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Divisão de Serviços Técnicos
Catalogação da Publicação na Fonte. UFRN / Biblioteca Central Zila Mamede
Dias, João Carlos Neves de Souza e Nunes.
Corpo e gestualidade: o jogo da capoeira e os jogos do conhecimento
/ João Carlos Neves de Souza e Nunes Dias. – Natal [RN], 2007.
227 f.
Orientador: Maria da Conceição Xavier de Almeida.
Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal do Rio Grande do
Norte. Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes. Programa de Pós-
graduação em Ciências Sociais.
1. Ciências Sociais - Dissertação. 2. Corpo - Dissertação. 3.
Gestualidade - Dissertação. 4. Conhecimento - Dissertação. I. Almeida,
Maria da Conceição Xavier de. II. Universidade Federal do Rio Grande
do Norte. III. Título.
RN/UF/BCZM CDU 30(043.3)
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS
CORPO E GESTUALIDADE
o jogo da capoeira e os jogos do conhecimento
JOÃO CARLOS NEVES DE SOUZA E NUNES DIAS
NATAL, março de 2007
JOÃO CARLOS NEVES DE SOUZA E NUNES DIAS
CORPO E GESTUALIDADE
o jogo da capoeira e os jogos do conhecimento
Dissertação apresentada à Banca Examinadora do
Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais
da Universidade Federal do Rio Grande do Norte,
sob a orientação da Profª. Drª. Maria da Conceição
Xavier de Almeida, como exigência parcial para a
obtenção do título de Mestre em Ciências Sociais
Orientadora:
Profª. Drª. Maria da Conceição Xavier de Almeida
NATAL, março de 2007
JOÃO CARLOS NEVES DE SOUZA E NUNES DIAS
CORPO E GESTUALIDADE
o jogo da capoeira e os jogos do conhecimento
Dissertação apresentada à Banca Examinadora do
Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais
da Universidade Federal do Rio Grande do Norte
como exigência parcial para a obtenção do título
de Mestre em Ciências Sociais
Aprovado em ______ de _______________ de 2007
BANCA EXAMINADORA
Drª. Maria da Conceição Xavier de Almeida (Orientadora)
Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN
Dr. Edgard de Assis Carvalho (Examinador externo)
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/ SP
Drª. Norma Missae Takeuti (Examinadora interna)
Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN
Dr. Edílson Fernandes de Souza (Suplente externo)
Universidade Federal de Pernambuco - UFPE
Dr. Alexsandro Galeno Araújo Dantas (Suplente interno)
Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN
Devemos voltar ao cogito para procurar ali
um Logos mais fundamental do que o pensamento objetivo,
que lhe dê seu direito relativo e, ao mesmo tempo, o coloque em seu lugar.
(MERLEAU-PONTY, 1999, p. 489 a 490).
AGRADECIMENTOS
Às divindades expressas pelo sincretismo e alimentadas pela fé. Axé!
À minha família. Amo todos vocês! Ao meu pai, pelo apoio a mim dedicado,
expressando sempre um o sentimento de orgulho ao se referir a mim. A minha
mãe, que no decorrer de toda a minha vida dedica-me uma atenção especial,
alimentando-me de afeto e carinho, não medindo forças para investir em meus
sonhos e em minha formação. Aos meus irmãos, Henrique e Caio, por todos os
momentos que passamos juntos, e que nesse nosso reencontro possamos nos
aproximar cada vez mais e partilhar ainda mais histórias e vidas. Caio, obrigado
pelo projeto gráfico! A minha companheira Petrucia, uma mulher uma beleza que me
aconteceu... uma pessoa singular, que com seu jeito forte e sensível tem me apoiado
durante muitos momentos de minha vida, acendendo em mim diversas paixões, ao
longo desses anos temos compartilhando idéias, abraços, pensamentos, sorrisos,
projetos, amores!
À minha orientadora, Ceiça Almeida, uma pessoa acolhedora e generosa,
que aposta nas pessoas e em seus sonhos. Com um pensamento aberto,
comprometido, audacioso e rigoroso Ceiça sempre nos diz com profundidade e
com delicadeza sobre o humano e da polifonia do conhecimento, numa atitude
ética e estética diante das questões vida. Ceiça suas orientações foram
fundamentais para que eu pudesse traçar esse caminho. Obrigado!
Vindo de Goiânia (GO) a mais de 10 anos e firmando-me nessa terra singela
e acolhedora que é Natal, agradeço a todos os amigos e amigas que conquistei e
que também me conquistaram. Em especial à Pereira, Eduardo, Sávio, Everaldo,
Augusto, Allyson, Rosie, Felipe, Dani, Isabel, Sérgio, Lenilton, Marinalva, Cida,
Lerson, João Batista, Pádua, Isabel, Carlos (Cadu), Rita Luzia. Um forte abraço a
todos!
A todos que fazem o Grupo de Estudos da Complexidade (GRECOM/
UFRN) e o Grupo de Estudos Corpo e Cultura de Movimento (GEPEC/UFRN).
Agradeço a oportunidade de participar desses espaços em que o conhecimento é
debatido de forma madura e comprometida. As reflexões desenvolvidas nesses
grupos têm afirmado a vivacidade e a circularidade do pensamento na produção
do conhecimento. Agradeço a todos os alunos de iniciação científica, mestrandos e
doutorandos envolvidos nesses grupos, que compartilham esses espaços de
produção e debate do conhecimento, tornando o trabalho de pesquisa realmente
um trabalho coletivo. Nas figuras dos(as) professores (as), deixo meu abraço
fraterno a todos vocês: Ceiça, Alex, Wani, Pereira, Petrucia, Karenine, Larissa.
Obrigado pelos momentos de partilha das idéias, pelos debates calorosos e
provocantes.
À banca examinadora, em especial ao professor Edgard de Assis Carvalho e
à professora Norma Missae Takeuti, pela leitura cuidadosa, profunda, pontuada, e
sensível do texto no momento da qualificação, bem como pelos encaminhamentos e
sugestões enriquecedoras e que muito contribuíram para a estrutura final dessa
pesquisa.
Agradeço também à contribuição dos mestres de capoeira que
disponibilizaram informações e conhecimentos, cedendo não só entrevistas,
material para o levantamento realizado durante essa pesquisa, bem como atenção.
Um forte abraço em especial para Mestre Ataulfo, Mestre Irani, Mestre Suassuna,
Mestre Jogo de Dentro, Mestre Espirro Mirim, Mestre Índio. Iê viva meu mestre
câmara!
RESUMO
No sentido de problematizar uma sociologia que considere a dimensão
carnal da existência, que favoreça pensar o corpo enquanto lugar da produção do
conhecimento, nosso itinerário de pesquisa caracteriza-se pela reflexão sobre a
gestualidade do corpo como potência de vida e de produção de saberes,
reconhecendo a precisão do gesto como uma brecha de observação privilegiado da
vida coletiva, da projeção e inscrição da cultura, do simbólico, da sensibilidade.
Nossa problemática encontra-se na possibilidade de realçar uma
racionalidade aberta e sensível, tatuada no corpo e acessível pela gestualidade, que
se materializa nas relações do humano com o outro e com o mundo, em relações
singulares e coletivas. Por conseguinte, o gesto, construído na intencionalidade da
experiência do corpo, pode nos dizer do humano, da sociedade e da cultura, pois o
sentido da gestualidade é construído a partir de ações mútuas estabelecidas e
reconhecidas pelos sujeitos.
É nesse campo de produção do conhecimento, dos saberes da carne que
direcionamos nossa percepção, no desafio de imergir na intencionalidade do gesto
no jogo da capoeira. Do ponto de vista metodológico, para a análise da
gestualidade da capoeira, portanto, do corpo como potência de conhecimento,
consideramos registros imagéticos e narrativos do universo da capoeira, bem como
minha experiência de mais de sete anos no grupo de capoeira Cordão de Ouro
1
.
Um tal exercício epistemológico tem por suporte uma pesquisa qualitativa em que
são utilizadas partes do acervo imagético do grupo investigado, bem como
entrevistas, registros em diários de campo e sobretudo minha experiência de vida
junto ao grupo e à capoeira, no intuito de reconhecer símbolos tatuados no corpo e
por ele produzidos nas relações intersubjetivas. Buscamos pois, evidenciar sentidos
e significados desenhados pelo gesto e nuançados pelo olhar do pesquisador. São
objetivos dessa investigação nuançar nervuras em torno de elementos sociais e
culturais na produção do conhecimento do corpo, do gesto, tecida pela
racionalidade sensível.
PALAVRAS-CHAVE: Corpo; Gestualidade; Conhecimento.
1
Como parte integrante do texto da dissertação, produzimos uma edição em DVD das rodas de capoeira
analisadas, ou seja, nossas notas visuais, bem como um CD contendo as músicas trabalhadas dentro do texto.
Esse material segue anexado ao trabalho final.
ABSTRACT
In the direction of questing a sociology that considers the flesh dimension of
the existence, that favors to think the body while place of the production of the
knowledge, our itinerary of research is characterized for the reflection on the
gesture of the body as power of life and production of knowledge, recognizing the
precision of the gesture as a privileged breach of comment of the collective life, of
the projection and registration of the culture, of the symbolic, of the sensitivity.
Our problematic can be meet in the possibility to enhance an open and
sensible rationality, tattooed in the body and accessible for the gestures, that its
materialized in the relations of the human being with the other and the world, in
singular and collective relations. Therefore, the gesture, constructed in the
intention the experience of the body, can tell us about the human being, the society
and the culture, therefore the sensed of the gestures is constructed from the
established and recognized mutual actions for the citizens.
It is in this field of production of the knowledge, of knowing of the meat
that we direct our perception, in the challenge to immerge into the intention of the
gesture in the capoeira game. Of the methodological point of view, for the analysis
of the gestures of the capoeira, therefore, of the body as knowledge power, we
consider registers of images as well as narratives registers of the universe of the
capoeira, as well as my experience of more than seven years in the group of capoeira
cordão de ouro
1
. A epistemological exercise has as support a qualitative research
where parts of the quantity of images of the investigated group, as well as
interviews, daily registers in of field and over all my experience of life next to the
group and to the capoeira, in intention to recognize symbols tattooed in the body
and for it produced in the inter subjectivists relations. We search therefore, to
evidence sensible and meanings drawn for the gesture and evidenced by the look
of the researcher. We presents as objectives of this inquiry to nuance ribbings
around of the social and cultural elements in the production of the knowledge of
the body, of the gesture, weaveeed for the sensible rationality.
KEY-WORDS: Body; Gesture; knowledge
1
As integrant part of the dissertation text, we produce an edition in DVD of the analyzed capoeira wheels,
that is, our visual notes, as well as a COMPACT DISC that contend the worked musics inside of the text. This
material follows attached to the final of the work.
RESUMEN
En la dirección de cuestionar una sociología que considera la dimensión
carnal de la existencia, que favorezca pensar el cuerpo en cuanto el lugar de la
producción del conocimiento, nuestro itinerario de investigación se caracteriza por
la reflexión de los gestos del cuerpo como potencia de la vida y de la producción
de saber, reconociendo la precisión del gesto como abertura de observación
privilegiada de la vida colectiva, de la proyección y inscripción de la cultura, del
simbólico, de la sensibilidad.
Nuestra problemática encontrase en la posibilidad de realzar una
racionalidad abierta y sensible, tatuada en el cuerpo y accesible para los gestos, que
si materializa en las relaciones del humano con el otro y el mundo, en relaciones
singulares y colectivas. Por lo tanto, el gesto, construido en la intencionalidad de la
experiencia del cuerpo, puede nos decir del humano, de la sociedad y de la cultura,
pos el sentido de los gestos es construido a partir de las acciones mutuas
establecidas y reconocidas por los sujetos.
En este campo de la producción del conocimiento, de los saberles de la
carne que dirigimos nuestra percepción, en el desafío al inmergir en la intención
del gesto en el juego de capoeira. En el punto de vista metodológico, para la análisis
de los gestos de la capoeira, por lo tanto, del cuerpo como potencia del
conocimiento, consideramos registros de imágenes y registros narrativos del
universo de la capoeira, así como mi experiencia de más de siete años en el grupo
de capoeira cordão de ouro
1
. Un tal ejercicio epistemológico tiene para la ayuda una
investigación cualitativa donde son utilizados las partes del acervo de imágenes
del grupo investigado, así como entrevistas, registros en diarios de campo y
sobretodo mi experiencia de vida al lado del grupo de capoeira, en la intención de
reconocer los símbolos tatuados en el cuerpo y por él producidos en las relaciones
ínter subjetivas. Buscamos pos, evidenciar sensibles y los significados dibujados
por los gestos y evidenciados por la mirada del investigador. Son objetivos de esta
investigación evidenciar nervuras alrededor de los elementos sociales y culturales
en la producción del conocimiento del cuerpo, del gesto, tejida por la racionalidad
sensible.
PALABRAS CLAVES: Cuerpo; Gesto; Conocimiento
1
Como parte integrante del texto de la disertación, producimos una edición en DVD de las ruedas de capoeira
analizadas, o sea, nuestras notas visuales, así como un DISCO COMPACTO contengo las músicas trabajadas
dentro del texto. Este material sigue unido al final del trabajo.
LISTA DE IMAGENS
Imagem 01: O jogo da capoeira. Carybé, 1951.
Imagem 02: Capoeira. Pierre Verger.
Imagem 03: O jogo da capoeira. Carybé, 1951.
Imagem 04: O jogo da capoeira. Carybé, 1951.
Imagem 05: O jogo da capoeira. Carybé, 1951.
Imagem 06: O jogo da capoeira. Carybé, 1951.
Imagem 07: O jogo da capoeira. Carybé, 1951.
Imagem 08: O jogo da capoeira. Carybé, 1951.
Imagem 09: O jogo da capoeira. Carybé, 1951.
Imagem 10: Capoeira. Pierre Verger.
Imagem 11: Símbolo do Grupo de Capoeira Cordão de Ouro
Imagem 12: Notas visuais, Roda II.
Imagem 13: Notas visuais, Roda VII.
Imagem 14: Mestre Suassuna
Imagem 15: Mestre Suassuna e Mestre Lobão
Imagem 16: Notas visuais, Roda XIX.
Imagem 17: Notas visuais, Roda XVIII.
Imagem 18: Capa de CD gravado pelo Grupo Cordão de Ouro
Imagem 19: Imagem 19: Notas visuais, Roda X.
Imagem 20: Notas visuais, Roda XVI.
Imagem 21: Notas visuais, Roda XIII.
Imagem 22: Notas visuais, Roda XIV.
Imagem 23: Notas visuais, Roda XI.
Imagem 24: Notas visuais, Roda IV.
Imagem 25: Notas visuais, Roda V.
Imagem 26: Notas visuais, Roda XI.
Imagem 27: Notas visuais, Roda I.
Imagem 28: Notas visuais, Roda XIV.
Imagem 29: Notas visuais, Roda XVI.
Imagem 30: Capoeira. Pierre Verger.
Imagem 31: Notas visuais, Roda I.
Imagem 32: Notas visuais, Roda I.
Imagem 33: Notas visuais, Roda I.
Imagem 34: Notas visuais, Roda I.
Imagem 35: Notas visuais, Roda I.
Imagem 36: Notas visuais, Roda I.
Imagem 37: Notas visuais, Roda I.
Imagem 38: Notas visuais, Roda I.
Imagem 39: Notas visuais, Roda I.
Imagem 40: Notas visuais, Roda I.
Imagem 41: Notas visuais, Roda I.
Imagem 42: Notas visuais, Roda I.
Imagem 43: Notas visuais, Roda I.
Imagem 44: Notas visuais, Roda I.
Imagem 45: Notas visuais, Roda I.
Imagem 46: Notas visuais, Roda I.
Imagem 47: Notas visuais, Roda VI.
Imagem 48: Notas visuais, Roda VI.
Imagem 49: Notas visuais, Roda VI.
Imagem 50: Notas visuais, Roda VI.
Imagem 51: Notas visuais, Roda VI.
Imagem 52: Notas visuais, Roda VI.
Imagem 53: Notas visuais, Roda VI.
Imagem 54: Notas visuais, Roda VI.
Imagem 55: Notas visuais, Roda VI.
Imagem 56: Notas visuais, Roda VI.
Imagem 57: Notas visuais, Roda VI.
Imagem 58: Notas visuais, Roda VI.
Imagem 59: Notas visuais, Roda VI.
Imagem 60: Notas visuais, Roda VI.
Imagem 61: Notas visuais, Roda VI.
Imagem 62: Notas visuais, Roda VI.
Imagem 63: Notas visuais, Roda VI.
Imagem 64: Notas visuais, Roda VI.
Imagem 65: Notas visuais, Roda VI.
Imagem 66: Notas visuais, Roda VI.
Imagem 67: Notas visuais, Roda VI.
Imagem 68: Notas visuais, Roda VI.
Imagem 69: Notas visuais, Roda VI.
Imagem 70: Notas visuais, Roda VI.
Imagem 71: Notas visuais, Roda VI.
Imagem 72: Notas visuais, Roda VI.
Imagem 73: Notas visuais
, Roda VI.
Imagem 74: Notas visuais, Roda VI.
Imagem 75: Notas visuais, Roda VI.
Imagem 76: Notas visuais, Roda VI.
Imagem 77: Notas visuais, Roda VI.
Imagem 78: Notas visuais, Roda VI.
Imagem 79: Notas visuais, Roda V.
Imagem 80: Notas visuais, Roda V.
Imagem 81: Notas visuais, Roda V.
Imagem 82: Notas visuais, Roda V.
Imagem 83: Notas visuais, Roda V.
Imagem 84: Notas visuais, Roda V.
Imagem 85: Notas visuais, Roda V.
Imagem 86: Notas visuais, Roda V.
Imagem 87: Notas visuais, Roda V.
Imagem 88: Notas visuais, Roda V.
Imagem 89: Notas visuais, Roda V.
Imagem 90: Notas visuais, Roda V.
Imagem 91: Notas visuais, Roda V.
Imagem 92: Notas visuais, Roda V.
Imagem 93: Notas visuais, Roda XII.
Imagem 94: Notas visuais, Roda XII.
Imagem 95: Notas visuais, Roda XII.
Imagem 96: Notas visuais, Roda XII.
Imagem 97: Notas visuais, Roda XII.
Imagem 98: Notas visuais, Roda XII.
Imagem 99: Notas visuais, Roda XII.
Imagem 100: Notas visuais, Roda XII.
Imagem 101: Notas visuais, Roda XII.
Imagem 102: Notas visuais, Roda XII.
Imagem 103: Notas visuais, Roda XII.
Imagem 104: Notas visuais, Roda XII.
Imagem 105:
Notas visuais, Roda XVI.
Imagem 106: Notas visuais, Roda XVI.
Imagem 107: Notas visuais, Roda XVI.
Imagem 108: Notas visuais, Roda XVI.
Imagem 109: Notas visuais, Roda XVI.
Imagem 110: Notas visuais, Roda XVI.
Imagem 111: Notas visuais, Roda XVI.
Imagem 112: Notas visuais, Roda XVI.
Imagem 113: Notas visuais, Roda XVI.
Imagem 114: Notas visuais, Roda XVI.
Imagem 115: Notas visuais, Roda XVI.
Imagem 116: Notas visuais, Roda XVI.
Imagem 117: Notas visuais, Roda XVI.
Imagem 118: Notas visuais, Roda XVI.
Imagem 119: Notas visuais, Roda XVI.
Imagem 120: Notas visuais, Roda XVI.
Imagem 121: Notas visuais, Roda XVI.
Imagem 122: Notas visuais, Roda XVI.
Imagem 123: Notas visuais, Roda XVI.
Imagem 124: Notas visuais, Roda XVI.
Imagem 125: Notas visuais, Roda XVI.
Imagem 126: Notas visuais, Roda XVI.
Imagem 127: Notas visuais, Roda XIX.
Imagem 128: Notas visuais, Roda XIX.
Imagem 129: Notas visuais, Roda XIX.
Imagem 130: Notas visuais, Roda XIX.
Imagem 131: Notas visuais, Roda XIX.
Imagem 132: Notas visuais, Roda XIX.
Imagem 133: Notas visuais, Roda XIX.
Imagem 134: Notas visuais, Roda XIX.
Imagem 135: Notas visuais, Roda XIX.
Imagem 136: Notas visuais, Roda XIX.
Imagem 137: Notas visuais, Roda XIX.
Imagem 138: Notas visuais, Roda XIX.
Imagem 139: Capoeira. Pierre Verger.
Imagem 140: Notas visuais, Roda IV.
Imagem 141: Notas visuais, Roda XI.
Imagem 142: O jogo da capoeira. Carybé, 1951.
Imagem 143: Capoeira. Cerâmica . Carybé, 1975..
Imagem 144:
. Notas visuais, Roda III.
Imagem 145: Notas visuais, Roda XIX.
Imagem 146: Notas visuais, Roda XVII.
Imagem 147: Notas visuais, Roda XVI.
Imagem 148: Notas visuais, Roda XVI.
Imagem 149: Mestre Bimba é cumprimentado pelo Presidente Getúlio Vargas no Palácio
do Governo, em Salvador no ano de 1953.
Imagem 150: Capoeira. Pierre Verger.
Imagem 151: Notas visuais, Roda I.
Imagem 152: Notas visuais, Roda VI.
Imagem 153: Notas visuais, Roda V.
Imagem 154: Mestre Paitinha. Pierre Verger.
Imagem 155: Mestre Bimba.
Imagem 156: Mestre Suassuna.
Imagem 157: Notas visuais, Roda XII.
Imagem 158: O jogo da capoeira. Carybé, 1951.
Imagem 159: Notas visuais, Roda VI.
Imagem 160: Notas visuais, Roda XVI.
Imagem 161: Notas visuais, Roda VIII.
Imagem 162: Ogum. Madeira Entalhada. Carybé.
Imagem 163: Notas visuais, Roda IV.
Imagem 164: Notas visuais, Roda XVI.
Imagem 165: Notas visuais, Roda XVIII.
Imagem 166: Notas visuais, Roda VII.
Imagem 167: Notas visuais, Roda XVI.
Imagem 168: Capoeira. Carybé.
Imagem 169: Capoeira. Pierre Verger.
Imagem 170: Capoeira. Pierre Verger.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
Notas em torno de uma sociologia da carne 23
CAPÍTULO I
No jogo da capoeira,
para uma fenomenologia do gesto 38
CAPÍTULO II
Cartografias do gesto,
narrativas do corpo na capoeira 62
CAPÍTULO III
A escrita do corpo no jogo da capoeira 95
REFERÊNCIAS 156
ANEXOS 161
INTRODUÇÃO
NOTAS EM TORNO
DE UMA SOCIOLOGIA DA CARNE
Introdução: Notas em torno de uma sociologia da carne.
24
Essa pesquisa ancora-se na experiência do corpo, nuançando sentidos
epistemológicos a partir do gesto da capoeira. Potência de criação de sentidos e de
significados, o gesto está diante de mim como uma questão, ele me indica certos pontos
sensíveis do mundo, convida-me a encontrá-lo ali (MERLEAU-PONTY, 1999, p. 252).
Provocado pela inquietação desse filósofo, é a partir do corpo e da gestualidade da
capoeira que refletimos as relações sociais e culturais, bem como suas construções
simbólicas. No corpo inscrevem-se narrativas e fragmentos, representações,
imaginários e simbolismos desenhados pela relação do humano com o mundo e
com o outro e com a cultura. Nessa relação de existência, que é corporal, o gesto é
signo, significante, significado e comunicação, expressão do pensamento
simbólico. Considerar o gesto como “objeto” de reflexão nos leva a pensar sobre as
relações humanas encarnadas no mundo.
Compreendemos que o sentido do gesto não está atrás dele, ele se confunde com a
estrutura do mundo que o gesto desenha e que por minha conta eu retomo, ele se expõe no
próprio gesto (IDEM, p. 253). É em direção a essa relação encarnada que aguçamos
nossa percepção, no sentido de fazer emergir nervuras dessa tessitura, a partir de
significações desenhadas pela precisão do gesto, que se contextualiza na relação
com o outro e com o mundo
2
. Lançamos-nos no desafio de perceber e construir
2
A fenomenologia como escola de pensamento filosófico abrange vários filósofos, bem como diferentes
compreensões sobre o conhecimento. É preciso reconhecer que a historicidade se faz presente no pensamento
de Merleau-Ponty. O filósofo dirige uma atenção à história como elemento que dá espessura ao conhecimento
e ao corpo. Nesse contexto, seu pensamento não é essencialista posto que a existência apresenta centralidade
nas investigações fenomenológicas sobre o corpo e sobre o conhecimento do corpo em suas obras, em que
podemos citar por exemplo: Fenomenologia da percepção (1999); O visível e o invisível (1992); Humanismo
e terror (1968); entre outras.
Introdução: Notas em torno de uma sociologia da carne.
25
questões em torno da racionalidade e da sociedade, a partir da percepção do corpo
na capoeira, em uma trama que nos revela e esconde saberes.
No sentido de problematizar uma sociologia que considere a dimensão
carnal da existência, que favoreça pensar o corpo enquanto lugar da produção do
conhecimento, nosso itinerário de pesquisa caracteriza-se pela reflexão sobre a
gestualidade do corpo como potência de vida e de produção de saberes
3
,
reconhecendo a precisão do gesto como uma brecha de observação privilegiado da
vida coletiva, da projeção e inscrição da cultura, do simbólico, da sensibilidade,
pois a memória de uma comunidade humana não reside somente nas tradições orais e
escritas, ela se constrói também na esfera dos gestos eficazes (LE BRETON, 2006, p. 44).
Sem dúvida o corpo é nossa insígnia ontológica e epistemológica, condição
imperativa de nossa presença e existência, de nossa relação com o mundo e com os
outros, bem como da produção de saberes. Antes de qualquer coisa a existência é
corporal (IDEM, p. 07). Existimos no mundo enquanto materialidade corpórea,
investida de simbolismos, de representações, de imaginários, ou seja, de cultura.
Nessa relação afirmamos o corpo enquanto realidade bio-cultural, nas palavras do
filósofo, assim como a natureza penetra até no centro de minha vida pessoal e entrelaça-se
a ela, os comportamentos também descem na natureza e depositam nela sob a forma de um
mundo cultural (MERLEAU-PONTY, 1999, p. 465).
3
No livro A sociologia do corpo, Le Breton realiza um mapeamento significativo em torno da sociologia do
corpo. O autor nos mostra como o corpo tem estado presente em pesquisas no campo das ciências sociais, ora
de maneira mais implícita e contemporaneamente compondo agendas de pesquisas no campo das Ciências
Sociais (LE BRETON, 2006).
Introdução: Notas em torno de uma sociologia da carne.
26
Nesse contexto, nossa
problemática encontra-se na
possibilidade de realçar uma
racionalidade aberta e sensível, tatuada
no corpo e acessível pela gestualidade,
que se materializa nas relações do
humano com o outro e com o mundo,
em relações singulares e coletivas. Por conseguinte, o gesto, construído na
intencionalidade da experiência do corpo, pode nos dizer do humano, da
sociedade e da cultura, pois o sentido da gestualidade é construído a partir de
ações mútuas estabelecidas e reconhecidas pelos sujeitos.
Não se trata de pensar o corpo e sua gestualidade a partir de uma
perspectiva clássica, fundamentando-nos em desdobramentos da Metafísica
cartesiana, na decifração do mundo a partir da objetividade da Razão. Nessa
perspectiva, às explicações em torno do movimento humano e de sua
gestualidade, são reduzidas aos princípios da Mecânica, onde não há referências à
intencionalidade do sujeito que se movimenta. Restringindo o movimento ao
deslocamento do corpo no espaço, na objetivação do humano e de suas relações,
negando o sujeito e seu contexto, a cultura e seus símbolos (NÓBREGA, 2005).
Ao considerarmos o corpo e o gesto é preciso redimensionarmos o
movimento, no sentido de superarmos dissecações da vida, simplificações
objetivas a partir de processos racionalizantes. Quer seja nas ciências da vida ou
Imagem 03: O jogo da capoeira. Carybé, 1951.
Introdução: Notas em torno de uma sociologia da carne.
27
nas ciências humanas é preciso cada vez mais, ao tratarmos do corpo, do sujeito e
das relações intersubjetivas considerar que o lógico igualá-nos, o sensível diferencia-
nos (NÓBREGA, 2005, p. 52).
O gesto não se reduz a um dado mecânico, possui um sentido, uma direção,
compondo uma diversidade de significações, nos diferentes contextos desenhados
pela gestualidade do corpo, caracterizando uma relação sempre original com o
mundo. O sensível aqui não se apresenta como algo que deva ser eliminado por conter
erros, por ser uma ilusão. O sensível define a essência do ser, ele contém significações que
singularizam o sujeito e ao mesmo tempo permite a intercomunicação com a singularidade
do outro, dando um novo sentido ao acontecimento (IDEM, p. 70).
Essa racionalidade organiza-se por uma lógica específica cuja matriz é
sensível, operando por uma condição
polissêmica do corpo, se faz presente na
gestualidade cotidiana e codificada.
Essa codificação gestual pode ser
percebida em diferentes expressões dos
usos do corpo, por exemplo, a partir de
leituras que têm interesse nas técnicas
corporais (MAUSS, 2003). É nesse campo
de produção do conhecimento, dos saberes da carne que direcionamos nossa
percepção, no desafio de imergir na intencionalidade do gesto no jogo da capoeira.
Partimos da compreensão de que no jogo da capoeira a estrutura desenhada pelo
Imagem 04: O jogo da capoeira. Carybé, 1951.
Introdução: Notas em torno de uma sociologia da carne.
28
gesto é da ordem do sensível, do lúdico e do simbólico. Buscamos pois, evidenciar
sentidos e significados desenhados pelo gesto e nuançados pelo olhar do
pesquisador.
A abordagem do corpo e da gestualidade nessa investigação justifica-se no
sentido de que no corpo encarnam-se narrativas sociais, como por exemplo, da
produção do conhecimento científico, filosófico, artístico, social e das tradições.
Narrativas que não se separam no espaço e no tempo da physis humana,
duplicando-se em seus aspectos históricos, simbólicos, sociais, econômicos e éticos,
ou seja, tratar da gestualidade enquanto campo de pesquisa implica retomarmos,
ininterruptamente, questões da existência humana, da ordem social e da lógica da
produção do conhecimento.
Os discursos científicos, filosóficos, artísticos e sociais compreendidos como
duplicações de nossa existência, constroem sentidos e compreensões sobre o
fenômeno a ser observado, particularmente, sobre o corpo e seus diferentes níveis
de análise na relação existencial e dialética entre os sujeitos, o mundo, a história, a
cultura e o conhecimento. Tendo como campo de interesse para o
desenvolvimento dessa investigação a gestualidade na capoeira, é possível
compreender diferentes lógicas sociais e culturais, cuja racionalidade se configura
no duplo sentido sensual e significante do conhecimento, na articulação entre
racionalidade, sensibilidade, conhecimento e sociedade.
A partir dos argumentos expostos, são objetivos dessa investigação nuançar
nervuras em torno de elementos sociais e culturais na produção do conhecimento
Introdução: Notas em torno de uma sociologia da carne.
29
do corpo, do gesto, tecida pela racionalidade sensível. Essa leitura é possível pela
compreensão de inscrições de nossa existência, ou seja, de nossa experiência vivida
que carrega a marca da intersubjetividade, dando sentido à gestualidade do corpo.
É na relação com o outro que nossa experiência vivida, nossa intencionalidade,
passa a ser revestida de sentidos e de significados. No objeto cultural, eu sinto, sob
um véu de anonimato, a presença próxima do outrem (...) e é pela percepção de um ato
humano ou de um outro homem que a percepção do mundo cultural poderia verificar-se
(MERLEAU-PONTY, 1999, p. 466).
Para a compreensão do corpo e de sua gestualidade operamos pela
racionalidade sensível, uma arquitetura do conhecimento que estabelece conexões
com o próprio conhecimento lógico-
formal, sendo nossa tarefa, ao
descrever a gestualidade da
capoeira, discutir e nuançar
elementos dessa racionalidade.
Contemporaneamente, podemos perceber o desenvolvimento de diferentes
aportes teóricos e metodológicos presentes na investigação científica. O corpo
enquanto “objeto” de investigação, agenda de pesquisa na contemporaneidade,
tem sido marcado por uma multiplicidade de sentidos e de relações, portanto, por
diferentes enfoques teóricos e metodológicos. A abordagem fenomenológica
apresenta-se como uma possibilidade de construção histórica do conhecimento
científico e filosófico, ao considerar as ambigüidades do corpo, sua polissemia,
Imagem 05: O jogo da capoeira. Carybé, 1951.
Introdução: Notas em torno de uma sociologia da carne.
30
para além das objetivações operadas pelo conhecimento lógico-formal, ao
considerar a fluidez, a imprevisibilidade, a incerteza, possibilitando-nos
vislumbrar o real, o mundo-vivido, em sua complexidade.
A atitude fenomenológica requer sempre um retorno ao sujeito que e toca,
que se movimenta a partir da intencionalidade do gesto. Essa compreensão
permite-nos não reduzir o corpo a “objeto” de investigação, mas valorizando sua
experiência vivida, bem como a impressão de sentidos e significados, na relação
intersubjetiva entre o Ser, o Mundo, os Outros e a cultura.
Para incluir o drama simbólico da existência humana, portanto da dimensão
subjetiva da vida e da própria condição da produção do conhecimento, as
verdades do corpo não são exauridas pela explicação anátomo-fisiológica.
Centrado na ordem e na medida, contemporaneamente, esse mapa deixa de ser
considerado como verdade última sobre corpo. Isso posto, pretendemos destacar a
necessidade de se considerar a polissemia das idéias sobre o corpo. Nesse
itinerário, acredito que Calvino possa alimentar o reconhecimento de uma atitude
polifônica na interface com a produção do conhecimento:
Em volta da casa do Senhor Palomar existe um gramado. Não se trata do
lugar onde normalmente deveria haver um gramado: portanto o
gramado é um objeto artificial, composto de objetos naturais, ou seja, de
grama. O gramado tem por finalidade representar a natureza e essa
representação acaba por substituir a natureza própria do lugar por uma
natureza em si natural mas artificial em relação ao lugar. Em suma:
custa; o gramado requer labutas sem termo: para semeá-lo, regá-lo,
adubá-lo, desinfetá-lo, apará-lo
(CALVINO, 1994, p. 29).
Introdução: Notas em torno de uma sociologia da carne.
31
Palomar, este silencioso senhor com nome de telescópio, protagonista desse
texto de Calvino, se detêm a observar, com método rigoroso, tartarugas, pássaros e
ervas daninhas em seu jardim. Mesmo se concentrando nos detalhes para captar o
sentido das coisas com precisão, os significados se multiplicam como se cada ponto
da realidade contivesse o infinito e fosse, portanto, impossível concluir a
observação para chegar a evidências claras e distintas. O Senhor Palomar também
chama a atenção de que as grandes questões do mundo e da existência estão
presentes em cada objeto que observamos. Para ele tudo é digno de ser interrogado
e pensado, pois existe uma profunda relação entre os domínios da vida e os
saberes da ciência, gerando sempre uma multiplicidade de significações.
Tudo só pode ser visto de um determinado ponto de observação por um
olho imóvel, fixo em certo ponto de fuga, em uma linha de horizonte escolhida de
uma vez por todas, entre tantas outras possibilidades, cada uma exclusiva, cada
uma chamando a olhar e realçar determinadas características, que só poderiam ser
abarcadas mediante um discurso temporal em que cada ganho é ao mesmo tempo
uma perda. Reconhecemos essas contingências como um dos limites da produção
do conhecimento no cenário contemporâneo, que reconhece a polifonia das idéias,
a complexidade inerente aos fenômenos da vida.
Introdução: Notas em torno de uma sociologia da carne.
32
No campo da produção do
conhecimento nas Ciências Sociais,
compreendemos que essa pesquisa soma-se à
necessidade de tematizar não uma sociologia
somente do corpo, no sentido de objeto, mas
também a partir do próprio corpo como (...)
conhecimento (WACQUANT, 2002, p.12.). Para
realçar o conhecimento do corpo, da
gestualidade considerando sua produção simbólica e social, evidenciamos as
técnicas corporais, em particular a capoeira, e elementos de seu sistema cultural,
como materialidade empírica para o desenvolvimento de nossa investigação.
É na existência que buscamos refletir sobre o corpo, posto que a existência é
primeiramente corporal. Procurando entender esse lugar que constitui o âmago da
relação do homem com o mundo, a sociologia está diante de um imenso campo de estudo.
Aplicada ao corpo, dedica-se ao inventários e à compreensão das lógicas sociais e culturais
que envolvem a extensão e os movimentos do homem (LE BRETON, 2006, p. 07).
Tendo o corpo como horizonte epistemológico, como uma possibilidade de
ampliarmos nosso olhar sobre o fenômeno a ser investigado, desde já anunciamos
a necessidade de estabelecermos diálogos entre as diferentes áreas do
conhecimento, compreendendo o corpo como uma referência que atravessa e é
atravessada por diferentes áreas do saber. O corpo, como uma marca tangível,
Imagem 06: O jogo da capoeira. Carybé, 1951.
Introdução: Notas em torno de uma sociologia da carne.
33
como uma localidade antropológica, alonga os laços sociais e a trama simbólica,
articula os sujeitos e significações, existência e seus símbolos.
Para o desenvolvimento dessa pesquisa, partimos da fenomenologia do
corpo divulgada nas obras de Maurice Merleau-Ponty no sentido de
estabelecermos um diálogo entre filosofia e sociologia, tendo o corpo e a
gestualidade como eixos norteadores. Para o estabelecimento desse arranjo, tendo
a capoeira como campo de investigação e análise a partir da comunicação do gesto,
nossa problematização tem como eixo a perspectiva do corpo e do conhecimento
sensível divulgados nas obras de Merleau-Ponty (1991; 1992; 1999; 2002; 2004),
articulando a noção de técnica corporal em Mauss (2003), que particularmente,
podemos identificar na capoeira uma lógica de produção desse saberes do corpo
próxima ao do bricoleur (LÉVI-STRAUSS, 1989).
Do ponto de vista metodológico, para a
análise da gestualidade da capoeira, portanto,
do corpo como potência de conhecimento,
consideramos registros imagéticos e narrativos
do universo da capoeira, bem como minha
experiência de mais de sete anos no grupo de
capoeira Cordão de Ouro. A partir de uma
participação ativa e de uma experiência a mim
reapresentada como reflexão, realizamos uma leitura do ethos da capoeira como
expressão que revela e esconde saberes e práticas, a partir do jogo simbólico e
Imagem 07: O jogo da capoeira. Carybé,
Introdução: Notas em torno de uma sociologia da carne.
34
cultural construído nesse campo de socialidades. Um tal exercício epistemológico
tem por suporte uma pesquisa qualitativa em que são utilizadas partes do acervo
imagético do grupo investigado, bem como entrevistas, registros em diários de
campo e sobretudo minha experiência de vida junto ao grupo e à capoeira, no
intuito de reconhecer símbolos tatuados no corpo e por ele produzidos nas relações
intersubjetivas.
O método fenomenológico opera, inicialmente, pela redução partindo da
descrição dos dados da realidade, do mundo-vivido, compreendido como campo de
atribuição de sentidos. À redução articula-se a noção de eidos, como também a
necessidade de “suspender” as necessidades mais imediatas da nossa vida
cotidiana, no sentido de admirar-se, de perceber de outro modo as experiências em
questão. A redução é sempre incompleta, pois não se trata de retirar-se do mundo
para efetuar e reflexão. O eidos, a essência não está no mundo das idéias, mas na
existência, pois é na experiência vivida que os sentidos são atribuídos. A
fenomenologia nos convida a todo momento a reaprender a ver o mundo e as
relações nele estabelecidas, marcas de uma tarefa constantemente inacabada
(MERLEAU-PONTY, 1999).
Compreendendo que as metodologias são guias a priori que programam as
investigações, ao passo que o método que se desprende ao longo do nosso caminhar será um
auxiliar da estratégia (MORIN, 1996, p. 29), a partir dos registros narrativos e
imagéticos que nos dizem do grupo de capoeira Cordão de Ouro, pretendemos
Introdução: Notas em torno de uma sociologia da carne.
35
realizar uma leitura do corpo como símbolo, do lúdico e da cultura como contexto
e do sensível como textura do conhecimento. Acreditamos que essas evidências da
carne possam favorecer para um arrebatamento epistemológico, amplificando a
afirmativa de que as sociologias nascem nas
zonas de ruptura, de turbulência, de falha das
referências, de confusões, de crises das
instituições, numa palavra, lá onde se rompem
as antigas legitimidades (LE BRETON,
2006, p. 11).
Para problematizarmos os
binarismos colocados pelo pensamento
lógico/fragmentador de uma determinada forma em se produzir o conhecimento,
notadamente de uma perspectiva tradicional da Filosofia e da Ciência, centradas
na razão fechada, nos arriscamos no movimento da transversalidade dos saberes,
sobre a gestualidade do corpo, como um campo de comunicação e de reflexão
sobre o conhecimento, uma aposta ética e estética do pensamento. Vislumbramos
fomentar a reflexão sobre a gestualidade do corpo como uma possibilidade de se
somar a uma escrita do conhecimento para além do racionalismo, buscando o
diálogo entre os saberes da Ciência, da Filosofia, das Tradições, entre outros. Sem
dúvida, nessa escrita torna-se importante considerarmos as diferentes lógicas e
mecanismos de explicação e compreensão que configuram esses saberes,
avançando nas mutilações cientificistas, numa perspectiva que imploda os
Imagem 08: O jogo da capoeira. Carybé, 1951.
Introdução: Notas em torno de uma sociologia da carne.
36
determinismos mecanicistas e unilineares (...) favoreça o (...) intercâmbio ciência/ tradição,
inaugure uma nova ética (ALMEIDA, 2001, p. 27).
A dissertação está organizada em três capítulos. No primeiro, intitulado No
jogo da capoeira, para uma fenomenologia do gesto, apresentamos o grupo de capoeira
Cordão de Ouro, evidenciando elementos de sua história e de sua inserção social.
Ali, apresentamos as categorias adotadas nessa pesquisa argumentando em torno
de uma fenomenologia do gesto a partir dos registros do grupo investigado,
especificamente do material imagético, das entrevistas realizadas no grupo em
questão, bem como ancorados em minha experiência durante mais de sete anos
inserido no sistema cultural da capoeira.
No segundo capítulo, Cartografias do gesto, narrativas do corpo em movimento,
nuançamos sentidos do corpo e da gestualidade no jogo da capoeira, jogando com
as imagens, com as notas visuais e com minha experiência vivida, atribuindo
sentidos ao jogo, compondo uma narrativa que considera o sistema cultural da
capoeira, bem como elementos de uma estética do pensamento, evidenciando
fragmentos da estrutura desenhada pelo gesto, que nos diz da articulação entre o
sensível, o lúdico e o simbólico.
Finalizando, no terceiro capítulo, A escrita do corpo no jogo da capoeira,
retomamos elementos em torno da reflexão apresentada, no sentido de fomentar
uma atitude epistemológica em torno de uma sociologia da carne, aprofundando as
noções de corpo e conhecimento sensível a partir da fenomenologia de Merleau-
Introdução: Notas em torno de uma sociologia da carne.
37
Ponty, textura que fundamenta os argumentos que se seguem. Apresentamos
também uma possibilidade de interpretação da capoeira, enquanto técnica corporal,
a partir do conceito divulgado por Marcel Mauss que nos possibilita esgarçar a
compreensão do sistema cultural da capoeira, contextualizando-o a partir de
questões referentes ao cenário contemporâneo, a partir de brechas antropológicas que
nos ajudam a pensar a capoeira tecida na relação entre corpo, técnica corporal e
sociedade. Articulamos ainda, à gestualidade do corpo na capoeira, a compreensão
de bricoleur, e a complementaridade entre jogo e rito, propostos por Lévi-Strauss,
tendo como referência os simbolismos presentes no jogo de corpo nas rodas de
capoeira.
Imagem 09: Vadiação. Óleo sobre tela. Carybé, 1985.
CAPÍTULO I
NO JOGO DA CAPOEIRA,
PARA UMA FENOMENOLOGIA DO GESTO
Capítulo I: No jogo da capoeira, para uma fenomenologia do gesto.
39
No confronto entre as perspectivas de compreensão da capoeira e na
confirmação das percepções possíveis de serem elaboradas nesse jogo, emergem
sentidos e significados que potencializam saberes e configuram o conhecimento do
corpo, saberes da carne. Para o desenvolvimento dessa investigação, nosso método
de pesquisa fundamenta-se na fenomenologia, em particular nas contribuições do
pensamento do filósofo francês Maurice Merleau-Ponty. Uma perspectiva
metodológica que tem como pressuposto fundamental a existência, na observação
e descrição do mundo-vivido (lebenswelt). Nesse processo de descrição da realidade e
de imputação de sentidos , opera-se a redução fenomenológica, elemento
metodológico fundamental da pesquisa. Tendo como tema central a tarefa, sempre
inacabada, da descrição da experiência do mundo-vida, a atitude fenomenológica
ganha sentido na espessura histórica. Porque estamos no mundo, estamos condenados
ao sentido, e não podemos fazer nada nem dizer nada que não adquira um nome na história
(MERLEAU-PONTY, 1999,p .18).
Inseridos no mundo da experiência buscamos compreender o gesto não a
partir de uma representação mental, mas a partir da reflexão e da interpretação da
experiência vivida, retomando intencionalidades do sujeito que se movimenta, que
estabelece relações com o outro e com o mundo. Essa proposta epistemológica
rompe com o racionalismo, principal postulado da modernidade.
O predomínio da razão excludente, linear, é substituído radicalmente
pelo mundo vivido, englobando o refletido e o irrefletido, a razão e a
não-razão, o visível e o invisível. A utilização desse método nos
Capítulo I: No jogo da capoeira, para uma fenomenologia do gesto.
40
permite uma atitude de admiração diante do mundo, um alerta para
não nos acostumarmos com ele, mas admirarmo-nos ante as suas
múltiplas perspectivas e recomeçarmos, considerando o que se pôde
dizer/fazer da nossa existência, mas também em busca do irrefletido.
(...) A Fenomenologia trabalha com a descrição dos fenômenos. A
descrição busca a "própria coisa", e, embora enraizada, encontra-se
repleta de significados vividos dia a dia, sem que isso seja
conscientizado ou verbalizado. Há também a intuição que faz
sobressair o que "já está aí", para melhor percebê-lo. Não se trata de
utilizar a imaginação apenas do ponto de vista poético, místico ou
psicológico, como de costume, mas dar-lhe um novo significado, um
novo interesse epistemológico, a partir das possibilidades sensíveis,
relacionadas às experiências vividas pelos sujeitos humanos e
comunicadas por meio de suas narrativas pessoais (depoimentos,
biografias, expressões artísticas, literárias, entre outras)
(NÓBREGA,
1999, p. 36 e 37).
Tendo como eixo norteador questões
mobilizadas pela gestualidade do corpo e a
fenomenologia como método, nosso empiria
tem como referência o Grupo de Capoeira
Cordão de Ouro. Em uma participação
sistemática com o grupo
4
, marcada por nossa
aproximação e participação no grupo de
4
A partir do trabalho de Wacquant (2002), buscamos nos apropriar dessa possibilidade metodológica.
Compreendemos que a expressão se trata de uma estratégia metodológica em que a experiência vivida é
fundamental no sentido de nos inserirmos e nos aproximarmos dos elementos simbólicos, dos sentidos
atribuídos a partir de um sentido de pertencimento de um grupo, em que o pesquisador opera pela
aproximação, numa tentativa de “enraizamento”, com o grupo investigado..
Imagem 11: Símbolo do
Grupo de Capoeira Cordão de Ouro
Capítulo I: No jogo da capoeira, para uma fenomenologia do gesto.
41
capoeira Cordão de Ouro, tivemos acesso a um acervo de imagens, compostas por
encontros organizados nos últimos dez anos. Em alguns desses encontros
registrados estivemos presentes, tendo a oportunidade de conversar com alguns
mestres e colher depoimentos que nos falam da capoeira, das relações entre as
pessoas e da vida em geral, utilizando também do registro de dados observados a
partir de um diário de campo
5
.
Os dados construídos a partir da realidade, tanto quanto das entrevistas, e
dos registros em diário de campo, deram-se no sentido de enfatizar o material
imagético acessado. De posse desse material que somava mais de quinze horas de
encontros do Grupo, fizemos uma seleção das imagens seguida de uma edição das
imagens colhidas. Como um desdobramento de nossa metodologia, no sentido de
destacar e evidenciar, de forma sintética, fragmentos do repertório gestual, a partir
5 Sem dúvida minha aproximação com o grupo de capoeira investigado, a mais de sete anos, favoreceu a
aproximação com os sujeitos que fazem o grupo, facilitando o acesso ao material, bem como as entrevistas
realizadas durante o processo.
Imagem 12: Notas visuais, Roda II.
Capítulo I: No jogo da capoeira, para uma fenomenologia do gesto.
42
de uma seleção de rodas que favorecessem a visualização da multiplicidade de
referências gestuais presentes no grupo investigado, utilizamos as imagens
editadas como notas visuais
6
, fundamentos vivos de nossas reflexões.
Para efeito de análise do material, passamos a construção de um roteiro que
favorecesse a associação da diversidade dos sentidos do corpo em movimento,
somando-se à nossa intencionalidade de nuançar elementos da gestualidade do
corpo no jogo da capoeira. Nesse sentido a análise das imagens compreendeu o
estilo de jogo; a identificação dos camaradas; o espaço; as dinâmicas de movimento do
corpo; as relações das pessoas; as técnicas de movimentos; e a sonoridade. A escolha
desses elementos remete para a intencionalidade do pesquisador, em sua relação e
experiência com o sistema simbólico da capoeira. Compreendemos que esse roteiro
possibilita-nos articular vários elementos simbólicos presentes nesse sistema
cultural, ampliando as possibilidades de atribuição de sentidos e significados nas
relações intersubjetivas estabelecidas no jogo de capoeira, sendo dessa forma,
pertinentes para o desenvolvimento do nosso argumento de pesquisa.
A opção
metodológica da
identificação de
“categorias” para a
análise da gestualidade
6
No processo interpretativo, as notas visuais permitem ver as relações entre certos eventos, que se tornam
mais visíveis quando nos baseamos nos fragmentos imagéticos para estabelecer nossas reconstruções
(Alegre, 1998, p. 89).
Imagem 13: Notas visuais, Roda VII.
Capítulo I: No jogo da capoeira, para uma fenomenologia do gesto.
43
do corpo no jogo da capoeira não pretende esgotar com as possibilidades
interpretativas que podem ser realizadas a partir de outros olhares e de outras
problemáticas, pois a ipseidade nunca é atingida: cada aspecto da coisa que cai sob nossa
percepção é novamente apenas um convite a perceber para além e uma parada momentânea
no processo perceptivo (MERLEAU-PONTY, 1999, P. 313). Feita essas considerações,
passamos para a apresentação do grupo Cordão de Ouro.
Apresentando o grupo cordão de ouro
Quem não conhece o Grupo Cordão de Ouro
Venha pra roda que você vai conhecer
Cordão de Ouro tem mandinga e tem molejo
Joga ligeiro e é bonito de se ver
7
O Grupo de Capoeira Cordão de Ouro foi fundado em mil novecentos e
sessenta e sete, por Mestre Suassuna e Mestre Brasília, na cidade de São Paulo.
Com quase quarenta anos de existência, o Grupo é importante referência no
cenário nacional e internacional ao se tratar de capoeira, sendo coordenado por
7
Trecho de música do Grupo Cordão de Ouro.
Imagem 14: Mestre Suassuna
Capítulo I: No jogo da capoeira, para uma fenomenologia do gesto.
44
Reinaldo dos Ramos Suassuna
8
, mais conhecido como Mestre Suassuna. Reinaldo
começou sua inserção no universo da capoeira ainda garoto, em Itabuna, no Estado
da Bahia. Inicialmente, por problemas musculares em suas pernas, foi
encaminhado por um médico para realizar alguma prática corporal, optando pela
capoeira.
Teve, na época, a oportunidade de freqüentar rodas de rua, onde estavam
presentes grandes capoeiristas da “velha Bahia”, como os Mestres Sururú, Bigode
de Arame, Maneca Brandão, entre outros. Na cidade de Salvador, aproximou-se
dos Mestres Bimba, Pastinha, Waldemar, Caiçara e tantos outros que se tornaram
referências para o desenvolvimento de seu trabalho. Notáveis capoeiristas
reconheceram a condição de Mestre à Reinaldo Suassuna, sendo diplomado como
Mestre pelos dois mais renomados conhecedores, divulgadores e sistematizadores
desse saber, Mestre Pastinha e Mestre Bimba.
Em mil novecentos e
sessenta e cinco mudou-se para
São Paulo com o intuito de
desenvolver seu trabalho naquele
Estado, ampliando o campo de
inserção e o reconhecimento da
8
Além de coordenar e participar das atividades do grupo Cordão de Ouro no Brasil e no mundo, Mestre
Suassuna também é integrante do Conselho de Mestres do projeto Capoeira Viva. Trata-se de um programa
de valorização da capoeira como um bem cultural brasileiro, a partir de editais públicos. Uma realização do
Ministério da Cultura do Brasil, do Museu da República, da Associação do Museu da República e da
Petrobrás.
Imagem 15: Mestre Suassuna e Mestre Lobão
Capítulo I: No jogo da capoeira, para uma fenomenologia do gesto.
45
capoeira como prática corporal e como elemento da cultura. Em meio a muitas
dificuldades, conseguiu instalar sua academia e desenvolver seu trabalho. Na
fotografia acima, vemos o jovem Mestre jogando com Mestre Lobão, em um espaço
que ainda hoje existe em São Paulo, no bairro da Liberdade, onde funciona sua
academia de capoeira.
O Grupo tem divulgado os conhecimentos da capoeira Angola e Regional,
reinventando seqüências de movimentos, possibilitando novos diálogos corporais,
numa bricolagem gestual marcada pela dialética do espaço e pela relação dramática
de um jogo que é “dentro”, que é “em cima” e que joga “em baixo”. Nas palavras
do Mestre, “desafiando os limites do corpo”. O Grupo também tem desenvolvido
uma movimentação, a partir de uma releitura da gestualidade construída no
sistema cultura da capoeira, um jogo chamado de Miudinho.
Em depoimento a
uma revista especializada
sobre o tema da capoeira,
Mestre Suassuna explica
que o Miudinho tem doze
seqüências de
movimentação. Em suas
palavras, o Miudinho veio da Capoeira Angola; é a Capoeira Angola jogada com mais
agilidade, mais entrosamento. Eu peguei movimentos que estavam “esquecidos”,
movimentos da capoeira antiga que eu aprendi na Bahia com grandes capoeiristas como
Imagem 16: Notas visuais, Roda XIX.
Capítulo I: No jogo da capoeira, para uma fenomenologia do gesto.
46
Mestre João Pequeno, Mestre João Grande, Mestre Papo Amarelo. Peguei movimentos do
Jogo de Dentro e movimentos de um jogo conhecido como Dois por Dois, que é bem mais
fechado do que o Jogo de Dentro. O Miudinho é basicamente jogo no chão. A partir do
depoimento do Mestre Suassuna, compreendemos que o Miudinho se trata de uma
bricolagem dos saberes disponíveis ao Mestre. Uma releitura que possibilita a
reinvenção, pois como nos lembra um trecho de cantiga divulgada pelo grupo
Cordão de Ouro nas rodas de capoeira:
Miudinho não é Angola
Miudinho não é Regional
Miudinho é um jogo manhoso
É um jogo de dentro
É um jogo legal
9
Enquanto sistematização de uma técnica corporal, o Miudinho é o mesmo e é o
outro, no que se refere à gestualidade do corpo identificada até então no sistema
cultural da capoeira. Na oportunidade da entrevista, Mestre Suassuna continua
explicando que o Miudinho surgiu porque estava vendo que os capoeiristas estavam
jogando muito distantes uns dos outros e eu não achava isso legal, porque a capoeira é um
9
Trecho de música do Grupo Cordão de Ouro.
Imagem 17: Notas visuais, Roda XVIII.
Capítulo I: No jogo da capoeira, para uma fenomenologia do gesto.
47
jogo de habilidade, de destreza. Então eu criei uma técnica, onde eles pudessem jogar mais
próximos, mais entrosados. Além das seqüências, existe o toque do Miudinho, que é
dividido em três partes: a primeira, que é para o jogo de movimentação das seqüências; a
segunda que são os repiques, que é para o capoeirista fazer um “dengo”, mostrar o “swing”
da capoeira; e a terceira que é para avisar que os capoeiristas não estão se entrosando, esse
toque chama os jogadores ao pé do berimbau para eles reiniciarem o jogo pois não está
havendo “conversa” entre eles. Em outro trecho da cantiga evidenciada acima, o
cantador nos alerta:
Pra entrar nesse jogo de bamba
Tem que ter molejo e saber mandingar
Tem que tá com o corpo fechado
Tem que tá de bem com o seu orixá
10
O trabalho desenvolvido por Mestre Suassuna também é marcado por uma
grande produção artística no campo musical, com gravações de músicas do
domínio popular, como também a criação própria de um repertório musical do
grupo Cordão de Ouro, conhecido e divulgado nas rodas de capoeira. Durante
nossos encontros com o grupo, tivemos acesso também a uma parte significativa
10
Trecho de música do Grupo Cordão de Ouro.
Imagem 18: Capa de CD gravado pelo Grupo Cordão de Ouro
Capítulo I: No jogo da capoeira, para uma fenomenologia do gesto.
48
de sua memória musical, gravadas em Long Play (LP) e Compact Disc (CDs) que
entrarão no jogo nos capítulos que se seguem, compreendendo a musicalidade das
rodas de capoeira e do próprio grupo, como um dado significativo na atribuição de
sentidos e de significados no sistema cultural da capoeira, portanto, na
gestualidade do corpo presente nas rodas de capoeira.
Liderado por Mestre Suassuna, o grupo Cordão de Ouro hoje está presente
no Brasil e no Mundo. Nacionalmente o Grupo tem seus trabalhos desenvolvidos
em todas as regiões do Brasil, principalmente nos Estados de São Paulo, Rio de
Janeiro, Minas Gerais, Santa Catarina, Espírito Santo, Goiás, Bahia, Pernambuco,
Paraíba, Rio Grande do Norte, Ceará, Pará, Piauí, Acre e em Brasília. No mundo a
capoeira está inserida em mais de cento e setenta países, o grupo Cordão de Ouro
se faz presente nos Estados Unidos, em Israel, na Alemanha, na França, na
Inglaterra, na Suécia, na Holanda e na Espanha.
Considerando o Estado do Rio Grande do Norte, foi no final da década de
oitenta que ocorreu os primeiros contatos entre Irani Martins Dantas, Mestre Irani,
e Mestre Suassuna, no intuito de formalizar a presença do grupo em terras
potiguares. Em nosso Estado, o Grupo desenvolve seu trabalho na cidade do Natal
e no interior, a partir a partir da intervenção dos professores, contra-mestres e
mestres formados pelo Grupo e liderados por Mestre Irani.
A seguir apresentamos as notas visuais a serem enfatizadas durante nossa
imersão na experiência do corpo na capoeira, a partir dos registros colhidos no
Capítulo I: No jogo da capoeira, para uma fenomenologia do gesto.
49
grupo Cordão de Ouro. Para tanto trazemos registros imagéticos e fragmentos, que
nos remetem sistema cultural da capoeira, ancorando nossos argumentos.
I
magens do jogo
11
Ai ai aidê
Joga menino
que eu quero aprender
Ai ai aidê
Joga bonito
que o povo quer ver
12
Compreendendo a relevância do Grupo de capoeira Cordão de Ouro na
confirmação, continuidade e divulgação do ethos da capoeira, bem como na
reorganização de subjetividades a partir da linguagem corporal, na construção e
desconstrução da tradição, alimentado a dinâmica da cultura em torno da
gestualidade da capoeira, passamos a uma apresentação e a uma primeira leitura
do corpo no jogo da capoeira a partir de nossas notas visuais
13
. As imagens nos
dizem do gesto, do jogo e da cultura, sendo fundamentais para a nossa
11
No DVD que acompanha o texto da dissertação, encontra-se disponível a edição de imagens realizadas a
partir do material do Grupo de Capoeira Cordão de Ouro, que são as referências ostensivas das análises que se
apresentam no referido texto. Em anexo segue uma descrição detalhada das imagens, fragmentos desse
material; bem como parte do acervo musical do grupo, notadamente as músicas apresentadas durante esse
trabalho.
12
Música de domínio popular, cantadas nos encontros dos grupos e nas rodas de capoeira em geral.
13
As notas visuais são as categorias trabalhadas durante nossa investigação. Nesse momento, pretendemos
“jogar” com as notas e a compreensão em torno de suas categorias.
Imagem 19: Notas visuais, Roda X.
Capítulo I: No jogo da capoeira, para uma fenomenologia do gesto.
50
Imagem 20: Notas visuais, Roda XVI.
investigação sobre o corpo no jogo da capoeira, no sentido de fomentar reflexões
em torno de uma fenomenologia dos gestos.
O estilo de jogo diz respeito à técnica corporal desenvolvida e utilizada
durante o jogo de corpo nas rodas de capoeira evidenciadas durante nossa
investigação. Na capoeira, a gestualidade é mobilizada e envolvida por nuanças
que exigem diferentes posicionamentos do corpo, na relação com o outro, mediado
pelo símbolo. No levantamento do material imagético, percebemos que as técnicas
corporais apresentadas pelo grupo em questão variam entre Angola, Regional e o
Miudinho. Se pudéssemos falar em termos semânticos, o léxico que constitui o estilo
do jogo presente no Grupo tem como matriz a hibridez de movimentos, a partir do
diálogo entre as diferentes técnicas corporais construídas e reconstruídas no jogo
da capoeira. A gestualidade presente no grupo é constituída de traços da escrita
histórica da capoeira, e em sua reinvenção, confirmando a dinâmica da tradição.
De maneira geral,
nos encontros que tenho
participado, observando,
registrando ou jogando,
tenho percebido que as
rodas seguem uma
narrativa do próprio
desenvolvimento das técnicas corporais que vem caracterizando o sistema cultural
da capoeira. Geralmente, começam com o jogo de Angola, momento em que
Capítulo I: No jogo da capoeira, para uma fenomenologia do gesto.
51
participam os capoeiristas mais experientes. Na continuidade do encontro, o ritmo
é acelerado e o jogo desenvolvido é o de Regional. Para finalizar a roda os
camaradas são convidados a desenvolverem o jogo de Miudinho, em uma
movimentação marcada por um jogo mais solto, com elementos lúdicos e de
improvisação.
Podemos pensar que a silhueta dessa estrutura, que começa com o jogo de
Angola, passando pela Regional e terminando a roda com o Miudinho, guarda a
afirmação tanto do desenvolvimento histórico e social da construção do sistema
cultural da capoeira, como também as modificações sociais na relação entre poder
e corpo. Senão vejamos: a Angola é reconhecida como a primeira técnica
desenvolvida na expressão da capoeira, posteriormente expressa também pela
Regional. O Miudinho é uma forma de expressão que dá continuidade à dinâmica
cultural, nos dizendo que a tradição é tamm contemporânea.
Nas notas visuais em
questão, identificamos
também os sujeitos que se
fazem presentes e
expressam essa
gestualidade: os
Camaradas. Denominação
utilizada na comunidade da capoeira, entoada nos cânticos e confirmada pelo coro,
camará! Nas rodas de capoeira o encontro acontece entre camaradas e não
Imagem 21: Notas visuais, Roda XIII.
Capítulo I: No jogo da capoeira, para uma fenomenologia do gesto.
52
adversários. Muitos são conhecidos nas rodas de capoeira por codinomes ou
apelidos, haveria aqui uma modificação ou inversão de suas identidades?
Do ponto de vista
histórico, quando a prática
da capoeiragem ainda era
proibida pelo código
penal, o apelido dos
camaradas tinha como
função camuflar a
“identidade” do sujeito, evitando uma posterior perseguição por parte das
autoridades, notadamente, da polícia. Nos dias de hoje essa tradição se manteve,
no entanto, resignificada, afirmando a dinâmica da cultura, atribuindo novos
sentidos, reelaborando seus significados. Em nosso contato com o grupo,
percebemos que os apelidos, geralmente, ressaltam alguma característica mais
marcante do sujeito, ou alguma habilidade por ele demonstrada, num tom lúdico,
por vezes carregado de muita malícia, evidenciando a astúcia, a manha e a
vivacidade colocadas pelos sujeitos nas rodas de capoeira. Dentre outros,
citamos
14
: Ferpa, Mascote, Torinho, Barata, Bocão, Espirro Mirim, Esquilo, Perna
Longa, Ligeiro, Mosquito, Kibe, Capitão.
É importante ressaltarmos o fato de que nessa relação de camaradagem, há a
identificação do outro, tanto de quem entra na roda de capoeira no momento do
14
Os apelidos evidenciados são dos sujeitos que aparecem em nossas notas visuais, na edição do vídeo.
Imagem 22: Notas visuais, Roda XIV.
Capítulo I: No jogo da capoeira, para uma fenomenologia do gesto.
53
jogo, quanto de quem desenha a roda, ou seja, tanto dos que jogam dentro da roda,
como dos que se fazem presentes tocando os instrumentos ou delimitando a roda,
acompanhando o jogo cantando e batendo palmas. O outro, na roda, é como uma
localidade antropológica que possibilita, em sua presença, a potencialidade e
virtualidade do gesto, produzindo sentidos no jogo de corpo na capoeira. Nessa
relação, o outro não é um objeto que está diante de mim. Como afirma o filósofo,
jamais se compreenderá que um outro apareça diante de nós; o que
está diante de nós é objeto. É preciso compreender claramente que o
problema não é esse. O problema é compreender como me desdobro,
como me descentro. A experiência do outro é sempre a de uma réplica
de mim, de uma réplica minha (...). é no mais íntimo de mim que se
produz a estranha articulação com o outro; o mistério de um outro não
é senão o mistério de mim mesmo
(MERLEAU-PONTY, 2002, P.
169).
Sem o outro não
seriam estabelecidas
relações intersubjetivas, não
seriam reconhecidos
sentidos e significados
atribuídos, não seria
confirmada a cultura, em
decorrência não haveria o jogo de capoeira. No entanto, o acontecimento do jogo
não se refere apenas a uma soma das pessoas, preenchendo um espaço qualquer,
Imagem 23: Notas visuais, Roda XI.
Capítulo I: No jogo da capoeira, para uma fenomenologia do gesto.
54
por conseguinte, o
encontro dos camaradas
não se reduz ao
deslocamento do corpo no
espaço, ocupando um
determinado volume,
preenchendo um
determinado espaço. Não se trata da redução da gestualidade do corpo a um
movimento eminentemente mecânico. O sentido não está nos axiomas
matemáticos. No jogo, o sentido é atribuído pelos sujeitos que reconhecem o outro
como uma duplicação de si. Na experiência de minha percepção a articulação com
o outro acontece no reconhecimento de sua percepção, de sua intencionalidade. É
enquanto duplo que articulamo-nos, reconhecendo nossos gestos, compartilhando
nossas intencionalidades, estabelecendo das relações intersubjetivas, reconstruindo
constantemente a cultura
e, se me perguntarem ainda, sobre esse papel do sujeito encarnado que
é o meu, de que maneira sou levado a confia-los a “outros”, e por que
enfim os movimentos do outro me aparecem como gestos, por que o
autônomo se anima e o outro está ali, é preciso responder em última
análise, que é porque nem o corpo do outro nem os gestos que ele visa
jamais forma objetos puros para mim, eles são interiores a meu campo
e a meu mundo, são portanto desde o início variantes dessa relação
fundamental
(MERLEAU-PONTY, 2002, p. 172).
Imagem 24: Notas visuais, Roda IV.
Capítulo I: No jogo da capoeira, para uma fenomenologia do gesto.
55
O espaço físico e social, também é um elemento significativo observado nas
imagens e se refere tanto ao local onde as rodas e encontros têm sido realizados,
como também a perspectiva de novas formas e localidades de convivência. Até
meados da década de mil novecentos e trinta, a prática da capoeira era proibida e
reprimida por força legal. Hoje em dia, as mudanças são significativas no que
tange sua visibilidade social, sendo divulgada nos mais diferentes meios de
comunicação e se fazendo presente em diferentes espaços sociais, como academias
de ginásticas, ginásios esportivos, clubes, centros culturais, escolas, universidades,
entre outros. Do ponto de vista social, o que tem provocado a visibilidade da
capoeira no cenário contemporâneo?
Nesse ponto, é interessante perceber, ao considerar a história social da
capoeira, que sua visibilidade, bem como os diferentes espaços por ela ocupados,
tem variado de acordo com dinâmicas e interesses sociais. A presença da capoeira
nas ruas, praças e largos das cidades de Salvador, Rio de Janeiro e Recife, nos
séculos XIX e início do século XX, amplia-se em todo o território nacional. Na
década de mil novecentos e trinta a capoeira passa a ocupar espaços próprios para
seu treinamento e a realização de rodas e batizados. A Luta Regional Baiana, mais
tarde denominada capoeira Regional desenvolvida e proposta por Mestre Bimba,
redimensionam elementos do sistema cultural da capoeira, como por exemplo, a
prática da capoeira em espaços pré-definidos, como as academia de capoeira. É
interessante observarmos o fato de que, a prática da capoeira sai das ruas e passa a
ocupar locais socialmente destinados para aquela técnica corporal. Talvez a busca
Capítulo I: No jogo da capoeira, para uma fenomenologia do gesto.
56
por construir uma nova compreensão em torno da capoeira e de seus praticantes,
fomentado pelo discurso populista de Getúlio Vargas em seu projeto de
modernização cultural, tenha favorecido essa mudança territorial da prática da
capoeira, que se afastou cada vez mais das ruas, dos vícios e das confusões, para
afirmá-la enquanto “esporte nacional”.
Em minhas observações do grupo Cordão de Ouro, aqui na cidade do Natal
presenciei apresentações em praias, praças, centros comunitários, hotéis, áreas de
lazer, shoppings, casas de shows, academias de ginástica, bem como o
desenvolvimento de trabalhos mais sistemáticos em escolas e universidades.
Nessas oportunidades, ao conversar com as pessoas que acompanhavam a roda,
nos diferentes locais em que estava acontecendo o jogo, fui tomado por
sentimentos duplos, um paradoxo que envolve tanto uma perspectiva exótica e
folclorizada da capoeira, como também de uma expressão viva da cultura.
No entanto, é
sempre o olhar do outro,
agora do “estrangeiro” à
roda, que tem alimentado
e permitido sua inserção e
divulgação na sociedade
de maneira geral. De um
estado de perseguição e opressão, passamos ao investimento da prática da
capoeira pelo olhar do outro.
Imagem 25: Notas visuais, Roda V.
Capítulo I: No jogo da capoeira, para uma fenomenologia do gesto.
57
Ao relacionarmos a capoeira ao sentido de jogo, o sentido de coletividade é
potencializado, pois é na relação das pessoas que formam a roda, cantam os versos,
tocam os instrumentos, ligando-se ao diálogo estabelecido pelos camaradas que
estão dentro da roda, que possibilitam jogo e o rito acontecerem. O jogo e o rito são
confirmados pelo “olhar” do outro, que desenha e entra na roda. No entanto,
enquanto grupo, o sentido de coletividade acontece também no dia a dia, na
organização do grupo, no convívio entre as pessoas, nem sempre harmonioso. No
grupo e nas rodas, se fazem presentes velhos, adultos, jovens e crianças, homens e
mulheres. O sentido do coletivo revela-se na impossibilidade da existência do jogo
e do próprio rito sem a presença dos outros.
Seguindo nosso roteiro de análise, destacamos as dinâmicas de movimento
do corpo, considerando: a posição do corpo no espaço; os níveis e planos, se baixo
ou alto, vertical ou horizontal; o tempo e sua velocidade de andamento, se lento,
moderado ou rápido; o peso e sua intensidade, se firme ou suave; bem como a
fluência do movimento, se
livre ou controlada. Não
buscamos aqui uma
descrição analítica ou
biomecânica do
movimento para
estabelecer um
vocabulário, posto que a polissemia do corpo e a plasticidade de sua gestualidade
Imagem 26: Notas visuais, Roda XI.
Capítulo I: No jogo da capoeira, para uma fenomenologia do gesto.
58
fogem às tentativas de uma “alfabetização corporal”, descritas de “A” a “Z”. Nos
encontros que tenho acompanhado, bem como na produção das notas visuais
construídas durante a investigação, podemos pensar na constituição de uma memória
corporal, que estaria inscrita nos movimentos e gestos proferidos pelo corpo, posto que estes
micro-signos elaborariam sentenças corporais (TAVARES apud REIS, 2000, p. 173). Esse
léxico está aberto permanentemente ao inesperado, à criatividade, caracterizando
uma bricolagem do gesto, pois na recomposição e decomposição da gestualidade são
criadas outras tantas possibilidades.
Nessa movimentação do corpo, o elemento da repetição está em constante
relação com a criação de novas possibilidades gestuais, emergindo variações na
gestualidade. Nessas variações do corpo, elementos singulares são suscitados no
jogo, como por exemplo, a mandinga, ou malícia, noção altamente politizadora na
medida em que, inspirada na surpresa do ataque, subverte as hierarquias e institui um
contra-poder (REIS, 2000, p. 115). Aqui o corpo reapropria os espaços, reinventa
gestos, transgredindo as tentativas de racionalização do corpo e da vida.
Nas rodas realizadas pelo Grupo Cordão de Ouro, observamos que os
movimentos corporais são expressos nas diferentes direções, níveis, formas,
planos, tempo, velocidade e peso, elementos semânticos relacionado ao uso da
técnica corporal em questão, se Angola, Regional ou Miudinho, articulados aos
símbolos produzidos nesse saber-fazer, marcado permanentemente pela
flexibilização do corpo na relação com a técnica e com o rito.
Capítulo I: No jogo da capoeira, para uma fenomenologia do gesto.
59
No jogo de Angola, podemos perceber movimentos mais curtos e “quebrados”,
numa flexibilização do gesto, bem como a ênfase no direcionamento para o
chão. Homens gigantes que ficam minúsculos. O ritmo do jogo varia de lento a
moderado,
favorecendo o
controle do corpo. O
peso com que o
movimento é
realizado varia de
firme a suave. Na
capoeira Angola, os gestos fluem nos diferentes planos, quais sejam, horizontal e
vertical, com variações da fluência: livre e controlada. O peso firme acentua a
dinâmica e a intensidade do gesto que é luta, dança, memória e esquecimento de
uma tradão.
No jogo de Regional, o
tempo é acelerado,
ritmando um jogo mais
rápido, com a
realização de saltos
desenhando sua
trajetória na apropriação
do ar, ocupando um novo espaço social e simbólico. Durante o jogo, os
Imagem 27: Notas visuais, Roda I.
Imagem 28: Notas visuais, Roda XIV.
Capítulo I: No jogo da capoeira, para uma fenomenologia do gesto.
60
movimentos também são realizados nos níveis médio e baixo. Nas distintas
abordagens do jogo, o corpo cultua a plasticidade e cria formas diversas. No que
se refere à expansão do corpo no jogo da Regional, percebermos que
A capoeira regional abre a possibilidade de utilização do plano alto e,
simbolicamente, ‘levanta o negro’. Outro exemplo dessa expansão
espacial é a introdução das acrobacias, dos movimentos giratórios no
ar, próprios à seqüência de balão, que possibilitam ao capoeira
apropriar-se do ar, um território sem dono (...) Nessa capoeira mestiça,
os corpos se tocam nos movimentos corporais conhecidos como golpes
ligados
(REIS, 2000, p. 197).
No que se refere à técnica de movimento, ou ao repertório de movimentos,
podemos identificar uma grande variedade, uma multiplicidade de
combinações. A seguir apresentamos, de maneira sintética, a recorrência dos
gestos apresentadas em nossas notas visuais:
Angola: aú; aú com cabeça no chão; rabo de arraria; benção; bananeira; passagem
lateral; queda de rim; parada de mão; cocorinha; chamada de angola; rolê;
carneirinho; macaquinho; currupio; tesoura; transformação; rasteira; cabeçada; volta
ao mundo; aranha.
Regional: aú; aú de frente; aú de costas; aú voltando; aú batendo; aú com cabeça no
chão; arrependido; armada, queixada, meia lua de frente; meia lua de compasso; salto
mortal, grupada, parafuso, martelo rodado; “s” dobrado; bananeira; rasteira;
Capítulo I: No jogo da capoeira, para uma fenomenologia do gesto.
61
parafuso; peão com braços; peão com cabeça; benção; martelo; galopante; rolê;
negativa; parafuso com os braços, com a cabeça; queda de rim; macaco; carneirinho;
transformação; ponteira.
Miudinho: swing; volta por cima; rabo de arraia; currupio; aú; tesoura; negativa de
angola; escorpião; cabeçada
É importante destacarmos que essas cisões nem sempre significam
singularidades, mas às vezes preconceitos, construções excludentes, afirmações de
legitimidade e originalidade, etc. No entanto, não é como fratura que observamos
o quadro acima apresentado, mais como uma possibilidade de estarmos
identificando formas de uso do corpo, modificações da gestualidade no jogo da
capoeira, (re)construção de seus símbolos e de seu sentido social.
No capítulo
seguinte, tratamos
especificamente da
gestualidade do corpo
presente no grupo de
Capoeira Cordão de Ouro,
em que apresentamos uma
descrição e interpretação dos sentidos que são construídos na convivialidade da
roda, modos de ser, de existir e de conviver, tendo como pano de fundo a
racionalidade sensível.
Imagem 29: Notas visuais, Roda XVI.
Capítulo II
CARTOGRAFIAS DO GESTO,
NARRATIVAS DO CORPO NA CAPOEIRA
Capítulo II: Cartografias do gesto, narrativas do corpo na capoeira
63
É pela linguagem escrita que atribuímos sentidos ao corpo no jogo da
capoeira, tarefa sempre inacabada, pois não estamos tratando de um Ser prévio que
se explicita por uma racionalidade pré-estabelecida. Em nossa compreensão, os
acontecimentos ganham sentido na existência, multiplicando-se os horizontes de
significação.
Em um contexto de opacidade e historicidade, proposto pela fenomenologia de
Merleau-Ponty, é na percepção de instantes das experiências, das relações
intersubjetivas que buscamos compreender a gestualidade do corpo. O limite de tal
empreendimento está na impossibilidade do registro e descrição última da
realidade tal como é! Porém, é a própria experiência vivida que nos permitem
atribuir sentidos.
Ao nos aproximarmos da experiência pela representação da linguagem
falada ou escrita, a “realidade” não mais está ali, pois a reflexão não é anterior à
existência do mundo, no entanto alimenta-se desse movimento existencial. É como
se o real e o instante em todo seu conjunto escapassem às tentativas de
representação de sua totalidade, mas não cessamos de buscá-lo, em uma tarefa
sempre inacabada. Num jogo de proximidade e de distanciamento, luz e sombra, a
gestualidade do corpo situado no mundo nos é apresentada, digamos, se se quiser,
que eles são misteriosos, mas este mistério os define, não poderia tratar de dissipa-los por
uma solução, ele está aquém das soluções (MERLEAU-PONTY, 1999, p. 19).
Nesse capítulo procuramos destacar momentos, fragmentos, instantes da
gestualidade do corpo no jogo da capoeira, no sentido de compor uma cartografia
Capítulo II: Cartografias do gesto, narrativas do corpo na capoeira
64
dessa técnica corporal. Tendo como empiria as imagens do grupo de capoeira
Cordão de Ouro, bem como nossa observação e envolvimento com os momentos
apresentados nas imagens selecionamos intencionalmente alguns jogos de Angola,
Regional e Miudinho, no sentido de construir uma narrativa tecida a partir das notas
visuais, compreendidas como categorias gestuais, identificadas e problematizadas no
capítulo anterior.
A importância de trabalhar as imagens como narrativas do corpo no jogo da
capoeira, nos levou a pensar em uma estratégia de acessar o leitor a elementos
desse sistema cultural. Das dezenove rodas que estão presentes na edição final dos
registros imagéticos do Grupo Cordão de Ouro optamos por evidenciar duas rodas
de cada estilo apresentado pelo grupo investigado, quais sejam: Angola, Regional e
Miudinho. Essa estratégia metodológica se dá no sentido de favorecer um olhar
mais atento e minucioso da roda evidenciada, em que podemos trabalhar mais
cuidadosamente os signos e sentidos presentes nas rodas observadas.
Evidenciar a gestualidade do corpo nas rodas de capoeira configura-se como
uma possibilidade de sistematizarmos os saberes da carne, dentro de uma dinâmica
de relações estabelecidas, de construção de símbolos e de significados, realçando o
jogo e o rito que desenham e dão a estrutura das rodas de capoeira. Partimos do
princípio de que o corpo nos une diretamente às coisas por sua própria ontogênese,
soldando um a outro os dois esboços de que é feito, seus dois lábios: a massa sensível que ele
é e a massa do sensível de onde nasce por segregação, e a qual, como vidente, permanece
aberto (MERLEAU-PONTY, 1992, p. 132).
Capítulo II: Cartografias do gesto, narrativas do corpo na capoeira
65
Capoeira me chama/ que eu vou aprender/ entro na roda sem medo/ com malícia e
segredo/ pronto pra me defender...
15
. Os camaradas estão presentes para mais uma roda,
momento de festa, de celebração e de brincadeira. Esse jogo aconteceu em um
clube da cidade do Natal, o CAMANA (Clube dos Marinheiros de Natal), situado
no bairro do Tirol. O encontro na roda de capoeira congrega o jogo que é marcado
pela sonoridade dos instrumentos. A cantiga mobiliza os corpos. O gunga
16
vibra
avisando que o jogo é de angola. Os corpos envolvidos pela musicalidade dos
instrumentos e pela quadra cantada pelo Mestre, se concentram, aguardam o
momento certo de entrarem na roda.
Os camaradas se cumprimentam e num momento de respeito e de mistério
iniciam o jogo saudando o berimbau. “É no pé do berimbau que toda a energia da
roda está concentrada”
17
. Na roda, a vertigem se faz presente em seu duplo
sentido, seja enquanto deslocamento a uma direção, notadamente para o interior
da roda, estabelecendo novas relações de socialização e de convivência com o
15
Trecho da cantiga cantada na roda evidenciada.
16
Berimbau que possui um som grave, pois é construído com uma cabaça grande.
17
Depoimento do Mestre João Grande, aluno de Mestre pastinha, em entrevista por ocasião do documentário
Pastinha: uma vida pela capoeira.
Imagem 31: Notas visuais, Roda I. Imagem 32: Notas visuais, Roda I.
Capítulo II: Cartografias do gesto, narrativas do corpo na capoeira
66
outro, marcando a passagem do signo à significação; como também na realização
de movimentos de rotação do corpo, estabelecendo o diálogo entre os sujeitos
(SERRES, 2004).
A roda é um espaço aberto para novos encadeamentos gestuais, em que o
corpo produz e inventa novas expressões anteriormente incorporadas. Essas
variações do corpo são marcadas na carne, que provoca um excedente de sentidos.
No jogo, o corpo se espalha no espaço e se irradia por meio de uma gestualidade
sinuosa. O que podem nossos o corpos? Quase tudo, nos diria Serres (2004, p. 37).
Nesse universo de possibilidades, os camaradas provocam uma primeira inversão,
aproximam-se do chão. Na capoeira, o chão é o lugar do sagrado e é também o
ponto de referencia do nosso equilíbrio sinestésico. Natureza e cultura.
Ima
g
em 35: Notas visuais
,
Roda I. Ima
g
em 36: Notas visuais
,
Roda I.
Imagem 33: Notas visuais, Roda I. Imagem 34: Notas visuais, Roda I.
Capítulo II: Cartografias do gesto, narrativas do corpo na capoeira
67
O jogo continua... passagem lateral, rabo de arraia, os corpos se aproximam, os
jogadores procuram ocupar e preencher espaço vazio deixado pelo corpo do outro,
realizando rotações encadeadas, envolvidos pelo espaço circular. O corpo em
movimento deixa-se arrebatar pela sedução do outro, tanto de quem assiste ao
jogo, quanto de quem está dentro da roda. Não há aqui fingimento nem
dissimulação, pois no jogo de corpo na roda de capoeira as decisões são exigidas o
tempo todo. Fenomenologicamente, podemos perceber a reflexividade do corpo,
pensamento e ação ocorrendo em um mesmo ato. Definitivamente, a consciência
não sobrevoa o corpo, como pensamento de ver ou de sentir, mas afirma-se como
sensorialidade e como carne.
Sempre rodando: rabo de arraia, negativa e rolê, movimentos circulares
compondo um tempo que é mítico. O ritmo contagia e não deixa o corpo parar. Os
gestos não são realizados de forma irrefletida, eles comunicam a extensão do corpo
que lança um movimento ora de ataque, ora de defesa, numa mobilidade
permanente entre a rigidez e a flexibilidade.
Imagem 37: Notas visuais, Roda I. Imagem 38: Notas visuais, Roda I.
Capítulo II: Cartografias do gesto, narrativas do corpo na capoeira
68
O seu corpo de molejo/ ele encontra o berimbau/ quem não sabe agora aprende/ é a
cabaça o arame e um pedaço de pau/ Iê a, iê ô capoeira me chama dá licença meu senhor...
18
.
O corpo inclina, contorce, expande, recolhe. Utilizando-se dos planos
horizontal e vertical a gestualidade varia de forma inovadora, em um tempo lento,
em uma fluência controlada e em um peso firme, permanentemente próximo ao
chão. O gesto e o ritmo inebriam os sentidos!
Na cabeçada os corpo se tocam, aproximação que exige um recuo prodigioso,
pois o gesto possui, além do seu caráter simbólico, uma ação em potencial,
simulada em sua virtualidade. Nosso corpo transborda virtualidades (Serres, 2004, p.
18
Trecho da cantiga cantada na roda evidenciada.
Imagem 41: Notas visuais, Roda I. Imagem 42: Notas visuais, Roda I.
Imagem 39: Notas visuais, Roda I. Imagem 40: Notas visuais, Roda I.
Capítulo II: Cartografias do gesto, narrativas do corpo na capoeira
69
63). A cabeçada nos diz do perigo eminente na relação entre gesto e malícia. O
mandingueiro lança seu encantamento mostrando que a beleza também carrega a
surpresa e o perigo. O mandingueiro mostra e esconde constantemente esse perigo,
em forma de virtualidade.
Com a cabeça no chão, o corpo se move em um vai e vem, na busca
constante do equilíbrio sempre em movimento, na contorção do corpo.
Estabilidade permanentemente instável. O berimbau, o atabaque e o pandeiro
sugerem o ritmo do movimento. Ao redor, desenhando a roda, os outros camaradas
confirmam o jogo ao responderem em coro, reconhecendo na gestualidade do
corpo a permanência do tempo e o seu deslocamento, provocando uma explosão
de sentidos e a produção de sensibilidades expressivas, lúdicas e estéticas.
Imagem 45: Notas visuais, Roda I. Imagem 46: Notas visuais, Roda I.
Imagem 43: Notas visuais, Roda I. Imagem 44: Notas visuais, Roda I.
Capítulo II: Cartografias do gesto, narrativas do corpo na capoeira
70
Outra roda, outro espaço, outro tempo. Em uma alusão ao retorno
constante, o que nos remete a um tempo cíclico, marcas de um ritual, o jogo inicia-
se novamente. Essa roda de capoeira aconteceu na cidade do Natal, na academia
de capoeira do Mestre Ataulfo, no bairro de Ponta Negra, zona sul de Natal. Na
“boca” da roda, para dar início ao jogo, os capoeiristas cumprimentam-se e pedem
proteção ao berimbau. A sonoridade dos instrumentos, marcada e maliciosa, alerta
aos camaradas que o jogo é de Angola. Ai ai aidê/ ai ai aidê/ Santo Antônio é protetor da
barquinha de noé...
19
O sagrado se faz presente tanto na cantiga como na saudação do capoeira ao
berimbau. Parece ser indispensável o cumprimento ao camarada antes de entrar na
roda. É o reconhecimento do outro, que não se restringe a uma breve parceria para
o acontecimento do jogo, mas uma relação de produção e afirmação de sentidos
sociais e culturais, em uma passagem do signo ao significado. Eu e o outro somos
como dois círculos concêntricos, e que se distinguem apenas por uma leve e misteriosa
19
Trecho da cantiga cantada na roda evidenciada.
Imagem 47: Notas visuais, Roda VI. Imagem 48: Notas visuais, Roda VI.
Capítulo II: Cartografias do gesto, narrativas do corpo na capoeira
71
diferença (...) É no mais íntimo de mim que se produz a estranha articulação com o outro; o
mistério de um outro não é senão o mistério de mim mesmo (MERLEAU-PONTY, 2002,
p. 168 e 169). Do nível médio, o corpo é lançado diretamente para o chão, em uma
queda que conduz o capoeira para o recolhimento de seu corpo. O corpo opera
tanto pela expansão quanto pelo recolhimento.
Símbolos e significados manipulados no fluxo da amplitude e do
recolhimento do corpo, momento de retomar o fôlego e preparar uma nova ação. O
corpo é o suporte da intuição, da memória, do saber, do trabalho e, sobretudo, da invenção
(SERRES, 2004, p. 36). Espessura dialética e existencial, em que ao gesto é
incorporado saberes do corpo, mistérios carregado de figuras do mundo.
Imagem 49: Notas visuais, Roda VI. Imagem 50: Notas visuais, Roda VI.
Imagem 51: Notas visuais, Roda VI. Imagem 52: Notas visuais, Roda VI.
Capítulo II: Cartografias do gesto, narrativas do corpo na capoeira
72
Movimentos constantemente circulares caracterizam o jogo. Os camaradas se
aproximam em um diálogo mudo. Numa luta aparente, os gestos lançam centelhas
de sedução em condutas inesperadas, causando a reversão dos sentidos e
entrelaçamento dos sujeitos que jogam na roda. No açoite de um rabo de arraia o
espaço do outro é preenchido. O golpe é lançado numa tentativa de alcançar o
outro pela surpresa. Contraditoriamente, quanto mais próximo do golpe mais
seguro o camarada se encontra.
Em movimento constante de reviravolta, o corpo dá continuidade a sua
metamorfose. No círculo o corpo gira como uma carrapeta. Os giros levam à
vertigem, em que os gestos, por vezes, não se mostram transparentes. Há um
mistério que os acompanha, uma neblina turva que embriaga os sentidos. Mesmo
depois de realizado, no gesto, nem tudo é dito, algo permanece em sigilo. Nesse
silêncio o imaginário se tonifica, sentidos são criados, o jogo se reinventa na ginga
do corpo.
Imagem 53
:
Notas
visuais
Roda
V
I
Imagem 54
:
Notas
visuais
Roda
V
I
Imagem 55
:
Notas
visuais
Roda
V
I
Ima
gem 56
:
Notas
visuais
Roda
V
I
Capítulo II: Cartografias do gesto, narrativas do corpo na capoeira
73
A circularidade é interrompida pela chamada de angola. O capoeira que chama
faz com que o outro, retorne novamente para o “pé do berimbau”. Agachado faz
sua oração e fecha seu corpo, pois bem sabe que na chamada o corpo fica exposto à
mandinga de quem “chama” e a atenção se faz necessária. A mandinga esconde o
perigo em potencial. Em depoimento, Mestre Curió
20
afirma que a mandinga é
sagacidade, é você poder bater no adversário mas não bater. Você mostrar que não bateu
porque não quis (Vieira, 1998, p. 112).
O movimento da chamada comporta variações, acontecendo somente no
jogo de Angola, caracterizando um momento de quebra no jogo da capoeira. Para
alguns capoeiristas, a chamada também é um momento de retomar o fôlego para
dar continuidade ao jogo.
Na imagem acima o movimento é a chamada de frente. Tocando-se, quem
“chama” leva o movimento, marcado pelo vai-e-vem dos camaradas dentro do
círculo. Como numa valsa, os passos são ternários. E como que cumprindo um
ritual, por três vezes são dados três passos para trás, três passos para frente, e mais
20
Aluno de Mestre Pastinha
Imagem 57: Notas visuais, Roda VI. Imagem 58: Notas visuais, Roda VI.
Capítulo II: Cartografias do gesto, narrativas do corpo na capoeira
74
três passos para trás. Ao final desse “pás-de-deux” a atenção é fundamental, pois
quem está conduzindo pode estar se preparando para dar o “bote”! O corpo
certamente não engana, mas ele só fica à vontade sob uma certa obscuridade (SERRES,
2004, p. 42). A capoeira mostra a esconde o sujeito, a relação com o outro, os
símbolos da cultura. O corpo se sente confortável no jogo de esconder e revelar
proposto na roda, assim ele pode criar, expressar, brincar.
Após uma breve interrupção, os movimentos de contorção imprimem uma
outra dinâmica ao jogo. Negativa de angola, aranha, e rabo de arraia, os jogadores
variam de três a quatro pontos de apoio no chão. Na memória do corpo, ao
pensarmos na relação entre os humanos e os animais há aqui a constante
lembrança de quem fomos um organismo simiesco (SERRES, 2004, p. 10).
Imagem 59: Notas visuais, Roda VI. Imagem 60: Notas visuais, Roda VI.
Imagem 61: Notas visuais, Roda VI. Imagem 62: Notas visuais, Roda VI.
Capítulo II: Cartografias do gesto, narrativas do corpo na capoeira
75
Do nível baixo, repentinamente o corpo se projeta para cima na bananeira.
Nesse avesso a cabeça agora está em baixo e as pernas para cima. Onde está a
razão? Na carne! O equilíbrio não se encontra nos pés, concentrando-se somente
nas mãos.
Qual o limite do equilíbrio? Suspenso e surpreendido por um ataque de
cabeça, o capoeira equilibra-se somente com uma mão, projetando a outra em
defesa de sua adaptabilidade. Rapidamente o outro jogador se contorce,
equilibrando-se por sua vez em uma de suas mãos. Novamente aproximam-se, no
nível baixo em movimentos circulares.
Movimentos sinuosos sem monotonia, o corpo não vacila, valendo-se
constantemente do desafio em movimento múltiplos e articulados. Por vezes, nossos
Ima
g
em 65: Notas visuais,Roda VI.
Ima
g
em 66: Notas visuais, Roda VI.
Imagem 63: Notas visuais, Roda VI. Imagem 64: Notas visuais, Roda VI.
Capítulo II: Cartografias do gesto, narrativas do corpo na capoeira
76
órgãos esvaziam-se de suas formas e funções para projeta-las para o exterior. Sim, nossos
membros aparelham, o que significa que eles nos abandonam para formar aparelhos,
instrumentos semelhantes a eles, embora aparelhados (SERRES, 2004, p.112).
Na cabeçada o outro se defende com os braços, fazendo curvas sucessivas,
projeta o rabo e arraia, provocando a saída de rolê. Espaços vazios são preenchidos
ininterruptamente.
Novamente o jogo é interrompido pela chamada. Agora de costas. O corpo
não cessa de variar! Após se aproximar do berimbau, o outro vai ao encontro de
seu camarada, repetindo a gestualidade já esboçada, com um pequeno detalhe:
modifica-se o campo de visão. Na aproximação, de costas, não se vê o rosto do
outro. Essa inversão torna o movimento ainda mais malicioso e maculado.
Imagem 69: Notas visuais, Roda VI.
Imagem 70: Notas visuais, Roda VI.
Imagem 67: Notas visuais, Roda VI. Imagem 68: Notas visuais, Roda VI.
Capítulo II: Cartografias do gesto, narrativas do corpo na capoeira
77
Ao realizar o vai-e-vem o jogador que conduz o movimento rompe o esse
silencio com um galopante, lançando sua mão em direção ao rosto do seu camarada,
que se afasta do perigo e como um corisco retoma o jogo....
Respondendo a surpresa com uma chapa giratória que passa rente a quem
antes atacava. Onde se inicia o ataque e começa a defesa? No jogo da capoeira
podemos perceber certa descontinuidade dessa previsão, pois um movimento de
ataque transforma-se ao mesmo em defesa e vice-versa. Não há um limite em
considerando a reversibilidade do gesto. Aqui permanece o elemento do mistério e
da imprevisibilidade. Um movimento giratório pode conter potencialmente as
duas possibilidades ao mesmo tempo. Ataque ou defesa? Encantamento.
Mandinga! O mistério continua a dar o sentido imaginal da capoeira.
Imagem 71: Notas visuais, Roda VI. Imagem 72: Notas visuais, Roda VI.
Imagem 73: Notas visuais, Roda VI. Imagem 74: Notas visuais, Roda VI.
Capítulo II: Cartografias do gesto, narrativas do corpo na capoeira
78
Retornando ao lugar onde o jogo começou os camaradas se cumprimentam
ao “pé do berimbau” deixando em aberto a roda para o início de um novo jogo, a
partir de outros encontros corporais, de novas gestualidades. As rodas de capoeira
se repetem em sua estrutura, no sentido de afirmar-se enquanto cultura, no
entanto, a tradição marcada pela repetição, flexiona-se ao novo.
Na dinâmica do jogo de corpo nas rodas de capoeira, o novo é
potencializado pela gestualidade, pois a forma com que os camaradas se expressam
são sempre singulares, inusitadas e originais. Ao início de uma roda novos
registros estão abertos. Há sempre uma inovação do corpo, tudo de novo nada de
novo...
21
e o jogo e a vida se reinventam.
21
Trecho de entrevista cedida pelo Mestre Suassuna. A Entrevista completa encontra-se anexada ao trabalho.
Imagem 75: Notas visuais, Roda VI. Imagem 76: Notas visuais, Roda VI.
Imagem 77: Notas visuais, Roda VI. Imagem 78: Notas visuais, Roda VI.
Capítulo II: Cartografias do gesto, narrativas do corpo na capoeira
79
Na cadência do gunga o ritmo varia, tornando-se acelerado, exigindo outra
disponibilidade corporal. A roda em destaque aconteceu em São Paulo, na
academia do Mestre Suassuna. O jogo agora é de Capoeira Regional. O toque de
berimbau e o tipo de jogo de capoeira são inseparáveis uma vez que é o primeiro que
determina o estilo (...) e as variações no interior do mesmo, além de impor também o
andamento ao jogo, se amarrado ou solto, isto é, se lento ou rápido (Reis, 2000, p. 167).
Antes de entrarem na roda, os camaradas aguardam a permissão do
berimbau. Na estrutura desse ritual, o berimbau é como uma entidade espiritual
dentro do jogo. O equilíbrio sonoro que reverbera do berimbau, persuade sobre o
silêncio dos gestos. Após o cumprimento para entrar no jogo o corpo gira, no rolê e
no , provocando um tipo de transe. A roda de capoeira é um
redimensionamento do mundo que se encontra em constante movimento, num
tempo constantemente circular. Seus movimentos, também circulares, estabelecem
uma relação de complementaridade entre o jogo e o rito presentes nas rodas de
capoeira. É na volta que o mundo deu é na volta que o mundo dá...
22
22
Trecho da cantiga cantada na roda evidenciada.
Imagem 79: Notas visuais, Roda V. Imagem 80: Notas visuais, Roda V.
Capítulo II: Cartografias do gesto, narrativas do corpo na capoeira
80
O andamento do jogo agora se diferencia da Angola, certa sutileza dos gestos
é transformada em movimentos explosivos que misturam força e velocidade,
exigindo uma outra disponibilidade corporal. Na seqüência do rolê, mantendo a
reversão, o corpo ganha verticalidade no “s” dobrado, que é completado com um
movimento giratório com os braços. Na ginga, o capoeira simula e dissimula
intenções que potencializam movimentos inesperados. Não se pode permanecer
indiferentes a eles.
O virtuosismo é o elemento mais evidente no jogo. As rotações seguidas de
reversões incessantes levam, sem dúvida, à vertigem. O floreio, que embeleza essa
gestualidade, exemplifica-se no macaquinho, encadeando em seguida a meia-lua o
Imagem 83: Notas visuais, Roda V. Imagem 84: Notas visuais, Roda V.
Imagem 81: Notas visuais, Roda V. Imagem 82: Notas visuais, Roda V.
Capítulo II: Cartografias do gesto, narrativas do corpo na capoeira
81
que exige certo afastamento, optando-se pela esquiva lateral. Na primazia desse
deslocamento, amplia-se a dimensão do gesto, no deslizamento do corpo no espaço
da roda.
A posição do corpo no espaço é, eminentemente, no nível médio. No
entanto, podemos identificar certa transversalidade do corpo, quando se expande
utilizando-se no nível alto, e quando se recolhe no nível baixo. No uso da vitalidade
que faz multiplicar a carne, o corpo atravessa e experimenta diferentes
espacialidades, alto-médio-baixo.
No jogo de capoeira, ataque e defesa o são movimentos lineares, ou seja, o
ataque pode ser surpreendido por outro ataque ao mesmo tempo.
Imagem 87: Notas visuais, Roda V. Imagem 88: Notas visuais, Roda V.
Imagem 85: Notas visuais, Roda V. Imagem 86: Notas visuais, Roda V.
Capítulo II: Cartografias do gesto, narrativas do corpo na capoeira
82
Permanentemente somos lançados ao impasse. Por exemplo, na meia-lua de
compasso o camarada se defende com uma esquiva lateral, porém na mesma meia-lua
de compasso deferida por quem esquivava é surpreendido por uma rasteira Insisto,
não se pode permanecer indiferente diante do gesto.
Por vezes, depois de receber um golpe mais ostensivo, geralmente o
capoeira passa a observar dinâmica do jogo com mais cautela. Conselho dos
mestres que sempre alertam da necessidade de se estudar o jogo. É preciso
também estudar o gesto! Essa reflexão, pode ser realizada de cabeça para baixo,
como na bananeira. Definitivamente a consciência não se desprende do corpo, nem
mesmo com a sua inversão, pois o corpo em movimento federa os sentidos e os unifica
nele (SERRES, 2004, p. 15).
Imagem 89: Notas visuais, Roda V. Imagem 90: Notas visuais, Roda V.
Capítulo II: Cartografias do gesto, narrativas do corpo na capoeira
83
O jogo é interrompido com a atitude de compra por outros dois camaradas...
O ritmo ainda é acelerado, o estilo do jogo é Regional. O jogo acontece de maneira
contínua, quando de repente é comprado por um camarada de fora da roda. Para
entrar no jogo, realiza uma inversão. A roda em questão acontece em um clube da
cidade do Natal.
A inversão é repetida em vários momentos, seja na bananeira, seja no
movimento giratório com o braço, em que o corpo desliza entre o nível médio e alto. O
gesto torto e retorcido nos diz da querela guarnecida na memória do corpo. A hora
é essa, a hora é essa/ Berimbau tocou na capoeira, berimbau tocou eu vou jogar...
23
23
Trecho da cantiga cantada na roda evidenciada.
Imagem 93: Notas visuais, Roda XII. Imagem 94: Notas visuais, Roda XII.
Imagem 91: Notas visuais, Roda V. Imagem 92: Notas visuais, Roda V.
Capítulo II: Cartografias do gesto, narrativas do corpo na capoeira
84
Inesperadamente, os corpos se aproximam de maneira frívola e
descontraída. Ao manter a bananeira o outro camarada é prodigioso em sua
aproximação. O gesto esvoaçante de quem se inverte persuade a aproximação de
seu camarada. Rompendo a distância, quem está de pé mistura-se ao movimento
do outro. Defesa ou ataque? Delírio e atitude! Em posições avessas, o lúdico dá o
tom do jogo.
No recuo, utilizando o nível baixo, os camaradas giram na roda com
movimentos de aú voltando e carneirinho. O corpo permanece no impasse do nível
Imagem 95: Notas visuais, Roda XII. Imagem 96: Notas visuais, Roda XII.
Imagem 97: Notas visuais, Roda XII. Imagem 98: Notas visuais, Roda XII.
Capítulo II: Cartografias do gesto, narrativas do corpo na capoeira
85
baixo, médio e alto, deambulando gestos na construção desse quiasma, a partir de
uma textura do corpo ora liso, ora rugoso!
Movimentos giratórios se fazem presentes permanentemente no jogo da
capoeira, ora realizados de para um mesmo lado, outrora em sentidos opostos. Ao
encontrar a torção do tronco na meia lua de compasso, o outro camarada também
gira, também se contorce, sabiamente, em sentido oposto. O corpo sabe! Ele se
lembra de tudo, sem qualquer dificuldade ou impedimento. O que nos distingue das
máquinas é unicamente nossa carne divina; a inteligência humana se distingue da artificial
apenas pelo corpo (SERRES, 2004, p. 18).
Imagem 99: Notas visuais, Roda XII. Imagem 100: Notas visuais, Roda XII.
Imagem 101: Notas visuais, Roda XII. Imagem 102: Notas visuais, Roda XII.
Capítulo II: Cartografias do gesto, narrativas do corpo na capoeira
86
O corpo se presta a uma variedade de transformações possíveis, numa
adaptabilidade múltipla que faz emanar certo charme ou fascínio em torno da
virtualidade do corpo (SERRES, 2004). No alto a queixada, em baixo a transformação
continuada pelo rolê. O corpo segue preenchendo o espaço do outro, segue o jogo.
Em depoimento, Mestre Suassuna afirma que no Miudinho os capoeiristas
jogam mais dentro um do outro, num jogo bem “curtinho”, ou seja, bem “miúdo”,
evitando a distância um do outro, em uma movimentação sem “rótulo”, se Angola
ou Regional, e com recursos que também desafiam a todo o momento o limite do
corpo na movimentação. O início da roda nos mostra a aproximação do Miudinho
com a capoeira mais antiga, como declara Mestre Suassuna, no entanto, em um
novo arranjo de seus elementos em uma incessante reconstrução do significado do
jogo.
Imagem 103: Notas visuais, Roda XII. Imagem 104: Notas visuais, Roda XII.
Capítulo II: Cartografias do gesto, narrativas do corpo na capoeira
87
O toque é de um jogo de Angola mais corrido, que se modifica, até a
caracterização do toque do Miudinho. A música se faz presente durante todo o jogo.
Na boca da roda, os camaradas executam um swing, balanceio típico do jogo de
Miudinho, em frente ao berimbau, no sentido de que possa protegê-los no jogo que
está começando.
Os joelhos, sempre semi-flexionados, deixa o corpo mais arqueado e à
disposição de qualquer torção necessária ao jogo, mais solto, mais leve e mais
próximo, nas palavras dos capoeiras, num “jogo de dentro”. Afirmando a
infatigável variação do corpo, mãos, pés coração, nervos e músculos propiciam poder,
leveza, adaptação e fôlego (SERRES, 2004, p. 38).
Imagem 107: Notas visuais, Roda XVI. Imagem 108: Notas visuais, Roda XVI.
Imagem 105: Notas visuais, Roda XVI. Imagem 106: Notas visuais, Roda XVI.
Capítulo II: Cartografias do gesto, narrativas do corpo na capoeira
88
A aproximação constante dos corpos na movimentação miúda possibilita
um deslizamento com maior viscosidade. Cabeça direcionada para o chão,
deslizamento da perna sobre os ombros, como em uma pantomima surge o
escorpião. O homem se confunde com o animal. O corpo que nos diz da
animalidade do humano. Rápido como centelha, faísca o outro camarada que se
lança ao chão, reivindicando a mobilidade e elasticidade do corpo. O risco que a
verdade corre desaparece no instante em que o mundo inimitável exige posições, atos e
movimentos cuja pertinência ele imediatamente sanciona (SERRES, 2004, p. 12 e 13).
Os corpos se contorcem em posturas disformes, sempre em movimentos
circulares. Rabo de arraia, negativa de angola, os corpos giram permitindo que
horizontalmente o corpo também seja capaz de preencher os espaços vazios, em
seqüências recorrentes do jogo de Miudinho.
Imagem 109: Notas visuais, Roda XVI. Imagem 110: Notas visuais, Roda XVI.
Capítulo II: Cartografias do gesto, narrativas do corpo na capoeira
89
Os níveis variam entre o baixo e o médio, num ritmo mais acelerado que o
jogo de Angola. O corpo se recolhe na queda de rim, expandindo-se na tesoura.
Prodigiosamente, o outro salta sobre a perna que antes impedia sua progressão. Na
precisão do gesto, a carne produz maneiras de comunicar, numa relação lúdica,
com o equilíbrio do corpo, ora estável ora instável. Nesse jogo, como nos encanta
os versos da canção de Vinícius de Morais e Baden Powel, Capoeira que é bom não cai
e se um dia ele cai, cai bem/ capoeira me mandou/ dizer que já chegou/ chegou para lutar/
berimbau me confirmou...
Em uma seqüência de saltos, assim que um aterrissa, o outro dá
continuidade a esse desequilíbrio do corpo, lançando-se ao ar, sem manter contato
Imagem 112: Notas visuais, Roda XVI. Imagem 113: Notas visuais, Roda XVI.
Imagem 111: Notas visuais, Roda XVI. Imagem 112: Notas visuais, Roda XVI.
Capítulo II: Cartografias do gesto, narrativas do corpo na capoeira
90
com o chão, atravessando a espacialidade do outro camarada. Misteriosamente e
frequentemente, o corpo pode destruir os efeitos dessas leis da estática. Ao exercer seu papel
fora do equilíbrio, ao afrontar seus limites ele consegue estabelecer na instabilidade uma
outra estabilidade de nível mais complexo (SERRES, 2004, p. 47).
Durante o jogo, por vezes os camaradas deixam de se olhar por alguns
instantes. Por exemplo, na aproximação da tesoura, os dois camaradas estão de
costas. Para retomar o olhar do outro é realizado por cima da tesoura um giro de
180º, que em sua continuação é surpreendido por um cabeçada, lançando-o do alto
para o chão.
Nesse recuo, o gesto, antes reduzido à defesa, multiplica-se num rabo de
arraia, levando o outro ao chão. Negativa de angola, queda de rim, os camaradas
Imagem 117: Notas visuais, Roda XVI. Imagem 118: Notas visuais, Roda XVI.
Imagem 115: Notas visuais, Roda XVI. Imagem 116: Notas visuais, Roda XVI.
Capítulo II: Cartografias do gesto, narrativas do corpo na capoeira
91
voltam trocar olhares. A energia na roda se intensifica: posturas, respiração,
olhares, estratégias de dissimulação, astúcia e sagacidade dão sentido ao jogo.
Os capoeiras distanciam-se, temporariamente, desenhando duas bananeiras,
percebendo o mundo de pernas para o ar. Invertendo o corpo, invertem também a
ordem. Dá-se continuidade ao jogo retomando a aproximação, sempre em
movimentos circulares, estudando o espaço, o gesto do outro, a dinâmica do jogo.
No currupio, é projetado novamente o rabo de arraia. A polidez do corpo
realça seus movimentos. Não há separação entre o sensível e o inteligível, visível e
invisível estão articulados. Tocamos aqui no ponto mais difícil, a saber, o vínculo da
carne e da idéia, do visível e da armadura interior que o vínculo manifesta e esconde
(MERLEAU-PONTY, 1992, p. 144).
Imagem 119: Notas visuais, Roda XVI. Imagem 120: Notas visuais, Roda XVI.
Imagem 121: Notas visuais, Roda XVI. Imagem 122: Notas visuais, Roda XVI.
Capítulo II: Cartografias do gesto, narrativas do corpo na capoeira
92
A circularidade da roda e dos movimentos permanecem até o final do
jogo em que se faz presente o dengo do swing e o vigor dos movimentos,
suavidade e força configuram a ação do corpo, desarticulando-o. No cumprimento
dos camaradas mais um jogo se encerra, mas a roda continua...
Definitivamente, o jogo não acontece em uma linha reta, não há restrição na
ação do corpo, sua gestualidade se reorganiza constantemente. Os gestos fogem
aos princípios de matematização ou de algum controle pré-estabelecido. O corpo
dobra-se sobre si mesmo, natureza e cultura. Não há um projeto pré-definido.
Após a tesoura, é lançado na direção do rosto o escorpião. O que virá em seguida?
Imagem 125: Notas visuais, Roda XVI. Imagem 126: Notas visuais, Roda XVI.
Imagem 123: Notas visuais, Roda XVI. Imagem 124: Notas visuais, Roda XVI.
Capítulo II: Cartografias do gesto, narrativas do corpo na capoeira
93
Durante o jogo o capoeira utiliza-se infatigavelmente da criatividade,
precisando ainda ser perspicaz e dissimulado, aproveitando-se do espaço aberto
pelo corpo do outro. Mesmo em um espaço reduzido, o rabo de arraia é projetado de
diferentes lugares, num mesmo instante. A agilidade dos capoeiras imprime no
jogo uma dinâmica arrebatadora e imprevisível.
O corpo insiste na projeção do rabo de arraia, sendo desviado pela esquiva
seguida do carneirinho, façanhas e proezas tecidas na roda de capoeira, em uma
gestualidade constantemente reconstruída que tem como eixo um equilíbrio
conflituoso e dinâmico. O corpo em movimento reorganiza, progressivamente,
Imagem 127: Notas visuais, Roda XIX. Imagem 128: Notas visuais, Roda XIX.
Imagem 129: Notas visuais, Roda XIX. Imagem 130: Notas visuais, Roda XIX.
Capítulo II: Cartografias do gesto, narrativas do corpo na capoeira
94
nossa capacidade perceptiva, nossas emoções, em sua capacidade de investir na
educação dos sentidos, que é lúdica e estética.
No jogo os antagonismos se fazem presente ininterruptamente: aproximação
e distanciamento; em cima e em baixo; rigidez e flexibilidade; explosão e controle;
velocidade e lentidão. O corpo gira no rolê e na volta por cima, aproximando-se
logo em seguida. Como uma mola, o corpo põe a prova sua flexibilidade em uma
aproximação constante com o chão.
Nessa dinâmica da descoberta e da incorporação de novas expressões do
corpo, ou seja, o que é visto pela primeira vez, potencializa a assimilação e o
desdobramento de novas gestualidades no jogo da capoeira.
Imagem 133: Notas visuais, Roda XIX. Imagem 134: Notas visuais, Roda XIX.
Imagem 131: Notas visuais, Roda XIX. Imagem 132: Notas visuais, Roda XIX.
Capítulo II: Cartografias do gesto, narrativas do corpo na capoeira
95
A encarnação é o ponto culminante do concreto tanto quanto do saber, mesmo o
mais abstrato (SERRES, 2004, p. 33). No jogo da capoeira, o saberes do corpo não são
transmitidos de maneira explícita, mas comunicados no jogo de corpo, no silêncio
do gesto, que nos dizem do ethos da capoeira. Relação encarnada que revela e
esconde saberes, procede a passagem do signo à expressão. Chegando ao fim do
jogo, os camaradas se cumprimentam, deixando a roda aberta, até que um novo
jogo se reinicie e a capoeira possa se reinventar, pois nesse espaço a vida também
se pronuncia.
Imagem 137: Notas visuais, Roda XIX. Imagem 138: Notas visuais, Roda XIX.
Imagem 135: Notas visuais, Roda XIX. Imagem 136: Notas visuais, Roda XIX.
CAPÍTULO III
A ESCRITA DO CORPO
NO JOGO DA CAPOEIRA
Capítulo III: A escrita do corpo no jogo da capoeira
97
Nesse capítulo refletimos sobre a capoeira considerando os temas do
conhecimento sensível, das técnicas corporais e da bricolagem revisitados e
problematizados a partir da gestualidade do corpo no jogo da capoeira. Essa
escrita ata-se a uma compreensão do sujeito, da racionalidade e do próprio
conhecimento ancorada na atitude fenomenológica.
Na relação entre sujeito, conhecimento e existência o conceito de facticidade é
fundante na Fenomenologia, distinguindo-se do pensamento clássico, formulando
uma crítica à compreensão de racionalidade em Descartes e em Kant. Para
Descartes, o mundo resulta da atividade cognoscente do sujeito, expresso na
máxima penso logo existo. Para Kant o sujeito é transcendental, sendo a existência
do mundo garantida pelas capacidades a priori de entendimento, o julgamento do
mundo realiza-se independentemente da experiência (MERLEAU-PONTY, 1999).
Em síntese, o sujeito em Descartes é o próprio cogito, expresso
emblematicamente pela razão matemática. Em Kant, o sujeito é compreendido na
condição de eu transcendental. Para a fenomenologia, o mundo não é constituído
pelas idéias do sujeito, o mundo já existe, independentemente do juízo lógico que
podemos fazer dele, sendo que a essência do Ser está na existência, desenhada pela
experiência vivida, nas relações entre o sujeito encarnado e o mundo da cultura ,
recortado pela historicidade e pela intersubjetividade (IDEM).
O mundo e as relações sociais que se desdobram na produção do
conhecimento, na linguagem e na história, nos códigos culturais e que dão sentido
aos acontecimentos inscrevem-se no corpo. O Ser no mundo se expressa na
Capítulo III: A escrita do corpo no jogo da capoeira
98
facticidade, sendo tecido na relação entre essência e existência. A essência do Ser não
está nas idéias, não está no pensamento, mas na experiência vivida, a qual inclui a
razão e o pensamento, de modo encarnado. Ao considerarmos a escrita do corpo,
torna-se imprescindível evidenciarmos as marcas da existência, pois
tudo aquilo que sei do mundo, mesmo por ciência, eu o sei a partir de
uma visão minha ou de uma experiência do mundo sem a qual os
símbolos da ciência não poderiam dizer nada. Todo o universo da
ciência é construído sobre o mundo vivido, e se queremos pensar a
própria ciência com rigor, apreciar exatamente seu sentido e seu
alcance, precisamos primeiramente despertar essa experiência do
mundo da qual ela é expressão segunda
(MERLEAU-PONTY,
1999, p. 03).
A existência é
anterior ao pensamento.
Entretanto, é da condição
humana buscar conhecer e
explicar o mundo e é
próprio da ciência criar
formas e possibilidades
interpretativas, ainda que parciais e provisórias, de fazê-lo. Nesse itinerário,
mediado pelas relações intersubjetivas são construídas formas de estar no mundo,
modos de pensar e compreender os fenômenos, as formas de condutas, as culturas,
Imagem 140: Notas visuais, Roda IV.
Capítulo III: A escrita do corpo no jogo da capoeira
99
as construções simbólicas, as relações sociais, artefatos que narram sobre a
condição humana.
Pensarmos a experiência vivida é sempre uma tarefa aberta, um jogo no
qual ao observar determinada característica do fenômeno investigado,
necessariamente deixamos de perceber outras tantas. Por isso, as abordagens são
sempre incompletas, inacabadas, abertas a reformulações, mesmo porque, o vivido
nunca é inteiramente compreensível (MERLEAU-PONTY, 1999, p. 464).
É enquanto corpo,
encarnado que nos
fazemos presentes no
mundo, ao contrário de
uma consciência que
paira sobre o corpo.
Nossa existência envolve
a consciência e não se reduz a ela. Na perspectiva fenomenológica, proposta por
Merleau-Ponty, o corpo é compreendido como carne. Nas palavras do filósofo:
a carne não é matéria, não é espírito, não é substância. Seria
preciso, para designá-la o velho termo “elemento”, no
sentido em que era empregado para da água, do ar, da
terra e do fogo, isto é, no sentido de uma coisa geral, meio
caminho entre o indivíduo espácio-temporal e a idéia,
espécie de princípio encarnado que importa um estilo de
ser em todos os lugares onde se encontra uma parcela sua.
Neste sentido a carne é um “elemento” do Ser. Não fato ou
soma de fatos e, no entanto, aderência ao lugar e ao agora
(MERLEAU-PONTY, 1992, p. 136).
Imagem 141: Notas visuais, Roda XI.
Capítulo III: A escrita do corpo no jogo da capoeira
100
A afirmação do filósofo contrapõe-se ao discurso dicotômico construído na
tradição da Filosofia e da própria Ciência, centradas na razão e no objeto,
racionalismo e empirismo, formulações que desconsideram o corpo, os sentidos e a
subjetividade na configuração do conhecimento. Tendências que construíram o
saberes do corpo considerando-o como um conjunto de partes, de feixes,
divulgando discursos, bem como intervenções pautadas numa análise mentalista,
intelectualista, e dualista que recorta, reparte, separa e segrega o corpo em funções,
descontextualizando, por vezes, sua própria existência, ao compreender o
pensamento separado da existência. Na perspectiva construída e proposta por
Merleau-Ponty:
o corpo não é coisa, nem idéia, o corpo é movimento, sensibilidade e
expressão criadora. Está é, de um modo geral, a concepção de corpo de
Merleau-Ponty, opondo-se a perspectiva mecanicista da filosofia e da
Ciência tradicionais e alinhando-se a uma nova compreensão do corpo
e do movimento humano, baseado na compreensão das relações corpo-
mente como unidade e não como integração de partes distintas
(NÓBREGA, 1999, p. 65 e 66).
Ao pensar um novo estatuto epistemológico do corpo como referência para
a configuração do conhecimento, ou seja, o corpo como carne do mundo, Merleau-
Ponty afirma que devemos voltar ao cogito e procurar ali um Logos mais fundamental do
que o pensamento objetivo, que lhe dê seu direito relativo e, ao mesmo tempo, o coloque em
seu lugar (IDEM, p. 489). Um eixo importante dessa afirmação do filósofo diz
Capítulo III: A escrita do corpo no jogo da capoeira
101
respeito à normatividade do discurso científico. Nesse sentido, podemos identificar
o discurso científico enquanto um discurso da revelação dos fenômenos. Pensar a
configuração do discurso científico enquanto um discurso da anunciação é
considerar uma perspectiva na constrão e compreensão da realidade, no
momento em que se inauguram
sentidos para determinados
fenômenos. Portanto, o desvelamento
da realidade pelo discurso científico
não deve ser confundido com a própria
realidade, nesse ponto Almeida nos
chama a atenção para o fato de que
o conhecimento científico tem se afastado cada vez mais da convicção
de que o que dizemos a partir das teorias e interpretações corresponde
a realidade tal qual ela é. Sabemos hoje que uma tal convicção
corresponde a confundir a descrição da realidade com ela própria.
Desde 1901 essa ilusão da ciência ruiu, e foi Niels Bohr quem disse não
ser possível afirmar ‘isto é assim’, mas ‘é isso que podemos dizer de tal
fenômeno’”
(ALMEIDA, 2002, p. 42).
Do ponto de vista epistemológico, penso que essa demarcação do olhar da
ciência, enquanto uma possibilidade de interpretação da realidade favorece à
problematização epistêmica, na configuração do conhecimento. Há, nesse
sentido, a necessidade de considerarmos saberes que não apenas se estruturam
Imagem 142: O jogo da capoeira. Carybé, 1951.
Capítulo III: A escrita do corpo no jogo da capoeira
102
em critérios rígidos, racionalistas, para a validade do conhecimento. Ao
considerar arranjos epistêmicos, que operem pelo diálogo, entre os saberes, na
abertura de novos contextos, para a configuração de outras positividades, por
exemplo, aos considerar os saberes da carne, do mundo vivido, portanto, da
experiência do corpo podemos problematizar que
há configurações que podem ser reconhecidas como ciência,
por apresentarem caracteres de objetividade e de
sistematicidade e há as que não possuem estes critérios, mas
que possuem coerência e são determinadas por sua
positividade. Esta condição não deve ser tratada de forma
negativa, uma vez que significa o reconhecimento de outras
configurações do saber que não apenas o saber científico
(FOUCAULT apud NÓBREGA, 2006, p. 59).
Nesse movimento de desconstrução epistêmica, torna-se importante
compreender que a ciência não é a única forma de conhecimento existente, bem
como reconhecer os limites e relações entre o saber científico e de outras
positividades. A partir desse exercício sobre o direito relativo do conhecimento
científico, evidenciamos o corpo, enquanto indicador epistemológico, como
possibilidade de refletir sobre a própria configuração do conhecimento.
As construções do corpo constituem-se como uma narrativa marcada pelos
códigos do conhecimento científico, filosófico, artístico, social e da tradição. Uma
narrativa que não se separa no espaço e no tempo das marcas da estrutura
biológica humana, ela mesma simbólica, nem dos aspectos sociais e econômicos.
Uma narrativa que não pretende naturalizar a cultura ou culturalizar a natureza,
nem considerar indivíduo e sociedade, sujeito e objeto, de modo disjuntivo, mas
Capítulo III: A escrita do corpo no jogo da capoeira
103
Imagem 143: Capoeira. Cerâmica. Carybé, 1975.
fazer dialogar o
conhecimento sobre estes
domínios do humano e em
geral da vida, separado por
um paradigma disjuntor dos
saberes humanos (MORIN,
1991).
Ao pensar no Ser e na constituição do conhecimento, Merleau-Ponty
evidencia o sensível como um operador de uma “nova racionalidade”, tendo seu
fundamento no logos estético.
A carne do sensível, esse grão concentrado que detém a exploração,
esse ótimo que a termina, refletem a minha própria encarnação e são a
contrapartida dela. Há ai um gênero do ser, um universo com o seu
“sujeito” e com o seu “objeto” sem iguais, a articulação de um no outro
e a definição de uma vez por todas de um “irrelativo” de todas as
“relatividades” da experiência sensível, que é fundamento de direito
para todas as construções do conhecimento. Todo o conhecimento,
todo o pensamento objetivo vivem desse fato inaugural que senti, que
tive com essa cor ou qualquer que seja o sensível em causa, uma
existência singular que lhe tolhia repentinamente o meu olhar, e
contudo comprometia-lhe uma série indefinida de experiências,
concreção de possíveis desde já reais nos lados ocultos da coisa, lapsos
de duração dado numa só vez
(MERLEAU-PONTY, 1991, p.
184).
Capítulo III: A escrita do corpo no jogo da capoeira
104
O conhecimento sensível é um desafio à análise objetivista, pois opera pela
incerteza, pela imprevisibilidade, aberto a configuração de novas possibilidades
em torno da produção do conhecimento ao considerar que a experiência vivida é
tecida a partir de sua realidade orgânica e simbólica. A compreensão do humano é
ampliada ao considerar sua existência, desvelando saberes do corpo, marcados,
por exemplo, em sua gestualidade, redimensionados ao patamar de conhecimento.
O sensível não é descartado na atitude fenomenológica, nem compreendido como algo vago,
impreciso e inadequado. O sensível é presença revelada em saberes enraizados no corpo
(NÓBREGA, 1999, p. 120).
Ao tratarmos dos
saberes da carne
apontamos para a reflexão
em torno da relação entre
corpo e técnica, Merleau-
Ponty já afirmava que toda
técnica é “técnica de corpo”.
Ela figura e amplifica e metafísica de nossa carne (MERLEAU-PONTY, 2004, p. 22). Na
relação do Ser com o mundo, a carne é duplicada, emergindo novas formas do Ser
no mundo, expressas pela cultura, ampliando a existência, seus sentidos e
significados, numa articulação entre o Ser e o devir. O uso do corpo a partir de uma
determinada técnica, configurado nas relações intersubjetivas, potencializa a
existência do humano, suas relações simbólicas, os sentidos e significados
Imagem 144: Notas visuais, Roda III.
Capítulo III: A escrita do corpo no jogo da capoeira
105
impressos na cultura, marcados na gestualidade do corpo. Como exemplo, ao
tratarmos das cartografias do gesto
24
nas rodas de capoeira, buscamos realçar viesses
dessas dimensões produzidas pela carne.
Ao pensarmos as
relações entre corpo e
sociedade, aproximamos a
compreensão do sistema
cultural da capoeira ao
conceito de técnica
corporal, como sendo as
maneiras pelas quais os homens, de sociedade a sociedade, de uma forma tradicional, sabem
servir-se de seu corpo (MAUSS, 2003, p. 401). O antropólogo complementa que o
estudo, a exposição e a descrição das cnicas corporais devem-se proceder do concreto
ao abstrato, não inversamente (IDEM).
Mauss afirma que o corpo é nosso primeiro e mais natural instrumento, o
primeiro meio técnico de que valemo-nos. O corpo em suas “inclinações” e
“expansões”, ampliação da metafísica da carne, relaciona cultura, técnica e
transmissão. Nessa relação, o gesto carrega significados específicos que nos dizem
dos valores, das normas, dos costumes, marcado por um processo de incorporação
da cultura, na passagem do signo à expressão.
24
Capítulo II: Cartografias do gestos, narrativas do corpo na capoeira.
Imagem 145: Notas visuais, Roda XIX.
Capítulo III: A escrita do corpo no jogo da capoeira
106
Toda técnica é
técnica de corpo articula
uma determinada forma,
um caráter específico,
construída a partir dos
hábitos próprios de cada
sociedade, numa razão
prática que é, ao mesmo tempo, coletiva e individual. Sua transmissão torna-se
possível pelo processo de aprendizagem, marcado pela natureza social do habitus
enquanto hexis, no sentido aristotélico, ligado à aptidão e à habilidade, nos
dizendo, portanto, da materialidade do corpo. É preciso atentar que o habitus e as
técnicas comportam mudanças, variam não simplesmente com os indivíduos e suas
imitações, variam sobretudo com as sociedades, as educações, as conveniências e as modas,
os prestígios (MAUSS, 2003, p. 404).
Considerando que nas relações sociais podemos identificar historicamente
uma diversidade de investimentos em torno de uma “educação do movimento”,
indagamos sobre o que garante o interesse social em determinada técnica do
corpo? Que princípios ou interesses favorecem ao estabelecimento histórico de
uma determinada técnica de corpo no que tange sua permanência na sociedade?
No que diz respeito às técnicas de corpo e a sua transmissão social, ao
considerar as circunstâncias da vida em comum, Mauss (2003) nos diz da tradição e
da eficiência, da adaptação do uso do corpo e da presteza dos movimentos,
Imagem 146: Notas visuais, Roda XVII.
Capítulo III: A escrita do corpo no jogo da capoeira
107
envolvidos pela noção de educação do corpo na “montagem” e veiculação de
sistemas simbólicos. Em síntese, a técnica é um ato tradicional e eficaz (...). Não há
técnica e não há transmissão se não houver tradição. Eis em que o homem se distingue antes
de tudo dos animais: pela transmissão de suas técnicas e muito provavelmente por sua
transmissão oral (MAUSS, 2003, p.407).
Acrescentamos ainda que o aprendizado não ocorre simplesmente a partir
de imitações, num movimento eminentemente mecânico, descontextualizado de
uma realidade. Ao contrário, é na tessitura social e cultural que o aprendizado e o
movimento passam a ter significações, variando conforme os processos
educacionais e culturais contextualizando a construção da gestualidade do corpo.
A educação, como um processo de transmissão da cultura e de seus sistemas
simbólicos, é multireferencial. Não se restringe a um momento particular e formal
da vida humana, mas está
diluída nos mais
diferentes espaços de
relações sociais,
conformando condutas,
divulgando normas,
instaurando valores.
Partindo do concreto ao abstrato, como propõe Mauss (2003), aproximamos a
capoeira ao conceito de técnica corporal, compreendendo que são atos corporais
Imagem 147: Notas visuais, Roda XVI.
Capítulo III: A escrita do corpo no jogo da capoeira
108
registrados na história de uma sociedade
25
. Uma atitude corporal que relaciona
ritos e formas de agir a partir de modos de uso do corpo, caracterizando-se como
uma técnica de corpo. Assim como Mauss (2003) identifica mudanças do habitus e
das técnicas, podemos perceber que a escrita do corpo na capoeira vai sendo
recriada, a partir da reapropriação dos elementos de sua tradição, de acordo com
as influências do contexto social e histórico.
Em sua escrita histórica, a capoeira como um modo de uso do corpo, como
técnica corporal, materializa-se nas habilidades corporais construídas pela tradição
dos negros africanos em terras brasileiras (REGO, 1968). Esse momento histórico
foi marcado no ultraje dos negros pelos colonizadores, em que o corpo-objeto do
negro era propriedade do colono.
No entanto, enquanto expressão de potência, o sujeito reage a essa
arquitetura de dominação. Nesse sentido, podemos perceber que na gestualidade
da capoeira reverbera noções politizadoras expressas nas rodas, no jogo, na ginga do
corpo, estabelecendo um “jogo” de contra-poder que reivindica espaços sociais, a
partir da transgressão inscrita na gestualidade do corpo, potencializando
perspectivas em torno da inversão das hierarquias sociais.
Potencialidade de resistência, nos corpos dos negros afro-descendentes
foram tatuadas inscrições indeléveis, signos que trazem a marca daquela sociedade
colonial e escravista. Sem dúvida a gestualidade do corpo na capoeira carrega
essas marcas, recontando também essa história. Essas são “dimensões” da história. Em
25
Segundo Rego (1968), a capoeira, invenção dos africanos no Brasil e desenvolvida por seus descendentes,
se faz presente em terras brasileiras desde o século XVI.
Capítulo III: A escrita do corpo no jogo da capoeira
109
relação a elas, não há uma palavra, um gesto humano, mesmo distraídos ou habituais, que
não tenham uma significação (MERLEAU-PONTY, 1999, p.16-17).
Ainda na República, a construção social do discurso em torno da capoeira
continua marcada por uma escrita histórica e social permeada pela exclusão e pelo
preconceito social, pela repressão de seus praticantes, pela ilegalidade da
expressão dessa técnica corporal. Formalmente proibida pelo Código penal da
República dos Estados Unidos do Brasil, a capoeira foi enquadrada como prática de
vadiagem. O Capítulo XIII, do Decreto nº 487 de outubro de mil oitocentos e
noventa, instituía:
Dos Vadios e Capoeiras
Art. 402. Fazer nas ruas e praças públicas exercícios de agilidade e
destreza corporal conhecidos pela denominação de capoeiragem; andar
em correrias com armas ou instrumentos capazes de produzir uma
lesão corporal, provocando tumulto ou desordens, ameaçando pessoa
certa ou incerta, ou incutindo temor de algum mal:
Pena – De prisão celular de dois a seis meses
Parágrafo único. É considerada circunstância agravante pertencer o
capoeira a algum bando ou malta. Aos chefes ou cabeças se imporá a
pena em dobro.
Art. 404. Se nesse exercício de capoeiragem perpetuar homicídio,
provocar lesão corporal, ultrajar o poder público e particular, e
perturbar a ordem, a tranqüilidade e a segurança pública ou for
encontrado com armas, incorrerá cumulativamente nas penas
cominadas para tais crimes
(VIEIRA, 1998, p. 93-94).
Capítulo III: A escrita do corpo no jogo da capoeira
110
Essa tentativa de uma nova política de controle do corpo, a partir de
decretos e leis sancionadas pelo Estado, denunciava, por outro lado, a própria
continuidade de manifestação dessa prática corporal na sociedade, sua
permanência social mesmo que de maneira ilegal. É interessante também
observarmos como a busca de controle e da disciplina do corpo abre brechas e
rupturas, para a criação de novas formas de expressão, a incorporação de outros
modos de uso do corpo, por conseguinte, modos inusitados de existência. De
maneira pontual, podemos exemplificar a flexibilização do sistema cultural da
capoeira a partir de sua divulgação enquanto brincadeira e não como luta; e
mesmo com a criação de novos elementos nesse campo cultural e simbólico, como
por exemplo, o surgimento do toque de Cavalaria
26
, em que no berimbau o tocador
realiza uma mimese do galope dos cavalos, utilizado no século XIX para o
deslocamento da polícia, que cumpria a ação repressiva do Estado. Esse toque do
berimbau alertava aos capoeiras a eminente aproximação dos policias, provocando
a dispersão da roda. Podemos pensar esse símbolo de criação como um ato, uma
linha de fuga, formas, técnicas de corpo que procedem a existência na resistência.
Enquanto relação coletiva, a técnica é divulgada socialmente pela tradição.
O que não significa dizer que as formas de uso do corpo que hoje nos são
apresentadas seriam as mesmas experimentadas no passado. Ao contrário de uma
compreensão estanque ou cristalizada, a tradição é inserida e gestada no processo
26
Esse toque de berimbau encontra-se gravado no CD em anexo ao trabalho.
Capítulo III: A escrita do corpo no jogo da capoeira
111
Imagem 148: Notas visuais, Roda XVI.
dinâmico da cultura.
Como afirmamos
anteriormente, as
técnicas de corpo
materializadas pela
cultura e pela tradição
carregam mudanças,
sofrem variações em sua forma, tanto do ponto de vista de sua estrutura quanto no
que se refere aos interesses sociais.
Poderíamos dizer que esses interesses são regulados a partir de dispositivos
sociais, que ora reprimem elementos dessa tradição, outrora estimulam sua
visibilidade. Nesse sentido perguntamo-nos que mudanças poderiam ser elencadas
em torno da construção dessa técnica corporal na contemporaneidade? Se, na
origem da capoeira, estava latente o sentido da resistência, da busca pela liberdade
a partir do corpo que se insurgia contra o poder, resistência que era marca da
manutenção da vida tanto biológica quanto simbólica, poderíamos pensar a
capoeira enquanto forma de resistência ao considerarmos o cenário
contemporâneo? Hodierno, a quem ou a que a capoeira resiste?
Em nossa leitura da escrita histórica da capoeira apontamos para
modificações sociais diversas e significativas dessa técnica de corpo e do seu
sistema cultural, como por exemplo: a identificação da tradição como um processo
dinâmico, na reinvenção dos usos do corpo na capoeira; a modificação do sentido
Capítulo III: A escrita do corpo no jogo da capoeira
112
do jogo de corpo a partir da virtuosidade dos gestos; a aproximação da pratica da
capoeira ao discurso da “boa-forma”, da saúde; a dispersão e divulgação da
capoeira, tanto nacionalmente, quanto no mundo; a profissionalização dos
capoeiristas, evidenciada na figura do mestre e nos processos de ensino-
aprendizagem da capoeira; a compreensão da capoeira como esporte, marcando
um processo de esportivização dessa técnica corporal; entre outros fatores que
alimentam uma perspectiva de estimulação, de investimento, de expressão de uma
cultura em detrimento da repressão dessa técnica de corpo, ajudando-nos a
perceber variações no contexto social em que o sistema cultural da capoeira vai
sendo reconstruído. A identificação de questões como as apresentadas acima
podem nos dar pistas para pensarmos a reinvenção da capoeira na
contemporaneidade, articulando as noções de corpo, técnica corporal e sociedade.
São questões em aberto que envolvem elementos paradoxais, e nem sempre
compreendido da mesma maneira pelos sujeitos inseridos no sistema cultural da
capoeira.
Nesses apontamentos
em torno de modificações do
sistema cultural da capoeira,
destacamos, como um
momento significativo, a
abertura social que a capoeira
sofreu a partir do momento em que deixa de ser considerada uma prática corporal
Imagem 149: Mestre Bimba e o Presidente Getúlio Vargas, 1953.
Capítulo III: A escrita do corpo no jogo da capoeira
113
legalmente proibida. Do ponto de vista histórico foi durante o governo de Getúlio
Vargas que se deu o redimensionamento social da capoeira, no sentido de que o
intenso processo de apropriação das instituições do ethos popular por parte do Estado
enquadra-se nas novas estratégias de legitimação, implementadas a partir início da década
de trinta (VIEIRA, 1998, p. 70).
Enfatizando o processo de modernização cultural, Getúlio Vargas vincula à
capoeira o status de esporte nacional. Do ponto de vista político, essa estratégia
fazia parte de um processo de valorização da cultura nacional, oficializando a
prática da capoeira em terras brasileiras. O reordenamento social dessa técnica
corporal provocou movimentos de reorganização dessa tradição, na construção de
um novo imaginário em torno da capoeira, incluindo rupturas e fragmentações. Da
perseguição do Estado, passa-se a sua valorização cultural e divulgação enquanto
esporte nacional (IDEM).
Uma nova história social da capoeira começava a ser escrita, passando de
um estado de disciplinarização do corpo do escravo, a partir de mecanismos de
controle sobre a vida, caracterizando a sociedade de controle, para um estado de
estimulação da vida, da cultura nacional, portanto, da sociedade.
Contemporaneamente não é mais o corpo do escravo fustigado, mutilado e
subordinado aos senhores que escreve o jogo da capoeira. Ao contrário de uma
paisagem em que o corpo é propriedade de um senhor, hoje passado mais de
quatrocentos anos o corpo tem sido lugar de investimentos em torno da vida.
Capítulo III: A escrita do corpo no jogo da capoeira
114
Nesse sentido, ao tratarmos a capoeira na contemporaneidade não nos
referimos ao mesmo contexto dos “velhos mestres”, haja vista que do final do
século XIX e durante todo o século XX modificações significativas foram gestadas
no sistema cultural da capoeira, resignificando elementos de sua tradição e de sua
eficácia, a partir de variações sociais que operaram mudanças nessa técnica de corpo.
O surgimento da proposta da Luta Regional Baiana, mais conhecida como capoeira
Regional, em meados da década de mil novecentos e trinta, provocou a construção
de outros modos de uso do corpo na capoeira.
Ao tratarmos com elementos da
cultura, consideramos a dialética da
tradição. Nesse sentido, concordamos
com Almeida (2001) na crítica a uma
perspectiva utilitária do conceito da
tradição, quando empregado no sentido
de conservação, algo estanque, a partir
de elementos cristalizados na memória
coletiva. Essa compreensão, desconsidera que os saberes tradicionais podem reativar o
que já existiu constituindo um eixo no qual “o passado se prolonga no presente” espécie de
“história desconcertante, por ser negadora de seu próprio movimento e refratária à
novidade(BALANDIER apud ALMEIDA, 2001, p. 59).
Na consideração da história social da capoeira, vislumbramos a possibilidade de
evidenciarmos fragmentos que nos dizem das mudanças nesse sistema cultural,
Imagem 150: Capoeira. Pierre Verger, 2002.
Capítulo III: A escrita do corpo no jogo da capoeira
115
da dialética da tradição entre os valores divulgados no passado e
reinterpretações de condutas contemporâneas. Alguns desses elementos
tornam-se paradoxais na medida em que na contemporaneidade, nas rodas de
capoeira, o valores do passado são constantemente reavaliados durante o jogo,
na realização das rodas de capoeira. No imaginário construído em torno da
capoeira, percebemos vestígios dessa dinâmica cultural, por vezes
contraditórios, a partir de elementos de seu sistema cultural. Como
materialidade que possa nos revelar nuanças da construção do imaginário na
capoeira, destacamos, a musicalidade presentes nas rodas, como um indicador
de novas condutas no jogo da capoeira. Como exemplo, evidenciamos trechos
do acervo musical do grupo Cordão de Ouro:
MÚSICA 01:
CAPOEIRA LIGEIRA
27
Capoeira pra estrangeiro meu irmão
É mato
Capoeira brasileira meu cumpade
É de matar
Olha o rabo de arraia, olha aí a ponteira e a meia lua pra matar
O macaco e o aú, o mortal e a rasteira e o arrastão pra derrubar
Galopante faceiro vai se preprando para voar
Capoeira é ligeira, ela é brasileira ela é de matar
27
Essa cantiga encontra-se gravada no CD em anexo ao trabalho.
Capítulo III: A escrita do corpo no jogo da capoeira
116
MÚSICA 02:
SOU CAPOEIRA
28
Sou capoeira olha eu sei que sou
Eu vim aqui foi para jogar
Faço bonito por que tenho talento
E solto meus movimentos com uma voz no coração
O capoeira é astuto é velhaco
É inimigo do perigo e confusão
Mais ele sabe o valor de uma vida
Por isso foge de briga e quer mais é vadiar
Nos trechos apresentados, observamos certa modificação, por exemplo, ao
se pensar a intencionalidade do jogo de capoeira. No primeiro fragmento enfatiza-
se o perigo implícito aos movimentos da capoeira. O que aos olhos de um
estrangeiro seria mato, referindo ao termo caá-puêra que significaria mato que deixou
de existir (REGO, 1968, p. 19), o brasileiro saberia seu que seu significado estaria
relacionado a movimentos que poderiam levar o desafiante a morte. A noção de
violência e perigo está implícita à mensagem. No segundo trecho, destaca-se certa
modificação dessa perspectiva, em que o objetivo do jogo da capoeira passa a ser o
da “vadiação”, da brincadeira, que valoriza a vida, evitando brigas e confusões.
28
Essa cantiga encontra-se gravada no CD em anexo ao trabalho.
Capítulo III: A escrita do corpo no jogo da capoeira
117
Nas rodas de capoeira que tenho acompanhado ao longo da pesquisa,
algumas vezes observando, em outras oportunidades jogando, a noção de
brincadeira e violência é muito tênue. O entendimento, no momento do jogo, da
roda, entre a construção de uma conduta lúdica ou de um embate corporal estão,
constantemente, no “fio da navalha”. Senão vejamos, geralmente, quando a roda é
promovida por um grupo de capoeiristas que se encontram sistematicamente, que
formam um grupo, a noção de brincadeira, de vadiagem é explicitada com maior
ênfase, posto que esses encontros proporcionam uma relação mais afetiva entre os
sujeitos, uma aproximação que, muitas vezes, resulta num sentimento de amizade.
No entanto, quando o encontro é em uma roda “aberta”, por exemplo, promovida
nas ruas, podendo qualquer pessoa participar, surge por vezes, a imagem do
“valentão”, como no lembra a canção de Dorival Caymmi, nos versos: João valentão
é brigão pra dar bofetão não presta atenção e nem pensa na vida, a todos João intimida (...).
Essa constatação não se trata de uma condição imperativa, ou seja, a
afirmativa não se dá no sentido de que rodas de capoeira entre pessoas conhecidas,
que fazem parte de um mesmo grupo, resultam em descontração e rodas entre
desconhecidos são seguidas de confusão. Tive também a oportunidade de observar
essa inversão, em que numa roda de grupo, pessoas que cultivavam uma amizade
mais próxima, em um determinado momento da roda, o jogo se tornou mais
violento, chegando às “vias de fato”.
Considerando esses registros apresentados como questões contemporâneas
das relações estabelecidas nas rodas de capoeira, lançamos as seguintes
Capítulo III: A escrita do corpo no jogo da capoeira
118
indagações: até que ponto o jogo da capoeira proporciona uma compreensão de
luta, de embate corporal traduzido pela violência do contato corporal? Ao
pensarmos em uma relação mais afetiva construída dentro do universo da
capoeira, ou mais precisamente a partir dos grupos de capoeira haveria nessa
localidade antropológica um sentido de comunidade?
No que se refere à tensão entre jogo e luta, na expressão do corpo nas rodas
de capoeira, a partir do registro relatado, podemos pensar que a gestualidade
presente nas rodas de capoeira guarda certo perigo, latente nos movimentos
corporais, no sentido de que os gestos guardam resquícios de sua história social. A
ênfase no sentido de luta construiu inicialmente essa técnica de corpo. Na
reinvenção do jogo de corpo nas rodas de capoeira, vestígios de sua construção
social se fazem presentes. Uma gestualidade que denota sobre a necessidade,
impressa no passado, do uso da violência e do embate corporal, na busca do
sentido de liberdade, de uma ética da resistência.
Contemporaneamente essa conduta é redimensionada. O espaço da roda
comporta valores paradoxais, mesclando momentos de violência, agressão,
brincadeira, vadiação. Nessa relação, a presença da mandinga nas rodas de capoeira
aproxima esses paradoxos, tornando a violência uma mimese, enfatizando a
intenção da vadiação na constituição de um espaço lúdico. Em entrevista sobre a
relação mandinga e violência, Mestre Curió afirma que tem pessoas que se preocupam
em chegar na roda, trocar pancada e dizer que é bom. Mas não é bom. Mandinga é isso, é
Capítulo III: A escrita do corpo no jogo da capoeira
119
sagacidade, é você poder bater no adversário e não bater. Você mostrar que não bateu
porque não quis. Não é você quebrar a boca do camarada, dar cabeçada, quebrar a costela,
dar murro na cara que é capoeira não. (VIEIRA, 1998, p. 112).
Ao indagarmos sobre o sentido de comunidade no universo da capoeira,
nos referimos aos acordos tácitos em direção ao entendimento em comum na
relação entre os sujeitos que compõe o campo da capoeira, local de estabelecimento
de relação social. Nesse contexto, a compreensão de comunidade problematizada
por Bauman (2003) ajuda-nos a pensar sobre as relações sociais estabelecidas entre
os sujeitos a partir da formação de grupos, no nosso caso, particularmente, no que
se refere à aproximação entre sujeitos que compõem o universo da capoeira.
De uma maneira
geral, a organização e
divulgação social da
capoeira são realizadas a
partir de grupos de
capoeira, organizações
civis fundadas e
organizadas, geralmente, pelos mestres de capoeira. O reconhecimento social, no
universo da capoeira, dos grupos ocorre tanto a partir dos trabalhos desenvolvidos
pelos mestres, quanto pelo reconhecimento destes pela comunidade da capoeira.
Os grandes grupos de capoeira atingem grande visibilidade nacional, bem como
Imagem 151: Notas visuais, Roda I.
Capítulo III: A escrita do corpo no jogo da capoeira
120
projeção no cenário internacional. A unidade que percebemos disponível entre os
grupos está centrada na prática e na difusão da capoeira enquanto técnica corporal,
bem como em laços afetivos entre os mestres, construídos a partir de certa
proximidade.
No entanto, percebemos também diferenças que dividem e afastam grupos
de capoeira, como por exemplo: a diversidade na compreensão do sistema cultural
da capoeira, ou como costumamos ouvir nas conversas entre os mestres e
capoeiristas mais antigos é como se cada grupo se diferencia-se na relação entre
capoeira, técnica corporal, investimento social e visão de mundo. Traços dessa
dessemelhança podem ser percebidos, por exemplo, na distinção da expressão da
gestualidade nas rodas de capoeira, que se diferenciam de grupo para grupo.
Para pensarmos a questão da unidade e da dessemelhança entre os grupos,
destacado a materialidade de nossas notas visuais, pode exemplo, das rodas I e IV
presentes em nosso material imagético. O argumento da unidade, que opera pela
inclusão a partir das relações afetivas entre os sujeitos, do reconhecimento deles e
de seu trabalho no universo da capoeira, pode ser exemplificado na roda I. essa
roda aconteceu em um encontro realizado pelo grupo Cordão de Ouro, na cidade
do Natal, no ano de 2006, intitulado Amigos da Cordão de Ouro. Chamo a atenção
para a presença de dois Mestres, Mestre Índio
29
e Mestre Jogo de Dentro
30
, que não
são do grupo Cordão de Ouro, no entanto, alimentam relações próximas e afetivas
29
Mestre Índio desenvolve seu trabalho junto ao Grupo de Capoeira Terra do Sol.
30
Mestre Jogo de Dentro desenvolve seu trabalho junto ao Grupo de Capoeira Semente de Angola.
Capítulo III: A escrita do corpo no jogo da capoeira
121
com os Mestres que representam o Grupo Cordão de Ouro, no caso daquele evento
em Natal, Mestre Irani e Mestre Ataulfo, como também com o Mestre Suassuna, o
fundador do grupo em questão.
Na unidade que se
estabelece no universo da
capoeira, há também
dessemelhanças, para
tanto, destacamos das
rodas I e IV
31
no sentido
de observamos esse
argumento. Representando a “terceira geração” da capoeira Angola, Mestre Jogo de
Dentro
32
dá continuidade em seu jogo e em seu trabalho, à tradição desenvolvida
na capoeira Angola. Percebemos diferenças em torno, por exemplo, da vestimenta
utilizada no jogo, em que na roda I as roupas não representam um uniforme, já na
roda IV os dois camaradas estão de branco, portanto uma corda que diz da
graduação daqueles capoeiristas. Há singularidades também em torno da
gestualidade apresentada no jogo, principalmente na conduta dos jogadores
durante a roda em questão.
31
As imagens da roda estão inseridas na edição do DVD em anexo, sendo que sua síntese está impressa nos
anexos dessa pesquisa.
32
Mestre Jogo de Dentro foi aluno de Mestre João Pequeno que por sua vez foi aluno de Mestre Pastinha,
considerado o guardião da capoeira angola.
Imagem 152: Notas visuais, Roda IV.
Capítulo III: A escrita do corpo no jogo da capoeira
122
Considerando as questões apresentadas, perguntamos em que medida
pode-se pensar uma noção de comunidade no universo da capoeira? Bauman (2003),
ao realizar uma revisão do conceito de comunidade contextualizando às sociais
contemporâneas, ajuda-nos a compreender as tentativas de construção dessa
unidade. Ao compreender a comunidade a partir de um “entendimento
compartilhado”, ou de um “círculo aconchegante”, o autor evidencia seus
principais fundamentos, quais sejam,
distinção, pequenez e auto-suficiência. “Distinção” significa: a divisão
entre “nós” e “eles”(...) “Pequenez”significa: a comunicação entre os
de dentro é densa e alcança tudo, e assim coloca os sinais que
esporadicamente chegam de fora em desvantagem (...) E “auto-
suficiência” significa: o isolamento em relação a eles é quase completo,
as ocasiões ara rompe-lo são poucas e espassadas
(IDEM, p. 17 e
18).
O sociólogo polonês nos alerta para o fato de que essa unidade construída
em torno da uma “pequena comunidade” sofre constantemente ameaças e
dificuldades em sua manutenção, permanecendo a todo o momento frágil e
vulnerável. A mesmidade se evapora quando a comunicação entre os de dentro e o mundo
exterior se intensifica e passa a ter mais peso que as trocas mútuas internas (BAUMAN,
2003, p. 18).
Aproximando-nos do conceito proposto por Bauman (2003), poderíamos
interpretar, dada as devidas proporções, a formação de grupos, no universo da
Capítulo III: A escrita do corpo no jogo da capoeira
123
capoeira, como uma tentativa de construção e realização de unidades sociais onde
é operado um entendimento tácito, compartilhado entre os sujeitos que compõem
aquele determinado grupo social. Segundo o autor podemos constatar o
desmantelamento das relações sociais fundamentadas na estrutura dos panópticos
no século XXI. Nessa “desregulamentação” do poder na contemporaneidade, os
sujeitos buscam laços de pertencimentos, assinalando um processo de
reorganização social, marcado pela reinserção dos desenraizados, na busca do
estabelecimento de laços sociais (IDEM, 2003).
Ao tratar da dimensão da vida urbana na relação tensa entre segurança e
liberdade, o autor afirma que comunidade significa mesmice, e a “mesmice” significa a
ausência do Outro, especialmente um outro que teima em ser diferente, e precisamente por
isso capaz de causar surpresas desagradáveis e prejuízos (IDEM, p. 104). No relato acima
destacado, sobre a violência nas rodas de capoeira, principalmente na relação tensa
entre grupos de capoeira, no momento do jogo, da roda, percebemos que ainda
que compartilhando do mesmo universo da capoeira, o sentido de grupo, por
vezes opera pelo fechamento social, numa analogia aos “guetos”, em que a
homogeneidade dos de dentro, [entra] em contraste com a heterogeneidade dos de fora
(BAUMAN, 2003, p. 105).
Retomando a
construção do imaginário
nas rodas de capoeira,
Capítulo III: A escrita do corpo no jogo da capoeira
124
compreendida como um campo social, a musicalidade é um registro importante e
significativo para observarmos elementos em torno do sistema cultural da
capoeira, no que se refere às condutas nas rodas, aos valores construídos e
divulgados em torno da vida, afirmando sobre sua abertura à reinvenção, como
por exemplo, na breve interpretação apresentada nas músicas 01 e 02, destacadas
anteriormente. Esses registros cantados podem nos dizer tanto da dinâmica da
tradição quanto da convivência dos paradoxos na construção desse sistema
cultural, em que fatos do passado são constantemente reconstruídos a partir de
questões/ condutas contemporâneas, como por exemplo, o caso da violência.
Percebemos as cantigas como uma localidade importante dentro desse sistema
cultural que nos revelam pistas em torno da construção da capoeira e do seu
imaginário.
Ainda sobre essa dinâmica do “antigo” e do “novo”, em depoimento cedido
por Mestre Suassuna, durante o um encontro organizado pelo grupo na cidade do
Natal, Amigos da Cordão do Ouro, é interessante percebermos sua compreensão em
torno da tradição. Em suas palavras, existe as tradições e suas transições. Na época de
Mestre Bimba e Mestre Pastinha era a única maneira de se viver e comportar na capoeira,
que se chamava de tradição. Antes de Mestre Bimba e Pastinha tinha-se outras tradições
que eles não acompanharam. Tradição é como nascer e o por sol, tudo de novo e nada de
novo. Ela tem uma transição muito rápida. Ou ainda como afirma Almeida (2001), o
imaginário da tradição conforma (...) flexibilidade e “originalidade”.
Capítulo III: A escrita do corpo no jogo da capoeira
125
Marcando esse processo de flexibilização e originalidade da tradição, podemos
evidenciar contemporaneamente o surgimento de novas possibilidades de uso do
corpo na capoeira. Se tínhamos até meados da década de mil novecentros e trinta
duas propostas sistematizadas no que tange os modos de uso do corpo no jogo da
capoeira, quais sejam capoeira Angola e capoeira Regional, contemporaneamente
podemos constatar novas reinvenções do uso do corpo no espaço das rodas de
capoeira, por exemplo, na sistematização do Miudinho.
A capoeira Angola, primeira forma
sistematizada dessa técnica de corpo, tem
como principal representante no século
XX, Vicente Ferreira Pastinha, mais
conhecido como Mestre Pastinha, que
começou a aprender capoeira, em
Salvador, aos oito anos de idade com o
africano Mestre Benedito. Ao longo dos
anos foi organizando o conhecimento dessa técnica corporal, fundou sua própria
escola, no Pelourinho, em mil novecentos e quarenta e um, estabeleceu um método
de ensino com base em antigas tradições trazidas pelos africanos. Mestre Pastinha
“recebeu” dos velhos mestres a capoeira Angola, a quem coube guardar e defender
seu legado e tradição, afirmada como “Capoeira Mãe”.
Imagem 154: Mestre Pastinha. Pierre Verger.
Capítulo III: A escrita do corpo no jogo da capoeira
126
Como ruptura no campo da Capoeira,
durante o Estado Novo, a capoeira torna-se
oficialmente esporte nacional. Nesse
contexto, é à imagem de Manoel dos Reis
Machado, Mestre Bimba, que a capoeira
sofreu uma modificação significativa,
sistematizando seqüências de ensino de
movimentos para o ensino dessa técnica
corporal, aproximando de elementos do universo do esporte, como a hierarquia,
regulamentos, competições, normas de comportamentos, buscando ressaltar a
eficiência do gesto, em uma crítica à Capoeira Angola. Em mil novecentos e trinta e
dois Mestre Bimba fundou sua primeira academia, o Centro de Cultura Física e
Capoeira Regional, na cidade de Salvador. Oficialmente a primeira academia de
capoeira teve seu alvará de funcionamento datado de vinte e três de junho de mil
novecentos e trinta e sete.
Nessas diferentes formas de expressão do corpo no jogo da capoeira, há um
hiato entre essas duas linguagens corporais, como podemos observar, de maneira
pontual, a partir dos seguintes elementos
33
:
33
VIEIRA, 1998, p. 87 e 88.
Imagem 155: Mestre Bimba.
Capítulo III: A escrita do corpo no jogo da capoeira
127
Capoeira Angola: original, tradicional, jogo baixo, jogo lento, recreativa e
maliciosa, envolta em religiosidade e misticismo, integrada á cultura negra,
praticas pelas camadas sociais marginalizadas;
Capoeira Regional: descaracterizada; moderna, jogo alto, jogo rápido,
agressiva e sem malícia, secularizada e isenta de símbolos religiosos, expressão da
dominação branca, praticadas pelos estratos sociais médios e superiores.
Considerando o cenário
contemporâneo, bem como uma
análise inicial do material
empírico coletado, podemos
identificar a presença das
técnicas corporais referentes à
capoeira Angola e à capoeira Regional no grupo investigado; bem como a
incorporação de novos elementos na reinvenção da gestualidade no jogo de corpo
nas rodas de capoeira, na expressão do Miudinho, evidenciando a constante
abertura para a criatividade e originalidade da gestualidade no jogo da capoeira.
No que se refere pontuadamente a dinâmica do jogo nas rodas de
capoeira
34
, o elemento da invenção criativa dos gestos está presente na dispersão
dos corpos no espaço da roda. A previsibilidade dos movimentos não é
34
Como, por exemplo, observamos nas rodas apresentadas durante o capítulo II: Cartografias do gesto,
narrativas do corpo na capoeira.
Imagem 156: Mestre Suassuna.
Capítulo III: A escrita do corpo no jogo da capoeira
128
preponderante na relação entre os jogadores. Não se entra na roda com uma
seqüência de movimentos pré-estabelecidos. A inversão do corpo ao entrar na
roda, o olhar do outro camarada durante o jogo, o diálogo e a sedução no uso da
gestualidade, bem como o arrebatamento exercido pela musicalidade presentes na
roda, torna instável e vulnerável as tentativas de uma pré-definição no devir do
jogo.
A gestualidade
adquirida e disponível
está aberta às
experimentações. Novas
seqüências de
movimentos criadas pelos
jogadores nas rodas de
capoeira apresentam infatigavelmente variações. Dentro das limitações das regras de
jogo, o capoeira tem a liberdade de criar, na hora, golpes de ataque e de defesa, conforme seja
o caso, que nunca foram previstos e sem nome específico e que após o jogo ele próprio não se
lembra mais do tipo de expediente que improvisou (REGO, 1968, p. 34).
A partir desse elemento da criatividade e da invenção na gestualidade da
capoeira, afirmamos a relação entre capoeira e jogo. Em um sentido mais
fundamental, a gestualidade na capoeira não se restringe a uma relação mecânica e
fisiológica do organismo com o ambiente. Sua gestualidade possui uma ação
significante. Nesse sentido, aproximamo-nos da compreensão de jogo
Imagem 157: Notas visuais, Roda XII.
Capítulo III: A escrita do corpo no jogo da capoeira
129
apresentadas por Johan Huizinga (1990) e Roger Callois (1990), relacionando-os à
percepção da capoeira enquanto jogo.
O argumento de Huizinga nos ajuda a pensar o jogo enquanto fenômeno
cultural, no sentido que transcende as necessidades imediatas da vida (HUIZINGA,
1990, p. 04). Todo jogo é revestido de um significado amplificado pela cultura,
materializado na diversidade de sua objetivação social, que se revela e se esconde a
partir do sentido e do significado que lhe
é atribuído. Como observado na capoeira,
sua cartografia gestual e simbólica se
estabelece em uma dinâmica marcada por
ambigüidades, por exemplo, quando fora
reprimida, contida pelo Estado,
atualmente sendo divulgada como
expressão da cultura.
No jogo da capoeira também
podemos observar uma forma de manipulação da realidade, não sendo um
fenômeno da vida corrente, nem real. O jogo acontece num campo delimitado e
imaginário, a roda de capoeira, sendo que sua ação parasita o campo da
subjetividade. O elemento lúdico atravessa toda a compreensão de jogo, sendo um
caminho para que possamos perceber a dimensão humana da criação da
gestualidade, do simbólico, do social. No jogo, os sujeitos participam
Imagem 158: O jogo da capoeira. Carybé, 1951.
Imagem 158: O jogo da capoeira. Caribe, 1951.
Capítulo III: A escrita do corpo no jogo da capoeira
130
gratuitamente, sem sofrerem coação externa, enfatizando-se a liberdade
(HUIZINGA, 1990).
Nos registros
imagéticos acessados do
grupo de capoeira Cordão
de Ouro, percebemos que,
na dinâmica das rodas, os
camaradas são envolvidos
pelo encontro,
reconhecendo regras implícitas ao jogo. O reconhecimento e o respeito são
características fundamentais para o desenvolvimento do jogo. Não seguem, no
entanto, uma lógica linear. É na tensão e na incerteza que as ações dos jogadores se
desenvolvem. A ação do jogo revela o próprio jogo, tendo um fim em si mesmo,
sua finalidade está no próprio ato de jogar, potencializado, pela cultura. Mesmo
acontecendo num campo imaginário, suspenso da realidade corrente, o jogo é real e
está impregnado de desejos individuais e as significações coletivas e sociais
(HUIZINGA, 1990). Independentemente do local físico e social que está sendo
ocupado, é na roda que o jogo acontece. Em uma forma circular, podemos constatar
um desprendimento da vida cotidiana dos que participam da roda. O círculo é
interrompido e composto pela bateria da roda, em que, geralmente, estão presentes
três berimbaus, um pandeiro e um atabaque, instrumentos responsáveis pela
sonoridade. Essa dinâmica da modificação do espaço ocupado pelos instrumentos,
Imagem 159: Notas visuais, Roda VI.
Capítulo III: A escrita do corpo no jogo da capoeira
131
bem como da composição da “orquestra”, podem ser percebidas nos registros
imagéticos em nossas notas visuais.
Nessa “orquestra”, que é composta pelo atabaque, agogô, reco-reco, o
berimbau é quem comanda o ritmo do jogo e a gestualidade do corpo,
determinando o estilo a ser jogado. Cada toque de berimbau determina um jogo
diferente. Os toques mais conhecidos são: Angola, São Bento Pequeno, São Bento
Grande e Santa Maria de Angola, Iúna, Cavalaria, Amazonas, Idalina e Santa
Maria de Regional e
Benguela. Em nossas notas
visuais, predomina o
toque de Angola, São
Bento Grande, que
identifica o jogo de
Regional, bem como o
Miudinho, variação criada pelo próprio grupo.
Amplificando a melodia dos instrumentos, a musicalidade é acompanhada
de cantigas, narrativas que apresentam funções simbólicas nas rodas de capoeira,
redimensionando a compreensão do tempo, que na circularidade da roda inclui a
sincronia e a diacronia, bem como dando andamento ao jogo, no sentido de
alimentar os camaradas pelas narrativas que vão sendo contadas. Segundo Vieira
(1998), nos cânticos de capoeira materializam-se três funções: ritual, elemento
mantedor das tradições, bem como um espaço dinâmico de constante repensar dessa
Imagem 160: Notas visuais, Roda XVI.
Capítulo III: A escrita do corpo no jogo da capoeira
132
mesma história. Marcada pela tradição oral, os cânticos permitem um contato
permanente com a história e com a tradição cultural da capoeira, e ao mesmo
tempo abre brechas antropológicas para novas narrativas.
Afinado os instrumentos e organizado o círculo, o jogo inicia com a entrada
dos camaradas na roda, em que a música faz vibrar o corpo, arrebatando-o.
Podemos pensar na roda como uma representação do limite entre a vida cotidiana,
situada fora da circunferência e a possibilidade de sua “transcendência”, da criação
de um universo particular e coletivo a partir do elemento da imaginação e da
fantasia, pois na parte interna da roda, são inventadas novas formas de
convivência e de socialidades. O imprevisível se materializa, pois não se pode
conceber, antecipadamente, os diálogos que serão estabelecidos durante o jogo.
Obedecendo a um ritual, os capoeiristas entram nesse universo do jogo agachando-
se na boca da roda, localizada próximo ao berimbau, se benzem levando a mão ao
chão ou tocando-a no berimbau, pedindo proteção, fazendo o sinal da cruz ou
também levando à mão em direção à testa, gesto semelhante ao utilizado nos
rituais de candomblé. O sagrado, nesse momento, se faz presente.
Capítulo III: A escrita do corpo no jogo da capoeira
133
O é um
movimento muito
utilizado para entrar na
roda e iniciar o jogo. Sua
forma inclui variações:
de frente, aú de costas,
passando, aú voltando,
marcando uma inversão da ordem e do corpo para entrar em um outro espaço
social. A gestualidade do corpo no jogo da capoeira é expressa pela ginga
intermediando movimentos de ataque, de defesa, desequilibrates e de floreio. Nesse
diálogo não-verbal, o jogo iniciado encerra-se com sua “compra” por outro jogador,
remetendo a um elemento profano. Nas imagens analisadas, podemos perceber
que em alguns jogos, quando “comprado”, o novo jogador, geralmente, não realiza
o ritual de entrada na roda. Situação presenciada, principalmente, nos jogos de
Regional.
A benção ao iniciar o jogo ou ao seu término, a compra do jogo por outro
camarada, referem-se a ambigüidade da relação profano-sagrado, contaminando
todo o sistema cultura da capoeira (REIS, 2000). Esse elemento atravessa toda a
estrutura da capoeira, fazendo-se presente, seja na nomenclatura dos movimentos
(vingativa e benção); nos toques do berimbau (São Bento Grande, Santa Maria); na
movimentação da dinâmica do jogo, em que o corpo se aproxima do chão (nível
baixo), pois para a tradição africana o chão é o lugar do sagrado; nos cânticos, entre
Imagem 161: Notas visuais, Roda VIII.
Capítulo III: A escrita do corpo no jogo da capoeira
134
outros. Na cantiga que se segue, cantadas nas rodas de capoeira, podemos
perceber essa ambigüidade profano-sagrado, bem como, a relação de
aprendizagem dos símbolos da capoeira e o respeito à figura do mestre, entre
outros sentidos.
MÚSICA 03
CAPOEIRA CAMARÁ
35
Capoeira jurou bandeira, pediu seu santo sua proteção
Entrou na roda, olhou parceiro, mas olhando o céu pediu perdão
Deu uma volta de saudação, ainda na volta falou
Capoeira eu sou baiano, mestre suassuna foi quem me ensinou, me estendeu a mão
Lá no cumprimento, o pé no peito logo levou
Sumiu no chão que nem corisco, pra confirmar o que havia dito
Capoeira nesse dia lutou tudo que sabia,
Se não lutasse perdia o amor do peito de Maria
Força do seu coração, jogou no ar e no chão,
Fez diabrura do cão, rezando uma oração
Ele é homem de corpo fechado, não teme ferro de matar,
Ogum é meu padrinho, guerreiro no céu e guarda na lua
E na terra meu peito é de aço, e a faca de ponta não fura
Iê viva meu Deus/ Iê viva meu Deus, camará
Iê viva meu mestre/ Iê viva meu mestre, câmara
Iê que é mestre meu/ Iê que é mestre meu, câmara
Iê quem me ensinou/ Iê quem me ensinou, camará
35
Essa cantiga encontra-se gravada no CD em anexo ao trabalho.
Capítulo III: A escrita do corpo no jogo da capoeira
135
Na cantiga apresentada, podemos perceber nuanças da articulação profano-
sagrado, presentes nas rodas de capoeira. A ladainha narra uma roda em que o
amor de Maria está em jogo. O amor em jogo, já nos diz de algo profano. Ao entrar
na roda o capoeira pede proteção ao seu santo, fechando seu corpo. Essa dimensão
da proteção de algo sagrado, divino, se faz presente com certa freqüência nas rodas
de capoeira, principalmente, pelos velhos mestres, que antes de entrarem na roda
gesticulam movimentos o sinal da cruz ou levam a mão à testa, saudão comum
aos rituais do candomblé. Nesses gestos, identificamos o sincretismo presente
também na capoeira entre as religiões cristã e africana.
A canção remete também para o fato dos camaradas jogarem no alto e no
chão, o que nos diz dos estilos de capoeira Regional e Angola. O chão é o lugar do
sagrado segundo as tradições africanas. Nascida com a escravidão negra, a capoeira está
impregnada de uma visão africana do mundo. E o sagrado, para a cultura religiosa africana,
localiza-se primordialmente na terra, no baixo (em oposição ao legado judaico-cristão que
situa o sagrado no céu, no alto) (REIS, 2000, p. 171 e 172).
Mantendo uma relação ambígua entre o profano e o sagrado, no ar e no
chão o capoeira joga fazendo diabrura do cão, rezando uma oração. Um dos camaradas
tem seu corpo fechado
36
por Ogum, arquétipo do guerreiro, orixá cujo elemento da
natureza é o ferro, que brame sua espada e forja o ferro. No sincretismo com a
religião crista, Ogum é o São Jorge, o guarda da Lua. Como seu peito está fechado
por ferro, por aço, faca de ponta não fura.
36
Expressão utilizada nos rituais de candomblé
Capítulo III: A escrita do corpo no jogo da capoeira
136
Em seus gestos, seus ritos e seus símbolos reconhecemos a capoeira como
jogo. Desdobrando a compreensão de jogo enquanto fenômeno cultural, Caillois
(1990) identifica quatro categorias: agôn (jogos de antagonismos); alea (jogos
aleatórios); mimicry (jogos miméticos); e ilinx (jogos de vertigem). A interpretação
dessa estrutura não deve ser observada do ponto de vista de uma hierarquização
ou fragmentação do jogo, mas como uma possibilidade de compreender esse
fenômeno em conjunto com o contexto cultural. Nessa estrutura, relacionamos a
técnica corporal da capoeira como jogos de antagonismo, miméticos, aleatórios e de
vertigem, considerando nossas notas visuais.
Podemos pensar que na capoeira se faz presente um determinado confronto,
certo tipo de duelo, embate, oposição, ou antagonismos entre os corpos no
acontecimento do jogo, em que os camaradas buscam ver reconhecidas suas
habilidades no confronto do jogo. O agôn, portanto, está presente no jogo da
capoeira, haja vista que ao entrar na roda o camarada utiliza-se do expediente da
rapidez, resistência, meria, habilidade, engenho (CALLOIS, 1990, p. 34).
Imagem 162: Ogum. Madeira Entalhada. Carybé.
Capítulo III: A escrita do corpo no jogo da capoeira
137
Oposto e simétrico ao agôn, Callois (1990) identifica a alea como o elemento
do aleatório. No jogo da capoeira, o acaso, a intensidade do próprio jogo, a disputa
entre os camaradas, a improvisação e da espontaneidade dos gestos, configuram o
elemento aleatório, relativo ao acaso, ao inesperado. De alguma maneira, no jogo,
os camaradas estão entregues a própria sorte, ligando inevitavelmente o corpo, o
gesto e o símbolo.
Os jogos miméticos, mimicry, também podem ser observados nas rodas de
capoeira, localidade em que se adota um determinado comportamento, uma
mímica ou um disfarce no desenrolar do jogo. No prazer que o humano tem em se
disfarçar, o capoeira utiliza-se de uma representação dramática e de uma invenção
incessante no que se refere à sua gestualidade, num jogo de simulação. Esquece,
disfarça, despoja-se temporariamente da sua personalidade para fingir uma outra (IDEM,
p. 39 e 40).
Segundo as classificações de jogo propostas por Roger Callois (1990),
identificamos ainda o elemento da vertigem ao tratarmos da capoeira. Vertigem,
ilinx, que consiste numa tentativa de destruir, por um instante, a estabilidade da
percepção e infligir à consciência lúcida uma espécie de voluptuoso pânico (IDEM, p. 43).
A vertigem no jogo de corpo na capoeira pode ser percebida e vivenciada, por
exemplo, no uso de recursos como nos giros incessantes durante o jogo, nas
piruetas, nos saltos acrobáticos, na embriaguez da velocidade dos movimentos
rotatórios, entre outros. A rotação, ou a sensação de desprendimento do corpo do
Capítulo III: A escrita do corpo no jogo da capoeira
138
chão, levam o capoeira ao êxtase, ao estado de fuga e evasão, provocando durante
o jogo os desequilíbrios necessários à dinâmica do jogo.
Na capoeira o diálogo é estabelecido no antagonismo (agon) entre dois
corpos, que são capturados pela alea, entregando-se à espontaneidade do gesto, à
aventura e à sorte e assim projetam movimentos miméticos (mimicry), produzem
uma vertigem corporal (ilinx), que desorganiza a ordem, revirando-se o corpo e
ocupando o espaço do outro, reinventando uma nova ordem, que é corporal,
mítica e social.
Nesse contexto, é como jogo que interpretamos a positividade da capoeira
no campo de produção de conhecimento e como técnica corporal. Afirmar a capoeira
enquanto jogo é uma posição de resistência às tentativas de racionalização desse
sistema cultural, quando compreendida pelo viés do esporte. No entanto, o
discurso, interesse e a afirmação da capoeira enquanto prática esportiva também é
divulgada dentro desse sistema cultural. Há aqui uma relação tética, que afirma e
que opõe a correspondência entre capoeira e esporte. Na construção desse
discurso, estabelece-se uma relação paradoxal em que a capoeira tem sido
impregnada em sua escrita social por elementos do universo esportivo.
Em relatos, em entrevistas ou em conversas informais com mestres e com
sujeitos que fazem a capoeira, tenho percebido que não há um consenso no que se
refere a relação entre capoeira e o esporte na contemporaneidade
37
. Alguns
consideram que uma relação mais próxima e mais intensa entre a capoeira e o
37
No Brasil, se faz presente federações regionais de capoeira, bem como uma federação nacional.
Capítulo III: A escrita do corpo no jogo da capoeira
139
esporte poderia alavancar, por exemplo, a inclusão da capoeira nas Olimpíadas,
dando um salto quantitativo e qualitativo em torno da prática da capoeira. Esse
argumento opera pela lógica de que uma divulgação social, no âmbito das
Olimpíadas em escala mundial, atingiria um público maior, ampliando, por
exemplo, a divulgação do sistema cultural da capoeira, a partir do interesse de
diferentes pessoas em praticar a capoeira, bem como uma ampliação do mercado
de trabalho para as pessoas que tem a capoeira como profissão.
Por outro lado, para outros sujeitos, mestres e alunos, envolvidos no
universo da capoeira, uma relação muita próxima com o esporte, pode incorrer
certa depreciação de sentidos e de significados que se fazem presentes no sistema
cultural da capoeira, principalmente no que se refere aos elementos do ritual, do
sagrado e do profano, da vadiagem, expressos pela compreensão do lúdico seriam
suprimidos e tratados como irrelevantes quando a ênfase estiver centrada na
competição e na eficiência do gesto. Grosso modo, identificamos usos do corpo no
jogo da capoeira que buscam em sua expressão uma perspectiva de resistência ou
adaptação à influência da racionalidade esportiva.
Na identificação da descontinuidade dos discursos em torno da
esportivização da capoeira, no sentido de uma relação tética, torna-se importante
evidenciarmos nuanças em torno da construção do esporte enquanto instituição
moderna. Nesse sentido, podemos nos perguntar que sentidos e significados o
Capítulo III: A escrita do corpo no jogo da capoeira
140
Imagem 163: Notas visuais, Roda IV.
esporte tem divulgado socialmente? Quais valores têm sido construídos pelo
esporte?
Enquanto instituição, o esporte surge na modernidade, a partir da
racionalização dos jogos das classes populares ingleses, influenciado pelo processo
de industrialização do século XIX. O esporte moderno tem a marca da
secularização, da competição, do rendimento físico-técnico, e da busca pelo record,
a partir da racionalidade cientificista na execução do gesto. Contemporaneamente,
essas características são radicalizadas no esporte de alto rendimento ou espetáculo
38
,
veiculados pelos meios de comunicação de massa, aproximando o esporte do
mundo do trabalho, transformando-o em mercadoria, envolvendo
empreendimentos com finalidades lucrativas submetidas às leis do mercado, bem
como num grande “espetáculo” (BRACHT, 2003).
O esporte de alto
rendimento ou espetáculo
tem fornecido o modelo
da compreensão social do
esporte, estabelecendo
parâmetros para a
constrão para outras
compreensões do esporte. Essa influência tem divulgado valores, sentidos e
38
Mesmo reconhecendo o esporte como um fen6omeno multifacetado, Bracht (2003) diferencia duas
perspectivas para a compreensão do esporte, quais sejam, esporte de alto rendimento ou espetáculo e o
esporte enquanto atividade de lazer.
Capítulo III: A escrita do corpo no jogo da capoeira
141
significados pautados pelos códigos (e semântica) da vitória-derrota, da maximização do
rendimento e da racionalização dos meios (IDEM, p. 19).
Na capoeira, percebemos certa influência do discurso de esportivização
dessa técnica corporal, iniciada já na década de mil novecentos e trinta. Elementos
como o uso de uniformes diferenciando grupos de capoeira; a utilização de uma
graduação específica dos praticantes de capoeira, identificando na hierarquia do
grupo o local ocupado pelos seus integrantes, se são iniciantes, ou professores,
contra mestres ou mestres; investimento em treinamentos como uma essa lógica
desenvolvida pelos grupos de capoeira, a partir de encontros sistematizados,
marcando o processo de ensino-aprendizagem; desenvolvimento de competições;
entre outros fatores que nos dizem de certa absorção do universo da capoeira à
lógica do esporte.
Entretanto, é preciso considerar que outros valores, sentidos e significados
também têm alimentado a compreensão do esporte. Ao refletir sobre valores e
condutas éticas da sociedade contemporânea, Lipovetsky (2005) investiga vários
setores sociais, dentre eles o esporte, no sentido de desenvolver seu argumento
central que se baseia na radicalização da individualidade, baseada na estética dos
prazeres, configurando um quadro social que o autor identifica como sociedade pós-
moralista.
No que tange ao esporte, é interessante observarmos que novos valores,
novas condutas, novas expectativas são gestadas contemporaneamente. Segundo
Lipovestky, o esporte moderno, do século XX, estava vinculado às mais altas
Capítulo III: A escrita do corpo no jogo da capoeira
142
qualidades morais, auxiliando na musculação moral do homem. O autor afirma que
Arnold, seguindo os partidários de Pierre de Coubertin, discernirá o esporte uma escola de
moralidade, que aguça o prazer da luta, o senso do esforço, a solidariedade, o desinteresse.
Até a metade do século a referência à virtude estará no centro da idealização do esporte
(LIPOVETSKY, 2005, p. 88). Essa perspectiva do revigoramento moral pelo esporte,
construída no século XIX, esteve relacionada ao investimento em torno de uma
pedagogia das virtudes, que buscava desenvolver valores como a confiança de si, o
aprendizado do dever, o aprimoramento do corpo, o espírito de equipe, dentre
outros atributos morais imbricados a preocupações morais.
Ao tratar da sociedade contemporânea, Lipovetsky (2005) constata um
redirecionamento dos valores veiculados no esporte, mudanças significativas na
relação entre sujeito e a prática esportiva. Segundo o autor, o universo idealista
preconizado e divulgado no Esporte no século XIX, norteado pelo moralismo e
pela virtude, não condiz com os valores contemporâneos. Já não é o conceito de
virtude que orienta o esporte, mas a emoção corporal, o prazer, a boa forma física e
psicológica. Por isso tornou-se um dos mais significativos paradigmas da cultura
individualista narcisista voltada para o êxtase corporal (LIPOVETSKY, 2005, p. 89).
Na sociedade pós-moralista, o esforço empregado na prática esportiva,
egobuilding
39
, baseia-se numa lógica narcisista em que o corpo é gestado de maneira
utilitarista, investindo-se no capital-corpo, na valorização de si mesmo, tendo
como pano de fundo o discurso da otimização da saúde, da emoção levada ao extremo
39
Egobuilding: expressão cunhada por Lipovetsky (2005).
Capítulo III: A escrita do corpo no jogo da capoeira
143
(...). No empenho esportivo, o indivíduo se configura a seu próprio gosto, sem outro objetivo
que não o de ser “mais”ele mesmo e valorizar o próprio corpo: o egobuilding é um criação
narcisista (IDEM, p. 89 e 90).
A democracia e a vontade de poder estão vinculadas à compreensão do esporte
na contemporaneidade. Seguindo a lógica da mercantilização e do efêmero, o
produto-esporte, diversifica-se ao máximo no sentido de ampliar suas propostas
para atender a um maior número de pessoas, correspondendo à diversidade dos
gostos de cada sujeito. Ao contrário de um esporte aristocrático, do século XIX, o
esporte contemporâneo está relacionado ao culto narcisista do corpo e do estímulo. Em
suma, não mais a formação moral dos jovens da elite social, mas a paixão de massa em
relação às práticas esportivas e sensações inéditas para o corpo (IDEM, p. 91).
Mesmo ao aproximarmos a compreensão da técnica corporal da capoeira ao
conceito de jogo, não podemos deixar de perceber certa tensão nessa relação ao
considerarmos o conceito de esporte, principalmente ao tratarmos dos
investimentos contemporâneos, que incluem, por exemplo, o discurso da saúde, do
prazer, do gosto, enfim marcas de nossa sociedade. Ao considerarmos o paradoxo
capoeira-jogo e capoeira-esporte, percebemos a continuidade da abertura desse
sistema cultural a novos investimentos e interesses, de acordo com o contexto
social em voga. Tais redimensionamentos são passíveis de discussões sobre a
influência do modelo esportivo, como também certo distanciamento dos elementos
da “tradição. Sem polarizar o campo da capoeira, a partir de discursos
“tradicionais” ou “progressistas”, é preciso considerar que a tradição se renova e
Capítulo III: A escrita do corpo no jogo da capoeira
144
novos usos do corpo surgem nesse processo, confirmando a proposição de que o
corpo e sua gestualidade são marcados pelas dinâmicas dos processos históricos e
sociais.
Enquanto jogo, como é produzido o conhecimento operado e divulgado nas
diferentes técnicas corporais presentes na capoeira? Como a cultura se faz presente
na diversidade de formas construídas no sistema cultura da capoeira? Como a
carne se duplica e reinventa os símbolos da capoeira, passando do signo ao
significado?
Imerso no grupo Cordão de Ouro, acompanhando as rodas e os encontros
entre os capoeiristas, percebemos que o conhecimento utilizado pelos sujeitos, no
acontecimento do jogo de capoeira, mobiliza a percepção do outro e dos símbolos;
a disponibilidade corporal na utilização de técnicas corporais; o cálculo na projeção
virtual da gestualidade, envolvendo a velocidade, o controle, o alcance, bem como
a intencionalidade dos gestos. A produção desse conhecimento aproxima-se de
uma “ciência do concreto”
40
, que envolve um conhecimento prático, razão prática,
intuição sensível, potencialidades e insuficiências, retiradas de suas experiências
vividas no jogo de corpo nas rodas de capoeira.
Aproximamos-nos, nesse sentido, de uma forma de produção do
conhecimento que envolve os saberes da carne, na tessitura do corpo como
símbolo, do lúdico e da cultura como contexto e do sensível como textura do
conhecimento. Nos registros imagéticos do grupo Cordão de Ouro, essa relação se
40
Lévi-Strauss (2006).
Capítulo III: A escrita do corpo no jogo da capoeira
145
concretiza nas diferentes
composições singulares no
jogo de corpo na capoeira,
na diversidade de
expressão das técnicas
corporais, seja na Capoeira
Angola, Regional e no
Miudinho. Como resíduos da cultura, esses estilos de jogar capoeira são marcados
pela bricolagem do gesto. A bricolagem é um processo que se define basicamente pela
ausência de um projeto que ajuste, de modo linear e causal, meios e fins (...) Seu papel é
criar signos e significados valendo-se de resíduos culturais acabados, imprimindo-lhes
rearranjos e reorganizações (CARVALHO, 2003, p. 09).
Aproximamos a compreensão da bricolagem à construção da gestualidade do
corpo na relação entre signos e significados, o que é expressão e o que é expresso,
estrutura que não distingue o Ser no mundo a partir de dualismos, opondo
sensível e inteligível, mas compreendendo as dimensões do humano de maneira
articulada e contaminada mutuamente. Trata-se de um momento caracterizado
pela gestualidade do corpo nas rodas de capoeira. Assim como o bricoleur que é
caracterizado pela ausência de um plano pré-concebido, bem como pelo o fato de
operar com materiais fragmentários já elaborados. (LÉVI-STRAUSS, 2006, p. 32), a
gestualidade do corpo no jogo da capoeira está constantemente aberta a
Imagem 164: Notas visuais, Roda XIV.
Capítulo III: A escrita do corpo no jogo da capoeira
146
procedimentos de reorganização e reinvenção desse sistema cultural, de maneira
intuitiva e com resultados imprevisíveis
41
.
Nas cartografias dos gestos apresentadas no capítulo anterior, fraturas que
remontam o acontecimento do jogo, os camaradas não definem de maneira
antecipada o projeto que será desenvolvido, ou seja, a gestualidade que será
empregada durante o jogo é uma composição de arranjos de resíduos e de fragmentos
de fatos. Nesse sentido, podemos, por analogia, perceber que a gestualidade do
corpo no jogo da capoeira se define apenas por sua instrumentalidade e, para empregar a
própria linguagem do bricoleur, porque os elementos são recolhidos ou conservados em
função do princípio de que “isso sempre pode servir(IDEM, p. 33).
A composição da gestualidade que se evidencia durante a dinâmica do jogo
é sempre singular, desviando-se de uma norma ou de um pré-projeto, concebido
antecipadamente. Há aqui uma relação dramática, pois de certo modo, a bricolagem
expressa o dilaceramento e as desavenças do homo duplex consigo mesmo e com os outros
(CARVALHO, 2003, p. 09). A cultura enquanto um sistema aberto, que opera tanto
pela repetição quanto pela reorganização de sua estrutura, ao considerarmos a
capoeira como produção da cultura, argumentamos que ao mesmo tempo em que
os “recursos” gestuais utilizados são retrospectivos, fundamentado em um
conjunto de gestos já constituídos, a partir de um inventário gestual próprio da
41
A tratarmos do da bricolagem com relação à gestualidade da capoeira, referimo-nos ao momento do jogo,
do encontro dos corpos nas rodas de capoeira. Nesse sentido, não significa dizer que o sistema cultural da
capoeira, a partir dos grupos e dos mestres, não tenham um projeto de projeção da capoeira. Ao contrário,
como podemos perceber na entrevista com mestre Suassuna em anexo e no DVD que acompanha esse
trabalho.
Capítulo III: A escrita do corpo no jogo da capoeira
147
capoeira, a singularidade do jogo materializa-se a partir da possibilidade de
construir novos arranjos, encadeamentos gestuais inusitados, como percebemos
nas combinações dos elementos do antagonismo, do acaso, da mimesis e da
vertigem, impressos em nossas notas visuais.
A capoeira constitui-se, sem dúvida, em uma estrutura caracterizada por
um sistema cultural que pela repetição se permite reconhecer, no entanto, dentro
dessa estrutura, o jogo não se repete, a gestualidade no acontecimento do jogo
carrega marcas do inusitado, do imprevisível, do mesmo que é (re)inventado,
portanto, do novo. Na gestualidade do jogo, o corpo dobra-se sobre si mesmo,
afirmando a bricolagem do gesto.
Tendo como materialidade as narrativas do corpo na capoeira, podemos refletir
sobre uma complementaridade entre jogo e rito, a partir da gestualidade do corpo
na capoeira?
Ao considerar a
simetria entre jogo e rito,
Lévi-Strauss (2006, p. 46)
parte do princípio que
todo jogo se define pelo
conjunto de regras, que
tornam possível um número praticamente ilimitado de partidas; mas o rito que também se
jogo, parece-se mais com uma partida privilegiada, retida entre todas as possíveis, pois
Imagem 165: Notas visuais, Roda XVIII.
Capítulo III: A escrita do corpo no jogo da capoeira
148
apenas ela resulta em um certo equilíbrio entre os dois campos. No relato do antropólogo
sobre os índios norte-americanos, fox, os ritos são acompanhados de jogos, em suas
palavras: os ritos de adoção, indispensáveis para convencer a alma do morto a partir
definitivamente para o além, onde assumirá seu papel de espírito protetor, são normalmente
acompanhadas de competições esportivas, de jogos de destreza ou de azar (IDEM, p. 47).
Jogo e rito são, portanto, operacionalizados de maneira complementar, a
partir de uma simetria. Simétricos, entretanto, inversos. Nessa relação, o jogo é
compreendido de maneira disjuntiva e o rito de modo conjuntivo. A disjunção do
jogo é resultado da divisão que se estabelece entre os jogadores, distinguindo-se
durante o desenvolvimento do jogo, que é pré-ordenado, sendo as regras as
mesmas para todos os participantes, decorrendo a partir da contingência dos fatos,
da intencionalidade colocada no momento da ação do jogo. Já o rito é conjuntivo
na medida em que estabelece um sentido de união e comunhão entre os jogadores, a
partir de uma relação orgânica, em que os jogadores se reconhecem partícipes de um
mesmo grupo (IDEM, p. 48).
Ao pensarmos no sistema cultural da capoeira podemos perceber elementos
importantes em torno da complementaridade no que se refere à ação do jogo com
relação à estrutura ritual presente nas rodas de capoeira. Como um primeiro
elemento estrutural, evidenciamos a roda, como uma construção mítica dentro do
sistema cultural da capoeira. A simbologia que a roda estrutura relaciona-se com a
perfeição sugerida pelo círculo, mas com uma certa valência de imperfeição, por que ela se
Capítulo III: A escrita do corpo no jogo da capoeira
149
refere ao mundo do vir a ser, da criação continua, portanto da contingência e do perecível.
Simboliza os ciclos, os reinícios, as renovações (CHAVALIER,1990, p. 783).
Na estrutura da
roda, o jogo está
articulado às celebrações
que marcam o sistema
cultural da capoeira. Ritos
que nos dizem, por
exemplo: da presença do
sagrado, a partir do elo estabelecido com divindades de religiões afros, cristãs,
como também a partir do sincretismo religioso dessas tradições; da constante
presença nas rodas, a partir das narrativas das músicas de mestres de capoeira que
já partiram; de narrativas míticas sobre grandes proezas de capoeiristas do
passado. Essas expressões podem ser percebidas na gestualidade empregada
durante jogo de corpo, como também na musicalidade presente nas rodas, a partir
dos instrumentos e das cantigas.
No sentido de exemplificação, destacamos alguns trechos de cantigas que
nos dizem da presença desses elementos rituais dentro das rodas de capoeira.
Imagem 166: Notas visuais, Roda VII.
Capítulo III: A escrita do corpo no jogo da capoeira
150
MÚSICA 04
SANTO BENTO ME CHAMA/ A COBRA ME MORDE
42
Santo Bento me chama
Ai ai ai ai
São Bento me chama
Ai ai ai ai
A cobra me morde
Senhor São Bento
A cobra me morde
Senhor São Bento
A cobra me mordeu
Senhor São Bento
Cuidado com a cobra
Senhor São Bento
MÚSICA 05
OS NEGROS DE ARUANDA
43
Nós somos pretos da catanga de Aruanda
Na Conceição viemos louvar
Aruanda ê ê ê
Aruanda ê ê a
Preto veio ficava sentado
No batente do velho portão
Preto veio com sua viola
preto veio com seu violão
(....)
42
Essa cantiga encontra-se gravada no CD em anexo ao trabalho.
43
Essa cantiga encontra-se gravada no CD em anexo ao trabalho.
Capítulo III: A escrita do corpo no jogo da capoeira
151
MÚSICA 06
EU NASCI DE SETE MESES
44
Eu nasci de sete meses/ Eu nasci de sete meses
Me criei sem mamar/ já tenho 50 ano ainda to sem batizar
Quem quiser saber meu nome/ vai lá em casa perguntar
Eu me chamo tira prova/ Oi ia ia quem quiser experimentar
Já fiz galo bota ovo/ pra galinha descansar
Já fiz padre dizer missa/ Oi ia ia sem vela nem castiçal
Botei fogo em uma igreja/ só pra ver santo pular
Santo Antônio que foi ligeiro/ saiu de salto mortal camará
Na cantiga “Santo Bento me chama/ A cobra me morde”, faz-se presente a
imagem de São Bento, santo católico, fundador da Ordem Beneditina. Preces são
dirigidas ao santo no sentido de pedir proteção contra picadas de cobra. Nas rodas
de capoeira, é preciso cuidado, pois a qualquer momento os jogadores podem ser
surpreendidos com um “bote”, análogo ao de uma cobra. Recorre-se a São Bento
no sentido de proteção, que na tradição afro-brasileiro tem seu sincretismo com
Oxissi. A cantiga “Os negros de Aruanda” retoma, do ponto de vista geográfico e
afetivo, uma das localidades pertencentes aos negros que vieram para o Brasil no
período colonial
45
, bem como evoca louvores dirigidos à Nossa Senhora da Conceição,
padroeira do Brasil; e a imagem do Preto- Velho
46
, figura presente nos terreiros de
Umbanda, representa os espíritos de velhos africanos que viveram nas senzalas
como escravos, e repassavam para suas comunidades seus conhecimentos, bem
44
Essa cantiga encontra-se gravada no CD em anexo ao trabalho.
45
Luanda, capital da Angola.
46
Referência: http://pt.wikipedia.org/wiki/Preto-velho
Capítulo III: A escrita do corpo no jogo da capoeira
152
como contavam histórias de seu tempo de cativeiro, tratando seus congêneres
como “filhos”. No sincretismo, Nossa Senhora da Conceição é venerada como
Yemanjá, a rainha do mar. Na última cantiga apresentada, “Eu nasci de sete
meses”, a narrativa versa sobre a valentia do capoeira, por exemplo, ao fazer Galo
botar ovo, para galinha descansar, como também emprega terminologias da
gestualidade do corpo no jogo da capoeira às entidades divinas, ao afirmar que
Santo Antônio que foi ligeiro, saiu de salto mortal; essa expressão também nos diz da
articulação entre o divino e o terreno.
A roda enquanto rito congrega o jogo. Há, nesse sentido, uma estrutura que
dá fundamento ao jogo, como afirma Lévi-Strauss (2006, p. 48): fatos cuja natureza e
ordenação têm um caráter verdadeiramente estrutural. Outro ponto importante dentro
desse ritual diz respeito à compreensão do tempo, que se aproxima do tempo
mítico, incluindo e afastando-se da linearidade do tempo cronológico. Os territórios
míticos são circulares, redondos assemelham-se a máquinas de supressão do tempo, que
investem contra a linearidade cronológica dos acontecimentos, para instituírem um tempo
segundo, constituído por um sistema no qual sincronia e diacronia, razão analítica e razão
dialética não se apresentam como categorias excludentes (CARVALHO, 2003, p. 41).
O sensível é uma realidade constitutiva do ser e do conhecimento que se
manifesta nos processos corporais, por exemplo, nas variações do corpo que joga
capoeira. Na experiência do movimento, o corpo e a gestualidade fundam a
Capítulo III: A escrita do corpo no jogo da capoeira
153
linguagem sensível, que é plástica e poética, configurando a possibilidade de uma
nova compreensão do ser humano e do conhecimento (SERRES, 2004).
A experiência por meio das interações com o outro faz emergir uma
linguagem sensível compreendida pelo logos estéticos, tendo a partir dessa
concepção outra percepção do humano e do conhecimento. Pelo logos estético
percebemos várias linguagens expressas na manifestação das técnicas corporais.
Essa atitude problematiza o paradigma racionalista, abrindo-se novos caminhos
para a percepção do corpo, a compreensão do jogo e das técnicas corporais, sendo
esta incompleta, quando analisada somente do ponto de vista técnico e científico.
A perspectiva
estética realça a cultura e
o movimento, revelando
cores e formas que
desenham e ultrapassam
o universo de gestos pré-
estabelecidos,
resignificando o imaginário social, possibilitando diferentes sentidos para o corpo
em movimento. Nessa reflexão sobre a gestualidade do corpo no jogo de capoeira,
podemos afirmar o corpo como um território biocultural; a gestualidade como um
campo de comunicação, as técnicas corporais como conhecimento que revela e
esconde tradições e o habitus de uma sociedade, os discursos e as práticas que
Imagem 167: Notas visuais, Roda XVI.
Capítulo III: A escrita do corpo no jogo da capoeira
154
autorizam e desautorizam esse habitus, determinadas técnicas e usos sociais do
corpo; e a relação entre capoeira, jogo e rito, bem como bricolagem e gestualidade,
mediado pela dinâmica da cultura. Na capoeira, o corpo gira, invertendo e
desinvertendo a hierarquia corporal (REIS, 2000, p. 184). Essa possibilidade de
movimentar-se pode problematizar a experiência do corpo, que cria linguagens e
desafia o espaço e o tempo na utilização de sua gestualidade.
No jogo de capoeira, percebemos o corpo como território polissêmico,
estrutura que agrega saberes e valores os quais denotam o modo como lidamos
com as questões sociais e culturais. Nessa tessitura sócio-histórica, cultural e
biológica, evidenciam-se indicadores da objetivação da capoeira enquanto
materialidade a partir da compreensão de técnica corporal. Compreendemos que a
roda de capoeira caracteriza-se como um espaço social e dinâmico. Nesse sistema
cultural que excede sentidos de forma geral podemos destacar alguns elementos
da poética do corpo, do conhecimento sensível que configura o jogo da capoeira:
Intencionalidade: compreendida como força propulsora do movimento, operada
pelo corpo que joga e ao fazê-lo cria sentidos e significados lúdicos, estéticos,
históricos, entre outros, articulando os signos à existência.
Intensidade: percebida a partir das dinâmicas de movimentos, do jogo
construído no espaço e no tempo, possibilitando uma permanente comunicação
Capítulo III: A escrita do corpo no jogo da capoeira
155
entre os capoeiristas que desenham os gestos e dão sentido à roda, bem como
ao diálogo dos corpos estabelecidos dentro da roda. O jogo acontece a partir de
forças complementares mediados pela ginga, que carrega a mandinga, os
mistérios, nos dizendo dos segredos e da imprevisibilidade da gestualidade do
corpo nas rodas de capoeira.
Composição de forças: envolvendo elementos que nos dizem da força, da
flexibilidade, da agilidade, da sagacidade no recolhimento e expansão do
corpo, da virtuosidade e da virtualidade do gesto, das técnicas corporais
presentes na roda de capoeira. Elementos articulados de modo simultâneo,
produzindo, signos, símbolos e expressões em uma seqüência de ações
inesperadas. Um repertório de movimentos, operados pela bricolagem gestual
que é resultante da própria dinâmica do jogo e do rito. Movimentos opostos e
complementares, nas rodas de capoeira o corpo busca ocupar espaços vazios,
sendo fundamentais o improviso e a inventividade.
Na compreensão da escrita do corpo no jogo da capoeira, buscamos
evidenciar a interface entre o corpo e o logos estético, numa racionalidade em que o
sensível passa a constituir a percepção, o movimento e o conhecimento, ligado à
reflexão sobre o significado e a formação dos gestos. O logos estético coloca a
experiência perceptiva como possibilidade para a configuração epistêmica,
investido de plasticidade e beleza de formas, cores e sons. O corpo e o
Capítulo III: A escrita do corpo no jogo da capoeira
156
conhecimento sensível passam a ser compreendidos na perspectiva da obra de arte,
aberta e inacabada, horizontes potencializados pela bricolagem do gesto.
A partir das reflexões e problemáticas apresentadas durante a pesquisa
acreditamos ser importante apontarmos possibilidades de continuidade da
investigação, compreendendo desde já que o desenvolvimento da pesquisa é um
movimento incessante em que buscamos evidenciar algumas problemáticas, mas
que entretanto outras tantas nos são colocadas durante a nossas reflexões. Ao
laçarmos nosso olhar em direção ao jogo de corpo nas rodas de capoeira a partir da
sistematização de uma fenomenologia do gesto como operador cognitivo para se
pensar uma sociologia da carne, colocamo-nos na perspectiva de afirmar o
conhecimento do corpo que se materializa, por exemplo, nas cnicas corporais,
como uma localidade do antrophos em que podemos esgarçar uma diversidade de
sentidos e significados escritos pelo corpo e marcados em sua gestualidade.
Dentro dessa problemática, temos interesse em dar continuidade à essa
investigação direcionando
nossas reflexões, para a
relação entre corpo e
epistême, compreendendo
a carne como um operador
para se pensar a produção
do conhecimento.
Imagem1168: Capoeira. Carybé.
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ANEXOS
Fragmentos do acervo narrativo e imagético
do Grupo de Capoeira Cordão de Ouro
Anexos: Fragmentos do acervo narrativo e imagético do Grupo de Capoeira Cordão de Ouro
163
Para realizar a leitura das imagens construímos um roteiro de análise
aplicado às nossas notas visuais, que se encontram anexadas ao final do trabalho em
uma edição em DVD. Esse roteiro foi aplicado em cada jogo que compõem a edição
das imagens. Segue apontamentos em torno da intencionalidade de nossa
percepção ao observar os jogos presentes em nossa edição. Abaixo desse
detalhamento, está presente cada jogo analisado:
Estilo – identificar a técnica corporal utilizada no jogo.
Camaradas – identificar os sujeitos que estão na roda, pelo nome ou apelido
que são conhecidos no contexto da capoeira.
Espaço – identificar o lugar físico e social onde a roda está acontecendo.
Dinâmica do corpo – identificar, pelos sujeitos que estão dentro da roda,
realizando as técnicas corporais, qual a dinâmica empregada para o
desenvolvimento do jogo, a partir da posição do corpo no espaço; dos níveis
(baixo, médio, alto); planos (horizontal, vertical e transversal) da velocidade/
tempo do movimento (lento, moderado ou rápido) , fluência (“livre” ou
controlado) e peso (firme ou suave)
Relações das pessoas na roda – identificar a composição da roda pelos sujeitos,
como as pessoas que estão observando a roda e se relacionam com jogo;
Técnicas de movimentos – identificar, nos sujeitos que estão realizando o jogo,
quais movimentos estão sendo utilizados no jogo observado.
Sonoridade (ritmo, instrumentos, cantigas) – identificar, no que se refere ao
ritmo qual o toque de berimbau que está sendo tocado. Quanto os
instrumentos, identificar quais instrumentos estão presentes na roda,
compondo a bateria e a musicalidade da roda, como também identificar suas
posições no espaço. E quanto às cantigas, identificar a estrutura da melodia,
bem como descrever a letra da música que está sendo cantada.
As imagens impressas são fragmentos de nossas notas visuais anexadas ao final
do trabalho no formato de DVD.
Anexos: Fragmentos do acervo narrativo e imagético do Grupo de Capoeira Cordão de Ouro
164
Anexos: Fragmentos do acervo narrativo e imagético do Grupo de Capoeira Cordão de Ouro
165
ESTILO: Angola
CAMARADAS: Mestre Jogo de Dentro & Mascote
ESPAÇO: Clube CAMANA – Natal/ RN
DINÂMICA DO CORPO
Posição do corpo no espaço: predominantemente no centro da roda, sempre em
movimentos circulares, o corpo projeta-se em direção ao chão.
Níveis: baixo
Planos: horizontal e vertical
Velocidade/ tempo: lento
Fluência: controlado
Peso: firme
RELAÇÕES DAS PESSOAS: atentas ao jogo, acompanham o desenrolar do jogo
sentadas no chão e respondendo ao coro. Estão presentes homens, mulheres;
adultos, jovens e crianças.
TÉCNICA DE MOVIMENTOS: rabo de arraia, passagem lateral, role, aú com a
cabeça no chão; tesoura; cabeçada.
SONORIDADE
Ritmo: angola
Instrumentos (da direita para a esquerda): berimbau (viola), atabaque e pandeiro
Anexos: Fragmentos do acervo narrativo e imagético do Grupo de Capoeira Cordão de Ouro
166
Cantiga: quadra
47
Capoeira me chama
Que eu vou aprender
Entro na roda sem medo
Com malícia e segredo
Pronto pra me defender
Capoeira me chama
Que eu vou aprender
Entro na roda sem medo
Com malícia e segredo
Pronto pra me defender
O seu corpo de molejo
Ele encontra o berimbau
Quem não sabe agora aprende
É a cabaça, um arame e um pedaço de pau
Iê a, iê ô Capoeira me chama
Dá licença meu senhor
Iê a, iê ô Capoeira me chama
Dá licença meu senhor
47
As passagens em itálico, na cantiga a seguir, se referem ao coro.
Anexos: Fragmentos do acervo narrativo e imagético do Grupo de Capoeira Cordão de Ouro
167
Anexos: Fragmentos do acervo narrativo e imagético do Grupo de Capoeira Cordão de Ouro
168
ESTILO: angola
CAMARADAS: Contra-mestre Eurico & Instrutor Ferpa
ESPAÇO: Academia do Mestre Ataulfo – Natal/ RN
DINÂMICA DO CORPO
Posição do corpo no espaço: centro da roda; projeção para o chão
Níveis: baixo e médio
Planos: horizontal e vertical
Velocidade/ tempo: lento a moderado
Fluência: firme e livre
Peso: controlado e suave
RELAÇÕES DAS PESSOAS: Observando ao jogo; sentadas em volta da roda,
respondendo à cantiga em coro.
TÉCNICA DOS MOVIMENTOS
Rabo de arraia, role, meia lua de frente, tesoura, carneirinho, aú, swing.
SONORIDADE
Ritmo: angola
Instrumentos (da direita para a esquerda): berimbaus (médio, gunga e viola),
atabaque, pandeiro da direita para a esquerda.
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169
Cantiga: canto corrido
Vai você, vai você
Dona Maria como vai você?
Vai você, como vai você
Dona Maria como vai você?
Joga menino que o povo quer vê
Dona Maria como vai você?
Dona Alice não me pegue não
Não me pegue, não segure, não me agarre não
Dona Alice não me pegue não
Não me pegue, não segure, não me agarre não
Anexos: Fragmentos do acervo narrativo e imagético do Grupo de Capoeira Cordão de Ouro
170
Anexos: Fragmentos do acervo narrativo e imagético do Grupo de Capoeira Cordão de Ouro
171
ESTILO: angola
CAMARADAS: Mestre Ataulfo & Instrutor Ferpa
ESPAÇO: academia do Mestre Ataulfo – Natal/ RN
DINÂMICA DO CORPO
Posição do corpo no espaço: centro da roda; projeção para o chão
Níveis: baixo e médio
Planos: horizontal e transversal
Velocidade/ tempo: moderado a lento
Fluência: controlado
Peso: firme
RELAÇÕES DAS PESSOAS
Observando ao jogo; sentadas em volta da roda, respondendo à cantiga em coro.
TÉCNICA DE MOVIMENTOS
Rabo de arraia, rasteira, role, bananeira, aú, aú martelo, aú de frente, queda de rim,
tesoura, cabeçada, escorpião
SONORIDADE
Ritmo: angola
Instrumentos(da direita para a esquerda): berimbaus (médio, gunga e viola),
atabaque.
Anexos: Fragmentos do acervo narrativo e imagético do Grupo de Capoeira Cordão de Ouro
172
Cantiga: canto corrido
A cobra me morde
Senhor São Bento
A cobra me morde
Senhor São Bento
Cuidado com a cobra
Senhor São Bento
Ê ê tum tum tum
Pisada de Lampião
Ê ê tum tum tum
Pisada de Lampião
Ê ê tum tum tum
Era eu era meu mano
Ê ê tum tum tum
Todos dois andavam juntos
Ê ê tum tum tum
Pisada de Lampião
Eu sou angoleiro
Angoleiro eu sei que sou
Eu sou angoleiro
Angoleiro eu sei que sou
Eu sou angoleiro
Angoleiro jogador
Eu sou angoleiro
Anexos: Fragmentos do acervo narrativo e imagético do Grupo de Capoeira Cordão de Ouro
173
Anexos: Fragmentos do acervo narrativo e imagético do Grupo de Capoeira Cordão de Ouro
174
ESTILO: angola
Camaradas: Contra-mestre Chitãozinho & Instrutor Ferpa
Espaço: academia do Mestre Ataulfo – Natal/ RN
DINÂMICA DO CORPO
Posição do corpo no espaço: projeção para o chão; variando entre o centro e as
extremidades da roda
Níveis: baixo e médio
Planos: horizontal a transversal
Velocidade/ tempo: lento a moderado
Fluência: controlado
Peso: firme
RELAÇÕES DAS PESSOAS
Observando ao jogo; sentadas em volta da roda, respondendo à cantiga em coro.
TÉCNICA DOS MOVIMENTOS
Rabo de arraia, rasteira, rolê, bananeira, aú, queda de rim, tesoura, aú de frente,
cabeçada, galopante, volta ao mundo, aranha, aú de cabeça, chamada de angola (de
frente e de costas). Cumprimento no início e no final da roda
SONORIDADE
Ritmo: angola
Anexos: Fragmentos do acervo narrativo e imagético do Grupo de Capoeira Cordão de Ouro
175
Instrumentos(da direita para a esquerda): berimbaus (médio, gunga e viola),
atabaque.
Cantiga: canto corrido
Jogo de dentro é jogo de fora
Valha-me Deus minha Nossa Senhora
Jogo de dentro é jogo de fora
Ai ai, aidê, ai ai, ai
Ai ai, aidê, ai ai, aidê
Aidê, aidê, ai
Ai ai, aidê, ai ai, aidê
Santo Antônio é protetor
Da barquinha de Noé
Santo Antônio é protetor
Da barquinha de Noé
Santo Antônio é protetor
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176
Anexos: Fragmentos do acervo narrativo e imagético do Grupo de Capoeira Cordão de Ouro
177
ESTILO: regional
CAMARADAS: Torinho & Barata
ESPAÇO: academia do Mestre Suassuna – São Paulo/ SP
DINÂMICA DO CORPO
Posição do corpo no espaço: Os jogadores, na maior parte do tempo, ocupam a
centralidade da roda, por vezes dirigindo-se aos limites que desenha a
circunferência marcada no chão.
Níveis: médio e baixo
Planos: vertical, horizontal e transversal
Velocidade/ tempo: moderado a rápido
Fluência: controlado
Peso: firme
RELAÇÕES DAS PESSOAS
Observando o jogo, sentadas algumas sentadas outras em pé; estão presentes
homens, mulheres, jovens e adultos fazem a roda acontecer, cantando o coro e
batendo palmas.
TÉCNICA DOS MOVIMENTOS
Aú, rolê, “s” dobrado giratório, meia lua de compasso, parada de mão, armada,
rasteira, meia lua de frente.
SONORIDADE
Ritmo: regional
Anexos: Fragmentos do acervo narrativo e imagético do Grupo de Capoeira Cordão de Ouro
178
Instrumentos (da direita para a esquerda): três atabaques, agogô; três berimbaus
(médio, gunga e viola) e três pandeiros.
Cantiga: chula
Lá em cima da janela
Da janela do sobrado
Tinha uma moça chorando
Chorando pra se acabar
Por causa do cordão de outro, ai me bem
Que o ladrão tinha roubado
Mas não chore dona moça
que o ladrão já está sendo procurando
Quem pegar esse ladrão oi ia ia
Será bem recompensado
Com um berimbau maneiro
Com um gunga ritmado
Oi xique uê
Oi xique uá
Oi a menina de ouro mandou me chamar
Oi xique
Oi xique uá
É na volta que o mundo deu
É na volta que o mundo dá
Oi xique
Oi xique uá
Oi a menina de ouro mandou me chamar
Oi xique
Oi xique uá
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179
É na volta que o mundo deu
É na volta que o mundo dá
Ê dedo de moleque é dedo
Dedo de moleque é mão
Um macaco na levada
Damião passou-lhe a mão
Mariposa não me prenda ai ai ai
Dentro do seu coração
Ê ê ê ê
Eu venci a batalha de camugerê
Ê ê ê ê
Joga bonito que o povo quer ver
Ê ê ê ê
Eu venci a batalha de camugerê
Ê ê ê ê
Joga bonito que o povo quer ver
Anexos: Fragmentos do acervo narrativo e imagético do Grupo de Capoeira Cordão de Ouro
180
Anexos: Fragmentos do acervo narrativo e imagético do Grupo de Capoeira Cordão de Ouro
181
ESTILO: regional
CAMARADAS: Bocão & Xavier
ESPAÇO: academia do Mestre Suassuna – São Paulo/ SP
DINÂMICA DO CORPO
Posição do corpo no espaço:
Os jogadores pela maior parte do tempo, ocupam a centralidade da roda, por vezes
dirigindo-se aos limites que desenha a circunferência marcada no chão.
Níveis: médio e alto
Planos: horizontal e vertical
Velocidade/ tempo: pido a moderado
Fluência: controlado
Peso: firme
RELAÇÕES DAS PESSOAS
Observando o jogo, sentadas algumas sentadas outras em pé; estão presentes
homens, mulheres, jovens e adultos fazem a roda acontecer, cantando o coro e
batendo palmas.
TÉCNICA DOS MOVIMENTOS
Aú, arrependido, carrocel, negativa, rolê, armada, aú batendo, meia lua de
compasso, aú voltando, aú sem mãos, esquiva.
SONORIDADE
Ritmo: regional
Instrumentos (da direita para a esquerda): três atabaques, agogô; três berimbaus
(médio, gunga e viola) e três pandeiros.
Cantigas: não há presença
Anexos: Fragmentos do acervo narrativo e imagético do Grupo de Capoeira Cordão de Ouro
182
Anexos: Fragmentos do acervo narrativo e imagético do Grupo de Capoeira Cordão de Ouro
183
ESTILO: regional
CAMARADAS: Bocão & Torinho
Espaço: academia do Mestre Suassuna – São Paulo/ SP
DINÂMICA DO CORPO
Posição do corpo no espaço: Os jogadores ocupam a centralidade da roda, por vezes
dirigindo-se aos limites que desenha a circunferência marcada no chão.
Níveis: médio e alto
Planos: horizontal e vertical
Velocidade/ tempo: pido a moderado
Fluência: controlado
Peso: firme
RELAÇÕES DAS PESSOAS
Observando o jogo, sentadas algumas sentadas outras em pé; estão presentes
homens, mulheres, jovens e adultos fazem a roda acontecer, cantando o coro e
batendo palmas.
TÉCNICA DOS MOVIMENTOS
Folha seca pirueta, parafuseta, aú, carrocel, armada, aú de costas, meia lua de
compasso, aú voltando, mortal, armada; esquiva.
SONORIDADE
Ritmo: regional
Anexos: Fragmentos do acervo narrativo e imagético do Grupo de Capoeira Cordão de Ouro
184
Instrumentos (da direita para a esquerda): três atabaques, agogô; três berimbaus
(médio, gunga e viola) e três pandeiros.
Cantiga: canto corrido
Lá lá ê lá lá ê
Lá lá ê lá lá ê lá
Lá lá ê lá lá ê
Lá lá ê lá lá ê lá
Ô lê lê
Lá lá ê lá
Ô lê lê
Lá lá ê lá
Anexos: Fragmentos do acervo narrativo e imagético do Grupo de Capoeira Cordão de Ouro
185
Anexos: Fragmentos do acervo narrativo e imagético do Grupo de Capoeira Cordão de Ouro
186
ESTILO: regional
CAMARADAS: Paulinha & Gringa
ESPAÇO: academia do Mestre Suassuna – São Paulo/ SP
DINÂMICA DO CORPO
Posição do corpo no espaço: As jogadoras ocupam a centralidade da roda, por vezes
dirigindo-se aos limites que desenha a circunferência marcada no chão.
Níveis: dio
Planos: vertical
Velocidade/ tempo: moderado
Fluência: controlado
Peso: firme
RELAÇÕES DAS PESSOAS
Os camaradas estendem as mãos antes de entrar na roda, num gesto de
cumprimento, repetindo o cumprimento ao final do jogo
TÉCNICA DE MOVIMENTOS
Aú, carrocel, armada, meia lua de compasso, parafuso de costas, aú de costas, salto
mortal de costas
SONORIDADE
Ritmo: regional
Anexos: Fragmentos do acervo narrativo e imagético do Grupo de Capoeira Cordão de Ouro
187
Instrumentos (da direita para a esquerda): três atabaques, agogô; três berimbaus
(médio, gunga e viola) e três pandeiros.
Cantiga: canto corrido
Vai você vai você
Dona Maria como vai você?
Como vai você como vai você
Dona Maria como vai você?
Anexos: Fragmentos do acervo narrativo e imagético do Grupo de Capoeira Cordão de Ouro
188
Anexos: Fragmentos do acervo narrativo e imagético do Grupo de Capoeira Cordão de Ouro
189
ESTILO: regional
CAMARADAS: Mestre Acordeon & Mestre Espirro Mirin
ESPAÇO: Ginásio poli-esportivo – Fortaleza/ CE
DINÂMICA DO CORPO
Posição do corpo no espaço: os mestres ocupam a centralidade e extremidade da
roda
Níveis: médio e baixo
Planos: horizontal e vertical
Velocidade/ tempo: moderado
Fluência: controlado
Peso: firme e suave
RELAÇÕES DAS PESSOAS
Ao redor da roda, os sujeitos acompanham o desenrolar do jogo respondendo ao
coro, sendo que a maioria observa o jogo agachados.
TÉCNICA DE MOVIMENTOS
Meia lua de compasso, esquiva, aú, armada, rasteira, cabeçada, rolê, meia lua de
frente, aú voltando, martelo.
SONORIDADE
Ritmo: regional
Anexos: Fragmentos do acervo narrativo e imagético do Grupo de Capoeira Cordão de Ouro
190
Instrumentos (da direita para a esquerda): agogô, dois pandeiros; berimbaus
(médio, gunga e viola) e atabaque.
Cantiga – canto corrido
Lauê, lauê, lauê, la
Lauê, lauê, lauê, lauá
Lauê, lauê, lauê, la
Lauê, lauê, lauê, lauá
Lauê, lauê, lauê, la
Lauê, lauê, lauê, lauá
Lauê, lauê, lauê, la
Lauê, lauê, lauê, lauá
Anexos: Fragmentos do acervo narrativo e imagético do Grupo de Capoeira Cordão de Ouro
191
Anexos: Fragmentos do acervo narrativo e imagético do Grupo de Capoeira Cordão de Ouro
192
ESTILO: regional
CAMARADAS: Mestre Ataulfo & Esquilo
ESPAÇO: academia do Mestre Ataulfo – Natal/ RN
DINÂMICA DO CORPO
Posição do corpo no espaço:. Os jogadores ocupam o centro e as extremidades da
roda, contornando o círculo.
Níveis: médio e baixo
Planos: horizontal e vertical
Velocidade/ tempo: moderado
Fluência: controlado
Peso: firme e suave
RELAÇÕES DAS PESSOAS
Ao redor da roda, em pé, os sujeitos acompanham o desenrolar do jogo batendo
palmas e respondendo ao coro.
TÉCNICA DE MOVIMENTOS
Aú, carneirinho, aú na queda de rins, rolê, armada, meia lua de compasso,
“s”dobrado, aú com cabeça no chão
SONORIDADE
Ritmo: regional
Anexos: Fragmentos do acervo narrativo e imagético do Grupo de Capoeira Cordão de Ouro
193
Instrumentos (da direita para a esquerda): pandeiro; berimbaus (médio, gunga e
viola) e atabaque.
Cantiga – canto corrido
Ô lá ô lá ê
Vou bater quero ver cair
Ô lá ô lá ê
Vou bater quero ver cair
Ô lá ô lá ê
Vou bater quero ver cair
Ô lá ô lá ê
Vou bater quero ver cair
Anexos: Fragmentos do acervo narrativo e imagético do Grupo de Capoeira Cordão de Ouro
194
Anexos: Fragmentos do acervo narrativo e imagético do Grupo de Capoeira Cordão de Ouro
195
ESTILO: regional
CAMARADAS: Instrutor Ferpa & Perna Longa
Espaço: academia do Mestre Ataulfo – Natal/ RN
DINÂMICA DO CORPO
Posição do corpo no espaço: Os jogadores ocupam o centro e as extremidades da
roda, contornando o círculo.
Níveis: médio e baixo
Planos: horizontal e vertical
Velocidade/ tempo: moderado
Fluência: controlado
Peso: firme e suave
RELAÇÕES DAS PESSOAS
Ao redor da roda, em pé, os sujeitos acompanham o desenrolar do jogo batendo
palmas e respondendo ao coro.
TÉCNICA DE MOVIMENTOS
Aú, queda de rim, arrependido, rolê, peão com cabeça, aú voltando, meia lua de
compasso, queixada, peão com o braço, macaquinho
SONORIDADE
Ritmo: regional
Anexos: Fragmentos do acervo narrativo e imagético do Grupo de Capoeira Cordão de Ouro
196
Instrumentos (da direita para a esquerda): pandeiro; berimbaus (médio, gunga e
viola) e atabaque.
Cantiga: canto corrido
Ô lá ô lá ê
Vou bater quero ver cair
Ô lá ô lá ê
Vou bater quero ver cair
Ô lá ô lá ê
Vou bater quero ver cair
Ô lá ô lá ê
Vou bater quero ver cair
Quem quiser me ver
Vai na liberdade
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197
Anexos: Fragmentos do acervo narrativo e imagético do Grupo de Capoeira Cordão de Ouro
198
ESTILO: regional
CAMARADAS: Mestre Espirro Mirim & Marcílio
ESPAÇO: clube CAMANA – Natal/ RN
DINÂMICA DO CORPO
Posição do corpo no espaço: os jogadores ocupam o centro e os limites da roda
Níveis: médio e baixo
Planos: horizontal e vertical
Velocidade/ tempo: moderado
Fluência: controlado
Peso: firme e suave
RELAÇÕES DAS PESSOAS
Ao redor da roda, em pé, os sujeitos acompanham o desenrolar do jogo batendo
palmas e respondendo ao coro.
TÉCNICA DE MOVIMENTOS
Aú, armada, parada de mão batendo pernas, rolê, macaquinho com giro no braço,
meia lua de compasso, transformação.
SONORIDADE
Ritmo: regional
Anexos: Fragmentos do acervo narrativo e imagético do Grupo de Capoeira Cordão de Ouro
199
Instrumentos (da esquerda para a direita): pandeiro; berimbaus (médio, gunga e
viola) e atabaque.
Cantiga: canto corrido
A hora é essa, a hora é essa
A hora é essa, a hora é essa
Berimbau tocou na capoeira
Berimbau tocou eu vou jogar
Berimbau tocou lá na capoeira
Berimbau tocou eu vou jogar
Berimbau tocou na capoeira
Berimbau tocou eu vou jogar
Berimbau tocou lá na capoeira
Berimbau tocou eu vou jogar
Anexos: Fragmentos do acervo narrativo e imagético do Grupo de Capoeira Cordão de Ouro
200
Anexos: Fragmentos do acervo narrativo e imagético do Grupo de Capoeira Cordão de Ouro
201
ESTILO: regional
CAMARADAS: Mestre Espirro Mirim & Contra-mestre Wilson
ESPAÇO: Clube CAMANA – Natal/ RN
DINÂMICA DO CORPO
Posição do corpo no espaço: os jogadores ocupam o centro e os limites da roda
Níveis: médio e baixo
Planos: horizontal e vertical
Velocidade/ tempo: moderado
Fluência: controlado
Peso: firme e suave
RELAÇÕES DAS PESSOAS NA RODA
Ao redor da roda, em pé, os sujeitos acompanham o desenrolar do jogo batendo
palmas e respondendo ao coro.
TÉCNICA DE MOVIMENTOS
Aú, armada, rolê, queda de rins, queixada, martelo
SONORIDADE
Ritmo: regional
Anexos: Fragmentos do acervo narrativo e imagético do Grupo de Capoeira Cordão de Ouro
202
Instrumentos (da esquerda para a direita): pandeiro; berimbaus (médio, gunga e
viola) e atabaque.
Cantiga: canto corrido
Vai lá, vai lá
Vai lá vai lá vai lá
Vai lá, vai lá
Vai lá vai lá vai lá
Vai lá, vai lá
Vai lá vai lá vai lá
Anexos: Fragmentos do acervo narrativo e imagético do Grupo de Capoeira Cordão de Ouro
203
Anexos: Fragmentos do acervo narrativo e imagético do Grupo de Capoeira Cordão de Ouro
204
ESTILO: regional
Camaradas: Narcélio & Claiton
Espaço: Clube CAMANA – Natal/ RN
DINÂMICA DO CORPO
Posição do corpo no espaço: Os jogadores ocupam com maior ênfase as
extremidades da roda
Níveis: baixo, médio e alto
Planos: horizontal e vertical
Velocidade/ tempo: moderado
Fluência: controlado
Peso: firme e suave
RELAÇÕES DAS PESSOAS
Ao redor da roda, em pé, os sujeitos acompanham o desenrolar do jogo batendo
palmas e respondendo ao coro.
TÉCNICA DE MOVIMENTOS
Aú, armada, aú de costas, parafuso, meia lua de compasso, queixada, aú passando,
rolê, aú passando, macaquinho, benção
SONORIDADE
Ritmo: regional
Anexos: Fragmentos do acervo narrativo e imagético do Grupo de Capoeira Cordão de Ouro
205
Instrumentos (da esquerda para a direita): pandeiro; berimbaus (médio, gunga e
viola) e atabaque.
Cantiga: canto corrido
A hora é essa a hora é essa
A hora é essa a hora é essa
Berimbau tocou na capoeira
Berimbau tocou eu vou jogar
Berimbau tocou na capoeira
Berimbau tocou eu vou jogar
Berimbau tocou na capoeira
Berimbau tocou eu vou jogar
Berimbau tocou na capoeira
Berimbau tocou eu vou jogar
Anexos: Fragmentos do acervo narrativo e imagético do Grupo de Capoeira Cordão de Ouro
206
Anexos: Fragmentos do acervo narrativo e imagético do Grupo de Capoeira Cordão de Ouro
207
ESTILO: regional
CAMARADAS: Mestre Espirro Mirim & Narcélio
ESPAÇO: Clube CAMANA – Natal/ RN
DINÂMICA DO CORPO
Posição do corpo no espaço: os jogadores ocupam o centro e as extremidades da
roda
Níveis: baixo, médio e alto
Planos: horizontal e vertical
Velocidade/ tempo: moderado
Fluência: controlado
Peso: firme e suave
RELAÇÕES DAS PESSOAS
Ao redor da roda, em pé, os sujeitos acompanham o desenrolar do jogo batendo
palmas e respondendo ao coro.
TÉCNICA DE MOVIMENTOS
Aú, queixada, aú passando, rolê, negativa,; meia lua de compasso, martelo, benção,
cabeçada, esquiva
SONORIDADE
Ritmo: regional
Anexos: Fragmentos do acervo narrativo e imagético do Grupo de Capoeira Cordão de Ouro
208
Instrumentos (da esquerda para a direita): pandeiro; berimbaus (médio, gunga e
viola) e atabaque.
Cantiga: canto corrido
Vai lá vai lá
Vai lá vai lá vai lá
Vai lá vai lá
Vai lá vai lá vai lá
Vai lá vai lá
Vai lá vai lá vai lá
Vai lá vai lá
Vai lá vai lá vai lá
Anexos: Fragmentos do acervo narrativo e imagético do Grupo de Capoeira Cordão de Ouro
209
Anexos: Fragmentos do acervo narrativo e imagético do Grupo de Capoeira Cordão de Ouro
210
ESTILO: angola - miudinho
CAMARADAS: Torinho & Habib
ESPAÇO: academia do Mestre Suassuna – São Paulo/ SP
DINÂMICA DO CORPO
Posição do corpo no espaço: os jogadores ocupam o centro e as “extremidades” da
roda, contornando o círculo, trocando de lados em movimentos circulares
Níveis: baixo e médio
Planos: horizontal e vertical
Velocidade/ tempo: moderado
Fluência: controlado
Peso: firme e suave
RELAÇÕES DAS PESSOAS
Ao redor da roda, em pé e sentados, os sujeitos acompanham o desenrolar do jogo
batendo palmas e respondendo ao coro.
TÉCNICA DE MOVIMENTOS
SONORIDADE
Ritmo: miudinho
Anexos: Fragmentos do acervo narrativo e imagético do Grupo de Capoeira Cordão de Ouro
211
Instrumentos (da direita para a esquerda): três atabaques, agogô; três berimbaus
(médio, gunga e viola) e três pandeiros.
Cantiga: ladainha – canto corrido
Torpedeiro encouraçado, torpedeiro encouraçado
Torpedeiro encouraçado, torpedeiro encouraçado ai meu bem
Novidade na Bahia
Marinheiro absoluto chegou fintando arrelia
Prenderam Pedro Mineiro dentro da secretaria
Para dar depoimento daquilo que não sabia
Contaram minha mulher que eu era um grande vadio
Semana que não trabalha sustenta mulher e filha
Delegado me intimou dentro da secretaria
Para dar depoimento daquilo que não sabia camaradinha
Iê é mandigueiro
Iê é mandigueiro, câmara
Iê joga-te pra lá
Iê joga-te pra lá, câmara
Ai joga-te pra
Iê joga-te pra cá, câmara
Iê viva meu Deus
Iê viva meu Deus, câmara
Iê é mandigueiro
Iê é mandigueiro, câmara
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212
Ê ê ê tum tum tum
Olha a pisada do Lampião
Ê ê ê tum tum tum
Vou-me embora dessa terra
Ê ê ê tum tum tum
Se Iáiá quiser me ver
Ê ê ê tum tum tum
Onde eu for eu levo ela
Ê ê ê tum tum tum
Pra senzala eu não vou
Ê ê ê tum tum tum
Olha a pisada de Lampião
Santo Antônio pequinino
Ê ê ê tum tum tum
Amansador de burro bravo
Me amansa esse homem
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213
Anexos: Fragmentos do acervo narrativo e imagético do Grupo de Capoeira Cordão de Ouro
214
ESTILO: miudinho
CAMARADAS: Ligeiro & Barata
ESPAÇO: academia do Mestre Suassuna – São Paulo/ SP
DINÂMICA DO CORPO
Posição do corpo no espaço: Os jogadores ocupam o centro e as “extremidades” da
roda, contornando o círculo, trocando de lados em movimentos circulares
Níveis: baixo e médio
Planos: horizontal e vertical
Velocidade/ tempo: moderado
Fluência: controlado
Peso: firme e suave
RELAÇÕES DAS PESSOAS
Ao redor da roda, em pé e sentados, os sujeitos acompanham o desenrolar do jogo
batendo palmas e respondendo ao coro.
TÉCNICA DE MOVIMENTOS
Meia lua de compasso; tesoura; swing; escorpião; meia lua de frente; aú; negativa de
angola; volta por cima; rolê; macaquinho; corta capim; currupio
SONORIDADE
Ritmo: miudinho
Anexos: Fragmentos do acervo narrativo e imagético do Grupo de Capoeira Cordão de Ouro
215
Instrumentos (da direita para a esquerda): três atabaques, agogô; três berimbaus
(médio, gunga e viola) e três pandeiros.
Cantiga: não se faz presente
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216
Anexos: Fragmentos do acervo narrativo e imagético do Grupo de Capoeira Cordão de Ouro
217
ESTILO: miudinho
CAMARADAS: Kibe & Mosquito
Espaço: academia do Mestre Suassuna – São Paulo/ SP
DINÂMICA DO CORPO:
Posição do corpo no espaço: Os jogadores ocupam o centro e as “extremidades” da
roda, contornando o círculo, trocando de lados em movimentos circulares
Níveis: baixo e médio
Planos: horizontal e vertical
Velocidade/ tempo: moderado
Fluência: controlado
Peso: firme e suave
RELAÇÕES DAS PESSOAS
Ao redor da roda, em pé e sentados, os sujeitos acompanham o desenrolar do jogo
batendo palmas e respondendo ao coro.
TÉCNICA DE MOVIMENTOS
Volta por cima; rabo de arraia; negativa de angola
SONORIDADE
Ritmo: miudinho
Anexos: Fragmentos do acervo narrativo e imagético do Grupo de Capoeira Cordão de Ouro
218
Instrumentos (da direita para a esquerda): três atabaques, agogô; três berimbaus
(médio, gunga e viola) e três pandeiros.
Cantiga: canto corrido
Ê ê ê tum tum tum
Olha a pisada do Lampião
Ê ê ê tum tum tum
Vamo embora dessa terra
Ê ê ê tum tum tum
Anexos: Fragmentos do acervo narrativo e imagético do Grupo de Capoeira Cordão de Ouro
219
Anexos: Fragmentos do acervo narrativo e imagético do Grupo de Capoeira Cordão de Ouro
220
ESTILO: miudinho
CAMARADAS: Instrutor Ferpa & Capitão
ESPAÇO: Academia de Mestre Ataulfo – Natal/ RN
DINÂMICA DO CORPO:
Posição do corpo no espaço: Os jogadores ocupam o centro e as “extremidades” da
roda.
Níveis: baixo e médio
Planos: horizontal e vertical
Velocidade/ tempo: moderado
Fluência: controlado
Peso: firme e suave
RELAÇÕES DAS PESSOAS
Ao redor da roda, em pé, os sujeitos acompanham o desenrolar do jogo batendo
palmas.
TÉCNICA DE MOVIMENTOS
Rabo de arraia; meia lua de compasso; aú; aú voltando; escorpião; swing; volta por
cima; cabeçada
SONORIDADE
Ritmo: miudinho
Instrumentos (da direita para a esquerda): pandeiro; três berimbaus (médio, gunga e
viola); atabaque
Cantiga: não há presença de cantiga
Anexos: Fragmentos do acervo narrativo e imagético do Grupo de Capoeira Cordão de Ouro
221
Como anexo, apresentamos também as entrevistas cedidas por Mestre
Suassuna, líder do Grupo de Capoeira Cordão de Ouro. As entrevistas foram
retiradas tanto de revistas especializadas na temática da capoeira, como também
de depoimentos realizados durante encontros organizados pelo grupo em questão,
e que tive a oportunidade de estar participando:
Revista Capoeira
Ano I/ número 1
Entrevista com Mestre Suassuna
Entrevistador: Hoje o Cordão de Ouro é internacional. Fale um pouco desse
acontecimento
Mestre Suassuna: Temos capoeira em Los Angeles, São Francisco, Portugal, Japão,
no mundo todo, até em Israel. O Cordão de Ouro conta nossa histórica para o
mundo.
Entrevistador: ë verdade que o senhor já foi preso por causa da capoeira?
Mestre Suassuna:: O interesse pela capoeira aumentou e fui preso pela Polícia
Federal. Levei muita porrada, mas eu não tinha culpa. O pessoal da USP começou
a freqüentar a minha academia e levei bomba.
Entrevistador: Hoje o crescimento da capoeira está muito forte. Isso preocupa os
mestres da Arte?
Mestre Suassuna:: Me preocupa muito. O negro, o pobre, está praticando a arte,
mas a burguesia está dominando, e depois que o cara entra para a faculdade, pára
de praticar e abandona a capoeira. Outro dia fizemos um encontro na favela e a
Anexos: Fragmentos do acervo narrativo e imagético do Grupo de Capoeira Cordão de Ouro
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molecada jogou legal, mesmo sem ter aulas, só na vontade. Essa é a verdadeira
essência da capoeira.
Revista Capoeira
Ano II/ número 06
Entrevista com Mestre Suassuna
Entrevistador: Quais os trabalhos que o grupo Cordão de Ouro vem
desenvolvendo?
Mestre Suassuna:: Apesar do crescimento da capoeira, tentamos, a cada dia
preservar a arte, levando-se em conta suas mudanças e técnicas. Procuramos
ensinar a Angola e Regional, da Bahia, junto com uma nova modalidade: o Jogo do
Miudinho. Trata-se de um resgate da capoeira Angola, sufocado pela evolução de
seus movimentos. É um jogo de corpo, em que os capoeiristas ficam muito
próximos, sem se tocarem, dependendo apenas de sua flexibilidade e destreza para
sair dos movimentos. Eis, portanto, um modo de mostrar as conquistas dos
capoeiristas (alto, baixo ou médio) com seu próprio corpo. Nós só não treinamos
agarramentos, pois isso deixa os capoeiristas mal acostumados, não se
preocupando em jogar ou esquivar dos golpes, o que acaba inibindo o
desenvolvimento de suas capoeiras.
Entrevistador: O que acha da participação, cada vez maior, da mulher na capoeira?
Mestre Suassuna:: A capoeira cresceu ainda mais, a partir do momento em que a
mulher resolveu participar. Há uma competição saudável entre homens e
mulheres. Entendemos que é preciso mais incentivo. E olha que as mulheres já
representam 50% do total de pessoas na capoeira. Só lhes falta apoio. Muitos
pensam que a mulher, para jogar bem, deve ser tratada como homem. Mas
esquecem que algumas delas, apesar da mente aberta, desistem da capoeira
Anexos: Fragmentos do acervo narrativo e imagético do Grupo de Capoeira Cordão de Ouro
223
exatamente por isso. Então, é preciso estudar um modo de segura-las, a fim de que
formem um time de professoras de capoeira.
Revista Praticando Capoeira
Ano II/ número 25
Entrevista com Mestre Suassuna
Entrevistador: Como está a organização da capoeira no Brasil e no mundo?
Mestre Suassuna:: A capoeira não precisa ser organizada. Por mais que a gente
queira melhorar isso ou aquilo ela acaba dando uma rasteira na gente e mostrando
que capoeira é capoeira. A capoeira se organiza por si só, ela organiza a pessoa. O
problema é que os capoeiristas estão querendo organizar a capoeira, querendo
colocar diretrizes, normas, como deve entrar, como deve sair da roda, como deve
fazer uma chamada. A capoeira é livre, a gente não tem que impor regras nem
querer organizar. Eu acho que a gente deve tentar administrar a própria academia
mas a capoeira deve ficar livre. O que acaba acontecendo é que o capoeirista está
sendo o feitor da capoeira; não pode ser isso, não pode aquilo, isso é errado.
Entrevistador: Qual a filosofia e proposta de trabalho do Grupo Cordão de Ouro?
Mestre Suassuna:: Ensinar capoeira! Agora, o Cordão de Ouro não tem não tem
uma preferência por rótulo de capoeira, se é angola ou Regional. O cordão de Ouro
gosta de toda capoeira que bem jogada, bem cantada. Aqui na academia toca-se
música de todos os mestres, de todos os grupos, e os meus alunos cantam as
músicas que eles quiserem, as músicas que eles se sentem bem catando e jogando.
O objetivo do nosso trabalho é fazer com que a pessoa, a cada dia que passe, goste
mais de capoeira. A gente tem o trabalho do Miudinho mas se o aluno não gostar,
só gostar de Capoeira Regional do Mestre Bimba, ele pode treinar só a Capoeira
Regional do Mestre Bimba. Se ele quiser treinar angola, tudo bem! Eu ensino,
Anexos: Fragmentos do acervo narrativo e imagético do Grupo de Capoeira Cordão de Ouro
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chamo mestres de Capoeira Angola para ensiná-lo jogar. Para o Cordão de Ouro a
capoeira é como a música, que tem vários estilos. Aqui a gente atende tanto
aqueles que gostam de música clássica, como aqueles que gostam de samba,
pagode, rock, raggae, forró. O objetivo do nosso trabalho é a união, a fraternidade,
a integração.
Entrevistador: Como é esse trabalho do miudinho?
Mestre Suassuna:: O miudinho tem doze seqüências que são baseadas no Jogo de
Dentro. O Miudinho veio da Capoeira angola; é a Capoeira Angola jogada com
mais agilidade, mais entrosamento. Eu peguei movimentos que estavam
“esquecidos”, movimentos da capoeira antiga que eu aprendi na Bahia com
grandes capoeiristas como Mestre João Pequeno, Mestre João Grande, Mestre Papo
Amarelo. Peguei movimentos do Jogo de Dentro e movimentos de um jogo
conhecido como Dois por Dois, que é bem mais fechado do que o Jogo de Dentro.
Entrevistador: Então não existem golpes da Capoeira Regional no Jogo de
Miudinho?
Mestre Suassuna:: Não, não existem. O Miudinho é basicamente jogo no chão. O
Miudinho surgiu porque eu estava vendo que os capoeiristas estavam jogando
muito distantes uns dos outros e eu não achava isso legal, porque a capoeira é um
jogo de habilidade, de destreza. Então eu criei uma técnica, onde eles pudessem
jogar mais próximos, mais entrosados. Além das seqüências, existe o toque do
Miudinho, que é dividido em três partes: a primeira, que é para o jogo de
movimentação das seqüências; a segunda que são os repiques, que é para o
capoeirista fazer um “dengo”, mostrar o “swing” da capoeira; e a terceira que é
para avisar que os capoeiristas não estão se entrosando, esse toque chama os
Anexos: Fragmentos do acervo narrativo e imagético do Grupo de Capoeira Cordão de Ouro
225
jogadores ao pé do berimbau para eles reiniciarem o jogo pois não está havendo
“conversa” entre eles.
Encontro Amigos da Cordão de Ouro
Natal, 20 de agosto de 2005
Entrevista com o Mestre Suassuna
Entrevistador: Mestre, fale sobre o miudinho no jogo de corpo na capoeira.
Mestre Suassuna: Fazemos um trabalho voltado para o jogo do miudinho. O jogo
do miudinho é um jogo voltado para o entrosamento de um calor humano maior
entre as pessoas, numa participação de uma capoeira que não seja competitiva. Na
realidade foi feita para exigir do capoeirista até onde o corpo pode dar.
Independente da luta, conotação que eu menos prezo na capoeira. Tem tanta coisa
importante na capoeira além da luta, a beleza da capoeira, o que ela pode fazer por
uma pessoa. O miudinho é pra resgatar uma porção de coisa que foi esquecida
através da evolução da capoeira, na introdução de outras formas estranhas de
modalidades esportivas de outras áreas e países, através da influência da mídia em
geral, do turismo, que vai prostituindo a arte da capoeira. E o capoeirista,
desinformado, vai se iludindo com as palmas dos turistas e acha que é bonito fazer
aqueles saltos e tal. Nada contra, mas pode-se fazer tudo aquilo e cultivar a
capoeira. Então o miudinho ficou para o trabalho da capoeira, na criatividade do
capoeirista de pegar o corpo dele e dizer: vou fazer mais coisa que você, vou fazer
do meu corpo o que você nem imagina com a capoeira. Porque a capoeira é um
jogo de xadrez, na montagem das peças, desenvolvimento de mente, em que você
fica arquitetando o jeito de jogar com a pessoa, a personalidade do seu adversário,
onde é que vai entrar, onde é que ele vai sair. Já com outro é diferente, você tem
que trabalhar outro esquema de jogo para jogar. É preciso ser muito versátil na
hora do jogo da capoeira. É como ficou marginalizado alguns movimentos da
capoeira, angola, de rua, em que os mestres antigos faziam coisas incríveis com o
Anexos: Fragmentos do acervo narrativo e imagético do Grupo de Capoeira Cordão de Ouro
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corpo. Passar por debaixo de uma cadeira, levantar, subir. Homens gigantes que
ficam minúsculos. Ficava imaginando que a capoeira vai cobrando da pessoa até
onde o corpo pode chegar. E eu faço esse trabalho, que os capoeiristas inventam
movimentação, e você se pergunta como é possível esse cara estar fazendo essas
coisas. Fazer o miudinho é jogar uma capoeira feliz, estar feliz por estar jogando
capoeira, as pessoas que estão assistindo está feliz porque percebe sua felicidade.
Não é uma capoeira tensa que você fica na expectativa de ver quem vai se
machucar ali. Eu prezo muito pelo lado da comunicação, da amizade através do
jogo de capoeira. Quando dois capoeiristas jogam o miudinho, que entram na roda
mesmo sem se conhecer, quando jogam parecem que já se conhecem a muito
tempo, na comunicação através dos movimentos.
Entrevistador: Como é ver o mundo de cabeça para baixo?
Mestre Suassuna: É quando você planta bananeira que você vê o mundo de cabeça
para baixo. Na capoeira você também vê o mundo em maior velocidade, mais você
percebe que ela está parada numa mesma posição. Na movimentação você vê em
todos os ângulos. NO miudinho trabalha-se nos diferentes ângulos, lados.
Entrevistador: Tradição e modernidade na capoeira, como o senhor percebe essa
questão?
Mestre Suassuna: A tradição é muito relativa. Existem as tradições e suas
transições. Na época de mestre Bimba e mestre Pastinha era a única maneira de se
viver e comportar na capoeira, que se chamava de tradição. Antes de mestre bimba
e Patinha tinha-se outras tradições que eles não acompanharam. Muitas vezes,
como as informações são poucas para os jovens, eles vão inventando as tradições e
as vezes se perde. Porque tradição é uma coisa permanente. Tradição é como
nascer e o por sol, tudo de novo e nada de novo. Ela tem uma transição muito
Anexos: Fragmentos do acervo narrativo e imagético do Grupo de Capoeira Cordão de Ouro
227
rápida. O menino inventa aqui uma coisa que ele acho que é tradição, no ano que
vem ele já não está fazendo, já esqueceu o que é tradição. O que eu acho que é
interessante é você preservar o berimbau, respeitar as pessoas, o jogo da capoeira,
numa tradição de respeito humano que temos que nos preocupar mais. O
miudinho quando foi criado, de lá pra cá, houve transformações, através do
desenvolvimento rápido. Tradicional é tocar capoeira angola com três berimbaus.
Isso foi uma imposição que depois se tornou uma tradição. Mas eu já vi capoeira
angola com um berimbau, sem berimbau, com viola, com cavaquinho. Não existia
a tradição, depois começou a se organizar através da maestria, dizendo pra afinar o
berimbau. Pra cantar eles cantavam desafinados, fora de ordem, cantava de
qualquer jeito, se expressava, não tinha que ter ritmo. O cara entrou desafinado,
não! O cara cantava, declamava uma poesia, era ele que tava cantando. Hoje o que
chama de tradição pessoas que vem afinadinho, o coro todo afinado. Tradição é
uma coisa muito pessoal. É tradicional na minha academia fazer esse jogo, na do
mestre Bimba fazer aquele, na do mestre Jogo de Dentro fazer este. Tradição é uma
coisa opcional, cada um cria sua tradição e permanece. O mestre Bimba fugiu
totalmente das tradições e montou a tradição dele, da capoeira regional. Tradição é
uma coisa pessoal, de cada grupo, de cada pessoa.
Anexamos ainda ao trabalho fragmentos da memória musical do Grupo de
Capoeira Cordão de Ouro, a partir de um breve levantamento dos compact disk’s
(CD’s) gravados pelo grupo no últimos dez anos, apresentamos abaixo capa e
contra-capa, e ao final do trabalho segue um CD, contendo dez faixas musicais, que
foram mencionadas no corpo do trabalho.
Anexos: Fragmentos do acervo narrativo e imagético do Grupo de Capoeira Cordão de Ouro
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Anexos: Fragmentos do acervo narrativo e imagético do Grupo de Capoeira Cordão de Ouro
229
Por fim, segue em anexo nossas notas visuais que é parte integrante do
acervo imagético do grupo, e que foram utilizadas como fragemtso vivos durante
toda a nossa pesquisa. Esse material está diponibilizado em DVD, compondo um
tempo total de
Livros Grátis
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