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fermenta. Índio é gente que carrega enormes pesos nos beiços, pedras, paus, penas, e não
podem falar, falam como quem tem a boca cheia de bichos vivos. Os movimentos dos animais
é augusto e lento, todos se olhando de jaula para jaula e para mim. A árvore vuhebehasu, de
cerne mole, à maneira de carne ulcerada, casca com verrugas, as folhas grandes lóbulos de
orelha, com um látex como porra pelos poros das formigas, dos seus galhos – tufos de
parasitas, os frutos são ninhos de formiga, labirintos dos marimbondos, onde os
tououpinambaouts vêm caçar maracanãs. Vejo baleias: limitado no mar Atlântico pelas tribos
de baleias e no lado do poente pelos desertos de ouro em pó onde sopra o vento que vem do
reino dos incas. E os aparelhos ópticos, meus aparatos? Ponho mais lentes no telescópio, tiro
outras; amplio; regulo; aumento, diminuo, o olho enfiado nestes cristais, e trago o mundo
mais perto ou o afasto longo do pensamento: escolho recantos, seleciono céus, distribuo
olhares, reparto espaços, o Pensamento desmonta a Extensão, - e tudo são aumentos e
afastamentos. Um olhar com pensamento dentro. Sempre fumando desta erva-que-dói. Como
coça. Insetos insetívoros... E de Articzewski (ou Articzowski?) nada... Nem signos nem
sinais... E esse sol epilético... Por três anos em vão alcei meu pensamento sobre esta fauna e
esta flora e sinto que estes bichos de olhar calmo estão pensando em mim. Maravilha é pensar
esse bicho. Como pensar esse bicho? Duvido que Articzewski possa. Ao poderemos. Este
bicho é proteu, aquela ave é orfeu, este vapor é morfeu? Quem mordeu? Metamorfose. Isso é
dúvida ou concessão à má natura? O que é olho de onça, o que é vagalume? Enquanto o
macaco representa e gesticula humano – o papagaio fala, e parece gente em pedaços, uma
parcela no macaco e uma porção num papagaio. Batavos há que tem perdido a razão nestas
zonas, casando-se em conúbios múltiplos com as índias, falam o linguajar deles, que é como
os sons dos estalos e zoos deste mundo. Duvido de Cristo em nheengatu. Índio é gente? Este
país cheio de brilho e os bichos dentro do brilho é uma constelação de olhos de fera. E de
noite a cabeça cheia de grilos e gritos tem pensamentos de bichos... Esponjas, antenas, pinças
certeiras. Pensamento é susto. Que fome! Uma arara acende-se em escândalos mas não é
Artichofski. Num galho reto da árvore sob a qual me jazo (“patulae recumbans sub tagmine
fagi”), está o assim designado bicho preguiça que requer uma eternidade para ir dez palmos:
este animal não vive no espaço, vive no tempo, no calor e na intensidade. Este mundo não se
justifica. Que perguntas fazer? Gigantomaquia, batracomiomaquia. Esta alimária levando
eternidades para nada é o relógio deste meu estar fracassado: o bicho mede-me o tempo do
intenso. Uma insógnita parada numa reta. Preciso lembrar disso para Artizcoff, e a preguiça
sobre mim. Nem a fumaça que emito a perturba no calor do seu estar. Este mundo é o lugar do
desvario e a justa razão aqui se delira. Umas árvores de papagaios: formigas comem uma
árvore numa noite, - e os papagaios no sono, donde tantas árvores secas com os respectivos
esqueletos apensos. E o calor... Esta canícula... O calor é pura substância onde bóiam gaivotas
e o pensamento não entra nesses espaços nem ingressa nesse mundo.
As aves sem fôlego, no sol, no fogo... O arúspice vê no vôo das aves o futuro pelo
muito eterno do presente em que elas vivem. Não, esses pensamentos recuso, refuto e repilo.
Sinto coisas crescerem em mim, contra mim e em prol deste mundo. Nada há aqui onde
apóies o pensar. A esta terra faltam-lhe castelos, tumbas, estátuas, palácios catafalcos,
cenotáfios, marcos miliários, arcos de triunfo, torres, estirpes. Fico feito Sísifo rolando rochas
de cogitações que escorregam de volta no seu próprio peso. Faltam coordenadas... E essa
preguiça... Com esse sono pesado, estou ancorado no presente, acordado neste pensar (ou
pesar?) permanente... Artissef me levantará do chão e de minhas dúvidas. Um mecanismo de
passarinhos! Aumento o telescópio: mais lentes. Lentes e dentes. Omito. Aqui não se reparte,
não se divide. Um dia a selva desmorona em cima de Mauritstadt e a afunda na lama e no
calor. Não esse pensamento não. Atrapalhos e trambolhões. Trabalhos de hércules. Podar as
opiniões recebidas, as verdades dadas e os dados herdados, passando o rio Aqueloo, - e o
discernir é o Aqueloo; cortar as sete cabeças da Hidra da vã presunção e inchaço de saber, que