreu um grande distanciamento entre as áreas do conhecimento. O choque
entre ciência e arte é intenso não pelo o que as separa, mas pelo não reconhecimento
do que as aproxima: a beleza. Para Poincaré, ao acolher as soluções que a intuição lhe
oferecia a um problema, bastava apenas escolher pela resposta mais bela e elegante:
“[...] talvez seja surpreendente evocar a sensibilidade emocional a
propósito de demonstrações matemáticas, que, aparentemente,
poderiam interessar o raciocínio. Mas isto seria esquecer os sentimentos
de beleza matemática, de harmonia entre os números e formas, da
elegância geométrica. Este é um verdadeiro sentimento estético[...].”
(OSTROWER, 1999).
Professores, estudantes e profissionais que reconhecem o valor da cultura artística e
científica se beneficiam ao discutir as várias conexões entre a arte e a ciência. Ambas
exigem imaginação, apuro técnico e se orientam por ideais estéticos, pois suscitam
emoções e sentimentos ao homem.
114
Percebemos que, de certo modo, tudo existia: uma figura esculpida ou uma lei
natural estão ambas escondidas na matéria virgem (BRONOWSKI, 1983). Basta que
usemos nossas mãos, instrumento de manipulação do mundo material, e nosso cérebro,
instrumento de manipulação do mundo das idéias, para desbastar o veio de mármore.
Quando o que em nos é divino tenta
moldar uma face, cérebro e mão se unem
para dar, de um modelo fugidio,
vida a pedra através da energia livre da arte
[...]
O melhor dos artistas nem pensou em mostrar
Aquilo que a pedra bruta sobre a carapaça
Esconde: a magia do mármore quebrar
É mister da mão, que o cérebro realiza
Michelangelo (apud BRONOWSKI, 1983).
A ciência e a arte estão tão estreitamente ligadas entre si. não constatamos esta
afirmação no dia a dia, ou não refletimos sobre esta conexão tão intensa, por estarmos
por demais ocupados procurando o momento máximo da atividade artística ou
científica de nossa área de atuação.
Fig. 79 – Michelangelo. Prisioneiro 4,
Galeria dell'Accademia, Florença.
115
"Se eu não fosse físico, seria provavelmente um músico... Geralmente
penso em termos musicais. Sonho acordado com a sica... Alcanço a
maior alegria da vida a partir da música."
11
Fig. 80 – MIETH, Hansel. Albert Einstein, Collection Center for Creative
Photography, Universidade do Arizona, 1941.
11
"If I were not a physicist, I would probably be a musician. I often think in music.
I live my daydreams in music. I see my life in terms of music... I get most joy in life out of music."
(VIERECK, 1929)
116
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120
Anexo I
DVD-Vídeo com segmentos de produzidos em para “Ensinando Ciência com Arte vol
2 – A Contração Muscular”
.
121
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