ser. Com isto se impõe a um pensamento que pensa o ser a tarefa de pensar o ser de
tal maneira que o esquecimento do ser dela faça parte essencial. O pensamento que
inicia com Ser e Tempo é, portanto, de um lado, um despertar do esquecimento do
ser – e aqui despertar deve ser compreendido como um recordar-se de algo que
jamais foi pensado –, mas enquanto é um despertar não é, de outro lado, um
extinguir o esquecimento do ser, mas um portar-se nele e nele permanecer. Assim,
o despertar do esquecimento do ser é o acordar para dentro do Ereignis. Apenas no
pensar o próprio ser, o Ereignis, torna-se experimentável o esquecimento do ser
como tal.
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Também a indiferença e o esquecimento são apenas maneiras pelas quais o Dasein se
entrega desta ou daquela forma ao ser enquanto tal. O próprio ser se subtrai, mas, enquanto tal
subtração o ser é, precisamente, a relação que solicita a essência do homem para o abrigo de
seu advento. Devemos nos lembrar que a luz e todo reino da visibilidade estão, portanto,
subordinados ao aberto do ser enquanto clareira, ao ordenamento do espaço de jogo em que
presença e ausência, revelação e ocultação, ser e nada, luz e sombra dão mostras da sua co-
pertença.
A luz pode, efetivamente, incidir na clareira, em sua dimensão aberta, suscitando aí
o jogo entre o claro e o escuro. Nunca, porém, a luz primeiro cria a clareira; aquela,
a luz pressupõe esta, a clareira. A clareira, no entanto o aberto, não está apenas
livre para a claridade e a sombra, mas também para a voz que reboa e para o eco
que se perde, para tudo que soa e ressoa e morre na distância. A clareira é o aberto
para tudo que se presenta e ausenta. (...) Da clareira, todavia, a Filosofia nada sabe.
Não há dúvida que a Filosofia fala da luz da razão, mas não atenta para a clareira
do ser. O lúmen naturale, a luz da razão, só ilumina o aberto. Ela se refere
certamente à clareira; de modo algum, no entanto, a constitui, tanto que dela antes
necessita para poder iluminar aquilo que na clareira se presenta.
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HEIDEGGER; Conferências e escritos filosóficos, p. 278
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HEIDEGGER; Conferências e escritos filosóficos, p. 77-78. Impõe-se ao pensamento a tarefa de pensar a
questão que Heidegger designa como clareira. Tudo o que foi objeto para a filosofia se desenvolveu no aberto. É
a clareira o âmbito no qual se encontram pensar e ser. Somente o coração silente da clareira é o lugar do silêncio
do qual pode irromper algo assim como a possibilidade do comum-pertencer de ser e pensar, isto é, a
possibilidade de acordo entre presença e apreensão. Devemos reconhecer que a principal tarefa para o futuro do
pensamento consiste em compreender o impensado da filosofia que, no entanto, sustenta toda a metafísica. Na
filosofia permanece impensada a clareira como tal que impera no ser. Entendemos que o homem que medita
deve experimentar o coração inconcluso do desvelamento. Deve se referir a este mesmo no que tem de mais
próprio: o lugar do silêncio que concentra em si aquilo que primeiramente possibilita o desvelamento. E isto é a
clareira do aberto. A clareira designa para Heidegger, aquilo que se deverá tornar a tarefa para o pensamento, no
fim da filosofia. O fim da filosofia não deve ser entendido, nem sob o ponto de vista puramente negativo, nem
puramente positivo. Fim não significa nem término, nem coroamento. O estágio final da filosofia não apresenta,
nem a interrupção do processo, nem a consecução de sua perfeição plena. Dentro do horizonte do pensar
heideggeriano o fim da filosofia é o fim da metafísica. Já vimos que Heidegger procura interpretar toda a história
da filosofia. Dela é necessário arrancar a tarefa para o pensamento futuro. Esta tarefa não significa a presunção
de se sobrepor à grandeza dos pensadores da Filosofia. Uma tal tarefa para o pensamento tem o caráter de
preparação.“Satisfaz-se com despertar uma disponibilidade do homem para uma possibilidade cujos contornos
permanecem indefinidos, e cujo advento, incerto” (HEIDEGGGER; Conferências e escritos filosóficos, p. 74).
Todavia, o aprofundamento desta questão, inserida no texto O fim da filosofia e a tarefa do pensamento, foge ao
âmbito deste trabalho.