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UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS
IGOR BERGAMO ANJOS GOMES
A AMEAÇA SIMBÓLICA DAS COTAS RACIAIS NA MÍDIA BRASILEIRA:
o negro nas telenovelas
São Luís
2008
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1
IGOR BERGAMO ANJOS GOMES
A AMEAÇA SIMBÓLICA DAS COTAS RACIAIS NA MÍDIA BRASILEIRA:
o negro nas telenovelas
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Ciências Sociais, para obtenção do
titulo de mestre.
Orientador: Prof. Dr. Carlos Benedito Rodrigues da
Silva.
São Luís
2008
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IGOR BERGAMO ANJOS GOMES
A AMEAÇA SIMBÓLICA DAS COTAS RACIAIS NA MÍDIA BRASILEIRA:
o negro nas telenovelas
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Ciências Sociais, para obtenção do
titulo de mestre.
Aprovada em____/______/ 2008
BANCA EXAMINADORA
____________________________________________________
Prof. Dr. Carlos Benedito Rodrigues da Silva. (Orientador)
Doutor em Ciências Sociais - PUC/SP
_______________________________________________
Prof. Dr. Álvaro Roberto Pires
Doutor em Ciências Sociais – PUC/SP
__________________________________________________
Prof. Dr. Joel Zito Almeida de Araújo
Doutor em Ciências da Comunicação - ECA/USP
3
Dedico este trabalho à minha amada imã
Mariana.
4
AGRADECIMENTOS
À Deus pela forma maravilhosa como tem me sustentado ao longo de toda minha
vida, e pelas bênçãos concedidas a mim e aos que me são preciosos.
À minha família nas pessoas de minha Mãe, minha irmã Mariana, e ao meu Pai,
por me propiciar os recursos humanos e materiais que se fazem necessários em minha
trajetória acadêmica.
À professora do curso de Serviço Social da UFMA Socorro Alves pelas
orientações, e pelo incentivo que foram fundamentais para subsidiar meu ingresso no
mestrado.
À professora do curso de Serviço Social da UFMA Amparo Barros, a quem
considero minha “madrinha” na academia, e a quem serei eternamente grato pelo carinho e
atenção à mim dispensados, nas muitas vezes que a ela recorri.
À professora do curso de Serviço Social da UFMA Jacinta Silva, pela prestimosa
ajuda na elaboração no artigo da disciplina Teoria I, no momento em que estava atarefado no
processo de seleção do mestrado.
À todas minhas queridas professoras do curso de Serviço Social da UFMA, e
também aquelas a quem conheci na coordenação, departamento, ou mesmo nos corredores.
Agradeço a todas que além de minhas eternas mestras, são referenciais na minha formação e
exercício profissional, são amizades que anseio cultivar para sempre. Não poderia deixar de
citar os nomes das professoras: Maria Eunice Damasceno, Célia Martins Soares, Leidinalva
Batista Miranda, Selma Marques, Cândida Costa, Nonata Santana, Silvane Magaly, Marly
Alcântara, Marina Maciel, e Cláudia Durans pelo incentivo e apoio em minha jornada
acadêmica.
Ao meu Orientador Prof. Dr. Carlos Benedito Rodrigues da Silva, pela forma
como “abraçou” minha intenção de pesquisa, fazendo com que, eu vindo de outra área de
formação acadêmica, me sentisse acolhido para realizar o projeto de dissertação em ciências
sociais. Ao professor “Carlão” como é conhecido, serei eternamente grato pela atenção e
disponibilidade à mim dispensados, e por acima de tudo, ter me mostrado os caminhos para
realização deste trabalho.
Ao professor Horácio Antunes, pelo tratamento atencioso à mim dispensado como
meu professor quando eu fui aluno especial na disciplina Teoria I, e também como
coordenador do mestrado.
5
À professora Elizabeth Coelho, pela acolhida na disciplina Teoria II, pela atenção
à mim dispensada quando foi coordenadora do mestrado, e pelas ricas contribuições a minha
pesquisa dadas nas reuniões do grupo de pesquisa, no seminário de pré-qualificação, e na
qualificação.
Ao professor Álvaro Roberto Pires pelas contribuições na qualificação, pela
atenção na disciplina Religião e Sociedade, e por ter aceito gentilmente o convite para compor
a banca de avaliação.
Ao professor Benedito de Sousa Filho pelas criticas e sugestões ao meu trabalho
propiciadas na disciplina Metodologia de Pesquisa.
À professora Sandra Maria do Nascimento Sousa, pela atenção na disciplina
Sociedade, Gênero, e Processos de Subjetivação.
À dona Clores Holanda Silva disponibilidade, presteza e carinho com que sempre
me atendeu enquanto secretariava a coordenação do mestrado.
Aos meus amigos e colegas de classe da turma três do mestrado em Ciências
Sociais da UFMA, a quem tive o privilégio de partilhar do convívio e amizade ao longo das
disciplinas, dos diversos eventos acadêmicos que participamos, pessoas especiais das quais eu
não poderia deixar de mencionar os nomes: Renata dos Reis Cordeiro, Raquel Gomes
Noronha, Leonardo Nunes Evangelista, Emanuel Pacheco de Souza, Rogério de Carvalho
Veras, Rosângela de Sousa Veras , Paulo Sergio Castro Pereira, Letícia Conceição Martins
Cardoso, Carlos Eduardo Ferreira Soares , Tânia Cristina Costa Ribeiro, Marli Madalena
Estrela Paixão, Paulo Roberto Pereira Câmara, e Raimunda Nonata da Silva Machado.
Ao professor Joel Zito Araújo Almeida por ter gentilmente aceito o convite para
compor a banca.
6
“Na vida temos que agir como quem sobe
uma escada, degrau, por degrau... E nossa
luta há de ser como a das formigas, que
carregam um fardo de açúcar nas costas,
mas torrão, por torrão”.
Isabel Buenoeno.
7
RESUMO
No processo de desenvolvimento da televisão brasileira, a telenovela sagrou-se como um
produto midiático-cultural complexo e holográmatico, abordando através da teledramaturgia,
aspectos diversos da vida nacional. A análise da participação de negros nas telenovelas, revela
que estes não estão retratados nas tramas, na mesma proporção de sua presença na
composição da população brasileira. A proposta do presente ensaio dissertativo é analisar as
conseqüências da proposição das cotas raciais na mídia brasileira, especialmente no que diz
respeito à inclusão proporcional de negros nas telenovelas, apresentada pelo Estatuto da
Igualdade Racial. Tendo em vista as noções de mestiçagem como estratégia de
branqueamento da população brasileira, pretendemos desenvolver nossas análises, enfocando
os debates gerados a partir da proposta de cotas nas telenovelas, envolvendo o Senador Paulo
Paim, como proponente do Estatuto, o Centro Brasileiro de Informação e documentação do
Artista Negro (CIDAN) e os autores de telenovelas.
Palavras-Chave: Política de Cotas. Telenovelas. Negros
8
ABSTRACT
The Brazilian soap opera was consecrated as a media product and culture compound and
resultant of particularities of the it historizes of the country and of the own development of
television. The history of the insert blacks in the Brazilian soap opera allows to conclude that
the pamphlets don't portray the population of the country, that is composed for the most part
by mestizos and black. The proposal of the present rehearses dissertation it is to analyze the
debate around the proposition of the quotas in soap opera, it discusses that has as social
actors, Senator Paulo Paim, author of the project of quotas, the soap operas authors, and
CIDAN (I Center Brazilian of Information and documentation of the Black Artist),
problematizing concerning the reactions and consequences of the adensament of that debate,
that makes interface with the problem related to the insert of blacks in soap opera, that
historically camouflaged the black under the myth of the mestizos people, as a whiting
strategy.
Keywords: Politics of Quotas. Soap Opera. Black
9
LISTA DE FOTOS
Foto 1 Atriz Thais Araújo e Zezé Motta, na novela Xica da Silva......................... 36
Foto 2 Atores Lazáro Ramos e Thais Araújo na novela Cobras e Lagartos......... 37
Foto 3 Atriz Neuza Borges na novela América ...................................................... 38
Foto 4 Atriz Adriana Lessa, como a personagem Deusa na novela O Clone........ 61
Foto 5 Atriz Neuza Borges, na novela O Clone ..................................................... 62
Foto 6 O ator Toni Tornado interpretado “Godzila” o vampiro afro-brasileiro
na novela O Beijo do Vampiro ....................................................................
63
Foto 7 Atores Negros escalados na novela Mulheres Apaixonadas....................... 64
Foto 8 O ator Sérgio Menezes como “Bruno” em Celebridades............................ 65
Foto 9 A atriz Thaís Araújo como “Preta” em Da cor do Pecado ......................... 67
Foto 10 Os atores Roney Marruda e Adriana Lessa em Senhora do Destino .......... 68
Foto 11 A atriz Jéssica Sodré em Senhora do Destino............................................. 68
Foto 12 O ator Airton Graça como Feitosa em América.......................................... 69
Foto 13 A atriz Mary Sheila como Jurema/Whitney em A lua me disse.................. 70
Foto 14 A atriz Zezé Barbosa como Anastácia/ Latoya em A lua me disse............. 70
Foto 15 A atriz Bumba como Índia em A lua me disse ............................................ 71
Foto 16 O ator Lazaro Ramos como “Foguinho” em Cobras e Lagartos............... 72
Foto 17 A atriz Elisa Lucinda, interpretando a médica Selma em Paginas da
Vida .............................................................................................................
73
Foto 18 A atriz Camila Pitanga como Bebel em Paraíso Tropical.......................... 74
Foto 19 Os atores Cris Viana e Dudu Azevedo como “Sabrina e Barretinho” em
Duas Caras..................................................................................................
75
Foto 20 A atriz Adriana Lessa como Morena, a Condessa Finzi-Contini, na
novela Duas Caras......................................................................................
76
Foto 21 Os atores Lazaro Ramos e Debora Falabela, como Evilásio e Julia na
novela Duas Caras......................................................................................
77
Foto 22 A atriz Sharom Menezes, interpretando a personagem Solange em Duas
Caras ...........................................................................................................
77
Foto 23 O ator Lazaro Ramos na capa do Cd da novela Duas Caras ...................... 79
10
LISTA DE SIGLAS
CIDAN – Centro Brasileiro de Documentação e Informação do Artista Negro
EUA – Estados Unidos da América
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
GTI - Grupo de Trabalho Interministerial
MPR - Movimento pelas Reparações
OIT- Organização Internacional do Trabalho
ONU - Organização das Nações Unidas
PFL-MA – Partido da Frente Liberal / Maranhão
PT/RS - Partido dos Trabalhadores/ Rio Grande do Sul
SBT – Sistema Brasileiro de Televisão
TVE - Televisão Educativa
11
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................
12
1.1 Trajetória metodológica.....................................................................................
17
2 A SUBALTERNIZAÇÃO DO NEGRO NOS PRODUTOS MIDIÁTICOS
20
2.1 A Telenovela como retrato da mestiçagem ......................................................
24
2.2
O Negro na Telenovela: invisibilidade e estereotipação.................................... 27
2.3 A retratação do conflito racial...........................................................................
35
2.4 Inserções “afirmativas” de Negros em Telenovelas ........................................
36
2.5
O Ator Negro Na Telenovela: o não reconhecimento profissional .............. 37
3 A PROPOSIÇÃO DA POLÍTICA DE COTA PARA NE
GROS NA MIDIA
BRASILEIRA......................................................................................................
39
3.1 A “Ameaça Simbólica” da aprovação das cotas em telenovelas .....................
51
4
A PARTICIPAÇÃO DE NEGROS EM TELENOVELAS APÓS A
“AMEAÇA SIMBÓLICA” DO PROJETO DE COTAS................................
59
4.1 Aumento na Participação = Visibilidade afirmativa para Negros em
Telenovelas?.........................................................................................................
79
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS..............................................................................
84
REFÊRENCIAS................................................................................................... 86
12
1 INTRODUÇÃO
As relações construídas entre negros e brancos na sociedade brasileira, são
resultados do processo histórico da escravidão africana, e da ausência de ações que
garantissem o reconhecimento de cidadania aos descendentes de africanos, no pós-abolição,
integrando-os à vida sociocultural do país.
Fernandes (1965) enfatiza que negros e mulatos jamais conseguiram se integrar
plenamente na sociedade brasileira, pois sofreram processos de exclusão de diferentes ordens
ao longo da história.
A abolição da escravidão no Brasil pode ser traduzida como um decreto de
abandono ao negro liberto, levando em conta, especialmente os processos de incentivo às o
migrações européias como um caminho para invisibilizar os negros e embranquecer a
população brasileira.
Os produtos midiáticos como as telenovelas são representativos do apagamento do
negro na cultura brasileira, pois introjetam o discurso da mestiçagem e o reproduzem na
teledramaturgia, em alguns casos, de forma estereotipada ou folclorizada, sem origem e sem
família, invisibilizado socialmente e despojado enfim, de sua humanidade.
A permanência desta realidade até o final do século XX, fomentou processos de
resistência e enfrentamento às expressões de discriminações do negro em diversos segmentos
da sociedade brasileira. No campo da mídia, destaco o Estatuto Social da Igualdade Racial,
que dentre outras disposições, propõem a criação de cotas para negros nos produtos
midiáticos como peças publicitárias, programas de televisão, cinema, e telenovelas.
No presente ensaio dissertativo objetivo realizar uma análise em torno do debate
instaurado na mídia brasileira, após a proposição da Política de Cotas para negros em
telenovelas. Debate este, que assume um caráter bilateral, no qual se rivalizam os autores e
diretores de telenovelas, que assumem um discurso contra a institucionalizão das cotas, e de
outro os atores negros, ONG’s ‘pró-negro como o Centro Brasileiro de Documentação do
Artista Negro (CIDAN), e das diversas entidades do Movimento Negro Nacional.
A discussão, constituída em torno da proposição das cotas nas telenovelas, é um
desdobramento de um debate maior que está em curso no país, que versa sobre como o Estado
brasileiro tem se posicionado para acomodar as “diferenças” dos grupos raciais e étnicos
presentes no território nacional.
13
A questão das políticas afirmativas para negros concretiza uma temática que
fomenta diversos estudos acadêmicos, sobretudo na modalidade das cotas em concursos
públicos e vestibulares, entretanto ainda são restritas as análises envolvendo as cotas na mídia.
Considero que este debate em torno das cotas em telenovelas, concretiza um
conflito pelo poder de domínio dos produtos midiáticos produzidos pelos meios de
comunicação, e para subsidiar tal discussão reporto-me a Bourdieu (1989, p 375), que aborda
a questão do poder a partir da noção de campo. O conceito de campo foi entendido em
Bourdieu como um espaço de produção de relações sociais objetivas, considerando as
interações instituídas entre os atores envolvidos neste processo.
O autor atentou para a análise da posição ocupada por estes atores e suas
condições sociais, que determinariam o nível das relações estabelecidas. O autor considera o
campo de poder como um "espaço de forças" definido em sua estrutura, pelo estado de
relação de forças entre formas de poder, ou espécies de capital diferentes, um espaço de lutas
pelo poder, entre detentores de poderes diferentes; um espaço de jogo, onde agentes e
instituições, tendo em comum o fato de possuírem uma quantidade de capital específico
(econômico ou cultural especialmente) suficiente para ocupar posições dominantes no seio de
seus respectivos campos, confrontam-se em estratégias destinadas a conservar, ou a
transformar essa relação de forças. Assim, entendo as telenovelas como um campo no qual
figura uma hierarquia de posições, tradições, instituições e história, e os autores das novelas,
alguns atores negros, os movimentos sociais, e o Senador da República Paulo Paim (PT/RS),
estão articulados num processo de conflito pela superação, e/ou manutenção do atual
paradigma que sustenta a participação de negros nessas telenovelas.
Objetivo compreender este conflito, buscando as origens históricas que
configuraram as possibilidades de inserção de negros em telenovelas brasileiras, e este
processo me remeteu tangencialmente, à historia da telenovela brasileira, o seu papel na
dinâmica cultural do país, e a questão da colonialidade do poder e do saber (Mignolo, 2003;
Lander, 2005; Quijano, 2005; Santos, 2005), que consiste no elemento que alicerçou a
construção das desigualdades etno-raciais no Brasil.
Utilizo aqui a expressão desigualdades etno-raciais, fundamentado no
entendimento de Heringer (2002), para quem o termo designa as diferenças em termos de
acesso a oportunidades sociais e econômicas, segundo o pertencimento a grupos raciais auto-
identificados como tal. Essas desigualdades têm motivações históricas associadas a princípios,
opiniões, crenças ou interpretações que admitem a existência de diferenças subjetivas entre os
seres humanos em função de características físicas, tais como cor da pele, traços faciais, tipo
14
de cabelo etc. Entendo que o termo raça é uma construção histórica e social, mas também que
a existência de práticas associadas a estas interpretações têm conseqüências concretas e
negativas no âmbito das relações sociais. Considero que as representações identitárias do
homem negro veiculadas pelas imagens, e pelos discursos hegemônicos presentes nas
telenovelas brasileiras apontam para a necessidade de se problematizar a vigência do
paradigma eurocêntrico nesta modalidade midiática.
Para subsidiar esta discussão sobre a relação entre a mídia e as representações
identitárias, me remeto a Hall (2001), que concebe a identidade como um conjunto de
representações construído em situações específicas, um sistema de representação cultural, um
modo de construir sentidos que influencia e organiza tanto nossas ações quanto a concepção
que temos de nós mesmos. Castels (2001, p. 71) afirma que a etnia sempre foi uma fonte
importante de significado e reconhecimentos, tratando-se de uma das fontes mais primárias de
distinção e reconhecimento social, e também de discriminação em muitas sociedades.
A formação da identidade étnica se processa pelo encontro de elementos externos
contrastivos, que vem organizar internamente um sentimento comum entre os membros de um
grupo. Esta é utilizada como um mecanismo para demarcar os limites, e para reforçar laços de
solidariedade entre os indivíduos de um grupo.
Ao tematizar a etnicidade, Weber (1922) adverte que não distinção
fundamental a operar entre as disposições raciais e aquelas outras adquiridas pelo habitus.
Assim, indica que não é conveniente procurar na posse de traços fixos a fonte de etnicidade,
mas esta deve ser buscada nos processos de produção, manutenção e aprofundamento das
diferenças, cuja objetividade não pode ser mensurada desconsiderando a significação que lhes
atribuem os indivíduos por meio das relações sociais. Para Weber a identidade étnica tem por
alicerce, a construção subjetiva e coletiva de um sentimento que os indivíduos de um grupo
nutrem e que se expressa numa noção de pertença a uma procedência comum, e os traços
antropomórficos podem ser utilizados como sinais emblemáticos de diferenciação.
Barth (1998) propõe a construção da identidade étnica a partir da auto-atribuição,
na qual o individuo assume determinada identidade, categorizando a si mesmo, ou sendo
categorizado pelos outros. Demarco a construção da identidade negra no Brasil, seguindo os
encaminhamentos propostos por Barth, no que concerne a formação de um grupo étnico, no
qual um traço fundamental torna-se a característica da auto- atribuição ou da atribuição por
outros a uma categoria étnica. (BART, 1998, p.193-194). Estes traços podem ser fenótipicos,
e /ou subjetivos, relacionados a elementos históricos e culturais.
15
É relevante destacar, que o processo de construção das identidades do grupo
étnico branco e do grupo negro, apresenta uma diferença estrutural. Pois, historicamente foi
introjetado no negro uma idéia de inferioridade, ao passo que ao branco europeu foi atribuído
o ideal de ser o modelo universal da humanidade.
As novas contribuições da genética e da biologia provam que negros e brancos
são geneticamente iguais, corroborando a premissa de que as diferenças fenótipicas, mesmo
as mais visíveis, são construções histórico-culturais, pois a cultura atribui significado à
natureza, e é no campo do simbólico que estão situadas as diferenças étnico-raciais.
Bonin (2001) afirma que identidade étnica configura um sistema de representação
cultural (categorias de pertencimento, memória coletiva), que na recepção da telenovela, é
acionado, operando processos de reconhecimento e de diferenciação na relação com os
personagens, as situações e os conflitos encenados. Ou seja, nos processos de recepção, os
telespectadores se valem do sistema de representações culturais configurados na identidade
étnica para estabelecer relações com o conteúdo da telenovela.
Martín-Barbero (2003) considera que a identidade étnica atua como um mediador
entre o receptor e a mensagem recebida dos produtos midiáticos como a telenovela. Assim os
receptores não seriam seres passivos, mas fariam leituras culturalmente mediadas, partindo de
sua condição de classe, étnica, familiar, religiosa etc. Seguindo esta mesma linha de
entendimento, Zanini (2005) entende que os construtos individuais e coletivos que se refazem
constantemente, têm na contemporaneidade, dialogado intensamente com os meios de
comunicação, em especial com a televisão e suas linguagens.
Tonon (2004) fala da existência de um contrato de leitura entre aqueles que
produzem novelas (autor, emissora, diretores, elenco), e aqueles que as assistem, os quais
embora desconhecendo as tecnologias empregadas para a realização de uma telenovela,
conhecem as construções arquétipicas, os estilos, a linguagem e a construção estética
apresentadas. Tonon também chama a atenção para outro elemento a ser considerado no
processo de recepção da telenovela: o repertório compartilhado. O repertório comum existe
independentemente do entendimento e da negociação de sentidos que cada receptor, ou ainda,
cada grupo social fado processo de mediação da recepção da telenovela. Neste horizonte,
Lopes, Borelli e Resende (2002, p. 368) argumentam:
O uso da telenovela depende da dimensão simbólica configurada por cada grupo e
cada sujeito, as gicas dos usos superam os limites de classe social e respondem a
demandas próprias do universo psíquico, do gênero, da geração e do perfil
ideológico. Entretanto, independentemente do sentido construído por cada grupo ou
pessoa, observamos um repertório compartilhado, uma espécie de agenda de temas
16
comuns considerados importantes para todas as famílias. A telenovela coloca
modelos de comportamentos por meio de personagens que apresenta, e tais
personagens servem para o debate, a interpretação, a critica, a projeção ou a rejeição
do público.
O telespectador negocia a mensagem proposta pela telenovela, os sentidos e os
significados simbólicos que esta transmite, interpretando-os de acordo com seu modo de vida,
seu contexto sócio-cultural e sua identidade.
Folgari (2001, p.50) afirma que o processo de negociação é conflitivo, justamente
porque é permeado por valores em oposição, critérios e projetos de vida desiguais. A
programação televisiva e, mormente as telenovelas somente conseguem obter sucesso caso
abordem temáticas relacionadas ao cotidiano da população telespectadora, possibilitando ás
projeções-identificações do público ante ao universo representado pelos folhetins.
Morin (1997, p.101 e 107) explica que: ”As projeções-identificações intervém em
todas as relações humanas, desde que estas sejam coloridas de afetividade [...] E por isso o
imaginário se acha comprometido com o tecido cotidiano de nossas vidas”.
Num esforço de contribuir com o estudo das políticas afirmativas no Brasil, e o
desempenho da identidade étnica negra nos espaços sociais midiáticos, proponho esta análise
acerca da proposição de cotas na mídia, tomando o segmento das telenovelas como fatia
específica de análise.
A opção por escolher estudar a questão das cotas na mídia a partir das telenovelas,
é fundamentada no fato da telenovela ser considerada “a literatura das massas”, ou como uma
“paixão nacional”, a telenovela representa na realidade brasileira, um construto que figura
como um elemento privilegiado para a compreensão da dinâmica cultural do país. Sua
importância se expressa na audiência significativa e transclassista que alcança.
Lopes (1997, p.60) afirma que:
As telenovelas são os programas de maior audiência em toda América latina e sua
importância cultural e política cresce continuamente porque deixam de ser apenas
programas de lazer e se tornam um espaço cultural de interlocução de hábitos e
valores. O estudo da telenovela permite aprofundar os conhecimentos das relações
entre as dimensões da cultura, da comunicação e do poder.
A televisão e as telenovelas concretizam segundo Lopes, Borelli e Resende
(2001), fundamentos de uma nova ordem, dotadas de capacidades de desencadear alterações
até então inconcebíveis: invadem lares, alteram cotidianos, desenham novas imagens,
propõem novos comportamentos e consolidam uma padronagem de narrativas considerada
por vezes dissonantes, tanto para padrões clássicos, cultos e populares. Segundo Bourdieu
17
(1997) este processo é fomentado pelo poder simbólicoque a televisão/telenovela possuem,
poder este, que se efetiva na capacidade de dialogar com a realidade social, influenciar ações
de outros e desencadear eventos por meio da transmissão de formas simbólicas.
Segundo Ortiz, Borelli e Ramos (1991, p.111), a telenovela funciona como uma
caixa de ressonância de um debate público que a ultrapassa. Ao se discutir um produto
midiático-cultural como a telenovela, é necessário estar ancorado no entendimento de que o
processo de recepção não efetiva apenas um ato comunicacional descontextualizado, mas
exige perceber a telenovela como um produto inserido numa determinada conjuntura sócio-
cultural. Nesta dinâmica, o telespectador deve ser pensado como um sujeito receptor ativo no
processo de comunicação.
1.1 Trajetória metodológica
O processo de pesquisa exigiu um esforço contínuo de construção e reconstrução
dos procedimentos teóricos e metodológicos, corroborando a afirmação de Bourdieu (2004),
de que o sociólogo deve ter o cuidado de não confundir rigor com rigidez metodológica.
A pesquisa é uma coisa demasiado séria e demasiado difícil para se poder tomar a
liberdade de confundir a rigidez, que é o contrário da inteligência e da invenção,
com o rigor, e se ficar privado desse ou daquele recurso entre os vários que podem
ser oferecidos pelo conjunto de tradições intelectuais da disciplina e das disciplinas
vizinhas [...] Evidentemente, a liberdade extrema que eu prego, e que me parece ser
de bom senso, tem como contrapartida uma extrema vigilância das condições de
utilização das técnicas, da sua adequação ao problema posto e às condições de seu
emprego (BOURDIEU, 2004, p. 26).
Ancorado em Bourdieu, empreendi, no curso de pesquisa o uso de instrumentos e
técnicas de coletas de dados que não foram previamente estabelecidos.
A construção do objeto [...] não é uma coisa que se produza de uma assentada, por
uma espécie de ato inaugural, e o programa de observações ou de análises por meio
do qual a operação se efetua não é um plano que se desenhe antecipadamente à
maneira de um engenheiro: é um trabalho de grande fôlego, que se realiza pouco a
pouco, por retoques sucessivos, por toda uma série de correções, de emendas,
sugeridos por o que se chama ofício, quer dizer, esse conjunto de princípios
práticos que orientam as opções ao mesmo tempo minúsculas e decisivas”
(BOURDIEU, 2004, p. 26-27).
Busquei estar atento ás pré-construções naturalizadas, colocando em cheque
verdades pré-construídas, praticando o perene exercício da “dúvida radical” como indica
Bourdieu.
18
O percurso de construção da presente pesquisa constou de pesquisa bibliográfica e
de análise documental. Sendo analisados os capítulos do Estatuto Social da Igualdade Racial
que dispõem acerca das cotas na mídia, em especial nas telenovelas.
Também realizei a coleta de dados baseada em entrevistas por questionários com
senhor Ademir Ferreira que exerce um cargo de diretoria no Centro Brasileiro de
Documentação e Informação do Artista Negro (CIDAN), cruzei as informações auferidas com
os posicionamentos dos autores de telenovelas Walcyr Carrasco, Aguinaldo Silva, Benedito
Ruy Barbosa, e dos diretores Denise Saraceni e Ali Kamel que se posicionaram abertamente
contra as cotas nas telenovelas através de declarações dadas a imprensa. Dialoguei também
com o Senador Paulo Paim, autor do Estatuto Social da Igualdade Racial.
Utilizei como ferramenta teórica às discussões de Mignolo (2004), Quijano
(2005), Santos (2005), e Lander (2005) acerca da colonialidade do saber e do poder; as
discussões de Stuart Hall (2003), e Sodré (2000) acerca dos processos de formação/afirmação
da identidade; fazendo interface com a questão da imagem, representação, e estereótipo pelas
telenovelas.
Objetivo com esta pesquisa analisar o debate em torno da proposição das cotas em
telenovelas, debate que tem como atores sociais, o Senador Paulo Paim, autor do projeto de
cotas, os autores de telenovelas, e o Centro Brasileiro de Informação e documentação do
Artista Negro (CIDAN). Intento problematizar as reações e conseqüências do adensamento
deste debate, que faz interface com a problemática relacionada à inserção de negros em
telenovelas, que historicamente camuflaram o negro sob o mito da mestiçagem, como uma
estratégia de branqueamento.
Operacionalizei um breve resgate histórico acerca das participações de negros em
telenovelas da década de 60 ao inicio do século XXI, de modo a sinalizar as conjunturas
sob as quais emergem a proposição das cotas em telenovelas, e do debate constituído em
torno delas.
Acionei também as categorias teóricas desenvolvidas por Jesus Barbero (1997)
um dos precursores da moderna tradição latino-americana dos estudos de recepção dos meios
televisivos. Barbero (1997, p.19) afirma que “mais do que de meios, a comunicação é hoje
uma questão de mediações, ou seja, de cultura”, concretizando um momento privilegiado da
recepção e da produção de sentido. As mediações são para Barbero, “o lugar” de onde é
possível compreender a interação entre o espaço de produção e o da recepção. Ao considerar
que o que se produz na televisão não responde unicamente a exigências do sistema, da
indústria midiática, e a estratagemas comerciais, mas respondem também a exigências que
19
vêm da trama cultural e dos modos de ver, Barbero ofereceu suporte para fundamentar o que
denomino de ameaça simbólica”, que consiste na possibilidade de aprovação do projeto de
cotas que levou os autores de telenovelas a criar um núcleo mínimo de atores negros em cada
folhetim desde a divulgação do projeto pela mídia em 2001.
Refleti sobre algumas participações de negros em telenovelas após a proposição
das cotas, partindo da perspectiva que Bhabha (1998) chama de deslocar a imagem”,
proposta que reside no entendimento de que considerando o discurso constituído pelas
relações coloniais, o ponto de intervenção (análise e reflexão das imagens), deve ser
deslocado do imediato reconhecimento das imagens como positivas e negativas, para uma
análise que seja sensível aos processos de subjetivação configurados pelos ranços da
colonialidade, e da neocolonialidade.
Entendo fundamento em Garcia (1995) que neocolonialidade designa o processo
de resistência às políticas afirmativas para negros e índios, e de fomento ao discurso colonial,
em favor da manutenção de privilégios de elites dominantes, formados por brancos que
resistem a concessão de direitos diferenciados aos grupos minoritariamente representados, e
desprovidos de poder econômico e político como é o caso dos negros.
A redação do trabalho dissertativo foi empreendida sob o signo das disposições
legais mais atuais sobre o projeto de cotas foco desta pesquisa, que consiste na sua aprovação
por aclamação na Comissão de Constituição e Justiça do Senado, em 09/11/2005, através de
um substitutivo do Estatuto Social da Igualdade Racial que contemplou a questão das cotas
em telenovelas. O substitutivo acolhido contemplou também os aspectos principais
defendidos pelo Senador Paim na proposta original, prevê a criação de mecanismos indutores
de igualdade de oportunidade no mercado de trabalho, assegurou a previsão de um fundo
monetário de promoção de igualdade racial, no afã de financiar ações previstas, no estatuto,
dispõem ainda pela instituição do sistema de cotas nas universidades públicas, além de
assegurar reservas de vagas como meios para garantir a visibilidade aos negros nos meios de
comunicação, e produtos midiáticos. expectativa de que haja sem tardança a sanção do
mesmo pelo presidente da república, haja visto, que sua efetivação segue as disposições
presentes no plano de ação assinado pelo Brasil enquanto compromisso assumido na Terceira
Conferência Mundial Contra o Racismo, a Xenofobia, e a Intolerância Correlata, realizada em
Durban, na África do Sul em 2001.
20
2 A SUBALTERNIZAÇÃO DO NEGRO NOS PRODUTOS MIDIÁTICOS
O homem, enquanto ser social, constroe uma lógica simbólica e tem suas ões
norteadas pelas exigências desta mesma lógica. Esta premissa me leva a inferir, que a vida
social é um construto de representações construídas historicamente num processo de interação
entre o individuo e o grupo. As classificações, as representações e a reciprocidade são
consideradas como elementos universais em todas as culturas. Geertz (2003) indica que
cultura" são "teias de significados" tecidas pelo homem; ou seja, o significado que os
homens atribuem às suas ações e a si mesmos.
Fundamentado em Cuche (1999) considero que as diferenças culturais são geradas
pelas escolhas, pelas formas através das quais, cada grupo cultural “inventa” soluções
originais para os problemas que lhes são colocados pela vida em sociedade. É relevante
sinalizar que essas escolhas não são simplesmente mecânicas ou empíricas, elas são
condicionadas pelas disputas pelo poder entre os diferentes grupos e povos. Nessas disputas,
as “diferenças” são constituidas como sinais emblemáticos para classificar, hierarquizar, e
inferiorizar os indivíduos, grupos e povos, num processo simbólico-cultural que promove a
transformação de características biológicas em desigualdades sociais.
No afã de desnaturalizar esta “hierarquização” que apresenta interfaces culturais e
raciais, me remeto às discussões de Mignolo (2003) sobre a colonialidade do poder e saberes
subalternos. Segundo este autor, a expansão colonialista ocidental desencadeada no século
XVI, não teve apenas um caráter econômico e religioso, mas oportunizou também à expansão
de formas hegemônicas de conhecimento que moldaram a própria concepção de religião e de
economia. Ou seja, foi à propagação de um conceito representacional de conhecimento e
cognição que se legitimou como hegemonia epistêmica, política e ética. Logo, configurado
pela lógica colonial/moderna, este sistema tem buscado impor e naturalizar uma forma de
conceber o mundo a partir da cosmovisão eurocêntrica, e este processo de colonização se
legitimou subalternizando e animalizando as representações e visões de mundo dos povos
colonizados.
Mignolo enfatiza a afirmação de Darcy Ribeiro, de que os povos colonizados,
despojados de suas riquezas e do fruto de seu trabalho sob o jugo da dominação colonial,
teriam sofrido a degradação de assumir que a sua imagem era um mero reflexo da cosmovisão
européia, que considerava os povos colonizados como biologicamente inferiores porque eram
negros, ameríndios ou mestiços.
21
Para Mignolo, a diferença colonial concretiza um padrão de classificação do
planeta no imaginário social colonial moderno, empreendida pela colonialidade do poder,
atuando como uma energia e/ou um maquinário, que transformou diferenças em valores. O
autor afirma que o racismo constitui uma matriz que permeia todos os domínios do imaginário
social no sistema colonial moderno. Logo, o “ocidentalismo” seria a metáfora sobranceira,
construída e reconstruída pelas muitas mãos, através das quais passaram a história do
capitalismo e as ideologias em transformação, motivadas pelos conflitos imperiais (Mignolo,
2003, p. 37).
Neste horizonte, Santos (2005, p. 28), em concordância com Quijano (2005), e
Lander (2005), afirma que o processo de colonização tanto política, quanto epistemológica,
pressupôs a criação de um outro entendido como um ser intrinsecamente desqualificado, um
ser dotado de características inferiores, e por isso disponível para ser usado e expropriado.
Para Santos (2005) a intensidade desta produção de alteridade colonial assumiu várias formas
de interiorização inclusive a criação do conceito de raça.
Santos (2005, p. 29) pontua que, para o colonizador, ao outro inferior e exterior é
delegada uma condição de natureza selvagem, de modo que a natureza transformada em
recurso, não tem outra lógica senão a de ser explorada e expropriada até seu limite.
Lander (2005, p.238) afirma que os povos colonizados, incluindo os africanos,
foram classificados como raças inferiores, com o respaldo do conhecimento científico, de
modo que este processo gestou e legitimou uma colonização das perspectivas cognitivas, dos
modos de produzir ou outorgar sentidos à experiência material ou intersubjetiva.
Quijano (2005) considera que dois processos históricos estabeleceram-se como
padrões de poder. O primeiro foi desencadeado pela codificação das diferenças entre
conquistadores e conquistados, e o segundo é fundamentado na idéia de raça, no qual uma
suposta distinção na estrutura anátomo-biológica outorga à uns uma posição natural de
inferioridade em relação ao outro.
Para Quijano (2005) o desenvolvimento nas Américas, das relações sociais
ancoradas na idéia de raça, formou identidades que até então não existiam, o colonialismo
instaurou as categorias índio, negro, mestiço, branco, redefiniu outras como português,
espanhol, e posteriormente europeu, termo este que até então somente indicava a procedência
geográfica, ou o país de origem. Com o advento da colonialidade, estes termos ganharam uma
conotação racial entre as novas identidades.
Neste sentido, a Europa passou a figurar como a Id-entidade entre as
identidades e os povos colonizados (conquistados, dominados e escravizados) foram situados
22
numa posição naturalizada de inferioridade, e consequentemente seus traços fenotípicos, suas
descobertas mentais e culturais também foram subalternizadas.
Ancorado nas discussões aqui expostas acerca da colonialidade do poder e a
conseqüente constituição de sujeitos e saberes subalternos, considero que os produtos
midiáticos culturais, como a telenovela, refletem diretamente a herança colonial do país, e
elencam o estereotipo branco europeu-cristão como o Estabelecido” (Elias, 2000), ou seja,
como o individuo que ocupa posição de prestigio e poder, e que se auto percebe e é
reconhecido como um elemento formador da boa sociedade; e assim, resta aos demais grupos
compostos por negros e indígenas, o papel de outsiders”, ou seja, o de grupo alheio a boa
sociedade, ocupando uma posição de subalternidade em termos sociais, econômicos e
culturais.
As relações inter-étnicas podem ser consideradas como modalidades particulares
de relações sociais, e não podem ser compreendidas se forem analisadas isoladamente da
totalidade social que as configuram, influenciando os demais elementos da sociedade, e sendo
por eles influenciadas. Guimarães (1999) pontua que o racismo consiste num modo específico
de “naturalização” da vida social, explicando as diferenças construídas socialmente como se
estas fossem naturais. Para Munanga (2004, p. 20) o racismo consiste teoricamente numa
ideologia essencialista, que postula a divisão da humanidade em grandes grupos chamados
raças contrastadas, que têm características físicas hereditárias comuns, sendo estas últimas
suportes das características psicológicas, morais, intelectuais e estéticas e se situam numa
escala de valores desiguais. Assim, o racismo é uma crença na existência das raças
naturalmente hierarquizadas pela relação intrínseca entre o físico e o moral, o físico e o
intelecto, o físico e o cultural.
Conforme Santos (2002, p. 61) a ideologia racista alimenta-se de valores estéticos
em relação ao negro, do fascínio e mistério que a África exercia, “transformando” a diferença,
e o mistério, em anormalidade e monstruosidade.
Paulatinamente foram aglutinados um mito após outro, atribuindo além da noção
de inferioridade aos indivíduos negros, adjetivos como a vadiagem, e a incompetência como
atributos peculiares. Deste modo, foi configurado o perfil do individuo negro no país como
um anticidadão. Nesta perspectiva, o racismo atuou no século XIX no Brasil como uma
ideologia que objetivou afastar negros e brancos para que não houvesse o enegrecimento do
país. Em contrapartida, esta ideologia que atuava de forma sutil, e bem estruturada, prejudicou
a auto-estima do negro que passou a perder, de forma tenaz, o atrativo por sua herança
fenotípica, passando a almejar a miscigenação como uma possibilidade de branqueamento.
23
A colonialidade instaurou um sistema de representação, que figura como um
regime de verdade, e este é estruturalmente semelhante a realidade, porque foi naturalizado. E
neste sistema a pele branca foi imbuída de novos significados, com o aval de ciência da
época. Assim,a brancura foi atribuída ao status de superioridade e privilégio.
Propiciando a representação do branco como modelo universal de humanidade,
Frankenberg (1995) define a construção da branquitude a partir do significado do ser branco,
num universo racializado, como um lugar estrutural, do qual o sujeito branco vê aos outros e a
si mesmo, numa posição de poder não nomeada, vivenciada em uma geografia social de raça.
A branquitude enquanto “lugar” de sujeitos sociais propicia uma posição de
conforto, no qual a hierarquia social e a preservação da individualidade nunca são
questionados. E que permite ao homem branco ser detentor do status da individualidade, o
individuo negro que tem sua negritude construída em oposição à branquitude, não é dotado de
individualidade, e um negro é uma unidade representativa dos estereotipos de todos os negros.
Segundo Piza (2004) a representação do branco como um referencial universal de
humanidade confere-lhe invisibilidade e neutralidade racial, e conforto nas relações inter-
raciais, o negro em contrapartida é mimizado a uma coletividade sobre a qual se estabelece
a relação de traços fenotípicos com esteriotipos sociais e morais.
Sódré (2000) afirma que numa sociedade regida esteticamente por um paradigma
branco, a clareza de pele impera como uma marca simbólica de uma superioridade imaginária,
que estabelece estratégias de diferenciação social, e/ou de defesa contra as expectativas
colonizadoras de miscigenação, e convergências entre indivíduos de diferentes etnias.
Ancorado nos estudos sobre mídia e construção da identidade, Sodré (2000,
p.259) destaca a permanência da rejeição à alteridade simbolizada pela fenotipia escura, ou
pelas palavras do próprio autor:
[...] após séculos de persistência nas formas sociais e na conscientização do sujeito
dito ocidental, a distinção racial perpassa a cultura contemporânea em níveis
diversos e com características de um verdadeiro mal-estar civilizatório, o que sugere
a latência de uma gica (simbólica, psicossocial) mais ampla do que a subsumida
no discurso da economia e da política. Trata-se na verdade da hiperracionalização
sistemática dos juízos de valor positivos sobre a civilização ocidental, que se reforça
na medida em que se fortalecem os seus mecanismos racionalizantes (tecnologia,
ciências),essencializando ou naturalizando a cultura [...] (SODRÉ, 2000, p.259).
Considero que a “aportagem oficial” do segmento negro na história do Brasil a
partir da escravidão, fomenta o preconceito, que é retroalimentado por representações nos
currículos escolares, e nos produtos culturais e midiáticos como a telenovela numa
perspectiva estereotipada, subalterna e folclorista.
24
2.1 A Telenovela como retrato da mestiçagem
A telenovela brasileira sagrou-se como um produto midiático-cultural, complexo e
holográmatico, resultante de particularidades da história do país e do próprio desenvolvimento
da televisão.
A trajetória da telenovela reflete o processo de desenvolvimento das
telecomunicações no Brasil, que por sua vez exige a aportagem de um resgate da história
nacional a partir da década de 50 do século XX. O inicio da teledifusão no Brasil remete a
fundação da Tv Tupi de São Paulo, canal 3, fundada em 18 de setembro de 1950 por Assis
Chateaubriand.
Com o golpe dos militares em 1964, processou-se o atrofiamento das instituições
políticas nacionais, adotando-se um modelo político centralizado que cerceou a autonomia
dos Estados que integram a federação brasileira, estabelecendo incentivos para atrair
empresas multinacionais, e dinamizando o mercado interno por meio de mecanismos de
concentração de renda que alargava os contornos da classe média. Sob o signo destas ações,
foi desencadeado o desenvolvimento da indústria da televisão no Brasil, implantada desde
1950.
Nos primórdios da televisão brasileira predominava uma programação composta
de séries, filmes, jornais, desenhos animados shows de variedades importados dos Estados
Unidos da América. Existiam poucas produções nacionais, e estas poucas eram ao vivo, sob a
forma de programas como noticiários, entrevistas, comentaristas esportivos, teatro, musicais,
shows de auditórios e o novo filão que se constituía: as telenovelas.
A estreante produção nacional foi atomizada com a introdução da tecnologia do
vídeo-tape, superando as dificuldades da gravação ao vivo e propiciando a reprodução de
programas gerados nos centros urbanos dos estados do Rio de Janeiro e São Paulo, que
sediavam as primeiras emissoras.
O governo militar capitalizou o setor das telecomunicações, aplicando uma gama
de recursos na montagem de infra-estrutura para viabilizar a radioteledifusão. Os militares
incentivaram a produção de programas nacionais, em parte pela restrição à participação de
estrangeiros na propriedade de meios de comunicação e também, pelo resguardo da ideologia
da segurança nacional, que sobrevalorizava a identidade cultural brasileira.
O controle sobre a televisão era exercido pela censura do Estado, que também era
o maior anunciante nos quadros comerciais das emissoras.
25
Os setores mais pauperizados da população brasileira foram contemplados com a
instalação de televisores em praças públicas. Assim, a televisão forneceu suporte para
legitimação do governo militar, que através da censura a telejornais e programas de
entrevistas, propagou pelo país sua mensagem nacionalista que, para Santos, Souza e Arroyo
(1994, p.48) mesclava ingredientes xenofóbicos, paternalistas, e anticomunistas.
O processo de popularização da televisão permitiu a incorporação das camadas
populares ao consumo dos produtos culturais propagados pela televisão, e precipitou as
emissoras a estabelecerem uma sintonia com as preferências das massas.
Assim segundo Santos, Souza e Arroyo (1994, p.47) teve início a fase da televisão
brasileira caracterizada pelo resgate de padrões estéticos peculiares ao humor circense, ao
melodrama das radionovelas, e aos ritos das manifestações folclóricas, deste modo, a televisão
preencheu a lacuna deixada pela atividade política, banida do cenário nacional pelo regime
militar.
O reconhecimento da realidade nacional, ainda que turvada pelas matizes da
censura, contribuiu significativamente para consolidar a integração nacional, disseminando
pelo país o sentimento de brasilidade, Guibernau (1997) argumenta que o sentimento de
nacionalidade é uma resposta a necessidade de identidade de natureza eminentemente
simbólica, na medida em que proporciona o estabelecimento de raízes baseadas na cultura e
num passado comum, assim como oferece um projeto para o futuro. As produções nacionais
de programas e principalmente as telenovelas, oportunizavam a construção e legitimação
deste sentimento nacionalista.
Ortiz (1985) considera que, se por um lado era urgente a necessidade de
elaboração de uma cultura brasileira, por outro se observava como esta se mostrava
inconsistente. Assim, o ideal nacional era na verdade uma utopia a ser alcançada no futuro,
através do branqueamento da sociedade brasileira, ou seja, a mestiçagem seria o instrumento
que oportunizaria a construção desta realidade, que passou a ser estimulada. Para Ortiz (1985,
p.21) a mestiçagem moral e étnica, no sentido real e simbólico era vista como uma
possibilidade de aclimatação da civilização européia no Brasil. Assim, o mestiço representava
uma categoria que expressava uma necessidade social de elaboração da identidade nacional.
Ortiz lembra, que ainda figuravam no imaginário social as idéias de cientistas
sociais do século XIX, que apregoavam que o mestiço, enquanto resultado do cruzamento
entre raças desiguais, concentraria todos os defeitos e taras transmitidas pela herança
biológica. Do ponto de vista simbólico, a mestiçagem efetivaria uma realidade inferiorizada
no elemento mestiço, logo, a miscigenação moral, intelectual, e racial do povo brasileiro,
26
poderia existir enquanto possibilidade, haja visto que o ideal de nação somente seria
alcançado com o processo de branqueamento da população.
Ortiz (1985, p.37) lembra que a ideologia do “cadinho das três raças”, enquanto
mito explicativo do processo de formação da população brasileira, começou a ser forjado no
final do século XIX, e a categoria mestiço, era, para autores como Silvio Romero, Euclides da
Cunha, e Nina Rodrigues, uma expressão da realidade social do momento histórico, e
correspondia, no plano simbólico, a uma busca por uma identidade. Nesta fase o elemento
negro estava ausente das análises, pois a escravidão circunscrevia limites epistemológicos
para o desenvolvimento pleno da atividade intelectual.
Somente com o advento do movimento abolicionista, a passagem do regime
escravagista para o capitalista, a implementação do regime republicano, e os processos
políticos e sociais de busca de soluções para equacionar a problemática da mão de obra, que o
negro passou a participar das preocupações literárias nacionais.
No final do século XIX, e inicio do XX foi engendrada a “fabula das três raças”,
que pregava que, no laboratório das selvas tropicais brasileiras, as três raças (branca, negra,
indígena) se misturaram e formaram o povo brasileiro. Inicialmente, o mito das três raças
tinha bases puramente simbólicas, e não conseguia se ritualizar, pois não haviam condições
materiais para isto, porque ainda pairava no imaginário coletivo brasileiro, a existência de
dogmas que afastavam brancos e negros. O autor argumenta que “o mito das três raças”,
expressava a intenção de fundar o moderno Estado brasileiro, e neste horizonte, o mestiço
tornou-se “nacional”.
O advento do modernismo no Brasil buscou consolidar o desenvolvimento social,
e as teorias raciológicas foram superadas por outras que enfatizam mais os aspectos culturais.
Assim, as obras de autores como Caio Prado, Gilberto Freyre, e Sérgio Buarque de Holanda,
eliminaram uma série de resistências a respeito da mestiçagem, transformando sua
negatividade em positividade, reforçando os contornos da identidade nacional que vinha
sendo desenhada, e assim o “mito das três raças” adquiriu condições materiais para se
ritualizar.
Ortiz pontua que a reprodução do “mito das três raças”, permitiu aos indivíduos
de diferentes grupos de cor e classes sociais ressemantizarem o entendimento acerca das
relações raciais que experienciavam. Na medida em que os brasileiros se apropriaram das
manifestações de alguns grupos de cor, e as integraram no discurso unívoco nacional, através
da mestiçagem, as especificidades de cada raça foram paulatinamente diluídas.
27
O autor considera que a construção de uma identidade nacional mestiça dificultou
o discernimento entre as fronteiras de cor. Um exemplo disso é o momento em que o samba e
a feijoada foram promovidos ao titulo de símbolos nacionais, às custas do esvaziamento de
sua especificidade de origem negra. O “mito das três raças” não somente encobriu conflitos
raciais como possibilitou que todos os brasileiros se reconhecessem como mestiços nacionais.
Este sentimento de brasilidade mestiça é retratado nas telenovelas brasileiras. È
difundido o ideal de que a nação é mestiça, e todos os atores de telenovelas são mestiços.
Assim, todos os brasileiros podem se sentir retratados nas telenovelas, não necessitando
inserir negros, e índios especificamente. Deste modo, as telenovelas reforçam a temática da
mestiçagem, legitimando a falácia de que o Brasil é uma democracia racial, forjando a
inexistência do racismo, corroborando para a manutenção de uma projeto de branqueamento
explicitado pela vigência de um paradigma de beleza branco, veiculado como se fosse o
espelho da nação.
Castels (1999) pontua que os produtos midiáticos funcionam como sistemas de
feedbacks, refletindo a cultura, que por sua vez, funciona também respaldada por intermédio
dos materiais propiciados pela mídia. Esta relação entre mídia e cultura esquadrinhada pelo
autor, oportuniza o entendimento acerca da contribuição das telenovelas na difusão e
legitimação da ideologia da mestiçagem, referendando assim, o processo de branqueamento
no Brasil.
2.2 O Negro na Telenovela: invisibilidade e estereotipação
Discutir a participação e a representação do negro nas telenovelas brasileiras exige
o entendimento das contradições e preconceitos, presentes nas relações étnico-raciais no
Brasil. Obras acadêmicas como a de Joel Zito Araújo intitulada A Negação do Brasil: o
negro na telenovela”, e a coletânea Espelho Infiel: o negro no telejornalismo”, de Rosane
Borges e Flávio Carrança, a pesquisa A Identidade da Personagem Negra na Telenovela
Brasileira”, de Solange Martins Couceiro de Lima, da Escola de Comunicação e Artes (ECA)
da Universidade de São Paulo (USP), estudo que faz parte do projeto:“Ficção e realidade: a
telenovela no Brasil; o Brasil na telenovela”; estes estudos que tiveram projeção nacional,
perpassando os muros das academias, propiciando uma provocação a repensar os processos
de representação e inserção de afro-descendentes nos espaços sociais midiáticos.
Entendo, ancorado no pensamento de Piza (2004), que a forma de representação
de negros em telenovelas, se processa de forma estereotipada, porque um personagem negro
28
representa toda a coletividade de indivíduos negros, e trás agregado a si, toda sorte de idéias
sobre negritude já configuradas no imaginário social. O processo de estereotipo cerceia a vida
mental dos indivíduos, estereótipos estes arraigados na cultura brasileira, desde a época da
escravidão, fundamentados em teorias racistas que se perpetuam a os dias atuais e são
expressas nas telenovelas.
Defino o estereótipo como uma imagem simplificada, construída através de
generalizações sobre um grupo, não levando em conta as diferenças presentes no interior
dessa coletividade. Segundo Silveira (2000, p. 303) a prática de construção de estereótipo
promove a redução, a essencialização e a naturalização das diferenças.
Segundo Silva (2001) as noções de imagem e estereotipo estão ligados de uma
forma ou outra a noção de representação, como foco inscrito na invisibilidade, e no registro.
Porém, a noção de imagem se localiza em uma epistemologia denominada “realista”, ou seja,
a imagem capta a realidade e a cristaliza. Logo, a imagem concebida como reflexo, mantêm
uma relação de passividade com a realidade, limitando-se a reproduzi-la.
A imagem é concebida também como que expressando uma visão estática do
processo de significação. Ou seja, é concebida como registro, pois imagem vai refletir uma
realidade. Para Silva (2001) a noção de imagem esta ligada aos conceitos de imitação,
reprodução, mimese, reflexo, e iconização. Miranda (2006) entende que a representação é
uma realidade construída e de certa forma legitimada pelo registro, pela intencionalidade da
referida representação.
A imagem estereotipada do negro nas telenovelas é elaborada a partir de um
processo de estigmatização deste segmento étnico, assim, considero que o ato de
estigmatizarindica tomar qualquer marca diferencial de um individuo, e reduzi-lo a esta
característica. Ou seja, Estigmatizar é atribuir um rótulo a alguém, tomando como sinal
emblemático, elementos como a gordura ou magreza, a cor da pele, a estatura, o
comportamento, a situação econômica ou geográfica, enfim, qualquer traço que carregue
alteridade frente aos padrões considerados "normais".
Susman (1994) define estigma como qualquer traço persistente de um indivíduo
ou grupo que evoca respostas negativas ou punitivas. Condições consideradas incapacitantes
são estigmatizantes na medida em que evocam respostas negativas ou punitivas.
Para Goffman (1994), o estigma refere-se a uma situação em que o indivíduo está
inabilitado para a aceitação social plena, e destaca que o estigma configura-se como algo
externo ao indivíduo. O autor considera que os discriminadores procuram fazer com que o
indivíduo portador de estigma, seja exposto o tempo todo. O objetivo é submetê-lo
29
constantemente à prova, no afã de fazer com que seja legitimada sua inferioridade. Fazendo
com que o estigmatizado se sinta desacreditado, inviabilizando sua atuação, e sua inserção
efetiva em um grupo social, ou em uma instituição. Para Goffman, este é o procedimento que
oportuniza a configuração das condições de deterioração da identidade da vítima de
estigmatização, a partir da qual se facilitam a manipulação de seu comportamento, atitude,
sentimentos, potencializando mecanismos de exclusão. O autor entende que um dos aspectos
mais perversos do processo de estigmatização é o que se refere à sua legitimação por parte do
próprio discriminado.
Tavares (2004, p.03) afirma que a estigmatização a que foi submetida a população
afro-descendente no Brasil, foi o elemento determinante no processo de configuração de sua
exclusão midiática, o que, em termos mais amplos, significaria invisibilidade e não
reconhecimento, que os meios de comunicação são fontes capazes de viabilizar
reconhecimento e, por extensão, visibilidade, pois o mundo atual é regido pela comunicação.
Logo, o tratamento dispensado pela mídia, em especial pelas telenovelas à população negra
contribui para a (re) estigmatização anteriormente empreendida, seja pela invisbilidade ou
pela representação carregada no estereotipo.
A inserção dos atores negros nas telenovelas brasileiras se processa de forma
parcial e descontínua, centrada, segundo Tavares (2003, p.04) em 3 estereótipos clássicos. O
primeiro está relacionado à imagem do negro passivo, focado na sexualidade (corpo) e alegria
(espírito). O segundo está relacionado com a violência, criminalidade, revolta e marginalidade
social. O terceiro e mais em voga atualmente, é o que retrata a imagem do negro enquanto um
sujeito solitário, definitivamente encaixado num ideal de branqueamento. Ou seja, nem
mesmo quando aparece como um profissional bem sucedido, ele deixa de corroborar a
imagem estereotipada do negro passivo, cordial e subserviente, com um perfil semelhante
aos empregados domésticos e trabalhadores braçais, reafirmando no senso comum o legado
sócio-histórico de escravidão.
Os enredos das telenovelas brasileiras refletem diretamente as relações
assimétricas de poder entre as diferentes matrizes étnico-raciais, e apresentam extremada
resistência em incorporar e legitimar a história e as contribuições culturais dos “povos
vencidos”, (na realidade brasileira os negros e os índios). Os folhetins nacionais reservam ao
negro dois estigmas: invisibilidade ou a visibilidade perversa recheada de estereótipos. Sodré
(1999) diz que a televisão brasileira está para o negro assim como o espelho está para o
vampiro. O negro olha: não se reconhece, não se vê!
30
Considero que é possível ler a invisibilidade delegada ao negro nas telenovelas
ancorado no fato da totalidade dos folhetins temáticos ou de época produzidas no Brasil,
contarem a saga dos imigrantes europeus, sobretudo portugueses e italianos, retratando scricto
sensu a “história oficial” do país, propagada pelos livros didáticos, e pela ideologia da
democracia racial brasileira.
Tomando como exemplo a novela temática Sin Moça (Rede Globo, 1986 e
2006), a trama inspirada no romance homônimo de Maria Pacheco Fernandes, tem como pano
de fundo a luta pela abolição do modelo escravagista. Entretanto, este processo de luta pela
liberdade, na novela é protagonizado por ilustres “sinhozinhos” e “sinhazinhas” brancos,
sensibilizados com o sofrimento dos negros. O enredo do referido folhetim retrata negros e
negras como indivíduos passivos, omissos e dependentes dos heróis brancos”, omitindo as
revoltas, as organizações quilombolas, e as outras formas de resistência dos negros à
escravização.
Silva (2006) considerou a telenovela Sinhá Moça uma falácia da realidade
brasileira da época, pois em 1888, quando a Lei Áurea foi assinada, 95% dos africanos e seus
descendentes haviam conquistado a liberdade, fosse através da luta quilombola, fosse por
meio de fugas generalizadas, ou mesmo pela própria falência do modelo escravista. O autor
polemiza que as inúmeras e importantes rebeliões do século XIX, como a revolta dos Malês,
ou as radicais ações libertárias de grupos negros articulados em todo país, sequer merecem
menção no folhetim em questão.
O remake de Sinhá Moça em 2006 chamou a atenção do Ministério Público da
Bahia, e o levou a instaurar um inquérito civil alegando que o enredo da novela não estaria
prejudicando a auto-estima da população negra, como também deturpando a história da
escravidão no Brasil. A Rede Globo respondeu ao ministério público, afirmando que a novela
é uma simples adaptação de uma obra literária e tem como objetivo entreter, informar e
educar. A nota da emissora é encerrada com a seguinte afirmativa: o caminho dos negros é
longo, árduo, e penoso, mas a liberdade lhe aguarda no fim, tal qual aconteceu na história do
Brasil”.
Grande parte das telenovelas temáticas apresentaram distorção no que tange a
composição racial do Brasil, como em Terra Nostra (Rede Globo, 1999) que retratou o Brasil
no final do século XIX, mostrando a proletarização dos imigrantes italianos, e a situação dos
negros recém libertos. O autor desconsiderou o fato que dois terços da população da época era
composta por negros. Terra Nostra, teve um impacto positivo sobre a auto-estima da
comunidade de descendentes de italianos. Zanini (2005) pontua que a recepção da telenovela
31
em foco, favoreceu a reflexividade acerca da noção de pertencimento “italiano”, dinamizando
as manifestações culturais de comunidades de descendentes de italianos.
os personagens negros, ficaram, como de costume, cativos nas armadilhas da
invisibilidade ou da visibilidade calcada no estereótipo. A construção do estereótipo negro,
segundo Sodré (1999, p. 246), surge entre a identidade social real (comparada por traços
reais) e a identidade virtual (aquela que é conferida ao outro). Essa identidade virtual tem
como base o imaginário social, ancorado na “tradição ocidental de preconceitos e rejeições”.
E é a partir dela que são produzidos os estereótipos em torno do negro. Ou seja, a imagem dos
indivíduos negros que tem origem na época da escravidão, segue viva ainda hoje na sociedade
brasileira.
Corroborando esta afirmação, Carneiro (1999) destaca uma passagem da
Telenovela Terra Nostra, em que um personagem negro, o “Menino Tiziu” (o nome Tiziu
designa um pássaro preto) reclama de sua sorte ingrata com a seguinte frase: “Deus não quis
me embranquecer”, Carneiro problematiza o impacto deste discurso na auto-estima da
população negra, especialmente das crianças. A referida autora destaca também, outro diálogo
entre o “Menino Tiziu” (André Luiz) e o italiano Mateo, em que o menino negro diz ao
italiano que se o imigrante não se comportar direito, o capataz lhe colocará no tronco, como
fazia com os negros. Mateo, interpretado pelo ator Thiago Lacerda, reage mostrando todo seu
caráter de herói italiano, afirmando que se o capataz lhe colocar no tronco será um homem
morto.
Para Carneiro esta é a chave explicativa dessas construções estereotipadas, a
mensagem subliminar é a de uma suposta resignação dos negros a escravidão, e ao mesmo
tempo ressaltar que a bravura, o orgulho, e a garra do branco imigrante que jamais se
submeterá aos tratamentos dispensados à população negra, enfatizando e legitimando a
premissa de que garra, orgulho, brios, e bravura são atributos que só a brancura pode conferir.
A autora destaca que as telenovelas difundem a subserviência e o infantilismo dos
personagens negros, reiterando uma visão preconceituosa de uma humanidade incompleta do
negro que se contrapõe a completude humana do branco, mesmo que sejam brancos de classes
subalternas. A autora aponta que estes enredos de telenovelas temáticas fazem
intencionalmente uma leitura do passado, que omite a violência da escravidão, as diversas
formas de resistência perpetradas pelos negros, sinalizam uma abolição inconclusa, e exaltam
o papel dos processos de migração européias, romanceando a estratégia das elites locais de
promover o processo de branqueamento da população. O impacto na contemporaneidade
dessa fidelidade dos folhetins à “história oficial” é a desqualificação das lutas por igualdade
32
de direitos, por afirmação da identidade étnico-racial, e por reivindicação de políticas
afirmativas para grupos negros.
Entendo que a escravidão negra no Brasil é uma base usada ideologicamente para
justificar a subalternização social do negro. O aportagem nos currículos escolares, nas obras
literárias e nos produtos midiáticos como a telenovela, corrobora para a fomentação do
preconceito dirigido a este segmento. O racismo é a expressão de uma ideologia que se
propagou no mundo moderno, e promoveu a justificação do sistema escravista.
As relações de produção escravistas colocam o negro em uma posição social de
subjugação, de trabalho forçado, de exploração econômica, de opressão e violência simbólica
e material. As representações constituídas no imaginário social com base na matéria prima
deste sistema de opressão, promoveram o desenvolvimento de uma ideologia racista que ainda
vigora em muitos espaços sociais.
Para Araújo (2000) a inserção de negros em telenovelas brasileiras é apenas um
espelho do preconceito racial que impera no país. O autor chama este processo de “A negação
do Brasil”, pois as telenovelas negam etnicamente a realidade do país, haja visto que, na
Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílios de 2005 do Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE), a população parda corresponde a 43,2% do total e a preta a 6,3%. Seriam,
portanto, 49,5% da população brasileira que poderiam ser considerada negra ou afro-
descendente, e um breve levantamento etnográfico da configuração étnica do elenco de
qualquer telenovela produzida no país sinaliza de forma gritante este descompasso.
Araújo (2000) considera que a ausência do negro na telenovela, ou a
representação de sua imagem galvanizada pela subalternização, é conseqüência de um
preconceito racial gerado pela exclusão social das populações negras no país, populações
estas que para o autor continuam vivendo as mesmas compulsões desagregadoras da auto-
imagem, reforçada pela indústria cultural brasileira, a qual insiste simbolicamente no ideal de
branqueamento. O autor analisa a presença de personagens negros em telenovelas no período
de 1963 a 1997, problematizando as conseqüências destas propostas de representação nos
processos de construção identitária no país. Inicia sua discussão apontando os primórdios da
participação negra na televisão brasileira, pontuando o sucesso da atriz negra Isaura Bruno, na
telenovela Direito de Nascer (1964), interpretando a personagem Mamãe Dolores, e a
escalação do ator branco, Sérgio Cardoso, para interpretar um personagem negro, que seria o
protagonista da telenovela Cabana do Pai Tomás (Tv Tupi, 1968). Para fazê-lo, o ator era
pintado de preto, usava rolhas no nariz e atrás dos lábios. A emissora justificou que a
escalação de um ator branco para interpretar um personagem negro, mesmo existindo outros
33
atores negros capazes de protagonizar o folhetim, foi unicamente no afã de atender as
exigências dos patrocinadores. Este episódio inaugurou o chamado Blackface, procedimento
em que atores brancos são pintados de preto, prática muito utilizada nos Estados Unidos da
América; o blackface atua reforçando o entendimento de que existe uma alma branca sob e
pele negra.
Ainda na década de 60, as poucas inserções de personagens negros em telenovelas
brasileiras tinham como pano de fundo o amor inter-racial, protagonizado pelos atores Leila
Diniz, Natália Thimberg e Zózimo Bulbul na telenovela Vidas em Conflito (Tv Excelsior,
21hrs, 1969. Neste período ocorreram também inserções esporáticas de negros nas
telenovelas, como a do jogador Pelé, que interpretou um serviçal na novela Os Estranhos,
além de outras participações sem maior densidade de atores negros interpretando empregados
domésticos ou capatazes, corroborando a imagem de subvalorização do negro nos primeiros
anos da televisão brasileira.
È relevante sinalizar que a novela Vidas em Conflito, de autoria de Teixeira Filho,
se arvorou a retratar a primeira família de classe média negra na televisão brasileira.
Entretanto o enredo foi alterado para eliminar os poucos personagens negros da trama. O
autor Bráulio Pedroso, que era dono de um estilo inovador em suas tramas, foi despedido da
TV Globo quando preparava a sinopse da novela Preto no Branco, que tinha o projeto de ter o
personagem Aristides como o primeiro protagonista negro de uma telenovela.
Araújo (2000) pontua que no inicio da década de 70, autores como Janete Clair,
Jorge de Andrade e Dias Gomes, introduziram personagens negros em suas tramas. Porém,
nenhum deles chegou a ser protagonista ou antagonista, foram personagens de pouca
densidade em relação ao enredo central. O maior destaque fica por conta da telenovela
Pecado Capital (Rede Globo, 20hrs, 1975), de autoria de Janete Clair, na qual o ator negro
Milton Gonçalves, interpretou um psiquiatra formado em Harvard. Segundo Araújo, esse foi o
primeiro sucesso de critica e de público para um personagem negro inserido na classe média.
Ainda na década de 70, Araújo indica que as telenovelas escritas por Dias Gomes
apresentavam uma “especial simpatia” por aqueles indivíduos que viviam em condições
subalternas nas relações entre as classes sociais no Brasil. Entretanto, destaca que este
conceito de simpatia pode ter sido conivente à imobilidade social. Segundo o referido autor,
nesta mesma década, alguns enredos de telenovelas abordaram romances inter-racias, que
repetiram o estereotipo da Cinderela, que ascende socialmente através do relacionamento
afetivo. Outro chavão que permeou os folhetins da época foram os tipos cômicos e pitorescos,
que em 90% eram interpretados por negros nos folhetins e programas da Tv Tupi, enfatizando
34
que o lugar do negro era o da tragédia ou do circo. as telenovelas Globais que enfatizavam
a escravidão, como Escrava Isaura, de Gilberto Braga, e Sinhá-moça, de Benedito Rui
Barbosa, além de instaurar o fato de que a escrava negra de maior sucesso da TV brasileira
era branca, retratavam a figura do branco como salvador da dignidade negra.
Nas décadas de 80 e 90, período em que a televisão brasileira conquistou
definitivamente o mercado internacional, o espaço destinado para atores negros foi
relativamente ampliado, pois nesta época houve um aumento na produção de novelas
regionalistas (tramas cujos enredos não se desenvolvem em capitais ou centros urbanos) e
épicas, que demandavam pela criação de personagens negros.
Araújo (2000) destaca que esta ampliação se deveu também ao fato dos demais
autores de telenovela começaram a seguir a proposta da dramaturga Janete Clair, e criaram
alguns personagens que compunham a chamada classe média negra. Segundo o autor, neste
período, de 98 telenovelas produzidas pela Rede Globo, excetuando-se as que abordaram a
temática da escravidão, em 28 delas não foi encontrado nenhum personagem negro, em
apenas 29 produções o numero de atores negros ultrapassou 10% do total do elenco.
Considero que o caráter contraditório desta realidade fica mais agudizado nas
telenovelas regionais, como Tieta (Rede Globo, 20hrs, 1989) de Aguinaldo Silva. A trama
inspirada no romance homônimo de Jorge Amado se desenvolve no agreste baiano, região
onde a maioria da população é afro-descendente. Entretanto, na novela em questão não existia
nenhum personagem negro.
Em Roque Santeiro (Rede Globo, 20hrs, 1985), na sinopse original o autor Dias
Gomes pretendia retratar o romance entre a protagonista da história, a Viúva Porcina com seu
fiel capanga Rodézio, interpretado pelo ator negro Toni Tornado. Porém, os grupos de
discussão e patrocinadores da novela não aceitaram ver a atriz Regina Duarte, considerada
uma namoradinha do Brasil se envolver com um negro. Destaco uma passagem desta novela,
em que Porcina se referiu ao seu capanga como um negro de alma branca, pelo fato deste lhe
devotar uma fidelidade canina. Este discurso indica o único lugar possível, reservado ao negro
no imaginário social da novela em questão. Nesta mesma telenovela o autor Dias Gomes,
inseriu um promotor negro, interpretado pelo ator Milton Gonçalves. A novela retratou
inúmeros discursos de personagens que se surpreendiam pelo fato do novo promotor da
cidade ser um homem negro, todavia a participação de Milton Gonçalves foi curta. Araújo
(2000) destaca que o negro não é o único discriminado na telenovela, o índio também sofre
com a invisibilidade ou a representação pautada no estereotipo negativo. O autor destaca que
em Aritana (Rede Globo, 22 rhs, 1979) o personagem principal, um índio, era interpretado
35
pelo ator branco Carlos Alberto Riccielli. Seguindo este padrão que Araújo denominou de
estética sueca, as personagens mulatas dos romances de Jorge Amado, quando adaptadas para
telenovelas, foram sistematicamente interpretadas por atrizes brancas.
Lima (2000) estudou a representação de personagens negras de 1975 a 1988 e de
1988 a 1997, e concluiu que a telenovela no Brasil contemporâneo, reflete uma situação de
racismo não explícito característico da ideologia racial, com momentos de avanço e de
retrocesso. A maneira como são tratadas as personagens negras no enredo da telenovela
reflete essa ambigüidade e, ao mesmo tempo em a que reflete, reforça a imagem do negro que
vem sendo construída e transmitida pelas grandes redes de televisão a milhões de
telespectadores no País: uma pessoa humilde ou em condição social subalterna, pobre, com
pouca instrução e educação. Ser mulher negra, é ser sensual. E quando esses estereótipos o
estão presentes, o negro acaba sendo visto, no mínimo, como exótico, num universo de
brancos.
2.3 A retratação do conflito racial
As últimas décadas do século XX, marcaram o início da abordagem do conflito
racial de forma explicita nas telenovelas brasileiras, começando pela novela Marina (Rede
Globo, 18hrs, 1980) a atriz negra Léa Garcia interpretava Leila, uma professora de história
que se posicionava claramente sobre a questão racial brasileira, tinha uma filha chamada
Lelena (Íris Nascimento) que não conseguia fazer amigos na escola pelo fato de ser negra.
Destaco também a novela Corpo a Corpo (Rede Globo, 20 hrs, 1983), na qual a
personagem Sônia, vivida pela atriz negra Zezé Motta, era discriminada, e se vingava dando a
volta por cima, doando sangue para salvar a vida de seu maior algoz.
Outro destaque fica com a telenovela Pátria Minha (Rede Globo, 20hrs, 1994),
que mostrou o preconceito racial explicitado pela violenta agressão verbal sofrida pelo
personagem negro Kennedy (Alexandre Moreno), acusado de roubo por seu patrão o vilão da
história, Raul Pelegrini (Tarcisio Meira) que fundamentava sua acusação unicamente no fato
de seu empregado ser negro. Em A Próxima Vitima (Rede Globo, 20hrs, 1995) o autor Silvio
de Abreu mostrou as dificuldades que uma família negra, mesmo sendo de classe média alta,
enfrentava para assegurar seu espaço social. Destaco o momento na trama em que o dono de
uma construtora na qual a família adquiriu um luxuoso apartamento, se propôs a comprar
novamente o imóvel, pois os outros moradores não gostariam de ter como vizinhos uma
família de negros num condomínio de alto padrão. Em A Indomada (Rede Globo, 20hrs,
36
1997), a vilã da novela, Altiva (Eva Wilma), se recusava a aceitar o casamento inter-racial do
filho, e renegava os netos frutos desta união.
2.4 Inserções “afirmativas” de Negros em Telenovelas
Araújo (2000, p. 222-223) considera que um avanço positivo na representação de
personagens negros foi na novela Pacto de Sangue (Rede Globo, 22 hrs, 1989), que deu aos
personagens negros, tratamento semelhante ao que os brancos costumam receber nos folhetins
históricos, mostrando que o Brasil é o resultado do empenho de diversas etnias.
Considero extremamente positiva a inserção de personagens negros na telenovela
Tocaia Grande (Rede Machete, 22hrs, 1995). O autor Walter Avacini mostrou uma família de
um coronel negro, que tinha significativa densidade na trama.
A Rede Manchete inovou, ao produzir a novela Xica da Silva (Rede Manchete,
22hrs, 1996), dando a atriz negra Thaís Araújo o papel-título. A Trama que se desenvolvia no
Brasil colônia no século XVIII, legitimou a contribuição social, política e cultural do negro,
destacando as lutas quilombolas, e a religiosidade africana.
Fonte: www.eflog.net/xicadasilva (2007)
Foto 1- Atriz Thais Araújo e Zezé Motta, na novela Xica da Silva
Até a metade de 2007, das 500 telenovelas produzidas no Brasil, apenas 4 tiveram
negros como protagonistas ou antagonistas, Ruth Souza em Cabana do Pai Tomás (Tv Tupi,
1968), Thaís Araújo que protagonizou Xica da Silva (Rede Manchete, 22hrs, 1996), e Da Cor
37
do Pecado (Rede Globo, 19 hrs, 2004), e Lázaro Ramos e Thaís Araújo que protagonizaram
Cobras e Lagartos (Rede Globo, 19hrs, 2006).
Fonte: www.globo.com.br
Foto 2 - Atores Lazáro Ramos e Thais Araújo na novela Cobras e Lagartos
2.5 O Ator Negro na Telenovela: o não reconhecimento profissional
Os desdobramentos das relações coloniais sobre a inserção de negros em
telenovelas, estão para além da invisibilidade, e da estereotipação, quando incluídos nos
folhetins. Os atores negros enfrentam muitas dificuldades em ter reconhecidos seus talentos.
Atrizes negras como Léa Garcia, Chica Xavier, e Ruth de Souza que amealham mais de 40
anos de carreira em teatro, cinema telenovelas, só recebem convites ocasionais para integrar o
elenco de alguma novela.
Uma outra problemática atrelada a este reconhecimento é a questão salarial, pois
até nas telenovelas o ator negro, na categoria de profissional, recebe um salário menor do que
um profissional branco em igualdade de qualificação. Seguindo assim uma tendência
apontada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), de que a renda per capita do
negro é 2,5 vezes inferior a do branco. A realidade relativa a diferença salarial entre negros e
brancos nas telenovelas brasileiras foi denunciada pela atriz Neuza Borges em entrevista
concedida a apresentadora Luciana Gimenez, no programa Superpop (Rede TV, 21 hrs, 2003)
no dia 08/10/2003. A atriz afirmou que atores negros recebem salários inferiores aos atores
brancos, e usou sua experiência de vida para corroborar sua declaração. Relatou que quando
estava gravando a novela A Indomada (Rede Globo, 20 hrs, 1997), solicitou seu afastamento
38
das gravações, alegando que recebia um salário inferior ao que recebiam atrizes brancas
iniciantes. “cansei de ir para o Projac, gravar a novela, juntando moedinhas para pagar a
passagem de ônibus”, declarou Neuza.
Fonte: www.teledramaturgia.com.br
Foto 3 - Atriz Neuza Borges na novela América
A situação exposta pela atriz comprova que a diferença salarial entre negros e
brancos, em igualdade de níveis de qualificação, e ocupação, também se expressa nas
telenovelas, e de uma forma perversa, porque desqualifica o talento de profissionais com anos
de carreira, subalternizando-os diante de atores iniciantes.
Na mesma entrevista Neuza Borges esclareceu que seu último papel nas
telenovelas só lhe foi oferecido porque a autora dos folhetins em que atuou era Gloria Perez, e
esta por ser sua amiga pessoal, sempre lhe reserva um personagem em cada novela que
escreve, o que rende a atriz, um contrato temporário de trabalho com a emissora, ou seja, é
contratada somente para atuar em uma telenovela específica, diferentemente de outros atores
que assinam contratos longos de exclusividade com a emissora, independentemente de
estarem ou não escalados no elenco de alguma novela. A última participação de Neuza
Borges, na televisão, foi na novela América (Rede Globo, 20hrs, 2005).
O exposto aponta que a defasagem salarial, e o fato de alguns atores negros
conseguirem papeis em telenovelas por relações de amizade com autores, são expressões do
não reconhecimento profissional do ator negro.
39
3 A PROPOSIÇÃO DA POLÍTICA DE COTAS PARA NEGROS NA MIDIA
BRASILEIRA
A ausência, ou a esteriotipação de personagens negros nas telenovelas, faz incidir
sobre a população de telespectadores negros, uma forma voraz de discriminação: a injustiça
simbólica de carecer de figuras modelares de identificação que os ajude a construir uma auto-
imagem positiva e suficientemente forte, para resistir ao embates gestados pelo preconceito
racial.
Tavares e Freitas (2004) argumentam que, pensar sobre o desempenho das
identidades raciais na mídia brasileira traduz-se por travar um debate sobre as formas de
exclusão, ou quando incluídos, estigmatização, reservada a população negra nos espaços
sociais midiáticos no Brasil. A inserção da imagem de negros nos espaços midiáticos na
mesma proporção da inserção de brancos é um ponto fulcral na pauta de reivindicações do
Movimento Negro, que entende esta inserção, como um instrumental de desconstrução dos
estereótipos e folclorizações sobre a imagem do negro.
Telles (2003) argumenta que no meio televisivo, a primeira ão afirmativa pró-
negro surgiu em 1984, quando a atriz Zezé Motta criou o Centro Brasileiro de Documentação
e Informação do Artista Negro (CIDAN), para promover atores e modelos negros e assim
responder as justificativas dos autores e diretores de novelas que alegavam não oferecer
oportunidades de trabalho a artistas negros porque estes não estavam disponibilizados no
mercado de forma qualificada.
O CIDAN concentra suas atividades na feitura e divulgação de um cadastro de
atores e modelos negros, estimulando sua participação e reconhecimento através da mídia, e
das agências de propagandas comerciais e institucionais, bem como proporcionando
assistência jurídica no campo trabalhista a estes profissionais. O CIDAN é hoje uma
organização da sociedade civil sem fins lucrativos, constituída sob a forma de direito privado,
e esta sediado na cidade do Rio de Janeiro.
A tentativa institucionalizada de implementação de cotas para negros na mídia
surgiu em 1990, com o projeto de lei dos vereadores petistas negros Jurema Batista e Antônio
Pintanga (que também é ator) que dispunha pela inclusão de artistas e modelos nos filmes e
peças publicitárias encomendadas pela prefeitura do Rio de Janeiro. O referido projeto foi
aprovado e culminou com a lei municipal 2325, e institucionalizando a inclusão de 49% de
40
atores negros nas propagandas de agências particulares contratadas pela prefeitura do
município do Rio de Janeiro.
Ainda no início da década de 1990, a pressão do movimento negro da Bahia e a
iniciativa de políticos negros locais, resultou na aprovação da lei estadual determinando que,
as campanhas publicitárias do Estado, devem apresentar reserva de vagas, para que
mimimanente um terço dos modelos ou atores sejam negros. Na época da discussão e
aprovação do referido projeto, os favoráveis a sua aprovação estavam ancorados nos dados do
IBGE que sinalizavam que 75% da população baiana era constituída por negros (pretos e
pardos segundo classificação do IBGE).
Em esfera federal a primeira proposição de cotas na mídia surgiu em 1995, por
ocasião da Marcha Zumbi pela Cidadania e pela Vida”, em homenagem aos 300 anos de
morte de Zumbi dos Palmares. A marcha que contou com milhares de pessoas, tinha como
destino Brasília, e permitiu que ativistas do Movimento Negro, e lideranças sindicais
expusessem suas demandas ao congresso nacional e ao então Presidente da República
Fernando Henrique Cardoso. Os militantes que organizaram a marcha exigiam medidas
concretas de combate à discriminação racial. Em resposta ás reivindicações, o presidente da
república anunciou a criação do Grupo de Trabalho Interministerial-GTI, que foi encarregado
do desenvolvimento de políticas públicas voltadas a valorização da população negra.
Telles (2003) destaca que a Marcha Zumbi dos Palmares fez com que pela
primeira vez, o líder máximo do governo brasileiro reconhecesse a existência do racismo no
país, anunciando a possibilidade de medidas de promoção de justiça racial. O autor lembra
que o GTI foi encarregado de gerar propostas para a inclusão dos negros na sociedade
brasileira, e essas idéias foram publicadas em um documento de 72 páginas.
Neste documento, está disposto o Projeto de Lei encaminhado pelo Movimento
pelas Reparações (MPR), proposto pelo então Deputado Paulo Paim (PT/RS), e defendendo
uma reserva de cotas mínima de 20% para a participação de negros no mercado audiovisual
(programas de televisão, novelas, seriados e filmes) e de 40% no mercado publicitário. O
projeto foi vetado em 1998, e não foi alvo de destaque pelos meios de comunicação.
Em 1999, a deputada Nice Lobão (PFL-MA) elaborou e submeteu a aprovação da
câmara e do senado o Projeto de Lei das Cotas (PL 73/1999) que tinha em seu corpo,
dispositivos que tornavam compulsória a reserva de vagas para negros em vestibulares,
concursos públicos e empresas privadas.
Entretanto, desde 1997 a Assembléia Geral da ONU (Organização das Nações
Unidas) havia decidido pela realização da Terceira Conferência Mundial Contra o Racismo,
41
Discriminação Racial, Xenofobia, e Intolerância Correlata, a ser realizada em Durban na
África do Sul em Agosto de 2001. A Conferência em Durban efetivaria a terceira conferência
mundial sobre o racismo. As duas precedentes, de 1978 e de 1983, foram dedicadas ao
apartheid e ao sionismo, problemáticas que a maioria dos países tratam na esfera de suas
atuações diplomáticas e de políticas externas.
A Conferência de Durban começou a ser pensada em resposta a constatação de
que o racismo é uma realidade em todas as sociedades e que constitui grave ameaça para a
segurança e a estabilidade dos países. Segundo os proponentes, o enfrentamento desta
realidade, exige o exame das causas históricas, socioeconômicas e culturais do racismo. Por
isso a abortagem da escravidão e do tráfico negreiro na agenda da Conferência, afinal tais
crimes eram justificados na teoria da hierarquia das raças humanas, fundamentando as
expressões contemporâneas de racismo.
Telles (2003) enfatiza que a Conferência de Durban, objetivava rever progressos
alcançados no combate ao racismo desde a adoção da Declaração Universal dos Direitos
Humanos de 1948. Igualmente, visava a formulação de medidas de combate ao racismo em
nível nacional, regional e internacional.
Um primeiro encontro preparatório para a Conferência Mundial, foi realizado em
Genebra entre os dias 1 e 5 de Maio de 2000. Esta prévia permitiu que o governo brasiliero
sinalizasse seu interesse em estreitar diálogo com o Movimento Negro, até então intermediado
pela Fundação Cultural Palmares. A aproximação do movimento negro com o Estado
brasileiro foi iniciada nas reuniões das prévias à Assembléias da Constituinte em 1985.
Trevinõ (2005) argumenta que este processo é resultante de uma mudança de
enfoque nas demandas do Movimento Negro, anteriormente pautadas fundamentalmente em
atividades anti-discriminação, direcionando-se então para o desenvolvimento de políticas
públicas concretas que viabilizassem a melhoria das condições de vida, e o status social dos
negros brasileiros. No que tange a mudança na postura do Estado Brasileiro frente a questão
racial, Trevinõ percebe este processo como fruto de uma confluência de fatores não
relacionadas a sociedade civil e ao Estado, mas também a influência de tratados e disposições
transnacionais.
Considero que a discussão e a proposição pelo Estado, do Estatuto Social da
Igualdade Racial concretiza o que Trevinõ (2005) chama de confluência contra
hegemônica”, e designa a postura do Estado brasileiro em referendar algumas propostas do
Movimento Negro, para assim promover o enfrentamento das desigualdades étnico-raciais no
país.
42
D’Adesky (2001) pontua que a receptividade do estado brasileiro em implementar
políticas de ação afirmativa para negros, expressa a legitimidade do movimento enquanto
ator social, que passa a atuar como co-responsavel em processos de formulação, e proposição
de políticas de ação afirmativa.
Walzer (2001) afirma que uma das formas de reagir a exclusão, e a discriminação,
consiste na adoção de medidas anti-discriminatórias, ações afirmativas, e discriminação
positiva em favor das minorias.
D’ Adesky (2001) considera que em certas circunstâncias, o Estado deve
empreender temporariamente ajuda, e apoio apara assegurar a sobrevivência, e o
desenvolvimento desses grupos e comunidades portadores de diferenças que as inferiorizam.
Jones (apud Guimarães 2005) define por ação afirmativa, ações públicas ou
privadas, ou programas que prevêem ou buscam propiciar oportunidades ou outros benefícios
para indivíduos, tendo como base, dentre outros elementos, a pertença a um ou mais grupos
específicos.
Conforme Guimarães (2005, p. 153) a expressão ação afirmativa refere-se a
programas de políticas públicas ordenadas pelo executivo ou legislativo, ou implementados
por empresas privadas, voltados para o acesso de membros de minorias raciais, étnicas,
sexuais, ou religiosas, a escolas, contratos públicos e postos de trabalho. O autor esclarece que
o termo nasceu conservando o sentido de reparação por uma injustiça passada, e tinha caráter
de ação reparatória.
Segundo Pantoja (2007) o Estado brasileiro passou a estar pressionado de um lado
pelo Movimento Negro, que exige o reconhecimento de direitos diferenciados para a
população negra brasileira, e pressionado, por outro lado por aqueles que se opõem ao
reconhecimento desses direitos embasados na máxima universalista de que “Todos tem
direitos iguais na República Democrática”, (titulo da carta de manifesto contra as cotas, e
contra o Estatuto Social da Igualdade Racial). Assim, o Estado experiencia o dilema de operar
o universalismo e o diferencialismo na aplicação de sua política. Pantoja esclarece que o
universalismo compreende um modelo assimilacionista dominante, baseado no esquecimento
das múltiplas origens, e na anulação das diferenças. Além de dominante, esta perspectiva
sustenta o discurso dos defensores da coesão nacional, da homogeneização cultural,
inscrevendo-se na constituição Federal através do discurso da unidade e da igualdade.
Para Pantoja (2007) o diferencialismo expressa um modelo minoritário que
valoriza as identidades coletivas, e as tradições específicas, alem de recusar a utilização de
toda e qualquer escala universal de valores entre cultura e os povos.
43
Esta perspectiva constitui-se como uma critica em relação ao consenso
transnacional, e opõe-se à tendência do Estado em privilegiar a hegemonia da cultura
ocidental em detrimento das culturas indígenas e dos grupos de origem africana.
A atual postura do Estado Brasileiro é de diálogo e negociação entre as
perspectivas universalista e diferecialista, num processo político que busca efetivar diretrizes
da Constituição Federal de 1988, além das disposições do Plano de Ação de Durban,e é neste
cenário que aporta o debate em torno da proposição das cotas para negros nos produtos
midiáticos como as telenovelas.
Assim, legitima seu compromisso com a Comunidade Internacional, representado
por tratados e convenções da ONU sobre a eliminação de todas as formas de discriminação
racial (1968). A convenção da OIT sobre discriminação no emprego, e na profissão (1968) e,
principalmente da carta e do Plano de Ação da III Conferência Mundial contra o Racismo, a
Discriminação Racial, e a Intolerância Correlata sediada em Durban.
Guimarães (2005, p. 150) adverte que discutir acerca de políticas de ação
afirmativas no Brasil implica em engajar-se num debate que contempla minimamente duas
perspectivas. A primeira é de cunho axiológico e normativo, ou seja, centra-se na correção ou
não do tratamento de qualquer individuo, a partir de características adscristas e grupais. Esta
perspectiva entende que todo e qualquer indivíduo, deve ser tratado a partir de suas
características individuais, de desempenho e de mérito, independentemente da situação do
grupo social a que pertence.
O autor destaca que algumas posições podem ser facilmente identificadas nessa
perspectiva axiológica, como a posição liberal que aceita discutir o tratamento de modo
diferenciado e privilegiado para indivíduos pertencentes a determinados grupos que são, ou
foram alvo de discriminação negativa e difusa em amplos setores da vida nacional. Porém,
esta aceitação é circunscrita a situações concretas e a condições especificas que tornam estas
políticas permissíveis do ponto de vista moral. A posição conservadora entende que é dos
indivíduos toda a responsabilidade pela posição social que ocupam, e assim, toda e qualquer
interferência estatal nestas questões é considerada indevida. Explicita ou implicitamente, tal
posição sugere que se existe um grupo racial, étnico, religioso, ou sexual em situação de
desvantagem permanente, essa desvantagem deve ser atribuída às características que
identificam o grupo. Contrariamente, a posição esquerdista, questiona as noções de
individualismo, e de mérito, bem como a realidade dos valores que fundamentam as duas
outras posições. Objetiva demonstrar que tais valores são meras fachadas ideológicas para
mascarar uma prática sistemática de opressão e exploração de grupos discriminados e
44
dominados. Assim, sugere que toda e qualquer reação às políticas de ação afirmativas,
expressam ingenuidade, ou mascara uma nova forma de racismo, mais sutil e não declarado.
Guimarães (2005, p. 151) pontua que ganha cada vez mais nas literaturas
acadêmicas, uma segunda perspectiva de discussão, que enfatiza o modo como políticas de
ações afirmativas vieram ou podem vir a se concretizar, e os impactos que tiveram ou podem
vir a ter sobre a estrutura social. Ou seja, busca compreender os antecedentes sociais e
históricos (sistemas de valores, conjunturas políticas, movimentos sociais, e ações coletivas)
que tornaram ou podem tornar possíveis a implementação de políticas públicas de cunho e de
natureza anti-discriminatória em países plurirraciais, ou étnicos, de credo democrático. Tais
discussões enfocam ainda os obstáculos e os incentivos sociais (o sentido do jogo político e
social) para efetivação dessas políticas em situações nacionais concretas. Também podem
refletir sobre as potencialidades, eficiência e eficácia de diferentes políticas públicas para
obtenção de alvos ou metas políticas, e neste caso particular, a ascensão de negros a posições
e ocupações que lhe foram historicamente negadas.
O diálogo do Governo Federal do Brasil com o Movimento Negro, foi estreitado,
porque a conferência de Durban a ser realizada no ano seguinte exigia que os paises
apresentassem propostas para combater o racismo interno.
No quadro de propostas a serem apresentadas em Durban estava em 2000 o
Projeto de Lei de Cotas (3.198/2000) elaborado pelo então Deputado Paulo Paim, e o Estatuto
Social da Igualdade Racial, em favor dos que sofrem preconceito ou discriminação racial em
função de sua etnia, raça e/ou cor, e objetiva a regulação de políticas afirmativas para
indivíduos que estão em condições desfavoráveis de competição.
O Estatuto reza por ações afirmativas para negros através de mecanismos
denominados de ões afirmativas, expressos sob a forma de indenizações, reserva de cotas
em concursos públicos, vestibulares, produtos midiáticos, empresas privadas, iniciativas que
reforçam a criminalização e o combate ao racismo, bem como programas promotores de
igualdade racial. Dispõe também, que o Estado brasileiro deveria indenizar cada afro-
descendente por cota de danos morais e matériais, decorrentes da escravidão negra no país. O
Estatuto alargou as propostas apresentadas pelo Projeto de Lei de Cotas (PL 73/1999)
apresentado em 1999, e considera afro-descendentes, pessoas que se enquadrarem como
pretos ou pardos, ou denominação equivalente, conforme classificação adotada pelo IBGE. A
desobediência às cotas propostas pelo Estatuto, prevê punição com multa e prestação de
serviços à comunidade.
45
Kymlicka (1996) entende que os direitos políticos e civis são restritos a classe
branca. Para este autor, os outros grupos foram excluídos não por causa de seu status sócio-
econômico, mas por causa da sua identidade sócio-cultural da “diferença”. Argumenta que os
direitos comuns de cidadania, definidos pelo homem branco, não podem acomodar os grupos
minoritários. Assim, alguns grupos como os negros, os índios, as minorias étnicas e religiosas,
os portadores de necessidade especiais, e os gays, sentem-se excluídos da sociedade, mesmo
possuindo direitos correlatos de cidadania.
O autor considera que alguns grupos podem ser integrados através do que Íris
Young (apud Kymlicka, 1996) chama de cidadania diferenciada. Ou seja, os membros de
certos grupos devem ser incorporados na comunidade política, não apenas enquanto
indivíduos, mas através do grupo, e seus direitos dependem em parte de sua pertença ao
grupo.
De acordo com Kymlicka (1996), os grupos que foram culturalmente excluídos,
possuem desigualdades e desvantagens sistêmicas nos processos políticos, precisando de
garantias para efetivar sua representação. O autor entende que, para que este déficit seja
minimizado, faz-se necessário dispensar a essas minorias culturais, não um tratamento
idêntico, mas um tratamento diferenciado, que permita que suas diferenças sejam
acomodadas. Este entendimento alarga a noção de cidadania, para além de um conjunto de
direitos e responsabilidades, conferindo-lhe o status de identidade, uma expressão de
pertencimento a uma determinada comunidade política. Kymlicka entende que a cidadania
deve refletir a identidade sócio-cultural peculiar de cada grupo, ou seja, suas diferenças.
Para Pantoja (2007) as demandas de reconhecimento da diversidade cultural
enquanto dimensão do multiculturalismo político aparecem como uma alternativa ante a
ascendência da cultura majoritária. A autora argumenta que embora essa postura
reivindicatória possa desencadear, em certas circunstâncias, efeitos típicos de intolerância, ela
é dotada do mérito de revelar que a cultura dominante, é aquela dos grupos que têm o poder.
Machado (2003) considera que, primeiramente, a identidade constitui uma
tentativa de explicação do indivíduo, como resultado de uma construção psicológica de si
mesmo. Num segundo momento, a identidade grupal ou social é construída, atuando como um
espelho, refletindo o indivíduo segundo a perspectiva de pertença, conferindo-lhe uma auto
percepção que, ancorada nas referências atribuídas ao grupo, instaura uma lógica de ação
comum aos demais indivíduos membros do grupo.
46
Assim, o grupo passa representar, um meio do indivíduo defender sua existência e
visibilidade social, e no momento em que o grupo que o representa, não consegue defender a
existência do indivíduo, é desencadeado o que o autor chama de crise de identidade.
Esta por sua vez, desencadeia uma fragmentação da identidade do individuo com
o grupo, motivando-o a buscar outras vinculações. Em contrapartida, quando existe uma
identidade social positiva, o indivíduo consegue defender sua existência, e ter visibilidade
social, afirmando a vinculação com o grupo, e a construção de uma identidade social forte.
As considerações tecidas por Machado acerca da projeção da identidade grupal na
identidade pessoal, referendam os ideais do Senador Paulo Paim que defende as cotas na
mídia, não apenas para ampliar o mercado de trabalho dos artistas negros, mas por entender
que a população telespectadora, mormente as crianças negras, necessita de referenciais
afirmativos (anjos, fadas, heróis negros, e símbolos da cultura africana) para que possam ter
orgulho de sua identidade. O senador acredita que o trabalho de resgate da auto-estima do
negro é fundamental para que ele assuma sua negritude por inteiro e passe a interagir como
alguém que é tão capaz, como qualquer outro.
Para Hall (2001) a identidade concretiza algo formado ao longo do tempo, através
de processos inconscientes, e não é algo inato. Hall considera que existe sempre algo
“imaginado” ou “fantasiado” sobre sua unidade. “A identidade permanece sempre incompleta,
está sempre sendo formada” (Hall, 2001, p.38). O referido autor acrescenta que a identidade
surge não tanto da plenitude de identidade que esta dentro de nós como indivíduos, mas de
uma falta de inteireza que é “preenchida” a partir de nosso exterior, pelas formas através das
quais nos imaginamos ser vistos pelos outros.
Logo se a telenovela continua a não dar visibilidade, ou promovendo a
estigmatização do afro-descendente, ela não estará colaborando para o processo de construção
e afirmação da identidade negra, retroalimentando o racismo.
No que tange a relação entre as diferentes etnias e os produtos midiáticos, o artigo
24, 25 , 26 do capitulo VII, do Estatuto Social da Igualdade Racial, proposto pelo Senador
Paulo Paim, abordam a questão das cotas nos meios de comunicação, com as seguintes
propostas:
Art. 24. As emissoras de televisão, as agências de publicidade, os produtores de
material publicitário e o Poder Público deverão assegurar a participação de artistas
Afrodescendentes em filmes, programas e peças publicitárias, de conformidade com
as disposições desta Lei.
§ . São pessoas Afrodescendentes, para os efeitos desta Lei, as que se
enquadrarem como pretos ou pardos, ou denominação equivalente, conforme
classificação adotada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
47
§ 2º. Os filmes e programas veiculados pelas emissoras de televisão deverão
apresentar imagens de pessoas Afrodescendentes em proporção não inferior a vinte e
cinco por cento do número total de atores e figurantes.
§ 3º Para a determinação da proporção de que trata o artigo 18 e seus parágrafos,
será considerada a totalidade dos programas veiculados entre a abertura e o
encerramento da programação diária, ou no período compreendido entre a zero hora
e as vinte e três horas e cinqüenta e nove minutos.
§ . As peças publicitárias destinadas à veiculação nas emissoras de televisão e em
salas cinematográficas deverão apresentar imagens de pessoas Afrodescendentes em
proporção não inferior a quarenta por centro do número total de atores e figurantes.
§ Os órgãos e entidades da administração direta, autárquica ou fundacional, as
empresas públicas e as sociedades de economia mista, ficam obrigados a incluir
cláusulas de participação de artista Afrodescendentes, em proporção não inferior a
quarenta por cento do número total de artistas e figurantes, nos contratos de
realização de filmes, programas ou quaisquer outras peças de caráter publicitário.
§ Os órgãos e entidades de que trata este artigo incluirão, nas especificações para
contratação de serviços de consultoria, conceituação, produção e realização de
filmes, programas ou peças publicitárias, a obrigatoriedade da prática de iguais
oportunidades de emprego para as pessoas relacionadas com o projeto ou serviço
contratado.
§ 7º Entende-se por prática de iguais oportunidades de emprego o conjunto de
medidas sistemáticas executadas com a finalidade de garantir a diversidade de raça,
sexo e idade na equipe vinculada ao projeto ou serviço contratado.
§ 8º A autoridade contratante poderá, se considerar necessário para garantir a prática
de iguais oportunidades de emprego, requerer auditoria e expedição de certificado
por órgão do Poder Público.
Art. 25. A desobediência às disposições desta Lei constitui infração sujeita à pena de
multa e prestação de serviço à comunidade, através de atividades de promoção da
não-discriminação racial.
Art. 26. Constitui crime a veiculação, em rede de computadores, de informações ou
mensagens que induzam ou incitem a discriminação ou preconceito de raça, cor,
etnia, religião ou procedência nacional.
A análise do estatuto aponta para o fato, deste priorizar a dimensão puramente
estatística, relativa a inserção de negros nos produtos midiáticos, não havendo nele disposição
acerca de sobre quem, e como deve ser a inserção dos negros nos espaços sociais midiáticos.
Contempla as prerrogativas do estatuto toda e qualquer imagem de negros peças publicitárias,
novelas, ou cinema, não importando, se são mantidos os velhos paradigmas estereotipados
que sempre caracterizaram a participação de negros em telenovelas. Considero que a
problemática envolvendo a participação de negros em telenovelas não têm apenas uma
dimensão estatística, mas é seguramente uma questão calcada na qualidade desta visibilidade.
A proposição das cotas nos espaços sociais midiáticos das telenovelas
representam uma confluência das ações do CIDAN, Movimento Negro, e as políticas de ações
afirmativas.
Entendo que a proposta de cotas para negros na mídia visa instaurar um sistema
de discriminação positiva, para assim arrefecer os efeitos da discriminação negativa que
historicamente os desumanizou nos meios de comunicação. A inserção da imagem dos negros
nos produtos midiáticos televisivos na mesma proporção de brancos é uma questão antiga na
48
pauta de reivindicações do Movimento Negro, para quem esta inserção pode contribuir como
um mecanismo legitimo de ressemantização dos esteríotipos e folclorizações presentes nas
formas de representação do negros no imaginário social da população brasileira.
Guimarães (2005, p.166) pontua que no Brasil, os argumentos contra as ações
afirmativas seguem três direções. A Primeira entende que as ações afirmativas significam o
reconhecimento de diferenças étnicas e raciais entre os brasileiros, colocando em xeque o
credo nacional de o país ter um povo, e uma raça. A segunda posição é defendida por
aqueles que vêem as discriminações positivas como um rechaço ao principio universalista e
individualista do mérito, principio que deve ser a principal arma contra o particularismo e o
personalismo, que ainda norteia a vida pública brasileira. Os partidários da terceira posição
consideram que não existem possibilidades reais, e operacionais para a implementação dessas
políticas no Brasil.
Paulo Paim (2000) defende que como 48% dos brasileiros são negros, quase
metade dos artistas, figurantes, repórteres, apresentadores e locutores deveriam ser
afrodescendentes, Assim, as cotas na dia objetivam arrefecer esta distorção. Conforme
Guimarães (2005, p.159) políticas afirmativas visam corrigir, e não eliminar, mecanismos de
seleção por mérito, e garantir o respeito à liberdade e à vontade individual.
A preocupação com a ocupação dos espaços midiáticos, levou um fórum de
artistas negros a se reunir na primeira semana de setembro de 2003, com representantes da
Secretaria da Igualdade Racial, da Secretaria de Comércio da Presidência, e no do Ministério
da Cultura para discutir a médio prazo, acerca da criação de uma emissora pública afro-
brasileira ligada à Fundação Cultural Palmares. A proposta se inspira no modelo das
emissoras que existem nos Estados Unidos da América. A idéia é não apenas veicular
programas sobre a cultura e história dos negros, mas oferecer espaço para comunidades
negras apresentarem seus próprios programas. Ademir Ferreira, que ocupa cargo na diretoria
do CIDAN, enfatiza que por mais incrível que pareça o negro está mais presente nos
programas da Rede Globo de Televisão, do que nas televisões públicas como TVE, Tv
Senado e outras.
O projeto reza que, em caso de infração as emissoras seriam condenadas a pagar
multa e prestar serviços comunitários de combate às práticas racistas.
Paulo Paim (2000) justifica a necessidade da adoção de políticas afirmativas na
modalidade de cotas no Brasil argumentando que as propostas contidas no corpo do projeto
em questão é fruto da construção feita em perenes diálogos com o Movimento Negro, e não
impede que outros indivíduos discriminados por raça e cor possam contribuir com novas
49
idéias. Paim considera a necessidade de que cada negro brasileiro entenda que as cotas não
visam dar privilégios, mas retirar privilégios.
Respondendo atualmente por uma vaga no senado pelo (PT/RS), Paulo Paim
(2000) justifica que propôs as cotas na mídia por entender que:
A política de ações afirmativas é um dos caminhos para acabar com a desigualdade
no país. Ações afirmativas representam todos os aspectos relacionados à educação,
saúde, moradia, trabalho, cultura, esporte, lazer, etc. As cotas fazem parte deste
contexto. Cotas não são a essência, mas são fundamentais para o avanço da política
que ativa a conscientização e diminui o preconceito.
O Senador argumenta que o negro é um consumidor em potencial, mas foi
condenado a não aparecer nos meios de comunicação social. Para ele a publicidade, que
poderia estar contribuindo para a superação dos preconceitos e facilitando, pela crítica dos
estereótipos, a integração dos afro-brasileiros, só tem contribuído para reforçar sua exclusão.
Para Canclini (1999, p. 88) o consumo é uma das dimensões do processo comunicacional, que
se relaciona com práticas e apropriações culturais dos diversos sujeitos envolvidos neste
sistema. Através do consumo os sujeitos transmitem mensagens aos grupos sócio-culturais
dos quais fazem parte. O autor considera que o consumo não deve ser visto somente como
uma posse de objetos isolados, mas também como uma “apropriação coletiva” destes. Este
processo consideraria relações de solidariedade e, principalmente, de distinção, através de
bens e mercadorias que satisfazem no plano biológico e simbólico, servindo também para
enviar e receber mensagens. Bourdieu (1979) analisou como o consumo de bens culturais e de
mercadorias na França seria determinado pelas características de classe, como grau de
instrução e a origem social. E concluiu que grupos sócio-culturais podem criar representações
acerca do consumo que estaria relacionado à sua posição na sociedade.
Para o diretor do CIDAN, Ademir Eustáquio Ferreira, as cotas na mídia
representam “uma solução para o momento, para darmos início a uma caminhada na solução
do problema das desigualdades. Mas as emissoras de Televisão, e as empresas de publicidades
ignoram as leis”
A proposição da política de cotas contida no Estatuto Social da Igualdade Racial,
referendada pela necessidade da aprovação de medidas indutoras de igualdade, enquanto
compromissos assumidos pelo governo brasileiro em Durban em 2001, têm contribuido para
fomentar o debate acerca das ações afirmativas no Brasil.
Diversos grupos ativistas, movimentos sociais, intelectuais e pesquisadores dos
campos da ciência se posicionaram no debate ancorados em suas posições
50
políticas/ideológicas, e/ou analisando experiências empíricas de instituições públicas de
ensino superior que operacionalizaram concursos com reservas de vagas para negros.
O argumento de que não se pode discriminar positivamente no Brasil, porque não
existem limites rígidos e objetivos entre as raças, é percebido por Guimarães (2005, p.174)
como contendo um viés romântico, haja visto, que confunde identidades raciais, ou seja, o
modo como as pessoas se definem, termo de cor, no país, com identidades pseudocientíficas,
ou identidades raciais utilizadas em contextos culturais. O autor se contrapõe a essa
argumentação afirmando que uma política compensatória tem razão de ser se população
beneficiária compensar por meio dela uma situação de desvantagem e desprestigio. Enfatiza
que a política compensatória tem um âmbito limitado de validade, e não anula a situação
desprivilegiada que visa corrigir pontualmente. Afinal, dificilmente alguém escolheria ser
negro a vida inteira, para na adolescência se beneficiar de regras privilegiadas de ingresso à
universidade. Haja visto também, o estigma que o acesso ás políticas compensatórias trazem.
Guimarães exemplifica o caso de um grupo de caboclos, que ao reivindicarem sua
ancestralidade indígena no intuito de regularizar suas terras, passam com esta atitude a se
relacionar definitivamente com o governo brasileiro numa situação de tutelagem.
O racismo brasileiro, considerado inexistente durante o tempo em que agenda anti-
racista limitou-se ao combate ao racismo de estado, diferencialista e
segregacionista, passou rapidamente, nos anos recentes, a ser teorizado como um
racismo assimilacionista, do ponto de vista cultural, e excludente, do ponto de vista
socieconômico. De inexistente, o racismo passou, agora a ser encarado como um
fator chave na estruturação da sociedade brasileira. (GUIMARÃES, 2005, p.183)
Para Guimarães (2005, p. 184) os argumentos a favor das cotas entendem que
desigualdades sociais no Brasil têm um alicerce racial, no qual a cor explicita parte
considerável da variação encontrada nos níveis de renda, educação, saúde, habitação, etc. A
relação entre cor e estes índices não pode ser explicada pela biologia (pela inferioridade
racial) mas por causas históricas e sociais, que não podem ser revertidas apenas pelas leis de
mercado e por políticas de natureza universalista.
Guimarães (2005, p.185) destaca as experiências bem sucedidas no Brasil, no que
concerne a discriminação positiva, como as cotas para mulheres na carreira política. Paulo
Paim afirma que as cotas são medidas temporárias, e quando não forem mais necessárias, a
exemplo dos EUA, o Brasil não fará mais uso delas. Nas palavras do senador:
51
Quando os espaços forem igualmente distribuídos. Quando os vestígios do
preconceito forem extintos. Quando os homens forem valorizados pela sua
capacidade, pelos sentimentos que levam no coração e nunca pela cor da pele,
estaremos prontos para uma nova era. Estaremos prontos para vivenciar a verdadeira
igualdade
.
No campo midiático, a proposta de Paulo Paim provoca uma polêmica muito
particular, pois ao propor a intervenção do Estado no que concerne a regular a participação de
negros nos produtos midiáticos, implantaria a intervenção política em empresas privadas.
Afinal emissoras de televisão, mesmo sendo estabelecidas por concessão pública, têm
natureza e razão social de empresas privadas, e a intervenção do estado em seus produtos, é
entendida por alguns profissionais da comunicação, como um retorno à prática da censura.
3.1 A “Ameaça Simbólica” da Aprovação das Cotas em Telenovelas
O projeto de cotas foi aprovado pela Comissão de Ciência e Tecnologia da
Câmara no final de maio de 2001. Esta aprovação repercutiu como uma bomba no meio
televisivo. Afinal foi a primeira vez que houve um indicativo de institucionalização de uma
política para resolver a problemática do racismo na mídia brasileira.
Paulo Paim considera que o debate sobre as ações afirmativas contribui para
aumentar a presença de negros em telenovelas, programas e comerciais, a exemplo da novela
Da Cor do Pecado, estrelada pela atriz negra Taís Araújo, e outras novelas que tiveram
negros ocupando posição de destaque na trama.
Entendo que este “aumento” no que tange à participação de negros em programas
de televisão se deve a “ameaça simbólica” da possibilidade de aprovação da política de cotas
no senado federal, porque para autores e produtores de televisão a aprovação do Estatuto
Social da Igualdade Racial, representa uma ameaça ao atual paradigma de escalação de elenco
das telenovelas.
Considero que o debate em torno das cotas em telenovelas legitimou a
necessidade de discussões acerca da exclusão midiática da população negra, e em consonância
com a ação organizada do Movimento Negro, acabou “influenciando simbolicamente” a
produção de telenovelas no país, assegurando a preocupação dos autores e diretores em criar
um núcleo mínimo de atores negros em cada folhetim, desde sua divulgação pela mídia em
2001.
O exposto aponta que, a pressão dos movimentos sociais contra o racismo e
pesquisas acadêmicas denunciando a legitimação deste racismo pelos meios de comunicação,
52
contribuíram para que a invisibilidade do negro neste espaço fosse diminuindo. Afinal, o
maior capital da mídia é sua credibilidade. Assim, a quase totalidade das telenovelas
gravadas no Brasil a partir desta data, ou seja, sob a “Influência Simbólica” do projeto de
cotas, tinha parte de seu corpo de elenco formado por atores negros, mas sempre numa
proporção inferior a 12%.
Entretanto, tal iniciativa fomenta alguns questionamentos, pois no momento em
que o negro passa a ter uma participação maior nas telenovelas, eclodem na mídia as
discussões em torno das cotas. Problematizo que este processo é resultado da resistência das
emissoras à institucionalização das cotas, pois entendem que tal iniciativa colocaria uma
“camisa de força” na liberdade de criação artística, ao se engessar pelas cotas a configuração
étnica de parte do elenco. O autor Walcyr Carrasco (apud Tavares 2003:04) polemiza: “Se
você amarra a criação pode produzir um efeito contrário”.
Partidários do mesmo pensamento de Walcyr Carrasco, outros autores de
telenovelas e diretores de programas de televisão, e publicitários, igualmente publicizaram
suas posições contrárias a institucionalização das cotas.
O publicitário Washigton Olivetto, da Agência W/ Brasil, declarou em entrevista
ao jornal O Estado de São Paulo, de 8 de abril de 2001, que as cotas nos meios midiáticos
concretizam uma afronta ao bom senso de quem luta contra o racismo”. O publicitário
afirmou que o “combate ao apartheid deveria ocorrer com conscientização, e não com
determinações e pseudo-censuras. Olivetto satirizou e polemizou sobre o percentual das
cotas declarando: Por que 25% e 40% e não 30% e 50%, não liberdade para criar deste
jeito; não é assim que se conscientiza a sociedade”.
Na mesma matéria, a Rede Globo através de seu porta-voz Luiz Erlanger elencou
alguns argumentos que fazem com que a “ameaça” de aprovação do projeto consistisse numa
preocupação para as emissoras de televisão: “O critério de escalação de elenco é artístico e
não racial. Se produzirmos o seriado Os Três Mosqueteiros, por exemplo, teríamos de ter um
mosqueteiro negro, que não no original", "Essa história de que quase não negros na
TV é besteira porque todo mundo tem sangue negro. Acho que eles só consideram negro os
que são retintos."
O termo retinto, utilizado pelo porta-voz global, indica que nos programas de
televisão somente espaço para o negro miscigenado, sinalizando que o mestiço, que é
entendido no imaginário coletivo como racialmente equivalente ao branco e ao negros, tem
sua inserção na telenovela percebida como uma possibilidade de construção do comum ás
duas etnias. Considero que este entendimento constitui o mestiço na mídia como o “negro
53
higienizado” (nas palavras de Peter Fry), e promove o enfraquecimento da identidade negra,
porque as peculiaridades fenotipicas e culturais da ancestralidade européia são retratadas e
valorizadas.
Martins (1996, p.207) considera que existe um consenso substabelecido na
sociedade brasileira sobre desigualdade racial, premissa basilar utilizada para deslegitimar a
adoção de políticas públicas para combatê-las.
Difundido por elites brancas, e institucionalizado no imaginário social, inclusive
com a colaboração das ciências sociais, o mito da democracia racial ainda figura como tabela
de verdade no Brasil, e é um poderoso mecanismo de dominação ideológica, embora com
toda crítica a ele tecida.
A diretora de telenovelas Denise Saraceni, em entrevista ao mesmo jornal,
pontuou que o processo de avaliação do teor do projeto começou errado. Segundo ela, o
projeto deveria ser discutido em sociedade, e não entre as quatro paredes do congresso, pois
assim perde o ideal de representar o desejo da sociedade.
Coincidência ou não, na época em que a discussão em torno de projeto de cotas
em telenovelas ganhava vulto, era exibida pela Rede Globo a novela Porto dos Milagres
(Rede Globo, 20 hrs, 2001), ambientada numa cidade da Bahia. No elenco desta telenovela,
dos 45 atores do elenco, apenas 6 eram negros, uma desproporção gritante, haja visto que
dados do IBGE (2001) sinalizam que 76.5% da população baiana é negra (pretos e pardos). O
autor da telenovela, Aguinaldo Silva, quando questionado pelo pesquisador Joel Zito Araújo
sobre esta desproporção , defendeu-se alegando que “branco puro” é apenas a realidade étnica
de apenas 2 ou 3 atores do folhetim. O autor finalizou a discussão auto denominando-se
mulato, categoria que em seu entendimento lhe confere blindagem de qualquer acusação de
racismo.
Também resistente à proposta de cotas nos meios televisivos, o autor Benedito
Ruy Barbosa, em entrevistas ao Jornal do Brasil, em 06/09/2003, afirmou que a
institucionalização das cotas pode inibir a capacidade de criação artística e até provocar
besteiras.
A inclusão de negros no elenco depende da história.Não se pode é forçar a barra e
essa participação ficar irreal. Em Terra Nostra, tive muitos negros em ascensão.
Personagens que procuravam dar aos filhos o estudo que não haviam tido, inclusive
com críticas às restrições que os colégios faziam a crianças negras na época. Uma
vez, algumas associações de negros me criticaram, dizendo que, nas minhas
histórias, os negros eram roceiros, mas, na novela, eles eram o que eram na época
em que a trama se passava (BENEDITO RUY BARBOSA).
54
No inicio de 2002, a Revista Bravo abordava a discussão em torno do Projeto
Paim. O artigo foi antecedido de uma matéria que esboçava um breve histórico, a sub-
representaçao e a estereotipação do negro nas telenovelas. A revista deu espaço para que os
dramaturgos, fizessem uma réplica, e para representante da classe dos autores foi escolhido o
autor Aguinaldo Silva, que escreveu um artigo intitulado “Espelho Distorcido”, no qual
hipotetizou como seria a dramaturgia brasileira depois da implementação do sistema de cotas
para negros em telenovelas. No artigo Silva expressou seu parecer contrário as cotas ancorado
no entendimento de que as cotas falsificariam a realidade mostrada na televisão:
[...] para alguns políticos, e para as bases ativistas que os
sustentam, a questão racial é importante, sim... E eles acham que a televisão
privilegia os (falsos) brancos, em detrimento dos únicos negros que eles reconhecem
nesse país de raças mescladas, misturadas,ou seja,os puros e retintos. Porque acho
que isso seria interferência demais no meu trabalho, e eu prefiro que continue
estabelecido assim: meus personagens terão a raça (ou cor de pele),o caráter e a
opção sexual que eu quiser, ou precisar.
[...] mas não é a realidade que devia mudar primeiro, em vez da dramaturgia? Não é
essa que deve correr atrás daquela? Faço minhas as perguntas de Gilberto (e espero
que ele me perdoe por envolvê-lo nisso) e tento, aqui, dar uma resposta e pôr um
ponto final: acho que os negros, entre os quais orgulhosamente me incluo, devem
correr atrás do prejuízo, sim... Mas na vida real. E quando esta for modificada,
podemestar certos de que a dramaturgia televisiva o será também.
As afirmações de Silva fazem coro ao argumento dos demais autores de que a
rigidez das cotas impõem severas restrições a capacidade de criação artística, que é uma
condição sine qua non para a atividade do escritor. Esta declaração legitima uma
representação tradicional de liberdade de criação que não se aplica a uma realidade de um
autor contratado por uma grande emissora para escrever novelas, que tem seus enredos
discutidos e avaliados por várias instâncias hierárquicas dos quadros administrativos da
emissora. Acerca desta questão Alzemberg (2002, p.34) considera que o direito a liberdade de
impressa, e de criação artística, é equivalente ao direito à informação, e o direito a
comunicação é um direito social, e é à sociedade que pertence o direito à informação, e este
direito não tolhe o direito de liberdade de criação e expressão.
Passeando confusamente pelas esferas do simbólico e do real com a
intencionalidade de deslegitimar a necessidade de aumentar a participação de negros em
telenovelas, Silva separa a realidade (luta social) da ficção (novela), e posteriormente as
articula novamente através do “realismo”, ao afirmar que as novelas retratam a relações
sociais do jeito que são”.
Ao satirizar sobre o quão irreal e ilógico seria ter em uma novela personagens
negros ricos, e ter uma atriz loira e bonita interpretando uma empregada doméstica. O autor
55
indica qual o único lugar possível ao negro em uma telenovela, e também nos demais espaços
sociais. Ao defender a necessidade da preservação deste realismo nas telenovelas, Silva não
atenta para o fato dos folhetins trabalharem com o chamado “real fantástico”, no qual os
enredos não estão presos aos dados reais, sejam eles históricos e/ou quantitativos.
A chantagem feita pelo autor, alegando que ele e possivelmente outros renomados
autores não continuariam a escrever telenovelas caso o projeto de cotas fosse aprovado, indica
a resistência e o desespero que um gradiente da elite branca brasileira sente com a simples
“ameaça simbólica” da possibilidade de aprovação da política de cotas.
Outro ponto polêmico no texto de Aguinaldo Silva é que dentre os demais autores
contemporâneos no Brasil, onde figuram nomes como Glória Perez, Ana Maria Moretinson,
Lauro César Muniz, Antônio Calmon, Silvio de Abreu, Gilberto Braga, Carlos Lombardi,
Walcyr Carrasco, Miguel Falabella, Thiago Santiago, Manoel Carlos e Benedito Ruy Barbosa,
ao se auto-denominar mulato, Aguinaldo Silva reconhece assim vínculos com o segmento
negro, e galvaniza seu discurso corporativista para que não soe como racista.
Parece-me tendenciosa a escolha do único autor de telenovelas que se considera
mulato para elaborar um documento expressando a opinião da classe dos novelistas contra as
cotas, pois ao reconhecer seus vínculos com o segmento étnico negro, ao se auto-declarar
mulato, o novelista estaria blindado de qualquer acusação de estar propagando um discurso
racista.
Silva (2002), ao afirmar que negros (dentre os quais ele se insere) devem correr
atrás do prejuízo imposto pelo racismo na esfera do real, além de desconsiderar a importância
dos bens simbólicos na subjetividade humana, ainda responsabiliza o individuo pela obtenção
de sucesso pessoal e pelo combate as práticas racistas, sinalizando sua postura claramente
liberal no que tange a intervenção do estado no enfrentamento das desigualdades etno-raciais.
Aguinaldo Silva endossa o ideal de branqueamento, substabelecido pela
mestiçagem, argumentando que o mestiço é uma confluência entre negros e brancos, tentando
promover assim a erosão de certezas quanto a brancura ariana de alguns atores brasileiros,
alegando que renomados atores como Fernanda Montenegro, Marcos Palmeira, e Glória Pires
são mestiços.
A Rede Globo tem apoiado iniciativas que objetivam deslegitimar, junto a opinião
pública, a necessidade da aprovação da política de cotas. Um exemplo disso foi o lançamento
do livro de Ali Kamel (2006), que é diretor-executivo da emissora, intitulado: “Não Somos
Racistas: Um reação aos que querem nos transformar numa nação bicolor”. No livro o autor
age como porta voz da emissora carioca, apontando falhas na metodologia do projeto de
56
cotas, como por exemplo, a adoção da categoria raça, para referendar o acesso ao sistema.
Kamel problematiza a utilização deste critério, em face de uma realidade de miscigenação
étnica da população brasileira. Nega a existência do racismo no país e atribui às causas das
desigualdades entre brancos e negros unicamente a pobreza, que para ele atinge a todos os
brasileiros, mas com especial rebatimento sobre o segmento negro. Argumenta que o único
caminho racionalmente aceitável para equacionar esta problemática é promover investimentos
massivos na educação básica. Assim o autor insiste, equivocadamente, na análise social e
econômica das desigualdades raciais, excluindo o enfoque preconceito/racismo, encastelando-
se no entendimento de que, em iguais condições, negros e brancos pobres ascenderão
socialmente.
Para Guimarães (2005, p. 171) a afirmação de que grande parte das desigualdades
raciais no Brasil podem ser revertidas através de políticas universalistas de combate a
pobreza, como propõem os discursos de Ali Kamel e Aguinaldo Silva, expressam uma
constatação tautológica. Para o autor é tautológico o entendimento de que políticas de
educação de massa, saneamento básico, habitação popular, emprego, e distribuição de terras
beneficiariam proporcionalmente mais negros do que brancos. Entretanto, considero que estas
iniciativas não tocam na dimensão subjetiva que estabelece as praticas de racismo, nem tão
pouco, questionam o entendimento da suposta hierarquia racial no Brasil.
Considero que o livro de Kamel é uma tentativa de resguardar os interesses de
determinados grupos sociais, como a classe empresarial, majoritariamente composta por
brancos, e que se sente assaltada com a possibilidade de perda de seus privilégios, com a
institucionalização de direitos diferenciados para grupos historicamente discriminados.
Em muitos programas de televisão, tem sido difundida uma mensagem subliminar
que prega a existência de um certo exagero, no fato de alguns negros se sentirem
discriminados negativamente. Destaco o episódio da série brasileira Malhação (Rede Globo,
17 hrs, 2007) exibido em 27/07/2007, no qual dois jovens negros conversavam sobre a
questão do racismo no Brasil, Um o “revoltado” e outro o “equilibrado”, exatamente no meio
desta conversa, são abordados por uma senhora rica que lhes oferece dois reais e pede para
que manobrem o carro dela, e pergunta se eles estavam aptos a dirigir carros com transmissão
automática. O interessante é que esta mesma senhora era mãe de um personagem que
respondia na série a um processo de racismo. Depois de responderem a senhora rica, os dois
jovens negros retomam a discussão sobre racismo, com os seguintes discursos:
- O revoltado: Entendeu, é isso, é assim que as pessoas nos vêem, desse jeito, como
gente de baixo. Essa mulher e esse filhinho dela são uns idiotas, riquinhos racistas
57
etc.
- O equilibrado : Não concordo, você também está sendo preconceituoso. É
preconceito você dizer riquinho desse jeito, como também é preconceito quando as
pessoas dizem que loura bonita é burra.
Não acho que existe perseguição com a gente por sermos negros
.
Iniciativas como esta, e outras como o Manifesto contra as Cotas, o livro de Ali
Kamel, a campanha contra as cotas protagonizadas pelos autores de telenovelas, seja de forma
declarada como o artigo de Aguinaldo Silva, ou velada como mensagens sutis veiculadas por
meio de discursos de personagens, sinalizam um processo de resistência a institucionalização
das cotas da mídia, e em especial nas telenovelas.
Considero pertinente enfatizar, que os posicionamentos dos autores e diretores de
telenovelas contra as cotas na mídia, expressam um gradiente considerável da população
brasileira contraria a implementação do regime de cotas.
A problemática envolvendo a relação entre a participação de negros em
telenovelas, e a política de cotas, propõe o desafio de não limitar a discussão, à questão de se
as cotas serão ou não institucionalizadas, ou se efetivamente concretizariam uma solução para
equacionar a situação relativa a participação de negros em telenovelas brasileiras, mas sim,
convida ao desafio de analisar e problematizar o debate instaurado entre os diferentes setores
da dia brasileira, os grupos ativistas pró-negro e as ações empreendidas por estes, após a
proposição do projeto que dispõe pela criação de reservas de vagas para negros em
telenovelas.
Considero relevante destacar o questionamento sobre a quem tem favorecido este
“aumento” no que concerne a participação de negros na mídia. A complexidade desta questão
me remete, seguramente ao arrefecimento do debate em torno das cotas, deslegitimando a
necessidade da implementação das ações afirmativas na mídia, também ao Estado Brasileiro,
que foi convidado a intervir no que tange à responder a demanda da visibilidade midiática do
negro. Considero que o Estado tem interesse no que concerne à disseminação do
entendimento de que o Brasil é uma democracia multirracial, atende também as disposições
do plano de ação da Conferência de Durban, e é claro, aos próprios negros que através deste
processo conseguem uma abertura num segmento profissional que sempre lhes foi fechado.
58
4 NEGROS NAS TELENOVELAS SOB “AMEAÇA SIMBÓLICA” DO PROJETO DE
COTAS
Em 2005 uma matéria do Jornal Folha de São Paulo de 20 de fevereiro, trazia
como titulo “Excluídos invadem o horário nobre”. Na matéria, três antropólogos que estudam
mídia e telenovela, foram convidados a analisar o aumento da presença de negros em
telenovelas, tomando como referencia o fato de que as três novelas exibidas no período da
reportagem de diferentes emissoras (Rede Globo, SBT, e Record), tinham negros nos elencos.
O primeiro a se pronunciar foi Edmilson Felipe, que considerou que a imagem dos grupos
hoje é menos caricatural do que a mostrada a uma década antes, mas ainda tem estereótipos.
Para José Jorge Carvalho o tipo de inclusão racial feito nas novelas é conservador, e não-
revolucionário porque isola um núcleo negro do resto dos personagens das tramas. Eliana
Oliveira entende que há uma mudança, mas ainda não é suficiente pelo contingente da
população negra. “Os papéis dos negros são sempre inferiores, de submissão, grandes
talentos, é preciso observar a diversidade.”
No capitulo anterior, argumentei que a proposição da política de cotas, e a
ameaça simbólicade sua aprovação, sinalizada por compromissos assumidos em Durban,
desencadeou a preocupação por parte da mídia, em especial das telenovelas, a assumir uma
postura anti-racista, notadamente caracterizada pela preocupação em inserir personagens
negros em telenovelas. Entendo que esta inserção se processa ainda numa perspectiva
proporcionalmente pequena, ocupando espaços que Grosfogoguel (2007) chama de tokens,
model minority, ou "vitrines simbólicas", dando uma maquiagem multicultural, e multirracial
ao modelo hegemônico branco da mídia, que reflete a colonialidade do poder cotidianamente.
Neste horizonte, Borges e Carranca (2004) chamam de “racismo surpresa” a presença dos
jornalistas negros Heraldo Pereira, e Glória Maria figurando como âncoras de programas
jornalísticos da Rede Globo. Os autores consideram que iniciativas como esta forjam o
entendimento de que o negro esta ocupando um significativo espaço social, criando a
expectativa de que a totalidade da população será igualmente contemplada com esta inserção.
Para Walcyr Carrasco (2007) o fato dos atores negros estarem ganhando destaque
nas telenovelas, a ponto das tramas retratarem famílias de classe média, mocinhas, vilões e
anjos negros é resultado da preocupação da teledramaturgia brasileira em retratar cada vez
mais realisticamente a sociedade, segundo o autor “Os negros estão em um momento de
grandes conquistas, nada mais natural que isso se reflita na televisão”.
59
A atual inserção da imagem de personagens negros em telenovelas envolve,
seguramente, interesses diversos, sejam eles comerciais ou políticos, pois no instante em que
uma imagem é captada e difundida, está automaticamente instaurada a intencionalidade de
quem a captou.
Barbero (1997) considera o intenso fluxo de mediações entre a sociedade e a
mídia, e estas mediações representam o lugar de onde é possível compreender a interação
entre o espaço de produção e o da recepção. O mérito desta proposta reside na compreensão
de que o que se produz na televisão não responde unicamente a exigências do sistema, da
indústria midiática, e a estratagemas comerciais, e políticas, mas também a exigências que
vêm da trama cultural e dos modos de ver.
Antes da proposição da política de cotas, não havia nenhuma preocupação no que
concerne a participação de negros em telenovelas, haja visto que, antes de 2001, foram
produzidas diversas novelas no Brasil que não tinham nenhum ator negro no elenco. no
segundo momento, que nasce sob o signo da proposição da política de cotas, passou a existir
por parte dos autores, uma preocupação em criar um núcleo mínimo de atores negros em cada
folhetim, sendo instaurado um certo desconforto quando este núcleo não é criado, como foi o
caso da telenovela As filhas da Mãe (Rede Globo, 19hrs, 2001), que estreou sem nenhum ator
negro no elenco, mas no meio da novela o ator negro Norton Nascimento foi escalado para
uma breve participação, que foi estendida até quase o final da novela.
Considero relevante destacar que grande parte dos atores negros que estão em
voga atualmente nas telenovelas brasileiras vieram “referendados” pelo cinema nacional.
Ademir Ferreira, diretor do CIDAN, argumenta que não houve aumento na procura por
artistas negros junto a organização mesmo com este “aumentona participação de negros em
telenovelas.
Para conduzir esta discussão acerca da participação de negros em telenovelas após
a proposição da política de cotas, proponho-me a analisar a participação de alguns de negros
em telenovelas produzidas pela Rede Globo, de 2001 a 2007, nos horários das 19 e 20 horas,
que são as que têm maior audiência, optei por analisar novelas em que personagens negros
tiveram destaque na trama, excetuando as novelas épicas que tiveram como pano de fundo a
temática da escravidão, pois nesta é quase que obrigatória” a inserção de negros em papeis
de escravos.
A inserção da imagem de negros em telenovelas pode ser analisada a partir da
perspectiva que Bhabha (1998) chama de “deslocar a imagem”, entendendo que, considerando
o discurso constituído pelas relações coloniais, o ponto de intervenção (análise e reflexão das
60
imagens) deve ser deslocado do imediato reconhecimento das imagens como positivas e
negativas, para uma análise que seja sensível aos processos de subjetivação configurados
pelos ranços da colonialidade, e da neocolonialidade. Entendo o termo neocolonialiadade, a
partir de Garcia (1995), para quem o termo designa o processo de resistência às políticas
afirmativas para negros e índios, e de fomento ao discurso colonial, em favor da manutenção
de privilégios de elites dominantes, formadas por brancos que resistem à concessão de direitos
diferenciados aos grupos minoritariamente representados, e desprovidos de poder econômico
e político. Ancorado na proposta de Bhabha (1998) de analisar as participações de negros
“deslocando a Imagem”, proponho-me a fazer um breve passeio por algumas telenovelas.
Começo meu passeio pela telenovela O Clone (Rede Globo, 20hrs, 2001) de
Glória Perez, que tinha em seu elenco seis atores negros. O folhetim que abordava questões
como a cultura islâmica, a clonagem, e o dia-dia num bairro da periferia do Rio de Janeiro,
tinha personagens negros com participação significativa no enredo, como a personagem
Deusa (interpretada pela atriz Adriana Lessa), que pensando estar fazendo uma inseminação
artificial, acabou sendo cobaia de uma experiência piloto de gerar um bebê fecundado pelo
processo de clonagem, e por isso não tinha características físicas da mãe biológica que o
gerou.
A questão racial foi abordada intensamente em cenas em que “Deusa” saia com
seu filho branco e tinha que responder a perguntas do tipo: se o filho era adotivo, ou se ela era
simplesmente sua babá. A personagem que desconhecia que sua gestação havia sido
subsidiada por clonagem, reagia indignada à estes questionamentos, defendendo sua
maternidade. A situação enfrentada pela personagem evidencia a falaciosidade do mito da
democracia racial, expresso no stress gerado pela situação de mestiçagem, onde o filho não
herda aparentemente características dos progenitores.
.
Fonte: www.globo.com
Foto 4 - Atriz Adriana Lessa, como a personagem Deusa na
novela O Clone
61
Outro personagem do mesmo folhetim que merece destaque é Dalva, interpretada
pela atriz Neuza Borges. Na trama interpretava uma governanta que trabalhava na casa de
uma família rica, e dedicava aos patrões uma subserviência abnegada, uma “mãe preta” dos
filhos dos patrões, reintegrando uma visão da empregada negra, como alguém quase da
família, que devota aos patrões uma fidelidade como uma verdadeira escrava, sem direito a ter
vida própria.
Fonte: www.globo.com
Foto 5 - Atriz Neuza Borges, na novela O Clone
No núcleo do bairro de periferia retratado na novela, destaco o personagem
“Tião”, interpretado pelo ator Antonio Pitanga, que vivia um sambista, que não trabalhava e
se aproveitava financeiramente da namorada, reiterando a visão do negro como o malandro,
que só tem como paixão a bebida alcoólica, o samba, e o futebol.
Em 2002, a telenovela O Beijo do Vampiro (Rede Globo, 19 hrs, 2002) de
Antônio Calmon, estreou com um núcleo de 3 atores negros que compunham uma família, no
universo de 50 atores fixos. Os personagens negros se destacam, pois a personagem “Nair”,
interpretada pela atriz Zezé Motta, era amiga e confidente da protagonista da novela, e tinha
como ex-marido “Pedrão”, interpretado pelo ator Toni Tornado, e tinham um filho chamado
“Carlos” que era vivido pelo ator Carlos Menezes, que era o único médico da cidade em que a
trama se desenvolvi. “Carlos” nutria uma paixão platônica por uma personagem branca, e
mesmo sendo um profissional bem sucedido se considera inferior a mulher amada. Ficava
subliminarmente dito que sua negritude era o empecilho para conquista-la. Esta passagem
62
reafirmava no imaginário social a premissa de que o negro é sempre inferior ao branco num
relacionamento.
Destaco também, no mesmo folhetim, o personagem “Pedrão”, que após tentar
assaltar um vampiro, acaba sendo “vampirizado” por ele, e tem seu nome trocado para
“Godzila”, nome que designa um enorme macaco que protagonizou filmes de terror nos
Estados Unidos da América. Este apelido reafirmava o indicativo de aproximar o homem
negro dos macacos. Além disso, o personagem devotava uma fidelidade canina ao seu
superior. A telenovela abordava o fictício mundo dos vampiros, e “Godzila” o vampiro afro-
brasileiro, era uma atração cômica na trama, por ser exótico, espetaculizando jocosamente a
representação da negritude.
Fonte: www.globo.com.br
Foto 6 - O ator Toni Tornado interpretado “Godzila” o vampiro afro-
brasileiro na novela O Beijo do Vampiro.
Em 2003, estreou a novela Mulheres Apaixonadas (Rede Globo, 20hrs, 2003) de
Manoel Carlos, contando com um cash de 10% de atores negros em seu elenco. A grande
novidade foi que os personagens negros, não estavam restritos apenas aos papéis que
tradicionalmente lhes são reservados nos folhetins nacionais, mas desta vez, interpretariam
cantores, músicos, professores, médicos, e estudantes.
63
Fonte: www.orkut.com.br
Foto 7 - Atores Negros escalados na novela Mulheres Apaixonadas
A novela empreendeu a terceira tentativa histórica de retratar uma família de classe
média alta, composta por negros na televisão brasileira. O folhetim apresentava a família
composta pela cantora “Pérola”, interpretada pela atriz Elisa Lucinda, sua filha, a médica
“Luciana”, interpretada pela atriz Camila Pitanga, o esposo, o pianista “Ataufo”, interpretado
pelo ator Laércio de Freitas, e o filho do casal, Jairo, interpretado pelo ator Diego Jack.
Na cerimônia de lançamento da novela, o autor foi questionado por uma repórter
do programa TV Fama (Rede Tv, 20hrs, 2003) se sua novela fazia alguma referência, a tão
discutida lei de cotas para negros na televisão. Manoel Carlos negou qualquer influência das
cotas, e se declarou apenas preocupado em retratar a mistura de raças que formou o povo
Brasileiro. Por isso, além de criar uma família de negros, inseriu na novela a questão da união
inter-racial, e a utilizou como modelo de comportamento. O autor alegou que faria isso
discretamente, sem panfletagem.
Considero no mínimo curioso, que somente no período que coincide com a
efervescência das discussões da lei de cotas nas telenovelas, um autor veterano como Manoel
Carlos passe a se preocupar em minimamente retratar a diversidade étnica do país no enredo
de sua novela. Percebo a intencionalidade do autor em difundir o mito da democracia racial
em sua telenovela, para assim corroborar a premissa de que o povo brasileiro é mestiço,
miscigenado, tolerante, e aberto a contatos inter-raciais.
64
Tavares e Freitas (2004) afirmam que a novela Mulheres Apaixonadas não tinha
um núcleo composto por classes populares, e por isso, naturalmente, parte da classe média
retratada na trama também seria composta por negros e mestiços. Os autores argumentam que
embora á primeira vista, fique a impressão de que a novela extinguiu a incisiva
marginalização ou abstencionismo reservado aos negros, os personagens em foco, compõem
parte de um universo eminentemente branco, e, dessa forma, eram negros perdidos na trama e
numa sociedade branca, destituídos de qualquer forma de vinculo com redes de solidariedade
étnica. Ressaltam que a professora negra não ensinava alunos negros, nem a médica negra
curava pacientes negros, nem tão pouco, a cantora negra cantava para um público negro. Os
personagens ganhavam notoriedade apenas pelo seu potencial de consumo, e a imagem de
consumidores negros emergentes apenas simula o fim do racismo. Além disso, nesta mesma
novela houve o caso da empregada doméstica negra que iniciou sexualmente o filho do patrão
branco.
Ainda em 2003, estreou a novela Celebridades (Rede Globo, 20hrs, 2003) de
Gilberto Braga, com 4 personagens negros, dentre eles a secretaria executiva Iara (Sheron
Menezes), o fotógrafo Bruno (Sérgio Menezes), que embora bem-sucedidos
profissionalemnte, não tinham histórias próprias na trama, e serviam de escada para
personagens brancos. A inserção de negros bem sucedidos corrobora o discurso de que
cidadania se efetiva pelas formas e possibilidades de consumo (CANCLINI, 1997), e como já
afirmei, nas telenovelas este processo apenas simula a inexistência do racismo.
Fonte: www.teledramaturgia.com.br
Foto 8 - O ator Sérgio Menezes como “Bruno” em Celebridades
65
Na mesma novela, destaco a passagem em que uma personagem branca “Darlene”
(Débora Secco) tenta fazer uma inseminação artificial clandestina, para extorquir um homem
rico e loiro. Entretanto, o plano deu errado, e ela acaba “punida” dando a luz a dois gêmeos
negros chamados de “bombonzinhos”.
Ainda em 2003, foi produzida a novela Começar de Novo (Rede Globo, 19hrs,
2003) de Antonio Calmon e Elizabeth Jhin, com 10% de negros no elenco e alguns deles
desempenhando papeis como de delegado. Porém, os personagens negros estavam isolados
dos demais da trama, e não tinham histórias que faziam interface com o enredo principal da
trama.
Em 2004 estreou a novela Da Cor do Pecado (Rede Globo, 19 hrs, 2004) de João
Emanuel de Carneiro. A trama só pelo título, e a trilha sonora da abertura, causou polêmica
por fazer apologia a sensualidade da mulher negra. Barbosa (2005) argumenta que o título não
é um questionamento, mas sim uma afirmação de que a negra tem a cor do pecado, da
lascívia, da luxuria.
Da cor do pecado inovou por ser a primeira novela brasileira do século XXI, a ter
uma negra como protagonista. Nesse folhetim, a atriz Thaís Araújo interpretou a personagem
“Preta de Souza”, que era uma moça simples, nordestina, maranhense, trabalhadora,e
honesta. Tinha como antagonista “Bárbara Campos Sodré”(Giovanna Antonelli), uma mulher
sem escrupulos, desonesta, e inconformada com o fato de ter perdido o namorado para
“Preta”, e por isso, armou ao longo da trama, inúmeras situações para prejudicar, e incriminar
“Preta”. Pelo fato de “Bárbara” ser branca, rica e bela, isto a colocava acima de qualquer
suspeita, e “Preta” vitima de suas armações, passou a novela inteira tentando provar sua
inocência. O que agudizava a rivalidade das duas era o racismo, e conforme Barbosa (2005)
embora a sociedade brasileira seja multirracial, a “cor” denota privilégios. A personagem
“Preta” era sempre suspeita, e conseguia provar sua inocência caso acumulasse provas
contra “Bárbara”, que era sempre considerada inocente até que fosse provada, e bem provada
diga-se de passagem, sua culpa. A novela contou ainda com o empresário “Afonso” (vivido
por Lima Duarte), que não promoveu seu secretário, Felipe (Rocco Pitanga), simplesmente
por ele ser negro.
66
Fonte: www.globo.com.br
Foto 9 - A atriz Thaís Araújo como “Preta” em Da cor do Pecado
O escracho a figura do negro na novela Da Cor do Pecado, era constituído por
discursos vocalizados pela própria protagonista negra, que em um dos capítulos, reagiu a um
elogio do namorado, alegando que as pessoas não a consideram uma mulher bonita, mas sim
exótica, tão exótica como achariam um macaco no zoológico.
O modo desta novela enfocar as relações interétnicas, e situações de racismo,
referendava o entendimento de que embora os espaços sociais brasileiros, e também as
telenovelas, sempre tenham se caracterizado por serem espaços de miscigenação, mas que
segrega certos lugares sociais para negros e outros para brancos.
Ainda em 2004, estreou Senhora do Destino (Rede Globo, 20hrs, 2004) de
Aguinaldo Silva. A trama era ambientada na baixada fluminense, havia 4 personagens negros,
membros de uma mesma família, e reuniu todos os clichês sobre a negritude. O pai chamado
“Cigano”, interpretado pelo ator Roney Marruda, era um ex-presidiário, que não abandou a
vida de crimes, e que infernizava a vida da esposa “Rita” (Adriana Lessa), que era uma
cabeleireira e ex-usuária de drogas, que de vez em quando tinha recaídas.
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Fonte: www.teledramaturgia.com.br
Foto 10 - Os atores Roney Marruda e Adriana Lessa em Senhora do Destino
O casal tinha dois filhos; “Leide Daiane” (Jéssica Sodré), que era uma adolescente
que ficou grávida duas vezes ao longo da novela, e “Maikel Jesson” (Agles Steib), que
trabalhava desde os 13 anos, mas aos 16 conseguiu tirar registro de nascimento, e carteira
de identidade.
Fonte: www.teledramaturgia.com.br
Foto 11 - A atriz Jéssica Sodré em Senhora do Destino
O fato da única família negra da novela reunir todas as mazelas sociais da trama
reafirma o entendimento que o lugar do negro é o da marginalidade e o da total exclusão
social. Na mesma novela a vilã “Nazaré Tedesco” interpretava uma prostituta que fazia
objeções a manter relações sexuais com negros. Culpar unicamente a telenovela pela
divulgação constante de discursos que afetam a auto-imagem dos negros seria injusto e
demonstraria capacidade limitada de leitura da realidade, que a discriminação racial no
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Brasil esta presente em todos os espaços sociais, mas uma análise preliminar de um enredo de
uma telenovela como Senhora do Destino, aponta que este veículo de comunicação tem tido,
sim, papel preponderante na manutenção do racismo camuflado que existe no Brasil.
Ainda em 2005, estreou a novela América (Rede Globo, 20 hrs, 2005) da
dramaturga Glória Perez. A novela mesmo com um incipiente cash de apenas 05 atores
negros num universo de 132, conseguiu dar visibilidade a questão do negro, ao enaltecer a
beleza do homem negro, através do personagem “Feitosa”, interpretado por Airton Graça. O
personagem que era motorista e sambista, e ganhou até uma música na trilha sonora da
novela, a canção Meu Ébano”, cantada por Alcione, celebrava a beleza, a malandragem, e a
virilidade do homem negro. A novela explorou o “fetiche” do negro que namora uma loira,
enfatizando o caráter exótico que esta relação assume. A exemplo de Da Cor do Pecado, a
beleza negra foi retratada com um forte apelo na sensualidade do homem negro. O contornos
do personagem Feitosa se enquadra na afirmação de Hall (2003) considera que a pós-
modernidade cultua um certo tipo de diferença, um certo toque de etnicidade, dito sabor de
exótico.
Fonte: www.globo.com.br
Foto 12 - O ator Airton Graça como Feitosa em América
Ainda em 2005, estreou a novela A lua me disse”(Rede Globo, 19 hrs, 2005) de
Miguel Falabela e Ana Maria Moretson, que contava com um percentual de 15% de negros no
elenco. Na trama, Anastácia e Jurema, interpretadas pelas atrizes Zezé Barbosa e Mary Sheila,
abominavam suas origens, declaravam ser morenas-claras, alisavam e pintavam os cabelos de
loiro, usavam lentes de contato azul, afirmavam que só se casariam com homens brancos para
“apurar” a raça, usavam pregadores de roupa no nariz ao dormir, no intuito de afiná-lo
69
atribuíram-se novos nomes: Latoya e Whitney. Fernandes (1972) fala que a incorporação de
valores do homem branco por parte do negro é uma condição para os negros ascendam
socialmente.
Fonte: www.globo.com.br
Foto 13 - A atriz Mary Sheila como Jurema/Whitney em A lua me disse
Nos primeiros capítulos, Anastácia/ Latoya, perdeu o emprego numa loja de
calçados porque se recusou a atender um cliente negro como ela, “não me abaixo para preto”,
declarou a personagem.
Fonte: www.globo.com.br
Foto 14 -
A atriz Zezé Barbosa como Anastácia/ Latoya
em
A lua me disse
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Os autores da novela, em entrevistas a impressa, alegavam que o exagero dos
personagens era uma estratégia de conscientização, propiciada no momento em que o público
percebesse o quanto as personagens eram ridículas. Discordo do entendimento dos autores, e
concordo com Gualberto (2005) que rebateu o posicionamento dos autores da novela,
afirmando que quando os mesmos resolveram tratar de forma cômica o preconceito de negros
contra negros, estavam externalizando uma contra reação a todo o debate que as organizações
do Movimento Negro vem empreendendo em torno da questão das relações raciais no Brasil.
Entendo que o preconceito de negro contra negro, é um dos principais argumentos dos
brancos pra justificar a existência da discriminação racial no Brasil, Gualberto (2005)
considera que tal preconceito não existe, o que existe é uma insatisfação do negro com sua
condição motivada por elementos históricos e sociais.
Na mesma novela, a polêmica não ficou restrita aos personagens negros, a
existência da personagem “Índia” intepretada pela atriz Bumba, desencadeou a produção de
uma nota de repudio à novela pela forma de retratar a personagem. A nota de repudio foi
assinada por entidades ligadas à causa indígena no estado do Mato Grosso, e declarava:
A índia Nambiquara, na caricatura da novela, está condenada ao extrato mais
subalterno da sociedade, quase como se fosse um animal exótico, divertido, digno
de riso. Uma imagem que não é totalmente alheia à nossa realidade, onde o
preconceito legitima a exploração, a expropriação e o abandono do poder público.
Cabe à televisão brasileira o importante papel de educar, todos sabemos. De um
autor/ator respeitado pelo seu público (Miguel Falabella) esperamos mais do que a
confirmação de idéias e valores que os povos indígenas lutam tanto para superar,
nas suas mais variadas formas de discriminação das diferenças.
.
Fonte: www.globo.com.br
Foto 15 - A atriz Bumba como Índia em A lua me disse
71
Em 2006, a polêmica em torno da ridicularização do negro foi mantida. O
folhetim Cobras e Lagartos (Rede Globo, 19hrs, 2006) de João Emanuel de Carneiro, trazia o
ator Lázaro Ramos interpretando o personagem “Foguinho”, o protagonista da trama. O
enredo se desenvolveu a partir do momento em que “Foguinho” cansado de sua sorte ingrata,
de ser discriminado por todos por ser pobre e negro, resolveu usurpar uma herança deixada ao
seu melhor amigo, para assim se ver livre das humilhações que sofria e também ter o amor de
Hellen, interpretada por Thaís Araújo.
Fonte: www.globo.com.br
Foto 16 - O ator Lazaro Ramos como “Foguinho” em Cobras e Lagartos
O auge cômico da novela eram as cenas do bom-malandro “Foguinho”,
usufruindo seu dinheiro com ostentação, em face da admiração de todos por ver um sujeito
despreparado e caricato como dono de uma grande fortuna. A novela reforçou a idéia do
infantilismo, da imaturidade, e da humanidade incompleta do negro.
Ainda em 2006, a novela Páginas da Vida (Rede Globo, 20hrs, 2006) de Manoel
Carlos, discutiu a questão do racismo, evidenciando que a pauta de temáticas que servem de
pano de fundo para inserção de negros em telenovelas não se recicla.
Na novela as personagens Angélica (Claudia Mauro) e sua filha Gabriela
(Carolina Oliveira), abominavam negros. Em uma das seqüências do folhetim, Gabriela se
descontrolou ao assistir a um documentário sobre a África, um lugar que segundo ela,
habitam negros e doentes. Em outro capítulo, a adolescente recusou-se a visitar um recém-
nascido, por se tratar e bebê negro.
Angélica não aceitava o fato do ex-marido Lucas (Paulo César Grande), estar
casado com uma mulher negra, a médica Selma, vivida pela atriz Elisa Lucinda.
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Fonte: Fonte: www.globo.com.br
Foto 17 - A atriz Elisa Lucinda, interpretando a médica Selma, em
Paginas da Vida
Houve também a cena em que as personagens racistas ficavam transtornadas, a
ponto de se retirar de uma festa de natal, pois se sentiam incomodadas com a presença de dois
convidados negros, Salvador (Sérgio Sá), e Lídia (Thalita Carauta).
Para mostrar que o racismo é um comportamento moralmente reprovável, o autor
da novela, puniu as personagens racistas no final da trama. A mãe Angélica morreu num
ônibus incendiado, e a filha Gabriela, agora órfã, ficou sob os cuidados do pai, e da madrasta
negra que a adolescente se recusou a abraçar antes de partir na viagem fatídica que culminou
na morte de sua mãe.
Problematizo a disseminação de discursos racistas, como os retratados na trama
em questão, pois como o enredo o era de época, o folhetim pode contribuir para propor a
aceitabilidade destes comportamentos, pois no Brasil a novela influencia modas e manias.
Além disso, como a punição das personagens racistas foi apenas no plano moral, não houve
indicação da perspectiva criminal que incorre quem pratica racismo.
Em 2007, a novela Paraíso Tropical (Rede Globo, 20hrs, 2007) de Gilberto Braga
estreou com 10% de atores negros. O grande destaque dentre as participações de negros na
trama foi para a personagem “Bebel” interpretada por Camilia Pintanga, que vivia uma
prostituta, identificada como mulata e/ou morena. A personagem, considerada como maior
destaque na novela reafirmou as representações sobre a mulata como objeto de prazer, dotada
de uma hiper sensualidade, e que tinha como únicas possibilidades de vida ser amante de
homens ricos e brancos.
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Fonte: Fonte: www.globo.com.br
Foto 18 - A atriz Camila Pitanga como Bebel em Paraíso Tropical.
Em Paraíso Tropical, o personagem Evaldo (Flávio Bauraqui) era um designer de
jóias, alcoólatra, que ao ficar famoso, precisou tomar um banho de loja, e mudar o visual, que
implicou em se “higienizar” e cortar o cabelo rastafari.
Na mesma novela, a personagem Tati (Lidi Lisboa) não teve um desfecho na
trama. Sua última aparição foi lado do namorado branco morto, mostrando que sua existência
na trama somente se justificava pela sua ligação com o namorado. Sua família nunca foi
retratada na trama, expressando a problemática configurada com este procedimento, da
desumanização dos personagens negros, que aparecem sem que sejam retratadas suas
famílias, como se não tivessem origem, e vivessem em função dos brancos.
Ainda em 2007, estreou a telenovela Duas Caras (Rede Globo, 20hrs, 2007) de
Aguinaldo Silva, com mais de 10% de negros no elenco, mostrando inclusive práticas de uma
religião de matriz africana. Entretanto, a totalidade dos personagens negros desta telenovela,
integram o núcleo que retrata o dia-dia de uma favela do Rio de Janeiro. No qual o “líder
comunitário que fundou e administra a favela é o personagem branco Juvenal Antena, que
abriu mão do emprego de segurança, para apoiar e liderar os pobres em sua maioria negros,
que estavam desalojados. Juvenal administra a associação comunitária da favela como um rei,
74
que possui auxiliares e vassalos negros, explicitando que até nos espaços mais populares o
negro é sempre tutelado por um branco.
A novela retratou também o conceituado advogado Barreto (Stênio Garcia) numa
atitude de racismo para com o negro Evilásio, personagem do Lázaro Ramos, que foi
convidado pela personagem, branca, filha de Barreto, para um jantar, o rapaz foi chamado de
favelado, preto sujo, e crioulo metido a besta”. Os demais convidados demonstraram sua
desaprovação ao comportamento racista de Barreto alegando que os negros contribuíram
muito para a história do Brasil, com exemplos na música, na culinária e nos esportes (esse foi
o argumento de um personagem branco e judeu que se identificou com a dor daquele que
sofria o preconceito). Os discursos dos demais personagens sobre o episódio caracterizado
como racismo, indicava mais preocupação com as repercussões que isso traria para o famoso
advogado do que para uma discussão real sobre preconceito racial.
A novela retrata na mesma família, Barretinho (Dudu Azevedo), que assedia a
empregada negra Sabrina (Cris Vianna), fazendo dela um objeto sexual e coagindo-a quanto a
posição que ambos ocupam na sociedade, ela empregada, ele patrão. A mãe de Barretinho, a
personagem Gioconda lamenta a atitude do filho, alegando que ele tem uma grande queda
por afro-descendentes.
Fonte: Fonte: www.globo.com.br
Foto 19 - Os atores Cris Viana e Dudu Azevedo como “Sabrina e Barretinho” em
Duas Caras.
Mesmo num contexto de mestiçagem, como é o do núcleo dos personagens da
novela que retratam uma favela do Rio de Janeiro, é comuns o discurso dos personagens
Misael Caó (Ivan de Almeida), e Gislene (Juliana Alves) afirmações de que pessoas negras do
75
devem desenvolver relacionamento afetivo com pessoas negras. No capitulo do dia
02/01/2008, a personagens Gislene declarou que sua mãe, falecida, se revolveria no tumulo
se tomasse conhecimento que seu pai está se envolvendo com uma mulher branca.
A novela também reforçou o clichê de que as bases de discriminação do negro não
são etno-raciais, mas sim econômicas, ao retratar a personagem Morena (Adriana Lessa) uma
mulher pobre que ao se casar com um nobre italiano, se torna a Condessa Finzi-Contini, e
passa a ser reverenciada até pelo personagem Barreto, que é assumidamente racista. Em dos
discursos, Barreto afirma que a Condessa é uma “linda negra de alma branca”.
Fonte: Fonte: www.globo.com.br
Foto 20 - A atriz Adriana Lessa como Morena, a Condessa Finzi-Contini, na novela Duas
Caras
O enredo de Duas Caras tem como destaque o romance interracial entre Evilásio
e Julia, pontuado o caráter fetichioso da relação entre um homem negro e uma mulher branca,
fetiche este, expresso pelos discursos dos personagens que se chamam respectivamente de
minha branquinha e meu negão”.
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Foto 21 - Os atores Lazaro Ramos e Debora Falabela, como Evilásio e Julia na
novela Duas Caras
O folhetim mostra também Solange Antena (Sharom Menezes) que não aceita ser
definida como negra, a personagem se considera “Morena Clara”, moradora da periferia do
Rio de Janeiro, Solange sonha em se casar com um homem rico e branco. Em um dos
discursos em que a personagem comentava acerca de um possível pretendente, proferiu:
“Claro que ele é bonitinho, é branco!”. Através da personagem Solange a novela fez uma
sátira acerca dos negros insatisfeitos com sua etnia.
Fonte: Fonte: www.globo.com.br
Foto 22 - A atriz Sharom Menezes, interpretando a personagem Solange em Duas Caras.
Ainda na temática do racismo a novela retratou o personagem Rudolf (Diogo
Almeida), um rapaz negro que forjou uma situação na qual se passou por vítima de racismo
77
para prejudicar o reitor de sua universidade. Através do personagem em foco, o autor da
telenovela, polemizou acerca da questão de que alguns negros que se sentem eternamente
vítimas do racismo e da exclusão, e usam isso para obterem vantagens pessoais.
O suplemento Revista da Tv, do jornal O Globo de 13 de janeiro de 2008, trazia
uma matéria intitulada Com mais espaço, mas ainda pobres”, na qual comenta o fato da
novela Duas Caras, ser a primeira novela não épica, com um razoável número de atores
negros, convidado a se posicionar acerca do fato de todos os personagens negros da trama
serem favelados ou empregados domésticos, o autor da novela declarou que fez isso de forma
proposital, argumentando que:
Preferi o mundo real ao idealizado. Não que não haja famílias
negras na classe média. Há, mas, nas novelas, quando elas aparecem, têm todo o gestual de
famílias brancas. Esse tipo de coisa não me interessava” (SILVA, 2008, p.12).
A análise acerca da telenovela em foco aponta que a Rede Globo insiste
em abordar a questão do preconceito racial tocando sempre na mesma tecla: empregadas
negras assediadas, negros pobres se atrevendo a entrar no mundo dos ricos brancos e
personagens negros vivendo em favelas, reforçando os estereótipos que desumanizam o
negro. As pinceladas fortes dadas ao abordar a questão racial na novela Duas Caras, soa-me
recheada de intencionalidade, mormente pelo fato do autor do folhetim em questão ser
Aguinaldo Silva, o mesmo que se pronunciou como representante da classe dos autores contra
as cotas em telenovelas.
A novela Duas Caras ao afirmar a beleza e a virilidade do homem negro, deu ao
ator Lázaro Ramos o status de galã. O ator foi escolhido para ser o modelo fotográfico da
capa do CD da trilha sonora nacional da novela. Duas Caras foi a primeira telenovela a ter
um homem negro na capa da trilha sonora. Antes dele, a atriz Zezé Motta foi capa da trilha
sonora da novela Pacto de Sangue (Rede Globo, 1989, 22 hrs); Thaís Araújo foi capa da trilha
sonora da novela Xica da Silva (Rede Manchete, 1997); 22hrs), e da trilha sonora
internacional da novela Anjo Mau (Rede Globo, 1998, 18hrs), a atriz Camila Pitanga foi
capa da trilha sonora nacional da novela A proxima Vitima (Rede Globo, 1995, 20hrs), e
estrelou também a trilha sonora internacional das novela Mulheres Apaixonadas (Rede Globo,
2003, 20hrs), e Paraíso Tropical (Rede Globo, 2007, 20hrs).
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Fonte: Fonte: www.globo.com.br
Foto 23 - O ator Lazaro Ramos na capa do Cd da novela Duas Caras
4.1 Aumento na Participação = Visibilidade afirmativa para negros em telenovelas?
Considero que este alargamento do espaço dado aos negros em telenovelas o
mudou o paradigma de estereotipar o negro, que continua primando pelo viés da
subserviência mesmo quando não aparece representado em empregados domésticos e braçais.
A beleza negra continua reverenciada como exótica, e imbuída de um forte apelo sensual,
subsidiando o entendimento de que uma preocupação com a dimensão meramente estatística
não equaciona o problema da visibilidade de negros em telenovelas, que tem muito mais a ver
com a forma de inserção dos mesmos nos folhetins. O diretor do CIDAN, Ademir Ferreira
considera que o principal empecilho à participação afirmativa de negros nas telenovelas é a
postura dos autores, “o problema está na nas mãos dos autores que não assumem essa
responsabilidade, ou não criam personagens sugerindo que pode ser representado por afro-
descendente.”, declarou.
Pitanga (2002) pontua que existe uma palavra-chave para o negro nas
telenovelas: é o chamado “papel para negro”, no qual se o ator é escalado para um papel
destes, ele tem que aceitar, ou fica desempregado, e se na novela não existir nenhum “papel
para negro”, nela não espaço para o ator negro. Ancorado da sua experiência enquanto
ator, Pitanga percebe que os autores e produtores, na hora da escalação do elenco de uma
novela, estão subordinados a vontade dos patrocinadores, e ai influi decisivamente o fato de
um ator receber 5 cartas de fãs por mês, e outro receber quinhentas.
79
Para Araújo (2002) o que caracteriza o papel dispensado ao negro é o fato dele ser
sempre secundário, e não o fato do oferecimento de personagens subalternizados. O autor
exemplifica que na novela Porto dos Milagres (Rede Globo, 20hrs, 2001), existiu uma
empregada doméstica, interpretada por uma atriz branca de renome na dramaturgia nacional
(Nathália Timberg), Araújo considera que este papel foi oferecido a uma atriz branca, porque
era um papel importante, de peso, com enorme conexão dentro da trama. Os papéis de
empregada doméstica dispensados a atrizes negras são rasos e de pouca importância. Pois
quando a personagem empregada doméstica tem destaque como a babá “Nice” que
protagonizou a novela Anjo Mau (Rede Globo, 20 hrs, 1976, e 18hrs, 1997) foi interpretada
por uma atriz branca.
Araújo (2002) lembra que os atores negros Antonio Pitanga, e Milton Gonçalves
são os protagonistas de uma luta de não quererem mais papéis de negros, mas quererem
papéis de brasileiros. Os atores argumentam que a maioria da população brasileira é mestiça e
negra. Novamente acionado a “ordem discurso” Foucalt (1996) para localizar a fala dos atores
em questão, considero que o peso atribuído ao posicionamento dos mesmos, deve-se ao fato
de que Milton Gonçalves foi o primeiro ator negro a publicizar sua reivindicação para que os
atores negros não desempenhassem o papel de serviçais. E Antônio Pitanga, foi um dos
poucos atores a obter reconhecimento no cinema brasileiro dos anos 60 e 70, e por se destacar
como vereador, cuja trajetória no legislativo caracterizou-se pela proposição de leis voltadas
para o benefício da população negra, além disso, é marido de Benedita da Silva, reconhecida
nacionalmente por sua militância no que concerne a questão racial no Brasil, chegando a
ocupar o cargo de ministra da Assistência e Promoção Social no governo do presidente Lula.
Araújo (2002) considera, com exceção das novelas que tiveram como fundo a
temática da escravidão, que existe nas telenovelas brasileiras uma cota negativa, caracterizada
pela inexistência de uma novela de horário nobre, em que o número de atores negros
ultrapassou 10% do elenco. O autor polemiza que a estreita margem de 10% é respeitada
porque existe a preocupação por parte dos produtores das novelas, em fazer um produto
bonito, de primeiro mundo, seguindo um padrão estético no qual a beleza não pode ser negra.
Assim as novelas internalizam o racismo, fruto de um imaginário social que busca fazer deste
país uma cópia da Europa.
Barbosa (2005) afirma que o autor de uma telenovela colhe situações do mundo
real, e as representa por meio da ficção. É notória a relação entre a criação de personagens,
seus discursos, e a realidade na qual cada autor esta inserido. Assim, ao articular os elementos
80
ficcionais, o autor, além de estar simplesmente contando uma história, está expondo ao seu
público sua visão sobre determinadas temáticas, mesmo que de forma subliminar.
Logo, como a maioria dos autores de telenovelas no Brasil são brancos, a
operacionalização da Ordem do Discurso como bem propõe Focault (1996) com as questões:
quem fala? De onde fala? E para quem fala? Oportuniza a compreensão da intencionalidade
que sustenta a inserção de negros em telenovelas no Brasil.
Para Silva (2002, p.28) a invisibilidade é um instrumento de exclusão, e a
visibilidade é um instrumento de luta contra o racismo. Diante disto, considero que a
visibilidade afirmativa é um fator que se constitui como um instrumento de luta contra o
racismo e, deste modo, as cotas na mídia, e em especial nas telenovelas, contribuiriam para
dar à estes produtos o status de espaços públicos multiculturais.
Semprini (1999) indica três condições essenciais que caracterizam um espaço
público autenticamente multicultural: um espaço no qual os diferentes grupos podem ver
atendidas suas reivindicações de reconhecimento e identidade (primeira condição),
resguardando ao mesmo tempo a possibilidade de existência de uma dimensão coletiva
(segunda condição), e de instituições igualitárias e democráticas (terceira condição).
Medeiros (2002, p. 28) considera que é necessário impedir a constante projeção de
imagens degradantes e negativas em relação a negros e indígenas, bem como é importante
apontar distintos estilos de vida como propostas diferentes, mas não desiguais. Alzemberg
(2002, p.33) considera que a sociedade tem um papel decisivo no sentido de exercer pressão e
cobrança em relação aos meios de comunicação, porque não adianta achar que a mudança
partirá de uma boa intenção dos produtores midiáticos.
Dar visibilidade ao negro nas telenovelas não é cota, é ação afirmativa, pois as
cotas por si mesmas não promovem a visibilidade, no máximo elas projetam alguns atores
negros. O que promove visibilidade é a qualidade desta inserção, que aqui eu denomino de
“Visibilidade Afirmativa”, que por sua vez, para além da representação de indivíduos dotados
de “hiper sensualidade”, ou de consumidores em potencial, mas sim, inserções que desvelem
novas possibilidades de convivência entre os diferentes grupos sociais, respeitando e
valorizando as peculiaridades de cada etnia.
Bhabha (1998) entende que, em realidades sociais dotadas de passado colonial, as
identidades são construídas na diferença, e se (re) configuram a partir do cruzamento das
experiências individuais com os contextos locais, com as instituições sociais configuradas sob
a égide das relações coloniais. Ancorado no pensamento do autor, considero que espaços
midiáticos são influenciados pela colonialidade. Assim, entendo que quando uma telenovela
81
promove a Visibilidade Afirmativados personagens negros, está efetivamente contribuindo
para a auto-estima, auto-imagem, e auto-conhecimento dos telespectadores negros.
È relevante sinalizar que estou operando aqui as noções de auto-estima, auto-
imagem, e auto-conceito, fundamentado em Oliveira (1994), para quem estes elementos
contribuem para a elaboração das identidades dos indivíduos, na medida em que propiciam
repensar o pré-construído, os pré-conceitos responsáveis pela cristalização das imagens
“percebidas” naturalizadas.
O passeio pelo enredo de algumas telenovelas produzidas sob a égide da ameaça
simbólicado projeto de cotas indica que os folhetins nacionais criaram algumas estratégias
para viabilizar a inserção de negros. Uma delas é a ênfase na beleza exótica e a virilidade do
homem negro, e o fetiche da relação entre um homem negro e uma mulher branca.
Outra nova estratégia, é dar aos personagens negros o mesmo tratamento dos
brancos nas telenovelas, dando ao personagem negro possibilidades de consumo, e negando a
este toda e qualquer referência a sua condição de negro.
A sensualidade da mulher negra e mestiça, o esforço de branqueamento por parte
dos negros, e a postura subserviente e/ou marginal, são paradigmas que sempre
caracterizaram a participação de negros em telenovelas, e ainda estão fortemente presentes
nas telenovelas contemporâneas, indicando que esta maior visibilidade, tanto trás aspectos
novos, como também reedita os velhos clichês que estigmatizaram os negros nos enredos dos
folhetins nacionais.
Considero que, no atual momento, o negro conquistou uma visibilidade maior nas
telenovelas, entretanto, quando os personagens negros estiveram na posição de protagonistas,
os consagrados estereótipos foram retratados de forma tenaz.
Acionando a categoria Sujeito Colonizado (BHABA, 1998) que fala que,
indivíduos e produtos culturais, fruto de realidades constituídas sob relações coloniais,
tendem a ler mal e se apropriar equivocadamente dos signos, e valores plurais, em função de
um embricamento ideológico, com uma matriz cultural que figura como superior. Diante
disso, problematizo a dificuldade das telenovelas brasileiras superarem o ranço colonial, e
operacionalizarem a retratação numa perspectiva em que, as diferenças culturais, étnicas e
sociais dos povos diversos que deram corpo a nação brasileira, sejam respeitadas e
valorizadas em suas especificidades. Haja visto que, as telenovelas, enquanto
sujeitos/produtos culturais colonizados, ainda reproduzem como uma mímica, a figura do
colonizador europeu.
82
Santos (2006) considera que o Brasil esta passando do período pós-independência
para o período pós-colonial. Enfatiza que a entrada nesta fase caracteriza-se pela constatação
de que o colonialismo não foi superado com a independência, e continua sob outras
roupagens, mas sempre em consonância com o seu principio basilar, de entender o racismo
como uma forma de hierarquização social, fundamentado na desigualdade natural das raças. A
vocalização por parte das vitimas de discriminação, da luta contra a ideologia que as
subalternizam, as reputam na mídia como presenças desvalorizadas, e a vigência do debate em
torno da proposição das cotas na mídia constituem um passo que Santos (2006) considera
indispensável para promover o processo de descolonização.
Para Santos (2006), o projeto de lei de cotas e o Estatuto Social da Igualdade
Racial tem alto valor democrático, porque reconhecem a existência do racismo de forma
legitima, visando sua eliminação. O autor considera que a implementação dos referidos
projetos dará ao Brasil uma nova legitimidade e um novo protagonismo no cenário
internacional, e na esfera interna criará a possibilidade de construção de uma coesão social
sem a enorme sombra da exclusão étnico-racial.
83
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A telenovela concretiza uma narrativa que veicula representações da sociedade
brasileira. Nela são atualizados crenças e valores que constituem o imaginário coletivo de
uma parcela significativa da população. Logo, se a telenovela persiste em retratar o negro
como subalterno, estará não apenas trazendo para o mundo da ficção, um aspecto presente em
muitos espaços sociais, mas fomentando o imaginário social de um universo simbólico que
não “modernizou” as relações inter-étnicas.
“O deslocar da imagem” (Bhabha, 1998) foi um instrumento que me ajudou a
compreender que as telenovelas têm alimentado um não oficial, mas presente processo de
neocolonialidade, entendida como um processo de deslegitimação da necessidade das cotas
para negros na mídia.
Considerando que a questão étnico-racial no Brasil, por muito tempo ficou
relegada a segundo plano, sob a alegação de que o país vivia e expressava uma condição de
democracia racial, é que vejo a proposição da política de cotas em telenovelas como um
avanço e uma conquista dos diferentes sujeitos sociais, interessados na afirmação dessa
questão étnico-racial. Ancorado em Fernandes (1972) entendo que não existe democracia
racial no Brasil, porque as oportunidades na ordem social competitiva não são abertas para
negros e brancos da mesma perspectiva, o autor também destaca, a existência de uma
resistência aos processos que buscam superar os obstáculos à integração social dos negros,
como por exemplo as políticas de ações afirmativas.
Nesse sentido, percebo que esses sujeitos sociais de diferentes maneiras
conseguiram imprimir visibilidade social e política a essa questão, de modo que hoje se a
criação de Políticas Públicas de Ações Afirmativas como estratégia de enfrentamento das
profundas desigualdades sociais e culturais das populações negra do Brasil.
Entendo que, a proposição do projeto de cotas para negros na mídia, expressa a
luta que segmentos sociais diversos vêm travando no âmbito da sociedade brasileira. Dentre
esses sujeitos, destaca-se o Movimento Negro como um segmento importante, que pressionou
as instâncias políticas nacionais no sentido de obter desses o apoio para a vocalização de sua
causa. E sua proposição inovou positivamente ao instaurar um debate, em torno da
participação de negros em telenovelas brasileiras, cujos resultados já podem ser percebidos
ainda que timidamente.
84
No que tange ao impacto/eficácia, o debate em torno do projeto denunciou a
escassez de possibilidades do negro nas telenovelas, e desencadeou a preocupação dos autores
em criar em cada folhetim, um núcleo mínimo de atores negros, ou seja, o debate adquiriu um
caráter propositivo, e possibilitou a “abertura do sistema” para alguns atores negros, que antes
da publicização das discussões em torno do projeto de cotas, teriam mais dificuldades para
encontrar oportunidades de trabalho neste segmento midiático.
O presente trabalho não esgotou as discussões acerca da relação da proposição da
política de cotas de participação de negros em telenovelas, mas concretiza um ponto de
partida para consubstanciar meu interesse em aprofundar estudos acerca das relações étnico-
raciais nos espaços sociais midiáticos.
85
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