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ROSEMARY FERNANDES DA COSTA
A MISTAGOGIA E A INICIAÇÃO CRISTÃ DE ADULTOS
O resgate da experiência mistagógica de Cirilo de Jerusalém
como referencial para o Catecumenato com Adultos hoje
TESE DE DOUTORADO
DEPARTAMENTO DE TEOLOGIA
Programa de Pós Graduação em Teologia
Rio de Janeiro
Setembro de 2008
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Rosemary Fernandes da Costa
A MISTAGOGIA E A INICIAÇÃO CRISTÃ DE ADULTOS
O resgate da experiência mistagógica de Cirilo de Jerusalém
como referencial para o Catecumenato com Adultos hoje
Tese de Doutorado
Tese apresentada ao Departamento de
Teologia da PUC-Rio, como requisito
parcial para obtenção do título de Doutora
em Teologia
Orientadora: Prof
a
. Dr
a
. Lina Boff
Co-orientador: Prof. Dr. Félix Alejandro Pastor Piñeiro
VOLUME I
Rio de Janeiro
Setembro de 2008
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Rosemary Fernandes da Costa
A MISTAGOGIA E A INICIAÇÃO CRISTÃ DE ADULTOS
O resgate da experiência mistagógica de Cirilo de Jerusalém
como referencial para o Catecumenato com Adultos hoje
Tese apresentada como requisito parcial para obtenção do
grau de Doutor pelo Programa de Pós-Graduação em
Teologia do Departamento de Teologia do Centro de
Teologia e Ciências Humanas da PUC-Rio. Aprovada pela
Comissão Examinadora abaixo assinada.
Prof.a Jenura Clothilde Boff
Orientadora
Departamento de Teologia – PUC-Rio
Prof.a Maria Clara Lucchetti Bingemer
Departamento de Teologia – PUC-Rio
Prof. Abimar Oliveira de Moraes
Departamento de Teologia – PUC-Rio
Prof. Félix Alejandro Pastor Piñeiro
Pontifícia Universidade Gregoriana
Prof. José Ariovaldo da Silva
Instituto Teológico Franciscano
Prof. Paulo Fernando Carneiro de Andrade
Coordenador Setorial de Pós-Graduação e Pesquisa do Centro de
Teologia e Ciências Humanas – PUC-Rio
Rio de Janeiro,
Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução total
ou parcial do trabalho sem autorização da universidade, da
autora e da orientadora.
Rosemary Fernandes da Costa
Possui Graduação em Filosofia na Universidade Estadual
do Rio de Janeiro (1984), Mestrado em Teologia na
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (2003).
Desenvolveu projeto de Iniciação à Pesquisa pelo CNPQ
sobre o tema da Violência e o-Violência. Participou de
diversos congressos na área de Educação e de Teologia e
atualmente é professora de Educação Religiosa no Colégio
Teresiano e de Filosofia e Ensino Religioso na Rede
Estadual. Coordena o Curso de Pedagogia da da
Arquidiocese do Rio de Janeiro.
Ficha Catalográfica
CDD:200
Costa, Rosemary Fernandes da
A mistagogia e a iniciação cristã de adultos: o
resgate da experiência mistagógica de Cirilo de
Jerusalém como referencial para o Catecumenato com
adultos hoje / Rosemary Fernandes da Costa ;
orientadora: Lina Boff ; co-orientador: Félix Alejandro
Pastor Piñeiro. – 2008.
2v. ; 30 cm
Tese (Doutorado em Teologia)–Pontifícia
Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de
Janeiro, 2008.
Inclui bibliografia
1. Teologia – Teses. 2. Mistagogia. 3. Pedagogia do
Mistério. 4. Iniciação cristã. 5. Cirilo de Jerusalém. 6.
Catecumenato. 7. Pedagogia da fé. 8. Experiência
mistagógica. 9. Catecumenato primitivo. 10. Caminho
catecumenal. 11. Teologia pastoral. I. Boff, Lina. II.
Pastor Piñeiro, Félix Alejandro. III. Pontifícia
Universidade Católica do Rio de Janeiro. Departamento
de Teologia. IV. Título.
Para os companheiros e companheiras
na missão de evangelizar,
por renovarem a cada dia a sua vocação,
na graça do Espírito que tudo cria.
Para minhas filhas,
Míriam e Helena,
presentes de Deus em minha vida.
Agradecimentos
Aos Professores e Coordenadores do Departamento de Teologia da PUC-Rio, que
muito me auxiliaram no amadurecimento da vocação de servir ao Povo do Senhor,
por seu compromisso cotidiano no encaminhamento dos temas e desafios
relacionados à missão de evangelizar no mundo de hoje.
À CAPES, Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, pelo
incentivo à pesquisa e apoio financeiro com a qual este trabalho foi aprofundado
nas bibliotecas de Roma, especialmente na Universidade Gregoriana de Roma e
Instituto Patrístico Agostiniano.
À minha orientadora, Prof
a
. Lina Boff, pelo grande apoio e confiança depositada,
pela dedicação no acompanhamento de todas as etapas desta pesquisa, pelo
esmulo e incentivo que me foram oferecidos no decorrer deste trabalho e,
principalmente, pela orientação carinhosa como professora e amiga. Às Irmãs
Maura e Clarice sempre unidas na oração e coração durante todo este percurso.
À toda a Comunidade da Casa de Oração Batismo do Senhor, espaço de
mistagogia viva, no qual experimento o encontro profundo com o Mistério de
Deus e aprofundo meu compromisso como discípula do Mestre, especialmente ao
Pe. Domingos Ormonde, Ir. Francisco Assis e Sr. José Sies.
À Comunidade Brasileira em Roma, que me acolheu e me deu o suporte afetivo e
moral necessário para minha passagem por esta fase fundamental na pesquisa.
Agradeço especialmente ao Prof. Félix Alejandro Pastor, dedicado em suas sábias
orientações como teólogo e como amigo; ao Pe. Geraldo, Pe. Dionísio, Pe. André
Bergman e Pe. Hipólito do Colégio Pio Brasileiro; à grande e inesquecível amiga
Neide Zaneti e Pe. Oscar, da Comunidade Santa Maria de La Luce.
Às irmãs da congregação Companhia de Maria, por sua unidade e amizade
concretas no Rio de Janeiro e em Roma, me acolhendo e orientando nos primeiros
passos no exterior a ter em Maria o modelo de entrega, confiança e perseverança.
Às secretárias e colaboradoras, Denise Bandeira, Jussara Maria Gonçalves de
Oliveira e Vera Pasolini, pela atenção e empenho ao longo de todo o processo de
formação, elaboração e conclusão desta tese.
À querida professora de italiano e amiga Flávia, por seus ensinamentos
imprescindíveis para a convivência e os estudos em Roma.
Agradeço especialmente às professoras Maria Clara Lucchetti Bingemer e Tereza
Cavalcanti, e aos professores Andres Torres Queiruga e JoAriovaldo da Silva,
que me inspiraram na escolha do tema desta tese e elucidaram a sua importância
para a evangelização atual.
Um agradecimento muito especial ao Prof. Manoel Bouzon, por seu convite para
ingressar nos estudos de doutoramento e por seu apoio como teólogo, pastor e
amigo.
Ao Colégio Teresiano, pelo incentivo e apoio ao longo da pesquisa, em especial à
amiga Angela Corrêa, atenta a este trabalho desde os tempos de inspiração me
presenteando com o primeiro livro sobre o tema da mistagogia.
Aos professores, funcionários, alunos e ex-alunos do Curso de Pedagogia da Fé da
Arquidiocese do Rio de Janeiro, campo de formação na mistagogia. Agradeço às
companheiras Marivani Oliveira, Vera Boing e ao companheiro Roberto Corrêa,
pelo trabalho de coordenação e supervisão do curso durante este período de
estudos. Um agradecimento especial a Dom Dimas Lara Barbosa, ao Pe. Gustavo
Auler e ao Frei Dino, pelo apoio incondicional ao Curso e divulgação na
Arquidiocese do Rio de Janeiro.
Aos colegas do Departamento de Cultura Religiosa da PUC-Rio, pela presença e
conselhos amigos, suporte e orientação em momentos de dificuldades e de
cansaço, como de alegria e conquistas, especialmente ao Prof. José Luiz Jansen
(Zeca), por seu incentivo e apoio concreto por ocasião da pesquisa em Roma.
Aos amigos grupo de oração Tecendo a Vida, Tereza, Michelle, Douglas,
Roberto, Benjamim, Regina e Carla, pelo incentivo em todos os momentos,
especialmente nas situações mais difíceis.
Aos amigos de todas as horas, especialmente, Alberto, Denise, Eliana, Lúcia,
Hilda, Carlinhos, Cainã, Débora, Magali, Paula, Miguel, Cris, Cristina Biscaia,
Márcia, Wilton, Tis, Solange Pinto, Bonelli, Glorinha, Solange, cia, Andréa,
Nadja pela solidariedade concreta em momentos-chave deste trajeto e nas tarefas
do cotidiano.
Agradecimentos muito especiais aos meus padrinhos, Djanira e Djalma, aos meus
pais, José Bento e Dulcinéa, e aos meus irmãos, Ronaldo e Rosa, pela experiência
de Deus que me transmitiram e me ensinaram a viver, berço da e da minha
vocação.
Às minhas filhas, Míriam e Helena, pela paciência durante um período tão longo
em que minha dedicação e atenção a elas foi extremamente limitada pelas
exigências deste trabalho, pelo apoio carinhoso, pelas orações e presença que
renovam a minha vida e a nossa experiência de comunidade familiar.
Graças sejam dadas ao Senhor Deus, Pai, Filho e Espírito Santo, comunidade de
amor e graça derramada por toda a minha vida, fonte fecunda e inesgotável na
caminhada que possibilitou este trabalho.
Resumo
Costa, Rosemary Fernandes; Boff, Jenura Clotilde. A Mistagogia e a Iniciação
Cristã de Adultos. O resgate da experiência mistagógica de Cirilo de
Jerusalém como referencial para o Catecumenato com Adultos hoje. Rio de
Janeiro, 2008. 409p. Tese de Doutorado Departamento de Teologia, Pontifícia
Universidade Católica do Rio de Janeiro
A experiência mistagógica presente nas fontes da tradição eclesiástica,
principalmente nos séculos III e IV, é momento forte e determinante no processo
de Iniciação Cristã. Dentre os Padres da Igreja que representam a instituição do
catecumenato, Cirilo de Jerusalém assinala o eixo mistagógico em suas
Catequeses Mistagógicas. Através de suas homilias, Cirilo de Jerusalém orienta o
processo de Iniciação Cristã como um caminho catecumenal, no qual a teologia
subjacente suscita a abertura à dinâmica da Revelação na experiência pessoal e
comunitária, à Palavra revelada nas Escrituras, à Tradição, ao Magistério da Igreja
e às interpelações que a sociedade apresenta. Em tempos de novas configurações
da subjetividade humana e de mudanças paradigmáticas na sociedade, a Iniciação
Cristã de Adultos vem sofrendo um processo de revisão e de avaliação entre as
comunidades locais, à luz das orientações do Magistério da Igreja e das
interpelações de natureza pastoral. Nessa trajetória, nos aproximamos da
experiência de Catecumenato com Adultos em uma comunidade particular, onde
estabelecemos um diálogo teológico-pastoral-pedagógico na linha da pesquisa
participante. A partir deste processo de elaboração entre a teologia sistemática e a
experiência pastoral apresentamos algumas contribuões para que a Mistagogia
identificada nas orientações de Cirilo de Jerusalém à Igreja de seu tempo, possa
tornar-se fundamento e princípio orientador para a Iniciação Cristã com Adultos
nas comunidades atuais. Nosso objetivo é motivar a atitude mistagógica na
Iniciação Cristã de Adultos hoje, como um carisma fundamental no âmbito da
Igreja, sinal não apenas para o Catecumenato com Adultos, mas para a
evangelização atual.
Palavras-chave
Mistagogia; pedagogia do Mistério; iniciação cristã, Cirilo de Jerusalém,
catecumenato; pedagogia da fé; experiência mistagógica; catecumenato primitivo;
caminho catecumenal; teologia pastoral
Abstract
Costa, Rosemary Fernandes; Boff, Jenura Clotilde. The Mistagogy and the
Christian Initiation of Adults. The rescue of the mistagogic experience
of Cyril of Jerusalem as the benchmark for the Catechumenate with
Adults today. Rio de Janeiro, 2008. 409p. Doctoral Thesis Departamento
de Teologia, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.
The mistagogic experience present in the sources of ecclesiastic tradition,
especially in the third and fourth centuries, is a strong and decisive moment in the
process of Christian Initiation. Among the Church Fathers representing the
institution of catechumenate, Cyril of Jerusalem marks the mistagogic axis in his
Mistagogic Catechesis. Through his homilies, Cyril of Jerusalem guides the
process of Christian Initiation as a catechumenal way, in which the underlying
theology raises the opening of the dynamics of the Revelation in personal and
community experience, to Word revealed in the Scriptures, to the Tradition, to the
Magisterium of the Church and to the requests that the society presents. In times
of new configurations of human subjectivity and paradigmatic changes in society,
the Christian Initiation of Adults has been experiencing a process of review and
evaluation among local communities, under the guidance of the Magisterium of
the Church and questions of pastoral nature. On this path, we approach the
experience of Catechumenate with Adults in a local community, where we
established a theological-pastoral- pedagogical dialogue on the line of
participatory research. From this process of drafting between systematic theology
and pastoral experience we present some contributions so that the Mistagogy
identified in the guidelines of the Cyril of Jerusalem to the Church of his time can
become a basis and guiding principle for the Christian Initiation with Adults in
communities today. Our aim, therefore, is to motivate the mistagogic attitude in
the Christian Initiation of Adults today, as a key charisma within the Church,
reason not only for the Catechumenate with Adults, but also for evangelization
today.
Keywords
Mistagogy; pedagogy of Mystery; Christian initiation, Cyril of Jerusalem,
catechumenate; pedagogy of faith; mistagogic experience; catechumenate
primitive; way catechumen; pastoral theology
Sumário
INTRODUÇÃO
14
1. DESAFIOS PARA A INICIAÇÃO CRISTÃ DE ADULTOS
25
1.1. A Iniciação à fé e as interpelações da mudança de
paradigma
28
1.1.1. A dinâmica da evangelização cristã em tempos de mudança
paradigmática
33
1.1.1.1. O debate sobre a Modernidade 35
1.1.1.2. A reflexividade da Modernidade 41
1.1.2. Um novo processo de reflexão a partir das relações
intersubjetivas
51
1.1.3. A relação dialógica como fundamento no Cristianismo 55
1.2. A Iniciação cristã com adultos: diagnóstico e perspectivas
66
1.2.1. Significado da iniciação para a pessoa humana e seu
processo de socialização
71
1.2.2. A originalidade da Iniciação cris 75
1.2.3. A Iniciação Cristã como processo 81
1.2.4. O perfil pastoral do Catecumenato com Adultos 88
1.2.5. A restauração do catecumenato a partir do Concílio Vaticano
II
95
1.2.6. As comunidades eclesiais locais diante do desafio do
processo de Iniciação Cristã de Adultos
103
2. A MISTAGOGIA EM CIRILO DE JERUSALÉM
113
2.1. A mistagogia como eixo referencial do catecumenato dos
séculos III e IV
117
2.1.1. Cirilo de Jerusalém e seu tempo. Aspectos do contexto sócio-
histórico e eclesial
124
2.1.2. A obra de Cirilo de Jerusalém e o debate quanto à
autenticidade dos textos
132
2.1.3. O processo da Iniciação Cristã nas Catequeses Pré-
Batismais
136
2.1. O caminho mistagógico nas Catequeses Mistagógicas
144
2.2.1 Primeira Catequese Mistagógica aos Recém-Iluminados 146
2.2.2. Segunda Catequese Mistagógica sobre o Batismo 153
2.2.3. Terceira Catequese Mistagógica sobre o Crisma 158
2.2.4. Quarta Catequese Mistagógica sobre o Corpo e o Sangue de
Cristo
163
2.2.5. Quinta Catequese Mistagógica 168
2.3. O eixo mistagógico em Cirilo. Teologia e Pedagogia em
parceria
178
2.3.1. A adequação da linguagem 181
2.3.2. A concepção de Liturgia 182
2.3.3. A ênfase na Participação 185
2.3.4. A Dinâmica da Revelação 187
2.3.5. A teologia narrativa da Sagrada Escritura 189
2.3.6. O seguimento e a conversão existencial 192
2.3.7. O Símbolo da Fé 196
2.3.8. O embasamento na Tradição 197
2.3.9. A perspectiva missionária 199
2.3.10. A dimeno contemplativa 201
3. UMA EXPERIÊNCIA DE INICIAÇÃO CRISTÃ DE ADULTOS NA
COMUNIDADE LOCAL
206
3.1. A comunidade da Casa de Oração Batismo do Senhor
209
3.1.1. Histórico e perfil da comunidade 211
3.1.2. Metodologia da pesquisa de campo 219
3.2. O Catecumenato com Adultos na Casa de Oração Batismo
do Senhor
226
3.2.1. Gênese e formação do grupo de Catecumenato com Adultos 228
3.2.2. Categorias mistagógicas 238
3.2.2.1. Articulação entre Sagrada Escritura e Liturgia 239
3.2.2.2. O catequista como pedagogo da 247
3.2.2.3. A construção da experiência de comunidade 251
3.2.2.4. A compreensão da iniciação cristã como caminho 256
3.2.2.5. Vida cristã e acompanhamento pessoal 261
3.2.2.6. A oração e o seguimento de Jesus 266
3.2.2.7. Pertença eclesial 270
3.2.2.8. O espaço mistagógico 274
3.3. Avaliando a experiência de Catecumenato com Adultos na
Casa de Oração Batismo do Senhor
278
3.3.1. Seleção de conteúdos e elementos fundamentais 279
3.3.2. Limites diagnosticados pelos participantes do Processo
Catecumenal
285
3.3.3. Limites diagnosticados pela pesquisadora 291
4. O RESGATE DA MISTAGOGIA DE CIRILO DE JERUSALÉM
COMO REFERENCIAL PARA A INICIAÇÃO CRISTÃ DE
ADULTOS HOJE
301
4.1. Pressupostos teológicos para a Mistagogia hoje
303
4.1.1. A Dinâmica entre Revelação e Fé 305
4.1.2. Jesus, o Mistagogo 308
4.1.3. Ser Mistagogo 313
4.1.4. A Mistagogia da Liturgia 318
4.1.5. A pessoa humana e a experiência do Mistério 322
4.1.6. A comunidade de fé como lugar teológico 326
4.1.7. Fidelidade e continuidade 330
4.1.8. A Mistagogia como experiência místico-sapiencial 333
4.1.9. A constituição prática da Revelação: o seguimento de Jesus 336
4.2. A Iniciação Cristã de Adultos como itinerário mistagógico
339
4.2.1. A linguagem mediadora e a construção de conceitos 340
4.2.2. A experiência de comunidade 342
4.2.3. A teologia narrativa 344
4.2.4. A pertença eclesial 345
4.2.5. A espiritualidade orante 347
4.2.6. A consciência do mal 350
4.2.7. A atitude contemplativa 352
4.3. A Redescoberta da Mistagogia para o cristão no mundo
353
4.3.1. O anúncio querigmático como fonte de ardor e renovação 356
4.3.2. A pedagogia do Mistério e a alteridade divina 359
4.3.3. A compreensão da fé como caminho 361
4.3.4. O papel do testemunho na dinâmica mistagógica 363
4.3.5. A concepção de transmissão da fé 366
4.3.6. Um encontro de liberdades 368
4.3.7. As comunidades de vida 370
CONCLUSÃO
377
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
384
ANEXOS
408
ABREVIATURAS
TEB Bíblia de Tradução Ecumênica
CM Catequeses Mistagógicas de Cirilo de Jerusalém
Documentos Conciliares e da Santa Sé
AG Ad gentes (Atividade Missionária da Igreja, 1965)
CCL Corpus Christianorum
CIC Catecismo da Igreja Católica (1993)
CL Christifideles Laici (Sobre os Leigos, João Paulo II, 1988)
CT
DCG
Catechei Tradendae (Catequese Hoje, João Paulo II ,1978)
Direrio Catequético Geral (Sagrada Congregação, 1971)
DGC Direrio Geral para a Catequese (Sagrada Congregação,1997)
DV Dei Verbum (Revelação Divina, 1965)
EN Evangelii Nuntiandi (Anúncio Evangélico, Paulo VI, 1975)
FR Fides et Ratio (Fé e Pensamento moderno, João Paulo II, 1998)
GS Gaudium et Spes (A Igreja no mundo atual, 1965)
LG Lumen Gentium (Igreja, 1965)
NA Nostra Aetate (Relação da Igreja com as Religões não-cristãs, 1965)
NMI Novo Millenio Ineuente (João Paulo II, 2001)
PO Presbyterorum Ordinis (Ministério e vida dos presbíteros, 1965)
RICA Rito da Iniciação Cristã de Adultos (Ritual Romano, 1973)
RM Redemptoris Missio (Sobre a Missão, João Paulo II, 1990)
SC Sacrosanctum Concilium (Sagrada Liturgia, 1965)
TMA Tertio Millennio Adveniente do Papa João Paulo II
UR Unitatis Redintegratio (Sobre o Ecumenismo, 1965)
Documentos da Igreja no Brasil e da América Latina
CNBB Conferência Nacional dos Bispos do Brasil
DGAE Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil (1999-
2002/2003-2006)
CR Catequese Renovada (CNBB, 1983)
1ª. SBC 1ª. Semana Brasileira de Catequese (1986)
2ª. SBC 2ª. Semana Brasileira de Catequese (2001)
CELAM Conselho Episcopal Latino-Americano
Medellín
Conclusões de Medellín (II Conferência Geral do Episcopado
Latino-Americano, 1968)
Puebla Documento de Puebla (III Conferência Geral do Episcopado Latino-
Americano, 1979)
DSD Documento de Santo Domingo (IV Conferência Geral do
Episcopado Latino-Americano, 1992)
VCG Aparecida (V Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano e
do Caribe, 2007)
Outras abreviaturas
CA Catecumenato com Adultos
ICA Iniciação Cristã de Adultos
REB Revista Eclesstica Brasileira
CEBs
Comunidades Eclesiais de Base
Desde há muito tempo
desejava falar-vos,
filhos legítimos
e muito amados da Igreja,
sobre estes espirituais
e celestes mistérios.
Mas como sei bem
que a vista é mais fiel que o ouvido,
esperei a ocasião presente,
para encontrar-vos,
depois desta grande noite,
mais preparados para compreender
o que se vos fala
e levar-vos pelas mãos
ao prado luminoso e fragrante
deste paraíso
São Cirilo de Jerusalém
Catequese Mistagógica I, 1
15
Introdução
Estamos em tempos nos quais emergem revisões conceituais e práticas
diante das grandes transformações que a sociedade vem experimentando. A
mudança paradigmática que se desenvolveu no final do século XIX e ganhou
corpo no século passado ainda se faz sentir na virada do milênio. A pessoa
humana se encontra diante de si mesma, de suas relações e do mundo em uma
perspectiva crítica. Foi afetada em sua construção subjetiva, em suas escolhas
fundamentais e em suas crenças, pelo paradigma da modernidade e seu
desenvolvimento, interpretado como crise da modernidade, como pós-
modernidade, ou ainda como modernização reflexiva.
Não se manteve à parte desse processo a dimensão da religiosidade, do
encontro com o Transcendente, as instituições religiosas, a transmissão da fé no
âmbito familiar e educativo. Trabalhamos no campo da Educação Religiosa e na
Pastoral, em escolas e comunidades eclesiais, por 30 anos e, ao longo deste
período, viemos observando uma tensão crescente entre a razão de ser da
instituição religiosa e a missão efetivamente realizada. Muitas vezes, os grupos de
trabalho se defrontam com testemunhos paradoxais à sua filosofia e princípios, até
mesmo negando a fé cristã. Alunos, adolescentes, jovens e adultos que passam por
uma experiência em uma instituão ou comunidade cristã, nem sempre
expressam um eixo referencial coerente com a proposta evangélica em suas
palavras e atitudes. A fé cristã possui um papel específico e um compromisso com
a sociedade. Se um processo de reconstrução das relações humanas e sociais,
configurando um novo jeito de ser pessoa e uma nova sociedade, como o
Cristianismo vai dialogar com essa realidade? Se a razão de ser da Igreja é o
anúncio querigmático, resgatando do mais profundo do ser humano sua identidade
primeira e sua meta na direção do Amor do Pai à Criação, por onde deve passar o
processo de encarnação desta Boa Nova aos homens e mulheres de hoje? Como
responder à vocação cristã contribuindo para que o Mistério de Deus seja acolhido
no coração de cada pessoa?
Estas questões geraram em nossa reflexão teológica uma forte intuição,
por que o dizer ‘inspiração’, de que um caminho fecundo para encontrarmos
esta resposta seria perceber como se dá o processo de Iniciação Cristã. Na
dinâmica da Revelação, estabelece-se uma relação entre Deus e a pessoa humana,
16
na qual os agentes de evangelização são mediadores. Perguntamo-nos se não
estaria neste foco a possibilidade de um caminho de Iniciação Cristã para as
gerações atuais. Nesse trajeto nos encontramos com o conceito de “mistagogia” e,
a partir dele, nossa inspiração” inicial foi ganhando corpo na oração, na reflexão
teológica, no trabalho acadêmico, na formação de agentes de pastoral, na
assessoria teológica.
Diante de tão grave interpelação, que atinge a centralidade do projeto
pastoral, a Igreja se manteve atenta aos sinais dos tempos em suas orientações
para o dlogo com o mundo moderno e para a missão evangelizadora. É a
pergunta pela razão de ser Igreja e pelo seu lugar no mundo, de ser sacramento de
Jesus Cristo no mundo, e apontar para a meta que a todos reúne: o amor de Deus
por todos os seus filhos e filhas, por toda a Criação.
O tema dos desafios que a missão pastoral da Igreja vem enfrentando
suscitou, nas últimas décadas, muitas análises e interpretações no campo da
teologia
1
. Em consonância com a exortação do Santo Padre João Paulo II,
comou-se também a falar de “nova evangelização”, com “novo ardor, novos
métodos e novas expressões”
2
. Esta linguagem penetrou a reflexão pastoral e
teológica, assim como as experiências comunitárias a serviço da evangelização,
indicando uma sensibilidade e uma consciência pastoral novas.
Dentre as inúmeras pastorais assumidas pela missão da Igreja, um dos
processos que vem ganhando espaço de revisão e fundamentação teológica e
metodológica é a Iniciação Cristã de Adultos. Esta reflexão se encontra,
1
Para fundamentar esta questão ver, entre outros, BINGEMER, M.C.L. Alteridade e
Vulnerabilidade. São Paulo: Loyola, 1993; CARVAJAL, L. Evangelizar em um mundo
postcristiano. Santander: Sal Terrae, 1993; GALILEA, S. Reflexiones sobre la evangelización.
Quito, Equador, CELAM/IPLA, 1970; GELABERT, M. Valoración cristiana de la experiencia.
Sigueme, Salamanca, 1990; GIGUÉRE, P. Una fe adulta, Santander: Sal Terrae, 1991;
GONZÁLEZ-CARVAJAL, L. Los cristianos del siglo XXI. Santander: Sal Terrae, 2000 e
Evangelizar en un mundo post cristiano. Santander: Sal Terrae, 1993; GONZÁLEZ FAUS, J. I.
Desafios da pós-modernidade. o Paulo: Paulinas, 1995; HAIGHT, R. Dinâmica da Teologia.
o Paulo: Paulinas, 2004; LIBANIO, J. B. Eu creio, nós cremos. São Paulo: Loyola, 2000 e
Teologia da Revelação a partir da modernidade. São Paulo: Loyola, 1992; LIMA VAZ, H. C.
Raízes da modernidade. In: Escritos de Filosofia VII. São Paulo: Loyola, 2002; PAGOLA, J. A.
Acción pastoral para una nueva evangelización. Santander: Sal Terrae, 1991; QUEIRUGA, A. T.
Fin del cristianismo premoderno. Santander: Sal Terrae, 2000; RUBIO, A.G. Unidade na
Pluralidade. São Paulo: Paulinas, 1989; VELASCO, J. M. La transmisión de la fe en la sociedad
contemporánea. Santander: Sal Terrae, 2002.
2
Cf. JOÃO PAULO II. Carta Encíclica Redemptoris Missio. 1990; CONFERÊNCIA GERAL DO
EPISCOPADO LATINO-AMERICANO. Nova Evangelização, Promoção Humana, Cultura
Cristã. Jesus Cristo, ontem, hoje e sempre. Documento de Santo Domingo, 1992; CNBB.
Diretrizes Gerais para a ação evangelizadora da Igreja no Brasil, 2002-2006.
17
atualmente, no centro das atenções de muitas comunidades eclesiais locais, em
seus muitos campos de ação evangelizadora, como também nos documentos do
Magistério e reflexões teológicas contemporâneas
3
. Nosso estudo encontra aqui
sua pertinência e, ao mesmo tempo, seu primeiro limite.
Esta pesquisa nasce da confluência destes fatores: as mudanças
provenientes do processo de modernidade e sua influência na transmissão da fé, o
impulso que o Magistério da Igreja vem implementando na direção da valorização
da Iniciação Cristã de Adultos e de algumas experiências pastorais e pedagógicas
presentes em nossa realidade.
Contudo, estudar a Iniciação Crisde Adultos significa reunir elementos
interdisciplinares, não apenas por sua relação ad intra, com os tratados da
Teologia (Escritura, Tradição, Liturgia, Sacramentos, Cristologia, Eclesiologia,
Moral), como também por sua relação ad extra, entre a teologia e outras ciências
humanas (Antropologia Filosófica e Cultural, Psicologia, Sociologia, Educação,
Fenomenologia Religiosa). Não nos propomos analisar a complexidade e
abrangência de todos os elementos presentes em um processo de Iniciação Cristã
de Adultos. São temas amplos e todos são relevantes, porém, para os limites deste
3
Documentos do Magistério trazem orientações para a prática catecumenal com adultos, como
também direcionadas ao atendimento das realidades eclesiais particulares: Cf. CONCÍLIO
VATICANO II. Constituição Pastoral Gaudium et Spes sobre a Igreja no mundo de hoje. 1965,
Petrópolis: Vozes, 1966; CONFENCIA GERAL DO EPISCOPADO LATINO-AMERICANO.
Nova Evangelização, Promoção Humana, Cultura Cristã. Jesus Cristo, ontem, hoje e sempre.
Documento de Santo Domingo, 1992; CONFERENCIA EPISCOPAL ESPAÑOLA. La iniciación
cristiana. Madrid: Edice, 1999; CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL.
Educação, Igreja e Sociedade. Documentos da CNBB 47, São Paulo: Paulinas, 1992; ___.
Diretrizes gerais da ação evangelizadora da Igreja no Brasil. 2003-2006. São Paulo: Paulinas,
2003; ___. Projeto Nacional de Evangelização, Queremos ver Jesus: Caminho, Verdade e Vida.
2004-2007, São Paulo: Paulinas, 2004; ____. Catequese renovada. Orientações e Conteúdo. o
Paulo: Paulinas, 1983; ___.Pastoral dos sacramentos da iniciação cristã. São Paulo: Paulinas,
1977; ___. Segunda Semana Brasileira de Catequese. Estudos da CNBB 84, o Paulo: Paulus,
2001; ___. Com adultos, catequese adulta. Estudos da CNBB 80, São Paulo: Paulus, 2001; ___O
Itinerário da na Iniciação Cristã de Adultos.Estudos da CNBB 82, São Paulo: Paulus, 2001;
___. Encontro Nacional de Catequese de 1985. Síntese do relatório. Comunicado Mensal da
CNBB. 34, 1985; ___. Missão e ministérios dos cristãos leigos e leigas. Documentos da CNBB 62,
o Paulo: Paulinas, 1999; CONSELHO INTERNACIONAL DE CATEQUESE. A catequese de
adultos na comunidade cristã. In: Revista de Catequese, 14, n. 53-54, 1991; JOÃO PAULO II.
Exortação Apostólica Catechesi Tradendae. 1979, o Paulo: Paulinas, 1983; ___. Carta
Encíclica Redemptoris Missio. 1990 São Paulo: Paulinas, 1991; PAULO VI. Exortação Apostólica
Evangelii Nuntiandi. 1975, Petrópolis: Vozes, 1976; SAGRADA CONGREGAÇÃO PARA O
CLERO. Diretório Catequético Geral. 1971, o Paulo: Paulinas, 1979; ___. Diretório Geral
para a Catequese. São Paulo: Paulinas, 1997; SAGRADA CONGREGAÇÃO PARA O CULTO
DIVINO. Ritual da Iniciação Cristã de Adultos. São Paulo: Paulus, 2001; ___. La Iniciación
cristiana de adultos: prenotandos. In: Phase 13, Barcelona,1973; SECRETARIADO NACIONAL
DE CATEQUESE. Brasil: encuentro nacional de evangelización de adultos. In: Catequesis Latino
Americana 3, 1971.
18
trabalho, não é possível percorrer uma estrada tão complexa sem cair em
abordagens parciais e limitadas. Também não nos propomos a buscar métodos
mais eficazes ou melhores estruturas para a Iniciação Cristã de Adultos.
Permaneceríamos, apenas, no campo da forma no que diz respeito à Iniciação
Cristã, o que poderia resultar em uma análise superficial ou marcada pela
particularidade e provisoriedade.
Nosso trabalho caminha no sentido de buscarmos uma pedagogia que seja
fonte, referencial e horizonte para esta missão pastoral. Haveria uma pedagogia
que orientasse a Iniciação Cristã para sua identidade primeira? Seria possível
encontrarmos uma pedagogia inspirada na pedagogia divina? Teria a caminhada
da Igreja primitiva experimentado uma pedagogia que servisse de referência para
nossa realidade?
O exame destas questões nos conduziu à experiência de evangelização dos
primeiros séculos da Igreja nascente, de forma específica à Iniciação Cristã do
terceiro e quarto séculos.
Contudo, também o tema da Iniciação Cristã é bastante amplo e profundo.
Poderíamos trabalhar sobre as diversas dimensões deste processo, ou sua
historicidade e evolução. No entanto, estes são caminhos já trilhados por teólogos
liturgistas e pastoralistas em busca de um diálogo com o paradigma da
modernidade
4
. Fizemos, portanto, uma escolha que orientará nossa pesquisa e
4
Trazemos aqui algumas obras capitais sobre o tema da Iniciação Cristã na sociedade
contemporânea: ALBERICH, E. Catequese Evangelizadora. Manual de Catequética fundamental.
o Paulo: Salesiana, 2004; BOROBIO, D. La iniciación cristiana. Salamanca: Sigueme, 1996;
BOURGEOIS, H. Teologia Catecumenale. Brescia: Queriniana, 1993; CAVALLOTO, G. (org.)
Iniziazione Cristiana e Catecumenato. Bologna: EDB, 1996; DERROITE, H. (org.) Catechesi e
iniziazione cristiana. Leumann/Torino: Elledici, 2006; FALSINI, R. L’Iniziazione Cristiana i suoi
sacramenti. Milano: OR, 1987; FLORISTÁN SAMANES, C. e ESTEPA, J.M. Pastoral de hoy.
Barcelona: Nova Terra, 1966; FLORISTÁN SAMANES, C. Para compreender el catecumenado.
Roma: Borla, 1993 e Teología Practica. Teoría y praxis de la acción pastoral. Salamanca:
Sigueme, 1991; GARZÓN, J. J. C. Catecumenado y Comunidad Cristiana en el Episcopado
español (1964-2006). Salamanca: Universidad Pontifícia de Salamanca, 2006; GOFFI, T. e
SECONDIN, B. (orgs.) Problemas e perspectivas de Espiritualidade. São Paulo: Loyola, 1992;
HUEBSCH, B. La catequesis de toda la comunidad. Hacia una catequesis por todos, con todos y
para todos. Santander. Sal Terrae, 2002; LELO, A. F. A Iniciação Cristã. Catecumenato, dinâmica
sacramental e testemunho. São Paulo: Paulinas, 2005; MARTÍNEZ, D., GONZÁLEZ P e
SABORIDO, J.L. Proponer la fe hoy. De lo heredado a lo propuesto. Santander: Sal Terrae, 2005;
ROCCHETTA, C. Como evangelizar hoy a los cristianos. El Rito de Iniciación Cristiana de
Adultos como propuesta tipo para un nueva evangelización. Bilbao: EGA, 1994; TABORDA, F.
Nas fontes da vida cristã. o Paulo: Loyola, 2001; TAMAYO-ACOSTA, J.J. Un Projecto de
Iglesia para el futuro em Espana. Madrid, 1978; TESTA, B. L’iniziazione cristiana. Una
riflessione teolgica. Lugano: Eupress FTL, 2006.
19
reflexão, tendo por critério o encontro com uma experiência fontal vivida pela
Igreja dos primórdios: a catequese mistagógica.
Neste período da história da Igreja, início do processo de formação e de
estruturação do catecumenato, a pedagogia que inspira a orientação dos Padres da
Igreja é a mistagogia, ou seja, a pedagogia do Mistério
5
.
Nossa hipótese de trabalho nasceu da suposição de que, na experiência da
catequese mistagógica, vivida na Igreja nos séculos III e IV, encontra-se uma
fonte fecunda da Igreja que pode ser paradigmática para a Iniciação Cristã de
Adultos. É uma experiência que comporta a dimensão teológica própria da
dinâmica da Revelação e da Fé e, por isso mesmo, apresenta elementos
fundamentais para que este trabalho pastoral seja relevante nos tempos atuais.
Ainda na esteira desta intuição, acreditamos que a proximidade com as
fontes do catecumenato primitivo nos levará às origens do Cristianismo, no
sentido de refazermos o caminho da experiência do Deus Revelado. O recurso aos
Padres da Igreja dos séculos III e IV se justifica por seu estatuto de testemunhas
qualificadas da Igreja, por sua experiência teológica, constituída pelos dois los
intimamente conexos da Sagrada Escritura e da Igreja. “São eles os transmissores
privilegiados daquilo que viveram e testemunharam as comunidades cristãs da
primeira hora”
6
.
Mais uma vez, nossa pesquisa nos remete a um quadro amplo, ao nos
defrontarmos com os Santos Padres e suas experiências catecumenais. Sendo
assim, mais uma escolha foi realizada, a fim de nos aproximarmos de um dos
5
A experiência mistagógica está presente em trabalhos dos Santos Padres como também em
reflexões teológicas contemporâneas. Cf. SAGRADA CONGREGAÇÃO PARA O CULTO
DIVINO. Ritual da Iniciação Cristã de Adultos. São Paulo: Paulus, 2001; CIRILO DE
JERUSALÉM. Catequeses Mistagógicas. Petrópolis: Vozes, 1977; HILITO DE ROMA.
Tradição Apostólica. Petrópolis:Vozes, 1971; SANTO AGOSTINHO. A Instrução dos
catecúmenos. Petrópolis: Vozes, 1978; FEDERICI, T. La Santa Mistagogia permanente de la
Iglesia. In: Phase 193, Revista bimestral de Pastoral Litúrgica,1993; GIGUÉRE, P. Una fe adulta.
Santander: Sal Terrae, 1991; MAZZA, E. La Mistagogia Una Teologia della Liturgia in epoca
patristica. Roma: Edizioni Liturgiche.1988; MURAD, A. e MAÇANEIRO, M. A Espiritualidade
como caminho e mistério. São Paulo: Loyola, 1999; PAGOLA, J. A. Acción pastoral para una
nueva evangelización. Santander: Sal Terrae, 1991; RAHNER, K. O desafio de ser cristão.
Petrópolis: Vozes, 1978; SANTANA, L.F.R. Batizados no Espírito. A experiência do Espírito
Santo nos Padres da Igreja. São José dos Campos: COMDEUS, 2000; TABORDA, F. Nas fontes
da vida cristã. São Paulo: Loyola, 2001; VASQUEZ, U.M. A orientação espiritual: mistagogia e
teografia. o Paulo: Loyola, 2001; VELASCO, J. M. La transmisión de la fe en la sociedad
contemporánea. Santander: Sal Terrae, 2002.; TRIACCA, A. M. Mystagogie doctrinale de la
Prière. In: Mystagogie : pensée liturgique d'aujourd'hui et liturgie ancienne. Conférences Saint-
Serge, XXXIXe Semaine d'études liturgiques. Paris: Triacca e Pistoia (edit.), 1992.
6
SANTANA, L.F.R. A dimensão pneumática da espiritualidade cristã. Tese de Doutorado,
Departamento de Teologia, PUC/RJ, 1998, p. 12.
20
Padres da Igreja e, juntamente com ele, percorrermos um caminho catecumenal,
buscando compreender a teologia que o embasava e orientava seus passos junto
aos iniciantes na fé cristã. Nossa reflexão teológico-pastoral e pesquisa
bibliográfica nos conduziu a Cirilo de Jerusalém e suas Catequeses
Mistagógicas. Reunindo teologia, espiritualidade, sensibilidade pastoral,
habilidade pedagógica, fidelidade e criatividade à sua Igreja, Cirilo se revelou
para nós como alguém que poderia nos apontar o caminho mistagógico. Mais.
Como um Padre da Igreja que, do berço da cristã, nos conduz
mistagogicamente pelos caminhos da Revelação amorosa e misericordiosa de
Deus a seus filhos e filhas.
Evidenciamos, assim, a exortação do Santo Padre Bento XVI, para que a
catequese atual resgate a sabedoria de Cirilo de Jerusalém, em sua integração
entre a teologia e a ação pastoral.
Deste modo, a catequese de Cirilo, em virtude dos três elementos - doutrinal,
moral e mistagógico - converte-se em uma catequese global no Espírito. A
dimensão mistagógica se converte em ntese das duas primeiras, orientando-as à
celebração sacramental, na qual se realiza a salvação de todo o homem. Trata-se,
em definitivo, de uma catequese integral que implica o corpo, a alma e o espírito
e continua sendo emblemática para a formação catequética dos cristãos de hoje
7
.
Nosso trabalho desejava ainda estabelecer um diálogo aproximativo com a
realidade da Iniciação Cristã de Adultos no mundo atual. Para tanto, avançamos
para o campo de pesquisa pastoral, indo até uma experiência concreta de
Catecumenato com Adultos, em uma comunidade eclesial local, na cidade do
Rio de Janeiro, Brasil. A nosso ver não foi por simples acaso que encontramos
esta pequena comunidade situada no município de Duque de Caxias, no bairro da
Vila São Luis. Vale a pena aqui trazer um dado que nos parece fundamental.
O tema da mistagogia foi trabalhado por ocasião da Dissertação de
Mestrado, concluída no ano de 2003
8
. Naquele momento delineamos a dimensão
7
BENTO XVI. Audiência Geral. 27 de junho de 2007. Vaticano: Libreria Editrice Vaticana.
Dispovel em: ‹www.vaticano.va› Acesso em: 8 de julho de 2007.
8
O resgate da experiência mistagógica dos séculos III e IV como contribuição para a
evangelização atual”. Dissertação de Mestrado. Departamento de Teologia da PUC-Rio, 2003,
estando presentes na banca, Profa. Dra. Maria Clara Lucchetti Bingemer (orient.), Profa. Dra.
Maria Carmem Castanheira Avelar e Prof. Dr. Djalma Rodrigues de Andrade. Naquele momento,
trabalhamos o tema da experiência mistagógica de forma introdutória, em função dos limites
próprios de uma dissertação de mestrado. Ainda deixamos um longo caminho a percorrer no que
concerne ao aparato crítico presente nas Fontes patrísticas, assim como na leitura e interpretação
destas na caminhada teológica da Igreja.
21
mistagógica, experimentada pelo catecumenato dos séculos III e IV, como fonte a
ser resgatada na evangelização atual. No dia da apresentação da Dissertação, um
dos professores doutores da banca, Pe. Djalma Rodrigues de Andrade, nos
interpelou quanto a avançarmos do mapeamento bibliográfico para uma
experiência mistagógica concreta. Além disso, nos aconselhou a conhecermos
uma comunidade na Baixada Fluminense que, em sua avaliação, vivia essa
experiência, e indicou as refencias. Foi assim que, meses depois, tivemos a
oportunidade de conhecer a Casa de Oração Batismo do Senhor, orientada pelo
Pe. Domingos Ormonde. Nesta comunidade encontramos uma mistagogia ativa,
experimentada na dimensão litúrgica e no catecumenato com adultos. O contato se
tornou um encontro muito integrado entre a dimensão prática da ação mistagógica
e a dimensão teológica.
Na mesma ocasião, em função da pesquisa feita e da experiência na
formação com o Curso de Iniciação Teológica e Pedagogia da (Centro Loyola
de e Cultura e Vicariato Episcopal Norte - Arquidiocese do Rio de Janeiro),
interessou-nos pensar a questão prática do tema, sua dimensão pastoral, e real
possibilidade para a evangelização nas comunidades.
Assim se fechou para nós o caminho para este trabalho. Nossa colaboração
específica consiste em estabelecer um diálogo entre o Catecumenato dos
culos III e IV, através da teologia e da prática pastoral de Cirilo de
Jerusalém na Iniciação Cristã, e a experiência de uma determinada
comunidade eclesial, com sua fundamentação, interpelações e experiências
dentro do tema. Desejamos proporcionar um diálogo aproximativo entre os
fundamentos teológicos que subsidiavam a experiência de Cirilo e a experiência
teológico-pastoral presente na Igreja hoje, através um olhar epistemológico e
situado historicamente.
A experiência mistagógica será o elo de ligação entre dois momentos da
caminhada eclesial tão distantes historicamente, como também o eixo referencial
desta pesquisa. A orientação mistagógica será a linha mestra neste percurso,
abalizando as etapas de elaboração, de análise teogica e as consequências
pastorais para a atual Iniciação Cristã de Adultos.
É um tema relevante, não apenas por resgatar uma inspiração fontal a
mistagogia dos Santos Padres -, mas também por sua possibilidade de uma ação
evangelizadora fecunda que interpela o processo pastoral-pedagógico. Trazer o
22
eixo mistagógico para esta temática é resgatar o conceito de Iniciação Cristã, não
como um processo com vistas à celebração dos sacramentos, mas como caminho
de aproximação entre a pessoa e o mistério de Cristo, que vem ao encontro das
pessoas na história
9
.
Enfim, é a partir do resgate da experiência mistagógica que nos propomos
a avançar neste trabalho, para uma nova reflexão que possa auxiliar este momento
específico do processo de evangelização atual, qual seja, a Iniciação Cristã de
Adultos. Neste sentido, a palavra “resgate” é significativa para determinar os
rumos que seguiremos em nossa metodologia e seleção de conteúdos e
articulações entre os dois momentos de evangelização sobre os quais
trabalharemos.
Vale ressaltar que a bibliografia existente para a fundamentação teológica
e pastoral do projeto de Iniciação Cristã de Adultos ainda não atende às
necessidades pastorais dos diversos grupos. Encontramos um caminho
catecumenal mais “avançadoneste sentido, na pesquisa teológica que vem sendo
desenvolvida na Itália – no que diz respeito à sua fundamentação na patrística, nos
caminhos inaugurados pela experiência fontal da Igreja dos primeiros séculos do
cristianismo -, e na Espanha - no que concerne aos subsídios pastorais e diálogo
com a teologia contemporânea.
Estamos diante de uma confluência de fatores que, a nosso ver, não é
apenas casual. Ao contrário, aponta para a importância do diálogo entre a
experiência do catecumenato nos primeiros séculos da história da Igreja, e a
experiência de muitas comunidades atuais, que se esforçam para o seu
restabelecimento, em diálogo fecundo com as orientações do Magistério e com as
reflexões teológicas sobre a Iniciação Cristã de Adultos.
METODOLOGIA E ESTRUTURA
9
Sobre este tema ver, entre outros, BOROBIO, D. La iniciación cristiana. Salamanca: Sigueme,
1996; Proyecto de iniciación cristiana, Bilbao, 1982; A Celebração na Igreja. Vol. II. Os
Sacramentos. São Paulo: Loyola, 1993; CODINA, V. Sacramentos da Iniciação. Água e espírito
de liberdade. São Paulo: Vozes, 1991; LELO, A.F. A Iniciação Cristã. Catecumenato, dinâmica
sacramental e testemunho. São Paulo: Paulinas, 2005; TABORDA, F. Nas fontes da vida cristã.
o Paulo: Loyola, 2001; VASQUEZ, U.M. A orientação espiritual: mistagogia e teografia. São
Paulo: Loyola, 2001; VELASCO, J. M. La experiencia cristiana de Dios. Madrid: Trotta, 1996.
23
O método de elaboração empregado foi desenvolvido em três momentos
que, apesar de terem sua especificidade, foram articulados ao longo do trabalho de
hermenêutica teológica. No primeiro momento, buscamos, através da pesquisa
bibliográfica, ouvir os testemunhos da Tradição e do Magistério, e em seguida
obras que tematizam a Iniciação Cristã e o Catecumenato. No segundo momento,
analisamos os conteúdos e procuramos elaborar uma síntese que articulou estes
conteúdos e apontou algumas hiteses para a construção do eixo mistagógico na
Iniciação Cris de Adultos. O terceiro momento foi dedicado à pesquisa no
campo, pesquisa participante com a comunidade da Casa de Oração Batismo do
Senhor, na qual ouvimos os testemunhos e desenvolvemos uma hermenêutica que
reuniu os dados anteriores Tradição, Magistério, teologia contemporânea - com
a teologia pastoral. No quarto momento, preparamos um quadro referencial para a
construção da Mistagogia hoje, na Iniciação Cristã de Adultos, indicando
pressupostos teológicos, princípios e elementos metodológicos.
Todo este processo foi alinhavado cotidianamente pela oração, que nos
orientava os passos, as escolhas, os critérios, a fim de desenvolvermos um
trabalho que possa servir à Igreja e ao Reino de Deus.
O primeiro capítulo dedicou-se aos olhares de três ciências humanas -
olhar filosófico, sociológico e teológico -, sobre o paradigma que estamos
vivendo, amplamente debatido e refletido na bibliografia contemporânea. Como
este não é o eixo central de nosso trabalho, nos limitamos a trazer as colaborações
dos pensadores contemporâneos estabelecendo como critério a sua abordagem
sobre o tema da construção da subjetividade. Este tema foi privilegiado em
função de nossa análise se voltar para a Iniciação Cristã de Adultos, para a qual
desejamos situar a pessoa humana e suas relações fundamentais na sociedade
atual. Ainda neste momento foi importante conhecermos as reflexões teológicas
contemporâneas no que concerne ao processo de Iniciação Cristã com Adultos, os
desafios apresentados e perspectivas para este campo de evangelização específico.
No segundo capítulo reside o coração de nossa pesquisa. Nesta etapa
foram fundamentais a leitura e interpretação das fontes patrísticas dos séculos III e
IV no que concerne à Iniciação Cristã e à dimensão mistagógica presente no
processo catecumenal. Para este fim, nos dedicamos às 24 homilias e, dentre elas,
às cinco Catequeses Mistagógicas de Cirilo de Jerusalém, um dos Padres da
Igreja que mais desenvolveu este referencial mistagógico no final do século III e
24
início do século IV. Em um primeiro momento nos aproximamos das leituras de
Cirilo procurando ouvir suas pregações, em seu contexto e linguagem, sem
atribuir interpretações para nosso tempo, a fim de que nosso trabalho ‘partissedo
próprio Cirilo de Jerusalém. Em um segundo momento, desenvolvemos uma
releitura, estabelecendo um diálogo com Cirilo, verificando a teologia subjacente
aos textos catequéticos e os princípios que orientam esta sua prática pastoral. Para
os dois momentos tivemos em mãos as principais edões críticas do autor e
avaliações de natureza teológica da vida e obra de Cirilo de Jerusalém.
Além desse procedimento com a revisão bibliográfica, o terceiro capítulo
privilegiou o processo de pesquisa participante na Casa de Oração Batismo do
Senhor, mais diretamente com a equipe que participa da Iniciação Cris de
Adultos (padre orientador, catequista, orientadores, catecúmenos, diácono,
teólogos assessores). Nesta fase observamos o planejamento e formação
catecumenal, entrevistamos os participantes e também atuamos através da
assessoria teológica e acompanhamento do Catecumenato com Adultos.
Participar, observar, ouvir atentamente a comunidade de Caxias na sua
experiência de evangelização tornou-se um diferencial e, também, referencial,
para que tivéssemos a experiência local e atual contemplada como parte do
aparato crítico desta pesquisa. Para esta metodologia foram imprescindíveis as
orientações do Departamento de Educação da PUC-Rio, por sua fundamentação
teórica e experiência neste campo
10
.
Por fim, no quarto capítulo, encaminhamos um diálogo sistemático
entre a Mistagogia de Cirilo de Jerusalém e a Mistagogia no Catecumenato
com Adultos, caminho da Iniciação Cristã de Adultos. Nesta etapa da pesquisa,
trouxemos os grandes referenciais da experiência mistagógica como fonte fecunda
e renovadora para o caminho da Iniciação Cristã de Adultos, analisando seus
10
Para esta finalidade foi fundamental a orientação da Prof. Zaia Brandão no que concerne à
pesquisa de campo: relatórios, observação participante, entrevistas e anotações de campo, assim
também a bibliografia que diz respeito à pesquisa sociológica. Cf. BERGER, P. A construção
social da realidade: tratado de sociologia do conhecimento. Petrópolis: Vozes, 1976; BORDIEU,
P. et al., A Miséria do mundo. Petrópolis: Vozes, 2003 e O Poder Simbólico. Rio de Janeiro:
Bertrand Brasil, 1989; BRANDÃO, Z. Pesquisa em educação. Conversas com pós-graduandos.
Puc.Loyola, 2002; CHAMPAGNE, P. et al. Iniciação à Prática Sociológica. Petrópolis: Vozes,
1998; ELIAS, N. A sociedade dos indivíduos. Rio de Janeiro: Zahar, 1994; GANDIM, D. A
prática do planejamento participativo. Petrópolis: Vozes, 1994; IÑIGUEZ, L. Manual de Alise
do Discurso em Ciências Sociais. Petrópolis: Vozes, 2004; MINAYO, M.C.S. (org.) Pesquisa
Social. Teoria, método e criatividade. Petrópolis: Vozes, 1994; PASSERON, J. O Raciocínio
Sociológico. Petrópolis: Vozes, 1995; REVEL, J. Jogos de escalas. A experiência da microanálise.
Rio de Janeiro: FGV, 1998.
25
fundamentos teológicos e apontando perspectivas pastorais que possam auxiliar
o caminho de formação catecumenal com adultos.
Estamos cientes de que este processo de aproximação histórica e de
fundamentação teológica possui escalas que determinam a ótica e a abordagem de
cada contexto e teologia construída e sistematizada no seu tempo. Com relação à
Comunidade do Batismo do Senhor, estaremos dialogando com a comunidade
local em um determinado tempo, definido em 2 anos de pesquisa participante. Os
referenciais nessa busca são as parcerias entre empiria e teoria, entre teologia e
pastoral, entre magistério e ministério: todas caminham juntas no processo de
construção de nosso objeto de estudo.
Propomo-nos, modestamente, ajudar às comunidades e agentes de
evangelização a refletirem sobre o Catecumenato com Adultos à luz das
orientações patrísticas, inspiradas na dimensão mistagógica deste processo.
Conhecer melhor este processo e seus princípios orientadores viabilizará o diálogo
fecundo e dinâmico com as comunidades locais, na sua realidade, na sua
diversidade, nas relações que se enredam e apresentam sempre novos desafios.
Na verdade, nossa meta está na retomada do princípio que sempre orientou
a evangelização, se atenta e aberta à dinâmica da Revelação. O testemunho da
Igreja dos primeiros séculos é Tradição viva, lugar onde habita o fogo do Espírito
de Deus, a memória viva e eficaz da Palavra que vem a nós e gera filhos e filhas à
Sua imagem e semelhança. Acreditamos, portanto, que a das primeiras
comunidades e dos Padres da Igreja torna-se atualidade e força crítica e
libertadora para o presente.
Finalmente, nossa intenção primeira e que nos fez caminhar através dessa
pesquisa, é motivar a atitude mistagógica na Iniciação Cristã de Adultos, ou
seja, colocar o cuidado com a evangelização nas mãos de Deus, do acolhimento da
graça de Deus que não nos submete, e sim nos conduz a alcançarmos o estatuto de
filhos e filhas (Gl 4,1-7), e irmos crescendo até a maturidade da plenitude de Jesus
Cristo. (Ef 4,13)
26
1
DESAFIOS PARA A INICIAÇÃO CRISTÃ DE ADULTOS
As coisas estão no mundo,
só que eu preciso aprender.
Paulinho da Viola
Repensar a Inicião Cristã de Adultos é uma tarefa complexa, que exige a
abertura de uma reflexão ampla, que inclua os elementos presentes neste processo,
sua fundamentação e caminhos pastorais. A Iniciação Crisvem sendo retomada
na caminhada da Igreja como tarefa central, cumprimento do mandato missionário
deixado por Jesus Cristo, como princípio do agir pastoral.
Nessa trajetória, o trabalho teogico e o trabalho pastoral necessitam estar
em diálogo fecundo. A pastoral é o agir eclesial e missionário, e a teologia, sua
função crítica. Para tanto, é fundamental que se estabeleça uma relação próxima,
de escuta atenta e discernimento crítico e criativo. A tarefa da teologia é diakonia,
é o seguimento de Jesus mediante uma vocação própria que, na dinâmica de
abertura ao Espírito, busca compreender e expressar os sinais de Deus para cada
tempo e lugar. Ao som da Palavra, da Tradição e do Magistério, a teologia precisa
estar atenta às comunidades, à história viva de homens e mulheres em sua busca
pela origem e pelo sentido de sua existência. E, assim, com o instrumental
científico adequado, colocar-se como mediadora, da Palavra que ecoa no tempo e
convoca a uma experiência de fé cada vez mais globalizante e radical.
O saber teológico depende sempre do ato de fé, que ele é uma resposta
específica à dinâmica da Revelação. O ato de possui uma dimensão subjetiva,
mas não significa que seja isolado, pois é experimentado comunitariamente.
Teologia e pastoral andam de mãos dadas no dinamismo da fé cristã, uma
auxiliando a outra a ampliar o horizonte de compreensão e a hermenêutica da
dinâmica da Revelação em cada tempo e situação. Assim sendo, tanto a reflexão
teológica quanto o agir pastoral têm sua origem na livre decisão do Pai, no Seu
amor revelado a seus filhos e filhas, na Criação e na Encarnação do Verbo. É o
mesmo princípio teocêntrico, tanto para o agir pastoral como para a reflexão
teológica.
27
Neste primeiro capítulo de nosso trabalho, procuraremos apresentar os
caminhos desta parceria fundamental no que concerne aos caminhos da Iniciação
Cristã de Adultos. A complexidade do tema nos remete a pensarmos nas
dimenes desse processo, ou seja, a realidade na qual vem acontecendo os
processos de Iniciação Cristã, a pessoa humana buscando dialogar e configurar
sua identidade e escolhas fundamentais, o que compreendemos por Iniciação
Cristã, quais as orientações do Magistério Eclesial e como este processo vem
ocorrendo na sociedade contemporânea. Enfim, estes são os desafios que se
colocam para nossa reflexão. Como podemos constatar, são amplos, densos, mas
por outro lado, desafios assumidos pela Igreja, pela teologia contemporânea,
pelas comunidades locais.
Nossa tarefa, portanto, será a de reunir as idéias da bibliografia recolhida e
trazer uma elaboração que nos situe com relação ao processo de Iniciação Cristã
de Adultos no hoje da caminhada da Igreja, em seu diálogo com o mundo
moderno.
Para tanto, iniciaremos voltando nosso olhar para a pessoa humana, em seu
contexto sócio-histórico, pessoal e socialmente vinculado ao mundo externo com
o qual estabelece trocas e constrói novas e incessantes significados e escolhas.
Dessa forma, não podemos tratar do tema da Iniciação Cristã de Adultos, sem
abordarmos a realidade na qual a pessoa humana se encontra nesse momento
particularmente marcado por uma mudança de paradigma que tem afetado
profundamente a subjetividade humana e os projetos éticos, culturais e sociais da
sociedade contemporânea.
Para esta análise, veremos inicialmente alguns pensadores da filosofia e da
sociologia que trabalham sobre o tema da construção da subjetividade neste
momento de passagem do paradigma pré-moderno para a Modernidade, sua crise
e consequente evolução, chamado por alguns de Pós-modernidade. Prosseguindo
traremos a palavra de alguns teólogos que se detiveram diante desta temática.
Nesse ponto de nossa reflexão sobre a pessoa humana no contexto atual,
um dado relevante será a dinâmica relacional, por meio da qual a pessoa interage e
constrói sua subjetividade. A pessoa humana tem sua razão de ser na relação
dialógica e não em uma subjetividade intimista. É através do estabelecimento de
trocas consigo mesmo, com os outros, com o mundo e com Deus, que a pessoa
constitui seu ser e estar no mundo, sua linguagem, suas escolhas.
28
Alguns pensadores da antropologia teológica, da filosofia e da sociologia
serão coincidentes no tema da abertura para o diálogo, para a alteridade, para a
dinâmica da intersubjetividade, como um novo fundamento para a existência da
pessoa e sua orientação fundamental.
Após esta primeira etapa de nossa reflexão, veremos propriamente o tema
da Iniciação Cristã de Adultos, principiando por um breve diagnóstico de como
esse processo vem buscando caminhos de diálogo com seu tempo. A seguir
veremos os caminhos de construção da identidade e dos elementos constitutivos
da Iniciação Cristã de Adultos, a partir dos especialistas no tema e dos
documentos do Magistério que orientam esse processo pastoral-pedagógico. Esta
construção conceitual nos levou a abrirmos para o debate com teólogos
pastoralistas que analisam o processo da Iniciação Cristã de Adultos na Europa, a
partir do movimento de revisão implementado pelo Concílio Vaticano II, onde
se encontram experiências paradigmáticas que buscam responder pastoralmente
aos desafios desse caminho de evangelização em tempos de Modernidade e s-
modernidade. Perceberemos que, ao longo desse percurso, o tema da Mistagogia
começa a surgir, como resgate da sabedoria dos Padres e como fundamento
teológico para a Iniciação Cristã de Adultos.
Por fim, faremos uma breve trajeria pelos fundamentos, reflexões e
orientações do Magistério eclesial com relação à dinâmica da Catequese de
Adultos, ao Catecumenato e à Iniciação Cristã de Adultos. Estes três temas
surgem em nosso século com tratamentos diferentes, nos quais percebemos pontos
coincidentes e pontos divergentes, os quais veremos adiante.
Estes caminhos já trilhados, experimentados, avaliados, não podem ser
deixados de lado. É a Igreja, Povo de Deus a caminho, respondendo
comunitariamente à dinâmica da Revelação de Deus, sempre criativa, pedagógica,
amorosa e misericordiosa com seus filhos e filhas. A partir deles poderemos
elucidar aspectos relevantes para o processo de Iniciação Cristã de Adultos no
mundo atual.
Enfim, esse capítulo inicial nos situará, através de um olhar teológico
sistemático-pastoral, diante da experncia das comunidades eclesiais, nessa
trajetória que hoje se torna referência para a Igreja e sua missão evangelizadora: a
Iniciação Cristã de Adultos. Um caminho que convoca toda a Igreja, Corpo
Místico de Cristo, a enraizar-se em sua identidade crística e a tornar-se dia a dia,
29
uma Igreja mistagógica, aberta ao mistério de Deus que a conduz e a envia a ser
testemunho da Boa Nova de Jesus Cristo à toda a humanidade.
1.1
A Iniciação à fé cristã e as interpelações da mudança de paradigma
Nesta etapa inicial do presente estudo, examinaremos o processo de
Iniciação Cristã com Adultos no contexto atual. Ao longo do último quarto século,
temos ouvido persistentes afirmações de que as sociedades do mundo ocidental
ingressaram em uma nova era da história. Estamos em uma sociedade marcada
por uma nova compreensão de pessoa e de mundo, um novo paradigma foi
inaugurado e permanece em gestação e evolução: a Modernidade.
A Modernidade traduz uma época histórica, uma construção filosófica e
um paradigma cultural. Cientes de que participamos de um novo momento
histórico, caracterizado pelo influxo da Modernidade, nos defrontamos com uma
tarefa complexa para um trabalho acadêmico deste porte. Portanto, será
imprescindível delimitarmos nossa área de análise e elaboração.
Um dos debates que englobam essas reflexões é o que se faz em torno dos
conceitos de Modernidade, Modernidade tardia ou Pós-modernidade.
São
inúmeras as argumentações em torno do real caráter do atual momento histórico:
se ultrapassamos os parâmetros da Modernidade e nos encontramos num outro
momento histórico (Pós-modernidade) ou se estamos numa fase de
aprofundamento dos pressupostos modernos.
Em primeiro lugar, não pretendemos aqui elaborar o tema da mudança de
um paradigma pré-moderno para um novo paradigma, conhecido como
Modernidade, em sua abrangência interdisciplinar e ampla fundamentação
filosófica. O que é central em nosso trabalho não é tanto estabelecermos um
debate entre as diversas propostas de interpretação deste fenômeno que afetou as
sociedades e suas mais diversas relações
11
, e sim não olvidarmos que o processo
11
Citamos aqui alguns dos principais teóricos do tema da Modernidade e pós-Modernidade:
AZEVEDO. M. A. Modernidade e cristianismo. O desafio à inculturação. São Paulo: Loyola,
1981; BAUMAN, Z. Modernidade Líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001; GEERTZ, C. A
interpretação das culturas. Rio de Janeiro, 1989; CAPRA, F. O Ponto de Mutação. São Paulo:
Cultrix, 1982; GONZÁLEZ FAUS, J. I. Desafios da pós-Modernidade. São Paulo: Paulinas, 1995;
HABERMAS, J. O discurso filosófico da Modernidade. Lisboa: Dom Quixote, 1990;
30
de evangelização se desenvolve dentro das culturas, do dinamismo da sociedade.
Não é possível falarmos de qualquer campo do relacionamento humano fora de
seu contexto histórico. Também no campo do diálogo Igreja-mundo. Esta é uma
premissa, da qual não podemos nos afastar, sob pena de comprometermos o
coração da Revelação: Deus, que se revela plenamente em Jesus Cristo e, nesse
mesmo processo, se revela aos homens e mulheres de cada tempo
12
.
A filosofia contemporânea desenvolve amplamente a análise do contexto
da Modernidade e desta mudança paradigmática, implementada nas diversas
culturas. Com a finalidade de nos situarmos com relação aos temas mais
relevantes neste momento histórico e cultural, vejamos, a partir das análises dos
autores contemporâneos
13
, alguns exemplos desta tematização: o fim dos grandes
relatos
14
; a construção da subjetividade humana
15
; o pensamento único
16
; as
HOBSBAWM, E. Era dos extremos: o breve século XX (1914-1991). o Paulo: Companhia das
Letras, 2000; JAMESON, F. Pós-modernismo: a lógica cultural do capitalismo tardio. São Paulo:
Ática, 1996; __ As sementes do tempo. São Paulo: Ática, 1996; KUHN, T. A Estrutura das
revoluções científicas. São Paulo: Perspectiva, 1997; KUMAR, K. Da sociedade pós-industrial à
sociedade pós-moderna. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997; LIBANIO, J. B. Desafios da Pós-
Modernidade à Teologia Fundamental. In: TRASFERETTI, J.; GONÇALVES, P. S. L. (orgs.).
Teologia na Pós-Modernidade. Abordagens epistemológica, sistemática e teórico-prática. São
Paulo: Paulinas, 2003; ___. Teologia da Revelação a partir da Modernidade. São Paulo: Loyola,
1992; LYOTARD, J. A condição pós-moderna. Lisboa: Gradiva, 1998;__. O pós-moderno. Rio de
Janeiro: José Olympio, 1986; OLIVEIRA, M. A. A crise da racionalidade Moderna: uma crise de
esperança. In:___. Ética e racionalidade moderna. São Paulo: Loyola, 1999; ___. Pós-
Modernidade: Abordagem filosófica. In: TRASFERETTI, J; GONÇALVES, P. S. L. op. cit.;
QUEIRUGA, A.T. Fin del cristanismo premoderno. Retos hacia un nuevo horizonte. Santander:
Sal Terrae, 2000; BOAVENTURA SANTOS, S. Pela mão de Alice. O social e o político na pós-
Modernidade. São Paulo: Cortez, 1997; SANTOS, M. Por uma outra globalização. Rio de
Janeiro: Record, 2001; VATTIMO, G. O fim da Modernidade. São Paulo: Martins Fontes, 2002.
12
Não pretendemos aqui reduzir o tratado da Revelão em tão simples afirmação, apenas evocar
a razão primeira de todo processo de evangelização. Deus se revela plenamente, a todos os homens
e mulheres, em cada tempo e contexto, “até que Deus seja tudo em todos”. (Cf. 1Cor 15,28) Vale a
pena ressaltar as características que não podem ser deixadas de lado ao refletirmos sobre a
evangelização: a Revelação é universal, é cristocêntrica, é histórica, é dinâmica, é escatológica, é
salvífica. Para retomar este tratado sugerimos LATOURELLE, R. Teologia da Revelação. São
Paulo: Paulinas, 1972; RAHNER, K. Curso Fundamental da Fé. São Paulo: Paulinas, 1989;
LIBANIO, J. B. Teologia da Revelação a partir da Modernidade. São Paulo: Loyola, 1992;
QUEIRUGA, A. T. A Revelação de Deus na realização do homem. São Paulo: Paulus, 1995; ___.
Do terror de Isaac ao Abbá de Jesus. São Paulo: Paulinas, 2001.
13
Citamos aqui alguns temas mais recorrentes nos autores contemporâneos que analisam o
paradigma moderno, entre eles M. Azevedo, Z. Bauman, Boaventura Santos, F. Capra, C. Geertz,
E. Hobsbawn, J. Habermas, J. Lyotard, K. Kumar, M. Oliveira, M. Santos.
14
A crítica filosófica chama de fim dos grandes relatos, o fim das metas, ideais, das narrativas, nas
quais a pessoa encontrava seu horizonte de sentido, por eles se norteava. Representa o fim da
metafísica e da justificação do conhecimento a partir da racionalidade absoluta. Cf. LYOTARD, J.
op.cit., pp. 69-76.
15
O tema da construção da subjetividade está relacionado com o princípio do sujeito humano
como medida de todas as coisas, como referência primeira e última para a ordenação e para a
compreensão do mundo. A subjetividade não é um dado fixo, imutável, ontológico, que apenas
capta a realidade, sem ser afetado por ela, mas é uma construção, que se faz pela experiência,
possui uma relação com a realidade na qual tanto recebe dados para a construção de si mesmo,
31
identidades culturais; as relações sócio-politico-econômicas; as ideologias; o meio
ambiente
17
. Enfim, uma mudança de paradigma traz mudanças profundas em
todas as dimensões do humano e de suas relações consigo mesmo, com os outros,
com o mundo, com o Transcendente. A Modernidade invade conceitos e exige
revisão, reestruturões que atingem todo o projeto humano.
Em nosso caso, investigaremos um campo particular. Nossa elaboração
versa sobre a Iniciação Cristã de Adultos, tema que articula três dimensões
relacionais: a pessoa humana, sua relação com Deus e com a comunidade eclesial,
como um espaço que gera, nutre e envia. Trata-se da experiência fundamental do
ser humano em suas relações: consigo mesmo, com os outros, com o mundo e
com o Transcendente. No foco da antropologia teológica, estamos falando da
própria ontologia do ser humano, de seu enraizamento mais profundo, de sua
identidade e caminhos de realização
18
.
Assim sendo assim, estabeleceremos um diálogo com a filosofia
contemporânea nos atendo a um dos temas desta mudaa paradigmática: a
construção da subjetividade. Os tricos da mudança de paradigma nos auxiliarão
a compreender a nova subjetividade que vem se configurando, a fim de nos
situarmos diante dos homens e mulheres de nossas comunidades particulares,
atores do processo de evangelizão e da busca de uma identidade crisque seja
sinal no mundo de hoje.
É importante firmarmos que o processo de Iniciação Cristã de Adultos
vem se desenvolvendo em muitas realidades em todo o mundo, com diferentes
abordagens, diferentes interpretações e respostas locais
19
. Em nosso trabalho, não
como interfere positivamente no fato real, num processo de inter-relação constante. Cf.
BOAVENTURA SANTOS, S. op. cit., pp. 102-107.136.
16
Em breves palavras, o conceito de pensamento único refere-se à tradução, em termos
ideológicos, da pretensão dos interesses de um conjunto de forças econômicas, particularmente as
do capitalismo internacional. As bases materiais históricas dessa mitificação estão na realidade da
técnica atual. Ela se apresenta como uma necessidade universal; aponta-nos para formas de
relações econômicas implacáveis, que não aceitam discussão e exigem obediência . É uma forma
de totalitarismo muito forte porque se baseia em noções que parecem centrais à própria idéia de
democracialiberdade de opinião, de imprensa, tolerância. Cf. SANTOS, M. op. cit., p. 45.
17
Consideramos que os temas - as identidades culturais, as relações sócio-politico-ecomicas, as
ideologias e o meio ambiente - possuem seu significado apreendido pela pesquisa acadêmica
atual.
18
Sobre este tema ver o trabalho capital de RUBIO, A. G. Unidade na Pluralidade. São Paulo:
Paulus, 2002, especialmente capítulos 2, 7, 10 e 11.
19
Documentos do Magistério trazem orientações para a prática catecumenal com adultos, como
também direcionadas ao atendimento das realidades eclesiais particulares: Cf. CONCÍLIO
VATICANO II. Constituição Pastoral Gaudium et Spes sobre a Igreja no mundo de hoje. 1965,
Petrópolis: Vozes, 1966; CONFERÊNCIA GERAL DO EPISCOPADO LATINO-AMERICANO.
32
pretendemos fazer uma análise desta amplitude, mas uma contribuição desde
dentro da realidade local brasileira.
Nesse processo de revisão e novos encaminhamentos o magistério eclesial
tem se manifestado amplamente, com diversos encontros e documentos
orientadores. No Brasil, em 1983, com o documento Catequese Renovada, a
Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, a CNBB, convoca para a renovação
da catequese e enfatiza a prioridade da "catequese de adultos" ou, como se prefere
hoje, “catequese com adultos”
20
, “iniciação cristã de adultos”
21
.
O mesmo tema foi priorizado no planejamento pastoral e tornou-se nuclear
na Segunda Semana Brasileira de Catequese da CNBB, em outubro de 2001,
mobilizando a pastoral nacional nesse sentido e avançando em termos de
Nova Evangelização, Promoção Humana, Cultura Cristã. Jesus Cristo, ontem, hoje e sempre.
Documento de Santo Domingo, 1992; CONFERENCIA EPISCOPAL ESPAÑOLA. La iniciación
cristiana. Madrid: Edice, 1999; CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL.
Educação, Igreja e Sociedade. Documentos da CNBB 47, São Paulo: Paulinas, 1992; ___.
Diretrizes gerais da ação evangelizadora da Igreja no Brasil. 2003-2006. São Paulo: Paulinas,
2003; ___. Projeto Nacional de Evangelização, Queremos ver Jesus: Caminho, Verdade e Vida.
2004-2007, São Paulo: Paulinas, 2004; ____. Catequese renovada. Orientações e Conteúdo. o
Paulo: Paulinas, 1983; ___.Pastoral dos sacramentos da iniciação cristã. São Paulo: Paulinas,
1977; ___. Segunda Semana Brasileira de Catequese. Estudos da CNBB 84, o Paulo: Paulus,
2001; ___. Com adultos, catequese adulta. Estudos da CNBB 80, São Paulo: Paulus, 2001; ___O
Itinerário da na Iniciação Cristã de Adultos.Estudos da CNBB 82, São Paulo: Paulus, 2001;
___. Encontro Nacional de Catequese de 1985. Síntese do relatório. Comunicado Mensal da
CNBB. 34, 1985; ___. Missão e ministérios dos cristãos leigos e leigas. Documentos da CNBB 62,
o Paulo: Paulinas, 1999; CONSELHO INTERNACIONAL DE CATEQUESE. A catequese de
adultos na comunidade cristã. In: Revista de Catequese, 14, n. 53-54, 1991; JOÃO PAULO II.
Exortação Apostólica Catechesi Tradendae. 1979, o Paulo: Paulinas, 1983; ___. Carta
Encíclica Redemptoris Missio. 1990 São Paulo: Paulinas, 1991; PAULO VI. Exortação Apostólica
Evangelii Nuntiandi. 1975, Petrópolis: Vozes, 1976; SAGRADA CONGREGAÇÃO PARA O
CLERO. Diretório Catequético Geral. 1971, o Paulo: Paulinas, 1979; ___. Diretório Geral
para a Catequese. São Paulo: Paulinas, 1997; SAGRADA CONGREGAÇÃO PARA O CULTO
DIVINO. Ritual da Iniciação Cristã de Adultos. São Paulo: Paulus, 2001; ___. La Iniciación
cristiana de adultos: prenotandos. In: Phase 13, Barcelona,1973; SECRETARIADO NACIONAL
DE CATEQUESE. Brasil: encuentro nacional de evangelización de adultos. In: Catequesis Latino
Americana 3, 1971.
20
A CNBB assume a expressão ‘catequese com adultos’ na Segunda Semana Brasileira de
Catequese a fim de traduzir o especial protagonismo dos catequizandos nesse tipo de catequese:
“Ao preferirmos a expressão catequese com adultos em vez de para adultos’, ou ‘de adultos’,
estamos optando por um tipo de trabalho que necessita do conhecimento das características e
potencialidades desses catequizandos. Todos os assim chamados destinatários da catequese devem
poder manifestar-se sujeitos ativos, conscientes e co-responsáveis, e não puros receptores
silenciosos e passivos, com muito mais rao se são adultos. Por isso, não são considerados
simples destinatários, mas interlocutores da nossa proposta de fé. É uma catequese feita de partilha
de saberes, experiências e iniciativas, em que ambos os lados criam laços, buscam, ensinam,
aprendem e vivenciam a vida cristã”. CNBB. Segunda Semana Brasileira de Catequese. op. cit., n.
150.
21
O documento de 1983, Catequese Renovada proclama a catequese de adultos’ como um novo
caminho catequético, até aqui privilegiado para as crianças, orienta para um modelo catequético
próprio para o mundo adulto. As Semanas Brasileiras de Catequese prosseguem aprofundando o
tema sobre suas diversas dimenes. Cf. CR, op. cit., n. 119, 120 e 130.
33
planejamento e ensaios, particularmente no que se refere aos adultos
22
. Um ponto
fundamental para nós é o fato de que a referência-chave para o estudo e revisão
deste processo vem sendo o período áureo do catecumenato: os séculos III e IV
23
.
Os documentos do Magistério e a caminhada da Igreja no Brasil tornam-se
sinais concretos da preocupação com a Iniciação Cristã de Adultos. Estes trazem
elementos que diagnosticam as realidades locais, as interpelações que alcaam
esse campo missionário, assim como apontam caminhos para novas respostas,
novos planejamentos, sempre atentos ao diálogo com as realidades locais.
Observemos alguns desafios presentes nas realidades locais da Iniciação
Cristã de Adultos
24
. Este pequeno elenco nos auxiliará a nos situarmos no início
desta análise e a melhor dialogarmos com a reflexão que se segue quanto à
mudança paradigmática que vem afetando a configuração da pessoa humana em
suas relações fundamentais.
1. O comprometimento do papel da família como espo pedagógico da
experiência de ;
2. A profunda crise de sentido da vida e de um elenco de valores que sirva
de eixo referencial para a configuração de uma pessoa humanizada, aberta para as
relações com o mundo, com os outros e com Deus;
3. Os pluralismos religiosos, culturais, étnicos, científicos e a dificuldade
em lidar com as diferenças, com a alteridade; e, consequentemente, o
comprometimento dos valores fundamentais e dos direitos humanos;
4. A presença de uma religiosidade difusa e da indiferença religiosa como
sinais da crise da dimensão transcendente da pessoa e do mundo;
22
A Segunda Semana Brasileira de Catequese dedica-se especialmente à mudança de perspectiva,
com o tema Com adultos, Catequese Adulta, Crescer rumo à Maturidade em Cristo”, no qual
procurou traduzir o protagonismo dos catequizandos, num processo que leva em consideração a
condição de adultos responsáveis e de sua capacidade de conduzi-los a uma adulta.
23
Conhecido como período áureo do catecumenato porque é a partir do terceiro século e durante o
quarto século que a práxis catequética dos Padres encontra a sua institucionalização e
sistematização. As obras de Hipólito de Roma, Cirilo de Jerusalém, Teodoro de Mopsuéstia, João
Crisóstomo, Ambrosio de Milão, Gregório de Nissa e Agostinho de Hipona, no que concerne à
catequese de adultos, atestam a grandeza da experiência e da prodão teológico-pastoral deste
período.
24
Para esta análise trabalhamos principalmente com os documentos da CNBB: Segunda Semana
Brasileira de Catequese, Com Adultos, Catequese Adulta; O Itinerário de Fé na Iniciação Cristã
de Adultos e Diretrizes gerais da ação evangelizadora da Igreja no Brasil. 2003-2006.
34
5. A secularização, a crise das instituições e das metanarrativas
25
e a
consequente valorização do presente, com sua fugacidade e transitoriedade;
6. A ênfase no aspecto doutrinal da e a falta de uma atualização
teológica e pedagógica nos campos de evangelização e de pastoral e, como
consequência, uma visão sacramental distorcida e a ausência de um verdadeiro
processo de Iniciação Cristã.
Com certeza, encontraríamos outros pontos de conflito, como também,
aspectos que corroboram para um caminho fecundo, analisando o encontro entre a
Modernidade e a experiência da ICA
26
nas comunidades eclesiais. Entretanto nos
limitaremos aos pontos acima, selecionados a partir dos documentos eclesiais
nacionais em sua análise de contexto e problematização. Ao refletirmos sobre a
atual mudança paradigmática teremos presentes estes aspectos que interpelam a
Iniciação Cristã.
1.1.1
A dinâmica da evangelizão cristã em tempos de mudança
paradigmática
A evangelização cris é o centro da vida da Igreja desde o início da
pregação apostólica. Foi sempre considerada como uma das tarefas primordiais do
Cristianismo, pois o próprio Cristo Ressuscitado, antes de voltar para junto do Pai,
deu aos discípulos este derradeiro mandato: “Ide, pois; de todas as nações fazei
discípulos, batizando-as em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo,
ensinando-as a guardar tudo o que vos ordenei. Quanto a mim, eis que eu estou
convosco todos os dias, a a consumação dos tempos”
27
.
28
Jesus confiou aos
25
O conceito de metanarrativa evoca os discursos orientados para um fim promissor para a
história da humanidade, de forma que os discursos do cotidiano tornam-se relativos e singulares,
em função deste grande e último discurso.Na Modernidade, as formas das metanarrativas
variaram: a razão do Iluminismo, o espírito absoluto do idealismo alemão, o sujeito da classe
trabalhadora no pensamento de Marx, entre outros. Todos possuindo o mesmo pressuposto
fundamental: a pretensão da universalidade, o que se concretiza nas diferentes tentativas de
articular um discurso sobre o mundo como totalidade num sistema capaz de abranger todas as
dimensões do real”. OLIVEIRA, M. A. Pós Modernidade: Abordagem Filosófica. In:
TRASFERETTI, J. e GONÇALVES, P.S.L. op. cit., p.22.
26
A partir daqui usaremos a abreviatura ICA para a expressão ‘Iniciação Cristã de Adultos’.
27
Cf. MT 28,19-20
28
Todos os textos bíblicos citados neste trabalho são transcritos da Bíblia de Tradução Ecumênica,
TEB, o Paulo: Loyola, 1994.
35
apóstolos não apenas a missão de anunciar o Evangelho a todos os povos, mas
também a autoridade de transmitir o que Ele mesmo havia ensinado por suas
palavras e atitudes. Para isso, confirma Sua presença até o final dos tempos, junto
aos apóstolos, dando-lhes o Espírito Santo para realizarem a missão de
evangelizar
29
.
O mandato missionário é envio e missão, é chamado e vocação cristã. Nele
se fundamenta a Iniciação Cristã, como ação missionária, como resposta à
dinâmica do Espírito, que impulsiona a Criação, e nos convida a acolher a
Revelação, enviando-nos a anunciar a Boa Nova em todo o mundo.
No entanto, a Iniciação Cristã não pode ser tratada como um conceito
particular ou isolado de uma série de fatores que confluem no processo de
evangelização, como, por exemplo: qual o princípio teológico que a embasa e
orienta? Qual a realidade das pessoas e comunidades que procura atender?
uma metodologia que colabore para este agir pastoral? Portanto, consideramos a
Iniciação Cristã como um processo no qual uma série de fatores confluem e se
entrelaçam. Estes fatores necessitam não apenas serem levantados, mas
principalmente encontrar seus fundamentos teológicos e pastorais e nos
questionarmos até que ponto nosso processo pastoral-pedagógico está embasado e
atento à integração entre estes pressupostos. Identificamos a seguir os aspectos
que consideramos relevantes na complexidade da ação evangelizadora.
1. A compreensão do processo de Revelação como princípio ativo no agir
evangelizador;
2. O conhecimento e aprofundamento constantes no conteúdo da
mensagem a ser anunciada;
3. A consonância com a caminhada do Magistério da Igreja;
4. Uma espiritualidade que se traduza em uma vida intensa de oração e
que configure no evangelizador uma identidade crística
30
;
5. O conhecimento da realidade das pessoas e comunidades a quem será
anunciado o Evangelho;
29
Cf. CT, n. 1.
30
Assumir uma identidade crística é assumir na própria vida o seguimento de Jesus Cristo até as
últimas consequências, o que, como batizado, é assumir uma identidade que é sua, de viver em
Cristo, para Ele e como Ele. Para este tema ver BINGEMER, M. C. A identidade crística. São
Paulo: Loyola, 1998, pp. 49-71.
36
6. A adequação da própria linguagem e dos métodos para a evangelização,
o que se traduz em uma pedagogia própria
31
.
Considerando o dinamismo destas linhas de força que se articulam no
processo da Iniciação Cristã, trabalharemos no confronto entre a proposta e a
realidade, ou seja, entre a identidade da Iniciação Cristã e a realidade dos
iniciantes.
Por esta razão, voltaremos nosso olhar para o momento atual, contexto de
acentuada mudança paradigmática
32
, conhecida no campo da pesquisa histórica e
filosófica, como Modernidade ou ainda, em sua análise mais contemporânea,
como Pós-modernidade. Procuraremos compreender este grande movimento, que
atingiu radicalmente a configuração da pessoa humana e, com isso, seu horizonte
e suas escolhas ou, para muitos, sua ausência de horizonte e de escolhas
fundamentais. Acompanharemos esse processo com um olhar aproximativo e
atento às suas repercussões no trabalho teológico-pastoral
33
.
1.1.1.1
O debate sobre o paradigma da Modernidade
Tematizar a mudança de paradigma
34
nos coloca em um movimento de
revisão de conceitos e de refencias, na tentativa de reconstruir discursos, como
também a forma de interpretar e atuar no mundo.
31
Cf. PEDROSA, V. Catequese Trinitária. In: Dicionário Teológico:O Deus Cristão. São Paulo:
Paulus, 1998, p. 150; CT, n. 31, 51, 52, 53, 58; DCG, n.70-76 ; DGC, n. 136-162, III parte.
32
Só podemos falar em mudança paradigmática, se partimos do pressuposto de que um paradigma
anterior vem sendo superado. Neste caso, o paradigma pré-moderno, ou tradicional, que marcou
um grande período da trajetória humana, passou paulatinamente por um processo de sucessivas
revisões e, enfim, pode-se falar que sofreu um corte epistemológico que demarcou uma mudaa
de paradigma. Algumas chaves para a compreensão deste paradigma são: uma concepção mais
estática da história, recorrente e clica; certa passividade da pessoa e do grupo humano; uma
integração do todo sócio-cultural; a religião e o mito como fontes de inteligibilidade e legitimação;
sentido de ordem, harmonia como manutenção e conservação, inclusive da organização social e
hierárquica; rejeição à mudança. Cf. AZEVEDO, M. C. Não-moderno, moderno e pós-moderno.
In: Revista da Educação da AEC. Ano 22, n. 89, 1993, pp. 22-24; RUBIO, A. G. op. cit, p. 20.
33
Não pretendemos uma análise sistetica do tema, em muito tratado por diversos especialistas,
apenas termos presente para nosso objetivo, uma trajetória que marca definitivamente um novo
processo antropológico e social.
34
O significado clássico de paradigma em Platão é a idéia de modelo, no sentido de que, uma vez
moldado ao modelo, o pesquisador domina uma espécie de mapa do conhecimento limitado à sua
zona de escolha. Enfim, ele tem a assimilação de um roteiro. Em 1962, este termo foi utilizado por
Thomas Kuhn para designar as realizações científicas que geram modelos que, por período mais
37
No discurso teológico se torna imprescindível trabalhar com o conceito de
mudança paradigmática por duas razões fundamentais e urgentes. A primeira
refere-se ao anúncio querigmático, para o qual necessitamos compreender o
mundo, suas coordenadas socioeconômico-culturais, e a relação destas com a
formação humana. A segunda razão está diretamente conectada com a primeira:
para estabelecer um diálogo com a pessoa em seu contexto histórico e cultural,
devemos desenvolver um diálogo criativo e interdisciplinar entre a teologia e as
ciências humanas. A teologia abre-se ao diálogo com as demais disciplinas que se
dedicam aos estudos sobre o ser humano procurando caminhos de conhecimento e
reflexão diante da realidade. Nas palavras de B. Forte:
(...) é aqui que a teologia, para além de uma atitude de fundo, também necessária,
de atenção e de amizade para com o que é humano, tem necessidade de servir-se
da mediação cultural e socioanalítica, valendo-se dos resultados do conhecimento
histórico, da psicologia, da sociologia, da antropologia, da literatura, da
hermenêutica, da filosofia e de todas as outras ciências ditas humanas, capazes de
fornecer-lhe conhecimento mais amplo e articulado do mundo e de suas
linguagens
35
.
A idéia de Modernidade
36
está vinculada à idéia de progresso, de evolução
humana, social, econômica, moral, espiritual. Ela se orienta ao rompimento com o
passado e o emergir de um novo começo, baseado em princípios radicalmente
novos. Traz consigo uma nova concepção de tempo, o ingresso em um tempo
futuro, um tempo para progressos sem precedentes na evolução da humanidade
37
.
ou menos longo e de modo mais ou menos explícito, orientam o desenvolvimento posterior das
pesquisas exclusivamente na busca da solução para os problemas por elas suscitados. Num sentido
lato, o paradigma kuhniano refere-se àquilo que é partilhado por uma comunidade científica, será
uma forma de fazer ciência, uma matriz disciplinar. Em sentido particular, o paradigma é um
exemplar; uma busca de soluções para problemas concretos, uma realização científica concreta que
fornece os instrumentos conceituais e instrumentais para a solução de problemas. O paradigma é,
neste sentido, uma concepção de mundo que, pressupondo um modo de ver e de praticar, engloba
um conjunto de teorias, instrumentos, conceitos e todos de investigação; noutro caso, o conceito
é utilizado para significar um conjunto de realizações científicas concretas capazes de fornecer
modelos dos quais brotam as tradições coerentes e espeficas da pesquisa científica. Sobre esse
tema ver KUHN, T. A Estrutura das Revolões Científicas. São Paulo: Perspectiva, 1997; Cf.
FABRI, M. (org.) Teologia e Novos Paradigmas. São Paulo, Soter/Loyola, 1996.
35
FORTE, B. A teologia como companhia, memória e profecia. São Paulo: Paulinas, 1991, pp.
156-157.
36
Verificando a etimologia da palavra moderno procuremos nos aproximar de uma definição.
Modernus é uma palavra de formação tardia na língua latina, é derivada de modo - no sentido de
recente, pouco acontecido -, ou seguindo o modelo de hodiernus, derivada de hodie, hoje.
Inicialmente foi usada em fins do século V, como antônimo de antiquus. Mais tarde, termos como
modernitas - tempos modernos -, e moderni - homens de nosso tempo -, tornaram-se também
comuns, sobretudo após o século X. Cf. KUMAR, K. Da sociedade pós-industrial à sociedade
pós-moderna. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997, p. 79; AZEVEDO, M. C. op. cit., pp. 20-21.
37
Cf. KUMAR, K. op. cit., p. 91.
38
Neste sentido, não como prescindir deste novo paradigma ao proceder
uma análise de contexto e de suas relações fundamentais. Mesmo o resgate de
aspectos da Tradição só adquire sentido a partir do contexto presente, já que, para
os tempos modernos, o passado carece de sentido
38
. É a Modernidade quem
orienta os pontos de partida, media revies e replanejamentos, sempre em função
de aspectos que prometam a superação, o avanço, o progresso, a eficácia e
produtividade.
A pergunta sobre a nese de tal mudança paradigmática divide os
estudiosos conforme o olhar epistemológico e as fontes de elaboração de cada
autor. M. Azevedo, um dos primeiros teólogos a se debruçar sobre este tema,
identifica o surgimento da Modernidade com o pensamento cartesiano
39
, atingindo
sua culminância nos séculos XVIII e XIX, a partir do Iluminismo e da Revolução
Industrial
40
.
Nesta perspectiva, a chave de leitura é a razão instrumental, a passagem de
uma visão teocêntrica do universo para o antropocentrismo, e esse, com foco na
racionalidade absoluta. M. Weber é um dos teóricos que analisa essa direção e
diagnostica o comprometimento do processo de humanização social
41
.
38
Mais adiante, veremos como a Tradição pode ser assumida na sociedade contemporânea, que
ela não é inteiramente estática, pois tem que ser reinventada a cada geração conforme esta assume
sua herança cultural. Cf. GIDDENS, A. As consequências da Modernidade. São Paulo: Unesp,
1991, p. 44.
39
Cf. LIMA VAZ, H. C. Raízes da Modernidade. In: Escritos de Filosofia VII. o Paulo: Loyola,
2002, p. 29; PALÁCIO, C. Novos Paradigmas ou fim de uma era teológica? In: FABRI, M. (org.)
Teologia aberta ao futuro.o Paulo: Soter/Loyola, 1997, p. 84.
40
“A História, os Tempos Modernos, que se contrapõem à Antiguidade e à Idade Média, começam
com a chegada dos europeus às Américas (1492). Este tempo era antes delimitado pela queda de
Constantinopla (1453). Na filosofia, a Modernidade, em contraste com a filosofia clássica e com a
Escolástica, se insinua com o nominalismo do século XIV e se inicia, de fato, com Descartes.
Desdobra-se através de Kant, Hegel, Marx, Nietzsche, Heidegger, Habermas, apenas para balizar a
demarcação do pensamento ocidental neste particular. Esse paradigma teve sua temática e difuo
maior a partir do Iluminismo e da Revolução Industrial, nos séculos XVIII e XIX”. AZEVEDO,
M. C. Não-moderno, moderno e pós-moderno. op. cit., p. 21.
41
M. Weber trabalha o tema da Modernidade em seus ensaios sobre a Sociologia da Religião,
onde encontra uma relação íntima entre a Modernidade e aquilo que ele designou como
Racionalismo Ocidental. Propõe uma relação necessária entre o racionalismo econômico e a
capacidade e disposição dos homens em adotar certos tipos de conduta racional. Weber chega a
acreditar que a tendência racionalizante da Modernidade, a força cultural da razão instrumental,
acabaria se estabelecendo frente a outras tendências, produzindo uma sociedade inflexível,
cientificamente programada, onde os sonhos humanos não teriam lugar. Cf. WEBER, M. A ética
protestante e o espírito do capitalismo. São Paulo: Pioneira, 1989, p. 11.
39
Os filósofos sociais da Escola de Frankfurt
42
concordarão com Weber, no
sentido de que o poder crescente da razão instrumental estava desumanizando a
sociedade. Testemunhavam a defasagem entre a razão instrumental, que se
apropriava do conhecimento científico e tecnológico, e a razão prática, para se
relacionar com o destino humano e com a liberdade. Esta dificuldade foi sendo
claramente percebida nas práticas morais, nas relações sociais e interpessoais, na
orientação para a busca de metas, de sentido vital, gerando conflitos e
questionamentos tanto no campo pessoal como no campo das relações humanas e
sociais. As questões relacionadas com a ética e a solidariedade encontraram
obstáculos devido à exacerbação do racionalismo técnico e científico.
Será Habermas
43
, tendo por base as reflexões da Escola de Frankfurt,
quem levará em consideração a possibilidade de uma recuperação cultural da
razão como fonte para o resgate da ética e de um olhar crítico perante a razão
técnico-instrumental. Habermas proe, a partir desta idéia, um agir
intersubjetivo, uma interação vital entre as pessoas e as sociedades
44
.
42
A Escola de Frankfurt é conhecida como um grupo de pensadores que se reuniu em torno de
Max Horkheimer e seu Instituto de Pesquisas Sociais em Frankfurt, fundado em 1924. Neste grupo
se destacaram Horkheimer, Adorno, Benjamim, aos quais se pode ligar o pensamento de
Habermas. Não aqui uma rejeição radical do pensamento iluminista, já que são herdeiros
críticos da tradição marxista que defendia a emancipação de todos os grupos humanos como
exincia da própria razão. Sobre esse tema ver ARANTES, P.E. Benjamim, Horkheimer, Adorno
e Habermas. Vida e Obra. In: Os Pensadores.o Paulo: Abril Cultural, 1980.
43
Sob a ótica de Habermas, verificamos que a palavra ‘modernização’ foi introduzida na pesquisa
apenas nos anos 50, para caracterizar uma retomada da problemática posta por Weber, mas
também elaborando os novos discursos que postulam este tema no campo das ciências sociais.
Neste momento, o conceito de Modernidade refere-se a um conjunto de processos cumulativos que
se reforçam mutuamente: a formação de capital e mobilização de recursos; o desenvolvimento das
forças produtivas e o aumento da produtividade do trabalho; o estabelecimento de poderes
políticos centralizados e a formação de identidades nacionais; a expansão dos direitos de
participação política; de formas urbanas de vida e de formação escolar formal; a secularização de
valores e de normas. Cf. PEUKER, H. Crítica Filosófica da Modernidade. In: GEFFRÉ. C. et al. A
Modernidade em discuso. Concilium/244-1992/6, Petrópolis: Vozes, 1992, pp. 33-34; Cf.
HABERMAS, J. O Discurso Filosófico da Modernidade. Lisboa: Dom Quixote, 1990, p. 14.
44
Hoje ocorre uma revisão quanto à conexão entre a Modernidade e o contexto histórico do
racionalismo ocidental. Os processos de modernização deixam uma concepção centrada apenas na
racionalização, como uma objetivão histórica das estruturas racionais, e avançam para a
compreensão deste como novo paradigma, como padrão de processos de desenvolvimento,
dissociado das suas origens européias. Nos deparamos aqui com uma significativa distinção entre
Modernização e Modernidade. O primeiro termo - Modernização -, refere-se ao processo de
transformação do mundo resultante do crescente acervo de conhecimento dinamicamente
traduzido em tecnologia, pesquisa científica e filosófica; e o segundo Modernidade -, ao
resultado do processo, ao seu impacto sobre o todo das sociedades, ao complexo de características
que dele decorre com as pessoas, as instituições, nos países e nas culturas. Cf. GIDDENS, A. op.
cit., p. 135.179; AZEVEDO, M. C. Modernidade e Cristianismo. São Paulo: Loyola, 1981, pp.80-
84; HABERMAS, J., op.cit.
40
Contudo, permanecem questões abertas para nossa reflexão: a crise da
racionalidade absoluta, centrada no enfoque técnico-instrumental, seria uma nova
etapa do mesmo paradigma ou transição para uma nova mudança paradigmática?
A crise das concepções centrais da existência – de pessoa, de mundo, de sociedade
-, seria um marco suficiente para delimitar um novo modelo, ou estaríamos ainda
em um estágio do mesmo paradigma?
Para subsidiar nesta reflexão, Habermas encontra em Hegel uma nova
concepção de Modernidade que se difere da noção de superação do paradigma
anterior, e auxilia uma construção conceitual
45
. Ele desenvolve a idéia de
Modernidade como conceito epocal, como uma época que vive dirigida para o
futuro, com a convicção de que o futuro começou
46
. Por isso mesmo, porque o
mundo moderno está aberto ao futuro, é que se distingue do antigo, o novo
epocal repete-se e perpetua-se a cada momento do presente, o qual a partir de si
gera o que é novo”
47
. No entanto, o mesmo Hegel questiona a Modernidade em
sua pretensão de eterna novidade e abertura ao futuro, considerando que é
impossível um corte radical com o passado, com a tradição. Esta ruptura radical
estaria fundada em um equívoco, poiso é possível recomeçar sempre a partir do
zero
48
. o seria possível afirmar que o projeto da Modernidade se esgotou, pois
significaria dizer que se cumpriu, plenamente, com suas promessas e também com
suas desvantagens, de tal forma que um novo paradigma seria gerado
49
.
Todo este percurso gera variações no campo conceitual, que transitam da
Modernidade, passando por sua crise até chegar à Pós-modernidade, encontrando
características próprias, que definem etapas e novas referências e perspectivas.
rios pensadores sistematizaram esse processo, dividindo-o em três etapas que
denominaram como Modernidade, crise da Modernidade, e Pós-modernidade
50
.
45
No século XVIII Hegel lançou um olhar retrospectivo para os três séculos precedentes,
identificando os eventos próximos de 1.500 - a descoberta do ‘Novo Mundo bem como o
Renascimento e a Reforma - como marcos para a transição epocal entre a Idade Média e a Idade
Moderna. Cf. HABERMAS, J. op. cit., p. 17.
46
Ibid., pp. 16-17.
47
Ibid., p. 18.
48
Ibid., p. 19.
49
A reflexão sobre a Modernidade prossegue e, nos anos 50 e 60, a partir das considerações de
Hegel e de Habermas, cria condições para que os diversos especialistas não fiquem reduzidos ao
horizonte conceitual do racionalismo ocidental e possam percorrer os processos de modernização
no seu curso. Ibid., p. 15.
50
Citamos aqui alguns pensadores que trabalharam sobre esta sistematização: Augusto Comte
exalta a crescente confiança na razão científica e a superação da religião; Max Weber, ao
contrário, lamenta a crescente racionalização da sociedade que produz o ‘desencantamento do
41
Segundo Boaventura Santos, a relação entre estes três conceitos -
Modernidade, crise da Modernidade e Pós-modernidade - é uma relação não de
ruptura total como querem alguns, nem de linear continuidade como querem
outros. É uma transição em que momentos de ruptura e momentos de
continuidade
51
.
Antes de avançarmos analisando as características próprias da crise de
Modernidade e da nova elaboração deste paradigma, chamado de s-
modernidade, sintetizamos aspectos a serem considerados em nossa análise e
busca de diálogo com a realidade presente nas comunidades eclesiais.
1. A racionalidade absoluta, a apropriação do conhecimento técnico-
científico em detrimento do desenvolvimento da pessoa em sua abrangência e
complexidade;
2. A presença hegenica da sociedade de informação, concentrando,
globalizando, fragmentando as culturas, direcionando técnicas e acessos à
informação e às possíveis construções conceituais filosóficas e sociais
52
;
3. A idéia de progresso, de evolução humana, social, econômica, moral,
espiritual e o rompimento com o passado, com a tradição;
4. A sociedade industrial, de mercados e trocas econômicas e, ao mesmo
tempo, hegemonizando as relações mundiais em torno das parcerias e integrações
firmadas, fragmentando o trabalho humano, a comunidade trabalhadora,
mundo’, o declínio da religião e a obsessão como progresso material; os fisofos sociais da Escola
de Frankfurt concordam com Weber quanto ao fato do poder crescente da razão instrumental estar
desumanizando a sociedade, mas defendem a exigência da própria razão, de uma razão substantiva
como uma fonte de ética; Jean-François Lyotard já afirma que o capitalismo de hoje alcançou uma
estabilidade autoperpetuadora transcendendo sua própria historicidade, sem um sujeito histórico.
Desta forma, J. Lyotard afirma uma pessoa que descobre que a noção iluminista de razão, de
história e de emancipação são ilusões totais e, liberada de responsabilidade histórica, encontra-se
livre para a singularidade, para o pluralismo, para criar redes de relações. Cf. BAUM, G. A
Modernidade: perspectiva sociológica. In: GEFFRÉ, C. et al. op. cit., pp. 11-16; PEUKER, H., op.
cit., pp. 25-36.
51
Cf. BOAVENTURA SANTOS, S. Pela mão de Alice. O social e o político na pós-
Modernidade. São Paulo: Cortez, 1997, pp. 102-103.
52
O conceito de Sociedade de Informação surgiu com os trabalhos de Alan Touraine e Daniel Bell
sobre as influências dos avanços tecnogicos nas relações de poder, identificando a informação
como ponto central da sociedade contemporânea. Para eles, o eixo principal desta sociedade será o
conhecimento teórico e adverte que os serviços baseados no conhecimento terão de se converter na
estrutura central da nova economia e de uma sociedade sustentada na informação, onde as
ideologias serão supérfluas. Cf. CASTELLS, M. A Sociedade em Rede. A era da informação:
economia, sociedade e cultura. São Paulo: Paz e Terra, 1999, pp. 33ss ; KUMAR, K. op.cit,
capítulo 2.
42
descentralizando as cidades e movimentos sociais e trazendo o ressurgimento do
individualismo;
5. O individualismo e o comprometimento do processo de humanização
social, da ética e da solidariedade humanas, da aceitação do outro em sua
particularidade e a geração de conflitos pessoais e sociais.
1.1.1.2
A Reflexividade da Modernidade
O tema da mudança de paradigma não encontra no debate sobre a
Modernidade seu termo e definição. Surge no horizonte outra linha de
questionamentos que encontra muitos pensadores em seu entorno, alguns
inclusive considerando a emergência de um novo paradigma civilizatório,
chamado de Pós-modernidade
53
. Independente do vértice teórico que se adote, a
s-modernidade tem como um de seus elementos a superação de algumas
características que marcaram a Modernidade e o surgimento de novas visões de
mundo, de subjetividade, de construção e desconstrução, de abordagens sistêmicas
e/ou complexas
54
.
Não nos deteremos nessa construção conceitual, ainda anunciada e
debatida na literatura hodierna. Mantendo nosso objetivo de dialogarmos com a
realidade das comunidades eclesiais e compreendermos a nova configuração da
pessoa e de suas relações, indicaremos algumas abordagens interdisciplinares que
podem se tornar mediações epistemológicas para as atuais interpelações do
processo de Iniciação Cristã com Adultos.
Para essa finalidade, encontramos importantes subsídios nas abordagens de
Jencks, Lyotard, Derrida
55
, Giddens e Beck
56
. Estes autores trabalham com
53
Esta é uma teoria moderna, de avalião bastante complexa, difícil e com variáveis até mesmo
paradoxais por parte de seus analistas, que compartilham de alguma idéia particular de
Modernidade. “O pós” de pós-Modernidade é ambíguo. Pode significar o que vem depois, o
movimento para um novo estado de coisas, por mais difícil que seja caracterizar esse estado tão
cedo assim. (...) O fim da Modernidade é, segundo essa opinião, a ocasião de refletir sobre a
experiência da Modernidade; a s-Modernidade é esse estado de reflexão. Neste caso, não
uma percepção necessária de um novo começo, mas apenas um senso algo melancólico de fim”.
KUMAR, K., op. cit., p. 79.
54
Ibid., p. 9.
55
Para esta reflexão de cunho mais filosófico, privilegiamos dois autores: K. Kumar e M. A.
Oliveira. As teses de C. Jencks e C. Geertz., serão abordadas a partir da leitura do sociólogo K.
Kumar, em seu excelente estudo sobre o tema da Pós-Modernidade, em Da sociedade pós-
industrial à sociedade pós-moderna. op. cit. O segundo trabalho que nos orientará na questão
43
categorias basilares para o desenvolvimento da Iniciação Cristã de Adultos em
nossos dias como - a relação pessoa-tradição, a construção das narrativas de
sentido e as comunidades interpretativas. A partir de marcos referenciais
filosóficos e sociológicos destes autores, veremos como podem nos embasar para
uma antropologia da pessoa e de suas relações interpessoais.
Uma das fortes interpelações presentes na sociedade atual consiste no
questionamento dos conceitos e doutrinas provenientes da tradição. Estamos em
um momento propício a uma revisão ou resgate da tradição? Ou será que a
desvalorização desta é radicalizada nas comunidades humanas, gerando um
processo de inovações constantes?
C. Jencks
57
identifica a era s-moderna como um tempo de opção
incessante, uma era de questionamento das ortodoxias e, ao mesmo tempo, de
revisão e até mesmo resgate da validade das tradições. Com o advento da
sociedade da informação e o acesso a inúmeras formas de comunicação e
conhecimento, a permanência e a rotina deixaram as elaborações sociais e
pessoais.
Este teórico acredita que a Pós-modernidade é profundamente eclética, não
rejeita radicalmente as tradições, mas também não as aceita passivamente. Esta
abertura provoca um novo processo de reflexão que pode combinar muitas
tradições, e amesmo integrá-las, em uma síntese
58
. Muitas vezes, esta dinâmica
entre - combinar, avaliar, rever, recombinar -, pode mesmo perder o rumo, mas é
também a dinâmica que promove o pluralismo cultural, que incorpora em si
mesma a alteridade na sua intensa liberdade e possibilidade de dlogo. Sendo
assim, é um movimento que resgata do passado suas tradições não como repetição
mimética e, ao mesmo tempo, abre-se ao diálogo descontínuo, heterogêneo e
plural
59
.
filosófico será do teólogo M.A. Oliveira, em Pós Modernidade: Abordagem Filosófica. op. cit.,
p.22.
56
Para a abordagem sociológica, privilegiamos o trabalho organizado por A. GIDDENS, As
consequências da Modernidade. o Paulo: Unesp, 1991.
57
JENCKS, C. What is Post-Modernism? Londres: Academy Editions, 1989. Citado por KUMAR,
K. op. cit., p. 115.
58
Ibid., p. 116.
59
Nesta mesma linha, os críticos conservadores (como Barth, Jencks, Hutcheon e Hassan)
compreendem o paradigma pós-moderno como uma reflexão que mantém uma relação com o
passado, interessada no contexto e na continuidade, e não na ruptura e descontinuidade. o se
tratava nem de rejeitar radicalmente, nem também de reproduzi-lo, mas de recuperar do mesmo o
que pode ser enriquecedor para o presente. Ibid., pp. 121-122.
44
Ainda refletindo sobre a condição do conhecimento, Lyotard dedica-se a
esta análise estudando privilegiadamente a cultura e a emergência da sociedade
pós-industrial. Sua hipótese de trabalho é de que o status do conhecimento é
alterado à medida que as sociedades ingressam no que é conhecido como era Pós-
moderna
60
. Em sua origem, a condição da Pós-modernidade está ligada à perda
dos grandes relatos legitimadores da Modernidade. Segundo Lyotard, significa a
perda do enredo dominante, por meio do qual somos inseridos na história como
seres tendo um passado definitivo e um futuro predizível
61
. Nesse aspecto, relatos
que tentavam dar uma explicação unificada a respeito de uma posição do homem
diante da história, da produção, do inconsciente e da sexualidade, foram
rejeitados
62
.
Para Lyotard, nosso contexto cultural não pode mais ser analisado com
base apenas em um discurso lógico e linear. Não mais estabilidade de idéias
nem absolutos a reger o comportamento social. As mudanças são constantes,
cotidianas, e afetam tanto a vida particular como toda a comunidade humana.
No entanto, uma perspectiva bastante positiva surge a partir dessa nova
dinâmica de construção de conceitos. Sem o suporte nos discursos
universalizantes e hegenicos, próprios do paradigma pré-moderno, se abre
espaço para infinitos jogos de linguagem. É sim uma reviravolta, mas de caráter
emancipatório, aberto para a construção de esquemas conceituais que se articulam
linguisticamente. Ou seja, a compreensão de realidade e o relacionamento com o
cotidiano, suas escolhas e projetos, o mediadas pela linguagem. É no seio da
linguagem que os sujeitos têm acesso ao mundo
63
, de tal modo que não se pode
prescindir das condições lingsticas de todo conhecimento e de toda ação
64
.
Sem as metanarrativas, sem os discursos lineares e programáticos,
emergem novas possibilidades para as construções conceituais. É uma nova
60
Cf. LYOTARD, J. O Pós-Moderno. Rio de Janeiro: Jo Olympio, 1986, p. 69.
61
GIDDENS, A. op. cit, p. 12 citando LYOTARD, J. A condição pós-moderna. Lisboa: Gradiva,
1998.
62
O tema da ausência dos grandes relatos, das metanarrativas, é fundamental no pensamento de
Lyotard. Demarca a s-Modernidade como ruptura radical com toda pretensão de articulação do
sentido do todo, como o pensamento do uno, do imutável, do eterno. A pós-Modernidade se
compreende como diferença, pluralidade, mudança, contingência, como jogos infinitos de
linguagem e ausência radical do metadiscurso unificador e abrangente de todas as dimensões do
real. Cf. OLIVEIRA, M. A. Pós-Modernidade: Abordagem Filosófica. In: TRASFERETTI, J. e
GONÇALVES, P. S. L. op. cit., pp. 22-27.
63
OLIVEIRA, M. A. op. cit., p. 25.
64
Ibid., pp. 25-26.
45
perspectiva para as relações interpessoais, para as orientações cotidianas, quiçá
para projetos abertos à reelaboração incessante. A grande exigência do momento
é esquecer as metanarrativas em prol de uma práxis localizada, isto é, de uma
práxis de pluralidade e das possibilidades infinitas”
65
. A Pós-modernidade rejeita
a idéia de totalidade e de ‘razão una’, e se move no universo plural das ‘razões’.
Uma relação de tal forma imbricada que afeta a tudo e a todos os setores da
sociedade
66
. Essa dinâmica articula necessariamente cultura e sociedade
67
, de tal
forma que não é mais possível distinguir onde uma começa e influencia a outra,
ou mesmo privilegiar uma parte como causa ou determinante.
Com a interdependência entre cultura e sociedade, o refoo da
fragmentação, do pluralismo e do individualismo, inicia-se um declínio das
instituições e culturas dominantes. Consequentemente, as formas que admitem o
plural, que geram experiências compartilhadas e identidades coletivas ganham
espaço, relevância e valorização: as culturas locais, regionais, os movimentos
sociais, que se baseiam na busca dessas parcerias construídas coletivamente
68
.
Esta característica em muito se aproxima de nosso lugar epistemológico de
análise e observação: as comunidades eclesiais locais e sua experiência no
processo de Iniciação Cristã de Adultos. Mais ainda, nos auxilia na articulação
entre a eclesialidade local e a eclesialidade universal, a experiência do Povo de
Deus local e a caminhada eclesial da Igreja como Povo de Deus
69
.
Nesse ponto, sublinhamos o tema da subjetividade e das relações
interpessoais nesse novo paradigma. Como podemos compreender a dinâmica que
se estabelece entre a pessoa, a sociedade, a realidade local e global? Como essa
65
Cf. OLIVEIRA, M. A. Pluralismo e Ética. In: OLIVEIRA, M. A. Ética e Práxis Histórica. São
Paulo: Ática, 1995, pp. 164-165.
66
Cf. KUMAR, K. op. cit., pp. 130-131
67
Compreendida a cultura como totalidade complexa que abrange a capacidade e bitos
adquiridos pelos homem em sua condição de membro da sociedade, portanto também em
movimento incessante, reconstruções e dinamismo dialógico. Não há cultura que não seja ligada a
uma dada sociedade, ela não pode ver ou transmitir-se independente da sociedade que a alimente.
Reciprocamente, não sociedade sem cultura. Ibid., p. 124; WARNIER, J. P. A mundialização
da cultura. São Paulo: Edusc, 2003, p. 13.
68
Ibid., p. 132. Destacam-se as sociedades multiculturais, multiétnicas. A identidade não é unitária
nem essencial, mas fluida e mutável, alimentada por fontes múltiplas e assumindo formas
múltiplas.
69
A articulação entre a eclesialidade local e a universal tem por base a imagem de Igreja como
Povo de Deus, como aparece na Lumen Gentium, documento do Concílio Vaticano II. ‘Povo de
Deus é uma categoria teológica que expressa a comunhão e caminhada da Igreja, a igualdade
fundamental dos fiéis. No centro da vida da Igreja está o batismo, que confere unidade e igualdade
a todos os membros. Cf. CONCÍLIO VATICANO II. Constituição Dogmática Lumen Gentium,
sobre a Igreja. Petrópolis: Vozes, 1966, especialmente capítulo II.
46
rede de relações se estabelece na pequena comunidade local? Como podemos
selecionar conteúdos e métodos, horizontes e perspectivas, diante da diversidade?
Enfim, como principiar um agir pedagógico que oportunize a abertura à dinâmica
da Revelação para todos e para cada pessoa, em particular? Como estabelecer
relações entre a grande comunidade humana e a pequena comunidade local?
Se por um lado situamos características diversas entre os teóricos que
analisam a mudança paradigmática, no que diz respeito à constituição da
subjetividade encontramos também concordâncias: o resgate da tradição em
diálogo com o novo, possibilitando novas nteses; a mediação linguística nas
relações interpessoais; o pluralismo cultural; a valorização das identidades
coletivas e culturas locais.
No primeiro estágio do paradigma moderno, a subjetividade estava
centrada no sujeito, no indivíduo, o conhecimento só poderia ser pensado com
certa unidade entre subjetividade e objetividade. A subjetividade era a grande
portadora das condições de possibilidade do conhecimento de objetos
70
. No
momento de transição, a subjetividade está descentrada, configurada
incessantemente pelas práticas linguísticas ao seu redor.
O não ser fundamento de si mesmo significa antes, que a história não nos
pertence, nós é que pertencemos a ela, ou seja, a tradição histórica de nosso
sistema de compreensão é condição irrecusável de nós mesmos.(...) O campo de
relações que constitui uma formação discursiva permite ao sujeito nele inserido
conhecer coisas, interagir simbolicamente com elas, ou seja, interpretar o
mundo
71
.
O filósofo Derrida trabalha o tema da subjetividade tendo por base sua
estrutura dialógica. Ele considera que não se pode falar de uma subjetividade, mas
em configurações ininterruptas, fruto das estruturas dialógicas e suas aporias,
numa pluralidade de vozes que faz da ‘pessoa’ um texto sempre aberto, plural,
capaz de muitas vozes, novos acordos, novos significados que podem ser
alcançados
72
. O pensamento se insere numa rede estrutural cujo jogo de diferenças
permite captar como ele é. Este jogo de linguagens e significados exige que se
percorram não apenas as construções linguísticas contemporâneas, mas também as
recebidas da tradição, a fim de explicitar suas decies internas, e seus princípios
70
Cf. OLIVEIRA, M. A. Pós-Modernidade. Abordagem filosófica. op. cit., p. 29
71
Ibid., pp. 34-35.
72
Cf. KUMAR, K. op. cit., p. 141.
47
de construção. assim é possível retomar os significados fundantes e abrir
espaço para o diálogo criativo, ou mesmo para a superação. Enfim, estão inseridos
na lógica das construções conceituais, os significados presentes.
Em outras palavras, Derrida procura mostrar que as estruturas não são
fechadas em si mesmas, e sim que é por meio da diferenciação que se encontra a
identidade
73
. É a primazia da categoria da diferença diante da categoria de
identidade. O paradigma moderno pensou a presença como plena a si mesma,
livre de exteriorização e temporalização, o que conduzia à primazia do logos.
Contudo, a desconstrução desta estrutura metafísica de conhecimento conduz ao
primado da alteridade. É a diferença que subjaz às práticas das relações
interpessoais e emerge como condição de possibilidade da autoconscncia.
A presença já é sempre marcada pelo caráter diferencial, tendo em vista que se
experimenta uma extensão, que faz com que, a partir de então, a pessoa nunca
mais possa ser uma presença absoluta e pontual: a unidade se funda na diferença,
a saber, numa diferença que constitui seu pressuposto ontológico e
epistemológico
74
.
Esta hitese nos conduz a repensar o papel das comunidades
interpretativas como espaços privilegiados, nos quais a dinâmica dialógica entre
as diversas subjetividades acontece e se renova entre seus participantes, como um
vetor privilegiado de significados. Entra em cena mais uma característica
fundamental para nosso projeto, já que a ICA se dá em um espaço comunitário.
As comunidades interpretativas constroem suas novas narrativas como
narrativas modestas. Não mais com a característica dos grandes esquemas
histórico-filosóficos de progresso e perfectibilidade criados pela era moderna. São
construções dialógicas criativas, novas formas de conhecimento local, com a
contextualidade, a impermanência e as limitões que essa nova articulação
sugere
75
.
Segundo Lyotard, a validação das construções interpretativas é interna às
comunidades, são elas mesmas que determinam seus critérios de qualificação e
reconhecimento, ou seja, são autolegitimadoras
76
. As comunidades interpretativas
73
Cf. OLIVEIRA, M. A., op. cit., pp. 36-37.
74
Idem, p. 46.
75
KUMAR, K. op. cit., p. 146, referindo-se a GEERTZ, C. Local Knowledge: Further Essays in
Interpretive Anthropology. Nova York: Basic Books, 1983.
76
KUMAR, K. op. cit., p. 146 citando LYOTARD, J. A condição pós-moderna. op. cit.
48
conjugam aspectos que fogem aos universais do pensamento racional e, em sua
liberdade dialógica, demonstram sensibilidade às diferenças e disposição para
projetos não mensuráveis pela eficácia e produtividade. Sua lógica interna é uma
lógica de alteridade e pluralidade, em formas de contratos temporários, abertos à
avaliação, revisão e replanejamentos, onde confluem significados propostos e
novos significados, numa dinâmica de desconstrução e novas construções
interpretativas
77
.
Reiterando essa análise, estamos em um momento em que o olhar
retrospectivo nos auxilia a não aceitar uma padronização absoluta ou o
estabelecimento de regras hegenicas para a sociedade
78
.
A renúncia a qualquer tipo de fundamento significa curar a humanidade da
doença platônica e metafísica e efetivar a passagem para um pensamento da
contingência, o que implica antes de tudo que somos radicalmente dependentes
de nossos sistemas de descrição, que nos fornecem horizontes fundamentais do
mundo e de seus objetos. Nada há para além dos esquemas de interpretação, pois
sempre estamos num universo de interpretação
79
.
Nesse universo dinâmico toda a interpretação passa pelos processos
intersubjetivos, de tal modo que a objetividade nada mais é do que o maior acordo
intersubjetivo possível. As antigas verdades do paradigma moderno, de caráter
dogmático e pensamento hegemônico e universal, deixam de possuir a autoridade
epistêmica anterior. “A autoridade epistêmica se desloca aqui de um sujeito que
conhece o mundo objetivo para uma comunidade intersubjetiva que se
compreende segundo um mundo vivido e partilhado
80
”.
O novo papel das comunidades interpretativas diante das construções
conceituais e intersubjetivas faz pensar o universo epistemológico em que se
77
A visão política de Lyotard se esforça para chegar a uma iia de ‘comunidade aberta’ baseada,
entre outras coisas, no ‘contrato temporário’. Este, diz Lyotard, ‘corresponde ao curso que a
evolução da interação social está seguindo atualmente. O contrato temporário está, na prática,
superando instituições permanentes nos domínios emocional, sexual, cultural, familiar e
internacional, bem como nos assuntos políticos.’. Ibid., p. 147.
78
Para Bauman estamos em um momento privilegiado, pois podemos examinar
retrospectivamente a Modernidade. Ele concorda com a abordagem de que o pós’ de s-
Modernidade não está referido a um novo período “após” a Modernidade, mas a um novo olhar
sobre suas principais características, absorvendo e revisando-a em função de completá-la, agora a
examinando como num espelho retrovisor. Também Calinescu confirma que não se trata de uma
nova realidade ou estrutura mental, nem mesmo de uma nova visão de mundo, mas uma
perspectiva da qual podemos formular certas perguntas sobre a Modernidade em suas
manifestações gerais. Os dois pensadores são analisados em KUMAR, K. op. cit., p. 150.
79
OLIVEIRA, M. A. Pós-Modernidade. Abordagem filosófica. op. cit., p. 40.
80
Ibid., pp. 40-41.
49
fundamenta e se orienta o Cristianismo. Porém, não significa uma barreira para o
processo de evangelização, e sim mais um ponto crítico e relevante a ser
considerado nos processos dialógicos internos à teologia e à eclesiologia.
Acreditamos que, para além da revisão epistemológica que estas idéias provocam
no saber teológico, o debate interdisciplinar aponta novas perspectivas e novas
possibilidades para o pensar e o agir sistemático-pastoral.
Prosseguindo na reflexão quanto ao tema das comunidades interpretativas,
veremos que os sociólogos Giddens e Beck consideram que a sociedade atual está
marcada por um alto grau de refletividade. Isto é, as sociedades modernas
chegaram a um ponto em que o capazes de refletirem sobre si mesmas. Os dois
autores apresentam algumas distinções com relação a este marco teórico, porém
coincidem no potencial reflexivo deste momento da modernização
81
. No papel
ativo das pessoas e das relações sociais, estas são capazes de redimensionar as
estruturas até aqui determinadas, num jogo dinâmico que supera a dicotomia entre
as pessoas e as estruturas.
As sociedades modernas estão refletindo sobre si mesmas, uma reflexão
com caráter retrospectivo, que tende a enfatizar a auto-reflexividade pessoal,
como também a reflexividade comunitária, presente nos agrupamentos
interpretativos. É como se a Modernidade estivesse fazendo um inventário de si
mesma a fim de tomar consciência de suas possibilidades. Não ultrapassamos a
Modernidade, estamos vivendo exatamente uma fase de sua radicalização
82
.
Essa dinâmica reflexiva tende a liberar a Modernidade de sua pretensão
racional e linear, e desencadear seu próprio potencial de reflexão sistêmica e
abrangente, numa dinâmica mais harmoniosa e plural. Beck apresenta no texto
abaixo seu pensamento de que a sociedade atual experimenta uma etapa de
reflexão diante dos movimentos implementados pela Modernidade clássica.
Outra Modernidade vem tomando forma. A modernização no horizonte da
experiência de pré-Modernidade está sendo substituída pela modernização
reflexiva(...) A modernização nos caminhos da sociedade industrial está sendo
81
A contribuição de Beck parte da distinção entre ‘reflexividade’ e ‘reflexão’. Neste contexto, a
reflexão é individualista, consciente e intencional. A reflexividade é como um ‘reflexo’, não é
individualista nem consciente, nem intencional. Para Beck a ênfase reside na reflexividade pessoal.
Já Giddens destaca o papel do entorno social na produção da reflexividade. Cf. BECK, U.
GIDDENS, A. e LASH, S. Modernização Reflexiva. Política, Tradição e Estética na ordem social
moderna. São Paulo: Unesp, 1997, p. 208 e 238; GIDDENS, A. As Consequências da
Modernidade. op. cit., p. 45
82
Cf. GIDDENS, A. op. cit., p. 13.
50
substituída pela modernização dos seus princípios... E é esse antagonismo, que se
abre entre sociedade industrial e Modernidade, que distorce nossas tentativas de
proceder a um mapeamento social’, tão acostumados estamos a conceber
Modernidade nas categorias da sociedade industrial. A modernização reflexiva
significa não menos, e sim mais Modernidade, uma Modernidade radicalizada
contra os caminhos e categorias da sociedade industrial clássica.
83
Giddens avalia que uma característica que percorre todas essas
possibilidades: a natureza dinâmica da Modernidade. Ele fala de um dinamismo
extremo, com caráter globalizante das instituições modernas e descontinuidades
com relação às afirmações lineares e às culturas tradicionais
84
.
Para melhor compreendermos as fontes dessa percepção dinâmica e
movimento incessante, pontuamos dois aspectos bastante caros para o processo de
Iniciação Cristã, que também sofrem uma revisão radical: a compreensão de
tempo e de espaço
85
.
Esse dinamismo da Modernidade deriva da separação do tempo e do
espaço e de sua recombinão em formas que permitem a configuração de outras
‘zonas’ de agrupamento tempo-espaciais. Não sociedade em que os indivíduos
não tenham sentido de futuro, presente e passado. No paradigma pré-moderno, o
tempo e o espaço se conectavam através do lugar no qual se situavam. O advento
da Modernidade fomenta um novo tipo de relação tempo-espacial, não mais
definido pela presença local, e sim pela ausência, vinculando situações localmente
distantes e sem interação face a face
86
: instala uma nova modalidade de
articulação das relações sociais, ao longo de amplos intervalos de tempo e espaço,
por distanciamentos históricos e geográficos, incluindo sistemas globais
87
.
Essa demanda afeta tanto a subjetividade pessoal como as comunidades
sociais, em suas construções linguísticas e culturais, pois as relações que
estabelecem o entorno da construção da subjetividade estão sob uma outra
dinâmica tempo-espaço, o mais de cunho linear, causal. As representações de
83
BECK U. Risk society: towards a new modernity. London: Sage, 1992. Citado por KUMAR, K.
op. cit., p. 153.
84
Cf. GIDDENS, A. op. cit., p. 25.
85
Esta nova modalidade de articulação do tempo e do espaço na sociedade contemporânea vem
contribuir para refletirmos quanto a alguns elementos relevantes na ICA como, por exemplo, a
relação entre a comunidade local e a comunidade global, a acolhida da Tradição e sua
continuidade, a experiência litúrgica. Veremos a retomada destas características para uma análise
relacionada ao processo de ICA no 4º. Capítulo de nosso trabalho.
86
Cf. GIDDENS, op. cit., pp. 25-27.
87
Cf. GIDDENS, A. Modernidade e Identidade. Rio de Janeiro: Zahar, pp. 22-26.
51
tempo e de espo tornam-se múltiplas, podem atravessar a linearidade histórica e
estabelecerem outros e novos vínculos interpretativos e culturais.
Assim sendo, as comunidades interpretativas são, por um lado,
protagonistas de um tempo real, reestruturam o cotidiano e os conceitos, e fundam
novos significados. E, no mesmo ritmo, são afetadas por novas construções,
vivendo um processo de construção e desconstrução contínuas
88
.
Prosseguindo nessa reflexão, o caráter globalizante inerente à
Modernidade dirige nossa atenção para o distanciamento tempo-espaço e as
complexas relações entre envolvimentos locais e interações através de
distâncias
89
. Os mecanismos de aproximação e encurtamento de distâncias
estabelecem nculos entre espaços sociais em escala mundial. Podem ligar
localidades distantes de tal forma que ocorre uma articulação entre estas
90
.
De acordo com esta análise, as conexões entre presença e ausência se
estabelecem em outras coordenadas, nas quais é possível articular o micro e o
macro, o local e o global, a tradição e a experiência presente. Vejamos o que
Giddens afirma sobre esta dinâmica provocada pela globalização.
A globalização pode assim ser definida como a intensificação das relações sociais
em escala mundial, que ligam localidades distantes de tal maneira que os
acontecimentos locais são modelados por eventos ocorrendo muitas milhas de
distância e vice-versa
91
.
Essa circularidade provocada pela globalização pode dar a impressão de
que o mundo deixou de ser mistério, se tornou conhecido e apreendido em suas
diversas formas e culturas. No entanto, esta percepção inicial não é verdadeira,
nem para o mundo social, nem para os especialistas. Considerando as vivências
pessoais e sociais, há uma série de consequências involuntárias e uma intensa
88
Id., As Consequências da Modernidade. op. cit., p. 42.
89
Id., Modernidade e Identidade. op. cit., p. 69.
90
Vale a pena sublinhar que estas articulações entre localidades distantes fazem parte do processo
de globalização, o qual ainda está firmado sob bases ilusórias no que diz respeito a haver uma
aproximação real entre os espaços sociais. A globalização que ocorre através dos meios de
comunicação provoca uma convergência de momentos, como se o que acontece do outro lado do
planeta fosse real. Contudo, uma distância ideológica entre o fato real e a notícia que alcança o
outro extremo. Sobre este tema ver SANTOS, M. Por uma outra globalização. Rio de Janeiro:
Record, 2001.
91
GIDDENS, A. op. cit., p. 69.
52
circularidade do conhecimento, que afeta o mundo social de tal forma que nunca
se configura um meio ambiente estável em termos de entrada de conhecimento
92
.
Para concluirmos esta etapa de nosso trabalho, retomemos alguns aspectos
relevantes para nossa elaboração. A partir da última característica aqui
apresentada, que consiste no caráter dinâmico do paradigma atual, levamos em
conta a complexidade dos fatores elencados, sua articulação incessante e
variedade de perspectivas.
1. A natureza dinâmica da Modernidade, com sua característica
globalizante e, ao mesmo tempo, de desconstruções e reconstruções intermitentes
com relação às afirmações lineares e às culturas tradicionais;
2. O questionamento das doutrinas ortodoxas e a revisão de sua validade,
as muitas possibilidades de reconstrução e de novas sínteses;
3. A presença dos pluralismos, as dificuldades com a alteridade e, por
outro lado, a incorporação da alteridade, abrindo para a relação dialógica;
4. A interação e o agir intersubjetivo entre pessoas e sociedades, a
modernização reflexiva como auto-reflexão, crítica e abertura, início de um novo
processo de reflexão dos grupos interpretativos;
5. A importância dada à relação entre cultura e sociedades, e entre as
culturas locais. A busca de identidades coletivas e de experiências compartilhadas;
as comunidades interpretativas com seus novos saberes e dinamismos pprios;
6. As novas relações de tempo e espaço, configurando novos
agrupamentos; as relações entre o micro e o macro, a ilusão do saber globalizado e
acessível a todos os grupos sociais.
Não estamos diante de um processo simples de análise, e nem mesmo
pretendemos adentrar por esse caminho numa elaboração de tamanha
complexidade interdisciplinar. Cientes de que todo olhar tem seu campo
epistemogico delineado, reforçamos que o filtro aqui apresentado visa uma
aproximação interdisciplinar que nos auxilie no diálogo entre o particular e o
comunitário, entre o local e global, no qual se dá a Iniciação Cristã de Adultos.
1.1.2
Um novo processo de reflexão a partir das relações intersubjetivas
92
Ibid., pp. 153-154.
53
Na sua gênese, a Modernidade instaurou um novo princípio para a
ordenação e para a compreensão do mundo: a subjetividade, ou seja, o sujeito
humano como medida de todas as coisas, como referência primeira e última
93
. “O
primeiro nome moderno da identidade é a subjetividade”
94
, afirma Boaventura
Santos. Nesse primeiro momento, a autonomia do sujeito assume o controle do
mundo e das coisas, toma o lugar de Deus como princípio ordenador do mundo. É
o sujeito quem ordena a vida social e a vida pessoal. Ao mesmo tempo, descobriu-
se parcial, incompleto, não definitivo, e se defrontou com seus próprios limites,
como a ordenação da natureza, a presença do outro nas relações interpessoais, a
imprevisibilidade do avanço tecnológico e científico e a busca de
transcendência
95
.
Contudo, como vimos anteriormente, esse paradigma ainda o se
esgotou, e vem gerando novas perspectivas para as relações interpessoais e para o
relacionamento da pessoa humana com a realidade. A tão proclamada autonomia
se desafiada pelo aspecto dialógico e, por isso mesmo, necessita rever sua
forma de pensar a construção da subjetividade, os projetos pessoais e coletivos.
Libanio nos adverte sobre a importância de ampliar os horizontes estreitos
desta nova subjetividade, desenvolvendo um esforço teórico que consiste em
evitar uma compreensão subjetivista ou individualista da subjetividade, em
oposição ao social, ao comunitário, ao histórico
96
. Este aspecto, já considerado na
etapa anterior, conforme os autores Giddens e Beck, é confirmado por Boaventura
Santos.
93
Cf. BINGEMER, M. C. L. op. cit., p. 19.
94
BOAVENTURA SANTOS, S. op. cit. p. 136.
95
Estamos cientes de que outras correntes de pensamento que não consideram desta forma a
construção da subjetividade e das redes de intersubjetividade. Por exemplo, um tema ainda em
debate é o conceito de ‘pensamento bil’ que, tanto R. Rorty como G.Vattimo trabalham como
virada paradigmática da metafísica, hoje representado no pragmatismo e na hermenêutica. Eles
apontam para uma reação contra o racionalismo moderno que gerou, em muitos ambientes, uma
fragilidade ou mesmo incapacidade reflexiva. O papa João Paulo II, na Carta Encíclica Fides et
Ratio, chega a alertar para o perigo do pensamento débil para a fé, podendo reduzi-la ao mito ou
superstição. Por isso mesmo, o Sumo Pontífice exorta para que se eduque para uma madura,
adulta. (FR 48) Contudo, para fins dessa elaboração, optamos por não nos dedicarmos a este
conceito. Cf. JOÃO PAULO II. Carta Encíclica Fides et Ratio. Sobre as relações entre e
Razão. São Paulo: Paulinas, 1998.
96
Cf. LIBANIO, J. B. op. cit., 23 e RUBIO, A.G. Unidade na Pluralidade. op. cit., p. 45ss.
54
Boaventura Santos amplia o tema da subjetividade, apresentando uma
passagem, que vai do sujeito único e soberano àquele que estabelece uma rede de
relações, onde se combinam várias subjetividades
97
.
A noção de reflexividade torna-se uma categoria normativa, pois concebe
o pensamento e a ação em movimento dialógico, constantemente refratados entre
si
98
. As práticas sociais são examinadas e reconfiguradas a partir das informações,
também em movimento. Entretanto, o são práticas anônimas, mas são
constituídas por seus atores, com permanente relação de seus esquemas
conceituais e significados.
A partir desta relação dinâmica, as formas de conhecimento de caráter
local e a confluência de conhecimentos derivados das informações recebidas e
elaboradas no grupo
99
, conduzem a novas recombinações locais
100
. Aquela
individualização, própria da primeira Modernidade, dá espaço a uma autonomia
que se constitui através das relações sociais. Este é o dinamismo da modernização
reflexiva, que envolve a interação constante e ações que vão para além das
estruturas, configurando um movimento de autonomia e libertação, de
desconstrução e novas reconstruções significativas.
A reflexividade gerada nas relações intersubjetivas implica em um
relacionamento entre pessoas, entre mundos com significados compartilhados.
Para tanto, estão fortemente presentes as trocas simbólicas e identidades
partilhadas, que engendram um dinamismo comunitário
101
.
Retomando o pensamento de Habermas, ele vai ponderar que é na
interação comunicativa que os atos da linguagem são potencialmente
reivindicações de sua validade discursiva. É uma reflexividade que tem por base o
agir dialógico, intersubjetivo, no qual ocorrem os pré-entendimentos e suposições
básicas que são do domínio da hermenêutica
102
. Contudo, estas significações
97
Cf. BOAVENTURA SANTOS, S. op. cit., p. 107.
98
Cf. GIDDENS, A. As consequências da Modernidade. op. cit., p. 45.
99
A produção reflexiva possivelmente só ocorre na presença de níveis ótimos de fluxo de
informação e aquisição de conhecimento (ou processamento da informação). E alguns modos de
controle institucional das estruturas de informação são favoráveis à produção reflexiva, enquanto
outros não o são. Cf. LASH, S. A reflexividade e seus duplos: estrutura, estética, comunidade. In:
GIDDENS, A. Modernização Reflexiva. op. cit., p. 148.
100
Cf. GIDDENS, A. vida em uma sociedade pós-tradicional. In: Modernização Reflexiva. op. cit.,
p. 105.
101
Cf. LASH, S. op. cit., p. 149.
102
Cf. HABERMAS, J. Teoría de la acción comunicativa I. Racionalidad de la acción y
racionalización social. Madrid: Taurus, 1987, pp. 189-190.
55
compartilhadas pressuem a existência de práticas igualmente experimentadas,
com propósitos afins
103
. Será através das práticas experimentadas pelos
protagonistas deste agir intersubjetivo que as representações assumem seus
significados. O pensamento de Lash confirma a análise de Habermas: “Neste
contexto, as práticas compartilhadas têm objetivos ou um telos que as orienta e
que são estabelecidas internamente à prática”
104
. São parcerias que envolvem
significações, práticas e obrigações compartilhadas.
Essa reflexividade não tem por base as estruturas sociais, mas a
compreensão das categorias que se integram, das significações compartilhadas em
que se fundamentam e se movem. É uma reflexividade hermenêutica
105
. Os
sujeitos principais dessa inter-relação são as próprias pessoas, em sua construção
pessoal e configuração coletiva, sejam elas cientistas, pessoas comuns,
especialistas, em grupos institucionais ou não
106
. É um processo que instaura uma
democracia dialógica, a partir das experiências comuns e dos significados
comunicados e construídos conjuntamente.
Essa inter-relação entre as pessoas e as sociedades, capaz de reconstruir
conceitos e construir novos significados comuns, se estende a toda a realidade. Ela
interpela o olhar cienfico que se defronta com uma rede complexa de relações
entre o pesquisador e o objeto da pesquisa, entre pessoa e meio ambiente, entre as
mais diversas linguagens do pensamento e do relacionamento da pessoa humana
consigo mesmo, com os outros e com o mundo.
Segundo a análise desses autores, percebe-se o emergir de uma nova
subjetividade, gerada na dinâmica das intersubjetividades, que contrasta com a
perspectiva fragmentada e atomizada do ser humano predominante na ciência
103
É importante aqui a distinção entre coletividade e comunidade. As coletividades supõem apenas
interesses compartilhados. As comunidades supõem significados compartilhados. Os partidos
políticos e as classes sociais o são comunidades, são tipicamente agregações dos interesses de
grupos. Grupos de indivíduos podem compartilhar conjuntos de propriedades ou características,
mas serem ainda completamente atomizados um em relação ao outro. Os nichos de mercado
compartilham propriedades mas não são comunidades. Pessoas que lêem o mesmo jornal ou
assistem à mesma novela compartilham apenas uma comunidade imaginada. Cf. LASH, S. op. cit.,
pp. 189-192.
104
Ibid., p. 188.
105
Ibid., pp. 199-200.
106
Para Giddens, a modernização reflexiva é caracterizada pela abertura experimental e pela
democracia dialógica, mas continuam a persistir conjuntos inteiros de fenômenos que são muito
claramente não-reflexivos.
BECK, U. Autodissolução e auto-risco da sociedade industrial: o que
isso significa? In: GIDDENS, A. Modernização Reflexiva. op.cit., p. 208; LASH, S. Sistemas
especialistas ou interpretação situada? Cultura e instituições no capitalismo desorganizado. In:
GIDDENS, A. Modernização reflexiva. op. cit., p. 240.
56
moderna. Além disso, inicia-se um processo de superação do individualismo
radical com suas consequências, e entra em cena a perspectiva de abertura, a
relação dialógica, resultado da imbricada inter-relação abrangente e sistêmica.
Estas considerações em muito auxiliam à nossa perspectiva de analisar o processo
de ICA na sociedade atual, e nos ajuda a encontrar fundamentos conceituais e
caminhos metodológicos para sua trajetória.
1.1.3
A relação dialógica como fundamento no Cristianismo
A subjetividade moderna o se como um dado fixo, imutável,
ontológico, que apenas capta a realidade, sem ser afetado por ela”
107
. A
antropologia moderna conduziu ao fechamento sobre a própria subjetividade, ao
esquecimento do outro, chegando mesmo à rejeição do outro. Todavia, o sujeito
centrado nos extremos da racionalidade e presunçoso de seu potencial de
transformar a realidade, tornou-se presa do próprio individualismo. Ao colocar
fora de seu horizonte de pensar e agir toda a alteridade
108
, conduziu as relações
fundamentais a tal estreitamento que acabou por comprometer sua própria
sobrevivência. Além disso, descobriu que não há subjetividade sem alteridade,
esta é constituída na e pela relação. É o outro que interpela, convida a ser, propõe
a originalidade da pessoa. O outro é condição de possibilidade do emergir da
subjetividade, e instaurando um dinamismo incessante na construção das
subjetividades.
A antropologia teológica, fundada no pensamento judaico-cristão,
compreende a pessoa como um feixe de relações, e fundada não em si mesma,
mas na alteridade, na redescoberta do princípio dialógico
109
.
107
LIBANIO, J. B. op. cit., p. 82.
108
A Modernidade experimenta a tensão dialética entre a busca de emancipação do indivíduo e a
denúncia dos limites e das pretensões desta razão emancipante. Ela desmascara as quedas e as
incompletudes causadas pela sede de totalidade que o homem emancipado por fim produziu. O
passo para o reconhecimento dos limites desta autonomia reside no reconhecimento do outro, de
que a razão moderna não é tudo, na abertura a uma consciência de sair de si e de acolhida do outro.
Cf. FORTE, B. op. cit., pp. 18-23.
109
A relevância da categoria de alteridade é sinalizada pela variedade de abordagens
transdiciplinares em torno do tema. Sua complexidade e abrangência bibliográfica não permite
que, nos termos deste trabalho, tenhamos a ousadia de tratá-lo em poucas linhas. Para aprofundar
sugerimos as excelentes obras de E. LEVINAS, entre outras: Ética e infinito. Lisboa: Ed. 70, 1988;
57
O aparato crítico filosófico e sociológico que trouxemos até aqui carece de
um dado fundamental para nossa análise - o dado da -, razão e fundamento da
abordagem teológica. Nessa etapa, vejamos o que a teologia tem a nos dizer sobre
o tema da construção da subjetividade nesse tempo de tantas mudanças, e como
vem dialogando com os desafios que se apresentam à evangelização
110
.
Os primeiros sinais de atenção à emergência desse diálogo foram
anunciados por João XXIII, ao convocar o Concílio Vaticano II, como
aggiornamento
111
, ou seja, como uma atualização da Igreja, dialogando com o
mundo moderno, onde o Cristianismo deveria fazer-se presente e atuante. A
Igreja, consciente de suas dificuldades em realizar o mandato missionário em
tempos modernos, se abre à necessidade de mudanças profundas
112
.
O Concílio Vaticano II foi o evento máximo de diálogo da Igreja com a
Modernidade. Significou claramente uma mudança de rumo proveniente de uma
nova visão das relações entre Igreja e mundo
113
. A eclesiologia do Concílio reflete
a Igreja como “sacramento, ou seja, sinal e instrumento da íntima união com Deus
e da unidade de todo o gênero humano”
114
e, consequentemente, voltada para sua
missão evangelizadora: Que todos sejam um, para que o mundo creia” (Jo
17,21). Esta é a oração de Jesus Cristo por sua Igreja. Ele pediu para ela que viva
a unidade, segundo o modelo da unidade trinitária (cf. GS 24). A unidade pedida
por Cristo para os seus discípulos constitui uma participação na unidade existente
entre o Pai e o Filho. A oração de Jesus aponta para a comunidade, possui um
significado eclesial, orientando para uma Igreja centrada na Trindade revelada,
projetada para o mundo, à missão, aos cristãos de outras Igrejas e às outras
religiões
115
. A Igreja compreende a si mesma como serva do projeto de Deus,
El tiempo y el otro. Barcelona: Paidós, 1993; Humanismo do outro homem. Petrópolis: Vozes,
1993; Totalidade e infinito: Ensaio sobre a exterioridade, Lisboa: Ed. 70, 2000; Transcendência e
Inteligibilidade. Lisboa: Ed. 70, 1984.
110
Para esta reflexão trabalharemos com os principais documentos do Magistério que trataram
sobre o tema do diálogo da com o paradigma moderno, e obras de teólogos sisteticos: M. C.
L. Bingemer, Cl. Boff, A. Castiñeira, B. Forte, C. Geffré, J.I. González Faus, J. B. Libanio, H.C.
Lima Vaz, K. Rahner e A. G. Rubio.
111
O verbo aggiornare, é italiano, e tem o significado de revisão, renovação, ‘fazer dia’.
112
Cf. JOÃO PAULO II, CL, n. 2.
113
Cf. GONZÁLEZ FAUS, J.I. Desafio da Pós-Modernidade.o Paulo: Paulinas, 1995, 53.
114
LG, n. 1.
115
O Concílio Vaticano II apresenta uma estrutura bastante sistematizada em seus documentos,
nos quais trata das dimensões de diálogo com a sociedade contemporânea em sua especificidade
sem perder a unidade de proposta filosófica e teogica que inspira todo o evento conciliar. Os
documentos conciliares mais importantes expressam essa atenção às diversas faces’ do diálogo
com a Modernidade: a dimensão eclesial como comunhão e participação - Lumen Gentium -, a
58
missionária no mundo, dando prosseguimento à prática de Jesus Cristo. A atenção
aos sinais dos tempos’ e às mudanças na história humana o meios
imprescindíveis para o estabelecimento do processo dialógico
116
.
João Paulo II, em sua Carta Apostólica Tertio Millennio Adveniente insiste
sobre a importância do Concílio Vaticano II e diz que a passagem para o novo
milênio “não poderá exprimir-se senão pelo renovado empenho na aplicação, fiel
quanto possível, do ensinamento do Vaticano II à vida de cada um e da Igreja
inteira”
117
. O Concílio desperta em toda a Igreja “uma consciência nova da missão
salvadora recebida de Cristo
118
.
Os ventos renovadores do Concílio Vaticano II ainda sopram convocando
a Igreja ao diálogo permanente, à renovação humilde e focada em sua rao de
ser, no mandato missionário deixado por Jesus Cristo. Novos documentos,
sínodos, assembléias, procuram estar atentos à necessária reflexão e revisão das
práticas pastorais, como também, da fundamentação teológica que as embasa e
orienta. São muitas as situações que revelam novas possibilidades de ação pastoral
e grande criatividade, assim como atenção ao discernimento e avaliação
permanente. Sobre o papel da teologia diante desta articulação fecunda vale a
pena citar o texto na íntegra da teóloga Lina Boff.
O conjunto das práticas pastorais a pregação da Palavra, os ensinamentos dos
mistérios divinos, o testemunho e missão -, constituem a temática da teologia
pastoral. Sob este perfil ‘tudo e todos’ na Igreja são objeto da pastoral; cada fato
e cada fenômeno conecta com a vida concreta da Igreja: catequese, liturgia,
ensinamento do Magistério eclesiástico, trabalho teológico,ão caritativa
119
.
Em unidade com o Magistério da Igreja, a teologia procura estar atenta à
Revelação dinâmica e fecunda de Deus na Criação. Debruça-se nas grandes
dimensão missionária da Igreja - Ad Gentes -, a dimensão do anúncio bíblico e da catequese - Dei
Verbum -, a dimensão ecumênica e de diálogo inter-religioso - Unitatis Redintegratio e Nostra
Aetate -, a dimensão sócio-transformadora - Gaudium et Spes.
116
Muitos renomados teólogos m se dedicado à análise do Concílio Vaticano II, assim como os
acontecimentos no decorrer do Concílio e no pós-Concílio, o que evidencia os traços de
aproximação e distanciamento da Modernidade por parte da Igreja. Para aprofundar este aspecto
sugerimos LIBANIO, J. B. Concílio Vaticano II: em busca de uma primeira compreensão. São
Paulo: Loyola, 2005; BEOZZO, J. O. (org.) A Igreja do Brasil no Concílio Vaticano II: 1959-
1965. São Paulo: Paulinas, 2005; GONÇALVES, P.S.L. e BOMBONATO, V. I (orgs.). Concílio
Vaticano II. Análise e Prospectivas. São Paulo: Paulinas, 2004.
117
JOÃO PAULO II. Exortão Apostólica Tertio Millennio Adveniente. 1994, n. 20. Disponível
em: ‹http://www.vatican.va Acesso em: 22 de junho de 2007.
118
TMA, n. 21.
119
BOFF, Lina. Espírito e Missão na Teologia. Um enfoque histórico-teológico:1850-1930. São
Paulo: Paulinas, 1998, p. 88.
59
questões da fé, mas que, por sua própria natureza, permanecem abertas, num
movimento radical de diálogo com a humanidade e sua história. A cada novo
cenário cultural, a teologia necessita aguçar os ‘ouvidos’ e sintonizar a Revelação
presente na Palavra e no Magistério, na Criação em dinamismo e complexidade,
em busca da unidade na diversidade, do diálogo que se abre sem perder seus
princípios fundantes
120
. O teólogo F. Pastor sistematiza no texto abaixo o
dinamismo do ‘fazer teológico’.
A teologia precisa prestar uma atenção particular ao momento do auditus fidei,
recebendo a doutrina revelada na Palavra divina, segundo a Escritura e a
Tradição; ou seja, estar em íntima relação com o depositum fidei, nos seus
desdobramentos teogicos, cristólogicos e antropológicos, aprofundando os
aspectos objetivos (fides quae creditur) e subjetivos (fides qua creditur)
121
.
Cl. Boff nos lembra o primado da - a viva engole toda teologia
122
-,
ou seja, o que está na base da teologia é a história da relação entre Deus e o ser
humano. É o agir amoroso e revolucionário de um Deus que se entrega
continuamente ao diálogo com seus filhos e filhas, um Deus que o se esgota em
categorias e delimitações, e que suscita a resposta histórica, contextualizada e
livre de cada ser humano.
A teologia, fides quaerens intellectum
123
, o logos
124
da fé, elabora suas
categorias e seu discurso a partir destes dois elementos, a fim de se pronunciar a
serviço da Revelação de Deus que se dá na história de homens e mulheres
concretos.
Para delinearmos a fundamentação teológica em diálogo com a sociedade
contemporânea veremos alguns temas que se entrecruzam:
120
Sobre o exercício teológico ver BOFF, Cl. Teoria do método teológico. Petrópolis: Vozes,
1998, p. 95.
121
PASTOR, F. A. Teologia e Modernidade: alguns elementos de epistemologia teológica. In:
TRASFERETTI, J. e GONÇALVES, P. S. L. op. cit., p. 74.
122
BOFF, Cl. op. cit., p. 95.
123
Expressão clássica de Santo Anselmo que significa a que procura a inteligência, desejosa
de saber, em busca da luz da Revelação.
124
Nos referimos ao conceito sapiencial de logos, assumido no prólogo de João, onde o logos não é
apenas a rao, proveniente da compreensão grega, mas a palavra-sabedoria preexistente e que se
faz ‘carne’ (Eclo 24; Fl 2,6; Jo 1,1-18). O ‘fazer teológico’, enquanto ‘logos da fé’, deve trabalhar
no âmbito da compreensão bíblica deste termo. Outro termo que deve ser somado ao de logos, para
uma melhor compreensão quanto ao fazer teológico”: é o termo dabar. A etimologia do termo
dabar nos remete ao significado da palavra “que sai da boca” (Nm 30,13), mas que tem sua fonte
no coração. Na teologia, esta compreensão deve estar sempre próxima à concepção de logos, a fim
de que teologia seja palavra que integre a racionalidade necessária enquanto método e
sistematização do conhecimento, como também palavra carregada de sentido, que traz a
experiência humana integral ao se articular como expressão de fé e testemunho.
60
1. A antropologia judaico-cristã, a pessoa humana em suas diversas
dimenes inter-relacionadas, compreendida como feixe de relações: consigo
mesma, com os outros, com o mundo e com Deus
125
;
2. O tratado da Revelação que nos oferece a dinâmica dialogal de Deus
com os homens e mulheres de cada tempo, autocomunicação e alteridade radical
que amorosamente revela Seu mistério e pedagogicamente acompanha e orienta o
processo livre e responsável dos seres humanos
126
;
3. A antropologia transcendental, o fundamento originário da pessoa
humana, ouvinte da Palavra, aberto à dinâmica da Revelação
127
;
4. A perspectiva hermenêutica das relações dialógicas, tanto no diálogo
entre Deus e o homem, como nos agrupamentos sócio-comunitários, na relação
com o meio ambiente, com o cosmos, com as sociedades e culturas
128
;
5. A originalidade da experiência trinitária, Deus se revela comunhão e
sociedade, comunicação e dinamismo amoroso, projeto comum e relação
aberta
129
.
Concebida pela antropologia judaico-criscomo um nó de relações, como
complexidade, a pessoa humana tem sua identidade configurada dialogicamente e
não isolada ou individualmente. Nosso pressuposto teológico é a ppria
Revelação, processo de diálogo de Deus com o homem. É dinâmica na qual
proposta de Deus e resposta humana estão sempre mutuamente implicadas. Essa
experiência dialógica na relação entre Deus e o ser humano foi vivida de maneira
plena em Jesus Cristo
130
, em sua vida de abertura-disponibilidade ao Pai e no
amor-serviço aos irmãos
131
. É um diálogo que se caracteriza pela alteridade
radical. No dizer de K. Rahner, um diálogo com o fundamento último do ser
125
Cf. RUBIO, A. G. op. cit.
126
Cf. CONCÍLIO VATICANO II. Documentos do Vaticano II, Constituição Dogmática Dei
Verbum sobre a Revelação Divina, 1965, n. 2.
127
Cf. RAHNER, K. Curso Fundamental da Fé. São Paulo: Paulinas, 1989.
128
Cf. GEFFRÉ, C. Como fazer teologia hoje. Hermenêutica teológica.o Paulo: Paulus, 1989.
129
Cf. BINGEMER, M. C. L. e FELLER, V. Deus Trindade: a vida no coração do mundo.
Espanha: Siquem, 2002.
130
Na mística cristã, esse outro, essa alteridade, tem o componente antropológico no centro de sua
identidade, uma vez que o Deus experimentado se fez carne e mostrou um rosto humano. Longe de
provocar uma experiência intimista e descomprometida com o outro, a mística cristã configura a
pessoa na dinâmica relacional onde é a alteridade que se torna o horizonte de seu agir. Cf.
BINGEMER, M. C. L. A alteridade e seus caminhos. In: FABRI, M. op. cit., p. 103.
131
Cf. RUBIO, A. G. op. cit., p. 246ss.
61
humano, com Aquele que não é objeto ao lado de outros objetos e é
“correspondência absoluta à transcendentalidade humana
132
.
A pessoa responde à proposta revelada por Deus nas situações concretas,
históricas, contextualizadas. É uma experiência processual, em que a pessoa
escuta a Palavra
133
, a acolhe e se deixa revolucionar por ela, reorientando sua vida
a partir dos novos referenciais que se lhe abrem. Na resposta humana, a
Revelação vai adquirindo sentido e atualidade. Libanio descreve a como um
elemento que envolve o ser humano integralmente, vejamos abaixo seu texto
original.
A envolve o ser humano na sua totalidade. Somos afeto, razão, consciência,
liberdade, sensibilidade e relações tanto pessoais como sociais. Mergulhando em
nosso eu profundo, descobrimos camadas escuras do inconsciente que afloram
para além do domínio de nosso eu. Somos ação, práxis. Vivemos tempo e
eternidade. Marcam-nos categorias do espaço e o escandir do relógio. E quando
esseeu complexo’ crê, aparece a realidade pluridimensional do ato de fé
134
.
O que a teologia compreende por Revelação, é a hisria dessa relação
dialógica entre Deus e os homens. É o ‘levantar a ponta do u
135
, em que o
mistério permanece. Designa, ao mesmo tempo, a ação de Deus na história e a
experiência de do Povo de Deus que se traduz numa expressão interpretativa
dessa ação
136
.
Segundo K. Rahner, a experiência de fé é, antes de tudo, uma experiência
transcendental, pois a referência originária do homem para com o mistério
132
RAHNER, K. Teologia e Antropologia. São Paulo: Paulinas, 1969, p. 23.
133
A expressão ‘ouvinte da Palavra’ de K. Rahner é um marco teórico de sua teologia, é o método
transcendental de E.Kant aplicado à teologia. Em K. Rahner a estrutura transcendental da pessoa
humana é participação na realidade transcendente que é Deus e significa uma estrutura
apriorística do conhecer e do agir humano. Cf. RAHNER, K. Curso Fundamental da Fé. op. cit.,
pp. 37-59.
134
LIBANIO, J. B. Desafios da pós-Modernidade à teologia fundamental. In: TRASFERETTI, J. e
GONÇALVES, P. S. L. op. cit., pp. 143-144.
135
Segundo H. Kung, somente Deus é Deus, e mesmo numa experiência bem íntima e pessoal de
Deus, a pessoa não experimenta a realidade mesma de Deus, em sua imediatez e totalidade. O que
podemos experimentar é a presença, a proximidade e a irradiação de Deus. A Bíblia utiliza a
palavra hebraica kabod e o termo grego doxa”, que traduzimos por “glória” de Deus.
Experimentamos, portanto a glória” de Deus em nós: a manifestação, o esplendor, o reflexo, a
irradiação de Deus. Em nenhum momento fica subtraída a transcendência de Deus em toda
imanência. Mesmo quando intimamente em nosso aquém, ele continua sempre além. Mesmo quem
for totalmente possuído por ele, o pode possui-lo jamais. Cf. KUNG, H. Redescobrir Deus.
Concillium 22. Petrópolis: Vozes, 1990, p. 98.
136
GEFFRÉ, C. Le christianisme au risque de l’interprétation. Paris : Du Cerf, 1983, p. 200.
Citado por LIBANIO, J. B. Teologia da Revelação a partir da Modernidade. op. cit., p. 166.
62
absoluto é um existencial permanente deste enquanto sujeito espiritual
137
. De
acordo com esta chave de leitura, ao refletirmos sobre a experiência humana na
fé, não podemos esquecer dessa modalidade originária, de caráter ontológico. Por
isso mesmo, a teologia é antropologia transcendental e a Revelação refere-se à
esncia mesma do ser humano. Na criatura humana estão as condições de
possibilidade para que esta possa acolher o dom da autocomunicação do Criador,
como ouvinte da Palavra de Deus na história.
Nesse ponto estamos no coração de nossa pesquisa. Esta chave
hermenêutica da dinâmica da Revelação é prioritária no processo de Iniciação
Cristã de Adultos.
A experiência transcendental é uma experiência de abertura radical, uma
experiência que anima a partir de dentro toda atividade categorial exercida pelo
sujeito. Esta experiência transcendental presente em toda criatura humana reflete a
presença do mistério de Deus e dinamiza a realidade do sujeito em sua busca
infinita. Trata-se de um mistério que é “horizonte infinitamente longínquo”, mas
também “proximidade acolhedora”
138
. Não é algo que advém ao sujeito, mas
alguém que está dado e lhe é familiar, habitando sua dimensão de profundidade.
Antes mesmo que o ser humano se disponha a buscar o mistério de Deus, é este
mesmo mistério que se manifesta como um dom gratuito. O ser humano está
ontologicamente condicionado à relação transcendental, e é nela que encontra sua
identidade e realização.
Esta antropologia rahneriana aplicada à experiência da Iniciação Cristã é
todo o contrário da doutrinão que caracterizou por tanto tempo a transmissão da
fé, na medida em que se pode falar de Deus a partir da experiência humana e
não proceder desde fora, como se Deus vivesse isolado e o houvesse ainda se
comunicado com a pessoa. A estrutura transcendental já é participação na
realidade transcendente que é Deus.
No que concerne à racionalidade moderna, em muitas ocasiões, ela parece
ter sufocado toda possível experiência de encontro, de alteridade. No entanto, na
contramão do fechamento radical da pessoa em si mesma, encontramos reflexões
no campo das ciências humanas, que se fazem parceiras do Cristianismo e sua
missão, por confirmarem a abertura dialógica do ser humano - para o outro e para
137
Cf. RAHNER, K. Curso Fundamental da Fé. op.cit., p.69ss.
138
Cf. RAHNER, K. op. op. cit., p. 163.
63
a outra, para o meio ambiente e para o cosmos, para o encontro com o
Transcendente -, como único caminho para a realizão do projeto de
humanização
139
.
Libanio aponta para o emergir de uma nova subjetividade, onde “as quatro
relações fundamentais do ser humano consigo mesmo, com os outros, com a
natureza e com o Transcendente – vêm se modificando radicalmente”
140
. No
entanto, adverte que não encontramos esta subjetividade já construída, e sim como
tarefa para a evangelização
141
. Dentro dessa nova leitura de pessoa e das relações,
a racionalidade não perde espo, mas deixa de ser hegemônica e inicia uma
experiência de inclusão, de diálogo, de intuição, de comunicação, de
criatividade
142
.
Em todo este complexo panorama, surge ainda o questionamento quanto à
relação com o Transcendente. Este recebeu vários nomes, e as experiências
religiosas se multiplicaram
143
. No entanto, há uma perspectiva comum que
permeia uma nova compreensão do divino. Esta consiste na concepção do
Transcendente como sentido, como realidade última, como mistério para onde se
direcionam o humano e o cosmos em busca de harmonia e de paz plena
144
.
Segundo H. Lima Vaz, “o ser humano é interioridade espiritual, é
inteligência aberta às realidades transcendentes”
145
. Essa antropologia é
139
Cf. CASTIÑEIRA, À. A experiência de Deus na s-Modernidade. Petrópolis: Vozes, 1997,
pp. 145-147.
140
LIBANIO, J. B. Eu creio, nós cremos. op. cit., pp. 54-55.
141
Cf. LIBANIO, J. B. Itinerário da fé hoje. A propósito da teologia da fé. In: HACKMANN, G.
Sub umbris fideliter. Festschrift em homenagem a Frei Boaventura Kloppenburg. Porto Alegre
EDIPUCRS, 1999, pp. 185-214.
142
Também as relações sociais iniciam uma dinâmica mais inter-relacional. Por outro lado,
emergem os movimentos provenientes da globalização, provocando a uniformização e a
hegemonia do pensamento. Diante da relação com o cosmos, a mudança é profunda e radical. A
física quântica e a biologia nos trazem a idéia de sinergia e de cooperação com todo o universo. A
lei mais fundamental do universo não é a competição, mas a cooperação. Cf. LIBANIO, J. B. Eu
creio, nós cremos. op. cit., pp. 54-55.
143
O aspecto da intersubjetividade também aqui encontra sua relevância no Cristianismo que se
abre para a compreensão e o diálogo com as diversas expressões religiosas. Para aprofundar o
tema ver CONCÍLIO VATICANO II. Decreto Ad Gentes sobre a Atividade Missionária da Igreja.
1965; PONTIFÍCIO CONSELHO PARA O DIÁLOGO INTER-RELIGIOSO e
CONGREGAÇÃO PARA A EVANGELIZAÇÃO DOS POVOS. Diálogo e Anúncio, 1991;
CONFERÊNCIA GERAL DO EPISCOPADO LATINO-AMERICANO. Documento de Santo
Domingo. op. cit.; JOÃO PAULO II. RM. Op. cit.; MIRANDA, M. F. O Cristianismo em face das
religiões. o Paulo: Loyola, 1998; CONGAR, Y. Diálogos de Outono. São Paulo: Loyola, 1990;
TEIXEIRA, F. Teologia das Religiões. o Paulo: Paulinas, 1995; COMISSÃO TEOLÓGICA
INTERNACIONAL. O Cristianismo e as religiões. São Paulo: Loyola, 1997.
144
Cf. LIBANIO, J. B. Eu creio, nós cremos. op. cit., pp. 54-55.
145
LIMA VAZ, H. C. Humanismo hoje. Tradição e missão. Belo Horizonte: Instituto Jacques
Maritain, 2001, p. 13, citado por LIBANIO, J. B. Desafios da Pós-Modernidade. op. cit., p. 153.
64
fundamentalmente relacional. O ser humano percebe-se como subjetividade: em
relação com tudo o que lhe transcende, o outro, o mundo exterior. É relação
dialética, pois, na medida em que é afetado pelo mundo exterior, também interfere
nele, gerando uma circularidade relacional em que ambos ganham significado,
interpretação, sentido, dinâmica criativa e constante.
Identificamos dois caminhos de abordagem teológica quanto à construção
da subjetividade: um transcendental e outro hermenêutico. A perspectiva
transcendental foi elaborada magnanimamente por K. Rahner
146
. Em sua
antropologia, Rahner apresenta a fundamentação ontológica sobrenatural do ser
humano. Todo ser humano é abertura dinâmica à transcendência e ao Mistério, “é
o destinatário da autocomunicação divina, que acontece na historia salutis
147
. O
ser humano é criado e chamado a uma comunhão de intimidade com o Deus da
Revelação. É o gesto criador de Deus que estrutura o ser humano em sua
ontologia e em sua realização, enquanto vocação última. Assim sendo, é de Deus
que lhe vem sua orientação fundamental. Antes mesmo que se dê conta da
pergunta fundamental que ecoa em seu íntimo, a Palavra divina o convoca de
dentro de si mesmo e por meio dos sinais presentes na vida, a ir ao encontro de
um projeto definitivo. Esta orientação fundamental é dinâmica, perpassa toda a
vida humana, na qual Deus, em sua liberdade radical, vai sempre ao encontro de
seus filhos e filhas, atraindo-os ao amor e às respostas igualmente livres e
responsáveis
148
.
A perspectiva hermenêutica aborda a contínua e histórica relação entre o
sujeito que interpreta e o dado objetivo da Revelação, em sua consistência
149
. A
direção tomada por essa perspectiva é a troca em função de novas nteses
complexivas e abertas a novas hermenêuticas
150
. Nessa dinâmica, o processo
dialógico entre Deus e o homem permanece aberto.
Ao trabalhar este tema, Libanio alerta para a importância das pequenas
narrativas para os tempos pós-modernos, quando ganham um cunho pedagógico,
convidam à interpretação, à acolhida livre
151
. A narrativa torna-se um exercício
146
Cf. RAHNER, K. Curso Fundamental da Fé. op. cit.
147
PASTOR, F. A. op. cit., p. 84.
148
Cf. RAHNER, K. op. cit., pp. 46-54.
149
Sobre o tema da hermenêutica na teologia ver BOFF, Cl. Teoria do método teológico.
Petrópolis: Vozes, 1998; FORTE, B. op. cit.; GEFFRÉ, C. Como fazer teologia hoje. op. cit.
150
Cf. LIBANIO, J. B. Desafios da Pós-Modernidade. op. cit., p. 160
151
Ibid., pp. 166-167.
65
para si mesmo e para o outro, pois ela necessita recolher a história na experiência,
elucidar a caminhada percorrida e convida o ouvinte à escuta dialógica e
hermenêutica
152
.
Essa perspectiva nos orienta para o centramento vital do Cristianismo no
encontro com o outro, na relação dialógica, para a experiência do crer que se
traduz em amor, como nos lembra a epístola joanina “Amemo-nos uns aos
outros, pois o amor vem de Deus; e todo aquele que ama nasceu de Deus e chega
ao conhecimento de Deus. Quem não ama não descobriu a Deus, porque Deus é
amor”. (1Jo 4,7) Só a experiência do amor é capaz de superar a aporia do
conhecimento sem amor.
Importa para nós evidenciar que esta interpretação na qual a
intersubjetividade emerge como condição para a compreeno da atual
antropologia e de suas relações é fundamento teológico, revelada na concepção
bíblica de pessoa como coração mesmo do projeto de Deus. A circularidade
hermenêutica é, portanto, mais do que uma escolha metodológica, e sim a
condição de possibilidade para que a dinâmica da Revelação encontre seu eixo
dialógico entre os ‘ouvintes da Palavra’ diante de seu contexto pessoal, social e
histórico.
No Cristianismo, essa experiência possui uma originalidade, ela é
trinitária
153
: em Cristo, o cristão crente viu, pelo dom do Espírito, a face do Pai.
Em Jesus, o Deus que pode ser visto e tocado, é simultaneamente o homem que
vê e toca Deus (Jo 6,46).
A experiência trinitária revela a relação de comunhão e de alteridade. Não
uma comunhão que anula a identidade, mas que a assume como diferencial e
enriquecedora. É relação que instaura uma nova gica, muito diferente da gica
linear ou racional tão valorizada no advento da Modernidade. “A Santíssima
Trindade funda a gica da gratuidade, do amor, do dom. Uma lógica que está
152
Ibid. Ainda sobre o tema da narrativa, ver o paradigmático trabalho de BENJAMIM, W. O
Narrador. Traduzido do original alemão Uber Literatur, Suhrkamp Verlag, Frankfurt am Main,
1969. In: Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1980.
153
Estamos diante de mais um tema de fronteira da teologia fundamental, um tratado sobre o qual
é impossível aprofundar neste espaço. Fazemos aqui apenas uma breve alusão como pressuposto
teológico que devemos ter presente em nossa análise. Para aprofundar o tema sugerimos
especialmente os trabalhos de BINGEMER, M. C. L. e FELLER, V. Deus Trindade: a vida no
coração do mundo. Espanha: Siquem, 2002; BOFF, L. A Trindade e a sociedade. Petrópolis:
Vozes, 1987; LIBANIO, J. B. Eu creio, nós cremos. São Paulo: Loyola, 2000; MOLTMAN, J.
Trinidad y Reino de Dios. Salamanca : Sigueme, 1986; RAHNER, K. Curso Fundamental de .
op. cit.
66
além da razão e que, precisamente por isso, o fundamento para toda a razão
humana
154
.
A experiência cristã inaugura uma nova realidade na experiência pessoal: a
experiência de ser habitado pelo Mistério, de ser orientado internamente pelo
Mistério que é fonte de vida, e que, concomitantemente, não se impõe como
definitivo, mas respeita a liberdade e o processo pessoal de acolhimento dessa
fonte de amor. É uma experiência mistagógica
155
e não uma doutrina, a
experiência de um nascimento novo por obra do Espírito de Deus no seguimento
de Cristo.
Esta é uma experiência antagônica a qualquer atitude de isolamento e de
fechamento ao outro. É a experiência da alteridade por excelência. Experimentar
Deus Trindade é ser comunhão, é criar comunhão e participar da vida na
comunidade.
Buscando uma síntese parcial de nossa elaboração tenhamos presente que,
ao pensarmos no processo de Iniciação Cristã de Adultos, os desafios que se
apresentam no campo pastoral não são questões específicas ou particulares a uma
ou outra comunidade, mas interpelações próprias da mudança paradigmática que
estamos vivendo e gestando continuamente. Os desafios que a Modernidade
apresentou para a subjetividade humana e suas relações postulam a reorientação
dos princípios antropológicos, sociológicos, filosóficos e teológicos, numa busca
interdisciplinar, uma postura dialógica, humilde e responsável.
O Magistério eclesial, respondendo à dinâmica do Espírito na história, está
atento e exorta as comunidades e agentes responsáveis à revisão em busca do
diálogo fecundo e à fidelidade missionária. Longe de contarmos com pressupostos
defasados, compreendemos que na teologia fundamental, encontramos bases
sólidas para os projetos pastorais-pedagógicos. Urge retomarmos esses
fundamentos e encontrarmos metodologias que se coloquem a serviço das
comunidades vivas, sob o dinamismo do Espírito.
Entre os projetos pastorais-pedagógicos que são desenvolvidos no
processo de evangelização cristã, se encontra a Iniciação Cristã de Adultos, ação
154
BINGEMER, M. C. L. e FELLER, V., op. cit., p. 23.
155
O termo “mistagogia” significa, etimologicamente, ser conduzido para dentro do Mistério, é a
pedagogia do Mistério. Este tema é central nessa tese e será aprofundado mais adiante. Contudo,
o poderíamos nos furtar de contemplar a dimensão mistagógica em Deus Trindade, fonte para a
mistagogia que virá a se desenvolver na caminhada da Igreja.
67
pastoral que constrói a própria identidade cristã, pois é fundada na ação primeira e
fundamental do próprio Deus, e no acompanhamento pela Igreja.
Veremos adiante um breve quadro situacional sobre o processo de ICA no
momento atual, como vem sendo percebido pelos especialistas no campo da
pastoral catequética, da iniciação cristã e da liturgia
156
. A ICA é mais do que uma
tarefa pastoral, é o cumprimento do mandato missionário de Jesus aos seus
seguidores e, como tal, nos convida a respondermos com fidelidade e com
criatividade, para que possamos ser mediadores no encontro com Jesus Cisto.
1.2
A Iniciação Cristã com Adultos: diagnóstico e perspectivas
Em uma concepção mais tradicional, o processo de Iniciação Cristã
designa a introdução catequética e sacramental nos mistérios cristãos, e está
diretamente associado à iniciação sacramental dos chamados sacramentos de
iniciação - Batismo, Eucaristia e Confirmação
157
. A Igreja dos primeiros tempos
compreendeu este processo como um caminho, através do qual se percorrem
muitas dimensões da Iniciação Cristã: a dimensão lirgica, o encontro pessoal
com Jesus, a dimensão comunitária e, como parte integrante, a dimensão
sacramental. Ou seja, considerar uma dimensão isolada da outra seria um grave
equívoco, que comprometeria a Iniciação Crisenquanto processo. Será a partir
desta fundamentação teológica que delinearemos os princípios orientadores da
Iniciação Cristã
158
.
É um tema que reúne várias possibilidades de abordagem, como, por
exemplo, a teologia dos sacramentos, a liturgia, a eclesiologia, o caminho
catecumenal. Com tantos temas de fronteira, torna-se tarefa extremamente
156
A Iniciação Cristã de Adultos reúne especialistas de diferentes campos de reflexão teológica e
pastoral: a teologia pastoral, a liturgia e a catequética, a teologia sacramental, a eclesiologia.
Veremos na próxima secção que, a partir do conceito de ICA que vai sendo construído, os
especialistas elaboram suas análises teológicas e revisões pastorais.
157
Cf. CERVERA, J.C. Iniciação cristã. In: FIORES, S. e GOFFI, T. (orgs.) Dicionário de
Espiritualidade,o Paulo: Paulinas, 1989, pp. 573-585.
158
A Iniciação cristã se dá no catecumenato, uma das instituições mais antigas e básicas da Igreja
de caráter litúrgico, catequético e moral. Nasceu como etapa de preparação à vida cristã ou
processo de iniciação que a Igreja exige aos convertidos adultos, para que se transforme sua
inicial em profissão de expcita. Cf. FLORISN SAMANES. La Iniciación Cristiana. In:
Phase 171, Barcelona: Centro de Pastoral Litúrgica, 1989, p. 219. Mais adiante, aprofundaremos
esta articulação entre a Iniciação Cristã e o processo catecumenal.
68
delicada a seleção de um caminho de aproximação teológica que não recaia na
superficialidade ou em uma abordagem por demais abrangente. Neste trabalho,
pensaremos a Iniciação Cristã em sua característica processual, e para tanto, nos
dedicaremos aos princípios que a embasam e orientam sua prática pastoral-
pedagógica.
Não deixaremos de lado os eixos teológicos acima citados: a
sacramentária, a liturgia, a eclesiologia e a catequética. Eles estarão presentes em
nossa reflexão como norteadores, mas não com o intuito de aprofundar cada uma
dessas abordagens teológicas.
Cresce na Igreja a consciência de ser uma Igreja que vive em estado de
missão, em um mundo cada vez mais secularizado e autônomo em suas
instituições e valores culturais
159
. Ser cristão não é um dado automático, herdado,
conservado pelas gerações ou apoiado por uma sociedade marcadamente cristã.
Os processos de evangelização m sofrendo uma crise diante do diálogo com o
mundo moderno. Por exemplo: cresce a indiferença religiosa e a descrença, há
uma crise de identidade cristã em muitos fiéis, o processo de transmissão de às
novas gerações não é mais desenvolvido pelas famílias e escolas, há uma crise de
credibilidade na dimensão institucional da Igreja, uma separação dicotômica
entre fé e vida
160
.
Com tantas questões que se colocam para o processo de evangelização
cristã, a busca de uma renovação não es tanto direcionada aos métodos de
transmissão, mas à identidade e à qualidade desta. Ou seja, diante da crise que
vem interpelando a missão pastoral da Igreja, seu foco se fixa no próprio anúncio
querigmático, em sua fundamentação e na qualidade deste processo
161
.
Por esse motivo, a Iniciação Cristã de Adultos está no centro das atenções
da Igreja que se conhece em estado de missão
162
. As comunidades locais vêm
159
Cf. VELA, J. A. Reiniciación Cristiana, respuesta a un bautismo “sociológico”. Contribuición
a un estudio de la Estructura pastoral de la Reiniciación, a partir del Capítulo IV del OICA.
Pontifícia Universidad Javeriana. Roma, 1984. Tese de Doutorado, p. 111. Publicada em Estella :
Verbo Divino, 1986.
160
ALBERICH, E. e BINZ, A. Catequese com Adultos: elementos de metodologia. São Paulo:
Salesiana, 2001, pp. 17-18.
161
Cf. BOROBIO, D. Verbete Catecumenado. In: FLORISTÁN SAMANES e TAMAYO, J. (dir.)
Conceptos fundamentales de Pastoral. Madrid: Cristiandad. 1983, p. 99.
162
João Paulo II exorta que as comunidades cristãs sejam capazes de iniciar na fé aos seus próprios
membros, capacitando-lhes para assumir sua própria parte de responsabilidade na comunidade
eclesial e para converter-se em uma força viva, fermento na comunidade humana. Apenas uma
comunidade viva na experiência cristã é capaz de ser uma comunidade missionária. Esta é a
69
buscando novos caminhos para a ICA e experimentam um pouco de tudo: crise,
renovação, novas experiências, debates. No mínimo estamos em um momento em
que esse processo vem sendo refletido em sua complexidade
163
.
Cada comunidade é chamada a promover uma pastoral ornica de
evangelização que compreenda itinerários diferenciados de tipo catecumenal,
como descoberta da cristã e como redescoberta para os já batizados
164
. Ou seja,
o processo de ICA apresenta duas características principais: para aqueles que não
conhecem a cristã, torna-se um processo de descoberta, de conhecimento, e
para os que retornam à Igreja, torna-se uma redescoberta
165
, um resgate dos
princípios catequéticos e da prática litúrgica que orientem a práxis cris
166
.
Alguns documentos do Concílio Vaticano II referem-se, mesmo que de
modo indireto, à Iniciação Cristã como elemento fundamental na formação dos
fiéis
167
. Estes documentos aludem à Iniciação Cristã como espaço que não apenas
precede a recepção dos sacramentos, mas também como formação continuada na
qual o fiel conhece mais profundamente a cristã, participa livre e
motivação dominante de sua Carta Encíclica Redemptoris Missio. Cf. RM e FLORISTÁN
SAMANES, C. El ritual de la iniciación cristiana de adultos. In: Phase, Barcelona: Centro de
Pastoral Litúrgica, 1994, p. 267.
163
BOURGEOIS, H. Teologia Catecumenale. Brescia: Queriniana, 1993, p. 5.
164
ROCCHETTA, C. Cómo evangelizar hoy a los cristianos. El Rito de Iniciación Cristiana de
Adultos como propuesta tipo para una nueva evangelización. Bilbao: EGA, 1994, p. 24
165
Muitos estudiosos não estabelecem uma diferença entre estes dois estágios, considerando
ambos como processos catecumenais, que seguem a mesma sistemática, independente de sua
origem e demanda. Para este estudiosos do tema, a Iniciação Cristã possui uma perspectiva de
encontro com Jesus e de um processual seguimento, ao longo da vida. Nesse sentido, tanto aquele
que inicia o caminho de encontro com Jesus, como aquele que retoma esse caminho,
experimentam um processo de abertura e diálogo com o convite de Deus que ecoa no seu íntimo e
o impele a tornar-se um ‘homem novo’. Para esta linha de pensamento, ver HUEBSCH, B. La
catequesis de toda la comunidad. Hacia una catequesis por todos, con todos y para todos.
Santander. Sal Terrae, 2002; DERROITE, H. (org.) Catechesi e iniziazione cristiana.
Leumann/Torino: Elledici, 2006; MARTÍNEZ, D., GONZÁLEZ P e SABORIDO, J.L. Proponer
la fe hoy. De lo heredado a lo propuesto. Santander: Sal Terrae, 2005; BOURGEOIS, H. Teologia
Catecumenale. Brescia: Queriniana, 1993.
166
Há autores que chamam estas duas características como iniciação e reiniciação à fé. A
terminologia foca o centro da iniciação na experiência batismal, sendo assim, aqueles que já foram
‘iniciados’ pelo batismo, o ‘reiniciados’ como batizados, em um momento posterior. Entre eles
estão E. Alberich, C. Floristán Samanes, D. Borobio. Cf. ALBERICH, E. e BINZ, A. Formas e
modelos de catequese com adultos. São Paulo: Salesiana, 2001; FLORISTÁN SAMANES, C. Il
Catecumenato. Roma: Borla, 1993; BOROBIO, D. Catecumenado para la Evangelización.
Madrid: San Pablo, 1997.
167
Cf. AG 11.14; CONCÍLIO VATICANO II. Decreto Presbyterorum Ordinis. Sobre o Ministério
e a Vida dos Presbíteros. Petrópolis: Vozes, 1966, n. 5.6; JOÃO PAULO II. Exortação Apostólica
Pós-Sinodal Christifideles Laici. Sobre a vocação e missão dos Leigos na Igreja e no mundo,
1988, n. 3.9.33.61. Dispovel em: ‹http://www.vatican.va› Acesso em: 14 de março de 2007.
70
conscientemente do Mistério revelado na liturgia sacramental e na vida da
comunidade
168
.
Em muitas comunidades esse processo está diretamente relacionado com o
Catecumenato com Adultos
169
. Há experiências concretas dessa forma de
catecumenato vivida como itinerário na cristã, onde se fazem presentes seus
elementos fundamentais: acolhida, acompanhamento pessoal e comunitário,
oração pessoal, ritos, celebrações litúrgicas e sacramentais, escuta e hermenêutica
da Palavra de Deus, tempo da mistagogia
170
, orientação ética, missão e
testemunho
171
.
Contudo, a conjugação dos elementos fundamentais que caracterizam a
proposta da ICA nem sempre acontece. É muito comum que alguns elementos não
estejam presentes como, por exemplo, a participação da comunidade, ou o
chamado tempo de mistagogia
172
. Por outro lado, um Catecumenato limitado a
aspectos conceituais ou à simples aquisição dos sacramentos não corresponde ao
168
O documento Diretório Geral para a Catequese, ao tratar do tema da Catequese de Adultos,
distingue três grupos de interesse: um primeiro, formado por adultos crentes, que vivem a fé e
desejam aprofundá-la; um segundo, batizados, mas que retomam o caminho da iniciação cristã;
e um terceiro, de adultos o batizados, para os quais compreende que ocorra o verdadeiro e
próprio catecumenato. Ainda menciona um quarto grupo possível, de adultos provenientes de
outras confissões cristãs. Cf. DGC, n. 172. Mais adiante veremos detalhadamente a abordagem dos
documentos do Magistério, no item sobre a restauração do catecumenato no Concílio Vaticano
II’.
169
Em unidade com a CNBB, esclarecemos que esta dimensão catecumenal da catequese não se
confunde, porém, com o movimento neocatecumenal, presente em muitas comunidades, com seus
acertos e valores, mas também com muitos pontos que precisariam ser repensados. O caminho
neocatecumenal, também chamado de itinerário de iniciação cristã das comunidades
neocatecumenais, nasceu em 1964 em Madri, nas favelas de Palomeras Altas, por inspiração do
pintor Francisco Arguello (Kiko), convertido do ateísmo existencialista à cristã. Caminhava no
bairro com a Bíblia, um crucifixo e um violão. Mais tarde um membro de Instituto Religioso, que
passava por Madrid rumo à Bolívia, Carmen Hernández, associou-se ao projeto. Hoje o
movimento neocatecumenal está presente em 90 nações e em todos os continentes. Cf. CNBB.
Segunda Semana Brasileira de Catequese. op. cit., n. 108. Uma breve avalião do caminho
Neocatecumenal pode ser encontrada em BOURGEOIS, H. op. cit., pp. 275-280.
170
Na conceão tradicional o termo ‘mistagogia’ é aplicado a um tempo determinado, após a
experiência das celebrações dos sacramentos de iniciação, quando o iniciado deve ser orientado
para melhor compreender o que já está vivendo e praticando. É chamado de ‘tempo de mistagogia’
por seu caráter de participação no mistério pascal. Cf. VALLEJO, A.L. Reflexión en torno a la
perspectiva pastoral de la iniciación cristiana. In : Phase 171, Barcelona: Centro de Pastoral
Litúrgica, 1989, p. 213; VELA, J. A. op. cit.; CASPANI, P. La Pertinenza Teologica della nozione
di iniziazione cristiana. Milano: Edición Glossa, 1999; CERVERA, J. C. La Iniciación cristiana y
el camino espiritual. In : Phase 41, Barcelona: Centro de Pastoral Litúrgica, 246, 2001. p. 461.
171
Os elementos do processo de ICA são apresentados em diversos esquemas pelos estudiosos e
por aqueles que apresentam as práticas catecumenais particulares. Para analisá-los mais
profundamente indicamos as obras de ALBERICH, E. e BINZ, A. Formas e modelos de catequese
com adultos. op. cit.; GARZÓN, J. J. C. Catecumenado y Comunidad Cristiana en el
Episcopado español (1964-2006). Salamanca: Universidad Pontifícia de Salamanca, 2006;
MARTÍNEZ, D.; GONZÁLEZ, P. e SABORIDO, J. L. op. cit.
172
Cf. VALLEJO, A.L. op. cit., p. 213.
71
projeto cristão, e vem comprometendo a experiência cristã tanto pessoal como
comunitária
173
.
Em função dessa compreensão mais ampla de ICA, a preocupação pastoral
não consiste em uma reformulação de ordem conceitual, mas no restabelecimento
do processo catecumenal, no qual “a participação da comunidade e dos elementos
celebrativos conduzam à experiência de incorporação a Cristo e adesão ao seu
corpo eclesial
174
”.
Para responder a estas orientações, as comunidades vêm se perguntando
mais pelo como fazer’ do que pelo ‘por quê fazer’, ou seja, o que está no centro
dos planejamentos é muitas vezes de ordem metodológica e não a compreensão da
fundamentação teológica da ICA. Vejamos abaixo como J. M. Hernandez reflete
sobre a importância de resgatar o marco teórico da Iniciação Cristã.
A Iniciação Cristã é tarefa permanente da Igreja que hoje passa por dificuldades e
questões, tanto no plano teogico como pastoral. Requer discernimento cido
acompanhado de medidas oportunas e eficazes. Supõe um julgamento pastoral
que supere o marco meramente teórico, pois deve atender a situação existente
para elaborar possíveis soluções e estratégias. Porém, um marco teórico é
imprescindível para saber aonde vamos ou pelo menos onde deveríamos ir. A
inevitável interação entre teoria e práxis torna a questão mais complexa, e mais
necessária a colaboração de tlogos e pastores
175
.
Hoje, a retomada da dimensão da Iniciação Cristã de Adultos tem fortes
motivações em função da crise religiosa presente na sociedade contemporânea, do
diálogo Igreja-mundo e da mudança paradigmática. Alberich apresenta estas
motivações como: de ordem pastoral, de ordem teogica e de ordem
sociocultural.
1. as motivações de ordem pastoral buscam responder às demandas das
comunidades particulares, igrejas locais, atendendo aos adultos que buscam a
Igreja para conhecer o Cristianismo e rever sua própria perspectiva existencial.
173
Lembramos que, para muitas comunidades, quando se fala em catecumenato se compreende
catequese, e vice-versa. Em outras comunidades, ao contrário, se faz uma distinção clara,
estabelecendo critérios e procedimentos diversos. Neste trabalho nossa ênfase será ao itinerário
catecumenal, sem desconsiderarmos que a catequese, considerada como ensinamento e educação
integral na , é um elemento incluído no caminho catecumenal. Cf. ALBERICH, E. e BINZ, A.
Catequese com Adultos. op. cit., p. 48.
174
VALLEJO, A. L. op. cit., p. 214.
175
HERNANDEZ, J. M. Diez tesis sobre la iniciación cristiana. In: Phase 171, Barcelona: Centro
de Pastoral Litúrgica, 1989, pp. 246-247.
72
2. quanto às motivações de ordem teológica, elas buscam promover a
revisão de conceitos através de lida formação, a revisão da identidade
missionária e testemunhal dos cristãos, assim como sua preparação para o diálogo
com o mundo plural e sua complexidade.
3. as motivações de ordem sociocultural da ICA preocupam-se com os
fenômenos de indiferença, secularização, descrença, pertenças múltiplas, novas
expressões religiosas, redescobrindo o eixo fundamental que auxilie a construção
de uma identidade religiosa e, ao mesmo tempo, com abertura dialógica para
outras experiências
176
.
São muitos, portanto, os fatores que fazem com que o resgate do processo
da Iniciação Cris venha enraizar e renovar as comunidades eclesiais. É um
processo de configuração da identidade crística. Vem ao encontro da crise própria
da mudança paradigmática que afetou também as estruturas da Igreja. Enfim, nos
auxilia na retomada das fontes da evangelização e no diálogo com a sociedade
contemporânea, em busca da sintonia própria da dinâmica da Revelação, a qual
“vibra no mesmo ritmo dos homens e mulheres
177
” em seu tempo, cultura e
história, em sua capacidade de escuta e resposta à graça de Deus. A fim de
refletirmos sobre este processo, hoje prioridade na missão pastoral da Igreja,
vejamos melhor seus fundamentos.
1.2.1
Significado da Iniciação para a pessoa humana e seu processo de
socialização
Para refletirmos quanto ao significado da Iniciação Cristã é necessário nos
perguntarmos pela identidade da Iniciação Cristã. Nessa perspectiva, estamos
cientes de que transitamos não somente no âmbito teológico, mas também no
campo da sociologia e da antropologia, devido aos intensos cruzamentos
conceituais que perpassam este processo. Faremos uma breve trajetória neste
176
Cf. ALBERICH, E. e BINZ, A. Formas e modelos de catequese com adultos. op.cit., p. 30.
177
ZEVINI, G. Informações sobre experiências de iniciação cristã de adultos nas comunidades
neocatecumenais. In: PASQUIER, A. et al. A crise da Iniciação cristã. Concilium, Petrópolis:
Vozes, v.15/142, 1979, p. 217.
73
sentido a fim de compreendermos a origem do conceito e a identidade da iniciação
no campo da antropologia, e a originalidade da iniciação cristã para a teologia.
Na perspectiva antropológica, o conceito de “iniciação” assinala o
processo de aprendizagem ou de introdução progressiva no conhecimento de uma
teoria ou doutrina, ou de uma prática. Além disso, é processo de socialização pelo
qual o iniciante assimila existencialmente as crenças, normas, valores,
comportamentos, atitudes e ritos de um determinado grupo social
178
.
O termo ‘iniciação’ deriva do latim in-eo, do initium, que significa ‘entrar
dentro’. Designa os ritos mediante os quais ‘se entra’ em determinada associação,
comumente de ordem religiosa e mistérica e, através desses ritos, a pessoa passa a
participar da dinâmica de salvação, na qual se movem os participantes
179
.
A palavra ‘iniciação’ não é um termo bíblico, mas de origem pagã. O
termo expressa um fenômeno antropológico geral, o processo de adaptação
humana em suas relações com o meio ambiente, com as pessoas e culturas, com a
transcendência e suas expressões religiosas
180
. M. Eliade, uma das maiores
autoridades no estudo da antropologia das religiões, define iniciação como um
conjunto de ritos e ensinamentos orais, destinados a realizar uma transformação
do estatuto religioso e social do iniciado
181
”. O iniciado experimenta uma série de
‘provas’ que significam ritos de passagem e equivalem a mutações ontológicas
existenciais: a cada etapa é gerada uma nova pessoa. Daí as recorrentes situações
de morte simbólica nos ritos celebrados
182
.
É ainda M. Eliade quem apresenta a iniciação como fundamento para a
humanização: “para fazer-se humano é necessário assumir as dimensões da
existência humana
183
”. Ele está se referindo aos ritos de passagem próprios da
vida cultural, biológica e espiritual, momentos de rupturas, de crises, de novos
nascimentos, num processo ontológico-dialético. Pela vivência profunda da
iniciação, a pessoa alcança a própria estrutura do ser através de estágios de
178
Cf. TABORDA, F. Nas fontes da vida cristã. São Paulo: Loyola, 2001, pp. 43-44.
179
Cf. FALSINI, R. L’Iniziazione Cristiana i suoi sacramenti. Milano: OR, 1987, p. 9;
CAVALLOTO, G. Iniziazione Cristiana e Catecumenato. Bologna: EDB, 1996, pp. 7-8.
180
Por ser um tema de natureza antropológica, é recorrente nas ciências humanas, seja na
linguagem histórica, étnica, sociológica, religiosa, psicológica. Cf. BOROBIO, D. La iniciación
cristiana. Salamanca: Sigueme, 1996, pp. 17-18.
181
ELIADE, M. Iniciaciones místicas. Madrid: Taurus, 1975, p. 10
182
Cf. CODINA, V. Sacramentos da Iniciação. Água e espírito de liberdade. São Paulo: Vozes,
1991, p. 48; FALSINI, R. op. cit., p. 10.
183
ELIADE, M. op.cit., p. 20
74
passagem e de reelaboração existencial
184
. Ao longo desse processo, a pessoa
deixa de ser o que é e passa a ser o que ainda não é, ou seja, abandona a situação
existencial anterior e assume novas formas de existência, novas referências
pessoais, sociais e religiosas.
Enquanto experiência comunitária, a iniciação confere identidade à
comunidade
185
, a organiza espacial e socialmente, e dá o sentido de sua existência,
de sua gênese, de seu presente e de seu futuro.
Temos aqui, portanto, os fundamentos culturais nos quais se apoiam o
projeto de iniciação, também assumidos na Iniciação Cristã: as iniciações, as
etapas da vida e o vínculo comunitário
186
.
As formas de iniciação são imprescindíveis para a configuração da
identidade pessoal e social, para a construção de princípios norteadores ético-
socio-religiosos
187
. No passado, as formas iniciáticas eram retidas como ‘tesouros’
das civilizações, e transmitidas pelas gerações por meio da tradição oral e dos
rituais. Nas sociedades contemporâneas, as formas de iniciação perderam seu
sentido primário e metanarrativo e, consequentemente, vem sendo gerada uma
crise de fundo antropológico e social.
A iniciação, com suas etapas, rituais simbólicos e laços comunitários, está
em crise. Na sociedade contemporânea domina a praticidade e a funcionalidade; a
dimensão simbólica o é valorizada. A valorização e administração do tempo
estão relacionadas à sua capacidade de produtividade, tanto no que diz respeito às
dinâmicas de trabalho, quanto às relações afetivas
188
. A fragmentação do
conhecimento e a especialização exacerbada afetam não apenas a configuração da
184
Cf. LELO, A.F. A Iniciação Cristã. Catecumenato, dinâmica sacramental e testemunho. São
Paulo: Paulinas, 2005, pp. 14-15.
185
Cf. LELO, A. F. op. cit., p. 24.
186
Cf. DUJARIER, M. Experiências de iniciação cristã na África ocidental. In: PASQUIER, A. et
al. A crise da Iniciação Cristã, Concilium 142, Petrópolis: Vozes, 1979, p. 67.
187
Cf. FALSINI, R. op. cit., p. 14.
188
R. Sennett é um dos teóricos que elabora a nova compreensão de ‘tempo’ com as características
de produtividade, eficiência em seu trabalho sobre o capitalismo flexível. SENNETT, R. A
corrosão do caráter. São Paulo: Record, 1999. M. Maffesoli denomina como ‘presentismo’ a nova
compreensão de ‘tempo’ que vai sendo configurada na contemporaneidade. Nesta concepção
pequenos relatos ganham centralidade e a subjetividade passar a ser regida pelo imperativo de
‘aproveitar a vida’, buscando usufruir o presente tanto quanto possível e da melhor maneira
possível, pois a projeção do futuro já não faz tanto sentido; o trabalho é relativizado por múltiplos
centros de interesse, o que torna visível a ‘ética do instante’. Cf. MAFFESOLI, M. Notas sobre a
pós-Modernidade. O lugar faz o elo. Rio de Janeiro: Atlântida, 2004, pp. 83-89.
75
identidade pessoal, mas também as identidades grupais. A pertença aos grupos é
múltipla e, muitas vezes, parcial e transitória
189
.
Hoje, não permanecem mediações estáveis ou modelos de referência claros
com a mesma dimensão iniciática do passado
190
. “As instituições especializadas
nos ritos de passagem dos jovens não existem mais. A família, a escola e a igreja
instituições de substituição outrora eficazes perderam seu crédito e asseguram
cada vez mais dificilmente as etapas de maturação e de inserção social de seus
membros
191
”. Na Pós-modernidade, os processos de iniciação realizam
agrupamentos de caráter apenas transitório, muitas vezes com uma formação
chamada de tribal
192
ou, ainda, anti-institucionais. As pessoas estão propensas à
integração em um todo orgânico, mas sem preocupação com o futuro, sem
projetos políticos, sem metas a serem cumpridas, apenas vivendo o presente,
compartilhando sentimentos e companhia. A falta de referências éticas e
tradicionais é acompanhada pela perda dos grandes relatos, pela ausência do
sentido de pertença comunitária e de isolamento da pessoa em si mesma.
Por outro lado, esta não é a única direção dos agrupamentos sociais.
Também emerge um novo direcionamento para o ser humano a partir do próprio
processo da globalização. Esta proclama o conhecimento integral e, mesmo
motivado pela iluo da totalidade
193
, o ser humano faz uma nova experiência
antropológica fundamental: começa a se dar conta da dinâmica relacional na qual
está inserido e, pouco a pouco, abre-se para as relações dialógicas.
Diante destes fenômenos sociais atuais cabe perguntar se ainda faz sentido
falar de iniciação, ou mesmo resgatar seu processo. A iniciação como processo
189
Cf. CLAES, J. L’initiation. In: Lumen Vitae, 1, 1994, p.12-13.
190
Cf. BOROBIO, D. La iniciación cristiana. p. 18.
191
PASQUIER, A. Sociedade iniciática e sociedade à procura de iniciações. In: ___. A crise da
Iniciação Cristã. op. cit., p.150.
192
A noção da formação de ‘tribos’, na pós-Modernidade, é compartilhada por pensadores como
Maffesoli, que afirmam que os indivíduos estabelecem identificações com determinados grupos
sociais, usando mbolos, imagens, signos e adereços, que vão reconhecê-los como pertencentes a
determinadas tribos formadas. Nesse sentido, prevalece o desejo de estar junto, um sentimento de
pertença aos micro-grupos “germinados” de caráter provisório. Cf. MAFFESOLI, M. O tempo das
tribos. O declínio do individualismo nas sociedades de massa. Rio de Janeiro: Forense, 1998.
193
O geógrafo brasileiro Milton Santos elabora o tema da ilusão da totalidade no processo de
globalização. Ele encontra as bases materiais históricas para esta crença na ilusão da técnica como
necessidade universal e indiscutível, nas relações econômicas igualmente indiscutíveis aos quais
todos devem submissão, sob pena de comprometerem a totalidade do sistema, ou mesmo serem
excluídos do mesmo. A ilusão de totalidade é uma forma de totalitarismo muito forte porque se
baseia em noções que parecem centrais à própria idéia de democracia liberdade de opinião, de
imprensa, tolerância. Cf. SANTOS, M. op. cit., pp. 24-45.
76
social teria ainda sua identidade, capaz de dar um sentido novo à vida e de inserir
o indivíduo, de forma perene, em um novo estado?
Exatamente por essas características diagnosticadas em nosso tempo,
nossa resposta é afirmativa. A iniciação tem hoje grande atualidade e uma nova
oportunidade cultural, pois é portadora de uma sabedoria oculta que acalma a
angústia existencial do ser humano, ao revelar-lhe a sua verdadeira natureza. Quer
seja visto num contexto social ou cultural, ou nas relações individuais, a iniciação
é um fator de coerência e coesão para as pessoas que nela ingressam, bem como
para as sociedades que a praticam
194
. “O cristianismo primitivo não estruturou a
iniciação cristã do nada, mas assimilou e introduziu muitos elementos da iniciação
religiosa comuns a toda a história religiosa da humanidade
195
”.
Após refletirmos quanto ao conceito e à identidade da iniciação no campo
da antropologia e da sociologia, vejamos como a Iniciação Cris foi
compreendida em sua origem apostólica e patrística, assim como sua
originalidade e pertinência para o processo de evangelização atual.
1.2.2
A originalidade da Iniciação Cristã
No Novo Testamento não encontramos a Iniciação Cris como um
processo sistemático. É possível identificar elementos que, mais tarde, serão fonte
para a sua compreensão teológica, como por exemplo, a concepção de caminho
presente nos Atos dos Apóstolos
196
. Só mais adiante encontraremos uma
configuração de caráter catecumenal, quando da preocupação com a formação
194
Cf. BOROBIO, D. La iniciación cristiana. p. 25.
195
CODINA, V. op. cit., p. 49.
196
No NT não aparece uma processo de Iniciação como preparação para o Batismo, mas se
percebe dados que, de modo germinal e impcito, aludem a certo tipo de preparação. Não é
celebrado de modo repentino e espontâneo, como podem levar a pensar alguns textos como (cf. At
2,37-38; 2,41). Ao contrário, vários indícios mostram a necessidade de uma preparação e
discernimento, como: a sucessão das sequências: pregação, acolhida, conversão, petição, batismo.
(cf. At 2,37-39; 8,27-28); a descrição da iniciação como processo generativo que implica uma
decisão irreversível (cf. Hb 5, 12-6,3); a exigência de uma verdadeira que renuncia a ídolos e
vem a servir ao Deus vivo e verdadeiro (cf. 1Ts 1,9-10); a distinção que, de algum modo se faz,
entre a primeira evangelização, a petição do batismo e a catequese, tal como aparece no caso de
Cornélio (cf. At 10,1-11,18). Cf. BOROBIO, D. Catecumenado. op. cit., p.100.
77
cristã e a iniciação à daqueles que eram provenientes de outras religiões e
culturas
197
.
A tradição da Igreja convencionou chamar de Iniciação Cristã à inserção
progressiva no mistério de Cristo e na comunidade da Igreja, celebrada nos três
sacramentos de iniciação - Batismo, Confirmação e Eucaristia
198
.
Ao recordarem a iniciação sacramental, os Padres Gregos
199
usam os
termos mustagwgšw (mystagôgéô) - introduzo ao mistério -, e mustagwg…a
(mystagôgía) introdução aos mistérios
200
. Estes termos eram aplicados em
diferentes situações e significados:
- como introdução aos mistérios;
- como iniciação ao mistério do Batismo e da Eucaristia;
- como a revelação na Bíblia;
- como instrução ao mistério de Cristo, do Espírito Santo e da Igreja;
- e também como ensinamento espiritual.
197
A Igreja primitiva não dava sem mais o batismo, mas exigia condições fundamentais: a
conversão e a fé, e para suscitá-las e levá-las a maturidade utilizava os seguintes meios: pregação e
diálogo, preparação catequética ou instrução, abandono dos ídolos e mudança de vida, aceitação da
fraternidade crista e a comunhão de bens. Sepreciso certamente esperar ate o séc. II para que
todos esses elementos apareçam ordenados e em processo de institucionalização. Porém, se pode
reconhecer que já na época apostólica se exigia uma preparação, atitudes e garantias em ordem a
conceder o Batismo. No séc. I não existe uma iniciação cristã com uma estrutura sistemática, mas
existe o processo de iniciação cristã como verdade vivida. Nos séc. II e III a necessidade do
processo de iniciação torna-se mais presente. A Igreja vive uma situação difícil: numericamente,
o muitos adeptos; socialmente, seus membros estão imersos num mundo paganizado;
politicamente,om direito de cidadania e sofrem perseguição. Porém, a dificuldade faz crescer
a exigência, a exincia leva à qualidade da missão, e a missão conduz à organização mais
autêntica do processo de Iniciação Cristã. Ibid, p. 101.
198
A expressão ‘iniciação cristã’ foi empregada, no final do século XIX, para designar os
sacramentos do batismo, confirmação e eucaristia; especialmente por liturgistas, em grande
medida por influência de Odo Casel. (1886-1948-Monge beneditino, principal expoente da
reforma e renovação litúrgica, e por isso veio a ser chamada teologia dos mistérios). Aparece
oficialmente no Diretório para a pastoral dos sacramentos do episcopado francês em 1951 e é
usada várias vezes nos documentos do Vaticano II. O Concílio afirma que o batismo, a
confirmação e a eucaristia são sacramentos da iniciação cristã. Cf. AG 14; PO 2; SC 71;
FLORISTÁN SAMANES, C. La Iniciación Cristiana. In: Phase 171, Barcelona: Centro de
Pastoral Litúrgica, 1989, p. 215; NEUNHEUSER, B. Movimento Litúrgico. In: SARTORE, D. e
TRIACCA, A. (orgs.) Dicionário de Liturgia. São Paulo: Paulinas, 1992.
199
A partir da metade do século II e inicio do século III, os Padres passaram a escrever para
defender a cristã das idéias heréticas. Os Padres de ngua grega foram grandes apologistas,
entres eles, os principais foram Justino, Taciano, Atenágoras, Teófilo de Antioquia, Orígenes,
Clemente de Alexandria, e Tertuliano de Cartago. A partir do século IV destacaram-se Eusébio de
Cesaréia, Gregório Nazianzeno, Gregório de Nissa e João Damasceno. Cf. DROBNER, H. R.
Manual de Patrologia. Petrópolis: Vozes, 2003, pp. 76-79.
200
Um elenco detalhado dos diversos significados de mustagwgšw e vocábulos derivados
podemos encontrar em FEDERICI, T. La mistagogia della Chiesa. In: ANCILLI. E. (ed.)
Mistagogia e direzione spirituale. Roma/Milano: Teresianum - OR, Milano 1985, pp. 163-245.
78
Como podemos perceber, o termo mistagogia se apresenta como referência
não apenas com relação aos sacramentos de Iniciação, mas nos momentos
celebrativos que representavam a conclusão de um longo percurso de crescimento
na fé, gradual mudança de vida, progressiva santificação e inserção cada vez
maior na vida eclesial
201
.
Em sua concepção de Iniciação Cristã, os Padres orientavam esta trajetória
como um caminho de introdução, abertura e diálogo com o Mistério, um caminho
vital e de integração do ser humano em suas muitas dimensões. A mistagogia é
compreendida como o fundamento e o caminho do processo de Iniciação Cristã.
Ela é o grande referencial que inspira e ilumina este processo determinando a
iniciativa, a centralidade e a meta do processo na dinâmica da Revelação entre
Deus e a humanidade
202
.
A Igreja antiga compreende este ‘tornar-se cristão’ como uma progressiva
introdução à vida nova revelada e oferecida em Jesus Cristo. Fiunt non
nascuntur christiani não se nasce cristão, chega-se a ser
203
”. Com esta
expressão lapidar, Tertuliano se faz intérprete de uma sabedoria que animou a
ação missionária e pastoral da Igreja dos primeiros tempos e continuará por
longos séculos.
Segundo esta sabedoria, a Iniciação Cristã está fundada sobre dois
pressupostos: o desenvolvimento de uma pessoal acompanhada pela mudança
de vida e a relação fundamental da ação educativa e santificadora da Igreja que
encontra sua expressão culminante na celebração dos sacramentos de iniciação
204
.
Em outras palavras, segundo as fontes patrísticas, a Iniciação Cristã possui duas
dimenes, como duas mãos que se articulam: a dimensão catequética e a
dimensão sacramental
205
. Estas dimensões não possuem uma hierarquia e sim uma
correlação intensa, dinâmica, incessante.
201
João Crisóstomo recorda aos iluminandos: Também vós sereis iniciados aos mistérios”.
Tertuliano, referindo-se aos mistérios cristãos e aos sacramentos, fala de iniciação. Tanto na Igreja
oriental, como na ocidental, os catecúmenos são chamados ‘não iniciados até a celebração da
Vigília Pascal. Cf. CRISÓSTOMO, J. Cat. I, 5, PG 49, 239; Cat. II, PG 49, 225; Cat. III, 3, 6 e 8,
SC 366, 174, 188 e 194; TERTULIANO, Apologet. VII, 7, CCL 1, 99; AMBROSIO, De Mysteriis
2, BAC 17.
202
A mistagogia, eixo referencial de nosso trabalho, receberá sua construção conceitual no
segundo capítulo deste trabalho.
203
TERTULLIANO. Apologeticum, XVIII, CCL 1, p. 118.
204
Cf. CAVALLOTO, G. Iniziazione Cristiana e Catecumenato. p. 33.
205
Cf. FLORISN SAMANES, C. op. cit., p. 217.
79
É frequente encontrarmos na literatura específica, o conceito de Iniciação
Cristã relacionado com a catequese, aplicado à experiência formativa dos
iniciantes ou ao itinerário formativo de adultos interessados no aprofundamento
da sua fé. Em algumas reflexões, o conceito é relacionado com a ‘nova
evangelização
206
ou ainda como sinônimo de formação cristã permanente
207
.
Contudo, nossa escolha conceitual terá por base a antiga terminologia, que
traz uma conotação mais ampla para a Iniciação Cristã, como iniciação aos
mistérios, no sentido mais sagrado, religioso
208
. O liturgista P. M. Gy, observa
que, na linguagem moderna, fala-se de iniciação aos mistérios segundo a
construção latina: se é iniciado - mediante, através - dos mistérios
209
.
Privilegiaremos esse conceito, pois ajuda a compreendermos a raiz e o
fundamento teológico da Iniciação Cristã, ou seja, o caráter iniciático como
processo de introdução aos mistérios e, para o Cristianismo, de iniciação ao
Mistério
210
. Se, filosoficamente, falamos de uma mudança ontológica,
teologicamente, esta equivale à participação no mistério pascal
211
.
Participar do Mistério é abrir-se à dinâmica da Revelação de Deus aos
homens e mulheres de cada tempo. Deus é o Mistério que se revela, ao qual se é
206
O papa João Paulo II cunhou a expressão ‘nova evangelização como convocação de toda a
Igreja para um novo programa orgânico de evangelização, com “novo ardor, novos métodos e
novas expressões”. Cf. JOÃO PAULO II, Discurso à Assembléia do Celam. Março de 1983, Porto
Príncipe (Haiti), n. III.
207
Neste mesmo capítulo, mais adiante, nos deteremos nesta aproximação entre Iniciação Cristã e
Catecumenato.
208
Cf. CERVERA, J.C. Iniciação cristã. op.cit.
209
Entre as iniciações mistéricas e a iniciação cristã podemos encontrar semelhanças e diferenças.
Entre as semelhanças podemos afirmar que o batismo, entendido como novo nascimento, ou
passagem das trevas à luz, da morte à vida é uma participação sacramental ou uma imitação ritual
da morte e ressurreição de Cristo. Tanto nas religiões mistéricas como no cristianismo, há uma
passagem do não iniciado ao iniciado por meio de conhecimentos e gestos simbólicos. Entre as
diferenças encontram-se a ausência de gestos violentos na iniciação cristã e a universalidade da
iniciação cristã, que se oferece a todos, sem discriminação, em contraste com os ritos iniciáticos
exclusivos. Nas provas, a ausência de sofrimentos físicos, pois tudo se alcança por meios
simbólicos. O iniciado adquire ali mesmo um saber, em contraste com largos períodos de
aprendizagem religiosa e moral que tem o candidato ao cristianismo. Ao final do processo, o
iniciado alcançou um status definitivo, ao passo que o batizado deve esforçar-se por ser cristão
durante toda a vida. Cf. FLORISTÁN SAMANES, C. op. cit., p. 216.
210
Ao falarmos de Iniciação ao Mistério estamos diante do processo conhecido teologicamente
como Revelação, com seus principais fatores: a autocomunicação divina e sua iniciativa, a resposta
livre e processual do ser humano, a dinâmica da história da Salvação. Participar neste mistério
paulatinamente e, a partir dessa experiência, reorientar a vida pessoal e comunitária, é uma
experiência do Mistério, uma experiência mistagógica. Mistério que é o próprio Deus se revelando
na história da humanidade e como diz Schillebeeckx, um “rosto humanamente reconhecível, a
quem proclamamos Messias e Filho de Deus.” SCHILLEBEECKX, E. História Humana,
Revelação de Deus. São Paulo: Paulus, 2003, p. 23.
211
Cf. FALSINI, R. op. cit., p. 10.
80
conduzido pedagógica e amorosamente. Mistério que se interpreta com categorias
que se entrecruzam e produzem significado e sentido, de ordem hermenêutica e
simbólica. Mistério que se revela, mas não se esgota, interpelando
incessantemente os projetos pessoais e comunitários a serem fecundados pelo
amor pascal, criador e libertador.
Os Padres dos primeiros séculos compreendem a iniciação como um
caminho dinâmico e em etapas progressivas
212
. Com o emprego de três verbos
para delinear o caminho da iniciação - aproximar, ingressar e assinalar
213
-
expressam sua compreensão. Aproximar é a primeira aproximação à fé, o desejo
de aderir, o primeiro passo de acolhida; ingressar na é o início do seguimento,
a observância da Palavra que é ouvida e interpela a revisão da vida
214
; assinalar
relaciona-se com o sacramento do Batismo, que assinala a pessoa no mistério
pascal, em Jesus Cristo.
Em comunhão com a fonte patrística, a Iniciação Cris não apenas une os
elementos relacionados aos sacramentos e à catequese, mas os integra em um
processo complexo e que possui um eixo central, uma coluna que o sustenta, que
demarca sua orientação fundamental e opções de cunho metodológico: a
mistagogia.
Três dimensões da experiência da Iniciação Cristã denotam seu caráter
mistagógico: é experiência dialógica entre Deus e o ser humano, é experiência
litúrgico-sacramental e é experiência eclesial. Vejamos o desenvolvimento destas
dimenes.
1. A Iniciação Cristã é uma experiência dialógica entre Deus e o ser
humano, mediada por aqueles que iniciaram esse caminho, pela comunidade
viva e pela história, marcada pelos sinais da Revelação incessante de Deus. É uma
experiência na qual se adentra e se submerge, não apenas como uma aceitação
intelectual, mas integral, impregnando toda a existência com a nova vida que lhe é
212
Há estudos no campo do catecumenato e da liturgia que definem a iniciação cristã como acesso
à experiência do mistério de Cristo, mediante a passagem de um estado (catecúmeno) a outro (fiel)
através dos sacramentos de iniciação. Estes sacramentos são símbolos que condensam e plasmam a
plenitude cristã, expressão e linguagem da vida de fé. Cf. FLORISN SAMANES, C. La
Iniciación Cristiana. op. cit., p. 217.
213
Cf. TERTULLIANO, De idolatria XXIV, 3, CCL 2, p. 1124; De paenitentia VI, 16, CCL 2, p.
331. Citado por CAVALLOTTO, G. Il modelo catechistico del catecumenato antico. Disponível
em: ‹www.catechetica.it› Acesso em: 3 de dezembro de 2005, pp. 164-165.
214
A escuta da Palavra constitui um dos eixos capitais do catecumenato. O vocábulo é originado
precisamente da atitude de ‘escuta’ do verbo katechéin que faz alusão ao ‘ressoar’ da Palavra
de Deus na vida daquele que a acolhe.
81
anunciada e a ela se configura processualmente: o mistério pascal em Jesus
Cristo
215
.
2. É uma experiência litúrgico-sacramental
216
, pois envolve o diálogo com
a Revelação mediante sinais sacramentais, sobretudo a celebração eucarística, a
experiência comunitária e a ppria hisria pessoal e da humanidade
217
. É
experiência sacramental que atinge o novo discípulo no mais profundo de seu ser,
configurando-o em Jesus Cristo e tornando-o sacramento no mundo, sinal do amor
de Deus
218
. Essa experiência tem duplo caráter: é objetiva e é hermenêutica. É
objetiva, pois é Deus mesmo se revelando. É hermenêutica, pois implica a
compreensão, a formação de esquemas conceituais, a consciência e as respostas
processuais pessoais livres e conscientes.
3. É experiência eclesial, tem seu ponto de partida e seu
desenvolvimento. O caminho mistagógico da Iniciação Cristã se apoia
necessariamente na Igreja, sacramento, comunidade, comunhão. Toda a dimensão
eclesial é marcada pela Iniciação Cristã, pelo seguimento de Jesus Cristo, pelo
discipulado e consequente mandato missionário. É função essencial da Igreja e
manifestão concreta de sua maternidade
219
. A Constituição dogmática Lumen
Gentium orienta: Os catecúmenos que, movidos pelo Espírito Santo, solicitam
por vontade explícita incorporar-se à Igreja, se unem a ela por este mesmo desejo,
e a mãe Igreja já os abraça amorosa e solicitamente como filhos
220
”.
Estas três dimenes são constitutivas da Iniciação Cristã. Sendo assim,
reiteramos que esta não pode ser compreendida apenas como um processo
215
Cf. CERVERA, J.C. Iniciação Cristã. op. cit., p. 576.
216
Segundo Floristán Samanes, a Iniciação Cristã é sacramental no sentido estrito do termo. Desta
abordagem se deduzem seus aspectos: ritual, permanente e escatológico. O aspecto ritual está
diretamente ligado aos ritos sacramentais, o aspecto permanente remete à vocação cristã, à
conversão como caminho cotidiano pessoal e comunitário; o aspecto escatológico nos remete à
perspectiva pascal e de plenitude do projeto salvífico. Cf. FLORISTÁN SAMANES, C. op. cit.,
pp. 217-218.
217
Na compreeno dos Padres da Igreja a iniciação não seao mistério, mas desde a celebrão
do mistério, desde a experiência de participação na comunidade, desde a escuta da Palavra, desde
os ritos e mbolos litúrgicos. Enfim, o princípio ativo e fundante do processo de iniciação é o
próprio mistério de Deus que se revela. Cf. BOROBIO, D. Función litúrgico-sacramental del
ministerio del catequista. In: Evangelización, Catequesis y Liturgia. In: Phase 38, Barcelona:
Centro de Pastoral Litúrgica, 1980, p. 43; FALSINI, R. op.cit., p.11.
218
Cf. CAVALLOTO, G. Iniziazione Cristiana. op. cit. p. 8.
219
O tema da maternidade eclesial foi brilhantemente desenvolvido por M. Dujarier. Para consulta
e aprofundamento ver as obras: La funzione materna della chiesa nella pratica catecumenale
dell’antichità. In: CAVALLOTO, G. (org.) Iniziazione Cristiana e Catecumenato. Bologna: EDB,
1996; Le catéchuménat et la maternité de l’Eglise. In: La Maison-Dieu, n. 72, 1962.
220
LG 14.
82
pedagógico-pastoral. Seria reduzi-la ao caráter educacional ou formativo. O que,
de fato, é uma percepção errônea que compromete este processo em sua base e,
consequentemente, em todo o seu desenvolvimento. A Iniciação cristã é
mistagogia ativa, é integradora, é abertura ao mistério de Deus que dialoga com a
existência em sua totalidade, configurando a pessoa em uma nova experiência de
ser.
A Iniciação Cristã é caminho, tempo de abertura, diálogo fecundo que gera
no ser humano onovo homem’, a ‘nova mulher’, em um processo de crescimento
e amadurecimento como discípulo de Jesus. Seu dinamismo é progressivo, o que
atesta a condição itinerante do caminho de e de pertença ao povo de Deus. Daí
seu caráter de globalidade, de “uma experiência envolvente, transformadora, que
incide sobre o ser profundo da pessoa. (...) Integra o conhecimento do mistério de
Cristo, a celebração da fé, a experiência de comunidade e o exercício do
compromisso cristão no mundo
221
”.
1.2.3
A Iniciação Cristã como processo
A Iniciação Cristã o é um acontecimento único e definitivo e sim um
processo do qual participam todos aqueles que acolhem a dinâmica dialogal entre
Deus e seus filhos e filhas. Enquanto processo, a Iniciação Cristã encontra na
perspectiva catecumenal o espaço necessário e fecundo para que ela se
desenvolva.
Hoje, muitas são as experiências eclesiais que apontam para a
compreensão do catecumenato como processo de Iniciação Cristã. Reiteramos a
posição de Borobio na qual, quando se fala em iniciação, se fala em catecumenato
e vice-versa. “O catecumenato não deve considerar-se como algo independente da
iniciação, e sim como um elemento constitutivo e integrante da mesma
222
”.
Essa estreita vinculação reafirma a compreensão da Iniciação Cristã como
mistagogia, como processo pedagógico de formação integral na cristã, a partir
da fundamentação teológica na dinâmica da Revelação e de seu caráter
221
ALBERICH, E. e BINZ, A. Formas e modelos de catequese com adultos. op. cit., p. 40.
222
BOROBIO, D. Catecumenado. op.cit.
83
permanente, de caminho pessoal e comunitário na configuração de cada homem e
cada mulher, em Jesus Cristo, e da hisria, como História da Salvação.
A aproximação entre Iniciação Cristã e Catecumenato expressa uma nova
sensibilidade pastoral, na qual estão presentes algumas preocupações, tais como: a
renovação do catecumenato, a tônica no itinerário de conversão e crescimento na
fé, a urgência do tratamento pastoral-comunitário-missionário como primado da
evangelização.
Segundo Floristán Samanes, o Cristianismo possui dois eixos
fundamentais: a fé-conversão e a práxis mistérica, que conduzem a uma
identificação com Cristo, na comunidade cristã
223
. Fé e prática não caminham
isoladas ou em etapas sucessivas, mas caminham juntas, alimentam-se
mutuamente, são realidades dinâmicas e abertas ao processo de Revelão, que é
vida para cada homem e cada mulher que se abre ao Mistério que lhes é revelado.
A não é adquirida automaticamente. Demanda um processo, uma
aprendizagem prolongada e identificadora, um itinerário marcado pela Iniciação.
É entrada no mistério de Deus, sem deixar de viver a existência humana.
Neste itinerário destacam-se duas dimenes essenciais: o caminho pessoal
e a experiência comunitária
224
. O Decreto Ad Gentes apresenta esta correlação:
“Esta iniciação cristã realizada no catecumenato deve ser obra não apenas dos
catequistas ou sacerdotes, mas de toda a comunidade dos fiéis, de forma que
desde o como os catecúmenos sintam que pertencem ao Povo de Deus
225
”.
Aqui uma rede de relações e, como tal, marcada pela intersubjetividade
e interdependência entre a dimensão pessoal e a dimensão comunitária. As duas
dimenes estão ligadas e afetam-se mutuamente. Não são caminhadas distintas
ou em etapas sucessivas, como muitas vezes são avaliadas e desenvolvidas
pastoralmente. A Iniciação Cristã se dá na comunidade e não fora dela. A
comunidade eclesial é uma comunidade de iniciados que caminham juntos, e
assim procedem na escuta da Palavra e na sua hermenêutica.
O próprio termo ‘iniciação’ nos indica quatro elementos constitutivos
deste processo e que dialogam entre si:
223
Cf. FLORISN SAMANES, C. La Iniciación Cristiana. op. cit, p. 217.
224
Ibid., p. 220.
225
AG, n. 14.
84
1. O mistério - algo que deve ser conhecido, uma realidade de caráter
transcendente, à qual se adentra e da qual se torna participante;
2. A mediação - o meio de comunicação, um conjunto de símbolos, que é
a ponte entre o mistério e os que serão iniciados;
3. Os iniciados no mistério - um grupo com agentes de iniciação que
orientem o processo;
4. O iniciante - alguém que não está iniciado e se abre para essa
experiência
226
.
No caso da Iniciação Cristã estes elementos são identificados como:
1. O mistério Pascal e seus conteúdos bíblicos e vivenciais;
2. Os ritos e celebrações sacramentais;
3. A comunidade eclesial e o mistagogo ou catequista;
4. O neófito ou catecúmeno.
Estes elementos não possuem hierarquia ou ordem de desenvolvimento na
Iniciação Cristã, mas estabelecem uma relação dialógica permanente e processual.
Examinemos cada um destes elementos em sua especificidade e interdependência.
O princípio, o meio e o fim da Iniciação Cristã coincidem, é a participação
no mistério pascal de Cristo. Essa é sua principal característica, diríamos, seu
eixo e motor único. O mistério pascal de Cristo não é um elemento mítico, nem
mesmo uma doutrina ou uma construção científica, religiosa ou ideológica, mas é
uma pessoa
227
.
O mistério pascal de Cristo é histórico e metahistórico, é relação
interpessoal e comunitária, é condicionado pelas categorias históricas e, ao mesmo
tempo, fonte inesgotável e incabível na linguagem humana. É mistério que
penetra e transfigura a hisria, transpassa a existência inteira do homem,
tornando-se produção incessante de sentido.
No mistério cristão aparece a afirmação irreduvel da historicidade do
Revelador e da letra da Revelão e esta não pode ser eliminada sem que se
226
Cf. BOROBIO, D. A Celebração na Igreja. Vol. II. Os Sacramentos. São Paulo: Loyola, 1993,
p. 24.
227
Cf. COFFY, R. La celebración, lugar de la educación de la fe. In: Evangelización, Catequesis y
Liturgia. Phase 38, Barcelona: Centro de Pastoral Litúrgica, 1980, p.7 e BOROBIO, D. op. cit., p.
25.
85
elimine o específico do fato cristão. A experiência cristã de Deus não apenas se
manifesta através de uma realidade e da sua expressão, mas identifica-se com ela,
particulariza-se absolutamente nela
228
.
Os ritos, mediações na dimensão catequética e sacramental da Iniciação
Cristã, não são simplesmente um corpo simbólico que expressa o desejo de
aproximar o homem do Mistério e nem mesmo estratégias de cunho pedagógico e
antropológico que visem objetivar a experiência. São ritos sacramentais
229
.
Sua força está em serem “ações do Senhor da glória” que vão ao encontro dos
homens na Igreja, oferecendo a sua salvação. Trata-se, portanto, de realidades
simbólicas no sentido mais forte da palavra, como elementos visíveis de uma
realidade total em que Cristo, pela Igreja, comunica com sua presença o que os
símbolos significam: “o mistério na história”
230
.
Com relação à comunidade dos iniciados, o espaço vital é a Igreja,
sacramento de Jesus Cristo no mundo. A comunidade eclesial deve ser uma
presença sacramental ativa, decisiva para a Iniciação Cristã. “É, ao mesmo tempo,
koinonia, comunhão apostólica, eucarística, de bens e de afeto
231
”. Nela o neófito
e a comunidade experimentam a força renovadora de Cristo ressuscitado e do
Espírito que faz novas todas as coisas
232
.
No âmbito comunitário se experimenta o diálogo e a alteridade,
fundamentais para a experiência intersubjetiva. Essa experiência se dá em
diversos níveis:
- entre duas pessoas, que são o iniciante e seu orientador;
- entre o pequeno grupo de iniciantes que caminham juntos;
- entre o grupo de iniciantes e a comunidade eclesial local;
- entre a comunidade e a Igreja, como experiência eclesial.
Em todos estes níveis observemos a reciprocidade no processo de
evangelização, a aprendizagem comunitária, o estímulo à renovação da fé viva e à
consciência batismal fecundante da própria vida e da vida da humanidade.
228
Cf. VAZ, H. C. L. A linguagem da experiência de Deus. In: Escritos de Filosofia I, Problemas
de fronteira, São Paulo: Loyola, 1986, p. 254.
229
Cf. BOROBIO, D. op. cit, p. 25.
230
Ibid.
231
FLORISTÁN SAMANES, C. La Iniciación Cristiana. op. cit., p. 223; FALSINI, R. op.cit., p.
16.
232
J.C. Cervera explicita que Y. Congar adverte que a Iniciação Cristã deve se realizar em um
ambiente fecundo eclesialmente, apropriado para a acolhida e o desenvolvimento desse processo,
uma comunidade que viva a experiência do Espírito e assim favoreça a plena consciência do dom
recebido. Cf. CERVERA, J.C. op. cit., p. 584.
86
Trata-se da entrada em uma comunidade sacramental, em profunda e
vivificante comuno com o Deus revelado por Jesus Cristo, na unidade do
Espírito Santo
233
, e não de uma comunidade que se auto-abastece com novos fiéis
e novas experiências. Também não estamos falando de duas estruturas em
camadas diferentes: uma estrutura sociológica e, outra, em um nível superior - o
Povo de Deus
234
. A comunidade local, que acolhe e acompanha os iniciantes na
fé, “não está estrangulada numa estrutura jurídica; ela é desejada por Cristo, e a
celebração eucarística vivifica sem cessar esta entidade que é a ekklesia
235
”.
Essa comunhão eclesial tem caráter mistagógico, no entanto, pessoas
que assumem especialmente esta missão, orientando a Iniciação Cristã. São os
mistagogos da comunidade
236
. A tarefa da Iniciação Cristã consiste em introduzir
o catecúmeno
237
no seguimento de Jesus, não apenas pela instrução na doutrina,
mas em uma abertura existencial, prática e afetiva. Nas palavras de Taborda, “a
tarefa da iniciação é ‘encarinhar’ o catecúmeno pela pessoa mesma de Jesus, para
que se imbua de seu Espírito”
238
.
O termo “mistagogo” sugere essa tarefa da Igreja, de ontem e de hoje, de
conduzir pela mão o catecúmeno, para que descubra sua forma pessoal de seguir
ao Senhor. E essa iniciação, esse acompanhamento mistagógico, ocorre não
233
Cf. BOROBIO, D. op. cit, p. 25.
234
“A Igreja é, sempre e em toda parte, todo o Povo de Deus, toda a comunidade de crentes. Todos
são chamados por Deus, justificados em Cristo, santificados no Espírito Santo. (...) Uma vez que o
chamado de Deus precede toda a ação e mesmo a resposta na fé, e uma vez que este é dirigido a
todo o povo, o ser humano nunca se encontra só, mas sempre dentro da comunidade. Por sua vez,
as comunidades particulares estão dentro da comunidade una, a Igreja”. Cf. KUNG, H. A Igreja.
Lisboa: Moraes, 1969, pp. 178-182.
235
O termo - ekklesia - nos defronta com três dimensões estreitamente ligadas entre si: a
assembléia cristã na sua atividade cultual, a comunidade local, considerada em todas as suas
dimensões e a Igreja universal, da qual a Igreja local, longe de ser apenas uma das partes, é, ao
contrário, presença total. Cf. NOCENT, A. Iniciação cristã e comunidade. In: PASQUIER, A. et
al. A crise da Iniciação Cristã. Concilium 142, 1979/2, Petrópolis: Vozes, p.172.
236
Privilegiaremos o termo mistagogoao termo ‘catequista’, pois este segundo se inclina ao uso
mais didático, o que não atende ao propósito de conceber este elemento em sua complexidade,
enquanto orientador do neófito em sua caminhada mística-existencial.
237
O termo ‘neófito’ está diretamente relacionado àqueles que percorriam o itinerário mistagógico
como um percurso de introdução à fé, incluindo o catecumenato e a instrução batismal. Contudo,
para os Padres da Igreja, na categoria de neófitos estão o apenas os recém batizados, mas todos
os fiéis. Esta abrangência tem por base a compreensão de que a graça da e a conversão pessoal
ao seguimento de Jesus pertencem a uma dinâmica que percorre toda a vida, o que faz com que
durante toda a vida sejamos neófitos. Cf. TABORDA, F. op. cit., pp. 25-26. Ver JOÃO
CRISÓSTOMO. Catechesis baptismalis V, 20. Sources Chrétiennes n.50, 10. Paris: Du Cerf,
1970: “ Imitai-o (a Paulo), vós também, eu vos peço, e podereis ser chamados neófitos não só por
dois, três, dez ou vinte dias, mas podereis merecer este nome depois de dez, vinte ou trinta anos e,
em verdade, durante toda a nossa vida”.
238
TABORDA, F. op. cit., p. 14.
87
apenas no campo dos encontros específicos do catecumenato, mas tem caráter
essencialmente comunitário, se dá na Igreja e como Igreja
239
.
O sujeito da Iniciação Cristã é a pessoa humana. É uma experiência
pessoal, relacional e livre. Procede da graça atuante de Deus, de sua misteriosa
ação na vida de cada ser humano. O mistagogo procura sintonizar-se nesse
diálogo e, a partir desta sintonia, conduzir o processo iniciático. O catecúmeno, ou
neófito, deve ser acolhido na sua particularidade e alteridade pelo mistagogo, e
através desse diálogo, o mistagogo deve aprofundar uma experiência de , de
confiança, de entrega, que respeite o processo pessoal. “Acompanhar um
catecúmeno significa antes de tudo segui-lo em seu caminho pessoal de busca de
Deus, ao mesmo tempo em que supõe responder a um chamado da Igreja para
participar de sua missão evangelizadora”
240
. o se trata aqui de uma relação
entre mestre e discípulo, mas de um encontro entre duas experiências diferentes.
Alberich alerta para a importância desse tratamento pessoal na ICA,
afirmando que “o catecumenato não aponta, necessariamente e, antes de tudo,
para o batismo, nem para a entrada na Igreja, mas pretende ajudar as pessoas a
fazerem uma opção responsável e, se é uma opção de fé, a encontrar o próprio
lugar como fiel
241
”.
A cristã é resposta pessoal, dada por cada homem e cada mulher, do
fundo de seu coração e com toda a sua vida, a uma proposta que lhe é feita em
Jesus Cristo e por Ele, com relação a Deus, a cada um deles e ao mundo. É
resposta a um convite: Segue-me” (Mc 2,14; 10,21); Se queres...” (Mt 19,21);
“Vinde e vereis” (Jo 1,39); “Se alguém quer vir em meu seguimento...” (Mc
8,34). A Revelação é um convite à liberdade. Sem vida, o ato de possui um
caráter livre e pessoal, pertence à ordem da resposta, evoca consciência e
compromisso, experiência e conversão, revisão de vida e novas escolhas. “Para o
Cristianismo, crer não consiste em aceitar uma doutrina religiosa, uma
determinada forma de representar a Deus e a relação com ele, mas aceitar o
convite a compartilhar uma vida, a entrar em uma nova relação”
242
.
239
Ibid., p. 116.
240
ALBERICH, E. e BINZ, A. Formas e modelos de catequese com adultos. op. cit., p. 38.
241
A partir desta compreensão, o Magistério deixa uma concepção automática do Batismo para
entrar em uma concepção dinâmica, de uma pastoral de itinerários. O sacramento não é algo a se
receber para estar tranquilo e salvo, mas uma etapa na vida de fé que se inicia e continua por toda a
vida crescendo e renovando-se. Ibid., p. 35.
242
GIGUÉRE, P. Una fe adulta. Santander: Sal Terrae, 1991, p. 122.
88
Em resposta a essa característica, o Catecumenato deve estar atento ao
processo pessoal. Não deve estar vinculado a um tempo determinado de duração
ou mesmo a programas ou estágios de passagem
243
. Seu planejamento deve estar
centrado nos grandes mistérios da crise, ao mesmo tempo, desenvolver uma
metodologia que atenda às dinâmicas pessoais e garanta adequação de linguagens,
de meios, circularidade hermenêutica e sensibilidade espiritual.
Desta dimensão ad intra da Iniciação Cristã brota a riqueza da dimensão
ad extra. Ela se torna missão e testemunho, e como expressa Castellano Cervera,
“reverte necessariamente em expansão que concorda com a Obra de Cristo e do
Espírito o trabalho e o testemunho, a renovão da sociedade, projeções da
Páscoa de Cristo e da ação renovadora do Espírito
244
”.
Sendo assim, a Iniciação Cristã é processo experimentado não apenas por
cada neófito, mas por toda a comunidade a caminho. É uma trajetória
pluridimensional. A comunidade evangeliza e é evangelizada, participa da
trajetória do seguimento de Jesus e torna-se testemunha da mesma fé. A
experiência ad intra renova os laços de fraternidade e de comunhão na
comunidade e, ao mesmo tempo, realiza nela o mandado missionário, do qual se
torna testemunha
245
de uma reflexão amadurecida e de edificação do Reino de
Deus
246
. A evangelização “alimenta-se do ‘senso da fé’ que o Espírito Santo
derrama no coração de todos os batizados, e da sua linguagem, do seu dizer as
maravilhas do Senhor, e aprende, por sua vez, a falar de Deus”
247
.
Ao concluirmos a reflexão quanto aos elementos constitutivos da Iniciação
Cristã, vejamos qual o perfil próprio de um grupo de adultos em processo
243
Segundo E. Alberich, o catecumenato não pode se caracterizar por uma prática de
aprendizagem sistemática, como se fosse uma corrida de obstáculos a serem vencidos, mas como
compromisso comunitário com a experiência de encontro com Jesus Cristo e o crescimento
pessoal. Cf. Formas e modelos de catequese com adultos. op. cit., p. 35.
244
CERVERA, J.C. op. cit., p. 584.
245
Velasco recorda a proposição do Concílio Vaticano II sobre a ação eclesial e o lugar da
comunidade enquanto testemunho cristão no mundo: O Concílio Vaticano II nos ajudou a tomar
consciência de que o sujeito, quando se fala de Igreja e suas ações e, portanto, da transmissão, é a
Igreja inteira, toda ela povo de Deus. A transmissão da vida cristã não se efetua tanto por
proposição oficial de enunciados de , dogmas, princípios e normas, quanto pela possibilidade
real de uma identificação prática com pessoas e grupos em que se têm feito realidade viva e,
assim, oferta de sentido vital para outros aspectos fundamentais dessa “forma de vida” em que
consiste o cristianismo. Cf. VELASCO, J. M. La transmisión de la fe en la sociedad
contemporánea, Santander: Sal Terrae, 2002, p. 78.
246
Cf. FORTE, B. A teologia como companhia, memória e profecia, São Paulo: Paulinas, 1991, p.
60.
247
Ibid.
89
catecumenal, e como o Catecumenato com Adultos se insere na dinâmica pastoral
das comunidades eclesiais.
1.2.4
O perfil pastoral do Catecumenato com Adultos
Quando falamos de Iniciação Cristã de Adultos é importante ressaltarmos
as peculiaridades que se fazem presentes nessa experiência. Diferente dos estágios
da infância, da adolesncia, da juventude, o perfil dos adultos que participam na
Iniciação Cristã tem características próprias e merece atenção especial na pastoral.
O texto-base da Segunda Semana Brasileira de Catequese, “Com Adultos,
Catequese Adulta”, chama a atenção sobre a realidade do adulto como interlocutor
e destinatário privilegiado da educação na e afirma a conscientização sobre o
valor que esta educação de adultos na fé tem ganhado nas ultimas décadas
248
.
Se a comunidade local é uma comunidade em estado de missão e contínua
referência catecumenal, ela mesma é matriz e gérmen da ICA, vive em estado de
Iniciação Cristã, vive em estado de caminhada e seguimento de Jesus. Sendo
assim, o conceito de Catecumenato com Adultos deixa de ser algo estanque,
passageiro, ou uma tarefa a mais a ser cumprida, e passa a ser concebido como a
própria raiz da comunidade e sua razão de ser
249
.
Nesse modelo, o Catecumenato com Adultos é parte inserida na dinâmica
comunitária, criando-a e recriando-a continuamente. A dimensão de integração
pessoa-comunidade é latente e fonte de renovação espiritual e ética, antropogica
e escatológica, não apenas para os iniciantes, mas para todos os integrantes da
mesma
250
.
A pessoa humana é dinamismo, mudança, construção incessante e, já
vimos que essa o é uma experiência apenas subjetiva, mas intersubjetiva,
relacional. Não é um caminhar isolado, individual, mas na comunidade e pela
comunidade em que vive sua história
251
. Temos aqui duas perspectivas integradas
no Catecumenato com Adultos, que convidam a repensar as bases antropológicas
248
Cf. CNBB. Com Adultos, Catequese Adulta. op. cit., p. 8.
249
Cf. FLORISN SAMANES, C. La Iniciación Cristiana, op. cit., p. 223.
250
Cf. LOPES, J. La iniciación cristiana, inserción en Jesucristo y en la vida de la Iglesia. In:
Phase 218, Barcelona: Centro de Pastoral Litúrgica, 1997, p. 122.
251
DUJARIER, M. Experiências de iniciação cristã na África ocidental. In: PASQUIER, A. et al.
op.cit., p. 66.
90
e eclesiogicas deste projeto, ou seja, repensar a visão de pessoa e a visão de
Igreja, nas quais se fundamenta e se movimenta.
Por tudo isso, os estudiosos alertam para a necessidade de se ir além da
concepção catequética de teor didático-litúrgico
252
ou mesmo como adaptação dos
processos de catequese para crianças e adolescentes. Deve-se avançar para a
construção de projetos que atendam ao mundo adulto: mais do que um
Catecumenato com Adultos, um Catecumenato Adulto
253
.
Os tempos atuais apresentam muitos desafios para o processo de
evangelização, e a própria linguagem que o Cristianismo desenvolveu em seus
variados meios catequéticos se tornou defasada e, muitas vezes, inócua para a
s-modernidade. Esse quadro cultural, no qual a Igreja está imersa e dialoga,
pede uma revisão de base, que nos faça rever a identidade da Iniciação Cristã e, a
partir dessa identidade, analisar a práxis do Catecumenato com Adultos.
Como dissemos acima, não basta transferir a ênfase da catequese infantil
para o mundo dos adultos, mas torna-se necessário desenvolver uma sensibilidade
pastoral própria, que oriente concretamente esse processo, começando pelo grupo
que o coordena. Não estamos trazendo uma proposta inusitada, pois esta é
preocupação da Igreja e vem sendo refletida com competência em muitos países,
inclusive no Brasil
254
.
Especialmente após o Concílio Vaticano II, os documentos oficiais do
Magistério resgatam a necessidade da Catequese com Adultos e afirmam com
252
A catequese de adultos não se deve limitar a ser simples instrumento de transmissão de uma
tradição imutável, mas vem concebida como lugar de elaboração e de reflexão ativa da mesma
tradição. Expressando a consciência que o Espírito produz em nossa época, como em todas as
épocas. ALBERICH, E. Catechesi adulta en una Chiesa adulta. In: Orientamentti Pedagogici 38
(1991) 6, p. 1377.
253
Cf. ALBERICH, E. e BINZ, A. Catequese com Adultos: elementos de metodologia. op.cit., p.
13.
254
A Segunda Semana Brasileira de Catequese, promovida pela CNBB, priorizou o tema da
Catequese com Adultos, em outubro de 2001, mobilizando as comunidades eclesiais do Brasil
nesse sentido e promovendo um avanço significativo, em termos de planejamento e ensaios,
sempre mantendo como referência-chave o período áureo do catecumenato, os séculos III e IV,
particularmente no que se refere aos adultos. Estiveram presentes representantes de todos os
Regionais da CNBB, das dioceses, Escolas de Catequese e Instituições Bíblicas, bem como
convidados de outros países, num total de 459 participantes. O grupo contava com 167 leigas, 112
religiosas, 106 padres, 49 leigos, 16 bispos, 6 irmãos religiosos, 2 seminaristas e 1 diácono. Cf.
CNBB. Com Adultos, Catequese Adulta e Segunda Semana Brasileira de Catequese. op. cit., pp.
9-10.
91
clareza a primazia da Catequese com Adultos como forma principal e urgente de
catequese
255
.
Lembrem-se ainda que a catequese dos adultos, por dirigir-se a pessoas capazes
de uma adesão plenamente responsável, deve ser considerada como a forma
principal da catequese para a qual, de certo modo, estão ordenadas todas as
outras, naturalmente tamm necessárias
256
.
Esta é a forma principal de catequese, porque está dirigida a pessoas que têm as
maiores responsabilidades e capacidade de viver a mensagem cristã sobre sua
forma plena. A comunidade cristã não poderia fazer uma catequese permanente
sem a participação direta e experimentada dos adultos, sejam destinatários ou
promotores da atividade cateqtica
257
.
Ao entrar no caminho da Iniciação Cristã deve-se levar em conta que as
características próprias do mundo adulto o apenas devem ser respeitadas
pedagógica e sociologicamente, mas tornam-se centrais. O Direrio Geral para a
Catequese recorda critérios que estabelece como centrais para esta missão
pastoral:
1. a atenção aos destinatários na sua situação de adultos, como homens e como
mulheres, cuidando, portanto, dos seus problemas e experiências, dos recursos
espirituais e culturais, em pleno respeito pelas diferenças;
2. a atenção à condição leiga dos adultos, aos quais o Batismo confere a
possibilidade de ‘procurar o Reino de Deus, exercendo funções temporais e
ordenando-as segundo Deus’ e ao mesmo tempo os chama à santidade;
3. a atenção ao envolvimento da comunidade, para que seja lugar de acolhimento
e de apoio do adulto;
4. a atenção a um projeto orgânico de pastoral dos adultos, no qual a catequese
se integre com a formação litúrgica e com o serviço da caridade.
258
O pressuposto fundamental da Iniciação Cristã é a acolhida da dinâmica da
Revelação e a consequente reconfiguração existencial. Aquele que acolhe o
projeto de Deus em sua vida é totalmente atingido e se sente implicado, até no
255
Nos documentos do Concílio Vaticano II a terminologia central é a catequética. No entanto, o
catecumenato é o modelo inspirador perene de toda ação catequética. A Igreja entende que a
Tradição apostólica encontra sua expressão doutrinária e celebrativa na liturgia cristã dos
primeiros séculos, originada e construída em torno e em função do Mistério Pascal. Daí que o
modelo de Iniciação Cristã, segundo o catecumenato antigo, é significativo, um retorno à
inspiração fontal, à sabedoria dos Padres da Igreja.
256
DCG 20.
257
CT 43.
258
DGC 174.
92
mais profundo de seu ser, no pleno sentido de sua existência
259
. Para o adulto,
essa reconfiguração, ou seja, a configuração processual em Jesus Cristo torna-se
uma revisão de suas escolhas, muitas vezes já históricas e enraizadas, o que
demanda acompanhamento pessoal e comunitário e uma corajosa reformulação de
sua orientação fundamental.
Isso implica em um processo que considere o mapa hisrico-existencial de
cada pessoa, respeite sua trajetória e auxilie no diálogo com as diversas realidades
culturais, sociais, econômicas. Todas estas realidades serão reavaliadas pelo
catecúmeno adulto em seu caminho de seguimento de Jesus.
Como o próprio vocábulo anuncia, a Iniciação Cristã é introdutória. O que
significa isso para o adulto? Este vivenciou muitos ritos de passagem e vários
momentos de ‘iniciação’. construiu conceitos e estabeleceu valores nos quais
edifica suas escolhas. Esta é outra característica original no Catecumenato com
Adultos. Diferente do universo infantil, ao ingressar no caminho do Mistério, o
adulto traz imagens de Deus, experiências religiosas pessoais e comunitárias, que
devem ser também acolhidas e avaliadas, em um processo de condução carinhosa,
paciente, misericordiosa, para o encontro com o Deus revelado em Jesus Cristo.
Ao discorrermos sobre este processo de abertura dialógica com Deus e de
seu acompanhamento, estamos falando do processo mistagógico. O mistério
divino que se revela em sua pedagogia amorosa e misericordiosa, e um caminho
catecumenal que considere a iniciativa divina e o mapa histórico-existencial do
adulto
260
.
A dimensão de ‘mistério’ pressupõe abertura, gratuidade e entrega
confiante ao novo caminho que se lhe abre existencialmente. “A pedagogia divina
encontra lugar na natureza humana, chamada a responder ao apelo divino, que tem
seus ritmos intelectuais e afetivos, e condicionamentos internos e externos
261
”.
Para tanto, muitas vezes será necessário diagnosticar as possibilidades e fatores
facilitadores, bloqueios e possíveis barreiras conceituais, enraizadas em cada
259
Cf. CERVERA, J.C. Iniciação cristã. op.cit. p.580.
260
O teólogo U. Vasquez, ao tratar da orientação espiritual, ressalta que a orientação é possível
porque Deus deixa sinais na vida de cada um de nós, como uma escrita divina, que podemos ler.
Ele chama esse mapa existencial que Deus escreve em nossas vidas e em nosso coração, de
teografia. Cf. VASQUEZ, U.V. A Orientação espiritual: mistagogia e teografia. São Paulo:
Loyola, 2001, p.10.
261
FALSINI, R. op.cit., p. 15.
93
pessoa acolhida neste processo. Ou seja, será imprescindível criar um dinamismo
de abertura dialógica, tanto pessoal como comunitária.
A comunidade eclesial também participa desta dinâmica. É no diálogo
interno que a comunidade elabora suas experiências de fé, de escuta da Palavra, de
reflexão e revisões pessoais e sociais. É o espo fecundo da circularidade
hermenêutica, elemento caro para a caminhada da Igreja
262
. O conjunto de idéias
e percepções trazidas por cada participante influencia o processo interpretativo.
Na dinâmica da Revelação, a dimensão de compreensão e interpretação é a
própria capacidade pessoal de ouvir a Deus. A escuta pessoal, como preconiza
Rahner, é uma dimensão ontológico-existencial
263
. Recebemos de Deus o convite
cotidiano, existencial e histórico, a graça salvífica para a qual a abertura livre
responsável do ser humano é parte da dinâmica divina. Da Igreja recebemos a
vivida, interpretada, transmitida, obra do Espírito que age na história e na vida das
comunidades
264
. O processo catecumenal supõe compartilhar a riqueza desta
dinâmica, mas também possibilitar a resposta pessoal e processual
265
.
Dessa forma, a comunidade é espaço de acolhida e também de elaboração
das fontes do Cristianismo a Palavra de Deus, a Tradição e o Magistério. Esta
pedagogia mistagógica, abalizada pela abertura e diálogo com o mistério de Deus,
que se revela na vida pessoal e histórica, supera uma concepção centrada na
simples assimilação de gestos e conteúdos.
A Comissão Episcopal de Catequese, na Espanha, exorta para que a
Catequese com Adultos não se torne apenas um resgate da Tradão, mas que seja
atualização, catequese da Igreja viva, de todos os tempos, criativa e atenta aos
sinais dos tempos.
A catequese dos adultos, como ato de Tradição, não é pura repetição do passado,
não é um tesouro morto que as gerações cristãs recebem e simplesmente
262
Denominamos circularidade hermenêutica o movimento de interpretação que considera tanto as
fontes como a releitura da comunidade diante da realidade, num processo de interlocução desta
com a Palavra, a Tradição e o Magistério. Paul Ricoeur apresenta a circularidade hermenêutica
como condição da própria consciência histórica que estabelece uma mediação entre o futuro
enquanto horizonte de expectativas, o passado como tradição e o presente como surgimento.
Pessoa e comunidade constroem juntas uma concepção de presente como dinamismo e iniciativa,
capazes de dar um rumo novo à história. Cf. FORTE, B. op. cit., p. 172 e RICOEUR, P. Do texto à
acção, ensaios de hermenêutica II. Porto: Rés Editora, 1986, p. 11.
263
A pessoa humana, em seu fundamento originário, está voltada para a absoluta comunicação de
Salvação, que lhe vem de Deus. Cf. RAHNER, K. Curso Fundamental da Fé. São Paulo:
Paulinas, 1989, pp. 47-59.
264
Cf. LIBANIO, J. B. Eu creio, nós cremos, São Paulo: Loyola, 2000, p. 249.
265
VELASCO, J. M. op.cit., p. 34.
94
transmitem. Ao contrário, é oferta e desenvolvimento de uma experiência na qual
o adulto recebe em forma ativa e criativa. A antiga melodia da Tradição, sendo
recebida de forma viva, vem restituir à Igreja nova harmonia. A pedagogia
catecumenal deve ser, por isso, uma pedagogia de criatividade
266
.
Esta característica se faz presente em muitas experiências catecumenais,
sob orientação do Magistério e das igrejas locais. Na comunidade eclesial, as
fontes do Cristianismo são acolhidas, redescobertas e transmitidas, suscitando a
abertura do processo de evangelização a novas circularidades interpretativas
267
.
Neste itinerário, as relações dialógicas entre Deus, a pessoa e suas demais
relações estão integradas: o exercício da troca de experiências, da construção
conceitual, do acompanhamento mútuo dos processos de conversão estabelece o
resgate da autonomia da pessoa, da sua capacidade de reelaboração, pela
participação.
O conjunto de elementos catequéticos, litúrgicos e morais, indispensáveis
para encaminhar o processo de Iniciação Cristã, precisa estar atento às
peculiaridades do mundo adulto
268
, a fim de contribuir para uma opção livre e
consciente daqueles que iniciam (ou reiniciam) sua participação na Igreja, para
que amadureçam na fé e assumam responsavelmente sua vocação e missão
269
.
Ao identificar este processo catecumenal com o adjetivo adulto -, E.
Alberich está demarcando a especificidade deste caminho catecumenal. Para ele,
esta deve ser a chave de leitura para toda reflexão e planejamento que a ele se
relacionar. Para este importante catequeta, o catecumenato ‘adultopossui traços
característicos que devem ser observados nos planejamentos pastorais. Seguem
abaixo as características identificadas pelo autor:
1. Dimensão evangelizadora;
2. Dimensão comunitária;
3. Inserir-se no projeto geral de renovação eclesial;
4. Ser parte de um projeto pastoral mais amplo;
266
COMISIÓN EPISCOPAL DE ENSEÑANZA Y CATEQUESIS. Catequesis de adultos, n. 109.
267
Cf. FORTE, B. op. cit., p. 172.
268
O documento da CNBB alerta que o Catecumenato com Adultos não esteja condicionado
apenas à faixa etária, oferecendo uma catequese em um novo formato, mas que conduza ao
amadurecimento na . Este sempre foi o objetivo primeiro do Catecumenato, mas no mundo atual,
em sua crise ética e religiosa se torna ainda mais urgente uma formação séria, em comunidade, e
que se torne testemunho no mundo. Cf. ARNEDO, F.J.H. Palavras de abertura da Segunda
Semana brasileira de catequese. In: CNBB. Segunda semana brasileira de catequese. op.cit.,p. 44.
269
LOPES, J. La iniciación cristiana, inserción en Jesucristo y en la vida de la Iglesia. In: Phase,
Barcelona: Centro de Pastoral Litúrgica, n. 218, 1997, p. 120.
95
5. Promover fiéis adultos a serviço de uma Igreja adulta;
6. Ser um espaço de formação teológica;
7. Espaço de diálogo com a pluralidade cultural
270
.
De acordo com nossa análise, todo esse processo possui um eixo teológico,
que consiste na Iniciação Cristã como caminho de abertura ao Mistério de Deus,
como experiência pessoal e comunitária. Não se trata aqui de seguir roteiros
metodológicos com base na eficácia do projeto, mas de avaliar a concepção de
Iniciação Cristã, que subjaz nas práticas pastorais, e assumi-la como missão
evangelizadora, pedagógica e transformadora.
O diagnóstico dos problemas com o Catecumenato com Adultos, assim
como das principais questões presentes no mundo atual, deve nos reconduzir a
uma reflexão profunda, em busca das raízes da proposta da Iniciação Cristã. A
partir desse resgate de base é que buscamos os caminhos de diálogo com os
desafios atuais. Os acentos na instrução religiosa, na socialização, na detenção de
evasões, na sacramentalização, no assistencialismo, o sinais de que o projeto
esdistante de seu eixo teológico e acaba sendo instrumentalizado para atender a
essas finalidades. Sendo assim, a ICA não deve ser vista como um recurso para a
recuperação de fiéis em vista da crise religiosa. Se percebida nesse enfoque, ela se
torna instrumento ou ‘instância supletiva’
271
. E, como vimos, a Iniciação Cristã é
projeto central, que atinge toda a comunidade, envolvendo-a na própria dinâmica
da Revelação. E. Alberich nos recorda, mais uma vez, a centralidade da Iniciação
Cristã, a fim de se firmar uma identidade crística, comprometida com seu tempo e
testemunha no mundo.
Trata-se de um desafio lançado à Igreja: escolher entre recuar para uma posição
conservadora e de defesa ou lançar-se à abertura evangelizadora para o mundo
real dos homens: continua sendo uma Igreja voltada para uma pastoral de
manutenção centrada na sacralização e no serviço eclesial ou converter-se numa
Igreja preocupada com uma pastoral missionária, centrada no testemunho e na
presença no mundo
272
.
270
Cf. ALBERICH, E. e BINZ, A. Catequese com Adultos. op. cit., p. 40.
271
Esse adjetivo é utilizado por E. Alberich na sua avaliação do Catecumenato com Adultos,
quando percebido na perspectiva instrumental, numa ação pastoral conservadora. Ibid., p. 42.
272
Ibid, pp. 43-44.
96
Com essas palavras, E. Alberich alerta para a revisão teológica e complexa
do processo, não com respostas parciais ou imediatistas, mas como recuperação
de seu eixo norteador, como ação de renascimento, com as mudanças que isso
acarreta. Só a partir dessa reorientação, a ICA vai falar ao mundo atual. E em
comunidades de vida, construir novos caminhos de evangelização para as pessoas,
para a sociedade atual.
1.2.5
A restauração do Catecumenato com Adultos a partir do Concílio
Vaticano II
Na história da Igreja, a dimensão catequética se fez presente em muitos
momentos, com revisões conceituais, teológicas, metodológicas e orientações do
Magistério
273
. Com muita frequência o foco esteve no aspecto informativo, como
instrução religiosa, como conhecimento das verdades da e orientação moral.
Mesmo em nosso século a linha tradicional de exposição da doutrina esteve na
linha de frente, numa leitura apologética da fé cristã ou numa perspectiva de
conversão que passava pela compreensão racional. A Catequese para os Adultos
também se firmou dentro dessa lógica, como extensão da catequese para as
crianças, com o principal objetivo de formar ‘o bom cristão’, aquele que conhece
a doutrina e a pratica.
Contudo, o final do século apresenta uma revisão das formas
tradicionais e experiências catecumenais próprias para os adultos, mais
consistentes, criteriosas, com metodologias voltadas para a existência cotidiana e
as metas históricas. Em muitos países, essas experiências catecumenais se
desenvolveram e até se tornaram berço para a formação de cristãos maduros e
cidadãos militantes por um mundo melhor
274
. Foram experiências pontuais, que
273
Sobre a profunda mudança conciliar do Vaticano II com relação à Catequese e Catecumenato
com Adultos ver os excelentes trabalhos de ALBERICH, E. e BINZ, A. Catequese com adultos.
Elementos de metodologia. São Paulo: Editora Salesiana, 2001; CAVALLOTO, G. Il nuovo rito di
Iniziazione Cristiana degli adulti: origine, struttura e scelte pastorali. In: Iniziazione Cristiana e
Catecumenato. Bologna: EDB, 1996, pp. 223-272; MARTÍNEZ, D., GONZÁLEZ P e
SABORIDO, J.L. Proponer la fe hoy. De lo heredado a lo propuesto. Santander: Sal Terrae, 2005;
GARZÓN, J. J. C. Catecumenado y Comunidad Cristiana en el Episcopado español (1964-2006).
Salamanca: Universidad Pontifícia de Salamanca, 2006.
274
Na França e na Itália, a Ação Católica restabeleceu o catecumenato de adultos como instrução
religiosa; na Espanha, os Cursinhos de Cristandade também tiveram grande difusão na formação
dos adultos; na Alemanha, se desenvolveu a formação teológica de adultos, com aspectos
97
ainda não significavam uma mudança da mentalidade catequética-doutrinal,
proveniente do Concílio de Trento
275
. Será o Conlio Vaticano II o grande
responsável pela virada teológica, por uma nova compreensão antropológica,
cristológica e eclesiológica. A reflexão firme e contundente provocou uma nova
práxis eclesial que também afetou o conceito de catequese e, consequentemente, o
de Catecumenato para os Adultos. Representou uma virada decisiva e ponto de
partida para novas perspectivas.
Em nossa sociedade, a formação antropológica tornou-se um eixo
fundamental para todo o projeto pastoral e pedagógico
276
. Rever essa formação é
rever a configuração de pessoa e de sua capacidade relacional, suas bases de
construção pessoal e social, sua inserção histórica e projetos. Para o Cristianismo,
é sua razão de ser: auxiliar a pessoa no autoconhecimento, abertura e diálogo,
consciência, liberdade e responsabilidade, configuração ética, escolhas possíveis e
horizonte de sentido. É, enfim, o processo de encarnação’, de educação de sua
originalidade e realização pessoal em Jesus Cristo, dentro de seu contexto afetivo,
familiar, social, histórico. “A catequese com adultos está chamada a ser um dos
pontos focais da tarefa pastoral em nossos dias
277
”.
Ante o fenômeno da Modernidade, a Igreja não apenas buscou refletir e
encontrar novos caminhos para a ação evangelizadora, mas veio esclarecer com
maior nitidez a natureza genuína de sua missão evangelizadora. Rever esta missão
é rever sua própria identidade, o que também demandou respostas pastorais cada
vez mais urgentes, diante de situações apresentadas pela sociedade
contemporânea. Esta ampla revisão retornou às fontes do Cristianismo e conduziu
não apenas ao resgate da antropologia unitária e interrelacional, mas também a
uma nova consciência eclesial, na perspectiva da unidade na diversidade, do
respeito e diálogo com as diferenças, da comunidade como realização concreta da
semelhantes à catequese; nos Estados Unidos conhecemos também algumas práticas de educação
religiosa de adultos. Cf. ALBERICH, E. e BINZ, A. Catequese com Adultos. op. cit, pp. 29-30.
275
O Concílio de Trento significou um grande estímulo para as pastorais e, em decorrência, a
preocupação com a formação religiosa tornou-se central.
276
Conforme estudo desenvolvido pela teóloga Lina Boff em sua tese doutoral, a teologia pastoral
inicia sua parceria com a concepção antropológica das ciências em fins do século XIX e início do
século XX, ainda com uma atitude de prudência. Esta parceria inicial se manifestou na pregação da
Palavra, no ensino da catequese e no apostolado voltado para o mundo. Cf. BOFF, Lina. Espírito e
Missão na Teologia. op. cit., pp. 76-77.
277
ALBERICH, E. Catequese com adultos. op. cit., p. 13.
98
Igreja, enfim, à eclesiologia de comunhão
278
. Nas palavras de B. Forte: “A
eclesiologia de comunhão é a perspectiva colocada em relevo pelo Vaticano II,
que retoma uma compreensão dos Santos Padres, que encontram nesta experiência
a melhor maneira de expressar a realidade da Igreja”
279
.
A eclesiologia de comunhão exorta à construção de projetos comunitários
que integrem a pessoa humana e seu dinamismo inter-relacional
280
. A Igreja,
através de sua missão pastoral, é chamada a contribuir na promoção de uma vida
cristã mais personalizada, comprometida e consciente de ser testemunho no
mundo
281
. Daí a importância de que o catecumenato seja delineado como um
catecumenato maduro, significativo, dialógico, enfim, adulto, no sentido de ser
testemunho enraizado e dinâmico no mundo pós-moderno.
Esse dinamismo pastoral, resgatado pelo Concílio Vaticano II, desenvolve-
se através de relações intersubjetivas. É a dimensão dialógica, tão valorizada na
sociedade contemporânea. Esta dinâmica cria uma atmosfera propícia à criação,
desenvolvimento e reconhecimento das pequenas comunidades eclesiais
282
. O
Papa João Paulo II afirma que a Igreja deve ser a escola da comunhão: “Fazer da
Igreja a casa e a escola da comunhão: eis o grande desafio que nos espera no
278
No dinamismo do Espírito de Deus, o Concílio Vaticano II aponta para a concepção de Igreja
como Povo de Deus, conceito bíblico e patrístico, que nos conduz à imagem de uma Igreja que
deseja ser sacramento de um Deus comunhão do Pai pelo Filho no Espírito. A eclesiologia de
comunhão é seu ponto de partida e seu horizonte, é fonte do Mistério da própria Igreja e, ao
mesmo tempo, Povo de Deus que caminha, atento aos sinais dos tempos. Cf. LG, especialmente n.
31 e 33; CL, especialmente n. 19 e 20. Sobre este tema ver ainda o documento da
CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ. Carta aos bispos da Igreja Católica sobre
alguns aspectos da Igreja entendida como comunhão. Maio de 1992. Dispovel em:
www.vaticano.va. Acesso em 22 de julho de 2008.
279
FORTE, B. A Igreja, ícone da Trindade. São Paulo: Paulinas, 1991, p. 23.
280
“A comunhão não se identifica com uma reunião de amigos. É algo diferente, o encontro em
Cristo de homens e mulheres reconciliados”. TEPEDINO, A. M. Eclesiologia de comunhão. Uma
perspectiva. In: Atualidade Teológica. Rio de Janeiro: PUC, n. 11, 2002, p. 175.
281
Sobre este tema, o papa Paulo VII, na Evangelii Nuntiandi faz uma excelente exortação: “A
Boa Nova de ser proclamada, antes de mais, pelo testemunho. Suponhamos um cristão ou
punhado de cristãos que, no seio da comunidade humana em que vivem, manifestam a sua
capacidade de compreensão e de acolhimento, a sua comunhão de vida e de destino com os
demais, a sua solidariedade nos esforços de todos para tudo aquilo que é nobre e bom. Assim, eles
irradiam, de um modo absolutamente simples e espontâneo, a sua em valores que estão para
além dos valores correntes, e a sua esperança em qualquer coisa que se o e que não se seria
capaz sequer de imaginar. Por força deste testemunho sem palavras, estes cristãos fazem aflorar no
coração daqueles que os veem viver, perguntas indeclináveis: Por que é que eles o assim? Por
que é que eles vivem daquela maneira? O que é, ou quem é, que os inspira? Por que é que eles
estão conosco?”. EN, n. 21.
282
O Vaticano II, sem fazer distinção entre comunidades grandes e pequenas, viu na experiência
comunitária das origens (At 2,42-47) o modelo não apenas da vida religiosa (PO 15,1), da
dimensão missionária (AG 25,1) e da vida sacerdotal (PO 17,4 e 21,1), mas de todo o povo santo
de Deus (LG 13,1; DV 10,1), o modelo e a chave da renovação conciliar.
99
milênio que começa se quisermos ser fiéis ao desígnio de Deus e corresponder às
expectativas mais profundas do mundo
283
”.
Medellín, seguindo ainda o projeto eclesiológico do Vaticano II, procurou
sublinhar a face laical da Igreja no sentido teológico
284
. Propõe uma catequese
eminentemente evangelizadora, que abarque a evangelização dos batizados ou
“reevangelização dos adultos
285
”, e ainda novas formas de catecumenato na
catequese de adultos para uma eficaz evangelização dos batizados
286
”.
Recomenda uma reevangelização
287
, que se traduza em uma “reconversão e uma
educação de nosso povo na a níveis cada vez mais profundos e maduros
288
”, na
“dupla dimensão personalizante e comunitária
289
”. A vocação e missão dos leigos
é o coração do processo de ICA que, como Povo de Deus, assumem a missão de
anunciar e testemunhar Jesus Cristo no mundo.
G. Cavalloto, analisando o histórico do processo catecumenal nos
documentos do Magistério, considera:
Com o Concílio Vaticano II e sucessivamente, em 1972, com a publicação da
Ordo Initiationis Christianae Adultorum (OICA)
290
, a Igreja propõe de forma
autorizada para aqueles que desejam aderir ao projeto cristão, sobretudo aos
adultos, mas também aos jovens, o retorno à Iniciação Cristã segundo o
catecumenato antigo: uma escolha dotada de sabedoria de retomar o tesouro da
rica e original experiência dos primeiros séculos, justificada a exigência de
propor para nosso tempo um rigoroso e eficaz processo de Iniciação Cristã
291
.
283
JOÃO PAULO II. Carta Apostólica Novo Millennio Ineunte. Janeiro de 2001. Disponível em:
www.vatican.va. Acesso em 28 de maio de 2007.
284
No que se refere à Arica Latina, surgiu em Medellín a opção clara por uma ‘evangelização
dos batizados’, reforçada em Puebla, através do projeto de ‘catequese permanente’. Cf.
ALBERICH, E. e BINZ, A. Catequese com Adultos. op. cit., p. 37.
285
CELAM. II Conferência Geral do Episcopado Latino-americano. Conclusões de Medellín. São
Paulo: Paulinas 1968, n.8,9.
286
Ibid.
287
Será mais adiante, no Diretório Catequético Geral que o termo ‘reevangelização’ aparecerá
como resposta aos desafios da secularização, mais madura e profunda educação da . Cf. DCG,
especialmente n
os
. 6, 20, 96, 97 e 130.
288
Medellín, n. 6,4.
289
Ibid.
290
Entre a promulgação do Ordo Baptismi Adultorum, de 1962 até a promulgação do OICA se
passaram dez anos. Foi um período de reflexão quanto aos conteúdos e planejamentos, estudos
sobre o catecumenato na Igreja primitiva e ensaios no campo catequético. O OICA é resultadoo
apenas da nova reflexão, mas também das experiências e conclusões de diversas igrejas no mundo
inteiro. Passaremos a citar o Ritual Romano a sua sigla em português: RICA. Cf. SAGRADA
CONGREGAÇÃO PARA O CULTO DIVINO. Ritual da Iniciação Cristã de Adultos. São Paulo:
Paulus, 2001.
291
CAVALLOTO, G. Iniziazione Cristiana e Catecumenato. op. cit., p. 10.
No Concílio Vaticano II, as referências explícitas ao Catecumenato de
Adultos indicam a preocupação com esta experiência catecumenal
292
. Sabemos
que a catequese não é a nica do Concílio, porém o impulso de revisão e
renovação vêm da sua teologia, principalmente de sua compreensão de Igreja
293
.
Esta não é mais percebida como instituão com marcado peso clerical, mas como
comunhão, comunidade, fraternidade de irmãos que crêem, celebram a Eucaristia
e vivem neste espírito de comunhão concreta e solidária, tornando-se sinais no
mundo de hoje
294
.
Segundo o teólogo alemão, K. Rahner, ali se anuncia uma nova
experiência de Igreja: a Igreja como acontecimento em uma comunidade local de
altar, de palavra e de amor. Uma novidade conciliar que surge do retorno às fontes
do Cristianismo e anuncia um futuro fecundo. Rahner vê na eclesiologia conciliar
uma perspectiva realmente promissora para uma Igreja do futuro
295
.
Na Constituição Sacrosanctum Concilium se pede uma volta ao caminho
catecumenal por etapas e santificado por ritos, que desembocasse nos sacramentos
de iniciação. Era uma inovação sem precedentes para os últimos dez séculos na
pastoral de Iniciação Cristã. Uma inovação que pressupunha um retorno à idade
de ouro do catecumenato
296
. Um retorno como resgate amadurecido, que
reconhece a inspiração fontal e paradigmática da experiência da Igreja primitiva,
sem nenhuma tônica de modismo ou nostalgia por esta antiga instituição. Toda
esta reflexão conciliar tem também um forte cunho missionário e, nele, o caminho
da Iniciação Cristã é resgatado como co-natural à Igreja e como exigência
fundamental no diálogo com a sociedade contemporânea.
No trecho do documento Ad Gentes, percebemos a compreensão do
catecumenato como processo e como Iniciação Cristã, e um processo onde toda a
comunidade eclesial participa e é responsável.
292
Cf. SC 64; CD 14; AG 14.
293
O dinamismo pós-conciliar e suas novas idéias auxiliaram a criação do Novo Catecismo de
Adultos, em 1966, conhecido como Catecismo Holandês, que representa uma mudança
significativa na catequese com adultos. (I1 Nuovo Catecismo Holandes. Turim: Elledici, 1979) A
partir deste Catecismo, outros episcopados também elaboraram este material, como a Itália,
Alemanha, Bélgica, Espanha, França e Colômbia. Cf. ALBERICH, E. e BINZ, A. Catequese com
Adultos. op. cit., pp. 184-186.
294
A eclesiologia do Concílio Vaticano II tem sua idéia-chave na koinonia-comunhão: na Palavra,
nos Sacramentos, tendo como fonte e ápice a Eucaristia. “União a Cristo e em Cristo; e união entre
os cristãos, na Igreja”. Esta realidade é “o conteúdo central do ‘mistério’, ou seja, do plano divino
da salvação da humanidade”. Cf. LG 11; CL 19.
295
Cf. GARZÓN, J. J. op. cit., p. 88.
296
Cf. SC 64.
“(...) o catecumenato não é mera exposição de dogmas e preceitos, mas uma
formação e uma aprendizagem de toda a vida cristã; prolongada de modo
conveniente, por cujo meio os discípulos se unem com Cristo seu mestre. Por
conseguinte, sejam os catecúmenos convenientemente iniciados no mistério da
salvação, na prática dos costumes evangélicos, e com ritos sagrados, a celebrar
em tempo sucessivos, sejam introduzidos na vida da fé, da liturgia e da caridade
do Povo de Deus.
(...) Esta iniciação cristã realizada no catecumenato deve ser obra o apenas dos
catequistas ou sacerdotes, mas de toda a comunidade dos fiéis, especialmente dos
padrinhos, de forma que desde o começo os catecúmenos sintam que pertencem
ao Povo de Deus. Visto que a vida da Igreja é apostólica, os catecúmenos devem
igualmente aprender a cooperar ativamente; pelo testemunho da sua vida e a
profissão da sua fé, na evangelização e na construção da Igreja”
297
.
Como dissemos, a mudança pós-conciliar fez repensar também o
modelo de catecumenato de adultos, ou para adultos, na direção de um
catecumenato adulto, um catecumenato que levasse em conta as necessidades e
características pprias da condição de adulto e as interpelações próprias de sua
realidade
298
. Se antes a catequese era motivada pela ignorância religiosa e a
necessidade de esclarecimentos doutrinais, hoje a crise da experiência religiosa, a
indiferença crescente, a falta de um horizonte de sentido, tornam urgente a
formação antropológico-teológica de forma adulta. Esse dinamismo s-conciliar
é uma resposta madura à Modernidade, sua cultura e questões fundamentais, no
qual a Igreja entra em diálogo aberto e responsável com o mundo no qual é
missionária.
Para Floristán Samanes, um dos pioneiros a chamar a atenção sobre a
importância do catecumenato
299
, a pastoral da Igreja se defrontou com uma
Iniciação Cristã deficiente, fruto de uma escassa evangelização e de uma
precipitada sacramentalização. Quando o Vaticano II restaura o processo
catecumenal, ele revaloriza a importância da comunidade crise da iniciação na
formação dos cristãos
300
. É neste sentido que falamos de um catecumenato adulto,
como um processo de amadurecimento de pessoas que possam dialogar como
cristãos, com a sociedade secularizada e com o pluralismo religioso, como
educadores na fé, enquanto testemunhas de vida nova, anunciada em Jesus Cristo.
297
AG, n. 14.
298
Cf. ALBERICH, E. e BINZ, A. Catequese com Adultos. op. cit., p. 31.
299
O teólogo pastoralista Casiano Floristán Samanes, em 1963, assumiu a direção do Instituto
Superior de Pastoral, em Madrid, em unidade com a Universidade de Salamanca, como objetivo de
refletir e colocar em prática a proposta catecumenal do Vaticano II.
300
Cf. FLORISN SAMANES, C. Il Catecumenato. op.cit. pp. 170-173.
A prática lirgico-catequética apenas ritualística não conduz a esse
processo de enraizamento e configuração existencial em Jesus Cristo. Muitos
cristãos reproduzem uma liturgia ritualizada sem convicções profundas, sem se
tornarem testemunhas do mistério pascal do qual participam, ou mesmo
abandonam a mesma por não encontrarem seu sentido mais profundo e
verdadeiro. Mesmo com o processo s-Vaticano II, ainda há experiências de um
modelo pastoral que parece não se dar conta da mudança sócio-religiosa, e não se
defronta com a emergência de uma profunda revisão de metodologias, conteúdos
e formas de anúncio. O resultado é uma verdadeira frustração no empenho
pastoral
301
.
A retomada da ICA é prioritária como revisão global das práticas pastorais
e litúrgicas em sua compreensão central. Longe de se colocar como uma entre as
pastorais da Igreja, o catecumenato é tomado como instituição central e global,
como instrumento vital na missão evangelizadora.
A publicação do RICA é uma explícita retomada da Iniciação Cris de
Adultos, valorizando o catecumenato. É, sem dúvida, o documento oficial mais
importante sobre o Catecumenato com Adultos. Foi promulgado em janeiro de
1972 como fruto de um rico processo de investigação e experiências. O Rito
constitui um momento significativo do desenvolvimento da reforma lirgica do
Concilio Vaticano II e uma síntese autorizada das indicações litúrgico-pastorais
oferecidas pelas Conferências Episcopais, nos diversos países, com seus
programas de evangelização e pastoral sacramental. Ele introduz um itinerário de
amadurecimento na fé e na pertença eclesial que evoca - em seus grandes aspectos
-, o catecumenato dos primeiros séculos da Igreja.
Apresentando uma estrutura que integra os três sacramentos da iniciação e
a iniciação num processo pedagógico e progressivo, o RICA proe um caminho
espiritual para os candidatos, com participação ativa da comunidade em todas as
suas etapas. É um documento fundamental, sinal concreto da virada na concepção
e práxis da ICA, além de ser capaz de inspirar projetos e experiências
catequéticas, abrindo as comunidades à ação de itinerários catecumenais
diferenciados, atentos às situações, tanto daqueles que iniciam, como dos que
retornam à caminhada cristã.
301
Cf. ROCCHETTA, C. Como evangelizar hoy a los cristianos. op.cit., p. 22.
C. Rocchetta considera o RICA uma novidade e o apresenta como
proposta modelo para uma ‘nova evangelização’: “capaz de romper com o
sedentarismo crônico de nossas comunidades e impregná-las de uma nova
evangelização, com o redescobrimento de um autêntico espírito catecumenal e de
um modelo de Igreja capaz de responder às expectativas do mundo
contemporâneo
302
”. Também D. Borobio reconhece que este Ritual acolhe,
restaura e aplica o Catecumenato com Adultos: “o Ritual não se limita à Iniciação
sacramental, mas oferece um caminho progressivo de iniciação catecumenal,
recolhendo a essência do catecumenato antigo e procurando aplicá-lo em nossos
dias
303
”. Vale a pena citar na íntegra a reflexão de D. Borobio com relação à
riqueza teológica, litúrgica e pastoral do RICA.
Este Ritual é um dos documentos de maior transcendência do Vaticano II, não
apenas porque renova o Catecumenato no processo de Iniciação Cristã de
Adultos, mas também porque integra, harmoniza e expressa de modo exemplar os
diversos níveis e perspectivas: o vel antropológico, o teológico, o sacramental-
ritual e o pastoral; o que se apresenta como o principal referente da Iniciação
Cristã e como o modelo de toda catequese integral, que implica a participação e
renovação da mesma comunidade cristã
304
.
Mas não é só isso que nos faz diagnosticar a renovação desse processo,
mas toda a dinâmica que foi implementada no sentido de repensar a evangelização
no mundo, com documentos do Vaticano II, seguidos de outros, voltados
diretamente para as realidades locais
305
. Nos últimos anos, o tema da ‘nova
evangelização ocupou a reflexão teológica e pastoral de uma forma ampla
306
.
Este conceito se tornou um elemento dinamizador e unificador das atividades
pastorais. Demandou novos discursos, reflexões e planejamentos pastorais em
todo o mundo. Em 1988, na Christifidelis Laici, o papa João Paulo II afirma que a
Igreja deve dar um grande passo adiante em sua evangelizão, entrando numa
302
ROCCHETTA, C. op.cit., p. 9.
303
BOROBIO, D. El Catecumenado y su situación en la Iglesia actual. In: Teología y Catequesis,
n. 83, San Dámaso: Madrid, 2002, p. 79.
304
Idem, p. 81.
305
O Diretório Catequético Geral, de 1971, prioriza a catequese com adultos; a Exortação
Apostólica de Paulo VI, Evangelii Nuntiandi, de 1975, impulsiona uma nova dinâmica na
evangelização; o 4ª. Sínodo dos Bispos, de 1977, fala do Catecumenato de Adultos como modelo e
paradigma para toda a catequese; a Exortação Apostólica de João Paulo II, Catechesi Tradendae,
de 1979, reafirma oficialmente esta opção.
306
O papa João Paulo II cunhou a expressão ‘nova evangelização como convocação de toda a
Igreja para um novo programa orgânico de evangelização, com “novo ardor, novos métodos e
novas expressões”. Cf. JOÃO PAULO II. Discurso à Assembléia do Celam. op.cit.
nova etapa histórica de seu dinamismo missionário e formando comunidades
eclesiais maduras
307
. Também nessa proposta uma ênfase ao trabalho pastoral
de iniciação e formação dos adultos.
Numa breve retomada desta etapa sinalizaremos os aspectos fundamentais
no perfil pastoral do Catecumenato com Adultos:
1. Em sentido estrito a ICA é um sinal visível do processo da Revelação
desenvolvendo-se em todas as suas dimensões, pois demonstra que a conversão é
obra de Deus.
2. A natureza da Iniciação Cristã é mistagógica, é esse caminho dinâmico
no qual o primado não está em noções e preceitos a serem apreendidos, mas na
iniciação à vida e aos mistérios de Deus, de acolhida e participação na Igreja.
3. É uma nova tomada de consciência eclesiológica, que supõe conversão
da própria Igreja, das comunidades locais, dos projetos pastorais, da compreensão
teológica que fundamenta as práticas e discursos.
4. Supõe o ingresso no mesmo dinamismo mistagógico, no qual se
estrutura a Iniciação Cristã, ou seja, supõe que não apenas os iniciantes, mas que
toda a comunidade eclesial reveja seu processo de iniciação e caminhe
humildemente no seguimento de Jesus.
5. Supõe que a comunidade eclesial acolha o dinamismo da conversão e
de crescimento na fé, se coloque em estado de evangelização e abertura ao
mistério de Deus.
Enfim, o catecumenato é um amplo projeto teológico, expressão da própria
Igreja a caminho. A seguir nos deteremos em uma breve exposição quanto ao
processo de Iniciação Cristã de Adultos em sua implantação pastoral, avanços e
dificuldades percebidas em algumas experiências eclesiais.
1.2.6
As Comunidades Eclesiais Locais diante do desafio do processo de
Iniciação Cristã de Adultos
O movimento de revisão e resgate do catecumenato provocado pelo
Vaticano II encontrou acolhida em muitas comunidades, em todo o mundo. No
307
Cf. CL 34.
âmbito desse trabalho o nos deteremos nessa análise, tão bem elaborada por
estudiosos do tema, principalmente na Espanha, onde o movimento catecumenal
vem encontrando um solo fecundo e paradigmático para a Igreja.
Contudo, trazemos algumas perspectivas, a fim de nos situarmos com
relação às configurações mais atuais do processo catecumenal e de como buscam
responder às orientações do Magistério e às interpelações locais. Lembramos que
nosso objetivo não está em uma avaliação do processo metodológico das
experiências locais, mas na compreensão de Inicião Cristã que as embasa e
orienta.
A interpelação que alcança o processo catecumenal provocou a abertura
das Igrejas locais para o pluralismo em todos os campos. A crise religiosa atingiu
os movimentos cristãos e exigiu um repensar quanto às motivações da pertença à
cristã. Essa avaliação conduziu à percepção de uma adesão fortemente
sociológica, sem os compromissos provenientes da pertença à comunidade cristã.
A hierarquia, por seu lado, mais preocupada com a manutenção da situação, de
uma determinada ordem eclesial e pastoral, foi interpelada quanto aos cuidados
pastorais, à abertura a novos horizontes sócio-políticos e eclesiais.
São questões que alcançam todas as faixas etárias, mas de maneira central,
o mundo adulto. Em função desse processo de avaliação e discernimento, surge
uma vasta bibliografia voltada para a perspectiva pastoral da evangelização. Para
responder à renovação solicitada pelas orientações do Magistério, o processo
catecumenal foi priorizado como caminho pastoral e missionário.
Na França, o discernimento e teológico quanto ao modelo catecumenal
amadurece
308
. Na Espanha florescem muitas experiências inspiradas no modelo
catecumenal, recorrendo às exortações e orientações do Vaticano II e ao processo
já a caminho na França. Segundo os autores que estudaram as experiências na
Espanha, os grupos catecumenais possuíam motivações pastorais diferentes: de
dimensão política da , de criatividade lirgica, de acento blico, de
preocupação catequética, de espiritualidade, de renovação batismal, de pastoral
juvenil. Estes grupos geradores constituíram experiências catecumenais com
308
Na França iniciou-se um movimento catecumenal na década de 60 que se tornou inspirador
para a reflexão na Espanha. Os bispos franceses declaram que graças ao catecumenato se
perguntaram, tanto no plano pessoal, como no plano institucional, comom sido sinal para os que
buscam a Deus. A conversão de um só adulto, que passa da incredulidade da fé, tem caráter
profético para a Igreja e para o mundo: é sinal do caminho de salvão de todos os homens e da
acolhida dos mesmos iniciada na Igreja de Jesus Cristo. Cf. GARZÓN, J.J. op. cit., pp. 49-50.
orientações próprias, mas dentro de uma unidade de fundo
309
. As experiências na
Espanha se abriam à necessidade de reiniciação dos batizados, de reevangelização
e de criação de novas motivações, em que a criatividade e o compromisso fossem
respostas para o novo momento histórico.
As reflexões encontraram algumas experiências que não prosperaram e
outras ainda em franco desenvolvimento, fecundidade eclesial e presença
apostólica
310
. De qualquer forma, na base dos processos de ICA es a
preocupação pastoral de pessoas sensíveis e abertas à dinâmica da Revelação em
suas vidas, na história, nas orientações do Magistério e nas questões específicas de
cada comunidade local. A busca comum é de responder em cada ambiente ao
convite de Deus para o mundo de hoje. De uma forma geral, não foram fruto de
um replanejamento burocrático ou institucional, mas como compreensão de que a
ação catequética eclesial é lugar central de conversão, amadurecimento na fé e
caminho ao testemunho missionário e compromisso vital
311
.
Sublinhamos a afirmação de Floristán Samanes: Hoje tratamos de passar
de um Cristianismo convencional a um Cristianismo de convicções. Os ltiplos
aspectos desse passo fundamental são de grande envergadura”
312
. Conceber o
Catecumenato como processo de Iniciação Cristã implica pensá-lo em suas
diversas dimensões, etapas, agrupamentos, acompanhamento, conteúdos, liturgia.
E, para tanto, o catecumenato necessita ser repensado em função de toda a
comunidade. É a comunidade inteira que se situa em regime catecumenal, ao
compreender-se como grupo cristão em estado de abertura e diálogo com o
Mistério que se revela na hisria.
Desta concepção decorre também uma mudança de enfoque da ão
paroquial e seus consequentes planejamentos pastorais, passando de uma ação de
caráter sacramental-cultual para o enfoque evangelizador e missionário, em que a
Iniciação Cristã tem papel central. “O espírito comunitário deve ser constitutivo
309
Segundo Floristán Samanes, as análises devem ser feitas sempre de forma a considerar a
comunidade e não apenas o movimento catecumenal isoladamente. Para esta análise se dedicaram
J. Vela, Floristán Samanes, D. Borobio. Cf. GARZÓN, J.J. op. cit, pp. 52-54.
310
O trabalho de J.J.Calles Garzón, em Catecumenado y Comunidad Cristiana en el Episcopado
español (1964-2006), apresenta uma análise detalhada das experiências catecumenais na Espanha.
Cf. GARZÓN, J.J. op. cit., pp. 50-84; 103-120; 137-156; 187-209; 234-251.
311
Cf. TAMAYO-ACOSTA, J.J. Un Proyecto de Iglesia para el futuro en España. Madrid, 1978,
p. 138.
312
Cf. FLORISTÁN SAMANES, C. Necesidad del Catecumenado. In: Pastoral Misionera 9,
Madrid: Editorial Popular, 1973, p. 388.
fundamental da paróquia
313
”. Neste sentido, a Igreja da Espanha entra numa
percepção do catecumenato como uma peça-chave de sua eclesiologia de
comunhão. A Iniciação Cristã retoma a vocação de todo batizado e a incorpora
como dinâmica original e específica da comunidade eclesial. Sob o influxo do
Concílio Vaticano II, responde à demanda de uma Iniciação Cristã fundada nos
eixos cristológico e eclesiológico: no mistério pascal e no seguimento pessoal e
comunitário de Jesus Cristo.
É de particular importância que todos os cristãos tenham consciência da
dignidade extraordinária que lhes foi conferida no santo Batismo: pela graça
somos chamados a tornarmo-nos filhos amados do Pai, membros incorporados
em Jesus Cristo e na Sua Igreja, templos vivos e santos do Espírito.
(...) Esta ‘novidade cristã” dada aos membros da Igreja, ao constituir para todos a
raiz da sua participação no múnus sacerdotal, profético e real de Cristo e da sua
vocação à santidade no amor, exprime-se e realiza-se nos fiéis leigos segundo a
índole secular’ que lhes é própria e peculiar.
A conscncia eclesial comporta, juntamente com o sentido da comum dignidade
cristã, o sentido de pertencer ao mistério da Igreja-Comunhão: este é um aspecto
fundamental e decisivo para a vida e para a missão da Igreja
314
.
No Brasil, o tema da Iniciação Cristã de Adultos ganha centralidade na
Segunda Semana Brasileira de Catequese, e aponta para a emergência de uma
experiência marcada pelos seguintes elementos:
1. Uma eclesiologia de comunhão e participação, fraterna, menos
burocrática e formal;
2. Uma espiritualidade bíblica bem fundamentada;
3. Uma comunidade solidária e engajada na construção de um mundo de
dignidade humana e paz, sem exclusões
315
.
O tema da Catequese vinha sendo trabalhado intensamente no Brasil,
desde 1983, quando foi realizada a Primeira Semana Brasileira de Catequese, e foi
publicado o documento Catequese Renovada, Orientações e Conteúdos. Nesta
Segunda Semana Brasileira, realizada em 2001, o foco na Catequese com Adultos
deflagrou uma caminhada significativa para a catequese no Brasil e definiu uma
sintonia com a caminhada da Igreja na Europa com relação ao tema da Iniciação
Cristã de Adultos.
313
Id., Para compreender la Parroquia. Estella: Verbo Divino, 1994, p. 67.
314
CL 64.
315
CNBB. Com Adultos, Catequese Adulta. op. cit., n. 27.
A descoberta da dimensão comunitária da Iniciação Cristã como
substancial embasa um novo momento eclesial. Como mistério de comunhão
vivido em comunidade, a Igreja entra num processo de amadurecimento desta sua
razão de ser resgatada e dinamizada pelo Vaticano II. Na pastoral catecumenal
surgem diversas formas de Catequese com Adultos, de inspiração catecumenal,
valorizando o entrosamento e a participação de toda a comunidade na Iniciação
Cristã. Resgatar uma experiência cristã dos primeiros tempos não é tarefa simples
para as comunidades. Além de significar uma mudança no paradigma do
catecumenato, é um processo que exige a integração de elementos fundamentais
para a ICA, como um tecido comunitário.
A mudança na concepção de Catequese de Adultos para a de
Catecumenato com Adultos é, para toda a Igreja, uma mudança significativa e
paradigmática. Provoca reações, revisões, resistências e a necessidade de uma
reflexão de base que reveja os conceitos que fundamentam a concepção teológica
e pastoral do processo de ICA. Vejamos algumas questões centrais que têm estado
presentes nas reflexões sobre o tema.
1. Repensar o catecumenato em função de toda a comunidade. A tomada
de consciência do vínculo entre comunidade-catecumenato, reconhecendo que o
processo de descoberta e de crescimento na pessoal é inseparável do processo
de crescimento por parte da comunidade eclesial, e vice-versa;
2. Reconhecer que as transformações que afetaram a sociedade
contemporânea também estão presentes nas comunidades eclesiais, enquanto
instituições inseridas na história, no seu contexto e paradigmas vigentes;
3. O papel evangelizador e missionário da comunidade como referencial,
reorientando a chave em torno do qual a comunidade se compreendia e se
organizava até então, que poderia se situar no caráter sacramental-cultual, na
formação, na catequética, na ação sócio-política;
4. Para uma nova evangelização’ é necessário um novo tipo de
evangelizador, que encarne em sua concepção teológica e prática pastoral, os
elementos que fundamentam a ICA
316
;
316
Em um de seus discursos para os evangelizadores da Europa, o Papa João Paulo II, alerta para
esta questão: “as mudanças sociais são de tamanha grandeza que significam o desafio mais radical
que a história já conheceu, no cristianismo e na Igreja. (...) Pedem uma nova ntese criativa entre
Evangelho e vida, o que, entre outras coisas, requer evangelizadores particularmente preparados:
arautos do Evangelho, mestres em humanidade, que conheçam ao fundo o coração do homem de
5. A necessidade de reavaliação das práticas pastorais da ICA implica em
atitudes dialógicas, de abertura às comunidades locais, às interpelações sociais e
orientações do Magistério, ou seja, envolve atitudes concretas de compreensão,
humildade, respeito, capacidade de reconhecimento de erros e planejamentos
criativos e flexíveis;
6. Entrar em um movimento progressivo para uma eclesiologia de
comunhão, com o consequente reconhecimento da vocação de todos os batizados,
da dimensão de diakonia e a valorização de cada ministério, elaboração
participativa da identidade cristã e de seu caráter missionário.
Impulsionadas pela demanda por uma eclesiologia de comunhão
encontramos o surgimento das pequenas comunidades cristãs. Reconhecidas pelo
Papa Paulo VI, na Evangelii Nuntiandi, se tornaram “destinatárias da
evangelização e, ao mesmo tempo, evangelizadoras no próprio interior da Igreja.
Ao mesmo tempo, assinalam os critérios de discernimento eclesial: a Palavra de
Deus como alimento, unidade com a Igreja local e universal, comunhão com os
pastores, crescendo no compromisso missionário e na abertura ao diálogo com as
culturas e expressões religiosas
317
.
A Conferência Episcopal Latino-americana em Puebla, em 1979,
prossegue no reconhecimento das comunidades de base como lugar privilegiado
de vivência da fraternidade e fonte de ministérios laicais, catequistas e
missionários. São experiências relevantes que respondem a questões atuais e
implementam uma nova evangelização. São também espaços de valorização do
novo processo catecumenal, que alcançam o mundo adulto de forma concreta,
com expressões e estruturas próprias em cada comunidade local.
A obra evangelizadora que se realiza na catequese exige a comunhão de todos.
Esta comunhão requer a ausência de divisões, o encontrar-se numa fé adulta e
num amor evangélico. Uma das metas é precisamente a construção da
comunidade (...) para que a Igreja edifique a Igreja. Esta é sempre evangelizada e
evangelizadora
318
.
hoje, participem de suas alegrias e esperanças, angústias e tristezas e, ao mesmo tempo, sejam
contemplativos enamorados de Deus”. Discurso dirigido aos participantes do VI Simpósio dos
bispos da Europa, em 11 de outubro de 1985, em audiência privada. Cf. JOÃO PAULO II. Europa
debe recordar siempre sus raíces cristianas. In: Ecclesia, no. 2.242, pp. 8-13.
317
Cf. EN, n. 58.
318
Conclusões da Conferência de Puebla. Evangelização no presente e no futuro da América
Latina. São Paulo: Paulinas, 1979, n
os
. 799-800.
A valorização da pastoral catecumenal e comunitária está presente nos
documentos do Magistério com acento determinante na evangelização integral,
englobando a todos batizados e não batizados -, em diálogo atento e criativo
com as diversas realidades. Neste dinamismo fecundo ousamos diagnosticar uma
recuperação do caráter mistagógico do processo catecumenal, ainda a passos
lentos e cautelosos, mas como sinal de uma nova compreensão de Iniciação
Cristã, fundada na sua experiência fontal e em diálogo com o mundo s-
moderno.
Para uma síntese desta etapa recordemos as linhas-força que começam a se
destacar, dando certa unidade teológica e pastoral às muitas experiências de ICA
no Brasil e na Europa.
1. O vínculo entre iniciação e catecumenato, provocando na ICA uma
dinâmica pedagógica e inspirada no catecumenato dos primeiros séculos;
2. Uma ICA que se oriente para a identidade crística;
3. A compreensão de ICA como itinerário vital, ou seja, como processo
dinâmico, gradual e contínuo, em que se integram as dimensões da pessoa e suas
relações interpessoais, sócio-comunitárias e ambientais;
4. A mudança na concepção de catecumenato como processo cognoscitivo
para a concepção de caminho mistagógico, de amadurecimento integral e
configuração da própria vida em Jesus Cristo;
5. A presença dos elementos da ICA de forma integrada: acolhida,
oração pessoal e comunitária; escuta e hermenêutica da Palavra de Deus; ritos,
celebrações litúrgicas e sacramentais; acompanhamento pessoal e comunitário;
leitura e hermenêutica existencial, orientação ética e conversão processual; missão
e testemunho;
6. Preocupação com a formação permanente dos orientadores, assim
como o reconhecimento e preparação de novos orientadores;
7. Construção de uma eclesiologia de comunhão, integrando toda a
comunidade na dinâmica catecumenal, através da formação permanente, acolhida
e acompanhamento dos catecúmenos e, principalmente, tornando-se comunidade
viva, espaço próprio e privilegiado da ICA;
8. Avaliação, revisão e planejamentos sistemáticos, mediante escuta e
hermenêutica da ppria comunidade, orientadores, orientações do Magistério e
experiências eclesiais.
As experiências eclesiais de ICA vêm se tornando um espaço de renovação
para toda a Igreja, construindo um novo rosto de Igreja, como comuno de
comunidades; e uma nova compreensão de catecumenato, como caminho integral
e contínuo de seguimento de Jesus. Nessa dinâmica a Igreja vem experimentando
uma necessária e fecunda integração entre antropologia-cristologia-eclesiologia
como eixos teológicos fundamentais para a ICA.
Conclusão
A Iniciação Cristã de Adultos é um processo, um itinerário de ingresso em
uma vida nova, orientada por um dinamismo, pelo qual a pessoa humana toma
consciência da presença de Deus em sua existência pessoal e no mundo.
Essa tomada de consciência não se através da adesão a um conjunto de
verdades doutrinárias, mas mediada pela experiência de encontro com Deus, que
ecoa no profundo do próprio ser. É Deus mesmo quem se achega à pessoa humana
e a convida a abrir-se para o Mistério que a configura e dá sentido à sua vida.
Ocorre um engajamento dinâmico da pessoa, em todas as suas dimensões, na ação
salvífica de Deus na história da humanidade. Por isso, não somos os criadores
dessa experiência, mas aqueles que a recebem, a acolhem e são convidados à
resposta livre e processual.
A Iniciação Crisé, portanto, um caminho e uma experiência, é realidade
existencial e, por isso mesmo, abrange a dimensão subjetiva e a dimensão
comunitária.
A Iniciação Cristã se dá em comunidade e pela comunidade. É pessoal e
comunitária. É configuração de cada pessoa em Jesus Cristo, inserida em uma
comunidade que vive o seguimento de Jesus, também enquanto trajeria e, ao
mesmo tempo, se torna testemunha da vida nova que experimenta mesmo que
ainda não plenamente.
Em função desse dinamismo dialético, a Iniciação Cristã de Adultos é
fonte de renovação para toda a comunidade eclesial, tanto para a comunidade
local, como para a Igreja universal. A comunidade eclesial, os catecúmenos e os
ritos e celebrações sacramentais possuem sua fonte geradora no Mistério Pascal.
Entre estes elementos se uma relação dialógica permanente e processual, que
insere cada pessoa em uma direção da qual brota o seguimento e o processo de
conversão, a missão e o testemunho.
Pessoa e comunidade estão inseridas na sociedade, sob o influxo de uma
mudança de paradigma que redireciona os valores e as escolhas fundamentais
humanas e sociais. O paradigma moderno se volta para o crescimento cienfico e
tecnológico, fundado em uma relação antropocêntrica e em um modelo
mecanicista do universo. O tempo no qual a religião era tradicionada na família e
confirmada pelas demais instituições foi substituído por seu paradoxo. A
Modernidade centrada no indivíduo, no pensamento racional, nas relações
descompromissadas, transitórias, na busca pela ciência, pela tecnologia, pelo
primado do ‘tersobre o ‘ser’, não acolhe a experiência religiosa. Ao contrário,
em um primeiro momento afasta a religião, considerando-a pensamento ingênuo
Em um segundo momento, a resgata com um perfil diferente, como religiosidade,
não mais na fidelidade e continuidade herdada pela tradição, mas construindo
configurações mistas, centradas em uma subjetividade intimista e funcional.
Contudo, a realidade não se mostrou uniforme, mas multifacetada; não é
linear, e sim, complexa. O pensamento racional não deu conta da construção do
conhecimento, e o pensamento intuitivo emerge reclamando a experiência direta,
não-linear, sintetizadora. Também a concepção de pessoa humana foi afetada por
esta nova percepção. A pessoa humana não é a medida de si mesma, não constitui
sua identidade de forma isolada, mas, ao contrário, por meio de suas relações
interpessoais e com o meio ambiente. Ora, a relação dialógica é fundamental no
Cristianismo. A História da Salvação nos revela um Deus que é comunicação,
comunhão trinitária, aproximação, sensibilidade, misericórdia, fidelidade.
Temas como a tradição, a alteridade e a intersubjetividade são retomados
por autores contemporâneos que analisam a complexidade deste processo. A crise
da racionalidade moderna e antropocêntrica é mola propulsora de novas
transformações. Nesse movimento, a tradição é incorporada às práticas presentes
de uma forma dialógica e criativa; as pessoas partilham significados e práticas em
uma circularidade hermenêutica e fundadora de novos significados.
Todo este panorama interpela o processo da Iniciação Cristã de Adultos,
no sentido de conduzi-lo à revisão de seus fundamentos teológicos, ao resgate de
sua identidade primeira e à busca de uma configuração que dialogue com as
questões apresentadas pela sociedade atual. O Magistério eclesial, atento às
interpelações dessa realidade, vem orientando a caminhada da Igreja para uma
‘nova evangelização’. Também o fórum relacionado à Iniciação Cristã de Adultos
está sob a ótica dessa reflexão eclesial. A Igreja exorta as comunidades a terem na
Iniciação Cristã sua prioridade, sua referência e vocação primeira. Ou seja, a
resgatarem sua identidade crística, de abertura à graça de Deus e de resposta no
seguimento de Jesus, avançando para o anúncio querigmático a todo homem e
mulher.
Em suas orientações para a Iniciação Cristã de Adultos, o Magistério e os
teólogos pastoralistas e liturgistas, encontram nas fontes da Tradição os elementos
fundantes e dinamizadores deste processo. Ao compreenderem o caráter dinâmico
da Iniciação Cristã, os Padres da Igreja desenvolveram um itinerário que integrava
a experiência dialógica entre Deus e o ser humano, a experiência litúrgico-
sacramental e a experiência eclesial
319
.
As comunidades locais, em muitos países, vêm avaliando esse processo
pastoral-pedagógico e implementando revisões, tanto no que diz respeito à
fundamentação teológica, como ao debate interdisciplinar e à metodologia
pedagógica que melhor responda à pessoa humana e às comunidades locais. É
tempo de repensar a Iniciação Cristã de Adultos, não mais tendo por base a
transmissão doutrinária ou as dinâmicas tradicionais de socialização, mas
buscando novos e verdadeiros itinerários mistagógicos. Enfim, seu eixo
referencial é o Mistério de Deus que rege nossas vidas, portanto, iniciar na
cristã significa acolher o Espírito e, sob seu sopro renovador encontrar respostas
pessoais e comunitárias que fecundem esse processo.
A Iniciação Cristã de Adultos vive um momento de resgate da sabedoria
fontal, sob o dinamismo do Espírito de Jesus Cristo vivo, experimentado pelas
primeiras comunidades cristãs, pela evangelização apostólica e avançando para
novos mundos com o anúncio da Boa Nova.
Prosseguiremos, portanto, no caminho de bebermos nas fontes da
Patrística, especialmente na sabedoria de Cirilo de Jerusalém ao dialogar teológica
e pastoralmente com as comunidades cristãs e suscitar a experiência do encontro
com Jesus Cristo, por meio de suas Catequeses Pré-Batismais e Mistagógicas.
319
O movimento de ‘volta às fontes’, entendido como um processo de ‘releitura’, em que o
passado responde às perguntas que o presente coloca, tem como ‘lugares teológicos’: a Escritura, a
liturgia, os Padres, o Magistério. Cf. BOFF, Lina. Espírito e Missão na Teologia. op. cit., p. 102.
2
A MISTAGOGIA EM CIRILO DE JERUSALÉM
E o fim de todas as nossas explorações
será chegar ao lugar de onde saímos
e conhecê-lo
então
pela primeira vez.
T.S. Eliot
O tema da mistagogia nos conduz à teologia desenvolvida pelos Santos
Padres. Uma teologia que envia à Liturgia, à pedagogia divina, à dinâmica da
Revelação, à como experiência pessoal e comunitária, à Igreja como
sacramento de Jesus Cristo no mundo. Compreendemos que, seja qual for o
campo de atuação pastoral, deve haver uma pedagogia própria que perpassa a ação
evangelizadora. Uma pedagogia que se dá a partir de um dlogo que Deus vai
tecendo amorosamente com cada pessoa e com cada comunidade e que se torna
como um “eco” desta autocomunicação divina, uma mediação entre a ação divina
e a realidade pessoal, histórica e social
320
.
Perguntamo-nos, então, como se desenvolveu o processo de evangelização
na caminhada inicial da Igreja. Teriam, os primeiros discípulos, na sua prática de
anunciar a Boa Nova, uma pedagogia própria? Ao estruturar o catecumenato
primitivo, os Padres da Igreja estavam atentos à dinâmica da Revelação?
Poderíamos encontrar na experiência fontal da Igreja dos primeiros séculos a
orientação que buscamos para a ação evangelizadora hoje?
Buscando nas fontes mais antigas e primeiras da tradição eclesiástica,
encontramos uma experiência da iniciação à cristã que é fonte da sabedoria
patrística: a experiência mistagógica de Cirilo de Jerusalém, presente em suas
homilias voltadas aos catecúmenos e aos neófitos, em fins do século III e no
culo IV.
Contudo, a teologia dos Padres bebe nas fontes primitivas, na Igreja dos
primeiros tempos e na evangelização apostólica: momento primeiro e fundante do
Cristianismo, caracterizado fortemente pela obra do Espírito Santo, que suscita e
vivifica a comunidade nascente, age nela e por ela. A Igreja dos primeiros séculos
é missionária porque vive a experiência forte e revolucionária do mistério pascal,
320
Cf. DGC n. 144.
e não pode fazer outra coisa a não ser transmiti-lo como novidade e alegria. “Cada
batizado era, para seu ambiente, uma testemunha”
321
.
Esta teologia torna-se normativa para a prática evangelizadora de todos os
tempos e situações. Nela encontramos a dinâmica da Revelação vivida sob o
impulso das expectativas, das resistências e dos desafios do ambiente de vida em
que a comunidade experimenta os primeiros passos e interpelações ao
Cristianismo diante do cotidiano e do mundo. É uma teologia que nasce no seio
vivo de uma comunidade a caminho e, no entanto, sob o impulso renovador e
transformador de todas as estruturas: a Ressurreição de Jesus Cristo
322
.
A Igreja nascente, seguindo a trajeria da evangelização apostólica,
dedicava grande cuidado à iniciação à fé cristã e seguimento de Jesus. A atividade
que se iniciou com a pregação missionária passou por um processo de organização
e de estruturação e veio a se tornar uma instituição eclesial, denominada
catecumenato
323
. O Cristianismo primitivo passa a empregar o termo específico
katecheo,
324
que significa, basicamente, ensinar de “viva voz” sobre a ação
salvífica de Deus. Segundo esta concepção, o ensinamento catequético é como um
eco, o ressoar da Palavra de Deus mediante a voz do catequista. Na verdade, a
catequese era tida como a transmissão viva do depósito de da Igreja aos novos
membros que a ela se agregavam
325
. O catecúmeno seria aquele que está sendo
iniciado nessa “escuta”, não de uma palavra qualquer, mas da Palavra de Deus
326
.
O catecumenato tem início na metade do século II, como uma preparação
adequada a fim de promover desde seu início uma vida cristã responsável e
madura e, por outro lado, como fundamentação aos que ingressavam na cristã
em um momento em que as perseguições exigiam convicção e firmeza no
testemunho da fé. No culo seguinte, a experiência catecumental estaria presente
em todas as comunidades eclesiais, ocupando muitos espos geográficos da
321
PADOVESE, L. Introdução à Teologia Patrística. São Paulo: Loyola, 1999, p. 184.
322
Cf. FORTE, B. A teologia como companhia, memória e profecia. op. cit., p. 85.
323
Os primeiros testemunhos sobre a instituição do catecumenato encontram-se no século II.
Contudo, se estrutura no século III, com a herança do processo de evangelização recebido pela
missão apostólica e também pela missão do próprio Jesus. Cf. Cf. LOPES, J. Catecumenato. In:
FIORES, S. G. T. (org.) Dicionário de Espiritualidade. o Paulo: Paulus, 1998, p. 100;
PEDROSA, V. op. cit., p. 144; Cf. BOLLIN, A. e GASPARINI, F. A catequese na vida da Igreja.
o Paulo: Paulinas, 1998, p 42.
324
O conceito de katechéô apresenta no Novo Testamento os primeiros esboços do significado
específico que obterá enquanto instrução cristã na fé. Cf. Rm 2,18; 1Cor 14,19; Gl 6,6.
325
Cf. SANTANA, L. F. R., Batizados no Espírito. A experiência do Espírito Santo nos Padres da
Igreja. São José dos Campos: COMDEUS, 2000, p. 14.
326
Cf. LOPES, J. op. cit., p. 99.
Igreja, no Oriente e no Ocidente. Não se trata, portanto, de um fenômeno
localizado, mas de uma prática pastoral amplamente difundida em toda a Igreja
327
.
O catecumenato delineava-se como uma instituão ao mesmo tempo
lirgica e catequética. Em seu planejamento constava a instrução na doutrina dos
Apóstolos, a formação da pessoa através de ritos, orações, prática da fraternidade
e a formação em vista da superação de situações que não condiziam com a
cristã
328
.
A estrutura do catecumenato nasce como continuidade à práxis das
comunidades apostólicas e de um esforço pastoral que vai amadurecendo aos
poucos. Esta estrutura comporta a preocupação inicial de preparar bem os
candidatos aos sacramentos da iniciação cris
329
Batismo, Crisma e Eucaristia -,
a exortação ao discernimento comunitário quando da entrada de novos candidatos
e à consciência do significado de ser cristão, a exigência da conversão e da
coerência de vida
330
.
Enfim, no Cristianismo primitivo, chegar a ser cristão não foi entendido
como o resultado de um acontecimento repentinamente transformador da pessoa,
como uma reação automática ao anúncio evangélico e à formação catecumental, e
sim como fruto de um processo lento, gradual, marcado pela experiência dialogal
da Revelação na vida pessoal e comunitária, chamado de iniciação cristã.
O catecumenato era compreendido como um processo de Iniciação Cristã.
Inicialmente voltado para a exigência de uma preparação adequada àqueles que
aderiam ao Cristianismo, o catecumenato visava o processo de conversão, desde a
mudança de pensar, sentir e agir em ordem à nova vida de fé, esperança e caridade
que se conhecia e abraçava, como também a obediência à Igreja e a participação
nos sacramentos.
Segundo o mais antigo testemunho dos Padres da Igreja, uma vez tendo sido
proclamado o kerigma, a tarefa mais urgente e imediata da comunidade cristã era
a de preparar os futuros crentes, através de um conjunto de instruções essenciais
327
Ibid.
328
Cf. PEDROSA, V., op. cit., p. 144.
329
Até alcançar a estrutura catecumenal presente na Tradição Apostólica de Hipólito de Roma, o
catecumenato vive etapas anteriores cujos traços encontramos nas Apologias de Justino, como
também na Didaqué e no Pastor de Hermas e nas obras de Irineu de Lyon. Cf. HIPÓLITO DE
ROMA.Tradição Apostólica. Trad. da versão latina e notas por NOVAK, M. G. Petrópolis:Vozes,
1971; BIHLMEYER, K. e TUECHLE, H. História da Igreja. vol. 1, São Paulo: Paulinas, 1964,
pp. 172-194.
330
Cf. LIMA JÚNIOR,J. Evangelização, catequese e liturgia. São Paulo: Paulinas, 1992, pp. 46-
47.
que ampliasse e aprofundasse, ao mesmo tempo, os elementos semeados ao longo
do ancio da Pessoa de Jesus
331
.
A partir do século III o processo educativo-comunitário em preparação ao
Batismo se mostra mais exigente e está estruturado em suas grandes linhas,
sobretudo no que diz respeito à preparação para a celebração sacramental
332
. No
entanto, esta estrutura ganha corpo e culminância no século IV, quando a Igreja
vive um momento histórico excepcional, de expansão e de crescimento, atraindo
um grande número de adeptos desejosos de receber o sacramento do Batismo. Por
outro lado, a Igreja se percebe ante a necessidade de consolidar a formação de
seus mais novos fiéis frente às interpelões trazidas pela diversidade cultural e
pelas interpretações teológicas que se contrapunham às orientações da Igreja
333
.
Com relação à estrutura do catecumenato do terceiro século, o século
seguinte pouco acrescenta. Nota-se a aparição de algumas cerinias
complementares mas, em suas grandes linhas, a instituição já está fixada. No
entanto, problemas novos se apresentam: o Batismo de crianças se torna mais
frequente; cresce o número de pagãos que querem se converter devido a ser a
religião imperial, mas não querem mudar de vida, prolongando a duração do
catecumenato para atrasar o Batismo
334
.
Nosso foco nesta estrutura catecumenal é a teologia subjacente à prática
dos Padres da Igreja, da qual priorizamos Cirilo de Jerusalém. É da teologia
subjacente às práticas e orientações para a Iniciação Cristã em Cirilo de Jerusalém
que extraímos a essência do seu pensamento sobre este processo e, a partir daí,
331
SANTANA, L.F. op. cit., p. 14.
332
Cf. PEDROSA, V., op. cit., p. 144.
333
Este momento histórico que constitui o império cristão é conhecido como a virada
constantiniana”. Após a convero do Imperador Constantino, o Edito de Milão possibilita que a
religião cristã se torne uma religião oficial de unanimidade. O Cristianismo já havia se estendido
por todo o Império Romano, suas províncias orientais, como também fora dos limites do império.
Para o Império esta relação resulta em uma nova forma de legitimação da ordem vigente,
sacralizando-a e contando com a Igreja para garantir a hegemonia do sistema. “A Igreja, de
perseguida, tornou-se ‘triunfante’. Se por um lado se dava a instrumentalização da Igreja, por
outro, a Igreja se tornava a força potico-ideológica mais importante do império, depois do
Estado”. A alteração constantiniana conduz a um aumento daqueles que pedem para entrar no
catecumenato, com motivações não piedosas, mas a fim de conquistar a simpatia dos poderosos e
os favores decorrentes. Assim, o catecumenato entra em um período muito diferente, e vive um
momento de decadência com relação à conversão ao Evangelho e à mudança de vida. Também se
multiplica o batismo de crianças, o que, pouco a pouco, limita ainda mais o caminho catecumenal.
Cf. COSTA, R. F. As Cruzadas. In: BINGEMER, M.C.L., (org.), Violência e Religião. São Paulo:
Loyola, 2001, p. 139; GOMES, F. J. S., A Igreja e o Poder: representações e discursos. In:
RIBEIRO, M. B. (org.) A vida na Idade Média. Brasília, UNB, 1997, p. 33; BOLLIN, A. e
GASPARINI, F., op. cit., p. 40-47.
334
Cf. GOMES, F. J., op. cit., p. 34.
podemos resgatar esta experiência como referencial, fonte fecunda e renovadora
para a atual Iniciação Cristã de Adultos.
2.1
A mistagogia como eixo referencial do Catecumenato dos culos III
e IV
No catecumenato antigo, a Iniciação Cristã foi orientada como um
caminho de introdução, abertura e diálogo com o Mistério de Deus. O princípio
fundante e dinamizador do caminho é o próprio Deus que se revela na história a
cada homem e mulher, em seu tempo e lugar.
A espiritualidade, a liturgia e pedagogia são dimensões integradas no
caminho de Iniciação Cristã na Igreja dos séculos III e IV. A relação dialógica
entre estas três dimensões fundamentais do processo de Inicião Cristã ocorre
porque os Padres da Igreja possuem uma teologia de fundo: a mistagogia.
Segundo E. Mazza, a mistagogia foi conhecida na tradição como a
explicação teológica do fato sacramental ou dos ritos que comem a celebração
lirgica, contudo é muito mais do que um gênero literário
335
ou uma metodologia
pastoral-litúrgica. A mistagogia é a teologia dos primeiros tempos
336
.
No capítulo anterior trouxemos uma noção inicial da mistagogia,
compreendida como fundamento e caminho do processo de Iniciação Cristã, como
teologia e pedagogia. É teologia porque, no horizonte sapiencial dos Padres da
Igreja, percebemos que a mistagogia é a teologia que fundamenta suas reflexões e
sua compreensão de Iniciação. É pedagogia porque, em decorrência desta
compreensão, são definidos os passos e procedimentos nesta trajetória.
Neste capítulo retomaremos o horizonte no qual a mistagogia cristã se
originou, e como foi desenvolvida na teologia e pedagogia de Cirilo de Jerusalém.
Nosso trabalho abraçará quatro momentos: a partir do termo mistagogia’, sua
estrutura etimológica e desenvolvimento semântico pelos Padres da Igreja nos
culos III e IV; uma breve trajetória pela vida e obra de Cirilo de Jerusalém a fim
335
As homilias mistagógicas foram categorizadas como um gênero literário, peculiar naquele
momento e que não retornou em outros momentos da história da Igreja. Cf. MAZZA, E. La
Mistagogia. Una Teologia della Liturgia in epoca patristica. Roma: Centro Liturgico
Vincenziano, 1988, pp. 6-7.
336
MAZZA, E. op. cit., p.5.
de compreendermos o contexto no qual desenvolve suas Catequeses; a releitura
das Catequeses Mistagógicas procurando ‘ouvir’ as palavras de Cirilo e
compreender suas orientações mistagógicas; e, finalmente, estabeleceremos um
diálogo com as Catequeses Mistagógicas procurando perceber a teologia
subjacente a essas pregações e elementos-chave de seu processo mistagógico.
O termo mistagogia tem sua origem em dois vocábulos gregos: mystes, que
significa mistério, e agein, que significa conduzir
337
. Mistagogia vai adquirir o
sentido de conduzir através do mistério’, ‘iniciar ao conhecimento do mistério’.
Este novo termo, construído na conjugação destes dois vocábulos, carrega em si
um sentido profundo: o enraizamento no conceito de mistério e a ação mediadora,
de aproximação deste mesmo mistério
338
.
A palavra ‘mistagogia’ também aparece nos cultos pagãos conhecidos
como cultos mistéricos -, contudo, não podem ser concebidos como análogos à
mistagogia
339
dos Padres do III e IV séculos
340
. Veremos algumas possibilidades
que o termo mistagogia evoca no contexto mais relevante para nosso trabalho: a
Iniciação Cristã
341
.
Etimologicamente possui o sentido de ser conduzido para o interior dos
mistérios, e, na Iniciação Cristã, para o Mistério que é Cristo em s, esperança
da glória” (Cl 2,19)
342
. Na antiguidade cristã, o termo ‘mistagogia’ designa,
sobretudo, a explicação teológica e simbólica dos ritos lirgicos da iniciação, em
particular do Batismo e da Eucaristia
343
. Outro sentido para a mistagogia está
337
Mistério + conduzir = Um substantivo e um verbo que, conjugados, inauguram um novo
significado ou mesmo novos significados. Dependendo do contexto, a conjugação destes dois
vocábulos nos leva à polissemia do termo.
338
Cf. SCHREIBER, B. La mistagogia. In: ANCILLI, E. e PAPAROZZI, M. La Mistica.
Fenomenologia e riflessione teológica. Roma: Città Nuova, 1964, p. 363.
339
Os termos mustagwgšw (mystagôgéô)e mustagwg…a (mystagôgía) possuem sua origem nos
rituais pagãos, indicavam o culto aos mistérios pagãos com uma prévia iniciação. Aparecem
sempre relacionados a contextos sagrados e em estreita conexão com mysterion, mystikos e mystes.
Ao usarem esta terminologia, os Padres da Igreja reconhecem o quanto são significativos e
expressivos para designarem o processo da Iniciação Cristã e, passam a utilizá-los de acordo com
os fundamentos teológicos do Cristianismo. Cf. FEDERICI, T. La mistagogia della Chiesa. op.
cit., p. 181 e MAZZA, E. La Mistagogia. Una Teologia della Liturgia in epoca patristica. Roma:
Edizioni Liturgiche, 1988, p. 13.
340
Cf. CASPANI, P. La pertinenza historica della nozione di iniziazione cristiana. Milano:
Edicion Glossa, 1999, pp. 122-123.
341
Cf. FEDERICI, T. op. cit., p. 181.
342
Cf. TABORDA, F. Nas fontes da vida cristã.o Paulo: Loyola, 2001, p. 32.
343
Cf. LA BROSSE, O.HENRY, A. e ROLLARV, P. (dir.) Dicionário de Termos da Fé.
Aparecida, Santuário e Porto: Editorial Perpétuo Socorro, original francês de 1989.
relacionado à ação sacramental, que configura o neófito como nova criatura,
renascido pela água do Batismo e alimentado com o Pão da Vida
344
.
São os Padres Capadócios
345
os primeiros a aplicarem o termo mistagogia
às ações sacramentais do Batismo e Eucaristia. Em Gregório de Nazianzo, o termo
mistagogia indica a ação sacramental em três expressões: o Batismo, a Eucaristia
e o ministério presbiteral, visto como exercício da mistagogia, que o sacerdote
cumpre em nome de Cristo, em virtude de sua ordenação
346
.
Em Cirilo de Jerusalém, o termo emerge em situações diferentes. Nas
Catequeses Pré-Batismais e nas Catequeses Mistagógicas
347
indica tanto a
celebração dos sacramentos
348
como as instruções que se seguem
349
. Cirilo utiliza
o termo mistagogia também em algumas tipologias, designando uma ação de
salvação, proveniente de alguém que acolhe o Mistério de Deus e se torna
mediador deste Mistério
350
.
Ambrósio de Milão
351
apresenta suas homilias de caráter mistagógico
sempre depois dos sacramentos da Iniciação Cristã. Suas explicações pressupõem
344
Nos sacramentos da iniciação Batismo, a Confirmação e a Eucaristia se cumpre
sacramentalmente o dom total da Salvação, a objetiva comunicação do mistério de Deus. Neles, o
fiel é completamente inserido na economia da Salvação, em Cristo e pelo Espírito Santo, como
dom único e irrevogável. Cf. CERVERA, J. C. La Mistica dei sacramenti dell’iniziazione
Cristiana. In: ANCILLI, E.; PAPAROZZI, M. La Mistica. Fenomenologia e riflessione teológica.
Roma: Città Nuova, 1964, p. 77.
345
Basílio Magno (329-379), Gregório de Nissa (335-394) e Gregório Nazianzo (330-390) são
conhecidos por terem desenvolvido diversos temas doutririos com ênfase na doutrina da
Santíssima Trindade, no entanto, aqui nos interessa o testemunho das Igrejas da Capadócia sobre
seu programa teológico e catequético. Cf. ROMERO POSE, E. Catequesis en la época patrística.
In: VVAA. Nuevo Diccionario de Catequética. Madrid: San Pablo, 1999, p. 368.
346
Cf. CASPANI, P. op. cit., p. 126.
347
As dezoito Catequeses Pré-Batismais e as cinco Catequeses Mistagógicas são a obra
catequética atribuída à Cirilo de Jerusalém. O primeiro grupo de Catequeses é dirigido aos
catecúmenos que participarão do Sacramento do Batismo e o segundo grupo, as Mistagógicas, é
dirigido aos recém-batizados. Neste mesmo capítulo veremos de forma mais detalhada a questão
das obras de Cirilo e o debate quanto à autenticidade de sua autoria.
348
Nas Catequeses Pré-Batismais, o eixo mistagógico de Cirilo pode ser identificado nas
explicações homiléticas sobre a Profissão de e sobre o Pai Nosso. Nas Catequeses
Mistagógicas, como o pprio nome diz, estão centradas no sentido mais profundo das realidades
sacramentais das quais os neófitos participaram na noite da Vigília Pascal. Mais adiante, veremos
pormenorizadamente o tratamento mistagógico que Cirilo dá a cada um desses momentos da
Iniciação Cristã.
349
As homilias mistagógicas se propunham a explicar aos neófitos as ações litúrgicas das quais
participaram. Eram pronunciadas após os sacramentos, em um tempo determinado, propício para a
compreensão dos mistérios sacramentais.
350
Na Quinta Catequese Mistagógica, Cirilo fala em Davi como mediador do mistério de Deus.
Não ouviste como o bem-aventurado Davi te introduziu neste mistério” (CM 5,2). O verbo
traduzido por introduzir -, no texto grego - mustagwgoàntoz -, tem o sentido de conduzir ao
mistério, uma ação mistagica. Cf. FIGUEIREDO, F. In: CIRILO DE JERUSALEM. Catequeses
Mistagógicas. Petrópolis: Vozes, 2004.
351
Ambrosio de Milão (339-400), conhecido por sua intensa atividade pastoral, social, política,
a experiência do Mistério de Deus através de descrições, questões e
aprofundamento
352
.
O termo ‘mistério’ aponta para uma realidade desconhecida, íntima,
oculta, uma presença por se revelar. No Cristianismo, o Mistério de Deus se
revela à humanidade e convida a uma abertura existencial, que conduz tudo e
todos à plena realização. É a História da Salvação, plenificada na encarnação, na
redenção, na Páscoa de Jesus. É o Mistério pascal, ou Mistério de Cristo, Mistério
da fé.
A liturgista I. Buyst apresenta dois momentos constitutivos do Mistério
pascal que se faz presente nas celebrações eucarísticas: a liturgia da Palavra e a
liturgia sacramental.
Na liturgia, o mistério pascal de Jesus se faz presente, em toda a sua densidade e
extensão, atuando no rito litúrgico, na celebração memorial, principalmente na
celebração eucarística. É o mistério da fé presente na e pela ão ritual que
inclui: a narrativa e interpretação dos fatos - liturgia da Palavra -; e as ações
simbólicas relacionadas com esses fatos - liturgia sacramental
353
.
A fonte deste saber reside na elaboração dos Padres da Igreja da liturgia
recebida pelas tradições apostólicas
354
, em diálogo com as reflexões teológicas de
seu tempo. A Palavra de Deus é fonte mistagógica e as ações lirgicas são sinal e
presença do próprio Cristo, mistagogia viva e fecunda para a comunidade eclesial
que se reúne em torno deste altar. Desde estas releituras, podemos compreender
mais facilmente os dois elementos mais constantes na concepção de ‘mistagogia’
nos Padres da Igreja: a liturgia sacramental e a sua explicação teológica.
elabora sua teologia a partir dos Padres Gregos e de autores judeus e pagãos, como Filon e Plotino.
Sua obra é largamente documentada com escritos exegéticos, morais, ascéticos, dogmáticos, além
de discursos, cartas e hinos. As obras de caráter catequético, mais pximas de nossa pesquisa o
De sacramentis e De Mysteriis. Cf. ANGRISANI S. M. L. Ambrósio de Milão. In:
BERNARDINO A. (org.) Dicionário Patrístico e de Antiguidades Cristãs. Petrópolis/o Paulo:
Vozes/Paulus, 2002.
352
Também João Crisóstomo apresenta suas catequeses mistagógicas segundo a prática litúrgica
s-batismal. Cf. FEDERICI, T. op. cit., p. 189.
353
BUYST, I. e SILVA, J. A. O Mistério celebrado: memória e compromisso. São Paulo:
Paulinas, 2004, pp. 82-83. (grifo nosso)
354
As tradições apostólicas são escritos que refletem a pregação apostólica, imagem da Igreja
nascente. Possuem uma intenção prática, exortam à penitência, à disciplina eclesiástica, explicam
de modo simples alguns conteúdos doutrinais. Enfim, são geralmente orientados no sentido de
edificação e de instrução e são a fonte mais antiga depois dos escritos neotestamentários. Estão
entre eles a Didaqué, Doutrina dos Doze Apóstolos, de autor desconhecido; a Epístola de Barnabé,
atribuída ao apóstolo Barnabé, colaborador de Paulo; a Carta de Clemente de Roma; os escritos de
Inácio de Antioquia; a carta de Policarpo de Esmirna e os escritos do bispo Papias. Cf. BOLLIN,
A. e GASPARINI, F. op. cit., p 28.
Para além destes dois elementos acessíveis na teologia dos Padres,
encontramos outros sentidos igualmente relevantes para compreendermos a
mistagogia como fundamento teológico de suas reflexões e ações lirgico-
pastorais. Elencamos abaixo diversos sentidos para a mistagogia, a partir dos
termos encontrados nas obras patrísticas do século III e IV:
- como iniciação ao Mistério;
- como instrução nos Mistérios divinos;
- como exposição dos significados da Sagrada Escritura;
- como orientação, guia no caminho misterioso de Deus;
- como o próprio Mistério que se revela;
- como a própria Sagrada Escritura;
- como ação sacramental Batismo e Eucaristia;
- como celebrações dos ritos;
- como o tempo da Páscoa, incluindo o período quaresmal;
- como princípio fundante e dinâmico do sacerdócio;
- como Povo de Deus a caminho;
- como Igreja, sacramento de Cristo no mundo
355
.
Importa para nós o fato de que a ‘mistagogia para os Padres é um eixo
diferente do eixo catequético. É a referência central de sua teologia, a partir da
experiência espiritual da Igreja enquanto comunidade de fiéis, que tem sua razão
de ser na vivência, sempre mais profunda, do Mistério Pascal do Senhor.
É verdade que a mistagogia é uma terminologia, mas, para além da
demarcação etimológica, devemos estar atentos à riqueza deste conceito central
para a Iniciação Cristã. Vejamos um trecho do especialista T. Federici, no qual ele
identifica a grandeza e complexidade da mistagogia para a Iniciação Cristã.
A mistagogia é toda a Comunidade de batizados e confirmados do único Espírito
no único Corpo de Cristo. É a Igreja na sua completude de fiéis novos e
contemporâneos que, por se auto-compreender dessa forma, se encontra imersa
para sempre na realidade da Palavra de Deus. Essa pode partir da experiência
cristã consignada na iniciação, como condição permanente de vida. Não se trata
355
T. Federici apresenta um esquema global detalhado do conteúdo mistagógico nos Padres da
Igreja. Outro esquema excelente se encontra em BORNERT, R. Les commentaires byzantins de la
Divine Liturgie du VII
o
. au XV
o
. siècle. Paris: Institut français d'etudes byzantines, 1966, pp. 29-31.
Cf. FEDERICI, T. op. cit., pp. 194-195.
de um complexo de atos e palavras, de gestos e sinais, em determinado momento
ritual.
É necessária uma atitude permanente de abertura e contemplação do Mistério
divino que vem de dentro de cada fiel e de toda a comunidade do povo santo de
Deus. Tal caminho é condição de vida, assinalada por uma tensão incessante do
Mistério divino, econômico, cósmico, escatogico, que dinamiza uma
eclesiologia centrada em uma cristologia pneumatológica, em uma nova
antropologia, em um novo modo de ser e de contemplar a realidade existente
356
.
Na sabedoria dos Padres da Igreja, a mistagogia é a vida da Igreja, em sua
dimensão espiritual, litúrgica, pastoral, contemplativa e escatológica. Esta
sabedoria é expressa nas obras patrísticas revelando os vários aspectos que
envolvem sua compreensão de mistagogia:
- é fonte de abertura à dinâmica da Revelação;
- é caminho, percurso, trajetória de adesão, crescimento, aperfeiçoamento;
- é participação nos ritos e celebrações litúrgicas;
- é a Palavra acolhida e que revoluciona a dinâmica pessoal e comunitária;
- é contemplação orante do Mistério que se revela na história da
humanidade;
- é a penetração progressiva até o encontro definitivo com o Mistério de
Deus;
- é a Igreja sacramental e caminhante no mesmo processo mistagógico
357
.
A mistagogia nos Padres dos séculos III e IV é tudo isto, mas é ainda mais.
Porque não é um conceito que se esgota nas categorias teológicas. Sublinhamos as
duas mãos na dinâmica da Revelação – Deus e a pessoa humana – e, nessa
perspectiva, podemos perceber o caráter ativo e criativo deste processo nos
contextos pessoais, comunitários, sociais, históricos e escatológicos. A mistagogia
é um fundamento e uma experiência na qual se entra e se caminha até o encontro
definitivo de toda a Criação em Deus.
O grande liturgista A. Triacca, leva em consideração que a mistagogia dos
Padres da Igreja deve ser devidamente fundamentada na dinâmica da Revelação e
na Igreja. Não consistia em uma experiência sentimental, piedosa ou vagamente
subjetiva. Por outro lado, também não se tratava de um encontro ‘face a face’ com
356
FEDERICI, T. op. cit., p. 199.
357
Ibid., p. 193.
o Mistério divino, mas como uma experiência inaugural, de um plano, no qual se
adentra até o encontro definitivo
358
.
Na teologia contemporânea, é K. Rahner quem resgata a pedagogia do
Mistério e nos fala na presença da mistagogia na evangelização, como uma
dinâmica na qual o anúncio da fé cristã dialoga com as condições e com as
questões que a pessoa humana traz em si. Dinâmica esta que não se limita às
exposições doutrinárias, mas dialoga com a busca da verdade experimentada na
vida e na comunidade eclesial. Para K. Rahner, se a evangelização se detiver na
dimensão doutrinária estará errando gravemente, esta indo contra sua ppria
esncia, pois a mistagogia é “apelo irrompido do mais íntimo âmago da pessoa
humana agraciada”
359
.
Em consonância com a experiência da Igreja primitiva, K. Rahner afirma
que a mistagogia deve estar presente em todo o processo de evangelização. É ela
que orienta para que esta tarefa não se detenha na doutrinação, no ensino, numa
concepção errônea, como se o anúncio viesse de fora para dentro, do pregador
para o ouvinte. A perspectiva mistagógica considera que o anúncio feito pelo
pregador levanta questões que o iniciante já traz em seu íntimo.
Tal mistagogia encontra seu ponto de partida na convicção cristã de que, antes de
toda e qualquer pregação, Deus, pelo oferecimento de sua co-participação no
Espírito Santo, já é a pergunta e a resposta (ao mesmo tempo) no homem, mesmo
que tal resposta permaneça não pronunciada
360
.
Assim sendo, a mistagogia revela-nos a verdadeira compreensão da ação
evangelizadora, como mediadora da dinâmica salvífica, ciente de seus limites e
em permanente diálogo com Deus, pela meditação, pela oração, pela celebração
comunitária, pela proclamação e hermenêutica da Palavra. Nesse curso, iniciante e
comunidade devem caminhar lado a lado, pois é a comunidade cristã que assume
a responsabilidade de ser mediadora da iniciativa gratuita e amorosa de Deus,
desde o acolhimento do iniciante como durante sua formação e acompanhamento.
358
Cf. TRIACCA, A. M. Mystagogie doctrinale de la Prière. In: Mystagogie : pensée liturgique
d'aujourd'hui et liturgie ancienne. Conférences Saint-Serge, XXXIXe Semaine d'études
liturgiques. Paris: Triacca e Pistoia (edit.), 1992.
359
Cf. RAHNER, K. O desafio de ser cristão. Petrópolis: Vozes, 1978, p. 48.
360
Ibid.
M. Dujarier retrata nas palavras abaixo uma eclesiologia na qual a
Iniciação Cristã é uma fonte da vida nova em Cristo não apenas para os iniciantes,
mas para toda a comunidade.
A comunidade local não deve apenas cuidar dos próprios fiéis; animada pelo zelo
missionário, é convidada também a abrir a todos os homens a estrada que conduz
a Cristo. Em especial deve se incumbir dos catecúmenos e neófitos, que
gradualmente o educados à consciência e à pratica da vida cristã.(...) Por sua
vez, a própria comunidade é educada a dar testemunho do Cristo vivo, a estar em
estado permanente de convero
361
.
A mistagogia vem a ser um carisma no âmbito da Igreja, que comporta a
dimensão teológica própria da dinâmica da Revelação e Fé, como também o
processo pedagógico da Revelação na História da Salvação. Esta chave de leitura
patrística continua a ser fonte para a Iniciação Cristã atual
362
.
Compreendida como caminho mistagógico, a Inicião Cris tem seu
princípio ativo na própria iniciativa divina e na abertura livre da pessoa que se
converte ao Deus vivo e verdadeiro, pela graça do Espírito, e se torna participante
da comunidade de fé, a Igreja. É uma realidade dinâmica, que implica pessoa e
comunidade. É caminho que conduz a uma nova configuração de cada pessoa em
Jesus Cristo, em comunhão com os ensinamentos recebidos, com a vida da Igreja
e como testemunho vivo da fé que professa.
2.1.1
Cirilo de Jerusalém e seu tempo
Aspectos do contexto sócio-hisrico e eclesial
O século de ouro da patrística é o período compreendido entre os concílios
de Nicéia e Calcedônia (325-451). Período marcado pelas grandes reflexões
teológicas provenientes das controvérsias sobre o tema da dogmática, da ontologia
de Deus, origem, natureza e relação trinitária. Os grandes Concílios marcam esse
momento tão fundamental para a história da Igreja e para a fundamentação
dogmática, ou seja, a constituição do Credo cristão: o Símbolo que configura
361
DUJARIER, M. La funzione materna della Chiesa nella pratica catecumenale dell’ antichità. In:
CAVALLOTO, G. (org.) Iniziazione Cristiana e Catecumenato. Bologna: EDB, 1996, p. 123.
362
Cf. DGC, n. 89.
identidade da Igreja, definindo a ontologia divina e a própria natureza da
Revelação
363
.
Não é propriamente um momento histórico tranquilo para o Magistério
eclesial, que se depara com grandes questões dogmáticas, determinantes para a
identidade cristã. Por outro lado, essa dinâmica histórica vai configurando a
própria identidade e missão pastoral da Igreja. No influxo dessas mudanças surge
também a necessidade da formação cristã e, como consequência, a preocupação
dos Padres da Igreja, não apenas com a identidade e a defesa da fé, mas também
com o processo catecumenal, com a acolhida e a introdução de novos membros.
Os Padres da Igreja constroem, pouco a pouco, uma iniciação teológica,
uma aproximação dos iniciantes do quadro formativo no qual encontramos duas
fortes características: catequese e liturgia caminham juntas e, a experiência
pessoal e o testemunho comunitário se tornam fonte de comunhão e conversão.
É neste quadro histórico e teológico que Cirilo de Jerusalém se inclui. Ao
lado de outros Padres, Cirilo é um presbítero atento ao seu tempo e à sua
comunidade. Não encontramos uma biografia de Cirilo que nos apresente, com
segurança e detalhes, sua vida e trajetória como pastor da Igreja
364
. Através de
dados coletados por historiadores, filólogos e pesquisadores da Patrística, alguns
escritores delinearam traços sicos de sua biografia, porém, indicados com
algumas incertezas e até mesmo contradições. Vejamos alguns dados biográficos
que nos auxiliem a conhecer um pouco de Cirilo e do contexto em que viveu e
pregou suas Catequeses.
Seu nascimento é habitualmente situado em Jerusalém ou em uma cidade
vizinha, por volta de 315
365
, dois passos do edito de Milão, em 313, no qual
Constantino outorgou a paz à Igreja. Recordamos que neste período surge o
363
O Concílio de Nicéia fixou em seu Credo a identidade de natureza (homoousía) do Filho com o
Pai: o Filho é homooúsios com o Pai, ‘da mesma natureza’ que o Pai, consubstancial ao Pai. O
Concílio de Constantinopla I (381), na linha de continuidade de Nicéia, desenvolve o Credo,
especialmente com referência ao Espírito Santo, à Igreja, ao Batismo, à ressurreição dos mortos e à
vida eterna. Pela continuidade e relação entre estes dois Concílios, o Credo aprovado em
Constantinopla foi chamado de niceno-constantinopolitano e, desde então, é assumido por toda a
Igreja. Cf. ELORRIAGA, C. In: CIRILO DE JERUSALÉN. Catequesis. Bilbao: Desclée de
Brouwer, 1991, pp. 27-28; PADOVESE, L. op. cit, pp. 70-71.
364
Alguns autores são citados como especialistas nos estudos sobre Cirilo, no entanto, sua
biografia ainda está por ser escrita. Entre os principais estudiosos estão A. Augustin Touttée
(1720), W. K. Reischl e J. Rupp(1848); Johann Mader(1891); William Telfer(1955); Anthony A.
Stephenson e Leo P. McCauley(1969); Peter Walker(1990) e Alexis Doval(2001). Cf. DRIJVERS,
J. W. Cyril of Jerusalém. Bishop and City. Boston: Brill, 2004, introd. pp. XII-XIII.
365
Cf. DRIJVERS, J. W. op. cit., p. 31; QUASTEN, J. Patrologia. Madrid: BAC, 1977, p. 403;
BONATO, A. La dottrina trinitária di Cirilo de Gerusalemme. Roma: IPA, 1983, p. 16.
arianismo
366
, com a negação da divindade do Verbo e a fratura do Mistério
fundamental da católica: a Trindade
367
. A teologia trinitária em franca
elaboração e os debates entre as diversas correntes heterodoxas conduzem aos
concílios, nodos, configuração das fórmulas de fé
368
. Neste mesmo caminho
aproxima-se o Concílio de Nicéia, 325, que definiu a divindade do Verbo com o
termo – homosios
369
.
É provável que Cirilo tenha pregado suas Catequeses quando ainda era
presbítero, por volta do ano 348
370
e, possivelmente, neste mesmo ano, tenha sido
nomeado bispo de Jerusalém
371
, como sucessor de Máximo
372
. Recebeu ordenação
episcopal do bispo metropolitano de Cesaréia, Acácio, considerado ariano
373
.
Seu episcopado viveu momentos de altos e baixos. Foi um período
marcado por relações tensas entre os dois pontos mais importantes da Palestina:
Cesaréia e Jerusalém. principalmente duas questões neste conflito: com
relação à doutrina e outra, de ordem jurisdicional, com relação à ppria
366
Para o Arianismo, o Logos não era Deus, como afirma a Igreja, mas a primeira criatura de
Deus, dotada de força divina; não era nascido do Pai, mas dele criado e assumido por sua vontade
como Filho. Era, portanto, substancialmente diferente do Pai.
367
Pela doutrina da Trindade professamos apenas uma natureza divina um Deus -, em que
subsistem três pessoas; Deus uno em essência e trino em pessoas. O Logos, segunda pessoa da
Trindade é filho real de Deus, por natureza e não por adoção, gerado realmente do Pai e em tudo
similar (homoios) a ele. Cf. BIELSA, J. S. In: CIRILO DE JERUSALÉN. Catequesis. Trad.,
introd. e notas de J. S. Bielsa. Madrid: Ciudad Nueva, 2006, pp. 9-10.
368
Neste contexto outros Padres da Igreja colaboraram com seriedade e profundidade na condução
dos debates teológicos, como Basílio Magno, Gregório Nazianzeno, Gregório de Nissa, Cirilo de
Alexandria e outros. Cf. FIGUEIREDO, F. op. cit, p. 11; DRIJVERS, op. cit., p. 86; RIVAS, P. H.
In: CIRILO DE JERUSALÉN, Catequesis. Buenos Aires: Paulinas, p. 12.
369
O termo grego homooúsios designa a realidade da consubstancialidade - da mesma substância,
com a mesma essência. Foi introduzido no Credo em Nicéia (325). O termo indica que o Filho é da
mesma substância (ousía) do Pai. O Filho é gerado pelo Pai, o que equivale a dizer que não se trata
da produção de algo distinto de Deus, como sucede na criação, em que Deus é causa eficiente
(gerado, não criado). Por outro lado, não se pode entender esta geração divina de modo material,
como se o Filho fosse parte do Pai ou tivesse havido uma divisão da substância divina. Cf.
ROVIRA BELLOSO, J. M. Trindade. In: PIKASA, X. e SILANES, N. (dir.) Dicionário Teológico
O Deus Cristão.o Paulo: Paulus, 1988, p. 881.
370
Há referências de que Cirilo, ainda presbítero, tenha substituído o bispo durante a quaresma, na
preparação dos catecúmenos para o Batismo e tornou-se conhecido como grande orador por suas
Catequeses pronunciadas desde esta ocasião. Outros estudos concluem que, por ocasião das
pregações, ele era bispo, e atribuem a data das homilias catequéticas ao ano de 350. Cf.
HAMMAN, A. Guida pratica dei Padri della Chiesa. Milão: Ancora, 1968, p. 207; QUASTEN, J.
op. cit., p 405.
371
A data em que Cirilo foi consagrado bispo, é frequentemente mencionada entre os anos 348 e
349, com base na data da morte de Maximo e na data da aparição da cruz luminosa em Jerusalém,
maio de 351, quando ele, como bispo, escreve uma carta ao imperador Costanzo. Cf.
YARNOLD, E. J. Cyrillus von Jerusalem. Theologische Realenzyklopädie 8. Berlin/New York:
Walter de Gruyter (1981/1993) pp. 261-266; CAYRÉ, F. Patrologia e Storia della Teologia.
Roma: Desclée e Ci, 1936, p. 376; BONATO, A. op. cit., p. 18; PIEDÁGNEL, A. op. cit., p. 12.
372
YARNOLD, E. J. op.cit., p. 262
373
Cf. PIÉDAGNEL, A. In: CYRILLE DE JÉRUSALÉM. Catéchéses Mystagogiques. Paris: Du
Cerf, 1966, p. 12; CAYRÉ, F. op. cit., p. 376.
autoridade na igreja-província. Cirilo e Acácio reivindicavam o direito de
supremacia da própria sede. Cirilo com base na fundação apostólica e Acácio
requerendo dignidade enquanto bispo metropolitano da Palestina. O
reconhecimento ao bispo de Jerusalém, efetuado no Concílio de Nicéia aumentou
o conflito entre os dois bispos
374
. Estavam em jogo processos de ordem
disciplinar, como nomeações, destituição, interesses pessoais.
No plano doutrinal, os dois bispos também tinham graves controvérsias.
Cirilo, acusado por Acácio de sabelianismo
375
e de ser um seguidor do
homooousion, ou seja, da consubstancialidade entre Cristo e o Pai. Acácio, em
oposição no plano ortodoxo, acusado por Cirilo de professar uma doutrina
filoariana, sem dar relevância à divindade do Filho
376
.
Também sobre Cirilo foram levantadas suspeitas de arianismo. Sua
nomeação por Acácio
377
, unida à amizade de Cirilo com outros bispos semi-
arianos e à auncia do termo niceno homosiosem suas Catequeses, serviu
para que vários escritores tenham projetado sombras sobre a figura de Cirilo,
acusando-o de infidelidade à doutrina da Igreja
378
. indicações de que nos seus
primeiros anos como bispo não era totalmente ortodoxo, mas que, paulatinamente,
foi se tornando um opositor ao arianismo, o que lhe serviu de pretexto para as
perseguições de Acácio
379
.
374
Constantinopla I e também a Constituição Apostólica chamavam Jerusalém de “mãe de todas as
igrejas”. E, de acordo com o 7º. Cânon do Concílio de Nicéia, o bispo de Jerusalém era
considerado o mais proeminente do mundo cristão, depois dos bispos de Roma, Alexandria e
Antioquia. Cf. MC CAULEY, L. e STEPHENSON, A. (trad.) The works of Saint Cyril of
Jerusalem., England: America Press. 1969, p. 15; MAESTRI, G. e SAXER, V. op. cit., p. 15.
375
O sabelianismo foi uma modalidade do monarquianismo modalista, e recebeu esse nome
devido ao herético que difundiu essa doutrina no Egito e na Líbia: Sabélio. Considerava a
divindade uma mônada que se manifestava em três operações diferentes Pai no AT, Filho na
encarnação e Espírito Santo em pentecostes. Cf. PADOVESE, L. op. cit., pp. 66-67;
SCHNEIDER, T. (org.) Manual de Dogmática. Petrópolis: Vozes, 2000, pp. 439-440.
376
Cf. BONATO, A. op. cit., p. 23.
377
Encontramos dados históricos que indicam que Cirilo o foi o sucessor imediato de Maximo, e
sim Heraclius. Através de um acordo com outros bispos arianos, Acácio teria forçado Heraclius a
abdicar e nomeado Cirilo, contando com seu apoio junto aos arianos e impedindo que os
adversários elegessem um outro candidato, desfavorável aos arianos. Cf. DRIJVERS, J.W. op. cit.
p. 35; MAESTRI, G. e SAXER, V. In: CIRILLO E GIOVANNI DI GERUSALEMME. Catechesi
Prebattesimali e mistagogiche. Milano: Pauline, 1994, p. 13; BONATO, A. op. cit., 21.
378
RIVAS, P. H. op. cit., p. 5.
379
Os estudos indicam um processo, em que Cirilo foi modificando sua posição, da seguinte
forma: inicialmente era representante da ala moderada da frente eusebiana, próxima à ortodoxia
nicena; em Seleucia, 359, era reconhecida a posição dos expoentes do partido homousiano e,
depois, em 365, se uniu a ala homousiana que, sem renegar a própria formula, tinha aceito a
identificação do “símile” por aproximação com “consubstancial”. Cf. BONATO, A. op. cit., p. 32;
DRIJVERS, J. W. op. cit., p. 35; MAESTRI, G. e SAXER, V. op. cit., p. 20; CAYRÉ, F. op. cit.,
p. 377; YARNOLD E. J. Cyrillus von Jerusalem. op. cit.
O fato de Cirilo nunca utilizar a rmula nicena ÐmooÚsioj ton patri
consubstancial ao Pai - foi tema de debate acirrado sobre a ortodoxia de Cirilo
quanto à questão trinitária
380
. Contudo, ao longo da leitura de sua obra catequética
(Catequeses Pré-Batismais e Catequeses Mistagógicas) percebe-se a preocupação
pedagógica de Cirilo no emprego de termos teológicos em seus ensinamentos e
orientações e, principalmente, fundamentando toda a pregação na Sagrada
Escritura
381
. Se ele não utiliza a terminologia oficial não se pode dizer o mesmo
do conteúdo doutrinal, que apresenta de acordo com a ortodoxia e a definição
niceana
382
.
A omissão do termo homosios em suas Catequeses pode ter diversas
causas: pedagogia catequética, prioridade à fundamentação bíblica, prudência no
uso do termo niceano, uma postura eusebiana de não afrontar os grupos arianos e
semi-arianos. Vejamos um pouco mais detalhadamente essas possibilidades.
Uma possibilidade se fundamenta em sua metodologia catequética. Suas
orientações têm como base a Sagrada Escritura, num método histórico-tipológico,
utiliza uma linguagem simples, endereçada a um auditório diverso e de iniciantes
na fé
383
.
Outra hipótese seria uma atitude de prudência no uso de uma nova
categoria teológica, que remete ao conhecimento filosófico e teológico, o que
também assinala seu cuidado pedagógico e atitude ponderada. O fervor das
discussões teológicas não é o alvo de Cirilo e sim a formação dos iniciantes na fé.
Sem tomar partido, assume uma postura de adaptação pastoral
384
, coerente com o
380
Cf. TELFER, W. Cyril of Jerusalem and Nemesius of Emesa. London: SCM Press LTD, p. 61;
FIGUEIREDO, F. op. cit., p. 12; MAESTRI, G. e SAXER, V. op. cit., pp. 12-15.
381
Cf. MC CAULEY, L. e STEPHENSON, A. op. cit., pp. 9.13.35; ALTANER, B. op. cit., p. 11;
PIÉDAGNEL, A. op. cit., p. 7; MAESTRI, G. e SAXER, V. op. cit., p. 11. 53; DRIJVERS, J. W.
op. cit., p. 55; CAYRÉ, F. op. cit., p. 348; FIGUEIREDO, F. op. cit., p. 12; BONATO, A. op. cit.,
p. 23; RIGGI, C. In: CIRILLO DI GERUSALEMME. Le Catechesi. Roma: Città Nuova, 2°.
Edição, 1997, pp.1-11.19.
382
Sobre este tema ver especialmente a dissertação de Risi, Francesco Maria. Di una nuova
edizione delle opere di S. Cirillo Gerosolimitano ossia di un errore gravissimo falsamente
attribuito a S. Cirillo. S.C. di Propaganda Fide, 1884. Risi apresenta todo o debate sobre a questão
homousiana, analisando os textos de Cirilo e dos padres de seu tempo. Ver também cf. CROSS,
F.L. In: CYRIL OF JERUSALEM’S. Lectures on the Christian Sacraments. Londres: SPCK,
1951, p. XXX.
383
Cirilo conhece bem o método tipogico na hermenêutica da Sagrada Escritura. Cf. RIGGI, C.
In CIRILLO DI GERUSALEMME. Le Catechesi. Roma: Città Nuova, 2°. Edição, 1997, pp.10-
11.19: MAZZA, E. op. cit., p. 173.
384
YARNOLD, E. The awe inspiring rites of initiation. Baptismal Homilies of the fourth century.
Grã-Bretanha: Saint Paul Publications, 1971, p. 65.
clima de Jerusalém, mais voltado para a mediação bíblica do que para as questões
doutrinais.
Frente à complexidade dos debates teológicos, o uso da terminologia
niceana ainda não é radicalizada por seus contemporâneos. Neste sentido, Cirilo
compartilhava da posição eusebiana
385
, uma tendência que crescia no âmbito
eclesiástico, evitando os radicalismos de tipo ariano, sabeliano ou marceliano
386
.
Neste eixo justifica-se a ausência da terminologia niceana, pela proximidade do
debate e vidas que ainda pairavam na compreensão de muitos
387
. Há estudiosos
que aventam ainda a hipótese de Cirilo agir com certa diplomacia, frente ao calor
do debate e não se indispor com amigos e bispos que aderiam ao arianismo
388
.
Priorizando o embasamento bíblico, Cirilo se atém à expressão bíblica
homoios (Ómoioj): em tudo similar ao Pai. A escolha de Cirilo responde em
grande parte aos pressupostos de fundo da teologia oriental, prefere uma fórmula
alternativa, o homoios. Desenvolve uma teologia substancialmente fiel à
ortodoxia, na catequese trinitária
389
, cristológica, pneumatológica
390
e
sacramentária
391
.
Cirilo refaz, através da teologia de Eubio de Cesaréia, a tradão
apologética que pensava a geração do Filho pelo Pai, conexa com a unção eterna
do Espírito Santo. Reconhece uma hierarquia na Trindade; reconhece também que
as três Pessoas pertencem absolutamente à sede do divino e do transcendente. As
três Pessoas da Santíssima Trindade foram parceiras na Criação e Redenção,
385
A teologia de Eusébio de Cesaréia segue o esquema de Orígenes, expressa a subsistência das
pessoas divinas em âmbito trinitário e sua relação recíproca afirmando que as pessoas são três
quanto à hipóstase e uma apenas quanto à harmonia. Permite uma postura intermediária, sem
rejeitar totalmente o mbolo niceno. Cf. BONATO, A. op. cit., pp. 9-10; Cf. ALTANER, B.
Patrologia. Madrid. 1953, p. 242; BIELSA, J. S. op. cit., p. 11; MORESCHINI, C. e NORELLI,
E. História da Literatura Cristã Antiga Grega e Latina. São Paulo: Loyola, 2000, p. 75.
386
O marcelianismo é também uma modalidade de monarquismo modalista, na qual Marcelo de
Ancyra (374) concebe a Deus como mônada indivivel: Pai, Filho e Espírito Santo constituem a
mônada da divindade. Cf. WERBICK, J. Doutrina da Trindade. In: SCHNEIDER, T. (org.)
Manual de Dogmática. Petrópolis: Vozes, 2000, pp. 439-440.
387
Cf. MC CAULEY, L. e STEPHENSON, A. op. cit., p. 13; BONATO, A. op. cit., p.11.
388
Cirilo se relacionava com os chamados homousianos e, por isso, muitos o identificaram como
ariano ou simpatizante do arianismo. Cf. CAYRÉ, F. op. cit., p. 377; BIELSA, J. S. op. cit., p. 12.
389
Sobre a teologia trinitária e a cristologia na obra de Cirilo ver o excelente trabalho de
BONATO, A. La dottrina trinitária di Cirilo de Gerusalemme. SEA, Roma: IPA, 1983.
390
Sobre a pneumatologia em Cirilo de Jerusalém ver os trabalhos de SANTANA, L.F.R. A
dimensão pneumática da espiritualidade cristã. Tese de Doutorado, Departamento de Teologia,
PUC/RJ, 1998 e MIGUEL FERNANDES, J.L. Pneumatologia de Cirilo de Jerusalém. Dissertação
de Mestrado, Madrid: Pontificium Institutum Orientalium Studiorum, 1974.
391
Cf. RIGGI, C. op. cit., pp. 7-9; MAESTRI, G. e SAXER, V. op. cit., pp. 12-15.
juntas regem o mundo e a história, e são exclusivamente a fonte do ser, da vida e
da salvação
392
.
Por outro lado, não apenas Acácio de Cesaréia, mas também arianos e
imperadores que favoreciam esta heresia, estiveram em conflito com Cirilo. Até
tal ponto chegaram os conflitos que por três vezes abandonou sua sede episcopal
para marchar para o desterro, num período total de 13 a 14 anos
393
. A primeira
vez, em 357, quando o bispo Acácio reuniu um concílio composto por arianos em
Jerusalém, e condenou Cirilo ao desterro
394
. Consta que, nesse primeiro exílio,
tenha ido para Antioquia e depois para Tarso, onde foi acolhido pelo bispo
Silvanus. Neste período, Cirilo teria exercido seu ministério como pregador,
demonstrando a defesa da fé ortodoxa contra o arianismo e o maniqueísmo
crescentes, o que aumentou a ria de Acácio, exigindo que o bispo Silvanus
proibisse Cirilo de pregar
395
.
As questões doutrinais ainda o afastaram de sua sede por duas vezes: em
360, pelo Concílio de Constantinopla e, em 366, pelo imperador Valens, que
também se tornou ariano
396
. Os conflitos e decorrentes períodos de deposição de
seu episcopado foram provocados pelo grupo partidário do arianismo, que o
atacou como defensor e confessor da nicena sobre a consubstancialidade do
Verbo com o Pai
397
.
Cirilo retorna ao episcopado no final dos anos 370. Em 381, participou do
II Concílio Ecumênico, realizado em Constantinopla
398
, com um grupo
392
Cf. MC CAULEY, L. e STEPHENSON, A. op. cit., pp. 36-37.
393
Cf. DRIJVERS, J. W. op. cit., p. 48.
394
Constam em alguns depoimentos que, no Concilio de Acácio foram banidos pelo Imperador,
em 360: Macedonius, Eustathius, Basil, Silvanus, Eleusius, Anianus, Sophronius, Neonas de
Seleucia e Cirilo. Cirilo foi acusado de colocar à venda bens da igreja para socorrer os
necessitados em tempo de fome; além disso, foi acusado por questões doutrinais, por fidelidade a
Nicéia e oposição ao arianismo. Essa atitude, que revela sua percepção e atuação pastoral, pode ter
sido um dos fatores responsáveis por seu retorno e acolhida em Jerusalém, a cada exílio. Cf.
RIVAS, P.H. op. cit., p. 6; MC CAULEY, L. e STEPHENSON, A. op. cit., p. 29 e p. 69;
DRIJVERS, J.W. op. cit., p. 38; MAESTRI, G. e SAXER, V., op. cit., p. 20; CARRARO, G. In:
CIRILLO, Le catechesi. Traduzione e note G. Carraro, Vicenza, 1942, p. 10.
395
Cf. DRIJVERS, J. W. op. cit., p. 39.
396
Ibid., p. 41.
397
Este período de turbulência de heresias e lutas políticas, nas quais Cirilo está envolvido, explica
em parte, os dados confusos, e até mesmo, contraditórios que chegam até nós. Cf. BIELSA, J. S.
op. cit., p. 9; RIVAS, P.L.H. op. cit., p. 12.
398
Cf. QUASTEN, J. op. cit., pp. 403-405; FOLCH GOMES, C. Antologia dos Santos Padres. São
Paulo: Paulinas, 1979, p. 225; DANIÉLOU, J. Sacramentos y culto según los Santos Padres.
Madrid: Guadarrama, 1964, pp. 20-21; CAYRÉ, F. op. cit., p. 377; MAESTRI, G. e SAXER, V.
op. cit., p. 14.
majoritário de 150 bispos, considerados ortodoxos e 36, arianos
399
. Este concílio
selou um compromisso entre as teologias trinitárias do Oriente e do Ocidente. Na
linha de continuidade com o Concílio de Nicéia, o Concílio de Constantinopla
restabelece o Credo Niceno e condena todas as heresias
400
. Cirilo de Jerusalém
tem um papel importante nesta reflexão conciliar, para alguns estudiosos constitui
uma força motriz por já professar, em Jerusalém, um Credo bastante semelhante à
definição final, em Constantinopla
401
. Este Concílio reabilita Cirilo de qualquer
dúvida quanto à sua fidelidade eclesial, reconhece a validade da sua ordenação
episcopal e a ortodoxia de sua
402
.
Com base nos dados históricos, Cirilo deve ter falecido em 18 de março de
387, com a idade de 70 a 72 anos, depois de 37 a 38 anos de episcopado, dos
quais um terço ou mais foram passados em exílio. Foi sucedido por João. No
quinto século é canonizado pela Igreja oriental. Em 1882, o papa Leão XIII o
proclama doutor da Igreja
403
.
Como vimos até aqui, da complexidade de fatores presentes durante o
episcopado de Cirilo, suas Catequeses e atitudes políticas e eclesiais, emerge uma
pessoa de forte personalidade, originalidade e profundidade teológicas. Apesar
das hipóteses iniciais quanto à sua postura anti-niceana, ao contrário, os textos
catequéticos apresentam fidelidade à caminhada eclesial ortodoxa e um
espiritualidade mística, tanto nos confrontos com as heresias e questões políticas,
como diante de sua missão pastoral
404
.
Centrado na formação dos iniciantes na e na adesão a Cristo numa
perspectiva sacramental, integral, mistagógica, Cirilo é nomeado por muitos como
399
Neste Concílio, Cirilo estava entre os bispos mais proeminentes como Meletius, de Antioquia,
Gregório de Nazianzo, bispo de Constantinopla e Timóteo, de Alexandria Uma nota interessante
para compreender a participação de Cirilo é a própria definição do Credo, pois o credo professado
em Jerusalém era bastante semelhante ao Niceno-constantinopolitano, contendo 100 das 174
palavras que foram definidas pelo Concílio para o Símbolo. Cf. DRIJVERS, op. cit., pp. 45-46.
400
Ibid.
401
Ibid.
402
Cf. MAESTRI, G. e SAXER, V. op. cit., p. 14.
403
Cf. DRIJVERS, J. W. op. cit., p. 48; MC CAULEY e STEPHENSON, op. cit., p. 34.
404
Os estudiosos indicam como uma das atitudes de Cirilo que gerou controvérsias, a venda de
bens da igreja de Jerusalém para atender necessidades dos pobres. Essa atitude revela o cuidado
pastoral de Cirilo, compreendendo como parte de sua missão de bispo, a atenção e solidariedade
concreta com as necessidades de sua comunidade. Demonstrou, acima de tudo, uma grande
liberdade de espírito a respeito de sua responsabilidade pastoral e litúrgica. Cf. MC CAULEY, L. e
STEPHENSON, A. op. cit., p 66; MAESTRI, G. e SAXER, V. op. cit., p. 20.
‘catequista por excelência
405
’, reconhecido pelos padres conciliares
contemporâneos como um homem de Deus, comprometido na catequese dos
estrangeiros, pagãos, iniciantes, e combatendo em todas as circunstâncias as
posições arianas
406
.
2.1.2
A obra de Cirilo de Jerusalém e o debate quanto à autenticidade dos
textos
Não podemos pensar em Cirilo sem ter em conta todo este contexto: seu
nascimento, no rtico de Nicéia, as primeiras grandes questões teológicas, os
conflitos com os arianos, a constituição do Símbolo e a peculiaridade da cidade
em que exerce seu episcopado: Jerusalém.
O caminho para resgatarmos seu pensamento teológico e pastoral é através
de parte de sua obra, preservada e analisada por especialistas e estudiosos. É
indubitável que é uma obra selada pela legítima autoridade de Cirilo, como bispo
e doutor da Igreja, por sua elaboração teológica e habilidade no ministério
eclesial. Seu pensamento pode ser recuperado através de suas palavras, em grande
parte estenografadas por seus ouvintes e, com outras limitações quanto à
disponibilidade dos códices encontrados ao longo dos anos
407
.
Encontramos controvérsias quanto à autoria de Cirilo sobre a totalidade
dos textos a ele atribuídos as Catequeses Pré-Batismais, as Catequeses
Mistagógicas, a Carta ao imperador Costanzo
408
e o Sermão do Paralítico
409
. A
405
Teodoreto, perito em história da Siria e da Palestina, julga positivamente o trabalho de Cirilo
como bispo, sem discutir os particulares de sua eleição episcopal, mas confirmando seu zelo na
defesa das verdades de fé e rito na dignidade episcopal. Também os padres conciliares,
contemporâneos de Cirilo, o reabilitaram das acusações que o conduziram ao exílio por 3 vezes.
Além disso, no período da Reforma e Contra Reforma, seja por parte dos protestantes, como dos
católicos, Cirilo foi considerado grande catequista e seguido pela originalidade de seu trabalho na
Iniciação Cristã e perspectiva do sacerdócio comum dos fiéis. Cf. BONATO, A. op. cit., p. 20;
RIGGI, C. op. cit., p.18.
406
Cf. RIGGI, C. op. cit., p. 9.
407
Uma variedade de palavras de Cirilo foi recuperada, por meio de códices e em muitas
linguagens (grego, siríaco, armênio, copta) Os principais Manuscritos encontrados e analisados
pelos estudiosos são: 1. Monacensis gr. 394 (séc. X); 2. Ottobonianus 86 (c. X ou XI), pia
Vaticanus Gr 602 (séc. XVI); 3. Neapolitanus-Vindobonensis 8 (séc. XI); 4. Vindobonensis 55
(séc. XI ?); 5. Bodleianus Thos. Roe 25 (séc. XI); 6. Ottobonianus 446 (séc. XV); 7. Coislinianus
227 (séc. XI); 8. Marcianus gr. II (séc. XII); 9. Monacensis gr 278 (séc. XVI); 10. Ottobianus 220
(séc. XVI-XVII). Cf. PIÉDAGNEL, A. op. cit., p. 51; CROSS, F. L. op. cit., p. XXXIV.
408
As obras de Cirilo de Jerusalém citadas constam na Patrologia de MIGNE, J. P. Patrologiae
cursus completus. Paris: Series Graeca, 1857-1866. Usaremos a sigla PG para esta referência.
autenticidade de Cirilo não é discutida quanto à Introdução às Catequeses, as
Catequeses Pré-Batismais e a Carta ao imperador Costanzo. Ainda em debate
quanto à autoria está um segundo grupo de textos - o Sermão do Paralítico e as
Catequeses Mistagógicas
410
.
A Introdução às Catequeses, as dezoito Catequeses Pré-Batismais e cinco
Mistagógicas, somam um total de vinte e quatro conferências catequéticas. O
primeiro grupo compreende o discurso introdutório e dezoito catequeses dirigidas
aos candidatos para o Batismo por ocasião da Páscoa próxima, num total de
dezenove Catequeses Pré-Batismais. Elas teriam sido pronunciadas durante a
Quaresma. O segundo grupo o as cinco últimas instruções, chamadas
Catequeses Mistagógicas e dirigidas aos nfitos (recém-batizados) na semana da
Páscoa, e teriam sido pronunciadas na capela do Santo Sepulcro
411
. Estas cinco
catequeses explicam a doutrina e a liturgia dos sacramentos da iniciação e são
consideradas tesouros preciosos da liturgia do IV século
412
. As duas primeiras
tratam do Batismo, a terceira da Confirmação, a quarta da Eucaristia e a quinta da
liturgia da Celebração Eucarística.
Sendo a mistagogia o tema central de nossa pesquisa, nosso trabalho se
dedicará mais de perto às Catequeses Mistagógicas
413
. Será a elas que nos
dedicaremos a analisar os nuances metodogicos e teológicos, como também a
organização e a sistematização desta etapa do catecumenato primitivo
414
. No
409
A Carta ao Imperador Costanzo (PG 33,1165-1176) narra a aparição da cruz luminosa, em
Jerusalém, a 7 de maio de 351, da qual foi Cirilo foi testemunha ocular. Considerada como uma
confirmação, vinda dos céus, do apoio divino ao imperador e às suas campanhas contra os
inimigos. A carta é um louvor a Costanzo e à centralidade de Jerusalém para o cristianismo. O
segundo texto, em discussão quanto à autoria, é a Homilia sobre o Paralítico, (PG 33, 1131-1154)
no qual o autor trabalha sobre o evangelho de Jo 5,1-18, insistindo sobre o poder de Cristo como
dico da pessoa, corpo e alma. Cf. MAESTRI, G. e SAXER, V. op. cit., pp. 16-22; DRIJVERS,
J. W. op. cit., pp. 51-52.
410
Cf. DRIJVERS, J. W. op. cit., p. 49. Além desses trabalhos, ainda encontram-se em análise
quanto à autoria, alguns fragmentos: sobre o Cântico dos Cânticos (parte da Homilia sobre o
Paralítico); sobre o milagre de Caná (Jo 2); sobre Palavras de Jesus sobre seu retorno ao Pai (Jo
16,8);o Discurso sobre o encontro do Senhor com Simeão; uma Cronologia. Cf. MAESTRI, G. e
SAXER, V. op. cit, pp. 23-25; RIGGI, C. op. cit., p. 9.
411
Cf. QUASTEN, J. op. cit., p. 404; PIÉDAGNEL, A. op. cit., pp. 14-15; DANIÉLOU, J. op. cit.
p. 27; FIGUEIREDO, F. op. cit., p. 15.
412
Cf. DRIJVERS, W. L. op. cit., p. 53.
413
Cf. QUASTEN, J. op. cit., pp. 403-405; FOLCH GOMES, C. op. cit., p. 225; DANIÉLOU, J.
op. cit., pp. 20-21.
414
Segundo J. Daniélou, as Catequeses Mistagógicas o os documentos mais importantes para a
teologia do culto, mas não são os únicos, já que em diversas obras encontramos passagens
relacionadas com a mistagogia e os sacramentos. Por exemplo, em De Trinitate, de dimo, no
Tratado do Espírito Santo, de Basílio, referindo-se principalmente aos sacramentos e ao ciclo
litúrgico. Cf. DANIÉLOU, J. op. cit., p. 27.
entanto, teremos presente o diálogo com as primeiras dezenove Catequeses de
Cirilo, a fim de melhor compreendermos a teologia subjacente e a metodologia
desse grande Padre da Igreja no processo de Iniciação Cristã de Adultos.
Sobre a autoria das Catequeses Mistagógicas muitos estudos já foram
realizados, por diversos especialistas. A questão surgiu no século XVI, quando se
inicia o debate de que as catequeses possam ter sido atribuídas a Cirilo de
Jerusalém erroneamente
415
. As hipóteses vers am sobre algumas diferenças
encontradas entre as dezenove primeiras Catequeses e as cinco Mistagógicas. São
analisadas diferenças quanto ao estilo e linguagem
416
, desenvolvimento teológico,
metodologia, diferenças entre os ritos litúrgicos e quanto ao período de
compilação das mesmas
417
.
Sabemos que Cirilo pronunciou suas Catequeses, mas não que as tenha
publicado. Os textos foram preservados devido a fiéis que faziam pequenas
anotações enquanto ele pregava. Estas não foram revisadas pessoalmente por
Cirilo
418
. O fato concreto é que não foram encontradas anotações pessoais de
Cirilo, ou mesmo revisão dos textos anotados por fiéis, e sim manuscritos que
contêm variações entre eles, quanto ao estilo, citações bíblicas e desenvolvimento
teológico. Esta já é uma grande dificuldade para compreender os manuscritos, em
suas extensas variações
419
.
A teologia presente nas últimas Homilias Catequéticas, principalmente 16
e 17 e nas Catequeses Mistagógicas pressupõe uma pneumatologia mais
desenvolvida, assim como os conteúdos referentes à Eucaristia, ao Pai Nosso, à
unção do Crisma. São argumentos esperados nos anos 390 e não 40 anos antes
420
.
Uma das fortes hipóteses sobre a autoria das Catequeses Mistagógicas é a
de que poderiam ter sido proferidas por João de Jerusalém, bispo e seu sucessor
na cátedra. Neste caso, elas poderiam ter sido escritas ou compiladas por João,
415
Cf. DRIJVERS, J. W. op. cit., p. 15.
416
Cf. QUASTEN, op. cit., p. 405.
417
W.K Reischl e J. Rupp, A. Piédagnel, Salaville, E. Yarnold e G. Bardey atribuem as Catequeses
Mistagógicas a Cirilo; Th. Schermann, W.J.J. Swanns, M. Richard e W. Telfer atribuem a João
de Jerusalém. A posição de Quasten é de que Cirilo as pronunciou e João as revisou. Cf. SAXER,
V. op. cit., pp. 20-33; TELFER, W. op. cit., pp. 39-42; PIÉDANEL, A. op. cit., p. 28.
418
BARBISAN, E. In: CIRILLO DI GERUSALEMME. Le catechesi. Versão, introd. e notas de E.
BARBISAN, E. São Paulo: Paulinas, 1966, p. 19.
419
Cf. MC CAULEY, L. e STEPHENSON, A. op. cit., pp. 2-3.
420
Ibid., p. 4; TELFER, W. op. cit., p. 40
mas tendo como fonte primordial as primeiras dezoito Catequeses, seu eixo e
fundamentação teológica
421
.
Os manuscritos não possuem evidências a favor de Cirilo. O mais antigo,
Codex Monacensis 394, menciona João como autor e há outros - Ottobonianus 86
e 446, Monacensis 278 e Vaticanus 602 -, que mencionam ambos, Cirilo e
João
422
. Nenhum manuscrito nomeia Cirilo como único autor.
423
As análises
também não chegam a uma definição pela autoria apenas de João.
Um dos fortes argumentos a favor da paternidade ciriliana é de que os
textos que chegaram às mãos dos estudiosos, não seriam da metade do séc. IV e
sim do final da vida de Cirilo, entre 383 e 386
424
. estudiosos que sublinham as
similaridades entre os dois grupos de textos, tanto no que concerne à teologia,
como estilo e espiritualidade. Acreditam que as diferenças que provocam o debate
podem ser atribuídas à própria evolução do pensamento de Cirilo. Neste caso, os
manuscritos não seriam decisivos para negar a paternidade ciriliana do segundo
grupo de textos, as Catequeses Mistagógicas. O próprio João de Jerusalém pode
ter usado das notas de Cirilo em suas conferências, e por isso, os manuscritos o
citarem como autor das mesmas
425
.
Considerando os aspectos quanto à avançada teologia presente em algumas
confencias e as diferenças de estilo e linguagem, convida-se a deixar aberta a
datação, abrangendo o período da segunda metade do século IV. Dessa forma,
pode-se abraçar tanto a possibilidade de que o próprio Cirilo tenha registrado
anotações que expressam um novo momento de sua reflexão litúrgica e teológica,
como a possibilidade de que João de Jerusalém seja o autor ou parceiro de Cirilo,
nas Catequeses Mistagógicas.
O debate que vem percorrendo cinco séculos aponta para um consenso
entre os estudiosos mais recentes, de que não se encontra na tradição manuscrita
um respaldo suficiente para negar a autoria de Cirilo. Por outro lado, uma prova
421
Cf. TELFER, W., op. cit., p. 39; RIVAS, op. cit., p. 9; DRIJVERS, J.W. op. cit., p. 59-62;
MAESTRI, G. e SAXER, V. op. cit., p. 33.
422
Cf. FIGUEIREDO, F. op. cit., p. 18; TELFER, W. op. cit., 39; DRIJVERS, J. W. op. cit., p. 59-
62; MAESTRI, G. e SAXER, V. op. cit., p. 33.
423
Yarnold argumenta que a diferença de estilo entre os dois trabalhos possa ser explicada pelo
fato de que as primeiras conferências foram anotadas por ouvintes, e as demais, provenientes de
notas de Cirilo. Possivelmente ele mesmo teria expandido suas notas e aprofundado suas iias
teológicas. Cf. RIVAS, op. cit., p. 9; DRIJVERS, J. W. op. cit., p. 59.
424
Cf. DRIJVERS, J. W. op. cit., p. 60.
425
Ibid., p. 60-61.
irrefutável, que legitime a autoria de Cirilo, ou de João, ainda não foi localizada e,
provavelmente, não o será
426
.
Até o século XVI, Cirilo foi considerado seu autor, sem contestação, e
ainda não foi encontrada uma prova que recolha a unanimidade dos especialistas a
ponto de afirmarem que não sejam de sua autoria. Elas alcançaram
reconhecimento por sua elevada qualidade teológica, espiritual, estilística e
também pela excelente visão que transmitem da prática lirgica e dos
ensinamentos da fé cristã da época
427
.
Enfim, o que é fundamental para o nosso estudo se mantém preservado,
independente do debate quanto à paternidade de Cirilo o valor apologético das
cinco Catequeses Mistagógicas, mesmo que o de sua autoria, refletem o
pensamento da Igreja de Jerusalém ao fim do século IV e, teologicamente, o
próprio pensamento do próprio Cirilo
428
.
2.1.3
O processo da Iniciação Cristã nas Catequeses Pré-Batismais
Antes de dialogarmos propriamente com as Catequeses Mistagógicas,
vejamos algumas considerações sobre as Catequeses Pré-Batismais, a fim de
melhor compreendermos e nos situarmos na obra posterior. Elas constituem uma
parte central na obra de Cirilo de Jerusalém. Foram pregadas durante a quaresma,
na primavera de 348, na basílica do Santo Sepulcro.
vimos até aqui o contexto da Igreja de Jerusalém no que concerne à
questão política, administrativa e teológica, no período do século IV, em que
Cirilo desenvolveu seu ministério episcopal. Vejamos agora, o contexto pprio
da instituição catecumenal que começava a se organizar e a encontrar uma
sistematização.
A sistematização do catecumenato pode ser atestada, a partir do culo III,
pela Tradição Apostólica, de Hipólito de Roma. Contudo, será no século seguinte
que encontraremos os principais documentos sobre o catecumenato, contendo
orientações quanto aos conteúdos e métodos, como também para a dimensão
426
Ibid.
427
Cf. DROBNER, H. R. Manual de Patrologia. Petrópolis: Vozes, 2003, pp. 309-310.
428
Cf. BARBISAN, E. op. cit., p. 18.
lirgica e comunitária indissoluvelmente presentes naquela visão de catequese.
Os principais documentos que refletem tal práxis são: As Catequeses, de Cirilo de
Jerusalém (±348-351); as Homilias Catequéticas, de Teodoro de Mopsuéstia
388-428); as Catequeses batismais, de João Crisóstomo 388-397); os
Tratados sobre os Sacramentos e os Mistérios, de Ambrosio de Milão (±380-
397); os Discursos Catequéticos, de Gregório de Nissa (±388-396) e A Instrução
dos Catecúmenos, de Agostinho (±413-426)
429
.
Em suas grandes linhas, podemos observar que a formação propriamente
catecumenal se realizava mediante a catequese bíblica, centrada na narração de
História da Salvação; a preparação imediata ao Batismo, por meio da catequese
doutrinal, que explicava o Símbolo Apostólico e o Pai Nosso, recém entregues,
com suas implicações morais; e a etapa que sucedia os sacramentos de iniciação,
mediante a catequese mistagógica, que ajudava a interiorizar tais sacramentos e a
incorporar-se na comunidade.
Através dos documentos encontrados, temos notícia de que se iniciava um
processo catequético elaborado com primor pelos Padres da Igreja. Podemos
afirmar que os textos denotam o desenvolvimento de certo gênero literário
430
ao
qual Cirilo corresponde e também colabora como pastor, místico e teólogo de seu
tempo.
A partir das próprias Catequeses Pré-Batismais, podemos ter uma
orientação do que seria o modelo catecumenal deste período, assim como o
modelo religioso e litúrgico que se configuravam com tanto primor
431
. Elas
marcam um itinerário no qual a pregação da mensagem cristã está orientada para a
compreensão dos fiéis, a adesão e mudança de vida, a partir de uma relação
essencial entre catequese, liturgia e Palavra de Deus.
Através da exposição das catequeses, os fiéis recebiam um verdadeiro
sistema doutrinário. Em Jerusalém, por exemplo, a exposição do Credo era
429
Neste desenvolvimento teológico-literário, os textos de Cirilo ocupam lugar privilegiado no
século IV e, em ordem cronológica, é o primeiro a ser encontrado. Cf. MAESTRI, G. e SAXER,
V. op. cit., p. 45; YARNOLD, E. The awe inspiring rites of initiation. op. cit., Introd. p. IX;
BOLLIN, A. e GASPARINI, F. op. cit., p. 50; LOPES, J. Catecumenato. op. cit., p. 106; Cf.
SANTANA, L. F. R. Batizados no Espírito, A experiência do Espírito Santo nos Padres da Igreja.
o José dos Campos: COMDEUS, 2000, p. 15.
430
No mesmo gênero literário, catequético, encontramos ainda, no IV e V séculos, textos de
Cromazio de Aquilia e Niceta di Remesiana e, no VI século, de Severo de Antioquia e Cesário de
Arles.Cf. MAESTRI, G. e SAXER, V. op. cit., pp. 45-46; DRIJVERS, W. L. op. cit., p. 54.
431
Cf. HAMMAN, A. op. cit., p. 211.
minuciosamente trabalhada durante todo o período da Quaresma
432
. Este fator
doutrinário era cuidadosamente ligado ao período litúrgico, com ritos de acolhida,
proposta de mudança de vida, exorcismos, testemunhos e acompanhamento
individual e comunitário dos iniciantes na . A Iniciação Cristã que ali se
configurava era, para nossa compreensão, marcadamente mistagógica. Mais
adiante, veremos passo a passo como essa relação foi construída.
As Catequeses Pré-Batismais, como o próprio nome faz referência, eram
voltadas para aqueles que buscavam a Iniciação Cristã, e que se inscreviam para
os sacramentos. Estas Catequeses também são conhecidas como “aos
iluminandos”, porque eram endereçadas aos catecúmenos que se preparavam para
receber a graça, ou a “iluminação”, do Batismo
433
.
Cirilo anuncia aos “iluminandos” a imensa dignidade e profundo mistério
que consiste o caminho em direção ao Batismo.
Considera quão grande é a dignidade que Jesus te doa. Te chamavam
catecúmeno, que ressoava em torno de ti; ouvias falar de esperança, mas não a
vias, ouvias celebrarem os mistérios, mas sem compreendê-los; ouvias as
Escrituras, mas sem entender sua profundidade. Estes sons, agora, não
ressoarão mais fora de ti, mas internamente. De fato, o Espírito que habita em ti
faz agora, da tua mente, uma morada divina
434
.(PCat. 6)
A admissão ao processo passava por uma apresentação da parte de um
responsável, que poderia ser um parente próximo ou alguém da própria
comunidade. Esta apresentação era dirigida e acolhida pelo bispo local, num ritual
de imposição de mãos e oração.
A esta primeira aproximação e compromisso assinalado diante da
comunidade local seguia-se o processo catecumenal, com a participação nas
homilias catequéticas, exortações, rituais e mudanças na própria vida, preparando-
se para assumir a vida nova pelo Batismo.
Em sua primeira Catequese, chamada Preliminar ou Introdução às
Catequeses Pré-Batismais, Cirilo fala das disposições necessárias para a
preparação batismal e orienta os fiéis a experimentarem o jejum, a penincia e a
432
A Profissão de fé era um sinal da identidade das comunidades cristãs, de tal maneira que quem
a professava poderia ser considerado cristão, ou seja, professava o reto parecer da ortodoxia. Cf.
ELORRIAGA, C. op. cit., p. 29.
433
Cf. MAESTRI, G. e SAXER, V. op. cit., p. 26.
434
Os trechos das Catequeses Pré-Batismais apresentados neste trabalho o da edição crítica de
MAESTRI, G. e SAXER, V. In: CIRILLO E GIOVANNI DI GERUSALEMME. Catechesi
Prebattesimali e mistagogiche. Milano: Pauline, 1994.
confissão dos pecados, expressando o verdadeiro compromisso e vontade de
mudar sua situação existencial
435
.
A essa fase segue-se a verdadeira preparação catequética, com dezoito
homilias, nas quais Cirilo se dedica à cristã e suas fontes - A Sagrada Escritura
e a Tradição –, transcorrendo temas centrais da cris e detendo-se
pormenorizadamente nos artigos do Credo
436
. Nas duas primeiras, Cirilo fala
sobre o compromisso que será assumido, sobre a renúncia ao pecado e a
necessidade da Penitência. Na terceira, trata do Batismo e seus efeitos. Na quarta,
ele faz uma exposição complexa sobre a doutrina cristã, expondo as principais
verdades dogmáticas. Estas serão retomadas, mais detalhadamente, nas homilias
seguintes, que versam sobre o Credo. Da quinta à décima-oitava Catequese, Cirilo
trabalha sobre os artigos do Credo
437
, sempre fundamentando cada passo na
Sagrada Escritura, explicitando a linha de continuidade entre Antigo Testamento e
Novo Testamento.
As Catequeses Pré-Batismais são precedidas de uma leitura bíblica. O
vínculo Sagrada Escritura-Tradição é estabelecido desde esse primeiro momento.
É o próprio Deus que fala e a Igreja é a mediação da Palavra de Deus. Os fiéis
recebem da Igreja o que devem crer, a Sagrada Escritura é o fundamento desta
438
.
Sois discípulos da nova Aliança e partícipes dos mistérios de Cristo, agora,
por vocação, mas em pouco tempo também como um dom:’forjai em vós um
coração novo e um espírito novo’ para que se alegrem os moradores do céu. (C.
I,1; ref. Ez 18,31)
Cirilo apresenta os ensinamentos da cristã com a reverência de quem
transmite os santos mistérios, sempre fundados nas Escrituras e, impossíveis de
serem compreendidos se prescindimos do texto sagrado
439
. Cirilo está seguindo
um método no seu trabalho como orientador e teólogo, em que é a ppria
Escritura que fala, que revela os conteúdos, numa teologia fundada na iniciativa
435
Cf. MAESTRI, G. e SAXER, V. op. cit., p. 26; FIGUEIREDO, F. op. cit., pp. 14-15.
436
Cf. FIGUEIREDO, F. op. cit., pp. 12-13.
437
Cf. TELFER, W. op. cit., p. 34.
438
Cf. MAESTRI, G. e SAXER, V. op. cit., p. 54.
439
Para uma análise dos textos bíblicos com os quais Cirilo vai tecendo suas Catequeses ver o
excelente trabalho de Jésus Sancho Bielsa, no qual apresenta um Índice Bíblico detalhado
indicando todas as citações presentes nas Catequeses Pré-Batismais e Mistagógicas. In: CIRILO
DE JERUSALÉN. Catequesis. introd., trad. e notas de J. S. BIELSA. Madrid: Ciudad Nueva,
2006.
Cf. RIVAS, P.L.H. op. cit., p. 9; MC CAULEY, L. e STEPHENSON, A. op. cit., p. 5.
de Deus. Aparentemente, é o mesmo método da escola de Alexandria, de
Clemente e de Orígenes, em que o processo teológico de seleção dos textos
bíblicos é inspirado e iluminado por Deus, revelando verdadeiramente os
conteúdos doutrinários
440
.
Ainda na trajetória da escola de Alexandria, observamos em Cirilo uma
postura filosófico-metodológica diante do fenômeno gnóstico
441
. O pensamento
gnóstico esentre os grandes desafios
442
com os quais a Igreja se defronta neste
período
443
. Cirilo, na mesma dinâmica da escola de Alexandria, não separa fé e o
conhecimento, mas os integra com o liame da própria Palavra de Deus. Anuncia
que ali estão as bases sólidas do verdadeiro conhecimento, pois este vem das
Escrituras
444
.
Nesse período inicial do catecumenato primitivo, como preparação para os
Sacramentos de Iniciação, Cirilo coloca as bases da fé, dialoga com os
argumentos próprios de seu tempo, provenientes de culturas pagãs, das religiões
politeístas, das heresias com as quais se convive. O Credo, explicado artigo por
artigo, a partir de sua base bíblica, é confiado pela Igreja, pela Tradição apostólica
aos novos fiéis. Por isso mesmo, percebemos nas Catequeses uma força
dogmática e o convite à adeo incondicional do discípulo à Profissão de Fé, que
ele passa a compreender, acolher no seu coração e orientar sua própria vida
445
.
440
Cf. MC CAULEY, L. e STEPHENSON, A. op. cit., p. 5.
441
A gnose era uma espécie de conhecimento superior, adquirido de modo direto, intuitivo, que
buscava respostas para todos os problemas que angustiam a pessoa humana. Desenvolve-se nos
primeiros séculos. Tratava-se fundamentalmente de uma doutrina de salvação que incorporava
elementos mais antigos e se desenvolveu paralelamente e em oposição ao cristianismo. Seu
principal interesse era explicar o mal o mundo, a situação do homem nele e a possibilidade de
salvação. Alguns princípios em comum estão presentes nas diversas correntes do pensamento
gnóstico: a maldade da matéria e da carne, a infelicidade do homem, prisioneiro do seu próprio
corpo, a existência de uma alma inferior e manchada pelo pecado e de uma alma superior,
celestial. Em suma, um dualismo firmado no distanciamento radical entre estas duas dimensões.
Cf. DROBNER, H. R. op.cit., pp. 111-113
442
Entre os séculos II e IV, a Igreja se vê diante de correntes religiosas que se esforçam para
exercer uma espécie de sedução sobre os homens de seu tempo: a gnose, sob formas diversas, e as
religiões do mistério. Cf. JEDIN, H. Manual de Historia de la Iglesia. Barcelona: Herder, 1966,
369-380; FIGUEIREDO, F. op. cit., pp. 10-11.
443
O termo gnosticismo é derivado do termo grego gnôsis, que significa conhecimento revelado. O
movimento surgiu a partir das filosofias pagãs anteriores ao Cristianismo, que floresciam na
Babilônia, Egito, Síria e Grécia (Macedônia). Algumas evidências sugerem que uma forma
incipiente de gnosticismo surgiu na era apostólica e foi o tema de várias epístolas do Novo
Testamento no combate a essas heresias (I Jo; epístolas pastorais). A maior polêmica contra os
gnósticos apareceu, entretanto, no período patrístico, com os escritos apologéticos de Irineu (130-
200), Tertuliano (160-225) e Hipólito (170-236). Cf. ALTANER. B. e STUIBER, A. Patrologia.
o Paulo: Paulinas, 1972, pp. 156-178.
444
Cf. MC CAULEY, L. e STEPHENSON, A. op. cit., pp. 6-9.
445
Cf. RIVAS, P. L. H., op. cit, p. 12.
Este sumário da fé não foi composto pelos homens arbitrariamente, mas foram
selecionadas de toda a Escritura as afirmações mais importantes, que compõem
e oferecem o conteúdo de uma única doutrina de (...) Assim, pois irmãos,
considerem e conservem as tradições que agora recebeis, gravando-as na
profundidade do vosso coração. (C. V,12)
O Credo é explicado por Cirilo não como um ensinamento doutrinal, mas
com o duplo fundamento que integra a e a vida, seguido de exortações a
libertar-se de tudo que pode comprometer a integridade da Profissão de Fé
446
.
A natureza do culto divino consta de dois elementos: os sagrados dogmas e as
boas obras, e nem a doutrina sem as boas ações é agradável a Deus, nem Deus
aceita as obras prescindindo das crenças religiosas. (C. IV,2).
A fé pedida ao catecúmeno é caracterizada por uma relação com Deus,
com os homens à luz de Deus, aderindo às verdades reveladas com a própria vida,
de forma existencial, cotidiana. É na relação com Deus que a graça concedida vai
operando as mudanças e configurando a própria vida no caminho do seguimento
de Jesus
447
.
O Credo é a Profissão de , é ato performativo, e por isso mesmo deve
ser professado solenemente diante da comunidade, em sinal de compromisso que
transforma a vida e a configura de acordo com as afirmações de proferidas.
Além disso, é profissão comunitária, é compromisso vivido na unidade, na
comunhão e na correção fraternas. Não se crê sozinho, se crê em Igreja, em
comunidade eclesial, em participação com todo o Povo de Deus.
O relacionamento com Deus é algo dinâmico, processual, em que o pecado
e a salvação são duas faces do mesmo Mistério, numa tensão que vai convidando
o fiel, aberto ao Mistério do qual participa, a deixar-se envolver existencialmente
numa orientação soteriológica.
Escuta o que diz o salmista: Que grande é tua bondade, Senhor! (Sl 31,2) Teus
pecados acumulados o vencem a imensa misericórdia de Deus. Tuas feridas
não podem mais do que a experiência do médico supremo. Entrega-te
sinceramente a ele com fé; indica-lhe tua enfermidade. (C.II,6)
446
Ibid.
447
Cf. MAESTRI, G. e SAXER, V. op. cit., p. 53.
Em Cirilo, a proposta cris es mergulhada no Mistério da Redenção, a
Cruz está no centro da história bíblica e, em certo modo, cósmica
448
.
Estendeu suas os na cruz para abarcar os confins do mundo. (...) E, não é
minha palavra, mas do profeta que disse: ‘Autor da salvação no meio da
terra’.(Sl 74,12) (C. XIII,28)
A Profissão de torna-se uma exortação à conversão concreta, à
mudança de vida, ao testemunho através das obras, da moral, das escolhas
cotidianas. Os artigos da fé e os preceitos morais estão em absoluta relação: a e
a vida; a doutrina e a prática cristã. Os conteúdos são expostos como riqueza e
dom de Cristo que, pela força da professada, e pela graça batismal, tornam-se
vida nova para o fiel. Na quarta Catequese Pré-Batismal, Cirilo dedica-se ao
edifício dogmático da Igreja em seu tempo, ao fides quae, exortando aos fiéis a
colocarem os dogmas da fé na própria alma, a fim de não caírem nos erros e vícios
da idolatria e heresias.
Se alguém grava bem em seu interior a doutrina de que Deus é o princípio único
e crê nele de coração, impedirá o atropelo e o ímpeto dos vícios da idolatria e
dos erros dos hereges. Portanto, coloca pela fé este primeiro dogma na tua alma.
(C.IV, 6)
O Sacramento do Batismo é apresentado não como um rito sacramental de
salvação, mas como uma etapa fundamental da iniciação do fiel a um processo de
consciência do Mistério da salvação e sua progressiva inserção neste Mistério
449
.
A palavra encontrada nos textos originais é kairós, o que indica que, para Cirilo, o
momento do Batismo é tempo oportuno de salvação.
Pela fé sincera da alma prepara os vasos limpos para receber o Espírito Santo.
(...) Pois o esposo chama a todos sem distinção, que se trata de uma graça
abundante. Todos são reunidos pelo chamado em alta voz de quem faz o anúncio.
(C. III,2)
Também tu, descendo à água, e sepultado em certo modo nela, como Jesus no
sepulcro, serás ressuscitado para uma vida nova.(C.III,12)
A dinâmica salvífica Morte-Ressurreição é experimentada pelo
Sacramento do Batismo. O Mistério Pascal de Jesus é um novo princípio vital, ao
qual todos os fiéis são chamados a participar. Para a vida cristã, essa dinâmica
448
Ibid., p. 64.
449
Ibid., p. 79.
reorienta seus princípios e escolhas, implementando um novo componente ético
que, para o fiel, é muito mais do que uma consequência gica. É a libertação
processual do pecado, pela ação da Graça de Jesus Ressuscitado no homem, que
possibilita atitudes coerentes com a dignidade a que é chamado a viver.
Cirilo conclui sua série de Catequeses Pré-Batismais com 2 catequeses
sobre o tema do Espírito Santo e uma sobre o tema da Igreja. A densa
pneumatologia presente nestas Catequeses é um forte testemunho da consciência
teológica da Igreja sobre o Espírito Santo
450
.
Para nossa breve reflexão, acentuamos a continuidade que Cirilo
estabelece com relação aos temas anteriores, coroando a orientação catecumenal
com a presença do Espírito Santo, o Paráclito, o Consolador, o Espírito de Jesus
que atua de modo adequado em cada pessoa, que a todos ilumina e inspira a
consciência e as atitudes.
O Espírito opera de modo apropriado em cada um e, estando entre nós, a
situação de cada um. Vê os nossos pensamentos e nossa consciência, o que
dizemos e o que pensamos. (C.XVI, 22)
Se chama Paráclito porque consola, fortalece com suas exortações e nos ajuda
em nossa debilidade (...)(C.XVI, 20)
O mesmo Espírito, presente na história da humanidade, no Antigo
Testamento desde a Criação, passando por sua presença junto aos Patriarcas e
Profetas -, como no Novo Testamento desde a Encarnação, junto ao pprio
Jesus se faz movimento, força e vigor na comunidade apostólica e na Igreja.
Dessa forma, ele retoma o tema que mobiliza todo o processo catecumenal, a
Iniciação Cristã, o desejo de participar do seguimento de Jesus na comunidade
eclesial, pelo Sacramento do Batismo.
Pois o Espírito Santo não vem proferido com a língua, mas alguém vivo, que nos
concede a capacidade de falar com sabedoria, sendo ele mesmo quem fala e
ensina. (C. XVI, 13)
Para cada um o Espírito opera de modo adequado e, estando no meio de nós,
as disposições de cada um. também nossos pensamentos e a nossa
consciência, o que dizemos e o que pensamos. Grande é isto que acabo de dizer
e, todavia, é ainda pouco. (C.XVI,22)
As Catequeses Pré-Batismais trazem o testemunho de um processo de
Iniciação Cristã com grande riqueza doutrinal e fecundidade pastoral, centrado
450
Cf. SANTANA, L. F. R. Batizados no Espírito. op. cit., p. 43.
prioritariamente na Sagrada Escritura. Esta é a base das homilias de Cirilo,
inclusive para a transmissão da Profissão de Fé. Sua metodologia reúne a
contemplação dos fatos e mensagens da Sagrada Escritura, a reverência ao
Mistério no qual serão inseridos pelo Batismo, e o convite à acolhida livre e
compromissada da dinâmica desse Mistério de Salvação na vida pessoal .
Vejamos a seguir as Catequeses Mistagógicas de Cirilo de Jerusalém,
através de uma leitura atenta às suas palavras, à forma como conduz os neófitos
nos caminhos do seguimento de Jesus Cristo e na inserção progressiva desse
processo na vida pessoal, comunitária e social.
2.2
O caminho mistagógico nas Catequeses Mistagógicas
As Catequeses Mistagógicas orientavam-se à instrução dos neófitos, como
um percurso de introdução à fé, incluindo o catecumenato e a instrução
batismal
451
. As Catequeses Mistagógicas são um valioso testemunho de como a
Igreja, no final do século III e início do século IV, vivenciava este período
catecumenal, do desenvolvimento alcançado pela consciência dogmática eclesial,
e a imprescindível relação entre a catequese e liturgia no processo de Iniciação
Cristã. Cirilo de Jerusalém, em unidade com os seus contemporâneos
452
,
considerava a mistagogia como um tempo forte e determinante para o
conhecimento e para a adesão à e privilegiava o trabalho de iniciação à vida
cristã.
Nossa metodologia será, num primeiro momento, procurar ‘ouvir’ Cirilo
falar, no sentido de entrarmos em sintonia com seu tempo, o contexto em que as
Catequeses acontecem, tanto no sentido cio-cultural, como no sentido
catecumenal e litúrgico. Estamos cientes de que a distância histórica e ausência de
documentos precisos sobre as Catequeses são fatores limitadores de nossa
‘audição”. No entanto, acreditamos que esse processo é o único que pode nos
conduzir pela mão, de maneira mistagógica, também a nós, pelos caminhos que
451
Cf. DGC, n. 88.
452
Cirilo não é o único conhecido pelas Catequeses Mistagógicas, no IV séc. Há também
conferências sobre os mistérios por Ambrosio, João Crisóstomo e Teodoro de Mopsuestia. Cf.
DRIJVERS, J. W. op. cit., p. 92; YARNOLD, E. The awe inspiring rites of initiation. op. cit.,
Introd. p. IX.
Cirilo orienta seus neófitos e, dessa forma, inspirados em Cirilo, cultivarmos um
caminho catecumenal-mistagógico para nosso tempo.
Nosso segundo momento sede dialogarmos com Cirilo, através de um
processo hermenêutico voltado para a compreensão de seu pensamento teológico
e de seu eixo como formador, do ponto de vista pastoral e pedagógico
453
.
Vejamos passo a passo, como Cirilo
454
orientava este processo, quais os
aspectos que julgava relevantes, como articulava a evangelização com a liturgia,
com o processo de adesão e conversão e com a própria comunidade
455
.
A catequese mistagógica pressupunha as etapas anteriores e a dimensão da
graça sacramental dos sacramentos de iniciação - Batismo, Confirmação e
Eucaristia -, recebidos na vigília pascal. Era uma nova etapa catequética e
sacramental, delimitada pela oitava pascal e que poderia estender-se até
Pentecostes. Compreendia-se que os neófitos, renovados em seu espírito,
assimilavam mais profundamente os mistérios da e os sacramentos da Igreja,
experimentando quão “suave é o Senhor”
456
. (Mt 11,30)
Nas cinco Catequeses Mistagógicas
457
, Cirilo de Jerusalém adota o método
da exposição popular, em linguagem simples e clara, viva e fervorosa, bem
adaptada às necessidades intelectuais ou morais de seus ouvintes e, por isso
mesmo, muito prático e objetivo
458
.
Em nossa metodologia de trabalho privilegiamos as edições críticas de A.
Piédagnel, G. Maestri e V. Saxer e C. Riggi
459
, levando também em consideração
453
Cf. ARAÚJO, J. M. Análise teológica das catequeses mistagógicas de São Cirilo de Jerusalém.
In: Fragmentos de Cultura. Vol. 13, n. 4. Goiania: UCG, 2003, p. 774.
454
Para efeitos de elaboração teológica, citaremos o próprio Cirilo de Jerusalém como teólogo que
elabora, orienta e está subjacente às Catequeses Mistagógicas, salvando as observações sobre a
autoria já apresentadas na seção anterior.
455
Cf. ARAÚJO, J. M. op. cit., p. 778.
456
Texto bíblico citado pelos Padres da Igreja ao se referirem ao encontro mistagógico entre Deus
e o homem, como experiência inefável e de profunda integração com a própria vida. Cf.
MISTRORIGO, A. Mistagogia. In: Dizionario Liturgico-pastorale, EMP, 1977, pp. 1104-1106.
457
A data na qual as Catequeses Mistagógicas foram pronunciadas também divide os especialistas.
Yarnold atribui a datação a 30 a 40 anos depois das Batismais; Telfer, ao contrário, acredita que
foram pronunciadas antes de 350; Rivas supõe a datação no ano de 350 ou pouco antes. Cf.
RIVAS, J. J. op. cit., p. 9; TELFER, W. op. cit., p. 39; BONATO, A. op. cit., p. 21.
458
Cf. FIGUEIREDO, F, Introdução. In: CIRILO DE JERUSALEM, Catequeses Mistagógicas.
Trad. F. VIER, introd. e notas F. FIGUEIREDO. Petrópolis: Vozes, 2004, p. 18.
459
PIÉDAGNEL, A. In: CYRILLE DE JÉRUSALÉM. Catéchéses Mystagogiques. Paris: Du Cerf,
1966; RIGGI, C. In : CIRILLO DI GERUSALEMME. Le Catechesi. Roma: Cit Nuova, 2°.
Edição, 1997 e MAESTRI, G. e SAXER, V. In: CIRILLO E GIOVANNI DI GERUSALEMME,
Catechesi Prebattesimali e mistagogiche. Milano: Pauline, 1994. Nesta última edição os autores
atribuem a autoria das Catequeses Mistagógicas a João de Jerusalém. Contudo, mesmo tendo,
as observações de outras edições críticas pesquisadas
460
. As citações das próprias
Catequeses Mistagógicas serão do trabalho do Frei F. Vier
461
, em português,
contudo, estabelecemos uma análise comparativa com o texto grego
disponibilizado por F.L.Cross
462
.
2.2.1
Primeira Catequese Mistagógica aos Recém-Iluminados
Vejamos como Cirilo inicia sua Primeira Catequese Mistagógica de forma
simples, acolhedora e centrada no Mistério Pascal, do qual os ouvintes
participam:
Desde muito tempo desejava falar-vos, filhos legítimos e muito amados da
Igreja, sobre estes espirituais e celestes mistérios. Mas como sei bem que a vista
é mais fiel que o ouvido, esperei a ocasião presente, para encontrar-vos, depois
desta grande noite, mais preparados para compreender o que se vos fala e levar-
vos pelas mãos ao prado luminoso e fragrante deste paraíso. Além disso,
estais melhor preparados para apreender os mistérios todo-divinos que se
referem ao divino e vivificante batismo. Uma vez, pois, que vos proporemos uma
mesa com doutrinas de iniciação perfeita, é necessário ensinar-vos com
precisão, para penetrardes o sentido do que se passou convosco nesta noite
batismal.( CM I,1)
As palavras iniciais são ternas e sábias, de quem conhece o processo de
amadurecimento na Iniciação Cristã e, como um pai ansioso que esperava o
nossa pesquisa, chegado a uma hitese diferente, o podemos abrir mão da excelência de sua
pesquisa e comentários.
460
CIRILO DE JERUSALÉN. Catequesis. Edición y notas de C. ELORRIAGA. Bilbao: Desclée
de Brouwer, 1991; CIRILO DE JERUSALÉN, Catequesis. Tradução do grego e introdução por P.
H. RIVAS. Buenos Aires: Paulinas: 1985; CIRILO DE JERUSALÉN. Catequesis. Introdução,
tradução e notas de J. S. BIELSA. Madrid: Ciudad Nueva, 2006; CYRIL OF JERUSALEM AND
NEMESIUS OF EMESA. Tradução e notas de W. TELFER. London: SCM Press LTD, 1955;
CIRILLO DI GERUSALEMME. Le catechesi. Versão, introdução e notas de E. BARBISAN. São
Paulo: Paulinas, 1966; CIRILLO. Le catechesi. Traduzione e note del. Sac. Dolt G. CARRARO,
Tipografia commerciale editrice Vicenza, 1942.
461
Diante das muitas edições críticas e traduções analisadas, presentes em nossa bibliografia, a
escolha pela tradução em português, não apenas é uma escolha com base em nossa redação, mas
também devido à proximidade com o texto grego. Depois da tradução de A. Piédagnel,
observamos que o trabalho de F. Vier é o mais próximo do texto grego. Nas demais traduções
encontradas, encontramos algumas expressões-chave modificadas e omissões que, a nosso ver,
podem prejudicar a análise do trabalho de Cirilo de Jerusalém. Cf. CIRILO DE JERUSALEM,
Catequeses Mistagógicas. Trad. F. VIER, introd. e notas F. FIGUEIREDO. Petrópolis: Vozes,
2004.
462
A fonte grega com a qual trabalhamos está disponilizada em CROSS, F. L. In: CYRIL OF
JERUSALEM’S. Lectures on e Christian Sacraments. Londres: SPCK, 1951 que tem sua fonte na
Patrologia Grega de J. Migne/PG.
momento certo para revelar o maior segredo
463
. São palavras movidas pelo
coração, pelo desejo, pela emoção de quem partilha um tesouro. Não estamos
diante de uma acolhida formal, mas familiar, paternal, no sentido de filiação. Ele
se coloca como pai espiritual inserido em uma família, que é a Igreja. Cirilo fala
de dentro da Igreja, e inclui os neófitos, recém-batizados, na família eclesial, e
no grande Mistério do qual participam.
Ainda nesta acolhida, faz menção à experiência que foi vivida na vigília
Pascal, uma experiência única, de participação no Mistério de Cristo. A partir, e
depois dessa experiência sacramental, torna-se possível compreender a
complexidade do Mistério vivido pelos ensinamentos, chamados de mistagógicos.
Observemos que, neste pequeno parágrafo introdutório, Cirilo fala como
mistagogo, como orientador espiritual que vai levar a cada um pela mão, pelo
caminho maravilhoso do qual são participantes, mesmo que não o
compreendam plenamente. A expressão grega eÙprosagwgotšrouj - levar-vos
pelas mãos
464
- indica alguém que bem conduz. Cirilo predispõe seus ‘ouvintes’ a
se conscientizarem de sua participação efetiva no Mistério divino, e convida-os a
abrirem os ouvidos, para melhor compreenderem e poderem mergulhar mais
profundamente no Mistério que lhes está sendo revelado.
O caminho mistagógico é acenado com a imagem do paraíso pleno de luz,
numa referência ao projeto de Deus, onde tudo é bondade e abundância porque
Deus está presente. Quando se participa e se compreende a grandeza do Mistério
de Deus, é como caminhar no paraíso primeiro, origem de tudo, fecundo de vida
nova.
463
Cirilo pode estar referindo-se aos segredos revelados, sob a influência da disciplina do arcano,
possivelmente presente naquele contexto. A disciplina do arcano tem sua origem nas religiões
pagãs mistéricas, e crê que os mistérios não podem ser ensinados a pessoas não iniciadas, sob pena
de serem profanados ou mal interpretados. Entre os estudiosos do tema a questão é bastante
controversa. Para alguns não nenhuma indicação de que a disciplina do arcano vigorava no
século IV; outros afirmam que pode ter influenciado o aspecto ‘mistagógico’ presente nos Padres
da Igreja. Podemos perceber em Cirilo a valorização dada às instruções mistagógicas realizadas
após a experiência sacramental, no entanto, a ênfase ao temor, própria da disciplina do arcano, não
está presente em suas Mistagogias. Na ProCatequese, encontramos Cirilo corrigindo uma postura
de curiosidade, e convidando à experiência cristã integral: Que nenhum de s entre dizendo:
vamos ver o que os crentes fazem; mas, uma vez que tenha entrado, observe atentamente e
procure aprender o que acontece. Cf. CIRILLO DI GERUSALEMME. Catechesi Prebatesimali
e Mistagogiche. Introdução e notas de G. MAESTRI e V. SAXER. Milano: Pauline, 1994, p. 146;
YARNOLD, E. The awe inspiring rites of initiation. op. cit., pp. 51-52; CURA ELENA, S. op. cit.,
p. 828; Cf. FIGUEIREDO, F. op. cit., p. 16.
464
Em itálico traduziremos para o português as expressões recolhidas da fonte grega, como
referência para o leitor.
Conclui esta acolhida falando do caráter pedagógico das Catequeses. O
termo grego sugere a educação dedicada, atenta, acurada - ¢kribîj paideÚswmen -
ensinar-vos com precisão. São ensinamentos densos e profundos, e serão
transmitidos com cuidado, a fim de que realmente possam apreender a grandeza
do Mistério.
Cirilo prossegue esta Primeira Catequese, fazendo memória da parte
inicial do ritual litúrgico do qual os neófitos participaram. A preleção recupera o
local, gestos litúrgicos, renúncia a satanás
465
e sentido bíblico da liturgia realizada.
Nas Catequeses Pré-Batismais já encontramos a fundamentação
eminentemente bíblica nas pregações de Cirilo. Observamos que, ele dá
continuidade ao seu método catequético, não apenas partindo dos relatos bíblicos,
mas sempre estabelecendo um vínculo entre o Antigo Testamento e o Novo
Testamento
466
. Nessa catequese, em particular, explicita o conceito de ‘figura’ do
Novo Testamento, já antecipada no Antigo Testamento.
Entre os Padres da Igreja este método, a catequese tipológica
467
, que
constrói a compreensão da liturgia em unidade com a História da Salvação,
estava presente
468
. Nas Catequeses Mistagógicas, assim como nas anteriores,
percebemos o quanto Cirilo conhece bem esta metodologia e tem intimidade e
familiaridade com o ritual litúrgico e com as narrativas bíblicas, num processo de
identificação e interpretação muito bem articulados. Contudo, vale a pena
observar, que Cirilo não concentra suas Catequeses neste método, usa-o
pontualmente, apontando apenas algumas ‘figuras’ bíblicas presentes na liturgia
no decorrer das Catequeses
469
.
(...) É preciso que saibais que na história antiga uma figura deste gesto.
Quando o faraó, o mais inumano e cruel tirano, oprimia o povo livre e nobre dos
hebreus, Deus enviou Moisés a tirá-los desta penosa escravidão dos egípcios.(...)
465
O termo ‘satanás’ aparece nas Catequeses sempre com inicial minúscula, por isso respeitamos a
forma citada pelo autor.
466
Cf. ARAÚJO, J. M. op. cit., p. 776.
467
É chamada catequese tipológica porque revela a novidade de Cristo a partir de ‘figuras’
(tipos/typos) que a anunciavam nos fatos, palavras e mbolos da Antiga Aliança. Segundo a
pedagogia divina da salvação, a significação de uma celebração sacramental encontra seu
fundamento nos acontecimentos da antiga Aliança e se revela em plenitude na pessoa e obra de
Cristo. Cf. ONATIBA, I. El Catecismo de la Iglesia Católica en comparación con la Sacrosanctum
Concilium. La Liturgia en el Catecismo de la Iglesia Católica. In: Phase 73. Barcelona: Centro de
Pastoral Liturgica, 1997, p. 18.
468
Cf. ONATIBA, I. op. cit., p. 17.
469
Cf. MAZZA, E. op. cit., pp. 173-181.
Passai agora comigo das coisas antigas às novas, da figura à realidade.
Moisés foi enviado por Deus ao Egito; aqui Cristo, do seio do Pai, foi enviado ao
mundo. Aquele para tirar o povo oprimido do Egito; Cristo para livrar os que no
mundo são acabrunhados pelo pecado.(CM I,2-3)
Interessante observarmos a narrativa bíblica. Este é um fator presente nas
Catequeses, apresentar os relatos da História da Salvação, conduzindo o ouvinte
para dentro do cenário. Os adjetivos e detalhes auxiliam na composição e até
mesmo em uma experiência vivencial do fato bíblico, num processo de
identificação entre o ontem e o hoje, entre o povo de Deus e a comunidade atual,
entre dois contextos e duas perspectivas que se correspondem na História da
Salvação.
Vemos também que, neste pequeno trecho, Cirilo trabalha a dimensão
pascal do Batismo. Estão subjacentes os conceitos de Antiga e de Nova Aliança,
de Cristo como novo Moisés, de libertação proviria e libertação definitiva pelas
águas da salvação, as águas do Batismo.
O pano de fundo do relato não é outro senão o próprio acontecimento
batismal, com a entrada no batistério, os gestos que indicam o processo de
libertação, a renúncia à opressão e o banho batismal. É a liturgia que ilumina a
compreensão da dinâmica pascal prefigurada no Antigo Testamento e
experimentada eficazmente no sacramento do Batismo. A passagem do ‘antigo
ao ‘novo’ demarca a compreensão fundamental de mudança radical de vida, no
sentido de um novo eixo orientador, no qual Cristo reorienta toda a vida,
tornando-a ‘nova’, re-criada, nascida de novo, pela imersão batismal.
A Catequese avança explicitando a necessidade da renúncia ao mal, ou
seja, da renúncia a satanás, com tudo que pode afastar o neófito do processo de
libertação. Também aqui ele principia com a compreensão dos gestos e palavras
proferidas na liturgia.
Entretanto, ouves, com a mão estendida, e dizes como a um presente: ‘Eu
renuncio a ti, satanás’. Quero também falar-vos porque estais voltados para o
Ocidente, pois é necessário. O Ocidente é o lugar das trevas visíveis e, como
aquele é trevas, tem o seu poder nas trevas. Por essa razão, simbolicamente
olhais para o Ocidente e renunciais a este príncipe tenebroso e sombrio. (...) Em
seguida, numa segunda fórmula, és ensinado a dizer: ‘E a todas as tuas obras’.
Obras de satanás são todos os pecados, aos quais é necessário renunciar (...)
Todo o gênero de pecado está, pois, incluído nas obras do diabo. (...) Renuncias,
pois, às obras de satanás, isto é, a todas as ações e pensamentos contrários à
promessa.(CM I,4-5)
A renúncia a satanás inicia com o gesto e pronunciamento que indica o
livre compromisso, a dimensão da liberdade responsável pela decisão tomada
diante da comunidade. Cirilo adverte que os pecados são obras do diabo,
antagônicas às obras de salvação, que são provenientes do bem, de Deus.
Relembra a promessa, a aliança firmada entre Deus e os homens, da qual o neófito
é participante, e o quanto a fidelidade à promessa deve ser coerente com a
resposta negativa a todas as ações e pensamentos que forem adversos ao projeto
de Deus.
O gesto de rejeitar o Ocidente e orientar-se pelo Oriente é apresentado
como gesto simbólico. Além de estar ensinando sobre o significado do símbolo,
por onde passa a dimensão litúrgica e a densidade do Mistério experimentado,
Cirilo faz referência ao nascimento de Cristo, sol que nasce no Oriente, luz do
mundo. O Ocidente simboliza o ocaso, o reino das trevas, ao qual se deve
renunciar para sempre
470
.
O último termo do trecho apresentado lÒgon ginomšnaij - vem sendo
traduzida como ‘promessa’ por alguns estudiosos. Segundo A. Piédagnel, o termo
indica a atitude coerente de renunciar ao mal, caminho contrário à gica do
compromisso batismal
471
.
A Catequese prossegue apontando a ‘pompa’ e o ‘culto’ como ‘obras’ de
satas. Cirilo refere-se aos espetáculos de teatro, corridas de cavalo e vaidades
deste gênero como desejo de ‘pompa’. São obras que conduzem ao mal, às
emoções desenfreadas, enfim, à perdição nos hábitos e, consequentemente, a
tomada de um caminho oposto ao caminho de salvação. No mesmo grupo insere a
idolatria e oferendas aos deuses pagãos. Refere-se a estes cultos, como culto do
diabo’, por serem simulacros inanimados que atraem pessoas, que buscam
adivinhações e magias. O neófito deve manter-se afastado dessas obras’, e até
mesmo fugir para não sucumbir às tentações e fazer de sua vida um caminho
contrário ao cristão. Vejamos mais alguns trechos sobre este tema:
470
Cf. FIGUEIREDO, F. In: CIRILO DE JERUSAM. op. cit., p. 26; MAESTRI, G. e SAXER,
V. op. cit., p. 110.
471
No texto original, o termo usado é logon, mas como Cirilo está se referindo ao Batismo, alguns
autores preferem traduzi-lo como promessa, e não como razão, palavra, ou Cristo, como Verbo
encarnado. Cf. FIGUEIREDO, F. In: CIRILO DE JERUSALÉM, op. cit., p. 28; PIÉDAGNEL, A.
SCh 126, p. 91; MAESTRI, G. e SAXER, V. op. cit., p. 585.
Pompa do diabo é a mania do teatro, das corridas de cavalo, da caça e de toda
vaidade desta espécie. Dela pede o santo para ser livrado, dizendo a Deus: ‘Não
permitas que meus olhos vejam a vaidade’.(...) Assim como o pão e o vinho da
Eucaristia, antes da santa epiclese da adorável Trindade, eram simplesmente
pão e vinho, mas depois da epiclese o pão se torna corpo de Cristo e o vinho,
sangue de Cristo, da mesma maneira estes alimentos que pertencem à pompa de
satanás, por sua própria natureza simples, tornam-se, pela invocação dos
demônios, impuros. (...)
Culto do diabo é a prece feita nos templos dos ídolos, tudo que se faz em honra
dos simulacros inanimados. (...) Não atrás destas coisas. Augúrios,
adivinhação, agouros, amuletos, inscrições em lâminas, magias e outras artes
más são culto do diabo. Foge, portanto, de tudo isto. Se a eles sucumbes, depois
de teres renunciado a satanás e aderido a Cristo, experimentarás um tirano mais
cruel. Aquele que antes te tratou talvez como familiar e te libertou da dura
escravidão, agora esfortemente irritado contra ti. De Cristo serás privado e
experimentarás aquele. (...) Cuida, pois, de ti mesmo e não te voltes novamente
para trás, depois de teres posto a mão no arado, para a prática amarga desta
vida. Foge antes para a montanha, para junto de Jesus Cristo, a pedra talhada
não por mãos e que encheu a terra. (CM I, 6-8)
É interessante notar que, Cirilo elenca aqueles hábitos e costumes, dos
quais o neófito deve se afastar, numa postura pedagógica, de aconselhamento. Ele
não se furta em elucidar os hábitos que afastam a pessoa de sua opção cristã, e
desorientada, pode perder os fundamentos cristãos para as escolhas morais e
religiosas.
A referência à Eucaristia aparece aqui como esclarecimento de que o se
devem confundir os dois altares, uma vez que, apenas no altar divino, da
Trindade, se realiza o sacramento da Eucaristia. A pregação adverte para a
necessidade da perseverança, olhando sempre para frente e não para trás, como
nostalgia ou retorno ao caminho que deve ser deixado definitivamente, sob pena
de não gozar mais da plenitude oferecida em Cristo.
Ainda nesta etapa, ele menciona a adesão a Cristo como compromisso
consequente à renúncia a satanás. No entanto, não cita o ritual ou a rmula desta
adesão, provavelmente também proferida no rito lirgico. Será o senhorio de
Cristo na própria vida que garantirá a vitória sobre o mal e suas tentações. O
símbolo da montanha é também uma referência bíblica feàge e„j tÕ Ôroj – foge
para a montanha - um lugar privilegiado para o encontro com Deus, no qual a
pessoa pode se distanciar das coisas mundanas e buscar discernimento na oração.
Não podemos deixar de apontar a presença em toda a Catequese de trechos
bíblicos que vão indicando o caminho da pregação e a origem bíblica de cada
orientação que vai sendo dada. Nesta fase onde o tema da renúncia a satanás é
abordado, encontramos a teologia paulina de Hebreus, Romanos, Gálatas, Tiago,
Filipenses e Coríntios, e ainda refencia aos Salmos, ao Deuteronômio, Tobias e
a Gênesis, lembrando a atitude da esposa de Lot ao ‘olhar para trás’
472
.
Para concluir esta Primeira Catequese Mistagógica, Cirilo nos fala da
Profissão de Fé como chave final, como compromisso firmado e vitorioso frente à
renúncia a satanás. Refere-se às Catequeses Pré-Batismais, exortando a terem
presentes os ensinamentos recebidos anteriormente, por ocasião da preparação
para os sacramentos de Iniciação. A Profissão de trinitária e centrada no único
Batismo é a síntese apresentada, é o querigma-pascal-trinitário, que nos traz a
professada desde as primeiras comunidades, na Igreja nascente, como sinal de
adesão, compromisso e testemunho cristãos
473
.
Então, te foi ordenado que dissesses: ‘Creio no Pai e no Filho e no Espírito
Santo e no único batismo de penitência’. Disto vos falamos extensamente, nas
catequeses anteriores, como no-lo permitiu a graça de Deus. (...)
Fortalecido por estas palavras, vigia. Pois nosso adversário o diabo, como foi
lido, anda ao redor, buscando a quem devorar.(...) Depois do batismo sagrado
da regeneração, Deus enxugou toda lágrima de todas as faces.
Com efeito, não choras por teres te despido do velho homem, mas estás em
festa porque te revestiste com a vestimenta da salvação, Jesus Cristo.
Tudo isso se realizou no edifício exterior. Se aprouver a Deus, quando nas
Catequeses Mistagógicas seguintes entrarmos no Santo dos Santos,
conheceremos, então, os símbolos das coisas que lá se realizam. (CM I, 9-11)
Aparece aqui o tema da vigilância, atitude de prontidão diante do
adversário, das tentações, do mal. O cristão deve estar atento às manobras
presentes no cotidiano, que o podem conduzir para longe do projeto salvífico.
Cirilo fala do batismo de regeneração - paliggenes…aj loutroà - a expressão
remete o apenas ao renascimento espiritual, mas integral, à totalidade do
homem
474
.
A Catequese fala do homem velho que se torna novo homem, em Jesus
Cristo, tema forte na teologia paulina. Temos aqui também uma forte referência,
não apenas à dinâmica salvífica, mas à liturgia vivenciada, onde o nfito se
472
Referências bíblicas presentes na Primeira Catequese Mistagógica: 1Pd 5,8-11; Ex 12,7.13.22-
23; Ex 14,22-30; 1Pd 1,19; Hb 10,14-15; Rm 2,25-27; Gl 2,18; Tg 2,9-11; Fl 3,19; 1Cor 10,18-22
e Sl 118, 37; Gn 19,15-26; Dt 4,23; Tb 4,13; Lc 9,62; Is 28,15; Gn 3,23; 1Pd 5,8; Is 25,8; Ap 21,4;
Is 61,10; Rm 13,14; Gl 3,27. Cf. FIGUEIREDO, F. In: CIRILO DE JERUSALÉM, op. cit., pp. 25-
30.
473
Cf. SANTANA, L. F. op. cit., pp. 49-51.
474
Cf. FIGUEIREDO, F. In: CIRILO DE JERUSALÉM, op. cit., p. 30.
‘despediu’ simbolicamente das antigas vestes e recebeu uma nova veste, símbolo
da nova criação, à imagem de Deus, revestido pelo próprio Jesus Cristo.
Interessante observarmos que, ao final, Cirilo anuncia a continuação do
caminho mistagógico, com a entrada no Santo dos Santos e novas Catequeses que
auxiliarão na compreensão da liturgia sacramental. É Deus quem está à frente de
todo o processo de Revelação, e sua vontade está colocada ao final da pregação de
Cirilo, indicando a iniciativa divina.
2.2.2
Segunda Catequese Mistagógica sobre o Batismo
Esta Segunda Catequese, era proferida provavelmente na terça-feira, após
o domingo de Páscoa. Ela se dedica a fazer memória mistagógica de três etapas do
rito: o momento do despojamento das vestes, a unção do corpo, a recepção da
nova veste e a imersão na piscina batismal. Estas três etapas do rito batismal
representam os efeitos do Batismo: a remissão dos pecados, adoção filial e a
participação na Paixão e Morte de Cristo.
Cirilo não descuida do sentido cultual-comunirio da cristã: as
dimenes celebrativas, vivencial e comunitária estão integradas, e este vínculo
fundamental é explicitado logo no início desta Catequese
475
.
É necessário que vos proponha o que se segue à instrução mistagógica de ontem,
a fim de que compreendais a significação simbólica do que foi realizado por vós
no interior do templo. (CM II, 1)
Cirilo inicia sua Catequese com a carta aos Romanos, anunciando a
novidade da Graça presente na vida dos neófitos. Dando continuidade à Catequese
anterior, trabalha sobre o tema da veste e da conversão, do ‘homem velho ao
‘homem novo’. Sua referência principal é o próprio Cristo, nu sobre a cruz, como
sinal visível do novo Adão, primeiro homem, imagem e semelhança de Deus que,
antes do pecado, não tinha porquê se envergonhar de sua nudez.
Logo que entrastes, despistes a túnica. E isto era imagem do despojamento do
velho homem com suas obras. Despidos, estáveis nus, imitando também nisso a
Cristo nu sobre a cruz. (...) Oxalá a alma, uma vez despojada do homem velho
475
Cf. ARAÚJO, J. M. op. cit., p. 778.
corrompido, jamais torne a vesti-lo. (...) em verdade éreis imagem do primeiro
homem Ao, que no paraíso andava nu e não se envergonhava.(CM II, 2)
Assim também, o neófito despojado de suas vestes, é como o primeiro
homem, que tem diante de si a Graça do paraíso, renascido pela vida nova, pelo
Batismo. A nudez é também sinal de entrega, de desapego, de renúncia, enfim, de
despir-se do homem velho.
Após o ritual das vestes, o neófito fora ungido e Cirilo se prolonga na
leitura e interpretação dessa experiência mistagógica. A unção por todo o corpo
tem uma simbologia complexa e fundamental. Em primeiro lugar, Cirilo fala
sobre a própria substância que é utilizada, o óleo, fruto da oliveira, símbolo do
próprio Jesus Cristo. Ser ungido é participar da riqueza de Cristo e uma bênção
que afugenta as forças do mal. A unção foi acompanhada de orações e pedidos de
intercessão dos santos e invocação de Deus.
Depois de despidos, fostes ungidos com óleo exorcizado desde o alto da cabeça
até os pés. Assim, vos tornastes participantes da oliveira cultivada, Jesus Cristo.
(...) Com a insuflação dos santos e invocação do nome de Deus, qual chama
impetuosa, queimam e expelem os demônios, assim este óleo exorcizado recebe,
pela invocação de Deus e pela prece, uma tal força que, queimando, não
apaga os vestígios do pecado, mas ainda põe em fuga as forças invisíveis do
maligno.(CM II,3)
aqui uma breve alusão à força da oração comunitária e à invocação dos
santos, em comuno proporcionada pela liturgia batismal
476
.
O momento seguinte no rito batismal é a própria imersão do fiel na
piscina. O texto principia com a referência mistagógica no verbo
™ceiragwge‹sqe - conduzir pela mão – e identificando este momento com o
momento da morte de Jesus e seu sepultamento. É a Igreja, na pessoa do ministro,
quem pergunta sobre a Profissão de Fé, conduzindo cada neófito a assumir
livremente este compromisso.
Observemos que a presença dos adjetivos que qualificam os gestos e
lugares sagrados - novos ensinamentos; novas realidades; verdadeira oliveira;
santa piscina; divino batismo; profissão salutar -, vão configurando uma narrativa
de cunho ascético, reverente à dimensão do sagrado. Pela via da liturgia, do
mistério, esta dimensão está sempre presente, perpassando toda a Catequese.
476
Mais adiante, neste mesmo capítulo, nos deteremos nesse aspecto que reflete uma visão
eclesiológica de Cirilo.
Depois disto fostes conduzidos pela mão à santa piscina do divino batismo, como
Cristo da cruz ao sepulcro que está à vossa frente. E cada qual foi perguntado se
cria no nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo. E fizestes a profissão salutar,
e fostes imersos três vezes na água e em seguida emergistes, significando também
com isto, simbolicamente, o sepultamento de três dias de Cristo. (...) No mesmo
momento morrestes e nascestes. Esta água salutar tanto foi vosso sepulcro como
vossa mãe.(CM II,4)
O sacramento do Batismo aparece aqui em simples palavras, porém densas
do sentido teológico. O tema do sepulcro de Cristo, do morrer e nascer para a vida
nova, o símbolo da imersão por três vezes como Mistério pascal falam dos
principais conceitos relacionados com o Batismo. Cirilo demonstra grande saber
teológico e imensa habilidade pedagógica. É próprio da postura pedagógica o
conhecimento profundo e a seleção dos conceitos fundamentais que orientarão o
percurso do ensinamento. Em poucas palavras, Cirilo apresenta aos nfitos a
densidade do Mistério que experimentaram no Sacramento e que iluminasuas
vidas de agora em diante.
A água também recebe um novo significado, mediação para a experiência
sacramental do sepultamento e do novo nascimento, é água salutar. Na memória
lirgica Cirilo evoca referências bíblicas prenhes de significado pascal: o êxodo e
libertação do povo hebreu, à água que salva do dilúvio, ao batismo de João e ao
Batismo de Cristo
477
.
Muito ilustrativa a forma que Cirilo fala da imersão batismal como uma
nova visão temporal, o que nos fala do Mistério pascal e do conceito de kairós,
tempo da graça de Deus
478
.
477
Cf. MAESTRI, G. e SAXER, V. op. cit, pp. 89-90.
478
No grego clássico, o substantivo kairÕj, aparece pela primeira vez em Hesíodo, originalmente
denotando ‘medida certa’. Outro conteúdo possível era no sentido de ‘localidade’, ‘lugar
apropriado’. No sentido material e temporal, caracterizava uma situação crítica, que exigiria uma
decisão. Ao longo do desenvolvimento da filosofia grega, o conceito foi direcionado para o tempo
segundo sua realidade cósmica e cíclica. Os Padres da Igreja bebem na fonte da filosofia grega,
mas prioritariamente na Sagrada Escritura. A tradução dos LXX, o termo kairós, ganha um novo
sentido, pois é o tempo de Jesus. O Novo Testamento compreende o tempo não apenas como um
conceito formal (chronos), mas como ação de Deus, o kairós. Esta concepção de tempo o qualifica
de forma nova, pois, com o evento histórico Jesus, o tempo da graça é experimentado, raiou um
novo tempo, um tempo sem igual, mediante o qual, todo o tempo é qualificado. A encarnação de
Jesus marca para hoje, agora, a salvação, o tempo favorável: “Eis o tempo favorável por
excelência. Eis agora o dia da salvação” (2Cor 6,2c; Is 49,8). Cf. SILVA, I. P. Chronos e Kairós
na dýnamis do Espírito Santo, a partir da leitura de Atos 1,6-8. Dissertação de Mestrado em
Teologia. Rio de Janeiro: PUC, 2007, pp. 86.95-99.
O que Salomão disse em outras circunstâncias, sem dúvida, pode ser adaptado a
vós: ‘Há tempo para nascer, e tempo para morrer’. Mas para vós foi o inverso:
tempo para morrer, e tempo para nascer. Um só tempo produziu ambos os efeitos
e o vosso nascimento ocorre com vossa morte. (CM II,4)
A homilia segue refletindo de que forma o sacramento do Batismo se
identifica com a Páscoa de Cristo, principalmente diferenciando os conceitos de
imagem e o de verdade. É uma refleo fundamental para que os neófitos
compreendam sua participação na morte de Cristo e na sua Ressurreição, numa
dimensão sacramental.
Oh! Fato estranho e paradoxal! o morremos em verdade, não fomos
sepultados em verdade, não fomos crucificados e ressuscitados em verdade. A
imitação é uma imagem; a salvação, uma verdade. Cristo foi crucificado,
sepultado e verdadeiramente ressuscitou. Todas estas coisas nos foram
agraciadas a fim de que, participando, por imitação, de seus sofrimentos, em
verdade logremos a salvação. Oh! Amor sem medida! Cristo recebeu em suas
mãos imaculadas os pregos e padeceu, e a mim, sem sofrimento e sem pena,
concede graciosamente por esta participação e salvação.(CM II, 5)
A pregação coloca o primado de Cristo. A poética exclamação inicial
convida o ouvinte a se extasiar diante do Mistério, do inefável que toca a terra,
que se revela. Assim como a exclamação colocada no meio do texto í
filantrwp…aj ØperballoÚshj - Oh! Amor sem medida! expressa o amor de
Cristo à humanidade, concretizado nos gestos de entrega radical e salvífica. Não é
simplesmente um vocativo poético, mas denso da cristologia, na qual Cirilo
fundamenta suas instruções. Convida o neófito a uma atitude radical, de
contemplação de dentro do Mistério em direção à própria vida, de compreensão,
entrega e compromisso vital.
Ao mesmo tempo, a mistagogia de Cirilo não separa a atitude
contemplativa da atitude interpretativa, de compreensão do Mistério, de
esclarecimento de possíveis dúvidas ou enganos que possam acontecer, quando se
está diante da dimensão sacramental. Nesta Catequese observamos que Cirilo
conhece por onde passam os possíveis enganos, e se antecipa na revelação dos
segredos escondidos e, ao mesmo tempo, revelados, àqueles que experimentam
esse Mistério em suas vidas.
Estabelecendo o fundamento bíblico, Cirilo ensina sobre a diferença
imprescindível entre o batismo de penitência, de João Batista, e o Batismo em
Jesus Cristo. Nos ensinamentos a seguir, Cirilo parece estar atento a erros de
interpretação do Batismo na sua dimensão pascal, de participação, por imitação,
na paixão, morte e ressurreição de Jesus Cristo.
Ninguém, pois, creia que o batismo obtém a remissão dos pecados, como o
batismo de João só conferia o perdão dos pecados. Também nos concede a graça
da adoção de filhos. Mas nós sabemos, com precisão, que, como é purificação
dos pecados e prodigalizador do dom do Espírito Santo, é também figura da
Paixão de Cristo.(CM II,6)
Neste esclarecimento, observamos que esta Catequese relata os dons
recebidos pelo sacramento do Batismo; a remissão dos pecados, a adoção como
filhos, a purificação, os dons do Espírito Santo, a participação como figura, da
Paixão do Senhor. Dessa forma, Cirilo retoma os ensinamentos anteriores e faz
uma espécie de síntese dos efeitos do Batismo, sempre lembrando que o são
efeitos no sentido produtivo do termo, mas no sentido da experiência mistagógica
a qual os neófitos estão inseridos.
A seguir, o tema da Ressurreição é anunciado com toda a sua grandeza e
também elucidado com a imagem da videira e com a diferenciação dos conceitos
de semelhança e de realidade.
Para que aprendêssemos que tudo o que Cristo tomou sobre si foi por nós e pela
nossa salvação, tudo sofrendo em verdade e não em aparência e para que nos
tornássemos participantes dos seus sofrimentos, exclamava veementemente
Paulo: ‘Se fomos plantados com Ele pela semelhança de sua morte, também o
seremos pela semelhança de sua ressurreição’. (...) Fixa a mente com toda a
atenção nas palavras do Apóstolo. Não disse: fomos plantados com Ele pela
morte, mas pela semelhança da morte. Deveras, houve em Cristo uma morte real,
pois a alma se separou do corpo. Houve verdadeiramente sepultamento, pois seu
corpo sagrado foi envolvido em lençol limpo e foi verdadeiro tudo o que nele
ocorreu. Para nós a semelhança da morte e dos sofrimentos. Quando se trata
da salvação, porém, não é semelhança e sim realidade. (CM II,7)
Não é a primeira vez que vemos Cirilo trabalhar um conceito a partir do
significado dos termos, diferenciando através de exemplo, assim como
aproximando, da mesma forma, ou com termos semelhantes. No texto citado
vemos sua preocupação com os conceitos de semelhança e de realidade. Estamos
diante de outra estratégia de cunho pedagógico. A fim de construir um conceito,
Cirilo tem o cuidado de analisar os significados que estão presentes na cultura do
grupo e, a partir desta análise somada a exemplos metafóricos ou de narrativas
bíblicas, explicitar os significados coerentes com a proposta cristã. Vemos que
não é uma análise abstrata ou vaga, mas concreta, com exemplos concretos e
narrativas bíblicas.
No centro do texto acima, Cirilo convoca a uma atitude de atenção diante
da Palavra apostólica presente no texto bíblico. A expressão utilizada na tradução
fixa a mente ™p…sthson -, se contrapõe a qualquer dispersão ou confusão de
significados. Exige uma atenção maior diante de um conceito que, se mal
compreendido, compromete a interpretação da experiência sacramental do
Batismo e, consequentemente, as decorrências desse compromisso assumido. Ao
final, numa frase-síntese, ele explicita o dado da Revelação, real, plena, definitiva,
sobre a qual não deve restar dúvidas, pois a iniciativa de Deus é absoluta e não
parcial e provisória.
Cirilo conclui esta Segunda Catequese Mistagógica, convocando os
neófitos a perseverarem nesse caminho através da fixação na memória de tudo que
lhes está sendo revelado. Entretanto, prosseguindo na homilia, vemos que ele não
se refere a uma simples memorização, mas à vivência e à transmissão do que é
guardado na memória, ‘conservando a tradição.
Todas estas coisas foram ensinadas suficientemente: retende tudo em vossa
memória, rogo-vos, para que eu, ainda que indigno, possa dizer-vos: ‘Amo-vos
porque sempre vos lembrais de mim e conservais as tradições que vos transmiti’.
Ademais, poderoso é Deus que de mortos vos fez vivos, para conceder-vos que
andeis em novidade de vida. A Ele a glória e o poder, agora e pelos séculos.
Amém. (CM II,8)
O tema da conservação da Tradição e de sua transmissão é muito caro para
a Igreja, desde os primeiros tempos, e o vemos aqui reforçado por Cirilo
479
. A
conservação e a transmissão de tudo o que foi revelado ao Povo de Deus, na
Palavra de Deus, na caminhada apostólica e eclesial é também compromisso
daqueles que aderem à comunidade de fé. Através do testemunho de vida nova e
da Palavra tradicionada, o neófito é convidado a participar da missão apostólica.
A motivação está centrada no amor de Deus, em Sua vitória sobre a morte, em
Sua presea vivificante na graça batismal.
Nesta Catequese pudemos observar a constante da fundamentação bíblica.
A teologia paulina continua sendo um forte embasamento, unida às referências ao
479
Cf. RIVAS, P.L.H. op. cit., p. 12; Cf. MC CAULEY, L. e STEPHENSON, A. op. cit., p. 34;
TELFER, W. op. cit., p. 61; Cf. BIELSA, J.S. op. cit., p. 7
Evangelho de Mateus e, no Antigo Testamento, ao livro do Gênesis e ao
Eclesiástico
480
.
2.2.3
Terceira Catequese Mistagógica sobre o Crisma
Esta Catequese se dedicaao sacramento do Crisma, ao qual os neófitos
foram conduzidos logo após o Batismo. O centro do Mistério é o Cristo e a
participação, pelo Batismo, no Mistério pascal na própria vida, como filhos
adotivos do Pai. Pelo Batismo, “participam inteiramente do mistério total de
Cristo, como discípulos da Nova Aliança, tendo o coração e o espírito revestidos
da novidade da graça divina
481
.
Batizados em Cristo e dele revestidos, vos tornastes conformes ao Filho de Deus.
Em verdade, Deus predestinando-os à adoção de filhos, nos fez conformes ao
corpo glorioso de Cristo. Feitos, pois, partícipes de Cristo, não sem razão, sois
chamados cristos e é de vós que Deus disse: ‘Não toqueis os meus cristos’. Ora,
vós vos tornastes cristos, recebendo o sinal do Espírito Santo, e tudo se cumpriu
em vós em imagem, pois sois imagens de Cristo. (CM III,1)
A teologia paulina
482
que vem sendo desenvolvida até aqui, nas
Catequeses anteriores, ganha agora uma afirmação que denota um processo de
maturidade dos ouvintes. Cirilo não se delonga no tema da configuração em
Cristo, ao contrário, parte deste pressuposto e avança assinalando a plenitude da
unção recebida no sacramento. O símbolo remete à unção que potencializa a
identidade crística, a bênção do Senhor sobre aqueles que o ‘seus’.
O nome de Cristo é repetido fazendo alusão à sua semântica Cristoà -
‘ungido’. É a partir deste significado que Cirilo dá mais um passo na compreensão
da participação no Mistério de Cristo. Ungidos pelo crisma, o ‘cristîn’, na
dignidade de imagem do próprio Cristo e sob as bênçãos do Pai, que cuida de
‘seus consagrados’, de ‘seus ungidos’
483
.
Vemos o termo ‘imagem’ sendo aplicado mais uma vez, e sem delongas, o
que demonstra que Cirilo considera que esta é uma aprendizagem adquirida,
480
Referências bíblicas presentes nesta Segunda Catequese Mistagógica: Rm 6,3-14; Cl 3,9; Cl
2,15; Ef 4,22; Ct 5,3; Gn 2,25; Rm 11,17-24; Mt 12,40; Ecl 3,2; Mt 27,59; 1Cor 11,2. Cf.
FIGUEIREDO, F. In: CIRILO DE JERUSALÉM. op. cit., pp. 32-36.
481
Cf. ARAÚJO, J. M. op. cit., p. 783.
482
Cf. PIÉDAGNEL, A. op. cit, pp. 7-16.
483
Cf. MAESTRI, G. e SAXER, V. op. cit., p. 91.
elaborada nas Catequeses Mistagógicas anteriores. Mais adiante, o conceito de
‘figura’ também é resgatado e a presença do Espírito Santo naquele que é ungido,
pelo próprio Senhor, pela mediação da Igreja. Cirilo refere-se à unção do Espírito
sobre o pprio Cristo, profetizada por Isaías no Antigo Testamento.
(...) Também a vós, ao sairdes das águas sagradas da piscina, se concede a
unção, figura daquele com que Cristo foi ungido. Refiro-me ao Espírito Santo, do
qual o bem-aventurado Isaías, na profecia a respeito dele, disse, na pessoa do
Senhor: ‘O Espírito do Senhor repousa sobre mim, pelo que me ungiu; enviou-me
para levar a boa-nova aos pobres’.(CM III,1)
Na referência a Cristo se prepara o tema da missão, vocação, dom e
tarefa daquele que é batizado em Jesus Cristo, participante do Mistério pascal,
portanto, chamado ao seguimento. Cirilo prossegue esclarecendo que foi o Pai
quem ungiu a Cristo. Em nosso caso, no Batismo, fomos ungidos por um homem,
um sacerdote.
A perspectiva cristocêntrica do texto demonstra a cristologia elaborada
pelos Padres da Igreja e uma resposta madura às heresias cristológicas
contemporâneas. Sem tocar nas questões heréticas, Cirilo deixa evidente a
comunhão trinitária e o cristocentrismo do projeto salvífico
484
.
Na verdade, Cristo não foi ungido com óleo ou unguento material por um
homem. Mas foi o Pai que, estabelecendo-o com antecedência como Salvador de
todo o universo, o ungiu com o Espírito Santo, conforme diz Pedro: ‘Jesus de
Nazaré, a quem Deus ungiu como o Espírito Santo’. E o profeta Davi exclamou:
‘Teu trono, ó Deus, é para os séculos dos séculos; centro de retidão, o cetro de
tua realeza. Amaste a justiça e por isso te ungiu Deus, teu Deus, com o óleo da
alegria, mais que teus companheiros”.
(...) Ele foi ungido com o óleo espiritual da alegria, isto é, com o Espírito Santo,
chamado óleo de alegria, por ser causa da alegria espiritual. Vós fostes ungidos
com o óleo, feitos partícipes e companheiros de Cristo. (CM III,2)
O dom da alegria espiritual aparece como um sinônimo da unção no
Espírito, em sinal do dom que significa esta unção, como participantes e
companheiros do próprio Cristo. Adiante, Cirilo esclarece sobre a
sacramentalidade do óleo que, por obra do Espírito Santo, não é mais apenas um
484
O conteúdo central de Cirilo é cristológico, porque em Cristo se realiza a salvação.
Paralelamente ao discurso sobre Deus, Cirilo, com procedimento análogo, analisa o discurso
cristológico a partir da idéia de unicidade e singularidade inconfundível de Cristo. Cirilo evidencia
claramente a função mediadora e reveladora realizada por Cristo, sublinha a posição de
centralidade de Cristo em toda a economia salvífica. Cf. BONATO, A. op. cit., pp. 56-60.
unguento comum, mas capaz de santificar e vivificar aquele que é ungido no
Espírito.
(...) é dom de Cristo e obra do Espírito Santo, pela presença de sua divindade.
Com ele se unge simbolicamente tua fronte e outros sentidos. Se, por um lado, o
corpo é ungido com o unguento sensível, por outro, a alma é santificada pelo
santo e vivificador Espírito. (CM III,3)
O rito da unção no sacramento do Crisma é descrito em sua dimensão
mistagógica, sempre com o cuidado de unir liturgia e catequese, tudo
fundamentando na Sagrada Escritura. A corporalidade se torna sinal sacramental
e, cada parte do corpo que recebe a unção, se integra na vida nova e no
compromisso crismal.
E primeiro sois ungidos na fronte, para serdes libertados da vergonha que o
primeiro homem transgressor levou por toda parte e para que, de face
descoberta, contempleis a glória do Senhor. Depois nos ouvidos, para terdes
ouvidos conforme disse Isaías: ‘E o Senhor me deu um ouvido para ouvir’ e o
Senhor no Evangelho: ‘Quem tem ouvidos para ouvir que ouça’. Em seguida nas
narinas, para que, ao receberdes este divino unguento, possais dizer: ‘Somos
para Deus, entre os que se salvam, o bom odor de Cristo’. Depois no peito, a fim
de que, ‘tendo revestido a couraça da justiça, resistais aos artifícios do diabo’.
Como na verdade o Salvador, após seu batismo e a descida do Espírito Santo,
saiu a combater o adversário, assim também vós, depois do santo batismo e da
mística unção, revestidos da armadura do Espírito Santo, resistis à força inimiga
e a venceis dizendo: ‘Tudo posso naquele que me conforta, Cristo’. (CM III,4)
O embasamento bíblico é praticamente o único instrumento que Cirilo
utiliza dessa mistagogia, em que habilidosamente alinhava os textos bíblicos com
o ritual experimentado e os mistérios espirituais realizados na celebração
sacramental
485
.
O nome de cristão é mencionado por Cirilo como um dom, o mesmo nome
de Cristo, o ungido, é recebido pelos novos ‘cristos cristiano-, ungidos pelo
Espírito Santo. A dignidade do nome é conferida em unidade com a unção
recebida. No entanto, Cirilo fala do caminho percorrido como fundamental no
processo. Os dons sacramentais não são concebidos como resultado mágico ou
instantâneo, e sim como um processo, no qual foram vividas etapas que conduzem
485
Referências bíblicas presentes nesta Terceira Catequese Mistagógica; 1Jo 1,20-28; Gl 3,27;
Rm 8,29; Ef 1,5; Fl 3,21; Sl 194,15; Is 61,1; Lc 4,18; At 10,38; Sl 44,7-8; Gn 3,7-10; 2Cor 3,18; Is
50,4; Mt 11,15; 2Cor 2,15; Ef 6,11-14; Is 11,5; Is 59,17; 1Ts 5,8; Mt 4,1-11; Mc 1,12-13; Lc 4,1-
13; Ef 6,11; Fl 4,13; Lv 8,1-12; 1Rs 1,38-39.45; Rm 11,16; 1Cor 5,6-7; 1Cor 15,23; 1Jo 2,27; Is
25,6-7; Is 2,2; 2Cor 5,9; Hb 2,10. Cf. FIGUEIREDO, F. In: CIRILO DE JERUSALÉM, op. cit.,
pp. 37-39.
à abertura ao Mistério pascal em Cristo Jesus. Este pensamento indica a
compreensão mistagógica que Cirilo possui, de Iniciação Cristã, como caminho,
como processo, como trajetória.
Feitos dignos desta santa unção, sois chamados cristãos. Assim, pela
regeneração, mostra ser direito o nome de cristãos. Antes, pois, de serdes
declarados dignos do batismo e da graça do Espírito Santo, não éreis dignos
deste nome, mas estáveis a caminho de serdes cristãos. (CM III,5)
Cirilo conclui esta Catequese mais uma vez retomando o vínculo entre
Antigo e Novo Testamentos, inserindo a unção do crisma na trajetória da Hisria
da Salvação e, dessa forma, inserindo cada neófito na caminhada do Povo de
Deus, como escolhido, eleito, preferido e testemunha messiânica no mundo. Aqui
temos, mais uma vez, a centralidade de Cristo, para onde toda a história da
humanidade se volta como primícias, começo e fim do projeto salvífico.
É necessário que saibais que há o símbolo desta unção na Escritura Antiga. E na
verdade, quando Moisés comunicou ao irmão a ordem de Deus e o estabeleceu
sumo sacerdote, depois de lavar-se com água, o ungiu e foi ele chamado Cristo,
em virtude, evidentemente, da unção figurativa.(...) A vós, porém, não em figura,
mas em verdade. Isso, já que o começo de vossa salvação remonta àquele que foi
ungido pelo Espírito Santo. (CM III,6)
Retorna o recurso ao conceito de figura e verdade nas orientações
catequéticas. Podemos verificar em muitos momentos-chave, Cirilo recorrer à
catequese tipológica, como esse em que trabalha a unção, enfatiza a diferença
entre figura e verdade oÙ tupikîj ¢ll' ¢lhqîj. Ele procura conduzir a
compreensão da presença real de Cristo na Eucaristia, questão crucial naquele
contexto, não com a terminologia teológica
486
, e sim com a catequese tipológica,
metodologia que já vem trabalhando no decorrer da Iniciação Cristã.
A menção à Igreja vivel aparece pela primeira vez nesta etapa das
Catequeses Mistagógicas, apesar de estar todo o tempo em ambiente eclesial. A
experiência sacramental se dá na comunidade eclesial, onde esta é vivida,
acompanhada e, nesta Catequese, é interpretada de forma pedagógica. A Igreja
aparece sob o símbolo da montanha visível. Para esta ‘montanha’ os povos devem
se dirigir, o testemunho cristão deve conduzir. É neste ‘lugar’ de encontro com
Deus, que todos os povos participarão das alegrias provenientes da plenitude da
486
Cf. MAESTRI, G. e SAXER, V. op. cit., p. 92.
salvação. Cirilo estabelece uma relação entre cada fiel e a História da Salvação,
como guardião da promessa, como testemunho vivo inserido nesta história, nesta
tradição e promessa, na qual Cristo já é o vencedor.
Foi isto que desde tempos antigos o santo Isaías profetizou, dizendo: ‘E
preparará o Senhor para todos os povos nesta montanha’. Por montanha ele
designa a Igreja, como outras vezes quando diz: ‘E nos últimos dias será visível
a montanha do Senhor’; ‘Beberão vinho, beberão a alegria, serão ungidos de
unguento’. E para que mais te assegures, ouve o que diz sobre este unguento em
sentido místico: ‘Transmite tudo isso às nações, pois o desígnio do Senhor se
estende sobre todos os povos’.
Assim, pois, ungidos com este santo crisma, guardai-o sem mancha e
irrepreensível em vós, progredindo em boas obras e tornando-vos agradáveis ao
autor de nossa salvação, Cristo Jesus, a quem a glória pelos séculos dos séculos.
Amém. (CM III,7)
É oportuno chamar a atenção para as ações verbais utilizadas por Cirilo,
quando se dirige aos neófitos e às suas experiências mistagógicas. Vejamos
apenas nesta Terceira Catequese, a fim de observarmos o caminho mistagógico
que vai estabelecendo: batizados, revestidos, vos tornastes, conformes, chamados,
recebendo, fostes, tidos por dignos, ungidos, feitos partícipes, santificada,
libertados, receberdes, revestidos, resistais, feitos dignos, estáveis a caminho,
saibais, guardai, permanecer, ouvistes, ouve, transmite, ungidos, progredindo,
tornando-vos. As ações verbais indicam o processo, o convite e a resposta livre, a
dinâmica da revelação e abertura ao Mistério, o caminho mistagógico enfim. A
pedagogia de fundo aponta para este eixo teológico e pastoral que se traduz na
linguagem catequética. Mais. Revela uma atitude mediadora na Revelação que se
anuncia e, como expressão mesma do amor de Deus que se revela e chama à
participação e salvação, com carinho, cuidado, respeito e perseverança de Deus
amor-presença-misericórdia.
2.2.4
Quarta Catequese Mistagógica sobre o Corpo e Sangue de Cristo
Esta Catequese dedica-se ao sacramento da Eucaristia, recebido pelos
neófitos na Iniciação Cristã. É o terceiro dos sacramentos da Iniciação Cristã que,
nesta caminhada da Igreja de Jerusalém, são recebidos conjuntamente, na noite da
vigília Pascal.
A primeira epístola de Paulo aos Coríntios é o fundamento teológico e
mediação mistagógica para esta Catequese, quando o apóstolo narra a noite da
última Ceia com o Senhor e a herança que nos foi dada pelo próprio Cristo, ou
seja, Ele mesmo, na Eucaristia.
Este ensinamento do bem-aventurado Paulo foi estabelecido como suficiente
para vos assegurar acerca dos divinos mistérios, dos quais, tendo sido julgados
dignos, vos tornastes concorpóreos e consanguíneos com Cristo. O próprio
Paulo proclama precisamente: ‘Na noite em que foi entregue, Nosso Senhor
Jesus Cristo, tomando o pão e depois de ter dado graças, partiu-o e o deu a seus
discípulos, dizendo: Tomai, comei, isto é o meu corpo. E tomando o cálice e
tendo dado graças, disse: Tomai, bebei, isto é o meu sangue’. Se ele em pessoa
declarou e disse do pão: ‘Isto é o meu corpo’, quem se atreveria a duvidar
doravante? E quando ele afirma categoricamente e diz: ‘Isto é o meu sangue’,
quem duvidaria dizendo não ser seu sangue? (CM IV,1)
Cirilo principia este ensinamento garantindo o testemunho apostólico
atestado por Paulo sobre a herança deixada por Cristo: a Eucaristia. Logo após o
texto bíblico que legitima a experiência sacramental, ele começa a trabalhar sobre
as dúvidas que podem surgir de uma leitura fundamentalista do texto ou de uma
leitura que não atribua veracidade às palavras de Jesus. O Mistério da Eucaristia
pede ao neófito uma acolhida mistagógica, no sentido de abrir-se ao Mistério,
acreditar em Jesus, confiar-se a Ele, compreender a profundidade de suas palavras
e o próprio Mistério do qual participou.
Os dois adjetivos utilizados sÚsswmoi kaˆ sÚnaimoi - concorpóreo e
consanguíneo são palavras fortes, para falar mais uma vez da configuração de
cada cristão em Cristo e da participação, através do sacramento, do Mistério
revelado. Podemos dizer que, estes dois adjetivos, conduzem também a uma
atitude contemplativa sobre o rito, com o qual o próprio Jesus se faz presente
sempre, através da consagração do pão e do vinho em seu corpo e sangue na mesa
compartilhada entre os irmãos na fé
487
.
Portanto, com toda certeza recebemo-los como corpo e sangue de Cristo. Em
forma de o te é dado o corpo, e em forma de vinho o sangue, para que te
tornes, tomando o corpo e o sangue de Cristo, concorpóreo e consanguíneo com
Cristo. Assim nos tornamos portadores de Cristo, sendo nossos membros
487
Este documento traz uma ilustração do dogma da Eucaristia. Recordamos que este período no
qual as Catequeses são pronunciadas é particularmente importante no que diz respeito ao
desenvolvimento e organização da Celebração Eucarística. Cirilo enfatiza a participação do neófito
no mistério de Cristo por meio da experiência sacramental da Eucaristia. Cf. PIÉDAGNEL, A. op.
cit. ,p. 7; MAESTRI, G. e SAXER, V. op. cit., p. 92-95.
penetrados por seu corpo e sangue. Desse modo, como diz o bem-aventurado
Pedro, ‘tornamo-nos parcipes da natureza divina’.(CM IV, 3)
Na Eucaristia, Jesus participa concretamente do nosso ser, torna-se um
conosco e, assim, cada um, torna-se corpo de Cristo, partícipe de sua própria
natureza, como diz Pedro. O texto traz a expressão com toda certeza - no
entanto, a fonte grega apresenta a expressão plhrofor…aj – indicando uma
experiência de plenitude. No Novo Testamento, o verbo correspondente significa
o cumprimento das promessas do Antigo Testamento, muitas vezes utilizado no
texto paulino
488
. Aqueles que participam da Eucaristia, são portadores de uma
experiência plena, de comunhão com Cristo, que modifica o ser inteiro por esse
sacramento de salvação.
A Catequese faz uma breve referência a uma possível confusão sobre
alimentar-se do próprio corpo do Senhor, que, naquele contexto, ainda pairava
entre alguns povos, como uma compreensão errônea sobre a Eucaristia vista por
não-cristãos.
Falando, outrora, aos judeus Cristo dizia: ‘Se o comerdes minha carne e não
beberdes meu sangue, não tereis a vida em vós’. Como não entendessem
espiritualmente o que era dito, escandalizados, se retiraram, imaginando que o
Salvador os incitava a comer carne humana. (CM IV,4)
Depois desse breve esclarecimento prossegue referindo-se à antiga aliança.
Nesta recorrente ligação entre o Antigo e o Novo Testamento no trabalho
catequético, Cirilo não apenas estabelece o vínculo, mas reafirma o
cristocentrismo do projeto, a Nova Aliança que supera a antiga de forma
definitiva.
Ainda sobre a presença de Cristo na Eucaristia, a homilia orienta sobre a
matéria pão e vinho –, e o seu significado sacramental corpo e sangue do
Senhor. O Mistério sacramental, onde a via simbólica se torna presença real do
Cristo é um convite à experiência mistagógica antes de tudo, a uma compreensão
profunda da comunicação entre Deus e os homens, por meio dos sacramentos e da
nossa participação no Mistério por iniciativa do próprio Deus, que se entrega e se
revela.
488
Cf. Cl 2,2; 1 Ts 1,5; Hb 6,11; Hb 10,22.
Também no Antigo Testamento havia es de proposição. Mas esses pães, por
pertencerem à antiga aliança, tiveram fim. Na nova aliança o pão celeste e o
cálice da salvação santificam a alma e o corpo. Pois, como o o se adequa ao
corpo, assim o Verbo se harmoniza com a alma.
Não consideres, portanto, o pão e o vinho como simples elementos. o,
conforme a afirmação do Mestre, corpo e sangue. Se os sentidos isto te sugerem,
a te confirma. Não julgues o que se propõe segundo o gosto, mas pela tem
firme certeza de que foste julgado digno do corpo e sangue e Cristo.(CM IV,5-6)
Uma terceira parte da Catequese sobre a Eucaristia retorna à figura do
demônio como personificação do mal
489
. Aqui Cirilo exorta à vida sacramental
como fortalecimento contra o demônio, contra as obras do mal, uma oposição
construída por Deus. A unção do crisma foi apresentada como sinal do próprio
Deus na vida de cada nfito e, agora, o alimento eucarístico, como o sinal
definitivo, ou seja, é Jesus mesmo quem vive em cada cristão pelo Mistério
eucarístico.
(...) Antes de tua vinda os demônios preparavam para os homens uma mesa
contaminada e manchada, cheia de poder diabólico, mas depois de tua vinda, ó
Senhor, tu preparaste diante de mim uma mesa.(...) A primeira mesa tinha
comunhão com os demônios, essa, ao contrário, comunhão com Deus. ‘Ungiste
de óleo minha cabeça’. Com o óleo te ungiu a cabeça, sobre a fronte, pelo sinal
que tens de Deus, a fim de que te tornes assinalado, santo de Deus. ‘E teu cálice
inebria-me como o melhor’. Vês aqui mencionado o cálice que Jesus tomou em
suas os e sobre o qual rendeu graças dizendo: ‘Este é o meu sangue, que é
derramado por todos, em remissão dos pecados’.(CM IV,7)
A mesa eucarística é preparada pelo Senhor para o seu povo, é uma mesa
mística e espiritual, que a exemplo da Antiga Aliança, contém pão celestial e
bebida salutar, os quais nos unirão ao próprio Deus. A homilia relembra a unidade
de todo o Povo de Deus, desde a Antiga Aliança, que agora é renovada na Páscoa
de Cristo. A mesa é comunitária, é mesa pascal, é mesa do Povo de Deus, ao qual
nos inserimos, em primeiro lugar pelo sacramento do Batismo e pela unção do
Crisma e, agora, plenamente, pela Eucaristia.
489
O tema da personificação do mal surge nas Catequeses de Cirilo também como tema bíblico,
como tomada de consciência de sua existência e de superação deste, pela força da graça de Deus e
inserção progressiva no Mistério pascal. No Símbolo da Fé, a Tradição proclama a viria de
Cristo sobre o mal, a redenção e salvação do mundo na Cruz. Isto, porém, não quer dizer que se
deva abolir a figura bíblica de Satã, ou do diabo, ou a personificação paulina do Pecado. Estas
figuras têm a função de ajudar-nos a penetrar no abismo desconcertante e terrível do Mal, cuja
profundidade é mensurável com a profundidade do Mistério do Amor de Deus ao qual ele
pretende se opor. Cf. GOPEGUI, J. A. R. As figuras bíblicas do diabo e dos demônios em face da
cultura moderna. In: Perspectiva Teológica, Ano XXIV, Belo Horizonte:CES, 1997, pp. 327-352.
A referência à mesa preparada pelos demônios lembra a idolatria, os cultos
pagãos, as ofertas aos ídolos, para as quais Cirilo faz mais um reforço e
esclarecimento quanto à vida nova, à renúncia aos hábitos pagãos e a não
retomarem a tentação que afasta de Deus, que é antagônica à experiência desde
agora já vivida.
A conclusão desta homilia mistagógica é um lindo hino contemplativo, em
que Cirilo entremeia mais alguns textos bíblicos, num verdadeiro canto, no qual é
o próprio Senhor que convida à mudança de vida, à nova ‘veste’, às maravilhas
que o experimentadas por aqueles que se tornam partícipes dessa festa pascal.
Por isso também Salomão, aludindo a essa graça, disse: ‘Vem, come teu pão com
alegria’, o pão espiritual. ‘Vem’, designa o apelo salutar e que faz bem-
aventurado. ‘E bebe, de bom coração, o teu vinho’, o vinho espiritual. ‘Derrama
o óleo sobre a tua cabeça. Traja sempre vestes brancas, que Deus sempre
favorece as tuas obras’. Pois agora Deus se agradou de tuas obras. Antes de te
aproximares da graça eram tuas obras ‘vaidade das vaidades’.
Todavia agora, tendo despido as velhas vestes e revestido espiritualmente a veste
branca, é necessário estar sempre vestido de branco. o dizemos isso
absolutamente porque é preciso estar trajado de branco, mas porque deves, em
realidade, revestir a veste branca, brilhante e espiritual, a fim de dizeres com o
bem-aventurado Isaías: ‘Com grande alegria me rejubilei no senhor, porque me
fez revestir a vestimenta da salvação e me cobriu com a túnica da alegria’.(CM
IV,8)
O texto é profundamente mistagógico - o convite de Deus, nas palavras de
Salomão, as referências simbólico-sacramentais, o ritual da festa, a presença de
Deus, a mudança de veste, a veste brilhante, o sinal das bem-aventuranças e a
alegria da plenitude da salvação -, tudo reunido num convite à entrega, à
confiança e à alegria de uma nova vida que se inicia.
No parágrafo conclusivo, faz uma espécie de fixão dos ensinamentos
desta Catequese, através de uma revio da questão do pão e do vinho - que se
tornam corpo e sangue de Cristo -, do fortalecimento das decisões mais profundas
e mudança de vida. Numa oração final, Cirilo reúne uma bênção, um pedido ao
Senhor, e uma louvação pelos novos cristãos.
490
490
Referências bíblicas presentes nesta Quarta Catequese Mistagógica: 1Cor 11,23-25; Jo 2,1-11;
Mt 9,15; Mc 2,19; Lc 5,34; 2Pd 1,4; Jo 6,53; Jo 6,61-66; Lv 24,5-9; 1Cr 9,32; 1Cr 23,29; 1Mc
1,22; 2Mc 10,3l Sl 115,4; Sl 22,5; Ml 1,7.12; Mt 26,28; Ecl 9,7-8; Is 61,10; Sl 103,15; 2Cor 3,18.
Cf. FIGUEIREDO, F. In CIRILO DE JERUSALÉM. op. cit., pp. 42-45.
Tendo aprendido e estando seguro de que o que parece pão não é pão, ainda que
pareça pelo gosto, mas o corpo de Cristo, e o que parece vinho não é vinho,
mesmo que o gosto o queira, mas o sangue de Cristo e porque sobre isto dizia
vibrando Davi: ‘O pão fortalece o coração do homem, para que no óleo se
regozije o semblante’- fortalece o teu coração, tomando este pão como espiritual
e regozije-se o semblante de tua alma. Oxalá, tendo a face descoberta, em
consciência pura, contempleis a glória do Senhor, para ir de glória em glória,
em Cristo Jesus Senhor Nosso, a quem a glória pelos séculos dos séculos. Amém.
(CM IV,9)
Mais uma vez nos deparamos com um verbo bastante significativo -
plhroforhqe…j – que o autor traduziu por – estando seguro mas seu sentido vai
além de uma conotação de fixação dos conhecimentos, das instruções. O verbo
aponta para plenitude que está sendo vivida pelo neófito, pelo sacramento da
Eucaristia. Cirilo encerra esta Catequese fazendo uma síntese com conceitos-
chave como este, de participação plena, de Eucaristia que se concretiza na vida
pessoal, no coração humano, na consciência e conduz à comuno definitiva e
eterna.
2.2.5
Quinta Catequese Mistagógica
Cirilo parece anunciar uma etapa conclusiva das Catequeses Mistagógicas,
pois inicia esta Catequese referindo-se às anteriores e como culminância do
processo formativo. Dedica-se aqui à própria Celebração Eucarística, com muitos
detalhes quanto aos principais ritos, orações, gestos sacerdotais, culminando na
oração eucarística e na comunhão. É predominantemente litúrgica, no entanto,
observemos como a liturgia é relembrada mistagogicamente, também aqui,
integrada à vida pessoal e comunitária, sem falarmos na fundamentação bíblica
sempre presente. A segunda frase da Catequese explicita a dimensão eclesial da
experiência que está sendo vivida pelos neófitos tÍ pneumatikÍ Ømîn tÁj
çfele…aj o„kodomÍ - para coroar o edifício espiritual de vossa instrução - orienta
a instrução para a edificação de toda a comunidade que se realiza na Celebração
Eucarística.
Pela dignidade de Deus, ouvistes de maneira suficiente, nas reuniões
precedentes, sobre o batismo, a crisma e a participação do corpo e sangue de
Cristo. Mas agora é necessário ir adiante, para coroar o edifício espiritual de
vossa instrução. (CM V,1)
Cirilo inicia esclarecendo particularidades nos ritos lirgicos, orientando
quanto a possíveis equívocos provenientes de uma ignorância da liturgia. Chama a
atenção para o significado do ritual dos sacerdotes lavarem as mãos, como
símbolo de pureza, irrepreensibilidade das ações e dignidade das obras
realizadas
491
. O gesto é símbolo da atitude penitencial, de reconhecimento das
faltas, arrependimento e compromisso com o Mistério pascal.
Vistes o diácono oferecer água ao pontífice e aos presbíteros que rodeiam o altar
de Deus para lavarem-se. (...) Lavar as os é símbolo de que nos devemos
purificar de todos os pecados e de todas as faltas. que as mãos são mbolos
das obras, lavamo-las, indicando evidentemente pureza e a irrepreensibilidade
das obras. Não ouviste como o bem-aventurado Davi te introduziu neste mistério
ao dizer: ‘Lavarei as mãos entre os inocentes e andarei ao redor do teu altar,
Senhor?’Então, lavar as mãos é estar limpo de pecado. (CM V,2
O verbo usado por Cirilo para expressar a introdução no Mistério é
mustagwgoàntoj - te introduziu no sentido de conduzir pelo Mistério, é uma
ação mistagógica. Aquele que introduz é o mistagogo, o mediador entre o
Mistério e a inserção do neófito nesta experiência pelo rito sacramental.
Prossegue citando o ósculo da paz, gesto de acolhida fraterna, de perdão,
de esquecimento de mágoas, de reconciliação entre todos para estarem diante do
altar de forma integral, sem divisões pessoais ou condivisões comunitárias.
Depois o diácono proclama: ‘Acolhei-vos mutuamente e dai-vos o ósculo da
paz’. Não suponhas que este ósculo seja como os que os amigos íntimos se dão
na praça pública. (...) Este ósculo une as almas entre si e é para elas penhor de
esquecimento de todos os ressentimentos. É sinal de que as almas se unem e
afastam toda lembrança de toda injúria. Por isso Cristo disse: ‘Quando fores
apresentar uma oferta perante o altar, e ali te lembrares de que teu irmão tem
algo contra ti, deixa ali a tua oferta diante do altar, vai primeiro reconciliar-te
com teu irmão, depois volta para apresentar a tua oferta’. Então, o ósculo é
reconciliação, e é por esta razão que é santo.(...)(CM V,2-3)
Após este gesto de reconciliação comunitária, o sacerdote convida todos a
elevarem seus corações para junto de Deus, abandonando preocupões e
voltando-se totalmente para a celebração eucarística
492
. A Catequese é construída
com afirmações, citações bíblicas, direcionando o olhar para as atitudes pessoais,
491
Neste período o significado simbólico do gesto de ‘lavar as mãos’ já é presente entre os Padres
da Igreja, e também aparece em Teodoro de Mopsuestia, como rito de purificação e correção nas
atitudes. Cf. MAESTRI, G. e SAXER, V. op. cit., p. 94.
492
Ibid., p. 95.
para a vida, frente às palavras que ouve e que profere, ao seu significado e
consequente compromisso, que vai assumindo ao longo da celebração.
A anáfora é concluída com uma ação de graças pela gratuidade do amor de
Deus por cada um de nós e por nossa adoção como seus filhos em Jesus Cristo. O
adjetivo que denota a bondade de Deus Deus benevolente é apresentado na
fonte grega pela expressão - fil£nqrwpon qeÒn - na qual encontramos um rosto de
Deus dedicado aos homens, aos seus filhos, Deus que ama.
Depois disso o sacerdote proclama: ‘Corações ao alto!’Verdadeiramente, nesta
hora mui tremenda, é preciso ter o coração no alto, junto de Deus, e não
embaixo, na terra, nas coisas terrenas. Com autoridade, pois, o sacerdote ordena
que nesta hora se abandonem todas as preocupações da vida e os cuidados
domésticos e que se tenha o coração no céu, junto ao Deus benevolente.
Vós então respondeis: ‘o temos no Senhor!’ assentindo à ordem por causa do
que confessais. Ninguém esteja presente dizendo apenas com a boca: ‘Nós os
temos no Senhor’, tenho a mente voltada para as preocupações da vida. Sempre
devemos estar lembrados de Deus. Se isso é impossível pela fraqueza humana,
naquela hora isto é o que mais deve ser procurado.
Depois diz o sacerdote: ‘Demos graças ao Senhor’. Deveras, devemos
agradecer-lhe, porque sendo indignos chamou-nos a tamanha graça que nos
reconciliou, sendo seus inimigos, e nos fez dignos da adoção do Espírito. (CM
V,4-5)
Após este princípio de ação de graças, segue a prece de louvor por toda a
criação que é dom de Deus, sinal do seu imenso amor que transborda para todos
os seus filhos. Cirilo propõe uma atitude contemplativa de amor e louvor ao Santo
dos Santos, por toda a Criação visível e invisível, associando-os aos anjos, que
cantam as maravilhas de Deus.
Depois disso mencionamos o céu, a terra e o mar, o sol e a lua, os astros, toda
criatura racional e irracional, visível e invisível, os anjos e arcanjos (...). ‘Santo,
santo, santo, é o Senhor dos exércitos.Por isso recitamos essa doxologia que
nos foi transmitida pelos serafins, para que neste canto nos associemos aos
exércitos celestes. (CM V,6)
A Celebração Eucarística prossegue com a oferta e consagração do pão e
do vinho ao Senhor, para que se tornem alimento espiritual, pelo dom do Espírito
Santo. Cirilo chama este momento de sacrifício espiritual, memória do sacrifício
de Cristo e, na presença do corpo e sangue de Jesus sobre o altar, a comunidade
faz suas orões pela paz, pelos aflitos e doentes, pelos que faleceram, pela Igreja
e seus ministros, pelos pecadores.
A oração tem um caráter claramente comunitário e eclesial, conduzindo os
fiéis à dimensão universal do Mistério experimentado nesta Celebração e
caracterizando a importância da oração comunitária, diante da mesa eucarística,
do próprio Jesus que se entrega a cada celebração, para resgatar toda a
humanidade para a plenitude do projeto de Deus.
Passo a passo, a Catequese re os pedidos num processo que vai
abarcando a realidade atual, o passado e o futuro, a História da Salvação, os que
nos precederam, o serviço do magistério eclesial, e também a remissão dos
pecadores.
Em seguida, realizado o sacrifício espiritual, o culto incruento, em presença
desta vítima de propiciação, invocamos a Deus pela paz comum das igrejas, pelo
bem-estar do mundo, pelos imperadores, pelos exércitos e aliados, pelos doentes,
pelos aflitos e, em geral, todos nós rezamos por todos aqueles que têm
necessidade de socorro e ofereceremos essa vítima.
Depois fazemos menção dos que adormeceram, primeiro dos patriarcas,
profetas, apóstolos, mártires, para que Deus, por suas preces e intercessão,
aceite nossa súplica. Depois ainda rezamos pelos santos padres, bispos
adormecidos e, enfim, por todos os que nos precederam, persuadidos de que será
de máximo proveito para as almas, pelas quais a súplica é elevada ante a santa e
tremenda vítima. (CM V,8-9)
A oração tem uma dimensão de solidariedade fraterna, a comunhão dos
santos, na intercessão junto ao Pai pela caminhada pessoal e comunitária, para a
salvação de todos. u e terra se unem, vivos e falecidos, numa única prece diante
do Mistério eucarístico.
A partir daí, Cirilo desenvolve uma reflexão especial sobre a oração do Pai
Nosso, aprofundando cada pequeno verso numa oração que envolve citações
bíblicas e aplicações existenciais. Poderia ser nova Catequese Mistagógica pois é
densa e desenvolvida com muitos detalhes.
Na primeira orientação, Cirilo apresenta uma visão global da oração,
explicitando seus principais aspectos em poucas palavras. O Pai Nosso é a oração
que o próprio Deus ensinou ao Filho; esse Deus é Pai de imensa bondade e
misericórdia, pois perdoa os pecados e nos convida a participar da graça, nos
tratando como filhos.
Depois disso, tu dizes aquela oração que o Salvador transmitiu aos discípulos,
atribuindo a Deus, com pura consciência, o nome de Pai e dizes: ‘Pai nosso, que
estás nos céus’. Ó incomensurável benignidade de Deus! Aos que o tinham
abandonado e jaziam em extremos males é concedido o perdão dos males e a
participação da graça, a ponto de ser invocado como Pai. Pai nosso que estás
nos céus. Os céus poderiam bem ser os que portam a imagem do mundo celestial,
nos quais Deus habita e vive. (CM V,11)
Ao final do texto, vemos que Cirilo propõe um novo significado para ‘os
céus’. o reforça uma imagem abstrata, mas de convivência e de transparência,
um céu que se experimenta onde Deus habita e vive, através do testemunho e da
vivência do Seu projeto.
Observemos como Cirilo revê os conceitos religiosos presentes nas
culturas e vai reconstruindo pedagogicamente, a partir das reflexões sobre o Pai
Nosso, passo a passo, cada conceito fundamental na formação cristã.
Prossegue no Pai Nosso, refletindo sobre o significado do ‘nome Santo’ de
Deus e do compromisso de cada um de nós com essa ‘santidade’. O tema é
trabalhado no contexto conhecido pelo judaísmo, em que a ‘santificaçãoera parte
da oração judaica, a petição está voltada para o horizonte escatológico, para o fim
dos tempos. Cirilo está em unidade com os profetas do Antigo Testamento,
proclamando a dinâmica entre a santidade de Deus e o testemunho de santidade
dos homens
493
.
Na mesa eucarística, as ofertas são santificadas, assim como os fiéis que
tomarão parte neste Mistério, no entanto, um é o Santo. Cirilo provoca uma
dinâmica em torno do conceito de santidade, por participação, como processo,
como caminho de encontro com o Santo, elevando a dignidade de cada pessoa e,
ao mesmo tempo, reconhecendo a indignidade de cada um diante do Santo dos
santos
494
. A santidade e o agir moral humanos são possíveis na participação da
santidade e da vida de Cristo
495
.
Nesta catequese o conceito de ‘santidade’ está relacionado com o
testemunho e as obras que corroboram para a revelação de Deus para o mundo.
Dessa forma, encontramos aqui uma preparação para o tema a seguir, o reino de
Deus. É tratado como uma oração de petição, assim como a entrega do projeto de
vida pessoal e de toda a humanidade, nas mãos de Deus.
‘Santificado seja teu nome’. Santo é por natureza o nome de Deus, quer o
digamos ou não. Mas uma vez que naqueles que pecam por vezes é profanado,
segundo o que diz: ‘Por s meu nome é continuamente blasfemado entre as
493
Cf. FIGUEIREDO, F. op. cit., p. 51.
494
Cf. MAESTRI, G. e SAXER, V. op. cit., p. 96.
495
Cf. ARAÚJO, J. M. op. cit., p. 789.
nações’, oramos que em vós o nome de Deus seja santificado. Não que por não
ser santo chegue a sê-lo, mas porque em nós ele se torna santo quando nos
santificamos e praticamos obras dignas de santificação.
‘Venha o teu reino’. É próprio de uma alma pura dizer com confiança: ‘Venha o
teu reino’. Quem ouviu Paulo dizer: ‘Que o pecado não reine em vosso corpo
mortal’, e se purificar em obra, pensamento e palavra, dirá a Deus: ‘Venha o teu
reino’.
‘Seja feita a tua vontade, assim no céu como na terra’.(...) Rezando, pois, com
vigor, dize isto: Como nos anjos se faz a tua vontade, Senhor, assim na terra se
faça em mim. (CM V,12-14)
Também aqui Cirilo não abandona seu método alicerçado na Sagrada
Escritura. Sua reflexão é pautada na Palavra, como quem reafirma a cada passo o
primado absoluto de Deus e sua Revelação presente na Palavra. Com esta
metodologia, Cirilo não parte de si mesmo, não ensina a si mesmo, através de
considerações pessoais, mas anuncia o Senhor e seu projeto, até mesmo na
escolha das mediações pedagógicas para seus ensinamentos.
Observemos também como a Catequese sobre o Pai Nosso é um
verdadeiro diálogo entre o céu e a terra, assim como a encarnação de Jesus é a
própria moradia de Deus entre nós, as palavras do Pai Nosso, cada vez que
proferidas, se tornam dinâmica mistagógica nesta aproximação entre Deus e seus
filhos e filhas.
O tema do ‘pão cotidiano’ é compreendido como símbolo do alimento
espiritual, aquele que manterá erguida a dignidade de filho de Deus, a cada dia.
Nosso pão substancial dá-nos hoje’. O pão comum não é substancial. Mas este
pão é substancial, pois se ordena à substância da alma. Este pão não vai ao
ventre nem é lançado em lugar escuso, mas se distribui sobre todo o organismo,
em proveito da alma e do corpo. O hojeequivale a dizer de ‘cada dia’, com
também dizia Paulo: ‘Enquanto perdura o hoje’. (CM V,15)
Na sequência, Cirilo comenta os versos do perdão dos pecados, da
tentação e da presença do mal no mundo. Ele exorta os fiéis a uma postura
consciente, de arrependimento e humildade diante de Deus e dos irmãos,
reconhecendo as próprias situações de pecado.
Cirilo trata o termo ‘dívidas’ como sinônimo de ‘ofensas’ e não como
dívidas de cunho material. uma desproporção entre nossas ofensas a Deus e as
ofensas do irmão contra nós e, portanto, a exigência do perdão como um gesto
simples de nossa parte, perto do amor de Deus que perdoa nossas faltas
gravíssimas. O perdão ao irmão é uma atitude consequente diante da misericórdia
divina.
E perdoa-nos as nossas dívidas assim como nós perdoamos aos nossos
devedores’. Temos muitos pecados. Caímos, pois, em palavra e em pensamento e
fazemos muitas coisas dignas de condenação. ‘E se dissermos que não temos
pecado, mentimos’, como diz João. Fazemos com Deus um pacto pedindo-lhe que
nos perdoe nossos pecados como também nós perdoamos ao próximo suas
dívidas. Tendo presente, portanto, o que recebemos em troca do que damos, não
sejamos negligentes, nem deixemos de perdoar uns aos outros. As ofensas que se
nos fazem são pequenas, simples, fáceis de reconciliar. As que nós fazemos a
Deus são enormes e temos necessidade só de sua benignidade. Cuida, então, que
por faltas pequenas e simples contra ti não te excluas do perdão, por parte de
Deus, dos pecados gravíssimos. (CM V,16)
O pecado é apontado como queda, e, às vezes, também como intenção. A
atitude de vigilância e de tomada de consciência faz parte de um processo de
amadurecimento e reconhecimento das próprias limitações e da necessidade do
amor de Deus para agir com a dignidade de filho de Deus.
A tentação é abordada como algo que faz parte do processo vital e das
escolhas fundamentadas no projeto de Deus. No entanto, o diferencial não é que
não existam, mas que não se sucumba às tentações, deixando-se levar por elas,
sem uma atitude de confronto e luta pela superação. A petição do Pai Nosso se dá
no sentido do fortalecimento, a fim de se salvar nos momentos de tentação. É a
graça de Deus que potencializa esta superação.
Onde o texto traduzido apresenta a fórmula não nos induzas’, o texto
grego traz o termo e„senšgkhj que, em nossa percepção, indica um pedido de
fortalecimento, de uma ação de impedimento, como uma ação mistagógica do
próprio Deus, que conduz e fortalece seus filhos para o combatimento, para a
superação das tentações.
O verso final do Pai Nosso refere-se ao livramento do mal. Este é atribuído
a um ente, um ser que personifica o mal e que é adversário de Deus e de seu
projeto.
E não nos induzas em tentação’, Senhor. (...) Mas entrar em tentação jamais é o
mesmo que ser submerso por ela. A tentação, pois, se assemelha a uma torrente
difícil de atravessar. Os que, então, não são submersos nas tentações,
atravessam, como bons nadadores, sem serem arrastados pela corrente. Os que
não são assim, uma vez que entram, são submersos. Assim, por exemplo, Judas,
entrando na tentação da avareza, não passou a nado, mas, submergindo, afogou-
se corporal e espiritualmente. Pedro entrou na tentação de negação, mas, tendo
entrado, não submergiu; antes, nadando com vigor, se salvou da tentação. (...)
‘Mas livra-nos do Mal’. Se a expressão ‘não nos induzas em tentação’
significasse não sermos de modo algum tentados, não se diria: ‘Mas livra-nos do
Mal’. O Mal é o demônio, nosso adversário, do qual pedimos ser libertos.(CM
V,17-18)
Ainda sobre este tema, observemos os dois modelos apresentados por
Cirilo, Judas e Pedro. Judas é uma chave de compreensão para aquele que
submerge à tentação, o que, para ele, é fatal, porque conduz ao afastamento de
Deus, ao desespero e à morte. Pedro passa pela tentação, a experimenta e até
parece sucumbir a ela. No entanto, vive um processo de combate interior,
espiritual, de discernimento e renovação da orientação fundamental de sua vida.
Cirilo não nega a presença do mal, das tentações, e mesmo a própria experiência
de errar, no sentido de sucumbir. O processo de amadurecimento exige tomada de
consciência e direcionamento no sentido de combater as causas daquela tentação e
caminhar na direção que fundamenta a salvação. Portanto, não significa que
aquele que assume o caminho cristão não passe por tentações, não erre mais,
porém ao abrir-se à graça e misericórdia de Deus, é fortalecido para superar as
limitações e prosseguir no seguimento de Jesus.
Na tradução com a qual estamos trabalhando, o mal’ aparece com letra
maiúscula, em outras a palavra utilizada é ‘o maligno’. Nas duas formas, vemos
mais uma vez a personalização do mal, recorrente nas Catequeses e formalmente
afirmada ao final deste trecho. O Mal é a causa do desvio, o que induz ao erro, ao
pecado, ao afastamento, às tentações plurais que se encontram no caminho do
cristão. Ao Mal, com letra maiúscula, só o Bem pode combater, numa referência a
Deus, supremo e único Bem.
O verso final é também apresentado como um selo de conclusão amém
e o texto bíblico que Cirilo traz aqui é o sim’ de Maria, o fiat’ que aceita, na
liberdade e na responsabilidade, participar do projeto de Deus. O sentido do
‘amém’ colocado ao final do Pai Nosso indica a aliança, um projeto que se
assume no cotidiano, um consentimento livre de que a Graça de Deus oriente todo
o seu agir. Cirilo desperta nos catecúmenos a consciência cada vez mais profunda
de que sua existência e seu agir moral estão enraizados no ser e no agir de
Cristo
496
.
496
Cf. ARAÚJO, J. M. op. cit., p. 788.
Depois, terminada a prece, dizes: ‘amém’, selando com este amém que
significa ‘faça-se’ – o que contém na oração ensinada por Deus. (CM V,18)
Esta Catequese sobre a Celebração Eucarística caminha agora para a etapa
final, para o momento da comunhão, da participação de cada um no Mistério
eucarístico. Retoma o tema da santidade, ao qual somos chamados e
participantes pelo dom de Deus. O tema da Eucaristia, já trabalhado na Catequese
específica sobre o Pão e o Vinho, é relembrado brevemente, num zelo
mistagógico.
Após chamar a atenção sobre o momento de culminância de toda a
mistagogia que vêm experimentando, Cirilo dedica-se ao momento da comunhão,
integrando as dimensões corporais, espirituais, intelectuais. O texto é belíssimo,
vale a pena deliciar-se com sua descrição mistagógica.
Ao te aproximares da comunhão, não vás com as palmas das mãos estendidas,
nem com os dedos separados; mas faze com a mão esquerda um trono para a
direita como quem deve receber um Rei no côncavo da mão espalmada recebe o
corpo de Cristo, dizendo: ‘Amém’. Com segurança, então, santificando teus
olhos pelo contato do corpo sagrado, toma-o e cuida de nada se perder. Pois se
algo perderes é como se tivesses perdido um dos próprios membros. Dize-me: se
alguém te oferecesse lâminas de ouro, não as guardarias com toda segurança,
cuidando que nada delas se perdesse e fosses prejudicado? Não cuidarás, pois,
com muito mais segurança de um objeto mais precioso que ouro e pedras
preciosas, para dele não perderes uma migalha sequer?
Depois de teres comungado o corpo de Cristo, aproxima-te também do cálice do
seu sangue. Não estendas as mãos, mas inclina-te, e, num gesto de adoração e
respeito, dize ‘amém’. Santifica-te tomando também o sangue de Cristo. E
enquanto teus lábios ainda estão úmidos, roça-os de leve com tuas mãos e
santifica teus olhos, tua fronte e teus outros sentidos. Depois, ao esperares as
orações finais, rende graças a Deus que te julgou digno de tamanhos mistérios.
(CM V,21-22)
Observemos o cuidado com os detalhes, com que Cirilo relembra a
experiência da comunhão do Corpo e Sangue de Jesus Cristo. A comunhão em
duas espécies, o pão e o vinho, separadamente, cada um com seu ritual de
acolhida do Mistério e de entrega pessoal ao dom de Deus. As mãos, o olhar, todo
o ser deve convergir para o Mistério que se revela e do qual é convidado a
participar integralmente. A reverência ao sagrado é feita na integralidade da
pessoa. Com o exemplo da preciosidade das lâminas de ouro vemos que, mais
uma vez, Cirilo se aproxima da realidade de seus ouvintes, perfazendo um
ensinamento que possam compreender concretamente e render-se ao grande
Mistério que está diante de seus olhos e a cada um se confia e se entrega. A
santificação dos olhos, da fronte e outros sentidos é um convite à dimensão
integral do processo santificador.
Ao final da comunhão, Cirilo convida ao encontro pessoal com Jesus e à
ação de graças na intimidade de quem participa da santidade do Senhor e, por
isso, é resgatado e elevado à dignidade pelo próprio Senhor.
Conservai inviolavelmente essas tradições e vós mesmos guardai-vos sem ofensa.
Não vos separeis da comunhão nem pela mancha do pecado vos priveis desses
santos e espirituais mistérios.
‘O Deus da paz santifique-vos completamente. Conserve-se inteiro o vosso
espírito, e a vossa alma e o vosso corpo sem mancha, para a vinda de Nosso
Senhor Jesus Cristo’, a quem a glória pelos séculos dos séculos. Amém. (CM
V,23)
Cirilo reforça o ensinamento quanto à tradição da qual agora são herdeiros,
guardiães e transmissores. É uma referência ao Povo de Deus, à Aliança firmada
entre Deus e os homens e renovada em Jesus Cristo, às comunidades apostólicas e
ao Magistério que orienta a caminhada eclesial. Todos os mistérios do qual
participaram e os ensinamentos que receberam possuem uma história da qual
agora fazem parte, uma tradição ao qual devem honrar e preservar com suas vidas
e escolhas existenciais. Nem mesmo os erros e limitações que conduzirem ao
pecado devem ser motivo para se afastarem do dom de Deus.
O verso conclusivo é uma oração de ação de graças, uma exortação, uma
bênção sacerdotal pela santificação plena de cada um e de toda a comunidade ali
reunida em nome do Senhor.
Com esta primeira leitura das Catequeses Mistagógicas de Cirilo de
Jerusalém, nos deparamos com a sabedoria de um dos grandes Padres da Igreja.
Cirilo foi um homem atento ao seu tempo, com uma espiritualidade que se
expressa na delicadeza e adequação de suas palavras, e na pedagogia com a qual
fundamenta seus ensinamentos, sempre na Sagrada Escritura. Ele orienta a
Iniciação Cristã de Adultos como um caminho pelo qual catequista, neófitos,
comunidade, Igreja, Povo de Deus, todos caminham juntos.
Neste processo catecumenal observamos alguns pontos-chave:
1. Atenta fidelidade à dogmática e à Tradição ao longo dos ensinamentos;
2. Adequação de linguagem de acordo com o grupo e as questões sociais
e teológicas com as quais convivem;
3. Embasamento na Sagrada Escritura;
4. Integração entre catequese-liturgia-Palavra de Deus-vida prática;
5. Atitude paterna, pastoral, amorosa e misericordiosa;
6. Centralidade no Mistério Pascal;
7. Foco na experiência litúrgica;
8. Exortação constante à vigilância diante do mal e das tentações;
9. Motivação à atitude contemplativa e orante diante do Mistério do qual
os nfitos já participam;
10. Construção pedagógica dos conceitos centrais da fé cristã;
11. Conscientização da pertença eclesial;
12. Conscientização quanto à continuidade do caminho de seguimento e
necessidade da perseverança.
Estes elementos reunidos delineiam o rosto de um místico e um catequista
da Igreja, que reflete em sua ação pastoral, uma dinâmica da qual não apenas
anuncia, mas que experimenta em sua própria espiritualidade. É esse referencial
que faz com que cada homilia de Cirilo seja um verdadeiro caminho mistagógico.
Sua mistagogia brota de sua própria experiência de encontro com o Senhor, que o
envia a este serviço pastoral-pedagógico, e dela também sua profunda sintonia
com seu tempo e sua Igreja.
2.3
O eixo mistagógico em Cirilo. Teologia e Pedagogia em parceria
Até esta etapa, nossa investigação procurou apreender a obra de Cirilo,
através da análise de edições críticas e, principalmente, por meio das palavras que
chegaram até nós nas Catequeses, especialmente, as Catequeses Mistagógicas.
Deixamos que as palavras de Cirilo ecoassem em nossa compreensão e
espiritualidade, num verdadeiro processo catequético, no sentido de ‘ouvir a voz
que ressoa’
497
e convida a colocar em prática os ensinamentos recebidos. Fizemos,
497
Etimologicamente, a palavra catequese procede do verbo katecheo, de origem grega: katá (a
partir de) + echos (voz, fala, eco) -, que significa ressoar, fazer ecoar junto aos ouvidos. O
ensinamento catequético é como um eco, o ressoar da Palavra de Deus mediante a voz do
catequista. J. A. Silva apresenta a etimologia e aplicações do termo desde sua origem grega até
nossos tempos, chamando a atenção para a idéia de ‘eco’, de ‘ressoar’, com a conservação do ‘ch
no portugs arcaico (catechese), e ainda hoje, no francês (catéchèse) e no italiano (catechesi).
“Podemos então dizer que a palavra catequese remete ao ecoar de algo que, na tradição cristã, é a
também nós, a experiência do catecúmeno ouvindo o mestre e acolhendo no
coração e na vida o convite que vem do próprio Senhor: O Deus de toda graça,
que vos chamou à sua glória eterna em Cristo, Ele vos restabelecerá depois que
tiverdes sofrido por um pouco de tempo; Ele vos firmará, vos fortalecerá e vos há
de tornar inabaláveis
498
.
Nessa etapa de nosso trabalho, buscaremos compreender a teologia que se
encontra subjacente às homilias cateqticas, o pensamento do autor e a
metodologia que, como fios integrados de um mesmo tecido, visam responder aos
desafios pastorais de seu tempo.
A fim de nos situarmos no contexto em que o autor desenvolve as
Catequeses Mistagógicas, relembramos brevemente alguns fatores importantes
para nossa análise.
1. O processo de discernimento e amadurecimento da dogmática cristã e a
presença das controvérsias, evidenciando-se a teologia trinitária e as heresias de
cunho ariano, marceliano e sabeliano;
2. A Iniciação Cristã es dando seus primeiros passos na organização e
sistematização de um processo catequético, fundado na Sagrada Escritura, na
transmitida pelos apóstolos e na legitimidade do magistério eclesial. Desenvolve-
se uma formação com base na Palavra de Deus, na liturgia como mistagogia, no
compromisso explicitado na mudança de vida, e no testemunho pessoal e
comunitário;
3. A diversidade cultural dos iniciantes na cristã, com a presença de um
grupo simples, proveniente da própria Jerusalém, mas também de grupos pagãos e
grupos provenientes do judaísmo
499
;
4. A compreensão de liturgia e dos sacramentos que observamos nas
homilias do autor é presente em outros Padres da Igreja, contemporâneos de
Cirilo, mas possui traços característicos de sua originalidade. A liturgia ocupa
Palavra que ecoou pelo mundo a partir do mistério de Cristo, e continua re-ecoando aos nossos
ouvidos nas celebrações litúrgicas, quando a Palavra é proclamada e explicada, e quando fazemos
memória do mistério pascal pelos Sacramentos, pelo Ofício divino e tantos outros tipos de
celebrações litúrgicas”. SILVA, J. A. Relação entre Catequese e Liturgia. Uma visão histórico-
teológica geral. In: SIVINSKI, M. e SILVA, J. A. (orgs) Liturgia no coração da vida. São Paulo:
Paulus, 2006, pp. 133-134; Cf. SAEZ, J. L. Catecumenato. In: Dicionário de Espiritualidade.
FIORES, S. G. T. (org.) São Paulo: Paulus, 1998, p. 99.
498
1Pd 5,10. Início da Primeira Catequese Mistagógica, convite à oração diante da Palavra de
Deus. Cf. CIRILO DE JERUSALÉM. Petrópolis: Vozes, op. cit., p. 25.
499
Cf. DRIJVERS, J. W. op. cit., Introd. XV. pp. 6-8.
lugar central na experiência cristã, é compreendida como lugar teológico, onde a
pessoa se identifica com Cristo em sua centralidade salvífica e a relação entre
liturgia e vida sacramental é integrada;
5. O locus’ teológico que significa a cidade de Jerusalém, especial para o
desenvolvimento do trabalho pastoral de Cirilo. Uma das primeiras comunidades
cristãs, respeitada pelo Magistério como ‘mãe’ das comunidades eclesiais. A
grande presença de peregrinos na chamada ‘cidade santa’ e forte conexão entre a
topografia e a liturgia
500
.
Colocados esses pressupostos, vejamos como o autor das Catequeses
Mistagógicas atua como teólogo e como catequista, estabelecendo um diálogo
entre o anúncio evangélico e a problemática de seu tempo. Cirilo não prescinde de
nenhum dos dois desafios. Persevera no anúncio querigmático, em um processo
de evangelização fiel à sua compreensão teológica e ao Magistério. Leva em
consideração as características dos grupos de iniciantes, seu contexto social,
cultural e religioso e, de forma original, constrói um caminho mistagógico.
Estabeleceremos um diálogo com Cirilo de Jerusalém, a partir de
características que irrompem como categorias da teologia subjacente em suas
Catequeses. No decorrer da nossa leitura, procuramos nos aproximar do jeito de
ser e agir deste pastor da Igreja, estabelecendo um vínculo, uma familiaridade
com eles
501
. A partir dfizemos uma releitura dos textos, procurando interpelá-
los, através de um diálogo que procurou recolher os fundamentos teológicos e o
eixo mistagógico presente nas Catequeses Mistagógicas. Em um terceiro
momento, organizamos sistematicamente as categorias recolhidas dessa fonte da
Tradição, com uma hermenêutica atenta ao próprio Cirilo de Jerusalém e à
relevância de sua Mistagogia para todos os tempos
502
.
Estas categorias serão apresentadas como referenciais para nossa
interpretação e como critérios abalizadores para experiências contemporâneas.
500
Ibid., pp. 79-83.
501
Procuramos seguir as orientações quanto aos estudos patrísticos a partir dos especialistas. Cf.
PADOVESE, L. op. cit., pp. 39-40. Esta leitura das obras patrísticas é orientada por A. Grillmeier
e compartilhada por H. Von Balthasar e B.Studer. Cf. GRILLMEIER, A. Cristo en la tradición
cristiana. Salamanca: Sígueme, 1997; VILANOVA, E. Historia de la Teologia Cristiana. V.I.
Barcelona: Herder, 1987, p. 136.
502
Nesta etapa seguimos as orientações presentes no trabalho de A. AMATO. Studio dei Padri e
teologia dogmática. In: TRIACCA, A. M. e COVOLO E. Lo studio dei padri della chiesa oggi.
Roma: Ateneo Salesiano, 1991, p. 89.
Elencamos a seguir as categorias teológicas identificadas nas Catequeses de
Cirilo:
1. A adequação da linguagem
2. A concepção de Liturgia
3. A ênfase na participação
4. A compreensão de Revelação
5. A estrutura narrativa da Sagrada Escritura
6. O Símbolo da Fé
7. O seguimento e a conversão existencial
8. O embasamento na Tradão
9. A perspectiva missionária
10. A dimensão contemplativa
Reconhecemos que a reflexão teológica e a prática pastoral do tempo de
Cirilo de Jerusalém não podem ser simplesmente transpostas para as comunidades
atuais. Tenhamos, portanto, diante de nosso trabalho teológico, três premissas que
orientaram este diálogo aproximativo:
1. Em primeiro lugar, o fato de que estamos diante de uma experiência da
Tradição da Igreja, que é fonte de sabedoria e orientação firme com relação aos
princípios fundamentais da fé cristã;
2. Em segundo lugar, nossa aproximação teológica se feita de forma
narrativa, a partir de um encontro vivo com os textos de Cirilo de Jerusalém, em
seu contexto histórico e vivência concreta;
3. Em terceiro lugar, a partir deste diálogo teológico, estaremos atentos a
recolher os fundamentos que permanecem na mistagogia, a fim de que possam ser
retomados como princípios orientadores para a Iniciação Criscom Adultos em
nosso tempo.
Discorreremos, a seguir, sobre cada categoria da mistagogia identificada,
observando, porém, que cada uma é parte de uma única trama que tece o eixo
mistagógico que estrutura o processo implementado por Cirilo de Jerusalém.
2.3.1
A Adequação da Linguagem
Um primeiro traço marcante em nosso autor é a simplicidade e habilidade
na linguagem. Cirilo é conhecido por sua capacidade como orador, simples sem
ser superficial, desenvolve uma catequese rica em exemplos, em aconselhamentos
práticos, existenciais
503
.
Sua linguagem se adequa a cada grupo cultural, sintonizando-se com as
experiências de vida, com as questões próprias do meio ambiente cultural e social,
com as dúvidas que pairam no período de formação na fé
504
.
Cirilo apresenta, em sua linguagem, grande habilidade pastoral,
entremeando os textos bíblicos com a compreensão da liturgia vivenciada,
aplicando os ensinamentos na vida cotidiana. E isso tudo sem perder a
fundamentação teológica afinada com a ortodoxia da Igreja.
Vejamos alguns exemplos do que expomos:
Esperei a ocasião presente, para encontrar-vos, depois desta grande noite, mais
preparados para compreender o que se vos fala e levar-vos pelas mãos ao prado
luminoso e fragrante deste paraíso. (CM I,1)
E assim como nosso Salvador passou três dias e três noites no coração da terra,
do mesmo modo vós, com a primeira emersão, imitaste o primeiro dia de Cristo
na terra, e com a imersão, a noite. Como aquele que está na noite nada enxerga
e ao contrário o que está no dia tudo enxerga na luz, assim vós na imersão, como
na noite, nada enxergastes; mas na emersão, de novo vos encontrastes no dia. E
neste momento morrestes e nascestes. (CM II,4)
Mas não será por acaso que Cirilo faz uso dessa metodologia na linguagem
catequética. As palavras de Cirilo, mesmo que não registradas por escrito pelo
autor, são maduras, selecionadas para seus ouvintes, demonstrando conhecimento
da comunidade que tem diante de si e dos desafios culturais e teológicos que vêm
experimentando. A sensibilidade pastoral presente em suas homilias reflete um
pastor atento, presente, acompanhando não apenas a comunidade de fiéis, mas
também a sociedade em suas mudanças e interpelações à vida cristã
505
.
Essa é uma das características que nos deteremos mais adiante, de alguém
que tem um eixo pastoral-pedagógico e, ao mesmo tempo, profunda
espiritualidade e compreensão da liturgia como experiência de diálogo entre Deus
e seus filhos e filhas.
503
Cf. RIGGI, C. op. cit., p. 8; BIELSA, J.S. op.cit., pp. 16-17; PIEDÁGNEL, A. op. cit., p. 71.
504
Cf. CROSS, F. L. op. cit., introd. pp. XXXIII-XXXIV e p.11; RIGGI, C. op. cit, p. 8;
HAMMAN, A. op. cit., p. 212.
505
Cf. BIELSA, J.S. op. cit., pp. 16-17.
2.3.2
A concepção de Liturgia
A segunda característica que se nos apresenta é a concepção de liturgia que
alicerça as Catequeses Mistagógicas.
Estamos em um período no qual a liturgia é nuclear na formação e
vivência do Cristianismo
506
e Cirilo comunga do mesmo processo que seus
contemporâneos na reflexão teológica e orientação pastoral
507
. A dimensão pascal
é central e, consequentemente, vigora o cristocentrismo do processo de salvação,
tanto no plano antropológico quanto cosmológico
508
.
O primado da experiência litúrgico-sacramental é claro. É esta experiência
que potencializa a formação dos neófitos. Nela se reúnem as condições da própria
dinâmica da Revelação: a iniciativa de Deus, a ação sacramental, a configuração
em Cristo Jesus, a revisão e mudança de vida, o testemunho e o compromisso
comunitário-eclesial.
Os ritos litúrgicos têm valor sacramental. Não são apenas representativos,
no sentido simbólico, mas são performativos, configurando cada fiel que
experimenta a liturgia, em Cristo Jesus. As catequeses também nos falam do valor
representativo e catequético dos ritos lirgicos, mas a centralidade destes é o
valor sacramental, de inserção de cada pessoa e da existência humana, no Mistério
pascal
509
.
E. Mazza
510
explicita o enraizamento crístico nessa compreensão da
liturgia e de seus ritos: “As ações de Cristo são portadoras de salvação, de
sacramentalidade, como a imersão batismal, a nudez, que significa despir-se do
506
Jerusalém tem um grande e inovador papel no desenvolvimento da liturgia na Igreja nascente, e
Cirilo foi bastante responsável pela evolução dos ritos e expansão da liturgia que acontecia no IV
séc. Jerusalém era uma exportadora de práticas litúrgicas para o resto do mundo cristão. Cf.
DRIJVERS, J.W. op. cit., p. 71; CROSS, F. L. op. cit., Introd. p.. XXXIV.
507
Cf. YARNOLD, E. The awe inspiring rites of initiation. op. cit. Neste trabalho Yarnold analisa
a configuração dos ritos de Iniciação Cristã através das obras catequéticas de Ambrosio de Milão,
João Crisóstomo, Cirilo de Jerusalém e Teodoro de Mopsuestia.
508
Cf. RIGGI, C. op. cit., p. 8.
509
Cf. MAZZA, E. op. cit., p. 176.
510
E. Mazza analisou a mistagogia comoTeologia da Liturgia na época patrística’, não apenas em
Cirilo de Jerusalém, mas também em seus contemporâneos: Ambrosio de Milão, Teodosio de
Mopsuestia e João Cristomo. Cf. MAZZA, E. La Mistagogia. Una Teologia della Liturgia in
epoca patristica. Roma: Edizioni Liturgiche. 1988
homem velho. Não se trata de significados, mas de ações, de eventos que são
portadores de salvação”
511
.
Cirilo trabalha com o conceito de mimesis, no sentido de imitação que
configura a criatura naquele que é seu ‘modelo’. Na dimensão pascal celebrada
nos rituais litúrgicos, não apenas se faz memória, mas verdadeiramente se
experimenta a mimesis do Cristo. Em Cirilo, imitação é identidade e,
liturgicamente, identificação crística. É um conceito sacramental, que não indica o
ritual na sua perspectiva visível, mas a dimensão interna e invisível da
celebração
512
. Nas Catequeses a ‘imitação’ experimentada através dos ritos
lirgicos, tem eficácia e valor sacramental.
No mesmo momento morrestes e nascestes. Esta água salutar tanto foi vosso
sepulcro como vossa mãe.(CM II,4)
Ora, vós vos tornastes cristos, recebendo o sinal do Espírito Santo, e tudo se
cumpriu em vós em imagem, pois sois imagens de Cristo. (CM III,1)
Cirilo está em harmonia com o pensamento de seus contemporâneos e da
patrística: a liturgia é sacramental, mas distinta do momento histórico de
salvação
513
. Em Cirilo, o que distingue o momento sacramental do momento
histórico salvífico, é caracterizado com duas palavras diferentes:imagem’ e
‘verdade’ – ‘oÙ tupikîj ¢ll' ¢lhqîj’
514
. (CM III,6)
Passai agora comigo das coisas antigas às novas, da figura à realidade. (CM I,3)
Não morremos em verdade, não fomos sepultados em verdade, não fomos
crucificados e ressuscitados em verdade. A imitação é uma imagem; a salvação,
uma verdade. (CM III,5)
(...) Mas essas coisas lhe aconteceram em figura. A vós, porém, não em figura,
mas em verdade. Isso, já que o começo de vossa salvação remonta àquele que foi
ungido pelo Espírito Santo.(CM III,6)
Esta dinâmica entre a História da Salvação e o processo salvífico
experimentado na liturgia sacramental é um eixo mistagógico. A Revelação é
acontecimento e processo, é plena e econômica, é realização plena e caminho de
seguimento de Jesus Cristo.
511
MAZZA, E. op. cit., pp. 176-177.
512
Ibid., pp. 174-177.
513
Mais adiante retomaremos a relação entre typos e antitypos nas Catequeses Mistagógicas,
aprofundando a relação com a liturgia.
514
Cf. MAZZA, E. op. cit., pp. 177-178.
Ainda no que se refere à dimensão litúrgica da mistagogia de Cirilo,
observamos o quanto a corporalidade está integrada aos ritos, gestos, ganhando
significado simlico. A corporalidade, forte elemento da liturgia, torna-se sinal
sacramental, princípio que sentido e integra a pessoa humana na sua totalidade
ao Mistério pascal. Nesse sentido, a liturgia respeita a dimensão profundamente
simbólica da pessoa humana em sua corporalidade, e oportuniza uma
espiritualidade igualmente densa de significados, uma experiência que escapa à
própria linguagem cognitiva.
A integração do corpo, dos gestos, é feita também com cuidado
pedagógico, respeitando a passagem que é experimentada no ritual, conduzindo à
sensibilidade pessoal e coletiva, mais do que a racionalidade, a fim de ultrapassar
uma compreensão intelectual. Estamos também aqui diante de uma forte
dimensão da mistagogia, vivida como experiência inenarrável, mas que é
percebida interiormente e ganha uma memória única, a memória simbólica
experimentada pela própria pessoa, em sua corporalidade.
Apenas alguns trechos para ilustrar essa dimensão, pois toda a liturgia
sacramental é marcada por gestos, o que tornaria muito extensa essa descrição.
Entrastes primeiro no adro do batistério. Depois vos voltastes para o Ocidente e
atentos escutastes. Recebestes então a ordem de estender a mão, e renunciastes a
satanás como se estivesse ali presente. É preciso que saibais que na história
antiga há uma figura deste gesto. (CM I,2)
Logo que entrastes, despistes a túnica. E isto era imagem do despojamento do
velho homem com suas obras. Despidos, estáveis nus, imitando também nisso a
Cristo nu sobre a cruz. (CM II,2)
Depois de despidos, fostes ungidos com óleo exorcizado desde o alto da cabeça
até os pés. Assim, vos tornastes participantes da oliveira cultivada, Jesus Cristo.
(CM II,3)
Cirilo respeita uma antropologia, na qual o corpo, o entendimento, as
emoções, não o elementos separados, mas integrados numa única experiência
humana. Podemos dizer, em unidade com os liturgistas, que aqui uma
experiência viva da sacramentalidade do corpo
515
, na medida em que, os gestos
não são meras repetições ou mímicas, mas são vividos simbolicamente, inseridos
no Mistério litúrgico, e integrando a pessoa ao Mistério de Deus que a todos
envolve.
515
Cf. LAFONT, G. A experiência espiritual e o corpo. In: GOFFI, T. e SECONDIN, B. (orgs.)
Problemas e perspectivas de Espiritualidade. São Paulo: Loyola, 1992, p. 16.
As Catequeses Mistagógicas procuram ajudar o neófito a compreender o
significado dos gestos corporais que experimentou sacramentalmente, contudo,
essa experiência fala por si, a cada neófito. Portanto, ao tratar da dimensão
simbólica da liturgia, o que Cirilo intenta é construir uma linguagem que não visa
definir a experiência, mas orientar para a grandeza do Mistério que é vivido.
Esta dimensão não tem caráter individualista, portanto, lembramos mais
uma vez, o cuidado pedagógico de Cirilo no traçado da História da Salvação e da
Tradição eclesial, associando cada gesto à representação e significado bíblico, ao
Mistério de participação no corpo stico de Cristo, e na Igreja, corpo
comunitário, sociedade visível e testemunha do Mistério na humanidade.
2.3.3
A ênfase na Participação
Para definir a relação entre o rito sacramental e o evento salvífico da
Páscoa de Cristo, Cirilo faz uso recorrente do termo koinonia’, no sentido de
participação. É mais do que um simples termo pronunciado nas Catequeses, pois
marca uma chave de leitura para compreensão da experiência vivida na liturgia
sacramental
516
.
O óleo exorcizado era símbolo, pois, da participação da riqueza de Cristo. (CM
II,3)
Talvez dissesse estas coisas por causa de alguns, dispostos a ver o batismo como
prodigalizador da remissão dos pecados e da adoção, mas não como
participação, por imitação, dos verdadeiros sofrimentos de Cristo. (CM II,6)
Vós fostes ungidos com o óleo, feitos partícipes e companheiros de Cristo. (CM
III,2)
Desse modo, ‘tornamo-nos partícipes da natureza divina’. (CM IV,3)
O conceito de participação no Mistério pascal é um eixo mistagógico. A
celebração torna sacramentalmente presente o Mistério salvífico a que faz
referência: a Páscoa de Jesus Cristo. Na liturgia, o neófito experimenta
verdadeiramente a plenitude da vida cristã por meio e ‘na’ celebração
eucarística.
Para a patrística a liturgia é o culto da Igreja, integrado no marco dos
mistérios da Salvação. As ações litúrgicas são compreendidas como celebração do
516
Cf. MAZZA, E. op. cit., pp. 179.
1
88
Mistério de Cristo; ritos que, em seu acontecer simbólico, manifestam, fazem
presente e comunicam a morte e ressurreição do Senhor
517
. Os Padres da Igreja
compreendem a liturgia neste eixo e Cirilo, sintonizado com esta teologia da
liturgia, orienta este processo mistagógico: ao ser introduzido no Mistério pascal,
pela dinâmica lirgico-sacramental, cada pessoa é verdadeiramente participante
do mesmo Mistério
518
.
A participação de cada pessoa, de cada cristão, no Mistério pascal constitui
não apenas um gesto singular, mas pela própria sacramentalidade dos atos
lirgicos, participa da dinâmica da Revelação, a qual tudo conduz para o Reino
definitivo, levando à plenitude a Igreja que caminha e, por seu envio e
testemunho, toda a humanidade.
Ainda integrado com este conceito tão recorrente nas Catequeses
Mistagógicas, o tema da participação nos conduz a uma visão eclesiológica. As
instruções são realizadas em âmbito comunitário, assim como os sacramentos e
toda a sua pregação integra o processo pessoal ao comunitário e, este, à dinâmica
da História da Salvação, em unidade com todo o povo de Deus. Também as
orações refletem essa visão eclesiológica, abrangendo a unidade de todos os fiéis e
a comunhão dos santos
519
.
Cirilo está sintonizado com o vínculo entre liturgia e comunidade, entre
comunidade local e comunidade universal. Não compreende a liturgia como um
momento isolado no campo pessoal ou no campo da igreja local. As ações
lirgicas são experimentadas e interpretadas como celebrações eclesiais, como
sacramento de todo o Povo de Deus eleito e peregrino na hisria rumo ao
horizonte escatológico.
O sentido de pertença eclesial indica vários elementos: o sacerdócio
comum, a identidade cristã, o aspecto testemunhal e missionário, o aspecto
hermenêutico, o caráter dialógico da dinâmica da Revelação.
517
Cf. GUTIÉRREZ-MARTÍN, J. L. Belleza y misterio. La liturgia, vida de la Iglesia. Navarra:
Eumsa, 2006, p. 74.
518
Cf. ARAÚJO, J. M. op. cit., p. 786.
519
Em seu artigo citado anteriormente, J. M. Araújo identifica a dimensão comunitária como
fundamento nas Catequeses Mistagógicas de Cirilo de Jerusalém: A liturgia das catequeses está
fundada no sólido ambiente fraterno e comunitário-cultual celebrativo dos mistérios da vida cristã,
a partir do e no qual os neófitos restaurar-se-ão e revigorarão suas contínuas forças para viverem
autenticamente a fé cristã como partícipes da natureza divina por Cristo, no Espírito Santo.”
ARAÚJO, J. M. op. cit., p. 779 e 786.
2.3.4
A Dinâmica da Revelação
Nas bases desse conceito de participação no Mistério pascal reside a
teologia da Revelação, a dinâmica de autocomunicação de Deus e de abertura da
pessoa humana para seu projeto salvífico. Nos conteúdos e na metodologia das
Catequeses Mistagógicas, verificamos que possuem seu fundamento teológico na
dinâmica da Revelação entre Deus e seus filhos e filhas. A iniciativa do Deus que
vem, que convida, que se revela, que se entrega, que é misericordioso, é
encontrada passo a passo nas Catequeses.
Na teologia subjacente às Catequeses encontra-se um processo dialógico
que convida à entrega e à resposta ao convite de Deus, já presente na vida do fiel,
atuante na vida do povo de Deus. Cirilo sempre parte da iniciativa de Deus, é ele o
autor do convite e do processo de conversão. Suas Catequeses não impõem, mas
propõem; o submetem, mas anunciam o caminho; não pressupõem conversão
imediata, mas respeitam as condições para a resposta pessoal; não se atêm ao
discurso doutrinário, mas acompanham e orientam as escolhas pessoais em
direção à vida nova que lhe é anunciada.
Vejamos alguns exemplos:
Lá Moisés foi enviado por Deus ao Egito; aqui Cristo, do seio do Pai, foi enviado
ao mundo. (CM I,3)
Ademais, poderoso é Deus que de mortos nos fez vivos, para conceder-vos que
andeis em novidade de vida. A Ele a glória e o poder, agora e pelos séculos.
Amém. (CM II,8)
Em verdade, Deus predestinando-nos à adoção de filhos, nos fez partícipes e
Cristo (...). (CM III,1)
Na verdade, Cristo não foi ungido com óleo ou unguento material por um
homem, mas foi o Pai que, estabelecendo-o com antecedência como Salvador de
todo o universo, o ungiu com o Espírito Santo. (CM III,2)
Cada neófito é convidado a responder liturgicamente, na liberdade pessoal,
ao convite de Deus. A Revelação pressupõe abertura da pessoa humana, mas
também tomada de consciência e processo de decisão na liberdade e
responsabilidade. A atitude de escuta da Palavra e da formação é atitude de
‘escuta’ do Mistério de Deus experimentado na liturgia sacramental. Cirilo reflete
sobre a como uma dinâmica, de entrega, de confiança e de compromisso vital
com Aquele em quem se c e com seu projeto. É neste sentido que
compreendemos a ‘escuta’ das Catequeses Mistagógicas, do audire’, da que
chega pelo ouvido. Não como uma simples audição, mas o ouvir que aceita e
segue, que obedece ao chamado, que implica em mudança de vida, em
conversão
520
.
É uma ação evangelizadora que se reconhece como mediadora da relação
entre Deus e a pessoa humana, que respeita o lugar imprescindível da experiência
humana como condição de compreensão da Revelação
521
.
Batizados em Cristo e dele revestidos, vos tornastes conformes ao Filho de Deus.
Em verdade, Deus predestinando-os à adoção de filhos, nos fez conformes ao
corpo glorioso de Cristo. Feitos, pois, partícipes de Cristo, não sem razão, sois
chamados cristos e é de vós que Deus disse: ‘Não toqueis os meus cristos’. Ora,
vós vos tornastes cristos, recebendo o sinal do Espírito Santo, e tudo se cumpriu
em vós em imagem, pois sois imagens de Cristo. (CM III,1)
Cirilo de Jerusalém assegura ao iniciante que no seu combatimento
espiritual: “A espada do Espírito está à sua disposição!
522
Para sublinhar a ação
libertadora e santificadora de Deus na práxis catecumenal antiga é relevante a
oração da comunidade, do catequista e do catecúmeno e, para a ‘escuta’ da
Palavra, muitas celebrações e ritos confirmam essa dinâmica.
Cirilo convida seus neófitos a se deixarem atingir pela Revelação. Através
das narrativas bíblicas, das relações que vai tecendo entre figura e verdade, entre
Povo de Deus e Igreja hoje, entre Cristo e cada pessoa, conduz a uma
familiaridade progressiva com o jeito de Deus olhar, com a ótica de Deus, com o
processo da Revelação, enfim. Na liturgia sacramental, vivenciada por cada um
dos neófitos, a Palavra de Deus é apresentada como vida, como revelação de um
grande Mistério, o próprio Mistério de Deus
523
.
A experiência vivida por cada neófito através dos sacramentos de Iniciação
não se reduz a um conjunto de rituais litúrgicos, mas são etapas centrais de
Iniciação ao Mistério de Deus, de consciência do mistério salvífico e de sua
progressiva inseão neste Mistério
524
.
520
Sobre o processo de Revelação e a condição de ‘ouvinte’ da pessoa humana, ver obra capital de
K. RAHNER, Curso Fundamental da Fé. São Paulo: Paulinas, 1989, especialmente o capítulo 1.
521
Cf. GELABERT, M. Valoración cristiana de la experiencia. Salamanca: Sigueme, 1990, p. 18.
522
CIRILO DE JERUSALÉM. Procatechesi 10. In: CIRILLO E GIOVANNI DI
GERUSALEMME. Catechesi Prebattesimali e Mistagogiche. op. cit. P. 152.
523
Cf. COFFY, R. La celebración, lugar de la educación de la fe. Evangelización, Catequesis y
Liturgia. In :Phase 38, Barcelona: Centro de Pastoral Liturgica, 1980, p. 13.
524
Cf. MAESTRI, G. e SAXER, V. op. cit., p. 79.
Observemos alguns trechos que nos conduzem a esta mistagogia.
Oh! Fato estranho e paradoxal! o morremos em verdade, não fomos
sepultados em verdade, não fomos crucificados e ressuscitados em verdade. A
imitação é uma imagem; a salvação, uma verdade. Cristo foi crucificado,
sepultado e verdadeiramente ressuscitou. Todas estas coisas nos foram
agraciadas a fim de que, participando, por imitação, de seus sofrimentos, em
verdade logremos a salvação. Oh! Amor sem medida! Cristo recebeu em suas
mãos imaculadas os pregos e padeceu, e a mim, sem sofrimento e sem pena,
concede graciosamente por esta participação e salvação.(CM II, 5)
Ele, quando banhado no Rio Jordão e comunicando às águas a força da
divindade, delas saiu e se produziu sobre ele a vinda substancial do Espírito
Santo, pousando igual sobre igual. Também a vós, ao sairdes das águas
sagradas da piscina, se concede a unção, figura daquele com que Cristo foi
ungido. ( CM III,1)
Enfim, Cirilo se preocupa em fundamentar a adesão do neófito com base
em uma relação com Deus, consigo mesmo, com a Igreja, com a sociedade, uma
relação integral de orientação soteriológica. A cada passo ele revisa o processo e
exorta o caminho a ser percorrido, integrando-se sempre mais ao Mistério
salvífico.
2.3.5
A teologia narrativa da Sagrada Escritura
Cirilo possui um eixo norteador - a Sagrada Escritura
525
. É seu fundamento
para as catequeses, seu princípio de gnose, de conhecimento verdadeiro
526
. Nas
Homilias, apresenta a Palavra revelada com o recurso da narrativa do evento
salvífico que, ao mesmo tempo, torna-se paradigmático para o ouvinte e a
comunidade eclesial.
525
A teologia de Cirilo nasce de sua intimidade com a Sagrada Escritura. Sua leitura bíblica é uma
leitura espiritual, à luz da experiência cristã e como fonte da experiência cristã da vida. Cirilo
apóia sua exposição na versão septuagenta. Cf. RIGGI, C. op. cit, p. 10; FIGUEIREDO, F.
Introdução. In: CIRILO DE JERUSALEM, Catequeses Mistagógicas. Trad. F. VIER, introd. e
notas F. FIGUEIREDO. op.cit., p. 18; MAESTRI, G. e SAXER, V. op. cit., p. 53; RIVAS, P.L.H.
op. cit., p. 10; ELORRIAGA, C. op. cit., p. 35.
526
Em Cirilo, a Sagrada Escritura é a verdadeira gnose. A gnose bíblica, quando apreendida, é uma
filosofia superior que satisfaz plenamente as aspirações da mente, do coração e do espírito
humano, uma verdade que brilha em sua própria luz. Dessa forma, observamos que Cirilo está
dialogando com um tema filosófico próprio de seu tempo: o gnosticismo. Não debate
teologicamente nem mesmo filosoficamente o movimento gnóstico, mas, pedagogicamente,
apresenta uma resposta cristã à profunda questão humana sobre a origem da vida, o destino e a
natureza humana. Cf. MC CAULEY, L. e STEPHENSON, A. op. cit., p. 9-10; ver tb. notas 107 e
108 deste capítulo.
Seus ouvintes, provenientes de diferentes culturas e mesmo de religiões,
tanto do judaísmo, como do paganismo, recebiam as instruções a partir do fio
narrativo da História da Salvação. Bielsa comenta em sua edição crítica sobre as
Catequeses de Cirilo de Jerusalém:
Mais de 2 mil referências à Escritura fazem com que cada catequese seja como
um rio que canta o rumor da palavra de Deus. Assim, habituado por formação na
Lei ao monoteísmo rigoroso, o ouvinte judio tinha menos dificuldade para aceitar
e compreender a unidade de essência que acreditava e para ele era dogma
indiscutível que o mistério trinitário, substância da revelação cristã e
ensinamento obrigatório a quem se preparava para o batismo
527
.
A escolha pela teologia narrativa é mais uma categoria mistagógica, que
corresponde à pedagogia divina, e integra a história pessoal na História da
Salvação. A narrativa bíblica se torna, para o neófito, uma metanarrativa, que vai
não apenas esclarecendo a experiência mistagógica vivenciada nos sacramentos,
mas lhe indicando um caminho mistagógico na própria vida
528
.
A Sagrada Escritura é trabalhada de forma narrativa e em chave
tipológica
529
, presente não apenas em Cirilo, mas também em Ambrosio de Milão,
Teodosio de Mopsuestia, João Crisóstomo e Agostinho de Hipona
530
. É uma
teologia que desenvolve a iniciação ao Mistério mediante o recurso às figuras
bíblicas do Antigo e do Novo Testamento, como um procedimento pedagógico
fundado na unidade de toda a História da Salvação e analogia existente entre os
acontecimentos de uma etapa com os das outras etapas, de sorte que se iluminam
e ilustram mutuamente
531
.
Cirilo não é o primeiro a fazer uso desta metodologia
532
. No entanto, nele
ressaltamos o aspecto de inter-relação entre a tipologia e a dimensão sacramental,
entre o typos e o antitypos tupîjnt…tupîj : um é usado para indicar o evento
527
BIELSA, J.S. op. cit., p. 11.
528
Cf. ARAÚJO, J. M. op. cit., p. 780.
529
Cf. ONATIBA, I. op. cit., p. 17.
530
Ambrosio, De Mysteriis,; Teodoro de Mopsuestia, Omelie Catechetiche; João Crisóstomo,
Catechesis baptismalis; Agostinho de Hipona, De catechizandis rudibus. Cf. ALTANER, B. e
SUIBER, A. op. cit.; SANTANA, L. F. R. A dimensão pneumática da espiritualidade cristã. op.
cit, p. 160-161.
531
Cf. ONATIBA, I. op. cit., p. 17.
532
Também em Ambrosio encontramos a catequese tipológica, contudo, para ele os eventos do
Antigo Testamento não estão apenas relacionados com os do Novo Testamento, mas é dele que
recebem o sentido, a interpretação e a razão. Possuem uma pertença ontológica, revelada na
centralidade do mistério pascal. Cf. MAZZA, E. op. cit., p. 181.
salvífico e outro para indicar o sacramento do evento
533
. Nas Catequeses, Cirilo
estabelece uma relação tipológica entre o Antigo Testamento e o Novo
Testamento e aplica esta relação à explicação dos ritos litúrgicos.
Entrastes primeiro no adro do batistério. Depois vos voltastes para o Ocidente e
atentos escutastes. Recebestes então a ordem de estender a mão, e renunciastes a
satanás como se estivesse ali presente. É preciso que saibais que na história
antiga há uma figura deste gesto. Quando o faraó, o mais inumano e cruel
tirano, oprimia o povo livre e nobre dos hebreus, Deus enviou Moisés a tirá-los
desta penosa escravidão dos egípcios.(...)
Passai agora comigo das coisas antigas às novas, da figura à realidade. Lá
Moisés foi enviado por Deus ao Egito; aqui Cristo, do seio do Pai, foi enviado ao
mundo. Aquele para tirar o povo oprimido do Egito; Cristo para livrar os que no
mundo são acabrunhados pelo pecado.(CM I,2-3)
Para Cirilo, uma distinção entre o Antigo e o Novo Testamento: os
eventos da salvação do Antigo Testamento não pertencem ao Novo Testamento,
mas sim o seu typos. Eles possuem uma correspondência, podem ser comparados
um a um, compreendendo a pedagogia divina que se revela através dos
acontecimentos salvíficos
534
. Através da relação typos e antitypos, Cirilo procura
revelar a novidade de Cristo, já anunciada nos fatos, palavras e símbolos da
Antiga Aliança
535
. Ele explica as figuras comparando-as com a realização
sacramental experimentada pelos fiéis. É uma ação pedagógica que revela a
própria pedagogia de Deus, em seu projeto salvífico revelado plenamente em
Jesus Cristo e seu Mistério pascal
536
.
Contudo, a catequese tipológica não é o constitutivo essencial de seu
método mistagógico, ele a usa em momentos precisos, a fim de atingir os
objetivos de sua proposta catequética
537
.
Os ritos litúrgicos possuem um caráter simlico sacramental. A catequese
patrística compreende o símbolo em uma dupla dimensão, e Cirilo compartilha
533
Ibid., pp. 180-186.
534
Mazza analisa o vocabulário técnico utilizado com grande precisão por Cirilo e afirma que é um
vocabulário já presente em Platão, ou seja, a compreensão de sacramentalidade presente em Cirilo
o se refere a um nexo entre aquele que e aquele que crê’, mas à relação entre o uno e o
múltiplo, entre o sensível e o inteligível. A propósito do valor ontológico dos sacramentos, os
Padres da Igreja se serviram de conceitos já elaborados por Platão e pelo platonismo. Neste sentido
compreende o sacramento como análogo, mas não idêntico ao evento histórico-salvífico. Ibid., pp.
188-190.
535
Cf. MAESTRI, G. e SAXER, V. op. cit., p. 67.
536
Sobre o tema da catequese tipológica na teologia patrística, ver também o Catecismo da Igreja
Católica, sobre a liturgia, n
os
1093, 1150, 1151,1152. Cf. CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA.
Petrópolis/São Paulo : Vozes/Loyola/Paulinas/Ave Maria, 1993.
537
Cf. MAZZA, E. op. cit., p. 181
dessa mesma concepção. Os símbolos litúrgicos são mediações através das quais o
Mistério de Deus se revela, são realidades espirituais que m representadas de
modo figurado e, ao mesmo tempo, realizam o que simbolizam. “O symbolum é o
rosto vivel do mysterium de Deus, uma expressão sua”
538
. Os símbolos o
mediadores do Mistério de Deus, caminhos de iniciação ao Mistério.
Em Cirilo, as orientações catequéticas caminham em unidade com os ritos
lirgicos e sacramentais. Não caminham à margem do rito. Sua pedagogia tem
duplo caráter: antes dos ritos, é uma Inicião ao rito e, após o rito, é uma
Iniciação desde o rito litúrgico. Nas Catequeses Mistagógicas estamos diante
deste segundo momento, para os Padres um momento privilegiado, pois após a
experiência pessoal e comunitária na liturgia, se compreende muito melhor o que
se viu, viveu e ouviu, pois os ritos falam por sua própria força e luz.
2.3.6
O seguimento e a conversão existencial
Um aspecto fundamental a ser abordado é a exigência da conversão. A
Iniciação Cristã primitiva tem esse aspecto como condição para a acolhida na
comunidade e no processo de formação cristã. Cirilo tematiza a conversão em
vários momentos das Catequeses Mistagógicas. Fala de mudança radical, de
passagem do homem velho ao homem novo, nascido em Cristo, fala da presença
do mal como caminho antagônico àquele do qual o neófito participa pelos
sacramentos. Também os rituais litúrgicos possuem forte acento no exorcismo, no
fortalecimento contra o mal, contra satanás, suas obras e cultos
539
.
Os exorcismos têm particular importância, enquanto momento de
fortalecimento da pessoa e de abertura para a ‘escuta’ da Palavra de Deus na
própria vida. Assim, a responsabilidade e o compromisso do iniciante são
fundamentais, mas sempre como resposta e cooperação à iniciativa de Deus. Os
ritos de exorcismos são compreendidos como ações litúrgicas e, enquanto tais,
celebram a ação de Deus e o processo de conversão e crescimento na fé dos
catecúmenos. O liturgista J. Ariovaldo Silva nos ajuda a compreender o sentido
dos exorcismos para a Patrística.
538
Cf. VILANOVA, E. op.cit., p.117.
539
Cf. YARNOLD, E. The awe inspiring rites of initiation. op. cit., p. 20.
Confia-se no poder libertador de Deus, pedindo-lhe a intervenção para que, na
caminhada preparatória para o sacramento da regeneração, expulse do
catecúmeno todos os males, vícios, apego aos ídolos, defeitos de caráter,
personificados pela figura de Satanás como raiz desses males. E que o espaço
dela seja ocupado pelo Espírito de Cristo, o Espírito Santo. No fundo, é a
proclamação da soberania de Deus sobre todo Mal existente, acolhida pouco a
pouco pelo catecúmeno, à medida que vai conhecendo Jesus Cristo
540
.
A força e o amor libertador de Deus potencializam a superação de todo o
mal e fortalecem o neófito neste combate.
O conceito de pecado possui dimensão pessoal, mas com um forte acento
no aspecto exterior, daquilo que influencia, desvia e corrompe o caminho cristão.
Cirilo chama a atenção para essa dupla dimensão: a tentação presente na realidade
e a responsabilidade proveniente do compromisso pessoal. O mal vem de fora, de
uma força maligna, capaz de se misturar na existência, na cultura, e desviar do
caminho de Cristo. É força presente, para a qual se deve buscar fortalecimento,
alimento espiritual, perseverança no caminho
541
.
O tema da presença do mal no mundo é bastante complexo para tratarmos
nos limites deste trabalho, no entanto, apenas para fins de diálogo com esta
compreensão presente em Cirilo, procuramos delinear a teologia que embasa sua
catequese. A ideia do mal personificado na figura de satanás, como raiz de todos
os males, revela uma consciência de que o mal é externo ao homem, está no
mundo, e atua de fora para dentro, descentralizando a pessoa humana, tirando-a de
seu caminho. Para combatê-lo é preciso a atitude de vigilância e a vivência
sacramental-comunitária, que agem como fortalecimento e potencializam a
superação das tentações e a perseverança no caminho cristão.
A personificação do mal está presente na Sagrada Escritura e na Tradão
da Igreja. A inflncia de uma força externa, personificada, auxilia a que não se
detenha em uma concepção superficial e individualista do pecado. O senso de
540
SILVA, J. A. A Iniciação Cristã em sua evolução histórica. Alguns apontamentos para estudo.
In: COMISSÃO REGIONAL DA DIMENSÃO LITÚRGICA DO NORDESTE 3. Liturgia e
Inculturação. Paulo Afonso (BA): Fonte Viva, 2006, p. 87.
541
O tema da ambiguidade humana, presente na teologia e filosofia de nossos tempos, não vem
tratado por Cirilo, mas na teologia paulina nos deparamos com seus fundamentos. Não faço o
bem que eu quero, mas pratico o mal que não quero. (Rm 7,19). Esta é uma questão, que nos
confronta com a angústia existencial do mal enraizado na sociedade, na cultura, no coração
humano, mas que não poderemos tratar nos limites deste trabalho. Para aprofundar o tema
sugerimos GESCHÉ, A. O Mal. Col. Deus para Pensar. São Paulo: Paulinas, 2003; QUEIRUGA,
A. T. Repensar o mal na nova situação secular. In: Perspectiva Teológica. Ano XXXIII. 91, Belo
Horizonte: CES, 1991, pp. 309-330.
responsabilidade não tem cunho estritamente individual, pois o mal aparece na sua
existência histórica, na qual o homem se insere
542
.
Mesmo que não enfatizemos no catecumenato atual a concepção da
personificação do mal
543
, aqui há uma função simbólica significativa
544
.
Observemos que o rito do exorcismo está integrado com a uão, o que
comunica a prioridade à Revelação, à ação amorosa de Deus. A acolhida da nova
vida em Deus implica a renúncia a tudo que não é coerente com ela, que não é de
Cristo
545
. É um compromisso na liberdade pessoal e na orientação existencial na
unidade de irmãos e irmãs na mesma fé, na mesma luta e caminho. Podemos,
assim, compreender os ritos de exorcismos e renúncia a satanás, como um ato
positivo, afirmativo da vida nova, definidor de uma nova etapa, assumida pelo
Batismo na comunidade eclesial. Deus é celebrado como presença atuante
operando na fé e por meio da fé pessoal e comunitária
546
.
Cirilo exemplifica as atitudes diversas que se pode ter diante da tentação
com as narrativas de Judas e de Pedro, na Quinta Catequese Mistagógica. Sua
ênfase se volta para a ação positiva, afirmativa da graça de Deus atuante, que não
abandona a pessoa humana às forças do mal, mas, ao contrário, a fortalece no
combatimento
547
.
“Pecado e salvação são duas faces do mesmo mistério, no relacionamento
entre o homem com Deus”
548
. Deixar para trás a vida anterior, modificar bitos,
costumes culturais, renunciar a tudo que afasta do projeto de Deus é apresentado
sistematicamente para aquele que está aderindo à cristã. Para nascer de novo,
pelo Batismo, é necessário renunciar à vida do homem velho
549
.
542
Cf. LAURENTIN, A. e DUJARIER, M. Il Catecumenato. Fonti Neotestamentarie e Patristiche
la Riforma del Vaticano II. Roma : Dehoniana,1995, pp. 358-359.
543
LAURENTIN, A. e DUJARIER, M. Comentam que os termos relacionados com a
personificação do mal, como demônio’, ‘satanás’, já estão muito contaminados por magias e
superstições. Também a expressão espírito do mal’, o é a mais adequada, pois apela para uma
oposição entre bem e mal. A imagem de uma figura maligna’ ou de um ‘anjo’ se acercando da
pessoa não dialoga com a subjetividade atual. Daí é fundamental uma mudança de linguagem que
recupere a reflexão sobre o mal e um aprofundamento dos conceitos que estão subjacentes às
‘imagens’ de representação utilizadas na evangelização. Ibid., pp. 411-412.
544
Ibid., p. 359.
545
Ibid., p. 377.
546
LAURENTIN, A. e DUJARIER, M. op. cit., p. 296.
547
Não ousamos nomear as intermináveis referências sobre o tema, mas interessante ver o
comentário sobre o mesmo exemplo de Cirilo, em QUEIRUGA, A.T. Recuperar a Criação. Por
uma religião humanizadora.o Paulo: Paulus, 1999, p. 260.
548
MAESTRI, G. e SAXER, V. op. cit., p. 79.
549
Cf. DRIJVERS, J. W. op. cit., p. 90
A decisão de aderir ao caminho cristão envolve todo o projeto existencial
da pessoa. No entanto, na liberdade da resposta humana, Cirilo afirma que é Deus
quem nos salva, é Ele quem nos a salvação. A resposta humana é processual e
deve se converter em testemunho por palavras e obras, por atitudes éticas e co-
responsabilidade com a Tradição recebida e com a comunidade da qual participa,
a Igreja de Jesus Cristo
550
.
Entretanto, ouves, com a mão estendida, e dizes como a um presente: ‘Eu
renuncio a ti, satanás’.(...) Renuncio a ti, satanás, artífice e cúmplice de todo
mal. (CM I,4)
Renuncias, portanto, às obras de satanás, isto é, a todas as ações e pensamentos
contrários à promessa. (CM I,5)
Cuida, pois, de ti mesmo e não te voltes novamente para trás, depois de teres
posto a mão no arado, para a prática amarga desta vida. (CM I,8)
O óleo exorcizado era mbolo, pois, da participação da riqueza de Cristo.(...)
Este óleo exorcizado recebe, pela invocação de Deus e pela prece, uma tal força
que, queimando, não apaga os vestígios dos pecados, mas ainda põe em fuga
as forças invisíveis do maligno.(CM II,3)
A ação litúrgica realiza a integração entre o rito e a vida do cristão. o
consiste em um dualismo que apenas proe, mas é ação performativa, que
orienta para a vida nova, a oferenda da ppria existência à vontade de Deus.
Possui, portanto, uma implicação direta na vida prática, cotidiana, transformando-
a noverdadeiro culto que agrada a Deus”
551
.
2.3.7.
O Símbolo da Fé - O Credo
O Símbolo da fé, o Credo, já foi trabalhado nas Catequeses Pré-Batismais,
por ocasião da preparação para os sacramentos, aqui ele recebe um cunho de
testemunho pessoal diante da comunidade eclesial e de fortalecimento perante o
mal e as tentações de satanás. Nesta etapa estamos diante de um momento muito
importante para a o processo catecumenal, a fase chamada de redditio Symboli, ou
seja, a profissão pública do símbolo da fé pelos neófitos
552
.
550
Cf. MC CAULEY, L. e STEPHENSON, A. op. cit. p. 10.
551
Cf. Sl 49,14-23; 50,18-19; Os 6,6; 8,11-12; Am 6,21-25; Dn 3,37-41
552
Há relatos de que cada candidato, depois das instruções e antes do Batismo, deveria ir ao bispo
e recitar o credo (redditio symboli). Não podemos ter certeza da recitação do Credo em todos os
lugares, neste peodo no qual Cirilo prega suas Catequeses. Cirilo enfatiza que os candidatos
devem tê-lo de memória e recitar entre eles. Cf. DRIJVERS, J.W. p. 92; ELORRIAGA, C., op.
cit., p. 30.
Na Iniciação Cristã, o processo de entregar o Símbolo da era conhecido
como traditio Symboli, e sua profissão diante da comunidade, como redditio
Symboli. A primeira etapa significa a recepção da Tradição apostólica; é a
comunidade cristã confiando ao catecúmeno sua identidade e convidando a
assumi-la em unidade com a Igreja
553
. A segunda etapa significa o compromisso
assumido; o neófito, batizado, retorna a Profissão de Fé à comunidade
professando-a oral e publicamente
554
.
Desde as primeiras comunidades cristãs, a própria nomeação do Credo
como ‘símbolo apostólico
555
já traz em si o significado sacramental que identifica
seu lugar e importância
556
. No termo símbolo se reúne a experiência
antropológica de que a realidade é multidimensional, de que as coisas visíveis à
primeira vista apontam coisas profundas invisíveis e, para a cristã, a relação
intrínseca entre a pessoal e a comunitária enquanto resposta a uma iniciativa
de Deus
557
.
Seguindo a trajeria da Igreja primitiva, os Padres do século III e IV
vinculam o Símbolo da diretamente ao sacramento do Batismo. Também em
Cirilo encontramos esta relação entre a estrutura trinitária do Batismo e o
Credo
558
. Ela nos aponta para a definição de uma identidade própria, confirmada
na adesão à cristã explicitada no rito sacramental, assumida em comunidade e
553
O Credo é proclamação da da Igreja, como membro da comunidade eclesial compromete-se
na unidade e coloca-se em comunhão com a comunidade. É uma proclamação eclesial. Cf.
COFFY, R. op. cit., p. 14; Cf. MAESTRI, G. e SAXER, V. op. cit., pp. 53-54.
554
Cf. SILVA, J.A. A Iniciação Cristã em sua evolução histórica. Alguns apontamentos para
estudo. op. cit.
555
Apesar de sua origem grega - symbolon -, o termo aparece pela primeira vez aplicado aos
credos do Ocidente latino. A expressão mbolo dos apóstolos’ - symbolym apostolorum surge
em uma carta enviada pelo sínodo de Milão de 390 ao papa Sirício, para designar o Surio da
próprio da tradição romana, legitimado pela autoridade dos apóstolos, testemunhas da vida, morte
e ressurreição de Jesus Cristo. Tudo indica que o processo de elaboração e configuração do núcleo
do mbolo foi complexo e diversificado. Nos textos encontrados, textos confessantes, fica
plasmada a fé apostólica, cuja peculiaridade mais específica está relacionada com o acontecimento
Cristo. Cf. CURA ELENA, S. mbolos da Fé. In: PIKAZA, X. e SILANES, N. (dir.) Dicionário
Teológico: O Deus Cristão.o Paulo: Paulus, 1988, pp. 827-836.
556
Segundo E. Vilanova, o Símbolo dos Apóstolos é propriamente um mbolo litúrgico, enquanto
o Niceno-constantinopolitano é teológico no sentido técnico da palavra. A fórmula antiga se
mostra pafica; a outra é abertamente polêmica: é ortodoxia que se define a si mesma. Cf.
VILANOVA, E. op. cit., p. 119.
557
Para a fé cristã, no conceito de símbolo se relacionam objetivamente ‘sinal’ e ‘causa’. “A graça
de Deus se coloca eficazmente presente ao criar sua expressão, sua concretude histórica dentro do
espaço e do tempo, ou seja, seu símbolo”. Cf. NOCKE, F. Doutrina geral dos sacramentos. In:
SCHNEIDER, T. (org.). Manual de Dogmática. vol 2. Petrópolis: Vozes, 2000, pp. 190-192.
558
A exigência de fidelidade aos ensinamentos apostólicos se traduz na Igreja primitiva na
formulação dos credos ou símbolos batismais, que aparecem tanto em forma de questões seguidas
de respostas como em formas de mbolo recitado pelo neófito. Cf. VILANOVA, E. op. cit.,
p.116.
testemunhada na vida. Cirilo sublinha essa dimensão nas suas Catequeses ao se
referir à unção batismal e à imersão.
Depois disto fostes conduzidos pela mão à santa piscina do divino Batismo,
como Cristo da cruz ao sepulcro que está à vossa frente. E cada qual foi
perguntado se cria no nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo. E fizeste a
profissão salutar, e fostes imersos três vezes na água e em seguida emergistes,
significando também com isto, simbolicamente, o sepultamento de três dias de
Cristo. (CM II,4)
No Batismo, momento decisivo na vida cristã, a Profissão de evidencia
a identidade crente e a confirma publicamente, na unidade com a Igreja. É a
cristã assumida pessoalmente, concretizada nas atitudes de uma nova vida e
compartilhada na comunhão eclesial com todo o Povo de Deus. O ato de
possui, assim, uma dupla dimensão: a dimensão de identidade e compromisso
pessoal e a dimensão de renovação e fortalecimento da comunidade de fé.
2.3.8
O embasamento na Tradição
Outra importante categoria presente na mistagogia de Cirilo consiste no
estabelecimento do vínculo estreito com a Tradição, no caso, com a Tradição
apostólica e a doutrina do Magistério, ainda em elaboração teológica, mas já
afirmada nos Concílio de Nicéia e Constantinopla
559
.
Cirilo pode ser acusado de não ter participado dos debates teológicos do
seu tempo, ou mesmo de ser indiferente a estes
560
. Contudo, não se pode negar sua
preocupação pastoral-catequética, o diálogo com seu tempo e as culturas, e a
fidelidade à Tradição que já conhecia e trilhava
561
.
As Catequeses Mistagógicas se desenvolvem também nesta trilha e
fidelidade, e convocando os neófitos a caminharem na unidade com a Tradição da
qual fazem parte
562
.
559
Cf. MC CAULEY, L. e STEPHENSON, A. op. cit., p. 34.
560
Cf. CAYRÉ, F. op. cit., p. 377.
561
Cf. TELFER, W. op. cit., p. 61; Cf. BIELSA, J.S. op. cit., p. 7.
562
Cf. RIVAS, P.L.H. op. cit., p. 12.
(...) Rogo-vos, para que eu, ainda que indigno, possa dizer-vos: ‘Amo-vos porque
sempre vos lembrais de mim e conservais as tradições que vos transmiti. (CM
II,8)
Conservai inviolavelmente essas tradições e vós mesmos guardai-vos sem ofensa.
(CM V,23)
Cirilo não nomeia Concílios em suas homilias e nem mesmo usa
categorias teológicas. Enfim, não entra no campo da especulação racional sobre o
Mistério de Deus. Mantendo sua prioridade catequética, a linguagem flui de
acordo com o grupo de neófitos, orientando-os segundo a experiência pascal que
acabaram de vivenciar sacramentalmente, e que os convida ao seguimento e
mudança de vida.
Também não apresenta uma teologia dogmática como uma imposição
doutrinal, mas como um caminho já percorrido anteriormente e, do qual, se
tornam caminhantes a partir de agora. Convida à escuta, ao discernimento, ao
diálogo com a realidade em que vivem, enraíza cada passo no testemunho bíblico.
Cirilo trabalha a tradição viva da cristã e a dinâmica da Revelação presente na
história. Convida à acolhida e integração progressiva no Mistério de Deus. É o
encontro com o evento pascal, em Jesus Cristo, a memória que firma os passos
apostólicos, o caminho da Igreja e, de cada neófito. A Tradição é transmitida
como verdade vivida, como prática, como agir cristão inserido no mundo.
Portanto, não podemos elencar todas as narrativas bíblicas que, apenas
lidas com atenção, nos conduzem com firmeza pelo caminho catequético de
Cirilo
563
. No entanto, observemos que Cirilo não descuida desse aspecto, o fala
a partir de si mesmo, mas sempre a partir do caminho percorrido e legitimado
pela Igreja
564
. Dessa forma, transmite a cristã em suas bases, o que decorre em
uma apreensão firme, sólida, unida à espiritualidade e dialogante.
Como vimos anteriormente, um dos pilares de suas Catequeses está no
Símbolo da fé, o Credo. Este é transmitido de forma tão pedagógica, que convida
cada nfito a avaliar o que está por declarar, a construir os conceitos-chave
presentes na Profissão de Fé, a fim de pronunciá-la com plena compreensão
racional, espiritual, moral, integrando-se à que recebe da Igreja. Não se torna
um pronunciamento mimético, apenas repetidor dos conteúdos, mas uma
profissão desde dentro da experiência e do compromisso do neófito. Mais. A
563
Ibid., p. 5.
564
Cf. HAMMAN, A. op. cit., p. 209.
Profissão de Fé vem desde dentro da experiência transmitida, vivenciada e
assumida comunitariamente. Os conteúdos essenciais da tornam-se referenciais
para a trajetória cristã, não dada como pronta ou definitiva, mas como horizonte
escatológico.
Dessa forma, podemos dizer que a ‘herança’ que Cirilo transmite,
comporta também uma interpelação, tanto pessoal quanto comunitária, de
apropriar-se pessoalmente do que é transmitido. O processo acaba por conduzir a
uma relação fecunda entre pessoa e tradição, comportando consciência,
interpretação e valorização da tradição
565
.
2.3.9
A perspectiva missionária
Outra dimensão da mistagogia de Cirilo de Jerusalém é a exortação à
missão como consequência do seguimento de Jesus. Apesar de ser um tema
diretamente vinculado a aspectos considerados anteriormente - como a
participação, o símbolo da , a configuração em Jesus Cristo, a conversão
existencial -, a missão é o compromisso proveniente da experiência sacramental
de todo cristão. Ela é a resposta concreta do discípulo de Cristo, que assume o
mandato missionário, ou seja, testemunho de sua e transmite a Boa Nova
que lhe foi anunciada.
E para que mais te assegures, ouve o que diz sobre esse unguento em sentido
místico: ‘Transmite tudo isso às nações, pois o desígnio do Senhor se estende
sobre todos os povos. (CM III,7)
O aspecto do testemunho é decorrente da configuração em Jesus Cristo e
da conversão da própria vida, porém, mais do que ser testemunha, Cirilo convida
os neófitos a serem transmissores do Mistério que experimentam e do qual
participam.
A dimensão missionária é coerente com a eclesiologia presente em Cirilo.
Compreende a Igreja em diálogo com o mundo em que vive. Neste enfoque
percebe a comunidade local não como uma comunidade isolada, mas como
comunidade sacramental e co-responsável na missão de evangelizar a todos,
565
Cf. VELASCO, J. M. La transmisión de la fe en la sociedad contemporánea. Santander: Sal
Terrae, 2002, p. 29.
inclusive e, principalmente, àqueles que não conhecem o caminho do seguimento
de Jesus..
Cirilo transmite o conceito de Povo de Deus como destinatário e também
sujeito da missão, um povo comunhão-comunidade. A missão da Igreja está
confiada a todos e a cada um. Estamos também aqui diante da pedagogia do
caminho, da mistagogia de suas Catequeses. O caminho do seguimento de Jesus é
pessoal e comunitário, profético, missionário, num processo de pertença madura e
consciente ao Povo de Deus. Cirilo convida cada nfito a assumir o chamado
missionário de Jesus
566
.
A dimensão missionária é decorrente do caminho mistagógico.
Poderíamos dizer ainda, é a ação mistagógica, daqueles que, até aqui, eram apenas
neófitos. A experiência sacramental é de encontro profundo, existencial, que vai
buscar uma realização concreta, resposta de à graça atuante. A transformação
ontológico-sobrenatural operada pelos sacramentos pascais torna-se testemunhal e
missionária, que não apenas acolhe o convite de Jesus a segui-Lo, mas faz com
que a pessoa se torne discípula e apóstola no mundo. Conduz os fiéis à maturidade
da vida cristã, cooperando na expansão e no crescimento do Corpo de Cristo até
conseguir a sua plenitude
567
.
2.3.10
A dimensão contemplativa
A mistagogia integra as dimensões contemplativa, litúrgica, pessoal e
comunitária
568
. Vejamos como Cirilo trabalha a dimensão contemplativa em suas
Catequeses.
Cirilo cultiva a atitude contemplativa ao longo de suas homilias, pois não
faz defesas de tipo apologético, mas seu objetivo é outro, é conduzir o neófito
pelo caminho do Mistério pascal
569
. Com essa referência, Cirilo provoca uma
atitude contemplativa diante da História da Salvação que vai delineando, diante da
566
Ibid., p. 185.
567
Cf. Ef 4, 13.
568
Cf. ROCCHETTA, C. Como evangelizar hoy a los cristianos. El Rito de Iniciación Cristiana
de Adultos como propuesta tipo para un nueva evangelización. Bilbao: EGA, 1994, p. 82.
569
Os Padres da Igreja desenvolvem uma catequese direcionada a grupos de origem cultura e
religiosa diversas, mas não costumam fazer apologia, mas buscam uma atitude de contemplação da
doutrina, articulando a dimensão orante, de beleza e encantamento, com o aspecto ético e prático.
experiência litúrgico-sacramental, diante da própria doutrina que embasa seus
ensinamentos. Tudo apresentando com um enfoque orante, reverente,
contemplativo das belezas que ali se revelam passo a passo, da grandeza do amor
de Deus que se entrega no Mistério.
A cada passo, Cirilo convida a um olhar penetrante, de mergulhar no
profundo do Mistério. Os ensinamentos sobre os objetos, os gestos, as palavras, os
ritos, são realidades espirituais e, como tais, referem-se à ação de Deus no mundo,
em Cristo, na comunidade reunida em seu nome. Com objetividade, mas sem
assumir um caráter expositivo, Cirilo alinhava a liturgia numa atitude
contemplativa. Os conteúdos e seus significados nascem do próprio Mistério
experimentado na liturgia.
Nesse aspecto, a mistagogia de Cirilo convida o neófito a uma
compreensão de caráter meditativo, que se abre a um dlogo entre a pessoa e
Deus, como princípio que se revela. Ousamos dizer que nesse encontro entre Deus
e a pessoa humana, Cirilo convida a uma relação extática, em que a própria
liberdade humana e sua autoconsciência transcendem no dlogo com o Divino
que se revela
570
.
Em síntese, reunindo todas essas características, encontramos mais do que
uma metodologia, mas uma teologia do Mistério, que se transforma no grande
eixo referencial de Cirilo e o conduz a selecionar conteúdos, palavras, relações,
textos bíblicos, aconselhamentos.
De certa forma, os Padres são posteriores a eles mesmos, pois a teologia
mistagógica é outra forma de ver os sacramentos. Abre espaço para a teologia do
mistério que se apresenta de um modo melhor para descrever o realismo
sacramental como presença do evento salvífico no rito litúrgico
571
.
Não sabemos se o autor tinha consciência deste enraizamento nas suas
orientações catequéticas. Ou seja, não podemos afirmar que Cirilo tem uma
teologia mistagógica sistematizada. No entanto, verificamos que possui este eixo
referencial em seu trabalho teológico-pastoral. Em vistas de desenvolver as
orientações catequéticas, promover a Iniciação Cristã de forma integral e fiel à
570
Sobre esse tema ver Tillich, citado por HAIGHT, R. Dinâmica da Teologia. São Paulo:
Paulinas, 2004, p. 173.
571
MAZZA, E. op. cit., p. 8.
Sagrada Escritura e à caminhada eclesial, Cirilo reúne dimensões que se
configuram em uma mistagogia viva.
Cirilo faz catequese sobre o Mistério, tem como base a Revelação de Deus,
Mistério que se entrega, mas que não é apreendido totalmente; Mistério que
convida a um caminho de espiritualidade e vida; Mistério que configura cada filho
e filha em Jesus Cristo. Em unidade com os Padres da Igreja de seu tempo,
concebe a liturgia como fonte da experiência mistagógica, como lugar
privilegiado de encontro, diálogo e configuração crística. Os sacramentos ganham
seu sentido na liturgia. o significado sacramental fora da liturgia, fora da
comunidade de que experimenta o Mistério pascal na liturgia.
(...) Mas como bem sei que a vista é mais fiel do que o ouvido, esperei a ocasião
presente, para encontrar-vos, depois desta grande noite, mais preparados para
compreender o que se vos fala e levar-vos pelas os ao prado luminoso e
fragrante deste paraíso. (CM I,1)
A Iniciação ao Mistério não tem, dessa forma, seu lugar privilegiado nas
catequeses, nos ensinamentos, mas na própria celebração litúrgica. Os
ensinamentos tornam-se um ouvir, acolher, interpretar, reviver para compreender.
É um movimento secundário, a fim de melhor mergulhar no Mistério que se
vivencia. A experiência do Mistério, ou seja, a experiência mistagógica, é mais
eficaz do que todos os argumentos e ensinamentos doutrinais
572
.
Conclusão
A mistagogia é concebida neste capítulo como o princípio que funda e
dinamiza a Iniciação Cristã de Adultos, desde o catecumenato antigo. Nos Padres
da Igreja, a mistagogia se apresenta como fundamento, como caminho de
iniciação cristã, como via de integração da pessoa ao Mistério de Deus. O próprio
termo nos indica essa dupla vertente, pois é composto por dois elementos o
mistério e a pedagogia. Se trata, portanto, de uma Iniciação ao Mistério de Deus,
no que diz respeito à fé cristã.
572
Encontramos essa mesma concepção mistagógica em Ambrosio e João Crisóstomo. Ambrosio
fala da força dos ritos por seu próprio simbolismo e sua linguagem luminosa, e João Crisóstomo,
argumenta que apenas os iniciados podem penetrar o mistério de Deus. Cf. BOROBIO, D. Función
litúrgico-sacramental del ministerio del catequista. Evangelización, Catequesis y Liturgia. In:
Phase 38, op. cit., p. 43.
Compreendendo o Mistério de Deus como presente em toda pessoa
humana, pela graça que nos insere nele mesmo, os Padres da Igreja desenvolvem
um processo de Iniciação Cristã que viabilize a experiência de abertura e
percepção consciente da presença do mistério em si mesmo e na história.
No centro da experiência mistagógica está Jesus Cristo. Ele é o caminho,
porque ninguém vai ao Pai se não por meio dele, dado que ele é vindo do Pai e ao
Pai retorna
573
, “dando-se como exemplo de porque o seguimos, dando-se o
mesmo Espírito pelo qual caminhamos na sua estrada, escutamos sua voz, nos
aproximamos com um coração capaz de conhecer os dons que nos tem dado”
574
.
A patrística tem na liturgia o lugar privilegiado e central da experiência de
participação no Mistério pascal. A liturgia é teologia em ato, presença dinâmica e
operativa do Verbo de Deus oferecido em diálogo de comunhão aos homens. A
liturgia é teologia primeira, fundamento de toda teologia segunda ou reflexão
sistemática dos mistérios da fé. Por isso mesmo, a teologia dos Padres nos chega,
na maior parte, expressada em um contexto lirgico.
Cirilo de Jerusalém, em unidade com seus contemporâneos, desenvolve
um caminho de Iniciação Cristã de Adultos que tem por eixo teológico e pastoral-
pedagógico, a mistagogia. Ao longo de suas 24 Catequeses, 19 Pré-Batismais e 5
Mistagógicas, Cirilo integra elementos que pressupõem uma teologia subjacente,
um solo fecundo que nutre suas pregações e orientações catequéticas e o conduz à
seleção das mediações que viabilizam uma experiência mistagógica para seus
catecúmenos e neófitos.
Percorrendo suas cinco Catequeses Mistagógicas pudemos fazer,
juntamente com os neófitos que ouviam as pregações de Cirilo em Jerusalém, um
caminho de escuta atenta e de abertura processual de nosso coração e
entendimento para o Mistério que se revela a cada um de nós.
O primado da Iniciação é a própria iniciativa divina, da qual se coloca
como mediador, em unidade com a Igreja, sacramento de Jesus no mundo. Cirilo
abre a porta a todos, pedindo apenas a disponibilidade da escuta interior que
provoca a conversão existencial. A peculiaridade de sua linguagem não é um
instrumento de comunicação, mas uma mediação mistagógica, de transmissão da
verdade revelada na Palavra de Deus, na História da Salvação. Sem perder de
573
Jo 14,6ss.
574
SCHREIBER, B. op. cit., p. 363.
vista as ações litúrgicas, fonte da experiência de participação no Mistério, Cirilo
conduz os neófitos por caminhos trilhados, a fim de aprofundarem e tomarem
consciência da beleza e grandeza do caminho do seguimento de Jesus.
São categorias mistagógicas que se tornam fonte de sabedoria para todos
os tempos: a centralidade da Liturgia, o ponto de referência na Sagrada Escritura,
a comunhão com o Povo de Deus a caminho, a contemplação da presença de Deus
no mundo, a consideração atenta das questões contemporâneas, o fortalecimento
dos catecúmenos e neófitos para as lutas de seu cotidiano.
Em Cirilo, a mistagogia é um caminho no qual ele se insere e também se
vê interpelado a aprofundar. Por isso mesmo é capaz não apenas de orientar, mas
oferece o testemunho pessoal da graça fecunda de Deus, garantindo uma profunda
harmonia entre seus ensinamentos e o caminho mistagógico que orienta aos
neófitos.
Nas Catequeses Mistagógicas, Cirilo revela sua compreensão de
mistagogia como momento interior ao mistério, do qual ele procura explicitar e
convidar cada neófito a acolher o dom de Deus que recebeu. A cada passo, Cirilo
vai convidando o neófito a experimentar a profunda comunicação de Deus na vida
de cada pessoa, estabelecendo entre o neófito e Deus uma relação de proximidade
e intimidade que se tornará, processualmente, seu referencial.
A mistagogia é uma dinâmica, que convida e impele a vida de cada pessoa
que aceita o convite de Deus para essa experiência fundamental, a assumir sua
vocação primeira, sua vocação cristã. Por isso mesmo, o consiste senão em
viver plenamente o Mistério Pascal na própria existência cotidiana; morrer e
ressuscitar diariamente com Cristo para oferecer assim ao Pai o sacrifício
agradável aos seus olhos. É nesse dinamismo que a mistagogia, enquanto
princípio e caminho, se torna sabedoria fontal da Igreja e em cada um dos fiéis.
3
UMA EXPERIÊNCIA DE INICIAÇÃO CRISTÃ DE ADULTOS
NA COMUNIDADE LOCAL
O Senhor é o Espírito,
e onde está o Espírito do Senhor,ali está a liberdade.
E todos nós que, com o rosto descoberto,
refletimos como espelhos a glória do Senhor,
nós nos transformamos nesta mesma imagem,
cada vez mais resplandecente,
conforme a ação do Senhor, que é Espírito.
Paulo
2Cor 3,17-18
Vimos anteriormente, o quanto o tema da evangelização tem sido
abordado nos mais diversos runs de reflexão e de formação na Igreja. O
Concílio Vaticano II imprimiu um movimento de renovação eclesial e
permanecem latentes suas interpelações em favor da integração entre fé-vida-
sociedade. A urgência de uma “nova evangelização” tem sido vivida como
inquietação, mas também como processo dialógico e de amadurecimento em
muitas comunidades eclesiais. É nesse campo de reflexão e debates que se insere
o tema da Iniciação Cristã de Adultos, o qual, numa revisão teológica do processo,
trata da identidade cristã no mundo contemporâneo.
O tema da Iniciação Cristã não é um tema restrito ao campo da pastoral, da
liturgia, ou da catequética. Deve ser pensado como eixo em torno do qual se
articulam aspectos fundamentais: a relação entre Deus e a pessoa, entre pessoa e
comunidade, entre fé e vida, entre história pessoal e história da humanidade
575
.
A Iniciação Cristã se dá em comunidade. O amadurecimento pessoal e o
amadurecimento comunitário caminham em construção dialógica e o como
dimenes isoladas
576
.
Pensar a comunidade eclesial como uma situação estável,
hierarquicamente superior e separada do processo de Iniciação Cristã significaria
desconhecer a ppria natureza da economia sacramental da salvação
577
.
575
Cf. ARAÚJO, J. M. op. cit., p. 78.
576
Cf. ALBERICH, E. Catechesi adulta en una Chiesa adulta. In: Orientamenti Pedagogici.
Rivista internazionale di scienze dell'educazione. Gardolo: Erickson, 1991, n. 38, p. 1373.
577
A economia sacramental diz respeito ao tempo da Igreja que, pelo dom do Espírito Santo,
Cristo manifesta, torna presente e comunica sua obra de salvação pela liturgia. Cf. Catecismo da
Igreja Católica. São Paulo: Paulus; Paulinas; Loyola; Ave Maria e Petrópolis: Vozes, 1993, n.
1076; Cf. ROCCHETTA, C. Como evangelizar hoy a los cristianos. El Rito de Iniciación
Vejamos algumas questões que nos auxiliam nesta reflexão: Qual o
modelo de comunidade que se deseja promover e estimular? Quais os aspectos
eclesiológicos que devem orientar a ICA? Podemos pensar em um horizonte
eclesial não apenas no sentido da atuação pastoral, mas enquanto comunidades
que promovam a renovação e transformação da Igreja e de sua missão
evangelizadora? É possível construir caminhos comunitários eclesiais que
dialoguem com suas realidades e, ao mesmo tempo, mantenham os critérios e
exigências da comunhão eclesial? O caminho da Iniciação Cristã orientado pela
mistagogia de Cirilo de Jerusalém seria um caminho fecundo e possível para os
tempos atuais? Como promover esse resgate fontal e dialogar com as questões
presentes na evangelização atual?
Na direção de um discernimento teológico quanto a estas questões
relevantes para a ICA, estabeleceremos neste capítulo uma aproximação com a
prática pastoral. As etapas anteriores - a originalidade da Iniciação Cristã e
desafios deste processo no mundo contemporâneo, as orientações do Magistério e
a experiência mistagógica em Cirilo de Jerusalém -, são os pontos balizadores que
orientarão nosso olhar epistemológico. Sem deixar de lado as fontes provenientes
do Magistério e as reflexões teológicas atuais, nossa matriz teológica para o
estabelecimento deste diálogo será a mistagogia em Cirilo de Jerusalém.
Nesse caminho de investigação e atenção aos sinais dos tempos
578
localizamos uma experiência de ICA, em uma comunidade eclesial local, na qual
identificamos um caminho mistagógico
579
. A partir de um dlogo teórico-pastoral
com a experiência local, verificaremos a possibilidade concreta de um resgate
desta experiência catecumenal das origens da Igreja, como referencial para a ICA
nas comunidades atuais.
A mudança eclesiológica do Concílio Vaticano II é decisiva no que diz
respeito à concepção central da comunidade como Povo de Deus, profético,
ministerial e missionário. Supera-se a ideia de Povo de Deus como simples
destinatário da missão e avança-se para a dimensão de Povo de Deus como
Cristiana de Adultos como propuesta tipo para una nueva evangelización. Bilbao: EGA, 1994, p.
78.
578
Cf. EN 75.
579
Apesar de ser uma afirmação ousada, nos percebemos conduzidos pelo Espírito para conhecer e
observar a experiência desta comunidade em particular. Nela encontramos uma Igreja aberta ao
Espírito, vivendo uma dinâmica mistagógica que nos fez descobrir e valorizar a possibilidade de
experimentarmos uma mistagogia viva em plena sociedade contemporânea.
sujeito da missão: um povo comunhão-comunidade, no qual cada batizado tem um
carisma próprio e ao qual deve responder como vocação profunda. Na eclesiologia
de comunhão, o protagonismo é de cada fiel e da comunidade como um todo,
conduzindo à maturidade cristã que a todos envolve, interpela e envia. Esta
concepção constitui uma perspectiva eclesial na qual diakonia e missão caminham
juntas e, cada batizado em Cristo é vocacionado e co-responsável. Todos
mergulhados no mistério pascal e orientados para um mesmo fim
580
.
A comunidade eclesial é comunidade sacramental, imbuída da própria
dinâmica da Salvação, deixando-se permear e interpelar pela voz que ausculta e
convida à conversão existencial. É sacramento vivo. É Igreja, sacramento de Jesus
Cristo no mundo, como exorta o Concílio Vaticano II e resgata o Documento de
Santo Domingo.
Movido pela , conduzido pelo Espírito do Senhor que plenifica o universo, o
Povo de Deus procura discernir nos acontecimentos, nas exigências e aspirações
de nossos tempos, quais sejam os sinais verdadeiros da presença e dos planos de
Deus. A fé tudo ilumina com nova luz e manifesta o plano divino sobre a vocação
integral do homem
581
.
As Igrejas particulares m como missão prolongar para as diversas comunidades
“a presença e a ação evangelizadora de Cristo" que estão "formadas à imagem
da Igreja universal nas quais e, a partir das quais, existe uma e única Igreja
Católica
582
.
A comunidade eclesial local é locus theologicus, espaço vivo e fecundo da
dinâmica salvífica, sacramento para o mundo. Na medida em que a comunidade é
ouvinte da Palavra e espaço hermenêutico e práxico que responde à Palavra, ela
encarna a com contornos bem tidos, tornando-se comunidade viva. A
comunhão eclesial não é uma teoria teológica, mas vivência concreta no seio de
comunidades vivas.
É com este embasamento que a Inicião Cristã passa a ser sinalizada
como um estado de ser Igreja
583
e não como um estágio de passagem na formação
cristã. Com relação à ICA. E. Alberich apresenta o desafio de que a ICA seja
580
Cf. ROCCHETTA, C. op. cit., p. 28.
581
GS 11.
582
DSD 55.
583
A Igreja é a matriz da Iniciação Cristã e, ao mesmo tempo, é o campo de semeadura. A
Iniciação Cristã não é apenas uma etapa na formação cristã, mas é o estado constante de
seguimento de Jesus no qual todo o Povo de Deus caminha. Cf. FLORISTÁN SAMANES, C. La
Iniciación Cristiana, op. cit., p. 223.
assumida como tarefa fundamental da Igreja, “permitindo a todos uma autêntica e
estimulante experiência de Igreja, que possa ajudar a interiorizar e amadurecer o
sentido de pertença e de comunhão, e que tenha como sujeito a base eclesial”
584
.
Neste capítulo, constituiremos uma aproximação entre duas experiências
de ICA distantes historicamente a experiência mistagógica em Cirilo e o
caminho catecumenal na Casa de Oração Batismo do Senhor
585
. Duas
experiências eclesiais com características diversas, contudo, a primeira
experiência é fonte de sabedoria e inspiração para a Igreja de todos os tempos. É a
partir desta experiência que elencamos os elementos da mistagogia que se
tornaram nossa refencia, na observação e análise para o caminho catecumenal
com adultos nessa comunidade particular.
Enfim, neste encontro entre a Igreja dos primeiros tempos e a Igreja
contemporânea, temos presentes dois pressupostos básicos. Em primeiro lugar, o
princípio de que a Iniciação Cristã é dinamismo fecundo que dá sentido à Igreja e,
em segundo lugar, o lugar teológico da igreja particular na caminhada eclesial de
todo o Povo de Deus.
3.1
A comunidade da Casa de Oração Batismo do Senhor
Segundo K. Rahner, o Concílio Vaticano II anunciou uma nova
experiência de Igreja: a Igreja como acontecimento em uma comunidade local de
altar, de palavra e de amor
586
. Os textos conciliares não apenas firmaram as bases
para uma eclesiologia de comunhão, mas favoreceram o crescimento de
experiências locais e abriram as portas para novas experiências. Esta porção do
Povo de Deus, congregada pelo Espírito Santo mediante o Evangelho e a
Eucaristia, constitui a Igreja particular.
584
ALBERICH, E. op. cit., p. 1374.
585
Na seção a seguir apresentaremos a Comunidade da Casa de Oração Batismo do Senhor,
localizada no bairro de Vila o Luis, município de Duque de Caxias, cidade do Rio de Janeiro,
Brasil.
586
K. Rahner, poucos meses antes da conclusão do Concílio Vaticano II, resume sua opinião sobre
este grande acontecimento eclesial em um artigo publicado na revista Geist und Leben, com o
título Das neue Bild der Kirche – A nova imagem da Igreja. Citado por GARZÓN, J. J. op. cit., p.
88.
A Comunidade da Casa de Oração Batismo do Senhor se insere nesta
dinâmica, assim como diversas experiências que surgiram e amadureceram seus
projetos.
A ão do Espírito em todos os membros da Igreja faz dela uma comunhão no
Espírito Santo (2Cor 13,13), já que todos confessam Cristo como Senhor na força
do mesmo Espírito (1Cor 12,3), todos o ungidos pelo Santo (1Jo 2,20) que lhes
proporciona autêntico ‘sentido da fé’ (LG 12), todos são agraciados com carismas
diversos em vista da edificação comum’ (1Cor 14,26). Daí serem todos os
membros da Igreja chamados a testemunharem Jesus Cristo, a participarem
ativamente de sua ação missionária, a realizarem a vocação universal à santidade
(LG 40), a constituírem um ‘sacerdócio comum’ (LG 10)
587
.
Segundo os critérios de eclesialidade firmados pelo documento da CNBB,
Igreja particular, movimentos eclesiais e novas comunidades, e o reconhecimento
do episcopado local, a Comunidade da Casa de Oração Batismo do Senhor é uma
comunidade eclesial local, situada em uma Igreja particular, em unidade com a
Igreja universal
588
. Sob o dinamismo do Espírito, a comunidade experimenta o
discernimento nas orações, reflexões, diante da Palavra e da Eucaristia. É uma
comunidade que reconhece em seus membros o sacerdócio comum que procede
do Batismo, como sacramento que chama todos os fiéis a participarem ativamente
na comunhão e na missão da Igreja.
Pois o Espírito respeita a diversidade das pessoas e, ao gerar comunhão
(unidade), gera igualmente a catolicidade (universalidade que abarca a
diversidade) e não a uniformidade. Toda a comunidade é sujeito da construção
eclesial ao proclamar o Evangelho de Jesus Cristo movida por seu Espírito, ao
transmitir para outras gerações o que ela é, o que ela crê (DV 8)
589
.
Nosso olhar teológico identificou uma comunidade que busca responder às
orientações mais profundas do mandato missionário, presentes do Ritual RICA e
nas reflexões provenientes da implantação do Catecumenato com Adultos numa
linha mistagógica: o anúncio querigmático e a formação do discipulado de Jesus
Cristo.
587
COMISSÃO EPISCOPAL PASTORAL PARA A DOUTRINA DA FÉ. Igreja Particular,
Movimentos Eclesiais e Novas Comunidades. Subsídios doutrinais da CNBB, São Paulo: Paulinas,
2005, n. 44.
588
O documento apresenta cinco critérios de eclesialidade: o primado dado à vocação de cada
cristão à santidade; a responsabilidade em professar a fé católica; o testemunho de uma comunhão
sólida e convicta com o Magistério; a conformidade e participação na finalidade apostólica da
Igreja e o empenho de presença na sociedade humana. COMISSÃO EPISCOPAL PASTORAL
PARA A DOUTRINA DA FÉ, op. cit., n.13.
589
COMISSÃO EPISCOPAL PASTORAL PARA A DOUTRINA DA FÉ, op. cit., n.37.
Para nós, a maior refencia desta comunidade é sua atenção à dinâmica
que move o processo de Revelação e Fé, conduzida internamente pelo dom do
Espírito, e pelos caminhos do Mistério.
No entanto, não pretendemos aqui apresentar esta experiência comunitária
como perfeita, isenta de dificuldades, mas como uma comunidade eclesial em
processo de escuta e de discernimento, em processo de formação pastoral-
teológica, onde a integração entre catecumenato, leitura orante, liturgia e
seguimento de Jesus, tornam-se fonte mistagógica e hermenêutica que fecunda a
própria comunidade.
Uma experiência que pode se tornar paradigmática por sua orientação
mistagógica, que revela enraizamento teológico e pastoral-pedagógico. Enfim,
uma comunidade eclesial que trabalha a experiência religiosa cristã de forma
dinâmica e vivencial.
3.1.1
Histórico e perfil da comunidade
590
A Comunidade da Casa de Oração Batismo do Senhor nasceu a partir de
um pequeno grupo que se dedicava à formação de lideranças das comunidades da
Diocese de Duque de Caxias e São João de Meriti e, nesse trabalho experimentava
momentos de oração e reflexão da Palavra e celebrações eucarísticas. Esse grupo
se sentiu chamado a viver uma experiência comunitária, como resposta à sua
vocação batismal e de servo à Igreja e ao Reino. O grupo teve sua primeira
experiência de articulação na preparação do 7º. Encontro Intereclesial das
Comunidades Eclesiais de Base
591
, em Duque de Caxias, no Rio de Janeiro, em
1989
592
. Neste evento, alguns membros deste grupo foram responsáveis pelo bom
590
Este item foi construído a partir dos documentos e atas disponibilizados pela atual Associação
de Fiéis Batismo do Senhor e de entrevistas concedidas pelo orientador espiritual e pelo
coordenador adjunto.
591
As Comunidades Eclesiais de Base foram reconhecidas pelos bispos em Medellín como uma
nova experiência de Igreja, como “o primeiro e fundamental núcleo eclesial”, “comunidade de ,
esperança e caridade, e responsável pela fé e culto de seus membros”, “fator primordial de
promoção humana e desenvolvimento” e, “foco de evangelização”. Cf. Medellín, 1; GALILEA, S.
Evangelização na América Latina. Petrópolis: Vozes, 1976, pp. 104-112; Anotações pessoais do
curso ministrado por Clodovis Boff. CEBs. PUC-Rio, 1986.
592
O 7º. Encontro Intereclesial das Cebs, em 1989, teve como tema: Cebs, Povo de Deus na
América Latina a caminho da libertação. Nele estiveram presentes 2.550 pessoas, entre
representantes de 19 países latino-americanos e 12 Igrejas Evanlicas. Refletiu o importante
momento que a sociedade brasileira vivia: eleições diretas para presidente da república, depois de
desempenho das equipes de coordenação do encontro e pelas equipes de serviço,
incluindo as equipes de Oração e Liturgia. Em sua formação teológica, este grupo
estava em diálogo com a Teologia da Libertação
593
e em sua formação espiritual,
buscava na Espiritualidade da Libertação
594
, um caminho de oração e mística.
Eram pessoas que acompanhavam a formação das CEBs como assessores e como
participantes, auxiliavam na formação de lideranças e no movimento popular na
Baixada Fluminense.
A primeira característica deste pequeno grupo é sua própria configuração.
Ele era formado por homens e mulheres, casados e solteiros, leigos e religiosos.
Enfim, um grupo que constituía sua identidade não como um grupo somente de
leigos ou de religiosos, de homens ou de mulheres, mas na sua orientação
fundamental
595
, qual seja, uma experiência comunitária com duas referências
principais: a liturgia e o monaquismo
596
. Uma segunda característica é de que
20 anos de silêncio. Cf. Secretariado do 10° Intereclesial. Dispovel em:
http://ospiti.peacelink.it/zumbi/memoria/10cebs/histor.html› Acesso em: 6 de maio de 2008.
593
A Teologia da Libertação foi tema de intenso debate entre os anos 60 e 80, e muitos estudiosos
a ele se dedicaram no sentido de analisar, compreender seu histórico e relevância, com também os
pontos de confronto no campo teológico e eclesial. No vento soprado pelo Concílio Vaticano II, no
seu trato consciente com as questões do mundo contemporâneo, passando pela Conferência de
Medellín e, em seguida, de Puebla, emerge a necessidade de responder aos desafios da
evangelização no continente latino-americano. Gustavo Gutiérrez, Juan Luis Segundo, Segundo
Galilea, Lucio Genra e outros teólogos protestantes e católicos trabalham no discernimento e
elaboração de uma teologia onde a cristã e a realidade latino-americana dialoguem postulando
ões pastorais que ajudem a caminhada dos oprimidos. Cf. BOFF, L. e BOFF, Cl. Da libertação.
O teológico das libertações sócio-históricas. Petrópolis: Vozes, 1979; ANDRADE, P.F.C. e
eficácia. O uso da sociologia na Teologia da Libertação. São Paulo: Loyola, 1991; FUSSEL, K.
Teologia da Libertação. In: EICHER, P. Dicionário de Conceitos Fundamentais de Teologia. São
Paulo: Paulinas, 1993, pp. 865-870.
594
A Espiritualidade da Libertação é uma espiritualidade fundamentada na experiência do
seguimento de Jesus, na sua ação solidária em favor de todos. Deseja estar inserida no processo de
libertação no qual os povos da América Latina estão engajados, vivendo a partir do dom da fé,
esperança e caridade que tornam o ser humano dispovel ao Senhor e sua ão libertadora no
mundo. Quer ser uma espiritualidade que no encontro com Jesus, se identifica com os mais pobres.
Cf. GUTIÉRREZ, G.
Beber no próprio poço
. Itinerário espiritual de um povo. Petrópolis: Vozes,
p. 17. Este grupo refletia especialmente os trabalhos de Segundo Galilea. Cf. GALILEA, S.
Espiritualidade da libertão
. Petrópolis: Vozes, 1975 e
Evangelização na América Latina
.
Petrópolis: Vozes, 1976.
595
Andres Torres Queiruga desenvolve uma reflexão teológica sobre o tema da vida religiosa,
repensando a sua intenção profunda de uma vivência integradora dos pólos pastoral e
contemplativo e a identidade da missão. Neste rumo caminham grupos conhecidos como
‘comunidades mistas’, nas quais religiosos e leigos experimentam juntos a oração, os estudos e o
apostolado. Cf. QUEIRUGA, A.T. Por el Dios del mundo en el mundo de Dios. Sobre la esencia
de la Vida Religiosa. Santander: Sal Terrae, 2000.
596
Este grupo procurava compreender e experimentar o monaquismo ocidental de origem
beneditina, numa dimensão comunitária, buscando a harmonia entre a oração e o trabalho
cotidianos, o que requer uma conversão constante. O Papa Paulo VI, em seu Decreto sobre o
Ecumenismo, Unitatis Redintegratio exorta os cristãos a conhecerem esta experiência de
sabedoria: “Também no Oriente se encontram as riquezas daquelas tradições espirituais, que o
monaquismo sobretudo expressou. Pois desde os gloriosos tempos dos santos Padres floresceu no
alguns membros deste grupo eram assessores na Diocese de Caxias e apoiados
pelo bispo Dom Mauro Morelli
597
no serviço de formação teológica e na
evangelização das comunidades locais. A terceira característica fundamental para
demarcarmos sua originalidade é a centralidade de uma inspiração monástica
598
,
em torno da qual gostariam de configurar a comunidade, como um pequeno
mosteiro inserido na realidade urbana
599
.
Participa desta gênese um padre que assume de modo particular o projeto
do monaquismo comunitário: o Pe. Domingos Ormonde. Em 1991, após retornar
de seus estudos na área de Liturgia, em São Paulo, mantém a assessoria na
formação litúrgica da Diocese, e na implantação de grupos de oração com o
Ofício Divino das Comunidades
600
. É uma pessoa imprescindível na avaliação
Oriente aquela elevada espiritualidade monástica, que de lá se difundiu para o Ocidente e da qual a
vida religiosa dos latinos se originou como de sua fonte, e em seguida, sem cessar, recebeu novo
vigor. Recomenda-se, por isso, vivamente que os católicos se abeirem com mais frequência destas
riquezas espirituais dos Padres do Oriente que elevam o homem todo à contemplação das coisas
divinas”. Cf. PAULO VI. Decreto Unitatis Redintegratio sobre o Ecumenismo, 1964, n. 15.
Dispovel em: ‹www.vaticano.va› Acesso em: 12 de maio de 2008.
597
Dom Mauro Morelli foi ordenado sacerdote em 1965. Em 1974, foi nomeado bispo auxiliar da
Arquidiocese de São Paulo onde permaneceu até 1981. Em maio deste mesmo ano, foi nomeado
pelo papa bispo da diocese de Duque de Caxias e São João de Meriti, no Rio de Janeiro, onde
permaneceu até março de 2005, quando sua renúncia foi aceita pelo Papa João Paulo II.
598
A espiritualidade monástica é experiência mística e sapiencial dos Padres da Igreja do Oriente e
que se estendeu para a Igreja Ocidental. Está centrada em dois termos: a Palavra e a Eucaristia. A
resposta pessoal e o fato eclesial e comunitário caminham juntos, mesmo para os monges eremitas.
A partir desta dinâmica, a espiritualidade monástica observa procedimentos e atitudes que
corroboram para este caminho, como oração contemplativa, a paternidade espiritual, a importância
do silêncio, a dialogia entre orar e trabalhar. Este é um tema de imensa riqueza e profundidade, o
qual não ousaremos apresentar em uma simples nota. Sobre o tema da espiritualidade monástica
conferir COLOMBÁS, G. O Monacato primitivo, Madrid: BAC, 1974; VOGUE, A. Les règles des
saints pères. Paris : Du Cerf, 1982; TILLARD, J.M.R. Religiosos, vivência e evangelho. o
Paulo: Loyola, 1978; CODINA, V. e ZEVALLOS, N. Vida religiosa: história e teologia.
Petrópolis: Vozes, 1987; PANIKKAR, R. Elogio de la sencillez. El arquetipo universal del monje.
Estella: Verbo Divino, 1993.
599
O grupo tem conhecimento da experiência das Fraternidades monásticas de Jerusalém.
Nascidas em Paris, como uma experiência de monaquismo no coração da cidade, em 1974. Em
1975 contava com os doze primeiros irmãos; em 1989 comportava irmãos cenobitas, irmãs,
eremitas urbanos masculinos e femininos, familiares e fraternidades laicas (essas últimas estão
atualmente com mais ou menos seiscentos membros). A experiência avançou para outras cidades
da França, para a Itália, Alemanha, Bélgica, Estados Unidos, Japão, Argentina e Portugal. Os
irmãos e irmãs partilham seu tempo entre a oração (pessoal e liturgia), o trabalho (externo à
Fraternidade), o acolhimento e o silêncio. A essência da experiência reside no monaquismo
urbano, no coração do mundo tal como ele é, inseridos na cidade sem nela se diluírem e vigiar
sem dela se distanciarem. “Estar no mundo sem ser do mundo”. (Jo 17,15) Neste espírito, o grupo
de iniciantes de Duque de Caxias, procura buscar uma experiência com esta identidade e inserida
na vida urbana e simples do povo. Neste rumo, os dois pólos da experiência religiosa se confluíam:
o pólo pastoral e o pólo contemplativo. Cf. QUEIRUGA, A.T. op. cit., pp. 19-41. Sobre as
Fraternidades monásticas de Jerusam ver Jerusalém. Livro da Vida. Comunidades orantes no
coração da cidade. Braga: Editorial A O., 1989 e no site: http://jerusalem.cef.fr
600
O Ofício Divino das Comunidades (ODC) nasceu como uma tentativa de fazer chegar ao povo
as riquezas estruturais da Liturgia das Horas. Sua aceitação por parte das Comunidades
dessa gênese, um elemento nuclear na fundação do projeto, no amadurecimento da
espiritualidade monástica e na prática orante desenvolvida em conjunto com este
pequeno grupo
601
.
Em 1997, surgem as primeiras reflexões em torno de um projeto de vida
monástica alternativa, de caráter diocesano e urbano, incluindo sacerdotes,
religiosos, leigos
602
. A ideia inicial era uma reapropriação do monaquismo
comunitário, prorizando a experiência da liturgia das horas, da liturgia eucarística,
da convivência e revisão de vida
603
. O projeto vislumbrava a moradia em comum
de alguns membros e a abertura à vivência comunitária para outros membros que
morassem no mesmo bairro. Todos compartilhariam da espiritualidade monástica
por meio de orações comunitárias semanais, momentos de leitura da Palavra e
trabalho manual.
Acolhido pelo bispo diocesano, Dom Mauro Morelli, e pelo Conselho
Presbiteral
604
, o projeto amadurece em um contexto no qual a oração e a escuta ao
particulares, no Brasil, exigiu que a primeira edição sofresse muitas reformas, incluindo novos
ofícios para os Tempos Litúrgicos, um desdobramento do Ofício dos Santos com festa dos
Apóstolos, memória dos Mártires e Santas Testemunhas e ampliação do hinário. Cf. ISNARD,
C.J.C. Apresentação da 7ª. edição do ODC, o Paulo: Paulus, 1994.
601
Ao descrever o histórico do projeto, tanto o padre-monge como o coordenador adjunto, não
mencionam este detalhe como fundamental na fundação da Casa de Oração. Contudo, com o olhar
‘estrangeirodaquele que chega e observa a gestão, identificamos esse padre como fundador, a
partir do qual se enraíza e estrutura o projeto do Mosteiro inserido na vida urbana. Como muitos
fundadores, o Pe. Domingos Ormonde descreve esse histórico como um caminho de discernimento
comunitário e eclesial, e não reduzido à sua inspiração e orientação. Neste trabalho respeitamos
sua prática discursiva, mesmo porque não é nosso objetivo analisar essa experiência monástica (o
Mosteiro) e sim o grupo de Catecumenato com Adultos que ali se encontra e desenvolve sua
trajetória.
602
Pedido para o monaquismo alternativo em consonância com o serviço à Paróquia (catedral)
como primeira opção, ou, como segunda opção, a dedicação ao projeto da Vila S. Luis. O projeto
do monaquismo alternativo pretende ser diocesano e urbano. Inclui padres e leigos, leigos
celibatários e não celibatários. No caso de casais, o projeto prevê a inclusão dos filhos do casal na
convivência fraterna. O projeto inicial já contava com a participação de mulheres leigas e
contemplava a possibilidade de mulheres virem a participar da vida diária do mosteiro. Carta do
Pe. Domingos Ormonde ao Bispo Dom Mauro Morelli, datada de 16/04/1997.
603
O pequeno grupo dedicou-se aos estudos do monaquismo antigo, comunitário, na linha de São
Bento, e nas reflexões contemporâneas de Raimon Panikkar sobre o monaquismo. R. Panikkar
defende um arquétipo de monge, à essência da vida monacal para a qual todo homem e toda
mulher são chamados e encontram sua realização. Quer dizer que o arquétipo é um produto de
forças e fatores, conscientes e inconscientes, individuais e coletivos, que entram na configuração
de um perfil humano particular. Abre caminhos para que a experiência monástica seja interiorizada
na pessoa em sua aspiração mais profunda, mediante a renúncia e o desapego de tudo o que o
seja necessário e uma orientação fundamental no único e singular objetivo: a busca do Absoluto,
rompendo todos os obstáculos que se coloquem no caminho em seu peregrinar até Deus. Cf.
PANIKKAR, R. op. cit. pp. 15-44
604
O Conselho Presbiteral é formado por um grupo de sacerdotes que, representando todo o
presbitério da diocese, auxilia o Bispo no governo da mesma, visando promover o bem pastoral,
em caráter de co-responsabilidade nas funções de ensinar, santificar e apascentar o Povo de Deus.
Cf. CÓDIGO de Direito Canônico. CIC cân. 495, §1. São Paulo: Loyola, 1983; PAULO VI. Carta
Espírito do Senhor era uma constante. Naquele momento, buscavam uma igreja de
referência para as orações comunitárias e o serviço eclesial e pastoral de
acolhimento e aconselhamento. O pequeno grupo
605
discernia a importância de
manter um eixo em torno da espiritualidade monástica em diálogo com as
necessidades da vida urbana como, por exemplo, a solidariedade junto ao povo de
rua. Os participantes também desejavam dar continuidade à sua experiência
eclesial e colocá-la a serviço da comunidade local, como, por exemplo, a iniciação
cristã, os ministérios de aconselhamento e da bênção e a formação litúrgica.
Em 1999 o projeto dá mais um passo no seu amadurecimento. Um espaço
físico no bairro de Vila São Luis, em Duque de Caxias é o primeiro local onde os
membros religiosos e alguns não-religiosos começam sua experiência concreta,
com moradia e vida de oração, contemplação e solidariedade com os sofredores de
rua. Neste espaço iniciam uma experiência monástica concreta, seguindo a Regra
de São Bento como orientação primeira. Define-se como uma comunidade na qual
se cultivaria o seguimento de Jesus através de uma espiritualidade de inspiração
monacal e da solidariedade com os pobres e culturas oprimidas. Seguindo esta
proposta, a pequena comunidade se torna um espaço diocesano de celebração,
oração, meditação, discernimento e vida comunitária. Os membros poderiam ser
residentes ou não, mas todos deveriam adotar a mesma espiritualidade e o estilo
de vida próprio de sua condição, (leigos e religiosos) comprometidos com a vida e
a missão do projeto de mosteiro
606
.
Nesta etapa a comunidade é composta por membros da Igreja diocesana, e
esaberta à acolhida de pessoas de outras dioceses que se identifiquem com sua
proposta. As orações da man e da tarde são abertas à participação dos vizinhos e
visitantes. O projeto sugere ofícios específicos para grupos de animadores de
comunidades e de pastorais e celebrações próprias para os jovens. Além disso, a
comunidade poderá oferecer momentos semanais de oração, encontros de
Apostólica Motu Próprio, Ecclesiae Sanctae 15, §1º. AAS 58 (1966), pp. 757-787. Disponível em:
‹www.vaticano.va› Acesso em: 05 de abril de 2008.
605
Este grupo inicial era formado por 8 fundadores: um sacerdote, um diácono, um seminarista,
um casal de leigos, e três leigos solteiros. Outras pessoas acompanhavam a formulação do projeto
com simpatia e desejo de integrá-lo.
606
Documento – Vida e Miso no Mosteiro Diocesano, datado de maio de 1999.
espiritualidade, hospedagem, acompanhamento para pequenos grupos e retiros de
formação para aprofundamento na espiritualidade cultivada no mosteiro
607
.
No que concerne aos simpatizantes à vida consagrada por votos públicos, o
projeto propõe um caminho especial de conversão e formação inicial, seguido de
discernimento da comunidade, apresentação ao bispo diocesano, acolhida e um
novo período de formação até a consagração à diocese. Todo o processo seria
orientado e vivenciado pela comunidade monástica.
No ano de 2002, a comunidade havia iniciado sua caminhada e
experimentado novas reflexões diante da experiência local. Neste sentido, diante
da realidade local e da nova comunidade que começou a se formar em torno da
proposta, teve início um processo de revisão do projeto inicial. É neste período
que o Jornal da Igreja diocesana menciona o surgimento de uma pequena
comunidade monástica no coração da diocese, em comunhão e serviço com a
Igreja em Duque de Caxias
608
.
A Comunidade se estabelecia em um pdio muito simples, no qual
organizava sua vida de oração e missão e amadurecia sua vocação de inspiração
monástica. Em uma capela singela e acolhedora, com altar feito com peças de
cimento e pedra encontrados no próprio terreno e com alguns bancos de trem
cedidos por outra comunidade da Diocese, realizavam-se os ofícios litúrgicos e
celebrações eucarísticas. A estética da pequena capela era marcada pela
simplicidade e centralidade no Mistério Pascal. Neste mesmo período foram
iniciadas algumas obras em função da preparação do espo físico para
acolhimento de pequenos grupos para encontros e cursos de formação.
Alguns membros das comunidades vizinhas passaram a participar das
orações da manhã e da tarde e do clima de oração próprio da comunidade, criando
um ambiente de escuta a Deus ao longo de todo o dia. Iniciava-se também a
produção de material artesanal voltado para os ritos litúrgicos, como vestes,
estolas, casulas; e também para uso pessoal, como camisetas, bolsas e bijuterias.
607
Carta a Dom Mauro Morelli pedindo reconhecimento da pequena comunidade mostica,
datada de 28/09/2001.
608
Está sendo formado um mosteirinho na Vila São Luis, em Duque de Caxias. Um grupo de
irmãos está morando junto, procurando seguir Jesus e se dedicar ao louvor cotidiano de Deus. É o
começo de uma pequena comunidade monástica como outras que vêm surgindo no Brasil afora.
Nascida no coração da diocese com membros de São João e Caxias, pretende ficar unida e a
serviço da vida da Igreja”. Festa no Mosteiro da Vila São Luís”. Notícia do Jornal “O Pilar”,
fevereiro de 2002.
Vejamos como o Jornal da Diocese de Duque de Caxias e São João de Meriti - O
Pilar -, noticia a dinâmica cotidiana da Casa de Oração, integrando
espiritualidade, estudo e trabalho comunitário.
No mosteiro as orações da manhã e da tarde costumam ter a participação de
irmãos da vizinhança. Antes desses ofícios cantados, há um bom tempo de
silêncio para oração pessoal. No começo da tarde é feita uma oração breve, em
comunhão com os trabalhadores, desempregados, aflitos e doentes. As manhãs
são reservadas ao estudo e uma parte para a conservação da casa. As tardes o
de trabalho de produção e reforma. O desejo da comunidade é, aos poucos, criar
um ambiente de escuta de Deus, durante o dia todo
609
.
Esta produção artesanal contava com a orientação artística e criativa do
padre-monge e era realizada em conjunto com algumas mulheres da comunidade e
outras, profissionais, residentes no bairro
610
.
É importante explicitar que, neste momento, podemos perceber quatro
grupos que se aproximam e passam a configurar a comunidade. A origem de cada
um desses grupos demarca sua identidade. O grupo inicial, citado
anteriormente, era formado por religiosos e leigos que buscavam a experiência do
monaquismo comunitário. Outro grupo estava em processo catecumenal de
adultos desenvolvido na Paróquia local, Imaculada Conceição, na Vila São Luís.
Um terceiro grupo era formado por pessoas que trabalham junto ao povo de rua,
no serviço de acolhimento e promoção humana, oriundo da formação catecumenal
na mesma Paróquia. E um quarto grupo, de pessoas das comunidades vizinhas.
Na páscoa do ano de 2003, inicia-se um processo catecumenal com adultos
da comunidade e com participantes da paróquia do bairro. A orientação dos
documentos da Igreja - especialmente do ritual: RICA -, e o diálogo com a
realidade do grupo de adultos é o eixo para o planejamento dos encontros de
formação. Este pequeno grupo de adultos faz seu caminho de Iniciação integral
611
609
Ibid.
610
Ainda a mesma noticia comenta a produção artesanal na comunidade: A comunidade está
produzindo uma série de objetos para a liturgia e uso pessoal: ícones, cruzes de procissão, círios
pascais, sacrários, vestes litúrgicas, estolas tecidas a mão, castiçais de ferro, agenda bíblico-
litúrgica, cartões, oratórios, banquinhos de oração, mosaicos, camisetas, bolsas, além de licor de
café e conserva de legumes. No horário de visitas esses produtos podem ser adquiridos na lojinha
do mosteiro”. Jornal “O Pilar”, datado de fevereiro de 2002.
611
Chamaremos de ‘caminho de iniciação integral’ o processo experimentado por esse grupo, pois
dos quatorze integrantes, apenas um deles não era batizado, portanto os demais já participavam da
Iniciação Cristã.
no seio desta comunidade e realiza os sacramentos de Iniciação na Páscoa de 2004
e 2005, conforme o estágio dos participantes
612
.
Todo o processo da comunidade foi acompanhado pelo bispo diocesano e
pelo Conselho Presbiteral, principalmente a partilha de situações de decisão, de
re-planejamento em função da adaptação do projeto à realidade de seus
participantes ou às demandas pastorais. No ano de 2004, Dom Mauro Morelli
declara positiva a experiência e exorta a comunidade a ser dom do Espírito para a
Igreja: “Faço votos que esta associação, pelo testemunho de todos os membros,
possa crescer, sendo dom do Espírito para a Igreja, como personalidade
jurídica”
613
.
Neste mesmo ano, a comunidade discerne quanto ao projeto do
monaquismo alternativo e percebe que o nível de dedicação que este projeto exige
não pode se tornar um mandato para os participantes, e sim um convite para
aqueles que se sentirem chamados a viverem esta espiritualidade. Assim sendo,
chega a uma síntese de que o projeto comum deve priorizar a oração, a
fraternidade e a solidariedade com os mais pobres, sob influxo da espiritualidade
monástica. Contudo, para a experiência especificamente monacal, cada membro
deve sentir-se convidado e aderir livremente a esse processo, na medida em que se
sentir chamado.
Em janeiro de 2005, o espo no qual a comunidade se agrega passa a ser
conhecido como Casa de Oração. A capela é dedicada a Deus pelo bispo
diocesano, sob o título do mistério do Batismo do Senhor, em Celebração
Eucarística com a presença da comunidade e amigos. Nesta mesma Celebração foi
reconhecida a comunidade de cristãos que ali se reúne para o louvor diário a Deus
e para a celebração do dia do Senhor. No dia seguinte à dedicação da Capela, o
presbítero e o irmão residentes fizeram os votos públicos da vida monástica
614
.
A Casa de Oração, adaptada para o acolhimento de grupos para
encontros e retiros, assim como para retiros individuais, manteve a simplicidade
evangélica e a perseverança na oração. O nome da comunidade - Batismo do
Senhor - reflete seu carisma e a história da Diocese que, em unidade com seu
612
Este pequeno grupo de catecumenato com adultos, iniciado em 2003, foi nosso campo de
observação e análise durante 2 anos de processo catecumenal.
613
Decreto, assinado por Dom Mauro Morelli e pelo chanceler da Diocese de Duque de Caxias,
Pe. Paulo Reis, com validade de 3 anos. Datado de 3/09/2004.
614
Notícia no Jornal “O Pilar”, com a manchete – “Diocese reconhece Casa de Oração”, datada de
fevereiro de 2005.
primeiro bispo, Dom Mauro Morelli, fez do batismo e da crisma a principal fonte
de compromisso de suas filhas e filhos com a vida da Igreja e a causa dos mais
pobres. A passagem de Jesus pelas águas do Jordão, solidário com o povo que
busca perdão, cura, pão e alegria, continua sendo inspiração para a vivência cristã
que se realiza dentro e ao redor dessa casa: Banhados em Cristo, somos uma
nova criatura. As coisas antigas se passaram, somos nascidos de novo!. (Gl
3,27)
3.1.2
Metodologia da pesquisa de campo
Até esta etapa nosso trabalho teve como embasamento a análise teológica
do processo de ICA em duas vertentes: com relão à reflexão contemporânea, os
documentos do Magistério e as reflexões de teólogos pastoralistas e catequetas; e
com relação à fundamentação patrística, a obra de Cirilo de Jerusalém,
especialmente, suas Catequeses Mistagógicas.
Na fase a seguir, nosso campo privilegiado de observação e análise sea
experiência da Iniciação Cristã de Adultos da comunidade eclesial local. Esta
dimensão prática do trabalho teológico exigiu clareza diante do objeto de
pesquisa, assim como das categorias teológicas presentes na observação.
A relação entre teoria e prática na teologia em muito pode colaborar para o
discernimento e busca de novos caminhos para o processo de evangelização. Esta
não é uma novidade metodológica, mas é o coração mesmo do trabalho da
teologia
615
. É a relação entre os fundamentos e orientações teológicas e os
processos vitais, comunitários, eclesiais em sua busca de respostas e linguagens
em cada momento existencial e histórico.
Os pesquisadores sociais percebem a importância da construção do saber
como um processo ativo e metódico
616
. Nesse sentido, afirmam que o trabalho
615
A relação ortodoxia-ortopraxis foi estudada em 1969 por Schillebeeckxy ao dar-se conta da
insuficiência da hermenêutica teológica baseada no conhecimento do passado e nas limitações que
possui a análise linguística aplicada à teologia. A mensagem cristã se dirige à práxis. A teologia,
de um lado, cria modelos operativos, é teoria crítica desde a sobre o homem, a sociedade e a
Igreja. Por outro lado, toma metodicamente a práxis da comunidade cristã, ou a experiência vivida
nesta práxis, como ponto de partida para sua própria reflexão. Cf. FLORISTÁN SAMANES, C.
Teología Practica. Teoría y praxis de la acción pastoral. Salamanca: Sigueme, 1991, p. 200.
616
Segundo Louis Pinto o processo de pesquisa social consiste, ao mesmo tempo, em acumular e
classificar informações e elaborar uma análise e reflexão com base bibliográfica e contextualizada,
científico caminha em duas direções: por um lado, se defronta com as teorias, com
o método e princípios, e identifica questões e resultados e, em outra direção, o
pesquisador interpela, ratifica e cria caminhos, abandona pré-compreensões e
reconstrói novas compreensões, até mesmo orientando-se para inovações e
direções privilegiadas. Nesse percurso entram os critérios de historicidade e de
cooperação, da tradição e da comunidade, da dogmática e da complexidade, em
uma dinâmica na qual o conhecimento é sempre aproximativo e construído
617
.
Dentre os métodos apontados pelos pesquisadores sociais
618
, aquele que
melhor respondeu ao nosso projeto foi o de ‘pesquisa participante’ com a
Comunidade da Casa de Oração Batismo do Senhor, especificamente com a
equipe que participou da ICA nos anos de 2004 e 2005. A metodologia da
pesquisa participante fundamenta-se, “na prática do dlogo, na problematização
do real, na interrogação, na aprendizagem da análise crítica, sistemática e
aprofundada, na recusa de conceitos deterministas e na determinação de
transformar a realidade em função das pessoas”
619
.
Neste período, estivemos presentes na comunidade local, não apenas como
observadores do processo de planejamento e formação catecumenal, mas também
atuamos através da assessoria teológica e acompanhamento do Catecumenato com
Adultos.
A pesquisa participante é um processo dialético. Ela conta com os diversos
elementos presentes no campo de observação e análise que formam uma rede de
informões e práticas discursivas
620
. Vejamos detalhadamente estes elementos:
apontando também os limites inerentes ao próprio processo de observação e análise. Cf. PINTO,
L. Experiência vivida e experiência científica de objetividade. In: CHAMPAGNE, P. e outros.
Iniciação à Prática Sociológica. Petrópolis: Vozes, 1998, p. 13; CHAMPAGNE, P. A ruptura com
as pré-construções espontâneas ou eruditas. In: CHAMPAGNE, P. e outros, op. cit., p. 171.
617
MINAYO, M.C.S. (org.) Pesquisa Social. Teoria, método e criatividade. Petrópolis: Vozes,
1994, pp.12-13
618
Os pesquisadores sociais apontam para dois critérios básicos: os relacionados aos fins e os
relacionados aos meios. Em relação aos fins, uma pesquisa pode ser: exploratória, descritiva,
explicativa, metodológica, aplicada e intervencionista. E quanto aos meios, ela pode ser: pesquisa
de campo, de laboratório, documental, bibliográfica, experimental, participante, pesquisa-ação e
estudos de casos. Cf. GIL, A.C. Como elaborar projetos de pesquisa. São Paulo: Atlas, 1996.
619
FREIRE, P. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. Paz e Terra:
Rio de Janeiro,1999.
620
A partir de Michel Foucault (Arqueologia do Saber:1969), não se falará mais tanto de discursos
e mais de práticas discursivas. Por práticas discursivas Foucault compreende regras anônimas,
constituídas no processo histórico, ou seja, determinadas no tempo e delimitadas no espaço, que,
em uma época concreta e em grupos ou comunidades específicas e concretas, o definindo as
condições que possibilitam qualquer enunciação. Portanto, todo discurso é uma prática social, uma
construção social, não individual, e que pode ser considerado em seu contexto histórico-social.
1. O pesquisador não é um participante do grupo de observação, em nosso
caso, não faz o caminho do Catecumenato. Portanto, traz em sua bagagem
estruturas objetivas, coletadas nas fontes bibliográficas e sistematizações
conceituais. Além dessas estruturas objetivas, o pesquisador também traz
estruturas subjetivas, representações pessoais, pré-compreensões e limites. São
estruturas que demarcam seu olhar epistemológico e o levam a selecionar os
pontos de observação e interpretação
621
.
2. Ainda sobre o pesquisador, após 3 meses de acompanhamento do grupo
de participantes do Catecumenato, estabeleceu-se um diálogo com relação ao
próprio processo de ICA que vivenciavam. Diálogo no qual, pesquisador e grupo,
juntos diagnosticaram o caminho feito, selecionaram aspectos e conteúdos a
serem buscados, como também perceberam falhas e dificuldades neste processo.
3. Desde o momento de contato, o grupo de participantes do
Catecumenato conheceu os objetivos da pesquisa, acolheu e abriu-se ao processo,
desejoso de contribuir com sua própria experiência para a caminhada eclesial.
4. O grupo de participantes do Catecumenato foi convidado a explicitar
suas representações, sua compreensão de diversos aspectos que vivenciavam no
processo catecumenal, a fim de não interferirmos com nossa pré-compreensão
quanto aos conteúdos e trajetórias que realizavam.
Tenhamos presente que, tanto o pesquisador como o grupo observado, não
se definem como faces isoladas do projeto, mas em relação constante, sofrendo
interferência mútua e conservando as peculiaridades de seus papéis no grupo.
Assim sendo, nossa metodologia possibilitou um olhar cumulativo sobre o objeto
de pesquisa. Os métodos - dedutivo e indutivo - não foram trabalhados como
polaridades, mas em seu dinamismo
622
. Ou seja, tanto o embasamento nos
princípios teológicos extraídos da mistagogia de o Cirilo e aqueles trazidos pela
revisão bibliográfica, como a própria realidade da comunidade, sua trajetória, sua
Cf. IÑIGUEZ, L. A linguagem nas ciências sociais: fundamentos, conceitos e modelos. In:___.
Manual de Análise do Discurso em Ciências Sociais. Petrópolis: Vozes, 2004, p. 92.
621
A pesquisa social corrobora com a epistemologia científica considerando a não-neutralidade do
pesquisador, contra o mito de uma comunicação transparente e desprovida de pressupostos”.
Lembra que toda relação social envolve condições sociais de possibilidades e efetua-se segundo
modalidades que exigem ser consideradas como socialmente determinadas. Cf. PINTO, L. op. cit.,
p. 40; CHAMPAGNE, P. op. cit., p. 207; MINAYO, M.C.S. op. cit., p. 19.
622
O método dedutivo é aquele que parte dos princípios abstratos e idéias e verifica sua
aplicabilidade na realidade. O método indutivo parte dos fatos concretos, da empiria, da
experiência como fonte de conhecimento, é a ciência fundamentada na observação. Cf.
FLORISTÁN SAMANES, C. Teología Practica, op. cit., p. 200.
forma de encaminhar a Iniciação Cristã e responder aos desafios de seu contexto,
se tornaram pressupostos para a análise e elaboração dos dados observados.
Trabalhamos com a aproximação destas duas experiências em um movimento
dialético
623
: investigando a estrutura da prática catecumenal nesta comunidade e
verificando sua aproximação com a mistagogia de Cirilo de Jerusalém.
Essa aproximação é a que melhor responde ao nosso eixo referencial da
pesquisa, qual seja, a dinâmica da Revelação entre Deus e seus filhos e filhas. Não
é, portanto, uma escolha entre outras, mas uma escolha que comanda toda a
atividade de coleta de dados e seleção do material e, por conseguinte, a construção
do próprio objeto de pesquisa, assim como estabelecimento da correspondência
entre as estruturas presentes no material bibliográfico e na comunidade
particular
624
.
As comunidades eclesiais existem em um determinado espaço cuja
formação social e configuração congrega unidade na diversidade. o
compreendidas como comunidades locais, no âmbito da Igreja particular
625
, no
tempo presente e como Povo de Deus a caminho, tradicionadas, participantes da
trajetória passada e futura da humanidade. São identidade e dinamismo, tradição e
provisoriedade, enraizamento e abertura.
Não se trata, portanto, de um trabalho de investigação a priori, no qual o
pesquisador-teólogo percebe e identifica a eclesialidade e caminhos vividos e
anunciados nesta comunidade eclesial. É um trabalho de hermenêutica
comunitária, no qual as próprias pessoas, membros ativos nesta dinâmica, dão
significado e intencionalidade às suas ações e construções
626
.
623
Essa metodologia se propõe a abarcar o sistema de relações que constrói o modo de
conhecimento exterior aos sujeitos da pesquisa, mas também as representações sociais que
traduzem o mundo dos significados. Busca encontrar, na parte, a compreensão e a relação com o
todo; e a interioridade e a exterioridade constitutivas dos fenômenos. Partilham desta metodologia
muitos pesquisadores sociais, entre eles, Minayo, Geertz e Clifford, Giddens. Cf. MINAYO,
M.C.S. op. cit., pp. 24-25.
624
Cf. PINTO, L. op. cit., p. 15.
625
O Vaticano II definiu Igreja particular como “a porção do povo de Deus confiada a um Bispo
(...) que aderindo a seu pastor e por ele congregada no Espírito Santo, mediante o Evangelho e a
Eucaristia. Nela reside e opera a Una, Santa, Católica e Apostólica Igreja de Cristo.” É definida em
termos de diocese, onde está assegurada a unidade com a Igreja universal. As igrejas particulares
o são distintas da Igreja universal, mas esta última somente existe nelas e por elas. A Igreja
particular é Igreja em comunhão com as demais Igrejas. Cf. LG 23, AG 38, CD 11.
626
As estruturas objetivas e subjetivas do pesquisador não se impõem no trabalho de campo, mas
são apresentados como categorias epistemogicas e abertos ao diálogo que o próprio processo
estabelece. Nesse sentido, a comunidade interpretativa constrói um novo discurso, pela interação
social e verbal, a partir da complexidade de elementos que a constitui e renova incessantemente.
Cf. ROSENTAL, P. A. Construir o ‘macro’ pelo micro’: Fredrik Barth e a ‘microstoria’. In:
Em nosso projeto, o pesquisador-teólogo se inseriu no grupo com um
papel específico, foi afetado em seu olhar epistemológico e em sua elaboração
627
.
E assim também o grupo de participantes do Catecumenato entrou na dinâmica da
pesquisa, compreendeu seu próprio processo de iniciação, tornando-se elemento
ativo no processo. Enfim, não trabalhamos sozinhos, contamos com este grupo em
uma etapa da construção desse processo. Mais adiante, distanciados do campo de
pesquisa, pudemos confrontar os dados anteriores com a realidade pastoral
observada e experimentada, quando procuramos analisar, do ponto de vista
teológico, o processo de ICA que ali se desenvolveu. Reunindo os dados coletados
e observações realizadas, uma nova fase amplia a observação de campo, que
consiste na recolocação dos dados em um universo mais amplo, retomando as
reflexões teológicas anteriores, assim como as orientações pastorais próprias da
realidade da Igreja no Brasil.
Os dados recolhidos no trabalho de campo, em especial os depoimentos do
grupo de participantes do Catecumanto, foram obtidos através de entrevistas -
individuais e grupais -, e anotações de campo
628
. As entrevistas foram elaboradas
a partir de um roteiro específico e pré-determinado, a fim de não nos afastarmos
dos objetivos da pesquisa. Contudo, o roteiro não foi seguido mecanicamente, mas
dependeu das histórias de vida e de temas novos que emergiram da conversa. Isto
permitiu que temas novos fossem incorporados e que também fossem
desenvolvidas outras questões, que não estavam presentes originalmente.
O roteiro pré-determinado
629
procurou coletar dados que auxiliassem na
percepção das motivações de cada pessoa:
1. como experimentou o processo do Catecumenato na vida pessoal e
comunitária;
REVEL, J. (org.) Jogos de Escalas. A experiência da microanálise. Rio de Janeiro: FGV, 1998,
pp.156-158
627
A atividade reflexiva necessita de uma disciplina e organização precisa de dados. É atividade
científica de observação que não pode se tornar uma objetivação que prescinda dos dados
socialmente construídos e nem mesmo tomá-los como simples confirmações das hipóteses
formuladas. Exige-se uma descentralização intelectual, como condição de acesso aos pontos de
vista ‘estranhos’ ao olhar inicial do pesquisador e uma atividade organizada dos mesmos para a
fase de reelaboração de hipóteses e reconstrução dos conceitos iniciais. Cf. PINTO, L. op. cit, p.
43; LENOIR, R. Objeto sociológico e problema social. In: CHAMPAGNE, P. e outros, op. cit., p.
59. CHAMPAGNE, P. op. cit., p. 222. Ibid.
628
Apesar de privilegiarmos as práticas discursivas das entrevistas realizadas, não foram
descartadas as conversas informais e a observação direta, atenta e participativa no grupo do
Catecumenato com Adultos. As impressões colhidas durante as atividades foram anotadas em um
caderno de campo a fim de se tornarem objeto de nossa análise.
629
Ver Anexo 1.
2. qual o significado da experiência sacramental;
3. como a liturgia foi percebida dentro do processo;
4. qual o significado da figura do catequista e do introdutor;
5. como percebe de uma maneira mais ampla o Catecumenato com Adultos;
6. quais as dificuldades que diagnostica.
Do grupo de quatorze pessoas, foram consideradas as entrevistas de nove
participantes do Catecumenato
630
e um catequista
631
. Todos os nomes dos
entrevistados foram alterados com a intenção de se guardar o anonimato dos
mesmos. Cada pessoa escolheu o seu pseudônimo: Paulo, Rosa, Valéria, Maria,
Nanci, Rute, Miriam, Afonso, Ana Maria e, o catequista, Augusto.
As entrevistas são elementos fundamentais em nossa pesquisa de campo.
São elas que apresentam o universo conceitual dos participantes do grupo, sua
pré-compreensão e teias de significados presentes na dinâmica da Iniciação que
experimentam. Registram as representações construídas antes, durante e depois do
processo catecumenal. Colaboram para que a observação não se reduza à
associação entre as pré-noções do pesquisador e sua percepção imediata.
As entrevistas grupais também seguiram um roteiro pré-estabelecido
632
,
este foi construído juntamente com o catequista, e teve como objetivo recolher,
em ambiente comunitário, as impressões e conclusões do grupo de participantes,
com relação ao caminho catecumenal trilhado. Por isso mesmo foram realizadas
nas etapas finais do Catecumenato deste grupo.
Os dois contextos nos quais as entrevistas ocorrem o individual e o
grupal também o marcados por diferentes formas de interação. Na entrevista
individual, a relação que se estabelece é entre pesquisador-entrevistado, na qual as
possibilidades de interação estão reduzidas a estes dois participantes do processo,
assim como as práticas discursivas que se desenvolveram. No campo das
630
Neste grupo de entrevistados, apenas um membro ainda não havia participado do sacramento
do Batismo. Os demais estão no processo catecumenal em função da reiniciação, pois haviam
recebido este sacramento da Iniciação. Ao longo do capítulo, usaremos a expressão participante
do Catecumenato’ sempre que nos referirmos a um dos nove participantes, independente de seu
estágio no processo de Iniciação Cristã.
631
Ao todo foram entrevistados dez integrantes deste Catecumenato e, para os fins deste trabalho,
consideramos a categoria de cooperação em pesquisa social como critério seletivo diante do
material acumulado. Este critério procura reunir os seguintes dados: a quota de informação, a
qualidade e confiabilidade da contribuição informativa, a relevância quanto ao tema central da
pesquisa e a forma como o conteúdo é expresso, no caso, capacidade de ordenação, expressão,
clareza. Cf. IÑIGUEZ, L. A linguagem nas ciências sociais: fundamentos, conceitos e modelos. In:
___. op. cit., pp. 70-71.
632
Ver Anexo 2.
entrevistas grupais, um outro processo de interação, do qual participam entre
dez a quatorze pessoas, estabelecendo um outro exercício discursivo, de maior
circularidade interpretativa. Os elementos trazidos neste segundo momento são
partilhados, compartilhados, sofrem alterações e complementos durante as falas
pessoais. Nos dois momentos estamos diante de práticas discursivas
intersubjetivas, no entanto, cabe ressaltar suas variações contextuais, a fim de
melhor precisar nossa análise.
Tendo presente esta rede de elementos, que reúne estruturas objetivas e
estruturas subjetivas, iniciamos a análise dos discursos
633
, dentro de seu contexto
e das representações e significados presentes no grupo de participantes deste
Catecumenato.
Para nossa análise dos discursos e das práticas do grupo de Catecumenato
com Adultos trazemos os pressupostos que fundamentaram a construção do objeto
de pesquisa e serviram como critérios para a pesquisa participante:
1. o processo de interiorização das estruturas objetivas - a meta a ser
atingida pelo grupo de adultos, o espaço físico-simbólico onde os encontros se
realizaram;
2. as disposições que foram geradas e reconstruídas dinamicamente no
campo social a mudança de espaço, a reconfiguração dos objetivos, a nova
metodologia para os encontros;
3. as categorias de percepção do pesquisador-teólogo, do orientador-
catequista e dos participantes do grupo;
4. a escala produzida entre a fundamentação teórica e a experiência da
comunidade interpretativa
634
.
633
A análise dos discursos é uma seleção metodológica e também uma perspectiva em nosso
projeto, pois acredita, juntamente com muitos pesquisadores sociais, que esta é uma das áreas que
melhor representa a inclusão da linguagem na compreensão desses processos. Cf. IÑIGUEZ, L. A
análise do discurso nas ciências sociais: variedades, tradições e praticas. In: IÑIGUEZ, L. op.cit.,
p. 105.
634
Escolher uma escala consiste em selecionar um conteúdo que seja pertinente com o vel de
organização a ser estudado, é a relação entre a matriz teórica e determinado modelo histórico,
considerando as chaves comuns, os referenciais constantes e também o dinamismo que relaciona
os dois pontos de observação e análise. Cf. LEPETIT, B. Sobre a escala na história. In: REVEL, J.
op. cit., p.90.
Ainda para fins de metodologia de nosso trabalho, apresentaremos as
análises dos discursos do catequista do grupo e dos participantes do
Catecumenato. São duas formas de inserção no processo catecumenal bastante
diferenciadas: aquela do catequista - alguém que coordena, planeja, orienta, tem
formação e visão para além do processo presente e as práticas discursivas dos
participantes - iniciantes no caminho, observadores atentos, mas também e
principalmente, o foco do processo catecumenal. Durante a análise incluiremos
nossas observações e anotações de campo procurando demarcar os indicadores
das categorias mistagógicas presentes ou ausentes nesta experiência catecumenal.
3.2
O Catecumenato com Adultos na Casa de Oração Batismo do Senhor
Iniciaremos nosso processo de apresentão e análise do grupo de
Catecumenato com Adultos da Casa de Oração Batismo do Senhor relembrando
três aspectos que fundamentaram o processo de pesquisa e, portanto, a construção
desse objeto.
Em primeiro lugar, o encontro de uma experiência comunitária que se
aproximava em muitos aspectos das estruturas objetivas trazidas pelo
pesquisador-teólogo. No caso, um processo de ICA, no qual o eixo referencial
mistagógico era percebido em muitas dimensões. Em segundo lugar, a verificação
dos dados coletados na pesquisa bibliográfica em confronto e diálogo com a
realidade de uma comunidade local, viva, fecunda, aberta à dinâmica da
Revelação e situada em contexto próprio, cio-histórico-econômico. Em terceiro
lugar, a experiência concreta com esta comunidade, de participação e observação,
a pesquisa participante em si e o processo catecumenal acontecendo, em sua
dinâmica real, cotidiana
635
.
Tenhamos diante de nós os elementos da mistagogia de Cirilo de
Jerusalém enquanto elementos-fontais. A partir deles buscaremos estabelecer um
diálogo teórico-pastoral com a experiência local, verificando a possibilidade
635
Segundo Floristán Samanes, este é um método que deve ser explicitado. Em sua dialética ele
viabiliza a articulação destes três aspectos. Ao experimentar a realidade, ela mesma transfigura e
concretiza os dados teóricos. Os fatos e as atividades concretizam a experiência de Deus que se dá
na realidade, desembocam na vivência concreta do compromisso apostólico e, a partir daí,
conduzem ao movimento trico que consiste no diálogo, muitas vezes reformulador, das teorias
provenientes da leitura teológica. Cf. FLORISN SAMANES, C. op. cit., p. 201.
concreta de um resgate da experiência catecumenal das origens da Igreja como
referencial para a ICA nas comunidades atuais
636
.
Em nosso dlogo teológico com as Catequeses Mistagógicas de Cirilo de
Jerusalém elencamos os seguintes elementos presentes no processo de Iniciação
Cristã de Adultos:
1. A Iniciação Cristã desenvolve-se com base na Palavra de Deus, na
liturgia como experiência mistagógica, no compromisso explicitado na mudança
de vida e no testemunho pessoal e comunitário;
2. A liturgia ocupa lugar central na experiência cristã, e a sua relação com
a vida sacramental é de integração;
3. A Iniciação Cristã é compreendida como processo, itinerário iniciado
pela ação salvífica de Deus na história, na vida pessoal e comunitária;
4. Há uma integração entre o processo pessoal e o processo comunitário;
5. O mistagogo é aquele que conduz pela mão pelos caminhos da
Revelação, é pedagógico nos encaminhamentos e pai espiritual, inserido na
família eclesial;
6. Na Iniciação Cristã se articulam a atitude contemplativa e a dimensão
interpretativa da experiência de Deus;
7. Em termos de eclesiologia são constantes desse processo: o vínculo
entre a Tradição e o Magistério, o sentido de pertença eclesial, de sacerdócio
comum e de Povo de Deus eleito e a caminho.
O teólogo pastoralista Floristán Samanes sinaliza a complexidade e
alcance do Catecumenato com Adultos como ação pastoral de toda a Igreja: “o
Catecumenato com Adultos não é simplesmente uma classe com aulas de religião
especialmente preparadas e dadas aos adultos, mas toda uma ação pastoral, uma
636
Para estabelecer o diálogo entre o catecumenato atual e as fontes da Tradição poderíamos trazer
como base para a análise o documento do Magistério, o RICA, elaborado com base nas fontes
patrísticas dos séculos III e IV, formação e sistematização do catecumenato. Contudo, nos
ateremos às fontes de Cirilo de Jerusalém, e será a partir delas que buscaremos o diálogo com a
Iniciação Cristã de Adultos hoje. Para conhecer mais profundamente as relações entre o RICA e a
ICA atual consultar RIBAS, L.F.O. O Itinerário da Iniciação Cristã da fé de adultos em contextos
urbanos: da pastoral de conversão à catequese de iniciação. Dissertação de Mestrado em
Teologia, Rio de Janeiro: PUC, 2005.
verdadeira ão de catecumenato, uma obra de toda a Igreja, muito mais
completa”
637
.
É neste sentido que iniciaremos a análise das práticas discursivas do
catequista e do grupo de Catecumenato com Adultos que se formou na Casa de
Oração Batismo do Senhor, como comunidade viva, como uma nova experiência
eclesial, que contempla as orientações do RICA. Mas antes, se mostra atenta ao
primado da Graça de Deus na vida pessoal e na própria comunidade que se
configura, o que, a nosso ver, visibiliza seu caminho mistagógico.
3.2.1
Gênese e formação do grupo de Catecumenato com Adultos
A Diocese de Caxias experimenta o Catecumenato com Adultos segundo
as orientações do RICA desde o ano de 1986. Vejamos brevemente o histórico
deste processo de implantação do Ritual na Diocese.
Em 1973, o Ritual foi traduzido para o português. Nove anos depois foi
criada a Diocese de Duque de Caxias e São João de Meriti, quando o bispo Dom
Mauro Morelli coloca nas mãos dos presbíteros exemplares do RICA e incentiva
sua implantação. Nos anos seguintes, o Catecumenato começou a ser organizado
na Paróquia de Xerém, área rural da Diocese, sob a orientação do Pe. Domingos
Ormonde e do Pe. Armando Cellere. Em 1986, o Sínodo Diocesano aprovou o
Documento “Batismo na Vida e na Missão da Igreja”, com as diretrizes para a
adoção integral do RICA em toda a Diocese
638
.
Em 1998, se iniciou a implantão do Ritual na Paróquia Imaculada
Conceição, na Vila São Luis, quando ofereceu aos seus agentes de pastoral uma
formação específica e iniciou este processo. Segundo J. Amado, a equipe pastoral
inicia essa experiência como uma resposta eclesial ao aumento do número de
jovens e adultos em busca dos sacramentos da Iniciação Cristã e, ainda, de uma
outra demanda, de aprofundamento na fé cristã.
637
FLORISTÁN SAMANES, C.F. e ESTEPA, J.M. Pastoral de hoy. Barcelona: Nova Terra,
1966, p. 262.
638
Cf. 1º. SÍNODO DIOCESANO. Batismo na Vida e na Missão da Igreja. Diretrizes Pastorais
para o Batismo de Adultos. Diocese de Duque de Caxias e São João de Meriti. Natal de 1986, São
Paulo: Loyola, 1986.
O processo catecumenal proposto pelo RICA respondia às questões
pastorais diagnosticadas nas comunidades locais, como a necessidade do
acompanhamento pessoal, a metodologia dos encontros, o eixo catequético-
lirgico. Enfim, iniciava-se uma nova experiência na tentativa de oferecer uma
Iniciação Cristã verdadeira e fecunda. A fim de nos situarmos melhor, vejamos o
histórico apresentado por J. Amado
639
.
O Catecumenato Paroquial da Iniciação Cristã de Adultos teve uma história
recente, com inicio no ano de 1998, quando a equipe pastoral (dois padres e um
leigo) iniciou a implantação das etapas do catecumenato, conforme indicado no
RICA. O trabalho continuou durante o ano de 1999, encerrando-se na Vigília
Pascal de 2001. Em 2002, iniciou-se uma segunda experiência
640
.
Nessa perspectiva, é importante assinalarmos que a experiência de ICA
que encontramos é fruto da intenção de implantação em toda a Diocese de Caxias.
Não constitui uma experiência inovadora ou isolada, mas em consonância com o
Magistério eclesial e recomendado pela Conferência Episcopal Latino
Americana
641
.
O liturgista D. Ormonde
642
sublinha que no RICA subjaz a compreensão
de que em todo o processo catecumenal se realiza a mistagogia, pois em cada
tempo se realiza, processualmente, a introdução no Mistério de Cristo e da Igreja
vivido no ano litúrgico, nos ritos do próprio Catecumenato, nas celebrações da
Palavra, na liturgia, de modo geral, e na oração pessoal
643
. Na interpretação de D.
Ormonde, a mistagogia é compreendida pelo RICA como eixo teológico. É dela
que nascem sua estrutura e suas práticas rituais e litúrgicas.
639
Não detalharemos aqui a realidade da Diocese de Duque de Caxias neste período. Para tanto ver
o fundamental artigo de Joel Portella Amado, no qual o autor descreve a realidade socioeconômica
da Diocese de Caxias, apresenta e analisa o processo catecumenal, em seus eixos teológico e
pastoral, apontando valores e limites da experiência. Cf. AMADO, J.P. Iniciação cristã de adultos
em ambiente urbano: relato de uma experiência. In: Magis, Centro Loyola de Fé e Cultura: Rio de
Janeiro, 2001.
640
AMADO, J. P. op.cit., p. 174.
641
A 2ª. Conferência do Episcopado Latino Americano de Medellín (1968) contempla a
preocupação com a diversidade na formação religiosa na América Latina (evangelização dos
batizados, re-evangelização dos adultos, nova forma de catecumenato na vida adulta; recomenda
uma educação da profunda e madura, em dimensão pessoal e comunitária. (Medellín 6,8) A 3ª.
Conferência, em Puebla (1979) afirma que a catequese deve conduzir a um processo de conversão
e de crescimento permanente e progressivo da fé. (Puebla 998).
642
O liturgista citado é o padre-monge que orienta a Casa de Oração Batismo do Senhor.
643
Cf. ORMONDE, D. O tempo da mistagogia. In: Revista de Liturgia, 182, março-abril de 2004,
p.24.
Nossa análise dos discursos seguirá um roteiro de elaboração, com base
nos elementos da mistagogia de Cirilo de Jerusalém e nos principais eixos do
RICA. Contudo, o grupo entrevistado, enquanto comunidade viva e lugar
teológico, também trouxe temas novos, que não estavam contemplados
inicialmente nessa pesquisa, e serão incorporados em nossa reflexão teológico-
pastoral.
Na etapa seguinte, daremos início ao processo de diálogo crítico com a
comunidade local, ouvindo suas práticas discursivas e elaborando a reflexão
teológica na qual reside a meta deste trabalho: o resgate da mistagogia fontal, em
Cirilo de Jerusalém, como proposta para a Iniciação Cristã de Adultos atual.
Recordemos que estamos diante de práticas discursivas, que adquirem seus
significados dentro do contexto em que são construídas. As palavras são densas de
representações e significados, e, no caso dos entrevistados, observamos que
também carregam análises e nteses, ou seja, não são apenas descritivas, mas
reflexões de pessoas conscientes do processo do qual participam
644
.
O grupo de adultos que acompanhamos não é originário da Casa de
Oração. Resultou de um processo de organização do Catecumenato com Adultos
na paróquia local, onde o Pré-Catecumenato reunia quase quarenta participantes.
Três catequistas trabalhavam juntos, tendo noções básicas do RICA. Nesta etapa
sentiram a necessidade de dividir os participantes em três grupos. Um destes
grupos foi convidado a se congregar na Casa de Oração Batismo do Senhor, pois
a Casa contava com um espaço disponível para os encontros, e os outros dois se
mantiveram na Paróquia Imaculada Conceição, na Vila São Luis.
Neste primeiro dado nos encontramos com o processo de ICA em sua
primeira etapa. O tempo de Pré-Catecumenato é uma orientação do Magistério da
Igreja, de acordo com o RICA. Segundo este Ritual, o Pré-Catecumenato é o
tempo da evangelização em que, com firmeza e confiança, se anuncia Jesus
Cristo. Esse tempo deve ser de ajuda para que os simpatizantes reconheçam a
644
As entrevistas foram transcritas por uma especialista, segundo os critérios de convenção de
transcrição estabelecidos com base em Atkinson e Heritage e Tannen, mantendo a maior fidelidade
possível nas entonações, pausas, silêncios, receios, risos, enfim, na tentativa de compor um texto
vivo. Cf. ATKINSON, J. M. e HERITAGE, J. Structures of social action. Studies in conversation
analysis. Cambridge:Cambridge University Press, 1984 e TANNEN, D. Talking Voices.
Repetition, dialogue and imagery in conversational discourse. Cambridge: Cambridge University,
Press, 1989.
presença de Jesus Cristo na própria vida e, no encontro com Ele, iniciem um
diálogo próximo, íntimo e de confiança
645
.
Este grupo é orientado pelo catequista Sr. Augusto, agente de pastoral
ativo na Diocese, na qual desempenha vários ministérios: como Introdutor e como
Catequista, como ministro da Palavra, da Bênção, dos Enfermos. Além disso, vem
atualizando sua formação teológica dentro da Diocese na busca de atender à
realidade da comunidade, com base bibliográfica e nas orientações eclesiais.
Vejamos como Sr. Augusto apresenta o processo inicial de formação do
grupo de participantes do Catecumenato que se tornou nosso foco de análise.
a turma tinha uns 40 mais ou menos pra dividir pra três... o que eu fiz...?
Tinha a Miriam e o Alex no mesmo grupo. No primeiro ano, o Alex trabalhava
comigo. No segundo ano, veio a Míriam... Era um encontro... não deixava de ser
um encontro, que a gente dizia assim “nós estamos arrumando as malas, que
nós vamos fazer uma viagem muito grande... então, nós estamos nesse tempo, é o
tempo que a gente tá arrumando, fazendo a preparação. É o pré-catecumenato. E
a gente trocava experiência pra fazer a leitura do Evangelho (...) Depois o grupo
foi dividido em três. O Alex ficou com um bocado, a Míriam com outro bocado...
e eu trouxe quatorze para a Casa de Oração. (Sr. Augusto)
Ele constata uma limitação com relação ao quantitativo de participantes no
processo: um grupo muito grande dificulta o verdadeiro encontro catecumenal. No
entanto, como o processo es em sua fase inicial o Pré-Catecumenato -, sua
sensibilidade pastoral e discernimento o conduz à decisão de dividi-lo em grupos
menores.
Em seu relato, observamos que se refere ao Pré-Catecumenato com
familiaridade própria de quem tem alguma formação e experiência no mesmo.
O que queremos indicar com esta observação é que a proposta do RICA está
incorporada na dinâmica catecumenal como parte do seu planejamento cotidiano.
Sr. Augusto demonstra conhecer os principais eixos da proposta e discernimento
pedagógico na escolha da linguagem, do método, das melhores estratégias no seu
trabalho como catequista.
Ainda dentro deste item, sobre a formação deste grupo especifico de
Catecumenato, vejamos quais as motivações que se apresentaram para que esse
grupo de adultos tenha iniciado o caminho catecumenal.
645
Cf. RICA, 9-13.
Para muitos adultos, talvez para a maioria, a motivação está direcionada
aos sacramentos da Iniciação Cristã. Para outros, há uma motivação, ainda não tão
presente, que consiste na necessidade de uma atualização na formação
catequética, defasada no tempo ou pelo distanciamento da Igreja
646
.
No grupo observado, formado por quatorze pessoas, apenas um adulto não
havia recebido o sacramento do Batismo, os demais haviam participado de uma
formação de cunho sacramental, na infância ou adolescência. Contudo, o
catequista não diferencia o grupo por estágios de formação cristã ou, como alguns
estudiosos, como iniciação e reiniciação
647
. Considera que para todos deve ser
estabelecido o mesmo processo, de Iniciação Crisintegral.
Eles vêm chegando de formas diferentes... eu respeito cada um, com seu jeito... é
o Espírito que envia, quem sou eu pra discutir... (risos). Mas se aceitam o convite
é porque o Espírito pede, é porque precisam da iniciação, do caminho... (Sr.
Augusto)
O catequista já apresenta nessa fala uma característica da mistagogia. Ele
se coloca como mediador em um processo no qual é o Espírito que convida cada
pessoa. É o Espírito quem impulsiona e orienta o caminho.
Alguns participantes apresentam uma motivação inicial de ordem pastoral,
trazendo elementos de uma busca de sentido existencial e de melhor compreender
a cristã. Afonso, por exemplo, busca um conteúdo que preencha o seu vazio e
algo o leva a crer que o Batismo mudaria este sentimento. No entanto, ele atribui a
mudança que experimentou ao próprio caminho catecumenal.
Talvez, fosse uma neurose minha, mas eu achava que por eu não ser batizado,
que eu tava com aquele vazio... Eu acho que o que preencheu o vazio não foi nem
o fato de eu ter me batizado... Foi simplesmente o catecumenato que me fez
parar,.aprender,.entregar, sabe? conhecer...aí eu vim.. e foi brotando a semente
da fé em meu coração. (Afonso)
646
Sobre as motivações mais comuns para a inserção nos grupos de Catecumenato com Adultos
ver ALBERICH, E. e BINZ, A. Catequese com Adultos. Elementos de Metodologia. op. cit.,
especialmente capítulo 3; CNBB, Segunda Semana Brasileira de Catequese, op. cit.,
especialmente bloco IV.
647
A distinção feita pelo catecumenato primitivo entre catecúmenos, neófitos e fiéis é válida onde
se um catecumenato estrito. No caso desta comunidade local, na qual quase todos foram
batizados em sua infância e percorrem o itinerário da cristã, o vinculo entre comunidade e
catecumenato é um dado, assim como a distião terminológica dos membros da comunidade. Cf.
FLORISTÁN SAMANES, C. Teología practica. op. cit., p. 632.
A Iniciação Cristã é caminho que concorre para profundas mudanças na
vida pessoal, resulta na configuração de uma nova pessoa que, ao abrir-se para o
mistério, responde existencialmente ao convite de Deus.
Também Nanci fala de uma motivação de fundo existencial, relacionada
com a busca de sentido em sua vida. Estava insatisfeita com suas relações
familiares, fechada para as pessoas, isolada, perdida, e sabia que não queria viver
dessa forma. O testemunho de duas amigas e o convite para participar de
atividades na Igreja iniciam um processo de mudança para ela.
A minha vida estava muito vazia... Eu sentai que tava faltando algo, né?Eu,
numa certa idade, a convivência, aqui dentro de casa, também, não era muito
boa. Aquelas discussões, eu tava quase entrando numa depressão.... Eu falei:
‘Meu Deus! Eu tenho que fazer algo, tenho que procurar algo pra melhorar a
minha relação, aqui dentro de casa’. Eu tava me fechando muito comigo mesma,
né? Eu tava com aquele medo... das pessoas, de me relacionar, tava me
fechando, assim, no meu mundo... Eu não queria... Foi quando apareceu as
meninas, né? A Valéria e a Maria... e começou, assim, a me clarear aos poucos
pra assistir à missa, participar do grupo de oração, ir ao curso bíblico... Foi
quando eu comecei. (Nanci)
O fato de ser um grupo de adultos a fez considerar a possibilidade de
participar.
Uma amiga me falou, Nanci, participa que você vai ver que vai ser muito bom
pra sua vida. Não tenha vergonha, não. Ai eu falei assim: ‘Ah, mas eu, velha,
adulta, não!’ E aí, quando as meninas falaram que eram todos adultos
participando... ‘Você vai um dia pra você ver!’ eu fui no dia em que elas
estavam fazendo um rito, acho que o escrutínio... é assim que se fala? Aí em
falei: ‘gente, eu vou fazer! Eu vou fazer a minha eucaristia! (Nanci)
Na fala de Nanci podemos identificar a importância do testemunho das
amigas e o fato concreto de poder fazer parte de um grupo de adultos nesta
Iniciação. Aqui percebemos mais alguns indicadores do processo mistagógico: o
testemunho daqueles que estão no caminho, a configuração grupal, respeitando
o contexto, a faixa etária, a realidade dos participantes do Catecumenato.
Outros depoimentos reúnem duas categorias, de ordem pastoral e
teológica, explicitadas na busca de compreensão da celebração eucarística, dos
textos bíblicos e da liturgia. É o caso de Valéria e de Ana Maria.
Para Valéria, o Catecumenato é uma forma de compreender sua , de
alguma forma perdida na infância. Ela percebe um desinteresse, tanto nas pessoas
como em si mesma, durante a participação na missa, e considera que esta é uma
forma de retomar o caminho que tinha iniciado na infância, com sua mãe e na
preparação para a primeira eucaristia. Também Ana Maria assinala não apenas seu
desejo de participar melhor da celebração eucarística, como esta conquista, a
partir da liturgia vivenciada na Casa de Oração.
Minha mãe tinha muita fé... ela ensinou a gente a rezar. A gente rezava o Pai
Nosso, Ave-Maria... Depois, grande, eu ia à missa... mas eu achava muito
chato, deixava pela metade, ia embora... Não entendia nada, o que o padre
falava, o que fazia com a stia... Eu não entendia... eu procurei o
catecumenato...através da minha amiga que começou a ir.... foi assim, tipo um
jeito de voltar pro lugar que eu tava quando era criança... fazer a primeira
comunhão e recomeçar, entende? (Valéria)
Eu vim pra me preparar, porque eu sabia que tava faltando alguma coisa...
Primeiro... apesar da gente ir à missa, participava da missa, entendeu? Mas você
não conseguia ver os detalhes pequenininhos que com o catecumenato você
passa a ver, né? Você passa a ter uma participação na missa, vamos dizer,
melhor, né? Você participa e aquilo parece que abria a tua mente, né? (Ana
Maria)
As duas catecúmenas traduzem insatisfação diante do ritual litúrgico do
qual participavam. Esta é também uma das causas do afastamento de muitos fiéis
que não experimentam uma liturgia como lugar de encontro, como experiência do
mistério do amor de Deus. A mistagogia tem na liturgia uma lugar teológico
fundante. Palavra de Deus e liturgia caminham juntas na mistagogia dos Padres.
Dessa forma, podemos averiguar que a fonte de abertura ao mistério de Deus deve
ser ocasião de preparação e renovação, a fim de que fiéis e comunidade cresçam,
sempre mais, em comunhão trinitária.
É interessante observarmos que a motivação inicial, tem aspectos comuns,
mas ao entrar no processo catecumenal, cada pessoa tem experiências diferentes, e
percebe que o caminho vai muito além de um simples aprendizado sobre a e
sobre a Bíblia. Nos discursos abaixo veremos que tanto Paulo como Maria,
imaginavam encontrar no Catecumenato uma formação teórica em função da
preparação para os sacramentos de Iniciação, mas se surpreendem com algo
diferente do que esperavam.
Eu fui por iniciativa própria. Eu vi o pessoal é... comungando, né? eu a achei
aquilo assim, interessante e queria conhecer, assim um pouco. Eu era
batizado, então... fui assistindo a missa, prestando atenção, e me interessei (...)
Eu não tinha conhecimento do que era o catecumenato, ficava só na expectativa,
né? Ah, conforme o tempo, a gente foi... assimilando o negócio, passamos a ler a
bíblia ... de inicio eu achava que ia ser um curso... ah.. mas não é não. (Paulo)
Foi assim ...vontade de saber um pouco mais... eu tava sentindo que os meus
conceitos tavam ficando muito ralinhos... porque quando eu fiz catequese da
primeira vez, foi aquela coisa muito teórica... a gente não via muita prática,
aquele ensinamento num contexto, entendeu? (Maria)
A motivação constante é o desejo de conhecer a Igreja, mas o acento
conclusivo está na dimensão do caminho catecumenal como outra forma de
conhecimento, mais integral e concreto. Esta é um elemento da mistagogia, ou
seja, a compreensão da Iniciação Cristã como itinerário de abertura ao mistério de
Deus e de reorganização pessoal em função das respostas de fé. Estruturado em
torno dessa concepção, o caminho catecumenal não se torna uma aprendizagem
formal, de caráter apenas teórico, mas estabelece uma relação direta com a vida,
com a práxis da fé.
Poderíamos nos perguntar qual a motivação mais constante nesse grupo,
no que concerne às duas principais características dos processos de ICA, a busca
pelos sacramentos de Iniciação e o retorno à formação já iniciada em algum
momento anterior.
Uma das catecúmenas, Ana Maria, tem claro que existem estes dois níveis
de formação. Ela chama de Iniciação Cristã para aqueles que buscam os
sacramentos. E chama de Catecumenato, a busca pela atualização na que se
professa. Ana acredita que a Iniciação Cristã deveria começar em casa, na família,
desde a infância.
O catecumenato seria pra se aprofundar na sua fé. Eu acho interessante, não a
iniciação... a iniciação ficaria pra quem buscasse o sacramento. Isso tem que
começar lá da raiz, em casa mesmo, com pai e mãe ensinando. (Ana Maria)
Sua observação é muito interessante para nós, porque Ana identifica que a
transmissão inicial da como o início do caminho cristão. Ela acredita que a
primeira comunidade, a família, deveria ser o berço da experiência de . E mais.
Essa experiência deveria ser iniciada na infância
648
. É tempo propício para
experimentarem o seguimento de Jesus como verdadeiros discípulos, anunciando
648
A abertura para a experiência de encontro com Deus desde a primeira infância é fundamental
como construção da pessoa em abertura dialógica e num eixo evangélico. Esta experiência constrói
atitudes concretas: de atenção e cuidado com as pessoas e com a natureza, preocupação com
atitudes de desumanização e o desejo de transformar essas situações através da solidariedade
concreta.
a em Jesus e a necessária transformação das atitudes em vista do amor, da
alegria, da justiça, da paz, do bem comum.
Todavia, a transmissão da fé cristã em ambiente familiar e na inncia não
tem sido uma constante na sociedade pós-moderna, na qual a experiência religiosa
também é delegada a um plano individual e a liberdade de escolha religiosa
aparece como uma defesa dos direitos humanos e não como algo a ser cultivado
pela família e comunidade mais próxima. Esta é também uma das causas de
muitos buscarem a experiência religiosa apenas na vida adulta.
O depoimento a seguir integra as duas características: a busca pelos
sacramentos e a atualização na fé cristã. Ela considera que, inicialmente, pode-se
criar uma resistência devido ao tempo de duração do processo catecumenal;
muitos podem mesmo desanimar e desistir do caminho. No entanto, ela sublinha
que é fazendo o caminho, ou seja, durante o processo catecumenal, que esta
concepção se modifica e o Catecumenato deixa de ser direcionado ao objetivo
sacramental, e passa a ser um caminho cristão, no qual toda a vida vai sendo
reconfigurada. aqueles que experimentam o processo é que realmente
valorizam este caminho.
A pessoa descobre que aquilo ali é um algo a mais do que o próprio
sacramento, quando ela faz. E pra ela fazer, precisa de estímulo...Ela vai em
busca de uma coisa encontra outra... Aí, que ela valoriza... Eu acho dois anos um
tempo bom... eu acho um ano pouco, mas dois anos é um período bom pra pessoa
ir se conhecendo dentro da igreja, conhecendo seu papel, conhecendo a
importância que ela tem e que o grupo, também tem, entendeu? (Maria)
As palavras de Maria apontam mais uma vez para o elemento mistagógico
do caminho. A mistagogia é abertura processual ao convite que ecoa no coração
humano e na realidade, é mudança existencial e conversão de atitudes.
Maria tem um diferencial com relação aos demais entrevistados. Ela é a
única que participa do Catecumenato tendo conhecido a proposta do RICA. Antes
de entrar no Catecumenato ela recebe o RICA das mãos de seu pai, diácono da
diocese de Caxias, e considera ser o caminho que gostaria de trilhar
concretamente. Seu interesse em saber mais sobre a cristã encontra no próprio
RICA uma resposta aos seus anseios.
Antes de eu entrar, eu recebi aquele ritual, o RICA... Aí, eu achei interessante a
proposta...achei que podia dar certo...Era isso mesmo que eu queria... então
calhou de começar este grupo ... E eu achei que tinha que ter a minha hora
também, entendeu? Eu tinha que participar. (Maria)
Esta catecúmena demonstra maturidade na escolha deste caminho, contudo
não temos como avaliar até que ponto compreendeu a teologia do RICA. O que
percebemos nitidamente é que ela se identifica com a proposta da Iniciação Cristã
e confirma sua decisão de participar do Catecumenato.
Floristán Samanes avalia que é comum que os participantes do
Catecumenato estejam no processo de reiniciação, como cristãos praticantes que
“buscam uma Igreja comunitária, de vocação evangélica, pouco burocrática, com
uma liturgia viva, capaz de reformular hoje a plenamente aberta ao
compromisso
649
.
No século IV, Cirilo de Jerusalém se dirige a grupos de pessoas simples,
pagãos ou a grupos provenientes do judaísmo
650
. Neste período, as motivações
voltam-se para a questão pastoral e teológica: a adesão e compreensão da nova
ao qual estavam sendo iniciados. Cirilo tem o cuidado de articular, no mesmo
itinerário, os elementos que responderiam à demanda do seu público diverso sem
perder de vista os eixos fundamentais da cristã. Sua pregação integra
primorosamente a Palavra de Deus, a liturgia e a dimensão existencial.
Este dlogo catecumenal promovido por Cirilo é o próprio processo
mistagógico. Cirilo leva em conta as motivações de seus ouvintes, a fim de
conduzi-los pelos caminhos da Revelação de Deus, respeitando seu contexto
pessoal, vivencial.
Retomemos brevemente os elementos mistagógicos presentes em Cirilo de
Jerusalém que já emergem nestas primeiras práticas discursivas do grupo de
Catecumenato com Adultos da Casa de Oração Batismo do Senhor.
1. O catequista se percebe como instrumento de um processo, no qual a
iniciativa e a dinâmica é impulsionada pelo Espírito de Deus;
2. O mistério de Deus ecoa no coração humano e convida a uma resposta
que envolve toda a existência;
3. O caminho da Iniciação Cristã integral resulta na configuração de uma
nova pessoa, aberta à ação salvífica de Deus em sua vida pessoal;
649
Cf. FLORISN SAMANES, Teologia Practica. op. cit., p. 473.
650
Cf. BIELSA, J.S. In: CIRILO DE JERUSALEN. Catequesis. op. cit., pp. 16-17; RIGGI, C. In:
CIRILLO DI GERUSALEMME. Le Catechesi. op.cit., p. 17.
4. O testemunho dos membros da comunidade é também caminho
mistagógico;
5. A liturgia é lugar privilegiado da experiência do mistério do amor de
Deus;
6. A Iniciação Cristã não é uma aprendizagem teórica e sim um processo
de integração profunda entre a e a vida.
Em diálogo com esta experiência particular, acrescentamos outras
referências para nossa reflexão teológica, a partir das observações dos
participantes do Catecumenato, como também em parceria com os desafios
apresentados pelos estudiosos da ICA.
1. O tema da Iniciação Cristã em ambiente familiar e na infância como um
diferencial, configurando a experiência religiosa como eixo norteador da pessoa
humana;
2. A realidade da vida adulta e a possibilidade de encontrar resistências
frente à perspectiva do caminho da Iniciação, que exige perseverança e conversão
de atitudes na direção do seguimento de Jesus;
3. As orientações do Magistério através do RICA, estruturado em torno do
eixo da mistagogia dos Padres da Igreja.
Depois de firmadas as motivações apresentadas pelo grupo de
entrevistados e por seu catequista, vamos prosseguir na análise dos discursos,
mantendo como filtro as categorias mistagógicas extraídas da teologia de Cirilo de
Jerusalém. O caráter teológico das categorias aqui apresentadas é a chave
hermenêutica para a seleção das práticas discursivas, para aplicação das categorias
mistagógicas como critério de observação, confronto e reflexão do processo de
Iniciação Cristã de Adultos na Casa de Oração Batismo do Senhor.
3.2.2
Categorias mistagógicas
No segundo capítulo deste trabalho desenvolvemos uma leitura das
Catequeses Mistagógicas de Cirilo de Jerusalém e, a partir desta leitura,
procuramos identificar quais as categorias que emergiam de suas Catequeses, as
quais chamamos de categorias mistagógicas. Para nós, são as grandes referências
que demarcam o embasamento teológico e a metodologia pastoral-pedagógica de
Cirilo de Jerusalém ao orientar o processo de Iniciação Cristã de Adultos no seu
tempo.
Sem desejar uma transposição daquela realidade antropológica e
eclesiológica para o nosso tempo, queremos trazer as categorias mistagógicas de
Cirilo de Jerusalém como referências para analisarmos as práticas discursivas e os
encontros do grupo de Catecumenato da Casa de Oração Batismo do Senhor.
Estas serão nossa fonte de sabedoria que nos auxiliará a nos mantermos no eixo
mistagógico desse grande Padre da Igreja, como caminho a ser trilhado e como
critérios abalizadores para a experiência contemporânea.
Colocamo-nos na dinâmica mistagógica, percorrendo o caminho da
Iniciação Cristã de mãos dadas com a comunidade local, ao sopro do Espírito e
abertos ao discernimento teológico e pastoral.
Para orientar nossa análise, percorreremos as Categorias Mistagógicas
abaixo relacionadas:
1. Articulação entre Sagrada Escritura e Liturgia
2. O catequista como pedagogo da fé
3. A construção da experiência de comunidade
4. A compreensão da Iniciação Cristã como caminho
5. Vida cristã e acompanhamento pessoal
6. A oração e o seguimento de Jesus
7. Pertença eclesial
8. O espaço mistagógico
3.2.2.1
Articulação entre Sagrada Escritura e Liturgia
Na mistagogia de Cirilo de Jerusalém, a Palavra de Deus não é uma
escolha metodológica, mas a chave da dinâmica da Revelação, o princípio e o fim
do anúncio revelado e sempre presente na Criação e Redenção. Cirilo proclama a
Palavra criadora, sentido e mistério de Deus revelado. A Hisria da Salvação é o
fio narrativo, pelo qual o próprio Deus vai conduzindo seus filhos e filhas na
história e para além da história.
O catequista da Comunidade do Batismo do Senhor se integra nesta
mesma sabedoria recebida da Tradição patrística. A Sagrada Escritura é sabedoria
de Deus revelada a todos nós. É com esta percepção que ele acolhe a orientação
do padre da Casa de Oração para que o roteiro do caminho catecumenal seja o
próprio ano litúrgico
651
. A liturgia convida, através desta experiência cíclica, cada
fiel e cada comunidade a penetrarem no mistério da vida de Jesus, aprofundando,
a cada etapa, um aspecto do mistério pascal
652
.
Sr. Augusto nos fala do primado da Palavra de Deus na caminhada do
Catecumenato com Adultos.
Eu acho assim... que a Bíblia é Deus falando, então, é ele quem deve falar nos
encontros. Não sou eu. Então, o que eu sou? Eu vou ajudando cada um a
entender que aquela Palavra não é qualquer palavra, é Deus mesmo falando pra
ele, na vida dele, que conhece ele mais do que ninguém e está ali, sempre esteve
aliás.... Sem Bíblia não dá, acho que não se vai a lugar nenhum, ou então se vai
mal...(risos) Mas também tem que ser devagar... cada dia um passo, sabe? (Sr.
Augusto)
O RICA orienta que é necessário que no Catecumenato se vivencie o
mistério da salvação do qual desejam participar plenamente. Esta vivência é
facilitada pelo caminho do ano lirgico e valorização das Celebrações da
Palavra
653
. A Palavra refletida em comunidade, sob a orientação do catequista,
recebe intensidade nos seus significados, enraíza na vida e, por isso mesmo, sua
comunicação se torna mais eficaz. Os participantes deste Catecumenato valorizam
muito esse procedimento, como momentos de conhecer a Palavra, manusear e
criar intimidade com a blia. Vejamos como percebem a atuação mistagógica do
catequista com relação ao contato com a Bíblia.
Eu acho que o Seu Augusto fez o melhor caminho, começando pela bíblia... na
verdade, pela intimidade com a bíblia. Na verdade... que é uma coisa tão
simples, que depois que o catecumenato estava fluindo, pegando fogo na
minha vida... o mais importante pra mim não foi ler a Bíblia, conhecer a
ordem, os livros, as cartas, aquela historia toda bonita... foi mesmo, sabe o que?
Foi ver que durante a semana eu lembrava, vinha na minha cabeça, ficava
dentro de mim, como a voz de Deus mesmo... me dizendo coisas... nossa, incrível!
(Afonso)
651
O Ano Litúrgico é um tempo marcado pelo mistério pascal. É o diálogo entre Deus e o tempo,
ou melhor, é o momento de Deus no tempo, referendado pela categoria de kairós entendida
como tempo favorável, "tempo de graça e de salvão". Através das celebrações, o ano litúrgico
nos coloca em um dinamismo que une passado, presente e futuro, em uma dimensão escatológica.
652
Conforme as orientações do RICA, o catecumenato deve ser distribuído em etapas, relacionado
com o ano litúrgico e apoiado nas celebrações da Palavra. Cf. RICA, n.19.
653
ORMONDE, D. Vale a pena os catequistas conhecerem o catecumenato. op. cit., p. 247.
Afonso faz uma retrospectiva do caminho que a Palavra de Deus fez em
sua vida e identifica que a Palavra provocou uma grande mudança existencial: a
voz de Deus’ ecoava em seu coração e lhe orientava o pensar e o agir. É o
mistério de Deus fecundando a vida humana, a partir da Palavra que rompe o
silêncio e se faz ouvir
654
.
A integração entre a Sagrada Escritura e a Liturgia é realizada através das
práticas do caminho catecumenal como, por exemplo, a leitura, a partilha e
interpretação comunitária dos textos bíblicos e a participação nas celebrações
eucarísticas. O catequista adota uma dinâmica com características presentes na
mistagogia de Cirilo como: a narrativa bíblica, a relação entre a liturgia e a
Sagrada Escritura, a pedagogia divina na História da Salvação. Todos estes
elementos apresentados sob o fio condutor do processo da Revelação de Deus na
história de seus filhos e filhas.
Este processo catecumenal segue as orientações do RICA e, portanto, é
marcado por uma rie de ritos e celebrações litúrgicas, que convidam ao mistério
de Deus e aprofundar a comunhão de cada pessoa em Jesus Cristo, com o Pai e o
Espírito. Nessa dinâmica, tanto a comunidade reunida, como cada pessoa, entram
em uma participação profunda, fecunda e processual no mistério de Jesus.
Nos depoimentos abaixo, percebemos esta integração fecunda, entre a
Palavra e a Liturgia, corrobora na integração da pessoa, em todas as suas
dimenes, sem que haja uma dicotomia entre fé e vida.
Se a gente não faz um bom catecumenato, não vai participar, se entregar a uma
missa, você não se encontra de corpo e alma, né? Ali você se entrega
realmente...Você se entrega à missa, as pessoas vão ali pra gente escutar o que o
Senhor nos diz, o que fala e toca mesmo no nosso coração, né?Entra mesmo nos
nossos ouvidos e vai ao fundo da nossa alma... Hoje em dia, eu fico esperando
cada minuto, o evangelho, a comunhão, tudo é importante agora, pra mim tudo é
importante. (Nanci)
Nas palavras do catequista, os ritos presentes no RICA demarcam que é a
Palavra de Deus que tudo fundamenta na ICA.
No ritual tem momentos importantes do catecumenato... a entrada, os
escrutínios... mas tudo tem a Palavra no co, entende? Não é assim, de
qualquer forma, com qualquer palavra, é a palavra certa, que a Igreja escolheu
na sua sabedoria... e você vê mesmo, com seus pprios olhos, que aquilo vai
654
Cf. LATOURELLE, R. Teologia da Revelação. São Paulo: Paulinas, 1972, pp. 176-188.
fazendo uma mudança na pessoa... quase sem ela perceber... mas eu tenho olho
clinico, eu vou vendo e na medida que acho que chegou a hora, vou dizendo pra
ela, puxando dela... o que está sentindo?... o que está acontecendo na vida...
assim, fazendo ela ver que é Deus ali com ela. (Sr. Augusto)
Sua habilidade pedagógica é evidenciada no depoimento acima.
Conhecedor do processo que orienta, Sr. Augusto reconhece na Palavra de Deus o
primado do caminho mistagógico e procura estar sintonizado com seu grupo de tal
maneira que possa auxiliar na integração entre a fé e a vida.
Ao final de cada tempo litúrgico, este grupo vivenciou um retiro, no qual
recapitulou a Palavra proclamada naquele período. Uma das catecúmenas relata
sua experiência destes retiros.
Aqueles retiros eu achava interessante... também porque você achava assim:
poxa eu vou esquecer, né?... durante o ano você esquece todas aquelas leituras
que teve, mas quando vo começava a fazer a retrospectiva, você conseguia
lembra de tudo, aquilo ficou dentro da gente, entendeu? (Ana Maria)
Ao fazer a retrospectiva do tempo litúrgico vivenciado, retomando seus
principais eixos, o grupo está experimentando a mistagogia que brota da Palavra
de Deus e convoca a própria vida. Fazer esta revisão em comunidade é ainda
experiência eclesial, de uma comunidade constituída pela Palavra
655
.
Na fala dos participantes, a Palavra proclamada no contexto da liturgia tem
força sacramental. Se refletida e interpretada no espaço catecumenal recebe
densidade, os participantes compreendem melhor seu contexto e sua vinculação
com a vida atual. A Liturgia da Palavra é um diferencial tanto para sua formação
como para a participação na missa.
Eu vejo que a partir do momento que você estuda a Palavra, então te deixa mais
participativa na missa. Quando eu ia na missa antes de fazer o catecumenato, eu
ia, mas sabe o que é você ficar assim?... você participava... você chega lá,
você lê, você não consegue concentrar. Ainda mais que a paróquia é uma
igreja grande, então determinadas coisas te tiram a concentração, então você
escutava a Palavra e você não conseguia entrar e ficar, entendeu? (Ana Maria)
Para Ana Maria, a Palavra de Deus proclamada na missa convida ao envio
e à missão. Torna-se testemunhal, porque é Palavra acolhida e assumida na vida.
A Celebração Eucarística é elemento que nutre e impulsiona sua semana,
conduzindo a novas atitudes, a agir como pessoa nova em seu cotidiano familiar e
655
Cf. BOFF, Cl. Teoria do método teológico. Petrópolis: Vozes, 1998, p. 111.
profissional. Mais do que uma doutrina que é ensinada, ao acolher e viver a
Palavra, a comunidade torna-se missionária pelo próprio testemunho.
Agora eu participo de um jeito interiormente. Eu saio daqui praticamente com a
minha semana traçada. O catecumenato te uma visão diferente de como o
as celebrações. Então você já entra nela com um espírito novo, diferente... aquilo
entra em você. Então isso melhorou a minha vida, em todo lugar, até no
escritório. Você não sai fazendo o que te dá... você fica mais paciente, ajuda a
levar a Palavra para eles, umas coisinhas pequenas... Às vezes até na sua forma
de agir também. Você dá testemunho daquilo. (Ana Maria)
Esta relação entre a Palavra e a Celebração Eucarística é percebida pelo
grupo como um diferencial com relação a outras experiências, nas quais a leitura
bíblica não está integrada com a liturgia.
Para concluir esta análise observemos qual o lugar mistagógico da Palavra
de Deus ouvida, acolhida e interpretada. Para o catequista Sr. Augusto, as
narrativas bíblicas devem ser compreendidas a fim de que os participantes possam
saborear a liturgia.
Olha a diferença é que a gente fazia esses encontros aos domingos, cinco
horas da tarde, tá? E a gente trabalhava a liturgia da santa missa. Era
fantástico, porque eles passavam a ver um horizonte novo, né?De outro jeito, se
você não esmiuçou aquilo, não tornou aquele momento para ele saboroso... não
tem como engolir, saborear. Mas quando você descasca aquilo tudo, é como se
você descascasse uma laranja.(Sr. Augusto)
Para ele, a Celebração Eucarística ganha um novo sentido quando a pessoa
compreende os textos bíblicos e a liturgia da qual está participando. Mas, o que
vem antes e o que vem depois? Qual seria o processo mistagógico? Experimentar
o mistério pascal e depois buscar compreender e interpretá-lo através da
Palavra? Ouvir a Palavra e compreendê-la para melhor saborear o mistério do qual
participa?
Cirilo tem dois procedimentos, antes e depois da experiência sacramental.
Nas Catequeses Pré-Batismais, Cirilo prepara os neófitos para o Mistério que irão
experimentar através do caminho da Sagrada Escritura. Ela é a mestra, é fonte que
revela os conteúdos doutrinais a serem trabalhados. O eixo que dá consistência e
orienta a linguagem, os exemplos e o diálogo com a realidade, na direção da
inserção progressiva no mistério de Cristo e na Igreja, é a mistagogia. Após os
sacramentos da Iniciação, nas Catequeses Mistagógicas, Cirilo desenvolve a
catequese a partir da experiência litúrgico-sacramental. Trata-se da mistagogia na
liturgia sacramental, momento de imersão da pessoa inteira no Mistério pascal do
qual participa.
Na primeira etapa, constatamos que a primazia pertence à Sagrada
Escritura, ela é a base lida para a experiência sacramental. Na segunda etapa, o
elemento catequético encontra-se posterior à experiência, e não como uma função
preparatória. Aqui subjaz a compreensão da liturgia como experiência fundadora
da catequese.
Com relação a esta articulação entre catequese e liturgia, Villepelet
defende que “não somos nós que entramos no Mistério da cristã, é o Mistério
que vem até nós!
656
. Se concordarmos com esse pensamento, a mistagogia
propõe a acolhida do primado da Revelação plena em Jesus Cristo e, por ele,
deixar-nos conduzir ao Pai
657
. “Se considerarmos que a liturgia é a ação
privilegiada da Igreja pela qual é atualizada, permanentemente, a Páscoa de
Cristo, ela se torna um momento estruturador de toda catequese, é uma mediação
essencial da mesma”
658
.
Segundo a tradição patrística, quanto mais viva e vivida é a liturgia, tanto
mais necessita de catequese. Tem força mistagógica, pois nos conduz para a
experiência de aliança e comunhão no e com o mistério. Ela é acompanhamento,
discernimento, compreensão, disposição da pessoa diante do caminho da
cristã
659
.
Em consonância com a tradição patrística, o RICA também parte do
primado da liturgia como participação no Mistério da salvação. Para tanto,
prioriza as Celebrações da Palavra como momentos privilegiados de compreensão
do seguimento de Jesus Cristo, de experiência de oração pessoal e comunitária,
através dos símbolos e atos litúrgicos
660
.
656
VILLEPELET, D. La liturgie comme médiation de la catéchèse. In: La Maison-Dieu.
Catéchese et liturgie en dialogue. Paris, 2003, 234, p 67.
657
Sobre a articulação entre catequese e liturgia ver o excelente artigo de A.ZANI, Liturgia e
catequese nos Padres: notas metodológicas, Belém, 2002. Ele propõe uma integração, na qual
uma se refere à outra dinamicamente, a liturgia postula a catequese e a catequese exige a liturgia.
A liturgia é catequese porque envolve o ser humano em todas as suas dimensões e, enquanto
pedagogia divina, é exercício de fé e comunicação do dom da vida de Deus”.
658
VILLEPELET, D. op.cit.
659
A catequese patrística era marcada pela explicação dos ‘mistérios’ da liturgia-sacramental,
preocupando-se, sobretudo com a compreensão das realidades litúrgicas na Sagrada Escritura.
660
Cf. RICA, n.106.
Entretanto, o catequista desta comunidade propõe uma flexibilização das
orientações do RICA quanto à participação dos integrantes na Celebração
Eucarística.
A relação de missa com o catecumenato é MUITO importante, MUITO! No
RICA, não sei se você se lembra, enquanto eles estiverem no catecumenato, eles
podem ficar na missa a a liturgia da Palavra. Isso, pra mim, é
embaraçoso. Me ajuda porque eu não tenho resposta. Acaba incomodando as
outras pessoas...
É porque, a liturgia da Palavra era para os catecúmenos que não foram
batizados. Nesse caso, o Afonso teria que ir embora... Eu acho que é
excludente essa forma porque ele vai sair no meio da celebração e vai se sentir
menor.
A orientação do RICA é pra criar um processo. Você vai até aqui.. .daqui
pouco você vai até aqui... Mas a gente precisava também de uma flexibilidade
por conta do RICA, do ritual, para que nós pudéssemos trabalhar o catecúmeno
como parte de uma comunidade em que inserido... não com a vivência
dele na fé, mas com o histórico de vida, o testemunho de vida dele, diante da
sociedade. (Sr. Augusto)
O catequista julga constrangedor despedir os participantes do
Catecumenato após a liturgia da Palavra e prefere optar pelo convite e
permanência dos participantes durante toda a Celebração Eucarística
661
. O que
pudemos observar no processo catecumenal deste pequeno grupo é que sua
participação na Celebração Eucarística se tornou ocasião privilegiada de encontro
com Jesus.
No encontro de hoje muitos expressaram o quanto a missa tem feito diferença em
sua vida, em sua semana. Na verdade, não chegam a verbalizar uma
compreensão efetiva das partes da missa, da liturgia, mas expressam em forma
de oração, de admiração, de sentimento de presença de Deus em si mesmo, em
movimento interior de mudança. (Anotações de campo, 18/10/2004)
A liturgia vivenciada na Casa de Oração faz com que o grupo seja
iniciado também na participação no Mistério pascal. Algumas vezes, os
661
Vale ressaltar que o RICA é um documento de orientações que respeita a dinâmica da
comunidade local. Neste aspecto, a orientação para a retirada dos integrantes do Catecumenato
após a Celebração da Palavra, é facultada para que seja gradativa, caso seja aceita e não traga
dificuldades à comunidade. Cf. RICA, n. 19 e n. 106. H. Bourgeois avalia que este é um
procedimento importante, apesar de receber muitas contestações em várias experiências locais. Em
primeiro lugar, porque de fato há iniciados e iniciantes, e, é uma atitude de respeito a estes últimos
o participarem de expressões da para as quais ainda não estão prontos. Em segundo lugar,
pelo caráter eclesiológico da Celebração Eucarística, como se para participar da Igreja o fosse
necessário um caminho de Iniciação, uma comunidade chamada à vocação, à conversão e ao
testemunho; como se fosse possível participar da Celebração de forma integrada e plena. É
possível que os participantes do Catecumenato se sintam integrados à Igreja, mas não ocorre o
contrário. Cf. BOURGEOIS, H. Teologia Catecumenale. op. cit., pp. 171-173.
participantes do grupo fazem referência a uma experncia forte, de mistério, de
mudança de vida, de sentir a presença de Deus, de sentirem intimidade com Deus.
Ali você entende melhor a eucaristia, o pão e o vinho, por causa do jeito que a
gente reza a missa, tão juntinhos, e por causa do seu Augusto explicar... eu acho
que são as duas coisas juntas... (Valéria)
Podemos dizer que aqui temos o cerne da mistagogia, a experiência do
Mistério, a experiência de abertura para a dinâmica da Revelão, para o encontro
com Deus. A vida passa a ser reconfigurada passo a passo, em um diálogo
profundo e fecundo entre Deus e a pessoa. Na fala de Afonso encontramos este
dado, manifestado no conceito de ‘entrega’
662
.
Eu acho que o catecumenato vai te levando aos poucos, e você, um pouco sem
sentir... vai se entregando inteiro... é, há uma entrega que acontece no
catecumenato, é momento muito forte de entrega. Você se entrega... deixa o
Espírito Santo agir um pouco em sua vida pra ele tomar as rédeas de tudo.
(Afonso)
A dinâmica dos encontros catecumenais, tendo por base o ano litúrgico,
não tornou a participação nas celebrações um momento de adesão intelectual. Ao
contrário, após cada celebração, os participantes manifestavam especial
compreensão do Mistério de Cristo, valorizando a celebração como lugar de
educação da por ser ela mesma, a em ato, a Palavra viva, o encontro entre
Deus e seu povo.
Retomando o percurso desenvolvido nesta categoria mistagógica, vejamos
quais os principais pontos a serem destacados na análise das práticas discursivas
deste grupo de Catecumenato.
Em primeiro lugar, a articulação entre a Sagrada Escritura e a Liturgia é
um dos critérios que orienta o processo catecumenal. Todo o processo se
desenvolve tendo por base estas duas fontes apresentadas e refletidas sempre em
conjunto: a Revelação que se faz Palavra e a Liturgia como inserção no Mistério
revelado a todos nós. As orientações do RICA têm esta mesma base teológica.
662
Na reflexão da liturgista I. Buyst, este conceito de entrega’ tem o mesmo significado que a
‘participação consciente’, é a consciência do fiel de sua inserção no Mistério Pascal e decisão livre
de confiar sua vida e suas escolhas ao projeto de Deus. Cf. BUYST, I. e SILVA, J. A. O Mistério
celebrado: memória e compromisso. São Paulo: Paulinas, 2004, p. 107.
Em segundo lugar, o catequista desta comunidade se insere na sabedoria
recebida da Tradição da Igreja numa atitude de unidade e diálogo fecundo,
sensível e atento às interpelações apresentadas na realidade deste grupo.
Em terceiro lugar, demarcamos o processo de amadurecimento do grupo
durante o processo catecumenal. Por intermédio de nossa observação, convivência
e dos testemunhos recolhidos verificamos que, a cada etapa do caminho
catecumenal, os participantes do Catecumenato tornavam-se mais sintonizados
com a voz de Deus’ que ecoava e provocava sua dinâmica existencial. As
palavras-chave que salientamos de seus discursos são entrega, intimidade,
interior, visão diferente, novo horizonte, mudança, envio, testemunho. São
palavras que denotam o caminho mistagógico, a inserção progressiva no Mistério
revelado e a abertura processual do mais profundo de cada pessoa.
Em quarto e último lugar, destacamos a experiência de Igreja que se
realiza, desde o primeiro momento, pela profunda integração entre a Palavra e a
Liturgia. O grupo se auto-compreende como Povo de Deus a caminho, em
unidade com o povo da Bíblia, com a sua Igreja, em diálogo fecundo com um
Deus que é, que fala, convoca, orienta, acompanha e estimula o caminho. O grupo
reunido em torno destes dois eixos vai se tornando comunidade sacramental, onde
a Palavra é fertilizada e produz os frutos da presença cristã no mundo.
3.2.2.2
O catequista como pedagogo da fé
Cirilo de Jerusalém é um apóstolo. É assim que compreende sua missão,
como resposta ao mandato, como mediação do grande chamado que Deus faz a
cada pessoa. Ele fala como alguém que orienta espiritualmente os participantes do
Catecumenato para que se abram ao convite que reside em seu coração e em
suas vidas. E, assim, se deixem atrair pelo amor de Deus, que a eles se revela e
convida a mudar suas vidas.
Sois discípulos da nova Aliança e partícipes dos mistérios de Cristo, agora,
por vocação, mas em pouco tempo também como um dom: ‘forjai em vós um
coração novo e um espírito novo’ para que se alegrem os moradores do céu
663
.
663
CIRILO DE JERUSALÉM, Catequese 1, 1. In: CIRILLO DI GERUSALEMME. Le Catechesi.
Introd., trad. e notas de RIGGI, C. Roma: Città Nuova, 2°. Edição, 1997.
Pai da Igreja, Cirilo é inspiração para os catequistas que, ao focarem em
sua vocação, encontram neste grande doutor da Igreja, um caminho de santidade e
também uma doutrina marcada pela originalidade quanto aos caminhos da
Iniciação Cristã.
O catequista, Sr. Augusto, não conhece este grande Pai da Igreja. Portanto,
não podemos dizer que é diretamente nele que enraíza suas referências teológico-
pastorais. Seu grau de consciência é o de quem deseja responder ao chamado de
Deus em sua vida com responsabilidade, como compromisso com o serviço
eclesial. No entanto, a partir do momento em que se abre para esta vocação e se
coloca em unidade com a caminhada da Igreja, se faz aprendiz e testemunha da
Tradição.
Sr. Augusto acredita que este chamado deve ser respondido com
humildade e responsabilidade, pois Deus confiará a ele ainda muito mais. Ele se
coloca à disposição do projeto, não apenas no momento presente, mas se prepara
para os ministérios futuros. Em sua observação, quanto ao seu professor, expressa
que sabedoria não apenas nos ensinamentos formais, mas principalmente no
testemunho do mestre. Sr. Augusto entende que o mestre deve dar testemunho
daquilo que ensina e, enquanto catequista, procura estar atento e pronto para este
compromisso.
É, fui fazer a formação teológica porque me ajudando muito, entende? Abriu
um clarão, principalmente agora como catequista (...) Nesses dois últimos
períodos é Sacramentos. O professor é muito bom, quer dizer... porque o mestre,
independente da mensagem, ele tem que viver essa mensagem para que o aluno
absorva... Não ficar só na cabeça (...) Então é eu acho que esse curso me ajudou
bastante e eu tenho certeza que é por isso o Senhor tem um projeto pra mim e
eu acho que se eu ainda fazendo o curso é porque ainda vou ter muita luta
(risos). E ainda tem muito pela frente. (Sr. Augusto)
Ele tem consciência de que o catequista é um mediador na relação entre
Deus e o participante do Catecumenato. Reconhece que o mestre é o Espírito
Santo, e se coloca como educador e como testemunha da que celebra, professa
e orienta.
A partir dos depoimentos dos participantes do grupo, encontramos outros
traços marcantes do catequista. Vejamos como Nanci o descreve.
Você as pessoas que estão ali seguindo, é sinal de que ele é um bom
catequista, porque se ele fosse um mal catequista... o pessoal fazia por fazer,
igual muita gente... Ele é uma pessoa muito legal mesmo. Tem muita fé, muita
paciência pra ensinar, explica tudo direitinho, com calma... ele fala da Bíblia
com o coração, com amor. Ele é bem preparado. Foi uma pessoa que passou por
muita coisa, ? Que nem São Paulo, ele era como se fosse uma outra pessoa,
que até atrapalhava o bem, o projeto de Deus, né? Ele não esconde isso, conta
pra gente como se converteu e tudo mudou na sua vida. Só Deus mesmo pra fazer
maravilha na vida das pessoas... Ele transforma a vida das pessoas... Eu acho
que ele foi muito importante na minha vida eu agradeço muito a Deus. (Nanci)
Este depoimento expressa três características significativas neste
catequista: o pprio processo de conversão, a coerência evangélica e a sua
qualificação.
O catequista é testemunha de Jesus Cristo e da Igreja, necessita viver a
coerência evangélica que ensina ao seu grupo. Como orientador do caminho do
seguimento de Jesus deve, também ele, percorrer este caminho. Sr. Augusto é um
testemunho vivo e eloquente para esta comunidade, por sua mudança radical e
entrega da própria vida ao seguimento de Jesus. Busca a formação teológica e se
coloca como aprendiz na dinâmica da Revelação, como ouvinte da Palavra e como
alguém que serve à Igreja. Suas ações pedagógicas são ações provenientes da
oração, da participação na liturgia da Igreja, do planejamento atento, da escuta da
Palavra e do Magistério em diálogo com a realidade de seu grupo.
Observemos como ele se refere a uma passagem em sua trajeria de
serviço à Igreja - de introdutor a catequista -, a convite do padre da Casa de
Oração. Naquele momento, não se percebia preparado para tanto, mas aceita o
convite do pastor como atitude de confiança, como desafio que assume com
responsabilidade.
Era um momento novo da igreja, né? Essa proposta e... acho que ele encontrou
em mim alguma confiança pra poder me convidar. Um desafio a gente procura
levar e chamar pra nós ..., me parece que ele tem essa confiança em mim,
embora ele sabendo que eu não tinha experiência nenhuma...como catequista.
Foi muito difícil os primeiros momentos pra... primeiro, eu me adaptar e depois
fazer o repasse. O programa ainda era um pouco confuso. Na diocese não tinha
orientações detalhadas para um catecumenato. Estava começando aqui na
paróquia. Isso é o começo de tudo. (Sr. Augusto)
É digna de nota a forma como o catequista abraça o convite do padre,
como uma convocação ao serviço eclesial, mesmo que numa fase de gestação da
nova proposta para o Catecumenato com Adultos.
O catequista tem a função essencial de ser testemunho de Cristo e da
Igreja. Será muito difícil ele orientar um processo de conversão se ele mesmo não
viver este caminho, como discípulo de Jesus. Como testemunha de Cristo, o
catequista também deve ser alguém que suscita testemunhos da experiência de
entre os participantes do Catecumenato.
Decorrente desta dinâmica do testemunho comunitário, outra característica
significativa no mistagogo é o relacionamento pastoral e afetivo, como pai e
pastor. Nesta experiência catecumenal, este testemunho não apenas é transmitido,
mas se faz presente também no acompanhamento tuo entre os participantes do
Catecumenato. Transcrevemos as palavras do catequista que indicam esta
compreensão.
Esse jeito de se preocupar, eles começam também a viver entre si... E a gente
percebe que o amor tem uma essência a mais do que nós somos capazes de
imaginar... Independente de tudo ele é contagiante. Se você está, na verdade,
vivendo um plano de amor com Deus, os teus também vão estar vivendo esse
plano de amor com Deus, embora dentro de algumas limitações, mas vai
seguindo, sabe? Aquilo parece que é uma chama que aquece a todos. Não
aquece só aquela pessoa... ela irradia. (Sr. Augusto)
O catequista percebe este aprofundamento nas relações internas do grupo
como uma experiência do amor de Deus. As limitações pessoais não são
empecilhos para a chama que irradia o calor do amor, pois este vem de Deus
mesmo, ele é o princípio ativo e orientador da experiência.
Outra característica presente neste catequista é a sua capacidade de
congregação e de motivação dos participantes do Catecumenato. O grupo o
considera responsável pela motivação de muitos, assim como pelo
acompanhamento, fazendo, muitas vezes, o papel de introdutor juntamente com o
de catequista.
Tem pessoas que chegaram aqui sem nem abrirem a boca e outras que eram
atoladas pra tudo. O Augusto fez com que eles se descobrissem, eles foram
falando aos poucos, se abrindo, vendo... Tinha pessoas que não falavam
nada, eram quietos, e que no final já estavam fazendo orações, faziam aquilo
de dentro pra fora. (Ana Maria)
O catequista dinamiza o processo de construção das relações de confiança
e de abertura dentro do grupo. Ele se proe a criar o vínculo comunitário-
familiar. E, neste caso, o próprio catequista testemunho desse empenho,
visitando as famílias dos integrantes do grupo, procurando conhecer e auxiliar nas
questões presentes, e, principalmente, sendo uma presença mistagógica, que
orienta e conduz a não apenas do integrante do Catecumenato, mas também do
grupo familiar.
Sr. Augusto está em consonância com a compreensão presente no
Catecumenato primitivo, no qual o mistagogo é um orientador espiritual. É aquele
que caminha com o participante, no sentido de criar uma disposição para oferecer
ao outro o espaço necessário para que faça sua escolha na liberdade
664
. Com
relação à orientação mistagógica presente em seu agir catequético, destacamos os
seguintes aspectos: a consciência de que nesta dinâmica a iniciativa é de Deus e o
catequista é mediador; a disponibilidade da própria vida na resposta ao chamado a
servir a Igreja; a unidade com a Tradição e com o Magistério; a perseverança na
busca da coerência evangélica; o dom de motivar, congregar e cuidar do grupo
como pai e pastor.
Nas palavras de São Paulo, cabe a quem acompanha ser diácono do
Espírito
665
. Imbuído dessa perspectiva mística, a postura do catequista pressupõe
respeito à liberdade de Deus e da pessoa a quem acompanha, alguém que orienta e
auxilia o participante do Catecumenato a reconhecer os sinais da presença de
Deus na sua experiência vital.
3.2.2.3
A construção da experiência de comunidade
Seguindo a inspiração fontal que a experiência mistagógica nos deixa,
reiteramos que a relação comunitária é indispensável. Ela possibilita não apenas o
estabelecimento de vínculos afetivos e de amadurecimento no diálogo, mas
também a interpretação das situações à luz da Palavra, as vivências celebrativas e
sacramentais, o alimento e o dinamismo da fé
666
.
A cristã é essencialmente eclesial. Os laços de comunhão que
constituem a comunidade fazem parte do caminho mistagógico, pois nascem da
664
Cf. BUNGE, G. La paternitá spirituale, Magnano: Edizione Qiquaion, 1991. Dispovel em:
‹http://www.mclink.it/personal› Acesso em: 18 de outubro de 2002.
665
Cf. 2Cor 3,8.
666
Cf. LIBANIO, J. B. Eu creio, nós cremos. São Paulo: Loyola, 2000, pp. 307-308.
sacramentalidade da Igreja, da experiência de comunhão apostólica e
eucarística
667
. Voltando nosso olhar para a comunidade local observada, vejamos
como este processo foi pensado, construído, e estratégias foram priorizadas no seu
processo mistagógico comunitário.
A primeira consideração apresentada pelo catequista, Sr. Augusto, diz
respeito à organização espacial dos encontros com o grupo de participantes do
Catecumenato. Ele recebe orientação do padre para que os participantes do
Catecumenato sejam dispostos em círculo, e parece ter claro que a estrutura física
colabora para a experiência do encontro e relacionamento comunitário. A
organização estética do grupo catecumenal é seu ponto de partida para explicitar a
necessidade do encontro profundo, humano, olhos nos olhos, que favorece a
vivência, a experiência, e não uma absorção intelectual de conhecimentos.
Vejamos a transcrição de suas próprias palavras com relação a este aspecto:
Na catequese comum, normal, você se reúne no sentido piramidal, na hierarquia.
um professor e alunos voltados para o professor. Ele vai falar na tua
cabeça,.ele não vai falar no teu coração, ele vai falar pra você aprender,
decorar.
E o catecumenato ele se reúne em círculos trazendo o sentido de igualdade entre
ambos. Na pirâmide eu vou ditar e você vai decorar e aprender. E eu me
reunindo em círculo com eles, eu vou vivenciar a experiência. Tem a vivência,
você olha nos olhos de cada um, você lida com eles o sentimento de cada um,
você percebe quando alguém vem com problema.
O padre me orientou assim, ele falou que todo catecumenato é feito assim. Esse
jeito da aula de catequese, como se fosse um professor ensinando, eu acho que
isso não é catecumenato. (Sr. Augusto)
Esta referência espacial é determinante de uma dinâmica dialógica no
caminho catecumenal. Para Sr. Augusto, ela favorece o encontro interpessoal, a
abertura para o conhecimento do contexto da vida pessoal de cada participante do
Catecumenato e a troca de experiências. Ele passa a considerar imprescindível,
elemento central da Iniciação Cristã com Adultos.
Eu primeiro via os problemas deles... O que houve? Quer falar comigo em
particular, não? Pode ser aberto? Às vezes a pessoa precisava desabafar.
desabafava, pronto, chorava e tal, daqui há pouco... pronto, tá pronto.
A Palavra vinha iluminar, ajudar não aquela pessoa, entende?Vinha como
uma inspiração para todos eles ... e pra mim, porque a gente sempre aprende
cada vez que se coloca diante da sabedoria de Deus.
Eu acho que no catecumenato tem uma visão do verdadeiro sentido de amor
pelos catecúmenos... então, se vo lidar uma vez por semana olhando nos olhos
667
Cf. FLORISN SAMANES, C. La Iniciación Cristiana. op.cit., p. 223.
de cada um, ao passar três meses você começa a perceber, mais ou menos,
quando eles entram aborrecidos, contrariados, tristes, alegres, alegre demais,
entendeu?.
O catequista precisa de ter uma sensibilidade maior. Por quê? Porque eles
buscam na pessoa do catequista...Como um pai, né?Um pai, um pastor. É uma
coisa assim, que até pra explicar eu tenho dificuldade. (Sr. Augusto)
A dinâmica grupal favorece a abertura dos participantes do Catecumenato
para uma experiência de confiança, de troca de dificuldades, de transparência. Os
níveis de integração pessoa-pessoa, pessoa-comunidade, Palavra-vida, fé-vida
estão numa dialética na qual o se identificam prioridades, pois a dinâmica da
Revelação é o eixo teológico-pastoral presente.
As palavras utilizadas pelo catequista amor, sensibilidade, pai, pastor
o palavras densas de significados, que nos remetem a um processo que está
longe de ser informativo ou direcionado apenas ao cumprimento de uma meta de
aquisição de conteúdos doutrinários.
Os participantes do Catecumenato, mesmo sem ter conhecimento dos eixos
referenciais do seu processo de formação, percebiam-nos na metodologia do
catequista e eram capazes de identificar e valorizar o caminho que vinham
percorrendo. Os relatos transcritos abaixo evidenciam os aspectos presentes na
metodologia: cuidado com cada participante, criação de um ambiente de
intimidade e confiança, familiar, a presença da Palavra como primado, a relação
da Palavra com a vida, a presença de Deus Pai na vida pessoal, o conceito de
pecado como fruto do isolamento da dimensão comunitária.
Sr. Augusto fazia assim: reunia em círculos, se preocupava com cada um de
nós... O mais importante era que a gente se conhecesse e criasse intimidade uns
com os outros. E ali ele ensinou a gente a ler a bíblia, mas não era uma bíblia de
especificação... Era uma blia de vida, porque a gente discutia o tempo todo
com a vida... Nós sabíamos que ele tinha uma intenção... E ele fez de nós uma
família. (Anotações de campo- 11.10.2004)
Somos todos filhos de Deus... Ele que nos compreende e sabe o amanhã de cada
um, porque... E depois, por que esconder de Deus um problema que ele já
conhece? Não tem motivo!Fica difícil você falar assim, que é pra deixar o
problema lá fora, quando uma pessoa chega pra frequentar o catecumenato. Ela
senta, mas tão atribulada, tão cheia de problemas que pode nem ter cabeça.
Então, seu Augusto estava sempre ligado, ele não deixava isso assim.. ele ia lá,
no particular, ou no grupo mesmo... ele encontrava um jeito da pessoa estar em
casa.
Se você tem essa liberdade de trazer os problemas pra comunidade, a
comunidade te ajuda a refletir. Você não fica solitário com aquele problema... o
que, ás vezes, sei lá... a solidão pode gerar um pecado, né?(Afonso)
O relacionamento de confiança constrói laços de solidariedade fraterna, os
quais identificam como laços familiares, pois, para este grupo, a intimidade e a
confiança tua o referências de sua concepção de família. O nível de
integração dos participantes é percebido de várias formas, e valorizado, por
muitos, como ponto central do Catecumenato. O termo ‘família’ está presente em
muitos relatos.
Aqui é tão bom, termina a missa e a gente continua, não quer nem ir embora,
acaba virando uma grande família. O catecumenato faz isso, ele começa a
reunir as pessoas fora da missa, você começa a ter um círculo de amizade
grande, aquelas mesmas pessoas vão pra celebração. (Ana Maria)
Era mais que um encontro, éramos uma família. Se alguém faltasse a gente
sentia falta... Se passasse mais de uma semana, se procurava saber por que
aquela pessoa não foi, se visitava, ia na casa dele. O jeito que o seu Augusto
dirigia levava a gente a ficar unido, né? Em segundo, o interesse de cada um,
né?(Paulo)
Este aspecto familiar aparece relacionado com outro, quanto aos conteúdos
próprios do processo de Iniciação Cristã. Ao serem interpelados quanto a um
planejamento temático para a formação, eles manifestam que muitos assuntos
foram tratados, foram fluindo ao longo do processo. Sempre que alguém queria se
abrir, trazia seu problema, e era acolhido e tudo conversado com clareza e
fraternidade.
O catecumenato é formado por pessoas, e as pessoas que estavam no grupo eram
adultas. Então, diante de nossas possibilidades... tudo era questionado, tudo era
conversado. Não nhamos uma barreira. Quando tínhamos um problema social,
que todos estavam chocados, era em cima daquele problema social que gerava
uma conversa. Quando alguém, por um motivo ou por outro, que vou colocar
aqui um fato concreto, de uma menina nova, engravidou, que tava dentro do
catecumenato... Todos nós ficamos grávidos com ela, geramos a criança com
ela... e todo mundo tem no menino hoje muito carinho. Era isso que eu queria
dizer, eu acho que o se deve definir o que tem que ter, o que não pode ter. A
beleza do catecumenato tá em deixar fluir um pouco. (Afonso)
No relato acima vale a pena sublinhar dois pontos. Em primeiro lugar, o
fato de que cada pessoa é considerada na sua originalidade, com sua história e
experiências pessoais. A seguir, observamos que o nível de integração com a vida
estava presente não apenas como alusão, mas como desafio e busca de respostas
comunitárias, à luz do Evangelho. A orientação ética caminhava em consonância
com a espiritualidade, com a prática do amor fraterno, com a experiência
comunitária, com as orações e reflexões a partir da leitura bíblica.
Na sociedade moderna, as relações interpessoais estão cada vez mais
escassas. As pessoas se sentem sozinhas, anônimas, sem identidade ppria;
possuem uma grande necessidade de afeto, companhia, amor e, vão buscar nos
grupos, uma experiência comunitária de acolhida e solidariedade. A construção
desta experiência favorece à demanda mais existencial, mas, no caso do
Catecumenato, a construção dos vínculos afetivos tem sua fonte de unidade e
comunhão na experiência de encontro com o Cristo pascal, na Palavra e na
Celebração Eucarística.
Decorre que as relações interpessoais se aprofundam no grupo, mas
também convidam a um exercício missionário, de partilha e co-responsabilidade
social. A práxis evangélica, a conversão de atitudes, a busca de coerência nos
ambientes de trabalho, de família, de ação política, emergem como consequência
do próprio seguimento de Jesus. É uma consequência coerente com o seguimento
de Jesus e imprescindível no mundo adulto no qual, muitas vezes, as dimensões
da vida cotidiana, social e política estão desintegradas da experiência de fé
668
.
O planejamento dos dois retiros deste grupo integrou momentos de revisão
dos tempos lirgicos, aprofundamento e orão e, também, momentos de
convivência e de lazer, nos quais os membros aprofundaram as relações de
amizade.
Nós fizemos vários encontros diferentes, assim, retiro, fomos pro sítio, fomos em
dois lugares muito bons... com tarde de oração, mas também nós nos divertimos,
sabe? Piscina, jogamos bola, fizemos muitas coisas boas, também o que
aconteceu?Isso uma união pro grupo pra não ficar só naquilo, ali fechado,
né? (Valéria)
A experiência de comunidade não é visibilizada como um elemento
marcante na mistagogia de Cirilo. O que podemos identificar é a dimensão de
pertença eclesial, lembrar que as ações litúrgicas se o em comunidade, e até
mesmo em um vínculo de fraternidade proveniente desta integração com o Povo
de Deus de ontem, hoje e sempre. Mas não temos dados para afirmar que, naquela
etapa, o Catecumenato promovia uma experiência de comunidade.
668
Cf. FLORISN SAMANES, C. Teología practica. op. cit., p. 475.
Na mistagogia de Cirilo, a Iniciação Cristã é um processo comunitário.
Seu cuidado pedagógico, a integração entre a catequese, a liturgia e a vida, o
sentido de identidade e pertença eclesial, assim como todo o processo de acolhida,
entrada e participação dos novos fiéis, é sempre desenvolvido na comunidade
eclesial. Ele não explicita uma experiência de construção dos vínculos
comunitários, mas em sua eclesiologia transmite a identidade do cristão como
participante do povo de Deus, destinatário e sujeito da missão a ele revelada. Da
mesma forma, quando Cirilo trata do seguimento de Jesus, refere-se a um
caminho pessoal e comunitário.
A comunidade eclesial é o lugar primário de experiência comunitária. É
nela que se constroem os primeiros vínculos de identidade, de acolhida, de
referência, de fraternidade. Vai além. Através da escuta, partilha, testemunhos,
compromissos, é o espaço de exercício dos diversos ministérios e carismas
669
.
Ainda é esta experiência comunitária que oportuniza a circularidade
interpretativa fundamental para o amadurecimento, testemunho e missão, no
campo pessoal e comunitário. Diante da Palavra, das experiências litúrgicas e da
vida prática, a comunidade interpreta a realidade humana atual segundo a
dinâmica da fé cristã.
O eixo mistagógico favorece que cada um e todos estejam diante do amor
de Deus que se revela a cada passo e que juntos experimentem, compreendam e
amadureçam sua em comunidade viva, sendo, uns para os outros, mistagogos
que auxiliam no passo a passo do seguimento de Jesus.
3.2.2.4
A compreensão da Iniciação Cristã como caminho
A categoria do caminho é central na mistagogia. Remete à dinâmica da
Revelação e ao processo existencial de resposta ao convite de Deus, um processo
de conversão de ideias, atitudes, de configuração em Jesus Cristo. A mistagogia
constitui não apenas o iniciante na perspectiva do ‘caminho’, mas também o
catequista e a comunidade eclesial, pois todos são iniciados por Deus.
669
BOROBIO, D. Verbete Catecumenato. In: FLORISTÁN SAMANES e TAMAYO, J. (dir.)
Conceptos fundamentales de Pastoral. Madrid: Cristiandad. 1983, p.115.
Na vida adulta muitas escolhas foram feitas a partir da história pessoal,
da cultura e contexto cio-histórico. Este é mais um motivo para não
esquecermos esta categoria fundante na Iniciação Cris de Adultos, pois é um
grupo que se colocou diante da vida em um determinado rumo e, diante da
abertura e encontro com Jesus, começa a rever suas escolhas. O caminho
catecumenal torna-se uma grande revisão de vida, necessita de uma reestruturação
respeitosa, atenta e misericordiosa, de inspiração mistagógica.
A perspectiva do caminho é sublinhada em vários trechos dos discursos
dos participantes do grupo observado: a mudança, as expectativas, as dificuldades
sendo superadas, as descobertas, a necessidade de perseverar, de continuidade.
Por isso mesmo, torna-se bastante limitador apontar um ou outro discurso que
expresse mais claramente esta categoria central para a mistagogia. No entanto,
vamos procurar trazer algumas falas que demarcam esta perspectiva, a fim de
observarmos no texto dos participantes do Catecumenato, como constroem este
conceito e como verdadeiramente se colocam nesta dinâmica.
No relato a seguir, Afonso traduz seu desejo de ser batizado e, ao mesmo
tempo, a resistência em percorrer um processo de catequese na vida adulta.
Quando eu fui procurar o catecumenato eu falei pra minha esposa que eu queria
ser batizado. Ela falou que eu tinha que fazer um curso, e eu achei que era uma
catequese, sabe? Eu ia fazer um catecismo lá, vai durar um tempo... Ela falou:
dois anos. Falei: ‘Caramba! Dois anos?! Vou pra igreja todo dia pra me
batizar?’ Mas quando fui descobri o catecumenato... Eu acho que no
catecumenato eles ensinaram o sacramento, ensinaram parte da liturgia, a
bíblia, e tem mais. Ele também é formado por pessoas. Então, uma união
muito grande no catecumenato - havia uma entrega, uma doação entre as
pessoas, muito forte.(Afonso)
O participante fala de suas resistências iniciais, mas também expressa
pontos-chave do Catecumenato, que o fizeram descobrir o que realmente
significava: o caminho da iniciação, a importância da Bíblia, da Liturgia e o
vínculo comunitário. Ele se surpreendeu com o processo do qual participou, visto
que sua referência era de uma formação de cunho catequético-doutrinal.
O catecumenato, ele é uma caminhada - seu Augusto ensinou muito bem - uma
caminhada... As pessoas caminhando junto, vão vivenciando os problemas do
dia-a-dia. Vão levando a prática que a gente na missa, pra você pegar e
avaliar, pra você entender, conhecer. Vai levando isso pra dentro do curso,
né?...o manuseio da bíblia... Como precisa parar, pensar, analisar, saber em que
tempo foram escritas algumas palavras. Essas coisas foram influenciando muito
pra você ter uma formação maior. (Afonso)
Queremos ressaltar na prática discursiva de Afonso a utilização dos verbos
no gerúndio – caminhando, vivenciando, levando, influenciando. Acreditamos
que, nesse caso, a frequência desta forma verbal não é um estilo de linguagem
670
,
mas denota exatamente a ideia de caminho, de movimento, de percurso no qual se
encontram etapas a serem experimentadas e superadas. Uma formação vivenciada
e valorizada enquanto caminho, respeitando os momentos pessoais e grupais, a
pedagogia amorosa e misericordiosa de Deus com seus filhos e filhas.
Mais uma vez registramos que este grupo está sob a orientação do RICA, e
este promove um processo no qual os encontros, os ritos lirgicos, as etapas na
Iniciação, sugerem uma trajetória, em que pessoa e comunidade se integram na
experiência. Este mesmo participante do Catecumenato apreende a riqueza de
detalhes das etapas da ICA, a elaboração teológico-pastoral que o fundamenta e os
passos fundamentais do processo catecumenal. Enfim, ele se dá conta de que não
é acidental a presença dos elementos que, unidos, decorrem no caminho
catecumenal, mas que está diante de uma proposta madura da Igreja.
O catecumenato é cheio de pequenos detalhes... são palavras, são pedaços da
Bíblia que parecem casuais, mas você vai vendo que são escolhidos a dedo. São
as cerimônias de entrada, de bênção... tanta coisa... é uma caminhada. O seu
Augusto fez de uma forma que a gente ia caminhando, crescendo, quase sem
perceber que tinha todo um planejamento e um cuidado por trás de cada
detalhe.(Afonso)
Apesar de já havermos apontado o preparo e atualização do catequista, não
podemos deixar de confirmar a intuição do participante: o processo da ICA deste
grupo es sob forte influxo das mais recentes orientações do Magistério,
expressas no RICA. Além disso, o padre que acompanha este processo é atento,
principalmente na elaboração do planejamento das etapas do ano litúrgico e dos
ritos e celebrações suscitadas pelo caminho catecumenal.
O processo deste grupo permite mais uma observação significativa: eles
foram capazes de identificar os elementos presentes em sua formação,
diagnosticar avanços e dificuldades e, ainda, propor novos elementos para o
670
Podemos chegar a essa conclusão porque durante a entrevista de Afonso o gerúndio não foi tão
frequente quanto neste momento, no qual expressa sua interpretação do processo catecumenal.
caminho catecumenal. Uma das sugestões foi a criação de um espaço para a
revisão de vida, de momentos próprios para uma tomada de consciência que os
ajude a perceber seu amadurecimento e os caminhos de superação e conversão.
Ana Maria manifesta claramente este desejo de tomada de consciência
pessoal.
Acho que devia ter mais momentos assim, pra você entrar em você, ver se tava
sendo bom, se o catecumenato estava te dando força. Porque nem sempre a gente
indo do jeito que deveria.. e vai levando, meio no automático. Tem o estudo
normal, mas de vez em quando isso ajudaria mais. Você se integra, busca Deus
no fundo. Acho que de vez em quando alguém tem que frear e dizer, ‘peraí,
vamos ver por onde estamos indo?’. Não estou dizendo que isso não acontecia
quando líamos a Palavra. Claro que sim... mas estou falando de um momento
pra isso, entende?” (Ana Maria)
Está presente neste discurso um dos elementos relevantes na trajetória da
Iniciação Cristã, ou seja, a dimensão penitencial do processo de conversão. Nas
Catequeses Mistagógicas, Cirilo ressalta a necessidade de uma atitude constante
de vigilância e tomada de consciência como parte do caminho cristão. Os
momentos de dificuldade, de tentação, são elaborados nas Catequeses como parte
da vida e da orientação fundamental no seguimento de Jesus. A dimensão
penitencial é também abertura à graça e à misericórdia de Deus diante de si
mesmo e da comunidade. A conversão é atitude responsável, consciente, processo
de amadurecimento e mudança progressiva.
Muitos participantes do Catecumenato expressaram que, quando
encontraram este caminho, desejavam uma mudança em suas vidas. Vejamos
como uma das catecúmenas expressa esta mudança existencial.
Eu mudei, tudo mudou, mudou até minha relação com o meu marido. Durante o
catecumenato eu fui me libertando daqueles medos, né? Daquelas coisas,
daquele vazio que eu sentia aqui dentro, fui ficando mais calma, meu casamento
ficou melhor. É que deitava igual um bicho, acordava igual, né? Não orava, não
pedia nada... A gente não tinha essa coisa de fazer oração, né? Hoje em dia, eu e
meu esposo rezamos, peço pelos meus amigos, pela minha igreja, por todos...
isso foi a religião, a eucaristia, ah! Eu agradeço muito a Deus. (Nanci)
Nanci expressa uma mudança não apenas pessoal, mas que se refletiu na
vida familiar, até mesmo na relação com Deus. O caminho catecumenal torna-se
reconfigurador da vida pessoal, das escolhas e atitudes cotidianas. Neste processo,
cada participante, ao se deixar interpelar pela voz de Deus em seu coração, além
de transformar a própria vida, torna-se testemunha viva do seguimento de Jesus.
Afonso percebe com clareza a mudança existencial provocada pelo
processo catecumenal. Ao iniciar, ele busca o sacramento do Batismo, mas o que
encontra vai além de suas expectativas, pois, encontra a si mesmo, encontra o
lugar da religião da sua vida.
Eu fui em busca de uma coisa, que talvez não é mínima, mas é uma coisa menor
do que eu encontrei. Eu fui atrás de um sacramento, e ao mesmo tempo,
encontrei a minha - vamos dizer assim - a minha posição diante da religião, a
minha posição diante da minha fé, eu me encontrei, me descobri.
Eu gostaria que essa prática da Igreja antiga não morresse... É porque ela
ficou adormecida anos, e quem não conhece precisa vir a conhecer, explorar
mais o catecumenato, pra elas entenderem que é uma caminhada... E, assim,
fincar essa bandeira na igreja.(Afonso)
Em seu depoimento, Afonso se apresenta consciente de que participa de
um processo inspirado na sabedoria da Igreja dos primeiros tempos. Um ponto
que brota de seu discurso é o desejo de multiplicar a experiência que deu novo
sentido à sua vida: um sentimento de descoberta da grandeza do mistério de Deus,
da sua importância para a existência humana e a vontade de partilhar com outras
pessoas. É a alegria que brota do encontro profundo com Deus. É o mandato
missionário que chega ao seu coração e deseja que a novidade do Evangelho se
espalhe.
A categoria de caminho é central na mistagogia de Cirilo. A Iniciação
Cristã é processo, itinerário, trajetória, caminho. Os cristãos são aqueles que
seguem o ‘caminho’ de Cristo. Em Cirilo, tudo é processo, a experiência lirgico-
sacramental não é repentina, mas é vivência profunda de cada etapa que conduz
ao Mistério pascal.
Percebemos que esta categoria tornou-se um diferencial para aquele grupo.
A mudança de perspectiva - de curso para encontros, de doutrina para seguimento,
de prazo a ser cumprido para caminho a ser percorrido - , define uma identidade
inusitada para este grupo de participantes do Catecumenato, que se tornou
determinante para a sua adesão e reconhecimento. Alguns se referiram a esta
perspectiva como a possibilidade de aprender de acordo com cada pessoa,
respeitando sua liberdade e contexto. Outros perceberam como um caminho que
se inicia e se trilha por toda a vida, sempre em busca do encontro definitivo com
Jesus Cristo.
Para finalizar este tema, extraímos das práticas discursivas cinco
características que definem a perspectiva do ‘caminho’ neste processo
catecumenal.
1. O primeiro ponto a ser destacado, na verdade, o ponto central e
norteador desta categoria, é a teologia que a embasa, ou seja, a iniciativa salvífica
de Deus e a resposta da fé pessoal e comunitária.
2. Como consequência deste fundamento, a compreensão de que todos
o iniciados por Deus, e todos estão no caminho do seguimento de Jesus. Para
tanto, o grupo aponta as mediações que efetivam esta relação entre Deus-pessoa-
comunidade: a Bíblia, os ritos litúrgicos, a Celebração Eucarística, os encontros
comunitários.
3. Uma decorrência do seguimento de Jesus é a atitude missionária, de
anunciar a Boa Nova ao mundo.
4. Ainda podemos ressaltar que esta perspectiva altera a postura de
participação dos elementos presentes no processo. Se todos estão ‘no caminho’, as
atitudes de diálogo, partilha, abertura, pedagogia amorosa, perdão e misericórdia,
o as que propiciam esta dimensão.
5. Outro aspecto forte nos relatos é a auto-consciência de que ocorre uma
mudança existencial diante do convite de Deus. Por isso mesmo, a dimensão
penitencial deve se fazer presente, na escuta comunitária, na pedagogia do
catequista e, principalmente, nos ritos que efetivam o perdão de Deus e a
perseverança no caminho.
Enfim, diante da centralidade desta categoria para a mistagogia, vejamos
mais um elemento relevante da experiência mistagógica vivida neste pequeno
grupo de Catecumenato com Adultos.
3.2.2.5
Vida cristã e acompanhamento pessoal
Em virtude da perspectiva de caminho, de conversão como processo de
nova configuração da vida adulta, em sua cosmovisão, escolhas e atitudes é que
trazemos mais um elemento mistagógico presente nesta experiência catecumenal:
o acompanhamento pessoal e comunitário dos participantes em sua vida cristã.
Para dar início à análise desta categoria, vejamos como o catequista
desenvolve uma aproximação com a vida de cada participante do Catecumenato,
não apenas nos encontros catecumenais, mas indo até seus espaços familiares, ao
encontro das dificuldades e das escolhas que estruturam a vida adulta.
Este não é um aspecto explicitado na prática de Cirilo de Jerusalém, no
entanto, demarcamos que a adequação da linguagem, os ensinamentos
relacionados com a vida cotidiana e os esclarecimentos de cunho doutrinário,
demonstram sua profunda sintonia com a realidade do grupo. A sensibilidade
pastoral e capacidade de dlogo de Cirilo com diferentes culturas refletem
proximidade e atenção ao contexto de seus participantes, assim como uma atitude
protica e pastoral diante dos desafios que a sociedade daquele tempo
apresentava à vida cristã.
No Catecumenato que estamos analisando, o catequista, Sr. Augusto,
procurou alternar os encontros no espaço da Casa de Oração com visitas às
famílias com a intenção de criar intimidade e evangelizar os ambientes familiares.
Esta aproximação promoveu a abertura da vida pessoal, a construção de vínculos
de confiança e afeto, além de avançar do limite da formação no Catecumenato. A
proposta foi levar a experiência de oração comunitária a cada família de
participante do Catecumenato, principalmente àquelas que passam por momentos
conflitantes ou difíceis.
As visitas foram promovidas como ação testemunhal e missionária do
grupo de Catecumenato, um gesto de solidariedade e fraternidade concretos.
Transcrevemos abaixo o relato do catequista.
De vez em quando as reuniões eram na casa de um deles. Primeiro, a gente fazia
os encontros nas casas como abertura do catecumenato. E depois a gente fazia
visitas periódicas nas casas. É, porque quando você vai de encontro (...) A
família, está no habitat dele, é uma reserva, o único lugar em que ele se sente
seguro. Então, se ele não quer ouvir a Palavra de Deus, se ele não apresenta
muito interesse pela busca da palavra de Deus, quando você se insere dentro da
intimidade dele, você entra na intimidade, enfraquece por um lado e fortalece de
novo, só que na oração, na intimidade com a Palavra.
Porque dentro da casa deles eles o fortes, são donos da verdade, são isso, são
aquilo. Então, quando você entra com a oração dentro da casa deles, que não é o
hábito, que não é o costume, quebra essa resistência. E vo consegue abrir um
caminho pra semear... e outra coisa: você consegue também acender na mente de
cada um deles a responsabilidade que eles vão ter dali pra frente com a vida
daquele que escolheu fazer este caminho no meio deles também. (Sr. Augusto)
O catequista tem uma metodologia consciente da realidade do mundo
adulto, do contexto em que vivem, as questões familiares, as pré-concepções
estabelecidas. Ele avalia a necessidade de uma mudança de olhar, de uma
experiência que desestabilize e possibilite uma conversão de fato, de dentro da
vida pessoal, passando pelos vínculos mais próximos, os familiares. Recorre às
visitas familiares como estratégia pedagógica de uma integração entre o
participante e sua realidade familiar, para que não haja um hiato e para que a
família participe do processo juntamente com seu parente. Realizar um encontro
catecumenal neste ambiente é uma atitude pedagógica.
Antes de fazer o catecumenato eu tinha essa experiência de oração nas casas.
Até porque era o meu primeiro serviço missionário na Igreja. Eu visitava
doentes, vizinhos, procurava levar auto-estima e um incentivo, né? pra procurar
o caminho... Então, pra mim foi fácil, fazer essa descoberta porque eu já tinha
esse gancho, e eu já tinha resultados.
O RICA se preocupa com a integração com a liturgia e essa parte a Casa de
Oração faz muito bem, não precisa dos meus humildes serviços. Então, me
preocupo com algo que sei, tenho certa experiência.com as pessoas, com a vida
prática, familiar. (Sr. Augusto)
O tempo do Catecumenato é especial para vivenciar os valores evangélicos
no cotidiano. A condução do processo deve motivar esta experiência
proporcionando momentos de partilha da vida e troca de experiências. D.
Ormonde reitera a orientação do RICA, de que a formação do Catecumenato é um
itinerário espiritual de passagem ‘do velho homem para o novo, que tem sua
perfeição em Cristo’, ‘uma progressiva mudança de mentalidade e costumes, com
suas consequências sociais’
671
. No entanto, ele alerta para que não se reduza a um
propósito de boas intenções’, mas que realmente se implemente a prática
cotidiana da caridade e um processo de conversão que vá configurando o
participante do Catecumenato em Jesus. Para tanto, o acompanhamento pessoal e
da comunidade se torna fundamental
672
. O participante deve ser acolhido e
acompanhado pela comunidade eclesial e, sempre que possível, necessita de
acompanhamento próximo, íntimo, constante, de sua trajetória pessoal na fé cristã.
671
Cf. RICA, n. 19.
672
Cf. ORMONDE, D. Vale a pena os catequistas conhecerem o catecumenato. p. 248.
Estamos diante do papel do introdutor, um dos aspectos importantes para o
RICA
673
. Neste pequeno grupo, esta se tornou uma questão difícil. Alguns
participantes do Catecumenato tiveram introdutores: como uma presença amiga,
como uma espécie de padrinho, como alguém que acompanha mais de perto o
caminho da , ensinando a rezar na vida. Vejamos como o grupo percebeu esta
questão.
Os introdutores o muito importantes, né? mas como é que você faz isso? Deve
ter alguma preparação? Mas isso não é nem um convite. Eu não sei nem
explicar. Vou explicar porque... Porque quando veio essa última candidata eu
falei com o padre: quem o senhor acha que eu devo escolher para ser introdutor
dela? Ele me respondeu que não seria ele a indicar, que deveríamos fazer uma
reunião e pensar juntos. No princípio, eu trouxe alguns introdutores. O grupo
que recebeu os sacramentos, o primeiro grupo, aqueles que eu achei que podiam
ajudar, eu falei. O padre acha que esse não é um processo legal porque eles
ainda não têm um amadurecimento de a ponto de ajudar o candidato. (Sr.
Augusto)
Em algumas situações o papel foi exercido por algum membro familiar ou
amigo, ou seja, a introdução foi compreendida como um aconselhamento da parte
de uma pessoa já próxima, que estimula, orienta, se faz presente no início do
processo de Pré-Catecumenato, e até mesmo durante o Catecumenato em si. Nos
depoimentos abaixo podemos perceber que, para alguns, esta presea foi
fundamental na sua formação.
Ele que já participava e passava aquilo pra mim, aquele seguimento todo que a
gente tinha. Ele é que me trouxe. Por isso que eu sempre, eu sempre falo que o
meu introdutor mesmo foi meu marido, em toda a vida religiosa .(Ana Maria)
É importante, principalmente, uma pessoa que tá ali se preocupando com você,
no dia-a-dia. Se você faltou, por que você não foi? Se você tá com problema... É
importante. Hoje em dia eu gostaria de ser introdutora de outra pessoa, que
tivesse perdida, pra passar adiante essa coisa boa, né? Que a gente recebeu,
então... deve passar adiante. (Valéria)
Ah, ela me ensinou muito, ela sempre tava comigo, me dizendo: ‘a gente precisa
orar’. Ela me dizia que os obstáculos vinham, as barreiras. Ela é muito meiga,
vinha com jeito, me dava conselho, rezava comigo... junto com ela eu me sentia
mais forte, com Jesus dentro e no meio, como dizem. (Nanci)
673
Ministério recuperado pelo RICA em que hoje empregamos o termo ‘introdutor’. Difere da
figura dopadrinho’ segundo as orientações do ritual, no entanto, D. Ormonde propõe uma
adaptação com a finalidade de adequar o documento à realidade das comunidades, dando a esse
ministério as funções que o ritual atribui aos padrinhos. Cf. ORMONDE, D. Pontos de partida para
um catecumenato em etapas. In: Revista de Liturgia, 164, março-abril de 2001, p. 28.
Os depoimentos apontam a presença do introdutor como alguém que dá o
primeiro testemunho, que se preocupa com o processo e orienta em situações
difíceis, que ensina a orar, experimentar a fraternidade cristã na dimensão pessoal.
São características muito importantes neste processo e auxiliam de perto a
Iniciação Cristã na vida adulta, criando espaços de intimidade e de oração
diferentes daqueles experimentados no grupo de Catecumenato.
Afonso, considera que não ocorreu uma formação adequada para os
introdutores. Ele percebe que alguns colegas tiveram introdutores e outros não.
Alguns se sentiram meio órfãos, mas todos caminharam com ou sem essa
presença. Em sua compreensão, o introdutor é alguém que deve acompanhar o
Catecumenato e também auxiliar nos esclarecimentos, nas vidas do
participante.
Na verdade, eu não tive introdutor. Mas como a minha vontade começou
saciada, minha sede de conhecimento... então, a questão do introdutor... a gente
relevou, mas outras pessoas tiveram, né? E foi importante. Mas eu acho que o
introdutor tem que ser mais participativo do que o que eu vi. É uma opinião
minha. Eu acho que pode esclarecer mais... A pessoa tem que ser esclarecida das
coisas... entendeu? (Afonso)
No Catecumenato primitivo, o participante era acompanhado por toda a
comunidade, mas especialmente por um ‘padrinhona fé, com quem estabelecia
uma relação mais íntima e familiar, aprofundando o conhecimento pessoal e
refletindo sua caminhada na nova
674
. O papel do ‘padrinhonasce da vocação
missionária de todo cristão, envolvendo sua responsabilidade com os irmãos na fé,
sua resposta ao mandato missionário. São os primeiros missionários: anunciando,
despertando e acompanhando a de muitos iniciantes
675
. O Catecumenato antigo
nascia desse processo, ele antecedia e perpassava o próprio caminho catecumenal,
e não o contrário. “O neófito era assistido durante toda sua preparação por um fiel
veterano, com quem compartilhava sua experiência da vida cristã e que garantia
sua trajetória ante os responsáveis da Igreja”
676
.
674
Vemos esta menção especialmente na Tradição Apostólica de Hipólito de Roma, quando os
fiéis devem acompanhar os neófitos no exame, na preparação e acompanhamento durante o
catecumenato. Cf. HIPÓLITO DE ROMA. Tradição Apostólica, Petrópolis: Vozes, 1971, p. 20 e
BUNGE, G. op.cit.
675
Cf. FLORISN SAMANES, C. Teología practica. op. cit., p. 464.
676
Cf. CABIÉ, R. La iniciación cristiana. In: MARTIMON, A.G. La Iglesia en oración.
Introducción a la liturgía. Barcelona: Herder, 1987, p. 584.
Alguns participantes deste grupo mencionaram uma pessoa, a quem
atribuíram a introdução na vida cristã: a amiga, a mãe, a avó, a esposa, o esposo.
Lembramos que o papel do padrinho é legítimo na experiência da Igreja, o
encontro entre duas pessoas: uma que orienta e, a outra, que é iniciante. É
exatamente o papel do introdutor, de primeiro anunciador e acompanhante, aquele
que auxilia na abertura ao chamado de Deus.
Os participantes deste Catecumenato manifestam o quanto essas pessoas
foram especiais e determinantes em sua formação. Sublinhamos que, nas
observações quanto aos introdutores, apresentam as mesmas características
presentes no Catecumenato antigo anúncio, acompanhamento próximo e
fraterno, solidariedade, integração na comunidade maior.
Na mistagogia de Cirilo, esta função específica não é percebida. Podemos
apenas deduzir a necessidade do acompanhamento pessoal e comunitário, a partir
de seu cuidado mistagógico com cada pessoa que deseja trilhar o caminho cristão.
No Catecumenato antigo, este acompanhamento era garantido por um veterano,
designado pela ppria comunidade.
Este grupo de Catecumenato da Casa de Oração tem uma peculiaridade
que vale a pena destacar com relação à figura do introdutor. O catequista deles, Sr.
Augusto, foi, na verdade, o introdutor no caminho catecumenal. Sua aproximação
com cada pessoa é anterior ao momento de formação do Catecumenato, pois,
enquanto ministro da bênção, ele conhecia e acompanhava muitos deles. Sendo
assim, apesar de muitos se mostrarem ressentidos da ausência da figura do
introdutor no processo catecumenal, seu catequista incorporava, de tal maneira, as
características próprias desta função, que foram acompanhados de perto, no
encontro com Jesus e nas questões pessoais relevantes para a nova vida de fé.
3.2.2.6
A oração e o seguimento de Jesus
O caminho mistagógico tem como fundamento o encontro profundo com
Jesus Cristo, através da Palavra e da Liturgia
677
. É um caminho feito de
677
A V Conferência Geral do Episcopado Latino Americano e do Caribe, realizada em Aparecida,
em maio de 2007, exorta para esta missão da Igreja: confirmar, renovar e revitalizar a novidade
do Evangelho arraigada em nossa história, a partir de um encontro pessoal e comunitário com
descobertas e também de escolhas fundamentais e cotidianas, no qual se efetiva o
seguimento de Jesus. Não é uma precipitada conversão sacramental, e sim um
processo de reformulação do próprio existir, do sentido e orientação da vida. Para
tanto, a valorização do seguimento de Jesus deve estar sempre diante da
comunidade, como experiência prática, de testemunho, missão e conversão, de
presença cristã no mundo
678
.
A forma como o catequista trabalha a oração é também uma experiência
diferencial neste processo catecumenal. Ele conduz a oração como conhecimento
e seguimento de Jesus. Ele acredita na experiência de oração como fundamental,
mas, no caso da vida adulta, ele percebe que precisa de algo a mais, que é o
encontro com o sofredor, com o rosto de Jesus nos sofredores e conduz à
experiência da missão apostólica.
Eu vejo a oração a Jesus como mais do que um jeito de falar com Ele... vamos
ver se você me entende... Eu consigo ver Jesus, embora muitas vezes, ou na
maioria das vezes fora da igreja ? Eu tenho um encontro com Jesus
semanalmente na celebração, mas eu encontro com Jesus vivo fora, e eu tento
levar isso pra eles, no catecumenato... assim, vivenciando com eles. Por exemplo,
quando eu fui à casa das meninas
679
com eles eu dizia assim: converse com
elas... Antes eu preparo, digo: algumas coisas vocês não devem perguntar pra
não levantar uma ferida, uma mágoa. Então, faz perguntas do dia- -dia, mas
coisas que você sabe que vai trabalhar a auto-estima delas. Puxa teus olhos o
tão lindos! Como é que você se chama? Buscando essas características, porque a
gente indo pra um campo onde a primeira enfermidade é o isolamento. As
pessoas estão isoladas, desse campo que os nossos olhos são capazes de
alcançar no cotidiano, nesse caminhar aqui fora em liberdade né? É: essas é que
vão acalmar, aplacar a ira daqueles corações, para que eles possam trabalhar
uma re-inserção, para que eles possam trabalhar uma forma de reintegrá-las na
sociedade.(Sr. Augusto)
Sr. Augusto conduz esta experiência de encontro com os sofredores como
um testemunho de solidariedade fraterna, de superação da situação de sofrimento
para uma nova vida, de resgate da auto-estima e reintegração social. Para ele, o
participante, em seu caminho Catecumenal, já pode dar testemunho, apoiar outra
vida, assumir o seguimento de Jesus. Mais. Ele acredita que esta é uma forma
concreta de encontro com Jesus, de oração na vida, de conversão.
Jesus Cristo, que desperte discípulos e missionários”. CELAM, Documento de Aparecida. Texto
conclusivo da V Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano e do Caribe, Brasília:
CNBB; o Paulo: Paulus/Paulinas, 2007, n. 11, p. 13.
678
Cf. FLORISN SAMANES, C. Teología practica, op. cit., p. 471.
679
A casa das meninas, a qual o catequista se refere é um abrigo para meninas que sofreram
violência doméstica ou moradoras de rua. A Casa de Ação Social para Moças abriga meninas de
12 a 18 anos incompletos. A Casa pertence à Secretaria de Ação Social de Duque de Caxias.
Assim a gente vai orientando eles a ver Jesus nessas meninas, ver Jesus no outro.
Eu trabalhava muito com o outro deles: vocês precisam descobrir quem é o
próximo de vocês. Às vezes vocês estão lá na casa e saem de casa, vêm pra igreja
e o próximo de vocês estava passando mal, precisando de um bom dia, boa
tarde, boa noite, seja o que for. Então, a gente não pode sair de casa deixando
um leque de problemas. (Sr. Augusto)
O encontro com o outro que sofre é uma experiência que marca a trajetória
do participante, pois faz com que ele repense suas atitudes com os mais próximos,
inclusive com os familiares. Sr. Augusto fala da coerência evangélica, da práxis
do amor cristão e alerta para o perigo de uma ritualística, defasada com a vida
cotidiana.
Os participantes do Catecumenato identificam esta experiência como um
momento forte, no qual se perceberam dando testemunho, levando a Palavra de
Deus àqueles que precisavam. Citamos abaixo a fala de uma das catecúmenas com
relação a essa experiência.
As visitas... eu acredito que ajuda realmente a pessoa a levar a Palavra. Isso
incentiva até a gente, que faz o Catecumenato, a aquilo que você aprendeu tentar
passar um pouquinho para o próximo, e tentar fazer com que ele veja como
aquilo é gostoso, tentar passar pra ele que é bom, “vem, vem pra também!”
Você precisa participar também... Como Jesus fazia, como Jesus sofreu, e você
junto... com o sofrimento dos outros, você também sofre, porque você também
cai...
No catecumenato, certo que a gente fique ali estudando, mas ainda mais nós
adultos... Então você tem que fazer na prática, realmente. (Ana Maria)
Observemos como, neste comentário, aparece claramente a consciência do
processo catecumenal. Não é um comentário de quem é passivo, receptor do
trabalho pastoral, mas de quem percebe por onde devem caminhar e quais as
escolhas feitas pelo catequista. O participante do Catecumenato adulto é capaz de
emitir opiniões que diagnostiquem e avaliem o processo não apenas em termos
pessoais, mas comunitários. É uma característica própria do Catecumenato com
Adultos, são ativos, participantes do próprio processo, e se tornam colaboradores.
A seguir vejamos mais alguns relatos que confirmam a relevância deste
encontro com o sofrimento de outros irmãos. Estes depoimentos manifestam que
os encontros tornaram-se momentos de conversão, de aprender a amar o próximo
concretamente.
Naquelas horas eu aprendi muitas coisas, principalmente a pensar mais no
próximo, né? Não fico assim dando de ombro mais, eu procuro ajudar, né? E eu
também rezo, coloco na minha oração tantas pessoas, e também peço aos amigos
pra rezarem por mim. (Nanci)
E acho que as visitas levam o evangelho pra prática, pro concreto... O que tem
as outras pessoas, o sofrimento das outras pessoas. Eu acho que cada um devia
conhecer, assim um pouquinho, pra poder ficar, assim, na cabeça, né? Ou então,
mesmo o que a Bíblia fale as coisas que Deus escreve, como amar o próximo e
tal, se você prestar atenção, as coisas que o escritas ali, você também pode
ensinar alguma coisa bonita, e você acaba aprendendo, também.(Rosa)
O marido de Rosa concorda com ela e acrescenta que as visitas levam a
teoria para a dimensão da prática, o que aprendem no Catecumenato deve também
ser transmitido, como missão, como serviço àqueles que necessitam da Palavra.
É não é ficar naquela parte teórica, tem que ensinar na parte prática
também... ir e sentir o que aquela pessoa é, conversar com ela, sentir com ela
a fraqueza dela, né? Onde que ela sofrendo e tentar levar a Palavra pra ela
também, que nem no catecumenato o Seu Augusto ajuda a gente a ver. (Paulo)
Este último depoimento traz a dimensão missionária da vida cristã. É
uma consequência do seguimento de Jesus: assumir o mandato missionário e levar
a Palavra a outros homens e mulheres. O mais comum é que esta atitude seja uma
continuidade do seguimento, após os Sacramentos da Iniciação, entretanto, a
maturidade cristã deste grupo potencializa que, mesmo durante o caminho
catecumenal, sejam capazes de dar testemunho e assumir a missão.
Esta característica do grupo é fruto de sua tomada de consciência do
processo pastoral-pedagógico e do estímulo para serem membros ativos na
formação, de uma comunidade viva. O estudioso do tema, Floristán Samanes,
relembra que a essência de uma comunidade cristã não reside nas pessoas ou
mesmo em suas experiências, mas no modo como respondem ao chamado do
Deus de Jesus para edificar seu Reino aqui e agora, nas situações mais pximas e
concretas. Ele chama de êxodo da própria comunidade, ‘sair de si’ e, enquanto
Igreja, viver em estado de missão
680
.
Ainda, no que se refere ao tema do seguimento de Jesus, este grupo
vivenciou muitas experiências de oração: a oração inicial e final nos encontros, os
momentos de bênção, os ritos litúrgicos pprios do Catecumenato, as visitas aos
sofredores, a partilha da Palavra, a oração nas visitas familiares.
680
Cf. FLORISN SAMANES, C. Teología practica, op. cit., p. 633.
No caso de Maria, ela percebe uma mudança significativa no seu jeito de
se relacionar com Jesus.
Eu acho que o meu jeito de falar com Jesus mudou pra melhor, né? A gente ficou
mais íntimo... É porque antes, assim, era aquela ideia muito do que não está ao
meu alcance, sabe? Era uma coisa distante, Ele tava comigo, mas não tava... E
com o catecumenato eu passei a ver um Jesus mais humano, que tava comigo
mesmo e dava pra sentir ele ali, entendeu? E nas minhas orações, isso começou
a ficar mais presente, mais real... passou, a ser um amigo... Não o posto da
santidade.... (Maria)
A mudança que Maria relata diz respeito à imagem de Jesus que ela trazia
até este momento: um Jesus distante, com o qual não se relacionava naturalmente.
Esta relação com Jesus não apenas se modificou, mas amadureceu para uma
relação de pessoa-pessoa, de proximidade e confiança.
A experiência de oração é vivida por um dos casais do grupo como prática
cotidiana, que se estende em sua semana, na vida familiar. Juntos procuram
perseverar na leitura da Bíblia e na oração.
A gente faz assim, procura ler, separados, cada um faz sua oração individual e
depois, a gente às vezes fala sobre o que lemos na Bíblia. Tem mais, a gente
não sabia como ler a bíblia, que não é só abrir a bíblia, tem que saber ler a
bíblia, né?(Paulo)
Destacamos no discurso acima que um método nesta prática de oração:
a leitura orante é individual, e depois a partilha em comum. Esta prática é
consequência da compreensão de que o encontro com Deus tem uma dimensão
pessoal, e os dois respeitam e conduzem esta prática para sua vida familiar.
Os encontros do Catecumenato se passam em um clima de oração, de
escuta atenta e diálogo com Deus, através da Palavra, dos fatos da vida, das
partilhas, dos ritos litúrgicos. Enquanto processo de Iniciação Cristã, o
Catecumenato deve ser espaço fecundo e ativo de uma pedagogia que privilegie
sempre a abertura ao mistério de Deus que se revela. Os ritos são prenhes desta
dinâmica: as bênçãos, os escrutínios e exorcismos. Em Cirilo, o caminho
mistagógico é um caminho orante, de atenção e escuta pessoal e comunitária. Nas
suas homilias, ao construir uma trajetória de cunho contemplativo, Cirilo convida
a uma atitude orante diante do mistério de Deus.
3.2.2.7
Pertença eclesial
O tema da participação na Igreja está presente na mistagogia de Cirilo e
tem sua centralidade na celebração do Mistério pascal. As ações litúrgicas são
ações de toda a Igreja, sacramento do Povo de Deus. O sentido de identidade
cristã e de pertença eclesial estão extremamente vinculados, assim como suas
decorrências, que são as atitudes de conversão, de testemunho e de missão no
mundo.
A preocupação pela dimensão eclesial está muito viva no processo
catecumenal que acompanhamos. O catequista da comunidade local se mostra
atento a uma inserção verdadeira na Igreja, como comunidade eclesial mais
ampla. Para tanto, três pontos foram priorizados: o estreitamento dos vínculos
fraternos e solidários, a participação nos ritos litúrgicos e o contato com a grande
comunidade eclesial.
Este grupo catecumenal se encontra e vivencia a liturgia na Casa de
Oração Batismo do Senhor. Este é um aspecto a ser ressaltado, pois ali o grupo
experimenta uma liturgia que integra a vida, a e o Mistério pascal
681
; uma
liturgia que conduz cada pessoa a uma nova participação na Igreja, que nasce da
participação no Mistério de Cristo na Liturgia. Nas palavras de Floristán
Samanes, “a liturgia é a oração viva da assembléia, na qual se responde à
realidade deste mundo para transformá-lo em reino de Deus”
682
.
É nesse espírito que muitos participantes do Catecumenato são iniciados
nos ministérios e assumem como serviço à Igreja ali reunida. As ações litúrgicas
o serviços que os membros da assembléia prestam uns aos outros e, por seu
intermédio, é Cristo, o servo de Deus, quem age. É um serviço horizontal na
assembléia, mas que expressa a dupla relação vertical, através dos ministros, Deus
681
É frequente experimentarmos momentos de uma ruptura entre o que vivemos, cremos e
celebramos; entre o que pensamos e o que fazemos; entre nossas conviões e nossas ações. A
celebração eucarística, vivida na sua plenitude, é uma experiência integradora entre Deus e seus
filhos, entre a Revelação e a resposta de fé na vida pessoal e comunitária. Cf. ESCOBAR, F. A
Celebração do Mistério de Cristo. In: CELAM, Manual de Liturgia, vol. II, A Celebração do
Mistério Pascal. São Paulo: Paulus, 2005, p. 13.
682
FLORISTÁN SAMANES, C. Teología practica, op. cit., p. 624.
esa serviço de seu povo e, por outro lado, o povo está a serviço de Deus e de
seu Reino
683
.
Transcrevemos a fala de um dos participantes, que expressa esta
experiência de horizontalidade na assembléia e de ministérios vistos na dimensão
do serviço, sem que haja comprometimento da centralidade do Mistério celebrado,
que é Jesus.
Tem gente que acha que mais importante é o padre na igreja... o padre é
importante... o padre é importantíssimo, mas o centro é Jesus. A assembléia é
igual, ninguém mais, nem menos. E os ministérios o são pra aparecer, mas... é
pra servir, né? Não é pra vo se destacar, que você é mais..., mas é pra você
servir àquela comunidade.(Afonso)
Pontuamos outro aspecto significativo quanto a esta dimensão de pertença
à grande comunidade eclesial, a Igreja: o processo catecumenal é percebido como
um processo de iniciação à vida da Igreja. Maria, uma das catecúmenas,
compreende o Catecumenato como uma prática necessária a todos os cristãos.
Eu vejo o catecumenato como uma porta pra você, assim... se infiltrar melhor na
igreja, sabe? participar, ser mais ativo... o pra quem quer o sacramento,
seria pra qualquer pessoa. Acho mesmo que todo mundo tinha que fazer o
catecumenato. (Maria)
Ela não se refere apenas àqueles que buscam a iniciação sacramental ou
uma reiniciação na vida cristã. Sua experncia a conduz para o conceito mais
amplo de Iniciação Cristã
684
e para sua importância como espaço de formação
permanente
685
.
683
Cf. GELINEAU, J. Ministérios e Serviços. In: GELINEAU, J. (org.) Em vossas assembléias.
Teologia da Missa. o Paulo: Paulinas, 1975, p. 69.
684
Comovimos no capitulo 1, o conceito de Iniciação Cristã como formação continuada na qual
o fiel conhece mais profundamente a fé cristã, participa livre e conscientemente do Mistério
revelado na liturgia sacramental e da comunidade. Nesta concepção, o catecumenato é tomado
como instituição central e global, como instrumento vital na missão evangelizadora.
685
H. Bourgeois considera que há duas novas demandas presentes na formação dos grupos de ICA
hoje. A primeira se refere ao retorno de cristãos já batizados que desejam dar continuidade à
formação recebida no passado e participarem dos demais Sacramentos da Iniciação (confirmação e
eucaristia); e a segunda voltada para adultos que retornam à comunidade eclesial para renovação,
aprofundamento e vida comunitária, mas que participaram de todos os Sacramentos de
Iniciação. A questão é se esses dois grupos também estariam percorrendo um Caminho
Catecumenal; e H. Bourgeois afirma que este continua sendo o caminho pertinente para o processo
de ICA, mesmo com característica particulares. Cada comunidade deve avaliar e planejar o
Catecumenato com Adultos de forma a responder às novas demandas. Deste mesmo pensamento
partilha o liturgista da Casa de Oração, D. Ormonde, “o catecumenato nas comunidades tende a
ser único, ao mesmo tempo batismal e s-batismal, reunindo não-batizados e batizados. Para
alguns será um catecumenato de iniciação, para outros de prosseguimento da iniciação e para
Outro participante evidencia um outro fator deste enraizamento eclesial.
Ele acredita que a unidade com a caminhada da Igreja está fundamentada nas
fontes apostólicas e patrísticas, na Iniciação Cristã desde os primeiros tempos.
Você sabe que o ritual existe, que essa prática é milenar. Algumas coisas a gente
ainda precisa aprender, continua estudando. Seu Augusto ensinou pra gente que
esse jeito, do catecumenato, que essa é uma prática da igreja, do início da
igreja? Então, eu vejo assim, tem muita sabedoria aí, e é por isso mesmo que
certo! (Afonso)
Em sua prática catecumenal, este catequista procura sempre estabelecer a
ligação entre o pequeno grupo, a comunidade particular e a grande comunidade do
Povo de Deus. É um vínculo firmado a cada encontro, o que faz com o que o
grupo não se perceba isolado de um processo muito mais amplo.
Para implementar este vínculo com a Igreja, o catequista proporciona a
integração do grupo com momentos da vida da diocese de Caxias e da Igreja do
Brasil.
Isso é a própria vivência com o compromisso diocesano. É a missa do crisma, o
retiro dos trabalhadores, é o grito dos excluídos, a romaria do Pilar... Tentando
evangelizar num sentido de Igreja, uma igreja maior. Estamos inseridos... A
pra poderem ter consciência da extensão da Igreja que eles estão caminhando
nela... que não é nenhum fundo de quintal, né? Não é uma igrejinha qualquer. E
quando eles chegam lá, que veem aquele movimento, aquele movimento
monstruoso que arrepia, aquilo um..., sabe? Eles sentem tomados pela
emoção de ver tanta gente, de ver a sendo posta em prática, se sentirem de
verdade o mesmo Povo de Deus...
Lembrando sempre que a espinha dorsal deles é a liturgia diária. Uma coisa
junto com a outra. (Sr. Augusto)
Sua fala explicita a preocupação com a consciência de que os iniciantes
participam de um projeto muito maior do que os encontros catecumenais e as
celebrações locais. As estratégias das quais lança mão para desenvolver essa
sensibilidade e consciência comunitária indicam um processo amadurecido, de
discernimento eclesial e pedagógico.
Observemos, nos relatos dos participantes do Catecumenato, como
compreendem sua participação nos eventos da diocese. A partir destas atividades,
se percebem como Igreja e não como um pequeno grupo em formação.
Apreendem a extensão da caminhada da Igreja e sua pertença ao Povo de Deus.
outros de reiniciação cristã. BOURGEOIS, H. op. cit., pp. 67-70; ORMONDE, D. Vale a pena os
catequistas conhecerem o catecumenato. op. cit., pp. 252-253.
Eu acho interessante quando vamos na matriz, porque nas missas,
principalmente nessas celebrações de uma escala maior, te uma visão não
desse mundo aqui pequeno, e tem também um outro. Te faz assim... sentir uma
Igreja grande, e não uma comunidade familiar só, entende?(Ana Maria)
Seu Augusto se preocupa que o catecumenato não fosse um grupinho, falava
dos encontros da catedral pras pessoas sentirem:‘ eu inserido numa igreja,
com letra maiúscula, não é só um grupinho...’ Eu sou parte de uma igreja inteira,
um mundo, né? As pessoas se sentem dentro do povo de Deus, não é um
hiato...Isso é uma preocupação muito dele, né? Ele é muito, é muito cuidadoso,
com cada coisa desse caminho. (Paulo)
Com mais este nível de integração, o catequista auxilia o grupo a perceber
sua participação, não apenas na Igreja particular, diocesana, mas também na Igreja
do Brasil. É uma resposta madura ao individualismo ainda presente em muitos
processos pastorais. Apesar de cientes de que este não é um fenômeno próprio da
comunidade eclesial, e sim da sociedade moderna, ele vem sendo reforçado pelo
próprio esquecimento de que a Igreja é assembléia, congregação, povo reunido
686
.
É muito marcante, nas práticas discursivas do grupo, o sentimento de
pertença, algumas expressões demarcam este significado: tem muita sabedoria”,
“te dá uma visão’, “eu sou parte de uma igreja inteira”, “eu estou inserido numa
Igreja”. Percebemos que não é um discurso incidental, e sim uma experiência
eclesiológica que vai crescendo e da qual se percebem integrantes e co-
responsáveis. É uma tomada de consciência da própria identidade cristã como
uma identidade comunitária. Mais. Compreendem que as histórias pessoais são
também salvíficas, participantes do Plano amoroso de Deus, da História da
Salvação de toda a humanidade.
A consciência eclesial é construída pela experncia de participação, de
experimentarem concretamente os laços com uma grande tradição, à qual se deve
valorização e o respeito de sua caminhada na história da humanidade. Esta é mais
uma razão pela qual a prática da liturgia diária é fundamental, pois através das
leituras bíblicas o grupo estabelece o vínculo entre o Povo de Deus e o povo de
686
O Novo Testamento não faz distinção terminológica da Igreja como comunidade local ou como
totalidade universal. O vocábulo ekklesia assembléia, congregação, reunião -, indica que os
membros da comunidade cristã são irmãos na fé, pessoas livres e iguais que se querem de verdade,
com obras e não com meras palavras. Mas, sobretudo, o termo indica que essa reunião ocorre a
partir de um chamado exterior a ela mesma, ela é uma assembléia convocada. (At 11, 22; 13,1;
1Cor 14,19.35; Rm 16,5; Ef 5,32) Cf. FLORISTÁN SAMANES, C. Teología practica, op. cit., p.
624; SPERA, J. C. e RUSSO, R. A Assembléia Celebrante. In: CELAM, Manual de Liturgia, vol.
II, A Celebração do Mistério Pascal. São Paulo: Paulus, 2005, p. 111.
hoje, a história do povo da Bíblia e a sua própria história. A participação nos
grandes eventos da Igreja não se torna apenas ocasião de encontro, de emoção
extática, mas configura mais um passo na experiência cristã dos participantes do
Catecumenato.
Na mistagogia de Cirilo de Jerusalém identificamos ensinamentos que se
fazem presentes na experiência deste grupo de Catecumenato com Adultos: a
experiência de vivida em unidade, em comunhão e correção fraterna; a
percepção de que se crê em Igreja; o sentimento de estar inserido na grande
família eclesial; a consciência da dimensão universal do mistério Pascal; a
História da Salvação como passado, presente e futuro.
3.2.2.8
O espaço mistagógico
Não podemos deixar de registrar que este grupo está inserido em uma
Casa de Oração, o que é um fator determinante em toda esta experiência. Apesar
de ter dado seus primeiros passos no Pré-Catecumenato, na igreja do bairro, ele
vivencia o processo catecumenal e os sacramentos da iniciação nesta comunidade,
na qual muitos detalhes concorrem para que seja uma experiência realmente
mistagógica. Na Casa de Oração Batismo do Senhor o grupo de Catecumenato
tem a oportunidade de se confrontar com uma prática paradigmática em termos de
oração, experiência e formação litúrgica: o espaço físico da capela, o espaço
externo de contato direto com a natureza, o ambiente de oração, as práticas
orantes da comunidade, a espiritualidade monástica, a presença dos religiosos, a
comunidade eclesial que se reúne em torno dessa experiência
687
.
O sentido do espaço mistagógico consiste em o estar reduzido à
materialidade dos ritos e sim aos sentidos simbólicos, ou seja, o espaço externo
convoca à experiência interior, a serviço da espiritualidade. O templo onde habita
a plenitude da divindade é Jesus Cristo. Ele é o verdadeiro lugar de encontro com
Deus. Sendo assim, o espaço será mistagógico na medida em que se voltar a esta
687
Nesta abordagem nos limitaremos ao espaço físico da capela da Casa de Oração, não nos
alongaremos na descrição dos demais espaços da Casa, que também concorrem para o ambiente de
silêncio e oração, próprio dos mosteiros.
centralidade radical, na pessoa de Jesus Cristo, no Mistério pascal. Nele se baseia
toda a mistagogia do espaço litúrgico
688
.
O espaço físico da capela da Casa de Oração é um espaço mistagógico.
Sua organização é direcionada para conduzir a assembléia para dentro do mistério:
a distribuição dos bancos, do ambão, do altar, dos objetos lirgicos, corroboram
para conduzir à celebração ativa, consciente e plena do Mistério. Os participantes,
Afonso e Valéria, descrevem o quanto este espaço físico se tornou para eles uma
referência e os ajudou a se perceberem participantes do mistério de Deus.
O que acontece... até a distribuição dos bancos na igreja em volta do ambão, o
altar... já faz você refletir, sabe? Porque aí deixa centrado o altar, o ambão, né?
Faz o conjunto, e você percebe que você ali participando, sabe?Enquanto a
distribuição nas grandes igrejas, paróquias é diferente, você é quase que
assistente, lembra um posicionamento de um cinema. Ali não, eu sou incluído,
sou parceiro, somos a assembléia. E isso forma vínculo, vinculação. E
catecumenato é liturgia, porque até a arrumação da capela faz a gente se sentir
dentro.
E ainda tem aquela coisa de silêncio, é uma casa de oração, hoje todo mundo
sabe, né? Mas as pessoas ficavam... assim - talvez pelo excesso de felicidade
descobrindo que ali a gente se sentia tão perto de Jesus que tudo o mais se
tornava pequeno. (Afonso)
Estar ali, no mosteiro, é muito bom, o silêncio é muito bom... Quando você está
em oração não aquela conversa...Todo mundo concentrado. Não tem aquela
conversa como na paróquia existe. Ali as pessoas sabem que é uma casa de
oração. (Valéria)
O grupo se surpreende diante da estrutura física e da liturgia da Casa de
Oração, pois não é algo que já haviam experimentado antes; é muito diferente da
estrutura das paróquias locais, onde, a seu ver, a estrutura física não favorece a
participação.
Um dos elementos da espiritualidade vivida no cotidiano da Casa de
Oração, do qual os integrantes do Catecumenato participavam, é a oração do
Ofício Divino
689
. Não é um elemento próprio da formação catecumenal, e sim da
688
O papa Bento XVI, em sua Exortação Apostólica Sacramentum Caritatis, solicita especial
atenção a esta dimensão litúrgica: “A este respeito, tenha-se presente que a finalidade da
arquitetura sacra é oferecer à Igreja que celebra os mistérios de , especialmente a Eucaristia, o
espaço mais idôneo para uma condigna realização da sua ação litúrgica; de fato, a natureza do
templo cristão define-se precisamente pela ação litúrgica, a qual implica a reunião dos fiéis, que
são as pedras vivas do templo”. BENTO XVI, Exortação Apostólica Pós-Sinonal. Sacramentum
Caritatis. Sobre a Eucaristia, Fonte e Ápice da Vida e da Missão da Igreja, n. 41, Roma: Libreria
Editrice Vaticana, 2007. Disponível em: ‹www.vaticano.va› Acesso em: 22 de março de 2008.
689
Na Casa de Oração, a comunidade reza diariamente o Ofício Divino das Comunidades. Ver
nota 588 neste capítulo.
dinâmica desta comunidade. Sendo assim, nem sempre os integrantes do
Catecumenato participavam desta prática orante, já que não estava contemplada
no momento dos encontros. Apenas alguns, aceitando o convite da comunidade da
Casa de Oração, aproveitavam o ensejo para viverem esta experiência.
Em sua avaliação do processo vivido, sugerem a oração do Ofício como
uma prática que deveria fazer parte da ICA.
Eu acho que podíamos rezar o Ofício às vezes, acho que ajudaria...porque no
ofício tem a meditação da Palavra, tem os Salmos, tudo que leva a interiorizar
mais ainda a palavra de Deus, e não só a palavra de Deus, a vivência entre nós.
(Ana Maria)
O ofício é uma prática que eu não conhecia. A paz, a serenidade, a entrega....
eu descobri, realmente uma igreja orante. (Afonso)
No discurso de Afonso, percebemos que ele considera a prática do Ofício
como parte de sua identidade cristã e de sua compreensão de Igreja. Ele possibilita
que a comunidade, dentro de seu contexto, se situe na grande tradição litúrgica da
Liturgia das Horas. Os elementos do Ofício são caminho mistagógico do qual este
grupo de Catecumenato participa e recebe o influxo: o caráter comunitário das
orações, a santificação do tempo, a relação com o mistério salvífico, a unidade
entre o Antigo e o Novo Testamento, a santificação do ser humano, a unidade com
a Igreja celeste, as orações realizadas em nome de Jesus Cristo.
Na mistagogia de Cirilo, estes mesmos elementos estão presentes nas
Catequeses, apesar de não podermos aliar esta prática orante às suas Catequeses,
pois não temos notícia de que o próprio Cirilo vivencia a Liturgia das Horas.
Contudo, esta é uma possibilidade, já que após a paz constantiniana, a liturgia se
organiza nas igrejas locais, em torno do bispo e de seu clero, com as orações
comunitárias da manhã e da noite
690
.
A Casa de Oração é orientada por um padre-monge, porém, ele não
aparece como uma referência frequente na fala dos participantes. Em seus
discursos eles manifestam que percebem que um planejamento do
Catecumenato, e que seu catequista recebe orientações do padre, no entanto, sua
690
A Peregrinação de Eteria a Jerusalém nos informa desta prática, referindo-se ao oficio litúrgico
com salmos, orações dos fiéis, cantos e hinos. Ela provavelmente estava em Jerusalém no ano de
384, quando Cirilo ainda era bispo, entretanto nunca menciona seu nome. Cf. PEREGRINAÇÃO
de Eteria. Liturgia e catequese em Jerusalém no século IV. Petrópolis: Vozes, 1971, p. 24;
DRIJVERS, J.W. Cyril of Jerusalém. Bishop and City. Boston: Brill, 2004, p. 67; LODI, E.
Liturgia della Chiesa. Bologna: EDB, 1981, pp. 1307-1308.
presença nos encontros foi pontual, em momentos-chave dos retiros, algum
esclarecimento com relação à leitura orante ou aos ritos do Catecumenato.
Para Paulo, a forma como o padre se relaciona com a comunidade também
demarca uma forma de relação que auxilia no caminho do Catecumenato.
Pra mim tem um ponto fortíssimo, que é a aproximação do padre com a
comunidade né? A gente fica muito próximo dele... então, a gente sente aquela
devoção dele, o dar dele...Uma pessoa super atenciosa... Com cada um que vai
procurar ele... ele sempre à disposição... E isso ajuda a gente a frequentar,
ainda mais vezes. (Paulo)
Uma outra catecúmena acredita que o padre da comunidade colabora na
organização do Catecumenato e, ao mesmo tempo, procura manter certa distância
que, a seu ver, visa que as pessoas tenham respeito por ele.
Eu acho que o padre ajudou a gente, porque a gente sabe que o seu Augusto
conversava tudinho com ele, né? Bom, mas ele não vinha sempre, ele fica lá, sem
muita intimidade, sabe? Ele tem um jeito todo dele, na missa, e tudo isso faz
parte, né? Às vezes, ele veio e deu algumas palestras... duas, três vezes...ele
ajudou muito, apesar que ele é sério, mas depois que eu passei a conhecer ele, eu
achei completamente diferente, eu entendi que ele não vem assim com muita
intimidade, é o jeito dele, talvez pras pessoas não misturarem com
desrespeito...(risos) não sei. (Valéria)
A reflexão de Afonso assume outra direção, ele valoriza os momentos nos
quais o padre esteve acompanhando o grupo como referências, momentos
marcantes, daquele que é o padre da comunidade. Ele fala isso com satisfação e
considera que esta presença se deu em momentos precisos, de orientação e, por
isso mesmo, tornou-a especial e sem cair na rotina.
Eu penso assim... se o padre está o tempo todo conosco ele causa um impacto de
início... Afinal de contas, você tá lidando com um grupo que está buscando a vida
religiosa, e chega um sacerdote... você fica satisfeito. Mas eu acho que foi bom
assim, sabe? em algumas reuniões, deu mais liberdade. O grupo vai, caminha
e, ao mesmo tempo, a presença dele, quando acontece - vamos dizer assim -
deixa todos satisfeitos, mas se fosse com ele, viraria rotina...Assim, como foi,
era um presente quando ele v inha...e nós ficamos muito orgulhosos por isso,
pela atenção.(Afonso)
Enfim, o fato deste grupo se reunir na Casa de Oração Batismo do Senhor
é delimitador da mistagogia experimentada neste processo catecumenal. Os
participantes deste Catecumenato se encontram em um espaço mistagógico, tanto
no que se refere à estrutura física, como com relação à oração e à liturgia que ali
se vivenciam. A prática teológico-pastoral de Cirilo é demarcada por um lugar
teológico: a cidade de Jerusalém, com suas primeiras comunidades cristãs. Para
este pequeno grupo, a Casa de Oração é lugar teológico, é terreno fecundo para a
experiência do Mistério de Deus, voltado para esta dinâmica de acolhida e
resposta cotidiana à Graça de Deus na hisria.
3.3
Avaliando a experiência do Catecumenato com Adultos na Casa de
Oração Batismo do Senhor
Para avaliar esta experiência catecumenal com adultos traremos as
observações de alguns participantes do grupo, mas principalmente a visão do
catequista e a visão do padre da Casa de Oração, o Pe. Domingos Ormonde. No
caso do padre, sua avaliação tem um outro peso, devido à sua formação teológica,
a especialização em Liturgia, e como fundador e orientador espiritual da Casa de
Oração Batismo do Senhor. Além disto, o Pe. Domingos acompanhou e orientou
esta experiência de Catecumenato com Adultos, sendo, portanto, conhecedor de
todas as etapas do processo.
A entrevista com o Pe. Domingos Ormonde transcorreu como uma
conversa informal, na qual tivemos em mãos um roteiro semi-estruturado, o que
possibilitou aos dois sujeitos em diálogo - a pesquisadora e o padre -, a reflexão
sobre etapas e questões específicas do processo catecumenal, acrescentadas ao
roteiro inicial. Esta entrevista se deu apenas ao final do processo catecumenal, o
que favoreceu uma avaliação mais ampla da experiência, assim como a construção
de prospectivas para esta e outras experiências na Iniciação Cristã de Adultos.
Unindo nossa observação e análise do processo às contribuições dos
participantes, encontramos algumas etapas que se destacaram nas avaliações: a
seleção de conteúdos, os elementos fundamentais no Catecumenato com Adultos,
os limites que foram encontrados por parte da avaliação do grupo, do padre, do
catequista e por parte da pesquisadora.
Vejamos passo a passo a visão do processo de ICA experimentado ao
longo de dois anos de caminho catecumenal sob a interpretação dos participantes.
3.3.1
Seleção de conteúdos e elementos fundamentais
Muitos catequistas questionam qual a melhor forma de conciliar o caminho
catecumenal proposto pelo RICA com os conteúdos que devem ser trabalhados ao
longo deste processo. Enfim, é possível uma experiência que contemple as
dimenes pessoais e comunitárias do Catecumenato com Adultos e uma
formação básica no núcleo da cristã? Quais seriam os conteúdos
imprescindíveis a serem trabalhados no Catecumenato com Adultos? É possível
conciliar experiência subjetiva e comunitária, espiritualidade e formação cristã?
Haveria um método que auxilie nesta trajetória?
Para o catequista desta comunidade, não é possível falar em planejamento
do Catecumenato sem trazer a referência do orientador pastoral do processo, o
padre da Casa de Oração. O Pe. Domingos Ormonde é conhecedor do RICA e
estudioso do processo da Iniciação Cristã. Neste processo catecumenal, ele
auxiliava no discernimento, no planejamento, na escolha dos temas dos encontros,
nos rituais litúrgicos.
O catequista descreve abaixo o início do processo de planejamento e a
preocupação do padre da Casa com a nova experiência catecumenal com Adultos.
Quando eu vim pra com o grupo dos quatorze correu tudo bem. Embora o
padre tenha achado que a gente precisava de um roteiro melhor. (...) Porque ele
vinha sempre buscando, vendo a minha dificuldade de fornecer algum subsídio.
Mas ele, à medida que vai pesquisando o ritual, também vai percebendo as
dificuldades com mais clareza... Aí vai buscando novas maneiras... (Sr. Augusto)
O próprio padre, contudo, percebe limites em sua atuação neste
planejamento. Apesar de seu conhecimento prévio quanto às orientações do RICA
para o Catecumenato, ele respeita a identidade do catequista, suas intuições e
metodologia. Para Pe. Domingos, esse catequista possui o elemento mais
importante neste caminho, ele é um mistagogo, e é esta característica essencial
que ele decide priorizar em suas orientações para a ICA nesta comunidade.
O Augusto já era o catequista do grupo na formação primeira, na Vila São Luis.
era uma catequese de adultos, que incluía alguns rituais litúrgicos do RICA,
como os escrutínios e as bênçãos. Quando vieram para nossa comunidade, a meu
convite, eu procurei não interferir no jeito que ele trabalhava com o grupo. Não
orientei, por exemplo, conteúdos doutrinais... Achei melhor lidar com o que ele
trazia, com o que ele possuía. Ele tinha uma boa formação teológica, simples,
com uma base católica tradicional, da formação na infância, e de alguma
atualização que havíamos feito na Diocese. Ele é mais que um catequista, e o
mais importante ele possuía, é atento ao Espírito. Assim, o melhor seria
transmitido, entende? ... deixá-lo caminhar, com sua sensibilidade pastoral e
procurei orientá-lo em alguns momentos. O Augusto o é um mistagogo, sem
formação teórica, mas tem o mais importante... ele segue a orientação do
Espírito, e esta escuta leva ao sensus fidei. (Pe. Domingos)
Sr. Augusto usava da ppria sensibilidade pastoral para encontrar os
melhores caminhos para seu trabalho. Para ele, era o início de tudo, não havia
material pronto ou experiências a serem trocadas. Ele planejava juntamente com o
padre e, ao mesmo tempo, por seus próprios recursos, estudava, pesquisava,
selecionava metodologia e conteúdos.
Olha só, no início, a gente tinha só dificuldade para abrir essa picada na
mata, abrir esse caminho. Então a gente começou usando os nossos próprios
recursos, tá? Então, uma vez, quando não tinha uma clareza, eu peguei os meus
pelo lado mais fácil pra mim, mais prático pra mim, que eu gostava muito de ler
a Bíblia, gostava muito de ter esse contato com a Bíblia. E eu tinha uma visão
razoável do tempo litúrgico.
Confesso que, na verdade, é provável que eu tenha sido muito fraco na parte da
doutrina porque não é a minha praia... Então, na doutrina eu sou bem fraquinho
mesmo, quer dizer, não que eu seja forte no tempo litúrgico, mas é que eu era
bastante interessado, interessado e curioso com relação ao caminho que a igreja
faz através dos tempos litúrgicos. Isso é a diferença que causou: acompanhando
como é que a igreja caminha. E eu perguntava: vocês perceberam alguma
relação entre uma leitura e outra? Acha que houve alguma mudança de
itinerário?E eu percebi que vindo de pra cá, no caminho do ano litúrgico, a
gente tinha uma amarração... (Sr. Augusto)
O caminho escolhido foi fazer a trajeria do ano litúrgico, articulando os
textos bíblicos de cada semana, o caminho eclesial, a liturgia e a vida. Ele faz um
caminho mistagógico e, a cada elemento que ele une ao processo, este caminho se
torna mais próximo daquele da Igreja dos primeiro séculos.
Ele compreendia que o ano litúrgico não se resumia às leituras bíblicas, e esta
escolha ficou ainda mais assentada depois da frequência aqui e do curso de
Liturgia que ele fez. Eu optei por não sugerir um livro-texto e também não
orientei conteúdos doutrinais. (Pe. Domingos)
Nas duas falas está presente que o conteúdo selecionado para a formação
catecumenato não seguiu exatamente um programa doutrinário. O catequista
priorizou a caminhada bíblica do ano lirgico, o vínculo entre o Antigo e o Novo
Testamento, o seguimento de Jesus. No entanto, os participantes mencionam
conteúdos doutrinais ao longo da caminhada, como é o caso de Nanci.
Uma coisa que me marcou foram os mandamentos, né? Tudinho... Tudo
explicadinho. Seu Augusto é uma pessoa muito abençoada, muito importante,
mesmo... Eu entendi pela primeira vez tudinho, que não era uma lista pra
decorar e fazer, que era um conselho de Deus... e tava tudo na Bíblia, pro
nosso bem, pra gente ficar bem no caminho, e o pra ter medo, de ser
castigado... Olha, eu falo mesmo: Eu tive um catequista! Aquele, sim!Catequista
pra ensinar mesmo. (Nanci)
Em uma das reuniões, propusemos uma avaliação quanto aos temas
trabalhados no Catecumenato até aquele momento. Fizemos uma relação dos
temas que consideraram que haviam experimentado e aprendido, e aqueles que
ainda julgavam necessários para complementar o caminho. Vale ressaltar que,
neste momento, não houve qualquer interferência dos assessores e do catequista
para delimitarem os temas ou os elementos relevantes que serão apresentados logo
a seguir.
Com relação ao calendário lirgico, estávamos no final do Tempo
Comum; duas semanas antes do inicio do Advento, ainda tendo, portanto, o
período até a Páscoa seguinte para a continuidade do caminho catecumenal
691
.
Temas elencados como
fundamentais e já trabalhados:
1. Conhecer a Bíblia – a Palavra
2. Ano Litúrgico
3. Igreja diocesana – participação
4. Convivência familiar
5. Gesto concreto – os sofredores
6. Testemunho pessoal
7. Oração diária
8. Igreja – história e missão
9. Mandamentos da Igreja
10. Mandamentos da Lei de Deus
11. Santíssima Trindade
12. As parábolas
13. Consciência crítica
Temas elencados como
fundamentais a trabalhar:
1. Celebração Eucarística
2. Liturgia
3. Oração – novas formas
4. Prática da Leitura orante
5. O Pai Nosso
6. Credo
7. Os Sacramentos
8. Visão das outras religiões
9. Maria
Observamos que o grupo foi capaz de identificar muitos temas que estão
presentes nos manuais como importantes para a formação cristã, como por
exemplo, a blia, a Igreja, os Mandamentos, a Trindade. E, além disso, apontou
como trabalhados, outros temas que muitas vezes não são priorizados pelos
manuais de catequese. Contudo, os temas elencados indicam o caminho
691
Ver Anexo 2.
mistagógico trilhado pelo grupo, como: o ano lirgico, a sensibilidade aos
sofredores, o testemunho pessoal, a oração.
Também é interessante notar que, quanto aos temas que o grupo sentiu
necessidade de serem trabalhados e aprofundados, foram evidenciadas questões
nucleares na formação cristã, como, para exemplificar, o Credo e os Sacramentos.
E ainda outros temas que brotaram devido à originalidade da experiência vivida
na Casa de Oração, como, a prática da Leitura Orante, novas formas de oração, a
Liturgia.
Após este momento, o grupo foi convidado a um olhar mais amplo para o
processo de Catecumenato com Adultos e, a partir da experiência vivida,
identificar quais seriam os pontos fundamentais para uma ICA. Após muitas
considerações entre os participantes, chegaram aos quatro pontos abaixo:
1. Uma Catequese viva – unindo a fé e a vida na comunidade
2. Relação de proximidade e convivência pessoal e familiar
3. A noção de caminho um processo, no qual se fazem novas escolhas e
também renúncias.
4. A formação da Comunidade respeitando as individualidades e
estabelecendo os vínculos, como uma família.
É muito interessante que o fato de não possuírem um livro-texto ou um
roteiro de conteúdos pré-estabelecido não tenha significado prejuízo ao
amadurecimento e à formação cristã dos participantes do Catecumenato. Por outro
lado, isso não significa que o Catecumenato não tivesse um planejamento, com
temas centrais, um caminho a ser percorrido e metas a serem atingidas. A
capacidade que o grupo expressou de identificar os elementos fundamentais
quanto aos conteúdos e ao estabelecimento das prioridades no caminho de ICA
demonstra a seriedade do processo e o seguimento das orientações do Magistério.
Como observadora recente do processo, considerei essa reunião excelente,
que apesar do grupo não ter uma formação teológica e nem o catequista
coordenador, conseguiram ressaltar os aspectos fundamentais na formação
cristã, sem relutar, enfatizando inclusive a centralidade da leitura bíblica,
oração, vida comunitária, testemunho, conversão, compreensão da fé católica e
ecumenismo. (Anotações de campo-13.11.2004)
Guardando o distanciamento histórico e paradigmático entre o século IV e
nosso tempo, ou seja, quando os Padres iniciam o caminho da Iniciação Cristã, e o
momento atual, pleno de orientações da Tradição e do Magistério, os quatro
elementos apontados pelo grupo como importantes para um caminho catecumenal
com Adultos estão presentes nas categorias mistagógicas extraídas das Catequeses
de Cirilo de Jerusalém. Também em Cirilo aparece a importância da integração
entre a e a vida, a percepção do seguimento de Jesus como um caminho de
conversão existencial, a pertença e participação na comunidade eclesial.
Após o momento de revisão na pequena comunidade, o Pe. Domingos
Ormonde foi convidado a elencar os elementos fundamentais para o
Catecumenato com Adultos percebidos nesta experiência catecumenal. Ele
salientou dez elementos como constantes desta experiência:
1. A experiência de comunidade eclesial – marcada pelo companheirismo,
amizade, em sintonia com a comunidade eclesial maior, com a vida da Igreja paroquial e
diocesana.
2. Um catecumenato orante e litúrgico em chave de leitura vivencial,
seguindo o método alegórico (como nos Padres da Igreja)
3. A paternidade espiritual o catequista como mistagogo, orientador, pai,
intercessor, modelo de discipulado.
4. A dimensão cristocêntrica e pneumatológica centralidade da pessoa e do
seguimento de Jesus e a presença atuante do Espírito na vida, não como um tema
complementar ou como um dogma.
5. A dimensão da conversão – o catequista é testemunha desta dimensão, todos
são chamados à conversão contínua. Esta passa pela aceitação da pessoa como ela é.
6. Uma catequese não de ensinamentos e sim de abertura à dinâmica da
Graça encontros nos quais se revê a vida cotidiana e se experimenta a ação da graça
de Deus. O catequista é mediador, intérprete e mistagogo.
7. A proximidade cultural entre o catequista e os participantes do
Catecumenato mesma cosmovisão, universo cultural, visão simbólica da vida.
8. A experiência de solidariedade – sensibilidade entre os participantes do
Catecumenato, familiares, sofredores, amor aos pobres, à América Latina.
9. A espiritualidade monástica – assimilaram o modo de rezar monástico.
10. A centralidade na Palavra de Deus – reúne os elementos fundamentais para
o caminho mistagógico, tanto individual como comunitária, tanto na fase de iniciação
como de ensinamentos catequéticos.
Como consideramos anteriormente, temos aqui dois momentos de
avaliação do processo. O primeiro, com o grupo de participantes do
Catecumenato, os introdutores, os assessores e o catequista presentes. O segundo,
entre dois teólogos - a pesquisadora e o padre da Casa de Oração -, no qual o
padre elenca elementos percebidos nesta experiência catecumenal que nos
conduzem a aspectos levantados anteriormente em nossas fontes de consulta e
elaboração. Seja com relação às Catequeses Mistagógicas de Cirilo de Jerusalém,
às orientações do Magistério eclesial, como também às reflexões dos teólogos e
pastoralistas dedicados ao tema da ICA, encontramos nos dois depoimentos,
constantes da experiência catecumenal.
Esses elementos levantados na pesquisa de campo estabelecem vínculos
aproximativos entre as fontes e o surgimento de novos métodos, em diálogo com
as comunidades e com o mundo contemporâneo. É sabedoria fontal,
discernimento e escuta aos novos tempos, sinais de uma Igreja que caminha sob o
impulso do Espírito, mistagogo de todos os tempos.
3.3.2
Limites diagnosticados pelos participantes do processo catecumenal
Depois de apresentarmos o diagnóstico dos elementos presentes nesta
experiência catecumenal, vejamos os limites apontados pelo grupo de
participantes e pelo padre da comunidade. Nos relatos anteriores foram
apontados alguns limites, como, por exemplo, a construção da identidade dos
introdutores e seu acompanhamento efetivo aos participantes do Catecumenato.
Outros limites foram indicados durante as entrevistas e reflexões com o
grupo de participantes do Catecumenato, com o catequista e com o padre-monge,
Pe. Domingos Ormonde, entre os quais selecionamos quatro mais relevantes para
nossa análise:
1. O conceito de Iniciação Cristã com Adultos que está presente nas
comunidades, como formação sacramental ou formação permanente;
2. A delimitação de um tempo fixo de formação ou a abertura para o
processo pessoal;
3. A realidade do mundo adulto com suas escolhas profissionais e afetivas;
4. Ausência de subsídios voltados para o Catecumenato cm Adultos e a
presença de lacunas doutrinais na formação do catequista.
Apresentamos, a seguir, as práticas discursivas dos entrevistados com
relação a estes elementos diagnosticados em sua caminhada de Catecumenato.
Com relação ao conceito de ICA, segundo os depoimentos dos
participantes do Catecumenato e do catequista, o caminho catecumenal vem sendo
assumido, na maioria das comunidades, como um caminho direcionado aos
Sacramentos de Iniciação. A compreensão de uma formação permanente dos
adultos ainda depende de uma reformulação de conceitos-chave como: os
sacramentos, a pertença eclesial, a identidade cristã pessoal e comunitária.
Segundo Sr. Augusto, seria importante dar continuidade ao caminho, dentro uma
nova proposta de formação.
Eu acho que um caminho, e esse caminho tem um longo percurso... é
necessário que haja encontros periódicos, sempre acendendo aquela chama lá do
início. É o caminho da busca, da busca desse grande encontro com Jesus ... Você
conhece Jesus, tem intimidade com Jesus, mas você vai ao encontro d’Ele...
Embora já tenha passado pelo sacramento, toda vez que você participa da
eucaristia, você está fazendo um encontro pessoal com ele. E que esse caminho,
ele tem uma profundidade sempre.(Sr. Augusto)
Para o catequista, o Catecumenato com Adultos tem uma abrangência
maior do que a catequese sacramental. Ele considera a inserção eclesial, a
compreensão da liturgia e a integração com a vida prática como fatores a serem
reunidos no processo, que exigem formação, tempo, continuidade, comunidade
viva.
Hoje eu vejo que o catecumenato tem uma abrangência muito maior, não só pela
necessidade de se ter uma Igreja mais compreendida dentro da sua liturgia,
mas... e há sempre uma resistência. Porque é muito fácil você ser um catequista
de catequese comum...é você ter um programa todo definido na mão e chegar
e passar. Agora, é mais complicado ter um programa e ter que vivenciar isso
com eles. (Sr. Augusto)
Em decorrência dessa compreensão, uma outra dificuldade é percebida
pelo catequista e também presente na fala de alguns participantes: o fato de que o
processo catecumenal exige tempo de dedicação. Para muitos, o período de dois
anos de caminhada é um período muito longo, uma escolha radical que afetará a
vida da pessoa, da família.
Outra dificuldade é com relação ao tempo, né? No início a gente percebe que
algumas pessoas acham que o catecumenato é uma coisa assim que pode ser
resumido em tempo mais curto. Tem igreja que é assim: duas semanas, dois
meses, três meses. É, mas na verdade, não há uma formação. uma quebra de
picada aqui e tal... Botou ele na trilha, mas ele vai com as próprias forças, vai
ter que desbravar o medo, não o grupo fazendo um caminho. Uma picada na
mata com uma foice é uma coisa, mas se você tem do teu lado cada um com uma
foice, esse caminho vai ser mais bem feitinho, né?
E eles acham muito tempo. Eu acho que, às vezes, pra uns é pouco tempo e, às
vezes, pra outros é o suficiente. Mas suficiente mesmo não é. (Sr. Augusto)
Sr. Augusto compreende que o tempo o pode ser muito curto, que se
deve fazer o caminho em comunidade. E vai além. Ele acredita que é um caminho
permanente e, portanto, não tem uma data limite, é uma caminhada em direção ao
encontro com Jesus.
O profundo vínculo de amizade e solidariedade característico construído
nesse pequeno grupo o faz desejar a continuidade do processo catecumenal.
Manifestam o desejo de permanecer juntos, firmar a comunidade, e trilhar novos
caminhos, de acordo com uma etapa seguinte à formação sacramental.
Aqui, muita gente acha que terminou, mas eu acho que não terminou. O pós
sacramento, eu acho que as pessoas vão sentir falta. Eu penso assim... no início
as pessoas ficam meio reticentes, mas depois que começar, que criar uma
tradição, um ritmo, eles passariam a vir... mesmo que o fosse todo domingo,
senão tumultua um pouco a vida, seria pedir demais... Eu acho que um estudo,
um aprofundamento, o pessoal vai gostar porque muita gente às vezes sente falta.
(Ana Maria)
Eu acho que deveria continuar esse caminho, tipo uma perseverança. Eu acho
legal, a gente sente falta desses encontros, porque a gente vem aqui por família
mesmo, sabe? A gente sempre toda semana assim, juntos... vai na casa do
outro, vai...Então a gente acaba incorporando, né? (Maria)
Para a maioria dos participantes, o processo catecumenal deveria ganhar
uma continuidade pós-sacramento, para aqueles que foram em busca dos
sacramentos, e um novo ritmo de reflexão e oração que incluísse os demais.
Eu penso que a pessoa pode até procurar o catecumenato para o sacramento,
mas no fundo não é pra isso. O alvo de dentro, da pessoa, assim... não é
estudar, não é só a bíblia, é ela mesma, ela com Deus, entende? E isso não acaba
né? O padre falou assim, não sei se você reparou: Todo mundo devia fazer o
catecumenato, mesmo quem tem os sacramentos pra poder se atualizar’. Eu
acho importante novas descobertas.
O catecumenato é como o básico, um início... agora seria pra aumentar mais a
nossa fé, a gente fortalecer mais a fé, não é? (Nanci)
O próprio processo implementado pelo RICA e as atividades acrescentadas
pelo catequista concorrem para que o grupo perceba que o caminho o poderia
ser interrompido, ao contrário, deveria prever uma continuidade. Para muitos, é
uma ruptura incoerente com o próprio processo vivido.
Mas o tantas coisas que se pode fazer dentro do catecumenato... O
catecumenato termina e as pessoas se sentem órfãs... quando começa fala-se em
dois anos... MUITO TEMPO! Todo mundo fala que é muito tempo... Quando tava
chegando perto de acabar... : Ai meu Deus do u!... vamos sentir falta disso
aqui, agora... e todo mundo tava arrependido de um dia ter falado que dois
anos era muito.(Afonso)
Rosa sugere que haja uma retomada, com uma perspectiva de renovação
ou aprofundamento periódico, de tempos em tempos, não apenas para aqueles que
receberam os sacramentos de iniciação, mas para todos da comunidade.
Eu acho que todo mundo aqui, até mesmo pra gente que fez dois anos, devia ter,
tipo um check-up...Uma renovação, um reencontro, um tempo pra fazer de novo,
de vez em quando...de ano em ano, de dois em dois anos... não sei direito...Todo
mundo gostaria de se encontrar, pelo menos uma vez por mês pra rezar, ler a
bíblia, mas também pra aprofundar uns temas da igreja ....e manter a chama
acesa.(Rosa)
Também Pe. Domingos acrescenta uma reflexão na qual considera o
processo de Iniciação Cristã como um caminho que poderia conduzir a uma outra
etapa, que ele denomina como ‘missionária’.
Neste grupo tivemos uma experiência muito peculiar. Eles saíram para ir ao
encontro dos sofredores, e viveram ali uma experiência que me pareceu muito
marcante em sua formação. Depois de todo o processo, penso que um dos
caminhos que deveríamos pensar no sentido da continuidade do seguimento de
Jesus, seria não apenas o cultivo dos momentos diante da Palavra e a Liturgia,
claro, mas um direcionamento para a missão, poderíamos estar formando
missionários. (Pe. Domingos Ormonde)
O terceiro limite apontado pelo catequista é o fato de estar trabalhando
com um grupo de adultos, com identidades configuradas e com escolhas já
realizadas em suas vidas, no campo profissional e no campo afetivo
692
. São
dificuldades próprias da realidade do mundo adulto. Ele manifesta ter consciência
das mesmas e estar em busca de como trabalhá-las.
Uma das dificuldades que encontrei eu chamo de amor paralelo, né? É, maridos,
namorados, mas também outros interesses que já estavam na vida da pessoa...
Normalmente o início de uma relação causa uma certa estranheza, porque o
caminho é caminho que é feito pelo catecúmeno parece que incomoda. Não
pelo tempo, mas a pessoa muda e nem sempre, às vezes, nós estamos preparados
para a transformação do outro que vive conosco... Por exemplo: “Poxa, a gente
tinha esse hábito ou aquele hábito a agora não temos mais disponibilidade para
isso, não temos mais tempo para isso ou, ou você não sente mais vontade”. Essa
última menina falou assim: “Eu não fui sabe por quê? Olha, eu gosto de dançar,
gosto de tomar uma cervejinha”. Eu digo:“Continue dançando, continue
tomando a cervejinha, mas venha fazer o catecumenato” (risos), Porque se ela
tiver que deixar tudo isso, vai ser ao longo do caminho vai ser uma escolha
pessoal dela. (Sr. Augusto)
A vida adulta já é permeada de muitas escolhas e muitas situações e
valores arraigados, solidificados. No processo catecumenal é importante, para o
catequista, que estas escolhas sejam verbalizadas, que não se tornem obstáculos
para a presença do candidato, mas que sejam elaboradas ao longo do caminho, a
partir do discernimento pessoal. A mudança de hábitos, de visão de vida, de
escolhas cotidianas, vai afetar as relações interpessoais e podem não ser acolhidas
pelos parceiros familiares, afetivos, sociais. Os participantes observaram que há
pessoas que encontram obstáculos e acabam se afastando na trajetória.
A metodologia do catequista prevê essa possibilidade e, esse é um dos
motivos para as visitas familiares, e para o contato mais amigo e próximo durante
o período de formação. Também o introdutor teria a função de acompanhar e,
sempre que possível, reconduzir o neófito ao caminho catecumenal.
Eu vi uma dificuldade da pessoa permanecer no caminho. Porque, às vezes a
pessoa entra muito motivada, mas outra coisa: ‘ah, não é isso que eu quero e
a pessoa, às vezes vai, talvez cansando. Eu vi duas desistências, pararam no
meio do caminho. Eu acho que quem tem a perder o eles. Mas eu entendo
que tem as dificuldades, às vezes uma não podia vir por causa do marido, outra
porque era domingo, cinco horas...
692
H. Bourgeois apresenta algumas características próprias do mundo adulto no Catecumenato
com Adultos, como: não se adequar a uma metodologia nos mesmos moldes vivenciados na
infância; a necessidade de considerar o processo decisório na vida adulta; as ‘seduções’ do mundo
moderno; os hábitos constituídos a serem repensados; a administração do tempo com as tarefas
próprias desse estágio da vida; o receio de o concluir o caminho. Cf. BOURGEOIS, H. op. cit.,
pp. 153-154.
Mas eu acho assim, que toda dificuldade, se você quiser, pode ser superada.
Dona Teresa tinha dificuldade com os filhos, parece que ficavam sozinhos... Ela
vinha assim mesmo, entendeu? Trabalhava a semana toda. Sábado e domingo
ela tava com a gente. Começou rateando um pouquinho, perseverou no caminho
e foi... Acho que a dificuldade maior é essa... As pessoas compreenderem que há
um esforço. (Maria)
Sr. Augusto cultivou um espo de familiaridade entre os participantes do
Catecumenato. Não os deixa sozinhos com os problemas que surgem durante o
caminho, mas faz parceria, visitas, busca a melhor forma de apoiar o caminho
iniciado e conduzi-lo à perseveraa.
Desde o inicio da caminhada, no pré-catecumenato, o catequista já alerta para a
importância de decidir e se comprometer com o caminho. Fala que Deus é que
escolheu cada um e que, esse amor tão grande de Deus, pede o esforço de
responder, na medida do possível, a esse convite de honra. (Anotações de campo,
12/06/2004)
Em função desse compromisso assumido, as renúncias estavam previstas,
e surgiam na vida de cada um dos participantes do Catecumenato naturalmente e,
também dessa forma eram absorvidas e trabalhadas na pequena comunidade. Para
alguns, a renúncia era também um sinal de testemunho.
Minhas amigas falavam: ‘Poxa, Nanci fez uma renúncia” Sempre lembram que
eu renunciei ao churrasco com samba... mas eu nem senti aquela pena, eu
pensei, ainda vai ter muitas festas. Você sabe que naquele dia minhas amigas
acabaram de crer que eu tava num caminho firme? Acho que meu jeito disse
alguma coisas pra elas. (Nanci)
Pe. Domingos diagnostica um quarto elemento como um limite no
caminho desse pequeno grupo de Catecumenato: a dificuldade de encontrar
subsídios voltados para esta formação e as limitações no conteúdo doutrinal do
próprio catequista.
Uma das dificuldades que experimentamos durante todo o processo foi a
ausência de subsídios que trabalhem o Catecumenato com Adultos na ótica que
estamos desenvolvendo, ou seja, neste eixo, que não é de catequese, mas de
formação integral, onde o centro é a experiência de encontro com Jesus Cristo, e
a integração entre a vida pessoal, familiar, social, e a comunidade. O que
acontecia é que procurávamos recolher textos avulsos, ou mesmo escrever nesta
direção, algum artigo, e depois sentávamos juntos, para tirar dúvidas e planejar.
(Pe. Domingos Ormonde)
Ainda em continuidade com esta dificuldade, o padre percebe que o
catequista possuía lacunas em sua formação doutrinal e dificuldade para expor
alguns Mistérios da fé. Contudo, como vimos anteriormente, o padre percebe
que este possui outros valores que fazem com que seja um catequista responsável
e consequente nos encaminhamentos e reflexões. Para compor esta carência,
foram convidados alguns teólogos para a assessoria do grupo em momentos-chave
da formação, como, por exemplo: o tema do ano litúrgico, o tema dos
sacramentos, a prática da leitura orante da blia, a preparação e participação nos
retiros.
O Augusto é um homem de Deus, muito dedicado a este serviço, o toma para si,
como missão e sentido da sua vida. Isso é muito importante, é mais do que uma
atividade pastoral que ele acrescenta à sua vida. Contudo, mesmo de longe,
pudemos perceber que alguns temas para ele eram muito difíceis de trabalhar, e
ele muitas vezes pediu nossa ajuda. O que também foi um valor, porque durante
o caminho, o grupo pode dialogar com outras pessoas, com outra formação, e
isso, com certeza, foi um acréscimo nesse caminho. (Pe. Domingos Ormonde)
Os limites acima diagnosticados demonstram uma comunidade atenta, em
processo de amadurecimento eclesial constante, e que procura responder, através
de sua dinâmica pastoral, às linhas pastorais propostas pelos bispos latino
americanos reunidos em Santo Domingo: “acentuar uma catequese querigmática e
missionária
693
. Esta catequese, afirmam os bispos, “deve ter um itinerário
continuado que abarque desde a infância até a idade adulta”
694
. Mais adiante, os
bispos interpelam as paróquias a converterem-se em “comunhão orgânica e
missionária, para que seja uma rede de comunidades”
695
. Pedem expressamente
“renovar as paróquias a partir de estruturas que permitam setorizar a pastoral,
mediante pequenas comunidades eclesiais nas quais apareça a responsabilidade
dos fiéis leigos”
696
, e que se “ratifique a validade das Comunidades Eclesiais de
Base fomentando nelas o espírito missionário e solidário, e buscando sua
integração com a paróquia, com a diocese e com a Igreja universal, em
conformidade com os ensinamentos da Evangelii Nuntiandi
697
.
693
DSD 49.
694
DSD 49.
695
DSD 58.
696
DSD 60
697
DSD 63; EN n. 58.
A seguir, consideraremos outros limites percebidos durante o período de
pesquisa no Catecumenato com Adultos na comunidade da Casa de Oração
Batismo do Senhor. Estes limites foram diagnosticados por nós, com o aparato
crítico teológico e uma visão que inclui a bibliografia consultada e as orientações
do Magistério no que concerne à Iniciação Cristã de Adultos.
3.2.3
Limites diagnosticados pela pesquisadora
Durante este processo de pesquisa participante atuamos não apenas como
observadores, mas também na assessoria teológica e no acompanhamento do
grupo de Catecumenato com Adultos. Portanto, diagnosticamos avanços e
dificuldades ao longo da trajetória do grupo, como também, após a conclusão do
período de pesquisa, elaboramos reflexões teogicas a partir da experiência
vivida e observada. Serão apresentadas como dificuldades percebidas: a formação
de orientadores num perfil mistagógico, uma revisão metodológica que supere a
tensão conteúdo-método e a diversidade dos estágios de maturidade no grupo de
participantes.
A primeira dificuldade que percebemos é com relação à formação do
orientador do processo catecumenal, ou seja, o catequista de adultos. O papel
deste catequista não se restringe a uma transmissão de conteúdos, mas abarca
dimenes mais amplas, que exigem um perfil de amadurecimento pessoal,
eclesial, pastoral e teológico. Além disso, segundo as orientações do RICA e das
categorias mistagógicas que extraímos das Catequeses de Cirilo de Jerusalém,
este catequista também deveria ser formado como mistagogo.
No caso do catequista deste grupo específico, da Casa de Oração Batismo
do Senhor, o padre-monge percebe nele uma identidade mistagógica e, inclusive,
prioriza esta identidade em seus acompanhamentos e avaliação. Também os
participantes do Catecumenato apontaram características do catequista as quais
identificamos com o perfil de um mistagogo: mediador do chamado que Deus faz
a cada pessoa, testemunha pessoal do evangelho de Jesus Cristo, relacionamento
pastoral e afetivo com os participantes do Catecumenato.
Sabedores da confluência de fatores relevantes para que o catequista seja
esta presença formadora entre os iniciantes, como também, da originalidade que
consiste em um posicionamento mistagógico no processo catecumenal,
percebemos que houve um esforço sistemático da parte do Sr. Augusto para
assumir sua responsabilidade e se qualificar. Contudo, como também avaliou o
Pe. Domingos Ormonde, uma ausência de subsídios para essa formação. Os
cursos de formação para os agentes de pastoral e para o Catecumenato com
Adultos passam por um processo de revisão, de replanejamento e busca de
compreensão das novas orientações eclesiais e pastorais
698
.
A compreensão de ICA como um caminho mistagógico, de
amadurecimento integral e configuração da própria vida em Jesus Cristo pede
uma renovação na formação dos orientadores. Acreditamos que dois elementos
o fundamentais para esta formação.
O primeiro elemento seria a participação em uma comunidade que
experimente a eclesiologia de comunhão, a liturgia mistagógica, a abertura e
diálogo fecundo com os novos tempos, em estado de missão, em unidade com a
Tradição e o Magistério.
O segundo elemento seria a formação centrada no eixo mistagógico,
considerando as dimensões a serem integradas e articuladas no processo de
Catecumenato com Adultos. Especificamente, uma formação teológica voltada
para a compreensão da relação dialógica entre Deus-pessoa-comunidade-mundo;
para a compreeno da ICA como itinerário vital, processual, que engloba a todos;
a formação na oração, na leitura bíblica e na liturgia, como princípios ativos e
fecundos na ICA; a capacitação para a integração entre a e a vida; orientações
pedagógicas para o processo mistagógico.
O segundo limite diagnosticado por nós diz respeito à demanda de superar
a concepção catequética ainda presente em muitas experiências de Catecumenato
com Adultos, através de uma revisão metodológica.
Observamos que, mesmo com as escolhas desenvolvidas no planejamento
deste processo catecumenal, quais sejam - o primado da Palavra de Deus, a
trajetória do ano Litúrgico, a participação na Liturgia, a integração entre a e
698
Sobre este aspecto conferir a avaliação de ANTONIAZZI, A. Formação de cristãos adultos:
desafios e respostas. In: CNBB. O Itinerário da na “Iniciação Cristã de Adultos”. São Paulo:
Paulus, 2001, especialmente páginas 259, 261, 262 e 270. Esta avaliação está presente desde 1994
no estudo de C. ROCCHETTA, Como evangelizar hoy a los cristianos, citado anteriormente.
Neste trabalho, no qual estuda e avalia o documento RICA e suas implicões na evangelização
hodierna, C. Rocchetta alerta para a necessidade de uma formação de catequistas e animadores que
compreendam profundamente o embasamento teológico, a liturgia e o caminho catecumenal deste
itinerário de fé cristã.
vida, a identidade cristã e a participação no Povo de Deus ainda assim surgiu
uma preocupação com o conteúdo doutrinal.
Consideramos que esta preocupação manifesta uma concepção de
transmissão de centrada no conteúdo. Neste caso, esta concepção ainda estaria
presente nas práticas pastorais das comunidades locais, heraa de uma catequese
centrada na adesão armulas e conteúdos, já em muito revisada na caminhada da
Igreja
699
. Além desse dado, muitos orientadores pastorais se questionam quanto ao
método para o Catecumenato com Adultos. E ainda, se perguntam se, ao
privilegiar uma metodologia centrada na mistagogia, estariam comprometendo o
conteúdo doutrinal, e vice-versa.
A Iniciação Cristã de Adultos compreendida como caminho mistagógico,
como experiência de abertura progressiva ao mistério de Cristo e na vida da
Igreja, supera esta tensão, pois concebe a transmissão da como uma relação de
intercomunicação entre a dimensão objetiva a ser transmitida e a dimensão
subjetiva que experimenta e dialoga com o anúncio querigmático. Para tanto, a
trajetória metodológica e os conteúdos da fé cristã devem viver em diálogo
constante.
Durante o momento de revisão e avaliação do processo catecumenal do
grupo observamos justamente que os conteúdos doutrinais o estavam
comprometidos pela dinâmica mistagógica, ao contrário, o eram apenas
conteúdos aprendidos intelectualmente, mas foram absorvidos por aquele grupo
de participantes como conteúdos de fé, como parte de sua identidade cristã.
Ao seguir as orientações do RICA, o padre e o catequista conduzem a
formação deste grupo à pedagogia que estrutura a ICA, ou seja, uma pedagogia de
síntese total, dentro da qual se deve viver cada momento, não simplesmente um
depois do outro, mas numa experiência real de unidade vital e de síntese. A
análise de C. Rocchetta sublinha esta observação.
Se trata de fazer catequese superando qualquer redução ou dissociação. A
crista é vida, é experiência da vida de Cristo em s, é experiência de ser Igreja e
da graça do Espírito Santo derramada em nossos corações. Os conteúdos da
doutrina de devem situar-se dentro desta experiência vital e devem conduzir a
realizá-la em plenitude
700
.
699
Cf. CR, especialmente números 21, 25, 29, 94-102.
700
ROCCHETTA, C. op. cit., p. 107.
Nos depoimentos recolhidos e nos encontros dos quais participamos
percebemos uma tensão constante: em muitos momentos o orientador se
manifestava tranquilo diante do processo; e em outros, ele se julgava muito aquém
do que a Igreja pedia dele como orientador, principalmente por não se sentir
preparado teologicamente para desenvolver alguns temas da fé cristã.
Este desafio, que este catequista tomava para si, vai além de seus limites
pessoais, pois exige uma revisão da concepção central de transmissão da fé e, com
ela, da antropologia teológica que fundamenta a identidade da ICA.
Por outro lado, percebemos que os protagonistas deste processo que
estamos analisando, estiveram atentos às prioridades apontadas pelo RICA, numa
atitude de humildade e tolerância, diálogo permanente e revisão de atividades, de
acompanhamento de todos nas suas diferentes situações e espiritualidade
renovada.
O terceiro limite diz respeito à diversidade dos estágios de maturidade no
grupo de participantes do Catecumenato. Mesmo sendo formado por adultos,
todos provenientes do mesmo contexto social e cultural, o grupo não possui
hegemonia no que concerne à Iniciação e formação na fé cristã, nem tampouco no
que diz respeito à maturidade afetiva. Esta configuração heterogênea necessitou
de uma atenção especial por parte do catequista, a fim de respeitar os processos
individuais e, ao mesmo tempo, conduzir o grupo a certa unidade de comunicação
e experiência de encontro com Jesus Cristo.
E. Alberich é um dos autores que apresenta modelos de experiência com o
Catecumenato com Adultos a partir desta diversidade. Diante desta questão ele
analisa práticas catecumenais que se organizaram em função das características
específicas dos participantes e em função da demanda de formação pastoral
701
.
Contudo, ressaltamos que na realidade das comunidades locais, não é uma tarefa
simples configurar grupos considerando tantos fatores individualizantes.
Implicaria a existência de um número expressivo de orientadores qualificados e
com itinerários metodológicos e conteúdos diversificados. A ICA em diferentes
701
O autor analisa 11 variações do Catecumenato com Adultos já experimentadas: 1. como
iniciação à fé; 2. como reiniciação à fé; 3. para recuperar o aspecto vital da fé; 4. individual ou
grupal, com a ajuda de livros e documentos; 5. para pais por ocasião dos sacramentos dos filhos; 6.
no marco litúrgico e comunitário; 7. como catequese bíblica; 8. como servo à ação
transformadora; 9. como renovação paroquial; 10. através dos meios de comunicação; 11. como
formação teológica. Cf. ALBERICH, E. e BINZ, A. Formas e modelos de catequese com adultos.
op. cit., pp. 22-23.
grupos exigiria ainda o planejamento de momentos de partilha em função da
unidade do projeto pastoral.
Conclusão
Após este levantamento e diálogo com os dados recolhidos na pesquisa de
campo no Catecumenato com Adultos na Casa de Oração Batismo do Senhor,
alguns aspectos que levantamos em nossa revisão teórica foram reforçados. Além
disso, surgiram novos elementos, a partir da experiência desta comunidade local.
Ao estabelecermos uma aproximação entre a prática catecumenal nesta
comunidade e a mistagogia de Cirilo de Jerusalém, observamos algumas
constantes no caminho de Iniciação Cristã de Adultos.
1. A interação entre a Sagrada Escritura e a Liturgia se tornou fonte e
orientação segura no caminho de fé dos iniciantes;
2. O caminho da Iniciação Cristã de Adultos integra as dimensões pessoal,
comunitária e social abertura, conversão existencial, pertença eclesial e
testemunho;
3. O processo de Iniciação Cristã de Adultos é antropológico e
eclesiológico;
4. O catequista é mediador no diálogo entre Deus e a pessoa humana;
5. A mistagogia é um elemento constante, um eixo em torno do qual se
estrutura todo o processo de Iniciação Cristã de Adultos.
Além dessas constantes observadas nos dois caminhos de Iniciação Cristã
de Adultos tão distantes no tempo cronológico, mas tão próximas no tempo
kairológico, também extraímos alguns aspectos originais, que podem nos auxiliar
na revisão das práticas contemporâneas.
1. A comunidade eclesial também está em processo de Iniciação
permanente;
2. O caminho catecumenal do pequeno grupo é renovador da comunidade
eclesial. Ao longo da trajetória dos participantes do Catecumenato, a comunidade
é, ao mesmo tempo, geradora e gerada, fecundante e fecundada na experiência de
abertura ao Espírito de Deus;
3. O processo de Iniciação Cristã de Adultos inclui a aproximação e
possível integração com a realidade familiar do participante do Catecumenato;
4. A dinâmica comunitária é fonte de circularidade hermenêutica,
renovação e comunhão eclesial. É construtora de identidade crística e pertença
eclesial.
5. As orientações do Ritual da Inicião Cris de Adultos, o RICA,
possuem eixo mistagógico, ou seja, estão embasadas e desenvolvidas de modo a
contemplar as categorias mistagógicas encontradas em Cirilo de Jerusalém;
6. O caminho catecumenal experimentado a partir das orientações do
RICA torna-se portador do modelo fundamental de Igreja, à luz das fontes
patrísticas, de uma igreja evangelizadora e iniciadora.
Esta dinâmica de aproximação também nos conduziu ao encontro de
dificuldades, de desafios para o Processo de ICA. Na análise das práticas
discursivas e das observações desta experiência catecumenal local identificamos
quatro desafios que devem estar diante de nós nesta análise.
1. O tema da identidade da Iniciação Cristã com Adultos ainda em
processo de amadurecimento iniciação e reiniciação, formação sacramental e
formação permanente;
2. A questão do tempo de caminhada da Iniciação Cristã com Adultos: um
tempo determinado, um tempo flexível aos estágios de maturidade pessoal, ou um
tempo contínuo de formação, avançando conforme os estágios de
amadurecimento;
3. Um Catecumenato com Adultos: em diálogo permanente, planejamento
conjunto, conhecimento do contexto sócio-economico-cultural, integração com as
escolhas profissionais e afetivas;
4. A formação do catequista como mistagogo: ausência de subsídios,
necessidade de uma formação que abarque a complexidade desta missão.
Esses três conjuntos de elementos que identificamos ao analisarmos as
práticas discursivas e o processo de ICA do grupo de Catecumenato com Adultos
observado são dados abrangentes e complexos. Para uma avaliação consequente,
lembramos que toda a nossa análise considera o chão da realidade brasileira e as
orientações do Magistério Eclesial, mas nossa chave teológica remonta à
sabedoria fontal da mistagogia de Cirilo de Jerusalém.
A participação da experiência de ICA em uma comunidade local torna-se
um referencial crítico importante, a fim de possibilitar a interlocução entre os
princípios fundados nos primeiros tempos da Igreja, quanto ao processo
catecumenal, e os desafios encontrados neste campo, na evangelização atual. Faz-
nos retomar as questões que principiaram esta pesquisa: O processo de Iniciação
Cristã de Adultos hoje pede uma revisão do modelo eclesiológico? A mistagogia
dos primeiros séculos da Igreja é fonte fecunda para a Iniciação Cristã de Adultos
em nossa sociedade? Quais os elementos que permaneceriam e quais os elementos
que precisariam de modificações a fim de dialogarem com os novos tempos? As
comunidades locais possuem condições de resgatar a sabedoria da Mistagogia? O
que seria necessário para tanto? A Igreja nos oferece orientações, embasamento e
apoio para efetivar um processo de ICA em eixo mistagógico?
Para concluirmos esta reflexão, trazemos a interpelação do papa João
Paulo II na Carta Encíclica Redemptoris Missio: como recompor o tecido de
nossas comunidades para que sejam realmente capazes de iniciar na aos seus
próprios membros, capacitando-lhes para assumir sua própria parte de
responsabilidade na comunidade eclesial e para converter-se em uma força viva,
fermento da comunidade humana? Apenas uma comunidade de autênticos crentes
é capaz de ser uma comunidade missionária
702
.
Elas são um sinal da vitalidade da Igreja, instrumento de formação e
evangelização, um ponto de partida válido para uma nova sociedade, fundada na
civilização do amor.
Tais comunidades descentralizam e simultaneamente articulam a comunidade
paroquial, à qual sempre permanecem unidas; radicam-se em ambientes simples
das aldeias, tornando-se fermento de vida cristã, de atenção aos últimos”, de
empenho na transformação da sociedade. O indivíduo cristão faz nelas uma
experiência comunitária, onde ele próprio se sente um elemento ativo, estimulado
a dar a sua colaboração para proveito de todos. Deste modo, elas tornam-se
instrumento de evangelização e de primeiro anúncio, bem como fonte de novos
ministérios; enquanto, animadas pela caridade de Cristo, oferecem uma indicação
sobre o modo de superar divisões, tribalismos, racismos
703
.
Enfim, o processo de Iniciação Cristã de Adultos é um processo eclesial,
comunitário. Reside em um equilíbrio entre a função teológica e a função
702
Cf. ROCCHETTA, C. op. cit., p. 23.
703
RM 51.
pastoral-pedagógica. O princípio que enraíza e fecunda esta dinâmica é o eixo
mistagógico, enquanto compreensão teológica, enquanto fonte de espiritualidade e
de ação pastoral. As categorias mistagógicas que brotam das práticas discursivas
o, na verdade, muito mais do que referências metodológicas, e sim revelam que
a mistagogia é a fonte de inspiração e dinamismo que realiza o projeto dialógico
entre Deus e seus filhos e filhas.
Após este processo de aproximação entre a Mistagogia de Cirilo de
Jerusalém e a experiência de uma comunidade local no processo de ICA, veremos
a seguir, quais os pressupostos teológicos e quais os elementos teológicos que, a
partir de nossa análise, são sugeridos para o resgate da Mistagogia como eixo
referencial para a ICA em nossa sociedade.
4
O RESGASTE DA MISTAGOGIA DE CIRILO DE
JERUSALÉM COMO REFERENCIAL PARA A INICIAÇÃO
CRIS DE ADULTOS HOJE
Mesmo assim
não custa inventar
uma nova canção
que venha nos trazer
sol de primavera
abre as janelas do meu peito
a lição sabemos de cor
só nos resta aprender...
Ronaldo Bastos e Beto Guedes
Neste capítulo, buscaremos recolher o processo elaborado até aqui e
apresentarmos fundamentos da experiência mistagógica de Cirilo de Jerusalém
para o processo de Iniciação Cristã com Adultos.
Revendo o caminho feito, iniciamos a pesquisa trazendo um breve olhar
para a evangelização atual, e estabelecemos um diálogo entre a dinâmica da
evangelização e o paradigma da modernidade, assim como seu processo de crise e
avanço, conhecido como s-modernidade. Mantendo os limites de nossa
pesquisa, nos detivemos em alguns desafios apresentados no momento atual para
o processo de transmissão da cristã, priorizando o processo de Iniciação Cristã
de Adultos. Em seguida, nos dedicamos à experiência catecumenal da Igreja,
especialmente no final do século III e início do século IV, quando, inspirada pelo
Espírito Santo, institui a formação dos iniciantes com uma estrutura firme e com
uma pedagogia própria, designada como mistagogia, a pedagogia do Mistério.
Para tal estudo, demos prioridade às Catequeses Mistagógicas de Cirilo de
Jerusalém. Analisamos nesta obra os princípios teológicos e pedagógicos, a partir
dos quais resgatamos a dimensão mistagógica que embasava e orientava aquele
processo de Iniciação Cristã. No terceiro capítulo, procuramos delinear o rosto de
uma comunidade local - a comunidade da Casa de Oração Batismo do Senhor -
em sua experiência de Catecumenato com Adultos. Após este processo de
investigação na linha da pesquisa participante, elaboramos um diálogo teológico-
pastoral-pedagógico entre os princípios do processo de Iniciação Cristã de
Adultos e a experiência vivida e refletida nesta Comunidade local.
A partir deste complexo diálogo teórico-pastoral e da parceria com a
experiência local, nos propomos a considerar as contribuições concretas para um
resgate da experiência catecumenal das origens da Igreja, em seu eixo
mistagógico, como referencial para a Iniciação Cristã com Adultos nas
comunidades atuais.
À luz das categorias mistagógicas identificadas do processo de Iniciação
Cristã em Cirilo de Jerusalém, veremos como esta sabedoria das fontes da Igreja
pode se tornar fundamento e princípio orientador para as experiências de
Catecumenato com Adultos em nossas comunidades locais, em sua realidade, em
sua diversidade, e relações que se enredam e apresentam sempre novos desafios.
Na verdade, nossa meta está na retomada do princípio que sempre orientou
a evangelização, se atenta e aberta à dinâmica da Revelação. O testemunho da
Igreja dos primeiros séculos é Tradição viva, lugar onde habita o fogo do Espírito
de Deus, a memória viva e eficaz da Palavra que vem a nós e gera filhos e filhas à
Sua imagem e semelhança.
Nossa tarefa hermenêutica desenrola-se a partir da teologia subjacente às
Catequeses Mistagógicas de Cirilo de Jerusalém que nos fornece o embasamento
para a análise do processo de Iniciação Cristã de Adultos na pastoral
contemporânea. É a partir deste fundamento que nos comprometemos na
construção de uma compreensão sistemática do significado do eixo mistagógico
para a ICA. Em resumo, a mistagogia é o centro deste processo teológico, ela é o
ponto de partida, a carta de navegação e a meta, a fim de experimentarmos hoje a
sabedoria que reside nesta fonte da Igreja.
Neste capítulo trabalharemos em três estágios de elaboração. Na primeira
parte, traremos os fundamentos teológicos para a Mistagogia em nosso tempo, em
diálogo com as questões apresentadas no primeiro capítulo. Na segunda parte,
retomaremos as categorias mistagógicas identificadas no processo catecumenal de
Cirilo de Jerusalém e o diálogo teológico-pastoral com o grupo de Catecumenato
com Adultos da Casa de Oração Batismo do Senhor, elencando os princípios que
devem estruturar a dinâmica mistagógica na Iniciação Cristã com Adultos hoje.
Na terceira parte, veremos como os documentos e orientações do Magistério para
a ICA trazem princípios para que o processo mistagógico seja realizado não
apenas neste caminho catecumenal, mas nos demais processos de evangelização
da Igreja.
4.1
Pressupostos teológicos para a mistagogia hoje
Comoouvintes’ das Catequeses Mistagógicas de Cirilo de Jerusalém,
deixamos que suas palavras ecoassem em nossa percepção teológica e pastoral,
descobrirmos a teologia e a metodologia pastoral que brota de suas orientações, e
elencamos algumas categorias centrais, que chamamos de categorias mistagógicas
de Cirilo de Jerusalém.
No diálogo com a sociedade atual, nos deparamos com desafios que
interpelam o processo de Inicião Cristã de Adultos e, no encontro com a
experiência catecumenal da Casa de Oração Batismo do Senhor, percebemos um
caminho original, no qual identificamos categorias mistagógicas.
Esse encontro entre a mistagogia de Cirilo e a mistagogia desta
experiência catecumenal tem pontos de contato e pontos de distanciamento,
próprios do contexto hisrico e teológico de cada tempo. Enquanto fidelidade à
caminhada da Igreja, na experiência local estão presentes fundamentos teológicos
e princípios que estruturam uma mistagogia em nossos tempos. Enquanto
comunidade viva, atenta aos sinais dos tempos e dialogando com a realidade, esta
experiência catecumenal também é fonte de criatividade fecunda, no Espírito de
Deus que a move.
Respeitando o distanciamento histórico dos dois contextos, abrimos um
diálogo de natureza teológica entre estas duas realidades. Retomemos brevemente
as características principais em cada contexto a fim de melhor compreendermos o
cruzamento teológico destas duas realidades.
No contexto de Cirilo de Jerusalém, estamos na metade do século IV,
período no qual a dogmática cristã se configura e procura responder às questões
consideradas heréticas pelo Magistério. A preocupação dos Padres da Igreja com a
Iniciação Cristã, da qual Cirilo participa, dirige-se a firmar a identidade cristã,
manter unidade eclesial, ser testemunho e avançar com o mandato missionário
704
.
O quadro formativo integra a catequese e a liturgia, a experiência pessoal e o
acompanhamento comunitário, a e a vida. A mistagogia é consequência de sua
704
O contexto teológico, marcado pelas grandes discussões acerca do mistério humano-divino de
Jesus e trinitário, é um fator que favorece uma abordagem centrada na pessoa de Jesus Cristo,
Verbo Encarnado e Ressuscitado. Cf. ARAÚJO, J. M. op. cit., p. 788.
espiritualidade, de sua compreensão teológica e de um processo catecumenal que
integra espiritualidade e anúncio querigmático. Todo este processo se dá na cidade
de Jerusalém, marcada pela experiência radical do Mistério pascal e nascedouro
das primeiras comunidades cristãs. Cirilo é um mistagogo, um mediador no
processo de Revelação, que procura conduzir cada iniciante à abertura e à entrega
existencial ao Mistério que já reside em sua vida e em seu coração.
Atravessando a história, a comunidade em processo catecumenal da Casa
de Oração Batismo do Senhor, es na virada do 2º. milênio, na pequena
localidade da Vila São Luis, no bairro de Duque de Caxias, na cidade do Rio de
Janeiro, Brasil. A dinâmica social e cultural mistura elementos urbanos e rurais,
características modernas e pré-modernas, uma religiosidade tradicional e também
sincrética. Esta pequena comunidade local, bebe nas fontes da espiritualidade
cristã, procurando viver uma espiritualidade monástica, integrar e vida e, acima
de tudo, oportunizar em todo o seu espaço, o encontro pessoal e profundo com o
Senhor Ressuscitado. O processo catecumenal é orientado a partir do documento
RICA e, ao mesmo tempo, dialoga com a realidade dos catemenos, buscando
responder às suas questões existenciais e conduzi-los, passo a passo, à experiência
de abertura ao Mistério de Deus presente em suas vidas. O sacerdote-monge e o
catequista partilham da espiritualidade, das orientações do Magistério, e procuram
estruturar os encontros do grupo de catecumenato no eixo mistagógico.
A partir desta breve situação dos dois espaços catecumenais, ousamos
afirmar que estamos diante de dois lugares teológicos que, mesmo distantes no
tempo histórico, possuem proximidades quanto ao seu enraizamento no mandato
missionário e no caminho do seguimento de Jesus. A fidelidade à Igreja e a
criatividade no diálogo com os iniciantes é também um elemento comum.
Contudo, o primeiro lugar teológico, é berço da sabedoria patrística, fonte na qual
a Igreja bebe e procura, nos diversos caminhos da história, perseverar em seus
fundamentos, como tesouro da caminhada cristã que deve ser preservado e, ao
mesmo tempo, encarnado em cada realidade. A comunidade local observada
participa desta caminhada, bebe nesta fonte, procura responder ao dinamismo da
Palavra segundo as situações concretas com as quais dialoga e dar prosseguimento
à espiritualidade recebida pelas fontes da Tradição.
Em suma, poderíamos sintetizar estes dois lugares teológicos e
epistemogicos como um diálogo entre a teologia fontal, primeira, e a teologia
hoje, reflexão segunda. Na dinâmica suscitada pelo Espírito, a comunidade
eclesial é kairós, é tempo do sopro divino que tudo renova e conduz ao seu abro
amoroso. Em tempos de mudança paradigmática, tomamos esta experiência
comunitária como um sinal de esperança, um novo kairós propiciado por uma
nova situação que pede para ser lida como chave dos sinais dos tempos.
Estabelecidos estes princípios, extraímos das duas experiências as
categorias teológicas que fundamentaram cada uma e, a partir de um diálogo com
cada contexto, diagnosticamos os fundamentos teológicos que constroem o chão
para que a dinâmica mistagógica aconteça na Iniciação Cristã de Adultos hoje.
1. A dinâmica da Revelação e Fé
2. Jesus, o mistagogo
3. Ser mistagogo
4. A mistagogia da Liturgia
5. A pessoa humana e a experiência do Mistério
6. A comunidade de fé como lugar teológico
7. Fidelidade e continuidade
8. A mistagogia como experiência místico-sapiencial
9. A constituição prática da Revelação – o seguimento de Jesus
Eles o condição para que o processo mistagógico se realize, e não tenha
um uso técnico-pedagógico na ICA ou uma metodologia isolada da
fundamentação que embasa este saber teológico e pastoral-pedagógico.
4.1.1
A dinâmica entre Revelação e Fé
A dinâmica da Revelação é o pressuposto teológico sobre o qual se
constrói o conceito de mistagogia e, como consequência, o eixo orientador do
processo mistagógico. A Revelação é processo diagico entre Deus e seus filhos
e filhas, entre Deus e toda a Criação, entre Deus e a história da humanidade. É
processo pedagógico, caminho de abertura e acolhida do Mistério divino na vida
humana conduzindo a hisria humana ao seu horizonte salvífico.
Muitos são os teólogos que se dedicaram a este tratado da Teologia
Fundamental. Contudo, o tema da mistagogia não chegou a receber um tratamento
específico na teologia sistemática. Ao lermos K. Rahner com uma chave
mistagógica compreendemos que esta é a base de sua antropologia transcendental,
mas o próprio teólogo reconhece que a mistagogia é um tema central em sua
teologia, mas que não chegou a desenvolvê-lo
705
.
A. T. Queiruga resgata o tema da mistagogia em seu trabalho sobre a
Revelação, e encontra na categoria de ‘maiêutica histórica um tratamento mais
apropriado para sua elaboração
706
. Para o teólogo, esta categoria é mais
qualificada para compreendermos a relação de abertura para a liberdade de Deus e
a novidade da história, pois remete mais diretamente à “realidade mais íntima e
profunda de que somos iniciados pela livre iniciativa do amor que nos cria e
nos salva”
707
.
Outro teólogo contemporâneo, R. Haight, também aborda a categoria da
mistagogia como próxima de sua compreensão de comunicação simbólico-
religiosa, como uma inserção da resposta humana no mistério de Deus
708
.
Para nós, importa demarcar algumas características internas a esse
pressuposto teológico, que denotam o princípio da mistagogia e respondem a
algumas das questões apresentadas pela sociedade contemporânea nos processos
de ICA. Todas as características que ora traremos, possuem uma dimensão em
comum, o dialógicas, ou seja, remetem a uma relação dinâmica entre os dois
pólos: Revelação e Fé, Mistério e experiência, transcendência e imanência.
Revelação e são dois elementos em conexão indissolúvel. Pertencem ao
dinamismo no qual a proposta de Deus e resposta humana caminham
incessantemente. A Revelação, ou seja, a Palavra de Deus que rompe o silêncio e
se faz ouvir, “não acontece em estado puro. Ela vem mediatizada pela realidade
humana
709
. A Fé é a resposta do Homem à proposta revelada. É experiência
705
K. Rahner escreve a Klaus Fischer: “Nunca abordei este lado de uma compreensão da
mistagogia, mas o significa que não tem importância para a vida cristã. A mistagogia foi
expressa por mim como um tema e uma demanda. Eu o declarei muitos detalhes ou iias
práticas sobre este tema, isso eu devo admitir honestamente”. Cf. BACIK, J.J. Apologetics and the
Eclipse of Mystery. Mystagogy acoording to Karl Rahner. London: Notre Dame Press, 1980, p. X
e p. 61. Referindo-se a FISCHER, Brief Von P. Karl Rahner, Der Mensch, 1974, pp. 407-408.
706
A.T. Queiruga elabora esta categoria teológica em um capítulo inteiro de sua obra sobre a
Revelação, como categoria mediadora para uma compreensão adequada da dinâmica real do
processo revelador. Cf. QUEIRUGA, A.T. A Revelação de Deus na realização do homem. op. cit.,
pp. 99-138.
707
Idem, p. 15.
708
HAIGHT, R. op. cit., pp. 178-179.
709
BOFF, L. Constantes antropológicas e Revelação. In: REB 32. Rio de Janeiro: Vozes, 1972,
p.26.
humana acolhida e revolucionada na sua totalidade pela Palavra que lhe é
revelada. Nas palavras de J. M. Velasco:
O sujeito religioso pensa no mistério a partir de um prévio ato de presença por
sua parte. Por isso experimenta seu ato como resposta a uma prévia chamada, e
por isso interpreta sua busca de Deus como suscitada por um prévio encontro com
ele e no qual Deus mesmo tomou a iniciativa
710
.
e Revelação possuem uma relação de reciprocidade. Neste diálogo,
Deus toma a iniciativa e estabelece uma auto-comunicação com a Criação, na qual
a pessoa humana, é convidada a responder existencialmente, ao apelo que vem do
mais profundo do seu ser. A relação com Deus mantém a pessoa humana sempre
aberta a esse impulso vital, por isso o encontro com Deus através da interpela a
pessoa a reorientar os projetos pessoais e comunitários na nova lógica do Espírito
de Deus, que conduz à libertação e realização de toda a Criação
711
.
Deus é Mistério que se revela, se comunica. O reconhecimento do mistério
como mistério não pode ser entendido de nenhuma outra forma que não
existencial e experiencialmente
712
. A experiência de encontro com Deus está
sempre condicionada pela atenção, pela sensibilidade, pelo contexto e
historicidade do homem. Enfim, a dimensão objetiva da Revelação é recebida e
respondida pela pessoa, na fé, em sua dimensão subjetiva. Entretanto, a presença
de Deus é uma fonte indizível, inesgotável, incabível para a compreensão e para a
linguagem humana. É mistério que é experimentado pela pessoa humana e, ao
mesmo tempo, jamais atingido, sempre tangenciado.
Nesta dinâmica, a pessoa humana experimenta a transcendência ante o
Mistério que nela se faz presente e, também a imanência, pois essa presença
divina se refere à existência concreta do homem e da sociedade
713
. A
transcendência divina é experimentada por nós na imanência.
Nos textos patrísticos não uma elaboração do tema da Revelação de
modo direto. No entanto, os elementos fundantes do tema e importantes intuições
estão ali anunciados enquanto teologia viva, pastoral e concreta dos Padres da
710
VELASCO, J. M. Introducción a la fenomenología de la religión. Madrid: Cristiandad, 1983,
pp 124-125.
711
Cf. GIGUÉRE, P. op. cit., p. 191.
712
Cf. HAIGHT, R. op. cit., p. 100.
713
Cf. QUEIRUGA, A.T. op. cit., p. 100.
Igreja
714
. Também em Cirilo de Jerusalém podemos detectar esta fundamentação
teológica na dinâmica da Revelação. Ele discursa sobre a relação entre Deus e
seus filhos e filhas como uma relação de proximidade. Seu convite para a
Iniciação Cristã é explicitamente um convite para a participação no Mistério
pascal, que insere todo o ser humano nesta nova realidade que dinamiza toda a sua
existência e suas escolhas em direção a uma nova meta: ser um homem novo, em
Jesus Cristo. Em Cirilo de Jerusalém, a Revelão é anunciada na medida em que
ele percorre narrativamente e alegoricamente a Sagrada Escritura, apontando os
sinais da presença de Deus junto a seu povo e o convite para que os iniciantes se
tornem participantes dessa mesma trajetória.
Na mistagogia de Cirilo, é Deus quem convida, se revela e orienta o
caminho de cada pessoa, pedagógica e amorosamente. Este pressuposto aponta
para o princípio mistagógico que rege a ação pastoral de Cirilo. Suas palavras e
orientações catequéticas têm a clara função de mediarem o encontro entre Deus e
o homem, auxiliando a escuta atenta à presença de um Deus que está no
coração humano, em sua realidade. Além disso, Cirilo se coloca como mediador
ao tratar da vida cristã como um caminho de conversão, como um processo ao
qual cada pessoa vai sendo inserida e configurando sua existência em Cristo
Jesus.
A mistagogia de Cirilo integra a iniciativa divina e a livre e processual
resposta humana, a abertura para o Mistério revelado e a tomada de consciência
que envolve compromisso e responsabilidade. A ação de Deus é libertadora, é
dinamizadora do processo de conversão existencial. É graça atuante, é presença
operativa na existência de cada iniciante.
Seu anúncio catequético é também marcado por orientações concretas, por
um passo a passo que potencializa o iniciante a entrar na dinâmica da Revelação:
experimentar a liturgia, ouvir a Palavra, abrir-se, orar, ouvir o chamado,
responder, deixar-se modificar, rever as escolhas, fazer novas escolhas, ser
acolhido pessoal e comunitariamente, ser acompanhado. A iniciação de cada
catecúmeno no mistério de Deus é acompanhada de um processo de abertura,
tomada de consciência e progressiva inserção neste mistério. As ações lirgicas, a
abertura para a Palavra e a experiência eclesial tornam-se fontes desta mistagogia.
714
Idem, p. 37.
4.1.2
Jesus, o mistagogo
Para considerar Jesus como o mistagogo, partiremos de três abordagens
presentes no processo mistagógico. Primeiramente, a abordagem cristocêntrica da
Revelação, ou seja, a presença plena do Revelado entre nós em Jesus Cristo. A
segunda abordagem, diz respeito ao significado do termo ‘mistagogia, enquanto
iniciação ao Mistério e acompanhamento daquele que está sendo introduzido
nesse caminho. Em terceiro lugar, a experiência mística como elemento
fundamental para a relação com o Mistério que se revela, com o Deus que é
relação com cada pessoa e com seu povo.
Olhando para Jesus de Nazaré, encontramos a integração destas
características. Nele se realiza o projeto de Deus. Ele é o anúncio querigmático de
todo o processo de Iniciação na cristã. Jesus assume o projeto integralmente.
Ele é o Caminho, a Verdade e a Vida. Através de suas atitudes e ensinamentos, é
o mestre e educador por excelência
715
. Entregue à missão de anunciar a todos a
possibilidade do homem novo, vive como filho de Deus, iro de todos,
admirador e co-criador da natureza e de uma sociedade nova, com as
715
Na Igreja do segundo século encontramos a compreensão de Jesus como pedagogo, com
Clemente de Alexandria, o dirigente da escola catequética daquela cidade. Em sua obra
Paedagogus Clemente dialoga com a cultura grega sobre sua concepção de educação, como
Paidéia. Nesse diálogo, apresenta Cristo como ‘o pedagogo’ da humanidade, no sentido filosófico
que Platão dava à palavra paidagogia, quando definia a relação de Deus com o mundo desse
modo: Deus é o pedagogo do mundo inteiro, ho theos paidadogei ton kosmon. O conceito de
pedagogo foi inicialmente voltado para os escravos que acompanhavam os jovens à escola e, desta,
para casa. Esta concepção, vigente na Grécia por muitos culos, aponta para uma atividade que
inclui autoridade e responsabilidade na orientação prática e filosófica que prepara para a sabedoria
de viver. A transformação do significado e categoria da palavra paidagogia foi a consequência
necessária da dignidade filosófica e teológica a que Platão elevara o conceito de paidéia. Para
Platão, a paidéia significa o apenas a educação da criaa, mas sobretudo a formação e o
desenvolvimento da pessoa humana em plenitude. Esta dignidade teológica inspirada no
pensamento de Platão possibilitou a Clemente introduzir Cristo como o Paedagogus de todos os
homens. Encontramos nesta obra, indicadores de que a reflexão teológica que em Jesus as
características de mestre e educador se encontrava na ação evangelizadora, o que poderia ter
levado Clemente a identificar em Jesus as características do pedagogo grego. No entanto,
Clemente não coloca Jesus como um dentre os pedagogos da filosofia grega, mas como ‘o
pedagogo’, o educador por excelência, modelo e referência para a escola catequética. Cf.
JAEGER, W. Cristianismo primitivo e paideia grega. Trad. Teresa Louro Pérez, Lisboa: Edições
70, 1961, p. 84-89; WITTSCHIER, S. Antropología y teología para una educación cristiana
responsable. Santander: Sal Terrae, 1979, p. 56.
características do Reino de Deus, em que se promove a vida, a fraternidade, a paz
e o amor
716
.
Se uma ambiguidade constitutiva no encontro entre a subjetividade
humana e a objetividade de um Deus transcendente, em Jesus de Nazaré esta
relação dialógica atinge a plenitude na comunhão e participação. Esta afirmação
da cristã, nos indica que o devemos desanimar diante de nossa ambiguidade,
mas que, nosso desejo será realizado, na proximidade pessoal e amorosa de Deus
conosco
717
. Nas palavras de Lima Vaz, a experiência cristã de Deus o apenas
se manifesta através de uma realidade e da sua expressão, mas identifica-se com
ela, particulariza-se absolutamente nela”
718
.
Em Jesus, a experiência mistagógica pode ser percebida em todas as suas
dimenes. O mistério de Deus se revela à humanidade, se faz um conosco, entra
na história e, a partir de dentro, de seu núcleo, a conduz a seu sentido pleno. Nele,
toda a humanidade é convidada à abertura existencial que conduz cada um e todos
à salvação. É o mistério pascal que tem seu centro vital em Jesus Cristo.
Em Cirilo, esta perspectiva cristocêntrica está presente em sua teologia
narrativa, em sua forma de articular o Antigo e o Novo Testamentos, na
confluência de suas catequeses para as ações lirgicas e sacramentais. O Mistério
pascal de Jesus é um princípio vital que ecoa no coração dos iniciantes e os
convida, a partir de seu sentido mais profundo, à participação.
Esta participação não se de uma vez por todas, mas é concebida por
Cirilo de Jerusalém como um caminho de seguimento de Jesus. Ou seja, a
participação no mistério de Cristo conduz, mistagogicamente, a uma nova
orientação da própria vida movida pela Graça atuante de Deus.
A teóloga Lina Boff, expressa a profunda integração entre o Mistério de
Cristo e o mistério de todo ser humano, que nos faz compreender a centralidade
de Jesus como o grande mistagogo.
O amor de Deus é manifestado plenamente no mistério da vida-paixão-morte-
ressurreição de Jesus, e da vida-paixão-morte-ressurreição de cada pessoa
humana que acolhe Jesus e sua missão salvadora, como Palavra encarnada do Pai
e, assim, recebe a legitimidade da filiação divina. (cf. Jo 1,12) O mistério de
Jesus Salvador e o mistério da pessoa humana apresentam-se como dois
716
Cf. CNBB. Educação, Igreja e Sociedade. Doc. 47, n. 84-87, São Paulo: Paulinas, 1992.
717
Cf. BACIK, J. J. op. cit., p. 36.
718
Cf. LIMA VAZ, H. C. A linguagem da experiência de Deus. In: Escritos de Filosofia. São
Paulo: Loyola, 1986, p. 254.
momentos de um único evento, enquanto sinal do verdadeiro e pleno destino da
pessoa humana. Sem fatalismos, o mistério de Jesus Salvador, no mistério do ser
humano com sua consciência de História salvífica, revela a concretude da
libertação do mal e realiza a história temporal naquilo que ela tem de bom e
santo, libertação que se torna História da salvação concreta, para a humanidade e
toda a criação que espera por esta libertação (cf. Rm 8,18-19)
719
.
Nos Evangelhos, as narrativas oferecem características da mistagogia em Jesus
em sua forma de anunciar o Reino e de agir frente às diversas situações que se
lhe apresentavam. O Diretório Geral para a Catequese explicita esta
observação:
O acolhimento do outro, em particular do pobre, da criança, do pecador, como
pessoa amada e querida por Deus; o anúncio genuíno do Reino de Deus como
Boa Nova da verdade e da consolação do Pai; um estilo de amor delicado e forte,
que livra do mal e promove a vida; o convite premente a uma conduta amparada
pela fé em Deus, pela esperaa no Reino e pela caridade para com o próximo; o
emprego de todos os recursos da comunicação interpessoal tais como a palavra, o
silêncio, a metáfora, a imagem, o exemplo e tantos sinais diversos, como o
faziam os profetas bíblicos
720
.
A mistagogia de Jesus é marcada pela proximidade, pelo encontro pessoal,
pela escuta atenta da realidade pessoal e conhecimento profundo do contexto em
que a pessoa está inserida
721
. Em Jesus, cada diálogo, cada escolha simbólica,
cada palavra, aparece adequada ao contexto e ao grupo humano com o qual se
encontra
722
.
Dessa maneira, encontramos palavras, gestos e sinais diferentes para os
diferentes grupos com os quais Jesus se relaciona. Com os discípulos, Jesus
propõe o confronto com a realidade e as interpelações de seu tempo, aprofunda a
interpretação das parábolas, dá orientações firmes para a missão, se relaciona com
intimidade. Ao povo mais simples Jesus conta histórias, fala por meio de
parábolas, e utiliza elementos da cultura rural. Com os diversos grupos
judaicos
723
, Jesus propõe uma releitura de seus conhecimentos e imagens de Deus
que irão interpelar sua prática
724
.
719
BOFF, Lina. Índole escatológica da Igreja peregrinante. In: Atualidade Teológica, n. 13. Rio de
Janeiro: Letra Capital, 2003, p. 25.
720
DGC 140.
721
PRESENTI, G.G. Mistagogia. In: BORRIELO, L. et. al. Dizionario di Mistica. Vaticano:
Editrice Vaticana, 1998, p. 821.
722
Cf. EN nn.7-12.
723
A situação histórica do tempo de Jesus o coloca diante de diversos grupos presentes na
sociedade judaica, sejam, a classe aristocrática, leiga e sacerdotal; o grupo dos escribas e fariseus;
Jesus também tem critérios e medidas. Avalia a conveniência e a situação
para sua forma de agir e de se comunicar. Diferencia momentos de formação em
que ensina a toda a gente, de momentos nos quais que fala particularmente aos
discípulos
725
. Jesus não ensina, mas ajuda os discípulos e o povo a terem uma
chave de compreensão da própria existência à luz de Deus e de seu Reino. Sonda
as dificuldades, percebe os conceitos formados, acompanha o processo de
discernimento, faz pensar, deixa perguntas no ar, desequilibra os ouvintes. Mesmo
o não-entendimento é oportunidade para nova aprendizagem
726
.
Na base dessa adequação de linguagem e de mediações no anúncio do
Reino, um eixo comum que perpassa sua mensagem e sua proposta: o
seguimento. Longe de se configurar como uma aprendizagem intelectual ou uma
doutrina fixa, o seguimento de Jesus é atitude vital para aqueles que aderem à sua
pessoa e mensagem. Comporta uma mística e uma prática, a partir do próprio
Jesus
727
, ou seja, uma espiritualidade que motiva e anima o cristão a orientar suas
ações e atitudes de acordo com o seguimento de Jesus, tanto na vida pessoal,
como na missão de testemunhar e anunciar Jesus ao mundo.
Em relação à dimensão mística da experiência religiosa, Jesus Cristo, o
Filho unigênito do Pai, é aquele que melhor a compreendeu e viveu, nos revelou o
rosto do Pai e Seu projeto de amor. Assim também, Jesus nos revela a necessidade
de aprendermos o tempo necessário para que a experiência mística seja
introjetada, internalizada, vivida profundamente, respeitando as características
pessoais, seu mundo, sua história, sua cultura, sua linguagem. É penetrar
cuidadosamente na sabedoria divina para caminhar passo a passo, como criança
nas mãos do Pai, em direção ao Reino.
Esta trajetória dialogal e processual, descobrindo o rosto do Pai e seu
projeto de amor, configura uma nova criatura, um novo homem, uma nova
o grupo religioso dos essênios; os grupos ligados ao movimento zelota e aos herodianos; os
samaritanos. Frente a cada grupo Jesus se posiciona e se serve de diferentes mediações no anúncio
do projeto do Reino e de sua exigência de conversão e mudança de vida. Sobre esse tema ver
ECHEGARAY, H. A prática de Jesus. Petrópolis: Vozes, 1982, pp. 49-109; MATEOS, J. e
CAMACHO, F. Jesus e a sociedade de seu tempo. São Paulo: Paulinas, 1992, pp. 17-42; RUBIO,
A. G. Encontro com Jesus Cristo Vivo.o Paulo: Paulinas, 1994, pp. 53-65; FABRIS, R. Jesus de
Nazaré, história e interpretação. São Paulo: Loyola, 1988, pp. 73-78.
724
Cf. WENZEL, J. I. Pedagogia de Jesus segundo Marcos. São Paulo: Loyola, 1997, pp. 77-79.
725
Cf. Mc 4, 2.33; 5, 15.34; 4,10-11.34; 6,30-32; Mt 11,25-27.
726
Cf. Mc 7,17-19.
727
Cf. MURAD A. e MAÇANEIRO, M. A Espiritualidade como caminho e mistério. São Paulo:
Loyola, 1999, p. 15.
mulher. A mistagogia presente na ação missionária de Jesus, advém de uma
profunda intimidade com o Pai, de um diálogo atento e fecundo consigo mesmo,
com as pessoas e com o mundo. Em consonância com essa experiência mística,
Jesus convoca e conduz ao Mistério que ele mesmo vivencia radicalmente.
Seleciona mediações para cada ouvinte, com a sensibilidade, o amor e a
misericórdia, de quem respeita o processo da experiência de fé que se dá para cada
pessoa e cada comunidade. Faz-se presença, orientação, perdão e impulso firme e
exigente na direção da Boa Nova que vem anunciar
728
.
A partir dessas considerações podemos melhor compreender a questão
feita sobre Jesus em Mt 13,54 - de onde lhe vem este saber?A autoridade, o
‘saber’ que Jesus revela, é saber mistagógico. É fruto da relação profunda de Jesus
com o Pai, consigo mesmo e com seus irmãos e irmãs nos mais diversos grupos e
situações que se apresentavam
729
. Cientes dessa dinâmica, presente na ão
pedagógica de Jesus, é possível dizer que a mistagogia tem uma orientação, uma
meta: que aquele que está sendo iniciado atinja essa experiência pessoal de Deus,
estruturada em Jesus Cristo.
Assumimos aqui as palavras dos Lineamenta
730
do Sínodo dos Bispos de
2005: “A mistagogia hodierna deverá confiar na força do Espírito, que se
comunica através da sobriedade das palavras e dos gestos sacramentais. A missão
do Espírito Santo é dar a inteligência do que Jesus Cristo revelou. Ele é o
mistagogo invisível”
731
.
Esta mesma perspectiva era fundamento na prática catecumenal de Cirilo
de Jerusalém. A centralidade do anúncio querigmático, perpassa todas as suas
Catequeses, convidando à acolhida e participação no mistério de Cristo. Cirilo
convida cada catecúmeno a seguir Jesus, como Senhor e Mestre; a despedir-se do
homem velho e converter-se ao homem novo; a morrer e renascer em Cristo para
uma vida nova, pelas águas do Batismo.
728
Cf. IBÁÑEZ, P. G; ÁLVAREZ, D. M. e CURSACH, J. L. S. Presentación. In: MARTÍNEZ, D.
et al. Proponer la fe hoy. De lo heredado a lo propuesto. Santander: Sal Terrae, 2005, p. 16.
729
BINGEMER, M.C.L. Saber, sabor e sabedoria. In: BUARQUE, C. et al. Fé, Política e Cultura.
o Paulo: Paulinas, p. 84.
730
Os Lineamenta são documentos importantes para a preparação da assembléia sinodal. Têm
como finalidade suscitar uma reflexão a nível de Igreja universal sobre o tema do Sínodo.
731
SÍNODO DOS BISPOS. XI Assembléia Geral Ordinária. A Eucaristia: fonte e ápice da vida e
da missão da Igreja. Lineamenta, 2004. Libreria Editrice Vaticana. Disponível em:
‹www.vaticano.va› Acesso em: 29 de setembro de 2007.
4.1.3
Ser mistagogo
O processo mistagógico tem na mediação não apenas um de seus
elementos, mas um pressuposto para a mistagogia. Poderíamos considerar a
presença do mistagogo como um elemento a mais na ICA, no entanto, percebemos
que é esta ação mediadora entre o mistério e o iniciante, que orienta o processo
mistagógico. A relação entre o mistagogo e o iniciante é fundamental para que a
mistagogia se realize.
Jesus é o mistagogo, ele é a referência para refletirmos sobre este
fundamento na dinâmica mistagógica. Em Jesus, encontramos três características
centrais que nos conduziu a esta afirmação, vejamos como estas características
devem estar presentes neste mediador. São elas: a presença do Deus revelado
entre nós, em Jesus Cristo; a pedagogia com a qual conduz e acompanha o
iniciante; e a experiência mística.
O mistagogo é aquele que tem na mistagogia o eixo referencial de todo o
seu agir. O que significa isso? Retomando os fundamentos apresentados
anteriormente, o primeiro pressuposto é aquele que enraíza esta centralidade, ou
seja, o primado da Revelação na experiência pessoal. A missão do mistagogo é
secundária, no sentido de ser mediador e não iniciante neste processo. Ele é
alguém que tem consciência profunda deste primado, experiência pessoal e
capacidade pedagógica de se colocar neste caminho como missionário, de
construir a relação mestre-discípulo onde o princípio e a meta do caminho são o
próprio Mistério.
A mistagogia é caminho que pede um acompanhamento pessoal. Esta
relação precisa ser construída como relação de confiança, de paciência e
discernimento pedagógico a fim de orientar os passos do iniciante. Ela o é uma
tarefa a ser cumprida, não é uma apresentação teórica ou objetiva da doutrina
cristã, mas sim uma experiência pessoal e comunitária
732
. Neste sentido, a relação
mestre-discípulo ocorre não apenas na dinâmica pessoa-pessoa, mas também nas
dimenes comunidade-pessoa, comunidade universal-comunidade local, hisria
da salvação-história pessoal.
732
Cf. LAFONT, G. A experiência espiritual e o corpo. op. cit., p. 24.
Também a comunidade torna-se mediadora no caminho mistagógico, na
medida em que experimenta as três características anteriormente apontadas: o
primado da Revelação, uma mistagogia viva e capacidade de responder
pedagogicamente a esta missão, de ser, também ela, uma comunidade de iniciados
que orientam a Iniciação.
Os Padres da Igreja recuperam, na ação evangelizadora, a dinâmica
pedagógica da Revelação e do próprio Jesus
733
. Este é um critério fundamental, do
qual Cirilo não abriu mão em seu processo catecumenal. O binômio mestre-
discípulo não quer instituir uma relação de paternidade ou superioridade, mas um
caminhar pela sabedoria já vivenciada e experimentada dos ‘mestres’. Caminhar a
dois, que respeita os itinerários pessoais, mas que também orienta a dosagem dos
esforços, a arte de rezar e compreender os caminhos da fé, as questões
disciplinares que auxiliam o caminho. Enfim, o papel de mistagogo, seja pessoal
ou comunitário, partilha um saber recebido, vivido e interiorizado. É
transmissão de uma sabedoria do caminhar, mas que não nega o caminho em si e
nem mesmo impõe o próprio como definitivo e único. “Só assim o seu
ensinamento levará o iniciante à experiência que supera qualquer ensinamento
734
.
No Catecumenato primitivo, o iniciante era acompanhado por toda a
comunidade, mas especialmente por um ‘padrinhoda , com quem estabelecia
uma relação mais íntima e familiar, aprofundando o conhecimento pessoal e
refletindo sua caminhada na nova
735
. Na ação do mistagogo, se realiza uma
dialética muito peculiar, entre a orientação do mediador, mas enquanto um
reenvio à própria realidade e interioridade
736
. É uma dinâmica que exige uma
profunda sensibilidade e paternidade espiritual, a fim de auxiliar a escuta que já
ecoa no pprio ser. Essa relação vai conduzindo o iniciante ao amadurecimento
progressivo que não provém de uma admiração ou seguimento do mistagogo, mas
da a abertura pessoal ao Mistério de Deus e à vivência pessoal
737
.
Na ICA, a mistagogia vai auxiliar na ‘leitura’ do mapa histórico pessoal,
percebendo os sinais da presença de Deus já presentes. É uma espécie de parto, de
maiêutica, na qual o ensinamento transmitido é identificado pelo iniciante
733
Cf. FEDERICI, T. op. cit., pp. 19-20.
734
Cf. LAFONT, G. op. cit., p. 24.
735
Cf. BUNGE, G. op. cit.
736
Cf. QUEIRUGA, A.T. op. cit., p. 108.
737
Cf. LAFONT, G. op. cit., p. 23.
3
16
mergulhado na dinâmica salvífica. Ele é como um decodificador do que foi
vivido e experimentado, mas o identificado. É alguém capaz de fazer a exegese
da vida pessoal e dos sinais do passado e do presente, no pequeno grupo e também
na história da salvação. Um orientador espiritual, nas palavras de U. Vasquez, é
alguém que auxilia a fazer a teografia, ou seja, a escrita de Deus na vida
pessoal
738
.
Pensar que a Iniciação Cristã sue um acompanhamento, significa que
não se faz auto-iniciação, ou seja, não se é iniciado sem um iniciador, como não
há educação sem um educador. É um elemento essencial
739
. Na concepção de A.
T. Queiruga, esta relação é fundamental, pois sem ela não seria possível a
compreensão do próprio processo de participação ontológica no mistério de Deus.
A relação mestre-discípulo não remete para fora do sujeito ou de sua situação, e
sim para dentro, num processo de reconhecimento e a-propriação (...) Ajudada
pela palavra do mediador, ‘nasce’ a consciência da nova realidade que estava ali
lutando por fazer sentir sua presença; o homem descobre a Deus que o está
fazendo ser e determinando de uma maneira nova e inesperada
740
.
Em Cirilo de Jerusalém, a ação mistagógica tem o sentido de
acompanhamento espiritual e não de dependência. Ele procurava criar uma
disposição para oferecer ao outro o espaço necessário para que fizesse sua escolha
na liberdade. Imbuído dessa perspectiva mística, a postura do mistagogo
pressupõe respeito à liberdade de Deus e da pessoa a quem acompanha, alguém
que orienta e auxilia o iniciante a encontrar os sinais da presença de Deus na sua
experiência vital.
Nas palavras de São Paulo, caberia àquele que acompanha ser “diácono do
Espírito (2Cor 3,8), teógrafo e mistagogo, pois aquele que conduz e orienta a
pessoa para o Mistério é o próprio Deus
741
. É a dimensão stica, imprescindível
ao mistagogo, pois ele não pode orientar o que o experimentou e experimenta.
Ele também é um iniciante no caminho em direção ao Pai.
738
Com o termo teografia, Ulpiano Vasquez indica as marcas de Deus no coração e na vida
humana, como um texto que Deus escreve em nossas vidas. Aquele que acompanha a fé, deve ser
alguém que auxilia a pessoa a reconhecer a teografia e a mistagogia que revelam a presença e a
orientação de Deus na própria vida. Cf. VASQUEZ, U. M. A orientação espiritual: mistagogia e
teografia. São Paulo: Loyola, 2001, p. 11.
739
Cf. BOURGEOIS, H. Teologia Catecumenale. op. cit., p. 152.
740
QUEIRUGA, A.T. op. cit., p. 113.
741
Cf. VASQUEZ, U. M. idem.
Na mistagogia ciriliana, é importante percebermos que ele não abre mão
de fundamentar suas orientações na Sagrada Escritura. Ela não entra como uma
estratégia pedagógica, mas como fundamento, é a Palavra de Deus que ilumina a
trajetória. O processo de conhecimento da Palavra de Deus e da doutrina
apostólica, bem como a vivência sacramental e comunitária, auxiliavam
pedagogicamente o iniciado que, pouco a pouco, também poderia fazer seu
próprio discernimento quanto à fé cristã.
Este acompanhamento acolhe o iniciante na sua particularidade e
alteridade, entra em diálogo com ele, para então, aprofundar uma experncia de
fé, de confiança, de entrega, respeitando o processo pessoal. Torna-se elemento
decisivo na avaliação da maturidade de cada iniciante. Por isso mesmo, o
catecumenato é sempre um caminho, não está fixado em um tempo cronológico,
mas necessita respeitar o tempo pessoal que cada pessoa necessita para abrir-se ao
Mistério divino e trilhar caminhos de coerência e aprofundamento deste na
própria vida.
No tempo de Cirilo de Jerusalém, o papel do mistagogo é também um
papel de pastor do rebanho e de configuração de um rebanho amadurecido na fé
cristã. Enquanto nova experiência de fé, o Cristianismo trazia mudanças na
concepção de Deus e da religião, que estavam em processo de elaboração. Não
podemos esquecer que o contexto no qual Cirilo prega é marcado por heresias e
conflitos com o Cristianismo, o que levava alguns fiéis até mesmo ao abandono da
religião. Nesse sentido, o acompanhamento mistagógico, indicava também
responsabilidade e prudência no acolhimento e preparação de novos fiéis a fim de
estarem amadurecidos no processo de conversão e de participação nesta
comunidade de .
Esta ação de pastoreio também é pertinente na sociedade contemporânea.
Não queremos, com isso, dizer que deve ser uma atitude apologista da fé cristã, ou
de impedimento da evasão, mas no sentido de uma Iniciação Cristã fundada no
próprio Mistério de Deus, na liberdade e na maturidade.
Esta estrutura de acompanhamento na formação da fé cristã respeita o
ritmo pessoal e, estando atenta ao processo de compreensão, adesão e conversão,
reproe os conteúdos fundamentais com novos métodos, em vista de uma real
assimilação da parte do iniciante
742
. Nesse processo oportuniza-se a passagem da
recebida para a decidida. Assim procedendo, é a experiência de
interiorização e de amadurecimento que define a aceitação comprometida da fé
743
.
A comunidade local, que assume essa experiência como postura fundante e
fundamental, torna-se comunidade de iniciação. Neste sentido, outros elementos
da mistagogia devem estar presentes, como a comunicão de ensinamentos, o
acompanhamento da vida pessoal, o respeito às trajerias pessoais, os
testemunhos e práticas orantes. É a tradição mistagógica tornada viva e cotidiana
na comunidade local.
Em síntese, embora a experiência mistagógica seja uma experiência
pessoal, ela se realiza num ambiente no qual se vive e se transmite a Tradão
cristã, a abertura ao dinamismo do Espírito e a dimensão testemunhal e
missionária
744
. A voz do mestre, do mistagogo, é também a voz da comunidade de
fé, que convida e acompanhar na direção do caminho de conhecimento e de
transformação pessoal e existencial.
4.1.4
A Mistagogia da Liturgia
Se um lugar de excelência da experiência mistagógica, ele reside na
liturgia. Na Tradão e no Magistério, a liturgia teve sempre o primado no que diz
respeito à mistagogia. É na liturgia que o Mistério pascal se faz presente. Na
interpretação do liturgista S. Marsili:
A Liturgia não é apenas uma ‘instituição’ que nos veio de Cristo, mas é a
continuação ritual do mistério de Cristo. Em outras palavras, na liturgia, o próprio
evento da salvação torna-se presente e ativo para os homens de todos os tempos e
lugares e, consequentemente, toda ação litúrgica representa um suceder-se de
momentos na história da salvação
745
.
Dentre as muitas acepções do termo mistagogia, considerados no
capítulo segundo deste trabalho, tornou-se recorrente a compreeno de
742
Cf. BUNGE, G. op. cit.
743
Cf. LIBANIO, J. B. Eu creio, nós cremos. op. cit., p. 58.
744
Cf. LAFONT, G. op. cit., p. 23.
745
MARSILI, S. A Liturgia. Momento histórico da Salvação. In: NEUNHEUSER, B. et al. A
Liturgia. Momento histórico da Salvação. (Anámnesis I) São Paulo: Paulinas, 1986, p. 94.
mistagogia como tempo propício e como metodologia pedagógica da Iniciação ao
Mistério. As Homilias Mistagógicas eram justamente reservadas a este tempo
pascal para que os neófitos compreendessem o Mistério no qual já estavam
inseridos, pois já haviam participado das ações lirgico-sacramentais. O Caminho
catecumenal se refere mais à metodologia, às mediações que auxiliariam no
processo de inserção do catecúmeno na dinâmica do Mistério.
A Liturgia não é um conjunto de lugares ou símbolos funcionais, mas é
ação sacramental da presença salvadora de Jesus Cristo na Criação. Todos os
elementos e pessoas reunidos o sinais, mediadores na comunicação simbólico-
religiosa da liturgia
746
. A Liturgia se na assembléia reunida, na Igreja. É ela
também que à Igreja seu caráter de Mistério de Deus, “não apenas no sentido
gnosiológico de uma verdade revelada, mas na sua acepção existencial, como
realidade que em si mesma é objeto da nossa profissão ‘credo Ecclesiam
747
”.
Em Cirilo de Jerusalém, o evento litúrgico é o centro de sua reflexão
teológica e orientações catecumenais. Ele fala a partir das ações lirgico-
sacramentais, de dentro delas, elaborando uma teologia litúrgica e conduzindo os
iniciantes à compreensão e participação consciente da realidade da qual se tornam
partícipes pelos sacramentos da Iniciação Cristã. A Liturgia é a fonte e o lugar
teológico para Cirilo de Jerusalém. É nesta experiência que o ser humano se
identifica com Cristo em sua centralidade salvífica e inicia um processo de
reconfiguração de toda a sua vida neste novo caminho.
A Liturgia é princípio mistagógico não apenas por seu princípio ativo o
Mistério pascal de Cristomas porque, a partir deste princípio, ela mobiliza todas
as demais dimensões para uma mistagogia viva: a escuta da Palavra, a integração
da pessoa inteira no mistério da Salvação, a integração das relações fundamentais
da pessoa (consigo, com os outros, com o mundo, com Deus), a revisão e
mudança de vida, a partilha, o testemunho comunitário e o envio à missão.
As ações litúrgicas são princípios mistagógicos, pois mobilizam a pessoa e
a assembléia tanto como mediações para o encontro com o Mistério, como por
tornarem presente à consciência e à realidade o Mistério pascal. Essa integração
746
A Liturgia não é um fato apenas clerical, mas pertence a todo o povo, enquanto a todos os
homens foi comunicado o sacerdócio de Cristo, todos constituem um mesmo sacrifício com ele, e
toda a ação litúrgica da Igreja é comum ao sacerdote e aos presentes. Cf. NEUNHEUSER, B. et al.
op. cit, p. 86.
747
BOFF, Lina. Espírito e Missão na Teologia, op. cit., p. 110.
dinâmica entre caminho e meta, entre desejo e realização, entre o humano e o
divino, se dá por meio de uma participação existencialmente engajada. No
processo de ICA, cada pessoa é convidada a fazer este caminho, a decidir
livremente por esta acolhida do Mistério na sua vida por intermédio da
comunidade sacramento: a Igreja. Assim sendo, as ões litúrgicas comunicam e
já implicam conversão existencial e de atitudes. Por isso mesmo, configuram cada
participante em Jesus Cristo, realizam a fraternidade e enviam à solidariedade
com a Criação. É uma comunicação efetivamente transformadora da pessoa, da
sociedade e do cosmos. Sua recepção é responsiva, pois suscita uma resposta
coerente, no seguimento de Jesus
748
. É dinâmica, histórica, atualizadora,
libertadora, integradora. É realização progressiva do projeto divino da salvação.
“É dinamismo no qual cada pessoa se encontra com o Pai, por Jesus Cristo, no
Espírito, o qual realiza o seu desígnio salvífico sobre o homem e sobre a
mulher”
749
. É caminho mistagógico no qual o mediador é o próprio Cristo Jesus.
Através das ações litúrgicas, as pessoas são inseridas na trajetória da
Tradição, os sinais tornam-se mediadores desta participação, convidam,
convocam, performatizam à medida que o acolhidos na assembléia reunida. Os
sinais tornam-se presença divina à pessoa, não uma presença virtual, mas uma
presença mistagógica. Não se reduzem a rubricas, a uma atitude interpretativa, a
uma mimetização gestual. A Liturgia deve convocar a assembléia reunida a
deixar-se conduzir à centralidade do Mistério que ali se realiza. O significado
tradicionado na Liturgia se une à experiência viva dos fiéis reunidos em torno do
altar.
Daí a importância de estabelecer a centralidade mistagógica entre os
elementos litúrgicos, conduzindo à abertura sensível ao Mistério, de forma
pessoal, comunitária, universal e smica. Os elementos presentes devem
conduzir à inserção progressiva no Mistério de Deus que a todos envolve.
Em nossa sociedade, as realidades de tempo e de espaço vêm sofrendo
uma revisão conceitual. No primeiro momento da modernidade, a ruptura com o
passado tornou-se uma condição para o progresso moral, intelectual, econômico,
social. No futuro estaria a realização da sociedade e, para tanto, o desapego ao
passado e à tradição tornou-se necessário.
748
Cf. HAIGHT, R. op. cit., pp. 176-177.
749
BOFF, Lina. Espírito e Missão na Teologia, op. cit., p. 110.
Na Liturgia, esta dinâmica possui outro sentido. O tempo é o tempo da
Graça de Deus; passado, presente e futuro são tempo contínuo e não linear na
liberdade da Graça e nas respostas da humanidade. o se estabelece uma lógica
de produtividade, de superação, de progresso, pois a Liturgia celebra o agir de
Deus hoje e sempre
750
. É um tempo real e também escatológico. Nesse sentido, à
medida que a liturgia torna-se experiência mistagógica, ela integra as dimensões
de tempo-espo e insere os fiéis nessa dinâmica. A assembléia reunida é
participante do Mistério, protagoniza a liturgia e, a partir dessa experiência,
potencializa a revisão de sua existência, re-interpreta o mundo numa nova ótica e,
consequentemente, constrói novos significados para suas escolhas e seu agir
cotidiano
751
.
Na Liturgia, os conceitos de passado, presente e futuro ganham um novo
sentido. O distanciamento cronológico é superado pela ideia de kairós, de tempo
da Graça. É o caráter kairológico da salvação, sua acolhida e realização efetiva no
hoje da história, acolhida que se torna sacramental, sinal salvífico para toda a
história da humanidade
752
. Mistério que se revela numa propensão escatológica
dinâmica que, por si mesmo, faz e refaz incessantemente sua leitura hermenêutica.
Exige uma ausculta constante, atenta, contínua, sempre em busca de novas
estruturações, novas compreensões que se anunciam a cada momento kairológico.
Vale a pena revermos aqui o texto integral do liturgista A. Triacca:
O tempo litúrgico é o tempo para o qual Cristo é ‘tudo’, ao passo que,
concomitantemente, se continua o que no tempo Cristo fez e prossegue fazendo
aos seus membros. Todo fiel, ao viver essa realidade e com essa atitude, está
fazendo hoje a exegese existencial do Cristo ontem, hoje e sempre. Em um hoje
perene, o tempo litúrgico tem a capacidade de ritmar e avaliar a existência do
homem resgatada em um ‘hoje da graça’ em que a palavra de Deus se torna
vida
753
.
Com relação ainda ao conceito de espaço, também este é reformulado na
experiência litúrgica. Ali ocorre uma integração que aproxima espaços distantes
no tempo cronológico e no espaço histórico-geográfico. A assembléia reunida está
em unidade com toda a assembléia dos filhos e filhas de Deus de ontem, de hoje e
750
Cf. TRIACCA, A. M. Tempo y liturgia. In: SARTORE, D. e TRIACCA, A. (orgs.) Nuevo
Diccionario de Liturgia. Madrid: Paulinas, 1987, pp. 1973-1974.
751
Idem, p. 1982.
752
Idem, p. 1974.
753
Idem, p. 1987.
de amanhã
754
. A Liturgia é ação histórica e meta-histórica. O caráter local integra-
se ao dinamismo global, no sopro fecundo do Espírito de Deus. A Tradição é
acolhida como fonte que nutre e renova a comunidade presente.
Enquanto lugar privilegiado da experiência mistagógica, a ação lirgica
fecunda uma relação entre a Igreja e o mundo
755
. A Igreja é o sacramento de
salvação no mundo, comunicação do mistério salvífico ao mundo. A ação
lirgica fecunda a vida nova de Cristo Jesus em cada fiel, e este, torna-se sinal,
sacramento deste mistério, no mundo
756
.
Pela ação litúrgica, a mistagogia não apenas é experimentada na
assembléia reunida, como atinge toda a humanidade. O mistério celebrado é
princípio gerador da missão da Igreja, ou seja, de que a Boa Nova seja anunciada
a todos os povos.
Enfim, a ação de Cristo na Liturgia, a inseão dos fiéis no Mistério pascal,
e seu agir missionário no mundo, não são realidades distintas, mas em profunda
comunhão. A Liturgia não é um momento de aprendizado ou de motivar uma
intencionalidade cristã. As ões litúrgicas geram a vida nova, o seguimento de
Jesus, a resposta missionária. Por outro lado, a missão reenvia à Liturgia, em um
processo de crescimento na direção da plenitude da vida em Cristo
757
.
4.1.5
A pessoa humana e a experncia do Mistério
A mistagogia é a iniciação à experiência do Mistério, à vida cristã
enquanto experiência do Mistério. O Mistério é Deus mesmo. É a realidade divina
comunicada pelo Pai, ao Filho e ao Espírito Santo, deles para a pessoa humana.
Como o Mistério já está em nós pela Graça que nos insere nele mesmo, é possível
uma iniciação a um modo de aproximar-se do Mistério. Esta iniciação é
possibilitada pela experiência, enquanto percepção de algum modo consciente, da
presença do Mistério. É uma experiência mística, uma “auto-realização radical e
754
Cf. CUVA, A. Asamblea. In: SARTORE, D. e TRIACCA, A. M. op. cit., p. 177; BUYST, I;
SILVA, J.A. op. cit., p. 100.
755
SC 9.
756
Cf. LODI, E. op. cit., p. 108.
757
Idem, pp. 124-125.
última do homem em espírito e liberdade, de um homem salvo e radicalizado na
graça sobrenatural, autocomunicação de Deus”
758
.
Como vimos no capítulo inicial deste trabalho, na sociedade
contemporânea, a iniciação vem a ser uma via de reintegração da pessoa humana e
suas relações fundamentais, pois ela envia a pessoa humana à sua verdadeira
natureza, a conduz ao encontro do sentido do existir, e orienta o agir pessoal e
comunitário.
A Iniciação Cristã aponta para a perspectiva de um caminho no qual cada
pessoa tem o seu ritmo, sua dinâmica de abertura e acolhida do Mistério através
de uma sucessão de experiências. A experiência é fator determinante da
mistagogia. Toda a metodologia linguagem, orientações, práticas, selão de
conteúdos, momentos de oração e de escuta da Palavra tem como escopo a
experiência, seja preparando-a, favorecendo-a ou potencializando-a.
Segundo a antropologia teológica desenvolvida por K. Rahner, toda
experiência humana tem uma dimensão tanto categórica como transcendental. A
dimensão categórica está mais relacionada com as proposições, com as afirmações
objetiváveis. Ele emprega a categoria transcendental para apontar um nível de
consciência mais profundo, mais importante, e anterior à articulação, conceituada
pelo termo categórica
759
. Rahner quer alertar que a vida não é limitada ao mundo
óbvio de proposições claras e ações externas e, de que estas objetivações provêm
de um solo mais primordial, que ele denomina de dimensão transcendental.
Para nossa elaboração, importa percebermos o primado da experiência e
também sua complexidade. Não entendemos aqui a experiência da pessoa humana
como um simples experimento inovador ou mesmo uma percepção sensível, de
caráter mais empírico. Partimos da compreensão de experiência a partir do termo
alemão - erfahrung, que procede da raiz fahren, viajar, e contém como um de seus
significados o conhecimento que consente o contacto com a realidade, produzido
graças a uma trajetória através dela
760
. Com este conceito, queremos designar não
toda e qualquer percepção, mas apenas aquela que é assumida pela pessoa,
enriquecendo sua consciência, abrangendo a racionalidade que se adquire no
758
RAHNER, K. Ungegenständliche Meditation. Grunewald, 1979, pp. 354-368. Citado por
SUDBRACK, J. Mística cristã. In: GOFFI, T. e SECONDIN, B. (orgs.) Problemas e perspectivas
de Espiritualidade. São Paulo: Loyola, 1992, p. 293.
759
Cf. BACIK, J.J. op. cit., p. 22.
760
Cf. VELASCO, J. M. La experiencia cristiana de Dios. Madrid: Trotta, 1996, p. 57.
exercício vivencial. Nas palavras de P. Ricoeur, toda experiência é uma “síntese
ativa de presença e interpretação”
761
. A identidade da pessoa e/ou da comunidade
significa responder a uma questão: quem realizou tal ação? Essa resposta
caracteriza a pessoa ou o grupo em questão, e para expressá-la é necessário narrar
a experiência vivida. É, de fato, narrando a si mesmo, ou o que desejaria ser, que
se caracteriza a identidade. Esta é construída e reconstruída nessa dinâmica entre a
presença à ação e a interpretação da mesma ação
762
.
A experiência é também demarcada por sua complexidade, envolve sujeito
e comunidade, pessoa histórica e situada, com representações e significados, com
uma linguagem própria. Enfim, a experiência não pode ser isolada de todos estes
fatores, como experiência única, definível em si mesma ou mesmo estática. Ela
entra numa dinâmica complexa, que articula pessoa e comunidade humana, que
tem uma dimensão objetivável, mas também uma hermenêutica que não se esgota
em si mesma. E vai além, dela participa a dimensão transcendental, que a
fundamenta, potencializa e dinamiza na direção do saber.
A pessoa é tocada e modificada pela experiência e, a partir dela, constrói
uma linguagem. As condições pessoais condicionam um determinado quadro
interpretativo, que pode diversificar o processo de objetivação da experiência
763
.
Por outro lado, também a presença do objeto é maior do que a consciência situada
e do que a linguagem que procura dizer desta aproximação
764
. Todo objeto é mais
do que o sujeito experimenta; ele se autotranscende
765
.
Contudo, aqui entra mais um determinante da antropologia rahneriana: a
experiência de encontro com o Transcendente possui uma originalidade que
consiste em que a presença deste Outro se manifesta no interior da pessoa
constitutivamente. O Mistério que se deseja conhecer está ali, se antecipa, se
apresenta, se autocomunica. O Mistério de Deus não é algo acrescentável, como
um objeto externo que se inclui ou exclui, mas se manifesta a partir de uma
presença possuída interiormente, que ilumina a própria presença humana como
761
Citado por VELASCO, J. M. ibid., p. 43.
762
Cf. BOURGEOIS, H. op. cit., pp. 182-183, citando RICOUEUR, P. Le temps raconté. In: ___.
Temps et récit. III. Paris: Seuil, 1985, pp. 352-359.
763
Cf. GELABERT, M. Experiência. In: PIKASA, X.O. e SILANES, N. (dir.) Dicionário
Teológico O Deus Cristão. São Paulo: Paulus, 1998, p. 335.
764
Cf. LIMA VAZ, H. C. A linguagem da experiência de Deus, op. cit., pp. 243-244.
765
Ibid., p. 336.
a realidade vivida mais intimamente, imanente, e que afeta o uma faculdade
humana (a do entendimento, por exemplo), mas todas ao mesmo tempo
766
.
É o mesmo K. Rahner quem resgata a pedagogia do Mistério, e nos fala na
presença da mistagogia na evangelização, como uma dinâmica onde o anúncio da
fé cristã dialoga com as condições e com as questões que a pessoa humana traz em
si. Dinâmica esta que não se limita a refletir a expressão correta da verdade
salvífica, mas também a busca da verdade experimentada na vida e na
comunidade eclesial
767
: “A evangelização, como mistagogia, se permanece apenas
como doutrinação, estará errando em sua própria essência. Ela é apelo irrompido
do mais íntimo âmago da pessoa humana agraciada”
768
.
Na mistagogia de Cirilo de Jerusalém, a fundamentação na experiência é
um norteador. Sua concepção de pessoa humana não tem correspondência com a
antropologia moderna, nem poderia. É um período, no qual, as perguntas
filosóficas com relação à ontologia humana são marcadamente gregas. A tradão
platônica está sendo apreendida e sua antropologia dualista começa a influenciar o
universo cristão. Contudo, a antropologia judaico-cristã não encontra seu
fundamento nesta mesma tradição e, ao voltar-se para o processo de Revelação do
Deus de Jesus Cristo, do Deus da Sagrada Escritura, do Deus que orienta e
acompanha seu povo passo a passo, a concepção de pessoa humana que está por
trás é a semita: uma concepção não dualista, que compreende o homem em sua
integralidade, que não separa sujeito e conhecimento da experiência que é vivida e
elaborada por ele. Cirilo de Jerusalém se inscreve entre os Padres da Igreja que
têm na Sagrada Escritura sua fonte de saber teológico e, com este embasamento,
não se sintoniza com a filosofia dualista
769
.
A realidade livre e dinâmica da Revelação e seu diálogo fecundo com cada
pessoa humana são percebidos nas homilias de Cirilo mais do que uma fonte
inspiradora. Esta teologia subjaz enquanto considera o caráter ativo e criativo do
caminho mistagógico. A mistagogia é experiência. É imprescinvel que a pessoa
humana, em sua liberdade, se abra, acolha, e responda ao chamado de Deus que
ecoa na profundidade de seu ser. Neste contexto, Cirilo não apenas compreende
esse dinamismo fecundo como respeita e orienta um processo de abertura
766
Ibid., p. 179.
767
Cf. RAHNER, K. O desafio de ser cristão. Petrópolis: Vozes, 1978, p. 48.
768
Ibid.
769
Cf. RIGGI, C. op.cit., p. 7.
sistemática, responsável e comprometida com o projeto do qual o iniciante se
torna consciente e participa.
Além disso, Cirilo não separa a experiência pessoal da experiência
comunitária e, no caso da Iniciação Cristã, esta se fundamenta na experiência
primeira, de encontro com o Cristo Ressuscitado, na sua continuidade apostólica e
na caminhada da Igreja. Neste sentido, Cirilo não incentiva uma experiência
intimista ou ritualística, mas se insere na compreensão de seus contemporâneos,
de integração dos iniciantes na grande comunidade eclesial e humana, como filhos
e filhas de Deus a caminho do Pai.
Nesta compreensão da inter-relação entre os diversos elementos que
constituem a experiência, também uma relação entre a experiência particular e
a experiência geral, entre a experiência local e a experiência global, no que
concerne à abertura à Revelação de Deus. Ou seja, a experiência mistagógica é
particular, original, abertura livre de cada pessoa à comunicação divina em sua
vida. Neste sentido é única, irrepetível, singular. Por outro lado, ela tem um
caráter universal, por sua essência e comunicação comum a todos os homens e
mulheres.
Esta percepção nos convida a uma postura de abertura dialógica
permanente e ao caráter de gratuidade, liberdade e humildade da Revelação.
Ninguém está excluído desta experiência, o que afirma sua validade para todos os
homens e mulheres. Todos são interpelados e convidados à resposta e, cada um,
em particular, é sujeito ativo desta relação amorosa e misericordiosa da pedagogia
divina. Neste mistério, cada pessoa é única no dom de Deus e, ao mesmo tempo,
participa em uma comunhão de irmãos no dinamismo criativo e hermenêutico
interno a este diálogo.
4.1.6
A comunidade de fé como lugar teológico
A dinâmica da Revelação e da Fé nos remete ao tema da experiência
subjetiva, da experiência da pessoa humana, atuada pela Graça de Deus, e
impelida à abertura existencial e consciente ao projeto de Deus. No entanto, a
subjetividade humana é constituída na alteridade, na experiência dialógica, nas
relações consigo mesmo, com os outros, como mundo e com o Transcendente. No
que diz respeito à Iniciação Cristã, a configuração da pessoa em Cristo Jesus é
uma dinâmica intersubjetiva, sacramental, eclesial, enfim, pessoal e comunitária.
Pensar a experiência comunitária cristã como um dos princípios da
mistagogia, é evidenciar o dinamismo das relações na construção da pessoa
humana como um fundamento antropológico e teológico. A experiência da
cristã é uma experiência comunitária. Da Igreja recebemos a vivida,
interpretada, transmitida, obra do Espírito que age na hisria e na vida das
comunidades. É a dimensão sacramental da Igreja, mistério de salvação no
mundo
770
.
Retomando a teologia da Revelação, compreendemos que o princípio
constitutivo da teologia é a Palavra de Deus, a Palavra testemunhada na Bíblia,
tradicionada na e pela Igreja. Palavra que é dabar, que é viva, dinâmica, fala aos
homens e mulheres na história e para além da história
771
. Enfim, Palavra que se
revela e é acolhida subjetivamente e contextualmente.
A dinâmica da Revelação nos ensina que o existem respostas fixas,
conceitos definitivos, receitas comunitárias. “A Palavra misteriosa de Deus é um
transcendental que não se esgota em categorial nenhum”
772
. Nem mesmo quando
diz respeito à mesma e única comunidade eclesial local. A Revelação mantém seu
dinamismo revolucionário e renovador na direção do homem novo e da mulher
nova. Novos cenários reivindicam a retomada da tradição passada, como
experiências fontais e sacramentais, e também uma hermenêutica capaz de
dialogar com as novas realidades. Temos aqui uma dinâmica que é ao mesmo
tempo: tradicional e atual passado, presente e futuro única e histórica fontal
e dialogal. Enfim, realidades que parecem distantes se complementam, se
integram, dialogam entre si, inaugurando ressignificações diante das novas
realidades.
A resposta de da comunidade é resposta à iniciativa divina, à Revelação,
ou seja, seu fundamento não reside em si mesma, mas na proposta divina. A fé
770
A própria Igreja se define como comunidade cultual, comunidade sacerdotal, comunidade
profética. São conceitos eclesiológicos fundamentais, antes relegados a segundo plano, e agora,
carregados de força renovadora na função litúrgico-sacerdotal de toda a Igreja”. Cf. BOFF, Lina.
Espírito e Missão na Teologia. op. cit., p. 111.
771
Sobre o significado da palavra dabar ver nota 124 no 1º. Capítulo deste trabalho.
772
Cf. BOFF, Cl. op. cit., pp. 95-96; 120.
eclesial possui suas referências na Palavra de Deus. “A da comunidade não é
constituinte, mas constituída pela Revelação. Essa é que é constituinte”
773
.
“O Povo de Deus é constituído pela Palavra”
774
. A Palavra acolhida e
assumida na vida torna-se testemunhal, torna-se fato. Mais do que uma doutrina
que é ensinada, o Povo de Deus que acolhe e vive a Palavra torna-se missionário
pelo próprio testemunho. Seu testemunho está fundado no querigma não apenas
proclamado com a boca, mas professado com a própria vida. É Revelação
acontecendo na história através do Povo que responde à sua vocação
evangelizadora.
A Igreja local deve responder à identidade crística que a fundamenta e que
a impele através de um movimento de profunda integração entre a Revelação e
suas dimensões interpretativas. Ao mesmo tempo deve se reconhecer mistagógica,
ou seja, parte de uma dinâmica que passa por dentro dela sem jamais se deter
neste espaçocio-histórico. Reconhecendo esta identidade, a Igreja local se
estrutura enquanto experiência mistagógica e irradia a comunhão trinitária. Esta
identidade espiritual profunda a conduz para uma auto-reflexão, para olhar sobre
si mesma, a fim de reorientar suas práticas, integrar a e a vida, a catequese e a
liturgia, a pessoa e a comunidade, a comunidade e a sociedade. O mistério da
Salvação é vivido na história de homens e mulheres que assumem sua vocação
batismal e fecundam a sociedade como missionários de seu tempo.
A perspectiva sociológica diria que o local e o global se conectam de tal
forma que um influencia o outro dialeticamente
775
. O enraizamento nas fontes, na
Tradição, no Magistério eclesial, são vivenciadas no locus do cotidiano, no espaço
específico. Por outro lado, essa experiência local problematiza e constrói novas
circularidades hermenêuticas que, ao sopro do Espírito, renovam a dimensão
global e universal da Igreja
776
.
773
Idem, p. 120.
774
Idem, p. 111.
775
Sobre o tema da articulação e limites entre a realidade local e a global ver GIDDENS, A. As
consequências da modernidade.o Paulo: Unesp, 1991, pp. 69ss.
776
Segundo os documentos do Concílio Vaticano II, a única Igreja de Cristo existe ‘nas’ e ‘a partir
das’ igrejas particulares, especialmente na Eucaristia. (LG 23) As igrejas particulares e a Igreja
universal se incluem mutuamente cada uma nas outras. As igrejas particulares não são meras
extenes da Igreja universal, compartilham da mesma existência. Sobre o tema da integração
dinâmica entre Igreja local e Igreja universal ver artigo da teóloga A. M. Tepedino. Eclesiologia de
comunhão: uma perspectiva, op. cit.
O fato de trazermos a comunidade como lugar teológico para a mistagogia
se articula com a dimensão de reflexividade presente na sociedade atual. A
dinâmica de partilha, construção e desconstrução de conceitos, que se desenvolve
na ICA suscita a elaboração pessoal de novas sínteses. A escuta sensível das
práticas discursivas entre os catecúmenos promove revisão e novas interpretações
que vão sendo produzidas a cada encontro. Para que esta dinâmica ocorra, a
comunidade deve cultivar a abertura dialógica e estabelecer os vínculos entre as
pessoas, seus mundos e significados que carregam
777
. É no bojo desta dinâmica
comunitária que se desenvolve a confiança, as partilhas e os processos reflexivos.
Nosso processo de investigação e reflexão a partir de uma comunidade
eclesial local caminhou nesta perspectiva. A comunidade local da Casa de Oração
Batismo do Senhor tornou-se lugar teológico, constituída pela Revelação
dinâmica, atual e atualizada da Palavra da qual se fez ouvinte e intérprete.
Na Igreja primitiva, as comunidades locais eram presididas cada uma por
um bispo, que se mantinha em comunhão com a Igreja única
778
. Em Cirilo de
Jerusalém, não aparece demarcada uma experiência eclesial, mas as ações
lirgico-sacramentais se dão em comunidade eclesial, assim como o
acompanhamento dos catecúmenos em processo de Iniciação Cristã. Na
mistagogia percebida nas Catequeses de Cirilo de Jerusalém, vimos uma
experiência de vivida em comunidade, mediada na e pela comunidade. Cirilo é
mediador de um caminho que não principia nele, mas anuncia um projeto
salvífico do qual é transmissor, e do qual a comunidade, Povo de Deus, participa.
A comunidade eclesial se insere nesta perspectiva. É ela, em seu conjunto, que
transmite a Tradição, testemunha a e a interpreta. Ela é o espaço hermenêutico
vital onde os fiéis, em seus contextos pessoais, sociais e históricos, se inserem na
trajetória viva daqueles que receberam, viveram e transmitiram a fé cristã.
Portanto, o caráter comunitário não é ocasional, mas exigência intrínseca à
dinâmica salvífica. Na comunidade, a dinâmica da Revelação é vivenciada em sua
dupla dimensão, de proposta e de resposta. A comunidade de é proposta do
Deus trinitário, que se revela incessantemente e dialoga com as respostas pessoais
e grupais, que retornam à comunidade, em um processo dinâmico de revisão e de
atualização da fé.
777
Cf. LASH, S. op. cit., p. 149.
778
Cf. TEPEDINO, A. M. op. cit., pp. 185-186.
A experiência da fé cristã, como resposta do mais profundo do ser à
proposta de Deus supõe compromisso, entrega e engajamento
779
. A experiência de
fé vivida na comunidade suscitará esse movimento intrínseco à dinâmica da
Revelação e poderá construir, a partir do olhar para o mundo e para o projeto de
Deus, atitudes concretas de missão e testemunho transformador das estruturas
desumanizantes e injustas encontradas. Essa é mais uma experiência central na
ICA, pois é um grupo inserido no mundo e, como cristãos, tornam-se sal da terra e
luz do mundo, assumem o seguimento de Jesus como missão e testemunho
transformador.
4.1.7
Fidelidade e continuidade
O dinamismo dialógico entre fidelidade e continuidade tem sua fonte na
própria autocomunicação de Deus à humanidade. Este não é um processo
aleario ou abstrato, é um processo marcado pela historicidade do Revelador. As
palavras de K. Rahner definem este dinamismo:
Nesta autocomunicação Deus mesmo entra na história em forma espaço-temporal
e não é apenas um fundamento transcendental para além da história. (...) Deus se
comunica a esta história criatural nos momentos de reflexão da Palavra, no culto,
na comunidade, como frutos possíveis e sustentados da graça
780
.
Compreendida como fundamento e como orientação, a mistagogia traz em
seu cerne o dinamismo passado-presente-futuro, no que concerne ao anúncio
querigmático, sua acolhida, recepção e hermenêutica. Em outras palavras, a
Revelação é acontecimento experimentado e interpretado ao longo da história da
humanidade, atua no momento presente e aponta para o futuro, num processo de
atração de toda a história e toda a Criação para sua origem em Deus.
Esta constatação demarca uma necessária avaliação do conceito de
Revelação que fundamenta a práxis pessoal e comunitária. Reconhecer que a
Revelação é movimento, é se dar conta de que a realidade que a sustenta é o Deus
da Vida, é o Deus que ama e respeita a cada um de seus filhos e filhas em seu
processo livre de abertura ao seu próprio Mistério. Este fundamento teológico
779
Cf. LIBANIO, J.B. Eu creio, nós cremos. op. cit., p. 165.
780
RAHNER, K. Fondamenti della Teologia Pastorale. Brescia: Herder/Morcelliana. 1969, p.12.
aponta para concebermos a ICA como um processo aberto à experiência e não
como algo formal, mediatizado pela tradição interpretativa, o que seria
enclausurar a Revelação no tempo e no espaço. A ação de tradicionar o passado
para o presente como uma repetição mimética, é particularizante, abstrata e
distante da realidade o que, consequentemente, deixa de ser um caminho
mistagógico, para ser apenas um caminho de adesão silenciosa
781
.
Os Padres da Igreja o fonte de sabedoria também no que diz respeito a
este fundamento teológico. Sua atenção às reflexões de base do Cristianismo e às
orientações do Magistério é apresentada como identidade que convida à acolhida e
à resposta livre e comprometida dos iniciantes. Em sua dinâmica mistagógica,
Cirilo de Jerusalém incorpora este fundamento em muitas de suas mediações. Por
exemplo, a linguagem narrativa e alegórica na apresentação da Sagrada Escritura
é essencialmente dialógica, convida o ouvinte à acolhida, identificação,
apropriação simbólica e, finalmente, à pertença ao processo.
Este pressuposto ressalta duas referências centrais: a liberdade de Deus e a
novidade da história
782
. uma correlação entre a palavra de Deus e a existência
do homem, o Mistério revelado tem pertinência existencial e histórica, e toda a
existência está iluminada pela mensagem revelada
783
. As palavras de R. Haight
confirmam este fundamento:
Deus não é apenas transcendente e em outro mundo; Deus está neste mundo, e os
símbolos o tornam presente. Pela criação, pela encarnação e pela graça, Deus se
faz a própria interioridade das coisas. Por conseguinte, a mistagogia simbólica
quer dizer que a transcendência de Deus é também a alteridade de Deus que é
imanente. O próprio mundo é mistério pelo fato de Deus encontrar-se em seu
cerne
784
.
Na mistagogia o se prescinde da Tradição e do Magistério, não se
prescinde da experiência passada e acumulada na história do Povo de Deus. Por
exemplo, a profissão de fé e o compromisso pessoal e comunitário estão em
aliança contínua. Os símbolos da demarcam a identidade cristã e, como tal,
devem anunciar e convocar a esta identidade a partir da experiência mistagógica.
781
Sobre esta interpelação ver QUEIRUGA, A.T. A Revelação de Deus na realização do homem.
op. cit., p. 100.
782
Idem, p. 112.
783
ALBERICH, E. La catechesi della Chiesa: saggio di catechetica fondamentale. Leumann:
Elledici, 1992, p. 63.
784
HAIGHT, R. op. cit., p. 179.
É identidade e, ao mesmo tempo, é diferença, pois cada experiência se apropria
desta identidade como sua, como parte, como participação no Mistério de Cristo.
Daí a necessidade do termo ‘continuidade’, a fim de que não se caia numa
diferenciação particular, intimista, isolada do processo da Tradição e do
Magistério. Este é um processo dialógico e, como tal, deve pressupor uma
experiência de penetração na linguagem da Tradição, seguida de uma reflexão
orientadora desta experiência, realizada por um mediador entre a Tradição e o
momento presente.
Desenvolve-se, assim, um dlogo reflexivo e hermenêutico, um processo
de acolhida do mistério, participação e resposta pessoal e também comunitária.
Este processo implica uma escuta do passado, com sua exegese e reconstituição
histórica, em seus termos e contextos. O passado é acolhido como sabedoria fonte,
com verdades a serem preservadas em sua identidade primeira e, com ele, deve se
estabelecer um dlogo dentro do contexto contemporâneo, que recrie o processo a
partir de sua fonte, em continuidade fiel e criativa
785
.
Deste diálogo surgirão novas sínteses, uma convergência que, ao mesmo
tempo, inaugura uma nova compreensão do antigo símbolo. R. Haight afirma que
esta perspectiva de continuidade é conservadora do significado original.
A interpretação deve ser fiel, inteligível e potencializadora; fiel aos mbolos da
Escritura e à história da doutrina, queo elementos constitutivos da comunidade;
inteligível em um horizonte contemporâneo de consciência; e aplicável ao
presente e ao futuro imediato da comunidade, de forma a engendrar e a alavancar
sua práxis
786
.
Em Cirilo de Jerusalém, observamos que ele apresenta a teologia em sua
forma dogmática, mas se mostra atento para que não chegue aos catecúmenos
como uma imposição, mas como uma trajetória eclesial, da qual passam a fazer
parte, como fiéis e como interlocutores. Nas narrativas bíblicas, Cirilo convida,
em primeiro lugar, à escuta da Palavra, e depois ao diálogo com a realidade dos
iniciantes. A Tradição da Igreja é transmitida como um tesouro vivo, passado às
suas mãos, ao qual são convidados a participar como herança fecunda de suas
vidas e de toda a humanidade, numa perspectiva escatológica.
785
Sobre este tema conferir HAIGHT, R. op. cit., pp. 191-210.
786
Ibid., p. 210.
A Profissão de fé está longe de ser uma transmissão estéril. Cirilo perpassa
os artigos do Credo alinhavando todo o caminho da fé cristã e sua herança
apostólica. A Profissão de é, antes, uma experiência vivida e assumida
comunitariamente. E vai am. Ela não é um código a ser repetido, mas é vida a
ser configurada, ou seja, ela não está pronta como realização, mas nos convoca a
nos tornarmos, em Cristo, novas criaturas. Sendo assim, Cirilo não apenas
transmite uma Tradição a ser respeitada e valorizada, mas também conservada,
agregada à prática cristã em cada contexto pessoal, social e histórico.
4.1.8
A mistagogia como experncia místico-sapiencial
Na cristã, mística e sabedoria possuem um fundamento comum: Deus
que se fez Palavra. Palavra nas experiências do povo hebreu. Palavra que se fez
carne e habitou entre nós. Palavra que fecunda a terra e semeia vida nova, que
performatiza o mundo, configura os homens e mulheres em Jesus Cristo e
plenifica o amor de Deus em toda a Criação.
O caminho mistagógico é caminho místico, por ser abertura ao Mistério de
Deus, uma configuração do próprio ser em Jesus Cristo, em um processo de
crescimento de uma espiritualidade centrada em Jesus. Nesse mesmo caminho,
aberto ao Mistério que se revela na Palavra, em toda a Criação e na História, a
mistagogia, a pedagogia divina constrói uma caminho sapiencial ao longo da
experiência pessoal. Nesse dinamismo, a espiritualidade mística e a escuta aos
sinais da presença de Deus na vida, tornam-se uma única voz ecoando na pessoa
humana, orientando-a a discernimentos e escolhas voltadas para o princípio e o
fim da história: a realização de tudo em todos em Jesus Cristo
787
.
A tradição teológica identificou três componentes da sob a terminologia:
fides quae (fé como palavra), fides qua (fé como experiência) e fides formata (a fé
prática)
788
. Este primeiro componente - a fé como palavra -, refere-se ao elemento
787
Identificamos estes dois termos mística e sabedoria, com outros dois termos, trabalhados pela
teóloga M. C. Bingemer identidade e caminho. Em seu artigo, refletindo sobre o saber de Jesus,
ela conduz à pergunta pela origem do saber. Em Jesus, identidade e caminho de conhecimento
possuem o único e mesmo fundamento: a iniciativa e o desejo do próprio Deus se revelar à
humanidade. Cf. BINGEMER, M. C. L. Saber, sabor e sabedoria. In: BUARQUE, C. et al. Fé,
política e cultura. São Paulo: Paulinas, 1992.
788
Cf. BOFF, Cl. op. cit., p. 30.
cognitivo da fé, à sua compreensão e elaboração em forma de linguagem.
Segundo Lima Vaz, esta é, em primeira instância, uma questão filofica: a
correlação entre verdade e linguagem.
Não temos outro acesso à verdade senão através da linguagem. Esta pode ser
experimentada inefavelmente nos estados mais elevados da experiência mística,
por exemplo, ou da experiência estética. Mas ela não pode ser comunicada senão
através de uma linguagem específica, por exemplo, a linguagem dos místicos, na
qual o poder expressivo da linguagem é levado ao extremo das suas
possibilidades significantes
789
.
Em um processo mistagógico, estamos diante de infinitas possibilidades de
linguagem que nascem da experiência do encontro com Deus, tanto no plano
pessoal, como no plano comunitário. A raiz dessa pluralidade de linguagens é, por
um lado a própria dinâmica da Revelação e, por outro lado, a estrutura plural da
experiência, ou seja, a diversidade de caminhos no diálogo com o mistério de
Deus. Em outras palavras, o processo pedagógico da Revelação e sua
compreensão pela pessoa humana.
Por exemplo, em Cirilo, o Símbolo dos Apóstolos é ensinado e
experimentado como linguagem proveniente das fontes, construída a partir da
Revelação e expressada no discernimento teológico das primeiras comunidades
cristãs. É um conjunto de verdades da que está sendo transmitido, no entanto,
Cirilo o apresenta como dinamismo da Revelação experimentada e interpretada
pela comunidade apostólica e que, naquele momento, alcança as comunidades
cristãs. A recepção da Tradição apostólica e o compromisso assumido fazem parte
do processo de Iniciação Cristã. Cirilo apresenta uma experiência do Mistério e
conduz seus iniciantes não apenas a uma compreensão cognitiva desta, mas a
participarem também eles da mesma experiência de fé.
A é palavra, é conteúdo, é linguagem, é hermenêutica. A linguagem de
se exprime em linguagens próprias, peculiares. A mistagogia compreende estas
dimenes em profunda integração, ou seja, a fé-palavra, a -experiência e a fé-
prática, caminham juntas, em diálogo incessante no qual um momento fecunda o
outro no dinamismo pessoal, comunitário, histórico e escatológico. “A fides qua
da comunidade se mede pela fides quae e nela se funda”
790
.
789
LIMA VAZ, H. C. Unidade e diferença: linguagem e verdade na ciência. In Fé e Ciência: duas
linguagens para uma verdade. Rio de Janeiro: Cadernos Magis, n
o
. 18, 1995, p. 3.
790
Cf. BOFF, Cl. op. cit., p. 119.
A mistagogia é experiência que brota da espiritualidade orante, integrada à
liturgia e à hermenêutica da comunidade
791
. A mistagogia nasce na
espiritualidade, no encontro experiencial e vivencial com o Senhor que fala na
vida pessoal e comunitária. Lina Boff reflete sobre a centralidade do encontro com
Jesus como experiência pessoal e missionária.
O núcleo da mistagogia é uma espiritualidade cristocêntrica, é o encontro pessoal
com Jesus Cristo. O que caracteriza este encontro é o acolhimento de Cristo na
própria existência; a penetração profunda no seu mistério; e a identificação íntima
com sua pessoa. Quanto mais esta experiência estiver fundada sobre o encontro
profundo com Cristo, tanto mais será constante a profissão de em Cristo e
vontade livre e decidida de viver plenamente neste sentido
792
.
Como vimos em seus eixos norteadores, Cirilo compreende a mistagogia
como participação litúrgica e vivencial no mistério de Cristo. A liturgia e a
teologia narrativa tornam-se elementos teológicos que constituem essa
experiência.
Na liturgia, a comunidade experimenta a integração dos rios elementos
que a conduzirão ao mergulho no Mistério pascal. Mistério que configura a vida
humana, a comunidade, a história. A totalidade da pessoa é experiência viva de
sacramentalidade
793
, conduz à espiritualidade radical, no sentido de ir até as raízes
de seu ser, das razões de seu existir e de suas finalidades históricas e meta-
históricas. A liturgia coloca em movimento o ser humano integral e o corpo-
comunitário que a realiza, abrindo-se ao Mistério que a todos envolve. É
experiência do absoluto, experiência mística, que configura pessoa e comunidade
na sabedoria da Revelação, sempre dinâmica e processual.
A experiência mistagógica é caminho místico-sapiencial por ser
integradora de todas essas dimensões, respeitando o nascedouro da fé e seu
diálogo fecundo com a vida concreta. É a Revelação viva, experimentada na
comunidade e que vai além dos seus próprios limites. A voz que convida a
caminhar é a voz de Deus, acolhida na comunidade ouvinte e intérprete da
791
Enraizada na Palavra e na Liturgia, a experiência de assume uma clara função mistagógica.
Palavra e Liturgia unidas ganham a força que fecunda a vida no Espírito, e configuram no fiel o
seguimento de Jesus. Cf. BOFF, Lina. Espírito e Missão na Teologia. op. cit., pp. 85-86.
792
Ibid, p. 114.
793
Na liturgia, a conceão antropológica é de unidade - o corpo, o coração e o espírito o o
elementos separados, assim como as relões fundamentais da pessoa - consigo, com os outros,
com o mundo e com Deus. Desse modo a totalidade do homem é percebida e experimentada. Cf.
LAFONT, G. A experiência espiritual e o corpo. In: GOFFI, T. e SECONDIN, B. (orgs.)
Problemas e perspectivas de Espiritualidade. São Paulo: Loyola, 1992, p 11.
Palavra, capaz de abrir-se aos convites de Deus, a discernir e converter sua prática
existencial e histórica.
A dimensão místico-sapiencial da mistagogia jamais é, portanto, um
fenômeno isolado. Ela nasce e se propaga na comunidade eclesial, renovada por
uma integração vital, no seio da tradição que se faz experiência. “A comunidade é
o ambiente no qual a experiência nasce, e esta mesma revivifica continuamente a
mesma comunidade, até o dia em que, como diz São Paulo, cheguemos todos
juntos à unidade na fé e no conhecimento do Filho de Deus, ao estado de adultos,
à estatura de Cristo em sua plenitude”. (Ef 4,13)
4.1.9
A constituição prática da Revelação – o seguimento de Jesus
O seguimento de Jesus é a consequência prática do anúncio fundamental
da fé cristã. O anúncio querigmático não consiste em um encontro intimista com o
Deus Trinitário, mas um encontro que configura o homem e a mulher em pessoas
novas, filhos e filhas de Deus, configurados em Jesus Cristo. A experiência de
encontro com Jesus Cristo é uma conversão existencial na direção do seu
seguimento. É a dimensão práxica
794
da fé, ou seja, a Revelação que chega ao seu
termo, ao compromisso pessoal e comunitário, ao projeto de Deus para todos os
seus filhos e filhas. “A prática é o momento ativo da fé, a qual se particulariza nas
práticas: ética, interpessoal, ético-política, social, pastoral e assim por diante”
795
.
Ela não é, portanto, uma dimensão a mais, e sim a razão mesma de ser do crente.
O seguimento de Jesus é consequência da própria aceitação do chamado. O
chamado ao discipulado e o testemunho práxico estão integrados
796
.
Em seu processo de iniciação, Cirilo não deixa de lado a integração entre
e vida que se expressa em gestos, em mudança de vida, em conversão, em
atitudes éticas. Responsabilidade e compromisso são respostas efetivas à dinâmica
da qual o iniciante toma consciência e adere na liberdade. Sendo assim, na ICA a
794
O termo práxis’ é aqui utilizado na compreensão trazida por Clodovis Boff, enquanto
dimensão ético-política da . articulada com a teoria, com a reflexão e hermenêutica diante da
Palavra de Deus e das situações históricas concretas. Fé entendida como compromisso social
diante dos problemas sociais que vivemos e percebemos hoje na sociedade contemporânea,
especialmente na América Latina. Cf. BOFF, Cl. op. cit., p. 157.
795
Ibid.
796
Cf. BOFF, Lina. Espírito e Missão na obra de Lucas-Atos. Para uma teologia do Espírito. São
Paulo: Paulinas, 1996, pp. 41-48.
comunidade deve estar atenta aos sinais dos tempos e às respostas necessárias a
situações existenciais, sociais, que envolvem o processo de toda a Criação em sua
direção histórico-escatológica.
O caminho mistagógico é experiência na liberdade e na integralidade da
pessoa humana. Cirilo afirma o primado da Graça, a iniciativa de Deus que nos
salva, e a sua misericórdia e pedagogia acolhendo as respostas pessoais que se
expressam em palavras, gestos, em co-responsabilidade com a Tradição recebida,
em participação na Igreja de Jesus Cristo, Povo de Deus a caminho.
Segundo a análise do liturgista L. F. Santana, “para Cirilo de Jerusalém, o
dom do Esrito confere ao fiel uma que o conduz à salvação; graças a ela
podemos orar ao Espírito para que sejamos revestidos da força do alto e, assim,
tudo se renova naquele que recebeu a vida nova do batismo”
797
. É neste sentido
que, na experiência mistagógica, a Palavra de Deus e os sacramentos, são fonte e
origem do agir cristão. Não podem ser reduzidas ao conhecimento intelectual, a
um ritual vazio de sentido, ou suportes adicionais à vida cristã, mas são fontes das
quais brota o compromisso ético e a coerência com o projeto salvífico. É a relação
intrínseca com o Mistério de Cristo que corrobora a práxis histórica no Senhor
798
.
A experiência mistagógica cristã é a experiência de um Deus encarnado, de um
Deus que age e trabalha no mundo. Na mistagogia, esse Deus experimentado em
seu Mistério, se torna mola propulsora da práxis humana, que se revela no amor
aos irmãos e irmãs.
A mistagogia, em sua proposta de profunda integração entre e vida,
conduz a comunidade local à fides formata sempre em diálogo com a Palavra que
a constitui e inspira em suas respostas práxicas. Enquanto atitude totalizante, a
experiência de tende a englobar toda a existência, a inspirar os atos pessoais e
comunitários. As atitudes possuem um eixo referencial de fundo, que orienta o
discernimento e as escolhas. Nessa busca de totalidade, a experiência de
propõe, a cada nova situação, a nova configuração humanizante, ou seja, uma
resposta práxica.
Após o Concílio Vaticano II o é mais possível deixar de lado o diálogo
da Igreja com a realidade, ele convida a uma retomada da própria razão de ser da
Igreja, sacramento de Jesus Cristo no mundo, que deve “perscrutar os sinais dos
797
SANTANA, L. F. R. Batizados no Espírito. op. cit., p. 41.
798
Cf. TABORDA, F. op. cit., p. 20.
tempos e interpretá-los à luz do Evangelho”
799
. O Concílio aponta para uma
metodologia que favoreça à integração fé e vida nas comunidades locais.
Sem a atitude prática, como podemos conhecer a Deus? As cartas joaninas
o teologia, que explicita esse vínculo imprescindível entre crer e amar
800
. O que
é especificamente cristão é a possibilidade de viver no amor de Deus, de se unir
em comuno nele e por meio de Jesus Cristo. A prática do amor torna-se fonte de
conhecimento, caminho do seguimento de Jesus.
A Palavra de Deus convida e informa a práxis e esta, informa a
comunidade que, em sua dinâmica de revio e discernimento, retoma as fontes da
Revelação como inspiradoras das novas práticas. Esta circularidade interpretativa
é diálogo com a vida, com situações concretas, com relações inter-pessoais. Neste
sentido, a práxis tem status epistemológico, ou seja, ela mesma é fonte de
discernimento, acena aos ‘sinais dos tempos’ e ao campo de missão cristã. A
Revelação divina passa pelas mediações existenciais e históricas.
Para tanto a comunidade deve fazer-se sensível e presente na realidade
histórica. Cl. Boff aponta para a práxis como princípio interpelador e
verificador
801
. A comunidade reunida pela Palavra que a convoca e envia passa a
desenvolver, através da hermenêutica da práxis, uma nova circularidade
interpretativa. Esta reúne as ações pessoais e grupais, em seu ir e vir, acertos e
novos desafios. A comunidade partilha seu processo de seguimento de Jesus, os
dilemas, elaborações e significados. É comunidade de partilha, de construção
dinâmica do seguimento de Jesus. É eclesiologia de comunhão onde cada membro
da comunidade é mediador entre a e a práxis, estabelecendo uma dinâmica de
construção e reconstrução.
Deste modo a vida de pessoas e de Comunidades exemplares constitui um
verdadeiro locus theologicus, ainda que de segunda ordem em relação à Palavra.
Tal ‘lugar’ instrui a teologia sobre aspectos do Mistério da Salvação, que por
certo se realizou uma vez por todas, mas que perpetuamente se renova ao longo
da história
802
.
799
GS 4,1; ainda sobre este tema ver GS 1,1; 11,1; 44,3; AG 12,3-4;CL 15,37; EN 29; RM 62,118;
SC 91.
800
Cf. 1Jo 3,16-18; 1Jo 4,7-8.
801
Cf. BOFF, Cl. op. cit., p. 159.
802
BOFF, Cl. op. cit., pp. 162-163.
É neste sentido, que compreendemos que a fé-prática não é de forma
alguma um princípio passivo sobre o qual podemos ‘projetar’ ou ‘aplicar’ os
valores evangélicos, mas é princípio ativo, ação dialógica entre Deus e o homem.
É locus theologicus a ser explicitado, é vida que solicita a leitura teológica a
serviço da fé.
Os pressupostos teológicos que trouxemos nesta etapa são como um tecido
único, para o qual não podemos prescindir de um ou outro fundamento, sob pena
de comprometer a razão de ser da mistagogia. Contudo, nos colocamos sempre
como aprendizes, como iniciantes neste caminho mistagógico junto às
comunidades eclesiais locais. É importante que, em cada experiência local,
estejamos atentos a um diagnóstico da identidade da ICA, de seu embasamento
teológico e pastoral, antes mesmo de desenvolvermos um planejamento do
caminho Catecumenal com Adultos. Será a partir de uma avaliação madura e
comunitária que os participantes do processo de ICA poderão encontrar os
próprios caminhos para o desenvolvimento de uma dinâmica mistagógica.
4.2
A Iniciação Cristã de Adultos como itinerário mistagógico
No que diz respeito à identidade da Iniciação Cristã acreditamos que o
termo ‘itinerário está mais de acordo com a compreensão de caminho
progressivo, de caminho catecumenal. A ideia de caminho, de itinerário, fecunda a
mistagogia e favorece uma nova sensibilidade pastoral. O processo de ICA dos
primeiros séculos expressa a originalidade e a sabedoria presentes nesta tarefa
missionária da Igreja. Ele mesmo nos convida a acolhermos esta herança patrística
e, em condições novas, reencontrar os caminhos para que a mesma proposta da
Mistagogia possa ser resgatada em chave contemporânea.
Nosso foco, na mistagogia evidenciada nas Catequeses Mistagógicas de
Cirilo de Jerusalém, foi fundamental para sondarmos o manancial teológico
subjacente nesta obra e identificarmos princípios para a práxis da mistagogia. A
questão que se coloca neste momento é, se esses princípios estruturais ainda
continuam sendo válidos para a ICA hoje. o queremos transferir os elementos
do tempo de Cirilo para o nosso tempo, como uma receita catequética, mas
descobrir neles sua base teológica e metodológica a fim de estabelecermos um
diálogo entre a mistagogia ciriliana e a mistagogia hoje.
Em primeiro lugar, é importante demarcarmos que quando tratamos da
Iniciação Cristã e da Mistagogia não estamos falando de duas realidades distintas,
mas de um mesmo processo: uma experiência de caminho espiritual que encontra
seu fundamento na Revelação, na iniciativa de Deus e na caminhada da Igreja,
sinal e sacramento de Jesus no mundo.
Além dos fundamentos teológicos que constroem a base para o processo
mistagógico, a mistagogia necessita contar com uma estrutura que a oportunize.
Enfim, para que se construa este processo, não são suficientes os pressupostos,
mas também um conjunto de princípios que se articulam e se integram
mutuamente.
Para identificarmos os princípios capazes de construir uma metodologia
mistagógica na ICA hoje, dialogamos mais uma vez com a mistagogia de Cirilo e
a mistagogia observada na comunidade local da Casa de Oração Batismo do
Senhor. Vale recordar que nossa observação e análise teológica têm como
embasamento os documentos da Igreja e reflees teológicas contemporâneas
sobre o Catecumenato com Adultos. Elencamos a seguir os princípios sugeridos
para estruturarem a ICA como um caminho mistagógico.
1. A linguagem mediadora e a construção de conceitos
2. A experiência de comunidade
3. A teologia narrativa
4. A pertença eclesial
5. A espiritualidade orante
6. Consciência do mal
7. A profissão de fé
8. Atitude contemplativa
A seguir, explicitaremos brevemente cada um destes princípios.
Lembramos que eles não estão organizados em uma ordem de prioridade ou
hierarquia, mas que formam um conjunto que, ao longo do itinerário catecumenal,
configuram a experiência mistagógica.
4.2.1
A linguagem mediadora e a construção de conceitos
Numa impressão inicial, o tema da linguagem parece tratar do discurso
oral, da habilidade do mistagogo enquanto orador, todavia, não nos referimos
apenas a esta forma de expressão, mas avançamos para uma perspectiva mais
abrangente, que abarque as linguagens humanas que se tornam mediadoras nos
processos de comunicação: oral, escrita, gestual, imagens, sinais, danças, músicas,
símbolos, pessoas, meios de comunicação, tecnologias modernas.
A apresentação temática através da linguagem verbal, na qual a matéria
prima reside na intelecção dos conteúdos, não pode ser mais a única ação na ICA.
Estamos diante de uma nova cultura, na qual a imagem, a plasticidade, a emoção,
a representatividade, ocupam lugar decisivo no mundo da interpretação e do
significado
803
.
Para que a linguagem seja mediadora, deve ser decodificada e interpretada.
Se não estamos falando de uma transmissão doutriria, a adequação da
linguagem pode ser via de acesso à experiência de encontro com Deus ou um
dificultador. Para que seja uma via de acesso não deve ser imposta, transmitida
como um desito a ser absorvido, mas deve estar em profunda sintonia com os
iniciantes.
Em Cirilo, uma das marcas de seu discurso é a simplicidade. Ele não usa
um vocabulário que crie um distanciamento entre a mensagem e os neófitos. Ao
contrário, além da simplicidade nas palavras, Cirilo de Jerusalém busca uma
aproximação com os iniciantes através de exemplos pticos, presentes em seu
cotidiano. Para tanto, Cirilo conhecia a realidade sócio-cultural de cada
catecúmeno, tanto na diversidade das origens culturais, como quanto ao contexto
social e econômico na qual estavam inseridos, em Jerusalém.
Vale ressaltar, que esta sintonia de Cirilo com os neófitos, não significou
uma perda de seu eixo teológico, ao contrário, conduz os ouvintes para dentro do
Mistério experimentado. Cirilo aprofunda cada passo, de forma que suas palavras,
exemplos, metáforas, narrativas bíblicas, encontrem eco na experiência vivida por
cada um. Ele concebe a pessoa humana em sua integralidade: corpo, espírito,
emoção, inteligência, estão articulados em suas Catequeses. Em decorrência, a
mistagogia de Cirilo não se torna dualista, intimista ou subjetiva, mas interpela a
803
Cf. LIBANIO, J. B. op. cit., p. 50.
pessoa inteira e a remete à revisão existencial e busca de coerência com o
caminho que começa a seguir. Nas palavras de Araújo: Em suas Catequeses,
Cirilo tinha a pretensão de levar os catecúmenos ao envolvimento total e íntegro
de si mesmo e de sua realidade histórico político sciocultural com o mistério
pascal de Cristo (...)
804
.
Outro ponto interessante é sua habilidade de reunir pequenos detalhes e
dados catequéticos anteriores, num passo a passo sistemático, a fim de que os
iniciantes construam seus conceitos a respeito das razões e dos fundamentos da
cristã.
Por meio da linguagem da Sagrada Escritura e da Liturgia, estão presentes
na Iniciação Cristã mediações muito significativas como: a metáfora, o símbolo, o
ritual, o mito. Elas tocam o apenas a inteligência, as concepções e a capacidade
de interpretar do ser humano, mas também convocam à ação, à mudança de vida e
atingem o íntimo da pessoa.
Viajando no tempo até a comunidade local, observamos que o catequista
da Casa de Oração, tendo como pressuposto de seu agir catequético o primado da
iniciativa divina na Revelação, zela pela atenção e pela sensibilidade de um pastor
que acompanha cada iniciante e conduz pacientemente e pedagogicamente a
construção conceitual e a conversão existencial.
A atitude mistagógica é inspiradora de uma metodologia adequada, mas
não deve contar com a casualidade, mas desenvolver um planejamento atento ao
processo que está sendo implementado, em busca de mediações pertinentes, para
que as linguagens sejam caminhos de experiência. Ao falarmos de instrumentos
devemos compreender que são limitados, apontam para o inefável que passa por
eles, mas que também os supera e, por isso mesmo, são passíveis de revisões,
adaptações e mudanças
805
. Atenção, humildade, avaliação participativa,
acompanhamento pessoal e comunitária são significativos no agir mistagógico.
4.2.2
A experiência de comunidade
804
ARAÚJO, J. M. op. cit., 788.
805
Cf. GIGUÉRE, P. op. cit., p. 189.
O tema da comunidade eclesial foi largamente apresentado ao longo
deste trabalho. Reforçamos, para fins de sistematização, o vínculo imprescindível
entre caminho catecumenal e comunidade. A comunidade eclesial é uma
comunidade de iniciados e de iniciantes, sempre na dinâmica de abertura
progressiva à Revelação de Deus. É na comunidade que se dá o processo de
Iniciação. Ela é acolhedora, mediadora, lugar privilegiado de experiência
mistagógica. É na comunidade eclesial que a Liturgia é celebrada, mistagogia
viva, Mistério pascal experimentado por todos e por cada um.
Nas Catequeses Mistagógicas, Cirilo de Jerusalém está em um espaço
eclesial, é pastor da comunidade local. A eclesiologia subjacente às Catequeses
remete à compreensão de seguimento de Jesus no tempo e na história, de pertença
ao Povo de Deus, de fidelidade e continuidade à herança apostólica, de Igreja a
caminho.
Na pequena comunidade contemporânea da Casa de Oração, o acento à
comunhão fraterna e às celebrações litúrgicas demarcou muitas práticas
discursivas dos participantes do Catecumenato. É uma experiência fundamental
em tempos de perda dos laços comunitários. Os encontros do Catecumenato
tornaram-se sede de relações estáveis, diante da fragmentação e da provisoriedade
tão frequentes em nossa sociedade. Na sociedade atual, vem crescendo o papel das
comunidades interpretativas, de abertura dialógica, de respeito às diferenças, as
relações baseadas em vínculos interpessoais lidos e duradouros e não apenas
funcionais
806
. É uma reação à crise de uma modernidade de cunho individualista
e imediatista que atingiu os sistemas globais de sentido e a perda das estruturas
imaginárias de continuidade, ligadas à estabilidade da pertença familiar, local,
cultural e hisrica
807
.
A mistagogia aponta para este elemento como indispensável na Iniciação
Cristã de Adultos
808
. A comunidade eclesial possibilita não apenas o
806
Sobre esta questão ver LIBANIO, J. B. As lógicas da cidade. São Paulo: Loyola, 2001, pp. 157-
164. No capítulo 1 deste trabalho trouxemos sinteticamente o pensamento de filósofos e
soclogos contemporâneos que avaliam o papel das comunidades interpretativas na sociedade
atual, como J. Habermas, J. Derrrida, J. Lyotard, Z. Bauman, U. Beck, A. Giddens, S. Lash.
807
Cf. VELASCO, J. M. La transmisión de la fe en la sociedad contemporánea, op. cit., p. 42.
808
No documento da CNBB, que reúne subsídios para a Iniciação Cristã de Adultos, o teólogo e
comunicador D. Nandi, trabalha a dimensão da intersubjetividade como um femeno particular
no Catecumenato com Adultos, respondendo à demanda da construção da subjetividade moderna
em uma perspectiva dialógica. Vale a pena consultar seu excelente artigo. NANDI, D. Catequese
com adultos e performance comunicativa. In: Segunda Semana Brasileira de Catequese. op. cit.,
pp. 417-442.
estabelecimento de vínculos afetivos e de amadurecimento no diálogo, mas
também a interpretação das situações à luz da Palavra, as vivências celebrativas e
sacramentais, o alimento e o dinamismo da fé
809
.
Se hoje muitos não encontram a comunidade de vida cristã que lhes
oportuniza uma experiência de mistagógica, onde se dê um conhecimento mais
profundo do Mistério, juntamente com um autêntico conhecimento mútuo e laços
de fraternidade concretos, é urgente uma revisão da caminhada de nossas
comunidades e o resgate desse processo fundamental. As comunidades eclesiais
o chamadas a ser contextos vitais, pois sua vocação é fazer a experiência
concreta do amor que lhes é revelado e, assim, transformar as condições de vida
em direção a um mundo mais humano e à espera do advento do Reino
definitivo
810
. A reflexão de J. M. Velasco remete à experiência mistagógica
fecundada na comunidade cristã: “uma comunidade crente pode, com os relatos
fundantes de sua fé, com sua forma alegre e esperançosa de viver, com a
manifestão do amor que inspira sua vida, ajudar a dar nome e, dessa forma,
identificar a Presença até esse momento apenas pressentida por essas pessoas”
811
.
Dessa forma, retornamos ao tema do testemunho que se torna anúncio da
Boa Nova no mundo. A comunidade de vida testemunha ao mundo o amor
fraterno, as obras de serviço, a capacidade de aceitar e dialogar nas diferenças, o
crescimento na alteridade, os sinais da presença de Deus e de Seu amor que
movem ao seguimento de Jesus Cristo
812
.
4.2.3
A teologia narrativa
Esta é uma chave importante para a experiência mistagógica. A Palavra de
Deus é a matriz, a fonte vital da Revelação. A experiência da Revelação que se fez
linguagem. Na mistagogia, o caminho de Iniciação à Palavra é o da narrativa. É
narrativa de uma experiência, que conduz o ouvinte a, também ele, participar e
fazer a sua experiência diante da Palavra de Deus. A narrativa tem características
relevantes não apenas para a mistagogia dos primeiros tempos, mas também para
809
Cf. LIBANIO, J. B. Eu creio, nós cremos. op. cit., pp. 307-308.
810
Cf. PAGOLA, J. A. Acción pastoral para una nueva evangelización. Santander: Sal Terrae,
1991, pp. 52-53.
811
VELASCO, J. M. op. cit., pp. 105-106.
812
DGAE. 2003-2006. n. 121-122.
a interlocução com os tempos s-modernos: ela não impõe, mas propõe; ela não
argumenta, mas conta uma história; ela é livre e convida à liberdade; ela é
composta de imagens, mbolos, é viva; ela é contextualizada e remete ao
contexto presente; ela é presente e futuro, narrativa e metanarrativa
813
.
A Palavra de Deus é narrativa que revela o sentido escatológico de todas
as outras narrativas, seu eixo central é também seu princípio e fim, é o sentido da
história, o amor de Deus revelado na Criação que atrai toda a Criação à
plenitude
814
.
Entre os Padres da Igreja, a Sagrada Escritura é apresentada em forma
narrativa. Cirilo se insere neste caminho teogico e catequético no processo de
ICA de sua comunidade. É um método que constrói a unidade entre o Antigo e o
Novo Testamento, assim como as noções de eleição, de aliança, de pertença ao
Povo de Deus, de missão e testemunho no mundo. Além disso, ele gera as atitudes
de atenção, de contemplação, de intimidade com a Palavra de Deus. É Palavra
para cada pessoa e para todos os tempos. Seu endereço é o coração de cada ser
humano.
Outro fator importante para esta escolha metodológica é que, na medida
em que convida à atenção e escuta, ela provoca a acolhida e a interpretação. Na
comunidade, esta dinâmica fecunda a circularidade hermenêutica e uma mística
fundada na fonte da Revelação.
No grupo de catecumenato da Casa de Oração Batismo do Senhor, fonte
de nossa pesquisa de campo, a História da Salvação foi trabalhada, muitas vezes,
de forma narrativa. Na verdade, o catequista não possuía uma formação teológica
a ponto de fazer esta escolha enquanto um método mistagógico, mas, como
vimos anteriormente, esta é mais uma forma que ele encontrava de criar
proximidade, intimidade, familiaridade entre cada catecúmeno e a Palavra de
Deus. Através das narrativas bíblicas, o catequista provocava cada iniciante à
escuta atenta e sensível às mensagens e aos convites de Deus presentes em sua
Palavra viva.
Muitas comunidades eclesiais atuais experimentam uma dinâmica orante e
contemplativa diante da Palavra, através da prática da Leitura Orante, dos
813
Sobre o papel da narrativa, vale a pena ler o trabalho capital do filósofo BENJAMIM, W. O
Narrador. In: Pensadores. o Paulo: Abril Cultural, 1980.
814
Cf. BOFF, Cl. op. cit., p. 116.
Círculos blicos, das Celebrações da Palavra e Eucarísticas. Esta centralidade é
garantia de que a fonte de sabedoria esteja no primado de Deus e em sua
pedagogia amorosa e misericordiosa junto aos seus filhos e filhas.
4.2.4
A pertença eclesial
Para que esta dimensão esteja presente no Catecumenato com Adultos, em
primeiro lugar, é importante que esteja claro que o caminho catecumenal é parte
fundamental dentro de uma trajetória mais ampla, histórica e dinâmica, que é a
própria caminhada da Igreja, Povo de Deus. Esta ideia evita uma perspectiva
apenas local e subjetiva do processo catecumenal e remete à caminhada eclesial
como origem, princípio e inserção de todos os irmãos e irmãs na mesma fé.
Enfim, a ICA é um itinerário no qual se configura uma identidade e uma pertença.
É uma experiência que se dá em comunidade, como já vimos anteriormente.
O documento do Magistério que orienta este processo, o RICA, concebe o
caminho catecumenal na perspectiva eclesial. Seu eixo é mistagógico e as ações
lirgicas que orientam o caminho catecumenal ocorrem na trajetória do ano
Lirgico, em unidade com a grande família dos filhos e filhas de Deus.
Em Cirilo de Jerusalém, ressaltamos uma chave de leitura eclesiológica ao
longo do processo catecumenal. É a partir da centralidade no mistério Pascal que
Cirilo desenvolve suas Catequeses, sempre em ambiente e perspectiva eclesial,
inserindo cada iniciante no caminho que o antecede e que vai am dele mesmo;
suscitando a consciência de pertença ao Povo e da responsabilidade proveniente
desta. Ou seja, a pertença eclesial é um convite e uma vocação, é envio e
testemunho no mundo.
No caminho catecumenal da Casa de Oração, o catequista procurou gestar
todo o processo na perspectiva eclesial. Para isso, observamos que: sensibilizou e
motivou a participação nas celebrações lirgicas da comunidade; trabalhou a
História da Salvação em sua dimensão eclesial e escatológica; motivou a
participação do pequeno grupo nas atividades celebrativas da diocese de Caxias e
da Igreja do Brasil.
O espírito que funda e enraíza a pertença eclesial é o Mistério Pascal.
Portanto, vemos que não se dá uma pertença de cunho apenas social, afetivo,
celebrativo, ou como uma tarefa do catecumenato a ser cumprida, mas o que
constrói o sentido de pertença é o encontro com o próprio Cristo.
Estabelecendo um diálogo entre estas duas experiências mistagógicas,
observamos que este elemento – a pertença eclesial – deve não apenas estar
presente na ICA mas, a partir dele, o catequista-mistagogo deve ter sensibilidade e
criatividade pedagógica para construir esta identidade como experiência de
comunhão e unidade. Acreditamos que, ao desenvolvermos este elemento numa
linha mistagógica, a identidade crística será radicada como identidade de um
Povo, a Igreja percebida como família em comum+unidade e, a humanidade,
percebida como grande família dos filhos e filhas de Deus.
Em tempos de dificuldade com a alteridade, com as diferenças culturais,
religiosas, sociais, a construção deste vínculo entre identidade-pertença-
comunidade, vem responder e auxiliar na educação do potencial dialógico da
pessoa e da Criação. Potencial este que vem sendo abafado pelo individualismo,
pela visão do ‘outro’ como ameaça, pelo foco na produtividade e na eficácia.
4.2.5
A espiritualidade orante
A espiritualidade orante remonta aos fundamentos teológicos da
mistagogia: a dinâmica da Revelação e da Fé, a pessoa humana e a experiência, o
lugar teológico da comunidade, a experiência místico-sapiencial e a constituão
prática da Revelão. Tendo por base estes fundamentos, a construção de uma
experiência de espiritualidade orante vem como decorrência. As palavras de R.
Haight explicitam esse fundamento:
O objeto da é transcendente, e não um dado do conhecimento humano, deve
ser dado a uma pessoa; deve ser revelado. Ao objeto da não se chega nem por
esforço humano, nem por investigação, nem por inferência conclusiva. É
experienciado como ‘dado ao sujeito’ a partir de ‘cima’. É por essa razão mais
profunda que a teologia cristã da fala sempre da fé como efeito da graça, como
obra da revelação, como dom de Deus na qualidade de Espírito
815
.
Retomando as Catequeses Mistagógicas de Cirilo de Jerusalém, nos
deparamos com sua atitude orante, enquanto pastor e catequista e em suas
815
HAIGHT, R. op. cit., p. 43.
orientações e exortações. Cirilo conduz os fiéis nos caminhos do Mistério
educando para a entrega e a confiança da pessoa inteira, de sua existência, ao
amor de Deus. A Catequese na qual este processo se torna mais visível é seu
percurso pela oração do Pai Nosso
816
.
Além da relão pessoal de comunicação e encontro com Deus através da
experiência da Liturgia e da oração, Cirilo estabelece a relação entre pessoa e
comunidade também neste aspecto. A oração tem caráter pessoal, comunitário e
eclesial. O Mistério revelado atinge a todos os homens, e convoca a todos na
direção da salvação. Ele incentiva a solidariedade e a comunhão pela via da
oração, e uma comuno entre céu e terra, entre vivos e falecidos. A oração vivida
na comunhão fraterna é um elemento próprio da experncia cristã, e aponta para a
dimensão dialógica e comunitária da Revelação
817
.
Uma espiritualidade orante, e por isso mesmo, mistagógica consiste na
descoberta de um eixo central, já presente na profundidade da pessoa humana que,
aberta à dinâmica do Espírito de Deus, inicia um processo de escuta atenta, de
comunicação, de discernimento e reorientações existenciais nessa nova direção.
Assim sendo, o mistagogo deve conduzir o processo de forma a ir
construindo nos iniciantes um caminho de espiritualidade orante, no qual, a cada
passo, a pessoa vá se dando conta do Mistério que a habita e a convida à
plenitude. Pouco a pouco, a pessoa vai entrando em uma dinâmica na qual ela se
torna sensível aos sinais de Deus e obediente
818
. A relação com Deus vai se
tornando mais confiante e a entrega da vida, também mais radical. O homem
espiritual não sabe com certeza onde o Espírito o colherá, nem para onde o levará;
mas deve procurar saber onde esperá-lo, onde espreitar sua passagem dentro do
hoje da convivência humana”
819
.
No grupo de catecumenato da Casa de Oração Batismo do Senhor, a
experiência da oração na Liturgia e na Leitura Orante da Bíblia foi construída ao
longo do processo, contudo, uma experiência em particular nos chamou a atenção
ao integrar a fé e a vida: o encontro com Jesus no rosto dos sofredores. É uma
816
Cf. CM V, 11-18.
817
Cf. CM II, 7-8; III, 7; V 4.11-18.23.
818
O termo obediente vem do latim ob + audire, ouvir atentamente, indica uma escuta que é
acolhida pela pessoa. No que concerne à fé cristã é o escutar a Deus com a máxima atenção, seu
apelo, no compromisso de aderir livremente ao seu convite. Cf. CIC 144.
819
RIZZI, A. O homem espiritual, hoje. In: GOFFI, T. e SECONDIN, B. (orgs.) Problemas e
perspectivas de Espiritualidade. São Paulo: Loyola, 1992, p. 150.
experiência proveniente do catequista, de sua compreensão de seguimento de
Jesus e sensibilidade com os sofredores. Esta foi uma experiência marcante na
vida dos participantes deste Catecumenato e construiu de uma forma profunda e
original o encontro com Jesus.
A espiritualidade orante é também um elemento fundamental para que não
se caia em uma percepção dualista da fé, criando dois mundos, um mundo
espiritual interior, e outro mundo, a existência real. Nesta dinâmica, oração e
práxis estão integrados, uma reenviando à outra, dialogicamente. Não se trata de
uma experiência intimista, mas, ao contrário, uma integrada à vida, que abarca
a história, valoriza em Deus as coisas, as pessoas, os acontecimentos.
Em nossa sociedade, até mesmo a religiosidade e a oração foram
influenciadas por uma ótica individualista, liberal e hedonista. A religião também
foi reduzida à esfera do privado, à lógica da produtividade, da eficiência que passa
pela história concreta. Na ICA estão reunidas pessoas que vivem neste contexto e
que, muitas vezes, trazem experiências religiosas vividas desta forma. Para que a
experiência de oração não seja abarcada por essas influências não relacionais e
fragmentadas, o caminho mistagógico deve ser muito bem orientado. Os caminhos
da Liturgia, da comunicação simbólica, da leitura orante da Palavra, da oração
integrada com a vida, da oração vivida em comunidade de partilha, ajudam a
configurar uma experiência de diálogo com o Transcendente.
Também não se trata de uma espiritualidade alienante ou ingênua, que não
comporte as situões limite da vida, os momentos de dor, de incompreensão, de
sofrimento. A mistagogia faz com que a pessoa perceba as experiências limite
como contingentes, justamente porque se conta de sua vocação infinita, mas
vai além, se sabe abraçada pela Graça de Deus, sabe que toda a história tem um
fim nesse amor infinito, que ultrapassa todo o sofrimento e morte. Na reflexão de
J. Bacik, na mistagogia “experimentamos uma espécie de choque ontológico ao
nos depararmos com limites e contingências, mas também com a experiência
extática através da qual ultrapassamos todos os limites intencionalmente”
820
.
A mistagogia não é uma experiência entre outras. É a experiência de
encontro com o Mistério que habita em nós e que é a razão mesma de nosso
existir, é o “fator de unificação essencial a toda experiência humana”. Os frutos de
820
BACIK, J. J. op. cit., p. 28.
uma espiritualidade orante são os frutos da experiência da Graça de Deus: alegria
indescritível, amor incondicional, obediência da consciência incondicional,
experiência de comunhão com o universo, experiência de vulnerabilidade da
própria existência humana e de nosso próprio controle, confiança no amor maior
de Deus em todas as situações. Conduzem à maturidade humana diante dos
relacionamentos e situações limite, como: enfrentar a morte, suportar a
responsabilidade da liberdade, o sentido radical de alegria e de esperança,
experimentar o amor gratuito, suportar sem queixas descontentamentos e
frustrações, ser fiel à consciência, dar sem esperar receber
821
.
A espiritualidade orante é central no caminho catecumenal. É “desde a
oração que o Divino se faz presença dialogante
822
. É um relacionamento amoroso
com o Deus da vida, na confiança e na misericórdia. A mistagogia carrega em si o
saber mais profundo, que une o Criador e a criatura, potencializa em cada pessoa
um abrir de olhos para os sinais do infinito na existência, na história, torna a
pessoa mais atenta e reflexiva, mais confiante nos significados últimos da vida
823
.
4.2.6.
A consciência do mal
A Iniciação Cristã de Adultos encontra-se em um campo marcado por
situações-limite, sofrimentos, mágoas e, muitas vezes, certa desesperança com
relação aos valores humanos. O caminho catecumenal não abre mão de refletir
sobre a presença do mal, mas educa uma consciência madura diante do mal e, para
a entrega progressiva ao projeto de Deus, que implica em discernimento,
fortalecimento, renúncias, orações e bênçãos.
Nas Catequeses Mistagógicas, Cirilo de Jerusalém conduz esta tomada de
consciência e, através das pregações e das ações lirgicas, prepara um caminho
de maturidade cristã diante dos diversos momentos de tentação e dificuldades que
podem abalar a escolha pelo seguimento de Jesus. O cristão deve renunciar ao mal
e às suas seduções, na liberdade e nas decies cotidianas. O mal não é superado
821
Ibid., pp. 29-30.
822
Cf. QUEIRUGA, A. T. op. cit, p. 22.
823
Cf. BACIK, J. J. op. cit., p. 18.
de uma vez, mas espresente, misturado na cultura, na vida cotidiana, como uma
força externa que pode seduzir a pessoa a desviar-se do caminho cristão.
Cirilo orienta os neófitos para a consciência de que o mal está presente em
gestos e palavras que ferem aos irmãos, contudo não tem a palavra definitiva, e
sim o amor misericordioso do Pai e a abertura de cada pessoa, pelo
arrependimento, pela humildade e livre decisão de superação. O mal também está
fora de nós, no mundo, em situações de negação da fraternidade, do amor de
Deus. Nesta dimensão, Cirilo exorta para a atitude de vigilância constante, unida a
uma entrega integral ao amor de Deus e ao perdão aos irmãos.
Para Cirilo, a tentação se faz presente no caminho da entrega ao projeto de
Deus. O processo de conversão é também um processo de novas escolhas, de vida
nova, de renúncias ao ‘homem velho’, que vão exigir uma consciência firme, uma
ação combativa e fortalecimento interior a fim de se manter no caminho. É a
mistagogia este caminho de fortalecimento, pois é a graça de Deus que
potencializa esta superação, daí a importância das ações lirgicas.
As ações litúrgicas - escrutínios, exorcismos, bênçãos - comunicam a ação
transformadora de Deus na luta contra o mal. A unção é sinal da libertação do
pecado e da nova vida. Nas Catequeses de Cirilo, a unção aparece em três
momentos, no Batismo, no sacramento do Crisma e nos ritos de exorcismos. A
unção comunica a vida nova, a ação amorosa de Deus e a renúncia a tudo o que
afasta deste projeto.
A responsabilidade diante desta superação o é apenas pessoal, mas
também comunitária. A vida sacramental e a oração pessoal e comunitária são
fontes de fortalecimento.
Na ICA, a consciência do mal muitas vezes não é inserida como um
elemento importante, talvez devido à própria dificuldade dos catequistas nessa
abordagem. Contudo, na teologia subjacente nas Catequeses de Cirilo, este não é
um tema marginal. A fim de superar o mal se deve tomar consciência de sua força,
mas de uma força muito maior que tem a palavra definitiva: o amor de Deus
824
. É
antes, parte da tarefa da ICA, assegurar a e a esperança na força salvífica de
Deus, que ama e liberta o homem de todo o mal
825
.
824
Cf. CM I, 2-9; II, 3; V, 11.18;
825
Cf. SCHILLEBEECKX, E. op. cit., p. 20.
Na experiência catecumenal da Casa de Oração Batismo do Senhor, o
catequista percebe o processo de conversão como um caminho no qual as
tentações aparecem, como uma força contrária ao seguimento de Jesus. Para elas
deve-se estar consciente e preparado para enfrentar e perseverar no caminho,
sabendo que a força da superação vida Graça de Deus que não abandona seus
filhos e filhas. No RICA, documento do Magistério que orienta a ICA, as ações
lirgicas demarcam este processo através das bênçãos, escrutínios e exorcismos.
Outro fator decorrente desta consciência é a humildade, a auto-consciência
das limitações, das dificuldades, do seguimento com processo de abertura e
conversão de atitudes, dos condicionamentos que muitas vezes conduzem ao erro,
do erro como parte do caminhar. Neste aspecto, a construção da experiência de
comunidade, na confiança, misericórdia e compreensão mútua, é também
fundamental para que todos sejam acolhidos no amor e no perdão. Neste aspecto,
a dimensão penitencial é relevante na compreensão da dinâmica mistagógica entre
Deus-pessoa-comunidade-mundo, também no que diz respeito à consciência e luta
contra o mal tanto no aspecto pessoal como comunitário e social.
4.2.7
A atitude contemplativa
A dinâmica mistagógica possui ainda um elemento que deve estar presente
como uma referência diante do Mistério – a atitude contemplativa. É muito
importante que esta atitude seja cultivada, pois ela pressupõe um olhar sensível,
atento, aberto, humilde, de quem busca o mais profundo, o interior que está se
revelando no dia a dia, nas histórias pessoais e comunitárias. A mistagogia é,
antes uma atitude de contemplação, do que um conjunto de palavras ou atos.
Na mistagogia de Cirilo de Jerusalém, percebemos que ele integra a atitude
contemplativa e a atitude interpretativa, inicia na abertura ao Mistério, na
sensibilidade e também no dlogo. Os acontecimentos hisrico-salvíficos, o as
mirabilia Dei
826
, os sinais da presença e Revelação de Deus operados e
826
As mirabilia Dei o constituem uma sucessão de intervenções arbitrárias de Deus na história
humana. Nos fatos da história de seu povo, o profeta descobre um princípio religioso de unidade,
um sentido presente, um fio condutor que faz descortinar um caminho que remete sempre para
Deus, de tal modo que os acontecimentos são a um tempo realizações parciais e sinais. Em outras
palavras, realizam e prometem, antecipam e comprometem, revelam e ocultam um desígnio de
atualizados ao longo de toda a Revelação bíblica
827
. É a atitude contemplativa
que conduz o iniciante pela História da Salvão, pela linguagem litúrgica, pelos
novos caminhos do mistério de Deus, enfim para contemplar as maravilhas de
Deus em toda a Criação. Em suas Catequeses, Cirilo procura despertar nos
iniciantes este olhar contemplativo, não apenas diante da memória da caminhada
do Povo de Deus, mas como saber e experiência no qual estão inseridos e que, se
revela nas trajetórias pessoais e comunitárias.
Mais uma vez, vale observarmos que a mistagogia não tem sua
centralidade no discurso intelectual ou explicativo, mas na atitude de acolhida do
Mistério que se revela na Sagrada Escritura, na Liturgia, na vida cotidiana dos
filhos e filhas de Deus. Os encontros catecumenais devem suscitar estas atitudes,
de acolhida, de ouvir, de dialogar, de sensibilidade e atenção, diante do Mistério.
Por fim, reunimos nesta seção os princípios que - a partir de um diálogo
entre a Mistagogia identificada nas Catequeses Mistagógicas de Cirilo de
Jerusalém e a Mistagogia identificada na experiência catecumenal na Casa de
Oração Batismo do Senhor -, sugerimos como orientadores de um processo de
ICA para os nossos tempos. Mais uma vez, vale ressaltar, que nossa contribuão
deseja estabelecer um diálogo fundamental e co-responsável, enquanto fidelidade
com as fontes da Tradição e as orientações do Magistério e continuidade criativa
atenta aos sinais dos tempos e à realidade de cada comunidade local.
4.3
A Redescoberta da Mistagogia para o cristão no mundo
A análise do processo de transmissão e de formação na deste período do
Catecumenato primitivo nos ajuda a descobrir as possibilidades que o
Cristianismo encerra para responder às interpelações que vêm sendo feitas à ação
evangelizadora. Por outro lado, encontrar as oportunidades que o próprio
momento de mudança paradigmática, que chamamos de Modernidade, oferece às
comunidades e aos seus membros.
amor que não é outro senão Cristo, verdadeiro sentido e decifração da História. Nele se totalizam e
se recapitulam o ontem, o hoje e o amanhã: “Eu sou o Alfa e o Ômega. Aquele que é, que era e que
vem”. (Apc 1,8) Cf. PAIVA, H. Introdução. In: SANTO AGOSTINHO. A instrução dos
catecúmenos. Petrópolis: Vozes, 1978, pp. 12-13.
827
Cf. SANTANA, L. F. R. op. cit., p. 14.
Verificamos, até aqui, que a experiência mistagógica de Cirilo de
Jerusalém nos apresenta a eterna novidade da dinâmica da Revelação. Mas vai
além. Ela nos oferece pistas, abre nossos ouvidos para a voz de Deus, que nos fala
nas palavras e orientações deste grande Padre da Igreja em sua interlocução com
seu tempo. O catecumenato orientado por Cirilo de Jerusalém, nos auxilia a
revisar e, se necessário, reorientar a ação evangelizadora à luz da experiência tão
inspiradora da Igreja deste período.
O resgate dessa experiência fontal se faz presente no Ritual Romano, o
Ritual de Iniciação Cristã de Adultos, à luz das orientações do Concílio Vaticano
II. No RICA reencontramos a estrutura do Catecumenato primitivo, marcada por
diferentes etapas e, considerando a etapa mistagógica, como um período de
formação especial, que avalia a maturidade espiritual do iniciante a fim de que
esteja apto a acolher os conteúdos específicos e aprofundar seu relacionamento
comunitário. O documento tem por base o princípio da Iniciação Cristã como um
processo gradativo, um itinerário espiritual
828
.
O Rito de Iniciação se adapta ao itinerário espiritual dos adultos, que varia
segundo a multiforme graça de Deus, a livre cooperão dos mesmos, a ação da
Igreja e as circunstâncias de tempo e lugar.
Nesse itinerário, além do tempo de informação e amadurecimento, há etapas ou
passos, pelos quais o catecúmeno, ao caminhar, como que atravessa uma porta ou
sobe um degrau.
Estas etapas são compreendidas em quatro tempos sucessivos: o pré-
catecumenato, caracterizado pela primeira evangelização; o catecumenato,
destinado à catequese completa; o tempo da purificão e iluminação, destinado a
mais intensa preparação espiritual; e o da mistagogia, assinalado pela nova
experiência dos sacramentos e da comunidade
829
.
No entanto, vimos que a mistagogia era a orientação teológica e espiritual
que se encontrava na base do processo catecumenal primitivo, e não apenas
uma etapa final ou de culminância. A partir deste diagnóstico, ponderamos que a
experiência mistagógica pode tornar-se uma referência para ICA, inspirando-nos à
atitude que inclui, fiéis e iniciantes, como participantes da dinâmica de abertura e
acolhimento do Mistério. Vejamos como a CNBB nos orienta neste sentido:
828
RICA, n. 4.
829
RICA, n. 6-7.
evangeliza quem aceita e segue o caminho de Jesus: Vem e segue-meé o
convite fundamental que o Senhor continua fazendo a todos os que querem
participar da aventura do Reino. Para ser verdadeiro evangelizador, é necessário,
antes de tudo, deixar-se evangelizar, sendo ouvinte atento ao que Deus fala, a
exemplo da Virgem Maria. É necessário acolher a Palavra “com a alegria do
Espírito Santo” e aceitá-la “não como palavra humana, mas como
verdadeiramente é: Palavra de Deus que está produzindo efeito em vós”
830
. (cf.
Mt 19, 21; 1Ts 1,6. 2,13)
O que desejamos assinalar é que tanto a experiência do catecumenato em
Cirilo de Jerusalém como o RICA, apesar de sua disncia no tempo e no contexto
histórico e social, possuem um eixo mistagógico em sua base e orientação do
processo de Iniciação Cristã. É neste sentido que estendemos a vertente
mistagógica, não apenas para a ICA, mas para a ação evangelizadora nas suas
mais diversas formas de atuação e de atividades pastorais e catequéticas.
A experiência mistagógica fundamenta-se na pedagogia divina que revela
Seu projeto de amor com a atenção, o zelo e o respeito pela condição presente de
cada pessoa humana. Na perspectiva do Concílio Vaticano II, estamos diante de
uma experiência atenta aos sinais dos tempos, como acontecimentos que
anunciam, na forma indireta e alusiva, os passos de Deus por nossa história. “Para
cumprir esta missão é dever permanente da Igreja escutar atentamente os sinais
dos tempos e interpretá-los à luz do Evangelho (...)”
831
.
Em consonância com a orientação conciliar, buscaremos elucidar em
parceria com a experiência da Iniciação Cristã em Cirilo de Jerusalém, algumas
orientações para a ão evangelizadora nas comunidades cristãs. Não se trata de
uma busca de fórmulas prontas e sim de encontrarmos nesta experiência fontal
eixos referenciais e pistas metodológicas para que cada comunidade, segundo sua
realidade e circunstâncias próprias, possa ser auxiliada a revisar, planejar, criar e
recriar sua estrutura catecumenal mistagogicamente.
Muitos estudiosos referem-se a uma crise na transmissão da fé proveniente
dos diversos fatores presentes na modernidade, em sua crise e transformações
832
.
830
DGAE. 1999-2002, n. 9.
831
GS 4 § 1.
832
Sobre este tema ver GONZÁLEZ-CARVAJAL, L. Evangelizar en un mundo postcristiano.
Santander: Sal Terrae, 1993; COX, H. La religión en la ciudad secular. Santander: Sal Terrae,
1984; LIBANIO, J. B. Eu creio, nós cremos. op. cit.; MIRANDA, M. F. Inculturação da . Uma
abordagem teológica. São Paulo: Loyola, 2001; BINGEMER, M. C. L. BINGEMER, M.C.L.
Alteridade e Vulnerabilidade. São Paulo: Loyola, 1993. QUEIRUGA, A. T. Fin del cristianismo
premoderno. Santander: Sal Terrae, 2000.
No entanto, não pretendemos excluir os fatos concretos que vêm abalando o
processo de ICA, mas nos posicionarmos serenamente diante deles, encarando-os
não como obstáculos, mas como situações de passagem da sociedade, que nos
convidam ao discernimento, ao diálogo, e ao encontro de novos recursos para
responder aos desafios igualmente novos que se nos apresentam
833
. É uma postura
de quem percebe a modernidade não como uma patologia a ser curada, mas como
situação histórica, etapa fecunda, onde se fazem presentes conteúdos e bases
propícias para que o Evangelho continue a ser anunciado e vivenciado
834
.
No confronto da experiência mistagógica de Cirilo de Jerusalém com a
sociedade atual e suas interpelações, evidenciam-se muitos aspectos que infundem
novo ânimo para prosseguirmos no legado missionário sustentado pelo Espírito de
Cristo. É uma parceria restauradora de esperanças, auxílio para o discernimento e
organização dos conteúdos da e das mediações pastorais pedagógicas na ICA.
Para tal, selecionamos alguns aspectos presentes na experiência mistagógica de
Cirilo de Jerusalém, como também na experiência de Catecumenato com Adultos
da Casa de Oração Batismo do Senhor, que poderão nos orientar nesta missão
hoje. Eles não serão apresentados enquanto etapas sucessivas ou gradativas, mas
como diferentes aspectos que se inter-relacionam na dinâmica da transmissão da
fé.
A atitude que adotamos é de sincera e humilde contribuição, na busca
teológico-pastoral de passos para os desafios de um diálogo entre a cristã e a
vida atual no campo da Iniciação Cristã de Adultos. Traremos, portanto, uma
reflexão aberta que encare o momento atual em sua radical novidade como
estimulante para este trabalho pastoral-pedagógico. Não possuímos as chaves para
este novo momento paradigmático, mas nos colocamos a caminho para encontrá-
las, como iniciantes nos caminhos que o Espírito, que nos precede, nos orienta.
Na próxima seção abordaremos, portanto, os aspectos seguintes, como
possibilidades de resgate da experiência mistagógica para a evangelização atual:
1. O anúncio querigmático como fonte de ardor e renovação
2. A pedagogia do Mistério e a alteridade divina
833
Cf. VELASCO, J. M. op. cit., pp. 11-25.
834
Para esta postura é fundamental a atenção à formação continuada e renovada dos agentes de
evangelização. Cf. ANTONIAZZI, A. Perspectivas pastorais a partir da pesquisa. In: SOUZA, L.
A. G. e FERNANDES, S. R. A. (orgs.) Desafios do Catolicismo na cidade. São Paulo: Paulus,
2002, pp. 266-267.
3. A compreensão da fé como caminho
4. O papel do testemunho na dinâmica mistagógica
5. A concepção de transmissão da
6. Um encontro de liberdades
7. As comunidades de vida
A eles dedicaremos nossa atenção nesta etapa de elaboração, cientes de
que desejam indicar caminhos, mas que será a experiência mistagógica vivida em
cada comunidade que vai ajudar a discernir e criar novas soluções para as
situações que se apresentarem.
4.3.1
O anúncio querigmático como fonte de ardor e renovação
Vejamos, em primeiro lugar, a fonte primeva do Cristianismo, ou seja, o
anúncio querigmático. As primeiras comunidades não apenas encarnaram a Boa
Nova, mas a anunciaram e acolheram novos fiéis para participar daquela
experiência contagiante e vivificadora. Foram comunidades atuantes, que
assumiram o anúncio missionário, sem encarar os limites geográficos ou culturais
como obstáculos à missão. Foram também comunidades produtivas
teologicamente, capazes de construir textos que elaboram a novidade cristã e
dialogam com a realidade de cada grupo acompanhado.
E de onde vinha tanto ardor e renovação? Da experiência de encontro com
o Cristo ressuscitado, da Boa Nova revelada na manifestação extrema do amor de
Deus aos homens frente a uma sociedade incapaz de responder às perguntas
radicais do ser humano. J. M. Velasco nos fala do tema da ‘novidade’ como
característica marcante na comunidade primitiva.
A irrupção da novidade cristã os renovou interiormente, dotando-lhes de um novo
espírito (Rm 7,6) que renovou sua mente (Rm 12,2), os fez membros de uma
nova comunidade em que vivem de acordo com o “mandamento novo” (Jo
13,34), convertem-se ao “homem novoe entoam um “cântico novo” (Ap 2,17;
5,9)
835
.
835
VELASCO, J. M. op. cit., p. 14.
Está claro que foi a experiência pascal que determinou a compreensão e a
identidade da comunidade cristã primitiva. A perspectiva missionária vem com o
mandato de Cristo, contudo, é em Pentecostes que ela nasce, como um
transbordamento do querigma. A consciência da novidade que compartilham leva
os discípulos a viverem uma “vida nova” (Rm 6,4) que se caracteriza pela alegria,
pela esperança, novas relações entre seus membros e uma nova visão de mundo.
Esse é o Espírito que anima e penetra as primeiras comunidades
836
. É fonte de
vida, de renovação, de soluções frente aos problemas que se lhes apresentavam, de
criatividade missionária, de diálogo com as culturas e etnias. É esse mesmo
Espírito que sopra e vivifica o movimento de expansão do Cristianismo e que está
presente no trabalho teológico dos Padres da Igreja ao dialogarem com as
interpelações próprias de seu tempo
837
. É o mesmo Espírito que inspira, mobiliza
e anima a sabedoria fecunda nas Catequeses Mistagógicas de Cirilo de Jerusalém.
Aqui reside a fonte e a natureza do processo de evangelização cristã
838
, o
núcleo de toda a experiência que conhecemos como mistagógica: uma dinâmica
viva de abertura à Revelação, na qual a espiritualidade e a vida cotidiana
caminham juntas e podem fecundar a realidade com a força renovadora do
Espírito. O embasamento teológico e pastoral de Cirilo de Jerusalém estava
imbuído da dinâmica mistagógica, da presença de Jesus Cristo e de Seu Espírito.
No contexto eclesial da Jerusalém na qual Cirilo é pastor, encontramos
uma Igreja em estado de evangelizão, em estado de missão
839
, uma Igreja
imbuída da experiência viva e vivificante do Espírito que soprou nos corações e
revolucionou a vida da Igreja primitiva. A mistagogia é um convite a nos
colocarmos neste estado de evangelização, do contrário, corremos o risco de
anunciarmos rios de palavras e discursos, mas não o querigma que provoca a
profunda experiência da fé cristã”
840
. O que queremos dizer é que muitas vezes os
esforços da ação evangelizadora se concentram no anúncio verbal do conteúdo do
Cristianismo, e é fato que este é fundamental. No entanto, a importância do
anúncio querigmático reside na abertura e comunhão com o Espírito, pois será
desta fonte que surgia força transformadora da palavra pronunciada. Vejamos
836
Cf. SANTANA, L. F. A dimensão pneumática da espiritualidade cristã. op. cit., pp. 139-143.
837
Cf. SARTORE D. Catequesis y Liturgia. In: SARTORE, D. e TRIACCA, A. (orgs.) Nuevo
Diccionario de Liturgia. Madrid: Paulinas, 1987, p 322.
838
Cf. VELASCO, J. M. op. cit., p. 18.
839
Cf. PAGOLA, J. A. op. cit., p. 17.
840
Cf. VELASCO, J. M. op. cit., p. 19.
como Cl. Boff expressa a condão de testemunho vivo que é semeada na abertura
ao Espírito.
A cristã é mais testemunhada (como fato) do que ensinada (como doutrina).
Melhor, primeiro é testemunhada no querigma; só depois é ensinada na
didaskalia. Em síntese: a teologia não reflete finalmente uma doutrina, mas a
Revelação mesma, e esta como verdade-evento: o acontecimento da verdade na
história, do qual a fé é a acolhida
841
.
Diante desses pressupostos, apresenta-se uma primeira questão para o
processo de ICA atual: as estruturas deste caminho corroboram para a experiência
de encontro com Jesus Cristo Ressuscitado?
842
Devemos nos deixar interpelar pela
espiritualidade que nasce desse encontro profundo e se desdobra na vida cotidiana
e nas relações que estabelecemos conosco mesmos, com as pessoas e com o
mundo
843
.
A mistagogia convida a uma revisão da própria experiência de encontro
com o Mistério e à superação de uma concepção excessivamente doutrinal da
evangelização, por outra que tenha seu primado no seguimento de Jesus, na
abertura para a ação do Espírito na vida pessoal e comunitária. Para suscitar nos
iniciantes a abertura à graça de Deus é necessário um mergulho na espiritualidade
fundante e fecundante de novas realidades.
O anúncio querigmático implica em uma dinâmica que testemunhe o
Cristo vivo nos agentes de evangelização, na comunidade eclesial, nos
pressupostos e na dinâmica da ICA. A dicotomia entre e vida não será nunca o
caminho do seguimento de Jesus, e sim a sua integração processual, amadurecida,
de uma iniciação na qual todos se incluem e tornam-se testemunhas.
Este aspecto prioritário nos convida a voltar nosso olhar para a esncia
missionária da Igreja que, a todo momento, é chamada a configurar sua identidade
841
BOFF, Cl. op. cit., p. 115.
842
Essa mesma questão é apresentada por K. RAHNER em Cambio estructural en la Iglesia.
Madrid: Cristiandad, 1974.
843
J. M. Velasco nos convida a esta reflexão: “Talvez tenhamos que reconhecer que nossas
comunidades não transmitem porque não m o que transmitir, ou melhor, que não somos de
verdade cristãos, o vivemos como tais, não constituímos a semente, o fermento, a luz, o sal que
o Evangelho nos convida a ser, e que, na medida em que somos, germinam, fermentam, iluminam
e salgam. É dizer, que talvez a falta de uma renovação geral de que padece o Cristianismo se deva
em boa medida à falta de renovação interior, espiritual: a renovação, procedente do Espírito de
Deus, nas gerações encarregadas da transmissão”. Ibid., p. 25.
e sua ação, seu ser e seu fazer. O anúncio querigmático é matriz e dinamização,
que orienta de maneira fundamental a reflexão e a proposta cristã
844
.
4.3.2
A pedagogia do Mistério e a alteridade divina
Na dinâmica mistagógica, a Iniciação Cristã consiste em ajudar a pessoa a
prestar atenção à Presença de Deus na vida. Além de conduzir a esta sensibilidade
para a abertura à autocomunicação divina, a mistagogia vai auxiliar na tomada de
consciência e nas respostas ao amor de Deus.
A relação com Deus é possível porque Ele se auto-comunica, na
liberdade e na alteridade radical. Deus é Outro que se revela, mas que resiste a
toda tentativa de manipulação, em categorias ou imagens definitivas
845
. Deus
permanece mistério insondável, que nos faz desejar conhecê-Lo cada vez mais,
como anuncia o Sirácida ou livro do Eclesiástico: “Vinde a mim, vós que me
desejais, e saciai-vos de meus frutos. Os que comem de mim terão ainda fome e os
que bebem de mim ainda terão sede”
846
.
A alteridade divina convida à conscientização de que cada pessoa
encontra-se em estado de busca, de conversão, de caminhada. Nesta dinâmica,
pessoa e comunidade buscam compreender e responder aos sinais de Deus em sua
trajetória, estabelecendo momentos de conforto e alegria imensos, como outros,
de descontinuidade, de ruptura, de incertezas que os impele a retomar o caminho
dialógico com Deus. Dessa forma, a experiência mistagógica imprime à ICA uma
dinâmica que tanto vive momentos de encontro amoroso e aprazível, como
também momentos de interpelações profundas e de novas escolhas
847
.
Esta compreensão da ICA constitui tanto os catequistas quanto os
iniciantes como neófitos, no sentido de que estejam sempre abertos ao Mistério
que se revela ao longo de suas vidas e renova suas escolhas e relações. É fato que
cada um destes participantes do processo catecumenal catequista, iniciantes,
comunidade o estão no mesmo estágio de amadurecimento na fé. Esta
844
Cf. IBÁÑEZ, P. G; ÁLVAREZ, D. M. e CURSACH, J. L. S. Presentación. In: MARTÍNEZ, D.
et alii. Proponer la fe hoy. De lo heredado a lo propuesto. Santander: Sal Terrae, 2005, p. 15.
845
Cf. BINGEMER, M. C. L. A Sedução do Sagrado. In: CALLIMAN, C. (org.) A Sedução do
Sagrado. Petrópolis: Vozes, 1998, p. 81.
846
Cf. Sir 24,19-21.
847
Cf. GIGUÉRE, P. op. cit., p. 42.
diferença é própria desta missão pastoral, a ICA. Porém, ao mesmo tempo, o é
possível que esta diferença seja interpretada em termos de desigualdade
848
.
Neste aspecto podemos perceber dois desdobramentos importantes no
processo de ICA: a dimensão de humildade, de serviço e de diálogo de quem se
sabe também neófito, também em processo diante da dinâmica da abertura da
própria vida ao apelo divino; e a dimensão do testemunho, daquele que transmite
o que é sua orientação mais profunda e determinante.
Abertos à dinâmica do Mistério, presença e interpelação em nós e na
Criação, podemos descobrir, como santo Agostinho: “Vós, porém, éreis mais
íntimo que o meu próprio íntimo e mais sublime que o ápice do meu ser!”
849
.
Tendo registrado a dimensão dialógica da Revelação, a liberdade e a
alteridade próprias desta autocomunicação, vejamos como esta nos conduz à
percepção do dinamismo também presente na fé cristã, tanto na vida pessoal como
na vida comunitária.
4.3.3
A compreensão da fé como caminho
Apresentar a experiência de como dinâmica de abertura ao Mistério é
compreendê-la como abertura ao inédito, ao imprevisível, ao desconhecido,
enquanto processo em que cada pessoa vai entrando em relação com o Mistério
gradativamente e não de uma vez por todas, como uma passagem definitiva.
Essa espiritualidade mistagógica transborda nas palavras de Cirilo de
Jerusalém, densas na dimensão contemplativa, de entrega existencial, de
configuração em Jesus Cristo, de pertença à grande família dos filhos e filhas de
Deus. A mistagogia de Cirilo é fundada em uma espiritualidade crística, orante e
encarnada em seu tempo
850
. É uma espiritualidade do caminho, na qual o iniciante
avança por um caminho que outros percorreram e descreveram no seu
848
Cf. BOURGEOIS, H. Teologia Catecumenale. op. cit., p. 31.
849
AGOSTINHO. Confissões livro III, cap. 6, n. 11. In: Coleção Os Pensadores, São Paulo: Abril
Cultural, 1980.
850
Esta espiritualidade do caminho está presente em muitos místicos, como Agostinho, que
descreve como sendo sete as etapas para que a caridade atinja a perfeição; em Teresa de Jesus que
nos fala das sete moradas que atravessa a alma em busca da união com Deus; como também em
João da Cruz, que nos fala do crescimento na como a subida de uma montanha. Cf. GIGUÉRE,
P. op. cit., p. 42.
testemunho. Porém, ao realizar a trajetória, cada um o faz de maneira pessoal,
marcada pela própria interlocução com Deus.
Esta dinâmica responde a muitas características próprias da subjetividade
moderna e pós-moderna. Entre elas estão: o primado da experiência, o tema da
liberdade, do respeito à identidade, à originalidade e à autonomia. Além disso, a
perspectiva de caminhada supõe dinamismo, renovação incessante e criativa, que
dialoga com o tempo, com a história, com novas relações e situações que a vida
apresenta. Assim sendo, compreende-se a ICA como itinerário, como proposta a
ser compreendida, elaborada, interpretada e vivenciada com a marca da
continuidade e também da originalidade, e não como imposição.
Despertar para a dinâmica da cristã como caminho significa reconhecer
que ela imprime uma direção à vida e que esta é vivida enquanto um processo
851
.
Na evangelização, podem-se encontrar dificuldades frente à originalidade dos
caminhos ou insistir na permanência em um determinado caminho
experimentado e avaliado como eficaz. Mas também se deve recordar que os
períodos de transição são muito importantes no crescimento espiritual, pois são
tempos privilegiados de discernimento. A centralidade na experiência do Mistério
deve orientar no sentido de fixar critérios de discernimento em momentos de
dúvida.
A atenção à dinâmica mistagógica coloca não apenas o iniciante na
perspectiva do caminho’, mas todos os componentes da ação evangelizadora. A
mistagogia é caminho espiritual que atinge a todos, é experiência na qual todos
o iniciados por Deus, que é Mistério
852
. Esse caráter nos conduz à dimensão
escatológica do caminho cristão. O caminho mistagógico é impulsionado ao longo
de toda a vida cristã, pelo Espírito que age e mobiliza à identidade processual em
Cristo. A integração entre a Palavra e a liturgia na vida da comunidade eclesial é
um elemento fundamental nesse dinamismo. A reflexão de Lina Boff visibiliza
este processo com clareza.
Pelo batismo morremos com Cristo para ressurgir com Ele; pela confirmação
caracterizamos nossa identidade cristã; pela participação no Memorial do Senhor,
atingimos a maturidade escatológica que se dá atras do Espírito de Cristo. Toda
a pessoa que aceita Cristo na sua vida, como todo o seu mistério salvífico de
doação e entrega total ao Pai, pela salvação da humanidade inteira, amadurece
851
Idem, p. 126.
852
Cf. VASQUEZ, U. M. op. cit., p. 7.
para o convívio com Ele, através do Espírito e, de forma antecipada, torna-se
participante da vida gloriosa e eterna de que Ele goza no céu, depois de sua
Ressurreição e Asceno
853
.
Esse caráter propõe um redimensionamento de atitudes e posturas, no qual
o centro do processo consiste na abertura à dinâmica do Espírito.
Uma abordagem puramente conceitual, que procure diagnosticar através
da lógica a ação evangelizadora, perde sua razão de ser. A pretensão racional dá
lugar à acolhida do Mistério na sua simplicidade, imprevisibilidade e desconcertos
do cotidiano
854
. A gica lugar à mística, ao processo mistagógico. Enfim, o
ponto de partida e a finalidade da ICA, atenta à mistagogia, procurará sempre
discernir a caminhada humana e espiritual de encontro com o Deus vivo e na
comunhão libertadora consigo mesmo, com os outros e com todo o universo
855
.
4.3.4
O papel do testemunho na dinâmica mistagógica
No processo de ICA privilegiamos a relação de integração e de parceria
entre o catequista e o iniciante e, em função desta relação, gostaríamos mais uma
vez de ressaltar a importância do testemunho. O paradigma da modernidade
rompeu com as grandes narrativas que apenas prometem um horizonte de
plenitude no seu discurso, mas não com aquelas que apresentam a própria
trajetória de vida, com seus desafios e possibilidades
856
. Os testemunhos que
emergem da experiência de encontro com Deus não apenas anunciam, mas
também convidam a participar da mesma experiência.
Sem vida, os testemunhos são fundamentais no processo de
evangelização, como disse o papa Paulo VI, na Evangelii Nuntiandi: “O homem
contemporâneo escuta com melhor boa vontade as testemunhas do que os mestres,
dizíamos ainda recentemente a um grupo de leigos, ou então se escuta os mestres,
é porque eles são testemunhas”
857
. A mistagogia privilegia o testemunho porque
853
BOFF, Lina. Índole escatológica da Igreja peregrinante. op. cit., p. 18.
854
Cf. MAÇANEIRO, M. Eros e Espiritualidade.o Paulo: Paulus, 1997, pp. 32-33.
855
Ibid.
856
Cf. BENEDETTI, L. R. A experiência no lugar da crença. In: ANJOS, M. F. Experiência
Religiosa: risco ou aventura? São Paulo: Paulinas, 1998, p. 30.
857
EN 41.
ele é o caminho mais coerente para o convite à fé. Na mistagogia ciriliana, as
narrativas da Sagrada Escritura são apresentadas como testemunho, e assim
também o Símbolo Apostólico.
O testemunho valoriza a experiência, tanto pessoal como comunitária.
Experncia que não pode ser produzida instrumentalmente ou utilizada como
ação estratégica. O testemunho não é uma atuação, mas compreensão de uma
vida, que pode ser narrada, dialogada, identificada e, até mesmo, compartilhada. A
primazia do testemunho sobre a palavra está em que “o que se gasta de tanto dizê-
lo resulta às vezes novo e surpreendente quando se faz”
858
. Aquele que dá
testemunho se coloca no mesmo campo da proposta que anuncia, se compromete
e se responsabiliza, coloca a própria vida como garantia da fidelidade Àquele que
propõe, convoca a uma experiência real e cotidiana, a qual se empenha em
acompanhar e orientar.
Na fé cristã, o testemunho não é testemunho pessoal, mas vem relacionado
à pessoa de Jesus. Quem testemunha anuncia a Boa Nova que é Deus mesmo
entre nós. Mais. O testemunho não nasce pela iniciativa humana, mas brota pela
ação do Espírito que nos ensina a viver e praticar o que Jesus viveu e praticou.
Passando pelas águas do Batismo, o Espírito que habita em nós, se manifesta e dá
testemunho do projeto de Deus para todos os seus filhos e filhas, projeto esse
plenificado em Jesus Cristo. Nesse dinamismo, quem testemunha a Cristo, passa a
ser mediador da Revelação e, pela sua linguagem e inserção contextual, a atualiza
na história de seu tempo
859
. As orientações do Magistério da Igreja reforçam a
importância do testemunho na evangelização:
Não basta falar de Deus. É necessário testemunhá-lo por uma vida de santidade
encarnada em nossos dias. O testemunho de vida é a primeira e insubstituível
forma de missão. Em nosso tempo, muitas são as testemunhas coerentes e
perseverantes na e no amor a Cristo até mesmo com o sacrifício da própria
vida
860
.
Ao testemunhar, o apelo que alcança o ouvinte torna-se, na verdade,
mediação do convite que parte de Deus. Quem testemunha o faz “em nome de”,
atravessado na experiência pessoal pela graça divina. O testemunho vem retomar
858
VELASCO, J. M. op. cit., p. 104.
859
Sobre este tema ver o excelente estudo de Lina Boff em seu trabalho Espírito e Missão na obra
de Lucas-Atos. Op. cit., principalmente pp. 169-194.
860
DGAE. 1999-2002, n. 14.
a dinâmica da alteridade, por ser uma ação dialógica, iniciada por Deus, e
acolhida, vivida e interpretada por duas pessoas: quem testemunho e quem o
recebe. Testemunhar é reconhecer a autodeterminação e a capacidade de
compreensão e interpretação do outro. O outro não é um objeto que recebe uma
verdade, mas uma pessoa que, em sua decisão, em sua escolha, é
fundamentalmente livre
861
.
Além disso, o testemunho é um ato de comunicação e, como tal, exige que
os parceiros refiram-se a uma realidade comum, que compreendam a mensagem
transmitida. No campo da ICA, significa que a realidade da Revelação seja
conhecida e que o processo de compreensão aproxime testemunha e iniciante
862
.
Segundo a cristã, essa comunicação corresponde exatamente à relação
de Deus conosco, na medida em que participa a Si mesmo, revela-Se a cada filho
e filha, testemunha em cada gesto tudo que é e nos convida a entrar em comunhão
com Sua misteriosa e sedutora realidade. “O mistério da Alteridade lhes propõe a
profunda comunhão na gratuidade. O amor passa, então, a governar suas vidas e a
transformá-las segundo a inexorabilidade e a radicalidade de Sua vontade”
863
.
Nossa é fundada no testemunho divino e o na evidência ou no puro
emocional. A mistagogia consiste precisamente em aceitar esse testemunho divino
no interior do coração como fundamento último da fé, como eixo orientador da
própria vida, como lei interior e encontro pleno
864
.
Quem testemunha narra uma relação, relação essa iniciada por Deus. No
ato de testemunhar “realiza o reconhecimento de Deus como Deus, não anuncia a
si próprio, mas o descentramento absoluto, a Transcendência que caracteriza a
atitude daquele que crê”
865
. Dessa forma, o testemunho se torna convite, proposta
e não imposição ou transmissão trica. “A eficácia do testemunho reside em que
reflita o absoluto de Deus como não poderia refleti-lo nenhuma outra realidade
humana
866
.
Descobre-se um Deus que é Presença ontem, hoje e sempre, e Presença
dialogante com o homem e a mulher no seu tempo e lugar, com a comunidade
humana. Quem entra em contato com este Deus torna-se intérprete da Palavra que
861
Cf. METTE, N. Pedagogia da Religião. Petrópolis: Vozes, 1994, p. 234.
862
Ibid.
863
BINGEMER, M. C. L. A sedução do Sagrado, op. cit., p. 83.
864
Cf. LIBANIO, J. B. op. cit., pp. 219-220.
865
VELASCO, J. M. op. cit., p. 98.
866
Ibid.
renova a própria vida e dialoga com os diversos testemunhos que atravessaram a
história sabe-se participante do projeto salvífico e convidado a dar continuidade e
com ele colaborar. Como já vimos a mistagogia está fundada nesta dinâmica
relacional e, em decorrência desta intercomunicação, suscita uma circularidade
hermenêutica que abre o processo de evangelização a novas e possíveis
circularidades interpretativas
867
.
Quem conheceu a Palavra e por ela se deixou possuir, torna-se por sua vez
testemunha, expressa-a em gestos e palavras que estabelecem novos pontos de
transmissão do conhecimento e da vida. Ele é transformado de tal sorte que fala e
age como aquele que tem no coração o Eterno: a testemunha reenvia certamente
ao “lugar” e aos “lugares” em que encontrou a Palavra, mas se torna tamm, de
certo modo, ele próprio habitação do Eterno
868
.
O anúncio querigmático ressoa na história, é transmissão viva da
Revelação: E como o invocariam sem terem crido nele? E como creriam nele,
sem o terem ouvido? E como o ouviriam, se ninguém o proclama? E como
procla-lo, sem ser enviado?” (Rm 10,14). Entrando em sintonia mistagógica, a
adesão é abertura à comunicação de Deus que antecede a decisão pessoal e que a
aguarda amorosamente. A autonomia da pessoa e sua experiência pessoal são
respeitadas, e esta é convidada a participar de uma que é companhia, que é
presença no decorrer dos tempos e na confissão do povo peregrino.
Diante de um mundo onde crescem as formas de comunicação de massa de
toda espécie, com os mais variados apelos e discursos, muitas vezes
contraditórios, torna-se uma reação saudável o trabalho de crítica diante de tantos
mestres. Neste contexto, “o evangelizador hoje deve ser, antes de mais nada,
testemunha mais do que mestre”
869
.
Após essas considerações a respeito do papel fundamental do testemunho
na ICA, repensemos, em diálogo com a mistagogia de Cirilo de Jerusalém, a
concepção de transmissão da fé que perpassa nossa prática catecumenal com
adultos.
4.3.5
A concepção de transmissão da fé
867
Cf. FORTE, B. A teologia como companhia, memória e profecia. op. cit., p. 172.
868
Ibid.
869
DGAE 1999-2002, n. 117; DGAE 2003-2006, n. 98
A dinâmica mistagógica não compreende a transmissão como mera
passagem de conteúdos e de conhecimentos elaborados por uma determinada
comunidade, em um determinado momento histórico. Se pensada nesse sentido,
teríamos uma experiência estática, apenas reprodutora de fórmulas e conteúdos, o
que não poderia configurar uma adesão vital, mas sim intelectual. Ora, o
Evangelho não é nem de longe um conjunto de saberes de ordem intelectual a
serem apreendidos formalmente
870
. É o encontro com o próprio Deus que se
revela, encontro vital que atinge a pessoalidade de cada um e que com ele
estabelece uma relação dialógica
871
. vimos que este pressuposto é prioritário
para a construção de uma experiência mistagógica.
Ao olharmos para a ICA atual nos defrontamos com diferentes concepções
da transmissão da fé. Vejamos um exemplo: é possível que queiramos transmitir
não o Cristianismo, mas o Cristianismo tal como vivemos e pensamos, ou tal
como viveram e pensaram as gerações que nos precederam
872
. Essa forma de
transmissão é bem diferente da que aprendemos com a mistagogia de Cirilo de
Jerusalém. O conteúdo da fé cris não é um depósito de verdades, normas e
costumes, que podemos transmitir com algumas adaptações a novas condições de
vida, e sim o diálogo com um Deus que é relação
873
.
A mistagogia compreende a como uma relação de intercomunicação
entre a dimensão objetiva a ser transmitida e a dimensão subjetiva que
experimenta e dialoga com o anúncio. A fé o é apenas uma experiência interior,
pois abriga uma dimensão objetiva, possui uma história e uma tradição, princípios
teológicos e doutrinários, experiências e orientações para a comunidade eclesial.
Não é reinventada por cada geração e por cada pessoa. Tem uma data anterior
comum, que é a mesma, independente do país, da cultura, do momento histórico
com o qual dialoga
874
. No entanto, a também possui uma dimensão subjetiva
que entra em relação com seu caráter mais estável e estabelece entre ambos uma
870
Cf. CASTIÑEIRA, À. A experiência de Deus na pós-modernidade. op cit., p. 154; GALILEA,
S. Reflexiones sobre la evangelización. Quito, Equador, CELAM/IPLA, 1970, pp. 33-34.
871
Cf. LIBANIO, J. B. op. cit., pp. 227-228.
872
Cf. VELASCO, J. M. op. cit., pp. 25-26.
873
Cf. PIÉDAGNEL, A. op. cit., p. 16; Cf. GONZÁLEZ FAUS, J.I. Desafio das-modernidade.
op. cit., p. 54
874
Cf. GIGUÉRE, P. op. cit., p. 36.
realidade dinâmica, capaz de transformar, tanto no plano de sua compreensão e de
sua expressão como no que se refere ao seu caráter de experiência subjetiva
875
.
Compreender a transmissão da fé nessa dinâmica redimensiona os papéis e
as ações geradoras no processo de ICA. O anúncio querigmático e os princípios da
cristã são propostos, tomados como convites, como oferecimento. Um
oferecimento que transmite vida, experiência, testemunho e, ao mesmo tempo, a
alegria da convocação e da comunhão com Deus. Nem de longe é uma proposta
que defenda uma atitude de indiferença, de missão cumprida que não se envolva e
não se interesse pela resposta que essa interpelação venha a receber
876
.
Como vimos na mistagogia de Cirilo, para dar conta desta
intercomunicação entre as dimensões objetiva e subjetiva da fé, ele buscava
conhecer a realidade dos destinatários, suas particularidades: história, cultura, o
contexto no qual viviam e os valores que orientavam suas vidas.
Na sociedade atual, o diálogo permanente com o grupo de catecúmenos e
com a comunidade local permitirá que aflorem as diversas experiências e
percepções, a pluralidade proveniente da originalidade. Enquanto ocorre esse
acompanhamento mútuo, a dinâmica de alteridade configura o enriquecimento
entre os interlocutores, o acolhimento da riqueza das diferenças e a descoberta de
novos caminhos a partir das experiências partilhadas
877
.
Este tema nos lança em mais uma vertente dessa rica experiência, que
consiste no diálogo que se estabelece entre Deus e cada pessoa e entre todos,
diálogo marcado pela liberdade e pela alteridade.
4.3.6
Um encontro de liberdades
A antropologia teológica judaico-cristã concebe a pessoa humana criada na
liberdade e para a liberdade
878
. Na ICA se dá um encontro de liberdades: entre
875
Ibid.
876
Cf. VELASCO, J. M. op. cit., p. 108.
877
Ibid., p. 136.
878
“A verdadeira liberdade é sinal da imagem divina no homem. Deus quis deixar nas mãos do
homem sua própria decisão para que assim busque espontaneamente ao seu Criador, e aderindo
livremente a este, alcance a plena e bem-aventurada perfeição”. Não lei humana que possa
garantir a dignidade pessoal e a liberdade do homem com a segurança que comunica o Evangelho
Deus e seus filhos e filhas, entre os irmãos, entre estes e o mundo em que se
situam, entre cada um e a Tradição que os precedeu.
Segundo esta compreensão, na transmissão da fé, não polaridade entre
sujeitos ativos e sujeitos passivos
879
, e sim ma relação dinâmica e renovadora de
todos e de cada um. Os catequistas, os catecúmenos, a comunidade local, a Igreja
e a sociedade, todos participam do anúncio querigmático. Este é dinâmico, vivo,
restaurador, é tarefa hermenêutica realizada a muitas mãos e muitas vidas. E,
fundamentalmente, é anúncio que parte da iniciativa do Espírito de Deus que atua
em todos os ângulos dessa dinâmica relacional e convida à resposta que se traduz
em vida nova.
À medida que a ICA reúne decisão, comunhão e participação, esta
experiência torna-se fecunda e capaz de congregar sujeitos ativos e responsáveis
frente à proposta da Revelação. A fé cristã é resposta dada por homens e mulheres
a uma proposta que lhes é feita em Jesus Cristo e por ele. É resposta a um convite:
“Segue-me”(Mc 2,14; 10,21); “Se queres...” (Mt 19,21); “Vinde e vereis” (Jo
1,39); Se alguém quer vir em meu seguimento...” (Mc 8,34). A Revelação é um
convite à liberdade. Sem vida, o ato de possui um caráter livre e pessoal,
pertence à ordem da resposta, evoca consciência e compromisso, experiência e
conversão, revisão de vida e novas escolhas
880
.
Em Cirilo de Jerusalém vimos que a profissão de fé, teologia firmada na
trajetória da comunidade cristã, é assumida como continuidade e compromisso,
como testemunho e resposta pessoal
881
. A profissão de fé é formulada em primeira
pessoa: “Creio em Deus... e em Jesus Cristo... Creio no Espírito Santo...
882
.
Ninguém pode crer pelo outro. Ninguém pode se comprometer no lugar do outro.
Mesmo em sua dimensão comunitária, a resposta da nunca poderá suprir a
decisão pessoal.
Algumas vezes, a condição de liberdade no ato de pode assustar, porque
compromete e, ao exercê-la, entra-se em contato com toda uma riqueza e também
de Cristo, confiado à Igreja. O Evangelho anuncia e proclama a liberdade dos filhos de Deus (...)
respeita santamente a dignidade da consciência e sua livre decisão”. GS 14 e 41.
879
Cf. VELASCO, J. M. op. cit., p. 26.
880
J. B. Libanio afirma que a profissão de Eu creio é uma resposta livre a uma proposta de
Deus. Deus criou o homem em liberdade e respeita-lhe esta prerrogativa no diálogo que estabelece
com ele. Se tanto a liberdade divina como a humana são envolvidas por um mistério, o ato de fé só
pode ser entendido como resposta livre”. Cf. Ibid., p. 191.
881
CM II, 4.
882
DENZINGER, E. El magisterio de la Iglesia. Barcelona: Herder, 1995, p. 6
com as limitações do tornar-se pessoa e aprender a viver em comunidade, na
dinâmica das relações fundamentais. Contudo, o há outro caminho para o ato de
fé. Ele é constituído pela aceitação livre, pela decisão pessoal e mais do que
fixado em um momento de adesão, é resposta a cada situação, necessitando ser
abraçada e renovada incessantemente
883
. Por isso mesmo, a resposta da é uma
orientação existencial, um compromisso que requer movimento, discernimento,
riscos e também equívocos
884
. É o caminho mistagógico, um caminho que conduz
à maturidade da e das relações fundamentais da pessoa humana. E tudo isto
começa com o consentimento livre, com uma experiência interior.
A ICA hoje, se dá em uma lógica que concilie o anúncio querigmático e a
liberdade de cada pessoa. A experiência de não pode ser um pressuposto e nem
a doutrina cristã pode ser uma solução. Em nossa sociedade, a ICA deve se
realizar em outro paradigma
885
. Não cabem nessa dinâmica estados de
dependência ou de submissão, de acomodação ou de repetição mecânica. Estes
sinalizam, ao contrário, a ausência de uma amadurecida no compromisso
pessoal. Uma das tarefas mais importantes de um mistagogo consiste em auxiliar
os iniciantes no discernimento e na tomada de consciência.
Como consequência dessa participação de cada iniciante no itinerário da
Iniciação Cristã, é natural que se considere todas as dimensões presentes em sua
estrutura, e não apenas as que estão relacionadas com o catequista e orientadores
da comunidade local. A participação dos iniciantes na avaliação e planejamento
do processo de Iniciação Cristã coloca esta estrutura em constante revisão e
reconstrução, de acordo com a realidade que se apresenta e suas novas
interpelações.
Afirmar a participação ativa de todos no processo de evangelização, é
respeitar o princípio dialógico onde é a alteridade que orienta as relações. É
afirmar a legitimidade da diferença, sua riqueza e fecundidade, sem, contudo,
abrir mão da identidade e dos referenciais que servem de base e orientação a este
diálogo.
883
Cf. ANTONIAZZI, A. op. cit., 263.
884
Cf. GIGUÉRE, P. op. cit., p. 120.
885
Cf. IBÁÑEZ, P. G; ÁLVAREZ, D. M. e CURSACH, J. L. S. op. cit., p. 16.
Após tratarmos da dimensão interativa na ICA, compreendendo-a como
um encontro de liberdades, abordaremos o tema das comunidades, células vivas
da Igreja, espaços fecundos na experiência da fé cristã.
4.3.7
Comunidades de vida
E como falar de anúncio, de testemunho, de transmissão da e de
alteridade sem tocarmos em mais um dos temas fundamentais para o
Cristianismo: a comunidade? É verdade que a modernidade decretou a crise das
instituições e dos discursos e orientações que delas advêm. Então, como tratar de
uma realidade tão presente e fundamental no Cristianismo se encontramos
posturas céticas e resistentes nas gerações com as quais trabalhamos? Por outro
lado, será que temos comunidades verdadeiras para acolher aos iniciantes na
cristã?
886
A Igreja, enquanto instituição, também foi atingida pelo fenômeno de
desvalorização da tradição e das instituições na sociedade moderna. Ampliando
esta chave de leitura encontramos tal crise atingindo os sistemas globais de
sentido e a perda das estruturas imaginárias de continuidade, ligadas à estabilidade
da pertença familiar, local, cultural e histórica. Vive-se uma ruptura do
pensamento linear e de continuidade, que inscrevia as pessoas e os grupos em um
universo de sentido ligado às comunidades de pertença
887
.
Por outro lado, crescem as relações baseadas em vínculos interpessoais
sólidos e duradouros e não apenas funcionais
888
. São essas relações que produzem
as experiências pessoais de construção de identidade por estabelecerem as
condições para a construção da dinâmica da intersubjetividade: o diálogo, a
liberdade e a alteridade. Construir vínculos comunitários, é desafio e condição
886
A crise da transmissão da fé também está relacionada com a crise das comunidades, com o
individualismo moderno, com a ausência de testemunhos de conversão e apostolado, capazes de
mostrar ao mundo a Boa Nova do Cristianismo com renovado ardor. Cf. METTE, N. op. cit., p.
231; GONZÁLEZ-CARVAJAL, L.G. Evangelizar en um mundo postcristiano. op. cit., pp. 137-
139; MIRANDA, M. F. Um homem perplexo. São Paulo: Loyola, 1992, pp. 22-25.
887
Cf. VELASCO, J. M. op. cit., p. 42.
888
Sobre esta questão ver LIBANIO, J. B. As lógicas da cidade. São Paulo: Loyola, 2001, pp. 157-
164.
para que a ICA encontre campo fecundo para a semeadura e para que se
estruture
889
.
O Magistério da Igreja afirma que a é um caminhar pessoal, mas
também considera que ela é construída e amadurecida na vida comunitária
890
.
Paulo VI, na Exortação Apostólica Evangelii Nuntiandi, proclama:
Aqueles que acolhem com sinceridade a Boa Nova, por virtude desse
acolhimento e da compartilhada, reúnem-se, em nome de Jesus, para
conjuntamente buscarem o reino, para edificá-lo e para vivê-lo. Eles constituem
uma comunidade também ela evangelizadora
891
.
A vida comunitária não é uma experiência de socialização, mas fruto da
experiência sacramental de Igreja, que tem na Celebração Litúrgica sua referência
central: Jesus Cristo. A reforma lirgica impulsionada pelo concílio Vaticano II
já destacava a importância de conduzir os fiéis ao Mistério como um objetivo
irrenunciável. Diz a Sacrosanctum Concilium: “A santa Madre Igreja deseja
ardentemente que se leve a todos os fiéis àquela participação plena, consciente e
ativa nas celebrações litúrgicas que exige a natureza da liturgia mesma”. A razão
aparece um pouco mais adiante: “porque esta participação é a fonte primária e
necessária em que hão de beber os fiéis o espírito verdadeiramente cristão”
892
.
Na mistagogia, o processo recepção da Tradição é tratado como uma
atitude de acolhida de uma ‘herança’ legitimada pela experiência do Povo de
Deus, seja na Palavra revelada ou nas orientações do Magistério eclesial. Cada
iniciante, recebe esta herança’ como tesouro do qual passa a participar. Ele a
assume e a torna sua, se apropria deste legado de forma pessoal e normativa, e
passa a transmiti-lo
893
. Este processo comporta, por um lado, o lugar da
comunidade na vida pessoal e, por outro, a apropriação pessoal do que é
transmitido.
889
Apenas grupos vitais constituem o meio para que surjam e se desenvolvam tais relações. Esses
grupos são justamente as comunidades: sua situação estrutural na intersecção da esfera privada e
blica as converte em lugar social privilegiado, em meio por excelência para a transmissão do
Cristianismo como forma de vida e sistema de valores às gerações futuras. Cf. VELASCO, J. M.
op. cit., p. 57.
890
DGAE 1999-2002, n. 15.
891
EN 13.
892
CONCÍLIO VATICANO II, Constituição Sacrosanctum Concilium sobre a Sagrada Liturgia,
1965, n. 14.
893
CF. FORTE, B., op. cit.. pp. 62-64.
apresentamos que todo esse processo é vivenciado no interior das
comunidades que se colocam na trajetória do projeto de Deus para a humanidade.
Por outro lado, ao gerar um novo conjunto de experiências e ideias, cada
comunidade torna-se mistagoga no mundo, ou seja, torna-se sinal que fecunda o
Mistério de Deus no mundo
894
.
J. M. Velasco recorda a proposição do Concílio Vaticano II sobre a ação
eclesial e o lugar da comunidade enquanto testemunho cristão no mundo.
O Concílio Vaticano II nos ajudou a tomar consciência de que o sujeito, quando
se fala de Igreja e suas ações e, portanto, da transmissão, é a Igreja inteira, toda
ela povo de Deus. Isso comporta que o peso na realização da transmissão deveria
passar, da Igreja em geral, com frequência identificada com a hierarquia, às
comunidades vivas, às fraternidades em que estas existem e das quais constam as
Igrejas particulares, de cuja comunhão se constitui a Igreja universal. A
transmissão da vida cristã não se efetua tanto por proposição oficial de
enunciados de fé, dogmas, princípios e normas, quanto pela possibilidade real de
uma identificação prática com pessoas e grupos em que se m feito realidade
viva e, assim, oferta de sentido vital para outros aspectos fundamentais dessa
‘forma de vida’ na qual consiste o cristianismo
895
.
A comunidade é o lugar onde a mistagogia deve se tornar realidade, como
mediadora do Mistério de Deus, na experiência do amor fraterno, na busca de
respostas cristãs às questões existenciais, no cultivo da esperança escatológica da
realização plena da Criação, segundo o projeto salvífico. “Que o vosso amor seja
rico ainda, e cada vez mais, em clarividência e plena percepção para discernir o
que melhor convém”
896
.
O papa João Paulo II, em discurso aos bispos do Brasil, remete a toda a
comunidade a missão de evangelizar, e foca a experiência de comunhão como
principal testemunho da comunidade eclesial.
(...) Assim estaremos forjando uma comunidade eclesial repleta de vitalidade e
evangelizadora, que vive uma profunda experiência cristã alimentada pela
Palavra de Deus, pela oração e pelos sacramentos, coerente com os valores
evangélicos na sua existência pessoal, familiar e social
897
.
894
Cf. VELASCO, J. M., op. cit., p. 30.
895
VELASCO, J. M., op. cit., p. 78.
896
Cf. Fl 1,9.
897
JOÃO PAULO II. Discurso para os bispos dos Regionais Oeste 1 e Oeste 2. In: Palavra de
João Paulo II aos bispos do Brasil. Paulinas, São Paulo, 2003, n. 2.
Se hoje muitos não encontram a comunidade de vida cristã que lhes
oportuniza uma experiência mistagógica, onde se um conhecimento mais
profundo do Mistério, juntamente com um autêntico conhecimento mútuo e laços
de fraternidade concretos, cabe-nos rever a caminhada de nossas comunidades e
resgatar esse processo fundamental. As comunidades locais o chamadas a ser
contextos vitais, pois sua vocação é fazer a experiência concreta do amor que lhe é
revelado e, assim, transformar as condições de vida em direção a um mundo mais
humano e à espera do advento do Reino definitivo
898
.
Conclusão
Neste último capítulo, articulamos os dados apresentados e refletidos nos
capítulos anteriores na direção da construção de um processo mistagógico que
atenda à realidade da Iniciação Cristã de Adultos para os nossos tempos.
Um fator fundamental para esta atitude de resgate da Mistagogia foi
constatarmos, no confronto com a cultura atual – modernidade, s-modernidade,
modernização reflexiva , muitos sinais de uma nova subjetividade, que traz
consigo a gênese de uma dinâmica relacional. Emerge uma subjetividade que
considera o ser humano de maneira integrada, em suas muitas dimensões, vivendo
em um sistema complexo de relações com o mundo e com as pessoas. É uma
subjetividade que se abre para a relação dialógica e que, através das práticas
discursivas intersubjetivas, reconstrói seus significados e suas escolhas
fundamentais. Neste sentido, estamos diante de um momento privilegiado para a
evangelização, em que a subjetividade está aberta a novas experiências
estruturantes e que se dá conta de que é o encontro com o outro, consigo mesmo e
com o mundo que a conduzirá à realização.
A Iniciação Cristã de Adultos é matéria-prima para a evangelização em
nossa sociedade, pois reúne temas-chave do Cristianismo como: identidade,
comunidade, testemunho e missão. Mais do que buscar novas metodologias que
dialoguem com o nosso tempo, a ICA pede uma fundamentação teológica que
resgate sua essência e aponte caminhos pastorais. Esse quadro nos conduziu a
duas experiências de Igreja: a Igreja-fonte de Cirilo de Jerusalém, em meados do
culo III, e a Igreja-local, na Casa de Oração Batismo do Senhor, no início do
898
Cf. PAGOLA, J. A., op. cit., pp. 52-53.
culo XXI. Apesar do distanciamento histórico e contextual, há entre estas duas
experiências uma ligação que possibilita a aproximação de natureza teológica: seu
eixo referencial é a Mistagogia.
Após analisarmos as duas experiências de Igreja trouxemos pressupostos
teológicos e princípios orientadores para o desenvolvimento do eixo mistagógico
como referencial para a ICA atual. Além dessa sistematização com relação à ICA,
acreditamos que a Mistagogia estabelece uma parceria fundamental no que
concerne à evangelização: uma articulação entre o saber teológico e a ação
pastoral-pedagógica, ou seja, entre o conhecimento específico de cada um desses
saberes enquanto caminho profícuo na busca de respostas eficazes para a missão
de evangelizar.
Desde os primórdios da caminhada da Igreja, encontramos o anúncio do
kerigma, razão de ser da nova proposta salvífica que surge da experiência de
encontro com Jesus, vivida pelos apóstolos, testemunhada e anunciada por seus
seguidores e discípulos. O anúncio evangélico não era transmitido como uma
adesão intelectual, mas com o ardor daqueles que experimentavam na própria vida
o mistério pascal. Tornavam-se, mais do que anunciadores, testemunhas do
Mistério.
Ser testemunha é parte fundamental na dinâmica de comunicação da
verdade de . O testemunho é percebido através da adesão pessoal ao Evangelho,
que se reflete nas atitudes, na postura existencial, na experiência de que se faz
palpável, realidade. Por isso, com base nesta experiência aquele que anuncia e
testemunha, também convoca para a ela. O fundamental é que o mistério pascal de
Cristo se torne realidade na experiência pessoal e transborde nas experiências
relacionais e sociais.
Sendo assim, a ICA e os demais processos de evangelização não são fins
em si mesmos, são meios. São momentos privilegiados e fundamentais nesse
processo, porém enquanto mediações, necessitam estar atentos e abertos à escuta
permanente da dinâmica da Revelação na experiência pessoal e comunitária, na
Palavra revelada nas Escrituras, na Tradição, no Magistério da Igreja e nas
interpelações que a sociedade apresenta.
A experiência mistagógica vivida na ptica pastoral de Cirilo de
Jerusalém não é uma proposta defasada com a realidade. Suas Catequeses
Mistagógicas reúnem pressupostos teológicos e princípios pedagógicos que em
muito auxiliam a compreensão da dinâmica da ICA e que não podem deixar de
estar presentes. Ao resgatarmos a experiência mistagógica nas orientações de
Cirilo de Jerusalém nos colocamos no dinamismo da peregrina rumo à luz
maior. Na verdade, é este mesmo o impulso fontal da teologia:
O conhecimento da fé expressa a necessidade de dizer a luz obtida, não para fazer
cessar a busca, mas para dar-lhe um apoio que a ajude a comunicar-se e ir avante.
A fé, início da teologia, é também o seu limite inexorável, que sempre denuncia
sua provisoriedade e recorda o seu caráter de balbucio do Mistério, sempre ainda
aberto às surpresas de Deus
899
.
O grupo de Catecumenato com Adultos da Casa de Oração Batismo do
Senhor local participa da caminhada da Igreja, está imbuído da uma teologia fiel
às orientações do Magistério e que, ao mesmo tempo, é capaz de dialogar com
nosso tempo sem perder seu enraizamento na Palavra e na Tradição. É uma
comunidade viva, apostólica que, a nosso ver está entre muitas comunidades que
se tornam testemunhas de Cristo no mundo, profundamente encarnadas no mundo
e co-responsáveis no projeto de Deus para seus filhos e filhas.
A crise da pastoral tradicional reclama a urgência de uma revisão profunda
do processo de ICA, da vitalidade das comunidades e do modo concreto de viver a
relação Igreja-mundo e fé-cultura.
Nossa reflexão se propõe a confirmar a importância de uma ação pastoral-
pedagógica fundada nos princípios que nortearam a Igreja dos primeiros séculos,
não como uma repetição mecânica de um processo distanciado em muito na
história, mas como eixo orientador, como chave de compreensão e de revisão da
ação evangelizadora atual. A ação evangelizadora vem buscando renovar-se à luz
das orientações do Magistério e do diálogo com os novos tempos. A experiência
mistagógica nos lembra que a participação dos fiéis na dinâmica pastoral e sua
inserção eclesial deve ser acompanhada desde a iniciação, e buscar uma
participação frutuosa, interna e externa, na qual o fiel se deixe configurar com
Cristo ressuscitado, pela ação do Espírito Santo.
A experiência de Deus o se dá de maneira dispersa, distraída, dissipada
no esquecimento sistemático de si mesmo. A mistagogia nos fala de que o
encontro com Deus supõe um caminhar, uma existência que caminhe até a
centralidade da pessoa, na mais profunda intimidade e, na densidade desta
899
FORTE, B. op. cit., p. 58.
experiência, o encontro com a mais radical alteridade, a presença de Deus. É uma
experiência que leva a pessoa a superar a dupla tentação de desistir, perder a
esperança de encontrar o sentido da vida, ou pretender realizar-se por si mesma, e
que a conduz à abertura ao Mistério que se oferece e que a faz ser.
É uma experiência que retoma a dinâmica primordial da fé, de encontro
com a verdadeira Transcendência. Na sua imensa rede de relações, a mistagogia
nos coloca diante da origem da experiência de fé, ou seja, nos coloca diante de
Deus e, a partir desta centralidade, todos os elementos do processo passam a
assumir o lugar de mediadores, sejam os agentes da evangelização, os
destinatários, a estrutura, os instrumentos selecionados, os conteúdos, a
comunidade, a sociedade. Os elementos que se articulam em torno do eixo
mistagógico, tornam-se não os primeiros agentes, mas os colaboradores do
Espírito, e responsáveis em auxiliar as pessoas e comunidades no crescimento de
sua vida em Cristo.
Concluímos este capítulo, com as palavras do Papa João Paulo II, na sua
Mensagem por ocasião do Dia Mundial da Paz, confirmando a premência de que a
religião seja força propulsora de uma nova humanidade:
A religião possui uma função vital para suscitar gestos de paz e consolidar
condições de paz, podendo desempenhá-la de forma tanto mais eficaz quanto
mais decididamente se concentrar naquilo que lhe é próprio: a abertura a Deus, o
ensino da fraternidade universal e a promoção duma cultura solidária
900
.
900
JOÃO PAULO II, Mensagem de Sua Santidade João Paulo II para a Celebração do Dia
Mundial da Paz, 1
o
. de janeiro de 2003, Pacem in Terris: um compromisso permanente, n. 9.
Dispovel em: http://www.arquidiocese.org.br/paginas/jp2003.htm. Acesso em: 6 de junho de
2008.
Conclusão Geral
O tema que nos propusemos a analisar e desenvolver neste trabalho partiu
de uma convião fundamental: a presença e a implicação de Deus na
totalidade do ser humano e do mundo, até o ponto em que toda e qualquer
experiência religiosa e cristã desta presença exige uma sintonia com o Mistério
imanente e implícito na história, na vida de seus filhos e filhas, na dinâmica da
Criação.
Não transcorremos esta elaboração sem uma experiência pessoal e
comunitária da Mistagogia, ou seja, este caminho “acadêmico” foi, para nós, um
caminho no qual nos deixamos conduzir pelas mãos do Senhor, buscando
estarmos atentos às fontes da Revelação, à sua dinâmica da história da
humanidade e na experiência particular do grupo em Catecumenato da Casa de
Oração Batismo do Senhor.
Nosso mistagogo nesse caminho foi Cirilo de Jerusalém, com quem nos
identificamos e nos afiliamos com confiança nos passos com os quais conduziu
sua comunidade primeira, em Jerusalém, e que se tornam fontais para a
caminhada eclesial de todos os tempos. Apesar de ter atuado pastoralmente em
uma cultura específica, a relevância de sua obra é universal. Trazemos as palavras
da teóloga Lina Boff sobre a relevância do retorno às fontes da Revelação.
A renovação teogica das duas primeiras décadas do culo vem confirmar
novamente a lei geral: cada realidade religiosa redescoberta vem sempre
acompanhada de uma nova consulta ‘às fontes’. O retorno às fontes busca
confirmação, apoio, alimento e inspiração nos grandes ‘lugares teológicos’. A
comunidade, portanto, é criação do Espírito do Senhor que a sustenta com sua
força e a faz evento de comunhão em torno do anúncio
901
.
Queremos dizer com tudo isso que acreditamos que a teologia se faz
também como caminho mistagógico. É Deus mesmo que inspira nosso serviço
específico e, ao mesmo tempo, condicionado pelas circunstâncias pessoais,
históricas, construções e práticas discursivas. Além disso, nossa interpretação
procurou partir de dentro das fontes da Tradição e do interior de uma experiência
comunitária, a fim de que pudéssemos estabelecer um diálogo que não decidisse
‘a priori’ o significado da Mistagogia ontem e hoje. No entanto, nossa elaboração
901
BOFF, Lina. Espírito e Missão na Teologia. op. cit., pp. 102-103.
não pretendeu ser mimética, mas estabelecemos um diálogo com a experiência
mistagógica atual de corte crítico e reflexivo de seu significado.
Nossa consciência e compreensão prévia foi uma forma de
questionamento, de preocupação e aproximação com as questões que emergiram
para nós como relevantes no processo de Iniciação Cristã de Adultos. Enfim,
ousamos nos situar como intérpretes, hoje, de uma fonte de sabedoria da Igreja
dos primeiros tempos, confiantes de que esta interpretação foi mediada pela
experiência do Mistério em todo o seu percurso. Fazemos nossas as palavras de J.
Libanio sobre o fazer teológico:
No entanto, ela situa-se também num tempo, espaço, cultura, produzida por
homens ou mulheres, obra de uma instituição ou de uma pessoa, de caráter oficial
ou espontâneo. Essas determinações conotam limitão. Enquanto situada
percebe aspecto próprio desse lugar. Sua riqueza. Mas é condicionada por ele.
Seu limite. Numa palavra, todo lugar de conhecimento e de produção teórica
possibilita ver a verdade universal, mas, simultaneamente, limita-a
902
.
Nossa hermenêutica também visa potencializar a ação, no caso,
contribuir para a reflexão quanto à identidade teogica da Iniciação Cristã de
Adultos hoje e quanto ao caminho mistagógico que motiva uma nova
fundamentação e articulação dos elementos que participam desse processo.
Ao final deste percurso desejamos trazer três temas que, a nosso ver, são
elementares na reflexão sobre a Mistagogia: o Mistério, o Caminho e o Espírito
que tudo renova e integra.
Em tempos de tanta desconfiança, desejo de tudo controlar e desvendar,
até mesmo os enigmas mais profundos da humanidade e de seus arquétipos, a
ideia de Mistério se defronta com a polaridade entre aqueles que se rendem ao
Mistério, tremendo, fascinante
903
, atraente, revelado e por se revelar; e aqueles
que desejam decifrá-lo por intermédio dos instrumentais das cncias sicas ou
humanas. A Mistagogia nos coloca diante do primado do Mistério, presente e
revelante, em movimento, em dinamismo compassivo e pedagógico, dialógico e
paciente. Evoca o mergulho no mais profundo do humano, na sua ontologia-
902
LIBANIO, J. B. A Teologia da Libertação. In: ALMEIDA, E.F. e NETO, L. L. (orgs) Teologia
para quê? Rio de Janeiro: Mauad e Mysterium, 2007, p. 35.
903
R. Otto traduz a experiência religiosa com a expressão mysterium tremendum et fascinans. Cf.
OTTO, R. Il Sacro. Milão: Feltrinelli, 1966, pp. 23-29.
existencial. Não se sobrepõe, nem se impõe; mas ecoa, apresenta-se, provoca e
anuncia o novo libertador e realizador de si e de todos.
O ponto principal é que o ser humano não é auto-centrado, como um
indivíduo autônomo, mas é criatura, cuja essência é aberta ao absoluto. Sua
natureza já o envolve para uma relação como Mistério divino. Por isso, a
mistagogia não é um lugar de encontrar a transcendência no mundo das pessoas,
mas de despertar nelas mesmas, concretamente, que desde sempre, estão imersas
no Mistério de Deus
904
.
Aqui reside a importância da linguagem evocativa, simbólica, pois é
linguagem aberta e mediadora, potencial e narrativa. Dentre as linguagens
presentes na experiência religiosa, aquela que reúne eficazmente este significado é
a Liturgia; no caso da experiência cristã, é a Celebração Eucarística. Todo rito
lirgico realiza esta experiência, insere a pessoa no diálogo fecundo com Deus.
No entanto, a Celebração Eucarística, insere o cristão no pprio Mistério de
Deus, no seu coração, no encontro único e singular com Jesus Cristo. O
Cristianismo não é uma filosofia do infinito, mas uma aceitação da particularidade
de Deus que se revelou plenamente em Jesus de Nazaré
905
.
O Mistério experimentado na Celebração Eucarística não é puramente
retórico, mas tem caráter de penetração progressiva no Mistério Pascal. É
referente à realidade pessoal e comunitária, e o é uma referência secundária,
mas sim a referência última (no sentido de princípio e fim). Esta experiência
torna-se de tal forma central que faz repensar as demais referências do cotidiano e
da história, deslocando para ela o foco de sentido. Consiste em uma espécie de
antecipação da experiência fundamental em Jesus Cristo e, ao mesmo tempo, um
convite ao discipulado e à conversão existencial e smica. A experiência
lirgica torna-se um lugar privilegiado, não é uma tarefa a ser cumprida, o tem
caráter emocional ou intelectual, e sim performático, configurando o fiel em
Cristo Jesus, progressivamente.
Cirilo de Jerusalém é mais do que um catequista, é um místico. Se
pudéssemos criar uma metáfora de sua atitude, diríamos que Cirilo faz catequese
‘de joelhos’. É o Mistério que o orienta, que guia seus passos e suas palavras. É o
Mistério que o conduz e que o ensina a conduzir os catecúmenos e neófitos. É o
904
Cf. BACIK, J. J. op. cit., p. 50.
905
Ibid., p. 60.
Mistério que o ensina a agir pastoralmente e a encontrar os caminhos de
sabedoria, ante os conflitos ideológicos de seu tempo. Em suas Catequeses, o
Mistério de Deus é mais do que um tema ou fio condutor, é o próprio ar que se
respira, nutre e renova a vida de seus ouvintes de todos os tempos.
Abrindo as portas a esse dinamismo, a Mistagogia encontra eco no
próprio coração humano, porque não tenta convencer a pessoa desde fora de sua
experiência. Ao contrário, ela se sintoniza com a experiência pessoal e decodifica
para a própria pessoa, significantes e significados que ela reconhece. A
Mistagogia mobiliza uma auto-descoberta, pois a pessoa se sente convidada
desde dentro a ser partícipe do projeto de Deus, e não alguém que recebe ou
solicita algo desde fora. A Mistagogia também é abertura às relações
fundamentais, conduzindo a pessoa à integração de todas as relações, num
processo para dentro e para fora de si mesma, refletindo sobre sua
transcendentalidade essencial e unidade com a humanidade, com o cosmos e sua
plenitude. A Mistagogia é uma dimensão transcendental, pois a pessoa se dá
conta de que o que se revela de dentro de si e que identifica nos sinais na hisria
e na Criação é o Mistério absoluto que dá sentido à toda existência.
O segundo tema é o Caminho. Ele nos propõe uma postura clara de
mediação, de formação de discipulado, de dinamismo, de amor misericordioso em
um rosto de Deus revelado por Jesus, capaz de esvaziar a si mesmo por amor a
todos os seus filhos e filhas
906
. Evangelização não se confunde com querigma.
Teologia não se confunde com Boa Nova. São linguagens da diaconia, servem à
mistagogia na medida em que colocam como reflexão da experiência pessoal e
comunitária da Graça de Deus atuante. Teologia é também caminho de iniciação
ao Mistério que aponta para além de si mesma, para a fonte e horizonte de todos
os seus esforços, a fim de iluminar a experiência humana
907
.
Um outro aspecto deste tema é a dinâmica da própria vida humana, na qual
muitos acontecimentos são interligados e, pouco a pouco, começam a tecer o fio
invisível da presença inefável de Deus, orientando a exisncia humana e a
história ao seu sentido último. Este é um caminho pelo qual todo ser humano
transita, e que, para o cristão, é demarcado pelas fontes da Revelação e pela
experiência central do encontro com Jesus Cristo. Vejamos este aspecto sob dois
906
Cf. Fl 2,6-11.
907
Ibid., p. 46.
vértices: o que vem de dentro da pessoa humana, impulsionando-a a um agir
amoroso, misericordioso, fraterno, humanizador; e o que vem de fora da pessoa
humana, interpelando-a para este mesmo agir.
No primeiro vértice, podemos trazer algumas demandas internas: a busca
de uma ética de responsabilidade, a busca do significado através da estética, a
busca da liberdade para todo ser humano, o desejo de enfrentar o mal em favor do
humano (principalmente do inocente). No segundo vértice, podemos citar
‘lugares’ nos quais a experiência de Deus interpela o ser humano: a própria
condição humana e sua contingência; a entrega da vida ao enfrentamento da
injustiça; a oração e o perdão; a dimensão simbólica da realidade e do ser
humano; a busca do infinito; o rosto do ‘outro’; as contingências pessoais; os
momentos de limitações e sofrimento; a interpelação que emerge da beleza.
Desejamos pontuar com esta dupla interpelação de dentro e de fora da
pessoa humana -, a presença de Deus na Criação, pulsando e convocando o ser
humano a trilhar um caminho de sentido último para si e para todo o cosmos. Em
virtude desta relação, entre a Criação e o Criador, a mistagogia torna-se um
caminho que revela ao ser humano a teofania, a presença de Deus que irrompe e
convoca toda a Criação ao seu destino único.
Cirilo de Jerusalém é aquele que convida e se disponibiliza a acompanhar
o caminho que é iniciado ao experimentar o Batismo, em nome do Pai, e do Filho
e do Espírito Santo. É aquele que não simplifica ou facilita o processo de
conversão, mas, ao contrário, é firme, exigente, coerente e, ao mesmo tempo,
anuncia o rosto de Deus compassivo, presente e misericordioso. É aquele que
proclama o anúncio querigmático com toda a sua alegria e novidade, atraente e
encantador. É aquele que exorta seus filhos e filhas a trilharem este caminho ao
longo de toda a sua vida, com perseverança, fidelidade e criatividade.
O terceiro tema que desejamos trazer é o Espírito que tudo renova e
integra. É comum encontrarmos nas práticas discursivas atuais a linguagem
dualista, o apenas no que concerne à concepção de pessoa humana, mas
também com relação ao Mistério de Deus: imanência e transcendência, e vida,
religião e ética, rito e compromisso. Essas realidades o expressas muitas vezes
como separadas, ou na melhor das hipóteses, dependentes. Trazemos aqui as
palavras de K. Rahner: “O mundo em sua totalidade se encontra sob a graça de
Deus. Se trata de um fator interno à realidade criada, que tem seu ponto
culminante na encarnação, e encontra sua culmincia na escatologia”
908
.
A Mistagogia é caminho no qual o Espírito de Deus move, renova e
integra o ser humano e todas as suas relações. O sopro do Espírito no coração
humano o conduz à vida, ao compromisso existencial, à dimensão práxica e
escatológica do seguimento de Jesus. Se não for assim, o é mistagogia. Torna-
se uma experiência descolada da realidade, desintegrada da vida. Portanto, se não
faz eco na existência, não responde ao sopro do Espírito Criador e Transformador.
Em outras palavras, não podemos dizer que a pessoa hoje tenha perdido
seu sentido de Mistério, sua necessidade de ritos, que tenha abandonado sem mais
a experiência religiosa ou mesmo que não tenha mais necessidade de expressar
sua e buscar orientações para suas escolhas e metas. Mas, devemos sim, nos
perguntar se estamos sendo mistagogos no processo de Iniciação Cristã e nos
caminhos da evangelização; se não estamos impondo ritos que não fazem sentido
no coração humano; se não estamos abusando da linguagem expositiva em
detrimento das linguagens que evocam o Mistério no mais profundo do ser
humano, da Igreja, da história, e de toda a Criação.
Esta interpelação nos conduz ao tema da experiência comunitária de
Igreja. O Espírito vem e é acolhido na comunidade de fé. O Espírito convoca,
movimenta, inflama, impulsiona na direção do projeto de Jesus. Seu convite reúne
a comunidade de fé e constrói seu sentido de identidade e de pertença, sua
vocação e sua razão de ser: testemunhar e anunciar Jesus Cristo ao mundo. É a
experiência do Espírito que provoca, que renova e que integra a ekklesia, a
koinonia e a diakonia
909
.
Quando visitamos a Casa de Oração Batismo do Senhor, não por acaso ou
afinidade de propósitos, identificamos ali uma experiência da Mistagogia, por
vivenciarem uma forte comunhão eclesial, fruto da acolhida ao Espírito e da sua
experiência litúrgica, que a movimentava na direção do discipulado
910
. É o sentido
que Cirilo de Jerusalém dá à participação no Mistério de Cristo. Ele chama de
908
RAHNER, K. Orden Sobrenatural. In: Sacramentum Mundi IV, Barcelona: Herder, 1973, pp.
390-396.
909
Sobre o tema da pneumatologia na comunidade de ver o trabalho de BOFF, Lina. Espírito e
Missão em Lucas. op. cit., pp. 180-190.
910
“O fato de que as comunidades cristãs vivam em comunhão de vida e de compromisso histórico
com o propósito de Deus, não é secundário; este fato quer ser uma resposta à própria consciência
de Igreja que a comunidade tem”. BOFF, Lina. Índole escatológica da Igreja peregrinante. op. cit.,
p. 19.
koinonia, categoria cara para a teologia e que, para Cirilo, reúne comunhão e
participação como caminhos de inserção no Mistério de Cristo. Não uma
participação externa, como tarefa a ser cumprida, mas uma participação como
fruto da comum+unidade com a Igreja.
Na experiência eclesial, o lo pessoal e o lo comunitário são
respeitados em sua originalidade e também articulados incessantemente. É
caminho pessoal e caminho comunitário. É caminho da Igreja particular e das
comunidades locais e, caminho da Igreja universal. É caminho da Igreja e
caminho de toda a História da humanidade. Nesse ponto, Mistério, Caminho e
Espírito são uma única seiva que tudo percorre na história da grande família dos
filhos e filhas do único Pai que a todos ama e para todos criou o Universo e viu
que tudo era bom!” (Gn 1, 4.9.12b.18b. 25c.31)
O Sínodo dos Bispos de 2005 trabalhou com o tema da Eucaristia como
fonte e ápice da vida e da missão da Igreja e, desde os Lineamenta, a mistagogia
veio à tona como um resgate fundamental, a partir dos Santos Padres:O tema da
mistagogia deve ser compreendido como introdução ao Mistério da presença do
Senhor e, deve-se acentuar a necessidade de levar o homem de hoje a uma mais
profunda aproximação a Deus, já que vive em ambientes onde parece negar-se a
existência do mistério”
911
.
Em consonância com a maternidade eclesial, desejamos que este re-
caminhar nas fontes e nas raízes da Tradição possa se tornar memória viva para o
nosso presente, especialmente para o processo de Iniciação Cristã de Adultos. Que
possamos estar em parceria, teologia e pastoral, e, em unidade com a sabedoria
dos Santos Padres, manter em nossas comunidades o coração pulsante e sempre
novo da fé em Cristo Ressuscitado.
911
SÍNODO DOS BISPOS. XI Assembléia Geral Ordinária. A Eucaristia: fonte e ápice da vida e
da missão da Igreja. Instrumentum Laboris, 2005. Libreria Editrice Vaticana. Disponível em:
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WENZEL, J. I. Pedagogia de Jesus segundo Marcos. São Paulo: Loyola, 1997
ANEXO 1 – ROTEIRO PARA ENTREVISTAS INDIVIDUAIS
1. Como você conheceu o Catecumenato?
2. O que te fez participar do grupo?
3. O que significou na sua vida? Alguma mudança?
4. Como foi o processo do catecumenato?
5. Como você se percebe antes e depois dessa experiência?
6. O que significou receber os sacramentos?
7. Qual a importância do catequista neste processo?
8. Qual a importância da missa na Comunidade neste processo?
9. Você gostaria que continuasse? Faz falta? De que forma?
10. O que é fundamental no Catecumenato, que não pode faltar?
11. Quais as dificuldades que vopercebeu?
12. Que mensagem você deixaria para alguém que não fez essa experiência?
ANEXO 2 – ROTEIROS PARA ENTREVISTA GRUPAL
1. DEPOIMENTOS SOBRE O CAMINHO DO CATECUMENATO
Obs.: o Catequista orienta este momento como partilha, como testemunho diante
da comunidade e também como testemunho para a pesquisa. Apresenta a
metodologia como um serviço à Igreja através da pesquisa teológica da qual
participam. Fala da diversidade das pessoas, das situações vivenciadas e,
portanto, dos testemunhos.
Inicia com Oração: Vinde, Espírito Santo.
1. Como fui chamado para fazer este caminho?
2. O que acendeu meu coração antes e durante o caminho?
3. Quais as propostas que eu tinha quando entrei? Foram mantidas ou
modificadas?
4. Quais as dificuldades que foram enfrentadas?
5. Que testemunho eu posso dar sobre esse caminho do catecumenato?
2. TEMAS IMPORTANTES NO CATECUMENATO
Entrevista grupal feita em 2 momentos:
1
o
. momento – introdutores, catequista
2
o
. momento - grupo completo, com os catecúmenos
1. Depois de 1 ou 2 anos de caminhada no Catecumenato, o que vocês consideram
como fundamental para a formação de um catecúmeno? Para a iniciação na fé
cristã?
2. Depois desse período de formação, o que vocês consideram que ficou faltando
na formação de vocês?
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