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UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS
LEONARDO NUNES EVANGELISTA
A CIDADE DA FUMAÇA:
a constituição do grupo operário do bairro do Pequiá
no município de Açailândia-MA
São Luís
2008
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LEONARDO NUNES EVANGELISTA
A CIDADE DA FUMAÇA:
a constituição do grupo operário do bairro do Pequiá
no município de Açailândia-MA
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Ciências Sociais da Universidade
Federal do Maranhão PPGCS/UFMA para
obtenção do grau de mestre.
Orientador: Prof. Dr. Marcelo Domingos Sampaio
Carneiro
São Luís
2008
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LEONARDO NUNES EVANGELISTA
A CIDADE DA FUMAÇA:
a constituição do grupo operário do bairro do Pequiá
no município de Açailândia-MA
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Ciências Sociais da Universidade
Federal do Maranhão PPGCS/UFMA para
obtenção do grau de mestre.
Aprovado em: ____/____/____
___________________________________________________
Prof. Orientador – Dr. Marcelo Domingos Sampaio Carneiro
Universidade Federal Maranhão - UFMA
___________________________________________________
Prof. Dr. José Ricardo Garcia Pereira Ramalho
Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ
___________________________________________________
Prof. Dr. José Odval Alcântara Júnior
Universidade Federal Maranhão– UFMA
À minha mãe Maria do Carmo, pela graça
e amor.
Ao Flávio Pereira (in memorian)
AGRADECIMENTOS
Gostaria de agradecer em primeiro lugar a Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior Capes pela ajuda financeira, pois
sem esses recursos seria impossível a realização deste trabalho.
Agradeço ao programa de pós-graduação em ciências sociais pelo apoio
material e informacional, dando-me sustentação para a construção e finalização da
dissertação.
Ao Programa de Cooperação Acadêmica (PROCAD), parceria entre a
Universidade Federal do Maranhão - UFMA e Universidade Federal do Rio de
Janeiro- UFRJ, que possibilitou a interação entre dois locais de produção de saberes
facilitando e, acima de tudo, contribuíram de forma significativa para o exercício da
produção de conhecimento, mostrando que é possível, apesar da distância física, a
cooperação disciplinar para a qualificação de profissionais competentes no ofício
científico.
Ao professor Doutor Marcelo Domingos Sampaio Carneiro pelo apoio e
orientação acadêmico-pedagógico no trabalho processual de construção da minha
dissertação, mostrando os frutos da sociologia enquanto uma ciência definida que
tem muito a contribuir para a formulação de interpretações da realidade social.
Obrigado também pela contribuição reflexiva, sendo o principal responsável em me
manter firme nos momentos mais difíceis. Ao professor Marcelo meus mais
profundos agradecimentos, fazendo com que eu acredite na sociologia como
propulsora de individualidades comprometidas com a produção de conhecimento.
Aos coordenadores do mestrado em Ciências Sociais: professora Dr.
Elisabeth Coelho (primeiro ano de curso -2006) e ao professor Dr. Horácio Antunes
(segundo ano de curso - 2007), pelo estímulo dado para continuidade da minha
trajetória acadêmica. Tenho por esses professores um senso de gratidão por tudo
que fazem pelas ciências sociais no Maranhão e pela referência de vida.
Ao professor Dr. Benedito Filho pela contribuição metodológica, dando-
me alicerce às minhas reflexões a cerca do objeto estudado. Devo ressaltar a
pessoa do professor Dr. Benedito que serviu de inspiração para a postura policiada
perante os obstáculos enfrentados na construção do trabalho.
Aos colegas e amigos do grupo de pesquisa sobre o trabalho, dentre eles:
Rafael, Karlene, Karla, Diêgo, Marcos Vinícius, Luis Carlos, Lourdes e Andréa, entre
tantos outros representados pelos citados, que me acompanharam nessa jornada de
compreensão da realidade social maranhense.
Aos meus amigos de vida e companheiros de profissão: Cosme Oliveira
Moura Júnior, por toda contribuição dada para a finalização do meu trabalho e,
Rodolpho Rodrigues de (aluno do mestrado em Antropologia Social UFRN),
pelas trocas de informações, pensamentos e descontrações que me deram forças
para continuar o exercício sociológico.
Ao professor Dr. Igor Grill pelas críticas valiosas feitas ao meu trabalho,
principalmente por me ajudar a definir com clareza a diferença entre rigor e rigidez.
Ao professor Dr. José Alcântara pelas “dicas” e informações preciosas de
como conduzir as minhas reflexões.
Aos professores do corpo docente do Mestrado em Ciências Sociais-
UFMA/MA, por todo apoio moral e intelectual, principalmente destaco: Prof(a)s Dr.
Ednalva Neves, Dr. Carlos Benedito, Dr. Álvaro Pires, Dr. Alexandre Corrêa, Sérgio
Ferretti e Dr. Sandra.
Aos colegas da 3ª turma de Mestrado em Ciências Sociais - UFMA, por
compartilhar a trajetória acadêmica na alegria e nas dificuldades.
Aos amigos que fiz durante minha participação no PROCAD, Rodrigo
Santos e Raphael Lima, que forneceram excelentes contribuições para o
desenvolvimento da minha dissertação.
Ao professor Doutor José Ricardo Ramalho pela crença nos meus
esforços para construção desse trabalho e pela influência teórica importante na
reflexão sobre o problema estudado. Com o professor José Ricardo, tenho muito a
aprender sobre “o fazer” sociologia.
Ao professor Luís Antônio Machado, pelas informações importantes em
como proceder de forma reflexiva a cerca de uma realidade tão complexa.
Aos membros da minha família Maria Lúcia Brandão e Sônia Evangelista
pelo auxílio afetivo que me manteve firme e estável emocionalmente nas
dificuldades enfrentadas ao longo da realização do mestrado.
À minha avó Maria Lisete, que mesmo em estado de enfermidade, soube
manifestar carinho e afeto, fazendo-me ter forças para concluir a dissertação.
À minha noiva Juliana pelo companheirismo e afeto. Tenho profundos
agradecimentos à Juliana por tudo que compartilhamos nessa jornada de vida.
Ao grande amigo Laert Moraes por ter me auxiliado na transcrição
sistemática das minhas entrevistas.
Aos combonianos residentes no Pequiá: Ir. Agostinho, Ir. Antônio e o
Padre Cláudio que me deram apoio e sustentação na minha estadia no bairro
durante a etapa de pesquisa.
Aos companheiros José Albino, Chico Corredor, Celso e Aparício, pelo
auxílio à minha inserção na realidade dos operários.
Por fim agradeço a todos que de uma forma ou de outra contribuíram para
a conclusão desse trabalho.
“(...)O homem está na cidade
como uma coisa está em outra
e a cidade está no homem
que está em outra cidade
mas variados são os modos
como uma coisa
está em outra coisa:
o homem, por exemplo, não está na cidade
como uma árvore está
em qualquer outra
nem como uma árvore
está em qualquer uma de suas folhas
(mesmo rolando longe dela)(...)”
(GULLAR, trecho do poema sujo, 1975)
RESUMO
O estudo analisa a constituição do grupo de trabalhadores metalúrgicos no bairro do
Pequiá no município de Açailândia-MA, a partir da visualização das práticas sociais
cotidianas que contribuem para a formação de uma rede de relações sociais que
sustentam a identidade desses trabalhadores. Discuto como as diferentes posições
assumidas por esses operários, na divisão interna do trabalho metalúrgico,
condiciona a construção das categorias de pensamento pelas quais eles
representam sua realidade. Demonstro que os elementos identitários que constituem
esse grupo social são fortemente influenciados pela trajetória desses trabalhadores,
cuja experiência camponesa anterior a chegada em Açailândia funciona como um
elemento importante. Faço análise dos principais elementos que fundamentam a
organização social, orientada por práticas sociais solidificadas dentro e fora do
universo fabril.
Palavras-Chave: Grupo operário, Trabalho metalúrgico, Identidade, Espaço social.
ABSTRACT
The study analysis the constitution of the workers group of metallurgic in the Pequiá
neighborhood, in the city of Açailândia-MA, from the view of the quotidian social
pratics that contribute to the formation of a network of social relations that sustain the
identity of these workers. Discuss how the different positions assumed by these
workers on the internal division of the metallurgical work, condition the constructions
of the categorical thoughs wich for they represent their reality. Prove that the
elements that indentify that constitute this social group are strong influenced by the
trajectory of these workers, wich camponese experience previous the arrive in
Açailândia works like a important element. Make analysis of the principals elements
that bases the social organization, directed by social pratics solidified inside and
outside of the fabric universe.
Key words: Worker group, Metallurgical work, Identity, Social space.
LISTA DE SIGLAS
ASICA - Associação das Siderúrgicas de Carajás
CAGED- Cadastro Geral de Emprego e Desemprego
CDVDH - Centro de Defesa da Vida e dos Direitos Humanos
COVAP - Companhia Vale do Pindaré LTDA
CVRD - Companhia Vale do Rio Doce
EFC - Estrada de Ferro Carajás
EKOS - Instituto para Equidade e Justiça
FERGUMAR - Ferro Gusa do Maranhão
FINAM - Fundo de Investimentos da Amazônia
FINOR - Fundo de Investimentos do Nordeste
GERUR - Grupo de Estudos Rurais e Urbanos
IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
INSS - Instituto Nacional de Seguro Nacional
PC do B - Partido Comunista do Brasil
PGC - Programa Grande Carajás
PPGCS - Programa de Pós- Graduação em Ciências Sociais
PPGSA - Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia
PROCAD - Programa de Cooperação Acadêmica
SIMASA - Siderúrgica do Maranhão
STMAI – MA - Sindicato dos Trabalhadores Metalúrgicos de Açailândia e
Imperatriz-Ma
UFRJ Universidade Federal do Rio de Janeiro
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1: Evolução da produção de ferro-gusa feita por usinas
independentes localizadas na Região de Carajás (1990/2006)...... 51
Gráfico 2: Origem do chefe de família. ............................................................ 81
Gráfico 3: Município de origem do chefe de família......................................... 81
Gráfico 4: Em sua opinião, qual é o maior problema do Pequiá?.................... 97
Gráfico 5: Em sua opinião, o que seria urgente fazer para melhorar as
condições de vida do povo do Pequiá? .......................................... 98
LISTA DE QUADROS
Quadro 1: Lista das pessoas entrevistadas ..................................................... 42
Quadro 2: Perfil das indústrias siderúrgicas instaladas em Açailândia/MA...... 50
Quadro 3: Etapas da produção e sua finalidade.............................................. 56
Quadro 4: Níveis hierárquicos.......................................................................... 59
Quadro 5: Distribuição do emprego formal por setor de atividade no
município de Açailândia (em
31.12.2006)
........................................69
LISTA DE FIGURAS
Figura 1: Esquema de produção do ferro-gusa ao aço.................................. 54
Figura 2: Processo de fundição do minério.................................................... 56
Figura 3: Maquete do Pequiá......................................................................... 85
LISTA DE FOTOS
Foto 1: Pelotas de ferro gusa estocadas no pátio de uma siderúrgica........ 54
Foto 2: Bairro Pequiá de Cima.................................................................... 86
Foto 3: Rua do Pequiá de cima: as torneadoras......................................... 87
Foto 4: Pequiá de Baixo.............................................................................. 88
Foto 5: Ilha do Côco Verde.......................................................................... 102
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO..................................................................................................... 17
CAPÍTULO 1: TEORIA E PROCESSO DE PESQUISA: O OFÍCIO DO
SOCIÓLOGO............................................................................ 20
1.1 O debate sobre a constituição da classe social........................................ 20
1.2 De camponês a operário: migração e construção da identidade
operária....................................................................................................... 27
1.3 A construção do objeto e a pesquisa de campo ....................................... 29
1.4 O trabalho de campo.................................................................................... 33
CAPÍTULO 2: A IMPLANTAÇÃO DO PÓLO SIDERÚRGICO EM
AÇAILÂNDIA..........................................................................44
2.1 A construção da Belém-Brasília e o surgimento de Açailândia............... 45
2.2 O Programa Grande Carajás: um novo momento na história de
Açailândia ................................................................................................... 47
2.3 A chegada das indústrias de ferro-gusa.................................................... 49
CAPÍTULO 3: A PRODUÇÃO DE FERRO-GUSA E O PROCESSO DE
TRABALHO NAS USINAS GUSEIRAS.................................... 53
3.1 A produção do ferro-gusa ........................................................................... 53
3.2. O Processo de Trabalho na indústria de ferro-gusa................................ 57
3.2.1. A hierarquia do processo produtivo............................................................ 59
3.2.2. A experiência como fator de diferenciação interna..................................... 61
3.3 A jornada de trabalho................................................................................... 64
3.4 O mercado de trabalho em Açailândia ....................................................... 68
3.5 Os trabalhadores e as siderúrgicas: o caso do sindicato........................ 71
CAPÍTULO 4: MORANDO NO BAIRRO DO PEQUIÁ: OS OPERÁRIOS FORA
DO ESPAÇO FABRIL.................................................................. 78
4.1 A constituição do bairro do Pequiá............................................................ 79
4.2. O Pequiá hoje .............................................................................................. 85
4.3 O Pequiá de cima ......................................................................................... 85
4.4 O Pequiá de baixo ........................................................................................ 88
4.5 De camponês a operário.............................................................................. 90
4.6 Os operários no bairro do Pequiá............................................................... 93
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................................. 104
REFERÊNCIAS................................................................................................. 107
17
INTRODUÇÃO
Este estudo tem como objetivo analisar a constituição de um grupo
operário no bairro do Pequiá, município de Açailândia/MA, local onde estão
instaladas cinco unidades fabris de produção de ferro-gusa.
Os trabalhadores estudados têm na sua origem rural um dos principais
elementos em comum. A passagem relativamente rápida de uma vida estruturada
segundo as regras de uma sociabilidade camponesa para outra, ordenada segundo
uma lógica industrial, foi responsável por uma série de mudanças no cotidiano e na
forma de entender o mundo desses atores e constitui um dos objetos centrais de
nossa investigação.
A partir da revisão de literatura sobre o tema da constituição da identidade
de classe (MARX, 2000; THOMPSON, 2002; HOBSBAWM, 1987) e de estudos
anteriores sobre Açailândia (CARNEIRO, 1992) e sobre o bairro do Pequiá
(CANCELA, 1992) construí o arcabouço teórico que serve de base à análise
proposta. Preparando-me para os principais dilemas que o objeto em destaque
poderia me proporcionar, iniciei minhas investigações sociológicas, adentrando ao
complexo mundo dos operários, com o intuito de superar os obstáculos
epistemológicos (BACHELARD, 2002) que produzem falsa percepção da realidade
estudada.
Com base nesse recorte empírico e teórico realizei entrevistas com os
trabalhadores das empresas guseiras que residem no bairro do Pequiá, procurando
reconstruir as trajetórias sociais seguidas e tentando identificar as estratégias
empreendidas pelos operários conseguirem o emprego e se manterem dentro do
processo produtivo.
Além das entrevistas, procurei em diversas oportunidades acompanhar o
dia a dia desses trabalhadores, de forma a tentar compreender esse complexo
“universo” operário que marca e caracteriza o Pequiá, pois, apesar de verificar que
apenas uma parte dos moradores trabalha como metalúrgicos, é possível perceber a
influência direta das siderúrgicas no conjunto da vida social do bairro.
Tendo como base a idéia de “representar o processo de pesquisa no
resultado de pesquisa” (PEIRANO,1997, p. 8), dividi a minha dissertação em quatro
capítulos, com finalidades específicas, porém interligados, a fim de possibilitar uma
abordagem sistemática do tema.
18
No primeiro capítulo, apresentamos a discussão teórica que norteou
nossa investigação e os procedimentos utilizados na pesquisa de campo,
preparando o leitor para os capítulos seguintes do nosso trabalho.
O segundo capítulo tem o objetivo de apresentar o estado da arte do
conhecimento sobre o processo de constituição e desenvolvimento recente do
município de Açailândia e, conseqüentemente, do bairro do Pequiá. Nele mostramos
como uma cidade e um bairro formados a partir do deslocamento de camponeses se
transformaram rapidamente, com o advento da Estrada de Ferro Carajás, em um
importante pólo industrial da Amazônia Oriental.
No terceiro capítulo, abordo o processo de produção do ferro-gusa,
destacando as principais características do processo de trabalho e suas implicações
para os trabalhadores metalúrgicos. Nesse capítulo procuro também identificar como
os metalúrgicos se constituem enquanto grupo social, tomando como referência a
articulação desses trabalhadores no interior do universo fabril, a partir das suas
formas de solidariedade e de resistência aos mecanismos gerenciais de controle da
força de trabalho.
A base das suas estratégias de constituição enquanto grupo metalúrgico,
articuladas com as trajetórias sociais, mostradas na organização do mercado de
trabalho, no que tange a organização social dentro e fora do universo fabril. É
importante lembrar que a dificuldade de adentrar às siderúrgicas por conta da forte
pressão que exercem sobre os operários e os critérios que sustentam as práticas
dentro e fora das firmas, fez com que eu visitasse apenas duas empresas: A Viena e
Gusa Nordeste.
Portanto, assim como Lopes (1978) e os operários do açúcar, apreendi
muito mais sobre as práticas sociais dentro das firmas a partir da visão dos
trabalhadores entrevistados fora delas. Contudo, apesar do limite de acesso, os dias
em que visitei essas firmas puderam me fornecer um cenário complexo do universo
fabril com suas predisposições e estruturas internas.
O quarto capítulo é reservado ao estudo das práticas cotidianas dos
operários no Bairro do Pequiá, perpassado pelo efeito coercitivo que as firmas
exercem no próprio bairro. Nele procuro identificar as estratégias usadas pelos
operários para se constituírem enquanto grupo em contraposição com outros
moradores e como os mesmo vêem o bairro do Pequiá, partir da sua visão em
19
constante mudança. Faço uma reconstrução do processo pelo qual o bairro foi
construído procurando destacar a importância das redes de vizinhança e parentesco
para o estabelecimento dos seus moradores. Por fim, teço os comentários finais a
respeito do problema estudado, fazendo uma análise a partir das questões
levantadas ao longo do trabalho.
20
CAPÍTULO 1: TEORIA E PROCESSO DE PESQUISA: O OFÍCIO DO SOCIÓLOGO
Nesse capítulo apresento a abordagem teórica que norteou a construção
do meu problema de investigação e discuto a realização do trabalho de campo, bem
como os procedimentos de coleta de dados que utilizei na realização da pesquisa.
1.1 O debate sobre a constituição da classe social
O estudo sobre classes sociais tem na tradição marxista um de seus
esteios fundamentais, entretanto, os trabalhos iniciais de Marx e Engels sobre o
tema deram pouca importância ao processo de constituição desse grupo, tratando-o
como um produto das relações capitalistas de produção, enfocando apenas suas
estratégias de resistência no interior do universo fabril.
Dando continuidade as teorias da economia política clássica, Marx (2000)
analisou a sociedade capitalista como dividida em três classes distintas,
caracterizadas de acordo com sua posição no processo produtivo: a classe
burguesa possuidora dos meios de produção (também designados como capital); os
proprietários fundiários (que viviam da extração da renda da terra) e a classe
operária, constituída por aqueles que contavam para sobreviver apenas com sua
força de trabalho.
Além dessa construção de uma sociedade dividida em classes sociais,
Marx assinalou o conflito de classes (ou a luta de classes) como um componente
central da dinâmica dessa sociedade. Nesse sentido, os trabalhadores colocados
em situação de exploração dentro do processo produtivo entram em conflito com os
donos do meio de produção, movimento este central para a construção de sua
identidade.
Essa noção de classe constituída na mobilização contra os capitalistas
aparece claro num livro como “A Miséria da Filosofia”:
As condições econômicas transformaram pela primeira vez a massa
de gente do campo em operários. A dominação do capital criou para
essa massa uma situação comum e interesses comuns. Essa massa
é assim uma classe em relação ao capital, mas ainda não por si
mesma. Na luta (...) essa massa torna-se unida e se constitui como
classe por si mesma. Os interesses que ela defende tornam-se
interesses de classe (MARX, 1979 apud MILIBAND, 1979, p.26).
21
Marx ainda nos diz que a classe operária é a única que de fato produz,
pois a sua força de trabalho é geradora de excedentes, que extraídos sob a forma
de mais-valia, através da exploração econômica, determinava a posição dos
operários na escala mais baixa da hierarquia de produção. Os mesmos se
constituíam enquanto classe por essa posição em comum na escala social.
O debate posterior no marxismo sobre a questão da constituição da
classe operária teve um grande impulso a partir dos estudos realizados por alguns
historiadores britânicos, caso de Hobsbawm (1987) e Thompson (2002).
Ambos realizaram estudos sobre a história da classe operária a partir do
processo de desenvolvimento industrial da Inglaterra, divergindo quanto ao momento
de constituição dessa classe. Porém, as divergências entre os autores não se
davam apenas pela cronologia do estabelecimento de uma classe, mas, sobre quais
os critérios a serem utilizados para consideram uma classe social como constituída.
Os argumentos de Hobsbawm (1987) estão inseridos não apenas no
contexto da Inglaterra industrial do culo XIX, mas também por uma concepção de
“classe” diferenciada entre ambos. Hobsbawm utiliza como referência para sua
noção de classe o argumento marxiano retomado por Lukács no livro intitulado
“História e Consciência de Classe” de que classe e consciência de classe são
eventos indissociáveis.
Para os propósitos do historiador, isto é, do estudioso da micro-
história, ou da história como ela aconteceu (e, no presente, como ela
acontece) - em oposição aos modelos gerais e bem mais abstratos
das transformações históricas da sociedade a classe e o problema
da consciência de classe são inseparáveis. Uma classe, em sua
acepção plena, vem a existir no momento histórico em que as
classes começam a adquirir consciência de si próprias como tal (op.
cit., p.36).
Para esse autor, a concepção de classe é definida a partir de duas
dimensões: a) grupos de cooperação mútua, classificados e agrupados de acordo
com as “relações similares” existentes dentro do meio de produção, e b) pelo critério
subjetivo, para o autor relacionado diretamente a consciência de classe.
a consciência de classe define-se, como citado anteriormente, pela
distinção estabelecida pelo marxismo clássico entre classe-em-si e classe-para-si.
Por conseguinte, para Hobsbawm, a consciência de classe efetiva corresponde as
idéias reais que todos constroem sobre classes”, enquanto a consciência de classe
22
atribuída identifica “as idéias, sentimentos que homens em uma dada situação de
vida teriam, se eles pudessem compreender inteiramente essa situação e os
interesses dela derivados, tanto com respeito à ação imediata quanto a estrutura da
sociedade que corresponderia a esses interesses”(op. cit., p.36).
Ao aceitar a distinção entre consciência de classe efetiva e consciência
de classe atribuída Hobsbawm enfatiza a importância de elementos organizativos no
processo de constituição da classe trabalhadora, argumentando que:
A consciência de classe operária em ambos os níveis implica a
organização formal; e uma organização que seja ela mesma
portadora de ideologia de classe, que sem ela seria pouco mais que
um complexo de hábitos e práticas informais. A organização (o
“sindicato”, “partido” ou “movimento”), torna-se assim uma extensão
da personalidade do trabalhador individual (HOBSBAWM, 1987,
p.48).
para Thompson (2008) classe social é um "fenômeno histórico que
unifica uma série de acontecimentos díspares e aparentemente desconectados,
tanto na matéria-prima da experiência como na consciência". Continuando essa
definição argumenta que uma classe constitui-se quando
(...) alguns homens, como resultado de experiências comuns
(herdadas ou partilhadas), sentem e articulam a identidade de seus
interesses entre si, e contra outros homens cujos interesses diferem
(e geralmente lhe opõe) dos seus (THOMPSON, 2008, p.10).
O elemento central para a definição de uma classe social é o conceito de
experiência. Portanto, é com base na experiência de trabalhar sob determinadas
relações de produção, opondo-se a outros homens, que os operários constroem sua
identidade de classe.
Rejeitando completamente a fórmula indústria + exploração = classe
operária, Thompson dá ênfase tanto na trajetória cultural e política quanto nas
transformações econômicas vividas pelos trabalhadores.
A abordagem de Thompson é crítica e dirigida contra a abordagem
estruturalista althusseriana que define as classes como suportes de relações de
produção. Na contramão dessa abordagem Thompson vê a classe:
23
(...) não como sujeitos autônomos, indivíduos livres, mas como
pessoas que experimentam suas situações e relações produtivas
determinadas como necessidades e interesses e como
antagonismos, e em seguida tratam essa experiência em sua
consciência e sua cultura... das mais complexas maneiras... em
seguida agem, por sua vez, sobre sua situação determinada
(THOMPSON, 2008, p.182).
Assim, Thompson em seus estudos sobre a formação da classe operária
inglesa, mostrou que a classe social possui uma “relação histórica” formada através
das experiências construídas, trabalhadas e reproduzidas de tradições, sistemas de
valores e formas institucionais, convergindo com Hobsbawm na sua relevância
histórica. Para o autor, estudar a formação de uma classe determinada é saber
“como o indivíduo veio a ocupar esse papel social e como a organização social (..) ai
chegou” (THOMPSON, 2002, p.11).
Este autor ainda destaca que, a classe não é uma categoria social
construída através de uma soma de indivíduos, mas resultante de diferentes
contextos de relações sociais que criam uma superestrutura cultural capaz de
alavancar um sistema de signos que são utilizados como ferramentas para a
sobrevivência do grupo nas mais diversas situações de coerção.
A proposta metodológica de Thompson coaduna-se com o que hoje
denominamos de abordagens construtivistas na sociologia (CORCUFF, 2002).
Segundo essa perspectiva, que é trabalhada por Bourdieu (1996, p.26-27), as
classes sociais não existem o que existe é um espaço social, um espaço de
diferenças, no qual as classes existem de algum modo em estado virtual,
pontilhadas, não como um dado, mas como algo que se trata de fazer".
Utilizando-se de Thompson, Bourdieu afirma:
É preciso construir o espaço social como estrutura de posições
diferenciadas, definidas, em cada caso, pelo lugar que ocupam na
distribuição de um tipo específico de capital. (Nessa lógica, as
classes sociais são apenas classes gicas, determinadas, em teoria
e. se pode dizer assim, no papel, pela delimitação de um conjunto
relativamente – homogêneo de agentes que ocupam posição idêntica
no espaço social; elas não podem se tornar classes mobilizadas e
atuantes, no sentido da tradição marxista, a não ser por meio de um
trabalho propriamente político de construção, de fabricação – no
sentido de E.P. Thompson fala em The making of the English working
class - cujo êxito pode ser favorecido, mas não determinado, pela
pertinência à mesma classe sócio-lógica.) (BOURDIEU, 1996, p. 29).
24
O autor defende a existência de um espaço social, um campo nos quais
os demais atores lutam entre si de acordo com sua posição e disposição dentro do
campo, podendo originar ações políticas construídas através dos processos de
diferenciação e reprodução dos dispositivos que dão sustentação a estrutura social.
O que determina a posição do ator no campo social? Quais os princípios
de diferenciação que determinam essa posição no espaço social? Para Bourdieu, a
posses do mais variados tipos de capitais, econômicos, culturais e políticos,
determinam suas aproximações e distâncias devido à similaridade na quantidade e
espécie de capitais que os agentes detiverem como seu distanciamento devido à
ausência de um volume desses capitais. Nesses termos, o acúmulo de capitais
diferencia a ocupação dos agentes dentro do espaço, gerando internalizações
dessas disposições (habitus).
Distanciando-me do elemento homogêneo e estático, que possibilita
apenas uma visão limitada do problema, seja pelo processo produtivo (MARX,
2000), optei por observar a heterogeneidade (LOPES, 1978), pois as demais forças
coercitivas que exercem pressão sobre a vida dos operários, fazem com que os
mesmos utilizem as mais variadas estratégias de resistência, como formação de
sindicatos, redes de vizinhança, cooperativas e alternativas de amenizar a dura
jornada de trabalho e, sobretudo a busca de auxílios extras que contribuem para a
estabilidade econômica familiar ou suas estratégias de vida no cotidiano extra
fábrica.
A reinterpretarão de categorias e práticas impostas se desdobra
assim na inversão de categorias e práticas, que, de impostas,
transformam-se em espontâneas, categorias e práticas espontâneas
contra a exploração (LOPES, 1978,p.9).
Em nossa abordagem sobre a formação do grupo operário do Pequiá a
noção de experiência trabalhada por Thompson será central para a compreensão do
processo de formação desse grupo. Será a experiência de um passado comum e de
uma vida em comum, dentro e fora da fábrica, que nos permitirá falar dos
trabalhadores metalúrgicos do Pequiá como pertencentes a um grupo com uma
identidade própria. Nessa perspectiva, embora o processo de trabalho no interior da
fábrica seja um fator relevante para análise, não será visto como o único ou principal
eixo do olhar sociológico sobre o problema estudado (SAVAGE, 2004).
25
Desvendando a complexa gama de fatores que alinhados dão “vida” ao
meu objeto de estudo, constatei nas falas de meus entrevistados e nos dados
levantados por outros autores (CANCELA, 1992; CARNEIRO, 1989) que estes
operários têm na origem camponesa um elemento comum de identificação, o que se
reflete em várias categorias de entendimento provenientes dessa condição anterior
ao trabalho metalúrgico.
Essa situação anterior de camponês pode ser compreendida também
como uma situação-limite (LOPES, 1985), ou seja, o limiar entre camponês e
operário, que me levou a um dilema: como o operário-camponês articula essa
herança cultural para sobreviver dentro do espaço industrial?
Seiferth (1985) em um artigo sobre os colonos operários do Vale do Itajaí
demonstrou como a identidade camponesa foi importante para a manutenção dos
trabalhadores na dura jornada de trabalho. Para autora, os colonos operários
invertem o elemento acessório em atividades extra-fabris, configurando a jornada de
trabalho ao modo temporal camponês. Situação sinônima percebida por mim ao
perguntar para os operários sobre a jornada intensa de trabalho na indústria, como
pode ser visto no depoimento a seguir:
Nós gostamos é de trabalhar, quem vem da roça tá acostumado com
a lida, com a vida dura do trabalho, queremos é trabalhar. Pode
colocar levas de gusa que carregamos (SEU TOINHO, forneiro,
encostado da Siderúrgica Vale do Pindaré).
O discurso acima exemplifica a preocupação em dialogar com os dois
conjuntos de disposições característicos dos trabalhadores no Bairro do Pequiá: o
camponês e o operário, a fim de conseguir observar a composição do grupo. No
entanto, o operário, possui traços de identificação construídos dentro do espaço
heterogêneo. Percebendo que a organização do grupo atravessa a lógica dos
processos de identificação, faz-se necessário destacar a noção de identidade.
A imagem desses trabalhadores sobre o bairro do Pequiá como um
espaço em que o emprego é abundante e, por conseguinte, condição para uma
melhor qualidade de vida, é peça importante para entender como os vários atores
sociais foram chegando ao distrito industrial com a mesma perspectiva dos
primeiros: a obtenção do emprego fabril.
26
1.2 De camponês a operário: migração e construção da identidade operária
A compreensão dos dispositivos que levaram os camponeses oriundos de
vários municípios do Estado do Maranhão e de outras localidades a se deslocarem
para o Pequiá permitiu compreender a própria forma de construção dos laços de
identificação, as relações dentro do chão de fábrica, assim como a disposição
espacial dos atores, conseqüência direta da trajetória social e da migração.
A história do processo de migração e incorporação desses atores sociais
à nova gica construída graças à implantação do pólo siderúrgico é vinculada a
processos em que trabalhadores migrantes, individual e coletivamente, se
estabelecem em um novo local e pelas formas em que as redes de trabalho
(MARTINS, 1973) e os signos do local de origem são adaptados ao novo espaço
social.
Por essa razão, o meu intuito de apresentar os efeitos da migração
(elementos camponeses observados nos seus discursos e nas suas falas), dos
elementos da experiência anterior ao deslocamento que contribuíram para a
constituição social dos operários. A migração é o elo de ancoragem entre a tradição
camponesa, os traços culturais sobreviventes que se aglutinam junto aos elementos
da cultura operária adquirida, em contato com a realidade industrial. A migração não
é o meu objeto de pesquisa, mas sim um fator relevante para perceber organização
específica dos operários por mim observada no bairro do Pequiá.
Quais disposições esse efeito migratório trouxe para vida social desses
agentes que migram para Açailândia, considerada uma espécie de novo “Eldorado”,
contribuindo para a constituição de uma organização social de trabalhadores
metalúrgicos de origem camponesa? A partir da influência das relações de produção
fabril, a organização operária em constante transformação, foi arquitetada solapando
toda uma lógica camponesa estabilizada no núcleo industrial do Pequiá,
construindo novas formas de perceber o social, dentro de um espaço misto de
elementos industriais e camponeses.
Nesse sentido, entendo o migrante, atual operário: o agente relacionado a
um processo social dinâmico que transitou entre espaços sociais distintos. Porém,
migração não pode ser encarada a partir do ponto de saída ou de chegada do
migrante e sim do processo como um todo.
27
Mais que uma "assimilação" desses trabalhadores (ex-camponeses) pela
lógica industrial, o que se tende a colocar em evidência agora é a construção das
relações de sociabilidade e adaptabilidade dessas minorias, suas estratégias de
interação social e cultural, assim como sua capacidade de iniciar e sustentar
processos de mudança. Em vez de assimilação das partes pelo total, hoje uma
ênfase no processo mais “completo” de interação social (MARTINS, 1988).
Contudo, no processo migratório, sua construção histórica está vinculada
a uma concepção de (re) significação, ou seja, a herança cultural e social construída
historicamente. Para os operários estudados, o elo cultural com seu espaço de
origem constitui um elemento importante na tessitura de sua identidade.
A migração aparece como principal elemento formador dessa
heterogeneidade, visto que a origem camponesa, mas de locais emissores, distintos,
municípios diferentes, faz com que os operários se identifiquem pela necessidade de
sobrevivência e pela estabilidade de emprego, que segundo os entrevistados, é a
ponte para uma melhor qualidade de vida.
1.3 A construção do objeto e a pesquisa de campo
O processo de construção do objeto de estudo passou por diferentes
etapas. Em um primeiro momento realizei levantamento dos trabalhos investigativos
produzidos pela realidade estudada, pautada nos estudos feitos por Carneiro (1995;
1989), Cancela (1992), Monteiro (1998) e Castro (1998).
Além do contato com essa bibliografia, consegui, graças ao contato com
missionários Combonianos, grupo da Igreja Católica que realiza trabalho de
mobilização comunitária no Pequiá, os dados da pesquisa “Repensando e
Reconstruindo o Pequiá”, realizada em 2003 e que continha informações
importantes sobre o perfil dos moradores desse bairro.
Essa pesquisa foi realizada pelo Instituto para a Equidade e a Justiça
EKOS com o objetivo de suprir deficiências de informação quanto à realidade do
Pequiá:
As tentativas de planejar intervenções no social por parte dos setores
mais organizados esbarravam, irremediavelmente, na ausência de
dados confiáveis e, conseqüentemente, na impossibilidade de definir
estratégias e prioridades capazes de enfrentar os gigantescos
desafios de toda ordem que se apresentavam. (INSTITUTO EKOS,
2006, p. 2).
28
Nosso objetivo inicial era o de construir um perfil dos trabalhadores
metalúrgicos que residem no Pequiá através desses dados quantitativos, tarefa que
não foi possível, pois, não tivemos acesso ao banco de dados da pesquisa, mas,
somente as tabulações realizadas pelo Instituto Ekos. Contudo foi de fundamental
importância porque informações qualitativas dos entrevistados foram utilizadas e
cruzados com dados quantitativos dos moradores a partir da análise dos dados do
Instituto.
O levantamento baseou-se num questionário amplo, constituído de
perguntas fechadas e abertas, com duas partes distintas. A primeira visando a
identificação sócio-econômica dos entrevistados (renda, faixa de idade, sexo, etc.) e
a segunda voltada para a obtenção da visão dos entrevistados acerca dos principais
problemas do bairro. Os questionários foram aplicados aos chefes de família.
O questionário foi aplicado no conjunto dos domicílios do Pequiá,
apresentando características de um recenseamento. Nos 1.736 domicílios
identificados foram aplicados 1.712 questionários.
Embora os dados levantados pelo Instituto tenham no seu alicerce o rigor
científico, constituindo uma ferramenta relevante para o trabalho acadêmico, estes
apenas enfatizam a visão sociológica construída, visto que esse tipo de trabalho
não apresenta somente um interesse metodológico ou instrumental: pode também
constituir uma contribuição diretamente sociológica para a análise das estatísticas
como “fato social” (grifo do autor)(...) o que permite não uma elucidação mais
precisa das mesmas, mas pode também desembocar em informações específicas e
novas que apresentem um interesse peculiar.(MERLLIÉ, 1998, p.107).
A perspectiva nos mostra a construção social dos dados enquanto
discurso como os interesses por trás dos resultados. “Os dados não falam por si só”,
frase taxativa entre pesquisadores sociais, mas que reativa o teor social dos surveys
e pesquisas quantitativas por amostragem, que delineiam posições discursivas dos
mais variados atores, porém fortes ferramentas que podem ser utilizadas para uma
possibilidade de apreensão da realidade distinta.
O trabalho de campo realizado e as entrevistas que podem ser definidas
“como um processo de interação social entre duas pessoas na qual uma delas, o
entrevistador, tem por objetivo a obtenção de informações por parte do
entrevistado.” (HAGUETTE, 2005, p.86). Construídos e organizados através de um
29
roteiro de entrevista obtido a partir do primeiro contato com a realidade, por sua vez,
resultando em informações preciosas através da interação entre o pesquisador e o
pesquisado, revelando aspectos subjetivos que contribuem para a construção do
resultado final da pesquisa. O trabalho de campo seapresentado, não em forma
de diário, mas conseqüência da pesquisa, que possibilitou a obtenção de resultados
significativos.
1.4 O trabalho de campo
Nessa seção descrevo a realização do trabalho de campo no bairro do
Pequiá, local em que se situam as cinco siderúrgicas do município de Açailândia e
onde reside boa parte dos operários que trabalham nessas indústrias. Essa coleta
de informações consistiu em três períodos de observação e realização de
entrevistas
1
, num total de 62 dias de trabalho de campo.
A primeira etapa de investigação ocorreu de 10 a 13 de janeiro de 2007,
por ocasião da visita do grupo de pesquisa do Projeto PROCAD UFMA-UFRJ
2
, à
cidade de Açailândia na qual tivemos contato com representantes de instituições
governamentais e da sociedade civil do município. Nessa visita tive meu primeiro
contato com a realidade do bairro do Pequiá, observei o cotidiano das pessoas que
residem nas proximidades das siderúrgicas.
Este primeiro momento foi fundamental para minha inserção no espaço
que pretendia estudar, pois obtive acesso às informações sobre o município, a partir
de entrevistas com representantes do governo municipal, caso do Secretário de
Agricultura e Meio Ambiente e do Secretário de Indústria e Comércio e dos
movimentos sociais de Açailândia (Centro de Defesa da Vida e dos Direitos
Humanos, Sindicato dos Metalúrgicos).
1
Alguns dos meus informantes receberam nomes fictícios por questões éticas e a permanência da
integridade dos mesmos. É de fundamental importância destacar a violência simbólica exercida pelas
siderúrgicas em relação a esses trabalhadores, que de forma precária, disciplinam seus corpos para
o exercício de um trabalho árduo. Destarte, a dinâmica industrial das siderúrgicas produz
conseqüências profundas na vida social dos moradores do bairro do Pequiá.
2
O Projeto PROCAD UFMA/UFRJ “Amazônia e os paradigmas do desenvolvimento” possui um grupo
de pesquisadores que analisa o processo de industrialização recente da Amazônia Oriental, tendo
como foco a implantação da indústria siderúrgica em Açailândia/MA e Marabá/PA. Participam desse
grupo os professores: José Ricardo Ramalho (UFRJ) e Marcelo Sampaio Carneiro (UFMA) e os
estudantes Rodrigo Salles dos Santos (PPGSA/UFRJ), Raphael Lima (PPGSA/UFRJ) e Leonardo
Evangelista (PPGCS/UFMA).
30
O segundo momento de trabalho de campo corresponde ao período de 13
a 28 de fevereiro de 2007. Nesse momento consegui estabelecer contatos com o
grupo dos principais informantes, construindo as redes de relações que
possibilitariam a minha compreensão da gramática social local
3
.
Para realizar esse trabalho de campo estabeleci, através da
intermediação de meu orientador, contato com religiosos da ordem Comboniana da
Igreja Católica que realizam atividades de apoio à mobilização popular no bairro do
Pequiá.
Durante toda essa etapa de trabalho fiquei alojado na residência dos
padres Combonianos, coordenada pelos irmãos Antônio e Agostinho. Além da
hospedagem e alimentação demandei auxílio aos Combonianos para a inserção na
vida do bairro, através da indicação de pessoas com as quais eu pudesse conversar
e ter acesso a trabalhadores das siderúrgicas.
Por está alojado na casa dos Combonianos os moradores me receberam
com certa cordialidade, pois me viam como um representante da igreja. Essa
associação com a igreja católica do bairro transformou-se no elemento facilitador
nas entrevistas com os operários, mas, depois, percebi que veio a se transformar em
obstáculo no diálogo com outros operários que não simpatizavam com a posição da
igreja católica.
Como parte dessa relação mediada pelos irmãos Combonianos entrei em
contato com um dos principais informantes da minha pesquisa: Zé Albino.
Albino é natural do município de Miranda do Norte/MA e se instalou no
Bairro do Pequiá por volta de 1985, quando foi admitido como empregado, na
empresa de construção civil Queiroz Galvão, que na época prestava serviço de
manutenção da ferrovia. Zé (como é conhecido na comunidade) é leigo comboniano,
hoje com 45 anos, casado e pai de dois filhos. Atualmente encontra-se “encostado”
4
pela empresa Viena Siderúrgica. Pessoa carismática e organizador dos movimentos
sociais locais ele foi o principal articulador de meus contatos entre os operários do
3
Denomino de gramática social o conjunto de representações através do qual o grupo estudado
interpreta e descreve o mundo social.
4
Segundo seu Toinho, encostado é o trabalhador que tira licença por tempo determinado para o
tratamento de doenças que impossibilitem o exercício do trabalho. O salário pago pelo empregador é
suspenso e a pessoa fica recebendo um auxílio pago pelo INSS.
31
Bairro, pois conhece um bom número de trabalhadores metalúrgicos,
fundamentalmente os que participam da igreja católica.
Como muitos desses operários, por falta de tempo, não conseguem ir à
missa, Albino me apresentou às suas esposas, que além de freqüentadoras da
igreja, compõem o grupo mais presente nas tarefas e reuniões da comunidade de
fiéis.
Essa relação com Albino, que possui participação importante em
mobilizações comunitárias pela melhoria das condições de vida no Pequiá, facilitou
bastante minha aproximação com os informantes. Através dele tive acesso a muitas
pessoas e pude ir dominando aos poucos as peculiaridades das relações sociais no
bairro.
Essas duas características foram de grande relevância para minha
entrada no campo, pois a ausência do domínio da linguagem e dos costumes locais
foi o principal muro de concreto entre o pesquisador e os operários. Obstáculo esse
que com o passar dos dias foi sendo superado, por meio da relação dialógica que fui
estabelecendo com os entrevistados, que fizeram um grande esforço para me
explicar a sua realidade social.
A primeira atividade que realizei em companhia de Albino foi uma
visita para conhecer o bairro do Pequiá. Essa e outras caminhadas que realizei
posteriormente, observando o cotidiano do bairro reforçaram minha impressão sobre
a importância das siderúrgicas na estruturação da vida local.
As pessoas caminham nas ruas trajadas com os uniformes das empresas
e era difícil ver alguém do sexo masculino atravessando as ruas com sandálias ou
outros calçados que não fossem botas de trabalho metalúrgico. Fato importante,
pois quando comprei a minha para caminhar pelas ruas com maior proteção, os
trabalhadores, diziam que ela era a “bota do patrão” por se tratar de um calçado
mais refinado.
As habitações do Pequiá seguem um padrão bastante homogêneo, de
forma semelhante à descrição de outros bairros operários na bibliografia
especializada. As casas são feitas de alvenaria, geralmente pequenas, chamadas de
“porta e janela”, com dois ou três quartos e quintal. No seu interior foi possível
identificar diversos móveis e aparelhos eletrodomésticos, principalmente televisão e
DVD.
32
Na maior parte das vezes essa aquisição de móveis e eletrodomésticos
pelos moradores está relacionada com a inserção de algum membro da família no
trabalho siderúrgico, o que além de garantir uma remuneração mensal fixa permite
também à abertura de crediário, elemento que facilita a aquisição de bens de
consumo não-duráveis, que exige maior volume de recursos. Portanto, trabalhar nas
siderúrgicas possibilita um padrão de consumo diferenciado para os metalúrgicos do
Pequiá frente a seus vizinhos, dando assim certo um maior poder de compra.
Nos quintais das casas percebi a existência de hortas, galinhas e outros
animais que serviriam de alimentos aos moradores. As famílias eram geralmente
constituídas de pai, mãe e os filhos. Não era perceptível a quantidade de pessoas
idosas nessas residências. Muitos dos trabalhadores que entrevistei me falaram que
seus pais e parentes teriam ficado nos seus locais de origem e que na maioria das
vezes tinham pouco ou quase nenhum contato. Os idosos residentes no Pequiá são
antigos lavradores, muitos dos quais não chegaram a trabalhar nas siderúrgicas
mantendo sua atividade econômica ligado ao campo.
Um dos principais pontos de encontro de operários no bairro durante o
momento de folga é a “mercearia do canto”, local em que os mesmos jogam sinuca,
dominó, bebem aguardente e comentam sobre os dias de trabalho. Em suma, um
lugar central na vida e nas relações sociais entre os operários.
Na mercearia as partidas tanto de sinuca quanto de dominó eram
definidas pela ordem de chegada. Assim cada membro sabia sua vez, pois a ordem
era de acordo com a chegada, porém a diferenciação etária era considerada nessa
situação, com os mais novos buscando respeito e legitimação dentro de um espaço
dominado pelos mais velhos
5
.
A minha presença nestes espaços de sociabilidade do Bairro fortaleceu a
leitura de que nesses locais estendem-se as relações familiares, principalmente a
autoridade paterna (no bar), e a autoridade feminina nas reuniões na Igreja.
A divisão dos operários em grupos distintos observada nos locais de
socialização, a princípio me pareceu pautar-se apenas em laços de vizinhança, mas
muito tempo depois, com a minha entrada nas siderúrgicas, pôde perceber que as
5
Várias vezes escutei o seguinte diálogo, de uma pessoa mais nova falando com outra mais velha:
“você joga bem, me ensina”. Às vezes os jovens filhos de operários, com mais de 16 anos, poderiam
ser aceitos pelo grupo para freqüentar estes “locais de adultos”.
33
relações de vizinhança ali eram de acordo com as relações de trabalho no chão de
fábrica. Por exemplo, os designados “auxiliares de produção 1” jogavam com os
mesmos moradores que exerciam essa função, e seguiam a mesma ordem de
entrada na partida, a mesma ordem de entrada nos turnos.
Foi na “mercearia do cantoque tive contato, pela primeira vez, com um
trabalhador metalúrgico em atividade: seu Fraga. Seu Fraga é uma pessoa calada e
introvertida. Nesse primeiro contato me revelou poucos detalhes de sua vida antes
da sua vinda ao Pequiá. Casado e pai de dois filhos, trabalha atualmente na Viena
Siderúrgica.
O contato com o Sr. Fraga foi importante porque logo em seguida conheci
sua esposa, Dona Creuza, o que me permitiu o acesso a outro ponto de vista sobre
o Pequiá e o trabalho nas siderúrgicas: o ponto de vista das mulheres dos operários.
Como é ser esposa de um operário no Pequiá? Como encaravam a dura
jornada de trabalho de seus maridos? Além de outra perspectiva sobre o trabalho
operário o contato com as esposas principalmente através da Igreja católica
facilitou meu acesso a muitos operários, uma vez que através delas pude saber o
melhor momento (dia e hora) em que poderia entrevistá-los.
Entrevistei no mesmo dia outro operário o seu Vicente. Vicente possui 45
anos, é casado, pai de um casal de filhos e é operador da mesa de comando, função
que controla o fluxo de minério dentro do forno, também chamado de “auxiliar de
produção 2.”
No final do dia 13 de fevereiro consegui acesso a outro informante, Sr.
Antonio, cuja condição atual caracteriza uma das situações mais comuns verificada
entre os operários do Bairro do Pequiá.
Seu Toinho, como todos o chamam, possui 46 anos, tendo trabalhado na
Viena Siderúrgica até o ano de 2003, momento em que foi afastado por problema de
saúde e foi encostado pela empresa. Casado, pai de quatro filhos trabalhou na
Viena como auxiliar de produção na descarga de carvão, atividade que exige muito
esforço físico e que ocasionou sua doença. Através de seu Toinho consegui
conhecer mais um grupo de seis operários e ouvi falar pela primeira vez sobre um
protagonista [liderança sindical] dentro do bairro: seu Francisco, mais conhecido
como Chico Corredor.
34
Membro fundador do sindicato de trabalhadores metalúrgicos de
Açailândia e integrante do Partido Comunista do Brasil (PC do B), Chico Corredor
pode me receber para uma conversa no dia 16 de fevereiro de 2007. Apesar da
dificuldade em acessá-lo foi através dele que consegui contato com trabalhadores e
moradores do “Pequiá de Baixo”, parte do bairro que mais sofreu os efeitos da
implantação do pólo siderúrgico.
No dia 14 de fevereiro através da ajuda de Albino consegui agendar
três entrevistas. Durante a realização das mesmas percebi que os operários tinham
medo de expor suas vidas, que receavam que eu fizesse uma leitura pejorativa ou
negativa de suas informações, ou ainda que tais informações caíssem nas mãos dos
encarregados, vindo a ocasionar a perda de seus empregos.
Como mencionei anteriormente, a partir do contato com Chico Corredor,
entrevistado no dia 16 de fevereiro, consegui realizar mais oito entrevistas e
estabelecer contato com mais informantes do chamado “Pequiá de Baixo”. Um
desses informantes foi Dona Dina, que, por sua vez, me apresentou um
encarregado
6
, já aposentado, da Viena siderúrgica, o senhor Melqui Fonseca.
À medida que as redes de relações iam crescendo eu começava a
decifrar a gramática local e a representação espacial do lugar assim como os cargos
e funções dos trabalhadores das indústrias. Comecei também a compreender a
linguagem dos operários e esta aproximação embora o tenha me possibilitado
absorver por inteiro as simbologias que permeiam as relações cotidianas daqueles
operários, permitiu-me configurar parte do significado do que é ser operário para
aqueles atores.
Esse processo de “desvendar” as simbologias operárias contou com a
participação de todos os membros das famílias, uma vez que além das esposas
entrevistamos também alguns filhos dos operários. Com esses jovens pude observar
que a forma de ver e a representação da família reproduziam o mesmo discurso dos
pais.
Para os garotos, os pais deveriam trabalhar, as mães cuidariam da casa e
os filhos estudarem. O discurso de hierarquização familiar é perceptível em seu
dorso estrutural. As mulheres que entrevistei me diziam que os maridos não
permitiam que elas trabalhassem porque a função da mulher é cuidar das casas e
6
Segundo o seu Toinho, encarregado é o trabalhador que é responsável pela fiscalização do trabalho.
Há vários tipos: encarregado de turno, de forno, de ligote, etc.
35
dos filhos. O mercado de trabalho nas indústrias e nas empresas associadas é de
cunho eminentemente masculino.
Buscando mais informações sobre as relações entre os moradores,
busquei me inserir na realidade dos idosos, isto é, dos moradores mais antigos que
moravam no Pequiá, mas que nunca trabalharam em nenhuma “firma” -
nomenclatura utilizada pelos moradores para denominarem as siderúrgicas.
Casais como dona Nenenzinha e seu marido, como dona Neuzinha e seu
Pedro, residentes no Pequiá de Baixo ofereceram-me informações preciosas sobre a
vida no Pequiá antes da chegada das indústrias. O interessante é que mesmo o
tendo trabalhado em nenhuma siderúrgica, eles me descreviam com detalhes a
cadeia produtiva das firmas. O conhecimento do processo do ferro-gusa e suas
conseqüências tanto sociais como ambientais são de inteiro conhecimento de
qualquer morador seja ele operário ou não.
A partir do dia 20 pela manhã iniciei minha jornada com Chico Corredor
para conhecer o Pequiá de Baixo. Chico Corredor aproveitou para levar a
convocatória de uma reunião que o PC do B faria em 4 dias. Representante do
partido e ex-candidato a vereador, Chico possui uma rede extensa de contatos com
indivíduos cujo modo de vida está relacionado às siderúrgicas, caso de operários,
caminhoneiros e vigias.
No dia 27 observei uma mobilização do Sindicato dos Metalúrgicos, num
local próximo a entrada das empresas Viena e da Fergumar no Pequiá de Cima,
para conseguir arrecadar mil assinaturas e tornar legal a pauta de reivindicação do
Sindicato para o dissídio coletivo da categoria.
Eram aproximadamente 15 horas quando o presidente Raimundo Frazão
e demais membros do Sindicato começaram a mobilização, utilizando um carro de
som. Uma hora depois foram chegando os primeiros ônibus transportando os
trabalhadores para o turno da tarde, as primeiras firmas que chegaram foram a
Simasa e a Vale do Pindaré.
Desceram todos os operários que iam iniciar o segundo turno de trabalho.
Logo em seguida, estacionaram mais dois ônibus e em pouco instantes o local
estava cheio de operários organizando-se para efetuar a assinatura.
Muitos dos ônibus que chegavam para levar os operários de volta às suas
casas e os que traziam o pessoal para início do trabalho esperavam por pouco
36
tempo. A maioria dos trabalhadores que ficava voltava de carona, em outro ônibus,
solidários a situação dos companheiros de trabalho, ou então, ao final do dia, por
volta das dezesseis horas, o próprio chefe sindical pagou a passagem de retorno
para as residências.
Este episódio, por mais que represente um laço de identificação operário
demonstra também a forte dependência que os operários têm das firmas,
comprovada pelo controle do tempo no transporte e gerenciamento da saída e
entrada dos turnos Os operários que entravam para sua jornada de trabalho tinham
prioridade na ordem de votação em relação aos que estavam saindo das firmas.
A terceira etapa da pesquisa ocorreu no período de 13 de abril a 6 de
maio. Consegui recursos para minha volta ao Pequiá através de um trabalho de
pesquisa realizado pelo GERUR/UFMA em parceria com o Centro de Defesa da
Vida e dos Direito Humanos - CDVDH
7
. A partir dos contatos estabelecidos,
busquei o aprimoramento das minhas indagações, assim como a ampliação de
informações cruciais para a conclusão dos dados de que necessitava. Conheci a
realidade do chão de fábrica em visita a duas guseiras nesse período.
Nesta etapa me instalei na casa de um operário situada no “Pequiá de
Baixo”, fiquei hospedado na residência de seu Aparício
8
. Através desta estadia fui
sendo desvinculado da idéia de que eu seria um representante da Igreja, da ordem
dos padres Combonianos. Aos poucos fui conseguindo transitar e acessar outros
grupos de operários que não freqüentavam a igreja católica, por serem de origem
protestante.
A minha estadia na casa desse informante possibilitou-me o maior contato
com operários mais jovens. Através de sua influência conheci um grupo de
operários, de idade na faixa de 18 a 25 anos que buscavam acumular recursos para
custear as despesas de uma viagem até a cidade de Marabá/PA. Mantive contato
intenso com o grupo e resolvi acompanhar o referido deslocamento, fato que ocorreu
no período de 26 e 29 de abril de 2007.
7
Trata-se de uma pesquisa quantitativa para medir o impacto da atuação do Centro de Defesa da
Vida e dos Direitos Humanos nos bairros populares de Açailândia.
8
Conheci o Aparício através do Chico Corredor. Em conversas informais ele ficou sabendo da minha
terceira visita e me convidou para ficar hospedado em sua casa.
37
Neste período realizei várias conversas informais. Mais familiarizado com
a realidade local pude sistematizar com maior eficácia as perguntas nas entrevistas
que ainda iria fazer. Foram feitas 23 entrevistas nesse período, sendo que 19
entrevistas foram gravadas e 4 anotadas.
Voltando para o Pequiá acompanhei junto com Aparício o deslocamento
de trabalhadores em busca de emprego para o portão de duas siderúrgicas que
ficam localizadas próximas, a Viena Siderúrgica e a SIMASA. Fomos até o local e
observei cerca de duzentas pessoas na busca por uma oportunidade de emprego na
indústria siderúrgica.
Para o cadastramento nas empresas os candidatos entregam a carteira
de identidade, organizados em fila indiana e alguns aproveitam a oportunidade para
entregar também um currículo mínimo contando seu tempo de experiência.
Normalmente após uma semana eles divulgam no rádio ou no próprio portão a lista
dos trabalhadores que conseguiram a vaga. Essa forte rotatividade contribui para a
indiferença com que a maioria dos trabalhadores vê o sindicato.
No dia 19 de abril fui levado por Seu Aparício visitar uma das
siderúrgicas, que me explicou como funcionava o turno, para conhecer a jornada de
trabalho dos operários.
Graças ao contato com alguns encarregados, consegui articular duas
visitas a uma empresa siderúrgica, que foram realizadas nos dias 24 e 26 de abril. O
objetivo da visita era obter informações que me permitissem a descrição do
processo de trabalho e verificar como funciona a atividade de produção de ferro-
gusa.
Ao adentrar as siderúrgicas senti o calor vindo dos fornos que fazem a
mistura dos minérios na produção do ferro-gusa. “Tem que ser muito macho para
agüentar o calor”, afirmou um dos operários ao perceber que era um visitante.
Encerrada as duas visitas, os dias finais que fiquei no Pequiá contribuíram para eu
compreender os mais variados espaços com sua gama de relações intrínsecas.
Além dos trabalhadores e esposas acima citados, que foram meus
principais informantes, realizei entrevistas com outras pessoas da comunidade. Por
conta da jornada de trabalho a maior parte das entrevistas que fiz os trabalhadores
transcorreram no período noturno.
38
No quadro abaixo destaco as 27 entrevistas formais realizadas, das quais
23foram gravadas e 4 foram anotadas em caderno de campo.
Quadro 1 - Lista das pessoas entrevistadas
Entrevistado Atuação Local de origem
9
Zé Albino Encostado-Viena Miranda do Norte
Chico corredor Ex-metarlugico sindicalista; taxista Parnaíba - PI
Antônio Rios Porteiro/Gusa Nordeste Pedreiras
Dona Nenenzinha
Moradora antiga Buriti
Dona Neuzinha Moradora antiga esposa seu Pedro
Chapadinha
Fraga Metalúrgico/Viena São Domingos do Azeitão
Vicente Metalúrgico/Viena São Raimundo das Mangabeiras
Toinho Encostado/Pindaré Chapadinha
Aparício Metalúrgico Viena Barra do Corda
Celso Metalúrgico Colinas
Melqui Ex-Encarregado Patos de Minas - MG
Pedro Aposentado Buriti
Raimundo Frazão Líder sindical Presidente Vargas
Joaquim Metalúrgico São Raimundo do Doca Bezerra
Dona Francisca Aposentada Cidelândia
José Metalúrgico/Simasa Caxias
João Encostado/Gusa Nordeste Estreito
Almir Ex-líder sindical Itaituba - PA
Efigênio Metalúrgico/Viena Aliança - PE
Raimundo Metalúrgico/Viena Presidente Dutra
Antônio Metalúrgico/Viena Vitória do Mearim
Francisco Metalúrgico/Gusa Nordeste Pedreiras
Zeca Ex-metalúrgico Itaituba - PA
Antônio Diniz Aposentado Chapadinha
Dina Movimento Social Miranda do Norte
Adriano Filho de metalúrgico Imperatriz
João Matias Filho de metalúrgico Açailândia
Dona Creuza Esposa de metalúrgico Colinas
André Encarregado/Simasa Humberto de Campos
Eduardo Encostado/Viena Chapadinha
Deusdete Filho de metalúrgico Açailândia
Rosa Garota de programa Balsas
Dinho Motorista/Gusa Nordeste São Raimundo das Mangabeiras
9
Os municípios que não apresentam destacada a identificação do estado em que se localizam referem-se aos
município situados no estado do Maranhão
39
CAPÍTULO 2: IMPLANTAÇÃO DO PÓLO SIDERÚRGICO EM AÇAILÂNDIA
A instalação do Distrito Industrial do Pequiá, que fica localizado a 14 km
quilômetros da sede municipal, as margens da BR-222, alavancou o processo de
construção do espaço urbano do município de Açailândia-MA. O que era um
povoado camponês passou, no intervalo de poucos anos, à condição de bairro
operário.
Conforme Cancela (1992), o discurso de crescimento e estabilidade de
emprego atraiu migrantes, sobretudo de locais no quais a atividade camponesa era
o principal vetor econômico. Para a autora, os camponeses de antes serão a
principal base para a formação do grupo de trabalhadores das siderúrgicas que
serão implantadas no município.
Segundo os moradores mais antigos, o bairro do Pequiá foi construído no
final da cada de 70, com o objetivo de alojar famílias que vinham de vários
municípios vizinhos, sobretudo para trabalhar em serrarias, Como relata Dona
Nenenzinha, Moradora do Bairro Pequiá de Baixo:
“Nós veio pra cá com o intuito de conseguir trabalho como tratoreiro.
Saímos de da roça porque tinha uma promessa de bom emprego,
meus filhos tinham que estudar (...) Agora meu marido trabalha, mas
temos que nos virar pra conseguir a aprender a viver aqui(...) (DONA
NENENZINHA, 24/02/2007)
Os dados qualitativos reunidos por Cancela (1992) apontam para uma
trajetória específica dos operários. Eles são oriundos de fazendas, serrarias, até
atividades ligadas ao setor terciário formal e informal. O espaço que antes se
constituiria por atividades agropecuárias, incorpora investimentos para a construção
de um distrito industrial por conta de um de forte investimento publicitário,
contribuindo assim para influenciar a atração de trabalhadores para o município de
Açailândia e, mais especificamente, para o bairro de Pequiá.
Para entender como o tal espaço industrial foi construído, articulado a um
forte discurso desenvolvimentista, farei a leitura dos principais momentos
constitutivos da economia do município, que estão intimamente relacionados com a
construção da Rodovia Belém-Brasília, nos anos 60, da Estrada de Ferro Carajás
nos anos 80 e a implantação das usinas de ferro-gusa a partir de 1988.
40
2.1 A construção da Belém-Brasília e o surgimento de Açailândia
Segundo a classificação oficial do IBGE, o município de Açailândia está
localizado na região da Pré-Amazônia Maranhense, no oeste do estado do
Maranhão. A área territorial do município corresponde a 5.820 k/m² e sua população
é estimada em 106.320 habitantes. De acordo com Carneiro (1989), o município de
Açailândia, até início dos anos 1980, era constituído basicamente de população
rural
10
.
Essa predominância da população rural está relacionada com o processo
de ocupação da Pré-Amazônia Maranhense, que até os anos 1970 será uma região
de atração de fluxos migratórios oriundos do Nordeste e de alguns estados do
sudeste brasileiro, que, por sua vez, podem ser relacionados com as políticas
definidas pelo Estado brasileiro para a integração da região amazônica ao espaço
econômico nacional, através da construção de rodovias e da política de incentivos
fiscais.
Enquanto a construção de rodovias, no caso a Belém-Brasília, funcionará
como um mecanismo privilegiado para o desenvolvimento de fluxos migratórios a
política de incentivos fiscais, operada pela Superintendência de Desenvolvimento da
Amazônia (SUDAM) com base nos recursos do Fundo de Desenvolvimento da
Amazônia (FINAM), será a responsável pela atração de investimentos agropecuários
e a constituição da grande propriedade latifundiária na Amazônia Oriental.
No caso de Açailândia tais investimentos - a construção da rodovia
Belém-Brasília e a política oficial de colonização - atraem os primeiros migrantes nos
anos 1960. O sucesso desses primeiros atrai levas de migrantes oriundos de
diversas partes do país na busca pela aquisição de terras através dos investimentos
tais como: serrarias, madeireiras, pecuária, agricultura, a vinda de técnicos
agrícolas, empreiteiras, corretoras dentre outras.
Segundo Carneiro (1992) esse fluxo migratório pode ser decomposto em
dois movimentos
11
: a) ocupação inicial na década de 60 por camponeses nordestino-
10
Refiro a terminologia utilizada por Cândido (1987, p.21) que segundo o autor exprime um “um
universo das culturas tradicionais do homem do campo”.
11
Situação que corresponde aos depoimentos que recolhemos nas entrevistas no Pequiá: “Aqui tem
esposa pernambucana, marido cearense, filho maranhense. Cada família possui mais de um estado
em sua casa” (Entrevista com ZÉ ALBINO, 25/02/2007)
41
maranhenses, oriundos das frentes de expansão e, b) migração de grupos sociais
heterogêneos, composto principalmente de donos de serrarias, trabalhadores não-
agrícolas e camponeses, vindos de estados como: Bahia, Minas Gerais e Espírito
Santo.
A diáspora dessa leva de migrantes heterogêneos acontece devido ao
desdobramento das frentes de expansão e uma supervalorização da terra. Para se
entender tal fenômeno é necessário compreender a dinâmica espacial e social que
levam determinados sujeitos a migrarem de um local para outro.
De acordo com Carneiro (1995) e relatos dos moradores entrevistados, as
terras eram utilizadas por esses camponeses para plantação de produtos como
arroz, milho, mandioca e feijão. Contudo, a partir do final da década de 1960 começa
a haver um processo de privatização das terras como o desenvolvimento da
atividade agropecuária incentivada.
Nos anos 1970 esse modelo de desenvolvimento, baseado na economia
da pecuária, associado a um processo de constituição de latifúndios têm o seu
momento de auge, com a conseqüente expropriação do campesinato que havia sido
atraído para a região. Registram–se nesse momento vários conflitos pela posse de
terra, devido ao processo de grilagem e privatização, fazendo com que
trabalhadores sejam expulsos de suas terras.
No final dos anos setenta ocorrerá a construção da rodovia MA-74, hoje
denominada BR-222, ligando Açailândia ao município de Santa Luzia. A construção
dessa estrada favorecerá a ocupação da área oriental do município, provocando
também processo de grilagem de terra (CARNEIRO, 1992). Entrevistas com
moradores antigos do Pequiá ressaltam esse processo:
“Quando viemos pra cá era só mato e capoeirão. Aqui a terra era boa
para plantar dava de tudo, mandioca, arroz. Ainda tavam construindo
a rodovia. Meu filho a estrada de ferro era um sonho ainda ninguém
nem imagina que ficaria desse jeito. A gente trabalhava, ajudava um
ao outro porque todo mundo é da lida meu filho, mas nunca
esquecemos quem a gente” (DONA NENENZINHA, 24/02/2007).
Segundo Carneiro (1992), ao lado da pecuária a indústria madeireira é outro
vetor importante no desenvolvimento da economia regional, que se deslocou para a região
nos anos sessenta e se firmou na década de setenta.
42
No final dos anos 70 o município de Imperatriz contava com 210
indústrias madeireiras instaladas, boa parte destas no distrito de
Açailândia. Quando este se tornar município na década de 80 será o
maior pólo madeireiro da região, contando com 54 madeireiras além
de pequenas serrarias (CARNEIRO, 1992, p. 197-198).
Contudo, o período de boom dessa indústria será relativamente rápido,
não durando mais que uma década. Esse caráter temporário da exploração florestal
pode ser relacionado com as características predatórias que assumiu o
desenvolvimento da atividade madeireira na Pré-Amazônia Maranhense, baseada
na ilegalidade, no desrespeito da legislação ambiental e fundiária, e na busca de
uma rentabilidade de curtíssimo prazo.
Analisando a situação fundiária nessas três décadas (1960 a 1980) da
história do município, com base nos dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT)
sobre os conflitos agrários, Carneiro (1995) observou uma mudança no perfil da luta
pela terra em Açailândia. Enquanto nos anos 1960-70 os conflitos estão
relacionados com a resistência de posseiros à expulsão da terra em áreas próximas
a BR-010 e a BR-222, na década subseqüente eles assumirão uma nova forma:
“O que chama atenção nesses casos é o deslocamento espacial dos
conflitos agrários, que passam das áreas próximas às rodovias para
as terras justapostas ou na proximidade dos três principais núcleos
urbanos do município (Itinga, Pequiá e a sede). Isto pode ser
compreendido se consideramos como verdadeiras as seguintes
hipóteses: de que teria havido sucesso nas operações de limpeza
efetivadas na década anterior, com o sucesso na implantação do
latifúndio no município e, segundo, que o deslocamento de
trabalhadores de Açailândia passa a ser orientado por outro objetivo,
não mais da procura de áreas para a agricultura, mas, da busca de
postos de trabalho, portanto, deslocando-se preferencialmente para
os núcleos madeireiros e, posteriormente, industrial” (CARNEIRO,
1995, p.236-237)
2.2 O Programa Grande Carajás: um novo momento na história de Açailândia
Como mostramos na seção anterior, até a primeira metade dos anos
oitenta a dinâmica econômica de Açailândia esteve relacionada com o
desenvolvimento das explorações agrícolas, madeireiras e da pecuária. Cenário que
mudará substancialmente com a construção da Estrada de Ferro Carajás e a
43
implantação do Distrito Industrial do Pequiá, ações integrantes do Programa Grande
Carajás.
O Programa Grande Carajás (PGC) iniciado e planejado em agosto do
ano de 1970, mas precisamente no ano de 1979, objetivando a produção e extração
de minérios a nível industrial, visando abastecer o mercado mundial.
A produção de minério na Serra dos Carajás, a leste do Pará, inicia-se
em 1966 contando com a participação de instituições privadas transnacionais. No
começo da década de 70 com a localização dos minérios, cria-se, então, a empresa
Amazônia Mineração S.A., uma parceria entre a Companhia Vale do Rio Doce e a
US Steel tendo como objetivo a exploração comercial do minério de ferro de
Carajás.
No fim de 1979 a CVRD assume o controle global do investimento e lança
o Programa Grande Carajás. Tal programa possui no seu alicerce a Serra dos
Carajás, uma província de minério possuindo praticamente a maior reserva do
mundo de alto teor de minério de ferro, assim como reserva de manganês, cobre e
outros.
Para explorar essa jazida mineral o PGC implantará algumas obras de
infra-estrutura, caso da Estrada de Ferro Carajás, com 890 quilômetros ligando a
Serra dos Carajás até São Luis, e o porto de Ponta da Madeira, ao lado do Porto de
Itaqui (MA). Além dessas duas obras podemos citar também como ações integrantes
do PGC a construção da Hidrelétrica de Tucuruí e o estímulo ao surgimento de
distritos industriais em municípios situados ao longo da estrada de ferro (Marabá,
Açailândia, Santa Inês e Rosário).
Com a construção da estrada de Ferrovia Carajás, elevam-se os preços
de terras e lotes no espaço urbano de Açailândia, ocorre uma supervalorização do
mercado imobiliário, um fator em andamento devido à concentração fundiária em
curso.
Por sua vez, a implantação da Estrada de Ferro Carajás atraiu um
conjunto de empreiteiras de construção civil e empresas de serviços, atividades
acessórias ao funcionamento da ferrovia. Essa alavancará ainda mais o processo
migratório, pois permitirá o deslocamento a baixo custo de um contingente
importante de pessoas para o município.
44
“Quando de seu funcionamento a partir de 1984 a ferrovia
funcionará como um veículo de mobilidade da força de trabalho
regional, com o número de passageiros transportados chegando a
crescer mais de 100% em apenas cinco anos (...), movimentando-se
principalmente no trecho Santa Inês-Parauapebas (...). Situada
quase na metade desse trecho a estação de Açailândia apresenta
também um alto movimento de passageiros, dentre outros aspectos,
principalmente por estar no entroncamento das BR-010 e BR-222”
(CARNEIRO, 1992, p. 200).
Atraídas pelos investimentos na região as indústrias de ferro-gusa são
instaladas no fim década de 80, modificando o quadro social, político, econômico e
ambiental da região. Com a chegada dessas empresas as terras supervalorizam,
acelera-se o processo de urbanização, sendo ainda vetor de transformações no
mercado de trabalho. De acordo com Cancela (1992), o bairro do Pequiá se
transforma no “hall” das siderúrgicas, um depositário de mão-de-obra. Um mix de
bairro operário com favela
Para Cancela (1992), a idéia inicial observada no discurso dos moradores
atribui à instalação das indústrias uma elevação na remuneração, associada a um
espaço de circulação de mercadorias oriundas da parte central de Açailândia, com
preços elevados para compensar o deslocamento, em um espaço sem nenhuma
infra-estrutura urbana, contribuindo com o aumento do mercado imobiliário
proporcional à chegada de inúmeros trabalhadores na busca pelo emprego.
Os lotes de terras nos quais foram construídos imóveis de dois a três
cômodos pertenciam a antigos moradores que eram fazendeiros ou pequenos
proprietários. Os loteamentos foram responsáveis pela ocupação da margem direita
da BR-222 (CANCELA, 1992). Segundo a autora duas vantagens podem ser
destacadas para os proprietários: a) aumento da renda familiar com o dinheiro pago
dos aluguéis e, b) a valorização dos preços dos imóveis.
As conseqüências que foram observadas dizem respeito aos efeitos de
aumento populacional extremamente acelerado convergindo com uma ausência de
planejamento urbano, o que resultou no quadro de forte desemprego, com atores
socais transitando entre o trabalho em roças e em pequenos ‘bicos” (CANCELA,
1992).
45
2.3 A chegada das indústrias de ferro-gusa
O processo de implantação da siderurgia em Açailândia está relacionado
com uma proposta de descentralização da produção industrial brasileira, amparada
no II Plano Siderúrgico Nacional e, como adiantamos, com as obras de infra-
estrutura do Programa Grande Carajás.
Essa industrialização tem como principal característica a intervenção
direta do Estado e a atração de capitais de outras regiões do Brasil, pois as
empresas que se instalam em Açailândia são oriundas de estados como Minas
Gerais (Viena Siderúrgica) e Pernambuco (COVAP).
A ação governamental, no que se refere à esfera federal e estadual,
apresenta como atrativo para a implantação dessas indústrias dois trunfos: i) a
concessão de incentivos fiscais e, ii) a isenção do pagamento de impostos. No plano
municipal as empresas recebem a cessão gratuita dos terrenos para instalação.
Segundo o discurso governamental da época o objetivo dessa atuação
seria o da constituição de um parque siderúrgico a carvão vegetal na área do PGC
capaz de abastecer o mercado consumidor das regiões norte-nordeste e do estado
de Goiás com uma produção estimada para o ano de 2010 de 10,0 milhões de
toneladas de laminados de aço, de 2,6 milhões de placas de aço, de 3,2 milhões de
toneladas de ferro gusa e de 0,94 milhão de toneladas de ferro-liga (CAGNIN apud
CARNEIRO, 1989, p.175).
As empresas de ferro gusa, única segmento industrial listado no
planejamento governamental que veio a efetivamente se estabelecer na região,
contaram para sua implantação com o forte apoio de financiamentos públicos
oriundos do Fundo de Investimentos do Nordeste FINOR e do Fundo de
Investimentos da Amazônia FINAM. Uma vez aprovados os projetos, seus
signatários recebiam até 75% do valor total indicado como necessário à implantação
do parque industrial e à aquisição de áreas destinadas ao desenvolvimento de
supostos projetos de “manejo florestal” ou de reflorestamento.
Os primeiros empreendimentos industriais foram implantados no
município em 1988 (Viena Siderúrgica e Cia. Vale do Pindaré). Nos anos seguintes
serão instaladas as empresas Gusa Nordeste, Siderúrgica do Maranhão S/A
46
(SIMASA) e Ferro Gusa do Maranhão S/A (FERGUMAR), cujas principais
características produtivas apresentamos no quadro abaixo.
Quadro 2: Perfil das indústrias siderúrgicas instaladas em Açailândia - MA.
Empregos Previstos
Nome Grupo
Proprietário
Capacidade Produtiva
(ton./ano)
Diretos Indiretos
Viena Siderúrgica
do Maranhão
Capital
próprio
500.000
192
1500
Cia. Siderúrgica
Vale do Pindaré
Queiroz
Galvão
240.000
150
1350
Siderúrgica do
Maranhão S/A
Queiroz
Galvão
190.000
170
1400
Gusa Nordeste
S/A
Grupo
Ferroeste
216.000
155
1455
Ferro Gusa do
Maranhão S/A
Capital
próprio
200.000
188
1500
Fonte: http//www.asica.org.br
A indústria Viena Siderúrgica do Maranhão S.A. começou a operar no ano
de 1988, funciona atualmente com cinco altos-fornos, com uma capacidade
instalada para a produção de 500.000 toneladas de ferro-gusa/ano.
A Companhia Siderúrgica Vale do Pindaré entrou em funcionamento no
ano de 1988 com um alto forno de capacidade de 55 mil toneladas/ano e foi
adquirida em 1996, pelo grupo Queiroz Galvão. Processo similar ocorreu com a
SIMASA, que entrou em operação no ano de 1991 e também foi comprada pelo
grupo Queiroz Galvão em 1994. Hoje essas duas siderúrgicas possuem quatro alto-
fornos para a fabricação de ferro-gusa, o que possibilita a produção
aproximadamente 456.000 toneladas /ano.
A Gusa Nordeste possui um alto forno de capacidade de 53 mil
tonelada/ano de ferro gusa, enquanto a FERGUMAR, que foi a última siderúrgica a
se instalar, possui um único alto forno de produção com capacidade para 55 mil
toneladas/ano.
A instalação desse conjunto de empresas cria uma nova situação para o
município de Açailândia, logo se assiste à constituição de um distrito industrial, com
a criação de cerca de mil empregos diretos. Associada à atividade siderúrgica
expande-se a produção de carvão vegetal, que é o processo produtivo de maior
impacto para a região, considerando o número de empregos gerados (CARNEIRO,
1992).
47
Portanto, devemos destacar que o surgimento de empregos diretos e
indiretos não beneficiou o grupo de agentes sociais que seriam beneficiados por tais
empreendimentos. Como mostra o depoimento que colhemos junto a um
encarregado
12
que trabalhou numa das primeiras empresas a se instalar em
Açailândia, que destaca a dificuldade de absorção da mão-de-obra local, dada a
falta de tradição do trabalho metalúrgico na região:
“Quando chegamos aqui precisávamos maciçamente de mão de
obra, porém, aqui, os indivíduos eram analfabetos e não sabiam o
ofício de operário metalúrgico, apenas com o tempo, o passar dos
anos, com a introdução de alguns trabalhadores como serventes
gerais, limpando o pátio das fábricas e descarregando carvão, foi que
conseguiram aprender a base da metalurgia, ai transmitindo de um
para o outro pouco a pouco foram sendo inseridos, mas nos
primeiros anos, trazíamos de Minas Gerais e Bahia.”
(APARÍCIO, encarregado da Viena)
O gráfico abaixo (Gráfico 1) nos uma imagem da evolução da
produção guseira da região de Carajás, que engloba além das usinas de Açailândia,
duas outras no Maranhão (Margusa e Cosima) e mais oito usinas em Marabá no
Pará. Observe-se que a tendência, a partir da segunda metade dos anos 90 é de
crescimento acelerado.
12
O encarregado é um responsável pela fiscalização dos postos de trabalho
48
Gráfico 1: Evolução da produção de ferro-gusa feita por usinas independentes localizadas
na Região de Carajás (1990/2006)
Fonte: Monteiro (1998, p.256)
Contudo, apesar desse crescimento da produção siderúrgica o volume de
empregos diretos gerados não se amplia na mesma proporção. Ademais, o volume
disponível de força de trabalho supera enormemente a disponibilidade de ocupações
aportadas pelas guseiras, fazendo com que as empresas siderúrgicas disponham de
um importante exército industrial de reserva, funcionando como instrumento de
limitação da mobilização dos trabalhadores metalúrgicos.
Esse fosso existente entre a disponibilidade de força de trabalho e a
geração de postos de trabalho na atividade siderúrgica pode ser mais bem
compreendido quando consideramos os dados levantados em pesquisa realizada
pelo GERUR/UFMA sobre o perfil da população dos bairros populares de Açailândia.
Segundo esse levantamento, de um total de 761 entrevistados apenas 1,9%
estavam ocupados em atividades relacionadas com o trabalho na siderurgia ou na
metalurgia, enquanto ¾ do universo total da pesquisa respondeu que estava
envolvido em atividades desenvolvidas no setor terciário (comércio e serviços) e na
economia informal (MOURA, 2007).
0
2.000.000
4.000.000
6.000.000
8.000.000
10.000.000
12.000.000
14.000.000
Quantidade Produzida
1990
1991
1992
1993
1994
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
Anos
Região de Carajás
Brasil
49
CAPÍTULO 3: A PRODUÇÃO DE FERRO-GUSA E O PROCESSO DE TRABALHO
NAS USINAS GUSEIRAS
O processo produtivo do ferro-gusa está relacionado com a cadeia
produtiva do aço. Por sua vez, a produção guseira é apenas uma etapa dentro
dessa cadeia. A noção de cadeia produtiva parte do pressuposto de que a produção
total de bens está interconectada a toda lógica de produção e circulação de
mercadorias, no qual vários atores estão inter-relacionados por: fluxos contínuos de
materiais, capital disponível e agregado mais informação, tendo como objetivo dar
suprimento ao mercado final com os produtos do sistema gerados pela cadeia.
Por questão de método optei por dividir a descrição do processo em duas
análises: a) a descrição modular de formação do ferro-gusa; b) a divisão do trabalho
interna ao chão de fábrica. A primeira é uma descrição técnica da produção,
enquanto a segunda aborda a dimensão social desse processo.
3.1 A produção do ferro-gusa
O ferro-gusa é um produto resultado da fundição do minério de ferro com
carvão e calcário num alto forno, contendo normalmente até 5% de carbono e
demais elementos residuais como: manganês, fósforo, enxofre e silício.
A produção de ferro gusa pode ser compreendida com uma etapa
preliminar para a produção de aço. As usinas de ferro gusa são de dois tipos:
integradas e semi-integradas. As siderúrgicas integradas promovem a transformação
do minério de ferro em produtos siderúrgicos, semi-acabados ou acabados
(laminados). As siderúrgicas não-integradas caso das que existem em Açailândia -
são usinas produzem apenas o ferro gusa vendendo-o posteriormente para usinas
semi-integradas que utilizaram esse ferro para a fabricação do aço.
O processo de produção semi-integrado se a partir da aciaria, que usa
a sucata de ferro como seu principal insumo. A figura 1 demonstra o processo de
produção de ferro gusa em suas diversas possibilidades.
50
Figura 1: Esquema de produção do ferro-gusa ao aço
Fonte: Araújo (1997, p.23)
De acordo com a figura 1 as principais diferenças entre as usinas
integradas e a semi-integradas é a ausência da etapa de redução do minério de
ferro que é feita pelas mini-mills ou mini-usinas. Esta etapa está relacionada
diretamente na “transformação do minério de ferro em ferro-gusa, ferro-esponja
(DRI) ou ferro briquetado a quente (HBI), sendo utilizados para isso, altos-fornos (a
coque ou a carvão vegetal) ou instalações de redução direta.” (ARAÚJO, 1997).
as não-integradas são responsáveis apenas pela produção do ferro gusa, que sai na
forma de matéria-prima, após o seu processamento em um alto-forno (Figura 2).
Foto 1: Pelotas de ferro gusa estocadas no pátio de uma siderúrgica.
Fonte: Barros (2007 apud CAMARGO, 2007)
51
A produção de ferro-gusa como comentamos anteriormente, necessita de
um conjunto de produtos (carvão vegetal, minério de ferro, calcário, etc.) e
corredores contínuos intercalados entre si para obtenção do produto final do gusa.
A interpendência entre os mais variados setores da produção faz com que
seja observado o processo produtivo como um aglomerado de micro processos que
vão da logística a forma de organização.
Podemos destacar três etapas dentro da logística de fabricação do ferro
gusa: i) o transporte de insumos ao interior da fábrica, ii) o processo de
transformação do minério em gusa e iii) o transporte do gusa fabricado para as
instalações de venda.
A etapa que corresponde ao transporte do carvão vegetal é feita por
caminhões- gaiola que carregam o carvão a o interior das siderúrgicas.
Geralmente ao chegarem à parte interna das fábricas, os caminhões (foto 1) o
divididos em grupos de quatro, enfileirados, seguindo a lógica de chegada.
A partir daí os veículos são direcionados ao local no qual é feita a
descarga do carvão. Nesse local existem grupos de operários que tem a função de
descarregar o carvão e colocá-lo na esteira que transportará o produto aos alto-
fornos. É importante destacar que o tempo de permanência no pátio da fábrica é
controlado de acordo com o tempo de produção.
Após a descarga na balança, o minério e o carvão, é pesado um depois o
outro e logo em seguida, peneirados para separar as impurezas. Nesses sub-
processos, existem dois grupos de trabalhadores para cada sub-etapa, separados
em vagões e encaminhados por esteiras diferentes até o local no qual estão
instalados os alto-fornos (Figura 2). O restante do minério que passou pela peneira é
encaminhado ao sinterizador
13
para ser usado como escória e muinha, para
asfaltamento, como no caso das ruas do Pequiá.
13
Isto é feito através do processo chamado de sinterização. Tendo como função aglutinar os finos de
minério e coque, para a produção do “sínter”. A sinterização geralmente é feita em instalações das
próprias siderúrgicas.
52
Figura 2: Processo de fundição do minério
Fonte: MSPC Informações técnicas (2007)
Na figura acima apresentada (Figura 2), temos a descrição do
funcionamento de um alto-forno para produção de ferro-gusa. O processo de
produção começa com o seu carregamento com minério de ferro, carvão vegetal (ou
outro insumo energético como o coque metalúrgico), calcário e dolomita.
Uma vez transportados para dentro dos altos fornos esses componentes
são fundidos e o minério de ferro é transformado em ferro-gusa. Após a fusão, o
ferro-gusa em estado líquido escoa por canais que se localizam na parte inferior dos
fornos e deslizam até um equipamento denominado lingotador.
Este processo é chamado de conformação e se encerra com o
resfriamento do gusa que foi despejado nas formas do lingotador. Por sua vez, o
gusa formado é retirado do lingote no formato de cubos de 10 a 15 cm com um
peso que varia entre 3 a 5 quilos.
O quadro 3 apresenta um resumo das etapas de fabricação do ferro-gusa.
Quadro 3: Etapas da produção e sua finalidade
Etapa Finalidade
Transporte inicial Transportar a carga de minério e carvão até o pátio.
Pesagem Pesar a carga de minério e do gusa.
Descarga Descarga do carvão e minério
Lingotamento contínuo Processo de composição e formação do gusa
Conformação Resfriamento e finalização do processo de produção do ferro-gusa
Transporte final Transporte feito até aos compradores
53
3.2 O Processo de Trabalho na indústria de ferro-gusa
A organização dos grupos de trabalhadores no processo de produção do
ferro-gusa está diretamente relacionada com as metas de produção estabelecidas
pelas empresas. Essas metas são definidas pela superintendência de cada uma das
fábricas e variam de acordo com sua capacidade de produção (número de altos
fornos, disponibilidade de insumos, etc.).
O processo de trabalho nas siderúrgicas em Açailândia passou por várias
modificações nos últimos dez anos, principalmente no que tange a qualificação do
trabalhador. De acordo com os relatos coletados em entrevistas, o modelo de gestão
implantado pelas empresas guseiras leva em consideração principalmente a
versatilidade do operário. Um trabalhador versátil é aquele que consegue realizar
várias atividades do processo produtivo do ferro gusa, caso, por exemplo, de um
descarregador de carvão que venha a trabalhar como forneiro caso haja
necessidade.
“Nós quando chegamos aqui aprendemos um pouco de tudo, fui
forneiro, hoje sou descarregador de lingotes e daqui a pouco estarei
em outra função se o patrão assim quiser” (CELSO, operário da
Viena, auxiliar de produção 2, forneiro)
Vale ressaltar que a instalação dessas empresas numa região sem
tradição industrial e cuja ação sindical nesse até hoje é bastante frágil, teve como
foco a busca por uma mão-de-obra o qualificada que se ajusta com maior
facilidade a disciplina e as normas de controle do trabalho.
Como mostram os estudos realizados em Açailândia os trabalhadores
recrutados por essas empresas são, desde o início, migrantes oriundos de estados
com pouca tradição no setor industrial.
Salvo exceção, a maior parte desses operários trabalhava no tempo
passado, como pequeno produtor juntamente com a unidade familiar
original, em terras de fazendeiro, sob sistema de arrendamento e
parceria. Com a formação de novas unidades familiares, (...), o
início da migração desses camponeses (hoje operários das guseiras)
que constroem a perspectiva de conseguir terra para cultivar ou
emprego no mercado de serviços (CANCELA, 1992, p. 5).
54
Os operários entrevistados revelam uma trajetória ocupacional marcada
pelo trabalho na agricultura. Podemos dizer que são camponeses que são
absorvidos pelas indústrias, adotam um sistema de contratação que, ao início da
década de 90, compatibilizava o uso de trabalhadores não qualificados e o
pagamento de baixos salários.
Segundo esses relatos num primeiro momento eles não tinham sequer a
carteira de trabalho assinada, pois recebiam o pagamento semanalmente e após o
término eram dispensados.
Após a criação do sindicato em 1989, houve um processo de
regulamentação e formalização do trabalho no setor siderúrgico, que atingiu as
posições menos remuneradas no interior das fábricas.
Nas firmas o operário aprendia trabalhando
14
. Os conhecimentos
necessários para a produção de ferro gusa, salvo para as ocupações centrais
(encarregado do forno, lingotador), foram sendo adquiridos no cotidiano do processo
de produção. Portanto, podemos dizer que foi no contato com os chefes e outros
profissionais que ocorreu o aprendizado dos operários da indústria guseira.
Por outro lado, o aprendizado de um trabalho pouco qualificado encontrou
correspondência com o universo cultural desses ex-camponeses, cuja trajetória
social está vinculada à absorção de práticas do trabalho intenso na dura vida diária.
Essa ênfase na capacidade de aprendizado significa para os
trabalhadores a representação de dignidade e trabalho honesto. Um dos
trabalhadores entrevistados, seu Raimundo (operário da empresa Viena, forneiro,
auxiliar de produção 1), afirma que: “a prática, aqui, vale mais que conhecimento no
papel. Trabalhar é bom demais eu fico orgulhoso de mim e dos colegas que
trabalham duros e pagam suas contas no fim do mês”.
É importante ressaltar que para um pequeno grupo de operários, que
trabalham diretamente com o alto forno e a roda de lingotamento, a exigência de
qualificação foi desde o início diferenciado, exigindo um maior preparo. Para essas
14
As empresas usam estratégias no qual o aprendizado on the job, ou seja, o aprendizado obtido na
prática é a principal forma de modelar o trabalhador aos objetivos da empresa. Em alguns casos, é
utilizado o treinamento de curta duração. A escolaridade, inicialmente descartada em funções
consideradas simplificadas, começa a ser exigida quando são inseridos cartões eletrônicos que
registram as horas de trabalho de cada operário. Nesse sentido, a reestruturação corre paralela com
o controle das atividades operacionais dos trabalhadores assim como o desenvolvimento tecnológico.
55
funções as empresas trouxeram forneiro e lingotadores do estado de Minas Gerais,
só muito depois é que irão empregar operários locais nessas funções, que acabaram
por se tornar os postos de trabalho mais desejados pelos trabalhadores locais
(CANCELA, 1992, p.8).
3.2.1. A hierarquia do processo produtivo
O processo de produção de ferro gusa é relativamente simples e
conduzido segundo poucos níveis hierárquicos. Na base do processo produtivo
encontramos o auxiliar de serviços gerais, também conhecidos como “orelha seca”.
Uma vez ultrapassada a condição de auxiliar de serviços gerais o trabalhador das
guseiras pode se inserir como auxiliar de produção em algum dos setores de
produção existentes (Quadro 4)
Quadro 4: Níveis hierárquicos
Setor de produção Níveis de Produção
Descarga Auxiliar de Produção 1 e 2
Peneira e balança Auxiliar de Produção 1 e 2
Forno Auxiliar de Produção 1 e 2
Lingote Auxiliar de Produção 1 e 2
Dentro de cada setor os trabalhadores são divididos em dois níveis:
auxiliar de produção 1 e auxiliar de produção 2. O auxiliar de produção 2 é o
trabalhador que chefia determinado setor (forno, balança, lingotamento), sendo
acompanhado por um número variável de auxiliares de nível 1. Para os cargos de
supervisão e chefia existem o de superintendente e o encarregado.
Se formos acompanhar a seqüência de atividades que compõe o
processo de produção do ferro gusa dentro da unidade fabril (Quadro 3), o
descarregador de carvão e de minério é o primeiro posto de trabalho dentro da
lógica interna ao “pátio”. Ele é a pessoa que tem como finalidade descarregar o
carvão e o minério dos caminhões de transporte.
O grupo espera a chegada do caminhão e começa a fazer a descarga em
meio à poeira que sobe com a atividade de descarregamento. Aqui, nesse tipo de
trabalho, o esforço é tremendo, segundo os próprios trabalhadores. O
56
descarregamento dura em torno de quinze minutos e em seguida o carvão e o
minério são colocados em suas respectivas peneiras
15
pelos trabalhadores.
Controlando essas duas peneiras fica um operador
16
. Esse trabalhador é
o responsável por uma mesa de comando que controla a quantidade de minério e de
carvão que serão direcionados para o alto-forno.
A “sobra” do minério de ferro que fica do processo de peneiramento é
aproveitada para a sinterização
17
.
Nesse ponto, os operários são divididos em dois grupos de seis
18
: o
primeiro grupo é responsável pela matéria que será encaminhada ao sinterizador e o
outro responsável por encaminhar o minério para os alto-fornos. Esses
trabalhadores são os responsáveis pelo carregamento e descarregamento da
peneira.
Os forneiros são os responsáveis pelo funcionamento do alto-forno e
geralmente são em número de seis. Tem como atividade principal controlar a
temperatura do alto forno e o processo de fabricação do gusa. De acordo com o
nível de temperatura, que é informado pelo auxiliar de produção 2, eles inserem
mais ou menos carvão vegetal no alto forno. Quando este atinge uma temperatura
superior a 1.200 graus o ferro sobe pela pressão do vapor, escorre por ventoinhas e
desce para a roda de lingotamento, onde ficará em repouso até atingir o estado
sólido.
Para os entrevistados esse é o trabalho mais perigoso da atividade
guseira. O ar que sai dos fornos é muito quente, o que desgasta esses
trabalhadores, ademais o material de proteção utilizado parece o ser suficiente
para propiciar conforto aos forneiros.
Uma vez produzido, o gusa segue para a roda de lingotamento, onde será
resfriado e tomará a sua forma final. Os trabalhadores responsáveis por essa seção
são denominados de lingotadores. Finalizada a atividade de lingotamento os
operários enviam o gusa produzida para o setor responsável pelo armazenamento e
transporte.
15
A finalidade do peneiramento é separar as partes impuras ou detritos do carvão e, separadamente
a do minério.
16
Classificado como auxiliar de produção 1.
17
Sinterização é o processo de transformação das sobras do minério para serem reaproveitadas na
nivelação de ruas.
18
Trabalho realizado pelo auxiliar de serviços gerais.
57
3.2.2 A experiência como fator de diferenciação interna
Apesar de pouco diferenciado o processo de trabalho na indústria guseira
também implica em processos de mobilidade interna. Segundo as observações e
entrevistas realizadas podemos dizer que dizer que “o aprender no trabalho” é o
mecanismo principal dessa mobilidade interna e da obtenção de melhores salários.
Contudo, esse “aprender no trabalho” vai bem além dessa possibilidade
de melhorar a posição do trabalhador no processo produtivo, ele é também um
instrumento de interlocução, fundamental para o estabelecimento de relações de
solidariedade no chão de fábrica. Portanto, é esse aprendizado que vem com o
tempo, com o contato com companheiros mais experientes, que permite a
construção de diferentes práticas de resistência do trabalho frente à gerência.
Seu Aparício (operário da empresa Viena, encarregado) comentou certa
vez em entrevista: “os homens, muita das vezes davam moleza, iam fumar um
cigarro, conseguiam enganar o serviço”.
Internamente, a diferenciação quanto à qualificação se de três
maneiras: i) o tempo de experiência, ii) o grau de escolaridade, e iii) a formação
profissional.
Os cargos localizados no alicerce da pirâmide hierárquica têm por base
apenas o grau de escolaridade e o tempo de experiência. Os trabalhos típicos do
sistema informacional capitalista que acompanham o desenvolvimento tecnológico e
as formas operacionais de uso da mão-de-obra como os cargos de: encarregado,
superintendência, controles de qualidade e segurança do trabalho, exigem cursos
técnicos e cursos de nível superior. Geralmente são ocupados por profissionais
contratados fora de Açailândia, pois o município ainda não dispõe de infra-estrutura
educacional que supra com as necessidades desse setor.
Os trabalhadores camponeses do Pequiá que não tinham conhecimento
do processo trabalho numa indústria siderúrgica irão adquirir tal conhecimento a
partir da inserção em determinados postos de trabalho, como o de auxiliar de
serviços gerais.
“O primeiro posto que qualquer um sem experiência começa a
trabalhar é o de serviço geral, o orelha seca
, o faz tudo. Ele limpa o
pátio ajuda na descarga do carvão e lá ele aprende o processo de
fundição do ferro, ai ele é alojado para algum posto mais específico”.
58
(VICENTE, operário da empresa Viena, auxiliar de produção 2,
operador da mesa de comando)
A principal importância de trabalhar como “orelha seca” é a possibilidade
que essa função abre para o aprendizado do processo de trabalho que envolve a
produção de ferro-gusa.
O trabalhador do serviço geral, segundo os próprios operários, é o “faz-
tudo”. Ele faz faxina, auxilia na coleta de carvão e minério, limpa o pátio, etc. O
“orelha seca”, como é denominada essa função pelos próprios trabalhadores, circula
os demais postos de trabalho. O objetivo principal, dessa posição inicial é fazer com
que o operário conheça a cadeia produtiva, de forma que depois ele venha a ser
inserido em alguma outra função do processo de trabalho.
“O “oreia” seca aqui começa fazendo de tudo um pouquinho, até
aprender a ordem de fazer o gusa, ai ele é encaminhado para
alguma tarefa simples. Ele é sempre o primeiro emprego de todo
trabalhador que entra aqui.” (VICENTE, 26 de fevereiro de 2007)
“Muitos aqui ficam um ano em uma firma um ano em outra, mas sua
experiência conta, eles logo olham sua carteira de trabalho ai
colocam você pra trabalhar em uma função que você fez
(EFIGÊNIO operário da empresa Viena, Auxiliar de produção 1,
forneiro)
Porém, os trabalhadores que começam nesse cargo são inexperientes e
muitas das vezes o conseguem ascender para outros postos, ficam apenas no
posto de serviço geral ou no de descarregamento, de carvão ou minério, que é uma
função que exige menor conhecimento e habilidade técnica.
O tempo e experiência de trabalho determinam o posto no qual o operário
será inserido. O Auxiliar é um aprendiz. É nessa etapa que o trabalhador está
aprendendo o ofício e lógica interna da firma.
Além da experiência adquirida no trabalho, com o passar do tempo as
empresas passaram a exigir trabalhadores com algum nível de formação escolar,
pelo menos a alfabetização completa. Dessa forma a escolarização começa a ser
vista como uma âncora para mobilidade no qual o salário é maior.
Nesse novo momento, as empresas estimulam os trabalhadores a
buscarem conhecimento visando à obtenção de melhorias de produtividade e
adequação dos mesmos aos modelos de produção. Por sua vez, os trabalhadores
59
se mobilizam para a conclusão da escolaridade, se inserindo principalmente em
programas municipais de educação de jovens e adultos, uma vez que inexistem
cursos de capacitação para a formação de forneiros e lingotadores.
Muitos dos trabalhadores relatam que existem cursos oferecidos pelo
departamento de recursos humanos, mas que apenas são cursos de motivação, que
para por boa parte dos entrevistados em nada acrescentam a sua formação
profissional.
Por conseguinte podemos dizer que a experiência adquirida no trabalho é
o elemento central para a inserção e manutenção na atividade siderúrgica em
Açailândia. Como afirmou um de nossos entrevistados, “como alguém vai trabalhar
sem saber o que é o seixo ou a escória?” (Sr. Celso, Viena, auxiliar de produção 2,
lingoteiro). Estar inserido, mesmo no posto mais baixo, é fundamental também por
conta da construção de redes de relações dentro da firma. Como nos disse um
informante:
“Tem que conhecer os colegas porque se tu és demitido pode ainda
ser chamado porque eles avisam quando precisa. (...) Quando um
pai e um irmão trabalham na firma, fica mais fácil para conseguir
emprego” (RAIMUNDO, Viena, forneiro).
Como indicamos anteriormente essa maior experiência também é
importante porque propicia uma melhoria na remuneração recebida. Entretanto, vale
registrar que é muito difícil entender como esse mecanismo opera na prática, pois,
como as usinas possuem diferentes sistemas de remuneração a tarefa de
determinar com exatidão os salários dos operários torna-se muito complicada.
Segundo informações do presidente do sindicato o salário-base do
auxiliar de produção 1 equivale a R$ 469,25. Quando são adicionados os encargos e
os adicionais por insalubridade ele pode chegar a R$ 700,00. Um auxiliar de
produção 2 recebe algo em torno de R$ 900,00 alcançando às vezes a R$ 1.000,00
reais com os adicionais e encargos. Porém é muito difícil definir o salário fixo pelo
fato da existência do adicional pelo trabalho noturno e do recurso às horas extras.
Para o presidente do STIMAI essa variação do salário faz parte de uma
estratégia individual de cada firma e que o sindicato vem tentando acabar:
“Nós temos um processo aqui, que a gente ainda não conseguiu
acabar com isso as empresas quando vão contratar, nós fizemos um
60
levantamento de diferenças de salários por função. Tanto de
empresa pra empresa, como internamente. Temos uma coisa aqui,
que é até curioso, às vezes na mesma função um salário é 3 vezes
maior que um de outro que faz a mesma função. Baseado na
condição do funcionário. Ele ta precisando de emprego a empresa
diz que contrata por um valor “x”. Na situação que o cara ta! Quer
dizer, não tem ética. Pra você ter idéia, na Viena Siderúrgica o
mecânico industrial. eles têm também a mania de mudar de nome
a função do operário. Mecânico industrial vira mecânico de
manutenção. tem o 1, o 2, o 3, o 4 e por vai. É tudo a mesma
função, mas o salário é diferente. Aí tem um que ganha R$ 469,50 o
mecânico de manutenção, e outro que ganha R$ 1.090,21. Então
quer dizer, mais de 3 vezes, o dobro, quase 3 vezes. Então este
trabalho vem sendo feio a mais de 3 anos, lutando pra poder
melhorar. Estes daqui são todos funcionários fichados nas empresas.
Não tem nenhum terceirizado”(RAIMUNDO FRAZÃO, presidente do
sindicato).
Outro fator importante na composição do salário é o tempo de trabalho na
firma, pois o salário muda com a antiguidade no trabalho. Como relata o
encarregado Aparício:
“Aqui tem uns que ganham 600 reais outros 700 e por ai vai. Vai
depender do tempo e da sua relação com a própria firma.
Funcionário fiel sempre ganha um pouco mais” (APARÍCIO, operário
da Viena, encarregado).
A “experiência” é uma noção estruturante que é construída e acionada
como um determinante da posição do ator dentro do espaço fabril. É ela também
que instaura uma diferenciação central entre os operários do ferro gusa, uma vez
que a construção do respeito no interior da firma ocorre pela mediação do tempo de
trabalho.
“Aqui os mais velhos conhecem mais pessoas, são mais escutados,
quem trabalha mais tempo sempre tem voz na firma. Sempre
vai ser assim. Os mais novos muita das vezes nem sabe de onde
saiu o nome orelha seca. Mas sabem para que serve. Quem trabalha
mais tempo sabe mais coisa. Não precisa ser necessariamente
mais velho em idade, mas tem que ter trabalhado muito tempo
passado por várias firmas ou ficado muito tempo no serviço. Aqui a
experiência é quem manda” (Sr. CELSO, operário da empresa Viena,
auxiliar de produção 2, lingoteiro)
61
A idade, nesse caso, é indício de um maior tempo de experiência, de
tempo de trabalho, não necessariamente de tempo biológico, mas da idade do
trabalhador na usina siderúrgica. A “experiência” determina a idade, em termos
simbólicos, a idade do trabalhador na fábrica. Determina também sua posição
hierárquica. Ela faz com que o trabalhador acumule recursos que lhe permite
interferir com mais segurança nas relações que se estabelecem no interior do
espaço fabril.
“Pesquisador - O que significa ter experiência para vocês?
Entrevistado - Significa ter prestígio, ter aprendido com o tempo o
necessário, o funcionamento da siderúrgica. Os mais antigos nesse
ramo, conseguem emprego fácil são mais escutados pelos outros até
por funcionários que estão em postos maiores.
Pesquisador – tem haver com a idade biológica?
Entrevistado não, não tem nada a ver. O que importa é o tempo
que você permanece no trabalho metalúrgico. Esse é o tempo que
importa.” (APARÍCIO, Viena, Encarregado)
3.3 A jornada de trabalho
A questão da jornada de trabalho (duração e ritmo do trabalho) se
consolidou como uma questão importante na organização social desses operários.
A padronização do tempo de trabalho possui conseqüências profundas no
disciplinamento do trabalhador através de técnicas eficazes, que nas palavras de
Foucault (1998), são saberes que transformam os corpos dos operários em corpos
dóceis.
Para discutir a jornada de trabalho como fenômeno sociológico, ancorei-
me nas concepções de disciplina e biopoder de Foucault, pois percebi que nas
siderúrgicas de Pequiá, os operários estavam se inserindo não apenas em um novo
modo de trabalho, mas sim em um novo sistema de disciplinamento do ritmo de vida.
Assim, Foucault (op. cit., p. 119) entende que o corpo não é apenas o
aparato biológico (o organismo vivo), mas uma construção simbólica perpassada
pelo disciplinamento produzido por forças sociais. No caso por mim estudado, o
corpo do camponês que se torna operário passa por um processo de reelaboração,
sendo inserido em uma nova lógica que disciplina as condutas, o modo de pensar,
organizar e ver o mundo. O corpo do operário torna-se necessário ao sistema de
62
produção, sendo desta maneira, disciplinado e controlado para que se torne útil.
Como relata Efigênio, (operário, Forneiro)
“Aqui, eu de tanto repetir o movimento de descarregar o carvão, eu já
faço quase que automático. Tudo isso porque tem que fazer bem
feito e com pressa porque temos que alcançar tantas toneladas no
fim do dia. Até meu sono se acostumou com o ritmo do serviço
pesado da firma.” (EFIGÊNIO, operário da empresa Viena, auxiliar de
produção 1, forneiro)
Conforme Foucault, o processo produtivo é um dos mecanismos eficazes
de submissão do corpo a medidas disciplinares
19
, de modo que os movimentos e
autoconhecimento corporal sejam controlados mecanicamente pelo sistema
produtivo. Na verdade, o processo produtivo reformula a concepção de trabalho e de
corpo operário por meio de uma nova gestão e controle da aplicação da força de
trabalho. Porém, concebo que o processo produtivo disciplina os operários de
Pequiá, implantando novas dinâmicas, mas estes não são passivos, pois existem
várias lógicas da antiga sociedade camponesa da qual faziam parte que ainda se
manifestam com grande poder regulador.
Deste modo, fui percebendo o conjunto de dispositivos (rotinas de
trabalho, controle do tempo segundo a fábrica, inserção em uma lógica hierárquica
empresarial e estabilidade salarial) de controle e técnicas de reforço no trabalho
(rotinas) incidem sobre o corpo desencadeando em uma modelagem (o corpo-dócil).
A partir desta perspectiva de análise, pude perceber o que Foucault
afirma como: existe um poder sobre o corpo que o disciplina. Este poder em Pequiá
é exercido pela lógica trazida pela siderurgia (ou mesmo a simples presença de sua
arquitetura por detrás do Pequiá de baixo) que se incorpora, mesmo fora da fábrica
nas dinâmicas sociais dos moradores, aos corpos dos trabalhadores.
Na siderúrgica este fenômeno fica bem claro na observação da jornada
de trabalho. Os operários entram na fabrica em turnos que são destacados pelas
19
Esta racionalização temporal, assim como o sistema burocrático da siderurgia, funciona como
dispositivos de controle e disciplinamento do corpo dos operários. Daí percebi que a noção de micro-
poder e biopoder ajudariam a pensar o processo produtivo no referente à jornada de trabalho e suas
implicações nas relações no chão de fábrica, pois as relações de poder no caso estudado fervilham
por entre a siderurgia, mesmo que não aja um sujeito individual as impondo, pois o poder encontra-se
invisível nas relações e na própria organização temporal, sendo observável nas ações, nos corpos,
gestos e comportamentos dos operários.
63
sirenes de aviso, enquanto no interior do aparelho produtivo o ritmo de carga e
descarga do alto forno define o ritmo que disciplina os movimentos dos corpos e das
mentes dos operários, como parte da “máquina” coletiva de produzir ferro gusa.
O corpo é adestrado pela rotina do trabalho pesado da fábrica. Seu José,
operário do setor de descarregamento, carrega para o espaço doméstico esse
tempo regulado pelo ritmo do alto forno. Vejamos o relato:
“É eu no fim de semana, fico meio descontrolado, porque num tem a
rotina, fico perdidinho, pois meu dia é controlado pela fabrica, tem
noite que até sonho com a zuada da buzina de quando o forno tem
que ser carregado” (Sr. JOSÉ operário da empresa Simasa, auxiliar
de produção 2, descarregador de minério)
Após o estacionamento dos ônibus dentro do pátio da firma, os operários
se dirigem aos seus postos de trabalho seguidos do encarregado de cada área e
turno específico. A jornada de trabalho média de um trabalhador siderúrgico do
Pequiá corresponde a 48 horas semanais, que é realizada em turnos variáveis.
Esses turnos são divididos em três horários: a) da oito às dezesseis
horas; b) das dezesseis à zero hora e; c) da zero até as oito horas.
O operário trabalha quatro dias consecutivos e folga um. Depois da folga
geralmente o trabalhador pega um turno posterior ao seu. Caso o operário tenha
trabalhado no turno (a) na semana anterior, na próxima vez ele entrará no turno (b) e
depois no (c) e assim sucessivamente. Ao final de um s de trabalho o operário
adquire um final de semana de folga.
Quando ocorre dos operários trabalharem nesses dias de descanso o
pagamento de um adicional. Quem trabalha no turno noturno (zero às oito horas)
recebe um adicional noturno.
Um dos grandes problemas identificados pelos operários são as
chamadas “dobras”. Como vimos cada função dentro da fábrica é realizada por
um grupo específico de operários (os auxiliares de produção 1 e 2 daquele setor).
Quando ocorre a troca dos turnos temos a substituição de um grupo por outro de
operários. No caso da ausência de um ou mais integrante do grupo que está
entrando para trabalhar algum (uns) membro(s) do grupo anterior terão que
continuar trabalhando por mais um turno, situação designada por eles como trabalho
de “dobra”.
64
A escolha de quem vai ficar geralmente é feita por sorteio, ou então das
escalas de que mais tempo está sem fazer a dobra ou dos mais novos que
ingressaram ao grupo. Os resultados dessa dupla jornada de trabalho são os
desgastes físicos porque não é recuperado em dias de folga e o tempo reduzido do
operário com a família ou para realizar atividades individuais.
Apesar desse desgaste, por vezes o trabalho dobrado torna-se uma
estratégia para o aumento da remuneração. Portanto, podemos dizer que a dobra é
um instrumento do poder disciplinador da empresa (a produção não pode parar),
mas pode servir aos interesses do operário numa situação específica, em que é
preciso elevar o salário.
“A dobra é feita porque não pode parar a produção. Como às vezes
precisamos falta por problema de saúde ou coisa de casa, os
colegas quebram o galho e ficam no lugar. Assim ganhamos um
dinheiro extra e ao mesmo tempo cumprimos nossas tarefas. A dobre
é um trabalho muito pesado porque você trabalha demais, mas para
quem tem corpo de homem trabalhador agüenta. Ainda mais quem é
do campo.” (CELSO, operário da empresa Viena, auxiliar de
produção 2, lingoteiro)
O horário de trabalho nas empresas é um vetor que organiza a vida dos
operários fora do espaço fabril. No caso dos operários que estudam, quando ocorre
a coincidência da jornada de trabalho com os horários de estudo, deve ser feita uma
negociação com a própria escola de forma a reduzir o impacto dos dias de ausência
por conta do trabalho, com abono de faltas, atividades extra-classe, o que resolve
formalmente o problema, mas não diminui o dano sobre o processo de ensino-
aprendizagem.
Outro fato importante é que existem também operários professores cujo
horário é negociado de acordo com a tabela mensal das suas jornadas de trabalho,
não sendo pré-definidas como em horários convencionais, estabelecidos de acordo
com as normas do Ministério da Educação (MEC).
O que antes era tempo-natural, agora emerge como tempo-mecânico e
disciplinado pela economia de mercado, e pela relação de troca entre força de
trabalho do operário e o recebimento de salário.
Percebi em alguns relatos como este tipo de modificação afetou o modo
de ver o mundo (ethos) e a idéia de como viver. Em alguns relatos os operários
falam como a nova dinâmica do trabalho fabril modificou a forma de pensar sobre a
65
atividade realizada, a forma de remuneração recebida e controle sobre o tempo e o
ritmo do trabalho:
“Antes eu trabalhava na roça, era eu que mandava em mim não é?
Tinha que prestar atenção no tempo, na terra, nós fazíamos era isso.
Hoje quem manda é o patrão, mas também tem tudo certinho, o
salário no dia não é? Na roça, era um dia tinha outro não, nós
dependia da natureza não é? (CELSO, operário da empresa Viena,
auxiliar de produção 2, lingoteiro)
3.4 O mercado de trabalho em Açailândia
O processo de industrialização afetou profundamente o mercado de
trabalho em Açailândia. As mudanças elevaram em termos quantitativos a
diversidade de serviços, (re)ordenando o espaço do município, impulsionado por
investimentos direcionados á implantação de siderúrgicas no distrito do Pequiá.
Castro (1993, p. 95) nos diz que “Tal dinâmica interferiu diretamente na organização
do mercado de trabalho diversificando-o segundo setor e ramos de atividades,
ocupações, qualificações, salários, políticas empresariais e gestão da mão-de-obra”.
A formação de uma lógica de recrutamento inaugurada pela CVRD,
primeiramente a partir de contratações feitas por firmas do setor de construção civil,
conforme Castro (1993, p.100), foi uma herança oriunda do mercado de trabalho
formado na cada de 70, com a chegada de empresas que serviriam como suporte
para implantação da estrada de ferro Carajas.
De acordo com essa autora, para conseguir iniciar suas operações em
Açailândia, as empresas pioneiras do setor siderúrgico (Vale do Pindaré e a Viena
Siderúrgica), tiveram de formar sua força de trabalho através da “mistura” de
operários trazidos de locais nos quais se possuíam tradição em metalurgia com
ex-camponeses que tinha sua primeira experiência com uma atividade industrial.
“Originários de diversos estados, na maioria migrantes de origem
rural, esses trabalhadores aprenderam, na prática, com operários
qualificados contratados ou transferidos pelas empresas de suas
filiais (...). Foram essas condições que permitiram implantar a
indústria e estabelecer as bases de um mercado de trabalho
local”(op. cit., p.112)
66
A partir das informações obtidas pelo ex-superintendente da Viena, Sr.
Melqui, o recrutamento de trabalhadores vindos de Minas Gerais daria suporte para
os demais trabalhadores que seriam contratados posteriormente, “pois tínhamos
uma idéia de que com os metalúrgicos mais experientes, a transmissão do ensino de
como fazer o serviço seria passado aos trabalhadores mais inexperientes ou com
nenhum conhecimento do funcionamento do serviço industrial”.
O processo adotado on the job, aprender-fazendo, constitui-se, também
como elementos de diferenciação interna, que os mais experientes ganhavam um
salário maior que os inexperientes, que na sua maioria eram trabalhadores
camponeses.
A estrutura da distribuição do emprego formal do município de Açailândia
(Quadro 5) mostra a importância das siderúrgicas como geradoras de emprego, uma
vez que após o setor de serviço (26,32%) a indústria de transformação é o maior
empregador do município (21,42%).
Quadro 5 - Distribuição do emprego formal por setor de atividade no município de
Açailândia (em 31.12.2006)
(em %)
Indústria de Transformação 2.602
21,42
Serviços Industriais de Utilidade Pública 86
0,7
Construção Civil 668
5,5
Comércio 1.967
16,19
Serviços 3.197
26,32
Administração Pública 1.700
13,99
Agropecuária 1.923
15,83
Total
12.143
100,00
Fonte: CAGED/MTE.
Apesar da importância da indústria da transformação e, no interior desta,
do setor siderúrgico
20
, podemos dizer que o mercado de trabalho para os operários
metalúrgicos é relativamente restrito e a concorrência por uma vaga bastante
acirrada.
No período no qual realizei o trabalho de campo, pude acompanhar um
anúncio de vagas em duas siderúrgicas: A Viena e a Simasa. Na porta das
siderúrgicas estavam cerca de 400 operários que foram na busca para serem
20
Segundo essa mesma fonte de dados dentre as ocupações com maior estoque de empregos
destaca-se a de “Alimentador de linha de produção” (CBO 784205), com 593 postos de trabalho em
31.12.2006.
67
fichados. Os dados que obtive segundo um dos encarregados, corresponde ao
número de atores que se inscreveram sendo que desses 400 apenas 72 acabaram
sendo “fichados
21
” nas duas firmas.
A busca por empregos, conseqüentemente a inserção dos trabalhadores
do Pequiá ao complexo “mundo” das siderúrgicas é formado a partir de redes de
sociabilidade estabelecidas pelos trabalhadores inseridos nas firmas. O operário
tem conhecimento da abertura de vagas através de anúncios em jornais e rádios, ou
por intermédio de algum trabalhador inserido que avisa a época no quais os
mesmos deveram se encaminhar para tentar o emprego.
Os trabalhadores que foram “fichados” possuem maior chance de
serem empregados novamente. Cada firma possui a ficha completa do empregado,
esteja ele em atividade ou não.
A totalidade de meus informantes afirmou que há comunicação entre as
firmas, ou seja, quando você é fichado em uma firma os responsáveis dessa
empresa ligam para as outras para se informarem sobre a existência de
antecedentes do trabalhador empregado. Para saber se o individuo foi demitido por
justa causa, por redução do quadro ou se o próprio pediu demissão.
O processo de recrutamento de novos trabalhadores é relativamente
rápido. Em uma semana eles divulgam no dio ou no próprio portão a lista dos
trabalhadores que conseguiram a vaga. Em seguida, sai a lista dos “fichados” que é
divulgada no portão da firma.
Após a seleção os “fichados” passam por uma bateria de exames e são
inseridos no posto e turno de trabalho segundo a experiência ou não na atividade
siderúrgica. No caso dos que possuem experiência, a orientação das gerências é no
sentido de inseri-los em postos que trabalharam anteriormente, os que não
possuem experiência começa a trabalhar como serviços gerais, pois embora existam
trabalhadores experientes nesse posto, a “porta de entrada” do trabalhador na
atividade siderúrgica é a atividade de serviços gerais.
De acordo com os operários entrevistados dois elementos interferem
positivamente nas possibilidades de mobilidade ocupacional dentro da empresa: o
nível de escolaridade e o tempo de experiência. Segundo eles, o funcionário que
21
É uma expressão utilizada para os operários que são cadastrados e assinam o contrato de trabalho
com a empresa.
68
está preocupado em melhorar sua qualificação é visto com “bons olhos” pelos
patrões.
Outro aspecto que deve ser mencionado sobre o mercado de trabalho diz
respeito à alta rotatividade dos operários nas indústrias siderúrgicas. Essa
rotatividade em excesso contribui para indiferença da maioria dos trabalhadores
para com o sindicato.
“Eu fui demitido por redução de uma firma, mas entrei em outra,
Aqui acontece muito disso. Eu trabalhei dois anos na Viena, depois
fui para Vale Pindaré passe mais 3 anos e hoje estou trabalhando na
Simasa”.José (Operário da Simasa, forneiro)
A temporalidade, materializada na rotatividade aguça as relações
dependentes dentro espaço fabril. Embora o protagonista nessa relação interno ao
mercado de trabalho é a representação do emprego, como fonte de estabilidade, a
necessidade de sustentar a família, de pagar as contas, une os trabalhadores à
lógica das guseiras, visto que a mercadoria força de trabalho é vendida, mas não
apartada do trabalhador, portanto gerenciada pelas guseiras.
3.5 Os trabalhadores e as siderúrgicas: o caso do sindicato.
Um dos componentes importantes no estabelecimento das relações entre
empresas e trabalhadores é o Sindicato dos Trabalhadores na Indústria Metalúrgica
de Açailândia e Imperatriz (STMAI). Criado em 1989, o sindicato foi um componente
central no processo de formalização das relações de trabalho na siderurgia de
Açailândia e, apesar de todas as dificuldades, tem sido um instrumento importante
para os operários da região.
O sindicato possui uma grande importância na história dos metalúrgicos
de Açailândia, principalmente por ser o principal mediador, enquanto organização
formal na relação capital-trabalho. O processo de sua constituição, da visão que os
trabalhadores que residem no Pequiá possuem do Sindicato são conseqüências das
ações desenvolvidas por alguns militantes ao longo da década de 1990, que se
dedicaram à formação dessa entidade.
Identifiquei na fala dos operários uma noção de sindicato peculiar,
construída para os mais antigos a partir da referência histórica das ações sindicais,
69
primordialmente por conta de duas greves desencadeadas, entre os períodos de
1989 e 1993.
A força desses movimentos grevistas no imaginário dos operários mais
antigos pode ser medida pela importância que eles conferem a algumas lideranças,
os pioneiros e responsáveis pela fundação da organização: o Francisco, conhecido
como “Chico Corredor” e Almir, ambos filiados ao PC do B, que hoje não estão mais
vinculados ao trabalho na siderurgia de Açailândia.
De acordo com o relato de “Chico Corredor”, a motivação para a
constituição do Sindicato nasceu do elevado nível de exploração a que eram
submetidos os trabalhadores das primeiras siderúrgicas. Afirma que nem atestados
médicos eram aceitos, caracterizando uma relação selvagem entre capital e
trabalho.
“Quando foi em 89, nós fundamos o Sindicato dos Metalúrgicos,
porque nessa época a exploração trabalhista, aqui, era demais. As
pessoas quebravam perna, braço, adoecia e era obrigado a trabalhar
doente. Atestados não eram aceito. Os caras eram demais. Então
resolvi, eu e mais um grupo de pessoas que estavam vindo de São
Luís, tinha uns estagiários que disseram que não poderiam entrar no
meio da luta, mas eles deram um toque para a gente: Ou a gente
abria o olho, ou então mais tarde seria uma exploração mais do que
tava tendo”. (Entrevista com Chico Corredor, ex-operário da
empresa Viena)
Esses primeiros militantes tomarão essas péssimas condições de trabalho
como alavanca para a constituição do Sindicato, como nos diz Chico Corredor.
“Então nós se juntamos com um colega que era padre, na época,
não se ele ainda é vivo hoje. Agente falou pra ele, e ele disse que era
bom agente pensar a questão. Porque era justo que um trabalhador
passasse a situação que nós tava passando, naquele momento.
Eram coisas bárbaras, eu acho que nem dentro dos presídios
acontecia aquele tipo de coisa. Então acontecia muita coisa.
agente se reuniu quatro vezes no Pequiá de Baixo. Pedimos o
abrigo da paróquia. Agente reunia até debaixo de uma árvore se
fosse preciso. Juntamos com um colega, que trabalhava na Viena,
chamado Antônio Severino Lima, que foi o primeiro presidente do
sindicato. Companheiro autêntico, inteligente. Um cara bravo,
preparado pra tudo. Inclusive saiu daqui com problemas de saúde.
Hoje ele está em São Paulo, ele está aposentado.(Entrevista com
Chico Corredor, ex-operário da empresa Viena)
70
A organização coletiva dos operários daquela época se deu a partir do
estabelecimento de laços de solidariedade, construídos através da noção de
exploração que ambos tinham em comum, consequentemente adequada pelos
elementos ideológicos, advindo dos contatos com entidades cuja história é marcada
pela defesa dos interesses dos trabalhadores, ou pela “invenção” desses interesses.
Segundo essa perspectiva, confirmada nos relatos de outros
trabalhadores entrevistados, a identidade metalúrgica se construiu através de lutas
pela transformação das péssimas condições de trabalho nas siderúrgicas do Pequiá.
Lutas essas que ainda nos dias de hoje permanecem vigentes, mas, com que
assumem novas características.
As relações pessoais abriam leques de possibilidade para formação de
ações coletivas, que visam por em questão determinadas políticas e ações das
firmas. Francisco, o Chico Corredor destacou a importância das relações baseadas
na afeição e amizade para a organização dos trabalhadores:
“Quando montamos o sindicato, nós sabíamos que onde morava um
colega e ele quando passava mal e era punido pela falta, muitos se
juntavam, até os protestantes que gostavam de trabalhar nunca
faltavam nas reuniões para prestar solidariedade ao companheiro de
luta. Tudo nasceu na amizade” (CHICO CORREDOR, ex-operário da
empresa Viena e ex-diretor do Sindicato).
Almir, ex-operário da empresa Viena e um dos membros fundadores do
sindicato dos metalúrgicos, lembrou que: “O fato de ser do Maranhão e do campo
dava voz. Eu era escutado. Eu conseguia ter força para falar com os amigos que
não moravam no Pequiá. O fato de ser nordestino me fezeu ter voz com os baianos
que trabalhavam ainda lá, mesmo em cargos de chefia como encarregado eu era
escutado”.
Portanto, a formação de lideranças também se dava pelas relações de
vizinhança e trajetórias em comum, pois para os membros antigos do sindicato, a
participação coletiva era efetivada pela base dos laços de parentesco e amizade.
Destaco que, embora tais laços sejam essenciais na formação de classe, a
organização dos trabalhadores se deu pelo sentimento de pertencer a um grupo
cujas relações estão pautadas nas redes de vizinhança e solidariedade mecânica,
não baseada no sentimento de pertencimento a uma classe metalúrgica.
71
De acordo com os trabalhadores entrevistados atuantes desse período, a
influência da Igreja Católica foi decisiva, para que os trabalhadores adquirirem
instrumentos legais para formação de uma organização formal, no qual uma
instituição legal pudesse ser o veículo entre a empresa e os trabalhadores. A
interferência de um membro do corpo sacerdotal e responsável pela paróquia do
Pequiá de Baixo contribuiu para o processo de conscientização política do grupo de
trabalhadores que levaram adiante o processo de construção da estrutura sindical
em Açailândia com elementos identitários dos próprios operários que viviam da
exploração do trabalho pelas guseiras.
Também aparecem como mediadores importantes desse processo inicial
de mobilização os estagiários indicados por Chico Corredor no excerto da entrevista
transcrito na gina anterior. Segundo informações do Sr. Aparício, um dos
encarregados da Viena nesse período, esses estagiários eram estudantes de
engenharia e administração que vieram trabalhar nas siderúrgicas do Pequiá.
Por possuírem um nível de escolaridade bem mais elevado que os
metalúrgicos os estagiários indicavam os caminhos que os trabalhadores deveriam
prosseguir nas elaboração de suas reivindicações, embora atuando de forma
indireta, para evitar represálias das empresas, como destacado por Chico Corredor:
(...) uns estagiários que disseram que não poderiam entrar no meio da luta, mas
eles deram um toque para a gente: Ou a gente abria o olho, ou então mais tarde
seria uma exploração mais do que já tava tendo”.
Ainda segundo esses relatos as ações iniciais que marcaram o processo
de constituição do sindicato enquanto instituição intermediadora das ações coletivas
foi liderada por Antônio Severino Lima, mais conhecido por “Lima”, que foi o primeiro
presidente do STIMAI.
O Lima, como é conhecido, veio de São Paulo e de acordo com a
entrevista do Chico Corredor de outros operários que o conheceram dessa época,
ele era filiado ao Partido Comunista do Brasil (PC do B) e fez parte do sindicato de
metalúrgicos do ABC Paulista em São Paulo, região na qual trabalhou antes de vir
para Açailândia.
22
Podemos dizer que esse núcleo de militantes, constituído por
Lima, Almir e Chico Corredor foi os articuladores da criação do Sindicato.
22
É importante destacar a descrição do Lima como um personagem construído através da fala dos
operários, mesmo que tenha observado a sua trajetória pelos registros legais dentro os quais o
sindicato possuía, não consegui entrar em contato com esse importante informante, visto que a
72
A militância no PC do B possibilitou a essas primeiras lideranças sindicais
dois elementos importantes para o desenvolvimento do trabalho de mobilização: a)
uma ideologia anticapitalista e, b) meios materiais para levar a frente à constituição
do Sindicato.
A importância da adesão a ideologia anticapitalista está relacionada com
a ênfase conferida por esses primeiros militantes ao trabalho de auto-organização
dos trabalhadores metalúrgicos, forma de atuação vista como alternativa para a
superação da exploração. Como explica Chico Corredor ao falar do seu contato com
o partido.
Pesquisador: Como foi o seu primeiro contato com o PC do B?
Chico Corredor: O meu primeiro contato foi através do Lima. Porque
o Lima era filiado do partido do ABC paulista, ele sempre
participava. Porque ele sempre defendeu o partido, sempre, desde o
Marxismo. numa viagem que nós fizemos pra São Luis, pra
resolver problemas nossos, do sindicato, ele me convidou pra fazer
uma visita até a sede do partido. (...) eu pedi pra eu ler os livros e
depois que li, eu vi que a luta se identificava comigo. E tudo que eu
fiz dentro do sindicato, foi pelo partido, eu não nego pra ninguém. Eu
fiz em luta ao partido e ao meu conhecimento. Cada página que eu
lia, no dia seguinte eu fazia igualzinho. Porque eu digo: A pior coisa
do mundo é exploração do pelo homem. É triste. E os capitalistas
sempre querendo mais. Enquanto você não der a sua última gota de
sangue eles não te deixam paz.
O aspecto do apoio material oferecido pelo PC do B, que na época estava
na direção do Sindicato dos Metalúrgicos de São Luis, é ressaltado por Almir. Pode-
se ver que o partido funcionava como um consultor do sindicato dando o aparato
técnico-administrativo, direcionando as ações da organização frente às firmas.
“Nós tínhamos curso de capacitação para todos os sindicalizados. Os
cursos de capacitação foi o PC do B que arrumou. O curso de
capacitação metalúrgica, na qualidade de sindicalista. Nós fizemos
dois cursos de sindicalismo nesse período” (ALMIR, ex-operário da
firma Viena).
distância apareceu como obstáculo, o Lima mora atualmente em São Paulo segundo o Chico, e a
inexistência de informações precisas que me levassem até ele.
73
As siderúrgicas associavam o sindicato à imagem de uma instituição que
promovia apenas greve e tornava-se um obstáculo à produção, visto que a produção
serial do ferro necessitava do tempo integral da força do trabalho dos operários. A
greve, segundo o Sr. Melqui Fonseca, ex-diretor geral da Viena, “não tinha a função
de mobilizar trabalhadores pela luta de interesses coletivos, mas de desarticular a
organização empresarial da firma e prejudicar o desenvolvimento de suas
atividades”.
O problema da falta de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs)
tornou-se o carro-chefe das reivindicações trabalhistas desencadeadas na primeira
greve no ano de 1989, bem como a proposta do aumento de 117% no salário-base
da categoria, segundo informações do presidente do sindicato, Raimundo Frazão.
Essa ausência de material de segurança - botas, máscaras e vestimentas,
etc. - para a realização de atividades bastante insalubres associado a fragilidade da
fiscalização do Ministério do Trabalho junto as siderúrgicas ofereceu aos primeiros
dirigentes sindicais um excelente motivo para a mobilização. Segundo relato dos
operários entrevistados, “vínhamos trabalhar com as botas sem sola porque não nos
disponibilizavam material adequado e conforme as normas de segurança” (Antônio,
Auxiliar de produção 2, forneiro da Siderúrgica Viena).
A greve durou dez dias, e serviu para melhorar as condições de
segurança do trabalho, falhando, entretanto, no que concerne à reivindicação do
reajuste de 117%. No salário-base. Segundo ao atual presidente do Sindicato alguns
pontos enfraqueceram esse primeiro movimento paredista, caso da falta de apoio
dos outros sindicatos e das outras categorias que compõem a atividade da
siderurgia em Açailândia.
“Em 1989, quando nós fizemos a primeira greve, nós convidamos o
sindicato dos motoristas, que surgido naquele momento. Motoristas,
seriam eles da siderúrgica. a gente foi pressionou eles, quando
chegou no momento os motoristas e carregadores disseram que não
iriam entrar na greve porque as empresas tinham dado um aumento
a eles. o pessoal ficou tu quieto. Depois que agente ficou nove
dias de greve, com aquele sofrimento, quando os caras receberam o
pagamento não tinha 1 (hum) centavo. Na época, agente entrou em
contato com o sindicato do comércio, com o dos trabalhadores rurais.
surgiu até um comentário que nós queria era tomar o sindicato
deles. A gente tem até um bom relacionamento, naquele tempo, com
os outros sindicatos, mas na hora de fazer uma ação realmente, não
tem consenso.” (RAIMUNDO FRAZÃO, atual presidente do sindicato)
74
A greve, enquanto fenômeno histórico na trajetória social dos
trabalhadores contribui para a representação do fracasso por parte do sindicato
como uma instituição em defesa do interesse dos metalúrgicos. Muitos comentam:
“esse sindicato não faz nada, desde a época da greve que isso acontece”, outros
ainda dizem: “o Chico lutou, mas não conteve o avanço das firmas.”
As transformações significativas na trajetória sindical ocorreram com a
eleição da nova diretoria e conseqüente a esse processo, a mudança do perfil
ideológico do sindicato, visto que o novo presidente, Raimundo Frazão, filiou-se ao
partido PSB (Partido Socialista Brasileiro), que possuía interesses e perspectivas
ideológicas diferentes do PC do B do qual Almir e Chico Corredor eram membros.
O ano de 1993 foi marcado pela segunda greve impulsionada por ex-
integrantes do sindicato: o Almir e o Chico Corredor. O relato, tanto de Chico quanto
de Almir, aponta para uma pressão e uso da força por parte das siderúrgicas, que
ainda detinham o monopólio econômico local.
O sindicato já sob nova direção tomou uma postura de negociação que de
certa forma interferiu, no desenvolvimento dos interesses dos trabalhadores. Por sua
vez, após uma tentativa frustrada de alcance dos interesses coletivos, tanto o Almir
quanto o Chico Corredor, excluídos do mercado de trabalho, visto que a sua postura
construída historicamente de divergência à posição das firmas, reformularam toda a
concepção de sindicato construída na imagem dos operários.
“Ninguém acredita em um sindicato que não tem operário
trabalhando na diretoria, pelo menos o Chico mesmo sendo doido
nas idéias dele, era operário e sofria como nós.” (CELSO auxiliar de
produção 2, Viena)
A partir desse contexto o sindicato nos dias atuais adquiriu a posição de
negociador, tendo sua principal forma de organização abalada pelos novos modelos
de gestão que integram os funcionários, no caso os operários, as tomadas de
decisão na inter-relação entre os demais trabalhadores (RAMALHO & SANTANA,
2004, p. 43). A mudança de paradigma que conforme estariam ligados ao modelo
tradicional de ação coletiva utilizada pelos sindicatos. Como argumentam esses
autores:
75
A partir desse ponto de vista, o que vem ocorrendo não é uma crise
do sindicalismo, mas uma crise de seu estilo e orientação
tradicionais. Nesse sentido, deve-se fazer uma análise fina da
questão da solidariedade e perceber que os princípios e práticas do
sindicalismo sempre mostraram uma tensão entre ambiciosas
declarações de solidariedade em geral vinculadas às metas da
transformação socialista, e as rotinas de defesa dos interesses
imediatos do emprego e de categorias específicas dos afiliados. (op.
cit., p.44)
76
CAPÍTULO 4: MORANDO NO BAIRRO DO PEQUIÁ: OS OPERÁRIOS FORA DO
ESPAÇO FABRIL
Neste capítulo, abordarei a relação dos operários estudados com o bairro
do Pequiá, enfatizando tanto a construção social do bairro com a trajetória dos
operários que foram marcadas por processos de (re)significação no local receptor.
Tal ênfase é de relevância capital visto que “aqui, como vemos o espaço se
confunde com a própria ordem social de modo que, sem entender a sociedade com
suas redes de relações sociais e valores, não se pode interpretar como o espaço é
concebido” (DAMATTA, 1997:30)
O espaço do Pequiá foi construído a partir de uma lógica que permeia
diversas referências e trajetórias sociais que implicam na construção de um espaço
plural, que variam conforme os momentos de sua ocupação.
Para tanto, os operários construíram suas identidades através de laços de
solidariedade vivenciados no espaço dentro e fora das fábricas, compartilhando
elementos subjetivos em comum, que possibilitaram delimitar os principais fatores
que o aproximam e determinaram sua posição dentro das redes de relações sociais
no Pequiá. Apesar de que, quando falamos em distância, remetemos a grandezas
espaciais, seja de proximidade em graus diferenciados, é impossível observar os
laços de pertencimentos ao grupo dos operários sem nos atermos aos vetores
constituintes da identidade. É importante lembrar que não venho aqui a dissertar
somente sobre o espaço, mas sim sobre as relações sociais que dão status de
grupo social ao conjunto de trabalhadores residentes, a partir das suas práticas
cotidianas.
Em um primeiro momento, a constituição do Pequiá foi marcada pela
presença de atividades agrícolas, de camponeses oriundos da frente de expansão
nordestina e do fluxo migratório da Belém-Brasília (CARNEIRO, 1995). Como foi
destacado numa pesquisa realizada no início dos anos 1990:
Quem vive no Pequiá? (...) No princípio da formação do povoamento,
a imagem das famílias camponesas trabalhando em terras próximas
constituía a identificação atribuída ao espaço do Pequiá. Uma
representação ligada, portanto, ao trabalho de cultivo e criação de
gado desenvolvida por seus moradores enquanto atividades centrais
(CANCELA, 1992, p.7).
77
Ainda segundo essa mesma autora, a partir do final dos anos 1980, a
organização do povoado será modificada bem como a percepção sobre as suas
características centrais, que passam a ser relacionadas com a chegada das
primeiras siderúrgicas e o fluxo de migrantes para as moradias do então Distrito
Industrial.
A linguagem imagística utilizada sugere a simbolização do Pequiá
enquanto lugar das firmas. É, portanto, um lugar de migrantes e de
firmas, nele não se observa casas de fazendeiros, políticos ou
empresários. São os trabalhadores com atividades, principalmente
em empresas locais, (...) (op. cit., p.7,grifos nossos).
O processo de transposição do campo ao universo fabril é definido pela
conexão dos trabalhos em serrarias e madeireiras, visto que este tipo de economia
extrativa consolidou-se no período de transição entre a atividade agropecuária e
siderurgia. Ao longo dos anos, muitos trabalhadores, inclusive os entrevistados,
geralmente passaram por esse processo seguindo a lógica: campo > serraria;
madeireira> firma. A trajetória econômica associada à trajetória social dos operários
modificou os elementos constitutivos do espaço camponês (re)alojados através dos
deslocamentos sociais e mobilidade para o espaço fabril. Esse fato evidencia a
influência direta que o bairro sofre das siderúrgicas, em uma espécie de simbiose
entre o espaço social da comunidade e o espaço industrial, interligados.
Por conseguinte, entender o Pequiá como lugar das firmas e dos
migrantes, e agora como local de residência da maior parte dos trabalhadores das
siderúrgicas, é compreender como esses operários vivem fora do espaço fabril, nos
seus momentos de lazer e de atividades com a família e seus amigos.
4.1 A constituição do bairro do Pequiá
Segundo De Certeau (2005), o bairro é uma congruência entre o espaço
quantificado e o espaço qualificado. Para o autor, o bairro torna-se o espaço privado
dentro do espaço publico. Portanto, o bairro surge como domínio onde a relação
espaço tempo é a mais favorável para um usuário que deseja deslocar-se por ele a
pé saindo de casa.
78
Como indicamos, o bairro do Pequiá surge na década de 60, como
localização camponesa. Segundo Dona Nenenzinha, o que hoje é considerado um
bairro antes era apenas um capoeirão
23
, para onde se deslocaram vários migrantes
oriundos de outros municípios na busca de um pequeno lote de terra para plantio de
milho, arroz, etc.
“Aqui existia muita terra pra plantar. Antes, tinha nós aqui e muito
mato. Ai chegaram os baianos que compraram terras até a chegada
da estrada de ferro” (Dona Nenenzinha, moradora do Pequiá)
No capítulo 2, fiz a descrição da história de Açailândia, que nesse
primeiro momento será marcada por conflitos fundiários. A migração de camponeses
nos anos 1970, a valorização do mercado de terras com a constituição das
empresas agropecuárias, a chegada, nos anos 1980, de serrarias e madeireiras são
os principais ingredientes dessa situação de conflito.
O processo de migração intensifica-se a partir da década de 80 com a
implantação do PGC, transformando o Pequiá em distrito industrial. Esta afirmação é
observada também por Cancela (1992) quando se refere à história do Pequiá como
a da transformação de um núcleo camponês em distrito industrial. Processo esse
marcado pela chegada do tempo das firmas, da penetração do capital configurado
nas usinas siderúrgicas.
A migração nesse período é potencializada pela atração de investimentos
para região e a imagem do progresso é disseminada atraindo trabalhadores de
várias regiões do País. Uma pesquisa recente, feita em 2003 pelo Instituto Ekos,
sobre as características da população do bairro do Pequiá, mostra a importância do
número de migrantes no conjunto da população residente do bairro (Gráfico 2).
23
Área que foi utilizada para atividade agrícola e que foi deixada por alguns anos em descanso, de
forma a permitir para a recuperação da vegetação e o estabelecimento de novas atividades agrícolas.
79
Gráfico 2 - Origem do chefe de família.
18,11%
9,58%
72,31%
Interior de Açailandia Outro Município Não Declarado
Através dessa informação confirmamos o dado levantado por outros
pesquisadores sobre a formação do município de Açailândia (CARNEIRO, 1992) e
do bairro do Pequiá (CANCELA, 1995) de que a maior parte dos chefes da família é
oriunda de outras localidades (72,31% do total).
O gráfico 3 complementa a informação anterior discriminando os
municípios nos quais residiam os chefes de família antes do deslocamento para
Açailândia. Cerca de 80% informaram localidades de outros estados. Aqueles que
são oriundos do estado do Maranhão dividem-se entre os municípios de Imperatriz
(5,84%), Barra do Corda (3,5%), São Domingos (3,15%), Santa Luzia (2,16%), vindo
em seguida Codó e São Luís.
Gráfico 3 – Município de origem do chefe de família.
5,84%
3,50%
3,15%
2,16%
79,38%
1,93%
1,17%
1,46%
1,40%
IMPERATRIZ CODÓ SÃO DOMINGOS
SANTA LUZIA BARRA DO CORDA SANTA INES
AILANDIA SÃO LUIS OUTRAS LOCALIDADES
80
A partir da formação do distrito industrial e a entrada em operação das
siderúrgicas o bairro tornou-se um local de recepção de migrantes em busca de
trabalho “nas firmas” (CANCELA, 1992). Aparece, portanto, o fenômeno o
deslocamento dos trabalhadores para a atividade metalúrgica.
Segundo as entrevistas aos operários do Pequiá foi possível detectar uma
rede articulada para a possibilidade do deslocamento sócio-espacial. Os amigos e
parentes desempenham papel importante. Seu Aparício (encarregado da Viena)
recorda que “quem tinha conhecido chegava aqui no Pequiá e procurava logo pelos
amigos e parentes”.
A partir de relatos dos trabalhadores entrevistados, cruzados com as
informações obtidas por Cancela (1992), podemos dizer que a escolha dos
trabalhadores pela residência no bairro do Pequiá está relacionada com três fatores:
i) a proximidade do seu provável local de trabalho, b) a possibilidade contar com o
apoio de familiares que residiam neste local e, c) o baixo custo da aquisição de
um imóvel nessa localidade. Como confirma o depoimento de um entrevistado:
“Quando cheguei eu procurei logo meu irmão que já morava aqui. Foi
muito bom porque o bairro é pertinho do trabalho e o que tinha nessa
época de lotes de terra para vender e casas para alugar era tentador
para qualquer um que conseguisse um emprego.” (CHICO
CORREDOR, ex-operário da Viena.)
4.2 O Pequiá Hoje
Se a própria firma produz efeitos diretos sobre o bairro (como sons
barulhos e poeira) os próprios moradores trazem essa influência do chão de fábrica
para seus locais de moradia. Como os caminhões - gaiolas que transitam pelo bairro
como carros domésticos (foto 2), fazendo com que os moradores pedestres circulem
com noções de sentido e direção adaptados a nova rotina diária de circulação pelo
bairro, evitando acidentes, aglutinado à escória de minério utilizada para asfaltar as
ruas, transformando o bairro do Pequiá em um hall das próprias firmas.
81
Figura 3: Maquete do Pequiá
A figura acima tenta mostrar a organização geral do espaço do bairro do
Pequiá. O bairro cresceu ao longo da BR-222, rodovia que liga o município de
Açailândia a Santa Inês, e segundo uma divisão estabelecida por seus moradores
que nós destacamos com uma linha branca entre duas zonas espaciais: o Pequiá
de Baixo e o Pequiá de Cima.
As siderúrgicas localizam-se na margem esquerda da rodovia (sentido
Açailândia Santa Inês) e estão representadas pelos números 1 (Gusa Nordeste), 2
(Fergumar), 3 (Vale do Pindaré), 4 (Simasa) e 6 (Viena Siderúrgica). Na margem
oposta da rodovia destacamos as instalações da Cia. Vale do Rio Doce, que
mantém ali uma estação da Estrada de Ferro Carajás que serve para
embarque/desembarque de passageiros e para o carregamento/descarregamento
de produtos (minério de ferro, ferro gusa, combustíveis, et.) transportados pela
ferrovia.
4.3 Pequiá de cima
O espaço designado como Pequiá de Cima (Figura 3) corresponde ao
local destacado pela presença de residências identificadas pelo número 7 e de uma
usina siderúrgica (Viena Siderúrgica).
82
A principal via de acesso do Pequiá de Cima é uma avenida com
asfaltamento revestido de terra e escória (Foto 2) que tem como ponto final a
entrada da Viena Siderúrgica. Ao lado dessa empresa e atrás das residências
destacamos a presença de uma plantação de eucalipto (número 7), que serve como
indicador da presença das siderúrgicas na localidade, pois trata-se da matéria prima
para a produção (carvão vegetal) do ferro gusa.
Seguindo essa avenida conseguimos enxergar uma casa de shows
chamada Blecaute (número 5), o ponto de encontro dos adolescentes do bairro aos
sábados. Essa parte do Bairro possui algumas casas com muros e portões mais
altos. Nela residem os moradores que possuem maior poder aquisitivo dentro do
bairro, o que se manifesta também na existência de uma melhor da infra-estrutura
urbana.
Foto 2: O Pequiá de cima.(13/02/2007)
83
Antes de atravessarmos a avenida observamos casas mais simples,
mercearias pequenas, farmácias, embrenhadas entre as oficinas e torneadoras,
identificadas pelo número 7 na figura. Essas pequenas empresas m como negócio
principal a atividade de prestação de serviços para as siderúrgicas ou para
atividades indiretas decorrentes da presença destas no Pequiá.
Devo destacar que a presença dessas indústrias no bairro manifesta-se
em algo mais do que a geração de atividades econômicas que se materializam
nesse conjunto de pequenas empresas, pois o fluxo de atividades a elas
relacionadas interfere diretamente na lógica das relações humanas no Pequiá.
Temos, por exemplo, a situação das casas de alvenaria quase sempre sujas da
poeira que se espalha com o fluxo ininterrupto dos caminhões de transporte de
carvão vegetal.
O bairro é constituído e dividido por vários lotes. As torneadoras (foto 3)
ficam às margens da BR-222 e do lado oposto a um conjunto de casas e a rua de
prostituição, batizada por um antigo padre comboniano como Rua do Amor
Foto 3: Rua do Pequiá de Cima com algumas empresas em destaque.(10/02/2007)
84
Nessa “Rua do Amor” existem bares e casas que funcionam como local
de diversão para moradores e freqüentadores do bairro. Em conversas informais
com algumas mulheres que trabalham nesses bares obtive informações sobre a
relação dessa rua com a atividade de carga/descarga de carvão vegetal para as
usinas siderúrgicas.
Muita das vezes os caminhões ficam engarrafados esperando a sua vez
de descarregar o carvão. Situações essas que duram até dias e nesses momentos
de intervalo na espera e descarga os caminhoneiros para não ficarem ociosos
visitam as casas noturnas a fim de expulsarem a sensação de solidão, reproduzindo
nas interações de gênero com as mulheres que trabalham na casa noturna,
situações satisfatórias provenientes de uma vida conjugal. Assim, as garotas de
programa sobrevivem tendo indiretamente sua atividade econômica determinada
pela logística temporal e espacial das siderúrgicas.
4.4 Pequiá de Baixo
A configuração espacial de moradias no Pequiá de Baixo (foto 4) emerge
como extensão do distrito industrial lembrando a disposição espacial das bricas do
início da revolução industrial, cuja proximidade com as habitações operárias podia
ser simbolizada no fato das sirene das fábricas serem escutadas em todo o bairro.
Foto 4 – Pequiá de Baixo (13/02/2007)
85
No caso do Pequiá de Baixo além dessas sirenes os moradores tem de
conviver também com as explosões regulares dos altos fornos e com os rejeitos
industriais lançados no ar (fumaça e cinzas).
Esses subprodutos do processo de fabricação do ferro gusa espalham-se
pela comunidade através de uma lama e poeira escura que pode ser vista nas
paredes dos casebres. Isto produz no período chuvoso práticas sociais que
possuem a função de evitar a entrada de lama com detritos de gusa no interior das
casas, pois como não escoamento de água, os moradores desenvolveram
algumas técnicas para drenar a água.
O Pequiá de Baixo sofre os efeitos nocivos das siderúrgicas com mais
intensidade. Esta parte do bairro está geograficamente mais próxima das
siderúrgicas à esquerda da divisa de cor branca (Figura 3). O barulho derivado da
atividade industrial faz com que qualquer morador tenha dificuldade em descansar a
noite. Muitos deles me contaram sobre esse e outros problemas (poeira, fumaça,
poluição do córrego) relacionados com as atividades das empresas siderúrgicas.
A comunidade de Pequiá de Baixo localiza-se numa zona de transição
entre as vias de escoamento (rodovia e ferrovia) e a indústria do ferro gusa.
Verifiquei que esta comunidade percebe-se como uma região que demarca uma
fronteira entre o que passa na rodovia e o que se produz na indústria.
É interessante verificar como diferentes modos de organização social e
econômica se integram em um paradoxo sócio-espacial: de um lado a rodovia e a
ferrovia escoando a produção, a fábrica de gusa e do outro a comunidade de Pequiá
de baixo com seus casebres e precárias condições de saneamento.
Na parte oposta da avenida existem casas de madeira pequenas que
sofrem o efeito direto das siderúrgicas com os pátios respectivamente da Gusa
Nordeste e da Pindaré-Simasa. Em entrevista com o senhor Melqui Pereira, ex-
diretor geral, revelou-me a importância das siderúrgicas para com o mesmo, “Eu não
consigo viver sem essa poluição”.
Quando mais me dispunha a caminhar pelas ruas e avenidas do Pequiá,
mais me defrontava com a importância das siderúrgicas para o cotidiano do bairro.
A escória, a caixa de água
24
e as prestadoras de serviço que indiretamente estão
24
O sistema de abastecimento de água foi implantado com o apoio das empresas siderúrgicas.
86
ligadas a geração de empregos pelas firmas delineiam a centralidade industrial no
ambiente do Pequiá.
O Pequiá é um bairro próximo às indústrias, tendo sido classificado por
Cancela (1992) em pesquisa realizada no início dos anos 1990 como um lugar das
firmas. Quinze anos depois percebi discurso semelhante na fala dos operários que o
classificam como uma “ilha cercada de siderúrgicas por todos os lados”.
A imagem do Pequiá como ilha não está relacionada somente a presença
marcante das siderúrgicas, ela pode ser vista também como uma crítica do
distanciamento espacial e social do restante da cidade de Açailândia.
Distanciamento espacial, pois, de fato, uma grande distância entre o Pequiá e o
centro de Açailândia, que dista cerca de quatorze quilômetros; mas, principalmente
distância social, sentimento que os moradores possuem de estarem excluídos dos
benefícios que uma boa infra-estrutura de serviços urbanos possibilita.
Uma das queixas que mais presenciei foi à referente aos deslocamentos
cotidianos que os moradores devem fazer para poderem pagar seus impostos:
contas de água luz, ou obter algum serviço da prefeitura tem que se deslocar para o
centro da cidade. “Vamos para Açailândia pagar nossas contas”, comentavam
alguns moradores em conversas formais e informais.
Esse deslocamento é necessário, pois o bairro não possui um posto de
atendimento bancário, uma casa lotérica, muito menos um posto de correio.
Portanto, pagar as contas torna-se uma tarefa dispendiosa em termos de tempo e
muito mais cara, visto que, além do dinheiro do tributo ainda tem de gastar com os
gastos com transporte. Se uma conta tem que ser paga no valor de cinco reais, se
transformara em dez porque o transporte de ida e volta sai a cinco reais.
4.5 De camponês a operário
Embora possa ter havido casos de operários que passaram diretamente
da condição de camponês para a de trabalhadores da indústria siderúrgica, a forma
mais freqüente de transposição do campo para o universo fabril foi mediada pela
experiência do trabalho em serrarias e empresas madeireiras, visto que este tipo de
87
atividade econômica desenvolveu-se de maneira importante no período de transição
entre a atividade agropecuária e siderurgia no município de Açailândia.
Essa trajetória econômica do município repercute na trajetória social dos
operários, que se inserem na atividade siderúrgica ressignificando os elementos de
sua experiência enquanto camponeses.
A maior parcela dos trabalhadores recrutados pelas empresas era oriunda
de locais sem tradição do trabalho fabril. O processo de aprendizado do trabalho
metalúrgico deu-se no interior das usinas, através de um aprendizado on the job e
pela via de redes de relações sociais. Esse último aspecto evidencia a influência
direta que o bairro sofre das siderúrgicas, fato que pode ser descrito em uma
espécie de simbiose entre o espaço social da comunidade e o espaço industrial,
ambos interpenetram-se.
Portanto, podemos dizer que será essa experiência anterior que servirá
de parâmetro para as classificações que os operários farão ao adentrarem na nova
atividade, no trabalho metalúrgico. Um bom exemplo de como esse processo ocorre
está na utilização da expressão “orelha seca”, que, oriunda da experiência
camponesa adquirirá um novo significado no interior do universo fabril.
Segundo comentário dos entrevistados a noção de “orelha seca”, quando
relacionada com o trabalho no campo, refere-se aquela pessoa que fazia qualquer
tipo de atividade do trabalho agrícola, o “peão”, um trabalhador pouco especializado.
Adaptada para o contexto fabril o “orelha seca” passa a ser o “faz-tudo”, como
mostra a entrevista a seguir.
“Pesquisador - o que é o orelha seca?”
“Entrevistado o cara que faz tudo que é serviço dentro da firma.
Sabe como é quem trabalha na roça faz de tudo. De plantar, capinar,
vender. faz tudo. Tem que ser homem pra ser “orelha seca”. O
trabalho é coisa de macho, porque quem vem do mato gosta de
trabalhar, o trabalho é duro. Os mais novos que não passaram pela
roça nem sabe o que é isso. Para eles é apenas mais um tipo de
trabalho forçado” (EFIGÊNIO, operário da Viena).
Entretanto, vale ressaltar que essa interpretação é encontrada somente
nos operários mais velhos. No caso dos trabalhadores mais novos, principalmente
os que entraram na atividade metalúrgica pouco tempo e que possuem uma
idade biológica entre 18 e 22 anos, a noção de orelha seca” aparece apenas como
uma forma de classificação interna a firma. Como esses operários não passaram
88
pela experiência do trabalho agrícola eles desvencilham essa categoria do seu
passado camponês. Ela passa a ser vista como forma de trabalho forçado e estado
de adaptação do trabalhador a fábrica.
“Nós quem somos mais novos no trabalho e que não sei nem como é
trabalho em roça entendemos orelha seca como serviço geral. O
limpa tudo aqui. Esse ai trabalha que nem um condenado” (JOÃO,
Operário da Gusa Nordeste, encostado)
Diferente do que apresentava as primeiras impressões acerca da
problemática, esta categoria não interliga diretamente o operário ao campo. Ela é
insuficiente para caracterizar o trabalhador como um operário-camponês. A
categoria foi re-construída dentro da firma, deslocada do seu espaço de construção
e ressignificada dentro do campo industrial. Por mais que sua significação social
primordial seja do trabalho pesado, ligando-a a gica do campo, ela por si não
pode ser uma categoria eminentemente camponesa. A sua transformação no
decorrer do processo de industrialização e de inculcação dos valores industriais aos
atores, faz com que essa categoria se transforme em uma categoria propriamente
industrial. Por sua vez, houve o deslocamento, conseqüentemente a
descentralização do espaço de significações camponesas para o campo de
significação industrial.
A noção de experiência funciona como reforço, ou seja, um elemento de
afirmação dos traços definidores da posição desses trabalhadores dentro do espaço
de relações sociais. Posição de autoridade, por exemplo, que apenas ratifica o
elemento definidor da ruptura em relação à contraposição operário x camponês,
principalmente quando observarmos os operários mais novos que não associam a
noção de “orelha seca” ao campo e sim a noção de trabalho pouco qualificado.
4.6 Os operários no bairro do Pequiá
Para os operários, o bairro do Pequiá é um espaço de articulação, de
troca de experiências, que situa essas pessoas numa relação para além do trabalho.
O estabelecimento de relações interpessoais com amigos, familiares e vizinhos,
89
parte dos quais oriundos do mesmo local de origem, é a base para a construção das
relações de proximidade entre os trabalhadores metalúrgicos fora das usinas.
No caso dos trabalhadores mais jovens pude verificar uma forma singular
de construção dessa sociabilidade fora do espaço fabril no âmbito das denominadas
“repúblicas”. Uma “república” é uma moradia partilhada por operários metalúrgicos,
geralmente de uma mesma faixa etária. Mora numa república tem um significado
econômico claro, pois, permite a esses trabalhadores a redução das despesas com
habitação e gastos diários de consumo.
Como local de moradia o Pequiá é também um espaço de mobilização
desses trabalhadores por melhores condições de vida, de reivindicação de
equipamentos urbanos coletivos e de obras de infra-estrutura. Nesse sentido foi
comum ouvir críticas quanto à ausência do poder público municipal:
“A firma deu ambulância, deu uma caixa d’água, cesta básica,
colocou a escória aqui, emprego. O que mais a prefeitura fez?
(CELSO, funcionário da Viena).
Segundo esse entrevistado a maior parte dos benefícios feitos no bairro
são obra das firmas (siderúrgicas), que, além do fornecimento da escória para o
recapeamento das vias públicas, também participaram da construção de uma caixa
d’água
25
e da doação de uma ambulância para a prefeitura.
Mas, mesmo essa ação das siderúrgicas é vista como limitada, não
modificando a visão que os moradores possuem do Pequiá como um bairro marcado
pela precariedade. O levantamento realizado pelo Instituto Ekos apresenta algumas
informações interessantes sobre a imagem que moradores e operários possuem do
Pequiá, como mostra o gráfico 4 que apresenta as respostas mais indicadas para a
pergunta sobre os principais problemas do bairro.
25
Vale registrar que os operários entrevistados afirmam que apesar de construída a caixa de água
não funcionou mesmo um ano depois.
90
Gráfico 4: Em sua opinião, qual é o maior problema do Pequiá?
Na sua opinião qual é o maior problema de pequiá?
40,25%
10,11%
2,57%
0,88%
2,10%
36,16%
7,94%
Corrupção Desemprego Fome Poluição Violência Outros o Declarado
De acordo com esse levantamento a poluição com 40,25% de indicações
é o principal problema do bairro, vindo em seguida o desemprego (36,16%), a
violência (10,11%) e a fome (7,94%).
É interessante observar que os dois problemas mais citados, a poluição e
o desemprego possuem relação direta com a atividade siderúrgica, posto que, como
já destacamos nas seções anteriores, a atividade de fabricação do ferro gusa produz
efeitos negativos no que concerne a diversos tipos de poluição (fumaça, barulho,
contaminação dos recursos hídricos) enquanto o desemprego pode ser visto como o
resultado da não concretização do discurso estatal sobre os benefícios que adviriam
com a implantação do distrito industrial de Açailândia (CARNEIRO, 1992, 1995).
Essa questão desemprego apareceu também com freqüência na fala dos
nossos entrevistados. Seu Aparício, por exemplo, destacou o elevado número de
desempregados no Pequiá e a alta taxa de rotatividade que caracteriza o trabalho
siderúrgico: o povo fala emprego, mas o que tem de gente aqui desempregado. Se
contentam em trabalhar um tempinho depois saem por redução e ficam nessa
rotatividade até o fim da vida”(APARÍCIO, funcionário da Viena Siderúrgica)
A alta rotatividade é vista como parte integrante do processo de trabalho
na indústria siderúrgica local, designada pelo termo “tempo da redução” que se
refere ao momento que as firmas fazem a dispensa de seus funcionários. Conforme
constatamos todo trabalhador sabe que pode sair no tempo da redução, mas,
91
aqueles que estão desempregados sabem também que, nesse momento, podem ser
chamados para as vagas que estão sendo abertas.
“Até para eu visitar um parente no interior, tenho que esperar o
tempo de redução do quadro, senão eu posso perder meu emprego”
(Aparício, Operário da Viena, encarregado).
A visão apresentada no gráfico 4 completa-se com as respostas obtidas
para a pergunta sobre quais as ações mais urgentes que deveriam ser feitas para
melhorar a condição de vida no Pequiá (Gráfico 5).
Gráfico 5: Em sua opinião, o que seria urgente fazer para
melhorar as condições de vida do povo do Pequiá?
Na sua opinião o que seria urgente fazer para melhorar as
condições de vida do povo de pequiá
41,06%
20,27%
17,06%
7,01%
4,03%
7,89%
1,11%
1,58%
Mais Educação Mais Policia
Mais Hospitais Diminuir a poluão
Mais Emprego e melhores salários Mais Empregos
Outros Não declarado
Em consonância com os problemas apresentados a opinião dos
moradores sobre as principais melhorias que deveriam ser realizadas no bairro,
apontam, por ordem de importância, para os seguintes temas: geração de empregos
e melhoria dos salários
26
(48,95%), diminuição da poluição (20,27%), construção de
hospitais (17,06%), maior policiamento (7,01%) e melhoria do sistema educacional
(4,03%).
A leitura desse conjunto de prioridades mostra que os moradores sentem
dois tipos principais de carências: aquelas referidas à inserção mercado de trabalho
e aquelas relacionadas com a deficiência da infra-estrutura de serviços blicos
26
Para essa questão o levantamento obteve dois tipos de resposta: i) mais emprego e melhores salários (41,06%)
e, ii) mais empregos (7,89%), que, juntas, perfazem o total de 48,95% das respostas.
92
(saúde, educação e segurança). Estas últimas estão relacionadas com a ausência
do poder público no bairro (saúde, segurança e educação) enquanto a primeira com
as limitações da atividade siderúrgica em propiciar o tão sonhado emprego. Além
dessa questão essas empresas são também ligadas ao tema da poluição, que,
como no gráfico 4 aparece fortemente nas respostas indicadas no gráfico 5.
Para enfrentarem essa situação marcada por dificuldades os metalúrgicos
inserem-se nas redes de sociabilidade que estruturam a vida no Pequiá. Pelo que
conseguimos observar, duas instituições são centrais na estruturação da vida
desses operários fora do seu local de trabalho: a família e as igrejas.
A família ocupa o papel estruturante na vida dos operários. A imagem que
construímos da organização familiar no Pequiá é aquela de uma família alicerçada
na divisão de funções entre o pai e a mãe. O pai cuja função primordial é ser o
responsável pelo sustento da família, enquanto a mãe desempenha seu papel mais
importante na organização interna do lar e controle dos filhos.
Essa organização de papéis é vista da mesma maneira tanto nos
operários entrevistados do Pequiá de Cima quanto os operários entrevistados no
Pequiá de Baixo. O mercado de trabalho para as mulheres é mais restrito visto que
os maridos não permitem que as suas esposas exerçam a função de domésticas
porque para os operários esta função é subtendida como uma posição de
inferioridade. Como nos disse seu Celso:
“As mulheres devem ficar em casa cuidando dos filhos não
trabalhando na casa dos outros. pensou minha mulher trabalhar
na casa de um amigo que ganha o mesmo que eu. Não posso
permitir. É humilhante”. (CELSO, funcionário da Viena).
Logo em seguida ao papel social da esposa, aparecem os filhos. Os filhos
dos operários na faixa de idade entre 18 a 21 começam a ser inseridos pelos pais no
trabalho do chão de fábrica. Os jovens buscam reproduzir de forma mais eufórica as
mesmas situações vividas pelo pai no momento de folga. Embora, o jovem nesse
espaço tenha uma tendência maior à diversão, não deixa de ter preocupação com o
trabalho nas firmas, porque eu ouvia muito deles: “nossa senhora que droga,
amanhã tem serviço”.
A igreja, ou melhor, as igrejas são junto com a família outra instituição
fundamental para a organização da vida social no Pequiá. Observei que a maior
parte dos operários entrevistados divide-se entre católicos e protestantes.
93
Apesar da extensa gama de solidariedade entre os operários, escutei
bastante sobre as diferenças entre os operários católicos e os protestantes. Em
relação aos operários protestantes, muitos em seu tempo de folga prestam serviço
às suas congregações. Escutava bastante de muitos entrevistados as seguintes
afirmações: “Deus, trabalho e família”.
os operários católicos dificilmente vão a alguma cerimônia, mas dão
muita importância ao fato de que as mulheres levem os filhos às missas, porque
para eles a igreja (e a religião) tem a importante função de internalizar a estrutura
moral que ajuda a formar a identidade e o modus vivendi do indivíduo.
Apesar de não aparecer como um problema importante para os
moradores do Pequiá, tampouco ser mencionado espontaneamente nas conversas
que realizamos, procurei perceber o que os metalúrgicos do Pequiá faziam nas suas
horas livres quando não estavam na presença de sua família ou em atividades
religiosas, ou seja, procurei identificar a existência de atividades daquilo que
designamos com lazer.
A primeira constatação que fiz é que ao contrário do ocorre geralmente o
lazer desses trabalhadores não se confunde com o final de semana, posto que o
tempo livre é o tempo da folga e a folga pode ocorrer tanto no sábado quanto no
domingo ou em qualquer dia de semana, como nos disse um trabalhador: “pois vai
depender do dia que cair a folga”, (Celso, funcionário da Viena).
Dentre os locais freqüentados por esses trabalhadores identifiquei o
chamado “banho do quarenta” (ver desenho número 11 na Figura 3), com sua
entrada localizada nas mediações do Pequiá de Baixo e a denominada “Ilha do Coco
Verde” (Foto 5), um bar localizado no Pequiá de Baixo. Contudo, vale dizer que são
poucos os operários que visitam regularmente esses dois locais, o que está
relacionado com o pouco tempo disponível pós-jornada de trabalho e os
compromissos derivados da opção religiosa dos operários protestantes.
94
Foto 5 – Balneário Ilha do Côco Verde (15/02/2007)
95
5 - CONSIDERAÇÕES FINAIS
Açailândia pode ser considerado como um município que espelha de
forma exemplar as principais transformações que ocorreram na Amazônia Oriental
nas últimas quatro décadas. Surgida de um canteiro de obras durante a construção
da BR-010 essa cidade assistirá, num período extremamente curto, o
desenvolvimento de diversos fluxos camponeses, o estabelecimento da grande
propriedade agropecuária e a chegada da indústria madeireira.
Durante todo esse período o bairro do Pequiá será conhecido como um
povoado camponês, no qual coexistiam atividades agrícolas, pecuárias e da
exploração madeireira.
Contudo, na segunda metade da década de 1980 esse cenário mudará
radicalmente com a construção da Estrada de Ferro Carajás, a criação do Distrito
Industrial de Açailândia e a implantação das primeiras usinas siderúrgicas (Viena
Siderúrgica e Cia. Vale do Pindaré).
A chegada da atividade siderúrgica na região implicou no aparecimento
de novos postos de trabalho, relacionados com o trabalho direto e indireto na
atividade siderúrgica, dos quais o trabalho metalúrgico foi um dos mais importantes.
O estabelecimento da atividade siderúrgica no Distrito Industrial do
Pequiá ocasionou o deslocamento importante de pessoas para esse local, que,
como assinalaram vários autores (CANCELA, 1992; CARNEIRO, 1995) passou de
povoado camponês a bairro industrial.
A esse deslocamento espacial correspondeu também um deslocamento
ocupacional, pois, os primeiros trabalhadores da indústria siderúrgica foram, em sua
grande maioria, ex-camponeses oriundos de outras regiões do estado do Maranhão.
Essa rápida passagem da condição de camponês para a de trabalhador
metalúrgico implicou em várias mudanças na vida dos trabalhadores do bairro do
Pequiá. Uma delas, talvez a mais importante, refere-se ao que Thompson (2008, p.
269) chamou de mudança no “senso de tempo”, que origem a “novas disciplinas,
novos estímulos e uma nova natureza humana”, derivados da substituição de um
modo de vida estruturado pela autonomia da produção camponesa pela
padronização e controle do trabalho que são característicos da atividade assalariada
na grande indústria.
96
Vale ressaltar que além de nova essa gestão do trabalho industrial será
realizada em um contexto de forte assimetria entre trabalhadores e empregadores,
posto que, implantada numa região de fronteira agrícola, a indústria siderúrgica
contará com um volumoso exército industrial de reserva, o que lhe permitirá uma
“exploração intensiva da força de trabalho” (CASTRO; 1995: 93)
Um aspecto importante de nossa análise foi tentar compreender como
esses trabalhadores conseguiram se manter em um sistema no qual a exploração
intensiva da força de trabalho é o principal fator de manutenção desse mesmo
sistema. Vimos (cf. capítulo 3) que para fazer frente a essa exploração e aos
métodos autoritários de gestão do trabalho a alternativa que se colocou para esses
metalúrgicos foi a da mobilização e organização, através do desenvolvimento de
movimentos grevistas e da organização do seu sindicato, o Sindicato dos
Trabalhadores Metalúrgicos de Açailândia e Imperatriz (STIMAI).
A descrição dessas primeiras mobilizações nos indicou que a fundação do
STIMAI e as mobilizações iniciais por melhorias nas condições de trabalho
constituem um marco na constituição dos metalúrgicos do Pequiá enquanto grupo
social. É a partir dessas lutas e da constituição do sindicato enquanto instituição de
representação de seus interesses que eles passam a se representar enquanto
grupo, com interesses próprios face ao patronato siderúrgico e aos demais
segmentos sociais do município de Açailândia e do estado do Maranhão.
Se no plano da fábrica a identidade do grupo foi se forjando nas lutas
contra a superexploração do trabalho outro pólo importante da constituição dessa
identidade será o lugar da moradia, o bairro do Pequiá.
Será no espaço do bairro, nos contatos com amigos, vizinhos e familiares
que a experiência camponesa será re-elaborada, tornando-se um elemento
importante para a sustentação da identidade do grupo, alicerçando seus
mecanismos reguladores e fornecendo parâmetros para inserção na nova atividade
produtiva.
Mas, esses trabalhadores se identificam não só pelo passado comum,
como também pela representação que possuem do desejo de uma vida melhor, do
que significa viver bem nas novas condições.
As empresas, através da inculcação dos mecanismos disciplinares,
procuram operacionalizar essas representações nas formas de controle e
97
gerenciamento. Por sua vez, os laços identitários reforçam a coesão interna, dando
autonomia para o grupo estruturar as suas estratégias de reprodução dos laços de
solidariedade, transformando a organização desses trabalhadores em uma
organização autônoma com fronteiras específicas e determinadas.
Os laços de solidariedade puderam se transformar em laços sociais
bem definidos devido às estratégias utilizadas para estabelecimento dentro do
bairro. As estratégias de inserção manutenção dentro do mercado de trabalho foram
de fundamental importância para a formação social do grupo operário.
Nessa linha de argumento, a pesquisa induziu para as seguintes
conclusões:
a) os laços de solidariedade foram reforçados ao longo do processo de
inclusão desses trabalhadores no espaço do Pequiá foram decisivos para sua
manutenção na atual estrutura social do distrito industrial;
b) a noção de experiência funcionou como elemento de diferenciação que
organizou e organiza a posição que cada operário no interior da firma;
Através do olhar sobre a heterogeneidade minha pesquisa buscou os
elementos constituintes do grupo operário dentro do bairro Pequiá, conseqüência de
um empreendimento regional específico, observada nas práticas cotidianas dos
moradores, visto que “(...) é tão relevante olhar para as estratégias de vida
atualizada nos bairros urbanos e nos lares, quanto para o processo de trabalho em
si mesmo” (SAVAGE, 2004, p.14).
98
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de Althusser. Rio de Janeiro, Zahar Ed., 1981.
__________. Costumes em comum. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.
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