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ANA PAULA PETRONI
AUTONOMIA DE PROFESSORES: UM ESTUDO DA
PERSPECTIVA DA PSICOLOGIA
PUC-CAMPINAS
2008
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1
ANA PAULA PETRONI
AUTONOMIA DE PROFESSORES: UM ESTUDO DA
PERSPECTIVA DA PSICOLOGIA
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Graduação Stricto Sensu em
Psicologia do Centro de Ciências da Vida
PUC-Campinas, como requisito para
obtenção do título de Mestre em Psicologia
como Profissão e Ciência.
Orientador: Prof(a) Dr(a) Vera Lúcia
Trevisan de Souza
PUC-CAMPINAS
2008
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Ficha Catalográfica
Elaborada pelo Sistema de Bibliotecas e
Informação - SBI - PUC-Campinas
t155.7 Petroni, Ana Paula.
P497a Autonomia de professores: um estudo da perspectiva da psicologia /
Ana Paula Petroni. - Campinas: PUC-Campinas, 2008.
167p.
Orientadora: Vera Lúcia Trevisan de Souza.
Dissertação (mestrado) - Pontifícia Universidade Católica de Campinas,
Centro de Ciências da Vida, Pós-Graduação em Psicologia.
Inclui anexos e bibliografia.
1. Psicologia do desenvolvimento. 2. Prática de ensino. 3. Subjetividade.
4. Escola - Aspectos sociais. 5. Educação - Finalidades e objetivos.
I. Souza, Vera Lúcia Trevisan de. II. Pontifícia Universidade Católica de
Campinas. Centro de Ciências da Vida. Pós- Graduação em Psicologia.
III. Título.
22ed. CDD
-
t155.7
2
BANCA EXAMINADORA
_______________________________________
Presidente Profª Drª Vera Lúcia Trevisan de Souza
________________________________________
Profª Drª Vera Maria Nigro de Souza Placco
________________________________________
Profª Drª Tânia Maria José Aiello Vaisberg
PUC-Campinas
2008
3
Aos meus pais, por permitirem que me
constituísse como autora de minha
história, e possibilitaram a realização de
meus sonhos.
4
AGRADECIMENTOS
À Professora Doutora Vera Lúcia Trevisan de Souza, que me ensinou a caminhar pela difícil trilha
da pesquisa, a olhar para além do evidente, a sempre buscar novos rumos e saber escutar,
tornando-me mais capaz de trilhar meus próprios caminhos. Obrigada por tudo!
À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) pelo apoio financeiro.
Às Professoras Doutoras Vera Maria Nigro de Souza Placco e Tânia Maria José Aiello Vaisberg,
pelas idéias e sugestões, que contribuíram para o crescimento deste trabalho.
À Rosa Maria Montagner Oliveira Franco, pela contribuição na revisão deste texto.
Ao meu pai, pelo esforço desmedido, possibilitando que chegasse até aqui.
À minha mãe, pela ajuda, pela preocupação, pela torcida e pela força a mim dedicadas.
Ao meu irmão, pela disposição em me escutar e por ter acreditado em minha capacidade.
Ao Tiago, pelo apoio incondicional, pelas ausências respeitadas e pelo amor dedicado.
À minha família e aos meus verdadeiros amigos, pela torcida para que eu conseguisse atingir
meus objetivos.
À Maria Eufrásia de Faria Bremberger, pela divisão de tarefas, de dúvidas, de buscas e de
sucessos.
Aos colegas do Programa, que também partilharam das angústias, esperanças e conquistas.
À escola e seus atores, que abriram suas portas e permitiram que eu olhasse mais de perto suas
vivências, seus conflitos, suas realizações.
5
“Cada um de nós compõe a sua história,
E cada ser em si carrega o dom de ser capaz,
E ser feliz”. (Trecho da letra de “Ando Devagar”
– Zé Ramalho)
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RESUMO
PETRONI, Ana Paula. Autonomia de Professores: um estudo da perspectiva da
Psicologia. 2008. 167p. Dissertação (Mestrado em Psicologia como Profissão e Ciência)
Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Centro de Ciências da Vida, Programa
de Pós-Graduação em Psicologia, Campinas, 2008.
A presente pesquisa investiga a autonomia do professor como elemento fundamental
para o exercício de sua prática pedagógica. Seu locus é a escola, entendida como um
complexo espaço, permeado por relações marcadas pela diversidade apresentada por
seus atores e por suas práticas sociais. Seu objetivo é analisar, por meio das falas do
professor, o que ele entende por autonomia. O método utilizado insere-se na abordagem
qualitativa, e constitui-se da apresentação de trechos de falas retirados das entrevistas
realizadas com os professores e com a vice-diretora, e relatos de cenas vivenciadas nas
reuniões dos professores. Por meio de análise de conteúdo, estabelecemos categorias
como: organização e participação nas decisões; autoridade e responsabilidade;
emancipação e auto-regulação; que nos aproximavam da reflexão sobre a autonomia,
voltando nosso olhar para a prática pedagógica, para o sentimento dos professores, para
os elementos que compunham o contexto investigado. Como base teórica, utilizamos as
concepções da Psicologia Sócio-Histórica e de seu principal representante, Vigotski, e as
idéias da Educação Libertadora, apresentadas por Paulo Freire. Na conclusão,
discutimos que, alguns professores se constituem como auto-regulados, mas não
autônomos, mesmo que se esforcem para que sua prática seja autônoma. Tal reflexão
surge da constatação de que são muitos os empecilhos existentes para o
desenvolvimento dessa autonomia, como, por exemplo, a burocracia existente na rede
municipal, as condutas existentes dentro da própria escola, a falta de um trabalho em
grupo, do professor se implicar, responsabilizar-se, sentir-se como pertencente ao
contexto no qual está inserido. Ser autônomo não significa ser sozinho, agir com
individualidade, mas reconhecer-se como ser singular, consciente, crítico, autor de sua
história, que age com responsabilidade e segue suas leis. No entanto, também
encontramos práticas que se mostram como caminhos possíveis de serem seguidos para
que a autonomia emergisse como aspecto das práticas pedagógicas, como algumas
atitudes tomadas por parte da vice-diretora e dos professores, ao abrirem-se para as
mudanças, sentirem a necessidade de discutir, refletir sobre suas ações, de
preocuparem-se com a educação oferecida aos alunos. Por fim, apresentamos como a
Psicologia seria importante na escola, na medida em que ela pode contribuir para a
compreensão dessas interações, para o desenvolvimento do sujeito, nesse caso, para o
desenvolvimento da autonomia, fazendo a mediação dos significados e sentidos
atribuídos pelos atores escolares.
Palavras-chave: autonomia docente, Psicologia Sócio-Histórica, desenvolvimento
humano, subjetividade e Educação Libertadora.
7
ABSTRACT
PETRONI, Ana Paula. Autonomy of teaching: a study from the perspective of Psychology.
2008. 167p. Dissertation (Masters in Psychology as Profession and Science) Pontifícia
Universidade Católica de Campinas, Centro de Ciências da Vida, Programa de Pós-
Graduação em Psicologia, Campinas, 2008.
This research investigates about the teacher’s autonomy as a fundamental element for
the pedagogical practice exercise. Its locus is the school, understood as a complex place,
permeated through relationships marked by diversity by its actors and its social practices.
The objective is to analyse, by the speeches of teachers, what they understand for
autonomy. The method undertaken inserts in the qualitative analysis, and consists in the
presentation pieces from speeches taken in the interviews realized with the teachers and
the vice-principal, and reports of scenes experienced in the teacher’s meetings. Through
the content analysis, we established categories as: organization and participation in
decisions; authority and responsibility; emancipation and self-regulation; that approaching
us from the autonomy reflection, doing us look for the pedagogical practices, for the
teacher’s feeling, for the elements constituting the context investigated. As a theorical
base, we used the Socio-Historical Psychology and its main representative, Vigotski, and
the ideas of the Liberative Education, presented by Paulo Freire. In the conclusion, we
discussed that some teachers are considered as self-regulated, but not autonomous, even
if they are striving for their practice be autonomic. This reflection arises from the fact that
there are many aspects that are as impediments to their practice be autonomy like, for
example, the bureaucracy that exist in the municipal school, the conducts that exist inside
the proper school, such as the lack of a working group, to involve themselves in taking
responsibility, to feel themselves as belonging to the context in which it is inserted. Be
autonomic doesn’t means be alone, act with individuality, but recognize themselves as
being singular, conscious, critic, author of his story, which act with responsibility and
follow their laws. Although, we can also found practices that show how possible paths to
be followed to emerge as the autonomy aspect of teaching practices, like some attitudes
taken by the vice principal and teachers, to open itself to the changes, feel the need to
discuss, reflect on their actions, to be worried about the education offered to students. At
last, we presented how the Psychology could be important in the school, in the way that it
can contribute for the comprehension about these interactions, for the subject’s
development, in this case, for the autonomy development, doing the mediation of
meanings and senses attributed by the actors school.
Keywords: teacher autonomy, Socio-Historical Psychology, human development, self-
regulation and Liberative Education
8
SUMÁRIO
Justificativa.................................................................................................................. 9
Introdução....................................................................................................................
11
Capítulo 1 – Fundamentação Teórica......................................................................... 20
1.1 – A mudança de paradigma.................................................................
20
1.2 – A teoria Sócio-Histórica em foco.......................................................
21
1.3 – A contribuição de Paulo Freire e sua Educação Libertadora............
34
1.4 – Vigotski e Freire: concepções que podem ser aproximadas?...........
43
Capítulo 2 – Refletindo sobre a autonomia................................................................. 48
2.1 – Conceituando autonomia..................................................................
48
2.2 – A Autonomia docente e a autonomia escolar....................................
52
2.3 – Trabalho coletivo e autonomia..........................................................
54
2.4 – Como compreendemos a autonomia?..............................................
58
Capítulo 3 – Algumas considerações sobre o professor e a formação continuada... 60
3.1 – Um pouco de história e do quadro atual da formação continuada....
63
3.2 – As políticas de formação continuada................................................
65
3.3 – A formação continuada em Campinas..............................................
71
Capítulo 4 – Metodologia............................................................................................ 75
4.1 – Considerações sobre a pesquisa – aproximando idéias...................
75
4.2 – Conhecendo o campo e seus sujeitos..............................................
77
4.3 – Delineamento da pesquisa................................................................
84
Capítulo 5 – Os Lugares e Não-Lugares da autonomia na escola............................. 89
5.1 – Escola, organização e participação...................................................
89
5.2 – A autoridade e a responsabilidade na escola...................................
106
5.3 Liberdade, emancipação e auto-regulação: aspectos constituintes
da autonomia....................................................................................
118
Capítulo 6 – Considerações Finais............................................................................. 132
Referências................................................................................................................. 138
Anexos.........................................................................................................................
149
Anexo A – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido..........................
149
Anexo B – Roteiro de entrevista com os professores................................
150
Anexo C – Roteiro de entrevista com a vice-diretora.................................
152
Anexo D – Quadro das categorias.............................................................
154
9
Justificativa
A discussão sobre a situação da Educação em nosso país é algo muito
presente na sociedade atualmente. Questões como fracasso escolar, exclusão,
respeito, violência, indisciplina e condições de trabalho dos professores permeiam
a mídia em todas as suas formas rádio, televisão, revistas, jornais e nos
fazem pensar e questionar as relações existentes neste contexto e buscar
compreender suas implicações para os sujeitos que participam de diversos
espaços educacionais, sobretudo a escola. Esta situação tem criado muitas
demandas a várias áreas do conhecimento, e a Psicologia da
Educação/Educacional
1
vem tentando, algum tempo, produzir teorias e
iluminar práticas que respondam a algumas dessas questões.
O contato com os problemas da educação e com as produções da
Psicologia da Educação, durante a graduação despertou meu interesse pela área,
pois, ao discutir o papel da educação na constituição do sujeito, ficava
questionando que contribuições a escola pública, da forma como eu a conhecia
na época, poderia promover o desenvolvimento de seus alunos.
No último ano da graduação, como exigência para minha formação,
elaborei um trabalho de conclusão de curso que tinha como primeira intenção
estudar as políticas públicas e a Psicologia da Educação. Contudo, durante o
levantamento da bibliografia, aprofundei meus conhecimentos sobre a Educação
Libertadora de Paulo Freire e, imediatamente, identifiquei-me com suas idéias. O
objetivo do trabalho, então, modificou-se e passei a investigar como a Psicologia
poderia contribuir para a libertação das camadas oprimidas da sociedade.
A cada nova leitura, a vontade de conhecer mais e expandir o que
sabia aumentava, principalmente pelo fato de constatar o desconhecimento sobre
o tema por parte de colegas e educadores. Terminado o trabalho, percebi que
estava satisfeita com o que tinha conseguido e aprendido, mas aquilo não
1
Neste trabalho adotaremos a terminologia Psicologia da Educação quando nos referirmos á
Psicologia Escolar/Educacional, pois acreditamos que este termo abrange a complexidade da
relação entre a Psicologia e a Educação.
10
bastava, queria continuar estudando e aprofundando os conhecimentos sobre o
tema, pois acreditava que a Educação Libertadora de Paulo Freire era um
caminho para a mudança da educação pública do país.
Inicialmente, o projeto elaborado para o mestrado propunha-se a
investigar a relação entre a Educação Libertadora, a Psicologia e a função da
escola. Porém, após várias reflexões, fui retomando o caminho percorrido por
minhas leituras e me dei conta da importância da autonomia no trabalho do
professor, dele reconhecer ou não sua autonomia para, assim, poder formar o
aluno. Foi exatamente a percepção desse paradoxo presente na docência, de
querer que o aluno se desenvolva e se torne um sujeito crítico e autônomo e estar
ou não preparado para realizar este tipo de educação, que me encantou, que me
fez pensar no que havia vivido como estudante de escola pública, de ouvir
queixas de professores, etc. O caminho por mim encontrado, então, foi entrar na
escola pelas portas do trabalho desenvolvido pelos professores.
Naquele momento, acreditava que meu trabalho poderia oferecer
novas possibilidades de leitura dos conceitos de Vigotski e Paulo Freire, e gerar,
por meio do contato com professores, um espaço em que se tornassem possíveis
reflexões acerca do cotidiano e das práticas escolares, promovendo
desenvolvimento não dos atores inseridos naquele contexto, como também o
meu próprio, como profissional e pesquisadora.
11
Introdução
A autonomia é um aspecto sempre presente em produções sobre
educação, como pode ser verificado nas pesquisas com a palavra chave
“autonomia docente” ou “autoria docente”, constantes no banco de dissertações e
teses da CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior), das reuniões da ANPED (Associação Nacional de Pós-Graduação e
Pesquisa em Educação), do Scielo, em sites de algumas universidades, entre
tantos outros, e que se relacionam, de um modo geral, com a formação e prática
dos professores, na elaboração de currículos e projetos pedagógicos, que visam à
autonomia como necessária ao desenvolvimento de uma educação de qualidade.
Trabalhos como os de Basso (1998), Campos (2004), Lüdke e Boing (2004)
podem ser citados como exemplos dessa produção.
Basso (1998), de um modo geral, traz uma análise sobre o significado
e o sentido do trabalho docente à luz da teoria da Psicologia Sócio-Histórica,
fazendo importantes apontamentos, como o fato de o professor ter sim autonomia
para desenvolver seu trabalho, podendo elaborar, por exemplo, a metodologia de
suas práticas que melhor atendam à função de transmissão do conhecimento,
promovendo interações com os alunos e mediando o processo de aprendizagem.
No entanto, a autora ressalta a importância do professor compreender e atribuir
significado e sentido à sua prática, pois, caso contrário, corre o risco de cair em
um trabalho alienante, que se limita a cumprir o que está proposto e entendê-lo
como forma de subsistência, sem se dar conta de seu papel de mediador na
construção da cultura e no desenvolvimento do aluno.
Campos (2004) faz uma retomada do conceito de autonomia e de
como ele é importante para a formação de alunos e professores, visto que as
idéias progressistas podem impedir o desenvolvimento do sujeito, transformando
o ensino em meras práticas reprodutivas de valores dominantes.
Ao fazer uma retrospectiva histórica sobre o trabalho docente, Lüdke e
Boing (2004) comparam os profissionais do Brasil e da França, apontando a
desvalorização crescente que se estabeleceu em relação ao professor no Brasil.
12
Discutem a precarização do trabalho desenvolvido pelos professores, ainda que
seja depositada nele toda a esperança da melhoria da educação, visto não haver
investimentos necessários para que os professore sejam valorizados dentro e fora
da escola, principalmente em relação aos salários pagos, apesar desse não ser o
único problema. Ressaltam, também, a tecnologia utilizada na educação, em
especial na educação a distância, que acaba por limitar o papel desempenhado
pelo professor na mediação do conteúdo programado. A escola, por sua vez,
continuaria sendo vista e entendida como a organização capaz de transmitir o
conhecimento, a produção cultural desenvolvida pela sociedade, e o professor
seria o principal ator neste complexo espaço, o mediador, o transmissor, o crítico
e intérprete desta cultura. Para as autoras, pela parceria entre Estado, agências
formadoras e instituições e a prática da pesquisa, o professor poderia desenvolver
melhor suas ações e ter mais autonomia para lidar com os aspectos e com as
mudanças que envolvem seu trabalho.
Como pode ser visto, a autonomia docente vem recebendo destaque
nas produções científicas, mas antes de se tecer considerações mais
aprofundadas sobre o conceito de autonomia, da perspectiva que abordaremos
neste trabalho, assim como do referencial teórico que o sustenta, acreditamos ser
necessária uma retomada da história da relação entre Psicologia e Educação,
visto ser a área de conhecimento em que se insere este trabalho.
Durante muito tempo, para explicar as causas do fracasso escolar, a
Psicologia teve como foco o aluno, implicando uma rotulação e visão
reducionistas, principalmente quando estes alunos eram de famílias pobres, ditas
desestruturadas, com desnutrição, etc (MOYSÉS e COLLARES, 1997;
PATTO,1997, 2000).
Segundo alguns estudiosos, a escola estava acostumada a trabalhar
com alunos da classe dominante, e o soube lidar com a nova população, que
possuía uma cultura diferente. Acreditava-se que todos os alunos deveriam ser
capazes de aprender o conteúdo ensinado, e o objetivo era fazê-los se adaptar à
escola e não esta se adaptar às diferenças apresentadas pelos alunos (AQUINO,
2000; PATTO, 2000).
13
A Psicologia teve um importante papel na construção desse quadro,
em que se rotulavam os alunos como inaptos a participarem do processo
educacional, que ela fora chamada para dar conta do que os professores não
davam, isto é, o psicólogo deveria avaliar os alunos, contribuir para a formação de
classes homogêneas, atender, seguindo o modelo clínico, de forma
individualizada, aos “alunos-problema”, etc (ANDALÓ, 1984; COLL, 1996;
PATTO, 1997, 2000; BOCK, 2003).
Constatando os tropeços da Psicologia da Educação naquele
momento, hoje sabemos que o psicólogo escolar/educacional não pode voltar seu
olhar somente para o aluno que, segundo a escola, apresenta alguma dificuldade.
Ele deveria ser o mediador entre professor-aluno-família-escola e comunidade,
compreendendo essas relações e suas repercussões no cotidiano escolar e no
desenvolvimento e aprendizagem dos alunos, auxiliando o professor a
compreender a diversidade existente, oferecendo-lhe ferramentas que poderia
utilizar para realizar um melhor trabalho (AQUINO, 2000; MEIRA, 2003; SOUZA,
2006b).
Segundo Maluf (1995), nos últimos tempos tem-se procurado refazer
as bases nas quais a Psicologia Educacional se apóia, na tentativa de se formar
profissionais capazes de investigar, avaliar e trabalhar com a realidade da
população, ou seja, que envolva uma atuação mais crítica e consciente das
questões sociais apresentadas, atendendo aos novos rumos que a profissão vem
seguindo.
No entanto, ao se investigar mais profundamente o porquê do fracasso
estar tão presente no cotidiano escolar, passou-se a acreditar que a culpa de todo
o fracasso do sistema de ensino era do professor, pois ele não estaria preparado
para ensinar, não teria capacidade para lidar com os alunos, sua formação não
daria conta de lidar com todas as diferenças existentes na sala de aula, não
saberia respeitar as individualidades, não se preocuparia em conhecer o contexto
da população com a qual trabalhava, não estaria pronto para enfrentar uma
realidade totalmente diferente da sua (PATTO, 2000). Vê-se, então, que o foco
mudou do aluno para o professor e, mais uma vez observa-se a tentativa de
encontrar um culpado para o fracasso do processo educacional.
14
Souza (2002) considera que muito tempo acredita-se que o
professor é a grande esperança para a solução de todos os problemas existentes
na educação, ao mesmo tempo em que o responsabilizam por todos os erros
presentes, principalmente pelo fracasso. Esse modo de enxergar o professor é o
mesmo que se utilizava para analisar os alunos, ou seja, não a preocupação
em investigar em qual contexto o professor está inserido, como é sua rotina de
trabalho, em quais situações é obrigado a trabalhar, ou ainda o fato de se
submeterem a instâncias superiores e a seus mandos e desmandos, sem ao
menos, algumas vezes, conseguirem entender o que está sendo feito.
Ao pensar no trabalho desenvolvido pelo professor, em sua prática
pedagógica, e nas tantas propostas de educação em que se que a formação
oferecida ao aluno deve propiciar que ele se torne um sujeito autônomo,
perguntamos-nos se é possível ao professor levar adiante esta tarefa sem
vivenciar a autonomia no exercício de sua prática. Nascem, então, a questão que
constitui o problema a ser investigado nesta pesquisa: o que o professor
entende por autonomia?
vários trabalhos que nos ajudam a trilhar o caminho de reflexão a
que nos propomos, apresentando propostas, pressupostos e idéias que vêm
sendo trabalhadas há tempos, e que se ligam à autonomia.
Indo contra a pedagogia tradicional, considerada por muitos como
autoritária, e a pedagogia ativa que tinha a Escola Nova
2
como uma de suas
bases que postulava que o aluno deveria ser colocado no centro do processo
ensino-aprendizagem, compreendido como um sujeito capaz de assumir os
trabalhos a serem desenvolvidos, e o professor reduzido a simples orientador, as
pedagogias libertárias viam o aluno como integrante do processo educativo, como
um sujeito ativo, que precisaria ter a sua individualidade, as dificuldades e
interesses de cada um defendidos, mas tendo o trabalho do professor como um
importante aspecto deste processo. Ou seja, uma educação de libertação de toda
a comunidade escolar (MARTINS, 2002).
2
Para um maior aprofundamento sobre a Escola Nova ver Saviani (1999) e Bock (2003).
15
Essa autora aponta que, nos dias de hoje, a autonomia da escola
passou a ser entendida como a delegação de maior responsabilidade a essa
organização, que passou a cuidar de seus procedimentos financeiros e
administrativos.
Um outro autor que trabalha com esta questão da autonomia é Gadotti
(2004), que demonstra como a luta pela autonomia da escola não pode ser
entendida separada da luta pela autonomia da sociedade, pois deve-se levar em
consideração as diferenças existentes quanto ao trabalho a ser desenvolvido,
[...].Cada escola deveria poder escolher e construir seu próprio
projeto político-pedagógico. Escola não significa um prédio, um
único espaço ou local. Escola significa projeto em torno do qual
poderiam associar-se várias unidades escolares, superando o
temido problema da atomização do sistema de educação. Escola
e governo elaborariam em parceria as políticas educacionais
(GADOTTI, 2004, p.7-8).
O que esses dois autores trazem como contribuição para o campo da
autonomia é a identificação de elementos que prejudicam seu desenvolvimento,
como, por exemplo, a burocracia. Do mesmo modo, Souza (2005), ao observar
relações existentes entre o Estado (representado pela Secretaria de Educação e
Diretoria de Ensino mandante), a coordenadora e as professora (agentes), os
alunos (clientela) e as famílias (público), constata que a burocracia exerce
importante papel na manutenção do poder em mãos de quem exerce o mando
no caso, o Estado – como resultado de uma relação pautada pelo mando-
obediência, em que não há espaço para a expressão dos atores da escola.
Impera a descrença do mandante nos agentes, dos pais na escola, e o
sentimento de desresponsabilidade dos agentes com relação aos resultados
obtidos pelos alunos. Nessa situação, prevalecem, na escola, relações que
reproduzem o medo, a obediência, o desrespeito, e a falta de confiança (SOUZA,
2005), as quais permeiam o contexto interativo em que os sujeitos se constituem.
Ao final de sua análise, assim como Gadotti (2004), Souza (2005)
ressalta o quanto seria necessário dar crédito à educação, estabelecer uma
relação de confiança entre o Estado, a escola, os alunos e as famílias. No
entanto, ambos os autores entendem que este é um caminho longo e árduo a ser
16
percorrido, visto a escola ser um espaço complexo, que se constitui das várias
relações existentes dentro dela (professores, alunos, coordenação, Sistema de
Ensino, pais e comunidade) e que é entendida como uma instituição, produzida
pela sociedade, e que como tal deveria ter sua autonomia.
Diante do exposto, pensar em autonomia é caminhar na tênue linha
existente entre autonomia, heteronomia e autoridade. É pensar nos limites de
uma atuação que a todo o momento é alvo de críticas e de incompreensões, em
um profissional que se em meio a violências diversas, mandos e desmandos,
tendo de lidar com uma parcela da população que possui valores e costumes
diferentes dos seus, acreditando, muitas vezes, que está de mãos atadas, e
acaba não atuando de modo a promover a transformação de seus alunos e de si
próprio (AQUINO, 2000; ARENDT, 2000; SOUZA, 2002).
A autoridade na docência tem sido objeto de estudo e discussão de
vários pesquisadores (DAMKE, 1995; FREIRE, 1996, 1999, 2005; PATTO, 2000;
SANTOS, 2000; SOUZA, 2005). Na história da educação, observa-se que o
professor sempre foi visto, e acabava assim atuando, como o dono do
conhecimento, com a única função de transmiti-lo, sem se dar conta de que a
relação estabelecida entre ele professor e o aluno teria de ser de troca, em
que todos pudessem ensinar e aprender, levando-se em consideração a cultura e
o conhecimento de cada sujeito, o que não seria possível sob os auspícios do
autoritarismo.
A partir das leituras que vimos fazendo e das experiências vinculadas à
escola, levantamos a hipótese de que o professor não possui autonomia para
desenvolver seu trabalho e, se a possui, esta costuma ficar no âmbito do
discurso. Para sustentar nossas discussões, utilizaremos os referenciais teóricos
da Psicologia Sócio-Histórica e da Educação Libertadora.
Um dos principais representantes da Psicologia Sócio-Histórica é
Vigotski, pesquisador russo que vivenciou a revolução de 1917 (época em que
seu país encontrava-se devastado), que se propôs a desenvolver uma Psicologia
que atendesse à demanda social presente na época.
17
Três temas compõem o núcleo da teoria de Vigotski: a crença no
método genético ou evolutivo; a tese de que os processos
superiores de funcionamento mental têm origem no social; e a
idéia de que os processos mentais podem ser compreendidos
mediante o estudo dos instrumentos e dos signos, que atuam
como mediadores. Esses três temas estão intimamente
relacionados e seu estudo articulado é que possibilita a
compreensão de como o sujeito se constitui ao longo de seu
desenvolvimento (SOUZA, 2005, p.27).
Vigotski queria, com sua teoria, fazer uma síntese que pudesse dar
conta de explicar o desenvolvimento dos processos psicológicos, de forma
unificada e, para isso, buscou responder à seguinte pergunta: como o sujeito
constrói cultura e de que forma esta afeta o seu desenvolvimento? (PALANGANA,
1994; PINO, 2000).
Podemos entender, então, que a cultura, a história do sujeito, a
mediação exercida pelo outro, por meio da linguagem, na aquisição do
conhecimento produzido, o questões centrais na obra de Vigotski
(PALANGANA, 1994; PINO, 2000).
A Educação Libertadora também traz idéias que podem auxiliar na
compreensão da importância da autonomia no trabalho do professor. Para essa
abordagem, que tem em Paulo Freire (1996, 1999, 2005) seu maior
representante, o sujeito será capaz de se libertar quando se tornar consciente de
sua história, agindo em seu contexto, e não só reproduzindo o que lhe é passado.
Um dos meios para se dar início a essa nova forma de se pensar o sujeito é a
formação, a educação crítico-reflexiva, em que se comece a agir com autonomia,
acabando, assim, com a reprodução de uma cultura dominante que não atende à
realidade de determinada parcela da população.
Assim, neste trabalho, tomaremos o conceito de autonomia como um
processo resultante do desenvolvimento do sujeito, que se relaciona à sua
capacidade de resolver problemas por si mesmo, de tomar decisões sempre de
maneira consciente e pronto para assumir uma maior responsabilidade e arcar
com as conseqüências de seus atos (FREIRE, 1996, 1999, 2005).
Em síntese, para responder à questão da pesquisa, o que os
educadores entendem por autonomia, elegemos os seguintes objetivos:
18
Conhecer e caracterizar uma escola da rede pública municipal de ensino;
Analisar a concepção dos professores sobre a autonomia,
Analisar a relação entre a autonomia e as ações dos professores;
Articular os pressupostos da Psicologia Sócio-Histórica e da Educação
Libertadora no que concerne ao conceito de autonomia;
Tecer considerações sobre o papel do psicólogo na promoção da
autonomia do professor.
O texto que ora apresentamos tem a seguinte organização:
O primeiro capítulo trata da fundamentação teórica adotada nesse
trabalho, sendo apresentadas a Psicologia Sócio-Histórica e a Educação
Libertadora, com uma breve história de seus representantes (Vigotski e Paulo
Freire), os principais conceitos trabalhados pelos autores, a idéia de auto-
regulação e autonomia defendida por eles e, no final, faz-se uma aproximação
dessas teorias.
No segundo capítulo, fazemos uma apresentação do conceito de
autonomia, trilhando um caminho que passa por vários autores que o utilizaram
em seus trabalhos, apresentando, também, as definições sobre seu antônimo,
heteronomia, até chegarmos ao que nós entendemos por autonomia.
No capítulo três
trabalhamos com a questão da formação continuada,
montando um panorama que foi buscar seu início, passando pelas políticas
existentes e como ela se apresenta hoje, além de a contextualizarmos no
município de Campinas, no qual se encontra a escola que se abriu como campo.
O quarto capítulo apresenta a opção metodológica feita por nós, sendo
que demonstramos todo o processo e o movimento adotados para a realização
desta pesquisa.
O capítulo cinco constitui-se de nossa análise, em que apresentamos
os resultados da pesquisa, trabalhando com os dados obtidos, buscando em
nossas reflexões identificar a presença da autonomia na escola e na prática
19
docente, a influência que ela exerce nesse contexto e em seus atores, em
especial no professor, identificando, também, o que ele entende por autonomia.
Por fim, no capítulo seis, retomamos os aspectos discutidos durante
todo o trabalho, apresentando caminhos que poderiam ser seguidos para que se
promovesse o desenvolvimento da prática docente, possibilitando a constituição
de um sujeito autônomo, principalmente no que se refere ao professor, apontando
a Psicologia como uma ciência que em muito tem a contribuir com esse campo,
que poderia mediar as relações estabelecidas entre os atores escolares,
colocando-os para refletirem sobre si mesmos, percebendo-se, então, como
sujeitos pertencentes a um contexto e autores de suas histórias.
20
Capítulo 1 – Fundamentação Teórica
1.1 – A mudança de paradigma
O paradigma utilizado pelas ciências naturais, entre os séculos XIX e
XX, ditava o que era preciso para que uma disciplina fosse caracterizada e aceita
como ciência. O que se postulava era a visão cindida do sujeito, os dados
quantificáveis, a neutralidade do pesquisador. Esse modelo foi adotado pelas
ciências humanas, na tentativa de se elevar como ciência dentro do quadro das
disciplinas científicas. No entanto, essa forma de fazer ciência não responderia às
demandas apresentadas pelas ciências humanas e sociais, que estas lidam
com sujeitos que possuem uma história e que estão inseridos em um contexto
específico (SCHNITMAN, 1996; GATTI, 1999ab).
Souza (2005) traz uma boa discussão acerca deste fato que permeia a
prática da pesquisa nas ciências sociais, fazendo apontamentos sobre a não
neutralidade do pesquisador e em como as ciências humanas estão
descaracterizando seu objeto de pesquisa o homem quando não o considera
em sua complexidade, mas como um ser dividido em partes e aspectos diversos.
Essas reflexões sobre o paradigma adotado pelas ciências humanas e
sociais, transportado das ciências naturais, vêm cercando a produção de
conhecimento que acaba por não atender às demandas e nem se ligar com as
práticas sociais existentes na sociedade (SOUZA, 2005).
Sendo assim, o que se pode ver é que a Psicologia, em especial a área
de Psicologia da Educação, encontra-se em uma fase de transição, de mudança
de paradigma, que começa a se dar conta de que o sujeito a ser pesquisado é
complexo e partilha interações que produzem sua subjetividade, que, mesmo não
podendo ser quantificável, precisa ser levada em consideração. Percebeu-se que
não cabe mais olhar o sujeito fragmentado, deslocado de seu contexto histórico,
cultural e social, como o faz a pesquisa no campo das ciências naturais, mas sim
olhar para as subjetividades produzidas nas relações estabelecidas entre o sujeito
e o outro (SCHNITMAN, 1996; GATTI, 1999a; SOUZA, 2005).
21
Vale ressaltar que essa mudança de paradigma quebrou também a
noção da verdade absoluta, que esta se mantém com o caráter de certeza
enquanto responde às perguntas apresentadas em determinado espaço de
tempo. A partir do momento que o conhecimento não responde mais às
demandas apresentadas, ele passa a não mais ser considerado como verdade e
abre espaço para um novo conhecimento (SCHNITMAN, 1996; SOUZA, 2005).
Por acreditar que a Psicologia Sócio-Histórica e seu principal
representante, Vigotski, corroboram com esse paradigma emergente na pesquisa
em Psicologia, é que optamos por tomá-la como base para a fundamentação
deste trabalho.
1.2 – A Psicologia Sócio-Histórica em foco
A opção pela Psicologia cio-Histórica
3
se deu pelo fato dela oferecer
subsídios para olhar o contexto a ser pesquisado e seus sujeitos de maneira
complexa, em sua totalidade, focalizando as subjetividades produzidas nas
relações. Além do que, Vigotski postula o conceito de auto-regulação, uma das
principais funções psicológicas superiores que, a nosso ver, se aproxima do
conceito de autonomia, objeto de estudo desse trabalho.
Lev Semynovitch Vigotski nasceu em uma pequena cidade da Rússia
(Orsha), no ano de 1896 e morreu em 1934. Sempre teve destaque em sua
carreira de estudante e se dedicava aos estudos de Filosofia, Lingüística,
Psicologia, Ciências Sociais e Artes; formou-se em Direito, Filosofia e Medicina.
Foi a partir do convite de A. R. Luria, para participar do Instituto de Psicologia de
Moscou, que ele desenvolveu várias pesquisas e estabeleceu relações com
Leontiev, Sakharov, entre outros, e ainda teve contato com a educação especial;
o que fez aguçar seu interesse pela psicologia (PALANGANA, 1994).
3
O termo Sócio-Histórico (socioistórico) foi adotado a partir da década de 90 pela professora Silvia
Lane, para designar a teoria postulada por Vigotski. O termo social foi escolhido para que os não
conhecedores de sua teoria tivessem acesso à amplitude de seus postulados. Originalmente,
Vigotski nomeou sua teoria de histórico-cultural, mas aqui no Brasil traduziram como social para
lançar o olhar sobre todas as produções humanas, permitindo assim que não se restringisse
somente à arte e/ou aos aspectos históricos (SILVA e DAVIS, 2004).
22
Palangana (1994) e Cole e Scribner (1998) relatam que, ao fim do
século XIX, época em que Vigotski iniciava o desenvolvimento de sua teoria,
havia duas correntes que dominavam o campo da Psicologia, mas que não se
conciliavam; tratava-se do empirismo de John Locke, na América e do idealismo
de Kant e Descartes, na Europa. Além disso, havia também outras três teorias,
que, apesar de não serem de cunho psicológico, influenciavam a Psicologia: a
teoria da evolução das espécies, de Darwin; a descrição das relações entre
eventos físicos e o funcionamento da mente, de Fechner; e a teoria fisiológica do
funcionamento dos processos mentais de seres humanos normais, de Sechenov.
as correntes psicológicas mais difundidas envolviam a psicologia da
introspecção de Wundt, a reflexologia de Pavlov e a Gestalt dos alemães
Wertheimer, Köhler e Koffka.
Diante destes vários pontos de vista, muitos dos psicólogos soviéticos
não estavam contentes com as explicações sobre os fenômenos psicológicos,
pois os todos utilizados não levavam em consideração o sujeito em sua
completude, sem observar todos os aspectos que envolviam seu comportamento.
A intenção dos psicólogos soviéticos era formular uma psicologia que
conseguisse dar conta de atender aos problemas políticos e sociais apresentados
pelo país e pela população (a Rússia passara pela Revolução de 1917) e não
somente mais uma teoria a serviço dos ideais da Revolução. Áreas como a
Sociologia, a Antropologia e a Lingüística estavam se dedicando a esta
conduta, tentando não apenas explicar e identificar as variáveis quantitativas dos
comportamentos humanos, mas compreender o homem como complexo,
contextualizado, a natureza de seu desenvolvimento e o que o influenciava
(PALANGANA, 1994; COLE e SCRIBNER, 1998). Logo, em sua gênese, a
Psicologia Sócio-Histórica assume o caráter de Psicologia Geral.
Kornilov foi o pioneiro a tentar ampliar o olhar da Psicologia, aplicando
os princípios da dialética marxista aos comportamentos. No entanto, os resultados
não foram muito produtivos, pois ele somente transpôs os conceitos vigentes de
então e acabou por não trazer nenhuma nova contribuição, mas, com toda a
certeza, suas idéias influenciaram o trabalho de Vigotski (PALANGANA, 1994;
COLE e SCRIBNER, 1998).
23
Um outro teórico que influenciou o desenvolvimento do trabalho de
Vigotski foi Blonsky, que acreditava que as funções mentais complexas
poderiam ser explicadas pelo desenvolvimento e pelas influências do social,
postulando que o comportamento poderia ser compreendido a partir de sua
história e que as atividades dos sujeitos são imprescindíveis para o entendimento
do psicológico (PALANGANA, 1994; COLE e SCRIBNER, 1998).
No ano de 1924, durante o Segundo Encontro de Neuropsicologia,
Vigotski apresentou sua idéia teórico-metodológica, distanciando-se do que
existia e expondo que as escolas psicológicas existentes não davam conta de
explicar os processos psicológicos de forma única; pois não conseguiam superar
suas diferenças, identificando, assim, uma crise na Psicologia. Diante disto,
Vigotski se encarregou de fazer uma síntese das concepções existentes e
formular um novo modelo teórico, o que o tornou
(...) pioneiro na descrição dos mecanismos pelos quais a cultura
torna-se parte da natureza de cada pessoa, enfatizando as
origens sociais da linguagem e do pensamento. Sua proposta
completa-se quando ele, tomando a idéia de Kornilov, consegue
demonstrar como a epistemologia dialético-materialista deveria
orientar o estudo dos fenômenos psíquicos (PALANGANA, 1994,
p. 83).
Vigotski tomou como base, para formular sua teoria, o materialismo
dialético e histórico de Marx e Engels, marcando bem o lugar de onde fala,
quando pontua a importância do concreto, da história do sujeito, da produção dos
instrumentos e signos, que possibilitam a transformação da natureza e do
homem, pelo desenvolvimento das funções psicológicas superiores e a
compreensão do homem como um ser cultural e social; formulando, assim, o que
pode ser chamado de um novo paradigma (PALANGANA, 1994; PINO, 2000,
2001).
De acordo com Cole e Scribner (1998), foi com os princípios do
materialismo dialético que Vigotski conseguiu entender os problemas existentes
em sua época, principalmente ao explicar que todo fenômeno é um processo em
constante movimento e mudança, passando assim a investigar, como objeto da
psicologia, a origem do desenvolvimento, a transformação das funções
24
psicológicas elementares em superiores; ou seja, era preciso voltar o olhar para a
história do fenômeno.
Partindo do materialismo histórico, Vigotski desenvolveu a idéia da
mediação dos signos para a transformação social e cultural. Para isso, ele se
utilizou do conceito de instrumento e da transformação que ele proporciona ao ser
utilizado pelo homem, na natureza e em si próprio. Esses dois sistemas, os
instrumentos e os signos, têm suas origens na sociedade e seguem o caminho de
sua história, mudando “a forma social e o nível de seu desenvolvimento cultural”
(p. 9, COLE e SCRIBNER, 1998).
Apesar dessa aproximação existente entre a função do instrumento e a
do signo, que é a de transformação, acreditamos que cabe aqui fazer uma
diferenciação entre eles. Vigotski (1995; 1998) deixa claro que os instrumentos
são voltados para a transformação da natureza externa; leva a mudanças no
objeto. os signos estão voltados a atividades que agem no psicológico, na
transformação interna do sujeito, não tendo nenhuma influência sobre o objeto da
ação.
Sendo assim, entendemos porque, para Vigotski (1998), o central no
desenvolvimento humano é a influência da cultura e do social, ou seja, o contexto
histórico no qual o sujeito está inserido, e a mediação do outro na aquisição
internalização das formas culturais existentes. Por isso, é que podemos dizer
que ele concebia o cérebro humano como plástico, ou seja, que de acordo com o
ambiente sócio-histórico no qual o sujeito estivesse inserido, haveria diferentes
influências, interferindo em seu desenvolvimento cognitivo e em sua constituição,
pontuando a sua preocupação em estabelecer a unidade dialética existente entre
o aspecto biológico e o cultural do desenvolvimento da conduta (PALANGANA,
1994).
Palangana (1994) e Silva e Davis (2004) demonstram bem a
concepção assumida por Vigotski, ao definir sua compreensão de homem e de
mundo, quando explica que o homem é, em essência, um ser social, por ser
constituído de relações sociais estabelecidas com outros homens e com a
25
natureza, por ser o produto e o produtor dessas relações, em um processo
histórico.
Essa posição de Vigotski fica explícita quando verificamos a sua lei
geral de desenvolvimento, em que postula que tudo o que constitui o sujeito
esteve antes no social, ou seja, o que constitui o sujeito é resultado do que foi
significado nas e pelas relações sociais, por meio de mediações de instrumentos
e signos presentes na cultura; passando, então, a ser um modo que o sujeito
“adquire” para funcionar consigo mesmo e com os outros (PALANGANA, 1994;
SMOLKA e LAPLANE, 2005).
De acordo com Smolka e Laplane (2005) e Aguiar (2007a), o sujeito
nasce com o potencial para se tornar homem e seria por meio da relação com
outros homens que o bebê aprende a ser homem, pois ele se apropria dos modos
de ação já presentes na cultura, por meio das relações estabelecidas e das
situações concretas de vida existentes; formando, assim, a sua individualidade,
em um processo de diferenciação.
Uma consideração importante a ser feita refere-se ao que Vigotski
entendia por social e cultural, que esses dois conceitos são peças chaves de
sua teoria.
Para compreender melhor essa questão, recorremos a Pino (2000),
que faz considerações relevantes, quanto ao entendimento do social e do cultural
para Vigotski. O autor diz que o social seria um fenômeno ligado a raízes
biológicas, ou a uma sociabilidade natural, que outras formas de vida, sem ser
a humana, também possuem suas formas de sociedade; caracterizando, assim,
as formas de sociabilidade presentes no mundo real, material, o que o coloca em
uma posição anterior à cultura.
A cultura emergiria, assim, desta sociabilidade natural, que torna
possível a sociabilidade humana, como obras de sua atividade. Podemos
entender desta maneira: a cultura seria a forma como a sociedade se organiza
por meio das produções do homem (artes, técnicas, tradições, valores, normas,
linguagem, entre outras) que transformam aquilo que é natural, que foi dado pela
natureza em cultural, produzida pelo homem (PINO, 2000).
26
A cultura também se torna importante na teoria de Vigotski, na medida
em que ele propõe o desenvolvimento cultural em contra-partida às idéias
vigentes em sua época, de um desenvolvimento puramente biológico. Para ele, o
biológico estaria na base do desenvolvimento, poderia ser chamado de alicerce
do desenvolvimento, mas, a partir das interações sociais estabelecidas entre os
sujeitos, esse biológico se transformaria em aspectos culturais internalizados e
externalizados. Vale ressaltar que essa transformação do biológico e do cultural
não pressupõe que o primeiro desapareça, mas que ele é incorporado à história
humana, ficando subjugado à cultura (PALANGANA, 1994; SMOLKA e LAPLANE,
2005).
Como se daria, então, esse desenvolvimento cultural?
O desenvolvimento cultural, que ocorre por meio da mediação do outro,
é constituído por três momentos, assim denominados por Vigotski (PINO, 2000): o
desenvolvimento em si, que pode ser entendido como a realidade, o que está
dado, é a parte natural ou biológica da criança; o desenvolvimento para os outros,
em que o dado em si adquire significação para os outros, emergindo assim a
cultura e permitindo um distanciamento da realidade, que desdobra-se em
representação e permite que o sujeito tome conhecimento de sua consciência; e o
desenvolvimento para si, que é caracterizado pela constituição cultural do
indivíduo, ou seja, é quando as significações atribuídas pelos outros são
internalizadas pelo sujeito, de acordo com as significações que ele atribui a elas.
Pode-se ver, então, por meio destes três momentos (em si, para os
outros e para si) a importância da linguagem e do outro na constituição cultural do
indivíduo. Seria por meio destes dois aspectos (a linguagem e o outro) que o
sujeito tomaria conhecimento da cultura, das coisas em si, já que a palavra
proferida pelo outro permite que a criança tenha acesso às significações e as
signifiquem, em um processo dialético e permanente, passando das coisas
concretas, da inteligência prática, para os processos do pensamento. As funções
psicológicas elementares que acompanham a criança desde o seu nascimento
vão dando origem, assim, às funções psicológicas superiores, quando a criança
toma conhecimento do que já foi socialmente produzido, apropriando-se das
27
significações por meio da mediação semiótica, nas interações com outros
(OLIVEIRA, 2000b; PINO, 2001).
O que vimos até aqui deixa clara a posição crítica assumida por
Vigotski ao formular a sua teoria, ao se contrapor às idéias que dominavam as
ciências em sua época, em que o sujeito era visto e compreendido por suas
partes e não se voltava o olhar para o todo que compunha e era composto por
estas partes, nem tampouco para a dinamicidade que caracteriza o
desenvolvimento.
Há, ainda, a questão entre o biológico e o cultural, que foi explorada
por este autor, pontuando a importância de se considerar, no desenvolvimento do
sujeito, essas duas dimensões, lembrando que, ao nascer, o sujeito se insere em
uma cultura existente, que irá ditar, nas e pelas relações sociais que
proporcionam a internalização pela mediação de signos e instrumentos, seu modo
de agir; provocando, assim, a passagem, a transformação das funções
psicológicas elementares em funções psicológicas superiores. Contudo, importa
ressaltar que a ação da cultura não subjuga o sujeito, assumindo um caráter
determinista, visto que o sujeito de Vigotski é interativo, age sobre o social e a
cultura, impondo sua singularidade.
Podemos dizer, então, corroborando as idéias de Palangana (1994) e
Souza (2005), que esses aspectos justificam os três princípios postulados por
Vigotski: a crença no método genético ou evolutivo; a idéia de que é no social que
o funcionamento mental dos processos superiores se originam; e a hipótese de
que é a partir da mediação dos signos que se torna possível a compreensão dos
processos mentais.
Falamos até aqui, várias vezes, em funções psicológicas superiores. O
que seriam elas para Vigotski?
Vigotski (1995, 1998) diferencia as funções psicológicas elementares
das funções psicológicas superiores, ao descrever que as primeiras referem-se
aos processos de origem natural, biológicos, que acompanham o sujeito desde o
seu nascimento. as funções psicológicas superiores dizem respeito a
atividades psicológicas internalizadas, que deixam de ser naturais e passam a ter
28
características da cultura, mediadas por signos construídos socialmente. De
acordo com o autor, seria impossível compreender o desenvolvimento das
funções psicológicas superiores, sem investigar suas raízes biológicas e sua pré-
história.
As funções psicológicas superiores também se diferenciam das
elementares por serem auto-reguladas, sociais ou culturais, conscientes e
mediadas por signos. Essa diferenciação demonstra as propriedades dessas
funções superiores, ou seja, a sua origem no social e a sua organização, que é
auto-reguladora (DÍAZ, NEAL, AMAYA-WILLIAMS, 1996).
Oliveira (2000b) pontua que as funções psicológicas superiores vão
sendo estabelecidas por meio das interações entre o sujeito e o outro, na
aquisição de experiências histórico-sociais partilhadas.
Seria no encontro entre as funções psicológicas elementares e
superiores, que se originaria o desenvolvimento psicológico; sendo esta forma de
compreensão uma nova concepção sobre como se dá o desenvolvimento geral de
uma pessoa (VIGOTSKI, 1998).
Vigotski (1995) deixa explícita a importância que os processos mentais
superiores têm para o desenvolvimento: a diferenciação do homem do animal.
Para ele, o animal age somente por instinto, não é capaz de pensar suas atitudes,
ir além do concreto, ao contrário do homem que, com o desenvolvimento das
funções psicológicas superiores, torna-se capaz de dominar suas ações, planejar,
pensar abstratamente por meio de representações do real, internalizadas.
Sendo assim, concordamos com Silva e Davis (2004) e Aguiar (2007a),
quando pontuam que as funções psicológicas superiores o de origem social,
resultado das relações sociais externas internalizadas pelos sujeitos e que
passam a compor o si mesmo, como resultado da atividade, da produção, do
trabalho humano.
Desse modo, podemos entender as funções psicológicas superiores,
como sendo aquelas que permitem ao homem agir de acordo com as
determinações existentes na cultura em que está inserido, fazendo parte da
29
história, mas em um processo de internalização das significações pela via da
mediação do outro, transformando à natureza e a si mesmo.
Resta-nos a seguinte indagação, ou curiosidade: quais seriam essas
funções psicológicas tão importantes?
Silva e Davis (2004) trazem, como exemplo, a formação de conceitos,
a memória lógica, a abstração, a imaginação, a atenção voluntária e o domínio da
própria conduta ou auto-regulação, considerada por Vigotski (1995) a principal
função psicológica superior; que, para haver o domínio do homem sobre a
natureza, ele precisa se dominar.
Com isso, podemos dizer que o processo de internalização é peça
fundamental para o desenvolvimento do homem, ou seja, para a passagem de
suas bases puramente biológicas às funções psicológicas superiores, ao acesso à
cultura, ao social. No que consiste então esse processo?
De acordo com Vigotski (1998), o processo de internalização
corresponde à reconstrução interna que uma pessoa faz de uma atividade
externa. A internalização consiste em várias transformações de atividades
objetivas, que são externas ao sujeito, encontram-se no social, no âmbito
interpessoal, e passam a ser subjetivas, ocorrendo internamente, no âmbito
intrapessoal, por meio da mediação. Esse processo é um movimento que ocorre
ao longo do desenvolvimento do sujeito, de modo permanente, com alterações
nas leis que regem sua conduta.
Isso quer dizer que podemos entender o processo de internalização,
não como a simples transposição do que está no social (âmbito externo) para o
privado, particular (âmbito interno), mas, nas palavras de Silva e Davis (1994), “é
um processo que ocorre ao longo da história do indivíduo, numa sucessão de
eventos, permeada [internalização] sempre por aspectos cognitivos, motores e
afetivos” (p. 642).
O que é internalizado pelo homem, durante seu desenvolvimento, são
as representações que foram mediadas pelos signos, das atividades significadas
no plano intersubjetivo, que passam então a constituir a estrutura do sujeito no
30
desenvolvimento de suas funções psicológicas superiores; mostrando, assim, sua
origem no social e no cultural (AGUIAR, 2007a).
Ao internalizar, o sujeito torna-se capaz de agir sem necessitar dos
estímulos auxiliares, da mediação do outro, passando a se comportar por si
mesmo (DÍAZ, NEAL, AMAYA-WILLIAMS, 1996).
Faz-se importante, também, apresentar a discussão feita por Pino
(2000), e retomada por Aguiar (2007a), a respeito do uso do conceito de
conversão. Os autores dizem que Vigotski falava desse conceito para demonstrar
a mudança das relações sociais, mediadas em funções psicológicas superiores. A
internalização dessas relações sociais seria o processo de conversão, em que o
público se converteria em privado, o concreto em simbólico; fazendo com que o
elemento presente no social converta-se em um elemento para a constituição do
homem.
Para entendermos melhor esse processo de internalização, citaremos
agora o exemplo clássico, apresentado por Vigotski (1998), sobre o
desenvolvimento do gesto de apontar na criança. Ele diz que, no princípio, esse
gesto não passa da simples tentativa da criança de pegar um objeto, mas, diante
do insucesso da criança, uma outra pessoa significa sua ação como sendo a de
apontar. Com isso, a atividade da criança, deixa de se dirigir para o objeto físico,
concreto, e passa a se dirigir a um outro, que significa sua ação. Essa ação é
então significada como o ato de apontar e, a partir disso, a criança internaliza
essa significação e atribui um novo sentido à sua ação.
Após essas considerações sobre o processo de internalização, é
importante atentar para o papel da mediação semiótica e da linguagem, no
desenvolvimento das funções psicológicas superiores.
O processo de mediação semiótica pode ser compreendido como
aquele em que, fazendo uso de palavras ou signos, o sujeito se afasta do campo
real, material, concreto, e acede ao campo das representações do real,
significando as significações existentes em sua relação com o outro e consigo
mesmo (PINO, 2001). Acreditamos poder dizer que a mediação seria um
processo em que o outro das relações estabelecidas com o sujeito, seria um dos
31
meios pelo qual se tornaria possível acessar os conhecimentos, as normas,
socialmente construídos, para que depois construísse seus próprios
conhecimentos e suas próprias normas. A linguagem exerce papel fundamental
nesse processo, já que ela seria o elemento fundante dessa mediação.
A aquisição da linguagem tem importante destaque nas obras de
Vigotski (VIGOTSKI, 1998; OLIVEIRA, 2000b; PINO, 2000, 2001; HERNANDES,
2002ab; SOUZA, 2005). Para ele, seria por meio da apropriação da palavra, que
se torna possível ao sujeito interagir com o outro e com os objetos. Logo, a
palavra é a mediação entre o sujeito e seu mundo social e cultural. No entanto,
compreender a função dos signos como “possibilitar a abstração e a
generalização, descolando a imagem sensorial da singularidade dos objetos
determinada pela sua materialidade” (PINO, 2000, p. 42), no processo de
internalização do sujeito, não é tarefa fácil, mas, sem mergulhar nessa
compreensão, não é possível entender as concepções propostas por Vigotski.
Ao nascer, a criança já se encontra inserida em um mundo que é
repleto de significações, com conhecimento já produzido, permeado por uma
cultura e por uma sociedade, cada qual com seus costumes, normas e valores.
Os signos não são inventados pelos sujeitos, mas tomados por eles desde o seu
nascimento, por meio das relações presentes em seu contexto. É através da
linguagem que o outro possibilita o acesso dessa criança às significações das
coisas reais, passando, assim, ao campo das representações, dos signos,
constituindo-se, então, como um sujeito cultural (OLIVEIRA, 2000b; PINO, 2000,
2001).
A aquisição da linguagem permite também que o sujeito se comunique,
planeje suas ações, regule seus comportamentos, forme conceitos,
demonstrando, assim, um nível avançado no desenvolvimento das funções
psicológicas superiores, que se apropriou do mundo externo (PALANGANA,
1994; SILVA e DAVIS, 2004).
Mesmo seguindo caminhos distintos, pensamento e linguagem se
cruzam, várias vezes, ao longo do desenvolvimento, e são nesses pontos que
ocorrem mudanças no desenvolvimento psíquico (SILVA e DAVIS, 2004).
32
Deriva destas acepções a pergunta: como o sujeito torna-se capaz de
se auto-regular?
Da perspectiva de Vigotski (1995), e de trabalhos como os de Oliveira
(2000b), Pino (2000, 2001), Hernandes (2002ab) e Souza (2005), pode-se
compreender que, para o sujeito tornar-se capaz de dominar sua própria conduta,
é preciso passar pelo complexo desenvolvimento das funções psicológicas
elementares às superiores, caminho que é percorrido via mediação do outro, pelo
desenvolvimento da fala; que a linguagem é considerada como o principal meio
de aquisição e internalização dos signos existentes na cultura.
Segundo Vigotski (1995), o sujeito constitui-se como auto-regulado no
momento em que consegue internalizar as regras, as normas, os costumes
existentes no meio ao qual pertence. Esse processo se dá desde seu nascimento,
pois, como dito antes, ao nascer, a criança se encontra em uma cultura e,
através da mediação do outro exercida pela linguagem (fala, gestos, etc.), vai
controlando seu comportamento de acordo com o que lhe é significado.
Assim, à medida que o sujeito vai se constituindo, de acordo com o que
lhe é significado pelos outros, vai produzindo seus próprios significados e
assumindo o controle voluntário de seu comportamento. A linguagem não deixa
de existir, mas ela deixa de ser somente externa e exercida pelo outro, para se
tornar interna, exclusiva daquele sujeito, que agora se torna capaz de se regular e
tomar decisões, que internalizou as normas e regras do social (PINO, 2000;
HERNANDES, 2002b; SOUZA, 2005).
Essa maneira de compreender o domínio da própria conduta corrobora
com a lei geral do desenvolvimento cultural (PINO, 2000), proposta por Vigotski,
que as significações das normas e regras por ele internalizadas (plano
individual), esteve antes no plano social, nas relações com o outro.
O seguinte parágrafo de Souza (2005) resume a questão da auto-
regulação para Vigotski:
Nessa constituição, em que o ‘outro’ diz ao indivíduo quem ele é,
é que se constroem as representações de si, que constituem o
eu, a identidade, a partir da internalização das regras, não como
33
processo passivo, mas significado pelo indivíduo. Nesse
processo, o indivíduo supera as regras externas, configurando-
as, para transformá-las em internas, construindo sua autonomia
ou auto-regulação (p. 55).
Podemos entender, então, a auto-regulação como sendo a capacidade
adquirida pelo sujeito de se auto-regrar, ou seja, a partir do momento em que ele
internalizou as regras mediadas pelo outro e significou-as para si, atribuiu um
sentido próprio a elas, tornando-as internas, ele consegue formular suas próprias
regras que possam auto-regulá-lo.
A discussão trazida por Díaz, Neal, Amaya-Williams (1996) faz com
que compreendamos a origem social da auto-regulação e a sua maior importância
em relação às outras funções psicológicas superiores, assim como demonstrado
por Vigotski (1995). Os autores apontam que a capacidade de se auto-regular
demonstra o ápice do desenvolvimento cognitivo e social do sujeito, que, por
intermédio dessa capacidade, o sujeito torna-se capaz de guiar seu
comportamento por si mesmo e controlar as outras funções psicológicas
superiores, como, por exemplo, a atenção.
O processo de auto-regulação se desenvolve em quatro estágios:
primeiramente, o comportamento da criança é regulado pelo adulto, por meio de
estímulos concretos e imediatos, obedecendo às leis do estímulo-resposta. O
segundo estágio ocorre quando a criança adquire alguma capacidade de
mediação, que o seu comportamento ainda é afetado somente por estímulos
concretos e reais, que tenham ligação com o externo. O estágio seguinte se inicia
quando a criança começa, a partir de sua experiência, a regular suas ações com
a manipulação de sinais, mas ainda limitações, pois depende fortemente dos
estímulos externos. Por fim, o quarto estágio é aquele em que a criança
internaliza (interioriza) as relações sociais e passa a agir, sem a ajuda direta dos
estímulos externos, para chegar a uma resposta (DÍAZ, NEAL, AMAYA-
WILLIAMS, 1996).
Um outro aspecto que deve receber atenção, no desenvolvimento da
auto-regulação, é o processo social, que, por meio das interações
estabelecidas, a criança vai internalizando os signos auxiliares utilizados pelo
outro para controlar seu comportamento, e passa a utilizá-los também, para que
34
possa controlar a ação desse outro. Nesse processo, a palavra passa a ser o
signo mais utilizado para significar e mediar as relações entre a criança e o outro,
de maneira compartilhada, tentando dominar o ambiente no qual está inserida. O
discurso da criança passa a ter a função de mediar suas interações sociais e
guiar suas atividades (DÍAZ, NEAL, AMAYA-WILLIAMS, 1996).
A auto-regulação aconteceria, assim como apresentado por Díaz, Neal,
Amaya-Williams (1996), por meio da atividade simbólica e do uso da linguagem,
em que a criança acede ao nível de desenvolvimento que lhe permite se tornar
capaz de agir, planejar sua ação, dominar seu comportamento, independer-se da
regulação dos estímulos externos.
Como poderíamos, então, definir a auto-regulação?
A partir das considerações feitas acima, poderíamos dizer que a auto-
regulação é o resultado da mediação realizada nas e pelas interações sociais das
características culturais presentes no contexto em que o sujeito está inserido, e
que foram significadas e tornadas suas pela atribuição de sentidos pelo sujeito,
permitindo-lhe construir e dominar sua conduta.
Sendo assim, a aproximação que fazemos entre a autonomia, objeto
de estudo deste trabalho, e a auto-regulação é que ambas dizem respeito ao
autodomínio, à liberdade que o sujeito adquire para agir de acordo com suas
próprias leis, partindo do que existe dentro da sociedade e da cultura na qual
está inserido.
1.3 – A contribuição de Paulo Freire e sua Educação Libertadora
A escolha da proposta da Educação Libertadora de Paulo Freire para
dar suporte a este trabalho deve-se à forma como ele aborda o conceito de
autonomia na educação.
Acreditamos que, antes de tecer considerações a respeito dessa
proposta, faz-se necessário ambientá-la, apresentar uma breve síntese sobre o
contexto de seu desenvolvimento.
35
Gadotti (1996) faz uma boa retrospectiva da vida de Paulo Freire,
pontuando os aspectos que o influenciaram em sua produção. Nascido em Recife,
em 19 de setembro de 1921, Paulo Reglus Neves Freire era filho de um capitão
militar e de uma dona de casa, que era conhecida por sua simplicidade e
bondade. Desde cedo, teve contato com as durezas da vida do nordeste e
sempre as relatou em suas obras. Para completar seus estudos, dependeu de
uma bolsa conseguida por sua mãe, a muito custo, no Colégio Oswaldo Cruz, em
Recife, lugar em que mais tarde foi convidado a ser professor de Português.
Formado em Direito, não chegou a exercer a profissão; pois prestes a se formar,
quando foi cobrar uma dívida tributária, descobriu que não era isso que queria
fazer.
Suas experiências com a educação libertadora se iniciaram em 1963,
quando da alfabetização de agricultores, na cidade de Angicos, no estado do Rio
Grande do Norte. Devido ao seu sucesso, Freire foi convidado pelo presidente
Goulart a aplicar o seu já conhecido método de alfabetização, no restante do país.
No entanto, com o golpe militar de 1964, Paulo Freire se viu obrigado a deixar o
país, mesmo contra sua vontade. Antes de ser exilado, Freire cumpriu pena na
cidade de Recife e de Olinda. Ao sair do Brasil, passou primeiro pela Bolívia, onde
não se adaptou à altitude e depois pelo Chile, país em que conseguiu colocar em
prática suas idéias, denominadas por ele mesmo de utópicas, mas com potencial
de serem desenvolvidas, além de poder produzir parte de sua obra. Nos Estados
Unidos, encontrou abrigo e condições para grandes produções. Por fim, viveu em
Genebra, país em que se sentiu realmente livre, pois podia andar por vários
outros lugares, trabalhando de acordo com seu pensamento. Dentre esses
lugares, destaca-se a África.
Paulo Freire ficou 16 anos exilado, e nunca escondeu seu desejo de
voltar ao Brasil. Isso aconteceu em 1980, ano em que iniciou seu trabalho na PUC
de São Paulo e na UNICAMP, sendo que, nessa última, mesmo que a contra-
gosto da reitoria, foi contratado por pressão dos alunos e dos professores.
Outras contribuições de Paulo Freire vieram de sua prática, por dois
anos (1989-1991), como Secretário da Educação do Município de São Paulo,
36
durante o governo de Luíza Erondina. Ele tentou, durante este tempo, mudar a
educação que era oferecida, de acordo com suas idéias.
Outra de suas realizações importantes foi a criação de um Instituto que
leva seu nome, para que toda a sua produção, pesquisas, cursos, entre tantos
outros pudessem estar ao alcance daqueles que se interessavam por seus
pensamentos, fosse no Brasil ou fora dele.
Freire morreu em 2 de maio de 1997, aos 76 anos, vítima de um
ataque cardíaco.
Gadotti (1996) nos apresenta uma característica importante da obra de
Paulo Freire, que vale a pena ser citada. Ela diz respeito ao movimento que Freire
fazia quando relacionava teoria e prática. Ele não lia, simplesmente, a teoria, mas
partia de suas experiências, da realidade, para pensá-las teoricamente.
Isso demonstra o principal ponto de seu “método”, que postula a
alfabetização a partir de palavras os temas geradores que faziam parte do
contexto dos alunos, de sua realidade, para que pudessem compreender melhor,
e não a simples transposição de conhecimentos, sem que pensassem
criticamente sobre o que estava sendo ensinado (FREIRE 1999, 2005; GADOTTI,
1996).
Na formulação de sua teoria, Paulo Freire partiu de três bases
epistemológicas, a saber: o marxismo, o existencialismo e a fenomenologia. Além
dessas bases, na construção de seu método, Freire utilizou-se dos
conhecimentos da Sociologia, Psicologia e Ciências Sociais (FREITAS, 2000;
GADOTTI, 1996).
Partindo do marxismo, Paulo Freire buscou entender melhor as
diferenças e conseqüências políticas, sociais e econômicas existentes no país,
compreender melhor as populações com as quais trabalhava, a maioria do povo.
Por fim, as leituras do existencialismo e da fenomenologia permitiram que ele
pudesse se compreender melhor também (FREITAS, 2000; GADOTTI, 1996).
O que se pode observar dessas correntes que influenciaram o
pensamento de Paulo Freire, corroborando com o que é apontado por Freitas
37
(2000), é que ele conseguiu ir além delas, não ficou somente no âmbito da leitura,
mas foi capaz de transpô-las, de utilizá-las para iluminar sua prática no contexto
brasileiro, em uma situação específica, fazendo, assim, o movimento que ele
reconhecia como sendo o de realmente ler, que foi possível estabelecer uma
relação entre a teoria e a prática.
Paulo Freire não deve ser visto somente com um cientista e um
educador, mas também como um político, pois não queria somente compreender
a realidade da população, mas procurava, por meio dessa compreensão,
transformá-la. O seu pensamento era dialético, não separava a teoria e a prática,
estabelecendo a relação entre quem conhece e o conhecimento, como
caminhando lado a lado (GADOTTI, 1996).
Agora, nos perguntamos, em que de fato consistia seu método”? Qual
a sua proposta? Por que o nome de Educação Libertadora?
Em Gadotti (1996), podemos ter uma compreensão do “método”
utilizado por Freire, para a alfabetização dos adultos e as suas propostas.
O “método Paulo Freire” de alfabetização teve sua origem em um
programa chamado Movimento de Cultura Popular MPC na cidade de Recife,
na década de 50. Os temas trabalhados nos chamados círculos de cultura eram
determinados nos grupos, com discussões que estabeleciam o que seria
executado durante os encontros, e, caso surgissem outros temas, esses eram
acrescentados. Como os resultados obtidos foram positivos, Freire resolveu
utilizar essa forma de trabalho na alfabetização de adultos.
Esse “método” se constituía de três momentos que se entrelaçam, a
saber: investigação temática, em que aluno e professor procuram na realidade do
aluno temas e palavras a serem trabalhados; tematização, que é quando tanto
aluno quanto professor codificam e decodificam os temas encontrados na primeira
etapa, tentando encontrar o seu significado social e tornando-os conscientes; e,
por fim, a problematização, que acontece quando aluno e professor assumem o
ponto de vista crítico dos temas discutidos, iniciando, então, a transformação do
contexto. Freire foi o primeiro a pensar e utilizar um sistema de alfabetização para
adultos em que não se utilizava o método aplicado às crianças.
38
Neste sentido, podemos dizer que o método de Paulo Freire postula
uma educação que parte da cultura e do social dos sujeitos a serem
alfabetizados, fazendo com que eles compreendam a sua realidade de forma
crítica, logo, visa a um processo de conscientização. É por isso que Freitas (2000)
aponta a consciência e a cultura como pontos chaves na proposta de Paulo
Freire.
Para Freire, ao aceder à consciência, o indivíduo deveria tomar
conhecimento de sua realidade e agir para transformá-la. Ao conscientizar-se, o
indivíduo deixa de ser oprimido, isto é, torna-se capaz de sair da condição
colocada pelo opressor e de se reconhecer como tal ignorante, sem direitos,
que atende aos valores e normas impostos pela classe dominante e passar a
agir de uma forma que provoca mudanças em seu contexto. Esse processo não
se de forma automática, mas é carregado de características ideológicas,
políticas e pedagógicas. É uma passagem da imersão em que o sujeito se
encontra para poder ver além, distante de sua realidade e, assim, transformá-la
(GADOTTI, 1996; FREITAS, 2000).
Com relação à cultura, podemos dizer que Freire a entendia sob o
ponto de vista antropológico, isto é, para ele, a educação deveria partir da cultura
própria do sujeito, dos aspectos decorrentes de sua produção, que diziam
respeito à sua atividade. Qualquer resultado dessa atividade deveria ser
considerado como cultura, e não somente as artes, por exemplo. A produção dos
oprimidos também é cultura (GADOTTI, 1996; FREITAS, 2000).
Essas considerações justificam a denominação da proposta de Paulo
Freire como Educação Libertadora. Nessa perspectiva, a educação teria como
função proporcionar a libertação de uma realidade que oprime e é injusta, fazendo
com que sujeitos se percebam dentro da história e que possam agir de forma
crítica, para mudar a realidade opressora, passando a produtores de sua história
(GADOTTI, 1996).
Freire (2005), no entanto, deixa bem claro que essa libertação não
deve ocorrer somente no âmbito da educação, mas também nos demais âmbitos
39
sociais, permitindo que o sujeito alcance sua emancipação cultural, social e
econômica.
Entendemos, assim, que a proposta de educação libertadora vem de
encontro à educação tradicional aplicada nas escolas, educação esta chamada
por Freire (2005) de “bancária”. Este tipo de educação vê o aluno como um objeto
vazio, onde se deve depositar todo o conhecimento existente no mundo,
conhecimento este que é determinado, produzido e considerado como o melhor,
pela classe dominante. O professor é quem domina o conhecimento e o aluno
deve se submeter à sua autoridade de saber; o aluno não tem vez nesse
processo.
duas categorias pedagógicas, que são consideradas de extrema
importância para a realização de uma educação que possibilite a libertação do
sujeito e que se relacionam: o diálogo e a pergunta.
De acordo com Damke (1995), Santos (2000) e Gadotti (1996), o
diálogo torna-se importante no processo de educação, a partir do momento em
que professor e aluno estabelecem uma relação horizontal, permitindo que ambos
ensinem e aprendam, posto que nenhum saber é negado. É por meio do diálogo
que o homem torna-se capaz de manifestar suas idéias, ao falar e refletir sobre
elas. O diálogo assume, assim, a função de comunicar, mas também de ir além
do evidente, do que está sendo vivido.
O diálogo possuiria três virtudes fundamentais. A primeira se refere ao
respeito que os professores devem ter em relação ao aluno, à sua condição, ao
seu direito de se expressar, como seres constituintes do social. A capacidade de
escutar as urgências e opções dos educandos seria a segunda virtude. Por fim, a
tolerância, que se faz necessária para lidar com o diferente (GADOTTI, 1996).
Quanto ao ato de perguntar, Oliveira (2000a) e Santos (2000) dizem
que ele é importante por permitir que o sujeito problematize a si mesmo e ao
mundo.
O ato de perguntar envolve três dimensões do sujeito: a existencial, na
medida em que faz parte de sua natureza, de seu existir, e que evidencia seu
40
inacabamento; o metodológico, visto que, ao perguntar, ele passa a investigar, a
procurar e desenvolve um processo de pesquisa; e, por fim, o político, que, ao
possibilitar a contestação, a opção à contraposição de saberes programados,
permite o exercício da democracia (OLIVEIRA, 2000a).
Freire (1996) chama a atenção para uma outra categoria, que para nós
se faz necessária nessa dimensão do diálogo e da pergunta, que é o saber
escutar. Ao aprender a escutar o outro, o professor deixa de lado a sua fala de
imposição, de castração da curiosidade, de indiferença ou desprezo às diferenças
e passa a falar com seus alunos, exercendo uma prática democrática. No escutar,
que vai além do simples ouvir, o sujeito se coloca também em posição de fala,
mas não se impõe ou se anula em relação ao outro.
A leitura de obras de Paulo Freire (1996, 1999, 2005) e de outros
autores que fazem considerações importantes acerca de seus postulados
(DAMKE, 1995; FREITAS, 2000; MESQUITA, 2000; MONTEIRO, 2000;
OLIVEIRA, 2000a; SANTOS, 2000; GADOTTI, 1996), nos faz compreender a
visão de mundo e de homem do autor, e de quanto a educação pode contribuir
para o processo de transformação.
A educação libertadora tem como função a desalienação, na medida
em que o educando se torne consciente de sua história, compreenda sua
realidade e aja com criticidade na busca de transformá-la, em um caminho que
passa pela utopia, pela esperança de encontrar algo melhor, de lutar ao se dar
conta da realidade vivida e agir para mudá-la.
Como apontado por Gadotti (1996), Freire acreditava realmente na
liberdade e na libertação dos homens. A liberdade entendida como liberdade de
expressão, liberdade de ser diferente, liberdade de participar, entre tantas outras
liberdades que a faz ser o central na obra de Freire. Já a libertação seria o final da
educação, final porque é por meio dela que o sujeito se livra da realidade que o
oprime, que o humilha, que o discrimina.
Para Freire (1996, 1999, 2005), ao propiciar uma educação que liberte
o sujeito, que o torne crítico, pensante, está se estimulando a sua curiosidade,
seu raciocínio, promovendo o desenvolvimento social, econômico e cognitivo,
41
além de possibilitar que ele se veja como constituído e constituinte da sua própria
história e da história da sociedade.
Essa proposta vai contra o que se apresenta na educação oferecida
hoje em dia, que busca manter o sujeito na alienação, na ingenuidade de não
saber questionar, problematizar, agir e pensar criticamente, para assim não
desafiar o poder estabelecido pelas elites (DAMKE, 1995; SANTOS, 2000;
FREIRE, 2005).
Não podemos acreditar no fatalismo, na determinação, continuarmos
como alienados e ingênuos ao pensar: o que posso eu fazer para melhorar...; isso
é assim mesmo, é a vida... Freire (1996) o via isso, não acreditava nisso; para
ele é sempre preciso ter esperança, acreditar na mudança, ter vontade política de
mudar, de pensar o contexto de forma diferente.
O contexto deve ser pensado como concreto, constituído de processos
de desenvolvimento econômico, político e social. As sociedades estão sempre em
movimento, e a tentativa de superação da opressão deve estar presente sempre,
para a construção de uma sociedade, pelas mãos das classes populares que são
as realmente capazes de promover mudanças, que possam ser consideradas
democráticas (FREIRE, 1999).
A discussão que Monteiro (2000) faz a respeito da autoformação nos
ajuda a compreender a questão da incompletude postulada por Freire (1996),
que ambos pressupõem o desenvolvimento contínuo.
A autoformação é entendida como a capacidade que o sujeito adquire
e dispõe de pensar, de ser sujeito e objeto de seu próprio desenvolvimento, em
qualquer situação, individual ou coletivamente, pessoal ou profissionalmente. É a
busca que se instala ao perceber-se incompleto, a necessidade de conhecer e
“ser” mais. É por isso que nem toda formação contínua pode ser considerada
autoformação, que a primeira quase sempre implica a ação de um outro na
formação, não havendo participação efetiva do sujeito que está sendo formado,
ele depende do que é determinado a priori pelos outros (MONTEIRO 2000).
42
O “ser mais”, de acordo com Freire (1996) e Monteiro (2000), implica
atitudes tais como: saber escutar, estabelecer diálogos com os outros, refletir
criticamente, aceitar o novo e os riscos que o acompanham, e atitudes críticas e
conscientes diante das diferenças, das relações sociais estabelecidas.
A revolução entra como o movimento fundamental para as
transformações da realidade. Não uma revolução violenta, com manifestações de
agressões físicas, mas revoluções que sirvam de caminho ao novo, ao ideal
utópico desejado, no sentido de revolucionário, de lidar com o novo, de correr
seus riscos, de ter vontade de mudar e lutar para isso, de maneira crítica
(FREIRE, 1996, 2005).
Sendo assim, podemos compreender a Educação Libertadora como
aquela que possibilita ao homem perceber a si mesmo dentro do mundo, crítico o
suficiente para lutar e promover revoluções na realidade que o oprime, tornando-
se capaz de lidar com as diferenças sem discriminação, agir e ser responsável
por suas ações, ser autônomo.
Eis aqui a questão central de nosso trabalho, que derivamos como
contribuição de Paulo Freire: a autonomia.
Freire tem uma obra dedicada somente a este conceito: Pedagogia da
autonomia (1996), que nos mostra bem a sua posição e o trabalho que deve ser
desenvolvido pelo educador que trabalha nessa perspectiva.
Ao ler essa obra, compreendemos que, para Freire, autonomia,
corresponde à capacidade do sujeito de tomar decisões, de ser responsável pelos
seus atos, de saber-se no mundo de maneira crítica, de ter dignidade. Para ele, a
autonomia se desenvolve por meio da educação.
O educador que se propõe a trabalhar, na perspectiva realmente
progressista, está se dispondo a reconhecer-se como parceiro de seu aluno e a
promover desenvolvimento. Ele se submete a tudo aquilo que envolve o processo
de ensinar, assim como apontado por Freire (1996), e que, ao final, resultará em
uma formação, dele e de seu aluno, libertária e autônoma.
43
Nesse sentido, as considerações feitas por Freire (1996) levam-nos a
compreender que, ao exercer uma prática crítica, consciente, respeitando as
diferenças, a autonomia, estimulando a curiosidade, relacionando teoria e prática,
exercendo a pesquisa, agindo com humildade e tolerância, sabendo-se
inacabado, respeitando os saberes e a identidade cultural de cada um, com
coerência, escutando e dialogando com os educandos, libertária e
autonomamente; o educador possibilitará uma formação que promoverá o
desenvolvimento dessas mesmas dimensões.
Nas palavras de Freire (1996), “[...]. A autonomia vai se constituindo na
experiência de várias, inúmeras decisões, que vão sendo tomadas” (p. 107).
Adotaremos, então, essa compreensão de autonomia, para investigar em que
medida seu exercício tem sido possibilitado ao professor, na medida em que
necessita estar atento ao que acontece com seus alunos, ser crítico para formar
críticos, ser livre para promover libertação, ser consciente para superar a
alienação, acreditar na mudança para promover transformações, refletir sobre sua
prática à luz de uma teoria, não desprezar os saberes e a cultura de cada um,
respeitar para ser respeitado, e o aspecto que mais nos interessa nesse trabalho,
ser autônomo para formar para a autonomia, caminhando para o processo natural
de humanização (FREIRE, 1996, 1999, 2005).
Entendemos que as idéias de Freire constituem-se importante fonte de
saber, pois seu modo de pensar a realidade vivida como concreta e entender o
sujeito em suas especificidades, articulando teoria e prática, ajuda a enxergar os
ideais que dominam hoje nossa sociedade, exercidos por uma elite opressora,
que busca, a qualquer custo, impor um jeito de ser que tolhe a liberdade e a
crítica.
1.4 – Vigotski e Freire: concepções que podem ser aproximadas?
Ao apresentarmos as concepções de Vigotski e Freire emerge a
seguinte questão: será possível utilizar essas duas teorias para analisar a
autonomia no trabalho do professor?
44
Na busca desta resposta, encontramos dois textos, um de Gadotti
(1996) e outro de Marques e Oliveira (2005), que nos apóiam nesta empreitada.
Apesar de terem vivido em épocas e situações diferentes, o
pensamento de Freire e Vigotski se aproximam e muito. Gadotti (1996) nos
apresenta que foi somente no final de sua vida que Freire entrou em contato com
a produção de Vigotski, mas que, mesmo assim, eles se assemelham em vários
aspectos.
A primeira aproximação dessas duas teorias está na base
epistemológica. Ambos os autores se utilizam de conceitos do marxismo para
fundamentarem seus postulados. Vigotski cunha do marxismo o uso de
instrumentos para a transformação da natureza, a partir do que ele elabora a
noção de signo e sua função na transformação do psiquismo humano. Toma
como base o materialismo dialético e histórico, para compreender o contexto e as
ações do sujeito, entendendo o fenômeno psicológico como em constante
movimento (PALANGANA, 1994; PINO, 2000; MARQUES e OLIVEIRA, 2005).
O método dialético de Marx contribuiu para a formulação da proposta
de Freire, com as idéias de práxis e de compreensão da luta de classes, da
opressão exercida pela classe dominante à classe dominada, e da maneira como
se o processo para que os oprimidos continuem na alienação (DAMKE, 1995;
SANTOS, 2000).
Um outro ponto de aproximação destes dois autores, assim como
mostrado por Marques e Oliveira (2005), é a concepção do sujeito como histórico-
cultural.
Como apontamos neste texto, Vigotski acredita que o homem se
constitui mediado pela história. Logo, não deve ser deslocado de seu contexto
para ser estudado, pois, ao longo de seu desenvolvimento, sofre influência da
cultura e da história, na qual está inserido (PALANGANA, 1994; PINO; 2000).
Do ponto de vista freireano, o homem se encontra inserido em uma
realidade social, que deve ser utilizada como ponto de partida para a sua
compreensão. O homem deve ser compreendido como uma totalidade e não
45
como um sujeito isolado, em que pensar e agir criticamente a realidade na busca
de transformá-la, faz parte da sua natureza, no caminho de sua humanização
(FREIRE, 1999, 2005). Assim, o homem se hominiza, na medida em que se
apropria da cultura.
Mais uma aproximação pode ser feita quanto à perspectiva
interacionista (MARQUES e OLIVEIRA, 2005). Tanto Freire quanto Vigotski
acreditam que é na interação, nas relações sociais, que os sujeitos se constituem
e produzem conhecimento. Para reconhecer a si mesmo, o sujeito precisa, antes,
estabelecer relações com outros.
Freire (1996, 1999, 2005) entendia que por meio da união dos homens
é que se constrói a possibilidade de mudança. A tomada de consciência se dá em
um processo de interação entre os homens, na busca utópica de transformação
da realidade que oprime, tornando-se assim viável e se apresentando como uma
nova condição. Ou seja, é a partir do outro, da internalização da cultura mediada
por esse outro, que o sujeito se constitui como singular.
Vigotski (1998) nos apresenta a sua idéia de interação, ao pontuar que
tudo o que constitui o sujeito esteve antes no âmbito social, ou seja, antes de
fazer parte do intrasubjetivo, os processos psicológicos fizeram parte da
intersubjetividade. Esse movimento se pela via da internalização, que
possibilita ao sujeito se apropriar do que existe no externo, por meio da mediação
de signos, apropriados na relação com outros, para torná-la interna. Dessa forma,
o sujeito constrói a si e aos outros.
A importância dada ao diálogo por Freire e à linguagem por Vigotski,
diz respeito a um outro estreitamento entre esses dois autores.
Vigotski (2005) dedicou sua obra “Pensamento e Linguagem” à
questão da linguagem e de como ela influencia o desenvolvimento do
pensamento. Para ele, seria por meio da linguagem que o sujeito teria a
possibilidade de transformar o concreto em abstrato, de passar do âmbito do real
para o simbólico, permitindo que o sujeito possa formular representações desse
real. A linguagem é constituída socialmente, por isso carrega tudo o que de
produção na sociedade.
46
o diálogo, do ponto de vista de Freire (1996, 1999), é a fonte de
comunicação entre os sujeitos, permite que se aproximem e expressem suas
opiniões, estabelecendo, assim, uma relação bidirecional, em que ambos os
sujeitos possam aprender e ensinar; promovendo o desenvolvimento da
consciência crítica.
Vigotski e Freire também concordam na maneira como o conhecimento
se constrói. Freire (1996, 1999, 2005) postula que o conhecimento deve ser
construído partindo-se da necessidade reconhecida no cotidiano do sujeito. A
teoria deve ser construída tomando por base um problema localizado na prática,
para então ser utilizada como luz para solucionar esse problema. Nas palavras de
Marques e Oliveira (2005) “[...]. Conhecer, na teoria freireana, é uma aventura
pessoal num contexto social”. (p. 5).
Para Vigotski, o conhecimento se a partir do que é sabido pelo
sujeito de seu cotidiano, do que ele internalizou ao longo de seu desenvolvimento,
por meio das relações sociais estabelecidas, como produção cultural
(PALANGANA, 1994; MARQUES e OLIVEIRA, 2005).
O ponto final desse caminho, tanto para Freire quanto para Vigotski, é
o conhecimento científico (MARQUES e OLIVEIRA, 2005).
Uma última aproximação que nos interessa, é que ambos consideram
que o modo como se dá a educação não é adequado. Denominada por Freire de
educação bancária e por Vigotski de velha escola, eles apresentam concepções
que se opõem à simples transmissão de conhecimento, ao modo de ver o sujeito
como individual, a-histórico, como se o seu saber também não fosse cultural e ele
não estivesse inserido em uma sociedade (MARQUES e OLIVEIRA, 2005).
Podemos ver, então, que as idéias de Vigotski e Freire em muito se
assemelham e podem se constituir fundamentos às análises desse trabalho.
Inclusive porque pretendemos propor uma aproximação entre os conceitos de
auto-regulação de Vigotski e autonomia de Paulo Freire. Ambos acreditavam que
o caminho para a humanização, para a ação consciente passava pela liberdade
de escolha, pela responsabilidade na tomada de decisões.
47
Vigotski (1995) denomina este processo de auto-regulação, a função
psicológica superior mais importante, já que ela permite que o sujeito tenha
controle sobre as outras funções psicológicas ao dominar sua conduta.
Freire (1996, 1999, 2005) trabalha com o conceito de autonomia como
a capacidade de agir por si, de poder escolher e expor idéias, agir com
responsabilidade. Essas definições demonstram a semelhança dos conceitos.
Mesmo a diferença entre os dois teóricos, apontada por Gadotti (1996),
se constitui como razão para adotá-las como suporte às nossas investigações:
enquanto a teoria de Vigotski se preocupa com o desenvolvimento psicológico do
sujeito, Freire se volta aos aspectos pedagógicos, ou seja, à educação. Essa
constatação nos leva a acreditar que se compreendemos a educação como
prática social que tem como fim último promover o desenvolvimento humano,
parece fértil adotar as idéias desses autores para explicar os fenômenos que
pretendemos investigar.
48
Capítulo 2 – Refletindo sobre a autonomia
2.1 – Conceituando autonomia
A escolha pela discussão sobre autonomia nesse trabalho não se deu
por acaso, como apresentado no inicio desse trabalho. Nos dias de hoje, ouve-
se muitos discursos sobre a formação do aluno, que a escola e professores não
devem somente se preocupar em passar os conhecimentos socialmente
produzidos, mas que também é sua função, transformar, educar, formar o aluno
como cidadão, consciente e autônomo.
Nos Parâmetros Curriculares Nacionais (1997; 1998), encontramos a
autonomia como um dos pontos centrais discutidos. Tanto no documento
destinado às s a s séries e às s a s ries
4
, um item que trata
exclusivamente da autonomia na escola. Ressalta-se a importância de oferecer
ao aluno uma formação autônoma, na medida em que a escola e os professores
ensinem aos alunos como se organizarem, como se planejarem, trabalhar em
grupo, responsabilizarem-se por suas ações. Os termos apresentados nos
parâmetros definem a autonomia da seguinte maneira:
A autonomia refere-se à capacidade de posicionar-se, elaborar
projetos pessoais e participar enunciativa e cooperativamente de
projetos coletivos, ter discernimento, organizar-se em função de
metas eleitas, governar-se, participar da gestão de ações
coletivas, estabelecer critérios e eleger princípios éticos, etc. Isto
é, a autonomia fala de uma relação emancipada, íntegra com as
diferentes dimensões da vida, o que envolve aspectos intelectuais,
morais, afetivos e sóciopolíticos. Ainda que na escola se destaque
a autonomia na relação com o conhecimento saber o que se
quer saber, como fazer para buscar informações e possibilidades
de desenvolvimento de tal conhecimento, manter uma postura
crítica comparando diferentes visões e reservando para si o direito
de conclusão, por exemplo —, ela não ocorre sem o
desenvolvimento da autonomia moral (capacidade ética) e
emocional que envolvem auto-respeito, respeito mútuo,
segurança, sensibilidade, etc. (PCN, 1997, p. 62).
Ocorre que, assim como apontado por Hernandes (2002a), essas
exigências da nova política educacional resultam em contradições, pois, ao se
4
Tomamos por base esses dois documentos, pois se destinam às séries presentes na escola que
nos serviu de campo.
49
colocar que a autonomia deve ser desenvolvida no aluno como resultado do
trabalho do professor, não se que a prática docente está permeada por
imposições e prescrições externas. O trabalho do professor encontra-se, então,
em um processo de reordenação e não de desenvolvimento de sua autonomia.
Ainda sobre a autonomia, encontramos sua definição nos dicionários
Aurélio (FERREIRA, 2004) e Houaiss (HOUAISS e VILLAR, 2001) como:
[...] 1. Faculdade de se governar por si mesmo. 2. Direito ou
faculdade de se reger (uma nação) por leis próprias. 3. Liberdade
ou independência moral ou intelectual. [...]. 5. Et. Condição pela
qual o homem pretende poder escolher as leis que regem sua
conduta. (p. 233).
1 capacidade de se autogovernar 1.2 faculdade que possui
determinada instituição de traçar suas normas de conduta, sem
que sinta imposições restritivas de ordem estranha [...] 1.4 direito
de um indivíduo tomar decisões livremente; liberdade,
independência moral ou intelectual. 2 FIL segundo Kant (1724-
1804), capacidade apresentada pela vontade humana de se auto
determinar segundo uma legislação moral por ela mesma
estabelecida, livre de qualquer fator estranho ou exógeno com
uma influência subjugante, tal como uma paixão ou uma
inclinação afetiva incoercível [...] 3. PSIC preservação da
integridade do eu[...]. (p. 351).
Podemos ver, então, que o conceito de autonomia passa idéia de o
sujeito ou uma instituição conseguir tomar suas próprias decisões, estabelecidas
por ele mesmo, sem que haja imposições de pessoas e meios externos a esse
sujeito ou a essa instituição. Essas definições nos remetem à idéia de liberdade,
de se poder fazer o que quiser, que, ao se tornar autônomo, o sujeito deixa de ter
que se reportar a alguém.
Martins (2002) discute o conceito de autonomia a partir dos ideais de
democracia desde Rousseau, em que se acreditava numa sociedade que fosse
capaz de se guiar por leis próprias e, conseqüentemente, na finalização da
divisão entre governantes e governados.
Para ela, a luta de classes por uma sociedade mais igualitária gerou
ideais de autonomia na medida em que revolucionários partidários do socialismo,
os anarquistas, os anarcossindicalistas e as reformas sociais buscavam melhores
condições de vida e reivindicavam a participação de todos nos processos políticos
50
existentes. A autonomia estava presente na forma de se organizarem, seguindo
uma disciplina que possibilitava a continuação da luta por seus interesses, na
busca de estabelecer novas relações sociais. Por volta dos anos 60, os
revolucionários iam contra o racionalismo, que desconsiderava o sujeito e sua
complexidade, sua subjetividade, e lutavam a favor de um sujeito que fosse capaz
de lidar com as mudanças, de comandar, como participantes, uma sociedade
mais justa. No contexto político, social ou filosófico, a autonomia sempre esteve
ligada ao social, na tentativa de se quebrar a reprodução da cultura dominante e
opressora (MARTINS, 2002).
Vemos que os movimentos sociais tiveram um importante papel na
promoção da autonomia, que exigiam de seus participantes ações com
responsabilidades, serem críticos, sabendo lutar para que fossem ouvidos e
levados em consideração.
Com um sentido filosófico, a autonomia é apresentada por Martins
(2002), por meio das reflexões feitas por Castoríadis. As idéias trabalhadas por
esse autor têm como base o marxismo e dialoga com o socialismo soviético.
“Nessa perspectiva, em uma sociedade de alienação, a autonomia
como prática social sempre se permeada pelas condições materiais de
existência e por outros indivíduos” (p. 220), ou seja, a autonomia não pode ser
entendida fora do contexto social, sem levar em consideração as relações
estabelecidas entre os sujeitos, e ela não deve ser confundida com a liberdade
tão difundida pela política do liberalismo (MARTINS, 2002).
Podemos dizer, então, que encontramos, nessa teoria, um ponto em
que concordamos: o contexto social. Entendemos que é preciso olhar para o
sujeito contextualizado, histórico, pertencente a uma sociedade, e que suas ações
são guiadas pelas práticas concretas existentes nesse contexto.
Hernandes (2002b) apresenta o conceito de autonomia dentro do
marxismo e da teoria histórico-cultural. A autora ressalta a importância dada por
Marx ao trabalho e em como esse seria capaz de tornar o sujeito autônomo; pois
é por meio desta ação que ele pode intervir na natureza de forma consciente e
voluntária. O trabalho também proporciona que o homem estabeleça relações e
51
conviva com normas e regras, mas, ao ser consciente, ele é capaz de decidir, de
discutir, de refletir sobre como cumpri-las ou não. A moral é entendida como
histórica, já que ela é o conjunto de normas e regras que regem o comportamento
e são passíveis de mudança, isto é, elas respondem ao tempo e ao espaço, mas
possuem raízes. Contudo, nos dias de hoje, o modo de viver capitalista acabou
modificando essa relação do homem com o trabalho, pois o que resulta de seu
esforço não lhe pertence mais, suas ações são controladas para que se
obtenham lucros maiores. A relação chefe-empregado prevalece com mais força,
e o sujeito torna-se impossibilitado de exercer sua autonomia.
Da perspectiva histórico-cultural, pode-se compreender a autonomia
como sendo a capacidade adquirida pelo sujeito de decidir por cumprir ou não
determinada ordem. Ele não nega que haja determinações externas, mas
consegue refletir sobre elas e, a partir de si, tomar uma decisão. Isso seria
justamente o contrário da heteronomia, que se caracteriza por normas externas,
que não são do sujeito e por não haver espaço para que ele exerça seu poder de
decisão (HERNANDES, 2002b). Em suas palavras:
A autonomia seria, portanto, o resultado de um ato voluntário,
intencional. Uma vez que implica uma decisão pela busca do fim
proposto, implica também a liberdade, no sentido de o homem
ser livre para atuar de acordo com sua consciência crítica, moral,
e envolve responsabilidade [...]. (HERNANDES, 2002b, p. 19).
Podemos dizer, que, desta perspectiva, a autonomia pode ser
compreendida como resultado de um processo em que as ações do sujeito são
permeadas por relações, por influências externas, mas que prevalece a sua
vontade, sem se esquecer que, ao agir assim, ele precisará assumir a
responsabilidade por suas ações.
Chegamos, aqui, às concepções da teoria que fundamenta o presente
trabalho: a teoria de Vigotski. Souza (2005) e Hernandes (2002b) nos dão o
exemplo de como o conceito de auto-regulação se liga ao conceito de autonomia.
Conforme apresentado anteriormente, podemos compreender a auto-
regulação como sendo a capacidade do sujeito se auto-regular, isto é, na medida
em que ele vai se desenvolvendo e a partir das relações estabelecidas com os
outros e com o meio, vai internalizando as normas e regras existentes no contexto
52
social em que está inserido e essas determinações exteriores passam a ser suas.
Ele adquire a capacidade de se autogovernar, de agir voluntariamente de acordo
com as regras e normas que agora são suas.
Em seu livro Pedagogia da Autonomia (1996), Freire deixa claro o quão
complexo é esse conceito e a importância que tem em sua teoria: a autonomia
corresponde à capacidade que o sujeito possui de agir por si mesmo, de tomar
decisões, sendo crítico e consciente, além de ser responsável por seus atos,
assumir para si a responsabilidade. É este o conceito de autonomia que
adotamos neste trabalho.
2.2 – A autonomia docente e a autonomia escolar
A hipótese deste trabalho é a de que o professor o tem autonomia e,
em conseqüência desta hipótese, nos perguntamos: como querer que o professor
forme um aluno autônomo, se ele próprio não tem autonomia? Ocorre que, junto a
esse questionamento nos surge outro: em que medida a escola é uma instituição
autônoma, para poder propiciar que o professor também o seja?
Existem incontáveis trabalhos que se propõem a estudar a autonomia
escolar, já que esse é um assunto muito presente nos dias de hoje. Como
exemplo, podemos citar o livro organizado por Julio Groppa Aquino (1999), em
que encontramos autores de bases teóricas diversas, que discutem a importância
de atentarmos para esses aspectos da autoridade e da autonomia escolar e
docente.
Outro exemplo de trabalhos são o de Gadotti (2004) e o de Souza
(2005), em que ambos apontam como seria necessário dar crédito à educação e,
conseqüentemente, aos professores, seja por parte das instâncias responsáveis
pelo desenvolvimento da educação, seja pela sociedade. Mesmo que isso não se
apresente como tarefa fácil, é necessária a reflexão acerca do contexto escolar e
de seus atores, de seus desejos e de seus conflitos.
Mas, acreditamos que, para o professor poder exercer uma prática
pedagógica dita autônoma, seria necessário que ele estivesse inserido em um
53
contexto que também fosse autônomo, e que promovesse o seu desenvolvimento;
por isso é que precisaríamos buscar, também, uma escola autônoma.
Para nos ajudar, nessa discussão, temos o texto de Passos (1999),
que se volta para vários aspectos de uma gestão autônoma, ao discutir dois
trabalhos realizados em escolas. A seguinte citação da autora inicia nossas
reflexões: “A escola apresenta-se como o espaço público por excelência, o lugar
do passaporte para a cidadania para qualquer indivíduo, independentemente de
raça, sexo e classe social”.(p. 201). Partindo daqui, podemos dizer que a escola,
legitimada como espaço público por excelência, seria uma das grandes
promotoras do desenvolvimento humano, em todos os seus aspectos (físicos,
cognitivos e emocionais), ao possibilitar o surgimento de vários fatores que
contribuem para isso, como o estabelecimento de interações, aquisição de
conhecimentos, aprender a lidar com a diversidade, e de promover a autonomia
de seus atores.
As políticas educacionais e suas legislações, em seus discursos,
apresentam a autonomia como ponto fundamental da prática pedagógica e da
gestão, para a promoção de uma educação democrática. Porém, isso nem
sempre acontece, pelo fato de muitas das propostas, das reformas estabelecidas,
não atenderem à realidade da escola, às demandas apresentadas por seus
atores, tornando-se, dessa forma, um dispositivo legal. Com isso, o que se pode
ver não seria a garantia de uma autonomia democrática, legitimada (PASSOS,
1999).
A autora traz alguns autores que discutem a forma como essa
autonomia se coloca na escola. Destacamos a colocação, por ela apresentada, de
Barroso, diferenciando a autonomia decretada de uma autonomia construída. A
primeira forma de autonomia diz respeito ao fato de “favorecer a autonomia da
escola, porém não é capaz de criá-la ou destruí-la” (p. 203), isto é, o poder
público, por meio de sua ação, possibilita que a autonomia esteja presente na
escola, mas não parte dele a intenção de criá-la, ou até mesmo de destruí-la. Já a
autonomia construída, é entendida como sendo aquela, em que se é possível
encontrar equilíbrio entre todos os que se envolvem com o contexto escolar, seja
o governo, os professores, a equipe gestora, os alunos e seus pais, e a
54
comunidade em geral. Essa seria a forma defendida pelo autor apresentado por
Passos, e, para nós, também se apresenta como sendo a mais aceitável, pois
permitiria e estimularia discussões, reflexões; fortalecendo a participação de todos
no processo de instituição das propostas.
Corroboramos com as idéias da autora nessa discussão, ressaltando a
importância de se estimular o diálogo entre as partes envolvidas, no processo
educacional, permitindo que novos caminhos sejam seguidos, provocando
mudanças e desenvolvimento, mas que atendam às demandas apresentadas por
aquele contexto, e que os sujeitos atribuam sentidos para essas novas práticas.
O desenvolvimento autônomo não deveria ser característica somente
da escola como instituição e de seus autores, mas sim da sociedade como um
todo, num processo mesmo de desalienação. Pensando na escola, pode-se dizer
que seria um processo em que a parceria entre governo e escola precisaria se
estabelecer, procurando, dessa forma, levar em consideração a realidade de cada
contexto, promover a prática da escuta e da fala crítica, consciente,
estabelecendo políticas educacionais que realmente atendessem às
necessidades apresentada pelas escolas e por seus atores (GADOTTI, 2004).
Pensamos que isso seria possível quando nos atentássemos para
um ponto de destaque da teoria de Paulo Freire: o diálogo. Como vimos
anteriormente, o autor dava grande importância a essa prática e por acreditar, que
por meio desse diálogo, os sujeitos poderiam aproximar-se, refletir melhor sobre
si e sobre as coisas do mundo, as opiniões e as diferenças poderiam ser
discutidas; contribuindo, assim, para a formação da consciência crítica, promotora
de emancipação.
2.3 – Trabalho coletivo e autonomia
Nos conceitos apresentados, no início deste capítulo, sobre a
autonomia, ficou evidente a importância do outro, do contexto, no
desenvolvimento de um sujeito autônomo. Ser autônomo não significa ser
55
sozinho, trabalhar sozinho, de forma individualista; mas sim, saber se diferenciar
dentro de um grupo, ter a sua singularidade.
Pensamos que isso se faz possível no contexto escolar, na medida em
que os atores escolares começam a se ver inseridos em um contexto que deveria
ser coletivo. Dizemos isso porque acreditamos que a escola, em sendo um
espaço onde as relações sociais estão vivas, se movimentam e se estabelecem
das mais diversas formas, e os sujeitos que estão, deveriam se beneficiar
disso. Contudo, atualmente, o que podemos ver, não só na escola, mas na
sociedade em geral, é o culto da individualização e da competição.
Apesar do professor não estar sozinho na escola, muitas vezes não
o sentimento do coletivo. Ter um grupo de professores não significa que eles
pensem como grupo, que haja um trabalho nessa perspectiva. De que forma
poderia se dar um trabalho coletivo na escola? Como conscientizá-los da
importância do trabalho em grupo? Qual a importância disto?
Tanto Fiorentini (2004), quanto Tedesco e Tenti Fanfani (2004),
ressaltam a importância dos professores trabalharem no coletivo, em equipe,
colaborando mutuamente, para a promoção de desenvolvimento próprio e,
conseqüentemente, do seu aluno. O trabalho coletivo permite também que se
acabe com a idéia da individualidade, do isolamento que se faz presente no
cotidiano escolar, e ainda proporciona maior autonomia aos docentes; pois o
coloca mais próximo do outro.
Vemos, então, a importância de se investir no trabalho coletivo, para a
promoção do desenvolvimento dos sujeitos, nesse caso, os professores que estão
na escola e têm como função formar seus alunos. Contudo, assim como ressalta
Fiorentini (2004), baseando-se na teoria de Hargreaves, seria necessário fazer
algumas diferenciações. Falar que um trabalho coletivo o significa,
necessariamente, que colaboração entre todos os membros do grupo, e a
depender da forma como se institui, pode ser o negativo quanto o
individualismo.
56
Esse autor aponta a necessidade de diferenciar o individualismo, a
colaboração, a colegialidade artificial e a balcanização. Iniciando pela
colegialidade artificial, ele diz que ela se caracteriza como uma:
colaboração não espontânea nem voluntária; sendo compulsória,
burocrática, regulada administrativamente e orientada para
objetivos estabelecidos em instancias de poder; sendo previsível e
fixa no tempo e espaço. (p. 49)
Essa forma de trabalho se liga mais ao autoritarismo exercido pelas
instâncias superiores, que se ligam à educação, além de promover, a nosso ver, a
heteronomia, na medida em que exerce a imposição, impera a burocracia e
amarra os sujeitos a essas questões.
Com relação à balcanização, Fiorentini (2004), diz que a encontramos
quando a presença de subdivisões dentro do grupo como um todo,
isolamentos de pequenos grupos que o colaboram com os outros. Isso pode
gerar vários comportamentos, como comodismo, complacência, conformismo e
deixar de se buscar novos caminhos, em especial, por conta própria, podendo se
constituir de interesses administrativos e políticos, na busca de interesses
particulares. Pensamos que esse modo de agir, assim como na colegialidade
artificial, não promove a autonomia da escola e de seus atores.
Quanto à colaboração, baseando-se em outros pressupostos além dos
apresentados por Hargreaves, o autor aponta que ela pode ser entendida como
sendo aquela que possibilita que todos os membros dos grupos trabalhem em
conjunto, buscando defender interesses mútuos, que foram antes discutidos por
todo o grupo. Nessa perspectiva, não opressão, mas sim uma liderança em
que todos possam participar.
Um ponto importante a ser destacado aqui é a diferença entre
colaboração e cooperação. Tendo a primeira sido apresentada, podemos dizer
que na cooperação também encontramos os membros do grupo se ajudando,
trabalhando em conjunto; no entanto, nem sempre as decisões foram tomadas
por todos os membros do grupo, podendo ser resultado de algum processo
baseado em hierarquizações, e a mesmo subserviências, nas relações
estabelecidas (FIORENTINI, 2004).
57
Apesar dessa característica que diferencia a colaboração da
cooperação, pensamos que ambas promovem a autonomia, pois permitem a
participação do sujeito, mesmo havendo uma hierarquização no segundo caso.
Nesse ponto, entendemos que entra a questão do respeito pela autoridade de
algum membro do grupo, que assuma a sua liderança, mas não impede que os
outros também participem do processo.
Para que se formem equipes, que haja um trabalho efetivamente
coloraborativo, é preciso ter voluntariedade, que os atores se identifiquem com o
grupo, espontaneidade em participar, liderança compartilhada (em que todos
participam nas tomadas de decisão, consenso na escolha do líder que pode
ser revezada), e por fim, apoio e respeito mútuo entre todos os integrantes. Com
essas características, os integrantes do grupo se sentem mais à vontade para
participar, expor suas idéias, buscar sua autonomia profissional, e os interesses e
objetivos, mesmo que diferentes, são compartilhados, produzindo novos
conhecimentos, entre outras coisas (FIORENTINI, 2004).
Podemos dizer, então, que um trabalho colaborativo representa,
verdadeiramente, o trabalho coletivo, pois permite que os sujeitos, membros do
grupo, sejam autores de suas práticas e contribuam para o desenvolvimento de
todos. Nas palavras de Fiorentini (2004):
[...] todos os integrantes de um grupo colaborativo assumem um
mínimo de protagonismo no grupo, não se reduzindo a meros
auxiliares ou fornecedores de dados e materiais, mas como
sujeitos que não apenas aprendem, mas também produzem
conhecimentos e ensinam os outros. (p. 61).
A promoção do trabalho coletivo, do sentimento de grupo e de
colaboração, presentes na escola, acreditamos que seja um dos caminhos
possíveis para se chegar à autonomia docente e, conseqüentemente, da escola,
ao passo que os sujeitos passam a se comprometer com o contexto no qual está
inserido e com os outros das várias relações estabelecidas.
Ainda com relação ao trabalho coletivo, voltamos à discussão feita por
Tedesco e Tenti Fanfani (2004), quando pontuam a importância dessa maneira de
se trabalhar a favor dos alunos. Para eles, toda a diversidade, a heterogeneidade
e as demandas apresentadas pelos alunos de hoje, exigem dos professores um
58
trabalho em equipe como eles chamam já, que sozinho, o professor não
conseguiria dar conta de todas as demandas apresentadas. Sem contar que,
como o processo de formação, reconhecidamente longo e que tem uma
continuidade exigiria que os professores trocassem experiências e se
articulassem para formar alunos cidadãos e que também saibam trabalhar em
grupo. No entanto, os próprios autores afirmam que essa mudança não seria um
processo fácil de acontecer, ainda mais em uma sociedade que, de certa maneira,
incentiva o individualismo.
Relacionamos essa idéia com os pressupostos de Paulo Freire,
também, que ele acreditava na autonomia desenvolvida em relação ao outro,
às atitudes que se tem. É preciso comprometimento, saber escutar e exercer o
diálogo, trabalhar em grupo, participar conscientemente do contexto para que a
autonomia se desenvolva.
Entendemos que escola e professores se constituem e são constituídos
mutuamente, ao mesmo tempo como autônomos, desde que o contexto permita
essa constituição.
2.4 – Como compreendemos a autonomia?
De tudo o que foi falado até agora, não deixamos claro com o que
concordamos e o que compreendemos por autonomia.
Entendemos a autonomia como sendo a capacidade que o sujeito,
durante seu processo de desenvolvimento e por meio das relações estabelecidas
com os outros, no contexto em que está inserido, vai adquirindo para formular
suas próprias leis. Ele deve agir com responsabilidade, tomar decisões de forma
consciente e crítica, nunca se esquecendo que terá que responder por seus atos.
Ele é consciente das influências externas presentes, mas sabe que, a partir delas,
poderá exercer sua própria influência e decidir se irá cumprir ou não as
determinações colocadas.
O sujeito autônomo seria aquele que se percebe no mundo, que se torna
ator e autor de sua história, consciente de que não está sozinho, mas tem a sua
59
singularidade, vendo-se como diferente e aprendendo com essas diferenças. Ele
sabe conversar, refletir, dialogar, dispõem-se a ouvir os outros e sabe que os
seus atos também têm influência sobre esses outros sujeitos, com quem
estabelece relações.
60
Capítulo 3 Algumas considerações sobre o professor e a
formação continuada
No capítulo anterior, foram apresentadas as teorias que irão embasar
as discussões e análises, realizadas nessa pesquisa. Apesar de não ser nosso
interesse específico nesse trabalho, a formação de professores se apresentou
como um tema que deveria ser discutido, que algumas de nossas questões
esbarram nesse tema.
Os autores tratam de vários pontos que devem ser observados,
refletidos e discutidos, entre eles os caminhos históricos pelos quais a profissão
de professor passou, o conflito de gerações que sempre existiu entre os docentes
e os alunos, as diferenças culturais e sociais, a influência das tecnologias na
prática pedagógica, e as políticas que deveriam embasar a formação e a prática
docente.
Tedesco e Tenti Fanfani (2004) dizem que a maneira como o professor
é visto hoje, como a sua representação foi sendo formada, deriva de tempos
anteriores, de histórias de vida e profissional, em que o professor era identificado
como aquele que tinha uma missão a cumprir, era um sacerdote, dono de todo o
conhecimento produzido pela sociedade e cabia somente a ele sua transmissão e
a reprodução. Nos últimos tempos, devido às transformações ocorridas na
sociedade (por exemplo, a inserção da mulher no mercado de trabalho, a forma
como as famílias se estruturam, os meios de comunicação em massa, etc.), a
escola e o professor, passaram a ter novas demandas para serem atendidas, que
se desviam de sua função original e principal, que seria a de ensinar. Estamos
falando dos novos desafios enfrentados pelo professor no cotidiano escolar,
como, por exemplo, lidar com as questões afetivas dos alunos, orientá-los e
encaminhá-los para o mercado de trabalho, orientações com relação à ética e à
moral, ajudá-los na formulação de um plano de vida, coisas que antes eram
somente delegadas às famílias. Essa situação pode seguir duas trilhas: uma rumo
à melhoria da prática, pois produz novas formas de ação; e outra que segue para
61
o empobrecimento da profissão docente, que prejudica seu desenvolvimento,
que ela se reduz à mera substituição da família.
Outros aspectos, segundo Tedesco e Tenti Fanfani (2004), que
prejudicam a função de ensinar do professor são os avanços da tecnologia e dos
meios de comunicação em massa. Nos dias de hoje, o conhecimento produzido
pela sociedade não é mais de posse dos professores; os livros não estão mais
somente nas bibliotecas. Com a globalização, a internet e a televisão, os saberes
estão disponíveis a qualquer um e a qualquer hora, caberia ao docente de hoje
saber como lidar com essas novas formas de acessar o conhecimento.
Os autores chamam a atenção para o fato do professor ser um
trabalhador como qualquer outro, que possui direitos e deveres a serem
cumpridos, mas que, muitas vezes, acabam institucionalizados ou sindicalizados;
o que interfere em sua prática, no desenvolvimento de sua autonomia como
profissional (TEDESCO e TENTI FANFANI, 2004).
De um modo geral, pode-se dizer que uma grande contribuição
trazida pelas reflexões e apontamentos feitos por esses autores; já que eles nos
põem em contato com a nova realidade vivenciada pelos professores, na escola.
Nos dias de hoje, a escola não se resume a somente ensinar, os professores
precisam estar preparados para enfrentar as diferenças existentes entre seus
alunos (nas relações entre aluno-professor e aluno-aluno), as influências internas
e externas sobre as práticas pedagógicas, as novas demandas que precisam ser
atendidas, entre tantas outras coisas. Por isso, o professor, para ser considerado
como um bom profissional, precisa ter competência técnica e autonomia, e saber
que há coisas a serem resolvidas que não lhe competem. Ele deveria reconhecer
outros profissionais que podem auxiliar nas demandas apresentadas pelos atores
escolares, como o psicólogo escolar, por exemplo, que teria como ajudar para
lidar com as questões da afetividade, do desenvolvimento, orientar os alunos
quanto ao projeto de vida, às questões referentes às relações estabelecidas com
o outro.
62
A nosso ver, esses o pontos que se ligam à formação do professor,
pois se tratam de aspectos que deveriam ser contemplados durante a formação
inicial, levando-se em consideração a historicidade do sujeito e da profissão.
A formação do professor é um assunto muito presente nos dias de
hoje, haja vista os resultados obtidos pelas avaliações escolares nacionais e suas
repercussões, na mídia falada e escrita, atribuindo-se aos professores e a sua
formação a responsabilidade pelo desempenho dos alunos.
Sabemos que, tão importante quanto a formação inicial, é a
continuidade dessa formação, buscando-se novos conhecimentos, novas formas
de atuar, para desenvolver uma prática que atenda às demandas da educação; a
fim de promover a apropriação pelos alunos dos conhecimentos e valores
socialmente produzidos. Esse processo é o que se denomina de formação
contínua ou continuada, desenvolvida nas escolas ou nos órgãos ligados às
Secretarias de Educação, conforme definição de Brzezinski (2006) e Gatti (2008),
que deixam claro que esse ainda é um conceito aberto aos movimentos culturais
e históricos e que a formação continuada não se limita apenas ao professor, mas
a todos que se envolvem no contexto da escola/educação.
A formação continuada se constitui de cursos de extensão
diversificados, desde os que oferecem um diploma profissional ao seu final,
oferecidos em nível médio ou superior, presencial ou a distância, pelas instâncias
federais, estaduais, municipais ou particulares, fazendo com que haja um âmbito
muito heterogêneo, quanto aos aspectos formativos, que não se exige nenhum
credenciamento para a oferta dos cursos (GATTI, 2008). Contudo, a nosso ver, a
formação continuada não pode ser resumida a esses cursos; ela deve ser
freqüente, acontecer a todo momento dentro da própria escola, possibilitando que
os professores troquem experiências de suas práticas e de seu conhecimento, em
espaços de discussão e de reflexão entre o grupo da escola.
Acreditamos que, para que esta formação se efetive, se faz necessária
uma vivência por parte desses professores das situações que permeiam a rotina
escolar, mudando a lógica da aprendizagem de que o professor não precisa mais
aprender e se implicar com seu próprio processo de desenvolvimento.
63
Para nós, essa formação é de grande importância, tendo em vista as
mudanças contínuas por que passa a sociedade. Perguntamo-nos: de que forma
ela é oferecida? Quem pensa, formula, esses cursos, programas ou espaços de
formação? A que realidade eles atendem? De que forma ela pode contribuir para
a prática docente? Em que medida esses cursos influenciam o desenvolvimento
da autonomia do professor? Essas questões e as anteriores serão as que
procuraremos refletir neste capítulo.
3.1 – Um pouco da história e do quadro atual da formação continuada
Em levantamento realizado por Brzezinski (2006), sobre as
dissertações e teses que tratam especificamente da formação dos profissionais
de educação, constata-se que houve um aumento significativo no número de
produções. Entre os anos de 1990 a 1996, foram encontradas 36 pesquisas que
se referiam à formação continuada; enquanto entre os anos de 1997 a 2002,
foram encontradas 115 pesquisas que abordavam este tema
5
.
Para a autora, esse crescente número de trabalhos se deu devido ao
aumento no investimento de políticas educacionais e, em decorrência disso, às
parcerias que foram sendo estabelecidas com as universidades e seus
professores/pesquisadores para aumentar a oferta de espaços para a formação
continuada.
Na última década, houve uma corrida a cursos de formação
continuada, fazendo com que inúmeros cursos passassem a ser oferecidos pelo
país, sobretudo nas regiões sul e sudeste. Esse movimento tem por base as
exigências que se tem produzido em torno da educação e do trabalho do
professor, as dificuldades enfrentadas no cotidiano escolar, as novas condições e
demandas da sociedade, os desafios colocados aos currículos e ao ensino de um
modo geral, entre tantos outros aspectos que influem na educação e,
conseqüentemente, a prática docente. “Criaram-se o discurso da atualização e o
discurso da necessidade de renovação” (GATTI, 2008, p. 58).
5
Para maiores detalhes desta pesquisa, por exemplo, os subtemas apresentados, acessar a obra
completa de Brzezinski (2006).
64
Gatti (2008) também aponta que a formação continuada foi colocada
em posição de destaque, em especial aqui no Brasil, pois se delegou a ela a
função de complementar a formação inicial precária, oferecida aos professores,
ficando de lado seu primeiro objetivo, que seria de aprofundar, ampliar e
aperfeiçoar o conhecimento dos professores, proporcionando aprimoramentos
das práticas docentes, inovações nas áreas, entre tantas outras coisas.
Outra função, ou poderíamos dizer finalidade, que se atribuiu à
formação continuada foi a de se constituir como um dos caminhos para a
superação do fracasso escolar. Tomando por base duas pesquisas etnográficas,
Souza (2006a), fala a respeito da relação entre o fracasso escolar e a formação
continuada dos professores.
Segundo esta autora, os cursos de formação continuada passaram a
ser oferecidos em grande quantidade, aproveitando o discurso da incompetência
docente. Fazendo relação com a discussão realizada por Gatti (2008), o que
podemos tirar do texto de Souza (2006a), que nos interessa, é que, na tentativa
de acabar com a defasagem existente na formação inicial e que acarretaria na má
qualidade da educação e no conseqüente fracasso escolar do aluno, a formação
continuada seria o caminho seguro a se percorrer em direção ao sucesso tanto de
professores quanto de alunos. E esse ponto pode ser observado nas pesquisas
citadas por ela.
Contudo, Souza (2006a) deixa claro que a culpabilização do professor,
sua rotulação de incapaz, mal formado, descomprometido, não justifica o fracasso
no desempenho dos alunos e na qualidade da educação. Poderia-se dizer que,
quanto mais competente o professor, maior a sua capacidade de lidar com as
diferenças existentes, em sua sala de aula. Essa questão da incompetência foi
verificada pela autora, durante a elaboração de sua tese, também existentes em
documentos da Secretaria de Educação, mostrando a importância dada ao
desempenho dos professores com relação à qualidade da educação.
O foco voltou-se para o professor e para a escola, tornando o conceito
de competência muito popular, entre os trabalhos acadêmicos e mesmo nos
meios de comunicação mais próximos ao senso comum, a partir do momento em
65
que se deixou de culpar o aluno e sua família pelo seu insucesso. Era preciso
achar um novo culpado, e entre todos os atores do contexto escolar (direção,
monitoras), o professor foi o mais afetado (SOUZA, 2006a).
A autora ainda aponta que a escola não tinha base para lidar com as
influências que o conceito de incompetência exercia sobre seus profissionais,
para lidar com as relações erroneamente estabelecidas, com as dificuldades
enfrentadas pelos professores, seja com os alunos ou com os colegas de
profissão. A formação continuada seria um caminho para a solução dessas
questões, se houvesse um mediador, um interlocutor, que pudesse olhar de outra
maneira para as relações existentes no contexto escolar, e auxiliasse aos atores
escolares a olharem de outra forma também. No entanto, é preciso ressaltar que
esse não é o único caminho, que não soluções gicas que dêem conta dos
problemas de uma hora para outra.
Vemos então, que nesse percurso histórico da formação continuada,
ela acabou perdendo seu principal objetivo, que seria, a nosso ver, promover o
desenvolvimento desses profissionais, proporcionar espaços de discussões sobre
as práticas pedagógicas, possibilitar contatos com novas teorias e conhecimentos
que embasassem essas práticas, realizar trocas de experiências entre os
docentes, entre outras coisas. Esses pontos nos levam a pensar nas relações
estabelecidas entre os professores, deles com a equipe técnica, de quem ministra
um curso de formação continuada, ou seja, dos que estão envolvidos nos
espaços de reflexão e desenvolvimento do profissional.
3.2 – As políticas de formação continuada
Para compreendermos o que acontece na formação continuada, é
preciso conhecer o caminho que vem sendo percorrido pelas políticas que
norteiam esse campo.
Tedesco e Tenti Fanfani (2004) pontuam que as políticas docentes
(assim chamadas por eles) precisam levar em consideração toda a complexidade
das situações presentes no cotidiano escolar. Para eles, uma política integral que
66
contemple as novas demandas da profissionalização docente, deve considerar a
formação do profissional, as condições de trabalho e de carreira às quais está
submetido e os sistemas de recompensas simbólicos e materiais, que são
oferecidos. A efetividade desta política será completa, se esses três pólos
forem contemplados em conjunto.
Podemos dizer que o fato de haver uma lei que regulamenta a
continuidade da formação dos professores não significa que ela se efetive de
maneira a atender às demandas da profissão. Assim como na formação inicial, é
preciso repensar a formação continuada em suas bases política, técnica,
humana e econômica – com o intuito de realmente provocar mudanças nas
práticas docentes. Ocorre que essas mudanças não deveriam estar a mercê do
mercado, não deveriam ser partidárias e ideológicas, continuar na reprodução e
simples transmissão do conhecimento, mantendo aqueles que estão a serviço da
educação na alienação, o que impossibilita que eles ofereçam aos seus alunos
uma formação crítica e consciente. O que deveria ser uma via de duas mãos
acabou tornando-se uma única forma de caminhar, mas um caminhar que não
leva a lugar nenhum, ou melhor, pode a levar, mas não promove o
desenvolvimento dos sujeitos – professor e aluno.
Dizemos isso porque, de acordo com a abordagem cio-Histórica, é
preciso, sempre, levar em consideração as características sociais, individuais,
culturais e econômicas, ou seja, todo o complexo contexto no qual o sujeito está
inserido, para se compreender seu desenvolvimento, e também porque se prega
que cabe ao professor levar em consideração essas características de seus
alunos. Sendo assim, ao pensar nos cursos de formação, oferecidos aos
professores, de se pensar também na realidade vivenciada por esses
profissionais, com qual tipo de material será mais fácil atingir esses professores,
qual seu modo de funcionar cognitivamente, quais são seus desejos e aspirações
e como se sentem os professores.
Burnier et allii (2007) também apontam a necessidade de se considerar
a história de vida dos professores em formação, o quanto isso influencia na
formação de sua identidade como profissional, na compreensão do que é a
docência e no trabalho a ser desenvolvido com seus alunos.
67
Vemos então, que, para os professores exercerem sua prática, levando
em consideração a história de vida de seus alunos e o contexto no qual se
inserem, é preciso que eles compreendam essa forma de trabalhar, vivenciando-
a. Não adianta exigir que se formem cidadãos conscientes e críticos dentro da
escola, se o próprio professor o aprendeu a trabalhar dessa forma, se esses
aspectos não fazem parte de seu contexto. Para nós, é aqui que entra a questão
da autonomia: como um professor que não é autônomo, que não teve uma
formação para a autonomia, pode formar alunos autônomos?
Santos (2003; 2004) também faz essa relação quando diz que os
cursos de formação continuada deveriam promover o desenvolvimento
profissional do professor, fazer com que ele reflita sobre sua prática, que atenda
às demandas vivenciadas por ele, em seu cotidiano e, não simplesmente, ser um
recurso para suprir as deficiências advindas dos cursos de formação inicial,
principalmente tratando dos mesmos assuntos. Ela defende que a forma como os
cursos de formação são oferecidos aos professores não promove sua autonomia,
pois eles estão dados e concretizados e não se abre espaço para os
profissionais emitirem suas opiniões, avaliarem o curso, entre outras coisas que
poderiam contribuir para um processo de formação bem mais rico. Nesse
caminho, as universidades acabaram por não formular cursos que realmente
produzissem mudanças nos professores e em suas práticas. Continua-se a
massificar o ensino oferecido, tanto aos professores quanto aos alunos,
impedindo que a autonomia seja desenvolvida e vivenciada pelos sujeitos.
Segundo a autora:
Não se pode abordar a autonomia do professor desconectada de
uma clara consciência do papel social e político que a escola
desempenha e de como se concretiza em cada caso. E isso
requer que cada vez mais possamos compreender como andam
os processos formativos dos professores em meio à
democratização da sociedade. (SANTOS, 2003, p.13).
vários estudos que dão conta dessa questão, ou seja, que refletem
sobre as políticas públicas para a formação continuada.
Primeiramente, o que achamos de grande importância ressaltar, é que,
seguindo a discussão do item anterior, as políticas educacionais não podem
68
voltar-se somente ao professor, é preciso considerá-lo como um sujeito
contextualizado, que não é o único que precisa ser afetado para que aconteçam
melhorias na educação; mas precisa-se voltar o olhar para a escola como um
todo (SOUZA, 2006a).
A LDBEN/96
6
, ao propor as mudanças na educação, trouxe, também,
propostas de reformulação para a formação do professor, em seu Título VI,
artigos 61 a 67.
No artigo 61, inciso I, é apontada uma questão muito importante para a
formação profissional: “a associação entre teorias e práticas, inclusive mediante a
capacitação em serviço”. Apresenta-se, também, a obrigatoriedade das
instituições de ensino superior oferecerem educação continuada aos profissionais
da educação em níveis diversos (artigo 63), e que essa formação continuada é
uma forma de valorização do trabalho docente, estando as instituições em que
eles desenvolvem seus trabalhos, obrigadas a liberá-los e remunerá-los, para que
se dediquem a essa formação (artigo 67). Cabe perguntar: o fato de estar prevista
em lei garante a existência e a qualidade dessa formação?
Rheinheimer (2007) aponta alguns aspectos sobre a questão política
da formação continuada, que podem ajudar em nossas reflexões. O que mais nos
chamou a atenção, em seu texto, é a consideração sobre a corrida que se iniciou,
na década de 90, pela busca de cursos de formação continuada. Essa formação
foi vista como solução para as defasagens encontradas e vivenciadas na
formação inicial oferecida aos professores. Contudo, a formação continuada não
solucionou os problemas, pois “[...] a formação em serviço continua atrelada aos
mesmos esquemas da formação inicial, pois o que está em crise e não atende
mais às expectativas é o modelo de formação de professores em geral”. (p. 18).
Outra autora que nos põe em contato com as normatizações existentes
sobre a formação continuada é Scheibe (2003). Ela discute a LDBEN e a Portaria
n. 1.403, de 9 de junho de 2003, que apresentam as transformações que vêm
ocorrendo no cenário da formação e avaliação dos professores. O que nos
interessa, neste texto, são as reflexões críticas feitas pela autora sobre o que está
6
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº 9.394 de 20 de dezembro de 1996, que
estabelece as diretrizes e bases para a educação nacional.
69
por trás das leis. Ela chama a atenção para o fato de que a formação do professor
se tornou uma questão mercadológica, apenas cumprimento de metas e da
conseqüente desqualificação dos cursos, pois as instituições passaram a oferecer
formações quase que puramente técnicas, que a carga horária foi
drasticamente diminuída; sem contar que, em nome da autonomia, o Estado
acabou delegando obrigações que seriam suas a outras instâncias, como as
próprias instituições superiores.
Um estudo mais recente, realizado por Gatti (2008), também aponta as
legislações que estão na base da formação continuada. Ela cita a LDBEN e seus
artigos 67 (já apresentado aqui), 40 e 87 que dizem respeito, respectivamente, à
educação continuada, como uma das ferramentas da formação profissional e da
responsabilidade dos municípios em oferecer capacitação aos professores.
A autora também traz as mudanças que a criação do FUNDEF (Fundo
de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do
Magistério) proporcionaram ao cenário da educação continuada, dando apoio
financeiro aos cursos de formação.
Outra questão apontada é quanto aos certificados emitidos pelas
instituições e sua validade. Ela está presente no parecer n. 908/98 do CNE
(Conselho Nacional de Educação). Gatti (2008), assim como Tedesco e Tenti
Fanfani (2004) apresentam o impasse gerado pela dificuldade de se reconhecer a
docência como uma profissão, como sendo um setor do mercado de trabalho
como qualquer outro ofício. Com isso, os gestores acabam por não atentarem
para as normatizações existentes e os cursos de formação continuada vão se
disseminando, sem qualquer critério de qualidade e de exigência.
a portaria do MEC de n. 1403 (citada acima quando da referência
ao texto de Scheibe), que estabelece os programas de incentivo à formação
continuada, a criação de uma rede nacional que oferece cursos; formando, assim,
centros de pesquisa e desenvolvimento da educação. No entanto, o aspecto mais
ressaltado desse documento, como também demonstrado por Scheibe (2003), é o
que seria o ponto inicial para melhorar a qualidade das ações para a formação,
com um exame nacional de certificação. As discussões centraram-se aqui, mas
70
depois, com a mudança de ministro, essas discussões acabaram sendo deixadas
de lado, e seguiram o caminho proposto pelo novo governo (GATTI, 2008).
Segundo Gatti (2008), com essa mudança, passou-se a olhar mais
para os cursos de formação oferecidos a distância e seu grande aumento nas
instituições privadas. Existem várias normatizações (portarias n. 4.361, de 2004;
n. 1 e n. 2 de 10 de janeiro de 2007; e o decreto de n. 5.773, de 9 de maio de
2006) que buscam qualificar esse tipo de formação, mas como ainda são muito
recentes (as mais significativas são desta década), ainda o se faz possível
avaliar os resultados e efeitos por elas causados.
Como exemplo de um curso de formação continuada, podemos
apresentar, assim como o fez Gatti (2003; 2008), o projeto “Proformação”
7
oferecido pelo Ministério da Educação (MEC) aos professores das regiões norte,
nordeste e centro-oeste, durante os anos de 2000 a 2002. Ele nos oferece alguns
aspectos interessantes para pensar a formação continuada. Segundo Gatti, o
objetivo desse curso era atender aos professores que lecionavam nessas regiões,
principalmente nas cidades mais afastadas, e promover mudanças e
desenvolvimento em suas práticas. O que nos interessa das articulações e dados
apresentados pela autora, no decorrer do texto, são os resultados que apontam a
importância de se levar em consideração o contexto, no qual o professor está
inserido para que se promovam as transformações.
Parece que o sucesso desse projeto se deve ao fato de os profissionais
que trabalharam com a formação, levarem em consideração a realidade de cada
professor e partirem disso para trabalhar. O resultado foi a real transformação do
sujeito e de sua prática; proporcionando o desenvolvimento com a aquisição de
novas formas de pensar, de valores e de ações. Nas palavras da autora:
Tudo isso reforça a idéia de que, para que mudanças em
concepções e práticas educacionais de professores ocorram, é
necessário que os programas que visam a inovações
educacionais, aperfeiçoamentos, atualizações tenham um
entrelaçamento concreto com a ambiência psicossocial em que
esses profissionais trabalham e vivem. (GATTI, 2003, p. 203).
7
Para maiores esclarecimentos e aprofundamento ver Gatti (2003).
71
O que podemos compreender de tudo o que foi dito até agora e que faz
relação com as teorias que darão base às análises, é que não se pode destacar o
professor do social, da cultura na qual se insere, do seu contexto de trabalho. Se
quisermos que os alunos sejam formados para a autonomia, é preciso que sejam
formados professores autônomos. Faz-se necessário dar voz ao professor e não
simplesmente impor-lhe regras e exigir que sejam cumpridas, ou impor-lhe uma
formação que não tenha nenhum significado e sentido para ele, que o faça
parte do que ele vive, no complexo contexto escolar.
Para Gatti (2008), a legislação não nasce de um simples momento em
que se resolve fazer alguma coisa, não surge de modo repentino, ao contrário, ela
tem toda uma base histórica, é resultado de um processo que está cheio de
impasses, dúvidas, obstáculos, questionamentos. Elas são criadas como forma de
tentar encontrar caminhos, para que essas questões, de cunho social, tenham
uma base a ser seguida, saibam onde se apoiar para seguir em frente.
Vê-se então que, assim como o professor deve ser considerado como
um sujeito histórico, as legislações também precisam ser vistas e compreendidas
de acordo com o momento em que foram criadas, dos motivos sociais e políticos
que estão por trás de sua elaboração.
3.3 – A formação continuada em Campinas
Pensamos que, depois dessa explanação que apresenta a formação
continuada, em um contexto global, faz-se necessário apresentar como ela
acontece no município em que a escola pesquisada se localiza, que
destacamos a todo o momento a importância da contextualização. As informações
a seguir foram passadas pelos professores e pela vice-diretora, durante as
entrevistas, e retiradas do Projeto Pedagógico da Escola e também do site da
Secretaria de Educação.
Faz-se necessário, primeiramente, apresentarmos como a educação se
estrutura, na rede municipal. A Secretaria de Educação se compõem de vários
departamentos, cada qual com sua função e seu responsável. Entre esses
72
departamentos, um denominado Departamento Pedagógico (DEPE), que
possui um coordenador que, de acordo com o site da Secretaria, tem como
função desenvolver o projeto político pedagógico do município, oferecendo
suporte para que cada unidade escolar desenvolva o seu próprio projeto,
buscando uma educação transformadora, conforme consta no site da Secretaria.
Ele deve, também, se manter em contato com os Núcleos de Ação Educativa
Descentralizada (Naeds) de acordo com as informações adquiridas na escola.
Podemos dizer que esses núcleos foram criados com o objetivo de descentralizar
a educação, propiciando que a administração esteja mais perto das escolas, ou
seja, para que houvesse setores administrativos mais perto da realidade de cada
escola e das comunidades atendidas para que a política se fortaleça. Cabe a
esse departamento também “estabelecer um programa de formação continuada
que possibilite aos profissionais da rede uma permanente atualização e produção
de conhecimentos e saberes” (site da Secretaria da Educação).
Vemos, aqui, a intenção da rede municipal em oferecer programas de
formação que possibilitem o desenvolvimento da prática docente, na medida em
que apresentam a idéia dos professores estarem em contato permanente com
novas práticas e que produzam conhecimentos.
Apesar de o DEPE coordenar os cursos de formação continuada, eles
são oferecidos aos professores por intermédio de um centro ligado à Secretaria,
chamado de CEFORMA (Coordenadoria Setorial de Formação). Esse
departamento da secretaria da educação é o responsável pela organização,
divulgação e realização dos cursos que são oferecidos para os professores e
equipes gestoras. Os cursos abrangem várias temáticas, como, por exemplo,
alfabetização, a cultura africana, informática, e podem ser chamados de cursos ou
de grupos de trabalho.
No início do ano letivo, o CEFORMA repassa às escolas uma lista com
todos os cursos, que serão oferecidos, e fica a critério de cada professor decidir
se irá ou não fazer os cursos, e quais lhe interessam mais. Os ministrantes
podem ser os próprios professores da rede que tenham alguma especialização (e
são remunerados para isso) ou, às vezes, são firmadas parcerias com outras
instituições, por exemplo, a UNICAMP.
73
Os cursos são gratuitos, mas cada educador arca com as despesas de
transporte e alimentação.
De acordo com a vice-diretora, antigamente os cursos oferecidos não
eram muito bons, mas com o tempo eles foram ganhando mais qualidade e agora
são bem proveitosos. As professoras também disseram que gostam dos cursos,
apesar de também reconhecerem que nem sempre acrescentam novidades em
sua prática.
Outro espaço utilizado para a formação continuada dos professores
são as reuniões semanais, chamadas de Trabalho Docente Coletivo (TDC). A
vice-diretora e o antigo orientador pedagógico estavam preocupados em melhorar
esse espaço, que, muitas vezes, ele é utilizado para resolver questões
administrativas (ponto de vista compartilhado pelos professores). A intenção deles
era promover melhorias nas práticas pedagógicas, possibilitar aos professores o
contato com novas metodologias. Algumas vezes são levados alguns professores,
ou alguém que realiza um trabalho diferenciado, para falar com os professores,
apresentar suas idéias. No Projeto Pedagógico, encontramos descrito o
planejamento que a equipe gestora fez, em conjunto com os professores, para
organizar e encaminhar essas reuniões, como espaço de formação continuada:
Os momentos de TDCs serão momentos de reflexão, discussão e
formação. A importância dessa reflexão está na oportunidade de
os professores avaliarem sua prática, trocarem experiências com
os colegas, aprofundarem conhecimentos relativos ao processo
de ensino e planejarem ações a curto e médio prazo. São
momentos de estudos, revisão do Projeto Pedagógico da escola,
seleção de materiais visando o aprimoramento de técnicas e
procedimentos para melhorar as aulas e também o
relacionamento entre o grupo e professor-aluno. (p. 40 do Projeto
Pedagógico)
Para que as reuniões tivessem esse movimento, estabeleceu-se, em
concordância com o corpo decente, que se seguiria a seguinte organização
durante o mês: uma reunião seria utilizada para que o planejamento de cada série
fosse retomado; outra reunião seria para fazer avaliações diagnósticas das
classes e planejar atividades e eventos; uma terceira reunião seria para a
formação continuada, com a utilização de textos para serem discutidos; e, por fim,
uma reunião que se destinaria a estudo de caso. Logo, a formação continuada em
74
serviço está prevista no Projeto da escola e podemos continuar a indagar sobre o
porquê de não se realizar o que está planejado.
Há, também, em andamento na escola, um projeto que desenvolvemos
com esses professores quinzenalmente nos TDC, em que discutimos com eles
questões sobre a afetividade, a sexualidade, os valores e a aprendizagem. Esses
temas foram apresentados como demanda dos professores após a realização de
uma avaliação diagnóstica da escola, no segundo semestre de 2007. Os
resultados obtidos com esse projeto, têm se mostrado satisfatórios, que os
próprios professores e a equipe gestora manifestam-se freqüentemente,
elogiando a maneira como ele tem sido realizado; declarando que têm se
constituído como espaço para os professores refletirem sobre si e sobre suas
práticas. No entanto, este trabalho ainda está em fase inicial e acreditamos que
poderá trazer benefícios aos professores, caso tenha seqüência nos próximos
anos.
De acordo com a vice-diretora, nem todos os professores possuem
interesse em participar dos programas de formação continuada na escola, dando
o exemplo de que, no ano de 2008, somente ela e mais seis professores
participaram de cursos. Os professores também se justificam dizendo que muitas
vezes os horários em que as aulas são ministradas não são compatíveis com o
horário de trabalho deles, e a vice-diretora também reconhece esse fato.
Os professores disseram que, anteriormente, eles tinham mais
incentivos para participar dos cursos de formação continuada, sendo até
remunerados para isso; no entanto, com a implantação da Carga Horária
Pedagógica (CHP destinada ao trabalho de reforço com os alunos), no ano de
2008, eles tiveram que optar: ou fariam os cursos oferecidos pela rede, mas não
seriam remunerados por isso, ou fariam esse trabalho de reforço, recebendo
pelas horas. A maioria acabou optando pelo reforço, pois, assim, não teriam
alterações em seus salários. Esse é mais um fato que demanda analisar, em que
medida um trabalho de reforço com os alunos pode ser produtivo se o que o
mobiliza é a remuneração e não a avaliação crítica de sua importância para a
melhoria dos processos de ensino e aprendizagem. como ilustração, nesta
escola, 50% dos alunos freqüentam aulas de reforço.
75
Capítulo 4 – Metodologia
4.1 – Considerações sobre a pesquisa – aproximando idéias
O presente trabalho insere-se na abordagem qualitativa de pesquisa,
uma vez que visa a estudar a complexidade presente nas relações que se
estabelecem na escola e toma por base as teorias sócio-históricas, que postulam
o sujeito como complexo, constituído nas e pelas relações empreendidas no
contexto. Trata-se de lançar o olhar para além do evidente, do que se expressa,
rumo à explicação dos fenômenos e não apenas da descrição do observável.
A pesquisa em Psicologia Educacional vem seguindo o caminho
apontado pelos novos paradigmas da ciência pós-moderna, como forma de
atender à demanda apresentada pelas Ciências Sociais, ressaltando a
necessidade de se atentar para as diversas realidades existentes (SCHNITMAN,
1996; GATTI, 1999b; MALUF, 1999).
De acordo com Maluf (1999), esse novo paradigma possui quatro
características: junção das Ciências Naturais com as Sociais, para, assim,
progredirem juntas; superação do reducionismo e produção de um conhecimento
que seja total e local, levando em consideração a pluralidade existente no campo;
a idéia de que todo conhecimento produzido e existente é um autoconhecimento,
levando em consideração a característica de cada um, possibilitando assim que o
mundo seja contemplado; e, por fim, que a ciência moderna leva em consideração
o senso comum. Além dessas quatro características, é importante também
considerar a cultura, que esta se apresenta como um vasto campo de pesquisa
para a Psicologia.
Essa forma de se fazer pesquisa se contrapõe ao que, segundo Cosmo
(2006), a Psicologia vem praticando, à semelhança das demais Ciências
Humanas, que deixaram de considerar o homem como um todo, pertencente a
um contexto permeado por relações históricas, sociais e culturais, assumindo a
perspectiva da neutralidade, e o pesquisador visto como alguém que não poderia
76
influenciar e nem ser influenciado pelo objeto de pesquisa, devendo permanecer
distante.
Nesse mesmo caminho, Aguiar (2007b) esclarece qual deveria ser a
atitude do pesquisador que se insere nessa perspectiva, frente aos fatos a serem
pesquisados: a realidade não deve ser somente descrita, mas explicada. A
pesquisa precisa ser vista como um processo em construção do conhecimento,
do dado e do sujeito, apreendendo os sentidos que são atribuídos por ele. Faz-se
necessário, também, considerar que o sujeito, ao mesmo tempo em que é
individual, é social e histórico, e se constitui desses aspectos. Nas palavras da
autora:
ao levar em conta a realidade social poderemos explicar um
movimento que é individual e ao mesmo tempo social/histórico.
Nossa tarefa consiste, portanto, em apreender a forma como
nossos sujeitos configuram o social, um movimento que sem
dúvida é individual, único e ao mesmo tempo histórico e social.
(p. 139).
Vemos, então, que a idéia que se tinha da pesquisa, como algo
estanque, que o campo tinha os dados prontos a serem investigados e que o todo
não precisava ser olhado, não atende mais às demandas das pesquisas
realizadas em Ciências Humanas nos dias de hoje. Por entendermos a pesquisa
dessa forma, é que adotamos a Psicologia Sócio-Histórica, e seu principal
representante, como base teórica deste trabalho; pois Vigotski nos ajuda a
compreender o sujeito constituído e constituinte de seu contexto.
Acreditamos na não-neutralidade do pesquisador, na construção do
dado ao longo da pesquisa, no estabelecimento de relações entre as
subjetividades nela produzidas, na complexidade do campo e na totalidade do
sujeito. Assim como os atores da escola, o pesquisador também passa a fazer
parte do contexto e a participar da realidade vivida e observada. A atenção do
pesquisador deve voltar-se, também, para a história do sujeito pesquisado, para o
social em que está inserido, aos sentidos que ele atribui ao que é vivido.
Uma pesquisa que se insere na abordagem qualitativa, para nós, deve
levar em consideração que o pesquisador, ao inserir-se no campo, está
causando mudanças, ao mesmo tempo em que se modifica. Não possibilidade
77
de não se sentir tocado pelas situações presenciadas e também de não provocar
algo nos sujeitos, nem que seja a indiferença.
No cotidiano escolar, encontramos um campo fértil para esse tipo de
pesquisa, por caracterizar um contexto constituído pela diversidade. No espaço
educacional, vivenciado seu dia-a-dia, o pesquisador poderá lançar mão de
estratégias que o aproximem das interações sociais estabelecidas.
A pesquisa qualitativa permite uma visão desse todo, dessas relações,
mesmo que o pesquisador vá com um recorte pré-estabelecido para o campo.
Isso não impede que se observem os detalhes, que se aproxime dos sujeitos, que
se compreenda a escola em todos os seus aspectos. Essas idéias nos remetem
ao texto André (2005), quando ela aponta que a escola deveria ser vista e
compreendida “como um espaço social em que ocorrem movimentos de
aproximação e de afastamento, onde se produzem e reelaboram conhecimentos,
valores e significados” (p. 15).
Foi com esse olhar, com essa visão de pesquisa, que adentramos
nesse campo, buscando apreender, da melhor maneira possível, o seu todo.
4.2 – Conhecendo o campo e seus sujeitos
A escola localiza-se em um bairro de periferia, na região noroeste da
cidade de Campinas, e atende a uma população economicamente menos
favorecida. vários alunos de inclusão. De acordo com o projeto pedagógico,
muitos pais trabalham na informalidade. também os que trabalham no
comércio ou como empregadas domésticas, e os que possuem pequenos
negócios no bairro. Os alunos, em sua maioria, não possuem computador em
casa, e declaram freqüentar uma lan house existente no bairro.
O espaço físico da escola é composto de doze salas de aula, refeitório,
cozinha, uma quadra coberta, um parque com alguns brinquedos infantis
(escorregador, tirolesa, etc.), uma sala de informática, uma biblioteca, um
laboratório de ciências (que antes era a sala de artes), uma sala em que são
guardados os materiais para a Educação Física, duas salas de apoio (nas duas
78
salas realizam-se as reuniões dos professores, e em uma delas também é feito o
reforço dos alunos), sala de jogos e atendimentos aos alunos com necessidades
especiais, sala da direção, sala dos professores, secretaria e banheiros. As salas
e os demais espaços são pequenos, e quando estão com alunos ou professores a
sensação é de que falta espaço.
Seu funcionamento se em quatro períodos: manhã, das 07:00 às
11:00 horas; intermediário, das 11:00 às 15:00 horas; vespertino, das 15:00 às
19:00 horas; e noturno, das 19:00 às 22:00 horas. Observa-se que não
intervalo entre a saída de um período e a entrada do outro; o que resulta em
grandes transtornos no dia-a-dia. No entanto, a escola se organizou dessa
maneira, devido à grande demanda por vagas e, segundo o diretor, ainda assim
não consegue atender a todos os pedidos, mesmo que dividindo a demanda com
uma escola estadual também localizada nesse bairro.
O número total de alunos, no ano de 2008, é de 1307, mas que vai
variando no decorrer do ano letivo, sendo distribuídos da seguinte maneira: no
período matutino são 327; no intermediário, 383; no vespertino são 375; e no
período noturno são 222. Em média, as salas de aula têm de 25 a 30 alunos.
Os alunos, em sua maioria, moram no bairro em que a escola se
localiza. Quando não, moram nos bairros que se encontram ao redor desse. Os
que moram próximos à escola costumam ir à pé, acompanhados de familiares,
sozinhos, ou, às vezes, em grupos. Os que moram mais distantes costumam ir de
transporte coletivo ou vans escolares.
O bairro, como dito anteriormente, é habitado por uma população
economicamente carente e, segundo informação obtida com a vice-diretora e no
projeto pedagógico, parece que foi sendo formado, ao longo dos anos, por
famílias de outras regiões do país, que migraram para a cidade de Campinas.
Ainda, segundo os professores e a equipe gestora, muitos pais trabalham o dia
todo, por isso, não conseguem acompanhar a vida escolar dos filhos.
A jornada de trabalho dos professores é variável, a depender da
disciplina e do ano em que lecionam. Ela inclui, além das horas-aulas, as reuniões
dos professores (TDC), o projeto de reforço (CHP Carga Horária Pedagógica,
79
que foi instituída este ano, mas ficou a critério dos professores aderirem ou não),
horário para trabalhar com os alunos e atender aos pais (TDI Trabalho Docente
Individual) e , também, as horas projeto (HP), em que os professores são
remunerados para desenvolverem projetos com os alunos ou participar de cursos
de formação continuada
8
. três situações em que os professores são
contratados: os efetivos, que são concursados; os contínuos, que ficam na escola
para substituírem quando falta de professores; por processo seletivo,
(professores contratados para suprir a falta de docentes da rede quando não
concursos). Eles são rotativos, ou seja, não estão na mesma escola todos os
anos. Os professores que foram reajustados judicialmente (de acordo com a vice-
diretora, eram professores que prestavam serviço para a prefeitura sem ter um
contrato de trabalho, mas devido a uma brecha na lei, entraram na justiça e
conseguiram garantir seus cargos) também são rotativos.
Eles se dividem da seguinte forma: 20 estão no período da manhã; 22
no intermediário; 25 no período vespertino e 8 no noturno, resultando em 77
professores no total. Desse total, 5 professores encontram-se afastados da
escola. No projeto pedagógico, a informação de que há 19 professores de a
4ª série. Há, também, duas professoras de Educação Especial.
O organograma da escola se completa com o seguinte quadro: um
diretor; dois vice-diretores (uma que atende aos períodos matutino e intermediário
e outro que atende aos períodos vespertino e noturno); uma orientadora
pedagógica (O.P. essa orientadora passou a integrar o quadro da escola no
mês de julho de 2008, após a escola ter ficado 6 meses sem este profissional,
pois o orientador anterior assumiu outro cargo na rede municipal); uma assistente
administrativa; um inspetor; 4 serventes; 6 agentes de apoio organizacional; 2
guardas e 4 cozinheiras.
No projeto pedagógico, encontramos a descrição da função da equipe
gestora e o plano de trabalho do orientador pedagógico para o ano de 2008. A
primeira teria como função a manutenção e conservação da estrutura física,
construir um laboratório de Ciências, murar a escola, comprar materiais
8
Apesar dessas horas projetos estarem, no Projeto Pedagógico, como podendo ser destinadas à
formação continuada remunerada, não foi isso que constatamos na escola.
80
pedagógicos, promover a articulação da escola com a comunidade, organização
do TDC com temas e, seguindo um cronograma, organizar o cronograma geral da
escola, cuidar das questões financeiras, além da coordenação do conselho de
escola.
Quanto ao orientador pedagógico, seu trabalho seguiria um plano que
envolve reuniões semanais com a direção para discussão das questões
pedagógicas; reuniões semanais com os professores; acompanhar os
planejamentos; orientar os professores, seja coletiva ou individualmente, sobre a
prática docente; elaborar o projeto pedagógico de acordo com as políticas
educacionais; atender aos pais; orientar os alunos, buscando atendê-los em seus
aspectos bio-psico-emocionais; orientar os professores em suas ações
pedagógicas, seja nos planejamentos, nas avaliações e nas atividades a serem
desenvolvidas.
Os participantes
Para a realização deste trabalho, foram entrevistados cinco
professores, sendo duas do ano do ciclo I, uma do no do ciclo II, uma
professora e um professor de 5ª a 8ª séries, além da vice-diretora. Os professores
foram escolhidos considerando-se o tempo de exercício da docência, fazendo-se
opção por aqueles que tivessem mais experiência e buscando abranger
representantes de ambos os segmentos do ensino fundamental. Também levou-
se em conta a disponibilidade e o desejo dos professores em participar da
pesquisa. Outro fato norteador da escolha, que decorreu das observações que
fazíamos do grupo, foi escolher professores considerados pela gestão como mais
eficientes e menos eficientes, buscando abranger a diversidade presente no
contexto.
A entrevista com a vice-diretora se deu pela necessidade de nos
aproximarmos ainda mais do cotidiano escolar, agregando um ponto de vista
diferente dos professores para a compreensão desse contexto.
Olhemos mais de perto esses sujeitos.
81
Professora Lúcia
9
: formada em Letras, exerce a docência 16 anos
e está na rede municipal 9 anos. Iniciou sua carreira em escola do
Estado, indo depois para a rede municipal. começou na educação
de adultos por meio da FUMEC, um projeto da prefeitura que visa a
alfabetização e a inclusão social. Lecionou também na antiga 4ª
série. Esse foi seu primeiro ano nessa escola como professora
alfabetizadora no 1ª ano do ciclo I.
Professora Sandra: formada em Pedagogia e leciona há 9 anos na
rede municipal e8 anos na escola particular. Lecionou nas antigas
e séries, passando depois para a alfabetização no ano do
ciclo I. Pertence ao quadro dessa escola há 7 anos.
Professora Maria: iniciou sua carreira na docência na década de 70,
na rede estadual, onde ficou por 28 anos, chegando a exercer a
função de diretora. Aposentou-se, mas, depois de um ano da
aposentadoria, resolveu prestar o concurso da Prefeitura por dois
motivos: por não ter se adaptado com a nova vida e por questões
financeiras. Está na rede municipal há 8 anos, quando ingressou
nessa escola. Formou-se em Pedagogia.
Professora Carmem: iniciou sua carreira na rede estadual. Formou-se
em Letras. Professora 16 anos, atua na rede municipal 8 anos
e nessa escola está 5 anos. Ainda é professora da rede estadual.
Neste ano, ela dá aulas de Português para a 6ª serie, nessa escola.
Professor Luiz: formado em Economia, Letras e Pedagogia. Leciona
a disciplina de Português no Ensino Fundamental. Neste ano, tem
classes da 5ª série. Está nessa escola há 20 anos, mas deu aulas em
outras escolas anteriormente, estando na rede municipal há 22 anos.
Vice-diretora Denise: formada em Pedagogia, com especialização em
Educação e Psicopedagogia. Está na rede municipal há 17 anos,
tendo começado como professora substituta na Educação Infantil,
9
Os nomes utilizados são fictícios.
82
ficando assim até 2000, quando se efetivou. Em 2003, assumiu o
cargo de vice-diretora, também em escola de Educação Infantil,
assumindo há 1 ano e meio o cargo de vice-diretora nessa escola.
Esses são os professores que nos concederam as entrevistas e a vice-
diretora, representando a equipe gestora. No entanto, vale lembrar que todos os
outros professores e a equipe gestora, em sua completude, participaram dessa
pesquisa, pois, em nossas observações, principalmente nos TDCs, eles estavam
presentes, fosse falando ou apenas em seus cantos, mas contribuíram para a
construção dos dados apresentados.
Relações estabelecidas com o contexto escolar
O primeiro contato com essa escola se deu por meio da orientadora
dessa pesquisa que, por conta do estágio supervisionado, exigido na graduação
do curso de Psicologia, precisava encontrar um campo de atuação e, ao firmar o
contrato com a equipe gestora, a escola abriu-se como um campo de atuação dos
estagiários (que tinham por objetivo fazer uma avaliação diagnóstica) e de
pesquisa para mim.
Minha entrada, na escola, deu-se em outubro de 2007, apenas como
observadora das reuniões dos professores (TDC). Participava toda semana das
duas reuniões: das professoras do ciclo I e dos professores de a séries.
Durante os três meses desse ano, não consegui estabelecer vínculo com os
professores. Toda reunião, ficava sentada em um canto, apenas observando, e
nunca se abria um espaço para que eu pudesse falar. Quando chegava à escola,
nem todos me cumprimentavam, e os que o faziam, às vezes, parecia que era
com desconfiança. Muitas vezes, me sentia ignorada.
Minhas observações estavam direcionadas ao meu interesse, na
escola, que era poder desvelar alguns aspectos da autonomia docente, mas pude
aprender muito. Vários assuntos eram tratados nessas reuniões: questões
administrativas; dificuldades encontradas no cotidiano; sentimentos dos
professores; as relações estabelecidas; ou seja, toda a complexidade desse
contexto se revelava naquelas reuniões. Essas observações foram anotadas em
83
um diário de campo com todos os detalhes possíveis, para que depois os dados
obtidos pudessem ser organizados de uma forma mais sistematizada.
No final do ano de 2007, o resultado da avaliação diagnóstica, feita
pelos estagiários, apontou demandas que precisariam ser mais prontamente
atendidas, como os problemas de afetividade, aprendizagem, sexualidade e
indisciplina (que ligamos à questão dos valores). Partindo disso, propusemos à
equipe gestora que, em 2008, realizássemos um trabalho com os professores,
nos TDCs, para podermos discutir e refletir sobre essas questões, trazendo textos
teóricos como base, realizando dinâmicas e abrindo um espaço para que os
professores pudessem falar de si e de suas práticas.
Contudo, não foi possível começar o projeto no início de 2008, mas
continuei a participar das reuniões. O esquema havia mudado, os professores se
dividiram em dois grupos: um grupo realizava o TDC às segundas-feiras e havia
professores de ciclo e de a série. A mesma coisa acontecia às quartas-
feiras. Esses grupos se subdividiam, sendo que as professoras do ciclo ficava em
um espaço e os professores de 5ª a séries ficavam em outro. Somente quando
havia algum aviso geral era que os professores se reuniam em um mesmo
espaço.
Essa organização ficou um pouco confusa, tanto para os professores
quanto para a equipe gestora, em especial para o orientador pedagógico, que
tinha que se dividir entre os grupos e, algumas vezes, o havia tempo para
atender a todos. O orientador pedagógico, por conta de um concurso interno da
rede municipal, acabou saindo da escola e assumindo outro cargo. Isso complicou
um pouco mais a situação, os professores sentiam muito sua falta e demandavam
da direção, o que resultou em sobrecarga da vice-diretora. Em julho de 2008, na
última semana de aula, chegou uma nova orientadora pedagógica.
Iniciamos o projeto, que estamos chamando de extensão, com os
professores, em maio de 2008, e a mudança no comportamento deles com
relação a minha presença foi visível, principalmente após as conversas com a
orientadora dessa pesquisa. Fiquei responsável por conduzir o TDC dos
professores que se reúnem às segundas-feiras. Acredito que, a partir desse
84
momento, em que eu pude falar e ser escutada, eles compreenderam um pouco
melhor qual era meu papel dentro: não o de julgá-los, mas de montarmos uma
parceria que promova o desenvolvimento de todos, deles como profissionais da
Educação e meu como profissional e pesquisadora em Psicologia.
Realizei observações ajunho de 2008, mas continuo a participar do
projeto, trabalhando com os professores nos encontros de segunda-feira.
As entrevistas foram realizadas no final do mês de junho e início de
julho do ano de 2008.
4.3 – Delineamento da pesquisa
O método por nós adotado segue a idéia que apresentamos no início: o
da construção dos dados ao longo da pesquisa, que eles não são dados a
priori, e a sistematização desses dados foi realizada ao longo da pesquisa, de
acordo com as informações que fomos acessando.
Construção das informações
Os dados foram coletados nas reuniões dos professores, TDC
(trabalho docente coletivo), que aconteciam semanalmente, com a intenção de
observar e apreender as relações estabelecidas entre eles e a equipe gestora
(direção e orientação pedagógica), dos professores entre si, dos professores com
os alunos, e dos professores e da equipe gestora com a rede municipal de ensino
(Sistema de Ensino, Secretaria de Educação, departamentos da secretaria). As
observações também foram feitas no refeitório, que fica em frente à sala da
direção e à sala dos professores, com o intuito de observar, também, essas
relações em outros espaços.
Para a coleta de dados, utilizamos os seguintes instrumentos: registro
das observações em um diário de campo; gravações em áudio das entrevistas
realizadas com os professores e com a vice-diretora, e a análise de alguns
documentos, como o projeto pedagógico da escola, além de informativos e textos
que foram distribuídos nas reuniões para os professores.
85
Elegemos aqui, assim como Lüdke e André (1986), a entrevista como
nossa principal fonte de coleta de dados, que ela permite que haja uma maior
interação entre o pesquisador/entrevistador e o pesquisado/entrevistado. Apesar
disso, essa não é uma tarefa fácil, pois o pesquisador deverá ser capaz de
proporcionar a criação de um clima que se torne favorável e deixe o entrevistado
à vontade para responder às perguntas.
Essas autoras ressaltam que o esquema mais adequado para se
realizar uma pesquisa são os que atendem a formas mais livres, flexíveis, que
não tornam o pesquisador preso a um roteiro pré-estabelecido. Sendo assim,
neste trabalho, adotamos o esquema de entrevista semi-estruturada “que se
desenrola a partir de um esquema básico, porém não aplicado rigidamente,
permitindo que o entrevistador faça as necessárias adaptações” (p. 34).
Para a realização das entrevistas, utilizamos um roteiro (anexos B e C)
baseado na proposta de André (2005), sobre as quatro dimensões interligadas
que se mostram presentes e necessárias para conhecer, de um modo amplo, o
cotidiano escolar, em todas as suas faces, revisitando seu movimento,
reconhecendo todas as práticas existentes. Essas relações são denominadas:
subjetiva/pessoal; institucional/organizacional; instrucional/relacional; e
sociopolítica.
A dimensão subjetiva/pessoal envolve conhecer o sujeito em todos os
seus aspectos, isto é, sua história, suas práticas, suas representações sociais, os
sentidos e significados que ele atribui ao cotidiano vivenciado na escola. O estudo
desta dimensão possibilita que se entre em contato com o sujeito, que ele
exponha suas opiniões e concepções.
Na dimensão institucional/organizacional, podemos identificar a
maneira como a escola está organizada, ou seja, tudo o que envolve o trabalho
desenvolvido pelos agentes e que transforma a vida da escola, suas relações e
seu trabalho pedagógico. Para se ter informações sobre estes aspectos, faz-se
necessário um contato direto com a equipe técnica da escola, com o corpo
docente, alunos, enfim, todos que fazem parte da instituição, incluindo a análise
de documentos que afetam as práticas desenvolvidas.
86
Ao estudar a dimensão instrucional/relacional, tomamos contato com a
relação estabelecida entre professor-aluno-conhecimento, a partir do momento
em que se olha para o material e técnicas utilizadas em sala de aula, o conteúdo
transmitido e ensinado, levando em consideração a história concreta de cada
sujeito envolvido nesse processo, “pois assim se poderá compreender como a
escola vem concretizando a sua função socializadora e educativa” (p. 18).
Por fim, a dimensão sociopolítica é a que nos permite conhecer em um
nível mais profundo a prática da escola, pois nos põe para investigar a totalidade
e a complexidade presentes no cotidiano escolar e como o momento histórico e a
cultura, as forças políticas e os valores da sociedade influenciam essas práticas.
Os dados foram coletados semanalmente durante 9 meses, entre
outubro de 2007 e junho de 2008.
Ao observarmos as reuniões, fazíamos anotações gerais em um
caderno utilizado como diário de campo, para que pudesse facilitar, após esse
momento uma descrição detalhada das situações vivenciadas. Esse meio foi
adotado pelo fato de a reunião ser muito movimentada, tornando impossível que
se fizesse relatos longos naquele momento. Ao sair da reunião, montávamos um
relato detalhado das reuniões, procurando elementos que estivessem
relacionados com o objeto da pesquisa de que maneira a autonomia estava
presente na prática docente. Desses relatos, escolhíamos as situações mais
representativas do dia e as destacávamos. Os documentos aos quais nos foi
possível ter acesso e ficarmos com um exemplar, foram anexados ao diário de
campo.
Refazer o que havíamos observado, completando as anotações, nos
possibilitou ir sistematizando os dados, pensando em como eles poderiam ser
melhor organizados.
Buscando uma visualização geral dos dados, procedemos da seguinte
maneira: olhamos nas entrevistas e nas observações realizadas, os elementos
que se ligavam à autonomia, tomando por base a pergunta da pesquisa o que o
professor entendia por autonomia?
87
A construção da análise
Em um primeiro momento fizemos várias leituras dos dados, em busca
de indicadores sobre a autonomia do professor e montamos um quadro (anexo D)
com trechos de falas dos professores, retiradas das entrevistas e de trechos do
diário de campo, chegando as seguintes categorias: autoridade, responsabilidade,
liberdade, abandono, valores, emancipação, auto-regulação, organização e
participação nas decisões.
Entendemos que essas categorias se relacionam à autonomia, seja por
permitir ou impedir sua promoção, como aparecem nas falas de todos os atores
entrevistados. Ao fazer este movimento, foram aparecendo algumas contradições,
fossem nas falas dos professores ou nas falas da vice-diretora.
Nem todas as falas colocadas no quadro foram utilizadas, pegamos
aquelas mais representativas do que queríamos demonstrar na análise, que de
um certo modo resumiam os aspectos que gostaríamos de destacar.
Olhando mais de perto para as categorias, enxergamos a possibilidade
de transformá-las em três, a serem trabalhadas na análise, quais sejam:
organização e participação nas decisões; autoridade e responsabilidade;
emancipação e auto-regulação.
Primeiramente, pensamos em fazer uma análise que mostrasse a visão
dos professores, da vice-diretora, enquanto representante da equipe gestora, e da
pesquisadora, como observadora de todo esse cenário, sobre a autonomia na
escola. Pretendíamos com isso, analisar as diferentes posições existentes dentro
do contexto escolar e que poderiam, ou não, impedir o desenvolvimento da
autonomia. No entanto, ao iniciarmos a análise, percebemos que dessa maneira
não conseguiríamos abarcar todos os aspectos necessários para nossa
discussão, pois fracionaria muito os sujeitos e suas percepções.
Contudo, foi fazendo isso que notamos ser possível dar um movimento
a esses dados. As falas dos professores, da vice-diretora e as observações
anotadas demonstram aproximações e oposições, a depender do aspecto
88
considerado. Assim, decidimos fazer uma análise que colocasse esses aspectos
em evidência.
89
Capítulo 5 – Os Lugares e Não-Lugares da Autonomia na Escola
A presente pesquisa tem por objetivo responder à pergunta: o que o
professor entende por autonomia?
Iniciamos o trabalho levantando a seguinte hipótese: o professor,
inserido em um contexto permeado por influências de diversas instâncias e
naturezas, teria dificuldades para desenvolver suas atividades com autonomia e
pensar autonomamente. Esta condição constituir-se-ia como empecilho à
realização de um dos objetivos da educação, conforme consta nos Parâmetros
Curriculares Nacionais, que é o de formar alunos para o exercício da cidadania.
Com base nesta hipótese, colocamos algumas questões: quais as situações
existentes no contexto escolar que permitem ou não a promoção do
desenvolvimento de um sujeito autônomo? Como se dão as relações entre os
atores escolares e qual sua contribuição para o exercício da autonomia? Qual a
influência exercida pelas políticas educacionais nesse processo? Esses são
apenas alguns exemplos de questões que foram surgindo durante a pesquisa e
sobre as quais vamos discorrer ao longo de nossas análises.
5.1 – Escola, organização e participação
A escola é permeada por relações e sujeitos singulares, que participam
ativamente dos processos que nela se desenvolvem, constituindo-a como
organização escolar, ao mesmo tempo em que se constituem. Esses sujeitos são
os atores institucionais: alunos, professores, pais, equipe de apoio, gestão e
Sistema de Ensino.
Entendendo a escola como um microcosmo da sociedade, pois nela se
podem encontrar todas as suas manifestações, acreditamos que olhar para o
modo como ela se organiza e a maneira como seus atores participam dessa
organização e das tomadas de decisões, nos ajuda a compreender o lugar da
autonomia em sua constituição.
90
Assim, nos propomos a refletir sobre a organização escolar,
entendendo que um encadeamento dos fatos, da maneira como as coisas se
apresentam que faz de cada escola um espaço singular. Esse encadeamento, no
entanto, mesmo que passem a idéia de elementos separados, estão imbricados,
se misturam, não há como definir onde começa um e termina o outro. É a idéia de
complexo, tal como define Morin (2001), “o que está tecido junto”.
Iniciaremos pela organização. Como vimos anteriormente, a escola
responde a um cleo, que é dirigido por um coordenador pedagógico, que se
vincula a um departamento pedagógico, que por sua vez responde a uma
Diretoria Pedagógica da Secretaria Municipal de Educação. Todas as ações
administrativas e pedagógicas a serem realizadas, ou outras determinações que
vierem da Secretaria da Educação, seguem esse trâmite. Como a vice-diretora se
sente com relação a esse modo de funcionamento?
“Então, tem essas ramificações que a gente precisa, às vezes, consultar sim.
Tem coisas que, assim, nem seriam tão difíceis de tratar na escola. Tudo,
mas a gente não tem essa autonomia não! E o professor passa pelo mesmo
processo, e para eles ainda tem a gente, né, a direção. Então, ele está aqui
para ainda passar algumas coisas. E tem coisa que, assim, até daria para ser
feito, que a gente, enquanto gestor, não para fazer. Porque, às vezes
isso pode ter outras conseqüências que a gente não espera. [...] É, aí, que eu
falo para você, que tem coisas acontecendo que refletem dentro da escola,
mas é o Sistema de Ensino maior que está determinando isso por conta de
aspectos políticos mesmo, né”.
Parece que Denise entende o Sistema de Ensino como barreira a um
trabalho mais autônomo, o que fica evidente na fala a seguir:
“O que é um pouco relativa, mesmo quando a gente fala autonomia, que a
escola é autônoma, ela também não é por todo. Porque tem algumas
situações que eles [professores] trazem para a gente: ”ah, eu queria é...”; de
repente fazer uma atividade, mas que tem coisa dentro dessa atividade que
não depende da gente. Então, a gente precisa falar com o coordenador
pedagógico, que fala com a supervisora, que fala com a dirigente do NAED,
para você conseguir. Às vezes, sei lá, [...], sabe, algumas coisas um pouco
diferentes esbarram nessa organização administrativa, entendeu. Acaba
esbarrando. Então, às vezes, eles são podados. Porque , às vezes,
algumas coisas que realmente não são permitidas. Mas aí, assim, não é
uma coisa de querer da direção, porque realmente tem coisa que a gente
não tem poder”.
Denise é uma profissional com excelente formação, tem grande
desenvoltura para se comunicar, é ela que está à frente das relações, é com ela
91
que conversamos sobre o projeto de intervenção com os professores e que nos
pede, permanentemente, para ajudá-la, pois entende que é preciso fazer algo. No
entanto, em sua fala acima, um certo truncamento de sua expressão, revelado
por um excesso de interjeições e cortes que revelam seu ato de refletir no
momento da fala. E sua fala é sobre autonomia. Parece que Denise está
confrontando o discurso veiculado pelo Sistema de Ensino a que pertence “as
escolas têm autonomia”, com as práticas escolares efetivas.
Denise fala de como a escola acaba ficando amarrada às políticas
educacionais, pois a maneira como as coisas se organizam acabam por impedir
algumas práticas, sejam elas da equipe gestora ou dos professores.
Pensamos que a organização institucional é de extrema importância,
assim como a organização em qualquer contexto, visto que, a depender da forma
como a escola se organiza, torna-se possível ou não o desenvolvimento de
práticas mais efetivas. Ser autônomo não significa não ter normas a serem
seguidas ou organização, mas ter consciência crítica daquilo que se está fazendo
e do porquê se faz. Contudo, não é o que vemos nas falas de Denise.
A maneira como as coisas estão organizadas acabam impedindo que a
equipe gestora e os professores exerçam sua autonomia, que quase toda e
qualquer nova prática ou decisão a ser tomada tem que passar pela aprovação
das instâncias superiores. Acreditamos que, talvez, nem seja o fato da
obrigatoriedade dessa autorização, mas a forma como é feita, sem que hajam
discussões, reflexões sobre o porquê dessa organização. Como ela própria diz,
algumas coisas poderiam ser facilmente resolvidas dentro da escola. O problema,
deste formato de gestão, é que a não participação efetiva dos atores escolares
nas decisões dificulta que tomem para si a responsabilidade nas e das ações,
conforme aponta Souza (2008):
A participação na escola, para ser efetiva, teria de ser mobilizada
pela adesão com sentimentos, com pensamentos, enfim, como
uma participação responsável no sentido de que se compreende
sua importância e seu significado no universo cultural da
organização escolar. É também responsável porque se em
consonância com os princípios, valores e crenças dos atores que
participam das ações desencadeadas na escola. (p. 176).
92
Como querer uma escola autônoma e democrática, se o modo como
ela está organizada não promove a autonomia de seus atores singulares e, em
decorrência, do coletivo da escola?
Em uma pesquisa realizada em Manaus, Queiroz (2007) aponta a
gestão escolar como um dos maiores problemas a ser enfrentado, pois, devido a
uma organização não-participativa, os que detêm o poder impedem que outros
façam parte do movimento escolar, gerando uma gestão autoritária.
Na fala de Denise, observamos esta questão, permeando sua prática, e
nos perguntamos como ela consegue sobreviver à contradição entre o discurso
que prega a autonomia, a democracia e práticas autoritárias de gestão.
Essas práticas se sustentam e se escondem na burocracia, que
impede que haja participação de todos, seja na organização ou nas tomadas de
decisão.
Estes são alguns dos fatores que impedem o desenvolvimento da
autonomia do professor, que poderíamos denominar como externos.
Ocorre que, poderíamos pensar no desenvolvimento da autonomia do
sujeito partindo desses próprios sujeitos. Tomaremos a fala a seguir, da vice-
diretora, para refletirmos sobre essa questão.
“Quando a gente vai para a função de gestor, você não tem como planejar
seu trabalho, né. O professor, não! A gente vai para sala de aula com uma
aula pronta, ou uma continuidade, ou um assunto novo... Então, você
consegue se planejar e meio que prevê o que você vai fazer. A gente, como
gestor, não tem isso! Porque, assim, o que eu falo, a gente vive um dia e um
momento de cada vez. Você precisa estar pronto para aquilo que a escola
precisa de você! [...] É uma coisa, assim, um pouco, vamos dizer, assim,
desorganizada, entre aspas. Uma coisa... Você não tem controle do que você
vai fazer agora. A gente até tenta!” (Denise sobre seu trabalho na gestão)
Essa reposta nos foi dada quando a entrevistada foi questionada sobre
como seu trabalho era desenvolvido. Reconhecemos que não há organização no
trabalho da gestora, que ela atua como que um bombeiro, apagando o fogo que
arde primeiro e mais forte.
Planejar a ação é uma prática autônoma, a nosso ver, pois coloca o
sujeito para pensar, para refletir sobre suas ações e lhe possibilita ser autor. Isso
93
implica se conhecer e conhecer o contexto no qual está inserido, ser crítico com
relação às suas atitudes e ter responsabilidade, principalmente por sempre haver
um outro nas relações. Contudo, o que podemos ver é a heteronomia imperando,
ações que são totalmente dependentes, não são próprias do sujeito. Denise ainda
não conseguiu se auto-regular, suas ações dependem totalmente de outras
instâncias, de regras que não são suas, que não foram formuladas por ela própria
e quase sempre não fazem sentido para ela. Esse modo de agir também não
contribui para que os professores se auto-regulem, pois estar à disposição a
qualquer momento, para qualquer coisa, promove o desenvolvimento da
heteronomia, que o professor fica dependente da gestão para conseguir
resolver seus problemas, embora a gestão declare que o professor tem abertura
para planejar suas ações.
Essa é uma das questões cruciais, para se compreender a autonomia e
sua constituição na escola. Ela é constituída nas interações como ações
partilhadas pelos atores e o pelo discurso. Assim, embora Denise, como
gestora, acredite que os professores são mais autônomos no desenvolvimento de
seu trabalho, ela lidera relações pautadas por uma burocracia que não favorece
esta autonomia. Contudo, fato é que Denise, como gestora, tem muitas limitações
para desenvolver uma gestão mais organizada e refletida, e demonstra ter
consciência disso; tentando reformulações no funcionamento da escola, como a
medida tomada com as famílias do alunos:
“Então, a gente tinha, no ano passado, um acesso muito livre desses pais.
Eles entravam, eles saiam, eles iam na porta do professor, ficavam
reclamando, ficavam perguntando, tudo fora de hora. Então, este ano, nós
organizamos, sim. Então, assim, você quer falar com o professor, tem um
caderninho de recado do ciclo e, se não tem, pode por num bilhete, alguma
coisa, se é de a 8ª, ou põe no caderno com o professor que quiser falar.
[...] Ele [professor] tem o TDI para isso, né. O tempo que ele pode atender...
para ele poder atender esse pai. No começo foi difícil! No começo deste ano,
para a gente organizar isso, foi bastante complicado! Agora a coisa já
acalmou. Porque, é assim, reclamação! [...] E nós na direção,
estabelecemos isso também [...] Às vezes, você não pode atendê-lo [pai de
aluno]. Às vezes, você está com situações, aí, de monte, resolvendo alguma
coisa... O pai está lá, quer ser atendido na hora... Não nem a atenção
devida, porque você acaba atendendo rapidinho, para dispensá-lo, até, né...
Porque você o pai ali esperando, não dá para deixar. Então, a gente
também organizou isso para poder atendê-los [...] Se a gente tem uma
compreensão de que o pai trabalha, a gente estava sentindo que a gente não
estava tendo essa compreensão por parte dele. A gente está aqui também
trabalhando, né! E tem uma disponibilidade relativa. A gente não tem
94
disponibilidade o tempo todo para atender o pai que vinha aqui a hora que ele
queria, né. Não dá!”
Os pais começaram, pelo que se pode apreender da fala de Denise, a
compreender que a escola não é um espaço que está totalmente à disposição
deles, que regras a serem cumpridas, que os profissionais da escola têm
tarefas a realizar. Entendemos que esse é um modo de regular os sujeitos e,
conseqüentemente, permitir que eles próprios se regulem.
Denise confere seriedade e compromisso ao trabalho dos educadores,
favorecendo o desenvolvimento da autonomia. Contudo, será que esse
movimento em relação ao público (pais) também poderia ser feito internamente,
com os atores da escola?
De acordo com Denise, os professores não sabem utilizar os espaços
que o oferecidos para refletirem sobre suas práticas, para planejar suas ações,
trocar experiências com os colegas.
“Isso também, eu e o Ângelo conversamos, para tirar um pouco essa coisa do
TD ficar em reclamação, reivindicação, falar mal de aluno, né, ou até, bem
do aluno, ficar nessas coisinhas... Porque assim, a gente sabe que isso é
importante para o professor, porque às vezes é um meio que ele tem para
conversar com os colegas e passar uma angústia, relatar uma história que
aconteceu, né, nesses espaços assim. Mas a gente percebeu que estava
sendo pouco produtivo, para um espaço que é importante e que é curto, uma
vez por semana, e que normalmente você sempre ouve o professor falando:
“ah, a gente não tem tempo de conversar!”; isso também é fala comum de
professor. Quando você cria tempo, eles conversam de tudo, menos o que
eles precisam”.
Acreditamos que essa organização, adotada pela equipe gestora com
relação aos pais, foi uma forma encontrada, dentro da realidade vivenciada por
eles, de melhorar as relações com o público. Perguntamo-nos: se que se
houvesse uma medida da mesma natureza aplicada aos professores, desde que
discutida por todos e também, levando em consideração que certas urgências
surgem mesmo no dia-a-dia, revelando, assim, a necessidade da flexibilidade, os
atores escolares, não teriam mais oportunidades de se desenvolverem como
sujeitos autônomos, auto-regulados? Ou seja, a organização e regulação externa
é que levaria os sujeitos a se auto-regularem.
95
Para que houvesse essa prática na escola, seria necessário que os
sujeitos estabelecessem relações fortes entres si, que estivessem unidos,
conforme defendem Fiorentini (2004) e Tedesco e Tenti Fanfani (2004), pois ser
autônomo não significa ser sozinho, agir com individualismo, mas manter sua
singularidade dentro de um grupo, sabendo aceitar as diferenças existentes e
aprendendo com elas.
Contudo, não é isso que encontramos na escola. Tanto Denise quanto
os professores concordam com esse aspecto, ao falarem da falta de um trabalho
em grupo, de companheirismo, da necessidade de se poder refletir e discutir
juntos sobre as situações que ocorrem na escola:
“Eu me sinto assim, eu sou meio que a ligação dos professores com o diretor.
Então, eu fico no movimento deles, dos alunos e levo as questões para ele. A
gente pensa, conversa, discute, né, algumas coisas, depois eu retorno. Então,
às vezes eu vejo assim: situações que podem ser tratadas direto... Às vezes
um assunto de uma professora... Olha, assim, eu não resolvo nada sozinha.
Como eu falo para elas: “nós somos uma equipe, gente!“. (fala de Denise).
“Então a gente chegou à conclusão que a gente precisava se harmonizar
mais, né. De manter a mesma fala... Algumas situações que na escola
acontecem sempre, então a gente precisa manter a mesma fala”. (fala de
Denise)
“Apesar que eu sou meio fechada, que eu tenho bastante trabalho... Não é
que eu quero exclusividade, não. Eu passo sim para um colega, para outro.
Mas é complicado! Você busca, busca, busca e os outros colhem, colhem,
colhem. Então... Eu acho, quando a gente senta, vamos fazer isso... Como
com a Joana, não tem problema nenhum. Ela traz coisas, eu trago”. (fala da
professora Maria)
“Dificuldade de trabalhar com as parceiras. É uma disputa para ver qual
metodologia é melhor. Eu acho que não tem uma melhor que a outra... Tem
aquela questão de você fazer... Tenta fazer isso, o olhar [...]. Então tem uma
disputazinha, que prejudica, sim, o trabalho em equipe. [...] Eu acho que o
único trabalho é a questão da parceria. É o único entrave, a falta do
orientador estar junto. Esse elemento da escola, que é uma peça
fundamental...” (fala da professora Sandra)
Essas falas revelam quão complicadas são as relações, na escola,
tanto para a gestão quanto para os docentes. Acreditamos que, para uma ação
consciente e autônoma, seria necessário que a prática de discussão e reflexão
em grupo fosse não estimulada, mas estabelecida e exercitada, o que
demanda a mediação de uma liderança que, no caso, deveria ser exercida pela
96
vice-direção, visto a ausência do orientador pedagógico
10
. Pensar como grupo,
aceitar as diferenças e com elas aprender, é uma prática que promove o
desenvolvimento dos sujeitos em relação. Tanto Vigotski (1995; 1998), quanto
Paulo Freire (1996, 1999, 2005) deixam clara a importância do outro, do social, na
constituição do sujeito.
Vigotski (1995), com seu conceito de auto-regulação, ajuda-nos a
compreender a importância da regulação das condutas dos sujeitos, pois somente
após vivenciar e atribuir significados e sentidos às normas, que os estão
regulando, podem criar suas próprias normas.
Pelo que apresentamos até aqui, constatamos a existência de práticas
que impedem o desenvolvimento da autonomia, e promovem a reprodução da
heteronomia, que, pelas falas da vice-diretora, fica evidente a dependência dos
professores, com relação à gestão, ao mesmo tempo em que ela se queixa dessa
dependência e demonstra também ser dependente das instâncias superiores à
escola. Relacionando isso com a questão da organização, ressaltamos que
entendemos por organizar a capacidade de planejar ações, de ter um caminho a
seguir, ser consciente do que se está fazendo. Entretanto, reconhecemos que
ninguém é totalmente organizado a priori, mas assim se constitui na medida em
que convive em espaços que o colocam em contato com o modo de se organizar,
e será nas experiências adquiridas nas relações estabelecidas que o sujeito irá se
apropriar deste modo de funcionamento, configurando-o de maneira singular.
Desta forma, a um tempo, os sujeitos e a escola podem construir práticas
institucionais mais autônomas.
No entanto, quando nos voltamos às falas dos professores,
encontramos outros complexos aspectos que permeiam as ações na escola.
“Foi uma pena o Ângelo ter saído. Ele era o salvador da pátria, né. Porque,
apesar dele não conseguir fazer o trabalho dele como O.P., porque não tinha
condição, eu acho até que ele fazia... Não sei como ele conseguia fazer tanta
coisa. Ele era uma pessoa muito importante, muito. Sabe, ele era o nosso
10
A escola ficou por um período sem o orientador pedagógico, os professores sentiram muita falta
deste profissional, ficaram perdidos quanto às suas práticas, pois o pouco que podiam discutir
acabaram perdendo, e eles reconhecerem isso.
97
consolo. Sabe, quando as coisas não davam certo então... Sabe, a gente
conversava, ele dava as opiniões, a gente trocava idéia, era muito gostoso ter
o Ângelo aqui. Pena que ele foi embora. Tanto é que eu falei que eu fiquei
com raiva dele, depois eu desmenti, falei: é brincadeirinha.[...] Ele conseguia,
justamente, perceber essa visão das nossas necessidades”. (fala da
professora Carmem)
“Atualmente, não, agora, sem orientador é que não vai ter mesmo. teve
sim, momentos para refletir, embasamento teórico, mas são muito poucos. Eu
acho que os momentos que a gente tem é administrativo, a gente fecha no
administrativo”. (fala da professora Carmem sobre não terem espaços dentro
da escola para se dedicarem aos estudos)
“O orientador, que não tem na escola, o papel dele é esse, acompanhar,
avaliar, entrar na sala para ver como você está dando aula, ajudar na
construção da sua metodologia, na sua didática”. (fala da professora Sandra
sobre o trabalho do orientador pedagógico)
O orientador pedagógico era uma figura muito importante na escola, os
professores o viam como uma pessoa para atendê-los em todas as suas
demandas, que estava sempre pronto a ouvi-los e a revolver os problemas. Ele
também tentava oferecer um espaço para que os professores pudessem fazer
discussões e reflexões. Isso acontecia, às vezes, nas reuniões de professores,
em que algum texto era apresentado e tentava-se discuti-lo, mas nem sempre
funcionava, como demonstrado pelas professoras que disseram não saber como
ele ainda conseguia fazer alguma coisa, pois não havia muito tempo para essas
realizações.
A presença de um orientador pedagógico torna mais concreta a
questão da orientação, que é por meio dele que se viabiliza a oportunidade da
realização das discussões, de saber qual o melhor caminho a seguir, quando o
que está sendo feito não apresenta resultados considerados como satisfatórios. A
professora Sandra, nos disse isso:
“Organização da escola. Não organização. Esse ano até que as coisas estão
caminhando legal [...] O único entrave é a falta do orientador estar junto. Esse
elemento da escola, que é uma peça fundamental [...] Estar junto, esse é um
outro dificultador. [...] Devia ser um orientador para o primeiro ciclo, um para o
segundo, para poder acompanhar o trabalho. Esse é um dificultador que eu
vejo, e as coisas não caminham como deveriam, por conta dessa pessoa
importante aí, para fazer acontecer um pouco o projeto político pedagógico da
escola, para cobrar”. (professora Sandra ao ser questionada sobre as
dificuldades que encontrava em seu cotidiano)
Sandra reclama por não ter uma pessoa para acompanhar seu
trabalho, que essa organização escolar não contribui para o desenvolvimento de
98
sua prática e nem coloca em movimento o projeto político pedagógico da escola.
E a queixa de Sandra não diz respeito ao controle, embora mencione a palavra
cobrança, mas ao acompanhamento, o que requer uma prática de orientação
democrática. Sua queixa nos parece legítima, quando relacionamos à autonomia,
pois a ausência de acompanhamento e orientação, neste caso, equivale a
abandono, o que também não promove a autonomia dos sujeitos. Assim, aparece,
aqui, uma contradição, que se constitui como central, na construção da autonomia
e que será discutida mais adiante: trata-se da polarização entre controle e
abandono.
Pensamos que o modo como a escola está organizada e a falta do
orientador pedagógico contribuem para que os sujeitos não se auto-regulem.
Afirmamos isso com base na teoria de Vigotski (1995; 1998), que coloca em
evidência as relações estabelecidas e as subjetividades produzidas, pontuando
que o sujeito se torna auto-regulado na medida em que se insere em espaços
que promovam a regulação por meio de sua participação em interações, que
exercitam dados modos de funcionamento, de acordo com regras e normas que
viabilizam o desenvolvimento das atividades fins.
A nosso ver, quando o professor busca orientação para o seu trabalho,
não seria sinal de um sujeito heterônomo, mas sim de um sujeito autônomo, pois
ele estaria consciente do trabalho que vem desenvolvendo e busca em outra
pessoa um meio de discutir sua prática, de trocar idéias, para, depois, agir de
acordo com aquilo que acredita, ou seja, exercer sua autonomia. Parece ser esse
o movimento de Sandra em relação ao orientador.
Organização escolar e orientação caminham juntas, quando se trata de
desenvolvimento dos atores escolares e, conseqüentemente, da instituição
escolar. Esse movimento, para nós, seria um dos pilares para a promoção da
autonomia. Entretanto, outro aspecto muito importante que deve ser discutido:
a participação dos sujeitos nas decisões a serem tomadas, como a definimos
anteriormente, de acordo com Souza (2008), uma participação responsável,
consciente e crítica e não o cumprimento de ordens.
99
Não existe organização ou orientação, nestes moldes, quando não há a
participação de todos os sujeitos envolvidos. Também não há autonomia possível,
quando os sujeitos não participam de seu desenvolvimento. Ficar à mercê das
decisões dos outros, esperando as ordens chegarem de instâncias superiores,
favorece a promoção da heteronomia. O que dizem os professores sobre sua
participação? Como a concebem?
“No começo, eu ficava mais quieta, porque eu estava conhecendo o ambiente
e tal. Agora não! Eu falo o que eu penso, o que eu acho, o que eu acho
correto, mesmo que algumas pessoas não gostem [risos]. Não gostam, eu
não estou nem aí! Eu falo o que eu sinto! Abertura para participar tem, só não
tem, por exemplo, respaldo [risos]”. (fala da professora Lúcia sobre sua
participação nas decisões)
“Eu dou minha opinião, nem sempre o pessoal ouve, ou importância... Eu
tento colaborar. Agora, tudo o que é feito na escola, é..., que eu posso
participar, eu participo, porque tem que ter meu dedo! que eu não sou a
top de linha aqui [risos...] no processo para fazer aquilo que eu acredito, né.
Então, eu acho que com relação à tomada de decisão, eu não sou a melhor
não”. (fala da professora Carmem)
“Neste ano, eu não tenho participado do conselho por causa do serviço. Eu
estava acumulado, até o dia 2 de junho, eu tinha acumulado o cargo do
estado, então eu não pude participar de reunião nenhuma. [...] Têm as
reuniões de TD, trabalho coletivo pedagógico, às vezes a gente discute as
necessidades, as dificuldades que a gente encontra no dia-a-dia”. (fala do
professor Luiz)
“[...] fora as reuniões da escola, eu não participo. Acho muito falso o conselho,
acho muito falso a APM [...]. Eu vivi isso. Você tem que laçar pai, por falta
de... laçar pai para trazer [...]. No fim, você tem um grupo de pais que nem
sabe porque estão ali. O nosso vocabulário não atinge aquela camada, então
fica um grupo de professores discutindo prioridades individuais, e aquilo me
irrita. Não, não gosto. Agora do TD, eu sempre fui muito crítica, né. A minha
opinião eu gosto de colocar, eu gosto”. (fala da professora Maria)
“Tem o conselho da escola... que funciona... não satisfeito. Deveria ter a
obrigatoriedade de participar. As reuniões são dos professores e da
direção. São poucos os pais que participam. Eu acho que deveria ampliar
essas reuniões. É prestação de contas. Decisões, uma ou outra, para ver
onde vai gastar o dinheiro. Deveria ser mais aberta, para a comunidade se
conscientizar [...]O que tem mais são professores que estão aqui, à noite.
Professores que trabalham em outro período não retornam à escola. TDC,
que é uma reunião, algumas decisões eu falo, ajudo... Às vezes é melhor ficar
calado do que falar. Tem essa coisa de grupo: fala o que não deve,
resistente. É um exercício: como eu gosto de falar, tive que aprender a ouvir
mais. Se tenho alguma idéia, acabo dando. São essas situações”. (fala da
professora Sandra)
Interessante observar a idéia de participação dos professores: eles a
relacionam a espaços ou instâncias (conselho, TDC), a dar opinião, ou
100
manifestar-se e não à coletividade ou grupo, como forma de trabalho coletivo.
Também revelam uma contradição: há espaço, mas não há respaldo; ou há
espaço, mas prefiro calar; ou espaço, mas falo mesmo sabendo que outros
não gostam. Que espaço é esse? Que participação? Uma concepção de
participação que não envolve o coletivo, que não é democrática, mas consiste em
expressar idéias ou opiniões, desde que conveniente àquele que se expressa. E
parece que os professores não têm clareza ou crítica sobre o que significa
participar. No entanto, muitos criticam “os outros” pais tomando por base uma
concepção de participação que envolve o coletivo. Parece que este paradoxo
sustenta a seguinte idéia: o que vale para o outro o vale para mim; e quando o
outro são os pais, fica mais fácil criticar.
Paulo Freire (1996, 1999, 2005) coloca o sujeito como participante
ativo de sua história. Ao se tornar crítico e consciente, o sujeito consegue ver-se
como autor em seu processo de constituição. Relacionando isso com a autonomia
docente, podemos dizer que, para atingir esse nível, o professor precisaria
participar ativamente das situações escolares, não se isentando deste contexto,
ou estando somente para cumprir horários e receber salários, mas sentir-se
como ser integrante, que constitui e é constituído pelas relações ali estabelecidas.
Participar das decisões significa participar do modo como a escola se organiza e
assume seu compromisso, suas decisões.
Os professores dizem que têm espaços para participar, para opinar; no
entanto, fica evidente que fornecer espaços não é suficiente. Deixar os
professores livres, com espaços para discutir o que bem quiserem, o que
acharem de maior interesse, sem uma mediação, o promove desenvolvimento,
como foi apontado por Denise, em uma de suas falas: Quando você cria tempo,
eles conversam de tudo, menos o que eles precisam”. Mas sobre o que eles
precisam conversar? Quem cria esse tempo, esse espaço? Quem deve definir o
conteúdo a ser discutido ou refletido? Tomando o que por base? Quem faz a
mediação? Parece que, nesta escola, há um autoritarismo disfarçado de abertura,
de autonomia.
Diz-se aos professores que têm liberdade para decidir o que fazer ou
sobre o que falar nos espaços de “participação”; mas, de maneira subjacente,
101
espera-se que eles conversem sobre o que a gestão entende como importante:
melhorar formas de ensinar e educar os alunos. O problema não é a expectativa
da gestão, pois a entendemos como legítima, afinal esta é a função da escola, da
educação e a gestão, que assume o lugar de mandante, deve tomá-la como
objetivo. É nisso que reside o problema: a gestão a toma como expectativa e não
como objetivo ou meta. No entanto, cobra, de maneira subjacente, dos
professores, como se fossem metas e objetivos e, claro, não obtém resultados, ao
contrário, provoca conflitos.
Parece que essa forma de agir da gestão tem origem em sua
dificuldade de assumir a autoridade sem cair no autoritarismo. O que não percebe
é que “deixar os professores” livres, perdidos, sem qualquer orientação é uma
prática tão autoritária quanto o controle (SOUZA, 2005).
Como se pode ver, esse é um movimento em círculos, o podemos
pensar na organização escolar sem pensar na orientação e na participação dos
sujeitos; pois são elementos que se influenciam mutuamente.
A participação nas decisões revela a ausência do trabalho coletivo,
quando as professoras Lúcia e Carmem dizem que a opinião delas não seria a
mais importante da escola, mas mesmo assim elas participam. Como considerar
que isso é um trabalho em grupo, se as opiniões dadas o são aceitas, ou
melhor, escutadas pelos outros, não se aceitam opiniões diferentes? O TDC,
como o próprio nome diz, Trabalho Docente Coletivo, seria um espaço de
promoção dessas discussões, da emergência de idéias diferenciadas, onde os
professores pudessem discutir e receber orientações sobre suas práticas,
opinarem sobre os acontecimentos da escola, trocarem experiências, e, ainda,
serem informados do que acontece no mundo da Educação.
Voltemos às relações, para pensarmos sobre como os sujeitos se
influenciam e são influenciados em sua constituição, e de como isso seria
estruturante no desenvolvimento de um sujeito realmente autônomo.
Denise também disse que o TDC seria um espaço para os professores
refletirem sobre suas práticas. Ela e o orientador pedagógico, antes dele sair da
escola, haviam decidido que esse espaço seria mais bem utilizado,
102
proporcionando ao professor palestras, cursos, etc, para sua formação, visando a
melhoria do seu trabalho. Eles acreditavam que proporcionando isso ao professor
poderiam alcançar certa melhora nas práticas pedagógicas.
“Isso eu tinha fechado com o Ângelo no final do ano passado, que a gente
estaria investindo nos momentos de reunião pedagógica, na formação do
professor nesse aspecto, que é o que a gente acha que a nossa escola
precisa. De ter esse olhar pro aluno, como ele aprende, para se eles
conseguem, devagarzinho, ir entendendo. [...] Mas o TD, também, é o único
momento que os professores param, aquela paradinha para conversar
entre eles”.
Acreditamos que reconhecer esse espaço como importante para a
constituição docente foi um grande passo, mas seria preciso investir mais,
proporcionar aos professores que se conscientizassem dessa importância, que
participar dessas reuniões, da organização da escola, das tomadas de decisão,
faz parte do seu papel como educador. Não seria apenas mais uma atribuição à
sua função, mas a possibilidade de participar ativamente na constituição do
espaço em que está inserido, onde desenvolve o seu trabalho.
A vice-diretora também nos falou da participação dos professores. De
um modo geral, ela diz que os professores o muito resistentes às mudanças
propostas, que alguns não aceitam as opiniões dadas pelos colegas, e que a
elaboração do projeto político pedagógico da escola não teve a participação de
todos. Enxergamos aqui um paradoxo: ao mesmo tempo em que os professores e
a gestora declaram que abertura para participarem, para exporem suas
opiniões, para discutirem (mesmo reconhecendo, também, que o TDC, muitas
vezes acaba se destinando somente a informativos administrativos), ela nos relata
que algumas posturas de resistências dos professores, que eles não se
interessam pelas questões da escola.
Pensando na resistência declarada pela vice-diretora, Souza (2008),
aponta que esse movimento pode ser entendido como resultado da tentativa do
professor de resistir ao que está instituído (práticas existentes na instituição), de
tornar-se realmente sujeito, que pretende ser diferente desse instituído,
constituindo-se, então, como instituinte (visando à mudança). Nesse sentido, a
resistência pode ser vista como uma maneira do sujeito exercer sua autonomia,
pois ele passa a agir de acordo com aquilo que considera como sendo correto,
103
melhor para ele e para o contexto. Ou seja, ele passa a participar das decisões a
serem tomadas. O problema é que, na maioria das vezes, essa imposição do
professor não considera os outros da relação, ou seja, não é responsável.
Os trechos a seguir demonstram como isso acontece.
“Nós não temos o planejamento de todo mundo, porque não foi todo mundo
que entregou [...] E é uma coisa interessantíssima! Acabei de vir para cá...
Estava vindo para cá, e a Eva perguntou assim para mim: “ah, e o projeto
pedagógico, está pronto?”; e eu falei: ”Já! está .” Ela é a primeira
professora que me pergunta! Entendeu?! Ninguém se interessou em
momento nenhum em ler... Embora tenham acesso a hora que quiserem! O
projeto pedagógico é para... para estar por aí! Para estar pegando, para estar
lendo”. (sobre o planejamento dos professores colocados no projeto
pedagógico. Ela disse que os professores não se interessam pelo projeto
pedagógico e que ele não foi construído coletivamente)
“E a gente ficar, em cima daquilo que não tem jeito, que é resistente, que não
quer mudar, por mais que o colega fale. Porque a gente tem no grupo
professores que falam para os próprios colegas, dão idéias, contam um pouco
do que fazem”. (fala da vice-diretora sobre a resistência apresentada pelos
professores)
“[...] olha, professor, repensa direitinho!” Porque, quando você pega uma
planilha de nota e que a maioria da classe tem vermelho, espera um
pouquinho! Será que o problema é o aluno?! Tem coisa acontecendo aí! [...]
Eles sabem que não está bom, mas, propor alguma mudança, eles têm uma
resistência muito grande, também”. (fala de Denise)
Em nossas observações, durante os TDCs, ficou-nos claro que, muitas
vezes, são oferecidos ao professor espaços de discussão, mas discute-se alguma
coisa que foi decidida sem consultá-los, ou seja, com o discurso de que o
professor tem autonomia para decidir aspectos que são de seu interesse.
Esconde-se a imposição de propostas que acabam não fazendo nenhum sentido
no contexto escolar, ou que poderiam ter sido melhor adequadas e discutidas,
para que atendesse realmente às demandas da escola. O que fica evidente
nessas falas é a dissonância entre o que espera a gestão da escola, e o que
fazem e pensam os professores.
Mas há, ainda, para além da escola, a instância da administração do
sistema, que interfere nas práticas educativas e na forma de viver a educação
pelos professores e gestores.
104
Um exemplo dessa forma de organização foi a implantação do ciclo e
outras mudanças que acontecem na rede municipal, conforme descritas nos
trechos a seguir:
Outubro de 2007 Reunião dos professores de a 8ª: O orientador pedagógico falava
aos professores das mudanças que aconteceriam no próximo ano com relação à
organização das classes. Disse ele: “Na rede, assim como as coisas acontecem,
desacontecem, na mesma rapidez. [...]. Que jeito se pode trabalhar assim”. (trecho de
cena relatado no diário de campo)
Outubro de 2007 Reunião das professoras do ciclo: As professoras entendem que a
própria rede não sabe o que quer, pois a cada momento são feitas novas propostas que
podem ser, no dia seguinte, desfeitas, sem discussões, sem problematizações, etc. O
orientador pedagógico concordou com elas e completou dizendo que isso acontece,
muitas vezes, porque as diretrizes dos ciclos ainda estão sendo discutidas. Disse uma
professora: “Aí quem toma é a gente, professores, porque eles dizem que propõem e que
a gente não faz.” (trecho de cena relatado no diário de campo)
Outubro de 2007 Reunião das professoras do ciclo: Ângelo voltou a refletir sobre a
questão da implantação do ciclo sem haver maiores discussões e sem pensar antes,
formular os pontos que devem ser atendidos por este sistema de ensino. Ele
questionava: “Como se implanta um ciclo se você não tem diretriz para isso?”. Uma
professora respondeu que o compromisso do professor ”é com o aluno e não político”, e
completou, dizendo diretamente para a pesquisadora: “Você está vendo, o professor não
tem autonomia nenhuma [...]. Pode por aí“, pois dizia que o professor não tem como
discutir as questões políticas, não pode participar das decisões tomadas pelas instâncias
superiores, e, também, com relação às atitudes que não podem tomar dirigidas aos
alunos. Outra professora, então, disse que elas teriam “que ter autonomia enquanto
grupo”. Isso gerou certo tumulto no grupo, e não foi possível identificar a idéia de cada
professora, mas ficou claro que elas não acreditavam que trabalho em grupo as tornariam
mais autônomas. (trecho de cena relatado no diário de campo)
Esses trechos resumem bem o que discutimos a agora, pois
demonstram como o professor e a equipe gestora encontram-se amarrados a
questões de organização e participação que acabam por impedir uma atuação
mais autônoma. Como não se discute a implantação do ciclo, que representa uma
nova forma de trabalhar do professor que estava acostumado à seriação afinal
ele estudou e se formou para trabalhar com seriação. Como desenvolver práticas
para se trabalhar em uma organização, que o se sabe como funciona? De que
maneira pode-se exercer uma prática docente se não se acredita no grupo?
Reflexões como essas nos fazem compreender que a forma como a
rede municipal se estrutura, as políticas educacionais existentes, a formação
oferecida aos professores, as relações estabelecidas no contexto escolar, a falta
de reflexão e discussão, são alguns dos elementos que podem ser considerados
105
como impeditivos do desenvolvimento de um profissional autônomo e,
conseqüentemente, da formação dos alunos como autônomos.
Oliveira (2004) nos ajuda a compreender essa discussão, quando
considera que as mudanças, que vêm ocorrendo na educação pública, e na
sociedade em geral, desde os anos de 1990, influenciam diretamente a prática
pedagógica. A proletarização do trabalho docente tem feito com que, cada vez
mais, esse profissional seja desvalorizado, perdendo seu espaço para
desenvolver sua prática. O discurso da democratização da escola, da autonomia
dos professores e da gestão, da participação comunitária, culminaram na
atribuição de responsabilidades, que fogem à função principal do professor, que é
a de ensinar os conhecimentos socialmente construídos, além de ter aberto a
escola para que todos dessem opiniões, além de gerar um descrédito no trabalho
docente. Nas palavras da autora:
Na realidade, aquela escola tradicional, transmissiva, autoritária,
verticalizada, extremamente burocrática mudou. O que não quer
dizer que estejamos diante de uma escola democrática, pautada
no trabalho coletivo, na participação dos sujeitos envolvidos,
ministrando uma educação de qualidade. Valores como
autonomia, participação, democratização foram assimilados e
reinterpretados por diferentes administrações públicas,
substantivados em procedimentos normativos que modificaram
substancialmente o trabalho escolar. (p. 1140)
Podemos ver, então, que a forma como a escola se organiza, desde as
instâncias federais até a comunidade escolar, influenciam a prática docente. O
desenvolvimento de um sujeito autônomo não se faz em documentos das políticas
educacionais. Conscientizar o professor da importância de sua participação, no
contexto escolar, de que pode planejar suas ações, que há normas sim que
regulam sua prática, mas que ele pode participar das formulações dessas
normas, que receber orientações não significa se render, não saber agir; mas
dividir dúvidas, experiências e, assim, se auto-regular, é um caminho para a
compreensão de que ser autônomo não significa ser sozinho.
Essas reflexões sobre a organização escolar e a participação docente,
nas decisões, demandam considerar a autoridade e a responsabilidade, que a
forma como as propostas são feitas, as mudanças realizadas e as políticas
106
educacionais revelam contradições como autoridade e autoritarismo, liberdade e
responsabilidade, questões que consideramos fundamentais à compreensão da
autonomia docente.
5.2 – A autoridade e a responsabilidade na escola
Discorrer sobre a autoridade e a responsabilidade faz-se necessário, à
medida que estes aspectos estão presentes e imbricados nas relações existentes,
no contexto escolar, e parecem ter estreita relação com a questão da autonomia.
Durante as visitas à escola e por ocasião das entrevistas, pudemos confirmar
como questões envolvendo esses aspectos permeiam as situações vivenciadas
por toda a equipe escolar, sobretudo no que se refere à forma de desenvolver seu
trabalho.
Souza (2005) faz uma discussão que nos ajuda a compreender a
importância em se voltar o olhar para essas questões, apontando a autoridade
como condição para a construção da autonomia do sujeito, diretamente
relacionada à responsabilidade e aos valores (aqui entendidos como as imagens
que o sujeito tem de si).
Segundo a autora, a autoridade é “construída nas relações
interpessoais” (p. 161), ou seja, as transformações da sociedade influenciam as
formas de autoridade, transformando, também, as formas como ela se expressa
nas práticas sociais, cujo movimento é dialético. A autoridade, então, seria
construída por meio do respeito mútuo, do reconhecimento dos outros da relação,
da competência de quem a exerce, diferenciando-se, assim, do autoritarismo, que
se caracteriza pela imposição, pelo medo da punição, quando não se obedece ao
que foi estabelecido pela coerção. Se a entenderemos desta forma, é possível
dizer que, nos dias atuais, a autoridade está em crise, pois não a presença do
respeito, do reconhecimento, mas sim da opressão por parte daquele que se
como único dono do poder, do medo por parte de quem é oprimido, ou da punição
que poderá sofrer como resultado de seus atos (ARAÚJO, 1999; FRANÇA, 1999;
ARENDT, 2000; SOUZA, 2005).
107
De acordo com Araújo (1999), é possível reconhecer dois tipos de
autoridade. O primeiro seria a autoridade autoritária que, como o próprio nome
demonstra, caracteriza-se pela presença da força e da violência nas relações
estabelecidas, entre quem manda e quem obedece. Esse tipo de autoridade não
promove a autonomia, mas a heteronomia, pois deixa o sujeito totalmente
dependente de quem exerce o poder, não oferecendo aberturas para que ele
participe das decisões a serem tomadas, por exemplo. O que impera é a
imposição, a reprodução pura e simples das ordens do mandante pelo agente.
Não singularidade, os sujeitos não se reconhecem dentro do contexto e
obedecem por medo da punição. O segundo é a denominada autoridade por
competência, que se vincula ao que apresentamos acima, ou seja, as relações se
pautam pela admiração, pelo respeito tuo e pelo reconhecimento da
competência daquele que a exerce (ARAÚJO, 1999). Pensando na autonomia, na
sua promoção e desenvolvimento, podemos dizer que sua emergência se daria
em um espaço, em que se exerça a autoridade por competência, pois, assim,
seria possível o reconhecimento das singularidades, possibilitando uma relação
de troca entre os sujeitos, em que seguir as regras, implicaria estar consciente
delas e atribuir-lhes sentidos.
Ao falar sobre autoridade, não podemos nos limitar somente ao
aspecto do mando-obediência
11
, mas, assim como demonstraram esses autores,
é preciso que voltemos nossa atenção a todos os aspectos que envolvem uma
relação em que a autoridade está presente. É preciso olhar para os sujeitos
dessas relações e as situações que estão vivenciando, para suas condutas, para
os aspectos que permeiam essas relações. Se encontrarmos a violência, a força,
o desrespeito, a opressão, podemos pressupor que esse espaço é habitado por
sujeitos autoritários, que não enxergam o outro da relação como sujeito e,
conseqüentemente, não promove o desenvolvimento da autonomia; pois o coloca
em situação de subordinação, de dependência permanente, ou o ignoram e o
abandonam.
11
Esse termo foi adotado do livro de Souza (2005), com o significado de uma relação que é
pautada pelo poder de mandar e pelo cumprimento das ordens pela simples obediência, com
medo de punições.
108
No entanto, é preciso diferenciar a autoridade do autoritarismo. Este
último, liga-se à heteronomia, ao impossibilitar a participação dos sujeitos nos
processos decisórios, quem manda não reconhece o outro como integrante
desses processos, torna-o dependente, impõem-se sobre ele.
Falamos aaqui que reconhecer uma autoridade não significa deixar
de ser autônomo, mas reconhecer que há uma hierarquia a ser respeitada e deve-
se legitimar o outro da relação em seu lugar na hierarquia. Saber se colocar
nessa relação, reconhecer-se no contexto em questão, participar ativamente das
decisões e das situações deste contexto, contribuindo para a sua constituição e
agindo com responsabilidade, caracteriza-se como um agir autônomo.
Eis um outro componente do agir autônomo: a responsabilidade.
Acreditamos que a responsabilidade está imbricada à autoridade da mesma
maneira que o está à autonomia, já que um sujeito autônomo e que é reconhecido
pela autoridade que tem, pensa sobre seus atos, mede as conseqüências, ou
seja, age com responsabilidade.
Paulo Freire (1996, 1999, 2005) destaca a importância da
responsabilidade na constituição da autonomia, ao considerar que um sujeito é
autônomo quando se conscientiza de suas ações, reconhece-se como
participante de um contexto e assume a responsabilidade por seus atos.
Souza (2005) coloca a responsabilidade como um dos principais
componentes das relações de autoridade, que, ao ser respeitada, reconhecida
como competente, a pessoa, vista como autoridade, passa a se sentir
responsável pelas ações ou por qualquer outra coisa que se relacione com o lugar
hierárquico que ocupa. De acordo com a autora:
[...] A tríade respeito, responsabilidade e autonomia é que
caracterizaria as relações de autoridade e deveria estar presente
como conteúdo de interações que se queiram favoráveis à
construção de valores na escola, sobretudo os morais. (p. 179)
Consideramos, então, que, quando não a presença da
responsabilidade, nas relações de autoridade, não há autonomia possível. O
sujeito não se desenvolve como auto-regulado se não conhece seus limites, as
109
conseqüências que suas atitudes podem ter, e não assume suas
responsabilidades.
Olhar para as relações estabelecidas, no contexto escolar, o se
constitui tarefa fácil, de acordo com o que vimos até aqui. Para compreender esse
contexto é preciso considerar toda a sua complexidade, todos os sujeitos
envolvidos e nos libertar do evidente, buscando acessar os sentidos atribuídos
pelos sujeitos a esse contexto. É esse o movimento que faremos para
compreender as relações de autoridade e as responsabilidades assumidas ou
não pelos atores escolares, buscando relacioná-las à construção da autonomia
docente.
Pensar nas relações de autoridade presentes na escola, implica
pensarmos nas políticas educacionais, que norteiam a organização escolar, as
propostas que são colocadas aos atores escolares e como eles se sentem em
relação a elas.
A equipe gestora e os professores vêem-se inseridos em um contexto
permeado por mandos e desmandos, por propostas que não fazem sentido, que
não são discutidas, logo, não são PROPOSTAS, mas IMPOSTAS. Assim como
constatou Souza (2005), também encontramos em nossa pesquisa a questão de
como as determinações, as imposições exercidas pelos mandantes (aqui
representado pela Secretaria Municipal de Educação e os departamentos que
respondem a ela) sobre os agentes (professores), muitas vezes, não
correspondem à realidade vivenciada no contexto escolar. As propostas de
metodologias, de projetos, de qualquer atividade, são destinadas a todos. Deu
certo em um lugar, tem que dar em outro... Não se leva em consideração as
diferenças de contextos, dos sujeitos, das relações estabelecidas, das demandas
de realidades diversas.
Os atores escolares sentem diretamente as influências de ordens
administrativas em sua prática, como se pode ver nas falas a seguir:
“Ai... trabalhar na rede pública é assim: a gente trabalha de acordo com o...
o... a administração, né. Cada vez que muda o prefeito, vem , mudança,
sabe, e, às vezes, é alguma coisa que estava dando certo, né, que a gente se
empolgou, achou que esse é o caminho, daí desmorona tudo, começa tudo
de novo. Isso é terrível, entendeu? [...]. E a gente percebe que o fracasso, às
110
vezes, da educação pública, está muito ligado a essa questão”. (fala da
professora Carmem sobre as mudanças que acontecem na rede quando
ocorre troca de governo).
“Eu acho que a escola espera que o professor atenda aquilo... É aquela
coisa, todo mundo aqui é submisso a alguém. A escola é submissa à
Secretaria da Educação... Não é? Então, no fim a gente acaba pegando,
cumprindo aquelas ordens que vem de cima, como que tem até hoje
acontecido [...]. Não tem. Não, porque eles são tudo autoritário, é aquilo e
se você não está contente, você então que e procura outra coisa”. (fala do
professor Luiz a respeito de quando não há concordância com o que foi
determinado pelas instâncias superiores).
“Então as regras vêm de cima: é assim que vai ser feito, é assim... Não
questionam se é certo, se é errado, não pedem opinião. Decidem nossa vida.
[...] Então, aquele professor que, às vezes, está acostumado a trabalhar de
um jeito, ele não vai saber, vai se atrapalhar e não vai fazer nem uma coisa
nem outra. Então, é cumpra-se, faça-se, e não se preocupa em ouvir quem
está envolvido para saber se está certo. Então, têm vários casos aí, vários
ângulos”. (fala da professora Lúcia)
“É a questão do processo de ensino-aprendizagem, que a gente ainda está
buscando uma qualidade nisso, na hora de ensinar, para que esse aluno
aprenda... A gente vive aí, também, complicado... Porque a gente se
contamina muito por teoria, né, coisas bonitas que acontecem fora... trás
aqui para a gente engolir... Ah, porque é bonito, e politicamente, isto também
é interessante, de repente para o município... Então, a gente passa, a gente
vive essas dificuldades que são impostas pelo Sistema de Ensino. O ciclo
mesmo, ele caiu, assim... Faz a gente pensar, porque, aparentemente é para
beneficiar o aluno, mas, se você olhar friamente para isso, isso também é um
modo de diminuir o número de retenção, que interessa politicamente. O
Brasil... mostrar que cada vez menos, a gente tem alunos repetentes”. (fala
da vice-diretora Denise)
Podemos ver, por meio destes trechos das falas das professoras e da
gestora, o quanto as políticas educacionais influenciam as práticas pedagógicas.
A todo o momento ocorrem mudanças que não são discutidas e nem sempre
atendem às demandas apresentadas.
Os professores não possuem espaço para discutir o que é imposto a
eles, mesmo que não concordem, como pode ser visto na fala do professor Luiz,
ou mesmo, o que, muitas vezes, influencia negativamente o trabalho desenvolvido
pelo professor, como foi apresentado pela professora Carmem, nos dois trechos
apresentados. Também, a fala da professora cia deixa claro como os
professores se sentem nessa relação. Eles acreditam que são totalmente
esquecidos, ignorados, como não participantes dos processos que se
desenvolvem no contexto escolar.
111
Concordamos com Souza (2005), que, ao discutir a relação entre o
sistema de ensino e os agentes, aponta que os professores sentem-se
indignados, desrespeitados profissionalmente, pois as ordens dadas vêm com o
discurso da autonomia da escola, que eles poderiam decidir a melhor forma de
realizar as propostas inovadoras, que prometem melhorar a qualidade da
educação. Contudo, o que se presencia é a heteronomia, pois eles sentem-se
obrigados a cumprir as ordens. O que impera é o desrespeito, logo, não pode ser
caracterizada como uma relação de autoridade, nem como espaço para o
desenvolvimento da autonomia.
Tanto os professores como a vice-diretora reconhecem que uma das
causas para o fracasso escolar pode ser a forma como as coisas acontecem na
rede blica. A professora Carmem diz: “[...] E a gente percebe o fracasso, às
vezes, da educação pública, está muito ligado a essa questão”.
A implantação do ciclo pode ser um exemplo de como isso funciona. Já
na discussão sobre a participação docente pudemos ver que a maneira como
essa nova organização foi implementada o contribuiu para a melhoria da
prática pedagógica, pois os professores, os sujeitos responsáveis diretamente por
fazê-las funcionar não compreenderam de que forma isso poderia ser feito. A
presença da seriação ainda é muito forte. Denise toca nessa questão, apontando
que algumas coisas são feitas somente para mostrar certa melhoria, mas que na
verdade não aconteceram.
Nessa forma de relação, em que encontramos o autoritarismo e a
heteronomia, mandante e agente acabam desacreditados, como conseqüência
dos resultados negativos apresentados, de não se compreender o que se faz, de
não acreditar realmente que aquela nova proposta poderá dar certo. Souza (2005)
resume bem isso, quando fala que:
[...] o discurso é o da autonomia, mas as ações são de controle e
imposição, e o sentimento que permanece como base na relação
é o da desconfiança – do mandante em relação aos agentes e dos
agentes em relação ao mandante. E interações que têm em sua
base a desconfiança não favorecem a construção e a manutenção
da responsabilidade e tampouco do respeito. (p. 171)
112
A professora Maria expressa seu sentimento sobre a interferência
exercida pela política na prática docente.
“A política, na escola pública, é tudo, né? Se você observar, infelizmente, nós
não temos uma educação direcionada, porque a nossa educação é política.
Chega um, passa a régua no que o outro fez. Pode ser bom, pode ser... Ele
tira: “vou fazer o meu”. Então, o ato político dele, para ser mostrado, ele não
pensa na escola, na comunidade que ele vai trabalhar, no professor, não
existe isso. Ele é, extremamente, visão para a política. E o professor embarca
nessa. Às vezes por pressão da própria instituição, ele tem que embarcar. [...]
Porque, na realidade, você vê, aqui é o final da política educacional,
concorda? Como se fosse na base, né. E que isso, por exemplo, um dia meu
diretor me disse exatamente isso: “eles me apertam lá e eu aperto vocês.” [...]
Existe uma pressão política de cima para baixo. Ninguém quer levar a pior,
concorda? E de repente vai para a gente essa pressão política: ”olha eu não
quero isso, isso, isso, quero isso, isso, isso”. Interessante, né? Então, a
política ela vem. E, de repente, daqui 4 anos...” (fala da professora Maria)
Esse trecho caracteriza bem, a nosso ver, como se dão as relações de
autoridade dentro da escola. pressões sendo exercidas de todos os lados: o
Sistema de Ensino geral pressiona o Sistema do Estado, que por sua vez
pressiona o município em todas as suas instâncias que respondem à educação,
que pressiona a equipe gestora que acaba pressionando o professor. Até chegar
neste último, todas as decisões foram tomadas e não se preocuparam em
verificar se o que existia como proposta estava trazendo resultados
satisfatórios. Infelizmente, na tentativa de se mostrar resultados ou até por
interesses próprios, as propostas, as mudanças colocadas, desrespeitam o
professor e, principalmente, o aluno, que é o objetivo maior da educação.
“Eu acho que aqui, a nossa administração, ela é muito assim, sabe, enxerga
muito quadradinho. Eu sei que é difícil você administrar não sei quantos
professores, cada um com as suas características e tudo mais. Agora, o
professor tem que ter... ser polivalente. Ele tem... Nossa! Tem tanta atribuição
nas costas do professor, ?! [...] Eles [equipe gestora] não são ruins, não.
São pessoas boas e tudo mais, mas isso acaba interferindo no nosso trabalho
e chateia muito.” (fala da professora Carmem sobre a equipe gestora).
Apesar de reconhecer que não é tarefa fácil administrar uma escola,
com tantos professores e alunos, Carmem também reconhece, que a forma como
essa administração acontece atrapalha sua prática e que o professor acaba
sobrecarregado.
Todas essas falas corroboram a discussão feita por Souza (2005),
demonstrando que a forma pela qual as propostas “inovadoras” o feitas,
113
impostas, levam-nos a crer que o mandante (Sistema de Ensino/Secretaria da
Educação) não acredita na capacidade dos agentes (professores e, em alguns
momentos, equipe gestora), de serem autores de suas práticas, conferindo
descrédito à identidade docente.
Denise disse que, em alguns momentos, tenta ser democrática, mas
agir dessa forma não é muito simples, pois alguns professores não têm o domínio
do contexto escolar como um todo, não conhecem como a escola funciona,
limitando-se aos elementos da classe que leciona. Vemos então, agora, a outra
face da questão: de um lado, encontramos professores e equipe gestora,
reconhecendo que não possuem espaços de reflexão e discussão, que não são
consultados nas tomadas de decisão pelo sistema de ensino, que apenas são
obrigados a cumpri-las, e muitas vezes, estas estão camufladas em um discurso
de autonomia escolar e profissional. De outro lado, temos a equipe gestora que
acredita em um professor que não se responsabiliza por sua prática, que não se
sente como pertencente àquela escola, inviabilizando a constituição de uma
escola democrática.
“E o ciclo, também por ser uma organização nova, tem uma fase de
adaptação, de adequação entre elas [professoras] mesmo, das idéias e
daquilo que vem imposto. [...] E, ao mesmo tempo que você tenta ser
democrático, muitas vezes, você tem que impor algumas coisas, . Porque
não é sempre que o grupo tem bom senso, não é sempre que o grupo
consegue ver a totalidade da escola. Porque, quando você conversa com o
professor, ele tem o domínio da sala dele. O mais pouquinho que ele tenha,
às vezes, é do período que ele trabalha. Agora, o todo escola, ele não tem! E
nem tem condição de ter! Ele não está aqui como a gente fica: ver as
diferenças, ver os movimentos, as intenções, que às vezes ficam explícitas ou
não. Então, fica, assim, uma coisa complicada!” (fala da vice-diretora Denise)
Voltamos ao exemplo do ciclo. Para nós, o ciclo é constantemente
citado por ser algo recente, na organização escolar, e que ainda não foi
compreendido pelos professores, como pudemos ver nas falas apresentadas
anteriormente. Apesar disso, o que destacamos nesse trecho, como dissemos,
anteriormente, é a visão da gestora a respeito dos professores, a maneira como
eles se implicam. Pensamos que não se conhecer e não conhecer onde se está
inserido, implica, muitas vezes, não se responsabilizar, ainda mais quando
instâncias que decidem pelo sujeito. outros trechos de falas de Denise, que
nos ajudam a compreender melhor essa questão:
114
“O comprometimento, também, não posso falar muito... Não sei, os
professores de série. Então, a gente vê, assim, alguns com muita
responsabilidade, outros, achando a coisa muito, assim... vai do jeito que dá”.
“Então, todo mundo é culpado: o aluno, a direção, a Secretaria, o Estado, o
prefeito, o presidente; mas ele não se enxerga na... na... na situação ensino-
aprendizagem. Ele não se enxerga! É... falta isso no professor, né, ele cair
aqui, oh!”.
Olhando mais atentamente para essas falas, podemos perceber que,
para a gestora, o professor realmente não se como participante do contexto
escolar, como um dos elementos que compõem as situações vivenciadas, e não
se responsabiliza pelos resultados apresentados.
Pensar na responsabilidade de alguém, não significa culpá-lo pelos
resultados apresentados, mas entender que sua participação é fundamental para
a constituição do contexto e dos sujeitos nele inseridos e que, ao mesmo tempo,
ele também se constitui nesse movimento.
Freire (1996, 1999) deixa explícito o quanto a responsabilidade faz
parte da constituição da autonomia. Sem ela, não autonomia possível, pois o
sujeito não se percebe como parte de seus atos, não reconhece limites, não se
assume como peça do movimento na construção de suas próprias regras.
Conscientizar-se e tornar-se crítico implica tornar-se responsável. Ser autônomo
não é simples, pois demanda entrar em contato com uma realidade que exige
muito do sujeito.
Em Souza (2005), também encontramos destaque para a
responsabilidade docente, como vimos no início deste capítulo. Responsabilidade
caracteriza-se como um dos componentes, juntamente com o respeito e com a
autonomia, das relações de autoridade:
Todavia, as interações entre mandante e agentes, tais como
vividas e compreendidas pelos agentes, não favorecem a
construção e a manutenção da responsabilidade, justamente pela
presença do desrespeito ou coerção, que lhes confere a
característica de heteronomia. (p. 179)
Esta colocação nos ajuda a compreender o movimento que
anunciamos anteriormente: de que duas faces a serem analisadas em relação
à responsabilidade. Ao mesmo tempo em que encontramos relações de
115
autoritarismo estabelecidas entre o mandante e os agentes, também encontramos
a falta que a vice-diretora sente dos professores se responsabilizarem,
comprometerem-se com os alunos e com a escola.
As interações são o alicerce das práticas escolares e é claro que
Denise também se apropria da heteronomia como modo de funcionamento, e vai
se isolando em seu lugar de gestora, aprisionada pela burocracia e as ações
pontuais. Mas ela está insatisfeita, o que revela a possibilidade de mudança. Em
Vigotski e Paulo Freire, a interação está na base de seus pressupostos teóricos, e
seria por meio dela que se faz possível ao indivíduo torna-se sujeito, construtor de
sua história e da cultura. Sendo assim, podemos dizer que a responsabilidade
também depende do trabalho coletivo, do sentimento de grupo que se instaura na
escola.
“Porque você tem um grupo assim, e não é nessa escola, quando tudo
certo, ah, todo mundo é responsável! Quando as coisas começam a ter
problemas, é o diretor que responde! Ele é o diretor, por que ele deixou?!
Ele é o diretor, por que ele deu esse espaço?! Então, é uma posição difícil,
né, é uma posição difícil!”. (fala da vice-diretora)
Podemos ver como a realização de um trabalho em grupo, em que se
toma o trabalho como de todos, seria realmente importante para uma melhor
gestão. Porém, segundo Denise, todos se responsabilizam por algo quando os
resultados são positivos, do contrário, culpabilizam outras pessoas, nesse caso, a
autoridade em questão.
Ainda com relação ao trabalho em grupo, Denise fala da relação entre
as professoras do ciclo e os professores de a séries. Os últimos
responsabilizam, ou melhor, culpabilizam os primeiros pelos fracassos escolares,
por ainda existirem alunos não-alfabetizados.
“[...] ficou uma distanciazinha na questão do ciclo e da a 8ª, porque o
pessoal de a costuma responsabilizar bastante o pessoal do ciclo com
relação a não aprendizagem do aluno, todas aquelas falhas que a escola vem
trazendo. [...] é um fracasso, a gente pode dizer, que é um fracasso escolar
mesmo, que vem acontecendo. fica uma certa distância, assim, entre os
grupos.” (fala de Denise)
Verificamos aqui um movimento de responsabilização que não
corresponde ao que entendemos por responsabilidade, como demonstramos,
116
responsabilidade vem acompanhada pela culpa, como se fosse necessário
apontar alguém como único culpado. Esse é um aspecto que constatamos,
diariamente, que não é raro ouvirmos que a culpa, a responsabilidade pela
qualidade da educação é do professor.
Assim como apresentado por Souza (2008), responsabilizar-se ou não
por algo, mostra o quanto o sujeito sente-se pertencente a determinado espaço e
se identifica com a comunidade pela qual é responsável. Parece que os atores
escolares, principalmente os professores, não se identificam com a escola em seu
coletivo, mas permanecem atuando individualmente, como um profissional
autônomo que exerce sua atividade em espaços individualizados.
Há, também, um outro elemento que podemos considerar nesse
movimento: o fato da escola e os professores serem responsabilizados por
funções que não cabem em seus papéis, esquecendo-se, muitas vezes, de sua
função primordial de promover a apropriação dos conhecimentos socialmente
construídos.
Tanto Denise quanto os professores falaram sobre o excesso de
funções e responsabilidades colocadas na escola, seja pela sociedade em geral,
pelos pais, ou pela própria escola para com os professores.
“[...] eu acho assim: a escola, ao mesmo tempo que ela é responsável, e tem
uma responsabilidade na formação do aluno, tem muita coisa que não
depende dela”. (fala da vice-diretora)
“Ah, eu acho que, como sempre, né, a escola o professor como aquele
cara que é responsável por tudo. E de certa forma, a gente incorporou isso,
entendeu? Não é mais aquele profissional para fazer determinada... ter que
passar o conteúdo das disciplinas, né. É... eu vejo que a escola jogou um
monte de coisas nas nossas costas, um monte de responsabilidades”. (fala da
professora Carmem)
“Ah, então, o problema do professor, eu vou te falar a verdade! Desde quando
eu fui fazer o magistério, a culpa é sempre do professor. A mídia veicula...
Notícia... Tudo é sempre culpa do professor! O professor está sempre errado!
O professor nunca tem razão”. (fala da professora Lúcia)
“Eu acredito assim: o ideal para o professor que está na escola é passar
conhecimento ao aluno. Agora o pai, muitas vezes, confunde isso e acha que
o professor tem que dar educação ao filho. E isso acontece muito, a gente
aqui, o pai acha, às vezes, fala isso, questiona, porque nós somos obrigados
a educar o filho dele. Mas não é isso, a educação vem do berço, a
educação... O filho fica apenas 4 horas aqui na escola, as outras 20 horas ele
117
fica em casa. Quem tem que dar educação, ao meu ver, é o pai. Agora, o que
a escola vai poder passar, é o conhecimento ao filho, para ele se tornar
alguém na vida. Agora, eles confundem muito isso daí. Isso daí, na cabeça de
muitos pais, acham que somos obrigados a dar educação ao filho dele, e não
é por aí”. (fala do professor Luiz)
Cada uma dessas falas merece uma discussão. Primeiro, a vice-
diretora assume a responsabilidade pela escola, já que, como instituição que
promove, ou deveria promover, o desenvolvimento dos sujeitos e transmitir
conhecimentos, cabe a ela formar o aluno. Contudo, nem tudo o que se coloca
como função da escola, realmente é seu papel, como podemos ver nas falas da
professora Carmem e do professor Luiz. A escola perdeu a função de transmitir
os conhecimentos produzidos, função essa que somente ela poderia exercer,
que esses conhecimentos circulam por ela. O que vemos, hoje em dia, com as
transformações tecnológicas e sociais, é que aquilo que a escola ensina não é o
que o aluno quer aprender, pois ele tem acesso às informações de outras formas.
Por fim, temos a fala da professora Lúcia que resume tudo isso, ao dizer que,
desde a época em que estudava, escutava falar que a culpa pelos resultados
negativos era do professor.
Podemos ver, como dito pelos próprios professores, que as novas
funções atribuídas a eles impedem que desempenhem sua função; e acreditamos
que essas novas demandas, atribuídas à escola e aos professores, constituem-se
como justificativas pelo professor dos parcos resultados de seu ensino.
Porém, como contexto complexo que é, permeado por relações entre
sujeitos singulares, encontramos também professores que assumem, tomando
para si a responsabilidade de formar seus alunos:
“E o interessante, também, é que eu me sinto meio que... responsável pelo
sucesso dessas crianças. [...]. eu fico pensando: “Meu Deus, se eu não
passar alguma coisa boa para essas crianças, né...”. Eu não sei, acho que a
minha consciência vai me cobrar. Porque eu acho que a gente, como ser
humano, independente de ser professor, a gente tem uma responsabilidade, a
gente precisa melhorar tudo isso daqui, entendeu? Acho que é minha
convicção. Eu acho que a gente não veio a esse mundo por acaso, né? Esse
mundo está aí, cheio de problemas, mas tem um monte de gente inteligente
que tem que fazer alguma coisa, a gente tem que contribuir de alguma
maneira. Porque se eu achar que é sempre obrigação do outro, nós vamos
continuar do mesmo jeito, não é verdade? [...] A Educação precisa de gente
que tenha esse compromisso é... eu acho que até moral, não é um
compromisso só profissional, é...” (fala da professora Carmem)
118
“O professor, na prática pedagógica, tem que aprender que ele é o
responsável. O professor, geralmente, delega a outros, ao diretor, ao
coordenador, aquilo que ele não consegue resolver em sala de aula.
Concorda?! Não adianta nada você ter um aluno meio rebelde e você levar
para a direção. A partir desse momento você... A gente como perdeu a
caracterização de responsável. Então, você... Eu como professora atualmente
nunca bati na porta da direção”. (fala da professora Maria)
“Estou falando da responsabilidade, tá? Do compromisso, do nosso
comprometimento. Você está com a criança na sua mão, você é responsável
por ela. Qualquer erro que você cometer, você vai marcar essa criança.
Marcar no sentido de você falar com ela. Marca. Tem a violência mental, tem
a violência corporal, tem a questão de “ai, não acredito mais nessa criança”, e
deixa de lado”. (fala da professora Sandra)
Essa contradição nos revela a diversidade que encontramos na escola.
Há, sim, professores que se implicam em suas práticas, que vêem a importância
de seu papel na formação e na constituição do aluno. Acreditamos que isso pode
ser explicado pelos pressupostos de Vigotski (1995; 1998), ao dizer que o sujeito
é singular, mesmo que ele esteja inserido em contextos semelhantes ao de outros
sujeitos, a forma como ele irá atribuir significados e sentidos aos acontecimentos,
às interações estabelecidas, a maneira como tudo isso será configurado, não é a
mesma, permitindo assim que ele se diferencie dos outros. Alguma coisa durante
a vida, a formação desses professores, permitiu que isso fosse possível. A nosso
ver, esse fato justifica o investimento na escola com vista à construção da
autonomia e são, justamente, aqueles que se responsabilizam que constituem
essa possibilidade do instituinte.
5.3 Liberdade, emancipação e auto-regulação: aspectos constituintes da
autonomia
Apresentamos, a o momento, elementos que se constituem como
fundamentais para a promoção da autonomia. Vimos, por exemplo, como as
relações de autoridade, a responsabilidade e a participação nas tomadas
decisões, contribuem para que o sujeito se desenvolva como autônomo e de que
forma esses aspectos apresentam-se no contexto escolar.
Refletir sobre essas questões colocou-nos próximos dos principais
conceitos trabalhados pelos autores adotados como base teórica deste trabalho.
119
O que queremos dizer é que, a todo o momento, esbarramos com a noção de
liberdade e de emancipação (trabalhadas por Paulo Freire) e de auto-regulação
(trabalhada por Vigotski).
Pensar na liberdade dos professores para realizarem seu trabalho,
remete-nos diretamente aos pressupostos de Paulo Freire (1993, 1996, 1999,
2005). Sua idéia de liberdade equivale a se libertar da opressão exercida pela
maioria dominante, da simples reprodução dos conhecimentos produzidos, que
massificam e alienam os sujeitos, permitindo que esses sujeitos se tornem
conscientes, críticos e autônomos, participantes ativos na construção da história
da sociedade em que está inserido e de sua própria história. São esses aspectos
que constituem as premissas do que ele denomina de Educação Libertadora.
Essa concepção de liberdade não se assemelha à idéia, de senso
comum, de um sujeito livre, de alguém que não tem regras, que pode agir sem
sofrer as conseqüências de suas ações, e livre da presença de uma autoridade.
Ao contrário, a idéia de liberdade como libertação traria ao sujeito a possibilidade
de se soltar de amarras, que impendem o seu desenvolvimento, seja ele físico,
psicológico, social, econômico ou cultural. Essa libertação seria possível por meio
da educação, da mediação feita pelo professor, dos conhecimentos socialmente
produzidos, constituindo-se como uma das condições para que o sujeito se
emancipasse, de forma concreta.
Freire (1996, 1999, 2005) dizia que era preciso escutar a classe
oprimida, dar-lhe atenção, discutir suas idéias e dar crédito a seus
conhecimentos. Para ele, se isso acontecesse, seria possível que os sujeitos
realmente se libertassem, pois estariam partindo de algo que conhecem, que
acreditam, que valorizam e que faz sentido em sua história como sujeito. Esse
seria um caminho para que esses sujeitos entrassem em contato com a cultura
existente, pudessem expandir seus horizontes dos conhecimentos, começassem
a atribuir sentido às informações recebidas. Tornar-se consciente, livrar-se da
opressão e libertar-se seriam condições para a emancipação do sujeito.
Emancipar-se, nessa perspectiva, significa opor-se à opressão, tornar
possível que oprimidos libertem a si próprios e a seus opressores, tornando-se
120
críticos da realidade na qual encontram-se inseridos, agindo com
responsabilidade, implicando-se com seu contexto, refletindo sobre suas ações,
buscando renovações, ou seja, ser autônomo.
Vemos, então, o quão estreita é a relação estabelecida entre liberdade
e emancipação, sendo a primeira condição para a segunda. Nessa relação,
também encontramos espaço para a autonomia, pois, a nosso ver, todas as
implicações que emancipar-se e libertar-se exigem do sujeito, o constituem como
autônomo.
Em seu livro “Educação como Prática da Liberdade”, Paulo Freire
(1999) toma como ponto central a luta contra a massificação da população, contra
a educação que reproduz os conhecimentos dominantes que mantém os sujeitos
na alienação, no estado de heteronomia, logo, que não promovem seu
desenvolvimento e sua emancipação.
um ponto importante nessas considerações que precisa ser
ressaltado: para Freire (2005), ao se libertar e se emancipar, o sujeito passa a
reconhecer que não está sozinho, que sempre outros nessas relações, e que
os elementos presentes influenciarão seu modo de agir e de pensar. Partindo
disso, acreditamos poder dizer que ser livre, emancipado, autônomo, não equivale
a ser sozinho, em ser individualista, mas ao contrário, implica o coletivo.
Como vimos anteriormente, o trabalho em grupo é um dos elementos
que contribuem para o desenvolvimento da autonomia, pois, ao estar inserido no
grupo, sentir-se pertencente a ele, o sujeito sente-se à vontade para participar das
decisões, assume as responsabilidades, permite que as diferenças emirjam, o
que promove o desenvolvimento de todos os integrantes do grupo.
Da perspectiva da Psicologia, acreditamos que o conceito de auto-
regulação de Vigotski ajuda a compreender a construção da autoria pelo sujeito.
Vigotski (1995), entende a auto-regulação como a capacidade do sujeito de
dominar sua própria conduta. O autor aponta que, por meio da mediação do outro,
feita pela linguagem, o sujeito vai internalizando as normas e as regras
socialmente construídas, durante o seu desenvolvimento.
121
De acordo com Souza (2005), o sujeito o se apropria dos
significados atribuídos pelos outros a fenômenos ou eventos, mas ele internaliza
esses significados, configurando-os com sentidos próprios. Pensando na questão
da auto-regulação, podemos dizer que, nesse processo, o sujeito vai
internalizando as normas e regras significadas pelos outros, atribuindo sentidos
próprios, configurando suas próprias regras, de acordo com suas experiências e
com o contexto no qual está inserido, tornando-se capaz de controlar sua
conduta. Afirmamos aqui, novamente, a importância da auto-regulação, pois ao
alcançar o desenvolvimento desta função superior, ele regula todas as demais
funções psicológicas.
Assim, a nosso ver, desenvolver-se como auto-regulado não depende
somente do sujeito, mas das condições materiais de sua existência. Suas
experiências, as relações estabelecidas com os outros, o contexto, estão
presentes no desenvolvimento do sujeito, são marcas que encontramos em sua
história, e é por isso que acreditamos ser possível ao sujeito desenvolver-se como
ser autônomo, auto-regulado, emancipado, quando ele se encontra inserido em
um contexto, que promova esse desenvolvimento.
Contudo, queremos aqui apresentar uma questão: Paulo Freire e
muitos estudiosos de Vigotski utilizaram esses pressupostos, apontando quais
seriam as características necessárias aos professores, para que desenvolvessem
uma educação democrática, cidadã, na formação de alunos autônomos, auto-
regulados, conscientes e críticos. Fala-se muito de uma escola com profissionais
qualificados, capazes de atender às diferenças apresentadas por seus alunos,
conscientes de seu papel no desenvolvimento dessas crianças. Mas o que vimos
até aqui, com os dados apresentados, são professores oprimidos pelo sistema de
ensino, sem espaço para participação, inseridos em um contexto que o
promove sua autonomia, pois são desacreditados, responsabilizados por decisões
de que o participaram. De outro lado, também são profissionais que não
compreendem a importância de seu papel, que não se implicam em suas práticas,
e não se responsabilizam pelos resultados da educação.
Iniciaremos a discussão enfocando a forma como a liberdade é
concebida pelos professores na relação com a autonomia.
122
“Autonomia... é igualzinho à liberdade, à libertinagem. Eu tenho que ter uma
auto... A liberdade, mas... Nem todos podem ter autonomia, né? [...] Só
quando você chega na maturidade, que você tem autonomia. Eu acho que o
ser humano, ele ainda precisa de padrões que cerceiem, que orientem tais
seres humanos. Quando a gente diz... Você diz autonomia na escola, ou
autonomia pessoal... [...] Eu não acredito em autonomia total, em nenhum ser
humano, porque ele é propriedade. Se você for extremamente autônomo,
você não está relacionando a sociedade”. (fala da professora Maria quando
questionada sobre o que ela entendia por autonomia)
“Vamos trocar autonomia por liberdade? A prefeitura dá liberdade plenamente
para o professor. Ele fecha a porta e faz o que quer, tá. Eu não sei, professor
autônomo, eu penso assim, vejo assim: consegue visualizar, consegue ver o
que está fazendo de errado e o que está fazendo de certo e corre atrás, de
pesquisar, estudar. Ter sua autonomia de trabalho. De buscar, de ir atrás, de
conversar, questionar. Esse é o papel do professor autônomo. Professor que
tem essa liberdade, o quer dizer que é autônomo, por quê? Porque ele
ainda fica preso, o consegue enxergar o que está fazendo, ir atrás, buscar
o conhecimento, pesquisar na internet, ou ir numa livraria comprar um livro.
Um problema que está te atormentando, a indisciplina, por exemplo, ir
pesquisar sobre a indisciplina, o que fazer com ela, quer dizer... Essa
autonomia de estudo, sozinho, reflexivo do professor, não tem. Vamos trocar
autonomia por liberdade. A prefeitura liberdade, mas dizer que todos os
professores são autônomos, isso eu não vejo”. (fala da professora Sandra
quando questionada sobre o que ela entendia por autonomia)
“Olha, para falar a verdade, eu entro na minha sala de aula e faço o que eu
acho melhor para os alunos, vou tentar trabalhar da melhor forma para ter
resultado, entendeu?”. (fala da professora Lúcia)
Nesses trechos de falas, podemos encontrar vários elementos, que nos
ajudam a refletir sobre a questão da liberdade.
A primeira coisa que nos chama a atenção, é o fato de as professoras
relacionarem autonomia com liberdade, opondo-as, sem perceber a implicação
desses aspectos na construção de uma prática pedagógica mais responsável. A
liberdade aparece desvinculada da responsabilidade, enquanto a autonomia,
segundo as concepções expressas, implicam a responsabilidade. Ocorre que eles
acham que têm liberdade e não autonomia e o fato de o a perceberem como
um caminho para a emancipação, pode justificar a dificuldade para a conquista da
autonomia.
A professora Maria ainda menciona a palavra libertinagem, que passa
a idéia de um comportamento desregrado e desvinculado de normas ou
compromisso.
123
Essa professora apresenta contradições em sua fala, já que, ao mesmo
tempo em que diz que só seria possível ser autônomo, quando se atinge a
maturidade, ela afirma que não autonomia possível, que ninguém poderia ser
totalmente autônomo; pois sempre normas, padrões sociais que orientam o
comportamento dos sujeitos. Ela não pôde ver a autonomia como a
compreendemos aqui, ou seja, que ser autônomo não significa não ter regras
para serem cumpridas, normas para serem seguidas, mas confunde autonomia
com liberdade irrestrita.
Ainda professores que esperam soluções da direção, que o
buscam novas possibilidades para sua prática, que não conseguem se soltar das
amarras colocadas pelas normas institucionais. Estariam os professores também
alienados? Estariam eles acomodados com essa situação, não achando
vantagens em buscar mudanças? Ou resistem às responsabilidades que
assumiriam ao agir, amesmo pelo fato de serem responsabilizados, ou melhor,
culpados por ações que não são somente suas?
Ser livre não significa ser autônomo, como concebe Paulo Freire, e a
professora Sandra reconhece isso, ao afirmar que o fato da Prefeitura dar
liberdade para o professor em sua prática não significa que ele seria autônomo.
Sua fala resume o que para nós poderia ser um professor autônomo, com uma
exceção: realmente acreditamos que uma prática autônoma exige que o professor
enxergue seu trabalho, reflita sobre suas ações, buscando novas práticas, novos
caminhos. não concordamos que, nesse movimento, ele possa prescindir do
outro, ou seja, agir sozinho.
Tanto Sandra quanto Lúcia declaram que o professor tem liberdade,
pois ambas dizem que, ao fechar a porta de sua sala, o professor passa a ser
responsável por ela, ele pode fazer o que achar melhor. Mas ficamos nos
perguntando: ter liberdade é suficiente? E as discussões sobre o que fazer com
ela, de suas implicações?
Tomando por base a concepção de Freire (1996, 1999, 2005),
acreditamos que oferecer liberdade não é suficiente, pois ela é um dos aspectos
124
necessários ao desenvolvimento do sujeito autônomo, o que significa que sendo
autônomo é que se saberá que uso fazer da liberdade.
No entanto, verificamos que essa discussão não acontece na escola. A
equipe gestora até oferecia espaços para que os professores participassem
(oferecia liberdade?), opinassem, mas a reflexão não acontecia e muitas vezes
produzia alguns problemas, como podemos constatar na fala da vice-diretora e
nas observações da pesquisadora.
“Esse ano, o TDC ficou um pouco complicado, porque ficou liberado para os
professores escolherem o dia e o horário que quiserem dentro daquilo que a
escola tinha para oferecer, né. É... a e ciclo, tanto no TD da 2ª, como
no TD da 4ª. Então fica aquela coisa maluca [...]” (fala da vice-diretora Denise
sobre a organização das reuniões dos professores)
Março/2008 Reunião das professoras do ciclo: Acompanhei a discussão de três
professoras para fazer o planejamento durante duas semanas. Elas tinham o espaço
para refletirem e decidirem qual caminho seguir, como iriam ser suas aulas, os conteúdos
a serem ensinados (relacionados com um tema gerador de acordo com o ano do ciclo).
Elas não sabiam como trabalhar, não entendiam porque tinham que fazer isso e diziam
que era mais fácil copiar do ano anterior; e não compreendiam porque todo ano tinha que
mudar. (trecho de cena relatado em diário de campo)
O que fazer com a liberdade para agir quando não se consegue
compreender a tarefa ou não se pode atribuir sentidos às ações? Isso seria
liberdade ou abandono?
Aproximemos nossos olhares, primeiramente, para a fala de Denise. A
escola ofereceu algumas opções de dias e horários, para os professores
decidirem qual seria a melhor opção para eles; e o resultado foi que todos
decidiram fazer nos mesmos dias e horários. Isso se tornou mais um problema
para a organização da escola, pelo fato dos professores ficarem separados no
horário da reunião: em um espaço ficam os professores do ciclo e em outro os
professores de a séries. Então, o orientador pedagógico ou a vice-diretora
tinham que ficar se dividindo entre esses grupos e, algumas vezes, o dava
tempo para passar orientações para os dois grupos. Chegamos a observar uma
reunião em que as professoras do ciclo ficaram quase todo o período da reunião
esperando o orientador pedagógico, que chegou quase ao seu final; e acabou não
fazendo as discussões necessárias.
125
Vemos que, nesse caso da escolha do horário do TDC, foi oferecida
aos professores a opção de escolherem os melhores horários para eles e isso foi
feito, mas não foi orientado aos professores como fazer e nem a escola se
preparou para atender a essa demanda. Dar o poder de escolha aos professores,
deixá-los livres para decidirem, não promove o desenvolvimento da autonomia se
não compreensão, organização e responsabilidade para que exerçam a
participação.
O trecho do diário de campo também pode ser usado como um
exemplo disso. Nas semanas que fiquei com essas professoras, as outras do ciclo
também se dividiram de acordo com o ano que lecionavam. Ficou evidente a falta
de orientação das professoras, que relatavam não saber como montar o
planejamento e nem compreender a necessidade de fazê-lo. Essa liberdade dada
às professoras, de poderem planejar como iriam trabalhar, como desenvolver sua
prática docente não foi o suficiente, faltou, novamente, a orientação. Agir dessa
forma também permite que o professor não se responsabilize, pois ele poderá
alegar que não foi orientado no que deveria fazer.
Ficamos nos perguntando que liberdade é essa destinada aos
professores. Será liberdade mesmo, ou seria abandono? Um abandono velado ou
explícito? Como os professores se sentem em relação a isso? Qual a ligação que
tem o abandono com a autonomia?
“É muito solto, então cada um faz o que quer. Se cada um faz o que quer, o
projeto político-pedagógico da escola nunca vai ser contemplado. É o que eu
sempre falo na minha sala: a gente tem várias escolas dentro de uma mesma
escola. Vários modos de pensar... Lógico, as pessoas são diferentes, mas
tem que ter essa linha pedagógica, essa conduta, que eu não vejo”. (fala da
professora Sandra)
“Uma imagem... [pausa]. Acho que um microfone, porque a gente quer tanto
ser ouvido! Sabe... Pelo menos daquilo que a gente acha que é verdade. E,
de repente, pode ser que aquilo que a gente esteja querendo falar, não... Eu
quero falar, mas você não quer ouvir. Mas acho que seria um microfone, um
amplificador, alguma coisa nesse sentido”. (fala da professora Carmem
quando questionada sobre qual imagem representaria, para ela, a profissão
docente)
“Nossa, que interessante! Que imagem seria? Eu nunca pensei nisso! [risos].
Eu acho que o barco. A gente está numa canoa ainda, nós temos que pegar
um transatlântico, para que vorealmente atravesse o oceano [...]. Mas na
126
educação básica. [...]. Concorda? Todo o investimento deveria estar aqui”.
(fala da professora Maria sobre qual imagem representaria a prática docente)
“Acho que falta esse apoio da direção, de conhecer melhor nosso trabalho,
porque estão muito distantes, não conhecem, ficam envolvidos na parte
burocrática e a parte pedagógica eles não conhecem. De ter esse apoio, de
defender o professor, de conhecer o trabalho para defender o professor,
precisa conhecer. Se não conhece, não defende. Fica muito em cima do
muro. Se o pai vem reclamar, eles ficam em cima do muro, não sabem como
mediar isso, a relação professor com o pai, é complicada. Falta esse apoio
para a gente crescer”. (fala da professora Sandra)
“Porque na escuridão você caminha sem sentido, sem objetivo, né, você não
está vendo nada. E o grupo docente dessa escola caminha em várias
direções. Eu penso assim, num barquinho, todo mundo dentro do barco, todo
mundo com um remo tentando remar, e o barco fica girando, girando, girando
e não vai para o final... para a margem do rio que é o objetivo nosso da
educação. Fica andando sempre em círculos, tá. A imagem que eu vejo
desse barco é lotado de pessoas, cada um com um remo, sem direção
nenhuma e a escuridão, cada um segue seu caminho, o que bem entender”.
(professora Sandra sobre qual imagem representaria a docência)
Podemos ver, por meio dessas falas, como os professores se sentem
dentro da escola: sentem-se abandonados, sem orientação, com dúvidas sobre
sua prática e os resultados obtidos a partir dela. Conforme vimos apontando, para
o sujeito constituir-se como autônomo, seria necessário um grande investimento
na constituição do coletivo da escola, o que exige a mediação de um líder que
tivesse clareza dos objetivos a atingir. Esse líder teria a função de dar o rumo das
ações e oferecer condições para que se realizassem.
Entendemos que deixar o professor livre pode significar que ele está
sendo abandonado. Ao mesmo tempo em que as políticas educacionais, o
sistema de ensino, a equipe gestora podem estar discursando a favor da
liberdade de ação do professor, eles estão deixando o professor desamparado,
sem saber para onde seguir. E o mais drástico é saber que o professor, em sua
perdição, desperdiça potenciais de alunos, de pessoas que são afetadas por
essas condições da docência.
Em nossas entrevistas e observações, também ficou evidente a crítica
dos professores à formação oferecida pelo sistema de ensino, pois algumas
vezes eles disseram que os cursos da rede nem sempre são bons, não trazem
novos conhecimentos, além do fato do espaço dos TDCs ser mais utilizado para
resolução de questões administrativas do que para refletir sobre as práticas
127
pedagógicas. Acreditamos que essas reuniões poderiam ser um espaço utilizado
para a formação do professor, em que acontecessem discussões do cotidiano
escolar, em que se desse ao professor a chance de falar, de ser escutado, de
expor suas dúvidas e trocar experiências, mas também de estudar, refletir e
buscar soluções para os problemas enfrentados.
Para nós, esse poderia ser um dos caminhos para a emancipação
docente: participar das decisões da escola efetivamente, ser orientado e poder
decidir sobre o melhor caminho a seguir, devidamente respaldado por
conhecimentos teóricos e práticos, ser apoiado em suas decisões, poder refletir
sobre sua prática; podendo se transformar e transformar seu aluno, principal alvo.
Tanto nas entrevistas dos professores, quanto da vice-diretora,
pudemos constatar a preocupação que têm com o aluno, de poder ensinar
alguma coisa e que ele aprenda, propiciando melhorias em suas vidas, sentindo-
se como responsáveis por ele.
“E a escola é o aluno. O nosso objetivo, o nosso projeto pedagógico, tudo
isso gira em torno do aluno. Não adianta! A gente não tem outro objetivo,
senão fazer o aluno aprender! A gente está, aí, numa situação bastante
complicada!”. (fala da vice-diretora Denise sobre objetivo da escola)
“Que as crianças aprendam, né. A gente faz uma avaliação diagnóstica no
começo do ano... Que saiam, no final do ano, totalmente diferentes do que
entraram, o pensamento... Tem que sair diferente, tem que aprender”. (fala da
professora Sandra sobre o seu objetivo)
“Eu acho que ser professor é você tentar passar para os outros assim, algo a
mais [...], tentar formá-lo para a vida, para... ter um caminho melhor na vida.
Transformar... a criança em um cidadão”. (fala do professor Luiz sobre o que
é ser professor)
“Porque também não adianta a gente deixar a criança e não interferir, deixar
ela sozinha e falar: “ah, ela vai dar conta”. Quer dizer, ela vai avançar como?”.
(fala da professora Lúcia sobre o construtivismo e da forma como ele foi
introduzido na escola)
“Ah, eu queria... Eu quero que essas crianças, sabe... Sejam felizes é uma
coisa tão vaga, né, não sei... Talvez que, pelo menos, elas tenham um pouco
mais de estrutura para agüentar o que vem pela frente. [...]. Eu acho que a
gente tem bastante coisa para contribuir sim. Mas eu queria que eles
tivessem mesmo, uma formação, que eles fossem mais equilibrados, para
que a nossa sociedade ficasse melhor. [...].Então... Está lá, e você está tão
preocupada em dar uma formação que nem Paulo Freire [...]”. (fala da
professora Carmem sobre o que espera como resultado do seu trabalho)
128
“Modificar... acrescentar alguma coisa nos meus alunos. Mais isso.
acrescentar mesmo”. (fala da professora Maria sobre o resultado de seu
trabalho)
O que podemos tirar dessas falas, como ponto central, é a
preocupação dos professores com a formação dos alunos, de transformar suas
vidas, para que tenham mais oportunidades, mais chances para se
desenvolverem. A professora Carmem chega a citar a “formação que nem Paulo
Freire”, ou seja, a formação que liberta, que conscientiza, que realmente
transforma. Ressaltamos que aqui, da mesma forma como foi trabalhado por
Paulo Freire (2005), o que se espera da educação não seria somente a
emancipação cultural, mas também a social e a econômica, permitindo que novos
caminhos sejam trilhados pelo sujeito, que ele consiga uma ascensão social em
todos os âmbitos, transformando a si e aos outros e, por conseqüência, a
realidade na qual estão inseridos, emancipando-se.
A fala da professora Lúcia também anuncia uma questão interessante:
as teorias adotadas nas escolas, muitas vezes, como soluções mágicas, com a
capacidade de resolver todos os problemas, se não forem discutidas e
compreendidas pelos professores, podem gerar desconfortos, desmotivação,
desresponsabilização, pois não sentido naquela prática. Ao falar do
construtivismo e da forma como ele foi implantado na escola, Lúcia deixa claro
isso, da mesma maneira que vimos as queixas dos professores quanto à
implantação do ciclo.
Do mesmo modo que a criança não irá se desenvolver sozinha, sem a
mediação do outro, o professor também precisaria de um acompanhamento, para
que sua prática avançasse, pois observamos em suas falas que estão dispostos a
isso, só não sabem como fazer.
Os professores sabem que alguma coisa nessa grande engrenagem,
que se chama educação, não está funcionando bem, parecem insatisfeitos com
este fato, mas acabam sendo culpabilizados por não fazerem nada para melhorar.
Na fala abaixo, a professora Lúcia diz:
“Eu acho que valeria a pena, seria mais conscientização, mesmo. A gente
saber porque está trabalhando aquilo, porque está dando certo, porque deu
resultado, porque que não deu certo com meu aluno, eu vou mudar. Porque
129
eu vou insistir numa prática que não está dando resultado?!”. (fala da
professora Lúcia)
Pensamos que essa poderia ser uma evidência de que os professores
necessitam ser escutados e menos oprimidos pelo sistema de ensino, que o
eles que estão vivenciando as dificuldades do cotidiano escolar, são eles quem
sabem as demandas apresentadas; e de nada adianta ficar dando receitais se
elas não respondem à realidade do contexto. Mudanças poderiam ser possíveis a
partir do momento em que se olhasse para isso, que se reconhecesse o professor
como autor de sua prática e capaz de refletir sobre ela, mas tomando o cuidado
de não deixá-lo sozinho, abandonado.
Essas reflexões nos remetem ao conceito de auto-regulação proposto
por Vigotski, pois, a nosso ver, as mediações que faltam ao professor que se
sente abandonado na escola, podem constituir-se como um impeditivo do domínio
de sua conduta.
Como vimos anteriormente, o sujeito auto-regulado caracteriza-se
como aquele que segue as normas e regras construídas socialmente, mas atribui
a elas significado e sentidos próprios, construindo, dessa forma, as suas próprias.
As falas a seguir permitem a compreensão do porquê entendemos que
a autonomia, da perspectiva do sujeito, implica sua auto-regulação.
“[...] autonomia é quando você é capaz de fazer alguma coisa sozinho. Tudo o
que eu quero fazer, eu sei... eu sempre... eu imagino que a forma como eu
pretendo fazer a coisa que eu imagino, ela é correta, entendeu? Quando eu
quero, por exemplo, todas as minhas aulas, eu posso até depois perceber,
que o resultado não foi legal, mas, eu consigo... eu tenho, assim, senso de
organização muito apurado, sabe, de concisão [...] Sabe, eu não tenho medo.
Eu não acho, assim, que outra pessoa... Eu sempre acho que aquilo, a forma
como eu enxergo o trabalho, a forma como eu pretendo fazer, eu vejo como
uma coisa muito boa, entendeu? Eu não acho que o do vizinho é melhor. Às
vezes, eu escuto algumas coisas... Isso não significa que eu não estou aberta
a idéias, né. Que de repente, o colega comenta, alguma coisa que fez e
você: ”nossa, eu nunca tinha pensado nisso!”; e você se apropria daquilo e
usa sem nenhum pudor, entendeu? Mas, é eu acho que eu tenho boas idéias,
sabe? Tem gente que é muito insegura, acha que tudo o que fez [...]”. (fala da
professora Carmem)
“Autonomia é auto-regulação. [Pausa]. Você saber fazer sozinho as coisas,
que não prejudique o outro, né. Essa consciência do que eu posso fazer e do
que não devo fazer. Essa regulação interna da gente, mental, que a gente
130
não nasce assim, a gente aprende a ser autônomo”. (fala da professora
Sandra)
“Autonomia é quando a pessoa, ela age por si própria. Ela consegue realizar
as coisas sem... sem pedir ajuda. Ela pode até pedir, mas não no sentido de
que ela não é capaz, ela é capaz. Então, com o tempo, ela vai fazendo as
coisas, elas já vai pensando. Quando a pessoa consegue pensar sobre suas
ações, entendeu? Quando ela consegue diferenciar: ”isso eu posso, isso eu
não posso, isso eu vou além...” Acredita em si mesmo, na sua capacidade. A
partir do momento em que ela passa [...] que ela consegue pensar sozinha,
ela está... ela conseguiu sua autonomia. Ela venceu essa etapa”. (fala da
professora Lúcia)
As professoras declaram que a autonomia é a capacidade de agir por
si, de se reconhecer como participante de um processo de desenvolvimento que
vai ocorrendo durante a vida, provocando transformações em seu cotidiano, na
sua realidade e em si próprio, pelas interações estabelecidas ao longo desse
caminho.
Podemos dizer, ainda, que corroboram os pressupostos de Vigotski
(1995,1998), pois as professoras falam do domínio de conduta, de que ser
autônomo é resultado de um processo, constituir-se como ser pensante, que se
desenvolve.
Essa maneira de pensar do professor é que nos faz considerar que,
por mais que ele encontre empecilhos em seu cotidiano, ainda profissionais
que possuem uma compreensão de sua prática; e do quanto ela se faz importante
na promoção do desenvolvimento de seus alunos.
Essa clareza das professoras em relação à autonomia, à consciência
de seu papel e disposição para agir, ainda que suas ações sejam questionadas,
ainda que solitariamente (dentro da sala de aula) ou enfrentando conflitos (não
tenho medo), é que demonstram a possibilidade da escola se tornar um espaço
de promoção da emancipação. Se está esse potencial, bastaria que a gestão
tomasse consciência dele e, a partir desses posicionamentos, investisse no
grupo, no coletivo, pois a liberdade, a emancipação e a auto-regulação são
constituintes da autonomia, na medida em que implicam responsabilidade por
parte dos sujeitos envolvidos no processo, com consciência de suas ações,
trabalhando em grupo, pensando criticamente e participando ativamente na
131
constituição do contexto, das regras, do social, ao mesmo tempo em que se
constituem.
132
Capítulo 6 – Considerações Finais
No início desta pesquisa, propusemos-nos responder à seguinte
questão: o que o professor entende por autonomia? Ao longo de seu
desenvolvimento, buscamos conhecer e caracterizar uma escola da rede pública
municipal de ensino do município de Campinas, analisamos a relação entre a
autonomia e as ações dos professores, olhamos os planos de ensino constantes
do projeto pedagógico da escola, sempre tentando articular os pressupostos da
Psicologia Sócio-Histórica e da Educação Libertadora, no que concerne ao
conceito de autonomia, para compreender essas informações, além de buscar
considerar o papel do psicólogo na promoção do desenvolvimento da autonomia
do professor.
Nesse processo de construção da pesquisa, entramos em contato
direto com a complexidade existente na escola, resultado das interações
estabelecidas pelos sujeitos que ali se encontram. Foi em meio a essa
complexidade que observamos as relações, sobretudo dos professores entre si e
com a gestão, a fim de verificar nossa hipótese inicial, qual seja: o professor não
tem autonomia em sua prática, o que se constitui como impeditivo a uma atuação,
que promova o desenvolvimento de seu aluno como cidadão.
Com base no que acessamos no contexto escolar, ao longo dos nove
meses que passamos na escola, é possível responder a questão da pesquisa
desde que consideremos os paradoxos e contradições que emergem como
respostas. Por exemplo, no que se refere à autonomia do professor, é possível
dizer que ele não tem autonomia por dois motivos: primeiro, porque, na maioria
das vezes, ele não encontra espaço para exercê-la, tendo que responder a
ordens impostas, submeter-se a coerções externas, cumprir práticas que não
correspondem à sua realidade, sem espaços para discuti-las ou refletir sobre elas;
e, segundo, por ele não saber lidar com os espaços de autonomia, que lhe são
oferecidos, até mesmo por não saber reconhecê-los como tal, ou por resistir ou
não querer responsabilizar-se por ações, que possam gerar mais trabalho ou
133
eventuais conflitos e complicações. A autonomia não seria, dessa forma, uma
prática estimulada ou exercida na escola.
Ocorre que, ao mesmo tempo em que isso acontece, conseguimos
encontrar caminhos que possibilitam a promoção do desenvolvimento da
autonomia na escola e, conseqüentemente, do professor. Dizemos isso porque,
no projeto pedagógico, nas observações e entrevistas realizadas, acessamos
ações e idéias, que se mostram como positivas com relação à autonomia, tanto
na sua promoção quanto em sua prática.
Aqui, deparamos-nos com a questão do planejado e do realizado,
que, muitas vezes, os atores escolares elaboram seus planos de trabalho
seguindo as políticas educacionais, que pregam a estimulação do trabalho em
grupo, da formação crítica e consciente, contra a reprodução dos conhecimentos
produzidos sem que haja mediação e atribuição de sentido pelos sujeitos.
Contudo, esses princípios norteadores, colocados claramente como objetivos no
Projeto Político Pedagógico, são obscurecidos no dia-a-dia da escola, por suas
demandas emergenciais, que impossibilitam que o que foi planejado se realize.
No entanto, acreditamos que o fato de se ter algo planejado
constitui-se como indicativo da possibilidade de que este espaço venha se tornar
um espaço autônomo, justificando que se invista no desenvolvimento da
autonomia, pois, como vimos, planejar-se e organizar-se o algumas das
características do sujeito autônomo, ao passo que o coloca para refletir sobre sua
prática, sobre sua conduta, de maneira crítica e consciente. Seria preciso
encontrar vias que possibilitassem que o planejado fosse apropriado pelos
sujeitos como norteador de suas ações e transformado em realizado.
O projeto pedagógico é o melhor exemplo disso, que, nesta escola,
ele se constitui de planos de trabalho que visam à organização e direcionamento
da prática docente, e, por conseguinte, à formação de seus alunos. Esses planos
envolvem reflexões e organização que possibilitam trabalhos em grupos, idéias de
novas práticas pedagógicas, etc., viabilizadas pela atuação da equipe gestora, em
especial do orientador pedagógico. Acreditamos que, nesse caso, se o trabalho
cotidiano estivesse organizado, seguisse esse planejamento elaborado e
134
expresso no projeto pedagógico, haveria maiores chances de se desenvolver
práticas docentes e, também, gestoras, mais autônomas.
Outro caminho que pode tomar como promissor é o fato de alguns dos
professores desenvolverem práticas diferenciadas, manifestando necessidade
de trocas e discussões. Esses professores, conforme vimos na análise,
reconhecem seus erros, se preocupam com a formação que oferecem aos alunos,
se vêem como integrantes e responsáveis pelo processo educacional da escola.
Mesmo que haja professores que resistam às mudanças, que acabam por se
acomodar com as situações e imposições presentes no contexto escolar, que se
desresponsabilizam pelos resultados obtidos, conforme apresentamos na análise,
esse outro grupo de professores, se incentivados em um trabalho coletivo
devidamente mediado pela gestão, poderia contribuir para a mudança de postura
dos demais professores. Isso porque, como acredita Vigotski, é na interação que
se a apropriação de novas formas de conduta. Poderíamos a dizer que
existem dois grupos distintos na escola: o dos professores heterônomos e o dos
professores que lutam, permanentemente, para exercer sua autonomia, sem que
se possa dizer que são, efetivamente, autônomos.
Dizemos isso porque acreditamos que nem todo sujeito auto-regulado
se constitui como um sujeito autônomo, que outros fatores que influenciam
suas ações, possibilitando ou não o exercício da autonomia. A auto-regulação,
que segundo Vigotski, é a forma mais desenvolvida das funções psicológicas
superiores, é condição, no sujeito, para o exercício da autonomia. Contudo,
mesmo um sujeito auto-regulado, que tenha consciência e responsabilidade de
suas ações, que reflita e assuma sua parcela de responsabilidade e compromisso
social, não poderá ser autônomo se não encontrar condições contextuais que
permitam esta autonomia. Como exemplo, podemos citar o fato da escola, gestão
ou professores precisarem da autorização da Secretaria de Educação para
realizar procedimentos comuns na escola, conforme declara Denise na entrevista.
Assim, ainda que o professor ou gestor sejam auto-regulados em suas condutas,
eles terão sua autonomia limitada pela autoridade ou burocracia.
Como pudemos ver, também divergência no grupo de professores
no que se refere à compreensão do significado da autonomia. Enquanto alguns a
135
compreendem como: liberdade total e irrestrita (sem levar em conta a
responsabilidade), trabalhar individualmente (sem precisar considerar os outros
da relação), não precisar seguir regras ou considerar hierarquias, outros a
entendem como auto-regulação (a capacidade de pensar por si, agir de acordo
com aquilo que considera o correto), responsabilidade (por suas ações e seus
alunos) e trabalho coletivo (a necessidade de fazer junto, do grupo).
Pensamos que os heterônomos se encaixariam nos que entendem a
autonomia relacionada à liberdade, ao individualismo; os que lutam para
desenvolver uma ação autônoma, seriam aqueles que a entendem como auto-
regulação. Fato é que estes dois grupos constituem a escola, revelando, em uma
complexa rede de relações, o instituído e o instituinte. É justamente essa
configuração que, ao nosso ver, constitui-se como possibilidade de transformação
do trabalho da escola, na medida em que se abrissem espaços para discussões,
trocas de experiências, instituindo-se um movimento de expansão dessas idéias,
que poderiam ser apropriadas por cada sujeito singular, de acordo com sentidos
próprios.
Esse movimento foi expresso na fala de Denise, como desejo de
dinâmica que fosse implementada nos espaços dos TDCs, quando ela diz que o
orientador pedagógico e ela tinham a intenção de apoiar os professores que
estivessem mais implicados com o contexto, que apresentassem boas idéias a
serem desenvolvidas, na tentativa de influenciar os professores que se mostram
mais acomodados. Segundo ela, eles até pensaram que poderia ser uma forma
fazer com que os professores se sentissem pertencentes àquele grupo, ou, caso
isso não acontecesse, estariam à vontade para procurarem outra escola com a
qual se identificassem.
Encontramos então nova evidência da possibilidade de transformação
da escola viabilizada pela gestão, nesse caso representada pela vice-diretora. Em
muitas de suas falas, pudemos constatar sua intenção de promover um trabalho
mais satisfatório, que trouxesse melhores resultados para todos os atores
escolares (alunos, professores, equipe gestora), e para aqueles que se
relacionam com esse contexto (pais e comunidade). Muitas vezes, ela
demonstrou ter tentado fazer a diferença em seu trabalho, construir novas formas
136
de organizá-lo, desenvolver o sentimento de grupo entre os professores. Contudo,
parece sucumbir à resistência de alguns e às emergências do cotidiano.
Pensando no trabalho da gestão, acreditamos que, além da resistência
de alguns professores e das demandas do cotidiano escolar, que, segundo
Denise, impedem que desenvolva uma prática de melhor qualidade, as políticas
educacionais envolvidas e a falta de organização de seu trabalho parecem
constituir-se como questões centrais que emperram o avanço de sua prática e,
em sua ação cotidiana, ela permanece lançando o de ações remediativas, que
não promovem seu próprio desenvolvimento como gestora, nem dos professores
que estão sob sua orientação.
Esses são paradoxos que, a nosso ver, resultam da complexidade que
constitui o contexto escolar. Reconhecer a complexidade e as contradições,
características das interações de contextos que lidam com a diversidade, implica
não acreditar em soluções mágicas ou imediatas, mas em um trabalho
processual, que tem início com a mobilização dos atores e a conscientização de
seu papel de educador.
Verificamos como a autonomia ou a falta dela influencia diretamente a
prática docente. Na prática dos professores heterônomos, fica evidente um certo
empobrecimento das práticas pedagógicas, visto que eles se apresentam como
submisso às ordens impostas, não agem com consciência e crítica, não se
implicam em suas ações, desresponsabilizam-se pelas situações da escola e
apenas reproduzem os conhecimentos socialmente produzidos; desenvolvendo,
dessa forma, uma formação que não promove o desenvolvimento dos alunos e
nem o seu próprio.
os professores auto-regulados, apesar de impossibilitados de
exercer plenamente sua autonomia, desenvolvem uma prática mais rica,
buscando melhores maneiras de ensinar, pensam por si, refletem sobre suas
condutas, preocupam-se com a formação que têm oferecido a seus alunos,
responsabilizam-se pelas mudanças que poderão provocar ou não nesses
sujeitos. Essa prática, do professor auto-regulado, mostra-se, nesse momento,
como sendo a que melhor atende às demandas apresentadas pela escola.
137
Pensamos que o desenvolvimento de uma formação continuada no
interior da escola, estruturada de modo a permitir que o sujeito se volte para si,
em um processo de auto-conhecimento, em que discuta e reflita sobre sua
prática, podendo tornar-se autor dessa prática, além de colocá-lo em contato com
as teorias e metodologias que subsidiem sua ação; é o caminho a se trilhar para a
superação dos problemas existentes na escola. Contudo, essa forma precisa se
constituir como mediação, ou seja, como ação mediadora que promova a
atribuição de sentido pelos sujeitos, de maneira que possam adotar aquilo que
consideram como importante para si e para seus alunos, em um processo de
construção de autoria de uma prática autônoma.
A via da formação seria a da construção da autonomia, na medida em
que se volta para o sujeito, investindo na produção de sentidos singulares na
relação com o contexto e tudo que ele demanda.
A Psicologia, para além de seus conceitos e teorias, teria muito a
contribuir neste sentido, sobretudo a psicologia escolar ou educacional, visto ter
como objeto de estudo e atuação as subjetividades em relação. O psicólogo
encontra muitas demandas na escola, as interações estabelecidas e o que elas
produzem nos sujeitos precisam ser olhadas e, no caso do desenvolvimento da
autonomia, olhar esses caminhos que apresentamos e fazer a mediação, para
que os sujeitos inseridos no contexto escolar os enxerguem e tracem planos para
superar as dificuldades. As reflexões, as discussões, a atribuição de sentidos por
parte dos atores escolares podem ser facilitadas por meio da mediação feita pelo
psicólogo, que ele é o profissional que conhece o sujeito, como ele se
desenvolve, como ele aprende e apreende os conhecimentos e as normas,
socialmente construídos.
Dar a oportunidade dos professores e da equipe gestora olharem para
si, compreenderem, mesmo que minimamente, as situações que vivenciam, que
sejam capazes de atribuir significados e sentidos a suas práticas; possibilitaria
que, além de auto-regulados, esses atores também se constituíssem como
autônomos.
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194p.
149
Anexos
Anexo A – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
Eu,____________________________________________________, com
o R.G. de _________________________, residente e domiciliado a (rua, av.,
praça) __________________________________________________
_______________________________________________________, ______,
Bairro _____________________________, Cidade ______________, Estado
______, CEP ______________, Telefone (___) ________________, abaixo
assinado, declaro para todos os fins éticos e legais, que tenho pleno
conhecimento de que participarei da pesquisa AUTONOMIA DE PROFESSORES:
UM ESTUDO DA PERSPECTIVA DA PSICOLOGIA, orientada pela Profª Dra.
Vera Lúcia Trevisan de Souza, com o objetivo de analisar, através das falas do
professor, o que eles entendem por autonomia e se a autonomia encontra-se
presente nas práticas pedagógicas que desenvolvem.
O projeto de pesquisa foi avaliado pela Comissão de Ética da PUC-
Campinas, telefone (19) 3343-6777.
Por este instrumento dou plena autorização para que fotos e imagens (com
utilização de tarjas adequadas que não permitam identificação direta), repostas a
questionários e entrevistas (gravadas em áudio) ou qualquer informação obtida
durante a pesquisa seja utilizada para fins de divulgação em livros, jornais e
revistas científicas brasileiras, desde que seja reservado sigilo absoluto de minha
identidade.
Estou ciente que minha participação é voluntária e sem ônus, podendo
interrompê-la a qualquer momento sem penalidades.
Declaro que recebi todos os esclarecimentos e vidas sobre a pesquisa,
bem como sobre a utilização desta documentação para fins acadêmicos e
científicos.
Recebi uma cópia deste Temo de Consentimento Livre e Esclarecido.
___________________, ____ de _______________ de 2008.
________________________________
Assinatura do pesquisador
Telefone para contato: (19) 3541-6921
________________________________
Assinatura do participante ou
responsável legal
150
Anexo B – Roteiro de entrevista com os professores
1. Fale de sua trajetória na profissão (formação acadêmica; tempo de
trabalho na educação/rede municipal). Por que escolheu ser professora?
2. O que significa ser professor para você?
3. Como e onde busca maiores informações/aperfeiçoamento para sua
prática docente.
4. O que falta nos professores?
5. Quais as dificuldades que você encontra no cotidiano escolar?
6. Qual a sua jornada de trabalho?
7. O que você espera como resultado de seu trabalho?
8. Quem são seus superiores na escola?
9. Qual a sua participação nas tomadas de decisão?
10. Quais os incentivos/auxílios oferecidos pela rede para a formação
continuada?
11. Qual a importância dos recursos didáticos? Quais os que você mais usa?
Gostaria de usar outros? Quais e por que não os usa?
12. Como organiza os conteúdos a serem ensinados?
13. Como você planeja suas aulas?
14. Qual seu papel na escolha dos conteúdos e estratégias?
15. Há momentos em que se faz possível dedicar-se aos estudos? Quem
determina os conteúdos/temas deste momento?
16. Como você avalia suas aulas e seus alunos? Em que momento isso é feito
e qual a finalidade?
17. Como você lida com o comportamento dos alunos?
18. princípios ou orientações comuns a todos os professores sobre
trabalhar com normas?
19. Qual sua relação com os alunos? E com a equipe técnica?
20. De que maneira a política interfere na atividade docente?
21. Em que medida outras atividades ou conhecimentos não-pedagógicos
interferem em sua prática?
22. De que atividades culturais você participa?
23. Quais os espaços de relação com as famílias? Qual sua importância?
24. O que a escola e os pais esperam do professor? E a sociedade?
151
25. Como você vê a televisão e a informática influindo na educação?
26. Do que se fala do professor na mídia, nos textos pedagógicos, nas
palestras dentro da escola, com o que você menos e com o que você mais
se identifica?
27. Como você vê o Sistema de Ensino?
28. Se você tivesse que escolher uma imagem que representasse o trabalho
docente, qual seria?
29. O que você entende por autonomia? Você se acha autônomo?
152
Anexo C – Roteiro de entrevista com a vice-diretora
1. Formação? Tempo na profissão? Tempo na escola?
2. Como é a relação entre os professores?
3. E entre os professores e a vice-direção e direção?
4. E dos professores com os alunos?
5. Qual o seu trabalho com os professores?
6. Você está satisfeita com ele? O que gostaria de fazer e não consegue? Por
quê?
7. Quem ou quais espaços te ajudam a fazer este trabalho?
8. Como você vê a situação desta escola em relação ao que você acredita
que deveria ser?
9. História da escola;
10. Projeto pedagógico;
11. Número total de funcionários e cargos/funções (organograma da escola);
12. Número total de alunos; número de salas (séries); número de alunos por
sala e período;
13. Participação da comunidade na escola (participam das decisões ou
somente comparecem às reuniões de pais? Com que freqüência essas
reuniões acontecem? Há participação?);
14. Reunião de professores (propostas, participação, duração);
15. Atividades oferecidas aos alunos;
16. Produção dos alunos;
17. Características socioeconômicas dos alunos;
18. Como os professores ingressam na rede municipal de ensino; salário;
horário de trabalho;
19. Programas dirigidos à evasão e aos egressos (recuperação, reprovação,
número de reprovados, número de evadidos, razões de reprovações,
razoes da evasão);
20. Em Campinas censo da educação do município? Como a escola está
em relação ao censo?
21. Verbas destinadas diretamente à escola;
22. Demandas apresentadas por alunos, professores, demais funcionários;
153
23. Qual o maior problema da escola em relação: aos alunos; aos professores;
aos pais; à comunidade; ao Sistema de Ensino; à estrutura física?
154
Anexo D – Quadro das categorias
Abandono
“Apoio, assim, da direção... Motivação, porque, muitas vezes, você faz um monte de atividades, legal,
prepara um monte de coisa, pensando no aluno, o que é bom para o aluno... E, muitas vezes, aquilo que
você achava que era significativo para o aluno, muitas vezes, não é. E o apoio que você pede para o pai, não
acontece”. (fala da professora Lúcia)
“Tem os TDs, mas, às vezes, eles ficam passando recados. Uma vez ou outra tem um texto para leitura, mas
não é um aprofundamento, uma discussão, e, às vezes, quando a gente aquele texto fala: ”ih, meu Deus
do céu, um texto, para quê?Porque ele não vai, sabe, ele não vai ter continuidade”. (fala da professora
Carmem sobre os momentos para estudo)
“Ah, eu acho que, como sempre, né, a escola vê o professor como aquele cara que é responsável por tudo. E
de certa forma, a gente incorporou isso, entendeu? o é mais aquele profissional para fazer determinada...
ter que passar o conteúdo das disciplinas, né. É... eu vejo que a escola jogou um monte de coisas nas
nossas costas, um monte de responsabilidades”. (fala da professora Carmem)
“Porque o professor, ou aparece nos programas educativos, ou ele aparece como vítima de algum aluno, ou
ele aparece nos movimentos de greve. E a gente como o professor é visto como profissional de quinta
categoria mesmo, entendeu?! Quinta categoria. Porque ele apanha, é tratado como marginal... ”. (fala da
professora Carmem)
“Uma imagem... [pausa]. Acho que um microfone, porque a gente quer tanto ser ouvido! Sabe... Pelo menos
daquilo que a gente acha que é verdade. E, de repente, pode ser que aquilo que a gente esteja querendo
falar, não... Eu quero falar, mas você não quer ouvir. Mas acho que seria um microfone, um amplificador,
alguma coisa nesse sentido”. (fala da professora Carmem quando questionada sobre qual imagem
representaria, para ela, a profissão docente)
“No cotidiano escolar, é a falta de material didático para a gente trabalhar. Hoje em dia, a gente esna
época da informática, as informações chegam rapidamente, [...] e nós, professores, estamos como a 100
anos atrás, usando giz e apagador. Então, não existe um incentivo do governo para a educação e isso
atrapalha, e muito.” (fala do professor Luiz)
“Ah, eu acho certas coisas muito injustas porque ninguém está para ver o que realmente acontece dentro
de uma escola. Ninguém está para ver o momento em que... No meio em que vivemos aqui, para falar
coisas que não tem conhecimento”. (fala do professor Luiz)
“Que ele [professor] não trabalho. O que é professor bom para a instituição: professor bom é aquele que
não falta; aquele que não traz problema na porta; é aquele que fica quietinho na sua sala; que conta; que
evita que os alunos fiquem pulando no armário e só!”. (fala da professora Maria)
“Hoje, desacreditada, porque o professor foi né... Hoje ele não é mais um elemento... Eu acho que para a
sociedade em si, ele é um elemento importante sim, mas ele não tem... Na escala de valor, existe coisa mais
importante que o professor, para a sociedade. Se você perguntar para a sociedade o que ela precisa de
melhor, eu não vi... Ela fala educação, mas ela não fala em professor de qualidade, capacidade, né. É
educação, como se a educação tudo resolvesse”. (fala da professora Maria)
“Nossa, que interessante! Que imagem seria? Eu nunca pensei nisso! [risos]. Eu acho que o barco. A gente
está numa canoa ainda, nós temos que pegar um transatlântico, para que você realmente atravesse o
oceano [...]. Mas na educação básica. [...]. Concorda? Todo o investimento deveria estar aqui”. (fala da
professora Maria sobre qual imagem representaria a prática docente)
“Aqui no primeiro ano, duas professoras novas estão perdidas, o têm apoio pedagógico”. (fala da
professora Sandra)
“Autonomia é plena, né. Isso é uma das falhas, que deveria ter o acompanhamento do meu orientador, né. O
que você planejou, quais suas estratégias? Como você vai trabalhar com isso? Esses questionamentos que
eu já não tenho aqui, que falta, para poder refletir, isso falta. Eu acho que o que eu faço está bom, e às vezes
entra no conformismo. Acho que está bom, mas eu tenho que ter o olhar de outra pessoa. Eu acho que falta
isso”. (fala da professora Sandra)
“Acho que falta esse apoio da direção, de conhecer melhor nosso trabalho, porque estão muito distantes, não
conhecem, ficam envolvidos na parte burocrática e a parte pedagógica eles não conhecem. De ter esse
apoio, de defender o professor, de conhecer o trabalho para defender o professor, precisa conhecer. Se não
conhece, não defende. Fica muito em cima do muro. Se o pai vem reclamar, eles ficam em cima do muro,
155
não sabem como mediar isso, a relação professor com o pai, é complicado. Falta esse apoio para a gente
crescer”. (fala da professora Sandra)
“A escola deveria esperar resultados positivos. Deveria. O que é importante na escola: que o professor venha
todos os dias dar aula, não importa o que ele está fazendo. Não tem essa cobrança de resultados, de ver o
que ele está fazendo. Então o importante é que o aluno tenha aula. Não importa de que jeito, não importa que
está aprendendo. O importante é que tenha professor e aluno dentro da escola e ponto final”. (fala da
professora Sandra)
“O que precisa nesse sistema de ensino, é a educação básica. A cobrança tem que estar aqui, cobrança
mesmo, ter cobrança. assim as universidades vão melhorar, porque elas também estão em decadência”.
(fala da professora Maria)
“Porque na escuridão você caminha sem sentido, sem objetivo, né, você não está vendo nada. E o grupo
docente dessa escola caminha em várias direções. Eu penso assim, num barquinho, todo mundo dentro do
barco, todo mundo com um remo tentando remar, e o barco fica girando, girando, girando e não vai para o
final... para a margem do rio que é o objetivo nosso da educação. Fica andando sempre em círculos, tá. A
imagem que eu vejo desse barco é lotado de pessoas, cada um com um remo, sem direção nenhuma e a
escuridão, cada um segue seu caminho, o que bem entender”. (professora Sandra sobre qual imagem
representaria a docência)
“Porque tem conseqüências difíceis de você segurar. É aquilo que eu falei para você: o grupo não está junto
com você quando aparece o problema! Se estiver tudo bem ele está, se não, não está...” (fala da vice-diretora
Denise)
“A questão de... atendimento, talvez... [pausa]. Eles têm também, falando de professor ainda, umas questões
que... é... Difícil falar assim... De atenção, sabe, de querer ser atendido, assim... Acho que de atenção
mesmo, né, de querer falar, conversar, pedir... O duro é quando eles começam só reclamar, que aí a gente já
está acostumado, parece que desliga automaticamente [risos]. Eu sei até o que ele vai falar: ”tudo bem!
Fala!”[risos] É... Mas assim, eles têm uma demanda de... de questão de atenção sim, falando mais, assim, do
ser humano, não tanto do profissional”. (fala da vice-diretora Denise)
Responsabilidade
“Não tem muito segredo! Porque a gente não tem aquela obrigatoriedade do aluno aprender, entendeu. Ele
vai ter tempo ainda para ser alfabetizado”. (fala da professora Lúcia sobre como planeja suas aulas)
“E o interessante, também, é que eu me sinto meio que... responsável pelo sucesso dessas crianças. [...].
eu fico pensando: “Meu Deus, se eu não passar alguma coisa boa para essas crianças, né...”. Eu não sei,
acho que a minha consciência vai me cobrar. Porque eu acho que a gente, como ser humano, independente
de ser professor, a gente tem uma responsabilidade, a gente precisa melhorar tudo isso daqui, entendeu?
Acho que é minha convicção. Eu acho que a gente não veio a esse mundo por acaso, né? Esse mundo está
aí, cheio de problemas, mas tem um monte de gente inteligente que tem que fazer alguma coisa, a gente tem
que contribuir de alguma maneira. Porque se eu achar que é sempre obrigação do outro, nós vamos
continuar do mesmo jeito, não é verdade? [...] A Educação precisa de gente que tenha esse compromisso é...
eu acho que até moral, não é um compromisso só profissional, é...” (fala da professora Carmem)
“[...] como qualquer outra profissão, tem os apaixonados, têm os profissionais e têm aqueles que não querem
saber de nada, né. Vem aqui, simplesmente, e... Não quer... Quer uma sala de aula sem problemas, e isso
não existe”. (fala da professora Carmem)
“Agora, eu percebo que os nossos alunos, eles não olham a escola com responsabilidade... São raros. Às
vezes você tem 2, 3 em uma sala que realmente diferencia, mas, a grande maioria, sabe, eles não enxergam
isso daqui como um lugar onde eles têm que aprender, que eles têm deveres. Sabe, parece que é um grande
shopping, né, onde eles vêm encontrar a galera, e boa. Sabe, faz aquela coisa por obrigação mesmo.” (fala
da professora Carmem)
“Eu acho que hoje, alguns professores... Apesar que eu acho que a nossa equipe é muito legal, mas os
professores tinham que ter a preocupação de estar dando um auxílio mesmo, né.” (fala da professora
Carmem)
“[...] mas o foco é a nossa responsabilidade, nosso objetivo”. (fala da professora Carmem sobre sua relação
com os alunos)
“Mas, normalmente, eu aproveito esses momentos para me aproximar deles, para mostrar que eu tenho um
compromisso com aquela criança, com aquele adolescente. Para mim, ele é importante. Eu posso não fazer
maravilhas, milagres, com aquela criança, mas aquela criança, aquele adolescente, é importante para mim,
156
né. Ele não é um número na minha chamada, ele é um ser que tem um nome... (fala da professora
Carmem)
“Está porque é um concurso público, que te estabilidade, e fica aqui até se aposentar; então, a pessoa se
acomoda. Não tem cobrança do seu trabalho. Então, quando você não tem cobrança, você não tem que
produzir. Falta isso: avaliação diária do seu trabalho”. (fala da professora Sandra)
“Mas o meu compromisso é com o aluno, sabe. Porque, se eu for ficar me preocupando com tudo isso daí:
com a direção que faz coisas que eu não gosto; o O.P. que foi embora; a secretária que xingou a gente de
incompetente, dizendo que a gente está muito bem pago pelo que estamos fazendo; se eu for dar bola para
tudo isso daí, eu não trabalho mais. Então, o meu objetivo, o meu compromisso, são com os meus alunos”.
(fala da professora Carmem)
“Eu acredito assim: o ideal para o professor que está na escola é passar conhecimento ao aluno. Agora o pai,
muitas vezes, confunde isso, e acha que o professor tem que dar educação ao filho. E isso acontece muito, a
gente aqui, o pai acha, às vezes, fala isso, questiona, porque nós somos obrigados a educar o filho dele.
Mas não é isso, a educação vem do berço, a educação... O filho fica apenas 4 horas aqui na escola, as
outras 20 horas ele fica em casa. Quem tem que dar educação, ao meu ver, é o pai. Agora, o que a escola
vai poder passar, é o conhecimento ao filho, para ele se tornar alguém na vida. Agora, eles confundem muito
isso daí. Isso daí, na cabeça de muitos pais, acham que somos obrigados a dar educação ao filho dele, e não
é por aí.” (fala do professor Luiz)
“Segundo ainda consta, nós mandamos dentro da sala de aula. A autonomia é do professor, tanto que, se
algum diretor quiser entrar na sala de aula, precisa pedir autorização do professor. Se ele permitir, tudo bem,
se ele não permitir, nem a direção pode adentrar a sala de aula. Então, eu acho assim, a gente tem, até certo
ponto, essa autoridade, essa autonomia, perante os alunos dentro das quatro paredes, dentro da sala de
aula. Fora aí, daí já...” (fala do professor Luiz)
“O professor, na prática pedagógica, tem que aprender que ele é o responsável. O professor, geralmente,
delega a outros, ao diretor, ao coordenador, aquilo que ele não consegue resolver em sala de aula.
Concorda?! Não adianta nada você ter um aluno meio rebelde e você levar para a direção. A partir desse
momento você... A gente como perdeu a caracterização de responsável. Então, você... Eu como
professora, atualmente, nunca bati na porta da direção”. (fala da professora Maria)
“Na realidade, eu acho que o professor ele tem que ser o transmissor, transmissor de conhecimento. que
ele tem que ser... Tem que ter muito jogo de cintura, para que ele seja o educador. Porque, na realidade,
compete a nós educarmos também, não informar. Somos formadores de uma comunidade. Então, ele é,
queiramos ou não, um educador também. Até que eu acho mais adequado educador, mesmo. Porque se ele
for transmissor... O aluno é um conjunto, ele é todo um conjunto, ele não é o cognitivo, tem que
aprender, tem que aprender. O professor é esse jogo...” (fala da professora Maria)
“Eu fui uma péssima professora, tenho dos meus alunos, porque, agora eu vejo, depois de sete, oito anos
no trabalho, que eu vejo que estou melhor do que eu era antes. Ainda não cheguei no 100%. Acho que não
tem como chegar no 100%, mas acho legal olhar para trás e ver como você era, né. [...].É um desafio, tenho
medo da questão da alfabetização, de não dar conta, enfim, mas eu quero um desfio para mim, cansei dos
maiores”. (fala da professora Sandra)
“Estou falando da responsabilidade, tá? Do compromisso, do nosso comprometimento. Você está com
acriança na sua mão, você é responsável por ela. Qualquer erro que você cometer, você vai marcar essa
criança. Marcar no sentido de você falar com ela. Marca. Tem a violência mental, tem a violência corporal,
tem a questão de “ai, não acredito mais nessa criança”, e deixa de lado.” (fala da professora Sandra)
“A escola tem que funcionar pensando nos alunos e nos professores, no convívio, senão não anda”. (fala da
professora Sandra)
“A mídia passa muito... Tem escolas públicas boas e tem também as ruins, e a imagem generaliza: todas são
ruins, péssimas. E os pais desconfiam do nosso trabalho. Eles acham assim: o professor na escola é um
incompetente. Bem assim. Não vai dar conta de ensinar. Muito desconfiados, com medo que o filho não
aprenda nada, que passa o ano sem aprender, porque tem muito esse histórico da mídia, né. Aqui no estado
de o Paulo, com essa história da progressão continuada, eles têm muito medo. Eles não confiam muito,
sempre com um pé atrás, desconfiados.” (fala da professora Sandra)
“A falta de compromisso, isso eu também não posso negar. A batalha diária, eu sou totalmente
comprometida. Generalizam para todos, mas eu estou fora. Tento fazer o melhor que eu sei para os alunos.
Acho que tentar fazer o melhor para os alunos já é um caminho bom”. (fala da professora Sandra)
157
“Uma imagem?! Seria uma imagem de luta, sabe, de luta de trabalho mesmo! De alguém que está ali fazendo
de tudo. Porque, eu não acredito que o professor, por pior que seja, não consiga, não tenha dentro dele,
aquele espírito de ensinar [...] por mais que ele não queira ensinar, os alunos cobram, a sociedade cobra”.
(fala da professora Lúcia)
“Ah, então, o problema do professor, eu vou te falar a verdade! Desde quando eu fui fazer o magistério, a
culpa é sempre do professor. A mídia veicula... Notícia... Tudo é sempre culpa do professor! O professor está
sempre errado! O professor nunca tem razão”. (fala da professora Lúcia)
“Mas eles acham que o professor tem que ter essa varinha gica! Ele tem que resolver as mazelas da
sociedade! Está nas mãos dele. E a gente sabe que não é bem assim. A família e a escola caminham juntas.
Não tem que responsabilizar só um”. (fala da professora Lúcia)
“[...] ficou uma distanciazinha na questão do ciclo e da a 8ª, porque o pessoal de a costuma
responsabilizar bastante o pessoal do ciclo com relação a o aprendizagem do aluno, todas aquelas falhas
que a escola vem trazendo. [...] é um fracasso, a gente pode dizer, que é um fracasso escolar mesmo, que
vem acontecendo. Aí fica uma certa distância, assim, entre os grupos.” (fala de Denise)
“O comprometimento, também, não posso falar muito... Não sei, os professores de série. Então, a gente
vê, assim, alguns com muita responsabilidade, outros, achando a coisa muito, assim... vai do jeito que dá”.
(fala da vice-diretora Denise)
“Então, todo mundo é culpado: o aluno, a direção, a Secretaria, o Estado, o prefeito, o presidente; mas ele
não se enxerga na... na... na situação ensino-aprendizagem. Ele não se enxerga! É... falta isso no professor,
né, ele cair aqui, oh!”. (fala da vice-diretora Denise)
“A política assim, a política, que me desagrada é a estabilidade. O professor sabe que se pisar na bola ele
nunca vai ser mandado embora. Ele faz as coisas erradas porque sabe que não vai ter punição. Tem que ter
punição. Tem que chamar a atenção, o professor tem que... E a política é essa, passar a mão na cabeça,
então... Então, o professor está aqui porque não vai ser mandado embora e faz o que quer. Acho que essa
política de estabilidade tem que ser quebrada”. (fala da professora Sandra)
“Porque você tem um grupo assim, e não é nessa escola, quando tudo certo, ah, todo mundo é
responsável! Quando as coisas começam a ter problemas, é o diretor que responde! Ele é o diretor, por
que ele deixou?! Ele é o diretor, por que ele deu esse espaço?! Então, é uma posição difícil, né, é uma
posição difícil!” (fala da vice-diretora)
“[...] eu acho assim: a escola, ao mesmo tempo que ela é responsável, e tem uma responsabilidade na
formação do aluno, tem muita coisa que não depende dela.” (fala da vice-diretora)
Outubro/2007 Reunião das professoras do ciclo: Uma professora pontuava que se o aluno não sabe ler,
escrever, interpretar, fazer cálculo quando chega na série, elas, as professoras do ciclo, é que são
culpadas, pois trabalham com o aluno no início do processo de ensino e deveriam prepará-los para quando
chegar nas próximas séries. As outras professoras concordaram com ela. Outra professora disse: “é preciso
ter responsabilidade gente, inclusive política”. A professora que iniciou a discussão completou dizendo que
elas precisavam se assumir como grupo. (trecho de cena relatado em diário de campo)
Autoridade/Poder
“Tem umas coisas de ordem administrativas que me incomodam bastante, mas não chega a esse tipo de
problema, não chega a interferir no meu trabalho. [...] Então, é... são questões de ordem administrativas que
para o pessoal da administração, os gestores aqui da escola, está perfeitamente adequado. Entendeu?! É
adequado. Por quê? Porque precisa organizar a escola.” (fala da professora Carmem)
“Eu acho que aqui, a nossa administração, ela é muito assim, sabe, enxerga muito quadradinho. Eu sei que é
difícil você administrar não sei quantos professores, cada um com as suas características e tudo mais. Agora,
o professor tem que ter... ser polivalente. Ele tem... Nossa! Tem tanta atribuição nas costas do professor,
?! [...] Eles [equipe gestora] não são ruins, não. São pessoas boas e tudo mais, mas isso acaba interferindo
no nosso trabalho e chateia muito.” (fala da professora Carmem sobre a equipe gestora)
“Então, eu acho assim, esse ano eles cortaram. Nós ficamos sem nada... Todo ano é uma história nova, não
existe uma regra; e cada ano a gente se depara com uma situação nova”. (fala da professora Carmem sobre
os cursos de formação continuada oferecidos pela rede municipal)
“[...] Eu apresentei a regra e não abri mão dela, entendeu. Ela [aluna] esperneou, bufou, saiu, chamou o pai,
chamou a mãe e eu não abri mão. Ela está fazendo tudo agora, entendeu? Fez manha, birra, fez tudo o que
tinha direito, mas eu falei: ”não, eu o posso abrir mão!”. Se eu abrir mão não vou conseguir resgatar essa
158
garota. Ela começou a fazer tudo. Está fazendo tudo na minha aula, entendeu?! É a questão do limite.” (fala
da professora Carmem)
“Eu tinha que segurar mesmo, porque se eu não fizesse dessa forma, eu perderia o controle da sala”. (fala da
professora Carmem sobre como se relacionava e colocava limites em uma sala que lecionava n ano de 2007)
“No começo, sabe, umas orientações, umas determinações que não tinham nada a ver. Mas, aí, eles se
entenderam melhor acho, sei lá. A gente está numa relação bacana agora, sabe. Ele [vice-diretor] está
conversando mais com a gente, sempre que ele vem conversar, é de uma maneira mais tranqüila, sem
agressão, né.” (fala da professora Carmem)
“Ai... trabalhar na rede pública é assim: a gente trabalha de acordo com o... o... a administração, né. Cada
vez que muda o prefeito, vem aí, mudança, sabe, e, às vezes, é alguma coisa que estava dando certo, né,
que a gente se empolgou, achou que esse é o caminho, daí desmorona tudo, começa tudo de novo. Isso é
terrível, entendeu? [...]. E a gente percebe que o fracasso, às vezes, da educação pública, está muito ligado a
essa questão”. (fala da professora Carmem sobre as mudanças que acontecem na rede quando ocorre troca
de governo).
“Eu me incluo porque eles me pedem tanta coisa, que eu o tive formação. Então, à medida do possível,
você vai tentando suprir, da forma que você acha que vai conseguir um resultado positivo, entendeu? Então,
é muito, muito, muito complicado isso daí. Eu acho que a gente está à beira do caos” (fala da professora
Carmem sobre o Sistema de Ensino)
“Eu acho que a escola espera que o professor atenda aquilo... É aquela coisa, todo mundo aqui é submisso a
alguém. A escola é submissa à Secretaria da Educação... Não é? Então, no fim a gente acaba pegando,
cumprindo aquelas ordens que vem de cima, como que tem até hoje acontecido [...]. Não tem. Não, porque
eles são todos autoritário, é aquilo e se você não está contente, você então que e procura outra coisa”.
(fala do professor Luiz a respeito de quando não há concordância com o que foi determinado pelas instâncias
superiores).
“Autonomia, ao meu ver, é você ser responsável. Eu tenho que assumir o que acontecer, qualquer coisa, e os
outros têm que respeitar, porque eu fui incumbido daquela missão, então, se foi certa ou errada, eu não me
omiti na hora, da atitude a ser tomada”. (fala do professor Luiz)
“A política, na escola pública, ela é tudo, né? Se você observar, infelizmente, nós não temos uma educação
direcionada, porque a nossa educação é política. Chega um, passa a régua no que o outro fez. Pode ser
bom, pode ser... Ele tira: “vou fazer o meu”. Então, o ato político dele, para ser mostrado, ele não pensa na
escola, na comunidade que ele vai trabalhar, no professor, não existe isso. Ele é, extremamente, visão para a
política. E o professor embarca nessa. Às vezes por pressão da própria instituição, ele tem que embarcar. [...]
Porque, na realidade, você vê, aqui é o final da política educacional, concorda? Como se fosse na base, né.
E que isso, por exemplo, um dia meu diretor me disse exatamente isso: “eles me apertam e eu aperto
vocês.” [...] Existe uma pressão política de cima para baixo. Ninguém quer levar a pior, concorda? E de
repente vai para a gente essa pressão política: ”olha eu não quero isso, isso, isso, quero isso, isso, isso”.
Interessante, né? Então, a política ela vem. E, de repente, daqui 4 anos...” (fala da professora Maria)
“Agora mudou, a política é outra, o prefeito mudou, o plano de cargo. Essas três horas saíram da minha
carga horária, precisei diminuir, essas três horas foram para o quê? Foram para fazer reforço de aluno na
escola. Então, quem que fazer curso, faz por conta própria, a rede fornece, mas não é mais remunerado para
fazer esse curso” (fala da professora Sandra sobre a mudança na formação continuada)
“Então as regras vêm lá de cima: é assim que vai ser feito, é assim... Não questionam se é certo, se é errado,
não pedem opinião. Decidem nossa vida. [...] Então, aquele professor que, às vezes, está acostumado a
trabalhar de um jeito, ele não vai saber, vai se atrapalhar e não vai fazer nem uma coisa nem outra. Então, é
cumpra-se, faça-se, e não se preocupa em ouvir quem está envolvido para saber se está certo. Então, têm
vários casos aí, vários ângulos”. (fala da professora Lúcia)
“E o ciclo, também por ser uma organização nova, tem uma fase de adaptação, de adequação entre elas
[professoras] mesmo, das idéias e daquilo que vem imposto. [...] E, ao mesmo tempo que você tenta ser
democrático, muitas vezes votem que impor algumas coisas, né. Porque não é sempre que o grupo tem
bom senso, não é sempre que o grupo consegue ver a totalidade da escola. Porque, quando você conversa
com o professor, ele tem o domínio da sala dele. O mais pouquinho que ele tenha, às vezes, é do período
que ele trabalha. Agora, o todo escola, ele não tem! E nem tem condição de ter! Ele não está aqui como a
gente fica: ver as diferenças, ver os movimentos, as intenções, que, às vezes, ficam explícitas ou não. Então,
fica, assim, uma coisa complicada!” (fala da vice-diretora Denise)
“Então, tem essas ramificações que a gente precisa, às vezes, consultar sim. Tem coisas que, assim, nem
seriam tão difíceis de tratar na escola. Tudo, mas a gente não tem essa autonomia, não! E o professor passa
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pelo mesmo processo, e para eles ainda tem a gente, né, a direção. Então, ele está aqui para ainda passar
algumas coisas. E tem coisa que, assim, até daria para ser feito, só que a gente, enquanto gestor, não
para fazer. Porque, às vezes, isso pode ter outras conseqüências que a gente não espera. [...] É, aí, que eu
falo para você, que tem coisas acontecendo que refletem dentro da escola, mas é o Sistema de Ensino maior
que está determinando isso, por conta de aspectos políticos mesmo, né”. (fala da vice-diretora Denise)
“Agora, para o ano que vem, a gente tem uma orientação, uma determinação, [risos], da supervisora e
do C.P. [coordenador pedagógico], para que comece a construir o PP do ano que vem.” (fala da vice-
diretora Denise)
“Porque, aí, com essa verba, a gente faz tudo! que, aí, também, é uma autonomia relativa. Tem coisas
que você não pode fazer! Tem todo um sistema vigilante, que você precisa ter nota fiscal, cópia do cheque, e,
aí, o diretor presta conta disso todo fechamento. No trimestre ele fecha. Tem que juntar tudo, levar... Fica
enorme! E, aí, se houver alguma dúvida, ele tem que justificar, né. Então, aí, vem assim, determinado,
mesmo”. (fala da vice-diretora Denise)
“É a questão do processo de ensino-aprendizagem, que a gente ainda está buscando uma qualidade nisso,
na hora de ensinar, para que esse aluno aprenda... A gente vive, aí, também, complicado... Porque a gente
se contamina muito por teoria, né, coisas bonitas que acontecem lá fora... trás aqui para a gente engolir... Ah,
porque é bonito, e politicamente, isto também é interessante, de repente, para o município... Então, a gente
passa, a gente vive essas dificuldades que são impostas pelo Sistema de Ensino. O ciclo mesmo, ele caiu,
assim... Faz a gente pensar, porque, aparentemente é para beneficiar o aluno, mas, se você olhar friamente
para isso, isso também é um modo de diminuir o número de retenção, que interessa politicamente. O Brasil...
mostrar que cada vez menos, a gente tem alunos repetentes.” (fala da vice-diretora Denise)
Outubro/2007- Reunião dos professores de 5ª a rie: Os professores pontuaram a questão de não
poderem abonar, porque o diretor não deixou, reclamaram de sua autoridade, ou melhor, autoritarismo. De
acordo com uma professora, ele alegou que se permitisse que mais professores abonassem, ele teria uma
“crise de legalidade”. Ela completou dizendo que “esse caminho que ele [diretor] está seguindo vai acabar
sozinho” (sic). (trecho de cena relatado em diário de campo)
Outubro/2007- Reunião dos professores de 5ª a série: O orientador pedagógico disse aos professores que
havia recebido um documento que pedia para ele mandar, no mesmo dia, uma resposta sobre os projetos
que existiam na escola antes de 2000 e os que foram iniciados depois. Os professores não se lembravam
direito dos mais antigos, principalmente dos que eram coordenados por professores que haviam saído da
escola. (trecho de cena relatado em diário de campo)
Outubro de 2007 Reunião das professoras do ciclo: As professoras entendem que a própria rede não sabe
o que quer, pois a cada momento são feitas novas propostas que podem ser, no dia seguinte, desfeitas, sem
discussões, sem problematizações, etc. O orientador pedagógico concordou com elas e completou dizendo
que isso acontece muitas vezes porque as diretrizes dos ciclos ainda estão sendo discutidas. Disse uma
professora: “Aí, quem toma é a gente, professores, porque eles dizem que propõem e que a gente não faz”.
(trecho de cena relatado no diário de campo)
Abril/2008 Reunião dos professores: o diretor reuniu todos os professores (ciclo e a série). Ele
entregou uma folha impressa que trazia algumas considerações sobre o trabalho dos professores com
relação à indisciplina dos alunos. Tanto o impresso quanto a fala do diretor, ressaltavam que as orientações
haviam sido decidas coletivamente em reuniões com o grupo. O diretor dizia: “Vocês tem total autonomia
para chamar o pai, convocar o pai para o TDI [...] Por favor, vamos seguir o que o próprio grupo decidiu. [...]
Ninguém colocou à força. A gente mesmo sentou, discutiu e decidiu”. Isso gerou um pequeno tumulto, pois
os professores diziam que não era esse o combinado, que não havia sido discutido, que a orientação que
tinham era de mandar o aluno para a direção, além de falarem que a direção não ajudava o professor, não o
defendia, que essa era a função da equipe gestora. Uma professora falava: “A gente está cansado de ser
ameaçado pelo pai. Eu acho que muito do espaço que os pais e os alunos tomam na escola é culpa da
direção. [...] A direção tem que defender o professor, ela está na retaguarda, mesmo que depois fechem a
gente na sala e acabem com a gente, dê advertência...”. Os outros professores concordavam com ela, mas o
diretor não. Contudo, ele disse que estavam certos, pois não havia registrado o que tinha sido discutido
anteriormente. (trecho relatado em diário de campo)
Participação nas decisões
“No começo, eu ficava mais quieta, porque eu estava conhecendo o ambiente e tal. Agora não! Eu falo o que
eu penso, o que eu acho, o que eu acho correto, mesmo que algumas pessoas não gostem [risos]. Não
gostam, eu não estou nem aí! Eu falo o que eu sinto! Abertura para participar tem, não tem, por exemplo,
respaldo [risos]”. (fala da professora Lúcia sobre sua participação nas decisões)
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“Então, a gente combina as regras, o que vai ser feito ou o, em reunião, em TDC e depois, em sala de
aula, a gente combina com os alunos. Alguns não seguem as regras, a gente precisa estar sempre
lembrando. [risos]”. (fala da professora Lúcia)
“Eu dou minha opinião, nem sempre o pessoal ouve, ou importância... Eu tento colaborar. Agora, tudo o
que é feito na escola, é..., que eu posso participar, eu participo, porque tem que ter meu dedo! Já que eu não
sou a top de linha aqui [risos...] no processo para fazer aquilo que eu acredito, né. Então, eu acho que com
relação a tomada de decisão, eu não sou a melhor não”. (fala da professora Carmem)
“Nesse ano eu não tenho participado do conselho por causa do serviço. Eu estava acumulado, até o dia 2 de
junho, eu tinha acumulado o cargo do estado, então eu não pude participar de reunião nenhuma. [...] Têm as
reuniões de TD, trabalho coletivo pedagógico, às vezes, a gente discute as necessidades, as dificuldades que
a gente encontra no dia-a-dia”. (fala do professor Luiz)
“[...] fora as reuniões da escola, eu não participo. Acho muito falso o conselho, acho muito falso a APM [...].
Eu vivi isso. Você tem que laçar pai, por falta de... laçar pai para trazer [...]. No fim, você tem um grupo de
pais que nem sabe porque estão ali. O nosso vocabulário não atinge aquela camada, então, fica um grupo de
professores discutindo prioridades individuais, e aquilo me irrita. Não, não gosto. Agora do TD, eu sempre fui
muito crítica, né. A minha opinião eu gosto de colocar, eu gosto.” (fala da professora Maria)
“Tem o conselho da escola... que funciona... não satisfeito. Deveria ter, aí, a obrigatoriedade de participar. As
reuniões o só dos professores e da direção. São poucos os pais que participam. Eu acho que deveria
ampliar essas reuniões. É prestação de contas. Decisões, uma ou outra, para ver onde vai gastar o
dinheiro. Deveria ser mais aberta, para a comunidade se conscientizar [...] O que tem mais, são professores
que estão aqui à noite. Professores que trabalham em outro período não retornam à escola. TDC, que é uma
reunião, algumas decisões eu falo, ajudo... Às vezes, é melhor ficar calado do que falar. Tem essa coisa de
grupo: fala o que não deve, resistente. É um exercício: como eu gosto de falar, tive que aprender a ouvir
mais. Se tenho alguma idéia, acabo dando. São só essas situações.” (fala da professora Sandra)
“Aí cada um, cada professor tem uma maneira, uma estratégia. Então isso é muito individual”. (fala do
professor Luiz sobre seu papel na escolha dos conteúdos e estratégias)
“Não. Esse momento seria no trabalho coletivo, que toda segunda-feira se reúne e tem, às vezes, a visita de
algum convidado que vem expor alguma coisa que está acontecendo por aí, trazendo conhecimentos novos
para nós, professores. Geralmente é o grupo de professores que elege algum tema, e a coordenação procura
alguém que possa falar sobre aquele tema. [...] Isso acontece, assim, uma vez no trimestre, talvez... Uma vez
só”. (fala do professor Luiz a respeito dos momentos de estudo)
“Então, você vê, em um grupo, 3 ou 4 , a gente teve que fazer o papel chato de chamar a atenção, porque faz
de conta que não tem nada acontecendo: “não é comigo”; “eu o tenho aluno aqui” . Deixa um professor
fazer 10 mil coisas e ele não faz nada... Então, isso acontece”. (fala da vice-diretora)
“Nós não temos o planejamento de todo mundo, porque não foi todo mundo que entregou [...] E é uma coisa
interessantíssima! Acabei de vir para cá... Estava vindo para cá, e a Eva perguntou assim para mim: “ah, e o
projeto pedagógico, já está pronto?”; e eu falei: ”Já! Já está aí.” Ela é a primeira professora que me pergunta!
Entendeu?! Ninguém se interessou em momento nenhum em ler... Embora tenham acesso a hora que
quiserem! O projeto pedagógico é para... para estar por aí! Para estar pegando, para estar lendo”. (sobre o
planejamento dos professores colocados no projeto pedagógico. Ela disse que os professores não se
interessam pelo projeto pedagógico e que ele não foi construído coletivamente)
“E, assim, a participação da comunidade poderia ser melhor. Então, a gente viu isso, e vê, muito nas reuniões
de conselho de que tem muito poder, quando se toma uma decisão, de levar a frente aquilo que foi decidido.
que eles não vêm! Não aparecem! Esse ano teve que fazer eleição do conselho. Nós mandamos um
bilhete por aluno, para todo mundo, para que os pais viessem participar. Vieram 7 pais.” (fala da vice-diretora
Denise)
“Isso também, eu e o Ângelo conversamos, para tirar um pouco essa coisa do TD ficar em reclamação,
reivindicação, falar mal de aluno, né, ou até, bem do aluno, ficar nessas coisinhas... Porque, assim, a
gente sabe que isso é importante para o professor, porque, às vezes, é um meio que ele tem para conversar
com os colegas e passar uma angústia, relatar uma história que aconteceu, né, nesses espaços assim. Mas
a gente percebeu que estava sendo pouco produtivo, para um espaço que é importante e que é curto, uma
vez por semana, e que normalmente você sempre ouve o professor falando: “ah, a gente não tem tempo de
conversar!”; isso também é fala comum de professor. Quando você cria tempo, eles conversam de tudo,
menos o que eles precisam”. (fala da vice-diretora)
“No começo do ano, junto com o conselho, a gente tem que fazer o que eles chamam de Plano de Recurso.
Então, aí, você põe uma previsão dos gastos que vai ter. Quando você gasta o que está dentro, nunca te
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problema, porque aquilo está conversado, foi aprovado pelo conselho, está dentro do que é possível.
Quem assina o cheque é sempre o diretor e um pai do conselho. Então, se usa isso inadequadamente, o
diretor tem que por do bolso dele, devolver para associação da escola... Para associação de amigos da
escola”. (fala da vice-diretora Denise)
Outubro/2007 Reunião dos professores de a 8ª: Uma professora falava que os professores nunca são
questionados sobre as decisões a serem tomadas com respeito aos alunos: “Eles não perguntaram para a
gente em qual sala é melhor colocar o aluno [de transferência]”. (trecho de cena relatado no diário de campo)
Liberdade
“Olha, para falar a verdade, eu entro na minha sala de aula e faço o que eu acho melhor para os alunos, vou
tentar trabalhar da melhor forma para ter resultado, entendeu?” (fala da professora Lúcia)
“E mesmo porque, a gente não está dentro da sala de aula, não está vendo o que o professor faz”. (fala da
professora Carmem)
“E o diretor pediu para a gente fazer assim, por exemplo, um [...] aluno indisciplinado e tal, não é a prioridade,
mas sim o aluno que realmente tem dificuldade. que, às vezes, é muito mais importante você trazer o
aluno indisciplinado para [reforço], para estabelecer o vínculo, porque daí a sala melhora. [...]. Porque, às
vezes, ele vem, está sozinho aqui, e eu nem dou aula, a gente fica conversando de outras coisas, para tentar
me aproximar desses alunos, né. São estratégias”. (fala da professora Carmem)
“A estratégia é própria, cada professora faz a sua. [...] O que eu vou focar hoje, o que eu vou focar amanhã,
de maneira que seja o facilitador. Se eu vejo que uma atividade não deu resultado, porque, às vezes, não dá
mesmo, eu tenho que voltar naquele conteúdo, né, com outra estratégia, às vezes, até com outro conteúdo,
que facilite mais.” (fala da professora Maria)
“Autonomia... é igualzinho à liberdade, à libertinagem. Eu tenho que ter uma auto... A liberdade, mas... Nem
todos podem ter autonomia, né? [...] quando você chega na maturidade, que você tem autonomia. Eu
acho que o ser humano, ele ainda precisa de padrões que cerceiem, que orientem tais seres humanos.
Quando a gente diz... Você diz autonomia na escola, ou autonomia pessoal... [...] Eu o acredito em
autonomia total, em nenhum ser humano, porque ele é propriedade. Se você for extremamente autônomo,
você não está relacionando a sociedade” (fala da professora Maria quando questionada sobre o que ela
entendia por autonomia)
“É muito solto, então cada um faz o que quer. Se cada um faz o que quer, o projeto político pedagógico da
escola nunca vai ser contemplado. É o que eu sempre falo na minha sala: a gente tem rias escolas dentro
de uma mesma escola. Vários modos de pensar... Lógico, as pessoas são diferentes, mas tem que ter essa
linha pedagógica, essa conduta, que eu não vejo”. (fala da professora Sandra)
“Essa autonomia, essa liberdade, prejudica os alunos”. (fala da professora Sandra sobre a liberdade que ela
considera que a rede oferece aos professores)
“A Secretaria repassa recurso para a escola trimestralmente, e a gente decide onde vai gastar, é o conselho
quem decide onde vai gastar. Destina-se para a compra de material pedagógico, que a gente consegue
comprar bastante coisa.” (fala da professora Sandra)
“E eu, aqui na escola, eu me sinto autônoma assim, no sentido de planejar o que eu quero para os alunos,
sem dar satisfação para ninguém. Para minhas parceiras de trabalho eu conto ou, às vezes, eu não conto,
depende do que eu quero, que eu acho também um pouco... Tem um lado bom e um lado ruim disso. Essa
autonomia é muita liberdade que eu tenho na escola”. (fala da professora Sandra)
“Vamos trocar autonomia por liberdade? A prefeitura liberdade plenamente para o professor. Ele fecha a
porta e faz o que quer, tá. Eu não sei, professor autônomo, eu penso assim, vejo assim: consegue visualizar,
consegue ver o que está fazendo de errado e o que está fazendo de certo e corre atrás, de pesquisar,
estudar. Ter sua autonomia de trabalho. De buscar, de ir atrás, de conversar, questionar. Esse é o papel do
professor autônomo. Professor que tem essa liberdade, não quer dizer que é autônomo, por quê? Porque ele
ainda fica preso, não consegue enxergar o que está fazendo, ir atrás, buscar o conhecimento, pesquisar na
internet, ou ir numa livraria comprar um livro. Um problema que está te atormentando, a indisciplina, por
exemplo, ir pesquisar sobre a indisciplina, o que fazer com ela, quer dizer... Essa autonomia de estudo,
sozinho, reflexivo do professor, não tem. Vamos trocar autonomia por liberdade. A prefeitura liberdade,
mas dizer que todos os professores são autônomos, isso eu não vejo”. (fala da professora Sandra quando
questionada sobre o que ela entendia por autonomia)
“Esse ano, o TDC ficou um pouco complicado, porque ficou liberado para os professores escolherem o dia e
o horário que quiserem dentro daquilo que a escola já tinha para oferecer, né. É... 5ª a 8ª e ciclo, tanto no TD
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da 2ª, como no TD da 4ª. Então fica aquela coisa maluca [...]” (fala da vice-diretora Denise sobre a
organização das reuniões dos professores)
Outubro/2007 TDC professores de a série: o diretor iniciou a reunião dizendo aos professores que
eles teriam uma nova forma de trabalhar com projetos na escola no próximo ano e que eles precisariam
decidir quais projetos existem iriam permanecer na grade. Ele dizia: “A escola tem autonomia sobre a grade”.
Após passar esse recado o diretor saiu e deixou os professores para tomar essa decisão, queria ser
informado depois. Os professores optaram por não excluir nenhum projeto, pois o tinham muitas
informações sobre como funcionaria. (trecho de cena relatado em diário de campo)
Novembro/2007 Reunião dos professores de a série: O vice-diretor iniciou a reunião dizendo que o
O.P. o estava na escola e que não tinha deixado nenhuma pauta para discussão, por isso os professores
estavam a vontade para discutirem alguma coisa que consideravam como necessário. (trecho de cena
relatado em diário de campo)
Março/2008 Reunião das professoras do ciclo: As professoras e a vice-diretora discutiam sobre como seria
feito o planejamento deste ano. Uma delas perguntou se seria elas que iriam fazer, ou se seria o O.P. A vice-
diretora respondeu que eram elas que decidiriam. Mas, se optassem pelo O.P., teriam que seguir o que ele
determinasse, suas idéias. (trecho de cena relatado em diário de campo)
Março/2008 Reunião das professoras do ciclo: Acompanhei a discussão de três professoras para fazer o
planejamento durante duas semanas. Elas tinham o espaço para refletirem e decidirem qual caminho seguir,
como iriam ser suas aulas, os conteúdos a serem ensinados (relacionados com um tema gerador de acordo
com o ano do ciclo). Elas não sabiam como trabalhar, o entendiam porque tinham que fazer isso e diziam
que era mais fácil copiar do ano anterior; e não compreendiam porque todo ano tinha que mudar. (trecho de
cena relatado em diário de campo)
Valores
“Mas eu fico com remorso, sabe, porque é... em cada sala, sempre tem dois, três, sabe, que são ótimos.
Você fala assim: “não, para esses valeu a pena ter vindo aqui, arrebentada, né, porque eles estavam
esperando, não faltam, eles querem aprender”. Então, é aquele comprometimento moral mesmo, né.” (fala da
professora Carmem)
“É aquilo que eu falei: não é ensinar a ler e escrever, é uma série de outros valores que a gente passa,
porque você está ali na frente, você está sendo imitado, você está sendo observado”. (fala da professora
Carmem)
“Acho que a gente precisa passar muito essa questão ética para eles, a questão moral, solidária, isso daí. É o
que vale a pena, é o que interessa, não é?! É muito violência. A gente precisa se preocupar muito com isso,
muito mesmo.” (fala da professora Carmem)
“Por exemplo, esse ano, é... eu não estou mostrando muito os dentes para os meus alunos, não. Por quê?
Porque está sendo a única maneira com que eu consigo que eles fiquem mais comportados, entendeu”. (fala
da professora Carmem)
“[...] a gente sempre fala do indisciplinado, mas, às vezes, eu observo, eu tenho alunos que não se
relacionam, ou se relacionam com o coleguinha, é... Então, às vezes, se depara com uns
comportamentos, assim, tão diferentes, e você precisa fazer alguma coisa, né”. (fala da professora Carmem)
“Então, isso eles [alunos] desvalorizam, eles não dão valor porque é tudo gratuito. Então, eu acho assim, isso
é uma outra dificuldade do cotidiano. Eles pegam o livro didático que acabaram de receber, e detonam o livro
em poucas semanas. Uma semana, duas semanas depois, ele não tem mais o livro porque ele fica
rodando o livro no dedo, para fazer graça para os colegas” (fala do professor Luiz sobre os alunos não
valorizarem os materiais oferecido pelo governo)
“Porque eu associo muito o domínio do professor como trabalho de respeito! Porque se o aluno não sabe o
que é respeito... ah, não tem jeito! Eles não respeitam ninguém!o respeita colega, não respeita professor,
não respeita ninguém!” (fala da vice-diretora Denise)
“Faltam algumas coisas importantes: valores, princípios, que não estão sendo ensinados em casa. E isso,
aqui na escola, a gente sente diretamente, né. Não tem como a gente não perceber. Mas é uma coisa que
angustia bastante, mas não dá para a gente resolver!” (fala da vice-diretora Denise)
“O que a gente mais enfrenta aqui, é a questão que a gente chama de indisciplina, que nós sabemos que
várias causas. Mas existem várias situações, também, que a gente sabe que não se trata de indisciplina só,
às vezes, é decorrente de uma outra situação... Isso é muito difícil você saber onde começou, se começou
com o professor, se começou com o aluno...” (fala da vice-diretora Denise)
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Orientação/Organização
“A integração entre as professoras. o existe aqui. Por exemplo, no quarto... no ano, cada professora
trabalha de um jeito. Então, não existe um elo, que a gente possa falar: ”olha, eu fiz isso, deu certo, foi legal,
tal”. Geralmente, duas em duas, ou uma conversa, outra faz o que acha. Embora todo mundo trabalha no
mesmo projeto, não tem aquela troca de experiência realmente. Talvez por falta de tempo, né? Sai correndo
daqui, vai trabalhar, ou então, por questão de afinidade mesmo. Então, isso atrapalha.” (fala da professora
Lúcia)
“Tem algumas coisas que eu não concordo, sabe! Mas como elas [as outras professoras] mesmas falaram,
eu estou chegando agora, então eu tenho que pegar o que já está pronto”. (fala da professora Lúcia)
“Os professores do vespertino, eles são muito, muito bons, sabe... Tem as suas particularidades, tem os seus
defeitos, como todo mundo, mas a gente sabe, como grupo, a gente funciona, é bacana”. (fala da professora
Carmem)
“Foi uma pena o Ângelo ter saído. Ele era o salvador da pátria, né. Porque, apesar dele não conseguir fazer o
trabalho dele como O.P., porque não tinha condição, eu acho até que ele fazia... Não sei como ele conseguia
fazer tanta coisa. Ele era uma pessoa muito importante, muito. Sabe, ele era o nosso consolo. Sabe, quando
as coisas não davam certo então... Sabe, a gente conversava, ele dava as opiniões, a gente trocava idéia,
era muito gostoso ter o Ângelo aqui. Pena que ele foi embora. Tanto é que eu falei que eu fiquei com raiva
dele, depois eu desmenti, falei: é brincadeirinha.[...] Ele conseguia, justamente, perceber essa visão das
nossas necessidades”. (fala da professora Carmem)
“Não é o ideal, porque esse curso [formação continuada], às vezes, é dado assim de 2, ou 3 em 3 meses, ou
de uma vez por semestre, mas quando é dado, assim, acho que ajuda, ajuda sim na troca de idéias com o
colega, saber o que ele está fazendo diferente do seu e passar para você.” (fala do professor Luiz)
“Existe um regimento na escola que a gente, na medida do possível, procura seguir. Na medida do possível,
mas nem sempre dá certo, porque às vezes há falha”. (fala do professor Luiz)
“Esse planejamento é feito por área. A gente senta, todos os professores de português e, vamos supor, se eu
tenho cinco séries, eu vou montar o conteúdo da para que o professor que vai lecionar na série
seqüência de onde eu vou parar, e, assim, sucessivamente”. (fala do professor Luiz sobre os professores se
reunirem para fazer o planejamento)
“Apesar que eu sou meio fechada, que eu tenho bastante trabalho... Não é que eu quero exclusividade, não.
Eu passo sim para um colega, para outro. Mas é complicado! Você busca, busca, busca e os outros colhem,
colhem, colhem. Então... Eu acho, quando a gente senta, vamos fazer isso... Como com a Joana, não tem
problema nenhum. Ela traz coisas, eu trago”. (fala da professora Maria)
“Troco muito experiência com a outra professora aqui na escola, que é uma parceira de trabalho, acredita nas
mesmas coisas que eu acredito, a gente está sempre buscando, aprendi muito com ela, como , por exemplo,
trabalhar com a questão do projeto. Aprendi porque ela era experiente nessa área. Eu aprendo com as
outras professoras, eu aprendo...” (fala da professora Sandra)
“Dificuldade de trabalhar com as parceiras. É uma disputa para ver qual metodologia é melhor. Eu acho que
não tem uma melhor que a outra... Tem aquela questão de você fazer... Tenta fazer isso, o olhar [...]. Então
tem uma disputazinha, que prejudica sim o trabalho em equipe. [...] Eu acho que o único trabalho é a questão
da parceria. É o único entrave, a falta do orientador estar junto. Esse elemento da escola, que é uma peça
fundamental...” (fala da professora Sandra)
“Acho que é uma equipe, uma equipe... Tem vários fatores que vão ajudar a escola pública. Aumentar o
salário é um fator, mas não é isso que vai garantir a qualidade do ensino. Tem que ter uma estrutura de
trabalho, tem que ter professor... pessoas que acompanham nosso trabalho para que pense no aluno, para
que pense no resultado com o aluno, senão a coisa não anda”. (fala da professora Sandra)
“Atualmente não, agora sem orientador é que não vai ter mesmo. teve sim, momentos para refletir,
embasamento teórico, mas são muito poucos. Eu acho que os momentos que a gente tem é administrativo, a
gente fecha no administrativo”. (fala da professora Carmem sobre não terem espaços dentro da escola para
se dedicarem aos estudos)
“Tem os TDs, mas, às vezes, eles ficam passando recados, entendeu. Uma vez ou outra tem um texto, e é
aquele texto que vem para leitura, mas não é um aprofundamento, uma discussão, e, às vezes, quando a
gente aquele texto fala: ”ih, meu Deus do céu, um texto, para quê?”. Porque ele não vai ter continuidade.
Acho que, simplesmente, o texto é apenas um passo para o O.P. Ver que ele deu alguma coisa, a não ser
recado, mais ligado a parte pedagógica”. (fala da professora Carmem)
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“O orientador, que não tem na escola, o papel dele é esse, acompanhar, avaliar, entrar na sala para ver como
você está dando aula, ajudar na construção da sua metodologia, na sua didática”. (fala da professora Sandra
sobre o trabalho do orientador pedagógico)
“Organização da escola. Não organização. Esse ano até que as coisas estão caminhando legal [...] O único
entrave é a falta do orientador estar junto. Esse elemento da escola, que é uma peça fundamental [...] Estar
junto, esse é um outro dificultador. [...] Devia ser um orientador para o primeiro ciclo, um para ao segundo,
para poder acompanhar o trabalho. Esse é um dificultador que eu vejo e as coisas não caminham como
deveriam por conta dessa pessoa importante aí, para fazer acontecer um pouco o projeto político pedagógico
da escola, para cobrar.” (professora Sandra ao ser questionada sobre as dificuldades que encontrava em seu
cotidiano)
“Porque eu gosto muito do pedagógico. Então, eu gosto disso: de ficar no meio de aluno, no meio de
professor, andar na escola... Não me faça ficar sentada em uma mesa cuidando de papel! Isso é castigo! Não
gosto! Ficar na frente do computador, também não dá! Eu gosto da dinâmica da escola. E ele [diretor] tem
o lado inverso. Ele cuida muito bem do administrativo [...] Mas, aparentemente, existe uma distância entre o
corpo docente e o diretor, por conta dessas coisas todas...”. (fala da vice-diretora Denise)
“Agora, com relação ao relacionamento entre os professores, a gente também posturas muito diferentes.
Quando a gente faz TD, você percebe na fala. Tem alguns que falam enquanto equipe escolar, né, então a
fala é ”nós”, “temos que pensar”, “temos que rever”; e tem alguns que tratam tudo no individual: “eu faço”,
“eu sinto”; “eu estou achando isso”; “eu me sinto assim”; então não olha como uma equipe, né. Então,
fica difícil crer, que esse professor pense no aluno, que o objetivo dele seja o aluno.” (fala da vice-diretora
Denise)
“Eu me sinto assim, eu sou meio que a ligação dos professores com o diretor. Então, eu fico no movimento
deles, dos alunos e levo as questões para ele. A gente pensa, conversa, discute, né, algumas coisas, depois
eu retorno. Então, às vezes, eu vejo assim: situações que podem ser tratadas direto... Às vezes, um assunto
de uma professora... Olha, assim, eu não resolvo nada sozinha. Como eu falo para elas: “nós somos uma
equipe, gente!“. (fala de Denise).
“Isso eu já tinha fechado com o Ângelo, no final do ano passado, que a gente estaria investindo nos
momentos de reunião pedagógica, na formação do professor nesse aspecto, que é o que a gente acha que a
nossa escola precisa. De ter esse olhar para o aluno, como ele aprende, para se eles conseguem,
devagarzinho, ir entendendo. [...] Mas o TD, também, é o único momento que os professores param,
aquela paradinha para conversar entre eles.” (fala da vice-diretora Denise)
“Quando a gente vai para a função de gestor, você não tem como planejar seu trabalho, né. O professor, não!
A gente vai para sala de aula com uma aula pronta, ou uma continuidade, ou um assunto novo... Então, você
consegue se planejar e meio que prevê o que você vai fazer. A gente, como gestor, não tem isso! Porque,
assim, o que eu falo, a gente vive um dia e um momento de cada vez. Você precisa estar pronto para aquilo
que a escola precisa de você! [...] É uma coisa, assim, um pouco, vamos dizer, assim, desorganizada, entre
aspas. Uma coisa... Você não tem controle do que você vai fazer agora. A gente até tenta!” (Denise sobre
seu trabalho na gestão)
“Então, assim, eu acho que o professor é autônomo quando ele pensa num trabalho diferente, ele busca
ajuda e suporte da direção. E, às vezes, ele está até acontecendo, ele precisa do suporte da direção
para continuar e dar um desfecho no trabalho. Então, a gente percebe, normalmente, quando ele propõe
alguma coisa diferente, a gente vê a autonomia”. (fala da vice-diretora Denise)
“Então, a gente chegou à conclusão que precisava se harmonizar mais, né. De manter a mesma fala...
Algumas situações que, na escola, acontecem sempre, então a gente precisa manter a mesma fala.” (fala de
Denise)
“E a gente ficar, em cima daquilo que não tem jeito, que é resistente, que não quer mudar, por mais que o
colega fale. Porque a gente tem, no grupo, professores que falam para os próprios colegas, dão idéias,
contam um pouco do que fazem”. (fala da vice-diretora sobre a resistência apresentada pelos professores)
“Então, a gente tinha, no ano passado, um acesso muito livre desses pais. Eles entravam, eles saiam, eles
iam na porta do professor, ficavam reclamando, ficavam perguntando, tudo fora de hora. Então, esse ano,
nós organizamos, sim. Então, assim, você quer falar com o professor, tem um caderninho de recado do ciclo
e, se não tem, pode por num bilhete, alguma coisa, se é de 5ª a , ou põe no caderno com o professor que
quiser falar. [...] Ele [professor] tem o TDI para isso, né. O tempo que ele pode atender... para ele poder
atender esse pai. No começo foi difícil! No começo desse ano, para a gente organizar isso, foi bastante
complicado! Agora a coisa já acalmou. Porque, é assim, só reclamação! [...] E nós na direção, estabelecemos
isso também [...] Às vezes, você não pode atender ele [pai de aluno]. Às vezes você está com situações, aí,
de monte, resolvendo alguma coisa... O pai está lá, quer ser atendido na hora... Não nem a atenção
devida, porque você acaba atendendo rapidinho, para dispensá-lo, até, né... Porque você vê o pai ali
165
esperando, não dá para deixar. Então, a gente também organizou isso para poder atendê-los [...] Se a gente
tem uma compreensão de que o pai trabalha, a gente tava sentindo que a gente não tava tendo essa
compreensão por parte dele. A gente está aqui também trabalhando, né! E tem uma disponibilidade relativa.
A gente não tem disponibilidade o tempo todo para atender o pai que vinha aqui a hora que ele queria, .
Não dá!”
Outubro de 2007 – Reunião dos professores de a 8ª: O orientador pedagógico falava aos professores das
mudanças que aconteceriam no próximo ano com relação à organização das classes. Disse ele: “Na rede,
assim como as coisas acontecem, desacontecem, na mesma rapidez. [...]. Que jeito se pode trabalhar
assim”. (trecho de cena relatado no diário de campo)
Outubro de 2007 Reunião das professoras do ciclo: As professoras entendem que a própria rede não sabe
o que quer, pois, a cada momento, são feitas novas propostas que podem ser, no dia seguinte, desfeitas,
sem discussões, sem problematizações, etc. O orientador pedagógico concordou com elas e completou
dizendo que isso acontece, muitas vezes, porque as diretrizes dos ciclos ainda estão sendo discutidas. Disse
uma professora: “Aí quem toma é a gente, professores, porque eles dizem que propõem e que a gente não
faz.” (trecho de cena relatado no diário de campo)
Outubro de 2007 – Reunião das professoras do ciclo: Ângelo voltou a refletir sobre a questão da implantação
do ciclo sem haver maiores discussões e sem pensar antes, formular os pontos que devem ser atendidos por
este sistema de ensino. Ele questionava: “Como se implanta um ciclo se você não tem diretriz para isso?”.
Uma professora respondeu que o compromisso do professor “é com o aluno e não político”, e completou,
dizendo diretamente para a pesquisadora: “Você está vendo, o professor não tem autonomia nenhuma [...].
Pode por aí”, pois dizia que o professor não tem como discutir as questões políticas, não pode participar das
decisões tomadas pelas instâncias superiores, e, também com relação às atitudes que não podem tomar
dirigidas aos alunos. Outra professora, então, disse que elas teriam “que ter autonomia enquanto grupo”. Isso
gerou certo tumulto no grupo, e não foi possível identificar a idéia de cada professora, mas ficou claro que
elas não acreditavam que trabalho em grupo as tornariam mais autônomas. (trecho de cena relatado no diário
de campo)
Emancipação
“Porque, também, não adianta a gente deixar a criança e não interferir, deixar ela sozinha e falar: “ah, ela vai
dar conta”. Quer dizer, ela vai avançar como?” (fala da professora Lúcia sobre o construtivismo e da forma
como ele foi introduzido na escola)
“Eu acho que valeria a pena, seria mais conscientização, mesmo. A gente saber porque está trabalhando
aquilo, porque está dando certo, porque deu resultado, porque que não deu certo com meu aluno, eu vou
mudar. Porque que eu vou insistir numa prática que não está dando resultado?!”. (fala da professora Lúcia)
“Mas, na escola, a gente lidava com pessoa, o nosso produto era a pessoa. Então, era muito legal quando a
gente conseguia obter um resultado, sabe, com alguém que ninguém dava nada para ele e, de repente, você
trabalhava, trabalhava, trabalhava e, sabe, a pessoa desabrochava, se motivava para melhor”. (fala da
professora Carmem)
“Eu falo que o educador, ele é que nem um anjo-da-guarda, ele fica 24 horas, ali, no seu pé, sabe, torcendo
para você melhorar, né”. (fala da professora Carmem)
“Ah, eu queria... Eu quero que essas crianças, sabe... Sejam felizes é uma coisa tão vaga, né, não sei...
Talvez que, pelo menos, elas tenham um pouco mais de estrutura para agüentar o que vem pela frente. [...].
Eu acho que a gente tem bastante coisa para contribuir sim. Mas eu queria que eles tivessem mesmo, uma
formação, que eles fossem mais equilibrados, para que a nossa sociedade ficasse melhor. [...].Então... Es
lá, e você está tão preocupada em dar uma formação que nem Paulo Freire [...].” (fala da professora Carmem
sobre o que espera como resultado do seu trabalho)
“Então, o professor que fica pegando no pé, é porque ele quer a melhora do aluno. Até eu falo para eles
[alunos] assim: “Oh, não precisa gostar de mim hoje. Podem me chamar de rabugenta, jararaca, do que
vocês quiserem. Agora, eu quero que vocês lembrem de mim o dia em que vocês estiverem passando em um
concurso, sabe, tiverem que... Se saiam bem em alguma situação da vida e que eu tenha interferido nisso.
Se vocês se lembrarem de mim naquele dia; ”nossa, aquela jararaca, ainda bem que...”; eu estou satisfeita.
Agora, hoje, eu estou pouco me lixando para que você ache tudo isso”. (fala da professora Carmem)
“Nós vamos ser parceiros, né, para poder fazer com que esses garotos tenham uma educação adequada.
Educação global mesmo. Aquilo que eu falei para você: hoje, a gente não dá instrução, a gente tenta, né,
moldar mesmo esse ser”. (fala da professora Carmem sobre estabelecer parceria com os pais dos alunos)
166
“Eu acho que ser professor é você tentar passar para os outros assim, algo a mais [...], tentar formá-lo para a
vida, para... ter um caminho melhor na vida. Transformar... a criança em um cidadão”. (fala do professor Luiz
sobre o que é ser professor)
“Ah, eu acho que a sociedade e os pais, principalmente, esperam o melhor para o filho, porque eles
depositam confiança no professor. O professor está ali como um segundo pai, como uma segunda mãe, que
vai fazer do filho dele aquilo que ele não foi na vida, transformá-lo num cidadão honesto, respeitado [...].” (fala
do professor Luiz)
“Modificar... acrescentar alguma coisa nos meus alunos. Mais isso. acrescentar mesmo”. (fala da
professora Maria sobre o resultado de seu trabalho)
“Agora, o que um pai espera do professor? Eu não sei, mas... Interessante, eu vejo os pais... eles querem, os
pais têm ânsia que o aluno aprenda, então, eles esperam mesmo que transformem os filhos deles. Eles
passam muita responsabilidade para a escola que não compete ao educador, professor. Talvez não
educador, mas professor. A gente sabe que o estudo não pode tudo, mas o pai não sabe. O estudo não te dá
tudo”. (fala da professora Maria)
“Que as crianças aprendam, né. A gente faz uma avaliação diagnóstica no começo do ano... Que saiam no
final do ano totalmente diferentes do que entraram, o pensamento... Tem que sair diferente, tem que
aprender.” (fala da professora Sandra sobre o seu objetivo)
“E a escola é o aluno. O nosso objetivo, o nosso projeto pedagógico, tudo isso gira em torno do aluno. Não
adianta! A gente o tem outro objetivo, senão fazer o aluno aprender! A gente está, aí, numa situação
bastante complicada!” (fala da vice-diretora Denise sobre objetivo da escola)
Auto-regulação
“Ali, elas sabem o que vai dar resultado. Enquanto que eu estou começando agora, eu estou fazendo
primeiro para ver os resultados. Eu estou em processo, eu não sei como vai terminar. É um processo, não
tem fim”. (fala da professora Lúcia)
“Evidentemente, tem algumas coisas que eu pulei, né, porque eu achei que não era interessante. Porque tem
que priorizar também, não tem como trabalhar um livro didático inteirinho...” (fala da professora Carmem)
“E dentro da sala de aula, o professor não é aquele que vai passar a informação, como a gente
conversou aqui, né?! Você é um misto de pai, mãe, psicólogo, assistente social, de vez em quando é
aparador de briga. Então, você faz mil coisas dentro da sala de aula. Agora, a hora que você precisa quebrar
uma regra, né, não pode”. (fala da professora Carmem)
“Então, o tempo todo você tem que ficar dando muita informação, sabe, de como fazer, porque eles não
conseguem. Então, essas turmas estão, assim, me esgotando(fala da professora Carmem sobre ter que
ficar repetindo várias vezes para os alunos o que ela quer da atividade, ou explicar várias vezes o mesmo
conteúdo)
“Faz tempo que a gente tem muita orientação sobre a forma de tratar o aluno, sendo cuidadosa, né”. (fala
da professora Carmem)
“E aí, assim, por mais jovem que seja, existe uma moral que vem, acho que embutida no ser humano, sabe?
Sabe aquela coisa que já vem com você. Você sabe quando você está fazendo as coisas erradas! Você sabe
que determinadas atitudes vão interferir, você tem conhecimento disso. Então, quando você tiver
conhecimento disso, você tem que parar. Você não pode continuar uma coisa que vonão sabe aonde vai
dar, né. Converso bastante com eles [alunos] a respeito disso”. (fala da professora Carmem)
“[...] autonomia é quando você é capaz de fazer alguma coisa sozinho. Tudo o que eu quero fazer, eu sei...
eu sempre... eu imagino que a forma como eu pretendo fazer a coisa, ela é correta, entendeu? Quando eu
quero, por exemplo, todas as minhas aulas, eu posso até depois perceber, que o resultado não foi legal, mas,
eu consigo... eu tenho, assim, senso de organização muito apurado, sabe, de concisão [...] Sabe, eu não
tenho medo. Eu não acho, assim, que outra pessoa... Eu sempre acho que aquilo, a forma como eu enxergo
o trabalho, a forma como eu pretendo fazer, eu vejo como uma coisa muito boa, entendeu? Eu não acho que
o do vizinho é melhor. Às vezes, eu escuto algumas coisas... Isso não significa que eu o estou aberta a
idéias, né. Que de repente, o colega comenta, aí, alguma coisa que fez e você: ”nossa, eu nunca tinha
pensado nisso!”; e você se apropria daquilo e usa sem nenhum pudor, entendeu? Mas, é eu acho que eu
tenho boas idéias, sabe? Tem gente que é muito insegura, acha que tudo o que fez [...]” (fala da professora
Carmem)
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“[...] a gente manda o aluno para que a direção tome uma providência. Deixa ele do lado de fora e a direção
que veja o que vai fazer com o aluno: se vai chamar o pai, ou se vai... que atitude eles vão tomar. Então, eu
deixo por conta deles. Mas, assim, quando é alguma coisa que ultrapassa o limite dentro da sala de aula.
Quando extrapola nessas condições, a gente tem que mandar para direção o aluno” (fala do professor
Luiz)
“[...] eu aprendo muito com as crianças e elas me ensinam. Eu aprendo junto com elas também”. (fala da
professora Sandra)
“Eu não tenho aquele esquema, não: esse mês eu tenho que dar substantivo, o mês que vem adjetivo. Se eu
achar, no momento, que é importante dar adjetivo antes do substantivo ou junto com ele, eu dou”. (fala da
professora Maria)
“No primeiro ano a gente falou: não vamos trabalhar com o livro didático. Não condiz com o nosso trabalho. O
que s fizemos o ano passado: fizemos uma apostila de matemática, para, esse ano, começar com a
apostila”. (fala da professora Sandra)
“A gente cria regra, a gente combina que a criança tem que chamar a atenção, sim, do colega, da regra que
ele esqueceu. É uma coisa combinada na regra, não é uma coisa que passa só de mim para resolver, é uma
coisa coletiva, tá”. (fala da professora Sandra)
“Autonomia é auto-regulação. [Pausa]. Você saber fazer sozinho as coisas, que não prejudique o outro, né.
Essa consciência do que eu posso fazer e do que não devo fazer. Essa regulação interna da gente, mental,
que a gente não nasce assim, a gente aprende a ser autônomo”. (fala da professora Sandra)
“Autonomia é quando a pessoa, ela age por si própria. Ela consegue realizar as coisas sem... sem pedir
ajuda. Ela pode até pedir, mas não no sentido de que ela não é capaz, ela é capaz. Então, com o tempo, ela
vai fazendo as coisas, elas já vai pensando. Quando a pessoa consegue pensar sobre suas ações,
entendeu? Quando ela consegue diferenciar: ”isso eu posso, isso eu não posso, isso eu vou além...” Acredita
em si mesmo, na sua capacidade. A partir do momento em que ela passa [...] que ela consegue pensar
sozinha, ela já está... ela conseguiu sua autonomia. Ela venceu essa etapa.” (fala da professora Lúcia)
“[...] olha, professor, repensa direitinho!” Porque, quando você pega uma planilha de nota e vê que a maioria
da classe tem vermelho, espera um pouquinho! Será que o problema é o aluno?! Tem coisa acontecendo aí!
[...] Eles sabem que não está bom, mas, propor alguma mudança, eles têm uma resistência muito grande,
também”. (fala de Denise)
“Então, são umas posturas que a gente tomou, porque a gente tinha, às vezes, algumas conseqüências de
determinadas autonomias que a gente achava que tinha, de situações que ocorriam aqui na escola. Então, a
gente parou para pensar nisso também. E, muita coisa hoje, a gente já não banca sozinho, a gente liga para
o NAED. Tem algumas situações que são um pouco pesadas, possíveis, mas um pouco pesadas, a gente
passa para supervisão, para a coordenadora pedagógica, para ver se a gente tem respaldo, para fazer
acontecer”. (fala da vice-diretora Denise)
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