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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS LETRAS E ARTES
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS
YOUNUS KHALIFA HADDOOD
ALGUNS ASPECTOS SOBRE O PROCESSO DA DEMOCRATIZAÇÃO DOS
SISTEMAS POLÍTICOS NO MUNDO ÁRABE: EGITO E LÍBANO COMO
MODELOS DE ESTUDO.
NATAL
2007
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YOUNUS KHALIFA HADDOOD
ALGUNS ASPECTOS SOBRE O PROCESSO DA DEMOCRATIZAÇÃO DOS
SISTEMAS POLÍTICOS NO MUNDO ÁRABE: EGITO E LÍBANO COMO
MODELOS DE ESTUDO.
NATAL
2007
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YOUNUS KHALIFA HADDOOD
ALGUNS ASPECTOS SOBRE O PROCESSO DA DEMOCRATIZAÇÃO DOS SISTEMAS
POLÍTICOS NO MUNDO ÁRABE: EGITO E LÍBANO COMO MODELOS DE ESTUDO.
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Ciências Sociais da Universidade
Federal do Rio Grande do Norte, como exigência
parcial para obtenção do título de Mestre.
Orientador: Prof. Dr. José Spinelli Lindoso
NATAL
2007
YOUNUS KHALIFA HADDOOD
ALGUNS ASPECTOS SOBRE O PROCESSO DA DEMOCRATIZAÇÃO DOS SISTEMAS
POLÍTICOS NO MUNDO ÁRABE: EGITO E LÍBANO COMO MODELOS DE ESTUDO
Aprovada em ____/ ____/ ____
Prof. Dr. José Spinelli Lindoso
Orientador – UFRN
Prof. Dr. João Emanuel Evangelista
Membro – UFRN
Prof. Dr. Michel Zaidan Filho
Membro – UFPE
Dedico este trabalho a minha família.
AGRADECIMENTOS
Ao Governo da Líbia por ter me concedido a bolsa de estudos.
Ao Professor José Spinelli Lindoso pela oportunidade, pela paciência, pela
disponibilidade, pela amizade e pela afabilidade.
Aos professores do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da UFRN,
especialmente ao Professor João Emanuel Evangelista pela oportunidade e consideração.
Ao Professor Michel Zaidan Filho pelo carinho, pela acolhida, pela confiança e pela
amizade.
Aos professores do Curso de Português para Estrangeiros da UFMG.
Ao amigo Erinaldo Ferreira do Carmo pela presteza.
Ao Professor Abdulghaffar Rashad do Departamento de Economia e Ciências Políticas
da Universidade do Cairo.
Aos servidores da Biblioteca da Liga Árabe.
Aos meus colegas, amigos e vizinhos de Belo Horizonte, Recife e Natal pela acolhida
e pelo carinho.
A Ivana Gadelha Paiva e, através dela, a todos os brasileiros.
RESUMO
O Mundo tem experimentado diversas ondas democráticas em momentos distintos.
Algumas nações adotaram a idéia da democracia desde muito; outras ainda não o fizeram
ou se encontram em um lento processo de transição para o feito. O campo de estudos sobre os
sistemas políticos árabes tem testemunhado, desde o último quarto do século XX, um
desenvolvimento proeminente. Esse avanço se revelou na existência de um conjunto de
tendências que tem girado em torno de um número de conceitos e quadros teóricos principais
entre eles o pluralismo político e a transição democrática e a sociedade civil e a sua relação
com o Estado. O discurso sobre o processo da transição democrática consiste em parte na
captação e na análise do papel das forças e das organizações da sociedade civil nesse
processo. As peculiaridades do Mundo Árabe suscitam questionamentos acerca da
implantação de um sistema de governo nesse universo no molde daquele que se desenvolve
com hegemonia no Ocidente e o tornam um interessante campo de investigação para a ciência
política. O estudo aqui compreende a análise de alguns aspectos da situação política do
Mundo Árabe frente ao processo de democratização, tendo o Egito e o Líbano como modelos
de estudo. Assim, inicia-se pela fundamentação teórica acerca do termo democracia,
apresentando-se as distintas considerações sobre o vocábulo, desde o surgimento do termo à
concepção atual; seguindo-se para a análise da sociedade civil, dos sistemas partidários e
sistemas eleitorais de ambos os países na tentativa de aferir o nível de democratização ali
existente e de encontrar os possíveis caminhos para ampliação dos horizontes democráticos.
Palavras-chave: Sistemas Políticos. Democracia.
ABSTRACT
The World has tried diverse democratic waves at distinct moments. Some nations
have adopted the idea of the democracy for years; others have not yet and other ones are still
in a slow process of transition. The field of studies on the Arabian political systems has
testified since the last quarter of 20th century a notorious development. This advance
disclosed in the existence of a set of trends that has turned around a number of concepts and
main theoretical frames such as the political pluralism and the democratic transition and the
civil society and its relation with the State. The speech on the process of democratic transition
consists in part in the capture and the analysis of the role of the forces and the organizations
of the civil society in this process. The peculiarities of the Arab World excite questions
concerning the establishment of one governmental system in this universe in the mold of that
one that develops with hegemony in the Occident, which has become an interesting field of
inquiries for the Political Science. This study comprises the analysis of some aspects of the
political situation in the Arab World towards the process of democratization in which Egypt
and Lebanon are models of study. Thus the theoretical basis of the term democracy is
introduced, presenting different considerations about this expression, since the sprouting of
the term until its current conception; later the civil society is analyzed as well as the systems
of the political parties and the electoral systems of both countries in attempt to identify the
level of democratization existing there and also to find the possible ways to magnify the
democratic horizons.
Key word: Political Systems. Democracy.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................. 9
2 EGITO: TERRA E POVO ............................................................................................ 13
2.1 EGITO: ECONOMIA....................................................................................................... 15
2.2 LÍBANO: TERRA E POVO............................................................................................. 19
2.3 LÍBANO: ECONOMIA ................................................................................................... 23
2.4 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS SOBRE O SIGNIFICADO E AS
FUNÇÕES DOS SISTEMAS POLÍTICOS .................................................................... 25
2.5 CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE OS SISTEMAS POLITICOS EGIPCIOS E
LIBANÊS ........................................................................................................................ 27
2.6 EGITO INSTITUIÇÕES E PODERES POLITICOS ...................................................... 29
2.7 LÍBANO INSTITUIÇÕES E PODERES POLITICOS ................................................... 33
3 CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS SOBRE DEMOCRACIA .................................... 39
3.1 ATITUDES OBSERVADAS NO MUNDO ÁRABE PERANTE A DEMOCRACIA .. 50
3.2 CONSIDERAÇÕES SOBRE A TEORIA DA DOMINAÇÃO NO ISLÃ .................... 60
3.3 CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE CULTURA POLITICA ................................... 63
3.2.1 A Cultura Política no Egito ............................................................................................ 65
3.2.2 A Cultura Política no Líbano ......................................................................................... 68
4 SOCIEDADE CIVIL ................................................................................................... 74
4.1 SOCIEDADE CIVIL NO EGITO ................................................................................. 91
4.2 SOCIEDADE CIVIL NO LÍBANO ............................................................................ 101
5 SISTEMAS PARTIDÁRIOS .................................................................................... 114
5.1 SISTEMA PARTIDÁRIO EGÍPCIO ......................................................................... 122
5.1.1 Movimentos Religiosos de Oposição ........................................................................ 127
5.1.2 Movimentos e Partidos Ideológicos de Oposição...................................................... 130
5.2 SISTEMA PARTIDÁRIO NO LÍBANO .................................................................. 139
5.2.1 Partidos Confessionais ............................................................................................... 144
5.2.2 Partidos Ideológicos ................................................................................................. 150
5.2.3 Partidos Religiosos ................................................................................................... 154
6 SISTEMAS ELEITORAIS ................................................................................... 159
6.1 SISTEMA ELEITORAL NO EGITO ..................................................................... 163
6.2 SISTEMA ELEITORAL NO LÍBANO .................................................................. 177
6.2.1 Coalizões Partidárias no Líbano .............................................................................. 188
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................................... 204
REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 207
ANEXOS ..................................................................................................................... 220
9
1 INTRODUÇÃO
Em razão do recuo do colonialismo e em cumprimento ao princípio da
autodeterminação da ONU, o Povo Árabe adquiriu independência. A partir de então, correntes
políticas passaram a se formar reivindicando legitimidade política com base na participação
nas lutas contra as intervenções estrangeiras, além da construção do socialismo, a realização
do desenvolvimento social, entre outras alegações.
A queda do Muro de Berlim e a dissolução da antiga URSS promoveram mudanças
não na Europa Oriental, como também no Mundo Árabe, porém com forças diferentes.
Enquanto para a primeira houve uma mudança de regime; para o segundo, apenas tentativas
de mudanças políticas e econômicas.
Uma observação preliminar da situação política hodierna sinaliza um
subdesenvolvimento político em todos os países árabes, o que tem suscitado questionamentos,
seja entre as elites dominantes desses países, seja entre a oposição que se forma à dominação
destas, seja entre os governados ou mesmo no âmbito acadêmico sobre quais os caminhos
possíveis para solucionar o problema da dominação, muitas vezes traduzido pela falta de
democracia.
Nesse diapasão, o presente trabalho tem por objetivo estudar os impedimentos que
existem ao processo de democratização política do Mundo Árabe através da análise de dois
sistemas políticos: o egípcio e o libanês.
É uma tentativa de traçar os limites e os desafios enfrentados por esses dois sistemas e,
conseqüentemente, quando possível, fazer comparações sobre os fatores e variáveis comuns
que contribuem para excluir o Mundo Árabe do fenômeno da democratização, que, na sua
terceira onda, atingiu várias regiões, tanto na América Latina quanto na Europa Oriental,
depois da dissolução da União Soviética no final dos anos oitenta do século XX.
Esse estudo pretende discutir a situação atual da democracia no Egito e no Líbano à
luz das transformações globais e das mudanças atuais, por meio da análise dos
acontecimentos e do comportamento político dos indivíduos, grupos e instituições, numa
tentativa de entender a natureza das relações internas de poder, a natureza das organizações
políticas e a posição dos indivíduos nesses sistemas para indicar atores, princípios ou
concepções dominantes, isto é, a relação e a interação mútua entre o sistema político, outras
organizações e o seu meio ambiente.
10
A metodologia desse estudo se assenta na observação das mudanças que atingiram os
sistemas egípcio e libanês, em razão do fenômeno da democratização, desde o começo do
século XX ou mesmo com o advento da independência nacional, sendo utilizadas algumas
variáveis características de ambos os sistemas, as quais contribuirão para a análise e avaliação
do desempenho e para o entendimento dos sistemas políticos em seus aspectos principais para
que se possa definir as semelhanças e diferenças entre as instituições e as práticas que existem
nessas duas sociedades, visando captar os fatores que mais se opõem à implantação da
democracia.
Serão utilizados freqüentemente dois termos, quais sejam, o de democracia liberal
representativa, como um tipo de dominação; o de sistema político, como sendo as relações,
normas, instituições e aparelhos voltados à tomada de decisão política.
O conceito de sistema político, como instrumento analítico, pode contribuir para o
estudo desse fenômeno de modernização política o processo de democratização - e indicar
relevantes relações interligadas.
A importância dos sistemas políticos, utilizados como instrumento nesse estudo
comparativo, reside na sua capacidade de explicar as relações ligadas à alocação e à
distribuição do poder político entre os distintos grupos sociais nas duas sociedades sujeitas a
este estudo. Nessa altura, os dois sistemas políticos serão analisados sob três aspectos, quais
sejam, a sociedade civil, o sistema partidário e o sistema eleitoral, como componentes
subjacentes.
Será avaliada a utilidade dos valores democráticos liberais como Inputs, que vêm do
ambiente societário externo, qual seja, o Ocidente, e quais influências e efeitos podem exercer
sobre os dois sistemas políticos sujeitos ao estudo por meios políticos, culturais, econômicos,
num processo de interação que começou antes mesmo do surgimento desses sistemas, uma
vez que o elemento liberal existia dentre as idéias que compunham os pensamentos árabes
político e econômico. Hourani (2005) assinala que o pensamento político árabe islâmico
apresentava traços ocidentais desde a época dos conflitos que marcaram as relações entre os
grupos sobre a teoria da dominação depois do falecimento do Profeta Maomé. Para encontrar
uma saída para esse dilema, os pensadores, especialmente os xiitas, se inspiraram nas idéias
do pensamento grego antigo. Com o crescimento do poder europeu na época moderna, a partir
da terceira década do século XIX e com o advento da era das conquistas, houve uma difusão
das idéias ocidentais e um processo de implantação de instituições políticas numa tentativa de
influenciar o sistema de valores e crenças predominantes. A influência foi feita através de
11
vários meios: a imposição direta de modos de educação nos países árabes por parte de várias
potências ocidentais, especialmente a França e a Inglaterra, a troca cultural e as políticas de
intercâmbio tiveram também um papel relevante. Além disso, havia influência espontânea da
cultura ocidental sobre algumas personalidades árabes muçulmanas e não muçulmanas que
divulgaram as idéias do liberalismo e da democracia depois da sua convivência com as
sociedades ocidentais. A ideologia democrática liberal, que nasceu na Europa, se tornou uma
arma decisiva contra a colonização e formou as bases das reivindicações pela liberdade e pela
independência do povo árabe. O surgimento do próprio nacionalismo árabe foi uma
conseqüência da interação entre o pensamento árabe e o ocidental em circunstâncias marcadas
por tensões, conflitos e desafios entre as duas culturas.
uma preocupação que giza acerca de questões como a modernização social, a
democracia e a influência de outras culturas, particularmente a do Ocidente, sobre a sociedade
árabe. A Globalização é um assunto relativamente novo e um tanto quanto impreciso, quiçá
por que admita vários significados e conotações. No contexto do presente trabalho, importa a
influência da globalização na política, fenômeno que pressupõe a implicação do modelo
democrático ocidental, notadamente o norte-americano, ainda que pela força bélica.
É propósito desse trabalho examinar as condições atuais que favorecem ou não a
aplicação de um modelo democrático que garanta um nível razoável de participação política e
que exprima as liberdades civis e direitos tradicionais conhecidos nas sociedades
democráticas.
É atribuição precípua desse estudo apontar condições favoráveis à conquista do poder
político através da competição pacífica entre as lideranças que representam interesses de
grupos sociais distintos.
A escolha do Egito e do Líbano como modelos do presente estudo se deve ao fato de
essas duas sociedades terem constituído o núcleo do surgimento do pensamento árabe
moderno associado à emergência dos movimentos nacionalistas que resistiram à presença
estrangeira no Mundo Árabe, terem desempenhado um papel decisivo na construção da
identidade do nacionalismo árabe e no seu desenvolvimento e na edificação da democracia.
Outrossim, também pelo fato de a posição geográfica desses dois países ter possibilitado uma
conexão histórica com várias regiões do mundo, em várias épocas, especialmente a Europa,
berço da civilização democrática. A opção também recaiu sobre o Egito e o Líbano por terem
as duas sociedades sofrido de forma mais nítida a influência do capitalismo e do liberalismo e
12
por ali terem sido criadas as primeiras constituições, instituídas as primeiras organizações da
sociedade civil, os primeiros partidos políticos e as primeiras universidades do Mundo Árabe.
Diante dos objetivos suso descritos, resta necessário apresentar a estrutura dessa
pesquisa que será feita em cinco capítulos, todos relativos aos Estados egípcio e libanês, a
saber: o primeiro tratará dos dados gerais, dos marcos históricos, das estruturas
socioeconômicas e das instituições e poderes políticos; o segundo versará sobre a
fundamentação teórica da democracia; o terceiro analisará a sociedade civil; o quarto
descreverá os sistemas partidários e o quinto abordaos sistemas eleitorais. Posteriormente
será apresentada uma breve conclusão.
Concluído este estudo, o qual se propõe a analisar os sistemas políticos egípcio e
libanês à luz das mudanças que vêm sendo experimentadas por ambas sociedades no
momento em que se denomina “Época da Modernização”, a qual se iniciou com o fim da
Segunda Guerra Mundial, atravessou o período de independência política e chegou até o
momento atual, espera-se ter subsídios para responder aos seguintes questionamentos:
Quais tendências se observam hoje nessas duas sociedades para se implantar um
sistema político democrático e quais conflitos e contradições são observados pela
substituição do regime democrático?
Serão os dois sistemas políticos capazes de enfrentar essa nova onda civilizadora?
Qual o nível de adaptação desses sistemas a esse modelo democrático pretensamente
universal?
Tendo em vista a influência da idéia da dominação pelo Islamismo, principalmente no
Egito, como o modelo democrático liberal representativo pode ser implementado
proporcionando satisfação política a uma porcentagem considerável do povo árabe?
Até que ponto pode se desenvolver um modelo plausível de dominação diante das
circunstâncias e desafios externos e internos nos países estudados? Qual seria a
fórmula de conciliação resultante da disputa dialética entre diferentes idéias e
interesses que participam da reforma dos sistemas políticos?
É de bom tom esclarecer que com este trabalho não pretensão de se esgotar o
assunto proposto, mas apenas ajudar a preencher uma lacuna na literatura doméstica sobre o
tema tratado, tornando-se ponto de partida para futuros trabalhos congêneres.
13
2 EGITO: TERRA E POVO
O território egípcio compreende uma área de 1.002.000 quilômetros quadrados, sendo
constituído por uma larga faixa de superfície desértica, caracterizando-se uma península dessa
natureza – a Península Desértica do Sinai na parte nordeste de seu território, região que liga
o Egito à parte ocidental do Mundo Árabe do Continente Asiático.
A posição geopolítica do Egito confere-lhe importante papel estratégico, pois, de um
lado, promove a ligação da África com o Oriente Médio e, de outro, confere-lhe domínio
sobre o acesso para o transporte internacional, através do Canal de Suez, entre os continentes.
Conforme a Coleção Estatística para os Paises Árabes de 2002, a população do Egito,
aproximadamente 70.000.000 de habitantes, é a maior do Mundo Árabe, havendo prevalência
do sexo masculino sobre o sexo feminino. Cerca de 98% da população convive ao lado do
Nilo e na região do Delta, sendo esta última considerada a parte mais fértil do país.
Badreeddin (1986) afirma que, majoritariamente, a sociedade egípcia é composta pelos
árabes. Existem, todavia, diversas raças indígenas minoritárias, como os Bárbaros, as Tribos
da Baxaria, os Núbios, coexistindo, também, uma minoria estrangeira na qual se identificam
principalmente gregos, armênios e italianos que migraram para o Egito durante o século XIX.
A língua árabe é o idioma falado por 98% da população, porém outros dialetos são
praticados pelas minorias.
A homogeneidade religiosa constitui-se fator principal na integração nacional e na
estabilidade política da sociedade egípcia. Aproximadamente 90% da população são
muçulmanos sunitas e xiitas, sendo cristãos-cópticos menos de 10%. Muçulmanos e cristãos
convivem harmoniosamente, limitando-se as suas diferenças às crenças religiosas, não se
estendendo, pois, à seara política, o que não causa ameaça à integridade nacional.
dificuldade em classificar detalhadamente a sociedade egípcia em classes sociais,
uma vez que os critérios ocidentais não são suficientes para explicar a gênese e a evolução
dessas classes e por que a mobilidade de seus membros é marcante, em razão dos fatores
econômicos e políticos os quais contribuem para as mudanças classistas e para o surgimento
de novas formas. Assim, falar-se sobre classes específicas cristalizadas, as quais se
caracterizam pela similaridade de valores e comportamento, torna-se uma tarefa custosa.
Contudo Abdullah (2001) verifica uma tendência de agrupamento dos membros dessa
sociedade em algumas classes, a saber:
14
Classe Alta: composta pelos proprietários dos meios de produção da cidade e do
campo, ou seja, os homens de negócios, os quais empregam uma parte da força de
trabalho. A dimensão desta classe é conferida por aqueles que possuem os meios de
produção e não pelo tamanho da riqueza que possuem. Essa classe se diferencia pela
especificidade de seus interesses e pela consonância político-ideológica com as
diretrizes do sistema político. Está ligada à elite dominante, posto haver uma relação
interativa entre a riqueza e o poder político, assim como mantém relações com o
exterior, notadamente com os Estados Unidos, o que preserva seu poderio político e
econômico. Seus interesses são representados através da participação nos Comitês
Estatais Legislativos Comuns, o que lhe confere poder no processo político e na
tomada de decisões.
Classe Média: composta basicamente por funcionários públicos, pela pequena
burguesia, por advogados, engenheiros, médicos e professores. Esta classe é
caracterizada pela dominância da mentalidade burocrática, pelo individualismo, pela
passividade política e pela fragilidade de suas organizações, os quais refletem a inércia
de sua participação política na sociedade egípcia e a passividade perante o processo da
mudança democrática. Alguns de seus integrantes que apresentam posicionamento
político pertencem à corrente islâmica e suas atitudes são consideradas anti-estado.
Classe Trabalhadora: composta por trabalhadores assalariados e por seus familiares.
Algumas características dos membros dessa classe são refletidas em seu
comportamento político, em sua atitude perante a mudança democrática e na própria
consciência da classe, como o fato de pertencer às origens camponesas, que, apesar de
ter vivenciado migrações sucessivas, manteveram traços camponeses como o elevado
índice de analfabetismo e pobreza. Essa característica, deveras importante, influencia
sobremaneira a consciência política da classe, o que pode ser traduzida pela
dificuldade de organização sindical e pela dificuldade de inclusão em organizações
homogêneas.
Lúmpen Proletariado: classe que habita as favelas e periferias e vive à margem do
trabalho formal. Tem por base a ausência de organização e é considerada um público
de fácil exploração ou recrutamento por parte dos movimentos sociais ou políticos. A
ausência de consciência e de afiliação classista a tornam difícil de ser incluída em
organizações políticas ou sindicais.
15
Annajar (1996) assinala que, com o advento da década de 70, houve notável migração
da população economicamente ativa do Egito para o exterior, bem como foi dado início ao
programa de reforma econômica do governo. Naquela época, as condições econômicas
fomentaram uma erosão nas situações socioeconômicas de muitos cidadãos, notadamente, na
classe média. A ausência do Estado, quanto ao cumprimento de suas obrigações sociais,
especialmente nas áreas de emprego e subsídio, agravaram a situação que culminou com a
denominada crise da classe média egípcia.
Hamada (2002) apresenta alguns dados que colaboraram para o diagnóstico dessa
crise, como o aumento da taxa de desemprego que variou de 2,2% em 1960 para 15% em
1990, a redução do valor dos salários com conseqüente agregação de desprestígio social, a
influência da inflação sobre a redução da renda per capita e a crise da habitação, marcada
pelas difíceis relações entre proprietários e inquilinos.
Zaki (1996) assinala que, à época das políticas distributivas de Nasser, no final dos
anos 50, os egípcios possuíam rendas elevadas, as quais foram involuindo com as políticas de
abertura econômica e com o recuo do Estado nas áreas da assistência social que culminou
com os programas de privatização e acomodação econômicas.
A classe média experimentou um incremento de tamanho dentro da sociedade egípcia,
quando comparada com as outras classes sociais. Issa (1997) afirma que o fomento do
desenvolvimento dessa classe iniciou-se por volta de 1950, através de investimentos no setor
da educação, posto ter sido a gratuidade do ensino público um dos mecanismos da
movimentação social.
Contudo, com a introdução da abertura política e do programa de reforma econômica,
os gastos com o setor de educação foram reduzidos, quando, a partir de então, o país começou
a experimentar o fenômeno da educação superior compatibilizado com as políticas da
acomodação estrutural que visava a uma redução do papel social do Estado. Com a
diminuição dos investimentos públicos na educação, o ritmo de crescimento da classe média
passou a sofrer mudanças e a curva de evolução passou a uma direção oposta.
2.1 EGITO: ECONOMIA
A economia egípcia apresenta um marco importante: a Revolução de 1952. Antes
16
desse acontecimento, o Egito experimentou diversas fases de subdesenvolvimento em razão
da dependência da colonização estrangeira capitalista, notadamente a inglesa.
Saleh (1988) sustenta que a dependência estrangeira surgiu com a Revolução
Industrial, no começo do século XIX, uma vez que o Egito se especializou em produzir
matéria-prima para os monopólios capitalistas e comprar produtos industrializados do
colonizador. Em razão dessa situação, durante muito tempo, o Egito não conseguiu
estabelecer políticas monetárias e fiscais próprias, a ponto de os bancos egípcios chegarem até
a ter personalidade jurídica, mas lhes faltar a capacidade de fato, ou seja, funcionavam a favor
dos estrangeiros ou, no máximo, dos aristocratas e senhores feudais egípcios.
Esse período de subdesenvolvimento até a Revolução de 1952 foi marcado por alguns
traços, quais sejam, um aumento da população sem que houvesse um compatível incremento
da renda nacional, a diminuição da renda per capita, o desemprego, a supremacia do setor
agrícola sobre o industrial, a ponto de, em 1937, consoante Hamada (2002), o setor agrícola
atingir 48% do PIB em relação a 8% do setor industrial.
Os investimentos estrangeiros da época não propiciaram o desenvolvimento de uma
estrutura econômica voltada para o Egito, pois eram aplicados unicamente no processo de
especialização da matéria-prima.
Hammad (1994) descreve que a Revolução de 1952 surgiu como conseqüência da
corrupção do sistema político egípcio e contra uma ordem econômica baseada na exploração
por parte dos grandes proprietários de terra: os especuladores egípcios e estrangeiros.
A Revolução tentou realizar uma mudança radical na estrutura social do país através
de um processo de redistribuição da terra, o recurso mais importante da riqueza e do
privilégio, e de reorganização da relação entre proprietários e trabalhadores agrícolas.
Na época da revolução, dominava a crença de que o capital privado era incapaz de
impulsionar o processo de desenvolvimento, momento em que cresceram os monopólios
capitalistas. Assim, a alternativa seria uma transformação socialista da economia, tendo como
primeiro passo a demarcação de um nível máximo de propriedade de terra. Um amplo
movimento de nacionalização atingiu os principais projetos econômicos a partir de 1961
numa tentativa de combater o monopólio, a exploração dos notáveis proprietários de terras e o
domínio do capital estrangeiro. Os projetos privados foram drasticamente delimitados. O
objetivo era instituir um setor público capaz de conduzir o país na direção do
desenvolvimento socioeconômico como pré-requisito para a transformação socialista, o que
17
foi confirmado quando o Presidente Jamal Abdu-Nasser assinou o Acordo Nacional. Dessa
direção resultou um estreitamento com os países de esquerda como a URSS e a China.
Com o intuito de promover o desenvolvimento da economia nacional, o Estado
fomentou o desenvolvimento do setor industrial para diminuir a taxa de desemprego, para
atingir a auto-suficiência e para promover a substituição de importações.
O Acordo Nacional enfatizava o papel das forças populares trabalhistas, consideradas
como legítimas representantes do povo e substitutas da aliança entre os proprietários de terras
e o capital estrangeiro. Essa proposta de mudança originou um conflito entre as forças
substitutivas e as forças substituídas, o que resultou na criação da União Socialista Árabe,
como organização política única, através da qual interagiriam democraticamente as forças
trabalhistas populares com o fito de desarmar as forças antecessoras, ou seja, o poder e a
riqueza.
Hamada (2002) esclarece que o objetivo era conduzir a economia egípcia na direção
de um desenvolvimento que satisfizesse os interesses das camadas mais pobres da população.
Acreditava-se que, se o Estado detivesse a posse dos meios de produção e realizasse uma
intervenção na economia, haveria um aumento na produção e consequentemente uma
distribuição igualitária da mesma, atingindo-se assim os princípios da revolução: a auto-
suficiência e a igualdade.
A resistência das forças de direita, conservadoras quanto às transformações sociais, as
guerras que o país sofreu de 1956 a 1973 e a influência de fatores regionais e internacionais
concorreram para que o estado não atingisse, satisfatoriamente, os objetivos idealizados com a
Revolução. Assim o país iniciou uma política de abertura da economia.
Abdullah (2001) explica que a política de abertura, que começou em meados dos anos
70, visava ao fomento de condições seguras e estáveis para o setor privado e para os
investimentos estrangeiros, uma vez que seria propiciada a regulamentação da economia
nacional. Isso permitiria o surgimento de uma nova potência produtiva, diversificada e
harmonizada com o desenvolvimento social, sendo empregada para tanto uma tecnologia
avançada num país onde a mão de obra era relativamente barata.
Esta política de abertura se revelou nitidamente após a guerra de 1973: o Estado
Egípcio se absteria cada vez mais de intervir na economia, isto é, a estrutura econômica seria
reformada através da participação dos capitais privado e estrangeiro.
No início da década de 70, ocorre a ascensão do Presidente Anwar Sadat e, com ele,
foram implementadas mudanças que ratificaram a nova filosofia econômica como a abertura
18
ao capital estrangeiro em substituição à iniciativa pública, a proteção às liberdades e aos
direitos econômicos dos indivíduos e a proteção à propriedade privada.
À luz das mudanças iniciadas por Sadat, foram promulgadas algumas leis importantes
para assegurar a aplicação dos princípios da abertura econômica, como a que regulamentava o
investimento do capital árabe e as zonas de livre comércio na busca de facilitar a passagem
das exportações egípcias aos mercados europeus.
Em 1981, o Presidente Muhammad Husni Mubarak assume o poder e continuidade
à política econômica liberal idealizada por seu antecessor por meio da abertura.
Concomitantemente à prática de execução da nova política econômica, foram observadas a
decadência e fragilidade dos setores da saúde, educação e transporte, além de um acréscimo
da população.
Zahran (1987) afirma que a década de 80 foi marcada pelo grande endividamento
externo do país. O serviço da dívida esgotava a maior parte dos recursos financeiros do Egito,
o que levou o país a adentrar num círculo vicioso de necessidade de financiamento externo
sob condições de alta exploração.
A crise da dívida não era única. O déficit na balança comercial, a estagnação profunda
e a inflação constituíam-se em empecilhos para os investimentos.
No afã de tratar esses problemas e de obter novos empréstimos, o Egito foi compelido
a negociar com o Fundo Monetário Internacional (FMI), tendo este exigido mudanças radicais
na política econômica, as quais foram denominadas de reforma econômica.
As controvérsias entre os dois lados giravam em torno de quatro questões principais: a
privatização da economia, a taxa de câmbio, os juros e o comércio externo. Todos esses
pontos, que se constituiriam na reforma econômica, representavam os interesses dos membros
dos Clubes de Paris e de Londres. Observou-se, todavia, que, inobstante tenha desempenhado
mudanças no que tange à reforma da economia, o Estado egípcio quedou-se inerte quanto à
privatização do setor público.
O programa da reforma visava à estabilidade da economia para adquirir a credibilidade
das instituições financeiras internacionais.
Os resultados negativos advindos com a reforma econômica se manifestaram em razão
da lentidão dos retornos dos investimentos privados, ao contrário do que era previsto. As
políticas financeiras e monetárias, durante a etapa de estabilização da economia, resultaram
em uma situação econômica com caráter deflacionário, tendo como conseqüências para a
19
sociedade egípcia um aumento da taxa de desemprego e uma diminuição da renda per capita
que se traduziram num maior distanciamento entre os pobres e os ricos.
Somando-se aos resultados desfavoráveis supra citados, Hilal (2000) verificou que
foram acrescidos outros problemas, como as rigorosas políticas européias de migração, que
impediram o fluxo de trabalhadores do Estado Árabe ao Velho Continente, e a Guerra do
Golfo que também concorreu para repatriar milhares de egípcios que laboravam na indústria
petroleira. Tudo isso ensejou tensões sociais e políticas inevitáveis.
A proposta do FMI não levou em consideração que o problema do país não residia na
irregularidade dos balanços econômicos monetários, mas na natureza da estrutura da
economia interna e nas relações econômicas externas, as quais geravam inconsonância entre
os recursos disponíveis e as necessidades da maioria da população.
2.2 LÍBANO: TERRA E POVO
O Estado do Líbano compreende um território de 10.400 quilômetros quadrados,
limitando-se a oeste pelo Mar Mediterrâneo, ao leste e ao norte pela Síria e ao sul por Israel.
Possui quatro regiões topograficamente distintas: a Planície Litorânea, onde se localizam as
principais cidades libanesas, como Beirute e Trípoli; a Corrente das Montanhas Ocidentais; a
Corrente das Montanhas Orientais e a Planície de Al-biquaa.
Corom (2004) estimou que a população libanesa atual gira em torno de 4.000.000 de
habitantes e registrou uma redução de 170.000 pessoas por ocasião da guerra civil ocorrida
entre 1975 e 1990. A população urbana é maioria e corresponde a 76% do total da população.
Mais de duzentos e trinta mil palestinos refugiados de guerras compartilham a região sul do
país. Condições peculiares determinam a distribuição e o incremento populacionais. As
migrações têm sido constantes na região em razão das guerras civis e contra o Estado de
Israel.
Attahiri (1980) relata que um censo estimativo, realizado em 1932, apontou que a
população libanesa, apesar de ser pouco numerosa, está muito fragmentada sob o aspecto
religioso. Existem, na sociedade libanesa, duas seitas principais a cristã e a muçulmana. As
seitas sofrem várias fragmentações de forma a agrupar a população em dezoito confissões
religiosas, sendo as mais importantes a sunita, a xiita, a drusa, a maronita, a católica e a
20
ortodoxa. Essa subdivisão religiosa apresentada a seguir, segundo Tarhini (1981), gerou uma
hierarquia de base confessional no Líbano, fato que influencia sobremaneira o sistema
político desse país.
Seita Cristã: seus seguidores estão dispersos por todo o estado libanês. Suas principais
confissões são: a maronita, a ortodoxa romana e a católica romana.
Maronita: está é a confissão mais numerosa da seita cristã e seus membros possuem
elevado nível cultural, em razão desses fatores ocupam os cargos políticos mais importantes
da sociedade libanesa, como o de Presidente da República, um número considerável de
ministérios e trinta e quatro cadeiras do parlamento. Seus membros têm consciência do papel
que exerceram na criação do estado libanês e que exercem, até a presente data, na economia e
na própria manutenção do Estado.
Ortodoxa Romana: é uma seita menos numerosa e menos influente que a maronita.
Seus adeptos participam da vida política ocupando quatorze cadeiras na Assembléia de
Representantes e alguns postos ministeriais.
Católica Romana: esta seita tem em comum com a ortodoxa a unidade racial, haja
vista que a igreja católica pertencia à igreja ortodoxa até o século XVIII. Seus seguidores o
aliados dos maronitas e, apesar de estarem em menor número, têm uma posição econômica
mais importante que estes. Participam da vida política ocupando seis cadeiras no parlamento e
um posto ministerial.
Seita Islâmica: sua composição decorreu da conversão de alguns cristãos ao islamismo
e da migração de muçulmanos oriundos de outros países. Suas principais confissões
são:
Sunita: esta é a confissão mais numerosa da seita islâmica. Concentra-se,
notadamente, no norte e no centro do país, especialmente em Beirute e Trípoli. O nível
cultural de seus membros é superior ao dos demais da seita islâmica. Politicamente,
participam ocupando vinte e sete cadeiras no parlamento, ocupando o cargo de Primeiro-
Ministro e alguns postos ministeriais.
Xiita: essa confissão era muito numerosa quando o dogma xiita era considerado a
religião oficial do estado libanês. Em conseqüência da migração de outras seitas para o país,
atualmente é a segunda mais numerosa. Habita basicamente o sul do Líbano. As divergências
entre seus membros e os sunitas limitam-se ao campo da religião. Ocupam vinte e sete
cadeiras e a Presidência do Parlamento e participam do governo ocupando dois postos
ministeriais.
21
Drusa: representa uma facção dissidente dos xiitas. Seus seguidores ocupam oito
cadeiras no parlamento e dois postos ministeriais.
Shururu (1985) explica que, em meio às seitas religiosas, formaram-se as correntes
políticas pautadas na crença no arabismo ou nas tradições ocidentais, ou mesmo as que tentam
conciliar as duas concepções. Desta feita, a formação dos partidos e das instituições políticas
está, na maioria dos casos, relacionada com a religião.
As relações de produção e, consequentemente, as políticas e o desenvolvimento
econômico, contribuem, em qualquer país, para a determinação das trajetórias da
movimentação social e definem os graus das diferenças entre as classes sociais. Por outro
lado, o Estado de bem-estar se fundamenta em um conjunto de princípios que contribuem
para a garantia de um equilíbrio relativo entre as classes através de um conjunto de políticas
de providência e de subsídios que conduzem a uma redistribuição da riqueza nacional a fim de
estabelecer um equilíbrio social mínimo.
A realização deste equilíbrio requer uma margem de liberdade política que permite a
classe trabalhadora e outras camadas sociais de renda limitada impor as suas reivindicações.
No Líbano, os governos sucessivos seguiram políticas econômicas unilaterais que
marginalizaram o campo e executaram um desenvolvimento setorial e regional
desequilibrado. Isso contribuiu, muitas vezes, para a desestabilidade sociopolítica.
Nos anos 40 e 50 foi freqüentemente repetida, na imprensa, pela oposição, a expressão
“consórcio de famílias comerciais, industriais e financeiras” que apoiou Bishara Al-khuri a
ascender ao poder e financiou o seu Partido Constitucional e, conseqüentemente, ganhou a
parte do leão das concessões e imunidades econômicas e outros benefícios. Naquela época, a
oposição acusou o Presidente Al-khuri e tais famílias de corrupção e de enriquecimento ilegal.
Nos anos 60, passou-se a falar em uma instituição dominante que consistia em cinqüenta
famílias notáveis representadas por deres religiosos, líderes políticos, proprietários de terra,
homens de negócios e advogados, tendo, nos anos 70, esse número atingido a conta de cem
famílias politicamente dominantes, assim uma característica peculiar, no Líbano, que é a
herança do poder através das instituições políticas, especialmente do Parlamento.
Nos últimos anos, na tentativa de definir as categorias sociais mais presentes na
influência política, uma classificação foi feita com base nas profissões dos parlamentares. Os
cidadãos mais influentes são os profissionais e os homens de negócios, ou seja, as classes
média e alta, contrariamente ao passado em que os advogados ocupavam tais cargos. uma
ligação entre os interesses socioeconômicos e o poder político,
22
Houve uma categoria que cresceu durante o mandato francês. Na época da
independência do país, havia trinta famílias da burguesia financeiro-industrial e o seu núcleo
consistia em seis famílias que foram denominadas de “consórcio”. Aquela categoria da alta
burguesia alta tinha três características:
Na primeira, com a predominância da estrutura familiar sobre as instituições e com o
estabelecimento de relações de casamento entre essas famílias, impedindo a celebração de
vínculos entre famílias distintas, ou seja, as relações de afinidade fortaleciam os laços da
parceria nos negócios e evitavam o desperdício das riquezas das famílias. Estas famílias eram
ativas no setor de serviços, finanças e indústria e tinham fortes relações com o capital
estrangeiro. A segunda característica estava ligada ao cunho monopolista da economia
libanesa cujos setores eram dominados pela burguesia. A terceira refere-se ao papel essencial
desempenhado pelo poder político como uma fonte daquelas concessões de monopólio.
Essas poucas famílias controlavam os grandes bancos, o turismo, as empresas de
transporte aéreo e terrestre, todas as empresas de seguros, as atividades de exportação e
importação e as representações das companhias estrangeiras, a construção civil e dominavam,
assim, os topos da economia.
Aquelas famílias tinham algumas fontes principais de riqueza, quais sejam, os lucros
acumulados da herança e do comércio internacional, a comercialização da seda, em especial,
os lucros obtidos durante a II Guerra através dos serviços oferecidos às forças armadas dos
aliados e o dinheiro oriundo da migração, uma vez que um número destas famílias trouxe
riquezas do estrangeiro como a América Latina, o México, a África e dos países produtores de
petróleo como o Iraque e a Arábia Saudita.
A alta burguesia defende uma ordem econômica do mercado livre através do qual tem
sido beneficiada, por isso ela se opõe a legislações e a políticas de impostos e de tarifas
alfandegárias e também a políticas subsidiárias. Esta classe contenta-se com um tipo de
Estado mínimo. A burguesia libanesa realiza os seus interesses através da sua relação direta
com o Executivo, especialmente o Presidente da República que goza de amplas concessões
executivas e legislativas. Esta classe participa diretamente das instituições do Estado ou
através da utilização e da aliança com agentes políticos que representam os seus interesses.
Estes agentes pertencem a duas posições sociais: a categoria dos notáveis regionais
proprietários de terra e os advogados de origens camponesas de famílias de notáveis.
De modo geral, Eskandar (2000) divide a população libanesa em três classes sociais: a
classe alta que, apesar de ser pouco numerosa, tem notável influência na economia e na
23
política do país, assim como excelente nível de educação e seus membros ocupam relevantes
cargos políticos; a classe média representada por intelectuais, funcionários públicos, pequenos
agricultores e comerciantes, professores e técnicos e a classe baixa na qual se enquadram
aqueles trabalhadores que vendem sua força de trabalho, não sendo, pois, possuidores dos
meios de produção, esta classe vive em precárias condições de vida e tem baixo nível de
educação.
2.3 LÍBANO: ECONOMIA
Os libaneses conheceram o comércio muito cedo. A gênese da classe burguesa
comercial remonta ao final do século XVIII, quando os libaneses assumiram a
comercialização da seda perante os mercados franceses.
O comércio e o setor de serviços libaneses floresceram mediados por bancos
estrangeiros, contudo o papel dos bancos não se limitou a essas atividades, haja vista ter
contribuído para a formação do setor industrial. Entretanto o investimento no setor industrial
não foi suficiente para modificar o perfil da economia libanesa. O capital francês assumiu a
execução de vários projetos de infra-estrutura e os tornou parte de sua política na região. Esta
inércia encontra suas razões na falta de amadurecimento das circunstâncias que levariam a um
tipo de economia industrializada. De fato, o interesse, por parte do povo libanês pelo
comércio e serviços tem se constituído, até hoje, o fator principal da subestimação do setor
industrial. As relações de produção, que são marcadas por um processo lento de acumulação
do capital e pelo insuficiente preparo dos recursos humanos, representam uma das
dificuldades que esta economia tem enfrentado.
Desde a independência do país, em 1943, até trinta anos depois, o Líbano viveu uma
época de relativa estabilidade econômica.
Dimashquia (2002) afirma que, até 1951, a economia libanesa era marcada pelo
liberalismo, pela economia de mercado. No começo da década de 50, o país estabeleceu os
fundamentos de um programa de desenvolvimento econômico e designou as instituições
públicas para executá-los.
24
Em 1955, foi criado o Ministério do Planejamento Público, tendo-lhe sido concedidas
as competências para a preparação de planos e projetos do desenvolvimento e para a
ordenação dos necessários subsídios técnicos e econômicos.
Em virtude de agravamento na situação política, no ano de 1956, as ações do
Ministério do Planejamento não puderam ser executadas. Assim, em 1959, foi celebrado
contrato com uma empresa francesa a fim de que fossem empreendidos projetos de
desenvolvimento a médio prazo nas regiões mais subdesenvolvidas e que eram habitadas
pelas camadas mais pobres da sociedade libanesa. Desta feita, o Estado conseguiu estender o
seu papel sem se tornar concorrente do setor privado. Entretanto, praticamente, não foi
concluído nenhum dos projetos idealizados.
No começo dos anos 70, o governo lançou o plano sexênio de infra-estrutura, porém a
instabilidade e a insegurança decorrentes de conflitos políticos impediram a sua execução.
A economia libanesa permaneceu marcada pela abertura ao exterior, pela concentração
na área de comércio e serviços e pela má distribuição de renda.
Annajar (1991) esclarece que, de 1975 a 1990, o país mergulhou em uma guerra civil,
tendo como resultado desse conflito a decadência socioeconômica do Estado. Os primeiros
sete anos do período da guerra civil foram marcados pelas operações bélicas e pelas
demarcações das várias regiões e províncias. O resultado foi uma enorme queda no nível da
produção, uma severa diminuição do PIB, uma alta taxa de inflação, um grande
endividamento externo, a saída das empresas estrangeiras que atuavam no país, a migração de
parte dos capitais estrangeiro e nacional para o exterior e o deslocamento da população
formando zonas confessionais puras.
A estabilidade voltou ao país quando as partes conflitantes assinaram o Acordo
Nacional em At-taiif na Arábia Saudita, em 1989, o que permitiu ao governo recuperar
gradualmente o seu poder.
O Acordo de At-taiif estabelecia bases para o desenvolvimento político e econômico
do Líbano. A economia deveria se pautar numa ordem econômica de mercado em que fossem
garantidas a iniciativa e a propriedade privada e a política seria baseada num sistema
democrático que preservaria a representação com base no confessionalismo.
A estabilidade econômica propugnada com o final da guerra civil se assentava na
estabilidade social a qual seria proporcionada pela recuperação do exército libanês como força
controladora das distintas milícias beligerantes e pela ação estatal de recuperação do seu
território.
25
Em 2000, um plano econômico veio corroborar os rumos dados à economia através do
Acordo de At-taiif. O denominado Plano 2000 estabelecia que o estado fomentasse condições
para que o setor privado assumisse relevante papel no processo de desenvolvimento do
Líbano.
Os quinze anos de guerra civil conferiram ao bano uma vasta destruição de seus
sistemas político, econômico e social. Não fossem poucos esses resultados, em julho de 2006,
o país se viu em meio aos ataques israelenses, o que lhe frustrou os esforços de reconstrução
iniciados em 1990.
2.4 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS SOBRE O SIGNIFICADO E AS
FUNÇÕES DOS SISTEMAS POLÍTICOS
Badawi (1975) define sistema político como um conjunto de regras e aparelhos
entrelaçados e organizados que governam um grupo em um tempo e espaço específicos e
cujas funções são de resolver um complexo de questões e problemas relacionados à tomada de
decisões voltadas para a sociedade. Enfatiza que o sistema político é caracterizado por
desempenhar função específica relacionada com a tomada de decisão política que, por sua
vez, é uma decisão coletiva voltada para um grupo social organizado num certo espaço
geográfico.
Dankwart (1971) define o sistema político como um mecanismo de classificação e de
incorporação das distintas questões públicas, da tomada e da aplicação das decisões
relacionadas a tais questões, as quais diferem de uma sociedade para outra.
Dahl (1965) define o sistema político como um padrão contínuo das relações sociais
que consiste em elementos de força, dominação e poder. Sendo assim, os clubes, sindicatos,
tribos ou até as famílias têm características políticas.
Dahl (1971) assinala que o sistema político se desenvolve dentro de um meio
ambiente interno, sendo este composto por vários outros sistemas de diferentes ordens, como
a econômica, a política, a cultura, cada qual com funções específicas, formando um sistema
mais amplo. O meio ambiente externo consiste, por sua vez, em todos os sistemas da
sociedade internacional com os quais convive e se desenvolve o sistema interno.
26
Easton (1967) define o sistema político como um sistema secundário derivado do
macro sistema que é o social e que aquele representa um conjunto de variáveis relacionadas
com dominação, organizações políticas, grupos e comportamentos políticos. Sustenta que os
limites do sistema político podem ser definidos através das ações relacionadas direta ou
indiretamente com o processo da tomada de decisões compulsórias voltadas para a sociedade.
Quanto às características dos sistemas políticos, Almond (1966) descreve-as da
seguinte maneira:
Internacionalidade da estrutura política: todos os sistemas políticos apresentam as
mesmas estruturas, diferindo entre eles apenas o papel exercido por tais estruturas.
Internacionalidade das funções políticas: as funções políticas são as mesmas para
todos os sistemas, podendo haver diferença no executor da função.
Multiplicidade das funções das estruturas políticas: todas as estruturas políticas
desempenham mais de uma função.
Dualismo cultural do sistema político: não existem estruturas em um sistema político
que sejam absolutamente novas ou tradicionais, assim cada sistema apresenta traços
do tradicionalismo e da modernidade, a exemplo do sistema político britânico em que,
na Câmara Alta ou Casa dos Lordes, a ocupação das cadeiras é determinada por uma
tradição antiga e não conforme as regras da seleção democrática, enquanto que, na
Câmara Baixa, os membros são escolhidos pelo voto popular.
As funções do sistema político podem ser classificadas em dois grupos: funções de
input e funções de output.
São funções de input: a socialização política e o recrutamento, a articulação de
interesses, a agregação de interesses e a comunicação política.
São funções de output: a elaboração e a aplicação das leis e a adjudicação.
Prática comum é a confusão na literatura entre os significados de sistema político e
governo. O vocábulo governo foi conceituado por Saleh (1988) como a instituição
formalmente organizada cuja função é responder às pressões ocorridas no sistema social
decorrentes do conflito de interesses entre os indivíduos e entre os grupos distintos. Essa
instituição consiste em um grupo de pessoas, um regime e uma estrutura específica que
desempenham a função de dominação através da prática do poder.
Easton (1967), define governo como uma estrutura organizada que possui poderes,
através dos quais direciona esforços para realizar práticas em favor da sociedade.
27
O termo governo, então, se refere a um grupo de pessoas que exerce um poder político
institucionalizado, visando determinar a orientação política de uma determinada sociedade.
Bobbio (2000) assinala que a idéia do governo nas sociedades modernas sempre foi associada
à do Estado, pois os governantes utilizam os órgãos do Estado para organizar as políticas da
sociedade através da sujeição dos governados. Resta claro que o sistema político tem um
significado mais amplo e mais complexo que o do governo mas os dois, assim como o Estado,
convergem na utilização legítima da força concreta e pela ameaça da sua utilização a fim de
orientar as políticas ligadas à coletividade, agregar, articular as demandas relativas aos seus
interesses que são, de modo geral, conflitantes e contraditórios.
Desse modo, o governo representa a concretização das relações que interagem no
sistema político dentro da esfera do Estado como uma instituição legalmente construída.
Os três termos, Estado, sistema político e governo estão estreitamente ligados ao
aspecto da dominação que não pode ser imaginado sem que os três estejam em mente.
Enquanto o termo Estado representa a esfera onde ocorre concretamente tal dominação, o
sistema político revela como aquilo ocorre e o governo explica com que instrumento e modos
tal dominação está sendo realizada.
2.5 CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE OS SISTEMAS POLÍTICOS EGÍPCIO E
LIBANÊS
Os sistemas políticos árabes contemporâneos apresentam fundamentos semelhantes,
permitindo-se, assim, falar em sistema político árabe regional.
Shuaib (2005) concorda que os sistemas políticos egípcio e libanês, apesar de
guardarem certas peculiaridades, têm traços comuns em razão de fatores internos, geográficos
e culturais, e de fatores externos como a influência do domínio otomano, o qual concorreu
para a formação das estruturas sociais de ambos os sistemas; a influência do domínio colonial
europeu que fez surgir o sentimento nacionalista e adequou os princípios e preceitos
sociopolíticos naqueles sistemas e, por último, a influência do neoliberalismo.
Os sistemas políticos objetos desse estudo surgiram em conseqüência dos
movimentos sociais de luta pela independência nos séculos XIX e XX. Apresentam-se, ainda
hoje, constituídos, parcialmente, por estruturas antigas, apesar dos esforços de
28
desenvolvimento e de construção de novas formas. São exemplos dessas forças renovadoras:
a corrente nacionalista liberal e socialista e a corrente islâmica, sendo esta última
composta por facções heterogêneas que conflitam entre si e com a corrente nacionalista. Cada
uma dessas correntes defende uma concepção do sistema político e do Estado.
Muitos escritores, entre eles Hanafi (2005), afirmam que as sociedades egípcia e
libanesa ainda pertencem à categoria das sociedades tradicionais, pois conservam estruturas e
elementos antigos, tribais, clânicos ou confessionais, quer nas classes sociais, quer na
natureza das instituições políticas ou mesmo na economia e enfatizam que os sistemas
políticos dessas duas sociedades são marcados pelo subdesenvolvimento que remonta à época
da dominação otomana. Mas reconhecem a existência de algumas mudanças urbanas e uma
alteração do papel do Estado e do crescimento do seu aparelho burocrático, além de
transformações econômicas, em particular aquelas advindas a partir da descoberta do petróleo.
Ibrahim (2005) afirma que, nas sociedades egípcia e libanesa, as formas tradicionais
de organização sociopolítica ainda não foram superadas, mas que tenderão a se transformar,
cada vez mais, com a expansão da hegemonia do capital e dos avanços tecnológicos. Sustenta
que as transformações estruturais e um processo de reorganização determinarão as
características de uma sociedade moderna e que os dois Estados irão se transformar às custas
dos conflitos e das lutas decorrentes das reivindicações.
Alkuhri (2005) assinala que o avanço tecnológico, especialmente na área de
informações, tem tido cada vez mais impactos sobre os dois sistemas em questão, pois a mídia
e as agências jornalísticas e emissoras locais e internacionais têm causado notável persuasão
sobre esses dois povos.
Dahl (1971) pressupõe que o regime político competitivo é improvável de ser mantido
sem uma ordem social pluralista. A ordem social centralmente dominada é mais compatível
com um regime autoritário. Também, o regime competitivo não pode ser mantido em um país
onde os membros das forças armadas ou da polícia ocupam e intervém nos processos
políticos, mesmo se a ordem social for pluralista e não centralmente dominada.
A propriedade privada, conforme Dahl (1971), não é uma condição suficiente para
uma ordem social pluralista e conseqüentemente para contestação política. O nível de
desenvolvimento socioeconômico favorece a transformação da hegemonia em poliarquia. O
nível socioeconômico pode ser aferido por vários indicadores como o PIB, a renda per capita,
educação superior, força de trabalho empregada em indústria, salários, índices de saúde e
comunicação em massa. Uma associação entre o nível de desenvolvimento socioeconômico e
29
o desenvolvimento político tende a ocorrer ao mesmo tempo. Quanto maior o nível de
desenvolvimento socioeconômico, maior a probabilidade de se estabelecer um regime
competitivo.
Nas sociedades pluralistas, observa-se um crescimento nas atividades das instituições
políticas democráticas, liberdades de oposição política e da mídia, competitividade dos
partidos políticos e uma importância do papel da força dos movimentos trabalhistas.
2.6 EGITO: INSTITUIÇÕES E PODERES POLÍTICOS
O Egito é um Estado unitário e centralizado. Unitário por que os governos locais (as
províncias) não gozam de um grau de autonomia por estarem ligados diretamente ao governo
central, dele receberem as ordens e dele dependerem administrativa e financeiramente. A
função dos governos locais se limita às sugestões e à execução de políticas planejadas no
centro do poder.
Embora o Egito seja uma república presidencialista, de acordo com a Constituição de
1971, alberga características de sistema parlamentarista, pois coexistem as figuras do
Presidente da República e do Primeiro-Ministro. Esse sistema diferencia-se do sistema
parlamentarista tradicional, pois, no Egito, o presidente eleito pelo povo exerce uma função
além de mera representação.
O sistema político egípcio tem um Executivo unipessoal. De fato, os ministros
egípcios são considerados meros assessores e subordinados ao Presidente da República. As
decisões são tomadas com a opinião do gabinete ou sem ela. Observa-se a preponderância do
Executivo sobre o Legislativo. Pode-se dizer que, nesse sistema, dois executivos, quais
sejam, um simbólico ou cerimonial representado pelo Primeiro-Ministro e o real investido na
figura do Presidente da República. Desta forma, o Presidente do Egito é o chefe do Estado e
do Governo.
O Presidente da República é o chefe do poder executivo, assim nomeia e demite todos
os ministros, nomeia um ou mais vice-presidentes e pode convocar o povo para referendos
populares. Exerce também função legislativa, uma vez que a Constituição da República
Egípcia lhe assegura o poder de expedir decretos, os quais têm força de lei.
30
Ao presidente é permitida a reeleição sem limite de vezes. Ele é escolhido por, no
mínimo, um terço dos membros da Assembléia Nacional Parlamento e, em seguida,
referendado pelo povo através do voto de, pelo menos, dois terços do eleitorado para um
mandato de seis anos.
Ao presidente cabem a formulação da política geral do Estado, a chefia do Conselho
do Estado, o comando das Forças Armadas e a dissolução da Assembléia Nacional, desde que
referendada pelo povo. Ao Primeiro-Ministro cabem a supervisão dos atos do governo e a
coordenação das atividades ministeriais.
Os ministros escolhidos pelo presidente prestam compromisso perante a Assembléia
Nacional, a qual pode dissolver o Gabinete Ministerial. Porém, se a decisão de dissolver o
Gabinete for contrária à do Presidente da República, a decisão caberá ao povo por meio de um
referendo.
Segundo informam (ASSAID; MAHRAN, 1998) o território egípcio está dividido em
vinte e três províncias, sendo que cada uma é administrada por um governador nomeado pelo
Presidente da República. Em vel provincial, existem os Conselhos Populares Locais,
compostos por membros eleitos, que auxiliam o governador a administrar a província.
O Poder Legislativo egípcio é bicameral, ou seja, é composto por duas casas: a
Assembléia Nacional e a Assembléia Consultiva.
A Assembléia Nacional ou Câmara Baixa é composta por 454 membros, dos quais 444
são eleitos pelo povo e 10 são nomeados pelo Presidente da República, todos para um
mandato de cinco anos. Os membros desta casa que são escolhidos pelo povo se submetem ao
voto popular nos duzentos e vinte e dois distritos eleitorais e a cada eleitor é concedido o
direito de votar em dois candidatos. O voto é universal, secreto e obrigatório para os homens
com mais de dezoito anos, sendo facultativo para o sexo feminino. previsão legal para
garantir que a metade dos membros da Assembléia Nacional seja representante das categorias
dos operários e agricultores. Os partidos políticos mantêm representantes na Assembléia
Nacional, se, nas eleições para tal, perfizerem um mínimo de 8% do total dos votos.
Atualmente, os filiados do Partido Democrático Nacional, cuja presidência partidária é do
atual Presidente da República, ocupam 311 cadeiras do total de 454.
Conforme a Constituição, a Assembléia Nacional, também conhecida por Assembléia
do Povo, tem por funções a aprovação da política do Estado, a elaboração das leis, do
orçamento e dos planos de desenvolvimento.
31
A Assembléia Consultiva ou Câmara Alta é composta por 264 membros, sendo 176
eleitos pelo povo e 88 nomeados pelo Presidente da República. Atualmente, 255 cadeiras
desta câmara estão ocupadas por filiados do Partido Democrático Nacional. As eleições para a
Assembléia Consultiva ocorrem a cada três anos, sendo renovado pelo menos um terço de
seus membros para um mandato de seis anos.
São funções da Câmara Alta a propositura e a regulamentação das leis, assim como a
prestação de consultas para a Assembléia do Povo.
O Poder Judiciário egípcio está representado pelo Supremo Tribunal Constitucional,
pelo Tribunal de Recursos e pelo Conselho do Estado. O Supremo Tribunal Constitucional foi
criado em 1969. Este órgão é a mais alta corte judicial e tem por funções prolatar decisões em
última instância sobre a constitucionalidade das leis e controlar o sistema judicial do país. O
Tribunal de Recursos representa a última instância para a jurisdição comum, cível ou
criminal. Os juízes desses órgãos são nomeados pelo Ministério da justiça. Este fato revela o
domínio do executivo sobre o Judiciário.
O Conselho do Estado é um órgão judicial composto por juízes e pelo Presidente da
República, cabendo a este a presidência do órgão. É função primordial desse órgão prover
soluções aos conflitos administrativos surgidos em meio ao corpo jurisdicional.
Conforme Hilal (1986), as principais fontes do direito egípcio são o Código de
Napoleão, a Lei Islâmica e a Lei Inglesa.
Um relatório da Organização Egípcia de Direitos Humanos afirma que, embora a
democracia no Egito tenha galgado passos no sentido da participação política, posto ser o seu
sistema político multipartidário, o número de partidos ainda é limitado. E mais, as eleições de
2005 provaram que poucas mudanças democráticas ocorreram desde o período pré-
democrático até o presente momento.
Nas eleições de 2005, pela primeira vez na história do país, os egípcios tiveram um
pleito com vários candidatos disputando a presidência da república. O direito citado adveio
com a emenda do art. 76 da Constituição, pois, até então, a legislação só permitia eleição com
candidatura única. Contudo, nessa eleição, houve impedimentos impostos pelo Estado o que
resultou na recondução de Mubarak ao cargo com 85% dos votos. Isso suscitou dúvidas se tal
mudança representaria uma reforma política e consolidaria o fundamento de uma verdadeira
democracia ou se a medida era apenas uma manobra dissimulada para atenuar as pressões
externas e internas.
32
Diante do exposto, (IBRAHIM; QUOAISI, 2006), concluíram que as eleições não
mostraram um nível razoável de competição. De fato, obstáculos permaneceram com a
promulgação da emenda constitucional. A emenda previa, como condição para a candidatura,
que os candidatos estivessem filiados a partidos políticos estabelecidos há, pelo menos, cinco
anos antes da eleição e que o candidato deveria apresentar assinaturas de, no mínimo, 5% dos
membros do Parlamento. Caso o candidato não estivesse filiado a partido político, precisaria
da assinatura de 240 membros do legislativo, distribuídas da seguinte forma: 75 assinaturas
dos membros da Assembléia do Povo, 25 dos membros da Câmara Alta e 140 dos membros
dos Conselhos Populares Locais.
O requisito de assinaturas de 5% dos membros do Parlamento não seria inatingível,
não fosse o fato de 85% dos membros dessa casa serem filiados ou aliados ao partido
dominante que é, coincidentemente, o partido do Presidente da República.
Em 1981, Mubarak, na condição de vice-presidente de Sadat, assumiu o poder, em
razão do assassinato deste. A partir desse acontecimento, o governo egípcio editou as Leis de
Emergência, as quais, ainda vigentes, conferem ao governante o poder de restringir direitos
fundamentais, dentre estes os direitos políticos, em nome da garantia da segurança nacional e
da estabilidade do sistema. Importante ressaltar que, atualmente, existem mais de 17.000
prisioneiros políticos no Egito, sendo a maioria deles membros da Corrente Islâmica,
particularmente do Grupo da Irmandade Muçulmana.
Raslan (2006) afirma que a vigência das Leis de Emergência e os requisitos
constitucionais para registro de candidatura impedem, efetivamente, o acesso dos candidatos à
disputa pelo poder político e põem em dúvida a vontade de uma reforma política significativa.
Numa análise retrospectiva do sistema político egípcio, Muhammad (2004) afirma que
o poder autocrático do Presidente Mubarak, embora permaneça como instrumento do Estado,
é considerado bem menos centralizado do que foi o dos seus antecessores. Sustenta, também,
que Mubarak não criou um núcleo de elite comparável como os que foram criados por Sadat e
Nasser. Aquele se apóia em elementos tecnocráticos, delegando poderes consideráveis aos
seus ministros. O seu governo difere pelo estilo de gestão pragmática. A legitimidade dos
antecessores de Mubarak assentava-se na missão revolucionária, enquanto que a do presidente
atual pode ser justificada pelos preceitos da democracia que a prática demonstrou não ter
atingido um nível plausível de evolução.
33
2.7 LIBANO: INSTITUIÇÕES E PODERES POLÍTICOS
Corom (2004) refere-se à abertura da região da montanha do Líbano empreendida
pelos cristãos aos europeus, desde o século XVII. Conforme ele, a guerra civil de 1840 a 1861
e a densa migração dos libaneses cristãos levaram as igrejas cristãs libanesas a entrarem em
acordos e relações com várias forças européias. A Igreja Maronita passou a manter relações
com a França e com a Itália; a Ortodoxa se dirigiu aos dois maiores centros do Cristianismo
Ortodoxo que eram a Rússia e a Grécia. Em tais interações restou óbvia a influência das
missões religiosas européias com apoio de diplomatas, comerciantes e banqueiros. As igrejas
se tornaram grupos políticos numa rede complexa de influências geopolíticas, econômicas e
culturais globais. Os interesses da França no Líbano tiveram um grande impacto sobre a
história desse país desde o ano de 1860, com Napoleão III.
Com o fim da Primeira Guerra Mundial, a França conseguiu impor oficialmente o seu
domínio sobre o Líbano através da Liga das Nações.
Salim (1988) afirma que a criação do Estado do Grande Líbano pelos franceses, em
1920, constituiu um passo preliminar na história do país. Pela primeira vez, foram ligadas as
regiões da cidade e da montanha. A partir daí o significado do Líbano se modificou. Começou
um contato orgânico entre as confissões da montanha e das cidades que resultou mais tarde
em tensões e conflitos. Em lugar da sociedade feudal da Montanha do Líbano, aquela que,
durante séculos, gozou de riqueza e era composta de três seitas, surgiu a sociedade do Estado
do Grande Líbano. Esta composição tornou-se mais complexa por causa da adição das seitas
dos sunitas e dos ortodoxos das cidades aos maronitas, xiitas e drusas da montanha.
Ocorreram amplas transformações desde 1840, quando começou a primeira guerra
civil, até 1943, quando o Líbano se tornou independente da França. O Líbano experimentou
um século de profundas mudanças e cada confissão teve uma aliança histórica com as
potências estrangeiras.
Tarhini (1981) descreve que os líderes das grandes famílias na Montanha do Líbano,
seja dos xiitas, dos maronitas e dos drusas, desempenharam, até o fim da dominação otomana,
papéis políticos importantes. As famílias das demais confissões, especialmente a sunita e a
ortodoxa romana dos habitantes das cidades litorâneas, não tinham aparecido na cena política.
Isso aconteceu depois da unificação do povo da montanha e o do litoral do Líbano sob a
tutela do Estado do Grande Líbano criado pelos franceses.
34
Os maiores confrontos no Líbano ocorreram entre 1840-1860 e 1975-1990 e
envolveram as confissões libanesas em guerras sangrentas como conseqüência da natureza da
composição delicada da população e da competição e dos conflitos regionais e globais. O
Líbano tem desempenhado função de isolamento entre os vizinhos beligerantes - representa
um Estado-tampão - e se verificou que sempre foi sujeito aos desastres resultantes da sua
posição geopolítica, no centro do conflito, e da natureza da sua sociedade cuja composição é
diversificada, dividida, sujeita à exploração por parte do estrangeiro.
Dimashquia (2002) assinala que o exército israelense ocupou quase 12% da região sul
do Líbano entre o período de 1978 a 2000. As forças da ONU não conseguiram impedir as
sucessivas invasões israelenses que culminaram nos ataques de julho de 2006. O Líbano
desempenha importante papel na política regional por representar uma arena de conflitos
violentos das tensões que oscilam no Oriente Médio desde a última metade do século XX e
que se faz sentir até o momento.
Contudo afirma Shururu (1985) que o dilema mais complexo é que as elites libanesas
não conseguiram adotar valores comuns que garantissem a instituição de uma estrutura social
sólida e promovessem a soberania do Estado. A pesquisa sobre as razões dos conflitos dentro
da sociedade libanesa, conforme o autor, deveria ser feita através da consideração de todos os
efeitos culturais, dos choques geopolíticos e dos conflitos das potências globais. Os
confrontos atuais envolvem israelenses, árabes, palestinos, norte-americanos, sírios, iranianos,
franceses e italianos recrutando uma casta ampla de elites. As elites se envolveram
profundamente nessas guerras em nome de várias direções ideológicas. Cada confissão tinha
uma visão diferente das outras.
Corom (2004) afirma que o processo da politização confessional começou com o
Acordo Nacional do ano de 1943 que constituiu o quadro da ideologia moderna de
convivência entre todas as confissões. Consoante esse acordo, os cristãos desistiriam das
proteções coloniais, especialmente da França; em troca, os muçulmanos abdicariam a sua
vontade de incorporar o Líbano à Síria ou a qualquer Estado Árabe de tendência unificadora.
Conforme Corom, o confessionalismo libanês é um resultado da modernidade e a sua
institucionalização na ordem pública foi uma conseqüência de intervenções do exterior nos
negócios do Império Otomano e esteve relacionada aos interesses e aos conflitos de diversas
potências.
O sistema político libanês é um sistema parlamentarista unitário, isto é, o Presidente
da República, o Primeiro-Ministro e os membros do gabinete são responsáveis perante o
35
Parlamento. O governo é sujeito à destituição pelo voto parlamentar de moção de confiança
ou de censura. O Presidente é escolhido pelo parlamento; em seguida, escolhe o Primeiro-
Ministro da confissão sunita através de negociação com esta confissão, levando em
consideração a aceitação desta personalidade por parte das outras confissões e blocos de
coalizão, especialmente aquelas que têm um peso considerável dentro do Parlamento. O
Executivo libanês é coletivo. As decisões são tomadas coletivamente. Nesse sistema, observa-
se não apenas uma independência do Legislativo, mas também o seu controle sobre o
Executivo.
O Líbano é uma república parlamentar cuja constituição, baseada nos princípios da
constituição francesa, entrou em vigor no ano de 1926. O Líbano adquiriu a sua
independência da França no ano de 1943. Conforme as tradições dominantes e o artigo 95 da
Constituição, os altos cargos civis e militares do Estado devem ser distribuídos entre os
representantes das confissões religiosas. A lei eleitoral de 2000 ainda adota uma distribuição
confessional das cadeiras no Parlamento. O Estado é laico, mas as confissões reconhecidas
pelo Estado, aquelas denominadas históricas, representam uma ordem peculiar que constitui a
base do sistema sociopolítico. Os líderes religiosos gozam de um conjunto de concessões.
A natureza e as circunstâncias da distribuição do poder e o comportamento político
dos diferentes grupos constituem um tipo peculiar de democracia no Líbano.
O sistema político do Líbano apresenta três pilares fundamentais: a Constituição de
1926, as Instituições Políticas relacionadas com o texto magno e a Tradição.
À Constituição foram acrescidos dois importantes acordos, os quais passaram à
condição de texto constitucional: o Acordo de Conciliação Nacional de 1943 e o Acordo de
At-taiif de 1989.
O poder legislativo é representado pela Assembléia de Representantes a qual é
composta por 128 cadeiras, das quais 68% dos assentos são ocupados pelas três confissões
mais influentes no país: a maronita ocupa 34 cadeiras; a Xiita, 27 e a sunita, 27.
O poder legislativo tem algumas competências, como editar e revogar leis, aprovar o
orçamento público, fiscalizar o executivo, julgar alguns crimes praticados pelo Presidente da
República e pelos Ministros, definir as competências do poder judiciário, dissolver o Gabinete
de Ministros e eleger o Presidente da República através de eleição secreta, na qual o candidato
precisa obter o voto de um terço dos parlamentares, no primeiro turno, e a maioria absoluta no
segundo turno.
36
Conforme a Lei Eleitoral de 2000, as eleições são universais, secretas e obrigatórias
para o sexo masculino, desde que maiores de 18 anos, e facultativas para o sexo feminino.
Assamad (2000) esclarece que o poder executivo é constituído pelo Presidente da
República e pelo Gabinete de Ministros. O Presidente é o chefe do executivo e assume o
cargo para um mandato de seis anos. Não é permitida a reeleição, assim, se um presidente
desejar retornar ao cargo, deverá respeitar um interstício de seis anos. Contudo, o parlamento
aprovou controvertida emenda constitucional para assegurar ao atual Presidente, Emile
Lahoud, uma prorrogação de três anos em seu mandato. Ao Presidente cabem a propositura e
a promulgação de leis, o direito de veto às leis, a formulação da política geral do Estado, a
nomeação do Primeiro-Ministro e, em competência concorrente com o Primeiro-Ministro, a
nomeação do Gabinete de Ministros.
O Gabinete de Ministros, presidido pelo Primeiro-Ministro, representa o corpo
governamental cujas funções estão ligadas à execução das políticas públicas. Nesse sistema,
em que coexistem Presidente e Primeiro-Ministro, é indispensável a harmonia entre esses dois
representantes.
O Presidente do Líbano é eleito pelo Parlamento e o Primeiro-Ministro é nomeado
pelo Presidente da República, levando em consideração o consenso da Assembléia de
Representantes. Foi estabelecido, inicialmente por força da tradição e posteriormente
positivado no texto constitucional, que os cargos políticos dos poderes constituídos devem ser
distribuídos entre os representantes das três principais seitas religiosas existentes no país. O
cargo de Presidente da República cabe aos maronitas; o de Presidente do Parlamento, aos
xiitas e o de Primeiro-Ministro, aos sunitas. Os demais cargos são distribuídos de acordo com
o peso de cada confissão.
O poder judiciário é composto por juízes e tribunais distintos em graus de hierarquia,
os quais detêm garantias para assegurar a independência e imparcialidade de seus julgados.
Ao judiciário não são assegurados direitos de intervir no legislativo e no executivo, em razão
do princípio da independência dos poderes, o qual é corolário da república libanesa.
Ibrahim (1992) apresenta quatro questões que controlam o processo da evolução
política libanesa, duas internas e duas externas ou internacionais, levando em consideração a
relação dialética entre o que é interno e o que diz respeito ao ambiente externo.
A primeira questão está relacionada com a incompletude dos requisitos fundamentais
do Estado Libanês, como a soberania e o controle sobre as instituições, a unificação das
forças e o desarmamento das milícias. Esta situação colocou em dúvida a legitimidade do
37
Estado e a efetividade do sistema político libanês em enfrentar os desafios e problemas
internos e externos. A efetividade do sistema político é condicionada por alguns fatores: a
consolidação da elite dominante, a garantia de alternidade no poder de forma democrática e a
garantia da imparcialidade de algumas instituições e cargos essenciais.
A segunda questão diz respeito à unidade e integridade nacionais e aos fundamentos
da convivência comum, dado que a sociedade libanesa se localiza na categoria das sociedades
caracterizadas pela multiplicidade social concentrada sujeita a um alto vel de politização.
Isso conduz a um desafio real relacionado com a maneira de como realizar um equilíbrio entre
a aceitação da diversidade, mas sob uma unificação do Estado. uma tendência de uma
gradual abolição do confessionalismo no sistema político, depois da preparação de
circunstâncias apropriadas. Isso não é previsível a curto ou médio prazo, mas existe uma
vontade por parte de muitos políticos de realizar essa mudança que se relaciona com a
segurança e a com a estabilidade do país. É importante abolir o confessionalismo,
inicialmente e principalmente na lei eleitoral, nas funções ou cargos públicos e nas
instituições e criar partidos não confessionais ou não religiosos e não armados.
A terceira questão é econômica e está relacionada com o processo da reconstrução do
país em razão das sucessivas guerras, seja civil, seja contra Israel, de onde decorrem várias
dificuldades que oneram as finanças públicas e, conseqüentemente, retardam o
desenvolvimento.
A quarta questão está relacionada com a desocupação do sul do país por Israel, cujas
ameaças sucessivas têm tido impacto negativo sobre o processo das reformas econômicas e
políticas do Líbano.
De qualquer forma, a situação interna do Líbano sofre mais influências da tensão e da
instabilidade na região sul do país causadas pela existência de milícias armadas libanesas e
palestinas contra as quais Israel justifica a necessidade de intervenções no país.
A partir da análise da situação libanesa, pode-se cristalizar alguns problemas
relacionados com a evolução política desse país: a reflexão da crise socioeconômica sobre o
processo do desenvolvimento democrático, a natureza da relação entre a pluralidade política e
a democracia.
À luz da experiência desse país, a mera adoção da pluralidade política não significa,
necessariamente, que estão sendo aplicados os princípios democráticos. O pluralismo político
representa um requisito especial no processo democrático, mas não é o único, uma vez que a
democracia baseia-se, em seu significado amplo, em vários fundamentos, entre eles na
38
afirmação da liberdade da diversidade política e organizacional e no respeito ao princípio da
alternação do poder conforme a vontade popular, na supremacia da lei, na transparência das
eleições, no fornecimento de garantias e respeito aos direitos humanos. A partir daqui, o que
na cena são somente tentativas de ampliar o espaço da participação política, a fim de
incluir algumas forças políticas e sociais através de formas de pluralidade política restrita,
sem que isso signifique transformações fundamentais na natureza desse sistema, na sua
estrutura e nos seus mecanismos.
39
3 CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS SOBRE DEMOCRACIA
A despeito de a defesa da democracia assumir perspectivas diversas no discurso
político, ela se apresenta, hodiernamente, como o regime defendido por quase todas as
correntes de pensamento, independente de quais sejam as concepções políticas e ideológicas.
Desde a antiguidade até os dias atuais, a democracia apresenta uma gama de
contradições que se expressam pela maior ou menor participação da população no processo
democrático.
A democracia dos antigos, tendo por modelo a democracia ateniense, era exercida de
forma direta, ou seja, processava-se através de assembléias, às quais cabiam o poder de tomar
as decisões políticas. A democracia de Atenas buscava criar condições estruturais para
garantir a todo cidadão participar do controle dos negócios públicos, ainda assim foi marcada
por fortes traços de exclusão, haja vista que nem toda a população era considerada cidadã para
exercer tal mister.
O corpo político da democracia em Atenas era composto por pessoas livres e
consideradas iguais, posto que a liberdade determinava a igualdade, contudo a igualdade era
apenas política e não econômica. Assim, a igualdade política conferida aos cidadãos, na
realidade, convivia com uma desigualdade material que terminava por refletir um caráter
limitativo da participação política.
Com a guerra dos anos 400 antes de Cristo e posteriormente por toda a Idade Média e
com o fortalecimento do absolutismo, a prática democrática iniciada em Atenas sucumbiu e
desapareceu do meio político por um longo tempo. Dois mil anos mais tarde, a democracia
volta a ser assunto no meio político, no qual a democracia direta praticada na Grécia Antiga
foi confrontada com um novo modelo de democracia, qual seja, a democracia representativa,
considerando-se esta como a forma única de governo popular possível nos Estados modernos.
Desta forma a democracia representativa foi concebida como a forma de governo no qual o
povo escolhia representantes para tomar decisões sobre assuntos de seu interesse em seu
nome em vez de fazê-lo diretamente.
A democracia moderna se desenvolveu em meio às revoluções burguesas, as quais se
fundamentaram na idéia liberal, sendo esta contrária a um modelo democrático de larga
abrangência, posto vincular a condição de cidadão à de proprietário, assim a igualdade
defendida pelo liberalismo só seria alcançada mediante a aquisição da propriedade privada, do
que se infere a característica discriminatória da idéia liberal em sua origem. Em que pesem
40
divergências notáveis entre a filosofia democrática e a liberal, a democracia liberal adveio da
junção dessas duas idéias.
Bobbio (2004, p.44) ratifica a idéia da junção das idéias de liberalismo e democracia,
senão vejamos:
Idéias liberais e método democrático vieram gradualmente se combinando num
modo tal que, se é verdade que os direitos de liberdade foram desde o início a
condição necessária para a direta aplicação das regras do jogo democrático, é
igualmente verdadeiro que, em seguida, o desenvolvimento da democracia se tornou
o principal instrumento para a defesa dos direitos de liberdade.
Todavia, Bobbio (2004) destaca que, apesar de liberalismo e democracia terem sido
considerados, desde um século, a segunda como natural prosseguimento do primeiro, esses
dois institutos não são mais compatíveis, uma vez que a democracia foi levada às extremas
conseqüências da democracia dos partidos de massa, cujo produto é o Estado assistencial.
Tendo este fato decorrido da avassaladora corrente da participação popular impulsionada pelo
sufrágio universal.
Os partidos de massa surgiram com o processo da industrialização e da urbanização
que resultou na inscrição de um grande contingente de pessoas na arena eleitoral que, embora
não plenamente integrado à sociedade, passou a ter um peso considerável nas eleições às
vezes, valendo-se delas para protestar contra toda sorte de previsões. Resultou também no
aumento substancial do contingente de trabalhadores urbano-industriais, o que representa a
base para a emergência dos movimentos sociais e a formação dos partidos de massa. No
campo, o processo da expansão capitalista e da preservação arcaica de formas de produção e
de propriedade de terras teve como conseqüência o agravamento do problema da exclusão
social.
O liberalismo, como componente histórico ligado à evolução e à vitória da classe
burguesa, representa uma atitude política que gira em torno do indivíduo e da iniciativa
privada a qual produz uma diferenciação e torna impossível uma igualdade social. Enquanto o
liberalismo representa uma técnica para limitar o poder do Estado, a democracia representa a
inserção do poder popular no Estado.
A composição liberalismo/democracia resultou em uma forma de governo, mas
democracia liberal não quer dizer democracia numa acepção ampla do termo, não havendo
dúvida, sobre seja qual for o modelo defendido, de que não se pode imaginar uma democracia
sem liberdades políticas constitucionalmente garantidas.
41
A democracia dos modernos surge sob a forma de representação política, rechaçando a
democracia direta tão defendida por Rousseau para quem a participação direta e individual no
processo de tomada de decisão se constituía a base da teoria política e tinha um caráter
educativo, posto que fomentaria o desenvolvimento de uma ação social e política
responsáveis.
Chevallier (1985) sustenta que para Rousseau a soberania popular não podia ser
representada e que o simples ato de votar em eleições não traduzia a vontade popular. Para
Rousseau a autoridade soberana residia no povo que constituía a fonte do poder e que este
deveria ser envolvido no processo de elaboração das leis; considerava legítimo o exercício
direto do poder por parte dos cidadãos e como forma de proteger a liberdade; defendia o
princípio da maioria como critério para a solução dos problemas da diversidade e da
discordância e que a vontade geral poderia ser concretizada através da participação direta
efetiva do poder por parte do povo soberano. Rousseau sustentava que a igualdade política
não era suficiente para atingir a democracia por ele idealizada, era necessária uma igualdade
econômica para se garantir a autonomia dos cidadãos e assim evitar-se o monopólio e a
manipulação por parte dos mais favorecidos.
Hodiernamente, constata-se que reside no aspecto da representação um dos efeitos
negativos do modelo da democracia representativa, posto questionar-se o que de fato é
representado pelos políticos: a verdadeira representação popular em seu âmbito mais
abrangente ou a representação de grupos de interesses.
A participação direta como única forma de expressão da soberania popular não se
aplica às sociedades complexas contemporâneas, haja vista que o contingente populacional
das cidades, a complexidade dos costumes e a multiplicação dos problemas tornam inviável
que todos os cidadãos decidam sobre tudo em suas comunidades. Assim, é forçoso admitir
que o modelo de democracia proposto por Rousseau para o processo de tomada de decisões
políticas precisa ser adaptado às condições atuais, aprimorando-se mecanismos com vistas a
assegurar a participação popular e a garantir a articulação dos avanços da democracia política
com a criação de condições nimas de qualidade de vida para a população, o que Santos
(2002) denominou de emancipação social. Logo, democracia direta e democracia
representativa devem se complementar no intuito de assegurar não só a persistência do
modelo democrático nas sociedades modernas do terceiro milênio, como também garantir que
a democratização política seja um meio promotor da realização da democracia social,
econômica e cultural.
42
Santos (2002) sustenta que a complementaridade implica uma decisão da sociedade
política de articular participação e representação por meio da ampliação da participação em
nível local, transferindo-se as deliberações de decisões, a princípio exercidas pelos
governantes, para as formas participativas. Essa noção de complementaridade é também
defendida por Bobbio (2004) para quem os modelos de democracia representativa e
participativa não são alternativos, onde a existência de um exclui a do outro; ao contrário,
sustenta Bobbio que esses dois sistemas podem se integrar reciprocamente em conformidade
com as peculiaridades de cada região. Hirst (1992) se mantém no mesmo sentido, afirmando
que a democracia representativa deve ser suplementada pela participação popular.
Held (1987) assinala a importância de se considerar a insatisfação popular com as
formas e com os modelos existentes de democracia, aponta a necessidade de se imaginar
arranjos políticos alternativos e afirma que existem várias bases para a representação política
que podem ultrapassar o modelo atual, tendo por corolários os valores da liberdade, da
igualdade e da justiça. Sustenta que a realização dos valores coletivos e sociais não pode se
dar à luz do domínio do mercado e do Estado mínimo e que a sua concretização requer a
democratização do Estado e da sociedade. Aponta a necessidade de se criarem condições onde
a participação seja ilimitada e legalmente garantida, num debate entre plataformas políticas
competitivas dentro de uma estrutura de poder público marcada pela legalidade, pela
constitucionalidade e pela impessoalidade. Defende que a separação entre o estado e a
sociedade civil deve ser o aspecto central de qualquer forma de organização política
democrática sem que nenhuma das duas esferas possa substituir uma a outra.
Na democracia moderna, surgida como democracia representativa, prevalecem certas
características próprias da democracia que não são encontradas em outros modelos de
governo, por exemplo: a participação do povo no processo de escolha das autoridades
políticas em todas as esferas (municipal, estadual, federal); garantias, definidas pela
constituição, aos mandatos das autoridades eleitas; definição das áreas de competência das
autoridades eleitas; decisões tomadas pelo princípio da maioria e respeito às minorias para
impedir que as decisões tomadas pela maioria limitem os seus direitos como iguais.
Sartori (1994) confere ao princípio majoritário uma forte importância, fundando-se na
idéia de que a razão de muitos é sempre a razão certa que constitui a regra fundamental do
jogo por que estabelece um consentimento e expressa um pacto social que origem a um
sistema democrático. Inobstante o princípio majoritário ser corolário do regime democrático,
é preciso tomá-lo com cautela sob pena de cercear os direitos das minorias.
43
A democracia moderna, caracterizada pela representação política, concebe um
conteúdo mínimo indispensável a qualquer Estado democrático, que é a garantia das
liberdades, o pluralismo partidário e o sufrágio universal. Isto corresponde à definição mínima
de democracia utilizada por Norberto Bobbio (2004) onde, dentro de uma sociedade
democrática, para que uma decisão tomada por indivíduos seja aceita como decisão coletiva, é
necessário que esta decisão tenha sido tomada com base em alguns procedimentos e regras
pré-estabelecidas que identifiquem quais são os indivíduos autorizados a decidir em nome do
grupo, ou seja, uma delegação de poder onde quem decide em nome do grupo tem uma
prévia autorização do próprio grupo.
Dentro da definição mínima de democracia, não basta a existência de um direito de
participação concedido a um elevado número de cidadãos, nem a existência de regras de
procedimentos. É preciso que haja, além das duas condições anteriores, verdadeiras condições
de escolha, isto é, os cidadãos que devem escolher seus líderes e representantes precisam ter
alternativas que lhes garantam reais condições de escolha. Para estes cidadãos, que têm a
responsabilidade de escolher, precisam ser dadas as garantias de liberdade de opinião, de
expressão, de associação, e opções viáveis de escolha.
Numa interpretação schumpeteriana para a democracia moderna, é necessário a
existência de grupos que concorram ao poder através de uma luta baseada no voto popular.
Em primeira e última instância, a decisão cabe aos cidadãos. Mas para que ocorra esta luta
pelo voto, concorda Bobbio (2004), é necessário que não exista na sociedade uma única elite,
mas sim muitas elites, e que estas concorram entre si pelo voto popular. Nesta visão
contemporânea de teoria política, o processo democrático estaria fundamentado em um jogo
com regras e procedimentos universais, considerando que: 1. a função legislativa seja
desempenhada por membros eleitos pelo povo; 2. exista uma repartição do poder, onde junto
ao legislativo haja outros dirigentes também eleitos; 3. os cidadãos adultos, independente de
raça, sexo ou religião, possam participar como eleitores; 4. o voto de cada eleitor deve ter um
valor igual; 5. os eleitores devem ser livres para votar conforme sua opinião; 6. os eleitores
também devem ter verdadeiras condições de escolha, através de alternativas apresentadas a
eles; 7. nas eleições, vale o principio da maioria; 8. as decisões tomadas pela maioria não
devem limitar os direitos das minorias; 9. deve haver relação de confiança entre o legislativo e
o executivo, tendo em vista que tanto os parlamentares quanto o chefe de governo foram
todos eleitos pelos mesmos cidadãos.
44
Essas características da democracia moderna são encontradas plenamente apenas nos
países que adotam um regime poliárquico, onde liberdade de associação, liberdade de
expressão e liberdade de participação política. Na poliarquia, os cargos eletivos o ocupados
por representantes do povo, eleitos por meio de um processo amplo e justo de debate, no qual
todos têm igual acesso às informações e ninguém, incluindo as autoridades, está acima da lei.
Em Estados poliárquicos, a existência de leis justas, claras e obedecidas é imprescindível para
tornar os cidadãos iguais na competição do mercado, em oportunidades de formação e de
aquisição de conhecimentos, em condições de lutar pela melhoria de vida e em capacidade de
adquirir as garantias conferidas pelo Estado.
Dahl (1971) confirma que o alto índice de analfabetismo, a existência de estruturas
arcaicas, as culturas pré-letradas, os fracos sistemas de comunicação, a inexistência ou o
reduzido tamanho da classe média, ou mesmo a sua dependência, as iniquas desigualdades na
aquisição da propriedade, na distribuição da riqueza e do poder são obstáculos à democracia e
considera que esses fatores favorecem um tipo autocrático ou autoritário de dominação.
A poliarquia vai permitir que haja condições de governabilidade dentro do Estado,
cabendo ao governo distribuir funções e responsabilidades, descentralizando a administração,
mantendo instrumentos de supervisão e de controle das ações públicas, possibilitando a
inclusão de larga parcela da população nos processos de decisão das políticas públicas e
alocação de recursos, através de instituições que representam os interesses do povo. Em
condições normais de governabilidade, um equilíbrio entre as instituições que representam
os interesses dos grupos (input) e as instituições de políticas públicas (output).
A prática política da democracia moderna se distanciou do projeto político
democrático idealizado para caracterizar essa forma de governo, o que Bobbio (2004)
denominou de “promessas não-cumpridas”, considerando-as não como degeneração da
democracia, mas sim como situações que não podem ser objetivamente consideradas ou como
adaptação natural aos princípios abstratos da realidade ou como inevitável contaminação da
teoria quando sujeita às exigências da prática, diferentemente de Santos (2002) que não as
toma como fatalidade. São elas: o surgimento de uma sociedade pluralista na qual os sujeitos
relevantes são os grupos ao invés do modelo que punha o indivíduo como sujeito coletivo; o
surgimento da representação de interesses em substituição à representação política, o que
fomentou a relação de troca entre eleitores e partidos e entre os próprios partidos políticos,
vale dizer que essa representação de interesses tem seu natural terreno de expansão numa
sociedade capitalista em que os sujeitos da ação política se tornaram cada vez mais os grupos
45
organizados; a continuidade do poder oligárquico; a não ocupação de todos os espaços
possíveis nos quais se exerce um poder que toma decisões vinculatórias para um grupo social
inteiro; a permanência do poder intransparente, o que vida a um governo cujas ações não
são desenvolvidas publicamente e por fim o declínio da formação da cidadania marcado pela
elevação do número de sujeitos políticos passivos. Diante do exposto é forçoso admitir que,
desde a sua aplicação, a máxima realização da democracia representativa se consubstanciou
na ampliação do sufrágio universal.
Fatalidade, como queira Bobbio, ou não, a realidade é que o modelo hegemônico de
democracia tem assumido uma forma limitada no sentido de que a participação popular tem
sido não pouco frequente, como muito breve, reduzindo-se praticamente ao uso do direito
de voto sazonal e periódico, consoante o ciclo nacional e local, ademais no sentido de que o
público tem sido mantido à distância pelos parlamentares e pelos governos. Isso tem se
traduzido na legitimação dos interesses de poucos em vez da representação política
abrangente o que resulta na acentuação da concentração de poder e riqueza em favor dos
detentores da força econômica e em detrimento das massas pobres que hoje integram o
cenário político-social. Essa acentuação das desigualdades sociais nutrem a desigualdade
política, que, por sua vez, reforça a já existente desigualdade social.
Santos (2002) aponta traços que caracterizam o modelo democrático hegemônico, qual
seja, a democracia representativa, e os considera responsáveis pelo resultado de uma
democracia de baixa intensidade e causadora de uma forte exclusão social. São eles: a
valorização da apatia política, a contradição entre mobilização e institucionalização, a
concentração dos debates democráticos em torno dos desenhos eleitorais e o tratamento do
pluralismo político como forma de incorporação partidária e de disputa entre as elites.
Considera que o modelo de democracia liberal é uma prática de legitimação de governos com
forte restrição da participação e da soberania populares em benefício de um procedimento
eleitoral voltado para a formação desses e enfatiza que a democracia liberal é uma forma de
democracia em que a participação da maioria é limitada à participação em eleições periódicas
e que tem como mérito limitado a possibilidade de troca periódica dos representantes.
O elitismo é característica proeminente da democracia representativa e suscita o
problema da invisibilidade ou não-transparência decorrente das atividades políticas no núcleo
do poder, o qual deve ser atingido pelo desenvolvimento e pela inovação democrática. A
arena política se tornou um espaço ocupado por corpos intermediários organizados
representantes de interesses econômicos corporativistas contrariando os princípios da
46
democracia idealizada por seus fundadores teóricos os quais atribuíram papel decisivo ao
indivíduo.
Inobstante os limites, o modelo da democracia liberal apresenta-se com vistas à
exclusividade, à universalidade e como fórmula definitiva de democracia, o que se traduz em
uma perda da demodiversidade verificada nas últimas décadas, todavia Santos (2002) aponta
modelos de práticas democráticas contra-hegemônicas as quais buscam intensificar e
aprofundar a democracia, quer reivindicando legitimidade do modelo democrático
participativo entendida como a participação ampliada de atores sociais dos mais variados
tipos nos processos de tomada de decisão, quer pressionando instituições da democracia
representativa no sentido de torná-las mais inclusivas atingindo-se, assim, a interação da
inovação social com a inovação institucional.
O modelo de democracia participativa requer práticas que promovam a expansão da
intervenção política para muito mais além das instituições eleitas e dos partidos políticos e é
na atuação dos movimentos sociais que esse modelo contra-hegemônico é exercitado com
vistas a atingir-se um sistema social reformado, pautado na inclusão social e política das
classes marginalizadas.
A democracia participativa, tida como democracia social, tem um significado extra-
político, cujo princípio é o da igualdade e que pode ser identificado nos movimentos sociais
contemporâneos cujas reivindicações estão relacionadas com a construção de sociedades mais
justas.
Bobbio (2004) ratifica a idéia da necessidade de descentralização política dos
representantes em favor das massas dos representados, o que ele denominou de passagem da
democratização política à democratização social.
As críticas à democracia representativa não devem conduzir absolutamente à
interpretação de que a alternativa totalitária deva ser admissível outra vez; ao contrário,
devem servir para orientar a busca de um modelo que garanta a cidadania plena de todos.
Não obstante os próprios defeitos, a representação é uma forma referencial de
democracia com forte penetração no mundo ocidental e de notável aceitação popular, o que
pode ser confirmado por Hirst (1992), o qual considera absurdo imaginar que se possa
abandonar o mecanismo de democracia representativa haja vista esse modelo exigir muito
pouco dos representados em sociedades complexas como as atuais em que o interesse pela
participação é mínimo. Contudo, buscar-se a implementação desse modelo para além
fronteiras sem considerar os resultados que ele produz e relevar as especificidades
47
institucionais e culturais dos povos é fomentar o fracasso do modelo democrático e
conseqüentemente o enfraquecimento da tão idealizada ordem internacional democrática.
A complementação do modelo participativo ao modelo hegemônico se dará através do
fortalecimento de uma sociedade civil ativa, capaz de colocar o poder ao seu serviço e
controlá-lo como alternativa aos partidos. A atual situação de exclusão poderá ser revertida
quando a sociedade gerar novas organizações, novas estruturas que absorvam a maioria dos
cidadãos, indo mais além da simples participação destes em votações periódicas; quando se
fortalecer o associativismo político, cívico, cultural, econômico que ultrapasse os seus fins
específicos; quando essas novas organizações civis forem articuladas em níveis local,
regional, nacional e até mesmo internacional para permitir a gestão e o controle das ações
públicas e a troca de experiências; quando a sociedade conseguir uma razoável organização
sindical com capacidade reivindicativa, quando o controle da comunicação social não se
restringir a pequenos grupos ou ao governo, evitando-se assim a manipulação da opinião
pública, o direcionamento das atitudes das massas e o surgimento de atores políticos
profissionais. É através dos movimentos de base que a democracia é concebida como prática
política necessária e quando os movimentos sociais forem organizados, serão capazes de
substituir, no maior número de espaços possível, os corpos representativos no processo de
tomada de decisões, atingindo-se a satisfação geral dos interesses de todos.
Linz e Estepan (1999) apontam algumas variáveis as quais devem interagir para
favorecer o processo de transição para a democracia e para a sua consolidação, quais sejam,
uma sociedade civil organizada, independente e ativa; uma sociedade política relativamente
autônoma; a existência de um Estado de direito e de uma economia representada não apenas
por um mercado capitalista.
A sociedade civil é um campo da comunidade política na qual grupos distintos e
movimentos diversos, voluntários e independentes do estado se organizam expressando,
representando e defendendo os próprios interesses e valores, sendo, pois, elemento decisivo
para a transição e consolidação de um regime democrático.
Para Nun (2002), uma sociedade civil ativa representa um requisito indispensável no
processo de democratização na medida em que constitui, agrega e redefine interesses
pluralistas; produz zonas de igualdade e solidariedade e estimula o diálogo e a confrontação
de opiniões; levanta barreiras e põe limites a eventuais excessos do aparelho estatal.
Diversas formas podem ser sugeridas para se fortalecer a participação em níveis de
base como o desenvolvimento de fóruns junto às comunidades para a discussão de políticas
48
públicas e legislações cujos efeitos recaem sobre a própria comunidade, com a apresentação
de problemas e resultados, o que promoverá a conscientização e a mobilização popular.
Nun (2002) ressalta a importante ação dos sindicatos democráticos e combativos, das
comunidades de base, dos movimentos sociais e culturais de origem étnica, dos agrupamentos
de estudantes, jornalistas, intelectuais, dentre muitas outras formas de associação no processo
da democratização. Sugere um intercâmbio entre os povos para que se possa comunicar e
fortalecer as experiências dos movimentos na tentativa de ampliar o âmbito da participação,
para isso aponta os meios de comunicação e os recursos eletrônicos como potentes veículos
para sobrepujar os limites da comunicação, fomentar o diálogo e a deliberação e a criação de
espaços para a tomada de iniciativas e realização de esforços comuns.
Quando a sociedade se encontrar mobilizada em sua esfera mais simples, passará a
níveis mais complexos de organização com poder de decisão cada vez maior, como o de
participar na produção de leis, de garantir a existência de um poder judiciário independente do
executivo, de garantir a constitucionalização de direitos fundamentais dos cidadãos e de
definir políticas econômicas voltadas para si própria.
O cerne da participação popular se volta à formação de cidadãos educados, fato que
ultrapassa o âmbito político para o social, pois o processo de educação para a cidadania não é
meramente político, mas está relacionado à aquisição de um nível socioeconômico plausível.
Dahl (1971) afirma que o nível socioeconômico é considerado o fundamento indispensável
para o estabelecimento de um sistema político poliárquico.
Cerroni (1982) afirma que a apatia, sinal característico da cisão entre a política e a
vida social, manifesta-se como ceticismo geral em relação aos valores comunitários, como
desconfiança nas possibilidades de mudar radicalmente as estruturas sociais e políticas e
também como aceitação acrítica das formas do poder constituído.
Mill (2003) afirma que a participação dos cidadãos e o seu envolvimento na política
através do alargamento das bases sociais do sistema político proporcionariam um aumento na
capacidade da solução dos problemas, ademais a considera como um direito que deve ser
respeitado.
A democracia é mais que uma forma de governo. É um sistema de interação de
diversos componentes, quais sejam, políticos, econômicos, sociais e culturais que culmina por
proporcionar uma sociedade justa e igualitária a fim de que os cidadãos possam ser livres e
auto-gestores das próprias comunidades e confira assegurada a manutenção da própria ordem
democrática. Essa idéia é ratificada por Nun (2002) que destaca a importância da conjugação
49
desses componentes para tornar possível e viável o exercício da cidadania plena e abrangente
e a paz social.
Consoante Nun (2002), a cidadania é uma construção e não um princípio universal
que possa ditar seu conteúdo. Nun sustenta ainda que ela depende das tradições e dos traços
institucionais de cada região e da visão política que resulte dominante.
Não se pode criar um sistema político democrático onde haja uma ordem econômica
centralmente planificada, tampouco onde exista uma economia pura de mercado, Held (1987),
Linz e Estepan (1999) concordam que uma sociedade democrática deve ser caracterizada por
uma posição intermediária da economia entre esses dois tipos.
Nun (2002) assegura que assimetrias do poder político podem surgir da desigual
distribuição de recursos o que é facilmente verificado num Estado capitalista. Reconhece,
porém, que as democracias capitalistas não estão no fim, aponta, contudo, a necessidade da
socialização do capitalismo que se representará através da existência do estado de bem-estar
como garantia para o exercício dos direitos civis, políticos e sociais que redundarão na
igualdade política, uma vez que a adoção de políticas sociais suprimirá os males da
desigualdade. Todavia Nun (2002) afirma que não um conceito geral que caracterize o
Estado de bem-estar, tampouco um modelo ideal ou uma estrutura única que pode se
considerar correta, mas que ele deve ser ajustado ao lugar e à época de sua criação, desde que
reconheça a existência de requisitos de uma vida humana digna como condição primordial,
tendo-se a idéia de que a figura do cidadão deve substituir a do consumidor.
Não existe uma receita geral para as reformas das idéias e das instituições com fins de
se atingir um modelo democrático inclusivo, devendo-se considerar as tradições, a cultura e a
história dos povos para se implantar um modelo peculiar a cada um e se obter uma sociedade
mais justa, mas é certo que a democracia se corrige com mais democracia, o que se dará
com o experimento de novas formas mais adequadas às circunstâncias particulares.
Com todas as limitações e injustiças que geram, as democracias representativas
existentes são portadoras de liberdades públicas e irrenunciáveis que devem ser ampliadas e
apoiadas.
Por ora, chega-se à conclusão de que o atraso no processo de democratização no
Mundo Árabe tem o benefício de poder aprender com os erros de outros e assim conseguir
evitar algumas indesejadas fases, desde que os atores sociais assumam, de fato, os próprios
papéis.
50
3.1 ATITUDES OBSERVADAS NO MUNDO ÁRABE PERANTE A DEMOCRACIA
O interesse pela questão da democracia no Mundo Árabe aumentou desde o último
quarto do século XX. A discussão continua e as discordâncias são levantadas sobre alguns
aspectos, embora exista uma unanimidade sobre a importância do assunto e o tema seja
considerado prioridade para a saída do impasse atual da nação árabe.
Este interesse crescente pela democracia coincide com o sofrimento do povo árabe em
razão dos desastres causados pelos sistemas políticos autoritários, pelo fiasco nos esforços do
desenvolvimento nacional independente, pelo deslocamento dos países árabes em direção a
uma economia de mercado e pela participação no mercado global conforme as políticas de
estabilização e de acomodação estrutural sugeridas pelas instituições capitalistas
internacionais sob a pressão dos países creditares. Daí, os interesses e as razões produzem
visões distintas sobre o desenvolvimento democrático no Mundo Árabe. Alguns vêem a
democracia como uma necessidade para o progresso socioeconômico, outros consideram-na
um elemento compensatório do vácuo resultante da retirada do Estado dos campos de
produção, serviços e subsídios e, nesse caso, os cidadãos devem suportar as conseqüências
econômicas e sociais das políticas de acomodação estrutural, especialmente o desemprego, a
pobreza e a marginalização de setores mais amplos da sociedade.
A grande maioria dos escritores concorda com a concepção ampla de que democracia
é o governo do povo, pelo povo e para o povo. O problema principal aqui é o de como
praticizar esta concepção, ou seja, identificar quem é o povo e como ele pode dominar. Daqui
surge a discordância entre as correntes e as forças políticas árabes distintas. Alkawadi (1999)
assinala que as formas de aplicação e as instituições variam conforme as visões das escolas
intelectuais e sociais. Assim, não uma definição universal e abrangente da democracia,
pois ela é um conceito político que varia dependendo da experiência de cada sociedade, por
isso o mais correto é procurar-se uma aproximação do conceito e não uma definição
determinada.
As tentativas de definição da democracia no Mundo Árabe não diferem muito dos
fundamentos da democracia liberal como foram desenvolvidos nas sociedades ocidentais
contemporâneas.
51
Na discussão sobre a democracia no Mundo Árabe, pode-se captar duas atitudes
contraditórias. A primeira sustenta que o sistema democrático se apóia em cinco fundamentos
que são comuns com os sistemas políticos democráticos contemporâneos. Estes fundamentos
constituem uma ordem integrada de preceitos e princípios que não aceitam a seletividade, ou
seja, eles devem necessariamente ser aplicados conjuntamente, pois a rejeição de um
elemento pode destruir o sistema. Esses fundamentos são a existência e o respeito a uma
constituição, a liberdade de opinião e de expressão, a pluralidade política, a representatividade
parlamentar e a alternância no poder através de eleições livre e justas.
A segunda atitude a democracia como um tipo de governo desenvolvido, durante
séculos, para chegar à época do iluminismo, quando foi incorporado à teoria liberal de noção
essencialmente econômica. Dessa incorporação resultou um conjunto de valores sociais e
políticos e um sistema de instituições e de procedimentos organizacionais que compõem a
democracia que se fundamenta em duas bases epistemológicas, que são a prioridade da razão
e do homem. Através dessas duas bases, possibilitou-se ao Ocidente desenvolver a
experiência peculiar do seu sistema político democrático, de economia liberal e de ordem
social múltipla.
Rashwan (1996) afirma que a Civilização Árabe-Islâmica se fundamenta em duas
bases epistemológicas que marcaram a sua experiência histórica contemporânea de forma
característica e diferente do Ocidente. A esfera da civilização árabe-islâmica se fundamenta
na prioridade de Deus e nos seus textos sagrados e considera o homem o encarregado por
Deus para representá-lo na Terra. Esta estrutura epistemológica possibilita a esta civilização
outro tipo de experiência histórica com os seus limites e permissões, o que é diferente
qualitativamente daquela experimentada pelo Ocidente.
O cerne da segunda atitude se concretiza através da impossibilidade de extrair as
instituições e os mecanismos da democracia do contexto de onde ela surgiu e se desenvolveu
e, simplesmente, implantá-la em um meio diferente, esperando que ela possa ser uma tentativa
bem sucedida. Abdulfattah (1996) confirma que se tem verificado um fiasco nos processos da
democratização de cunho ocidental experimentados por vários países árabes ligados a esta
realidade. Esta idéia também foi confirmada por Taylor (1997) quando esboçou as trajetórias
do desenvolvimento das sociedades ocidentais e as circunstâncias peculiares nas quais
circularam a evolução dos seus sistemas e contribuíram para a criação das instituições.
Essas duas atitudes contraditórias entre si no que diz respeito aos princípios e
preceitos da democracia liberal não constituem sozinhas um modelo completo em relação à
52
questão da democracia, mas outras atitudes, que ocupam a distância entre elas, de rejeição
parcial a aceitação com reservas. Para esclarecer os traços dessa cena, é preciso descrever de
maneira mais detalhada as atitudes das quatro principais correntes políticas perante a questão
da democracia, quais sejam, a corrente islâmica, a nacional, a socialista e a liberal. Como é
impossível incluir de modo completo as atitudes de todas as organizações e dos partidos
políticos, será feita uma apresentação das principais tendências dentro dessas quatro correntes
citadas anteriormente, enfatizando o caso do Egito onde tais correntes se revelam com mais
nitidez.
a)A corrente do Islamismo Político:
O Islamismo Político pertence a um vasto círculo de organizações, de partidos políticos e
de personalidades públicas e de pensadores independentes. Há tanto concordâncias como
diferenças nas atitudes destas organizações e personalidades em relação à questão da
democracia. Pode-se dividi-lo em três atitudes principais:
A primeira é representada pelas organizações mais extremistas. O seu exemplo, no
Egito, são o Grupo Islâmico e a Organização de Aljihad; na Argélia, o Grupo Islâmico
Armado e no Iêmen, a Organizacão de Aljihad. Ibrahim (2005) descreve os escritos dessas
organizações que afirmam a rejeição completa da idéia da democracia, pois esta é
contraditória ao princípio islâmico do monoteísmo. Este pensamento defende que a
democracia é a dominação do povo e a deificação do homem, então a democracia é uma
forma de ateísmo. Conforme esses grupos, a maior divergência entre democracia e
monoteísmo reside no fato de que este confere a legislação a Deus, enquanto a democracia
confere-a ao povo e ao seu favor. Esses grupos crêem que a democracia e a liberdade de
organizar partidos contrariam a lei divina (Sharia) e afirmam que, na sociedade muçulmana,
existem apenas dois partidos, o partido de Deus e o do demônio. A democracia, conforme
eles, não tem relação com o islã, por isso não deve ser aceita, uma vez que ela e o Sistema de
Shura, que é o modo único e peculiar de deliberação entre os muçulmanos, quer na escolha de
governantes, quer no controle do comportamento destes, não se compatibilizam.
A segunda atitude é representada por várias organizações, incluindo a Irmandade
Muçulmana no Egito e Jordânia, o Partido da Renascença na Tunísia, a Aglomeração da
Reforma no Iêmen, o Movimento Islâmico Constitucional no Kwait e alguns partidos
políticos islâmicos na Argélia. Esses partidos e movimentos aceitam a idéia da democracia e
se envolvem através da participação institucional e pacífica na vida política, uma vez que são
moderados e admitem a participação política através de canais constitucionais. Admitem
53
também, o pluralismo, a alternância no poder através de eleições e ações pacíficas e
consideram que o direito da cidadania deve ser garantido a todos.
A terceira atitude é representada por um vasto número de pensadores islâmicos
independentes. Este grupo tem atitudes mais progressistas em relação à democracia e tem
tentado, através de suas atribuições, influenciar as correntes islâmicas genéricas. A sua
dificuldade reside no fato de que eles são independentes, ou seja, não pertencem a grandes
organizações, o que faz com que a sua influência na sociedade permaneça limitada. Alawa,
um desses pensadores mais atuantes, afirma que o único mecanismo que deve ser utilizado é o
da alternância do poder. Conforme Alawa (2000), este mecanismo constituiria um
instrumento efetivo para a realização da democracia e para a garantia dos direitos humanos,
das liberdades de indivíduos na formação de partidos. Este pensador vê no pluralismo um
caráter natural enraizado no espírito religioso islâmico. Todavia concorda com os outros
islâmicos que a referência da legislação deve ser a lei divina e convoca a uma renovação nas
interpretações dos textos sagrados para que eles sejam mais compatíveis com o
desenvolvimento, mas longe da imitação ocidental e da estagnação vigente. Desse modo,
pode-se observar que, embora as atitudes islâmicas sejam diversas, elas convergem no sentido
de que a referência do sistema político e da democracia deve voltar a Sharia. Nessa questão,
em particular, Ibrahim (2000) assinala que os islâmicos não podem até agora resolver duas
questões importantes, quais sejam, a soberania do povo e a dominação de Deus. Mustafá
(1992) sugere que o cerne da democracia é estabelecer os limites entre Estado e religião e
chegar a uma fórmula organizacional que determine para cada esfera o seu meio de atuação,
daí ele afirma que o reconhecimento das diversidades nas referências intelectuais e políticas
representam, por parte dos islâmicos, um passo essencial para a aproximação da corrente
islâmica política da idéia da democracia.
b) A Corrente Nacional:
Esta corrente inclui o Partido da Renascença Árabe Socialista, o Movimento
Nasserista, o Movimento dos Socialistas Árabes, o regime popular na Líbia, os sistemas no
Iêmen e na Síria e o ex-regime iraquiano. Essa corrente estabeleceu regimes dominantes
baseados em sistemas uni ou anti-partidários e se preocupou com as questões da
independência nacional, do desenvolvimento socioeconômico, da realização da unidade árabe,
da libertação da Palestina, do confronto com Israel e com o sionismo. Essas questões não
deixaram lugar para a democracia que ocupou uma posição inferior na escala das prioridades
durante décadas depois da independência.
54
No Egito, Nasser apresentou um conceito de democracia baseado em quatro
fundamentos essenciais que Abdullah (2000) assim os descreve:
A democracia política e a democracia social são duas alas complementares da
liberdade;
A necessidade de uma descendência gradual do poder do topo para os níveis
inferiores;
Em cada nível do exercício do poder, a palavra final deve ser da Assembléia Popular
eleita e não das categorias administrativas nomeadas por parte do governo;
Em todas as assembléias políticas eleitas, os trabalhadores e os agricultores devem
ocupar, no mínimo, a metade do número das cadeiras.
Esta fórmula não realizou o seu objetivo por causa da ausência do pluralismo, pois a
politização das massas não encontrou alternativas que possibilitaram as escolhas possíveis. A
atitude do Movimento Nasserista contemporâneo não mudou muito, uma vez que o Partido
Nasserista Árabe Democrático ainda relaciona a democracia política com a social a qual é
pressuposto dos requisitos garantidores da liberdade de votação, baseados numa libertação da
exploração econômica e da instituição de uma vida digna dos cidadãos através de políticas
justas de alocação de recursos e bens materiais. Conforme esta visão, é essencial o papel do
Estado cujas ações devem ocorrer dentro dos limites abordados pela constituição.
Iesa (2000) assinala que a democracia não foi instituída porque não se constituiu em
uma reivindicação popular. A democracia não é uma questão posta nem na cultura egípcia
popular, nem na consciência do povo. A questão que ocupava tais espaços era a da igualdade.
Daí, a questão da cultura se tornar essencial na mudança das condições dos direitos humanos.
Aponta que a democracia está ausente na família, na escola, na universidade e que há algo na
cultura egípcia que é antagônico à democracia e que se deve desvendá-lo sem medo.
Saif Addaula (2002) afirma que democracia apenas na sociedade socialista.
Sustenta ainda que, numa sociedade capitalista, a democracia não existe, pois quaisquer que
sejam as formas de participação política estas carecem essencialmente da liberdade devido à
compulsão econômica. Em suma, teoricamente, a corrente nacional tem as suas reservas
quanto à democracia liberal. Praticamente, esta corrente está envolvida num processo de
desenvolvimento de uma visão da democracia que garantiria as liberdades e os direitos
políticos, o pluralismo e a alternância no poder.
c) A Corrente Socialista:
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Esta corrente é formada pelo grande número de partidos comunistas e organizações
marxistas. São os partidos progressistas da esquerda como o Partido Nacional Unionista
Progressista (At-tagammu) no Egito, os partidos socialistas em todos os países árabes e os
intelectuais marxistas independentes. Existe uma diversidade nítida nas atitudes desta corrente
perante a democracia. quem adote fortemente o princípio teórico da democracia social
formulado por Marx, Engels e Lênin; outros apresentam maior flexibilidade teórica.
A democracia social se fundamenta, de modo geral, na idéia de que a libertação
essencial do ser humano reside na sua emancipação da exploração econômica e que, quando
se livrar de tal exploração, poderá exercer o resto das formas de liberdades de maneira mais
completa. Daí, este tipo de democracia prioriza a dimensão social à dimensão política.
Conforme os ideais dos socialistas, a democracia política permaneceria privilegiando uma
classe específica se uma igualdade social não tivesse se realizado. A mudança social
profunda, geralmente, não pode ser realizada sem uma resistência por parte das categorias
sociais detentoras da riqueza e do poder, e, conseqüentemente, o processo revolucionário deve
consistir em um elemento de repressão contra estas categorias, ou seja, a ditadura do
proletariado ou a da classe operária. Marx, (2004), argumenta que a concepção burguesa de
direitos humanos se fundamenta na proteção do direito da propriedade privada por parte do
Estado, o que constitui um ponto crucial para o restante das liberdades uma vez que as
constituições liberais, nos países modernos, quando se limita nisso, se tornam instrumentos
nas mãos das classes proprietárias dos meios de produção e do capital.
Lênin (1983) assinala que a ditadura do proletariado deve ser baseada em um poder
sem limites e que não se submete a quaisquer leis. Este poder deve ser instituído diretamente
através da violência contra a burguesia e o Estado que a protege. A destruição do Estado
burguês foi o alvo da corrente marxista de modo geral, mas, com Lênin, a experiência
acrescentou meios e idéias mais adequados. Lênin observava que a democracia nos países
capitalistas era uma democracia frágil, falsificada e representativa da minoria rica, enquanto a
ditadura do proletariado forneceria pela primeira vez a democracia para o povo, ou seja, para
a maioria, ao mesmo tempo, reprimiria a minoria exploradora se fosse necessário.
Esses foram os fundamentos em que se apoiaram os partidos comunistas e as
organizações marxistas árabes e, até certo ponto, os partidos nacionalistas na sua formulação e
definição do conceito da democracia, por isso pode-se dizer que tais concepções foram
influenciadas pelo modelo soviético.
56
críticas a esta atitude, a exemplo de Abdullah (2001) quando assinala que os
partidos denominados de esquerdistas, quer nacionalistas, socialistas ou comunistas excluíram
a democracia dos seus programas e das suas práticas de maneiras anti-democráticas, tendo
sido utilizadas retóricas como a democracia correta, a democracia do povo trabalhador, a
democracia social ou a democracia revolucionária. Foi comum entre esses partidos a rejeição
do que foi denominado por eles de democracia liberal, de democracia burguesa ou democracia
ocidental. O partido comunista egípcio apresenta a sua visão à democracia na sua plataforma
afirmando que a revolução nacional democrática e a das classes e forças anti-imperialismo são
contrárias ao neocolonialismo e visam realizar a independência política e econômica, a
reconstrução do aparelho estatal tendo por base fundamentos populares democráticos. A crise
que ocorreu no modelo socialista no Egito ou em outras regiões do mundo deve ser concebida
como uma lição para estabelecer fundamentos que garantam uma administração mais eficiente
e mais democrática do Estado, da economia e de todas as partes da vida no modelo socialista.
Conforme as sua publicações, o Partido Comunista Egípcio aceita agir junto com todos
os partidos e forças políticas que adotam o princípio democrático da alternância no poder.
Este partido coloca como objetivo principal a realização de uma transição democrática
abrangente que garanta uma alternância no poder entre as classes e as forças políticas através
de eleições e sugere um programa detalhado para a reforma democrática que consiste em
plena liberdade na formação de partidos, liberdade de publicação, abolição das cortes
excepcionais e a garantia da liberdade de crença religiosa. Este partido afirma a necessidade
de se empregar o método leninista na compreensão das mudanças ocorridas, pois, para este
partido, a herança marxista-leninista é a fonte de tudo o que é progressista e revolucionário.
Este partido sustenta que a queda do modelo soviético foi o resultado da desconsideração dos
ensinamentos de Lênin sobre o papel do partido, da classe trabalhadora e de suas alianças e
também sobre o processo de amadurecimento das circunstâncias objetivas durante a etapa da
transição e da construção socialista.
As publicações do Partido Comunista Libanês confirmam a sua crença na alternância
no poder com base na escolha livre do povo, comprometendo-se com os princípios da ação
democrática e convocam ao estabelecimento de um sistema político libanês novo não-
confessional, fundado nos princípios de eleições democráticas, de multipartidarismo, de
liberdade de imprensa e no respeito às organizações da sociedade civil e das suas iniciativas
em todos os campos conforme a plataforma deste partido, o Estado democrático, o Estado da
lei e das instituições.
57
A plataforma do Partido Nacional Progressista Unionista egípcio vai além da visão
comunista perante a questão democrática quando afirma que a construção de uma nova
sociedade socialista no Egito será realizada quando as circunstâncias forem apropriadas com
base na convicção e na escolha democrática da massa e não feita em nome dela. A
democracia, conforme a ideologia deste partido, constitui o fundamento da luta a fim de
chegar ao socialismo, isto é, ela constitui uma condição necessária para a etapa da transição
ao socialismo e para mantê-lo, uma vez que a continuação de um sistema socialista requer a
contínua renovação da confiança do povo no desempenho do sistema. A sociedade socialista
futura deve conferir liberdades políticas mais amplas e também liberdades culturais e
religiosas, a supervalorização das práticas socialistas e a libertação do ser humano das
relações da exploração econômica. Este partido se fundamenta em três pilares democráticos,
quais sejam, os acordos internacionais, o pluralismo sociopolítico e a alternância pacífica do
poder e sugere um programa abrangente de reforma política quando acrescenta os pré-
requisitos dos direitos econômicos, sociais e culturais como condições essenciais para a
realização de um equilíbrio político entre as classes e as forças sociais distintas.
Com base nas atitudes dos partidos comunistas e progressistas de esquerda perante a
questão da democracia, pode-se captar algumas idéias pertencentes aos pensadores socialistas,
uma delas é a idéia de que a democracia ocidental confere algumas liberdades políticas de que
não se pode prescindir, contudo, nas sociedades capitalistas ocidentais, essas liberdades não
passam de mera formalidade pelo fato de essas sociedades ignorarem um conjunto de direitos
econômicos e sociais. Outra idéia é a visão apresentada por Assubaihi (2000) sobre a
democracia amparada em seis fundamentos, quais sejam, a ligação dialética entre a fase
política e a fase sócio-democrática, o compromisso com o pluralismo social e sindical e a
rejeição da idéia do partido único, a aceitação da alternância do poder mesmo sob uma
dominação progressista ou socialista, o não emprego de uma relação de subordinação entre o
partido e a massa e o estabelecimento de relações entre as partes do partido em bases
democráticas e a predominância da democracia dentro do partido.
Ahmad (1997) duvida das motivações de todas as correntes políticas egípcias no que
tange à adoção da democracia e questiona se existe uma crença real na democracia na vida
política egípcia ou se é uma tática e uma trégua entre direções políticas rotuladas por certo
ranço do totalitarismo, uma vez que as referências, até agora, como parecem, são totalitárias
não havendo lugar para os outros.
d) A Corrente Liberal:
58
A Corrente Liberal, atualmente, está representada por alguns partidos e por uma gama
de personalidades independentes. Os partidos egípcios Al-wafd e do Amanhã constituem uma
tribuna do pensamento liberal que está sendo cada vez mais ativa na exposição das próprias
visões sobre as transformações econômicas, sociais e políticas ocorridas no Egito e participam
do diálogo sobre as questões políticas e econômicas no país. Nas suas publicações (1997),
afirma a importância da Constituição e das liberdades, que as constituições são promulgadas
para as garantias dos direitos e das liberdades dos cidadãos e realizam uma separação de
poderes para prevenir o despotismo. Este partido reivindica mais apoio aos direitos e às
liberdades civis, ao pluralismo, à eleição direta para a presidência da república e ao direito do
povo a um controle popular sobre o Poder Executivo e a independência do judiciário. Este
partido participa ainda, de forma comum, com outros partidos da reforma política que parte,
essencialmente, da democracia burguesa.
Annajar (2000) assinala que a Associação da Nova Convocação Egípcia adota de
forma bastante nítida o pensamento liberal clássico, vinculando a reforma política e a
transição democrática à economia de mercado quando assinala que o desenvolvimento
econômico não é possível sem um sistema político fundado na accountability política, na
transparência, na participação popular efetiva e no equilíbrio entre as instituições
constitucionais e afirma que a democracia se fundamenta em quatro valores essenciais: o
pluralismo político e o multi-partidarismo, o pluralismo intelectual, a igualdade perante a lei e
a accountability através de eleições periódicas.
Al-biblawi (2000) expõe os princípios sobre os quais a democracia deve ser
construída, enfatizando o papel da lei e da participação do povo nas suas formulações, a
garantia da eficiência da dominação, o equilíbrio entre os poderes, a possibilidade da mudança
pacífica no poder conforme a vontade popular através das eleições.
Diante do exposto, pode-se observar uma convergência entre os pensadores liberais e
alguns pensadores marxistas de que a democracia burguesa é um produto da sociedade
capitalista, enquanto divergem quando afirmam que a democracia constitui um valor
humanitário sem considerar a sua origem.
uma realidade que não pode ser ignorada quando se fala sobre as atitudes das
correntes e das forças distintas no Mundo Árabe no que diz respeito à democracia é que todas
essas correntes não revisaram os seus fundamentos para que fossem mais compatíveis com os
seus novos propósitos. Isso coloca em dúvida o compromisso delas com a democracia.
59
Apesar das divergências entre as ideologias e tendências das correntes políticas do
Mundo Árabe, conclui-se que o ponto de partida pela luta a fim do desenvolvimento
democrático nas sociedades árabes são os fundamentos e os valores da democracia liberal.
A Corrente Política Islâmica tem as suas reservas no que se refere à dominação e à
referência da legislação quando percebe que são conferidas aos homens e não para Deus e
para as tradições do Profeta Maomé, enquanto a Corrente Nacional e a Corrente Socialista
têm as suas reservas que residem no fato de que a democracia política não é suficiente
sozinha, consideram necessária uma democracia social que forneça um mínimo dos direitos
sociais, econômicos e culturais para possibilitar ao cidadão uma participação política
equivalente. Distintas posições políticas também têm suas reservas acerca da democracia
representativa e afirmam que ela não deve ser mero mecanismo e instituição, mas,
essencialmente, deve constituir e proteger valores culturais que não são verificados de uma
maneira clara nas sociedades árabes contemporâneas, por isso não é possível realizar uma
transição democrática nessas sociedades sem a ocorrência, a princípio, de uma cultura árabe
democrática. A democracia não é uma receita mágica para solucionar os problemas das
sociedades árabes, ela pode ser realizada dentro de um contexto histórico e diante de
determinadas circunstâncias.
A democracia de fato é uma fórmula de administração do conflito social por meios
pacíficos através de um mecanismo essencial, qual seja, a alternância no poder entre as
diferentes forças e classes mediante eleições livres e justas. A questão principal é que a
transição para a democracia no Mundo Árabe é um processo ligado a uma luta histórica que
se realizará através de um lapso temporal relativamente longo e será gradualmente
concretizada, mas talvez venha a se perder em algum dos seus estágios por causa do conflito
sobre o poder. Para ser bem sucedida ela deve ser abrangente, incluindo toda a sociedade por
que a democracia, conforme essa concepção, constituirá um estilo de vida e um modo de
gestão da sociedade que consiste em valores, mecanismos e instituições.
Não se pode falar sobre democracia sem um aprofundamento dos seus valores no
comportamento dos cidadãos, sem mecanismos através dos quais esses valores possam ser
incorporados e sem instituições nas quais o estilo democrático pode ser um estilo de vida
praticado. Conforme essa compreensão do processo da democratização do Mundo Árabe,
Shukr (1996) assinala que as forças responsáveis pela realização desse processo são
compelidas a desempenhar as seguintes missões:
60
o desenvolvimento dos requisitos essenciais da democracia para que seja superado o
modelo da democracia liberal, atingindo-se os horizontes humanistas abrangentes e a
realização da igualdade na sociedade;
a educação democrática para revelação da cultura democrática;
o apoio à independência da iniciativa popular através da ampliação na organização da
massa e a assistência às organizações da sociedade civil na busca da autonomia;
a continuação dos processos do desenvolvimento nacional apoiados na auto-
suficiência para se atingir a plenitude da satisfação das necessidades básicas dos
cidadãos.
3.2 CONSIDERAÇÕES SOBRE A TEORIA DA DOMINAÇÃO NO ISLÃ
A Teoria da Dominação em um Estado islâmico foi esboçada por grandes pensadores
islâmicos, inspirada nos textos sagrados do Alcorão e nas práticas do Profeta Maomé e tida
como uma base constitucional.
Azzahir (1988) assinala que Al-shariia (lei Islâmica) constitui o pilar essencial do
Estado islâmico e atribui a soberania a Deus e não ao governante ou ao povo. O papel do
governante ou do Califa é subordinado aos mandamentos de Alá e por isso o governante deve
ser obedecido. O Alcorão Sagrado é a referência para a solução dos conflitos entre os
muçulmanos e também no que diz respeito à política externa, isto é, à celebração da paz, à
declaração da guerra e os demais acordos são submetidos a Al-shariia.
Ibn Taimia (1969) assinala que o objetivo do Estado islâmico é a realização da
igualdade, a garantia da paz e da estabilidade para os povos sem discriminação de raça ou
religião. O governante recebe a legitimidade em razão da obediência às leis da Al-shariia que
vincula o governante/governado à obediência a Deus e a suas leis. No Islã, não existe um
contrato sociopolítico entre governado e governante, mas entre o governante/ governado, de
um lado, e Deus, de outro. Este contrato é vigente enquanto os muçulmanos forem
comprometidos com a aplicação das leis islâmicas. O povo deve promover a ajuda e a
obediência ao governante muçulmano que executa as políticas com base na Al-shariia. Esta
obediência é devida enquanto o governante estiver comprometido com a sua função.
61
O povo escolhe o seu governante com base na virtude e na religiosidade e não com
base na riqueza ou na nobreza. O governante pode ser eleito diretamente pelo povo ou através
dos seus representantes. Desse modo, o Estado islâmico pode constituir um número de
assembléias representativas ou governos locais para realizar o objetivo único dito acima. A
missão do povo não encerra na escolha do governante, mas se estende à fiscalização e à
inspeção deste.
Estas idéias foram assim aplicadas, tal qual descritas, desde a época do surgimento do
Estado islâmico, na cidade de Medina, até o assassinato do segundo sucessor (califa) do
Profeta Maomé, Omar Ibn Al-khatab, poucos anos depois do falecimento do profeta.
A questão mais importante enfrentada pelo pensamento político islâmico é a do
califado, ou seja, da dominação e da alternância no poder. Vale à pena esclarecer que a
fragmentação da religião muçulmana entre as grandes facções sunita e xiita decorreu do
conflito, depois da morte do Profeta Maomé, pela discussão sobre a quem caberia o direito de
governar.
A facção sunita foi formada por aquele grupo que entendeu que o sucessor do profeta
(o califa) podia ser escolhido dentre os muçulmanos comuns, enquanto outro grupo, o xiita,
defendia que o sucessor poderia ser eleito dentro da dinastia do profeta. Este conflito e a
fragmentação dele decorrente não eram os únicos, pois a história da região testemunhou
vários outros tumultos que decorreram também das interpretações diferentes dos textos do
Alcorão, por isso a formação política do Estado, durante o Império Islâmico, conheceu vários
tipos de dominação e o se verificou um modelo único. Desse modo, os conflitos sobre o
poder surgiram desde a aurora do Islã e permanecem até hoje sem uma solução plausível,
especialmente se forem considerados o desenvolvimento e a complexidade do Estado e da
sociedade decorrentes da modernidade, pois nesse pensamento não ocorreram novas
interpretações que levaram em consideração o novo papel do Estado, a complexidade das suas
funções e os tipos modernos da formação política.
O espírito e os conflitos tribais estiveram por trás do fracasso da implantação de um
sistema democrático islâmico no Mundo Árabe, naquela época precoce do surgimento do
Estado islâmico. As idéias das correntes islâmicas também não encontraram oportunidade
para serem aplicadas por causa da preponderância de outras correntes e forças sociais
seculares. Os receios ligados à aplicação das idéias islâmicas da dominação foram um dos
fatores principais da sua rejeição.
62
Desde a queda do Sistema do Califado (sistema de sucessores do Profeta Maomé) em
Bagdá, em 1258, o sonho dos muçulmanos é recuperá-lo. Na contemporaneidade, o único
sistema político que se aproximou do modelo idealizado pela Teoria da Dominação no Islã foi
aquele que decorreu da Revolução Iraniana, entretanto os iranianos xiitas são pérsios, não
representando, pois, os árabes, além do que a prática xiita expressa um sistema político
representativo tradicional mais que um modelo islâmico genuíno de dominação.
Al-mawirdi, que viveu entre 911-1031, descreveu as condições e os requisitos de um
governo islâmico. O fundamento da legitimidade desse tipo de governo é que Deus é o
detentor da soberania e o homem é o seu assessor na Terra (o califa), estando este princípio
disposto na Al-shariia. O direito de governar é dado por Deus e o governante deve juntar, em
suas mãos, ambos os poderes, o espiritual e o secular.
São requisitos indispensáveis de escolha de um governo islâmico:
a) Governar conforme o que Deus revelou no Alcorão Sagrado e consoante as práticas e
tradições obtidas do Profeta Maomé (Sunna);
b) A dominação deve ser baseada no Princípio da Shura (da deliberação) entre os
muçulmanos para todas as questões ligadas à vida pública;
c) A dominação deve ser baseada na concordância e na aceitação do mandato do
governante por parte dos governados.
O Islã tornou a igualdade e a liberdade princípios fundamentais da dominação. O
significado destes princípios no islamismo é diferente daquele do Ocidente, por não serem
individuais e por serem condicionados pela realização do bem público uma vez que o
interesse social constitui uma responsabilidade coletiva.
O papel do governante, conforme a Teoria da Dominação no Islã, é supervisionar a
execução dos mandamentos de Deus. O governante é um funcionário eleito por parte da nação
muçulmana (Umma) e a sua legitimidade é condicionada pela obediência aos mandamentos e
às leis de Deus. Os conflitos sociais e políticos podem ser resolvidos conforme uma
interpretação dos textos sagrados no Alcorão e na Sunna. A obediência e a lealdade são
dirigidas só a Deus.
O povo escolhe o seu governante com base na religiosidade, moralidade e capacidade,
através de uma assembléia representante do total da população. A função de tal assembléia
ultrapassa a escolha do governante e passa a supervisionar, fiscalizar e corrigir os atos deste.
63
uma assembléia legislativa presidida pelo governante. Esta assembléia é composta
de homens experientes nos negócios da religião, com uma margem garantida de participação
popular para ambos os sexos.
A questão mais importante encarada pelo pensamento islâmico, desde o seu
surgimento, é a do Califado, ou seja, a da alternância no poder. Esta dificuldade, que tem
acompanhado todas as tentativas de estabelecimento de um Estado islâmico, ainda não foi
resolvida.
Desse modo, entende-se que não é o islamismo que refuta a idéia da democracia no
Mundo Árabe uma vez que oferece preceitos e mecanismos suficientes e seguros para
construir um regime democrático o qual sugere ultrapassar o modelo representativo para outro
mais abrangente e o faz priorizando a igualdade sociopolítica, defendendo a liberdade de
escolha dos governantes, invocando o controle dos atos do gestor público e definindo o
princípio da deliberação para a tomada de decisões. Logo não se pode atribuir ao Islã o
obstáculo à democratização do Mundo Árabe, a não ser que esta esteja necessariamente
vinculada à implantação do modelo liberal, posto que esse modelo traz a desigualdade social
tão rechaçada pelo Islamismo.
O subdesenvolvimento político das sociedades árabes-muçulmanas decorre de fatos
históricos relacionados à colonização e às constantes intervenções estrangeiras. Os sistemas
políticos seculares e não religiosos foram os responsáveis pela subjugação e repressão dos
cidadãos árabes. Outrossim, outro fator que concorre para a manutenção dos sistemas
políticos autoritários nessas sociedades é a existência do conflito árabe-israelense haja vista
que a idéia do enfrentamento do Estado de Israel é plausível diante de um Estado
centralizado.
3.3 CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE CULTURA POLÍTICA
O conceito cultura tem uma longa e complicada história que produziu muitas
variantes e ambigüidades. Não se pretende, neste estudo, aprofundar o assunto da cultura
política nas duas sociedades sujeitas ao presente trabalho, pois esse tema constitui um objeto
de amplas e detalhadas especulações. O conceito cultura política constitui um instrumento
analítico da ciência política, pois a cultura política explica, em parte, o comportamento
64
político. Um fator importante está relacionado à congruência entre a cultura de um povo e o
seu tipo de sistema político, pois as sociedades nas quais as estruturas e formas de
organização sociais são dominadas pelas relações primárias hierarquizadas, não se espera a
construção de um sistema político democrático. Outhwaite e Bottomore (1993) afirmam essa
premissa quando se referem à relação entre o estabelecimento de uma democracia estável e
alguns tipos de culturas políticas. Para esses, o conceito cultura é considerado uma variável
explicativa que conta do fracasso da democracia, ao estilo ocidental, em firmar raízes nos
países menos desenvolvidos do Terceiro Mundo, onde a fragmentação cultural e os hábitos
tradicionais, ao que se supõe, minam os padrões constitucionais. Thompson (2002) apud
Geertz assinala que o conceito cultura se refere ao caráter simbólico da vida social e dos
padrões largamente compartilhados por parte de uma unidade social ou pelo conjunto de
cidadãos para formar uma personalidade nacional destacada de outras por certos hábitos,
visões do mundo, comportamentos e atitudes perante várias questões.
Bobbio (2000) se refere à importância da cultura política como fenômeno que reside
na sua capacidade de distribuição dos conhecimentos relativos às instituições, à prática
política, às forças políticas operantes num determinado contexto, às tendências mais ou menos
difusas, como, por exemplo, a indiferença, o cinismo, a rigidez, o dogmatismo, o fanatismo
ou, ao contrário, as tendências de confiança, de adesão, de tolerância, dentre outras. Bobbio
ainda define a cultura política como um conjunto de tendências psicológicas à política e
distingue três tipos dessas tendências: a primeira é cognitiva relacionada aos conhecimentos e
às crenças que o indivíduo acumula sobre o sistema político; a segunda tendência é a afetiva
que se revela nos sentimentos nutridos em relação ao sistema e a terceira é a tendência
valorativa que compreende juízos e opiniões ou avaliação sobre as instituições dos sistemas
políticos e seu desempenho, sobre as personalidades e sobre a política de modo geral.
Assim, quando se trata da transição e da consolidação de um sistema democrático, não
se pode negligenciar o papel da cultura política da sociedade em questão. A cultura política é
formada por um conjunto de valores produzidos por fatores geográficos, circunstâncias
históricas, crenças e pelo modo de educação do povo. elementos que são mais estáveis e
cuja constância é, relativamente, mais douradora que outros, sujeitos a mudanças. Os valores
se relacionam a um conjunto de critérios socialmente aceitos e historicamente estabelecidos a
fim de ordenar a vida dos cidadãos. O sistema de valores sofre, de modo geral,
transformações lentas e gradativas. As mudanças, nesse aspecto, são realizadas através de um
longo processo histórico no qual existe uma interação e uma miscigenação crescente entre um
65
povo e o seu meio ambiente determinadas por fatores e condições econômicas, políticas,
culturais e religiosas.
Em ambos os países sujeitos ao presente estudo, observa-se que as tradições e os
hábitos e, conseqüentemente, a mudança nos valores políticos têm sido lentas e não foram
bastante influenciadas pelo processo da modernização, cujo impacto tem atingido mais
efetivamente outros lados da vida material e tecnológica. Essa realidade é confirmada por
Hantington (1993) quando se refere à lentidão dos processos de transformações culturais e os
considera mais difíceis de conciliar.
Faz-se necessário tecer algumas considerações genéricas e resumidas sobre as
características das culturas dos dois povos, o egípcio e o libanês, e sobre os fatores que
contribuem para a formação dessas culturas políticas.
3.2.1 A cultura Política no Egito
O Egito experimentou, durante a sua longa história, um poder absoluto centralizado,
pois esta sociedade pertenceu à categoria do modo asiático de produção, ou seja, às
sociedades hidráulicas. Hamdan (1980) assinala que a criação e a centralização do poder eram
socialmente necessárias para organizar os negócios da primeira sociedade agricultora estável
da história humana. O poder do Estado surgiu como exigência da coordenação da exploração
das águas do Nilo, do enfrentamento coletivo dos perigos das enchentes que o rio causava e
da defesa da terra geopoliticamente vulnerável, por isso pode-se observar a posição
privilegiada dos militares na estrutura social durante a longa história deste país. O Nilo,
corrente do Sul ao Norte, tem constituído a união egípcia. O perigo e o benefício conduziram
a dois efeitos importantes, quais sejam, a ordem e a união. Uma das características da cultura
política, determinada pelos fatores históricos e geográficos do ambiente, é representada pela
deificação dos detentores do poder, pela submissão e pela obediência aos mandamentos da
autoridade enraizados na personalidade nacional do cidadão egípcio. A obediência às leis é
considerada como uma qualidade quase instintiva do povo egípcio. Devido à importância da
ordem e da união, os conflitos têm diminuído em favor dos requisitos da harmonia.
O modo asiático de produção implantou certos valores e tendências no povo egípcio,
perante o poder, representados por uma submissão a uma forma de governo centralizado. As
66
atitudes passivas do cidadão egípcio perante o poder político encontram aqui as suas raízes.
No caso egípcio, observa-se a influência do fator geográfico sobre a política através do
fortalecimento do poder absoluto.
O governo se tornou o Senhor através da sua posição intermediária entre o Nilo e o
povo egípcio. Era um tipo de contrato social estabelecido através dos benefícios a serem
garantidos com a exploração da água e da proteção dos perigos causados por ela em troca da
obediência ao poder absoluto. Desde muito, os egípcios perceberam a grandeza do poder e
a impossibilidade de se rebelar ou contrariá-lo, por isso passaram a ter dúvidas sobre o poder,
se afastaram da participação e, desse modo, difundiram-se os valores da passividade e do
ceticismo.
Assaid e Mahran (1998) afirmam que constituições egípcias sempre foram feitas pelas
autoridades, a quem se atribuía um dom soberano e, consequentemente, estiveram sujeitas em
suas reformulações à vontade do governante. Outro fator importante, como afirma Hanafi
(2005), está relacionado à incapacidade das organizações, como a Igreja e a nobreza e as
organizações profissionais, de libertar a sociedade do autoritarismo, como aconteceu no
Mundo Ocidental.
Uma fonte do poder do governo egípcio reside ainda no fato de que o Estado
representa o empregador principal, utilizando a sua propriedade e o controle dos grandes
recursos. O governo, através desta propriedade e do controle do emprego, influencia a escolha
do cidadão inclusive a política. Ademais, a concentração da população em uma área plana e
pequena, sem acidentes geográficos naturais dificultosos, como ocorre com a do Egito,
facilita tal controle.
Bader Addeen (1986) descreve que muito foi estabelecido, culturalmente, que a
obediência ao governo é necessária e natural. Os valores relacionados ao poder político são
transmitidos de uma geração a outra através do processo de educação. Mas a obediência não
constituía um valor absoluto, uma vez que o Egito conheceu várias rebeliões e revoluções
contra os seus repressores e às invasões estrangeiras. A obediência sempre é condicionada
pela capacidade do governo de garantir as necessidades vitais mínimas dos cidadãos.
Saif Addaula (1986) afirma que a passividade política é causada pela desesperança,
por parte de cidadãos, na participação, uma vez que é costume o governo tomar as decisões e
iniciativas. Os intelectuais são passivos por causa da marginalização do seu papel e mostram,
frequentemente, uma conduta mestiça de medo, aventura, conflito, indiferença, oportunismo e
hipocrisia.
67
Bader Addeen (1986) assinala que a tendência da aceitação do autoritarismo, por parte
dos egípcios, encontra sua explicação parcial no modo de educação social dominante,
especialmente dentro da família que é considerada o instrumento mais importante e influente
do processo educacional, ou seja, as raízes psicológicas da atitude dos cidadãos perante o
autoritarismo são formadas dentro da família. Na família egípcia, a exemplo das demais
famílias no Mundo Árabe, existe certa hierarquia, onde o pai ocupa uma posição central e
essencial no poder absoluto que o possibilita subjugar os membros da sua família. A
implantação dos valores da obediência constitui o objetivo principal do processo da educação
familiar. Na maioria dos casos, os membros da família não participam na tomada de decisões
uma vez que estas são tomadas em seu nome. De fato, uma rejeição do papel dos mais
novos por parte dos mais velhos dentro de uma hierarquia a qual restringe a participação do
cidadão ao longo da sua vida. De fato, os cidadãos, muitas vezes, não percebem a injustiça
que caracteriza essa relação por causa dos costumes. A família autoritária paralisa as
habilidades da criança e cria um cidadão medroso que aceita os valores de um sistema político
autoritário sem resistência.
As características da personalidade autoritária, que foram implantadas pela família,
crescerão e se fortalecerão em estágios posteriores da vida, na escola, na universidade e na
vida profissional. O cidadão é formado por várias instituições autoritárias e envolto, em toda a
sua vida, por autoridades de diversas espécies.
No campo, cuja população constitui a metade do povo egípcio, existe, além das
instituições ditas acima, a autoridade dos chefes de tribos (Umdas) que dominam com base
em regras tradicionais. O processo da modernização não tem tido um impacto considerável
sobre esta situação, pois a maioria dos habitantes das cidades é de origem camponesa os quais
influenciam as próprias relações da cidade e as deixam marcadas por características
camponesas.
Bader Addeen (1986) se refere à religiosidade do povo egípcio como um fator de alta
importância na formação da cultura política desse povo. Desde a antiguidade, os egípcios são
conhecidos pela sua religiosidade. A maioria dos egípcios era cristã-cóptica, mas se converteu
ao Islã na segunda metade do século X d.C. O Islamismo, desde então, constituía o recurso
principal da reestruturação da cultura egípcia, em especial, a política. A maioria dos
pensadores muçulmanos clássicos (os xeiques), em especial, os sunitas, defendem a idéia da
submissão ao poder afirmando que não nada pior que a desordem que pode decorrer da
desobediência. Uma vez que o Egito segue a facção sunnita, o povo foi influenciado pela
68
idéias do pensamento desta facção que são idéias pacificadoras compatíveis com a natureza
egípcia pacífica e pouco contestadora. Assim, os efeitos do modo asiático de produção,
enraizados na personalidade egípcia, se juntaram com as idéias do islamismo sunita para
conservar o modo autocrático da dominação.
Essas tradições não foram modificadas durante o contato com o Ocidente,
especialmente na invasão francesa ao país no século XVIII e durante o período colonial
inglês.
Hammad (1994) afirma que a Revolução de Julho constituiu um passo
qualitativamente progressivo na formação de uma cultura política mais libertadora. Os líderes
dessa revolução utilizaram o islã para formar um vínculo com o povo, valendo-se de uma
interpretação modernista do Islã o qual constituiu uma das ferramentas mais fortes para
realizar os objetivos da elite recém-dominante. As idéias religiosas foram interpretadas para
que fossem compatíveis com os objetivos da modernização e com as metas do socialismo e do
arabismo e para que fossem utilizadas como elementos da mobilização.
A homogeneidade do povo constitui um fator importante na garantia da estabilidade e
da integração as quais são variáveis influentes sobre a consolidação nacional. A língua árabe
contribui para essa integração, visto que mais de 98% da população fala este idioma. A
homogeneidade lingüística desempenha um papel decisivo na consolidação dos fundamentos
de uma cultura nacional unificadora. A hegemonia religiosa também representa um fator
principal da integração nacional e da estabilidade, uma vez que mais de 90% da população
são muçulmanos sunitas. Geralmente, a maioria religiosa muçulmana convive em harmonia e
paz com outras facções religiosas não-muçulmanas. As diferenças se limitam em crenças
religiosas e não se estendem para constituir uma ameaça à integridade nacional.
Não há dúvida de que algumas mudanças ocorreram a partir da Revolução de Julho de
1952. Este acontecimento constitui o fim da era da dominação estrangeira e o começo da
instituição de um Estado-nação realmente independente e no qual o povo egípcio pode obter
significados positivos sobre a política e o governo.
3.2.2 A Cultura Política no Líbano
A cultura política no Líbano é o produto dos conflitos. Muitos fatores têm contribuído
para aprofundar os sentimentos, as atitudes e o comportamento deste povo misto que ainda
69
não encontrou um caminho para construir uma personalidade nacional e, conseqüentemente,
uma cultura única.
A cultura de conflito predomina, na cena política, desde a Primeira Guerra Civil, no
final do século XIX, e foi aprofundada na segunda guerra nos anos 70.
Attahiri (1980) informa que entre os grupos libaneses um sentimento de medo, de
vingança e uma falta de paz e de segurança. Esta cultura tem sido alimentada pela situação de
instabilidade política decorrente da ocupação dos israelenses na terra dos palestinos que
contribuiu para o surgimento do problema dos refugiados e a sua presença no Líbano. Tal
cultura também é apoiada por fatores externos regionais e internacionais.
Shuaib (2005) afirma que um dos fatores que enraizaram a cultura libanesa foi o
conflito entre os líderes proprietários de terra, especialmente os maronitas, e o papel decisivo
dos líderes religiosos na escalação deste conflito. Outros fatores regionais e internacionais
foram o conflito entre a França e a Inglaterra que visavam à dominação do Oriente Árabe e o
enfraquecimento do poderio do líder egípcio Muhammad Ali e da dominação turca. Os líderes
libaneses exploraram estas potências no conflito travado dentro do Líbano, mas terminaram
prisioneiros delas.
Na região da Montanha existiu uma seleção racial aguda entre 1843-1861, por causa
do compartilhamento dessa região entre duas divisões; a maronita, sob a influência francesa, e
a drusa, sobre quem a Inglaterra e os turcos gozaram de certo poderio. Até hoje, observa-se
que as escalações de conflitos e de massacres exigem, cada vez, mais intervenções
estrangeiras.
Corom (2004) assinala que há uma situação de preocupação e de ansiedade vivida pela
sociedade libanesa desde o final dos anos 60 do século XX. Aqui não se trata do conflito de
classes como foi idealizado pela teoria marxista. Refere-se a um fenômeno mais abrangente e
mais perigoso que paralisou o desenvolvimento dessa sociedade e a saída das relações
autoritárias tradicionais. Este fenômeno representa todos os obstáculos que se levantaram à
frente da maioria do povo libanês nas suas tentativas de construir as condições do progresso;
não apenas o econômico, mas também de chegar a um estágio da cidadania abrangente que
permita a todos os cidadãos uma posição social compatível com as suas habilidades.
Um dos obstáculos que constitui fonte de preocupação é a continuação do privilégio
familiar, clânico e regional. De fato, o que distingue o Líbano do resto dos países árabes é,
exatamente, esta contradição entre um desenvolvimento socioeconômico incomparável na
região, de um lado, e a predominância das relações sociais autoritárias tradicionais, de outro.
70
O desempenho da administração pública no Líbano é dominado pelas relações
familiares dentro do quadro de equilíbrios confessionais e regionais. Estas relações e as suas
conseqüências negativas relacionadas à insuficiência dos aparelhos administrativos causam
uma situação de indignação e de queixas por parte da maioria do povo libanês por causa da
falta de igualdade nas oportunidades. Tarhini (1981) se refere às tendências do espírito
revolucionário que puderam ser observadas nas confissões mais marginalizadas, como a drusa
e a xiita, e as suas reações, durante a Guerra Civil, e revela o descontentamento delas quanto
às relações sociais que privilegiam poucas famílias. Realmente, embora haja confissões
privilegiadas, dentro destas existem as mesmas divisões, isto é, famílias subjugadas e
subordinadas àquelas grandes famílias tradicionais. A Guerra Civil representa uma evidência
importante, pois constituiu o escapamento de uma repressão crônica acumulada na sociedade
libanesa por parte de ambos os lados; os muçulmanos e os cristãos. Era uma guerra que visava
à igualdade nas oportunidades e à ampliação das bases de obtenção do privilégio social.
Tai (1978) assinala que o confessionalismo e o seu uso por parte de atores domésticos,
regionais ou internacionais têm contribuído para a agravação dos problemas ligados à
construção de uma cultura nacional unificadora. um tipo de trauma psicológico resultante
das experiências dos conflitos e das guerras sangrentas. Discriminações, rancores, medo dos
cidadãos de outras confissões e crenças imutáveis adquiridas no seio das próprias confissões
marcam as relações interpessoais.
A realidade histórica é que as confissões não eram entidades políticas, mas meras
facções religiosas e espirituais. Todavia, após a colonização européia, especialmente a
francesa, as confissões foram politizadas. Os líderes tradicionais utilizaram esse processo de
politização para manter o poder e o privilégio e daí surgiu o papel da confissão como uma
fonte e como um instrumento do poder, consequentemente surgiu a era do conflito entre tais
líderes e a formação da cultura de conflito.
Corom (2004) afirma que, numa situação de dominação confessional autoritária, os
indivíduos perdem a sua liberdade. O homem não obtém uma franca liberdade de expressão
fora da cadeia dos pensamentos superficiais e simplificados predominantes dentro da sua
confissão. Quando a confissão se tornou uma fonte do poder político, as práticas se tornaram
violentas e houve a perda das liberdades individuais, ou seja, perdeu-se o cerne da cidadania.
Quando as confissões se tornaram entidades políticas em detrimento das liberdades
individuais democráticas, a representação se concentrou, por sua vez, em mãos dos fanáticos
confessionais e não com aqueles detentores de habilidades e da lealdade nacional.
71
Outra questão de alta importância tem sido o equilíbrio do poder islâmico com o
cristão que está sendo reivindicado para reformar o sistema político libanês. Na verdade, a
questão da dominação no Líbano não se refere aos poderes confessionais em equilíbrio, mas à
ascensão ao poder dos libaneses leais e competentes sem consideração da sua afiliação
confessional, pois a afiliação herdeira de uma confissão não constitui uma garantia de um
regime justo e transparente.
Corom (2004) assinala que a cultura de conflito, para realizar as suas metas, divulgou
várias falácias históricas e dados equivocados sobre a realidade libanesa. Esta cultura se
assenta em dados parciais e imutáveis para torná-los realidade permanente e eterna,
exagerando na sua generalização como características essenciais da vida dos libaneses. Os
cristãos, por exemplo, alegam que as confissões cristãs no Oriente sempre foram reprimidas e
que os muçulmanos jamais os aceitarão como cidadão de direitos completos. Mais ainda, os
cristãos alegam que os muçulmanos têm imposto, ao longo da história, discriminações de
todos os tipos para garantir a inferioridade cristã. Esta não é a realidade, pois o islamismo
proíbe a imposição de quaisquer restrições sobre o cristianismo e sobre o judaísmo, além de
garantir os direitos de propriedade e o exercício de atividades econômicas. A questão
principal do destino cristão no Oriente, na verdade, não é a existência cristã religiosamente ou
materialmente ameaçada, como aconteceu em vários lugares no mundo, a questão é a
definição da extensão do poder político que o elemento cristão pode gozar.
De outro lado, a cultura dos muçulmanos libaneses não é menos equivocada que a
cristã. Aquela cultura alega que as confissões cristãs têm se envolvido sempre no serviço do
colonialismo com as forças estrangeiras e que os cristãos, em especial os maronitas, têm
concessões sociais insuportáveis que põem o cidadão muçulmano numa categoria bem
inferior. Conforme essa cultura, a distribuição da renda, as distorções na governança e as
tragédias que o Líbano tem testemunhado têm como fonte a errática mentalidade política
maronita. Os muçulmanos vêem os seus conterrâneos cristãos como separatistas, traidores e
cooperadores com os estrangeiros, cujas concessões estão florescendo em detrimento dos
muçulmanos pobres. Os muçulmanos colocam dúvidas sobre a lealdade dos cristãos, apesar
da grandiosa contribuição destes no movimento de libertação contra o colonialismo e contra
Israel.
Desse modo, pode-se dizer que a cultura política libanesa é a de conflito. Um dos
requisitos para a construção de uma cultura política nacional no Líbano é a separação do
indivíduo deste poder tradicional, pois a solidariedade do indivíduo com a sua família, tribo,
72
clã ou confissão é uma característica das sociedades pré-modernas. Para isso, é necessário que
seja feita uma definição constitucional exata do papel das confissões e que seja removida a
ambigüidade no que diz respeito à fonte do poder. Outro requisito é relativo à construção de
uma sociedade civil efetiva protegida pelo poder de um Estado moderno no qual os indivíduos
possam se livrar do poder das suas famílias, tribos, clãs ou confissões. Um Estado forte e
imparcial será o único substituto das instituições tradicionais que têm garantido a integridade
dos cidadãos, especialmente nas épocas de crises.
Na verdade, como afirma Zahir (1981) a diversidade religiosa é uma característica
essencial da sociedade libanesa e a harmonia marcava as relações entre as confissões aque
elas foram politizadas, no final do século XIX, com a intervenção das forças estrangeiras.
Desde o século VII, d.C, o Islã e o Cristianismo coexistiram no Líbano de maneira
equilibrada. Na Montanha do Líbano, como depois nas cidades litorâneas, existia uma
liberdade religiosa inigualável. Ao contrário das outras sociedades vizinhas do Líbano, nas
quais a facção sunita dominou desde o século XI e se tornou a única fonte da legitimidade do
poder político, o fundamento do Líbano sempre foi esta diversidade.
A cultura libanesa, então, é uma cultura coletiva consistente no melhor de ambas as
religiões, o Cristianismo e o Islã, de tradições, de liberdade religiosa, de tolerância e de
harmonia. O legado, sob este aspecto, é da liberdade, em especial, a liberdade intelectual e a
espiritual, também, a herança da moral, da tolerância em aceitar a diversidade intelectual que
rejeita o fanatismo.
Como foi dito, os conflitos começaram com o uso político das confissões por parte
dos estrangeiros na competição pelo controle da região, utilizando os líderes locais, um contra
o outro, para realizar tal objetivo. Desde a Primeira Guerra Civil, em 1860, as confissões
foram cada vez mais politizadas e as conseqüências desta guerra geraram sentimentos e
efeitos altamente importantes que influenciaram a mentalidade do cidadão libanês e,
consequentemente, compuseram a sua cultura. O clima de medo e de insegurança causados
pelas tensões políticas entre os líderes políticos, à luz do enfraquecimento dos aparelhos do
Estado e, talvez, da sua parcialidade, faz com que o cidadão adira à própria confissão e seja
dela prisioneiro, perdendo, assim, a sua liberdade pessoal e a capacidade de se realizar longe
desta esfera tradicional.
A liberdade que cada confissão tem gozado, especialmente na administração dos
próprios negócios, tem prejudicado os planos nacionalistas que visam implantar uma cultura
73
nacional através de uma política de educação civil livre da influência das instituições
religiosas.
A tendência para a separação, a desobediência às autoridades e a rebeldia constituem
características da personalidade do povo libanês. A não sujeição ao controle de um Estado
forte que pudesse impor a ordem, fez com que os grupos sociais, sob a liderança dos notáveis
tradicionais, se acostumassem a agir com base em normas próprias. Nesse aspecto, não se
pode negligenciar o papel do confessionalismo como importante elemento que domina os
sentimentos dos indivíduos e os move de modo auto-alimentado. Os grupos costumam a viver
com medo, com desconfiança e na expectativa cautelosa do perigo decorrente dos outros
grupos. Esta situação cria um estado quase permanente de mobilização e de defesa.
74
4 SOCIEDADE CIVIL
Na Grécia Antiga, Aristóteles não diferia Estado e sociedade, nem sociedade e
grupos ou estruturas sociais orgânicas da concepção contemporânea (comunidade). A não-
diferenciação entre as duas dimensões da identidade social foi o fundamento da afiliação à
cidade (pólis). No mesmo momento, ela era o fundamento da democracia direta. Como afirma
Chevallier (1985), para Aristóteles, tanto o Estado como a sociedade eram dados naturais.
A necessidade da demarcação entre o cidadão e o Estado resultou da separação
funcional entre o Estado e a casa e da diferença estrutural entre eles, isto é, a família como
uma unidade orgânica representada pelo chefe da família e o Estado como diverso.
A separação entre a casa e o Estado não era uma separação entre a esfera pública e a
privada como se aprende hoje. Os limites variavam entre eles dependendo da situação jurídica
e cultural predominante. A família não era um espaço privado, mas a menor síntese dos
componentes do Estado representada pelo seu chefe.
Bishara (2000) assinala que a esfera pública na modernidade é um espaço cultural,
legal e sociopolítico que se estende e se restringe. Este espaço pode se preocupar com o que
está ocorrendo dentro da família como pode considerar assuntos fora do Estado, sem isso o
significado do espaço público como também não um significado da sociedade civil de
concepção moderna. Também, o espaço privado na modernidade não significa que o chefe da
família, por exemplo, está isento da incidência da lei, ou seja, do poderio do espaço público.
O espaço público, no seu começo, não se limitava a uma abstração do Estado, mas se
livrou da similaridade com ele e desenvolveu a sua vida peculiar ao redor do Estado. O
espaço privado era uma abstração da família, mas se livrou também de se identificar com ela e
se tornou uma idéia auto-existente que podia se referir tanto ao indivíduo como às instituições
privadas na sua relação com o espaço público, que é a sociedade civil. Sem esta diferenciação,
a sociedade civil não pode partir para a sua história.
Conforme Alfalih (2002), Hobbes considerou as instituições sociais as quais foram
denominadas por ele como uma parte inseparável do espaço privado no qual a lei não tinha
alcance, isto é, aquele espaço que o Estado deixa à vontade livre e fora do seu campo
imperativo. O Estado para Hobbes era a própria sociedade civil e as associações foram a
primeira formação social do espaço privado.
75
A separação do indivíduo e a sua transformação em cidadão foi o resultado da
revolução política burguesa. Parece mais preciso considerar que o social/econômico, como
uma unidade, se separou do Estado e foi distinto dele no primeiro passo. Tal separação
encontrou a sua expressão nas distintas teorias do contrato social, em especial com o clássico
O Segundo Tratado sobre o Governo de John Locke.
Assubaihi (2000) assinala que o começo da distinção entre Estado e sociedade pode
ser encontrado com Montesquieu no Espírito das Leis e com Adam Smith no clássico a
Riqueza das Nações. A sociedade civil, conforme esta nova concepção teórica, tornou-se a
esfera em que pode ser feita a divisão do trabalho, a produção da riqueza e a contratação e o
intercâmbio de forma independente da esfera política.
Marcuz (1979) assinala que Hegel partiu da realidade alemã que exigiu a subestimação
da sociedade civil a favor do Estado o qual deve ser separado da sociedade e representa a
encarnação da liberdade. Marcuz afirmava, com base em Hegel, que a sociedade civil faliu em
instituir a razão e a liberdade e sugeriu que o Estado fosse o quadro forte para realizar aquele
fim.
Tocqueville (2004) a sociedade civil como intermediário que contrabalança o
Estado e delimita o seu impacto direto sobre os indivíduos ou representa o espaço sócio-moral
localizado entre a família e o Estado. A sociedade civil cada vez perfez mudanças, tendo
registrado novas articulações. Mas, em cada situação, manteve-se perante um ser humano
como indivíduo, uma sociedade como relação recíproca (social) entre os indivíduos e um
Estado distinto de ambos. A cada situação a que a sociedade civil se submetia, encontrava-se
uma desintegração, uma separação ou uma superação da unidade orgânica entre o indivíduo e
os grupos (as estruturas coletivas ou primárias) de um lado, e a diferenciação entre o Estado e
a sociedade, de outro. Foram distinções que reproduziram a unidade com base na sua
mediação, isto é, a mediação de seus elementos diferenciados para indivíduo, sociedade e
Estado através da organização da relação entre eles como uma relação jurídica.
Bishara (2000) afirma que a separação entre sociedade/política e entre casa/economia
ocorreu no auge do desenvolvimento legal nas eras antigas do Império Romano, quando
foram estabelecidos os fundamentos jurídicos para uma propriedade privada que separava o
Estado das propriedades dos cidadãos. Esta verdade é considerada o fundamento histórico da
separação entre o Estado e a sociedade. A lei civil (ius civile) era a lei vigente que
regulamentava as relações entre os cidadãos. Esta separação romano-jurídica se tornou uma
referência que pode ser reempregada no começo da modernidade, mas não constituía uma
76
condição histórica dela. A modernidade não partiu dela, porque deixou a arena da história
para um outro sistema sociopolítico que foi o feudalismo europeu. A modernidade partiu das
cidades do feudalismo europeu, e não de Roma ou de Atenas, depois do surgimento do
monarquismo absoluto no final da era do feudalismo e do seu sistema sociopolítico, quando o
Estado transformou-se em um instrumento, em uma organização independente diferenciada da
sociedade e não apenas da economia doméstica. Esta sociedade se desenvolveu para uma
sociedade de cidadãos na cidade européia livre à margem do feudalismo descentralizado.
Como conseqüência da descentralização do feudalismo, surgiu a sociedade de
cidadãos nas cidades livres, bem como a aristocracia feudal. Quando o Estado se destacou
como um objetivo auto-existente, como monarquia absoluta, encontrou perante ele um ente
denominado de sociedade. A relação entre o Estado e esse ente e entre eles e o cidadão
constitui o objeto do pensamento político da teoria política.
Zaidani (1994) assinala que a idéia da sociedade civil ingressou na filosofia política
como expressão da existência de uma relação entre dois pólos, quais sejam, a sociedade e a
política, inicialmente, através do conflito dentro da idéia do direito natural e depois através da
idéia do contrato social que foi baseada na primeira. No momento teórico em que o Estado foi
baseado no contrato, começou uma era cujo fim era considerar a sociedade precedente ao
Estado, capaz de se organizar fora deste e de ser a fonte da legitimidade e do controle do
Estado. Embora este momento tenha começado com a justificativa da monarquia absoluta
com Hobbes, acabou por negá-la e foi considerada a antítese da idéia e do espírito do contrato
social com Locke dentre outros pensadores.
A idéia de auto-reprodução da sociedade independente do Estado se tornou circulante
fora das condições da sua realização histórica, o obstante ser impossível sem a economia
capitalista ou a lógica da pós-acumulação primitiva do capital do mercado auto-gerido que
dispensava os mecanismos da coação requeridos a fim de obter a mais-valia nos sistemas pré-
capitalistas, mas se considera esta condição histórica do desenvolvimento da sociedade civil
uma condição teórica necessária, isto é, tornam-a uma parte inseparável do conceito da
sociedade civil no Ocidente.
Na verdade, não é necessário que esta correlação histórica se repita no mundo árabe. O
capitalismo existente nos países economicamente dependentes ou países não desenvolvidos da
periferia não é semelhante ao capitalismo revolucionário na sua inovação econômica e no seu
papel histórico-político. O capitalismo dependente não pode se reproduzir sem a mediação do
Estado em alguns casos ou sem a proteção do Estado em outros. Nos dois países, modelos do
77
presente estudo, especialmente no Egito, pode-se observar que o capitalismo surgiu de uma
maneira atrasada. Como resultado disso, a gênese, a evolução e a função do capital nesses
dois países foram diferentemente realizadas.
Bishara (2000) afirma que a sociedade civil encontrou a sua expressão política e a sua
primeira lei na Declaração de Direitos do Ser Humano e Cidadão após a Revolução Francesa,
quando se tornou praticamente a idéia da cidadania com o seu significado moderno e
continuou a se desenvolver desde então. Desde a Revolução Francesa e as transformações
paralelas nos EUA e na Inglaterra, a sociedade civil passou por várias metamorfoses. A etapa
atual, que começou nos anos 80, conduz a uma nova separação entre os elementos para
produzir uma sociedade civil de um nível mais elevado de diferenciação, de sínteses e de
relações entre os seus componentes.
Se este estágio atual significa o fortalecimento da auto-iniciativa social, das
instituições não-governamentais, das organizações feministas e do meio ambiente dentre
outras organizações não-parlamentares, a reivindicação pelo parlamento, pela liberdade da
expressão e reunião e pela abrangência do direito de voto foi um outro estágio.
A condição histórica necessária ao início da concretização da idéia da sociedade civil
como uma relação entre cidadão - sociedade - Estado foi a diferenciação da sociedade do
Estado. A sociedade civil surgiu somente pela diferenciação da sociedade do Estado e o
Estado, como abstração auto-existente, não surge a não ser com o aparecimento da sociedade.
O Estado também é um produto da modernidade.
A separação entre a república democrática e a sociedade civil tornou-se mais nítida
com Tocqueville quando a questão se tornou a de um Estado democrático que convive
simultaneamente e em equilíbrio com uma sociedade civil que o limita e o complementa. A
sociedade civil não era uma alternativa à democracia, mas uma garantia contra o absolutismo
do Estado.
Emile Durkheim (1999) expressou a necessidade de instituições civis entre o Estado e
o cidadão (rede de segurança) a fim de garantir uma cooperação recíproca e o enfrentamento
da situação de alienação dos indivíduos e de outros males sociais existentes como
conseqüência da dissolução das estruturas orgânicas da sociedade causada pela modernidade.
Bishara (2000) assinala que a sociedade civil, como conceito, sumiu da teorização
política por muitas décadas do século XX depois da divisão do pensamento político entre três
campos principais cada um com as suas ramificações, mas nenhum deles cedeu lugar para a
sociedade civil.
78
O fascismo, por exemplo, procurou uma identificação absoluta da sociedade com o
Estado até o ponto da dissolução daquela no Estado, dirigiu críticas agudas ao
parlamentarismo liberal considerando-o um sistema não-orgânico e distante do espírito do
povo e atribuiu a ele uma forte perda da peculiaridade do povo em favor de uma
generalização classista.
O pensamento socialista não deixou muito espaço para a idéia da sociedade civil
quando Marx limitou-a à sociedade burguesa e à sua atividade econômica e quando limitou o
Estado a um instrumento da classe burguesa contra as demais. Para Marx, a sociedade civil
era o mercado capitalista e o Estado, o seu aparelho opressivo e o objetivo era abolir ambos.
Conforme Marx, com a libertação do classismo e dos indivíduos da sua alienação, o Estado se
dissolve na sociedade. No socialismo científico, não separação entre Estado e sociedade,
mas conforme Marx (2002) existe uma clara distinção entre as duas esferas.
Marx negou o individualismo e a atomização dos indivíduos e do seu conflito na
sociedade civil porque, conforme ele, esta situação toma a forma de alienação dos indivíduos
da sua essência social e do gênero humano. Marx nega a separação entre o Estado e a
sociedade civil, evidenciando que o universo do ser humano moderno está dividido entre dois
mundos: o da política que se pressupõe que o homem nele vive livremente e o da realidade
econômica na qual os indivíduos se submetem às relações de exploração econômica.
A concepção de Gramsci sobre a sociedade civil está sendo empregada no debate
vigente no pensamento político contemporâneo. Gruppi (2000) esclarece a preocupação de
Gramsci com a idéia da hegemonia cultural nesse contexto histórico. Gramsci tornou-se capaz
de reconhecer a imensa energia da democracia que reside na sociedade civil, ou seja, de
reconhecer a importância da sociedade civil como uma forma de concretização da democracia
direta, a qual considera mais evoluída que a democracia parlamentar.
Gramsci (1984) assinala que os sistemas progressistas detêm uma cultura crescente e
um pensamento inovador dissolvendo as instituições da sociedade civil burguesa a fim de
reconstruir uma nova sociedade civil na qual as diferenças classistas sejam removidas até o
ponto em que o Estado seja dissolvido na sociedade. Ao contrário de outros marxistas,
Gramsci confere uma importância e uma prioridade para a superestrutura que apóia a luta e
garante a mudança social porque o conflito de classe está interpretado, essencialmente, no
âmbito superior da estrutura social, o âmbito dos conflitos político e partidário.
Conforme Gramsci, a classe operária somente poderá ascender ao poder quando o seu
pensamento obtiver uma hegemonia cultural sobre a sociedade. Mas não pode ser realizada
79
uma hegemonia cultural para as idéias da nova igualdade social sobre a sociedade sem um
controle econômico ou político por meio do capital ou através do Estado. Nesse aspecto se
manifesta a importância da sociedade civil para Gramsci a qual está relacionada à concepção
da hegemonia contra a dominação. Há um espaço social que se desenvolveu sob o capitalismo
que é o espaço da hegemonia cultural sobre a sociedade. Este espaço não é o da economia. Ele
é uma parte da superestrutura, mas não a do Estado.
Segundo Assubaihi (2000), essa visão marxista desenvolvida por Gramsci parece uma
volta a Hegel com a invenção de um espaço social diferenciado da economia e da política,
observando-se que a diferença na invenção gramsciana de uma sociedade civil é baseada nas
associações proletárias, nos conselhos trabalhistas e nos partidos da esquerda e não em
associações hegelianas comunitárias. Além disso, Gramsci inverte completamente a fórmula
hegeliana sobre o Estado. O Estado para Hegel é o espaço moral por excelência; para
Gramsci, não consiste em qualquer valor ou conteúdo moral, ele simplesmente domina e a sua
arma é a coerção e não o consentimento ou a persuasão.
Assaied (1993) afirma que, conforme Gramsci, os conflitos políticos ocorrem na
sociedade civil e adquirem uma forma cultural. A sociedade civil não é a base material do
Estado nem o espaço do mercado onde ocorrem os contratos econômicos recíprocos entre os
proprietários. A sociedade civil é, conforme os termos marxistas, a estrutura superior na qual
não apenas se refletem os conflitos econômicos, mas é o espaço decisivo para a escalação do
conflito econômico e da sua determinação. Em algum sentido, no que diz respeito à
consciência humana, a superestrutura que constitui o espaço real e determinante e a
exploração econômica das pessoas não teriam um valor se não penetrassem nas suas
consciências e culturas, se não fossem convencidas pela necessidade da resistência e se não
fossem movidas pela alternativa para o sistema social capitalista predominante.
Gramsci procura meios através dos quais a filosofia se transforma em cultura, isto é,
em política, ou seja, prática. Acredita que as instituições voluntárias podem desempenhar um
papel importante nisso, não sendo, contudo, suficientes e que uma nova religião para o povo
pode complementar esta missão.
Gramsci nas uniões e nas instituições sociais voluntárias o espaço por meio dos
quais a burguesia realizou a sua hegemonia cultural, por isso ele não transfere a elas a missão
da mudança.
Os instrumentos gramscianos essenciais, através dos quais os cultos orgânicos
detentores do pensamento da mudança devem trabalhar, são o partido socialista e os clubes e
80
conselhos operários. Conforme Gramsci, não se pode realizar uma revolução apenas para os
trabalhadores.
Finalmente, a contribuição de Gramsci não reside na restauração da idéia da sociedade
civil, mas na reabilitação da cultura e da ideologia, por não se limitar, como a maioria dos
marxistas, em marcar a ideologia como pseudo-consciência e por atribuir ao fator humano
subjetivo a ação decisiva da mudança.
Gramsci recusa a tendência econômica e a considera uma superficialização das idéias
de Marx cuja contribuição intelectual resume-se na reabilitação do ser humano. Conforme
Gramsci, o propósito da compreensão da economia é o da libertação do ser humano das leis
da economia que o submete e acaba por controlar a sua consciência. Tal libertação será
subjetiva com a ação do próprio homem.
A cultura predominante na sociedade civil é aquela que goza de um consentimento
rotineiro por parte do blico, embora sirva aos interesses de uma categoria social específica.
Quando a cultura da classe dominante falha em realizar esta consonância social, o Estado
desempenha-o através da legislação apoiada pelo monopólio da força.
Concordando-se que existem dois lados do processo da dominação do Estado que
atingem a sociedade civil e a política, um deles se aplicando pela coerção e pela dominação e
o outro pelo consentimento e pela hegemonia, adquire-se um modelo mais evoluído para a
compreensão do mecanismo da dominação mais complexa do marxismo daquela época.
A interpretação gramsciana é plausível para explicar, de modo geral, a atual situação
no mundo árabe e, especialmente, no Egito e no Líbano quando pressupõe que, ao surgir uma
situação histórica na qual o processo da hegemonia se torna difícil por causa da fragilidade
das instituições da sociedade civil, o papel da violência cresce para realizar a mudança
requerida. Por outro lado, uma situação histórica na qual a classe dominante perde
completamente a hegemonia cultural pode surgir, assim os velhos valores entram em
decadência, o respeito por parte do povo à hierarquia desaparece e quando se expande a
concepção de que a política é uma espécie de mentira, sem que a ideologia revolucionária se
torne uma cultura hegemônica, ou seja, quando o velho sofre erosão e se escava sem que o
novo vença, também o papel da violência aumenta para que a classe dominante assegure o
poder enquanto se expande a indiferença política e o oportunismo material direto nos meios
amplos da massa.
81
Gramsci, então, considera a hegemonia o instrumento essencial da dominação
democrática; enquanto que a dominação, o do sistema ditatorial. Observa-se que os dois
elementos existem em maior ou menor grau em qualquer sistema político.
Alkhuri, (1993) assinala que, nas cidades árabes, uma característica peculiar: o
fenômeno da ruralização das cidades. Ele observou que não apenas cidades que
representam estruturas ruralizadas, mas, além disso, elas são compostas de bairros de
agregações humanas com experiências sociais, regionais ou confessionais específicas. São
grupos que tendem a interagir intensamente dentro de si, embora se comuniquem
limitadamente com outros grupos devido às necessidades da vida e do trabalho.
Dentro dessa estrutura social, é importante esclarecer dois pontos: no primeiro, a
religião, em especial o sistema cultural árabe-islâmico, constitui a referência direta para a
maioria das categorias sociais quer no campo, quer nas cidades ruralizadas, embora os
habitantes do campo estejam mais saturados pelos valores deste sistema. O segundo ponto é a
questão da classe média e a sua relação com a sociedade civil e, consequentemente, a relação
disso com o Estado e as tendências democráticas, verificando-se o grau de independência
desta classe em relação ao Estado ou a sua capacidade de provocar pressões no sentido de
formar uma sociedade civil efetiva na busca da democracia.
Comparando-se o Mundo Árabe com a experiência ocidental, verifica-se a
dependência da classe média árabe do Estado, pois a formação desta classe vincula-se com a
economia do Estado que tem sido essencial durante séculos. Isso é nítido tanto no Egito
quanto no Líbano.
Alfalih (2002) assinala que, diferentemente do que aconteceu no Ocidente, as cidades
árabes não puderam desempenhar o mesmo papel na gênese da sociedade civil assim como foi
com as cidades ocidentais por terem estruturas ruralizadas ligadas com formações sociais de
características regionais, familiares, tribais ou confessionais.
No Mundo Árabe, a idéia da sociedade civil, as suas forças e os seus elementos atuais
são incapazes de realizar a transformação democrática, fortalecê-la ou preservá-la. Então, é
preciso solucionar a questão da democracia e da sociedade civil de um lado e, de outro, a
democracia e o liberalismo como espaços abertos de liberdades.
A estrutura e o conceito da sociedade civil, tal como se afiguram atualmente no
Mundo Árabe, precisam de algumas mudanças que possam incluir os grupos tradicionais e
modernos sem exclusão, especialmente porque as estruturas tradicionais ou ruralizadas ainda
estão ativas e são predominantes.
82
Hiraiqu, (2000) assinala, partindo da idéia de inclusão, que é necessário incluir as
forças tradicionais como uma base de diversidade que evite o autoritarismo.
Alfalih (2002) pressupõe que a idéia da sociedade civil contradiz a estrutura
cidade/campo, as suas forças e seus sistemas de valores. Tal estrutura, usualmente, está sendo
caracterizada pela ruralização da cidade. Isto significa que quanto maior a ruralização da
cidade como acolhedora da sociedade civil, maiores serão as problemáticas, que aumentam,
por sua vez, a negação da idéia da própria sociedade civil e a sua rejeição em bloco, porque
nas cidades como o Cairo e Beirute há grupos com experiências rurais diferentes e que se
mantêm isolados e distantes. Isso se complica ainda mais quando se leva em consideração a
sua relação como o sistema de valores culturais religiosos.
A sociedade civil representa as instituições políticas, econômicas, sociais e culturais
que funcionam nos seus campos distintos, independentemente do Estado, a fim de realizar
diversos objetivos, entre eles alvos políticos como o da participação no processo da tomada de
decisões, alvos sindicais como a defesa dos interesses dos seus membros e alvos culturais.
É importante incluir os partidos políticos na esfera da sociedade civil devido à sua luta
pela democracia e ao seu papel decisivo como representantes de forças sociais de oposição,
embora os partidos políticos tenham características peculiares que os diferenciam das outras
organizações da sociedade civil por visarem o poder como objetivo principal. As redes de
organizações da sociedade civil podem formar alianças com os partidos políticos, todavia se
os partidos dominarem as associações da sociedade civil, elas poderão perder a sua posição
essencial na sociedade política e, conseqüentemente, perder a capacidade de desempenhar as
suas funções de mediação, de fortalecimento e de construção da democracia.
Turner (1984) define a sociedade civil no Mundo Árabe como uma rede de instituições
(clericais, familiares, tribais, sindicais antigas, uniões e grupos) que se posicionam entre o
Estado e o indivíduo e que vinculam este com a autoridade e o protege da dominação política
do Estado. Disso se infere que as organizações secundárias acima citadas desempenham papel
de mediação juntamente com as organizações modernas e por isso são consideradas como
instituições essenciais componentes da sociedade civil no Mundo Árabe.
Assubaihi (2000) assinala que a sociedade civil passou por um processo de gênese e
de evolução histórica no âmbito ocidental, onde nasceu e se desenvolveu. Contudo, no Mundo
Árabe, ainda se encontra na fase de gênese e em circunstâncias qualitativamente diferentes
daquelas vividas no Ocidente em razão de diversos fatores sejam culturais, econômicos,
políticos e sociais.
83
O significado do conceito da sociedade civil representa várias respostas consoante os
momentos históricos, como a resposta da dominação de um partido único nos países
comunistas a fim de encontrar uma referência social fora do Estado, como a resposta à
burocratização e à centralização do processo de tomada de decisão no Estado liberal, a
resposta da dominação da economia do mercado sobre a vida social e como uma resposta aos
regimes autoritários do Terceiro Mundo, de um lado, e das estruturas orgânicas e tradicionais,
de outro.
No Mundo Árabe, o termo encontrou possibilidade de ser empregado no contexto de
opções democráticas colocadas pela crise das ordens autocráticas políticas, econômicas e
ideológicas.
A sociedade civil, como termo ou como instituições, reflete uma categoria histórica
que tem uma existência real, variável no tempo e no espaço, uma existência cujas
características gerais podem ser investigadas. Desta feita, o conceito adquire as feições
históricas como é caracterizado em cada época e lugar. Daí, o conceito pode representar
funções ideológicas e ser investido em uma função que ultrapassa ou supera o seu valor e
conteúdo real.
As discussões atuais sobre os impedimentos das transições democráticas no Mundo
Árabe relacionadas ao papel da sociedade civil constituem uma evidência da transição da
época do Estado autocrático ao caminho da democracia. A cristalização da sociedade civil, a
sua proeminência e o reconhecimento de seu valor na implementação de mudanças estão,
nesta época, sem precedentes, especialmente à luz da necessidade de lidar com a realidade do
século XXI.
A discussão sobre a sociedade civil e sua inclusão, nesse estudo, sobre o processo da
democratização no Mundo Árabe pretende revelar alguns aspectos obscuros que circundam o
conceito, uma vez que este é relativamente novo no pensamento político árabe e ainda não
está aprofundado nesta região.
O enquadramento teórico do conceito, a análise acadêmica, a sua cristalização e a sua
dedução prática refletem as controvérsias nas discussões que serão apresentadas para
esclarecer o conteúdo científico e prático do conceito da sociedade civil no Mundo Árabe de
modo a distanciá-lo de ser empregado como lema da disputa ideológica e política e a enfatizar
a sua utilidade efetiva como instrumento de análise e aceleração para a transição sociopolítica
e civil nas sociedades árabes contemporâneas.
84
A sociedade civil tem sido associada ao pensamento ocidental. Este conceito foi
submetido a um processo de desenvolvimento histórico no qual, cada época, se referia a uma
expressão ou a um uso específico, isto é, não havia um conteúdo unificado desse conceito,
pois adveio, em cada momento, de um contexto estrutural e histórico diferente.
Apesar das diversas contribuições na formulação de um conceito para a sociedade
civil, pode-se dizer que elementos em comum que gozam de certa concordância entre os
teorizadores da sociedade civil no Ocidente que são:
a- A sociedade civil é uma liga opcional na qual os indivíduos ingressam conforme as
suas vontades e crenças para proteger os seus interesses e expressá-los.
b- A sociedade civil consiste em vários componentes entre eles: as instituições
produtivas; as classes sociais; as instituições religiosas, educacionais e as uniões
profissionais; os sindicatos trabalhistas e as ligas e os partidos políticos; os clubes
culturais, sociais e as crenças políticas distintas.
c- O Estado ou a sociedade política são necessários para a estabilidade civil, para a
garantia da sua unidade e do desempenho das suas funções.
d- Não é necessário que o Estado constituído na sociedade civil seja democrático, mas,
de qualquer modo, um Estado não absoluto submete o desempenho de suas funções às
regras racionais mínimas, quer colocadas pelo parlamento eleito pela maioria dos
cidadãos ou quando forem geradas durante uma longa evolução histórica.
e- A sociedade civil tem extensões fora de suas fronteiras representadas pela dispersão de
alguns de seus elementos ou pela transmissão da sua influência para outras sociedades,
sejam esses elementos as instituições produtivas, as classes sociais, as confederações
profissionais ou os sindicatos trabalhistas ou até as ideologias cristalizadas por alguns
grupos sociais específicos nessa sociedade.
f- As instituições da sociedade civil, em princípio, gozam de uma relativa autonomia
financeira, administrativa e organizacional do Estado e, a partir disso, concretizam o
significado da capacidade dos indivíduos na organização das suas atividades longe da
intervenção do Estado.
Antes de lidar com a concepção da sociedade civil e as suas definições circulantes no
pensamento árabe contemporâneo, necessário se faz registrar que existe uma fragilidade na
assimilação do termo sociedade civil decorrente da novidade e da transferência da expressão
oriunda de outras culturas.
85
A problemática decorre da fragilidade do fundamento teórico do significado da
sociedade civil que, apesar da extensão do seu uso, causa conseqüências negativas como a
seletividade na transmissão do termo, a parcialidade no seu uso e o exagero no seu valor.
Ghalioon (1991) afirma que a acomodação do termo sociedade civil representa uma
das dificuldades mais proeminentes nesse aspecto. É a indefinição precisa do termo e,
conseqüentemente, a fluidez do significado que conduz a discutir coisas diferentes, havendo
carência do conhecimento de todos os significados e dos contextos ligados a este termo por
parte dos usuários, a exemplo da redução do termo a um significado único restrito que
responde à necessidade contingente.
Alalawi (1989) confirma que esta problemática e as suas conseqüências se refletem em
diversos usos do conceito. Alguns o usam e o relacionam com instituições sociais privadas
como um contrapeso do Estado e das instituições públicas ligadas a ele, outros o usam como
contrapeso à religião pressupondo a separação entre o Estado e a religião, ou seja, defendendo
os princípios da secularização como um caminho para construir a sociedade civil. Nesse
aspecto, pode-se distinguir duas atitudes: a primeira confirma a existência de uma sociedade
civil com algumas reservas, enquanto a segunda nega a sua existência na experiência e no
pensamento árabe consoante o argumento de que a concepção da sociedade civil no seu
significado moderno está relacionada com a realidade do desenvolvimento político no
Ocidente capitalista industrial e a sua gênese não seria possível sem a incidência de uma série
de revoluções nacionais, sociais, científicas e econômicas. As revoluções funcionariam
juntamente para realizar mudanças qualitativas no primado da razão sobre os negócios do
pensamento e da vida sociopolítica. Muitos pensadores árabes afirmam que esta mudança
qualitativa que tange às estruturas mentais não foi realizada ainda nas sociedades árabes.
A discussão persistente sobre o conceito da sociedade civil continua e a sua herança
vultosa tornam impossível circular todas as obras nesse trabalho considerado relativamente
limitado pelo seu tema dedicado ao estudo de alguns aspectos da democratização no Mundo
Árabe, mas se torna necessário apresentar a relação entre a sociedade civil e o Estado nesses
países, quando possível fazer generalizações para descrever as suas características peculiares
a fim de procurar nessa relação os elementos que possam favorecer a transição para
democracia.
Umlail (1987) assinala que a contribuição do fator externo na gênese do Estado
nacional e a sua autocracia histórica não contribuíram para a preparação de um ambiente
apropriado para a evolução de uma sociedade civil, além do que não foi instituído um Estado
86
coeso com a sua sociedade. Também o desmantelamento dos vínculos da sociedade
tradicional não foi sucedido pela gênese de uma sociedade civil real. Nessa altura, o Estado
apontou sua supremacia, ou seja, tratou de restringir a margem possível da ação política
autônoma, isto explica a fragilidade das organizações partidária e sindical e de todas as
instituições comunitárias.
A experiência da sociedade civil não é exclusiva do Ocidente industrial como as outras
concepções e fenômenos humanitários; ao contrário, foi conhecida por várias sociedades e
países. Ibn Khldoon (1970), no século XIV, referia-se às comunidades que se localizavam
entre a família e o Estado além de outras organizações sociais, profissionais e ocupacionais
cujas funções equivalem às organizações sindicais.
Kawtarani (1995) afirma que a diferença entre a sociedade civil do Ocidente industrial
e as demais reside nas circunstâncias da gênese, no grau de amadurecimento e na
cristalização. Por outro lado, é previsível, à luz da realidade das sociedades, a produção de
componentes e formas relativamente distintos devido ao seu dinamismo e às suas interações,
além das metamorfoses civilizadoras com as quais cada sociedade convive. Tais condições
impõem a formação de certas estruturas diversas.
No Ocidente, desde os anos 70, foi realizado um novo processo de separação da
unidade sociopolítica: a revolução cultural, os movimentos de preservação do meio ambiente,
os movimentos feministas, os movimentos de paz e as iniciativas domésticas dos cidadãos nas
questões da saúde, dos planejamentos civil e social. Tais transformações conduziram a uma
ampliação do papel das classes médias, dos tecnocratas e dos operários. O resultado foi a
deflação da força das classes antigas que monopolizaram o conflito social desde o século XIX
até a primeira metade do século XX. Estas novas forças enfrentaram a burocracia do Estado
de um lado e, de outro, as forças do mercado impulsionadas para a direção do lucro. Surgiu
um espaço que não era controlado nem pelos mecanismos do poder nem pelos do mercado,
mas baseado na relação dialética entre essas forças, de um lado, e o Estado e o mercado de
outro. Além disso, ocorreu uma revolução abrangente nas instituições clericais e nas
associações de caridade numa direção mais envolvida com as questões blicas da sociedade
e com os assuntos políticos relacionados à igualdade e à democracia social.
O Mundo Ocidental passou por muitas articulações e um espaço público sociopolítico
foi criado diferenciado dos mecanismos do poder e do mercado. Este espaço constitui o objeto
presente na discussão da teoria política no Ocidente. Há tentativas de implantar uma
democracia direta nesse espaço através do compartilhamento do indivíduo no tratamento de
87
várias questões a ele ligadas, a qual é uma democracia possível na base da existência de uma
democracia representativa estranha ao indivíduo e realizada na sociedade política. A primeira
funciona dentro do quadro da segunda sem se tornar alternativa a esta, mas a complementa. O
debate revolve ao redor do patamar do democratismo ou oligarquismo das instituições civis.
No Mundo Árabe, o debate também é travado sobre até que ponto estas associações estão
livres dos mecanismos do autoritarismo e do lucro.
Abdulfadeel (1991) afirma que o uso do termo sociedade civil no Mundo Árabe
apresenta definições distintas quer na estrutura, quer no conteúdo. Na estrutura, o termo tem
se tornado aberto para incluir estruturas e instituições tradicionais e modernas. Assim, a
sociedade civil é definida como as instituições e as atividades que ocupam uma posição
intermediária entre a família, considerada como uma unidade essencial na qual se levanta a
estrutura social e o sistema de valores da sociedade, e o Estado, as suas instituições e os seus
aparatos de caráter oficial. Nesse caso, a sociedade civil é entendida como um conjunto de
organizações não herdadas e não-governamentais que surgem para servir aos interesses ou aos
princípios em comum dos seus membros e que nelas as relações entre os seus membros se
organizam com base na democracia.
Alazm (1995) apresenta outra direção que concebe a sociedade civil como uma esfera
que representa um conjunto de restrições sobre a intervenção do Estado e dos seus aparatos
nas várias áreas. Conforme esta definição, a sociedade civil não é apenas distinta do Estado,
mas posta de uma maneira antagônica.
A sociedade civil também pode ser definida considerando-se os seus elementos de
voluntariedade, de institucionalização e dos papéis e fins que devem ser caracterizados pela
autonomia em relação ao Estado.
Finalmente, o conceito como um sistema representa uma fonte de um projeto
civilizador no qual a sociedade civil constitui um modo de organização social, política e
cultural e que escapa em maior ou menor grau do poder do Estado. Estas organizações, em
todos os seus níveis, representam meios de expressão e de oposição sociais perante as
autoridades. Então, a sociedade civil é o conjunto de estruturas, organizações e instituições
que representam a base da vida simbólica, social, política e econômica que não se submete
diretamente à dominação do Estado, sendo, pois, uma margem que se restringe e se amplia
dependendo do contexto no qual o indivíduo produz o próprio si self”, produz as suas
solidariedades, santidades e criatividades. sempre margens de imunidade individual e
88
coletiva e intervalos que separam o nível social e o nível político. Tais margens podem
exatamente ser denominadas de sociedade civil.
Um assunto que precisa ser tratado nesse aspecto é a relação entre o Estado e a
sociedade civil no Mundo Árabe que é historicamente caracterizada pela tensão e, na maioria
dos países, pelo rompimento. É preciso descrever as circunstâncias da gênese dos Estados
árabes modernos a fim de conhecer a relação entre Estado e sociedade civil nessa região. A
natureza dessa gênese revela discordâncias.
Alansari (1996) descrevendo as idéias de outro grupo, considera o Estado árabe como
uma criação estrangeira, ou seja, o seu estabelecimento foi durante a época da colonização
européia e, consequentemente, o Estado árabe surgiu longe de qualquer realidade objetiva. O
Estado não foi uma evolução natural para responder às necessidades reais de uma existência
social comum e contínua. Os árabes, durante a sua história, não experimentaram uma
convivência sob um Estado organizado, constante e permanente no significado comum do
Estado. É verdade que conheceram o governo e o poder, mas o poder é uma coisa e o
estabelecimento de um Estado institucionalizado é outra. O conceito do Estado como
instituição não foi conhecido apenas através da experiência do estrangeiro, foi também um
processo de importação de instituições econômicas, administrativas e políticas semelhantes às
do colonizador. Depois da independência, as instituições permaneceram sem alterações
significantes. Isto quer dizer que o Estado e as suas instituições foram impostos pela força. O
Estado, para os cidadãos, continua como uma entidade estranha; em outras palavras, o
surgimento dos sistemas políticos árabes que substituíram os dos colonizadores foi, na
realidade, apenas uma mudança resultante das necessidades e das circunstâncias impostas
pelo período pós - Primeira Guerra Mundial quando houve um incremento da oposição dos
árabes à ocupação direta. A colonização teve uma influência nítida sobre a natureza dos
sistemas políticos árabes, especialmente no que diz respeito à criação de aparelhos e à
identidade de elites dominantes.
A relação entre Estado e sociedade, durante a época da colonização, foi marcada pelo
antagonismo recíproco e assim continuou depois da independência. Esta atitude antagônica
perante o Estado é um padrão da evolução histórica e da cultura política enraizados na
mentalidade do povo árabe. Isto reflete ainda hoje formas de violência que domina a relação
entre cidadão e Estado.
Belhasan (1996) apresenta outra opinião a qual o Estado árabe moderno como o
fruto de lutas e de sacrifícios nacionais. A construção de um Estado moderno e de um projeto
89
alternativo à instituição colonial era uma ambição dos movimentos nacionais de libertação. O
objetivo desse Estado era mudar a sociedade. Por isso o Estado se tornou um quadro político
obrigatório e um símbolo referencial indispensável para a existência política do povo. A
construção do Estado nacional, conforme esta opinião, identifica-se com a instituição da
própria nação ou a sua renascença. Nesse aspecto, o Estado aparece como um gerador central
dos processos de integração, de unificação nacional, de modernização e desenvolvimento, ou
seja, de mudança social. Assim o Estado adquiriu a sua legitimidade.
Esta direção impôs a dependência da sociedade à instituição política e a
predominância da sociedade política sobre a sociedade civil. Houve um movimento de
estadualização da sociedade e das suas instituições e uma incorporação total entre os
governantes e os aparelhos estatais. O perigo desse fenômeno de incorporação reside na
diminuição do papel da sociedade civil e das funções da oposição política. Observa-se que
esse processo, o qual sofrera forte incremento nas décadas de 70 e 80, testemunhou um
declínio gradual com o processo da democratização causado por razões subjetivas
relacionadas à fragilidade interna que os sistemas políticos árabes m sofrendo e por razões
objetivas representadas pelas reivindicações populares, mudanças econômicas, políticas e
sociais e pelas pressões que vêm do âmbito internacional.
No Mundo Árabe, apesar de se festejar o alvorecer da sociedade civil, o processo de
tentativas da democratização começou do topo e a favor das elites dominantes, especialmente
no Egito. Este processo testemunhou vários retrocessos. Isto ocorreu contrariando todas as
teorias sobre a transição da democracia no Terceiro Mundo, onde as reformas políticas
começaram por cima depois de trepidações populares, usualmente em torno de questões
vitais, até o ponto em que surgiu uma situação na qual o processo de reforma perdeu o
controle e começou uma reforma democrática total. Entre os árabes, a reforma descendente
não perdeu a iniciativa e o Estado permanece como fonte da democracia e não o contrário.
Na situação árabe, questões de alta importância. Os regimes atuais carecem de
apoio popular e isto os conduz a se apoiar em órgãos de segurança que reprimem as
liberdades de reunião e organização. É impossível instituir uma sociedade no Mundo Árabe
para confrontá-la com o autoritarismo se não for através de uma relação consolidada em um
processo de construção de uma identidade nacional apropriada para ultrapassar a mentalidade
pré-nacional, além do que, sem essa consciência, torna-se difícil o surgimento de uma
sociedade civil atuante baseada na relação entre o cidadão, com as suas distintas identidades
no seu espaço privado; entre a nação, que pode ser abrangente para todas as identidades, e
90
entre o Estado que expressa a entidade política da nação. A ausência da consciência da nação
moderna cria uma consciência pré-nacionalista que é muito distante do espírito e da cultura da
sociedade civil que deve ser construída tendo por base a relação de interação direta entre os
cidadãos, entre o espaço público formado por essa interação e o Estado e não entre
identidades restritas como as tribos, os clãs ou as confissões religiosas. O conceito da
sociedade civil, nesse caso, significa uma resposta ao autoritarismo e ao intervencionismo do
Estado, de um lado, e às estruturas primitivas e tradicionais pré-modernas, de outro.
A sociedade civil expressa a procura de uma sociedade mais justa, mais participativa e
mais representativa. A fase da construção da sociedade civil, no Mundo Árabe, significa a
realização da democracia e não apenas a edificação de instituições modernas requeridas para
equilibrar o parlamento como resultado da inércia da democracia liberal, cujo modelo vigente
no Ocidente não corresponde àqueles existentes nos dois países objetos do presente trabalho.
Bishara, (2000), assinala que é possível denominar a luta pela democracia através da
sociedade civil como manifestação histórica desse conceito.
Pode-se apontar um quadro de aspirações contemporâneas para a sociedade civil que a
diferencia de experiências anteriores:
O enfoque na separação entre a sociedade e o Estado ou entre as instituições estatais e
sociais como condição historicamente dada ou como consciência social dada ou
historicamente evoluída;
A consciência da diferença entre os mecanismos do funcionamento do Estado e os da
economia como condição historicamente desenvolvida com a Revolução Industrial e a
gênese da burguesia;
A distinção do indivíduo como cidadão, isto é, como entidade jurídica sem
consideração de suas outras identidades;
A ênfase na distinção entre os mecanismos de funcionamento das instituições sociais,
seus objetivos e funções, de um lado, e os mecanismos de funcionamento da
economia, seus objetivos e funções, de outro;
A distinção entre as organizações societais criadas, voluntariamente, por indivíduos
livres e outras estruturas coletivas orgânicas onde o indivíduo nasce;
A ênfase na diferenciação entre a democracia representativa no Estado liberal e a
democracia direta e a participação ativa na tomada de decisões nas associações
voluntárias e instituições societais modernas.
91
As seis distinções ditas acima representam a definição contemporânea do conceito de
sociedade civil, mas o capeamento do resultado final dessa experiência ocidental por parte do
Mundo Árabe seria uma tentativa em vão. A despeito da força social na implementação de
mudanças, seria um erro presumir que a sociedade civil é a condição única da existência da
democracia.
No ocidente, o conceito da sociedade civil significava, numa fase específica, a
vigência dos direitos civis; noutra foi considerada como uma relação contratual; ainda em
outra significava eleições parlamentares com a sua ampliação e abrangência e em uma quarta
fase significava a ampliação dos direitos do cidadão. No Ocidente, a sociedade civil conduziu
à democracia através de um processo histórico qualitativamente diferente do Oriente. As
instituições societais, na sua forma contemporânea, representam a sua última revelação.
Finalmente, se houver limites na ênfase da separação entre Estado e sociedade no
Mundo Árabe, enfrentar-se-á o perigo da existência das estruturas orgânicas (clã, tribo,
família e confissão) uma vez que essas são mais eficientes devido à proteção conferida ao
indivíduo, desde centenas de anos e porque elas são mais permanentes, mais constantes, mais
coerentes e auto-suficientes que as organizações voluntárias modernas.
Vale à pena observar que qualquer distinção entre Estado e sociedade significa,
necessariamente, um alinhamento por parte da economia ao lado de um dos seguintes pólos,
isto é, ou será uma economia do Estado (que está passando por uma fase de extinção), ou a
economia será a própria sociedade civil, ou seja, a submissão da sociedade civil aos
mecanismos do mercado. A tentativa de copiar o pensamento econômico liberal por parte de
países pobres significa a instituição de Estados dependentes e a extensão da lacuna existente
entre a riqueza da elite participante do poder e a pobreza da maioria dos cidadãos, o que sem
dúvida marginaliza a participação política destes. Esta situação significa, em última análise, a
derrubada de qualquer possibilidade de construir uma sociedade civil. Infelizmente, isto é
exatamente o que tem sido observado nos dois países sujeitos deste estudo.
4.1 SOCIEDADE CIVIL NO EGITO
A sociedade civil é um campo de associações de auto-iniciativas, auto-reguladas,
voluntárias em busca da satisfação de uma causa comum, de um interesse, ou a expressão de
um sentimento coletivo, autonomamente da família, do Estado, do mercado e da Igreja.
92
Como tal, a sociedade civil não é toda a sociedade que inclui instituições primordiais
ou compulsórias. Os limites definitivos da sociedade civil são abordados pela liberdade,
voluntariedade, autonomia e civilidade. Tal sociedade tem objetivos identificados,
estruturados e identidades de alvos orientados, como por exemplo, os clubes, uniões,
cooperativas e partidos políticos. Igualmente, a sociedade civil tem as suas dimensões
normativas, como o respeito à diversidade e a disposição da solução pacífica dos conflitos.
De qualquer modo, a definição adotada é suficiente para incluir as associações instituídas
pela vontade livre dos seus membros. Esta definição é importante inclusive para estudar as
variáveis e as complexas relações entre a sociedade civil e o Estado.
Enquanto algumas visões convencionais assinalam que a sociedade civil está contra o
Estado como um pólo oposicionista, Ibrahim (2003) aponta resultados diferentes. Atores
significantes se alinham ou rivalizam dependendo da causa e da situação. ONGs podem se
alinhar com o Estado contra forças fanáticas ou extremistas hostis das liberdades civis e
contra algumas forças do mercado como em questões do meio ambiente.
Com a sua história de seis mil anos, uma das civilizações mais antigas e possivelmente
o primeiro Estado conhecido pela espécie humana, o Egito constitui um complexo estudo de
caso da sociedade civil.
Shuaib (2005) informa que a história da sociedade civil começou com a época do
Egito moderno marcado pela conquista de Napoleão em 1798. Os franceses partiram em
1801, sendo substituídos pelos ingleses que fracassaram em dominar o Estado egípcio, dando
caminho à emergência de forças indígenas que selecionaram Muhammad Ali como
governante em 1805, o qual começou a construir o Egito moderno com base em um modelo
francês emprestado e através de um processo ativo de intercâmbio. Nas primeiras quatro
décadas do século XIX, foram estabelecidos os elementos da modernização das forças
indígenas ora inspirados e ora frustrados por forças exógenas ocidentais.
Contra este segundo plano histórico, a interação entre a sociedade tradicional, o Estado
modernista e a sociedade civil se estendeu por aproximadamente dois séculos. O fator externo
foi, às vezes, presente de forma nítida, realçando as forças da sociedade civil; mas, muitas
vezes, sob a forma da hegemonia colonial, solapou a independência do Estado e impediu o
crescimento da sociedade civil.
Em reação aos fatores externos, as forças conservadoras da sociedade tradicional se
levantaram como defensoras da autenticidade cultural e da dignidade nacional. Sob este
aspecto, as forças tradicionais foram igualmente, senão completamente, hostis às
93
organizações, valores e práticas da sociedade civil e viam as organizações da sociedade civil
como imitações perigosas do Ocidente alienígeno. Em outras palavras, a sociedade civil no
Egito foi envolvida numa luta e interação de três linhas, a do Estado, da sociedade tradicional
e das forças externas.
Saif Addaula (1986) assinala que o Egito foi o primeiro país árabe muçulmano e
africano a vivenciar a experiência das organizações da sociedade civil moderna que começou
no início do século XIX. Também foi o primeiro que estabeleceu um regime democrático,
precisamente, em 1866. No final do século XX, o Egito tinha cerca de 3000 ONGs, um
sistema multipartidário e uma vida parlamentar. Mas a demanda pela governança
democrática, desde o culo XIX e até o momento, tem sido marcada por um luta contínua
contra várias formas de intervenção e sofreu oscilações de ascensões e de quedas.
Relevante se mostra apresentar as fases da evolução da sociedade civil egípcia que
pode ser dividida como se segue.
A fase da gênese: 1821-1881
Ibrahim (2003) relata que, com a formação do Estado egípcio moderno iniciado por
Napoleão e estendido por Muhammad Ali (1805-1842), formações socioeconômicas
emergiram rapidamente, especialmente a nova classe média de burocratas, tecnocratas e
profissionais e a classe moderna dos operários das fábricas ao setor de serviços. Ambas as
classes foram o fundamento da emergência da sociedade civil no Egito a partir do século XIX.
A nova classe média era formada por egípcios nativos educados e por expatriados
residentes no país. Alguns das seções da última categoria formaram as primeiras ONGs, como
a Associação Filantrópica Egípcia Helênica, criada na cidade da Alexandria, em 1821.
Cerca de quarenta anos depois, membros da classe média egípcia formaram a Associação de
Conhecimento em 1868, e a Associação Geográfica em 1878. Estas associações foram
qualitativamente diferentes das tradicionais organizações religiosas de caridade. As novas
associações foram caracterizadas pelo interesse público, estruturas formais e regimentos
internos, eleições, programas e projetos, registros e reuniões regulares.
Durante esta fase precoce, a gênese da sociedade civil egípcia floresceu não em
oposição ao Estado, mas para complementar as suas funções. Muitos dos fundadores das
associações eram oficiais do alto escalão do Estado, outros eram membros da família real e da
aristocracia na época. Diante disso, a sociedade civil precoce não era e não podia se relacionar
com o Estado como inimigo, como adversário ou até como rival. Isto foi mudado na fase
colonial (1881-1922).
94
A fase colonial: 1882-1922
Como parte da expansão européia imperialista, o Egito foi ocupado pela Grã-Bretanha
em 1881 pondo um fim à independência virtual do país. A perda da independência
representou um novo desafio à sociedade civil egípcia e foi iniciado um confronto contra os
ingleses. Nessa fase, a sociedade civil se constituiu em uma trincheira de proteção dos
indivíduos egípcios contra o abuso do estrangeiro e em uma fonte para fornecer serviços. O
desafio sentido pode ser interpretado pela maneira acelerada como as associações da
sociedade civil proliferaram depois da ocupação.
De menos de 15 organizações voluntárias modernas privadas entre 1821 e 1881, o
número saltou para 65 entre 1882 e 1900. Este crescimento exponencial continuou ao longo
do primeiro quarto do século XX, tendo saltado de 65 para 300 entre 1900 e 1925.
Hilal (1986) afirma que, nessa fase colonial, foram criadas uniões trabalhistas,
movimentos cooperativos, partidos políticos, câmaras de comércio, associações profissionais
e o movimento feminista. As atividades educacionais e culturais que tinham dominado os
trabalhos das organizações da sociedade civil antes da ocupação tiveram desenvolvimento
ainda maior durante essa fase representando assim um tipo de desafio ao colonizador. Um
desempenho proeminente foi a fundação da Universidade do Cairo por uma associação
voluntária em 1908. De modo geral, o que caracterizou esta segunda fase da evolução da
sociedade civil foi a emergência de novos profissionais com interesses políticos e classistas
nas suas agendas.
A criação da primeira união trabalhista e do primeiro sindicato profissional foi muito
relevante, verificando-se aqui que o fator externo desempenhou um papel significante. A
primeira união trabalhista foi a dos trabalhadores das fábricas cujos proprietários eram
estrangeiros e cerca de 20% de seus trabalhadores eram expatriados italianos e gregos. Em
1920, eram 32 uniões trabalhistas que formavam entre si a Federação Trabalhista Egípcia em
1921.
O primeiro sindicato foi o dos advogados que foi criado em 1912. Este sindicato era
composto de advogados egípcios e expatriados. Apesar da presença marcante dos membros
expatriados, o Sindicato dos Advogados deu exemplo para outros sindicatos profissionais e
para muitas ONGs se expressarem abertamente em público e criticarem a situação do Egito,
defendendo várias causas relacionadas à liberdade e à democracia. A maioria dos líderes
políticos egípcios da primeira metade do século XX veio da categoria do Sindicato dos
Advogados como Saad Zaghloul que liderou a Revolução de 1919 contra os ingleses. Esta
95
revolução conduziu a uma independência parcial concedida pela Inglaterra na famosa
Declaração de 28 Fevereiro de 1922 e assim começou uma nova fase da evolução da
sociedade civil egípcia.
A fase Liberal: 1922-1952
A independência formal de 1922 precipitou o que veio a ser denominada de Primeira
Era Liberal e que durou até a Revolução de 1952. A característica proeminente desta fase
evolutiva, como assinala Darwish (1989), foi a Constituição de 1923, que foi considerada, na
época, uma das mais liberais do mundo. Tanto os ingleses, que ainda estavam dominando o
país, como a monarquia da dinastia de Muhammad Ali não estavam satisfeitos com esta
Constituição e tentaram, em várias ocasiões, aboli-la ou suspendê-la. As organizações da
sociedade civil, por sua vez, lutaram para manter a Constituição e fortalecê-la. Desse modo,
durante essa fase, foram três centros de conflito na sociedade egípcia, o da sociedade civil
liderada pelas forças nacionais progressistas, especialmente o Partido Al-wafd, o do Palácio e
o dos ingleses. A promulgação da Constituição de 1923 garantiu uma série de direitos e
liberdades, inclusive de associação e de expressão.
Com a expansão contínua da educação, a nova classe média e a classe trabalhista
moderna igualmente se expandiram e se tornaram mais assertivas. Durante esta fase, as ONGs
continuaram a crescer e a se diversificar em um Estado nacional e em uma monarquia
constitucional sob a tutela estrangeira. O número de ONGs cresceu de 300 em 1922 para mais
de 800 em 1952. Com o final desta fase, a sociedade civil incluía mais de 650 organizações
voluntárias privadas, 8 partidos políticos (Al-wafd, Al-watani, Al-ahrar, Al-ittihad, Al-shaab,
Al-ishtiraki, Saadista e bloco de wafdistas), 34 sindicatos operários e 9 sindicatos
profissionais, 7 câmaras de comércio e 1 união industrial.
Apesar dos esforços para impedir o desempenho da sociedade civil, as suas
organizações floresceram nessa época. Mais de oitenta jornais diários ou revistas semanais e
mensais tinham publicações em árabe e em outras línguas. O teatro e a indústria
cinematográfica começaram a florescer durante este período constituindo um instrumento de
educação política, de cidadania e contribuindo para o fortalecimento da sociedade civil. Com
o início da década de 50 do século XX, o Egito era o segundo país produtor e exportador de
filmes, depois dos EUA. A indústria cinematográfica contribuiu, dentre outros fatores, para
posicionar o Egito na liderança cultural da região.
Algumas batalhas notáveis em que a sociedade civil se envolveu nesta fase giraram em
torno de demandas para medidas transparentes de eleições justas e honestas, para desvendar a
96
corrupção nos círculos mais altos do governo (inclusive o do Rei) e em busca do
reconhecimento legal das uniões trabalhistas o que foi concretizado em 1942. Um número de
fatores internos e externos veio convergir para minar a Era Liberal e conduziram-na ao seu
fim no início dos anos 50. Nesse momento histórico, vieram os Oficiais Livres a dar um
Golpe de Estado e a declarar a República.
A fase Populista: 1952-1973
Dominado por Nasser, o Conselho do Comando da Revolução (CCR) se moveu
rapidamente para depor o Rei Farouq em 26 de julho de 1952, para solapar a aristocracia
proprietária de terra com uma série de leis extensivas da reforma agrária a partir de setembro
de 1952, para dissolver os partidos políticos em janeiro de 1953, abolir a monarquia em junho
de 1953 e estabelecer um sistema anti-partidário.
Hammad (1986) relata que, com o controle total do Estado, o CCR desenvolveu um
regime populista. Foi esboçado um contrato social populista cuja promessa era de luta contra
a corrupção sociopolítica, de instituição da justiça social, de efetivação de um
desenvolvimento econômico, de libertação do território nacional do restante da ocupação
estrangeira e de construção de um exército forte capaz de defender o país e consolidar a sua
independência. A realização destes objetivos desejáveis exigiu uma suspensão provisória do
modelo democrático ocidental e uma forte centralização do poder.
O primeiro alvo deste contrato social populista foi o controle e a restrição do papel da
sociedade civil egípcia. O CCR começou a controlar sistematicamente as organizações da
sociedade civil começando pelos sindicatos, pois foram os Sindicatos dos Advogados e dos
Engenheiros que primeiro se opuseram à continuação dos militares no poder. Como
conseqüência desta oposição, todos os sindicatos foram congelados e os administradores
provisórios foram nomeados pelo CCR entre 1954 e 1958. Desde então, tornou-se obrigatório
que todos os candidatos para as eleições sindicais fossem membros da organização política
única do país - a União Socialista - e aprovados pelos órgãos de segurança do Estado.
O regime do Presidente Nasser procurou continuar dominando o movimento
trabalhista através de diversos mecanismos como o estabelecimento do sistema sindical
unificado. Uma série de leis que regularizava os sindicatos trabalhistas proibiu organizações
pluralistas que eram anteriormente admitidas. Era admitido apenas um sindicato para cada
ocupação. Os sindicatos trabalhistas eram supervisionados e a União Geral dominava e
regulava as suas atividades. Em seguida, todas as uniões gerais foram agrupadas na federação
de Uniões Egípcias Trabalhistas. Além do mais, as leis trabalhistas concediam ao Ministro de
97
Negócios do Trabalho vastas concessões que lhe permitiam uma intervenção ilimitada nos
negócios dos sindicatos começando com a sua criação até a sua dissolução e reconstrução.
Quindeel (1994) afirma que as ONGs não ficaram isentas da intervenção estatal. Um
decreto presidencial cancelou vários artigos do Código Civil, proibiu e restringiu as ONGs e
as submeteu à vigilância e à orientação do Estado. Estas medidas foram seguidas pela Lei
32/64 que codificou o domínio do Estado sobre o trabalho voluntário. Esta lei conferiu às
autoridades administrativas estatais o direito de rejeição, dissolução e incorporação de ONGs
sem uma ordem judicial prévia.
Os movimentos estudantis e feministas foram também atingidos pelos planos do
Estado populista egípcio. Leis e/ou Decretos Presidenciais entre 1955 e 1959 reduziram
ambos os movimentos e os tornaram corpos desprovidos de qualquer ação livre. As unidades
locais, agrupadas no nível provincial, foram federadas ou confederadas no nível nacional.
Claro, conforme esta situação, que a sociedade civil sofreu uma devastação causada
pelos procedimentos legais e políticos que limitaram o papel dessas organizações e quase as
transformaram em entidades governamentais.
Apesar das restrições e do controle do Estado, a sociedade civil não foi totalmente
paralisada. Esta fase assistiu a momentos esporádicos de entusiasmo por parte dos
movimentos estudantis ativistas, especialmente depois da derrota dos árabes, sob a liderança
do Egito, na guerra contra Israel em 1967. Nessa época, era possível observar com nitidez a
movimentação da sociedade civil egípcia através de grupos trabalhistas, de forças estudantis,
juízes e dos sindicatos de advogados e jornalistas. Uma pressão conduziu o Presidente Nasser
a editar a Declaração de Março de 1968 que incluía uma promessa de retorno à democracia e
ao compartilhamento do poder com o povo depois da libertação dos territórios ocupados por
Israel.
Quarny (1998) sustenta que, apesar do controle quase total do Estado, as organizações
da sociedade civil egípcia continuaram a crescer de 800 em 1952 para cerca de 5000 em 1970.
Mas era um crescimento sem autonomia, ou seja, sem o elemento mais importante que
confere à sociedade a liberdade de ação.
A lenta reverência da sociedade civil: 1974-1998
A Guerra de Outubro de 1973 contra Israel marcou o início de uma política liberal
conduzida pelo sucessor de Nasser, Anwar Sadat, o qual moveu o Egito para uma nova fase.
Esta fase foi marcada por uma política de abertura, pelo retorno à economia de mercado e ao
multipartidarismo. Apesar disso, a transição ao pluralismo surgiu através de um decreto
98
presidencial. Esta decisão teve uma base objetiva sociopolítica. Não era mais possível
sustentar um sistema anti-partidário na ausência da liderança carismática do Presidente Nasser
e o retorno ao pluralismo era o único caminho para que Sadat criasse a sua própria
legitimidade. O mais importante foi que o pluralismo veio como resposta de demandas
crescentes de várias forças políticas para mais democracia e liberdade. Finalmente, o
pluralismo deu ao regime a imagem de liberalismo, que coincidiu com a nova política
adotada, qual seja a de abertura. A Lei de Partidos Políticos 40/74 atualmente emendada
pela Lei 177/05 refletiu a falta de vontade da liderança de estabelecer um sistema
multipartidário verdadeiro, pois permaneceu o controle do regime. Esta lei impôs várias
restrições ao processo de formação de partidos, às suas atividades e programas. Daí, apesar do
retorno para um sistema multipartidário, o regime de liberdades foi limitado, especialmente
quando foi promulgada uma série de leis a partir de 1978 e a criação do cargo de Procurador-
Geral Socialista responsável pela monitoração e pela aprovação dos candidatos para as
eleições das ONGs. Desse modo, a intervenção direta do partido dominante e dos órgãos de
segurança do Estado nos negócios dos sindicatos e nas eleições da União foi substituída por
uma intervenção do Procurador-Geral Socialista.
A transição democrática e a libertação das organizações da sociedade civil estão sendo
lentas e erráticas nessa fase de transição ao pluralismo.
Rizk (1984) afirma que, na época do mandato do Presidente Sadat, as leis restringiram
a liberdade das ONGs. A única exceção nesse período foi com a Associação dos Homens de
Negócios que começou a aparecer como um novo ator na sociedade civil com o apoio público
do próprio Sadat. Os interesses dessa associação coincidiram com a nova política de abertura.
O movimento trabalhista, por outro lado, embarcou em atividades massivas de protestos
contra a queda do nível de vida da classe operária. A época de Sadat testemunhou um
crescimento sem precedente das organizações da sociedade civil que tornou impossível o
controle do Estado. O processo de transição, iniciado pelo Presidente Sadat, conduziu ao
surgimento de mais que o dobro do número das associações da sociedade civil, ou seja, de
5000 em 1970 para 12000 em 1980.
O Presidente Husni Mubarak, que sucedeu Sadat, buscou acalmar a cena política
tentando efetivar as políticas do seu predecessor, como por exemplo, a reforma econômica, a
paz com Israel, a normalização das relações com o Ocidente. Domesticamente, ele admitiu
medidas maiores de liberalização sem promover uma considerável democratização. A
formação de associações continuou controlada por um comitê especial composto por
99
membros do partido dominante os quais têm rejeitado qualquer nova mudança desde 1981.
Inobstante, novos partidos foram criados, mas com ordens judiciais apesar das recusas do
Comitê de Partidos. Os poucos partidos que foram criados entre 1982 e 1998 verificam a
existência de uma liberalização sem democratização. Isto mostra também um forte desejo e
uma insistência por parte da sociedade civil de instituir um sistema democrático, apesar das
restrições impostas pelo regime e do lento processo de transição. Roman (1998) afirma que
há, na época de Mubarak, mais respeito pelas decisões do Judiciário que garantem de fato
uma margem mais ampla para as atividades das organizações da sociedade civil. Em duas
ocasiões, em 1984 e 1987, o presidente egípcio dissolveu a Assembléia do Povo e ordenou
novas eleições respeitando decisões judiciais do Supremo Tribunal Constitucional.
Outra característica que diferencia o regime de Mubarak é a concessão de liberdades
sem precedentes à imprensa desde 1952, contudo observa-se que o setor audiovisual ainda
está sob o monopólio do Estado, mas há um movimento de liberalização dos meios de
comunicação através do processo da privatização da mídia.
Embora um processo verdadeiro de democratização esteja ainda distante, a maior
liberalização verificada com Mubarak tem refletido marcadamente um melhoramento na
atitude do regime perante as organizações da sociedade civil.
O estado de emergência imposto pelo Presidente Mubarak desde 1981 põe limites
sobre a atividade da vida associativa no Egito. Em abril de 2006, a Assembléia do Povo votou
para estender o estado da emergência para mais dois anos. Um grupo de 111 deputados
protestou contra a extensão alegando que não havia justificativa para tal decisão. O
Movimento Egípcio para Mudança (Kefaya), formado no final de 2004, também expressou
oposição contra a extensão. O lema de Kefaya “Não para extensão, não para herança” também
expressou objeção para Mubarak assumir um novo mandato e à possibilidade de passar a
presidência para o seu filho Jamal que é uma figura de liderança do partido dominante - PDN.
A Lei de Associações de 84/02, que regulamenta as organizações da sociedade civil
egípcia, aumentou as restrições sobre as atividades e os fundos de financiamentos para
desencorajar as ONGs e a oposição egípcia. A nova lei confere ao Ministério dos Negócios
Sociais, e não aos tribunais, a capacidade de dissolver qualquer ONG. Essa lei também requer
o registro de 16.000 organizações no Ministério dos Negócios Sociais. As tentativas de
estabelecimento de algumas organizações de direitos humanos foram rejeitadas. Além do
mais, às ONGs não são permitidas atividades políticas ou sindicais. De acordo com a
plataforma legal das ONGs, no Egito, as organizações devem servir ao interesse público,
100
devem ser formalmente registradas, ter regimentos internos e devem ter uma missão não
sacramental. As únicas associações que podem se envolver com as atividades políticas são
aquelas registradas como partidos políticos.
A Constituição Egípcia e a atual Lei de Partidos Políticos regulamentam os partidos
políticos e as suas atividades, sendo proibida qualquer propaganda contra o sistema social
democrata e os princípios da Revolução de Julho de 1952. Atualmente, o partido político
ainda pode ser dissolvido ou ter impedida a sua prática política pelo Comitê de Partidos,
todavia tal decisão agora requer uma investigação pelo Promotor Socialista Geral para provar
que o partido político em questão tenha violado as condições gerais que justifiquem a sua
dissolução, o que não passa de uma simulação para mascarar o domínio do executivo. Apesar
da proibição ao estabelecimento de partidos políticos apoiados em fundamentos religiosos, o
Grupo da Irmandade Muçulmana constitui uma força política significante.
O número de associações registradas no Egito cresceu, contudo a nova lei de
associações confere às autoridades egípcias um controle sobre as ONGs inclusive as
atividades dos grupos de direitos humanos restringindo condições na administração, na
operação e no financiamento das organizações da sociedade civil, por meio disso o
controle das relações das organizações nos níveis local e internacional.
A Lei de Associações confere ao governo poderes para desaprovar o registro de
grupos ou para dissolver outros existentes, para monitorar e inspecionar as atividades-
chaves das ONGs, inclusive as origens de fontes financeiras e a aprovação da seleção dos seus
diretores.
No que tange à censura da imprensa, a Constituição egípcia a proíbe desde que o
Estado não se encontre sob emergência ou guerra, o que torna a proibição sem valor, uma vez
que o Estado egípcio assim se encontra em quase vigência contínua.
A história da evolução da sociedade civil egípcia demonstra progressos e retrocessos
quanto à sua gênese e atuação. Da gênese aos dias atuais, a ação das organizações da
sociedade civil tem tentado desempenhar o seu importante papel no processo de condução à
democracia, seja contribuindo para a proteção dos direitos dos indivíduos, seja criticando os
governos ou exigindo o reconhecimento legal das uniões trabalhistas. Contudo o que marca a
atuação desse segmento no Egito é o fato de ele sofrer retrocessos ao invés de sempre avançar
na própria luta em defesa dos interesses sociais. Diante disso, é forçoso questionar: a
existência da sociedade não é determinante para impulsionar uma nação à democratização?
De certo que sim, contudo o crescimento numérico das associações em nada concorrerá para a
101
evolução política de um povo se essas entidades não possuírem autonomia para efetivar suas
propostas. E, para conquistar autonomia, é necessário que elas estejam fortalecidas o que
se dará se houver uma articulação da esfera civil em redes, desde os elos mais elementares
como os comitês de ruas até a formação de vínculos mais complexos, seja em nível nacional
ou mesmo internacional.
A formação de redes visa estender e divulgar as ações civis com vistas a fortalecê-las
contra o poder autoritário. A luta das organizações civis deve estar pautada na articulação de
suas frações, pois, se assim não for, dar-se-á o que de fato acontece no Egito: um número
elevado de organizações desprovidas de autonomia, conseqüentemente de liberdade de ação,
logo inoperantes.
4.2 SOCIEDADE CIVIL NO LÍBANO
A sociedade libanesa é pluralista, multicultural e está dividida em cerca de 18
confissões religiosas. A maior divisão é verificada entre cristãos e muçulmanos, tendo os
primeiros constituído a relativa maioria confessional, conforme o censo de 1932 realizado sob
o mandato francês, contudo, hodiernamente, não se sabe ao certo a proporção de cristãos na
população. Formalmente, o Líbano é o único país no Oriente Médio com uma maioria cristã.
Os grupos confessionais se consideram minorias, pois nenhum deles consegue constituir um
peso considerável devido à sua diversidade. O Estado representa uma confederação destes. A
composição confessional é importante ao se estudar a sociedade civil libanesa devido à sua
atribuição no processo de democratização.
O Estado libanês requer domínio sobre o seu território e soberania dentro das suas
fronteiras, entretanto, desde a sua criação em 1929, o Líbano tem se caracterizado por certa
desorganização. A República Libanesa é um dos Estados mais incomuns no mundo, é uma
agregação de paradoxos e de contradições. Pode-se dizer que, politicamente, o Líbano tem
estruturas arcaicas, ineficientes e divididas, mas ele também é liberal e democrático. É uma
mistura de cultura árabe e ocidental, de muçulmanos e cristãos e de tradição e modernidade. O
Líbano é uma democracia, mas também é uma oligarquia.
102
O Líbano tem estado no centro do conflito árabe-israelense travado desde a criação do
Estado de Israel, por isso a experiência libanesa ilustra a possibilidade de modernização em
meio a uma cultura política profundamente dividida e a grandes tensões do sistema político.
Tomando-se por base o pensamento ocidental, os cientistas políticos, preocupados
com o desenvolvimento da democracia liberal em novos estados, argumentam que o maior
obstáculo para a implantação da democracia no Líbano reside na ausência da estabilidade
política. A instabilidade pode ser resultado de uma cultura tradicional enraizada que carece de
flexibilidade e educação para a cidadania as quais afetam negativamente a construção de uma
personalidade nacional. A razão da instabilidade política pode ser encontrada também no
colapso da cultura tradicional diante das forças da modernização que criam expectativas
exageradas e, consequentemente, causam uma desordem geral ou pode ser explicada por
razões econômicas. No Líbano, o conflito árabe-israelense também constitui um fator
determinante para causar a instabilidade mencionada. Linz e Stephan (1999) assinalam que a
estabilidade é um fator essencial para que se possa estabelecer um sistema político
democrático. As instituições democráticas são necessárias para a estabilidade política. Esta
estabilidade permite a manutenção do pluralismo tradicional, o desenvolvimento econômico e
também um grau de modernização. A sociedade civil, como um componente essencial desses
processos, sofre conseqüências diretas desses fatores.
Os conceitos da sociedade civil experimentaram uma renascença significativa durante
o século XX. Não apenas no campo da teoria política, seja no contexto de debates sobre
transformação, democratização e administração, o conceito da sociedade civil tem atingido
uma importância crescente também nos diálogos existentes sobre o desenvolvimento. No que
diz respeito à sociedade civil no Líbano, ela reflete as características de uma sociedade com
estrutura mista, pois é parcialmente dividida e parcialmente unida.
Mustafá (2002) afirma que o Líbano atualmente está enfrentando um período crucial
relacionado com a sua independência, soberania, integridade territorial e unidade e, o mais
importante, a sua vida democrática e as reivindicações da sociedade civil perante o governo
estão girando em busca da realização dessas metas.
A sociedade civil libanesa tem uma natureza qualitativamente destacada. Uma visão
dessa estrutura política e dessa sociedade civil permite compreender os mecanismos, os
conflitos e as alianças ali estabelecidas.
O Líbano tem um caráter extraordinário. Sendo um país complexo e dividido por
103
uma população mista composta de várias confissões cristãs e muçulmanas, é uma sociedade
em disputa por causa de seus problemas internos causados pelas associações civis locais
submetidas à vontade e interesses de uma elite política tradicional, as quais também sofrem
influência de identidades regionais e internacionais.
Assubaihi (2000) informa que, no Líbano, existem três formas de organização da
sociedade civil que têm autonomia e independência do Estado: o clero, os clãs com as suas
alianças e os comerciantes tradicionais. A sociedade civil é basicamente formada ao redor das
personalidades políticas, construindo a sua legitimidade por meio da combinação da tomada
de posse e/ou dos recursos religiosos. A sociedade pré-colonial era caracterizada como
sociedade-família, porém uma nova estrutura social foi formada durante a segunda metade do
século XX e criou a classe média, a alta e a classe trabalhadora, tendo o tamanho da última
crescido rapidamente. A falta de integração entre as classes impediu o desenvolvimento da
sociedade libanesa e solapou a relação entre as elites e o público. Na sociedade civil libanesa,
tem havido uma relação do tipo patrão-clientela.
Muhieddeen (2002) assinala que a história das associações da sociedade civil no
Líbano remonta ao final do século XIX. Com o final do domínio do Império Otomano,
surgiram novas concepções, novas agendas e novas formas da vida política que influenciaram
a formação da nova sociedade civil, tanto as formas confessionais como não confessionais. A
emergência de associações culturais, intelectuais, políticas e profissionais abriu o caminho
para a regulação e a formação de tais organizações.
O Império Otomano - império global que existiu cerca de 400 anos até o começo do
século XX no Oriente Médio - dominou de forma direta e indireta as diferentes partes da
região do Oriente Médio, bem como outras partes da Europa Oriental e da Ásia. O sistema
denominado de Millat foi um dos resultados diretos da dominação otomana. O termo Millat se
referia à nação não-muçulmana que já existia em um Estado muçulmano e que gozava de
certos direitos de administrar os próprios negócios como o casamento, a educação, a herança e
a religião. O sistema reconhecia os seus membros pela identidade religiosa em vez da
estrutura territorial e os grupos escolhiam os seus líderes oriundos dos próprios grupos
confessionais. Esses líderes locais, leais aos otomanos, eram autorizados a cumprir funções
jurídicas e fiscais em certo território. Estas áreas eram usualmente isoladas e formavam um
tipo de elite sociopolítica.
O sistema de Millat concedeu aos não-muçulmanos liberdades religiosas e direitos de
se auto-governar. Isto poderia ser considerado como uma alternativa para a noção liberal da
104
tolerância religiosa. A diferença nas duas tradições residiu na liberdade individual para a
tradição liberal, enquanto, no Sistema de Millat, a liberdade religiosa enfatizava os grupos
coletivos. Opressões religiosas existiram dentro de grupos confessionais como, por exemplo,
os sunitas que exerceram um controle sobre outros grupos muçulmanos como o xiita e o
drusa, todavia os sunitas não oprimiram cristãos de qualquer confissão por que estes estavam
protegidos pelo Sistema de Millat. Disputas ligadas à área territorial, durante o século XIX,
acabaram com o envolvimento de poderes estrangeiros como o do Egito, da Inglaterra, da
França e da Suécia que tinham interesses econômicos e militares, além de uma possível
simpatia religiosa pelos cristãos. Isto talvez constitua a raiz inicial da governança baseada na
representação confessional. O envolvimento externo conduziu às mudanças nas formas de
dominação em áreas diferentes e, com o decorrer do tempo, resultou em conflitos entre grupos
confessionais.
A sociedade civil tinha se desenvolvido dentro dessas circunstâncias suso descritas. O
desenvolvimento das associações da sociedade civil foi baseado na família, na religião e na
tribo e, em outro estágio, existiu uma mudança qualitativa que concorreu para deslocar o
desenvolvimento em direção às ONGs que operavam através de causas culturais, sociais,
econômicas e profissionais.
Conforme Corom (2004), a sociedade civil no Líbano teve atuação efetiva no início
do século XX com a promulgação da Constituição, a expansão dos meios de comunicação e
publicidade, a gênese dos partidos políticos, dos sindicatos profissionais e de vários tipos de
associações culturais e sociais. As forças da sociedade civil cresceram até se constituírem um
pólo sociopolítico decisivo e começaram a reivindicar, depois da explosão da Guerra Civil em
1975, reformas políticas e constitucionais que livrariam o Estado e a sociedade da forma
confessional vigente na dominação e na fórmula do Acordo Nacional que tinha organizado a
vida política desde a independência. Tais reivindicações expressaram a vontade da maioria na
construção de um Estado moderno fundado no princípio da cidadania e administrado por um
regime democrático.
De fato, aquelas reivindicações constituíram na época uma importante função da
sociedade civil, do seu papel na resolução da questão do poder confessional e do confronto
com as forças classistas/confessionais nas quais o poder se sustentava. Também, aquelas
reivindicações representavam um incentivo para segregar as forças nacionais da sociedade
civil e as forças democráticas e esquerdistas, as duas últimas aliadas da primeira, dos partidos
e associações confessionais que, por sua vez, se aliaram à direita. Esta separação criou um
105
alinhamento histórico entre os que apoiavam um Estado democrático e os que eram a favor do
Estado confessional.
Mas os resultados da Guerra Civil, desde os primeiros anos, consoante Alfalih (2002),
conduziram ao esgotamento das forças da sociedade civil até quase o ponto de aniquilação,
enquanto fortaleceram as forças confessionais. Até o ano de 1989, momento em que foi
celebrado o Acordo de At-taiif, o destino da sociedade civil e do próprio sistema político
libanês era condicionado ao cessar fogo entre os grupos beligerantes, à restauração do Estado
e à reunificação da sociedade. O texto do Acordo de At-taiif, que veio para positivar as
reivindicações dos grupos conflitantes, reproduziu um sistema de dominação
capitalista/confessional, embora tenha acenado com horizontes democráticos constitucionais
que satisfariam alguns dos objetivos da sociedade civil no que diz respeito à reforma política,
à modernização do Estado e à unificação da sociedade em busca da estabilidade política.
Assamad (2000) se refere a uma expansão das associações da sociedade civil que
começou no final dos anos 80 do século XX, depois da queda da União Soviética e dos
sistemas socialistas no Leste europeu, depois da Convenção de Madri que tratou do conflito
árabe-israelense, depois do Acordo de At-taiif e do fim da Guerra Civil e confessional. Como
se sabe, esta expansão foi de modo geral abrangente em muitos países submetidos aos
programas de acomodação e de reforma econômica estrutural. Tais reformas constituíram
parte de um processo de expansão geoestratégica e geoeconômica visando incorporar grupos
de países e regiões no sistema capitalista global e colocar limite à independência política,
econômica e cultural desses.
No Líbano, é preciso distinguir as forças da sociedade civil e as forças da sociedade
comunitária com base em critérios político-intelectuais os quais definem as visões destas
forças perante a sociedade, o Estado e o sistema de dominação. A sociedade civil é nacional-
democrata, enquanto a sociedade comunitária é espiritual-confessional. O desempenho das
organizações de atividades semelhantes ou de atitudes similares em ambas as sociedades, civil
e comunitária, não pode negar as diferenças profundas que as distanciam.
Nassar (2002) afirma que os partidos e as forças da esquerda constituíram,
historicamente, o núcleo da sociedade civil no Líbano e que a concretização de uma opção
nacional pela política democrática tem sido dependente daqueles partidos por causa da
natureza da sua missão e porque a maioria das instituições e dos elementos pertencentes à
sociedade civil são vinculados aos partidos da esquerda.
106
Vale à pena ressaltar que a esquerda não se restringe às forças marxistas, mas abrange
todas as forças políticas e as instituições sociais, culturais e os elementos nacionalistas
antagônicos ao confessionalismo que são comprometidos intelectual ou politicamente com os
interesses do povo e que lutam pela construção de um Estado nacional, moderno e
democrático. Estas forças e elementos se restringem e se ampliam dependendo dos
alinhamentos que a sociedade civil evidencia em cada etapa do desenvolvimento
sociopolítico.
Com o final da Guerra Civil, em meados dos anos 90, foram verificadas grandes
transformações políticas que influenciaram o enfraquecimento dos cleos da sociedade civil.
Mustafá (2002) afirma que a transformação mais importante foi a restauração do poder do
Estado a partir de 1990 como um centro de polarização sociopolítico sendo fortalecido pelo
apoio árabe e internacional resultante do Acordo de At-taiif. A restauração se deu por que os
libaneses precisavam de um Estado nacional que reunificasse a sociedade. Outra
transformação esteve ligada à fragilização do partido das Forças Libanesas e de outras forças
da direita que tinham o apoio do Estado de Israel. Com esta fragilidade, a direita perdeu a
polarização tradicional que tinha antes e durante a Guerra Civil. A terceira transformação
ocorreu na Nova Era depois da Guerra Civil e se consubstanciou na limitação das mudanças
políticas as quais se tornariam possíveis somente nos termos da Constituição e através dos
mecanismos do sistema reabilitado. Uma quarta transformação esteve ligada à inserção de
alguns partidos da esquerda (a Renascença e o Nacional), que compunham as organizações
civis, nas instituições constitucionais do governo o que possibilitou a expressão das atitudes
desses partidos perante o sistema através de canais legítimos. Essas transformações se
complementaram com o recuo da Frente da Resistência Nacional Libanesa que lutava contra a
ocupação israelense no sul do Líbano e com a substituição do papel da Resistência Libanesa
pela Resistência Islâmica, sob a liderança do Hizbullah.
Nassar (2002) conclui que esse conjunto de transformações pôs um limite à ação
nacional da sociedade civil encabeçada pela esquerda, em momento anterior à guerra, por
causa de duas razões: na primeira, as forças da esquerda que participaram do poder utilizaram
a sua nova posição como instrumento da ação partidária restrita e foram obrigadas a assumir a
responsabilidade das conseqüências das políticas governamentais e do confronto das
discordâncias populares que se opuseram a tais políticas, especialmente quando alguns
representantes de alguns daqueles partidos esquerdistas estiveram mais preocupados com a
realização dos seus interesses e quando outros foram envolvidos em escândalos de corrupção.
107
A segunda esteve ligada às forças da esquerda que estiveram fora do poder as quais careceram
de uma estratégia política nítida e também permaneceram a sofrer com as conseqüências da
Guerra Civil nas suas visões e estruturas.
As transformações políticas ora descritas foram precedidas por mudanças
socioeconômicas as quais destruíram os suportes da esquerda, posto que a guerra ocasionou o
enfraquecimento da capital Beirute, reconhecida por albergar defensores da construção de um
Estado democrático, como centro econômico e cultural em favor da periferia e de outras
cidades. Essa descentralização criou círculos regionais menores e fortaleceu os sentimentos
sociais, políticos, regionais e confessionais em detrimento da unificação nacional.
As mudanças socioeconômicas contribuíram para a migração de libaneses refugiados
para a cidade de Beirute, o que se tornou fator importante na objeção do confessionalismo e
no desenvolvimento de um sentimento nacional.
Essas mudanças constituíram uma grande perda no saldo político da esquerda e,
consequentemente, na sua contribuição para a construção da sociedade civil, porque as
seleções demográfica e topográfica confessional criaram barreiras objetivas perante as
atividades das forças da sociedade civil e fortaleceram os dinamismos do confessionalismo.
O enfraquecimento da sociedade civil cresceu depois que a Guerra destruiu a classe
média que constituía o pilar do bloco popular cívico e social. A retirada do bloco palestino
popular do círculo da ação política no Líbano e a pressão que foi feita a fim de desvincular os
laços que o ligavam com o povo libanês marcou o fim das mudanças socioeconômicas, as
quais fizeram com que as forças da esquerda perdessem o fundo social e fosse facilitada a
ação das forças confessionais para destruir a base política da esquerda na qual se apoiava ao
longo de um quarto de século.
Mustafá (2002) afirma que as referidas mudanças também facilitaram a missão do
neoliberalismo em dominar o cenário político durante a primeira metade dos anos 90. Nessa
fase, o neoliberalismo não encontrou uma oposição efetiva que pudesse limitar os seus
programas. A esquerda não adequou um pensamento que renovasse e promovesse o seu papel
no desenvolvimento dos arcabouços da sociedade civil através da construção de novas formas
que contribuiriam para o processo de uma mudança política.
Os programas do neoliberalismo resultaram em conseqüências altamente destrutivas
para a sociedade civil e para o seu papel sociopolítico. Essas conseqüências puderam ser
observadas em vários aspectos sociais, políticos, econômicos e culturais, dentre esses verifica-
108
se que o crescimento do empobrecimento na cidade e no campo e a elevação do sentimento
confessional foram os mais importantes.
O Líbano permanece como um dos poucos Estados árabes que tem uma prática
democrática. As instituições democráticas, juntamente com um judiciário relativamente
independente e um Parlamento capaz de legislar e fornecer um certo nível de supervisão sobre
o executivo, construíram o arcabouço político do país desde a sua independência em 1943.
Enquanto as associações, durante o período da Guerra Civil, foram consideradas pelas
divisões confessionais, o período pós-guerra focalizou a proteção do espaço cívico contra o
Estado.
Apesar de a Guerra Civil ter constituído uma pausa na vida política do Líbano,
posteriormente ela abriu o caminho para o fortalecimento das organizações da sociedade civil.
Hariq (2000) afirma que uma rede extensiva de organizações da sociedade civil preencheu a
lacuna deixada pelo Estado na prestação dos serviços de segurança e na satisfação das
necessidades básicas para os seus cidadãos. Enquanto os partidos políticos permaneceram
débeis e intimamente ligados aos grupos confessionais rivais, as ONGs receberam um apoio
multiconfessional. Estas funcionavam ativamente para o avanço dos interesses dos cidadãos
tanto em nível local como nacional. Uma vez que o desenvolvimento democrático libanês é
fragilizado e condicionado pela situação de instabilidade regional do Oriente Médio e pela
influência dos atores regionais e internacionais sobre as políticas domésticas, a sociedade civil
tem agido como defensora do país perante tal influência, especialmente para libertar-se da
Síria. Na sociedade civil, a emergência de debates públicos sobre a liberdade da mídia, sobre
a reforma da lei eleitoral e sobre a perseverança e inviabilidade do próprio sistema
confessional tem, recentemente, vindo à tona. Conseqüentemente, as diversas ONGs libanesas
têm tentado desempenhar um papel crucial de restabelecimento do nível de controle do
governo por parte das associações a fim de aumentar o nível da ação responsiva daquele às
necessidades dos cidadãos. As ONGs têm liderado o movimento para uma futura reforma
política no Líbano, mas os resultados ainda deixam a desejar.
Corom (2004) sustenta que a dificuldade que enfrenta a sociedade civil para realizar os
seus objetivos encontra razão na permanência do sistema político, quanto à composição do
parlamento, e no funcionamento dos partidos que decorrem da barganha política confessional
que foi criada pela Constituição de 1926 e confirmada pelo Pacto Nacional firmado entre os
líderes sunitas e maronitas em 1943. O enraizamento dos interesses confessionais garantido
pela carta constitucional complica a missão da sociedade civil de realizar uma mudança
109
política considerável. A crença em que algum tipo de democracia seja um mecanismo
necessário para a integração das distintas confissões na vida política libanesa está bem clara.
A integração é considerada como essencial não apenas para a vida política, mas para a
regulação das relações entre vários grupos freqüentemente instáveis.
As atividades dos partidos ainda são limitadas e a vida política não é bem estabelecida
em relação às regras e compromissos. Os maiores problemas surgiram quando a vida política
começou a se deteriorar sob a força da desigualdade econômica e social. A presença dos
militantes palestinos, durante os anos 70, e as repetidas invasões israelenses no Sul do país
também tiveram um grande impacto sobre a vida política no Líbano.
De qualquer modo, o desafio inicial para a sociedade civil libanesa era criar uma
esfera para dois largos grupos religiosos e outras várias comunidades para que pudessem
conviver e funcionar.
A Constituição libanesa enfrentou duas realidades: a implementação de um modelo
político democrático baseado na igualdade e no sufrágio universal e, concomitantemente, um
confessionalismo bem enraizado política e culturalmente que contrariou a primeira meta.
Assim, é difícil imaginar como uma sociedade civil pode funcionar nessas circunstâncias,
com elementos tão contraditórios.
A Constituição de 1926 e as suas instituições basicamente concederam o poder aos
limitados grupos das famílias cristãs da Montanha do Líbano e da cidade de Beirute e às
famílias sunitas e xiitas proprietárias de terra nas cidades litorâneas. A cooperação para a
criação desse elitismo fortaleceu a posição dessas famílias e aumentou a sua riqueza.
Observa-se que quase todas as atividades das organizações da sociedade civil revolvem em
torno desses agrupamentos familiares historicamente políticos e socialmente privilegiados. As
organizações constituem, em sua maioria, meros instrumentos em mãos dos líderes familiares
representantes de interesses restritos e poucas vezes refletem os interesses nacionais. O
confessionalismo é o instrumento essencial para preservar o privilégio, além de proteger os
interesses de cada comunidade. Nessa estrutura não é dado espaço àqueles políticos que visam
transformar o país em um Estado democrático de fato, pluralístico, justo e sem exclusão.
Alfalih (2002), numa tentativa de definir a sociedade civil e a sua relação com a
democracia no Líbano, sugere dois tipos de sociedade civil. A primeira é a sociedade civil
cívica que tem um caráter secular, não-confessional e liberal incluindo movimentos sociais e
ONGs. O segundo tipo é a sociedade civil que se refere às associações e instituições ligadas
às comunidades religiosas. Enquanto a sociedade civil cívica se estende continuamente aos
110
novos membros, as comunidades religiosas não o fazem. também as uniões setoriais e os
sindicatos de trabalho constituídos pela classe média tradicional surgidos a partir do começo
do século XX. Vale à pena assinalar a influência que exercem os libaneses que vivem fora do
país - especialmente no Ocidente - sobre as associações da sociedade civil e a sua relação com
o sistema político. Não há dúvida de que a persistente abertura do Líbano ao Ocidente fornece
à sociedade civil libanesa o apoio e os meios necessários para fortalecem aquela influência
sob vários aspectos.
Assamad (2000) relata que a sociedade civil libanesa é largamente caracterizada por
uma vasta expansão de ONGs. Estas associações têm geralmente um número limitado de
membros e têm pouca influência sobre a vida política, sendo a principal razão para tal a
ausência de vínculo entre a sociedade civil e os seus atores com o sistema político no qual não
ocorre um debate público sobre questões políticas importantes. Na democracia libanesa, as
leis são elaboradas sem diálogo com a sociedade civil, ainda que se argumente que qualquer
decisão de fazer lei no Parlamento deva ser discutida nos círculos da sociedade civil. Além do
mais, uma das responsabilidades da sociedade civil é criar um diálogo com o governo e as
autoridades, contudo isso não acontece, a exemplo da elaboração da lei eleitoral corrente que
deveria ser uma questão discutida em público e não se verificou. Há críticas nítidas ante à
carência de vínculos entre a sociedade civil e o sistema político.
A sociedade libanesa é considerada relativamente aberta com um ambiente cultural
favorável à organização. A Constituição Nacional Libanesa garante a liberdade de encontros e
de associação, exigindo apenas que seja informado ao Ministério do Interior sobre a sua
existência e a sua estrutura. Conseqüentemente, há um espectro de várias organizações ativas
que podem influenciar as decisões públicas e, desse modo, transformar o sistema político.
Todavia dentre as cinco mil associações da sociedade civil ali existentes, apenas setecentas
são politicamente envolvidas e exercem fraca influência. Notadamente, a atuação das
associações civis libanesas gira em torno das personalidades familiares que estabelecem
relações com identidades no exterior, em vez de abrir-se à população local, o que afeta as
políticas domésticas e aumenta as tensões entre os grupos. De modo geral, a sociedade civil
no Líbano sofre a falta de coordenação, de eficiência e de profissionalismo, porém, dada a
abertura que é facultada às organizações civis, essa sociedade civil está sendo vista como uma
força transformadora do sistema político e da sociedade a longo prazo.
Conforme Corom (2004), conflitos internos existem em todas as sociedades, mas o
aspecto principal do conflito na sociedade libanesa está relacionado à questão da identidade.
111
A identidade nacional reflete a diversidade confessional. Embora exista uma grande vontade
de construir uma identidade libanesa unificada, a realidade tipifica a divisão conforme a
confissão e a religião. O Líbano é um país com uma sociedade heterogênea na qual os
indivíduos são mais sujeitos às próprias confissões do que se sentem cidadãos pertencentes à
mesma nação unida. O problema mais agudo reside no fato de que os muçulmanos se
identificam como árabes, enquanto os cristãos se identificam como membros das
comunidades mediterrâneas. Outro aspecto da complexidade se revela nas subidentidades que
existem dentro de cada uma das divisões genéricas, muçulmana e cristã, que criam, por sua
vez, diversas identidades ainda mais atomizadas. Nesta realidade, prevalece a segregação em
detrimento da integração nacional e sob este aspecto pode-se observar a dificuldade que a
sociedade civil experimenta na sua missão de transição à democracia e da sua consolidação.
A sociedade civil libanesa e as instituições políticas libanesas geralmente
desempenham um papel secundário por causa da supremacia das políticas de personalidades
confessionais. um grau elevado de ativismo político entre os líderes religiosos dominando
o espectro sectário. A interação entre os líderes religiosos, políticos e partidários e os grupos
na busca do poder produz uma textura de complexidade extraordinária.
Assamad (2000) relata que cerca de 1100 associações foram registradas no Ministério
do Interior só no ano de 1999. A maioria delas são confessionais em natureza e têm refletido a
divisão libanesa, ainda que se identifiquem varias associações profissionais do meio
ambiente, da advocacia e grupos feministas que ultrapassam interesses específicos e
favorecem a integração da sociedade civil libanesa.
As associações profissionais, em particular as uniões do comércio e as organizações
feministas, foram notadamente ativas por ocasião da guerra civil e pelas suas ações contra o
terrorismo urbano que destruíram a sociedade civil libanesa entre 1975 e 1990.
Os sindicatos profissionais, como dos advogados, engenheiros, contabilistas, e as
associações de operários têm tido influência especial sobre o sistema político libanês, o que
não se verifica nos demais países árabes. O setor profissional consiste em cerca de 200
associações de funcionários e de operários setoriais, mais de 50 associações de proprietários e
dos homens de negócios.
A Assembléia dos Dirigentes e Chefes de Empresas Libanesas que constitui um grupo
de interesse dos homens de negócios, bancários e industriais representa um entre poucos
grupos genuínos na sociedade civil que manifesta interesses econômicos baseados em
princípios liberais e requer a necessidade de realizar uma reforma.
112
Algumas das associações libanesas de bem-estar, oriundas ainda no século XVIII, são
não confessionais ou multiconfessionais. Fato interessante, especialmente verificado em
Beirute, foi o surgimento de associações familiares e locais comunais que cresceram forte e
largamente durante a Guerra Civil. São associações familiares e de vizinhança que gozam da
estrutura de patrocínio do governo, pois desempenham um papel importante em substituição a
alguns órgãos estatais.
As ONGs libanesas ativas atuam em vários campos, seja desenvolvendo atividades
humanitárias sociais, apoiando os direitos de grupos desprivilegiados e vulneráveis,
coordenando os esforços de ONGs humanitárias no país, colaborando com as instituições do
Estado e complementando as suas atividades e cooperando com as agências da ONU e com
outras associações no exterior.
A coletividade de ONGs no Líbano também desempenha o papel de coordenação do
desenvolvimento social do país. Para realizar este objetivo, a coletividade se apóia em
associações civis privadas e em organizações humanitárias, representa os seus membros
perante o público, perante as autoridades nacionais e internacionais e estabelece um fórum
cívico de desenvolvimento.
Dentre várias organizações defensoras de direitos humanos, a Associação Nacional
para os Libaneses Prisioneiros em Israel mantém uma atividade permanente. O Instituto de
Direitos Humanos do Líbano é o grupo de maior atividade desse gênero no país, tendo
inclusive reconhecimento internacional. Esse grupo focaliza o fortalecimento e a
implementação de leis relativas à liberdade de expressão e de associação.
Hariq (2000) afirma que um sistema político confessional é a favor das associações
confessionais e o papel da sociedade civil deve ultrapassar os limites confessionais para criar
um debate que exprima a opinião pública considerando os interesses do desenvolvimento da
sociedade como um todo. Para este escritor, a noção da sociedade civil é central para qualquer
discussão sobre a democratização porque ela aponta a posição das forças sociais no controle e
legitimação do poder do Estado. Em debates voltados ao desenvolvimento, o crescimento da
sociedade civil desempenha um papel decisivo não apenas para enfraquecer os governos
autoritários e na organização e manutenção de políticas democráticas, mas também no
melhoramento da qualidade dos governos democráticos.
No cenário político libanês, os esforços da sociedade civil deveriam ser desenvolvidos
em busca da supremacia da
esfera da liberdade sobre a esfera da coerção, da participação
sobre a hierarquia, do pluralismo sobre o tradicionalismo, da espontaneidade sobre a
113
manipulação e da transparência sobre a corrupção. Conforme esta visão, as organizações civis
podem ser vistas como uma forma particular de relação política entre Estado e sociedade.
Embora Mustafá (2002) assinale que o conceito de sociedade civil seja tão novo
quanto a democracia, desempenha um papel crucial no processo da democratização. A
pluralidade de partidos políticos competitivos em diálogo com a sociedade civil no sistema
político pode aumentar o valor democrático e, consequentemente, a sua necessidade de uma
implicação constante. A longo prazo, a operação da sociedade civil em relação ao processo
democrático conduzirá a uma geração futura que pensará diferentemente, a qual cooperará e
comunicará as bases não confessionais e participará do sistema político sem corrupção.
Considerando-se a história e a dinâmica da sociedade civil libanesa tal como se
afigura, questiona-se se essa esfera exerce o genuíno papel de um segmento demasiadamente
importante no cenário político de uma nação. O caso em tela confirma a existência de
organizações numerosas, cuja maioria é pouco representativa, fortemente marcada pela defesa
de interesses de grupos em detrimento do todo e pela tenacidade dos vínculos que estabelece
com o sistema político e cuja atuação dista da seara política, quando muito voltadas às ações
de caridade, logo verifica-se que este segmento mantém desempenho aquém do que se espera
para que possa alcançar os objetivos ligados à consolidação da verdadeira democracia.
Será necessário que este componente se desvencilhe da sua atual prática e assuma a
função que dele se espera como autêntico vetor da mudança social.
114
5 SISTEMAS PARTIDÁRIOS
Primeiramente, alerta-se para o fato de que o processo de análise dos sistemas
partidários tem parâmetros que são ocidentais ou, no melhor caso, ocidentalizados, enquanto
se tem sob estudo dois casos situados fora do enfoque e da consideração dos cientistas
políticos dos países do centro, o que representa uma dificuldade para a elaboração desse
trabalho. Os dois sistemas com os quais lida este estudo são de uma região onde se verifica
uma diversidade na natureza e nas circunstâncias. De fato, mesmo que tais parâmetros não
sejam suficientes para explicar e analisar os casos em tela serão aceitáveis, pois são os únicos
que obtêm a legitimidade conferida pela hegemonia epistemológica das teorias produzidas no
Ocidente.
Como assinala Gramsci, (1984), os partidos constituem organizações que dirigem
situações em momentos históricos vitais para as suas classes. Gramsci deu uma grande
importância ao partido político assimilando-o ao príncipe de um Estado moderno.
A unidade de partido constitui um elemento essencial na análise e no estudo do sistema
político. O sistema partidário é uma parte genuína que constrói um sistema político do Estado
moderno, por isso representa um instrumento analítico indispensável.
Lingüisticamente, a palavra partido tem significados distintos que podem ser até
contraditórios. Enquanto tem o significado de dividir ou separar, também tem o significado de
associação. Isto é, o partido reúne os semelhantes e próximos e separa os distintos e
diferentes. Em outras palavras, um partido é uma formação e estruturação de visões, opiniões
e interesses diversos e heterogêneos, mas são, até certo grau, semelhantes, coesos,
disciplinados e próximos.
Com relação ao conceito de partido político, apesar de seus diversos significados, é
possível destacar alguns de seus traços característicos sobre os quais um certo consenso.
Em primeiro lugar, ao contexto em que os partidos atuam e, em segundo, às atividades que
desenvolvem sob tal contexto. Os partidos têm papéis específicos em duas arenas do sistema
político: a eleitoral e a decisória. Nesta última, sua atividade está associada à formulação, ao
planejamento e à implementação de políticas públicas, participando como atores legítimos no
jogo do poder e no processo de negociação política. São agentes fundamentais no processo
democrático representativo, pois estão respaldados pelo voto popular. De fato, somente com
base nesse critério - apoio eleitoral - é possível, no contexto das democracias de massa, falar
115
de partidos como canais de expressão e representação de interesses, como um vínculo, ainda
que frágil, entre a sociedade e o Estado. Na arena eleitoral, seu papel específico é o de
competir pelo apoio dos eleitores a fim de conquistar posições de poder. É por meio desse
mecanismo que a cadeia de representação política se forma nas democracias representativas,
uma cadeia que vincula os cidadãos às arenas públicas de tomada de decisões.
Assim, se, de um lado, a obtenção do poder político legítimo, no contexto de um
eleitorado de massas, tornou-se factível por meio da organização de partidos políticos, de
outro, a representação política democrática tornou-se viável à medida que os partidos
políticos modernos, ao se constituírem como tais, assumiram as tarefas de: estruturar a disputa
eleitoral, ou seja, definir e diferenciar as opções a serem oferecidas ao eleitor, facilitando o
ato de votar e possibilitando a construção de identidades políticas, e mobilizar o eleitorado,
isto é, incentivar o eleitor a ir às urnas e a votar em uma das opções oferecidas, opções que se
constituem como agregações de preferências, ou seja, representações de interesses. Se, no que
refere à questão da democracia, os partidos políticos são um aspecto fundamental, é sua
atividade eleitoral a que tem caráter primordial.
Historicamente, os partidos surgiram como conseqüência da luta contra a formação
política monocromática, não apenas em razão do surgimento dos parlamentos, mas com a
valorização da vontade da sociedade. Os partidos políticos fizeram parte, como elemento
estrutural, do sistema político ou foram concebidos nitidamente como tal depois da Revolução
francesa, da qual se originaram os fundamentos do Estado Moderno e com o seu advento
adquiriram uma definição legal, positiva e aceitável, contudo, consoante Cerroni (1982), é o
partido socialista o protótipo histórico-teórico capaz de explicar o nascimento do partido
político moderno e do sistema partidário moderno, tendo sido o partido operário socialista o
primeiro a obter uma organização difusa e um programa nacionalmente abrangente.
Os partidos como organizações representantes de interesses de distintos grupos
políticos surgiram com a necessidade da formação sociopolítica, isto é, o partido político não
deveria ser visto isoladamente dos seus vínculos e deveres sociais. O que pode ainda hoje ser
confirmado, pois, consoante Cerroni (1982) e Gramsci (1984), o partido político encarna em
si mesmo a necessidade de uma mediação orgânica entre o político e o social. Cerroni
considera o partido político como a primeira célula na qual se resumem os germes da vontade
coletiva que tendem a ser universais e totais. Cerroni apud Gramsci enfatiza que um partido
atinge seu ápice quando age como uma parte que percebe todos os problemas de coordenação
e gestão do universo social em que opera.
116
A complexidade relativa à formação política moderna tornou os partidos
indispensáveis componentes da estruturação do sistema político, o que pode ser verificado em
Cerroni (1982) para quem o partido político moderno é um fenômeno essencial da vida
política moderna, ou seja, é uma tendência bastante regular da sociedade moderna exprimir-se
ao nível político através tanto das instituições representativas cada vez mais estruturadas
como os partidos políticos formados por uma máquina regular e por um programa articulado.
Conforme Sartori, (1982), duas funções sistemáticas principais explícitas em
qualquer sistema partidário, a de expressão e a de canalização, e uma terceira função implícita
relacionada à comunicação ou transmissão das demandas.
O partido, como um arranjo estrutural do sistema político, tem uma estrutura interna
de autoridade, possui um processo representativo, um sistema eleitoral, um subprocesso para
o recrutamento de líderes, definições de metas e solução de conflitos internos do sistema. O
partido em si é um sistema de tomar decisões. Os partidos são modos de preparar e adequar os
dirigentes e neles reside a capacidade de direção. Ambos, Sartori e Gramsci, valorizam a
importância da liderança ou do estado-maior do partido.
As subunidades de um partido são compostas por certos grupos rivais, isto é, o partido
é uma organização que agrega indivíduos e grupos que não são necessariamente
harmonizados. O subgrupo partidário é um corpo organizado com certo grau de coesão e de
disciplina. Esta identidade pode ser reconhecida por uma série estável de atitudes perante
certas questões. A natureza de um partido está na natureza de suas frações. Cada partido tem
um grau de coesão ou de fragmentação e meios diferentes de interação.
uma dificuldade de identificar as frações, por isso enfatizar-se-á nesse estudo os
núcleos, os militantes ou as camadas superiores no topo de cada partido, isto é, as lideranças
para identificar um partido através das forças mais ativas, classificá-lo numa categoria
específica e apontar a sua posição, quer na escala ideológica, quer na hierarquia do poder.
Sartori (1982) pressupõe diferenciar os partidos em dois tipos, quais sejam, o de
princípios e o de interesse. Mas é evidente que qualquer partido tem os seus princípios e os
seus interesses. Então como fazer tal diferenciação? Em que se apóia um partido de interesse
se não houver fundamentos ideológicos ou princípios? O oportunismo e a utilidade sempre
existem em quaisquer partidos representados por alguns de seus subgrupos. De outro lado, um
partido não pode ser puramente de princípios, pois qualquer partido visa à conquista e à
utilização do poder público que, por sua vez, constitui um interesse definido pela obtenção de
cargos e proventos. De fato, Sartori apresenta uma visão ambígua nessa diferenciação entre os
117
dois tipos de partidos, pressupondo que as frações de interesse são marcadas pela sua
tendência de formar redes clientelistas e modos de operação a ela voltados. Na prática, a
camuflagem ideológica dificulta uma tentativa desse tipo de diferenciação. Todos os partidos
alegam ter uma promoção futura e colocam nitidamente nas suas plataformas a realização do
bem-estar público como objetivo essencial em busca de legitimidade.
Weber, (2004), afirma que os partidos políticos o, antes de mais nada, organizações
utilizadas por certos grupos como máquinas caçadoras de votos.
Sartori sugere uma combinação de vários indicadores que podem ajudar na
classificação e identificação de um partido político: o fator cultural, que se encontra na sua
plataforma, nas suas publicações e nos discursos de seus líderes para identificar a sua posição
na escala direita-esquerda e os motivos de um partido, os quais podem ser identificados
através da observação da sua história para se conhecer o seu comportamento real,
especialmente quando assume algum posto na hierarquia do poder. Mesmo assim, uma
classificação fica ambígua por razões ligadas ao deslocamento e à instabilidade da posição de
alguns partidos causados pela mudança nas táticas impostas ou exigidas pelas circunstâncias e
pela realidade política. Esta fluidez no comportamento dos partidos dificultou a missão do
próprio Sartori em encontrar critérios estáveis e determinantes para avaliar e classificar um
partido com precisão. Sartori, (1982), afirma, por exemplo, que o pragmatismo pode ser
encontrado tanto nas frações de esquerda como nas de direta. As frações de esquerda e de
direita podem ser igualmente motivadas e interessadas, ou não, por poder e proventos. Um
caminho parece ser apropriado para este fim, é procurar empiricamente em cada caso
separadamente as tendências de um partido que podem ser verificadas pela observação.
De qualquer modo, neste trabalho, o enfoque, como sugerem Lijphart, (2003), e
Sartori, (1982), estará voltado para os partidos efetivos, ou seja, os partidos que têm algum
peso no Parlamento e consequentemente na formação do governo ou aqueles que têm algum
potencial de formar coalizões ou praticar chantagem. Gramsci, (1984), afirma que um partido
que obtém muitos votos nas eleições locais e menos naquelas no âmbito nacional, estas de
maior importância política, é um partido deficiente qualitativamente na sua direção central,
que possui subalternos, mas não possui um Estado-maior adequado ao país e à sua posição no
mundo. Em outras palavras, um partido efetivo é aquele que dispõe de uma estrutura capaz de
espalhar as suas atividades em todo o território nacional, o que é corroborado por Cerroni,
(1982), para quem o verdadeiro elemento diferencial do partido político moderno é a
combinação da organização territorial difusa e tendencialmente nacional com um programa
118
estruturado e articulado. Gramsci, (1984), endossa essa idéia afirmando que quando um
sistema partidário se torna estruturado equivale dizer que ele atingiu uma fase de consolidação
na qual pode desempenhar uma função canalizadora.
Neste capítulo, levar-se-ão em consideração os partidos de apoio que representam
grupos ansiosos aos quais aderem qualquer vencedor e que se contentam com cargos
marginais, sendo esses observados em ambos os sistemas, o egípcio e o libanês. Investigar-se-
á se existem grupos de obstrução ou de veto ou grupos de programas que procuram impor a
sua visão sobre os demais.
Observa-se que um sistema partidário constitui um processo de interação entre os
partidos e que, quanto menos partidos, maior o grau de rivalidade entre os subgrupos. Quanto
menor a competição partidária, maior o grau de fracionamento e vice-versa, isto é, uma
relação entre o grau da competitividade do sistema partidário e o nível do fracionamento
subpartidário.
Sartori, (1982), considerou importantes os caminhos constitucionais para ajudar no
processo de categorização dos sistemas partidários. Desse modo, serão analisadas as
constituições que consistem em leis superiores definidoras dos direitos e das liberdades
fundamentais, da expressão e da organização, em ambos os países, para verificar se existam
obstáculos legais ou cláusulas de barreira que possam limitar o processo da interação
essencial para o funcionamento do sistema partidário. Os partidos, nos dois países, surgiram
na época da luta contra a colonização européia e em decorrência da promulgação de suas
constituições no começo do século XX. Daí, uma análise da constituição de cada país ajudará
sobremaneira a definir os fundamentos legais que estabelecem as liberdades de criação e da
ação partidária.
Cerroni, (1982), semelhante a Sartori, (1982), considera importante a
constitucionalidade de direitos para garantir formalmente as liberdades políticas e civis e
assim atingir-se uma democracia participativa, posto que esse modelo não pode fundar-se
sobre a exclusão preliminar de certas posições e de certos grupos políticos.
Na época da luta contra a colonização, as liberdades de formação de partidos políticos
foram limitadas pelo colonizador; depois da independência, os partidos políticos enfrentaram
outros tipos de desafios relacionados à coexistência entre si de um lado e, de outro, com o
Estado. No Egito o exemplo é mais claro: tem havido uma tendência, sob várias alegações e
justificativas, ao intervencionismo o qual tem excluído setores amplos da sociedade a favor da
imposição de uma visão ou um programa de um partido sobre os demais. As tentativas de
119
implantar um sistema socialista paralisaram a vida partidária quando o sistema se tornou anti-
partidário depois da Revolução de 1952. A partir de meados dos anos 70, o sistema
multipartidário foi recuperado, mas várias limitações foram impostas sobre a liberdade de
organização e da prática política que se fazem sentir até o momento atual, embora estejam
cada vez mais mitigadas. No Líbano, o sistema partidário tem sido influenciado e corrompido
pela predominância das elites tradicionais, pela intervenção estrangeira e pela instabilidade
política.
Os partidos dominantes se tornam, com o decorrer do tempo, representantes do
conservadorismo. Parece que um dos problemas mais agudos de um partido é o da sua
incapacidade de adaptação a novas condições, formas e relações de forças sociais que a
sociedade produz sucessiva e constantemente. Nesse aspecto, Cerroni, (1982), assim se
posiciona: o melhor partido é aquele que consegue crescer com as necessidades, as
solicitações, as esperanças de universalizar a vida de todos não como membros de um
partido ou classe, mas de toda a humanidade, é aquele que consegue se colocar como portador
de uma mensagem universal de renovação do mundo, de libertação da existência de todos.
Cerroni, (1982), sustenta que não se está diante do fim dos partidos políticos, mas sim
do fim do partido anacrônico, das ideologias dogmatizadas e diante do amadurecimento de
uma política nutrida de cultura. Considera que, hodiernamente, a própria competição entre os
partidos favorece o surgimento de partidos capazes de interpretar e dirigir a nova realidade
social através de alternativas adequadas de integração e de racionalização sociais e enfatiza
que o partido político suscita uma instância de articulação e reunificação com a sociedade.
Para Cerroni, (1982), os partidos não devem se acomodar às tradições, devem sim
reelaborá-las criticamente tornando-se incapazes de cumprir as funções para as quais foram
historicamente destinados.
Na análise do desenvolvimento dos partidos em ambas as sociedades campos do
presente trabalho, considerar-se-ão tanto os grupos sociais como o Estado-maior de partidos,
isto é, a relação entre as elites políticas e a massa partidária. Nesse capítulo, procura-se
identificar como se estabelece o conservadorismo partidário revelado em ambas as
sociedades, o qual limita a participação e o desenvolvimento político democrático, este
pressuposto de um pluralismo político e da concessão de direitos iguais para os cidadãos,
sendo o pluralismo uma necessidade orgânica para a fundação de uma sociedade e de um
Estado que queiram se desenvolver com base na liberdade política.
120
Consoante Gramsci (1984), cada grupo social tem normas próprias de proporções
definidas que variam de acordo com o nível cultural, de independência intelectual, de espírito
de iniciativa, de senso de responsabilidade e de disciplina dos seus membros mais atrasados e
periféricos. Verifica-se se possibilidade de transformação de alguns movimentos sociais e
idéias modernistas em partidos que, por sua vez, precisa de uma formação de dirigentes no
seu interior capazes de incentivar a massa e transformar um grupo social em um exército
político organicamente predisposto. Essa idéia encontra respaldo nos ensinamentos de
Cerroni, (1982), para quem os dirigentes devem trabalhar no sentido de fazer crescer a massa
a ponto de torná-la quadros e não apenas conduzi-la sob seu comando.
Gramsci, (1984), diferencia dois tipos de partidos; o pessoal que oferece uma proteção
ao inferior por um homem poderoso ou os partidos patronais nos quais a relação entre o líder
e os súditos é do tipo ordem/obediência e o segundo tipo de partidos que se baseia em grupos
dirigentes mais numerosos e sem relação de força/domínio.
O sistema partidário se constitui em um dos componentes essenciais do sistema
político. A influência desse componente se revela sob vários aspectos. Lijphart (2003) afirma
que uma forte relação entre o sistema partidário e o tipo de governo. Enquanto os sistemas
multipartidários caracterizam o modelo consensual, os sistemas unipartidários são de um
governo majoritário.
Um gabinete de um sistema multipartidário é aparentemente menos capaz, na esfera
administrativa, que o do sistema unipartidário, pois os gabinetes de coalizão são frágeis e de
vida curta, caracterizados pelas tensões e pelos conflitos entre os grupos que o compõem. O
problema surge das dificuldades de satisfazer todos os participantes da coalizão. Nesse caso,
geralmente, não uma eficiência em tomar decisões por causa da fragmentação do poder
decisório entre as forças dentro do gabinete que representam interesses e ideologias distintas.
Os sistemas multipartidários produzem gabinetes de coalizão, enquanto um sistema
unipartidário resulta em um executivo minimamente vitorioso ou de maioria. Este gabinete é
caracterizado pela harmonia entre os seus membros e não enfrenta dificuldades iguais àquelas
experimentadas por um governo consensual. De fato, o governo majoritário pode resolver os
problemas de discordância momentaneamente e pode parecer bem sucedido nos processos
decisórios, mas o gabinete de um sistema consensual é mais capaz de absorver as tensões e
mitigar os conflitos através de suas tentativas de satisfazer os interesses e as necessidades dos
diversos grupos cujos direitos de participação são constitucionalmente garantidos e não
121
dependem apenas dos resultados das eleições. Os dois sistemas sujeitos ao presente estudo
verificam esta realidade.
Entre os critérios do posicionamento partidário apresentados por Lijphart, (2003),
foram escolhidas três dimensões para localizá-los na escala ideológica: a dimensão
socioeconômica, a secular/religiosa e a dimensão da política externa. A primeira revela as
políticas defendidas e expressa a posição ideológica dos distintos partidos. Os partidos de
esquerda têm uma tendência de defender o setor público, um aumento do orçamento do
governo, uma preocupação com a questão da uniformidade da renda, políticas planejadas para
a redução do desemprego e da inflação e maior dedicação a questões públicas como a
educação, a saúde e outras relacionadas ao bem-estar social. Os partidos de direita defendem a
privatização do setor público e, consequentemente, a redução do papel do Estado.
A posição ideológica pode ser deduzida através da plataforma do partido, dos
discursos de seus líderes, da sua história de formar coalizões que mostra o seu alinhamento na
escala da posição ideológica e, no caso do partido do governo ou do partido dominante,
através das políticas adotadas e do seu comportamento concreto.
Outra medida que pode ajudar é a dimensão secular/religiosa, ou seja, os partidos que
defendem políticas religiosas como a Irmandade Muçulmana no Egito e o Hizbullah no
Líbano. Vale à pena ressaltar que os dois partidos se afastam cada vez mais das idéias
ortodoxas que os originaram, isto é, desistem da idéia de construir um Estado islâmico, pois a
moderação nas suas atitudes, perante várias questões, é o único caminho que possibilita a sua
aceitação e a coexistência com outras forças políticas. O que se quer dizer é que eles têm que
adotar estratégias para lidar com a realidade política atual que não admite atitudes extremas.
Mostrar-se-á, mais adiante, como os dois partidos estão cada vez mais adotando lemas
políticos aceitos por parte dos seus pares em ambas as sociedades estudadas.
Ressalta-se que os sentimentos religiosos dos dois partidos são antagônicos à
democracia e que tais partidos não rejeitaram totalmente as suas idéias relacionadas à Teoria
da Dominação no Islã. A dimensão da política externa é de uma importância especial, pois
mostra as relações que ligam grupos, forças, organizações e partidos dentro do sistema com
outras identidades no exterior e as conseqüências acarretadas por tais relações.
Com base nessas orientações metodológicas e em outras que virão no curso desse
trabalho, apresentar-se-ão os sistemas partidários de ambos os países sujeitos a este estudo.
122
5.1 SISTEMA PARTIDÁRIO NO EGÍTO
Na história contemporânea egípcia, tem existido um tipo de concorrência entre os
grupos dominantes que se sucederam, desde a independência do país, no começo do século
XX, e outras correntes antagônicas representantes de forças sociais classistas ou religiosas,
em particular, os islâmicos da Irmandade Muçulmana e o Partido Marxista Egípcio. Este
antagonismo se tornou mais nítido após a Revolução de Julho de 1952.
O Presidente Nasser conseguiu com sucesso vencer a oposição e nacionalizar o conflito
social através de um sistema de organização política anti-partidária - a União Socialista. Foi
uma guerra contra a direita através de um processo de absorção e neutralização das várias
forças sociais. A legitimidade do regime de Nasser adveio desse confronto com a direita, do
estabelecimento de um regime socialista que idealizava beneficiar as camadas mais pobres da
população as quais representavam a maioria do povo egípcio, da luta em favor do arabismo e
do confronto contra Israel e as potências ocidentais imperialistas. Abdullah (2001) relata que
havia duas correntes que tentaram concorrer com o seu regime: a islâmica e a marxista, mas o
conflito com elas também foi nacionalizado a favor da União Socialista que promoveu a
dissolução dos islâmicos e a incorporação dos marxistas numa organização única que, de fato,
desempenhava funções de partido semelhante à maioria dos partidos socialistas únicos
dominantes naquela época em várias regiões do mundo.
Desde a recuperação da vida partidária, pelo Presidente Anwar Sadat, em meados dos
anos 70, o governo egípcio procurou criar partidos que pudessem ser utilizados como
organizações de fachada. Havia necessidade, desde o começo deste estágio, de tais partidos
para organizar a oposição a fim de controlar a sua ação. Assim, todos os partidos políticos,
naquela época, foram criados pelo Estado. Hilal (1986) sustenta que o plano do Presidente
Sadat exigia que o primeiro passo fosse a criação do Partido Nacional (o atual Partido
Democrático Nacional) cuja função era a dominação, e, posteriormente, criar dois outros
partidos; um à direita do partido dominante e outro à esquerda deste. Os partidos da esquerda
foram o Partido Unionista Nacional progressista (At-tagammu) e o Partido Trabalhista
Socialista, enquanto o Partido Liberal representou a direita.
A época do Presidente Sadat, 1970-1981, foi caracterizada por um processo de
disciplinamento e por tentativas de incorporação das forças da oposição através da criação
planejada e cautelosa de partidos. Esta tarefa foi mais fácil com os partidos de cunho liberal
123
cujos princípios eram compatíveis com a nova posição ideológica do sistema (direita). Essa
época testemunhou o ressurgimento dos partidos que foram paralisados durante a dominação
do regime socialista anti-partidário de Nasser. Surgiu, por exemplo, o Partido Al-wafd (a
Delegação) que polarizou as forças sociais pertencentes à direita, isto é, significava o
ressurgimento das tradições liberais egípcias genuínas que foram reprimidas na época do
Presidente Nasser. O Novo Al-wafd surgiu fora do plano do Estado com a recuperação
relativa de liberdades de expressão e de organização garantidas suposta e teoricamente pela
Constituição.
Khalil (2005) sustenta que o Presidente Sadat utilizou os grupos islâmicos para
bloquear e perseguir os marxistas e nasseristas e limitar a atuação desses, o que resultou no
fortalecimento dos grupos islâmicos os quais não eram leais ao regime de Sadat. Vários
motivos políticos e econômicos, dentre esses o mais forte foi o Acordo de Paz com Israel,
levaram os grupos islâmicos a fazer oposição a Sadat e assassiná-lo em 1981. É importante
registrar que, quando Sadat abandonou a luta contra a direita, perdeu este instrumento
fundamental que Nasser utilizava para acalmar o conflito social e por isso esses conflitos, na
época do Presidente Sadat, fugiram do controle.
O sucessor de Sadat, o Presidente Muhammad Husni Mubarak, não foi capaz de
prosseguir com o mesmo método de antagonismo, utilizado por Sadat, contra quase todas as
forças políticas e de deter todas as lideranças da oposição de várias direções. Como assinala
Mustafá (1996), desde o começo do seu mandato, em 1981, Mubarak se concentrou no perigo
que representava os grupos islâmicos, por isso libertou vários líderes da oposição e criou um
diálogo com todas as correntes. Foi dado certo grau de liberdade de expressão, de organização
e daí o sistema começou a ser marcado por algumas características diferentes da época do
Presidente Sadat.
O Presidente Mubarak percebeu a necessidade de se reconciliar com os opositores para
enfrentar os grupos islâmicos, notadamente uma oposição mais organizada, visando
estabelecer um equilíbrio. Para isso, conferiu liberdades aos Nasseristas e Marxistas, como
fator essencial para enfrentar os islâmicos e a influência residual da instituição sadatista
1
contudo Mubarak concedeu espaço aos islâmicos para contrabalançar a ação dos marxistas e
1
A Instituição Sadatista é relativa ao ex-Presidente Anwar Sadat e consistia em categorias de parentes, políticos,
funcionários, tecnocratas, burocratas e de oficiais da polícia e do Exército que constituíam o cortejo do
presidente
124
nasseristas. Daí, começou uma época sem precedentes na história egípcia contemporânea,
marcada por certas liberdades da imprensa como conseqüência dessas interações.
Mubarak busca diferenciar a oposição política da religiosa, uma vez que é imperioso
admitir que no Egito sempre houve um jogo triangular, isto é, a existência de três partes no
jogo político, quais sejam, de um lado, o governo e, de outro, a oposição dualística
representada pelos partidos políticos e pelos movimentos religiosos, uma vez que a oposição
religiosa tem um ritmo peculiar que a distingue da oposição política partidária. No intuito de
facilitar o processo de análise, descrever-se-ão os partidos, separadamente, em duas partes: a
primeira tratando do Partido Democrático Nacional, dominante, e a segunda apresentando os
partidos e movimentos da oposição.
O sistema partidário egípcio é caracterizado pela supremacia do Partido Democrático
Nacional (PDN), o qual domina o cenário político egípcio desde que foi criado em 1977 pelo
Presidente Anwar Sadat. Atualmente, este partido é presidido por Husni Mubarak. A sua
posição ideológica situa-o no centro entre os pequenos partidos de posição de esquerda e de
direita.
Partido Democrático Nacional (PDN)
O PDN foi o descendente direto da União Socialista Árabe, a qual representou o
estágio evolutivo final da organização única que dominava a vida política durante a fase
socialista, embora a ala esquerdista dos intelectuais e dos oficiais politizados que o dominou
nos anos 60 tenha sido gradativamente afastada. Com os anos 80, ele formou uma aliança
dominante de burocratas, oficiais da polícia e das forças armadas do alto escalão, homens de
negócios e um amplo setor de proprietários de terra que dominavam as províncias. A maioria
dessa elite tinha uma forte presença no Estado e na sociedade, combinando ofícios públicos e
bens privados.
A ideologia oficial divulgada nos documentos deste partido explica esta composição:
ele fica no ponto intermediário entre o socialismo e o capitalismo individualista, ou seja, uma
fórmula de conciliação entre forças de ideologias e interesses distintos da direita e da
esquerda. Essa posição mediana pode ser compatível com as demandas do largo setor público,
nas quais muitos dos burocratas e dos gestores do Estado tinham grande interesse, e com as
exigências do crescente setor privado e do incremento do papel do capital, os quais tanto os
proprietários como os homens de negócios pró-regime desejavam. Hilal (1986) afirma que a
ideologia do partido é geralmente muito vaga e ambivalente para determinar a política do
governo, mas expressa autenticamente os interesses de seus constituintes, tanto do Estado
125
massivo como da economia aberta. O equilíbrio relativo entre os elementos do partido
oscilava com o decorrer do tempo; sob a presidência de Sadat, a burguesia de Infitah (a
abertura) cresceu com proeminência; enquanto que, com Mubarak, houve a valorização dos
burocratas do Estado e da velha aristocracia pré-1952.
O PDN tem carecido de uma organização e de uma solidariedade ideológica. No
significado exato do partido, ele é frágil sob vários aspectos. É mais um apêndice
governamental do que uma força política autônoma, embora esteja tentando mudar lentamente
esse panorama com o decorrer do tempo. Mas desempenha funções úteis tanto para o regime
como para os seus membros.
Isam Addeen, (2006), assinala que, no Partido Nacional, observa-se o monopólio e a
perpétua persistência dos postos internos do partido por parte de pessoas da confiança do
presidente do partido e a presença forte dos homens de negócios nos comitês mais importante
em detrimento dos intelectuais e dos representantes de outros setores populares que se
contentam com cargos marginais, quer dentro do partido, quer no parlamento ou no Gabinete.
Essa afirmação é contrária ao pensamento de Cerroni, (1982) para quem os partidos políticos
devem procurar desenvolver a própria massa a fim de fazê-la capaz de substituir os seus
quadros. Gramsci, (1982) endossa a idéia de Cerroni, pois sustenta que os partidos devem ter
substancialmente quadros que queiram transformar a massa em quadros. Os homens de
negócios têm suas ações protegidas em razão de ocuparem cargos no parlamento como
deputados detentores de chefia das comissões de fiscalização o que lhes permite evitar as
interpelações parlamentares contra as suas pessoas, especialmente no que diz respeito ao
Ministério da Fazenda, da Indústria e da habitação, onde concentração dos negócios desse
pequeno grupo. Nessa altura, resta claro que o PDN tem um número elevado de subdivisões
por razões relativas à natureza da sua criação, por causa do seu grande tamanho e da sua
posição no poder como partido dominante que atrai vários grupos e o torna uma agregação de
interesse mais que um partido político como assinala Abdulghaffar Rashad, Professor do
Departamento de Economia e Ciências Políticas da Universidade do Cairo em entrevista no
dia 12 de abril de 2007.
Embora o aparelho estatal e o meio acadêmico permaneçam como principais canais do
recrutamento da elite do PDN; o pessoal de confiança, os servidores do partido e a cooptação
constituem também canais importantes do recrutamento da burguesia privada. O partido não
forma políticas de peso e a maioria delas, recomendadas pelos seus comitês, relativas a
questões importantes como a aplicação da Sharia (a lei islâmica), a abolição do setor público
126
e o programa de privatização, são simplesmente ignoradas pelo governo. Mas a sua
convenção parlamentar assume uma autoridade considerável sobre questões menores: o PDN,
por exemplo, é fonte de um constante fluxo de iniciativas e efeitos que defendem ou
promovem os interesses do seu largo eleitorado burguês, proposta veementemente refutada
por Cerroni, (1982), para quem os partidos devem se comprometer com todo o universo social
em vez de se voltar unicamente ao próprio eleitorado. Deste modo, o PDN incorporou o maior
segmento das forças sociais mais estratégicas dentro da coalizão dominante; O PDN não
concede às forças sociais incorporadas uma accountability, mas lhes fornece um acesso
privilegiado para satisfazê-las.
Saif Addaula (1986) sustenta que o partido carece de uma organização extra-
governamental e de considerável lealdade de seus membros, limitando-se a desenvolver
apenas poucas atividades. Os oficiais da polícia desempenhavam um papel proeminente na
liderança do partido e nas províncias, sendo este através das concessões ilimitadas conferidas
ao Ministério do Interior, responsável pela segurança, o qual age a favor do partido, mas onde
existem redes de clientela dos notáveis pró-governo no campo, o partido a estes uma
porção do poder para garantir a lealdade dos camponeses. O partido também incorpora
nominalmente um grande número de funcionários públicos e arranja postos mais altos para os
seus seguidores nos sindicatos e nas federações profissionais para evitar a oposição desses
órgãos.
O partido carece de capacidade de mobilização e, em vez de fazê-lo, incentiva a
desmobilização. Como assinala Abdullah (2006), ele depende do Ministério do Interior, dos
chefes dos povoados (Umdas) e dos notáveis locais para fornecer os votos.
O partido funciona como um laço organizacional entre o regime e as subelites, as
quais oferecem pleno apoio para o partido e para as suas ligações com forças sociais mais
amplas. Desse modo, o partido ajuda na proteção da base social do governo. Nos últimos anos
houve mudanças desenvolvimentistas consideráveis na estrutura do partido suscitadas por
Jamal Mubarak, filho do atual presidente e uma das personalidades mais influentes do
governo. Esta posição em si coloca em dúvida a situação da democracia no Egito.
127
5.1.1 Movimentos Religiosos de Oposição
Nos anos 70, o Egito tinha um sistema político monolítico. Mais tarde, a arena política
testemunhou um processo de criação de novos partidos e movimentos políticos, cujos valores
e interesses eram distintos do partido dominante, representando, assim, uma verdadeira
oposição e com ideais de favorecer o fortalecimento de um regime democrático.
O Movimento islâmico tem se fragmentado em múltiplas frações autônomas que
compartilham o mesmo objetivo de construção de um Estado islâmico, mas diferentes em
relação às origens sociais e às suas táticas. Àquelas frações que agem às escâncaras foram
admitidos os direitos de se organizar e eleger candidatos independentes nas eleições
parlamentares. Mas a nenhum partido islâmico, como tal, foi permitido agir fora da vigilância
e das restrições impostas pelo governo e o maior setor deste movimento permanece em estado
de tensão, muitas vezes em um conflito violento com o regime. Deste modo, o movimento
tem integrado apenas parcialmente o regime.
Alharmasi (1990) sustenta que a corrente principal deste movimento, o Grupo da
Irmandade Muçulmana, era uma coalizão liderada por sábios das ciências da religião islâmica,
comerciantes, estudantes ativistas de Direito pertencentes à classe média e por seguidores de
grupos tradicionais urbanos. Foi reprimido sob o regime do Presidente Nasser e ressurgiu de
uma forma mais moderada com a ascensão do Presidente Sadat. Sob o último, foi a favor da
política de abertura e foi liderado por notáveis homens provincianos.
O movimento tem deslizado ao longo de linhas de geração em facções leais aos seus
líderes anteriores. Estas facções possuem seguidores muito radicais leais ao seu fundador. Na
direita do movimento da Irmandade Muçulmana, uma ala que possui uma ideologia a qual
apóia a implantação de um sistema capitalista baseado numa interpretação do Alcorão.
Farhood (1988) assinala que a Associação Islâmica Aljamaa Alislamia, um dos grupos
mais ativos no Egito, é um movimento amórfico de aglomeração de vários grupos pequenos,
composto de amostra representativa da população de estudantes, enquanto os grupos
islâmicos mais radicais como o Attakfeer Walhijra (Expiação e Alienação) e Aljihad (Guerra
Santa) são compostos de advogados pertencentes à classe média e de migrantes recém-
egressos do campo. Todos os movimentos islâmicos rejeitam o marxismo e a ocidentalização
em nome de uma terceira via islâmica que admite propriedade e benefícios privados, mas
requer delimitadas as suas conseqüências desigualitárias por meio de um código moral e de
128
um tipo do Estado de bem-estar. A principal diferença ideológica entre os grupos islâmicos
reside nos meios através dos quais atingem a construção da ordem islâmica; considerando que
os grupos mais moderados advogam uma participação pacífica dentro do regime, agindo
através de instituições estabelecidas; enquanto grupos radicais perseguem maiores atividades
desafiadoras à ordem secular e outros advogam o seu derrubamento. Devido à importância do
Grupo da Irmandade Muçulmana, no processo político, atribuir-se-lhe-
á uma parte especial.
Historicamente, o Movimento da Irmandade Muçulmana constituiu o fundamento das
organizações religiosas islâmicas no Egito e no Mundo Árabe-Islâmico. Foi criado por Imam
Hassan Albanna na década de 20 no século XX. Como qualquer outro movimento político
muçulmano, é uma organização que visa à aplicação da Teoria da Dominação Islâmica e a
põe em prática. Este movimento proliferou com o decorrer do tempo chegando a cerca de 60
facções conflitantes dissidentes da organização matriz. Ibrahim (1988) sustenta que o
movimento da Irmandade Muçulmana sofreu uma enorme fragmentação fora da atmosfera
legitimada pelo Estado o que tornou o seu controle uma tarefa difícil para as autoridades e
impediu a instituição de uma identidade específica e uma coesão desta organização. Tal
fragmentação encontra seus motivos na discordância sobre a interpretação dos textos do
Alcorão no que diz respeito à Teoria da Dominação Política no Islamismo, na sua evolução
clandestina, na perseguição de seus membros e no sofrimento decorrente da tortura nas
prisões, na repressão intensa e na exclusão política. Com o assassino do Orientador-Geral do
Movimento, Hasan Albanna, no ano de 1950, surgiram muitos conflitos cujas razões têm
girado em torno da liderança do movimento e do seu papel social.
Desde os anos 40, a Irmandade muçulmana teve seu aparelho armado. Muitas
lideranças egípcias foram alvos de atentados desse grupo, inclusive o Presidente Nasser,
culminando com o assassino de Sadat no ano de 1981.
Atualmente, a Irmandade Muçulmana é uma organização islâmica oficialmente
proibida que, algum tempo, decidiu seguir uma estratégia de participação política através
da moderação das suas idéias e lemas para tornar a sua estratégia mais compatível com os
requisitos da participação política. Abdullah (2001) afirma que os candidatos filiados à
Irmandade Muçulmana têm seguido como independentes nas eleições locais e parlamentares,
desde 1984, com sucesso crescente, apesar de várias manobras do Estado para mantê-los fora
do parlamento, valendo-se de um artigo da Constituição que proíbe organizações de cunho
religioso ou racial, o que impossibilita a candidatura dos membros da Irmandade através de
partido. Em 2005, por ocasião das eleições parlamentares, apesar das táticas de intimidação
129
do eleitor, de bloqueio de acesso às urnas, de prisão de vários membros deste grupo, os
filiados da Irmandade Muçulmana obtiveram o número histórico de 88 assentos no
parlamento.
Fendi (2005) assinala que os receios em relação ao Grupo da Irmandade Muçulmana,
levando em consideração sua história e seus princípios radicais, estão relacionados à
possibilidade de que esse grupo se torne uma força hegemônica e assim, o seu extremismo,
venha a atingir a sociedade. Por causa destas apreensões, Antar (2006) afirma que os esforços
dos EUA e de alguns países da Europa, em favor do processo de democratização no Egito,
sofreram inversão de valores. A questão da participação deste grupo se tornou de alta
importância, pois se trata de um problema ainda sem a solução de como lidar com esta
situação. duas possibilidades: na primeira, a continuação da exclusão política desse grupo
o que aumenta o crescimento da sua popularidade, fora do controle, e o agravamento do
conflito e, na segunda, a inclusão dele o que pode acarretar os perigos ditos acima. Para esse
conflito, poder-se-á considerar a idéia de Gramsci, (1982), para quem o envolvimento de
todas as forças e atores sociais na máquina política seja a solução ideal para o alívio das
tensões. De fato, este grupo é considerado a organização mais preparada para praticar
pressões sobre o governo com vista a realizar reformas políticas consideráveis. Os seus
membros, com as suas políticas moderadas, procuram realizar reformas através das
instituições existentes. No Parlamento, os membros da Irmandade Muçulmana atuam
efetivamente através da participação em vários comitês. Suscitam-se dúvidas sobre o
compromisso deste grupo com a democracia. Mahmoud, (2005) afirma que eles aceitam o
procedimento democrático como forma de garantir a própria participação política, mas deixa
dúvidas se eles interiorizam verdadeiramente o princípio da democracia.
Al-Shafey (2007) sustenta que no Parlamento, os membros da Irmandade concordam
entre si sobre princípios e questões estratégicas como as suas atitudes perante a Lei de
Emergência, a Lei de Autoridade Judicial e a Legislação de Imprensa, mas votam
diferentemente sobre outras questões dependendo dos seus interesses profissionais ou
regionais distintos. Este grupo é tido como a única organização política ativa no Egito.
Estima-se que, durante as sessões mais recentes do parlamento, de dezembro de 2005 a julho
de 2006, oitenta por cento das atividades parlamentares advieram dos parlamentares da
Irmandade Muçulmana.
O grupo demonstra seriedade mais que qualquer outra força social, inclusive mais que
o partido dominante, para promover os seus ideais através da utilização do Parlamento. O seu
130
bloco parlamentar procura agir coletivamente através da coordenação das atividades entre os
seus membros fora e dentro da Câmara.
5.1.2 Movimentos e Partidos Ideológicos de Oposição
O Movimento Egípcio de Mudança (Kefaya):
Kefaya é o Movimento Egípcio para Mudança. Desde a sua criação, em dezembro de
2004, o movimento tem dado demonstrações de oposição à permanência de Mubarak no
poder, ao seu regime, às políticas do seu governo e às práticas do partido dominante. Este
movimento, que reivindica uma mudança democrática, é constituído por ativistas da esquerda,
embora receba apoio de alguns islâmicos, liberais e nacionalistas. Os protestos deste
movimento começaram com o quinto mandato do Presidente Mubarak e daí surgiu o seu
lema, Kefaya, que significa, no dialeto egípcio, basta ou não agüentamos mais.
As publicações desse movimento mostram que é um agrupamento de várias direções
políticas, intelectuais e profissionais. Este movimento atribui os desafios políticos que o Egito
encara ao autoritarismo político de Mubarak e advoga que a saída desta situação requer uma
abrangente reforma política e constitucional. A alternância verdadeira no poder, em todos os
níveis, constitui, conforme Kefaya, o único caminho para resgatar o Egito. Eltahawi (2005)
assinala que esse movimento considera que a supremacia da Lei, a independência do
Judiciário, o compromisso com a igualdade de oportunidades entre os cidadãos, o combate ao
monopólio da riqueza que causou a corrupção, a solução dos problemas da desigualdade e do
desemprego são essenciais para uma mudança política genuína. Outrossim, considera
relevante também para tal mudança a recuperação do papel do Egito como der árabe
regional, perdido desde a celebração do Acordo de Paz com Israel, assinado em Camp David
em 1977. A saída desta crise, conforme os princípios deste movimento, requer que se ponha
um fim ao monopólio do poder por parte do partido dominante, a abolição do estado de
emergência, uma reforma constitucional a qual permita que os cargos públicos sejam
democraticamente disputados, que a permanência do Presidente e Vice-Presidente no poder
não ultrapasse dois mandatos, que as concessões conferidas ao Presidente sejam limitadas,
que a separação de poderes seja realizada efetivamente, que esta reforma garanta a liberdade
de organização dos partidos políticos, que a custódia sobre os sindicatos seja removida e a
131
realização de eleições parlamentares justas e livres ocorra sob a supervisão do Conselho
Supremo Judicial e da Comunidade Internacional.
O Partido do Amanhã (PA):
É um partido ativo, criado em outubro de 2005 quando conseguiu se legalizar por
meio de decisão judicial. O Partido do Amanhã é uma organização liberal secular centrista
que pressiona no sentido de ampliar a arena da participação política e da alternância pacífica
do poder. O partido está representado no Parlamento, exatamente na Câmara Baixa, por meio
de um único parlamentar eleito nas eleições de 2005. Em outubro de 2005, na primeira
convenção do partido, o advogado Ayman Nour foi eleito seu presidente. O Partido do
Amanhã foi formado por ex-membros do Partido Al-wafd e por elementos da direita. O
partido foi criado para representar as perspectivas dos liberais democratas com um forte
interesse na causa dos direitos humanos. Ayman Nour utilizou o partido como base para
convocar uma reforma constitucional, limitar os poderes do Presidente da República e realizar
eleições presidenciais entre vários candidatos.
O Jornal Al-ahram, de 03 de fevereiro de 2005, revelou que Ayman Nour, que
concorreu às eleições presidenciais de 2005 contra o Presidente Husni Mubarak, está detido,
desde janeiro de 2005, acusado de forjar documentos para assegurar a formação do Partido do
Amanhã, acusações que foram negadas por ele.
A detenção ocorreu no ano de eleições e foi amplamente criticada por parte de muitos
governos no mundo por ser considerado um passo retrógrado da democracia no Egito. Poucos
consideram as acusações como legítimas. Nour permanece ativo, apesar da sua prisão, uma
vez que continuando escrevendo críticas à atual gestão e fazendo, cada vez mais, a sua causa
bem conhecida. Em 12 de março de 2005, apesar de ainda detido, Nour teve sua prisão
provisória relaxada e concorreu às eleições presidenciais com o Presidente Mubarak.
Conforme os dados formais do governo, Nour obteve 7% dos votos como o primeiro rival do
Presidente Mubarak. Outras fontes independentes das organizações da sociedade civil egípcia
estimaram que os votos obtidos por Nour estiveram em torno de 13%. Estas informações
contraditórias mostram a falta de transparência no processo eleitoral egípcio. O Jornal Al-
Arabe Annasiri, em 25/12/2007, revelou que Nour foi condenado a cinco anos de prisão.
O Novo Partido Al-wafd (PW):
Com a Revolução de 1919 contra a colonização inglesa e contra a monarquia, liderada
por Mustafá Kamel, considerado uma personalidade nacional, surgiu o Partido Al-wafd (A
Delegação). É tido como o único partido de massa na história egípcia e que surgiu sem um
132
planejamento do Estado. Mesmo tendo sofrido restrições na época da monarquia e uma guerra
propagandista por parte do regime de Nasser, o Partido Al-wafd manteve a sua reputação
como um partido de apoio popular.
Saif Addaula (1986) relata que, entre 1919 e 1952, existiram partidos que adotaram
atitudes mais radicais que as do Al-wafd como, por exemplo, o Partido Nacional ou os
partidos e organizações da esquerda dentre esses o Partido Comunista, porém esses
representavam apenas dogmas políticos marcados por características de vanguarda, não
chegando a ser partidos de ligação orgânica com a massa.
Desde 1919 até 1952, o Al-wafd governava excepcionalmente, pois não era sujeito da
confiança dos ingleses e do Rei Farouq. O Al-wafd era convidado a governar apenas nos
momentos de crises para neutralizar ou acalmar o povo que se revoltava contra a colonização,
a corrupção do governo e a atitude passiva deste perante várias questões, entre elas a mais
importante a Questão Palestina.
Assaid e Mahran (1998) sustentam que este partido tem sido o da classe capitalista
nacional e dos notáveis no campo, mas se sustenta nas amplas camadas da classe média de
tradições liberais que têm sido formadas mais de um século. A rejeição do sistema
partidário, na época de Nasser, resultou na paralisação das atividades deste partido igualmente
a outras organizações; posteriormente, com Sadat, houve uma participação efetiva desse
partido no governo. O deslocamento ideológico à direita do sistema político no Egito, com a
ascensão do Presidente Sadat, a partir de 1970, resultou em um domínio de categorias
parasitárias sobre a economia egípcia e em um grau insuportável de corrupção política e
econômica. Este fato afastou as categorias cultas da classe média deste partido que condenou
tais práticas e o partido perdeu uma parte considerável do apoio que gozava. Para o regime, o
ressurgimento do Al-wafd era necessário para garantir uma aproximação dos regimes
políticos ocidentais detentores do capital subsidiário e para que pudessem ser feitas mais
contribuições capitalistas estrangeiras, além de representar os interesses da classe capitalista
nacional. Era a necessidade de decorar a cena política da abertura. O Al-wafd era um parceiro
do governo como integrador do seu papel, mas não como alternativa, pois o Presidente Sadat
não tinha vontade verdadeira de promover uma transição democrática, mas, como fora dito,
eram manobras necessárias exigidas pelas táticas para superar situações impostas pelas
circunstâncias internas e externas.
Desde a Revolução de 1919, a proporção de cópticos na política desse partido sempre
foi levada em consideração, sendo esta uma das suas características.
133
No que diz respeito à sua composição, pode-se dizer que é a coalizão de uma fração
aristocrática representada por notáveis e proprietários de terra, profissionais e comerciantes.
Este partido goza de um número significativo de seguidores, além de uma classe média
educada. Abdullah (2001) afirma que os princípios do partido convocam a uma liberalização
genuína, inclusiva a eleição competitiva para Presidente da República. Ele demanda uma
liberalização econômica que seja compatível com a liberalização política, inclusive uma
redução radical da intervenção do Estado na economia e uma abertura total que permita um
fluxo do capital internacional. Apesar de o partido ter ido de encontro ao Presidente Sadat
sobre a legitimidade da Revolução de julho de 1952, como o papel econômico do Estado foi
ampliado sob o governo de Mubarak, o partido se situa à direita do PDN. Apesar de fazer
parte da oposição, este partido se alinha ao lado do partido dominante no que diz respeito às
questões ligadas com a libertação econômica e nacional. Está vivenciando um processo de
reestruturação através do compartilhamento de responsabilidades com a geração mais nova.
Nesse aspecto, o Al-wafd está dando um exemplo de prática democrática.
O Partido Unionista Nacional Progressista (PUNP) - At-tagammu
Formado em 1979, o Partido Unionista Nacional Progressista evoluiu para se tornar
um partido autêntico de oposição de esquerda. Foi criado por Sadat para conter as forças da
esquerda, revoltou-se e recusou a missão imposta pelo governo de ser uma extensão do
aparelho estatal, cuja função planejada era a de agregação genérica e do controle das forças
oposicionistas da esquerda e o fornecimento de apoio ao Partido Nacional do Presidente
Sadat.
Hilal (1986) sustenta que, no começo da época de recuperação do sistema partidário, a
ideologia desse partido representava um populismo nacional, tendo formado uma coalizão
entre marxistas, nasseristas, nacionais democratas, intelectuais e membros religiosos
moderados muçulmanos e cópticos, ou seja, três recursos, o classista, o nacional e o religioso.
Todas essas categorias pertenciam à esquerda no significado amplo do termo. Apesar das
diferenças ideológicas e intelectuais, a criação de At-tagammu foi uma tática para desvendar
as atividades secretas dos elementos da esquerda a fim de controlar e limitar a sua ação. O
objetivo era promover a desagregação da esquerda e garantir a sua neutralização naquele
momento histórico em que o sistema estava sendo ideológica e subitamente deslocado à
direita. Conforme as suas publicações, este partido defendeu a herança nasserista, opôs-se ao
alinhamento do Egito com os EUA, à paz com Israel e convocou o país para uma atitude anti-
imperialista. Rejeitou a política da abertura que prejudicaria a indústria nacional e conduziria
134
à dependência das potências estrangeiras e que promoveria o aumento da dívida externa, a
corrupção e a desigualdade; atualmente, defende o retorno à política de desenvolvimento
liderada pelo setor público.
Os fatores externos foram decisivos para a reação de facções de At-tagammu que não
aceitaram a decisão de Sadat de estabelecer um partido para a esquerda, tendo-se tornado,
assim, um centro de forças oposicionistas. Nessas circunstâncias, várias frações convergentes
e até certo ponto antagônicas, como o caso de nasseristas e marxistas, foram obrigadas cada
uma a formar um partido próprio. Nos anos 80, duas frações instituíram dois partidos que
incluíam os detentores de ideologias e idéias divergentes: o Partido Nasserista e o Partido
Comunista Egípcio.
Assaid e Mahran, (1998) informam que, nos últimos anos, houve uma redução sem
precedentes do número de membros de At-tagammu e que ele sofreu um isolamento que o
afastou dos círculos da atuação política. Apesar das mudanças estruturais, uma dificuldade
de recuperar a sua posição devido aos entraves do meio político e a outros inerentes ao
próprio partido.
O Partido Nasserista Árabe Democrático (PNAD):
Depois da morte de Nasser, surgiu o Nasserismo que faz sentido até hoje como uma
corrente política e ideológica sob a liderança do Partido Nasserista Árabe Democrático. A
ideologia deste partido foi derivada de um pensamento do Ex-Presidente Nasser que
representa um método de ação prática, mas não constitui uma teoria política coesa e completa.
Hammad (1994) sustenta que o Nasserismo representou a ideologia da época em que o
confronto nacional no Mundo Árabe atingiu o auge contra o Imperialismo e o Sionismo.
Foram as idéias adotadas na época em que os egípcios lideravam os árabes na luta pela
independência nacional e pela libertação da Palestina contra a ocupação israelense. O
Presidente Sadat recusou veementemente o Nasserismo, logo depois da sua ascensão ao
poder, no ano de 1970, e liderou uma feroz campanha propagandista contra ele porque
representava, na época, explícita ou implicitamente, uma ideologia oposicionista ao
deslocamento do sistema para direita que, por sua vez, rejeitava os fundamentos socialistas
revolucionários dos sistemas político e econômico fundados pela Revolução de julho de 1952.
Interessante foi o fato de que os nasseristas se tornaram uma parte da oposição, depois de
estarem anos no poder, e se encontrarem perante uma frente fortalecida pela vontade de
inversão ideológica. Os nasseristas não tinham uma experiência de estruturação e da
135
preservação da sua unidade independentemente da autoridade do Estado, pois representavam
um mero instrumento da execução das políticas sugeridas por um líder carismático.
Depois de maio de 1971, muitos nasseristas foram expulsos e o restante dos seus
membros, depois da Guerra de outubro de 1973, que constituiu uma base da legitimidade de
Sadat, foram afastados do topo do poder.
Atualmente, conforme a sua plataforma, o partido convoca à realização de um
desenvolvimento, de um progresso social e ao estabelecimento de uma ordem econômica
forte através da preservação dos ganhos da Revolução de Julho. A proteção dos direitos
humanos constituiu um dos seus objetivos, através de reivindicações por uma reforma
constitucional. Abdullah (2001) informa que, com as eleições de 2000, o partido ocupou três
cadeiras no Parlamento, enquanto se observa que, nas eleições de 2005, falhou em conquistar
qualquer assento. O partido ainda defende o setor público e contraria o processo de
privatização adotado pelo governo e defende uma política de modernização industrial e do
setor agrícola. A integração árabe tem se constituído em um dos seus objetivos principais.
El-maraghi (1995) afirma que, no intuito de uma reforma social, democrática e
econômica, o partido deve mudar o seu discurso político que não é mais aceito pela massa,
assumindo outra visão que leve em consideração a realidade atual e as necessidades do futuro.
Internamente, um conflito destrutivo entre os membros deste partido e disputas
causadas pela ocupação da liderança. Houve fraudes nas suas eleições internas e os confrontos
resultantes conduzem cada vez mais à sua destituição.
O Partido Comunista Egípcio (PCE):
Nos primeiros anos da década de 20, o primeiro partido comunista foi criado no Egito.
Em 1924, foi liquidado por ter sido acusado de apoiar as grandes greves trabalhistas na
Alexandria. Os comunistas foram perseguidos ao longo dos anos seguintes. A corrente
marxista desapareceu da vida política egípcia até o advento da Segunda Guerra Mundial.
Assaied (1983) relata que, como reação popular egípcia à colonização dos ingleses no
país, firmada no Acordo de 1936 entre o governo do Partido Al-wafd e a Inglaterra colonial
na época, surgiu o apoio a Alemanha a partir da lógica de que “o inimigo do meu inimigo é
meu amigo”, assim surgiu o Partido do Egito Jovem (Misr Al-fatat) de popularidade mais
ampla entre as forças nacionais da oposição que resistiam à permanência dos ingleses. A
simpatia ao eixo, por parte dos egípcios, constituiu uma grande preocupação para os ingleses
e outras comunidades estrangeiras, especialmente a judaica que percebeu, mais que outras
minorias, os perigos da chegada dos nazistas. Desta feita, os judeus egípcios, com o intuito de
136
se protegerem, fundaram o Movimento Comunista Egípcio durante os primeiros anos da
Segunda Guerra Mundial.
Com a ocupação da Palestina por parte dos israelenses no ano de 1948, a liderança
judaica das organizações comunistas foi afastada e isso constituiu um elemento destrutivo do
movimento comunista. A liderança foi transferida aos intelectuais egípcios através de uma
crise que quase arruinou o movimento.
A partir do ano de 1959, Nasser entrou em um conflito agudo contra os comunistas no
Egito e no Mundo Árabe, especialmente na Síria e no Iraque. Hammad (1994) sustenta que,
depois do processo da nacionalização e da declaração da solução socialista, através do Acordo
Nacional, nos primeiros anos da década de 60, as diferenças ideológicas se reduziram entre os
dois lados. Desse modo, os comunistas foram libertados das prisões, em seguida se
dissolveram as organizações comunistas e assim foi encerrada uma época da história do
movimento comunista egípcio. Observa-se que o Presidente Nasser não recusava o marxismo
como instrumento de enriquecimento e correção através do uso do método da análise
classista. Para Nasser, o marxismo era útil pra evitar os erros em razão dos quais a Revolução
pudesse fracassar. Mas o Marxismo não foi aceito como elemento de liderança.
Logo depois da sua ascensão ao poder, Sadat, em 1970, começou um processo de
liquidação da esquerda sob a justificativa de que ela havia abusado do poder e prejudicado as
liberdades e a democracia na época de Nasser. Assim, o partido começou a sofrer uma queda
gradual com a adoção da política de abertura. Com a dissolução da URSS e do recuo sofrido
pelas forças da esquerda no mundo inteiro, o PCE experimentou uma frustração fatal e se
tornou um partido diminuto. Atualmente, as suas atividades políticas são realizadas através da
sua aliança com o resto dos partidos da esquerda que têm, em comum, a reivindicação pela
realização de uma reforma política democrática e de oposição ao processo da privatização e
da diminuição do papel do Estado.
O Partido Socialista Trabalhista (PST):
Foi criado em 1979, sob o encorajamento do Presidente Sadat, em substituição a At-
tagammu, que lançou muitas críticas ao sistema, como um partido leal de oposição de
esquerda. Enquanto a sua composição social - proprietários de terra e profissionais - se
assemelhava com qualquer Partido Trabalhista Socialista, as reais intenções de muitos dos
seus líderes eram completamente diferentes, sendo estes pertencentes ao Partido Egito Jovem
Nacionalista Radical fundado antes de 1952. Abdullah (2001) assinala que, apesar da sua
origem, o partido se alinhou às políticas de Sadat de paz com Israel e apoiou as políticas da
137
abertura. Posteriormente, experimentou mudanças de atitude movendo-se para a oposição e
tornando-se um defensor do setor público e contrário às políticas de alinhamento ao Ocidente.
O PST carece de ampla base organizacional e depende da liderança pessoal dos seus
seguidores. Ele e o Partido Liberal, devido a sua carência de apelo popular, juntaram-se com o
grupo da Irmandade Muçulmana, em 1987, e formaram uma aliança. Por isso são
considerados como partidos de apoio.
O Partido Liberal (PL):
É um minúsculo partido e foi formado em 1976 pela ala direita fragmentada da União
Socialista Árabe. Consiste em um agrupamento de proprietários de terra e profissionais.
Badreddeen (1986) afirma que a real intenção da criação deste partido era a organização das
forças liberais que fossem localizadas à direita do partido dominante. Conforme a sua
plataforma, a sua ideologia combina com a venda do setor público, a rejeição das políticas de
subsídios governamentais e a ampliação dos espaços para o investimento econômico
estrangeiro com demandas da futura liberalização política, tentando mobilizar e empregar as
idéias do islamismo para defender o capitalismo. Tendo pouco apelo popular, ele opera como
um grupo de pressão elitista fazendo discursos em defesa do estabelecimento da empresa
privada e, geralmente, em apoio às políticas de liberalização.
Motivos centrífugos levaram as forças sociais componentes desse partido a recusar o
modo autoritário de dominação do PDN e a reivindicar uma participação política real e mais
ampla.
Haja vista os partidos e movimentos suso descritos, parece que a problemática que
enfrenta o sistema político egípcio é o estabelecimento de um sistema multipartidário que
possa resolver institucionalmente o problema da discordância. À luz da repressão e da
exclusão da oposição, especialmente a religiosa que representa um setor social muito amplo, o
problema continua sem solução.
No Egito, existem partidos de ideologias antagônicas, mas os seus interesses em
comum é obter a legitimidade da ação política e o reconhecimento da sociedade, por isso eles
convergem na questão da democracia que representa, conforme a visão de todas as forças
nacionais egípcias inclusive a islâmica, a solução-chave para todas as outras questões
econômicas e sociais.
Tem havido tentativas contínuas por parte do governo de assimilar e de interromper as
atividades dos partidos da oposição através da aplicação das Leis de Emergência. As
limitações impostas sobre a liberdade de organização e de criação de novos partidos através
138
de barreiras legais, burocráticas ou financeiras são motivos da ausência de canais legítimos o
que tem gerado um desespero entre vários setores do povo, especialmente os jovens, e tem
conduzido a uma espécie de exercício secreto terrorista e a vários movimentos populares que
se organizam fora da atmosfera legítima controlada pelo Estado, expressando, assim, a crise
estrutural que o sistema está sofrendo.
O que está faltando a esse sistema é exatamente uma estratégia em que os partidos
legítimos da oposição sejam capazes de absorver as ações e reações da oposição.
Nafaa (2005) sustenta que a vida partidária no Egito tem sido caracterizada pelo
conflito individual e grupal e pelas dissensões partidárias que quase paralisam os partidos da
oposição e, consequentemente, possibilitam ao partido dominante permanecer no poder até
hoje. A história do sistema partidário no Egito é a da repressão política e da subjugação das
forças sociais por parte do grupo dominante. A reação contra este comportamento é a
ascensão crescente da luta contra o autoritarismo político e contra a exclusão de setores
amplos do povo egípcio. Os indicadores históricos mostram uma marcha progressista na
direção da democracia. O comportamento dos governantes revelou o jogo de utilização de
grupos e movimentos sociais um contra o outro na gestão do conflito social. Por exemplo, o
Presidente Sadat, nos anos 70, utilizou as correntes islâmicas, especialmente a Irmandade
Muçulmana, para enfrentar a esquerda, em particular, os nasseristas e os comunistas; o
Presidente Mubarak fez o contrário, utilizou as forças da esquerda para enfrentar os islâmicos,
além de controlar o resíduo da fração da Instituição Sadatista, isto é, delimitar o poder desse
resíduo por meio de uma margem de poder dada às forças da oposição, concomitantemente,
restringindo as últimas através da permanência de algum poder em mãos dos primeiros. Tudo
isso ocorria em meio à ausência de uma solução institucional do conflito. A criação de um
diálogo com várias correntes, organizações, movimentos e partidos políticos não tem sido
suficiente para chegar a um acordo em circunstâncias políticas inconstantes. A estratégia de
diálogo criada pelo Presidente Mubarak, embora não promova uma solução institucional,
tornou-se um fator de fortalecimento gradual das forças da oposição na sua reivindicação
pelos próprios direitos, pois constituiu um canal no qual as liberdades de expressão foram
estabelecidas entre o governo e a oposição.
No sistema egípcio, não ainda uma competição direta entre os líderes partidários,
mas pode-se observar um processo de crescente competição interpartidária que culminou nas
eleições de 2005, na qual candidatos concorreram, pela primeira vez na história do país, com
o Presidente Mubarak. O conflito está sendo cada vez mais institucionalmente canalizado e
139
tem sido observado um recuo do Partido Democrático Nacional, dominante, e das formas de
personalização do poder em favor de uma forma institucionalizada de competição e de
alternância no poder. O Egito está testemunhando a criação de um sistema multipartidário
mais ativo, ainda assim podemos considerá-lo de forma embrionária, limitada e com uma
relativa lentidão. O Partido Democrático Nacional tem tentado, desde a sua criação,
concretizar tudo o que tem sido desejado por ele, mas não pode ignorar a existência de uma
luta feroz pela democracia contra o monopólio do poder. Como visto anteriormente, na
cena política forças sociais e políticas representadas por partidos e movimentos cujo
desempenho parlamentar, embora limitado, evidencia que as suas atividades pressionam na
direção de alcançar mais avanços. Enquanto a premissa de que um sistema político
democrático pressupõe a diversidade e a institucionalização de discordância, vários aspectos
revelam que o PDN, como partido dominante, não nega estes princípios, mas ainda certo
grau de repressão e limitações em que pese o fato de serem menores se comparadas aos
estágios anteriores da evolução do sistema político no Egito. São razões relacionadas a uma
fase de transição democrática cujas raízes não se encontram apenas num elemento puramente
político, mas nos outros fatores ligados às circunstâncias concretas mais amplas, culturais,
sociais e econômicas.
5.2 SISTEMA PARTIDÁRIO NO LÍBANO
O surgimento dos partidos políticos libaneses deu-se após a Primeira Guerra Mundial.
O fenômeno de criação de partidos se estendeu, a partir de 1920, apoiado pela promulgação
da Constituição cujo art. 13 garantiu um conjunto de liberdades civis, por isso pode-se
postular que o advento do movimento partidário decorreu principalmente da promulgação da
Constituição.
Corom (2004) sustenta que os partidos políticos do Líbano não têm traços comuns
com a maioria dos partidos do Ocidente, isto é, os partidos libaneses carecem de ideologias
coerentes e de planejamento de programas e têm feito pouco para superar a submissão do
controle confessional. De fato, apesar das alegações dos partidos de que rejeitam o
confessionalismo, a maioria deles se mostra como um instrumento político de uma confissão
particular ou está a serviço de uma personalidade tradicional. Mustafá (2002) afirma que com
140
exceção de um punhado de movimentos e organizações da esquerda, a maioria dos partidos
têm tido poucos políticos influentes. O exemplo dos deres da esquerda era Kamal Jumblat
considerado o mais orientado ideologicamente, todavia, como assinala Alfalih (2002), ele
obtinha apoio não por causa de suas crenças políticas, mas da sua posição como der da
confissão drusa. Por esta razão, cada partido pode contar apenas com poucos votos na
Assembléia dos Representantes e nenhum partido consegue ter uma extensão nacional que
possa convencer, obter seguidores e a adesão de todas as confissões ou, no mínimo, de uma
parcela considerável delas. Esta situação constitui uma contínua fonte de coalizões formadas
por representantes com visões muitas vezes particulares. Nesse sistema, os líderes nem
sempre podem contar com o apoio dos seguidores da mesma confissão; de fato, os conflitos
mais severos são aqueles verificados dentro de cada confissão.
Contudo, o enfrentamento de causas fundamentais como, por exemplo, a questão do
compartilhamento das cadeiras na Assembléia dos Representantes, a atitude pró ou anti-
arabismo, a posição perante a causa dos refugiados palestinos, a opinião sobre a questão da
paz no Oriente Médio de modo geral ou no que diz respeito às relações com o Ocidente, tem
sido marcado por forte concordância dentro de cada confissão e as atitudes perante tais causas
são constantemente estáveis. Por isso essas questões orientadoras serão empregadas como
indicadores e critérios para esclarecer as atitudes de cada partido, identificar a sua posição
perante cada uma delas e, conseqüentemente, para observar as suas relações e alianças,
especialmente nas épocas de crises como a da Guerra civil que constituiu um campo de
observação e conclusão no sentido de que, embora a ideologia tenha alguma influência na
formação de várias alianças, elas tenderam a ser agregações efêmeras de partidos
politicamente motivados sob o controle de líderes e divisões que seguiram geralmente linhas
confessionais. Tais grupos, que pareceram unidos em algum momento da Guerra, se
fragmentaram e se confrontaram com a agravação das batalhas.
Conforme uma interpretação sartoriana, os partidos políticos libaneses são geralmente
formados por frações acima de partidos que tornam o sistema partidário libanês altamente
faccioso e, de modo geral, torna a estrutura desse sistema complexa e eivada por algumas
características peculiares. As famílias de notáveis historicamente dominantes formam as
subdivisões partidárias, o que gera o primeiro tipo de disputa, qual seja, a intra-partidária;
outrossim outra competição inter-partidária também pode ser verificada entre os partidos
dentro de cada confissão. Uma vez que a disputa pelo poder, no âmbito nacional, está
determinada entre as confissões pela proporcionalidade constitucionalmente fixada, a
141
competição intra-partidária não é relevante, tampouco necessidade de uma competição
entre partidos no âmbito nacional por que os cargos políticos são distribuídos
proporcionalmente entre as confissões de maneira pré-determinada. As arenas de competição
se estabelecem dentro de cada confissão sobre um número determinado de cadeiras, sendo
este o conflito mais agudo dentro das confissões. Consoante, Lijphart, (1999) o sistema
eleitoral determina o mero dos partidos e estabelece as regras do jogo da competição pelo
voto. No caso libanês, o sistema eleitoral também desloca a disputa do âmbito nacional para
as arenas sub-nacionais e, conseqüentemente, subestima os partidos ideológicos que poderiam
funcionar no âmbito nacional e direcionar a sociedade ao mais alto nível do progresso
democrático.
Observa-se a existência de partidos atomizados, fracionados e personalizados,
controlados por um grupo pequeno de líderes que são, geralmente, representantes de grandes
famílias ou de um agrupamento familiar, os quais são os controladores das fontes da riqueza
nacional e, simultaneamente, membros do parlamento. Historicamente, tais fatores originaram
a reputação e o privilégio de grupos sociais limitados. Em alguns aspectos, a fragilidade do
sistema político libanês e a sua instabilidade residem nessa hiper-fragmentação que
personaliza o poder em detrimento do estabelecimento de estruturas nacionais resistentes à
intervenção e à exploração de milícias internas e dos agentes do exterior.
Corom (2004) assinala que o fator externo é explicativo aqui. As relações históricas
entre as confissões religiosas libanesas e outras entidades religiosas e políticas fora do
território nacional, sejam regionais ou internacionais, são de alta importância. Nesse aspecto,
o papel dos líderes religiosos é determinante, sendo importante levar em consideração as
opiniões destes líderes que desempenham papéis vitais. Por exemplo, as igrejas francesa,
italiana e russa têm desempenhado o papel de intermediação entre os grupos libaneses cristãos
e governos destes países através das ligações feitas com os líderes religiosos. Do mesmo
modo, deres religiosos muçulmanos têm mantido relações e alianças históricas com países
no Mundo Árabe ou Islâmico, a exemplo dos xiitas com o Irã, a ria e o Iraque e dos sunitas
com o Egito e a Arábia Saudita.
Os cristãos da confissão armênia estão ligados às igrejas da Armênia, especialmente
depois da independência desta da ex-URSS. A influência dos líderes religiosos sobre a
política encontra razão devido à permanência deles nos cargos religiosos ser relativamente
duradoura, o que lhes dá uma vantagem e aumenta sobremaneira a sua influência sobre
assuntos relevantes à política. Se for acrescentado o fato da respeitabilidade dada aos líderes
142
religiosos por parte da sociedade, na qual a religião tem um peso decisivo, e se houver ciência
de que os políticos de outros países reconhecem o valor daqueles líderes, fica clara a sua
influência sobre o comportamento dos políticos e, consequentemente, sobre a postura em cada
partido.
Os drusas não têm uma aliança estável nesse sentido, por isso eles são inclinados a
aderir às forças socialistas através da relação do seu Partido Socialista Progressista com vários
países de posição esquerdista, o que se verifica desde a época que precedeu à dissolução da
União Soviética até o final da década de 80. Na região, os drusas se aliaram a Síria não apenas
por motivos ideológicos, mas por outras razões ligadas ao jogo interno do poder, pois eles
procuraram estabelecer alianças para fortalecer a sua posição perante outras confissões,
especialmente a maronita com a qual dividem a região da Montanha e onde existem
rivalidades históricas entre as duas confissões.
No sistema partidário libanês, o nível de organização dos subgrupos é confessional,
isto é, a confissão constitui um subgrupo quase soberano e os partidos constituem espaços
onde se encontram os interesses de tais subgrupos. Os partidos políticos libaneses não se
distanciam da definição de Sartori, (1982), como instrumentos que expressam e canalizam as
visões e os interesses de grupos distintos. Conforme a interpretação sartoriana, a
heterogeneidade, nesse sistema, não apenas fragmenta e multiplica os partidos, mas também
os atomiza e os torna altamente fracionados internamente. A concentração da competição
partidária, num espaço confessional relativamente estrito, gera rivalidades agudas entre as
personalidades representantes dos agrupamentos de famílias e a disputa se complica ainda
pelas rivalidades entre o conjunto das confissões no nível nacional.
Há, no sistema libanês, grupos de apoio que se contentam com cargos marginais. São
aquelas minorias que não têm um peso considerável e cujas atitudes oscilam dependendo das
circunstâncias e das correlações de poder relativamente instáveis. O exemplo disso são os
partidos armênios.
Como observa Lijphart, (2003), as ideologias tendem a ser menos numerosas que as
frações que alegam realizar os mesmos objetivos. Os grupos islâmicos, especialmente os
xiitas, são exemplos evidentes nesse caso. Há uma tensão ideológica entre Hizbullah, o
Movimento Amal e outros grupos religiosos sunitas girando em torno da realização de quase
os mesmos objetivos ligados à construção do Estado islâmico. O conflito e as discordâncias
entre essas organizações têm marcado a cena política dentro dessas confissões e colocam em
dúvida a viabilidade das suas idéias e a sua credibilidade.
143
Nesse capítulo, serão analisados os partidos e as organizações sociais efetivas, isto é,
aqueles que têm algum peso político. São, no caso libanês, os partidos e movimentos ligados
às confissões mais importantes, não apenas aqueles grupos que ocupam maior número de
cadeiras na Assembléia e no Gabinete, mas também aqueles que constituem, como sugere
Lijphart, (2003), potenciais de coalizão ou de chantagem ou que praticam qualquer forma de
pressão sobre o sistema. Por exemplo, a confissão drusa tem apenas oito cadeiras na
Assembléia e os seus representantes ocupam somente poucos postos ministeriais, mas a sua
movimentação política, que possibilita formar coalizão, a coloca numa posição considerável.
O mesmo acontecerá com Hizbullah que constitui apenas uma fração diminuta na confissão
xiita, mas a importância dele reside na sua capacidade bélica, na sua ideologia e no seu alto
nível organizacional que lhe dão consideração pelo povo, pelo governo libanês, por outros
componentes do sistema político local, regional e internacional. Nessa altura, este trabalho
focalizará partidos e organizações ou movimentos das confissões maronita, sunita, xiita, drusa
e armênia.
De fato, a consideração dada às confissões reside no fato de constituírem o quadro no
qual agem os partidos políticos. Trata-se de organizações acima de partidos onde se
estabelecem as fontes do poder real. O poder legal e real é dividido constitucionalmente entre
as confissões e os partidos são instrumentos de disputa pelo poder. A importância do conceito
de partido, como um instrumento de expressão, ajuda a indicar e descrever as reivindicações e
as demandas de cada grupo e esclarece com mais nitidez a sua posição ideológica e a sua
atitude perante várias questões comuns na sociedade libanesa como apresentado
anteriormente.
No que diz respeito à posição ideológica dos partidos libaneses, historicamente foi
observado que os partidos cristãos, em sua maioria, são representantes da direita, enquanto os
partidos das confissões muçulmanas, especialmente a drusa e a xiita, são de inclinação
esquerdista.
Os partidos maronitas, Al-kataeb (Falanges), o Partido da Corrente Nacional Livre
(Al-ahrar) e o Partido das Forças Libanesas, quer nas suas plataformas, quer nos seus
comportamentos, atitudes e posições ideológicas, são de cunho liberal. O partido Socialista
Progressista drusa tem representado a esquerda secular, enquanto os partidos xiitas
representam correntes religiosas; o Hizbullah e o Movimento Amal são as duas organizações
consideradas mais importantes da confissão xiita.
144
A sociedade libanesa, apesar do seu pequeno tamanho, tem testemunhado uma
diversidade partidária incomparável com qualquer outro país da região. Isto fica claro se se
considerar que existem mais de trinta organizações políticas Nesse capítulo, não serão
apresentados todos os partidos, será feita apenas uma descrição dos mais importantes,
classificando-os conforme as características que reúne cada grupo que os compõem. A partir
de então, seguindo uma classificação tradicional, pode-se diferenciar dois tipos de partidos: os
partidos confessionais e os partidos ideológicos.
5.2.1 Partidos Confessionais
Al-kataeb (Falanges):
O Partido de Falanges é um partido histórico e é considerado um dos mais importantes
do Líbano por ser a organização da maioria cristã e pelo seu impacto sobre a história do país.
Foi fundado em 1936 pelo Sheik Pierre Gemayel, uma das personalidades conhecidas pela
luta contra a França durante a época da conquista da independência. Attahiri (1980) assinala
que este partido é considerado protetor dos cristãos maronitas no Líbano e que os seus
membros são, preponderantemente, maronitas. Conforme as suas publicações, este partido
o Líbano como um povo que faz parte do Mediterrâneo e não da nação árabe. Os seus
princípios se apóiam na idéia de que as ligações entre a nação libanesa com o Mundo Árabe
se restringem à geografia e à língua, ou seja, consideram o Líbano dual, quer dizer,
consideram o Líbano árabe quanto aos critérios acima citados e não-árabe quanto à religião e
à identidade racial.
A ideologia desse partido reflete o sentimento da confissão maronita de que ela
representa o cerne da sociedade libanesa, a condição de fundadora do Estado e que o Líbano
não poderá existir sem ela, por isso, e conforme a plataforma do partido, os maronitas devem
obter a maioria dos cargos governamentais e das cadeiras parlamentares. Shururu (1985)
sustenta que, com o intuito de manter a dominação e em razão de confrontos com outras
confissões, esse partido reivindicou auxílio ao exterior, especialmente ao Estado de Israel, o
maior inimigo dos árabes. Isso Aconteceu em 1958 e durante a Guerra Civil nos anos 80. Esse
partido é considerado entre aqueles que mais se opõem à presença dos palestinos no Líbano,
145
juntamente com a maioria dos partidos cristãos. uma disputa dentro do partido o que
mostra um nível alto de fragmentação e de dissidências.
Attahri (1980) assinala que Al-kataeb era um partido autoritário, muito centralizado e
que o seu líder era todo poderoso. Rapidamente cresceu como a maior força na região da
Montanha Libanesa. Na época da sua criação, foi aliado das autoridades do mandato francês,
afastando-se posteriormente deste e depois aproximando-se daqueles que convocaram a
independência do Líbano. Com o decorrer do tempo, o partido foi aliado da França, em
particular, e do Ocidente em Geral.
Consistente com os seus fundamentos autoritários, a ideologia do partido tem se
situado à direita do espectro político. Embora adote as idéias da modernização, ele sempre
favorece a preservação do status quo confessional. O lema do partido é “Deus, a Pátria e a
Família” e a sua doutrina enfatiza a liberalização econômica e a iniciativa privada. A sua
ideologia focaliza o primado da preservação da Nação Libanesa com uma identidade
mediterrânea, distinta dos seus vizinhos árabes e muçulmanos. A política do partido tem sido
uniformemente anti-comunista e contrária à presença dos palestinos na região, além de não
admitir quaisquer ideais pró-arabismo.
O Partido das Forças Libanesas (PFL):
O PFL emergiu em 1976 sob a liderança de Bashir Gemayel, filho de Pierre Gemayel,
o fundador do Partido de Al-kataeb (o Partido de Falanges). Assamad (1995) sustenta que este
partido é uma organização maronita considerada como uma ala da direta mais radical dentre
os partidos políticos libaneses confessionais cristãos. É um partido fundamental com idéias
nacionalistas profundas. Uma vez que o Partido de Falanges constitui a organização matriz
para o PFL, ambos compartilham a mesma idéia no que tange à identidade libanesa.
Eskandar (2000) relata que, por ocasião da guerra, várias milícias cristãs tomaram
parte nas Forças Libanesas a fim de destruir os refugiados palestinos no Campo de Tal
Azzatar. Em agosto de 1976, um conselho da junta do comando tinha sido estabelecido não
apenas para integrar formalmente várias milícias, mas também para promover um alto grau de
independência dos líderes políticos tradicionais, considerados, por muitos membros comuns
do PFL, demasiadamente moderados. Primeiramente, Bashir Gemayel assumiu a liderança da
ala militar do Partido Al-kataeb chefiado por seu pai, em seguida procedeu à incorporação de
outras milícias cristãs. Aqueles que resistiram, entre os cristãos, foram forçosamente
integrados. O PFL entrou em um confronto sangrento contra milícias de outros líderes cristãos
maronitas como Franjeeah e Shamoun que foram subjugados à força.
146
Desse modo, com o começo de 1980, o PFL tinha controlado o Oeste de Beirute e a
Montanha do Líbano e Gemayel era o Presidente de facto. Mas Gemayel não confinou o PFL
apenas ao campo militar; ele criou comissões dentro da estrutura do PFL que tiveram
responsabilidades sobre os setores de saúde, informações, relações internacionais, educação e
outras áreas de interesse público. Gemayel estabeleceu ligações com as autoridades
israelenses e constantemente confrontou com as forças da Síria.
Com o assassinato de Bashir Gemayel, em 1982, o PFL sofreu clivagens
organizacionais sérias. Depois de sucessivos e numerosos conflitos, o PFL se tornou um dos
atores políticos e militares mais importantes na cena libanesa. Como o seu novo líder, Samir
Jaja, o poder foi manejado para desafiar o ex-Presidente Libanês Amin Gemayel. Jaja adotou
uma atitude anti-síria e estabeleceu laços com Israel. Atualmente, este partido alia-se às forças
nacionais anti-sírias e forma coalizões com os movimentos e partidos da oposição.
O Partido Liberal Nacional (PLN):
Fundado em 1958 por Kamil Shamoun, político maronita e ex-presidente libanês. O
PLN era uma organização predominantemente maronita, embora algumas de suas lideranças
não fossem maronitas e cristãos. Este partido carece de uma ideologia e de programas
coerentes. Attahiri (1980) assinala que apesar de o PLN não ter se igualado à eficiência
organizacional do Partido de Falanges e das Forças Libanesas, eles compartilham muitas
visões, inclusive a do favorecimento da economia de livre mercado, do anti-comunismo, da
estreita associação com o Ocidente e, o que é mais importante, da continuação da vantagem
política cristã. Shururu (1985) afirma que este partido constitui uma frente da resistência
contra a presença dos palestinos e das forças armadas da Síria no Líbano. Durante a Guerra
Civil, o PLN e a sua milícia (os Tigres) fizeram parte da Frente Libanesa Cristã e Shamoun
era um dos líderes mais ativos desta aliança.
O Partido do Movimento Patriótico Livre (PMPL):
Foi criado para enfrentar uma condição excepcional durante a guerra civil no final dos
anos 80. Liderado pelo Gen. Michel Aoun, ex-Comandante das Forças Armadas Libanesas e
Primeiro-Ministro durante o governo militar 89/91. O Gen. Aoun recusou o Acordo de At-
taiif. Atualmente, Aoun tem uma atitude permanente e contrária às intervenções do exterior
nos negócios do Líbano. Vale ressaltar que qualquer discussão sobre o PMPL está ligada à
personalidade do Gen. Auon e não ao movimento propriamente dito. Corom (2004) assinala
que Auon goza de uma relação considerável com os muçulmanos, especialmente os sunitas.
Muitos libaneses cristãos consideram-no um símbolo da resistência, especialmente quando se
147
trata da intervenção da Síria. Atualmente o movimento lidera o Bloco de Mudança e Reforma
que faz parte da oposição ao governo do Presidente Emile Lahoud. Conforme as suas
publicações, os discursos do seu líder e através da observação do seu comportamento na
formação de alianças, este movimento convoca à promoção de uma reforma
desenvolvimentista socioeconômica e política. Não difere muito dos outros partidos cristãos
no que diz respeito à identidade do Líbano, uma vez que considera o Líbano como um
afiliado árabe peculiar, caracterizado pelas ligações com as civilizações distintas e pela
interação humana cultural, social e econômica tanto com o Oriente como com o Ocidente. Tal
posição do Líbano, conforme a plataforma do partido, torna-o como intermediário e como
ponto de ligação entre o Ocidente e o Mundo Árabe-Islâmico. Este partido convoca a uma
renovação na vida política a partir do fortalecimento da soberania do Estado e da afirmação da
sua independência. Um dos objetivos do partido está relacionado ao combate à corrupção e ao
oportunismo, ao desenvolvimento de uma reforma na administração, à substituição das
formas antigas da cidadania restrita, limitada pelos parâmetros confessionais para construção
da identidade libanesa mais ampla.
O Partido Al-Najada (PA):
É um partido político sunita, criado em 1937 como reação ao surgimento do partido
maronita Al-kataeb. Começou como organização quase militar. Foi dissolvido em 1949 e
reformado em 1954, tendo sido novamente dissolvido em 1958 e ressurgido depois do
encerramento do mandato do Presidente Kamil Shamoun.
Attahri (1980) assinala que Al-Najada é menor que Al-kataeb e a maioria dos seus
membros é formada por pequenos comerciantes, trabalhadores e estudantes. A sua visão do
Líbano é completamente diferente da visão do Al-kataeb.
Interiormente, o partido sugere rever os critérios com os quais a participação política
está sendo realizada. Conforme as suas publicações, este partido convoca a uma reforma do
Pacto Nacional por considerar que ele não está mais garantindo a unidade e a segurança do
Líbano. Nesse aspecto, ele defende a realização de um censo numa tentativa de realizar um
equilíbrio entre as confissões e reajustar a maneira como os cargos políticos são ocupados.
Para este fim, o partido sugere que o cargo de Presidente da República, por exemplo, seja
alternado entre os muçulmanos e os cristãos e que a reforma econômica seja feita em bases
democráticas e socialistas.
O Partido Al-Najada que o Líbano é um país árabe e que a nação árabe é uma
unidade natural e por isso o nacionalismo deve estar acima de qualquer espírito partitivo.
148
É considerado como um partido frágil e raramente conseguiu implementar alguns dos
seus princípios porque a sua liderança foi sempre familiar, as suas políticas dependiam dos
seus presidentes e por falta de apoio oficial dos muçulmanos cultos que desdenham em aderir
a um partido cujos membros possuem um baixo nível intelectual e social.
O partido não fez parte de qualquer grupo na época da Guerra Civil e ficou neutro ao
longo dos acontecimentos. A sua representação parlamentar é considerada relativamente fraca
e o seu papel político está cada vez menos atuante.
O Partido Socialista Progressista (PSP):
Criado e florescido em 1949 sob a liderança da proeminente personalidade drusa
Kamal Jumblat, tendo este sido auxiliado por vários membros de outras confissões que foram
proponentes da reforma social e da mudança progressista. Mustafá (2002) informa que este
partido foi considerado como representante da esquerda tradicional no Líbano. Kamal Jumblat
teve como rivais o Partido de Falanges e o Partido Al-ahrar, partidos maronitas que
representam a direita tradicional. O Partido Socialista considera o poder político maronita no
Líbano uma forma de opressão e do capitalismo tradicional. Shuaib (2005) sustenta que este
partido, sob a liderança do Kamal Jumblat, era contra a intervenção estrangeira nos negócios
do Líbano, inclusive a da ria. O PSP é um dos defensores da presença dos palestinos no
Líbano e anuncia apoio aberto a esta causa. Por isso, no começo da Guerra civil, os socialistas
foram os primeiros que se envolveram com os maronitas, tendo confrontado com o Partido de
Falanges (Al-kataeb) e com o Exército Libanês nas batalhas de 1983 na Montanha de Shuf.
Depois do assassinato do fundador em 1977, o seu filho, Walid Jumblat, assumiu a
presidência do partido e se aliou fortemente a Síria. Durante a Guerra Civil, os socialistas
tiverem batalhas ferozes contra o Partido de Falanges (Alkataeb) e contra os sunitas e se
aliaram aos comunistas para confrontar o Movimento Amal xiita e, mais tarde, as Forças
Armadas Libanesas.
Antes da Guerra Civil, ou seja, nos anos 60, o partido tinha vários representantes de
diversas confissões na Assembléia dos Representantes. Apesar de sua origem não-
confessional e dos seus princípios seculares, nos primeiros anos da década de 60, o partido
começou a ter um caráter confessional. Com os anos 70 o partido se tornou meramente drusa.
Isso se tornou nítido depois de 1977 quando Walid Jumblat assumiu a liderança do partido.
Khalaf (2003) sustenta que o PSP não tem alianças estáveis com partidos específicos,
uma vez que tem cooperado com determinados partidos em alguns pontos e se oposto aos
mesmos em outros aspectos. Por exemplo, em 1952, ajudou Kamil Shamoun a depor Bishara
149
Al-khuri da Presidência da República; seis anos depois, ficou à frente dos partidos que
depuseram Kamil Shamoun. O fato de o PSP não manter relações duradouras está ligado à sua
posição social relativamente frágil, e o seu comportamento inconstante explica uma ambição e
um descontentamento representados pelas suas reivindicações. Observa-se, recentemente, o
deslocamento radical e súbito, em relação à intervenção da Síria no país, uma vez que o PSP
se tornou um dos maiores opositores à presença da Síria no Líbano depois de muitos anos de
aliança e cooperação.
Atualmente, o poder político da confissão drusa está dividido entre as famílias Jumblat
e Arslan, duas famílias tradicionais conhecidas pela disputa sobre o poder e o privilegio.
Os Partidos Armênios (PAR):
De modo geral, os grupos armênios têm apoiado qualquer governo que ocupa o poder.
Esta característica é compatível com o que Sartori (1982) denomina de partidos de apoio que
se contentam com cargos marginais.
Attahiri (1980) sustenta que os partidos armênios focalizam suas ações em causas
ligadas aos interesses globais da comunidade armênia e não em políticas domésticas estritas.
Os três partidos armênios mais importantes têm sido o Tashnak, o Hunchak e o Ramgavar.
Entre estes, o Partido Tashnak reflete maior impacto político.
Fundado na Armênia Russa, em 1890, o Partido Tashnak procurou reunir todos os
grupos revolucionários armênios que tentaram se livrar do domínio otomano. Apesar de o
movimento internacional do Partido Tashnak advogar o socialismo, a afiliação libanesa deste
partido prefere o capitalismo.
Desde 1943, a maioria dos representantes armênios na Assembléia dos Representantes
tem apoiado o Partido Tashnak. Na época anterior à Guerra Civil de 1975, a maioria dos
membros de Tashnak apoiava o Partido de Falanges.
Shuaib (2005) assinala que, em nível internacional, o partido tem tendido a ser pró-
Ocidente. Durante as décadas de 50 e 60, o partido tinha uma atitude anti-nasserista. De modo
geral, o partido, evitando causas sensíveis e controvérsias domésticas, tem tentado
desempenhar papéis moderados na política.
Como os outros grupos armênios, o Partido Tashnak absteve-se de atividades militares
durante a Guerra Civil de 1975. Em decorrência de ter se recusado a aderir ao lado cristão
nesta guerra, os Armênios foram atacados pelas Forças Libanesas em várias cidades.
O Partido Hunchak organizado em Genebra, Suíça, em 1887, tem mantido o objetivo
dual de libertar os armênios turcos e de estabelecer um regime socialista na pátria da Armênia
150
unificada. O Partido Hunchak Libanês advoga uma ordem econômica planejada e uma
distribuição justa da riqueza nacional. Em 1972 e pela primeira vez na sua história, o partido
concorreu às eleições parlamentares com o Partido Tashnak.
O Partido Ramgavar foi criado em 1921 com o objetivo de libertar a Armênia. Ele tem
orientado as suas atividades para preservar a cultura armênia entre as comunidades armênias
em todo o mundo, notadamente no Líbano. Depois de um período de dormência, o partido
ressurgiu, nos anos 50, com o crescente conflito entre os partidos de Tanshak e Hunchak. O
Partido Ramgavar se apresentou como alternativa para evitar a divisão da comunidade
armênia. O partido Ramgavar, às vezes considerado como o de intelectuais, também se opõe
às políticas da ala direta do Partido Tashnak.
O Exército Secreto de Libertação da Armênia não era um partido político, mas uma
organização altamente secreta que utilizava a violência para aniquilar os seus inimigos,
especialmente o governo turco. Fundado em 1975, utilizou a Guerra Civil Libanesa como
oportunidade de por em prática as sua crenças de luta armada. Aderindo aos ideais do
marxismo leninista, o Exército Secreto de Libertação da Armênia alinhou-se com os libaneses
radicais e com os grupos palestinos contra as forças da direita.
5.2.2 Partidos Ideológicos
Em poucos casos, a ideologia como base para a formação de partidos políticos no
Líbano tem preterido o poder dos líderes carismáticos.
Observa-se a fraqueza dos partidos ideológicos que advogam idéias e programas
políticos tais como aqueles que existem nas democracias modernas. Tal fragilidade tem
constituído a razão mais importante que dificulta a eliminação do confessionalismo e a
construção de partidos nacionais capazes de preparar líderes e de formular e executar políticas
que representariam a vontade coletiva do povo libanês. Os partidos ideológicos, que
constituem uma minoria, são representados por um punhado de Partidos como o Partido
Comunista Libanês, o Partido Nasserista, o Partido de Al-baath (a Renascença) e o Partido
Sírio Socialista Nacional. Tais partidos são de cunho esquerdista, mas, de modo geral, são
antagônicos e em vez de formar uma oposição dianteira, têm levantado discussões
conflituosas. Embora cada um desses partidos tenha um tamanho considerável de seguidores,
151
nenhum deles tem uma concentração num distrito específico para obter um sucesso eleitoral.
Além disso, nas crises, as suas atividades são contidas pelo governo, pois representam
ideologias radicais de mudança revolucionária da transformação social que poderiam ameaçar
a estabilidade do sistema. Desse modo, como confirma Ibrahim (2005), os partidos
ideológicos não funcionam como uma parte legítima e integrante do sistema político libanês.
Esta situação representa as deficiências mais paralisantes da democracia nesse sistema.
Os partidos ideológicos, preponderantemente esquerdistas, perderam o seu peso
devido à inefetividade dos partidos de esquerda de modo geral. O Partido Sírio Nacional,
exemplo mais proeminente desse tipo, não encontrou sucesso, pois representou uma ideologia
incompatível tanto com os libaneses como com os árabes. Tal ideologia culminou com a
execução do seu fundador e a perseguição dos seus membros. O Partido Comunista Libanês
sofreu várias fragmentações por ter ligado as identidades regionais e internacionais e por
razões ligadas às interpretações das premissas do comunismo e à sua incompatibilidade com a
realidade da sociedade libanesa. O Partido da Renascença Árabe foi fragilizado por causa de
conflitos entre as suas duas lideranças nacionais em Damasco e Bagdá. De modo geral, a
esquerda atualmente está sendo representada pelo Partido Socialista Progressista drusa mais
que quaisquer outras correntes que foram sempre sujeitas não apenas à influencia externa,
mas à dependência direta de forças regionais ou internacionais.
O Partido Sírio Social Nacional (PSSN):
Fundado em 1932, por Anton Saade, como organização secreta e com ideologia muito
influenciada pelas idéias e organizações fascistas. Era o partido multiconfessional mais
influente no Líbano. É considerado como um partido oposicionista de esquerda. Os
princípios do PSSN invocavam a criação da Grande Síria composta pela Síria, Jordânia,
Palestina, Líbano e Iraque isolando-os do resto da nação árabe, por isso foi considerado pelos
países árabes como um partido separatista e, por outro lado, mal visto pelos libaneses
regionalistas que não admitiam unir o Líbano com aqueles países.
Attahiri (1980) sustenta que o PSSN cresceu consideravelmente durante os anos que se
seguiram à independência do Líbano e, naqueles anos, só foi superado pelo Partido de
Falanges. Devido à sua força crescente e aos seus objetivos incompatíveis com outros grupos,
o governo tomou medidas severas contra o PSSN em 1948, detendo vários de seus líderes e
membros. Como resposta, os oficiais militares do PSSN tentaram um golpe de Estado em
1949, em seguida o partido teve o seu funcionamento proibido e o seu líder foi executado. Em
retaliação, o PSSN assassinou o Primeiro-Ministro Riyad Assulh em 1951. Em dezembro de
152
1961, outro golpe de estado foi enfraquecido e cerca de três mil dos seus membros foram
presos. Quando seus líderes se encontravam presos, o partido sofreu uma reforma ideológica
séria quando certas concepções marxistas e pró-arabismo foram inseridas procurando mitigar
a sua ideologia, considerada por muitos como extremista.
Corom (2004) relata que, durante a guerra civil, a maioria dos seus membros se aliou
ao Movimento Nacional Libanês e lutou contra a Organização de Libertação Palestina, mas,
nesse interregno, o partido sofreu várias dissidências e fragmentações internas e, desde então,
a sua unidade tem estado indefinida. As disputas internas levaram às dissidências que
fragmentaram o partido em várias alas. As fragmentações remontam à confusão ideológica
que ele sofreu na prática, pois, numa fase da guerra Civil, foi aliado dos sírios contra os
partidos cristãos, assim como aliou-se ao Movimento Nacional Libanês contra a Organização
para a Libertação Palestina.
Desde 1987, tem havido, no mínimo, quatro frações que se alegam autênticas
herdeiras da ideologia do seu fundador, Anton Saade. Atualmente, o objetivo comum e
principal de todas as frações desse partido é a realização de uma reforma do sistema político
libanês através do estabelecimento de um sistema político secular e da separação entre a
religião e o Estado.
O Partido Nasserista (PN):
Baseou-se nas idéias do ex-presidente egípcio Nasser, que giraram em torno da
formação de uma nação árabe unida. Assamad (1995) assinala que este partido, cuja força se
concentra na cidade de Beirute, tem uma grande simpatia pela Causa Palestina e tem uma
aliança histórica com o Partido Socialista Progressista contra os partidos cristãos. Outros
partidos também se alinham com a ideologia nasserista, a exemplo da Organização Popular
Nasserista e do Partido Jovem que é o Partido do Povo. Essas organizações, de modo geral,
proliferaram em meio às comunidades muçulmanas, especialmente a sunita a partir de meados
dos anos 50 e defendem os ideais pró-arabismo, sendo, geralmente, esquerdistas.
O Partido Comunista Libanês (PCL):
O Partido comunista libanês é considerado como um dos partidos multiconfessionais
mais antigos no Líbano. Foi formado por um grupo de intelectuais em 1924. Durante anos, o
PCL teve pouco impacto sobre as políticas do país e relações firmes com a União Soviética.
Attahiri (1980) assinala que o partido foi declarado ilegal durante o mandato francês em 1939,
mas a proibição foi relaxada em 1943. Durante cerca de vinte anos, essa organização singular
153
controlava as atividades políticas comunistas no bano e na Síria, mas, em 1944, partidos
separados foram estabelecidos em ambos os países.
Durante as primeiras duas décadas da independência libanesa, o PCL gozou de pouco
sucesso. Em 1943 o partido participou das eleições legislativas, mas fracassou em obter
qualquer cadeira na Assembléia dos Representantes. Nas eleições de 1947, participou
novamente, mas todos os seus candidatos foram derrotados; em 1948 foi proscrito.
Durante os anos 50, as suas políticas inconsistentes pró-arabismo e em favor do
movimento nasserista limitaram o seu suporte e eventualmente o isolaram. Sobrevivendo
subterraneamente, o PCL, em 1965, decidiu por um fim ao seu isolamento e se tornou um
membro na Frente do Partido Progressivo e das Forças Nacionais, que mais tarde tornou-se o
Movimento Nacional Libanês sob a liderança de Kamal Jumblat.
Os anos 70 testemunharam o ressurgimento do PCL pela legalização do partido. Isto
possibilitou os líderes do partido a concorrerem às eleições de 1972. Embora tenham
conseguido milhares de votos, nenhum deles foi eleito. Mas a importância do PCL ascendeu
com a agravação da Guerra Civil em meados dos anos setenta. O PCL, que estabeleceu uma
milícia bem treinada, participou efetivamente nas batalhas de 1975-1976.
Durante os anos 80, a força do PCL declinou. Em 1983, um grupo islâmico sunita
fundamentalista executou cinqüenta dos seus membros. O PCL participou de uma série de
batalhas ao lado do Partido Socialista Progressista e sofreu, como conseqüência destes
confrontos, várias fragmentações causadas pelos conflitos internos entre os seus líderes os
quais pertenciam a confissões distintas.
Bishara (2000) sustenta que várias razões dificultaram a missão do movimento
marxista no Líbano, entre elas que o Líbano é um país baseado na religião e em grupos
religiosos, por isso é improvável que os cidadãos votem em candidatos de um partido
comunista secular para representar o seu grupo religioso.
Durante a Guerra Civil, os comunistas combateram contra quase todos os grupos
religiosos cristãos (Falanges), muçulmanos (Amal e Hizbullah) e outros grupos sunitas. Este
partido sofre uma confusão ideológica entre a sua identidade internacional e os seus objetivos
ligados ao arabismo.
154
5.2.3 Partidos Religiosos
Hizbullah (O Partido de Deus):
Criado em 1982 por iniciativa de um grupo religioso xiita ligado ao Sheik Muhammad
Husain Fadlallah e apoiado pelo governo iraniano. Em 1987, o partido era a organização xiita
mais importante, mais tarde evoluiu e se transformou em um partido sob liderança libanesa.
O Hizbullah é considerado um grupo xiita similar ao modelo do regime islâmico do Irã
e é conhecido pela sua resistência feroz às forças armadas israelenses. A popularidade do
Sheik Hassan Nasrallah, o Primeiro-Secretário do partido, cresceu consideravelmente,
especialmente por causa da sua resistência a Israel. Atribui-se ao Hizbullah o interesse de
implantar uma república islâmica no Líbano semelhante à do Irã o que pode ser verificado
pelo desenvolvimento de laços estreitos entre o partido e os representantes iranianos no
Líbano e na ria. Esta idéia parece provocar preocupações dentre os outros libaneses,
especialmente os cristãos.
Em termos de políticas seculares, o Hizbullah rejeita qualquer transigência com os
cristãos libaneses, com os judeus e com os EUA. Este método de linha severa tem o apoio de
muitos xiitas, que abandonaram o Movimento Amal para aderir ao Hizbullah. Estes membros
tendem a ser jovens, radicais e pobres.
Alharmasi e outros (1990) informam que a estrutura interna do partido revolve em
torno do Conselho Consultivo, um órgão com onze membros. As funções deste Conselho são
divididas entre seus membros que cumprem, entre outras matérias, negócios políticos,
militares, financeiros, jurídicos e sociais. O Hizbulllah opera geograficamente através de suas
filiações nas áreas de Al-biquaa, das Províncias do Sul, no Oeste de Beirute e nas suas
Cercanias Sulistas.
O partido começou a ganhar atenção internacional a partir de 1983 quando a imprensa
lhe atribuiu responsabilidade pelos ataques contra as presenças francesas e norte-americanas
no Líbano. A importância deste partido tem crescido durante os últimos anos e a sua
influência tem se constituído, especialmente, pela sua resistência a Israel. O último combate
deu-se quando o seu exército substituiu o Exercito Libanês formal no combate às tropas
israelenses em julho de 2006.
Deeb (2006) assinala que a questão do desarmamento do Hizbullah é um dos assuntos
mais sensíveis nesse país. Se o Hizbullah for desarmado, o exército libanês não secapaz de
155
enfrentar os israelenses e, se o partido continuar armado, o governo não tepoder suficiente
para controlar a ousadia deste partido e as suas ameaças potencias, consequentemente será
difícil convencer os outros grupos a se desarmarem em razão do clima de desconfiança e de
perturbações quase permanentes os quais têm ameaçado a estabilidade e a segurança desse
Estado. A questão do desarmamento do Hizbullah tem sido muito discutida na política
libanesa. Este partido tem um forte presença no Parlamento, pois divide com o Movimento
Amal as 27 cadeiras atribuídas para os xiitas.
O Movimento Amal:
Fundado em 1975 por Imam Musa Assadr, líder espiritual xiita nascido no Irã, mas de
origem libanesa. O objetivo da criação deste movimento era a promoção da causa xiita no
Líbano. Conhecido pela sua moderação e pela sua oposição à guerra entre os libaneses,
Assadr negou a participação da milícia do Amal na Guerra Civil. Esta hesitação desacreditou
o movimento e causou uma migração de seus seguidores para a Organização de Libertação
Palestina e para os partidos da esquerda. A impopularidade deste movimento também
encontra a sua razão na aceitação da intervenção da Síria no Líbano.
Shururu (1985) sustenta que vários fatores contribuíram para uma reforma
fundamental experimentada por este movimento a partir do final dos anos 70: primeiro, os
xiitas que migraram para a Organização para Libertação Palestina se tornaram desiludidos
com a sua conduta, com as suas políticas e de seus aliados libaneses, assim voltaram para o
Amal. Segundo, o desaparecimento de Imam Assadr tornou a sua substituição quase
impossível como referência deste grupo. Terceiro, a Revolução Iraniana restabeleceu a
esperança entre os xiitas libaneses e despertou neles um maior espírito comunal. Todavia,
quando o crescimento da força de Amal pareceu ameaçar a posição da OLP no Sul do Líbano,
a última tomou medidas severas através de meios militares absolutos. Esta estratégia
convocou os xiitas a se reunir ao redor de Amal. O Imam Assadr que desapareceu em
circunstâncias misteriosa em 1978 foi sucedido pelo Nabih Birry, o atual Presidente do
Parlamento.
Amal, igualmente aos outros grupos e partidos muçulmanos, considera a Questão
Palestina a causa central para todos os árabes. Amal tem resistido ao Estado de Israel e tem
laços fortes com o regime da Síria. A plataforma de Amal convoca para a unidade nacional e
advoga a igualdade entre todas as confissões. Este movimento tem ligações menos fortes que
outros grupos xiitas com o Irã e não convoca à instituição de um Estado Islâmico no Líbano.
156
Conforme Atrisi (2002), esse grupo consiste em duas subdivisões: uma, considerada
mais educada, pertence à classe média-alta e é secularmente orientada. A segunda é composta
pelos membros que aderiram ao movimento desde a sua criação, geralmente de origens
camponesas e que são religiosamente orientados. Evidentemente, o primeiro grupo é mais
predominante e assume a posição de liderança nesse movimento.
Nos primeiros anos da década de oitenta, Amal era a organização mais poderosa
dentre os grupos xiitas e talvez a maior no país. A sua força organizacional residia na sua
extensão a todas as regiões habitadas por xiitas.
Este movimento foi conhecido como dos reprimidos dos pobres libaneses. Uma das
suas reivindicações básicas é a igualdade na distribuição do poder criticando os maronitas em
especial. Um dos seus princípios é a convocação ao arabismo e a acusação das tentativas
maronitas de direcionar o Líbano para fora do ambiente árabe. Dentre as razões do seu
enfraquecimento, estão os confrontos internos e as guerrilhas palestinas contra Israel e contra
muitas milícias dentro do Líbano durante a Guerra Civil, tanto cristãs como muçulmanas.
A Associação Islâmica: (Al-jamaa Al-islamia)
É o maior grupo islâmico sunita cujas origens remontam aos esforços de unificação da
nação árabe em1964 promovida pelo Presidente Egipcio Nasser. Depois da derrota dos árabes
na Guerra de 1967 contra Israel e do declínio do nasserismo, a Associação Islâmica e outros
grupos islâmicos se fortaleceram através do Mundo Árabe. Durante a Guerra Civil, a sua
milícia lutou com o Movimento Nacional Libanês (de Jumblat) contra as forças maronitas
cristãs; em 1982-1983 participou das batalhas contra os israelenses.
Segundo Shams Addeen (1985), a Associação Islâmica segue as doutrinas dos
militantes da Irmandade Muçulmana no Egito e, na Síria, de Fathi Yakun, considerado o seu
ideólogo principal. Yakun aliou-se com Said Hawwa, da Irmandade Muçulmana, na Síria, no
começo da Guerra de 1967, para defender a Guerra Santa contra os israelenses e os seus
aliados ocidentais. Nos últimos anos, a Associação Islâmica, taticamente, rejeitou o modelo
do Hizbullah de Construção de um Estado Islâmico. Esta associação acreditava na realização
de uma ordem islâmica através da aplicação das idéias da lei islâmica (Sharia).
Na Guerra Civil, a Associação Islâmica se envolveu num confronto sangrento contra
outros grupos islâmicos sunitas, contra o estabelecimento tradicional da confissão sunita,
legalmente reconhecido, e contra os líderes tradicionais em várias cidades libanesas. Os
membros desta associação habitam nos centros urbanos onde se concentra a confissão sunita e
recrutam os seus seguidores através da Associação dos Estudantes Muçulmanos. A
157
Associação Islâmica oferece serviços de bem-estar menos sofisticados que aqueles que o
Hizbullah fornece e não tem captado muitos votos dentre os sunitas. Este grupo tem uma
representação diminuta no Parlamento, pois, no melhor caso, nas eleições de 1992, obteve três
cadeiras. Nas eleições de 2005, falhou em obter qualquer assento.
O Movimento da União Islâmica:
Foi originado na cidade de Trípoli, em 1982, pelo Xeique Said Shaaban. Este
movimento serve como uma extensão institucional do seu fundador, considerado dentre as
poucas lideranças religiosas carismáticas no país. Durante a Guerra Civil, os seus
guerrilheiros consolidaram o controle sobre a cidade de Beirute por derrotar vários rivais. Em
1988, as forças deste movimento juntaram-se com a Resistência Islâmica para enfrentar as
forças cristãs e israelenses no Sul do país.
Conforme as suas publicações, a ideologia deste grupo é inspirada nas idéias do
Movimento da Irmandade Muçulmana. O seu fundador é descendente da família xiita, por
isso tem relações firmes com o Hizbullah e com o Irã. De algum modo, Shabaan ainda é
considerado um dos seguidores do Ayatollah Khomeini. Embora aceite a validade da
Revolução Iraniana e enfatize que o caminho começado por Khomeini deve ser seguido por
todos os muçulmanos, Shabaan não convoca à implantação de um sistema político de estilo
iraniano no Líbano, sabendo que isto pode alienar os seguidores sunitas. Ele procura unificar
os sunitas e os xiitas sugerindo que o Alcorão Sagrado e a biografia do Profeta Maomé, por
exemplo, têm fundamentos que podem unir todos os grupos muçulmanos.
Em vez de argüir sobre a representação confessional no Parlamento, ele sugere que os
muçulmanos devem convocar o estabelecimento de um sistema político islâmico baseado nos
fundamentos da Sharia como um requisito indispensável para a legitimação do governo.
Shabaan, conforme Deeb (1986), rejeita o nacionalismo, o confessionalismo e o
pluralismo democrático em favor da dominação islâmica, que absorve e dissolve todas as
diferenças e desigualdades sociais e une os muçulmanos numa sociedade pela paz e pela
igualdade. Apesar de ele procurar não fazer relações antagônicas com os sírios, lamentava a
intervenção da Síria nos negócios do Líbano.
A Associação Islâmica dos Projetos de Caridades (Al-ahbash)
Este Movimento é conhecido como Al-ahbash (os etíopes). É um dos grupos islâmicos
contemporâneos mais interessantes e controvertidos, devido às suas origens, às suas raízes
teológicas ecléticas e os seus ensinamentos, que não se enquadram no molde islâmico
convencional. Abdullah (2002) sustenta que Al-ahbash é um movimento espiritual sufista que
158
segue, dedicadamente, os ensinamentos do Xeique Abdullah Alhabashi, um pensador
religioso de origem etíope. Este movimento é espiritualmente islâmico, mas politicamente não
o é. No final dos anos 80, Al-ahbash se tornou um dos movimentos libaneses mais amplos,
evoluindo, notadamente, durante a Guerra Civil. Este movimento não criou a sua própria
milícia, nem se envolveu na violência confessional, nem no confronto contra Israel. O seu
objetivo principal era recrutar e fazer prosélitos, tendo compromisso com a moderação e o
pacifismo político.
Khalaf (2003) assinala que Al-ahbash se tornou um jogador chave nas políticas
libanesas por promover uma alternativa moderada do islamismo, atraindo amplos setores de
seguidores sunitas da classe média dos centros urbanos através da defesa do pluralismo e da
tolerância. A sua ideologia o tornou um ator politicamente significante, por ser um
movimento mais moderado dentre os movimentos políticos islâmicos no Líbano. Enquanto
Al-ahbashi presta lealdade aos antepassados e à Sharia, a sua ênfase na ciência da religião
islâmica o tornou mais inclinado à filosofia o que o conduz a superestimar a posição da razão
que a revelação.
Ao contrário do Hizbullah e da Associação Islâmica, Al-ahbash se opõe ao
estabelecimento de um Estado islâmico na Terra que poderia dividir os muçulmanos. Em vez
disso, este movimento aceita o sistema confessional libanês. A orientação da política externa
deste partido é igualmente moderada sem referências aos princípios da Guerra Santa, nem
antagonismo ao Ocidente. Para realizar uma sociedade islâmica civilizada, o fundador
recomenda que os muçulmanos devem se abrir ao mundo. Este movimento goza de excelentes
relações com todos os Estados árabes, particularmente a Síria. Desde o fim da Guerra Civil,
ou seja, a partir de 1989, este movimento obteve apenas um assento no Parlamento, que foi
exatamente nas eleições de 1992.
159
6 SISTEMAS ELEITORAIS
O papel das eleições no sistema político é considerado como elemento essencial no
governo representativo, uma vez que a participação ou, na terminologia adotada por Dahl,
(1971), a inclusão política esteja assegurada aos membros da polity. As eleições são um meio
pelo qual ganha expressão a correlação de forças dos diferentes grupos políticos, na medida
em que a competição entre eles, organizados em partidos políticos, esteja garantida. Eleições
possibilitam não apenas a alternância das maiorias no poder, mas também a realização de dois
requisitos de um governo representativo. Primeiro, representatividade, ou seja, que o
legislativo expressão à diversidade da polity, e segundo, responsividade, que envolve tanto
a noção de um governo agindo em resposta às demandas da população, como a idéia da
eficiência e competência desse governo no que diz respeito a questões que envolvem a
prestação de contas à população. Sartori (1994) sustenta que embora a representatividade
possa ser assegurada pela implementação de um sistema eleitoral que permita a expressão da
diversidade social e política do eleitorado em uma arena representativa, a responsividade é
muito mais complexa. Sua efetividade depende, em grande parte, das condições de
participação, bem como de inteligibilidade da competição eleitoral.
O sistema eleitoral é um componente essencial do sistema político. A importância do
sistema eleitoral reside em sua capacidade de explicar os processos e os métodos de eleição
dos governantes e dos representantes do povo. Através do sistema eleitoral, é possível
enxergar de uma maneira mais nítida as forças dominantes, o seu peso e a sua maneira de
obter a legitimidade. Por outro lado, este sistema possibilita localizar as forças da oposição e
medir a sua capacidade e a maneira como o sistema político lida com ela. O sistema eleitoral
indica os limites postos sobre a movimentação das forças sociais que interagem na arena
política, os seus métodos de competição pelo poder e o nível do pluralismo. Pode-se também
revelar a relação entre o eleitorado e os seus representantes antes, durante e depois das
eleições. O sistema eleitoral é quem prepara a cena da representação.
Segundo Gramsci (1984), no processo eleitoral, a numeração dos votos significa a
manifestação final de um longo processo em que a maior influência pertence exatamente
àqueles que dedicam ao Estado e à nação o melhor das suas forças. Ainda consoante Gramsci,
em um regime parlamentarista, a racionalidade histórica do consentimento numérico é
160
falsificada pela influência da riqueza, isto é, os ricos dominam a cena política e as eleições
através do controle da economia.
Os requisitos de elegibilidade são exigências normativas a fim de legitimar os
cidadãos à ocupação de cargos eletivos. Praticamente, as eleições nas modernas sociedades
democráticas representativas simulam uma satisfação às reivindicações populares
elementares.
Para Bobbio (2004), nos Estados modernos, os sistemas eleitorais sofreram uma
complexidade, qual seja, a arena política se tornou cada vez mais um espaço quase exclusivo
das forças organizadas de diversas naturezas e ideologias. A arena eleitoral num sistema
político contemporâneo está dominada por organizações cuja competição pelo poder político
visa à realização dos seus interesses econômicos corporativistas contrariando os ideais dos
teorizadores liberais que atribuíam um papel decisivo e essencial ao indivíduo. Numa
sociedade na qual dominam as relações do capital, o voto, como uma arma quase única do
cidadão, se torna uma mercadoria que se troca no mercado político. Bobbio se refere às falhas
dos sistemas eleitorais nas sociedades industrializadas concentradas na Europa Ocidental e no
Norte da América. Observa-se que estas falhas se complicam ainda mais nas sociedades do
Sul onde aumentam os índices da pobreza, da analfabetização e da violência que tornam a
mentalidade e o comportamento dos cidadãos menos desenvolvidos.
Uma vez que se torna impossível aos cidadãos tomar todas as decisões coletivas que
lhes dizem respeito, o sistema político adota o modelo representativo no qual alguns
indivíduos são autorizados a tomar decisões vinculatórias em nome da coletividade. As regras
procedimentais autorizam aqueles indivíduos a tal missão, sendo escolhidos com base na
regra da maioria através da concessão de um voto a cada cidadão. O sistema eleitoral legitima
esta missão aos representantes. Bobbio apud Schumpeter afirma que as elites só podem
ascender ao poder através das eleições e para este fim elas têm que conquistar o voto popular.
Bobbio (2004) sustenta que a democracia moderna nasceu como método de
legitimação e do controle das decisões políticas por parte dos indivíduos através do uso do
voto. Considera que a inércia da formação de um cidadão educado se revela um dos
obstáculos que impede o progresso democrático. De fato, a solução deste problema ultrapassa
o âmbito político para o social, pois o processo da educação para a cidadania não é meramente
político, mas está relacionado também a um nível socioeconômico plausível. Todavia, a
passividade política resulta de várias razões, dentre elas um desespero sofrido por setores
161
populares por causa da ocupação do espaço político pelas elites que o restringe por meio da
democracia representativa.
As sociedades pluralistas se caracterizam por certa forma de distribuição do poder
entre vários centros, representados por partidos e movimentos políticos que disputam entre si
a fim de obter o apoio popular como condição necessária para a conquista do poder através do
voto. Em um sistema político democrático, há sempre uma diversidade nas ideologias e visões
dos grupos distintos e nas suas ações e programas políticos o que é uma característica comum
das sociedades democráticas contemporâneas. Nestas sociedades existem diversos grupos que
são objetivamente contrapostos e entre os quais tensões e conflitos profundos
pacificamente solucionados. Desta feita, Bobbio conclui que a democracia é compatível com
uma sociedade pluralista devido à possibilidade de coexistência de diversos indivíduos e
grupos de interesses, visões e opiniões ideológicas e políticas distintas. Numa sociedade
pluralista como tal, resta clara a permissão do dissenso, embora relativamente limitada, o que
constitui a revelação e a garantia da expressão livre das idéias e das atitudes de cada grupo.
Um consenso instituído numa sociedade pluralista não é algo imposto, é real porque
representa escolhas livres. Uma das críticas dirigidas ao modelo representativo é a
privatização do espaço público por parte dos partidos que controlam os representantes a fim
de cumprir as promessas feitas aos eleitores “clientes” que votam naqueles que se propõem a
satisfazer os seus interesses.
Weber (2003) sustenta que a passividade política é o produto da restrição da
participação, isto é, a natureza do modelo da democracia liberal não espaço institucional
para uma participação popular numa ordem representativa onde os partidos políticos ocupam
uma posição central e na qual a presença das elites poderosas afasta qualquer possibilidade de
tal participação.
Weber (2004) se refere à emotividade das massas na escolha de seus líderes políticos
como fator impeditivo para uma escolha racional. A democracia para Weber é um mercado de
teste e de escolha dos líderes competentes que lutam pelo poder através da obtenção de votos.
uma variação institucional e regras práticas de organizações e modo de operação
dos poderes que caracterizam a variedade dos sistemas políticos contemporâneos. Para se
estudar um sistema político é necessário observar a estrutura teórica e o funcionamento das
instituições e grupos que podem ser verificados empiricamente.
Conforme o delineamento de Lijphart (2003), pode-se distinguir dois tipos de sistemas
eleitorais: o majoritário e o do consenso. No sistema majoritário prevalece o direito da
162
maioria expresso de forma simples ou absoluta, enquanto no consensual é assegurada às
minorias a forma de representação proporcional. O majoritário é exclusivo, competitivo e
combativo; enquanto o consensual se caracteriza pela abrangência, pela negociação e pela
concessão.
Sartori (1982) focaliza a importância do sistema eleitoral para explicar como os atores
procuram realizar os seus interesses através da exploração da estrutura de oportunidades que
constitui motivos e incentivos decisivos no processo eleitoral. O sistema eleitoral é importante
nesse aspecto porque estabelece as regras do jogo para a obtenção dos votos.
Os cargos representam um elemento essencial na estrutura de oportunidades para os
militantes dos partidos que lutam cada um dependendo da disposição interna do seu partido.
As táticas das elites partidárias que visam à maximização de votos se modificam com as
variações do sistema eleitoral.
A estrutura de oportunidades estabelecida pelo sistema eleitoral determina, através de
suas recompensas, o número de frações que se formam e justifica um número elevado delas,
pois se a estrutura recompensa as minifrações, incentiva a elevação de seu número.
O sistema eleitoral influencia o sistema partidário através da relação entre este e o
número de partidos efetivos.
Nesse trabalho, está-se diante de dois sistemas eleitorais qualitativamente diferentes. O
sistema egípcio, majoritário, representa um modelo de distritos uninominais, baseado na
maioria simples ou absoluta; enquanto o sistema eleitoral libanês, de consenso, emprega uma
representação proporcional.
Classificações e descrições mais detalhadas desses dois sistemas eleitorais serão feitas
ao longo deste capítulo, descrevendo-se as fórmulas eleitorais, as magnitudes dos distritos
eleitorais, os graus de proporcionalidade e desproporcionalidade, a maneira da tradução que
os sistemas eleitorais fazem para um número de cadeiras parlamentares e os efeitos do sistema
eleitoral sobre o sistema partidário.
Um sistema democrático pode se organizar e funcionar de várias maneiras e uma
variação nas instituições formais além de sistemas partidários, eleitorais e grupos distintos
que disputam na arena da sociedade civil.
Quando se estuda sobre democracia, levanta-se uma questão principal: quem governa
e quais interesses um governo atende numa sociedade onde se multiplicam e divergem as
preferências e os interesses? Em um sistema democrático, a questão é solucionada pela regra
da maioria.
163
6.1 SISTEMA ELEITORAL NO EGITO
No Egito, o sufrágio é universal e a votação é compulsória para os cidadãos maiores
de 18 anos. Somente 32 milhões da população são registrados. No ano 1999, a porcentagem
de eleitores foi estimada em apenas 10% desse total.
O Egito dispõem de distritos grandes que instituem barreiras para a representatividade
e que impedem a inclusão de pequenos partidos, pois, quanto maior a magnitude distrital
menor a chance de representação.
A Casa Baixa (Assembléia do Povo) tem 454 cadeiras, sendo que 444 são eleitos e 10
membros são nomeados pelo Presidente da República, todos para um mandato de cinco anos.
O Conselho de Shura (a Casa Alta) tem 264 membros, entre eles 174 são diretamente eleitos e
88 são nomeados pelo Presidente da República. Estes membros têm um mandato de seis anos,
sendo um terço renovado a cada três anos. No sistema eleitoral do Egito, o eleitor dispõe do
direito de votar, em seu distrito, em dois candidatos a deputado.
Na história política egípcia, o se verifica nenhuma disputa eleitoral significativa até
a ascensão de Mubarak o que se deu em 1981 com a morte de seu antecessor Sadat. Com a
assunção do poder por Mubarak, o Egito testemunhou, no contexto da sua experiência
democrática, duas batalhas eleitorais importantes que foram as eleições de 1984 e de 1987,
nas quais a oposição passou a desempenhar um papel altamente decisivo, a partir de então.
Abdullah (2001) assinala que, nas eleições de 1984, em razão de uma aliança entre o
Partido de Al-wafd e a Irmandade Muçulmana, as cadeiras do Parlamento passaram a ser
ocupadas em parte pela oposição. As eleições de 1987 representaram a forma mais forte de
mobilização política oposicionista o que resultou em profunda modificação no Parlamento
através da bandeira “O Islã é a solução” que foi levantada pela Aliança Islamita Oposicionista
composta pelo Partido do Trabalho, pelo Partido Liberal e pela Irmandade Muçulmana.
Depois da eleição, questões relevantes para a sociedade foram transferidas com sucesso para o
parlamento, onde existiu um confronto agudo entre a oposição e o governo. Isto representou
uma chance para a oposição firmar sua força com um peso de 100 cadeiras no Parlamento,
embora mesmo não conseguindo ultrapassar a linha vermelha imposta pelo modelo
democrático multipartidário restrito do Egito.
Asshaubaki (1997) informa que, nas eleições de 1990, participaram todos os partidos
principais da oposição com exceção do Partido Unionista Nacional Progressista (At-
164
tagamuu). Durante esse tempo, a oposição liderou uma corrente popular que apresentou um
programa de reforma política o qual expressava os vários problemas enfrentados pela
sociedade egípcia. Tal programa era baseado nas reivindicações por eleições justas, na eleição
direta para Presidente e Vice-Presidente da República com número ilimitado de candidatos,
na atenuação das restrições constitucionais, na limitação das concessões conferidas ao chefe
do executivo nacional, na afirmação da independência do Poder Judiciário, na abolição das
Leis de Emergência e na extinção das limitações sobre a imprensa, dentre outras.
Mustafá (1997) sustenta que, nas eleições de 1995, o papel da oposição sofreu um
retrocesso político e eleitoral, uma vez que não conseguiu incentivar qualquer mobilização
eleitoral e se tornou uma minoria no Parlamento por representar um manifesto de
esvaziamento da conotação ideológica e lutadora e por entrar em uma trégua com o governo.
Um fator relevante também foi a exclusão da Irmandade Muçulmana que era uma força
matriz da oposição política egípcia. Nessas eleições (1995), o Partido Democrático Nacional
obteve 317 das 444 cadeiras, ou seja, 71.5% do total de assentos. O Partido de Al-wafd obteve
6 cadeiras e o de At-tagamuu (Aglomeração), 5 cadeiras. O Partido do Trabalho, o Nasserista
e o Partido Liberal obtiveram uma cadeira cada um, ou seja, o total das cadeiras da oposição
no Parlamento era 14. Foi um retrocesso do discurso ideológico a favor de promessas de
serviços e a favor da lógica das alianças familiares e tribais. Observa-se uma regressão no
papel do poder Legislativo com uma debilidade nas suas funções a favor do Executivo por
falta de um peso considerável dos partidos de oposição no Parlamento perante uma maioria
pertencente ao partido dominante que é o partido do Presidente da República e de seus
adeptos. Do exposto, pode-se perceber o papel decisivo do governo sobre o processo de
legislação. O fracasso do papel do legislativo decorre do fato de que vários grupos de apoio
popular foram excluídos das eleições, conseqüentemente os eleitores foram dirigidos a votar
em candidatos da oposição moderada ou do Partido Democrático Nacional ou rejeitar em
bloco a participação nas eleições, dando assim um espaço ao partido do governo para agir de
forma unilateral. Segundo Huaidi (2005), as questões de cunho ideológico estão recuando
cada vez mais nas deliberações e discussões parlamentares e os confrontos entre o governo e a
oposição também estão sendo mitigados. A não participação nas eleições foi uma renúncia
voluntária dos partidos de oposição em favor das opções essenciais impostas pelo
governo/partido. O domínio do executivo sobre o legislativo foi exasperado pelas concessões
legislativas conferidas ao Presidente da República e pelo poder presidencial de promover
nomeações discricionárias para vários cargos políticos e administrativos.
165
Ajbali (2005) sustenta que as eleições parlamentares de 2000 confirmaram o domínio
do legislativo pelo Partido Democrático Nacional, não tendo havido alterações consideráveis.
Sendo esta a distribuição das cadeiras naquele parlamento.
TABELA 1. DISTRIBUIÇÃO DAS CADEIRAS DO PARLAMENTO APÓS AS ELEIÇÕES DE
2000.
TOTAL DE CADEIRAS
PARTIDOS
417 Partido Democrático Nacional (PDN)
6 Partido Novo Wafd (Nova Delegação)
5 Partido Unionista Nacional Progressista
1 Partido Nasserista Árabe Democrático
1 Partido Liberal
14 Independentes
Como resultado das eleições de 2000, verificou-se que o PDN conseguiu finalmente
91% dos assentos, pois após o pleito muitos eleitos que se lançaram como independentes se
filiaram ao PDN concorrendo para que este partido passasse a ter forte representação
parlamentar ao ponto de apresentar expressiva maioria. De fato, nessas eleições, antes da
fusão o PDN só havia conquistado 40% das cadeiras.
A emenda constitucional de maio de 2005 permitiu a extensão do mandato
presidencial para seis anos, assim os egípcios mantiveram, em nível nacional, o chefe do
Estado, para um mandato mais longo.
Nas eleições parlamentares de novembro de 2005, mais de 7.000 candidatos em 222
distritos eleitorais concorreram aos votos de um eleitorado constituído por 32 milhões de
pessoas para ocupar as 444 cadeiras na Assembléia do Povo, a Câmara baixa, e 174 cadeiras
na Câmara Alta do Parlamento.
Conforme os dados obtidos das publicações do Ministério de Interior, o processo
eleitoral, que começou no dia 7 de novembro e foi até 9 de dezembro, operou em três
estágios:
O primeiro estágio: dia 9 de novembro de 2005, 10,7 milhões de eleitores registrados
votaram em 8 províncias: Cairo, Giza, Alminufiya, Bani Suayf, Asun, Almiya, Matruh e Al
Wadi Al- Jadid.
166
O segundo estágio: dia 20 de novembro de 2005, 10,5 milhões de eleitores votaram
em 9 províncias: Alexandria, al- Buhayrah, al-Ismailiyah, Bur Said, as-Suways, al-
Qualyubiyah, al-Gharbiyah, al-Fayyum e Quina.
O terceiro estágio: dia de dezembro de 2005, 10,6 milhões de eleitores votaram
em 9 províncias: ad-Daqahliya, ash-Sharquiya, Kafr ash Shaykh, Dumyat, Suhaj, Aswan, al-
Bahr al-Ahmar, Sul Sinai e Norte Sinai.
Oficialmente, o período da campanha eleitoral começa imediatamente depois do
anúncio das listas finais de candidatos e se encerra um dia antes das eleições. O gasto na
campanha é limitado à quantia de 70 milhões de pounds egípcios, com restrições de qualquer
endosso ou assistência financeira estrangeira. Restrições também são postas sobre a utilização
de bens públicos (transportes, edifícios, companhias do setor público).
Nas eleições de 2005, pela primeira vez na sua história, os egípcios tiveram a chance
de escolher o Presidente da República entre vários candidatos, essa abertura adveio de
emenda constitucional, que modificou o art. 76 após ter sido ratificada por um referendo
ocorrido em fevereiro de 2005.
O que parecia ser um passo para a democratização caracterizou-se pela frustração por
que muitos ativistas da oposição boicotaram as eleições alegando que a referida abertura à
concorrência não refletia transparência, haja vista que outras restrições e óbices foram
impostos aos possíveis candidatos. A Organização Egípcia de Direitos Humanos, no seu
relatório divulgado no final das eleições, levantou várias dúvidas se tal passo foi realmente
positivo no sentido de estabelecer eleições presidenciais competitivas no país, consolidando
assim o fundamento de uma verdadeira democracia, ou se foi só uma mera manobra feita para
atenuar as pressões externas e internas que reivindicavam reformas políticas.
Ibrahim (2006) afirma que as eleições não mostraram um grau razoável de competição
real, pois houve diversas exigências aos possíveis candidatos como o fato de os candidatos de
partidos às eleições presidenciais terem que comprovar o nimo de cinco anos de
estabelecimento do partido e a ocupação de 5% das cadeiras do Parlamento por membros do
próprio partido. Para os candidatos independentes o caso foi ainda mais difícil, pois eles
precisam das assinaturas de 5% dos eleitos oficialmente nos níveis nacional e regional - 240
no total, em que no mínimo 75 são membros da Assembléia do Povo, a Câmara Baixa no
Parlamento, e no mínimo 25 devem ser membros do Conselho de Shura, a Câmara Alta no
parlamento, e no mínimo 140 devem ser membros nos conselhos locais que governam as 26
províncias egípcias. A petição de 5% requerida para o acesso à urna eleitoral não parece
167
trabalhosa, mas a dificuldade decorre do fato de que 95% dos eleitos oficialmente são
membros do partido dominante de Mubarak, o Partido Democrático Nacional.
Isso impediu efetivamente o acesso dos candidatos independentes às urnas. A
existência de barreiras legais como a continuação das Leis de Emergência e o
enfraquecimento dos partidos da oposição colocou em dúvida a vontade real de realizar uma
reforma política significativa. As eleições favoreceram os partidos que possuíam organizações
fortes, suficientes recursos financeiros e redes de atividades locais e nacionais. Fora do Grupo
da Irmandade Muçulmana, que não é reconhecido legalmente como partido político, somente
o PDN tinha a infra-estrutura necessária para ter sucesso neste ambiente. A maioria dos
partidos de oposição, até hoje, possui poucas organizações partidárias a nível nacional, e
apenas uma fraca presença além da cidade do Cairo. Sem uma igualdade de acesso à mídia, os
candidatos de oposição ficaram em desvantagem diante do presidente. Assim, houve uma
vantagem relativa do partido do presidente e o enfraquecimento da oposição. Acredita-se que
eleições presidenciais transparentes só poderão ser realizadas numa era pós-Mubarak.
Rizq (2006) aponta que questão importante é identificar como os partidos podem
adquirir o reconhecimento legal para ter acesso aos cargos eletivos. Tal questão tem se
constituído em um debate feroz entre o governo e a oposição. A lei egípcia requer dos
partidos políticos o recebimento de uma aprovação do Comitê de Partidos. Os apelos de
decisões do Comitê são ouvidos por uma Corte Especial de Partidos. O Comitê de Partidos
aprovou cinco licenças partidárias até a presente data. Outros partidos tiveram que ganhar na
justiça o direito para serem legalmente reconhecidos. Por exemplo, o processo do Partido
Alghad (Amanhã) do candidato oposicionista às eleições presidenciais, Ayman Nour, durou
três anos de rejeição e múltiplas batalhas na Corte antes de receber o status legal no fim de
2004.
O Parlamento emendou a Lei de Partidos Políticos em julho de 2005. Mustafá (2006)
afirma que a nova lei removeu algumas restrições, tais como o requisito para que a plataforma
do partido estivesse de acordo com a lei islâmica e com os ideais da Revolução de 1952.
Outros requisitos foram refinados a plataforma do partido precisa acrescentar uma nova
edição à vida política e não, necessariamente, ser plenamente distinta. A composição do
Comitê de Partidos também foi modificada. Até então, o Comitê de Partidos era formado por
ministros e membros do Parlamento que eram todos, também, membros do partido
dominante, PDN. Esta mudança expandiu o número de membros do Comitê de sete para
nove: dois são ministros, um é o Presidente do Conselho de Shura, três são ex-juízes e outros
168
três são personalidades públicas independentes. A lei emendada deveria atenuar a influência
de políticos ativistas do partido dominante sobre os novos aspirados partidos da oposição.
Hodiernamente, a maior preocupação com a nova lei de partidos reside no fato de que
existe discricionariedade ao Comitê para suspender as atividades políticas dos partidos em vez
de haver um rol legal exaustivo para fundamentar tal conduta. São poucos os casos em que a
lei prevê, taxativamente, a suspensão das atividades partidárias, a exemplo de a suspensão ser
aplicada quando o líder do respectivo partido aderir a princípios divergentes das plataformas
aprovadas. O Comitê de Partidos também pode recorrer à justiça caso acredite que o partido
não esteja agindo conforme o interesse nacional ou se suas práticas internas não forem
consideradas democráticas. Segundo Abdullah (2006), esta vasta latitude poderá fazer com
que o Comitê de Partidos se torne um clube poderoso e possa ser usado contra os partidos de
oposição que venham a mostrar um grau significativo de independência. Dessa maneira,
parece que a nova lei confisca a liberdade de discurso e da ação dos partidos da oposição. O
papel futuro do reestruturado Comitê de Partidos representa um desafio para aqueles
responsáveis por uma honesta e transparente competição política no Egito.
Consoante Rizq (2006), a intimidação do eleitor, a violência e a fraude são práticas
comuns nas eleições egípcias. Tal prática se reduziu ultimamente devido à supervisão do
poder judiciário, das organizações de direitos humanos e da sociedade civil sobre as eleições.
Os juízes egípcios reivindicaram cada vez mais concessões para supervisionar as eleições e
ameaçaram recusar esse encargo se as reformas constitucionais não tivessem sido
empreendidas para facilitar e proteger a monitoria judicial. Os juízes têm lutado por
independência e por mais autoridade - impedidas pelo executivo - para desempenhar um papel
mais efetivo.
Conforme Hanafi (2005), havia pressões internacionais por parte da União Européia e
dos EUA que procuraram inserir observadores internacionais a fim de monitorar as eleições
para garantir condições iguais a todos os candidatos. Tal monitoria poderia servir para
dissuadir e relatar problemas no dia da eleição como a intimidação do eleitor e a fraude. A
presença dos observadores internacionais poderia aumentar a percepção pública da
importância das eleições e, conseqüentemente, impulsionar a participação. A questão da
igualdade eleitoral é fundamental, como também é o acesso à votação. Contudo a concessão
aos partidos de oposição de acesso igual à mídia e a permissão de reuniões e demonstrações
públicas se deram em razão da preocupação com a possível presença das missões de
169
observadores internacionais. Apesar de insistirem, essas missões foram recusadas pelo
judiciário, ainda que este poder tenha se oposto abertamente às arbitrariedades do executivo.
Ainda que os observadores internacionais tivessem supervisionado as eleições, como
sugere Ibrahim (2006), dificilmente teriam feito uma avaliação adequada do ocorrido, haja
vista que essas missões costumam chegar pouco tempo antes do pleito e partir logo depois do
seu encerramento. Possivelmente, a presença das pressões internacionais poderia provocar
uma reação fortemente indesejada por parte do governo egípcio no que tange à soberania do
país.
O obstáculo principal para eleições multipartidárias significativas, de qualquer modo,
não decorre apenas da fraude que existe no dia da eleição, mas também da ausência
permanente da liberdade política e da atmosfera de intimidação da imprensa, dos políticos
oposicionistas e do público. Liberdades de expressão, de associação e de imprensa são
requisitos básicos para um processo eleitoral transparente.
O governo egípcio não suspendeu nenhuma das suas prerrogativas durante a campanha
eleitoral que ocorreu sob as Leis da Emergência, as quais estão sendo aplicadas desde a
ascensão de Mubarak ao poder no ano de 1981. A supressão continua contra reuniões e
protestos políticos e a intimidação pelas forças de segurança e pelos membros do partido
dominante do presidente contra os ativistas oposicionistas são práticas verificadas. O fato de
existirem mais de 17.000 prisioneiros políticos nas prisões egípcias constitui tema de severa
crítica dentro do país e por parte da comunidade internacional.
As últimas eleições representaram um passo notável, mas um de seus objetivos
precípuos foi impossível de se realizar, qual seja, uma eleição aberta perante uma competição
verdadeira. Para essa eleição, a nova Comissão de Partidos aprovou dez candidatos em agosto
de 2005, entretanto nenhum deles foi retirado da minoria cristã, nenhum era aliado à
Irmandade Muçulmana ou à organização oposicionista que defendia a participação política.
Huaidi (2005) defende que, para o processo político do Egito atingir amplitude
considerável, será necessário rever a proibição legal que atinge os ativistas e a legitimidade de
alguns grupos e partidos políticos que gozam de apoio popular.
A próxima corrida eleitoral presidencial será em 2011, caso o presidente Mubarak
governe até o fim de seu mandato. Nas próximas eleições parlamentares em 2010, muitos
partidos da oposição precisarão se unir com grande esforço. Aqueles movimentos que ainda
não conseguiram a legalização para se constituírem em partidos precisarão de mais militantes
para obter 250 assinaturas de membros eleitos em eleições nacionais e locais anteriores. Além
170
disso, como o parlamento nomeia os membros do Comitê, uma porcentagem maior da
oposição no Parlamento será vital para garantir mais imparcialidade. A ineficiência dos
partidos da oposição reflete um baixo nível de competição parlamentar o que resulta numa
forte ação governamental contra uma reforma política verdadeira.
A lista para as eleições presidenciais, que começaram no dia 7 de setembro de 2005,
continha dez candidatos:
Muhamad Husni Mubarak do Partido Democrático Nacional que manteve o seu cargo
indisputável desde quando assumiu o poder.
Ayman Nour do Partido Alghad (Amanhã), considerado o principal rival de Mubarak.
Noaman Gomaa do Partido Novo Wafd (Delegação).
Ahmad Awad Allah do Partido Umma (Nação).
Mamduh Quinawi do Partido Constitucional.
Osama Shaltut do Partido Solidariedade.
Fawzi Ghazal do Partido do Egito (Misr).
Ibrahim Turk do Partido da União Democrática (Alexandria).
Rifaat Al Alagrudi do Partido da Concórdia Nacional.
Wahid Al Uqsuri do Partido Comunista Árabe Egípcio.
. Os resultados das eleições presidenciais de 2005 apontaram Muhamad Husni Mubarak
com 88.6% dos votos válidos, Ayman Nour com 7.3% e Noaman Gomma com 2.8%
respectivamente.
Com relação às eleições parlamentares de 2005, o marco mais importante foi o
resultado que a Irmandade Muçulmana obteve, sendo este o movimento político de oposição
mais efetivo e organizado no país.
TABELA 2. DISTRIBUIÇÃO DAS CADEIRAS DO PARLAMENTO APÓS A ELEIÇÃO DE 2005.
%
CADEIRAS OBTIDAS
PARTIDOS
68.5 311 Partido Democrático Nacional
1.3 6 Partido Novo Wafd
0.4 2 Partido Unionista Nacional Progressista
0.2 1 Partido Alghad (Amanhã)
19.4 88 Independentes (Irmandade Muçulmana)
4.6 24 Independentes
171
Num regime democrático, as eleições devem ser competitivas, livres, igualitárias,
decisivas e inclusivas e aqueles que votam devem ser iguais àqueles que, em princípio, têm o
direito de ser eleitos. Fica claro que, conforme as informações ditas acima, o sistema político
egípcio ainda enfrenta várias dificuldades estruturais que impedem a sua transição à
democracia.
O gabinete é composto pelo Presidente da República e pelos ministros do seu partido
de maioria parlamentar a qual é coesa pela centralização da liderança do partido nas mãos do
presidente. Mubarak não pode ser removido pelo legislativo, pois foi eleito pelo povo, além
disso recebe extraordinário apoio do legislativo, uma vez que possui maioria do parlamento
através do partido dominante, o que impede quaisquer procedimentos constitucionais que
possam acarretar mudanças essenciais e prejudiciais à sua posição monopolizadora. A maioria
parlamentar do Partido Democrático Nacional aprova as propostas legislativas do presidente e
constitui uma barreira às iniciativas da oposição cuja representação ainda é diminuta. Mesmo
com uma coalizão das forças da oposição no Parlamento, não se pode chegar a um peso que
influencie as decisões parlamentares.
O Presidente da República, eleito pelo povo, é concomitantemente o líder do partido
dominante. Há reivindicações para que o Presidente Mubarak renuncie ao cargo de Secretário-
Geral do PDN, mas as razões da rejeição a esta reivindicação se encontram na natureza
autoritária historicamente constituída do sistema político egípcio e reside nas características
da gênese de um sistema político democrático. Em sistemas democráticos, um equilíbrio e
uma separação dos poderes. No sistema egípcio, ainda um predomínio do Executivo sobre
todos os poderes. É interessante observar que o poder judiciário tem conquistado alguma
independência em razão da luta que os juízes empreenderam junto com os sindicatos de
advogados e jornalistas e isso tem influenciado as legislações o que se confirma com a
promulgação de emendas constitucionais que enfraqueceram a posição poderosa do Executivo
dando assim maior espaço aos outros poderes.
O sistema político egípcio é considerado um sistema majoritário quase
presidencialista, pois o Presidente é eleito diretamente pelo povo, mas coexiste com um
Primeiro-Ministro nomeado pelo Presidente. A posição do Primeiro-Ministro, nesse caso, é
fragilizada pela subordinação ao Presidente da República.
Desde a implantação do restrito sistema multipartidário em meados dos anos 70, as
eleições legislativas nunca haviam tido uma conotação diferente a exemplo do que aconteceu
com as de 2005. Fora do possível impacto futuro sobre o processo de uma reforma política, as
172
dimensões atuais do mapa das forças políticas no Egito já foram modificadas. Alisawi (2005)
sustenta que o Partido Democrático Nacional que monopolizava a maioria parlamentar desde
a sua fundação, só conseguiu eleger candidatos oficiais no correspondente a 33.5% do total de
cadeiras do Parlamento, embora que ao final, com a coalizão dos independentes, tenha
aumentado esse percentual, enquanto a Irmandade Muçulmana obteve cerca de 20% dos
assentos. Essas eleições fortaleceram o papel do Grupo da Irmandade como força principal de
oposição, tendo em vista os resultados insignificantes obtidos por outros partidos.
As eleições testemunharam alguns fenômenos que serão analisados devido a sua
importância, uma vez que elas podem ser consideradas como um dos mecanismos principais
do processo de reforma democrática do sistema político, senão vejamos:
a) A reação dos dissidentes do Partido Democrático Nacional durante as eleições de 2005
e depois do resultado do pleito: o PDN tem dominado a vida política no Egito desde a sua
fundação no final dos anos 70, apoiando-se em dois fatores, quais sejam, o primeiro é que o
chefe do Estado é também o chefe do partido dominante (PDN) e o segundo é que os
aparelhos do partido e do Estado estão fortemente entrelaçados, sendo o aparelho do Estado
empregado em favor do partido, especialmente durante o processo eleitoral.
Oficialmente, o partido participou das eleições lançando 444 candidatos em 222
distritos eleitorais, ou seja, um número de candidatos equivalente ao mero de cadeiras do
Parlamento. Todavia somente 145 de seus candidatos oficiais foram eleitos. Tal resultado
refletiu a má seleção dos candidatos e a baixa popularidade do partido. Ibrahim (2005)
assinala que pouco antes dessa eleição, o partido enfrentou o problema da dissidência entre os
seus membros, quando alguns destes se lançaram como rivais dos candidatos oficiais, isto é, o
partido experimentou uma competição entre seus próprios membros em alguns distritos
eleitorais. A despeito da dissidência, um número de 166 eleitos aderiu ao partido depois da
eleição para construir uma maioria superficial que atingiu 68.5%.
b) Financiamento das campanhas: o Comitê Superior de Eleições delimitou a quantia a ser
gasta na campanha eleitoral, correspondendo a 70 milhões de pounds egípcios. Todavia o que
foi gasto ultrapassou muito este valor. O Jornal Al-Arabe Annasiri, na sua edição de 984ª
de 13 de dezembro de 2005, estimou os gastos do PDN e da Irmandade Muçulmana em torno
de seis bilhões de pounds egípcios. Alguns candidatos chegaram a gastar entre 3 e 5 milhões,
ou seja, valor acima do permitido. Alguns fontes estimaram que o gasto total foi de cerca de
85 milhões de dólares o que tornou as ultimas eleições parlamentares de 2005 as mais
custosas da história do Egito. Para Ajbali (2005), o dinheiro constituiu um elemento essencial
173
no processo eleitoral, ultrapassando o seu papel legal da propaganda em direção ao
financiamento de subornos eleitorais, de compra de votos, de contratação de bandidos para
aterrorizar os adversários, os servidores da justiça e, mormente, os eleitores. Observa-se uma
relação entre dinheiro e poder, pois o candidato eleito compensa o que foi gasto na campanha
após a investidura no cargo.
c) A violência e a bandidagem eleitoral: as ões de banditismo têm deformado o mérito
eleitoral. Nas últimas eleições parlamentares egípcias, a violência cresceu com a agudez da
competição entre os candidatos. Rizqu (2006) observou que a violência se concentrou em
algumas províncias urbanas, ao contrário do passado quando se concentrava no campo. Amin
(2005) informa que as razões dessa violência podem ser compreendidas pelo fenômeno da
extensão do banditismo como um problema de segurança social. Inobstante existir lei para
combater tal problema, esta se torna inócua devido à atitude passiva das forças de segurança,
as quais se encontram sob o domínio governamental e do PDN. Candidatos contratam
bandidos para intimidar eleitores, candidatos, serventuários da justiça, membros de
organizações da sociedade civil e jornalistas de emissoras e agências de notícia.
d) A supervisão jurídica sobre as eleições: a supervisão jurídica garantiu certo nível de
honestidade sem precedente. Os resultados obtidos pelos candidatos do partido dominante
podem confirmar tal fato. O expressivo resultado do grupo da Irmandade Muçulmana não
teria sobrevindo na ausência da supervisão judiciária. Shalabi (2005) informa que, com o
aumento do grau da violência por ocasião do pleito, os juízes reivindicaram ao Presidente
Mubarak que fosse deposto o Ministro do Interior por causa de violações e agressões
praticadas pelos agentes de segurança. Foi discutida a retirada dos juízes do terceiro e do
último turno das eleições, mas prevaleceu o entendimento de que a supervisão das eleições
continuaria até o fim para evitar a intervenção das forças de segurança.
Sem dúvida, o judiciário possibilitou às organizações da sociedade civil um papel de
inspeção das eleições e tornou possível a participação de vários partidos que surgiram
legalmente conforme decisões judiciais. No curso das eleições, o judiciário julgou a
inconstitucionalidade de parágrafos de algumas leis organizadoras da vida política as quais
surgiram em épocas em que predominavam desvios legislativos.
e) O papel das organizações da sociedade civil na inspeção do processo eleitoral: as
organizações da sociedade civil e de direitos humanos desempenharam um importante papel.
Tais organizações estabeleceram um conjunto de regras para o processo de inspeção das
eleições a fim de garantir a eficácia do controle. Abdurradi (2005) informa que foram
174
formados grupos como o Comitê Nacional de Inspeção das Eleições, a Aliança Civil de
Inspeção das Eleições e o Comitê Egípcio Independente de Inspeção das Eleições. Mais uma
vez, o papel do Judiciário foi decisivo para possibilitar a inspeção das eleições pelas
organizações da sociedade civil.
O fim das eleições apontou alguns resultados de relevante importância, quais sejam:
f) A fragilidade dos partidos e a decadência do seu desempenho eleitoral e político: as
eleições afirmaram a vulnerabilidade dos partidos inclusive a do PDN, fato que coloca em
dúvida a utilidade do sistema multipartidário. O partido dominante, monopolizador da vida
política egípcia, elegeu somente 145 candidatos não conseguindo instituir a maioria
superficial com o pleito, somente o fazendo depois de juntar aos eleitos outros 166 membros
dissidentes que foram eleitos e que concorreram nas eleições como independentes. Esse
fenômeno foi considerado o mais proeminente resultado das eleições legislativas por consistir
em uma falsificação da vontade do eleitorado. Abulmajd (2005) condenou este
comportamento, sustentando, entretanto, que não barreiras legais para impedir a migração
partidária. Alkutbi (2004) registra que, a despeito de ter havido erosão na popularidade do
partido dominante, PND, este continua com maioria no parlamento, controlando, assim, o
processo de reforma constitucional e a pauta do poder legislativo. Em suma, o executivo e o
PDN continuam dominando o legislativo.
g) A dedicação do papel político da Irmandade Muçulmana: apesar da campanha
propagandista da mídia contra este Grupo, das constrições e aprisionamento de seus membros
e integrantes, os resultados das eleições expressaram a importância do papel político do
Grupo da Irmandade Muçulmana. Alguns fatores devem ser considerados para explicar tais
resultados, seja a incapacidade do governo de manipular os resultados das eleições por causa
de controle interno, seja em razão da atuação das tradições organizacionais supervisonando as
eleições gerais e as eleições sindicalistas. Ademais, para Hanafi (2005), este grupo tem
demonstrado uma capacidade incomparável no recrutamento, mobilização e organização de
seus membros e simpatizantes. Recentemente, incorporou novo ideário na sua propaganda
eleitoral e se concentrou em um programa político voltado para questões da reforma política,
das liberdades, dos direitos humanos e do combate à corrupção. Na sociedade egípcia, onde a
religião tem uma influência decisiva sobre os sentimentos dos cidadãos, o Islã, cujo lema “O
Islã é a solução”, defendido pela Irmandade, fortaleceu o apoio a este movimento, haja vista
que a população egípcia é predominantemente muçulmana. Outro fator que contribuiu
sobremaneira para a aceitação do Grupo foi a presença do movimento no meio popular,
175
através dos seus programas sociais e de assistência para várias camadas de cidadãos,
especialmente os pobres e de renda ínfima. A dia de votos obtida pelo grupo foi também
como conseqüência de votação protestatória ou punitiva contra o Partido Democrático
Nacional à luz da exacerbação de vários problemas políticos, sociais, econômicos e culturais
internos; do retrocesso do papel externo do Egito devido às políticas governamentais; à
agravação da corrupção e o desperdício dos bens públicos. Rizqu (2006) sustenta que, diante
da vitória desse grupo, não se pode ignorar o seu futuro papel no processo de reforma e no
desenvolvimento político no Egito, desta feita o método atual adotado pelo sistema político
egípcio para lidar com esse grupo deverá ser modificado. Hamzawi (2005) defende que,
legalmente, existe uma proibição à sua existência, mas a realidade fática aponta para uma
tolerância à sua atividade. Uma das questões mais relevantes relacionadas com o sistema
egípcio é a impossibilidade de realizar uma reforma política democrática sem incluir este
grupo. A possibilidade dessa exclusão acena para um distanciamento do país em direção à
democratização, a qual prevê a inclusão máxima dos atores sociais, mormente neste caso em
que o movimento apresenta grande apoio popular.
A Irmandade Muçulmana poderá tornar-se ainda mais poderosa na cena política local,
haja vista a possibilidade de formar coalizões com as demais forças de oposição.
h) A fragilidade da representação das mulheres e dos cópticos devido ao resultado das
eleições: a representação das mulheres e dos cópticos na política do Egito é considerada como
um problema crônico que se arrasta desde muito. Abdullah (2006) sustenta que, apesar de
o discurso demasiado nos últimos anos acenar para a inclusão das mulheres e para o
fortalecimento da participação dos cópticos no processo político, a experiência das eleições de
2005 foi muito frustrante. O número de candidatas às eleições parlamentares em 2005 foi de
61 mulheres, contra 112 nas eleições de 2000. Isto significa que os esforços que foram feitos
pelas associações feministas e pela Assembléia Nacional da Mulher nos últimos anos a fim de
apoiar a participação delas nas eleições e na vida política não conseguiram atingir a meta,
segundo por causa da violência empregada no processo eleitoral, do custo das eleições e da
dominação das relações familiares e tribais.
A mulher egípcia ainda não goza dos mesmos direitos que os homens daquela
sociedade, assim pode se compreender o porquê desses fatores influenciarem na determinação
desse resultado.
176
O número dos candidatos cópticos atingiu 31 nas eleições de 2005, contra 74 nas
eleições de 2000 e 75 nas eleições de 1995, tendo sido eleito apenas 1 em 2005, contra 3 em
2000.
A frágil representatividade das mulheres e dos cópticos no parlamento tem sido
compensada através de um procedimento de nomeação por parte do Presidente da República
dessas duas categorias de representantes. É óbvio que um procedimento de nomeação não
poderá resolver o dilema da representatividade destas categorias, mas através de uma reforma
que seja capaz de desenvolver um sistema eleitoral a fim de que tais categorias possam ser
institucionalmente incluídas.
i) A baixa participação dos egípcios nas eleições: Abulmaati (2005) informa, conforme
dados do Ministério da Justiça, que 24,9% do total dos cidadãos registrados participaram das
eleições de 2005. Isto significa uma ausência do quorum legal e real do eleitorado, ademais
havia cidadãos que não tinham sido registrados nas listas de eleitores, isto significa que a
porcentagem da participação foi ainda menor que 24,9%. Esta porcentagem foi a menor desde
o estabelecimento do sistema multipartidário em meados dos anos 70, podendo significar a
possibilidade da ocorrência de fraude em eleições anteriores em que houve alto percentual de
participação, o que se aventa em razão de que havia cidadãos que não estavam registrados,
mas que tomaram parte na votação, ou que a alienação dos egípcios nas eleições pode ser
explicada pela desconfiança na utilidade do próprio processo político ou pelas dificuldades
relacionadas com a violência e as intervenções das forças de segurança. Essas hipóteses ora
elencadas sugerem a necessidade de reforma no processo eleitoral para que o cidadão deseje a
participação e a tome de forma plena.
Shalabi e Abdurradi (2005) afirmam que ocorreram transgressões e violações nas
eleições de 2005, contudo considera que essas foram as mais honestas, sustenta que houve
uma margem maior de liberdade explicada pelos resultados obtidos pela oposição e pelo
insucesso que os candidatos oficiais do partido dominante obtiveram, ressalta o papel do
judiciário e das organizações da sociedade civil em supervisionar e inspecionar as eleições,
embora admita que tenha havido algumas dificuldades, aponta também que a atenção
internacional teve impacto para limitar a intervenção do governo.
O desempenho do Parlamento de 2005 deverá ser esboçado pelo Executivo uma vez
que o PDN - presidido pelo Presidente Mubarak - controla 68.5% das cadeiras do Parlamento,
condição que impede a passagem de qualquer revisão constitucional ou legal. Não se espera
que uma revisão constitucional venha tocar, em especial, o poder do Presidente para realizar
177
um equilíbrio entre os poderes ou modificar as condições abusivas da candidatura ao cargo de
Presidente da República. Isso encontra explicação na ausência da vontade da elite dominante
em realizar uma reforma política real. O sistema político egípcio atual representa uma
estratégia para fornecer uma margem de participação sem admitir o princípio da alternação
pacífica no poder. Hoje existe um grande bloco oposicionista no Parlamento contendo mais de
100 membros, sendo 88 deles da Irmandade Muçulmana, com base nisso é provável, como
acontecera no passado, que venha a surgir uma situação de tensão e de polarização entre os
parlamentares da maioria e da oposição, assim a atuação do Parlamento também poderá ser
determinada pela forma e natureza da relação entre essas duas forças.
Pode-se identificar três pontos técnicos importantes para a realização de eleições mais
justas no Egito, quais sejam, o Estado egípcio não possuir exato registro do número do
próprio eleitorado, o financiamento das campanhas excederem o previsto em lei e o papel
ainda limitado exercido pelo judiciário na fiscalização.
No regime democrático é oportunizada a igualdade de direitos a todos os cidadãos
indiscriminadamente. Todavia, para que isso se concretize, torna-se necessário assegurar a
liberdade política ao povo.
Considera-se o sistema político do tipo multipartidário. Legalmente, talvez o seja,
entretanto, de fato, o fomento à criação da múltipla representação não corresponde àquilo que
os teorizadores da ciência política consideram como democracia.
A existência de óbices e restrições legais e políticas à participação, a desigualdade de
acesso aos participantes e o relativo cerceamento das liberdades contradizem a existência de
eleições competitivas e consequentemente a alternância do poder que caracterizam uma
transição real à democracia.
A situação egípcia aqui descrita suscita a necessidade reformas, inclusive no sistema
eleitoral a fim de tornar abrangente toda a sociedade.
6.2 SISTEMA ELEITORAL NO LÍBANO
O Líbano é cultural e religiosamente diversificado com perceptíveis iniqüidades
regionais e sociais. O único censo oficial que o país conheceu foi o de 1932. Por causa da
organização confessional do poder, atualmente privilegiando os cristãos maronitas, qualquer
178
recenseamento é visto como uma questão sensível que pode desordenar o balanço do poder,
uma vez que, se os resultados expressarem que confissões diferentes se constituíram em
maioria, que não aquelas que foram referidas num passado longínquo, será necessária uma
revisão legal para a redistribuição do poder consoante tais resultados, o que não será
facilmente aceito por aqueles que já se encontram no poder desde há muito.
Há dezoito confissões legalmente reconhecidas. De acordo com o número dos votantes
registrados, os grupos mais numerosos são os muçulmanos sunitas, muçulmanos xiitas,
cristãos maronitas, gregos ortodoxos cristãos, drusas muçulmanos e gregos católicos cristãos.
Apesar da inexistência de um censo oficial atualizado, o Centro Libanês de Estatísticas
estimou a população libanesa em 4 milhões de habitantes em 1997, sendo que 7.6% são
estrangeiros de origem palestina que não gozam de direitos sociais ou políticos.
TABELA 3. A DISTRIBUIÇÃO DOS ELEITORES ENTRE AS PROVÍNCIAS.
PROVÍNCIA %
Beirute 8.7
Montanha do Líbano-Ocidente 43.5
Periferias de Beirute 27.3
Montanha do Líbano-Oriente 16.2
Norte do Líbano 19.9
Sul do Líbano 9.7
Nabateiah 6.3
Al-biquaa 12
A estrutura geral do sistema eleitoral libanês é regulada pelo Pacto Nacional de 1943,
pela Constituição de 1929, pelo Acordo de At-taiif de 1989, pela Lei Eleitoral de 2000 e por
uma série de leis e regulamentações relevantes. No presente sistema proporcional, o
Parlamento tem 128 assentos igualmente divididos entre os membros parlamentares
muçulmanos e cristãos. Os representantes do povo são eleitos em 14 distritos eleitorais cujos
tamanhos compreendem entre 7 a 16 cadeiras. Dentro dos distritos, as cadeiras são alocadas
para sub-distritos (quadaas) divididos proporcionalmente entre as confissões de acordo com o
número de votantes registrados de cada confissão. São onze confissões diferentes que
concorrem a eleições em 25 sub-distritos (quadaas). Sabe-se que a quadaa é a unidade
eleitoral básica que corresponde aos bairros. Um largo distrito (Muhafaza) que ameaçava
179
líderes os quais gozavam de apoio numa base geográfica restrita foi dividido em vários
distritos (quadaas). Na Montanha do Líbano, líderes políticos podiam facilmente garantir
vitória política se as eleições fossem baseadas em quadaas, enquanto eleições em Muhafaza
poderiam colocar em risco os resultados.
O Estado libanês está dividido em seis províncias que incluem os distritos eleitores a
saber:
A Província de Beirute:
O Primeiro Distrito de Beirute consiste nas Quadaas de Ashrafia- Almazraa e Alsaifi.
O Segundo Distrito de Beirute consiste nas Quadaas de Musaitiba- Albashura e Arrmail.
O Terceiro Distrito de Beirute consiste nas Quadaas de Dar Almarisa-Ras, Beirute-Zuquaqu,
Albalat-Almidwir-Almarfa e Minaa Alhusn.
A Província da Montanha do Líbano:
O Primeiro Distrito da Montanha do Líbano consiste nas Quadaas de Jubail e Kasrawan.
O Segundo Distrito da Montanha do Líbano consiste na Quadaa de Almatn.
O Terceiro Distrito da Montanha do Líbano consiste nas Quadaas de Baabada e Alieh.
O Quarto Distrito da Montanha do Líbano consiste na Quadaa de Asshof.
A Província de Al-biquaa:
O Primeiro Distrito consiste nas Quadaas de Balabak e Alhermil.
O Segundo Distrito consiste na Quadaa de Zahla.
O Terceiro Distrito consiste nas Quadaas de Al-biquaa Oeste e Rashia.
A Província do Norte:
O Primeiro Distrito consiste nas Quadaas e regiões de Akkar, Azzenia e Bishri.
O Segundo Distrito consiste nas Quadaas e regiões de Trípoli, Minha, Zigharta, Albatroon e
Alkura.
A Província do Sul:
O primeiro Distrito consiste nas Quadaas e regiões de cidades de Saida, Alzahrani,
Sour e Bint Jbail.
O Segundo Distrito consiste nas Quadaas e regiões de Marj Aioon, Hasbia, Annabatia
e Jezeen.
No sistema eleitoral libanês, há divisões de caráter social e outras partidárias. O
sistema eleitoral libanês é do tipo consensual ou proporcional. O objetivo fundamental da
representação proporcional é a distribuição das cadeiras parlamentares entre as confissões
180
religiosas de acordo com a Constituição, com a Lei Eleitoral e com a tradição estabelecida
pelos vários acordos.
Conforme a Lei Eleitoral de 2000, as eleições são universais, secretas e obrigatórias
para o sexo masculino, desde que maiores de 21 anos, e facultativas para o sexo feminino. Os
refugiados palestinos não têm o direito de voto, apesar de o seu número ter atingido trezentas
e cinqüenta mil pessoas em 2003.
O Presidente do Líbano é eleito pelo Parlamento e o Primeiro-Ministro é nomeado
pelo Presidente da República, levando em consideração o consenso da Assembléia de
Representantes. Foi estabelecido, inicialmente por força da tradição e posteriormente
positivado no texto constitucional, que os cargos políticos dos poderes constituídos devem ser
distribuídos entre os representantes das três principais seitas religiosas existentes no país. O
cargo de Presidente da República cabe aos maronitas; o de Presidente do Parlamento, aos
xiitas e o de Primeiro-Ministro, aos sunitas. Os demais cargos ministeriais são distribuídos de
acordo com o peso de cada confissão.
Eskandar (2000) assinala que o sistema político libanês é caracterizado pela
distribuição das cadeiras do parlamento proporcionalmente ao peso de cada confissão; pela
influência das relações clânicas primárias e das lideranças pessoais; pela instabilidade política
decorrente de conflitos internos em razão da influência ocidental, da influência árabe
estrangeira e das sucessivas guerras contra Israel e pela influência das várias correntes
intelectuais que compõem o pensamento sociopolítico da sociedade libanesa.
Nas eleições libanesas, observa-se uma situação de tensões silenciosas entre algumas
categorias e confissões sociais. Atrisi (2002) sustenta que as eleições representam um aspecto
da fragmentação social. Isso colocou em dúvida as tentativas da paz social e da identidade
nacional através de fundamentos aceitáveis por parte de todas as confissões.
Vários fatores contribuíram para a agravação das tensões que fragmentaram a
sociedade libanesa e para a sua continuação, entre eles, como afirma Zahir (1977), a
fragilidade da consonância entre os poderes principais do Estado, as oscilações nas políticas
econômicas e monetárias e o fracasso do aparelho estatal. O fator da guerra contra Israel, que
afetou até certo ponto a instabilidade do sistema político libanês, é considerado de alta
importância. Outras razões estão relacionadas à existência das milícias armadas que agem no
território fora do controle do governo.
É difícil fazer uma análise exata das eleições libanesas sem levar em consideração a
composição confessional/religiosa dessa sociedade, uma vez que as dimensões e os eixos de
181
fragmentação e de diversidade são de alta complexidade. Conforme a religião, os libaneses se
dividem em dois grandes grupos, o primeiro islâmico e o segundo cristão. Attahiri (1980)
afirma que nenhum dos grupos garante uma superioridade demográfica, isto por que a maior
seita religiosa não ultrapassa um terço do total da população. A composição confessional no
Líbano é estruturada tomando-se por base fatores históricos, quadros legais e práticas
políticas e apolíticas que contribuem para a implantação de entidades confessionais na
realidade libanesa. A concentração geográfica das confissões e a situação de isolamento
contribuem para aprofundar as identidades confessionais.
A fragmentação e o conflito entre os grupos dentro das próprias seitas não são
menores que entre elas. A realidade confessional no Líbano reflete na natureza do processo
eleitoral. Surgiram diferenças regionais peculiares no que diz respeito ao nível da participação
na votação e na natureza das alianças, relações e equilíbrios relacionados à participação nas
eleições.
Nas eleições libanesas, pode ser observada a influência dos líderes das seitas
religiosas, pois as forças e os partidos políticos tomam a atitude do líder religioso como um
quadro político referencial ou de tutela política. Corom (2004) sustenta que um político, se
quiser atingir as suas metas, deve conquistar o apoio do líder religioso da própria confissão ou
pelo menos evitar o seu antagonismo. O exemplo atual mais nítido dessa afirmação são as
atitudes passivas tomadas por parte do Patriarca maronira Sfair contra a gestão do Presidente
da República Emile Lahoud que têm dificultado o andamento e a execução de varias
iniciativas e políticas.
Em maio de 2005, pela primeira vez, depois de 29 anos de presença ria, o Líbano
experimentou eleições relativamente livres da influência direta externa. Acreditava-se que o
Líbano, após a retirada da Síria, pudesse desenvolver uma democracia verdadeira, entretanto
se verificou que as tensões sociais de origem confessional, as quais conduziram à Guerra
Civil no país, de 1975 a 1990, estão tomando espaço outra vez. Dessa forma, a presença síria
embora tenha tido certa importância não foi o único nem o mais importante fator. Os fatores
internos, como mostram os fatos decorrentes do processo eleitoral, têm impactos mais
decisivos sobre a transição e a consolidação de um regime democrático no Líbano.
O sentimento anti-Síria se revelou mais nitidamente depois do assassinato do líder
sunita e ex-Primeiro-Ministro Rafique Al-hariri, em fevereiro de 2005. Depois desse
acontecimento, em razão das pressões internas libanesas e internacionais, a Síria resolveu
desocupar o Líbano em março de 2005.
182
A questão mais preocupante relacionada ao verdadeiro processo de democratização do
Líbano deu-se com a promulgação de uma lei eleitoral, em 2000, que não garantiu,
igualmente às leis anteriores, a representação das minorias, das confissões pequenas e que não
ultrapassou os limites impostos pelas tradições, as quais constituíram os fundamentos do
próprio sistema político libanês, conservando, assim, as relações primárias que privilegiam as
alianças familiares e clânicas.
A revisão da lei eleitoral vigente é requisito básico para se atingir um consenso
político, considerando a realidade do povo libanês.
Analisando-se a história da Assembléia de Representantes, conclui-se que quase
uma dominação de um número de famílias das confissões cristãs e muçulmanas sobre o
parlamento e que um fenômeno de hereditariedade na transmissão das cadeiras. Essas
famílias se aproximam nas suas origens sociais e classistas. Mustafá (2002) afirma que,
quase duas décadas, 425 representantes no parlamento pertencem a somente 245 famílias.
De fato, a alternância nas cadeiras do parlamento dá-se em função de um reduzido
número de famílias, assim a representação permanece conservadora, apesar de ter sido
verificado algum retrocesso no papel das forças familiares tradicionais em razão das
transformações sociais que ocorreram na composição demográfica, familiar e confessional da
sociedade libanesa nos últimos anos.
Não uma alternância completa por haver grupos limitados e constitucionalmente
privilegiados a assumir importantes cargos parlamentares e ministeriais.
A composição do gabinete mostra que nenhum grupo confessional é suficientemente
capaz de obter um número considerável de assentos ministeriais, isto é, uma partilha
proporcional estabelecida para satisfazer a maioria dos grupos, devido à fragmentação política
deles. Este fato pode ser verificado pela situação dos maronitas, pois este grupo representa
uma pequena maioria enquanto a minoria é relativamente grande. Ademais, a questão de os
maronitas constituírem uma maioria é duvidosa. Desde 1932, o governo não realiza um censo
devido ao receio de que esta confissão não constitua tal maioria. Shuaib (2005) sustenta que a
França promoveu tal censo, naquele ano, visando favorecer a confissão maronita por motivos
políticos. Se houver um novo censo no Líbano, provavelmente os maronitas serão
numericamente ultrapassados por outras confissões como a sunita ou a xiita e,
consequentemente, perderão a sua posição política garantida pela constituição. Este privilégio
é questionado sob dois aspectos: primeiro, dúvida de que os maronitas não constituem
mais uma maioria religiosa; segundo, a constituição favorece os três grupos, o maronita, o
183
sunita e o xiita por distribuir entre esses os três cargos importantes, a maioria das cadeiras
parlamentares e dos postos ministeriais, excluindo assim os demais em que alguns, como os
drusas, constituem um grupo de peso. Durante a história, os drusas e os xiitas tiveram ações
reacionárias contra o que chamaram de desigualdade. Uma das razões da Guerra Civil foi, em
algum aspecto, uma manifestação de reivindicações confessionais por parte das confissões
mais depreciadas. O Acordo de At-taiif resultou em soluções superficiais, pois, baseado em
cálculos antiquados, aumentou a representação de alguns grupos, mas não resolveu o
problema principal, qual seja, a contemplação política de todos. De fato, uma
representação proporcional favorável a alguns e prejudicial para outros.
Corom (2004) afirma que o peso de alguns grupos pode se tornar determinante em
algumas situações, por exemplo, uma recusa na cooperação por parte dos sunitas pode
derrubar o governo e por isso o Presidente tem que satisfazer os representantes desta
confissão, seja no momento da formação do governo, seja no andamento dos procedimentos
do Executivo relacionados à tomada de decisões. No sistema político libanês, uma
negociação contínua entre os representantes das confissões que formam blocos partidários,
coalizões intra-confessionais que são relativamente passageiras, dependendo dos interesses.
A Constituição do Líbano foi promulgada em meados de 1920 sob a dominação da
França, quando a Liga das Nações a exigiu das Autoridades Francesas que a elaboraram com
a cooperação dos líderes nativos do país para atingir-se a harmonia e a satisfação dos anseios
de várias seitas. Em 1926, o esboço da Constituição foi preparado pelo governo francês e o
Conselho dos Representantes, um corpo eleito de líderes libaneses similar à assembléia
constituinte aprovou o texto em 28 de maio de 1926.
Entre 1926, quando a constituição foi promulgada, e 1943, quando o Líbano tornou-se
independente da França, o Alto Comissariado francês suspendeu a constituição por diversas
vezes.
A Constituição libanesa assegura a igualdade de direitos civis, políticos e de acesso
aos cargos públicos aos seus nacionais, ao mesmo tempo em que afirma o compromisso do
Estado com o confessionalismo, assim resta clara a contradição existente nesse texto magno.
Conforme a Constituição, o Presidente da República, o Primeiro-Ministro e o gabinete,
que juntos constituem o Conselho de Ministros, têm poderes de veto às leis, que pode ser
anulado apenas por um procedimento complexo da Assembléia dos Representantes. As
emendas mais significantes foram promulgadas em 1943, quando todas as referências ao
domínio francês foram expugnadas e o árabe foi designado como língua oficial.
184
O Presidente da República, eleito pela maioria de dois terços dos membros da
Assembléia dos Representantes, por votação secreta, para um mandato de seis anos, preside o
Conselho Supremo da Defesa e é o Chefe das Forças Armadas.
O Conselho Constitucional criado pela Lei 153/99 tem por tarefa supervisionar a
constitucionalidade das leis e julgar os conflitos causados pelas eleições parlamentares e
presidencialistas. É um corpo constitucional independente e de caráter jurídico. Composto por
dez membros, sendo cinco nomeados pelo Presidente da Assembléia dos Representantes e os
outros cinco nomeados pelo gabinete. Os membros deste conselho são ex-juízes ou
advogados. As decisões do Conselho Constitucional são obrigatórias para todas as autoridades
e instituições jurídicas e administrativas. O Presidente da República, o Presidente da
Assembléia dos Representantes, o Primeiro-Ministro ou um mínimo de dez membros da
Assembléia podem pedir ao Conselho explicações sobre a constitucionalidade de leis. Os
presidentes das confissões têm o direito de consultar o conselho, especialmente sobre os seus
status pessoais, a liberdade de crenças, de práticas de cerimônias e de educação religiosa.
É sabido que o sistema eleitoral pode ser do tipo consensual ou majoritário. O modelo
consensual, como sustenta Lijphart (2003), é um passo mais progressivo que o majoritário
porque possibilita o compartilhamento e a divisão do poder e abre mais espaço às minorias na
participação política. No modelo majoritário, prevalecem os vencedores de maiorias absolutas
ou simples, enquanto no modelo consensual estabelecem-se governos de coalizão e procura-se
incluir a vontade de setores mais amplos de representantes no processo decisório.
Uma das críticas mais agudas dirigidas ao modelo majoritário é o fato de ele promover
a exclusão de grupos e setores importantes da sociedade o que se considera uma violação aos
princípios da democracia.
O modelo consensual é mais capaz de atenuar os conflitos sobre o poder. No caso
libanês, o modelo consensual é mais compatível com a natureza da sociedade religiosamente
dividida em distintos subgrupos. Uma rejeição contínua da vontade de um grupo
relativamente grande, com o decorrer do tempo, gera ressentimentos e discordâncias que
podem acarretar desastres indesejados pela sociedade e colocar em dúvida a viabilidade da
própria democracia.
Aparentemente, os governos de um modelo majoritário são mais estáveis e as suas
políticas são mais efetivas. A tomada de decisões é mais ágil, mas a realização da execução de
tais soluções representa a outra fase do dilema que está relacionada à incapacidade de tais
governos de convencer setores amplos da sociedade sobre a viabilidade de tais decisões. O
185
consenso necessário para o desempenho político-democrático apenas pode ser atingido por
meio de um processo de inclusão máxima de todos os atores sociais.
Badawi (1975) afirma que um dos problemas dos governos é de como incluir as visões
de vários grupos sociais no processo decisório, realizando assim um nível de conciliação
social.
O modelo proporcional, descrito por Lijphart, também não é sempre eficiente para
resolver problemas ligados ao compartilhamento e à divisão do poder. Parece que uma
diferença entre os dois termos: proporcionalidade e consenso. A proporcionalidade aplicada
no Líbano não sendo consensual não será justa e imparcial, pois se verifica, a exemplo do
caso em tela, os protestos da Confissão Drusa e dos outros grupos menores contra a
desigualdade na distribuição dos cargos de representação no Parlamento e no governo. Atrisi
(2002) assinala que o modelo proporcional se torna perigoso e ameaçador se não houver uma
distribuição equânime e abrangente para que todos os participantes possam ser envolvidos no
jogo. Uma das razões da reação mais violenta dos Drusas e dos Xiitas, durante a Guerra Civil
libanesa, se manifestou pela reivindicação de justiça na representação e na participação
política. Em resposta a essa reação, adveio o Acordo de At-taiif quando foram empreendidas
mudanças através do aumento do número das cadeiras no Parlamento, porém o problema
essencial que permanece até hoje é a exclusão da confissão Drusa e das outras minorias dos
cargos mais importantes na hierarquia do sistema que são o cargo de Presidente da República,
do Parlamento e do Gabinete. A exclusão política e a proporcionalidade desigual continuam
representando uma fonte de ameaça à integração nacional e à estabilidade do sistema.
O modelo proporcional também representa arenas estáticas de competição pelo poder
dentro das confissões específicas. As proporções são baseadas no tamanho do eleitorado de
cada confissão e o grupo mais numeroso tem a prerrogativa constitucionalmente fixada na
hierarquia do poder. Esta fórmula impossibilita a ascensão dos filiados das confissões
menores aos cargos importantes. Este fato tem dois impactos prejudiciais; o primeiro ligado
ao aumento dos sentimentos antagônicos ao sistema e o segundo relativo à perda que o
sistema possa sofrer por não empregar cidadãos competentes e qualificados. São fatores que
ao final refletem no nível do desempenho e do funcionamento do próprio sistema político.
A sociedade libanesa é dividida por várias clivagens religiosas, regionais e políticas.
As diferenças separam os cristãos dos muçulmanos. Observa-se que os partidos cristãos têm
uma tendência à direita, enquanto a maioria dos partidos das confissões muçulmanas, com
exceção dos sunitas, apresenta uma propensão à esquerda. As divergências socioeconômicas
186
separam os grupos sociais de ambas as categorias religiosas genéricas: a cristã e a
muçulmana. uma divisão ideológica que se refere às posições as quais refletem interesses
ou preferências ideológicas de grupos específicos da sociedade civil que muito tempo têm
tentado estabelecer outros modos de relações sociais compatíveis com os requisitos da vida
moderna, afastando cada vez mais as formações sociais tradicionais voltadas para a época pré-
moderna.
Alhafiz (2005) assinala que, nas eleições libanesas, o voto é concedido às listas
partidárias como um todo, não se podendo manifestar uma preferência por um candidato
específico. Os candidatos são indicados conforme uma negociação dentro das confissões e as
listas são preparadas através de acordos firmados entre os líderes de cada confissão. Os
partidos políticos, nesse caso, são instrumentos de canalização de vontades dos grupos. Isto é,
cada seita apresenta as listas de candidatos através dos seus partidos.
No que diz respeito às eleições de 2005, a Lei Eleitoral 171/2000, aprovada pelo
Parlamento, determina o procedimento das eleições, a distribuição das cadeiras no Parlamento
e define o prazo de 4 anos para o mandato dos 128 deputados dos 14 distritos eleitorais. A
votação é obrigatória para todos os cidadãos do sexo masculino que completam 21 anos de
idade; o voto feminino é facultativo para as mulheres alfabetizadas que completarem 21 anos.
Os membros da Assembléia Nacional são eleitos pelo voto popular com base na representação
proporcional confessional. As últimas eleições parlamentares foram realizadas em 29 de maio
e 5, 12 e 19 de junho de 2005.
TABELA 4. A DISTRIBUIÇÃO DAS CADEIRAS ENTRE AS CONFISSÕES
LIBANESAS.
Distritos Eleitorais
de
Cadeiras
Sunita Xiita
Alawita
Maronita
Católica
Romana
Ortodoxa
Romana
Evangélica
Armênia
Católica
AAr
mênia
Ortodoxa
Outras
1º Beirute 6 2 1 1 1 1
2º Beirute 6 2 1 1 1 1
3º Beirute 7 2 1 1 1 2
1º Montanha 8 1 7
2º Montanha 8 4 1 2 1
3º Montanha 11 2 3 5 1
4º Montanha 8 2 2 3 1
1º Norte 11 5 1 3 2
2º Norte 17 6 1 6 4
1º Sul 12 2 9 1
2º Sul 11 1 5 1 2 1 1
1º Albiquaa 10 2 6 1 1
2º Albiquaa 7 1 1 1 2 1
3º Albiquaa 6 2 1 1 1 1 1
TOTAL de cadeiras 128 27 27 8 2 34 8 13 1 1 6 1
187
A Lei eleitoral determina que militares, policiais e juízes não podem fazer parte do
eleitorado nem podem ser candidatos ao Parlamento, a não ser quando estiverem aposentados,
também não é permitido cumular a função parlamentar com outra função pública. O candidato
ao cargo parlamentar só pode concorrer, em um mesmo pleito, em um único distrito.
As competências da ordem e da segurança no dia da eleição são concedidas somente
ao presidente do Ofício Eleitoral nomeado pelo governador da província. As eleições são
realizadas por meio de envelopes fechados unificados pelo Ministério do Interior e colocados
à disposição dos eleitores. Qualquer candidato que ganhe a maioria de votos dos eleitores no
distrito dentre os demais candidatos da confissão, do distrito ou da região, dentro dos limites
das cadeiras concedidas a cada confissão, é considerado eleito. No caso de empate, o
candidato mais velho será eleito.
Ibrahim (1994) assinala que as autoridades administrativas definem os lugares de
exposição de materiais relacionados à propaganda eleitoral. É proibido aos funcionários do
Estado, bem como aos líderes comunitários, a distribuição de quaisquer publicações a favor
ou contra qualquer candidato, assim como expor publicações no dia da eleição. É proibido a
todos os meios de comunicação televisivos, auditivos e à imprensa exercer qualquer atividade
propagandista, desde a convocação do eleitorado até o fim das eleições que se com a
divulgação dos resultados finais. As eleições devem ser realizadas com base na
proporcionalidade do número de cadeiras em cada distrito eleitoral, cujo número é definido
pelo contingente de habitantes.
O processo eleitoral geralmente é influenciado por alguns fatores. O primeiro é o fator
legal de distribuição das cadeiras no Parlamento conforme proporcionalidade compatível com
o tamanho da confissão em cada distrito eleitoral. Na demarcação do distrito eleitoral deve ser
tomada em consideração a distribuição confessional.
O segundo é a influência das relações clânicas primárias e das lideranças pessoais que
formou relações de clientelismo.
O terceiro é a influência do exterior árabe e não-árabe por causa das circunstâncias que
o Líbano tem experimentado devido às correntes políticas e intelectuais que se manifestam no
interior do sistema. As forças políticas no Líbano são influenciadas pelas correntes
dominantes da ria, do Egito, do Iraque, do Irã, da França, da Itália, da Inglaterra e dos
Estados Unidos. Tal influência foi determinada pela experiência histórica e pelos vínculos
culturais e ideológicos, como a relação dos maronitas com a França e com os países europeus,
188
dos xiitas com a ria e com o Irã e as relações dos sunitas com o Egito e com a Arábia
Saudita.
6.2.1 Coalizões Partidárias no Líbano
Pode-se argumentar que, em um contexto de multipartidarismo e de eleições
majoritárias para os cargos executivos, é natural os partidos formarem alianças,
principalmente em se tratando de eleições nacionais, como são as presidenciais. Mas as
coligações representam uma prática disseminada em todos os níveis e se tornam necessárias
por causa da fragmentação do sistema partidário, todavia colaboram para que o sistema
permaneça fragmentado.
Alhafiz (2005) afirma que a formação de alianças constitui a melhor estratégia, tanto
para os grandes partidos como para os pequenos. Na seara das confissões libanesas,
especialmente as três maiores, ao se coligarem com um grande partido que lança uma
candidatura para o cargo de Presidente da República, de Primeiro-Ministro ou de Presidente
da Assembléia dos Representantes, os pequenos partidos garantem a sua participação na
coligação para as eleições proporcionais, aumentando suas chances de conquistar alguma
posição no Parlamento. Nesse caso, os grandes partidos diminuem sua ocupação em um
amplo espaço na Câmara, mas adquirem fortes possibilidades de ascenderem ao poder
máximo que pleiteiam.
Se, para os políticos, esta é a estratégia mais racional, seu impacto sobre os eleitores
está longe de ser positivo, uma vez que estes se vêem diante de uma disputa em que os atores
partidários não são claramente distintos, isto é, confronta-se com entidades que constroem
alternativas eleitorais. Em outras palavras, torna-se difícil para o eleitor identificar e distinguir
os partidos em disputa por haver muitos partidos e muitas alianças eleitorais. Ibrahim (1994)
sustenta que a disputa eleitoral põe em evidência muito mais os candidatos do que os partidos.
Em suma, a intensa fragmentação e a falta de nitidez do sistema partidário fazem com que os
eleitores tenham dificuldade em fixar os partidos, distingui-los e, assim, conseguir criar
identidades partidárias.
Uma conseqüência viável desse processo é a volatilidade eleitoral dimensão
importante da estabilidade do sistema partidário. Tanto Lijphart (2003) quanto Sartori (1982)
189
assinalam que quanto menor a inconstância, maior a probabilidade de as siglas partidárias
desempenharem mais plenamente, na arena eleitoral, sua função de despertar as preferências
eleitorais independentemente do apelo de algum candidato particular, de posições políticas
pontuais ou de acontecimentos inesperados. A institucionalização do sistema partidário
dificilmente pode ocorrer em um contexto de grande volatilidade eleitoral.
Na formação do governo libanês de coalizão, bastante heterogêneo, por que formado
por vários partidos, reside o segredo das discordâncias e dos conflitos dentro do governo e,
consequentemente, do andamento do processo decisório. Em algumas circunstâncias, as
alianças não ultrapassam mera representação partidária artificial.
O sistema eleitoral libanês é do tipo proporcional e predominantemente caracterizado
pela formação de coalizões partidárias. As confissões libanesas cristãs mais importantes,
especialmente a maronita são a favor do Líbano independente, com estreitas ligações com a
Europa e em oposição ao islamismo e ao arabismo. Os grupos muçulmanos são a favor de
estreitas ligações com os Estados árabes e se opõem ao confessionalismo. Os principais
grupos políticos são o Partido Liberal Nacional, o Partido de Falanges, ambos cristãos, bem
como o Partido Socialista Progressista, o Partido da Renascença Árabe, o Movimento Amal e
o Hizbullah, todos muçulmanos e o Partido Comunista Libanês que é um partido ideológico.
Corom (2004) informa que no mínimo dezoito partidos políticos de base religiosa.
Esse mosaico partidário colore a cena política da instável coalizão libanesa a qual depende de
interesses momentâneos.
As eleições de 2005 mostraram que as coalizões se formaram de partidos e
movimentos e se agregaram em dois pólos, quais sejam, o pólo pró-Síria, como a coalizão
Amal-Hizbullah, ou anti-Síria, como a coalizão do Movimento do Futuro com o Partido
Socialista Progressista e as Forças Libanesas.
Essas coalizões entre as forças sociais historicamente antagônicas se formaram em
virtude da necessidade de afastar a intervenção da Síria e de evitar a futura influência desse
país sobre a ão das elites libanesas. Alhafiz (2005) sustenta que, em épocas normais, a
formação de coalizões com pequenos partidos é evitada, pois reduz a cota de ministros no
Gabinete para cada partido. Mas, em situações anormais, os grandes partidos procuram incluir
os pequenos para fortalecer e maximizar o poder através de uma frente unida a fim de formar
uma atitude coletiva. Os exemplos recentes explicam tal postura. O primeiro exemplo foi a
formação da coalizão anti-Síria nas eleições de 2005 a qual incluiu partidos distintos de várias
confissões. Tal coalizão consistiu em alianças entre partidos políticos, movimentos e grupos
190
de espécies religiosas e ideológicas distintas. O segundo exemplo foi o da Guerra de Julho de
2006 contra o Estado de Israel que uniu tais forças para enfrentar um perigo em comum. O
perigo externo desempenha um papel decisivo na união, na formação e na reformulação dos
eixos de coalizões que são instáveis e frágeis, quer dentro das confissões, quer entre elas.
De modo geral, o sistema libanês é caracterizado pela formação de coalizões porque
nenhum grupo tem a capacidade de liderar sozinho a sociedade por causa de várias razões
legais e outras relacionadas ao tamanho relativamente pequeno de todas as identidades que
compõem a sociedade política libanesa.
A história do país aponta que não coalizões persistentes e duradouras. As
fragmentações e os conflitos no interior de cada confissão são mais proeminentes,
especialmente na época de crises. A Guerra Civil provou que não há bases sólidas ou
unidades estáveis que possam enfrentar circunstâncias extraordinárias. Awad (2005) afirma
que a coalizão que se formou nas eleições de 2005, depois do assassinato do ex-Primeiro-
Ministro Rafique Al-hariri, não passou de uma tática passageira, pois as estratégias mais
persistentes continuam voltadas para as mesmas bases primárias que se encontram nos
núcleos das confissões. Esses núcleos também são divididos entre os líderes familiares, no
interior de cada confissão, por causa de conflitos tradicionais agudos sobre a liderança e
relativos aos interesses ligados, na maioria dos casos, às potências do exterior.
O fato de os partidos políticos libaneses serem instrumentos de confissões religiosas
não quer dizer que a religião, como ideologia, exerça alguma influência sobre eles. O partido
mais influente que tem uma plataforma religiosa é o Hizbullah; os outros são representantes
de identidades religiosas, mas sem uma influência notável na política e com posições
ideológicas que variam da esquerda para direita.
A atitude contra a presença da Síria e a guerra contra Israel conduziram a coalizões
programáticas que estavam condicionadas à continuação desses fatores. Logo depois do
desaparecimento das duas razões, as controvérsias se voltaram em torno de outras questões
como o desarmamento das milícias, especialmente a do Hizbullah; a atitude perante a
presença das tropas da ONU no país; a reconstrução do país pós-guerra e o conjunto de
preferências político-programáticas ligadas aos interesses de cada partido na manutenção de
cargos e proventos públicos. As ameaças internas são frutos das profundas divergências da
sociedade libanesa pluralista e altamente dividida e as externas advêm das intervenções
estrangeiras historicamente formadas.
191
Shururu (1985) sustenta que as coalizões no Líbano representam alianças fracionárias
que se estabelecem por sobre os partidos políticos. São alianças motivadas por necessidades
passageiras. Observa-se que, enquanto o fracionamento constitucionalizado enfraquece o
funcionamento do sistema partidário, as coalizões fortalecem a posição de uma confissão, de
uma personalidade ou de um movimento específico, a exemplo do que aconteceu com a
confissão sunita, quando seu líder, Saad Al-hariri, obteve 37 cadeiras, enquanto a constituição
limitava a representação sunita a 27 cadeiras, isto é, um líder, em circunstâncias específicas,
pode aumentar o seu poder perfazendo maior número de aliados de outras confissões no
Parlamento. Aqui está claro que atores políticos podem ultrapassar os limites legalmente
definidos.
Dekmejian (1975) assinala que existem no sistema eleitoral libanês dois aspectos de
competição eleitoral. O primeiro é a competição dentro de cada confissão, onde existem
partidos granjeadores de votos. O segundo representa a fase da competição na qual as listas
mistas de várias confissões constituem coalizões que concorrem entre si durante as eleições
nos níveis locais e nacionais.
Outras formas de disputas podem ser identificadas, como a que se entre as
confissões ou a que se forma em relação às coalizões numa etapa posterior quando da
formação do Gabinete. Dentro de uma confissão, uma escolha bem sucedida de candidatos
razoavelmente aceitos por outras confissões aumenta as chances daquela confissão em ocupar
mais postos ministeriais e garante uma maior realização de objetivos e interesses desse grupo.
O atual sistema eleitoral libanês é baseado no Acordo de At-taiif de 1989 que pôs fim
à Guerra Civil, no Acordo Nacional não-escrito de 1943 e na Lei Eleitoral de 2000. Os Pactos
esboçam como os grupos de diferentes confissões devem ser acomodados dentro do sistema
eleitoral libanês e a Lei Eleitoral se funda nos pactos para operacionalizar tal princípio.
É discutida a necessidade de uma lei eleitoral não-confessional. No Líbano, as eleições
parlamentares de junho de 2005 mostraram avanços significativos se comparadas com as
eleições ocorridas durante a década de 90, mas ainda reivindicações por uma lei eleitoral
justa que ocupam o centro do debate no país, especialmente por parte dos grupos minoritários
e dos partidos ideológicos. Atrisi (2002) assinala que a nova lei eleitoral deverá estabelecer
distritos eleitorais de tamanho pequeno ou médio a fim de refletir de maneira mais justa e
exata as vontades, as opiniões e os interesses da sociedade conhecida pela sua diversidade.
Tal lei eleitoral deverá também garantir uma participação efetiva dos partidos não-
confessionais.
192
A pré-determinação de cadeiras para os representantes de grupos confessionais
diferentes, estampada na Lei Eleitoral de 2000, é o aspecto mais problemático desse diploma
legal, pois, para muitos, representa um ato anti-democrático, enquanto que, para outros, é a
condição essencial para a manutenção da paz no Líbano.
Em muitas discussões relacionadas à necessidade de uma reforma eleitoral, Alhafiz
(2005) considera essencial o redesenhamento das fronteiras dos distritos eleitorais por
diversas razões, como a proporção de cadeiras alocadas para grupos confessionais específicos
não refletirem as proporções reais destes grupos, estando alguns super-representados
enquanto outros estão sub-representados; o atual desenho dos distritos eleitorais mantém,
quase que de forma constante, certos grupos confessionais na condição de minoria e uma vez
que os eleitores podem votar em candidatos de todas as confissões, sem considerar as suas
próprias, os representantes dos grupos confessionais da minoria, num distrito eleitoral
específico, serão sujeitos aos votantes de confissões de maioria; o mero de cadeiras
alocadas para os distritos eleitorais nem sempre correspondem ao tamanho relativo do
eleitorado desses distritos, ocorrendo, em vários casos, a concessão de poucas cadeiras para
alguns distritos maiores e a concessão de muitas para distritos menores.
várias propostas para redesenhar as demarcações dos distritos eleitorais. Algumas
são a favor de um distrito menor para garantir uma representatividade das minorias, enquanto
outras, especialmente as confissões mais numerosas, defendem a existência de um distrito
maior ou mesmo uma província.
De fato, a falha do sistema político libanês em atualizar e/ou modificar as delimitações
dos distritos eleitorais é um problema significativo. No passado, aludiu-se ao modo arbitrário
com que alterações foram feitas nas demarcações eleitorais. O jornal Asharqu Alawsat na
edição de 9.681, de 31 de maio de 2005, transmitiu o discurso do próprio Presidente
Libanês o qual relacionou o baixo comparecimento às urnas à ineficiência da lei eleitoral. Este
considerou a porcentagem do comparecimento de 28% em Beirute, durante o primeiro
estágio, uma evidência de que a Lei Eleitoral atual não satisfaz os cidadãos para determinar as
suas escolhas.
O Líbano, correntemente, tem um sistema eleitoral composto por distritos eleitorais
quase puros ou mistos (por confissões diversas) com assentos desenhados para confissões
específicas. Os candidatos que declaram a sua candidatura para assentos alocados para a
confissão a qual pertencem são eleitos se receberem o maior número de votos para esses
193
assentos, isto é, se dois assentos são alocados para uma confissão específica, os dois
candidatos mais votados serão eleitos.
Conforme a Lei Eleitoral de 2000, os votantes no Líbano precisam se registrar para o
pleito onde as suas famílias se originam e não onde de fato residem. Muitos eleitores precisam
se deslocar para se registrar e votar, o que dificulta o acesso aos votantes, além de favorecer o
mercado político. Certas categorias de cidadãos libaneses são excluídas da votação,
principalmente os membros do exército e os oficiais da polícia. Não há arranjos especiais para
os votantes hospitalizados nem para os funcionários em serviço no dia da votação, menos
ainda se pensa na votação dos libaneses no exterior.
O sistema eleitoral é baseado no registro de candidatos e não de grupos políticos ou
partidos. Cada candidato dirige-se ao Ministério de Interior e recebe certificação como
candidato do Diretor-Geral desse ministério.
Atrisi (2002) assinala que os candidatos se reúnem e formam listas informais coletivas
e tentam encorajar os eleitores a votar em tais listas tal como foram elaboradas, não
estimulando assim o eleitorado a selecionar os candidatos. Não exigências para o registro
nessas listas e embora os partidos políticos possam se apresentar aos eleitores de forma
diferente consoante a Lei de Associações, eles não o fazem e adotam o mesmo sistema de
listas informais. Essas práticas suscitam problemas significantes, particularmente no que diz
respeito à regulação do financiamento político e ao aceso à mídia.
Observa-se que a administração eleitoral está progressivamente mais honesta e
equilibrada. Isso é atribuído em parte ao controle do processo eleitoral pela mídia, pela
comunidade internacional, pelos observadores domésticos e internacionais e pelos
representantes dos candidatos.
A morte do ex-Primeiro-Ministro Rafique Al-hariri contribuiu para uma
administração mais honesta das eleições, pois o assassinato desse der forçou a retirada das
tropas da Síria do Líbano, assim a influência direta das autoridades rias que poderia ter
havido foi drasticamente reduzida; a participação da comunidade internacional focalizou o
processo eleitoral e, pela primeira vez, enviou observadores internacionais para monitorá-lo,
desta feita a presença desses observadores representou uma participação mais efetiva por
parte das organizações externas.
Vale à pena referir que, no processo eleitoral libanês, responsabilidades abrangentes
são conferidas ao Ministério do Interior, sendo o seu Diretor-Geral principalmente
responsável por assuntos administrativos. O Ministério da Justiça, por sua vez, fornece um
194
quadro de funcionários em todos os níveis da administração eleitoral. Esses funcionários
também são responsáveis pela adjudicação de disputas. Durante o processo eleitoral, o
Ministério da Justiça nomeia um juiz para assistir ao Ministério do Interior com resoluções
imediatas para as dúvidas e queixas. Os mesários são geralmente professores pertencentes ao
Ministério da Educação. Os prefeitos, sub-prefeitos e líderes comunitários ou chefes de
povoados (mukhtares) são responsáveis por certas tarefas, como a segurança das urnas
eleitorais e a distribuição dos títulos eleitorais. O Ministério de Informações lida com assuntos
ligados à regulação da cobertura da mídia sobre a campanha eleitoral.
Apesar da relativa satisfação com a administração das eleições de 2005, críticas são
dirigidas ao governo que não é imparcial para tal mister, pois os membros do governo, como
líderes políticos, têm alto interesse nos resultados das eleições porque também são potenciais
candidatos. Alabtah (2005) sugere que, nas eleições futuras, será necessário estabelecer-se um
órgão independente para este fim. Outro problema está relacionado à divisão das
responsabilidades na administração das eleições entre várias instituições governamentais, que
decorre da falta de clareza nas instruções administrativas e conseqüentemente da falta de
uniformidade na implementação da legislação eleitoral e seus procedimentos. A queixa
procedimental mais significativa apresentada pelos grupos observadores está ligada ao
procedimento de produção das listas do eleitorado o que decorre do inseguro sistema de
extração de listas de votantes dos registros civis somado a um sistema menos rigoroso de
correção e de atualização das listas eleitorais.
Queixas numerosas se referem aos títulos eleitorais. Os observadores apontam o papel
dos Mukhtares e de alguns grupos políticos no processamento e na distribuição dos títulos. O
envolvimento desses juntamente com a regulação insuficiente do processo conferem
parcialidade ao pleito e abrem a possibilidade para ilegalidades. Refere-se a causa desse
problema à lei que estipula o dia final de entrega das cartas eleitorais, mas não obriga o
governo a certificar que todas os títulos eleitorais tenham sido distribuídos a tempo.
No Líbano, a dia relativamente livre forneceu uma cobertura extensiva às eleições
de 2005, todavia as informações que veiculou foram tendenciosas a alguns partidos e
candidatos em detrimento de outros. Alabtah (2005) sustenta que a mídia não atingiu o
objetivo de instruir os votantes para que eles pudessem realizar suas escolhas sem influência
alheia, assim verificou-se que a mídia não foi suficientemente democrática ainda que não
tenha sido regulada pelo governo. Em razão disso, foi sugerida a substituição do artigo 68
da Lei Eleitoral que regula o uso dos meios de comunicação durante as eleições.
195
O papel da mídia nas eleições constitui um elemento essencial na reforma eleitoral, a
qual requer a alocação do tempo e do espaço para todos os grupos políticos e candidatos
igualmente, a punição pela propaganda desvirtuada de sua função instrutiva e a assunção da
obrigação de contribuir para a educação do eleitor.
Não só a mídia exerce influência sobre os eleitores, o financiamento político também é
determinante no processo eleitoral através da compra direta de votos e da compra indireta por
meio de promessas de emprego e serviços, na maioria das vezes, financiados pelo Estado.
Ataallah (2005) assinala que os movimentos políticos são bem organizados e bem
financiados. Eles fazem cálculos de compra de votos de eleitores chaves. Nas últimas
eleições, houve acusações de compra direta de votos de membros de certas famílias
importantes, por parte de movimentos políticos, com a esperança de garantir os votos dos
membros da família inteira. subornos eleitorais, amplamente difundidos, e barganhas, por
parte dos próprios votantes, feitos de forma coletiva para garantir o maior preço para os seus
votos.
O artigo 42 da Lei Eleitoral Libanesa permite que cada candidato nomeie um delegado
para representá-lo nas urnas eleitorais e para informá-lo sobre o andamento das eleições. Esta
previsão está aberta para abuso haja vista que esses representantes dos candidatos acabam por
fomentar o comércio de votos.
A Lei Eleitoral não proíbe pagamentos para votantes. Muito dinheiro foi entregue
aos chefes de famílias. Outros problemas estão ligados ao comportamento das instituições de
caridade, pois muitas das suas filiadas se ligam a políticos ricos abusando dos propósitos
eleitorais.
Alabtah (2005) afirma que serviços financiados por indivíduos ou grupos às
comunidades carentes são práticas comuns em todo o país. Enquanto estes esforços parecem
aumentar durante o período da campanha eleitoral, é difícil identificar demarcações entre
propósitos eleitorais e esforços humanitários, inferindo-se que este aumento se deve a uma
utilização destas instituições para fins eleitorais. Não apenas as instituições privadas são
utilizadas, mas acusações similares são dirigidas aos aparelhos do Estado, especialmente
aqueles ligados a alguns serviços públicos como os dos recursos de água e de eletricidade, de
emprego, de transporte e de saúde.
necessidade de se modificar o financiamento político libanês que é considerado um
problema chave. Para isso os políticos, os grupos da sociedade civil e outros envolvidos no
debate eleitoral precisam ter acesso às informações relacionadas aos padrões e práticas
196
internacionais na área do financiamento político e dos mecanismos que possam ser aplicados
no contexto libanês. Necessário se faz também que os candidatos, os partidos políticos e
outras entidades políticas e eleitorais tenham monitorados seus gastos e rendas, tanto quanto
devam ser considerados os limites de doações e de gastos empreendidos nas eleições à luz do
princípio da razoabilidade.
Ataallah (2005) sugere que deve ser estabelecido um órgão independente para a
regulação do financiamento político e deve ser facilitada a atuação dos jornalistas para utilizar
técnicas de investigação de uma maneira imparcial, objetiva, profissional, equilibrada e
completa para a cobertura das questões ligadas ao financiamento político, assim como devem
ser encorajados e habilitados os grupos da sociedade civil para desempenhar o seu papel de
vigilância.
No que tange à possibilidade do comércio de votos, a Lei Eleitoral, nesse aspecto, é
mal definida, o que possibilita entendimentos diversos sobre essa matéria.
Tem sido enfatizada uma crítica dirigida à Lei Eleitoral de 2000 por não refletir a
realidade da representação política, por isso julga-se necessário promulgar uma nova lei que
responda à necessidade de adoção de critérios justos e harmonizados com a Constituição,
especialmente na divisão dos distritos eleitorais, na consideração dos princípios da justa
competição e na equivalência das oportunidades.
Giza a lei eleitoral o emprego do princípio da maioria simples e a adoção de grandes
distritos em algumas regiões. uma disparidade no tamanho dos distritos e no número de
seus eleitores.
Atrisi (2002) sustenta que algumas desvantagens relacionadas ao sistema de
grandes distritos somadas à votação por meio de maioria simples - como acontece no Sul e no
Norte - o que conduziu à extinção de qualquer representação da oposição e de grandes setores
importantes, porque a Lei Eleitoral de 2000 incorporou distritos eleitorais com divisões
arbitrárias sem a adoção de critérios objetivos quer na interconexão geográfica, quer entre as
regiões de um distrito. Na Província do Norte, foram incorporadas regiões dentro de um
distrito eleitoral apesar de não haver uma conexão geográfica entre elas. No Sul, a
incorporação de regiões num distrito eleitoral conduziu à eleição de deputados com mais
de 200 mil votos, enquanto em outros foram eleitos candidatos com menos de 20 mil votos.
Estes defeitos confirmam a preservação da mentalidade de designar distritos eleitorais a fim
de atender os objetivos políticos específicos de alguns grupos ou personalidades
proeminentes.
197
Outra crítica dirigida à Lei Eleitoral está relacionada à idade limite para aquisição da
elegibilidade. Enquanto o Líbano adota o limite de 21 anos, os demais estados adotam a idade
de 18 anos.
Ainda relativo à Lei Eleitoral, nova crítica está relacionada à definição de um teto para
os gastos durante a campanha. Alabtah (2005) assinala que o governo propôs alguns projetos
de leis para organizar as publicações, controlar as campanhas eleitorais e limitar o teto dos
gastos. Tais projetos foram rejeitados por causa da própria fragilidade e da contradição com
os interesses de alguns políticos, por isso a Lei Eleitoral de 2000 foi promulgada sem que
versasse sobre qualquer organização de campanhas, de publicação e dos gastos eleitorais. São
lacunas legais que precisam ser corrigidas.
Um relatório da Associação Libanesa para Eleições Democráticas refere-se às
intervenções e pressões de vários aparelhos estatais visando influenciar negativamente a
liberdade de escolha do eleitor e do candidato.
O Ministério do Interior e outros aparatos governamentais são encarregados de
administrar as eleições. Esses aparelhos deveriam ser imparciais, mas têm funcionários que
se lançam candidatos ao mesmo tempo em que exercem funções de inspeção e coordenação
das eleições, como é o caso do atual Ministro do interior. A transferência das competências do
Ministério do Interior para outros aparatos imparciais para garantir eleições livres e justas
seria a assimilação do princípio da transparência.
Há uma parcialidade nítida por parte do governo em favor de alguns candidatos
através da concessão do uso do poder público com fins eleitorais. Ataallah (2005) afirma que
são usados os aparelhos estatais civis e militares e de segurança para apoiar candidatos e as
suas listas eleitorais. Frequentemente, são praticadas ameaças e intimidações sobre cabos
eleitorais para apoiar candidatos ou impedir a candidatura de outros. Um grande número de
líderes comunitários (Mukhtares) que são funcionários públicos utiliza as próprias posições
para beneficiar candidatos e as prefeituras colocam os seus subordinados, dinheiro e serviços
em função de alguns candidatos para exercer pressão sobre as lideranças políticas.
As eleições parlamentares de 2005 testemunharam uma campanha sem precedentes,
especialmente no que diz respeito ao uso dos meios de comunicação privados e estatais. A
mídia estatal tratou de beneficiar alguns candidatos. Contra esta parcialidade, opôs-se a mídia
privada que pertence a alguns candidatos poderosos. Nesse aspecto, os candidatos
independentes foram completamente prejudicados. Correntes importantes não tiveram a
mesma oportunidade de praticar o direito de expressão e de transmitir as suas opiniões e
198
programas, haja vista o emprego dos meios de comunicação privado e estatal em favor de
candidatos específicos.
dificuldades técnicas ligadas à imprecisão nos registros civis, ou seja, não existe
uma estatística exata dos cidadãos que estão sujeitos à votação, pois os registros nacionais não
correspondem à realidade. O registro civil precisa de uma organização para a emissão dos
títulos e para evitar a fraude eleitoral.
Uma das observações feitas é que as eleições não são realizadas no mesmo dia, assim
os resultados de uma etapa podem influenciar as outras e distorcer a trajetória eleitoral
democrática. As autoridades libanesas justificam a impossibilidade de ocorrência de eleições
em um dia só pela carência de uma força nacional que possa garantir a segurança das eleições
em várias cidades ao mesmo tempo.
De fato, as eleições parlamentares de 2005 transcorreram relativamente tranqüilas,
mas os resultados mostraram que a realidade ainda permanece longe do aspecto democrático
esperado por causa das violações e da falta de regulamentação que persistem em influenciar a
determinação dos resultados.
Conforme acordo celebrado entre a União Européia e a República do Líbano, um
grupo de observadores assumiu a missão de inspecionar as eleições parlamentares de 2005. O
objetivo-chave deste esforço era o relato de uma análise compreensiva do processo eleitoral
para fornecer uma avaliação imparcial e um suporte para o desenvolvimento das instituições
libanesas e dos procedimentos eleitorais no país.
Um relatório elaborado por essa missão confirma as críticas ditas acima e sugere uma
urgente reforma legal e estrutural do sistema eleitoral libanês.
As eleições parlamentares de 2005 ocorreram durante uma séria crise nacional, pois
com a libertação do Sul do Líbano da ocupação israelense, com a morte do Presidente Sírio,
Hafez Al-asad, e com o assassinato do ex-Primeiro-Ministro libanês, Rafique Al-hariri, houve
a libertação do discurso político. Críticas foram dirigidas à intervenção das forças de
segurança (a inteligência) e reivindicações não puderam mais ser ignoradas sobre a retirada
das tropas da Síria do Líbano. O resultado da nova dinâmica da oposição era uma fusão
nacional que incluía grupos e personalidades libanesas, cristãos e muçulmanos, contra a
presença da Síria.
O assassinato de Rafique Al-hariri, em 14 de fevereiro de 2005, produziu um
terremoto político e conduziu a um vácuo na liderança política nacional. Este acontecimento,
que foi atribuído à Síria, acelerou o colapso do sistema político pós-guerra rompendo-se os
199
laços entre a classe política local e o regime sírio. O efeito imediato desse acontecimento foi o
deslocamento da comunidade sunita ao campo da oposição. O assassinato contribuiu
decisivamente para uma mudança interna das correlações de forças no país. Esse episódio deu
origem a uma campanha pacífica para a independência libanesa lançada em 18 de fevereiro de
2005. O movimento contra a presença da Síria no Líbano culminou na Demonstração anti-
Síria de 14 de Março, sendo essa a manifestação mais importante da história libanesa
moderna que incluiu cerca de um milhão de pessoas reivindicando libertação sob o lema “A
verdade, a liberdade e a união nacional”.
Em nível institucional, o assassinato de Al-hariri foi seguido por crises
governamentais sérias que tiveram fim em 19 de abril com a nomeação de Najib Mikati ao
cargo de Primeiro-Ministro.
Sob pressão da oposição, o novo governo empreendeu mudanças, notadamente a
retirada completa das tropas da Síria em 26 de abril de 2005, depois de cerca de trinta anos
desde que elas entraram no país; a demissão da maioria das personalidades poderosas pró-
Síria dos aparelhos de segurança que simbolizavam o poder do regime Sírio sobre as políticas
do Líbano; a celebração de um acordo para uma comissão internacional investigar a morte de
Al-hariri e a decisão de realizar eleições urgentemente.
As eleições foram realizadas entre 29 de maio e 19 de junho de 2005 e as negociações
sobre alianças eleitorais arrastaram-se até a última semana da campanha. As mudanças que o
país sofreu em poucas semanas causaram alterações dramáticas no esquema de relações entre
os grupos políticos. A volta do Gen. Michel Aoun do exílio na França em 7 de maio de 2005,
depois de 14 anos, constituiu um fator novo para a recomposição da oposição e para a
reestruturação das alianças eleitorais.
Por ocasião das eleições de 2005, a elaboração de uma lei eleitoral justa foi a questão
mais debatida entre todas as confissões. Mas houve divergência entre elas no que diz respeito
ao tamanho dos distritos eleitorais. Enquanto os líderes drusas, sunitas e xiitas eram a favor de
distritos médios e grandes; os cristãos preferiam distritos pequenos.
O Conselho de Bispos Maronitas argumenta que a Lei Eleitoral de 2000 viola os
princípios da coexistência entre os muçulmanos e cristãos e convoca à adoção de distritos
menores para evitar o atrito direto entre os grupos durante as eleições. No processo político de
modo geral e nas eleições de maneira mais específica, não se pode negligenciar o papel dos
líderes religiosos que participam efetivamente apoiando listas específicas ou se opondo a
outras.
200
Na semana que precedeu às eleições, houve barganhas pré-eleitorais e manobras que
confirmaram uma nova configuração de alianças em nível nacional. De um lado, em Beirute,
na Montanha do Líbano e no Norte, a Frente de Al-hariri e Jumblat entraram em aliança com
figuras políticas cristãs e grupos próximos do Patriarca Maronita Sfair como as Forças
Libanesas e o Ajuntamento de Quarnat Shehwan dentre outros. Em outro eixo de alianças se
encontraram as principais forças xiitas, Hizbullah e o Movimento Amal. A terceira aliança
consistiu de forças que foram rejeitadas pelas demais e que se agruparam em torno do Gen.
Michel Aoun e de seus aliados. Essas circunstâncias abriram o caminho para a formação de
alianças ímpares, uma vez que juntaram figuras de atitudes antagônicas, especialmente no que
dizia respeito à presença da Síria.
Para retratar o aspecto das alianças celebradas nas eleições de 2005, necessário se faz
descrevê-las.
Em Beirute, a aliança denominada de “Os leais ao mártir Rafique Al-hariri”, liderada
por seu filho, Saad Al-hariri, concorreu em todos os distritos dessa província. A emissora
BBC, no dia 27 de maio de 2005, revelou que essa lista incluía membros do movimento do
Futuro, um candidato do Hizbullah, um candidato do Partido Socialista Progressista e dois
membros do Partido Alkataeb e do Partido de Forças Libanesas da oposição cristã. O Jornal
Asharqu Alawsat na edição de nº 9702, de 21 de maio de 2005, divulgou a vitória esmagadora
de Saad Al-hariri que se revelou em função da sua expressiva votação pessoal. As eleições em
Beirute foram caracterizadas pela baixa participação dos eleitores e pela baixa
competitividade entre os candidatos, pois alguns movimentos, grupos, partidos ou
personalidades políticas boicotaram as eleições devido à vitória prevista que Al-hariri e seus
aliados iriam conquistar.
No Sul do Líbano, a cena das eleições foi marcada pela baixa competitividade e pelo
domínio dos candidatos das duas forças políticas mais importantes da região, quais sejam,
Hizbullah e Amal.
O Jornal Almustakbal na edição de 1939, de 06 de junho de 2005, assinalou que as
duas personalidades mais fortes no Sul, Nabih Berri do Amal e Muhammad Raad do
Hizbullah, dividiram os assentos. O comparecimento dos votantes no Sul foi relativamente
alto se for comparado com as eleições em Beirute. O resultado das eleições se explica pela
esmagadora maioria de muçulmanos naquela região. Uma baixa participação no pleito foi
observada nos distritos predominantemente cristãos; ao contrário disso, existiu uma alta
mobilização por parte dos xiitas.
201
Al-biquaa muito é considerada como uma região vital para a defesa estratégica da
Síria. A região é dividida em três distritos eleitorais que coincidem com três sub-regiões bem
distintas. A parte norte do Vale, Baalabec e Hermel são formados por distritos
preponderantemente xiitas com uma pequena minoria de cristãos e sunitas. A parte central do
Vale com a sua população mista de cristãos e sunitas é dominada por uma maioria de gregos
católicos e maronitas que constituem o segundo distrito. O terceiro distrito que corresponde à
parte sul do Vale é misto, incluindo os quadaas de Rashaya e Al-biqua Oeste que eram
parcialmente ocupados pelo exército israelense até maio de 2000.
Baalabec-Hermel, uma das regiões mais pobres do Líbano, é dominada pelo
Hizbullah. Nesse distrito a vitória do Hizbullah adveio da sua popularidade por causa dos
serviços públicos que este partido fornece a esta pobre região. Nos outros dois distritos, houve
alto nível de competitividade e mudança considerável a nível de representação, pois mais da
metade dos representantes eleitos em eleições anteriores não foram reeleitos. Sob esse aspecto
pode ser observado que esse resultado se justifica pela retirada das tropas rias da região,
consequentemente desaparecendo sua influência política. Observa-se a influência dos aliados
de Saad Al-hariri, ou seja, do movimento anti-Síria. Aqui pode ser visualizado o importante
papel exercido pela força do dinheiro quando da composição das alianças e do êxito do seu
resultado. Abbas (2005) relata que os distritos da Montanha do Líbano e os de Al-biquaa são
considerados os maiores devido o mero de eleitores que ultrapassa um terço do eleitorado
libanês. A grandeza do tamanho desses distritos é medida pelo total de cadeiras alocadas,
atualmente em número de 58. Nessa região, onde se concentra a maioria maronita, e para
quem é reservado o cargo de Presidente da República, severa disputa haja vista que todos
os candidatos ou no mínimo uma grande parte deles têm pretensão de ocupar o cargo.
Nas eleições de 2005, na Montanha do Líbano, as alianças foram formadas pela
influência da oposição cristã anti-Síria, com exceção do distrito de Chouf onde jumblat
exerceu uma influência hegemônica e total. A Montanha do Líbano testemunhou uma forte
batalha eleitoral entre as principais figuras cristãs como o ex-presidente libanês Amin Jemayel
e seus aliados, entre estes o Patriarca Maronita Sfair e o Gen. Michel Amoun.
O nível de comparecimento na Montanha foi mais elevado que em outras regiões. Fato
relevante foi o enfraquecimento de famílias tradicionalmente proeminentes na cena política
dessa região que foram substituídas por jovens candidatos nunca eleitos anteriormente.
202
No Norte do Líbano, a campanha eleitoral testemunhou uma grande tensão política
devido aos resultados dessas eleições que haviam ocorrido em outras regiões do país. Mais
uma vez, a lista dos aliados de Saad Al-hariri ganhou grande parte das cadeiras.
Uma leitura nos resultados das eleições de 2005 mostra que o novo Parlamento refletiu
uma mudança no balanço do poder na sociedade libanesa causada principalmente pelo
assassinato do ex-Primeiro-Ministro libanês Rafique Al-hariri. Alabtah (2005) assinala que
apesar da alta porcentagem dos novos parlamentares (47.66%), os blocos parlamentares
principais permaneceram idênticos ao Parlamento eleito em 2000. Al-hariri e Jumblat se
fortaleceram sobre as comunidades muçulmanas sunita e drusa respectivamente, enquanto
Amal e Hizbullah conseguiram manter a sua dominação sobre a comunidade xiita. A mudança
adveio com a entrada dos blocos da antiga oposição cristã, especialmente o Partido das Forças
Libanesas e o Movimento Patriótico Livre. Vários membros do Ajuntamento de Quarnat
Shehwan mantiveram os seus assentos no Parlamento, enquanto outros se elegeram pela
primeira vez. O fortalecimento de algumas lideranças se deu às custas de famílias que
muito e tradicionalmente têm representação no Parlamento. Outros partidos foram excluídos
ou consideravelmente enfraquecidos como o Partido Sírio Nacional Social, o Partido da
Renascença Árabe Socialista Nacional, o Partido Comunista Libanês, o Partido da Renovação
Democrática e o Partido Al-kataeb.
A nova maioria emergiu de dois blocos parlamentares abrangentes, liderados por Al-
hariri (36 assentos parlamentares), Jumblat (15 assentos parlamentares), aliados do
Ajuntamento de Quarnat Shehwan (6 assentos), Forças Libanesas (6 assentos) e outros
partidos e coalizões menores.
O Movimento Patriótico Livre do Gen. Aoun e de seus aliados obteve 21 assentos e
tornou-se a oposição parlamentar mais influente. As outras forças xiitas principais, Amal e
Hizbullah, que fortemente disputaram o poder com a coalizão de Al-hariri e Jumblat durante
as eleições, tiveram 15 e 14 membros respectivamente.
Nessas eleições, os blocos anti-Síria aumentaram a sua representação. Isto confirma a
influência que o regime sírio exercia sobre as políticas do Líbano e de maneira quase direta
sobre as eleições, apoiando algumas forças políticas ou limitando a atuação de outras.
O Hizbullah também aumentou sua representação, apesar de ser a favor da dominação
síria. Todavia o resultado obtido por esse movimento se justifica pela sua luta contra a
presença de Israel no território libanês e pelas suas ações sociais em favor dos mais
desfavorecidos.
203
Finalmente, o Líbano tem uma experiência relativamente longa com as eleições
parlamentares que começaram por volta de 1920. Diferentemente dos outros países árabes, a
experiência democrática libanesa é caracterizada por um certo nível de competição política e
por um sistema político relativamente aberto, porém, tradicionalmente, as eleições no Líbano
não significam o delineamento de uma estrutura de partidos políticos competitivos, programas
governamentais ou políticas públicas. As eleições nesse país não culminam na formação de
uma maioria governante no Parlamento ou determinam qual partido ou grupo político vai
participar do governo ou fazer parte da oposição, mas sim terminam por garantir a
participação das elites e a representação das regiões, confissões e famílias políticas no país,
através de um sistema específico de alocação de assentos que, de fato, limita a competição
política e a confina dentro de cada confissão.
O Líbano é considerado por muitos como detentor de um sistema democrático.
Contudo á luz do princípio do confessionalismo, o qual é operacionalizado através da Lei
Eleitoral vigente, observa-se que uma contradição entre este e o pilares do sistema
democrático, haja vista que na democracia o acesso aos cargos deve ser facultado a todos
indistintamente, sem qualquer definição de critérios e não é isso o que ocorre no Líbano. A
existência de uma lei eleitoral que não garante a representação das minorias, tampouco das
confissões menores e que predetermina a distribuição das cadeiras fere a acessibilidade a
todos.
Considerando-se o que foi exposto acerca do sistema eleitoral libanês, traz-se à baila a
relação que este sistema apresenta com o nível de democratização atual do país. A situação
como se afigura não oferece resposta aos seguintes questionamentos: quais são os impulsos
que podem incentivar as ações de grupos numericamente menores se a representação é pré-
definida? Qual a função dos partidos se tudo é dividido legalmente entre as confissões
religiosas?
É sabido que o sistema político libanês vem apresentando progresso em alguns
aspectos, mas a existência de uma legislação que não reflete a real representação política e
que ainda é mal definida, imprecisa ou mesmo tendenciosa a certos grupos impossibilita a
justa competição eleitoral e a equivalência de oportunidades. Reconhecer-se a existência de
um regime democrático nos moldes em que se apresenta o sistema político libanês é atentar
contra a existência do direito de participação inerente a todo cidadão e conduzir a sociedade a
uma maior desigualdade política, social, econômica e cultural, conseqüentemente, negar-se a
existência do próprio modelo democrático.
204
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A democracia é uma matéria discutida desde muito e, ainda hoje, configura-se
como um ramo de estudo significativo, posto que o tema tem sido empregado por boa parte
das correntes do pensamento sociopolítico, inobstante as concepções ideológicas de cada um.
Inicialmente, o termo foi vinculado à participação direta dos cidadãos na tomada de
decisões. Posteriormente, devido à complexidade da vida nas sociedades modernas, surgiu
associado à representação política. Entretanto reside no aspecto da representação as críticas ao
modelo democrático hegemônico a democracia representativa por se questionar o
verdadeiro teor da representação, se a vontade do povo em seu aspecto universal ou os
interesses de grupos específicos.
Ao modelo representativo são atribuídas formas limitadas de participação que se
traduzem pelas desigualdades políticas, econômicas e sociais. Assim, tem sido sugerido um
modelo complementar ao representativo para que se possa atenuar a exclusão social. Na seara
desse modelo complementar – a democracia participativa – tem sido conferido relevante papel
aos movimentos sociais para a construção de sociedades mais igualitárias.
É no aspecto da organização da sociedade civil que deve ser analisado o nível de
democratização de uma comunidade, uma vez que o poder dela emana, seja diretamente ou
por meio de seus representantes legais.
No presente trabalho, foram estudados alguns componentes dos sistemas políticos
egípcio e libanês com vistas a entender o processo de democratização de tais sociedades.
À luz do exposto sobre os sistemas partidários dos países em questão, observou-se
que, a despeito de haver previsão legal para a multi-representação política, de fato, ela não se
verificava. No Egito, destaca-se a predominância de um partido dominante PDN o qual é
mais propriamente um anexo do poder executivo que uma força política autônoma, quando
muito se preocupa apenas com o próprio eleitorado em detrimento da defesa dos interesses do
universo social, e a existência de, praticamente, uma única oposição organizada que exige
participação política a Irmandade Muçulmana e que é o movimento mais preparado para
praticar pressões sobre o governo com vistas à realização de reformas. Os demais partidos da
oposição egípcia ainda carecem de uma atuação a nível nacional para que possa repercutir
resultados.
205
O sistema partidário libanês é caracterizado pela existência de partidos fortemente
jungidos ao confessionalismo e destituídos de programas e ideologias de âmbito nacional. Os
partidos ideológicos são considerados fracos na luta contra o confessionalismo, na capacidade
de preparar líderes e na formulação e execução de políticas que representam a vontade
coletiva do povo libanês. Essa observância ao confessionalismo concorre para a exclusão das
minorias e para o atraso da instauração da democracia em seus níveis mais elevados.
Além dos sistemas partidários, foram estudados os sistemas eleitorais do Egito e do
Líbano. No âmbito do sistema eleitoral, verificou-se no Egito que, apesar de haver previsão
legal à existência de competição na arena eleitoral, não ocorre verdadeiramente disputa dadas
algumas exigências impostas, a falta de liberdade política e a ocorrência de violência que
tornam dificultosa a competição. No Líbano, a existência de um sistema eleitoral que não
assegura igualdade a todas as confissões ali existentes, que legitima as tradições, quais sejam,
as alianças familiares e clânicas em detrimento de uma ampla concorrência, e que dificulta a
representação das minorias, fazem daquele sistema eleitoral uma desvirtuação do sentido da
democracia como regime de acessibilidade indistinto, uma vez que existem grupos
privilegiados, maculando a legítima alternância do poder.
Foram estudadas as sociedades civis de ambos os países retro citados. No Egito, pode-
se identificar a existência de um número relativamente alto de organizações civis, contudo
não se pode atribuir a elas uma atuação digna de um segmento social efetivo com vistas a
promover as mudanças que dele se esperam. Associações sem grandes organizações,
desarticuladas e sem autonomia retratam o perfil desse componente no Egito. No Líbano,
diferentemente do que ocorre com o Egito, a sociedade civil tem maior espaço para atuação,
todavia sua desenvoltura gira em torno das personalidades políticas, da defesa de interesses de
grupos e da dedicação a questões que pouco refletem sobre a situação política do país,
padecendo, assim, de falta de eficiência por inverter os valores de seu verdadeiro papel.
As diretrizes de um sistema partidário e de um sistema eleitoral de um dado país
retratam o vel de organização, de politização de um povo. Atribuir-se a lentidão ou a
ineficiência de uma democracia, em qualquer dos países, ao fato de os sistemas partidário ou
eleitoral não propiciarem condições ao exercício da participação, é pensar apenas no
tratamento de conseqüências paliativas e desconsiderar que a causa do problema encontra-se
no segmento social, haja vista que este pode desencadear mudanças em qualquer aspecto.
Tanto o Egito quanto o Líbano têm dado os primeiros passos em direção à democracia,
todavia enquanto as suas sociedades civis não demonstrarem hegemonia cultural sobre a
206
dominação, estarão ainda distantes do alvo principal. Estas sociedades devem assimilar em
suas culturas o hábito do questionamento, da discussão, da contestação, da participação em
todos os níveis de decisões, desde os mais elementares aos mais complexas, como um
processo de educação para a cidadania, para afastar os resquícios da dominação. Nenhum
agrupamento surge com um elevado nível de politização, mas se fortalece e se torna
hegemônico se incutir, em seus diversos níveis de organização, o exercício da participação.
A democracia não foi plenamente instituída no Mundo Árabe por que não se constituiu
em reivindicação popular e não o será amplamente se não for desenvolvida uma cultura nesse
sentido, o que se dará com a internalização dessa idéia no comportamento dos cidadãos,
exercendo-a no seio das organizações mais básicas como a família e a escola até as mais
complexas.
Seria pretensão apontar um caminho pré-definido a ser seguido pelas sociedades
árabes na busca da democracia. Como explanado alhures, a democracia não se atinge com
uma receita pronta, mas se considerando as especificidades de cada povo. Cada sociedade
deverá encontrar o seu caminho às custas de seus próprios erros, sem, contudo, deixar de
lançar um olhar crítico sobre a comunidade internacional sob pena de se perder no tempo. A
despeito do exposto, não se pode desconsiderar que é a sociedade civil a maestrina de toda e
qualquer mudança de valores.
207
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220
ANEXOS
221
ANEXO A
Nome oficial: República do Egito Árabe
Capital: Cairo
Data de Independência da Grã-Bretanha: 28 de fevereiro de 1922
Dia Nacional: 23 de julho – data da Revolução de Julho de 1952.
Promulgação da Constituição: 11 de Setembro de 1971, emendada em 22 de Maio de 1980 e
em 25 de maio de 2005.
Mapa 1. Egito
222
ANEXO B
Nome oficial: República Libanesa.
Capital: Beirute.
Data da independência da França: 22 de novembro de 1943.
Dia Nacional: 22 de novembro.
Promulgação da Constituição: 23 de maio de 1926, emendada várias vezes, sendo a
última em 1989 pelo Acordo de At-taiif.
Mapa 2. Líbano
223
ANEXO C
Mapa 3. Posição do Mundo Árabe
Mapa 4. Posição do Egito e do Líbano
224
ANEXO D
Descrição Egito Líbano
Expectativa de vida para o sexo masculino: 66 69
Expectativa de vida para o sexo feminino 70 73
Mortalidade infantil a cada 100 mil nascidos vivos 29.5 óbitos 28
Crescimento populacional
anual
1,89 1,35
Força ativa do trabalho masculino 52,30% 50,49%
Força ativa do trabalho feminino 23,54% 20,8%
Força ativa de trabalho para ambos os sexos 38,14% 35,6%
População abaixo da linha da pobreza 16,70% 28%
Taxa de alfabetização 70% 94,97%
Quantidade de linhas de telefone 6.843.500 1.319.000
Porcentagem de proprietários com linha telefônica 11% 40%
Usuários de Internet em relação à população total
1% 9%
PIB/bilhões de dólares 89,4 21,9
Crescimento do PIB 3,1% -5%
PIB per capita U$
1840
5.512
Composição do PIB: agricultura
Indústria
Serviços
14.7%
35.5%
49.8%
7%
21%
72%
Taxa de desemprego 10,3% 7.8%
Taxa de inflação 6.5% 4.8%
Dívida pública. % do PIB 103,9%
209%
Dívida externa/bilhão U$ 29,59 31.1
Aeroportos
40 5
Ferrovias/km 5063 410
Rodovias/km 92.370 7.300
Portos 6
4
Dados gerais. Estatísticas da Liga Árabe de 2005
225
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo