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MARIA DE FÁTIMA SILVA PORTO
COM LICENÇA, EU VOU À LUTA!
MULHERES EMPRESÁRIAS DE PATOS DE MINAS -
1980-90
Dissertação de Mestrado apresentada
ao Programa de Pós-graduação em
História, da Universidade Federal de
Uberlândia, para a obtenção do título
de Mestre.
Área de Concentração: História
Social.
Orientadora: Prof. Dra. Vera Lúcia
Puga de Sousa
Universidade Federal de Uberlândia
Uberlândia - MG
2002
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2
Dissertação defendida e aprovada, em 21 de fevereiro de 2002, pela banca
examinadora:
______________________________________________________________________
Prof. Dra. Vera Lúcia Puga de Sousa
Orientadora
______________________________________________________________________
Prof. Dra. Heloísa Helena Cardoso Pacheco
______________________________________________________________________
Prof. Dra. Maria Izilda S. de Matos
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3
Dedico este trabalho
Ao meu marido, Francisco José, pelo
amor, compreensão, amparo e apoio
incondicional.
Aos meus filhos, Francisco José e
Haroldo, razão de minha luta, meus
tesouros.
À minha irmã, Helena, pela força.
4
AGRADECIMENTOS
À Prof
a
. Dra. Vera Lúcia Puga de Sousa pela orientação, pelas fundamentais
observações e direcionamento, pela paciência, ajudando-me a ampliar o conhecimento.
À Prof
a
. Dra. Heloísa Helena Pacheco Cardoso, pelas valiosas sugestões,
gentileza e atenção ao meu trabalho.
Às Prof
as
. Dra. Rosângela Patriota e à Coordenadora do Curso de Mestrado -
Dra. Maria Clara Tomáz Machado, pelas importantes contribuições.
À Prof. Ms. Rosa Maria Ferreira, pelo estímulo, pelas observações e
companheirismo.
À Fundação Educacional de Patos de Minas - FEPAM - e ao Centro
Universitário - UNIPAM - pelo incentivo.
Às funcionárias da Biblioteca Central do UNIPAM, através da bibliotecária
Dione Cândido Aquino, pela presteza.
Ao CESEC - Centro Estadual de Educação Continuada “Prof. Ordalina Vieira
Roriz da Costa” - através da Diretora Nilse Nunes Rodrigues e colegas de trabalho -
através da Prof. Suzie Abadia de Sousa e Silva, pelo apoio.
À Prof. Ms. Adriana de Lanna Malta Tredezini pela revisão.
À CDL - Câmara de Dirigentes Lojistas - através do Sr. Geraldo Eustáquio
Fonseca.
À ACIPATOS - Associação Comercial e Industrial de Patos de Minas.
Ao SEBRAE MG de Patos de Minas.
Ao Cartório de Registro Civil das Pessoas Naturais da Comarca de Patos de
Minas, através do Oficial de Justiça - Sr. Helder Rodrigues da Silveira, pela permissão
da pesquisa no Cartório.
Às mulheres empresárias e homens empresários que me confiaram suas histórias
de vida através das entrevistas, possibilitando-me o desenvolvimento deste trabalho:
01. Auzônea Rosa Vieira
5
02. Beatriz Castro Amorim
03. Carlúcia Martins Augusto
04. Cynthia Costa Pires Viana
05. Dágma Caixeta Piau Vieira
06. Dalci Alves Bontempo Martins
07. Eliana Bittencourt de Castro Teixeira
08. Fátima Prado Ferreira
09. Gláucia Nasser de Carvalho
10. Heraída Maria Caixeta Borges
11. Leny Brandão
12. Lúcia Helena Queiroz
13. Maria Almira Mesquita
14. Maria das Dores Pereira
15. Maria de Fátima Oliveira de Faria
16. Maria Ângela Morato Porto
17. Maria Rosângela Oliveira Pacheco
18. Maria Teresa de Castro Fonseca
19. Marisa Fonseca de Freitas
20. Marli das Graças Pereira Araújo
21. Mírian Gontijo Moreira da Costa
22. Neide Maria Pereira Miquelanti
23. Neusa Rodrigues Moreira
24. Terezinha de Deus Fonseca
25. José Humberto Andrade
26. José Soares Filho
27. Meirison Reis de Castro
28. Paulo Rodrigues Moreira
Aos meus filhos, pela compreensão da falta do tempo suprimido, tempo esse
dedicado ao desenvolvimento deste trabalho. À minha irmã, Helena, agradeço a presteza
no apoio. Especialmente, agradeço ao meu marido Chiquinho, pela sua compreensão e o
valoroso apoio, sem os quais não teria conseguido realizar este estudo.
6
“(...) Desde sempre, em toda parte, tem-se medo do
feminino, do mistério da fecundidade e da maternidade,
‘santuário estranho’, fonte de tabus, ritos e terrores.
‘Mal magnífico, prazer funesto, venenosa e
enganadora, a mulher é acusada pelo outro sexo de
haver trazido sobre a terra o pecado, a infelicidade e a
morte’. Terror de sua fisiologia cíclica, lunática, asco
de suas secreções sangrentas e do líquido amniótico,
úmida e cheia de odores, ser impuro, para sempre
manchada: Lilith, transgressora lua negra, liberdade
vermelha nos véus de Salambô. Rainha da Noite
vencida por Sarastro. Perigosa portadora de todos os
males, Eva e Pandora; devoradora dos filhos paridos de
sua carne, Medéia e Amazona; lasciva, ‘vagina
denteada’ ou cheia de serpentes, o que Freud chamou
medo da castração e que em todas as culturas é assim
representado. Fonte de vida, fertilidade sagrada, mas
também noturnas entranhas: ‘Essa noite, na qual o
homem se sente ameaçado de submergir e que é o
avesso da fecundidade, o apavora’, o medo ancestral do
Segundo Sexo. Que fez crer impossível a amizade nas e
das mulheres e tudo faz para impedi-la. Perdição dos
que se deixam enfeitiçar pelo poço sem fundo e lago
profundo - Morgana, Circe, Lorelei, Uiara, Iemanjá.
Deusa da sabedoria e da caça, imaculada conceição e
encarnação de Satã, a proliferação das imagens
femininas, medusa, hidra e fênix, é, para usarmos
noutro contexto a expressão de Walnice Galvão, o
sumidouro das ‘formas do falso’. Capitu. Diadorim.”
Marilena Chauí
7
“Mulher é como a onda no mar,
num movimento de idas e vindas.
Às vezes, parece um lago de águas
paradas, misteriosas...
De repente, surge um redemoinho, um
turbilhão por baixo da quietude e
explode em tempestade.
Como a maré alta, gigantesca,
impossível de ser controlada ou vencida.
Se arrebenta nas armações de concreto
construídas pelo homem, ou lava tudo
que abocanha, deixando seu rastro de
força e capacidade de transformar a
paisagem.
Depois, se acalma...
De repente, começa tudo de novo, o ir e
o vir.”
Maria de Fátima Silva Porto
8
SUMÁRIO
LISTA DE SÍMBOLOS ................................................................................................ 09
RESUMO ....................................................................................................................... 11
INTRODUÇÃO ............................................................................................................. 13
CAPÍTULO 1 - Rompe-se o Espaço Privado ................................................................ 30
1.1. Origem Social e “Diferenças do Grupo” ........................................................... 30
1.2. Educação e Controle .......................................................................................... 36
1.3. Valores, Tradições, Família ............................................................................... 45
1.4. Motivação Pessoal ............................................................................................. 72
1.5. A Visibilidade das Mulheres Empresárias ......................................................... 83
CAPÍTULO 2 - O Cotidiano das Mulheres Empresárias .............................................. 98
2.1. Dificuldades, Rivalidades e Competência ......................................................... 98
2.2. Discriminação e Preconceito ............................................................................ 116
2.3. Mulheres no Lar: Relações com Filhos e Maridos .......................................... 124
2.4. Divisão de Tarefas Domésticas, Lazer, Amigos .............................................. 138
2.5. Mãe e Profissional: Esforços e Renúncias ....................................................... 149
CAPÍTULO 3 - O “Olhar do Homem”, o “Olhar da Mulher” .................................... 158
3.1. Mulher Empresária nas Associações e Sindicatos ........................................... 158
3.2. Representações da Mulher Empresária ............................................................ 168
3.3. O Perfil da Mulher Empresária para o Mercado de Trabalho .......................... 181
3.4. Os Homens estão Mudando? ........................................................................... 191
3.5. Poder e Sexualidade ......................................................................................... 204
CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................... 216
ANEXOS ..................................................................................................................... 229
FONTES DOCUMENTAIS ........................................................................................ 239
BIBLIOGRAFIA ......................................................................................................... 245
9
LISTA DE TABELAS
1. Participação do PIB por Setor de Atividade .............................................................. 86
2. População de 05 Anos ou Mais Alfabetizada no Município de Patos de Minas -
1980 ............................................................................................................................... 89
3. População de 05 Anos ou Mais Alfabetizada no Município de Patos de Minas -
1991 ............................................................................................................................... 89
4. Número de Empresas, Número de Mulheres e Homens Associados na CDL - Câmara
de Dirigentes Lojistas - Patos de Minas - 2000 ............................................................. 93
5. Número de Empresas, Número de Mulheres e Homens Associados na ACIPATOS -
Associação Comercial e Industrial de Patos de Minas - 2000 ....................................... 94
6. Classificação das Empresas - Porte - 1977 ................................................................ 95
10
LISTA DE FIGURAS (GRÁFICOS)
1. Profissões Femininas - 1960 a 2000 .......................................................................... 84
2. Profissões Masculinas - 1960 a 2000 ........................................................................ 91
11
RESUMO
A pesquisa tem como proposta compreender a inserção de algumas mulheres de
Patos de Minas no mercado de trabalho, como empresárias, nas décadas de 1980 e 1990.
Para tanto, buscou-se recuperar sua formação, educação, valores e cultura.
A entrada de mulheres no mercado de trabalho, inclusive em áreas antes restritas
aos homens, levou-nos a questionar a mudança de comportamentos, os fatores
responsáveis por essa transformação e suas conseqüências. As discussões em torno das
questões femininas acarretaram a descoberta da identidade dessas mulheres que
passaram a procurar mais autonomia, liberdade e emancipação. Através da pesquisa,
procuramos recuperar a existência, permanência e/ou superação de preconceitos,
discriminações e barreiras existentes quanto à posição sócio-econômica ocupada
atualmente por essas mulheres, bem como mudanças ocorridas, ou não, no âmbito
familiar, nas relações com os filhos, marido, companheiro, a partir do trabalho
assumido.
Este trabalho tenta, sem a pretensão de esgotar o tema, mostrar que mulheres e
homens foram educados diferentemente, ou seja, dentro de uma hierarquia, em um
relacionamento de poder. A construção cultural dos “diferentes” teve suas raízes nos
fundamentos do cristianismo, possibilitando relações de mando e submissão, assim
como criou mecanismos para o adestramento e normatização da mulher através de sua
sexualidade, impondo limites ao seu comportamento e corpo, para que ela não fosse
uma ameaça à ordem patriarcal.
Denunciar a construção social da inferioridade da mulher, dos preconceitos que,
ainda hoje, permeiam nossa cultura, nosso imaginário coletivo e, portanto, vividos
também pelas mulheres empresárias de Patos de Minas, é procurar discutir questões em
torno da condição feminina, das mulheres que procuraram e procuram sua emancipação,
autonomia, liberdade e identidade, dentro de uma sociedade ainda “machista”, de uma
cultura construída, que as excluíram há séculos. Ao tentar desmitificar discursos e
conhecimentos dados como verdadeiros, podemos vislumbrar outras práticas sociais. As
12
relações sociais entre os sujeitos no seu cotidiano apresentam uma heterogeneidade e
apoiam-se na diversidade de experiências vividas. E, no interior das relações sociais,
através de suas representações e ações, as mulheres dentro de seu grupo social,
especificamente mulheres empresárias de Patos de Minas, surgem em cena. Surgem
como sujeitos sociais, históricos, dando significado às suas emoções, sentimentos,
experiências, tradições, valores e como agentes que tentam uma transformação.
13
INTRODUÇÃO
“Esta reflexão se faz tanto mais necessária, quanto mais nos damos
conta de que a história não narra o passado, mas constrói um discurso
sobre este, trazendo tanto o olhar quanto a própria subjetividade
daquele que recorta e narra, à sua maneira, a matéria da História. Além
do mais, vale dizer que se esta produção não se caracteriza como
feminista, nem significou um questionamento prático das relações de
poder entre os sexos na academia, ela carrega traços evidentes de uma
vontade feminina de emancipação.” Margareth Rago
Nos últimos trinta anos (1970 a 2000), emergiu um grande e rico debate em
torno da condição feminina. Até então, o discurso era de um sujeito universal,
masculino, como se as mulheres nunca tivessem existido ou participado da História.
Conforme Rago
1
, a partir dos anos de 1970, com a entrada de um maior número
de mulheres no mercado de trabalho e nos centros universitários, forçou-se a quebra do
silêncio sobre as mulheres
2
. Inserida na História Social, a proposta teórico-metodológica
sobre a “História das Mulheres” propõe desnudar os discursos misóginos construídos
para justificar sua inferioridade, sua submissão, a opressão masculina, a violência
machista, a negação de serem vistas como sujeitos históricos ativos e conscientes.
3
1
RAGO, Margareth. As Mulheres na Historiografia Brasileira. In.: LOPES, Zélia (Org.). A história em
debate. São Paulo: Editora da UNESP, 1991. Mimeo. p. 1.
2
Entre os trabalhos publicados mais recentemente podemos citar:
Cf. SCOTT, Joan. História das Mulheres. In.: BURKE, Peter (Org.). A Escrita da História: Novas
Perspectivas. São Paulo: Ed. UNESP, 1992.
SOIHET, Rachel. História das Mulheres. In.: CARDOSO, Ciro Flamarion, VAINFAS, Ronaldo (Orgs.).
Domínios da História. Ensaios de Teoria e Metodologia. Rio de Janeiro: Campus, 1997.
PERROT, Michele. Os Excluídos da História: Operários, mulheres e prisioneiros. Trad. Denise
Bottaman. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1998.
_______________. Práticas da Memória Feminina. In.: A Mulher e o Espaço Público. Revista Brasileira
de História. São Paulo: Marco Zero, ANPUH, vol. 9 n
o
18, ago./1989.
DEL PRIORE, Mary (Org.). História das Mulheres no Brasil. São Paulo: Contexto, UNESP, 1997.
____________. História das Mulheres: As Vozes do Silêncio. In.: FREIAS, Marcos Cézar de.
Historiografia Brasileira em perspectiva. São Paulo: Contexto, 1998.
MATOS, Maria Izilda S. de. Por uma história da mulher. Bauru - SP: EDUSC, 2000.
3
SAFFIOT, Heleieth. A Mulher na Sociedade de Classes. Mito e Realidade. São Paulo: Quatro A, 1969.
14
Na história social, voltada para as identidades coletivas e para os grupos sociais,
antes excluídos da história, como as mulheres, operários, camponeses, enfim, as pessoas
comuns, as mulheres encontraram campo para se inserirem como sujeitos da história.
As discussões, num crescente, tomam força na década de 1980, ao abordarem a
atuação das mulheres na vida social, seu cotidiano, conferindo-lhes um papel de sujeito
histórico, de luta e de participação na construção e transformação da vida social,
econômica, cultural e política. O estudo da história das mulheres, conforme Rago, ganha
estatuto próprio e participa da construção de uma “cultura das mulheres”.
Apesar dessa produção historiográfica inicial ter possibilitado a visibilidade das
mulheres, de ter recuperado a participação, a atuação como sujeitos no processo
histórico, Matos, no mesmo viés, afirma que: “torna-se cada vez mais necessário, sem
esquecer a opressão histórica sobre as mulheres, superar a dicotomia ainda fortemente
presente entre a ‘vitimização’ da mulher - uma análise que apresenta um processo
linear e progressista de suas lutas e vitórias - e a visão de uma ‘onipotência’ e
‘rebeldia’ feminina, que algumas vezes estabelece uma ‘heroicização’ das mulheres”.
4
Assim, segundo a autora, surge a possibilidade de se recuperar a experiência
coletiva de mulheres e homens em toda a sua complexidade. Buscar uma forma
metodológica mais adequada para recuperar as relações sociais entre os sexos, a atuação
e a participação da mulher e do homem no processo histórico.
Além de terem sido vistas dentro da categoria “sujeito” universal, a História
social, acabou por também sofrer críticas: Critica-se a história social por trabalhar
com identidades prontas, anteriores ao fazer histórico, e por negligenciar as
construções simbólicas e culturais dos agentes em suas experiências de vida (...) aponta
para a utilização da categoria ‘mulher’ como entidade social e empírica fixa; numa
perspectiva essencialista, que perde as multiplicidades de sujeitos subsumidos em tal
categoria”
5
.
Contudo, não significa que esta produção não foi importante, porque, conforme
a autora, dentre vários pontos positivos, contribuiu para o conhecimento da participação
das mulheres na história do país, do movimento feminista mais de duas décadas (de
1980 em diante), quebrando o silêncio de uma historiografia universal masculina,
tornando visível as mulheres no espaço público e possibilitando a desconstrução das
tradições culturais, obstáculos para o crescimento pessoal e profissional das mulheres.
4
MATOS, Maria Izilda S. de. Por uma História da Mulher. op. cit., p. 15.
5
RAGO, Margareth. As mulheres na historiografia brasileira. op. cit., p. 7-8.
15
A partir das décadas de 1970 a 1980, essa forma de análise foi questionada e a
idéia de uma identidade única foi superada, possibilitando a introdução de várias
identidades, da diferença através da posição econômico-social ocupada, etnia e sexo.
A “História Cultural”
6
vem acrescer à História Social, no sentido de que “se não
bastidores da História, nem atores à espera de seus papéis, é importante perceber o
jogo, os múltiplos jogos que se estabelecem nas configurações discursivas. Trata-se de
perceber sujeitos e objetos como resultados de práticas culturais, como efeitos, mais do
que como produtores”
7
.
Portanto, nos últimos anos, as ciências sociais romperam com paradigmas e
conceitos dados como certos na nossa realidade, tentando-se assim, desmitificar
conhecimentos pretendidos verdadeiros, uma forma de criticar a ideologia dominante, o
poder vigente, o discurso universal. Nesse sentido, torna-se possível nesse movimento,
conhecer a heterogeneidade da nossa sociedade. Possibilita desconstruir o velho e
construir o novo, trabalhar com a diversidade, com o cotidiano, perceber que a tradição
convive com o novo, mostrando-nos as dimensões de uma realidade multifacetada. A
historiografia não privilegia somente o político e o econômico como antes, mas entra,
também, numa outra dimensão, qual seja, o social. As temáticas, os instrumentos, as
fontes se tornam, dessa forma, renovadores, fazendo emergir novos conceitos. Percebe-
se que o nosso universo é a diferença, as experiências vividas a partir das relações
sociais historicamente construídas e datadas que dizem respeito aos agrupamentos
sociais e não individuais. Redefinir o social significa então, englobar o cotidiano das
pessoas, as relações sociais, as formas diferentes de representações, as práticas políticas
e simbólicas diferenciadas, e, por isso, o nosso campo de estudo é o diverso, é o
heterogêneo.
Nessa perspectiva, chegamos em um momento no qual as premissas e teorias
dadas como únicas, responsáveis pelas análises da forma histórica de dominação e dos
modos de existência social e política, estão se dissolvendo progressivamente. O
6
Sobre a História Cultural ver: HUNT, Lynn. A Nova História Cultural. São Paulo: Martins Fontes,
1992.
Cf. VAINFAS, Ronaldo. Da história das mentalidades à história cultural. Revista História. São Paulo:
UNESP, v. 15, 1996.
Vainfas nos chama a atenção para os modelos possíveis de história cultural, para as diferenças entre esses
modelos, abordando principalmente, Ginburg, Chartier e Thompson. São maneiras diferentes e até
excludentes, mas que, todas “reabilitam a importância dos contrastes e conflitos sociais no plano cultural
(...) é neles que se tem inspirado, aliás, boa parte da produção universitária brasileira no campo da história
cultural.” (Ibidem, p. 140.)
7
RAGO, Margareth. As mulheres na historiografia brasileira. op. cit., p. 8.
16
desconstruir, o desmontar e a crítica às universalidades dadas como fixas, prontas e
universais, mostraram-se como alternativas teóricas das pesquisadoras feministas,
femininas e de outros historiadores sociais.
Portanto, não é estudar as “mulheres” à parte, mas dentro da sociedade, em suas
contradições e tensões que ocorrem em épocas diferentes. De acordo com Del Priore:
“Trata-se de desvendar as intricadas relações entre a mulher, o grupo e o fato,
mostrando como o ser social, que ela é, articula-se com o fato social que ela também
fabrica e do qual faz parte integrante. As transformações da cultura e as mudanças de
idéias nascem das dificuldades que são simultaneamente aquelas de uma época e as de
cada indivíduo histórico, homem ou mulher”
8
.
Assim, a busca das relações produzidas pelo homem e pela mulher, no seu
espaço temporal, a análise das tecituras do cotidiano, implica numa atitude mais aberta
para a possibilidade de vivências que não foram captados pelas formas já
institucionalizadas, normatizadas, que afloram entre as brechas da norma e da ação dos
indivíduos.
É possível uma reinterpretação da história através de uma ponte entre o passado
e a prática do presente. No mesmo viés cita Sohiet: “permite-nos pensar a mulher e o
homem como diversidade no bojo da historicidade de suas inter-relações (...) a inter-
relação entre a micro-história e o contexto global permite a abordagem do cotidiano,
dos papéis informais e das mediações sociais - elementos fundamentais na apreensão
das vivências desses grupos, de suas formas de luta e de resistência. Ignorados num
enfoque marcado pelo caráter totalizante, tornam-se perceptíveis numa análise que
capte o significado de sutilezas, possibilitando o desvendamento de outras formas
invisíveis”
9
.
Houve, portanto, uma abertura aos estudos feministas e femininos, abriu-se um
campo historiográfico que procurava valorizar a experiência histórica e social das
mulheres enquanto seres ativos e concretos. A experiência concreta das mulheres ao
longo dos tempos, através do conhecimento específico, vem nos mostrar a
contraposição aos valores culturais de dominação, através das práticas nas relações de
poder no dia-a-dia. Nesse sentido, segundo Dias: “O quotidiano, visto pelo prisma de
nossa contemporaneidade enquanto espaço de mudança, de resistência ao processo de
dominação define um campo social de múltiplas interseções de fatores que contribuem
8
DEL PRIORE, Mary. História das mulheres no Brasil. op. cit. p. 9.
9
SOHIET, Rachel. História das mulheres. op. cit., p. 107-60.
17
decisivamente para transcender categorias e polaridades ideológicas. Interseções que
aproximam e diluem um no outro conceitos ideológicos estratégicos como o público e o
privado, o biológico e o mental, a natureza e a cultura, a razão e as paixões, o sujeito e
o objeto (...) tanto na medida em que estão determinadas, como no processo em que
estão se transformando e sendo transformadas”.
10
Na busca desse caminho para as mudanças, entendemos que a análise deve-se
voltar para o lugar inicial, de onde surge o movimento da produção e reprodução do ser
humano, da sua própria vida que é o cotidiano. É o cotidiano, o lugar concreto da vida
de todos os dias, onde as relações de poder, de dominação se apresentam na prática e de
forma real.
Petersen
11
, ao abordar a questão da temática da vida cotidiana a partir da década
de 1980, entende que um vasto campo de referências para o historiador do cotidiano,
como importantes contribuições.
Destacando a importância de Foucault nesta temática, a autora afirma: “...
Foucault tem uma direção que envolve a questão da cotidianidade. (...) sua teoria dos
micropoderes aproximou a análise política das minúsculas práticas cotidianas,
desenvolvendo a idéia de que a opressão tem sua origem não em mentes maquiavélicas,
mas em um conjunto de mecanismos miúdos que se infiltram pela trama social (...)
Explica também como no Estado moderno, ao lado da codificação jurídica do poder,
surge uma outra face do mesmo, extra-jurídica, que é a disciplina. A escola, a cadeia, o
asilo, o quartel, o hospital, a fábrica, etc. formam uma rede disciplinar que junto com a
instância jurídica visível do Estado destina-se a produzir docilidade e submissão.
O sistema de dominação tem várias estratégias e a repressão, censura e a
coação é apenas uma delas - extrema - pois o poder pode ser algo produtivo, que reduz,
alicia e desarma em vez de excluir e banir.”
12
Nesse sentido, os mecanismos estratégicos são usados através de discursos,
dispositivos, os quais são controlados, vigiados, selecionados, redistribuídos, causando
efeitos em todas as esferas da sociedade. Passa pelo indivíduo, pela família, mentes e
corpos, escolhas e ações.
10
DIAS, Maria Odila da Silva. Teoria e Método dos Estudos Feministas: perspectiva histórica e
hermenêutica do cotidiano. In.: Uma Questão de Gênero. op. cit., p. 51-52.
11
PETERSEN, Sílvia Regina Ferraz. Dilemas e desafios da historiografia brasileira: a temática da vida
cotidiana. História & Perspectivas. Uberlândia, n. 6. p. 25-44, jan./jun./1992.
12
Ibidem. p. 41.
18
É, portanto, no cotidiano, que as relações de poder de dominação, entre homens
e mulheres se manifestam e acontecem na prática revelando toda a riqueza, a
diversidade, a produção e reprodução dos indivíduos enquanto tais.
Visto por esse prisma, partimos de um “ponto de inserção” do tema para, a partir
dele, produzirmos o conhecimento histórico. Esse tipo de conhecimento, caracteriza-se
por sua concretude, porque delimita-se o lugar, a situação, a posição relativa do grupo
social ou mulheres a serem estudadas no conjunto de uma certa sociedade.
É dentro desta perspectiva, que este trabalho propôs-se a abordar as “Mulheres
Empresárias de Patos de Minas nas décadas de 1980 a 1990”, na tentativa de dar voz a
essas mulheres, participantes e ativas no contexto econômico, social, cultural e político
da sociedade à qual pertencem. A entrada destas mulheres no mercado de trabalho, em
uma área antes restrita aos homens, levou-nos a questionar a mudança de
comportamento, os fatores responsáveis por essa transformação e suas conseqüências. A
busca da identidade, de mais autonomia, liberdade e emancipação destas mulheres nos
levou a refletir também acerca da existência, ainda, de preconceitos, discriminações e
barreiras em suas “inserções” no mercado de trabalho. Buscou-se conhecer o modelo
“patriarcal”, detectar os valores, os preconceitos e discriminações que permeiam o
imaginário coletivo. Na tarefa de historiadora, além de mulher, preocupou-nos a
“desmistificação” e o “desmascaramento” dessa construção do discurso masculino, do
forjamento do segundo sexo, frágil, de intelectualidade inferior ao do homem, por
interesses econômicos, sociais, culturais e religiosos.
O interesse por esse tema se explica, também, pela vontade de tentar desvendar
as rupturas que essas mulheres fizeram em sua formação tradicional, pois foram
educadas nas décadas de 1960 e 1970, nas quais as profissões dadas como “femininas”
eram, basicamente, as de professoras, enfermeiras, estudantes, telefonistas, entre outras.
Não obstante, a maioria das mulheres nesta época, eram “do lar”. Como as “mulheres
empresárias” avançaram para além deste “cerco”, como conseguiram arrebentar as
amarras dessa educação, cultura e formação tradicionalista foi, também, um dos fatores
motivadores para a realização deste trabalho.
São vinte e quatro mulheres empresárias
objeto dessa pesquisa que iniciaram
suas atividades, em sua maioria, nas décadas de 1980 e 1990 (Anexo 1). Atuam em
áreas diversificadas, quais sejam, no comércio, na prestação de serviços e na indústria.
São, em sua maioria, de origem urbana. A idade das mulheres empresárias varia de 37
anos a 71 anos, sendo doze casadas, cinco divorciadas, quatro solteiras e três viúvas.
19
Tiveram uma formação rígida, limitadora, moralista, mas são, hoje, diferentes de suas
mães em relação à formação diferenciada que passam a seus filhos.
Nas suas entrevistas, as mulheres empresárias falaram sobre o seu lugar nesta
sociedade, suas identidades, seus pontos de vista. Além delas, quatro homens,
empresários, maridos de empresárias e de mulheres que não trabalham fora de casa,
foram entrevistados para comparação e/ou contraposição e percepção de alguns “olhares
masculinos” em relação às mulheres que estão no “espaço público”. A relação com os
nomes dos homens encontra-se no Anexo 2.
O relacionamento entre o entrevistado e o entrevistador é um fator importante
para que a entrevista seja dada com confiança e liberdade. A relação de empatia
estabelecida entre os envolvidos gera uma abrangência maior sobre a memória, a
história de vida que se propõe captar.
As empresárias entrevistadas para este trabalho foram selecionadas, para além da
diversidade profissional, pela opção do conhecimento, da confiança, da liberdade em
narrar suas histórias de vida à minha pessoa.
As entrevistas foram orientadas por perguntas, as quais permitiram a
comparação das respostas de todas as empresárias e empresários, com as leituras
teóricas sobre o tema, com os jornais locais e fontes documentais utilizadas. Apesar de
terem sido feitas com perguntas orientadas, as entrevistadas tiveram um critério de
liberdade, que possibilitou a elas “passearem” e retomarem suas trajetórias de forma
minuciosa e, não raro, detalhada. Desta forma, as entrevistas ficaram ricas e os objetivos
para se alcançar as representações, o simbólico, seus valores, formação, hábitos,
costumes, trabalho, relações entre marido, filhos, companheiros, lazer, sexualidade,
enfrentamentos, dificuldades, preconceitos, discriminações, comportamento, enfim, o
cotidiano, foram alcançados. Cada entrevista daria uma “dissertação de Mestrado”,
devido ao seu conteúdo rico e vasto, e totalizaram mais de mil páginas, sendo portanto,
impossível anexá-las neste trabalho. Na impossibilidade de fazer uso de todas em sua
integridade, usamos alguns pontos para as contraposições ou afirmações necessárias
com as outras fontes, conforme o propósito do trabalho. Todas elas foram gravadas em
fitas cassetes, depois transcritas e assinadas para autorização de uso. Estão arquivadas
como fontes, no LEPEH - Laboratório de Ensino e Pesquisa em História do Curso de
História da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras do Centro Universitário de Patos
de Minas - UNIPAM. Além desta, constam-se também, outras fontes documentais
pesquisadas.
20
Nosso estudo foi centrado na cidade de Patos de Minas, situada na mesorregião
do Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba em Minas Gerais (Anexo 3), cuja população em
2000 era de 123.708 habitantes; com uma taxa de crescimento anual de 2,35.
13
De
acordo com Marluce Martins de Oliveira Scher
14
, Patos de Minas é uma cidade pólo da
região, devido a sua localização privilegiada, próxima de fornecedores de matérias-
primas, de centros importantes e consumidores de seus produtos.
Segundo Oliveira Mello,
15
a pecuária e a agricultura influenciam muito a
economia, sendo responsáveis pela geração de emprego para a mão-de-obra ociosa. O
desenvolvimento do comércio ocasionou o crescimento da cidade. Na década de 1940,
surgiram lojas com características de departamentos. Nos anos de 1955/65, houve um
grande crescimento devido:
“a construção de Brasília. Aqui era caminho obrigatório do Rio e de Belo
Horizonte para a futura capital. O município torna-se, de certa forma, centro
de apoio, polarizando a região vizinha e se colocando como entreposto
comercial dos los regionais e macrorregionais como Belo Horizonte e
Uberlândia. Também registra-se nesse período novas melhorias de infra-
estrutura básica, principalmente com a chegada da Cemig e da CTBC,
dotando-nos de iluminação e energia elétrica e de serviço interurbano do
telefone, respectivamente.”
16
Ainda na fala de Oliveira Mello, o setor terciário é muito desenvolvido. Houve
expansão no comércio de máquinas agrícolas, fertilizantes, sementes, industrialização
de pedras, carvoeiras e o comércio de hortifrutigranjeiro se intensificou, além dos
serviços comerciais (comércio de mercadorias e nas áreas financeiras).
“Segundo dados recentes, elaborados pela Secretaria Municipal da Fazenda,
no ano de 1990, o número de estabelecimentos comerciais foi de 1765, onde
1669 são varejistas e 96 atacadistas.”
17
É dentro deste contexto que estão inseridas as “mulheres empresárias de Patos
de Minas”, tomando-se o recorte em 1980-90, devido à necessidade de um registro
“oficial”, que “provasse a existência” das empresárias. Procuramos este registro na
Câmara de Dirigentes Lojistas - CDL de Patos de Minas, fundada em 1979. Foi feito o
levantamento de todos os associados, nome e número de empresas com os respectivos
13
Patos de Minas é o 5
o
município em desenvolvimento. Folha Patense. Patos de Minas, 10/03/2001, p.
20.
14
OLIVEIRA SCHER, Marluce Martins de. Aeiou. A Educação na Rede Municipal de Patos de Minas
1993/1996, p. 6.
15
OLIVEIRA MELLO, Antônio de. 100 Anos de Comércio em Patos de Minas. Patos de Minas: Edição
do Clube de Diretores lojistas de Patos de Minas - CDL, 1992.
16
Ibidem, p. 69-70
17
Ibidem, p. 73
21
proprietários masculinos e femininos em suas respectivas áreas de atuação, quais
sejam: comercial, prestação de serviços e industrial.
Esse mesmo levantamento foi feito na ACIPATOS - Associação Comercial e
Industrial de Patos de Minas.
No Cartório de Registro Civil das Pessoas Naturais da Comarca de Patos de
Minas, pesquisamos todas as profissões de homens e mulheres a partir da década de
1960 até 2000, verificando casamento por casamento, onde são registradas as profissões
masculinas e femininas. Com esta pesquisa, fizemos o levantamento proposto sobre a
formação tradicional e a “derrubada” dessa educação da mulher para o “lar”, através do
registro da CDL (Câmara de Dirigentes Lojistas) com um número expressivo de
empresárias, o que não foi comum no Cartório de Registro Civil, como também através
da ACIPATOS (Associação Comercial e Industrial de Patos de Minas), buscando o
registro de seus associados para uma maior abrangência e conhecimento dos filiados,
tanto as mulheres como os homens, para a relação e comparação em percentuais com o
Cartório de Registro Civil.
Com os dados obtidos através das associações, usamos um método diferente ao
da amostragem das empresárias. Como foi possível, dentro destas associações, o acesso
ao número registrado pelas mesmas desde o início de sua fundação até hoje e a busca
das profissões no Cartório de Registro Civil, fizemos uso do método de pesquisa de
dados quantitativos, decodificados em percentuais, em dados estatísticos.
O corpo documental, portanto, foi múltiplo: além dos dados acima, buscamos
jornais, revistas, Estatuto Municipal e de Regulamento do Comércio Local, Diagnóstico
Sócio-econômico do Município (SEPLAN), Perfil do Município de Patos de Minas,
Cadastro das Empresárias - CDL - Câmara de Dirigentes Lojistas de Patos de Minas,
ACIPATOS - Associação Comercial e Industrial de Patos de Minas, SEBRAE Patos de
Minas/MG, SINDIVEST - Sindicato Intermunicipal da Indústria do Vestuário de Patos
de Minas e Alto Paranaíba, Cartório do Registro Civil das Pessoas Naturais da Comarca
de Patos de Minas, IBGE, entrevistas com as mulheres empresárias e com homens,
empresários locais. Os diagnósticos, jornais e revistas nos deram a posição econômica
do município, contribuindo para uma avaliação de Patos de Minas, no uso do enfoque
“oficial” para contrapor com a “fala” das mulheres empresárias.
Ao lado desse corpo documental soma-se a leitura de literatura especializada,
para embasar nossas análises.
22
Através dos depoimentos das mulheres empresárias , procuramos detectar o
controle da sexualidade, as diferenças que são determinadas pela sociedade, o
comportamento, o trabalho da mulher controlados pelo poder dominante, pelo universo
masculino, numa abordagem com o intuito de denúncia, de des-construção, de reflexão
e possibilidades de outras alternativas nas relações entre homens e mulheres.
Nessa perspectiva, Muraro diz que “falar, andar, olhar são modos socialmente
determinados de sentir e pensar e toda uma visão do mundo. Esta visão passa pela
divisão social do trabalho: há gestos e posturas, modos de ser considerados masculinos
e femininos e através deles meninos e meninas se identificam com seu sexo, tal como ele
é socialmente definido. Assim, qualquer gesto envolve o reconhecimento de uma ordem
política dada, que distingue a posição hierárquica dos homens, das mulheres, das
idades, etc.”
18
A construção cultural sexista é mantida através das instituições, pelas normas de
comportamento, pelas leis, pelos mecanismos econômicos, políticos, jurídicos e
ideológicos.
19
Ao referirmos à construção da cultura, acreditamos estar percebendo o seu
sentido, os objetivos implícitos para seu funcionamento, denunciando como acontece a
dominação, percebendo as mudanças produzidas e, naturalmente, o conhecimento
para a transformação desta cultura construída. As relações sociais, as normas, os
valores, os comportamentos e as subjetividades, mostram-nos que a mudança não se
efetiva apenas com as mulheres sozinhas, e, sim, em toda a sociedade.
A mulher não é separada da história, por isso ela procura sua colocação como
sujeito social, antes excluído, subestimado, com a intenção de superar essa condição. É,
portanto, uma proposta de transformação, uma postura política sobre a condição
feminina.
20
As relações sociais nos remetem ao espaço das relações familiares, na percepção
de uma cultura de dominação e de transformação, de uma subjetividade a partir do sexo,
de identidades sexuadas e de práticas sociais, percebendo que homens e mulheres não
18
MURARO, Rose Marie. Sexualidade da mulher brasileira. Corpo e classe social no Brasil. 2 ed.,
Petrópolis: Vozes, 1983, p. 23.
19
Cf. DEL PRIORE, Mary. Ao sul do corpo. Condição feminina, maternidades e mentalidades no Brasil-
Colônia. 2. ed., Rio de Janeiro: José Olympio, 1995.
SOIHET, Rachel. Enfoques Feministas e a Historia: Desafios e Perspectivas. Mimeo. p. 104.
20
COSTA, Albertina de Oliveira. BRUSCHINI, Cristina. (Orgs.). Uma questão de gênero. Rio de
Janeiro: Rosa dos Tempos, São Paulo: Fundação Carlos Chagas, 1992.
Cf. RAGO, Margareth. A categoria do gênero no pós-estruturalismo. Depto. de Historia. UNICAMP 14-
17 mar./1995. Mimeo.
23
estão dados numa identidade cristalizada, inquestionável para sempre. Fosse isso
verdade, não haveria história, conforme diz Sousa Lobo.
21
Ao conhecermos essa cultura construída procuramos a sua permanência e as
práticas sociais para sua “des-construção”, ou seja, ao mesmo tempo que se denuncia a
dominação revela-se também as práticas sociais e as atitudes que a transformam ou não.
Lembra-nos Pedro
22
que as imagens femininas, ao serem construídas, correm o
risco de serem reprodutoras apenas das normas, dos estereótipos, do mítico, presentes
na longa duração da cultura ocidental cristã, sendo portanto, uma falsa questão. A partir
dessa premissa é que nos preocupamos em dar historicidade a essas imagens, os
momentos em que, numa determinada formação histórica, elas são reativadas.
Preocupa-nos, também, como essas mulheres demonstram a resistência às normas
culturais ou não, as suas tentativas de mudanças em relação aos estereótipos e, portanto,
a importância de sua presença e de seu comportamento nos embates sociais.
A História Oral
23
, metodologia usada, apesar das grandes discussões sobre seu
uso e limitações metodológicas, permitiu-nos descobrir que os depoimentos das
entrevistadas são fontes riquíssimas, produzidas “in loco”, autênticas e, portanto,
diferentes de qualquer outra.
Amado compreende que: “a pesquisa com fontes orais apóia-se em pontos de
vista individuais, expressos nas entrevistas; estas são legitimadas como fontes (seja por
seu valor informativo, seja por seu valor simbólico), incorporando assim elementos e
perspectivas às vezes ausentes de outras práticas históricas - porque tradicionalmente
relacionados apenas a indivíduos - como a subjetividade, as emoções ou o
cotidiano.”.
24
21
SOUZA-LOBO, Elizabeth. Os usos do gênero. Depto. de Sociologia, Univers. de São Paulo, 1987.
Mimeo.
22
PEDRO, Joana Maria. Mulheres honestas e mulheres faladas: uma questão de classe. 2 ed.,
Florianópolis: Ed. da UFSC, 1998.
23
“A denominação ‘história oral’ é ambígua, pois adjetiva a história, e não as fontes - essas, sim, orais. A
depreciação foi criada numa época em que as incipientes pesquisas históricas com fontes orais eram alvo
de críticas ácidas do mundo acadêmico, que se recusava a considerá-las objetos dignos de atenção e,
principalmente, a conceder-lhes status institucional. No embate que se seguiu, pela demarcação e
aceitação do novo campo de estudos, o adjetivo ‘oral’, colado ao substantivo história’, foi sendo
divulgado e reforçado pelos próprios praticantes da nova metodologia, desejosos de realçar-lhe a
singularidade, diferenciando-a das outras metodologias em uso, ao mesmo tempo em que lhe afirmavam o
caráter histórico. Hoje, a designação ‘história oral’ tornou-se de tal forma difundida e aceita - o ‘atestado
visível da identidade de seu portador’, a que se refere Bourdieu, a propósito de nomes, neste volume - que
nos pareceu secundário reabrir a disputa em torno dela; outras questões, mais substanciais para o
momento, permanecem ainda mergulhados em confusão.” FERREIRA, Marieta de Moraes, AMADO
Janaína. (Orgs.) Usos & abusos da história oral. Apresentação. Fundação Getúlio Vargas, s/d.
24
FERREIRA, Marieta de Moraes, AMADO Janaína. (Orgs.) Usos & abusos da história oral.
Apresentação. op. cit. p. VIII.
24
A história oral usada neste trabalho também gerou os documentos, as entrevistas
das mulheres empresárias e, portanto, de acordo com a autora, têm uma característica
singular, porque resultaram no diálogo entre o entrevistador e o entrevistado, ou seja,
entre o sujeito e o objeto de estudo, levando-nos a buscar outras formas de
interpretação. É também, este trabalho, na perspectiva temporal da história oral, uma
história do tempo presente, legitimada como objeto da pesquisa e da reflexão histórica.
A partir dos anos de 1980, as discussões acerca das relações entre passado e
presente na história mudaram a idéia que identificava o objeto histórico ao passado. Daí
em diante, novas possibilidades surgiram para o estudo da história do século XX.
Inclusive, Chartier
25
enfatiza que o historiador, na história do tempo presente, é
contemporâneo de seu objeto e divide com os que fazem a história, seus atores, seu
objeto, as categorias e referências. A falta de um distanciamento, então, não é
inconveniente, mas um instrumento que facilita a compreensão da realidade tratada.
Torna-se um lugar privilegiado para reflexões em torno das formas e os mecanismos de
introjeção do social pelos indivíduos de uma mesma formação social.
Por esse caminho, através da memória das entrevistadas, da história oral, o
objeto de estudo é recuperado, é criado e passa a direcionar, nortear as reflexões
históricas. As histórias de vida, os depoimentos pessoais, ou seja, as experiências
individuais, de acordo com Giovanni Levi
26
, asseguram a transmissão de uma
experiência coletiva, constituem-se, então, numa representação que reflete uma
percepção do mundo, dão às pessoas maior liberdade para observarem como os sistemas
normativos funcionam concretamente. A história de vida de cada uma das mulheres
empresárias apontou-nos, através de suas visões, como se apresenta a sociedade à qual
elas pertencem, o grupo social que constituem.
De acordo com Ecléa Bosi, ao registrar a voz e, através dela, a vida e o
pensamento dos seres, alcançamos uma memória pessoal que é também uma memória
social, familiar e grupal. Dessa forma, a preocupação com a veracidade dos fatos do
narrador não é preocupante porque “seus erros e lapsos são menos graves em suas
25
CHARTIER, Roger. A visão do historiador modernista. In.: FERREIRA, Marieta Moraes; AMADO,
Janaína. Usos & abusos da história oral. op. cit.
26
LEVI, Giovanni. Usos da biografia. In.: FERREIRA, Marieta Moraes; AMADO, Janaína. Usos &
abusos da história oral. op. cit.
Cf. BOURDIEU, Pierre. A ilusão biográfica. In.: FERREIRA, Marieta Moraes; AMADO, Janaína. Usos
& abusos da história oral. op. cit.
25
conseqüências que as omissões da história oficial”.
27
O que nos interessa é aquilo que
cada uma lembrou, que foi marcante em suas vidas para ser falado, que ficou e/ou
continua sendo como forma de pensar, de ver, de se colocar.
Dessa forma, trabalhamos com a memória das mulheres empresárias a partir de
sua origem social, formação, educação, valores, a inserção no mercado de trabalho, suas
dificuldades, discriminações, preconceitos existentes, as relações sociais, familiares, as
mudanças percebidas e registradas durante o período do recorte (1980-1990), quanto às
suas atividades de trabalho e às suas relações na cotidianidade.
As mulheres empresárias, ao se exporem em relação ao “antes e hoje”,
demonstraram goas, ressentimentos, rupturas, mudanças e/ou permanências em
relação a valores, tradições. Mostraram-se contraditórias, ambíguas, complexas,
diversas e principalmente, mudadas e acrescidas de muitas experiências vividas no dia-
a-dia.
Nessa perspectiva, conseguimos através das entrevistas das mulheres
empresárias, o significado daquilo que para cada uma foi importante, o que permanece e
o que está mudando, permeado pelas diferenças, pelas relações familiares e individuais,
pelos enfrentamentos das dificuldades, discriminações e preconceitos, os quais foram
ressaltados pela maioria das mulheres.
Ecléa Bosi, cita que “a memória permite a relação do corpo presente com o
passado e, ao mesmo tempo, interfere no processo ‘atual’ das representações. Pela
memória, o passado o vem à tona das águas presentes, misturando-se com as
percepções imediatas, como também empurra, ‘desloca’ estas últimas, ocupando o
espaço da consciência. A memória aparece como força subjetiva ao mesmo tempo
profunda e ativa, latente e penetrante, oculta e invasora”.
28
Nesse sentido, ao
lembrarmos hoje, no presente, buscamos algo no passado que nos marcou e
reconstituímos, reelaboramos essa “imagem-lembrança” como uma representação.
Ainda de acordo com Bosi, “a imagem-lembrança tem data certa: refere-se a uma
situação definida, individualizada...”.
29
Por isso, muitas vezes, imaginamos seguir um determinado percurso ou linha de
pensamento e, de repente, conforme os depoimentos, as proposições mudam, aspectos
27
BOSI, Ecléa. Memória e sociedade: lembranças de velhos. 2 ed., São Paulo: T. A. Queiroz: Editora da
Universidade de São Paulo, 1987, p. 1.
28
Ibidem. p. 9
29
Ibidem. p. 11.
26
nunca pensados surgem e trazem sempre novas descobertas. Trazem, incorporadas, as
emoções, a subjetividade, a individualidade.
Também buscamos Thompson ao dizer que: “A história oral é uma história em
torno das pessoas. Ela lança a vida para dentro da própria história e isso alarga seu
campo de ação. Admite heróis vindos não dentre os líderes, mas dentre a maioria
desconhecida do povo... Traz a história para dentro da comunidade e extrai a história
de dentro da comunidade”.
30
Com os cuidados metodológicos necessários à história oral, no que diz respeito
aos silêncios
31
entre as falas, suspiros, risos, olhares, reticências, choro, emoções
evidenciadas, tempo para recordar e, principalmente, a subjetividade contida em cada
entrevistada, procurou-se analisar, contrapor, criticar, desenvolver, comparar o conteúdo
dos depoimentos, as idéias, seus valores, crenças, significados e as mudanças ocorridas
ou não. É necessário atenção na pontuação, no significado, ritmos, pausas, porque
revelam as emoções do narrador, como a história o influenciou ou influencia, como é a
sua participação. Pelo mesmo viés de Ecléa Bosi, Alistair Thomson coloca que a
memória “gira em torno da relação passado-presente; envolve um processo contínuo
de reconstrução e transformação das experiências lembradas”
32
devido às mudanças
nos relatos públicos sobre o passado. As reminiscências variam conforme as alterações
de identidade pessoal e compõe-se um passado com o qual possamos conviver, constrói-
se o reconhecimento essencial para a sobrevivência social e emocional, busca-se
afirmação da identidade na sociedade.
Por isso, o processo de compor reminiscências, de recordar, é uma tentativa de
compô-las para se adequarem ao que é aceito. Assim, ainda citando Alistair Thomson,
“é uma das principais formas de nos identificarmos quando narramos uma história - o
que pensamos que éramos no passado, o que somos no presente e o que gostaríamos de
ser”.
33
Nessa perspectiva, procurou-se neste trabalho, através das entrevistas com
representantes de um segmento da sociedade de Patos de Minas, dar voz a essas
mulheres, recuperar este momento da história, para que estejam inseridas como sujeitos
30
THOMPSON, E. P. A voz do passado: História oral. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1998, p.44.
31
POLLAK, Michael. Memória, Esquecimento, Silêncio. In.: Estudos Históricos. Rio de Janeiro: Ed.
Revista dos Tribunais Ltda. V. 2. n. 3. 1989.
32
THOMSON, Alistair. “Recompondo a memória: questões sobre a relação entre a História Oral e as
Memórias”. Ética e História Oral. Projeto História. Revista do Programa de Estudos Pós-graduados em
História e do Departamento de História da PUC. São Paulo: EDUC, 1981, p. 57.
33
Ibidem, p. 57.
27
históricos, ativos e participativos da história local em sua articulação necessária com os
planos mais gerais da História.
Nesse sentido, este trabalho, sem a pretensão de ter esgotado o tema, mas sim ter
trabalhado com uma amostra das mulheres empresárias para um conhecimento do
segmento, procurou contribuir para a recuperação e preservação da história local, da
memória, mesmo que parcialmente. É oportuno lembrar Chartier quando ele diz:
“Sabemos que a história do tempo presente, mais do que qualquer outra, é por
natureza uma história inacabada: uma história em constante movimento, refletindo as
comoções que se desenrolam diante de nós e sendo portanto objeto de uma renovação
sem fim. Aliás, a história por si mesma não pode terminar”.
34
Apesar de termos uma vasta bibliografia produzida sobre o estudo das
mulheres a partir dos anos de 1970, principalmente a partir dos anos de 1980
35
,
incluindo abordagens sobre a cultura no Brasil e outras que esclarecem-nos a
justificativa e a tentativa da naturalização das diferenças, das dicotomias entre mulher e
homem, a educação sexista, enfim, o forjamento entre desigualdades baseadas nas
diferenças entre os sexos, cremos, contudo, que este estudo se diferencie dos demais, no
que se refere ao objeto da pesquisa, pois desconhecemos até o presente momento,
trabalhos que tenham abordado especificamente o tema sobre as mulheres
empresárias”, na cidade de Patos de Minas.
Na divisão dos capítulos deste trabalho, partimos do geral para o particular, ou
seja, da contextualização das mulheres empresárias para o seu cotidiano.
No primeiro capítulo, sob o título “Rompe-se o Espaço Privado”, abordou-se a
origem social das mulheres empresárias, sua formação e educação, através das
entrevistas. A pesquisa foi usada para a percepção da arrancada para a nova profissão,
particularmente, da empresária. Através dos depoimentos, procurou-se saber as
motivações que levaram as empresárias a saírem do “espaço privadopara o “espaço
público” e os preconceitos às profissões dadas como masculinas. Para a “visibilidade”
do número das empresárias em Patos de Minas, fez-se um estudo sobre as profissões,
34
CHARTIER, Roger. A visão do historiador modernista. op. cit. p. 229.
35
Na impossibilidade de citar todas, fazemos referência apenas à:
Cf. MATOS, Maria Izilda de. Por uma história da mulher. op. cit.
SCOTT, Joan, História das mulheres. op. cit.
SOUZA-LOBO, Elizabeth. A classe operária tem dois sexos: trabalho, dominação e resistência. São
Paulo: Brasiliense, 1991.
SAFFIOTI, Heleiet. A mulher na sociedade de classes. Mito e realidade. op. cit.
CHAUÍ, Marilena. Repressão sexual. Essa nossa (des)conhecida. 12 ed. São Paulo: Brasiliense, 1991.
28
usando os registros de casamento do Cartório de Registro Civil, para detectar as
profissões femininas e masculinas na década de 1960 até o ano de 2000 e as pesquisas
feitas na CDL (Câmara de Dirigentes Lojistas), com todos os cadastros dos associados,
mulheres e homens, separados posteriormente, para se chegar à porcentagem feminina,
a partir de 1980. Da mesma forma, usamos cadastros da ACIPATOS, (Associação
Comercial e Industrial de Patos de Minas) como fonte “oficial” para dar visibilidade às
empresárias.
Abordou-se o contexto histórico de Patos de Minas, enfocando o discurso oficial
da cidade através dos jornais e revistas e o discurso das mulheres, ou seja, como elas
percebem e vêem o município.
No segundo capítulo, O Cotidiano das Mulheres Empresárias”, buscou-se
conhecer especificamente a amostra do estudo, através de seus hábitos, costumes,
valores, dificuldades, barreiras, discriminações, relação do contexto econômico dos
anos de 1980 e 90, educação dos filhos, lazer, divisão das tarefas domésticas, relação
com os filhos, marido ou companheiros, a mulher privada versus pública, ou seja, mãe e
profissional com as perdas e renúncias. As relações de poder foram percebidas na
maioria dos depoimentos, ao enfocar as relações familiares com maridos e
companheiros, onde alguns não admitem que não sejam o “chefe” da casa, superior à
mulher e aos filhos.
As entrevistas foram bastante privilegiadas nesse capítulo, porque são elas as
histórias vivas, o documento para o conhecimento, para as análises, contrapontos,
comparações, dimensões, significados, confirmações, mudanças, permanências e
representações.
No terceiro capítulo, o Olhar da Mulher” e o “Olhar do Homem”, enfocamos a
participação da mulher empresária dentro das associações, do sindicato, no sentido de se
perceber como se a relação de poder nesses espaços, se preconceitos ou
discriminações por serem mulheres.
Procurou-se detectar qual é a imagem simbólica que a mulher empresária tem de
si mesma e na sociedade. O perfil da mulher empresária foi elaborado através das
características necessárias para o mercado de trabalho, traçado por elas mesmas e,
também, procurou-se a “imagem da mulher” pelo discurso oficial, através dos jornais
locais. Abordou-se a questão da condição masculina, ou seja, se os homens estão
mudando ou resistindo às mudanças e uma discussão sobre “poder e sexualidade”, para
um alerta à dominação masculina hegemônica e os discursos “naturalizantes” de
29
dominação nas relações de poder entre homem e mulher. Nesse capítulo, privilegiam-se
muito as entrevistas dos homens empresários junto às das mulheres.
Por esses caminhos, pretendemos escrever uma história com a “voz das
mulheres” inseridas numa sociedade ainda machista, com a fala de seu “lugar social”,
com seus valores e identidades para interferir na realidade, na tentativa de uma proposta
de transformação e mudança, frente à condição da mulher.
30
CAPÍTULO 1 - ROMPE-SE O ESPAÇO PRIVADO
“Eu venho de uma família de classe média baixa, como a maioria de nossa
geração de Patos de Minas, porque a classe média alta desapareceu (quase).
Meu pai é fazendeiro e eu sempre tive aquilo que eu almejei, roupa, calçados,
estudava em boas escolas... mas quando você tem dinheiro e pode fazer o que
quiser, claro que é diferente. Existe uma diferença muito grande, porque você
começa a valorizar aquilo em que você acredita. (...) Eu sempre gostei muito
desse lado de ter as minhas coisas, de consegui-las e de conquistá-las.” Maria
Almira Mesquita
1.1. Origem Social e “Diferenças do Grupo”
As vinte e quatro mulheres empresárias de Patos de Minas entrevistadas para o
nosso estudo apresentam alguns elementos comuns: a maioria é da própria região ou de
suas vizinhanças, nascidas predominantemente na área urbana - 75%, contra 25% da
zona rural. Pertencem aos segmentos da sociedade para os quais família e educação são
valores importantes. Educadas, em sua maioria, de forma rígida, tiveram portanto, uma
formação mais severa, onde o diálogo sobre sexo, sexualidade, corpo, prazer,
menstruação, virgindade, praticamente não existiu. Eram assuntos considerados
“proibidos” e a mulher era vista como sendo “intocável”. A maioria foi criada para ser
primeiro dona de casa e mãe e depois é que se pensaria na profissão. Atualmente, ou
seja, em 2000, observamos a mudança nessas mulheres, por transmitirem aos seus filhos
uma educação diferenciada daquela que receberam de seus pais. Entretanto, os valores e
os princípios morais recebidos dos pais de origem não mudaram, sendo os mesmos
passados aos seus filhos.
Das vinte e quatro empresárias entrevistadas, nove vieram de famílias mais
humildes, cujos pais tinham grande número de filhos, numa média de 4 a 8 irmãos.
Dessas nove, seis são oriundas da zona rural, mudando-se para Patos de Minas com o
objetivo de trabalhar e estudar:
31
Neide: “... eu venho de uma família muito pobre, muito humilde. Então, todo
mundo tinha que trabalhar, tinha que se virar, independente de sexo, tinha que
trabalhar mesmo para (...) ajudar em casa, ajudar a criar os outros irmãos (...)
oito irmãos”.
Das que vieram da zona rural, apenas uma relatou que o pai não tinha
dificuldades financeiras para criar e educar os filhos:
Neusa: “Meu pai era bem conservador, um homem que sempre morou na
fazenda (...) as filhas mulheres em casa (...) eu fiquei na fazenda até os 12
anos (...) Minha mãe tinha o quarto ano primário e meu pai era praticamente
analfabeto, ele nunca estudou (...) Foi a minha mãe que alfabetizou meu pai
(...) mudamos aqui para Patos justamente para estudar (...) Éramos sete
irmãos: dois homens e 5 mulheres.”
Dentro ainda do grupo, oito das empresárias são de um nível social médio, filhas
de farmacêuticos, fazendeiros e comerciantes. Dessas, quatro vieram de outras cidades:
uma, de cidade pequena próxima para estudar, duas acompanhando o marido e uma,
solteira, para acompanhar a família. O número de filhos das famílias de vel médio
variava de 2 a 8 filhos, indicando também famílias numerosas.
Outras sete, vieram de família de nível social alto, cuja preocupação central dos
pais era o estudo de nível superior. Apenas uma dessas sete não é natural de Patos de
Minas, vindo de uma cidade pequena próxima. De início, essa mesma entrevistada não
ficou na cidade com a família, sendo encaminhada para Belo Horizonte com 11 anos de
idade para estudar num colégio de freiras. O fato de estudar em colégio de freiras não
era incomum, mas devido à idade e distância para a época (1949) a tornava uma
exceção.
Terezinha: “Eu saí de casa aos 11 anos de idade. Quando todo mundo saía da
Lagoa Formosa para estudar em Patos de Minas, meu pai me mandou para
Belo Horizonte. Em 49 nós gastávamos dois dias daqui à Belo Horizonte;
almoçávamos em São Gotardo, jantávamos em Melo Viana, dormíamos em
Pará de Minas... E no dia seguinte, por volta de onze horas, meio dia é que a
gente chegava em Belo Horizonte. Eu tinha 11 anos e viajava sozinha... E
assim fomos crescendo nessa independência, até chegar aos 63 anos,
totalmente liberada de tudo e de todos.”
Dessas sete empresárias, três saíram da cidade para fazer curso superior (Belo
Horizonte, Uberaba), mas com idade maior entre 17 e 18 anos e datas mais recentes
de 1970 a 1980. Dentro ainda desse grupo, três são filhas de médicos, cujos pais
privilegiavam a formação intelectual:
Carlúcia: “Lá em casa, nessa parte da intelectualidade, acho que a gente foi
acima da época, porque meu pai trabalhou muito essa parte do estudo, uma vez
que ele é médico e minha mãe também tinha o curso de professora e
32
nutricionista. A gente veio de uma família de pessoas estudadas. Então eles
valorizaram muito o estudo.”
O número de filhos nessas famílias de nível mais alto variava de três a sete filhos
e percebe-se que existe uma diferença com o número de filhos entre as próprias
empresárias, ou seja, o número de filhos diminuiu bastante em relação às suas famílias
de origem e de procriação.
36
A maioria das mulheres, ou seja, 75% têm de dois a três filhos. Entendemos que
essa redução do número de filhos está ligada ao trabalho fora do lar. No depoimento
abaixo, observa-se esse motivo explícito:
Eliana: “Nós optamos por um filho exatamente por isso, porque eu trabalho
muito, eu viajo muito e ele também. Ele aula à noite e nós dois gostamos da
nossa profissão, e achamos que para ter mais filhos seria muito mais difícil.”
Em relação ao estado civil, das vinte e quatro empresárias, treze são casadas,
quatro são divorciadas, quatro são solteiras e três são viúvas.
No que se refere ao grau de instrução, as empresárias vão do primário (uma)
passando pelo 1
o
grau, hoje Ensino Fundamental (duas); 2
o
grau, hoje Ensino Médio
(quatro); superior incompleto (uma); e superior completo (dezesseis).
Dessas, quatro têm cursos de especialização, três das quais no exterior (de um a
três cursos) nos Estados Unidos, China, Argentina e uma delas com estágios em dois
países: Estados Unidos e Inglaterra.
Portanto, a maioria das mulheres empresárias têm curso superior, o que indica
uma demanda bem maior à procura de estudo e aperfeiçoamento em relação às suas
próprias mães porque, de acordo com as entrevistas, apenas duas empresárias possuem
mães com ensino superior.
A religião predominante das mulheres entrevistadas é a Católica Apostólica
Romana, ou seja, vinte; três são Espírita Cardecista e uma não tem religião.
36
De acordo com BRUSCHINI as famílias “como grupos sociais concretos (...) são unidades sintéticas ou
resumidas, na medida em que a realidade não cabe por inteiro no modelo. Na sociedade ocidental
moderna o modelo predominante de família é um grupo composto de marido, mulher e filhos. A relação
conjugal é o elo mais forte, mais importante do que os laços pelo lado fraterno. Predomina o parentesco
bilateral. O papel do pai, de via de regra, identifica-se com o de pai biológico. O controle da sexualidade
feminina apoia-se na necessidade de determinar e garantir a paternidade biológica. Nesse sistema os
indivíduos adultos pertencem a duas famílias distintas, de origem e de procriação”.
BRUSCHINI, Maria Cristina Aranha. Mulher, casa e família - Cotidiano nas camadas médias
paulistanas. São Paulo: Fundação Carlos Chagas: Vértice: Ed. Revista dos Tribunais, 1990, p. 37.
Cf. DURHAM, Eunice R. Família e Reprodução Humana. In.: Perspectivas Antropológicas da Mulher. 3
ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1983, p. 13-44.
33
Observou-se na fala dessa maioria católica que a religião é um fator de grande
importância e direcionamento em suas vidas no lar e no trabalho.
Terezinha: “Sou Católica Apostólica Romana, comunhão diária. Fui criada
debaixo do manto da Imaculada e sou daquelas pessoas que ficam
impressionadas quando alguém dizer: ‘Eu agora mudei de religião e
encontrei o meu Deus’. O meu Deus está dentro de mim, eu não o encontro fora
de mim. (...) E acho que é ainda dentro da religião católica que você encontra
os melhores ensinamentos.”
Neusa: “... faço parte do movimento de Cursílio de Jovens, de Cristandade (...),
encontro de casais com Cristo, e faço parte também da Pastoral da Liturgia”.
Dágma: “... nós colocamos em nosso lar, em nosso trabalho, Deus em primeiro
lugar, e tentamos passar isso para nossos filhos e nossos netos...”
Chama-nos a atenção o grande número de mulheres católicas pelo fato de a
Igreja, num primeiro momento, condenar a mulher que sai fora dos padrões da família
ideal. Acreditamos que, se a Igreja Católica sobrevive por tantos séculos até hoje, é
porque de alguma maneira se adequa aos novos tempos, reformulando-se conforme as
mudanças. De acordo com Chauí: De fato, a partir do século XX muda a posição da
Igreja porque muda o foco da discussão. Até nosso século, a questão do sexo e do
casamento foi tratada pela Igreja a partir de duas oposições fundamentais:
prazer/dever, prazer/procriação. O amor sempre esteve ausente. Agora é ele o centro
da formulação. Até o século XX, a Igreja tratou o amor sob dois ângulos: como amor
profano a ser afastado, e como amor divino; o amor sempre foi emasculado ou
transformado em caridade. Agora, o amor profano recupera dignidade. (...) Para
conservar o controle social-sexual, a Igreja não poderia ignorar as mudanças da
sociedade contemporânea, o advento da psicanálise, e a consolidação de uma cultura
leiga (...) o papel dado ao amor, forma de valorizar enormemente a família (a parede
adornada pela Sagrada Família), tem um significado político: é a resposta da Igreja
contra os movimentos socialistas, sobretudo os do final do século XIX e início do século
XX, que pretendiam desfazer todas as instituições repressivas da sociedade burguesa,
aí compreendia a família na forma do casamento monogâmico indissolúvel.”
37
Nesse sentido, observamos que a Igreja procura avançar em sua postura frente ao
casamento, à família, devido às transformações da sociedade contemporânea. Contudo,
as mudanças se dão para a manutenção do controle social-sexual, da família, do
casamento monogâmico. A mudança não altera a estrutura organizacional, mas, ao
37
CHAUÍ, Marilena. Repressão sexual. Essa nossas (Des)conhecida. op. cit., p. 100-1
34
contrário, procura fortalecê-la.
Parece-nos que o padrão da família sagrada não mudou, e, sim, os seus
“arranjos” para a manutenção dos valores patriarcais.
Ainda sobre o grupo das mulheres empresárias, verificou-se que
economicamente a maioria tem condições de usufruir dos serviços de funcionários
contratados, incluindo empregadas domésticas, cozinheiras, motoristas e outros. Apenas
uma disse não haver necessidade devido ao mero reduzido de pessoas em casa (só
mãe e filha). Segundo Cardoso
38
, a presença de uma “empregada doméstica” pode
ajudar a camuflar alguns conflitos entre marido e mulher à procura de uma divisão mais
equilibrada nas tarefas domésticas, principalmente quando a mulher trabalha fora de
casa. Portanto, a doméstica supre a ausência da mulher no trabalho do lar, tornando-se o
seu “passaporte” para a vida pública. É uma espécie de “profissional substituto”, que
“cobre” as ausências “culturais” da mulher em casa.
Dalci: “(Tenho) três funcionárias (...) e motorista.”
Gláucia: “Eu tenho uma cozinheira, uma arrumadeira, e as duas dividem
os meninos; tenho uma lavadeira e uma moça que vai à noite.”
Maria Ângela: “Toda vida eu tive secretária e inclusive às vezes, tinha até
duas. Atualmente, só eu e Ana Carolina, estou tendo mais é uma faxineira.”
O início da atividade como empresárias deu-se para quinze mulheres, após o
casamento. Apenas cinco eram empresárias antes do casamento e quatro mulheres
não se casaram. Ressalta-se que não significa que as mulheres não trabalhassem antes
do casamento ou antes de se iniciarem propriamente como empresárias. Muitas delas,
pelos depoimentos, disseram ter trabalhado antes, em variadas ocupações como:
secretária, recepcionista, telefonista, enfermeira, costureira, manicure, cabeleireira, dona
de boutique, bancária, fiscal, fotógrafa e professora.
Como o propósito desta pesquisa foi analisar as “mulheres empresárias”, a
atenção recaiu, então, a partir do momento que essas mulheres se lançaram no mercado
de trabalho como empresárias”. A entrada no mercado de trabalho das mulheres dessa
amostra se refere, portanto, à data de início nessa atividade, e não em relação às
ocupações anteriores.
Entretanto, chamamos a atenção para um dado importante, ou seja, se muitas das
mulheres exerciam outras profissões anterior à profissão de “empresária”, isto significa
38
CARDOSO, Ruth. A adesão dos homens ao feminismo: uma estratégia de sobrevivência. 7
a
reunião
da ANPOCS, 1983.
35
que a “entrada no mercado de trabalho” se deu antes da década de 1980, data de nossa
referência. Independentemente da profissão de “empresária”, a maioria havia entrado
no mercado e tinha, portanto, uma experiência sobre o mesmo. Talvez nem tanto como
a “profissão de empresária” exigisse, por ser completamente autônoma. Contudo, não
deixava de possuir alguma experiência de trabalho.
Outro dado que ressaltamos é que as profissões da maioria das mulheres
anteriores ao nosso marco - 1980 - eram essencialmente femininas e, portanto, a maioria
não tinha “avançado” no nosso reduto masculino focalizado, ou seja, o do
“empresariado”.
Assim é que duas mulheres adentraram o mercado de trabalho como
“empresárias” na década de 1960; uma na de 1970; treze na década de 1980 e sete na
década de 1990. Justifica-se assim, o recorte da pesquisa, tendo em vista que a presença
e o início das mulheres da amostra como “empresárias” se deu em maior número nas
décadas de 1980 e 1990.
O traço comum da metade das mulheres da amostra, conforme dito acima, é
terem iniciado na área empresarial, após o casamento, ou seja, doze delas afirmaram ter
condições de começar, pelo fato do marido ter contribuído com o capital inicial; sete
disseram ser com capital próprio, duas devido à herança dos pais e três, com a ajuda de
capital do pai.
Chama-nos a atenção esse dado curioso, porque a maioria das mulheres, ou seja,
dezessete têm a saída para uma atividade dita “masculina”, com apoio masculino o
marido ou a herança do pai ou o próprio pai. Ou seja, mesmo sendo considerado um
avanço no “reduto masculino” é com a ajuda dos homens que elas entram no mercado
de trabalho.
No que se refere ao casamento e aos maridos, onze das mulheres são casadas
com empresários; duas com profissionais liberais: médico e engenheiro. Os maridos das
quatro mulheres divorciadas eram: três empresários e um médico. As três viúvas eram
casadas com um empresário, um médico e um fazendeiro.
Nesses termos é compreensível o apoio financeiro dos maridos às suas mulheres,
porque, a julgar pela ocupação deles, a injeção de capital significa também mais
investimento financeiro em uma atividade já conhecida por eles.
Nessa perspectiva, os dados apresentados até o momento, ou seja, o modelo
familiar cristão, a presença da empregada doméstica e do capital do marido ou de outro
36
homem, aponta-nos muito mais para a permanência de padrões do que propriamente
para rupturas.
1.2. Educação e Controle
“Eu fui criada em uma cultura onde tudo era errado, tudo era pecado. Não
podia dançar, carnaval não podia ir... Quando eu fui ao carnaval (primeira
vez) a todo momento eu ficava pensando: ‘Que hora será que eu vou encontrar
com o capeta?’, para você ter uma idéia (risos...) eu ficava pensando que hora
que ele ia aparecer para mim (...) Tudo era na base do pecado...”. Neusa
Rodrigues Moreira
A educação na formação das empresárias tem uma semelhança marcante: todas
foram educadas dentro de um ambiente muito rígido, com limites de horários para
chegar em casa e namoros vigiados.
Percebe-se que ao mesmo tempo que foram preparadas para o casamento, havia
uma “aceitação” da mulher ser dona de casa e trabalhar fora. Isso, na década de 1940,
tendo em vista que a referida entrevistada tem hoje, 70 anos.
Auzônea: “E eu, com treze anos, não quis estudar, não quis continuar a
estudar no colégio interno. meu pai me colocou para trabalhar no balcão.
(...) Meu pai não discriminava (mulher ou homem) no trabalho. (...) De tudo eu
participava. (...) eu tinha uma vida voltada para as duas coisas (...) Tanto fazia
estar atendendo a uma parte comercial como estar na cozinha, lavando prato
ou ajudando a fazer um biscoito, um doce, atendendo gente e tudo. Até a época
em que me casei eu não achava que existia diferenças, (...) devido à criação de
berço.”
De acordo com a entrevistada, era normal a mulher fazer somente o primário e
não continuar:
Auzônea: “... o primário naquela época eqüivalia a científico hoje (...) E eu
não tenho complexo por isso”.
Na década de 40, a qual a entrevistada se refere, não era comum realmente as
mulheres estudarem.
De sua época, (pela idade atual), temos mais duas empresárias: uma com 71
anos, que se formou no magistério e estudou em colégio de freiras, com incentivo dos
pais aos estudos, mas para se casar. A outra (com 63 anos) teve o direcionamento do
37
pai, exclusivo para o estudo, saindo de casa para estudar com 11 anos de idade, também
em colégio de freiras.
Das vinte e quatro empresárias, dez delas receberam uma formação primeiro
“para casar”, mesmo tendo que estudar, ter uma profissão; e outras catorze foram
formadas primeiro para serem independentes, terem uma profissão, para depois pensar
em casamento.
Foram internas em colégio de freiras cinco mulheres. Duas estudaram em
colégio confessional. Em escolas públicas e particulares até o ensino médio e/ou ensino
superior, dezessete mulheres, sendo a maioria, em estabelecimentos particulares. Vinte e
uma (a maioria) eram estudantes na década de 1960, observação feita através da idade
atual das mesmas e, portanto, receberam uma educação e formação de acordo com a
referida década.
Conforme Puga de Sousa, a educação básica das mulheres nos anos 1960 era
para exercerem o papel de “Rainhas do Lar”, dedicando-se às tarefas domésticas, à
educação dos filhos. A procura do emprego só acontecia no caso dos maridos não serem
capazes de sustentar a casa ou em casos nos quais os filhos já estavam crescidos. Diz a
autora que “a mulher nos anos 60 sofreu, na sua forma, influências das décadas
anteriores. Influências essas que refletiram-se nas falas de educadores, religiosos,
médicos e da própria família. Desses saberes constituídos sob ângulos diferenciados,
foi possível facetar a mulher, mãe, esposa educadora. (...) estas faces comporiam o
papel social da mulher.”
39
Nesse sentido, a educação dada às mulheres foi basicamente para atuarem
apenas no espaço doméstico, como também para serem submissas, obedientes. Contudo,
três mulheres afirmaram terem tido pais um pouco mais liberais na educação e vinte
tiveram pais conservadores, muito rígidos. Apesar desse “um pouco mais liberal”, todas
afirmaram terem tido limites e controle no comportamento, muito diferente da educação
de hoje. Isso é semelhante em todas as mulheres.
Perguntadas sobre a educação que receberam dos pais, responderam:
Gláucia: “... meu pai (...) falava: ‘Casar? Que bobagem, minha filha!’ Todos
três (dois homens e uma mulher) foram criados para serem independentes, para
cuidar de suas vidas e não depender de ninguém, não tinha diferença nenhuma.
(...) Não criou (para casamento). (...) (Foi) Profissional. ‘Vai ser independente,
mulher não pode depender de homem. Mulher tem que ter vida própria, porque
se amanhã você está num relacionamento que não é bom para você, você vai
39
SOUSA, Vera Lúcia Puga de. Entre o bem e o mal (Educação e sexualidade nos anos 60). Dissertação
de Mestrado. USP, 1991, p. 289.
38
embora e vai cuidar de sua vida. Vai ser feliz!’ Meu pai sempre falou isso. (...)
(desde) 1970.”
O depoimento indica, para a época, que a forma de direcionar a vida dos filhos
estava em mudança, contrapondo à forma tradicional de educação dos anos 1960. Nesse
exemplo, o pai era mais liberal que a mãe, que tentava “frear” a filha. Essa entrevistada
é uma das três que afirmou ter tido “pai mais liberal”.
Observa-se que a forma de criar os filhos não é homogênea entre o próprio pai e
a mãe. Alguns pais eram mais “fechados”, mais severos dos que as mães, ou o contrário,
pais mais “liberais” e mães mais “severas”.
Maria Almira: “... minha mãe é mais nova que meu pai 17 anos e ela sempre
achou que as mulheres tem que ir à luta, estudar, viajar, conhecer o mundo, ser
independentes. E meu pai achava que mulher tem que se casar cedo. (...) O
aprendizado foi sempre uma briga e eu optei pela opinião da minha mãe,
gostei mais da formação que ela me direcionou.”
No depoimento, a mãe é mais liberal que o pai. Em alguns casos, observa-se
coerência entre os cônjuges, e em outros, a tomada de decisões ou direcionamento em
casa, fica por conta de um dos cônjuges.
Cynthia: “... meus pais, apesar de uma geração passada, eles tinham a cabeça
muito arejada, muito aberta, mesmo porque minha mãe foi criada no Rio de
Janeiro (...) a gente pode imaginar que foi mesmo uma criação diferenciada.
E meu pai também. (...) Então, ele achava que nós, mulheres (três filhas, talvez,
por isso, com mais força), que nós tínhamos que ter a nossa independência, que
a gente não tinha que depender do marido, mas ele tinha aquele lado moral,
que ele fazia muita questão, de que a gente seguisse aqueles preceitos, aqueles
valores (...) Hoje eu acho muito válido porque serviu muito para a postura da
gente. Mas, em relação a trabalhar (sim)... ser criada para ser dondoca dentro
de casa, não.”
Como nos indica a entrevista, a criação recebida pelos pais, vindos de uma
cidade grande, era diferenciada em relação à maioria das famílias da época, em Patos de
Minas, cidade interioriana, com costumes mais fechados e rígidos em relação ao Rio de
Janeiro. Mas, contudo, observou-se que existiam pais de cidade pequena ou da zona
rural, com a mesma “cabeça aberta” na formação dos filhos.
Ou seja, parece-nos que, nesses casos, a questão da formação, a forma de pensar
e ver o mundo, de educar os filhos, não teve diferenciação em termos geográficos.
Muitas empresárias, por exemplo, vieram do meio rural ou de cidades pequenas,
algumas filhas de pais semi-analfabetos ou apenas com o nível primário e, no entanto,
foram criadas para a independência.
39
Terezinha: “(...) meu pai era um homem de Lagoa Formosa
40
, que tinha a
quarta série, naquela época quarto ano primário. Quando nós saímos para
estudar — e eu já disse aqui que todo mundo ia estudar em Patos de Minas e no
máximo em Patrocínio, meu pai me mandou para Belo Horizonte. Ele dizia
assim: ‘A única fortuna que eu tenho certeza que vou deixar para vocês é a
educação. Então, eu quero escolher aqui o que eu posso dar de melhor para
vocês. E ele escolheu o Imaculada.”
A seguir, o depoimento de uma mulher empresária vinda do meio rural, cujo pai
tinha também o ensino primário:
Neide: “(...) minha educação foi um pouco machista, a gente tinha que
preparar comida para os irmãos, preparar roupa... Eles não podiam fazer
nada, a gente fazia as coisas dentro de casa. Mas não fomos preparadas
para o casamento não, porque eu venho de uma família muito pobre, muito
humilde. Então, todo mundo tinha que trabalhar, tinha que ajudar em casa,
ajudar a criar os outros irmãos. (...) na minha família as mulheres se
sobressaíram bem mais que os homens. (...) Meus pais, por incrível que pareça,
por eles serem bem... eu falo incrível, porque eles eram simples. (...) A minha
mãe — hoje ela está com setenta e tantos anos ela também foi uma pioneira,
ela trabalhou... Com o quarto ano primário (naquela época, quarto ano uma
formatura) ela saiu para as roças lecionando nas fazendas. Então, ela
ganhava o próprio o, se defendia (...) a minha mãe, na década de 1930,
1940, ela era uma mulher batalhadora. Nunca foi uma dona de casa.
Então, ela não criou a gente para dona de casa (...) Meu pai (...) era liberal (...)
mas tinha essa questão de: ‘os homens podem e as mulheres não podem’, isso
mais na questão social, o lazer, o prazer... Os homens podiam bem mais do que
a gente.”
Nota-se que a educação entre as empresárias divergia em alguns pontos: ora era
com divisão de tarefas, ora não havia, ou seja, todos os filhos faziam igualmente os
trabalhos domésticos, sem diferença de sexo. Contrapunham-se em relação à prioridade
nos pontos da formação que direcionavam primeiramente ou para o “casamento” ou
para serem independentes. Tanto que, no próximo depoimento, percebe-se a “aceitação”
natural do casamento como sendo um “fim marcado” para todas as mulheres. Observa-
se a resignação no depoimento.
Marli: “A educação sempre foi para eu ter uma certa escolaridade, casar e ter
filho. Era o fim de toda mulher mesmo.”
A educação da época da entrevistada, década de 1960, era realmente a referida
no depoimento acima. Era essa a formação difundida pela ideologia, pelas instituições,
ou seja, a mulher não precisava estudar, era criada para ser mãe, geradora de filhos,
reservada ao espaço do lar.
40
Lagoa Formosa é uma cidade próxima à Patos de Minas - 22 Km. No ano de 1949 era ainda distrito de
Patos de Minas.
40
Referindo-se também sobre a formação da época, ao papel que era dado à
mulher, um empresário ressaltou:
José Soares: “(minha esposa) ela nunca trabalhou fora. Nós tivemos muitos
filhos, eu sou pai de sete filhos, e ela ficou sempre envolvida com os filhos em
casa, com os afazeres de casa. (...) Mas se fosse para começar, eu preferiria
que ela trabalhasse fora.”
Apesar do entrevistado afirmar que na época o comum era a mulher ficar
somente no espaço privado, observa-se que hoje sua opinião é diferente, ou seja, se
fosse para começar a vida, desejaria que a esposa trabalhasse fora.
Na mesma linha, uma outra entrevistada foi educada com todo o direcionamento
para o casamento, sem nenhum preparo para a “vida pública”, recebendo todos os
cuidados da mãe, “tudo pronto nas mãos”. Por circunstâncias familiares, mais tarde,
“virou” o jogo e “saiu” do “casulo” no qual foi criada.
Fátima Prado: “(...) eu fui filha única, mulher, no meio de cinco homens. E eu
perdi meus pais com 14 anos. Mas do que eu me lembro, do que eu vivi, de toda
a minha experiência, eu estava sendo preparada para ser “dona de casa”,
apesar de estudar, de meus pais falecerem, que eu ia fazer uma faculdade. Eu
não estava no contexto da conversa empresarial que escutava, porque eu era
filha de empresário. Então se discutia negócios, meus irmãos trabalhavam
(dois). Então, apesar de eu ter 14 anos, nunca falaram de dinheiro para mim,
nunca falaram de negócios comigo, nunca me pediram opinião nenhuma.
Minha mãe morreu quando eu tinha 14 anos e não sabia comprar uma
calcinha, um soutien, uma blusa... eu não sabia se preto combinava com verde,
se marrom combinava com preto... Tudo me era dado na mão! faltava eu
sair do banho e a minha roupa estar na cama para eu vestir. Então, a minha
educação... era por aí... a minha mãe tentava me por na socila... postura
(etiqueta) e essas coisas... (mas) eu sempre fui muito rebelde. Porque vendo
cinco irmãos homens, eles brincando descalços, de calção, de estilingue, de
futebol (...) e querendo me ensinar a sentar, a cruzar a perna? (risos...) O meu
universo não era aquele, tinha ela, e minha mãe era superfina. Mas o meu
universo não era ela, meu universo era os meus irmãos com que eu convivia ali,
não é? Eu via o que estavam fazendo. Então, eu era chamada a atenção: ‘Você
é muito moleca, está parecendo um homem’! Você não é homem, você é
mulher! (sobre sexualidade)... diálogo nenhum. Eu fiquei menstruada na rua,
cheguei em casa — eu sabia o que era menstruação — foi em casa que eu vi, eu
estava suja... Eu procurei a minha mãe e falei assim: ‘mãe, eu fiquei
menstruada’. E ela falou. Espera que eu vou trazer um ‘modess’. Me deu o
‘modess’ na mão e nunca conversou comigo. Eu até hoje não me lembro, como
é que eu saí com a calça manchada... eu saí do banheiro social da casa, como é
que eu cheguei até o segundo andar? Eu devia estar... com vergonha eu lembro,
agora, como é que eu saí com a calça manchada sem ninguém perceber...
Nunca teve conversa.”
Afonso afirma que as meninas, as mulheres enfim, sofrem uma pressão cultural
das várias instituições da sociedade para serem “femininas” e, por isso, pode ocorrer
uma negação de sua sensualidade, porque esta se lhe apresenta ao mesmo tempo
41
proibida e requisitada. Por isso, ao negar “esse lugar”, a menina tem vontade de brincar
“como menino”.
A menstruação, nunca falada pelas mães das décadas anteriores, é um estigma:
“... culturalmente, a menstruação é cheia de conotações negativas, ela nos a marca,
um traço negativo, um menos: o estigma.”
41
Por isso, a menstruação sempre foi tratada com inquietude, medo, de forma
oculta. É a “ordem cultural” que procura garantir a alienação da mulher, como ser
impuro, falho, secundário. Assim, algumas se sujeitam aos projetos da dominação
patriarcal, acreditando-se inferior, suja, imunda
42
. E esse tabu, esse preconceito, passado
de geração em geração, é percebido até o presente, nos depoimentos de muitas mulheres
empresárias, cujas mães nunca falaram sobre a menstruação com elas. Era como se não
existisse, simplesmente.
Eliana: “Não foi (educação) direcionada assim” ‘Você tem que ser uma
profissional (...) você tem que casar’. (Sexualidade) Jamais! Nunca foi
conversado isso comigo, a gente ficava sabendo na escola, as amigas
comentavam e tal... Mas nunca minha mãe sentou e falou como deveria ser, que
a partir de tal idade eu ia menstruar, e que eu ia ter a possibilidade de
engravidar (...) Nossa, mas nunca!”
Confirma-se também, no depoimento acima, a negação do corpo feminino, da
sexualidade, da presença do estigma.
O que se percebe, apesar das mães das mulheres empresárias terem se omitido
nesse ponto, é que algumas dessas mulheres hoje superam essa ‘alienação”, esse tabu,
esse preconceito em relação à menstruação, recebidos dos grupos de origem. Significa,
é claro, uma vontade de independência também do corpo, da sexualidade, da identidade
e da essência feminina.
Os depoimentos colocados neste item, indicam “formações” diferenciadas numa
mesma época, ou seja, algumas direcionadas desde cedo para serem “independentes”,
profissionais em primeiro plano, e outras sendo preparadas” para serem donas de casa,
para o casamento.
Apesar dessas alterações sinalizadas, o traço comum observado em todos os
depoimentos das mulheres foi a questão da educação mais austera, no que tange aos
limites, ao controle social, a uma educação moral rígida, sem diálogo sobre sexo e/ou
41
AFONSO, Lúcia; VON SMIGAY, Karen. Enigma do feminino, estigma das mulheres. In.: COSTA,
Albertina de Oliveira; BRUSCHINI, Cristina. (Orgs.) Rebeldia e submissão: estudos sobre condição
feminina. São Paulo: Vértice: Ed. Revista dos Tribunais: Fundação Carlos Chagas, 1989. p. 188
42
SICUTERI, Roberto. Lilith. A lua negra. Trad. Norma Telles; J. Adolpho S., (Coord.). 2 ed., Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1985.
42
sexualidade, como se fossem assexuadas. Assuntos como “menstruação”, prazer,
procriação, nunca foram abordados pelos seus pais. Tudo era visto como “tabu”.
Dágma: “Eu fui criada com muita rigidez. (...) Meu pai nem tocava nesse
assunto (sexo) com a gente, de jeito nenhum! Tudo de bom que eu tenho na
vida, eu aprendi com o meu pai, porque ele não tinha instrução nenhuma, mas
ele tinha uma honestidade e uma seriedade e ele passou isso para a gente. Mas
ele era bravo com relação a tudo, a essa parte de sexualidade, que a gente não
tinha liberdade nenhuma para conversar isso com ele. Nenhuma, nenhuma!”
Não é diferente a criação da época em relação ao sexo masculino, porque alguns
empresários ao comentarem sobre a formação em relação ao sexo, se exprimiram como
Paulo:
Paulo: “Parece que era bicho-papão naquela época. Nunca tive oportunidade
de conversar sobre esse assunto, nem com meu pai, nem com minha mãe. Tudo
que a gente foi aprendendo foi na escola; a gente começou a estudar
Biologia e, logo, foi despertando... E mesmo os próprios companheiros,
inclusive, é, muito perigoso hoje o tipo de companheiro que anda com nossos
filhos, porque se eles tiverem maus companheiros, provavelmente terão
problemas. Então, acredito que tudo que eu vim a conhecer foi voluntariamente
e através das companhias.”
Observamos uma contradição ou uma mudança de postura do entrevistado num
determinado momento, ao dizer que aprendeu sobre sexo com as companhias e, em
seguida, chamar a atenção para os perigos dos companheiros do filho. Ou seja, ele
próprio aprendeu com seus companheiros, mas hoje critica o aprendizado do filho com
os seus.
As fronteiras entre valores e limites são difíceis de serem estabelecidas na fala
das entrevistadas. Ao mesmo tempo que declaram terem tido muitos limites pelos pais,
talvez como forma de eximi-los do “não diálogo”, em determinados assuntos, como
sexo, por exemplo, reforçam o que receberam como valores e que são perpetuados de
geração em geração.
Ao falar do modelo ideal da mulher, Del Priore cita: “A fabricação da ‘santa’ foi
resultado da percepção que tiveram a Igreja e o Estado modernos da influência salutar
ou perniciosa da mulher na família e na sociedade. Fénelon, em 1687, atribuía a
educação dos homens e suas desordens ao exemplo que teriam recebido em casa. Não
poderia haver boa educação se as mulheres, e sobretudo as mães, não se educassem. O
seu papel jamais poderia ser negligenciado. O isolamento desta mulher, desta mãe e
desta que deveria torna-se “santa” no ínterim do lar, engendrou mecanismos de
resistência a tal situação, mas também uma certa confusão de “papéis”. Fazer filhos, tê-
los e criá-los tornou-se um poder. Mas a maternidade e a feminilidade acabaram por
43
sofrer um processo de imantação. A mãe passou a ser uma auxiliar do sacerdote e uma
representante da legislação. Devota, obediente, dessexualizada e destituída de paixões,
faz-nos pensar em quantas mulheres teriam de fato se sentido mulher sob essa norma.
43
A educação limitadora é o mecanismo de controle da pessoa, não permitindo-lhe
fugir das regras impostas. Revela-nos uma situação de “policiamento” o tempo todo em
relação ao sexo oposto, para não “avançar” na forma que lhe foi imposta por essa
educação.
Carlúcia: “Primeiro profissionais e não donas de casa, inclusive minha mãe
não ensinou a gente a fazer bolo (...) nem arrumar cama (...) o tempo era para
estudar, não era para aprender tarefa doméstica. (...) na parte da sexualidade,
nós tivemos a mesma educação das mulheres da nossa época: a gente não
podia namorar, a gente não podia pegar na mão; a gente tinha que voltar para
casa às 10 horas da noite... jamais o meu pai permitiu o sexo antes do
casamento, jamais! Então, a gente teve uma cultura e uma educação, nesse
prisma... eu acho que foi até um pouco difícil, porque castra um pouco a gente
(...) Pensa que é pecado, e nem se sente bem. Então nessa parte, acho que
faltou muita conversa, (eles não conversavam com a gente), muito
esclarecimento nessa parte.”
Observa-se o preconceito em relação à não virgindade, ao sexo, como “pecado”
antes do casamento. Não mudava a questão da rigidez na educação, tanto ela sendo dada
pelos pais para casar ou não. Nesse sentido, afirma Chauí que a virgindade é vista como
sendo uma graça ou dom de Deus (Virgem Maria) ou como uma conquista. E o
casamento, que antes não era sacramento, passa a sê-lo porque serve de “freio” e
segurança para a mulher.
44
Maria Ângela: “Eu estudei num colégio de freiras, dentro daquelas normas
mais rígidas. Em casa a gente saia pouco, o pai não permitia... e nada de
passeios fora como hoje tem os nossos filhos. (...) na época dos namorados
procurava um que via que podia dar o casamento... E quando viam que não ia
dar certo seguimento, nos faziam parar (com o namoro). (a questão da
sexualidade) Deve ter sido a parte mais mal orientada, que nós lutamos — eu e
minhas irmãs — hoje. Nós lutamos foi nessa parte porque eu não sei se a minha
mãe é muito fechada — minha e é italiana e muito brava, sabe? Não
conversava nada dentro de casa. (...) não havia diálogo, não havia orientação
e, assim, tudo muito proibido (...) as regras não podia usar (roupa) sem manga
(...) Eu nem sei como a gente ficava sabendo. Eram as amigas, não é? (...) ou a
gente descobria sozinha (...) o prazer era pecado.”
O descobrimento do corpo, do prazer, dado como pecado foi, conforme o
depoimento acima, uma descoberta sozinha, ou no máximo, com as conversas entre as
amigas.
43
DEL PRIORE, Mary. Ao sul do corpo. op. cit. p. 122
44
CHAUÍ, Marilena . Repressão sexual. Essa nossa (des)conhecida. op. cit.
44
Conforme Del Priore
45
, a mulher, devido à herança da formação herdada de
ultramar, confundia-se com o pecado, porque sua imagem foi diabolizada. A
mentalidade de controlar a mulher tanto era de interesse da Igreja, como também da
sociedade androcêntrica colonizadora. Daí, essa mentalidade em relação ao corpo, ao
prazer como fonte de pecado presente na cultura.
Dalci: “Essa foi minha criação (...) para ser mãe e dona de casa (...) Meu pai
não deixava eu ir ao cinema, não deixava ir à baile... Não me deixava sair
sozinha para nada. (...) Sexualidade, eu fui muito privada. Meu pai não admitia
que no namoro a gente nem agarrasse na mão do namorado. Meu pai
colocou namorado meu para fora de casa, porque ele chegou na sala e ele
estava segurando a minha mão. Ele não admitia. Eu noiva, meu pai tentou
desfazer meu noivado porque ele chegou e pegou o Alípio (hoje meu marido)
me beijando. Ele não admite isso. E até hoje... (...) na questão disso fomos
muito privados. (...) eu descobri meu corpo há uns cinco anos (...). Eu casei em
78. Se eu tenho liberdade de falar assim hoje” ‘Eu sou uma mulher completa’...
Hoje eu ando nua perto do Alípio, tomo banho com ele... (antes) não, de jeito
nenhum! (...) Foi em 95/96 que eu me libertei. E não tenho vergonha de falar.
(...) Porque eu fui educada (para o corpo) não ser mostrado (...) Na cabeça do
meu pai e da mãe foi assim. Então foi um trabalho muito difícil que eu tive. (...)
Agora, eu sofri muito para me libertar.”
Pelo depoimento, vislumbra-se o quanto a normatização, o adestramento da
mulher foi conseguido. A introjeção dos valores comportamentais, culturais,
atravessaram os séculos chegando até nós, acreditando-se no pecado carnal.
Controlavam-se também os “lugares”, os quais eram policiados pela moral.
A sexualidade era matéria considerada da igreja “elevando à categoria do
sagrado o sexo conjugal voltado para a procriação e lançando tudo o mais no domínio
diabólico ou mesmo herético”.
46
Nesse sentido, ao detectarmos hoje a dificuldade dessas mulheres em relação à
sua sexualidade, a “continuidade” da repressão do corpo e do prazer como pecado,
entendemos o porquê de sua existência e a sua presença até hoje no imaginário coletivo.
Segundo Chauí “as proibições e permissões são interiorizadas pela consciência
individual, graças a inúmeros procedimentos sociais (como a educação, por exemplo) e
também expulsas para longe da consciência, quando transgredidas porque, neste caso,
trazem sentimentos de dor, sofrimento e culpa que desejamos esquecer ou ocultar.”
47
45
DEL PRIORE, Mary. Ao sul do corpo. op. cit. p. 114
46
VAINFAS, Ronaldo. Moralidades Basílicas: Deleites sexuais e linguagem erótica na sociedade
escravista. In.: História da vida privada no Brasil - Cotidiano e vida privada na América Portuguesa.
Org. Laura de Melo e Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 1997, p. 246.
47
CHAUÍ, Marilena. Repressão sexual. Essa nossa (des)conhecida. op. cit. p. 9-10
45
Assim é que a repressão da sexualidade atravessou séculos, feita por intermédio
do controle minucioso do ato sexual e especificamente do corpo feminino. Foi
elaborada e transmitida do ponto de vista religioso, moral, jurídico e mais tarde,
científico, com grande aproveitamento pelos meios de comunicação de massa.
Percebe-se então, o porquê da própria educação, através dos tempos, omitir
radicalmente até o diálogo sobre qualquer assunto relativo ao sexo, corpo e prazer.
Buscando o modelo da Santa-mãe, as mulheres passaram a ser “adestradas”,
enquadradas nesse modelo que funciona até hoje. São as responsáveis pela transmissão
dos valores patriarcais, já interiorizados totalmente por elas, aos seus filhos.
Assim, a mulher do modelo cristão, é harmoniosa, assexuada, tem pureza, é
bondosa, com virtudes maternais, obediente a Deus, submissa, enfim, um ser frágil e
puro. Foi essa a mentalidade passada para a América, para o Brasil, através da
colonização portuguesa.
A mulher é cercada pela pureza e castidade. Limita-se sua sexualidade, que é
controlada pelo homem, e sua identidade e seu valor social serão dados conforme sua
submissão ou não a esse modelo.
48
1.3. Valores, Tradições, Família
“Eu quero preservar os valores. E eu acho que os pais hoje tem que preservar.
Se eu estou errada, eu vou manter. E a minha filha mais velha também tem o
mesmo preconceito. O mesmo preconceito que eu tenho ela tem também. Se
uma amiga engravidou e tudo... ela dá apoio, mas ela fala: ‘Mãe, es
errado’.” Dalci Alves Bontempo Martins
Apesar das diferenças detectadas, de tentativas de mudança na formação, na
orientação dada aos filhos, ou seja, não mais para serem donas de casas, e sim terem
primeiro uma profissão, a independência, os depoimentos revelam que os valores
morais, a família, são referências fundamentais para todas as mulheres entrevistadas.
Mesmo havendo essas diferenças, que são elementos de mudança, os valores morais
tradicionais e a estrutura familiar não sofreram alterações significativas, sendo portanto,
48
CAVALCANTI, Raíssa. O modelo cristão da mulher. In.: O casamento do sol com a lua - uma visão
simbólica do masculino e do feminino. São Paulo: Cultrix, 1995.
46
elementos de permanência. Apesar de dois casos de divórcio e uma separação
constarem dos relatos pelas respectivas entrevistadas, constata-se que a questão dos
valores morais e da importância da família, do casamento, continuam fortes como
referências individuais e coletivas. A força e a persistência dos valores morais como
“honestidade, postura, caráter, responsabilidade, respeito”, principalmente, não se
alteraram nessas gerações, ou seja, as empresárias receberam esses valores através de
seus pais, têm ainda hoje os mesmos valores, os quais passam também para os seus
filhos.
O casamento será um mecanismo usado para esse “controle social-sexual” das
mulheres. Lembra Chauí
49
que através da família, consolidam-se os “papéis”
distribuídos conforme o sexo, idade, estabelecendo as relações de autoridade, funções,
obrigações, deveres, através do casamento religioso e/ou civil. Por esse mecanismo
então, haverá o controle, a repressão sexual, a afirmação das figuras sexuais-sociais da
mãe e do pai.
Nesse ponto, sobre os valores morais, percebe-se que o universo das mulheres
empresárias é muito conservador, recheado ainda de muitos preconceitos. Perguntadas
sobre os valores que receberam dos pais, os quais ainda preservam e passam aos seus
filhos, como sendo importantes, todas foram semelhantes nas respostas:
Fátima Prado: “Responsabilidade, justiça, fraternidade... Tudo que tive na
minha educação, eu acho que foi certo. Os valores são certos porque a família
é muito importante, porque o mundo está muito desagregado. E eu acho que se
a gente preservar isso, o valores que a criança vai levar para ela, vai ser
bom para ela... É um centro é um norte! Eu acho que não precisa seguir (ou
dizer): Se vai ser isso, ou se não vai ser (profissão)’, mas o que nós damos
(valores), o que nós tivemos, é um norte para eles.”
Para a entrevistada valores e família se integram, não havendo separação. A
família no caso é centro de união, agregação e os valores estão implícitos, fazendo parte
da unidade familiar.
Conforme Bruschini, “A família tornou-se objeto de interesse científico quando
alguns autores da segunda metade do século XIX, como Morgan, Engels e Bachofen
passaram a considerá-la como uma instituição social histórica, cujas estruturas e
funções são determinadas pelo grau de desenvolvimento da sociedade global. No fim
desse século e começo do seguinte, a abordagem histórica e comparativa triunfou
também com as obras de Durkheim e Mauss, que consideram a família não como um
49
CHAUÍ, Marilena. Repressão sexual. Essa nossa (des)conhecida. op. cit.
47
resultado ou conseqüência ‘natural’ de tendências fisiológicas e psicológicas dos seres
humanos, mas sim como uma instituição que decorre da organização da sociedade.”
50
A família, apesar de apresentar um momento de transição, de transformações
pela adoção de novas tecnologias na esfera doméstica, maior consumo, um ingresso
maior das mulheres no mercado de trabalho, mudanças nos comportamentos dos jovens,
a referência fundamental de todos os sujeitos continua sendo a estrutura familiar. E essa
postura foi realmente confirmada por todas as mulheres empresárias, as quais têm a
família como o “cerne” da sociedade:
Carlúcia: “E nossos filhos vão ter uma experiência diferente da que nós
tivemos, porque nós somos filhos de pais que ficaram a vida inteira segurando
um matrimônio, das mães que ficaram em casa. Agora, nossos filhos são os
filhos da nossa geração: a mãe que foi a luta, que se separou, ou da mãe
solteira (...) que fez opção por ter seu filho independente, criação
independente... Quer dizer, como é que vai ficar a família na frente? É uma
coisa que a gente não pode abrir mão. Eu acho que a família ainda é o seio da
sociedade, é a família que mantém a sociedade.”
Observa-se uma preocupação em relação à estrutura familiar devido às possíveis
conseqüências das grandes mudanças e transformações. A preocupação se volta para a
preservação dessa estrutura. No seio da família acontece a transmissão ideológica dos
valores, começa o processo de socialização e formação dos indivíduos.
Esses valores, transmitidos pelos pais de origem e internalizados pelas mulheres
empresárias, são os mesmos valores que elas conservam e continuam transmitindo aos
seus filhos.
Neide: “... fui criada com muita importância na questão dos valores. Havia
muito rigor mesmo, pela exigência do meu pai, de minha mãe e de minha
família, na questão de valores, tipo honestidade. Ele sempre bateu muito nessa
questão, porque não era vantagem nenhuma você ser honesto, era obrigação,
pré-requisito mesmo. Então era: transparência nas coisas que faz, não ser
mentiroso... Essas coisas que os pais passam para a gente. E isso eu passo para
as minhas filhas. Eu realmente concordo com os meus pais que isso é uma
questão fundamental.”
A referência à preservação do nome da pessoa pela conduta moral foi
evidenciada por muitas mulheres:
Heraída: “... a gente percebe na família como um todo, que você tem a
honestidade acima de tudo, uma frase: ‘O seu nome, você leva a vida inteira
para construir. Você tem que preservar, porque qualquer coisa pode destruir...’
E esse nome é em cima de honra, de moral, de honestidade e de ser uma pessoa
respeitada, de ter um nome respeitado na sociedade como um todo. (...) Então,
50
BRUSCHINI, Maria Cristina. Mulher, casa e família - Cotidiano nas camadas médias paulistanas. op.
cit. p. 34.
48
meu pai falava que a herança maior que ele tinha que deixar para os filhos dele
era o nome e o estudo. Então, essa coisa do nome é muito forte..”
Maria de Fátima: “... são os mesmos (valores), honestidade (...) meu pai tinha
uma frase que era assim: ‘A maior esperteza do homem ainda é ser honesto’.”
Mírian: “O primeiro deles, honestidade (...) isso é a base da minha família (...)
Honestidade de caráter ... Honestidade ... (cita marido como exemplo) a
honestidade não do ponto de vista financeiro, porque isso não é qualidade,
isso para mim é dever, honestidade é dever! Sabe, é de amizade, de valorização
das pessoas, de valorização do meio ambiente. Então, eu faço com que a
conduta deles seja pautada em muita sinceridade! Eu acho que é mais próprio
até que honestidade. É sinceridade, tem que ser sincero, ser amigo, ser
companheiro. E a gente tenta passar (...) para eles (filhos)... Cada um ter sua
personalidade, mas acho que eles têm visto isso, que a gente tem pautado a
vida toda em cima disso, de uma conduta assim, que não seja repreendida. Que
seja uma conduta idônea.”
A referência à uma moral ilibada, à uma postura correta no sentido da
moralidade, é muito marcante, muito enfatizado nos depoimentos de toda as mulheres,
daí, também, a nossa preocupação para a confirmação da existência muito presente
desses valores.
Eliana: “Meu pai sempre foi (...) de cobrar da gente uma postura correta, e eu
passo isso para minha filha.”
A questão da moralidade, de uma postura correta não é preocupação das
mulheres. Em todos os depoimentos dos homens empresários, detectamos a
continuidade dos valores morais:
José Humberto: “Os valores morais (...) permanecem e são inalteráveis (...)
Não mudam, isso está dentro da formação da pessoa (...) Os princípios cristãos
de moralidade, de trabalho, é o que foi passado para a gente, e a gente procura
transmitir isso também para os filhos (...) são primordiais.”
Passando também os valores morais recebidos para os filhos, outro empresário
revelou:
Paulo: “(...) eu tenho falado muito ultimamente com meus filhos que a melhor
herança que o pai ou a mãe deixa para os filhos é a dignidade. Você vê você no
espelho como pessoa correta, não financeiramente, mas com o respeito das
pessoas, porque uma pessoa que não respeita seus semelhantes, não respeita
uma mulher, que não respeita o homem e vice-versa. Esses são princípios que
eu aprendi a ter comigo para respeitar as pessoas. Eu procuro sempre
respeitar, principalmente nesse parte de sexo... de sexualidade, essas coisas;
tem homem que às vezes... qualquer jeitinho que uma mulher na rua ou
qualquer coisa, ele se assanha. Isso não quer dizer que você não sinta atração,
mas você tem que se policiar, para que a gente saiba se dominar, para que
aquilo não influa no comportamento da gente. É claro que é bom você ver uma
mulher bonita, como as mulheres também devem achar bom ver um homem
bonito. Mas esses princípios morais, eu consegui (nesse sentido de
homem/mulher, me controlar), me controlar, para que a gente possa não se
49
levar para os prazeres, para que a gente possa ver as coisas como beleza
natural, sem levar para o lado pejorativo. Eu acredito que na parte de
comércio, na parte de relacionamento financeiro, dos bens ‘o que é meu é meu,
e o que é seu é seu...’ então a gente procura... Para mim, um compromisso
moral, uma palavra, tem que valer mais do que um papel. Esses compromissos,
eu procuro passar para eles, a questão de idoneidade financeira, idoneidade
moral, religiosa principalmente, essas coisas a gente procura passar (...)
mostrar principalmente com exemplos. Claro que a gente tem dificuldades, mas
a gente pode às vezes ir no fundo do poço, mas procura assumir moralmente
aqueles compromissos que a gente tem.”
Existem comportamentos diferenciados em relação ao outro e desrespeito à
moralidade. O difícil é a confissão daqueles que a praticam. Por isso, a nosso ver, é
quase impossível conhecermos a realidade e as práticas tal como elas acontecem
cotidianamente, a partir apenas de depoimentos. Observa-se uma dualidade na fala do
entrevistado, ao se referir aos prazeres e a beleza natural. Existe aí a presença da
influência do cristianismo na questão do BEM versus MAL, do certo e do errado. A
beleza é natural, mas o sexo não é, como também a presença do pecado ao não poder
desejar a mulher do próximo. No máximo, conseguimos algumas informações e
percebemos que existem homens com comportamentos dúbios e desrespeitosos, através
de sugestões implícitas dentro de poucos depoimentos, como o exposto, que nos
permitem, por exemplo, utilizar uma “deixa”. Evidentemente, sabemos que na
sociedade machista existe essa condescendência” ao homem e essa prática é muito
comum, ou seja, do homem pensar que precisa ou pode ter mais mulheres. Mas, como já
citamos, a prática é camuflada, escondida, tanto pelo homem, como também pela
própria mulher que, às vezes, prefere se acomodar. É como Murado colocou: “A
sexualidade de homens e mulheres das diversas classes sociais apareceu condicionada
como o seu próprio corpo. Os homens (...) mostraram-se selvagemente opressivos.
Achavam mesmo que o homem tem mais direitos que a mulher, que tem mais desejo e
por isso tem direito adquirido a uma vida sexual extraconjugal. Vários tem (...) mais de
uma família. (...) Por isso mesmo, para esposa não querem uma mulher questionadora
e inteligente. ‘Antigamente as mulheres eram menos inteligentes, mas mais charmosas’.
Mulher inteligente, que compete com eles, perde o charme. Fica feia. Desejam para
esposa a mulher elegante, fina e charmosa, ‘uma lady: igual ao que foi a nossa mãe’.
Uma mulher que funcione em suas carreiras como um cartão de visitas e desempenhe
profissionalmente o papel de esposa.”
51
51
MURARO, Rose Marie. Os seis meses em que fui homem. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 1990. p.
93-4-5-6-7.
50
Ainda de acordo com a autora, algumas mulheres usam de subterfúgios para
manter seu status e os privilégios que possuem no casamento. Preferem sacrificar sua
felicidade pessoal e aceitam uma moral dupla do que romper com o casamento, onde
está concentrado o capital.
Dessa forma, vimos como a questão da moralidade, do respeito ao outro, vai
sendo passado de geração para geração, tanto positivamente como negativamente.
Percebe-se, também, pelo depoimento, o enfoque à questão do valor moral da palavra,
do compromisso assumido, estendido ao mercado de trabalho. Ou seja, a postura com
moralidade está na formação da pessoa em todos os campos, tanto no nível pessoal
como no mercado.
Continuando a análise dos depoimentos, observa-se que a questão da postura
correta, da moral ilibada fica mais visível, principalmente nos depoimentos das
mulheres divorciadas e/ou separadas. A exigência desses valores na sociedade são
cobrados de uma forma rígida. É impossível estabelecer uma fronteira entre essas
exigências da moralidade com a questão da discriminação propriamente dita.
Constatamos pelos depoimentos das mulheres nessas situações de divorciadas e/ou
separadas, que a cobrança da conduta foi mais forte que a própria condição de ser
mulher, ou seja, são cobradas e vigiadas duplamente.
Carlúcia: “... depois que eu me separei, eu senti outra vez (discriminação)
eu vim a sentir essa dificuldade todinha por parte das mulheres. e aí eu comecei
a me preocupar porque naquela época (1982), por estar casada, eu não
preocupava muito se elas estavam com ciúmes ou não estavam... porque eu
estava ali na minha função de trabalho, casada, tranqüila... Mas quando eu me
separei, eu ficava preocupada de estar despertando nelas qualquer outra
reação que não fosse essa minha reação de profissional, você entendeu, de
profissionalidade (...) porque (poderiam) estar me vendo como ‘disponível’...
uma outra discriminação, por ser uma mulher divorciada.”
Observou-se também que não as mulheres “olham de forma diferente”, como
também os homens. A forma de tratar a mulher, a sua “aceitação ou não”, é
fundamentalmente influenciada pela sua postura. Conforme a entrevistada acima, não se
pode deixar “interpretações duplas”, ou seja, tudo tem que ser e estar muito explícito:
Carlúcia: “tanto que hoje eu sou Presidente da Associação Médica e todo
mundo (...) me adora! Eu transito no meio de todos os colegas e a maioria é
homem (...) levei um tempo para me impor, tive que mostrar (de novo) meu
próprio valor.”
A sociedade cobra da mulher, além da conduta correta, a competência
profissional, se ela for, é claro, uma pessoa que trabalha. Só depois de provada a
51
competência, ela será reconhecida, aceita, “valiosa” e “digna”, conforme os padrões da
moralidade.
Carlúcia: “... eu me auto-afirmei mesmo, (...) a partir do momento em que eu
construí essa clínica, porque aí eles viram, assim, que eu era uma mulher
separada, mas que eu fui à luta, trabalhei, realizei, construí, mantive meus
filhos, dei um ótimo padrão de vida para os meus filhos; e a sociedade começou
a me ver de uma maneira diferente, porque hoje uma mulher separada ainda
é... muito mais cobrada, muito mais estigmatizada do que o homem, entendeu?
Então, eu fui conquistar o meu espaço, mas já depois de algum tempo. (...) Se o
comportamento não for aquele... (dentro dos princípios morais) você pode ter
construído um monte de coisas e aí você perde tudo.”
Esse preconceito para com a mulher divorciada ou talvez a valorização do
casamento para a preservação da mulher pode ser detectada na fala de um pai para a
filha:
Carlúcia: “Os princípios morais eram muito rígidos: (Pai) ‘Se você vai se
casar, então você terá um homem só’. No dia em que eu me separei, ele falou:
‘Você escolhe” ou se separar, ou continuar freqüentando a minha casa’. Eu
quase morri! (...) Foi difícil até para mim me ver como ‘separada’, por causa
desse valor conservador.”
Para Del Priore “ a transformação da mulher que saísse das regras e, da mulher
e mãe ideal, fazia-se por um adestramento diário, cotidiano e consolidado no correr do
tempo.
52
Na sociedade tradicional e conservadora, a mulher não tem estatuto sozinha,
ou seja, fora do casamento. O casamento “é a única instituição que lhe permite
realizar-se enquanto ser social”.
53
Nesse sentido, uma denúncia através dos depoimentos das mulheres
divorciadas e/ou separadas em relação a esse estigma e preconceito sobre a mulher “fora
do casamento”, até hoje. Também sobre o preconceito da mulher “descasada”, outra
entrevistada indica-nos que a “imagem” criada é de “inferioridade”, como se essa
mulher tivesse perdido seus valores.
Gláucia: “... chegou (alguém) perto de mim e disse: Eu fiquei sabendo que
você está separando. Pelo amor de Deus, não faça isso! Você é uma mulher que
pode ser Prefeita dessa cidade, Governadora, você pode ser um monte de
coisas. Voé nossa representante, e como é que você faz um negocio desse
com a gente?’
Aí, ela estava muito inflamada, e eu esperei um pouquinho e falei: ‘eu fico
muito feliz que você coloque tanto atributos para mim. Eu não me acho a altura
disso tudo, mas se você acha, eu te agradeço muito. Se você me coloca nessa
posição de representante das mulheres, eu vou te dizer que eu prefiro
representar as mulheres naquilo que elas tem de mais bonito, e que está muito
esquecido: que é a verdade delas. Se eu puder deixar um legado para cada
mulher que está aqui em Patos, olhar para mim e dizer assim: Puxa a Gláucia
52
DEL PRIORE, Mary. Ao sul do corpo. op. cit. p. 125
53
Ibidem. p. 141
52
viveu a verdade dela e foi feliz, e o mundo não acabou, ela não ficou falada...
Se eu puder fazer isso para cada mulher de Patos, eu morro feliz! É melhor do
que ser prefeita, melhor do que ser governadora. Eu fiz uma coisa que é um
movimento interno, que vai fazer com que muitas mulheres sejam felizes,
porque tem muita mulher aprisionada em péssimos casamentos, em péssimos
empregos, em péssimas várias coisas, e que não tem força e coragem para fazer
o movimento que eu estou fazendo. E você está achando que eu estou jogando
tudo para o alto. Na verdade eu estou de acordo comigo, o que é mais
importante.’ (...) É uma discriminação. (...) Tanto tem discriminação, que eu
hoje o tenho uma vida social. Por que eu não me permito? Primeiro, porque
não é importante para mim. Se fosse, eu até iria. Mas eu não consigo ir, assim,
para uma boate com uma amiga. Eu não me sinto bem. (Discriminação) eu
acho que é mais das mulheres. (...) Tem um amigo em comum, meu e do Bené
que fala muito assim: ‘Você criou uma barreira’. (...) E eu falo com ele: ‘Eu
prefiro assim porque acho que se eu for cantada, eu caio dura e roxa. Eu não
dou conta disso’. E isso não deixa de ser um medo de ser discriminada, de ser
comentada: ‘Ah, a Gláucia está com fulano’... Isso me mata! Um comentário
desse que saiu, eu fiquei desnorteada. Então, eu prefiro ficar mais reclusa, mais
com meus meninos, com a minha vida assim do que com uma vida social.”
A posição que se conclui da entrevistada é que, ao mesmo tempo que ela diz
“fazer o que deseja”, “procurar a sua verdade”, “ser feliz”, é que há “ainda” uma atitude
de “defesa”, de “resguardo” da sociedade, devido aos preconceitos, aos comentários
maldosos que essa sociedade produz. Na mesma crítica que fazia a essa sociedade e ao
mesmo tempo que toma uma posição de cuidado frente à essa mesma sociedade, leva-
nos a supor que a própria entrevistada também tem preconceito. Ao dizer que prefere
“ficar mais reclusa” significa uma denúncia e o reconhecimento da sua situação como
discriminatória e, portanto, declarando perceber-se com o preconceito.
Do ponto de vista de outra empresária divorciada, a mulher recatada é aceita sem
dificuldades. Arrimo de família, criou e formou os filhos praticamente sozinha,
financeiramente, tinha ajuda da mãe para ficar com os filhos, enquanto trabalhava.
Passando por dois casamentos, revela:
Maria Ângela: “... Antes para nós, até o casamento... a gente sentia na
obrigação dele dar certo (...) A gente era pequenininha e começavam a
preparar o enxoval. E as tias bordavam... Isso (hoje) nunca me passou pela
cabeça, eu não me lembro que as minhas filhas têm que casar. Eu sei que é
necessário, eu sei que é bom. Um companheiro perto é bom, mas o mais
importante é a vida profissional dessas meninas, porque o casamento pode dar
certo e pode não dar! , ela sendo liberada, já sendo independente, é muito
mais fácil até de dar certo, porque ela está mais à vontade”
Sobre o casamento e as separações que vem acontecendo na sociedade,
detectamos o comentário:
Terezinha: “... o comportamento social dos pais hoje dificulta a educação dos
filhos. Essa separação constante de casais, quer dizer, isso está refletindo
diretamente no filho, porque no fim, o filho não sabe se fica com o pai, se fica
53
com a mãe ou se fica na escola. Então, a separação gera, principalmente na
cabeça do adolescente, essa incerteza, essa dificuldade: ‘Com quem fico, onde
vou, com quem vou...’, e isso reflete imensamente na escola. (...) O primeiro
ponto: o limite que acabou e que jamais, jamais ele deveria deixar de ser o
mais forte: o respeito e a honestidade. Esse princípio de respeito e de
honestidade não pode sair do dicionário. ‘O muito obrigado, o com licença, o
até logo’, você ainda até pode suportar. Agora, honestidade e respeito, são
duas palavras-chave na vida do educando e do educador, do pai e do filho. (...)
Então, essa separação gerou um desrespeito muito grande. E não há como você
mudar isso, porque a própria separação é um desrespeito. Você nunca viu
um casal separar por amor, já? Eu não conheço nenhum! Eles sempre se
separam por desamor. E o desamor gera o quê? O desrespeito. Então, eu acho
que desde que começou a avolumar demais as separações, desquites,
divórcios... o respeito e a honestidade vão se afastando. E isso é terrível.”
A opinião sobre o divórcio, sobre pais separados, confirmando o “preconceito” e
a idéia de que atrapalham a família e a formação dos filhos, pode ser detectada também
em jornais locais. Um deles data de 1976 e, o outro de 1993:
O Divórcio não é solução, é falência
Vários serão os motivos pelos quais alguns se batem pela ab-rogação da
indissolubilidade do matrimônio; grupos que consideram o divórcio como uma
evolução “moderna”, ou julgam que a aplicação dessa terapêutica venha a
curar certos males da sociedade.
É preciso, porém, que se tenham uma concepção coerente da vida e da natureza
das coisas. Essa coerência é que nos deve levar a refletir, primeiro, sobre o
matrimônio e a família, antes que sobre o divórcio. Antes de ouvir o que dizem
os homens, será preciso ouvir o que disse Deus e antes de destruir uma
instituição social, convém se examinem as razões pelas quais ela é também uma
instituição histórica e natural.
Antes de legalizar o divórcio como solução humanitária ou moderna, importa o
significado relevado a Moisés (cerviz dura do povo hebreu) mas
definitivamente abolido por Cristo, quando veio curar, humanizar e elevar o
coração dos homens.
A posição de quem defende a família contra o divórcio, não, pois, de
intolerância ou obstinação, mas, antes, de convicção e coerência, no esforço de
conseguir a libertação e a construção de uma comunidade política tal qual o
desejam todos os cidadãos conscientes.
(...) O matrimônio é uma relação pessoal, consciente, livre e responsável, que
exige o compromisso da fidelidade, porque a permuta recíproca dos corpos e
dos espíritos, uma realidade nova que não mais depende do reconhecimento do
homem e da mulher. O matrimônio com a fecundidade que produz, abre-se à
vida e se põe a serviço da vida, e está intimamente ligado a todo o contexto
social, do qual constitui o suporte.
O divórcio, ao contrário, procede de uma ideologia individualista, egoísta, sem
coerência num Estado (como o Brasil, por exemplo) que luta por criar uma
legítima comunidade nacional.
(...) O matrimônio é amor que compromete definitivamente a liberdade, é a
escolha de um teor de vida em que os esposos atingem sua plena realização.
A infidelidade é a incapacidade de viver um empenhamento sério, é falta de
maturidade do amor, que se limita ao egoísmo, ao hedonismo, ao utilitarismo.
O divórcio não é solução, é falência.
As dificuldades da vida matrimonial devem ser assumidas e integradas no tipo
de vida que se escolheu, mediante o amadurecimento pessoal e conjugal. Basta
54
observar os países que introduziram o divórcio, para verificar a desintegração
progressiva do matrimônio e da família. Abriu-se porta desmesuradamente
grande a todas as más conseqüências sociais.
Portanto, o matrimônio é um contrato incidível, que origem a direitos e
deveres, e, como tem raízes na natureza humana é instituto natural, válido para
todos. Católicos são criaturas humanas?... Nenhuma instituição pode ignorar,
ou agir contra o que Deus criou na natureza.
(...) Realmente, a campanha (e, diga-se, está sendo feita intensamente) a favor
do divórcio, leva à dissolução da família, que é a célula da sociedade, e o
egoísmo pode conduzir a tão inacreditável falência.”
54
Observa-se que, apesar de passarem-se dezessete anos, o “discurso oficial”
continuou condenando o divórcio.
Pais Separados
(...) Dentro de minha experiência de trabalho pude constatar que, os filhos de
pais separados, têm desequilíbrios emocionais que os leva a terem dificuldades
em se adaptar nos grupos e na sociedade. Muitos deles se desinteressam pelos
estudos, se afastam dos colegas, desacreditam no amor e passam a agredir o
meio que os rodeia. São alunos desatenciosos, revoltados, agressivos,
petulantes e, como o menino do fato relatado, gritam para desabafar. (...)
um jovem preso e considerado perigoso, ao ser interrogado porque praticava
tanta crueldade, respondeu: Porque ninguém me ama!
Um adolescente completamente desinteressado pelos estudos, pela higiene e
pela vida, ao ser perguntado por que agia assim, respondeu: Não gosto de
nada, quero que meu pai morra!
Mas, que tinha a ver o desejo de que o pai morresse, com o desinteresse com o
estudo? A resposta foi simples: O pai me abandonou!
Tenho percebido que quando eles pensam sobre: tenho pai, tenho mãe, sentem
um alívio muito grande. (...)”
55
Detectamos uma imensa gama de artigos nos jornais locais condenando o
divórcio, e, portanto, um preconceito declarado através das fontes locais.
As opiniões das mulheres empresárias são divergentes, principalmente, em
relação ao casamento. Entretanto, apesar de todas as mulheres afirmarem que hoje a
educação que passam aos seus filhos é diferente, ou seja, priorizam a independência e a
profissão, não houve mudança na questão da postura, da moral. O bom comportamento,
um companheiro só, ou seja, a fidelidade, estão presentes em todos os depoimentos. A
moral é condição “sine-qua-non” para a mulher na sociedade.
Auzônea: “Aí tem um problema muito difícil para a mulher, de modo geral. Eu
percebo que não é comigo. (Viúva)... Mas a mulher socialmente... sofre
muito. (...) Se eu tenho que ir a um clube ou casamento, aniversário, velório, eu
vou sozinha. (...) Ali eu me apresento e eu tenho que procurar a minha tribo.
Então, nessa hora a mulher sofre muito, porque às vezes, quando eu estava em
atividade (...) eu queria conversar sobre economia, sobre a evolução do
mercado, sobre o que estava na preferência, sobre questões financeiras e eu
54
NEWTON, Dom José. (Arcebispo de Brasília). O divórcio não é solução, é falência. Crônica da
Diocese. Patos de Minas, 29 jan./1976, n. 239. Ano V, p. 1. (Grifo do Jornal).
55
ANDERLE, Adolfo. Pais separados. Folha Patense. Patos de Minas, 27 nov./1993, p. 2.
55
era obrigada a chegar nesses locais sociais e me sujeitar a ficar no meio de
mulheres falando de doméstica, a chegar num salão de beleza e escutar papo
furado de mulher falando de coisinhas, sabe, que não tinha nada a ver comigo.
A minha cabeça era outra! (...) Eu tenho por princípio de criação uma reserva
muito grande passada, sabe, porque eu fui educada para mulher ter um
respeito muito grande nessa questão de homem e mulher. Então, nesse caso aí,
essa barreira eu não romperia. (...) Ah, elas (mulheres) discriminariam mais
ainda, porque elas iriam me discriminar moralmente. Elas não iriam pensar
que meu trabalho exigia que eu tivesse aqueles papos, aqueles companheiros,
aquela troca que deveria e era natural, meu Deus! Não é natural entre os
homens que trabalham? Elas não iam aceitar isso. Elas acham que eu ia
porque eu era uma mulher sozinha e que ia atrás de papo com homem, que era
sexo, que era cama. (...) valores morais acima dos valores de trabalho. (...) Não
permitem (essa liberdade) à mulher até hoje. (...) Olha bem que quando
acontece isso no meio social, nós mesmas sabemos que a mulher é olhada de
maneira diferente pelas outras mulheres. (...) (Os valores morais) continuam
(cercando a mulher)... Eles falam que não, que uma liberdade grande hoje,
que aliás, existe sim (...) Observando você que (a moral continua), porque
você olha bem a mulher (...) que vive no meio do trabalho, que tem um controle
sobre ela mesma e sabe se respeitar e se impor, ela tem mais facilidade de
penetrar, de crescer no trabalho, sai melhor com ela mesma e,
conseqüentemente, com os que a rodeiam. Eu acho que a mulher tem que se
respeitar e se preservar. (...) Eu me respeito muito.”
Nossa entrevistada passou pelo mercado de trabalho durante três décadas (1970
à 1990) e, vimos, pelo seu depoimento que, apesar da liberdade tão cantada hoje
entre as mulheres, os valores morais, o comportamento, continuam sendo cobrados à
mulher pela sociedade. Apesar do avanço das mulheres à procura das igualdades e
oportunidades iguais, há fatores de “continuidade” que permanecem na mentalidade, na
cultura e são muito fortes.
Outros preconceitos, dados aqui no sentido de valores, como, por exemplo,
virgindade, aborto, mãe-solteira, ainda permeiam na mentalidade de algumas pessoas
atualmente, apesar de tantas mudanças estarem acontecendo nesse sentido.
56
De acordo com o depoimento de uma das empresárias, que é exceção dentre
todas no que se refere à virgindade, aborto, mulher desquitada e mãe-solteira, revelou-
se:
56
O novo Código Civil, após tramitar por 35 anos na mara dos Deputados, foi aprovado dia 15 de
agosto de 2001, com inúmeras modificações da lei atualmente em rigor. Um exemplo é que a nova
legislação vai acabar com o direito do homem de devolver a mulher, até dez dias depois do casamento, se
descobrir que ela não era mais virgem. Criticada por seu conteúdo moral, a norma que prevê a anulação
do casamento (do Código Civil de 1916 que ainda vale, porque o novo não entrou em vigor) por falta de
virgindade é também atacada por médicos. Eles dizem que o hímen não é garantia de virgindade e que sua
falta não prova a existência de relações sexuais anteriores. De acordo com o texto do novo Código Civil,
a ausência de virgindade não é mais causa para anulação do casamento. Da mesma forma, o texto acaba
com o dispositivo que permite ao pai utilizar a desonestidade da filha que vive em sua casa como motivo
para deserdá-la. (Código Civil muda conceitos antigos. Jornal Estado de Minas. Nacional. Belo
Horizonte. 15 ago./2001, p. 5. Grifos nossos).
56
Dalci: “Eu me lembro de uma prima minha que engravidou e foi embora (...),
meu pai falou assim: ‘Se fosse filha minha em matava’. (A virgindade) para ele
é (valor) sagrado. E é até hoje. (...) Eu fui criada assim e até hoje acho que
meus filhos também deveriam. Eu procuro criar da forma que eu fui criada.
(...). Se eu vejo uma moça que está grávida eu condeno. Então, eu explico muito
para minhas filhas: se Deus me livre isso acontecer com elas, quem vai pecar
são elas. (...) é uma filha (a mais velha estuda fora) exemplar. Agora, se Deus a
livre ela engravidar, ela vai vir para dentro da minha casa, ela vai abandonar
os estudos e vai ser mãe! Porque eu jamais vou admitir que ela abortar.
Ainda hoje (virgindade, aborto, prazer depois de casada), eu acho que não
pode mudar. É por isso que hoje está assim. Por que as meninas estão
engravidando tão logo? Eu vejo meninas de 13 anos namorando e beijando...
Eu acho isso erradíssimo! (...) Porque os pais consentem, os pais admitem! (...)
Eu continuo, eu não mudei, (...) Não deveria mudar. (...) tem outras mães que
tem sempre os mesmos valores, que sonham: ‘que a minha filha vai casar...
bonitinho...’ Não é morar. Eu sou contra isso. Portanto, até pouco tempo (eu
tenho apartamento) não alugo apartamento para desquitada... eu preservo. (...)
Sou (preconceituosa contra) mãe solteira, mulher desquitada... Infelizmente eu
sou.”
A entrevistada colocou que, apesar de dar prioridade à independência na
educação de seus filhos, deseja que todos se casem virgens, porque é esse seu sonho.
Pede para que mantenham a virgindade até o casamento e os filhos sabem que ela é
preconceituosa a esse respeito, tanto em relação à mulher quanto ao homem.
Desta forma, ela “continuidade”
57
à preservação dos valores da sexualidade
feminina, no tocante à virgindade, ao aborto. Valores em relação ao casamento, ou seja,
contra o divórcio, desquite, como os valores do arquétipo patriarcal
58
, valores esses
típicos da mulher normatizada: “a mãe passou a ser uma auxiliar do sacerdote e uma
representante da legislação.”
59
Constata-se, dessa forma, o controle presente, a cultura construída chegada até
nós. Como mulher e mãe, a entrevistada reproduz os valores nomatizadores, passados
de geração em geração.
Lembrando Chauí
60
, a repressão, o controle, indicam atitudes, práticas, símbolos,
representações, operações psíquicas, sociais, culturais, fantasias, valores e preconceitos
57
Diz BRUSCHINI: “Apesar de transformada, porém, esta nova família conjugal preserva um traço
típico da família anterior: (...) que reprime a sexualidade feminina, mantendo o tabu da virgindade e a
intolerância para com o adultério feminino, e reforça no homem a prática da sexualidade, trazendo em seu
bojo a tolerância da sociedade para com o adultério masculino e para com a prostituição, seu
complemento natural e necessário.” (BRUSCHINI, Maria Cristina. Mulher, casa e família. op. cit. p. 64)
58
Afirma DEL PRIORE que: “A santa-mãezinha surgia então para transmitir às suas filhas, que por sua
vez transmitiriam às próximas gerações, que o casamento devia ser uma falsa relação igualitária, no
interior da qual a vida era resignação e constrangimento, e cujo equilíbrio repousava na dominação do
homem e na submissão livremente consentida da mulher.”(DEL PRIORE, Mary. Ao sul do corpo. op. cit.
p. 123).
59
DEL PRIORE, Mary. Ao sul do corpo. op. cit. p. 122
60
CHAUÍ, Marilena. Repressão sexual - Essa nossa (des)conhecida. op. cit.
57
referentes ao corpo, ao casamento, à família, ao amor, ao prazer, à culpa, à infância, à
adolescência, à velhice, enfim, à codificação do proibido e do permitido na sociedade.
Nesse sentido, percebemos como esse controle e repressão existem nas pessoas, na
sociedade, como resultados dessa codificação.
No final da década de 1970 e 1980, os artigos abaixo retratam a predominância
do que era veiculado nos jornais locais contra o aborto e contra, inclusive, os
anticoncepcionais:
“Daqui também se despreende o crime inominável que comete a mulher (não
vou lhe dizer: mãe) que tenha o aborto. Não dúvida de que este é um crime
hediondo, que clama vingança dos céus (...).
Eu respeito todo o conhecimento do médico. Mas quando ele desvirtua sua
ciência, renegando sua profissão e o juramento sagrado do dia da sua
formatura, desrespeitando a lei divina e partindo para o aborto ou para a
receitação de anticoncepcionais, ele perde todo o valor e dignidade. Está
agindo de maneira desumana e cruel e sobretudo, anticristã. Ele não apresenta
mais consciência alguma. E a maior tolice seria a mulher aceitar este disparate
da deturpação da consciência médica. O médico não tem autoridade na moral e
na lei de Deus. Sim, quando ele se afasta dela ou quando não segue a doutrina
da Igreja, não merece a consideração de detentor de uma sacerdócio sagrado.
Ele apenas pode saber que esta mulher não poderia ou não deveria criar. Mas
não mandá-la tomar pílulas ou usar instrumentos ou métodos
anticoncepcionais. Aqui aplica-se o primeiro princípio, que expus acima: o fim
não justifica os meios. O fim pode ser bom, isto é, evitar que a mulher tenha
uma concepção que poderá levar-lhe a vida. Mas, os meios de que ele lança
mãos, são ilícitos e contrários à lei divina. Se ele assim tentar fazer, ele será o
primeiro responsável perante Deus. E falando mais claro, ele comete
estupidamente um grande pecado mortal. (...) E é preciso que se grite por todos
os lados e para todos os pontos cardeais, que neste ponto a ciência médica não
pode se sobrepor à da igreja. Não é cito que o médico receite
anticoncepcionais a não ser naqueles raríssimos casos admitidos e ressaltados
pela ‘Humannae vitae’ do papa Paulo VI. E a disgraça (sic) está tão alastrada
no mundo, que infelizmente encontramos até sacerdotes renegados que aceitam
este uso indiscriminado de anticoncepcionais que visem simplesmente evitar o
filho, porque o médico achou que a mãe não pode mais criar.
(...) De qualquer religião que você seja, o respeito aos direitos humanos se
sobrepõe, pois antes de mais nada nós somos homens, mesmo antes de sermos
cristãos. Deus nos criou HOMENS, depois nos tornamos cristãos.”
61
“(...) O importante é que você será sempre uma heroína, porque teve a coragem
de assumir o seu papel e deixar seu filho nascer. Você não o assassinou,
provocando um tremendo aborto...”
62
Observou-se um discurso constante a respeito da preparação para o casamento e
valorização da virgindade. O artigo abaixo, mesmo parcial, retrata o pensamento
61
Boletim Informativo. Patos de Minas, 25 de dez./1979, p. 5.
62
Idem, 18 de jun./1984, p. 3.
58
predominante nos meios de comunicação:
Como preparar para o Casamento
Durante o namoro, perde-se tanto com frivolidades, conversas levianas, em
relação a uma completa falta de assunto. A moça deve provocar em todas as
oportunidades, conversas sérias, pelas quais irá conhecendo as reações e
modos de ser e verdadeira personalidade daquele que será possivelmente seu
esposo. Uma das melhores oportunidades é a freqüência à missa, quando
poderá estudá-lo e analisá-lo diante de Deus. O jovem poderá experimentar a
sua moça, tentando-a em certos pontos se haverá sua receptividade ou rejeição.
Se a moça aceita tudo, presta-se a tudo, francamente poderá ser excelente
biscate, mas nunca a futura esposa ideal, a mãe fiel e abnegada de seus filhos.
Uma moça verdadeiramente honesta, nunca permitirá leviandades e
inconveniências. Rejeitará na primeira vez qualquer abuso, que, se o rapaz
estiver bem intencionado, de compreender e valorizar a atitude daquela
moça sonhadora que lhe trará a verdadeira felicidade no futuro.”
63
Pelo texto, observa-se a avaliação do companheiro pelo costume de ir à missa,
como o correto. Alerta o rapaz para que, se a moça aceitar a “tentação”, ela é “biscate”,
ou seja, não serve nunca para ser a e ideal, fiel e “abnegada”. Uma moça que se
preza, que tem moral e serve para esposa, tem que ser “honesta”. Portanto, nunca
aceitará nenhum “abuso” antes do casamento. Ela será “boa esposa”, porque se casará
“virgem”. Chamamos a atenção para a época de publicação do texto (1979), ou seja, a
nosso ver, bem recente. A mudança em relação a esses valores está acelerada de acordo
com os depoimentos das mães de hoje.
Uma outra abordagem que nos chamou a atenção foi a presença também, em
vários depoimentos das mulheres empresárias, de falas sobre a mudança de
comportamento e valores dos namoros atuais, ou seja, de seus próprios filhos. A
referência à relação dos jovens se coloca como uma grande preocupação e não aceitação
do modo de relacionamento chamado de “ficar”
64
.
Lúcia: “... eu tento passar um pouco do que eu aprendi. Eu sei que as coisas
hoje mudaram, até os termos de falar hoje, esse tal de ‘ficar’, eu não concordo
com isso, sabe, acho que não é legal, acho que é um prazer muito momentâneo,
porque isso a gente tira da experiência da gente: na época em que eu tive
namorado, eu demorei muito a pegar na mão, para dar o primeiro beijo, eu,
assim, eu gostaria que esse tempo voltasse porque... não é preconceito não, eu
acho que as coisa hoje acontecem muito rápido. Então, uma menina de 13, 14,
15 anos, ela está ficando. Então, no primeiro ‘ficar’... quer dizer abraçar,
beijar, esfregar... Então, tem um contato muito rápido e muito direto com a
pessoa. É um prazer que não tem uma expectativa, não espera para acontecer.
Eu acho que acontece muito rápido e aquilo ali vai desgastando e a pessoa vai
ficando (...) sem prazer depois... eu acho que isso não é legal. (...) eu não
gostaria que fossem assim não. Eu acho que se tivesse um retrocesso na
63
COMO preparar para o casamento. Boletim Informativo. Patos de Minas, 3 de set./1979, p. 2.
64
A expressão “ficar” na concepção dos jovens significa um momento íntimo num período curto de
tempo, no qual pode acontecer de simples carícias até o ato sexual. (Definição dada por um jovem).
59
sociedade hoje, nessa questão, seria muito melhor para os nossos filhos e para
os próprios jovens, para todo jovem. (...) (esse ficar seria) ‘fui ali, passei uma
noite com um cara, beijei, abracei e amanhã não tem nada a ver, não tem
compromisso nenhum...’, eu acho que isso não é correto.”
A lembrança do tempo de namoro, apenas vinte anos atrás — década de 1980 —
é bem recente para nós historiadores, e percebe-se o quanto determinados
comportamentos realmente mudaram, como por exemplo: pegar na mão, esperar para o
primeiro beijo, namorar. Nota-se um “saudosismo”, uma vontade de “regredir” na
questão dos relacionamentos dos filhos, no namoro, no cuidado com o corpo, com o
prazer.
Esse “saudosismo” encontra respaldo na veiculação do costume, exemplificado
em um artigo sobre como deveria ser o namoro na década de 1980:
O sentido do namoro
Amor é palavra poética, encantadora. Vislumbram acordes de música, de
poesia e de lirismo, principalmente nos corações de dois jovens que se amam:
os namorados. O namoro deverá ser preparação séria para um amor total.
Dizemos ‘preparação’. O amor é flor que desabrocha. É flor delicadíssima.
Não conviria forçar a eclosão. Não se pode antecipar. A flor aveludada do
amor poderia perder o seu viço e frescor primaveril. A preparação deve ser
séria. Com o amor não se brinca. Nada de excessos e leviandades. O namoro
não de ser uma preparação desvirtuada, profana. Amor é sentimento
despertado por Deus. Tem objetivo muito nobre. Tem sentido elevado. Visa a
realização vital de duas existências. Essa fusão responsável de duas vidas,
destina-se a conseqüências eternas: os filhos, rebentos do amor, almas
imortais. Por isso a preparação de ser cuidadosa, refletida, cheia de
respeito e garantia pela prece, força que vem do alto. O namoro é fase do
conhecimento mútuo. É educação das forças do amor. Será autêntico auto-
domínio, controle das paixões, respeito inviolável do valor espiritual do ‘outro’
e da ‘outra’. Nunca o amor deve assumir formas condenáveis de lua-de-mel,
antecipada. Quando isto se dá, em geral, as conseqüências são desastrosas.
Uma lua-de-mel, levianamente antecipada, deixa facilmente, lamentáveis sulcos
psicológicos, impactos psíquicos e danos morais inapagáveis. A felicidade
futura no casamento, poderia ficar arriscada ou comprometida.
Que os namorados ou noivos fixem bem esta verdade: namoro e noivado
constituem fase preparatória. Jamais devem ser casamento antecipado.”
65
uma pregação a favor da virgindade, observando-se que o namoro é fase de
“preparação”, de conhecimento. Nunca se deve antecipar a “lua-de-mel” porque causa
infelicidade e danos morais. Há, portanto, uma certa “ameaça” profana a quem
desobedecer.
No mesmo caminho, um outro artigo orienta as jovens em relação aos “espaços
escuros” e aos “passeios”:
65
AMBRÓSIO, Frei. O sentido do namoro. Boletim Informativo. Patos de Minas, 25 de dez./1980.
Especial, p. 11.
60
“(...) Dar-lhe a noção de responsabilidade. Impor-lhe respeito sobre sua
conceituação e pessoa. Mostrar-lhe que ela não é aquilo que ele pensa.
Rechaçar da tentativa esquerda, quer por meio de beijos, quer lisuras e afagos
suspeitos, que visem conquistar a sua confiança e ingenuidade, para chegar
bem mais além do que ela imagina. Deve-se ter o máximo de cuidado com as
conversas, evitando-se lugares solitários e escuros. Não aceite montar na
garupa de lambreta e muito menos entrar no carro de pessoas estranhas. A
moça deve se portar com dignidade, para provar ao pretendente que ela é séria
e não uma ‘coisa’ como tantas outras que talvez tenham sido suas vítimas
fatais.
Ótimo seria os dois namorados freqüentassem juntos a santa missa. Talvez seja
este o melhor meio para formação do rapaz e porque será da moça também. É
Deus que irá dar o último retoque àquelas duas vidas que procuram
honestamente corresponder aos ditames da consciência e da religião.
A oração é sempre indispensável para se alcançar de Deus a sua ajuda e
iluminação. Ele é a luz do nosso Caminho e a orientação de toda a vocação.
Deve-se rezar muito para que Deus ilumine e descubra a vocação de ambos
(...).”
66
Os conselhos e recomendações às jovens são claros para que elas não se deixem
levar pelos namorados, através dos afagos, dos lugares isolados. Remenda-se não andar
em garupa” de lambreta ou entrar em carros de estranhos. Observa-se a referência à
postura da moça, para que seja digna e a orientação para o casal de namorados
freqüentarem a missa.
De acordo com os depoimentos, os costumes dos namoros de hoje, ou seja, o
“ficar”, tem sentido em apavorar os pais, ao compararmos com o “discurso oficial” de
sua época de namoro.
Evidencia-se uma grande mudança num curto espaço de tempo, apenas de uma
geração para outra, de determinados valores que estiveram presentes durante séculos.
As mulheres empresárias, mães, foram tolhidas, reprimidas nos namoros, na
percepção do corpo, do prazer, limites de horário (no máximo 10 horas da noite), não
viajavam sozinhas com os namorados e hoje, os filhos têm toda a liberdade nessas
questões.
Percebem-se conflitos e contradições dentro das mudanças que estão ocorrendo.
Ao mesmo tempo que se detecta na fala das mulheres uma clareza dessas
transformações, as quais eram necessárias devido à educação rígida, sem diálogo, onde
os pais não tocavam nos assuntos sobre o corpo, sexo, prazer e outros assuntos, percebe-
se, também, uma vontade de voltar atrás, de ser como antes.
Essa vontade se expressa na fala de muitas mulheres, revelando um
“arrependimento” por não ter “segurado” mais, impondo mais limites e controle.
66
BOLETIM Informativo. Patos de Minas, 11 nov./1979, p. 5.
61
Vale sublinhar que não significa generalizar todas as opiniões e atitudes, porque
há exceções na forma de controle e limites aos filhos:
Dalci: “(valores) não deveria mudar. Portanto, se faz alguma coisa errada
(filhos)... Eu marco horário, o horário de chegar em casa é duas e meia. Se
chegou três ou quatro ou cinco... No outro final de semana vai ficar de
castigo.”
De acordo com a entrevistada, muita mãe “esconde” do pai o horário que os
filhos chegam em casa. E isso contribui para a falta do controle e limite. Perguntada
sobre os horários, quando a prática dos eventos é começar tarde e a maioria dos jovens
estarem saindo para se divertirem já tarde da noite, respondeu:
Dalci: “Mas eles é que estão fazendo errado: ‘Porque que aquele menino que
está na rua está fumando, está fazendo a coisa errada? Porque o pai não está
olhando! (controlando).”
Sobre os horários, os costumes que diferenciam a forma de tratamento entre
meninas e meninos, um empresário também colocou:
Paulo: “As meninas cobram: ‘Ah, os meninos fazem isso’. Mas, na realidade, o
que eu tenho observado é que a própria sociedade conduz a isso. Você percebe
que às vezes você quer deixar uma menina de 15 anos sair na rua meia-noite, e
você não deixa, e o rapaz sai. Não é que a gente induza isso e ele faça. É uma
coisa que parece que é normal, que acontece (...) está arraigado na cultura.
Porque na realidade, é muito difícil você ouvir dizer que uma moça atacou um
rapaz de 15 anos. É uma coisa que parece que pela formação da mulher, pelo
tipo de comportamento dela, isso mesmo conduz a acontecer isso que eu estou
dizendo. Então, os rapazes saírem meia noite para o ‘social’ ou para o
‘Caiçaras’, acontece, ao passo que as meninas a gente não deixa acontecer. É
como eu estou dizendo e é difícil dizer que é a gente que induza a isso, mas é
aquela paternidade que a gente tem com as meninas, é mais precaução.
Realmente, a tendência masculina, 95% é mexer com as meninas, apesar que
ultimamente está ‘pau a pau’. A gente está observando que as meninas estão
‘dando’ em cima dos rapazes, a gente vê pelos telefonemas em casa, as meninas
ligando e tudo, e quando a gente tem oportunidade, a gente isso até em
barzinhos. A gente está vendo aí na sociedade que as meninas estão mais
afoitas. Mas a época delas (minhas filhas) era diferente.”
Observa-se a referência da criação das meninas e dos meninos diferenciada
como sendo “natural”, dada pela cultura, pelo contexto histórico do momento, ou seja,
pela sociedade. Observa-se também o enfoque ao costume do homem de achar que é
“normal” ele agir de forma diferente em relação ao sexo feminino, como por exemplo
“mexer” com as meninas e, no extremo, “atacar” as meninas, porque muito homem
ainda pensa que afirma sua masculinidade com atitudes violentas. Percebe-se ainda a
referência à uma possível mudança em pouco tempo em relação às meninas, ou seja, da
geração de suas filhas (década de 1980), para a geração atual, ao dizer que hoje as
62
meninas são mais afoitas, estão mais liberadas, telefonam para os rapazes, nos
mostrando uma mudança de comportamento.
A constatação de mudanças rápidas está presente nos depoimentos de todas as
empresárias. A percepção de um momento de “transição” é claro. Valores morais
coexistem com a mudança de outros preconceitos que sinalizam uma transformação. A
contradição é evidente nas posições, nos depoimentos, porque, ao mesmo tempo que
afirmam dar hoje uma educação “muito diferente” daquela que receberam, para os
filhos serem “independentes, educados para a vida, profissionais”, afirmam sentir a falta
de limites, de controle.
Por isso, há um “conflito” nos pais de hoje em relação às mudanças, à educação ,
à formação, principalmente porque os resultados, no geral, estão mostrando uma falta de
“valores”. Valores estes, primordiais para todas elas, revelados nos depoimentos
como: respeito, honestidade, preservação da moral, da conduta ilibada.
Carlúcia: “A nossa geração, acho que é a geração mais difícil, porque nós
tivemos que sair de um lugar muito fechado, e hoje estamos num lugar aberto e
somos uma transição. Então nós sofremos todas as conseqüências dessa
transformação. (...) uma síndrome do excesso. (...) alguma coisa nós não
(estamos sabendo) segurar. (...) Inclusive na escola (...) o menino sempre fazia
o que queria. E quanto os meninos chegavam na quinta série (eles entraram no
jardim) e a turma foi avaliada, o colégio ficou maluco! Chamaram os pais, e
quis colocar nos pais o ‘excesso de liberdade’. eu falei: ‘Não, esses são
valores que eles pegaram em todos os meios que eles circularam. Pegaram na
família, na escola, na mídia. (...) Acharam que ‘podia tudo’. (...) Tem que saber
achar o equilíbrio, achar o meio termo. (a escola) resolveu resgatar o limite e
resolver ficar autoritária. Não soube achar o equilíbrio, ficou autoritária.
(...) a gente tem que pensar é no equilíbrio: como é que ficou a família? (...) a
família muda, quer dizer, e começa a ter que ficar independente cedo, ele
está mais sozinho, você não pode dar mais atenção do que necessita... Como é
que serão esses filhos, nossos daqui a 20 anos?’ Porque nós ainda não
conhecemos os filhos das gerações dos separados.”
Ao dizer que a “família muda”, buscamos Bruschini, quando se refere aos
modelos dos grupos sociais, a família, mostrando a sua elasticidade, a capacidade de
transformação, devido à riqueza da realidade observada, capaz de extrapolar o modelo
do momento: “a existência de um modelo numa sociedade ou movimento histórico
determinado não significa que este conjunto de regras e padrões de comportamento
não seja passível de transformações. Pelo contrário, a mutabilidade é outra
característica da instituição familiar, como é fartamente documentada pelos estudos
históricos.”
67
67
BRUSCHINI, Maria Cristina. Mulher, casa e família - Cotidiano nas camadas médias paulistanas. op.
cit., p. 37.
63
Nesse sentido, os depoimentos e as percepções das mulheres entrevistadas nos
permite detectar e dizer que o modelo familiar nesse momento histórico está sofrendo
mutações, algumas transformações, sem no entanto estar alterando a estrutura familiar.
Há no depoimento acima, inclusive, uma “sugestão questionadora” de como será
a próxima geração, ou seja, os futuros pais filhos de pais separados. Que mutações a
família dos filhos dos pais de hoje sofrerão? Como será a sua “família de procriação”,
porque a “família de origem” são os pais separados.
Contra a saída da mulher do âmbito privado e reforçando a família, o “discurso
oficial” é claro sobre essa postura e defesa:
Falando aos Pais
Famílias de ontem e de hoje
uma grande preocupação quanto aos caminhos que vão tomando as
famílias no mundo e para nós aqui, especialmente aquelas que compõem a
América Latina. Comissões especiais se reúnem, para, num estudo em conjunto,
descobrirem quais são os males que estão a prejudicar as famílias, e quais os
caminhos que poderão indicar para ajudá-las.
Houve e continua havendo uma mudança no mundo. Isto tudo atinge em cheio
às famílias, mudando suas estruturas. Antes, vivíamos numa sociedade de tipo
patriarcal; em casa o pai era aquele chefe respeitado, cuja palavra valia como
lei. Mesmo que não andasse muito bem, que desse ordens injustas ou absurdas,
ninguém seria capaz de contestar. A mulher e os filhos viviam em regime de
medo, não tendo direito a reação de espécie alguma. Por outro lado, todas as
decisões e responsabilidade pesavam apenas sobre o pai. Além de manter a
família sem ajuda, era quem dava a solução a todos os problemas que
aparecessem.
Os tempos mudaram. (...) Muita coisa foi mal interpretada, e os exageros
apareceram logo. Se não estava certo que o pai fosse o patriarca absoluto, a
que ninguém podia contestar, virar se tudo de cabeça para baixo,
desmoralizando-se também qualquer tipo de autoridade, ficava pior ainda.
Por muito tempo as famílias lutaram com a desorganização dentro de suas
paredes: mulher a querer uma liberdade excessiva, saindo do lar sem mais nem
menos, muitas vezes, não para ajudar ao marido no sustento da família, mas
para acintosamente dar o ‘grito de independência’. O resultado era a má
orientação dos filhos entregues a si mesmos, ou à pessoas sem um preparo
suficiente, saindo daí quase todos os problemas que têm atingido à nossa
juventude.
Os filhos, numa proporção bem grande, perderam a noção da autoridade
paterna e partiram para uma contestação sistemática contra tudo e todos.
Como não têm a maturidade e o equilíbrio necessários que o tempo trás,
sentem-se infelizes e desorientados.
Felizmente que nos tempos atuais, aos poucos, parece que as famílias vão
chegando a certa conclusões, depois das muitas cabeçadas dadas. (...) não
podemos viver mais em estrutura patriarcal, mas a desordem, a falta de
liderança, o excesso, não levam a melhores caminhos.”
68
68
FONSECA, Déa Neto da. Famílias de ontem e de hoje. Folha Diocesana. Patos de Minas, 15
abr./1976. Falando aos Pais, p. 6.
64
O conteúdo faz referência às mudanças familiares, mostrando-nos uma grande
preocupação com os males do espaço doméstico, a mulher que procura sua
“independência” e, portanto, deixando suas “obrigações primordiais”. Ao mesmo
tempo, critica a estrutura rígida “patriarcal” e orienta contra os excessos, contra a falta
de limites.
No mesmo jornal local, agora datado de 1986, detectamos vários artigos que
ressaltam o casamento como valor sagrado, indissolúvel, em defesa da manutenção da
família, do casamento.
Passa-nos a imagem da família baseada nos valores católicos. Cita o artigo:
O Futuro da Sociedade Passa pela Família
Casamento Religioso
1. O casamento é um ato público de rompimento da dependência para com os
pais e, como conseqüência, de entrega e acolhida definitiva e total de um para
com o outro. É um ato público dele depende a sociedade que nele tem sua
origem.
2. Quando os noivos são católicos e realizam o ato público na Igreja, esta
doação tem o caráter de Sacramento, enquanto permanecerem vivos. Nada,
nem ninguém pode desfazer estes laços. O Sacramento contém as graças
próprias e necessárias para a vivência do amor, por isso ele é fonte de salvação
para o casal e para a Comunidade.
3. Para o casamento na Igreja ser válido é necessário:
(...) b) querer viver a indissolubilidade e a unidade matrimonial;
(...) e) que nenhum dos dois seja casado anteriormente (estando o consorte
vivo);
(...) g) que ninguém seja forçado por ameaça;
h) que ambos sejam batizados;
i) que não sejam primos (em casos especiais pode ser celebrado, mas exige-se
dispensa da Cúria).
4. Os Ministros do Sacramento do matrimônio são os noivos. Isto é de uma
profundidade muito grande. Os noivos se são mutuamente a graça santificante
própria da vida conjugal e familiar para viverem plenamente sua vocação e
poder, com a ajuda de Deus e da Comunidade, levar o outro para o céu. Por
isso, ambos devem estar em ‘estado de graça’ ou confessar-se individualmente
antes de se unirem em Matrimônio, caso contrário pecam.”
69
Pelo “foco” da produção, o discurso é todo voltado para as normas e os dogmas
da Igreja Católica. Analisando o mesmo jornal, percebem-se as múltiplas atividades
voltadas para a comunidade como: cursos de catequese, cursos de noivos, Encontro de
Casais, Movimentos de Cursilhos (para mulheres e homens), Renovação Carismática,
Notícias da CNBB semanalmente, Campanhas da Fraternidade, Encontro de Jovens -
MAC (Movimento de Ação com Cristo), Encontro de Jovens do TLC, Grupos do MCC,
Encontros de Adolescentes E.A.C., Encontro de Ordens (Capuchinhos, Franciscana),
69
PASTORE, Alfonso (Padre). Casamento Religioso. Folha Diocesana. Patos de Minas, 6 fev./1986. O
Futuro da Sociedade Passa Pela Família, p. 3.
65
Encontro de Vicentinos - SSVP, Cursos para Catequistas, Movimentos Cristãos e
outros.
Vários outros artigos vêm exemplificar os discursos normativos e orientadores à
sociedade, como por exemplo:
Recado aos Noivos
(...) Deveria haver mais seriedade na preparação para o casamento. É um
importante noviciado a dois para uma vida nem sempre fácil, mas que, estando
os noivos bem preparados, alicerçados numa boa base cristã terão maiores
garantias de vivê-la com equilíbrio e tranqüilidade.
Que se fizesse o curso de noivos no início do noivado ou mesmo antes um
pouco, seria muito bom. Teria tempo suficiente para meditarem sobre tudo
aquilo que lhes é apresentado, medirem os prós e os contras, e até, quem sabe,
mudarem de idéia a tempo, e descobrirem que aquele ou aquela, não é o
companheiro ou companheira certos para caminharem juntos. Na última hora,
já não é muitas vezes, possível.
Os cursos de noivos são dados o ano inteiro, cada mês em uma paróquia aqui,
havendo tempo bastante para que o façam com melhor proveito, mais
tranqüilamente, para que haja uma preparação mais consciente, e, em
conseqüência, casais mais ajustados e famílias mais felizes.”
70
Os cursos de noivos são indicados como orientação preparatória ao casamento,
como “prevenção” a uma união infeliz, alicerçados nos valores cristãos. Em outro
artigo, a ênfase nos encontros e movimentos promovidos pela Igreja, para ajudar as
famílias:
Falando aos Pais
Famílias de ontem e de hoje (II)
(...) A Igreja, sempre mãe carinhosa e preocupada com seus filhos, luta o mais
que pode para ajudar. Aí estão os movimentos para casais, encontros conjugais
de vários tipos, cursos, uma completa pastoral, toda em benefício das famílias,
para que haja melhores condições nos lares.
É tempo de Ressurreição, tempo de Páscoa; boa ocasião para procurarmos
uma renovação em nossas casas, uma vida, quem sabe pior, para outra bem
melhor, onde muita coisa seja esquecida, perdoada, e todos procurem
recomeçar com nova luz, principalmente colocando em nosso meio a Luz com
letra maiúscula, que é o Cristo Ressuscitado. Ele é o melhor médico, o melhor
psicólogo e sobretudo o melhor amigo (...).”
71
Assim, aparece e entende-se o enfoque à manutenção da estrutura familiar, a
valorização da família como suporte de uma boa formação:
Meirison: “Eu acho que (a educação) está muito liberal. (...) tem que cobrar
mais... tem que ter limite para as coisas. Acho que a criação que nós tivemos
(...) faltou um pouco de diálogo (...) mas tivemos exemplo. (...) creio no
exemplo. Tudo na vida é exemplo. (...) se eles (filhos) conseguirem ter o
exemplo do pai e da mãe, eles serão bem sucedidos. Acho que o limite tem que
ter, e nós não devemos descuidar (...) a gente procura sempre trabalhar, ser
70
RECADO aos Noivos. Folha Diocesana. Patos de Minas, 29 jan./1976, p. 7.
71
FONSECA, Déa Neto da. Famílias de Ontem e de Hoje (II). Folha Diocesana. Patos de Minas, 22
abr./1976. Falando aos Pais, p. 5.
66
honesto com as pessoas. Uma coisa que me ajudou muito (...) que valeu, foi a
criação dos meus pais, o exemplo de trabalho, de honestidade (...) temos que
participar (da criação) dando esse exemplo.”
No mesmo viés, um outro empresário reforça a responsabilidade, o controle aos
limites, o respeito e a família:
José Soares: “(...) Toda época é mais ou menos igual apesar das mudanças (...)
liberdade e libertinagem, filhos e filhos, pais e pais. Por , em
qualquer circunstância que você for mexer na vida, tem exagero. Eu sei
daqueles que valorizam muito a estrutura familiar, uma estrutura familiar que é
realmente a liberdade com limite de responsabilidade. Acho que desde o
momento que a minha liberdade vai de encontro até a sua responsabilidade, o
seu limite. Acho que é tudo válido, desde que eu não invada aquilo que é seu
direito. Eu não posso invadir o que é do outro. Mas até aí, acho que todo
mundo deve ter a liberdade (...) e respeito humano é a primeira coisa. Acho que
todo mundo tem o dever de respeitar o outro, para ser respeitado. (...) é uma
das coisas mais importantes”
Também como causadores e motivadores das mudanças rápidas de valores e de
comportamento, a maioria das mulheres atribui a responsabilidade aos meios de
informação, de comunicação e da sociedade, taxando-os como influências negativas:
Lúcia: “Eu acho que vai muito das propagandas, novelas, revistas... parece
que eles (filhos) vêm muito acontecer isso em televisão, e as coisas na
televisão... tudo é tão natural, você ficar com um hoje, ficar com o outro,
separar e casar de novo, largar, trair. Eles vêm muita novela, muita televisão,
vêem revista, vê jornal, vê notícia e acontece isso e tal... parece que vai ficando
tudo natural (...) a ‘Xuxa’ mesmo é um grande exemplo. ‘Não precisa casar, é
ter filho independente...’ Quando eu comecei a namorar (1976), nossa, meu
pai não me deixava sair de carro com o namorado (...) Havia mais limites,
tinha horário para chegar, não podia ficar saindo com namorado(a), viajar
com namorado(a)... parece que a gente vai perdendo o controle... (fico
cismada)... (se a gente chama a atenção) falam assim: ‘Mas hoje os tempos
mudaram. Não é assim mais’. Então, parece que pega influência, muito das
colegas, da sociedade... E vai virando (essa) ‘bola de neve’ e você não dá conta
de controlar, (...) Abriram demais (os limites) e tinham que segurar. Eu não
concordo com essa ‘liberdade’ total, desse jeito não, porque eu acho que é para
o bem delas (deles)... namorar do jeito que está hoje, esses beijos escandalosos,
na frente de todo mundo e tal... na minha época não tinha disso (...) não era
essa liberdade assim que tem hoje. Hoje eles quase ‘transam’ na frente da
gente.”
Contra os avanços atuais e para a manutenção dos valores, os discursos nos
jornais condenam também os meios de comunicação contra os “bons costumes”:
As novelas e a família
Estou preocupado com o que a televisão anda mostrando.
Especialmente com as novelas.
Não com as novelas em si, mas com a maneira que apresentam o assunto
focalizado, especialmente como é enfocado o tema ‘família’. E como são
tratados os seus integrantes.
67
Não me refiro às cenas pornográficas apenas, pois estas se tornam comuns,
apesar de serem apresentadas em horários nobres, sem qualquer objeção.
O pior é a deturpação do sentido de família’, eliminando por completo a sua
finalidade e a sua nobreza. (...)
um ‘troca-troca’ danado enquanto no decorrer da novela uma série de
tramas comerciais e interesseiras, que acabam atingindo, de cheio, os valores
morais da família.
(...) Daí, o perigo de nossos filhos imaginarem que tudo isto é normal e natural.
Parece-nos que há interesses estranhos com o objetivo de desmoralizar a
família para enfraquecer a sociedade.
Sinto, no entanto, estar apresentando o problema sem apontar soluções.
Mas resta-me o consolo de lembrar que o ‘Mestre’ deixou transparecer em uma
de suas parábolas que o ‘joio’ que crescer no meio de trigo será separado e
queimado, e a certeza de que o ‘bem sempre vence o mal’.”
72
A crítica às novelas é enfatizada como um ataque aos valores morais da família,
desvirtuando o seu sentido. No mesmo viés, o artigo a seguir critica a promiscuidade da
televisão.
Modernismos
A verdade é que sou mesmo um quadrado.
E digo isso com uma ponta de satisfação, pois não me cobiça a mentalidade
dos que se dizem atualizados em comportamentos ‘modernos’, pois em meu
pensamento obtuso (ao ver dos sempre-em-dia), acho que propagam é a
degradação de Moral e da Família; propagam a inversão de valores,
suplantando o drama de Sodoma e Gomorra.
Não creio que exagero, pois a permissividade é tamanha que encontra-se
paralelo naquela passagem bíblica. O progresso (?), em termos de costumes,
nos chega tão rápido que não há tempo para se assimilar a nova moda.
Espanta-nos e, até, constrange-nos.
Particularmente, a propósito, tenho um certo receio de assistir televisão ao
lado de minha família. Temo aparecer na tela, de repente, uma cena
constrangedora, como vai acontecer.
Eu não tenho ‘cultura’ para assimilar esses costumes atuais. Daqui a pouco, a
continuar essa liberdade entre aspas, veremos em nossas tevês cenas de sexo
explícito, já que mais que insinuações vemos hoje.
Pior do que cenas de sexo explícito, vemos atualmente cenas de incesto,
sodomia, adultério, prostituição. Enfim, decadência dos costumes. Hoje é
normal (?) até prostituta aparecer em nossa tevê fazendo propaganda de
técnica que ela usa em seu ‘trabalho’ para evitar Aids.
O produto desses ‘modernismos’ é o incremento da criminalidade e da morte.
Os ‘modernos’ é que cultivam isso e nós, quadrados, somos suas vítimas.”
73
O ataque às mudanças é nítido, ao dizer que não conta de assimilar tais
costumes. Atribui o aumento dos crimes e das mortes aos “modernismos” e culpa-os de
irem contra os valores morais e familiares.
72
MACHADO FILHO, Joaquim Garcia. As novelas e a família. O Condor. Patos de Minas, dez./1988, n.
12. Ano 1, p. 2.
73
SAMPAIO, (Sgt.) Modernismos. O Condor. Patos de Minas, mar./1989, n. 16. Ano 2, p. 2.
68
Além da televisão, outros meios de informação são também culpados pelo
“discurso local”, por agredirem e violentarem os valores familiares:
Harmonia Conjugal
(...) Televisão, revistas, livros e cinema, entre outros, se encarregam de poluir
tudo aquilo que tem sido o cimento que tem mantido unidas as famílias.
Tempos atrás, era costume se afirmar que das famílias dependia a qualidade
boa ou má de uma sociedade.
Hoje as coisas se inverteram. Percebe-se que os meios de comunicação social,
instrumentos de uma sociedade de consumo sem escrúpulo, manipulada não se
sabe por que poderosas forças, exercem uma influência marcante sobre as
pessoas (individualmente) e sobre as famílias como um todo, fazendo com que
se desagreguem, como constatamos aqui e alhures.
Diante de fatos comprovados, que ninguém tem condições de contestar, urge
que se desenvolva, cada vez mais uma consciência crítica, para que se possa
separar o que presta do que não presta, aproveitando aquilo que seja
construtivo e recusando tudo quanto seja desagregador.
(...) As revistas chamadas eróticas ou pornográficas, têm sido as responsáveis
por um sem número de casos de comportamento anômalo de nossa juventude,
que é induzida a fazer isto ou aquilo, por influência de um verdadeiro
bombardeio de sugestões que recebe a todo instante, numa idade imatura,
quando os instintos prevalecem sobre o bom senso e sobre a razão. Vendo e
lendo tudo aquilo que se encontra impresso, os jovens concluem que a
permissividade é a regra, que tudo é normal. Somente quando surgem as
grandes decepções, chegam a perceber (quando percebem), as ciladas em que
foram envolvidos, quando nem sempre podem recompor a vida. (...)”
74
As revistas são alvos de crítica como agentes permissivos aos jovens. uma
alerta às mentes críticas para que haja discernimento no que presta ou o, ou seja, o
que é o “bem” e o que é o “mal”.
Em relação à desvalorização da mulher, ao seu corpo e exploração da
sexualidade, anotamos:
Erotismo - VII (Adaptação)
A mulher, que deveria ser olhada com olhos puros, está sendo hoje em dia
aviltada nos cinemas e nos cartazes de propagandas. Infelizmente ela
margem para que os homens as menosprezem e as reduzam a simples
instrumentos de satisfação sexual. Nas ruas elas são excitantes. A mulher está
favorecendo largamente este clima de erotismo no ambiente social pelas modas
de progressiva redução do pano nos vestidos e pelos modos livres e deliberados
de exibir o corpo sem a reação instintiva de enrubecimento das faces.
A intensa propagação de semelhante clima e mentalidade, acarreta fatalmente,
como em toda a parte se observa, o fenômeno inquietante de uniões provisórias
e passageiras entre jovens, moços e moças, a prostituição, a difusão de drogas,
o enfraquecimento da harmonia e da estabilidade das famílias pelo
mantenimento de ligações fora do lar.
se classificou esta situação de agressão do erotismo’, porque a
licenciosidade, invadindo o teatro, o cinema, a televisão, os lares e quaisquer
74
FONSECA, Délio Borges da. Harmonia Conjugal. A Debulha. Patos de Minas, 31 out./1980, p. 25.
69
ambientes, afronta e persegue indistinta e continuamente também as pessoas
que a rejeitam e condenam.
75
Pelo artigo, percebe-se que as próprias mulheres são “causadoras” da excitação
nos homens e das situações de desvalorização delas mesmas. Condena o modo de vestir
da mulher e a exibição do seu corpo, sendo, por isso, motivo de desajustes nas famílias,
nos casamentos.
Contra o sexo, ou seja, a satisfação e o prazer sexual, o mesmo jornal publicou:
Erotismo IX
(...) É lamentável que até hoje não temos nada para a juventude, que ávida de
diversões e de expansão, encontra na satisfação sexual a resposta de seus
anseios. Ninguém lhe o evangelho, ninguém lhe dá a mão ou, pelo menos,
uma agremiação sadia para ela compensar toda esta devassidão que assola o
mundo.
Os pais não conseguem afastar seus filhos do mau cinema. Os filhos não
obedecem e taxam-nos de quadrados, ranzinza e superados. A libertinagem
campeia por esse mundo de Deus. A corrupção dos costumes, o aviltamento da
arte e a aberração da moda, não encontrariam outro freio a não ser numa ação
enérgica do poder público: governo, juizado e delegacia. Mas, perguntamos
ainda uma vez: quem se mexe? (...)”
76
O “discurso oficial” é, portanto, normatizador, controlador e condena os meios
de comunicação pela veiculação da corrupção, os ataques aos valores morais e
familiares.
Nota-se também, a condenação ao sexo, ao prazer, ao uso do corpo, o que nos
leva a dizer que uma semelhança com a educação gida das mulheres empresárias.
Ao mesmo tempo, as denúncias dos jornais e as reclamações das mesmas contra a
“liberação” dos jovens de hoje, também se assemelham.
Em relação à educação passada hoje aos filhos, no que se refere à sexo,
sexualidade, prazer do corpo, tendo em vista que todas disseram não terem tido
informações, nem diálogo com os pais nessa área, o comportamento de todas foi
unânime nessa questão.
Todas as mulheres responderam que hoje, na educação dos filhos, conversam
abertamente com eles sobre sexo, sexualidade, prazer do corpo, respondendo às
dúvidas, informando sobre preservativos, gravidez indesejada, percebendo o corpo
como fonte de prazer e não só para “gerar filhos”.
75
SCHERIR, Vicente (Cardeal). Erotismo VII (Adaptação). Boletim Informativo. Patos de Minas, 18
mar./1979, p. 3.
76
Idem. Erotismo IX. Boletim Informativo. Patos de Minas, 18 abr./1979, p. 3.
70
Acresceram a esse diálogo, informações e discussões sobre drogas, bebidas,
AIDS, más companhias e influências negativas. Nesse ponto, mostraram-se
completamente diferentes de seus pais. Portanto, a “geração desses filhos” tinha que ser
diferente em alguma coisa. Se uma mudança na formação, na educação, o resultado,
obviamente, deveria ser outro.
que, percebe-se que “esse resultado” não está agradando, muito pelo
contrário, está “assustando” esses mesmos pais. Daí, através dos depoimentos,
percebemos essa lembrança “constante” na fala das mulheres, um vai e volta do
presente ao passado, relembrando, usando a memória, querendo de volta o limite que
havia no passado, o respeito. Passado tão próximo, de apenas 15 a 25 anos.
Vale ressaltar que na questão da repressão ao sexo, dos “tabus” em relação ao
corpo, na falta do diálogo dos pais sobre esse tema, não nostalgia, todas reclamaram
como “carência”, como falta de informação, como uma omissão, uma necessidade que
foi “camuflada”, escondida.
Terezinha: “Olha, isso é uma coisa interessante da época, porque o sexo na
época, era realmente um sexo escondido. Existia a mesma sem-vergonhice que
existe hoje, só que era escondida... o homem tinha outra mulher, mas era muito
escondidas, afastado da família, a mulher também às vezes amava outro
homem, mas era tudo muito escondido, não havia tanta liberdade quanto hoje.
Agora, isso era bom? Não sei. (...) nós todas nhamos o mesmo pensamento:
era o pensamento de uma pessoa mais respeitada, de que a gente precisava ser
respeitada, que o sexo tinha que ser feito na hora certa, a gente tinha que
esperar o casamento para haver sexo... Isso na época era forte (...) a mulher
era intransponível (...) assexuada, o corpo era intransponível nesse sentido.”
Não significa que, mesmo dando as informações necessárias que lhes faltaram,
concordem com a liberdade exagerada de hoje e suas conseqüências. Dar uma educação
com informação, diálogo, limites e controle é uma coisa, mas usá-la como forma de
ataque à moral e à conduta, é outra.
Pelo depoimento, estão implícitas as práticas consideradas ilícitas, como
relações sexuais fora do casamento. Se antes eram “escondidas”, supõe-se um controle
mais rígido ou um respeito maior em relação à mulher ou ao próprio caráter e formação.
Porque hoje, ainda de acordo com a entrevistada, existe toda a mesma prática de
“traição” e falta de respeito, que não é “mais escondido”. Observa-se a crítica à
mulher pela falta de respeito com o próprio corpo; o “controle” normatizador existente
na época, através do corpo, da sexualidade, ao dizer que a mulher era “intransponível”,
assemelhando-se ao “discurso oficial”.
Veja como hoje essas mães estão “na defensiva”:
71
Rosângela: “... hoje a gente tem uma grande preocupação de que alguma
mulher fique grávida (dos filhos), tem a AIDS (...) é muito difícil você aceitar o
mundo de hoje, esse ‘ficar’, esse ‘abraçar’, esse ‘poder dormir’. (...) Esses
valores mudaram. Eu criei minha filha falando muito que devia ter idade para
escolher, devia ter a hora certa, tudo isso foi falado, foi brigado, foi chorado,
foi explicado. (...) A gente tem que ter muito cuidado, principalmente em
relação à mulher (filha). Eu tinha muito medo da gente ficar falando muitas
coisas ou da gente podar muitas coisas. Talvez eu tenha mudado minhas
opiniões para que ela não viesse a” achar que sexo era errado e que ela não
pudesse desfrutar e ter prazer disso. (...) Mas, sempre, com o ‘pé atrás’. Eu
nunca consegui por os dois pés’ na frente. Sabe? Me liberar. (...) o cuidado
com ela... a moral é a mesma coisa. Nada de muitos parceiros. Nada disso (...)
eu sempre falo para ela que casamento é a última coisa da vida da mulher. Mas
eu quero que ela se case. Não quero que ela fique solteira de jeito nenhum. (...)
Eu tenho essa coisa de minha mãe. Tem que casar. Nem que seja para não dar
certo, você se casa (risos). (...) Primeiro, a profissão. (...) Eu não estou
preparada para por uma menina pra dormir com o namorado dentro da minha
casa. Eu sou sincera, sabe? Não estou achando, por isso, que não durmam.
Não tem nada a ver, nem quer dizer que (melhores ou piores) filhos e filhas.
(...) (para mim) não tem mulher errada. (...) porque aquela dormiu (...) ela
não é certa? Acho que você não pode criar esse tipo de valores na sua cabeça.
Mas, agora, eu acho assim: o parceiro tem que ser muito bem escolhido. (...)
Eu acho que tem que ter limites e valores morais.”
Há um “confronto” em aceitar e não aceitar a mudança. A entrevistada conhece a
realidade dos namoros, do “dormir”, da transa, mas com ressalvas. Há um “medo” como
ela citou, um “pé atrás” na aceitação da realidade que ela mesma presencia. São várias
as contradições que a afligem. Apesar de saber dessas mudanças de valores como ela
citou, existem outros valores de que não abre mão: os valores morais, os limites e
demonstra uma educação “machista” ao dizer que tem que ter mais cuidado em relação
à filha. É aquilo já dito: a liberdade está aí, mas com a preservação da moral.
Todas vêem mudanças e alterações. Uma revela uma postura mais conservadora
(não aceita sexo antes do casamento, preserva a virgindade), outras menos
conservadoras, ou seja, admitem o sexo antes do casamento, o prazer, mas na hora certa,
com um só parceiro. Isso é fundamental para todas.
Mas algumas mudanças que nenhuma aceita, como, por exemplo, o “ficar”,
porque todas preservam e querem preservar a moral, a conduta, o nome com respeito. É
uma mudança com mais “liberdade”, com diálogo, mas com limites. Mas, afirmam que
estão “sentindo” que não estão seguras. Existem pontos heterogêneos e outros
homogêneos, mas as referências fundamentais de todas são a estrutura familiar e os
valores morais.
72
1.4. Motivação Pessoal
“Será que se eu pegar uma empresa e eu for não a segunda pessoa, mas a
primeira, eu assumo e consigo fazer o trabalho? Ali eu tive a certeza que eu
dava conta” Gláucia Nasser de Carvalho.
Inserindo o olhar num espaço dado como “masculino” no mercado de trabalho,
tornou-se instigante conhecer as circunstâncias diferenciadoras ou comuns na trajetória
das mulheres empresárias à procura dessa atividade profissional. O “motivo”, a
alavanca que as impulsionaram levando em conta as suas especificidades, conectadas
com as particularidades também culturais e locais nos levou aos resultados expostos a
seguir.
Observou-se dentro da amostra que, o que mais se repete na motivação é a
“independência financeira”. Catorze entrevistadas revelaram procurar e iniciar a
atividade empresarial devido à vontade de serem independentes economicamente. Vale
sublinhar que à resposta de “independência financeira” onze mulheres acresceram a
necessidade econômica, o que indica que a “independência financeira” está
estreitamente vinculada à “necessidade econômica”.
Teresa: “Olha, um grande motivo é a independência financeira. Mesmo quando
meu pai pagava os estudos, isso sempre me incomodou. Eu sempre quis ter o
meu dinheiro e me sustentar. (...) porque eu sempre quis trabalhar, eu sempre
quis estar fora. Eu não gosto dessa coisa de ficar só em casa.”
Maria das Dores: “... eu tive problema financeiro, queria também uma
estabilidade financeira para mim no futuro. Eu queria ser uma pessoa
independente, não queria ficar vivendo dentro do lar.”
Leny: “Necessidade econômica. Eu sempre tive um espírito muito
independente, desde pequena a mamãe criou a gente mais independente. Então,
juntou os dois, necessidade e um sonho de independência.”
Por vontade de “Realização Pessoal”, oito das mulheres afirmaram ser essa a
motivação. O “sonho” fez parte dessa realização.
Beatriz: “O motivo principal foi a busca de uma satisfação pessoal, a
realização profissional”.
Cynthia: “(Realização) Pessoal. Eu, graças à Deus, não tinha a necessidade
financeira. Então, o meu trabalho foi... a época foi planejada, que seria a partir
do momento em que os meninos não precisassem mais de mim e foi por puro
prazer. Era um sonho acalentado há muito tempo.”
73
A preocupação de algumas mulheres em ser primeiro mãe, depois profissional,
pode ser buscada em Puga de Sousa: (...) a partir do momento em que os filhos adultos
não necessitam mas de seus favores e tarefas cotidianas, as mulheres buscaram
outros objetivos para preencher o vazio deixado por eles.”
77
Conforme a autora, a educação básica da geração por volta de 1960 era para
exercerem o “papel” de “rainhas do lar”, donas de casa, mães e esposas. Dessa forma,
viam-se como responsáveis diretas pelos filhos e que deveriam cumprir, primeiramente,
esse “papel”, para depois se “permitir” outra atividade.
Algumas mulheres empresárias, mesmo revelando em seus depoimentos que
foram educadas para serem profissionais primeiro e não donas de casa, revelaram essa
contradição na prática vivenciada.
De acordo com Saffioti, ter um emprego significa para a mulher, talvez até
inconscientemente, muito mais do que receber um salário: “ter um emprego significa
participar da vida comum, ser capaz de construí-la, sair da natureza para fazer a
cultura, sentir-se menos insegura na vida”.
78
Uma ocupação, uma atividade constitui
uma fonte de equilíbrio para a mulher aliada à sua função na família. A esse desejo de
participação somam-se as necessidades econômicas, os “sonhos”, a vontade da
realização pessoal:
Diferem da maioria, apenas duas mulheres na questão da motivação. O motivo
era “ser reconhecida”, mostrar que era capaz, provar competência.
Gláucia: “... eu tinha vontade de ter uma experiência na qual eu seria a pessoa
de frente, para ver como é que eu dava conta de gerir isso (...) Por querer
sobressair, ir lá fora, de mostrar que eu era capaz, que eu era competente.”
Maria Almira: “De ser comerciante, de ter o meu próprio comércio e de ter
reconhecimento público, como uma pessoa que conseguiu, que é sucesso, que
faz as coisas acontecerem. A diferença no mercado é um motor para mim.”
Conforme os depoimentos, essas mulheres sentiram necessidade de ir contra a
mentalidade e a cultura masculina, na qual a mulher é vista sem capacidade, sem
competência para administrar ou ser participativa no mercado. A vontade dessa “prova”
e reconhecimento da sociedade e delas mesmas, levaram-nas a provar “a ferro e a fogo”,
na expressão de uma, a competência.
77
SOUSA, Vera Lúcia Puga de. Entre o bem e o mal (Educação e sexualidade nos anos 60). op. cit. p.
288.
78
SAFFIOTI, Heleieth, I. B. A mulher na sociedade de classes. Mito e realidade. op. cit. p. 63.
74
Entre as mulheres casadas e educadas da classe média, o rompimento da esfera
doméstica para a entrada no mercado de trabalho, inicialmente tinha uma influência
ideológica diferente das outras mulheres mais pobres. Esse incentivo era a vontade de
autonomia e liberdade, ser vista como indivíduo, não mãe e esposa. Era também uma
ajuda no orçamento familiar, mas sem desprezar o caráter de emancipação. A mudança
de comportamento social e pessoal, exigida pela revolução cultural e moral que se
apresentava no momento, teve uma participação fundamental das mulheres. Essas
mudanças se fizeram sentir nas relações da família patriarcal, nas atividades domésticas,
onde a mulher era o elemento central.
Para a classe média, no início, o dinheiro ganho era mais para o próprio
gasto, para não pedir dinheiro ao marido. Mas à medida que foi crescendo o costume
de duas rendas, o orçamento foi sendo planejado através das mesmas e, também, devido
aos estudos dos filhos em nível superior e seus sustentos até uma idade de mais ou
menos vinte anos ou mais, esse salário da classe média tornou-se necessário, como
muito era para as mulheres pobres. O movimento de mulheres intelectuais ou
educadas alargou-se nos países desenvolvidos como uma espécie de auto-afirmação.
Apesar de ser, no início, um movimento feminista de classe média, as questões
levantadas se tornaram genéricas e urgentes a todas as mulheres do Ocidente.
Ao percebermos as semelhanças das mudanças, da luta das mulheres de todas as
partes do mundo, com os mesmos propósitos das mulheres de Patos de Minas,
afirmamos que elas estão, também, no bojo da revolução moral e cultural, das mudanças
ocorridas na estrutura da família tradicional, no espaço doméstico, de comportamento
social e pessoal.
Através da motivação pessoal das mulheres empresárias, observamos também,
que um dos fatores que as “chamavam” para o espaço público era o contexto econômico
que a cidade lhes apresentava, que o capital, o mercado de trabalho daquele momento,
juntamente com as motivações pessoais, colocadas, ofereciam-lhes a oportunidade de
iniciarem suas atividades como empresárias.
Nessa perspectiva, Patos de Minas apareceu para todas as mulheres empresárias
como uma cidade em crescimento, com grandes transformações. Tendo em vista o
recorte do nosso estudo privilegiar as décadas de 1980-1990, suas análises recaíram
então, nesse período. Sobre a localização e o momento abordado, comentou uma
empresária:
75
Mírian: “Hoje estamos numa região privilegiada, uma região onde existe uma
renda per capita considerável, onde as pessoas têm uma cultura pelo menos
mediana, e isso faz com que as pessoas geralmente valorizem o trabalho da
mulher que tem crescido a cada dia, de uma forma realmente muito gritante.”
No contexto econômico, é unânime a opinião de todas no que refere às
mudanças nesse setor. Ressaltaram que em 1980 o mercado apresentava-se mais fácil
porque não havia tanta concorrência, competitividade e informatização como se
apresenta na década de 1990.
Heraída: “... (1980) no começo é extremamente difícil ganhar, porém o meio
era mais propício. Hoje, no decorrer da história e desses planos econômicos, a
indústria do vestuário está extremamente achatada, você pode perceber nos
índices econômicos que ela nunca está... colocando a inflação para cima, é
sempre um fator que puxa a inflação. Então, nós estamos extremamente com o
lucro cada vez mais achatado, a cada ano que passa, a questão dos tributos, de
impostos, competitividade com o mercado internacional que está invadindo o
nosso país, colocando produtos concorrendo de uma forma que a gente nem
entende como é possível... Então, hoje as dificuldades são muito maiores. E o
que nós temos que estar fazendo para permanecer no mercado? É buscando
tecnologia, é buscando alternativas de consultoria para que a nossa
produtividade esteja maior, e isso garantindo uma lucratividade cada vez
menos, com certeza.
(1990) ...muito mais difícil... O que você precisa ter é o custo totalmente é... ele
totalmente planejado, nada pode ser esbanjado. Você tem que ter agilidade na
produção, agilidade na entrega, porque esse tempo de produto parado dentro
de uma empresa custa caro, a lucratividade hoje não permite isso... Tem que ter
agilidade e qualidade na produção, e estar acompanhando a tecnologia de
produtividade para que você possa ter cada vez mais produção com menos
tempo, com menos desperdício, para garantir a produtividade. Tem que ter
agilidade, acima de tudo, agilidade e rapidez, com qualidade.”
A ênfase nas mudanças rápidas, na necessidade de acompanhar a tecnologia,
buscar maior qualidade em todos os setores necessária à competitividade e condições de
concorrer no mercado que se expandia, foram comuns a todas as falas.
De acordo com o artigo A Força das Cidades Médias
79
, no qual Patos de
Minas está incluída, afirma-se que a participação das cidades médias
80
no PIB nacional
cresceu mais do que a fatia das grandes cidades. As cidades médias cresceram de 31%
em 1970, para 36% em 1996; e as cidades grandes, de 40% em 1970 para 42%. “Patos
de Minas foi o quinto município de tamanho médio que mais cresceu nos últimos trinta
anos, a população pôde sentir os dividendos. Todas as ruas foram pavimentadas e não
há, hoje, uma única casa localizada na região urbana sem água encanada, esgoto e
79
WEINBERG, Mônica. A força das cidades médias. Veja. São Paulo, ano 34, n. 9, p. 75 e 83,
mar./2001, p. 76. (Fonte: IPEA).
80
Ainda de acordo com a Revista Veja, as cidades médias são as que possuem uma população entre
50.000 a 500.000 habitantes. Superior a 500.000 habitantes, são grandes cidades.
76
energia elétrica. (...). Na lista a seguir estão as dez cidades brasileiras que mais
cresceram de 1970 a 1996, considerando-se o PIB per capita: Florianópolis (SC)
6,0%; Itajubá (MG) 5,7%; Iguarassu (PE) 5,7%; Dourados (MS) 5,3%; Patos de
Minas (MG) - 4,7%; Cuiabá (MT), 4.6%; Mac(RJ) 4,5%; Toledo (PR) 4,5%, Belo
Horizonte (MG) 4,4%; Belém (PA) 4,4%.”
81
Também, de acordo com Oliveira Mello, o desenvolvimento do comércio
ocasionou o crescimento da cidade.
“(...) na década de 1970, com o desenvolvimento do processo de
industrialização nacional e, conseqüentemente acrescido o poder aquisitivo do
povo, houve a expansão do comércio a crédito. (...) Nesta época surge um
comércio novo na cidade. São as butiques.”
82
Na década de 1970, as butiques ainda eram em número reduzido, como ressaltou
uma empresária, afirmando que não havia praticamente concorrentes. Mas que, da
década de 1990 para frente, ou seja, atualmente, o que mais se tem são concorrentes.
Apesar da unanimidade em relação às mudanças, uma empresária apenas
ressaltou achar o contexto econômico atual mais fácil, justificando que em 1980 a
inflação era muito alta.
Comparando com a fala de Oliveira Mello, percebe-se semelhança nas duas
afirmações:
“Na década de 1980 houve instalações de filiais de grandes magazines e de
tecidos e roupas confeccionadas fora do município. A partir de 1981, com a
crise econômica assolando o País, ocasionando o baixo poder aquisitivo do
brasileiro, o comércio patense ressentiu. (...) Mesmo assim, é responsável por
61% do total de arrecadação do ICMS de Patos de Minas, absorvendo a maior
quantidade de mão-de-obra na cidade.”
83
A entrada das mulheres no mercado de trabalho na década de 1980 justifica-se
pela necessidade econômica e independência financeira. O contexto econômico da
cidade naquele momento contribuiu para a inserção dessas mulheres por suas
necessidades econômicas e, concomitantemente, houve as influências do movimento
feminino da década de 1980, que já se mostrava forte e bem visível. Juntando esses dois
elementos, afirmamos ser os mesmos os “motores” para a integração das mulheres
empresárias, nesse momento, no mercado de trabalho.
De acordo com o Jornal Folha Patense:
81
WEINBERG, Mônica. A Força das Cidades Médias. Veja. op. cit., p. 75 e 83 (Fonte: IPEA). Grifos
nossos.
82
OLIVEIRA MELLO, Antônio de. 100 anos de comércio em Patos de Minas. op. cit.
83
Ibidem, p. 71.
77
“Patos de Minas começou a registrar seu desenvolvimento industrial e social a
partir da década de 70, principalmente por contar, desde aquela época, com
lideranças políticas fortes que fizeram seus sucessores na Administração
Municipal. O maior impulso foi com o Projeto Polocentro, do Governo Federal
que objetivou a ocupação do cerrado, atraindo agricultores de diversas partes
do país, oferecendo terras a preço baixo e com financiamento a fundo perdido.
Em 1975, a descoberta da jazida da Fosfértil proporcionou a geração de 500
empregos diretos e 3 mil indiretos, impulsionando o comércio e a agricultura.
Estas administrações municipais executaram grandes projetos de infra-
estrutura e saneamento, com planejamento estratégico visando o
desenvolvimento ordenado e assegurando qualidade de vida à população.
O desenvolvimento econômico foi possível também, com a criação de Distritos
Industriais, em áreas estratégicas e com total infra-estrutura. Foram feitos nas
décadas de 80 e 90, os Distritos Industriais I e II e o Distrito para Indústrias de
Confecção.”
84
Também ressaltamos os dados abaixo de um outro informativo local:
“A década de 80 foi marcada pelo maior desenvolvimento técnico da
agricultura, através da irrigação e do cultivo de novos cereais. Grandes foram
os reflexos do desenvolvimento comercial, implantação de indústrias de
fertilizantes e de firmas especializadas em materiais de construção civil.
Indústrias de confecções são nitidamente multiplicadas e a CICA, maior
processadora de tomates da América Latina, aqui se instalou. Houve acentuado
crescimento de cultivo de milho doce, ervilha e tomate na região, chegando
assim a representar um crescimento de 100% no número de estabelecimentos
comerciais.”
85
Observa-se que o crescimento se deu em todos os setores, ou seja, no primário,
no secundário e no terciário. O comércio se tornou competitivo e Patos de Minas
tornou-se pólo regional.
A cidade está inserida, conforme a fala de todas as mulheres, no contexto da
globalização. Patos de Minas é conectada com todos os lugares, nacionais e
internacionais, concorrendo e competindo com os produtos do mundo inteiro, bem
como oferecendo condições de se chegar aos lugares mais distantes. A cidade surge, em
suas opiniões, dentro do mercado mundial.
Neusa: “... com a globalização (...) é difícil a pessoa falar que é exclusivo. (...)
Quando eu comecei, eu comprava, eu buscava longe, eu pedia de fora; hoje
não, você pode pedir um tecido de Paris, que em qualquer lugar até pronto
você encontra o tecido. Então, tudo hoje ficou perto, com as tecnologias, com
as mudanças, com a facilidade de comunicação. Tudo (nesse sentido) está
muito fácil. (...) Hoje nosso concorrente não é só o vizinho do lado ou de frente,
tem a concorrência com a própria Internet, compras virtuais... E hoje é a
facilidade que as pessoas tem. Quantas pessoas que você nem podia falar que...
Era um sonho ir para a Europa, era um sonho falar que ia para Nova York...
84
Patos de Minas é o 5
o
Município em desenvolvimento. Folha Patense. op. cit. p. 20.
85
PERFIL do município de Patos de Minas/MG - Parceria para o desenvolvimento - CAIXA do
Município - CAIXA Econômica Federal. Patos de Minas, fev. de 2000. p. 13.
78
Hoje não, temos empresas de turismo, nossa cidade evoluiu, cresceu. E nós
pagamos o preço alto também da evolução.”
Nesse mercado competitivo, globalizado, para uma das mulheres, a cidade se
apresenta com grande necessidade de investimento tecnológico para se adequar às novas
exigências, ou seja, percebe ainda, especificamente a sua empresa, no início de 1990,
“atrasada” em relação aos Estados Unidos. Portanto, a empresa tinha que se equipar
conforme os moldes internacionais e/ou americano.
Gláucia: “Eu vim para o Brasil (dos Estados Unidos)... de um lugar onde o
computador já estava em rede, fax para cima e para baixo (aqui não existia fax
ainda), computador, na empresa não existia, o telefone PABX era um
pequenininho, as pessoas até gritavam para chamá-la quando a linha do
telefone estava ocupada ou coisa parecida, era uma coisa, assim... que, para
quem tinha chegado dos Estados Unidos levava aquele susto! (...) começamos a
montar um trabalho (...) fizemos investimentos em pesquisa (...) em 5 anos a
empresa mais que quadruplicou o tamanho dela, cresceu vertiginosamente.”
Observa-se que a preocupação era preparar-se para os novos desafios que o
contexto econômico globalizado exigia. Segundo Oliveira: “Um evento muito
importante, abordado por vários autores, é o fenômeno da globalização, que passa a
desconsiderar as fronteiras. Estreitamente ligado ao advento da tecnologia de
informação, as fronteiras passam a ser mais permeáveis e fluídas. O mundo se torna
globalizado e as solicitações de qualificação, embora ainda bastante regionalizadas,
mostram sinais de equivalência em vários pontos do globo.”
86
Apesar do crescimento da cidade, conforme os depoimentos de todas as
empresárias, percebe-se uma “queixa”, uma insatisfação e insegurança generalizadas em
relação ao mercado. É um movimento paradoxal, porque ao mesmo tempo em que a
cidade possui suas vantagens pela sua modernização e dinamismo, em estar
“acompanhando” o padrão globalizado, as mulheres empresárias “sofrem” com as
constantes, rápidas e múltiplas exigências.
Apesar do desenvolvimento já colocado, existe o desemprego na cidade, levando
todas as áreas a sentirem o aumento da concorrência. De acordo com uma empresária, à
medida que as pessoas vão perdendo seus empregos e se tornam “desempregadas”, elas
retornam ao mercado e começam a trabalhar como autônomas. Nessa mudança, essas
pessoas tornam-se seus “concorrentes”, ao escolherem a mesma área e, assim,
aumentam a concorrência em seus ramos. Fazendo uso de suas palavras, com “uma
86
OLIVEIRA, Sílvio Luís de. Sociologia das organizações: uma análise do homem e das empresas no
ambiente competitivo. São Paulo: Pioneira, 1999, p. 279.
79
concorrência impressionante e desleal”, tanto no mercado formal e informal, revelou
uma empresária:
Dalci: “... a partir de 1998, foi quando piorou. Tem muitas pessoas
aposentando nova, saindo (ou perdendo) empregos... quer dizer, a
concorrência abriu demais! Por quê? (...) porque quantos já entraram no
mercado?”
A entrevistada exemplifica que, ao perder o antigo emprego ou ao se aposentar,
essas pessoas voltam ao mercado e tornam-se “concorrentes”.
Apesar de ser considerada uma cidade média, Patos de Minas, na opinião da
maioria das mulheres, apresenta as características de uma cidade pequena, onde todo
mundo conhece todo mundo, sendo uma cidade “provinciana”. Comparada à outra
cidade de porte grande por uma empresária, no que se refere ao cotidiano, ela ressaltou:
Gláucia: “A gente mora numa cidade pequena, o que é uma diferença grande
de uma pessoa que mora numa cidade grande. As pessoas aqui não são
anônimas. E em Belo Horizonte (por exemplo) pessoas anônimas que estão
vivendo bem, sem ter que provar nada para ninguém (...) realizando seu
trabalho naquilo que gosta, e gosta tanto e faz tão bem feito, que compete
naturalmente com o lado de lá. Eu tenho visto muito isso acontecer; aliás,
foram essas pessoas que começaram a me mostrar que tinha um outro jeito de
viver! Eu comecei a observar: ‘Engraçado, fulano ali é tão tranqüilo, vive tão
bem dentro do universo dele, e materialmente bem. E não precisa disso tudo
que eu estou fazendo.’... (cidade pequena) muito mais escravizante, acho.
Porque está todo mundo olhando para todo mundo!”
Essa insatisfação em relação à cidade pequena, por ter o costume entre as
pessoas de “falar do outro”, vigiar, criticar, ter inveja, ciúme, foi quase unânime na fala
de todas. Principalmente, inveja e ciúme entre as mulheres em relação às próprias
mulheres.
Nesse sentido, a cidade de Patos de Minas, do ponto de vista da maioria das
empresárias, mostra-nos uma sociedade de costumes de cidade interiorana, que se
“preocupa com a vida dos outros”, martiriza e escraviza as pessoas para serem
vencedoras e competentes. Ao contrário, cobranças. É discriminatória em relação às
mulheres que não se “portam bem”, que não se adequam aos “valores” dessa mesma
sociedade. Dessa forma, a sociedade da cidade apresenta-se conservadora, “vigilante” e
“controladora” da conduta moral de seus habitantes, ou seja, dos bons costumes.
Em relação ao crescimento educacional, a opinião da maioria das mulheres é que
a cidade corresponde positivamente no atendimento do ensino superior aos estudantes,
não da própria cidade, como também de toda a região. Ressaltaram o crescimento
vertiginoso nesse nível de ensino. Os filhos não precisam mais sair “da cidade” para
80
outra “maior e distante” para estudarem e se formarem. Elogiaram a oportunidade que a
cidade oferece a todos que desejam se qualificar para o mercado de trabalho.
Nesse ponto, a visão da cidade se contrapõe à visão exposta acima (provinciana,
por exemplo), porque ao citar os cursos superiores, como em uma cidade grande, supõe-
se ser a cidade comparada à um “centro grande”.
Neusa: “Por mais que eu tenha falado que criei meus filhos para o mundo,
porque eu pensava assim, a coisa mais difícil é nos separarmos dos filhos
quando eles vão estudar, porque aqui nem sempre tinha os cursos que nossos
filhos queriam fazer. Hoje, graças à Deus, a nossa Faculdade está com
vários cursos e tem a opção dos filhos ficarem aqui mesmo. Mas quantos de nós
não tivemos que deixar nossos filhos irem para fora fazer um curso que aqui
não tinha?”
Portanto, tanto a cidade aparece como “cidade pequena” na fala das mulheres
empresárias, como aparece, ao mesmo tempo, como cidade avançada, grande, moderna,
conectada com o mundo inteiro. A cidade aparece então, multifacetada, com várias
faces. Olhando de um ponto é “pequena” e de outro, muda-se completamente, é
“grande”.
Para uma analogia em relação à opinião das mulheres empresárias, buscamos o
ponto de vista de um empresário sobre a cidade, o qual revelou:
Paulo: “O nosso comércio varejista, em proporção a outras cidades é maior.
Nós estamos em torno aí de uns 120 mil habitantes, Uberlândia (comparando),
tem em torno de 500 mil habitantes. Em proporção, nós temos mais lojas em
Patos de Minas do que em Uberlândia. (...) (Tiro a conclusão) pelo número de
lojistas que tem em Uberlândia. Eu não tenho os números daqui não, mas o
comércio varejista de Uberlândia, em proporção, é menor do que Patos. Nós
temos muito mais lojas varejistas, não em números, mas em proporção. (...)
Teoricamente, Uberlândia eqüivale à quatro Patos de Minas. Se Patos de
Minas tem, em média, 2 mil lojas, automaticamente teria que ter 8 mil. E isso
não acontece. Se aqui tem 2 mil, lá deve ter no máximo umas 4 mil. (...) É mais
ou menos o dobro do que é aqui. Uberlândia se destaca muito hoje, não
tanto pelo comércio varejista, mas pelo comércio atacadista.”
De acordo com o depoimento, Patos de Minas é um pólo concentrador de um
comércio varejista mais equipado, portanto, do que Uberlândia, cidade de porte grande,
de acordo com o número de seus habitantes.
Segundo o Diagnóstico Sócio-econômico do Município de Patos de Minas, “O
comércio no município se exprime não pela capacidade de emprego e renda, mas
também pela melhoria de seus estabelecimentos.
O número de estabelecimentos cresceu substancialmente no período de 1980/97,
passando de 667 (Fundação IBGE: Censo Comercial do Estado de Minas Gerais,
1980) em 1980 para 2.662 em 1997 (...), ou seja, uma expansão de 229,10%.
81
Do total de estabelecimentos em 1997, 2.563 foram varejistas e 99 atacadista.
Seu comércio varejista é bastante diversificado e os equipamentos são de maior
porte quando comparados com os da região, o que vem desempenhando a função de
entreposto comercial a vários municípios, ofertando produtos de praticamente todos os
ramos.”
87
(Anexo 4).
Ainda conforme o Diagnóstico, o comércio atacadista tem também grande
importância no município, por reunir e beneficiar a produção agrícola da região,
abastecer a cidade e municípios vizinhos, confirmando a sua importância como centro
polarizador.
Ainda comparando Patos de Minas com Uberlândia, o empresário ressaltou:
Paulo: “Uberlândia tem um privilégio em relação a Patos porque são muitas
cidades em volta que dependem de Uberlândia. Por quê? É a faculdade, a
pessoa vai para Uberlândia atrás de uma faculdade, e também as diversas
delegacias, enquanto nós temos o privilégio em relação à Lagoa Formosa,
Carmo do Paranaíba, que são as regionais Delegacia de Ensino, Segurança
Pública, Batalhão —. Isso quase que obriga as cidades menores a convergirem
para para que ela venha resolver algum problema e, automaticamente ela
vai a um restaurante, a uma loja, a um posto de gasolina, a um hotel, etc. Isso
faz com que Patos se sobressaia sobre as demais; E Uberlândia começou o seu
grande impulso com Rondon Pacheco, que levou diversas coisas para
Uberlândia, que poderia ter ido para qualquer outra cidade da região ou do
Estado, como temos aqui como exemplo, a construção da Escola Normal, o
Fórum, o Marcolino de Barros... São construções que diferenciaram Patos das
outras cidades, porque foram privilégios concedidos na época. Tivemos
também uns 15 anos atrás, e depois em administrações anteriores (fora os
últimos quatro anos), nós tivemos grandes investimentos públicos. (...) Então,
felizmente ou infelizmente, quando há uma administração que não tem apoio
Estadual, a cidade pena e muito. Eu estou falando isso porque a gente tem que
mostrar que a política soma no contexto do crescimento da cidade, porque as
pessoas às vezes querem fazer, mas se não tiver um envolvimento global, a
cidade paga caro. Então, aonde eu acredito que (e posso até registrar em seu
gravador) que Patos está renascendo, e nós estamos sentindo que vamos
crescer novamente no comércio num todo. Não, e não porque o Prefeito é
comerciante, mas é um trabalho que está sendo iniciado com responsabilidade
e, infelizmente, isso não aconteceu nos últimos quatro anos. Isso é até um
desabafo, mas o prefeito deixou o barco correr e, infelizmente quem paga é o
povo. A prova disso é que nós temos uma dívida de quase 15 milhões,
simplesmente porque deixou o barco correr; ‘água em peneira não para’.
Então, recursos teve, o município arrecadou, mas não foi bem administrado.
Uma coisa que gastaria R$1 mil, gastou R$2 mil. Então, automaticamente, isso
é refletido no povo, e conseqüentemente, reflete no comércio, porque o
comércio é uma cadeia: se o pedreiro trabalha, ele compra no supermercado, o
supermercado compra na loja... É uma cadeia; então é o pedreiro, é o
marceneiro, é a professora (se ela recebe melhor), é o comerciante (se ele
compra melhor ele vai construir). Se essa cadeia se rompe de um lado,
87
DIAGNÓSTICO Sócio-econômico do Município de Patos de Minas. Secretaria Municipal de
Fazenda/Prefeitura Municipal. Março/2000.
82
automaticamente, ela não consegue fechar o círculo. Então, acredito que esse
problema nós vamos resolver agora.”
O entrevistado acredita no crescimento, num impulso maior ao comércio
atualmente, apesar de revelar que o município tem uma grande dívida. Fica claro
também sua percepção em relação à importância do comércio de uma cidade, ao
ressaltar que o mesmo é uma cadeia, ou seja, todos fazem parte da mesma engrenagem:
se o trabalhador trabalha, ele compra, se ele compra, vende-se mais, se vende-se mais,
aplica-se mais, recebe-se mais, constrói-se mais, enfim, todos crescem e saem ganhando
com um comércio mais dinâmico, arrojado, firme, seguro e bem estruturado.
Sobre o que a cidade oferece em cultura, quatro empresárias, enfatizaram a falta
de uma atividade cultural mais rica, como por exemplo: peças teatrais, saraus, shows.
Rosângela: “... eu acho que Patos é muito complicado, não é? (...) O lazer de
Patos é o que? Fazer festas, ir a festas, não é? (...) eu acho Patos muito pobre
em lazer, principalmente intelectual. (...) Sempre achei (...) Eu falo assim: é
minha grande diferença com a cidade.”
Teresa: “... por exemplo, eu vou a Belo Horizonte, em São Paulo, eu vou à
teatros e shows, coisas que faltam em Patos, que é na parte cultural e lazer.”
Cynthia: “E, fora daqui, teatro, que eu gosto muito, e Patos, apesar de ter um,
não nos proporciona boas peças. E recitais, restaurantes também em cidade
grande.”
Os depoimentos de algumas empresárias em relação às atividades culturais se
contrapõem com o discurso oficial sobre o assunto:
“O município de Patos de Minas é palco da diversidade no campo das
manifestações culturais e artísticas. Existem formas de atividades ricas na expressão
cultural e histórica, incluindo: poesia popular, artesanato, música popular, teatro
circense, entre outros. No município, encontra-se, uma valiosa tradição viva, da
memória e do construir histórico, oriunda das últimas décadas do século XX, com os
grupos de Folias de Reis, Congado e Moçambique (...) grupos de capoeira. (...)”.
88
Ainda na fonte ressaltam-se vários espaços culturais, como por exemplo, sete
teatros, incluindo auditórios; salas de exposições artísticas; cinemas. Conta também com
Grupos Teatrais, Grupos de Dança, Grupos Alternativos, Entidades Culturais, eventos
promocionais, entre outros.
Constatamos que o gosto das atividades culturais de algumas mulheres
empresárias é diferente daqueles oferecidos pela cidade e não que esta não as possuam.
88
DIAGNÓSTICO Sócio-econômico do Município de Patos de Minas. op. cit. p. 43.
83
Um ponto que nos chamou a atenção foi o fato das empresárias afirmarem em
seus depoimentos que, quando se iniciaram no mercado de trabalho de Patos de Minas,
trouxeram inovação em suas respectivas áreas. Nesse sentido, todas se perceberam
como contribuintes na cidade, trazendo e oferecendo “algo” que a cidade ainda não
possuía e “clamava” por ter. Mesmo tendo alguns serviços ou produtos no mesmo ramo,
revelaram ter inovado no atendimento, no visual, com novos produtos, qualidade, ou
seja, sempre com um diferencial de outros ou daqueles que já existiam.
Mas, ressaltamos, todas se “vêem” e se colocam” na cidade, como pessoas que
contribuíram e ofereceram o que a mesma não possuía no mercado, o que o cliente
desejava e necessitava, mas não encontrava. Daí, as suas empresas vêm atender essas
deficiências que se apresentavam no momento do início de suas atividades. E
afirmaram, continuam oferecendo, para suprir ainda as falhas no mercado e/ou atender
bem a sociedade, seus clientes para que não precisem sair da cidade, viajar, para
buscarem fora aquilo que desejam. O objetivo é suprir esse mercado.
1.5 A Visibilidade das Mulheres Empresárias
“O que eu acho é que a mulher tem que se dar conta da importância que ela
tem no cenário mundial e que a força nossa, o nosso grito, a nossa bandeira,
ela tem que ser carregada diuturnamente. Se a mulher fizer assim, nós vamos
estar dando a contribuição para a nossa geração e para a geração das nossas
filhas, e dos nossos filhos. Então, que a gente continue carregando essa
bandeira da liberdade, que é uma bandeira que está aí inserida na Constituição
Federal, e que não existe nada melhor do que a liberdade. Então, a liberdade
feminina está sendo conquistada, à duras penas, com a ação de mulheres de
todo o mundo —mulheres simples, donas de casa, de mulheres poderosas... Mas
a união faz a força. E somente através dessa força, é que vamos mostrar para o
mundo, que a gente realmente é gente grande’.” Mírian Gontijo Moreira da
Costa
Após conhecermos as motivações que levaram as mulheres empresárias ao
mercado de trabalho nas décadas de 1980-1990, procuramos saber também como elas
“apareceram” oficialmente nos registros da cidade, ou seja, se são visíveis legalmente
84
ou se estão “escondidas”. Para isso, fomos procurá-las através dos órgãos que supõe-se
ser o lugar onde deveriam estar registradas ou referenciadas.
Começamos pelo Cartório de Registro Civil das Pessoas Naturais da Comarca de
Patos de Minas, voltando na década de 1960 até o ano de 2000. Por curiosidade e, no
sentido de uma comparação, pesquisamos quais eram as profissões femininas e
masculinas nestas décadas.
Figura 1 - Profissões Femininas - 1960 a 2000
Fonte: Cartório do Registro Civil de Patos de Minas - MG
A figura 1 nos forneceu uma análise das profissões femininas, onde houve
maiores concentrações, desde a década de 1960 a 2000. No geral, a doméstica teve a
maior porcentagem, seguida da lavradora. Apareceu também a profissão do lar. A
expressão doméstica prevalece porque de 1960 a 1980, era a denominação usada e de
maior índice de porcentagem. A partir de 1980 é que surge a profissão com o nome do
lar, como se fossem complementos. Chamamos a atenção para a profissão comerciante
aparecer com apenas 0,5% de 1960 a 2000, isto é, aparece timidamente, e cujo nome é
usado correntemente pelas empresárias e empresários.
34
25,6
16,8
6,7
5,9
1,4
1,3
1,2
0,7
0,5
0,4 0,4 0,4
0,3 0,3 0,3
0,2 0,2 0,2 0,2
3
0
5
10
15
20
25
30
35
40
Doméstica
Lavradora
Do lar
Estudante
Professora
Balconista
Costureira
Aux. Escritório
Caixa
Comerciante
Enfermeira
Contadora
Bancária
Funcionária Pública
Cabeleireira
Atendente de Enfermagem
Manicure
Aux. Administrativa
Cirurgiã Dentista
Aux. Serviços Gerais
Outras Profissões
85
As profissões dadas como femininas aparecem no gráfico, no qual selecionamos
as vinte maiores, tendo em vista que abaixo destas, os índices caem bastante. São elas,
excetuando a doméstica, a lavradora e a do lar: estudante, professora, balconista,
costureira, auxiliar de escritório, caixa, comerciante, enfermeira e outras que foram
decaindo em percentagem.
Na década de 1970, surgiram outras: telefonista, bibliotecária e a bancária, que
havia surgido no período de 1960 a 1965, e desapareceu depois, ressurgindo no período
de 1971 a 1975.
Também na década de 1970, especificamente a partir de 1976, apareceu de
repente a lavradora com 34,2%, perdendo apenas para a doméstica com 43,8%. Num
crescente, chegou no ano 2000 com 25,6% perdendo novamente apenas para a
doméstica, com 34%.
Anterior a essa data, como por exemplo, no período de 1971 a 1975, a lavradora,
nem apareceu nas figuras, porque estava com menos de 0,1%. Comparada, então, com a
doméstica, que começou com 92,1% em 1960 a 1965, seu crescimento foi expressivo.
O crescimento da lavradora pode ser explicado, conforme os dados oficiais da
cidade:
“A descoberta da jazida de Fosfato Sedimentar, na localidade da Rocinha
(área rural), no final dos anos 80, projetou Patos de Minas nacionalmente (...)
Na área agrícola, houve crescente desenvolvimento técnica, iniciado pelas
Sementes Agroceres S/A, reforçada pelas Sementes Ribeiral Ltda. Não se pode
esquecer da implantação, pela Agroceres, do Núcleo de Genética Suína, uma
das mais importantes do país. Esse período foi marcado pela imigração gaúcha
que começou a cultivar na região do cerrado, vizinha do município (...)
instalando suas residências e escritórios de venda de sementes, principalmente
de soja. Houve maior desenvolvimento técnico da agricultura, através da
imigração e do cultivo de novos cereais. (...) O setor agropecuário é uma
atividade de expressiva importância econômica no município, sendo o setor
responsável pela maior parte da geração de empregos e o segundo maior
gerador de renda da população.”
89
Mas, ainda é o setor terciário que tem maior representatividade no PIB do
município com 67%.
Usando outra fonte local, “Perfil do Município de Patos de Minas”, a explicação
para o crescimento da lavradora pode também ser entendido devido:
“Segundo a maioria dos entrevistados, existe uma vocação do município de
Patos de Minas para agronegócios, destacando-se o gado leiteiro, a
suinocultura altamente tecnificada e a produção diversificada de grãos.”
90
89
DIAGNÓSTICO Sócio-econômico do Município de Patos de Minas. op. cit. p. 2-48.
90
PERFIL do Município de Patos de Minas. CAIXA do Município. op. cit. p. 71.
86
Para uma melhor visualização usamos a tabela abaixo:
Tabela 1 - Participação do PIB por Setor de Atividade (R$)
Ano Primário Secundário Terciário PIB Total
1985 37.244.653,52
25.211.765,46
176.614.587,78
220.382.565,23
1990 51.676.147,27
29.455.892,84
181.819.859,71
244.447.243,49
1996 64.648.060,55
47.293.965,02
228.490.184,90
324.375.617,41
Fonte: Fundação João Pinheiro - 1996
Ainda de acordo com os dados oficiais: “Observa-se um crescimento de 47% do
PIB total no período de 1985 a 1996. No setor primário este crescimento esteve na
ordem de 74%, o setor secundário cresceu 88% e o terciário teve um crescimento de
apenas 29%, no mesmo período. Isso indicou o aumento da participação tanto no setor
primário, quanto secundário; 16,90% para 19,93% e 11,44% para 21,46%,
respectivamente.”
91
O aumento da participação dos setores primário e secundário, ainda segundo a
fonte, pode ser explicado pela ampliação e diversificação de produtos cultivados,
acrescidos pela incrementação tecnológica utilizada nas lavouras.
Em 1980, surgiu uma nominação diferente para a mulher que se encarrega dos
“afazeres domésticos”, qual seja, do lar. Anteriormente a esse período, a mesma mulher
do lar se denominava doméstica. Segundo o Oficial do Cartório do Registro Civil, ao
qual recorremos para a realização da pesquisa, a expressão do lar, deva-se à procura de
uma referência de “status”, mais bonita, mas não no sentido real de que essa reparação
seja consciente e tenha diferenças no trabalho doméstico. É muito comum, de acordo
com o oficial, os próprios funcionários e as pessoas que vão se casar, registrarem essas
ocupações como sendo iguais. A partir desse período, a expressão do lar cresceu e
superou a denominação doméstica.
A nosso ver, é uma prática inadequada porque, dessa forma, não uma
estatística, digamos, mais próxima de um resultado de maior veracidade. Sabemos
também que, essa mesma prática ocorre em outras instâncias e supomos dever-se, na
maior das vezes, à própria informante “preferir” citar do lar, preterindo a denominação
doméstica, por vaidade mesmo.
91
PERFIL do Município de Patos de Minas. CAIXA do Município. op. cit. p. 72.
87
A diferença que ressaltamos é que a doméstica é a substituta da dona de casa,
aquela que faz todos os serviços do dia-a-dia como: cozinhar, lavar a louça, lavar,
passar, limpezas em geral da casa - faxina, e todo tipo de serviço doméstico que uma
casa requer. É aquela que trabalha em outras residências para ganhar um salário para a
sua sobrevivência.
Sem propormos um aprofundamento do que seja o “trabalho doméstico”, tendo
em vista várias argumentações e extensão do próprio tema, referimo-nos apenas à
questão de uma “mistura” de nomenclaturas que a mulher faz e/ou algum funcionário ao
revelar a sua profissão no momento do casamento civil. Cremos tratar-se de um assunto
de extrema importância e seriedade, que deveria ser trabalhado, mas em um outro
momento.
92
No final da década de 1980 e início de 1990, observou-se o surgimento da
profissão de cirurgiã dentista, a qual apareceu na pesquisa com apenas 0,2%. Nessa
mesma década surge também a profissão de militar, cujo índice foi bastante baixo, nem
chegando a aparecer na figura 1.
Entretanto, a manifestação dessas duas profissões já nos mostra uma ampliação
nas profissões femininas e um “avanço” no reduto masculino.
Podemos visualizar a profissão de militar através, inclusive, das fontes locais:
A Mulher e a Polícia Militar
O que qualquer Soldado Masculino faz, o Policial Feminino faz? Porque não?
Elas estão em toda parte: No ar, no mar, nas guerras, nos lares, nos foguetes
espaciais e sobre a terra, pisando firme.
O Exército é a única força que não tem mulheres. A primeira notícia de
recrutamento feminino em Minas Gerais (29 maio, 1981), caiu como uma
bomba.
Hoje há Policiais Femininos espalhados pela Capital e Interior. E de uma coisa
temos certeza: Nunca pensamos em nos transformar em pessoas frias,
insensíveis. Marchamos com garbo e elegância.
Graças à grande aceitação popular e tendo em vista os excelentes resultados
alcançados pelo policiamento feminino, tornou-se imperativo o crescimento dos
efetivos da Polícia Feminina.
A Polícia Militar descobriu que uma lacuna que os homens não podiam
preencher seria preenchida pelas mulheres.
92
Sugerimos Cf. PENA, Maria Valéria Junho. Mulheres trabalhadoras - Presença feminina na
constituição do sistema fabril. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1981.
SAFFIOTI, Heleieth. Emprego doméstico e capitalismo. Petrópolis: Vozes, 1978. Id.: A mulher na
sociedade de classes. op. cit.
ALMEIDA, Maria Suely Kofes de. Entre nós mulheres, elas as patroas e elas as empregadas. In.: Colcha
de retalhos. São Paulo: Brasiliense, 1982.
AZEREDO, Sandra Maria da Mata. Relações entre empregadas e patroas: reflexões sobre o feminismo
em países multiraciais. In.: COSTA, Albertina de Oliveira; BRUSCHINI, Cristina. (Orgs.). Rebeldia e
submissão: Estudos sobre a condição feminina. São Paulo: Vértice, 1989, p. 199-200.
88
A Polícia Feminina está aí, confiante e eficiente. A comunidade acredita no seu
desempenho.
A feminilidade também anda de farda. Por que não?
‘De mãos dadas iniciamos nossa caminhada, e hoje, após um ano de serviços
prestados ao 15
o
BPM, reunimos para nossa congratulação’.
É o primeiro aniversário da Polícia Feminina de Patos de Minas.”
93
O artigo ressalta que o único espaço militar no qual as mulheres não entraram
ainda, é o Exército. Confirma o recrutamento das mulheres oficialmente em 29 de maio
de 1981 e o “susto” causado por essa medida. O próximo artigo ressalta também os
valores femininos na profissão:
A Mulher no seu Espaço
A mulher abandona o forno e fogão, rompe tabus, arregaça as mangas e impõe
o seu valor.
O chamado ‘Sexo Frágil’ é hoje destaque em todas as organizações, mostrando
o seu valor e conquistando o seu espaço e não podia ser diferente a sua busca,
dentro de uma organização até algum tempo atrás feita somente para os
homens.
Assunto polêmico e cheio de controvérsias, ela o sexo frágil, veste a farda
coloca um revólver à cintura, sem perder a beleza de ser mulher e junto ao PM
masculino desempenha as suas diversas missões.
Sem dúvida nenhuma ela NÃO foi criada para ser igual ou mais que os
homens... embora muitos contestem, ela é a PEÇA AUXILIAR que veio lapidar
um trabalho já iniciado.
A Polícia Feminina é um início de trabalho que hoje vem sempre obtendo
êxitos, com todo charme e elegância que só a ela é exclusivo. Querer comparar,
medir, testar a igualdade do PM masculino com as funções que cabem à PM
feminino é tirar-lhe o objetivo para a qual foi criada; é desconhecer as
diretrizes com as quais se sustentam as bases da Polícia Feminina; é tirar-lhe a
característica simples e objetiva da feminilidade, elegância, como sendo um
toque especial que consegue, dentre muitas missões, lograr êxitos... é tirar-lhe
o orgulho e o mérito de ser simplesmente MULHER...”
94
Observa-se a referência dada à mulher no rompimento dos tabus e a
discriminação da denominação “sexo frágil” contrapondo-se com a farda, o revólver.
Percebe-se, pelo artigo, a noção da “igualdade” respeitando-se a “diferença” da mulher.
Continua “feminina” sem a necessidade da “mimetização” masculina.
Uma profissão que mostrou-nos um crescimento relativamente significativo foi a
de estudante - 9,8% de 1960 a 2000. Podemos nos apoiar para essa justificativa nas
tabelas 2 e 3 a seguir, as quais nos revelaram um aumento na alfabetização em Patos de
Minas, no período de 1980 a 1991:
93
MARTINS, Jorgina D’arc. (3
o
Sgt. PM). A mulher e a Polícia Militar. O Condor. Patos de Minas,
fev./1989, n. 13. Ano 2, p. 6.
94
MARILENE, (Sd.). A mulher no seu espaço. O Condor. Patos de Minas, jan./1989, n. 13. Ano 2, p. 10.
89
Tabela 2 - População de 05 Anos ou mais Alfabetizada no Município de Patos
de Minas - 1980
Localidades Total Alfabetizada
Urbana
Alfabetizada
Rural Alfabetizada
Município de
Patos de Minas
76.059
58.191
56.293
44.564
19.766
13.627
Patos de Minas 65.423
50.800
53.219
42.494
12.204
8.306
Bom Sucesso 949
694
290
214
659
480
Chumbo 1.881
1.232
346
202
1.535
1.030
Major Porto 2.621
1.815
1.052
741
1.569
1.074
Pindaíbas 3.150
2.244
761
547
2.389
1.697
Santana de Patos
2.035
1.406
625
366
1.410
1.040
Fonte: Censo Demográfico de Minas Gerais - FIBGE - 1980.
Tabela 3 - População de 05 Anos ou Mais Alfabetizada no Município de Patos
de Minas - 1991
Localidades Total Alfabetizada
Urbana
Alfabetizada
Rural Alfabetizada
Município de
Patos de Minas
92.661
78.633
78.642
67.367
14.019
11.266
Patos de Minas 83.835
71.750
75.418
64.972
8.417
6.778
Bom Sucesso 891
735
390
330
501
405
Chumbo 1.535
1.183
508
368
1.027
815
Major Porto 2.057
1.563
1.000
751
1.057
812
Pindaíbas 2.432
1.902
680
493
1.752
1.409
Santana de Patos
1.911
1.500
646
453
1.265
1.047
Fonte: Censo Demográfico de Minas Gerais - FIBGE - 1991.
Comparando-se as tabelas, verificou-se uma projeção em relação ao número de
pessoas alfabetizadas. Tendo em vista que, no período de 1996 a 2000, houve um
acréscimo de 2,9% da profissão estudante em relação ao período anterior, isto é, de
1991 a 1995, confirma-se este acréscimo nos dados do cartório de Registro Civil.
Mesmo priorizando e crescendo os índices em relação à educação, as mulheres
sentiram muito de perto o preconceito em determinadas profissões:
Carlúcia: “(...) quando você vai para o mercado de trabalho, é duro (...) Na
hora que você entra no mercado de trabalho, para você fazer prova de
90
Residência, você já é discriminada. Se você entra na sala, e você está noiva,
a hipótese de você casar e ter um filho, você está quase que desclassificada
na entrevista (...) Para fazer entrevista para Residência Médica... Na época eu
estava noiva, e você com 23 anos quer ser autêntica, você quer se auto-afirmar
de todas as maneiras - eu lembro que tinha gente que falava assim: ‘Tira essa
aliança, não vai de aliança’, e eu persistia, entendeu? E aí, chegando numa
entrevista, eles me perguntaram qual o método anticoncepcional que eu usava!
Quer dizer, chegou ao ponto de eles entrarem numa parte peculiar, muito
íntima minha (...) (para) ...não criar filhos durante o período de residência.
Quer dizer, se isso estivesse no meu projeto, como mulher, eu teria perdido a
vaga na residência. (...) (éramos) 70 homens e 25 mulheres (...) Então, a
maioria era realmente homens.”
Verifica-se que a discriminação e a resistência, nesse exemplo específico, à
médica, ainda permanecem até os dias de hoje. Também que a maioria dos alunos dessa
área eram homens e que esse reduto ainda é fechado e masculinizado.
No final da década de 1990 observou-se que, à medida que as profissões de
maiores índices, ou seja, a de doméstica, do lar e lavradora caíram um pouco na
percentagem, as outras profissões citadas na figura 1 iam tomando o seu espaço e
ampliando o leque das profissões femininas. Contudo, a predominância das profissões
femininas foi daquelas tradicionalmente já dadas como tais, sem grandes alterações,
conforme os dados do Cartório de Registro Civil.
Para uma comparação às profissões femininas, buscamos as profissões
masculinas, cuja diversidade mostrou-se maior em relação às femininas. No geral, as
profissões masculinas que se destacaram com maiores índices foram as representadas
abaixo:
91
Figura 2 - Profissões Masculinas - 1960 a 2000
30,9
7,9
7,4
6,2
3,2
2,4 2,3
2,2 2,2
2
1,8 1,7
1,6
1,3
1,2 1,2 1,1
0,7
0,6
33,5
0
5
10
15
20
25
30
35
40
Lavrador
Pedreiro
Motorista
Comerciante
Mecânico
Militar
Balconista
Pintor
Comerciário
Fazendeiro
Operador de Máquinas
Bancário
Marceneiro
Aux. Escritório
Func.Público
Contador
Estudante
Carpínteiro
Professor
Outras Profissôes
Fonte: Cartório de Registro Civil - Patos de Minas - MG
Dentre as muitíssimas profissões masculinas, a figura registrou as vinte
profissões com as maiores percentagens.
A profissão que despontou é a de lavrador, apesar de uma queda crescente em
relação ao início: em 1960 apareceu com 56,3% e chegou em 2000 com 30,9%, caindo
25,4%.
O comerciante apareceu sempre na terceira ou quarta posição, mas observou-se
que a denominação empresário não apareceu entre as vinte primeiras profissões. Ela
apareceu entre todas as profissões masculinas, mas com uma percentagem de 2%, com
uma freqüência absoluta de 28. Apareceu, também, uma denominação de micro
empresário, na freqüência de 1 e percentagem de 0%.
A denominação comerciante é realmente mais comum do que a de empresário
nos períodos pesquisados.
As profissões masculinas de maiores percentagens praticamente se mantiveram
de 1960 a 2000, na ordem: lavrador, pedreiro, motorista, variando raramente com
comerciante e com o mecânico. Algumas vezes o militar superou o mecânico. Depois
dessas, existe uma variedade de profissões com índices sem grandes expressões.
92
Não encontramos nenhum homem doméstico, cuja profissão feminina é a de
maior percentagem de 1960 a 2000, apresentando na figura 1 o maior índice de
percentagem, ou seja 34%. Para o homem, o maior índice foi na profissão de lavrador
(30,9%) a qual surgirá para a mulher na década de 1970: de 1976 a 1980, iniciando
com 34,2%, terminando em 2000 com 25,6%.
Ainda na comparação das profissões, naquelas que coincidiram em masculinas e
femininas, observou-se maiores índices para o masculino em: comerciante com a
vantagem de 5,7%; balconista e funcionário público com 0,9%; bancário com 1,3%;
contador com 0,7% e auxiliar de escritório foi igual para as masculinas e femininas,
com 1,2%. As profissões coincidentes com vantagens para as mulheres foram: estudante
com 5,7% e professora com 5,3%.
Na coluna de outras profissões, a diferença para as profissões masculinas é
gritante em relação às femininas: 33,5% para as masculinas e 3% para as femininas,
com a diferença de 30,5%, constatando-se uma maior diversidade das profissões
masculinas.
Pelas análises dos resultados, verificou-se que existiam muitas profissões ainda
nas quais a mulher não tinha acesso. Naquelas que, hoje, sabemos têm alcançado,
como médica, advogada, farmacêutica, arquiteta e outras consideradas masculinas”.
Entretanto, a representatividade foi muito pequena de uma forma geral.
A denominação empresária apareceu na lista das profissões femininas com a
freqüência absoluta de 6, com uma porcentagem de quase 0%, o que foi muito pouco.
Dessa forma, confirmou-se que em 25.043 (vinte e cinco mil e quarenta e três)
casamentos ocorridos em Patos de Minas nas décadas de 1960 a 2000, apenas 85
(oitenta e cinco) mulheres se declararam comerciantes, com uma porcentagem absoluta
de 0,3%. Somando-se as seis empresárias à estas, o total foi de 91 (noventa e uma)
mulheres e continuou com 0,3%.
Verificou-se, então, que o número de mulheres empresárias é muito baixo em
relação ao número de mulheres que se casaram da década de 1960 a 2000. Nesse lugar,
sua visibilidade foi insignificante. A nosso ver, um dos fatores que justifica essa “não
visibilidade” no Cartório de Registro Civil, apoiando-nos nos depoimentos das mulheres
empresárias de nossa amostra, é que a maioria se “tornou empresária depois do
casamento. As outras empresárias, solteiras, não se casaram evidentemente e, portanto,
não há como existirem no Cartório de Registro Civil.
93
Além da fonte do Cartório de Registro Civil, para visualizar as mulheres
empresárias, fomos também às Associações de Patos de Minas .
Na Câmara de Dirigentes Lojistas
95
de Patos de Minas - CDL - buscamos os
nomes de todos os associados e foi-nos possível separar as empresas com os nomes de
seus respectivos donos, ou seja, aquelas que eram somente de mulheres, as que eram
somente de homens e aquelas que eram mistas: sociedade de homem e mulher.
Nessa pesquisa, chegamos aos seguintes resultados:
Tabela 4 - Número de Empresas, Número de Mulheres e Homens Associados na
CDL - Câmara de Dirigentes Lojistas de Patos de Minas.
Número de Empresas
Total = 646
Total em Percentagem
100%
Mulheres Proprietárias 168 26,0%
Mulheres - Sociedade Mista
156 24,1%
Homens - Sociedade Mista 156 24,1%
Homens Proprietários 166 25,6%
Fonte: CDL - Câmara de Dirigentes Lojistas de Patos de Minas - 2000
Somamos o número de mulheres que são proprietárias exclusivas com o número
de mulheres que participam de sociedades mistas, perfazendo-se o total de 324
(trezentos e vinte e quatro) mulheres com 50,1%. Verificou-se, dessa forma, que o
número de mulheres empresárias na CDL - Câmara de Diretores Lojistas superou o
número de homens empresários, pois somando-se o número de homens proprietários
com o número de homens em sociedades mistas, resultou em 322 (trezentos e vinte e
dois) com 49,8%. A “visibilidade” das mulheres empresárias foi significativa, de grande
expressão, principalmente por nos demonstrar que somaram um número maior,
comparado aos homens. Esta fonte contrapõe-se totalmente com o número de mulheres
empresárias encontradas no Cartório de Registro Civil.
95
CDL - Clube de Diretores Lojistas de Patos de Minas - Após setembro de 1994, passou-se a chamar
Câmara de Dirigentes Lojistas. Oferece ao comércio local consultas de cheques e registros no SPC
(Serviço de Proteção ao Crédito) via Internet e telefone. Foi fundada “em 26 de julho de 1979 (...) Uma
entidade que agrega comerciantes, lojistas, prestadores de serviços, empresários, instituições financeiras e
de ensino e enfim, todo segmento mercadológico”. (OLIVEIRA MELLO, Antônio de. 100 anos de
comércio em Patos de Minas. op. cit., p. 91).
94
Procuramos também as mulheres empresárias na Associação Comercial e
Industrial de Patos de Minas - ACIPATOS
96
, cujo resultado foi:
Tabela 5 - Número de Empresas, Número de Mulheres e Homens Associados na
ACIPATOS - Associação Comercial e Industrial de Patos de Minas.
Número de Empresas
Total = 353
Total em Percentagem
100%
Mulheres Proprietárias 70 19,8%
Mulheres - Sociedade Mista
74 20,9%
Homens - Sociedade Mista 74 20,9%
Homens Proprietários 135 38,2%
Fonte: ACIPATOS - Associação Comercial e Industrial de Patos de Minas - 2000
Verificou-se que na ACIPATOS o mero das mulheres empresárias é menor
que o número de homens empresários. É menor também que o número de empresárias
na outra associação - na CDL.
Contudo, o número não deixa de ser também expressivo, apresentando uma
“visibilidade” significativa das mulheres empresárias.
Para um resultado mais concreto, comparamos todos os nomes das empresas e
seus respectivos proprietários da CDL e ACIPATOS, para uma verificação daqueles que
são associados nas duas entidades, ou seja, que se repetiam. Chegamos ao seguinte
resultado:
Nas duas associações, CDL - Câmara de Diretores Lojistas e na ACIPATOS -
Associação Comercial e Industrial de Patos de Minas, o número de mulheres é de 438
(quatrocentos e trinta e oito), resultado da soma das mulheres proprietárias sozinhas 228
(duzentos e vinte e oito), tirando 10 (dez) repetidas nas duas associações, com as
mulheres que possuem sociedade mista 210 (duzentos e dez), tirando 20 (vinte)
repetidas, perfazendo 47,9% do total das empresas e/ou associadas, contra o total de 476
(quatrocentos e setenta e seis) empresas de homens proprietários e sociedades mistas,
com 52,0%, tirando 55 (cinqüenta e cinco) homens que se repetiam, isto é, estão
associados também nas duas associações.
96
A ACIPATOS “possui uma provedora da Internet e uma cooperativa de crédito para atender aos seus
associados”. (PERFIL do Município de Patos de Minas. op. cit. p. 85).
95
Continuou sendo expressivo o seu número, tendo em vista que atingiu quase a
metade dos associados nas duas associações da cidade de Patos de Minas.
Para um conhecimento sobre o porte das empresas das mulheres empresárias,
usamos o critério de classificação do SEBRAE-MG (Anexo 5). Usamos 35 (trinta e
cinco) empresas, dispostas no quadro abaixo, definidas em relação a esse porte,
podendo ser: micro, pequena, média e grande.
Tabela 6 - Classificação das Empresas - Porte
Porte Número de Funcionários
Indústria Comércio Serviços
Micro - 13 04
Pequena 02 05 03
Média - 04 01
Grande - 02 01
Fonte: Balcão SEBRAE Minas - 30/09/1997
Devido ao fato de cinco empresárias serem proprietárias de mais de uma
empresa, o número das mesmas - 35 empresas - obviamente, é maior do que o número
das empresárias (24) entrevistadas.
Verificou-se então, pela Pesquisa de Classificação das empresas das mulheres
empresárias, o seguinte resultado:
Na área da Indústria: duas (02) Empresas de Pequeno Porte.
Na área do Comércio: treze (13) Micro-empresas
Cinco (05) Empresas de Pequeno Porte
Quatro (04) Empresas de Médio Porte
Duas (02) Empresas de Grande Porte
Na área do Serviço: quatro (04) Micro-empresas
Três (03) Empresas de Pequeno Porte
Uma (01) Empresas de Médio Porte
Uma (01) Empresas de Grande Porte
Observou-se que o maior número de empresas das mulheres empresárias se
classificaram como micro-empresas e se localizaram em maior número na área do
comércio.
96
As empresárias, ao optarem pela profissão, recorrem ao NAE - Núcleo para
Abertura de Empresa, para registro de sua firma, que pode ser individual, no setor da
Indústria, Comércio e Atividades Mistas.
97
Ressaltamos um dado curioso no momento do registro das empresas, no qual o
homem omite o nome da mulher, sendo, portanto, o nome do homem que aparece à
frente e no cadastro da empresa. Mas quem trabalha realmente é a mulher.
Sobre esse fato, revelou uma empresária:
Heraída: “(...) com relação a empresa de confecção, nós percebemos muito é
que na grande maioria, talvez eu possa te afirmar que em torno de 80%, ali
tenha o casal participando da empresa, e na maioria dos casos, a mulher
assumindo bastante o processo produtivo, até por entender de costura e de
modelo e tudo mais, e o homem assumindo a parte administrativa (...) ela não
tem o nome à frente da empresa (...) porque é ele que participa das decisões
como um todo, embora a continuidade do processo seja toda gerida pelas
esposas, pelas mulheres. Inclusive ouvi inúmeras vezes... vários desses que
se sabe da existência deles como empresários e o da esposa: ‘Ah, se não
fosse a minha esposa, essa empresa não seguiria’. (...) ela não tem o nome à
frente da empresa (...) Existe muito isso (...) Talvez eu não consiga citar nem
cinco (mulheres) que estejam à frente (...) mas a contribuição é da grande
maioria, é muito forte.”
O depoimento nos revela que o trabalho e a contribuição da mulher estão sendo
“escondidos”. Escondem então o seu nome à frente da empresa e, conseqüentemente, a
sua visibilidade. Portanto, o número de mulheres no segmento é incompleto, porque
muitas mulheres que trabalham como empresárias não têm os seus nomes cadastrados
ou registrados num órgão oficial ou de representação. Nos cadastros usados para essa
pesquisa, pode-se verificar tal fato.
O que desejamos confirmar é que a própria história “omitiu” o trabalho e a
participação da mulher, os quais estão sendo recuperados há algumas décadas. Contudo,
percebe-se que essa prática ainda permanece parecendo-nos como se fosse “normal”
usar a força da mulher e, ao mesmo tempo, não reconhecê-la como cidadã que tem
nome, endereço, identidade e capacidade.
Confirmando o que a empresária revelou, um empresário comentou de modo
semelhante:
Paulo: “Eu acredito que hoje no CDL, dos seiscentos e poucos associados,
deve ter, mais ou menos uma 150 empresas que tem à frente mulheres, por aí.
Teoricamente isso representa uns 25% no comércio, eu digo como empresárias,
oficialmente, porque casos em que a empresa está em nome do marido, mas
na realidade é, às vezes, até a mulher que está a frente, acontece isso demais,
97
Disponível em: <http://wwwsebraent.com.br/abertura/3 passo/ industrial.htm.> acesso em 29/01/2001.
Página da W. e SEBRAE - Patos de Minas.
97
inclusive, nas indústrias hoje. Diversas mulheres estão envolvidas,
principalmente pelo fato, porque as indústrias de confecção, um grande
empreendimento em Patos de Minas e que, pouquíssimas pessoas sabem, hoje
deve ser geradora de uns 3 mil empregos na indústria de confecção. Eu
acredito que em quase todas elas - pelo menos eu conheço praticamente todas,
principalmente as que estão se desenvolvendo - as mulheres estejam
inseridas. Às vezes, ocorre que a mulher não esteja na constituição da empresa,
mas ela está à frente, porque 80, 90% de quem trabalha em confecção é
mulher, porque o ato feminino, o manejo com as mãos... Isso facilita muito.
Então eu acredito que é por aí. (...) (Isso) é porque ele, na hora de constituir a
empresa ele, está à frente; e depois, posteriormente, eu acho que por algum
motivo ele se afasta, ou sente a necessidade de convidar a mulher, e quando ele
começa algumas empresas, às vezes não está pensando: ‘Vou por no meu nome
por machismo’, pode até ser. Mas eu acredito que a mulher venha
automaticamente pelo companheirismo. E tem uns e umas que detestam loja -
eu conheço mulheres, por exemplo, que o marido tem comércio, e que ela
gosta de ir lá e... Sei lá, não sei o que pode estar acontecendo, se é por
machismo, se é porque as mulheres acomodam. (Pode ser o poder) Acredito
que sim (...) acredito que tenha esse lado também, e em grande escala. Eu não
diria que é a maioria, mas que realmente isso acontece. Eu até conheço casos.”
Dessa forma, a omissão dos nomes das mulheres à frente das empresas ocorre, e
não é apenas em uma associação. O primeiro depoimento é de uma empresária do
SINDIVEST - Sindicato Intermunicipal da Indústria do Vestuário de Patos de Minas e
Alto Paranaíba, e o segundo, é de um empresário que transita na CDL - Câmara de
Dirigentes Lojistas, na ACIPATOS - Associação Comercial e Industrial de Patos de
Minas e no SINDICOMÉRCIO - Sindicato do Comércio Varejista. A empresária
participa também de outras associações, o que nos leva a perceber que são revelações de
pessoas com grande conhecimento da área. Leva-se em conta também a condição de
presidentes que foram e/ou são das entidades, convivendo de perto com todos os
associados.
Essa omissão sinaliza a discriminação e o preconceito, dentre várias formas que
ainda existem em nosso meio, na sociedade e na cultura em relação à mulher.
Nesse sentido, as práticas das relações entre homens e mulheres, tanto no espaço
privado como no público, levaram as mulheres à uma situação de submissão, de
ocupações menos qualificadas e remuneradas, às tarefas domésticas rotineiras,
monótonas, à dupla jornada de trabalho, internalizando comportamentos de acordo com
um estereótipo masculino. São essas relações e práticas do cotidiano, no trabalho e na
família das mulheres empresárias de Patos de Minas que passaremos a analisar e
conhecer em seguida.
98
CAPÍTULO 2
O COTIDIANO DAS MULHERES EMPRESÁRIAS
2.1. Dificuldades, Rivalidades e Competência Feminina
“Eu falo: a coisa mais dura que eu acho que existe no comércio, eu posso dizer,
a mais difícil, é que você tem que vender todos os dias. Todos os dias você tem
que se levantar e a sua loja tem que vender. Todo dia você tem que achar um
cliente pra você vender para ele. Você pensou nisso? Sabe, o povo pensa
assim: ‘qual é a maior dificuldade?’ Eu te falo: a maior dificuldade é você
arranjar alguém para você vender todos os dias.” Maria Rosângela Oliveira
Pacheco.
Parece-nos que a entrevistada absorveu a lógica capitalista, a lógica premente do
mercado, ou seja: ter que vender”, já deixando de lado a questão de ser mulher ou não,
em segundo plano. Num primeiro momento, uma disputa por ser mulher, para entrar
no mercado de trabalho, mas depois de “estar nele”, ela não se preocupa mais se é
mulher ou não e, sim, com o que esse mercado “exige” para se manter nele, que é
vender, independentemente de ser homem ou mulher.
A nosso ver, a disputa entre os sexos acaba desaguando na disputa pelo mercado,
uma vez, é claro, as mulheres conseguindo superar a questão da diferença latente ainda
na esfera doméstica e pública, dos sexos.
A homogeneidade na resposta das mulheres empresárias em relação à outras
dificuldades iniciais se repetem em vários pontos. Quase a maioria (95,8% - com uma
única exceção) apontou que, no início do trabalho, tinham que “provar a competência”,
“provar que eram capazes” no mercado. Reclamaram que à mulher é exigida muito mais
essa “prova” do que ao homem. A mulher é “cobrada” o tempo todo. Enquanto não
“provam” a capacidade não são “bem vistas” e não conseguem credibilidade e
99
confiança. E esse fator deve ser o primeiro a ser conseguido, derrubado, para serem
“aceitas” no mercado.
Carlúcia: “Se ela (mulher) for competente, ela parece é com o homem, não é?
(...) um dia, um (colega) me falou assim: ‘tem muita médica que parece homem,
não é? Num primeiro momento eu tive vontade de responder mal. Mas depois
eu pensei: ‘Eu não vou me desgastar’. Ele é imaturo, acha que para ser
competente tem que vestir calça!’ (...) (A mulher) é muito cobrada!”
A idéia de que a mulher para ser competente tem que “agir ou ser como homem”
está presente em vários depoimentos das mulheres. Por isso revelaram que, por serem
mulheres, tinham que fazer o “dobro” do trabalho do homem.
A família nuclear patriarcal, de acordo com Muraro, é originária da reprodução
do cuidado materno apenas pela mãe, por isso recai uma pesada carga sobre a mulher
nessa cultura, quando ela “sai” desse estereótipo. O “espaço público” é natural do
homem e, portanto, a mulher para ser “desse mundo” é forçada a agir e comportar-se
como homem. Os valores desse “universo” são masculinos tradicionais sem a mistura
do feminino. Sublinha Muraro que “muitas mulheres conseguem sucesso
introjetando a maneira masculina de ser, mais agressiva e egoísta. Ficam competitivas,
enquanto eram cooperativas e solidárias no domínio privado. Ligam mais para o status
como o homem, enquanto as outras mulheres se importam menos com ele.
98
É mais difícil para algumas mulheres serem competitivas devido às
características femininas (emoção, subjetividade), dadas pela formação cultural. Para
essas, no “mundo do trabalho”, a mulher tem que se esforçar e/ou parecer que tem as
características masculinas (ação, objetividade), devido também à própria educação, à
cultura. Dessa forma, algumas mulheres sofrem mais, porque no domínio público se
sentem agredidas no seu lado emocional, feminino, são mais cobradas por sua atuação
pública, por serem mulheres. Ressaltamos que essas características “dadas como
femininas” não são imanentes ao sexo feminino e, sim, características culturais.
Gláucia: “... e a mulher precisa de muito mais esforço do que o homem para
fazer (o trabalho). Porque o homem se apresenta (...) e ninguém pergunta o que
ele fez ou deixou de fazer. É homem e deu certo. Agora a mulher... E isso eu
lembro, eu tinha que realizar o dobro, eu era extremamente cobrada; até as
datas, se foi realizado ou se não foi.”
Maria de Fátima: “(A mulher) tem que estar provando o tempo todo que ela é
capaz, que vai dar certo...”
98
MURARO, Rose Marie. Os seis meses em que fui homem. op. cit. p. 73.
100
Heraída: “... a cobrança da mulher é bem mais evidenciada (...) Ela tem que
provar que está ali, e se ela está ali ela tem que provar que ela é capaz, que ela
é competente porque está todo mundo de olho para atirar uma pedrinha...”
A questão dos fornecedores de produtos, reposição de peças, foi colocada por
muitas mulheres como dificuldade inicial devido à essa “prova de competência”, por
não serem ainda reconhecidas no mercado como pessoas capazes. Daí, o fornecedor tem
uma resistência e vontade para atendê-las. À medida que vão “provando” a
capacidade, o tempo na atividade profissional, os fornecedores passam a aceitá-las, a
resistência vai diminuindo.
A imensa maioria dos fornecedores são homens e, a nosso ver, isso o “tom”
da disputa maior, porque essas mulheres estão brigando sim, contra a postura da
sociedade, que é machista e isso vem desde a casa, contra uma cultura que ainda
privilegia o homem no espaço público. Além da condição de mulher, a dificuldade
também se deve por ser iniciante:
Eliana: “... A loja tinha praticamente um fornecedor (...) e s ficamos
incomodadas com isso porque não foi fácil o meu primeiro contato com ele. (...)
ele (fornecedor) não teve muito interesse em fazer um trabalho comigo, eu era
uma iniciante... Eu senti que houve muita resistência da parte dele (... ) à
primeira coisa que providenciamos foi ter mais fornecedores.”
Uma outra dificuldade apontada pela maioria (87,5%) das entrevistadas, foi a
falta de conhecimento na área empresarial, ou seja, como administrar ou como gerenciar
o seu negócio. Apenas quatro têm a formação acadêmica de acordo com a atividade
empresarial, ou seja, a profissionalização direcionada à sua área de atuação. Além da
formação específica, estão sempre fazendo cursos de atualização.
Lúcia: “... fiz Educação Física (...) a minha academia está envolvida muito com
a área de dança, de ‘fitness’, de ginástica (...) eu dava aula de ginástica, de
natação (...) Depois eu fui a primeira academia de Patos a implantar a dança
jazz (...) fui para os Estados Unidos na época, em 82, fiz curso de jazz lá, e...
sempre tenho feito bastante curso durante as férias para fazer uma reciclagem
e ficar mais atualizada... e na área de ginástica, quando começou a aeróbica
que foi em 85, foi a primeira academia que trouxe a aeróbica, foi uma
inovação...”.
As demais relataram que buscaram o conhecimento, cursos de aperfeiçoamento
para gerenciar e administrar a empresa, concomitante ao início. Essa falta de
conhecimento inicial principalmente teórico, indica que se deve à um descompasso
entre a formação acadêmica com a atuação como empresária.
Rosângela: “... nós entramos no mercado de trabalho, nós todas comerciantes
(...) sem ser, sabe? A mulher não faz curso de moda, não faz isso para entrar no
101
mercado de trabalho (...) É uma profissão por acaso (...) Eu aprendi (...)
Porque a moda é na luta, é fazer igual a um ‘fura-bolo’, descobrindo.”
De acordo com a mesma entrevistada, algumas mulheres que se “aventuram”
demais no mercado, entram sem “saber nada”, sofrem mais, não “duram” no mercado e
por isso são inconstantes.
Com opinião semelhante, revelou um empresário:
Paulo: “(...) algumas porque achavam que (comércio) era bom, porque às
vezes os maridos eram médicos, advogados e tinham capital e implantavam
empresas para elas. Muitas se deram mal porque não eram empresárias. (...)
Então ficavam dois, três anos, deram prejuízo enorme, outras ganharam
dinheiro. Mas, na realidade, aquelas que tinham aptidão continuaram no
mercado.”
Vale sublinhar que essa maioria revelou ter aprendido na prática, com a
experiência do dia-a-dia, “na pancada”, “quebrando a cara”, usando a expressão de duas
delas. Outra ressaltou que, junto à essa prática, no aprender fazendo, o “observar”,
“ouvir”, “perguntar”, ter os olhos “aguçados” para ver de todos os lados, foi uma
constante.
Rosângela: “A minha vida de lojista (...) foi uma descoberta, sabe? Eu descobri
tudo sozinha. Na luta diária, na experiência, na pancada. Apanhava dali,
escutava uma pessoa daqui, chegava às feiras, escutava as pessoas (...) mas foi
nessa luta e através dos erros.”
Na busca do conhecimento, de cursos profissionalizantes, a maioria citou o
SEBRAE-SENAI como suporte e apoio para a gerência empresarial. Procuram ajuda no
início e continuam até o momento, buscando aperfeiçoamento e se atualizando.
Procuram também “Feiras” e eventos diversificados de acordo com sua área,
respectivamente.
Reconhecem que a mulher é mais “humildedo que o homem no sentido de
procurar ajuda, apoio, cursos para “correr atrás” das informações e do conhecimento
necessário para o gerenciamento. Os homens são mais “acomodados” nesta parte.
Heraída: “... vou estar buscando ajuda (...) continuar os cursos do SEBRAE
(...) Eu acho que (a mulher) é mais humilde (para buscar conhecimento) (...) Eu
acho que talvez nesse sentido seja um perfil feminino (...) a gente não tem
preconceito se é homem que está ensinando, se é mulher (...). Acho que nisso
tem uma vantagem para a gente, porque acho que (o homem) tem um pouco de
preconceito nesse sentido e nós não. Dentro daquilo que eu preciso estar
desenvolvendo, eu vou buscar essa ajuda aonde for, com quem for para
conseguir realmente...”
102
Na fala da maioria, as mudanças e inovações estão acontecendo muito
rapidamente e se não “correrem atrás” ficam fora do mercado. Atualização é ponto
comum para todas, significando sobrevivência no mercado de trabalho.
De acordo com a maioria (87,5%), um outro fator que pesou no início foi a
dificuldade financeira. Sendo o capital inicial pequeno, havia uma grande preocupação
no sentido de planejar, anotar, controlar, saber o que comprar, a quantidade, o gosto,
enfim, uma vigilância constante sobre tudo para que esse capital inicial rendesse e desse
possibilidade de se manter no mercado.
Neide: “... quando eu comecei, era difícil por causa da minha inexperiência e
falta de capital. Então, eu passei uma fase... brigando com essa falta de
dinheiro, de capital e com a inexperiência, enfim, ‘quebrando a cara’. Hoje
não ‘quebro tanto a cara’, e já não tenho falta de capital.”
Quanto ao mercado, à contextualização econômica na década de 1980, tendo em
vista que a maioria das mulheres empresárias iniciou-se nesse momento, percebe-se
uma generalidade no que se refere às dificuldades iniciais e às atuais, ou seja, na década
de 1990, o que nos possibilitou detectar as mudanças ocorridas no mercado.
O traço comum da maioria das mulheres foi o início do trabalho ter sido mais
fácil, apesar da falta de capital, falta de experiência e prática para a maioria (87,5%),
porque não havia tanta concorrência como hoje. A ênfase na concorrência desleal” foi
marcante. Perguntadas sobre o que seria essa “concorrência desleal”, colocaram, de uma
forma generalizada, os maiores problemas, de acordo com suas áreas, como por
exemplo: - Sacoleiras, que não pagam impostos como elas; - Biscoiteiras - vendem
biscoitos feitos em casa; - Prática de preços baixos (o concorrente “chama” o cliente e
“abaixa” o preço no sentido de “tomar” o cliente), tanto no mercado “informal” quanto
no “formal”. - Implantação de produtos - concorrendo com o produto nacional
(qualidade versus preço); - A qualidade do produto é trocada pelo baixo preço, caso por
exemplo, do alastramento das lojas dos produtos de R$1,99 que invadiu não só a cidade,
mas o país; - “Burla” de leis (falta de seriedade profissional), vendendo em casa, não
pagam empregados, aluguel, impostos, ou seja, não há gastos como elas, o que gera
também preços mais baixos; - Imagem negativa pelo concorrente (tentam denegrir a
qualidade do trabalho do outro, de querer “anular” o outro no mercado); - Deslealdade
das pessoas nos compromissos (inadimplência).
Leny: “A concorrência é desleal, a dificuldade de você entrar no mercado... Eu
tive muito essa dificuldade, eu tive que ‘ir atrás’, eu às vezes pegava até
endereço por revistas, porque eu nunca tive aquela coisa de endereço, de
informar onde era, aonde comprar... Tem a sacoleira, por exemplo, aqui mesmo
103
em Patos tem muita gente que não paga imposto. Eu acho que é que está a
concorrência desleal, sabe? E as mulheres de sociedade hoje trazem uma
roupa, uma marca, por exemplo, de fora, e ligam para as colegas e formam
aqueles grupinhos... Então, eu acho deslealdade porque ali ela não está
pagando imposto, ela não está tendo empregado, essa coisa toda... E pode ter
preço melhor (não tem essas despesas) entendeu?”
Ainda sobre o comércio informal, especificamente as sacoleiras, acrescidos dos
produtos importados a baixo custo, revelou outra empresária.
Neusa: “E uma das que eu vejo que foi ruim para o comércio de um modo
geral, foi a valorização do Real, e as pessoas começaram também a buscar
mercadorias, a facilidade do importado, a não cobrança das taxas, da
fiscalização. Houve um relaxamento na parte de fiscalização no sentido de
deixar esses ambulantes, o comércio informal, as sacoleiras. Hoje, em Patos, as
pessoas saem no domingo e voltam na segunda, saem na segunda e voltam na
terça. (...) Então a fiscalização está muito precária no nosso país, e quem es
estabelecido, que é o nosso caso, os fiscais vão é em nossas portas, eles não
estão preocupados com quem está por . Então, tem hora que eu penso que
tem é que pegar a sacola, e começar a vender sem pagar imposto, abrir uma
portinha por aí. Agora, com os camelôs: nós lutamos muito para tirar os
camelôs das ruas, mas eles estão aí. Esses ‘1,99 da vida’: são mercadorias que
não tem qualidade, quebram com facilidade. É um produto que não tem
durabilidade. Mas é o xodó, a coqueluche de hoje.”
Indica-nos o depoimento, uma falta de fiscalização mais severa no comércio
informal, sendo motivo de descrença e de desestímulo. Indica-nos também que um
sentimento de insatisfação daqueles que são estabelecidos legalmente em relação às
práticas fiscais do governo frente aos não estabelecidos.
Também um empresário comentou:
Paulo: “De 1980 para 1990, e de 1990 para 2000 é muito fácil: na década de
1980, a oferta era pequena. Então, tudo que você lançava no mercado era
novidade, você quase que tinha uma facilidade de marcar com uma margem
melhor porque a concorrência era menor. E depois foram evoluindo os meios
de transportes, foram evoluindo as ofertas e as margens foram diminuindo
porque foram aparecendo mais concorrentes; e isso vai dificultando. Inclusive,
ultimamente, você pega um ônibus aqui oito horas da noite e depois de amanhã
às seis e meia da manhã você está aqui de novo — você vai a São Paulo, a Belo
Horizonte, ao Rio, e compra coisas que vem facilitando, ao passo que em 80 até
meados de 90, a gente tinha que ir para Uberlândia, pegar um ônibus e
viajar quase 15 horas... Então, isso tudo facilitava. Quando você fazia uma boa
compra fora (em São Paulo naquela época), tudo que você trazia era novidade
e era mais fácil, o mercado era mais atrativo. Hoje, com essas coisas que
começaram a entrar (principalmente do Paraguai), sacoleiros está tendo
demais, muito mais do que antigamente... Então, o comerciante está sendo
muito prejudicado pelas facilidades que estão aparecendo por aí.”
Observam-se os mesmos problemas nos depoimentos das mulheres em
comparação com o depoimento do empresário acima. Ou seja, a disputa pelo mercado,
pelo espaço. As dificuldades são para todos, seja homem ou mulher.
104
Uma empresária cita que a “deslealdade” aumentou significativamente na
década de 1990. Justifica dizendo que antes as pessoas eram mais “honestas”,
preocupavam-se com o “nome” na praça, com o compromisso assumido. Hoje, as
pessoas estão menos preocupadas, inclusive, com o cheque devolvido, ou seja, se pagam
a dívida e o cheque dado para o pagamento voltar, não se preocupam com o nome de
mal pagador. Uma pessoa “de boa índole”, citou, não faria isso e, hoje, essas pessoas
estão em maior número no mercado.
Dalci: “A concorrência é muito grande, a deslealdade é muito grande, porque
tipo assim, você tem um cliente, eu tenho um volume muito alto de botijão com
ele, eu compro botijão e empresto para aquele cliente. Quer dizer, ele é meu. É
muito fácil o outro chegar, a gente fala assim: “o forasteiro”. Então ele
chega... e o que ele tem empregado ali com aquele cliente? Nada! Então, ele
passa... Ele tem o botijão dele com ele? Não. Ele não tem gasto nenhum,
porque ele passa naquela pessoa, vende o gás para ele mais barato por quê?
Ele não pegou dinheiro nenhum com ele. E às vezes eu tenho até 100, 200
botijões emprestados. ‘Quando lhe custa o botijão?’ Eu estou emprestando
para ele, ao invés dele pegar o gás meu, ele pega com outro, porque não tem ...
a deslealdade está muito grande hoje. Por quê? Porque a concorrência é muito
grande e o mercado está escasso. Em todas as áreas que a gente e que a
gente viaja, em todas as áreas, infelizmente acho que o pior ano,
comercialmente, esses anos de 2000/2001, e a gente liga nas companhias,
conversa de 15 em 15 dias... e não vê melhora nisso aí (...) a partir de 1998 (...)
foi quando piorou. (...) (Início de 1990) o pessoal tinha mais dinheiro, acho que
as pessoas eram mais honestas... Ela se preocupava com o nome. E hoje as
pessoas não preocupam com o nome. Se o cheque foi devolvido e encerrou a
conta, eles não estão nem aí, entendeu? (os valores) infelizmente acabaram!
(...) No mercado hoje, 80% das pessoas são assim. A pessoa chega e: ‘Ah, o
meu cheque voltou...’ ‘Ah! Se encerrar minha conta depois eu abro outra’. (...)
Eu fico escandalizada! (...) Eu vejo isso todos os dias”.
Lembra-nos Muraro que a vida no sistema competitivo acaba perdendo um seu
substrato, que é a confiança um no outro. “A vida dos homens no sistema competitivo
fica vazia por dentro. Sem sentimento, fria. Calculista. (...) Esse veio insaciável é fruto
do pensamento dissociado do homem. E essa repressão do sentimento é fabricada para
levar a uma centralização, a uma hierarquia, a um autoritarismo, enfim, a essas
características que formam o poder atrás do qual os homens correm obsessivamente. E
obter o poder é a lei máxima da economia e também da política, que é a sua expressão
no domínio do convívio social.”
99
Nesse sentido, entendemos a reclamação e a angústia da empresária ao dizer que
hoje as pessoas estão menos honestas, que a deslealdade e o descompromisso estão cada
vez maiores. De acordo com Muraro, no mercado competitivo não valores humanos
99
MURARO, Rose Marie. Os seis meses em que fui homem. op. cit. 131-2.
105
e as pessoas não são solidárias entre si. Obcecadas então pelo poder, pela corrida da
competitividade e do lucro, os valores éticos, como por exemplo, a referência à
preservação do nome, estão sendo engolidos pela ganância, pela competividade e pela
disputa no escasso mercado. Ao se referir ao pensamento dissociado, a autora nos
explica como a sexualidade da mulher e do homem é fabricada, não sendo
complementares, porque senão o sistema não funcionaria. No momento em que
vivemos, a libido do homem é direcionada para o espaço público e a da mulher vai para
o domínio da relação, do privado, da emoção, do amor. Ou seja, o sistema é que os
coloca nesses espaços e, da insatisfação sexual e afetiva do homem e da mulher, é que o
próprio sistema se reproduz. Daí surge a idéia de que o homem é frio, racional,
calculista, pronto para a competição. A mulher, devido à relação profunda não se
bem no sistema de produção e, por isso, existe um descontinuidade entre
homem/mulher. O que está para um, não está para o outro. O homem, então, não pode
se deixar dominar pela emoção, porque seria “fraco” e perderia o controle do sistema
produtivo e de si mesmo, enquanto que a mulher vai com toda sua emoção, inteira para
o domínio público. E, por isso, ela é “tachada” de não dar conta, falar demais, cansar-se,
desanimar-se ou, em outros momentos, estar eufórica e outras “desculpas”.
Outra diferença é que o homem sacrifica tudo pelo status, pela aparência e a
mulher mais valor na qualidade da relação, abrindo mão do status. Se o homem
perder o seu status, ele pensa que perdeu tudo, porque ele compete é com o status. Por
isso também, a mulher fica nas posições subalternas, porque fica mais silenciosa, saindo
prejudicada, devido à sua emoção dentro do sistema produtivo e, também porque se
preocupa menos com o status. “A mulher vai íntegra, seja para o mundo da relação,
seja para o mundo do trabalho. Quando um fica desequilibrado, o outro fica também É
por isso que ela em geral prefere o mundo da relação ao do trabalho. É sempre ela que
larga a carreira, que se sacrifica a si mesma e à sua criatividade, e não o homem. (...) o
homem, dividido como é, tem acesso ao prazer; a mulher, por ir de corpo inteiro,
tem acesso a um prazer maior, como diz Lacan, que vai para além do falo, que fala
para além do poder, mas que (...) é muito nocivo a ela do ponto de vista do sistema. E
assim ficam os dois incompletos - ele na área do afeto e ela na área do trabalho”.
100
Dessa forma, o homem é dirigido para a independência, a separação e a
autonomia e as mulheres são direcionadas e definidas como filhas, esposas, irmãs ou
100
MURARO, Rose Marie. Os seis meses em que fui homem. op. cit. p. 55-57
106
mães, no sistema patriarcal e produtivo. Desde que nasce o homem é educado para ser
independente, ter autocontrole, auto-suficiência e para procurar o caminho do sucesso.
Por isso também, está incutido dentro da auto-suficiência do homem a idéia tradicional
de ter a mulher como sua propriedade. Tradicional, ainda, é a dependência da mulher.
Nesse sentido, conforme Muraro, a independência, a separação que marca os limites do
ego masculino são a separação da mãe e, por isso, a intimidade será dada como
dependência no inconsciente. E a nossa cultura, a nossa história nascem dessa
separação. O homem é “criado” para dominar o mundo, controlá-lo, superando a
identidade mãe/filho. “Para a mulher este sentimento oceânico que a fazia um ser
com a mãe não amedronta, por isso ela é capaz de ter uma conexão íntima e não uma
oposição, uma intimidade e não um controle com o mundo e os outros sem se perder.
E estas qualidades foram desvalorizadas na nossa atual civilização, pois não
são qualidades que levem ao sucesso num mundo competitivo. (...) A subjetividade é
alocada à mulher e a objetividade ao homem, e os homens subjetivos, por mais
importante que seja a sua missão cultural, são sempre desvalorizados.”
101
Quando o homem começa a procurar a conexão com o outro e com o mundo, ele
está buscando o princípio da individuação. Está procurando ser capaz de voltar a se
relacionar com o mundo e com os outros, tentando sua plenitude.
Ainda, a inserção da mulher no mundo do trabalho e sua realização profissional
é dificultada e adiada pela sociedade patriarcal.
Nessa perspectiva, entendemos porque as mulheres, por serem menos
dissociadas que os homens, sofrem mais no sistema competitivo, onde não cabem as
suas emoções, seus sentimentos, porque o mercado é concorrência. Devido, portanto, à
sua formação, à cultura que lhe “dá” essas características.
Pelo mesmo viés da dificuldade em relação aos compromissos, da falta das
pessoas às responsabilidades, ressaltou uma entrevistada:
Terezinha: “(...) Hoje é interessante você ver a dificuldade que nós temos para
pais pagarem a escola, e as leis protegendo .malandros... Hoje, as leis no
Brasil são para proteger malandros. Hoje, gente honesta não tem vez. Você tem
uma escola montada aqui e tem o dever de pagar seus impostos, tem obrigação,
mas você não pode cobrar de seu cliente, você não pode cobrar do pai do seu
aluno porque isso Procom, cadeia! Então, veja a incoerência: eu sou
obrigada a pagar, mas eu não posso cobrar. E como eu vou pagar se eu não
posso cobrar e não recebo? Então, nós temos aqui alguns casos até
interessantes, principalmente nessa época de matrícula, os pais chegam e dizem
assim para a gente: “Eu vou matricular o meu filho aqui hoje, mas eu quero
101
MURARO, Rose Marie. Os seis meses em que fui homem. op. cit. p. 61
107
que você faça o menor preço possível, porque eu acabei de comprar uma casa e
estou pagando e tal... Ou então chega e diz assim: ‘olha, eu quero ver o que
você pode fazer para mim, porque eu comprei uma fazenda de 10 mil hectares e
estou com um certo aperto financeiro...’ O que acontece hoje? Todo mundo
quer estudar numa escola boa, pagar os seus compromissos fora e deixar a
escola à deriva, o que é muito difícil, não é? Então a inadimplência - eu até
possa dar graças à Deus - não é grande, mas ela dificulta de certa forma o
nosso trabalho. (...) nós não tínhamos inadimplência porque o pai era mais
responsável.”
Um grave problema que existe no Brasil, ressaltado no depoimento, foi a
questão do não cumprimento das leis e suas incoerências. A falta da igualdade no
tratamento, da impunidade, permeiam todos os lugares, ou seja, não uma cobrança
justa para todos. Parte das pessoas pagam em dia seus impostos, têm que pagar em dia,
senão serão punidos, enquanto que outros se eximem dessa exigência. Daí, essa injúria e
o questionamento de direito que a entrevistada faz e que muitos estão fazendo: “(...) E
como eu vou pagar se não posso cobrar e não recebo?”.
Dentro do mercado competitivo, tendo em vista que o seu negócio é uma
empresa “prestadora de serviços” e não “pública”, os compromissos e os pagamentos
assumidos têm que ser cumpridos no final do mês de qualquer jeito. Lembra-nos ainda
Muraro, que o verdadeiro mundo competitivo, “o verdadeiro mundo masculino é o
mundo da decisão em que você tem que aprender a ‘tirar leite de pedra’ (...)”
102
A autora nos revela através de sua experiência, as dimensões do poder, o jogo
duro, implacável e violento do mercado competitivo.
Assim, qualquer um que esteja “amarrado” nesse jogo, tem suas folhas de
pagamento, seus fornecedores, para pagarem no final de todo mês. Dependem de outros
como outros dependem deles. É um círculo sem saída e, na falta de um componente, ele
pode se arrebentar. Essas considerações foram percebidas em muitos outros
depoimentos das mulheres.
Dentre as mulheres empresárias, apenas uma diverge sobre o contexto
econômico de hoje (1990), o qual não é mais fácil que o da década de 1980, como foi
avaliado pelas outras:
Eliana: “Há 10 anos atrás. (...) o que ajudou em relação à antes, é que antes
era um problema que a gente tinha que carregar, que a gente tinha que
assumir, era o problema da inflação. Então, o tempo que a gente gastava
olhando preço (todo dia subia as coisas), era o que a gente perdia no sentido
de poder estar fazendo alguma coisa para fazer a nossa empresa crescer. Hoje
não temos esse problema: ‘aumentou a inflação e agora tem que aumentar
tudo... a tablita...’, uma confusão total. Hoje a estabilidade deu essa
102
MURARO, Rose Marie. Os seis meses em que fui homem. op. cit. p. 115-130-131.
108
tranqüilidade de a gente ter mais tempo para criar coisas que faça a nossa
empresa crescer, olhando o lado do cliente, do funcionário. A gente tem mais
tempo para se dedicar à empresa. Na época da inflação, a gente ia para a feira
de calçados e o preço que a gente ia pagar no calçado da próxima estação era
o preço que a gente estava vendendo hoje. Hoje é mais tranqüilo. Tem aumento,
todo ano tem, mas é uma coisa menos estressante.”
Revela-nos o depoimento, que a inflação dos anos de 1980 era uma situação
pior, mais difícil de carregar do que a atual, sendo por isso uma exceção da amostra em
comparação com as opiniões das empresárias. Contudo, assemelha-se com a opinião de
um empresário, que revela o seu parecer através de um paralelo entre as décadas de
1980 e 90:
José Soares: “(a inflação em 1980) chegou a 85%, na época do Sarney. Então,
era por dia a inflação. Era impossível você fazer qualquer planejamento,
qualquer coisa, seguro de que amanhã, você podia ter um planejamento. Eu
não sei se o lucro era maior ou se era mais uma bolha. Você achava que estava
ganhando mas não estava, porque você ganhava de cá e era corroído do outro
lado. Quem aprendeu a trabalhar com inflação se deu bem, aproveitou e
ganhou dinheiro, mas quem não aprendeu... Muita empresa quebrou naquela
época porque não conseguia acompanhar a inflação. Eu acho que a
estabilização da moeda (1990) te segurança. (...) Mesmo com uma margem
de lucro menor. Você pode ver que tem pouca empresa ganhando dinheiro, não
resta dúvida, mas é porque não entrou no esquema, veio com a cultura da
inflação e, às vezes, não se adaptou ao novo tipo de ganhar dinheiro. E, sabe-
se, que tem que ser ganhando pouco, economizando e aumentando a
produtividade. Então, nesse sentido, é que eu acho que melhorou. Você tem
pelo menos na mão uma posição em que você pode prever o que vo vai
ganhar, você vendendo ‘X’ num mês, você tem uma despesa mais ou menos
estabelecida, e vo sabe mais ou menos aquele lucro que você pode
contar com ele. Pode não ser muito, pode ser pouco, mas é certo.”
Na década de 1980, a inflação subia todos os dias, não havendo nenhuma
condição de planejamento. Mesmo tendo a oportunidade de ganhos maiores, na opinião
dos dois entrevistados, na década de 1980, o comércio era mais difícil do que hoje, anos
de 1990, mesmo com todas as dificuldades que se apresentam no mercado atualmente e
mesmo com lucros menores.
Além da “concorrência desleal”, existe a “concorrência de mercado”, fato
assinalado pelas empresárias com veemência, na mudança da década de 1980 para 1990.
Com a globalização, o mercado se ampliou, mas a concorrência aumentou
assustadoramente. Se no início elas poderiam ser quase que únicas no mercado ou com
outros poucos no mesmo ramo, a partir de 1990 surgiram muitos negócios na mesma
área.
Maria Ângela: “Foi uma reviravolta (de 1980 para 1990), enorme! Quase não
para comparar. É o mesmo negócio, mas é uma coisa, assim,
impressionante: no início, eu não sei se eu era mais sozinha na cidade (...)
109
eram poucas (butiques). E as que estavam nessa época (1975) também foram
parando pelo caminho e eu continuei... (sou mais antiga) então peguei vários
momentos: (...) esse primeiro momento, os 15 anos, de 1975 a 1985 foi
excelente; nem cansar eu acho que eu cansava, porque tudo era rentável, tudo
que tem sucesso fica fácil para a gente. Então, foi um período (...) muito bom
(...) Eu sei que houve uma mudança no mundo inteiro... E então modificou
completamente, o comércio não (continuou) legal... Se eu não tivesse ficado
esperta, eu teria perdido o que eu consegui (...) (antes) não tinha concorrência
(...) hoje a concorrência é muito grande.”
Essa concorrência, de acordo com as empresárias, fez com que cada uma
procurasse ser cada vez mais “diferenciada”, ser “exclusiva” em sua atividade, para
acompanhar as transformações. Nos discursos é comum a referência sobre a velocidade
das mudanças, das informações e a necessidade de buscarem incessantemente cursos,
leituras, qualificações, necessários para o acompanhamento das múltiplas exigências do
mercado, da tecnologia, da informatização. O ficar “esperta” significa ser capaz de
acompanhar todas essas transformações.
Mírian: “O mercado de trabalho hoje está em ascensão, eu acho que
principalmente para os profissionais liberais. Por outro lado, existe uma
dificuldade que o existia na década de 1980, que é a pessoa se aperfeiçoar
através de um atendimento eficiente ao cliente, através de um planejamento
estratégico que propicie que a pessoa desenvolva um trabalho dentro de uma
qualidade (...). Então, eu acho que hoje é mais difícil ficar no mercado em
virtude da concorrência, dos efeitos da globalização. Então, a pessoa hoje tem
que ser um diferencial, tem que acompanhar todo o avanço tecnológico, porque
é inadmissível um advogado que tenha uma máquina de escrever hoje. Hoje ele
tem que estar em rede, hoje ele tem que estar na rede da Internet, hoje ele tem
que se situar dentro do centro desse mundo, porque a tecnologia propiciou que
todos os povos se unissem e que tudo ficasse mais próximo. (...) Era mais fácil,
pelo menos na minha profissão, eu acho. Não era preciso muito investimento:
antes você tinha um pequeno escritório e não era necessário ter mais. E hoje
você precisa - para advogar para uma empresa - ter um grande escritório,
precisa mostrar que você tem bons livros. Então, tudo isso é investimento.”
No mesmo viés um empresário na área da cafeicultura também revelou:
José Humberto: “Hoje está mais difícil porque na época tinha a inflação e a
pessoa nunca sabia o que estava nas margens de lucro e tal... ninguém sabia o
que estava acontecendo. Hoje não, a economia é mais direcionada e com o fim
da inflação, as margens tornaram-se menores. Hoje, dentro daquilo que você
produz, você tem que ser o melhor, porque senão você não consegue. Por
exemplo, na minha área que é produção de café: se você antigamente produzia
café tipo commodities, que é o do mercado a torrefação para o mercado
interno, era um tipo de café que hoje que você tem o diferencial, você produz o
café melhor e você tem o prêmio por aquilo. O diferencial é isso. E em todo o
setor hoje é isso, você é pago pelo seu aprimoramento do seu serviço, em todos
os sentidos. Por exemplo, no meu caso é um café de melhor qualidade, e você
então tem um prêmio melhor. É assim em toda profissão. Você tem que
sobressair porque senão você fica igual aos outros, tipo commodities. Você fica
igualzinho aos outros. (...) (Hoje) É mais difícil. Hoje, no meio empresarial e
com a concorrência, você tem de ter esse diferencial. Senão você fica igual aos
110
outros. Você tem que ser melhor em tudo (...) É pior que com a inflação porque
você tem que definir. Em todos os sentidos você tem que ser o melhor, você tem
que estar entre os melhores, porque senão você não recebe o prêmio. é que
está o diferencial que você ganha. (...) É a qualidade, a eficiência, a
competência. É isso que faz o diferencial hoje na mentalidade empresarial. (...)
Para qualquer pessoa, para qualquer mercado de trabalho. O profissional
liberal e tudo tem que estar atualizado porque o negócio muda de um dia para
outro (...) Hoje não subsídio nenhum. De modo que a pessoa tem que ser
mais agressiva, tem que ter um controle maior sobre os custos de produção,
porque senão, no final não sobra nada.”
As grandes mudanças reveladas pelas mulheres empresárias no seu dia-a-dia,
mesmo com atuação em áreas diversificadas, são as mesmas. Percebe-se uma
generalização nessa transformação do início do trabalho na cada de 1980 para a de
1990.
A alteração da mão-de-obra pode ser detectada em vários momentos quando as
mulheres se referem à substituição do homem pela tecnologia, acarretando um
crescimento ainda maior do desemprego. Acrescenta-se o encurtamento da margem de
lucro. A maioria revelou que ganhava-se mais no início de 1980, apesar das várias
dificuldades colocadas e que hoje, ou seja, finais de 1990, o lucrou tornou-se bem
menor. Não se remarca mais os produtos, a mercadoria conforme a vontade, mas sim de
acordo com o concorrente, pela competitividade, e estes não são mais apenas os da
cidade, mas do mundo inteiro, pela Internet, pelas compras virtuais.
Neusa: “O início foi em 1979, mas durante os primeiros anos a gente está em
fase de adaptação com a mercadoria, e então não tem lucro realmente. Um
empreendimento para dar resultado, leva três ou quatro anos, para ter um
retorno para a gente. Então, conseguimos muita coisa durante uma
determinada época, e hoje está muito mais difícil. Se dermos conta de
conservar o patrimônio que a gente conseguiu - o patrimônio é também a loja,
os funcionários - tem muito tempo que estamos com o mesmo número de
funcionários, a gente não consegue, assim, acrescentar mais funcionários,
primeiro, porque a loja é pequena, na verdade, as três lojas são pequenas.
Então, se a gente conseguir conservar isso e se manter no mercado, está
bom. E a gente pela experiência de muitas pessoas, pessoas que observaram
isso antes, que partiram para outros ramos de investimento: investimento de
imóveis, fazendas, que investiram em outras atividades. Mas quem ficou só com
o comércio mesmo, perdeu; e hoje está mais difícil por causa da competição, a
competitividade está muito acirrada, e também as mudanças rápidas da
tecnologia. Hoje nosso concorrente não é o vizinho do lado ou o de frente,
tem a concorrência com a própria Internet, compras virtuais.
(...) Antes a gente comprava, e tinha lucro. Às vezes era mais difícil você sair
para comprar, era como eu te falei, para ir para São Paulo, nhamos antes
que ir para Uberlândia, as vezes a gente chegava e não tinha ônibus para
seguir de imediato, tinha que ficar quatro horas esperando o próximo ônibus
para ir para São Paulo, mas tinha menos concorrente.”
111
Além da concorrência de mercado, percebeu-se muita reclamação em relação às
atitudes do governo, à corrupção, aos desvios do dinheiro público, da aplicação dos
recursos arrecadados. A insatisfação com o mercado é muito evidenciada e presente nos
depoimentos.
O depoimento abaixo revela-nos essa insegurança, a insatisfação com as práticas
e faltas do governo, não no mercado, mas em outros setores, a exigência na rapidez
das mudanças, das informações e, principalmente, a falta de um norteamento, de um
rumo, sem saber o que fazer.
Fátima Prado: “Olha, de 1980 para 1990, o que a gente é a velocidade das
coisas. A grande mudança é de velocidade, de comunicação, de acesso a tudo,
a toda hora e a todo lugar. Isso aumenta a concorrência, faz com que nós
tenhamos que nos aprimorar, correr atrás também de estar sempre à frente.
Então, a mudança é mais essa que eu vejo. Agora, em tudo tem a parte do
governo que entra com uma promessa. Só que os mais sacrificados, ou é o povo
ou o empresariado. E o que é o empresariado? O empresariado é o que gera a
riqueza, gera o trabalho para esse povo, e o governo não isso. A taxação de
impostos que nós temos é horrorosa! A diferença entre os anos 1980 e 1990...
você vai falar que melhorou... Não melhorou, ela piorou! Nós ganhamos mais?
Não ganhamos! Hoje trabalhamos mais, pagamos mais, ganhamos menos, bem
menos (...) e trabalhando mais, e com toda a nossa capacidade, que a gente
acha que é suportável. Então as coisas estão caminhando, e que a gente não
sabe... Eu sou uma que na hora que as coisas começam a apertar, eu não
assisto mais televisão! Para quê? Para eu ver que está roubando, que tem taxa
de trabalho, que tem imposto disso, imposto daquilo... Eu ando nas estradas (e
estou pagando impostos), eu ando na estrada e caio em buraco e perco a roda!
Então, é uma contingências de coisas que magoam o empresário. Então, para
mim não houve mudança. A mudança que houve foi de velocidade nessa
tecnologia, de você chegar mais rápido, a ter acesso mais rápido a tudo. O que
atrapalha? O governo atrapalha com a corrupção dele e com o aumento de
taxa de impostos, tirando de nós a oportunidade de ganho! Antes, eu tinha 190
funcionários. Agora eu tenho 140 e quero diminuir! Não porque eu queira
diminuir, é porque eu não estou ganhando o suficiente. Onde que está o erro?
Não está na minha administração! Eu não tenho uma administração
financeira... de especulação financeira, eu não sou isso. O governo tem que ver
isso, que ninguém está jogando dinheiro na roda para ganhar. Está todo
mundo trabalhando. Agora, se ele não der essa oportunidade, como é que nós
vamos fazer?”
A crítica às leis tributárias, ao aumento dos impostos por parte do governo é uma
das maiores reclamações do segmento. Com o aumento dos impostos, parte do lucro
obtido é direcionado para o governo. Ao mesmo tempo, não o retorno devido desses
impostos arrecadados onde deveriam ser aplicados.
Ressalta-se também a falta de visibilidade do governo em relação ao segmento,
dito pela entrevistada, porque é o empresariado que gera a riqueza e o trabalho para o
112
povo. Observa-se nesse ponto, como a mesma percebe a categoria, sua importância e o
seu papel dentro da sociedade, ou seja, geradora de renda e de trabalho.
Observamos que não o empresariado é responsável pela geração de renda,
porque intrínseco a ele existe a mão-de-obra dos trabalhadores e em termos marxistas, a
riqueza é gerada pelo trabalho.
Também citado como fator de mudança de 1980 para 1990 o “perfil do
consumidor”. A maioria (95,8%) revelou que o cliente hoje é muito mais exigente, sabe
mais o que deseja. Não gasta o dinheiro sem pensar, como antes, está comprando
basicamente o necessário, exige mais, porque ele também faz parte e sofre com as
mudanças e transformações. O consumidor de hoje conhece mais os seus direitos e
deveres e estão mais bem informados. Na disputa dentro do mercado, pelo cliente, a
qualidade na prestação de serviços, a competência exigida pela concorrência alteraram o
tratamento em relação ao cliente, ao consumidor. Tiveram que buscar treinamento e
cursos adequados também para os funcionários, para todos os envolvidos no negócio.
“Cativar”, “encantar” o cliente, primar pela sua “satisfação”, saber “prendê-lo” são
palavras de ordem e ferramentas essenciais na nova forma de tratar e se relacionar com
o cliente. O mesmo esquema se transfere também ao nível de patrão e funcionários, para
que esses executem suas funções com prazer e satisfação, o que fatalmente refletirá na
forma de atendimento ao consumidor.
Neide: “(No mercado) mudou (também) o cliente, mudou a forma de tratar o
cliente, mudou a forma de comprar. Hoje existe o Código do Consumidor que a
cada dia está sendo mais respeitado e cobrado. Hoje você tem que encantar o
cliente, cativar o cliente, você tem que ter qualidade no produto. Isso mudou
demais. Não era assim, quando eu ingressei no mercado de trabalho. Então
isso foi a maior mudança que percebi (...) Praticamente de 1990 para cá,
mudou bem e foi mudando gradativamente essa questão. Tanto que muitas
empresas saíram do mercado porque não fizeram mudanças. E a gente tem que
estar atento. Todo dia (...) antena ligada o tempo inteiro, captar as mudanças,
captar as exigências, o tempo inteiro.”
A rapidez e a grande circulação das informações passaram a fazer parte do
universo de todas as pessoas. Não mais daqueles que viajavam ou tinham condições
melhores, ou daqueles que por necessidade do comércio, para fazerem suas compras se
mantinham informados, tinham que saber as tendências do mercado com antecedência.
Hoje não, o próprio consumidor sabe tanto quanto ou mais.
Eliana: “Há cinco anos atrás (95), por exemplo, as pessoas iam na loja e me
perguntavam: ‘o que está usando?...’, os nossos clientes. Hoje, eles tem acesso
a TV a cabo, viajam para o exterior, e tem conhecimento bem antecipado do
que se vai usar. Por exemplo: muitos de nossos clientes hoje, já sabem o que se
113
vai usar no inverno, e nós estamos em pleno verão. Então, temos que estar
antecipados nas informações.”
Sobre a mudança na forma de comprar do consumidor, muitas empresárias
reforçaram que hoje compra-se menos. É com mais cautela, é medido, tanto pela falta
de dinheiro, quanto pela grande rotatividade dos produtos oferecidos.
Leny: “... o comércio mudou... a pessoa está pensando mais, está pesquisando
mais... De repente ela está no meu caso aqui preocupada mais com o preço
do que com a qualidade, sabe? (...) Antes a pessoa preocupava muito com a
qualidade da roupa. Hoje não, ela está preocupando com o preço da roupa. A
gente está vendo muito isso acontecer.”
Existe uma oferta maior de produtos no mercado, onde o consumidor exerce
mais seus direitos de escolha, decisão, espera por um momento mais adequado para
comprar, enfim, tentando ganhar também para o seu lado com a “pechincha”, as
promoções. Ao mesmo tempo, as grandes redes exploram o comerciante. Antes, um
empresário ou empresária tinha o privilégio de ser o único representante do distribuidor
de um determinado produto ou marca na cidade ou região. Hoje não. Em vez de um, as
grandes redes estão fornecendo os seus produtos para mais comerciantes, porque se
aquele único “quebrar” ou tiver algum problema, os outros que continuam a
revender. Portanto, a mudança e atitudes no mercado atingem todos, como um efeito
dominó, desde o maior até o último do sistema.
Mudou-se a forma de comprar do comerciante também, para vender no mercado.
Era normal estocar mercadorias na década de 1980, quando a inflação era muito alta.
Hoje, compra-se menos, não mais para estocar, porque não se tira mais o lucro através
da inflação como antes. Os gastos são maiores com impostos, o mercado e a política
econômica (governo) é instável, e portanto, torna-se necessário um maior planejamento
com menos gastos, maior ponderação e menos “impulso”. Mudança rápida também nos
lançamentos, modelos variados, gostos, fazendo com que o “estoque” esteja sempre
atualizado devido às inovações, exigindo um menor espaço de tempo para a reposição
de produtos, das mercadorias.
Essas mudanças rápidas, tanto de mercado como na relação cliente/consumidor,
dão-se em todas as áreas, tendo em vista que as empresárias têm ramos diferenciados
quais sejam, comercial, industrial, agro-industrial, prestação de serviços em variados
setores: educação, buffeteria, farmacêutico, médico, hospitalar, academia, instituto de
beleza, contabilidade, automobilístico.
114
Portanto, as exigências do mercado e todos os acompanhamentos necessários se
dão em qualquer instância; do contrário, ficam desatualizados, desinformados,
incapazes de se manterem na competição pelo mercado. É um mercado cruel: ou se
aceitam as regras do jogo para ficar “dentro”, ter poder, ou do contrário, é jogado para
fora.
Sobre os impostos, a maioria (91,6%) das empresárias, exceto duas, colocaram
também a questão tributária como uma das maiores dificuldades. Sempre houve muitos
impostos, mas na opinião delas, a carga tributária hoje está mais pesada, o que torna o
lucro nimo. A questão trabalhista também foi citada e afirmaram que boa parte do
lucro foi achatado. Hoje, não se corrigem os preços como antes e também contratam-se
menos funcionários.
A matéria-prima ou os recursos necessários sobem de preço (energia,
combustível, farinha, peças de reposição), mas o preço do produto final não sobe. o
controle do “preço baixo” pelo concorrente.
Observa-se a necessidade do planejamento, a priorização de metas, o
acompanhamento e a capacitação constantes para não ser “pego” pelo mercado.
A referência à insatisfação, à insegurança das pessoas, à instabilidade da
economia está presente nos depoimentos. Mesmo perguntadas sobre qualquer assunto,
associam à resposta essas situações. Por isso, é um fator de semelhança entre as
empresárias.
Percebe-se nas colocações de três mulheres, uma contradição, porque, apesar de
serem independentes no nível econômico, “precisam” de companhia masculina para
suas viagens de negócios. Justificam que o homem mais segurança, principalmente
se o carro falhar na estrada. Por isso, o marido ou filho as acompanham. Afirmaram não
gostarem de viajar sozinhas, sendo até motivo para uma delas encerrar a profissão.
Podemos atribuir a necessidade da companhia masculina à insegurança, à
educação. Como não tiveram a liberdade como hoje têm os filhos de viajarem sozinhos,
a limitação da formação, dos valores, apresentam-se em determinados momentos.
E, nesses momentos, percebe-se a resistência” imposta, o não “permitir-se”, o
“controle” nos quais foram moldadas. Percebe-se o valor masculino como sinônimo de
fortaleza, segurança, capaz de resolver todos os problemas que porventura surgirem, ou
seja, está implícito nesses depoimentos, a fragilidade da mulher como construção, como
cultura produzida.
115
Auzônea: “... um problema para mim que foi sempre difícil, foi a razão porque
eu encerrei minhas atividades há oito anos atrás, é porque eu não viajo sozinha
(...) Se tiver um problema comigo ou qualquer coisa, então, eu ficaria muito
desprotegida (...) Então, eu sempre tive um acompanhante. Levava um filho.
Nunca viajei sozinha. Então, isso é um problema, porque na proporção em que
não dispunha a ir sozinha, a enfrentar sozinha o mercado, eu fui criando
barreiras para mim mesma (...) tomei a liberação de parar, sabe? Agora, eu
acho que isso é uma barreira também para a mulher. Hoje eu vejo muita
mulher viajando sozinha, indo sozinha... vai para aqui, vai para ali... Eu acho
que isso é um desgaste muito grande para a mulher.”
A contradição citada é pelo fato de que, mesmo sendo “mulheres autônomas”,
existem determinadas situações que elas mesmas dizem precisar da presença do homem
para maior segurança. Ou seja, ao mesmo tempo que são “independentes”, também não
o são.
Sendo uma exceção, uma mulher empresária apontou como dificuldade o fator
da idade. A fronteira entre dificuldade e/ou discriminação é muito tênue. Ao mesmo
tempo que se coloca como uma barreira, percebe-se também um toque de
discriminação.
Maria Almira: “... (dificuldade) Primeiro, a minha idade. Eu era muito nova,
tinha entre 18, 19 anos. Segundo, porque a loja havia passado por vários
donos e a coisa não tinha dado muito certo. Então, a primeira coisa foi
realmente a idade, porque eu era uma menina. surgiram as perguntas: de
onde ela veio? Como surgiu?’ Nós morávamos em Tiros, onde meu pai tem
família (...) Naquela época (1980) era uma coisa assim: ‘de quem ela é filha’?”
Conforme o depoimento, a questão da referência da pessoa, quem é essa pessoa,
ou seja, o nome, não deixa de ser um tipo de preconceito em relação à mulher “sem
nome”, quer seja da família ou do marido.
Maria Almira: “... (referência) ajuda. As portas se abrem com mais
facilidade. Se eu for filha de uma pessoa importante na sociedade, é
claro que as portas se abrem mais facilmente, isso no Brasil inteiro, no
mundo inteiro. (...) Então, isso é cultural. (...) mas a referência de ter
sido candidata (Rainha Nacional do Milho), eu acho que me ajudou
comercialmente.”
Mesmo depois de estar no comércio, o fato de ter aberto mais uma loja, levou
algumas pessoas a questionarem quem a tinha ajudado. Essa atitude foi ressaltada pela
entrevistada como preconceituosa.
Maria Almira: “Tive que ouvir muitas frases preconceituosas, como: ‘Quem
deu essa loja para a Maria Almira? Quem será?’ me arrumaram muitos
amantes, me dando atestado de incompetência, tipo: ela não é capaz’, como se
os homens fossem capazes de ter sucesso no mercado, nos seus negócios.
Vivi muito isso, vivo às vezes.”
116
A falta de credibilidade na capacidade da mulher presente na fala é um elemento
comum na fala da maioria das mulheres, cuja abordagem faremos a seguir.
2.2. Discriminação/Preconceito
“... quando eu cheguei, e à medida em que eu ia me auto-afirmando, eu ia
sendo discriminada. Muitos de meus colegas falavam que eu era muito mais
homem do que qualquer homem do hospital onde eu trabalhava. Quer dizer,
para ser competente, para ser dinâmica, você tem que vestir calça! Se você não
vestir calça, entendeu... tem alguma coisa errada. Quer dizer, eu tinha que ser
homem, eu era mais homem do que os homens.” Carlúcia Martins Augusto
Discriminação, preconceito, infelizmente, são pontos marcantes nos
depoimentos da maioria das mulheres empresárias. Na opinião de várias delas, quando
precisavam de “aconselhamento” no que se refere aos negócios, iam em busca de ajuda
dos homens, nos quais elas confiavam, e eles as ajudavam. Mas outra mulher, jamais!
Uma mulher não ajuda a outra.
Percebe-se, pelos depoimentos, um “endurecimento” pelo sofrimento na
construção da experiência. Transparece uma certa “mágoa” com as imposições da
realidade, da luta diária. Parece-nos mais “conselhos” tirados da vivência, precauções
com o já vivido.
Observamos que a recomposição
103
dessas lembranças, desde o início da
profissão até o momento, deixa-nos transparecer essa “sabedoria”, essa prática da luta,
de um “senso prático”, de um longo aprendizado. Por isso, dizemos ser sabedoria,
porque atribuímos a algumas passagens de alguns depoimentos, o status de conselhos
da vida prática vivida.
Rosângela: “Você vai ser por acaso (dona de loja) cinco anos, seis anos. E
depois? E esse mercado? É por isso que eu falo para você que é muito difícil. É
por isso que a gente acaba sendo ‘fura-bolo’ aprendendo na marra, no tapa. Aí
muita coisa é muito doída. Quando você volta para a praça e fala: ‘Nossa
Senhora, é tanta coisa que eu tenho que aprender!’ Bater de frente, perder
dinheiro que você poderia ter ganho... E a mulher é muito sozinha no
mercado de trabalho, eu acho. Eu acho que existem muito poucos homens ou
quase nenhum que falam isso para as mulheres: ‘O que está acontecendo?
103
THOMSPON, Alistair. Recompondo a memória... op. cit.
Cf.: BOSI, Eléa. Memória e sociedade: lembranças de velhos. op. cit.;
FERREIRA Rosa Maria. As águas e o tempo - Memórias de Nova Ponte”. Dissertação de Mestrado -
UFMG, 1996.
117
Deixa eu entrar na sua loja para ver o que é que está acontecendo.’
Principalmente o marido... Às vezes você tem um marido que é um bom dono de
uma loja, de uma empresa e ele é incapaz de entrar na sua loja e falar alguma
coisa para você. Nós somos muito sozinhas no mercado de trabalho. Sabe, é
uma solidão!”
A afirmação da entrevistada nos lembra Muraro que também afirma ser o mundo
competitivo uma solidão: “...quem decide está sempre só, porque o ato de decidir é o
mais solitário que existe.”
104
Gláucia: “Só sei que eu criei uma imagem de mulher perfeita, de mulher
poderosa, de mulher que consegue e que faz e resolve... E no fundo eu sou
apenas uma mulher, com todas as dúvidas de toda mulher, com todas as
inseguranças de toda mulher, do universo feminino, com a vontade que toda
mulher tem de passar a mão na cabeça, de ser acariciada, de dar atenção, de
ser compreendida, de ser amada... Então, assim, eu rompi com aquela máscara
de homem que eu pus em mim e resolvi ser mulher!”
Essa imagem masculina foi “construída” pela entrevistada para conseguir se
impor. Inclusive nos depoimentos da maioria das mulheres, a cultura, o pensamento que
“ronda” na sociedade, é de que as mulheres para serem capazes, vencerem e serem
competentes, devem ser como homem, agir como homem, ou seja, esconder a essência
da mulher, o feminino.
Leny: “Olha, a gente vai ficando mais dura de repente. Eu acho que a mulher
que sai para o mercado e vai para a luta, ela endurece um pouco, perde... a
feminilidade. Eu acho que você começa a ver as dificuldades das coisas e, sabe,
está muito difícil.”
Nessa perspectiva, o estabelecimento de uma identidade diante dos estereótipos
masculino/feminino permanecem na vida de muitas mulheres. Determinadas atitudes
como trabalhar, estudar, ousar num empreendimento, são consideradas do universo
masculino. Daí, uma pressão no sentido de masculinizar a aparência. “Isto traz
ambigüidades, dúvidas, negação.”
105
Para não fugir da norma, a mulher adota
mecanismos e estratégias para sua aceitação social.
Cita outra empresária, que não é permitido nem adoecer, porque senão a “outra”,
aproveita do “momento” para desfazer de sua imagem. Sempre tem que se mostrar e
parecer forte, saudável, dinâmica e alegre. A frase, “mulher não acredita em mulher”,
foi repetida várias vezes, o que significa que a discriminação e o preconceito não
existem só do homem em relação à mulher, mas da mulher para com a própria mulher.
104
MURARO, Rose Marie. Os seis meses em que fui homem. op. cit. p. 115
105
AFONSO Lúcia; VON SMIGAY, Karen. Enigma do Feminino, estigma das Mulheres. op. cit. p. 196.
118
A discriminação e o preconceito em relação à mulher como traiçoeira, pecadora,
inferior, mais fraca que o homem, faz parte do imaginário coletivo desde os mitos da
criação até hoje.
106
Integrantes da civilização patriarcal, ocidental, essa mentalidade foi
transposta pelos europeus no início da colonização para o Brasil
107
impondo-se
mediante justificativa sagrada, a “lei do mais forte”
108
. A discriminação da mulher pela
mulher e o não acreditar em si mesma, faz com que o preconceito continue presente na
cultura.
Neide: “(...) Acho que a mulher é impiedosa com as pessoas do mesmo sexo (...)
Muitas vezes a gente culpa o preconceito e a sociedade, mas está na gente. (...)
(A mulher) carrega, nasce com isso, se criou com isso. (...) eu enfrentei esse
tipo de preconceito. Às vezes você ia conversar com um gerente, e para
começar, ele não te recebia. Mas eu acho que isso está (...) na gente também,
de se achar ‘humilde’...”.
Observa-se pelo depoimento a questão da continuidade da cultura, da formação,
passada de geração em geração, a forma de pensar, da disciplinarização, da
normatização.
Maria de Fátima: “(...) nós, seres humanos, somos animais lingüísticos. Tudo
que nos somos, é porque alguém falou e nós aprendemos aquilo. E a mulher é
criada, a nossa geração... assim, invadida por preconceitos. O nosso cérebro
está tão bloqueado lingüisticamente, porque foi colocado na nossa cabeça que
‘a mulher não pode isso, não pode aquilo, a mulher não é capaz disso, isso é
feio... o que ele vai falar?’ E com isso, a própria mulher tem essa
dificuldade. (...) e do jeito que foi codificado, pode ser descodificado também,
não é? Acho que para uma pessoa se sair bem, primeiro ela tem que fazer essa
análise: ‘o que eu sou, qual é o meu conceito’?”
É clara a percepção da imposição e transmissão de uma cultura historicamente
construída, a representação e simbologia de uma ideologia no depoimento, pretendida
por um controle da mulher pelo poder dominante.
Conforme Afonso, “a identidade se processa ao longo da história do indivíduo,
referida à sua história particular e ao seu contexto social e histórico papéis,
grupos. A construção da identidade liga-se aos papéis sociais que a pessoa desempenha
(...) À medida em que vão se ‘tornando’ mulheres, durante o seu processo de
socialização, as meninas vivenciam uma ambigüidade em relação ao feminino. Ao
mesmo tempo sob uma pressão cultural (família, escola, amigos) para ser como
‘femininas’, as meninas experimentam, por variadas formas, uma denegação desse
106
SICUTERI, Roberto. Lilith. A lua negra. op. cit.
107
DEL PRIORE, Mary. Ao sul do corpo. Condição feminina, maternidades e mentalidades no Brasil-
Colônia. op. cit.
108
Cf. CHAUÍ, Marilena. Repressão sexual - Essa nossa (des)conhecida. op. cit. p. 76.
119
lugar (...) Não sendo uma mera ‘internacionalização de papéis’, a socialização é
conflituosa. A menina se relaciona com a norma social e esta lhe diz que ser mulher é
menos. A imagem que a menina constrói de si padece dessa dupla injunção: desejo e
medo de ser mulher.”
109
Dessa forma, de acordo com a autora, o dilema da feminilidade é o sinal básico
da vontade de querer ser independente e a pressão para o conformismo.
Percebem-se indicações, propostas de mudanças, de valores, de posturas e de
avanço dentro da continuidade dessa imagem da mulher como sendo “menos”.
Maria das Dores: “(...) As pessoas confundem muito sexo com o trabalho.
‘Porque eu tenho um sexo diferente, eu vou produzir menos num trabalho?’
Isso não existe. Então é isso que tem que mostrar para as mulheres todos os
dias: você pode, por que não?’ Todo mundo pode. E isso é um trabalho que a
gente sempre tem que estar fazendo, porque tem mulheres ainda que tem medo
de ir à luta, tem medo de se machucar. (...) Ela não confia na capacidade dela
(...) porque capaz ela é.”
A visualização das mulheres sobre a discriminação e o preconceito são claros
através das entrevistas. Reconhecem que existem, propõe a superação e denunciam
fraquezas, mazelas e sentimentos do dia-a-dia. Como inveja, ciúme, despeito, enfim,
uma mentalidade permeada por disputas, egoísmos. Observa-se que uma referência
sobre a mulher no sentido de que ela tem medo de se machucar e, talvez por isso, não
enfrenta o mercado.
Vários aspectos são abordados pelas mulheres dentro desse universo da
discriminação e preconceito. A aceitação no mercado ou não vai se misturando com as
concepções de valores, problemas pessoais e de “lugares sociais”.
Apontado ainda por muitas mulheres como motivo de resistência e preconceito o
fato delas serem “independentes” e na condição de solteiras.
Percebe-se um “medo”
110
e uma postura de defesa do homem em relação a elas.
Maria Almira: “É, eu acho que eles (homens), tem um certo receio dessa
Maria Almira, independente (...) Então, a pessoa, para estar ao meu lado,
tem que gostar e me dar essa liberdade. Por exemplo: a pessoa que nunca quer
me acompanhar, tem medo de mim, de sentir-se menos que os outros. Eu não
entendo essa relação. (...) Os namorados que tentam chegar, mas não têm
coragem para assumir ainda uma mulher independente. Esse preconceito existe
muito!”
109
AFONSO, Lúcia; VON SMIGAY, Karen. Enigma do feminino, estigma das mulheres. op. cit. p. 184-
5.
Cf. MURARO, Rose Marie. Os seis meses em que fui homem. op. cit.
110
Cf. MARGOLIES, Eva; GENEVIE, Louis. O Complexo de Sansão e Dalila. Por que alguns homens
temem as mulheres? Trad. de. Celso Nogueira. Rio de Janeiro : Globo, 1987.
120
Beatriz: “... alguns homens não aceitam que a mulher trabalhe fora ou tenha
posição de destaque na sociedade. tive dois noivos que pensavam assim. Por
isso, não me casei. (...) diziam que eu estava passando na frente deles, que eu
queria disputar o salário. E que eu deveria era ficar dentro de casa...”
Apesar das conquistas e avanços que a mulher tem feito na sociedade atual,
percebe-se muito claramente ainda a manifestação dos preconceitos, tabus e
recriminações por serem ativas, públicas, independentes.
Analisando as falas de alguns homens, pudemos perceber o quanto de
discriminação e rejeição em relação à mulher independente. Confessaram que têm medo
de levar um “fora”, porque dizem que a mulher independente pensa que pode “abrir
mão” do homem sempre que desejar. Reclamaram da forma agressiva e autoritária que
algumas mulheres assumem, masculinizando-se e confundindo auto-suficiência com
arrogância.
Um outro revelou que algumas mulheres levam a competição tão a sério, que se
tornam rivais e essa rivalidade se torna um obstáculo. A independência em ter um filho
antes do casamento, às vezes, proposto por algumas, assusta alguns homens, ou seja,
ainda têm medo desse “avanço” e acham que é passar dos limites. Um outro revelou que
não gosta mesmo que a mulher ganhe um salário maior que o dele, porque isso poderá
ser motivo para ser jogado na cara dele. Outro revelou que algumas mulheres
confundem independência com excesso de iniciativa na hora da “paquera” e que alguns
homens, como ele, gostam do velho costume de tentar conquistar a mulher, de seduzir.
Por isso, essas mulheres não estão deixando esse espaço para a sedução. Reclamaram
também, da inversão de valores, dizendo que a mulher independente acaba com a auto-
estima do homem, por acabar com o espaço para que ele seja o homem do casal,
confundindo divisão com comando.
Portanto, de uma forma geral, os homens não aceitam a mulher independente.
Confundem, claramente, a independência da mulher com o poder do mando, com perda
da feminilidade, como se as mulheres independentes fossem masculinizadas. Nota-se,
também, a não-aceitação do salário da mulher ser superior ao do homem, como também
a sua insegurança frente à mudança dos valores, quando um deles cita: “não deixam
espaço para ele ser o homem do casal.” Nesta afirmação, ele reclama o poder da
dominação pelo homem sobre a mulher. Na fala de outro, a independência da mulher
lhe é tão aterradora, que se vê apenas como um objeto para exibição púbica. Será que as
mulheres já conseguiram tanto? Inverter o papel de objeto-sexual que elas sempre
tiveram na cabeça dos homens? Alguma coisa está acontecendo, sim! Por isso, um
121
movimento de permanência e mudança; de ruptura e continuidade. um
conservadorismo e uma transformação ao mesmo tempo. O fato das respostas e
declarações serem, em sua maioria, de resistência e medo, conseqüências de uma
pergunta sobre algo que está acontecendo, ou seja, de se referir à mulher independente,
significa que há algo em mudança; significa que, se não todas, mas pelo menos algumas
mulheres estão mudando a sua postura, determinada e limitada muitos séculos pelos
homens.
Teresa: “(...) Num relacionamento, quando a mulher se sobressai mais do que
o homem, existe realmente um ciúme dele. (...) Se a mulher não souber levar,
valorizar o trabalho dele, e ele sentir que ela está muito superior a ele, isso
atrapalha demais o relacionamento (...) Ele sempre quer estar superior ao
trabalho que ela realiza. (...) tenho amigas que passaram por isso, elas se
sobressaíram mais profissionalmente, e o homem não teve estrutura para
segurar. (...) quando a mulher é muito dinâmica, se sobressai, e se o homem é
muito pacato, não tenta progredir, isso destrói o relacionamento. (...) ele se
sentiu inferiorizado perante ela... e aí foi até o fim do casamento.”
Neusa: “(...) A nova geração tem que trabalhar com esse machismo aí, existe
muito machismo no mundo. (...) acredito que hoje ainda, homem algum gosta
que a mulher se sobressaia mais do que ele. (...) Gera conflito. Isso é taxativo.”
Dessa forma, a resistência enfrentada pelas mulheres no espaço público,
principalmente nas áreas das profissões dadas como “masculinas”, ao ingressarem no
campo médico, de advocacia, farmacêutico, supermercado, automobilístico, agro-
industrial e outros e a forma preconceituosa com que a mulher é, ainda hoje, percebida,
tem origem nessa construção cultural sexista, capaz de amalgamar a conveniência da
subjugação feminina pelo masculino.
Dizemos então, pelos depoimentos dos homens e das mulheres, quando se
referem à resistência, discriminação/preconceito ainda existentes e a tentativa de
“arrombamento” dessa mentalidade, que existe uma coexistência entre o velho e o novo,
ou seja, temos forças de conservação e percebem-se forças de transformação.
Carlúcia: “Quando caí no mercado de trabalho... mesmo aqui em
Patos, quando eu vim para trabalhar, eles começaram a estranhar porque eu
vim, com a garra toda, comecei a fazer plantão, a lutar pelo meu espaço, tentar
crescer como profissional, independente de ser filha de A ou B, ou de ser
casada também com A ou B... Eu queria o meu espaço. que eu sofri muito.
(...)E mesmo as mulheres, as mulheres me olhavam, assim... de uma certa forma
(...) as mulheres dos colegas, elas ficavam com ciúme porque eu era uma
mulher independente, peituda’, porque eu ia à luta, porque eu dava plantão
com eles de madrugada... até a hora que acabasse a cirurgia, entendeu? Ficava
um monte de coisas ‘entre aspas’... Até que eu mostrei o meu caráter e minha
qualidade para elas... Hoje, todas elas confiam em mim, gostam de mim, mas
assim, até que eu coloquei para elas que a vida não era isso, eu tive que provar
meu caráter, minha formação.”
122
A entrevistada começou a trabalhar em 1982. Pelo seu depoimento, o fato de ser
independente assustou homens e mulheres e foi discriminada num espaço masculino
(médico), mas contudo, lutou, forçou e conseguiu se impor.
Chamamos a atenção para o fato de, além de provar a qualidade de seu trabalho,
sua competência, teve que provar seu caráter, ou seja, a sua moral, sua postura que, a
nosso ver, é a maior cobrança às mulheres.
Ainda citado por algumas mulheres como discriminação, foi o fato de viajarem
sozinhas para fazerem seus negócios. No imaginário dos homens e mulheres, uma
mulher sozinha pressupõe estar à procura de relacionamento, estar disponível.
A situação é, a nosso ver, injusta, porque a mulher tem que “esconder” que é
mulher e mostrar apenas “a profissional”, ou seja, uma outra identidade. Ainda é
necessário uma grande defesa pelas mulheres, para a aceitação da condição de mulher
sozinha.
Fátima Prado: “A mulher sozinha sofre preconceitos. A mulher sozinha no
restaurante... é ela andando... Dentro da empresa eu não sinto. Eu sinto assim,
quem não me conhece (...) ‘Quem é aquela mulher?’ Depois que fala que é a
dona, o olhar muda; entendeu? Quando o homem localiza a mulher, o olhar
dele muda. O primeiro olhar é aquele olhar caçador (...) Passou pela mulher...
‘Nossa, mulher!’; feia ou bonita, é mulher. (...) Na rua, em restaurantes, na
estrada... o homem é caçador (...) é um olhar de questionamento, de cobrança.
(...) Então, à medida que você se comporta e tem uma postura o ambiente
acalma, não acontece mais nada (ele te larga). (...) realmente é uma
discriminação.”
A mulher ainda se sente como se fosse uma “presa”, uma “caça”. Não há ainda a
liberdade de ir e vir sem ser cobrada. Uma outra entrevistada colocou que as “cantadas”
acontecem. Infelizmente, por falta de respeito à mulher acrescentou que, em Patos de
Minas, talvez porque a cidade seja pequena e todo mundo conhece todo mundo, nunca
houve uma coisa desse tipo com ela, mas que existe, existe!
Cynthia: “... a vel externo, fora dos limites da cidade da gente, tipo limite de
berço, a coisa realmente muda de figura. Os homens não são tão agressivos,
nem tão machistas. Eles procuram... talvez porque a vida fora seja diferente
da vida aqui... eles procuram até dar uma certa ajuda. (...) Aqui em Patos sim.
(tem discriminação/preconceito). Tem. (Homens). E as mulheres também. Mas
eu acho que vale muito mais a gente usar a palavra ciúme, sabe? Alguma coisa
por aí. E, em relação aos homens, o machismo, porque a grande maioria ainda
acha que a mulher é propriedade deles. E eles é que têm que gerenciar a vida
delas. E é mais ou menos por . Mas eu tenho muitos amigos homens, amigos
meus e do Cristiano que dão a maior força, não só para mim como para as
próprias esposas deles. Agora, voltando, fora daqui de Patos, na cidade maior;
o que eu sinto, por exemplo, a nível de Nova Yorque, que é onde vou no mínimo
quatro vezes ao ano e sempre sozinha, é uma grande depreciação da mulher
123
brasileira. Aí, não chega nem ser da mulher de uma maneira geral. Mas eu
acredito que elas mesmas fizeram com que esse rótulo fosse imputado a elas.
Porque eu já vi com os meus próprios olhos mulheres se oferecendo para fazer
programas com gerentes de lojas onde elas estavam comprando e falando que
queriam se aproveitar da ausência dos companheiros para serem felizes, entre
aspas. Eu não entendo realmente o que seja isso. E quando você entra numa
loja que você vai comprar, que você se identifica como brasileira ou eles te
identificam como brasileira, logo, vem uma cantada, uma depreciação do
seu trabalho, sabe? Então, se você quer e exige uma determinada mercadoria,
eles querem te passar uma outra e junto com essa outra um aliso, um convite
para alguma coisa. Então, a mulher brasileira lá, não é muito levada a sério
como empresária. Junto com ela, parece que vai aquele rótulo de motel, cama,
farra...”
A discriminação, portanto, o preconceito não está confinado apenas no lugar
social da mulher empresária de Patos de Minas, mas extrapola seus limites, variando, é
certo, de intensidade. Existe também, conforme o exposto em nível internacional, uma
discriminação dupla: por ser mulher e por ser brasileira. A condição da mulher, como
uma discriminada no exterior, também é revelada no seguinte depoimento:
Gláucia: “... eu trabalhei dentro do setor internacional (empresa americana) e
tinha um chefe americana. E a coisa pegou fogo porque essa mulher teve
muito ciúme de mim, e foi muito difícil a minha trajetória com ela (...)
Realmente foi uma perseguição e foi muito difícil para mim. E foi ciúme mesmo
da mulher, ciúme de mulher americana com mulher brasileira. Eu acho que ela
não conseguiu lidar muito bem com isso. (...) Eu acho que ela não concordava
com o meu jeito de ser. De uma certa forma, por eu ser brasileira, com o jeito
brasileiro de ser, muito alegre, o jeito nosso de ser, ela confundia isso com uma
questão mais sexual. Ela achava que o meu jeito de tratar os homens era um
jeito muito esquisito. Então ela levava para um lado muito estranho, e que era
apenas o meu jeito de lidar com as pessoas num nível que até hoje é assim.
Então, eu acho que ela não conseguiu lidar comigo, ela levava sempre a coisa
para o lado da maldade, e isso foi trazendo para ela um tormento. (...) eu não
senti ciúme de homem em relação a mim. Nunca tive problema (...) nunca levei
uma cantada. O que me deu problema foi a mulher. (...) não tenho dúvidas
quanto a isso (preconceito), inclusive eu não era considerada branca. Chegou
ao ponto de uma das colegas de trabalho comentar: ‘Mas é interessante você
ter essas feições tão finas’. E eu falei: Interessante, por que? E ela: ‘Porque
você não é branca’. E eu estava como ‘leite’, porque não tinha sol, era
aquele inverno danado, e para ela eu não era branca.”
O problema do preconceito/discriminação acontece tanto na cidade de Patos de
Minas, como em outras cidades brasileiras também e no exterior.
No conjunto das mulheres empresárias, apenas quatro disseram não ter
enfrentado discriminação e preconceito no trabalho, por ser suas áreas dadas como
“mais feminina”, mais aceitas pela sociedade, como por exemplo: academia, buffet,
boutique, educação. Não significa com isso, que não concordem que exista o
preconceito na sociedade, em outras áreas e situações.
124
Mas há uma exceção. Uma delas disse nunca ter sentido nenhuma discriminação.
Perguntada sobre alguma situação ou atitude discriminatória e/ou preconceituosa em
relação à sua pessoa, por ser independente, viajar sozinha tanto pelo Brasil, como pelo
exterior, respondeu:
Terezinha: “Não, jamais! Para você ter uma idéia, eu fui a segunda mulher a
dirigir (...)motorista aqui em Patos. A primeira foi a Célia Piau. Eu dirigia
tranqüilamente para todo lado nas rodovias, nas estradas... Eu conheci o Brasil
inteiro de carro, sempre acompanhada de algumas companheiras de viagem.
Então, eu nunca tive. (...) Toda vida fui muito liberada.”
É válido sublinhar como a entrevistada se coloca como “liberada” desde cedo.
Na opinião das mulheres, a postura, a conduta, o impor-se influi muito na aceitação da
independência e no enfrentamento da discriminação.
2.3. Mulheres no Lar: Relações com Filhos e Maridos
“... Trabalhamos (com marido) juntos por 30 anos... (filhos) eles até se
orgulhavam, se orgulham sempre do meu trabalho... eles me falaram
atualmente que eu já preciso trabalhar menos, mas eu percebo isso neles como
carinho, já pela minha idade”. Dágma Caixeta Piau Vieira
Ao compararmos as respostas nas relações com filhos e maridos, percebem-se
contradições e ambigüidades. Apesar de se considerarem “mulheres independentes”, a
maioria delas (58,3%) cedeu ao homem o “papel” de “chefe”. Apesar da luta, do
trabalho fora e em casa, a maioria das mulheres entrevistadas vê o homem no “papel” de
maior “status” dentro de uma hierarquia, portanto, um modelo ainda conservador. A
representação da família é vista pela maioria com o pai no centro, continuando a
autoridade paterna, ou seja, o pátrio poder.
111
111
O pátrio poder é exercido preponderantemente pelo marido, quando é ele que impõe sua vontade em
caso de divergências sobre questões essenciais da vida educação dos filhos, como, por exemplo, a escolha
da religião ou o consentimento para casar. A expressão pátrio poder é visceralmente ligada às suas
origens romanas, porém a evolução do direito e dos costumes foi diminuindo os poderes e aumentando os
deveres, tornando a expressão obsoleta. Nos tempos modernos a evolução das legislações também passou
a configurar o papel do Estado na proteção das gerações novas. Sílvio Rodrigues esclarece que o pátrio
poder é hoje uma obrigação pública, imposta pelo Estado aos pais para que estes zelem pelo futuro de
seus filhos. É mais uma função do que um poder. Pela legislação anterior ao Estatuto da Mulher, embora
tivesse o marido e a mulher como titulares, o exercício do pátrio poder era sucessivo, isto é, a mulher
era chamada a exercê-lo na falta ou impedimento do marido. O Estatuto conferiu o poder aos njuges
simultaneamente e permitiu o recursos judicial à mulher em caso de divergência. (VERUCCI, Flousa. Um
novo estatuto civil para a mulher. In.: A condição feminina. São Paulo: rtice, Ed. Revista dos
Tribunais, 1988. - Enciclopédia Aberta de Ciências Sociais; 4).
125
Dessa forma, dentro da sociedade, dita por muitas “sociedade machista”, o
homem tem o papel social de “mando”, de “provedor” da família, ou seja, o “cabeça” do
casal para muitas mulheres.
Ressalta-se que não há homogeneidade nesse aspecto, porque cinco mulheres
afirmaram ter um relacionamento igualitário. Uma delas é diferente de todas ao afirmar
que, em casa, a decisão maior cabe à ela.
Em relação aos filhos, a maioria tem o apoio e incentivo para o trabalho, mas ao
mesmo tempo oito delas disseram ser “cobradas” pelos filhos pela falta da presença, na
atenção, nas datas importantes, como formatura e aniversários, no levar e buscar à
escola, reuniões de pais, horários. A maior parte do motivo da cobrança se refere à
presença em casa.
Maria de Fátima: “Os meus filhos também me cobram, assim, a atenção: Ah,
a mãe de fulano de tal vai com eles não sei aonde, leva na escola, vai em tal
lugar...’ Eu não posso, não tenho tempo para isso. Então eles tem que se virar.
E até mesmo assim, hoje depois deles adultos, eles estão sempre falando...
quando eu faço algum comentário sobre a vida deles infantil: ‘Mãe, você sabe
isso por acaso? Você nunca ficava em casa, você estava sempre dentro das
farmácias! Como você sabe que eu fazia isso?’ Então, eu tive que abrir mão de
algumas coisas, às vezes até de viver uma passagem com eles eu me lembro
bem, quando a minha menina caçula tirou a oitava série, eu estava em um
congresso em São Paulo. Ela tirou a oitava série no dia do aniversário dela. E
eu não estava presente. Ela, lógico, entende que a gente está trabalhando, tem
um outro... que é o retorno financeiro, mas isso não deixa de marcar um pouco
e a gente fica pensando: ‘Gente, eu não participei disso, e isso é uma coisa que
passou e que nunca mais vai passar. Mas...”
Observa-se que a mulher não “separa” os serviços do lar, sua função de mãe e
geradora com as atividades fora de casa. Cumpria as duas funções ao mesmo tempo:
Marisa: “Meus meninos me cobram muito, que eu não tenho tempo para eles.
Isso sempre eu fui cobrada, mas da parte dos meus filhos, inclusive, quando
o pequenininho, quando eu ganhei ele, eles o levaram para mamar em mim,
para você ter uma idéia, eu não tinha tempo nem de vir em casa! Eu levava o
menino para mamar porque naquela época eu fazia decoração de ambientes,
para festas. Então, eles tinham que andar atrás de mim (risos...) Então, até hoje
meus meninos cobram muito, nossa senhora! O Gabriel então... ‘É, porque
você não gosta da gente’.”
Bruschini, observa que o trabalho da mulher tem um aspecto crucial em qualquer
análise: “... é o da sua posição na divisão social e sexual do trabalho, prioritariamente
definida a partir de suas funções biológicas, o que a condiciona, de um lado, à
126
execução de uma série de afazeres indispensáveis para a casa e a família, de outro a
ocupar principalmente posições subalternas na hierarquia produtiva.”
112
Assim, o trabalho da mulher existe em toda parte: nas compras para a comida e
preparo desta, arrumação da casa, roupas, organização e administração da casa, na
educação e formação dos filhos e várias outras atividades. É a partir desse movimento
duplo, de acordo com a autora, que se entende a composição da força de trabalho
feminina, seus deslocamentos e re-acomodações.
Sobre as relações com os filhos no que se refere às atitudes e aos
comportamentos, são mais abertas, mais francas e de amizade em todas as famílias. Não
significa que não haja momentos de desavenças, principalmente devido às questões da
educação, dos limites de horários, saídas para passeio, namorados (as), más companhias
e outros exemplos citados pelas mães.
Mírian: “... eu acho que no tempo (atual), essa diferença de geração tende a
ficar mais amena. Hoje está muito mais amena. Eu certamente, daqui a dois,
três anos, vou chegar para a minha filha (ainda nova) e falar: ‘Está aqui o
anticoncepcional...’ Eu não quero que ela tenha uma gravidez que seja
indesejada. Eu vou estar abrindo essa possibilidade para ela, porque infeliz da
pessoa que entenda que hoje a filha vai casar virgem, isso não se usa mais!
Hoje a possibilidade é remota. (...) Houve uma reviravolta muito grande, não
é? (...) E eu quero muito que ela seja minha amiga, apesar que eu falei:
'Filha, sua melhor amiga é sua mãe’. E ela falou: ‘Não, minha maior amiga é a
Aline. Você é minha mãe!’ Então, existe essa resistência e isso é próprio da
adolescência. Eu quero estar partilhando com ela de tudo. Eu sei que ela vai
errar muitas vezes, vai cair muitas vezes...E isso acho que é a vida. Mas eu
quero estar pelo menos do lado para poder ampará-la, e quero estar tentando
caminhar com ela. É difícil, mas acho que a gente tem que encarar isso com
naturalidade (...) eu não quero fechar os olhos a essa questão (sexo,
sexualidade) como a minha mãe fechou, porque, na verdade, existiu da mesma
forma e ela fechou os olhos. Eu quero estar bem consciente (...).”
A maioria das mulheres concorda que os filhos de hoje têm mais liberdade para
conversar com os pais, de dialogar, de perguntar sobre qualquer assunto. Também
revelaram que tentam responder a todas as dúvidas e perguntas dos filhos para uma
orientação correta, diferente daquela que seus pais deram, omitindo, inclusive, o próprio
diálogo e abertura para tal.
Principalmente, a questão da informação sobre sexo, corpo, sexualidade, prazer.
A maioria considera que a mudança nesse ponto foi radical em relação ao que era nas
décadas anteriores. Foi um grande avanço, na opinião delas. Umas confessaram
conversar com “naturalidade”, não sendo difícil tocar nesse assunto, outras com mais
112
BRUSCHINI, Maria Cristina. Mulher e trabalho: uma avaliação da década da mulher - 1975 -1985.
In.: CARVALHO, Nanci Valadares. A condição feminina. op. cit. p. 124-125.
127
dificuldades, devido ainda a uma certa barreira em sua própria formação. Contudo, a
maioria aborda e fala sobre a educação sexual com os filhos.
Marli: “Muitas vezes, eu era muito imatura... Falar a gente fala, inclusive o pai
deles é até muito aberto, ele fala abertamente sobre as coisas... dialoga, assim,
abertamente mesmo, sabe, sem restrição, sem nada mesmo. Tanto com as
mulheres, como com os meninos.”
É unânime a opinião das mulheres em considerar que o relacionamento com os
filhos de hoje mudou para um relacionamento mais liberal, mais aberto, devido à uma
educação também mais liberal, bem diferente daquela que receberam de seus próprios
pais. Não deixamos de perceber uma certa contradição sobre essa “liberalidade” nos
depoimentos das mulheres, citados no item anterior, porque ao mesmo tempo que têm
como positivo os filhos terem uma independência mais cedo, a quebra de certos
preconceitos e tabus, reclamam que também, uma “liberdade excessiva” que as
“assustam” no comportamento dos filhos. Como o namoro mais cedo, o “ficar”, o
respeito aos pais, a questão dos valores morais.
Sobre o pai, percebe-se que não há um relacionamento autoritário, de imposição,
apesar de muitas mulheres afirmarem que dentro de casa o “chefe” é o pai. Esse “chefe”
se evidencia na relação nos momentos de decisões, onde a última palavra é a dele. Não é
no sentido do pai autoritário, que não conversa, que não se relaciona, que não é amigo.
As outras, então, dividem com os maridos as responsabilidades no controle dos filhos e
nas decisões.
No depoimento de uma entrevistada, cuja opinião é de que o homem é o “chefe”
da casa, mas com um relacionamento muito aberto e amigo, diz:
Mírian: “... o Tito (marido) também, e é até muito melhor do que eu para estar
conversando isso com ela (filha), ele é muito maduro para esse tipo de
conversa... a formação dele é muito aberta. E eu acho que isso ajuda bastante.”
Na relação com os maridos, observam-se diferenças e contradições. Não um
“discurso unânime”. Tanto tem relacionamentos mais tranqüilos, mais acomodados,
como também relacionamentos conflitivos, competitivos e ciúmes quando a mulher
sobressai mais ou ganha mais do que o marido.
Percebem-se também, diferenças nas divisões conjugais: o “segregado” e o
“conjunto”. Segundo Bruschini
113
, o segregado é o relacionamento onde marido e
mulher têm “papéis” diferenciados, separados e definidos; o relacionamento conjunto é
113
BRUSCHINI, Maria Cristina Aranha. Mulher, casa e família. op. cit. p. 181.
128
aquele onde os “papéis” conjugais quase não têm diferenciação nas tarefas, onde as
decisões são compartilhadas, tomadas em conjunto.
A maioria das famílias encaixa-se no segregado, onde a decisão final é relegada
ao pai:
Dalci: “A palavra final aí se torna dele, porque se depois acontecer o errado...
Então eu falo com os meninos: ‘Eu nunca que decido sozinha, porque se
acontecer o errado, eu não sou culpada sozinha. Então, você está indo porque
o seu pai também deixou’. Agora se ele falar: ‘Não deixo, acabou. Não vai!...’
eu também não vou questionar com ele o porque ele não deixa. Eu aceito a
opinião dele.”
Rosângela: “Eu sabia exatamente o papel do homem e o papel da mulher. ele
não me foi imposto por minha mãe, mas eu sempre soube que o papel do
homem era ganhar dinheiro. Porque eu ainda acho... acho que a mulher está no
mercado de trabalho, mas hoje, por todas as dificuldades financeiras que eu vi
as pessoas passarem plano Sarney, eu vi Collor, eu vi todo mundo tudo isso, eu
acho que o homem ainda é o esteio da casa. (...) Acho que a mulher que não faz
isso é muito burra. Com tudo isso que eu aprendi, você acredita?”
Observa-se a presença de uma hierarquia nas famílias, a divisão social e de
trabalho entre os cônjuges na estrutura familiar que ainda se apresenta assimétrica, cujo
“papel” do homem é ganhar o sustento da família, ser o “provedor” da casa. De acordo
com Velho
114
, a sociedade brasileira apresenta uma hierarquia que tem um “papel”
fundamental, onde cada um deve estar em “seu lugar”. Apesar das transformações
pelas quais as relações entre pais e filhos, e entre os cônjuges estejam passando, as
relações assimétricas ainda persistem, sendo generalidade nas famílias. Mas também
não significa que nessa transição não tenha campo livre que faça surgir convívios
diferenciados ou a emergência de novos padrões de relacionamento entre cônjuges e
filhos.
Devido a essa cultura, a própria transmissão e os valores, independente de
vontades, ainda persistem e são repassados aos filhos.
Remetemo-nos a Chauí, quando explica-nos a emergência de idéias e
instituições que constituíam o “machismo”. Nesse caminho a autora nos apresenta
várias hipóteses para compreendê-lo:
“... em primeiro lugar, a repetição, no interior da casa, do que se passa na
sociedade e na política como um todo, isto é, a privatização e pessoalização das formas
114
VELHO, Gilberto. Individualismo e cultura: antropologia da sociedade contemporânea. Rio de
Janeiro: Zahar, 1981.
129
de autoridade; em segundo lugar, também a reiteração do mecanismo cio-político de
transformação da assimetria (no caso homem-mulher, pais-filhos, irmão-irmã) em
hierarquia, a diferença sendo simbolizada pelo mando e pela obediência; em terceiro
lugar, a compensação pela falta de poder real no plano sócio-político, o machismo
funcionando como racionalização, assim como a feminilidade (“atrás de todo grande
homem, sempre uma mulher”), indicando que um poder ou autoridade femininos
que se exercem sob a condição de serem dissimulados e ocultados pela obediência e
recato (...) em quarto lugar, porque, uma vez interiorizado, surge na forma da
expectativa e da atitude desejada por homens e mulheres.”
115
De acordo com a autora, muitos exemplos poderiam ser citados para a percepção
dessa interiorização do machismo: crítica e ridicularização às mulheres quando
arrumam parceiros mais novos e elogio aos homens pelas parceiras mais novas.
Um fato curioso, a nosso ver, foi o papel de “chefe” da casa ter sido
“consentido” por algumas mulheres, apesar de serem independentes. Percebe-se uma
grande contradição nesses posicionamentos, porque ao mesmo tempo que desejam
“igualdade”, liberdade e independência, não querem sair da condição de submissão, ou
seja, desejam que na divisão social, o homem seja o “chefe”.
Mírian: “... (chefe) Ele. (...) Apesar de que no ponto de vista financeiro, não é.
Não é de forma alguma. (...) (Devido ao machismo, conflito, preconceito
ainda). ... muito forte... E eu não quero ter problema com ele. Eu prefiro passar
por cima... (...) (senão) aí vai distanciando.”
A entrevistada, para não criar conflito entre ela e o marido “dá” ao homem o
“status” de chefe. A mulher permite esse lugar “ainda” porque ela assim o deseja, assim
admite. A mesma postura vimos em quatro mulheres que ressaltaram, claramente, que
a mulher “deve deixar que o homem pense que ele é o chefe” para não acabar com o
relacionamento, ou seja, não desejam “alterar” a estrutura.
uma exceção no relacionamento segregado, no qual a maioria dos casos cabe
ao pai o poder de decisão. Nesse caso, é a mãe que toma as decisões e tem a palavra
final:
Marisa: “... eu acho que a última palavra mesmo (...) os meninos dizem que sou
eu que mando: ‘A última palavra é a sua mesmo...’ (meus filhos) falam
assim.”
Em outros casos, quanto ao comportamento do marido em relação ao fato delas
trabalharem fora de casa, ou seja, se eles concordaram e/ou concordam, as posições
foram pouco diferentes. Apenas quatro responderam que no início tiveram resistência
115
CHAUÍ, Marilena. Repressão sexual. Essa nossa (des)conhecida. op. cit. p. 227-228.
130
do marido para não trabalharem. Mas, depois de um tempo, acabaram aceitando e, hoje,
dão apoio e incentivo. As demais, dezesseis mulheres que se casaram, afirmaram terem
tido o apoio, incentivo e aprovação do marido desde o início do trabalho.
Apesar do apoio ao trabalho, duas afirmaram que são cobradas pelo marido no
que se refere à presença em casa, horários e atenção aos filhos. É uma posição
contraditória, porque ao mesmo tempo que apoio, incentivo e orgulho pelo trabalho
da mulher, cobram sua falta em casa.
Lúcia: “Nessa parte, às vezes de dar atenção para os filhos ele cobra. Agora,
serviço de casa, não. Em casa eu não faço almoço (...) Ele aque não cobra
não, ele não liga para isso, ele liga mais para essa parte da criação dos filhos,
ele acha que eu teria que me envolver mais com eles.”
Maria de Fátima: “O meu marido entende que eu trabalho porque eu gosto e
que eu preciso também trabalhar... Então a cobrança dele é porque eu chego
em casa onze horas, meia noite. Então, esse convívio familiar, se a gente não
parar e por tempo em tudo, você acaba não tendo uma vida familiar. Então eu
acho que a mulher empresária tem que ter muito cuidado com isso, porque ela
acaba matando uma parte para se dedicar.”
Incoerente e única, é a situação de uma empresária que teve e tem o apoio total
do marido no trabalho, mas é controlada e limitada por ele. É uma ambigüidade, porque
ao mesmo tempo que é uma mulher empresária independente nas suas tomadas de
decisões dentro do seu trabalho, é “dependente” do marido fora desse espaço, não
agindo mais como uma mulher de decisão fora de seu escritório”. Reconhece a
situação “contraditória e ambígua” que vive.
Dalci: “Não sou, não sou independente. Eu tenho a minha independência
dentro do meu escritório: eu contrato motorista, eu contrato gerente, eu
contrato a funcionária, mas só ali dentro do escritório. Eu saí dali (...) eu acho
que não...”
Curioso é que o marido não a deixou ser professora porque tinha que sair de
casa, era obrigada a ficar fora algumas horas e os filhos poderiam precisar da sua ajuda
e do seu atendimento como mãe. No seu escritório, não. Ela poderia sair quando
precisasse, atender e ajudar os filhos, ou seja, o escritório é um espaço prolongado da
casa. Por isso, o marido aceita que ela trabalhe. O escritório, estrategicamente, fica em
frente à casa. Todo o trabalho com os clientes é feito por telefone.
Dalci: “(Ser professora) Eu nunca entendi (nunca deixou)... no mercado de gás
eu fui trabalhar com ele dentro do supermercado. Então eu estou sempre
fechada dentro do escritório (...) eu trabalho aqui no gás, mas eu estou em
frente à minha casa (...) Eu estou dentro de quatro paredes... (converso) só por
telefone (...) não conheço meus clientes.”
131
A situação é favorável ao homem que, ao permitir que a esposa trabalhe, ela
poderá fazê-lo em seu espaço ou seja, do marido, cujo espaço é também, uma extensão
da própria casa. Ao perguntar a entrevistada se era por ciúme, ela respondeu que o
marido diz que não. Mas, colocados todos os pontos e outros como: não viaja sozinha
jamais, devendo estar sempre acompanhada do marido e/ou dos filhos, evidencia-se
todo um “arranjo” para um “controle” e vigilância. Situação essa, que a própria
entrevistada disse gostar muito, adorar o trabalho e não se importar com esses
“cuidados”.
De vinte mulheres que se casaram, oito delas revelaram existir esses impasses no
relacionamento. Duas afirmaram que, devido ao clima de competitividade, perderam o
casamento, sendo que uma delas masculinizou-se. Uma outra, atribuiu à competição e
ao salário mais alto, como um dos fatores da causa da separação.
Gláucia: “Eu acho que essa questão de eu ter sido muito ‘masculina’ na minha
relação profissional, porque eu sempre fui muito masculina, ame chamavam
de ‘mulher de ferro’, dura, tive impasses terríveis com as pessoas e eu não
deixava barato... Eu sempre fui muito de bater a mão na mesa e ter que
resolver tudo, e eu acho que isso prejudicou muito... (...) prejudicou o meu
casamento no sentido de que... eu acho que eu não sabia sair da identidade de
‘mulher de ferro’. Então, de alguma forma, eu fiquei muito para fora de casa,
eu trabalhava de manhã, de tarde e de noite, eu tive filhos, logo depois, eu tinha
que dividir meu tempo com meu marido, com meu filho e com meu trabalho... E
eu acho que de certa forma, eu falo que eu faço a apologia à atenção: tanto o
Bené, quanto eu, esquecemos da atenção que um tem que dar ao outro; e eu
muito para fora (...) quando eu percebi que estava ficando mais tranqüila
(provando que era capaz), que eu estava diminuindo as minhas atividades,
nosso casamento parece que já não funcionava mais (...) Por querer sobressair,
ir lá fora, de mostrar que eu era capaz, que eu era competente (...) até para
mostrar para a galera masculina que (a mulher) dá conta, e aí ela vai deixando
o que é do feminino, o que é parte dela dentro do casamento (que foi meu caso),
e que foi ‘degringolando’ e eu nem percebi. (...) quando eu vi e olhei: onde es
meu casamento?”
O fato de se ver apenas “para fora”, ou seja para o “espaço público” e, ao referir-
se a isso como uma punição, lembra-nos a ideologia, a universalidade e a persistência de
uma divisão sexual do trabalho. Conforme Bruschini, os estudos sobre a condição
feminina tem avançado no que diz respeito “à percepção das causas do lugar
subordinado ocupado pelas mulheres na divisão sexual do trabalho e à necessidade de
buscar sua superação na intercecção dos espaços produtivo e reprodutivo.”
116
116
BRUSCHINI, Maria Cristina. Mulher, casa e família. op. cit. p. 107.
132
Apesar dos avanços nesta área, percebe-se uma cobrança da mulher, uma
imposição a ela mesma para dar conta de todo o espaço privado, da “parte da mulher”,
como foi citado pela entrevistada.
Ao se referir à sua “masculinização”, em detrimento de sua “feminilidade”,
hoje também vários debates acerca desse tema, enfatizando as “características
femininas” como essenciais no mercado de trabalho. Coloca-se ao mesmo tempo que,
para ser profissional, não pode-se pensar em “imitar ou achar” que é igual do homem,
porque incorre-se na “mimetização masculina”. O que, aliás, é um perigo, porque seria
anular a diferença e continuar na mesma cultura machista, com uma educação sexista.
117
Num clima de competição, a declaração abaixo revela detalhes na dimensão do
poder:
Carlúcia: “... a gente entrou na luta juntos, e na verdade, os direitos são iguais.
Logo que a gente começou a trabalhar, ele achava que era tudo igual, que eu
podia ir à luta, que eu podia fazer plantão... me estabelecer. Mas o problema
maior acontece quando a mulher, ela... passa a receber mais do que o homem,
receber um salário maior do que o do homem... Ele tem dificuldade de aceitar
isso. (...) No fundo, no fundo, ele o aceitava, e criou-se um clima competitivo
entre nós. E talvez esse seja um ponto... a gente ter perdido o matrimônio...
porque muitas vezes ele falava assim” Deixa o povo pensar... (que ele
ganhasse mais) que prove a casa toda’, que ele é o provedor todo... entendeu?
Como eu também estava crescendo, não tinha maturidade suficiente para
perceber que tinha que fazer de conta, e eu não dava conta de fazer de conta.”
Nota-se a percepção clara da luta dos direitos de igualdade na relação. A
situação dessa entrevistada se assemelha às outras que ganham mais do que o marido.
Uma delas, inclusive, citada, mesmo ganhando mais, admite o marido ser o “chefe”
para não gerar conflitos.
A diferença é que ela mesma citou: pela imaturidade, não percebeu que “tinha de
fazer de conta”, “não deu conta de fazer de conta”. Ou seja, evidencia-se também neste
depoimento que a mulher, para ter um bom relacionamento, precisa deixar que o
homem pense que ele é o “provedor”, o homem da casa. É importante essa “imagem”,
essa simbologia, essa representação para o homem perante a sociedade.
Nota-se esse “papel” sendo questionado na hierarquia, a assimetria sendo
atacada. Nesse caso, por exemplo, essa “afronta” a essa estrutura hierárquica,
tradicional, foi fator de desestruturação entre os cônjuges.
117
Cf. MURARO Rose Marie. Os seis meses em que fui homem. op. cit.;
KARTCHEVSKY, Andrée et. al. O sexo do trabalho. Trad. de Sueli Tomazini Carsal. Rio de Janeiro:
Paz e Terra, 1986;
WHITAKER, Dulce. Mulher e homem. O mito da desigualdade. 10 ed., São Paulo: Moderna, 1988.
133
Além desses impasses, outros surgem na seqüência do depoimento:
Carlúcia: “... (ganhar mais) fazia com que ele (marido) se retraísse e se
sentisse menos capaz, ele ficava mais insatisfeito. E começou a me cobrar
mais dentro do lar. (...) Ele quis me ‘podar’ na verdade, porque eu deslanchei e
ele sentiu (dificuldade) à isso, e eu não (tinha maturidade) para perceber que
isso era um fator difícil para ele, (...) porque eu estava querendo meu espaço. E
aí começou... (a cobrança: com filhos, comida).”
A questão da imaturidade foi colocada duas vezes pela entrevistada, como fator
de “não dar conta”, de perceber que o fato de estar “ganhando mais que o marido,
sobressaindo-se mais”, pudesse ser uma dificuldade para o mesmo. A luta pelo seu
espaço apresentava-se tão “natural”, mesmo quando se refere aos “direitos iguais”, que
não “se deu conta” de que a não aceitação dessas mudanças é uma constante entre a
maioria dos homens e na sociedade, devido à formação e à cultura que ainda é
“machista”.
Segundo Muraro: Na imaginação popular, a mulher bem-sucedida é impopular
com as mulheres e afugente os homens e, portanto, tem que sacrificar sua sexualidade
se quiser continuar sendo uma boa profissional. Assim, a mulher que trabalha não
tende a ter pouco sucesso como também a sua realização pessoal sofre com isso. A
mulher padece dessas duas desvantagens.
Ao contrário, os homens bem sucedidos tendem a ter muito apoio de suas
esposas, em casa, enquanto as mulheres bem-sucedidas sofrem exatamente o contrário:
a crítica e muitas vezes o afastamento de seus maridos, enquanto aumenta seu trabalho
doméstico (dupla jornada)
Ainda mais: em igualdade de condições, escolhe-se sempre um homem para
determinado posto; as mulheres têm que ser muito mais competentes e lutar muito mais
duramente para serem aceitas.”
118
Dessa forma, conforme a autora, a mulher impedia o seu sucesso, a sua
capacidade, criatividade, iniciativa, porque a cultura exigia isso. Exigia que ela fosse
submissa, que a vontade do outro (homem) prevalecesse sobre a sua. Contudo, com a
sua entrada no mercado de trabalho, descobriu que ela é capaz, que ela pode ter e
satisfazer seus desejos, suas vontades e o que estava reprimido, escondido, veio e está
vindo à tona. Por isso, essas teorias estão explodindo. “A mulher começa a criar, não
mais como homem e, sim, como mulher.”
119
118
MURARO, Rose Marie. Os seis meses em que fui homem. op. cit. p. 75-6.
119
Ibidem, p. 77
134
Sobre a cultura e costumes, a mesma revelou:
Carlúcia: “... Os homens da educação de 1950 e 1960, jamais permitem que a
mulher ganhe mais, e com isso, muitas vezes cria-se um clima de competição,
principalmente quando é da mesma profissão (...) e que a mulher toda hora é
elogiada, é solicitada tanto socialmente quanto economicamente (...) Então,
gera um certo ciúme, e o ciúme (...) traz uma carga negativa para o
relacionamento. E no meu caso isso (...) foi gritante (...) (ele o pai dos meninos
marido) é machista. E eu, na verdade, sou uma pessoa independente, mas fui
submissa ao meu marido. Durante o tempo em que nós ficamos juntos eu fui
submissa.”
A incoerência da formação que a entrevistada recebeu e depois viveu enquanto
casada, foi ressaltada por ela e é visível nas citações. Não foi educada para ser “dona de
casa”, nem submissa e, sim, para ser independente. Mas, dentro do casamento, viu-se
“subserviente” como a própria mãe, “pegando” tudo isso, ou seja, a força dos costumes,
das tradições, dos hábitos, passados de geração em geração, apresentaram-se mais
fortes, mais arraigados do que a mudança dita teoricamente. Na prática, ela se viu
fazendo tudo que a mãe fazia e que ela não foi educada para fazer.
Apesar dessas contradições com ela mesma, na sua individualidade e, na relação
com o marido, continuou a luta na busca pela vida profissional. Segundo o depoimento,
a relação se tornou difícil, houve “machucados” e a separação aconteceu.
Juntamente com o “ganhar mais”, a questão de sobressair é percebida em outros
depoimentos. O nome da mulher ao aparecer mais, também causa conflitos. E ao mesmo
tempo, uma outra relata como os nomes das mulheres são “escondidos” pelos maridos.
Elas trabalham, mas o “nome delas” não aparece.
Marisa: “... às vezes eu acho assim, que o meu marido quer que ele apareça
mais do que eu, entendeu, porque na realidade a idéia (do Buffet) foi toda
minha, eu que comecei... quando ele fala ‘nós vamos fazer’ não tem
problema nenhum, mas quando falo ‘eu’, aí ele já encrenca: ‘Eu não, eu
também estou fazendo isso.’ Eu sinto que é assim... quando eu falo uma coisa
no sentido individual, falar que ‘eu estou fazendo’... Não, aí ele gosta que
apareça o nome dele. Quando fala que é nós (ele e eu), não tem problema
nenhum.”
Também em relação ao nome:
Carlúcia: “... E olha aqui: eu trabalhava, ganhava mais e não tinha um ‘bem’
em meu nome! Nem meu carro era em meu nome; meu telefone não era em meu
nome (...) Tinha que ser ele, o nome dele . (...) Por exemplo: no receituário
médico, tinha que ter o meu nome e o nome dele. o saía o meu nome. E
eu, assim, fui levando a situação, eu nem percebia direito que eu era tão
submissa. Quando eu comecei a cobrar, a situação ficou mais difícil em
casa.”
135
Muitas mulheres trabalham à frente de várias atividades, mas realmente no
registro das firmas, nas associações e sindicatos, não aparece o “nome” dessas
mulheres. Muitas que, particularmente conhecemos e sabemos de seu trabalho,
principalmente na área empresarial, não estão com seus nomes registrados nas
respectivas firmas as quais dirigem, trabalham e estão à frente. Nos cadastros usados
para essa pesquisa em questão, pode-se verificar tal fato.
120
Neusa: “Apesar que, muitas (mulheres) estão à frente das empresas, as
empresas estão no nome dos maridos. (...) Elas não estão legalmente à frente
das empresas, mas são elas que tocam o negócio. (...) No meu caso, por
exemplo: faz pouco tempo que a minha loja está no meu nome (...) eu nunca tive
carro no meu nome. (...) eu nunca fiz questão, e estou falando isso para você, só
para você ter uma idéia, que isso realmente existe. (...) que existe o machismo,
existe. (...) (o poder masculino - o nome dele) e não o da mulher.”
Mesmo muitas mulheres não citando conflitos nas relações com os maridos, em
muitos depoimentos, detectamos relações de poder, de mando, permeando as
convivências. No grupo das mulheres que os maridos não apoiaram no início do
trabalho, mas depois mudaram de atitude, uma empresária relata a vontade do marido
em “anulá-la” no trabalho.
Auzônea: “... em relação ao marido a mudança foi drástica, sabe? Porque
assim que nos casamos e ele começando, eu achava que eu deveria ajudar. Mas
ele jamais queria ajuda. (...) (Mas comecei). Aparentemente eu não podia
aparecer para nada... se eu aparecia trazia problemas para nós, no nosso
relacionamento. Mas, fora da loja, com as portas fechadas, ele trazia todos os
problemas da loja para mim. Todos os problemas de fornecedores, de
mercadorias, de coisas paradas, ele discutia tudo comigo. (...) Atrás da porta,
para que ninguém percebesse que tinha esse diálogo. E na maioria das vezes o
que a gente conversava, as idéias que nós trocávamos, ele punha tudo em
prática, mas com o nome dele. Eu não podia aparecer jamais. Eu tinha que
suportar. (...) Durou muito tempo... vem aquele conflito... trabalhando por
trás, não podia aparecer (...) e senti que era necessário eu entrar... e que
precisava... fatores da época, porque as coisas foram mudando... economia
mudou... problema financeiro dentro da loja e eu percebi isso; e ele não. (...)
Foi uma virada grande demais (as minhas idéias ajudaram) e aí ele ia ter que
aceitar a minha ajuda (...) mas com muito cuidado. (...) Teve (que aceitar)
porque as circunstâncias exigiam e ele viu que não tinha condição de me
segurar... porque o que eu lancei (caixa de enxovais - com crediário) é que foi a
salvação. (...) Mas não digeria de maneira nenhuma (minha presença em
público)... Eu tinha que pedir ordens (não tinha autonomia). Não tinha essa
condição (de igualdade), por ele usava isso como uma maneira de eu sentir que
eu precisava da palavra dele. Eu sentia assim, embora não falasse, que era
uma maneira dele sentir que eu dependia. Eu tinha conta bancária junto com
120
Nas listas de cadastro dos associados das Associações e Entidades como, CDL - Câmara de Dirigentes
Lojistas; ACIPATOS - Associação Comercial e Industrial de Patos de Minas; SINDIVEST - Sindicato da
Indústria e Vestuário de Patos de Minas, temos todos os nomes de todos os associados e associadas, com
os respectivos nomes das firmas. Temo-las todas em mãos para conferimento e também se encontram nas
respectivas Associações e Entidades.
136
ele, ele não me dava o talão de cheques... (a dominação) era feita através de
atos. (...) E aquilo me feria, me machucava (...) Em 67 (após 15 anos) eu dei a
virada. Eu senti que estava na hora porque eu fui, eu falei: ‘ou vai ou racha’,
porque não dá mais. (...) Em 76 (...) Aí eu tive que assumir.”
A coerência desse depoimento com os demais citados anteriormente, são
reveladores da continuidade do predomínio do “poder masculino”, da vaidade
masculina. Sua imagem de homem forte, seguro e a questão do nome, referem-se à
honra e respeito que todo homem tem que ter na sociedade, “escondendo” a mulher para
que não manchasse sua imagem.
“Através da história, a dominação sobre a mulher por meio da dependência
econômica e social tem sido a maneira que os homens encontraram para controlar as
mulheres, e seus próprios medos. Mantê-las economicamente em desvantagem é a
primeira linha de defesa para muitos Sansões, mesmo na tão decantada sociedade
emancipada da atualidade”
121
. No mesmo raciocínio, o medo da inferioridade é
defendido pela superioridade econômica e isso, junto ao controle sobre a mulher, são
pontos cruciais para a auto-estima masculina.
Observando os dois depoimentos das mulheres, nos quais os maridos tiveram
resistência no início do trabalho, detectamos outros com comportamentos e posições
bem diferenciados:
Lúcia: “Meu namorado, que hoje é meu marido, na época, ele achava que
mulher não podia sair para trabalhar fora. Então, eu tinha muitas restrições
nessa parte, assim, ele não admitia que eu saísse para fazer cursos (...) não
gostava que eu jogasse vôlei ou basquete (...) tanto que tivemos muitas brigas
por causa disso. Ele realmente não aceitava. (...) Então eu não parei, foi indo
até haver uma mudança na cabeça dele, porque ele viu que se ele continuasse
me restringindo e tolhendo tudo que eu gostasse, a gente não ia dar certo. (...)
E hoje, ele me dá, inteiro apoio... em qualquer coisa que eu queira fazer
profissionalmente, ele me ajuda muito. Teve uma mudança radical. Eu acho
que essa mudança também foi devida à segurança dele, porque ele foi vendo
que não tinha nada a ver, ‘mulher viajar e trabalhar para aprender mais,
reciclagem’... Ele foi entendendo isso, que seria bom para mim e para o nosso
relacionamento.”
Outra entrevistada faz referências à capacidade da mulher e ao homem achar que
ela não é “inteligente”.
Mas, ela troca a incapacidade ou inteligência, por sentimentos de ciúme que,
aliás, muitas mulheres se referiram como existente em muitos maridos, apesar deles
não “aceitarem” que seja ciúme. Houve a mudança do marido que, após a mulher ter
121
MARGOLIES, Eva; GENEVIE, Louis. O complexo de Sansão e Dalila. Por que alguns homens
temem as mulheres? op. cit. p. 63-64.
137
começado a trabalhar, ele “empurra” para que ela trabalhe cada vez mais. Parece-nos
que a entrevistada, na verdade, queria uma “ocupação” para apenas preencher seu
vazio, não com tanta responsabilidade. Mas a mudança ocorrida no comportamento do
marido, a direcionou para o trabalho.
A maioria das mulheres, ou seja, dezesseis delas, afirmaram ter tido apoio e
incentivo do marido. Ilustram a coerência desse grupo:
Marli: “... ele (marido) é que me pôs junto e me ajudou a impor o trabalho... os
dois. Ele sempre deu todo o incentivo e todo o apoio, total!”
Dágma: “(...) a funcionalidade do hospital, ele largou muito na minha mão:
compras, tudo sempre comigo: compras da parte hoteleira, compras da parte
de medicamentos, funcionários, o treinamento de funcionários para cozinha,
para copa... Isso aí (ele deixou) sempre comigo.”
Leny: “... sempre me incentivou, porque ele me conheceu e eu era
independente, eu já trabalhava e ele sempre me apoiou”.
Percebe-se que as relações entre marido/mulher são heterogêneas, são
paradoxais. Ao mesmo tempo que se têm tantas discriminações e preconceitos ainda, a
maioria das mulheres revelou que tem o apoio e incentivo do marido para o trabalho
fora de casa. Não uma unidade interna, não harmonia em todos os
relacionamentos. Os conflitos existem. O espaço familiar é local de carinho, amor, troca
de afeto, amizade, mas também lugar de confrontos, brigas, discussões para mudanças
de práticas sociais, de poder, de autoridade.
A família é, portanto, um “locus” que perpetua a tradição, o conservadorismo, o
velho, mas é também, gerador de mudanças, de espaço livre para as transformações.
Segundo Foucault, o próprio indivíduo sendo um efeito do poder, é o seu centro
de transmissão e esse poder, que ele mesmo constitui, passa por ele mesmo. Daí, “seria
preciso procurar estudar os corpos periféricos e múltiplos, os corpos constituídos como
sujeitos pelos efeitos de poder. (...) O poder deve ser analisado como algo que circula,
ou melhor, como algo que funciona em cadeia. Nunca está localizado aqui ou ali,
nunca está nas mãos de alguns, nunca é apropriado como uma riqueza ou um bem. O
poder funciona e se exerce em rede. Nas suas malhas os indivíduos não circulam
mas estão sempre em posição de exercer este poder e de sofrer sua ação; nunca são o
alvo inerte ou consentido do poder...”.
122
122
FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. Org. e Trad. Roberto Machado. 15 ed., Rio de Janeiro:
Graal, 1979. p. 183 (Grifos nossos).
138
Nesse sentido, o indivíduo não aceita passivamente o poder ou o discurso desse
poder, podendo então modificá-lo na sua prática. Por isso, é que nas relações cotidianas,
no espaço familiar, surgem as possibilidades de manutenção e/ou transformação desse
poder.
2.4. Divisão de Tarefas Domésticas, Lazer, Amigos
“... Porque ele não divide as tarefas comigo’? mas não dividia, não é? Quer
dizer, a mulher hoje é uma profissional e ela ainda sofre duas vezes: primeiro,
porque ela tem que ir para o mercado de trabalho, ir à luta, e quando ela
ganha mais do que ele, ele acha ruim. E depois ainda tem que ir para casa,
cuidar dos filhos... Pode ser a mesma profissão, e levar mais dinheiro... e ela
continua doméstica da casa.” Carlúcia Martins Augusto
Traço comum na maioria das mulheres empresárias, exceto uma entre elas, é não
executar as tarefas domésticas cotidianas. A maioria afirmou não gostar dos afazeres
domésticos, dos serviços de casa. O trabalho doméstico no final de semana ou
esporadicamente, até que não tem problemas, até é “bom”, já que não o fazem
cotidianamente, mas nunca por obrigação.
Eventualmente, num fim de semana junto com o marido, preparar a comida
torna-se um momento de aproximação, de criatividade e de prazer.
Cynthia: “... quando no final de semana fica só nós dois aqui em casa (...) é a
hora da nossa delícia, sabe? (...) Nós vamos (para a cozinha). A gente inventa o
que é que a gente quer fazer e, sabe, enquanto a gente está inventando isto,
quando o tempo permite a gente está na piscina ou está ouvindo uma música...
É um momento nosso, porque afinal de contas, a gente se deu muito. São 26
anos de casados. Então, a gente precisa de ter esse espaço da gente. E isso é
muito gostoso...”
Ou, quando num encontro de amigos em casa para um churrasco no fim de
semana, as tarefas são divididas com os maridos:
Dalci: “Os amigos vem para nossa casa (...) Dez, doze casais (...) Aí, o
domingo é dos maridos. Sempre domingo é o churrasco. Então, os maridos é
que vão para a churrasqueira, cada um traz a sua carne, a sua bebida. A gente
sai, compra: ‘ficou em tanto’, divide para todo mundo e eles é que assam o
churrasco. Nós, mulheres, vamos ficar sentadinhas, vamos à cozinha para
pegar pratos, talheres, preparar as mesas. Quem cuida da comida aos
domingos são os maridos.”
139
O trabalho doméstico aparece como uma representação de algo cansativo,
repetitivo. Algumas disseram que não reconhecimento por esse trabalho e muitas
reconhecem o seu valor, sua importância, apesar de não o executarem.
Exceto uma, a maioria revelou que os afazeres domésticos têm que ser supridos
por ajudantes, no caso, por empregada doméstica ou empregadas e empregados, para
que não haja problemas em casa. A empregada doméstica é o suporte fundamental e
imprescindível para que elas possam desenvolver suas atividades fora de casa.
Dependem fundamentalmente dessa mão-de-obra.
Eliana: “... eu não faço muita coisa em casa (...) Eu costumo falar que as
pessoas precisam de empregada, e eu dependo de empregada. (...) eu não gosto
(do serviço)”.
Rosângela: “Eu acho que é quase impossível você ser... na sociedade machista,
no casamento machista é impossível você trabalhar fora se você não tiver uma
ajudante. Você não tem como.”
Apesar da não execução do serviço do dia-a-dia, vinte e duas mulheres
revelaram coordenar tudo, ou seja, são responsáveis pela administração geral da casa.
duas exceções: trata-se de uma mulher que tem a parceria de uma irmã na
coordenação da casa e uma outra solteira que mora com os pais.
Apesar de solteira, uma outra revelou ser a responsável por toda a casa e, se for
preciso, faz o trabalho doméstico, apesar da presença da empregada até nos domingos.
Inclusive, é a única das mulheres que tem ajudante no domingo.
Terezinha: “(compras, supermercado) tudo! (...) Se precisar de fazer um jantar
ou almoço, lavo as panelas, areio as panelas (...) Faço, quando necessário,
sim! (...) Aquele que não sabe fazer, não sabe mandar.”
Outra solteira, mesmo morando com os pais, assumiu a administração da casa:
Beatriz: “Eu me vejo como uma dona de casa porque meus pais não param
aqui. Eles viajam muito, eu é que tenho que fazer compras de supermercado.
Eu é que tenho que dar ordens para a faxineira, comprar mantimentos, ver o
freezer, descongelar e ver o que descongela e o que não descongela... tem três
geladeiras lá em casa e dois freezers... Então, (se não olhar) vira aquela
bagunça. (...) Meu pai fica orgulhoso e ao mesmo tempo com raiva porque eu
gasto muito do dinheiro que eu ganho e levo para (...) Porque eu quero (...)
Eu tenho prazer de fazer isso.”
Ao assumirem a coordenação da casa, está implícito na fala da maioria das
mulheres as compras do supermercado, feiras, açougues e outros serviços como
lavanderia, passadeira. Mesmo não executando efetivamente os serviços, são as
responsáveis pela coordenação, planejamento, pagamento, cobrança, procurando
conciliar e harmonizar as várias atividades. Mesmo não estando em casa, a maioria
140
coordena as tarefas à distância e queira ou não, realiza alguma tarefa no final do dia ou
nos fins de semana, principalmente se tiver filhos menores em casa.
A opinião de muitas entrevistadas é a de que o fato da mulher ficar no espaço
doméstico faz com que ela se isole dos acontecimentos, ficando restrita apenas aos
problemas da esfera doméstica. Isso vem implícito nos depoimentos, quando se referem
ao nível das conversações. Na opinião delas, a mulher que trabalha fora se mantém mais
atualizada, tem uma percepção maior e mais rápida do mundo, devido aos contatos
diários com várias pessoas.
É pertinente lembrarmos aqui Duran
123
, quando se refere às formas de
isolamento que a dona de casa pode ou poderia encontrar: o isolamento físico, o
psicológico, o organizativo e o político. Segundo depoimento:
Teresa: “Eu acho que hoje a mulher que não trabalha é um pouco
discriminada. (...) Eu acho, principalmente numa roda, quando você está numa
festa, num jantar, e que senta um grupo de pessoas para conversar. Se a pessoa
não tem a sua profissão, se ela não esno mercado, simplesmente ela não
consegue. Ela não tem assunto para isso. Hoje o assunto doméstico é uma
coisa... (fraco numa roda). (...) Hoje, a mulher que está no mercado de
trabalho, é respeitada. Eu acho que ela se impõe, eu acho que ela tem mais
valor, mesmo porque... pelo lado dela, para satisfazer uma coisa pessoal dela.
Eu acho que ela própria vai se sentir mais valorizada, a auto-estima dela vai
aumentar... E não profissionalmente, mas eu acho que culturalmente
também. A pessoa tem que procurar, tem que se instruir, tem que estar em
busca da atualidade, não do Brasil, mas o que está acontecendo no mundo
inteiro. Ela não pode estar alheia. Então, a mulher, quando ela se impõe, ela é
admirada, mesmo com inveja...”
Portanto, parece para as entrevistadas que a mulher no mercado de trabalho tem
mais chances e mais facilidade de estar acompanhando as mudanças e ficar mais
atualizada. Não significa, contudo, que a mulher que não trabalha fora não possa ser
atualizada ou domine outros assuntos além do doméstico. Mas, a mulher dona de casa
terá que ler mais, tem um trabalho maior para correr atrás” das informações do que
aquela que está no mercado. O próprio ambiente “fechado” da esfera doméstica, por si
só, já é uma característica de isolamento.
123
DURAN APUD BRUSCHINI, “refere-se a várias formas de isolamento que atingiram a dona de casa:
o isolamento físico em cada unidade doméstica, justificando, como válvula de escape, as saídas para as
compras, as visitas, os telefonemas e a receptividade aos meios de comunicação. O isolamento
psicológico negaria à dona de casa a possibilidade de ser ela mesma, forçando-a a agir para os outros e
através dos outros. O isolamento organizativo explicaria a dificuldade existente para as donas de casa se
organizarem, buscando romper com seu papel; finalmente, o isolamento político justificaria a não
inclusão de questões relativas ao trabalho doméstico, como a jornada permanente e a ausência de
liberdade para optar por outro papel, no debate político nacional.” DURAN, Maria Angeles. A dona de
casa: crítica política da economia doméstica. Rio de Janeiro: Graal, 1983. Apud BRUSCHINI, Cristina.
Mulher, casa e família. op. cit. p. 137. (Grifos da autora).
141
Revelou um empresário, cuja esposa não trabalha fora:
José Soares: “As coisas mudaram, não é? Eu acho que um tempo atrás,
antigamente dizendo, era mais comum a mulher ficar em casa. Hoje como a
coisa mudou, normalmente o casal precisa da ajuda da mulher. Eu acho
louvável essa ajuda, eu acho salutar, tanto para convivência e até para o
desenvolvimento econômico da família, com a ajuda da esposa. Certamente, a
esposa trabalhando, ela terá uma cabeça mais aberta e terá mais valor nas
coisas que são adquiridas pelo casal.”
Todos os homens empresários entrevistados vêem positivamente o fato da
mulher trabalhar fora, como fator de realização pessoal, possibilidade de ajudar
financeiramente em casa, fazer amizades e como alternativa de saída do limite do
espaço doméstico.
Apesar da maioria das mulheres não executar o serviço doméstico do dia-a-dia,
procurou-se saber, mesmo quando não há ajudante ou mesmo na coordenação da casa,
se há participação, divisão de tarefas entre os membros da família.
Em relação aos filhos, seis mulheres responderam que eles ajudam nos afazeres
domésticos.
Marli: “(Filhos) dividem as tarefas domésticas. Quando eu tenho a doméstica
em casa, tudo bem, eles ficam mais à vontade. Mas quando eu não tenho e por
algum motivo eu estou sozinha, eles dividem tudo - a hora que eu chego (do
trabalho), eles falam: ‘Tem que cuidar da mãe, a mãe está cansada... Então
vamos deixar nossa mãe mais sossegada’. (...) tem aquele cuidado comigo.”
Onze mulheres afirmaram não existir participação dos filhos nas tarefas em casa.
Atribuem o fato à educação, à forma de criar. Reconhecem que elas mesmas não
exigiram ou não exigem a participação dos filhos nas tarefas da casa.
Neusa: “... Eu tinha que ter começado desde o princípio (...) Não divisão de
tarefas. Eu não soube educá-los. Aquilo que eu achei que era errado, que o
mundo era muito machista, eu também fiz o mesmo. As minhas meninas também
não foram criadas para essa divisão de trabalho, porque quando elas eram
pequenas, eu graças a Deus tive sempre uma pessoa... eu acho que empregada
é muito bom, mas ela faz a gente errar muito na criação dos filhos, porque se
eu estivesse sozinha, sim, eu ia falar: ‘Agora você vai fazer isso, vai fazer
aquilo’. Mas como eu sempre tive alguém para fazer as coisas, nem percebia
que os filhos não estavam fazendo e deixava o barco correr, isso tanto para as
meninas, quanto para os meninos.”
Pelo depoimento percebe-se que uma contradição ao se referir à empregada
doméstica. Ao mesmo tempo que é um suporte necessário e que é bom ter condições de
ter uma ajudante, atribui a essa situação a não exigência dos filhos nas tarefas
domésticas.
142
Ainda sobre a divisão de tarefas, três mulheres revelaram que os filhos ajudam
“se precisar”. Lembramos que quatro mulheres são solteiras, não têm filhos e, portanto,
não foram incluídas nessa divisão de porcentagem.
Maria de Fátima: “Os meninos, meus filhos foram criados de uma maneira
diferente; meu filho, se tiver alguma coisa para ele fazer, ele faz... é
completamente diferente (do marido) (...) se for preciso arrumar alguma coisa
arrumam. Isso alivia muito para mim.”
Percebe-se que a entrevistada se refere à forma de criação dos filhos, à uma
formação não sexista diferente da educação do marido. A formação sexista separa as
tarefas entre homens e mulheres, ou seja, à mulher “são dadas” as tarefas domésticas,
que são “próprias” da mulher. O homem, como é criado para o espaço público, não cabe
à ele as “tarefas domésticas” dadas como femininas.
Em relação à ajuda, à participação do marido nas tarefas domésticas, onze
ressaltaram que não ou não havia participação nessas tarefas, porque se inclui nesse
item as mulheres divorciadas e viúvas, ficando fora da divisão as quatro mulheres
solteiras.
Dágma: “Não havia (...) Ele (marido) não sabia nada de casa. (...) Ele nunca
ajudou não (risos...) (...) até a mala dele era eu que arrumava.”
Neide: “Não divisão de tarefas. Então, o que faço? Muito inteligentemente,
eu também não faço. Eu compro pronto, ou então vou almoçar na sogra ou com
a mãe. Você não pode nem passear na minha casa no domingo, porque a casa
está de pernas para o ar e ninguém assume porque se for arrumar, vai sobrar
só para mim.”
Dentro desse grupo, uma das mulheres afirmou que a não participação do marido
nas tarefas domésticas pode ser por “culpada própria mulher, que não abre o espaço
para que ele possa participar. No seu caso, ressalta que isso ocorre devido à falta de
paciência, por não saber esperar pela ajuda.
Heraída: “... eu culpo muito a minha educação machista, por que? Ele se
recusa a fazer? Não, mas eu não espero. Eu faço, vou assumindo. (...) em
muitos momentos eu fico com raiva de mim mesma, de não esperar e não deixar
ele ocupar esse espaço. Eu vou ocupando esse espaço, e pelo fato de não ter
paciência de esperar e talvez a exigência de ser no momento que eu quero, do
jeito que eu quero, então, eu tenho que fazer. E vou e faço. Eu acho que eu
estou reproduzindo muito isso. Isso é culpa minha, (...) Então, acho que nesse
sentido eu não posso reclamar sem abrir esse espaço. De repente, a gente
abraça esse espaço e acha que é a gente que vai fazer do jeito certo e da
forma certa. (...) É a nossa educação machista. Então, tem que levar filho no
médico, tem remédio, tudo! A gente busca tentar estar fazendo tudo isso. Claro
que o pai tem todo esse interesse e todo esse cuidado, mas precisa que lhe seja
dado o espaço.”
143
Ainda dentro dessa amostra, outra mulher revelou o seu dia-a-dia enquanto os
filhos eram menores. Ressaltou a jornada dupla de trabalho como “fato normal” entre as
mulheres que trabalham fora de casa, porque, mesmo não fazendo o serviço rotineiro do
dia-a-dia, a preocupação da administração. Ao chegar em casa, embora com a ajuda
de uma funcionária, existem vários “serviços” que exigem o acompanhamento da
mulher, mãe e profissional. Por isso, a mulher está mais envolvida e tem um esforço
maior. Mesmo trabalhando fora, está “ligada” em casa. Lembramos Bruschini ao
sublinhar que “a presença da dona de casa é o elo que articula todo o cotidiano da
casa e da família. É ela quem sabe tudo o que se passa na residência, mostrando-se
bem informada sobre a rotina (...) Esta ‘presença’, por outro lado, parece se manter
mesmo quando ela não está de fato presente na casa, pois as esposas que trabalham
fora de casa também se mostram informadas sobre tudo o que se passa dentro dela,
dispensando para tanto um esforço adicional.”
124
Rosângela: “(...) Foi carga dupla de trabalho. (...) Então, eu sempre fui assim:
eu fiquei muito cansada. Eu não tinha tempo (...) às 5 horas da manhã eu
deixava as mamadeiras dos meninos prontas. Dentro desse mercado de
trabalho difícil eu tive mais dois, eu deixava as mamadeiras prontas, as roupas
lavadas no varal, deixava a pajem e ia trabalhar. Voltava, fazia tudo de novo,
punha tudo de novo, dava banho nos meninos e voltava para o trabalho. Às 5
horas da tarde a babá ia embora. Eu pegava esses meninos, eu ia para as
praças com eles, eu os levava aonde tivesse bicho (...). Então, eu acho que eu
acabei dando muito mais, porque eu vi muitas pessoas que estavam comigo na
época que, na realidade, não faziam isso pelos filhos. Talvez ficassem o dia
inteiro em casa, mas não tiveram esse convívio que eu tenho com meus filhos.
Até eu acho que hoje é que eu vou ver muito isso, porque a gente diz sobre o
filho homem: ‘será quem é que ele vai procurar para casar? Uma mulher igual
a mim ou um diferente de mim?’ Porque aí, de repente, você vai ver qual foi a
carência que ficou, se ele vai casar com uma mulher muito ousada, muito
independente ou vai querer uma mulher dependente (risos). Ele vai mostrar
qual foi a carência dele. (...) Eu vejo muito esse espelho hoje, sabe? Se ele vai
querer aquela mulher independente, aquela mulher que tem idéias, que quer
lutar ou se ele vai querer aquela mulher que ele vai por na casa dele, para
ele ser dono, mulher objeto, aquela mulher que fica ali (...) Eu fui a todas as
reuniões de escolas, se eu viajava, eu deixava na minha casa uma pajem, uma
empregada e uma enfermeira.”
Apesar de trabalhar fora, a entrevistada ressaltou a qualidade da atenção dentro
do tempo que tem para ficar com os filhos. Percebe-se que o fato de estar ausente de
casa para trabalhar não interfere nessa qualidade. Aliás, ressaltou o contrário, ou seja,
talvez uma mãe que passe o dia inteiro com o filho não a atenção devida como ela
deu, mesmo trabalhando fora.
124
BRUSCHINI, Cristina. Mulher, casa e família. op. cit. p. 112
144
Apesar da entrevistada abaixo ter reclamado da jornada dupla de trabalho,
revelou não sentir-se explorada, mas magoada por não dividir problemas e não, tarefas.
Reconhece e reforça que as tarefas domésticas cabem às mulheres.
Rosângela: “... nunca deixei que meu marido achasse um par de sapatos sem
engraxar. Entendeu? Então, a minha carga era muito pesada. Não tive essa
coisa de me sentir explorada não. (...) Mas, magoada, sim (...) não no sentido
de não dividir tarefas. Eu queria dividir eram problemas, sabe? Eu nunca quis
dividir tarefas com meu marido. (...) talvez a minha criação tenha sido para
isso mesmo. Eu sabia exatamente o papel do homem e o papel da mulher. (...)
Em todas (tarefas) me cobro. (...) As minhas gavetas tinham que estar
arrumadas... tudo. (...) Eu ficava nem que fosse a as duas, três horas da
manhã. Ele (marido) falava muito que eu era assombração, porque às seis
horas da manhã (antes era 5 horas) eu estava de pé. (...) E você tem que
conciliar com o mercado.”
A educação sexista é percebida no depoimento, quando se refere que sabia do
“papel” da mulher e do homem. uma dicotomia na existência, ou seja, ao mesmo
tempo em que é autônoma, independente no mercado de trabalho, se reconhece em casa
como a “mulher que deve arcar com todas as tarefas femininas”. A “igualdade” em
casa nos “papéis sociais” não existe, ou seja, a “desigualdade é fato normal”. O que é
“tarefa da mulher” é da mulher, o que é “tarefa do homem”, é do homem. O homem,
inclusive, citado pela entrevistada, tem o papel do homem”, ou seja, “ganhar
dinheiro”. Percebe-se a dissociação porque ela é independente no espaço público e em
casa não é. Afirmou que reconhece o “seu lugar”, o “seu papel” e deseja que continue
assim, e reconhece também a sua contradição. Acha “natural” a realização dos afazeres
domésticos como a parte que lhe cabe numa relação de troca, definida socialmente,
como parte complementar do “papel” do homem na sociedade, não sendo, nada mais,
que sua “obrigação como mulher”.
Semelhante a essa opinião, um empresário comentou:
José Soares: “(...) Não ajudo e normalmente a gente tem pessoas em casa para
fazer o serviço, dificilmente ela (esposa) faz. Então, não necessidade. Eu
trabalho também o dia inteiro fora e não teria condição para isso. Se fosse
preciso, eu ajudaria.”
O trabalho doméstico é, para alguns, de responsabilidade da mulher, é
“atribuição feminina”. Se não for feito pela esposa é por uma sua substituta: a
empregada doméstica. Caso precise de ajuda, esta se de forma esporádica,
circunstancial, apenas quando precisar, mas não como forma compartilhada no dia-a-
dia.
145
Percebe-se, portanto, uma permanência dos valores em relação aos “papéis
sexuais” tradicionais dados à mulher e ao homem dentro de um modelo familiar
conservador. Mesmo não dividindo as tarefas domésticas, a maioria desse grupo, ou
seja, oito das onze mulheres afirmaram não se sentirem exploradas em casa com a não
participação ou divisão do trabalho doméstico.
Entretanto, três mulheres revelaram sentirem-se exploradas.
Neide: “Sim, me sinto (explorada) (...) Eu só mando, coordeno: ‘tem que
comprar isso, tem que fazer aquilo...’ eu que comando. Mas eu me sinto
muito explorada, principalmente, vamos supor, numa festa ou recepção em
minha casa. eu toma conta de tudo, ninguém toma conta de nada.
Antigamente, quando as crianças eram pequenas, eu olhava, eu que
levava ao médico, eu que levava ao dentista (...) Reunião na escola, nunca!
a mãe. Então, eu sinto muita exploração e discriminação nessa parte (...)
Também não os eduquei assim (para dividir). Acho que cresceram assistindo
assim.”
A entrevistada apesar de manifestar-se “magoada” com a não divisão de tarefas e
explorada, reconhece que não educou os filhos nessa direção. Dessa forma, ao
crescerem assistindo a “não divisão” em casa com o marido, acabou sendo “normal” a
não participação. As influências nos arranjos da casa são transmitidos pela linha
feminina, da avó para a mãe, da mãe para a filha ou filhos, que orientam na elaboração
das tarefas. Podem representar os modelos, os padrões adotados e assimilados pela
mulher inconscientemente, através da família de origem, ou seja, da mãe.
Outras oito mulheres confirmaram que o marido participa das tarefas domésticas
e, inclusive, dentro dessa amostragem, duas mulheres ressaltaram que o marido faz até
mais do que elas mesmas em casa.
Lúcia: “... ele (marido) me ajuda muito (...) ele faz muito mais do que eu em
casa (...). Ele de manhã, por exemplo, às vezes eu saio antes dele para a
academia, e meu menino acorda e ele escova os dentes dele, ele arruma
mamadeira, trocava fralda... (agora ele não troca mais porque o menino já não
usa mais)... mas assim, ele lava o bumbum dele, troca de roupa, deixa ele bem.
E quando eu chego à tarde ele vem pegar o menorzinho, leva para a fazenda,
anda à cavalo com ele. uma super atenção para ele... E o que for preciso
aqui em casa, arrumar cozinha ele arruma... Não que ele fique arrumando,
ele ajeita pelo menos, não deixa bagunçado, se for preciso de ir ao
supermercado é geralmente ele que vai, e ajuda os meninos às vezes nas tarefas
escolares, ele ajuda a resolver os exercícios da escola... Ele faz, assim, tudo
que for preciso. ele não tem preconceito de falar. Ele tem muita paciência,
muita facilidade de fazer serviços que, geralmente, só mulheres fazem, que é
dar banho, arrumar comida para menino, ensinar dever. Dar essa atenção
toda.”
Sublinhamos a grande diversidade das relações sociais e da divisão dos “papéis
sexuais” nas famílias de um mesmo tempo histórico e local. Daí, é que percebemos a
146
heterogeneidade das relações, das práticas sociais no cotidiano e o grande perigo das
generalizações. O comportamento do marido acima, como de mais dois, são
absolutamente diferentes da maioria dos maridos das mulheres entrevistadas. Nesses
exemplos é que detectamos a complexidade e a gama das diversidades imbricadas no
cotidiano, nas relações sociais entre os membros familiares. Percebemos assim,
novamente, a existência de comportamentos de padrões conservadores e de mudanças,
ou seja, a coexistência do velho e do novo.
Os depoimentos abaixo, também são elucidativos em relação às mudanças na
“divisão de tarefas” e nas relações cotidianas:
Marisa: “... meu marido trabalha mais do que eu dentro de casa, porque ele
mesmo gosta de fazer a comida, se eu não estiver lá ele mesmo faz, se eu estiver
lá ele faz também.”
Uma mulher afirmou que o marido até prefere ficar em casa, se necessário,
enquanto é ela que vai para o trabalho:
Marli: “Muitas vezes eu estou sem secretária, minha empregada que vai
embora. (...) parece que eu tenho mais jeito para tomar conta da oficina, e
então eu vou para a oficina, e ele (marido) ficar em casa. Ele lava roupa, ele
faz comida, arruma a casa com os meninos (...) eles todos ajudam a arrumar as
coisas (...) Eu chego em casa e o almoço está pronto, a casa está
arrumadinha.”
Apenas uma mulher afirmou que o marido teve uma transformação radical
depois de muitos anos de casamento. Mas, a mudança aconteceu não por opção ou por
vontade própria e sim, devido às forças circunstanciais.
Neusa: “Foi em 1998. Vai fazer três anos agora em março, que foi aquela
doença que eu tive (...) Então, nossa vida deu uma guinada de 180 graus,
porque eu tomava conta da Paulo Tecidos, e o Paulo passava de passagem
(...) E depois da minha doença, eu senti que se eu tivesse morrido naquela
época eu ia fazer muita falta porque eles todos estavam muito dependentes de
mim (...) Então, ele não sabia fritar um ovo, não sabia nada de casa. E de
para cá, ele teve que aprender porque a empregada ficava em casa no máximo
até 4 horas da tarde. (...) Ele tinha que levar comida para mim porque eu o
podia descer escada de forma alguma. E ele aprendeu! (...) E daí em diante,
todo domingo (porque não tem empregada) ele fala: ‘Pode deixar que a
cozinha eu vou arrumar’. (...) Então, eu acho que foi uma evolução.”
Observa-se um comportamento extremamente diferente nas relações entre
marido e mulher no que se refere à divisão, à participação nas tarefas domésticas.
Percebe-se que, algumas famílias apresentam mudanças nesse ponto, enquanto outras
permanecem no modelo tradicional sexista, não havendo, portanto, homogeneidade.
Em relação ao lazer, o traço comum das famílias no fim de semana é almoçar
fora. Quinze mulheres citaram que no domingo, o almoço acontece em família, não
147
almoçam em casa, sendo a opção de lazer. Também comum entre as mulheres é ir jantar
fora, a festas, casamentos, passeios em cidades próximas e sítios.
Eliana: “Temos uma chácara (...) no meio de semana às vezes a gente sai para
jantar em algum restaurante, festa de amigos (...) Final de semana, a gente fica
junto (...) a gente sai para almoçar fora.”
O poder aquisitivo influencia no cotidiano da família, nas formas de lazer, nos
serviços domésticos, na forma de morar, na alimentação, ou seja, à complexidade ou
simplicidade da residência e dessa alimentação dos membros da família. Ressalta
Bruschini que, “além da renda, outros fatores, como a escolaridade e os hábitos de
classe, são responsáveis pela variação nos níveis de qualidade estabelecidos por cada
família em sua vida cotidiana. Os padrões estabelecidos não são escolhas individuais,
mas sim opções socialmente determinadas, influenciadas pelos meios de comunicação e
pela origem social de cada cônjuge.”
125
Nesse sentido, ressaltamos que o “normal” para algumas famílias não acontece,
com certeza, na maioria das famílias brasileiras. Observa-se, mais uma vez, a grande
diversidade no cotidiano das famílias.
Beatriz: “Domingo, eu saio para almoçar fora com os meus pais, vou para um
churrasco, vou para uma festinha (...) No domingo (não faz comida) (...) De vez
em quando, quando tem hóspede. (...)”
Verificou-se que o lazer nos fins de semana entre as mulheres empresárias com
seus familiares não são desviantes, percebendo-se semelhanças. Entre as famílias,
observou-se que as atividades citadas como lazer nos fins de semana não fogem à um
estilo de vida mais ou menos comum.
As viagens acontecem com mais freqüência no final do ano e as mais comuns
são para a praia. Treze mulheres afirmaram viajar junto com o marido e filhos, sempre
no final do ano para uma praia:
Mírian: “Geralmente sempre para uma praia. (...) Nós viajamos muito (...) e os
meninos ainda continuam nos acompanhando.”
A entrevistada, ao ressaltar que os filhos ainda viajam juntos com os pais,
pressupõe que ao atingirem uma idade mais adulta, os filhos já não desejarão
acompanhá-los nas viagens. Supõe-se que irão viajar sozinhos ou com outras
companhias.
125
BRUSCHINI, Cristina. Mulher, casa e família. op. cit. p. 135-136.
148
Ainda dentro desse grupo de treze mulheres, duas ressaltaram que viajam duas
vezes ao ano: uma viagem com os filhos e outra somente com o marido.
A referência à presença com a família é ressaltada o tempo todo pelas
entrevistadas, principalmente com os filhos. Percebe-se a importância na questão da
companhia, no estreitamento das relações familiares e o valor que elas o ao momento
no qual estão juntos.
Pelos depoimentos, percebe-se que as relações familiares, os laços ou
convivência são importantes e a maioria deseja que sejam mantidos. A interação entre
os membros é ressaltada através dos divertimentos, dos passeios e formas de distração,
sempre apontando para a família em conjunto. Mesmo as divorciadas, nos fins de
semana ou nas férias de fim de ano, ressaltaram que estão sempre com os filhos e/ou os
pais de origem e familiares.
Segundo Correa
126
, nos tempos atuais, a industrialização, a crescente
urbanização, são fatores que levam a família brasileira a um estreitamento de laços de
solidariedade. Podem ser vistos como uma forma de defesa às pressões do mundo
competitivo. A família, através dessa união, não seria rompida pelo sistema. Pode
também ser apoio emocional, financeiro, de cooperação.
Dágma: “Nos finais de semana meus filhos se reúnem sempre comigo. Nós
almoçamos juntos, essa meninada. São os netos, são os filhos... O almoço de
domingo é sagrado, é a família toda; a mesma coisa no natal, a mesma coisa no
final de ano. (...) Férias é necessário. Em tempo de vacas gordas e magras,
nossas férias são sagradas.
A entrevistada sugere que para manter a convivência familiar, para continuar
com a família reunida nos momentos significativos e representativos para a mesma, não
abre mão desse privilégio com dificuldade ou sem dificuldade. Percebe-se o esforço
pela continuidade, pela conservação dos valores que têm significado e importância para
ela.
Para os empresários, o valor familiar também aparece nos depoimentos ao se
referirem às férias:
José Humberto: “Em férias... quando férias a gente um passeio com as
crianças, vamos à praia, ou a uma cidade qualquer; o mesmo que as outras
famílias fazem (...) (Férias) só juntos.”
José Soares: “(...) nós sempre viajamos juntos, normalmente vamos para uma
praia, normalmente em janeiro, início de ano. (...) E também às coisas sociais
da cidade a gente participa muito, mas sempre em conjunto.”
126
CORREA, Mariza. Repensando a família patriarcal brasileira. Cadernos de Pesquisa. (37): 5-16,
maio/1981.
149
Nas famílias dos empresários, constata-se uma semelhança com a maioria das
mulheres empresárias, onde o hábito nas férias conjugais é viajarem juntos.
Em relação aos amigos, as mulheres citaram várias características que
influenciam na hora da escolha. A rede de sociabilidade se estende para fora do lar,
mostrando-nos também a representação dos modelos dessas relações sociais. Através
dos fatores de escolha, notam-se os valores presentes na tecitura das convivências entre
as pessoas. Percebe-se uma ênfase à conduta moral na escolha dos amigos,
subentendendo-se que aqueles que não a possuem, devem ser evitados ou não serão
aceitos pelo grupo.
A escolha dos amigos pela conduta, pela moral e comportamento presentes na
maioria dos depoimentos, foi enfatizada por duas mulheres, acrescidos dos fatores
profissionais e cultural.
Terezinha: “Eu admiro muito as pessoas inteligentes, cultas (...) Para as
minhas companhias, eu sempre procuro pessoas boas, sensatas, honestas...
porque eu sou muito aberta, livre... Então eu gosto de pessoas muito honestas
(...) Então, como a gente está no Magistério, acaba que o seu grupo maior é
sempre dentro do magistério, que são aquelas pessoas com quem você mais
convive.”
Ao mesmo tempo que a escolha dos amigos se assemelha em alguns fatores, se
diverge em outros. Não podemos dizer, portanto, que existe homogeneidade nessa
escolha em todos os fatores, exceto na conduta moral. As relações são estabelecidas por
várias outras motivações.
2.5. Mãe e Profissional: Esforços e Renúncias
“É um conflito maluco. Em alguns momentos, quantas vezes eu deixei meu filho
com febre, que não estava bem, doente, mas a gente tinha que vir para a
empresa resolver, porque eu não tinha licença, não tinha nada disso. Eu tinha
que continuar. Em quantos momentos eu sai de casa chorando, mas eu tinha
que vir. Então, é um conflito, em alguns momentos você pensa: ‘Meu Deus,
quero ser mãe’. Aí, de repente, você tem uma semana de férias, você tira
uma semana de férias, e ‘Meu Deus, eu não consigo mais não ser profissional
também’. É um conflito.” Heraída Maria Caixeta Borges
A mulher que é mãe e profissional é cobrada em todas as suas funções. Mesmo
que essa cobrança possa não ser de “outro”, ela mesma se “cobra” para ser inteira em
150
suas atividades sociais “definidas como femininas”. Ela mesma se “culpa” e sente
remorsos por achar que não cumpre bem suas funções. E caso consiga vencer essas
“culpas” criadas por ela mesma, é conseqüência de um longo processo de sofrimento,
ajustamento, vivência e amadurecimento. Essa “culpa” tem suas origens no
cristianismo.
Portanto, como é um fato concreto na vida da mulher que é mãe e profissional,
ter que assumir e dar conta dessas responsabilidades “com culpa” ou “sem culpa”,
tentamos abordar alguns momentos desses conflitos na vida das mulheres empresárias.
Concretizada a condição de mães e profissionais ao mesmo tempo, foi
perguntado às mulheres, qual o lado que “gritou” mais alto ao enfrentar a maternidade e
o trabalho, ou seja, o que era mais importante naquele momento: o fato de ser a mãe ou
ser a profissional?
Dentre vinte mulheres casadas, doze responderam que o que “gritou” mais alto
foi a profissional e oito responderam que foi a mãe.
Confessamos que vimos o resultado com uma certa surpresa devido à essa
postura. Mesmo que algumas mulheres tenham sido educadas para primeiro serem
independentes e profissionais, para depois pensarem em casamento, sabemos que a
educação para ser somente “procriadora”, mãe, com um “culto à maternidade”, ainda
era e é muito forte na cultura em geral.
Mas, constatou-se que, entre a maioria, está acontecendo uma mudança frente à
essa condição da mulher, apesar das culpas”, do remorso e até uma vontade de agir
diferente da época anterior.
Mírian: “... Eu fui até a um médico, porque o trabalho para mim era de uma
forma compulsiva. Eu achava aque eu era doente. Eu fiz até umas seções de
sinesiologia e me libertei disso. Na época (que tive filhos), a mulher
profissional gritou. E isso me um remorso, eu vejo meus filhos e me uma
certa culpa.”
A entrevistada sentiu-se “culpada” por ter voltado ao trabalho com oito dias após
o nascimento do filho. Ressaltou que se tivesse a maturidade, a estrutura que tem hoje,
não faria isso. É nesse momento, que se percebe que existe o conflito entre as
identidades, a construção da diferença na educação que a mulher tem perante a
sociedade pela qual é cobrada e se cobra também.
Aparece dividida, porque ao mesmo tempo que assume uma crítica à mulher
tradicional, acha que a sua mudança ou sua atitude, embora certa, essa decisão parece
ter uma certa dureza, como se não se importasse com o filho. A mudança dentro de um
151
comportamento que é cobrado tradicionalmente (ser apenas a mãe), acontece com
traumas, com sofrimento. Não há uma aceitação ainda de que a mudança possa ser feita
sem traumas.
De acordo com Chauí, “a cultura do medo” é também a “cultura da culpa”,
originária do cristianismo, o qual cria uma filosofia que capta corpo e alma com
fraquezas e forças iguais. Segundo a autora: “Quando a interiorização da culpa e da
obediência tiverem feito seu percurso, o desejado, que antes fora posto como causa
externa do desejo, será imaginado como perversão interior, exigido o advento recta
ratio, capaz de frear e reprimir uma natureza essencialmente pecaminosa e
autodestrutiva. A paixão engendra, assim, seus próprios fantasmas; deuses, diabos,
bens, males, tiranos externos e internos a suplicar a tirania da razão. Urdindo uma
trama secreta entre Deus e o Diabo pela mediação de uma vontade que se descobre
livre porque capaz de desejar o mal, a imaginação tece a imagem da liberdade, isto é,
sua negação. Seu contraponto será também uma imagem, a da necessidade confundida
com a figura da autoridade que decreta proibições e interdições.”
127
Dessa forma, surge o poder que se destina a punir todas as transgressões e
recompensa as submissões. E essa trama imaginada tem suas causas nas paixões, quais
sejam, o ódio ao corpo, à alma pensante e o medo baseado na superstição.
A entrevistada acima, criada para o casamento, para ser “dona de casa”, com
uma posição voltada à preservação dos valores conservadores, no momento da
maternidade, símbolo da “ideologia patriarcal” e da sujeição da mulher ao espaço
doméstico, teve uma atitude contrária. Não significa com isso que as mulheres tenham
que fazer opção de mãe ou profissional. Não é isso, mas apenas verificar que a questão
da maternidade e do “papel” de procriação dado à mulher pela sociedade patriarcal para,
exatamente, fechá-la dentro do espaço privado, está sendo questionado. A mulher está
dizendo que mesmo sendo mãe, ela é também capaz de trabalhar. Não é pelo fato de
gerar filhos, de ser procriadora, de ser mãe, que ela tem que ser “confinada”. Também,
se ela decide ser mãe naquele momento e dar um tempo ao trabalho, é um direito dela e
não porque ela tem que ser mãe. Mas, até o momento, sabemos que tudo isso foi
colocado no discurso universal masculino intencionalmente para “segurar” a mulher no
espaço doméstico. Contudo, através das novas posturas que hoje detectamos nas
famílias, nas atitudes das mulheres, observamos que elas estão questionando essa
127
CHAUÍ, Marilena. Sobre o Medo. In.: CARDOSO, Sérgio et al. Os sentidos da paixão. São Paulo:
Companhia das Letras, 1987, p. 53.
152
condição imposta. Mas, nem por isso, deixam de ser dedicadas à família, ou seja, aos
filhos, ao marido e ao lar.
Continuam sendo mãe e profissional, tentando a liberdade de escolha e não mais
por obrigação ou imposição. Percebe-se na opinião das mulheres, que as próximas
gerações terão um comportamento diferenciado em relação à mulher, à e que
trabalha fora, porque os filhos vindos de mães trabalhadoras verão com mais
naturalidade esse fato. Portanto, serão mais aceitas, será normal a mulher ser mãe e
trabalhadora. Percebe-se também que, se no início a grande maioria das mulheres
trabalhadoras foram à luta por necessidade, agora elas irão por vontade e iniciativa
própria, porque sabem que são capazes de trabalhar e criar os filhos. Enfatizam a
manutenção da estrutura familiar e os sentimentos emocionais da mulher em relação à
família.
Observamos que as mulheres, em sua maioria, conseguem conciliar as suas
atividades como mães e profissionais, apesar da maternidade não ser responsabilidade
sua, sendo também, dos homens. A perpetuação da espécie não depende apenas da
mulher. O homem também é responsável.
Uma entrevistada nos apresenta uma contradição, agora no sentido oposto ao de
outra. Contraditória no que se refere à sua formação, pelo que conhecemos de sua
trajetória e formada desde cedo para ser independente e não dona de casa.
Gláucia: “O meu pai. Eu acho muito interessante - acho que ele até arrepende
um pouquinho disso - (risos...) O meu pai falava, que eu tinha nascido de
calças, e que os meninos tinham nascido de saia, que eu era mais parecida com
ele. E então, eu realmente, desde criança, eu criei uma identificação muito forte
com o meu pai. Eu queria ser como ele. Você imagina uma mulher que cresce
achando que tem que ser igual a um homem! Então, eu não valorizava as
qualidades de minha mãe, eu valorizava as qualidades do meu pai, e quis ser
como ele, a ferro e fogo. Agora, depois de tanto trabalho interno, é que eu
começo a ver que eu não tenho como ser como ele, pelo simples fato de que eu
não sou homem!”
Por isso, nos surpreendemos com a resposta de se sentir mãe em primeiro lugar e
se considerar uma guardiã do lar”, ou seja, uma autêntica dona de casa. Nessa sua
trajetória, com os trabalhos internos que tem feito para a “des-construção” dessa
imagem masculina criada e perseguida pela entrevistada, houve uma mudança em seu
comportamento:
Gláucia: “... foi depois que eu comecei a ver no meu casamento, e que a coisa
não estava indo bem, o que eu precisava ver o que estava acontecendo... aí que
eu fui perceber: ‘Espera aí, homem casar com homem não não!’ (risos...).
Eu fui percebendo que eu tinha, de certa forma, negligenciado o meu lado
feminino, completamente! Primeiro, porque eu mirava o pai, papai era meu
153
espelho, era tudo que eu queria ser, e eu não valorizava então o lado feminino
que era a mãe. Então, eu fiquei na esfera do meu pai. Eu fiz uma terapia,
inclusive que chama-se (Simezia Oculta do Amor) que deu para ver isso
perfeitamente, eu estava na esfera masculina da família, não estava na esfera
feminina. Então foi um resgate, e junto com esse resgate eu consegui manter da
mesma forma a empresária, que eu consegui ficar mais inteira, eu consegui
ser mais mulher. E meu pai, de uma certa forma, me criou muito para isso, ele
falava: ‘Casar? Que bobagem minha filha! (...) (dona de casa) de jeito
nenhum!’ (...) Todos três (irmãos) fomos criados para serem independentes,
para cuidar de suas vidas e não depender de ninguém, todos três, não tinha
diferença nenhuma (...) (para o casamento). Não, não criou.”
A mudança da entrevistada no modo de encarar a sua participação social, à
procura da integração do seu “lado feminino”, é explicado por Muraro
128
, quando fala
sobre a luta que o ser humano tem à procura da individuação”. O ser humano, vítima
da cultura, formado erroneamente como um ser dissociado, onde se separa “mente e
corpo”, cresce em conflito. Todos nós crescemos em conflito. Não nascemos divididos,
dissociados, mas a nossa cultura, a formação patriarcal nos faz seres dissociados, não
integrados. Daí, quando procuramos nos “integrar” para tentarmos sermos seres um
pouco mais completos, procuramos a “individuação”. É o que aconteceu com a
entrevistada, que tentou tirar a sua “máscara”, o forjamento de uma “pessoa”, de uma
“imagem” que ela não era.
Ainda sobre a questão de ser Mãe ou Profissional uma outra ressaltou:
Fátima Prado: “Eu acho que nós somos uma mescla, (...). O ser humano, ele
não é dividido, nosso braço não é separado de nossa perna. Nosso coração,
que dita tanta coisa, não é separado de nossa cabeça. O meu marido, ele
valoriza muito a mulher, e eu acho que, até pela análise dele, eu enxergo...
porque a gente que é a coisa, às vezes não enxerga. Mas quando vem de um
outro sexo oposto falando, nós somos magistrais, sabe? Eu vejo o que eu faço -
e eu não sou a única, eu não sou a primeira e não vou ser a última, eu não sou
a melhor, mas eu vejo mulheres fazendo coisas... e tantas coisas ao mesmo
tempo, que o homem não conta... homem não conta! O meu me , e não
conta de fazer. E eu tenho 100 funcionários homens, e eu sei que eles não
dão conta de fazer, e nós temos sete mulheres, e eu olho para elas e penso: ‘Se
precisar, eu sei que vocês dão conta de fazer.”
A entrevistada deu ênfase ao ressaltar a não “dissociação” entre mãe ou
profissional, ou seja, qual foi o mais forte no momento de gerar o filho. Essa análise
transposta à formação da menina - da mulher - pode ser entendida pelo fato da mulher
não separar mente, corpo e alma. Ela se vê como uma unidade, integrada e não
separada, dissociada.
128
MURARO, Rose Marie. Os seis meses em que fui homem. op. cit.
154
Ressalta também a capacidade que a mulher tem de fazer várias atividades ao
mesmo tempo e que, na sua opinião, o homem não possui. Do seu ponto de vista,
somente a mulher consegue ser múltipla, capaz de fazer várias tarefas ao mesmo tempo.
Observamos mais uma vez a “naturalização” das características femininas e masculinas
na fala de algumas mulheres.
Nessa caminhada de Mãe e Profissional houve renúncias, custos, esforços,
sofrimentos, a necessidade de ser uma mulher múltipla, “presente” em todos os lugares,
bem como alegrias, realizações, emoções.
A luta no dia-a-dia, a exigência da multiplicidade de ser mãe e profissional,
levou-nos a abordar a questão sobre o custo dessa jornada dupla e quais renúncias foram
ou são mais comuns entre as mulheres no seu cotidiano. Ressaltamos que incluímos
todas as mulheres, ou seja, as vinte e quatro neste item, porque mesmo que quatro não
sejam mães, são profissionais e, devido ao trabalho, também estão sujeitas às renúncias
e esforços e, inclusive, algumas são responsáveis pela administração da casa.
Apesar de ressaltarem que custos, dezoito mulheres desse grupo afirmaram
não sentirem-se infelizes, muito pelo contrário, que estão satisfeitas porque o maior
prazer é o trabalho. Da mesma forma se referiram às renúncias. Apesar delas, sentem-se
realizadas. Os motivos dos custos por serem mulheres múltiplas variam entre as
mulheres:
Maria de Fátima: “Custou mais do que custa hoje, porque o começo já é
difícil (...) ainda mais que eu saí da faculdade e enfrentei uma empresa. Eu
não tinha conhecimento prático, o teórico naquela época, e eu tinha que
conciliar o casamento. Eu estava casando, abrindo uma empresa, saindo de
uma faculdade. Só que, toda vida, eu fui uma pessoa muito tranqüila, eu sempre
acreditei que ia vencer, que eu ia chegar até o fim e consegui chegar lá. Mas foi
preciso muita garra, muita força de vontade.”
Outra empresária enfatizou a sua situação por ser responsável em casa como
sendo pai e mãe:
Maria Ângela: “Custa (ser múltipla), eu acho que não é brinquedo (...) tudo
sozinha (...) Eu faço o papel de pai e de mãe, toda vida eu fiz. Sempre sou eu;
os outros dois (filhos) estão fora, a menina é menor... Então eu olho tudo.”
Outros aspectos assinalados nos depoimentos foram que, além de ser mãe,
profissional, a mulher tem que ser também, boa esposa e amante para o marido,
companheira, “pronta” a qualquer hora, disposta, de bom humor, sempre bonita,
elegante, enfim, uma exigência sem limites.
155
Mas apesar dessas exigências, das confissões dos esforços, custos e renúncias, a
maioria das mulheres afirmaram estar satisfeitas, realizadas e felizes.
Contudo, observa-se sempre uma certa contradição, porque apesar de revelarem
que superaram o sentimento da “culpa” ou remorso por terem deixado os filhos para
trabalhar, este sentimento sempre volta na fala da maioria das mulheres. Parece-nos que,
é como se tivessem que estar justificando que tiveram “culpa”, como se realmente
“precisasse” de ter a culpa. Ou seja, se não tem, pode ou poderia parecer aos “outros”
que estaria errado devido à cultura, à forma que a mulher deve ser na sociedade
patriarcal e não como ela deseja ser.
Marli: “Custa muitas vezes até a culpa, não é? A gente sente um pouco
culpada em relação, às vezes, achando que não é boa mãe, ou às vezes está
achando que está deixando outras coisas... tinha aqueles valores que eram
obrigação da gente fazer (...) Parece que a gente estava falhando em alguma
coisa. Hoje eu já não tenho isso.”
Também o custo de ser múltipla apareceu no nível das perdas concretas nas
relações familiares, como o casamento, por exemplo.
Carlúcia: “Me custou muito (...) eu praticamente abdiquei de minha
maternidade, perdi o casamento quase que por isso, o motivo mais forte foi
esse. Eu paguei um preço alto para chegar... para conquistar tudo isso que eu
conquistei. Mas eu acho que a gente para crescer, tem que passar pelas
barreiras, pelas dificuldades, a gente tem que saber tirar proveito daquilo para
ir para frente. Esse negócio de ficar olhando para trás, porque senão você
tromba no da frente (...) Me custa muito agora ser múltipla porque, poxa, eu
estou com 40 anos. E o que eu estou querendo para a minha vida? Estou
querendo um pouquinho usufruir de tudo que eu construí, que eu lutei...
que, assim, quanto mais você tem, mais responsabilidade você tem. E aí, esse
tempo para usufruir, para curtir, está difícil, eu o estou conseguindo, apesar
que eu melhorei muito, diminuí muito plantão, estou mais tranqüila, o
movimento da clínica é excelente... Mas mesmo assim, quer dizer, você sai
daqui agora, eu podia ir para casa, tomar um banho, ou ir para sauna - hoje
tem uma sauninha... - mas eu chego e o filho está lá: ‘Mãe, eu quero jantar,
eu quero um sanduíche, quero não sei o quê...’, porque o tempo que eles têm
também de me ver, é esse tempo. Então na hora do tempo meu de descanso,
tenho que dar atenção, porque não dei durante o dia todo. Então, eu me sinto
muito cobrada, muito, muito cobrada... e as pessoas aprenderam a me ver como
forte, elas não aceitam deslize! E no sábado e domingo eu tenho que ir para a
fazenda, ou senão eu estou de plantão. Quer dizer, está faltando... O que eu
quero? O que eu quero, é viajar, passear, daqui para a frente eu não quero ter
compromisso, assim de ficar apertada, sem dinheiro, sabe?”
Além do casamento, a entrevistada se refere à maternidade, pelo fato de em uma
semana após o parto ter retornado ao trabalho, ou seja, um custo pela saída, por não ter
ficado mais tempo ao lado dos filhos naquele momento.
156
Em relação às renúncias, a maioria das mulheres apresentam semelhanças
quando afirmam que gostariam de ter mais tempo para elas mesmas. Gostariam de ter
tempo para uma ginástica, fazer um curso de língua, estudar, passear ou simplesmente
sair à rua para ver “alguma coisa”.
Também renunciam ao comodismo, a uma vida mais tranqüila, porque o
trabalho exige a presença até altas horas da madrugada, conforme a atividade.
Marisa: “... a gente larga de viver assim, com comodismo, tranqüilidade, com a
família (...) Eu vejo muito mais o meu lado profissional do que o meu lado
afetivo, o meu lado de mãe, ou para sair, para divertir. Então, é uma mudança
realmente na vida da gente. (...) Eu estou satisfeita, eu faço porque eu gosto
realmente do que faço. (...) (Passo) sexta, sábado e às vezes domingo
trabalhando (...) (Chego) de madrugada, de manhã cedo em casa (...) fizemos
330 festas este ano (2000), quase uma por dia (...) tempo para mim mesma não
tenho (...) vivo mais o lado profissional do que o familiar.”
Seis mulheres revelaram que não houve e não custos e nem renúncias por
serem múltiplas, por administrarem a casa, serem profissionais com filhos ou sem
filhos. A referência em fazer tudo com prazer, com amor, está presente em todos os
depoimentos, mesmo naqueles nos quais as mulheres revelaram haver custos e
renúncias no dia-a-dia por terem várias atividades.
Cynthia: “... eu chamo de jornada quádrupla. Porque eu tenho a minha casa,
eu tenho a loja, eu tenho a minhas viagens e tenho o meu apartamento em Belo
Horizonte, onde estão meus filhos. Então, para mim é uma jornada quádrupla,
que eu faço com o maior prazer, o maior amor (...) Cada um aquilo que está
faltando e vai fazendo (...) Então, isso não me cansa. Eu acho que isso me
mais força, me energiza, para eu poder estar continuando.”
Ainda do grupo dessas seis mulheres onde não houve e nem custos e nem
renúncias outra sublinhou:
Terezinha: “Não custa! Nada, nada, nada... É difícil? É porque é um jogo de
cintura. Mas não custa porque faz as duas coisas com gosto, com muito amor,
com sentimento. Então não custa nada! Eu sou muito desprendida (...) Eu fico
impressionada quando as pessoas deixam de praticar um ato de gentileza, a
falta de colaboração. Quantas vezes eu estou mais ocupada do que o outro que
está do meu lado e sou mais capaz de servir a pessoa do que aquele que está
desocupado! Isso me preocupa e me incomoda, sabe? Então, eu acho o
seguinte, é aquele velho ditado: quanto mais ocupada é a pessoa, tanto mais
tempo ela tem.”
Por conseqüência, as mesmas mulheres desse grupo afirmaram que não
renunciam a nada que gostariam de fazer, ou seja, se não há nenhum custo pelas
atividades múltiplas, não há, portanto, nenhuma renúncia.
Dágma: “Eu faço com prazer e sei conciliar minha casa, minha família, meu
trabalho e minha religião. (Faz tudo que gostaria) Sim, faço.”
157
Dalci: “Tem dia que é pesado (...) sou uma pessoa que trabalha porque gosta.
A primeira coisa, você tem que amar a sua profissão. Eu amo o meu serviço. Eu
estou dentro do escritório (...) deu a tarde e o meu caminhão chegou, a
mercadoria chegou... e eu me sinto tão feliz e realizada (...) não me pesa (ser
múltipla) Eu faço tudo (que quero) Eu não renuncio... (Se tem que sair) Depois
compenso. (Exemplo) Eu tenho (compromisso) três horas da tarde. Eu mato o
meu serviço e vou, e compenso à noite, mais tarde no escritório. (...) Porque eu
sou proprietária. Agora, se não fosse, eu não teria condição de fazer isso. Eu
vou viajar, eu contrato mais uma pessoa, eu chamo minha irmã que fica no
escritório em meu lugar, e eu faço a viagem que eu quero fazer. Mas é porque
eu sou proprietária e dou as cartas do jeito que eu quero.”
Algumas mulheres, pelo próprio ramo de negócios, têm o privilégio de sair do
trabalho na hora que desejarem. Diferente de outros ramos, nos quais a pessoa
responsável tem sempre que estar à frente, ou pelo fato do tipo de serviço oferecer
condições de ser feito a qualquer hora, de ser recuperado ou ser colocado em dia.
Mesmo sendo todas as mulheres proprietárias de seus negócios, a maior barreira,
colocada pela maioria, foi ter o tempo para elas mesmas, viajar, dedicar-se a si mesmas.
Portanto, não homogeneidade entre as mulheres na questão dos custos, dos esforços,
por serem mães, profissionais, administradoras da casa e das renúncias às suas vontades,
pela condição de serem mulheres múltiplas.
158
CAPÍTULO 3
O “OLHAR DO HOMEM”, O “OLHAR DA MULHER”
3.1. Mulher Empresária nas Associações e Sindicatos
“... a gente sente que uma opinião que você dá, uma pessoa mais velha às vezes
discorda, não pelo fato da opinião em si, mas pelo fato de ser uma mulher...
nova dentro do mercado e que de repente, a posição dele é até por causa de
geração (...) Eu tinha uma audiência em Carmo do Paranaíba, vários
advogados na sala, e o juiz chegou e ia me dar a palavra naquele momento, e
ele teria que falar: ‘Pode fazer a pergunta para a testemunha’. Mas ele
falou: ‘Olha, Doutora, pode fazer a pergunta para a testemunha, mas não
venha com pergunta idiota!’ E eu falei: ‘Olha, Excelência, eu gostaria que o
senhor abrisse aspas dentro da Ata: Eu jamais fiz pergunta idiota, eu não
conheço Vsa. Excelência, não estudei cinco anos na faculdade para fazer
perguntas idiotas e certamente não estudei na faculdade em que Vsa.
Excelência se formou! Eu vou constar os meus protestos, porque não estou aqui
para fazer pergunta idiota. Vsa. Excelência pode indeferir as minhas perguntas
e eu posso protestar em ata. Mas jamais Vsa. Excelência poderia se dirigir a
mim dessa maneira. Eu não sou loura burra. O fato de as pessoas estarem aqui
e serem mais velhas do que eu, não significa que sejam mais competentes. Vsa.
Excelência está falando com a Presidente da Ordem dos Advogados de Patos
de Minas, e Vsa. Excelência jamais repita o que disse, porque senão, vou entrar
com uma ação na Corregedoria contra Vsa. Excelência.’ O homem quase
morreu! Mas eu jamais poderia me calar porque eu não sou uma loura burra!”
Mírian Gontijo Moreira da Costa
A inserção das mulheres nas organizações sindicais emerge com força somente a
partir dos anos 1970 e isso significa um engajamento na luta pela discriminação. A
produção sobre esse tema, pelas militantes engajadas na luta sindical, procura dar
orientações e suporte às mulheres contra a resistência à sua participação dentro do
espaço sindical e de seus dirigentes que dificultam também, a sua entrada e presença
nesses espaços.
159
“Ressaltam como as mulheres devem enfrentar a hostilidade dos preconceitos
para fazer seu direito de participação nas organizações sindicais, e conseqüentemente,
poderem ter acesso aos cargos de direção nestas entidades”.
129
Nesse sentido, a discriminação contra as mulheres amplia-se e está entremeada
não nas classes dirigentes, mas também num dos direitos de todos os trabalhadores
que é participar de organizações sindicais, onde trata-se da liberdade de expressão
política também para as mulheres. No nosso caso, trata-se da participação da mulher nas
associações e sindicatos patronais, o que significa ter uma hierarquia acima de outros,
isto é, sobre os trabalhadores. Portanto, a política desenvolvida dentro desses espaços
patronais se difere dos espaços dos sindicatos dos trabalhadores especificamente.
Enquanto estes têm um espaço de luta voltado para os seus direitos (jornada de trabalho,
salários, previdência social, férias e outros), as associações e sindicatos patronais têm o
caráter de “controle”, de “resguardo” frente aos trabalhadores. Portanto, são diferentes
na política, no caráter e em seus objetivos.
Entretanto, apesar dos objetivos diferenciados e por se tratar de associações e
sindicatos patronais, existe a resistência e discriminação contra a mulher também nesses
espaços.
Procuramos, então, evidenciar os conflitos existentes na relação mulher-
sindicato e/ou associações, não somente para mostrar a discriminação, mas para refletir
sobre as possibilidades de sua participação para uma mudança, uma inclusão e inserção
nesse espaço político e público também.
130
No depoimento citado, observamos que não há uma linha divisória entre a
discriminação como mulher e sua presença em cargos de direção ou não, ou apenas
como profissional nos sindicatos e associações. A condição de ser mulher continua em
todos os meios e lugares, e sempre arranjam um adjetivo na tentativa de denegrir a
mulher. A mulher tem pouca participação nos sindicatos, sendo arredia nesse espaço.
Segundo Saffioti: A fraca participação da mulher nos sindicatos das economias
capitalistas encontra explicação, de um lado, nas próprias características fundamentais
129
GIULIANI, Paola Cappellin. Silenciosas e combativas: as contribuições das mulheres na estrutura
sindical do Nordeste, 1976/1986. In.: COSTA, Albertina de Oliveira; BRUSCHINI, Cristina (Orgs.)
Rebeldia e submissão - Estudos sobre condição feminina. op. cit., p. 255-266.
130
Cf. LAVINAS, Lena. Aumentando a competitividade das mulheres no mercado de trabalho. In.:
Estudos Feministas. ano 4. 1
o
sem. n. 1/1996, p. 171-182.
160
dessa mão-de-obra dividida entre o lar e o trabalho, e de outro, na maneira pela qual é
encarado o trabalho feminino, quer pela sociedade, quer pela própria mulher”.
131
Curiosamente, a maioria (95,8%) das mulheres empresárias é filiada em algum
sindicato ou associação, mesmo não participando diretamente ou ocupando algum cargo
dentro de uma diretoria.
Nesse sentido, dentro da amostra, vinte e três mulheres são filiadas nas
Associações existentes em Patos de Minas, como CDL - Câmara de Dirigentes Lojistas;
ACIPATOS - Associação Comercial e Industrial de Patos de Minas; SINDIVEST -
Sindicato do Desenvolvimento da Indústria e Vestuário; SINDICOMÉRCIO - Sindicato
do Comércio Varejista de Patos de Minas; BPW - Associação de Mulheres de Negócios
e Profissionais de Patos de Minas; OAB - Ordem dos Advogados do Brasil; Associação
Médica e Sindicato Rural de Patos de Minas.
Dentre elas, oito foram Presidentes de Sindicatos e Associações e muitas
delas, inclusive, foram as primeiras presidentes ou as primeiras mulheres dentro das
Associações e Sindicatos, após muitos anos de existência. Uma delas foi a primeira
presidente da Associação no Brasil:
Auzônea: “... fiz parte dos doze que saíram da Associação Comercial,
fundamos o Clube de Dirigentes Lojistas - CDL (...) e após dois anos, após o
primeiro presidente (...) fui a primeira Presidente-mulher (...) E, 79 fundou (a
CDL) assumi em junho de 80 e fui até 86. Eu fiquei 6 anos, três gestões. (...)
quando eu cheguei em Belo Horizonte para me apresentar (...) aos diretores de
outras CDLs e da Federação, estava uma mesa redonda posta para me receber.
(...) Eu cheguei, bateram palmas, me receberam, me abraçaram e falaram:
‘Olha, nós queremos cumprimentá-la porque a senhora é a primeira mulher a
assumir um Clube de Diretores Lojistas no Brasil. A senhora vai ficar na
história’.”
A entrevistada foi a primeira presidente mulher da Câmara de Dirigentes
Lojistas de Patos de Minas, como também a primeira mulher no Brasil a assumir tal
cargo. Outra mulher foi a primeira presidente da Associação Comercial de Patos de
Minas - ACIPATOS, após muitos anos de existência na cidade, ou seja, desde 1957,
portanto, após 38 anos:
Gláucia: “Eu fui a primeira mulher Presidente da Associação Comercial e
Industrial de Patos de Minas, de 95 a 97 (...) (Hoje) sou Presidente do Amparo
Maternal, uma instituição que tem um projeto que se chama: ‘Projeto Cidadãos
para o Século XXI’.”
131
SAFFIOTI, Heleieth Lara Bongiovani. A mulher na sociedade de classes. Mito e Realidade. op. cit.,
p. 67.
161
Uma outra associação, após 50 anos de existência, numa área dada como
masculina e fechada, abriu-se, e uma mulher foi também a primeira presidente.
Carlúcia: “Sou a primeira mulher médica Presidente da Associação Médica de
Patos de Minas, que já existe há 50 anos! (...) e estou no segundo mandato. (...)
De 1998 a 2001. Somos 135 associados, mais ou menos 13 mulheres. (...)
escolhida por eleição, por voto.”
Além do reduto médico, um outro considerado “masculino” e mais fechado às
mulheres é o jurídico. Uma das mulheres, da mesma forma, conseguiu um cargo de
direção nesse campo e em instâncias diferenciadas.
Mírian: “Fui presidente da OAB - Ordem dos Advogados do Brasil - a
seccional - a 45
a
Subseção de Patos de Minas. Envolve cinco comarcas na
Regional (...) de 1994 a 1997. De 1997 até 2000, eu fui Conselheira Estadual
da OAB em Minas Gerais e agora, de 2000 a2003 (...) represento a região
toda, junto à Seccional Mineira. E fui assessora jurídica da APAE durante duas
gestões.”
O setor de contabilidade, também dado como um reduto masculino no nível de
gestão, contou também com uma mulher presidente:
Maria das Dores: “Fui a primeira mulher presidente do Sindicato dos
Contabilistas em Patos de Minas (...) comecei em 97 e passei agora em 2000
(...) 95% eram homens, é uma associação composta em sua maioria por
homens. (...) Teve uma época que nas reuniões todinhas, era só eu de mulher no
meio daqueles homens todos. (...) Hoje, em 130 associados, deve ter 10, 15
mulheres apenas, associadas.”
A entrevistada ainda comentou que, na área da contabilidade, dentro dos
escritórios, a mulher tem uma presença grande em outros serviços, como por exemplo,
secretária, telefonista e outros. O número somente é muito pequeno nas situações
relativas aos cargos de direção.
Em outro ramo, o da Indústria, uma outra mulher chegou no cargo de direção:
Heraída: “Eu assumi a presidência do sindicado, do SINDIVEST (Sindicato da
Indústria do Vestuário do Alto Paranaíba) (...) em julho de 97 a 2000. (...)
Quando nós assumimos, eram 63 associados. Quando entregamos a direção
estávamos com 118 associados. (...) Esses associados abrangem 14 cidades,
dentre as quais a sede é o nosso sindicato aqui em Patos de Minas. São
empresas daqui e da região: Patrocínio, Lagoa Formosa, Carmo do Paranaíba,
Rio Paranaíba, Vazante.”
A entrevistada revelou que no momento que assumiu a presidência havia mais
homens que sobressaíam nesse segmento, com uma história e tempo maiores na
indústria do vestuário em Patos. E o curioso, conforme seu ponto de vista, foi o convite
feito a ela para ser presidente, ter vindo desses homens que estão mais tempo no
sindicato.
162
Heraída: “E acima de tudo eu percebi que a busca que eles gostariam de ter
com uma mulher assumindo a Presidência da entidade, é pelo fato de nós
mulheres termos uma facilidade maior de estar buscando a união entre as
pessoas e estar fortalecendo a entidade.”
Observa-se no depoimento, a referência às “características femininas”, ao
“emocional”, a procura de laços mais solidários entre as pessoas para congregá-las à
entidade. Características essas, observadas, dadas” pela cultura e que aparecem em
algumas falas das mulheres como sendo “naturais” a elas.
Algumas situações chamam-nos a atenção, pelas contradições que ora se
apresentam no universo dessas pessoas. Ao mesmo tempo em que o segmento é
masculino, fechado, este abre-se à mulher para ser a presidente.
Um outro ponto, agora semelhante, é que as discriminações reveladas pelas
mulheres anteriormente em outros espaços, continuam também nas relações dentro dos
sindicatos e associações, sendo que tanto indivíduos que discriminam como os que
não discriminam. O fato de serem convidadas a serem presidentes não significa que não
há conflitos e resistências a elas, o que foi detectado em alguns depoimentos.
Um outro fator curioso que vale ressaltar, apesar da entrevistada ter sido
convidada e ter o apoio dos homens no referido sindicato, é a omissão do nome das
mulheres nas empresas. Esse fato, inclusive, foi mencionado por uma outra empresária
no capítulo que abordou a discriminação por entendermos que essa prática é também
um ato de discriminação. Percebe-se um jogo de contradições, de incoerências, porque
concomitantemente existe uma receptividade à mulher, como existe um movimento de
anulação em relação à mesma.
Outras duas mulheres foram também Presidentes de uma mesma associação
direcionada às mulheres especificamente - BPW
132
- Associação de Mulheres de
Negócios e Profissionais de Patos de Minas. Evidentemente essa associação será sempre
presidida por mulheres, mas observou-se em vários depoimentos, que a maioria das
mulheres não se dispõe a assumir cargos de direção por vários fatores: não gostam ou
132
BPW significa Business and Professional Women ou IFBPW (Internacional Federation of Business
and Professional Women). A Associação é filiada à Federação das Associações de Mulheres de Negócios
e Profissionais do Brasil, nos termos do artigo IV seção 2 da Constituição daquela Federação e através
desta à International Federation of Business and Professional Women - IFBPW (art. 6 - 1,2). É uma
associação de caráter cultural, educacional e social, sem fins lucrativos, com personalidade jurídica e
patrimônio próprio, congregando cias profissionais de diferentes áreas de atuação, empresárias e
executivas, mulheres de negócio e mulheres que desejam ingressar no mercado de trabalho. Fonte:
Estatuto da Associação de Mulheres de Negócios e Profissionais, p. 1-2. A BPW - Patos de Minas conta
atualmente com 130 associadas e foi fundada em 27 de setembro de 1995 tendo à frente como sócias
fundadoras as Sras. Lovani Glaci Fischer, Sandra Castro, Auzônea Rosa Vieira, Glória Maia de Sousa
Cambraia, Maria do Carmo Bernard e Aimar Lúcia Correia de Queiroz.
163
não têm coragem, tempo, têm medo de se expor, porque, por estarem em evidência,
tornam-se alvos de críticas.
As relações das mulheres empresárias com o sindicato e associações são muito
divergentes. Enquanto algumas atuam em cargos de direção, até como presidentes,
outras mulheres, apesar da filiação, não participam de reuniões ou funções, não sendo
ativas. Seis mulheres revelaram não gostar ou preferem “aproveitar” esse tempo que
seria para o sindicato e/ou associações para ficar em casa com a família, com os filhos.
Rosângela: ... eu não quis dividir a minha casa com isso. Porque eu tenho
a minha loja. Então, eu teria que deixar uma coisa: Eu não quis ainda. Eu
tenho resistência em deixar a minha casa.”
Remetemo-nos a Chauí,
133
ao dizer que “o sair para trabalhar fora” é vivenciado
como algo ambíguo, porque ao mesmo tempo que é visto como ampliação da
sociabilidade, é também sentido como perda de uma situação dentro de casa. E
consideram o “sair para trabalhar fora” uma dupla jornada de trabalho. O simples “sair
de casa” é visto apenas como espaço de sociabilidade. Observamos que o fato de
participar do sindicato, das associações, das reuniões, é visto pelas mulheres apenas
pelo lado do “sair de casa” e não sendo, portanto, uma responsabilidade como para “sair
para trabalhar”. Dessa forma, a mulher empresária prefere “ficar em casa” com os
filhos, olhando mais a casa, a “sair de casa” para participar dos sindicatos.
A presença da mulher dentro do sindicato e associações é percebida pelas
mulheres entrevistadas com divergências, ou seja, cinco mulheres revelaram que existe
uma resistência e discriminação à mulher, relegadas à um segundo plano.
Auzônea: “Meus companheiros de fundação da CDL não tinha
(discriminação) contra mim. Eles são maravilhosos, até hoje, somos como
irmãos (...) mas os outros lojistas que se filiaram à Associação, por
circunstâncias, porque eles necessitavam da prestação de serviços do SPC
(Serviço de Proteção ao Crédito), me discriminavam. Visitei muitas e muitas
vezes firmas para fazer parte. Nunca me deram apoio. (...) Me recebiam bem,
mas não apareciam. Não iam em reuniões, não davam apoio em nada,
simplesmente usavam os serviços que eles necessitavam. Não iam além disso.
(...) Eu percebi que era falta de confiança em mim. Isso era claro por ser uma
direção feminina (...) Na ACIPATOS, eu sentia que existia muita inveja tanto
por parte de mulheres quanto de homens, e por ser mulher (...) Você sente (...)
Para você ter uma noção, foi bem depois de mim, que é que admitiram mulher
na chapa. Foi bem depois. A Associação de Belo Horizonte até há pouco tempo
não tinha mulher. a Beth Pimenta da Água de Cheiro foi a primeira (...) A
Associação Comercial de São Paulo, foi pouco tempo que admitiu a Rose
Benedetti como membro da diretoria. A discriminação é visível, sabe?”
133
CHAUÍ, Marilena. Conformismo e resistência: aspectos da cultura popular no Brasil. 6 ed., São
Paulo: Brasiliense, 1986.
164
Conforme o depoimento, a resistência e discriminação à presença da mulher em
sindicatos e associações não acontece no contexto local.
134
A entrevistada faz uma
comparação com Belo Horizonte e São Paulo, capitais e cidades grandes, observando
que existe a mesma resistência e discriminação à mulher, como aqui em Patos de Minas,
cidade bem pequena em relação às outras.
As opiniões das mulheres empresárias são tão diversas que uma delas, ao
participar de um sindicato e uma associação, revelou-nos existir a discriminação em um
espaço e no outro não, os quais são considerados mais masculinos.
Carlúcia: Inicialmente (...) muita crítica (...) Eu tive colegas que falaram
assim ‘A Associação Médica agora não vai para frente mesmo... Ainda mais
com mulher na cabeça!’, e muitos dos que falaram, hoje chegam para mim e
falam: ‘Nossa, como eu me enganei, como hoje você faz a Associação crescer,
como nós crescemos!’ Hoje, eles mudaram o conceito. (...) (Teve que provar)
mais uma vez... O sindicato dos médicos é bem tranqüilo, é bem aberto, a
cabeça é boa. Já no Sindicato Rural, praticamente eu nem existo, entendeu, eles
até me convidam às vezes, mas também nem vou.”
Percebe-se que mesmo havendo uma situação tranqüila hoje na Associação
Médica, no início, houve uma certa resistência. Já no Sindicato Rural, a reserva em
relação à mulher é grande. Lembramos Cappellini ao afirmar que: “... estamos
reconhecendo que há, por parte das mulheres de diferentes segmentos (...) um potencial
crítico que contesta as atribuições sociais da feminilidade e que vem se organizando,
sempre mais, no interior dos espaços produtivos e sindical. É esta a sua contribuição, à
renovação do movimento sindical (...) não podemos escamotear a emergente força das
lutas das mulheres nos mais diversos contextos sociais. Lutas estas que encontram sua
pluralidade de expressão coletiva e individual quando se explicita a insatisfação,
quando enfim se exige, a partir da denúncia do poder patriarcal/masculino, a
reformulação da inserção social da mulher nas organizações sindicais”.
135
Dessa forma, percebe-se um caminho para a contestação e ainda de acordo com
a autora: “(...) no jogo complexo das relações sociais que envolvem tanto as entidades,
como a prática política dos dirigentes, haveria uma freqüência constante daqueles que
apoiam e daqueles que opõem barreiras. Poder-se-ia, enfim, prever que certos
mecanismos de defesa e de solidariedade, perpassam uniformemente os espaços
134
Cf. PUPPIM, Andréa. Mulheres em cargos de comando. In.: BRUSCHINI, Cristina e SORJ, Bila.
Novos olhares: mulheres e relações de gênero no Brasil. São Paulo: Marco Zero: Fundação Carlos
Chagas, 1994.
135
GIULIANI, Paola Cappellini. Silenciosas e combativas... op. cit. p. 291-2.
165
sociais, de tal forma que levariam a identificar os defensores e os ‘inimigos’ da
participação política das mulheres.”.
136
Contrariamente às opiniões expostas até aqui, quatro mulheres revelaram não
existir a discriminação em relação à mulher nos sindicatos e associações:
Gláucia: “A porcentagem de homens é maior (na ACIPATOS), mas a mulher é
muito bem recebida, eu senti isso quando eu fui presidente (...) não tive
(discriminação) pelo contrário, eu acho que eu estava nos meios de
comunicação a semana inteira, todo mundo me dava cobertura, abertura. Eu
não senti, mesmo! Se tinha, eu não vi. Se teve, eu não saquei.”
Ressaltamos que dentro de uma mesma associação as opiniões das mulheres
empresárias são diferentes. Umas percebem a resistência, a discriminação e outras
revelam não existir. Algumas mulheres se referiram à posição secundária da mulher,
observando que em muitos sindicatos e associações as funções mais comuns dadas a
elas são de secretária ou na área social e vêem isso como uma forma de subestimar a
capacidade da mulher.
Maria das Dores: “... todo lugar que a gente vai, eles querem que a gente seja
secretária (...) e diretora social (...) porque eles acham que elas tem mais jeito
para organizar as coisas e tudo... Deve ser porque é uma coisa mais ‘light’
também, não é?”
Ao atribuírem às mulheres o cargo de secretária, prática comum em todos os
sindicatos e associações, reforçam-se as qualidades que são consideradas femininas. Na
percepção das mulheres, essa prática funciona como um sinal de resistência.
A situação da mulher dentro dos sindicatos como posição secundária é
reconhecida pelas mulheres e fazem algumas observações sobre essa situação. Vinte e
duas mulheres, inclusive, e outras mulheres que tiveram cargos de direção, revelaram
que essa posição é também por culpa da própria mulher. As mulheres são omissas, não
participam com assiduidade e, portanto, são elas mesmas que não têm se empenhado
para conquistar seu espaço.
A questão do espaço do sindicato não ocupado pelas mulheres é claro, bem
como o não aproveitamento desse espaço, o qual poderia ser usado para se fazer
reivindicações e melhorias para todos os segmentos, como a questão da capacitação dos
funcionários que deixa muito a desejar. Uma das mulheres, mesmo se referindo à cidade
como pequena, cita que a necessidade de aperfeiçoamento na mão-de-obra para o
mercado, a qual poderia ser treinada e/ou resolvida através dos sindicatos e associações.
136
GIULIANI, Paola Cappellini. Silenciosas e combativas... op. cit., p. 293.
166
O sindicato, portanto, para algumas mulheres não é usufruído por elas para lutarem e
buscarem melhorias para seus setores.
Mais uma vez, surge a visão de que a mulher ao mesmo tempo que deseja,
parece não desejar, ou seja, ela própria não assume ou não procura, ou não se interessa
por aquilo que reclama não ter.
No mesmo viés, um empresário observou:
Paulo: “(A mulher) se omite talvez pela criação, pelo modo como ela vive em
sociedade (...) se você deseja ir a uma festa, desejar ir a um encontro, você se
vira e vai. Então muitas mulheres ficam submissas, não porque às vezes o
marido é machista, é porque elas mesmas se acham incapazes de assumir
aquilo que lhe compete.”
O depoimento do empresário se assemelha com o anterior, no sentido de que
muitas mulheres, se ainda não avançaram mais, é por responsabilidade delas mesmas e
não por outro obstáculo.
Nesse sentido, Muraro
137
nos diz que existe muita mulher tradicional que ainda
deixa o homem decidir por ela.
O medo e o pânico que alguma mulher demonstra ao ter que decidir ou tomar
frente de alguma coisa, mostra-nos que ela gosta de ter um provedor. E esse desejo está
presente na mulher que tem medo do sucesso, da responsabilidade, o medo de assumir
sozinha as conseqüências e o risco de jogar. Dessa forma, a mulher, treinada para ter
segurança e o homem para ser jogador, ainda tem dificuldade de se soltar da “proteção”
do marido ou de se expor ao mundo da competitividade, acontecendo o mesmo também
com as solteiras.
Sendo o domínio público de fragmentação, de conhecimentos especializados, e a
mulher por ser mais integrada, ou seja, menos especializada do que o homem, ela fica
mais predisposta ao fracasso por não suportar o jogo pesado. Por isso, as mulheres
esperam ou aceitam o fracasso mais do que os homens e, quando isso acontece, culpam
a si mesmas, porque têm menos autoconfiança do que os homens. Se acontecer de serem
bem-sucedidas, essas mulheres dizem que foi por sorte, mas quando os homens têm
sucesso e são bem-sucedidos, eles dizem que foi por competência.
Nessa perspectiva, Murado afirma:
“Esse medo do sucesso (...) ao menos inconscientemente, vem do medo de
competir com o homem, de negar sua feminilidade, de ser rejeitada pelos homens se
137
MURARO, Rose Marie. Os seis meses em que fui homem. op. cit.
167
tiver mais sucesso do que eles.”
138
O entrevistado, ao dizer que a mulher se omite talvez pela criação, justifica-se
pelo que a referida autora acima explica sobre a formação “construída” das meninas e
dos meninos. As meninas são orientadas para a maternidade e o cuidado dos outros
desde o nascimento, são mais aptas à intimidade e a relações mais profundas. No
sentido oposto, os meninos são educados para a decisão, a ação, a autoconfiança e para
serem independentes. Suas emoções são reprimidas desde o início e sua criatividade é
estimulada para as situações de dificuldade e de competição. Dessa forma é que as
mulheres se tornam sempre “a segunda melhor” no mundo do trabalho, a secretária
competente, eficiente e não a chefe ou a diretora. Mesmo realizando mais trabalhos que
o homem, em muitas situações, são mais tímidas e tendem a se tornar menos visíveis e
relutam em expressar as suas vontades e/ou necessidades pessoais.
Outras acrescentaram à omissão das mulheres e à discriminação, uma falta de
interesse presente entre as mulheres empresárias até nos direitos dos serviços que as
entidades podem lhes oferecer:
Para alguns empresários, não resistência em relação à presença das mulheres
nos sindicatos e associações, fato que contradiz algumas das opiniões das mulheres
empresárias. Inclusive, se elas ocuparam os rios cargos de direção nas associações e
sindicatos em Patos de Minas, serve como forma de exemplificar a não resistência, pelo
menos em nível local. Dessa forma, existe uma grande diversidade de opiniões sobre a
relação da mulher empresária com o sindicato e associações. Muitas mulheres se
colocam como ambíguas em rios momentos nos seus depoimentos. Afirmam serem
bem recebidas e ouvidas e, logo em seguida, já não mais o são, revelando existir
resistências e discriminações.
Ao mesmo tempo, reconhecem e afirmam que a própria mulher é omissa, sem
compromisso com as entidades e, portanto, essa atitude é dela, pela não presença nesses
espaços.
Com relação aos depoimentos dos homens ex-presidentes percebem-se
semelhanças em alguns pontos como a omissão ou “culpa” da própria mulher,
desinteresse, medo, devido à própria criação do modelo patriarcal masculino. Contudo,
em outros, percebem-se oposições em relação aos depoimentos das mulheres, ao
afirmarem que não existem resistências ou discriminações. Sobre o trabalho das
138
MURARO, Rose Marie. Os seis meses em que fui homem, p. 75.
168
mulheres nas entidades, à sua prática, não há nenhuma crítica pelos homens, pelo
contrário, sempre se referem à mulher que participa como dinâmica e que realiza bem o
trabalho.
Contrariamente, evidencia-se uma insatisfação por parte de algumas mulheres
nas formas de integração que lhe são oferecidas nos sindicatos e associações, afirmando
que lhes são propostos cargos ou funções de menor importância.
3.2. Representações da Mulher Empresária
“(...) a gente tem mais é que erguer essa bandeira com competência, com
conquista mesmo. Vamos conquistar o homem, e vamos conquistar a mulher
que, porventura, tenha inveja. Vamos mostrar para ela o que ela tem que fazer
para conseguir também se sobressair (no mercado de trabalho). (...) a mulher
tem mais o que fazer. Além de ela trabalhar no local de trabalho dela, na
empresa dela, ela tem que trabalhar em casa. Agora, que a gente tem que
mostrar para as pessoas é que o sexo não influi nisso também não, sexo é
para outra coisa, é para criar, para dar prazer...” Maria das Dores Pereira
A imagem da mulher empresária na sociedade sob o seu “olhar”, do ponto de
vista de cada uma e de alguns homens empresários mostrou-se ambígua.
Para algumas mulheres, a própria mulher contribui para a perpetuação da “sina”
da discriminação e do preconceito, ajudando na manutenção dessa imagem construída
sob os valores universais masculinos e patriarcais. O depoimento acima ressalta que a
bandeira que a mulher deve defender é mostrar sua capacidade, competência, não no
sentido de concorrência, de desejar ser mais do que o homem.
A mulher deseja estar ao lado do homem, nem atrás, nem à frente. Deseja os
mesmos direitos, sem discriminação e sem preconceitos. Não é guerra dos sexos; é o
contrário. É procurar o equilíbrio respeitando-se a diferença dos sexos. Não acreditamos
que o feminino por ser diferente do masculino deve ainda aceitar essa imposição
cultural de que a mulher é inferior. A mulher deseja mostrar que o sexo não interfere na
sua capacidade e que ela é tão capaz quanto o homem. Não deseja ser tima, nem
heroína. A mulher está procurando construir na sociedade uma nova representação, uma
nova imagem. Contudo, a relação de poder continua presente. Nesse caso, para ter um
“poder equivalente”.
169
Pesquisas feitas nos Estados Unidos, de acordo com Muraro
139
, mostram que as
habilidades intelectuais são igualmente distribuídas entre homens e mulheres, mas
sabemos das inúmeras barreiras internas e externas existentes na nossa cultura para
dificultar a realização e a aceitação profissional das mulheres. Algumas mulheres são
desestimuladas a seguirem as suas carreiras e algumas que as enfrentam, vêem-se
quase que “obrigadas” a se tornarem mais agressivas, mais duras, ou seja, agir como o
“modelo masculino”. que, nesse momento, estamos presenciando a não aceitação
dessa “construção” e a mulher está no “espaço público”. Muitas delas com a sua real
imagem feminina, sem “forçar” ou “fingir” uma imagem masculina. Entretanto,
sabemos que existem aquelas que ainda têm uma postura masculinizada.
As opiniões das mulheres de como a sociedade as vê, de como suas imagens são
percebidas, são semelhantes em um ponto e divergentes em outro. O ponto semelhante
nas mulheres empresárias é que existe um misto de admiração e respeito, pesando mais
o conceito da admiração pelo trabalho desenvolvido. Observamos, dessa forma, que a
valorização e o carinho que as mulheres empresárias têm da sociedade, vêm das
atividades desenvolvidas por elas e, não, por serem mulheres.
Lúcia: “(...) muitas pessoas falam: ‘Nossa, mas você é de uma sorte, você se
sai tão bem na sua profissão’, e quem não trabalha fala: ‘Ah, eu gostaria tanto
de trabalhar, mas não tem emprego, não tem serviço, tem essa dificuldade’. Eu
acho que muitas me admiram, admiram o meu trabalho e eu tenho recebido
apoio, de todo mundo.”
Semelhante a esse, observamos vários outros depoimentos com alguns
acréscimos de adjetivos à imagem passada à sociedade:
Neide: “Olha, eu recebo muitos elogios. De uma forma geral, as pessoas me
acham muito batalhadora, me acham muito dinâmica. Então, eu vejo que é com
uma certa admiração. Eu venho de uma época em que a mulher não trabalha
fora. Eu comecei a trabalhar justamente à noite. Eu trabalhava com fotografia
para baile, para casamento, e naquela época, eu era vista como uma menina
que precisava trabalhar porque era pobre. Então, as pessoas me olhavam dessa
forma, como uma certa, digamos, piedade até: ‘Ah, coitada, ela precisa
trabalhar’. Eles é que não sabiam a felicidade que eu estava tendo por
trabalhar, mas era vista mais ou menos assim. E daí, começaram as mulheres a
sair para trabalhar (...) por necessidade, por prazer, por tudo.”
A representação da mulher no depoimento é de uma pessoa que precisava
trabalhar, lutou e conseguiu vencer na vida. Portanto, a imagem simbolizada por ela e
percebida na sociedade é a de uma pessoa que venceu, conseguiu se realizar e, por isso,
é admirada e elogiada.
139
MURARO, Rose Marie. Os seis meses em que fui homem. op. cit.
170
O respeito também foi acrescido em alguns depoimentos, junto aos elogios:
Dágma: “Eu me sinto amuito feliz porque eu recebo, às vezes sem merecer,
muitos elogios da parte de meus funcionários, e mesmo da parte da cidade de
Patos. Todo mundo conhece a minha luta, sabe que eu comecei muito
pequenininha e trabalhei muito (...) tem elogios que eu nem mereço.”
Outras acrescentaram à imagem uma valorização ao trabalho e um carinho
presente nas pessoas em relação a elas.
Terezinha: “É com muito carinho, mas muito carinho mesmo. Por todo lado
onde passo, em qualquer função em que estive, na faculdade durante 21 anos só
deixei muita amizade. Até hoje o pessoal se lembra das minhas aulas com muito
carinho, passei pela Secretaria da Educação e só deixei amizade. Não tivemos
nenhum problema político, nenhum arranhão (...) Fundei o Colégio Estadual,
Municipal; transformei o Estadual, trabalhei 11 anos lá e s porque quis,
deixando as maiores amizades.”
Observa-se pelo depoimento uma reconstrução da memória, uma lembrança da
sua trajetória marcada no espaço e no tempo por onde passou, deixando a sua imagem
perante as pessoas.
A coragem, no depoimento de outra empresária, foi ponto de relevância para a
atuação no mercado de trabalho e na percepção de sua imagem. Teceu ainda
comentários sobre a postura do marido:
Rosângela: “Acho que gostariam, no fundo, de ser como eu. Por mais que os
maridos estejam dando dinheiro a elas, elas gostariam não é de ser como eu,
mas de ter a coragem que a gente teve. Não é ser igual, porque eu acho que
isso é bobagem, mas de ter a coragem. Porque, de repente, a mulher fica em
casa e ela não tem como derrubar a estrutura (...) E ele também põe tanto medo
nela que ela vai pro mercado derrotada. Ela chega no mercado como
aquela pessoa que não vai dar conta. (...) Quando chega a primeira dificuldade
financeira ela cai (...) Você sabe que as mulheres, quando o marido está
passando por uma certa dificuldade financeira elas vão para o mercado, são as
mulheres que dão mais certo. Porque ele nunca vai tirar o tapete dela. Agora,
quando o homem tem muito poder financeiro, essa mulher para dar certo é
muito mais difícil do que aquela cujo marido está passando por dificuldades.”
À admiração, também foi acrescentado por outra, as dificuldades e problemas
que a sociedade às vezes não leva em conta:
Maria Almira: tem mulheres que me admiram, mas muitas mulheres que por
não terem aflorado por medo ou por falta de tempo, porque a coisa do sucesso
não é ter dinheiro, eu posso ser uma empresária pequena como sou e ser
uma pessoa de sucesso porque eu consegui as minhas metas e os meus
objetivos. As pessoas acham que o Antônio Ermírio de Morais faz sucesso e
se esquecem que, se ela fizer um crochê e vender na praça ela pode conseguir o
que ela sonha e será uma pessoa de sucesso. Ela vai se realizar e o sucesso é
feito por nós mesmos, porque o sucesso é pessoal. Então, se essas mulheres não
descobrirem pode ser por dificuldades, porque seu marido não deixa, os filhos
são pequenos. Algumas me admiram, outras, sei lá, acho que tinham vontade de
estar no meu lugar. É interessante falar, as pessoas falam o tempo todo assim,
171
falam de beleza, e você acaba estando mais tempo na mídia, nos jornais, então
elas acham que a gente tem felicidade, que ela não tem filho chorando, não
tem marido enchendo a paciência e se esquecem que todos têm problemas. Eu
tenho problemas na família, comigo, tem dia que eu me sinto feia e horrorosa;
tenho que fazer um trabalho para minha auto-estima voltar ao normal. Então,
todo mundo tem problemas, todo mundo! (...) Você estar no mercado muito
tempo, as pessoas te olham como uma pessoa firme, com objetivos firmes, que
não sai a cada dia comprando uma loja, vendendo, quebrando (...) É claro que
isso também é do empreendedor, ele adora novidades, faz acontecer, mas você
estar firme no negócio te credibilidade (...) eu acho que isso é legal, as
pessoas te olharem, te respeitarem como profissional. Isso para mim significa
muito (...) você mantém uma postura firme, e não importa se falam mal, sua
credibilidade fica inabalada, porque sua postura faz com que te olhem
diferente, com mais respeito e amizade.”
O ponto de maior número de divergências entre as mulheres empresárias é que
sete acresceram à admiração e respeito, o sentimento de inveja e o ciúme existente na
sociedade em relação às suas posições e atividades.
Teresa: “Hoje, a mulher que está no mercado de trabalho, ela é respeitada. Eu
acho que ela se impõe, que ela tem mais valor (...) ela é admirada, mesmo com
inveja.”
Cynthia: “(...) ciúme, inveja daquelas pessoas que, provavelmente, gostariam
de estar no lugar que eu estou (...) Agora, isso não arrefece meu ânimo. Eu vou
continuar sempre prá frente, sempre tentando conquistar mais e melhorar
mais...”
Uma entrevistada acrescentou que existem muitas mulheres que desejariam
trabalhar, mas que ainda encontram resistências por parte dos maridos.
Ao se referir à resistência por parte dos maridos, detectamos um depoimento de
um empresário que revelou:
José Humberto: “(...) eu vejo que no mundo moderno de hoje a mulher tem
sempre que fazer a parte dela, principalmente se tiver um curso superior, ela
tem que seguir a profissão dela. Mas, no meu caso, eu prefiro que a minha
mulher fique em casa; não sei se é porque eu tive minha mãe que sempre esteve
em casa, nunca saiu de casa e sempre cuidou da gente. Parece que a gente foi
mal (...) acostumado e isso vem de família, eu gosto sempre de estar em casa e
ter a minha mulher em casa. Mas não tenho nada contra. Eu acho que no
mundo de hoje, a mulher tem que ocupar o seu espaço dentro da sociedade.”
Observa-se um aspecto contraditório no depoimento, pelo fato de, ao mesmo
tempo em que salienta que a mulher tem que procurar seu espaço na sociedade e que
não tem nada contra, prefere que sua mulher não saia para trabalhar.
A formação do entrevistado nos remete à uma educação tradicional, onde a
mulher era destinada apenas ao “papel” de mãe. Revelou-se conservador ao dizer que
deseja preservar as raízes de sua criação interioriana, onde sempre teve a mãe presente
172
nos afazeres domésticos. Apesar de ter citado anteriormente que estamos num tempo
moderno, deseja conservar sua família nos moldes tradicionais, conservadores. Seu
depoimento se assemelha com alguns das mulheres empresárias em relação a alguns
princípios mais conservadores e, também, no que se refere à família, semelhante à
maioria pela manutenção da estrutura familiar.
Perguntado a outro empresário como ele vê as mulheres empresárias na
sociedade, de como visualiza a imagem de uma mulher que trabalha fora, ressaltou:
Paulo: “Bom, eu acredito que a mulher trabalhando fora, ela vem demonstrar a
capacidade que ela tem e que às vezes ficou encubada ao longo dos anos, talvez
por uma cultura machista, talvez por às vezes... essa oportunidade que a
mulher nunca teve. E ao longo dos anos, agora principalmente nesses últimos
vinte anos, tem-se observado que a mulher se conscientizou mais e procurou
ocupar o seu espaço. Acredito que ainda muitos espaços a serem ocupados
pelas mulheres, porém, como você deve perceber, muitas acreditam que não
são reconhecidas. Não é esse o caso delas serem reconhecidas, elas mesmas
não procuram chegar onde elas deveriam chegar. Essa é a minha opinião.”
O reconhecimento da capacidade da mulher e a “não visibilidade” de seu
trabalho por muitos anos é justificado pela cultura machista. A conscientização da
mulher, a procura de seu espaço é ressaltado, mas revela que acredita que faltam muitos
espaços a serem conquistados. Atribui também a falta dessa conquista às próprias
mulheres, ou seja, elas mesmas são as responsáveis pelo não “acesso” aos espaços
existentes.
Com uma opinião um pouco diferenciada, outro empresário revelou que as
mulheres vem conquistando, com sucesso, o seu espaço:
José Soares: “Eu não acho que aconteça isso mais (preconceito,
discriminação), eu acho que esse tempo passou, as mulheres hoje
demonstraram que são capazes, às vezes mais do que os próprios homens, você
que há mulheres à frente de empresas que estão indo muito bem... E eu acho
que a tendência é igualar a situação, isso não vai levar muito tempo.”
O depoimento contradiz os depoimentos de muitas empresárias, citados
anteriormente, no que se refere às discriminações e preconceitos. A maioria das
mulheres empresárias revelaram perceber e enfrentar as discriminações e os
preconceitos e, conforme o depoimento acima, isso já não existe mais.
Constatamos que não é possível traçarmos um denominador comum sobre as
formas como as representações das mulheres empresárias são percebidas.
Mais uma vez, transparece a grande diversidade que permeia a sociedade.
Enquanto para alguns a discriminação e o preconceito não existem mais, para outros
ainda são as maiores barreiras à emancipação da mulher.
173
A imagem da mulher empresária é dúbia, é mista, diversa e contraditória:
aparece com admiração, mas também com inveja e ciúme.
Ao buscarmos a imagem simbólica da mulher empresária na sociedade, de
acordo com o seu ponto de vista, procuramos também sua imagem idealizada, conforme
o “discurso oficial”, ou seja, através dos jornais locais. Quisemos saber de que forma a
mulher era retratada e “passada” como “modelo” a essa sociedade.
Ao dizermos que a sociedade de Patos de Minas é conservadora e que preserva
os valores morais de geração em geração, afirmamos que não há como desvincular esses
valores da imagem da mulher veiculada pelas fontes locais, porque essa imagem é
construída baseada nesses valores. Portanto, as mulheres empresárias, os homens e os
“focos” dos discursos, ao revelarem a “imagem pretendida”, trazem em seu bojo esses
princípios morais como características necessárias para uma “boa imagem”. Por isso,
justificamos a referência a esses valores, porque fazem parte da imagem idealizada. De
acordo com um artigo de um jornal local
140
, as pessoas devem ter, primeiro, a lealdade,
porque através dela, tem-se um caráter bem formado e é alguém em quem se pode
confiar. Deve ter retidão nas atitudes, boa conduta orientada para o bem, a verdade,
servindo de “exemplo” para os outros. Não usar de subterfúgios, nem de covardia e,
sim, ter coragem, ser sincero, ser cristão, cumpridor do dever e honrar a palavra.
Esse valores ressaltados são os mesmos citados pelas mulheres empresárias e
homens como importantes.
Em outra fonte local, de 1980, os valores morais também são reforçados:
“(...) Ao final, resta-nos o brado de alerta, a consciência de que há um caminho
árduo a percorrer na redescoberta constante dos Valores Morais. Que não haja
indecisão na resposta única que havemos de dar: Não! Não morreram os
Valores Morais! A reação, acima de tudo, foi oportuna. E em tudo salutar.”
141
A mulher é valorizada no seu “papel” de mãe, educadora, orientadora,
destacando-se a renúncia, a maternidade, sua força, inclusive, como sustentáculo da
humanidade.
Mãe e Vocação
(...) Não resta a menor dúvida de que a Mãe tem um fator preponderante na
formação de cada homem sobre a terra, pois são elas que geram a vida e elas
que a acompanham mais de perto. São o sustentáculo da humanidade. Através
de seu carinho e de sua tenacidade, de sua força, de sua capacidade de amar e
de renunciar, edificam a felicidade e a alegria de todos os lares.
140
FONSECA, Déa Neto da. Caráter e Lealdade. Folha Diocesana. Patos de Minas, 8 jul./1976, n. 861,
Ano XX, p. 1.
141
SALUM, Oadi. (Rev.). Reação Salutar. A Debulha. Patos de Minas, 15 jul./1980, p. 42.
174
(...) É que no lar, através das Mães, surgem os primeiros rebentos da vocação.
Seja ela qual for. A Mãe será a orientadora. Será ela a primeira a ouvir a
confidência do filho. ‘Mamãe, quando eu crescer quero ser padre, ou médico,
ou advogado, ou engenheiro, etc.’. E muitos mesmo chegam a afirmar que não
querem ser nada. então que começa o trabalho desta primeira e grande
educadora e orientadora de vocações: a Mãe vai mostrar para o filho as
asperezas e as sublimidades de cada caminho desejado.
É o primeiro trabalho, como dissemos, neste primeiro ato confidencial. Nas
mãos das Mães está o poder de embalar este mundo para uma vivência mais
cristã, mas humana, mais duradoura. A mãe começa a cultivar, a adubar
aquela semente que se encontra lançada no coração do filho. E com isto,
suas preocupações aumentam. (...) para encaminhar sozinha o filho. Está claro
que a ajuda do marido ali se encontra constante e firme. Mas ela se volta para
o Supremo Senhor. E vai orar, pedir, além das ajudas humanas de seu
companheiro do dia a dia, a ajuda dos Céus.
(...) Como todos nós devemos unir-nos mais ainda a Deus e pedir para que Ele,
cada dia, santifique mais os homens e mais ainda santifique esta vocação
sublime de mulher: a Maternidade. Pois as mães sendo santas, santos serão os
homens, santo será o mundo...”
142
À mãe é dado um grande valor pela maternidade no “espaço do lar”, como uma
“recompensa” pela não participação no espaço público. Observa-se o quanto a evocação
à Deus é presente, para a “santificação” dessa “vocação sublime” de mulher, ou seja, a
maternidade.
No mesmo viés, outro artigo ressalta a maternidade como “vocação necessária”
e “sagrada missão”, criticando as jovens por lutarem primeiro pela profissão. Ou seja,
antes de pensarem em uma carreira e/ou independência, as jovens devem se preparar
para “serem mães”. O modelo da Santa Mãe
143
Maria é transmitido às jovens e
aos pais:
“Falando aos Pais
O nosso dia
Quando a maioria dos casais de hoje procura fugir à sagrada missão da
paternidade, torna-se um tanto estranho ouvir-se falar em Dia das Mães ou dos
Pais. Com a vida da maneira que vai indo, e a mentalidade da ‘lei do menor
esforço’ que aos poucos vai se instalando nas pessoas, as famílias vão ficando
cada dia menores, sendo já, em alguns países, problema para os governos, pois
suas populações estão a diminuir, quando o normal seria crescerem.
As jovens, no afã de lutarem por uma profissão, não estão se preparando para
a maternidade: Agitam-se em mil e um empregos e faculdades, levando um tipo
de vida em que os trabalhos domésticos não são levados em conta. Se um dia se
casam, não estão em condições de dirigirem com segurança um lar e nem
142
SCARSO, Jorge. (Bispo). Mãe e Vocação. Folha Diocesana. Patos de Minas, 6 maio/1976, n. 852,
Ano XX, p. 1.
143
Sobre o assunto conferir:
DEL PRIORE, Mary. Ao sul do corpo. op. cit. e
CAVALCANTI, Raíssa. O modelo cristão de mulher. In.: O casamento do sol com a lua - Uma visão
simbólica do masculino e do feminino. op. cit..
175
assumirem os encargos da maternidade. Cedo começam a surgir problemas; é
o mais provável. Então encontramos, como se tornou comum, lares em que
as crianças não recebem aquilo de que tanto necessitam, para crescerem
normalmente: um ambiente de tranqüilidade, segurança, carinho, onde tenham
sido desejadas e sejam aceitas.
(...) Não é fácil o trabalho das mães, é verdade; mas não sabem o que estão
perdendo aquelas que se recusam a cumprir, com coragem, esta missão que
Deus nos confia; as compensações são muito maiores do que os trabalhos e
sacrifícios que nos são pedidos. Perguntássemos à Maria, a melhor das mães,
que mesmo sofrendo como sofreu, junto com seu Filho todas as dores da
Paixão, se aceitaria recomeçar tudo de novo, repetindo o seu ‘sim’, tenho
certeza que não teria dúvidas quanto a isto. (...)”
144
Num outro jornal da cidade, a imagem da “mulher- mãe” é reforçada, mas
existe uma outra percepção em relação ao trabalho fora de casa. Faz uma síntese,
inclusive, das primeiras profissões e seus “avanços” até o final da década de 1989.
Entretanto, não deixou de citar as nominações específicas, “estereotipadasda mulher
como: “rainha do lar”, “rainha do amor”, “criatura divina”, “flor de imortal candura”,
demonstrando-nos a permanência do modelo da mulher santa, e cujo discurso foi
modificado a partir da Idade Moderna, isto é, no final da Idade Média. Antes, a mulher
era considerada “bruxa”, pecadora, endemoniada, imunda, depois foi elevada à condição
de divina. Daí, a aproximação do “profano e do sagrado” e o porquê também da
influência em algumas mulheres até hoje, como sendo ainda “Rainhas do Lar”.
Dia das Mães
(...) somos convidados a uma reflexão sobre o papel que a mulher-mãe tem
exercido no contexto do desenvolvimento em todos os setores. Na sociedade
atual, a mulher é parte integrante, quando no passado era relegada ao segundo
plano. Apesar de ainda persistirem certos preconceitos, houve uma grande
abertura nos diversos campos de trabalho. Antigamente, a profissão escolhida
em massa era a do magistério, hoje varia desde as coletoras de detrito, até as
executivas. E como a mulher passou a atuar fora do lar, novas situações
apareceram para as mães que trabalham.
(...) A figura humana, os poetas cognominaram de ‘rainha do lar’, ‘rainha do
amor’, ‘Criatura divina’, flor de imortal candura, e outros títulos de grandeza e
virtuosidade. Nós devemos encará-la com todos os aspectos que circundam o
seu dia-a-dia.
mães que em toda sua vida dedicam-se única e exclusivamente ao lar.
Verdadeiras operárias da família, designadas a desempenhar todas as tarefas
de casa: lavam, passam, cozinham, cuidam dos filhos, educando-os, vivendo
como a coordenadora de todos os afazeres e dos membros da família. São
patroas e empregadas a mesmo tempo, porque na certa não possuem condições
que favoreçam uma pessoa que se ocupe com a limpeza, a arrumação,
enquanto dedica-se tão somente aos filhos e ao marido. Para essas mães, o
cansaço é superado pelo amor que dedicam a tudo quanto fazem. Abraçam com
resignação os problemas diários. Outras mães, que podem contar com a
144
FONSECA, Déa Neto da. O nosso dia. Folha Diocesana. Patos de Minas, 6 maio/1976, Falando aos
Pais, n. 861, Ano XX, p. 5.
176
colaboração de uma empregada, dividindo as funções de casa (...) Auxiliam os
maridos na resolução de problemas e nas compras para manutenção da casa.
A necessidade, ou por questão da emancipação, é motivo para que as mães
deixem o lar e vão trabalhar fora. Como disse no princípio, a sociedade
moderna permitiu que a mulher participasse do processo de desenvolvimento,
tendo acesso aos empregos em diversas áreas. Não no caso das coletoras de
detritos; outras mães entregam-se ao trabalho como secretárias, enfermeiras,
atendentes, caixa de banco, para suprirem o desequilíbrio da balança entre
receita e despesa. (...) Mesmo assim, não podemos esquecer que a mãe exerce
grande influência na educação dos filhos, e o carinho materno é insubstituível.
Encontramos no panorama contemporâneo, vereadoras, médicas, prefeitas,
advogadas, executivas, dentistas, mães que trabalham fora, algumas pelo
empenho de concretizar um ideal, realizando-se profissionalmente, outras pelo
engajamento na luta contra os preconceitos que permanecem nos dias atuais,
em relação à mulher.
(...) Às mães, fica o pensamento de seus desejos, despojamento, conclamando à
atuação vibrante nesta sociedade necessitada, apesar da evolução tecnológica,
do amor materno. Alguém usando da redundância, desprezando formalidades,
teve a feliz definição: ‘Mãe é Mãe’. (...)”
145
A valorização da mulher como e é o principal motivo para as reverências à
mulher. No artigo, observa-se a percepção da presença da mulher nos vários setores da
sociedade, enfatizando sua importância e crescimento em sua atuação. Ao dizer que
“antes” era relegada ao segundo plano, está dando a ela condições de paridade com o
homem. Reconhece o avanço da mulher nas novas profissões, deixando de ser apenas as
“tradicionais” como o magistério, por exemplo. Afirma, contudo, a persistência de
preconceitos, a existência da “jornada dupla ou mais” de trabalho desempenhado pela
mulher. Reconhece as rias realidades e as diferenças sociais entre as mulheres através
de seu cotidiano, quando se refere àquelas que têm a colaboração de empregadas para os
afazeres domésticos e outras não. Enfatiza o caráter de resignação da mulher no
exercício de ser mãe e dona de casa, a responsabilidade na educação dos filhos e a
importância do amor materno, apesar de toda a evolução tecnológica do momento.
Ressalta, também, a vontade de emancipação da mulher, de realização profissional, a
procura de um ideal e de seu engajamento na luta contra os preconceitos, traduzidos em
sua “saída do lar” para o espaço público.
Concomitantemente, as expressões tradicionais se fazem presentes no mesmo
texto e ainda se estendem no mesmo jornal. A expressão “Rainha do Lar”
146
foi
divulgada novamente.
145
JOÃO. Pe. Cpl. Dia das Mães. O Condor. Patos de Minas, maio/1989, n. 17, Ano 2, p. 7.
146
RAINHAS do Lar. O Condor. Patos de Minas, maio/1989, n. 17, Ano 2, p. 4.
177
A persistência e permanência dessa rotulação à mulher vem de longe, porque de
acordo com Sousa: “A mulher aceitou a partir do final do século XVIII, mais essa nova
incumbência para se promover, permanecendo, como sabemos, como a senhora da
casa, sem lutar por mudanças. Compactuou também com a realidade vivida e resignou-
se, muitas vezes, não mais em igualdade à criança, a velhos e doentes, ao papel nobre e
santo de ser mãe/esposa/dona de casa.”
147
Observamos a referência sobre a “Rainha do Lar” em Badinter também: “(...) ao
poder das chaves, que detinha há muito tempo (poder sobre os bens materiais da
família), acrescentava o poder sobre os seres humanos que são os filhos. Tornava-se,
em conseqüência, o eixo da família. Responsável pela casa, por seus bens e suas almas,
a mãe é sagrada a ‘rainha do lar’.”
148
Dessa forma, com as atribuições dadas à mulher para ser mãe, esposa e
companheira, a “imagem” é ainda manipulada com as publicações nos jornais que
direcionam e escolhem as atitudes corretas da mulher, como o exemplo a seguir:
Atitudes certas da mulher casada
Elogiar sempre seu marido.
Interessar-se pelo seu trabalho.
Cooperar com seus ideais.
Acompanhá-lo nos divertimentos.
Cooperar com seus hábitos.
Ouvi-lo sempre com interesse.
Ser sempre a maior admiradora de seus trabalhos e qualidades.
Realçar sempre as suas qualidades.
Colocá-lo sempre acima dos filhos e de todos.
Demonstrar dar grande valor às suas opiniões.
Fazê-lo sempre respeitado como chefe do lar.
Falar-lhe sempre com brandura e meiguice.
Manter-se mais livre e despreocupada quando ele estiver em casa.
Recebê-lo alegremente.
Demonstrar-lhe o seu amor.
Distraí-lo quando estiver triste.
Participar de seus trabalhos e preocupações.
Acalmá-lo quando estiver irritado.
Enfeitar-se para ele segundo os gostos dele.
Elogiar e tratar muito bem os seus pais e parentes.
Evitar queixas e reclamações.
Evitar ciúmes e desconfianças.
Jamais admiti-lo capaz de traições.
Ser sempre otimista e alegre.
Evitar falar-lhe em doença.
147
SOUSA, Vera Lúcia Puga de. Entre o bem e o mal - (Educação e sexualidade nos anos 60). op. cit. p.
300.
148
BADINTER, Elizabeth. Um amor conquistado. O mito do amor materno. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 1985, p. 222.
178
Evitar-lhe falar-lhe quando estiver irritado.
Evitar deixá-lo exposto às tentações.
Evitar fazer-lhe críticas diretas.
Evitar queixar-se de falta de dinheiro.
05 - Itens Esposa Fraca
10 - Itens Esposa Sofrível
Se atender a 15 - Itens Você Esposa Regular
20 - Itens será Boa Esposa
25 - Itens Ótima Esposa
30 - Itens Mulher Inesquecível”
149
À mulher é exigida, a nosso ver, a perfeição como ser humano, ou seja, o
impossível. A ela, não é permitido mostrar nenhuma fraqueza, sendo ela mesma,
contraditoriamente, de acordo com a “cultura”, o “sexo frágil”. Percebe-se a anulação
total da mulher como pessoa, como indivíduo, sem identidade, sem direito a nenhum
gosto pessoal ou como o “outro” e, sim, sempre em função do marido.
Não a “imagem” da mulher é idealizada pelos mecanismos estratégicos de
dominação, como é também a “imagem” para o homem, parte integrante do projeto
“normatizador” e de controle. Nesse sentido, em um outro jornal local, encontramos:
“Os dez Mandamentos de um Bom Pai
01 - Ame teu filho, de todo o teu coração, de toda a tua alma, de todas as tuas
forças, mas sabiamente, com todo o teu entendimento.
02 - Pensa em teu filho, não como alguma coisa que te pertence, mas como uma
personalidade.
03 - Concedei seu respeito e amor, não como uma coisa exigida, mas como uma
preciosidade digna de ser obtida.
04 - Lembra-te dos teus próprios tropeços e aventuras todas as vezes que
perderes a paciência com a imaturidade e os erros do teu filho.
05 - Lembra-te que é privilégio de teu filho fazer de ti um herói, e toma pois,
cuidado em te tornares digno disto.
06 - Lembra-te, também, de que teu exemplo é mais eloqüente do que qualquer
repreensão.
07 - Luta para te tornares um sinal luminoso, na estrada da vida, em vez de um
sulco no qual as rodas não podem girar.
08 - Ensine teu filho a ter confiança própria e a lutar confiando em suas
próprias forças.
09 - Ensina teu filho a ver a beleza, a praticar a bondade, a amar a verdade e a
fazer de todos seus amigos.
10 - Faze do lugar onde moras um verdadeiro lar refúgio de felicidade para
os teus filhos, para os teus amigos e para os amigos dos teus filhos...”
150
149
ATITUDES certas da mulher casada. Boletim Informativo. Patos de Minas, 3 fev./1981, p. 5.
150
OS Dez Mandamentos de um Bom Pai. O Condor. Patos de Minas, fev./1989, n. 14. Ano 2, p. 3.
179
O bom exemplo, a figura de herói, a preservação, a valorização da família são
ressaltados e o lar é espaço de felicidade.
Comparando o conteúdo dos dois documentos, observa-se a grande diferença do
enfoque dado para a mulher e para o homem. Todos os conselhos do documento para a
mulher são dirigidos para a “valorização do homem”, para o seu “bem-estar”, para a sua
“realização” e “plenitude”. A mulher é como a “sombra” do homem, pronta para
atendê-lo, servi-lo, elogiá-lo, levantar sua auto-estima, não decepcioná-lo em nada e
nunca, não reclamar, isto é, uma pessoa sem direito algum, submissa, obediente, sem
opinião, uma verdadeira “idiota”, ou será como uma “santa”?
Por outro lado, no documento dirigido aos pais, não há nenhuma alusão à
mulher, no que se refere a algum direito ou respeito a ela. Nem a palavra “mulher”
apareceu no artigo. A referência que se fez foi sempre para o homem ser o “modelo”,
“exemplo” para os filhos, responsável pela “felicidade”, “abrigo” e fortaleza” do lar
para os filhos, amigos e amigos dos filhos. E para a mulher? Nada...
Através de outras publicações nos jornais, detectamos os valores e qualidades
para a mulher, como “modelo exemplar” a ser seguido. Para tanto, as mulheres
“homenageadas” eram ressaltadas como “destaque” e “exemplo” para a sociedade com
valores, tais como: virtuosa, culta, assídua, abnegada, dinâmica, que vive para o
trabalho, exemplo de dedicação ao trabalho, responsabilidade, que não tem tempo nem
para pensar em si, de incontestável valor, de virtudes espirituais, morais, intelectuais e
cívicas, distinta
151
.
Observamos que para a mulher solteira, o trabalho é permitido sem restrições,
como não seria para uma mulher casada, a qual, pelos discursos nos jornais, deveria
primeiro cuidar dos filhos, da casa, para depois pensar no trabalho, na profissão. Sem
mudança nas qualidades virtuosas, mas acrescentando outras, outro jornal, em 1985,
seis anos depois, destacava outra mulher como exemplo para a sociedade. Ao se referir
a uma das mulheres homenageadas em Patos de Minas, a Folha Diocesana assim se
refere às suas “qualidades”:
“(...) é um marco referencial na vida de toda a Juventude Patense.
Exemplo de luta, garra, dinamismo, jovialidade, companheirismo e
bondade.
A sua preocupação com os valores maiores e sobretudo com a Promoção
do Homem, se evidencia na sua postura de vida, nos seus menores
gestos. (...) Os flagelados da enchente, os artesãos, as Associações de
Bairro, os movimentos de Igreja a conhecem muito de perto. Já sentiram
151
DESTAQUE. Boletim Informativo. Patos de Minas, 25 dez./1979, p. 13.
180
a força do seu incentivo, de sua coragem, determinação e solidariedade.
(...) foi chegando de mansinho, sem se impor, com humildade, como
as pessoas verdadeiramente grandes, o sabem fazer. No nosso gesto de
homenageá-la reflete também o desejo de estreitar-mos cada vez mais os
laços de nossa amizade; encerra a expressão do nosso carinho,
admiração e justo agradecimento. (...)”
152
Observamos as múltiplas funções exigidas à mulher, tendo que cumprir várias
atividades ao mesmo tempo e, por isso, exemplo para a sociedade. Tanto cumpre o seu
“papel” dentro do espaço privado com o marido, representando-o e acompanhando-o,
como nas relações com funcionários e outros. Presente no discurso, a influência
religiosa através do catecismo, os movimentos de jovens, encontro de casais, a
formação em colégio de freiras e a profissão de normalista. É um exemplo de mãe,
orientadora dos filhos para serem cristãos e cidadãos responsáveis, companheira do
marido, esposa perfeita, ideal, dona de casa que realiza as tarefas que qualquer “boa”
dona de casa realiza, amiga nos bons e maus momentos, exemplo de luta, garra,
dinamismo, bondade, com valores morais e humildade.
Na década de 1980, percebe-se um movimento de organização das mulheres
com uma postura diferenciada, ou seja, em defesa de uma participação maior no âmbito
público. Flagramos o registro de um “Encontro de Mulheres - I Encontro Municipal da
Mulher” (09/05/1986), cujo discurso proferido foi com uma visão da mulher integrada
em todo segmento da sociedade, capaz de ser elo integrador, com força, com incentivos
à organização para discussão de seus direitos e anseios, dotadas e situadas no contexto
para escreverem sua história. Num trecho do discurso da coordenadora desse
“Encontro” retiramos:
“Queremos participar das lutas políticas de nosso país, mas com o direito de
nos formarmos com honestidade e objetividade. Queremos participar da
Constituinte, mas que tenhamos a oportunidade de discutir em grupo os nossos
anseios e os nossos direitos. Queremos ser mulheres, mas mulheres dotadas e
situadas, com o direito e o dever de escrever a sua história, a história de sua
cidade, de seus estados e de seu país.”
153
As mulheres então, na década de 1980, começaram a se manifestar e dizer com
suas próprias palavras o que desejavam e procuravam. Apesar dos valores continuarem
praticamente os mesmos, percebeu-se uma mudança, um “avanço” em direção ao
espaço público, saindo da esfera do lar.
152
IV CULTURÃO - MAC (Movimento de Amizade Cristã). Homenagem. Folha Diocesana. Patos de
Minas, 25 jul./1985, p. 8.
153
I ENCONTRO Municipal da Mulher. Folha Diocesana. Patos de Minas, 15 de maio/1986, p. 8.
181
Apesar de alguns sinais de mudança, é preponderante a permanência e a
pregação dos valores tradicionais norteando a sociedade, incluindo os jovens na sua
formação e preparação para o futuro.
154
A imprensa em 1994
155
continua divulgando as mesmas características exigidas
para a mulher, observadas nas décadas de 1970 e 1980: sensível, amável, meiga,
competente, profissional, capaz, simpática, habilidosa e outros.
Assim, verificamos que, mesmo com vários artigos mostrando-nos a crescente
participação das mulheres em organizações, encontros e eventos, a sua condição de
mãe, esposa, companheira, educadora dos filhos e dona de casa, não deixou de ser
responsabilidade dela. Mesmo se “liberando” para outros espaços sociais, percebeu-se
que o “discurso oficial” foi para “moldar” a mulher ideal, sendo a casa o seu espaço
privilegiado.
Entretanto, afirmamos pelos depoimentos das mulheres entrevistadas, que esse
“discurso normatizador oficial”, o qual reflete as imagens simbólicas que eram e que
são veiculadas até hoje, encontram resistências nas formas de vivenciá-las.
As práticas das mulheres empresárias e as várias atividades assumidas fora do
lar, deixando de ser apenas mães, esposas, educadoras dos filhos ou donas de casa,
mostram-nos que o exercício das profissões se tornam focos de resistências e mudanças
nessa imagem idealizada e generalizada pelo discurso oficial.
3.3. O Perfil da Mulher Empresária para o Mercado de Trabalho
“Olhos de águia. Enxergar onde ninguém está enxergando. Sair para fora e
enxergar de fora, porque às vezes está todo mundo conversando... e a mulher
tem essa capacidade. Ela se isenta, ela sai e percebe mais rapidamente o que
está acontecendo no todo. Atenção aos detalhes! O homem é muito desatento
aos detalhes... Se você andar na nossa empresa aqui, você vai ver que tem mão
de mulher: a jardinagem, as pedras... É uma empresa bruta, de adubo e você já
começa a sentir que tem uma mão de mulher...” Gláucia Nasser de Carvalho
154
JUVENTUDE. Folha Diocesana. Patos de Minas, 12 set./1991, Coluna do Pe. Rino - Importa
Evangelizar XIII. p. 6.
155
Folha Patense. Patos de Minas, 15 jan./1994, p. 4.
182
As mudanças rápidas ocorridas no âmbito do mercado de trabalho foram as
maiores reclamações feitas pelas mulheres empresárias e homens empresários. É o
aspecto que os fazem se sentirem com maiores dificuldades, pressões, medo, porque
percebem que, se não acompanharem as mudanças, se não se adequarem a elas, estarão,
definitivamente, fora do processo, excluídos pela exigência desse mercado de
competitividade, de qualidade nos produtos, na prestação dos serviços e muitos outros
mais.
Não em nível local, mas todos passam por essas mudanças. Observa-se uma
corrida desenfreada e desumana pela sobrevivência nesse mercado cada vez mais
individualista e competitivo.
Na trajetória de vida, as pessoas, as mulheres empresárias, por exemplo, vão
adquirindo experiências e, conseqüentemente, tornam-se mais preparadas para
concorrerem e enfrentarem o mercado de trabalho, o seu momento real. Esse preparo,
essa experiência, conforme o depoimento de muitas, inclusive já citados, é obtido
através da vivência do dia-a-dia, do cotidiano, no qual vão adquirindo uma visão mais
ampla, globalizada, em todos os aspectos: econômicos, financeiros, científicos,
tecnológicos.
Dessa forma, o conhecimento passa a ser a principal arma para a disputa nesse
mercado. Para obter o sucesso e ser capaz de competir no contexto local e global,
exigem-se posturas com precisão, bom senso e cuidado nas tomadas de decisões, fatores
necessários tanto no espaço do trabalho, nas empresas, como também na vida doméstica
e particular.
156
Nesse sentido, procuramos detectar através das entrevistas, quais as
características necessárias para uma mulher empresária enfrentar e se manter no
mercado de trabalho. Com essas características expostas por elas mesmas, através de
suas experiências e vivências no dia-a-dia no trabalho, traçamos um perfil da mulher
empresária.
Raríssimas são as vezes nas quais pudemos afirmar que unanimidade entre as
empresárias frente às opiniões. Neste caso, ao perguntarmos sobre as características
necessárias para uma mulher empresária, observamos que todas revelaram e repetiram
156
Cf.: OLIVEIRA, Sílvio Luiz de. Sociologia das organizações: uma análise do homem e das empresas
no ambiente competitivo. op. cit.; e
BERGER, P. e LUCKMANN. A construção social da realidade. Petrópolis: Vozes, 1985.
183
quase as mesmas características exigidas pelo mercado de trabalho, destacando-se
principalmente a necessidade do conhecimento,
Maria Almira: “(...) eu diria que a busca do conhecimento é fator primordial
para ela (a mulher) estar no mercado de trabalho, para a empregabilidade (...)
se você busca, se você é mais bem informada, se você corre atrás para
aprender, você chega na frente.”
Lembra-nos Oliveira
157
que o recurso-chave para o executivo(a) é a informação,
acrescentando outros como: dados, conhecimento e sabedoria. Essa informação abrange
ciência, tecnologia, autoridade social, organização considerada hoje como recurso.
Dessa forma, o papel de líder numa sociedade rica em informação deverá ser de uma
pessoa generalista com atitudes e habilidades integradas com maior ênfase nas atitudes
do que nas habilidades.
Nessa sociedade rica em informação, criam-se novos padrões, novas regras,
convenções e códigos suplantando os antigos. Por isso, torna-se necessária uma
renovação, uma atenção constante, garra e persistência.
Enfatizando esses aspectos, duas empresárias ressaltaram:
Leny: “(...) eu acho que tem que ter muita garra porque está tendo muita
competitividade (...) persistência.”
Maria Ângela: “Acho que ela tem que ter estudo, tem que estar instruída, ela
tem que ser dinâmica, ela tem que ter ‘jogo de cintura’ para sair das
dificuldades que sempre aparecem, bom gosto, (...) ficar esperta, observar tudo
(...) muito atenta (...) Então, por isso, é uma renovação sempre.”
A renovação constante só poderá ser feita através da informação e a informação
poderá vir da educação. Conforme Oliveira: “A mola mestra da sociedade de
informação é a Educação e sua demanda será cada vez maior, pois a proporção de
pessoas que exercerão funções de liderança também vai aumentar. Será a educação um
processo contínuo para que as complexidades da nova sociedade sejam gerenciadas
adequadamente, e o canal que irá possibilitar o acesso à informação e, por
decorrência, de oportunidades para todos, em direção a uma sociedade mais
igualitária”.
158
Numa semelhança com a colocação acima, uma empresária abordou também a
condição do profissional no mercado de trabalho baseado na informação:
Gláucia: “(Hoje está) Muito melhor! Ele preza muito mais a competência
seja homem ou seja mulher é o mais competente, é o que tem mais valores
internos que está sendo chamado, o que tem o melhor currículo... Porque antes,
157
OLIVEIRA, Sílvio Luiz de. Sociologia das organizações. op. cit.
158
Ibidem. p. 192
184
não, era quem indicava. ‘Põe esse que é amigo de seu pai; chama esse para
trabalhar porque é amigo...’. Hoje não existe isso. Se vem alguém me pedir
emprego, eu falo: ‘Você tem que mandar o currículo, você tem que passar por
uma seleção...’ o tem mais esse ‘conhecimento’. Quem indica hoje, morreu!
Nas empresas que trabalham seriamente, pode esquecer! Então, muito mais
chance para quem é pobre, mas tem competência! Antes, não (...) (Hoje) é que
tenha conhecimento (...) Hoje as oportunidades estão se igualando. Quem
realmente está estudando e quer fazer um bom trabalho, e quer realmente
melhorar, ele tem a oportunidade do rico hoje.”
O depoimento refere-se também às atitudes
159
valores internos, sentimentos
emocionais mais importantes do que as habilidades (estímulo-resposta) como
exigência hoje no mercado de trabalho junto à informação, ao conhecimento.
Percebe-se também uma mudança na forma de selecionar um funcionário, que
não é mais apenas pelo “quem indica”, mas pelo conhecimento, pela competência. Com
isso, abrem-se mais as condições e oportunidades para quem não tem um poder
aquisitivo mais alto e/ou não tem um “padrinho”, porque o que irá valer é sua
capacitação, sua informação.
Abordando também a capacitação, ou seja, o conhecimento, a necessidade do
acompanhamento para se manter firme no mercado de trabalho, dois empresários se
referiram à mulher da seguinte forma:
Paulo: “A primeira (característica) seria a capacitação. Se ela não estiver
capacitada, o mercado de trabalho não vai engolir. Isso aí, ela tem que se
desenvolver e enfrentar. O pessoal aqui gosta muito de falar que ‘tem que estar
apto para enfrentar a globalização’. Mas isso toda vida existiu, só que agora a
mídia tomou conta e está divulgando isso. Toda vida nós tivemos que enfrentar
as concorrências, que agora isso veio em escala mundial, a liberdade de
mercado que surgiu. o pessoal começou a falar em globalização. É lógico
que é evolução, a Internet, essa coisa toda que vem facilitando o mercado de
trabalho. Mas a mulher, na minha opinião, para ela enfrentar o mercado de
trabalho, ela tem que se capacitar, tem que ter uma postura muito firme porque
a concorrência é muito grande, e às vezes por ser mulher e ter aquela formação
orgânica de ser mais dócil, e às vezes você tem que sair até nos tapas para que
você possa sobreviver, porque o mercado está muito competitivo, a
concorrência está muito desleal, a concorrência desleal é que atrapalha muito.
Concorrência desleal não é o sujeito vender gato por lebre. Nós temos um
grande problema de empresas que se estabelecem: compram, vendem pelo
preço abaixo do que pode ser vendido. Conclusão: porque não vão pagar o que
compraram. Isso é concorrência desleal, e nisso tem confeccionista,
calçados...”
159
Atitudes: sistema duradouro de avaliações positivas ou negativas, sentimentos emocionais, tendências
para ação, favoráveis ou contrárias a um objeto social.
Habilidades: conjunto de respostas mais ou menos permanentes adquirido através de sucessivas
associações estímulo-resposta (processos de aprendizagem). OLIVEIRA, Sílvio Luiz de. Sociologia das
organizações. op. cit. p. 191.
185
José Humberto: “Primeiro ela tem que ter uma formação profissional bem
direcionada, porque hoje o negócio tem que ser bem direcionado. Primeiro é
isso. O mercado é muito competitivo, em todos os sentidos, de modo que a
pessoa tem que ser bem posicionada, e tem que ser mesmo bom de serviço. Em
todas as áreas (...) tem que ser diferente (...) qualidade, a eficiência, a
competência. (...) Para qualquer pessoa, para qualquer mercado (...) tem que
estar atualizado porque o negócio muda de um dia para o outro.”
A referência ao conhecimento econômico é um sinal, a nosso ver, da percepção
do mercado capitalista anterior a qualquer outro. A formação profissional e a
atualização são fatores imprescindíveis para se manter no mercado.
Outra empresária ressaltou a necessidade de se conhecer o mercado para atender
às suas necessidades:
Neusa: “(...) ela tem que ser capacitada, ela tem que fazer uma pesquisa de
mercado para ver o que está precisando em sua cidade, porque muitas vezes as
pessoas viam em alguma loja o que estava dando certo e começava a investir
naquele mesmo ramo. E às vezes não cabe mais aquilo ali. Ela tem que se
capacitar antes para depois passar para os outros, acima de tudo porque tem
gente que tem mania de capacitar os funcionários, todo mundo, mas esquece
dele próprio. Tem que começar a entender do negócio. Então é capacitação
mesmo.”
Acompanhando a referência do depoimento sobre a capacitação dos
funcionários, observamos o enfoque num outro depoimento, que além das
características já citadas, ressaltou a relação respeitosa necessária no espaço de trabalho
como fator necessário.
Eliana: “Dedicação, conhecimento. Tudo que você puder aprender sobre sua
área, você deve aprender, tem que correr atrás, e o mais rápido possível. E
respeito pelas pessoas que estão do seu lado. Eu acho que o reconhecimento do
trabalho das pessoas que trabalham com você é muito importante. As pessoas
que trabalham para a gente tem que admirar a gente, e não ter medo da gente.
E isso, graças a Deus, é uma coisa que nós temos. Às vezes eu passo três,
quatro dias sem ir a uma loja e elas reclamam que a gente não vai lá. Isso o
é comum, é mais comum o contrário: ‘Ah, graças a Deus que fulana não veio
aqui’. Na maioria das vezes é assim, e a gente consegue essa relação com
respeito e com reconhecimento.”
Enfatizando a importância de uma relação sadia, uma empresária acresceu às
características, o espírito motivador para o sucesso com atitudes positivas
160
:
Neide: “(A empresária deve ter) Sensibilidade, bom gosto, persistência,
humildade para buscar melhorias (...) conhecimento (...) O bom humor, o alto
astral, a energia positiva. É isso que eu quero para as minhas panificadoras.
Quero contagiar o cliente com aquele alto astral, com aquela energia. Eu
quero que ele se sinta bem, porque quando ele vem comprar o pão, ele não está
buscando só o pão, ele está buscando um bom atendimento, ele está buscando a
160
Cf., Giuliani Paola Cappellin. A valorização do trabalho feminino: contextualizando as ações
positivas. In.: Estudos Feministas. op. cit. p. 158-170
186
felicidade, ele está buscando paz. Então, eu quero que meus funcionários
transmitam isso para eles. E é isso que tem acontecido na Vesúvio, e que eu
estou implantando aqui também. Quero que meus funcionários venham felizes
para trabalhar e que passem essa felicidade para o cliente, porque nada é mais
desagradável do que você chegar num local e estar todo mundo de mal humor,
de cara feia. E quando você sai daquele ambiente mais horrível, e você não sai
feliz (...) ser bem atendido. E é importantíssimo a pessoa sair de seu ambiente
de trabalho feliz..”
A credibilidade, o prazer no trabalho, a atualização foram características
predominantes nos depoimentos. Outro depoimento confirma:
Teresa: “Ela tem que ter credibilidade (...) tem que ser bem profissional, tem
que se impor, tem que mostrar o seu valor (...) dar segurança para seus
clientes, gostar do que faz, fazer com prazer, estar sempre crescendo, se
atualizar, estar sempre por dentro dos acontecimentos. (o que de novo). (...)
intuição (...) sensibilidade...”
Ainda sobre fazer o trabalho com prazer, outra complementou:
Beatriz: “Gostar de fazer o trabalho (...) É satisfação pessoal que eu tenho em
trabalhar. Gosto muito de lidar com pessoas, de todas as classes sociais.
Adoro! (...) É o atendimento (...) e a qualidade do serviço (...) que prende a
pessoa (...) foi motivo de sucesso e até hoje tenho as minhas clientes fiéis e
aparecendo muitas e muitas novas (...) Dinamismo, autoridade, perseverança
nos altos e baixos do mercado, controle mental, controle com os funcionários.
Você tem que ter pulso forte para ser uma boa empresária.”
Observa-se referência aos relacionamentos, em ter facilidade de conviver com
todos os tipos de pessoas, característica, aliás, criteriosa para quem deseja um lugar e se
dar bem no mercado de trabalho. A capacidade de transitar entre as pessoas, de dialogar,
de dar soluções, de resolver conflitos são exigências em todos os espaços.
Conforme a entrevistada, ela procura ser conselheira das clientes, “psicóloga”,
tenta deixá-las relaxadas, procurando oferecer-lhes um clima de alegria e de satisfação.
Percebe-se a presença constante de atitudes sentimentais junto às características.
Continua a empresária:
Beatriz: “(procuro) aqui (no instituto de beleza) ser psicóloga, conselheira.
Então eu dou muito conselho, eu acalmo muita gente (...) me procuram para
pedir opiniões até sobre o que vestir, pessoas que ficam com vergonha de ir
num lugar e não sabe fazer a compra. Então, pedem para botique para trazer
as roupas aqui para eu ajudar a escolher a roupa. Eu oriento da roupa ao
cabelo (...) Eu ajudo muito conversando.”
Nesse sentido, buscamos Oliveira ao afirmar que: O caminho, é irreversível:
as empresas vão ter que partir para os benefícios espontâneos, por que vão segurar
talentos, garantindo a qualidade do produto e dos serviços prestados e
conseqüentemente, a sobrevivência da organização. Antes os benefícios eram
187
oferecidos como forma de atrair bons profissionais. Hoje, visam reter esses talentos. As
empresas brasileiras se sentem forçadas a esse investimento por causa da concorrência
internacional, da necessidade de manter a qualidade e ter reconhecimento mundial.
É necessário sair do discurso e partir para uma ação que tenha realmente como
base esta visão holística do ser humano. Assegurar a qualidade de vida exige que o
indivíduo esteja bem nos níveis sico, mental, intelectual e espiritual. E não dúvidas
de que, daqui para frente, as empresas vão ter que se preocupar com o resgate do ser
humano. Sem ele você não tem a tão almejada qualidade; a visão de benefícios hoje é a
visão do humano e é uma questão mundial que está provocando mudanças de
comportamento no trabalho em todas as regiões do mundo. Se as empresas não
passarem a valorizar o ser humano vão, com certeza, perder mercado. O ser humano é
a peça fundamental do processo de qualidade”.
161
Hoje, a mentalidade sobre o trabalho está se modificando, porque a rmula é
“trabalhar feliz”. Procurar qualidade de vida nas empresas é também procurar mudança
de mentalidade das pessoas. Não é favor, nem caridade, nem filantropia e se compõe de
pequenas e grandes coisas.
Ressaltando a ão, o planejamento e a procura de ser um diferencial no
mercado de trabalho, duas empresárias afirmaram:
Maria de Fátima: “Acho que hoje... uma mulher para estar no mercado tem
que ser uma mulher forte, de ação, tem que ser uma pessoa de ação, que tenha
conhecimento do assunto que ela vai dirigir, tem que ser uma pessoa bem
resolvida porque ela vai encontrar preconceitos, ela vai encontrar conceitos
também, que ela vai ter que saber julgar. Ela tem que ser uma pessoa bem
resolvida, para saber até onde ela pode ir, até onde ela tem que ficar... Eu acho
que o que pesa mais seria isso, saber ser uma empreendedora que saiba
investir. Hoje, se você ficar parada no mercado você não vai chegar a lugar
nenhum tem que estar sempre investindo. É isso.”
Uma mulher empresária, de acordo com o depoimento, tem que ser forte, ter
ação, ou seja, tem que ser líder. E observa-se que tem que ser bem resolvida, isto é,
antes de conduzir ou liderar os outros é necessário que saiba primeiro, conduzir a si
mesma.
Dessa forma, para liderar (apesar de um grande debate, não se chegou a uma
conclusão se liderança é inata ou não) existem as oportunidades quais sejam:
161
OLIVEIRA, Sílvio Luiz de. Sociologia das organizações. op. cit. p. 170.
Cf. CHIAVENATO, Idalberto. Introdução à Teoria Geral da Administração. 4 ed., São Paulo: McGraal-
Hill, 1993.
188
aprendendo através da experiência; aumentando os relacionamentos como um mentor;
educando-se e fazendo treinamentos formais.
Mírian: “Ter uma boa postura pessoal, ser arrojada, ser conhecedora de todos
os avanços que tem acontecido no mundo como um todo, falar outro idioma, ter
um projeto com pessoas competentes, para ver se aquela atividade é
indispensável, para ver se ela vai surtir efeito naquele momento, naquele local.
Fazer um planejamento mesmo do negócio. E encarar o negócio de uma forma
muito séria, porque certamente, se isso não for encarado dessa forma, ela vai
sair do mercado com uma rapidez muito grande. Ela vai ser simplesmente uma
estrela que caiu. Então, é necessário que todas as pessoas... não só as mulheres
- venham a entender que o mercado hoje é um mercado que está muito mais
exigente do que antes. E essa exigência, você tem que cumprir todas as regras
atuais do mercado moderno mundial para estar continuando a trabalhar e ser
um diferencial dentro da sociedade.”
A concorrência acirrada no cenário mundial faz com que todos, empresários e
empresárias, procurem cada vez mais o acesso à novas tecnologias. No depoimento
acima, várias características voltam e outras surgem: competência, percepção,
planejamento, seriedade, conhecimento, atualização e ser um diferencial.
Segundo Oliveira ser um diferencial entre as empresas significa: “São as
pessoas, que precisam estar comprometidas com resultados e motivadas para
caminharem por novos processos. As organizações não pensam mais em colaboradores
que cumpram apenas suas obrigações. Querem muito mais: querem pessoas que criem,
que ousem, que inovem, que desafiem os desafios, que sejam pura energia, que tenham
‘deuses’ dentro de si (entusiasmo)”.
162
Nesse sentido, observamos uma similaridade em todos os depoimentos ao
ressaltar as características acima como necessárias ao ser humano. Além dessas,
buscamos também Toledo
163
que, já no início dos anos de 1980, traçava um perfil para o
profissional do futuro. Observamos que as características apontadas pelo autor
coincidem, ainda, com as citadas pelas mulheres empresárias para o mercado de
trabalho: criatividade, flexibilidade, sensibilidade situciacional, habilidade em lidar com
conceitos, cultura geral (conhecimento), domínio de mais de um idioma, conhecimento
da conjuntura social, do meio externo: mercado de trabalho, sistema financeiro,
governo, consumidores e fornecedores, para acompanhar a evolução do meio externo;
buscar cultura e conhecimento não constantemente, mas de forma acelerada, rápida,
aprender a aprender e ser agente de mudanças.
162
OLIVEIRA, Sílvio Luiz de. Sociologia das organizações: ... op. cit. p. 177
163
TOLEDO. F. R. F. de. Recursos humanos no Brasil: mudanças, crises e perspectivas. o Paulo:
Atlas, 1981.
189
A honestidade foi muito ressaltada nos depoimentos como característica
necessária às mulheres empresárias. Inclusive, a postura correta (já colocada em
depoimentos anteriores), o que julgamos estar no mesmo nível de valores.
A questão dos valores morais está intrinsecamente ligada à postura das mulheres
empresárias e, por isso, não como separá-los como características necessárias,
abrangendo a honestidade, a lealdade, a “boa conduta” e outros.
Citando a honestidade como característica e acrescentando a ética e a dignidade,
duas empresárias revelaram:
Marisa: “Eu acho que, primeiramente, é fazer o que gosta, ter um objetivo, e
seguir adiante porque nada chega para você de mão beijada, você tem que
batalhar por isso. E a outra coisa que é muito importante é a honestidade, o
caráter da pessoa. E você subir, mas com tudo isso, essa bagagem toda, porque
não adianta você subir da noite para o dia atropelando quem estiver pela
frente. Então, eu acho que tem que ser com dignidade realmente.”
Terezinha: “Olha, são características que eu julgo indispensáveis: primeira,
caráter, prosperidade, honestidade. Você tem um bom caráter se você for
honesto, e voprospera se votiver um bom caráter e for honesto. Então,
eu acho que um feed-back aqui. Qualquer lugar que você colocar uma das
coisas, elas se relacionam: caráter, honestidade, prosperidade. Você tendo
essas três coisas, você tem prosperidade na vida. Eu não conheço ninguém de
bom caráter, honesto, que não seja perseverante, que não conquiste aquilo que
quer (...) Não digo só em relação a mim, mas à todo mundo. Veja bem, como eu
posso ser perseverante e conquistar alguma coisa se eu não sou honesta?
Alguém vai acreditar em mim? Como eu posso perseverar, crescer na vida,
conquistar um espaço se eu não tiver um bom caráter? Alguém vai acreditar em
mim? Como eu posso fazer realizações, conquistar coisas diferentes se eu não
sou perseverante (...) São três coisas impossíveis de você perseverar se você
não for acompanhado dessas três virtudes que eu considero importantíssimas.”
No mesmo viés das mulheres empresárias, um empresário, baseado em sua
experiência no mercado de trabalho há quarenta anos, revelou:
José Soares: “Eu diria que a principal coisa é: honestidade. A primeira coisa
(de tudo) a pessoa tem que ser uma pessoa honesta. Com desonestidade
ninguém vence na vida. O segundo passo: você tem que ter muita perseverança.
Perseverando com o conhecimento que você vai adquirindo para gerir, e com
mais honestidade e vontade de trabalhar, qualquer um é capaz de vencer.”
Outra empresária nos chama a atenção da capacidade da administração do
tempo, a nosso ver, fundamental hoje no mercado de trabalho e a capacidade de delegar
funções:
Carlúcia: “A primeira coisa é capacidade de administração, uma capacidade
de lidar com o tempo. O tempo é precioso para todos nós em qualquer área, até
para a dona de casa. Então, a primeira coisa é capacidade de lidar com o
tempo, gerenciamento, planejamento, e a gente tem que saber delegar funções.
A gente não tem que pegar tudo, entendeu, porque se eu tivesse que pegar tudo,
eu não daria conta! Então, você tem que delegar. E chegou um momento que a
190
coisa ficou tão feia para mim, que eu abri mão da casa para a empregada, não
foi? Ela faz supermercado, ela faz feira. O meu filho, agora eu levo ‘Você
volta a pé, você se vire’. Você tem que delegar; e banco: saldo, buscar papel,
resolver... tudo o que faço é por telefone. Então, você tem que ser competente e
eficaz para dar conta, e ainda ser mulher: se vestir adequadamente, ter seu
jeito feminino... para a gente não falar que para ser empresária tem que ser
homem.”
Saber administrar o tempo e delegar funções no mercado de trabalho tornam-se
hoje exigências imprescindíveis. Primeiro, para não se sobrecarregar e, segundo, ter a
possibilidade de realizar todas as tarefas. Saber ser líder é saber delegar, dividir para
multiplicar.
Colocadas as características da mulher empresária por elas mesmas e por alguns
empresários, observamos num jornal local o seguinte anúncio:
“Empresário do Ano:
A Associação Comercial e Industrial de Patos de Minas,- ACIPATOS, está
iniciando o processo de escolha dos nomes do ‘Empresário do ano’ de 2001.
Para nós, a sua sugestão é de grande importância, pois o escolhido i
representar a nossa cidade em Belo Horizonte, no dia 28 de setembro, sendo
homenageado pela Federaminas, no Palácio das Artes.
Contamos com o seu apoio e pedimos observar alguns critérios quanto a
escolha do candidato:
• Agente de mudanças;
• Bem aceito no meio empresarial e comercial;
• Competente;
• Criativo;
• Cumpridor de seus deveres e obrigações;
• Dinâmico;
• Espírito de Equipe;
• Empreendedor;
• Íntegro;
• Líder;
• Otimista;
• Participativo perante os problemas sociais da comunidade;
• Que tenha valores familiares;
• Saiba relacionar-se com o próximo;
• Visão inovadora.”
164
As características exigidas pela associação são semelhantes às expostas pelas
empresárias e pelos empresários.
Também, as características colocadas tanto do ponto de vista da associação
local, quanto das mulheres e dos homens empresários através dos depoimentos,
assemelham-se às características expostas pela teoria, ao apontar o novo perfil e os
principais requisitos para o executivo do futuro:
“ - pensamento estratégico;
164
EMPRESÁRIO do ano. Jornal Folha Patense. 18/08/2001, p. 30.
191
- capacidade para desenvolver credibilidade - habilidade de ser justo, sincero e
imparcial;
- habilidade para atuar com agilidade e politicamente;
- liderança;
- maturidade psicológica”
165
Dessa forma, conforme o autor, o executivo-líder terá a compreensão dos fatores
objetivos variáveis econômicas, políticas, demográficas, socioculturais e também
dos fatores subjetivos motivação, qualidade de vida, valores dos indivíduos e sua
inter-relação, antecipando as mudanças necessárias, exigidas pelo mercado, pela
empresa e pelos funcionários.
Os executivos, então, o terão somente qualidades profissionais, mas junto a
elas, as competências pessoais. Para os clientes, não é somente a satisfação, é ir além da
satisfação e chegar ao deleite do cliente.
166
É necessário surpreender o cliente com o
inesperado, para se obter uma destacada posição competitiva. No século XXI, a
qualidade começa no cliente, o foco é o valor total para o cliente. Até ser superada,
porque nada é para sempre, a mudança é constante e a sociedade é dinâmica e diversa.
Portanto, afirmaram as mulheres empresárias, elas sempre têm que estar muito atentas e
serem rápidas para dar conta de acompanhar todas as exigências e mudanças no
mercado de trabalho.
3.4. Os homens estão mudando?
“... na realidade pode-se observar que muitos (homens) tem ciúmes. Você
percebe que quando uma mulher começa a se sobressair, eles arrumam até
candidatura para elas: ‘ela está querendo aparecer’ (...) observo que os
homens falam muito de coisas que, na realidade, eles não fazem. E acredito que
muitas mulheres também (...) querem às vezes transmitir uma idéia que, na
realidade, não é o pensamento deles.” Paulo Rodrigues Moreira
O depoimento mostra-nos como a realidade pode ser camuflada. Concordamos e
observamos como a mesma se assemelha aos depoimentos de algumas mulheres, ao
165
OLIVEIRA, Sílvio Luiz de. Sociologia das organizações. op. cit. p. 195.
166
Cf. DEMING, W. Edwards. Qualidade: a revolução da administração. Rio de Janeiro: Marques -
Saraiva, 1990.
192
dizer que há um pré-julgamento depreciativo em relação às mulheres que se evidenciam
e sobressaem. Curioso é o fato de alguns homens pensarem que as mulheres desejam se
candidatar, como se todas que têm uma vontade de vencer ou de participar mais
ativamente em algum espaço, obrigatoriamente desejasse se candidatar. A referência à
“vontade de aparecer” entre as mulheres não é nova, mas, ela existe da mesma forma
entre os homens.
Ressaltamos também a revelação de uma realidade hipócrita e que sabemos
existir, porque realmente existem muitas pessoas que dizem pensar ou ser de uma certa
forma e que na realidade não o são.
Através do discurso feminista que desabrochou nos anos de 1970, a relação
feminino/masculino foi colocada em destaque no debate não dentro da academia,
como também na sociedade. O feminismo abalou a idéia de uma masculinidade aceita
como “natural”, abrindo caminho para discussões históricas.
De acordo com Oliveira
167
, os homens brancos de classe média se vêem como
um ser humano universal generalizado. Não enxergam-se “diferentes” como as
mulheres, os negros, os gays, os pobres, porque o que torna os sujeitos oprimidos ou
marginalizados são os mecanismos que nos causam dor na vida cotidiana.
Dessa forma, o encobrimento dos “diferentes”, conscientemente ou não, ajuda a
perpetuar e a legitimar o modelo dado como “universal”, “generalizado” desse homem.
Daí, a necessidade da discussão dessa viabilização do masculino e suas
conseqüências, tentando descobrir as “brechas” para a des-construção do “masculino
universal” nas relações cotidianas.
Nesse sentido, procurou-se detectar a presença desse “modelo universal
masculino” na sociedade, se está acontecendo uma mudança em relação a esse modelo e
onde está acontecendo, através dos depoimentos das mulheres e dos homens.
De acordo com as mulheres empresárias, no que se refere à mudança do homem,
detectamos várias divergências. Tanto aquelas que acreditam que o homem está
mudando em alguns pontos, como outras acreditam ser em outros. Discordam às vezes
num mesmo ponto, concordam em outros, sendo, portanto, impossível estabelecer
diferença e apontar as variedades das percepções das mudanças. Avançam num ponto,
estagnam em outro e, tanto a mulher como o homem, percebem mudanças em algumas
atitudes, bem como a continuidade do conservadorismo em outros.
167
OLIVEIRA, Pedro Paulo de. Discursos sobre a masculinidade. In.: Estudos feministas. IFCS/UFRJ.
V. 6. n. 1/1998.
193
Percebemos num depoimento a continuidade da necessidade do “poder do
homem”, sob a ótica de uma mulher, fruto de seu aprendizado:
Gláucia: “A mulher conduz muito as coisas. Ela pode até não estar fazendo na
frente, mas ela está conduzindo quem está fazendo, e é muito! Mas tem que
sabe conduzir, tem um jeito, porque o homem precisa sentir que ele é o ‘Rei do
Pedaço’ (...) O marido precisa ser o ‘rei da casa’ (...) porque ele precisa disso,
e a mulher não precisa disso! A mulher precisa ser 0,5% submissa ao homem
em casa, porque ele se sente bem. Ele fica feliz, ele sente que ele é um rei, e
ele é mesmo! Porque não? É bom assim! Vamos dar a eles aquilo que eles
querem (...) É a mulher que concede, e na empresa não é diferente, porque é
esse 0,5% que o poder a ela de conduzir (...) aja com ele de forma que ele
sinta que está com o poder nas mãos. Ele sente que o poder esna mão dele,
mas você influi na decisão toda.”
Pelo depoimento os homens necessitam do poder, precisam tê-lo ou, no mínimo,
pensarem que têm o comando para que as relações familiares ou profissionais não se
desestabilizem. Nessa questão observamos que o houve mudança no comportamento
geral dos homens. Ao mesmo tempo, uma opinião contraditória da mesma
empresária, ao citar que há homens que têm seu comportamento mudado:
Glaúcia: “Alguns homens (...) meu irmão, por exemplo, a gente trabalha de
igual para igual. Ele é um homem de alma feminina, ele tem muito
equilibrado o lado feminino”
Mais uma vez aparece a questão da formação do ser humano, a essência do
homem e da mulher, em saber harmonizar o seu lado masculino e feminino com os
quais nascemos. Na forma da criação patriarcal, essa essência é separada e temos que
“esconder” um dos nossos lados. O homem é formado para “reprimir” o seu lado
feminino e a mulher é “reprimida” para esconder seu lado masculino. Por isso, dizemos
que as características “femininas e masculinas” são culturalmente construídas. Na
tentativa de buscar o equilíbrio, homens e mulheres procuram ser mais felizes, mais
integrados.
Segundo Muraro, é na família nuclear patriarcal que se origina a reprodução do
cuidado aos filhos somente pela mãe, e esse cuidado gera resultados diferentes para os
meninos e para as meninas. “As meninas vão aprender com ela o seu papel de es, e
os meninos se separam dela criando uma identidade masculina, identificando-se com o
pai de quem tem medo. Por isso, na cultura patriarcal a mãe é rejeitada tanto pelos
meninos, porque ela é proibida, como pelas meninas, porque nasceram iguais a ela,
isto é, inferiores.”
168
Continua a autora que, com a entrada das mulheres no mercado de
168
MURARO. Rose Marie. Os seis meses em que fui homem. op. cit. p. 255
194
trabalho, os homens começaram a entrar no espaço privado da casa, passando a ajudar a
mulher nos afazeres domésticos e dividindo os cuidados dos filhos. Isso pode ser o
início, a origem de uma mudança da estrutura psíquica de meninos e meninas, porque a
mãe dividiria com o pai a relação simbiótica mãe/filho. A mãe não seria mais a única
doadora da vida porque passaria a dividir com o pai.
Dessa forma, meninos e meninas desenvolveriam uma intimidade com os dois
sexos e não somente com a mãe.
A carga pesada, dada à mulher pela cultura patriarcal, passaria a ser dividida
com o pai. Aos olhos da criança, a mãe e o pai serão vistos como iguais e não mais
como a mãe é vista: com desvalorização pela cultura, como um ser castrado.
Mudando então essa cultura, o pai torna-se tão doador da vida, amoroso e
responsável pelos filhos como a mãe. Ruiria também a divisão das funções como é hoje:
para a mãe é o amor e para o pai, a rigidez.
Nesse sentido, não seria necessário que o homem reprimisse sua emoção e se
aproximaria do superego feminino, perdendo o medo da entrega, da mulher. Por outro
lado, as mulheres se identificariam mais com o mundo do trabalho e não seriam tão
dependentes do homem “provedor” e idealizado como o são no patriarcado. As
conseqüências dessa mudança seriam imensas. Conforme Muraro:
“Em primeiro lugar, meninos e meninas educados numa sociedade assim
pluralista não achariam, como acham hoje, desde o seu nascimento, “natural” uma
sociedade em que a mulher é inferior ao homem, e, portanto, não achariam “natural”
nenhuma sociedade hierarquizada, autoritária e desigual, e, sim, um mundo
democrático, não-competitivo e de partilha.
A partilha, e não mais a competição entre homens e mulheres, faria as
sexualidades feminina e masculina convergentes e não mais divergentes.”
169
Nessa perspectiva, o homem e a mulher ao procurarem uma integração, cada um
conservando sua especificidade, poderia acabar com a guerra surda entre homem e
mulher, que é resultado de uma sociedade patriarcal.
Observamos uma mudança de atitude num empresário em relação ao trabalho da
mulher quando revelou:
Meirison: “(...) à princípio, antes quando éramos namorados, eu achava que
(a mulher) não precisava trabalhar, que mulher minha nunca ia trabalhar fora.
E com o tempo, isso foi passando... e hoje, acho que é bom, que é importante
ela trabalhar, ela ter os negócios dela, principalmente a minha esposa, que é
169
MURARO, Rose Marie. Os seis meses em que fui homem. op. cit. p. 258.
195
uma empresária de academia, e que está indo bem... a gente sempre está
procurando auxiliar. Então, acho que é importante.”
Reconhecendo a mudança e, hoje, com uma mentalidade diferente daquela
anterior ao casamento, observa-se uma mudança gradativa em relação à condição da
mulher no espaço público.
Continua o mesmo entrevistado:
Meirison: “(...) eu falava que ela nunca ia trabalhar. Ela não aceitava e foi
me trabalhando e eu também fui trabalhando essa possibilidade dela trabalhar.
À princípio, eu queria que ela abrisse a academia... aqui, junto do lar, no
prédio onde a gente mora (...) para ficar mais próxima do lar.”
Comparando o depoimento com o de uma empresária ao revelar que seu marido
admite que ela trabalhe somente com ele, observa-se que uma semelhança nesses
homens em desejar que as suas mulheres trabalhem mais próximas de casa, para ficarem
perto dos filhos e, acreditamos, sob seu “olhar”.
No mesmo raciocínio, um empresário revelou que reconhece os avanços da
mulher, mas se sua esposa desejar trabalhar fora, será ao seu lado:
José Humberto: “É como eu disse, elas tem que ocupar o espaço delas, e o
mundo hoje não tem essa de ‘mulher não faz o que o homem faz’. A mulher hoje
se sobressai às vezes mais do que o homem em todos os aspectos, seja o
curso que ela faça, de engenharia, de médica, ou odontologia... Em qualquer
das profissões liberais que exerçam, não existe mais preconceito, seja na área
política, seja na área social. Hoje vemos aqui mesmo em Patos na área política
duas vice-prefeitas, e muito bem posicionadas dentro da política, e não tem
nada a ver! hoje tem várias deputadas aí, Rita Camata, e Governadora,
Roseana Sarney... Em todas as áreas as mulheres estão presentes. No mundo de
hoje, não tem discriminação como na década de trinta em que a mulher não
podia nem votar. Hoje o mundo é outro (...) Acho que ela (esposa) foi criada do
mesmo jeito que eu fui criado ‘o sistema da mulher voltada para dentro de
casa’, mas quando eu a conheci ela trabalhava fora. Ela tem vontade de
trabalhar fora, mas eu digo para ela: ‘Se você for trabalhar, vai trabalhar
comigo’. De modo que, ela tem vontade, inclusive tem vontade de voltar a
estudar e eu não tenho nada contra, eu dou força!”
Observa-se a ambigüidade no depoimento ao reconhecer e afirmar a presença da
mulher em todos os setores, inclusive, com admiração e consentimento, mas, ao mesmo
tempo, a afirmação de que, se a esposa desejar trabalhar fora, será com ele, ou seja, sob
o seu “controle”.
Talvez a idéia dos homens pensarem que as mulheres estejam próximas de casa,
amenize a condição de “trabalhar fora”. O mesmo entrevistado justificou não preferir
que a esposa trabalhe fora da seguinte forma:
José Humberto: “(...) acho que é questão de comodidade minha.”
196
Outro empresário explicitou o motivo pelo qual não permitia que a esposa
trabalhasse fora, antes de sua mudança sobre esse aspecto:
Meirison: “(...) eu sempre fui muito ciumento, eu achava que se ela
trabalhasse fora, ela ia se expor mais. Então, como eu era muito ciumento, eu
não aceitava aquilo. Mas aí, a gente vai amadurecendo, vai vendo que não tem
nada a ver. E acho que ciúme é também insegurança. A partir do momento que
você vai se concretizando na vida, profissionalmente, acho que tudo vai se
encaixando.”
Um fato curioso é a mudança que ocorreu com o entrevistado. Sendo,
inicialmente, contra a mulher trabalhar fora, depois que ela começou, ele praticamente
assumiu todos os cuidados da casa.
Meirison: “(...) eu acho que hoje está muito mudado e eu aceitei ajudá-la e
faço sem problema nenhum (...) junto roupa, faço algum serviço doméstico,
dependendo da necessidade. Eu me desdobrei bastante na criação dos filhos,
sempre sou bastante companheiro, estou sempre ao lado, às vezes mais do que
ela (...) eu costumo ir ao supermercado, a Lúcia vai à feira (...) E às vezes
cobro muito de empregada na parte de limpeza, de lavadeira, eu às vezes
acompanho até mais do que ela (...) levanto à noite, cuido, boto as crianças
para dormir (banho) (...) Acho que isso aí eu posso falar que eu sempre fiz mais
do que ela, porque ela trabalha muito com o corpo, e chega à noite e às vezes
está muito cansada (...) às vezes faço uma pequena limpeza na cozinha antes de
dormir (...) Nesse ponto aí eu sempre ajudo.”
Enquanto a maioria dos homens não participa das tarefas em casa, observamos
que há uma mudança de comportamento em alguns, apesar de ser minoria. Contudo, não
deixa de ser uma sinalização de uma mudança nesse ponto e, inclusive, importante a
nosso ver, porque trata-se de uma oposição à formação tradicional sexista. Lembramos
Chauí, ao dizer: ... seres e objetos culturais nunca são dados, são postos por práticas
sociais e históricas determinadas, por formas da sociabilidade, da relação
intersubjetiva, grupal, de classe, da relação com o visível o invisível, com o tempo e o
espaço, com o possível e o impossível, com o necessário e o contigente. Para que algo
seja isto ou aquilo e isso e aquilo é preciso que seja assim posto ou constituído pelas
práticas sociais”.
170
Nessa perspectiva, o ser humano é ambíguo, cheio de contradições, porque é um
ser constituído por todas as relações citadas acima, num dado momento histórico.
O que se passa ainda na nossa sociedade e na política é uma repetição do que
acontece dentro da casa, ou seja, acontece uma privatização e pessoalização das formas
de autoridade. Com a hierarquização homem/mulher, pais/filhos, irmão/irmã, a
diferença é simbolizada, representada pela obediência e mando. O machismo funciona
170
CHAUÍ, Marilena. Conformismo e resistência. Aspectos da cultura popular no Brasil. op. cit. p. 122.
197
como racionalização, bem como a feminilidade. Quantas vezes ouvimos frases
pejorativas: “atrás de todo grande homem, sempre uma mulher”? Muito
recentemente é que esta frase, por exemplo, tem mudado a colocação de “atrás”, para
“ao lado”, devido à uma conscientização. Ainda de acordo com Chauí, o machismo
interiorizado surge na forma da expectativa e da atitude desejada por homens e
mulheres, através de situações que condenam ou ridicularizam as mulheres, por
exemplo, quando seus maridos ou parceiros são mais novos e o elogio dos homens
quando as mulheres parceiras são mais novas: “É isso aí, machão!”, ou expressões
como: “com mulher minha não!” Nesse sentido é que ao homem é permitido, pelo
machismo, situações que à mulher são condenáveis, não são aceitas pela sociedade.
Sobre esse falso moralismo que permeia a sociedade, no universo masculino e
machista, uma empresária comentou:
Maria Almira: “Eu diria que é falso moralismo, porque os homens cobram
uma posição das mulheres eretas e dignas’ da forma que eles acham que tem
que ser e procuram em outras mulheres tudo aquilo que eles não querem que as
mulheres deles tenham. Então, eu acho muito falsas essas atitudes, uma falsa
moral embutida na palavra sexo, sexologia, intimidade, prazer. Tem muita falsa
moral, mas na verdade isso existe, não só em Patos, isso é geral.”
E foram várias as situações que podemos observar, as quais as mulheres
empresárias denunciaram e percebem na sociedade, devido a essa cultura machista
que ainda vigora.
A mulher ainda se “controlada” pela cultura machista. Um empresário
comentou:
Meirison: “Eu acho que esse machismo é uma grande bobagem. Nos temos é
que... querendo ou não querendo, os homens hoje tem a concorrência da
mulher, e a mulher, pela maneira dela ser, as mulheres tem conseguido
excelentes cargos, até mesmo em empresas, administração, como na política...
Eu acho que isso não tem nada a ver. Tem é que dar força, e as pessoas... os
machistas que acham que é homem que manda, isso é bobagem, isso não
vai chegar em lugar nenhum. Eu acho que o importante é se dar bem com a
esposa e com as mulheres também que estão subindo na vida... Eu não tenho
preconceito nenhum, eu acho que o importante é a gente aceitar.”
Paradoxalmente, o mesmo entrevistado que declara ser o machismo “bobagem”
e que aceita as mudanças vê a maioria dos homens da seguinte forma:
Meirison: “Eu acredito que ele (homem) não admita (não ser o chefe da casa).
(...) eu acho que está tendo uma certa dificuldade porque o número de mulheres
também é maior, não é? Então, parece que a disputa começa por aí... Como
o número de mulheres é maior, então, parece que ela chega em maior número
no mercado de trabalho. E agora, pela maneira da mulher, às vezes ela
consegue determinados cargos que o homem não consegue. (...) tem mulheres
também super inteligentes. Eu acho que não tem que preocupar com isso não,
198
eu acho que está aberto para tudo... Mas que existe um conflito que os homens
estão perdendo muitos cargos que seriam dos homens, exclusivamente dos
homens... Eu acho que eles não aceitam. A maioria dos homens não aceita
isso.”
Portanto, não generalidade, ou seja, uns aceitam, mudam, outros ainda
continuam no modelo conservador e uma mesma pessoa, tanto apresenta mudança de
comportamento em determinadas situações, como permanece com comportamentos
tradicionais em outras. As pessoas são ambíguas.
Uma mulher empresária, comentou que os homens não mudaram, entretanto,
acredita que a mudança irá acontecer:
Carlúcia: “(O homem) está tendo dificuldade, percebo muita dificuldade. Eu
acho que o homem (...) ficou naquele nível que estava (...) estagnou, e nós, a
gente estava embaixo, e fomos, crescemos e ultrapassamos. E eles não estão
sabendo o que eles vão fazer (...) Eu acho que hoje os homens ficaram meio
parados. Não que eles não tenham evoluído, mas eles não evoluíram tanto
quanto a mulher. E os homens têm que, daqui para a frente, pensar diferente.
Se a mulher vai à luta, vai para a rua, ela também tem um espaço e esse espaço
é o mesmo. E se ela tiver a oportunidade de ganhar melhor do que ele, ótimo,
porque isso tudo vai para o mesmo saco, vai voltar para dentro do lar. E
acredito que a gente vá encontrar homens assim daqui para a frente.”
O depoimento se refere mais uma vez à questão do homem não aceitar que a
mulher ganhe mais do que ele, tornando-se uma ameaça para o mesmo e motivo de
briga entre o casal.
Já outra empresária revelou que o homem não mudou:
Fátima Prado: “Eu sei porque eu trabalho com homem. Então, por exemplo,
no escritório onde tem homem e eu e mais duas ou três mulheres, você
acaba que... por mais que eu seja patroa, eu tenho uma convivência muito boa
com os meus funcionários... Então, eu vivo aqui de tudo, e você o que é
‘homem’! O homem não mudou, ‘homem’ não mudou! Pelo menos em relação
aos vinte ou trinta que eu estou diretamente ligada aqui na Patos Diesel, eu
vejo que não mudou. Eu sei que existe, e no meu trabalho eu vou falar para
você: Ah, eu não sinto nada!’ Eu não sinto nada mesmo não, porque se ele
olhar assim um minuto depois do cara me localizar, ele muda o olhar... Mas eu
sei que existe, por trás de mim eu sinto que ele está pensando: ‘Será que aquela
mulher vai dar em alguma coisa?’ Ela é bonita, mas será que ela é competente?
Ou então: ‘Mas aquela mulher é feia! O que ela está fazendo ali, naquele
lugar? Porque não colocaram uma outra?’ Eu sei que existe, eu sei que deve
estar passando por debaixo pelas minhas costas. Mas eu não sofro nada, isso
nunca me agrediu. (...) Mas eu sei que pode existir, eu presenciei em relação
à outras mulheres, no tipo de comentário que os homens fazem. Então, porque
não ia ser comigo? Eu não sou passível de nada, aliás, de tudo! As coisas
acontecem. Eu nunca sofri, apesar de saber, eu nunca sofri.”
Pelo depoimento, o homem sempre será o mesmo, aquele que “caça” a mulher e
sempre desconfiará da sua capacidade e eficiência. Revelou que não se importa com
199
isso e se acostumou com essas atitudes, inclusive, ouvidas em relação à outras
mulheres. Por isso, acredita que o homem sempre terá esse comportamento.
Os depoimentos tanto dos homens quanto das mulheres são, sem dúvida,
paradoxais, revelando a existência de discursos variados, posições diferenciadas num
mesmo argumento. Nesse sentido é que observamos também mulheres e homens com
opiniões contrárias às que foram expostas sobre a mudança do homem, sobre sua
masculinidade.
Enquanto algumas mulheres e homens acreditam que o homem ainda não mudou
em seu comportamento, em suas atitudes e práticas sociais em relação à mulheres,
outros e outras afirmaram que o homem mudou ou está mudando seus pressupostos de
masculinidade, procurando se liberar dos ideais masculinos cobrados por uma sociedade
machista e patriarcal — brasileira e ocidental.
Ainda sobre o comportamento dos homens, se está acontecendo ou não
mudanças, algumas mulheres enfatizaram que, para que ela realmente aconteça, torna-se
necessário uma mudança de postura primeiramente da mulher.
Nessa perspectiva, revelaram que se o machismo ainda existe, é por culpa da
própria mulher, responsável, em primeiro plano, pela educação pelos filhos.
Maria Almira: “Em relação à criação dos filhos eu sempre digo que o
maior preconceito somos nós as mulheres que é quem cria os filhos com
esse moralismo, essa falsa moral. Eu acho absurdo esse preconceito que
tem com as mulheres, mas quando eu vou ensinar o meu filho, o filho
pode isso, isso e isso, os limites são maiores do que o da minha filha,
porque a minha filha, começa por aí: a menina não pode brincar de
carrinho, menina não pode sentar de perna aberta, a menina tem que ter
modos, a menina não faz isso, aquele tanto de preconceitos em relação à
menina que é criada diferente o tempo todo do menino. Homem não
chora, mulher que chora. Eu vejo isso assim: casais novos, casais
modernos, meninas que tiveram filhos com 18 anos de idade e estão
criando os filhos dessa forma. Então, o preconceito existe e ele é maior
da parte das mulher. Então nesse momento, nós somos machistas, muito
machistas! Agora, como eu criaria, não sei, não tenho filhos. Eu acho
que nesse momento, na hora de criar um filho, eu penso às vezes nisso e
começo a rir, porque acaba ensinando para eles algumas coisas que num
momento da sua vida, você achou retrógrado, você achou antiquado (...)
Na minha adolescência, eu tinha que chegar as 10 horas e meu irmão
podia ficar até a hora que quisesse. Será que eu vou ser diferente com
meu filho? (...) (Será) que não vou voltar a fazer tudo aquilo que eu não
gostava que meus pais fizessem comigo? Então esse é um trabalho que
eu tenho que fazer, que as mães de hoje têm que fazer, para não
repetirem os mesmos erros que os nossos pais cometeram. (...)”
200
A entrevistada, mesmo assinalando uma mudança atualmente, ressaltou que cabe
à mulher a maior parte da educação dos filhos, carrega com ela o machismo e
acrescentou:
Maria Almira: “(A educação sexista) ela é que põe a toda a prova, a
todo momento isso, querendo ou não na nossa sociedade. Tem mudado
um pouco, mas essa parte da educação é a mulher que se encarrega
dela. O homem ajuda, sem dúvida, mas a mulher é que se encarrega
dessa parte, e ela é muito machista. (...)”
No mesmo viés, analisando o machismo ainda presente entre os homens, um
empresário acrescentou:
Paulo: “É a cultura, a formação que ele tem. Se você pegar pessoas
que estão com seus 60-70 anos, coisas que acontecem conosco hoje um
pouco mais novos, eles se escandalizam. Eu acredito que foi mesmo a
evolução nos meios de comunicação, a moda também pode ter
influenciado (...) principalmente a televisão que veio mostrar certas
liberdades - algumas muito erradas - principalmente algumas novelas
que tentam mostrar uma coisa que, na realidade, aquilo não é legal. (...)
Eu acredito que, as informações são um grande influenciador para que
as mulheres se libertassem.”
A presença do machismo, de acordo com o depoimento, é maior na geração
anterior, que se assusta com as mudanças que vem ocorrendo na geração atual. Atribui o
machismo à formação do indivíduo e, também, as mudanças contra essa cultura, aos
meios de comunicação e o acesso das mulheres à educação escolar.
De acordo com Oliveira, as rápidas mudanças tecnológicas, as alterações nas
relações sociais nas instituições e o discurso feminista, provocaram questionamentos
sobre o comportamento e posicionamento do homem, devido às novas relações sociais.
Iniciou-se então, uma indagação sobre o comportamento tradicional masculino, não
mais de acordo com o mundo atual. Surge um novo paradigma para um comportamento
masculino e a descrição de um “novo homem”.
Numa posição semelhante, Nolasco
171
afirma que “o modelo antigo” serve como
pano de fundo e sobre ele se ergue o “novo modelo”, provocando uma mudança nas
diferença entre os sexos. Percebem-se dessa forma, dois tipos de comportamento: o do
“novo homem”, o emergente, com características na capacidade de expressão
emocional, em contraposição com o homem tradicional, sem expressão emocional e
super-masculino. Ainda conforme Nolasco: “o trabalho tem sido utilizado pelos homens
171
NOLASCO, Sócrates. O mito da masculinidade. Rio de Janeiro: Rocco, 1993.
201
para reduzir a visão crítica sobre eles mesmos, reproduzir os valores patriarcais,
alimentar as disputas e os jogos de poder”.
172
O “papel” masculino se constitui de quatro necessidades que formam o seu
núcleo nas sociedades ocidentais contemporâneas. São elas: 1) a necessidade de ser
diferente das mulheres; 2) a necessidade de ser superior aos demais; 3) a necessidade
de ser independente e auto-confiante; e 4) a necessidade de ser mais poderoso do que
os outros, através da violência, se necessário. Tais necessidades, segundo os autores,
são incompatíveis com as demandas emocionais típicas de qualquer ser humano e pode
estar a chave que talvez possibilitará explicar a somatização de problemas,
causadora de tantas mazelas físicas. Exemplos: beber e fumar, para parecer mais auto-
suficiente, autônomo, arrojado, sofisticado e superior (...) Os meninos, em função do
papel prescrito, são mais exigidos e desenvolvem mais problemas e inadequações
diversas (dislexia, esquizofrenia, incontinência noturna, etc.).”
173
Nesse sentido, Nolasco também afirma que o “papel” masculino obedece a um
modelo de comportamento que tolhe as subjetividades, causando tensões e angústias
com as quais os homens têm que conviver.
Daí é necessário um “novo modelo” de comportamento, com uma humanização
deste “papel social masculino”, criando uma diferença em relação ao atual. Segundo
Nolasco, o homem contemporâneo passa por uma crise de identidade devido a crise do
individualismo, sem abandonar o “papel social masculino” e o processo de socialização
capitalista. Afirma o autor:
“As exigências viris, de posse e poder, bem como ser assertivo e competitivo
sexualmente, mantêm os homens presos à questão do desempenho. Os padrões de
comportamentos que os qualificam como homens se aproximam dos exigidos para
máquinas. Enquanto identificados como homem máquina, estes indivíduos ficam
impossibilitados de problematizar a maneira como socialmente tornaram-se homens.
(...) Ao longo da vida, um homem passará por experiências que lhe ensinarão o que
significa desempenhar o papel masculino. Desde criança, ele é estimulado a se afastar
de suas ‘experiências interiores’, ao mesmo tempo em que é ‘pressionado a obter o
melhor desempenho’ no que faz”.
174
172
NOLASCO, Sócrates. O mito da masculinidade. p. 56.
173
Ibidem.
174
Idem. A desconstrução do masculino. Rio de Janeiro: Rocco, 1995. p. 21-22 (Grifo do autor)
202
Essa argumentação que busca relacionar as dinâmicas da civilização capitalista
com uma nova posição do homem é que identifica-o no “papel” de vítima. Contra essa
argumentação existem outras análises acerca da masculinidade que não tratam o homem
como vítima, mas atentam para a dinâmica das relações e a estrutura de poder que as
fundamenta, longe da perspectiva do homem na condição de vítima. São as discussões
críticas que rebatem esta perspectiva, acrescentando outros aspectos da masculinidade
atual, do tipo discursivo. Observamos que não nos propomos a estudar as várias formas
de análises da masculinidade, mas ressaltamos que são múltiplas as perspectivas de
abordagem existentes entre as disciplinas.
No nosso caso, percebemos que a abordagem da masculinidade acima, como o
homem sendo vítima do “papel” social e do sistema capitalista é a que está introjetada
na mentalidade de várias mulheres e homens, através de seus depoimentos quando se
referiram ao “novo modelo” do homem com características emocionais, como sendo
uma conseqüência da criação, da formação dada principalmente pela mãe.
Essas características são propostas por Chodorow
175
e abriram condições de
várias análises psicologizantes no campo da condição masculina, mas também
suscitaram muitas críticas. McMahon
176
criticou essa análise dizendo que não haveria
possibilidade de transformação das estruturas de poder existentes. Os homens se
aproveitariam das vantagens da dominação masculina com mais tranqüilidade que
esta situação seria explicável ou justificada pelas forças externas, pela convenção, pela
natureza e pelo comportamento da mulher, ou seja, da própria mãe.
Dessa forma, a incapacidade do homem para um envolvimento emocional, de
expressão dos sentimentos, poderiam ser resolvidos quando os homens rompessem
com o monopólio exercido pelas mães sobre a educação dos filhos. Mas, conforme
Messner
177
, os homens podem aprender a ser expressivos, emocionais em quaisquer
situações, mesmo quando administram locais onde têm o direito de exercer o poder
sobre os outros.
Outra crítica à culpabilidade dos “papéis sociais” também é pertinente neste
momento, porque muitos depoimentos se referiram ao “machismo” como conseqüência
da condição masculina, como sendo “natural” da nossa cultura.
175
CHORODOW, Nancy. Apud. OLIVEIRA, Pedro Paulo de. Discursos sobre a masculinidade. op. cit.
176
McMAHON, Anthony. Apud. Ibidem.
177
MESSNER, Michael A. Apud. Ibidem.
203
Ser um macho, de acordo com a construção do que é ser homem e ser mulher é:
“... ser um macho, nos moldes tradicionais, só trazia malefícios aos homens, pois eles
eram conduzidos a coisas desagradáveis, tais como: agressão, guerra, destruição; além
disso, trazia também todo o desconforto da sobrecarga de se ter que provar, a todo
instante, a condição de macho. As análises (...) apontavam o grande culpado, que não
era o macho, mas o papel de macho. (...) o homem instrumental, responsabilizado pela
política e pela economia, juntamente com a mulher expressiva (conceitos da sociologia
funcionalista), encarregada dos cuidados da casa e da assistência à prole seriam furto
dos estereótipos veiculados pela mídia, cinema e artes em geral (romance, letras de
música, revistas, escultura, etc.), reforçados pelo processo de socialização na família e
na escola. Nestes estereótipos forjava-se uma imagem masculina associada à
autonomia, autoconfiança, liderança, agressividade, força, aventura, arrogância, poder
de decisão, capacidade de domínio, assertividade, rusticidade, orientação para
realização, etc. as mulheres tinham associadas às suas imagens capacidades
sentimentais, emotivas, compreensivas, docilidade, dependência e submissão, além de
estarem orientadas para a maternidade.
Toda a atenção neste tipo de literatura volta-se para a questão do papel
masculino, o grande vilão. Quando muito, as relações de poder são tomadas como
derivadas deste mesmo papel. (...) Dizer também que a culpa é do sistema capitalista
das relações de trabalho, da célula familiar e do sistema de ensino que ele engendra é
um convite a não reconhecer nas dinâmicas de interação cotidianas as condições de
manutenção desta mesma estrutura. Cai-se em uma armadilha que se pode resumir da
seguinte forma: se a culpa é do sistema, nada pode ser feito enquanto ele não for
alterado, assim eu me eximo de responsabilidades no que diz respeito à minha prática
cotidiana, já que sou mero joguete neste sistema demoníaco.”
178
Ainda pensando dessa forma, as pessoas se acomodam e se isentam da
responsabilidade de mudar alguma coisa através de suas práticas cotidianas, porque
acreditam-se também vítimas do sistema. Nunca irão se ver como os responsáveis
diretos pelas mudanças que devem e podem ocorrer através de suas práticas do dia-a-
dia. Por isso, muitas mulheres e homens ainda têm a idéia de que tudo é “natural”,
“normal”, que a situação existente é exterior à sua vontade e que não podem e não
adianta fazer nada. Observamos dessa forma, a importância fundamental que o autor dá
178
OLIVEIRA, Pedro Paulo de. Discursos sobre a masculinidade. op. cit. p. 102-3-4.
204
às práticas cotidianas, ao dinamismo das interações do dia-a-dia, porque é o lugar que
nos oferece as condições para a manutenção dessa mesma estrutura ou para a sua
transformação. Não ser vítima e não cair na armadilha do “discurso” e do “sistema” é
saber que, através de nossas práticas cotidianas, é que mudamos todas as relações de
poder, de mando, de submissão, porque somos os responsáveis por essa reprodução e/ou
produção de estrutura.
Segundo o autor, devemos deixar de olhar apenas o sistema, a estrutura
capitalista como intangível, cujo mercado vai devorando a humanidade como se nada
pudesse ser feito. Visto por esse prisma, então, não como mudar as relações, porque
culpa-se o sistema.
Também o mercado de trabalho aproveita-se da diferença dos sexos para
privilegiar a figura masculina e as várias formas de discriminação e inferioridade que a
mulher sofre nesse mercado. Historicamente, a mão-de-obra feminina sempre foi tratada
diferencialmente da mão-de-obra masculina e, dentre tantos fatores, citamos como
exemplo os salários mais baixos, a resistência aos cargos de comando, a preferência por
mulheres solteiras e mais jovens.
179
A condição feminina o muda sem a desestruturação da condição masculina,
por isso passamos a um questionamento sobre o “poder e a sexualidade” usados para
“naturalizar” as relações de poder entre homens e mulheres nas relações cotidianas.
3.5. Poder e sexualidade
“(...) o homem ainda conserva aquele ‘machismo natural’, eu falo natural
porque eu crio um filho. Tenho que ser totalmente diferente, porque a vida e o
mundo não deixam eu criar o meu filho do jeito que eu gostaria.” Fátima Prado
Ferreira
Observamos na fala das mulheres e dos homens que o reflexo da cultura que
permeia o imaginário, baseado nas teorias que sustentam a “supremacia do homem”
provocado pela formação, é responsabilidade da própria mulher. Essa explicação é a
tônica da maioria das entrevistadas e entrevistados.
179
Cf. SAFFIOTI, Heleieth. Sociedades de classes: Mito e realidade. op. cit.
205
Chamamos a atenção também para o fato de estarmos sempre nos referindo à
uma cultura “universal”, a um “modelo universal masculino” usado para a justificação
da inferioridade e submissão da mulher. Trata-se da “masculinidade hegemônica”.
Vários autores buscam outros conceitos alternativos ao de “papel social” numa tentativa
de dar conta da dinâmica de poder entre homens e mulheres, e esse conceito de
“masculinidade hegemônica” é um deles.
E a nosso ver, esse conceito é o que mais se aproxima daquilo que queremos
propor, que é a “des-construção” desse “modelo hegemônico”, de um “modelo universal
masculino” que exclui a mulher, como se fosse uma “coisa natural”, a-histórica. Por
isso, pensamos ser pertinente essa discussão, para tentar esclarecer e propor reflexões
para possíveis mudanças nas relações de poder entre homens e mulheres.
Tendo em vista que a condição da mulher retratada pela historiografia aborda
várias questões de cunho negativo como inferioridade, discriminação, preconceito,
segundo sexo, mais frágil, menos capaz, inferior, incompetente, bruxa, satânica,
endemoniada, culpada pela “queda” do homem e tantos outros adjetivos que rebaixam a
mulher em relação ao homem, acreditamos ser devido a essa “criação da masculinidade
hegemônica” que a jogou a esses níveis, confinando-a ao espaço privado”. E isso,
devido a vários interesses, às conveniências e conivências, num determinado tempo
histórico, para a dominação, a hegemonia de poder do masculino. Para tanto, foi usada a
sexualidade da mulher, como forma de “cercá-la”, um “controle” que foi introjetado
como “natural”, “normal” e “a-histórico”. A condição da mulher e do homem exposta
nos depoimentos, apesar de serem justificadas pela criação do indivíduo pela mãe,
desembocam como sendo uma “situação natural”, ou seja, é assim porque a cultura é
assim. Nesse sentido, concordamos com Muraro quando afirma: ... poder e
sexualidade vêm juntos”.
180
A sexualidade do ser humano foi usada para a dominação de um sexo sobre o
outro. Continua a autora “(...) a identificação sexual que se processa na espécie
humana varia muito de cultura para cultura. Ela não é natural, mas produzida,
fabricada, de acordo com a relação que essa cultura precisa ter com a sua forma de
sobrevivência.
181
Dessa forma, toda as culturas em todas as civilizações, específicas em seu
momento histórico, foram “criadas” para justificarem seus interesses.
180
MURARO. Rose Marie. Os seis meses em que fui homem. op. cit. p. 132.
181
Ibidem. p. 244. (Grifos nossos).
206
Nesse sentido, buscamos Foucault, ao dizer que os efeitos de poder, através das
relações de poder que são produtivas e a produção de ‘verdade’ como uma noção de
ideologia, impedem a formação de discursos verdadeiros. “O indivíduo é sem dúvida o
átomo fictício de uma representação ‘ideológica’ da sociedade; mas é também uma
realidade fabricada por essa tecnologia específica de poder que se chama a
‘disciplina’. Temos que deixar de descrever sempre os efeitos de poder em termos
negativos: ele ‘exclui’, ‘reprime’, ‘recalca’, ‘censura’, ‘abstrai’, mascara’, ‘esconde’.
Na verdade o poder produz; ele produz realidade; produz campos de objetos e rituais
da verdade. O indivíduo e o conhecimento que dele se pode ter se originam nessa
produção”.
182
O poder no Ocidente, conforme o autor, é o que mais se mostra e o que melhor
se esconde, ou seja, as relações de poder estão entre as coisas mais escondidas no corpo
social. Para manipular as relações de força, existe o dispositivo de natureza estratégica,
para uma intervenção racional, organizada, para desenvolvê-las numa determinada
direção ou para bloqueá-las, estabilizá-las, utilizá-las.
Dessa forma, o dispositivo como estratégias de relações de força têm tipos de
saber e são sustentadas por eles. Ainda, conforme o autor, não relação de poder que
não se constitua correlata à um campo de saber, nem saber que não suponha e não
constitua ao mesmo tempo relações de poder.
183
Assim, a sexualidade, por exemplo, usando ainda Foucault, é um instrumento
formado muito tempo e se constituiu como um dispositivo de sujeição milenar.
Tentou-se fixar as mulheres à sua sexualidade, dizendo ser o sexo frágil pelos discursos
médicos, doente quase sempre e indutor de doença. “Vocês são a doença do homem”.
184
Dessa forma, essas idéias se aceleram durante os séculos, chegando à patologização da
mulher.
Nesse sentido, a “verdade” sendo social e histórica, foi produzida por cada
sociedade através de seus discursos, de mecanismos estratégicos e, por isso, nossa
argumentação relaciona-se com esse binômio saber/poder. Também porque o discurso
sobre a masculinidade, a autoridade do homem sobre os outros grupos, foi
“naturalizado” por culos e, hoje, estamos participando de um questionamento sobre
182
FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Trad. de Lígia M. Pondé Vassallo. 3 ed.,
Petrópolis: Vozes, 1984, p. 172.
183
Ibidem.
184
Ibidem, p. 234
207
essa posição através de outros discursos, de novos sujeitos que vão se constituindo, na
busca de uma redefinição do homem.
Essa “hegemonia masculina” sobre os outros, também é passada através dos
esquemas sociais de poder chamados de “machistas” ou “patriarcais”, o que dá sentido à
dominação de um sexo sobre o outro ou de uma masculinidade sobre outras
masculinidades e feminilidades.
185
Por isso, a “hegemonia masculina” é exercida, quotidianamente, nas práticas
sociais, através do poder e do saber, produzindo saberes sobre o homem os quais são
reforçados e se constróem nas relações formadas entre homens e mulheres e entre os
homens no seu dia-a-dia através da história.
“Esses saberes são produtores de efeitos de poder, reforçam e integram as
práticas de dominação e submissão, e no seu movimento também alteram e subvertem
essa dominação.”
186
.
Foucault afirma também que o poder não vem de um lugar específico, ele está
presente em todos os lugares, nas práticas e nas relações sociais e que as relações de
poder não são estáticas, são dinâmicas, interagem entre si, reorganizam-se, separam-se,
contradizem-se, não havendo, portanto, a dualidade opressor/oprimido. O poder existe,
permeia e age nas relações cotidianas, no micro, nas relações corpo a corpo, nas
práticas, não vindo, então, do exterior, do estado e, sim, das relações entre as pessoas,
no quotidiano. Existe também uma multiplicidade de discursos inseridos em várias
estratégias que veiculam e produzem o poder.
Assim é que a sexualidade não da mulher, mas também da criança foi tratada
pela medicina, através da família burguesa, discutindo-se a masturbação, as doenças
venéreas, as perversões, com a finalidade de controlar o sexo e a fecundidade.
Esse dispositivo da sexualidade foi direcionado primeiramente à mulher
burguesa, responsável pela educação e saúde dos filhos, pela solidez da família e,
portanto, pela salvação da sociedade
187
. A honra da família, a manutenção dessa
instituição, dependia do comportamento da mulher, da sua conduta moral ilibada. E daí
também entendemos todos os discursos de controle à postura da mulher, as “imagens
femininas” divulgadas como “modelo”, pregando um comportamento correto, salvo de
185
MONTEIRO, Marko. A perspectiva do gênero nos estudos de masculinidade: uma análise da revista
Ele Ela em 1969. <http://www.artnet.com.br/rmarko/artigo.html.> acesso em: 13\4/06/2000, p.2.
186
Ibidem, p. 2.
187
FOUCAULT, Michel. História da sexualidade I: a vontade de saber. Trad. de Maria Thereza da
Costa Albuquerque e J. A. Guillon Albuquerque. 12 ed., Rio de Janeiro: Edições Graal, 1985.
208
comentários maldosos, para não se tornarem “faladas”, mal-vistas, não mancharem a
“honra” do marido e nem dos filhos. Também, um discurso que marginalizava as
mulheres que não se “enquadravam” nesse modelo comportamental e familiar.
Além do “modelo” da mulher, percebido nos depoimentos das mulheres
empresárias, onde a moral e o comportamento correto são as principais “exigências”,
está clara a preponderância do discurso da “hegemonia masculina”. Foi essa
“hegemonia” que criou o “modelo” da mulher exigido pela sociedade patriarcal e
machista, ocidental e contemporânea. A “hegemonia masculina” é um dos discursos e
estratégia de poder usada nas relações e nas práticas sociais do dia-a-dia, percebida
como se fosse uma “coisa natural” nos depoimentos das mulheres e homens.
Carrigan, Connell e Lee
188
afirmam que a estrutura de poder das relações entre
os sexos são representadas pela “masculinidade hegemônica”. Dessa forma, qualquer
comportamento desviante desse “modelo” é excluído. Por isso, subjaz um processo de
luta constante exemplificado por mobilização, exclusão, contestação e subordinação de
modalidades que não se “adequam” ou não são “aprovadas” pela matriz hegemônica.
Afirmam também que, apesar de não ser separada da dinâmica global do capitalismo,
essa luta tem suas características próprias, um ritmo e variáveis específicas que vão
além do econômico e se amplia no âmbito da cultura de forma complexa.
“Centrada no patriarcalismo e no heterossexualismo, ajuda a construir tipos
subordinados de masculinidade, tais como a masculinidade homossexual que lhe serve
de contraponto e anti-paradigma.
A manutenção da masculinidade hegemônica (...) trata-se de uma complexa
trama de situações e condições que a favorecem mais ou menos, dependendo das
circunstâncias. Esse tipo de análise enfatiza a idéia de que as estruturas de poder não
podem ser tomadas como definitivamente estabelecidas, mas sim como ajustadas a
uma dinâmica na qual a busca de sua legitimação e o auto-velamento de suas
características históricas procura fixá-las como coisas naturais e eternas, de tal
forma que se tornem a-históricas.
189
Ainda reforça Oliveira: “não se pode, no entanto, perder de vista a eficácia do
estereótipo construído e/ou mantido pelas diversas instâncias de representação
simbólica da sociedade através de seus produtos e veículos: mitos, narrativas, slogans,
ideais, caricaturas, etc. Todo esse conjunto de elementos simbólicos auxilia na
188
Apud OLIVEIRA, Pedro Paulo de. Discursos sobre a masculinidade. op. cit.
189
OLIVEIRA, Pedro Paulo de. Discursos sobre a masculinidade. op. cit. p. 104. (Grifos nossos)
209
modelação da própria ‘face social’ constituindo indivíduos à sua imagem e semelhança
para que, eles possam reproduzir a própria sociedade que os fabrica.
Assim, seria um grande equívoco não considerar que na maior parte das vezes a
vítima auxilia o carrasco, isto é, os grupos que sofrem opressão (mulheres e gays) em
função da hegemonia dos preceitos de um certo tipo de masculinidade cultivam-na
aberta ou veladamente”.
190
Assim é que chegamos às mulheres, grupo excluído, oprimido por essa
“masculinidade hegemônica”, como também sendo responsáveis pela transmissão de
um conjunto de preceitos “masculinos hegemônicos”, um modelo construído” para a
sociedade patriarcal e ocidental contemporânea e que reproduz consciente e/ou
inconscientemente os seus mecanismos estratégicos nas relações de poder para a sua
permanência.
Dessa forma, quando detectamos nos depoimentos de muitas mulheres e
homens, uma certa “resignação”, ao revelar que a mulher está atrás do homem mesmo,
que a situação da mulher é assim mesmo, que os homens são “machistas” devido à
cultura, que a sociedade “cobra” que a mulher seja igual ao homem e que o homem é o
“chefe”, o “provedor”, constatamos a reprodução da “masculinidade hegemônica”, do
“discurso universal masculino” nessa sociedade e nesse tempo histórico.
Marli: “A educação foi para eu ter uma certa (...) escolaridade, casar e ter
filho. Era o fim de toda mulher mesmo.”
Enfatizam a posição secundária da mulher, observando que se o momento
econômico é difícil para os homens, para a mulher é muito mais, porque ela foi criada
para ficar atrás:
Rosângela: “Por causa da própria discriminação, da criação. Ela foi criada
pra ficar atrás do homem. Aí ela tem medo.
Maria das Dores: “A minha formação foi que ‘o homem podia tudo e a mulher
quase nada’, é quase nada mesmo.”
Percebemos também, dentro dessa estrutura de poder, as lutas, as resistências
das mulheres em tentar “desmascarar” esse discurso, através de seus avanços, do
enfrentamento dos preconceitos, das discriminações, das resistências que revelaram
encontrar, que sabem ainda persistirem, mas que apontam para uma mudança.
190
OLIVEIRA, Pedro Paulo de. Discursos sobre a masculinidade. op. cit., p. 105.
210
Opinando sobre o avanço das mulheres, mesmo com pouca participação em
cargos de comando, mas assinalando as mudanças num contexto geral, uma empresária
comentou:
Mírian: “Não tenho dúvida do avanço, apesar de que eu tenho visto em
grandes empresas que isso tem mudado devagar. Mas a mudança, ela está
sendo uma mudança progressiva, está progredindo dia a dia, mas é evidente
que os homens estão no poder de mando ainda. A grande maioria está em
poder de mando. E as mulheres quando estão nesse poder, fazem a diferença.
Você pode ver aí... mulheres... Não é na região, você pode olhar no mundo,
mulheres aí com mão de ferro mesmo, levando avante aí nações e tendo
posturas de coragem, porque a mulher... porque a coragem da mulher... até
pelo fato de ter que brigar por esse mercado, ela é muito mais evidente e muito
maior do que a do homem. Então, a gente ações e realizações corajosas das
mulheres no decorrer do tempo aí. Eu tenho uma cunhada que mora em Boston
e que foi, inclusive naquela conferência de Beijin na China, e ela ficou
encantada com a forma que alguns países vêem o desenvolvimento das
mulheres no mercado. É tão mais eficiente, tão mais visível de que outros, como
da África, por exemplo. O mundo é muito heterogêneo e aqui, nos países em
desenvolvimento, a gente tem notado que aumentou muito, mas que ainda está
longe do ideal. Acho que o ideal seria uma igualdade onde não existisse mais
esse pudor de falar... essa diferença, o homem mais, ou o homem menos’.
Nada disso! É encarar a Constituição Federal e colocar o ser humano
brasileiro, o ser humano como igual em todas as condições.”
Apesar das referências às progressivas mudanças das mulheres, a entrevistada
evidencia a desigualdade entre o homem e a mulher no mundo.
Ainda conforme Carrigan, Connell e Lee
191
, a “masculinidade hegemônica” é
mantida, sustentada e reforçada por uma maioria masculina que lhes dá uma idéia
fantasiosa de gratificação de fazer parte do poder que ela proporciona e dos benefícios
concretos através dessa dominação masculina institucionalizada em relação às
mulheres: melhores salários, postos e cargos de comando, melhores empregos, fatos
também ressaltados pelas mulheres como discriminação.
Neusa: “(...) dentro de uma repartição pública, dentro de um banco (ou
empresa), às vezes a mulher faz o mesmo serviço do homem ganhando um
salário mais baixo. (...) me custa aceitar esse homem ainda colocando a mulher
dessa forma. Ela tem capacidade de assumir cargo melhor, seja numa entidade,
sindicato, ou em qualquer lugar, e esse homem ainda fica colocando-a como
secretária para fazer ata, achando que ela não tem outro potencial, ou então
assim: ‘Ah, esse negócio de social eu não entendo, não entendo de etiqueta...
Deixa isso para ela’, como se isso fosse função de mulheres, sendo que ela
poderia estar num cargo às vezes muito melhor.”
Além dos benefícios, a idéia fantasiosa da “superioridade da masculinidade
191
Apud OLIVEIRA, Pedro Paulo de. Discursos sobre a masculinidade. op. cit.
211
hegemônica” em atribuir ao homem situações de violência, agressões, um
comportamento chauvinista, de poder ter mais de uma mulher e quanto mais nova mais
macho, e tantas outras situações que só o homem pode e a mulher não, estão justificadas
nessas raízes imaginárias, criadas por esse modelo.
A gratificação fantasiosa, ainda de acordo com Carrogan, Connell e Lee
192
, pode
estar também na base de sustentação que um bom número de mulheres ainda “permite”
ou concede a “hegemonia” ao homem e isso também detectamos nos depoimentos de
algumas mulheres.
Essa postura, não só foi percebida nas mulheres empresárias, como também no
contexto mais amplo. Oliveira registrou como comentário de uma mulher: “‘trato meu
marido como rei para não perder a minha posição de rainha’, comentário que ratifica
a opinião de que a maior parte das mulheres ‘ainda prefere a convivência com um
poderoso provedor, protetor’ (o ‘boçalossauro’ de Jablonski
193
) e, portanto, prefere
cultuar a imagem deste macho...”
194
Não obstante, ressaltamos outras mulheres que, através de seus depoimentos,
revelam suas lutas para acabar com “essa imagem de macho”, porque sofreram ou
sofrem as conseqüências da opressão, fruto do comportamento desse modelo masculino,
ainda valorizado e reconhecido pela maioria da sociedade, mas execrado e sendo
questionado por um bom número de mulheres e também de homens que não aprovam
mais esse comportamento.
Por esse caminho, o “novo homem” proposto por vários autores e que
detectamos em vários depoimentos das mulheres empresárias e de alguns homens
entrevistados, é passível de críticas. Alguns autores nos chamam a atenção, em vários
aspectos que consideramos relevantes para uma possibilidade de mudança, que é a
nossa proposta, ou não possibilidade de mudança, dependendo da interpretação de como
as relações entre homem e mulher estão sendo analisadas.
195
Daí, é que ressaltamos as críticas desse “homem novo” para um alerta, podendo
ser mais uma forma “sutil” usada pelo poder masculino para a manutenção de seu
192
Apud OLIVEIRA, Pedro Paulo de. Discursos sobre a masculinidade. op. cit.
193
Cf. JABLONSKI, Bernardo. A difícil extinção do Boçalossauro. In.: NOLASCO, Sócrates. (org.). A
Desconstrução do masculino. op. cit.
194
OLIVEIRA, Pedro Paulo de. Discursos sobre a masculinidade. op. cit. p. 106.
195
Cf. CRUZ, Maria cia Pereira da. Cultura Feminina x Cultura Masculina. O conflito. In.: Mulheres
40 graus à sombra. Rio de Janeiro: Objetiva, 1994;
VARIKAS, Eleni. Refundar ou reacomodar a democracia? Reflexões crítica acerca da paridade entre os
sexos. In.: Estudos feministas. op. cit. p. 65-94.
212
poder. Segundo Oliveira: “... os autores que proclamam a chegada do ‘novo homem’
são os mesmos que não dão a devida atenção às questões relativas à dominação dos
homens sobre os segmentos a eles subordinados e que, no fundo, almejam apenas a
uma flexibilização dos papéis para uma conseqüente diminuição dos ‘fardos da
masculinidade’, sem alteração na dinâmica do poder. A insistência dos críticos recai
na necessidade de se discutir as formas de dominação que ainda vicejam nas relações
(...) e não teorizar sobre a docilidade aprazível do novo homem e a truculência
deselegante do tradicional.
Questiona-se com muita pertinência, se as tais alterações alardeadas por muitos
cientistas sociais no comportamento masculino não seriam apenas mudanças de estilo,
restritas a um segmento de classe média, sem alterações efetivas e substanciais no
contexto das relações de poder que permeiam as relações de gênero. Não se trata de
questionar as mudanças, pois elas de fato ocorreram, mas questionar o alcance das
mesmas. Para Messner, as mudanças no estilo de poder, e além disso, para que se fale
em uma alteração efetiva, não se pode desconsiderar a realidade dos comportamentos
masculinos observados nos segmentos marginalizados. (...)
Normalmente quando se fala no ‘novo homem’ os autores que o aclamam
referem-se a indivíduos de classe média que têm mais opções e status do que os de
posição social menos privilegiada. Freqüentemente, são eles que dispõem de mais
possibilidades e recursos e que não precisam recorrer a uma masculinidade mais
restritiva para preservar suas posições de prestígio. São homens que freqüentam divãs
de psicanalistas (e fazem a festa dos vitimários apoiados na psicologização), que se
dispõem a dividir as tarefas domésticas com suas esposas, principalmente quando estas
também trabalham, que dividem também o cuidado com as crianças, enfim, que aceitam
uma atitude mais igualitarista, que não deixarão de ser valorizados por ‘igualarem-
se’ às mulheres.
Sem pesquisas sobre a masculinidade dos segmentos mais desfavorecidos, não
se pode falar em algo como o ‘novo homem’ ou o ‘novo pai’, a não ser que se
explicitem os limites deste tipo de postulação e se restrinja seu alcance, sem nunca
generalizá-lo como novo tipo emergente. Enquanto isto não ocorre, é bastante provável
que o ‘novo homem’ não passe de uma auto-imagem idealizada dos autores que o
aclamam.”
196
196
OLIVEIRA, Pedro Paulo de. Discursos sobre a masculinidade. op. cit. p. 109-110.
213
Nessa perspectiva, não podemos dizer que os homens estão mudando de uma
forma generalizada, porque conforme o autor, apenas num determinado segmento, ou
seja, na classe média, é que pode-se conceber tais atitudes mais igualitárias. Mesmo
assim, chama-nos a atenção para apenas uma “mudança de estilo”, mesmo concordando
com as mudanças, mas que não alteram as relações de poder na estrutura familiar. Tanto
que nas classes mais pobres, marginalizadas, o machismo ainda tem o significado de
poder, compensando a inferioridade econômica e social desses homens. Também
porque a mudança para esse tipo de comportamento e atitude nesses homens, é motivo
de contestação da “macheza”, de chacotas, de críticas à um aburguesamento e
efeminização. Portanto, o “novo homem” é apenas o início de um novo estilo, num
espaço restrito, sem nenhuma alteração nas relações entre homem e mulher.
Contudo, mesmo sem alteração na estrutura das relações de poder, chamamos a
atenção no nosso estudo, para o espaço restrito e o próprio segmento, no qual
detectamos nos depoimentos, a procura de atitudes igualitárias em alguns homens, tanto
reveladas por eles mesmos, como por algumas mulheres.
E são essas atitudes igualitárias que as mulheres desejam dos homens em seus
relacionamentos. A mulher não deseja ser superior ou disputar coisa alguma com o
homem. O homem e a mulher são necessários um ao outro, evidentemente.
No sentido de querer os direitos iguais, de estar ao lado do homem e na
conquista do espaço da mulher, uma empresária revelou:
Maria das Dores: “(...) a mulher tem que se preocupar menos com o
preconceito, menos com a discriminação. A bandeira que nós temos que
levantar é a bandeira da competência, não é essa bandeira aí: ‘Eu quero estar
na frente do homem...’ Vamos andar ao lado do homem! por que nós vamos
andar na frente? Vamos andar ao lado, não vamos andar atrás também não.
Mas não precisamos de andar na frente também não. (...) A mulher tem medo, o
homem não. Ele não está com medo da gente ocupar o espaço dele não. Ele
tem o espaço dele garantido, como nós temos o nosso. A gente tem que se
conscientizar: ‘Eu tenho o meu espaço, o espaço meu é meu, não é de ninguém
não. O espaço eu conquisto, eu não tomo de ninguém não’. Tudo bem, então a
gente não tem que ter essa guerra de mulher e de homem, quem está melhor,
quem está pior não. Isso é espaço, e quem conquista somos s! Nós mesmas é
que conquistamos nossos espaços.”.
Conforme o depoimento, a própria mulher é a responsável pelo seu avanço no
espaço público.
Manifestamos a necessidade de mudança nas relações de poder, que fazem uso
do sexo para uma dominação de exploração, de privilégio, de um poder doentio que
gera a violência contra a mulher, a agressão, a sua submissão, a sua inferioridade, a sua
214
humilhação, característica de alguns homens machões “chauvinistas”, que matam,
agridem, violentam, pensam que podem fazer tudo porque são “machos” e a mulher não
pode nada, sofrendo preconceitos e discriminações, resistências ainda mais fortes por
parte deles. Entretanto, ressaltamos também, a existência de homens, mesmo ainda
sendo uma minoria, que respeitam a mulher nos seus direitos igualitários.
A mulher procura os seus direitos de igualdade dentro da diferença. Conforme
Scott, “diferença e igualdade são inseparáveis da história do feminismo, pois é o
paradoxo do próprio feminino (...) é impossível manter esse corte igualdade/diferença.
Trata-se sempre de uma questão de pedir, de reparar os direitos iguais em nome da
diferença dos sexos, da diferença das mulheres.”
197
Ainda conforme a autora, não é apenas nos preocuparmos com a “diferença dos
sexos” ou “diferença sexual”, mas colocar a questão em termos históricos, ou seja, nos
preocuparmos em “perguntar como as relações entre os sexos foram construídas em
um momento histórico, por que razão, com que conceitos de relação de forças, e em que
contexto político.”
198
Portanto, o problema é historicizar a idéia homem/mulher para encontrar uma
maneira de escrever e conhecer as relações homens/mulheres, das idéias sobre a
sexualidade e outros.
“A diferença dos sexos é um jogo político que é, ao mesmo tempo, jogo cultural
e social. (...) o mais importante é insistir sobre a historicidade das relações
homens/mulheres, as idéias e os conceitos da diferença sexual.”
199
Dessa forma, alertamos para possíveis estratégias apenas para uma
modernização da “masculinidade hegemônica”, do poder masculino, sem perder o seu
domínio.
Não podemos nos fixar nos conceitos psicologizantes ou na herança
funcionalista, porque não são capazes de nos dar possibilidades de mudança ou
alteração dos modelos de relações entre mulheres e homens.
Movimentos atuais que se propõem a reconectar a “essência masculina” ou o
“masculino profundo” não desafiam a estrutura de poder entre homens e mulheres, mas
apenas esperam uma revalorização da masculinidade em bases menos dolorosas para os
197
GROSSI, Míriam; HEILBORN, Maria Luíza; RIAL, Carmen. Entrevista com Joan Wallach Scott.
(Ponto de Vista). In.: Estudos feministas. op. cit. p. 119-120.
198
Ibidem p. 123.
199
Ibidem, p.124.
215
homens. Nessa perspectiva, Messner
200
, ressalta que esse tipo de movimento, que prega
o “novo modelo”, é apenas uma resposta às mudanças na estrutura de sociabilidade
devido ao avanço tecnológico junto à mercantilização de todas as esferas da vida social
e que não altera a questão primordial, ou seja, o poder masculino ainda vigente.
Segundo Messner: Os homens continuam, a se beneficiar da opressão das mulheres,
mas, significativamente, nos últimos vinte anos a anuência das mulheres com a
hegemonia masculina tem sido contrabalançada pela resistência feminista ativa. Os
homens, como grupo, não são oprimidos pelas relações (...), mas alguns, certamente,
sentem-se ameaçados pelo desafio feminista aos seus poderes e privilégios. Os homens
também são afetados por este sistema de poder: somos, muitas vezes, emocionalmente
limitados e comumente temos uma saúde mais precária e uma expectativa de vida
menor do que as das mulheres. mas estes problemas são, com mais precisão, vistos
como ‘os custos de se estar no topo’.”
201
Dessa forma, conforme o autor, os homens vitimários estão junto com aqueles
que desejam apenas aliviar seus “fardos de masculinidade”, sem abrir mão de seu poder
e de seus privilégios.
Assim, podemos nos orientar e entender como, onde e por que são construídas as
relações de poder, os jogos da vida cotidiana entre homens e mulheres para não sermos
“manipuladas” ingenuamente e, se o formos, no mínimo, é por “consentimento”, mas
nunca porque não procuramos saber. E mais, entender que, para que haja mudanças
efetivas na condição da mulher, é preciso mudanças na estrutura das relações de poder,
nas práticas cotidianas, nos discursos, nas estratégias. Segundo Foucault, “é preciso
desvincular o poder da verdade das formas de hegemonia (sociais, econômicas,
culturais) no interior das quais ela funciona no momento”.
202
200
Apud OLIVEIRA, Pedro Paulo de. Discursos sobre a masculinidade. op. cit.
201
Ibidem, p. 111.
202
FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. op. cit. p. 14.
216
CONSIDERAÇÕES FINAIS
“(...) sou fera; sou bicho; sou anjo e sou mulher; sou minha mãe e minha
filha; minha irmã; minha menina; mas sou minha, minha, e não de
quem quiser; sou Deus do adeus (...)”. Cássia Eller
Abordar o tema “Mulheres Empresárias de Patos de Minas nas Décadas de 1980
e 1990” não foi tarefa fácil. Surpreendeu-nos a grande diversidade e complexidade das
relações e práticas sociais que tecem a urdidura do cotidiano. O “cotidiano”, a nosso
ver, não é sinônimo de marasmo ou tranqüilidade. Ele se pauta pelo dinamismo e,
principalmente, pelos conflitos e lutas.
No dia-a-dia das mulheres empresárias prevalece a diversidade. Ora dinâmico,
propondo e fazendo mudanças, ora assumindo e reforçando valores conservadores,
muitos deles presentes no universo masculino através das diferenças, coexistindo, desta
forma, mudanças e permanências. Mostrou-se recheado de lutas diárias, de disputas, de
conflitos, um espaço onde acontecem as relações de dominação e de produção, de
resistências e insubordinações, através do qual as mulheres no seu dia-a-dia vão
conseguindo avançar, derrubando barreiras. Contudo, existem algumas que se esforçam
para manter os valores nos quais acreditam. O que é viável, pois uma mesma pessoa não
se apresenta homogênea, a mudança e permanência estão presentes ao mesmo tempo,
em cada uma delas.
A mulher, na sua luta pela emancipação, independência e liberdade, disputa seu
lugar todos os dias, tem que se “impor” em relação ao marido, aos filhos, à sociedade,
aos valores “ideológicos” da cultura de dominação, ou seja, é um combate diário no
espaço doméstico e no público para conquistar o que deseja.
Mesmo que no seu “cotidiano”, tenha repetidas tarefas, como ir para o trabalho,
buscar filhos na escola, administrar a casa e outras funções, dar conta delas todos os
dias, “a tempo e a hora”, devido à jornada dupla de trabalho, significa um “desafio”,
217
porque cada dia é diferente do outro. Por isso, dar conta das tarefas de cada dia é uma
luta contra a imposição cultural da condição feminina, que lhe delegou também as
“tarefas femininas”.
Generalizar o “cotidiano” é, a nosso ver, muito difícil e, principalmente, dar
conclusões desse cotidiano, porque corremos o risco de camuflar os embates que se
travam nas relações dos vários espaços sociais entre homens e mulheres. Portanto, os
pontos que levantamos são propostas para uma reflexão e ação, tendo em vista o nosso
posicionamento de que as relações de poder, de dominação dos valores masculinos a
respeito da construção da diferença entre homens e mulheres, a expropriação no campo
dos sentimentos e dos valores acontecem no dia-a-dia da dominação. Essas mesmas
relações provocam atitudes de resistência, de mudanças e de reconstrução.
O cotidiano” é cheio de contradições, de paradoxos, de ambigüidades, porque
as mulheres e os homens apresentam-se assim e são eles os atores que tecem, produzem,
reproduzem ou mudam as relações sociais no seu dia-a-dia. Os interesses e os
antagonismos se evidenciam e se manifestam nas relações cotidianas das mulheres
empresárias.
Apesar de toda essa complexidade, tentamos apontar algumas semelhanças e
diferenças, pontuar as práticas de dominação, como, onde e por que elas ocorrem. Elas
servirão para o questionamento e para o debate sobre a condição feminina, resultado dos
depoimentos fornecidos pelas mulheres e homens entrevistados, seja para outras pessoas
que desejarem tirar suas próprias conclusões, contribuindo assim, para a reflexão sobre
um caminho para avançar o pensamento, o conhecimento, a luta, à procura de
alternativas e possibilidades de mudanças.
A grande característica do cotidiano é a diversidade. A maioria das mulheres
empresárias é de origem urbana, tem curso superior e está sempre se atualizando na área
profissional. Também a maioria é casada, tem filhos e iniciou a atividade empresarial
depois do casamento, com poucas exceções.
O fato das mulheres terem curso superior, trabalharem fora do lar, terem menos
filhos, aponta para uma renovação, sem dúvida. Mas, nos parece “concessões” que
servem para mudar “dentro” da ordem. A mulher “pôde sairpara trabalhar fora de
casa, desde que ela desse conta do serviço doméstico ou deixasse uma “substituta” em
casa - a doméstica.
A adoção do culto católico pela maioria implica a adoção dos paradigmas
norteadores da religião, ou seja, o que é sagrado para a Igreja Católica: a família
218
nuclear. Logo, desde que essa seja mantida, podem haver os “arranjos ou re-arranjos” e,
dentre eles, a doméstica e o número menor de filhos.
E quem “garante” a saída, ou seja, quem “avaliza” as mulheres para o espaço
público é o homem. É o capital deles que está sendo investido, para a maioria. O capital
próprio é de uma minoria das mulheres. Portanto, é um risco deles, não delas.
Qual será o significado que esse investimento financeiro possui para esses
homens junto às atividades das mulheres e o desgaste emocional delas na sua própria
atividade? Muito embora não seja possível saber, pensamos sobre o significado que esse
investimento financeiro possui para esses homens. Até onde realmente eles “apostaram”
e “apostamna competência delas? Será uma “concessão” ou mais um presente” ou
ainda uma forma de serem vistos como “compreensivos”, “liberais” ou para ajudar na
parte financeira da casa?
Daí, a importância que estas atividades possuem para elas. Passa a ser questão de
“honra”, para provar que são capazes. Mas provar para quem? Para os maridos? Para
elas mesmas? Para a sociedade? Quem da sociedade? Não seria também e, sobretudo,
para esse homem que ao entrar com o capital inicial, não considera que a atividade a
que a mulher está se lançando é “mais uma” ação inconseqüente ou um “capricho”?
São vários os espaços abertos para um questionamento.
Através da amostra das mulheres empresárias e de alguns homens, observamos
que a sociedade de Patos de Minas é conservadora, principalmente no que se refere às
normas de comportamento, aos valores morais, à uma conduta moral ilibada, uma “boa
índole”, caráter íntegro, dignidade e honestidade.
Esses valores foram enfatizados por todos os entrevistados como passados de
geração em geração, como valores de permanência e de exigência para o “aceite” como
pessoa respeitável e de “nome” nessa sociedade.
A maioria não exige mais a virgindade antes do casamento e concorda com o
divórcio, como também existem algumas (minoria) que conservam o valor da
virgindade, são contra o divórcio e/ou separação e o aborto.
Existe uma continuidade e defesa ferrenha de outros valores como o casamento,
por exemplo, a fidelidade, o relacionamento com um homem só (mesmo entre as
divorciadas e/ou solteiras). Não se “aceita”, em hipótese alguma, a mulher “fuleira”, nas
palavras de uma empresária, a mulher que se desvia da “conduta séria”, que desrespeita
a moral.
219
Por isso, a sociedade se apresenta preconceituosa, discriminatória e
selecionadora dos que o respeitáveis e dos que não o são. O poder é usado através da
sexualidade, do corpo, sendo este o “locus” apropriado por ele, que limita, controla e
domina de acordo com seus interesses. Isso pôde ser percebido através dos depoimentos
de algumas mulheres, ao denunciarem a existência da discriminação e preconceito em
relação àquelas que não possuem essa “conduta séria” e que não “preservam sua moral”
através também do uso do corpo, da sexualidade.
Contudo, através de alguns depoimentos, observamos que existe um
comportamento ilegal, um “ilegalismo legalizado” que não é confessado, não é falado
pelas pessoas, mas nos deixa brechas do que acontece na realidade. Assim, existe um
“moralismo” fingido, um puritanismo aparente, uma hipocrisia. Comportamentos e
atitudes que são feitos “por baixo do pano”, que a própria sociedade é conivente, ou
seja, tanto por alguns homens quanto por algumas mulheres.
A motivação das mulheres empresárias para o mercado de trabalho se deu por
necessidade econômica, vontade de independência financeira, liberdade, autonomia,
realização profissional, pessoal e por sonho. Além dessas motivações, a entrada das
mulheres empresárias no mercado de trabalho se deve também ao movimento feminista
iniciado na década de 1960, o que levou as mulheres a questionamentos sobre a sua
condição, sobre as relações entre homens e mulheres, sua igualdade na família, na
sociedade, com direitos iguais e à cidadania, o enfrentamento à sua condição frente à
maternidade, à reprodução, ao “papel” somente de mãe e esposa. Esse movimento
refletiu-se também em algumas mulheres de Patos de Minas, tendo em vista a sua
conexão com outros espaços geográficos, sofrendo também as mudanças que ocorrem
em outros lugares, detectados nos próprios depoimentos de algumas mulheres e homens.
Portanto, algumas delas participaram da chamada “revolução cultural” dos anos de
1960. Se deve ainda às condições do contexto econômico e de mercado da cidade,
propícias naquele momento para uma atividade nesse mercado. A escolaridade, a
procura de uma profissionalização universitária também foram fatores que
impulsionaram as mulheres na busca do seu espaço.
A “visibilidade” das mulheres empresárias fez-se notar através dos cadastros dos
registros das Associações da cidade, opondo-se à fonte do Cartório de Registro Civil. O
número das empresárias, a nosso ver, foi além das expectativas, mostrando-nos uma
percentagem que se aproxima de quase 50% dos homens. Isso demonstra que,
efetivamente, nas décadas de 1980 a 90, elas “adentraram” o mercado de trabalho,
220
especificamente nesse reduto empresarial masculino, cuja profissão não era comum
entre as mulheres, de acordo com os resultados obtidos através da pesquisa do Cartório
de Registro Civil. Contudo, algumas mulheres já trabalhavam antes em profissões dadas
como femininas, já haviam, portanto, entrado no mercado de trabalho. A profissão como
“empresária”, para estas, é que se então a partir de 1980. Verificamos que o número
das mulheres empresárias não é real, porque muitas delas não têm seus nomes
registrados à frente das empresas nas associações e sindicato e, sim, o nome do homem
é que aparece. Dessa forma, existe o pressuposto de que esse número seja bem maior do
que o conseguido.
A sociedade apresenta-se ainda muito machista, confirmada pela maioria das
mulheres através das discriminações, das resistências, da permanência desses valores
masculinos normatizadores presentes na luta efetiva dessas mulheres no seu dia-a-dia e
nelas próprias que acabam por transmitir aos filhos esses valores. Dessa forma, muitas
mulheres apresentam-se “machistas”. Por acharem que a condição da mulher é
destinada à “esfera do lar”, que as “atribuições das tarefas domésticas” são exclusivas
dela, que são “segundo sexo”, “inferior” ao homem, e que o homem é o “chefe”, o
“provedor”, “criado” para o espaço público, repassam isso aos filhos como sendo
“natural” e, portanto, perpetuam essa estrutura de poder baseada no modelo hierárquico
e assimétrico através da educação. Para muitas mulheres, a mãe é a maior responsável
pela educação dos filhos e, portanto, responsável por essa transmissão. Essa estrutura de
poder se estende às outras instituições e outros espaços sociais, como a escola, a igreja,
associações, sindicatos e outros, sendo todos “canais” para essa transmissão e
manutenção. O conflito familiar entre homens e mulheres está dado, está explícito, por
mais que se tente abafar e, mediante os resultados, foi inevitável que alguns casamentos
sofressem alterações, como a separação, o divórcio. A luta, o embate diário foi causa
concreta desses desmoronamentos. Causa também de conflitos e insatisfações por parte
dessas mulheres ao denunciarem a existência de uma cobrança dentro da própria
família, delas mesmas e da sociedade para “dar conta” dos afazeres domésticos e do
trabalho fora de casa, exigência de uma postura “masculinizada” por trabalhar fora, ter
que provar incessantemente que é capaz, eficiente, equilibrada, bem mais do que os
homens.
Discriminação presente nos depoimentos contra a mulher independente, solteira
e divorciada, onde os “olhares”, as atitudes e os gestos denunciam essa prática. Tanto
que, as próprias mulheres, mais especificamente as divorciadas, revelaram o “medo” de
221
enfrentar a sociedade nessa condição, “medo” de serem “excluídas”. Têm uma postura
de defesa e se adequam ao comportamento frente à essa sociedade e à própria família.
Resistência e discriminação ainda em alguns setores profissionais, como a
advocacia, a medicina, a farmácia, onde uma advogada foi chamada de “loira burra”, a
médica teve que tirar a aliança para conseguir “estágio de residência” e a farmacêutica
teve que se “encobrir” atrás dos funcionários homens. Isso, no início de suas carreiras,
recentemente, ou seja, nas décadas de 1980 e 1990.
Resistência nas associações e sindicatos, onde as mulheres reclamaram sobre a
oferta de cargos e funções secundárias. Ainda nas associações e sindicatos, a
discriminação presente em relação à mulher, detectado no “não levar a sério” o que a
mulher fala e, conforme algumas, o descrédito a elas nos cargos de direção. Os homens
atribuem a “omissão” das mulheres nas associações e sindicatos ou a sua não
participação em cargos mais importantes, a elas mesmas, por medo e/ou pela formação.
Também algumas mulheres pensam da mesma forma. Não obstante, existem outras
mulheres e homens que revelaram não haver essa discriminação.
Denúncia também em relação aos nomes das mulheres que não estão à frente das
empresas, mas que são elas as trabalhadoras. Também relegados são os seus nomes na
posse de bens materiais, como imóveis, lojas, telefones, carros. Até o nome na lista
telefônica e em receituário médico, cujo nome da mulher tinha que aparecer ao lado do
nome do marido.
Entre homens e mulheres, principalmente entre as mulheres, existe muita
rivalidade, ciúme e inveja. A maioria ressentia-se dessas atitudes no início de suas
atividades, mas hoje não se importam mais. Superaram determinados comportamentos e
atitudes através da vivência, da experiência, do aprendizado no dia-a-dia, na prática
vivida.
A maioria dos homens não dividem, não participam das tarefas domésticas com
a mulher. Fica evidente a idéia de que essas tarefas são “naturalmente” femininas, onde
o cotidiano é sinônimo de trabalho doméstico, com a figura da mãe e esposa. Não
obstante, aparecem atitudes de mudanças em relação às diferenças na esfera doméstica,
no relacionamento conjugal, apesar de ser minoria, porque alguns homens confessam
tranqüilamente que dão a mamadeira, comida, banho e executam outras funções em
casa, assumindo as tarefas domésticas até mais do que a própria mulher.
Isso nos mostra que as “tarefas femininas”, a mulher castrada, foi fabricada pela
repressão social, pelo sistema e se percebe uma mudança concreta nas formas
222
tradicionais e, conseqüentemente, futuras modificações nas relações de poder entre
homem e mulher.
Os filhos destas famílias já estão inseridos em formas de estrutura familiar
diferente do modelo tradicional (hierárquico e assimétrico) e, por isso, pressupõe-se que
constituirão sua futura família muito diferente desse modelo onde “só a mulher é
responsável pelas tarefas domésticas”. Contudo, lembramos aqui do “perigo” do “novo
homem”, de apenas a criação de um “novo estilo”, apenas para amenizar o “fardo da
masculinidade”. A mudança tem que ser efetiva nas relações, não apenas “concessões”
como favores de vez em quando. A nosso ver, a igualdade nas relações deve estar
presente no dia-a-dia, na cotidianidade, como não imposição. É necessário ceder ao
homem parte do poder que a mulher tem no espaço doméstico. Pressupõe-se, então, um
novo tipo de organização na esfera doméstica, resultado da complementação entre
homem e mulher, de uma participação onde não existe a preocupação de dominar e sim
de igualdade de condições. Não na esfera profissional como também nas tarefas da
casa. A mulher deve ser vista como pessoa e não apenas como a única responsável na
esfera do lar.
Daí, a existência da “culpa” em algumas mulheres, por serem mães e
profissionais. Culpam-se por deixarem os filhos em casa com a empregada doméstica
para trabalhar fora. Culpam-se, algumas, até por não sentirem “essa culpa” ao saírem
para trabalhar logo imediatamente após o parto. Não se permitem, ainda, o direito de
escolha, que no momento é trabalhar e não ficar em casa com os filhos. A mulher
introjetou a culpa, através dos discursos e das explicações sexistas, fazendo parte de seu
cotidiano. O ideal da mulher - “santa e mãe- do modelo puritano e cristão que lhe foi
imputado, internalizou-lhe a culpa, reprimindo-a pelo medo de perder o amor, como
castigo.
Apesar dessa “culpa”, a mulher tem mostrado uma mudança nesse “velho
costume” cultural de achar que o que lhe cabe é ser somente mãe, reprodutora e esposa.
O próprio fato de sair, logo após o nascimento do filho, para trabalhar, é uma mudança
nesse costume.
Mas a condição de mãe e profissional não vem sem custos, esforços e renúncias.
A maioria teve perdas e dificuldades para conciliarem as várias funções. Contudo, todas
as mulheres afirmam que é isso que desejam, dão conta da conciliação e estão mais
satisfeitas dessa forma. Para conquistarem essa condição tiveram que romper com
muitos padrões estabelecidos, e que são, a nosso ver, fatores de mudança. As rupturas
223
das mulheres empresárias foram, decisivamente, o corte concreto em suas vidas ao
oporem-se à sua própria formação e educação gidas, limitadoras aos valores
comportamentais, como a timidez, a discrição, a falta de coragem, o “medo” de ousar, o
“medo” das críticas. Rompimento também com a própria família: filhos, maridos, com a
condição de mulher submissa, dona de casa, mãe, esposa, ou seja, contra os valores
tradicionais normatizadores da vida feminina.
Essas rupturas, portanto, como mudanças, fizeram-se sentir no nível pessoal, na
esfera doméstica, no cotidiano, bem como na esfera pública. Ao saírem para o mercado
de trabalho, por sua vez, continuaram e continuam a romper com as relações de poder,
de dominação e resistência contra elas, agora de forma mais ampla, fora dos limites
privados. E mesmo que não estejam provocando rupturas, apenas o fato de estarem
“denunciando” e “contando” o que acontece, como acontece e porque acontecem as
relações de poder, de dominação, de subestimação da mulher, suas dificuldades,
discriminações e resistências, no espaço doméstico e de trabalho, as mulheres
empresárias estão contribuindo para tornar visível as práticas e as formas de dominação
existentes nesses espaços sociais. Ao desmascará-las, permitem-nos conhecer como
algumas delas enfrentaram e continuam enfrentando a questão. O fato da mulher sair
para trabalhar fora, da domesticidade, significa uma nova atitude, uma nova ação. O
espaço público, a esfera profissional lhe cobrará e exigirá uma nova postura, uma nova
racionalidade que o espaço do lar não lhe exigia. Dessa forma, ver-se-á rodeada de
normas, de regras abstratas difíceis de captar, porque a lógica do mercado, do capital, do
poder público é outra. Por isso, também, muitas mulheres sofrem nesse mercado, devido
à falta dos valores morais, éticos, valores esses que ela traz em sua formação cultural e
que, no mercado competitivo, são aniquilados. Nesse mundo público, o que vale é a
disputa acirrada, a concorrência, e isso vale para todos, isto é, para mulheres e homens.
Ainda, por isso, muitas mulheres preferem permanecer no âmbito doméstico, vivendo
seus “falsos” poderes de mãe, esposa e administradoras do lar.
Apesar da existência das discriminações e resistências, é clara a percepção de
algumas mudança da condição da mulher empresária. Mas é clara, também, a resistência
dos homens, em sua maioria, à transformação das atribuições tradicionais femininas e
masculinas provocadas pela mulher no seu avanço para o espaço público. Constatamos
essa afirmativa pelos vários depoimentos das mulheres, assim como dos homens, ao
revelarem que a “maioria” dos homens ainda têm que ser o “chefe” da casa. No meio do
224
conflito, houve os rearranjos internos, quando a mulher “admite” que no bojo do lar “o
homem é quem manda”.
Tanto que, alguns depoimentos exemplificaram o desestruturamento da relação
do casamento por essa atitude “não consentida” e outros em que a própria mulher
“consente” e “deixa” o homem “pensar” que ele é o chefe, para não criar conflitos no
relacionamento. Como conselho, uma das mulheres que se separou do marido, revelou:
as mulheres têm que ser 0,5% submissa”. E se não o são, devem “fingir”, porque, com
certeza, a disputa nessa relação de poder entre homem e mulher acabará com o
relacionamento. Outro fator não aceito pela maioria dos homens é a questão da mulher
ganhar mais do que ele. Se ganhar, não pode revelar à sociedade. Isso também gera
conflitos e disputas. A não aceitação da mulher ficar em evidência, sobressair mais do
que o homem, também provoca atritos na relação.
Ao aceitar essas “imposições”, a mulher permite que se perpetue a dominação
dos valores masculinos e a estrutura tradicional, sendo conivente. Muitas aceitam e se
acomodam, como existem aquelas que continuam lutando e brigando ou outras que, no
limite, não aceitaram a dominação, questionaram a desigualdade e romperam com as
mesmas. Essas mulheres mudaram e estão provocando transformações no
comportamento, na relação de poder, de dominação no cotidiano, na estrutura
tradicional hierárquica e assimétrica dessas diferenças.
Conseqüentemente, estão ajudando a mudar a sociedade como um todo, porque
estas relações de poder estão estabelecidas na sociedade, em todos os espaços sociais.
Ao mudar a estrutura que a “fomenta”, o se abrindo as brechas para uma
transformação mais geral. Acreditamos ser um movimento de via dupla, ou seja, a
estrutura familiar internaliza os mecanismos estratégicos de dominação, passados pela
cultura e se torna a reprodutora e produtora dessa mesma cultura. Por isso a mudança
deve começar aí.
Além dos preconceitos citados, percebemos outro, em relação ao trabalho de
algumas mulheres empresárias, ao revelarem que muitas pessoas têm uma imagem
distorcida sobre elas e seu trabalho. Será que a luta dessas mulheres é tanto concreta
quanto “simbólica”? Para responder isso, foi preciso provar no real que a idéia de
“boneca inútil” é um estereótipo. Dessa forma, ao revelarem que trabalham muito,
com uma jornada pesada de até mais de 14 horas somadas às responsabilidades da casa,
mostra-nos, a concepção distorcida que a própria sociedade tem sobre elas. Ou seja,
muitos pensam que elas não trabalham “duro” e, no entanto, são mulheres trabalhadoras
225
que têm dificuldades, lutam, sofrem discriminações, preconceitos, resistências, possuem
emoções, sentimentos e valores, e não estão enfrentando e concorrendo no mercado de
trabalho como simples “enfeites”. Estão procurando - e algumas conseguiram - a
conquista da independência financeira, a autonomia, a identidade, a realização
profissional e pessoal.
Apesar da existência dessa imagem distorcida, o trabalho das mulheres ao ser
conhecido, passa uma imagem positiva à sociedade, como mulheres dinâmicas,
pioneiras, batalhadoras, perseverantes, corajosas, ousadas, vencedoras, empreendedoras.
Essas características que representam uma das imagens dessa mulher para a
sociedade, coincidem com as características que essas mesmas empresárias detectaram
como necessárias para a mulher estar no mercado de trabalho, acrescidas de atitudes
positivas: conhecimento, atualização constante, visão à frente, dialogar, trabalhar em
equipe, competência, experiência, otimismo, bom humor, responsabilidade,
pontualidade, gostar do que faz, equilíbrio, ter respeito às pessoas, dedicação,
planejamento, agilidade, qualidade, eficiência, honestidade, seriedade, credibilidade,
dignidade, honrar a palavra, inovar, saber ser líder, delegar tarefas e muitas outras.
Dessa forma, as características femininas exigidas hoje, distanciam-se
radicalmente daquelas características de docilidade, de subserviência, imputadas à
mulher. Na fala de algumas mulheres empresárias, observamos que essas características
aparecem como sendo “naturais”, como sendo próprias da mulher. Essas características
“dadas” como femininas foram construídas pela cultura. Não são, portanto, da
“essência” feminina, inerentes à mulher. Assim como não são as características
masculinas. Todas foram e são culturais.
Percebem-se, hoje, características diferentes para a mulher empresária, fruto de
uma nova concepção, de uma nova postura. Significa, a nosso ver, mudança nas
“tradicionais” características “femininas”, demonstrando que tanto mulheres e homens
podem sentir “emoções”, ter “sentimentos”, ser “agressivos”, “competitivos”, ter “ação”
ou quaisquer outras características. Todas dependem da formação, da cultura.
Muda-se, assim, o perfil da mulher. Mesmo que seja dito que essas
características sejam para a mulher no mercado de trabalho, a mudança inicia-se,
primeiramente, na própria mulher e, por conseqüência, alteram-se as relações familiares.
Por isso, acreditamos que, mesmo a longo prazo, a condição feminina está se
transformando, com as mudanças no espaço doméstico e no blico, onde se dão as
relações de dominação e submissão da mulher.
226
A sua participação social e política depende da sua posição dentro da
organização familiar e, a nosso ver, é desse interior que se amplia ou se extingue com a
divisão hierárquica e assimétrica dessa construção da diferença em todos os espaços
sociais, tendo em vista a formação e educação dos indivíduos, em primeira instância,
dar-se no âmbito familiar.
A família, espaço de luta e de emoção, pode encontrar alternativas e
possibilidades de novas relações, de novas organizações na forma de gerir a vida
cotidiana. A mudança se apresenta, apesar de lenta e ainda pontuada. Já se localizam os
“focos”, os “sinais”, através da participação nas tarefas domésticas, da educação não
sexista aos filhos, portanto, supõe-se serem as relações futuras entre homem e mulher
mais igualitárias, sem divisões.
Contudo, apesar das mudanças que se evidenciam, a família é, e continuará
sendo, a instituição mais forte e desejada pela maioria dos nossos entrevistados. Mesmo
com todos os rearranjos do lar, do cotidiano, do espaço público, de todas as mudanças
nas relações sociais, a estrutura familiar parece permanecer como essência.
Mesmo as mulheres que têm provocado o questionamento nas suas relações
específicas com o marido no espaço doméstico e no público, propondo e mudando a
posição em sua condição e comportamento, afirmam ser a família a estrutura procurada.
Ainda não mais se percebendo apenas como mãe e esposa e, sim, como pessoas
responsáveis pela decisão de sua reprodução, capazes para ocuparem o espaço público,
político, desejam que a família permaneça. Portanto, o valor família é sagrado para as
mulheres empresárias e para os homens, ou seja, é a referência, a estrutura básica e
fundamental do indivíduo, a sua segurança, a sua identidade.
Acreditamos que, mesmo com todas as transformações igualitárias, sem divisão
hierárquica ou assimétrica, não se extinguirão as contradições, os paradoxos, as
ambigüidades, o amor, o prazer, o conflito, as insatisfações, as angústias, porque, como
vimos, o ser humano é essencialmente ambíguo, contraditório, sendo fruto de uma
cultura, em qualquer tempo histórico. Portanto, são sentimentos do ser humano e fazem
parte de seu cotidiano.
Podemos sim, tentar acabar com as desigualdades, com as injustiças,
procurarmos viver melhor com nosso ego, buscando a integração para minimizar as
angústias, os cortes, as repressões, o oprimido em nós. Mesmo com as ambigüidades e
paradoxos do ser humano, se conseguirmos isso, seremos mais felizes.
227
A “ideologia” sobre a condição da mulher que ainda permeia a mentalidade da
maioria das mulheres empresárias e dos homens da nossa amostra da pesquisa é o
“funcionalismo”, onde os “papéis sexuais” são passados através de uma masculinidade
hegemônica “natural”, uma teoria onde se postula uma identidade “natural” da mulher à
esfera doméstica, familiar, afetiva e onde a maternidade é colocada como fato da
natureza e não como um fato social. Nessa perspectiva, não se permitem transformações
nas relações de poder, porque tudo é “natural” e são “atribuídas somente às mulheres as
tarefas domésticas”, que insistem num modelo de família conjugal harmônico,
equilibrado, sem conflitos, simplificador e pobre, diante da realidade do cotidiano. São
poucas as mulheres e os homens que não possuem essa idéia “como natural” e são, por
isso, os primeiros a darem um passo em direção à mudança.
Por esse caminho, nossa contribuição foi tentar “denunciar” e “desmistificar”
que a condição da mulher, sua posição secundária, de submissão, as tarefas domésticas
como responsabilidade somente sua e o uso da maternidade, do seu corpo e sexualidade,
não são “naturais”. São “construções” feitas para essa dominação, para sua justificação
e aceitação, usando-se toda uma rede de mecanismos estratégicos, através de discursos,
dispositivos, das instituições religiosas, do Estado, da família, escola, produzindo e
reproduzindo as relações de poder entre homens e mulheres em todos os espaços
sociais. Entretanto, chamamos a atenção para o “consentimento” dessa condição de
submissão por parte de algumas mulheres. Entendemos que uma educação que
privilegia a submissão, onde a mulher se conforma a um “confinamento doméstico”
acontece com consentimento das próprias mulheres. Dessa forma, ela se coloca ou não
como transmissora da “ideologia masculina hegemônica”, tornando-se em parte,
responsável pela veiculação da sua própria condição de ser submisso, inferior, relegado
a um segundo plano. Cabe a ela, então, optar pela manutenção dos “valores
estabelecidos” ou adotar uma política de ação, de participação contra a discriminação,
com uma consciência crítica à procura de sua igualdade e libertação.
Sem a possibilidade ou pretensão de se esgotar o tema, acreditamos ter
contribuído, mesmo com pouco, para uma reflexão sobre a condição feminina, porque
pensamos que a transformação do todo, passa primeiro pelas transformações pequenas,
específicas, ou seja, no dia-a-dia, no cotidiano. Cremos serem estas as condições
capazes e possíveis de terem o poder para mudar efetivamente, porque o cotidiano é o
lugar social onde acontecem as trocas das diferentes relações e estruturas de uma
sociedade, onde, também, é assegurado o seu funcionamento. Daí, a mudança deve
228
ocorrer nesse cotidiano, onde concretamente as relações entre homens e mulheres
acontecem, são vividas, praticadas e experimentadas. Através dessas práticas nas
relações cotidianas, mulher e homem podem provocar a mudança através da educação,
da formação aos filhos, rompendo com a cultura da desigualdade, da desvalorização da
mulher, com os espaços e profissões pensados como próprios da mulher, com todos os
condicionamentos. É necessário, também, acabar com os “falsos valores masculinos”
repassados pela educação: o autoritarismo, a falta de emoções, o “machismo” e outros.
A sexualidade deverá ser discutida, mas sem a idéia do sexo “puro” ou “impuro” e, sim,
de realização suprema, procurando complementaridade e equivalência das diferenças
entre os sexos. É preciso pensar a maternidade como sendo decisão da própria mulher,
sendo ela a responsável pela reprodução, pelo seu corpo, por sua sexualidade e não por
mecanismos estratégicos de dominação, submissão e controle, ao fazer uso dessa sua
sexualidade. Torna-se fundamental uma mudança de mentalidade nos dois sexos. A
mudança na educação, iniciando-se no lar, formará uma nova organização e nova
mentalidade, as quais se estenderão às outras instituições e outros espaços sociais que
são também transmissores, reprodutores e/ou produtores de cultura, como por exemplo,
a escola, a igreja, as associações, sindicatos e outros.
Portanto, sendo a mulher responsável pela educação e formação dos filhos para a
maioria das mulheres e homens entrevistados, ela pode provocar mudanças nas relações
de poder no cotidiano, no espaço familiar. Enquanto educadora na família e, em grande
parte também na escola, ela pode ser uma dentre várias possibilidades para transformar
a condição feminina. A nosso ver, algumas mulheres começaram a avançar nesta
direção e, por isso, observamos alguns sinais da mudança. Sabemos que o caminho é
longo, mas a própria existência do debate em torno da condição feminina, significa
reflexão e vontade de mudança.
Esse movimento, com certeza, tem sua origem nas palavras motoras de “Lilith” -
a primeira mulher de Adão - transpostas do mito para uma reflexão no campo do real:
“Por que devo ficar por baixo de ti, se fui criada tua igual?”. (Roberto Sicuteri)
229
ANEXO 1
203
EMPRESÁRIAS ENTREVISTADAS (Ordem Alfabética)
1. Auzônea Rosa Vieira - Comercial - Comércio de Tecidos e Confecções - CASA
VIEIRA. 70 anos, viúva, 8 filhos, Curso Primário, comerciante aposentada, católica,
primeira MULHER PRESIDENTE DO CLUBE DE DIRIGENTES LOJISTAS DE
PATOS DE MINAS, DE MINAS GERAIS E DO BRASIL - 1980/86. Entrevistada dia
12/08/2000 - 14 horas à Rua General Osório, n
o
196.
2. Beatriz Castro Amorim - Prestação de Serviço - Serviço de Beleza - “INSTITUTO
BEATRIZ AMORIM”. 42 anos, solteira, Curso Superior em Matemática; Curso de
Artes Plásticas e Esteticista. Católica. Entrevistada dia 14/02/2001 - 18 horas à Av.
Brasil, n
o
395.
3. Carlúcia Martins Augusta. Prestação de Serviços. Serviços Médicos - “CLÍNICA DE
TRATAMENTO DA DOR” e “FAZENDEIRA”. 43 anos, divorciada, dois filhos,
Especialista em Anestesiologia, Clínica Médica e Pós-graduação em Acupuntura na
China - Center Training Chinese Medicine e Pós-graduação em Clínica de Dor, na
Califórnia - University South California; católica, PRIMEIRA MULHER
PRESIDENTE DA ASSOCIAÇÃO MÉDICA DE PATOS DE MINAS (após 50 anos) -
1999-2001. Entrevistada dia 10/01/2001 - 18 horas à Rua Dr. Marcolino, n
o
700
4. Cynthia Costa Pires Viana - Comercial - Comércio de Jóias e Acessórios -
“ADORNOS”. 47 anos, casada, dois filhos, curso superior: Farmácia e Bioquímica -
“Curso de Consultora de Modas” em Nova York: “Fashion Institute of Technology;
católica. Entrevistada dia 15/08/2000 - 13 horas à Rua Felipe Corrêa, n
o
101 - Bairro
Guanabara.
5. Dágma Caixeta Piau Vieira - Prestação de Serviços - Serviços Médicos -
Administração - “HOSPITAL SÃO LUCAS”. 61 anos, viúva, 4 filhos, Curso de
203
As idades, o número de filhos e o estado civil das mulheres empresárias e dos homens empresários
entrevistados têm como referência a data da entrevista.
230
Contabilidade e Magistério, Católica. Entrevistada dia 03/01/2001 - 13:30 horas à Rua
Farnese Maciel n
o
500, apto. 301.
6. Dalci Alves Bontempo Martins - Comercial - Comércio de Gás -
“SUPERMERCADO ALÍPIO LTDA.”. 42 anos, casada, três filhos, Curso de
Magistério, católica. Entrevistada dia 13/03/2001 - 15 horas à Rua Zico Soares, n
o
166 -
Bairro Ipanema.
7. Eliana Bittencourt de Castro Teixeira - Comercial - Comércio de Confecções e
Calçados - “CORPO E CIA.”, “COURO E ARTE”, “PIMPOLHO”, “POLAINA”,
BAMBOLÊ”, “BALANCÊ”. 45 anos, casada, 1 filha, Curso Superior em Letras,
católica. Entrevistada dia 04/01/2001 - 19 horas à Rua Olegário Maciel, n
o
261, sala 4.
8. Fátima Prado Ferreira - Prestação de Serviços e Comercial - Serviços Mecânicas -
“PATOS DIESEL”, “ARAGUARI DIESEL”, “DIVINÓPOLIS DIESEL” e “FUTURA
CONCESSIONÁRIA TOYOTA”. 40 anos, casada, 3 filhos, Curso Superior incompleto
em História, espírita. Entrevistada dia 12/01/2001 - 14 horas à Rua Ouro Preto, n
o
120,
Bairro Santo Antônio.
9. Gláucia Nasser de Carvalho - Comercial - Comércio de Sementes e Fertilizantes -
“TERRENA AGRONEGÓCIOS LTDA.” 38 anos, separada, 2 filhos, Pós-graduação
em Comércio Exterior, Estágio nos Estados Unidos e Chile (1989) - Marketing
Internacional; Curso de Inglês na Inglaterra - 1983/84; sem religião. PRIMEIRA
MULHER PRESIDENTE DA ASSOCIAÇÃO COMERCIAL E INDUSTRIAL DE
PATOS DE MINAS - ACIPATOS - 1994/97. PRESIDENTE DO “AMPARO
MATERNAL” - Filantropia. Cantora da “Banda Raros”. Entrevistada dia 08/01/2001 -
15:30 horas à Av. Rodrigo Castilho Avelar, n
o
1.500.
10. Heraída Maria Caixeta Borges - Comercial e Industrial - Indústria de Confecções -
“H GIOVANI COMÉRCIO, INDÚSTRIA E EXPORTAÇÃO LTDA.” 35 anos, casada,
2 filhos, Pós-graduação em Administração de Empresas, católica. PRESIDENTE DO
SINDICATO DA INDÚSTRIA E VESTUÁRIO DO ALTO PARANAÍBA -
1997/2000. Entrevistada dia 25/01/2001 - 9 horas à Rua Barão do Rio Branco, n
o
1.675.
231
11. Leny Brandão - Comercial - Comércio de Confecções e Ateliê - “LENY
BRANDÃO”. 52 anos, viúva, 1 filha, Ginasial incompleto, católica. Entrevistada dia
05/02/2001 - 14 horas à Rua Major Gote, n
o
1.158.
12. Lúcia Helena Queiroz - Prestação de Serviços - Serviços Lazer - “ACADEMIA
LÚCIA QUEIROZ”. 43 anos, casada, 3 filhos, Curso Superior em Educação Física;
Curso de Dança - Estados Unidos e Argentina - 1982/83; católica. Entrevistada dia
15/08/2000 - 17 horas à Av. Getúlio Vargas, n
o
615, Apto. 303.
13. Maria Almira Mesquita - Comercial e Industrial. Comércio de Cosméticos e
Perfumaria. “O BOTICÁRIO” e Industrial - Gêneros Alimentícios - “INDÚSTRIA DE
BISCOITOS MINEIRINHO”. 32 anos, solteira, Pós-graduação em Administração
Empresarial, Fazendeira, católica. Entrevistada dia 16/08/2000 - 17 horas à Av. Getúlio
Vargas, n
o
179.
14. Maria Ângela Morato Porto - Comercial - Comércio de Confecções - “BOUTIQUE
MARIA ÂNGELA”. 53 anos, divorciada, 3 filhos, Curso Superior em Letras, católica.
Entrevistada dia 17/03/2001 - 14 horas à Rua Teófilo Otoni, n
o
491.
15. Maria das Dores Pereira - Prestação de Serviços - Serviços de Contabilidade -
“CONTEC”. 51 anos, divorciada, 2 filhos, Curso Técnico em Contabilidade, espírita
kardecista. PRIMEIRA MULHER PRESIDENTE DO SINDICADO DOS
CONTABILISTAS - 1997/2000. DIRETORA SOCIAL DO SINDICATO DOS
CONTABILISTAS -2000/2003 Entrevistada dia 10/01/2001 - 14 horas à Rua Teófilo
Otoni, n
o
936.
16. Maria de Fátima Oliveira de Faria - Comercial - Comércio de Produtos
Farmacêuticos - “FARMAIS I E II”. 42 anos, casada, 3 filhos, Curso de Farmacêutica -
Bioquímica, católica. Entrevistada dia 11/01/2001 - 16 horas à Rua Major Gote, n
o
963.
17. Maria Rosângela Pacheco - Comercial - Comércio de Calçados - “PONTA 1”. 50
anos, casada, 3 filhos, Curso Superior em História, católica. Entrevistada dia 16/08/2000
- 14 horas à Praça Abner Afonso, n
o
51, an/4.
232
18. Maria Teresa de Castro Fonseca - Prestação de Serviços - Serviços Turismo -
“TROPPEN TURISMO”. 37 anos, solteira, Curso Superior em Ciências Contábeis,
católica. Entrevistada dia 22/01/2001 - 15 horas à Rua Major Gote, n
o
1.158.
19. Marisa Fonseca de Freitas - Prestação de Serviços - Buffet - “DECOR-FEST”. 40
anos, casada, 2 filhos, Curso Superior em Artes Plásticas, católica. Entrevistada dia
09/01/2001 - 14 horas à Av. Presidente Tancredo Neves, n
o
445.
20. Marli das Graças Pereira Araújo - Comercial - Comércio de Materiais para
Construção - “AUTOGLASS - GLASSPATOS LTDA.” 48 anos, casada, 6 filhos, 1
o
Grau completo, católica. Entrevistada dia 11/01/2001 - 19 horas à Rua das Acácias, n
o
374, Jardim Paraíso.
21. Mírian Gontijo Moreira da Costa - Prestação de Serviços - Advocacia - “MÍRIAN
GONTIJO & ADVOGADOS ASSOCIADOS”. 38 anos, casada, 2 filhos, Bacharel em
Direito, católica. PRIMEIRA MULHER ADVOGADA A SUBIR NA TRIBUNA DE
UBERABA - DIRETORA JURÍDICA DA ASSOCIAÇÃO COMERCIAL DE PATOS
DE MINAS - ACIPATOS - 1994/2001. PRESIDENTE DA OAB - ORDEM DOS
ADVOGADOS DO BRASIL - SECCIONAL - 45
a
- SUBSEÇÃO DE PATOS DE
MINAS - 1994/97. ASSESSORA JURÍDICA DA APAE - 1996/2000. CONSELHEIRA
ESTADUAL DA OAB EM MINAS GERAIS - 1997/2003. MEMBRO DA GAN -
GRUPO DE AJUDA AOS NECESSITADOS - FILANTROPIA. Entrevistada dia
18/01/2001 - 9:30 horas à Rua José de Santana, n
o
1.306, sala 203.
22. Neide Maria Pereira Miquelanti - Comercial - Comércio de Gêneros Alimentícios -
“NOVA VESÚVIO PANIFICADORA” e “PÃO MINEIRO”. 47 anos, casada, 2 filhas e
1 filho adotivo, Curso Superior em Ciências Biológicas, católica. PRIMEIRA
PRESIDENTE DA ASSOCIAÇÃO DE MULHERES DE NEGÓCIOS E
PROFISSIONAIS - BPW - PATOS DE MINAS - 1995/1997. Entrevistada dia
04/01/2001 - 15 horas à Rua João da Rocha Filgueira, n
o
341.
23. Neusa Rodrigues Moreira - Comercial - Comércio de Tecidos - “PAULINHO
TECIDOS”. 50 anos, casada, 4 filhos, Magistério, católica. PRESIDENTE DA
ASSOCIAÇÃO DE MULHERES DE NEGÓCIO E PROFISSIONAIS - BPW - PATOS
233
DE MINAS - 1997/1999. DIRETORA DE EVENTOS E PROMOÇÕES DA CDL -
CÂMARA DE DIRIGENTES LOJISTAS - 1998/2003. MEMBRO DO SUB-COMITÊ
DA SAÚDE DA BPW BRASIL - 1999/2002. MEMBRO DO CONSELHO FISCAL
DO SINDICATO DO COMÉRCIO VAREJISTA DE PATOS DE MINAS - 2000/2002.
Entrevistada dia 03/01/2001 - 17 horas à Av. Getúlio Vargas, n
o
615, apto. 203.
24. Terezinha de Deus Fonseca - Prestação de Serviços - Serviços em Educação -
“COLÉGIO FONSECA RODRIGUES”. 63 anos, solteira, Curso de Filosofia Pura e
Pós-graduação em Administração Escolar, católica. PRIMEIRA DIRETORA DA
ESCOLA MUNICIPAL, 1961/1965. PRIMEIRA DIRETORA DO COLÉGIO
ESTADUAL “ZAMA MACIEL” - 1965/1971. INTEGRANTE DO GRUPO DAS
PRIMEIRAS MULHERES PROFESSORAS DA EDUCAÇÃO DO ENSINO
SUPERIOR EM PATOS DE MINAS (FEPAM) - 1970/1983. MEMBRO FUNDADOR
DA FUNDAÇÃO EDUCACIONAL DE PATOS DE MINAS - FEPAM. DIRETORA
EXECUTIVA DA FEPAM - 1974/1976 e 1986/1991. SECRETÁRIA DA
EDUCAÇÃO ESPORTE E LAZER DA PREFEITURA MUNICIPAL DE PATOS DE
MINAS - 1999/2000. Entrevistada dia 12/02/2001 - 18 horas à Praça Josefina Mourão,
n
o
46.
234
ANEXO 2
HOMENS ENTREVISTADOS (Ordem Alfabética)
1. José Humberto Andrade - Empresário - “Cafeicultor, cuja esposa não trabalha fora;
58 anos, casado, 2 filhos, Ginasial completo, católico. Entrevistado dia 05/01/2001 - 9
horas à Rua Guaporé, n
o
273.
2. José Soares Filho - Empresário - Comercial - “GRUPO SOARES”, cuja esposa não
trabalha fora; 62 anos, casado, 7 filhos, Segundo Grau completo, católico. Presidente da
Associação Comercial e Industrial de Patos de Minas - ACIPATOS - 1975/85.
Presidente da Câmara de Dirigentes Lojistas - CDL - 1993/95. Entrevistado dia
15/01/2001 - 10 horas à Rua General Osório, n
o
06.
3. Meirisom Reis de Castro - Engenheiro Civil e Fazendeiro, cuja esposa é empresária.
43 anos, casado, 3 filhos, Curso Superior, católico. Entrevistado dia 10/01/2001 - 20:30
horas à Av. Getúlio Vargas, n
o
615, apto. 303.
4. Paulo Rodrigues Moreira - Empresário “COMERCIAL PAULINHO LTDA.”, cuja
esposa é empresária. 53 anos, casado, 4 filhos, Segundo Grau completo, católico.
Presidente da Câmara de Dirigentes Lojista 1993/1997. Presidente do Sindicato do
Comércio Varejista - 2000/2003. Entrevistado dia 05/01/2001 - 20 horas à Av. Getúlio
Vargas, n
o
615, apto. 203.
235
236
237
ANEXO 4
ESTABELECIMENTOS POR CLASSE E GÊNERO DE COMÉRCIO
PATOS DE MINAS - MARÇO/2000.
Classe e Gêneros de Comércio Estabelecimentos Existentes
COMÉRCIO VAREJISTA 2.621
Comércio de Gêneros Alimentícios 482
Comércio de Tecelagem 294
Comércio de Artigos de Couro 75
Comércio de Carnes em Geral 156
Comércio de Bar e Restaurante 454
Comércio de Material p/ Construção 112
Comércio de Peças para Veículos 124
Comércio de Eletrodomésticos/Móveis/Decorações 65
Comércio de Produtos Farmacêuticos 57
Comércio Ambulante 10
Comércio Feirante 64
Estabelecimentos Agropecuários 53
Estabelecimentos Hortifrutigranjeiros 30
Depósito de Gás/Explosivos/Inflamáveis 20
Cooperativas 12
Outros Comércios Pequenos 454
Outros Comércios Médios 143
Outros Comércios Grandes 16
COMÉRCIO ATACADISTA 89
Atacadista de Cereais 41
Atacadista de Bebidas 17
Outros Atacadistas Pequenos 26
Outros Atacadistas Médios 02
Outros Atacadistas Grandes 03
TOTAL 2.710
Fonte: Secretaria Municipal de Fazenda/Prefeitura Municipal
238
ANEXO 5
CLASSIFICAÇÃO DAS EMPRESAS (PORTE)
Todas as empresas atendidas pelo Balcão SEBRAE deverão ser classificadas
quanto ao porte de acordo com o critérios SEBRAE.
Este critério utiliza apenas a quantidade de funcionários para se definir o porte
das empresas e em qualquer documento a ser preenchido (relatório ou planilha), esta
deverá ser a classificação utilizada.
Deve-se tomar especial atenção entretanto, quando se tratar de financiamento.
Ou seja, quando o consultor de BALCÃO for prestar qualquer informação sobre
financiamento, este deve informar o critério utilizado pelo banco, uma vez que o mesmo
utilizará seus critérios e não o do SEBRAE para enquadramento das empresas.
CRITÉRIO SEBRAE
Porte
Número de Funcionários
Indústria Comércio/Serviços
Micro 01 a 19 01 a 09
Pequena 20 a 99 10 a 49
Média 100 a 499 50 a 99
Grande Acima de 500 Acima de 100
Fonte: Balcão SEBRAE MINAS - 30/09/1997
239
FONTES DOCUMENTAIS
1. ACIPATOS - Associação Comercial e Industrial de Patos de Minas - 2000.
1.1. Listagem das Empresárias e Empresários Associados: nomes, número de
mulheres e de homens - 2000.
1.2. Nomes das empresas - 2000.
2. BPW - Patos de Minas - Associação de Mulheres de Negócios e Profissionais de
Patos de Minas
2.1. Listagem de Associadas: nomes e número de mulheres - 2000.
3. CDL - Câmara de Dirigentes Lojistas de Patos de Minas - 2000.
3.1. Listagem das Empresárias e Empresários associados: nomes, número de
mulheres e de homens.
3.2. Setores: Comercial, Prestação de Serviço e Industrial.
3.3. Data de registro na associação.
3.4. Nomes das empresas.
4. Cartório de Registro Civil das Pessoas Naturais da Comarca de Patos de Minas -
1960 a 2000.
4.1. Profissões Femininas
4.2. Profissões Masculinas
4.3. Número de Casamentos
5. Diagnóstico Sócio Econômico do Município de Patos de Minas. Patos de Minas -
Secretaria Municipal de Fazenda/Prefeitura Municipal. Março/2000.
6. Entrevistas
6.1. Auzônea Rosa Vieira
240
6.2. Beatriz Castro Amorim
6.3. Carlúcia Martins Augusto
6.4. Cynthia Costa Pires Viana
6.5. Dágma Caixeta Piau Vieira
6.6. Dalci Alves Bontempo Martins
6.7. Eliana Bittencourt de Castro Teixeira
6.8. Fátima Prado Ferreira
6.9. Gláucia Nasser de Carvalho
6.10. Heraída Maria Caixeta Borges
6.11. Leny Brandão
6.12. Lúcia Helena Queiroz
6.13. Maria Almira Mesquita
6.14. Maria das Dores Pereira
6.15. Maria de Fátima Oliveira de Faria
6.16. Maria Ângela Morato Porto
6.17. Maria Rosângela Oliveira Pacheco
6.18. Maria Teresa de Castro Fonseca
6.19. Marisa Fonseca de Freitas
6.20. Marli das Graças Pereira Araújo
6.21. Mírian Gontijo Moreira da Costa
6.22. Neide Maria Pereira Miquelanti
6.23. Neusa Rodrigues Moreira
6.24. Terezinha de Deus Fonseca
6.25. José Humberto Andrade
6.26. José Soares Filho
6.27. Meirison Reis de Castro
6.28. Paulo Rodrigues Moreira
7. Folder
7.1. Patos de Minas e do Brasil - 1892-1998 - 106 anos - Prefeitura Municipal de
Patos de Minas
241
8. Fotos
8.1. Arquivo da Prefeitura Municipal/Assessoria de Imprensa
8.2. Arquivo Studio Saulo Alves
8.3. Arquivo Particular
9. Fundação João Pinheiro - Participação do PIB por Setor de Atividade - 1996
10. IBGE
10.1. Censo Demográfico de Minas Gerais - 1980
10.2. Censo Demográfico de Minas Gerais - 1991
11. Jornais Locais
AMBRÓSIO, Frei. O sentido do namoro. Boletim Informativo. Patos de Minas, 25 de
dez./1980. Especial, p. 11.
ANDERLE, Adolfo. Pais separados. Folha Patense. Patos de Minas, 27 nov./1993, p.
2.
ATITUDES certas da mulher casada. Boletim Informativo. Patos de Minas, 3
fev./1981, p. 5.
BOLETIM Informativo. Patos de Minas, 11 nov./1979, p. 5.
______. Patos de Minas, 25 de dez./1979, p. 5.
COMO preparar para o casamento. Boletim Informativo. Patos de Minas, 3 de
set./1979, p. 2.
DESTAQUE. Boletim Informativo. Patos de Minas, 25 dez./1979, p. 13.
EMPRESÁRIO do ano. Jornal Folha Patense. 18/08/2001, p. 30.
FOLHA Patense. Patos de Minas, 15 jan./1994, p. 4.
FONSECA, Déa Neto da. Famílias de ontem e de hoje. Folha Diocesana. Patos de
Minas, 15 abr./1976. Falando aos Pais, p. 6.
______. Famílias de Ontem e de Hoje (II). Folha Diocesana. Patos de Minas, 22
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XX, p. 1.
______. O nosso dia. Folha Diocesana. Patos de Minas, 6 maio/1976, Falando aos Pais,
n. 861, Ano XX, p. 5.
242
FONSECA, Délio Borges da. Harmonia Conjugal. A Debulha. Patos de Minas, 31
out./1980, p. 25.
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Importa Evangelizar XIII. p. 6.
MACHADO FILHO, Joaquim Garcia. As novelas e a família. O Condor. Patos de
Minas, dez./1988, n. 12. Ano 1, p. 2.
MARILENE, (Sd.). A mulher no seu espaço. O Condor. Patos de Minas, jan./1989, n.
13. Ano 2, p. 10.
MARTINS, Jorgina D’arc. (3
o
Sgt. PM). A mulher e a Polícia Militar. O Condor. Patos
de Minas, fev./1989, n. 13. Ano 2, p. 6.
NEWTON, Dom José. (Arcebispo de Brasília). O divórcio não é solução, é falência.
Crônica da Diocese. Patos de Minas, 29 jan./1976, n. 239. Ano V, p. 1. (grifo do
Jornal).
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Ano 2, p. 3.
PASTORE, Alfonso (Padre). Casamento Religioso. Folha Diocesana. Patos de Minas,
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PATOS de Minas é o 5
o
município em desenvolvimento. Folha Patense. Patos de
Minas, 10/03/2001, p. 20.
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RECADO aos Noivos. Folha Diocesana. Patos de Minas, 29 jan./1976, p. 7.
SCARSO, Jorge. (Bispo). Mãe e Vocação. Folha Diocesana. Patos de Minas, 6
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SCHERIR, Vicente (Cardeal). Erotismo VII (Adaptação). Boletim Informativo. Patos
de Minas, 18 mar./1979, p. 3.
______. Erotismo IX. Boletim Informativo. Patos de Minas, 18 abr./1979, p. 3.
SAMPAIO, (Sgt.) Modernismos. O Condor. Patos de Minas, mar./1989, n. 16. Ano 2,
p. 2.
I ENCONTRO Municipal da Mulher. Folha Diocesana. Patos de Minas, 15 de
maio/1986, p. 8.
IV CULTURÃO - MAC (Movimento de Amizade Cristã). Homenagem. Folha
Diocesana. Patos de Minas, 25 jul./1985, p. 8
243
12. Livros
OLIVEIRA SCHER, Marluce Martins de. Aeiou. A Educação na Rede Municipal de
Patos de Minas 1993/1996, p. 6.
OLIVEIRA MELLO, Antônio de. 100 Anos de Comércio em Patos de Minas. Patos de
Minas: Edição do Clube de Diretores lojistas de Patos de Minas - CDL, 1992.
PERFIL do município de Patos de Minas/MG - Parceria para o desenvolvimento -
CAIXA do Município - CAIXA Econômica Federal. Patos de Minas, fev. de 2000. p.
13.
13. Revistas
SALUM, Oadi. (Rev.). Reação Salutar. Revista A Debulha. Patos de Minas, 15
jul./1980, p. 42.
14. SEBRAE
14.1. Classificação das Empresas - Porte - Balcão SEBRAE Minas - 30/09/1997.
14.2. Manual do Empreendedor/SEBRAE-MG. Belo Horizonte: SEBRAE-MG,
1997.
14.3. Revista Passo a Passo - A revista das oportunidades de negócios - SEBRAE-
MG
14.4. Serviço de Apoio às Pequenas e Micro Empresas do Paraná. Administração
básica para pequenas empresas. Curitiba: SEBRAE/PR, 1997. 95 p. (Edição
SEBRAE).
14.5. Disponível em: <http://wwwsebraent.com.br/abertura/3 passo/ industrial.htm.>
acesso em 29/01/2001. Página da W. e SEBRAE - Patos de Minas.
15. SEPLAN - Secretaria Municipal de Planejamento e Orçamento - Prefeitura
Municipal de Patos de Minas.
15.1. Posição da Microrregião 172 em relação ao Estado e sua Capital.
15.2. Ligações Rodoviárias de Patos de Minas.
15.3. Código de Posturas do Município de Patos de Minas (...) Lei n
o
1.333/73.
16. SINDICOMÉRCIO - Sindicato do Comércio Varejista.
244
17. SINDIVEST - Sindicato Intermunicipal da Indústria do Vestuário de Patos de Minas
e Alto Paranaíba
17.1. Número de Associados - Mulheres e Homens
17.2. Nomes das Empresas
245
BIBLIOGRAFIA
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