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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ
ROGÉRIO BARBOSA MACEDO
A FORMAÇÃO DE SABERES DE PROFISSIONAIS DA AGRONOMIA
EM CONTEXTO DE ATUAÇÃO
CURITIBA
2008
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2
ROGÉRIO BARBOSA MACEDO
A FORMAÇÃO DE SABERES DE PROFISSIONAIS DA AGRONOMIA
EM CONTEXTO DE ATUAÇÃO
Tese apresentada ao Curso de Pós-Graduação em
Agronomia, área de concentração em Produção
Vegetal, Departamento de Fitotecnia e
Fitossanitarismo, Setor de Ciências Agrárias,
Universidade Federal do Paraná, como requisito
parcial à obtenção do título de Doutor em
Ciências.
Orientador: Prof. Dr. Valdo José Cavallet
CURITIBA
2008
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Catalogação na publicação elaborada pela Divisão de Processos Técnicos da
Biblioteca Central da Universidade Estadual de Londrina.
Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)
M141f Macedo, Rogério Barbosa.
A formação de saberes de profissionais da Agronomia em contexto de atuação /
Rogério Barbosa Macedo. – Curitiba, 2008.
146 f. : il.
Orientador: Valdo José Cavallet.
Tese (Doutorado em Agronomia) Universidade Federal do Paraná, Setor de
Ciências Agrárias, Programa de Pós-Graduação em Agronomia, 2008.
Inclui bibliografia.
1. Engenheiros agrônomos – Formação profissional – Teses. 2. Engenheiros
agrônomos – Aprendizagem por atividades – Teses. 3. Agricultura familiar – Teses.
I. Cavallet, Valdo José. II. Universidade Federal do Paraná. Setor de Ciências
Agrárias. Programa de Pós-Graduação em Agronomia. III. Título.
CDU 631:37.015.3
4
PARECER DA BANCA
5
À doce e querida Eliane Fóglia, por seu amor, carinho, paciência e
dedicação com os meus sonhos e aventuras a que me proponho
cotidianamente.
À minha família, por ter me ensinado os valores que permeiam
este trabalho.
Aos agricultores familiares, suas esposas e seus filhos(as), pelo
aprendizado de conhecimentos, habilidades e atitudes e pela
persistência na luta por uma vida melhor.
6
AGRADECIMENTOS
Agradeço a Deus por estar sempre me acompanhando, iluminando meu caminho e
atendendo as minhas preces;
Ao meu orientador e companheiro Valdo José Cavallet, que por representar um
exemplo de homem e de profissional tem me despertado o prazer de ser um eterno
aprendiz;
Ao Instituto EMATER – PR pelo apoio na coleta das informações e nos contatos com
seus profissionais;
Aos Engenheiros(as) Agrônomos(as) colaboradores desta pesquisa: Ana Paula
Bueno de Godoi Cheida (Bandeirantes); Eliani Aparecida Marson (São Jerônimo da
Serra); Denise Lutgem Rizzo (Ribeirão Claro); Rosangela Delamuta (Abatiá); Antônio
Calesso (Bandeirantes); Ciro Daniel Marques Marcolini (Santa Mariana); Fernando
Cesar Machado (Nova Santa Bárbara); Almir Del Padre (Cambará); Rômulo
Madureira Faria (Jacarezinho); Maurício Castro Alves (Santo Antônio da Platina);
Miguel Cesar Antonucci (Itambaracá); Joaquim Serra Badia (Cornélio Procópio);
Paulo Cesar Hidalgo (Cornélio Procópio); Eduardo Tadeu Sanches (Rancho Alegre)
e Emerson Faccin (Jataizinho), pela paciência e valiosas informações;
À professora Márcia Marzagão Ribeiro e à aluna Michelle Melissa Althaus Ottmann
pela paciência e pelas valiosas contribuições feitas no decorrer deste trabalho;
Aos professores e colegas do Programa de Pós-Graduação em Agronomia –
Produção Vegetal da UFPR, pelo companheirismo e pelas trocas de experiências
que pudemos realizar;
Aos meus alunos(as) e colegas de trabalho no Departamento de Engenharia e
Desenvolvimento Agrário da UENP/Campus Luiz Meneghel, pelo companheirismo
demonstrado no decorrer deste curso;
À Diretoria da UENP/Campus Luiz Meneghel, pelas decisões que fizeram com que
este trabalho fosse possível;
À Fundação Araucária pelo apoio financeiro, sem o qual não seria possível a
realização de tal pesquisa;
Aos servidores da UFPR, em especial à Lucimara, secretária do Programa de Pós-
Graduação em Agronomia – Produção Vegetal, pela atenção e simpatia;
A todos que, direta ou indiretamente, contribuíram para que eu pudesse ter êxito
neste trabalho...
... muito obrigado!
7
"Educar é educar-se na prática da liberdade, é tarefa daqueles que sabem que pouco
sabem - por isso sabem algo e podem assim chegar a saber mais - em diálogo com aqueles
que, quase sempre, pensam que nada sabem, para estes, transformando seu pensar que
nada sabem em saber que pouco sabem, possam igualmente saber mais."
"Crescer como Profissional, significa ir localizando- se no tempo e nas circunstâncias em
que vivemos,para chegarmos a ser um ser verdadeiramente capaz de criar e transformar a
realidade em conjunto com os nossos semelhantes para o alcance de nosso objetivos como
profissionais da Educação."
“A educação tem caráter permanente. Não há seres educados e não educados. Estamos
todos nos educando.”
PAULO FREIRE
8
RESUMO
A presente tese teve como objetivo caracterizar o processo de aprendizagem de
saberes profissionais de engenheiros agrônomos que atuam junto à agricultura
familiar, pois o agricultor pertencente a esse universo, por vislumbrar o campo
também como um modo de vida, é capaz de articular a dimensão econômica de sua
reprodução social, com a dimensão humana de sua existência, no que se refere ao
acúmulo de conhecimentos, habilidades e atitudes. Metodologicamente, utilizou-se
de pesquisas bibliográfica e de pesquisa descritiva, abrangendo 28 municípios da
Mesorregião Geográfica Norte Pioneiro Paranaense, segundo o Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística (IBGE) e os colaboradores foram os engenheiros
agrônomos que atuam nos escritórios locais do Instituto Paranaense de Assistência
Técnica e Extensão Rural. Identificou-se diferentes saberes profissionais, como
novos conhecimentos que advêm da (re)contextualização dos conhecimentos
universitários à luz da realidade dos agricultores; novas habilidades, como saber
administrar conflitos e ter uma comunicação dialógica centrada na família e novas
atitudes, destacando-se mudanças comportamentais como paciência, tolerância,
compreensão, respeito às diferenças, fraternidade, humildade, sinceridade e
respeito. As condições que levaram ao desenvolvimento desses saberes decorrem
da atuação em realidades complexas, de sua imprevisibilidade e dos erros e acertos
de um profissional que se assume inacabado.
Palavras-chave: Educação superior, agricultura familiar, extensão rural, Norte
Pioneiro do Paraná.
9
ABSTRACT
To present thesis had as objective characterizes the learning process of
professionals knowledge of agricultural engineers that act near family agriculture,
because the farmer belonging to that universe, for glimpse the field like a life way, he
is able to articulate the economical dimension of his social reproduction, with the
human dimension of his existence, in what refers to the accumulation of knowledge,
abilities and attitudes. Methodologically, was used bibliographical researches and
descriptive research, including 28 municipal districts of Mesorregião Geográfica
Norte Pioneiro Paranaense, according to the Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE) and the collaborators were the agricultural engineers that act in the
local offices of the Instituto Paranaense de Assitência Técnica e Extensão Rural. We
identified different professionals knowledge, as new knowledge that result from the
(re)contextualization of the academicals knowledge in the farmers' reality; new
abilities, how to know to manage conflicts and to have a dialogical communication
centered in the family and in new attitudes, highlighting behaviors changes as
patience, tolerance, comprehension, respect to the differences, fraternity, humility,
honesty and respect. The conditions that took to the development of those
knowledge result of the actuation in complex realities, of their unpredictability and of
the mistakes and the successful of the professionals that assumes that they are
unfinished.
Key-words: Superior education, family agriculture, rural extension, North Pioneer of
Paraná.
10
LISTA DE FIGURAS
FIGURA 1 – MICRORREGIÕES E MUNICÍPIOS ABRANGIDOS PELA PESQUISA..................... 18
FIGURA 2. TRAJETÓRIA PROFISSIONAL DOS ENGENHEIROS
AGRÔNOMOS NA EMATER – PR................................................................................................. 105
LISTA DE QUADROS
QUADRO 1 - MICRORREGIÕES E MUNICÍPIOS ABRANGIDOS PELA PESQUISA................. 18
QUADRO 2 - PERFIL DOS PRODUTORES RURAIS CONSIDERADOS REFERÊNCIA
DENTRE OS PRODUTORES FAMILIARES EM SEUS MUNICÍPIOS......................................... 10
QUADRO 3 - MUNICÍPIOS E NÚMERO DE ENGENHEIROS AGRÔNOMOS
ENTREVISTADOS....................................................................................................................... 102
QUADRO 4 – POSICIONAMENTO DOS PROFISSIONAIS SOBRE SUA FORMAÇÃO
UNIVERSITÁRIA........................................................................................................................... 116
QUADRO 5 – SUGESTÕES DOS PROFISSIONAIS AOS PROFESSORES E DIRIGENTES
ESCOLARES................................................................................................................................ 116
QUADRO 6 - TIPOS DE ATITUDES DESENVOLVIDAS PELOS PROFISSIONAIS.................... 126
LISTA DE TABELAS
TABELA 1 - NÚMERO DE ESTABELECIMENTOS, ÁREA E FORÇA DE TRABALHO
OCUPADA E O VALOR BRUTO DA PRODUÇÃO VENDIDA DAS CATEGORIAS
SOCIAIS QUE FAZEM USO DA TERRA COM E SEM LAVOURAS, NAS
MICRORREGIÕES DE ASSAÍ, CORNÉLIO PROCÓPIO E JACAREZINHO, 2001..................... 85
TABELA 2 - GRAU DE ESPECIALIZAÇÃO DA PRODUÇÃO DOS
PRODUTORES FAMILIARES, SEGUNDO O NÚMERO DE ESTABELECIMENTOS,
A ÁREA TOTAL E O VALOR BRUTO DA PRODUÇÃO, NAS MICRORREGIÕES DE
ASSAÍ, CORNÉLIO PROCÓPIO E JACAREZINHO, 2000...............................................
88
TABELA 3 - GRAU DE INTEGRAÇÃO AO MERCADO DOS PRODUTORES
FAMILIARES, SEGUNDO O NÚMERO DE ESTABELECIMENTOS, A ÁREA
TOTAL E O VALOR BRUTO DA PRODUÇÃO, NAS MICRORREGIÕES DE ASSAÍ,
CORNÉLIO PROCÓPIO E JACAREZINHO, 2000....................................................................... 89
TABELA 4 - TIPOS DE AÇÃO E SEUS GRAUS DE INTENSIDADE NA ROTINA
DE TRABALHO DOS PROFISSIONAIS...................................................................................... 108
11
LISTA DE GRÁFICOS
GRÁFICO 1 - GRAU DE INSTRUÇÃO DOS PRODUTORES FAMILIARES INDICADOS............. 92
GRÁFICO 2 - ESTRUTURA FUNDIÁRIA ENTRE OS PRODUTORES FAMILIARES.................... 92
GRÁFICO 3 - TIPOS DE ATIVIDADES DOS PRODUTORES FAMILIARES................................. 93
GRÁFICO 4 - CARACTERÍSTICAS DOS PRODUTORES QUE JUSTIFICARAM SUA
INDICAÇÃO..................................................................................................................................... 94
GRÁFICO 5 - SEXO DOS PROFISSIONAIS.................................................................................. 102
GRÁFICO 6 - FAIXA ETÁRIA DOS PROFISSIONAIS.................................................................... 103
GRÁFICO 7 - ESCOLA DE ORIGEM DOS PROFISSIONAIS....................................................... 103
GRÁFICO 8 - ANO DE INGRESSO DOS PROFISSIONAIS NA EMATER - PR............................ 104
GRÁFICO 9 - TIPO DE FORMAÇÃO CONTINUADA FEITA COM APOIO DA EMATER - PR...... 106
GRÁFICO 10 - GRAU DE INSERÇÃO NA REALIDADE LOCAL.................................................... 107
GRÁFICO 11 - TIPOS DE INSERÇÃO NA REALIDADE LOCAL................................................... 107
GRÁFICO 12 - AÇÕES MAIS INTENSAS NA ROTINA DOS PROFISSIONAIS DA
EMATER - PR.................................................................................................................................. 110
GRÁFICO 13 - NÍVEL DE DOMÍNIO DAS COMPETÊNCIAS PEDAGÓGICAS............................. 117
12
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO..................................................................................................
14
1.1 OBJETIVO GERAL........................................................................................
16
1.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS..........................................................................
16
2 METODOLOGIA..............................................................................................
17
3. REVISÃO DE LITERATURA...........................................................................
22
3.1 RACIONALIDADE TÉCNICA E PRODUÇÃO DO CONHECIMENTO............
22
3.1.1 Gênese e características da racionalidade técnico-instrumental................
23
3.1.2 Os limites da racionalidade técnico-instrumental........................................
27
3.1.3 A emergência de novas formas de pensamento científico.........................
32
3.2 PENSAMENTO CIENTÍFICO E FORMAÇÃO PROFISSIONAL....................
39
3.2.1 A perspectiva do ensino reflexivo...............................................................
44
3.2.2 A formação do profissional reflexivo...........................................................
47
3.3 A FORMAÇÃO DE SABERES PELA PRÁTICA PROFISSIONAL.................
50
3.3.1 A dimensão educativa da atuação do engenheiro agrônomo.....................
52
3.3.2 Conceito e características de epistemologia da prática profissional...........
56
3.3.3 A formação de saberes profissionais em contexto de atuação...................
60
3.4 A AGRICULTURA FAMILIAR NO NORTE PIONEIRO DO PARANÁ...........
68
3.4.1 A agricultura familiar e o pensamento acadêmico brasileiro.......................
70
3.4.2 O caráter de persistência da agricultura familiar.........................................
76
3.4.3 O Norte Pioneiro do Paraná........................................................................
80
3.4.4 Perfil socioeconômico da agricultura familiar no Norte Pioneiro
do Paraná.............................................................................................................
84
4. RESULTADOS E DISCUSSÕES.....................................................................
91
4.1 OS ENGENHEIROS AGRÔNOMOS E A PERSISTÊNCIA DA
AGRICULTURA FAMILIAR..................................................................................
91
4.1.1 Caracterização dos produtores familiares indicados...................................
91
4.1.2 Visões dos engenheiros agrônomos sobre a persistência
da agricultura familiar...........................................................................................
95
4.2 OS ENGENHEIROS AGRÔNOMOS E A FORMAÇÃO DE
SABERES EM CONTEXTO DE ATUAÇÃO.........................................................
101
4.2.1 Caracterização socioeconômica e cultural dos engenheiros
agrônomos...........................................................................................................
102
13
4.2.2 Posicionamentos dos engenheiros agrônomos sobre sua formação
profissional...........................................................................................................
110
4.2.2.1 Formação inicial e transição para a vida profissional...............................
110
4.2.2.2 O domínio das competências pedagógicas para
uma atuação educativa........................................................................................
116
4.2.2.3 Posicionamentos dos engenheiros agrônomos sobre a
formação de saberes em contexto de atuação....................................................
122
5 CONCLUSÕES.................................................................................................
130
REFERÊNCIAS....................................................................................................
133
APÊNDICES.........................................................................................................
140
14
1 INTRODUÇÃO
A presente pesquisa se originou de uma reflexão sobre a possibilidade de
existir um significado pedagógico inerente à atuação do profissional de Agronomia
em projetos de desenvolvimento rural, cujo foco é a agricultura familiar.
Tal reflexão surgiu das observações e análises desenvolvidas ao longo de
minha trajetória profissional como professor universitário, começando pelo interesse
em compreender o desafio de formar profissionais reflexivos para atuar com
desenvolvimento agrário, tema de minha dissertação no curso de Mestrado em
Educação na Universidade Estadual de Londrina.
Essa aproximação com a área de Educação possibilitou para mim uma re-
significação da aprendizagem de saberes profissionais, passando a compreender
que o engenheiro agrônomo, tido como um sujeito inacabado, encontra-se
permanentemente vinculado a um processo de aprendizagem, inclusive durante seu
exercício profissional.
Entretanto, apesar de serem muito variadas as possibilidades de atuação
desse profissional, consideramos que a agricultura familiar possui características
que a definem como um terreno fértil do ponto de vista pedagógico para o
profissional que junto a ela atua.
Penso que a agricultura familiar representa um espaço de aprendizagem
singular para os engenheiros agrônomos, pois o agricultor pertencente a esse
universo é capaz de articular a dimensão econômica de sua reprodução social, com
a dimensão humana de sua existência, principalmente, no que se refere ao acúmulo
e perpetuação de conhecimentos, habilidades, valores e atitudes.
Compreendo, assim, que se há uma explicação para o potencial pedagógico
da agricultura familiar, essa pode ser representada pelo fato dela ser um espaço de
humanização das relações entre o profissional e o agricultor e sua família, dado que
esse sujeito vislumbra o campo também como um modo de vida.
Entretanto, cabe ressalvar que embora os profissionais em questão sejam
engenheiros agrônomos vinculados às ações de extensão junto à agricultura
familiar, os resultados advindos do estudo dessa problemática, sobretudo, no que se
15
refere à formação de saberes, poderão ser utilizados e por outras profissões e áreas
da educação superior.
Como professor universitário, minhas ações se fundamentavam na idéia de
que a formação de um profissional dependeria, exclusivamente, das condições
relativas à estruturação curricular, ao ambiente acadêmico, incluso as qualidades
dos alunos e o nível de capacitação dos professores e à proposta pedagógica do
curso de Agronomia. Dadas essas condições, formaríamos um profissional dotado
das competências necessárias ao desenvolvimento do campo.
No entanto, as reflexões advindas de uma trajetória profissional
caracterizada pelo envolvimento com a área da Educação, pela atuação em projetos
de extensão junto à agricultores familiares oriundos dos assentamentos de Reforma
Agrária e pelas discussões em diversos ambientes sobre a política pedagógica na
área de Agronomia, possibilitaram novos questionamentos acerca dos limites do
modelo de formação agronômica, ajudando a configurar a problemática dessa
pesquisa.
Refiro-me, portanto, à hipótese de que ao atuar no contexto das expectativas
e demandas da agricultura familiar, os engenheiros agrônomos encontram um
espaço privilegiado de aprendizagem de saberes profissionais. Espaço esse, que
poderia ser incorporado aos currículos, possibilitando vivências formativas de
aprendizagens aos alunos de Agronomia.
Isto é, a universidade, por si só, não seria capaz de formar um engenheiro
agrônomo apto a atender às expectativas e demandas do meio agrário, pois, além
desta, há um processo de formação de saberes que configura uma epistemologia da
prática profissional na atuação do engenheiro agrônomo.
Para a academia, a importância de tal pesquisa está na possibilidade de
agregarmos novos elementos à discussão acerca da política de formação
profissional nessa área, sejam eles teóricos, com base na literatura especializada,
sejam eles práticos, como os posicionamentos dos profissionais sobre sua formação
universitária; sobre sua transição para a vida profissional e sobre as relações que
estabelecem entre o conhecimento acadêmico e os problemas da prática.
Como professor universitário, creio que a realização dessa pesquisa
possibilitará uma melhor compreensão do significado da formação de saberes
profissionais. Sendo assim, a re-significação desse processo terá um papel decisivo
16
no nível de contribuição que poderei dar ao aprimoramento do projeto político-
pedagógico da instituição a qual estou vinculado, bem como, da política de extensão
universitária.
1.1 OBJETIVO GERAL
Caracterizar o processo de aprendizagem de saberes profissionais, de
engenheiros agrônomos que atuam junto às expectativas e demandas da agricultura
familiar.
1.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS
Analisar o impacto dos pensamentos científicos no modelo de educação
superior;
Desvelar as razões da persistência da agricultura familiar frente às
transformações do meio agrário;
Compreender os posicionamentos dos engenheiros agrônomos sobre sua
formação acadêmica e trajetória profissional;
Identificar os saberes profissionais gerados pela interação dos engenheiros
agrônomos com as expectativas e demandas da agricultura familiar.
17
2 METODOLOGIA
Entende-se por metodologia o caminho do pensamento e a prática exercida
na abordagem da realidade. Dessa forma, a metodologia inclui as concepções
teóricas de abordagem e o conjunto de técnicas que possibilitam a construção da
realidade e o sopro divino do potencial criativo do investigador (DESLANDES et al.,
1994).
Os objetivos definidos para esta tese exigiram a aplicação de um conjunto
diversificado de métodos de pesquisa, cujas referências teóricas e procedimentos
práticos são apresentados, a seguir.
A base teórica e conceitual da pesquisa foi construída por meio de revisão
bibliográfica, com a qual se procurou resgatar as contribuições de diferentes autores
ao debate acerca dos temas abordados, estabelecendo um diálogo entre a teoria e o
problema investigado.
Outro instrumento utilizado foi a pesquisa descritiva, com abordagem
quantitativa e qualificativa com a qual, segundo Cervo e Bervian (2002), busca-se
conhecer e descrever as diversas relações que ocorrem na vida política, social,
econômica e cultural tanto com um indivíduo, tomado separadamente, quanto com
grupos ou comunidades mais complexas.
Quanto à área de abrangência, a pesquisa foi realizada nos 28 municípios
que compõem as 3 microrregiões pertencentes à Mesorregião Geográfica Norte
Pioneiro Paranaense, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE) (2002): Microrregião Geográfica Assaí (14), Microrregião Geográfica Cornélio
Procópio (15) e Microrregião Geográfica Jacarezinho (16), conforme podemos ver na
FIGURA 1 e QUADRO 1.
A escolha desta região deveu-se ao fato de ser esta a área de influência da
Universidade Estadual do Norte do Paraná - UENP, à qual se está vinculado.
A Mesorregião Geográfica Norte Pioneiro Paranaense está localizada em
porções do Segundo e Terceiro Planaltos Paranaenses e abrange uma área de
1.572.706,1 de hectares, correspondendo a cerca de 7,9% do território estadual. É
constituída por 46 municípios, dos quais se destacam Cornélio Procópio, Santo
Antônio da Platina e Jacarezinho, em razão de suas dimensões populacionais e
18
níveis de polarização (Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social
(IPARDES), 2004).
FIGURA 1 – MICRORREGIÕES E MUNICÍPIOS ABRANGIDOS PELA PESQUISA
FONTE: O autor (2008)
14 - MICRORREGIÃO GEOGRÁFICA ASSAÍ
Assaí Santa Cecília do Pavão Rancho Alegre
Jataizinho São Jerônimo da Serra Uraí
São Sebastião da Amoreira Nova Santa Bárbara
15 - MICRORREGIÃO GEOGRÁFICA CORNÉLIO PROCÓPIO
Abatiá Nova América da Colina Sertaneja
Andirá Santa Mariana Santo Antônio do Paraíso
Bandeirantes Ribeirão do Pinhal Nova Fátima
Congonhinhas Santa Amélia Leópolis
Cornélio Procópio Itambaracá
16 - MICRORREGIÃO GEOGRÁFICA JACAREZINHO
Barra do Jacaré Jundiaí do Sul Santo Antônio da Platina
Cambará Ribeirão Claro Jacarezinho
QUADRO 1 - MICRORREGIÕES E MUNICÍPIOS ABRANGIDOS PELA PESQUISA
FONTE: O autor (2008)
Os colaboradores da pesquisa foram os engenheiros agrônomos que atuam
nos escritórios locais do Instituto Paranaense de Assistência Técnica e Extensão
MRG 14
MRG 15
MRG 16
19
Rural (EMATER-PR) e os agricultores rurais que representaram os diferentes
segmentos da agricultura familiar ali presentes.
Em relação à discussão sobre a persistência da agricultura familiar e às
transformações do meio agrário, a coleta de dados se deu a partir de pesquisa
documental e por meio de entrevistas semi-estruturadas com os informantes-chave.
A pesquisa documental foi baseada nas Declarações de Aptidão ao
Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (DAP/PRONAF) dos
agricultores que foram indicados pelos engenheiros agrônomos como referência em
seu município, do ponto de vista de sua persistência nas transformações ocorridas, e
do alcance de um nível satisfatório de qualidade de vida.
Analisando-se as DAP’s foi possível obter dados que serviram para
caracterizar agricultores rurais indicados, tais como: a área; a condição do agricultor;
seu grau de instrução; seu enquadramento no PRONAF; as atividades que
desenvolve e as características que justificaram sua indicação.
Posteriormente, foram feitas entrevistas semi-estruturadas com os
engenheiros agrônomos, apoiadas em um roteiro, presente no APÊNDICE 1, com as
seguintes questões: (1) Em sua opinião, o que explica o fato da agricultura familiar
persistir nas transformações socioeconômicas e tecnológicas ocorridas no campo?
(2) Quais são as principais expectativas e demandas dos agricultores familiares em
relação à sua atuação profissional?
No que se refere aos saberes formados pelos engenheiros agrônomos em
contexto de atuação com a agricultura familiar, o instrumento de pesquisa utilizado
também foi a entrevista semi-estruturada.
A amostragem dos profissionais seguiu a situação em que se encontra cada
escritório local do Instituto Paranaense de Assistência Técnica e Extensão
(EMATER-PR) na região, quanto à formação do profissional ali lotado.
Dos 28 municípios abrangidos por essa pesquisa, apenas 16 possuem
engenheiros agrônomos, num total de 20 profissionais aptos a serem entrevistados,
pois há casos de mais de um engenheiro agrônomo no município. Desses, porém,
foram entrevistados 15 profissionais em 12 municípios, número esse que representa,
portanto, uma amostra de 75% de cada.
Essa parte do roteiro de questões foi organizada com perguntas objetivas e
subjetivas. As questões objetivas serviram para explorar o perfil socioeconômico e
20
cultural dos profissionais, como: nome; sexo; faixa etária; escola de origem; se
possuem outra experiência profissional; ano de ingresso na EMATER; formação
continuada pela EMATER; cargos ocupados na EMATER; grau de intensidade das
ações pertencentes à rotina e inserção na realidade local atuando como cidadãos.
As questões subjetivas, por outro lado, abordaram sua visão sobre: o
domínio das competências profissionais relacionadas a uma atuação pedagógica no
campo; as razões da persistência da agricultura familiar onde atuam; a formação
inicial que tiveram na graduação em Agronomia e a importância de sua atuação
prática na construção de saberes profissionais.
Os procedimentos analíticos compreenderam a construção de quadros e
gráficos que serviram para sistematizar os dados quantitativos, sobretudo os de
caracterização dos atores da pesquisa.
Em relação aos dados quantitativos, é importante ressaltar que, em alguns
casos, a distribuição percentual foi superior a 100%, pelo fato de que os
colaboradores podiam assinalar mais de uma alternativa.
No caso dos dados qualitativos, a estratégia utilizada foi a organização de
categorias de análise, sendo os argumentos discutidos à luz da literatura pertinente.
Para Rudio (1986), tal classificação é uma forma de discriminar e selecionar as
informações obtidas, a fim de reuni-las em grupos, de acordo com o interesse da
pesquisa.
Seguindo-se o que estabelecem as normas da Universidade Federal do
Paraná - UFPR -, referenciadas na Resolução Nº 196 de 10 de outubro de 1996 do
Conselho Nacional de Saúde (BRASIL, 2008), no que se refere a assegurar e
valorizar uma condução ética durante a pesquisa foi solicitado o consentimento livre
e esclarecido dos participantes, conforme APÊNDICE 2.
Por meio desse instrumento, apresentaram-se os objetivos e a metodologia
da pesquisa de forma clara aos participantes, os quais tiveram garantido o
anonimato e o sigilo de suas informações. Além disso, a liberdade de participação
espontânea e o direito de desistência em qualquer momento da pesquisa foram
preservados.
21
22
3 REVISÃO DE LITERATURA
3.1 RACIONALIDADE TÉCNICA E PRODUÇÃO DO CONHECIMENTO
A racionalidade técnico-instrumental, como base epistemológica para a
formação universitária, trouxe grandes avanços no campo tecnológico, mas em
contrapartida, promoveu a separação entre a cultura humanista e a científica, pois a
universidade faz coexistir, e desafortunadamente só coexistir, e não comunicar as
duas culturas, afirma Morin (2002).
Trata-se, portanto, de um questionamento epistemológico da educação
superior, por meio do qual pode-se perceber que, historicamente, suas práticas
pedagógicas e seu modelo de pensamento científico permanecem alicerçados numa
ótica fragmentada da compreensão de fenômenos, promovendo um gradativo limite
ao questionamento, à criatividade e à construção do conhecimento.
Diante disso, o objetivo desta seção é compreender o significado e o papel
que a racionalidade técnico-instrumental tem tido, historicamente, no
desenvolvimento da ciência e, por conseguinte, no modelo de formação profissional
universitária.
Para tanto, duas reflexões são propostas sobre a racionalidade técnico-
instrumental: em primeiro lugar, a apresentação de sua gênese e características e
de seus limites em face da crescente complexidade que caracteriza a forma de atuar
dos profissionais das mais diversas áreas; em seguida, uma discussão sobre a
emergência de novos paradigmas científicos que poderão servir de referencial para
uma re-orientação epistemológica na produção do conhecimento.
23
3.1.1 Gênese e características da racionalidade técnico-instrumental
O positivismo originado, mais especificamente por Auguste Comte, no
começo do século XIX, desenvolveu a denominada Lei dos Três Estados, segundo a
qual o conhecimento humano havia atravessado três estágios históricos: o teológico,
o metafísico e ingressara no estágio positivo ou científico (BARROSO, 2002).
Para Nickel (2006), Comte idealizou o conhecimento científico como único
conhecimento verdadeiro para a sociedade moderna, por estar livre das
interpretações provenientes da vontade humana sobre os fenômenos, na tentativa
de contrapor-se ao conhecimento filosófico e teológico; epistemologia vigente até o
século XV.
Segundo Cunha (1998), o paradigma moderno de ciência construiu-se sobre
o conceito de racionalidade, com o intuito de dominar a natureza, subjugá-la ao
homem, negando o pensamento dominante, até o Renascimento, de que a fé e a
natureza eram as grandes forças universais. Com isso, expandiram-se o comércio e
as conquistas, e o trabalho humano começou a ser medido em termos de
produtividade.
A razão instrumental nasce quando o sujeito do conhecimento toma a
decisão de que conhecer é dominar e controlar a natureza e os seres humanos.
Assim, por exemplo, o filósofo Francis Bacon, no início do século XVII, criou uma
expressão para referir-se ao objeto do conhecimento: a “Natureza atormentada”
(CHAUÍ, 1995).
Conforme Souza Santos (1988), o modelo de racionalidade que preside a
ciência moderna constituiu-se a partir da revolução científica do século XVI, mas é
só no século XIX que este modelo de racionalidade se estende às ciências sociais
emergentes. A partir de então, pode falar-se de um modelo global de racionalidade
científica que se distingue, de duas formas, do conhecimento não-científico: pelo
senso comum e pelas chamadas humanidades ou estudos humanísticos.
Na opinião de Ruiz (2008), se todos nos congratulamos da autonomia
conseguida em relação à tutela teológica, talvez não tenhamos tomado consciência
suficiente de que uma nova forma de tutela hegemônica se estruturou em torno dos
diversos saberes da universidade e penetrou no conjunto do tecido social. De que
24
estamos falando? Daquela que foi entronizada como a grande deusa da
emancipação iluminista: a racionalidade.
Ruiz (2008) enfatiza, ainda, que a racionalidade apresentou-se no modelo
social da modernidade como algo muito mais que um meta-saber, ela se solidificou
como uma forma de poder. Afirma esse autor:
[...] os objetivos definidos estrategicamente pela racionalidade submetem de
forma instrumental o conjunto dos elementos a ela referidos, que passam a
ser meros instrumentos a serviço dos resultados previstos. Na racionalidade
econômica esses objetivos identificam-se com lucratividade, utilidade,
rendimento, etc. Deste modo, o crescimento e o progresso constituem
objetivos em si mesmos. Não se questiona que tipo de crescimento, para
onde se dirige o progresso, o que se entende por desenvolvimento, sendo
esses objetivos mensuráveis e avaliados por índices econômicos (RUIZ,
2008, p. 4).
Levy e Espíritu Santo (2006) argumentam que a epistemologia da
racionalidade técnica fundamenta-se no pensamento, ao mesmo tempo
fragmentador, que distingue e isola, e determinista, que apregoa a previsibilidade
cabal de todos os fenômenos da natureza.
Essa concepção prevalece no mundo, em particular nas sociedades
ocidentais, desde o século XVII, quando Francis Bacon e René Descartes
revigoraram as duas grandes correntes epistemológicas clássicas: a empirista,
segundo a qual o conhecimento seria “descoberto” por intermédio da percepção
experimental, e a racionalista, defensora do “alcance das verdades” graças ao
exercício racional.
Chauí (1995) apresenta uma conceituação diferenciadora destas correntes
epistemológicas, afirmando:
[...] a concepção empirista, dos gregos ao final do século XVII, afirma que a
ciência é uma interpretação dos fatos baseada em observações e
experimentos que permitem estabelecer induções. A teoria científica resulta
das observações e dos experimentos, não apenas para verificar e confirmar
fatos, mas para produzir conhecimentos. A concepção racionalista, de
Aristóteles ao final do século XIX, por sua vez, afirma que a ciência é um
conhecimento racional dedutivo e demonstrativo como a matemática,
portanto, capaz de provar a verdade necessária e universal, sem deixar
qualquer dúvida. Sua objetividade está na matemática, que é uma
representação intelectual universal (CHAUÍ, 1995, p. 236).
A ciência, denotativa de rigor, de precisão, de sistematização, de
observância de um método e de objetividade independente do homem, segundo
Levy e Espíritu Santo (2006), tem primazia sobre as demais formas de expressão
cultural, entre as quais a arte e a religião. Sendo assim, em nome da supremacia
dessa ciência, os saberes e os fazeres de grupos humanos que
25
interagiam/interagem com contextos vários, foram e têm sido rebaixados, calados ou
mesmo aniquilados.
Segundo Monteiro (2001), as bases epistemológicas da modernidade foram
lançadas, de certo modo, igualmente totalitárias como as da Idade Média, uma vez
que nega o caráter racional de outras formas de conhecimento, como o senso
comum e o cultural, por serem tidos como não sustentados por princípios
epistemológicos das ciências naturais.
Como exemplo, um dos pensadores que influenciou significativamente a
concepção positivista foi Isaac Newton, que procurou explicar o mundo a partir das
leis da matemática e da mecânica. Em seus estudos, Newton lança mão de um
processo de objetividade na leitura da realidade que desconsiderava todas as
determinantes sociais, políticas, econômicas e culturais que a influenciavam e a
constituíam, simplificando os problemas humanos preocupando-se mais com os que
pudessem ser isolados e explicados ordenadamente, pela lógica matemática
(NICKEL, 2006).
Na opinião de Souza Santos (1988), o determinismo mecanicista é o
horizonte certo de uma forma de conhecimento que se pretende utilitário e funcional,
reconhecido menos pela capacidade de compreender profundamente o real do que
pela capacidade de dominá-lo e transformá-lo. No plano social, é esse também o
horizonte cognitivo mais adequado aos interesses da burguesia ascendente que via
que na sociedade começava a dominar o estágio final da evolução da humanidade.
Outro exemplo é René Descartes, filósofo, cientista e matemático do século
XVI, que contribuiu para que os fenômenos fossem estudados de forma objetiva
quando teorizou que, para resolver um problema, era necessário dividi-lo no maior
número possível de partes e estudá-las. Dessa forma, era possível chegar ao todo,
pelo método da indução, da generalização, considerado como o melhor método de
pesquisa científica da época. Tal método passou a ser conhecido como método
cartesiano (NICKEL, 2006).
Para Laudares e Ribeiro (2001), o cartesianismo marcou a fundação da
filosofia moderna que buscou a unificação do saber estabelecendo as bases de uma
nova ciência e estruturando um método que permitiria conhecer a verdade mediante
a utilização da linguagem matemática para a descrição da natureza, cujos
fundamentos haviam sido elaborados inicialmente por Galileu.
26
Na literatura podemos encontrar, ainda, autores que expõem a influência
que o pensamento racionalista teve nas ciências sociais, cujos intelectuais julgaram
poder aplicar os mesmos princípios epistemológicos e metodológicos das ciências
naturais.
Para Souza Santos (1988), a consciência filosófica da ciência moderna, que
tivera no racionalismo cartesiano e no empirismo baconiano as suas primeiras
formulações, veio a condensar-se no positivismo oitocentista, dado que, segundo
este, só há duas formas de conhecimento científico - as disciplinas formais Lógica e
Matemática e as ciências empíricas nas quais se enquadram as ciências sociais que
nasceram para ser empíricas.
Tal compromisso epistemológico está bem simbolizado na expressão “física
social” com que inicialmente se designaram os estudos científicos da sociedade.
Um exemplo disso é a teoria geral do suicídio proposta por Durkheim, o
fundador da sociologia acadêmica, segundo o qual é necessário reduzir os fatos
sociais às suas dimensões externas, observáveis e mensuráveis. Como vemos em
Souza Santos (1988):
[...] as causas do aumento da taxa de suicídio na Europa do virar do século
não são procuradas nos motivos invocados pelos suicidas e deixados em
cartas, como é costume, mas antes a partir da verificação de regularidades
em função de condições tais como o sexo, o estado civil, a existência ou
não de filhos e a religião dos suicidas (SOUZA SANTOS, 1988, p. 6 e 7).
Ainda sobre os pressupostos fundamentais do pensamento racionalista,
Morin (2002) assinala que, até meados do século XX, a maioria das ciências
obedecia ao princípio de redução, aplicando às complexidades vivas e humanas a
lógica mecânica e determinista da máquina artificial. Segundo este autor, Isso levou
à exclusão de tudo aquilo que não fosse quantificável e mensurável, eliminando,
dessa forma, o elemento humano do humano, isto é, paixões, emoções, dores e
alegrias.
Pode-se concluir com isso que o modelo de racionalidade técnico-
instrumental de certa forma embasou a ciência moderna, desde o século XVI, sendo
considerado por determinados segmentos da sociedade como a única forma de se
produzir um conhecimento verdadeiramente científico. Tal modelo se caracteriza por
um pensamento, ao mesmo tempo fragmentador, reducionista e determinista,
eliminando todo conhecimento não mensurável.
27
3.1.2 Os limites da racionalidade técnico-instrumental
Segundo Chauí (1995), um cientista ou um grupo de cientistas começam a
estudar um fenômeno empregando teorias e métodos disponíveis em seu campo de
trabalho e, pouco a pouco, descobrem que seus referenciais não explicam o que
estão observando, encontrando, assim, “obstáculos epistemológicos”.
Para superar estes obstáculos, acrescenta Chauí (1995), os cientistas
precisam ter a coragem de dizer não à teoria e métodos existentes realizando uma
ruptura epistemológica. Esta, por sua vez, conduz à elaboração de novas teorias,
novos métodos e tecnologias, que afetam todo campo de conhecimentos existentes.
Um dos pensadores que mais se dedicou a explicar as transições
paradigmáticas que caracterizam a evolução da ciência foi Thomas Kuhn (1922-
1996).
No entender de Marques (2008), na teoria central de Kuhn o conhecimento
científico não cresce de modo cumulativo e contínuo. Ao contrário, esse crescimento
é descontínuo, dá-se por saltos qualitativos, que não se podem justificar por critérios
de validação do conhecimento científico, mas por fatores externos que nada têm a
ver com a racionalidade científica.
Kuhn constitui um marco na perspectiva do desenvolvimento científico, por
opor-se a uma concepção de ciência explicativa e tentar desenvolver suas teorias
epistemológicas num contato mais estreito com a história das ciências, abordando o
progresso científico a partir dos conceitos de paradigma; ciência normal; anomalia e
revolução (MAIA, 2008).
De acordo com Kuhn (1975, p. 271), um paradigma é “o que os membros de
uma comunidade científica compartilham e, reciprocamente, uma comunidade
científica consiste em homens que compartilham um paradigma”.
Num sentido geral, o paradigma kuhniano é a uma forma de fazer ciência,
uma matriz disciplinar. Em sentido particular, o paradigma é uma realização
científica concreta que fornece os instrumentos conceituais e instrumentais para a
solução de problemas. Ou seja, uma “concepção de mundo” que, pressupondo um
“modo de ver” e de “praticar”, engloba um conjunto de teorias, instrumentos,
conceitos e métodos de investigação (MARQUES, 2008).
28
As idéias de Kuhn (1975) a respeito da maneira como a ciência evolui, parte
da consideração de que o desenvolvimento da ciência madura processa-se em duas
fases, a fase da ciência normal e a fase da ciência revolucionária.
Conforme Maia (2008), a ciência normal não é nem mais nem menos do que
aquela que trabalha num determinado paradigma, adotado por uma comunidade
científica.
Ou, é um conjunto de enigmas com um número limitado de peças que o
cientista - qual jogador de xadrez - vai pacientemente movendo até encontrar a
solução final. Aliás, a solução final, tal como no enigma, é conhecida
antecipadamente, apenas se desconhecem os pormenores do seu conteúdo e do
processo para atingi-la (SOUZA SANTOS, 1977).
Desse modo, o paradigma que o cientista adquiriu durante a sua formação
profissional fornece-lhe as regras do jogo, descreve-lhe as peças a utilizar e indica-
lhe o caminho ou objetivo a atingir.
Na opinião de Marques (2008), nessa fase da ciência normal, o cientista não
procura questionar ou investigar aspectos que extravasam o próprio paradigma,
limita-se a resolver dificuldades de menor importância que vão permitindo mantê-lo
em atividade e possibilitam simultaneamente revelar a sua engenhosidade e a sua
capacidade na resolução dos enigmas.
Segundo Kuhn (1975, p. 68), “a característica mais surpreendente dos
problemas de investigação normal é a de tão pouco aspirarem a produzir novidade”.
Todavia, tais novidades aparecem à medida que a articulação teórica do paradigma
aumenta e é nesse contexto que se explicam as anomalias, fatos que o cientista não
consegue resolver dentro do paradigma.
Pode acontecer que o número de incongruências seja cada vez mais
significativo, o que aumenta consideravelmente a dificuldade em solucioná-las, ou
até mesmo que o cientista se defronte com incongruências de solução impossível à
luz do paradigma predominante. Sendo assim, na visão de Souza Santos (1977):
[...] o efeito cumulativo deste processo pode ser tal que a certa altura se
entre numa fase de crise. Incapaz de lhe dar solução, o paradigma existente
começa a revelar-se como a fonte última dos problemas e das
incongruências, e o universo científico que lhe corresponde converte-se
pouco a pouco num complexo sistema de erros onde nada pode ser
pensado corretamente. Já outro paradigma se desenha no horizonte
científico e o processo em que ele surge e se impõe constitui a revolução
científica e a ciência que se faz ao serviço deste objetivo é a ciência
revolucionária (SOUZA SANTOS, 1977, p. 216).
29
O período de revolução científica é, nesse sentido, um período de mudança
de paradigmas e o que muda é a maneira de olhar o mundo. Como salienta Kuhn
(1975, p. 140), “o nascimento de uma nova teoria rompe com a tradição da prática
científica e introduz uma nova, o que se leva a cabo com regras diferentes e dentro
de um universo de razões também diferentes”.
Em relação à postura do cientista, nesse período, sua imagem é a de um
sujeito profundamente conservador e que a todo o custo procura resistir à mudança.
A explicação de Marques (2008, p. 2) é que “o cientista não passa a vida a pôr em
causa aquilo que aprendeu, pelo contrário, defende esse patrimônio de um modo
insistente e procura resistir a mudanças bruscas que acarretem uma redefinição
radical do trabalho até então realizado”.
De acordo com Maia (2008), Kuhn afirmava que não há nenhum argumento
lógico que possa demonstrar, a priori, a superioridade de um paradigma
relativamente a outro e obrigue o cientista a adotar um e não outro. O que há é um
conjunto de fatores que se encontra envolvido no julgamento que o cientista faz dos
méritos de uma teoria.
Nesse sentido, Marques (2008) conclui que não devemos ficar admirados
com a profunda resistência manifestada pela comunidade à mudança de
paradigmas. O cientista não está minimamente interessado em provocar um abalo
na estrutura do edifício que de certa forma o "alberga" e dá sentido ao seu trabalho
profissional.
O cientista é humano, sendo a proteção, a confiança e de certo modo a
segurança condições que todo o ser humano deseja alcançar, e todas essas
condições são fornecidas ao cientista pelo paradigma. Ou seja, "o que eles
defendem nessa resistência é afinal o seu modo de vida profissional" (SANTOS,
1977, p. 215).
Diante disso, Chauí (1995) questiona: Por quê, então, temos a ilusão de
progresso e de evolução? Do lado do cientista, porque este sente que sabe mais e
melhor do que antes, já que o paradigma anterior não lhe permitia certos objetos do
fenômeno. Do lado dos não-cientistas, porém, porque vivemos sob a ideologia do
progresso e da evolução, do “novo” e do “fantástico” e, além disso, vemos os
resultados tecnológicos das ciências.
30
No entanto, acrescenta Vitkowski (2004), há muitas transformações que de
alguma forma nos empobreceram. Questiona-se a dimensão unilateral e reducionista
do velho paradigma, a partir do momento em que o método analítico moderno foi
interpretado como a explicação mais completa, a única abordagem válida do
conhecimento, ao focalizar as partes.
Concordando com tal exposição, Levy e Espíritu Santo (2006) salientam que
é bem verdade que o modelo da racionalidade técnica trouxe grande
desenvolvimento – um avanço exponencial, diga-se! – às ciências e à tecnologia ao
longo dos últimos séculos. Mas, também é correto afirmar que esse paradigma
dificulta a percepção de que ciência, tecnologia, economia, política e sociedade são
interdependentes e decisivas no que tange a paz e guerra, riqueza e pobreza,
liberdade e subordinação, sustentabilidade ecológica e crime ambiental etc.
Segundo Azenha e Marquezan (2000), a mesma racionalidade humana,
capaz de criar altas tecnologias e que concebeu o modelo econômico-social
(capitalismo) que corroborou essa criação, depara-se agora com as deformações
causadas por esse modelo: a exaustão da natureza pela exploração predatória, a
fome, a miséria, a exclusão social daqueles que, sem acesso ao conhecimento,
vêem-se à margem do sistema.
Para Vitkowski (2004), essas breves constatações são indicativas de que
existe uma série de problemas interligados, cujas soluções parecem não ser
possíveis nos modelos vigentes; daí a necessidade de buscar um novo paradigma
científico.
Há, evidentemente, uma crise contextual das instituições, da economia, da
política, dos governos, da sociedade, do sistema como um todo. A crise está na
própria raiz do pensamento científico ocidental racionalista/mecanicista/reducionista)
que vê o mundo como uma grande máquina e os princípios que alimentam suas
engrenagens como: a especialização, a concentração, a centralização, a
maximização, a sincronização e a padronização (TOFFLER, 1980).
Exemplificando, Cardoso (1995) lembra que o princípio da especialização
levou à departamentalização e ao modelo de fábrica; a concentração aparece na
distribuição dos espaços comuns como os parques industriais e os centros
comerciais; a maximização traz a aversão ao pequeno (culto aos shopping-centers).
31
A sincronização e a padronização das coisas e dos produtos à comunicação,
subordinam valores como individualidade e liberdade.
Apontando outras limitações do pensamento racionalista, Nickel (2006)
afirma que a premissa da quantificação fez com que o ser humano se tornasse
dependente de uma ciência que não conseguiu explicar todos os fenômenos, pois
desconsiderou a complexidade humana.
Essa extrema confiança na capacidade da razão de conhecer, prever e
prover, cuja pretensão era oferecer melhores condições de vida humana, foi abalada
diante de episódios históricos tais como as guerras mundiais, o surgimento de
doenças inimagináveis, a ganância excessiva por acúmulo de capital, gerando
processos perversos de exclusão e alienação, instalação de regimes autoritários, etc
(MONTEIRO, 2001).
Tentando sintetizar essa trajetória do ser humano em relação ao modo de
pensar e construir conhecimentos, Mourão (1996) ressalta que a história da ciência é
uma sucessão de paradigmas:
[...] o primeiro paradigma surgiu com a Revolução Copernicana, que
permitia o homem libertar-se do geocentrismo em que vivia. O segundo foi a
Revolução Cartesiana, cuja capacidade de análise lógica fez com que o
homem assumisse o domínio da ciência e da técnica e se transformasse no
arquiteto de idéias do mundo futuro. O terceiro foi a Revolução Darwiniana,
que reconduziu o homem à natureza e libertou-o do antropocentrismo. O
quarto é a Revolução Sistêmica, que está permitindo reintegrar os
conhecimentos como um todo coerente (MOURÃO, 1996, p. 5 - 7).
Hoje, segundo Souza Santos (1988), são muitos e fortes os sinais de que o
modelo de ciência baseado na racionalidade atravessa uma profunda crise,
resultante de uma pluralidade de condições sociais e teóricas, resultantes do grande
avanço no conhecimento que ele mesmo propiciou.
Portanto, fica evidenciado que esse modelo parece atravessar uma crise de
confiança na qual questiona-se sua dimensão fragmentadora e reducionista, bem
como a idéia de ser a única abordagem válida de conhecimento científico. Embora
seja verdade a contribuição dada ao avanço tecnológico, o uso feito desse tipo de
pensamento trouxe também deformações de ordem socioeconômica, cujas soluções
dependem de outras formas de se fazer ciência.
32
3.1.3 A emergência de novas formas de pensamento científico
Para Witkowski (2004), a visão mecanicista do mundo começou a perder seu
poder de influência, a partir de algumas descobertas iniciadas no início do século
XX. Foi Einstein, em 1905, quem fez a primeira grande investida contra o paradigma
da ciência moderna, por meio da Teoria da Relatividade.
Outros renomados cientistas, que muito contribuíram para a revolução
paradigmática, são ainda: o físico alemão Werner Heisenberg (1901-1976); o físico
dinamarquês Niels Bohr (1885-1962) e o físico-químico russo Ilyia Prigogine,
ganhador do prêmio Nobel em 1977.
Segundo Morin (2000), pesquisas científicas no campo da física, como os
estudos sobre o átomo, possibilitaram concluir que, para estudar certos fenômenos,
não bastava a visão objetiva e reducionista, era necessário entender a complexidade
da relação entre os fenômenos que transformavam os objetos e mudavam os
resultados em determinadas situações de pesquisa.
Para Levy e Espíritu Santo (2006), um número crescente de pensadores tem
chegado a conclusões favoráveis quanto ao realismo da interação entre os diversos
contextos e da indeterminação e, ainda, da criatividade própria do homem e da
natureza, o que indica a emergência de um novo modelo de pensar, diametralmente
oposto ao da racionalidade técnica e aceita a validade de manifestações culturais,
até então sufocadas pela “intolerância” da ciência moderna.
Fala-se, atualmente, em ciências da complexidade ou explicação não-
mecanicista do comportamento de determinados fenômenos. Essas ciências
propõem uma forma de visão unificada da natureza, segundo a qual faz pouco
sentido a distinção entre o orgânico e o inorgânico, entre os seres vivos e a matéria
inerte.
Na opinião de Mourão (1996), as ciências da complexidade devem
desembocar numa visão unificada da natureza. Novas indústrias irão surgir, tais
como as bioindústrias e as ecoindústrias. E, também, novas disciplinas como a
Biótica, a Neobiologia, a Macrobiologia, a ciência das redes, as Ciências Cognitivas
e a Bioinformática, que formam os instrumentos metodológicos e técnicos da
revolução do terceiro milênio.
33
Nesse sentido, Capra (1994) afirma:
[...] quanto mais estudamos os principais problemas de nossa época, mais
somos levados a perceber que eles não podem ser entendidos
isoladamente. São problemas sistêmicos, o que significa que estão
interligados e são interdependentes. Por exemplo, a escassez dos recursos
e a degradação do meio ambiente combinam-se com populações em rápida
expansão, o que leva ao colapso das comunidades locais e à violência
étnica e tribal que se tornou a característica mais importante da era pós-
guerra fria (CAPRA, 1994, p. 23).
Para Souza Santos (2003, p. 48), a relevância desse conjunto de teorias
deve-se ao fato de que não se trata de um fenômeno isolado, mas, “de um
movimento convergente, pujante, (...) que atravessa as várias ciências da natureza
até as ciências sociais, um movimento de vocação transdisciplinar (...)”.
A literatura registra que os questionamentos ao paradigma da racionalidade
técnico-instrumental têm propiciado uma profunda reflexão epistemológica sobre o
conhecimento científico, uma reflexão de tal modo rica e diversificada que, melhor do
que qualquer outra circunstância tem caracterizado exemplarmente a situação
intelectual do tempo presente.
Em primeiro lugar, a reflexão é levada a cabo predominantemente pelos
próprios cientistas, notadamente aqueles que adquiriram uma competência e um
interesse filosóficos para problematizar a sua prática científica. Ao tratar disso,
Souza Santos (1988) afirma:
[...] depois da euforia cientista do século XIX e da conseqüente aversão à
reflexão filosófica, bem simbolizada pelo positivismo, chegamos ao final do
século XX possuídos pelo desejo quase desesperado de complementarmos
o conhecimento das coisas com o conhecimento do conhecimento das
coisas, isto é, com o conhecimento de nós próprios (SOUZA SANTOS,
1988, p. 11).
Nesse sentido, o rigor científico ao quantificar, desqualifica; ao caracterizar
os fenômenos, os caricaturiza; e ao afirmar a personalidade do cientista, destrói a
personalidade da natureza. Nesses termos, o conhecimento ganha em rigor o que
perde em riqueza e a retumbância dos êxitos da intervenção tecnológica esconde os
limites da nossa compreensão do mundo (SOUZA SANTOS, 1988).
Capra (1994, p. 23) defende que “esses problemas precisam ser vistos,
exatamente, como diferentes facetas de uma única crise, que é, em grande medida,
uma crise de percepção”, derivada do fato de que a maioria de nós e, em especial,
nossas grandes instituições sociais concordam com os conceitos de uma visão de
mundo obsoleta.
34
Diante disso, parece oportuna a maneira como Souza Santos (1988)
sintetiza o momento de transição paradigmática da ciência, vivido pelo homem na
atualidade. Segundo esse autor, a crise do paradigma da ciência moderna não
constitui um pântano cinzento de ceticismo ou de irracionalismo.
É, antes, o retrato de uma família intelectual numerosa e instável, mas
também criativa e fascinante, no momento de se despedir, com alguma dor, de
conceitos ancestrais, mas não mais convincentes e seguros, em busca de uma vida
melhor na qual a racionalidade seja mais plural e na qual, finalmente, o
conhecimento volte a ser uma aventura encantada (SOUZA SANTOS, 1988).
A partir desse contexto, novas propostas paradigmáticas começaram a
surgir na tentativa de se promover uma re-orientação epistemológica da produção
científico-tecnológica, o que não significa invalidar o papel da racionalidade, mas
relativizá-lo.
A respeito disso, Ruiz (2008) comenta que a mera racionalidade leva
inerente a dinâmica da instrumentalidade, mas isso não quer dizer que ela não
possua outras potencialidades, pois a racionalidade crítica tem a possibilidade de
questionar a racionalidade instrumental. Porém, é preciso discernir se aquilo que
denominamos de racionalidade crítica existe como pura racionalidade ou é a
resultante da interação entre o imaginário e o logos, entre o simbolismo e a razão.
A racionalidade está impregnada da dimensão simbólica do ser humano.
Este, contrariando a definição tradicional, não é um mero ser racional. “Ele é um ser
também simbólico, de tal modo que sua racionalidade é intrinsecamente simbólica e
seu simbolismo é necessariamente racional. Eis por que podemos definir o ser
humano como um ser essencialmente mito-lógico” (RUIZ, 2008, p. 5).
Na opinião de Souza Santos (1988), estamos em processo de configuração
de um novo paradigma social e científico, o qual só pode obter-se por via
especulativa. Nesse sentido, não espanta que, não obstante alguns pontos de
convergência, sejam diferentes as sínteses até agora apresentadas.
A título de exemplo, são citados diversos pesquisadores e suas proposições,
como: IIya Prigogine e a “Metamorfose da Ciência”; Fritjof Capra e a “Nova Física”;
Eugene Wigner e as “Mudanças do Segundo Tipo”; Erich Jantsch e a “Auto-
Organização”; Daniel Bell e a “Sociedade Pós-industrial” e, finalmente, Habermas e
a “Sociedade Comunicativa”.
35
O sociólogo e professor da Universidade de Coimbra (Portugal), Boaventura
Souza Santos, por sua vez, fala do paradigma de um “Conhecimento Prudente para
uma Vida Decente”.
Com esta designação, Souza Santos (1988) sugere que a natureza da
revolução científica que atravessamos é estruturalmente diferente da que ocorreu no
século XVI. Sendo uma revolução científica que ocorre numa sociedade, esta
também revolucionada pela ciência, o paradigma a emergir dela não pode ser
apenas um paradigma científico (o paradigma de um conhecimento prudente), tem
de ser também um paradigma social (o paradigma de uma vida decente).
Segundo Vitkowski (2004), a proposta de Boaventura Souza Santos pode
ser caracterizada, provisoriamente, a partir de um conjunto de quatro teses
esboçadas em 1985/86.
Souza Santos (1988, p. 13) enuncia, em sua primeira tese, que “Todo o
conhecimento científico-natural é científico-social”. A concepção humanística das
ciências sociais coloca a pessoa, enquanto autor e sujeito do mundo, no centro do
conhecimento, mas contrariamente às humanidades tradicionais, coloca o que hoje
designamos por natureza no centro da pessoa.
Em sua segunda tese, propõe que “Todo conhecimento é simultaneamente
local e total”. Na ciência moderna, o conhecimento avança pela especialização,
assim, é hoje reconhecido que a excessiva fragmentação do saber científico faz do
cientista um ignorante especializado. No paradigma emergente, o conhecimento é
total, mas também é local e constitui-se de temas que em dado momento são
adotados por grupos sociais concretos com projetos de vida locais.
A terceira tese defendida por Souza Santos (1988, p. 18) concebe que “Todo
conhecimento é autoconhecimento”. A distinção clássica entre sujeito e objeto toma
outros contornos em face dos avanços observados na Física, na Química, na
Biologia permitindo considerar o objeto como a continuação do sujeito. Em outras
palavras, é preciso reconhecer que, se a ciência moderna deixou como herança um
conhecimento funcional do mundo que alargou extraordinariamente as perspectivas
de sobrevivência, hoje já não se trata dessa luta pela sobrevivência, mas de como
saber viver!
A quarta e última tese defendida por Souza Santos (1988) em sua proposta
paradigmática, sugere que “Todo conhecimento científico visa constituir-se em senso
36
comum”. Não se trata aqui de deslegitimar a ciência, pois o senso comum é
conservador e pode legitimar prepotências, mas interpenetrado pelo conhecimento
científico pode estar na origem de uma nova racionalidade e, para que esta
configuração aconteça, é necessário inverter a ruptura epistemológica.
Na perspectiva desse paradigma que emerge, Vitkowski (2004) defende ser
necessário partir da arqueologia do presente, ou seja, deve-se escavar sob o que
não foi feito e compreender por que não foi feito. E a escavação é orientada para os
silenciamentos, para as vozes suprimidas, para as margens, para a periferia, para o
Sul, enquanto metáfora de todos os que lutam por melhores condições de vida.
Finalizando, com afinco, a defesa de suas teses, o sociólogo Boaventura
Souza Santos (1997) afirma ainda:
[...] no paradigma emergente, ressaltam-se os grandes valores éticos, como
o valor da dignidade humana. Daí a preocupação com a expansão das
características democráticas das comunidades. O paradigma emergente
quer também reabilitar os sentimentos e as paixões como forças
mobilizadoras de transformação social, pois, não basta criar um novo
conhecimento, é preciso que alguém se reconheça nele. (SOUZA
SANTOS,1997, p. 287).
Outro pensador com grande influência nas discussões sobre rupturas
paradigmáticas é Edgar Morin, pesquisador emérito do Centre National de la
Recherche Scientifique (França). Para Morin, diante dos problemas complexos que
as sociedades contemporâneas hoje enfrentam, apenas estudos de caráter inter-
poli-trandisciplinar poderiam resultar em análises satisfatórias.
Segundo Morin (2003), pensar uma ciência que considere a complexidade
dos fenômenos humanos implica promover a conjunção entre os saberes. E, para
isso, é necessário um novo modelo de pensamento, denominado “Pensamento
Complexo”.
Em seus estudos, segundo Nickel (2006), Edgar Morin tem descrito como
articular o uno e o múltiplo, encontrando na complexidade e na incerteza
fundamentos para compreender uma sociedade planetária.
Para isso, Morin (2000) aponta sete princípios da complexidade que se
complementam e são interdependentes, a saber: o Princípio sistêmico ou
organizacional; o Princípio hologramático; o Princípio do círculo retroativo; o
Princípio do círculo recursivo; o Princípio da auto-eco-organização; o Princípio
dialógico e o Princípio da reintrodução do conhecimento em todo conhecimento.
37
O Princípio sistêmico ou organizacional se contrapõe à idéia reducionista
dos fenômenos, pois liga o conhecimento das partes ao conhecimento do todo,
sendo que o todo possui qualidades que só podem ser produzidas a partir das
relações entre as partes, sem que as partes percam sua identidade e unicidade.
O princípio hologramático permite considerar que o todo está nas partes,
como a totalidade do patrimônio genético está presente em cada célula individual, a
sociedade está presente em cada indivíduo, enquanto todo, através da sua
linguagem, sua cultura e suas normas. Da mesma forma, o indivíduo faz parte de
uma cultura e sociedade que, por isso mesmo, identifica-se nela e com ela, não
podendo compreender sua existência de modo isolado.
O Princípio do círculo retroativo trata da relação dinâmica entre causa e
efeito. Diferentemente do pensamento linear, de acordo com o qual estes dois
fatores são totalmente independentes e isolados entre si, este princípio considera
que o efeito de uma ação influencia a causa e esta, por sua vez, influencia o efeito,
numa relação circular que leva à regulação de um sistema.
Diretamente relacionado a este princípio, está o Princípio do círculo
recursivo, segundo o qual, o indivíduo produz a sociedade e esta também o produz
por meio da cultura e das várias formas de linguagem, permitindo que ela se auto-
organize a partir de suas relações internas.
Em consonância com o Princípio do Círculo Recursivo, por sua vez, o
Princípio da Auto-Eco-Organização mostra que os seres vivos, sendo auto-
organizadores, produzem a si mesmos de maneira constante e que, para isso,
precisam gastar sua própria energia para garantir a autonomia desse processo. Ou
seja, o padrão de organização de um sistema vivo está em seu interior e se perpetua
pela auto-reprodução, por isso é auto-organizado, o que lhe confere um caráter uno
e dual ao mesmo tempo, enquanto agricultor e produto dessa organização.
Já o Princípio Dialógico busca a união de elementos que se excluem, mas
que não podem ser concebidos de maneira dissociada numa realidade em comum.
Esses elementos são contraditórios, mas coexistentes entre si, já que a existência
de um depende do outro. Como exemplo, através da auto-reprodução, encontra-se
vida e morte nos seres vivos como dois componentes opostos, mas que, sem
dialogicidade, não haveria a possibilidade de existirem.
38
Por fim, o Princípio da Reintrodução do Conhecimento em Todo
Conhecimento enfatiza a importância do sujeito e da problemática referente à teoria
do conhecimento, como frutos de uma reconstrução permanente da cultura de uma
sociedade em seu tempo. Trata, conforme Morin (2000), da retomada das formas de
pensar e conhecer que demandam extrapolar os padrões de pensamento que até
então reduziram a capacidade criativa e reflexiva do sujeito.
Nickel (2006) conclui que estes sete princípios constituem a célula da Teoria
da Complexidade, proposta por Edgar Morin, pela qual pode-se compreender a
realidade, a partir da retomada e da valorização do homem enquanto ser que pensa
sobre si mesmo, considerando-se parte indissolúvel do meio em que vive.
Vale lembrar que, dentre os argumentos defendidos por Souza Santos
(1988), era enfatizado que a ciência pós-moderna não despreza o conhecimento que
produz tecnologia, mas, assim como o conhecimento deve traduzir-se em
autoconhecimento, o desenvolvimento tecnológico deve traduzir-se em sabedoria de
vida. A exemplo de Descartes que, no limiar da ciência moderna, exerceu a dúvida
em vez de sofrê-la, nós, no limiar da ciência pós-moderna, devemos exercer a
insegurança em vez de também sofrê-la.
Diante disso, constatou-se que foram a partir das descobertas científicas do
início do século XX que se demonstrou que para estudar e compreender certos
fenômenos, não bastava a visão objetiva e reducionista da racionalidade técnico-
instrumental.
Há um reconhecimento da necessidade de se ter uma visão de
complexidade que contemple as interações entre os diversos contextos e a
indeterminação dos fenômenos. A partir disso, novas propostas paradigmáticas
começaram a surgir promovendo uma re-orientação epistemológica na ciência, na
qual ressaltam-se os valores éticos e reabilitam os aspectos afetivos como forças
mobilizadoras da transformação social.
39
3.2 PENSAMENTO CIENTÍFICO E FORMAÇÃO PROFISSIONAL
A educação superior possui estreito relacionamento com a trajetória da
ciência, seus modelos e, mais recentemente, com sua transição paradigmática.
Nota-se, atualmente, uma profunda reflexão acerca dos limites de uma educação
alicerçada na racionalidade técnico-instrumental, bem como dos caminhos a serem
trilhados, para que os novos paradigmas possam concretizar-se em modelos e
práticas educacionais verdadeiramente renovados.
Para Ruiz (2008), a universidade está inserida em um processo social de
extensão e intensificação da racionalidade instrumental. Conseqüentemente, a
validade do conhecimento, do ser e do fazer humano, está mediatizada pelos
resultados práticos que deles se possam extrair e o mérito de seu resultado ocorre
quando este se ajusta aos ditames da produtividade, da utilidade e da lucratividade.
Os currículos refletem os princípios da ciência moderna, estruturando-se de
forma fragmentada e induzindo uma avaliação do mesmo modo: os alunos devem
devolver o produto adquirido objetivamente, preferencialmente, em forma de testes
de múltipla escolha. “Estes não admitem a interferência do pensamento e da
experiência dos alunos e do professor. Não há meia resposta. Ou está certo ou está
errado. Celebram a racionalidade, separando o ato pedagógico de sua execução”
(CUNHA, 1998a, p. 199).
Segundo Cardoso (1995), a partir do método analítico cartesiano, não
somente o saber foi fragmentado em disciplinas estanques, como também o próprio
trabalho se tornou cada vez mais especializado, através dos departamentos,
divisões e seções, numa imensa linha de montagem. Cada um de nós, burocrática e
roboticamente, se restringe a uma tarefa particularizada sem consciência global do
produto realizado.
Parece que a forte presença dessa característica da ciência moderna na
sociedade ocidental acabou por cristalizar a forma tradicional de currículo, vendo-a
como uma única possibilidade de organização. Esta, segundo Cunha (1998a),
resume-se na lógica presente no nosso cotidiano acadêmico: dos fundamentos da
ciência para sua aplicação; da teoria para a prática; do básico para o
profissionalizante.
40
Behrens (2005) aponta ainda a ênfase dada aos procedimentos burocráticos
e a prática de um currículo influenciado por técnicas rígidas de planejamento, sem a
devida articulação entre o saber, o pensar e o fazer, recaindo na técnica pela
técnica. O planejamento, nesse contexto, elaborado de maneira autômata, individual
e a partir da grade curricular, acaba por atrelar-se à cultura dominante, que nem
sempre corresponde às necessidades sociais.
Analisando o caso da engenharia no Brasil, Laudares e Ribeiro (2001) têm
afirmado que o positivismo foi o movimento filosófico que mais influenciou a elite
brasileira no final do século XIX, com grande repercussão na implantação dos cursos
dessa área.
A idéia de uma ciência aplicada aos problemas concretos, tendo em vista
sua solução, intensificou-se a partir da década de 1930, no século XX, resultando,
como afirma Crivellari (2000), numa maior divisão do trabalho do engenheiro e no
crescente surgimento das novas especialidades, rompendo com a visão mítica do
engenheiro - expert universal.
Ou seja, nesses cursos, as matérias tecnológicas e aquelas das áreas
humanas e sociais constituem um saber que se encontra no campo da racionalidade
técnico-instrumental, porquanto produzem os instrumentos e as técnicas fornecendo
os meios que atendam aos fins da organização e do sistema produtivo (CUNHA,
2000).
Na Agronomia, a influência da racionalidade técnico-instrumental se repete,
tanto na organização do currículo, quanto no direcionamento dado à atuação
profissional.
Um exemplo disso é o que lembra Apple (1989), ao analisar a forma do
currículo e a lógica do controle técnico. Em sua opinião, um dos principais
mecanismos utilizados para garantir a produção e a reprodução do conhecimento,
segundo a ideologia e os interesses dos setores dominantes da sociedade, é a
separação entre a concepção e a execução do processo curricular.
Conforme Cavallet (1999), o modelo de formação na Agronomia ao manter
afastada a concepção da execução, ao ser integralizado basicamente por disciplinas
dissociadas de um todo e ao trabalhar com objetivos direcionados às necessidades
de mercado, freqüentemente distanciados de interesses sociais, ignora as
41
contradições da realidade agrária e dificulta o desenvolvimento de uma visão crítica
dos futuros profissionais.
A fragmentação do conhecimento em conteúdos isolados em diferentes
disciplinas de uma grade curricular, desprovida de um projeto pedagógico que lhes
dê conjunto, além de prejudicar o sentido daquilo que é ensinado para os alunos,
serve basicamente para treinar ou adestrar o futuro profissional dentro de objetivos
específicos de determinados setores da sociedade (SOUZA SANTOS, 1998).
Cavallet (1999) sugere que, ao se basear no modelo da ciência moderna, a
formação em Agronomia tem a realidade reificada e os futuros engenheiros
agrônomos são treinados para difundir determinadas tecnologias, independente da
realidade trabalhada. A superação dessa condição de dominação tecnológica
necessita, além de outras variáveis, de uma formação que tenha como princípio o
desvelamento da realidade e propicie um domínio metodológico pluralista ao
educando.
Ainda, segundo Cavallet (1999), embora as ciências sejam divididas para
fins didáticos, a vida é única, sendo assim:
[...] se por um lado, cada disciplina pode agregar novas visões do todo, que
se complementam e ampliam as opções, por outro lado, se não houver a
opção clara pela interdisciplinaridade no sentido de entendimento e
viabilização dos valores essenciais da vida, a fragmentação poderá ser
perigosamente perniciosa. Daí a defesa da interdisciplinaridade e, mais
ainda, da ação coletiva (CAVALLET, 1999, p. 79 - 80).
Reforçando esse debate, Batista (2000) questiona: é possível pensar a
transformação e a construção do conhecimento, sem pensar a teoria do
conhecimento aprisionada aos moldes positivistas? E, respondendo ao seu próprio
questionamento, afirma que sim, porém, que as teorias educacionais deveriam ter
como pressuposto a sua autocrítica.
Monteiro (2001) considera que a educação parece estar em descompasso
com os processos de revisão do modelo que dicotomiza sujeito e objeto, transitando
de teoria para teoria, de prática para prática, quase sempre de maneira dogmática.
Nesse sentido, diz Monteiro (2001):
[...] ainda estamos relativamente distantes das propostas que integram o
ensino e extensão, ensino e pesquisa, graduação e pós-graduação,
formação inicial e formação continuada. Parece-nos que o equívoco do
senso comum, ao dizer que a "teoria na prática é outra", reforçando o
dualismo entre o racional e o real, permeia a educação (MONTEIRO, 2001,
p. 8).
42
Portanto, segundo Batista (2000), ao nos contrapormos ao ensino
tradicional, estamos fazendo a crítica à ciência positivista, sendo assim, uma
transformação efetiva na educação requer a formulação de um conhecimento crítico
articulado a uma experiência que possa romper com a ética conformista do
positivismo que está a serviço da descoberta das leis que regem a sociedade sem,
contudo, almejar a sua transformação.
Azenha e Marquezan (2000) ressaltam que pensar numa mudança
paradigmática em educação é reconhecer a crise por que passa a mesma, é
reconhecer a falência da visão cartesiana/newtoniana de mundo e, portanto, da
racionalidade técnico-instrumental, pilar sobre o qual foi construído o conhecimento,
o pensamento e a cultura ocidentais.
Como salientado por Grinspun (1994), a educação vive uma crise
caracterizada pelos objetivos e finalidades de suas propostas, mas também pelos
seus procedimentos ou metodologias. A íntima vinculação da educação com o
contexto social e cultural leva-nos a rever os seus paradigmas atuais, à medida que
se constatam crises em inúmeras instituições sociais.
A propósito, afirma Cunha (1998b), é certo que esta crise traz inseguranças,
pois, intelectualmente, baseia-se não na certeza positivista e sim na dúvida
pragmática. Ela aceita a indeterminação inerente à complexidade e às múltiplas
perspectivas e, ao mesmo tempo, busca uma integração local do sujeito com o
objeto, da mente com o corpo, do currículo com a pessoa, do professor com o aluno
e de nós com os outros.
Como já referido, da crise do paradigma moderno está nascendo uma nova
perspectiva de fazer ciência, na qual o conhecimento tende a não ser dualista,
rejeitando-se a neutralidade, reconhecendo-se a intencionalidade e concebendo-se
a ciência como um ato humano, historicamente situado (CUNHA, 1998b).
Na passagem do que está estabelecido para o que se deseja, nota-se uma
indefinição, de imediato, dos objetivos que se pretende alcançar; procura-se uma
metodologia que concilie o que se deseja obter com os ganhos já obtidos. Sendo
assim, torna-se urgente pensar numa forma de integrar esta interdisciplinaridade de
conhecimentos nas propostas pedagógicas existentes ou nas que surgirem
(GRINSPUN, 1994).
43
Como ressaltado por Levy e Espíritu Santo (2006), na educação o
“emergente modelo de pensamento” coaduna-se com um currículo enquanto
processo, como um conjunto das experiências em que sujeito e objeto se conjugam
para que haja (re)construção do conhecimento, visto agora como representação da
realidade, em vez de ser encarado como algo definitivo e independente do sujeito.
Isso pressupõe, segundo Delors (2003), que a educação ao longo de toda
vida é uma construção contínua da pessoa, do seu saber e das suas aptidões, mas
também da sua capacidade de discernir e agir. Deve levá-la a tomar consciência de
si própria e do meio que a envolve e a desempenhar o seu papel social que lhe cabe
no mundo do trabalho e na comunidade.
Na opinião de Severino (1998), a análise das relações do conhecimento com
o universo social exige que devemos entender a educação num contexto de
mediações histórico-sociais como:
[...] uma prática simultaneamente técnica e política, atravessada por uma
intencionalidade teórica e fecundada pela significação simbólica, mediando
a integração dos sujeitos educandos nesse tríplice universo das mediações
existenciais: no universo do trabalho, da produção material, das relações
econômicas; no universo das mediações institucionais da vida social, lugar
das relações políticas, esfera do poder; no universo da cultura simbólica,
lugar da experiência da identidade subjetiva, esfera das relações
intencionais (SEVERINO, 1998, p. 14).
Nesse sentido, complementa o autor, ressalta-se a grande contribuição das
abordagens construtivistas, pelas quais o conhecimento se dá sempre como uma
assimilação ativa do sujeito que vai incorporando o objeto nos seus esquemas
sensório-motores.
Parece que o grande desafio está magistralmente sintetizado nas simples
palavras de Souza Santos (1988), quando diz que “nossa maior missão é construir
uma ciência prudente para um mundo decente e agirmos como sujeitos de nossa
própria história”.
Conclui-se, portanto, que a educação superior possui estreito
relacionamento com a evolução do pensamento científico, inclusive com a transição
paradigmática atual e, nesse sentido, os currículos parecem refletir os princípios da
ciência moderna, como a fragmentação do conhecimento em disciplinas e em
departamentos e a lógica cartesiana de se trabalhar do conhecimento fundamental
para o conhecimento aplicado.
44
Por outro lado, a emergência de novas formas de pensar e produzir ciência
sugere uma concepção curricular como processo representado por um acúmulo de
experiências em que sujeitos e objetos se articulam para a permanente
(re)construção de conhecimentos, habilidades e atitudes.
Com o intuito de traduzir para a prática os argumentos presentes na
discussão sobre a educação num contexto de transição do pensamento científico
escolheu-se analisar os aspectos que caracterizam um movimento surgido entre
professores e pensadores da educação, denominado ensino reflexivo.
3.2.1 A perspectiva do ensino reflexivo
A racionalidade técnica, como vimos até agora, é uma concepção
epistemológica da prática herdada do positivismo, que prevaleceu ao longo de todo
o século XX. E, baseando-se nessa concepção, a educação superior considera a
atividade profissional como algo instrumental e dirigido à solução de problemas
mediante a aplicação rigorosa de teorias e técnicas científicas.
Para Schön (1983), se o modelo de racionalidade técnica é incompleto, uma
vez que ignora as competências práticas requeridas em situações divergentes, tanto
pior para ele. Procuremos, em troca, uma nova epistemologia da prática, implícita
nos processos intuitivos e artísticos que alguns profissionais levam a cabo em
situações de incerteza, instabilidade, singularidade e conflito de valores.
Surge, pois, no cenário educacional, uma nova cultura, denominada “cultura
reflexiva”, que representa a criação de uma nova postura em face das situações
educativas, quando as práticas tradicionais dos professores apresentaram-se como
não respondentes aos problemas presentes (GOMES; CASAGRANDE, 2002).
O movimento do ensino reflexivo pode ser considerado uma reação à
tendência tecnicista predominante, ainda, na atuação do professor, pois reconhece
que os professores são profissionais que devem desempenhar um papel ativo na
formulação dos propósitos e dos meios para atingi-los.
No âmbito da atuação docente, a reflexão se refere à oportunidade de
análise crítica das práticas dos professores, das teorias que ele próprio formula e
45
das condições sociais que modelam as suas experiências de ensino. Além disso,
expondo e examinando as suas teorias e práticas, para si próprio e para os seus
colegas, o professor teria mais possibilidades de se aperceber das suas falhas
(MACEDO, 2004).
Mas, em que momento se dá a reflexão no caso da ação docente? Como
podemos caracterizar sua ocorrência no cotidiano dos professores, considerando-se
as limitações e a complexidade que marcam seu contexto?
A literatura educacional tem trazido resultados de pesquisa que apontam
para a reflexão como um processo que ocorre antes e depois da ação e, em certa
medida, durante a ação, pois, como salientam Zeichner (1993) e Schön (1983), os
práticos reflexivos têm “conversas reflexivas” com as situações que estão a praticar,
enquadrando e resolvendo problemas in loco, ou ainda, um “diálogo reflexivo” com a
situação problemática concreta.
Conforme Pérez-Gómez (1997, p. 102), parte-se da análise das práticas dos
professores, quando enfrentam problemas complexos da vida escolar, para a
compreensão do modo como utilizam o conhecimento científico, como resolvem
situações incertas. Em outras palavras, na realidade, o professor intervém num meio
ecológico complexo, num cenário psicossocial vivo e mutável, definido pela interação
simultânea de múltiplos fatores e condições.
Alarcão (2003, p. 41), em seu intuito de esclarecer em que se baseia a
noção de professor reflexivo, refere-se à “consciência da capacidade de pensamento
e reflexão que caracteriza o ser humano como criativo e não como mero reagricultor
de idéias e práticas que lhe são exteriores”.
Na opinião de García (1997), sem dúvida, um dos autores de maior
influência na difusão do conceito de reflexão, tendo contribuído para popularizar e
estender ao campo da formação de professores as teorias sobre a epistemologia da
prática, foi Donald Schön.
Ao ler alguns estudos de Schön (2000), percebe-se que este autor destaca o
ensino como uma profissão na qual a própria prática é que conduz à criação de um
conhecimento específico e ligado à ação, visto que se trata de um conhecimento
tácito, pessoal e não sistemático.
Para Zeichner (1993), há ações, reconhecimentos e julgamentos que
sabemos levar a cabo espontaneamente, não temos de pensar neles antes ou
46
durante a sua realização. Portanto, uma das maneiras de compreendermos o ensino
reflexivo é tornar mais conscientes alguns desses saberes tácitos, os quais, se
freqüentemente não exprimimos, podemos trabalhá-los criticando-os, examinando-
os e melhorando-os.
Schön (1983) sugeriu a existência de uma epistemologia da prática do
professor, baseada na ocorrência de momentos de reflexão que se completam para
garantir uma intervenção prática racional. Tais momentos são: a reflexão na ação, a
reflexão sobre a ação e a reflexão sobre a reflexão na ação.
Objetivando explicar o significado desses momentos, Schön (1983) começa
por afirmar que há saberes espontâneos presentes em nossas ações; muitas vezes
nem temos consciência de que os aprendemos, porém os executamos. A estes o
autor denomina como o conhecimento na ação, isto é, o conhecimento espontâneo
que todo professor possui tacitamente, que está implícito em sua experiência e é
manifestado a cada momento de sua ação.
Porém, este conhecimento não se apresenta como suficiente e, em
momentos de incerteza, novos conhecimentos são construídos como fruto de uma
reflexão denominada de reflexão na ação, visto que refletimos no decurso da própria
ação, sem a interrompermos, embora com breves instantes de distanciamento, e
reformulamos o que estamos fazendo enquanto estamos fazendo.
A esse conhecimento de primeira ordem, sobrepõe-se um conhecimento de
segunda ordem, a partir de um processo de diálogo com a situação problemática e
com uma intervenção concreta. O conhecimento de segunda ordem ou meta-
conhecimento na ação, encontra-se constrangido pelas pressões espaciais e
temporais e pelas solicitações psicológicas e sociais do cenário em que se atua.
Em vista disso, argumenta Pérez-Gómez (1997, p. 104), “é um processo de
reflexão sem o rigor, a sistematização e o distanciamento requeridos pela análise
racional, mas com a riqueza da captação viva e imediata das múltiplas variáveis
intervenientes e com a grandeza da improvisação e da criação”.
O professor se posiciona de forma crítica sobre sua própria ação e o
pensamento que o levou a esta ação, reestruturando suas elaborações e chegando
ao que Schön (2000) sugeriu ser chamado de reflexão sobre a ação, ou um
processo de pensamento que ocorre retrospectivamente sobre uma situação
problemática e sobre as reflexões na ação produzidas pelo professor.
47
Argyris (1985) salienta ser a reflexão sobre a ação um componente
essencial do processo de aprendizagem permanente em que consiste a formação do
profissional. Ou, ainda, a oportunidade de uma formação contínua, que se vai
alimentando das elaborações teóricas geradas no processo de reflexão anterior,
ocorrido durante a ação.
Concordando com isso, Pérez-Gómez (1997, p. 105) enfatiza que nesse
processo são postos à consideração individual ou coletiva os procedimentos
utilizados na fase de diagnóstico e de definição do problema, os esquemas de
pensamento e as teorias implícitas utilizadas pelo profissional quando enfrenta
situações problemáticas, incertas e conflituosas. “Sendo assim, a reflexão sobre a
ação supõe um conhecimento de terceira ordem, que analisa o conhecimento na
ação e a reflexão na ação em relação com a situação problemática e seu contexto.”
Há ainda um momento denominado de reflexão sobre a reflexão na ação,
que leva o professor a progredir no seu desenvolvimento profissional e a determinar
suas ações futuras, compreendendo novos problemas e descobrindo novas
soluções, conforme Schön (1983).
Portanto, Donald Schön reacende uma preocupação presente em Dewey
(1933), ou seja, a necessidade de que a formação escolar tenha como marca o
desenvolvimento da reflexão como instrumento de tomada de decisão
qualitativamente melhor do que a mera resposta impulsiva.
3.2.2 A formação do profissional reflexivo
Donald Schön (2000) critica o atual modelo de educação que se traduz num
modelo de aplicação da ciência aos problemas concretos da prática através da
ciência aplicada. E, no âmbito da formação profissional, propõe uma epistemologia
da prática que tenha como referência as competências que se encontram
subjacentes à prática dos bons profissionais.
Para Schön (2000), os problemas da prática do mundo real não se
apresentam aos profissionais com estruturas bem delineadas, mas na forma de
estruturas caóticas e indeterminadas, que este autor denominou de zonas
48
indeterminadas da prática – a incerteza, a singularidade e os conflitos de valores –
que escapam aos cânones da racionalidade técnica. Ou seja:
[...] quando uma situação problemática é incerta, a solução técnica de
problemas depende da construção anterior de um problema bem-delineado,
o que é, em si, uma tarefa técnica. Quando um profissional reconhece uma
situação como única não pode lidar com ela apenas aplicando técnicas
derivadas de sua bagagem de conhecimento profissional. E, em situações
de conflito de valores, não há fins claros que sejam consistentes em si e que
possam guiar a seleção técnica dos meios (SCHÖN, 2000, p. 14).
O autor também avalia que falar de uma crise de confiança no conhecimento
profissional implica em aceitarmos igualmente a existência de uma crise de
confiança na educação desses profissionais, pois, se as profissões especializadas
são acusadas de ineficácia e inadequação, suas escolas são acusadas de não
conseguir ensinar os rudimentos da prática ética e efetiva.
Para se contrapor a isso, Schön (2000) tem explorado algumas tradições
desviantes da educação para o talento artístico, ao desenvolver sua proposta de
ensino prático reflexivo, como descrito por ele abaixo:
[...] tenho usado o termo talento artístico profissional para referir-me aos
tipos de competência que os profissionais demonstram em certas situações
da prática que são únicas, incertas e conflituosas. Observe, no entanto, que
o talento artístico é uma variante poderosa e esotérica do tipo mais familiar
de competência que todos nós exibimos no dia-a-dia, em um sem-número
de atos de reconhecimento, julgamento e performance habilidosa (SCHÖN,
2000, p. 29).
Alarcão (1996), comentando essa proposição, diz que Schön acredita que:
[...] inerente à prática dos bons profissionais está uma competência artística
não no sentido de produção do que normalmente se concebe por obra de
arte, mas um profissionalismo eficiente, um saber-fazer que quase se
aproxima de uma sensibilidade de artista.
Alarcão (1996, p. 16).
Caria (2004) refere-se a uma profissionalidade reflexiva que, enquanto forma
de descrição do trabalho técnico-intelectual:
[...] supõe um estilo de uso do conhecimento que supera totalmente as
limitações da racionalidade técnico-instrumental, aceitando-se que o
trabalho técnico possa invadir as áreas decisionais e políticas das
organizações e que o uso da ciência na sociedade não é apenas uma mera
aplicação de princípios e regras gerais, dado implicar um conhecimento
experiencial ou uma arte atenta às particularidades dos contextos, às
incertezas dos sistemas e às configurações singulares das situações-
problema (CARIA, 2004, p. 14-15).
Na perspectiva da racionalidade técnica, como vimos anteriormente, um
profissional competente está sempre preocupado com problemas instrumentais e
sua eficácia é medida pelo sucesso em encontrar as ações que produzem os efeitos
49
pretendidos, tais como: na medicina, a saúde; no direito, o sucesso na disputa
judicial e nos negócios, o lucro.
Na epistemologia da prática proposta por Donald Schön, o talento artístico
profissional é entendido em termos de reflexão-na-ação e cumpre um papel central
na descrição da competência profissional. Nessa perspectiva, este autor reconhece
diferentes situações, do ponto de vista do modo de atuação do profissional.
Para exemplificar esse tipo de reflexão-na-ação, fundamental para o talento
artístico com o qual os profissionais, muitas vezes, compreendem situações incertas,
únicas e conflituosas, Schön (2000) comenta casos como:
[...] um médico, sabendo que em torno de 85% dos casos que entram em
seu consultório não estão “no manual”, responde ao conjunto único de
sintomas de um paciente inventando e testando um novo diagnóstico. Um
pesquisador de mercado, monitorando as reações dos consumidores a um
novo produto, descobre que eles encontram usos para o produto que ele
nunca tinha planejado e responde repensando o produto em termos das
descobertas dos consumidores (SCHÖN, 2000, p. 38).
Em casos como esses, o profissional experimenta uma surpresa que o leva
a repensar seu processo de conhecer-na-ação de modo a ir além de regras, fatos,
teorias e operações disponíveis. Ele responde àquilo que é inesperado ou anômalo
através da reestruturação de algumas de suas estratégias de ação, comportando-se
mais como um pesquisador tentando modelar um sistema especializado, do que um
“especialista” cujo comportamento é modelado.
Em vista disso, os profissionais reflexivos têm uma maneira particular e
profissional de ver o mundo, e quando respondem a zonas indeterminadas da
prática, sustentando uma conversação reflexiva com os materiais de suas situações,
eles refazem parte de seu mundo prático, revelando, com isso, os processos
normalmente tácitos de construção da realidade na qual baseiam toda a sua prática.
Como afirma Brzezinski (2001), os atores reflexivos devem acreditar na
possibilidade da mudança como resultado do esforço científico, ético, coletivo e
persistente, que se processa em um movimento iniciado na reflexão feita sobre o
cotidiano e que, dialeticamente, a ele retorna com vigor epistemológico e força
coletiva para provocar rupturas e (re)construir.
50
3.3 A FORMAÇÃO DE SABERES PELA PRÁTICA PROFISSIONAL
A idéia de uma epistemologia da prática profissional, proposta por Donald
Schön, é sem dúvida uma grande contribuição no sentido de formar um profissional
crítico-reflexivo. Porém, o centro da análise desse autor continua sendo o sistema
escolar, ou seja, a perspectiva de quem oferece o conhecimento.
Na presente tese, ainda que o interesse seja por uma discussão
epistemológica, o foco está na reflexão sobre as práticas dos profissionais, ou seja,
sobre o contexto de aplicação dos seus conhecimentos, habilidades e atitudes que
se traduzem em um saber-fazer e um saber-ser, na realidade na qual se encontram
inseridos.
É necessário, portanto, um deslocamento na análise tradicionalmente feita,
dos sistemas institucionais de formação para os sistemas não-formais de
aprendizagem; na perspectiva daqueles que demandam conhecimento. Nesse
sentido, é o estudo da epistemologia da prática profissional que vai revelar como são
produzidos, incorporados e utilizados esses saberes e de que forma são aplicados
às atividades de trabalho.
A literatura educacional e a sociológica têm trazido valiosas contribuições a
esse debate. Na educação, encontra-se o entendimento de epistemologia da prática
enquanto estudo do conjunto dos saberes utilizados realmente pelos docentes em
seus respectivos espaços-tempo de atuação, de trabalho cotidiano, para dar conta
de todos os desafios que se colocam nas respectivas realidades, nas suas mais
variadas ações e atividades.
Na sociologia, por sua vez, embora a sociologia da educação seja um
campo científico construído em grande medida por causa da escola, os autores a ela
filiados têm sido cada vez mais sensíveis à emergência e centralidade social de
novos contextos e processos educativos (informais e não-formais), de modo a dar
conta de outras formas de educação, formação e aprendizagem, não subordinadas e
não subordináveis ao paradigma escolar (AFONSO, 2008).
A pertinência do uso dessas teorias na presente investigação, no entanto,
está relacionada às possibilidades de aproximação entre essas áreas e o
profissional sujeito da pesquisa – o engenheiro agrônomo.
51
Nesse sentido, entende-se que uma primeira possibilidade de aproximação
pode estar no próprio contexto de atuação desses profissionais, ou seja, no papel
educativo exercido pelos engenheiros agrônomos que atuam no serviço público de
extensão rural dirigido ao atendimento de comunidades de agricultura familiar.
Tal compreensão pode ser referendada em pelo menos dois pensadores de
destaque na literatura educacional, Edgar Morin e Paulo Freire.
Morin (2001), ao classificar os diferentes processos educacionais, sugere a
existência de três grandes eixos: a educação formal, que acontece nas salas de
aula; a educação não formal, a que corresponde ao processo desenvolvido pelos
movimentos sociais; e a educação informal, que se desenvolve basicamente no
interior das famílias.
Freire (1992), por sua vez, compreende o engenheiro agrônomo como um
educador e entende que a esse profissional cabe, no decurso de sua atuação, a
opção por uma educação opressora e manipuladora ou por uma educação dialógica
e transformadora da realidade.
As idéias desses autores convergem, assim, para a constatação de que ao
engenheiro agrônomo cabe um papel de educador. E, é com base nessa
aproximação que se dará, a partir de agora, início a uma discussão sobre o
significado de epistemologia da prática profissional, os tipos de saberes profissionais
por eles formados e quais as relações entre esses saberes e os conhecimentos
adquiridos na universidade.
52
3.3.1 A dimensão educativa da atuação do engenheiro agrônomo
O educador brasileiro Paulo Freire é considerado um dos pensadores mais
notáveis da história da pedagogia mundial, destacando-se por seu trabalho na área
da educação popular, voltado tanto para a escolarização como para a formação da
consciência. No entanto, a obra de Paulo Freire ultrapassa esse espaço e atinge
toda a educação, sempre com o conceito básico de que não existe uma educação
neutra; segundo a sua visão, toda educação é, em si, política (PAULO..., 2008).
Das inúmeras obras literárias de Paulo Freire, “Extensão ou Comunicação”,
publicada originalmente no ano de 1969, foi fruto de sua passagem pelo Chile
durante seu exílio político, onde trabalhou como assessor do governo daquele país
na capacitação de engenheiros agrônomos que atuavam em asentamientos da
reforma agrária. Esta obra é considerada até hoje um marco na discussão sobre o
papel de educador atribuído ao engenheiro agrônomo.
No referido ensaio, Freire discute a reforma agrária e a mudança, opondo os
conceitos de “extensão” e de “comunicação” como idéias profundamente
antagônicas. Mostra como a ação educadora do agrônomo, a exemplo dos
professores em geral, deve ser a de comunicação, se quiser chegar ao homem, não
ao ser abstrato, mas ao ser concreto inserido em uma realidade histórica.
Para Freire (1992), o trabalho do agrônomo educador não deve limitar-se,
apenas, à esfera da substituição dos procedimentos empíricos dos camponeses por
suas técnicas. Primeiro, porque é impossível a mudança do procedimento técnico
sem repercussão em outras dimensões da existência dos homens.
Segundo, devido à inviabilidade de uma educação neutra, qualquer que seja
o seu campo, o agrônomo não deve, em termos concretos, reduzir o seu quefazer a
esta neutralidade inexistente: a do técnico que estivesse isolado do universo mais
amplo em que se encontra como homem. Esta indeclinável responsabilidade do
agrônomo, que o situa como um verdadeiro educador, faz com que ele seja um
(entre outros) dos agentes da mudança.
Daí que sua participação no sistema de relações entre camponês, natureza
e cultura não possa ser reduzida a um estar diante, ou a um estar sobre, ou a um
53
estar para os camponeses, pois que deve ser um estar com eles, como sujeitos da
mudança também (FREIRE, 1992).
Por ter sido a reforma agrária a principal inspiração de Freire ao discutir o
papel do engenheiro agrônomo, o autor assinala que, como um processo global,
esta não deve limitar-se ao domínio das técnicas de produção, de comercialização,
etc., pelo contrário, deve unir esse esforço indispensável a outro igualmente
imprescindível: o da transformação cultural, intencional, sistematizada e
programada. Não são as técnicas, mas sim a conjugação de homens e instrumentos
o que transforma uma sociedade.
Tal é o dilema, segundo Freire (1992), do agrônomo extensionista, em face
do qual ele precisa manter-se lúcido e crítico: se transforma os seus conhecimentos
especializados em algo estático e os estende mecanicamente aos camponeses,
invadindo indiscutivelmente sua cultura, sua visão de mundo, concorda com o
conceito de extensão e está negando o homem como um ser da decisão; se, ao
contrário, afirma-o através de um trabalho dialógico, não invade, não manipula, não
conquista; nega, então, a compreensão do termo extensão.
Uma concepção crítica da reforma agrária, que sublinha a mudança cultural,
que reconhece a necessidade da mudança da percepção, abre um campo de
trabalho altamente fecundo ao agrônomo educador que, desafiado por essa visão
crítica, tem de preocupar-se com algo que vai mais além de uma mera assistência
técnica.
Como agente da mudança, com os camponeses (agentes também), cabe a
ele inserir-se no processo de transformação, conscientizando-os e conscientizando-
se ao mesmo tempo. Ou seja, diferente da concepção ingenuamente tecnicista para
a qual a solução dos problemas se resume no “adestramento” técnico, pela
concepção crítica de reforma agrária a capacitação dos camponeses é um ato em
que o proceder técnico se oferece ao educando como um problema ao qual ele deve
responder, esforçando-se ao máximo no sentido da transformação da percepção.
Segundo Freire (1992, p. 62), porque é crítica, esta transformação da
percepção não se faz mediante um trabalho em nível puramente intelectualista, mas
sim na práxis verdadeira, que demanda a ação constante sobre a realidade e a
reflexão sobre esta ação. Eis aí, no processo da reforma agrária, o quefazer
fundamental do agrônomo: “mais do que um técnico frio e distante, um educador que
54
se compromete e se insere com os camponeses na transformação, como sujeito,
com outros sujeitos”.
No Brasil, historicamente, o papel de educador na extensão rural tem sido
protagonizado pelo chamado extensionista, profissional com formação em
agronomia, medicina veterinária, serviço social, economia doméstica, entre outras, e
o papel de educando pelos agricultores e suas famílias.
Contrariando, porém, o que afirmava Paulo Freire, a dimensão educativa da
extensão rural no Brasil se caracterizou pela relação vertical entre o conhecimento
“legítimo” do extensionista e o conhecimento “ultrapassado” do agricultor, afastando-
se qualquer possibilidade de troca entre os saberes, uma vez que a compreensão
reinante era que somente “vencendo a resistência” do agricultor em adotar novas
técnicas se poderia desenvolver a agricultura e a família rural (MOREIRA; MUSSOI,
2002).
Diante disso, a extensão rural no Brasil poderia ser considerada, segundo
Freire (1992), um processo de invasão cultural, manipulação, mecanicismo,
transmissão, que envolve ações no sentido de transformar o homem em objeto,
negando-lhe o papel de um ser de transformação do mundo, além de negar a
formação e o conhecimento autênticos e a ação e reflexão verdadeiras.
É o que percebem Silveira e Balem (2004), ao afirmarem que a transmissão
de conhecimentos técnicos e a orientação para o uso do crédito rural, foram os dois
principais instrumentos utilizados pela ação educacional da extensão rural para levar
os agricultores a aderir ao processo de modernização, o que colaborou para a
subjugação do trabalho do agricultor ao capital e permitiu a expansão das relações
capitalistas no campo.
No entanto, segundo esses autores, o espaço agrário é um espaço de
aprendizagem, onde convivem membros de um grupo social movidos por suas
necessidades econômicas e seus valores culturais e, nesse sentido, a extensão rural
numa perspectiva educativa, deveria vir a agregar-se ao conhecimento dos
agricultores.
Para Silveira (1994), é necessário inverter o processo de “extender”
tecnologias e modelos gerenciais considerados racionais por técnicos e
pesquisadores, devendo a adoção destes ser definida pela compreensão das
práticas dos agricultores, seu habitus e a situação em que se encontram.
55
Afinal, conhecer é tarefa de sujeitos, não de objetos. E, é como sujeito e
somente enquanto sujeito que o homem pode realmente conhecer. Por isso mesmo
é que, diz Freire (1992):
[...] no processo de aprendizagem, só aprende verdadeiramente aquele que
se apropria do aprendido, transformando-o em apreendido, com o que pode,
por isto mesmo reinventá-lo; aquele que é capaz de aplicar o aprendido-
apreendido a situações existenciais concretas. Pelo contrário, aquele que é
“enchido” por outro de conteúdos cuja inteligência não percebe; de
conteúdos que contradizem a forma própria de estar em seu mundo, sem
que seja desafiado, não aprende (FREIRE, 1992, 28).
Machado, Hegedús e Silveira (2006) consideram que a adoção de uma visão
de sistemas na agricultura foi um elemento que interferiu positivamente na relação
entre técnico e agricultor. Ao adotar uma visão holística, os técnicos passaram a ver
a necessidade de considerar a percepção dos agricultores, o que não ocorria
anteriormente, quando simplesmente levavam fórmulas prontas aos agricultores
(concepção reducionista).
Para esses autores, uma abordagem sistêmica na extensão rural guarda
estreita relação com o enfoque educacional de Paulo Freire, pois o homem, segundo
Freire (1992), tem a capacidade de refletir sobre as coisas que ele mesmo realiza e,
nesse sentido, é que se processa sua inserção crítica na realidade. Essa inserção
crítica implica entender a realidade, significa descobrir as inter-relações existentes
nos fatos percebidos dentro e fora de seu sistema de produção.
Na opinião de Machado, Hegedús e Silveira (2006), ao descobrir as inter-
relações, as pessoas se apropriam do percebido e adquirem maior poder chegando-
se, então, ao conceito de “empowerment”, um processo no qual uma ação é
desenvolvida com o objetivo de garantir algum tipo de poder a uma pessoa ou grupo
de pessoas.
A idéia central é que o extensionista junto com o agricultor (ambos parte do
sistema) planejem a intervenção de “dentro para dentro”. Não há planejamento de
“fora”, procurando o controle da situação, mas sim um processo de “empowerment”,
ou seja, um processo de ajudar as pessoas a desenvolverem-se para que sejam
atores de seu próprio processo de desenvolvimento.
Utilizando-se os ensinamentos de Paulo Freire, alcança-se o “empowerment
quando os técnicos extensionistas e a população dita beneficiária interagem em uma
relação do tipo horizontal (sujeito-sujeito), de diálogo e respeito pelos diferentes
saberes, enquadrada em um contexto geral onde ambas as partes são criticamente
56
conscientes da situação e da necessidade de atuar para transformar essa situação
(MACHADO, HEGEDÚS E SILVEIRA, 2006).
As contribuições teóricas dadas pelos autores citados torna evidente o papel
de educador que cabe ao engenheiro agrônomo em seu contexto de atuação com os
agricultores e suas famílias.
A discussão se localiza, no entanto, na concepção de educação apreendida
por esse profissional. Se pautada numa pedagogia libertadora, baseada numa
teoria-ação dialógica (comunicação), ou em um pressuposto anti-dialógico e
meramente transmissor de conhecimentos, por isso, invasor de uma cultura alheia
(extensão).
Se a opção for a primeira, uma atuação caracterizada pela práxis e pela
horizontalidade na relação entre educador e educando, é certo que ambos como
sujeitos estarão diante de novas oportunidades de aprendizagem que, no caso do
engenheiro agrônomo, é o que se denomina nessa tese de uma epistemologia da
prática profissional.
Deste modo, observa-se, portanto, que o trabalho do engenheiro agrônomo
educador não deve se limitar à transmissão de conhecimentos técnico-científicos,
pois não é possível separar a dimensão técnica de outras dimensões da vida do
agricultor e porque não há uma educação neutra que separe o homem de seu meio.
Outra observação importante é que o meio agrário é um espaço de
aprendizagem constituído por sujeitos sociais movidos por necessidade econômicas
e culturais, o que faz necessário um trabalho educativo que vá além da técnica e se
caracterize pela práxis, numa permanente reflexão sobre a ação do profissional.
3.3.2 Conceito e características de epistemologia da prática profissional
Ficou evidente no texto anterior que a atuação do engenheiro agrônomo está
revestida de uma responsabilidade educativa, pela qual, além de educador
comporta-se também como educando ao desenvolver saberes que se originam em
seu contexto de atuação.
57
O debate sobre o conceito e a importância da epistemologia da prática
profissional está presente na área da educação, sobretudo, entre autores que
propõem um movimento de profissionalização do ofício de professor.
Segundo Nunes (2001), as pesquisas sobre formação de professores que
têm destacado a importância de analisar a prática pedagógica, opondo-se às
abordagens que procuravam separar formação e prática cotidiana, são recentes.
No Brasil, somente a partir da década de 1990, é que se busca pensar a
formação do professor numa abordagem que vá além da universidade, envolvendo o
desenvolvimento pessoal, profissional e organizacional da profissão docente.
Com o desenvolvimento de estudos que objetivam dar voz ao professor, a
partir da análise de trajetórias profissionais e histórias de vida, essa nova abordagem
veio em oposição às pesquisas que acabavam por reduzir a profissão docente a um
conjunto de competências e técnicas, gerando uma crise de identidade dos
professores, em decorrência de uma separação entre o eu profissional e o eu
pessoal, assinala Nóvoa (1995).
Na opinião de Pimenta (2000), ao se repensar a formação dos professores a
partir da análise da prática pedagógica, resgata-se a importância de considerar o
professor em sua própria formação, num processo de auto-formação, de
reelaboração dos saberes iniciais em confronto com sua prática vivenciada, no qual,
seus saberes vão se constituindo a partir de uma reflexão na e sobre a prática.
Para Maurice Tardif, um dos estudiosos de maior destaque nesse tema, a
questão da epistemologia da prática profissional se encontra, evidentemente, no
cerne desse movimento de profissionalização, pois, no mundo do trabalho, o que
distingue as profissões das outras ocupações é, em grande parte, a natureza dos
conhecimentos que estão em jogo.
Tardif e Gauthier (1999) elencam as principais características do
conhecimento profissional, tais como se acham expressas na literatura sobre as
profissões:
[...] (1) Em sua prática, os profissionais devem-se apoiar em conhecimentos
especializados e formalizados; (2) Esses conhecimentos especializados
devem ser adquiridos por meio de uma longa formação de alto nível,
sancionada por um diploma que possibilita o acesso a um título profissional
que protege um determinado território profissional; (3) Os conhecimentos
profissionais são essencialmente pragmáticos, ou seja, são modelados e
voltados para a solução de situações problemáticas concretas; (4) Em
princípio, só os profissionais, em oposição aos leigos e aos charlatães,
possuem a competência e o direito de usar seus conhecimentos; (5) Isso
significa também que só os profissionais são capazes de avaliar, em plena
58
consciência, o trabalho de seus pares; (6) Esses conhecimentos exigem
também autonomia e discernimento por parte dos profissionais, ou seja, não
se trata somente de conhecimentos técnicos padronizados cujos modos
operatórios são codificados e conhecidos de antemão; (7) Tanto em suas
bases teóricas quanto em suas conseqüências práticas, os conhecimentos
profissionais são evolutivos e progressivos e necessitam, por conseguinte,
uma formação contínua e continuada (TARDIF; GAUTHIER, 1999).
O objetivo do movimento de profissionalização do ofício de professor tem
sido, exatamente, conseguir desenvolver e implantar essas características dentro do
ensino e na formação de professores. Desse ponto de vista, em educação, a
profissionalização pode ser definida como uma tentativa de reformular e renovar os
fundamentos epistemológicos do ofício de professor e de educador.
Tardif (2000) e outros autores como Donald Schön(2000), porém, atentam
para o fato de que, nos últimos vinte anos, o referido movimento de
profissionalização se desenvolveu em meio a uma crise geral do profissionalismo e
das profissões, inclusive das profissões mais bem assentadas como a medicina, o
direito e a engenharia, cujas características podem ser, assim, resumidas.
A crise do profissionalismo é, em primeiro lugar, a crise da perícia
profissional, ou seja, dos conhecimentos, estratégias e técnicas profissionais.
Assimilada durante muito tempo ao exercício de uma racionalidade instrumental
diretamente baseada no modelo das ciências aplicadas, a perícia profissional está
sendo cada vez mais percebida como um modelo de racionalidade limitada, na qual
o processo reflexivo, a improvisação, a indeterminação, a criatividade, a intuição, o
senso comum desempenham um grande papel.
Por fim, a crise do profissionalismo é a crise da ética profissional, isto é, dos
valores que deveriam guiar os profissionais. Para os profissionais, essa situação se
expressa por meio de uma complexificação crescente do discernimento e da
atividade profissionais: se os valores que devem guiar o agir profissional não são
mais evidentes, então a prática profissional supõe uma reflexão sobre os fins
almejados em oposição ao pensamento tecno-profissional situado apenas no âmbito
dos meios.
É nesse contexto de crise profissional que a epistemologia da prática
encontra sua verdadeira pertinência. Como salientado por Tardif (2000):
[...] se admitirmos que o movimento de profissionalização é, em grande
parte, uma tentativa de renovar os fundamentos epistemológicos do ofício
de professor, então devemos examinar seriamente a natureza desses
fundamentos e extrair daí elementos que nos permitam entrar num processo
59
reflexivo e crítico a respeito de nossas próprias práticas como formadores e
como pesquisadores (TARDIF, 2000, p. 13).
Outro autor que se destaca na discussão sobre a crise de confiança no
conhecimento profissional é Donald Schön.
Para Schön (2000), na topografia irregular da prática profissional há um
terreno alto e firme, de onde se pode ver um pântano. No plano elevado, problemas
instrumentais possíveis de serem administrados, solucionam-se com base na
racionalidade técnica. No pântano, problemas caóticos e confusos desafiam as
soluções técnicas e, em geral, são esses os problemas de interesse humano.
Ao propor um novo design para o ensino e a aprendizagem profissional,
afirma que o referido pântano da ação profissional é caracterizado pelas zonas
indeterminadas da prática: a incerteza, a singularidade e os conflitos de valores, ou
seja, situações que escapam aos cânones da racionalidade técnica (SCHÖN, 2000).
Para esse autor, ainda, quando uma situação problemática é incerta, a
solução técnica de problemas depende da construção anterior de um problema bem
delineado, o que não é em si uma tarefa técnica. Quando um profissional reconhece
uma situação como única não pode lidar com ela apenas aplicando técnicas
derivadas de sua bagagem de conhecimento profissional. E, em situações de
conflito de valores, não há fins claros que sejam consistentes em si e possam guiar a
seleção técnica dos meios.
Aí se encontra a contribuição de Schön ao debate sobre a crise de confiança
no conhecimento profissional. Ou seja, quando os profissionais não são capazes de
reconhecer ou de responder a conflitos de valores, quando violam seus próprios
padrões éticos, quando ficam aquém de expectativas criadas por eles próprios a
respeito de seu desempenho como especialistas ou parecem cegos para problemas
públicos que eles ajudaram a criar, são cada vez mais sujeitos a expressões de
desaprovação e insatisfação.
Diante disso, Schön (2000) sugere que a relação entre competência
profissional e conhecimento profissional precisa ser virada de cabeça para baixo.
Não deveríamos começar perguntando de que forma podemos fazer melhor uso do
conhecimento oriundo da pesquisa, e sim o que podemos aprender a partir de um
exame cuidadoso da competência através da qual os profissionais realmente dão
conta das zonas indeterminadas da prática.
60
Concluindo, pode-se afirmar, portanto, que a abordagem da epistemologia
da prática profissional tem destacado a importância de se analisar a prática
pedagógica, em oposição às abordagens que tentam separar formação e prática
cotidiana. Dá-se importância, portanto, ao papel do professor em seu processo de
auto-formação, de re-elaboração reflexiva de seus saberes iniciais em confronto com
a prática vivenciada.
3.3.3 A formação de saberes profissionais em contexto de atuação
No dicionário Aurélio, o termo “saber” tem como significado “ter
conhecimento, ciência, informação”, mas, também “ter meios e capacidade para” e,
ainda, “ter prudência, tino, sensatez e experiência prática”. Ou seja, o termo “saber”
está associado às dimensões do conhecimento, das habilidades e das atitudes, que
podem ser desenvolvidas tanto pela educação formal, quanto pela atuação prática
diante de qualquer realidade.
Tardif e Raymond (2000) concebe a epistemologia da prática enquanto
estudo do conjunto dos saberes utilizados realmente pelos profissionais em seus
respectivos espaços de atuação, para dar conta dos desafios que se colocam nas
respectivas realidades. Para esse autor, a noção de “saber” engloba os
conhecimentos, as competências, as habilidades (ou aptidões) e as atitudes, isto é,
aquilo que muitas vezes foi chamado de saber, saber-fazer e saber-ser.
Conceitualmente, Altet (2001) afirma que “saber é aquilo que, para um
determinado sujeito, é adquirido, construído, elaborado através do estudo ou da
experiência”. Mas, para esse autor, é importante fazer a distinção entre os conceitos
de informação, conhecimento e saber, para uma melhor compreensão do tema.
A informação é de ordem social e refere-se aos assuntos externos ao
sujeito; o conhecimento é de ordem pessoal e está integrado ao sujeito; o saber
situa-se entre os dois pólos, ou seja, é a interface entre a informação e o
conhecimento, visto que esse se constrói na interação entre o conhecimento e a
informação, entre o sujeito e o ambiente, na mediação e por meio dela (ALTET,
2001).
61
Na opinião de Hobold (2007), pode-se considerar o saber como algo
apreendido por meio da junção entre informação externa ao sujeito e experiência
pessoal. O saber torna-se incorporado quando aceito pelo próprio sujeito. Para a
incorporação do saber, há a necessidade de sua aceitação e de sua reelaboração.
Neste sentido, a fusão entre o saber existente e a nova informação resulta em um
outro saber – um saber diferenciado ou um saber reelaborado.
No Brasil, as pesquisas sobre formação profissional de professores tem
contado com a contribuição de diversos autores, entre as quais a professora e
pesquisadora Selma Garrido Pimenta da Faculdade de Educação da Universidade
de São Paulo.
Segundo Pimenta (2000), há três modalidades de saberes que constroem a
identidade profissional do professor, de modo que os saberes da docência se
constituem pela experiência, pelo conhecimento e pelos saberes pedagógicos.
No que tange à experiência, Pimenta (2000) afirma que os estudantes que
chegam à formação inicial já trazem a imagem dos bons professores e os
estereótipos frisados pela sociedade. Os saberes da experiência são também
aqueles que os professores constroem no seu cotidiano docente, num processo
permanente de reflexão sobre sua prática.
A autora apresenta a idéia de conhecimento como algo que não se reduz à
informação. Esta é um primeiro estágio daquele. Conhecer implica um segundo
estágio: o de trabalhar com as informações, classificando-as, analisando-as e
contextualizando-as (Pimenta, 2000).
Por sua vez, os saberes pedagógicos se produzem na ação. “Os saberes
sobre educação e sobre pedagogia não geram os saberes pedagógicos. Estes só se
constituem a partir da prática, que os confronta e os re-elabora” (PIMENTA, 2000, p.
26). Nesse sentido, é na prática do dia-a-dia da sala de aula que o professor
conhece a si mesmo e se reelabora como profissional da educação.
Maurice Tardif, professor e pesquisador da Faculté des Sciences de
L’Education, Université Laval (França), se dedicou a caracterizar o significado de
saberes profissionais, focando sua discussão em três questões que têm estado no
centro da problemática da profissionalização do ensino, a saber: quais são os
saberes profissionais dos professores; em que e como esses saberes se distinguem
62
dos conhecimentos universitários e que relações existem entre os saberes
profissionais e os conhecimentos universitários.
Segundo Tardif (2000), uma das primeiras características dos saberes
profissionais, na perspectiva da epistemologia da prática, é que esses são
temporais, pois boa parte do que os professores sabem sobre ensino e sobre como
ensinar provém de sua própria história de vida escolar. Ou seja, os saberes são
utilizados e se desenvolvem no âmbito de uma carreira, isto é, de um processo de
vida profissional de longa duração do qual fazem parte as dimensões identitárias e
de socialização profissional.
Os saberes profissionais são ecléticos e sincréticos, dado que os
professores utilizam muitas teorias, concepções e técnicas, mesmo que pareçam
contraditórias, pois que na ação os professores procuram atingir diferentes objetivos
cuja realização não exige os mesmos tipos de conhecimentos, de competências e de
habilidades.
Ainda segundo Tardif (2000), os saberes são também plurais e
heterogêneos, ou seja, provém de sua cultura pessoal, de sua história de vida, mas
também de conhecimentos adquiridos na universidade e daqueles oriundos de sua
própria experiência de trabalho.
De um modo geral, essa pluralidade e heterogeneidade destacam a
importância dos saberes da experiência que surgem como núcleo vital do saber
docente, a partir do qual o(a)s professor(a)s tentam transformar suas relações de
exterioridade com os saberes em relações de interioridade com sua própria prática.
Nesse sentido os saberes da experiência não são saberes como os demais, eles
são, ao contrário, formados de todos os demais, porém retraduzidos, “polidos” e
submetidos às certezas construídas na prática e no vivido.
Para Therrien (1995), essa pluralidade de saberes que envolve os saberes
da experiência é tida como central na competência profissional e é oriunda do
cotidiano e do meio vivenciado pelo professor. Segundo o autor:
[...] esses saberes da experiência que se caracterizam por serem originados
na prática cotidiana da profissão, sendo validados pela mesma, podem
refletir tanto a dimensão da razão instrumental que implica num saber-fazer
ou saber-agir tais como habilidades e técnicas que orientam a postura do
sujeito, como a dimensão da razão interativa que permite supor, julgar,
decidir, modificar e adaptar de acordo com os condicionamentos de
situações complexas (THERRIEN, 1995, p. 3).
63
Ainda no intuito de caracterizar os saberes profissionais docentes, Tardif
salienta que esses são situados e personalizados, por isso, seu estudo não pode ser
reduzido ao estudo da cognição ou do pensamento do professor. Um professor tem
história de vida, é um ator social, tem emoções, um corpo, uma personalidade e uma
cultura, ou mesmo culturas e seus pensamentos e ações carregam as marcas dos
contextos nos quais se inserem (TARDIF, 2000).
Para Carter (1990), os saberes profissionais são fortemente personalizados,
porque são saberes apropriados, incorporados e subjetivados, saberes difíceis de
serem dissociados das pessoas, de sua experiência e situação de trabalho.
Ao considerar que os saberes são também situados, esses autores
advertem que se trata de saberes construídos e utilizados em função de uma
situação de trabalho particular, porquanto é nessa situação que eles ganham
sentido. Diferentemente dos conhecimentos universitários, os saberes profissionais
não são construídos em razão de seu potencial de transferência e de generalização;
eles são encravados e encerrados em uma situação de trabalho à qual devem
atender.
Outra característica dos saberes profissionais é que o objeto do trabalho
docente são seres humanos e, conseqüentemente, os saberes dos professores
trazem consigo as marcas de seu objeto de trabalho. Essa característica reforça a
pertinência de analisar o trabalho do engenheiro agrônomo numa perspectiva de
educador, uma vez que os saberes desenvolvidos por esse profissional também
trarão a marca dos agricultores com ele envolvidos.
Segundo Tardif (2000), tal proposição acarreta pelo menos duas
conseqüências importantes quanto à prática profissional. Em primeiro lugar, os seres
humanos têm a particularidade de existirem como indivíduos, mesmo que pertençam
à coletividade e sendo assim, o trabalho do professor deve atingi-lo como indivíduo,
pois são os indivíduos que aprendem. E, é essa situação que orienta no professor a
disposição para conhecer e para compreender os alunos em suas particularidades
individuais e situacionais.
Em segundo lugar, os saberes profissionais comportam sempre um
componente ético e emocional, pois o ensino é uma prática profissional que produz
mudanças emocionais inesperadas na trama experiencial da pessoa professor. As
práticas profissionais envolvem emoções, suscitam questionamentos e surpresas na
64
pessoa, levando-a muitas vezes a questionar suas intenções, seus valores e suas
maneiras de fazer.
Nas palavras de Fenstermacher (1999), o trabalho diário com os alunos
provoca no professor o desenvolvimento de um “conhecimento de si”, de um
conhecimento de suas próprias emoções e valores, da natureza e do alcance
dessas emoções e valores na sua “maneira de ensinar”.
A concepção de saber exposta por esses autores, conclui Nunes (2001), não
impõe ao professor um modelo preconcebido de racionalidade. O saber do professor
pode ser racional sem ser um saber científico, pode ser um saber prático que está
ligado à ação que ele produz, um saber que não é o da ciência, mas que não deixa
de ser legítimo.
Sendo assim, o saber é considerado como resultado de uma produção
social, sujeito a revisões e reavaliações, fruto de uma interação entre sujeitos, fruto
de uma interação lingüística inserida num contexto e que terá valor à medida que
permite manter aberto o processo de questionamento.
Outras contribuições teóricas ao debate sobre formação de saberes podem
ser encontradas nos trabalhos de investigadores da Universidade de Trás-os-Montes
e Alto Douro e do Centro de Investigação e Intervenção Educativas da Universidade
do Porto que, a partir da década de 1990, passaram a estudar esta temática
aplicada a outras categorias profissionais.
Com base no questionamento de como os grupos profissionais, em contexto
de trabalho, usam o conhecimento abstrato que lhes é transmitido através dos
processos de formação inicial universitária, esses pesquisadores passaram a discutir
as relações sociais que estão contidas no uso do conhecimento, tomando por
referência grupos profissionais com escolaridade de nível superior.
Para Rodrigues (1997), os grupos profissionais de que se trata são aqueles
que, tendo a qualificação escolar de nível superior, têm também um potencial de
autonomia em contexto de trabalho que faz com que resistam ou não estejam
submetidos à lógica dos processos de racionalização burocrática do trabalho nas
organizações.
As análises desenvolvidas por esses pesquisadores se fundamentam em
dois pressupostos teóricos: a idéia de intermediação do conhecimento e a de re-
contextualização do conhecimento.
65
Segundo Caria (2002), o objeto de investigação desse grupo de pesquisa
tem sido o “trabalho técnico-intelectual”, por este ser considerado a melhor forma de
analisar os sistemas de intermediação entre ciências e saberes comuns. Nesse
sentido, comenta o autor:
[...] uma das expressões que melhor traduz a concepção de trabalho
técnico-intelectual é a de intermediário do conhecimento. Com ela
pretendemos assinalar o fato de estarmos em presença de grupos
profissionais que devem o seu estatuto sócio-profissional e lugar
ocupacional à posse de um curso superior cuja formação de base é de
natureza científica, mas que não ocupam posições sociais relevantes na
produção de conhecimento científico legítimo (CARIA, 2002. p. 17).
Ao se conceber o trabalho técnico-intelectual como intermediário do
conhecimento, abandona-se como conseqüencia a idéia de que o trabalho do
especialista se resume apenas a um aplicador da racionalidade técnico-instrumental
dominante, pois, se assim fosse, estaria submetido à idéia de neutralidade ética e de
hierarquização típica da ciência positivista.
Além disso, tratar-se-ia de circunscrever o trabalho técnico-intelectual a uma
aplicação de conhecimentos científicos em vista do diagnóstico de um dado contexto
decisional, com o fim de legitimar socialmente as escolhas realizadas. No modelo de
análise desenvolvido, essa dimensão do uso social do conhecimento científico tem
sido denominada de sentido legitimador (CARIA, 2002).
Entendido como intermediação do conhecimento, o trabalho técnico-
intelectual pressupõe, pelo contrário, que o trabalho de planejamento, avaliação e
aconselhamento nunca está divorciado de valores, e os usos sociais que são feitos
da ciência não são independentes dos seus efeitos.
Tal proposição dá origem ao segundo pressuposto teórico citado acima, ou
seja, a idéia de recontextualização do conhecimento, assim explicada por Caria
(2002):
[...] o trabalho técnico-intelectual desenvolve-se numa relação bilateral e de
fronteira entre os campos científicos e os campos da prática que usam a
ciência, podendo o seu uso social ser tipificado como correspondendo a um
trabalho de re-contextualização porque a ciência é objeto de um processo
de transposição inter-contextual, necessitando readquirir nos contextos e
campos da prática em que é usada um novo sentido contextual, dependente
do processo de interação social e das relações sociais que se desenvolvem
entre especialistas e leigos.(CARIA, 2002, p. 23)
Na opinião de Giddens (1994), a recontextualização do conhecimento está
associada a uma transposição de formas de conhecimento, predominantemente
científicos, para contextos de uso em que a construção do conhecimento contempla
66
legitimamente os sentidos e as subjetividades dos atores sociais, a partir do
exercício de uma reflexividade baseada na possibilidade de fazer usos diferenciados
de regras e recursos.
Nas palavras de Schön (2000), a recontextualização do conhecimento supõe
uma modificação do formato do conhecimento, passando de uma lógica
informacional e produtivista, de controle social e de instrumentalidade no uso do
conhecimento abstrato, para uma lógica de saber, ou seja, de conhecimento
enquanto processo, em que o conhecimento está subordinado a uma epistemologia
da prática.
Na Argentina, autores têm se dedicado a discutir essa intermediação do
conhecimento feito pelos profissionais de Ciências Agrárias. Nesse sentido, Carricart
(2000) afirma:
[...] el extensionista rural público es cada vez más um “mediador” entre el
saber científico y el saber empírico, y simultáneamente um “traductor”de
inquietudes, necessidades, pareceres, protestas o satisfacciones del
hombre de campo y su família. Así como um “facilitador”de interacciones
entre los actores de las cadenas (CARRICART, 2000, p. 209).
A concepção de trabalho técnico-intelectual como intermediação do
conhecimento apresenta ainda duas características fundamentais.
A primeira é a de não se centrar na relação entre ciência e senso comum,
mas na relação entre conhecimento abstrato e saberes interativos. O conhecimento
abstrato, conforme Caria (2005), são as informações-conteúdos enquanto mistura de
formações discursivas de natureza científica, filosófica e ideológica, contidas em
enunciados escritos especializados.
Os saberes interativos, por sua vez, são constituídos pelos saberes
procedimentais, expressos em rotinas de ação partilhadas coletivamente, que
habilitam os atores, de modo desigual, a saberem fazer, e os saberes classificatórios
ou categoriais, expressos numa linguagem do dia-a-dia que permite categorizar
pessoas e objetos, que habilitam os atores, de modo desigual, a saberem comunicar
em contexto (CARIA, 2002).
A segunda característica é a de não reduzir a intermediação do
conhecimento apenas à criação de um sentido legitimador para a ação social,
porque nas relações entre decisores e especialistas também se procura um sentido
estratégico para o uso do conhecimento.
67
A intermediação do conhecimento, levada a cabo pelos grupos profissionais
que desenvolvem um trabalho técnico-intelectual, define-se, portanto, na
possibilidade de articulação do sentido estratégico e legitimador do conhecimento
abstrato com o sentido contextual da consciência prática e discursiva que se
desenvolve nos processos de interação social. Isto é, define-se na possibilidade de
recontextualização do conhecimento abstrato nos contextos de trabalho daqueles
que são considerados especialistas (CARIA, 2002).
Concordando com tal suposição, Charlot (2000) também sugere que o
conhecimento depende da relação particular que os sujeitos desenvolvem com o
mesmo, ou seja, “a idéia de saber implica a idéia de sujeito, de atividade do sujeito,
da relação do sujeito com ele mesmo e com os outros”.
Isso é compartilhado por Schön (1983), segundo o qual, o nosso
conhecimento é ordinariamente tácito, implícito nos nossos padrões de ação e no
sentido que damos para aquilo com o que lidamos; parece correto dizer que o nosso
conhecimento está na nossa ação.
Diante disso, pode-se concluir que o termo “saber” está associado às
dimensões de conhecimento, habilidade e atitude, e que pode ser desenvolvido
tanto pela educação formal, quanto pela prática profissional.
Além disso, conclui-se que a epistemologia da prática profissional representa
o estudo do conjunto de saberes utilizados realmente pelos profissionais para dar
conta dos desafios advindos da indeterminação da realidade na qual atuam. Sendo
assim, se por um lado a informação é ordem social e o conhecimento de ordem
pessoal, o saber, por sua vez, é construído pela interação entre esses dois pólos, o
sujeito profissional e seu contexto profissional.
Portanto, considera-se o saber como fruto de uma re-contextualização do
conhecimento científico à luz da realidade, caracterizando-se por ser temporal,
eclético e sincrético, plural e heterogêneo, situado e personalizado e, finalmente,
impregnado de valores éticos.
68
3.4 A AGRICULTURA FAMILIAR NO NORTE PIONEIRO DO PARANÁ
Como vimos, o foco da pesquisa é compreender como se dá a formação de
saberes profissionais dos engenheiros agrônomos que atuam com agricultores
familiares do Norte Pioneiro do Estado do Paraná, cujo contexto é a persistência
desses nas transformações socioeconômicas e tecnológicas.
Sendo assim, é fundamental resgatar na literatura a discussão tanto
conceitual sobre agricultura familiar, quanto dos elementos teóricos que ajudam a
compreender seu caráter de persistência.
Além disso, nessa etapa da pesquisa, são apresentados e discutidos
aspectos caracterizadores dos diferentes momentos históricos que marcaram a
realidade agrária da região denominada Norte Pioneiro do Paraná, o papel e a
importância da agricultura familiar durante tal processo e seu perfil socioeconômico
na atualidade.
Ainda há muitas divergências sobre o conceito e sobre a lógica de
funcionamento da chamada agricultura familiar. Estudos recentes que tiveram maior
impacto no debate a respeito desses temas foram: Abramovay (1992), Lamarche
(1993 e 1999) e Veiga (1991), pois ao mesmo tempo em que revelaram ser a
agricultura familiar uma forma social reconhecida e legitimada na maioria dos países
desenvolvidos, também proporcionaram um deslocamento teórico analítico nos
estudos da sociologia rural.
Na bibliografia brasileira, a incorporação da expressão agricultura familiar
ocorreu a partir do final da década de 1980, em duas esferas distintas: no campo
político pelos debates dos movimentos sociais e no campo acadêmico por autores
que ansiavam por novos referenciais teóricos, especialmente aqueles que
questionavam o tamanho da área e a escala de produção como os únicos critérios a
serem utilizados na tipificação dos agricultores rurais (ABRAMOVAY, 1999 e
SCHNEIDER, 1999).
Os debates sobre a agricultura familiar no Brasil, estão também associados
a transformações macroeconômicas recentes na história do país, como o processo
de abertura e de integração econômica com os países vizinhos, denominado
MERCOSUL, cujo caráter de exclusão ajudou a fortalecer o uso da expressão
69
“Agricultura Familiar”, que passou a ser utilizada para representar a convergência
dos interesses dos agricultores que se sentiam preteridos politicamente e afetados
economicamente.
Segundo Wilkinson (1995), os critérios predominantes na política de
integração regional do Cone Sul foram a “competitividade” e a “eficiência”, porque a
defesa de setores “ineficientes” era tão ilegítima quanto o apoio a mobilizações
protecionistas. Nesse sentido, a “reconversão” era a solução para os setores não-
competitivos, embora não houvesse recursos financeiros suficientes para alavancar
tal processo.
Isso possibilitou uma unificação do discurso político feito pelos sindicatos e
pelo movimento social, que passaram a ter uma base política mais abrangente,
levando à afirmação e legitimação política da expressão agricultura familiar
(SCHNEIDER, 1999).
Nessa perspectiva, o futuro da produção familiar nos estados do Sul do
Brasil dependeria menos da competitividade definida nos estreitos limites
tecnológicos e organizacionais e mais do surgimento de uma coalizão de atores
comprometidos com a redefinição das prioridades econômicas para a região, a partir
do potencial produtivo do sistema de produção familiar (WILKINSON, 1997).
Formava-se, portanto, uma nova categoria política que passou a congregar o
conjunto dos pequenos proprietários rurais, os assentados, os arrendatários e os
agricultores integrados às agroindústrias, entre outros. Pela noção de agricultura
familiar, esses agricultores passaram a constituir uma nova identidade política e a
orientar, de maneira distinta, as lutas sociais do movimento sindical rural, tal como
expresso nos documentos mais recentes dessas entidades (SCHNEIDER, 1999).
O processo de estabilização monetária, ancorado na valorização do cambio
e na elevação da taxa de juros, ocorridas no Brasil a partir de 1994, foi outro fator
que contribuiu com o agravamento da crise de renda vivida pelos agricultores
familiares (PLEIN; SCHNEIDER, 2003).
Com o esgotamento de tal política econômica, a partir de 1999, as políticas
públicas para o setor agrícola brasileiro passaram por um processo de alinhamento
às demandas sociais da época, vindo a fortalecer com isso as posições políticas das
entidades representativas da agricultura familiar no Brasil (MIOR, 2005).
70
Como reflexo, a capacidade agregadora da categoria “agricultor familiar”
resultou num fortalecimento das lutas dos agricultores familiares, decisivo para que o
Governo Federal concebesse, em 1995, uma política pública destinada,
especificamente, a fortalecer os estabelecimentos agrícolas familiares, denominada
Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar – PRONAF, e, mais
recentemente, houvesse a conquista no campo jurídico da aprovação pelo
Congresso Nacional da Lei nº 11.326, de 24 de julho de 2006, mais conhecida como
“Lei da Agricultura Familiar”, que estabelece os conceitos, princípios e instrumentos
destinados à formulação das políticas públicas direcionadas à agricultura familiar e
empreendimentos familiares rurais (BRASIL, 2006).
3.4.1 A agricultura familiar e o pensamento acadêmico brasileiro
Segundo Schneider (1995), de meados dos anos de 1950 até o final dos
anos de 1960, a ausência da agricultura familiar como categoria analítica na
literatura brasileira estava relacionada ao fato dos estudiosos da questão agrária se
ancorarem no marxismo clássico, concentrando suas análises na natureza das
relações de produção no campo. Conseqüentemente, todas as categorias sociais da
agricultura familiar estavam compreendidas na noção de campesinato, cujo fim
estava associado, inexoravelmente, à velocidade do avanço do capitalismo no
campo.
Referindo-se a três autores clássicos do pensamento marxista, Reinhardt e
Barlett (2000) lembram que por parte de Karl Marx havia um desprezo pelo atraso da
classe camponesa e uma crença na natureza tecnologicamente “progressista” do
capitalismo; Vladimir Ilitch Lênin via o campesinato como uma classe social
específica do feudalismo e não como uma unidade de produção com uma lógica
diferente que poderia torná-la apta a competir mesmo sob o capitalismo.
Karl Kautsky, por sua vez, enfatiza em suas análises a tendência de que os
agricultores familiares se proletarizem, suas fazendas sejam absorvidas por
unidades de produção mais amplas e eficientes e sobrevivam somente como fontes
de trabalho para as fazendas capitalistas (REINHARDT; BARLETT, 2000).
71
Nesse período, os camponeses eram identificados na estrutura agrária
brasileira com os diferentes tipos de “minifúndios”, denotando que o campesinato
estava fortemente impregnado de um conteúdo político e ideológico e associado à
idéia de que eram “resquícios feudais” ou simplesmente formas de “assalariamento
disfarçado” (SCHNEIDER, 1995).
Na década de 1970, os “minifúndios” passaram a ser denominados como
“pequenos agricultores”, seja em razão das políticas de modernização tecnológica,
seja como resposta do Estado aos movimentos sociais da época, notadamente, as
Ligas Camponesas. O conceito de pequena produção tinha um caráter operacional,
ao passo que o de campesinato ainda guardava um sentido teórico, indicando as
suas características genéricas (PORTO e SIQUEIRA, 1994).
Para Campos (2006), o campesinato não é nem burguês nem assalariado,
mas contém elementos das duas classes: posse e/ou propriedade dos meios de
produção e exploração de força de trabalho. E também não pode ser entendido
como a síntese das duas classes, porque historicamente é anterior a elas, ou seja, o
proletariado é que surge a partir de transformações do campesinato nas formações
sociais capitalistas.
Evidentemente, é preciso considerar que o “modelo original” do campesinato
brasileiro reflete: as particularidades dos processos sociais da própria história da
agricultura brasileira, como o colonialismo; a dominação econômica, social e política
da grande propriedade; a marca da escravidão e a existência de uma enorme
fronteira de terras livres ou passíveis de serem ocupadas pela simples ocupação e
posse (WANDERLEY, 1999).
Na segunda metade da década de 1970, surgem no Brasil os primeiros
estudos sobre camponeses e pequenos agricultores, inspirados na “Teoria da
Economia Camponesa” de Alexander Chayanov.
Para Chayanov (1966), a agricultura familiar é uma unidade de produção
agrícola eficiente e competitiva, porém, baseada numa lógica comportamental
diferenciada, de tal modo que o objetivo da produção é determinado pelas
necessidades domésticas de consumo, dependendo da sua estrutura demográfica,
mais que pelo desejo de lucro.
Na opinião de Pontes (2005), Chayanov defendia que o trabalho da família é
a única condição possível para a obtenção de recursos para um camponês, porque
72
não existe o fenômeno social dos salários e, por esse motivo, também está ausente
o cálculo capitalista do lucro.
No debate entre Chayanov e os marxistas, outra polêmica era o que se
denominou de teoria da diferenciação demográfica do campesinato versus teoria da
diferenciação social. (PONTES, 2005)
Em sua análise das classes sociais no campo, Lênin classifica os
camponeses em ricos, de médias posses e pobres, utilizando como critério principal
a compra ou venda da força de trabalho. “Um camponês rico compra força de
trabalho adicional; um de médias posses se baseia na de sua família, e um pobre é
obrigado a vendê-la durante uma parte do ano para poder subsistir” (LÊNIN, 1960).
No enfoque dado por Chayanov, porém, o fundamental é o tamanho da
família. Seu principal argumento é que são as variações na força de trabalho
disponível em cada grupo doméstico que determinarão o acesso à terra.
Considerando as idéias de Chayanov e dos marxistas, Pontes (2005) sugere
um contínuo de atores sociais na estrutura agrária, constituído: (1) por uma
economia camponesa pura, caracterizada pelo uso da força de trabalho familiar e
pela falta de acumulação de capital; (2) por agricultores que apesar de usarem força
de trabalho somente familiar, acumulam capital pela maior produtividade de seu
trabalho; por agricultores que combinam sua força de trabalho com a força de
trabalho alheia e acumulam capital; e, finalmente, por explorações capitalistas puras
nas quais a força de trabalho é assalariada, sendo o principal objetivo a obtenção da
taxa normal de lucro existente na sociedade.
No entanto, há autores que não concordam com a idéia de que os
agricultores familiares possuem uma racionalidade particular.
Para Buainain et al. (2003), trata-se de uma visão romântica aceitar que os
agricultores são familiares por tradição e opção, e não por imposição. A hipótese de
que não buscam a maximização do lucro e sim um conjunto de outros objetivos é
tomada como paradigma de uma racionalidade econômica própria e não como o
resultado de restrições reais enfrentadas no passado e no presente.
Tal posição é confrontada por Carvalho (2004) que afirma que o camponês
constitui-se num sujeito social cujo movimento histórico se caracteriza por modos de
ser e de viver que lhe são próprios.
73
Essa racionalidade camponesa, segundo tal autor, apóia-se em dois
elementos centrais: a garantia continuada de reprodução social da família e a posse
sobre os recursos da natureza. Sendo assim, a reprodução social da unidade de
produção camponesa não é movida pelo lucro, mas pela possibilidade crescente de
melhoria das condições de vida e de trabalho da família.
Evidentemente, que o camponês não é imune às influências da
racionalidade capitalista, mas é também capaz de adaptar-se a elas. E o resultado
disso, tem sido o surgimento de diferentes formas de manifestação da agricultura
familiar em qualquer região, o que reforça a idéia de que se trata de uma categoria
genérica. Como afirma Lamarche (1993, p. 14), “a agricultura familiar não é um
elemento da diversidade, mas contém, nela mesma, toda a diversidade”.
Sendo assim, o ponto de partida é conceituar a agricultura familiar como
aquela em que a família, ao mesmo tempo que é proprietária dos meios de
produção, assume o trabalho no estabelecimento produtivo. Ademais, é importante
insistir que esse caráter familiar não é um mero detalhe superficial e descritivo, “o
fato de uma estrutura produtiva associar família-produção-trabalho tem
conseqüências fundamentais para a forma como ela age econômica e socialmente”
(WANDERLEY, 1999).
Há, ainda, autores que procuram diferenciar a agricultura familiar do
campesinato clássico, no interior das sociedades capitalistas.
Enquanto que os camponeses podiam ser entendidos como sociedades
parciais com uma cultura parcial, integrados de modo incompleto a mercados
imperfeitos, representando um modo de vida caracterizado pela personalização dos
vínculos sociais e pela ausência de uma contabilidade nas operações produtivas, a
agricultura familiar é altamente integrada ao mercado, capaz de incorporar os
principais avanços técnicos e de responder às políticas governamentais
(ABRAMOVAY, 2000).
Wanderley (1996) considera que a agricultura camponesa tradicional vem a
ser também uma das formas sociais de agricultura familiar, uma vez que ela se
funda sobre a relação acima indicada entre propriedade, trabalho e família. No
entanto, ela tem particularidades que a especificam no interior do conjunto maior da
agricultura familiar e dizem respeito aos objetivos da atividade econômica, às
experiências de sociabilidade e à forma de sua inserção na sociedade global.
74
Em Mendras (1978), são identificados cinco traços característicos das
sociedades camponesas, a saber: uma relativa autonomia em face da sociedade
global; a importância estrutural dos grupos domésticos, um sistema econômico de
autarcia relativa, uma sociedade de interconhecimentos e a função decisiva dos
mediadores entre a sociedade local e a sociedade global.
Outra distinção importante é quanto ao fato da agricultura camponesa não
se identificar simplesmente com uma agricultura de subsistência, entendida esta
como outra forma particular da agricultura familiar.
Tal posicionamento é corroborado por Lamarche (1998). Afirma este autor:
[...] conforme os objetivos a que se propõem os agricultores, para si
mesmos e para suas famílias, e conforme, também, os contextos
socioeconômicos locais e o respectivo nível de desenvolvimento, deve-se
distinguir as unidades de produção camponesas de outras consideradas de
subsistência. Se a função de subsistência está bem presente no modelo
camponês, ele não se reduz jamais a isto; há neste modelo, profundamente
arraigada, uma vontade de conservação e de crescimento do patrimônio
familiar (LAMARCHE, 1998, p. 270).
Da mesma forma, a pluriatividade e o trabalho externo de membros da
família não representam necessariamente a desagregação da agricultura
camponesa, mas elementos positivos com os quais a própria família pode contar
para viabilizar suas estratégias de reprodução presentes e futuras (WANDERLEY,
1999).
Segundo Abramovay (1992), existe uma visão segundo a qual o agricultor
familiar está fortemente inserido nos mercados e procura sempre adotar novas
tecnologias. Sendo assim, em lhe sendo favorável esse ambiente e com apoio do
Estado, a agricultura familiar preencherá uma série de requisitos, entre os quais
fornecer alimentos baratos e de boa qualidade para a sociedade e reproduzir-se
como uma forma social engajada nos mecanismos de desenvolvimento rural.
Em contraposição, há uma corrente que tem sido caracterizada como “neo-
populismo ecológico”, por resgatar alguns conceitos do pensamento de Alexander
Chayanov, que destaca a autonomia relativa do pequeno agricultor, enfatizando a
utilização de recursos locais, a diversificação da produção e outros atributos que
apontam para a sustentabilidade dos sistemas de produção tradicionais. Nessa
visão, a sobrevivência do agricultor familiar teria muito mais de persistência do que
de funcionalidade à lógica da expansão capitalista.
75
Pode-se perceber, portanto, que nas sociedades modernas multiplicaram-se
outras formas da agricultura familiar “não camponesas”. São aquelas em que, sob o
impacto das transformações de caráter mais geral - importância da cidade e da
cultura urbana, centralidade do mercado, mais recentemente, globalização da
economia etc - tentam adaptar-se a este novo contexto de reprodução,
transformando-se interna e externamente em um agente da agricultura moderna
(WANDERLEY, 1999).
Durante a década de 1980, observou-se uma significativa renovação na
produção intelectual sobre o meio agrário brasileiro, sobretudo, em relação aos
estudiosos que adotaram uma perspectiva histórico-crítica acerca da agricultura
familiar.
Naquele momento, um dos focos de análise do processo de modernização
tecnológica referia-se às suas implicações na estrutura de classes do meio rural.
Para Sorj (1986), o principal desafio de então era criar novas categorias para
enquadrar aqueles que diferenciaram significativamente seu modo de vida a partir
da modernização.
Segundo Schneider (1999), nessa época, em vista do processo de
transformação tecnológica experimentado pelos agricultores brasileiros, o
pensamento acadêmico brasileiro passou a incorporar ao conceito de “pequena
produção” as noções de “integração” e de “exclusão”. Integrados seriam aqueles
agricultores que conquistaram elos com agroindústrias e mercados consumidores.
Excluídos, por sua vez, aqueles alijados da modernização tecnológica conservadora,
como os sem-terra, os posseiros e os agricultores atingidos por barragens, etc.
É nesse contexto que começa a ser utilizada a categoria “produção familiar
referindo-se ao conjunto dos estabelecimentos agropecuários “caracterizados por
serem dirigidos pelo agricultor (chefe da família) e utilizarem mão-de-obra familiar”
(KAGEYAMA e BERGAMASCO, 1989, p. 373). Assim, diferenciavam-se
fundamentalmente, de outra categoria denominada “empresa capitalista”.
A categoria “produção familiar” foi tratada por autores como Graziano da
Silva et al. (1986), Neves (1988), Wanderley (1988), Kageyama e Bergamasco
(1989) e persistiu por longo tempo enquanto categoria analítica de relevância
acadêmica, mas contou com pouca apropriação pelos movimentos sociais.
76
Na década de 1990, pesquisa realizada pela Organização das Nações
unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO) em parceria com o Instituto Nacional
de Colonização e reforma Agrária (INCRA) tinha por objetivo estabelecer diretrizes
para um “modelo de desenvolvimento sustentável” para o campo e, como resultado,
sugeriu a classificação dos estabelecimentos agropecuários em dois modelos:
“patronal” e “familiar”. (GUANZIROLI; CARDIM, 2000).
Segundo Guanziroli e Cardim (2000), para aprofundar este debate e fornecer
mais elementos sobre a real situação da agricultura familiar no Brasil, o Projeto de
Cooperação Técnica INCRA/FAO realizou um estudo com base nos dados do Censo
Agropecuário do IBGE de 1995/96.
No entender desses autores, a concepção básica que norteou o estudo foi
caracterizar os agricultores familiares a partir de suas relações sociais de produção,
o que implica superar a tendência de atribuir um limite máximo de área ou de valor
de produção à unidade familiar, associando-a, equivocadamente, à “pequena
produção”.
O “patronal” se caracterizaria pela completa separação entre gestão e
trabalho, organização descentralizada, ênfase na especialização produtiva e em
práticas agrícolas padronizáveis e adoção de tecnologias modernas. O “familiar”
teria como característica a relação íntima entre gestão e trabalho, ênfase na
diversificação produtiva, na durabilidade dos recursos e na qualidade de vida e
trabalho assalariado complementar, sendo os estabelecimentos familiares ainda
separados em três grupos: familiar-consolidado, familiar em transição e familiar
periférico (GUANZIROLI E CARDIM 2000).
3.4.2 O caráter de persistência da agricultura familiar
O debate entre diversos autores sobre caráter de persistência da agricultura
familiar perante o avanço do capitalismo no campo, proposto neste momento da
pesquisa, tem como objetivo possibilitar uma melhor compreensão da lógica que
rege as diferentes formas de organização da produção mantidas pelos agricultores
familiares na região do Norte Pioneiro do Paraná.
77
Segundo Lamarche (1999), o desenvolvimento industrial e a modernização
tecnológica da agricultura nas sociedades capitalistas não excluíram a produção
organizada em regime de trabalho familiar. Pelo contrário, ela está distribuída por
todos os continentes e apresenta uma grande capacidade de persistência e de
adaptação às transformações presentes na evolução industrial.
Essa afirmação situa-se no debate sobre a inevitabilidade com que muitos
autores trataram e vêm tratando a possibilidade de extinção desse segmento no
campo.
Desse ponto de vista, conforme Reinhardt e Barlet (2000), grandes unidades
de produção são, em geral, mais eficientes que pequenas unidades por causa das
possibilidades de especialização de tarefas, da possibilidade de empregar
equipamento de larga escala e do talento empresarial.
De acordo com Martins (1986), muitos intelectuais auto-intitulados marxistas
formularam análises equivocadas, particularmente pela visão reducionista e
deducionista, concebendo o agricultor em regime de trabalho familiar como
secundário do ponto de vista político, pelo seu atraso e impossibilidade de
desenvolver a contradição com os burgueses, como a que ocorre entre os
assalariados e os capitalistas.
Para D’Janvry (1981), essa “morte” pode ser, ainda, mascarada pela
tendência da classe camponesa a se tornar “semi-proletarizada”, conservando
pequenos lotes de terra para consumo doméstico a fim de suplementar sua fonte
principal de sustento, o trabalho assalariado. Desse modo, o crescente caráter
“multi-renda” da agricultura familiar apresenta-se como uma evidência de sua
desintegração.
Reinhardt e Barlet (2000), por outro lado, argumentam que o caráter “multi-
renda” da economia doméstica não é evidência da desintegração da agricultura
familiar mas, ao contrário, é parte das estratégias de sobrevivência que servem para
sustentar a organização particular dessa classe social.
Kautsky (1980) considerava os camponeses como uma classe intermediária,
pré-capitalista e fadada à ruína. “Como agricultores artesãos, que autonomamente
produzem os próprios meios de vida, se tornam inúteis. O destino dessa classe é a
proletarização, como conseqüência do atraso, rusticidade e pobreza”.
78
Lênin (1988) reforça as posições de Kautsky e analisa que o processo de
proletarização do campesinato se manifesta em todos os países. Segundo ele, sua
sobrevivência só se explica pelo baixo consumo e auto-exploração:
[...] em toda sociedade capitalista, a existência de pequenos camponeses
se explica não pela superioridade técnica da pequena produção agrícola,
mas pelo fato de que eles reduzem as suas necessidades a um nível inferior
aos operários assalariados e se exaurem no trabalho incomparavelmente
mais que estes últimos (LÊNIN, 1988, p. 7).
Kautsky (1980), porém, também faz referência à possibilidade de
persistência das pequenas propriedades rurais familiares, mas somente no caso
delas assumirem uma função acessória e complementar à grande empresa agrícola,
relacionando tal função a pouca disponibilidade de terra e às dificuldades de acesso
à modernização tecnológica.
Em Amorin (2007), podem-se encontrar as funções acessórias apontadas
pelo autor anteriormente citado, as quais se referem: 1. ao trabalho agrícola
assalariado; 2. à indústria rural em domicílio e 3. ao emprego em grandes indústrias
que se estabelecem no interior. Observe-se que essas funções vêm ao encontro das
atividades não-agrícolas, ainda hoje utilizadas pela agricultura familiar, como
estratégia de sobrevivência e de reprodução social.
Schneider (1999) afirma que a pluriatividade e as atividades não-agrícolas
que ocorrem no meio rural podem estar contribuindo para que a forma familiar de
organização do trabalho e da produção vislumbrem novos mecanismos de garantia
de sua reprodução material e, até mesmo, a ampliação de sua importância na
estrutura social.
A pluriatividade refere-se à emergência de situações sociais em que os
indivíduos que compõem uma família com domicílio rural passam a dedicar-se ao
exercício de um conjunto variado de atividades econômicas e produtivas, não
necessariamente ligadas à agricultura e ao cultivo da terra, e cada vez menos
executadas dentro da unidade de produção (SCHENEIDER, 1999).
Além disso, Amorim (2007) observa que por conta própria esses agricultores
buscaram alternativas econômicas que se articulassem em dois níveis
complementares, de modo que:
[...] de um lado, o acesso a uma atividade mercantil como meio de se
integrar positivamente na economia local e regional, tanto no mercado
interno de produtos alimentares, quanto no mercado externo. Por outro lado,
somam-se a essa atividade mercantil o autoconsumo. Essa experiência de
integração ao mercado, aliada à garantia do consumo gerou um saber
79
específico, transmitido por meio de gerações sucessivas, que serviu de
base para o enfrentamento da precariedade e da instabilidade da renda no
meio rural ( AMORIN, 2007)
Para Abramovay (2000), a consolidação da agricultura familiar na estrutura
agrária dos países desenvolvidos, após a Segunda Guerra Mundial, é atribuída a
uma opção do Estado por uma forma social que apresentou as melhores condições
de cumprir uma função estrutural importante no capitalismo, que é a de auxiliar no
barateamento do custo de reprodução da força de trabalho. Em razão dessa opção,
a agricultura familiar teria obtido do Estado, através das políticas públicas, um apoio
decisivo para sua afirmação e sobrevivência no interior do “regime fordista”, que se
instaura a partir da década de 1950 nos países centrais:
[...] Antes de fazer do produto agrícola base imediata de acumulação
capitalista e extração de mais-valia, os países centrais imprimiram ao setor
um papel ainda mais importante: o de permitir que, pela redução dos custos
de reprodução da força de trabalho, os orçamentos domésticos dos
assalariados pudessem consagrar-se crescentemente a bens não
alimentares e, sobretudo, duráveis” (ABRAMOVAY, 1992, p. 227).
Schneider (1999), comentando tal afirmação sobre a persistência da
agricultura familiar sob o regime capitalista, assinala que a agricultura familiar,
embora em alguns casos possa resultar da evolução das formas camponesas, se
distingue dessa forma social pela sua inserção em um ambiente marcadamente
capitalista. Em lhe sendo favorável esse ambiente, a agricultura familiar logrará o
cumprimento de uma série de requisitos, entre os quais fornecer alimentos baratos e
de boa qualidade para a sociedade e reproduzir-se como uma forma social
autônoma: nem capitalista, nem camponesa.
Em última análise, como enfatizado por Abramovay (1999), a persistência da
agricultura familiar tem a ver com uma opção da sociedade e não apenas com as
escolhas e vontades dos próprios agricultores.
Para Martins (2006), a diversidade, a persistência e a capacidade de
produção são manifestações do heterogêneo universo de agricultores em regime de
trabalho familiar. Os seus rumos e quantos permanecerão na atividade são aspectos
que dependerão da realidade dos fatos históricos de cada sociedade.
Tal afirmação é corroborada por Lamarche (1998), para o qual, dada a
grande capacidade de adaptação às diferentes situações e estruturas de sociedade,
o espaço dado para a sua integração na economia e na sociedade determina a sua
dominação, estagnação, diminuição ou reprodução.
80
No caso do Brasil, salienta Martins (2006), apesar de historicamente
relegada a segundo plano, a produção agrícola baseada em regime de trabalho
familiar encontrou espaço para se reproduzir, principalmente, a partir de uma
sucessão de fatos históricos, tais como:
[...] a decadência do regime de trabalho escravocrata; a necessidade de
ocupação e domínio territorial; os fluxos de camponeses imigrantes
estrangeiros; as crises de mercado sofridas por grandes agricultores de
culturas de exportação; a crescente demanda por alimentos baratos,
impulsionada pelo processo de urbanização e industrialização da economia
e as contradições inerentes ao desenvolvimento desigual do sistema
capitalista, que cria e recria formas de produção não-capitalistas
subordinadas pela extração da renda da terra (MARTINS, 2006, p. 16).
Na atualidade, existem diferentes enfoques que permeiam a discussão sobre
a agricultura familiar no Brasil. Esses são constituídos por correntes de pensamento
que se entrecruzam, mas que convergem na necessidade de implementar políticas
públicas que possibilitem um modelo de desenvolvimento do meio rural que
reconheça a diversidade das classes sociais existentes no campo e as lógicas de
reprodução inerentes a elas.
3.4.3 O Norte Pioneiro do Paraná
A mesorregião geográfica Norte Pioneiro Paranaense está localizada em
porções do segundo e terceiro planaltos paranaenses e abrange uma área de
1.572.706,1 hectares, que corresponde a cerca de 7,9% do território estadual.
A região faz fronteira ao Norte e a Leste com o Estado de São Paulo, a
Oeste com a mesorregião Norte Central e, ao Sul, com a mesorregião Centro-
Oriental. É constituída por 46 municípios, dos quais se destacam Cornélio Procópio,
Santo Antônio da Platina e Jacarezinho, por causa de suas dimensões populacionais
e níveis de polarização (IPARDES, 2004).
Em toda extensão da mesorregião Norte Pioneiro Paranaense ocorre uma
grande variedade de tipos de solos; os que se destacam pela fertilidade natural
localizam-se predominantemente no terceiro planalto. São do tipo terra roxa
estruturada, solos bem desenvolvidos, profundos, argilosos, bem drenados e com
elevada fertilidade natural.
81
No segundo planalto predominam três outros tipos de solos: latossolos
vermelho-escuros, extremamente ácidos, com baixa fertilidade, suscetíveis ao
processo de lixiviação intensa, conforme o regime de chuvas, e ocorrendo em áreas
com relevo suavemente ondulado e plano; podzólicos vermelho-amarelos, solos bem
desenvolvidos, profundos, extremamente ácidos e com moderada fertilidade natural;
litólicos, solos minerais, jovens, rasos, com menor aptidão agrícola e suscetíveis à
erosão (MAACK, 1968).
Quanto ao clima, em sua maior extensão, nas zonas de menores altitudes e
nos vales do Paranapanema, Tibagi e Itararé, ocorre o clima subtropical úmido
mesotérmico (Cfa), de verões quentes, geadas pouco freqüentes e chuvas com
tendência de concentração nos meses de verão. Nos meses mais quentes, a
temperatura média é superior a 22°C, e, nos meses mais frios, inferior a 18°C. A
temperatura média anual é de 21°C, com chuvas entre 1.200 e 1.400 mm e umidade
relativa do ar de 75%, sem deficiência hídrica.
Nas zonas de maiores altitudes, ao longo dos principais divisores d’água,
ocorre o clima subtropical úmido mesotérmico (Cfb), de verões frescos e geadas
severas e freqüentes, sem estação seca, cujas principais médias anuais de
temperatura nos meses mais quentes não ultrapassam 22°C e nos meses mais frios
são inferiores a 18°C. A temperatura média anual é de 19°C, com chuvas entre
1.200 e 1.300 mm e umidade relativa do ar de 80%, sem deficiência hídrica
(MAACK, 1968).
No que se refere à sua ocupação agrícola, pode-se afirmar que essa região
apresenta até hoje os reflexos de dois importantes momentos de sua história, o
primeiro entre as décadas de 1940 e 1960 e o segundo a partir da década de 1970.
No primeiro caso, de 1940 a 1960, Medeiros (1995) ressalta que o processo
de ocupação das terras norte-paranaenses ocorreu com a migração espontânea de
paulistas, mineiros e de estrangeiros, por meio de uma colonização planejada por
empresas privadas e pelo governo estadual. Conseqüentemente, a cultura
implantada pelos pioneiros foi a cafeicultura, entendida quase como uma expansão
territorial das lavouras cafeeiras de seus estados originários.
No final do século XIX, quando a expansão cafeeira paulista atingiu o
Paraná, trazendo levas de migrantes paulistas, mineiros e nordestinos, grande parte
do Norte Pioneiro estava ocupada por latifúndios, cujos proprietários eram
82
principalmente mineiros que, além das terras, detinham também o capital e o poder
político local (IPARDES, 2004).
Nesse período, a cafeicultura patrocinou um vigoroso desenvolvimento
regional, beneficiando-se de um sobre-preço oriundo do poder de monopólio do
Brasil no mercado internacional e de uma super-produtividade das terras em relação
às regiões tradicionais, gerando uma gigantesca sobre-renda que transformou a
região num “novo eldorado”.
Nos anos 60, porém, o excesso de oferta de café no mercado mundial
provocou forte queda de preço, desencadeando profunda crise na cafeicultura
nacional e levando o governo federal a promover a erradicação de 2 bilhões de
cafeeiros no país (IPARDES, 1981).
No Paraná foram erradicados cerca de 470 milhões de cafeeiros, que
liberaram 627 mil hectares, reconvertidos principalmente em pastagens e, em menor
escala, em produção de milho, arroz, algodão, feijão, cana-de-açúcar, entre outros.
Além disso, a cafeicultura foi seguidamente atingida por geadas que, após
sucessivos prejuízos, acabaram por determinar o abandono da atividade (IPARDES,
2004).
O desestímulo mais agudo foi, sem dúvida, a grande geada de 1975 que,
praticamente, dizimou o parque cafeeiro dessa região e deu início a um processo de
modernização da produção e de substituição do café pelo algodão, cultura de
pequena escala que absorveu grande parte da mão-de-obra até então ocupada nos
cafezais.
Em IPARDES (2004), é possível verificar que a modernização produtiva em
curso era estimulada por uma política agrícola com forte viés exportador, na qual os
incentivos eram dirigidos, prioritariamente, à expansão das culturas destinadas ao
mercado externo.
Com isso, as áreas cultivadas com algodão e café remanescentes se
reduzem, sendo substituídas pelo binômio soja-trigo, que passa a ocupar as
melhores faixas de terras situadas mais a Oeste da região, liberando mão-de-obra e
concentrando a posse da terra.
As pequenas propriedades que não foram agregadas pelas médias ou
grandes passaram a produzir milho e feijão, culturas menos quanto à qualidade do
83
solo e em escala de produção, insumos, máquinas e equipamentos, itens
inexistentes na maioria dos pequenos agricultores.
Em relação a isso, Fuentes Llanillo (1984), ao estudar a modernização da
agricultura paranaense, a partir dos anos 70 e o ciclo da soja, conclui:
[...] a decadência da economia cafeeira durante a década de 1960 foi
acompanhada pela perda de importância relativa de produtos tradicionais da
região, como o milho, o feijão e o arroz. A sucessão soja-trigo apareceu
como opção, no final da década, para aqueles agricultores prontos a
transformarem seu modo de produção através do crédito rural subsidiado
dirigido a insumos modernos e mecanização. A cultura da soja,
impulsionada por cotações internacionais favoráveis e por instrumentos de
política macroeconômica de incentivo à exportação, e a cultura do trigo,
ligada a um esforço de auto-suficiência que repercutia em subsídios ao
setor, podem ser consideradas a ponta de lança desse processo de
transformação da agricultura estadual (FUENTES LLANILLO, 1984).
A adoção desse novo modelo de produção provocou, durante a década de
1970, uma sensível redução do número de estabelecimentos rurais e do pessoal
ocupado na agricultura, podendo isto ser considerado como o primeiro choque de
seletividade na agricultura familiar da região.
O segundo choque de seletividade viria com a crise econômica pela qual o
país passou na década de 1980, em conseqüência da dívida externa brasileira.
Condicionantes macroeconômicas, de então, levaram o setor agropecuário a
conviver com a eliminação de subsídios e a estabilização das cotações
internacionais, deslocando a prioridade das políticas públicas para a diversificação
de atividades e o manejo conservacionista do solo.
Desde então, dentre as alternativas de diversificação à produção de grãos
na região, as que têm se apresentado como as mais adequadas são o café no
modelo adensado, algumas frutíferas como uva, pêssego e banana, a alfafa e o
tomate e, na produção animal, a pecuária de leite, a avicultura, a sericicultura e a
piscicultura.
Além disso, tem-se ainda a crescente participação de estabelecimentos
familiares caracterizados como pluriativos, ou seja, aqueles que possuem atividades
não-agrícolas, como fontes de renda para a família, convivendo com as atividades
agrícolas tradicionais ou não na região (CARVALHO et al., 2001).
84
3.4.4 Perfil socioeconômico da agricultura familiar no Norte Pioneiro do Paraná
Em recente estudo, pesquisadores do Instituto Agronômico do Paraná
(IAPAR) concluíram que em todas as regiões do Estado do Paraná há predomínio de
agricultores familiares; dos 327.611 estabelecimentos agropecuários, 82% são do
tipo familiar.
Antes de iniciar a discussão sobre o perfil socioeconômico da agricultura
familiar presente no Norte Pioneiro Paranaense, no entanto, é importante destacar
que, embora as informações estatísticas ainda tenham como fonte o Censo
Agropecuário 1995/96 do IBGE, há uma grande variedade de metodologias sendo
utilizadas pelos pesquisadores que trabalham com dados sistematizados de maneira
regionalizada e por tipos de agricultores.
Doretto et al. (2001), por exemplo, consideraram apenas os
estabelecimentos individuais, os quais foram sub-divididos quanto ao quesito direção
dos trabalhos agrários formando dois sub-grupos: um composto por aqueles que são
dirigidos por administrador contratado e outro correspondente aos administrados
pelo próprio agricultor.
Este último sub-grupo, porém, foi novamente desmembrado entre
estabelecimentos familiares e não-familiares, considerando-se a composição da
mão-de-obra ocupada, computada pelo Índice de Dominância da Força-de-Trabalho
(ID
ft
), o que originou a classificação de estabelecimento familiar, familiar empregador
e não-familiar (DORETTO et al., 2001).
Na tipologia feita por Doretto et al. (2001), houve também a preocupação de
cruzar esses dados com outros critérios utilizados à época pelo Programa Nacional
de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF), como o valor bruto da
produção vendida (VBPV) e a área total do estabelecimento, com limites máximos
de R$27.500,00 e de 4 módulos fiscais, respectivamente.
Baseada em Doretto et al. (2001), a TABELA 1 apresenta o número de
estabelecimentos, a área, o equivalente-homem e o valor bruto da produção vendida
das categorias sociais que fazem uso da terra com e sem lavouras, nas
microrregiões de Assaí, Cornélio Procópio e Jacarezinho.
85
Pode-se verificar que a categoria familiar (11.667), a qual reúne a familiar
puro e a familiar empregador, possui, aproximadamente, cinco vezes o número de
estabelecimentos pertencentes à categoria não-familiar (2.466). Tal predomínio pode
ser explicado pelo processo histórico de ocupação da região, bem como pela
adoção por parte dos agricultores de estratégias de reprodução que viabilizaram sua
permanência.
TABELA 1 - NÚMERO DE ESTABELECIMENTOS, ÁREA E FORÇA DE TRABALHO OCUPADA E O
VALOR BRUTO DA PRODUÇÃO VENDIDA DAS CATEGORIAS SOCIAIS QUE FAZEM USO DA TERRA
COM E SEM LAVOURAS, NAS MICRORREGIÕES DE ASSAÍ, CORNÉLIO PROCÓPIO E JACAREZINHO,
2001
ESTABELECIMENTOS COM E SEM LAVOURAS
CATEGORIA SOCIAL
TOTAL
(Nº)
ÁREA
(1.000 ha)
FORÇA DE
TRABALHO
(E.H.)
V.B.P.V
(1.000 reais)
TOTAL DE ESTABELECIMENTOS 14.133 637 42.436 251.310
TOTAL FAMILIAR 11.667 252 28.699 93.251
Com V.B.P.V. menor que R$ 27.500,00 11.033 195 26.665 59.223
Área total inferior a 4 módulos fiscais 10.769 155 25.958 56.110
Área total superior a 4 módulos fiscais 264 40 707 3.113
Com V.B.P.V. maior que R$ 27.500,00 634 57 2.034 34.029
Área total inferior a 4 módulos fiscais 360 16 1.081 15.736
Área total superior a 4 módulos fiscais 274 41 953 18.293
FAMILIAR PURO 7.231 115 17.398 41.217
Com V.B.P.V. menor que R$ 27.500,00 7.032 100 16.829 32.139
Área total inferior a 4 módulos fiscais 6.959 89 16.679 31.253
Área total superior a 4 módulos fiscais 73 11 150 887
Com V.B.P.V. maior que R$ 27.500,00 199 15 569 9.077
Área total inferior a 4 módulos fiscais 130 5 362 4.965
Área total superior a 4 módulos fiscais 69 9 208 4.112
FAMILIAR EMPREGADOR 4.436 137 11.301 52.035
Com V.B.P.V. menor que R$ 27.500,00 4.001 95 9.836 27.083
Área total inferior a 4 módulos fiscais 3.810 66 9.279 24.857
Área total superior a 4 módulos fiscais 191 29 557 2.226
Com V.B.P.V. maior que R$ 27.500,00 435 42 1.465 24.951
Área total inferior a 4 módulos fiscais 230 11 719 10.770
Área total superior a 4 módulos fiscais 205 31 746 14.181
TOTAL NÃO FAMILIAR 2.466 386 13.737 158.059
FONTE: Doretto et al. (2001)
FORÇA DE TRABALHO:
Jornada de trabalho de 8 horas/dia em 300 dias no ano de 1 (um) homem adulto
V.B.P.V : Valor Bruto da Produção Vendida
86
No interior da categoria familiar, o destaque pelo número de
estabelecimentos é para aqueles cujo VBPV é inferior a R$27.500,00 (94,56%) e,
entre esses, os agricultores que possuem área total do estabelecimento inferior a 4
módulos fiscais (97,60%). O mesmo ocorre entre os agricultores agrupados como
familiar puro, em que 97,24% apresentam VBPV menor que R$27.500,00 e 98,96%
possuem área total inferior a 4 módulos fiscais.
A área total ocupada por esses estabelecimentos nas microrregiões equivale
a 637 mil hectares, sendo 60,59% pertencentes à categoria não-familiar e 39,56% à
familiares. Portanto, um simples cruzamento destes dois resultados estatísticos já é
suficiente para dar conta de que ainda há uma forte concentração fundiária na
região, cuja origem está no processo de ocupação do solo e nas transformações do
modelo de produção, descritos anteriormente.
Um exemplo disso é o fato de que a maior parte da área ocupada, dentre os
agricultores da categoria familiar, encontra-se entre aqueles que possuem VBPV
menor que R$27.500,00 e área inferior a 4 módulos fiscais, por serem estes os mais
representativos na região.
Outro indicador socioeconômico presente na tabela 2 é o equivalente-
homem correspondente às categorias sociais familiares e não-familiares e que,
segundo Doretto et al. (2001), equivale à jornada anual de 300 dias de trabalho de 1
(um) homem adulto.
Em relação ao equivalente-homem ocupado na produção, era de se esperar
que o resultado desse indicador fosse favorável aos agricultores vinculados à
categoria familiar, uma vez que esta tem no uso da força de trabalho familiar um dos
principais alicerces de suas estratégias para persistir e permanecer na região.
Associada a isso, encontramos outra importante contribuição da agricultura
familiar para o desenvolvimento rural em bases sustentáveis, ou seja, sua
capacidade de geração de postos de trabalho ocupados por uma força de trabalho
que possui vínculo familiar com o proprietário do estabelecimento e que, nessa
região, corresponde ao dobro da geração de empregos que a categoria não familiar
tem sido capaz de gerar.
Quando focalizados os agricultores familiares agrupados pelo VBPV e pela
área total em módulos fiscais, observa-se que aqueles com menor integração ao
87
mercado, ou VBPV menor que R$27.500,00, apresentam também a maior ocupação
de equivalentes-homens, correspondendo a 92,9% do total disponível na região.
O indicador que revela o quanto os agricultores dessas microrregiões são
integrados ao mercado é, como vimos, o valor bruto da produção vendida (VBPV).
Nesse sentido, pode-se concluir que os agricultores familiares têm apresentado
pouca integração ao mercado, pois são responsáveis por somente 37,20% do valor
bruto da produção vendida na região.
No interior da produção familiar, embora o valor total da renda gerada seja
maior entre os agricultores cujo VBPV é menor que R$27.500,00 e a área total
inferior a 4 módulos fiscais, deve-se ressaltar que isso se deu pelo expressivo
número de estabelecimentos nessas condições. O destaque estaria, porém, entre
aqueles agricultores cujo VBPV é maior que R$27.500,00 e que, independente do
tamanho da área, não apresentam diferenças significativas na geração de renda.
Outra fonte de dados utilizada nesta pesquisa para delinear o perfil da
agricultura familiar, nas microrregiões que compõem o Norte Pioneiro do Estado do
Paraná, é o trabalho desenvolvido por Guanziroli (2000, p. 7), cuja concepção básica
foi “caracterizar os agricultores familiares a partir de suas relações sociais de
produção, o que implica superar a tendência de atribuir um limite máximo de área ou
de valor de produção à unidade familiar, associando-a, equivocadamente, à
‘pequena produção’”.
Os indicadores escolhidos para tal caracterização foram o grau de
especialização da produção e o grau de integração dos agricultores familiares ao
mercado. Para isso, foram sistematizados, a partir de dados municipais, o número
de estabelecimentos, a área ocupada e o valor bruto da produção.
Segundo Guanziroli (2001), a tipificação pelo grau de especialização foi
obtida de modo que os “muito especializados” são aqueles em que um único produto
atinge 100% do valor bruto da produção (VBP); os “especializados” aqueles em que
um produto apenas é responsável por mais do que 65% e menos que 100% do VBP;
os “diversificados” nos quais um único produto atinge de 35% a 65% do VBP e os
agricultores “muito diversificados” aqueles em que nenhum produto atinge 35% do
VBP total do estabelecimento.
Como podemos observar na TABELA 2, no universo familiar dessa região o
predomínio tem sido o de sistemas de produção cuja estratégia de uso da terra é
88
pautada pela especialização da produção, chegando a representar,
aproximadamente, 60% dos estabelecimentos, 55% da área ocupada e 57% do
valor bruto da produção.
A explicação para isso pode estar no fato de que, nessas microrregiões, o
processo de modernização tecnológica, aliado à qualidade do solo e à formação de
uma infra-estrutura e de uma logística adequada, deram suporte à consolidação de
cadeias produtivas que exigem dos agricultores tal comportamento, tanto na
produção vegetal, quanto no caso da criação de grandes e pequenos animais.
Porém, deve-se destacar que a participação dos agricultores familiares que
adotam estratégias de diversificação da produção tem sido significativa nas três
microrregiões em estudo. Ao se verificarem os dados municipais, percebe-se que
isso tem ocorrido com maior intensidade em municípios que tiveram a criação de
assentamentos de reforma agrária ou que estão mais distantes da infra-estrutura e
da logística do agronegócio regional.
TABELA 2 - GRAU DE ESPECIALIZAÇÃO DA PRODUÇÃO DOS AGRICULTORES FAMILIARES,
SEGUNDO O NÚMERO DE ESTABELECIMENTOS, A ÁREA TOTAL E O VALOR BRUTO DA
PRODUÇÃO, NAS MICRORREGIÕES DE ASSAÍ, CORNÉLIO PROCÓPIO E JACAREZINHO, 2000
GRAU DE ESPECIALIZAÇÃO
DA PRODUÇÃO
ESTABELECIMENTOS ÁREA TOTAL VBP
Número % Hectares % 1000 (R$) %
Muito Especializado 3.142 24,2 46.175 18,1 15.903 15,5
Especializado 4.700 36,2 98.262 38,5 43.572 42,4
Diversificado 4.332 33,4 95.116 37,3 41.097 40,0
Muito Diversificado 387 3,0 6.259 2,5 2.101 2,0
TOTAL 12.986 100,0 254.989 100,0 102.671 100,0
FONTE: Guanziroli (2000)
O grau de integração ao mercado, por sua vez, foi obtido pela relação
percentual entre o valor da produção vendida (VPV) e o valor bruto da produção
colhida/obtida (VBP) do estabelecimento e seus resultados encontram-se na
TABELA 3.
Entre os agricultores familiares das três microrregiões pesquisadas, o
predomínio tem sido o dos familiares muito integrados, ou seja, aqueles agricultores
que apresentam maior renda média por hectare e, conseqüentemente, maior relação
entre VPV e VBP. Além disso, se somados os valores desse grupo com os do grupo
denominado integrado, abrangeremos, aproximadamente, 85% do número de
89
estabelecimentos, 90% da área total ocupada e 90% do valor bruto da produção
gerada na região.
TABELA 3 - GRAU DE INTEGRAÇÃO AO MERCADO DOS AGRICULTORES FAMILIARES,
SEGUNDO O NÚMERO DE ESTABELECIMENTOS, A ÁREA TOTAL E O VALOR BRUTO DA
PRODUÇÃO, NAS MICRORREGIÕES DE ASSAÍ, CORNÉLIO PROCÓPIO E JACAREZINHO, 2000
GRAU DE INTEGRAÇÃO
AO MERCADO
ESTABELECIMENTOS ÁREA TOTAL VBP
Número % Hectares % 1000 (R$) %
Muito Integrado 7.383 58,8 159.306 64,8 74.330 72,4
Integrado 3.349 26,7 61.327 24,9 21.261 20,7
Pouco Integrado 1.829 14,6 25.196 10,2 7.077 6,9
TOTAL 12.561 100,0 245.829 100,0 102.668 100,0
FONTE: Guanziroli (2000)
Este resultado complementa o que se viu na análise anterior sobre o grau de
especialização dos agricultores familiares, pois essa integração ao mercado é
representada pelo vínculo que esses agricultores criaram com as cadeias produtivas
da região, como no caso da soja, milho, trigo e cana-de-açúcar, bem como com os
canais de comercialização locais, no caso de alimentos como feijão, arroz, frutas,
hortaliças, mandioca e leite.
Em reportagem publicada no jornal Folha de Londrina, de 25 de novembro
de 2007, sob o título “Norte Pioneiro pode virar imenso canavial”, verifica-se que há
interesse de empresários brasileiros e estrangeiros em instalar novas usinas de
açúcar e álcool que ocupariam 120 mil hectares de terra na região. Somada à área
já ocupada com a cana-de-açúcar essa cultura chegaria a ocupar 230 mil hectares
de terra, podendo representar uma ameaça à agricultura familiar ali predominante,
como salienta o pesquisador João Henrique Caviglione do IAPAR:
[...] de forma geral, quando a cultura da cana chega a alguma região, os
agricultores arrendam suas propriedades para as usinas, vão para a cidade
e nunca mais voltam para o campo. O norte pioneiro se caracteriza pela
agricultura familiar. O problema do arrendamento é que o vínculo da usina
com a propriedade é por tempo determinado, isso faz com que a terra não
receba os mesmos cuidados que receberia se fosse cuidada pelo próprio
dono (SANTIN, 2007, p. 14).
Portanto, cautela por parte das autoridades públicas e organização e visão
de planejamento por parte dos agricultores familiares são condições cada vez mais
necessárias num cenário como este, em que o agronegócio da cana-de-açúcar
pressiona por mais áreas para sua expansão.
90
91
4 RESULTADOS E DISCUSSÕES
4.1 OS ENGENHEIROS AGRÔNOMOS E A PERSISTÊNCIA DA AGRICULTURA
FAMILIAR
Embora tenhamos investigado na literatura especializada o que diversos
autores têm defendido acerca da persistência da agricultura familiar brasileira, diante
das transformações socioeconômicas e tecnológicas ocorridas no campo,
propusemos também dar voz aos engenheiros agrônomos que atuam diretamente
com esse público, de modo a compreender sua visão acerca desta questão.
Os atores envolvidos nessa etapa da pesquisa foram os agricultores que
possuem a Declaração de Aptidão ao Programa Nacional de Fortalecimento da
Agricultura Familiar (DAP/PRONAF) e os engenheiros agrônomos que atuam no
Instituto de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado do Paraná (EMATER -
PR).
4.1.1 Caracterização dos agricultores familiares indicados
No QUADRO 2, podemos verificar o perfil de cada agricultor indicado pelo
engenheiro agrônomo do escritório local da EMATER - PR de seu município, com
suas características e as razões de sua indicação.
Do ponto de vista da condição do agricultor, os dados extraídos das DAP’s
permitem concluir que na região pesquisada há a ocorrência de apenas duas
formas, o proprietário e o arrendatário, sendo os agricultores proprietários 73% dos
casos.
O grau de instrução foi outro indicador captado pela leitura feita das DAP’s
dos agricultores. Nesse caso, podemos verificar que 50% deles admitem ter apenas
o primeiro grau incompleto, seguidos daqueles com o primeiro grau completo, cuja
ocorrência foi de 26,9%, conforme o GRÁFICO 1, a seguir.
92
De 15 a menos de
20 ha
8%
Acima de 20 ha
27%
Menos de 5 ha
19%
De 5 a menos de
10 ha
23%
De 10 a menos de
15 ha
23%
2º Grau
incompleto
8%
1º Grau completo
27%
2º Grau completo
15%
1º Grau
incompleto
50%
GRÁFICO 1 - GRAU DE INSTRUÇÃO DOS AGRICULTORES FAMILIARES INDICADOS
Em relação à área dos estabelecimentos, a média obtida entre os
agricultores é igual a 13,6 ha, ou seja, bem abaixo do que estabelece a Lei Nº
11.326, que determina um limite de 4 módulos fiscais como um dos critérios para o
enquadramento do agricultor como agricultor familiar.
Na região de abrangência da presente pesquisa, 1 (um) módulo fiscal
equivale a 18 há; portanto, com uma área de até 72 ha, ainda seria possível o
enquadramento.
Outro dado a ser considerado é a estrutura fundiária desses agricultores.
Observando o GRÁFICO 2, é possível verificar que a maioria dos agricultores
possuem área acima de 20 ha, por outro lado, cerca de 19% possuem menos de 5
ha e, ainda assim, conseguem organizar um modelo produtivo com resultados
positivos para o agricultor e sua família.
GRÁFICO 2 - ESTRUTURA FUNDIÁRIA ENTRE OS AGRICULTORES FAMILIARES
93
0,0 10,0 20,0 30,0 40,0 50,0 60,0 70,0
Algodão
Café
Grãos
Olericultura
Fruticultura
Avicultura
Piscicultura
Bovinocultura de leite
%
Quanto ao enquadramento dos agricultores nas categorias do Programa
Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar, os dados demonstram que
84,6% são PRONAF D, vale dizer, são agricultores familiares que chegam a obter
uma renda bruta anual entre R$ 18 mil e R$ 50 mil.
Em seguida, 11,5% são de agricultores do tipo PRONAF E, sendo esses os
que possuem renda bruta anual acima de R$ 50 mil e até R$ 110 mil. E, finalmente,
apenas 3,8% são do tipo PRONAF A, isto é, agricultores assentados da Reforma
Agrária.
No que se refere às atividades desenvolvidas por esses agricultores os
resultados podem ser observados de duas maneiras. Uma delas diz respeito às
informações contidas no QUADRO 2, no qual podemos verificar a combinação de
atividades existentes em cada estabelecimento, evidenciando o elevado grau de
diversificação presente na maioria dos sistemas de produção.
Outra forma de observação do que é produzido é o que está presente no
GRÁFICO 3, abaixo, no qual foram reunidas de maneira isolada as atividades
exploradas pelos agricultores, para que pudéssemos ter uma idéia daquelas mais
presentes nos estabelecimentos.
GRÁFICO 3 - TIPOS DE ATIVIDADES DOS AGRICULTORES FAMILIARES
Verifica-se, assim, que a agricultura familiar considerada bem sucedida
nessa região, na visão dos engenheiros agrônomos da EMATER - PR, tem seus
sistemas de produção ancorados em pelo menos quatro atividades, com o seguinte
grau de ocorrência: grãos (65,4%); fruticultura (53,8%); café (46,2%) e olericultura
(34,6%).
94
0,0
5,0
10,0
15,0
20,0
25,0
30,0
35,0
40,0
45,0
50,0
%
Diversificado
B
oa produtividade
B
oa qual
i
dade
Inova
do
r
Bom ge
s
t
o
r
Líder
Tal resultado corrobora o que vimos na literatura sobre a evolução do meio
agrário dessa região e a adoção da estratégia de diversificação da produção,
sobretudo a partir da erradicação do café e da maneira como a crise econômica do
país afetou a agricultura no início dos anos de 1980, segundo Carvalho et al (2001).
As características que justificaram as indicações de cada agricultor como um
exemplo em seu município também estão presentes no QUADRO 2. Podemos
perceber que, na maioria dos casos, não há uma característica que, isoladamente,
explique tal indicação, mas um conjunto bem articulado entre as atitudes do
agricultor e as características de seu sistema de produção.
Também nesse caso optamos por tabular as informações de maneira a
explicitar o grau de ocorrência de cada característica em relação ao conjunto de
agricultores indicados.
O resultado está presente no GRÁFICO 4, a seguir, e nele vemos que, no
que se refere às atitudes do agricultor, a mais relevante quanto à ocorrência tem
sido a de ser inovador (46,2%), seguida por duas atitudes de ocorrência próxima,
isto é, ser um bom gestor (26,9%) e líder (23,1%). Quanto às características do
sistema de produção, destaca-se a boa produtividade (34,6%) e, como era de se
esperar pelo conjunto de atividades descrito anteriormente, ser diversificado
(23,1%).
GRÁFICO 4 - CARACTERÍSTICAS DOS AGRICULTORES QUE JUSTIFICARAM SUA INDICAÇÃO
95
4.1.2 Visões dos engenheiros agrônomos sobre a persistência da agricultura familiar
Foram elaboradas duas perguntas aos engenheiros agrônomos
responsáveis pelas indicações desses agricultores, para que ajudassem a
compreender o fato da agricultura familiar se manter diante das transformações
socioeconômicas e tecnológicas ocorridas no campo e para que explicitassem as
principais expectativas e demandas dos agricultores familiares em relação à sua
atuação profissional.
Em relação ao primeiro questionamento, a sistematização das respostas
possibilitou a criação de quatro categorias de análise, descritas a seguir de maneira
confrontada com a teoria.
Verificou-se que algumas das explicações para a persistência demonstrada
pelos agricultores familiares estão relacionadas ao aspecto cultural desse grupo
social, o que estaria de acordo com o que Carvalho (2004) afirma sobre o fato do
camponês constituir num sujeito social cujo movimento histórico se caracteriza por
modos de ser e de viver que lhe são próprios.
Nesse sentido, os argumentos mais utilizados dizem respeito ao modo de
vida que levam no campo, por considerarem que tal modo ainda oferece uma
qualidade igual ou superior à da cidade. Ou, ainda, pela tranqüilidade e simplicidade
como vivem, seja pela necessidade de manter os laços familiares ou seja pela
aptidão que possuem com os trabalhos de campo, ao mesmo tempo que não
manifestam preconceito com a possibilidade de exercer trabalhos urbanos
temporários.
Na literatura utilizada nesta pesquisa, viu-se autores que argumentavam
sobre as características dos diferentes grupos que pertencem ao universo da
agricultura familiar.
As respostas acima de certa forma coincidem com o que Wanderley (1999)
afirmou sobre a pluriatividade e o trabalho externo de membros da família não
representarem necessariamente a desagregação da agricultura camponesa, mas
elementos positivos com os quais a própria família pode contar para viabilizar suas
estratégias de reprodução presentes e futuras.
96
Outro grupo de argumentos utilizados pelos profissionais está associado às
posturas do agricultor e de sua família ante os problemas de seu cotidiano.
Há uma forte manifestação de força de vontade em permanecer no que
fazem, porém, com a adoção de novas atitudes, como a busca por inovação,
qualificação e, em especial, um crescente sentimento de cidadania, representado
pela luta por direitos até então tidos como essenciais apenas para quem reside no
meio urbano, a exemplo de postos de saúde, escolas públicas e lazer.
Ainda sobre os aspectos relacionados à família, foi recorrente a
argumentação em torno da questão da sucessão familiar. Para a maioria dos
profissionais entrevistados, essa é uma das principais ameaças à agricultura familiar,
pois com ela há o processo de envelhecimento dos pais e, conseqüentemente, a
diminuição do ritmo dos trabalhos de campo.
Há casos em que os próprios pais incentivam os filhos a saírem do campo,
além do que a própria educação oferecida a eles favorece tal iniciativa, pois é feita
inteiramente em escolas da cidade.
Por outro lado, segundo os engenheiros agrônomos, muitos jovens têm
manifestado que vêem melhor perspectiva de vida no campo, sobretudo, aqueles
que já experimentaram a opção de ir para a cidade.
Mas, o que foi interessante perceber é a maneira pela qual alguns pais estão
solucionando o problema da sucessão familiar em seus estabelecimentos.
Em vários municípios, a estratégia utilizada pelos pais tem sido a de incluir
o(a) filho(a) cada vez mais nas decisões relacionadas ao sistema de produção e ao
patrimônio, de modo a comprometê-lo(a) com os destinos da família. Para isso, tem
se dado maior liberdade para o jovem empreender no próprio estabelecimento,
inovar tecnologicamente e criar novos negócios, apropriando-se da renda gerada
pelo seu próprio esforço.
Um dos resultados disso é o que Schneider (1999) afirmava sobre a
pluriatividade e as atividades não-agrícolas que ocorrem no meio rural, e podem
estar contribuindo para que a forma familiar de organização do trabalho e da
produção vislumbre novos mecanismos de garantia de sua reprodução material, e
até mesmo a ampliação de sua importância na estrutura social.
Mendras (1978) identificou cinco traços característicos das sociedades
camponesas, dos quais a estrutura do grupo doméstico e o inter-conhecimento dos
97
integrantes da família possuem uma função decisiva na perpetuação das atividades
da família rural.
Outro fator que a maioria dos profissionais entrevistados associa à
capacidade do agricultor familiar persistir às transformações ocorridas no campo é o
apoio do Estado a esse segmento da agropecuária brasileira.
Esse apoio é considerado de fundamental importância para os agricultores
familiares que, historicamente, ficaram excluídos do acesso às tecnologias e aos
mercados, pois é por meio de políticas públicas como o PRONAF, o Programa de
Irrigação Noturna, o Compra Direta, o Trator Solidário, o Crédito Fundiário, etc., que
esses agricultores encontram o suporte necessário à produção e geração de renda
para manter suas famílias.
Sobre isso, Abramovay (1992) entende que existe uma visão segundo a qual
o agricultor familiar está fortemente inserido nos mercados e procura, sempre, adotar
novas tecnologias. Sendo assim, em lhe sendo favorável esse ambiente e com apoio
do Estado, a agricultura familiar preencherá uma série de requisitos, entre os quais
fornecer alimentos baratos e de boa qualidade para a sociedade e reproduzir-se
como uma forma social engajada nos mecanismos de desenvolvimento rural.
Há, ainda, a questão do modelo produtivo adotado por esses agricultores o
qual, segundo os engenheiros agrônomos, é um elemento fundamental para
compreendermos a persistência referida.
Tal modelo caracteriza-se por três aspectos inseparáveis. O primeiro é a
constante busca por inovação, vale dizer, por novas tecnologias desde que
adaptadas à sua realidade socioeconômica e ambiental. O segundo aspecto é a
opção pela diversificação, como estratégia para suportar os riscos de mercado,
desde que dentro dos limites impostos pela disponibilidade de recursos naturais e de
recursos humanos da família no estabelecimento.
O terceiro aspecto é a capacidade de gestão do agricultor que passou a
compreender a necessidade de controlar os seus gastos, a agregar valor à sua
produção e a optar por investir em atividades mais adaptadas à limitação de sua
área, porém, de maior rentabilidade como a cafeicultura, a fruticultura, a olericultura
e a produção orgânica.
98
Em outras palavras, como dizia Amorin (2007), de um lado o acesso a uma
atividade mercantil como meio de se integrar positivamente na economia local e
regional e de outro, somando-se a essa atividade mercantil, a produção para o
autoconsumo. Essa experiência de integração no mercado, aliada à garantia do
consumo, gerou um saber específico, transmitido por meio de gerações sucessivas,
que serviu de base para o enfrentamento da precariedade e da instabilidade da
renda no meio rural.
Em relação ao segundo questionamento feito aos engenheiros agrônomos
dos escritórios locais da EMATER - PR, isto é, quanto às expectativas e demandas
que os agricultores familiares têm sobre sua atuação, as respostas obtidas estão em
sintonia com os argumentos das respostas já descritas.
As principais expectativas e demandas percebidas pelos profissionais têm
sido para possibilitar ao agricultor e sua família maior acesso: às políticas públicas;
aos mercados; aos novos investimentos; às novas tecnologias e à maior
organização da produção.
Com relação às políticas públicas, as principais referências são o crédito
rural e as ações educativas. No caso do PRONAF, a maior demanda tem sido a
respeito da orientação sobre as informações relacionadas a essa modalidade de
crédito, e a expectativa, por sua vez, por uma maior simplificação da burocracia
envolvida.
No caso do acesso aos mercados e a novos investimentos, a busca tem se
concentrado nas alternativas que possibilitem maior rentabilidade por área, bem
como, por conhecimentos de mercado e de índices técnicos e econômicos a respeito
de sua produção.
Finalmente, quanto às novas tecnologias e organização da produção, o que
os profissionais têm percebido é uma participação cada vez maior nos treinamentos
dos demais integrantes das famílias, mulheres e filhos(as), participação que
demanda novas formas de linguagem e de relacionamento, mas, sobretudo,
tecnologias e processos de transformação que sejam na linha de uma produção
sustentável tanto economicamente, quanto ambientalmente.
Pode-se concluir, portanto, que na visão dos engenheiros agrônomos, as
razões da persistência da agricultura familiar na região estão relacionadas a
aspectos culturais e comportamentais, como a opção por um modo de vida simples,
99
a necessidade de manter os laços familiares, a aptidão para o trabalho no campo e a
busca por inovação e qualificação, bem como o apoio do Estado por meio de
políticas públicas focadas na realidade desses agricultores.
Conclui-se também que a sucessão familiar tem sido apontada como a
principal ameaça à agricultura familiar na região. Diante disso, os agricultores têm
adotado a estratégia de comprometer os filhos com o estabelecimento da família,
dando liberdade para a adoção de novas tecnologias e implantação de novos
negócios.
Finalmente, as principais expectativas e demandas percebidas pelos
profissionais têm sido no sentido de possibilitar ao agricultor e sua família maior
acesso às políticas públicas, aos mercados, a novos investimentos e novas
tecnologias e melhor organização da produção.
100
AGRICULTOR
ÁREA
(ha)
CONDIÇÃO DO
AGRICULTOR
GRAU DE
INSTRUÇÃO
PRONAF ATIVIDADES CARACTERÍSTICAS
JAT1 24,20 Proprietário 1º GI E Café, grãos e avicultura de corte Diversificado
JAT2 24,20 Proprietário GI D Olericultura e fruticultura Diversificado e boa produtividade
JAT3 24,20 Proprietário 2º GC D Café e algodão Boa produtividade
JAT4 42,20 Proprietário 1º GI D Grãos, fruticultura e olericultura Diversificado e produtividade.
JAT5 12,10 Arrendatário GI D Grãos e avicultura de corte Boa produtividade
JAT6 6,05 Proprietário GI D Grãos e avicultura de corte Boa produtividade
JAT7 24,20 Proprietário GC E Grãos e avicultura de corte Boa produtividade
SJS1 1,00 Arrendatário 1º GI D Olericultura Bom nível tecnológico
NSB1 2,00 Proprietário 1º GC D Olericultura e morango Líder, participativo, inovador e bom gestor
RA1 12,10 Proprietário 1º GC D Uva industrial, café, banana nanica e grãos Diversificado, boa produtividade e boa qualidade
RA2 10,00 Proprietário 2º GC D Uva industrial, café e banana nanica Boa produtividade e boa qualidade
RA3 16,94 Proprietário 2º GC D Café e grãos Boa produtividade e bom gestor
BAN1 9,68 Proprietário 1º GI D Uva de mesa e grãos Inovador, líder e tem sucessão
BAN2 12,40 Arrendatário 2º GC D Uva de mesa e grãos Inovador, líder e tem sucessão
BAN3 7,90 Proprietário 1º GI D Olericultura e grãos Inovador e sistema orgânico rentável
BAN4 1,00 Arrendatária GC D Uva de mesa e grãos Inovadora
BAN5 4,84 Proprietário 1º GC D Uva de mesa Inovador e líder
BAN6 9,68 Proprietário 1º GC D Uva de mesa e peixe Inovador, líder e bom gestor
CPR1 7,26 Arrendatário SC D Café e grãos Inovador e planejado
ITA1 21,78 Arrendatário 1º GI D Café, grãos, arroz, laranja e peixe Consciente, inovador e bom gestor
STM1 14,52 Proprietário 2º GI D Café, fruticultura e olericultura Diversificado
STM2 18,10 Proprietário 1º GC E Fruticultura e grãos Diversificado
RBC1 3,03 Proprietário 2º GI A Café, grãos e leite Bom gestor e boa qualidade
SAP1 25,41 Arrendatário 1º GI D Café, olericultura e grãos Inovador e diversificado
SAP2 13,60 Proprietário 1º GI D Café, olericultura e grãos Inovado e diversificado
JAC1 5,29 Proprietário 1º GI D Café, olericultura, laranja e avicultura de corte Bom gestor e inovador
QUADRO 2 - PERFIL DOS AGRICULTORES RURAIS CONSIDERADOS REFERÊNCIA DENTRE OS AGRICULTORES FAMILIARES EM SEUS MUNICÍPIOS
FONTE: O autor (2008)
101
4.2 OS ENGENHEIROS AGRÔNOMOS E A FORMAÇÃO DE SABERES EM
CONTEXTO DE ATUAÇÃO
Como foi abordado na introdução, as reflexões em torno da idéia do
permanente aprendizado, a que todo profissional está submetido, foram traduzidas
em questionamentos: sobre a universidade, por si só, ser capaz de formar um
engenheiro agrônomo apto a atender às expectativas e demandas do meio agrário;
sobre as relações entre os conhecimentos universitários e as soluções dos
problemas mediante a prática profissional e sobre se existe uma formação de
saberes que configure uma epistemologia da prática profissional na atuação do
engenheiro agrônomo.
Encontrou-se na literatura um grande número de contribuições teóricas que
dão validade à idéia de que há saberes provenientes da prática profissional, seja por
meio das relações estabelecidas por esses profissionais com os grupos sociais que
o cercam, seja pelo aprofundamento de suas reflexões na busca de respostas aos
desafios do dia-a-dia.
O objetivo da presente seção é tentar responder a essas indagações; para
isso, propusemos uma verificação dos conhecimentos teóricos descritos em
capítulos anteriores, combinada com a visão de um conjunto de profissionais de
Agronomia que atuam com diferentes segmentos da agricultura familiar.
102
Feminino
27%
Masculino
73%
4.2.1 CARACTERIZAÇÃO SOCIOECONÔMICA E CULTURAL DOS
ENGENHEIROS AGRÔNOMOS
Os municípios e o número de engenheiros agrônomos da EMATER – PR
entrevistados, podem ser vistos no QUADRO 3, abaixo:
MUNICÍPIOS Nº DE PROFISSIONAIS
EMATER - PR Escritório Local de Jataizinho 01
EMATER - PR Escritório Local de São Jerônimo da Serra 01
EMATER - PR Escritório Local de Nova Santa Bárbara 01
EMATER - PR Escritório Local de Rancho Alegre 01
EMATER - PR Escritório Local de Abatia 01
EMATER - PR Escritório Local de Bandeirantes 02
EMATER - PR Escritório Regional de Cornélio Procópio 02
EMATER - PR Escritório Local de Itambaracá 01
EMATER - PR Escritório Local de Santa Mariana 01
EMATER - PR Escritório Local de Cambará 01
EMATER - PR Escritório Local de Ribeirão Claro 01
EMATER - PR Escritório Regional de Santo Antônio da Platina 01
EMATER - PR Escritório Local de Jacarezinho 01
TOTAL 15
QUADRO 3 - MUNICÍPIOS E NÚMERO DE ENGENHEIROS AGRÔNOMOS ENTREVISTADOS
FONTE: O autor (2008)
Como podemos verificar no GRÁFICO 5, os profissionais entrevistados são,
majoritariamente, do sexo masculino (73%), porém, há uma representação feminina
de 27% de engenheiras agrônomas que atuam em alguns municípios em conjunto
com os demais colegas e em outros de forma isolada como responsáveis pelo
escritório local.
GRÁFICO 5 - SEXO DOS PROFISSIONAIS
103
Mais de 50 anos
33%
30 ou menos de
40 anos
7%
40 ou menos de
50 anos
60%
A faixa etária predominante é a de 40 a menos de 50 anos de idade (60%),
seguida da faixa acima dos 50 anos (33%).
Esse dado revela uma situação característica desta empresa neste
momento, ou seja, o envelhecimento de seu quadro funcional e sua lenta renovação:
apenas 7% de seu quadro encontra-se na faixa etária de 30 ou menos de 40 anos,
como podemos observar no GRÁFICO 6, a seguir.
GRÁFICO 6 - FAIXA ETÁRIA DOS PROFISSIONAIS
Em relação à formação inicial, observamos no, GRÁFICO 7, que a maioria
dos entrevistados cursou Agronomia em escolas públicas localizadas nos Estados
do Paraná e de São Paulo, com exceção de dois profissionais formados nos Estados
do Rio Grande do Sul e de Minas Gerais.
GRÁFICO 7 - ESCOLA DE ORIGEM DOS PROFISSIONAIS
104
0,0
5,0
10,0
15,0
20,0
25,0
30,0
35,0
1978 1982 1987 1990 1991 1992 1993
É interessante notar também que, aproximadamente, 70% dos profissionais
formaram no início dos anos de 1980 ou no início dos anos de 1990, o que está
relacionado com o resultado, por faixa etária, visto anteriormente, bem como com o
ano de ingresso na EMATER - PR.
Os dados do GRÁFICO 8, abaixo, mostram que houve dois momentos de
maior entrada dos profissionais na empresa, que são os anos de 1982 e 1991,
ambos correspondendo a 33% do total, cada.
GRÁFICO 8 - ANO DE INGRESSO DOS PROFISSIONAIS NA EMATER - PR
Ao assinalarem o ano em que ingressaram na EMATER – PR, a maioria
deles afirmaram que já haviam sido transferidos uma ou mais vezes de município.
Considerando que o foco da pesquisa está na formação de saberes
advindos da prática profissional e que essas se encontram relacionada à carreira
desses profissionais, sugerimos na FIGURA 2 uma representação, pela qual
podemos observar a diversidade de suas origens na empresa.
105
FIGURA 2. TRAJETÓRIA PROFISSIONAL DOS ENGENHEIROS AGRÔNOMOS NA EMATER – PR
FONTE: O autor (2008)
106
Doutorado
0%
Especialização
53%
Aperfeiçoamento
27%
Mestrado
20%
Sabendo que o domínio de conhecimentos técnicos é uma das
competências mais importantes para sua atuação profissional, questionou-se os
engenheiros agrônomos sobre o tipo de formação continuada a que se têm
dedicado, desde seu ingresso na EMATER - PR.
GRÁFICO 9 - TIPO DE FORMAÇÃO CONTINUADA FEITA COM APOIO DA EMATER - PR
Os dados apresentados no GRÁFICO 9 demonstram que a maioria (53%) já
cursou algum tipo de especialização, sendo a segunda modalidade de formação
continuada o aperfeiçoamento (27%). Porém, é significativo que 20% desses
profissionais afirmem ter feito um curso de pós-graduação em nível de mestrado.
As áreas nas quais 20% dos profissionais assinalaram ter cursado mestrado
são, geralmente, as de solos e de energia na agricultura.
No caso dos cursos de especialização e de aperfeiçoamento, os temas são
bem diversificados, destacando-se dentre esses os de caráter mais técnico, como
manejo de culturas e de criações, irrigação e drenagem, controle de pragas e de
doenças, nutrição de plantas, etc.
No entanto, no caso dos cursos de especialização, sobressaem temas de
caráter mais abrangente em sintonia com novas demandas advindas da agricultura
familiar regional, como: desenvolvimento regional e territorial sustentável; educação
de adultos; qualidade total; gestão e marketing da produção; mercados e cadeias
produtivas e metodologias participativas.
Ao serem questionados sobre sua inserção como cidadãos na comunidade,
o resultado foi que essa tem sido significativa e de forma diversificada. No GRÁFICO
107
0,0 10,0 20,0 30,0 40,0 50,0 60,0
%
Nenhuma
Apenas 1
2 ou 3
4 ou mais
Empresarial
12%
Cultural
17%
Religiosa
12%
Terceiro setor
9%
Esportiva
15%
Sindical
14%
Político-partidária
9%
Educacional
12%
10, abaixo, podemos ver que pouco mais de 50% dos entrevistados afirmaram que
se inserem de duas ou três formas diferentes em sua comunidade e, pelo menos,
20% em quatro ou mais formas.
GRÁFICO 10 - GRAU DE INSERÇÃO NA REALIDADE LOCAL
No GRÁFICO 11, por sua vez, podemos verificar os tipos de inserção dos
profissionais como cidadãos, em suas localidades. O destaque está na participação
cultural, via de regra, por meio de grupos de teatro, música e apresentação de
programas de rádio. Em seguida, a participação esportiva (15%), que já era de se
esperar dado o apego de vários engenheiros agrônomos ao futebol, desde a época
de estudantes, como lembrado durante as entrevistas
Outras formas de inserção significativa têm sido a sindical com 14%, e com
o mesmo grau de intensidade, a religiosa, a educacional e a empresarial, com 12%
cada uma.
GRÁFICO 11 - TIPOS DE INSERÇÃO NA REALIDADE LOCAL
108
A rotina de trabalho dos engenheiros agrônomos da EMATER – PR é,
essencialmente, marcada pela atuação com os agricultores familiares da região.
Diante disso, consideramos relevante detectarmos a intensidade das ações
pertencentes a essa rotina, o que pode significar uma pista para compreendermos
as demandas típicas desse público.
Para chegar a esse resultado, pedimos aos profissionais que assinalassem,
no roteiro de entrevista, uma das seguintes opções: pouco intenso, intenso e muito
intenso, para cada ação.
Na TABELA 4, a seguir, podemos observar quais são as ações presentes na
rotina desses profissionais e a totalização do grau de intensidade de sua execução.
TABELA 4 - TIPOS DE AÇÃO E SEUS GRAUS DE INTENSIDADE NA ROTINA DE TRABALHO DOS
PROFISSIONAIS
TIPO DE AÇÃO
GRAU DE INTENSIDADE NA ROTINA
TOTAL
POUCO
INTENSO
INTENSO
MUITO
INTENSO
%
%
% %
Assessoria para acesso ao PRONAF 3
20,0
4
26,7
8
53,3 80,0
Assistência técnica em culturas e criações 1
6,7
9
60,0
5
33,3 93,3
Divulgação de ações de governo (federal e/ou estadual). 1
6,7
4
26,7
10
66,7 93,3
Dias de campo. 6
40,0
3
20,0
6
40,0 60,0
Relatórios de safra 10
66,7
4
26,7
1
6,7 33,3
Tarefas exclusivamente administrativas 10
66,7
4
26,7
1
6,7 33,3
Experimentação em propriedades rurais 11
73,3
2
13,3
2
13,3 26,7
Planejamento agropecuário 3
20,0
8
53,3
4
26,7 80,0
Organização de associações de agricultores 4
26,7
6
40,0
5
33,3 73,3
Produção de materiais didáticos 11
73,3
2
13,3
2
13,3 26,7
Assessoria à formação de canais de comercialização. 5
33,3
8
53,3
2
13,3 66,7
Assessoria a ações de desenvolvimento rural. 7
46,7
4
26,7
4
26,7 53,3
FONTE: O autor (2008)
TOTAL = soma dos % de intenso e muito intenso
Todas as ações são, em algum grau, executadas pelos engenheiros
agrônomos em questão. As que se revelaram de menor intensidade em sua rotina
diária foram: a realização de relatórios de safra (33,3%); as tarefas exclusivamente
administrativas (33,3%); a experimentação em propriedades rurais (26,7%) e a
produção de materiais didáticos (26,7%).
Como possíveis explicações para esses resultados, deve-se lembrar que há
a questão da sazonalidade de cada safra e há uma secretaria para as tarefas
administrativas; a experimentação em campo é algo mais diretamente relacionado
aos órgãos de pesquisa e universidades. Finalmente, deve-se lembrar que na
109
produção de material didático, existe um conjunto de profissionais que dão suporte a
essa área na EMATER - PR, centralizado em sua sede e nos escritórios regionais.
As ações assinaladas como intensas, por sua vez, são aquelas
tradicionalmente executadas nos serviços de extensão rural, cuja demanda é
sempre uma constante entre os agricultores rurais, independente da categoria
socioeconômica a que pertençam.
A assistência técnica em lavouras e criações destaca-se dentre as ações
intensas, com 60% de ocorrência. Em segundo lugar, aparecem o planejamento
agropecuário e a assessoria na comercialização da produção, com 53,3% cada e,
finalmente, a organização de associações de agricultores com 40% de ocorrência
como uma tarefa intensa em sua rotina.
Entre as ações consideradas muito intensas na rotina dos engenheiros
agrônomo da EMATER - PR da região, sobressaíram a assessoria para acesso ao
Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar - PRONAF (53,3%), e
a promoção de ações governamentais (66,7%).
Esses resultados são coerentes com a rotina de profissionais que atuam
numa empresa pública, cujo foco do trabalho é a agricultura familiar, pois, nesse
caso, o engenheiro agrônomo assume o papel de elo entre os agricultores, suas
famílias e as políticas públicas formuladas para dar sustentação ao seu
desenvolvimento.
Num exercício de sistematização das informações que nos possibilite
aproximar da rotina dos engenheiros agrônomos da EMATER - PR sugeriu-se somar
os valores considerados intensos e muito intensos.
O resultado é que, no cotidiano desses profissionais, as tarefas mais
executadas junto aos agricultores familiares da região Norte do Estado do Paraná
são: assistência técnica em culturas e criações (93,3%); promoção de ações de
governo (93,3%); planejamento agropecuário (80,0%); assessoria para acesso ao
PRONAF (80%) e organização de associações de agricultores (73,3%), como
ilustrado no GRÁFICO 12, a seguir.
110
0,0
10,0
20,0
30,0
40,0
50,0
60,0
70,0
80,0
90,0
100,0
%
Assessoria para
acesso ao
PRONAF
Assistência
técnica em
culturas e
criações
Divulgação de
ações de
governo
Planejamento
agropecuário
Organização de
associações de
produtores
GRÁFICO 12 - AÇÕES MAIS INTENSAS NA ROTINA DOS PROFISSIONAIS DA EMATER - PR
4.2.2 Posicionamentos dos engenheiros agrônomos sobre sua formação profissional
A segunda parte do levantamento de informações realizado junto aos
engenheiros agrônomos que atuam por meio da EMATER - PR teve seu foco na
compreensão de três aspectos de sua trajetória profissional: (1) suas percepções
acerca da formação profissional inicial e a transição para a vida profissional; (2) o
domínio de certas competências pedagógicas para atuar no campo e (3) a
possibilidade de sua atuação prática ser geradora de novos saberes profissionais.
4.2.2.1 Formação inicial e transição para a vida profissional
Considerou-se pertinente que no decorrer das entrevistas com os
profissionais se pudesse resgatar sua visão acerca da formação inicial que tiveram e
a maneira como se deu a fase de transição da vida acadêmica para a atuação na
realidade, pois ambas são etapas da trajetória profissional de cada entrevistado.
Na teoria, vimos Tardif (2000) salientar que os saberes são plurais e
heterogêneos, isto é, provém de sua cultura pessoal, de sua história de vida, mas
também de conhecimentos adquiridos na universidade e aqueles oriundos de sua
própria experiência de trabalho.
111
Nesse sentido, pediu-se que fizessem uma análise crítica da formação que
receberam no curso de Agronomia e, também, que relatassem quais sugestões
dariam hoje aos dirigentes ou a seus professores.
Do ponto de vista das críticas, foi possível criar pelo menos três categorias
de análise, sendo apenas uma de caráter positivo em relação aos cursos. A essa
categoria, denominada aqui de “Fundamentos”, os argumentos predominantes dão
conta de que os cursos trabalharam com ênfase os fundamentos da Agronomia, o
que possibilitou o desenvolvimento de uma visão ampla sobre os processos de
produção e sobre as metodologias de atuação profissional.
Além disso, ao focarem os fundamentos, os professores se preocuparam
com o conhecimento básico, não descuidando de mostrar os caminhos para que os
futuros profissionais, em momentos de dúvida, soubessem onde encontrar os
conhecimentos aplicados ou até mesmo construí-los.
Em outra categoria de análise, denominada “Fragmentado e distante da
realidade”, os argumentos dos engenheiros agrônomos foram, majoritariamente, no
sentido de caracterizar seus cursos como excessivamente distantes das condições
socioeconômicas e culturais do agricultor rural, propondo, assim, uma visão
fantasiosa da realidade do meio rural e, em geral, baseada mais nas atividades
econômicas do que no campo como um meio social dinâmico, diversificado e
complexo.
Os engenheiros agrônomos avaliam, ainda, que a oportunidade dos alunos
interagirem com os agricultores e suas famílias foi negligenciada pelos professores,
ao abordarem as técnicas de produção de forma descontextualizada.
É o que Cunha (1998a) já argumentava sobre o fato de a organização
curricular refletir os princípios da ciência moderna, estruturando-se de forma
fragmentada e induzindo uma avaliação do mesmo modo, ou seja, os alunos devem
devolver o produto adquirido objetivamente, preferencialmente, em forma de testes
de múltipla escolha.
Outra característica da fragmentação sugerida pelos profissionais diz
respeito à própria organização curricular e departamental dos cursos. Nesse sentido,
argumentam que isso dificultava a compreensão dos conteúdos que, além de
repetitivos, não privilegiavam a reflexão, mas, apenas, a aplicação prática de
soluções prontas tidas como universais.
112
Em Cardoso (1995), vimos que a partir do método analítico cartesiano, não
somente o saber foi fragmentado em disciplinas estanques, como também o próprio
trabalho se tornou cada vez mais especializado através dos departamentos,
divisões, seções numa imensa linha de montagem. Cada um de nós, burocrática e
roboticamente, se restringe a uma tarefa particularizada sem consciência global do
produto realizado.
Em sintonia com as críticas anteriores, outra categoria de análise foi o
“caráter tecnicista” dos cursos. Nesse caso, os profissionais foram enfáticos em
avaliar que os cursos são focados nas grandes culturas do agronegócio do país e
que se preocupam em doutrinar os alunos para uma absorção inquestionável dos
pressupostos da Revolução Verde e de seu pacote tecnológico.
Um exemplo disso é o que lembra Apple (1989), ao analisar a forma do
currículo e a lógica do controle técnico. Vimos que, em sua opinião, um dos
principais mecanismos utilizados para garantir a produção e a reprodução do
conhecimento, segundo a ideologia e os interesses dos setores dominantes da
sociedade, é a separação entre a concepção e a execução do processo curricular.
Confirmando essa visão dos profissionais entrevistados, deve-se lembrar
das afirmações feitas por Cavallet (1999), segundo o qual, o modelo de formação na
Agronomia, ao ser integralizado basicamente por disciplinas dissociadas de um todo
e ao trabalhar com objetivos direcionados às necessidades de mercado, ignora as
contradições da realidade agrária e dificulta o desenvolvimento de uma visão crítica
dos futuros profissionais.
Quanto às sugestões dadas pelos engenheiros agrônomos aos dirigentes e
professores de seus cursos, as categorias de análise originadas de suas respostas
se apresentam bem coerentes com as críticas feitas por eles.
Na primeira categoria de análise denominada “Organização curricular”,
vemos os profissionais sugerirem que os cursos busquem um equilíbrio entre a
aprendizagem das técnicas de produção e uma abordagem mais ampla da situação
do campo, considerando todas as dimensões socioeconômicas, ambientais e
culturais pertinentes a ele.
Cavallet (1999) já argumentava sobre isso ao propor que, se por um lado,
cada disciplina pode agregar novas visões do todo, que se complementam e
ampliam as opções, por outro lado, se não houver a opção clara pela
113
interdisciplinaridade no sentido de entendimento e viabilização dos valores
essenciais da vida, a fragmentação poderá ser perigosamente perniciosa. Daí a
defesa da interdisciplinaridade e, mais ainda, da ação coletiva.
Outra sugestão recorrente entre os engenheiros agrônomos é que os cursos
se organizem para possibilitar uma aprendizagem focada na problematização da
realidade dos agricultores, aproximando, o máximo possível, os alunos da realidade
e da cultura dos agricultores, eliminando formas preconceituosas de abordagem do
campo, nas quais não há espaço para a discussão sobre raça, gênero, agroecologia
e mercado justo.
Em relação às competências que devem ser desenvolvidas pelos alunos, as
sugestões apontam para a necessidade de um esforço maior quanto à capacidade
de comunicação e de saber estabelecer bons relacionamentos mediante a
diversidade de opiniões.
A capacidade de refletir criticamente sobre os problemas, de relativizar as
soluções prontas e de construir soluções junto com os agricultores, foi outro ponto
lembrado de forma significativa, sobretudo, quando eles abordavam a preocupação
que o curso deve ter com a fase de transição do aluno para a vida profissional.
Ainda foi possível criar uma categoria de análise denominada “Ação
docente”. Nesse caso, as sugestões mais recorrentes dizem respeito à necessidade
dos professores mudarem sua postura diante do aluno, permitindo uma maior
aproximação entre esses atores do processo de ensino aprendizagem.
Como salientado por Grinspun (1994), a educação vive uma crise
caracterizada pelos objetivos e finalidades de suas propostas, mas também pelos
seus procedimentos ou metodologias. A íntima vinculação da educação com o
contexto social e cultural leva-nos a rever os seus paradigmas atuais, à medida que
se constatam crises em inúmeras instituições sociais.
Também foi ressaltado que, para buscar uma aprendizagem significativa,
seria importante que os professores elaborassem seus planejamentos considerando
a individualidade de cada aluno, seus limites e potencialidades, bem como
valorizando a contextualização de cada conteúdo eleito para sua disciplina.
Como ressaltado por Levy e Espíritu Santo (2006), na educação o
“emergente modelo de pensamento” coaduna-se com um currículo enquanto
processo, como um conjunto das experiências em que sujeito e objeto se conjugam
114
para que haja (re)construção do conhecimento, visto agora como representação da
realidade, em vez de ser encarado como algo definitivo e independente do sujeito.
A transição para a vida profissional foi alvo de questionamento, ocasião em
que foi perguntado aos engenheiros agrônomos se eles haviam sentido alguma
dificuldade em traduzir os conhecimentos universitários em soluções práticas e, no
caso, como esta foi superada.
Os profissionais que afirmaram terem sido pequenas as dificuldades na
transição para a vida profissional foram aqueles que argumentaram a favor do papel
do pré-serviço oferecido pela EMATER - PR aos recém-ingressantes na empresa,
bem como por um grupo de especialistas que dão suporte aos profissionais com
menos experiência.
Por outro lado, aqueles que afirmaram ter tido dificuldades nessa transição
se dividem entre os que atribuem tal fato ao ensino excessivamente teórico e
fragmentado e os que o atribuem à falta de interação com os agricultores rurais, ao
longo de sua vida acadêmica.
No caso do ensino teórico e fragmentado, o aspecto que mais chamou a
atenção foi a sensação de insegurança do recém-formado, unânime entre os
entrevistados.
Hoje, a compreensão desses profissionais é que, pelo fato do ensino ter sido
muito teórico e focado em pacotes tecnológicos, durante a vida acadêmica, as
soluções estavam prontas e, portanto, bastava decorá-las. Mas, na atuação junto
aos agricultores, sentiram a inadequação de diversas soluções aprendidas, pois, no
cotidiano profissional, os problemas não aparecem tão bem delineados quanto na
teoria, surgindo variáveis que os cursos não abordam.
Isso está de acordo com o que Delors (2003) afirmava, segundo o qual, a
educação ao longo de toda vida é uma construção contínua da pessoa humana, do
seu saber e das suas aptidões, mas também da sua capacidade de discernir e agir.
Deve levá-la a tomar consciência de si própria e do meio que a envolve e a
desempenhar o seu papel social que lhe cabe no mundo do trabalho e na
comunidade.
Com relação à falta de interação com os agricultores e suas diferentes
realidades, o argumento mais recorrente foi o choque de realidade vivido por esses
profissionais.
115
Em alguns casos o referido choque ocorreu porque, ao sairem da
universidade acreditavam que o único aprendiz dali em diante seria o agricultor e
que bastava repetirem, no dia-a-dia, o estilo e as técnicas que estavam acostumado
a ver seus professores expor.
Algumas representações dessa postura à época de recém-formado, eram,
por exemplo, a noção de que seu papel consistia em “empurrar” o conhecimento, e
que a ele não cabia aprender mais do que a universidade lhe proporcionou, pois já
estava “formado” e detinha o domínio absoluto do único conhecimento capaz de
solucionar os problemas dos agricultores.
A título de conclusão, pode-se considerar que os posicionamentos dos
engenheiros agrônomos entrevistados sobre sua formação profissional dão conta de
que, em geral, seus professores valorizavam os fundamentos agronômicos, porém, a
prática pedagógica foi marcadamente fragmentada e distanciada da realidade do
meio agrário, privilegiando-se os conhecimentos técnicos associados às grandes
culturas comerciais.
Sobre as sugestões que esses profissionais dariam a seus professores e
aos dirigentes de suas escolas, é possível concluir que estas se refeririam a duas
dimensões da formação acadêmica, ou seja, a organização curricular e a prática
docente. A primeira, buscando-se maior equilíbrio entre o conhecimento técnico e o
contextual, mediante a problematização reflexiva da realidade, e a segunda, a
mudança de postura dos professores de modo a aproximá-los dos alunos.
Sobre a transição para a vida profissional, pode-se concluir que as
dificuldades estavam relacionadas ao ensino fragmentado e descontextualizado que
tiveram, o que gerou a sensação de insegurança nos profissionais e um “choque de
realidade”, sobretudo, em relação às condições de vida dos agricultores familiares e
ao papel de educador que teve que exercitar no campo.
Como síntese, pode-se ver abaixo nos QUADROS 4 e 5, abaixo, os
argumentos dos profissionais para cada categoria de análise proposta.
116
CATEGORIA DE ANÁLISE ARGUMENTOS
1. Foco nos conhecimentos
fundamentais.
1.1 Os professores exploravam os fundamentos agronômicos;
1.2 A busca de conhecimentos aplicados foi facilitada, pois, era
nos dado os “caminhos das pedras”.
2. Ensino fragmentado e distante da
realidade.
2.1 Passava-se uma visão fantasiosa da realidade, de acordo
com o que cada professor pensava;
2.2 O foco era apenas nas atividades econômicas e não nas
condições de vida dos agricultores;
2.3 O ensino parecia descontextualizado, o que dificultava o
entendimento de sua razão;
2.4 Os conteúdos eram fragmentados, repetitivos e serviam
apenas para a memorização.
3. Caráter tecnicista.
3.1 O foco era, principalmente, nas culturas mais importantes do
agronegócio;
3.2 Os professores tentavam doutrinar os alunos por meio dos
pressupostos da Revolução Verde e de seu pacote tecnológico.
QUADRO 4 – POSICIONAMENTO DOS PROFISSIONAIS SOBRE SUA FORMAÇÃO
UNIVERSITÁRIA
FONTE: O autor (2008).
CATEGORIA DE ANÁLISE ARGUMENTOS
1. Organização curricular.
1.1 Buscar equilíbrio entre a aprendizagem das técnicas de
produção e os conhecimentos contextuais;
1.2 Focar o ensino na problematização da realidade dos
agricultores familiares;
1.3 Desenvolver habilidades comunicacionais e de
relacionamento inter-pessoal;
1.4 Desenvolver a capacidade de refletir criticamente sobre os
problemas, relativizando as soluções prontas e de caráter
universal e construindo-as junto com os agricultores.
2. Ação docente.
2.1 Assumir uma postura de maior aproximação com os alunos,
envolvendo-os nas ações pedagógicas;
2.2 Planejar as disciplinas considerando as individualidades dos
alunos e a contextualização dos conhecimentos trabalhados.
QUADRO 5 – SUGESTÕES DOS PROFISSIONAIS AOS PROFESSORES E DIRIGENTES
ESCOLARES
FONTE: O autor (2008).
4.2.2.2 O domínio das competências pedagógicas para uma atuação educativa
Vimos na teoria que há uma dimensão educativa presente na atuação do
engenheiro agrônomo, notadamente daquele que atua com extensão rural junto a
agricultores rurais pertencentes ao universo familiar.
Durante tal atuação, porém, são necessárias diferentes competências que
Perrenoud e Thurler (2002, p. 19) denominam como “a aptidão para enfrentar um
conjunto de situações análogas, mobilizando, de uma forma concreta, rápida,
pertinente e criativa, múltiplos recursos cognitivos: saberes, capacidades,
microcompetências, informações, valores, atitudes, esquemas de percepção, de
avaliação e de raciocínio”.
117
0,0 20,0 40,0 60,0 80,0 100,0 120,0
Conhecimentos necessários à
sua atuação
Conhecimentos do processo
ensino-aprendizagem
Processos que geram boa
relação com o agricultor
Tecnologias educacionais
Dimensão potica de sua
atuação
INSATIS FA TÓRIO POUCO SATISFATÓRIO SATISFATÓRIO
Tal consideração, portanto, sugeriu a necessidade de investigar o nível de
satisfação que esses profissionais possuem atualmente sobre o domínio das
seguintes competências, consideradas necessárias para coordenar um processo de
ensino aprendizagem no campo e que foram inspiradas no que sugere Masetto
(2003): (1) conhecimentos necessários à sua atuação; (2) conhecimentos sobre o
processo de ensino aprendizagem; (3) a capacidade de gerar boa relação com o
agricultor; (4) a habilidade com tecnologias educacionais e (5) o domínio da
dimensão política de sua atuação.
Para obter as respostas a essas questões, foi acrescentada ao roteiro uma
questão objetiva, na qual o profissional tinha de assinalar, para cada competência
profissional listada, se seu domínio é insatisfatório, pouco satisfatório ou satisfatório.
Posteriormente, os profissionais argumentaram sobre a alternativa assinalada.
Pelo GRÁFICO 13, a seguir, se conclui que apenas duas dessas
competências foram consideradas de domínio satisfatório entre todos os
engenheiros agrônomos entrevistados, as quais são: os conhecimentos necessários
à sua atuação e a capacidade de gerar boa relação com o agricultor.
As demais competências também possuem nível satisfatório significativo,
todas acima de 40%, porém, a competência relacionada aos conhecimentos sobre o
processo de ensino aprendizagem apresentou 33,3% de domínio pouco satisfatório.
Por outro lado, as competências sobre as tecnologias educacionais e sobre
a dimensão política de sua atuação apresentaram, respectivamente, 33,3% e 26,7%
de nível pouco satisfatório, mas, também, 13,3% e 6,7% de nível insatisfatório,
respectivamente.
GRÁFICO 13 - NÍVEL DE DOMÍNIO DAS COMPETÊNCIAS PEDAGÓGICAS
118
Quanto ao domínio sobre os conhecimentos necessários à sua atuação, a
maioria dos engenheiros agrônomos relatou que tal competência tem sido reforçada
por suas participações em cursos de formação continuada, treinamentos diversos e
pela necessidade de redigir projetos e relatórios técnicos.
Outras explicações dadas pelos profissionais estão relacionadas à
necessidade de realizar pesquisas, buscar informações em diversas fontes, fazer
leituras e consultas ao corpo de especialistas da EMATER - PR.
Masetto (2003) afirma que a pesquisa, nesse caso, é aquela atividade
realizada mediante estudos e reflexões críticas sobre temas teóricos ou experiências
pessoais reorganizando e reconstruindo conhecimentos, dando-lhes novo
significado, produzindo textos que representam sua contribuição ao assunto.
Vale destacar, ainda, a menção feita por vários engenheiros agrônomos
acerca da importância de sua formação básica, sobretudo dos fundamentos
agronômicos adquiridos na academia.
A competência relacionada aos conhecimentos sobre o processo de ensino
e aprendizagem foi uma daquelas em que alguns profissionais assinalaram possuir
domínio pouco satisfatório.
Em seus argumentos, os engenheiros agrônomos têm afirmado que o que
sabem sobre esse assunto é resultado do pré-serviço promovido pela EMATER –
PR.
Outros profissionais relatam, ainda, que esse domínio vem sendo construído
ao longo de sua carreira profissional. Com o passar do tempo, o choque de
realidade entre o mundo universitário e as condições de vida dos agricultores e suas
famílias foi reforçando a necessidade de ter a compreensão de que a aprendizagem
do agricultor era algo mais complexo do que se imaginavam.
Fazendo um paralelo dessa competência com o que Masetto (2003) propõe
para o caso dos professores de educação superior, aqui também o objetivo máximo
é a aprendizagem dos agricultores. Daí a importância de o engenheiro agrônomo ter
clareza sobre o significado de aprender, o que se deve aprender e como aprender
de modo significativo.
Essa percepção fez com que buscassem apoio técnico junto às pedagogas
da EMATER - PR, bem como buscassem fazer cursos de aperfeiçoamento em
119
educação de jovens e adultos e de metodologias, o que possibilitou uma maior
aproximação com conceitos teóricos sobre o processo de ensino e aprendizagem.
A competência relacionada aos processos que geram boa relação com o
agricultor foi também uma das que apresentou domínio satisfatório em 100% dos
casos. E, no caso dessa competência foi interessante observar relatos sobre o
envolvimento de aspectos emocionais em sua construção.
Nesse caso, pôde-se organizar os argumentos dos engenheiros agrônomos
em pelo menos duas vertentes: no fato de gostarem do que fazem e pelo foco de
suas atuações estar na família do agricultor.
Os profissionais justificaram a boa relação com os agricultores,
argumentando que possuem satisfação pelo trabalho de extensão que realizam,
especialmente por atuarem com agricultores familiares e pela região onde se
encontram.
Uma evidência disso é o uso de argumentos que ressaltam que a motivação
para trabalhar com esse público é o que tem possibilitado maior aproximação e uma
relação dialógica alicerçada no respeito e na confiança mútuas.
Nesse sentido, uma das principais preocupações dos profissionais tem sido
com o tipo de comunicação que estabelecem com os agricultores, sendo essa
baseada sempre na sinceridade, na boa vontade e na paciência para atender, na
troca de conhecimentos e, principalmente, na compreensão de que o agricultor rural
valoriza muito o lado humano nas relações com os profissionais.
A outra vertente está no fato do profissional colocar o foco de seu trabalho
na família e não mais apenas no agricultor, como era a tradição nos serviços de
extensão rural.
Segundo relatos dos profissionais, essa mudança de foco tem feito a
diferença na qualidade da relação entre eles e a agricultura familiar da região.
Primeiramente, os laços de amizade e de confiança se ampliam, pois o profissional
passa a ser demandado até para dirimir dúvidas e dar opiniões sobre temas
relacionados ao cotidiano dos diferentes integrantes da família e que estão além dos
aspectos da produção.
Para isso, o respeito e a atenção são atitudes a serem cada vez mais
cultivadas, pois envolve uma maior aproximação com a mulher e os filhos do
120
agricultor e, nesse caso, é necessário desenvolver o que alguns chamam de
relações personalizadas.
Ou seja, se em dado momento o que se tem a fazer é motivar o filho pelo
orgulho de ser agricultor, devido ao problema de sucessão familiar, em outro, há que
se ter a sensibilidade de não excluir a mulher ou a filha do agricultor de uma simples
reunião.
Em que pese o fato de Masetto (2003) defender que hoje nos encontramos
numa situação em que devemos ser eficientes e eficazes no processo de
aprendizagem, pois queremos que nossos objetivos sejam atingidos da forma mais
completa e adequada possível, e para isso não podemos abrir mão da ajuda de uma
tecnologia pertinente, a competência relacionada ao domínio de tecnologias
educacionais foi a que obteve o maior número de manifestações de domínio
insatisfatórios.
É curioso perceber que, conquanto o nível de satisfação seja esse, os
profissionais argumentaram que tal fato não se constitui um problema em si, pois,
didaticamente, o que costumam realizar é por meio de improvisos e adaptações às
metodologias aprendidas em cursos anteriores.
Alguns engenheiros agrônomos sugerem que a longa trajetória profissional,
que possuem com os agricultores familiares, possibilitou um conhecimento da
personalidade e do estilo de cada agricultor, o que na visão deles facilita a adoção
de determinados métodos de ensino aprendizagem que muitas vezes não são
encontrados na literatura.
Novamente, o pré-serviço oferecido pela EMATER - PR, a participação em
cursos de aperfeiçoamento, especialização e mestrado, e o apoio dado por
pedagogas da EMATER - PR foram citados como responsáveis pela aproximação
com os fundamentos da educação, porém, as técnicas utilizadas em campo são
aquelas adaptadas a cada contexto de atuação.
Nesse caso, podemos perceber uma aproximação com o que sugere
Pimenta (2000), ao defender que os saberes pedagógicos se produzem na ação.
“Os saberes sobre educação e sobre pedagogia não geram os saberes
pedagógicos. Estes só se constituem a partir da prática, que os confronta e os re-
elabora” (PIMENTA, 2000, p. 26).
121
A principal crítica ouvida dos profissionais em relação a essa competência é
que, diferentemente das metodologias ensinadas no pré-serviço de anos anteriores,
as atuais deixaram de ter um foco educativo e passaram a ter um caráter midiático,
prejudicando com isso o que os engenheiros agrônomos consideram como um fator
essencial à aprendizagem, em outras palavras, a aproximação e o diálogo com o
público.
Em relação à dimensão política de sua atuação, os profissionais, mais uma
vez, se dividiram entre os níveis de domínio satisfatório, pouco satisfatório e
insatisfatório.
Um dos destaques, nesse caso, é quanto à compreensão do termo “político”
nessa competência. A maioria dos entrevistados fazia questão de deixar claro que
não estava se referindo ao aspecto “político-partidário”, mas sim ao sentido lato da
palavra, embora uma parte dos engenheiros agrônomo tenha afirmado que possui
envolvimento partidário nos municípios em que atuam, inclusive como candidatos a
vereador, no momento da entrevista.
Outro aspecto relevante dentre os argumentos relacionados a essa
competência, foi a forma como essa dimensão se insere em seu cotidiano. A mais
recorrente delas foi em relação ao espaço propiciado pela divulgação e implantação
das políticas públicas voltadas à agricultura familiar, no âmbito tanto do governo
estadual, quanto do governo federal.
Os profissionais argumentam que trabalhando essas políticas, abrem-se
espaços de discussão e de reflexão coletivas onde é possível trabalhar questões
que vão além das técnicas de produção.
Como afirma Masetto (2003), a reflexão crítica e sua adaptação ao novo de
forma criteriosa são fundamentais para o professor compreender como se pratica e
como se vive a cidadania nos tempos atuais, buscando formas de inserir esses
aspectos em suas aulas. Conciliar o técnico e o ético em sua vida profissional é
fundamental tanto para o professor quanto para o aluno.
Nesse sentido, trabalhasse, tanto quanto possível, temas como formação
para a cidadania e desenvolvimento pessoal, a pró-atividade e a organização para
cobrar direitos sociais, focando-se os jovens e as mulheres, pois, com isso, tem sido
possível uma troca de visões de mundo e o desenvolvimento de uma postura crítica
diante da sociedade.
122
Concluindo, pode-se observar que o domínio exclusivamente satisfatório só
foi apontado para as competências relacionadas aos conhecimentos técnicos para a
atuação profissional e ao estabelecimento de bom relacionamento com os
agricultores familiares. Nesses casos, ressaltam os fundamentos agronômicos
apreendidos na universidade e a formação continuada, bem como, o fato de fazerem
o que gostam, de interagirem com a família do agricultor e, por isso, sentem-se
motivados.
O domínio que possuem dos conhecimentos sobre o processo de ensino-
aprendizagem não é tão satisfatório, tendo sido desenvolvido ao longo da trajetória
profissional, por força dos desafios de realizar um trabalho de aprendizagem com os
agricultores familiares. Já, o domínio da dimensão política de sua atuação
apresentou-se de forma diversificada, destacando-se o fato de que ao trabalhar com
as políticas públicas focadas na agricultura familiar, acabam por criar espaços de
reflexão coletiva sobre cidadania e qualidade de vida.
4.2.2.3 Posicionamentos dos engenheiros agrônomos sobre a formação de saberes
em contexto de atuação
Como vimos na parte teórica da tese, Tardif e Raymond (2000) concebem
que a noção de “saber” engloba os conhecimentos, as competências, as habilidades
(ou aptidões) e as atitudes, isto é, aquilo que muitas vezes foi chamado de saber,
saber-fazer e saber-ser.
Quando questionados sobre a possibilidade de estarem desenvolvendo
esses saberes na prática, os engenheiros agrônomos foram unânimes em responder
que sim. Essa resposta, porém, veio acompanhada de manifestações de diversas
naturezas.
A sistematização das respostas a esse questionamento possibilitou,
portanto, a criação de algumas categorias de análise sobre os tipos de saberes e as
condições nas quais esses saberes puderam ser formados.
Uma das categorias é denominada “Novos conhecimentos”, pois, alguns
profissionais argumentaram que os saberes desenvolvidos por eles se traduzem nos
123
conhecimentos gerados pela troca de idéias entre eles, os agricultores e os demais
colegas de profissão.
Isso lembra o que Freire (1992) defendia sobre a participação no sistema de
relações entre campones, natureza e cultura não por ser reduzida a um estar diante,
ou a um estar sobre, ou a um estar para os camponeses, pois que deve ser um estar
com eles, mas como sujeitos da mudança também (FREIRE, 1992).
Nesse caso, os profissionais avaliam que não se trata de abandonar os
conhecimentos aprendidos na universidade, nos cursos em que participam e na
literatura que consultam, mas de se dispor a discuti-los com os agricultores. É
durante essa discussão que os conhecimentos de ambos se combinam, resultando
em um terceiro conhecimento, caracterizado por sua originalidade e maior
adaptação às condições reais dos agricultores.
Tal posicionamento corrobora com o que pensa Carniglia et al. (2000),
segundo os quais, el profesional de las ciências agrarias ingresa al espacio laboral
com um cúmulo de datos, información y conocimientos adquiridos durante sus años
de estudios formales. Normalmente este “acervo del saber” com el transcurso de los
años de ejercicio de la profesión se vê enriquecido por la experiencia acumulada de
aplicar, confrontar y evaluar los marcos teórico-prácticos adquiridos y de la
retroalimentación del entorno que aporta conocimientos, actitudes u destrezas.
Os profissionais ressaltaram que esse não é um processo fácil e que
necessitaram de experiência prática para dar conta de perceber o quanto os
agricultores também são capazes de ensinar.
Pois, como afirmam Moreira e Mussoi (2002), a dimensão educativa da
extensão rural no Brasil se caracterizou pela relação vertical entre o conhecimento
“legítimo” do extensionista e o conhecimento “ultrapassado” do agricultor, afastando-
se qualquer possibilidade de troca entre os saberes, uma vez que a compreensão
reinante era que somente “vencendo a resistência” do agricultor em adotar novas
técnicas se poderia desenvolver a agricultura e a família rural
Nesse sentido, a ênfase dada pelos engenheiros agrônomos está na
necessidade de exercitarem uma postura de espírito aberto, para aprender, e de
humildade nas relações com os agricultores, pois esse é um conhecimento
construído coletivamente, daí a afirmação de alguns acerca de que o maior ganho é
mesmo na parte humana.
124
Em outra categoria de análise, denominada “Novas habilidades”, foram
agrupamos aspectos como comunicação, relacionamento e didática, lembrados
pelos engenheiros agrônomos como saberes adquiridos em sua experiência com a
agricultura familiar da região.
No caso da comunicação e do relacionamento, os profissionais foram
enfáticos em dizer que a experiência de atuar com agricultores familiares foi
responsável por aprenderem a estabelecer bons relacionamentos, principalmente,
em razão de que, nesse caso, não é viável fazer um trabalho individualizado, mas
coletivo.
Ou seja, o perfil desses agricultores e os desafios advindos da condição em
que vivem acabam provocando, no profissional, a necessidade de aprender a se
relacionar, a administrar conflitos, a fortalecer laços de amizade e de
companheirismo. Nesse caso, ainda, há o envolvimento da família como um todo, o
que também exigiu um aprendizado especial sobre a melhor maneira de se
relacionar com os jovens, com os idosos e com a mulher no campo.
Esses argumentos confirmam o que vimos em Freire (1992), segundo o qual
conhecer é tarefa de sujeitos, não de objetos. E, é como sujeito e somente enquanto
sujeito que o homem pode realmente conhecer.
Associado a essa habilidade de saber se relacionar está uma aprendizagem
relacionada à capacidade de se comunicar com o público.
Foi recorrente entre os profissionais a idéia de que houve um
aperfeiçoamento natural na forma de se comunicar, seja pelo fato de que a
comunicação deve ser feita com o agricultor, mas também com os demais
integrantes da família, seja também porque entre os agricultores há diversidade de
perfil, quanto a escolaridade, personalidade e acesso às informações.
Como salientava Silveira (1994), é necessário inverter o processo de
“extender” tecnologias e modelos gerenciais considerados racionais por técnicos e
pesquisadores, devendo a adoção destes ser definida pela compreensão das
práticas dos agricultores, seu habitus e a situação em que se encontram.
Tais idéias parecem confirmar, portanto, a proposição de Alemany (2002):
[...] estamos transitando, experimentando y viviendo un cambio de época.
Están ocurriendo transformaciones veloces, cualitativas y simultâneas em
lãs relaciones de producción, lãs relaciones de poder, la experiência
humana y la cultura. Esto genera turbulências, incertidumbre,
desorientación, discontinuidad, inseguridad, perplejidad, y por lo tanto
vulnerabilidad generalizada. El cambio del modo de pensar influencia el
125
cambio em el modo de actuar, e impone nuevos desafios a la práctica
extensionista. Requiere constituir equipos transdisciplinarios para
comprender y actuar en realidades complejas, e incluir la participación
amplia de la diversidad de actores e organizaciones de su contexto
relevante (ALEMANY, 2002)
.
Vale a pena ressaltar que no caso dessa habilidade, o termo mais citado
pelos profissionais foi o diálogo. Em outras palavras, se ao sair da universidade a
postura do profissional era de unilateralidade na comunicação, após anos de
experiência com os agricultores e suas famílias, sua capacidade de se comunicar
hoje é pautada pelo diálogo, cujas características têm sido o respeito, a franqueza, a
atenção, a simplicidade e a seriedade.
A didática também foi uma habilidade desenvolvida pela atuação junto aos
agricultores familiares. E, de maneira coerente com o que disseram sobre a
competência relacionada ao domínio de tecnologias educacionais, os profissionais
afirmaram que a principal característica dessa habilidade é a adoção de
metodologias diversificadas, sua adaptação às condições reais e o diálogo.
Dentre as metodologias usadas, uma das que mais foram lembradas durante
as entrevistas foi ter aprendido a trabalhar em equipe. Dessa forma, afirmam os
profissionais, cria-se um espaço de aprendizagem mútua, no qual o aprendizado
passa a ser algo coletivo e alicerçado numa relação dialógica e no compromisso de
educador e educandos que constroem seus conhecimentos em conjunto.
A realização de pesquisas foi outro aspecto associado ao desenvolvimento
da didática como habilidade adquirida com a experiência.
Nesse sentido, foi ressaltado que os processos de ensino aprendizagem
postos em prática com esse público consideram a pesquisa como uma ferramenta
fundamental, tanto na forma de buscas em fontes diversas, quanto na forma de
experimentações dentro das condições reais dos agricultores, nas quais eles
também são estimulados a planejar experimentos, analisar resultados e a produzir
novos conhecimentos.
Há, ainda, alguns profissionais que fizeram questão de ressaltar a
importância de terem desenvolvido a capacidade de abordar o estabelecimento
familiar como um sistema de produção.
Consideramos pertinente agrupar esse aspecto à habilidade didática dos
profissionais, pelo fato de que suas afirmações a respeito disso foram unânimes no
sentido de que a abordagem sistêmica é um elemento facilitador do diálogo e da
126
aprendizagem dos agricultores familiares, pois possibilita uma aproximação com a
forma como o agricultor vê e analisa a sua propriedade.
Na pesquisa teórica, Machado, Hegedús e Silveira (2006) consideraram que
a adoção de uma visão de sistemas na agricultura foi um elemento que interferiu
positivamente na relação entre técnico e agricultor. Ao adotar uma visão holística, os
técnicos passaram a ver a necessidade de considerar a percepção dos agricultores,
o que não ocorria anteriormente, quando simplesmente levavam fórmulas prontas
aos agricultores (concepção reducionista).
A terceira categoria de análise relacionada aos saberes formados pelos
profissionais em estudo, denomina-se “Novas atitudes”.
A sistematização dessas novas atitudes manifestadas pelos profissionais
possibilitou a construção do QUADRO 6, a seguir.
EM RELAÇÃO AOS AGRICULTORES RURAIS: EM RELAÇÃO AO SEU PERFIL PESSOAL:
Paciência, tolerância e compreensão com o
agricultor.
Humildade, honestidade e solidariedade.
Respeito às diferenças e humildade para ouvir e
aprender.
Dar valor ao trabalho e organização pessoal.
Comprometimento, sinceridade e respeito com
o agricultor.
Espírito aberto e motivação para aprender.
Relação horizontalizada com respeito à opinião
do agricultor.
Pró-atividade em face dos problemas.
Não levar soluções prontas e universais.
Criatividade na construção de soluções para
os problemas.
QUADRO 6 - Tipos de atitudes desenvolvidas pelos profissionais
FONTE: O autor (2008)
Seja pelo perfil pessoal dos agricultores, seja pelas condições em que vivem
com suas famílias, as manifestações obtidas enfatizaram o quanto foi necessário
que os profissionais desenvolvessem uma postura de paciência, de tolerância e de
compreensão com os agricultores.
Os profissionais lembraram também do quanto o ambiente em que atuam
exigiu deles a necessidade de aprender a conviver com as diferenças e respeitá-las
e ter humildade para ouvir e aprender com os agricultores.
127
No mesmo sentido, outras atitudes, recorrentemente citadas, foram o
comprometimento, a sinceridade e o respeito a ser cultivado na relação com os
agricultores.
Desenvolver uma relação horizontalizada com os agricultores, baseada no
diálogo e no respeito às suas opiniões, bem como não insistir em levar soluções
prontas e de caráter universal, tem sido lembrado como atitudes que marcam a
diferença entre o perfil profissional de quando eram recém-formados e o de hoje.
Por isso Schön (2000) já afirmara que o ambiente da ação profissional é
caracterizado pelas zonas indeterminadas da prática - a incerteza, a singularidade e
os conflitos de valores, isto é, situações que escapam aos cânones da racionalidade
técnica - e que, em situações de conflito de valores, não há fins claros que sejam
consistentes em si e possam guiar a seleção técnica dos meios.
Em relação às atitudes associadas às mudanças no perfil pessoal e
profissional, foram lembradas pela maioria dos profissionais a humildade, a
honestidade e a solidariedade. Porém, o destaque ficou por conta de profissionais
que ressaltaram o quanto aprenderam a se espelhar no perfil dos agricultores,
sobretudo em atitudes como dar valor ao trabalho e a ser organizado na vida
pessoal.
Nesse sentido, diferentemente do que pensavam quando estavam no início
de sua carreira, hoje os profissionais admitem que o choque de realidade exigiu
deles terem espírito aberto e motivação para aprender, serem pró-ativos diante dos
problemas dos agricultores rurais e criativos na construção de soluções.
Aqui nos aproximamos do que Giddens (1994) defende ao sugerir que a
recontextualização do conhecimento está associada a uma transposição de formas
de conhecimento, predominantemente científicos, para contextos de uso em que a
construção do conhecimento contempla legitimamente os sentidos e as
subjetividades dos atores sociais, a partir do exercício de uma reflexividade baseada
na possibilidade de fazer usos diferenciados de regras e recursos.
Cabe ressaltar ainda que, embora em diferentes graus, as entrevistas
evidenciaram que o desenvolvimento dessas atitudes está relacionado com o
enfrentamento dos diferentes desafios profissionais, com os quais tiveram de lidar
durante sua trajetória de atuação com os agricultores familiares da região, pois todas
foram formadas nesse contexto de atuação profissional.
128
Daí que, ao serem perguntados a respeito das condições nas quais esses
saberes foram desenvolvidos, os profissionais enfatizaram os relacionamentos com
os agricultores, as interações com as famílias, sobretudo com as mulheres, num
ambiente de ampla diversidade de realidades.
Tais posições confirmam o que Charlot (2000) sugere dizendo que o
conhecimento depende da relação particular que os sujeitos desenvolvem com ele,
isto é, a idéia de saber implica a idéia de sujeito, de atividade do sujeito, da relação
do sujeito com ele mesmo e com os outros.
Por outro lado, quando o foco de suas respostas era a trajetória profissional,
a maioria dos profissionais fez questão de destacar as reflexões estimuladas pela
empresa, por meio de participações em eventos técnicos e de análise de cenários e
na administração de conflitos de diferentes naturezas.
Além disso, lembraram também da importância que tiveram os erros e
acertos na carreira, a pressão por soluções criativas exigidas pelas condições de
cada agricultor, mas, acima de tudo, por gostarem do que fazem, pois é isso que os
motiva a querer aprender e a interagir cada vez mais com os agricultores.
Da investigação sobre os saberes profissionais desenvolvidos em contexto
de atuação, pode-se concluir que em termos de novos conhecimentos, esses advém
das trocas de idéias com os agricultores e com os demais colegas. Não se trata de
abandonar os conhecimentos universitários, mas de (re)contextualizá-los à luz da
realidade dos agricultores familiares, o que tem exigido uma postura de espírito
aberto e de humildade por parte dos profissionais.
Em termos de novas habilidades, conclui-se que a ênfase está na melhoria
da capacidade de se comunicar; de se relacionar; no desenvolvimento de uma
didática apropriada e na visão sistêmica sobre a realidade do agricultor. Nesse
sentido, a interação com diferentes realidades dos agricultores familiares levou os
profissionais a aprender a administrar conflitos, fortalecer laços de amizade,
confiança e companheirismo, tanto quanto, levou-os a desenvolver um modelo de
comunicação dialógica e centrada em outros integrantes da família, como a mulher,
os jovens e os idosos.
O estreitamento das relações com as famílias foi também fundamental no
desenvolvimento de uma didática construída pela prática profissional, com
adaptações de técnicas reconhecidas às condições reais dos agricultores, adotando-
129
se metodologias diversificadas, mas, sobretudo, o diálogo, a concepção de sujeito
no tratamento com os agricultores e uma visão sistêmica em relação à organização
da produção e às interações do agricultor com o meio físico e a sociedade.
No caso das atitudes, a atuação no contexto da agricultura familiar tem
propiciado o desenvolvimento de mudanças comportamentais nos profisisonais,
tanto na relação com os agricultores e suas famílias, quanto sobre seu perfil pessoal.
Nesse sentido, destacam-se o desenvolvimento de atitudes típicas dos agricultores
familiares e que foram forjadas através dos tempos, pelo enfrentamento das
dificuldades impostas pela vida e perpetuadas por herança familiar, como a
paciência, a tolerância, a compreensão, o respeito pelas diferenças, a humildade
para ouvir e aprender, a sinceridade e o respeito.
Por fim, conclui-se também que as condições que levaram ao
desenvolvimento desses saberes resumem-se no fato de que a esses profissionais
cabe o papel de atuar em realidades complexas, assumir desafios e se submeter à
imprevisibilidade das situações dos agricultores e do meio em que atuam,
aprendendo permanentemente com os erros e acertos cometidos, com a postura de
um profissional inacabado no domínio de seus saberes e consciente de seu papel na
transformação social necessária no campo.
130
5 CONCLUSÕES
Em relação à influência dos modelos de pensamento científico na
organização da educação superior, pude concluir que essas encontram-se
representadas pelo fato dos currículos refletirem os princípios da ciência moderna,
como a fragmentação do conhecimento em disciplinas e em departamentos e a
adoção de uma lógica cartesiana ao se trabalhar o conhecimento de maneira linear.
Por outro lado, a emergência de novas formas de pensar e produzir ciência,
está em sintonia com uma concepção processual de currículo, sendo esse
reconhecido como um acúmulo de experiências, no qual sujeitos e objetos se
articulam numa permanente (re)construção de conhecimentos, habilidades e
atitudes.
Compreendi que as razões da persistência da agricultura familiar, frente às
transformações do meio agrário, estão relacionadas a aspectos culturais e
comportamentais do agricultor e ao apoio do Estado por meio de políticas públicas
focadas na realidade desses agricultores.
Pude concluir, ainda, que a sucessão familiar tem sido apontada como a
principal ameaça à agricultura familiar, mas que os agricultores têm adotado a
estratégia de comprometer os filhos com o futuro do estabelecimento e da família.
A análise dos posicionamentos dos engenheiros agrônomos sobre sua
formação acadêmica e trajetória profissional, possibilitou concluir que, em geral,
seus professores valorizavam os fundamentos agronômicos, porém, a prática
pedagógica era fragmentada e distanciada da realidade, privilegiando-se os
conhecimentos técnicos relacionados às grandes culturas comerciais.
Associado a isso, conclui-se que a transição para a vida profissional
apresentou dificuldades representadas pelo sentimento de insegurança e de
“choque de realidade”, sendo essas, conseqüências do ensino fragmentado e
descontextualizado.
Foram identificados diferentes saberes profissionais, gerados pela interação
dos engenheiros agrônomos com os agricultores familiares. Os novos
conhecimentos advêm da (re)contextualização dos conhecimentos universitários à
luz da realidade dos agricultores familiares, o que tem exigido uma postura de
espírito aberto e de humildade por parte dos profissionais.
131
Quanto às habilidades, conclui-se que a interação com diferentes realidades
dos agricultores familiares levou os profissionais a aprender a administrar conflitos,
fortalecer laços de amizade, confiança e companheirismo, tanto quanto, levou-os a
desenvolver um modelo de comunicação dialógica e centrada em outros integrantes
da família, como a mulher, os jovens e os idosos.
No caso das atitudes, a atuação no contexto da agricultura familiar tem
propiciado mudanças comportamentais nos profissionais, destacando-se o
desenvolvimento de atitudes tipicamente forjadas no enfrentamento das dificuldades
impostas pela vida e perpetuadas por herança familiar, como a paciência, a
tolerância, a compreensão, o respeito às diferenças, a fraternidade, a humildade
para ouvir e aprender, a sinceridade e o respeito.
Pude concluir também que as condições que levaram ao desenvolvimento
desses saberes estão associadas ao fato de que a esses profissionais cabe atuar
em realidades complexas, assumir desafios cotidianamente e se submeter à
imprevisibilidade das situações dos agricultores e do meio, aprendendo
permanentemente com os erros e acertos, de um profissional que se assume
inacabado em relação ao domínio de seus saberes e consciente de seu papel na
transformação social necessária no campo.
A problemática proposta no início dessa pesquisa apontava para a
possibilidade de existir um caráter pedagógico, inerente à atuação dos engenheiros
agrônomos que atuam junto a agricultores familiares.
Creio que esta tese pôde dar alguma contribuição à caracterização desse
processo educativo ao evidenciar que a agricultura familiar é de fato um espaço de
aprendizagem, por constituir-se de sujeitos sociais movidos por necessidade
econômicas e culturais, fazendo necessária uma atuação para além da técnica e
caracterizada por uma práxis pautada na reflexão sobre a ação profissional.
Os saberes formados pelos engenheiros agrônomos em contexto de atuação
com a agricultura familiar, identificados nessa pesquisa, ajudam a confirmar o
caráter limitado de uma concepção educativa que, fundamentada no pensamento da
racionalidade técnico-instrumental, propõe a hegemonia do conhecimento sobre as
habilidades e atitudes, valorizando a transmissão de informação e a submissão do
agricultor ao conhecimento científico.
132
A partir desse estudo, um encaminhamento possível é a proposição à
universidade de que a esta cabe repensar seu papel na formação dos profissionais
de Agronomia, abandonando, assim, a idéia de se considerar a única oportunidade
de aprendizagem, ao possibilitar a internalização de outras formas de apropriação
de saberes profissionais.
Como revelado por esta investigação, uma imersão nas diferentes condições
de vida dos agricultores familiares, possibilitaria aos alunos evitar o “choque de
realidade” lembrado pelos profissionais, bem como, o sentimento de insegurança
que manifestaram ao se formar, pois poderiam exercitar a dialética entre seus
saberes universitários e os dos agricultores, re-construindo seus conhecimentos e
aprimorando habilidades e atitudes, ao serem desafiados intelectualmente e
eticamente pelos problemas reais da agricultura familiar.
Penso que, assim, poderíamos ter um melhor aproveitamento do tempo
necessário à realização do curso de Agronomia, otimizando-o em relação ao
equilíbrio entre a oferta de conhecimentos técnicos e os saberes contextuais
imprescindíveis a uma atuação consciente e transformadora. Ou seja, ao engenheiro
agrônomo continuará pesando a responsabilidade de liderar processos de
aprendizagem no campo e, nesse sentido, ter a oportunidade de se comportar como
aprendiz pode significar um fortalecimento de seu papel de educador.
Creio que outro encaminhamento seja em relação à política de capacitação
dos engenheiros agrônomos extensionistas, pois, essa pesquisa demonstrou que os
colegas que atuam nessa área, ao terem a oportunidade de se posicionar sobre seu
aprimoramento profissional revelam um acúmulo de saberes que poderiam ser
registrados e melhor utilizados como subsídios aos profissionais recém-egressos
das universidades.
Finalmente, sinto ter cumprido com dedicação e felicidade a missão
profissional a que me propus. Mas, essa missão não se limita a uma questão
profissional apenas, pelo contrário, encontra-se impregnada de um forte sentimento
humano que remete à própria escolha da profissão de engenheiro agrônomo para
minha vida e com a qual venho dialogando e refletindo, com a intencionalidade de
deixar para meus alunos; colegas; agricultores familiares e universidade, um pouco
de meus sentimentos e do meu suor investidos na luta por ajudar a construir um país
mais próspero, fraterno e justo para todos.
133
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140
APÊNDICES
141
APÊNDICE 1 – FORMULÁRIO UTILIZADO DURANTE AS ENTREVISTAS COM
OS ENGENHEIROS AGRÔNOMOS.
1. PERFIL SOCIOECONÔMICO E CULTURAL:
1.1 NOME: ______________________________________________________________
1.2 SEXO:
FemininoMasculino
1.3 FAIXA ETÁRIA:
menos de 30 anos 30 ou menos de 40 anos 40 ou menos de 50 anos
50 anos ou mais
1.4 FORMAÇÃO EM AGRONOMIA:
Escola: ___________________________________________________Ano:__________
1.5 OUTRAS EXPERIÊNCIAS PROFISSIONAIS:
Sim. Qual (is)?_________________________________________________________
Não.
1.6 INGRESSO NA EMATER - PR:
ANO: ____________. LOCAL:
Mesmo do atual.
Outro: ______________________________________
Ano da transferência: __________________________
1.7 MUNICÍPIO EM QUE ATUA:
Jataizinho São Jerônimo da Serra Uraí Nova Santa Bárbara
Rancho Alegre Abatiá Andirá Bandeirantes Itambaracá
Santa Amélia Santo Antônio do Paraíso Nova Fátima Cambará
Ribeirão Claro Santo Antônio da Platina Jacarezinho Barra do Jacaré
1.8 FORMAÇÃO CONTINUADA PELA EMATER – PR:
Especialização - Área: __________________________________________________
Mestrado - Área: _______________________________________________________
Doutorado - Área: ______________________________________________________
Cursos de Aperfeiçoamento (últimos 3 anos):
Áreas: __________________________________________________________
__________________________________________________________
__________________________________________________________
142
1.9 CARGOS OCUPADOS NA EMATER – PR:
Técnico local Chefe local
Responsável por ações de governo Chefe regional
1.10 GRAU DE INTENSIDADE NAS AÇÕES PERTENCENTES À SUA ROTINA:
1 – Pouco Intenso 2 – Intenso 3 – Muito Intenso
TIPO DE AÇÃO GRAU DE INTENSIDADE
1. Assessoria para acesso ao PRONAF.
1
2
3
2. Assistência técnica em culturas e criações.
1
2
3
3. Divulgação de ações de governo (federal e/ou estadual).
1
2
3
4. Dias de campo.
1
2
3
5. Relatórios de safra.
1
2
3
6. Tarefas exclusivamente administrativas.
1
2
3
7. Experimentação em propriedades rurais.
1
2
3
8. Planejamento agropecuário.
1
2
3
9. Organização de associações de agricultores.
1
2
3
10. Produção de materiais didáticos.
1
2
3
11. Assessoria à formação de canais de comercialização.
1
2
3
12. Assessoria à Prefeitura em desenvolvimento rural.
1
2
3
13.
1
2
3
14.
1
2
3
15.
1
2
3
1.11 INSERÇÃO NA REALIDADE LOCAL COMO CIDADÃO:
Empresarial Cultural Religiosa Sindical Educacional
Político - partidária Terceiro setor Esportiva Movimento social
Outra: ________________________________________ Nenhuma
143
2. FORMAÇÃO PROFISSIONAL E SABERES ADVINDOS DA PRÁTICA:
2.1 Assinale o nível de satisfação atual com suas competências para exercer um
trabalho de aprendizagem com os agricultores?
1 – Insatisfatório 2 – Pouco satisfatório 3 – Satisfatório
COMPETÊNCIAS PROFISSIONAIS NÍVEL DE SATISFAÇÃO
1. Domínio sobre conhecimentos necessários à sua atuação.
1
2
3
2. Domínio sobre conhecimentos do processo ensino-aprendizagem.
1
2
3
3. Domínio sobre processos que geram boa relação com o agricultor.
1
2
3
4. Domínio sobre tecnologias educacionais (dinâmicas de grupo, etc...).
1
2
3
5. Domínio sobre a dimensão política de sua atuação.
1
2
3
144
2.2 Em sua opinião, o que explica o fato da agricultura familiar persistir às
transformações socioeconômicas e tecnológicas ocorridas no campo?
2.3 Diante disso, quais são as principais expectativas e demandas dos agricultores
familiares em relação à sua atuação profissional?
2.4 Que análise crítica você faria hoje da formação profissional que recebeu no Curso
de Agronomia? O que você sugeriria aos dirigentes ou a seus professores?
145
2.5 Em sua transição para a vida profissional, você sentiu dificuldades em traduzir os
conhecimentos universitários em soluções práticas? Se sentiu, como foram
superadas?
2.6 Sua experiência em atuar com os agricultores familiares, tem possibilitado a
construção de novos saberes profissionais (conhecimentos, habilidades e atitudes)?
Que tipo?
2.7 Nesse caso, sob quais condições você percebe que isso tem acontecido?
146
APÊNDICE 2 – TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO.
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
(Resolução CNS Nº 196 de 10 de Outubro de 1996)
Pelo presente instrumento, que atende às exigências legais, o (a) senhor
(a)_________________________________________________ sujeito de pesquisa, ciente
dos procedimentos aos quais está submetido, não restando quaisquer dúvidas a respeito do
explicado, firma seu CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO de concordância em
participar da pesquisa proposta. Fica claro que o sujeito da pesquisa pode, a qualquer
momento retirar seu CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO e deixar de participar do
estudo alvo da pesquisa e fica ciente que todo trabalho realizado torna-se informação
confidencial, guardada por força do sigilo profissional.
______________________________,______de_________________ de 2008.
(Local) (Data)
_____________________________________________________
(Assinatura)
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