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Universidade Federal de Mato Grosso
Instituto de Saúde Coletiva
Avaliação das estratégias loco-regionais de articulação
entre os níveis de atenção à saúde: o caso do Pólo-Base
Rondonópolis, Distrito Sanitário Especial Indígena
Cuiabá (DSEI Cuiabá), Mato Grosso
Karem Dall”Acqua Vargas
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Saúde Coletiva para
obtenção do título de Mestre em Saúde
Coletiva.
Área de Concentração: Saúde e Sociedade
Orientadora: Profa. Dra. Maria Clara Vieira
Weiss
Cuiabá
2008
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Avaliação das estratégias loco-regionais de articulação
entre os níveis de atenção à saúde: o caso do Pólo-Base
Rondonópolis, Distrito Sanitário Especial Indígena
Cuiabá (DSEI Cuiabá), Mato Grosso
Karem Dall”Acqua Vargas
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Saúde
Coletiva/PROPGSC do Instituto de Saúde
Coletiva/ISC da Universidade Federal de
Mato Grosso como parte dos requisitos para
a obtenção do título de Mestre em Saúde
Coletiva, Área de Concentração Saúde e
Sociedade.
Área de Concentração: Saúde e Sociedade
Orientadora: Profa. Dra. Maria Clara Vieira
Weiss
Cuiabá
2008
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3
V297a
Vargas, Karem Dall’Acqua.
Avaliação das estratégias loco-regionais de articulação entre
os níveis de atenção à saúde : o caso do Pólo-Base Rondonópolis,
Distrito Sanitário Especial Indígena Cuiabá ( DSEI Cuiabá ),
Mato Grosso ./ Karem Dall’Acqua Vargas. Cuiabá: UFMT, 2008.
249 fls.
Dissertação – Mestrado em Saúde Coletiva – Área de
Concentração: Saúde e Sociedade.
Orientadora: Profa. Dra. Maria Clara Vieira Weiss.
1.Atenção Básica. 2.Estratégias Locais. 3.Descentralização.
4.Saúde Indígena. I.Título.
CDU 614
É expressamente proibida a comercialização deste documento, tanto na sua forma
impressa como eletrônica. Sua reprodução total ou parcial é permitida
exclusivamente para fins acadêmicos e científicos, desde que na reprodução figure a
identificação do autor, títulos, instituição e ano da dissertação.
4
Aos meus pais, Zelcy e Ione, que despertaram e alimentaram em mim a
necessidade do conhecimento...
Ao meu marido Diogo que com seu apoio e carinho me ajudou a chegar até o
fim.
5
AGRADECIMENTOS
A Deus por dotar-me da sensibilidade necessária para apreender a realidade
desigual vivida por aqueles menos favorecidos e por tornar possível a conclusão
deste trabalho apesar de tantas dificuldades. Sei que esteve a meu lado por todo o
tempo.
A Secretaria de Estado de Saúde de Mato Grosso e a Universidade Federal de
Mato Grosso; a primeira, por permitir que me ausentasse de minhas atividades
profissionais para embarcar nesta viagem rumo ao conhecimento e, a segunda, por
torná-la possível.
A Profa. Dra. Maria Clara Vieira Weiss por todo o carinho com que me
orientou durante todo este período.
A todos os profissionais da Casa de Saúde Indígena Rondonópolis e da rede
municipal de saúde de Rondonópolis por me receberem tão bem e colaborarem com
os seus relatos a fim de tornar real este trabalho. A todos vocês a minha imensa
gratidão e respeito.
Em especial ao povo Bororo e Bakairi que me premiaram com a oportunidade
de conhecê-los e por deixarem aproximar-me da realidade vivida na busca pelo
acesso aos cuidados de saúde.
Aos Professores Doutores da Escola de Administração da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul: Maria Ceci Misoczky, Neusa Cavedon, Ronaldo
Bordin e Sueli Goulart. Obrigada por tudo que aprendi durante este tempo de
convivência.
A você Prof. Paulo Delayti Motta pela sua paciência, carinho e dedicação. Foi
um imenso prazer lhe conhecer!! Meu eterno obrigado.
6
“Nenhum homem possui todos os conhecimentos e é pela união social que eles se
completam uns aos outros, a fim de assegurarem o bem-estar mútuo e progredirem.
Eis porque, tendo necessidade uns dos outros, são feitos para viver em sociedade e
não isolados (Alan Kardec, 1804-1869)”.
7
RESUMO
A partir de uma abordagem construtivista do processo de pesquisa pergunta-se sobre
a articulação da atenção básica com os demais veis do sistema de saúde, avaliando
a adequação às normas existentes e explorando os desenvolvimentos criativos
realizados no Pólo-Base de Rondonópolis (DSEI Cuiabá/MT). Este trabalho é uma
avaliação qualitativa cuja estratégia metodológica foi o estudo de caso, instrumental
e exploratório. Os procedimentos realizados partiram do levantamento bibliográfico,
seguindo para a análise de documentos legais que estabelecem os fluxos de
referência e contra-referência planejados. Através de dados secundários oficiais e de
entrevistas semi-estruturadas realizadas com gestores e profissionais de saúde foram
identificados os fluxos formalmente indicados pelos profissionais da CASAI
Rondonópolis a todos os usuários indígenas a ela referenciados. Com os usuários em
trânsito foram realizadas entrevistas abertas para identificar a satisfação dos mesmos
frente aos serviços de saúde, assim como a existência de outros caminhos utilizados
pelos próprios usuários na busca pelo cuidado. A análise do material empírico
registrado foi feita considerando fortemente sua relação com o contexto. Os
resultados indicaram que a Política Nacional de Saúde Indígena está aquém de
garantir de fato o acesso dos usuários indígenas aos serviços de saúde com qualidade
e não atende aos critérios de territorialidade e acessibilidade fortemente defendidos
pelo modelo do Distrito Sanitário. Os fluxos formalmente indicados pelos
profissionais de saúde são resultantes da associação dos elementos planejados no
Plano Diretor Regionalizado e no Plano Distrital de Saúde Indígena constituindo,
desta maneira, uma estratégia criativa loco-regional para garantir o acesso e
continuidade em todos os níveis de atenção à saúde. Não foram identificados fluxos
por conta dos usuários ressaltando a sua dependência frente às estratégias criativas
desenvolvidas pelos profissionais de saúde. Especificamente para os Bororo e
Bakairi foi diagnosticada baixa resolutividade das ações executadas em aldeia pela
equipe multidisciplinar de saúde indígena mantida pela conveniada
UNISELVA/UFMT, apontando a necessidade de estudos mais profundos sobre esta
prática. Por fim, os princípios da universalidade do acesso, integralidade, eqüidade e
participação social não são contemplados tendo em vista o impasse real entre o
município e a Fundação Nacional de Saúde.
Palavras-chave: Atenção básica, estratégias locais, descentralização, saúde
indígena.
8
ABSTRACT
From a constructivist approach to the research process we examine the articulation of
basic care at all levels of the health-care system, evaluating the adequacy of existing
norms, and exploring the creative developments carried out in the Pole-Base at
Rondonópolis (DSEI Cuiabá/MT). This work is a qualitative evaluation; its
methodological strategy was the instrumental and exploratory case study. The
procedures carried out came from a bibliographical survey, following the analysis of
legal documents that establish the flows of reference and counter-reference. Through
official secondary data and half-structuralized interviews carried out with managers
and health professionals, the flows formally indicated were identified by the
professionals of CASAI Rondonópolis in all the indigenous users referenced. Open
interviews were carried out with users in transit to identify their level of satisfaction
with the health services, as well as the existence of other ways used by the health
services users in search of care. The analysis of the registered empirical material was
made, strongly considering its relation with the context. The results indicated that the
National Politics of Indigenous Health is on the side of in fact guaranteeing the
access of the indigenous users of the health services with quality and does not answer
to the criteria of territoriality and accessibility strongly defended by the model of the
Sanitary District. The flows formally indicated by the health professionals are
resultant of the association of the planned elements in the Regionalized Managing
Plan and the District Plan of Indigenous Health constituting, in this way, a loco-
regional creative strategy to guarantee the access and continuity at all the levels of
health care. Flows on account of the users emphasizing their dependence on the
creative strategies developed by the health professionals were not identified.
Specifically for the Bororo and Bakairi low decisiveness in the actions executed in
the village by the multidiscipline team of indigenous health kept by the convened
UNISELVA/UFMT, identifying the necessity for deeper studies on this practice.
Finally, the principles of the universality of the access, completeness, fairness and
social participation are not contemplated in view of the real impasse between the city
and the National Health Foundation.
Key-words: Basic care, local strategies, decentralization, indigenous health.
9
ÍNDICE
1 INTRODUÇÃO
17
2 OBJETIVOS
20
2.1 OBJETIVO GERAL 20
2.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS 20
3 REFERENCIAL TEÓRICO
22
3.1 AS CINCO DEFINIÇÕES PARA O TERMO ESTRATÉGIA 22
3.2 O PROCESSO DE FORMAÇÃO DAS ESTRATÉGIAS
EMERGENTES
27
3.3 AS ESTRATÉGIAS FORMULADAS E A DESCENTRALIZAÇÃO
DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE
28
3.3.1 A Rede de Serviços e os Princípios de sua Organização no SUS 35
3.4 O SUBSISTEMA DE ATENÇÃO À SAÚDE INDÍGENA E AS
SUAS BASES CONCEITUAIS
36
3.5 UM NOVO MODELO DE ATENÇÃO À SAÚDE: UMA
ESTRATÉGIA PRETENDIDA E (AINDA) NÃO-REALIZADA
39
3.5.1 O Modelo em Defesa da Vida 44
3.5.2 O Modelo de Ações Programáticas 45
3.5.3 O Modelo de Vigilância da Saúde 45
3.5.4 O Modelo Saúde da Família 46
3.5.5 A Proposta Internacional da Promoção da Saúde 47
4 METODOLOGIA
50
4.1 OBJETO DE ESTUDO 50
4.2 LOCAL DE ESTUDO 50
4.3 TIPO DE PESQUISA 50
4.4 COLETA DE DADOS 55
4.4.1 Considerações Éticas 58
4.5 ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO 58
5 CARACTERIZAÇÃO DO ESTADO DE MATO GROSSO E DO
MUNICÍPIO DE RONDONÓPOLIS
63
5.1 A OCUPAÇÃO DO ESTADO DE MATO GROSSO E A
RESISTÊNCIA DOS POVOS INDÍGENAS
63
5.2 LOCALIZAÇÃO E ORGANIZAÇÃO POLÍTICO-
ADMINISTRATIVA DO ESTADO DE MATO GROSSO: ASPECTOS
QUE DESAFIAM A ATENÇÃO À SAÚDE INDÍGENA
76
10
5.3 ASPECTOS FÍSICO-BIÓTICOS 77
5.3.1 Relevo e as Mudanças na Agricultura 77
5.3.2 Clima e Comprometimentos da Saúde 78
5.3.3 Hidrografia e a Importância dos Rios para as Comunidades
Indígenas
79
5.3.4 Vegetação: a Complexidade do Cerrado 80
5.4 ASPECTOS SOCIAIS DE MATO GROSSO 81
5.4.1 Demografia: a Baixa Densidade Demográfica no Estado 81
5.4.2 Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) e as Melhorias na
Qualidade de Vida
84
5.4.3 Saúde e Hospitalização 85
5.4.4 Educação, ainda Defasada 87
5.4.5 Trabalho e Renda: Precariedade e Baixa Renda 88
5.5 ASPECTOS ECONÔMICOS: EXPANSÃO DAS
DESIGUALDADES SOCIAIS
91
5.5.1 Agricultura e Pecuária: Modernização e Crescimento 91
5.5.2 Indústria: a Expansão da Agroindústria 92
5.5.3 Comércio: Emprego e Faturamento 93
5.5.4 Mercado Externo: Quadro Expressivo das Exportações 93
5.6 A ORGANIZAÇÃO DESCENTRALIZADA DO SISTEMA ÚNICO
DE SAÚDE NO ESTADO DE MATO GROSSO
94
5.6.1 Considerações sobre a Norma Operacional de Assistência à Saúde
(NOAS SUS 01/02) no Estado de Mato Grosso
95
5.7 O MUNICÍPIO DE RONDONÓPOLIS 97
5.7.1 O SISTEMA MUNICIPAL DE SAÚDE DE RONDONÓPOLIS 108
6 A FORMULAÇÃO DO SUBSISTEMA DE ATENÇÃO À SAÚDE
INDÍGENA
115
6.1 O PLANO DISTRITAL DE SAÚDE INDÍGENA NO DSEI CUIABÁ 129
6.1.1 O Fluxo Planejado no PDSI para o Atendimento aos Usuários
Indígenas
134
6.1.1.1 Aldeia Jurigue 139
6.1.1.2 Aldeia Pobore 139
6.1.1.3 Aldeia Praião 139
6.1.1.4 Aldeia Tadarimana 141
6.1.1.5 Aldeia Merure 142
6.1.1.6 Aldeia Morada Bororo 143
6.1.1.7 Aldeia Garças 144
6.1.1.8 Aldeia Piebaga 145
6.1.1.9 Aldeia Gomes Carneiro 146
6.1.1.10 Aldeia Perigara 147
6.1.1.11 Aldeias Pakuera, Alto Ramalho, Paikun e Aturua (T.I.
Bakairi, etnia Bakairi)
148
11
7 O SUBSISTEMA DE ATENÇÃO À SAÚDE INDÍGENA E A SUA
RELAÇÃO COM A REDE MUNICIPAL DE SAÚDE
150
7.1 O FLUXO FORMAL DO DSEI CUIABÁ NAS TERRAS
INDÍGENAS E AS SUAS RELAÇÕES COM O MUNICÍPIO DE
RONDONÓPOLIS
160
7.1.1 Os Índios e o Acesso à Rede Municipal de Saúde em
Rondonópolis
169
7.2 O FLUXO POR CONTA DO USUÁRIO NAS TERRAS
INDÍGENAS SOB A ABRANGÊNCIA DO PÓLO-BASE
RONDONÓPOLIS
173
8 COMPARAÇÃO ENTRE OS FLUXOS PLANEJADOS E O FLUXO
FORMAL PARA OS USUÁRIOS INDÍGENAS
177
8.1 ALDEIAS TADARIMANA, POBORE E PRAIÃO (T.I.
TADARIMANA)
178
8.2 ALDEIAS GOMES CARNEIRO E PEIBAGA (T.I. TEREZA
CRISTINA)
195
8.3 ALDEIAS PAKUERA, ALTO RAMALHO E PAIKUN (T.I.
PAKUERA OU BAKAIRI)
206
8.4 TERRA INDÍGENA SANGRADOURO DA ETNIA XAVANTE 211
CONSIDERAÇÕES FINAIS
214
RECOMENDAÇÕES PARA OS GESTORES
220
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
222
ANEXOS
231
Anexo 1 – Formulário para identificação do fluxo formal 231
Anexo 2 Entrevista para o profissional responsável pela saúde indígena na
Secretaria de Assistência à Saúde (SAS/MS)
232
Anexo 3 – Entrevista para o Secretário Municipal de Saúde de Rondonópolis 233
Anexo 4 – Entrevista para o Chefe do DSEI Cuiabá 235
Anexo 5 Entrevista para o profissional de saúde incluindo o Chefe da
CASAI Rondonópolis, os Coordenadores de Atenção Básica e dia
Complexidade, os Gerentes das Unidades de Atenção Básica, enfermeiros e
técnicos de enfermagem da CASAI Rondonópolis e do município
237
Anexo 6 Entrevista para o marcador de consultas da CASAI Rondonópolis
e da Central de Regulação de Rondonópolis
239
Anexo 7 Entrevista para o representante do Conselho Municipal de Saúde
de Rondonópolis
241
Anexo 8 – Roteiro para conversa com o usuário indígena 243
12
Anexo 9 – Termo de consentimento livre e esclarecido 245
Anexo 10 – Parecer do CONEP/MS 247
Anexo 11 – Parecer final do CEP/HUJM/UFMT 249
13
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 – O avanço dos bandeirantes e a quebra do Tratado de Tordesilhas 64
Figura 2 – Limites territoriais da Capitania de São Paulo
66
Figura 3 Ilustração da localização do Estado de Mato Grosso e fuso horário
brasileiro
76
Figura 4 – As 12 Regiões de Planejamento de Mato Grosso
77
Figura 5 – Regiões e Microrregiões de Mato Grosso
96
Figura 6 Eixos viários que interligam Rondonópolis ao restante do Estado de
Mato Grosso
98
Figura 7 – Os Módulos Assistenciais da Microrregião Sul Mato-Grossense
110
Figura 8 Distribuição dos DSEIs no território nacional por ocasião de sua
criação
120
Figura 9 Rede hierarquizada das unidades de referência e contra-referência,
responsáveis técnicos e integração do DSEI com a rede do SUS
122
Figura 10 Organograma dos órgãos responsáveis pela Política Nacional de
Atenção aos Povos Indígenas
125
Figura 11 – Localização do Distrito Sanitário Especial Indígena Cuiabá – MT
130
Figura 12 Fluxos planejados para os usuários das aldeias Jurigue, Pobore e
Praião
140
Figura 13 – Fluxo planejado para os usuários da aldeia Tadarimana
141
Figura 14 – Fluxo planejado para os usuários da aldeia Merure
142
Figura 15 – Fluxo planejado para os usuários da aldeia Morada Bororo
143
Figura 16 – Fluxo planejado para os usuários da aldeia Garças
144
Figura 17 – Fluxo planejado para os usuários da aldeia Piebaga
145
Figura 18 – Fluxo planejado para os usuários da aldeia Gomes Carneiro
146
Figura 19 – Fluxo planejado para os usuários da aldeia Perigara
147
14
Figura 20 – Fluxo planejado para as aldeias da Terra indígena Bakairi
149
Figura 21 – Fluxo formal do Pólo-Base Rondonópolis, DSEI Cuiabá, MT
163
Figura 22 Fluxo formal para a atenção básica realizado pelos usuários a rede
municipal de saúde em Rondonópolis
170
Figura 23 – Fluxo formal para urgências e emergências
171
Figura 24 Fluxo formal para procedimentos M1, M2 e M3 para os usuários
indígenas
172
Figura 25 – Fluxo formal para os usuários da etnia Bakairi
208
15
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 População recenseada e estimada de Mato Grosso, Região Centro-
Oeste e do Brasil, 1940 a 2005
81
Tabela 2 Taxa média geométrica de crescimento de Mato Grosso, Centro-
Oeste e Brasil (%)
82
Tabela 3 População urbana e rural em Mato Grosso, na Região Centro-Oeste
e no Brasil, 1970 – 2004
83
Tabela 4 População residente por sexo e densidade demográfica em Mato
Grosso, 1980 – 2004
84
Tabela 5 – Rede hospitalar de Mato Grosso, 1999 – 2004
86
Tabela 6 – Número de leitos em Mato Grosso, 1999 – 2004
86
Tabela 7 Pessoas ocupadas de 10 anos ou mais, por atividade principal em
Mato Grosso, 2004
89
Tabela 8 Pessoas de 10 anos o mais e valor de rendimento mensal, por sexo
em Mato Grosso, 2004
90
Tabela 9 – Rendimento médio mensal das pessoas com 10 anos ou mais,
economicamente ativas na semana de referência em Mato Grosso, no Centro-
Oeste e no Brasil, 2004
90
Tabela 10 – Unidades prestadoras de serviço ambulatorial em Rondonópolis
112
Tabela 11 – Hospitais que compõem a rede do SUS de Rondonópolis
113
Tabela 12 – Municípios que compõem o CIS Sul Mato-Grossense
114
Tabela 13 Demais unidades e serviços que compõem a rede do SUS em
Rondonópolis
114
16
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 – As Regiões de Saúde do Estado de Mato Grosso 96
Quadro 2 – As Terras Indígenas Bororo em outros municípios mato-grossenses
107
Quadro 3 Áreas Programáticas, resultados previstos e setor responsável
conforme PDSI
133
Quadro 4 Fluxos de referência planejados e formal para atenção básica dos
Bororo residentes em Rondonópolis
181
Quadro 5 Fluxos de referência planejados e formal para média complexidade
níveis 1, 2 e 3 para os Bororo residentes no município de Rondonópolis
191
Quadro 6 Os fluxos planejados e o formal para a atenção básica aos usuários
da aldeia Gomes Carneiro, etnia Bororo
197
Quadro 7 Os fluxos planejados e o fluxo formal de atenção básica para os
usuários da aldeia Piebaga, etnia Bororo
200
Quadro 8 Os fluxos planejados e o fluxo formal para M1, M2 e M3 para os
usuários das aldeias Gomes Carneiro e Piebaga, etnia Bororo
203
Quadro 9 Os fluxos planejados e o fluxo formal para todos os níveis de
atenção aos usuários Bakairi das aldeias Pakuera, Alto Rmalho e Paikun
210
Quadro 10 Os fluxos planejados e o formal para os usuários Xavante da
Terra Indígena Sangradouro
213
Quadro 11 – Terras Indígenas Xavante, DSEI Xavante, MT
213
17
1 INTRODUÇÃO
Este trabalho resultou da proposta de avaliar a articulação da atenção básica
com os demais níveis do sistema de saúde, considerando tanto a adequação às
normas existentes quanto às iniciativas criativas realizadas para garantir o acesso da
população indígena aos níveis de atenção à saúde.
Ao aceitar o convite para participar do projeto de pesquisa intitulado:
“Avaliação das estratégias loco-regionais de articulação entre os níveis de
cuidado à saúde: estudo de múltiplos casos nos estados do Rio Grande do Sul,
Mato Grosso e Pernambuco” o objeto de estudo foi direcionado para a articulação
entre os níveis de atenção à saúde aos usuários indígenas sob a responsabilidade do
Pólo-Base Rondonópolis tendo em vista suas necessidades e levando em
consideração a experiência e a satisfação dos profissionais e dos índios frente a rede
de serviços do SUS. Por isso, o conteúdo deste estudo integrou o relatório final do
referido projeto que foi apresentado ao Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico (CNPq), em fevereiro de 2008.
Considerando que os princípios fundamentais do Sistema Único de Saúde
(SUS) preconizam a universalidade do acesso, a integralidade da atenção, a eqüidade
e a participação social, foi criado o Subsistema de Atenção à Saúde Indígena
vinculado ao SUS e sob a responsabilidade da Fundação Nacional de Saúde
(FUNASA).
Entretanto, para que o acesso aos níveis de atenção à saúde se tornasse
realidade, ao longo da década de 90 e início do século XXI, a descentralização foi
regulamentada objetivando repassar aos estados e municípios as responsabilidades
sobre a gestão da atenção à saúde de todos os cidadãos brasileiros e, juntamente com
a FUNASA/MS, garantir a inclusão dos usuários indígenas no sistema.
Ainda que a Lei Arouca reafirme o Subsistema de Atenção à Saúde Indígena
como o modelo de atenção voltado para as especificidades destas populações é
indispensável destacar que no momento da conclusão deste trabalho está ocorrendo
uma reorganização administrativa interna do Ministério da Saúde com a criação da
18
Secretaria de Atenção Primária e Promoção da Saúde que deverá substituir a
FUNASA no que se relaciona a implementação do referido Subsistema.
Frente a este contexto partiu-se dos seguintes questionamentos para melhor
apreender as estratégias idealizadas, e as de fato realizadas, na busca pela atenção à
saúde por todos os envolvidos: Como estão formalizados os fluxos de referência
entre os níveis de atenção à saúde oferecidos aos índios do Pólo-Base
Rondonópolis? Como ocorre a articulação entre o nível de atenção básica em saúde,
que deve ser garantido pela FUNASA/MS, e os demais níveis de referência
municipal que compreendem as ações de média complexidade nível 1 (M1) citadas
pela Norma de Operacionalização da Assistência à Saúde (NOAS/SUS) 01/02?
Como ocorre a pactuação dos demais procedimentos contemplados na Tabela do
Sistema de Informação Ambulatorial do SUS (SIA/SUS) e que correspondem aos
níveis 2 e 3 da média complexidade, além dos procedimentos de alto custo, quando o
usuário é indígena? Os fluxos deliberados são de fato implementados no cotidiano ou
de acordo com a realidade local, a experiência e a satisfação dos profissionais e dos
índios, existem outras estratégias que tornam efetivo o acesso aos níveis de atenção à
saúde?
O trabalho está dividido em oito capítulos. O primeiro apresenta as
inquietações da autora frente ao objeto de pesquisa, o contexto em que o trabalho foi
realizado, assim como, seu financiador. Este capítulo compõe a Introdução da
dissertação. Do segundo ao quarto são apresentados os objetivos e os fundamentos
teórico-metodológicos que subsidiaram o estudo. A partir do quinto capítulo são
apresentados os resultados obtidos. Especificamente no quinto capítulo é apresentada
a contextualização histórica do Estado de Mato Grosso e município de Rondonópolis
com destaque para a ocupação do território durante o processo de colonização e a
resistência dos povos indígenas. Ainda neste capítulo é apresentada a situação
político-administrativa atual tanto do estado quanto do município ressaltando a
implementação dos critérios estabelecidos pela NOAS SUS 01/02 na Microrregião
Sul Mato-Grossense.
No sexto capítulo é apresentada a formulação do Subsistema de Atenção aos
Povos Indígenas de acordo com os decretos e portarias que deram forma legal aos
pressupostos da Lei Arouca, assim como é apresentado o Plano Distrital de Saúde
19
Indígena para o período de 2005 a 2007, com os fluxos planejados para cada aldeia
indígena inclusa no território de abrangência do Pólo-Base Rondonópolis.
No sétimo capítulo são mostrados os fluxos formalmente indicado pelos
profissionais envolvidos aos usuários indígenas destacando as relações conflituosas
existentes entre o município e a FUNASA; e, na seqüência, já no oitavo capítulo, faz-
se a comparação entre os fluxos planejados pelo Plano Diretor Regionalizado e pelo
Plano Distrital de Saúde Indígena e o fluxo formal. Aqui também é apresentada a
avaliação das estratégias de articulação tendo como base os princípios fundamentais
e organizativos do SUS.
20
2 OBJETIVOS
2.1 OBJETIVO GERAL
Avaliar a articulação da atenção básica com os demais níveis do sistema de
saúde, considerando tanto a adequação às normas existentes (estratégia deliberada),
quanto os desenvolvimentos criativos (estratégias emergentes) realizados no lo-
Base Rondonópolis, Distrito Sanitário Especial Indígena Cuiabá (DSEI Cuiabá),
Mato Grosso.
2.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS
Conhecer os fluxos de referência e contra-referência planejados pelo Plano
Distrital de Saúde Indígena do DSEI Cuiabá e pelo Plano Diretor
Regionalizado formulado pela Secretaria Estadual de Saúde do Estado de
Mato Grosso para a Microrregião Sul Mato-Grossense;
Identificar os fluxos de referência e contra-referência formalmente indicado
aos usuários pelos profissionais da Casa de Saúde do Índio (CASAI)
Rondonópolis, tendo como ponto de partida a rede de atenção básica e os
processos formais de agendamento;
Identificar os fluxos de referência realizados pelos usuários sem a mediação
dos profissionais da CASAI Rondonópolis, do município ou da conveniada
UNISELVA/UFMT na busca pelo atendimento;
Comparar entre si os fluxos de referência e contra-referência encontrados;
Compreender as experiências vividas pelos atores envolvidos com relação aos
fluxos de referência e contra-referência;
Conhecer a satisfação dos atores envolvidos com relação aos fluxos de
referência e contra-referência;
Relacionar os achados com o contexto local;
Avaliar os achados, tendo como referência os princípios orientadores do SUS,
ou seja, os fundamentais (universalidade, integralidade, eqüidade e
21
participação social) e os organizativos (descentralização, regionalização,
hierarquização e participação social).
22
3 REFERENCIAL TEÓRICO
3.1 AS CINCO DEFINIÇÕES PARA O TERMO ESTRATÉGIA
Não um “melhor caminho” para criar estratégia, nem um “melhor
caminho” para organização. Formas muito diferentes funcionam bem em
determinados conceitos [contextos] (MINTZBERG et al., 2006, p.13).
O termo “política blica” tem o mesmo significado para o setor público que
o termo “estratégia” tem para o setor privado, porém em ambos o modelo de
elaboração que predomina é a formulação racional e analítica da estratégia, ou da
política, seguida de sua operacionalização formal. Este modelo tradicional de
formulação de políticas blicas tem sido intensamente questionado e em meio às
dúvidas que surgem quanto a sua validade observa-se a tendência cada vez maior do
setor público de adotá-lo (MINTZBERG e JORGENSEN, 1995). MINTZBERG e
JORGENSEN (1995) propõem que o termo “estratégias” substitua o de “políticas
públicas”, pois o autor entende que este último está contaminado pelo seu uso
indiscriminado pelas instituições. Com base neste argumento o conceito do termo
“estratégia” neste trabalho terá relação direta com o de “políticas públicas”.
Para este autor as estratégias surgem das mais diversas formas, umas de
processos graduais, outras de processos coletivos, outras espontaneamente e outras
sem a mínima intenção de ser.
Para melhor compreensão destes conceitos MINTZBERG e JORGENSEN
(1995) esclarecem que cada grupo de estudiosos conta com um conceito principal,
um objeto de estudo do qual se apropria e elabora teorias a respeito, por exemplo, os
conceitos principais dos economistas e dos estudiosos das ciências políticas são,
respectivamente, o mercado e a política. Da mesma forma um grupo novo de
estudiosos chamados de “teóricos da organização” que se preocupa em estudar a
própria organização. Este campo do saber oferece novos e importantes
conhecimentos sobre os processos governamentais de formulação das políticas.
MINTZBERG et al. (2006) destacam em seu trabalho a importância da teoria
para explicar a realidade das organizações defendendo que é mais ágil lembrar das
teorias do que da imensa gama de dados que se esconde por trás de cada uma delas.
23
Entretanto, ressaltam que as teorias devem ser utilizadas com bom senso, nem tanto
ao extremo de desconsiderar sua importância, nem tão pouco ao outro extremo de tê-
las como insubstituíveis.
Admitindo a divisão das teorias em prescritivas (ou normativas), relativas ao
que deve ser feito, e descritivas, relacionadas ao que se faz de fato, defendem o uso
oportuno das primeiras sempre que necessárias, mas advertem que, em geral, as
prescrições com base nos dados analíticos são os problemas a serem resolvidos e não
a solução encontrada. As teorias prescritivas subsidiam a elaboração das estratégias
formuladas e as descritivas das estratégias formadas. Retomando estratégia com
significado de política pública entende-se que as políticas formuladas trazem o que
deve ser feito com relação a dada realidade social e, as políticas formadas descrevem
o que de fato se faz para superar as dificuldades impostas pela realidade local.
Por “organização” entende-se todo o espaço organizado cujo objetivo final é
produzir bens ou serviços. Neste espaço o trabalho é divido de acordo com as
funções operacionais e gerenciais e, também, é coordenado de maneira diferenciada
dependendo da perspectiva adotada pela organização. Toda a organização complexa
apresenta seis partes: um ápice estratégico, nível onde está o gerente, o presidente ou
o gestor; uma linha intermediária, nível em que se encontram os demais gerentes
e/ou coordenadores com grau de poder inferior ao anterior e disposto de forma
hierárquica; e um núcleo operacional, local onde se encontram os operadores do
sistema (MINTZBERG et al., 2006a). Além destas partes que constituem a linha de
produção fazem parte da organização a tecnoestrutura, onde estão os analistas; a
equipe de apoio, onde se encontram os serviços jurídicos, de relações públicas e
serviços gerais, e, a ideologia.
Assim, verifica-se que a formulação deliberada, a análise sistemática e a
formação emergente são processos que dão origem às estratégias. Para este trabalho
serão considerados, especialmente, os processos de formulação e de formação.
MINTZBERG (2006b) propõe cinco definições para a palavra estratégia. Para
ele estratégia pode ser um plano, pode ser um padrão, pode ser uma posição, pode ser
uma perspectiva e pode ser, também, uma manobra para enganar o oponente. Embora
a maioria dos trabalhos esteja voltada para as estratégias corporativas das empresas,
24
MINTZBERG (2006b) propõe o uso destes conceitos nas organizações públicas ou
na análise da elaboração das políticas públicas governamentais.
A estratégia, como plano, representa um conjunto de diretrizes criadas para
conduzir uma situação ou uma seqüência de ações pretendidas de forma consciente.
Este tipo de estratégia apresenta duas características: a primeira, é que ela deve ser
formulada antes das ações que vão implementá-la e, a segunda, é que deve ser
consciente e proposital.
No setor público a política pública é primeiramente formulada através de leis
e regulamentos pelos políticos eleitos e, depois, deve ser implementada pelos
servidores administrativos; aqui se observa a premissa de que primeiro se concebe e
depois se aplica. O fato deste modelo tradicional de elaboração de políticas públicas
não fornecer resultados satisfatórios tem sido ignorado pelo setor público, na verdade
para o autor o planejamento estratégico é muito mais eficaz no controle de custos do
que na criação de políticas públicas diferenciadas, ou seja, de novas estratégias
(MINTZBERG e JORGENSEN, 1995).
A estratégia, como padrão, relaciona-se com o comportamento dos
envolvidos, porém este comportamento pode ser pretendido, ou não. Com esta
definição, MINTZBERG (2006b) deixa claro que definir estratégias como um plano
não basta para garantir a sua implementação e para isso é necessário encontrar uma
definição que englobe o comportamento da organização, seja ele planejado ou não.
No sentido oposto a forma tradicional de formulação de políticas públicas
verifica-se um novo modelo chamado de “emergente” ou “popular”, do qual surgem
as estratégias mais profundas do sistema. Uma estratégia pode surgir através de atos
de um indivíduo ou do comportamento coletivo, com claras intenções ou não. Em
algumas situações as estratégias emergentes surgem quando os formuladores
conhecem muito pouco sobre o assunto para que seja possível estabelecer uma
estratégia intencional viável, pois algumas informações que estão mais próximas
dos atores situados no núcleo operacional do que aqueles que se encontram no ápice
estratégico ou linha intermediária da organização. É neste momento que se faz
importante a flexibilidade no sentido de permitir que os servidores públicos sejam,
também, formuladores de estratégias estimulando a aprendizagem ao longo do
processo (MINTZBERG e JORGENSEN, 1995).
25
Sendo assim, um plano pode ou não ser posto em prática, mas de se ter em
mente que nem todas as ações são previamente planejadas. Portanto, ao se considerar
uma estratégia como padrão deve-se considerar, também, a diferenciação entre
estratégias pretendidas, estratégias deliberadas, estratégias não-realizadas, estratégias
emergentes e estratégias realizadas. E, além disso, não se deve perder de vista os
processos pelos quais elas foram elaboradas, ou seja, se formuladas ou se formadas.
Assim, as estratégias pretendidas, as estratégias deliberadas e as estratégias
não-realizadas foram elaboradas a partir de um processo racional de formulação de
estratégias o qual separa o pensamento da ação. as estratégias emergentes
surgiram da prática baseada na experiência e comprometimento dos envolvidos, isto
é, foram formadas e poderão ou não se tornar estratégias deliberadas, mas são as que
de fato acontecem. A estratégia realizada é a junção do que foi pretendido e
deliberado, portanto formulado, com o que, embora não pretendido, também foi
implementado, portanto formado.
MINTZBERG (2006b) defende que não como afirmar que uma estratégia
deliberada será exatamente implementada como foi pretendida, e, neste caso, o plano
não foi padrão. Nesses termos seria necessário que as intenções declaradas fossem
aceitas em toda a sua magnitude, sem questionamentos, além de o meio ser estático e
sem poder de influenciá-la. Contudo, também seria exagero considerar que a
estratégia emergente poderia assumir um padrão consistente sem que houvesse
qualquer intenção.
No entanto, observa-se que algumas estratégias realizadas se aproximam da
estratégia pretendida-deliberada ou da estratégia emergente, por isso que a maioria
das estratégias do tipo padrão reflete aspectos deliberados e aspectos emergentes.
Retomando as definições da estratégia proposta por MINTZBERG (2006b)
ressalta-se o terceiro significado, a estratégia como posição. Esta definição
contempla a postura adotada pela organização em relação ao ambiente, muitas vezes
combatendo outras estratégias ou estabelecendo relações de cooperação.
A quarta definição para estratégia proposta pelos autores é a estratégia como
pretexto. A estratégia como pretexto está inclusa no significado de estratégia como
plano, mas diz respeito a um plano específico. O pretexto pode até ser uma manobra,
mas sempre será uma estratégia previamente elaborada.
26
Finalmente, a estratégia como perspectiva. A estratégia é uma perspectiva
enquanto expressa a maneira fixa de olhar o mundo assumida pela própria
organização. Aqui, a perspectiva significa para a organização o que a personalidade
representa para o indivíduo e faz correspondência com as dez escolas que estão
implícitas no processo estratégico: a escola de design, a escola de planejamento, a
escola de posicionamento, a escola empreendedora, a escola cognitiva, a escola de
aprendizado, a escola de poder, a escola cultural, a escola ambiental e a escola de
configuração.
MINTZBERG (2006b) afirma que a perspectiva surge muito provavelmente
por meio de experiências anteriores, entretanto o mais importante é que uma vez
estabelecida é difícil de mudá-la. “Na verdade, uma perspectiva pode se tornar tão
profundamente arraigada no comportamento de uma organização que as crenças
associadas podem se tornar subconscientes na cabeça dos seus membros
(MINTZBERG, 2006b, p.28)”. O melhor da estratégia como perspectiva é que
levanta questões relativas à difusão das intenções feitas por um grupo de pessoas e,
estas intenções, serão compartilhadas futuramente como normas e valores
profundamente arraigados.
Por fim, o autor interliga as definições anteriormente esclarecidas
destacando que, como plano, a estratégia reflete o conhecimento e o curso
estabelecido pelos líderes para a organização. Ao estudar o plano objetiva-se
descobrir o que de fato ele pretende. Já como pretexto a estratégia coloca a
organização num ambiente competitivo, dinâmico, que visa à obtenção de vantagens.
Como padrão ela está ligada ao comportamento, pois o plano está no campo das
idéias. Em outros termos, o plano é um campo vazio se não houver as ações que
materializam as intenções. A estratégia como padrão visa dar consistência ao
comportamento da organização e lança a conclusão de que as estratégias podem
surgir e serem percebidas, ou podem ser deliberadamente impostas.
27
3.2 O PROCESSO DE FORMAÇÃO DAS ESTRATÉGIAS EMERGENTES
O processo de formulação das estratégias indica como as mesmas devem ser
elaboradas e implementadas, ilustrando seu lado prescritivo. Já a corrente de
pensamento que defende o processo de formação das estratégias entende que o
processo de formulação das mesmas é útil porque orienta o uso dos recursos para
atingir os fins almejados, mas nem sempre é possível se ver na prática o que foi
racionalmente estabelecido porque as estratégias, em geral, são modificadas
conforme os seus contextos locais e compreendem o comportamento das pessoas
envolvidas no mundo real das organizações.
Na defesa do uso do termo “estratégias emergentes” MINTZBERG (2006c)
adverte que na prática toda a elaboração de uma estratégia tem dois caminhos: um
deliberado e outro emergente, e que o ideal é a estratégia ser composta pelos dois. O
autor segue advertindo que uma estratégia puramente deliberada impede o
aprendizado tanto quanto uma puramente emergente impede o controle; e mais, não
existe uma estratégia puramente deliberada porque não presidente, ou estrategista,
que saiba tudo a ponto de prever tudo o que irá acontecer e para isto elaborar um
plano totalmente amplo. Por outro lado, não há organização tão flexível que deixe
tudo acontecer ao acaso, sem que considere ou utilize, em algum momento, o
controle. A citação ilustra a elaboração das estratégias por meio de um processo:
“Assim, estratégias deliberada e emergente formam as extremidades de uma linha
contínua ao longo da qual as estratégias criadas no mundo real podem ser
encontradas. Algumas estratégias podem se aproximar de uma extremidade ou de
outra, mas a maioria fica nos pontos intermediários” (MINTZBERG et al., 2006c,
p.133).
Retomando a necessidade de se associar o pensamento e a ação, a formulação
e a implementação, segue-se a concepção do autor ao reconhecer que em muitos
casos de falência de estratégias deliberadas a causa está na separação destas duas
fases as quais na verdade são inseparáveis. Ressalta-se, ainda, que em algumas
situações, é mais inteligente permitir que as estratégias se desenvolvam gradualmente
por meio das experiências e das ações da organização: “Estrategistas inteligentes
28
entendem que não podem ser sempre inteligentes o suficiente para pensar tudo com
antecedência (MINTZBERG et al., 2006c, p.132)”.
A defesa do autor é que as estratégias realizadas não precisam ser deliberadas,
elas também podem emergir, MINTZBERG et al. (2006c). Assim é possível
concluir que a proximidade de quem decide a estratégia a ser seguida e quem propõe
as alterações facilita a emergência de uma nova estratégia que não havia sido
formulada.
Porém, situações que as mudanças vão sendo feitas à medida que
solicitadas sem que o próprio gerente ou o presidente se conta. Na verdade quem
vende e quem produz adotam suas próprias estratégias, e somente mais tarde alguém
da empresa percebe que os produtos foram modificados; isto ocorre quando as
estratégias oficiais da empresa foram destruídas e seus líderes estiverem buscando
novas idéias. Neste caso a estratégia do vendedor poderá ser autorizada e entrar para
o sistema.
3.3 AS ESTRATÉGIAS FORMULADAS E A DESCENTRALIZAÇÃO DO
SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE
ANDREWS (2006) apresentando o processo de formulação de estratégias
corporativas, entendimento presente na maioria das literaturas prescritivas de
gerenciamento estratégico, defende estratégia como o modelo de decisões que traz os
objetivos, as políticas e os planos de uma organização. Ainda que o conceito adotado
neste estudo seja a equivalência de estratégias e políticas públicas dois aspectos
destacados pelo autor são importantes: a formulação e a implementação da estratégia.
ANDREWS (2006) segue em seu trabalho e defende que ao se formular uma
estratégia se realiza uma atividade racional que incorpora outras atividades, entre
elas, a identificação de oportunidades e ameaças oferecidas pelo ambiente da
organização e a inclusão das estimativas e riscos para as alternativas a serem
escolhidas. Ao se fazer uma escolha deve-se considerar as forças, as fraquezas e os
recursos disponíveis, além disso, de se ponderar a real capacidade por parte da
organização de lidar com as necessidades percebidas.
29
Os processos intelectuais desenvolvidos pelos estrategistas de uma
organização a fim de considerar a relação entre a oportunidade e a capacidade
corporativa busca compreender e avaliar o caminho percorrido pela organização na
formulação da estratégia, ou seja, na definição do que para se fazer, do que pode
ser feito pela organização, do que querem fazer os seus estrategistas e do que deveria
ser feito considerando a sua responsabilidade com a sociedade. Findado este
processo tem-se a estratégia formulada ou pretendida, que na concepção de
MINTZBERG et al. (2006) poderá ou não ser implementada.
Ainda seguindo as concepções de ANDREWS (2006) para que a estratégia
formulada seja efetivada, isto é, implementada, se faz necessária uma estrutura
organizacional apropriada, a existência de sistemas de informação e relacionamentos
pessoais condizentes com os objetivos estabelecidos, a realização de processos
organizacionais voltados para a avaliação de desempenho, remuneração,
desenvolvimento gerencial, e, especialmente, liderança pessoal. A liderança diz
respeito a líderes comprometidos com os objetivos traçados e não apenas seres que
simplesmente aceitam as metas almejadas pelo ápice estratégico.
Dentre as diretrizes organizacionais estabelecidas para efetivar o Sistema
Único de Saúde destaca-se a descentralização. A descentralização foi uma proposta
universal assumida pela maioria dos países do mundo desde a década de 1980,
entendida como a única maneira viável de restaurar o equilíbrio econômico quando
associada à redução das responsabilidades do Estado frente às necessidades sociais.
Contudo no Brasil a necessidade de pôr em prática o direito à saúde,
garantido na Carta Magna, deu origem às Leis 8.080/90 (BRASIL, 1990a) e 8.142/90
(BRASIL, 1990b), que foram regulamentadas através das Normas Operacionais
Básicas (NOB): NOB SUS 91, NOB SUS 93 e NOB SUS 96; e mais recentemente as
Normas Operacionais da Assistência à Saúde (NOAS): NOAS SUS 01/01,
NOAS/SUS 01/02.
CARVALHO (2001) argumenta que as normas operacionais elaboradas para
implementação do SUS constituíram-se em portarias do executivo excessiva e
minuciosamente relacionadas às questões que não precisavam ser regulamentadas,
pois já estavam garantidas em lei, na Constituição Federal Brasileira (BRASIL,
1988) e na Lei Orgânica da Saúde 8.080/90 (BRASIL, 1990a).
30
Embora necessária, a Política Nacional de Saúde Brasileira foi uma corrente
contra-hegemônica face às tendências de reforma nos anos 80. Assim, uma diretriz
com relativo consenso foi a descentralização dos serviços de saúde. Entretanto para
LEVCOVITZ et al. (2001) foi, e ainda é, reconhecidamente difícil a sua implantação
devido à diversidade e o dinamismo do federalismo brasileiro. Os municípios, entes
federativos com autonomia política, administrativa e financeira, com competências
constitucionais e infraconstitucionais tão bem estabelecidas, ainda apresentam entre
si, o mesmo desenho do país com relação às diferenças em tamanho, população e
desigualdades sócio-econômicas.
Outras duas diretrizes organizacionais foram elaboradas a fim de que se
atingissem os princípios de universalidade, eqüidade e integralidade dentro do
processo de descentralização: a regionalização e a hierarquização. Ambas deveriam
responder aos crescentes níveis de complexidade, entenda-se aqui densidade
tecnológica, em que os serviços estariam organizados, devendo possibilitar desta
maneira um elevado grau de resolutividade.
Assim, a descentralização dos serviços diz respeito à redistribuição das
responsabilidades quanto às ações e serviços de saúde entre os vários níveis de
governo, a partir da idéia de que quanto mais perto do fato a decisão for tomada,
maior será a chance de acerto. Assim nos anos 90 as NOBs passaram a representar
instrumentos fundamentais para a concretização da descentralização.
Contudo, com as NOBs foi estabelecido no país um modelo de
descentralização denominado “municipalização autárquica” no qual a gestão do
sistema de serviços de saúde em âmbito local é dos municípios, concorrendo em
algumas competências com a União e os estados. Este é um modelo que transforma
cada município num sistema fechado, devido às condições de habilitação de
municípios e estados, levando a deseconomia de escala, fragmentação dos serviços e
perda da qualidade. A municipalização autárquica associada com a fragilidade das
Secretarias Estaduais de Saúde, no caso do Brasil, fez com que se perdesse a noção
de regionalização (SILVA e MENDES, 2004).
Em função dos efeitos nocivos da municipalização autárquica, SILVA e
MENDES (2004) apresentaram uma proposta para substituir o modelo da
municipalização autárquica por outro, a “regionalização cooperativa”. Este modelo
31
nomeia a existência de um espaço privilegiado, a microrregião de saúde, onde os
municípios continuam responsáveis pela atenção em saúde, porém organizam-se para
oferecer serviços sanitários em nível primário e secundário com qualidade e
eficiência. Ao se associarem constituem um sistema microrregional de serviços sob a
forma de uma rede de atenção à saúde baseada na cooperação gerenciada e na ação
solidária. Além disso, o modelo possibilita a tais municípios estabelecerem uma
escala adequada para a oferta de serviços de saúde de forma econômica e de
qualidade. Este modelo não tem similar na experiência internacional, por isso deve
ser construído gradativamente em nosso país.
O espaço micro-regionalizado é formado por um sentimento de pertencimento
econômico, social, cultural e sanitário, no qual se constroem redes de relações
intermunicipais e se recupera uma escala necessária ao desenvolvimento econômico
social.
O modelo de regionalização cooperativa está embasado na proposta de
sistemas integrados de serviços de saúde, no qual se observa a reestruturação dos
serviços de forma integrada e orientada pela atenção básica em saúde.
Assim, implantada no contexto da descentralização do SUS como uma
tentativa de admitir os problemas causados pela municipalização autárquica
originada e consolidada através das NOBs, a NOAS/SUS 01/01 (MINISTÉRIO DA
SAÚDE, 2001) acolheu em seu desenho territorial os espaços dos módulos e das
regiões de saúde, propondo um planejamento regional. Contudo, foi considerada
muito complexa e frágil em seus fundamentos, os quais praticamente anularam a
nova proposta de operacionalização de territórios assistenciais (SILVA e MENDES,
2004).
A NOAS/SUS 01/01 foi revista e substituída pela NOAS/SUS 01/02
(MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2002). Apesar de apresentar algumas mudanças foi
mantida a necessidade de se organizar os espaços territoriais de maneira a
contemplar, além dos municípios, os módulos, as microrregiões, as macrorregiões e
as regiões de saúde, onde devem se articular as redes assistenciais.
As orientações da NOAS SUS 01/02 (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2002)
voltadas para o processo de descentralização e regionalização hierarquizada dos
serviços de saúde propôs a elaboração planejada das ações de saúde entre os
32
municípios e o Estado e estabeleceu como instrumentos de gestão o Plano Diretor
Regionalizado (PDR), o Plano Diretor de Investimentos (PDI) e a Programação
Pactuada e Integrada (PPI).
Através do PDR deve se processar a regionalização da assistência. Sua
elaboração deve estar baseada nas prioridades de intervenção coerentes com as
necessidades de saúde da população, garantindo a esta o acesso a todos os níveis de
atenção. O PDR deve ser expresso por meio da organização dos territórios estaduais
em regiões e/ou microrregiões e módulos assistenciais; da hierarquização da rede de
serviços, partindo da atenção básica a níveis maiores de complexidade; e, através da
criação de fluxos de referência e de contra-referência intermunicipais, objetivando a
integralidade da assistência e o acesso da população às ações e serviços de acordo
com as suas necessidades.
A NOAS SUS 01/02 (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2002) trouxe conceitos
importantes que objetivaram orientar a descentralização no âmbito estadual e que
devem constar no Plano Diretor Regionalizado (PDR):
Região de Saúde - É o espaço territorial considerado para o planejamento da
atenção em saúde. Poderá ou não coincidir com a divisão administrativa do
Estado; contudo, a sua definição deve estar embasada nas características
demográficas, sócio-econômicas, geográficas, sanitárias, epidemiológicas,
oferta de serviços, relações entre os municípios, etc. As regiões e/ou
microrregiões de saúde devem conter um ou mais módulos assistenciais.
Módulo Assistencial - É o espaço territorial capaz de garantir resolutividade
para um conjunto mínimo de ações em saúde a um grupo de municípios ou,
quando o município não for referência, para os seus próprios munícipes. A
este conjunto mínimo de ações dá-se o nome de primeiro nível de referência e
compõe os procedimentos de média complexidade nível 1 (M1), listados no
Anexo 3 da referida norma.
Município-sede do Módulo Assistencial - É o município que apresenta
resolutividade em M1 para todos os seus munícipes e para as pessoas a ele
referenciadas. Pode estar habilitado em Gestão Plena do Sistema Municipal
(GPSM) ou em Gestão Plena da Atenção Básica Ampliada (GPAB-A).
33
Município-pólo - É aquele que apresenta resolutividade para todos a ele
referenciados em qualquer nível de atenção em saúde desde que conste na
PPI.
Além destes conceitos a NOAS SUS 01/02 trouxe as formas de habilitação
tanto dos municípios quanto dos estados, ou seja, Gestão Plena do Sistema Municipal
(GPSM) e Gestão Plena da Atenção Básica (GPAB-A) para os municípios; e Gestão
Avançada do Sistema e Gestão Plena do Sistema para os estados.
A qualificação das regiões e/ou microrregiões de acordo com a referida
norma deveria ser completada através de seu reconhecimento formal pela Comissão
Intergestores Bipartite (CIB) e a sua homologação pela Comissão Intergestores
Tripartite (CIT). Após a homologação os recursos destinados ao financiamento dos
procedimentos de M1 ofertados pelo município-sede do módulo seriam transferidos
da seguinte forma: se o município-sede estivesse habilitado em GPAB-A o repasse
seria fundo a fundo para o estado e este deveria repassá-lo para aquele; se o
município estiver em GPSM receberia fundo a fundo.
Se os municípios não optassem pelo modo de gestão GPSM deveriam optar
pelo GPAB-A e se comprometeriam, em termos gerais, a ofertar as seguintes ações
de atenção básica: atuação estratégica mínima no controle da tuberculose, eliminação
da hanseníase, controle da hipertensão arterial, controle da diabetes mellitus, saúde
da criança, saúde da mulher e saúde bucal.
Os procedimentos de M1 de que tratou a norma são: procedimentos
especializados realizados por profissionais médicos e outros de nível superior e
médio; cirurgias ambulatoriais especializadas; procedimentos traumato-ortopédicos;
ações especializadas em odontologia; patologia clínica; radiodiagnóstico; exames de
ultra- sonografia; fisioterapia e leitos hospitalares para atendimento básico em clínica
médica, pediátrica e obstétrica para parto normal. Estes procedimentos poderiam ser
oferecidos pelos municípios habilitados tanto em GPAB-A como em GPSM;
contudo, a gestão do sistema e o recebimento dos repasses deveriam obedecer aos
pressupostos da NOAS SUS 01/02.
Para a NOAS SUS 01/02 a atenção de Média Complexidade compreende o
conjunto de ações e serviços M2 e M3, ambulatoriais e hospitalares especializados e
constantes na Tabela SIA/SUS, não sendo justificada a sua oferta em todos os
34
municípios do país. Tais ações ambulatoriais ou hospitalares podem ser garantidas no
âmbito regional, microrregional ou estadual, dependendo do tipo do serviço, da
responsabilidade tecnológica, das características do estado e da definição do PDR
estadual. Nessa norma a sua organização foi atribuída ao gestor estadual.
Para garantir o acesso da população aos serviços de média complexidade não
existentes no município de residência foi criado um instrumento de gestão intitulado
de Programação Pactuada Integrada (PPI), que deve contemplar a alocação de
recursos e definição de limites financeiros para todos os municípios do estado,
independente da sua condição de gestão.
A NOAS SUS 01/02 (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2002) também tratou dos
procedimentos de Alta Complexidade ou Alto Custo (AC), definindo a sua
responsabilidade solidária com o Ministério da Saúde e com as Secretarias Estaduais
de Saúde (SES). Ao governo federal coube a elaboração da política nacional de Alta
Complexidade e aos governos estaduais e do Distrito Federal a gestão desta política
nos seus respectivos territórios. Aqui é possível visualizar claramente a elaboração
formulada e verticalizada da NOAS SUS a qual traz implícito a idéia que é possível
separar a fase de formulação da fase de implementação, e ainda separar formulação e
gestão da mesma.
A NOAS SUS 01/02 (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2002) estabeleceu ainda
que os municípios habilitados em GPSM que oferecessem em seu território serviços
de alto custo, teriam sob a sua responsabilidade o desempenho das funções relativas
à organização dos serviços, visando assegurar o comando único sobre os prestadores,
enfatizando, também, que ao Ministério da Saúde caberia a definição dos valores dos
recursos destinados ao financiamento destas ações, mas a parcela a ser destinada a
cada município estaria sob a atribuição dos gestores estaduais, de acordo com a PPI e
respeitando o limite financeiro estadual. Novamente se observa o teor verticalizado e
impositivo da referida norma, motivo, entre outros, pelo qual diversos municípios e
estados não aderiram aos seus pressupostos.
A assistência em Alta Complexidade deveria ser programada no âmbito
regional ou macrorregional tendo em vista as especificidades deste grupo: alta
densidade de tecnologia, alto custo, economia de escala, quadro reduzido de
profissionais especializados e concentração de oferta em poucos municípios. A PPI
35
deveria prever quando necessário, a referência para outros estados e o
reconhecimento de pacientes dos demais estados.
A NOAS SUS 01/02 não responsabilizou os municípios pela saúde indígena,
contudo, atribuiu como responsabilidade do estado habilitado em Gestão Avançada
do Sistema ou Gestão Plena do Sistema, o apoio logístico e estratégico às atividades
de atenção à saúde das populações indígenas, em conformidade com os critérios
estabelecidos pela CIT.
Por fim, o processo de implementação da NOAS SUS 01/02 (MINISTÉRIO
DA SAÚDE, 2002) deu-se de maneira formulada e deliberada, embora por vezes
não-realizada semelhante às Normas Operacionais Básicas.
3.3.1 A Rede de Serviços e os Princípios de sua Organização no SUS
Entendendo que a saúde é um bem ao qual todos devem ter acesso, a
sociedade que excluir grupos de pessoas deste bem será uma sociedade doente,
destinada ao fracasso. Embora seja importante e necessária a evolução tecnológica
no sentido de garantir condições de saúde a dada população, não é de um
conhecimento médico avançado, com novas tecnologias que a sociedade precisa para
garantir este acesso de forma equânime, mas sim de planejamento e organização das
formas de prestar os serviços e das diferentes maneiras de produzir atenção à saúde.
Os princípios organizacionais que norteiam o planejamento e a organização
dos serviços são: territorialidade, este garante que em todo o território de um país ou
de um sistema deva estar explícito quais unidades e com qual complexidade
prestarão atenção à população, é com este princípio que as unidades territoriais
mínimas responsabilizam-se pela atenção dos grupos humanos; cobertura, este
garante a toda a comunidade ou grupo humano unido por atividades comuns uma ou
várias equipes assistenciais que lhes prestem serviços; e resolutividade por níveis de
complexidade, este princípio expressa a organização do sistema de saúde de modo a
tornar eficaz e eficiente a utilização dos recursos disponíveis. Entenda-se por
“eficácia o cumprimento das metas propostas e por eficiente a relação existente entre
este cumprimento e a utilização dos recursos disponíveis (BECH, 2002, p. 15)”.
36
Estes níveis estão organizado de forma a constituir uma “rede de atenção”,
isto é, um ordenamento dos serviços localizados em determinado território.
A forma que tem expressado a constituição desta rede no SUS é a pirâmide,
embora posicionamentos críticos proponham desmembrá-la em forma circular. De
qualquer maneira o primeiro nível deverá sempre ser a “porta de entrada” para o
sistema.
BECH (2002) classifica os níveis dos quais se trata e que constituem esta rede
de atenção à saúde, seja ela de forma piramidal ou circular, em:
Nível Primário: este vel compreende dois sub-níveis: um mais básico, o
sub-nível 1, no qual atuam as equipes da Estratégia Saúde da Família, e, o
sub-nível tipo 2, que constitui os profissionais lotados nas policlínicas.
Nível Secundário: compreende os Hospitais de Média Complexidade e
Ambulatórios Especializados.
Nível Terciário: compreende os serviços de alta complexidade.
3.4 O SUBSISTEMA DE ATENÇÃO À SAÚDE INDÍGENA E AS SUAS
BASES CONCEITUAIS
Para orientar a organização dos sistemas municipais de saúde, na década de
90, foi elaborado com base na proposta da Organização Pan-Americana de Saúde
(OPAS) (1992), os Distritos Sanitários (MENDES, 1996). Este modelo
organizacional foi estendido para a atenção à saúde indígena e deu origem a
formulação do Subsistema de Atenção à Saúde Indígena, o qual será amplamente
descrito neste estudo.
“Distrito Sanitário” foi um projeto de mudança das práticas sanitárias voltado
para a eficiência e a eficácia social, para a eqüidade e para a democratização.
Segundo esta estratégia organizacional, o Distrito Sanitário deveria estar instituído
num território, que poderia ser uma microrregião onde se estabeleceria relações
transacionais, ou seja, relações de negociação entre as instituições de serviços de
saúde e os conjuntos sociais. Este território deveria ser um território-processo, um
lugar democrático e de intensa negociação. Mesmo ressaltando a importância deste
37
conceito, bem como da implantação do projeto sob esta base conceitual, MENDES
(1996) não negou a importância de um território-distrito, este então, seria o espaço
físico voltado para a auto-suficiência dos serviços de atenção primária, secundária e
terciária; não deveria ser construído de forma tecnocrática, ou seja, fundado na
predominância de técnicas organizacionais, ou mesmo inventado politicamente.
Demais, o território-distrito não deve ser tecnocraticamente construído ou
politicamente inventado. Normalmente, esse território existe, fruto de
processos sociais de longa maturação, mais ou menos racionais, em que
municípios próximos se organizam em busca de se complementarem em
diversos campos, econômicos e sociais (MENDES, 1996, p.266).
Na concepção de MENDES (1996) a microrregião seria o espaço privilegiado
para a distritalização da saúde, isto é, para a organização dos serviços de acordo com
a proposta de Distrito Sanitário. Contudo, a mesma não deveria ser confundida com a
divisão em macrorregiões político-administrativas intensamente vista nos territórios
estaduais, pois estas seriam divisões a fim de facilitar a administração do território
estadual. Aqui ele também ressalta que a micro-regionalização expressaria o modo
tipicamente brasileiro de operacionalizar o Distrito Sanitário, no entanto para os
municípios haveria a necessidade de se criar outras formas de distritalização
considerando suas formações singulares.
Ainda na perspectiva da distritalização a municipalização é o melhor
caminho, mas não da forma autárquica, e sim através da cooperação entre os
municípios e destes com o estado, no sentido de garantir o acesso da população a
todos os níveis do sistema. O autor é contra o sentido de competitividade existente
entre os municípios gerado pela desconfiança mútua entre os seus governantes
(MENDES, 1996).
O distrito sanitário exige mudança radical dos entes governamentais
porque, respeitadas as diferenças políticas e ideológicas próprias da
democracia, permite instaurar, pela negociação permanente, a possibilidade
da complementaridade e da solidariedade entre diferentes. Esse é, do ponto
de vista gerencial, o fundamento do distrito sanitário (MENDES, 1996,
p.267).
38
A distritalização, como estratégia pretendida, considerou o Distrito Sanitário
um espaço de constante construção da cidadania e da democracia e defendeu a
organização hierarquizada na qual os serviços de saúde deveriam estar organizados
em níveis de atenção distribuídos segundo crescentes densidades tecnológicas. Em
seu trabalho, MENDES (1996) esclarece que o uso do termo densidade tecnológica,
e não complexidade tecnológica como se observa nas NOBs e NOAS, se daria pelo
entendimento que a densidade tecnológica tem relação com a instrumentalização do
serviço, ou seja, na atenção primária tem-se uma baixa densidade tecnológica o que
não significa que se terá, também, uma reduzida complexidade tecnológica.
[...] Falo de densidade tecnológica e, não, de complexidade tecnológica
porque é preciso questionar a idéia de que a atenção primária é de baixa
complexidade tecnológica. [...] Os níveis de atenção constituem diferentes
composições tecnológicas referidas por sua densidade, seu custo e sua
viabilidade para a solução de conjuntos específicos de problemas de saúde
de diferentes naturezas (MENDES, 1996, p.267-268).
Assim, de acordo com a proposta da distritalização a hierarquização deveria
ser construída com base nos problemas e necessidades da população. Para os
problemas de saúde que ocorressem com relativa freqüência os serviços deveriam
dispor de rede mais ampla e para os problemas mais raros corresponderiam a
composições tecnológicas mais densas e, conseqüentemente, mais custosas.
Para MENDES (1996) o encontro da micro-regionalização e da
hierarquização se daria pela necessidade de organizar os serviços de forma a
distribuí-los, adequadamente, num espaço delimitado, buscando otimizar a
produtividade. Aqui também a cooperação seria o caminho, pois ainda é
inimaginável pensar a auto-suficiência de todos os municípios brasileiros (MENDES,
1996).
Tal qual a proposta dos Distritos Sanitários, como estratégia estruturante para
a organização dos serviços, MENDES (1996) defendeu mais duas estratégias: a
Estratégia Saúde da Família, como proposta para organizar a atenção primária no
território municipal e os Consórcios de Saúde, para os demais níveis. Porém,
ressaltou a necessária intercomplementaridade das mesmas, pois do contrário, se a
atenção primária fosse organizada sem a garantia dos demais níveis, se transformaria
39
em atenção seletiva; ou se a atenção secundária e terciária fosse organizada sem a
atenção primária, refletiria na medicalização do sistema.
No contexto do Subsistema de Atenção à Saúde Indígena foram adotados os
pressupostos da proposta da distritalização dando origem aos Distritos Sanitários
Especiais Indígenas (DSEIs). Estes como órgãos representantes da FUNASA, teriam
a responsabilidade pela organização hierarquizada do serviço em Terras Indígenas
com vistas para o modelo Saúde da Família. E, quanto às ações de saúde em nível
secundário e terciário também foi atribuída à FUNASA a função de articular e
pactuar com os municípios envolvidos.
ATHIAS e MACHADO (2001) chamam atenção para a noção de Distrito
Sanitário Especial Indígena que deve estar centrada na organização da prestação de
serviços de saúde pertinentes a cada realidade étnica, de forma que as ações
decorrentes sejam eficazes para determinada população indígena, sendo fundamental
a participação das diversas instâncias organizativas indígenas na formulação das
políticas do setor. As experiências devem apontar os problemas no nível
organizacional, cuja resolução deverá ser encontrada no local.
3.5 UM NOVO MODELO DE ATENÇÃO À SAÚDE: UMA ESTRATÉGIA
PRETENDIDA E (AINDA) NÃO-REALIZADA
Após ampla discussão sobre racionalização do Sistema Único de Saúde,
MENDES (1996) defende em seu trabalho que ela não poderia por si garantir o
sucesso do sistema de saúde brasileiro. Além dela seria necessária uma completa
mudança nos modelos de atenção à saúde predominantes no Brasil: o Médico
Privatista e o Modelo Sanitarista.
BENIGNA et al. (2004) conceituam “modelos de atenção à saúde” como a
combinação de tecnologias utilizadas pela organização dos serviços, que estão
voltadas para as ações sobre o meio, sobre os grupos populacionais e usuários do
sistema. Estas tecnologias devem estar disponíveis nas unidades de serviços e devem
ser organizadas de acordo com suas diferentes densidades tecnológicas.
40
TEIXEIRA (2006a) atribui três dimensões ao conceito de modelo
assistencial: a dimensão gerencial, a dimensão organizativa e a dimensão técnico-
assistencial, ou operativa. A dimensão gerencial inclui os mecanismos de condução
da reorganização das ações e serviços de saúde. A dimensão seguinte, a organizativa,
diz respeito às relações entre as unidades de serviços, tendo em vista sua disposição
em níveis hierárquicos de densidades tecnológicas; e a dimensão técnico-assistencial
ou operativa inclui as relações dos profissionais de saúde e os usuários, relações
mediadas pelos saberes e pelas tecnologias voltadas para a promoção da saúde,
prevenção de riscos/agravos e recuperação/reabilitação.
No entendimento de TEIXEIRA (2006a) para que ocorra a tão desejada
transformação do modelo de atenção à saúde é necessária a conjunção de propostas
de mudança para estas três dimensões, a saber: na dimensão gerencial, a inclusão de
novas tecnologias de gestão que proporcionem maior apreensão das reais
necessidades e problemas de saúde podem favorecer a mudança nas práticas ao
focarem as ações nas causas e não nos efeitos. Ainda na dimensão gerencial destaca-
se a importância de mecanismos de controle e avaliação do processo de prestação de
serviços no sentido de adequar a oferta às necessidades e problemas de saúde da
população, evitando desta forma que os convênios entre o setor privado e o público
sejam formas de consolidar ainda mais os perversos efeitos da lógica do mercado no
setor saúde.
Na dimensão organizativa, a autora destaca a readequação da proporção de
serviços de saúde com vistas para a ampliação da rede básica e, o incremento das
relações hierárquicas entre os níveis de densidade tecnológica, ou seja, o
estabelecimento de um pacto de responsabilidades entre os municípios envolvidos
focando para a micro-regionalização da saúde.
E, por fim, na dimensão técnico-assistencial faz-se a defesa por mudanças no
processo de trabalho em saúde numa perspectiva de superar o modelo centrado na
demanda espontânea através da ênfase na prevenção de riscos/agravos e promoção
da saúde das pessoas e dos grupos populacionais.
Para MENDES (1996) a mudança deve ser na concepção do processo saúde-
doença e no paradigma sanitário, ambos embasando as novas práticas sanitárias, ou
seja, os novos modelos de atenção à saúde.
41
A construção social de um novo sistema de saúde está fundada em três
categorias centrais: a concepção do processo saúde-doença, o paradigma
sanitário e a prática sanitária. Essas categorias, que se interfluenciam,
estão, num dado momento e numa determinada sociedade, socialmente
acumuladas e determinam a forma como se estrutura a ordem governativa
da cidade (MENDES, 1996, p.235).
MENDES (1996) segue sua defesa destacando a urgência de uma reforma
profunda no modo de atender a população em suas necessidades de saúde, ou seja, é
necessário que se uma mudança no sistema de crenças da população no que diz
respeito a sua própria concepção de saúde e de doença. Esta mudança seria
caracterizada como um processo, pois leva tempo e porque deve se concretizar num
ambiente democrático, onde diferentes atores sociais se façam presentes.
Assim, este autor faz sua análise referindo-se a evolução da concepção do
processo saúde-doença que muito lentamente se aproxima da concepção de qualidade
de vida e ainda mais lentamente se afasta de uma vinculação com as doenças e a
morte. Esta vinculação está balizada em duas fundamentações antigas sobre o
processo saúde-doença: uma é a concepção monocausal e a outra a multicausal.
Ambas sintetizam a idéia de que saúde é a ausência de doença e, portanto, a
organização dos serviços deve ser voltada para a prática médica no sentido de
prevenir e de curar. Estes elementos ideológicos são originários das concepções do
Relatório Flexner, de 1910, e constituem as bases do Modelo Médico-Assistencial
Privatista, herança do período inampsiano e modelo predominante nas práticas de
saúde do SUS, juntamente com o Modelo Assistencial Sanitarista.
Nesse contexto, o paradigma hegemônico flexneriano se expressa por meio
dos seguintes elementos: mecanicismo, biologismo, individualismo, especialização,
tecnificação e curativismo. Está completamente alinhavado com as concepções
monocausal e multicausal do processo saúde-doença e fundamenta a prática de
atenção médica vigente.
A prática da atenção médico-privatista preconiza uma quantidade cada vez
maior de serviços médicos de saúde, ofertados individualmente e destinados a curar
e/ou reabilitar; quanto mais serviços mais pessoas serão curadas. Para isto estabelece
como meios a clínica e o uso cada vez mais crescente de tecnologias avançadas. Essa
prática hegemônica admitindo como concepção de saúde a ausência de doença,
42
admite também, que cada problema tem uma ou várias causas e para resolvê-lo basta
identificá-las e propor a melhor terapêutica. Esta prática está na raiz da crise da saúde
no Brasil e no mundo.
PAIM (1993b) esclarece as diferenças entre os modelos: Médico-Assistencial
Privatista e o Sanitarista. O primeiro está voltado para a demanda espontânea e
incentiva o indivíduo a buscar auxílio de saúde quando estiver doente; é o modelo
mais prestigiado atualmente, embora não contemple o conjunto dos problemas de
saúde da população. o segundo, o Modelo Assistencial Sanitarista corresponde à
prática tradicional de saúde pública onde os focos são as campanhas de vacinação, o
combate às epidemias, a re-hidratação oral etc, além dos programas especiais de
tuberculose, hanseníase, diabetes, saúde da criança, saúde da mulher etc.
TEIXEIRA (2006b) ao defender a “integralidade” nas suas dimensões de
sistemas integrados e articulação de práticas de saúde, destaca um dos principais
desafios para a consolidação do Sistema Único de Saúde: a reprodução do modelo
médico assistencial hospitalocêntrico e privatista. Este, segundo a autora, envolve
determinações econômicas e políticas que se consolidam nas relações entre o Estado,
as empresas multinacionais de medicamentos e equipamentos médicos e entre o
empresariado nacional e multinacional da área da saúde.
Para que ocorra a reforma do modelo de atenção de se fazer a substituição
do paradigma flexneriano pelo paradigma da produção social da saúde cujos
elementos são originários de ações intersetoriais (MENDES, 1996).
A teoria da produção social admite que com exceção da natureza em si, tudo é
produto da ação do homem. Logo, produção social é a produção de bens e de
serviços econômicos e não-econômicos (produção política, ideológica, cognitiva,
organizativa e cultural) voltados para a acumulação de um determinado fenômeno: a
saúde como qualidade de vida. Segundo esta teoria para o fenômeno saúde não deve
existir apenas um setor responsável, no caso o setor de saúde, mas deve ser fruto da
ação de vários setores interligados o que leva às concepções de interdisciplinaridade
e intersetorialidade.
43
A teoria da produção social, ao alicerçar no conceito de situação, permite
romper com a setorialidade da realidade, a qual não encontra guarida no
mundo das coisas. Dessa forma, a produção social da saúde, além de dar
conta de um estado de saúde em permanente transformação porque
passível de acumulação e desacumulação permite a ruptura com a idéia
de um setor saúde, erigindo-a como produto social resultante de fatos
econômicos, políticos, ideológicos e cognitivos. O que significa,
necessariamente, inscrevê-la, como campo do conhecimento, na ordem da
interdisciplinaridade e, como prática social, na ordem da intersetorialidade
(MENDES, 1996, p.241).
Na concepção da OPAS (1992) a saúde individual e coletiva é o resultado de
complexas interações entre os processos biológico, ecológico, cultural e econômico-
social que ocorrem na sociedade. Sendo assim, saúde não depende unicamente dos
condicionantes biológico e genético, mas depende também das relações sociais que
predominam na sociedade; por isto reforça o entendimento, que a saúde é
determinada por um processo histórico onde a própria saúde é apenas uma das
manifestações ocorridas.
Além disso, acrescenta que a situação de saúde das populações é uma das
manifestações que determina as características da sociedade, e ao mesmo tempo é a
dinâmica e a estrutura da sociedade que configura o nível de saúde da população
como um todo. A dinâmica e a estrutura de que se trata são as forças produtivas em
desenvolvimento e suas relações sociais, ou seja, é o modelo econômico e a forma
como ele se insere no sistema econômico internacional, é a organização do Estado e
as relações políticas que caracterizam a sua história. Além desse contexto social,
econômico e político, a saúde também é determinada pelas condições naturais de
onde uma sociedade se desenvolve, isto é, o clima, o solo, as características
geográficas, a hidrografia e os recursos naturais disponíveis (ORGANIZAÇÃO
PAN-AMERICANA DE SAÚDE, 1992).
Na década de 1970, frente à insuficiência das teorias monocausal e
multicausal para as doenças crônicas e de causas externas surgiram questionamentos
sobre o processo saúde-doença que se contrapunham às concepções vigentes e
buscavam articular quatro dimensões explicativas: a biologia humana, os estilos de
vida, o meio ambiente e os serviços de saúde.
Na década de 1980 durante a I Conferência Internacional sobre Promoção da
Saúde surgiu um dos documentos mais importantes da saúde pública moderna, a
44
Carta de Otawa, onde a paz, a educação, a habitação, a alimentação, a renda, um
ecossistema estável, a conservação dos recursos, a justiça social e a eqüidade são
requisitos fundamentais para a saúde.
Esta nova concepção do processo saúde-doença embasa os Modelos
Assistenciais Alternativos propostos com vistas à integralidade da atenção e ao
impacto sobre os problemas de saúde (BENIGNA et al., 2004). Ao defender uma
nova prática de saúde MENDES (1996) cita como modelos alternativos: o Modelo de
Lalonde, o de Paim e Teixeira, o de Cardinal e Pageau e o Modelo de Castellanos.
TEIXEIRA (2006a) faz uma análise detalhada dos modelos de atenção à
saúde propostos para tornar efetiva a Reforma Sanitária brasileira. Esta autora fala
sobre o modelo “em defesa da vida”, o modelo de “ações programáticas em saúde”, o
modelo de “vigilância da saúde”, a proposta “saúde da família” e a proposta da
“promoção da saúde”, partindo de estratégias voltadas especificamente para o nível
micro dos processos de trabalho em saúde até as propostas que buscam mudanças em
nível macro, ou seja, no contexto da elaboração das políticas de saúde.
3.5.1 O Modelo em Defesa da Vida
O Modelo em Defesa da Vida tem sua origem nos estudos e reflexões de
docentes e pesquisadores do LAPA-UNICAMP ao longo da década de 1990. O
objeto central da análise é o processo de trabalho em saúde, e seu propósito é criar
mecanismos que favoreçam o estabelecimento de novas relações entre os gestores, os
trabalhadores e os usuários, mediadas pela autonomia e pela reconstrução das
subjetividades. Esse modelo busca substituir não os pressupostos organizacionais
e de relação estabelecidos pelo modelo hegemônico da prática médica e sanitarista,
mas também, as propostas derivadas das idéias de descentralização, regionalização e
hierarquização de unidades de prestação de serviços pelos processos que privilegiam
o acolhimento, os vínculos, o contato e a autonomia dos trabalhadores e usuários na
organização da atenção à saúde. Dentre as vantagens desse modelo cita-se a
problematização da (des) humanização do atendimento focando para a percepção da
população frente ao sistema de saúde e a prática médica especializada, cuja
sofisticação tecnológica e o consumo de medicamentos impera. Sua lacuna, segundo
45
TEIXEIRA (2006a), se é que pode se considerar isto uma desvantagem frente aos
fundamentos filosóficos e metodológicos desta proposta, é a falta de uma estratégia
macro-organizacional do sistema.
3.5.2 O Modelo de Ações Programáticas
O Modelo de Ações Programáticas é a proposta do grupo de docentes e
pesquisadores do Centro de Saúde Escola Samuel Pessoa da Universidade de São
Paulo (USP). Este modelo parte do princípio que a programação é uma tecnologia
que deve ser utilizada na reorganização do processo de trabalho. Seus defensores
propõem a intervenção das ações programáticas sobre as necessidades sociais de
saúde definidas por critérios demográficos, sócio-econômicos e culturais. Essa
proposta é uma alternativa aos programas especiais ou pacotes tecnológicos
(TEIXEIRA, 2006a) incorporados aos serviços de saúde, e derivam de
conhecimentos científicos que devem subsidiar as normas técnicas a serem seguidas
universalmente. Entretanto, estes programas têm sido implantados de forma vertical
e normativa sem levar em consideração as características específicas da população
alvo, além disso, não propõe estratégias para o vel macro-organizacional do
sistema e desconsidera as ações de prevenção de riscos e agravos, apesar de ter a
Epidemiologia como sua principal aliada.
3.5.3 O Modelo de Vigilância da Saúde
O Modelo de Vigilância da Saúde tem suas origens nas experiências
vivenciadas no âmbito do Distrito Sanitário (DS) implantado na cada de 1980 que
se originou da proposta de Sistemas Locais de Saúde (SILOS). Esse modelo de
atenção surgiu como forma específica para caracterizar a integração das práticas de
saúde no território do DS e prevê a elaboração de políticas públicas saudáveis que
envolvam setores governamentais, numa perspectiva intersetorial, e organizações
não-governamentais, ambos voltados para a melhoria das condições de vida das
pessoas. Além disso, ela preconiza a reorganização das ações de vigilância
46
ambiental, sanitária, epidemiológica, de assistência e de reabilitação, todas dirigidas
para o atendimento das necessidades e demandas de indivíduos e grupos
populacionais.
O termo “vigilância” foi primeiramente utilizado na década de 1950 para
representar inteligência epidemiológica tendo em vista o momento que o mundo
vivia, isto é, Pós-segunda Guerra Mundial. Mais tarde foi utilizado o termo vigilância
epidemiológica num relatório da Organização Mundial de Saúde (OMS) destinado a
combater a malária no mundo; em seguida a vigilância sanitária tornou-se uma
prática para controlar o consumo de alimentos pela população. E, atualmente o termo
vigilância de saúde busca expressar muito mais que a articulação entre vigilância
sanitária e vigilância epidemiológica, pois expressa a busca racional para o
enfrentamento coletivo dos problemas implicando numa visão holística, integral, de
todas as dimensões do processo saúde-doença (MENDES, 1996).
A operacionalização desse modelo conduz a valorização da regionalização e
hierarquização dos serviços de saúde, pois pretende dar conta do princípio da
integralidade tanto vertical (organização de serviços segundo níveis de densidade
tecnológica), quanto horizontal (articulação entre as ações de promoção da saúde,
prevenção de riscos, assistência e recuperação). Não propõe estratégias para o
processo de trabalho por isso dialoga com o modelo de ações programáticas tendo
em vista sua base nos pressupostos do planejamento estratégico situacional e tem se
aproximado do debate sobre a Promoção da Saúde.
A citação seguinte reforça a proposta holística deste modelo de atenção:
A vigilância da saúde como prática sanitária, portanto resposta social
organizada aos problemas de saúde em todas as suas dimensões, organiza
os processos de trabalho em saúde mediante operações intersetoriais,
articuladas por diferentes estratégias de intervenção. As estratégias de
intervenção da vigilância da saúde resultam da combinação de três grandes
tipos de ações: a promoção da saúde, a prevenção da doença e a atenção
curativa (MENDES, 1996, p.245).
3.5.4 O Modelo Saúde da Família
O Modelo de Atenção Saúde da Família originou-se no movimento de
reorganização da prática médica nos EUA com a finalidade de ampliar o objeto de
47
trabalho para além dos indivíduos, suas famílias. Na América Latina esta proposta
foi associada primeiramente aos princípios da Medicina Comunitária e depois
absorvida pela política de organização da Atenção Primária à Saúde. As disciplinas
que fundamentam esse modelo de atenção buscam organizar um modelo balizado na
complementaridade e na hierarquização dos serviços, nas equipes multiprofissionais
de saúde, na utilização das informações epidemiológicas para o planejamento e
programação das ações de saúde e na busca pela integralidade das práticas no âmbito
da Atenção Primária, ou como se convencionou, no âmbito da Atenção Básica.
A Saúde da Família enquanto política no Brasil foi formulada para atender as
necessidades de saúde das regiões Norte e Nordeste, mais tarde foi re-apropriada e
redefinida para compor o Programa de Agentes Comunitários (PACS) e na seqüência
o Programa Saúde da Família (PSF). Portanto, a partir da década de 1990 a Saúde da
Família deixou de ser um programa verticalizado voltado para as populações
excluídas do consumo de serviços para ser considerada uma estratégia de mudança
do modelo de atenção à saúde do Sistema Único de Saúde. Mais que um instrumento
de reorganização da política nacional a Saúde da Família é uma estratégia de
mudança que conjuga outras mudanças na organização da atenção de média e alta
densidade tecnológica. Contudo, também apresenta algumas lacunas que podem ser
superadas pelo modelo de Vigilância da Saúde e Promoção da Saúde (TEIXEIRA,
2006a).
3.5.5 A Proposta Internacional da Promoção da Saúde
Henry Sigerist (1891-1957) criou o termo “promoção da saúde” atribuindo
sua prática como uma das tarefas da medicina. Mais tarde o conceito de promoção da
saúde evoluiu à medida que o conceito de “saúde” também passava por
transformações. Foi no pós-guerra que a promoção da saúde passou a ser entendida
como um conjunto de atividades desenvolvidas no nível de prevenção primária de
Leavell e Clark (1987 apud TEIXEIRA 2006c).
Entretanto foi nos anos de 1970 por ocasião do Relatório de Lalonde, no
Canadá, que esta proposta passou a enfatizar as mudanças necessárias das ações
voltadas para os estilos de vida das pessoas tendo em vista os riscos a que se
48
expunham. Na década seguinte, na Conferência de Otawa, também no Canadá, a
concepção de Promoção da Saúde foi apresentada como um novo “olhar” político e
técnico sobre o processo saúde-doença-cuidado, e nas sucessivas conferências
realizadas nos anos seguintes as propostas oriundas dessa concepção enfatizaram a
idéia de “cidades saudáveis”, a formulação de políticas públicas saudáveis e o
desenvolvimento da intersetorialidade das ações. Aqui a Promoção da Saúde está
associada a valores tais como desenvolvimento sustentável, cidadania, democracia,
participação e parcerias e, conduz à integração de estratégias que envolvem o Estado,
a comunidade, os indivíduos, o sistema de saúde e as parcerias institucionais numa
perspectiva de todos serem responsáveis pelos problemas e pelas suas soluções.
No Brasil as propostas embutidas na Promoção da Saúde tomaram maior
proporção nos anos de 1990 juntamente com o processo de municipalização das
ações e serviços e, em 1998, o Ministério da Saúde (MS) criou o projeto de
Promoção da Saúde tendo-o como estímulo e difusão de um conjunto de experiências
inovadoras do SUS (TEIXEIRA, 2006c). Em 2002, formulou a Política Nacional de
Promoção da Saúde (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2002) e abriu para a discussão.
Embora as idéias dessa proposta estejam sendo paulatinamente aderidas pela
Política Nacional de Saúde brasileira, exemplo disso cita-se o Programa de Controle
do Tabagismo, de Controle da AIDS, da Violência, pela Promoção da Paz, Programa
de Agentes Comunitários (PACS) e Programa de Saúde da Família (PSF), uma das
formas de maior difusão e incorporação da Promoção da Saúde é a criação de
“cidades saudáveis”. Esta proposta implica numa inovada visão da gestão
governamental focada para a cidadania e para o envolvimento criativo da
comunidade nas ações intersetoriais dirigidas à melhoria das condições de vida das
pessoas (TEIXEIRA, 2006b).
Sob o ponto de vista conceitual a Promoção da Saúde leva a maiores
reflexões sobre o próprio conceito de saúde, sobre as diferenças entre prevenção e
promoção e entre risco e vulnerabilidade.
TEIXEIRA (2006c) reforça que o desenvolvimento do debate político entre
os órgãos governamentais e a população organizada nos Conselhos de Saúde sobre a
Promoção da Saúde pode substituir a ênfase dada aos aspectos gerenciais, financeiros
e organizacionais da assistência à saúde e desenvolver um processo mais amplo de
49
democratização do acesso na perspectiva do empoderamento, da acumulação de
saber e de poder da população.
Ainda na opinião da autora mesmo que estas idéias fomentem reflexões e
interfiram na elaboração das políticas sociais as mesmas não dão conta de atender
aos problemas específicos da organização do modelo de atenção à saúde e se faz
importante sua integração com outros modelos tais como o da Saúde da Família e da
Vigilância da Saúde. Entretanto, sua discussão se justifica na medida em que renova
as perspectivas e abre diálogo para além do espaço da governabilidade das
instituições gestoras do sistema de saúde apontando para a reorientação das práticas
de saúde sobre as condições e modos de vida da população.
50
4 METODOLOGIA
4.1 OBJETO DE ESTUDO
O objeto de estudo deste trabalho foram as estratégias utilizadas pelos atores
envolvidos a fim de garantir o acesso aos veis de atenção à saúde para os usuários
indígenas referenciados ao Pólo-Base Rondonópolis.
4.2 LOCAL DE ESTUDO
O local de estudo foi o Pólo-Base Rondonópolis representado pela CASAI
Rondonópolis localizada no município de Rondonópolis, no Estado de Mato Grosso.
Este município encontra-se a cerca de 250 km de distância da capital Cuiabá e tem
sido referência para todos os usuários residentes na Microrregião Sul Mato-
grossense, além de alguns municípios vizinhos localizados em outras microrregiões,
por disponibilizar uma rede de serviços de saúde que contempla desde a atenção
básica até media complexidade nível 1, 2 e 3.
4.3 TIPO DE PESQUISA
O presente estudo é uma avaliação da política de saúde voltada para a
inclusão dos usuários indígenas referenciados ao Pólo-Base Rondonópolis e que dele
necessitam para dar continuidade no acesso aos serviços de saúde com qualidade em
todos os veis de densidade tecnológica. O tipo de pesquisa escolhido para
contemplar o objeto e os objetivos propostos foi a “avaliação qualitativa delineada
pelo Estudo de Caso”.
Sendo assim, convém destacar que conceitos como eqüidade, democracia,
pluralidade, solidariedade e justiça são apenas alguns dos muitos termos que
envolvem os espaços estruturais das mais diversas ordens. Esses discursos estão
muito claramente expostos no âmbito da avaliação das políticas de saúde,
principalmente nos trabalhos que questionam os modelos tradicionais ou positivistas
51
de caráter hierárquico e autoritário. Os trabalhos que se caracterizam por combater o
modelo tradicionalmente utilizado nas avaliações das políticas de saúde, na verdade,
constituem-se em movimentos contra-hegemônicos entendidos como “emergentes” e
que podem receber várias denominações, tais como avaliação participativa,
democrática, de atribuição de poder, de quarta geração, interpretativa ou crítica
(MERCADO et al., 2006).
Para AYRES (2004) a avaliação, em termos científicos, compreende um
conjunto de procedimentos sistemáticos que tem por objetivo fornecer maior
visibilidade ao “que é feito” tendo como referência o “que se pode e/ou se quer
fazer” respeitando o interesse, a efetividade, a operacionalidade e a qualidade de
ações, tecnologias, serviços ou programas de saúde.
PAZOS (2002) acredita que a avaliação tem fins muito diversos e cita como
exemplo apoiar as decisões políticas, a aprendizagem social, a promoção da
democracia e o aperfeiçoamento da gestão, etc. MINAYO e NETO (1999 apud
MERCADO et al. 2006) contribuem com a discussão no sentido de considerar os
atores do programa não como objeto de análise, mas como sujeitos de auto-
avaliação, objetivando que durante o processo eles possam se apropriar da
compreensão dos dados com o intuito de fazer mudanças e melhorar as ações. Nesta
linha de pensamento a avaliação assume duas perspectivas: uma de guiar localmente
a ação informando as transformações ocorridas e, a outra, é de atualizar os modelos e
teorias dos atores a fim de que possam apreender os mecanismos postos em prática
na produção dos eventos. Estes posicionamentos teóricos com relação ao processo
avaliativo contribuem para fundamentar o objeto de estudo deste trabalho, pois
objetiva-se conhecer o que é prescrito e identificar o que de fato ocorre tendo em
vista o contexto loco-regional e as experiências vividas pelos sujeitos.
Assim, destaca-se no campo da saúde a avaliação de sistemas, organização de
serviços e da atenção à saúde, quer como ferramenta de gestão na tomada de decisões
ou alocação de recursos de forma mais adequada, quer como instrumento de
democratização e empoderamento da população.
Os modelos emergentes argumentam ser a avaliação tradicional um modelo
que se interessa especialmente pela medição do impacto, do desempenho ou dos
resultados das políticas e programas, além de priorizar o olhar de um ator somente, o
52
especialista ou o profissional, excluindo os demais pontos de vista, os valores, as
experiências e as práticas de outros atores e grupos sociais (MERCADO et al., 2006).
Considerando que todo o processo de pesquisa advém de um estilo seja ele
quantitativo ou qualitativo, ainda que em alguns casos ambos possam ser associados,
é importante destacar que “avaliações tradicionais” estão pautadas em estudos
quantitativos cujo ato de medir e de analisar as relações causais entre as variáveis
tem um papel preponderante.
Os enfoques emergentes estão baseados em outros paradigmas chamados de
interpretativos, críticos ou participativos. O paradigma que fundamenta o processo
avaliativo deste trabalho é o apresentado por DENZIN e LINCOLN (2006), o
paradigma construtivista. Este baliza um modelo de avaliação que envolve a
participação de uma variedade de atores em todas as etapas do processo objetivando,
entre outros, o aprendizado.
Para DENZIN e LINCOLN (2006) todos os processos de pesquisa qualitativa
devem estar fundamentados em um dos quatro paradigmas interpretativos que os
subsidiam. “Paradigmas” são: um conjunto de crenças que fundamentam as ações do
pesquisador, isto é, refletem a maneira como o pesquisador entende o mundo a ser
investigado. Na pesquisa qualitativa os paradigmas interpretativos podem ser
divididos em quatro tipos: positivista e pós-positivista, construtivista-interpretativo,
crítico (marxista, emancipatório) e feminista-pós-estrutural.
No paradigma construtivista são admitidas diversas realidades, ou seja,
dependendo das experiências vividas o sujeito entende o papel do ser humano e a sua
realidade de forma diferente que seu semelhante. Este paradigma também expressa
uma epistemologia subjetivista onde o pesquisador e o entrevistado trabalham juntos
para compreender a realidade observada e vivida conhecendo e refletindo sobre as
diversas práticas do cotidiano. Ainda para estes autores o objetivo investigativo do
paradigma construtivista é a compreensão e a reconstrução dos fatos, isto quer dizer
que a natureza do conhecimento está na reconstrução individual que cada um dos
envolvidos, sujeitos e pesquisador, faz com as informações encontradas. O processo
investigativo construtivista está inclinado para a revelação de problemas especiais
onde o próprio pesquisador é um participante apaixonado e que se torna um
facilitador da reconstrução das diversas vozes que surgiram ao longo da pesquisa.
53
Por isso, há de se ter em mente que os enfoques emergentes admitem quatro
características que contribuem para uma boa prática avaliativa: a participação, a
aprendizagem, a negociação e a flexibilidade. Entretanto, a sua característica mais
marcante é a urgência de envolver os principais atores nas políticas e programas além
de ressaltar a necessidade de se ultrapassar as abordagens disciplinares específicas
para ações inter ou multidisciplinares; inclusive, alguns deles propõem relacionar os
processos econômicos ou estruturais à dimensão subjetiva e experimental das
avaliações.
Sendo um estudo avaliativo qualitativo, ressalta-se a importância da
compreensão dos pressupostos que balizam, também, a pesquisa qualitativa. De
acordo com FLICK (2004) a pesquisa qualitativa vem sendo utilizada cada vez mais,
e à medida que os pesquisadores se deparam com novos contextos e situações nas
quais as abordagens puramente quantitativas fracassam na diferenciação de objetos,
DESLANDES e GOMES (2004) ressaltam que embora o foco da abordagem
qualitativa compreenda o significado das ações sociais, ela também está ancorada em
diferentes bases disciplinares, metodológicas e paradigmáticas; por exemplo, os
pressupostos do paradigma construtivista. Esses autores também destacam que a
abordagem qualitativa deve ser utilizada nos estudos de instituições, grupos,
movimentos sociais e conjunto de interações pessoais.
Sobre a abordagem qualitativa aplicada à gestão de programas, MINAYO et
al. (2005) lembram que em uma investigação qualitativa trabalha-se com atitudes,
crenças, comportamentos e ações, buscando entender a maneira com que as pessoas
interpretam e conferem sentido às suas experiências e ao mundo em que vivem.
Compreendendo que a inclusão dos usuários indígenas no SUS depende de
uma abordagem diferenciada levando em conta a sua diversidade étnica e cultural
acredita-se ser fundamental conhecer as estratégias que garantem a estes usuários o
acesso aos serviços de saúde, bem como a sua satisfação frente o Pólo-Base
Rondonópolis e a relação deles com os demais atores envolvidos neste contexto.
Assim, a busca por dados primários ou secundários proporcionou um aprendizado
mútuo que apontou para o fortalecimento da luta pelo empoderamento e pela
cidadania.
54
Fazendo uso de uma abordagem qualitativa foi escolhido o Estudo de caso
como estratégia metodológica para este trabalho, uma vez que ele é indicado quando
se colocam questões do tipo “como” e “por quê” em situações onde o pesquisador
tem pouco controle sobre os acontecimentos e quando o objeto de estudo se encontra
nos fenômenos contemporâneos inseridos num contexto de vida real (YIN, 2005).
YIN (2005) ainda acrescenta que os estudos de caso podem contribuir com o
conhecimento que se tem dos fenômenos individuais, organizacionais, sociais,
políticos e de grupo, e que tem se constituído numa importante estratégia de pesquisa
em diversas áreas, tais como a psicologia, a sociologia, a ciência política, o trabalho
social, a administração e o planejamento social.
Tendo em vista as questões que nortearam a autora na escolha do objeto,
apresentadas na Introdução, o estudo de caso se mostrou como o delineamento de
pesquisa que melhor poderia contemplar a formulação do Subsistema de Atenção à
Saúde Indígena e a sua implementação no contexto do Pólo-Base Rondonópolis com
vistas para a garantia do acesso aos níveis de atenção à saúde.
GIL (1996) lembra que embora o estudo de caso se apresente com grande
flexibilidade em relação ao seu desenvolvimento, na maioria dos estudos é possível
distinguir pelo menos quatro fases: a delimitação da unidade-caso; a coleta de dados;
a análise e interpretação dos dados; e, redação do relatório. “O primeiro
procedimento consiste na delimitação da unidade que constitui o caso em estudo”
(GIL, 1996, p.121), ou seja, o Pólo-Base Rondonópolis. Entretanto, o delineamento
do caso não é uma tarefa fácil, pois segundo este autor, é difícil nos estudos de caso
determinar a quantidade de informações necessárias sobre o objeto delimitado.
Assim, como não existem limites pré-estabelecidos o pesquisador precisa de certa
intuição no sentido de perceber quais dados são suficientes para se compreender o
objeto como um todo.
STAKE (1995) identifica três tipos de estudos de caso: intrínseco, aquele que
busca o melhor entendimento de um caso particular; instrumental, em que o caso
particular é examinado principalmente em busca de informações sobre o tema. Deste
modo o caso é de interesse secundário e tem um papel de suporte; e o modo coletivo,
o qual se caracteriza em um estudo instrumental ampliado para múltiplos casos.
55
Segundo YIN (2005) os estudos de caso assumem um lugar de destaque na
pesquisa avaliativa, e identifica diferentes possibilidades de aplicá-los, a saber: para
explicar os vínculos causais em intervenções que são complexas demais para as
estratégias experimentais ou de levantamentos; para descrever uma intervenção e o
contexto em que ocorre; para ilustrar certos picos dentro da avaliação; e, para
explorar situações nas quais a intervenção que está sendo avaliada não apresenta um
conjunto simples e claro de resultados.
Este trabalho caracterizou-se por um “estudo do caso do tipo instrumental”
porque buscou-se informações sobre o processo de descentralização e hierarquização
do SUS na Microrregião Sul Mato-grossense com ênfase no município de
Rondonópolis, sobre a formulação e implementação do Subsistema de Atenção à
Saúde Indígena e sobre a garantia do acesso aos serviços quando os usuários são
indígenas, sendo o Pólo-Base Rondonópolis de importância secundária, embora
necessária para dar suporte aos achados. Além de instrumental, este estudo também
pode ser caracterizado de “exploratório” devido ao fato das informações previamente
conhecidas serem incipientes e demasiadamente complexas para o entendimento
comum.
4.4 COLETA DE DADOS
O segundo procedimento que caracteriza o estudo de caso apresentado por
GIL (1996) consiste na coleta de dados que é feita mediante vários instrumentos.
Destes os mais utilizados, segundo este autor, são: a observação, a análise
documental, a entrevista e a história de vida. Neste trabalho foram utilizados o
levantamento bibliográfico, a análise documental, a observação não-participante, o
diário de campo e a entrevista, esta do tipo semi-estruturada e aberta. A primeira foi
realizada com os gestores, coordenadores, profissionais de serviço de saúde e
conselheiros municipais; a segunda com os usuários em trânsito (ANEXOS).
Segundo FLICK (2004) as entrevistas semi-estruturadas têm sido utilizadas
porque possibilitam o entrevistado fornecer informações não previstas e que se
correlacionam às questões previamente formuladas. Logo, a entrevista semi-
estruturada embora tenha algumas questões elaboradas contempla em seu
56
planejamento certa abertura e, isto a diferencia das entrevistas padronizadas ou
estruturadas. Assim, entre os tipos de entrevistas semi-estruturadas expostas por
FLICK (2004) utilizou-se neste estudo a entrevista do tipo “semi-estruturada
centralizada no problema”. Esta aplicada principalmente na psicologia alemã
consiste na utilização de um guia da entrevista que reúne algumas questões e
estímulos narrativos.
a entrevista do tipo aberta consiste na elaboração de um roteiro que deve
ser armazenado na memória do entrevistador possibilitando este conduzir o
entrevistado a respostas abrangentes e profundas. Este instrumento, embora de
relativa facilidade na sua elaboração, exige grande conhecimento do entrevistador
quanto ao objeto de estudo (MINAYO, 2006).
Assim, no primeiro momento foi privilegiada a contextualização do Estado de
Mato Grosso e do município de Rondonópolis que foi feita a partir de referências
bibliográficas, análise documental e com os dados provenientes da pesquisa de
campo. Foram utilizados os acervos bibliográficos da Biblioteca Universitária do
Centro Universitário de Várzea Grande (UNIVAG) e da Faculdade de História e
Geografia da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT); as informações
relacionadas à localização geográfica, aspectos físico-bióticos, sociais e econômicos
foram obtidas na página virtual da Secretaria de Planejamento do Estado de Mato
Grosso (SEPLAN/MT) (www.seplan.mt.gov.br). O levantamento histórico dos
instrumentos legais que deram forma ao Subsistema de Saúde Indígena foi obtido
através da Biblioteca Virtual da FUNASA (www.funasa.gov.br
); o acesso ao PDR
foi através de solicitação oficial à Secretaria Estadual de Saúde de Mato Grosso
(SES/MT); o PDSI foi fornecido pela Coordenação Regional da FUNASA no Estado
de Mato Grosso (CORE/FUNASA/MT). Também foram levantados artigos
científicos relacionados ao tema na Biblioteca Científica Virtual Scielo
(www.scielo.br
).
Em seguida foram realizadas as entrevistas conduzindo os entrevistados ao
tema proposto, porém sem eliminar as possibilidades de novos dados e informações
serem encontrados. Assim, elas partiram de um questionamento pré-formulado que
ofereceu base para novas indagações à medida que as respostas eram recebidas. No
total foram entrevistadas 49 pessoas das quais cinco eram gestores, cinco
57
coordenadores de saúde, dois gerentes de Unidade Básica de Saúde (UBS), dois
conselheiros municipais de saúde, 29 profissionais de saúde das diversas áreas de
atuação e seis usuários indígenas hospedados na CASAI Rondonópolis. Foram feitas
gravações sonoras que posteriormente foram transcritas, e observação o
participante.
A pesquisa de campo teve início logo após o período da pesquisa
bibliográfica e análise documental, e compreendeu o período entre maio e novembro
de 2007. Inicialmente foi feito contato telefônico com a Secretaria Municipal de
Saúde de Rondonópolis, Departamento de Atenção Básica, para solicitar acesso aos
dados secundários referentes ao atendimento dos índios na rede municipal de saúde.
Após o consentimento foram realizados os contatos com os gerentes das unidades de
saúde, tanto da rede básica quanto da assistência em média complexidade,
ambulatorial e hospitalar, sendo então agendadas as entrevistas.
Entretanto, no primeiro momento da pesquisa de campo foi verificado que
Rondonópolis não tinha nenhum registro oficial dos atendimentos realizados para
usuários indígenas, sendo necessário recorrer aos registros da CASAI Rondonópolis,
seguindo orientação do Setor de Ações Programáticas da Secretaria Municipal de
Saúde.
Na CASAI Rondonópolis foram encontrados registros ambulatoriais
catalogados no período de dezembro de 2006 a março de 2007, e registros
hospitalares de junho de 2006 a março de 2007. A partir destes registros foi utilizado
o Formulário de Registro de Documentos de Referência com o objetivo de levantar
dados secundários referentes aos indicadores demográficos (sexo e idade), aldeia de
residência, dia do atendimento, procedimento referenciado, nome do serviço
referenciado com o município de referência, etc. Com estes dados foi possível
estabelecer o fluxo formal para os usuários indígenas registrados, bem como os
principais atendimentos providos.
Os serviços referenciados serviram como orientadores para as entrevistas com
os profissionais mais citados nos registros da CASAI Rondonópolis. Essas
entrevistas ocorreram ao mesmo tempo em que foram entrevistados os usuários em
trânsito. Muitos dos indígenas não quiseram gravar, mas aceitaram conversar e
58
fornecer as informações referentes à sua experiência e satisfação com a rede
assistencial de Rondonópolis.
Não foram identificadas em nenhum momento deste trabalho resistências
locais ao desenvolvimento da pesquisa de campo, sendo que todos os entrevistados
se mostraram interessados no tema do estudo, contribuindo da melhor maneira
possível no fornecimento de todas as informações solicitadas.
Contudo, se faz importante destacar a dificuldade de acesso geográfico ao
município de Rondonópolis devido às más condições da rodovia BR 163, além do
intenso tráfego de automóveis e caminhões, estes escoando a produção de grãos de
todo o Estado de Mato Grosso. As viagens tiveram a duração de aproximadamente
três horas e meia.
4.4.1 Considerações éticas
Este projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital
Universitário Júlio Muller (CEP/HUJM) sob o registro 243/CPE/HUJM/06 e pela
Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP) sob o registro 1.3204. Os
sujeitos entrevistados receberam o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido no
início das entrevistas. Este atendeu aos critérios estabelecidos pela Resolução 196, de
10 de outubro de 1996, ou seja, através de uma linguagem acessível informou o
objetivo geral do estudo, sua justificativa e seus responsáveis dando ampla liberdade
ao sujeito de recusar a participação ou retirar seu consentimento, além de lhe garantir
sigilo e privacidade.
4.5 ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO
Para a organização dos dados e informações coletados foi utilizada a proposta
de DESLANDES (1997) distribuindo-os em três etapas. Na primeira foram descritos
em detalhe os fluxos planejados constituídos pelo Plano Diretor Regionalizado
(PDR) e pelo Plano Distrital de Saúde Indígena (PDSI), e o fluxo formal indicado
aos usuários indígenas pelos profissionais envolvidos. No caso Pólo-Base
59
Rondonópolis não foi identificado o fluxo por conta do usuário. Na segunda etapa se
buscou compreender as relações que alicerçam e constituem estas práticas sociais
incluindo a organização formal, entendida como fruto da ação de vários atores
sociais, bem como os processos vivenciados. Finalmente, na terceira etapa foram
analisadas as principais contradições encontradas entre os fluxos planejados e o fluxo
formal, utilizando como orientação para o ato de avaliar os princípios fundamentais e
organizacionais do SUS.
O procedimento de análise dos dados consiste em uma fase que torna
fundamental a utilização de categorias as quais devem ter embasamento teórico
consistente. A eleição de categorias consistentes torna confiável a interpretação dos
dados evitando que ocorram julgamentos implícitos, preconceitos, intuições etc.
Nesta perspectiva GIL (1996) ressalta que podem ocorrer duas situações
desfavoráveis para os estudos de caso quando o se tem categorias consistentes: a
primeira é a apresentação pura dos dados coletados; e, a segunda, é a interpretação
ampla sem que tenha ocorrido a correta análise. Aqui reside uma situação
problemática, pois o pesquisador pode ter a falsa sensação de certeza de suas
conclusões.
O presente trabalho utilizou como meio os fluxos de referência e contra-
referência estabelecidos para a população indígena, as estratégias utilizadas para
garantir tanto a inserção quanto a continuidade da atenção e a satisfação dos
usuários. Para que isso fosse possível foi criada a seguinte tipologia a fim de
organizar os achados e permitir a análise e interpretação:
Fluxo Planejado: é o fluxo estabelecido no Plano Diretor
Regionalizado (PDR) e no Plano Distrital de Saúde Indígena (PDSI).
O primeiro foi coordenado pela Secretaria Estadual de Saúde do
Estado de Mato Grosso (SES/MT) e consiste na organização das
Microrregiões e Regiões de Saúde e na apresentação da pactuação das
referências de saúde para cada módulo assistencial, constantes na
Programação Pactuada e Integrada (PPI); o segundo, foi coordenado
pelo Distrito Sanitário Especial Indígena Cuiabá (DSEI Cuiabá) e
apresenta o fluxo de referência e contra-referência planejado para
60
atender a todos os povos indígenas cujas Terras Indígenas estejam
localizadas no território da sua abrangência.
Fluxo Formal: é o fluxo formalmente indicado aos usuários pelos
profissionais de saúde das instituições envolvidas e que não segue os
fluxos de referência estabelecidos no PDR e no PDSI. Esse fluxo é
resultante da articulação criativa entre os veis de atenção realizado
pelos profissionais de saúde da CASAI Rondonópolis e os
profissionais da rede municipal de serviços de saúde, e tem como
principal artifício as relações pessoais.
Fluxo por conta do usuário: é o fluxo realizado pelos usuários, sem
a mediação dos profissionais da CASAI Rondonópolis, do município
ou da conveniada UNISELVA/UFMT, na busca pelo atendimento.
A técnica de análise das entrevistas foi a “Análise do Discurso”. Esta técnica
foi criada por Michel Pêcheux que fundou na década de 1960 a Escola Francesa de
Análise de Discurso objetivando substituir a Análise de Conteúdo.
A Análise do Discurso articula três regiões do conhecimento: o
“Materialismo Histórico” como teoria das formações sociais, isto é, de como a
sociedade se forma ao longo da história; a “Lingüística” como teoria que trata dos
mecanismos sintáticos e dos processos de enunciação; e a “Teoria do Discurso”
como teoria que trata da determinação histórica dos significados atribuídos às
palavras. Entretanto, em meio a essas três teorias permeia a “Teoria da
Subjetividade” tornando possível explicar o caráter implícito na formação do
significado (MINAYO, 2006b).
Seu objetivo básico é a reflexão sobre as condições de produção e apreensão
dos significados do texto, por isso foi necessário retomar o processo histórico de
colonização do Estado de Mato Grosso e município de Rondonópolis, assim como a
relação entre os pioneiros e os índios que habitavam esse território. A Análise do
Discurso apresenta dois pressupostos: o primeiro é que as palavras, a expressão ou o
que é proposto não existe em si mesmo, mas expressa a ideologia em jogo no
processo sócio-histórico onde as relações são produzidas; o segundo é que toda a
formação discursiva dissimula sua dependência das formações ideológicas.
61
Orlandi, discípula de Pêcheux, trouxe essa técnica para o Brasil esclarecendo
que a Análise do Discurso é mais que descritiva e explicativa, é uma teoria crítica
que trata da determinação histórica dos processos de significação. Acrescentou que o
foco central da análise é a relação da linguagem com o contexto de produção e a sua
especificidade pode ser dividida em dois sentidos: o primeiro problematiza o que é
evidente explicando o caráter ideológico da fala, ou seja, “revelando que não
discurso sem sujeito e nem sujeito sem ideologia” (MINAYO, 2006b, p. 320); e o
segundo ressalta as formas de dominação política.
A Análise do Discurso cria um ponto de vista próprio de olhar a linguagem
como um espaço social de debate e conflito. Aqui o texto é considerado uma unidade
significativa, pragmática e portadora do contexto em que foi produzida. O termo
“texto” difere do termo “discurso”, pois o primeiro pode ser uma palavra, um
conjunto de frases ou um documento completo e, o segundo, é a própria linguagem
do sujeito. O texto deriva do discurso para fins de análise, mas é infinitamente
inacabado devido às inúmeras possibilidades de interpretá-lo. “A possibilidade de
múltiplas interpretações apóia-se no fato de que o processo discursivo não tem um
início preciso: ele acumula sentidos de discursos prévios e parte deles, sendo
reinterpretados pela experiência concreta do leitor, do interlocutor ou do analista”
(MINAYO, 2006b, p. 322), em outras palavras a interpretação do material empírico
depende das experiências vividas pelo pesquisador.
Mas o que não foi dito também tem lugar na Análise do Discurso, pois o
silêncio tem seu lugar na produção de significados e quando o silêncio é sobre um
tema indica a importância de sua abordagem pelo investigador.
Como uma técnica para análise de material empírico tanto Pêcheux quanto
Orlandi propõem várias operações, a adotada por este trabalho buscou seguir a
proposta de Orlandi. A proposta apresentada por ela é mais flexível e utiliza os
seguintes procedimentos: primeiramente faz-se um estudo das palavras do texto, na
seqüência a análise da construção das frases, depois realiza-se a construção dos
significados da palavra ou de um conjunto delas e, por fim, elabora-se a análise do
texto considerando o contexto em que foram ditas (MINAYO, 2006b).
A redação do relatório é a última fase para a conclusão dos estudos de caso,
segundo GIL (1996). Para este autor, também aqui os estudos de caso se diferenciam
62
dos demais delineamentos pela dificuldade em determinar com precisão o que deve
constar no relatório, pois no final da pesquisa se dispõe de enorme acervo de dados
de natureza principalmente qualitativa. “Há relatórios de pesquisa em que autores
descrevem exaustivamente os dados obtidos, transcrevem documentos na íntegra,
relatam minuciosamente as observações” (GIL, 1996, p.124). De fato ao longo desta
pesquisa foi obtida imensa gama de dados o que tornou difícil a sua análise e
interpretação, bem como a redação do relatório final.
Portanto, considerando que a pesquisa qualitativa é um processo investigativo
infinitamente criativo e interpretativo a interpretação dos achados foi construída
gradativamente, inclusive ao longo da análise dos dados. À medida que se organizou
o material empírico foram feitas interpretações preliminares descritas e
posteriormente revistas. A estas interpretações foram somados os contextos
históricos e político-administrativos tanto do Estado de Mato Grosso quanto do
município de Rondonópolis.
DENZIN e LINCOLN (2006) comentam que “a prática interpretativa de
entender as descobertas do indivíduo é tanto artística quanto política [...]. Não existe
uma única verdade interpretativa. [...] o que existe são múltiplas comunidades
interpretativas, cada qual com seus critérios para avaliar uma interpretação” (p.37).
Ainda segundo estes autores a avaliação de programas é uma das principais
contribuições da pesquisa qualitativa e por isso o ato de interpretar e de avaliar
contribuem de forma significativa para a formulação de políticas públicas e sociais.
Neste estudo após a análise e interpretação do material empírico foram
avaliados os achados tendo em vista tanto os conceitos de universalidade do acesso,
integralidade da ação e participação social, quanto a descentralização, a
regionalização e a hierarquização dos serviços de saúde.
63
5 CARACTERIZAÇÃO DO ESTADO DE MATO GROSSO E
DO MUNICÍPIO DE RONDONÓPOLIS
A história de Mato Grosso, como a história do Brasil, está fortemente
marcada pelo contato entre os portugueses e os povos indígenas aqui residentes.
Desde a busca por ouro, diamantes e índios para o mercado escravo até os dias atuais
com o avanço da agropecuária, o que se percebe é um constante conflito de interesses
trazidos e vividos por todos os envolvidos.
Primeiramente rico em metais preciosos, depois valioso para a agricultura,
Mato Grosso apresenta um solo fértil, irrigado pelas bacias hidrográficas que
percorrem o seu território, além de um clima favorável, tanto para o plantio de grãos,
quanto para a criação de gado. Um Estado em pleno desenvolvimento econômico.
Contudo, este desenvolvimento vem colocando em risco, sistematicamente, a
sobrevivência das diversas comunidades indígenas residentes no seu território. Esse
processo é desastroso não apenas sob o aspecto de serem elas as mantenedoras de
conhecimentos valiosos sobre a nossa biodiversidade, mas, também, e
principalmente, porque ele está destruindo os seus legados culturais e degenerando
geneticamente as suas etnias.
Neste capítulo será feito um breve histórico sobre a ocupação do Estado de
Mato Grosso, assim como serão apresentados os aspectos físico-bióticos, econômicos
e sociais que o caracteriza como o novo “celeiro do Brasil”, espaço de realização de
sonhos dos que moram e dos que ainda chegam das diversas partes do país.
5.1 A OCUPAÇÃO DO ESTADO DE MATO GROSSO E A RESISTÊNCIA
DOS POVOS INDÍGENAS
Com o Tratado de Tordesilhas, em 1494, as terras do continente americano
foram divididas entre as coroas de Portugal e da Espanha. Com esta divisão Mato
Grosso ficou em um território que deveria pertencer à Espanha. Entretanto, a linha
imaginária de Tordesilhas passou gradativamente a ser invalidada devido à formação
das Entradas e Bandeiras através das quais os bandeirantes adentravam o interior do
64
continente em busca de índios e ouro, fixando vilas lusitanas por onde passavam,
conforme mostra a Figura 1.
Figura 1 - O avanço dos bandeirantes e a quebra do Tratado de Tordesilhas, 1494.
Fonte: www.colegiomaededeus.com.br
As Bandeiras foram expedições de caráter mercantil que em busca de
produtos comercializáveis entravam pelo sertão. Assim, os bandeirantes paulistas
trilharam as terras de Mato Grosso em busca de índios para o trabalho escravo, pois
muitas das capitanias da Colônia não dispunham de recursos econômicos para
adquirir mão-de-obra escrava africana, de valor elevado, recorrendo ao índio vendido
a um preço menor (SIQUEIRA et al., 1990).
Com a descoberta de ouro em terras mato-grossenses ocorreu um
aceleramento do processo de ocupação do interior, principiado pelos bandeirantes e
continuado pelos imigrantes vindos de diversos lugares em busca de riqueza. Para a
Coroa portuguesa este processo de povoamento significou a efetivação do princípio
baseado no uti possidetis, princípio firmado mais tarde nos Tratados de Madri (1750)
e de Santo Ildelfonso (1777), que assegurou a posse sobre as terras ocupadas e o
estabelecimento da soberania lusitana neste território (SIQUEIRA et al., 1990).
A ocupação da região Centro-Oeste durante o século XVIII sempre esteve
ligada à busca pelo enriquecimento realizado através da captura de índios e que eram
utilizados na cultura de cana-de-açúcar, na criação de gado e no comércio em geral,
65
necessários para o abastecimento interno da colônia, além da extração de metais
preciosos.
As Bandeiras surgiram diante da necessidade de piratininganos, homens
originários da capitania de São Paulo de Piratininga, desenvolver novas atividades
coloniais, uma vez que naquela capitania o cultivo da cana-de-açúcar não foi
próspero como no Nordeste. Embora a Coroa concentrasse os seus investimentos na
região nordestina, que apresentava um modelo econômico tipicamente colonial com
a cultura extensiva da cana-de-açúcar, mão-de-obra escrava africana, latifúndios e
grande produção para a exportação, ela não teve interesse em impedir as atividades
dos bandeirantes, pois estes também contribuíam abastecendo a grande lavoura
açucareira.
Assim três frentes avançavam pelo território sul-americano, uma vinda no
sentido Oeste para Leste e composta pelos espanhóis, que utilizavam os índios para
os trabalhos agrícolas, a busca de minerais e como guia para as viagens; outra de
Leste para Oeste, composta pelos portugueses bandeirantes em busca de índios e
minérios; e uma terceira frente, porém não inferior em força, composta pelos jesuítas,
que, junto a algumas populações indígenas adentraram o interior do Brasil. Os
jesuítas espanhóis mantinham contato com os índios para limitá-los nas Missões (ou
Reduções), interferindo na sua cultura através do ensino da religião católica, dos usos
e costumes ocidentais e da língua portuguesa. Nas missões, os índios eram
responsáveis pela produção dos alimentos que abastecia todo o aldeamento e o
excedente era comercializado pelos jesuítas. A primeira Missão fundada em território
mato-grossense foi a Missão de Santana, em 1750, atual Chapada dos Guimarães,
pelo Pe. Estevão de Castro (SIQUEIRA, 2002). Encurralados por essas frentes, os
índios resistiam utilizando a migração e o conhecimento da região para a fuga e a
garantia da sobrevivência em liberdade.
Conforme mostrado na Figura 2, o Estado de Mato Grosso compunha parte
do território da capitania de São Paulo governada por Rodrigo César de Meneses que
representava o poder absolutista da Metrópole portuguesa.
66
Figura 2 - Limites territoriais da Capitania de São Paulo
Fonte: http://noticias.usp.br/acontece
Em 1718 a Bandeira comandada por Antonio Pires de Campos atingiu o Rio
Coxipó em busca dos índios Coxiponé, também conhecidos por Bororo. Logo após
esta Bandeira chegou outra comandada por Pascoal Moreira Cabral, em 1719, que
encontrou ouro pela primeira vez em solo mato-grossense nas barrancas do mesmo
rio e informou a Rodrigo César de Menezes, governador da capitania de São Paulo,
as atividades que aqui se desenvolviam, recebendo deste instruções para vigiá-las
com rigor (SIQUEIRA et al., 1990).
O ouro encontrado foi considerado de aluvião, pois “emergia à flor da terra”
misturando-se com a areia dos leitos e margens dos rios, esgotando-se rapidamente e
não exigindo instrumentos sofisticados para a sua mineração. As minas foram
repartidas e ficaram sob a responsabilidade dos mineiros. O trabalho era executado
basicamente por escravos negros ou índios, ao lado dos trabalhadores livres e pobres.
Com a descoberta do ouro teve início uma nova etapa de atividade, deixando
em segundo plano a busca de índios para o trabalho escravo. Os índios Bororo, que
habitavam a região, travaram extensa luta contra o grupo de Pascoal Moreira Cabral,
ao ponto de ser necessário o auxílio de outra Bandeira, comandada pelos irmãos
Antunes, para então conseguir rendê-los.
Passado este momento de luta pelo território e vencidas as resistências
indígenas foi formado o primeiro núcleo de povoamento chamado de Arraial da
Forquilha, situado às margens do Rio Coxipó. Para administrá-lo foi escolhido
Pascoal Moreira Cabral como Capitão-Mor Regente, de maneira diversa da que era
67
praticada pela Coroa Portuguesa, com o objetivo de guardar as minas descobertas.
Esse Capitão-Mor Regente era a pessoa responsável pela organização jurídica,
política e administrativa da Forquilha, constituindo um poder local. Tempos depois e
com a aliança firmada com os irmãos Leme, Moreira Cabral travou intensa luta
política com a Metrópole por não ter sido indicado para a sua nomeação. Por este
motivo ele foi substituído, em 1724, por Fernão Dias Falcão. Na mesma ocasião
também foi criado o cargo de Superintendente Geral das Minas e nomeado para tal
João Antunes Maciel.
Um intenso fluxo migratório em direção às minas cuiabanas teve início e,
para abastecer este povoado recém-formado, foram estabelecidos dois trajetos
percorridos pelos viajantes, que os faziam principalmente por via fluvial. A estes
trajetos foi dado o nome de monções, que saíam de São Paulo e chegavam às zonas
mineradoras.
O primeiro trajeto monçoeiro foi utilizado de 1719 a 1724; iniciava no Rio
Tietê (antigo Rio Anhembi), seguia pelos Rio Grande, Rio Anhanduí e Rio Pardo,
atravessava por terra os Campos das Vacarias, e iniciava novamente o caminho por
via fluvial pelo Rio Meteteu, Rio Paraguai e, finalmente, navegava pelo Rio Cuiabá.
Este primeiro roteiro era extremamente difícil devido à longa travessia terrestre, que
também oferecia riscos aos monçoeiros pela presença de espanhóis na região,
obrigando-os a estabelecer novo percurso.
O segundo trajeto teve início em 1725 no Rio Tietê, passava pelo Rio Paraná,
Rio Pardo, Rio Miranda e Rio Sanguessuga, atravessava por terra o Varadouro de
Camapuã, e iniciava novamente por via fluvial pelo Rio Coxim, Rio Taquari, Rio
Paraguai, Rio São Lourenço e Rio Cuiabá. Entretanto, este novo trajeto trazia
problemas maiores que o anterior, por ser mais extenso e por acarretar confrontos
com os grupos indígenas ali instalados: os Kayapó, Paiaguá e Guaicuru. Estes grupos
se confrontavam intensamente com os colonizadores em território mato-grossense,
pois estas populações habitavam as regiões que o colonizador português estava
penetrando e atacavam para defender os seus territórios.
Os Paiaguá e os Guaicuru habitavam a região do Chaco, enquanto os Kayapó
se encontravam na região Oeste do atual Estado de Goiás. Os primeiros migraram
para o território sul mato-grossense devido à destruição da Missão de Itatim, mantida
68
pelos jesuítas espanhóis, após ataque dos bandeirantes paulistas; este momento
coincidiu com o início da segunda rota de monções. Como os Guaicuru eram
excelentes montadores e os Paiaguá conheciam e guerreavam nos cursos dos rios,
ambos representavam séria ameaça às rotas de abastecimento das vilas recém-
formadas, além dos ataques terrestres pelos Kayapó.
No início da mineração ocorreu um aumento populacional rápido e
desordenado, acarretando um grande consumo de mercadorias que chegavam às
minas por um preço muito alto. A moeda utilizada era o ouro e este pouco valia
frente aos preços abusivos das mercadorias comercializadas, caracterizando um
comércio de trocas desiguais.
Em 1726, após dizimar o poder local, Rodrigo César de Menezes fixou
residência em Cuiabá e implantou um aparelho administrativo-fiscal na região. A
partir de 1728 foi estabelecido o sistema de quintação, ou seja, todo o ouro retirado
das minas era fundido na Casa de Fundição, localizada na capitania de São Paulo, e
dele retirada a quinta parte (20%), como forma de arrecadar impostos sobre o ouro
extraído. Dessa maneira, os mineradores e trabalhadores das minas tinham pouco
incentivo para permanecer nas minas cuiabanas, migrando para os sertões dos Paresi
ou retornando para São Paulo.
O governo português se preocupou com o intenso êxodo populacional da
região e tomou algumas providências no sentido de incentivar as pessoas que ali
residiam a permanecer, garantindo assim a posse do território conquistado. A
primeira medida tomada foi em 1748, quando houve a separação das minas de Mato
Grosso da capitania de São Paulo. Foi nomeado para governá-la, na categoria de
Capitão-General, Antonio Rolim de Moura, a quem coube a missão de instalar a
capital da nova capitania. Assim, foi fundada a Vila Bela da Santíssima Trindade, em
1752 na região guaporeana, próxima ao Rio Guaporé, onde havia sido encontrado
ouro. O vale do Rio Guaporé ficava em região conflituosa, próximo do Vice-Reino
do Peru e das missões jesuíticas espanholas de Moxos e Chiquitos. Esta situação fez
com que fosse necessário firmar o domínio português no extremo oeste da capitania,
na região fronteiriça.
Assim, o governador fez aliança com os índios utilizando-os para
povoamento e a guarda da fronteira colonial portuguesa em caso de guerra. Foi
69
baseado nesta estratégia que Rolim de Moura se empenhou para estabelecer as
nações indígenas, inclusive os Bororo, na raia xima da fronteira. Os governadores
que o sucederam tiveram a mesma postura quanto à necessidade de defender e
avançar a fronteira do Brasil utilizando os índios capturados na construção de fortes e
nas atividades militares. Nessa área os índios foram extremamente importantes para
o governo português (SIQUEIRA et al., 1990).
Apesar dos incentivos e privilégios concedidos aos moradores que desejavam
se instalar na capital, o êxodo populacional continuou como conseqüência de
diversos motivos, entre eles as péssimas condições de saúde, a precária assistência
médica, a escassez de ouro e os conflitos constantes, ora com os colonos da fronteira,
ora com os índios. Embora o ouro fosse a principal atividade econômica, também
nesta fase existia o cultivo da cana-de-açúcar e a pecuária.
Na história de Mato Grosso dois marcos importantes relacionados à cana-
de-açúcar: o primeiro se refere aos engenhos no século XVIII e meados do XIX, e o
segundo às usinas na segunda metade do século XIX. A cana-de-açúcar chegou até
as minas do Coxipó e de Cuiabá através dos colonos paulistas. Ao lado das
atividades mineradoras foram erguidas as primeiras engenhocas responsáveis pela
produção de açúcar e de aguardente, que serviam de alimento para os mineradores
que tinham nelas a principal fonte de glicose e de sacarose. Os engenhos
proliferaram ao longo das margens do Rio Cuiabá e território vizinho, uma vez que o
seu solo era adubado naturalmente devido aos períodos de enchentes, as matas eram
abundantes e o transporte facilitado devido à via fluvial.
Em 1735 a Coroa Portuguesa mandou que os engenhos fossem destruídos,
pois não via com bons olhos esta atividade, especialmente a de aguardente. Segundo
a Coroa, a aguardente causava efeitos perniciosos aos escravos, que não mineravam e
se ocupavam das atividades relacionadas à cana. Contudo, as ordens não puderam
ser cumpridas, pois os mineiros argumentaram a importância desta atividade para a
alimentação e a nutrição da população da Vila Real do Senhor Bom Jesus de Cuiabá,
nome que, na ocasião, levava a capital Cuiabá.
A produção de cana-de-açúcar assim permaneceu até meados do culo XIX,
momento marcado pelo capitalismo na sua fase mercantilista. Então, o objetivo
mudou: não mais bastava produzir para o consumo, mas sim em larga escala visando
70
atender a população crescente de Mato Grosso e o comércio internacional. Nesta
fase, mercadorias eram trazidas da Europa para suprir as necessidades de Mato
Grosso, entre elas as maquinarias modernas responsáveis pela produção e refino do
açúcar e pela destilação de aguardente e álcool. Muitos dos antigos proprietários dos
engenhos montaram usinas, mas o consumo era intenso, pois grande parte da sua
produção era destinada para o mercado interno de Mato Grosso. O regime de
trabalho era escravista, apesar da abolição da escravatura. Os trabalhadores estavam
presos ao usineiro economicamente, pois era nos armazéns da usina que adquiriam
roupas, calçados, tecidos, fumo, fósforos e utensílios de uso pessoal, ficando
devendo ao proprietário uma vez que os seus salários eram baixos. Esta condição de
trabalho entrou em decadência a partir do século XX, com a política getulista que
nomeou o interventor Mena Gonçalves para diminuir o poder dos coronéis, atacando
o regime de escravidão existente nas usinas. Ainda assim, este poder resistiu por
mais tempo, até que os segmentos sociais se organizaram em sindicatos, associações,
federações, dando espaço às lutas pela defesa dos seus interesses.
Embora marcado pela existência de ouro, Mato Grosso se destacou e continua
se desenvolvendo através da pecuária. No início do século XVIII, a pecuária
subsidiava as atividades mineradoras por abastecer e alimentar a população das
minas; contudo, semelhantemente ao cultivo da cana, a pecuária também se
distinguiu em duas fases: a primeira, do criatório extensivo, e a segunda, a de
fazenda e cidade.
Durante o século XVIII e primeira metade do XIX foram doadas muitas
terras, pois estas nada valiam frente aos produtos considerados objetos de fortuna,
como os escravos. Eram grandes extensões de terras nas quais o gado era criado solto
e se alimentava de pastos naturais. Este tipo de criação de gado, chamado extensivo,
dispensa maiores cuidados por parte dos criadores e por isto poucos camaradas,
homens livres e assalariados, eram suficientes para o trabalho. A criação era
destinada ao comércio interno devido ao custo elevado para a exportação e se
estendeu desde o atual território da Chapada dos Guimarães até o atual Mato Grosso
do Sul. As fazendas eram administradas pelo proprietário em regime patriarcal.
Como não era possível escolarizar nas fazendas, os filhos dos proprietários, quando
71
atingiam a idade de escolarização eram internados em escolas na capital ou moravam
lá com parentes. Os filhos dos trabalhadores raramente estudavam.
Os meados do culo XIX se fizeram importantes para a pecuária após a
abertura da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil, que partia de Bauru, São Paulo, até
o sul do Mato Grosso, e permitiu que fosse transportado o gado em para outras
regiões do país. Na época anterior à sua construção, o gado era conduzido pelas
extensas estradas de terra para Minas Gerais, principalmente Uberaba onde era
engordado e posteriormente abatido. A Estrada de Ferro também trouxe outras
vantagens para o Estado de Mato Grosso, tais como a valorização das terras e do
gado, investimentos nacionais e internacionais, e o surgimento das cidades ao longo
da ferrovia e nas suas proximidades. Conseqüentemente, surgiu a indústria do
charque, sendo a primeira charqueada instalada em Cáceres, fruto de investimentos
estrangeiros. As fazendas passaram a ser cercadas e consideradas uma extensão da
cidade; as estradas que conduziam os fazendeiros até as cidades mereceram mais
cuidados e os seus filhos puderam estudar em centros maiores, como São Paulo e Rio
de Janeiro. A Estrada de Ferro estimulou a imigração de pessoas de outras regiões do
país favorecendo o surgimento de novas vilas e cidades. Assim valorizadas, as terras
de Mato Grosso passaram a ser consideradas um bom negócio, o que gerou
especulação, pois muitos as compravam não para produzir e sim para revender por
maiores preços. Este fenômeno possibilitou o ingresso de posseiros, que invadiam as
propriedades abandonadas e nelas fixavam residência, desencadeando intensos
conflitos no momento da venda das mesmas pelos seus proprietários.
A criação da Capitania de Mato Grosso ocorreu através de duas forças: uma
externa e outra interna. A força interna foi exercida pelos colonos que, em busca do
sonho do “El Dorado”, queriam se apossar destas terras e vê-las protegidas
militarmente, sendo abastecida com alimentos, instrumentos de trabalho e gêneros de
primeira necessidade. Foi neste contexto que o governo português, atuando como
força externa, criou a capitania de Mato Grosso em 29 de janeiro de 1748, cuja sede
deveria ser construída às margens do Rio Guaporé, posteriormente intitulada de Vila
Bela da Santíssima Trindade. Entre as principais questões enfrentadas pelo seu
governador, na ocasião, estavam os conflitos com os espanhóis, jesuítas e índios.
72
O sonho da Metrópole portuguesa era garantir a fronteira Oeste na sua
extensão máxima; porém a resposta da Colônia não foi a esperada, devido
principalmente ao povoamento e à ação missionária. No século XVIII a Capitania de
Mato Grosso contava com uma extensa nação indígena formada por muitas tribos
contrárias à proposta colonizadora, pois para eles representava a perda das suas terras
e da sua cultura, resultando em lutas sangrentas com os colonizadores. A ação
missionária das Ordens Religiosas pertencentes à Igreja Católica teve um importante
papel durante o período colonial para conter as populações indígenas. Após a sua
expulsão pelo governo português em 1759 os índios ficaram sob o domínio de civis.
As decisões políticas, devido à importância das mesmas no desenvolvimento
econômico da Colônia, ainda no século XVIII até meados do XIX, estavam
concentradas nas províncias do Centro-Sul. O café, produzido em extensas fazendas,
tinha como base de sustentação a mão-de-obra escrava africana.
Com a transferência da Coroa para o Brasil em 1808, o tratamento ao índio
não sofreu modificações, mantendo-se através do Alvará de 17 de outubro de 1653 a
“guerra justa” contra o índio nos seguintes casos: situações em que não defendessem
as vidas e as fazendas dos vassalos da Coroa portuguesa; quando os mesmos
auxiliassem os inimigos do reino; falta do cumprimento das suas obrigações;
desobediência aos serviços reais; e prática da antropofagia. Por ocasião da
transferência da Coroa, também se estreitaram os laços entre esta e a Igreja Católica,
que assumiu a missão de catequizar e pacificar os índios.
Ainda no início do culo XIX, a capitania de Mato Grosso sofreu profundas
mudanças políticas e administrativas, sendo a sua capital transferida para Cuiabá em
1821, uma vez que essa cidade havia se tornado centro de decisões políticas por fazer
parte da rota comercial. Contudo, os conflitos com as populações indígenas não
cessaram em todo o Brasil. Em 1824, durante a Assembléia Constituinte, o partido
Liberal propôs um tratamento especial para a questão indígena, que deveria ser
assumida pela nação brasileira, sugerindo um capítulo que tratasse dos
“Apontamentos para a civilização dos índios bravos do Brasil”. A proposta foi
rejeitada e em nada avançou no período colonial. Os índios sempre foram um
obstáculo aos interesses desenvolvimentistas do governo.
73
Foi a partir da metade do século XIX, quando o Rio Paraguai se tornou a
principal via de acesso, comunicação e transporte entre os mercados externo e
interno, que aconteceu um acentuado desenvolvimento da capitania de Mato Grosso,
especialmente para Corumbá e Cuiabá. O Estado de Mato Grosso importou muitas
mercadorias necessárias para mudar os hábitos coloniais e despertar um maior
interesse de consumo para os seus produtos.
No Segundo Império a questão indígena se agravou e foi estabelecido que
cada província deveria ter um Diretor de Índios, responsável por resolver os
conflitos. Foi dada autonomia a cada um para estabelecer a política e a prática que
melhor lhe aprouvesse. Em Mato Grosso foi criada a Diretoria de Índios, que ficou
responsável pela resolução dos conflitos entre os índios e os colonos, utilizando leis
pré-estabelecidas e não elaboradas com a participação da população indígena, pois
não eram considerados cidadãos brasileiros.
Com a chegada de novas tecnologias ao solo brasileiro, chegou também o
pensamento de integração das nações através das linhas telegráficas e das ferrovias.
Nos últimos anos do século XIX foi proposta a construção de Linhas Telegráficas no
interior do Brasil, com o objetivo de integrar as Américas ao mundo e guardar as
regiões de fronteira, mantendo em contato o Oeste com a então capital do Brasil, Rio
de Janeiro. Contudo, ao adentrar o sertão brasileiro foi constatado que os espaços
supostamente vazios não se encontravam desabitados, que grande parte deles era
habitado por incontáveis tribos indígenas.
Nos anos de 1910 e 1911 o Marechal Rondon elaborou, com o apoio das
autoridades, projetos e relatórios para a continuidade dos trabalhos de instalação das
Linhas Telegráficas. Entretanto, foi nesta ocasião que, juntamente com o governo
federal, estudou a criação de um organismo voltado para a pacificação dos índios, o
chamado Serviço de Proteção aos Índios (SPI), que mais tarde incorporou os
sertanejos e caipiras, sendo então chamado de Serviço de Proteção aos Índios e
Localização de Trabalhos Nacionais (SPILTN).
Esta política idealizada por Cândido Mariano da Silva Rondon, concebia a
sociedade indígena como uma sociedade que vivia ainda em estado primitivo e
precisava ser integrada à civilização. Tal processo deveria se dar de forma lenta e
pacífica para que os índios se dispusessem tanto a conhecer a sociedade civilizada,
74
quanto a conviver com ela. Para isto, era fundamental que gradativamente os índios
deixassem os seus hábitos primitivos e incorporassem novos valores e
comportamentos. Ao serem incorporados ao trabalho da Comissão de Rondon
chegaram a aprender o Código Morse e passaram a exercer cargos como
telegrafistas.
Porém, somente por 20 anos as Linhas Telegráficas tiveram serventia.
Superadas pelo telégrafo sem fio, todo o material foi abandonado no cerrado. Além
da aparelhagem foram abandonados os índios que, desprotegidos pelo SPI, se
acomodaram em áreas marginais urbanas e compuseram a extensa massa de
desempregados, despreparados para se integrar à sociedade capitalista. Não os
índios destribalizados sofreram com este episódio; os que permaneceram nas suas
tribos viram as suas terras ser invadidas e cortadas por estradas, apropriadas por
particulares, sendo esquecida a proposta de demarcação.
Ao longo da construção das Linhas Telegráficas até Mato Grosso, a saúde dos
trabalhadores foi afetada por diversas doenças, entre elas a febre amarela, a
tuberculose e a varíola. Para combatê-las, junto com a comissão havia médicos que
exerciam os seus afazeres no próprio local das obras. A expedição de Rondon
também tinha outra função a de exploração da região do Mato Grosso e da
Amazônia, função que naquele momento forneceria ao governo brasileiro total
conhecimento do território nacional verificando as potencialidades e possibilidades
de contribuição para a nação brasileira e para o comércio mundial.
Neste contexto, a Comissão encontrou intensas jazidas minerais de ouro,
diamantes e ferro, assim como as riquezas da fauna e da flora do interior do Brasil,
despertando o interesse dos Estados Unidos da América. Mais tarde, este país enviou
ao Brasil uma expedição científica chefiada por Teodoro Roosevelt e orientada por
Cândido Mariano da Silva Rondon, por ser militar de vasta experiência e conhecer
intensamente a região. Esta expedição chamou-se Expedição Roosevelt-Rondon, e
permaneceu em solo brasileiro de dezembro de 1912 a maio de 1914.
Para RIBEIRO (2006), o aumento do fluxo migratório para o Estado de Mato
Grosso durante a segunda metade do século XX ocorreu, principalmente, devido a
duas variáveis. A primeira foi a partir da construção de Brasília durante o governo de
Juscelino Kubitscheck (1956/1961), de onde partiram os grandes eixos rodoviários
75
que objetivaram a ocupação do interior do país e a sua integração com o litoral. A
segunda variável foram os programas de incentivo à ocupação dos “espaços vazios”
localizados na região Centro-Oeste e Amazônia, desenvolvidos durante o governo
militar do Presidente Médici (1969/1974), para a migração da segunda geração de
imigrantes europeus residentes no sul do país. Estes programas facilitaram a
instalação em terras mato-grossenses dos descendentes destes imigrantes, os quais
presenciavam os problemas sociais causados pelo reduzido acesso à terra, caso dos
gaúchos, ou como no caso dos cafeicultores paranaenses, pelos problemas oriundos
das intensas geadas de 1974/75 ocorridas naquele estado.
A política do Presidente Médici foi mantida pelos dois outros governos
seguintes, Ernesto Geisel (1974/1979) e João Figueiredo (1979/1985), e tinha por
objetivo tornar o Estado de Mato Grosso o “Portal da Amazônia”, isto é, investir para
depois, progressivamente, ocupar a Amazônia. Este aceno político também atraiu
pessoas de outras regiões, entre elas Rondônia e sul do Pará. Dentre estes programas
se destacaram o Programa Integrado de Desenvolvimento do Noroeste do Brasil
(PRONOROESTE), o Programa de Desenvolvimento do Centro-Oeste
(PRODOESTE) e o Programa de Integração Nacional (PIN), através do qual foram
pavimentadas as rodovias BR 163, que ligou Cuiabá a Campo Grande (MS) e a BR
364, que conectou Cuiabá a Goiânia, no Estado de Goiás (GO).
Outras ações foram implementadas no sentido de apoiar a ocupação do
Estado de Mato Grosso, tais como a criação da Universidade Federal de Mato Grosso
(UFMT), a instalação dos linhões de energia elétrica a partir de Cachoeira Dourada,
GO, e a divisão do Estado em Mato Grosso e Mato Grosso do Sul ocorrida em 1975.
Desde os anos 70 até 2007, a população cresceu de 599 mil para cerca de 2 milhões
de habitantes, e a quantidade de municípios saltou de 38 para 141 no mesmo período.
As atividades econômicas também foram ampliadas, observando-se o aumento dos
investimentos na pecuária, agricultura, indústria, comércio e setor de serviços.
76
5.2 LOCALIZAÇÃO E ORGANIZAÇÃO POLÍTICO-ADMINISTRATIVA
DO ESTADO DE MATO GROSSO: ASPECTOS QUE DESAFIAM A
ATENÇÃO À SAÚDE INDÍGENA
O Estado de Mato Grosso faz parte da Região Centro-Oeste do Brasil,
localizado na parte sul do continente americano. Possui uma superfície de
903.357,91 km2, limitando-se ao Norte com os Estado do Pará e Amazonas, ao Sul
com Mato Grosso do Sul, a Leste com Goiás e Tocantins e a Oeste com Rondônia e
Bolívia. Devido à grande extensão Leste-Oeste, o território brasileiro abrange quatro
fusos horários situados a Oeste de Greenwich. Mato Grosso está no quarto fuso
horário apresentando, portanto, quatro horas a menos, em relação ao horário GMT
(Greenwich Meridian Time) (ABUTAKKA e LIMA, 2006) e uma hora a menos em
relação ao horário oficial de Brasília, DF, conforme mostra a Figura 3.
Figura 3 - Ilustração da localização do Estado de Mato Grosso e fuso horário brasileiro
Fonte: http://pessoais.ov.ufrj.br/nassaf/cursos
Os 141 municípios estão distribuídos em 22 microrregiões político-
administrativas, que estão agrupadas em 12 regiões de planejamento, conforme
mostra a Figura 4 e, para o IBGE, em cinco meso-regiões. O município de
77
Rondonópolis unidade básica de estudo neste trabalho, é sede da V Região de
Planejamento, ou região Sudeste.
Em todo o território de Mato Grosso existem, aproximadamente, 75 terras
indígenas, 19 unidades de conservação federais, 42 estaduais e 44 municipais
distribuídas em parques, reservas, bosques, estações ecológicas e Reserva Particular
do Patrimônio Nacional (RPPN) consistindo a gestão ambiental um desafio para os
municípios e o estado.
Figura 4As 12 Regiões de Planejamento de Mato Grosso
Disponível em: www.seplan.mt.gov.br
5.3 ASPECTOS FÍSICO-BIÓTICOS
5.3.1 Relevo e as Mudanças na Agricultura
No Mato Grosso são encontrados planaltos, planícies e depressões. Os
planaltos são encontrados em bacias sedimentares, em intrusões e coberturas
residuais de plataforma, bem como em cinturões orogênicos. A exemplo dos
encontrados em bacias sedimentares, são encontrados: o Planalto e a Chapada dos
78
Parecis, o Planalto e a Chapada dos Guimarães, e o Planalto dos Alcantilados-Alto
Araguaia. Estes tipos de planaltos se caracterizam por ser quase inteiramente
circundados pelas depressões marginais. Também constituem o planalto central
brasileiro, local onde a vegetação de cerrado original foi extensamente substituída
pela agricultura tecnificada e onde predomina o cultivo de grãos como a soja, o arroz
e o milho, como exemplo disso cita-se o intenso cultivo destes grãos na Região
Sudeste cuja sede é Rondonópolis.
As planícies correspondem a áreas essencialmente planas originadas por
deposição fluvial de sedimentos recentes. As encontradas no Mato Grosso são a
Planície e Pantanal do Rio Guaporé, Planície e Pantanal do Rio Paraguai e Planície
do Rio Araguaia (ABUTAKKA e LIMA, 2006).
Os planaltos são encontrados em cinturões orogênicos e constituem relevos
residuais sustentados por diversos tipos de rochas. São encontrados ao longo do
cinturão Paraguai-Araguaia que formam as inúmeras serras (ABUTAKKA e LIMA,
2006).
As depressões periféricas têm origem nas erosões ocorridas nos contatos das
bordas das bacias sedimentares com maciços antigos. São exemplos deste relevo as
Depressões do Norte do Mato Grosso, do Guaporé, do Araguaia, do Alto Paraguai, a
Cuiabana e a Depressão Interplanáltica de Paranatinga, município onde reside grande
parte do povo Bakairi, que utiliza os serviços de saúde de Rondonópolis.
5.3.2 Clima e os Comprometimentos da Saúde
Predominam dois tipos de clima o equatorial e o tropical continental. “A
variação das médias de temperaturas deve-se principalmente a dois fatores: ampla
extensão do território no sentido norte-sul e o fato de sua localização no interior do
continente, com reduzida influência marítima e baixa amplitude térmica”
(ABUTAKKA e LIMA, 2006, p. 25).
O clima equatorial, mais ao norte, se caracteriza por intensos episódios de
chuva associados às altas temperaturas durante o ano todo. Entretanto, o clima
tropical continental, evidenciado em quase todo o território mato-grossense, se
79
caracteriza por duas estações durante o ano: a estação da seca e a estação da chuva. A
estação da seca ocorre de abril a setembro, ao mesmo tempo em que as estações
outono e inverno no restante do país, nesta ocasião a massa tropical atlântica avança
e se instala sobre o Centro-Oeste com pouca umidade, impedindo a entrada de ventos
úmidos e ocasionando a estiagem. Neste período ocorrem extensas queimadas que
contribuem com o agravamento das doenças respiratórias. A estação da chuva ocorre
de outubro a março, durante as estações primavera e verão, apresentando intensos
episódios de chuva, altas temperaturas e forte evaporação (ABUTAKKA e LIMA,
2006). É neste período que o acesso às aldeias indígenas fica ainda mais
comprometido.
5.3.3 Hidrografia e a Importância dos Rios para as Comunidades
Indígenas
O Estado de Mato Grosso abriga as nascentes dos rios que constituem as três
grandes bacias brasileiras: Bacia Amazônica, Bacia do Paraná e Bacia de Tocantins.
Os rios Juruena, Teles Pires, Arinos, Aripuanã, Roosevelt e Xingu são rios que
integram a Bacia Amazônica, que apresentam maior rapidez à medida que se
aproximam da Planície Amazônica, e são responsáveis pela drenagem da porção
Norte do Estado de Mato Grosso.
Os rios das Mortes, das Garças, Cristalino, Xavante e principalmente o Rio
Araguaia, com nascente no extremo Sul do estado e correndo para o Norte definem
os limites territoriais com Goiás e Tocantins, e integram a Bacia do Tocantins. Ao
Sul e Sudeste estão os rios que correm em direção ao Rio Paraguai dos quais cita-se
Rio Jauru, Cabaçal, Sepotuba e Cuiabá. Os rios que integram a rede de afluentes do
Rio Paraguai são lentos, correndo sobre aluviões recentes. Entre os demais elementos
que conformam a rede hidrográfica de Mato Grosso merece destaque a represa do
Rio Manso, onde se encontra a Usina Hidrelétrica do Rio Manso (ABUTAKKA e
LIMA, 2006).
O Estado de Mato Grosso é rico em recursos hídricos, mas a navegabilidade
dos seus rios é pouco utilizada, destacando-se trechos dos rios Paraguai, Guaporé,
80
Juruena, Araguaia e Rio das Mortes, que apresentam potencialidade para o transporte
fluvial de cargas. Por outro lado, os rios são de fundamental importância para a
sobrevivência dos povos indígenas que dependem dos seus mananciais para
alimentação e transporte, geralmente por canoas, barcos de alumínio e barcas, como
é o caso por exemplo, do Rio Vermelho no município de Rondonópolis que é vital
para a Terra Indígena Tadarimana, etnia Bororo. Em muitos casos o acesso às aldeias
é realizado apenas através de rios, como por exemplo, a aldeia Perigara, também da
etnia Bororo, no município de Barão de Melgaço (ABUTAKKA e LIMA, 2006).
5.3.4 Vegetação: a Complexidade do Cerrado
A principal característica da vegetação do Mato Grosso é o cerrado, embora
se encontre também florestas. O cerrado é constituído por campos abertos com
árvores contorcidas e grossas de altura baixa, no máximo 12m, arbustos e plantas
herbáceas. O cerrado mato-grossense se apresenta com três tipos: campo cerrado
(Savana Parque), cerrado propriamente dito (Savana Arborizada) e cerradão (Savana
Florestada) (ABUTAKKA e LIMA, 2006). No campo cerrado prevalecem os
arbustos e as plantas herbáceas, com poucas árvores. o cerrado apresenta intensa
quantidade de árvores contorcidas com características peculiares e com adensamento
de arbustos e de plantas herbáceas. Nos cerradões ocorrem árvores em grande
quantidade, mas sem contorções, como nos tipos anteriores, e não apresentam
arbustos. Uma característica importante do cerrado é a presença de árvores, que
começam em geral nos pequenos pântanos dos nascedouros dos ribeirões e
constituem as Florestas de Galeria ou matas ciliares.
Entre o cerrado e as florestas também se encontram as chamadas áreas de
transição ou tensão ecológica. Apresentam vegetações indiferenciadas que se
misturam e se confundem. O Pantanal Mato-grossense é considerado um caso
particular de área ou faixa de transição entre os domínios dos Cerrados e dos Chacos
Centrais cujos “ciclos de cheias e vazantes criam condições e pressões peculiares,
que resultam em uma alta complexidade biótica” (ABUTAKKA e LIMA, 2006, p.
28). É na área do Pantanal que está localizada a Terra Indígena Perigara do povo
Bororo.
81
5.4 ASPECTOS SOCIAIS DE MATO GROSSO
5.4.1 Demografia: a Baixa Densidade Demográfica no Estado
O Estado de Mato Grosso é a terceira maior unidade da Federação,
correspondendo aproximadamente a 10% do território nacional. Contudo, apresenta
uma das menores densidades demográficas do país: 2,8 hab./km2, apesar do intenso
fluxo migratório em meados da década de 90 e do continuado crescimento
populacional nos últimos anos. A Tabela 1 mostra, comparativamente, a evolução
populacional de Mato Grosso em relação à do Centro-Oeste e do Brasil.
Tabela 1 População recenseada e estimada de Mato Grosso. Região Centro-Oeste e do Brasil –
1940 a 2005.
População Habitante Anos
Mato Grosso
Centro-Oeste
Brasil
1940 192.531 1.250.982 41.236.315
1950 211.858 1.730.684 51.944.397
1960 319.248 2.942.992 70.070.457
1970 599.764 5.073.259 93.139.037
1980 1.138.691 7.545.769 119.011.052
1991 2.027.231 9.427.601 146.825.475
1996 2.235.832 10.500.579 157.070.163
2000 2.504.353 11.636.728 169.799.170
2001 2.560.537 11.885.529 172.385.826
2002 2.604.723 12.101.540 174.632.960
2003 2.651.313 12.317.271 176.871.437
2004 2.759.134 12.816.392 182.060.108
2005 2.803.274 13.020.767 184.184.264
Fonte: ABUTAKKA e LIMA, 2006.
A construção de Brasília, a implementação das rodovias ligando a nova
cidade ao Centro-Sul e ao Norte e a execução de programas governamentais voltados
para a ocupação da região, intensificaram o fluxo migratório para a região Centro-
Oeste e, principalmente, para Mato Grosso, causando um aumento da densidade
demográfica no período de 1950 a 1980, conforme mostra a Tabela 2.
82
Tabela 2 Taxa média geométrica de crescimento de Mato Grosso, Centro-Oeste e Brasil (%)
Taxa Média Geométrica de Crescimento Anual % Período
Mato Grosso Centro-Oeste Brasil
1940/1950 0,96 3,30 2,34
1950/1960 4,19 5,45 3,04
1960/1970 6,51 5,60 2,89
1970/1980 6,62 4,05 2,48
1980/1991 5,38 2,04 1,93
1991/1996 1,97 2,18 1,36
1996/2000 2,87 2,60 1,97
2000/2003 1,92 1,91 1,37
2000/2004 2,45 2,44 1,76
2000/2005 2,28 2,27 1,64
Fonte: ABUTAKKA e LIMA, 2006.
A taxa média de crescimento de Mato Grosso no período de 1940 a 1950
corresponde às informações históricas sobre a baixíssima densidade demográfica
desde o início do século XX, devido ao difícil acesso ao território mato-grossense,
ausência de estradas pavimentadas, falta de incentivos à produção agrícola e de
pecuária e condições climáticas de difícil adaptação.
Na década seguinte ocorreu uma intensa migração quando, ao final dos
anos 40, ocorreu a divulgação da produtividade das terras mato-grossenses para todo
o Brasil, principalmente para Sudeste, e posterior doação de terras devolutas do
estado para os recém-chegados, fato que impulsionou o desenvolvimento do
município de Rondonópolis. Entretanto, as dificuldades para investimentos e
manutenção da produção favoreceram a venda das agrovilas para os novos
fazendeiros e especuladores. A pavimentação das rodovias BR 364 e Cuiabá-Campo
Grande favoreceu o escoamento da produção para o Sudeste brasileiro e, apesar dos
intensos gastos com o transporte, levando à inevitável redução dos lucros, também se
constituiu em um atrativo para os novos investidores.
Ainda que durante as décadas de 50 e 60 tenha ocorrido uma crescente venda
das pequenas propriedades e o conseqüente êxodo rural, é a partir da década de 70
que se observa uma redução significativa da população em áreas rurais e o
crescimento desta nas urbanas, o que explica os relatos históricos de progressiva
formação de latifúndios no território mato-grossense, com maior foco nas regiões Sul
e Sudeste do Estado de Mato Grosso. Nas décadas de 60 a 80 houve um crescimento
83
progressivo da população de Mato Grosso correlacionado com o intenso fluxo
migratório dos “sulistas” oriundos do Rio Grande do Sul e do Paraná, atraídos pelo
baixo preço das terras do cerrado, pela boa pavimentação das rodovias que
integravam o Sul e o Norte e pelos incentivos governamentais promovidos pelo
governo federal a quem desejasse ocupar o Centro-Oeste e investir. Entretanto, é
neste período que ocorre a maior migração da população rural para outras regiões
brasileiras, pois da década de 70 a o início da de 80 ocorreu uma redução de
aproximadamente 50% na população rural, sendo que o aumento na quantidade de
pessoas nas cidades mato-grossenses, não seguiu a mesma proporção. A tendência
de migração rural também é verificada na região Centro-Oeste e no Brasil, conforme
mostra a Tabela 3.
Tabela 3 População urbana e rural em MT, na região Centro-Oeste e no Brasil, 1970-2004.
Fonte: ABUTAKKA e LIMA, 2006.
Conforme mostra a Tabela 4, no período de 1980 até 2004 ocorreu o
crescimento progressivo da população total e por km2 em Mato Grosso. Quando se
detalha este crescimento por sexo vê-se que a população masculina aumentou mais
do que a feminina, e que no ano de 2004 se igualaram sendo a proporção de um
homem para cada mulher em todo o território de Mato Grosso.
Mato Grosso Centro-Oeste Brasil Anos
Urbana Rural Urbana Rural Urbana Rural
1970 684.189 912.901
2.437.379 2.635.880
52.084.984 41.054.053
1980 654.952 483.739
4.614.597 2.191.314
80.437.327 38.573.725
1991 1.485.110
542.121
7.663.122 1.764.479
110.990.990
35.834.485
1996 1.705.139
530.693
8.864.936 1.635.643
123.076.831
33.993.332
2000 1.987.726
516.627
10.092.976
1.543.752
137.953.959
31.845.211
2004 2.119.328
639.806
11.057.995
1.758.397
151.124.470
30.935.638
84
Tabela 4 População residente por sexo e densidade demográfica em Mato Grosso,
1980 – 2004.
Sexo Anos
População Total
(hab)
Masculino
Feminino
Densidade Demográfica
(hab./km2)
1980 1.138.691 594.146 544.545 1,26
1991 2.027.231 1.048.507 977.563 2,23
1996 2.235.832 1.154.216 1.081.616
2,47
2001 2.504.353 1.287.187 1.217.166
2,76
2004 2.759.134 1.379.567 1.379.567
3,05
Fonte: ABUTAKKA e LIMA, 2006.
5.4.2 Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) e as Melhorias na
Qualidade de Vida
O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) tem por finalidade avaliar o
nível de desenvolvimento humano dos países considerando três indicadores:
educação, longevidade e renda. Este índice demonstra a qualidade de vida da
população, e os seus valores devem variar entre 0 e 1 e são expressos em três
categorias, a saber:
IDH baixo: de 0 a 0,499;
IDH médio: de 0,500 a 0,799;
IDH alto: acima de 0,800.
Desde a década de 70 o IDH do Mato Grosso tem aumentado de forma
progressiva. No início dos anos 70 o IDH era de 0,458, considerado baixo,
aumentando para 0,767 no ano de 2000. Correlacionando as condições de vida desde
o início do século passado com a chegada dos pioneiros goianos por volta de 1906,
no município de Rondonópolis, e considerando as categorias citadas, é
compreensível o baixo índice de qualidade de vida no estado até a década de 70, fato
que também se refletiu no município citado. Isso ocorreu devido aos reduzidos
incentivos à agricultura e à pecuária dando forma à produção familiar dos pioneiros,
ao difícil acesso às terras mato-grossenses quando os seus desbravadores vinham por
via fluvial ou por terra abrindo picadas por entre a mata, à educação dependente da
presença de religiosos católicos e protestantes estrangeiros que por passavam e
residiam por tempo determinado, a precária assistência médica e sanitária aos
85
habitantes entre outros fatores, todos conduzindo a população à uma baixa
expectativa de vida (CURY, 1973; TESOURO, 1993; ABUTAKKA e LIMA, 2006).
A partir da década de 70, o fluxo migratório e as melhorias no acesso
rodoviário facilitaram a migração, tornando possível o acesso de profissionais de
saúde residentes nos centros urbanos às áreas rurais, embora de forma itinerante. Os
incentivos à agricultura e à pecuária, e a presença progressiva do poder público como
educador assumindo as escolas fundadas pelos religiosos promoveram a melhora do
IDH no estado e em Rondonópolis. Apesar de a renda ainda ser reduzida quando
comparada com outros estados, um aumento da qualidade de vida dos mato-
grossenses.
5.4.3 Saúde e a Hospitalização
Segundo dados da Secretaria de Estado de Saúde de Mato Grosso (SES/MT),
em 2004, havia 177 hospitais no Estado de Mato Grosso, sendo 57 na rede pública,
119 na privada e um universitário. Dos hospitais públicos, cinco pertenciam à rede
estadual e 52 à municipal, e a média de leitos existentes nesses hospitais era de
aproximadamente 42 leitos por hospital. Entre 1999 e 2002 ocorreu uma redução da
rede hospitalar no estado, principalmente da rede privada, pois houve um aumento da
oferta de hospitais blicos no mesmo período, sendo estes estaduais ou municipais.
O aumento de unidades hospitalares blicas denota o aumento da procura pelos
serviços públicos hospitalares. Entretanto, houve uma retomada do aumento da rede
hospitalar privada nos anos de 2003 e 2004 superando em aproximadamente 50% a
quantidade de hospitais da rede pública. A Tabela 5 mostra essas flutuações na rede
hospitalar de Mato Grosso (ABUTAKKA e LIMA, 2006).
86
Tabela 5 Rede hospitalar de Mato Grosso, 1999-2004.
Público Anos Total
Total
Estadual
Municipal
Universitário
Privado
1999 188 51 03 48 01 125
2000 192 50 01 49 01 137
2001 178 48 03 45 01 111
2002 147 48 05 43 01 80
2003 156 52 04 48 01 82
2004 177 57 05 52 01 119
Fonte: ABUTAKKA e LIMA, 2006.
Em relação ao número de leitos (ver Tabela 6), houve significativa
diminuição de leitos privados e aumento de leitos filantrópicos em 2001, e a partir de
2002 ocorreu um significativo aumento de leitos hospitalares públicos, privados e
filantrópicos no estado, mas principalmente na rede estadual. Este indicador poderá
sugerir um aumento da procura por especialidades clínicas por reduzido investimento
em atenção básica. A comparação entre a rede hospitalar e o número de leitos sugere
uma possível concentração de profissionais especializados em menor número de
unidades hospitalares visando economia de escala e de escopo, situação observada no
município de Rondonópolis como exemplifica o depoimento a seguir:
Então eu acho que não é perfeito mas a população de Rondonópolis tem
tido um bom serviço de saúde pública, inclusive não nos postos, mas a
nível hospitalar como a Santa Casa e o Hospital Regional. Este também
aproximadamente cinco anos que veio pra suprir uma deficiência de leito, e
como foi projetado a uns vinte anos eu acho que está superlotado [...]
(Entrevistado 1, maio, 2007).
Tabela 6 Número de leitos em Mato Grosso, 1999-2004.
Público Anos
Total
Total Estadual
Municipal
Privado
Universitário
Filantrópico
1999 7.200
1.506
142 1.364 4.564 80 1.050
2000 7.283
1.627
190 1.437 5.220 118 318
2001 5.410
1.676
192 1.484 2.852 108 774
2002 6.308
1.663
388 1.275 3.182 108 1.355
2003 6.406
1.918
388 1.290 3.218 108 1.402
2004 7.391
2.140
517 1.623 5.131 312 853
Fonte : ABUTAKKA e LIMA, 2006.
Ainda de acordo com dados da SES/MT, no ano de 1999 havia no estado 460
postos de saúde que foram reduzidos para 258 em 2004. Ambulatórios, prontos-
87
socorros e policlínicas também diminuíram em número. No mesmo período houve
um aumento dos centros de saúde que passaram de 347 para 556 unidades de serviço.
O município de Rondonópolis, Colíder, Sinop, Várzea Grande, Cáceres,
Tangará da Serra e Barra do Garças apresentam a maior rede hospitalar e o maior
número de leitos.
5.4.4 Educação: ainda Defasada
Na década de 90 houve um aumento significativo do sistema educacional em
Mato Grosso, gerando, conseqüentemente, uma redução do analfabetismo no estado,
embora as taxas de abandono e de repetência ainda sejam significativas e mais
intensas nas populações pobres e moradores rurais devido às falhas internas do
sistema e fatores condicionantes sociais, econômicos e culturais. Em decorrência da
evasão e da repetência ocorre um desequilíbrio entre a faixa etária e o grau de
escolaridade, fazendo com que a população fique despreparada para um mercado de
trabalho que cada vez mais exige qualificação específica do trabalhador. Assim, o
estado não dispõe de trabalhadores qualificados para atender as exigências da
modernização e os indivíduos com baixos níveis de escolaridade ficam à margem do
desenvolvimento. Segundo ABUTAKKA e LIMA (2006), a baixa escolaridade da
maioria da população reduz as possibilidades de inserção na vida urbana e no
consumo moderno, pois as novas tecnologias implicam familiaridade com
mecanismos operacionais cujo conhecimento está, sem dúvida, acima da média de
grande parte da população estadual.
Porém, não as taxas de abandono e de repetência expõem os indivíduos à
marginalidade, mas também a constante falta de vagas na rede pública de ensino,
embora, segundo dados oficiais, esteja ocorrendo a sua ampliação. Contudo, a
demanda não é completamente atendida não expressando desta forma a
universalização da educação. Os dados oficiais que têm como base o ano de 2004
demonstram que há uma maior evasão escolar no ensino médio e na educação
infantil, enquanto o ensino fundamental absorve mais de 95% da população
escolarizável (ABUTAKKA e LIMA, 2006).
Desde 1995 até 2004 a
88
população mato-grossense permanece servindo-se basicamente das redes
estadual e municipal, através das quais tem acesso ao ensino formal. As
escolas particulares, por sua própria gica de localização, estão presentes,
preferencialmente, nos centros urbanos de maior porte, onde população
de maior poder aquisitivo para fazer face às mensalidades e despesas
escolares por elas propostas (ABUTAKKA e LIMA, 2006, p. 56).
O ensino profissionalizante tem sido oferecido pelo SENAI, que possui
Centros de Formação Profissionalizantes em Cuiabá, Várzea Grande, Rondonópolis,
Barra do Garças, Cáceres e Sinop, além de Unidades Móveis de Capacitação e
convênios com empresas para a formação profissional, e pela Escola Técnica Federal
(ABUTAKKA e LIMA, 2006).
No ensino superior, merecem destaque duas universidades: a Universidade
Federal de Mato Grosso (UFMT), com sede em Cuiabá e campos avançados em 18
municípios, entre eles Rondonópolis, e a Universidade do Estado de Mato Grosso
(UNEMAT), com sede no município de Cáceres e campos avançados em mais 21
municípios mato-grossenses. No período de 1996 a 2004, houve um crescimento
significativo de faculdades privadas, que passaram de 11 para 28, permanecendo
concentradas nas grandes cidades (ABUTAKKA e LIMA, 2006).
5.4.5 Trabalho e Renda: Precariedade e Baixa Renda
Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio do IBGE
(PNAD-2004), citados e analisados por ABUTAKKA e LIMA (2006), no Estado de
Mato Grosso a maior parte da população empregada é do sexo masculino (60,41%), e
o trabalho feminino está concentrado em atividades sociais, comércio e atividades
ligadas à prestação de serviços em geral. Entretanto, as condições ligadas à
contribuição para o Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS) foram
consideradas precárias, pois apenas 61% da população empregada contribuem para a
previdência social, mostrando haver um número significativo de trabalhadores
informais.
Conforme mostra a Tabela 7, a estrutura ocupacional em 2004, segundo a
PNAD, a categoria Agrícola apresentou a maior participação com 30%, vindo em
seguida o Comércio e Reparação com 18,86%, a Indústria com 9,78%, a Educação,
89
Saúde e Serviços Sociais com 7,82%, os serviços domésticos com 7,63%, a
Administração Pública com 5,18%, o Transporte, Armazenagem e Comunicação
com 3,72%. No total, a população ocupada em atividades ligadas à economia urbana
era de 1.023.526 pessoas, representando 73,2% do total de pessoas ocupadas com 10
anos e mais de idade.
Tabela 7 – Pessoas ocupadas de 10 anos ou mais por atividade principal em Mato Grosso, 2004.
Fonte: ABUTAKKA e LIMA, 2006.
A Tabela 8 mostra que em relação à renda níveis bastante baixos, além de
pessoas sem remuneração no estado, onde 47,3 % das pessoas, em 2004, se
encontravam na faixa de até três salários mínimos, 36 % sem rendimento, 8,8 %
estão na faixa de três a cinco salários mínimos, 1,8 % na faixa de 10 a 20 salários
mínimos e 0,79 % na faixa de mais de 20 salários mínimos.
Atividade do Trabalho Principal Número de Pessoas
Participação %
Total 1.401.007 100,00
Agrícola 420.372 30,00
Indústria 136.938 9,78
Construção 88.758 6,34
Comércio e Reparação 264.298 18,86
Alojamento e Alimentação 43.885 3,13
Transporte, Armazenagem e Comunicação 52.126 3,72
Administração Pública 72.592 5,18
Educação, Saúde e Serviços Sociais 109.547 7,82
Serviços Domésticos 106.905 7,63
Outros serviços coletivos, sociais e
pessoais
39.595 2,83
Outras atividades 65.331 4,66
Atividades mal definidas ou não
declaradas
660 0,05
90
Tabela 8 Pessoas de 10 anos ou mais e valor do rendimento mensal, por sexo em Mato Grosso,
2004.
Fonte: ABUTAKKA e LIMA, 2006.
A PNAD (2004 apud ABUTAKKA e LIMA, 2006) também demonstra que
apesar do aumento relativo da participação das mulheres no mercado de trabalho,
elas continuam ganhando menos que os homens. Quanto à situação da renda da
população estadual verifica-se que no período de 1985-2004, houve um considerável
aumento da renda média familiar per capita no Estado de Mato Grosso, conforme
mostra a Tabela 9.
Tabela 9 Rendimento médio mensal das pessoas com 10 anos ou mais, economicamente ativas na
semana de referência em Mato Grosso, no Centro-Oeste e no Brasil, 2004.
Valor do Rendimento Médio Mensal das pessoas com 10 anos de
idade ou mais, com rendimento – 2004
Especificação
Total Urbana Rural
Brasil 724,00 785,00 382,00
Centro-Oeste 835,00 877,00 531,00
Mato Grosso 764,00 816,00 549,00
Fonte: ABUTAKKA e LIMA, 2006.
Pessoas com 10 anos ou mais de idade Classe de Rendimento Mensal
Total % Homens Mulheres
Total 2.229.552
99,95 1.110.650 1.118.902
Até ½ salário mínimo 77.542 3,47 17.488 60.054
Mais de ½ a 1 salário mínimo 326.330 14,63 137.266 189.064
Mais de 1 a 2 salários mínimos 468.547 21,01 290.365 178.182
Mais de 2 a 3 salários mínimos 183.130 8,21 137.592 45.538
Mais de 3 a 5 salários mínimos 196.323 8,80 138.581 57.742
Mais de 5 a 10 salários mínimos 109.877 4,93 78.532 31.345
Mais de 10 a 20 salários mínimos 40.916 1,83 31.347 9.569
Mais de 20 salários mínimos 17.818 0,79 14.849 2.969
Sem rendimento 802.801 36,00 259.352 543.449
Sem declaração 6.268 0,28 5.278 990
91
5.5 ASPECTOS ECONÔMICOS: EXPANSÃO DAS DESIGUALDADES
SOCIAIS
5.5.1 Agricultura e Pecuária: Modernização e Crescimento
O forte crescimento da produção a partir da década de 80 se sustentou devido
à expansão da área cultivada e ao aumento da produtividade em relação à maioria
dos produtos nos anos que se seguiram. Os fatores que contribuíram para isto foram:
a qualidade do solo do cerrado e a modernização agrícola. A agricultura é o setor
mais importante desde então no Estado de Mato Grosso, pois é ela que movimenta as
outras atividades econômicas.
No conjunto dos principais produtos agrícolas a produção de grãos,
oleaginosas e fibras representou, no período de 1990-2004, em torno de 95% do total
da área colhida, cabendo ao cultivo da soja aproximadamente 63% dessa área. Em
2004 esta taxa chegou a alcançar 68,6%, indicando a elevada especialização da
agricultura mato-grossense e, em conseqüência, a sua maior dependência e
vulnerabilidade às oscilações do mercado destes produtos (ABUTAKKA e LIMA,
2006). Na safra 98/99, por exemplo, Mato Grosso assumiu o lugar no ranking
nacional de produção de grãos, oleaginosas e fibras, o lugar na produção de soja e
algodão, e o na produção de arroz. Para a safra 2004-2005 foi estimado o lugar
em produção de grãos, oleaginosas e fibras.
A atividade pecuária, forte componente histórico da formação econômico-
social, é amplamente predominante no espaço rural mato-grossense. A produção de
carne bovina em Mato Grosso passou de 453 mil toneladas em 2000, para 814 mil
toneladas em 2004, ocupando a posição no ranking nacional, perdendo somente
para São Paulo que detém o 1º lugar, e Mato Grosso do Sul. Considerando as
microrregiões, a bovinocultura apresenta relativa pulverização, sendo que os maiores
rebanhos mato-grossenses no ano de 2004, ou seja, acima de 400.000 cabeças,
pertencem a grandes e médios produtores com características empresariais nos
municípios de Cáceres, Juara, Vila Bela da Santíssima Trindade, Pontes e Lacerda e
Santo Antonio do Leverger (ABUTAKKA e LIMA, 2006).
92
Quanto à bovinocultura leiteira, os maiores municípios produtores de leite são
Rondonópolis, Poxoréo, Juscimeira, Dom Aquino, Jaciara, Araputanga, Jauru, São
José dos Quatro Marcos, Barra do Bugres e Tangará da Serra. No Norte, apenas
Colíder apresenta maior densidade, pois se verifica a presença de frigoríficos e
fábrica de laticínios.
Além da agricultura e da pecuária, se destaca a produção de ovos e mel. Com
relação aos principais produtores de ovos de galinha, os municípios de Campo
Verde, Santo Antônio do Leverger, Tangará da Serra, Alta Floresta, Juína, Itaúba e
Mirassol D’Oeste juntos contribuem com 43% da produção estadual (ABUTAKKA e
LIMA, 2006). Na produção de mel de abelha, os maiores produtores o Barra do
Garças, Água Boa, Querência, Canarana e Cáceres.
5.5.2. Indústria: a Expansão da Agroindústria
Os resultados favoráveis de Mato Grosso na produção de grãos, oleaginosos e
fibras desde os anos 90 têm estimulado consideravelmente a expansão das atividades
da agroindústria. Esmagadoras, algodoeiras, fiações e beneficiadoras de cereais são
os segmentos que mais se destacam em termos de novos investimentos, efetuados
tanto por grandes empresas de fora do estado quanto por capitais locais. Segundo
ABUTAKKA e LIMA (2006), estudos econômicos recentes demonstram o intenso
crescimento das pequenas empresas, as chamadas micro-indústrias, que apresentam
maior flexibilidade e capacidade de adaptação às mudanças no mercado, de forma
que, quando organizadas em arranjos produtivos locais, apresentam um elevado
desempenho inovador. Porém, estas pequenas empresas enfrentam um problema
ainda a ser resolvido: o reduzido acesso aos limites de crédito para a modernização
da produção.
Assim, a agroindústria é a prática econômica que mais tem expressão no
estado. O complexo grãos/carnes ainda é dominante, inclusive no que se refere ao
beneficiamento do gado bovino, que se caracteriza pela produção de leite, carne e
couro. Entre os pólos industriais mato-grossenses estão os municípios de Tangará da
Serra e Rondonópolis. O primeiro se destaca na indústria extrativa mineral e de
93
transformação, e o segundo, além destas, também apresenta indústrias de laticínios e
de resfriamento.
5.5.3. Comércio: Emprego e Faturamento
Nos anos de 2002 e 2003 o segmento do comércio varejista se mostrou como
o maior em termos de número de empresas, pessoal ocupado e número de
estabelecimentos. Entretanto, em termos de receita bruta de revenda e margem de
comercialização, o atacado gerou a maior parcela do total estimado pela Pesquisa
Anual de Comércio do IBGE (PAC/IBGE, 2003 apud ABUTAKKA e LIMA, 2006).
No ano de 2003, o varejo alcançou cerca de 80% dos estabelecimentos,
gerando um faturamento bruto no valor de R$ 4,39 bilhões (ABUTAKKA e LIMA,
2006). Em dezembro de 2003, estas empresas ocupavam 68,24% dos empregados no
comércio e, ao longo daquele ano, pagaram aproximadamente R$ 300 milhões na
forma de salários, retiradas e outras remunerações, o que significou um salário médio
mensal de R$ 337,30 (trezentos e trinta e sete reais e trinta centavos).
O comércio por atacado, por sua vez, foi responsável por apenas 8,60% do
total dos estabelecimentos e 18,34% do pessoal ocupado. Mesmo com menor
participação em termos de número de empresas e de pessoal, esta categoria
respondeu pela maior parcela de faturamento do comércio em geral, 59,49%, o que o
caracteriza como o segmento mais concentrado do setor comercial.
5.5.4. Mercado Externo: Quadro Expressivo das Exportações
No final dos anos da década de 80, o Estado de Mato Grosso se firmou na 10ª
posição entre os estados exportadores, ocupando a primeira posição no contexto do
Centro-Oeste. O principal produto das exportações, em 2004, foi a soja em grãos,
mesmo triturada, com 47,28%; seguindo-se o bagaço e outros resíduos sólidos da
soja, com 23,32% e o óleo de soja com 8,34%. Somente o complexo soja respondeu
por 78,94%. O algodão com 5,95%, as madeiras com 5,95% e a carne com 4,61,
complementaram o quadro das exportações (ABUTAKKA e LIMA, 2006). Desse
94
modo, Mato Grosso se caracterizou como um fornecedor de produtos primários e
semi-elaborados, especializado em commodities e na produção de carnes e derivados.
De acordo com as informações fornecidas pela Secretaria de Planejamento
(SEPLAN) (ABUTAKKA e LIMA, 2006), a União Européia é o principal cliente das
exportações de Mato Grosso, respondendo por cerca de 51% do total, seguindo-se,
em ordem de importância, a Ásia com 30,0%, o Oriente Médio e, muito abaixo, o
MERCOSUL. Este comércio, considerado incipiente, pode ter como causa a baixa
complementaridade dos produtos de exportação mato-grossense em relação aos
países do MERCOSUL (ABUTAKKA e LIMA, 2006).
Os dados de exportação de produtos referentes ao ano de 2004 refletem a
tendência progressiva das exportações frente ao número menor de importações. Estes
dados confirmam o grande êxito da balança comercial brasileira que, em 2005,
alcançou mais uma vez valores recordes. As exportações brasileiras atingiram US$
118,3 bilhões naquele ano. Contudo, as importações alcançaram US$ 73,5 bilhões,
resultando um saldo positivo (exportação menos importação) de US$ 44,7 bilhões,
valor nunca antes atingido. Do total das exportações brasileiras, em 2005,
aproximadamente 6,07% foram provenientes das exportações do Centro-Oeste, ou
seja, US$ 7,2 bilhões, correspondendo, deste total, 57,8% às exportações do Estado
de Mato Grosso (ABUTAKKA e LIMA, 2006).
5.6 A ORGANIZAÇÃO DESCENTRALIZADA DO SISTEMA ÚNICO DE
SAÚDE NO ESTADO DE MATO GROSSO
O processo de descentralização que caracteriza o Sistema Único de Saúde
(SUS), expresso primeiramente na Constituição de 1988 (BRASIL, 1988), segue as
diretrizes preconizadas nas leis que regulamentam a Política Nacional de Saúde: a
Lei 8.080/90 (BRASIL, 1990) e 8.142/90 (BRASIL, 1990). Ao longo da década de
90 e início do novo século a descentralização foi regulamentada através de Normas
Operacionais que visaram a sua implantação, repassando aos estados e municípios
gradativamente as responsabilidades de gestão da atenção à saúde. No contexto da
descentralização, a Política Nacional de Saúde Indígena vem sendo implementada
como um subsistema de saúde com a finalidade de garantir o cumprimento dos
95
princípios de universalidade e eqüidade na atenção à saúde dos povos indígenas no
território nacional, tendo como modelo os Distritos Sanitários Especiais Indígenas
(DSEIs).
Tendo em vista os documentos analisados, desde a implantação da Norma
Operacional de Assistência à Saúde (NOAS SUS 01/02) (MINISTÉRIO DA
SAÚDE, 2002) o Estado de Mato Grosso busca atribuir aos municípios maior
autonomia na gestão do sistema de saúde municipal. Nela se expressa um novo
modelo de organização territorial no qual os municípios devem atender às suas
especificidades loco-regionais, buscando por meio da Programação Pactuada e
Integrada (PPI) parcerias intermunicipais que atendam aos princípios do SUS,
garantindo o acesso com qualidade aos serviços pela população residente nas
Microrregiões de Saúde.
5.6.1 Considerações sobre a Norma Operacional de Assistência à Saúde
(NOAS SUS 01/02) no Estado de Mato Grosso
Atualmente, Mato Grosso compreende cinco regiões de saúde, que agrupam
14 microrregiões ocupando uma área de 903.357,908 Km², com uma população de
2.749.145 habitantes, o que representa uma densidade demográfica de 2,77
habitantes por Km² (ver Quadro 1 e Figura 5). Esta divisão coincide parcialmente
com as 12 regiões da Secretaria de Planejamento (SEPLAN/MT) (ver Figura 4) e
com a área de abrangência dos Distritos Sanitários Especiais Indígenas distribuídos
no estado (ver Figura 5).
96
Quadro 1 - As Regiões de Saúde do Estado de Mato Grosso.
Nome da Região Microrregiões Componentes
Microrregião Baixo Araguaia
Microrregião Garças Araguaia
Região Leste
Microrregião Médio Araguaia
Microrregião Baixada Cuiabana
Microrregião Centro Norte
Microrregião Médio Norte
Microrregião Noroeste Mato-grossense
Região Centro-norte
Microrregião Vale do Arinos
Microrregião Alto Tapajós
Microrregião Teles Pires
Microrregião Vale do Peixoto
Região Norte
Microrregião Norte Mato-grossense
Região Oeste Microrregião Oeste Mato-grossense
Região Sul Microrregião Sul Mato-grossense
Fonte: MATO GROSSO, 200
6a.
Neste estudo são analisadas as informações sobre a atenção à saúde na
Microrregião Sul Mato-grossense, da Região Sul, onde se localiza a área de
abrangência do Pólo-Base de Rondonópolis.
Figura 5 - Regiões e Microrregiões de Mato Grosso
Microrregião
Centro Norte
Microrregião
Baixada
Cuiabana
Microrregião
Sul
Matogrossense
Microrregião
Teles Pires
Microrregião
Garças Araguaia
Microrregião
Médio Norte
Microrregião
Médio Araguaia
Microrregião
Alto Tapajós
Microrregião
Vale Do Peixoto
Microrregião
Baixo Araguaia
Região Norte
Região
Centro Norte
Região
Sul
Região Leste
Microrregião
Vale Do Arinos
Microrregião
Oeste
Matogrossense
Região
Oeste
Microrregião
Noroeste
Matogrossense
Região Leste
Região Oeste
Região Norte
Região Sul
Sedes das Regiões
Legendas
Mato Grosso - Regiões de Saúde e Sedes das Regiões
Cáceres
Barra do
Garças
Rondonópolis
Sinop
Cuiabá
Fonte: SES / SAI -MT. AGO/2005
Equipe PDR
Microrregião
Centro Norte
Microrregião
Baixada
Cuiabana
Microrregião
Sul
Matogrossense
Teles Pires
Microrregião
Garças Araguaia
Microrregião
Médio Norte
Microrregião
Médio Araguaia
Microrregião
Alto Tapajós
Microrregião
Vale Do Peixoto
Microrregião
Baixo Araguaia
Região Norte
Região
Região
Sul
Microrregião
Vale Do Arinos
Microrregião
Oeste
Matogrossense
Região
Oeste
Microrregião
Noroeste
Matogrossense
Legendas
Mato Grosso - Regiões de Saúde e Sedes das Regiões
Cáceres
Barra do
Garças
Sinop
Cuiabá
Fonte: SES / SAI -MT. AGO/2005
Equipe PDR
Microrregião
Fonte: MATO GROSSO, 2006a.
97
Dentre os 141 municípios do Estado de Mato Grosso, a capital Cuiabá se
encontra habilitada em Gestão Plena de Saúde Municipal pela NOB-SUS 96
(MINISTÉRIO DA SAÚDE, 1996) sendo que os municípios de Jaciara, Barra do
Garças, Rondonópolis, Campo Verde, Alta Floresta, Diamantino, Pedra Preta e
Primavera do Leste estão habilitados na Gestão Plena de Saúde Municipal pela
NOAS SUS 01/02 (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2002). Os demais municípios
habilitados são em Gestão Plena da Atenção Básica Ampliada (MATO GROSSO,
2006).
5.7 O MUNICÍPIO DE RONDONÓPOLIS
O município de Rondonópolis está localizado a Sudeste do Estado de Mato
Grosso e assume a posição de líder na microrregião em que está situado.
Imbricado no Vale de São Lourenço apresenta uma grande quantidade de
cursos de água que cortam seu território entre eles: rios Poguba ou Vermelho e
Arareau que banham a cidade; rios Jorigue, Itiquira, Ponte de Pedra, Tadarimana,
Poxoréu, Poguba-Xoréu e o rio São Lourenço. Está na área de cerrados e cerradões,
vegetação tropical com algumas manchas florestais onde predominam terras de
cultura (TESOURO, 1993).
Rico em barro para a fabricação de telhas e tijolos, areia, cascalho e pedra
para a construção apresentou grande quantidade de madeira de lei, principalmente
a peroba, o bálsamo e o cedro (TESOURO, 1993). Localizado em posição estratégica
conforme mostra a Figura 6, Rondonópolis é via de acesso obrigatória entre o Norte
e Sul do país desde a construção da rodovia Cuiabá-Campo Grande, depois parte da
BR 163 e da BR 364 até Brasília; devido a isto já foi chamada de “Portal da
Amazônia”.
98
Figura 6 – Eixos viários que interligam Rondonópolis ao restante do Estado
Disponível em: www.dnit.gov.br
Outros haviam passado por estas terras em busca de ouro e diamantes
como foi o caso de Antônio Cândido Carvalho e de João Arenas Teixeira; porém, os
pioneiros deste município chegaram em 1902 tocando boiada e abrindo caminhos no
sertão do Centro-Oeste. Foi durante o governo do Presidente Campos Sales (1898-
1902) e do governo estadual de Antônio Paes de Barros que o atual município
recebeu os seus primeiros habitantes vindos de Goiás, eles chegaram à margem de
um rio de cor avermelhada e com grande correnteza, o que os impediu de atravessar,
obrigando-os a montar acampamento. Este rio mais tarde viria a se chamar Rio
Vermelho ou Poguba, denominação indígena.
Estradas... não havia; foram feitas picadas com facão e foices, e por isso,
num dado momento depois de três/quatro meses de caminhadas - , eles
ficaram impossibilitados de prosseguir viagem e se fixaram nas
proximidades do rio Poguba. Com o tempo, as dificuldades foram
aumentando, a ferida brava tomou conta de todos, eles começaram a passar
necessidades, até chegarem ao estado de miséria mesmo! Nessa época, aqui
não havia outros moradores a não ser índios... Assim, em 1905, Manuel
Conrado vai até a Colônia Thereza Cristina onde havia posto telegráfico
e passa um telegrama para o posto de Alemão, em Goiás, para seu irmão
José Rodrigues, pedindo ajuda. (entrevista com Dona Nair descendente de
Jerônimo Lopes Esteves, pioneiro que chegou ao vilarejo em 1915)
(TESOURO, 1993, p.37).
99
Foi às margens do Rio Vermelho que se deu o primeiro contato deste grupo
comandado por Manoel Conrado com os índios Bororo. Instalados às margens do rio
a família pioneira iniciou o desmatamento com o intuito de mais tarde plantar fumo.
Contudo, as típicas condições climáticas e os freqüentes ataques de animais silvestres
às poucas novilhas trazidas dificultaram a instalação do grupo, obrigando-os a
solicitar auxílio para parentes que teriam permanecido em Goiás e atraindo mais
famílias goianas para as terras recém-descobertas.
Chegando em Capim Branco atual General Carneiro (MT) - o Jo
Rodrigues deixou a família e, junto aos demais homens, veio fazendo
picadas porque aquelas que tinham sido feitas por Manuel Conrado
tinham desaparecido, o mato crescera até encontrar o irmão Manuel.
depois, o seu José buscou a família e se fixou às margens do rio Poguba.
(depoimento de Dona Nair descendente de Jerônimo Lopes Esteves,
pioneiro que chegou ao vilarejo em 1915) ( TESOURO, 1993, p. 37).
A partir de 1906 mais famílias goianas vieram concretizar o povoamento do
vilarejo Rio Vermelho, primeiro nome de Rondonópolis. Organizaram-se
socialmente e começaram a trabalhar nas terras. Havia entre estes e os índios uma
relação baseada na troca, principalmente para circularem pela mata até outros
municípios vizinhos e a capital. Em 1915 Rio Vermelho possuía 60 pessoas e era
considerada uma das terras com maior número de fazendas da região. Possuía uma
rua, uma escola, um professor, um “homeopatologista” (termo utilizado para
denominar o único médico local) e um dentista ambulante.
O vilarejo formado precisava ser reconhecido pelas autoridades estaduais;
assim, os seus moradores se reuniram para resolver este impasse junto ao governador
do Estado de mato Grosso, Joaquim da Costa Marques. Após diálogo com o grupo
sob a mediação do Major Otávio Pitaluga, o Governador promulgou o Decreto-Lei
395 de 19 de agosto de 1915 (apud TESOURO, 1993), no qual determinou a reserva
de 2.000 hectares para o povoado de Rio Vermelho, nome atribuído oficialmente
devido à sua localização às margens do Rio Vermelho.
O Major Otávio Pitaluga tornou-se protetor político de Rio Vermelho. Foi
técnico da Comissão Rondon e deputado estadual. Nascido em Cuiabá no ano de
1880, estudou nesta cidade até o curso secundário seguindo para Porto Alegre onde
se matriculou na escola militar e terminou sua formação no Rio de Janeiro com o
100
curso geral de Arma de Infantaria. Retornou ao Mato Grosso e ingressou na vida
política.
Em decorrência do encontro com as autoridades mato-grossenses a antiga
estrada utilizada para chegar à capital foi ampliada pelos pioneiros goianos com o
objetivo de facilitar o tráfego para o comércio, que era feito por via terrestre, a
cavalo. Também era realizado por via fluvial, descendo por canoa e ancorando em
algumas aldeias indígenas, nas quais eram deixados alguns produtos cultivados na
região.
Tudo era fabricado em Rio Vermelho, com exceção do sal, do couro e do
azeite. Os tecidos eram confeccionados, assim como os calçados eram feitos pelo
sapateiro com pele de onça e couro de boi. Em fins de 1916, foi construída a primeira
casa de comércio de Rio Vermelho com a finalidade de fornecer às famílias que ali
residiam o fornecimento de certos produtos encontrados na capital. O
abastecimento da casa de comércio era feito sempre que o estoque ficava reduzido e
o transporte das mercadorias se dava com carros de boi.
A vida social em Rio Vermelho era rica e dentre os festejos, o mais
comemorado era o de o João, que contava com a participação dos índios Bororo e
era onde estes aprendiam a falar a língua portuguesa. Além das danças picas dos
colonos e dos Bororo, nas festas também se viam o cururu e a catira, ao som da viola
de cocho, o adufo e a viola de pinho
1
que acompanhavam o cantor noite a dentro.
Em 1918, foram organizadas as instruções para a construção do povoado do
Rio Vermelho e a conservação do seu patrimônio autorizada pelo Secretário da
Agricultura do Estado de Mato Grosso e referendada pelo agrimensor Otávio
Pitaluga. As instruções por ele assinadas determinavam que o patrimônio de Rio
Vermelho seria dividido em três zonas: a urbana, a suburbana e a rural. As instruções
também se referiram às confecções das casas no perímetro urbano, determinando que
para manter as condições de higiene deveriam escoar para as águas pluviais e os
dejectos dos animais e demais detritos orgânicos deveriam ser conduzidos para
fossas afastadas das residências.
1
O cururu e a catira são danças típicas mato-grossenses, e a viola de cocho, o adufo e a viola de pinho
são os instrumentos musicais típicos da região.
101
Quanto à apropriação das terras, o documento instruía que os moradores
interessados deveriam destinar uma petição apresentando as suas intenções e
compromissos de ocupação para o administrador, nomeado pelo governo do Estado
de Mato Grosso, e que teria o poder de conceder ou não o deferimento. Não
nenhuma referência neste documento das terras ocupadas pelos índios.
Com a sua oficialização as fazendas foram transferidas para o perímetro rural
a fim de estabelecer melhores condições, convívio e bem-estar aos habitantes de Rio
Vermelho. Entretanto, com esta nova organização do vilarejo também foi proposta a
mudança do seu nome para Rondonópolis, sendo isto um dos motivos de afastamento
de algumas famílias pioneiras que viam neste momento os seus esforços subjugados.
Assim, em março de 1919 foi alterado o nome de Rio Vermelho para Rondonópolis.
Este nome surgiu da vontade de homenagear Cândido Rondon como desbravador do
Centro-Oeste por ocasião da instalação das Linhas Telegráficas.
Na década seguinte, o principal meio de comunicação, devido à rapidez e
conforto, foram as lanchas. Em fevereiro de 1920 Rondon enviou para Rondonópolis
a primeira lancha, destinada a atender os índios Bororo, e levava o nome de Rosa
Bororo em homenagem à índia que, segundo as tradições, intermediou a paz entre os
Bororo e os colonos portugueses na ocasião do contato em 1719. Depois dela, muitas
pararam no porto do Rio Vermelho entre estas a 13 de Junho, a Atalaia, a Estrela e a
Eskafa, que inclusive serviam para o transporte de madeira para outros portos com
fins comerciais. Foi ainda na década de 20 que muitas estradas foram construídas no
Mato Grosso, entre elas cita-se a que ligou Chapada dos Guimarães a Rondonópolis,
Cuiabá a Rondonópolis, Rondonópolis a Campo Grande e Rondonópolis a Santa Rita
do Araguaia (atualmente Alto Araguaia), sendo Rondonópolis o ponto intermediário
entre a capital e as outras.
Com a morte de O. Pitaluga, em 1929, Rondonópolis entrou na década
seguinte sem perspectivas de desenvolvimento, enfrentando a maior fase de
paralisação. No ano de 1938, conforme o Decreto-Lei 208, de 26 de outubro,
Rondonópolis passou a ser distrito de Poxoréu, município vizinho (CURY, 1973).
Na década de 40 foram iniciadas as lutas para o renascimento de
Rondonópolis, com o apoio de Rondon. Foram abertos novos comércios e uma
pousada para os viajantes que por lá passavam e utilizavam a balsa do Rio Vermelho
102
para seguir viajem. Nesta ocasião se destacaram dois líderes Bororo, Tugore e
Cadete. Tugore, admirado pela sua sagacidade, recebeu de Rondon as condecorações
com a farda e a espada de General. Cadete foi o seu sucessor e auxiliou Rondon nas
suas empreitadas tendo sido designado pelos índios da tribo como “cacique das
aldeias de todas as tribos Bororos desta região” (CURY, 1973, p. 79). Foi
considerado pelos demais como um grande curandeiro e participou com Rondon de
uma das cerimônias do SPI no Rio de Janeiro, juntamente com outros chefes de
tribos, inclusive Parecis.
TESOURO (1993) relata que foi a partir de 1947 que Rondonópolis entrou
numa nova fase na qual o objetivo dos governos federal e estadual foi de instalar e
desenvolver o sistema capitalista na região com os seus elementos conhecidos; o
mercado interno deveria ser consumidor dos produtos industrializados à medida que
aumentasse o seu poder de consumo, ao mesmo tempo que deveriam fornecer
matérias-primas e ser o celeiro de alimentos.
O sistema adotado pelo governo para povoar as terras de Rondonópolis foi o
de colônias. O colono tinha a responsabilidade de reproduzir a sua força de trabalho,
desmatar as terras e abastecer o mercado com as suas roças de milho, feijão,
mandioca e algodão, enquanto pudessem manter os seus lotes. No período de 1947 a
1950 os emigrantes vinham requerer do governo estadual os lotes gratuitos.
Para os colonos, a conquista de um pedaço de terra em que pudessem plantar
representava a conquista de um sonho, por isto observou-se grande fluxo migratório
para Rondonópolis. Assim, a região ficou recortada em pequenas propriedades, sítios
de 20 a 50 hectares, as agrovilas, formadas principalmente por matas. Nas agrovilas
foi criada uma sede em que os moradores deveriam construir as suas casas e estas
deveriam estar próximas das terras em que trabalhariam.
O processo de ocupação ocorrido entre os anos de 1947 e 1950 demonstra
que estes pequenos produtores eram antigos garimpeiros da região ou oriundos da
região nordestina. Todos desenvolveram culturas tradicionais, bem como a cria e
recria de gado para o consumo de carne e leite. A produção era do tipo familiar, com
baixa produtividade e pequeno comércio quando havia produção de excedentes.
Além dos objetivos governamentais destacados por TESOURO (1993),
CURY (1973) ressalta que Rondon tinha um sonho: ver Rondonópolis prosperar.
103
Para tanto trouxe até Rondonópolis uma equipe de fotógrafos, repórteres e
jornalistas, dentre eles o professor Tertuliano Vieira Albergaria e o jornalista
Luciano Carneiro, com o intuito de conhecer e divulgar a região para o resto do
Brasil. O professor Tertuliano tinha fama de ser um grande propagandista e
levantador de cidades em diversos estados brasileiros. Assim, Rondon se voltou para
a última tentativa: a propaganda.
A notícia se espalhou levando até os outros estados a imagem de uma terra
farta e com futuro promissor. Os primeiros carros de transporte de passageiros se
estabeleceram e começaram a transportar os interessados, mas estes também
chegavam das mais variadas maneiras: a pé, pedindo carona ou sobre a carroceria de
caminhões. Alguns problemas surgiram porque o professor e o propagandista
venderam terras devolutas por diversas vezes de maneira que vários donos
reclamaram a posse dos terrenos.
A finalidade da Colonizadora Noretama do Tertuliano Albergaria, era a de
trazer gente e povoar parte desta nossa região. Por isso, eu afirmo, com
todas as letras que Rondonópolis foi formada a partir da mentira deslavada
do Albergaria, que confeccionou inclusive mapas lindíssimos que
mostravam, em desenhos, pessoas cortando madeira grossas cedro que
eram jogadas no rio, enquanto outros homens estavam esperando em
Corumbá para vendê-las. (depoimento do Sr. Apotâmeo que foi um dos
emigrantes ludibriados por Albergaria) (TESOURO, 1993, p. 44).
Devido aos freqüentes desentendimentos pela posse das terras “compradas”
foi necessário a nomeação do primeiro Delegado de Polícia de Rondonópolis; mesmo
assim, os problemas persistiram e a saída para os colonos foi se estabelecer nos
terrenos ainda não ocupados povoando áreas vizinhas a Rondonópolis. Diante desta
situação, o Governador do estado, Dr. Arnaldo Estevam de Figueiredo, enviou
auxílio para os colonos fornecendo mantimentos e ferramentas para a lavoura, além
de medicamentos e recursos para o controle especialmente da malária. O incentivo
destinado a Rondonópolis estimulou a vinda de mais imigrantes para a região.
No início do governo seguinte, de Fernando Correa da Costa, a doação das
terras devolutas foi interrompida e os seus títulos definitivos foram concedidos, mas
também foi interrompida a entrega de produtos e equipamentos agrícolas
proporcionando um mercado de trabalho em que a força humana era necessária para
104
a abertura de novos pastos e roças, principalmente de arroz. Porém, um pedaço de
terra e algum maquinário não foram suficientes para manter grande parte da
população instalada, pois lhes faltavam escola, saúde e preço justo pelas suas
mercadorias; por isto, muitos venderam as suas propriedades para novos ocupantes,
grandes fazendeiros da região ou de outras regiões que queriam investir em terras
mato-grossenses. Estes foram comprando as pequenas propriedades que se
avizinhavam e formando os grandes latifúndios encontrados na atualidade.
Frente a tantos desencantos, a Igreja cumpriu um duplo papel: primeiro, de
divulgar a e, segundo, de estabelecer a educação como salvação para todos os
males da pobreza caracterizando o processo de enraizamento das pessoas no local.
Foi D.Vunivaldo tanto em Rondonópolis, quanto nos outros municípios por onde
passou, que investiu e acreditou no poder da educação. Em todas as comunidades em
que viveu sempre associou à capela uma escola, estas mais tarde foram encampadas
pelo governo estadual que assumiu a remuneração dos professores.
Em 1953 Rondonópolis foi elevada a município pela Lei 666, de 10 de
dezembro (CURY, 1973). E, com a chegada dos fazendeiros na década de 50,
formando propriedades de até 300 alqueires, Rondonópolis passou a comercializar
com grandes indústrias o algodão e o arroz produzido. Entretanto, ainda nesta época
a preferência dos investimentos era na pecuária, pois esta não apresentava as
incertezas da agricultura. Renascida na década de 40, Rondonópolis deu o seu salto
para o desenvolvimento na década de 60 quando chegaram os primeiros postes e fios
de energia elétrica.
TESOURO (1993) destaca que nesta década a maior parte da população
estava na área rural, o que demonstra que Rondonópolis se alicerçou no
fortalecimento da agropecuária e num comércio crescente. Contudo, apresentava um
setor de serviços insuficiente e um setor secundário quase inexistente, com apenas
cinco estabelecimentos industriais dos quais, uma madeireira, três fábricas de
produtos alimentícios e uma fábrica de bebidas.
Os primeiros investimentos na pecuária consistiram na criação de gado
leiteiro e de corte; depois, cada criador optou especificamente por um ou outro tipo,
dentre eles as raças Gir, Nelore e Holandesa. Contudo, havia um mercado restrito
para o comércio do leite, que dependia das carrocinhas que percorriam as ruas da
105
cidade; para o abatimento do gado e a distribuição da carne bovina os fazendeiros
dependiam dos frigoríficos do Sudeste.
Outras dificuldades encontradas por estes fazendeiros também eram quanto
aos recursos para investimentos, os quais, obtidos nos bancos, apresentavam altas
taxas de juros, e quanto à inexistência de um pasto que suportasse as condições
climáticas da região. Foi então que os profissionais da EMBRAPA, nas décadas de
70 e 80, descobriram um tipo de semente para a formação de pasto, utilizada na
África, que se adaptou às terras do cerrado aumentando o número e a quantidade das
áreas de pastagens. Com esta descoberta foi facilitado o plantio do capim e os
fazendeiros foram abandonando o desmatamento das terras de cultura que somente
após as queimadas permitiam o nascimento de novas pastagens nativas.
Assim, o processo de colonização de Rondonópolis foi baseado na doação e
posterior venda de terras levando à necessária criação de um Cartório de Registro de
Imóveis local para facilitar e agilizar o registro dessas propriedades. Em 1959,
ocorreu a criação da comarca de Rondonópolis que até então pertencia a comarca de
Cuiabá.
O desenvolvimento da pecuária propiciou novas formas de comércio como o
arrendamento de terras para a criação do gado, esta prática chegou a alcançar lucros
de 45% para os proprietários das áreas pastoris. Este sistema de arrendamento teve
duração até o governo do Presidente Castelo Branco, de 1964 a 1967, que deu direito
aos arrendatários que permanecessem nela por mais de dois anos requerer a sua posse
definitiva baseado no pressuposto de que o legítimo proprietário da terra é quem
trabalha nela.
Em 1965 ocorreu a primeira Exposição Agropecuária e Industrial de
Rondonópolis realizada no pátio do Ginásio Estadual do município, alguns anos mais
tarde foi construído o primeiro Parque de Exposição que até hoje estimula intenso
comércio e divulga produtos agropecuários na região.
Foi nas cadas de 70 e 80 que ocorreu intenso aporte migratório de sulistas
que entusiasmados com os baixos preços das terras do cerrado, tidas como
improdutivas, transformaram-nas em extensos latifúndios de arroz e principalmente
de soja. Enquanto os pecuaristas aumentavam os seus rebanhos, também os sulistas
106
investiam no plantio da soja ao longo da BR 163 beneficiando-se de tecnologia
específica para a germinação de grãos nas terras de Mato Grosso.
Atualmente, a área de Rondonópolis é de 4.165,23 km² representando
0.4611% do estado, 0.2602 % da região e 0.049 % de todo o território brasileiro;
pertence a microrregião de saúde Sul Mato-grossense, mesorregião Rondonópolis,
segundo classificação do IBGE, e região de planejamento político administrativo
Sudeste, cuja sede é o próprio município.
No ranking dos municípios mais populosos do estado, Rondonópolis assumiu
em 2000 o terceiro lugar com 150.227 habitantes e se manteve no último censo
demográfico de 2007 (resultados preliminares) na terceira colocação com pouco mais
de 160.000 habitantes. Também está na 15ª colocação na lista dos municípios com
melhor Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do estado (ABUTAKKA e
LIMA, 2006). O IDH deste município de acordo com dados do
PNUD/IPEA/FIP/IBGE (2000 apud ABUTAKKA e LIMA, 2006) apresentou valores
de 0,761 para longevidade, 0,722 para renda e 0,890 para educação.
O índice educacional neste município acompanhou a tendência do restante da
nação, isto é, foi responsável pelo aumento do IDH - M (valor médio) mostrando um
nível médio de qualidade de vida dos seus munícipes, com valor total de 0,791
(AMM, 2007).
Rondonópolis se destaca como um dos maiores produtores de leite mato-
grossenses, pertencendo ao grupo de municípios que compõem a chamada Bacia
Leiteira de Jaciara. De acordo com os dados divulgados pela Associação dos
Municípios Mato-Grossenses (AMM), os rebanhos com maior expressão em 2002
foram: rebanho bovino, com 319.369 cabeças; galinhas, com 81.446; galos,
apresentando 53.905 cabeças; e, suinocultura com 43.647 unidades. Na agricultura,
as lavouras permanentes que se destacam são: os plantios de banana, 162 mil cachos;
borracha, 167 toneladas em látex coagulado; côco-da-baía, 800 mil frutos e laranja,
300 mil frutos. Rondonópolis também investe em lavouras temporárias das quais se
destacam a do abacaxi, do algodão arbóreo, este em 11ª classificação no ranking dos
maiores produtores do estado, arroz, feijão, mandioca, milho, soja e sorgo.
107
Outra atividade exercida é a extração vegetal com os seguintes valores em
toneladas: carvão vegetal, 187t; lenha, 46.692t e madeira em tora, 139t (AMM,
2007).
No seu território está localizada a Terra Indígena Tadarimana da etnia
Bororo, homologada em 29 de outubro de 1991, pelo Decreto 300 (BRASIL, 1991)
apresentando uma extensão de 9.785ha (ISA, 2007). A administração regional é
responsabilidade da instância FUNAI/Rondonópolis. A saúde dos Bororo nela
residentes está sob a responsabilidade do DSEI Cuiabá, Pólo-Base Rondonópolis.
Nesta Terra Indígena existem quatro aldeias: aldeia Tadarimana com
aproximadamente 235 pessoas, aldeia Pobore com 27, aldeia Praião com 38
integrantes e aldeia Jurigue, com 29 componentes (FUNDAÇÃO NACIONAL DE
SAÚDE, 2007). Contudo faz-se necessário considerar que a população indígena
Bororo está distribuída em mais cinco Terras Indígenas, conforme mostra o Quadro
2.
Quadro 2 - As Terras Indígenas Bororo em outros municípios mato-grossenses
Terras
Indígenas
Município
Área
População
FUNAI
(Regional)
FUNASA
(DSEI)
Situação
Jurídica
Jarudore
Poxoréu
4.706ha
Sem
registros
Rondonópolis
Cuiabá
RESERVADA
Dec. 684
31.12.1945
Merure
General
Carneiro
e Barra
do
Garças
82.301ha
524
pessoas
da etnia
Bororo
Rondonópolis
Cuiabá
HOMOLOGADA
Dec. 94.014
11.02.1987
Perigara
Barão de
Melgaço
10.740ha
96
pessoas
da etnia
Bororo
Cuiabá
Cuiabá
HOMOLOGADA
Dec. 385
24.12.1991
*Sangradouro
Poxoréu,
Novo
São
Joaquim
e
General
Carneiro
100.280ha
858
pessoas
das entre
as etnias
Bororo e
Xavante
Barra do
Garças
Xavante
HOMOLOGADA
Dec. 249
29.10.1991
Tereza
Cristina
Santo
Antônio
do
Leverger
34.149ha
358
pessoas
da etnia
Bororo
Rondonópolis
Cuiabá DECLARADA
Prt. 1.134
30.09.2005
Fonte: ISA, 2007;BRASIL, 1987, 1991.
* Esta Terra Indígena comporta duas etnias: a Bororo e a Xavante e foi denominada de Terra
Indígena de Volta Grande.
108
5.7.1 O SISTEMA MUNICIPAL DE SAÚDE DE RONDONÓPOLIS
No início do século XX, com a chegada dos goianos, os cuidados em saúde
eram realizados conforme o conhecimento tradicional das famílias recém-chegadas e
dos índios que conheciam os segredos das plantas nativas. Em 1925 chegou o
primeiro grupo de estrangeiros formado por 40 americanos, dentre eles um casal de
médicos protestantes que, além de dar assistência médica à população, atendia os
vilarejos vizinhos e as aldeias indígenas.
Com o decorrer do tempo e com o aumento da incidência de doenças
tropicais, entre elas a difteria, a febre amarela, o impaludismo e o “fogo selvagem”,
sendo esta até hoje diagnosticada na região, surgiu a necessidade da atenção clínica
especializada. Nestes tempos, décadas de 40 e 50, os colonos recebiam assistência
médica e farmacológica com a vinda periódica de médicos da capital. Em 1953 foi
fundado o primeiro hospital que recebeu o nome de “Hospital Samaritano” contando
com 22 aposentos, 21 leitos, sala de cirurgia e laboratório.
O seguinte depoimento evidencia a construção do sistema municipal de saúde
em Rondonópolis tendo em vista os princípios de regionalização e hierarquização
dos serviços de saúde: “Nossa eu cheguei aqui há 11 anos atrás, eu passei no
concurso, eu vim cair no Pronto Socorro do município onde nunca tinha havido
enfermeira antes, naquela época ainda você lavava a seringa de vidro” (Entrevistado
25, maio, 2007).
Os investimentos no setor do agronegócio no início desta década levaram a
um significativo incremento dos serviços de saúde da rede pública e privada, atraindo
profissionais das diversas regiões do país, os quais, semelhantemente ao período de
colonização, vieram em busca do “El Dorado”, como nos conta o relato a seguir:
Rondonópolis era uma cidade que tinha um único hospital que era a Santa
Casa [...] por muito tempo os médicos que chegavam eventualmente não
podiam entrar naquele lugar [...]. No governo do Blairo que foi o prima do
governo [...] então eles tinham muito dinheiro, muito dinheiro mesmo [...]
o que aconteceu? Expansão de serviços na regional fizeram o Hospital
Regional que estava aí parado e expandiu serviços em todos os lugares [...].
Então era esta a realidade aqui, sobrava dinheiro [...]. Quando expandiu os
serviços, que fizeram o Hospital Regional, o Samu, o PA, começou a vir
médicos novos e a qualidade começou a aumentar um pouco porque
109
essas pessoas [...] vieram pra trabalhar no Hospital Regional e foram
absorvidos pela Santa Casa [...] (Entrevistado 3, maio, 2007).
Portanto, com a implantação do SUS no final da década de 1980 e o processo
de descentralização e regionalização validado através das NOBs e Normas de
Assistência à Saúde (NOAS), que vieram nos anos seguintes, fizeram de
Rondonópolis a principal referência para atenção à saúde de seus habitantes e dos
munícipes vizinhos. Atendendo aos pressupostos da NOAS SUS 01/02
(MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2002) este município, que conta com aproximadamente
160.000 habitantes, está localizado na Microrregião Sul Mato-grossense, cuja área é
de 89.476.23 km2, a qual apresenta cerca de 390 mil habitantes (MATO GROSSO,
2006).
A Microrregião Sul Mato-Grossense compõe-se de 19 municípios, todos
habilitados de acordo com a NOAS SUS 01/02 (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2002), a
saber: Alto Araguaia (Gestão Plena da Atenção Básica Ampliada GPAB-A); Alto
Garças (GPAB-A); Alto Taquari (GPAB-A); Araguainha (GPAB-A); Campo Verde
(GPSM); Dom Aquino (GPAB-A); Guiratinga (GPAB-A); Itiquira (GPAB-A);
Jaciara (Gestão Plena do Sistema Municipal - GPSM); Juscimeira (GPAB-A);
Paranatinga (GPAB-A); Pedra Preta (GPSM); Poxoréu (GPAB-A); Primavera do
Leste (GPSM); Rondonópolis (GPSM); Santo Antônio do Leste (GPAB-A); São José
do Povo (GPAB-A); São Pedro da Cipa (GPAB-A); e, Tesouro (GPAB-A).
A sede do Escritório Regional de Saúde (ERS) fica no município de
Rondonópolis a 220 km da capital Cuiabá.
A Figura 7 mostra a disposição dos módulos assistenciais tendo como
referência a metodologia estabelecida pela NOAS SUS 01/02 (MINISTÉRIO DA
SAÚDE, 2002) para a microrregião Sul Mato-Grossense. Esta microrregião
apresenta oito módulos assistenciais dentre estes quatro são módulos assistenciais
para sua própria população: Dom Aquino, Pedra Preta, Guiratinga e Alto Araguaia.
110
Figura 7 - Os Módulos Assistenciais da Microrregião Sul Mato-grossense
Inserir mapa
Primavera
do Leste
Santo Antônio
do Leste
Poxoréu
Tesouro
Guiratinga
Araguainha
Alto Taquari
Alto Araguaia
Itiquira
Pedra Preta
SãoJosé
do Povo
Rondonópolis
CIS
Juscimeira
São Pedro
da Cipa
Alto
Garças
Dom
Aquino
Campo
Verde
Mato Grosso : Microrregião Sul Matogrossense e a
Configuração de Módulos Assistenciais
Jaciara
Município Adscrito ao
Módulo Assistencial
Mapas :
Município Módulo
Assistencial para sua
própria população
LEGENDAS
Município Sede de
Módulo Assistencial
Sigla:
CIS
Indicam o Município sede
do Consórcio Intermunicipal
de Saúde
Paranatinga
Indicam que a sede de
módulo da microrregião
coincide com o Município
Polo
Indicam a sede de módulo
de referência para aquele
Município
Setas negras:
Setas vermelhas :
Município Habilitado
em Gestão Plena
Municipal
Fonte: SES / SAI -MT. AGO/2005
Equipe PDR
Fonte: MATO GROSSO, 2006a.
O primeiro módulo assistencial compreende quatro municípios: Jaciara, Dom
Aquino, São Pedro da Cipa e Juscimeira. Sua sede é Jaciara que referencia para
Rondonópolis os pacientes que necessitam de procedimentos M2, M3 e AC. O
município de Jaciara está habilitado em GPSM e conta com quatro especialidades
hospitalares: cirurgia, pediatria, obstetrícia e clínica médica.
O segundo módulo assistencial da microrregião Sul Mato-grossense tem sede
em Campo Verde. Este município, também habilitado em GPSM, é módulo
assistencial para os seus próprios munícipes e referencia para Rondonópolis os
procedimentos de M2, M3 e AC. O terceiro módulo assistencial tem sede em
Primavera do Leste, habilitado em GPSM, sendo referência para os munícipes de
Santo Antônio do Leste. A partir do município sede os pacientes são encaminhados
para Rondonópolis em casos de M2, M3 e AC.
O quarto módulo é o de Guiratinga cujo município é módulo para os seus
próprios munícipes, encaminhando para Rondonópolis somente para procedimentos
M2, M3 e AC.
O quinto módulo semelhante ao anterior, é em Pedra Preta, cuja habilitação
de acordo com a NOAS SUS 01/02 é em GPSM. Este município somente referencia
111
para Rondonópolis procedimentos M2, M3 e AC, e não é referência para nenhum
outro município.
Dom Aquino, módulo assistencial para ele mesmo, é o sexto módulo
assistencial da microrregião e referencia os seus munícipes em procedimentos M1
para o município de Jaciara. O sétimo módulo é o de Alto Araguaia, sendo ele
também um módulo em si mesmo, referenciando os seus munícipes para
Rondonópolis para procedimentos M2, M3 e AC.
O último módulo, cuja sede é o município de Rondonópolis, é referência para
procedimentos de média complexidade nível 1 (M1) para os munícipes de nove dos
dezenove municípios da Microrregião Sul Mato-grossense: Itiquira, Alto Taquari,
Alto Garças, Araguainha, Tesouro, Poxoréu, São José do Povo, e Paranatinga, e para
os seus próprios munícipes. Oferece também alguns procedimentos de média
complexidade nível 2 (M2) e nível 3 (M3) para todos os municípios da microrregião
e referencia para Cuiabá parte dos pacientes psiquiátricos, cirurgia obstétrica, clínica
médica e pediátrica, além dos pacientes de alto risco.
Rondonópolis também assume o papel de município-pólo para:
Região Sul/Microrregião Sul: Alto Taquari, Araguainha, Campo Verde, Dom
Aquino, Guiratinga, Itiquira, Juscimeira, Paranatinga, Pedra Preta, Poxoréu,
Primavera do Leste, São José do Povo, São Pedro da Cipa, Santo Antônio do
Leste e Tesouro;
Região Leste: Campinápolis, Cocalinho, Ribeirão Cascalheira, Ribeirãozinho,
São José do Xingu e Torixoréu;
Região Centro-Norte: Santo Antônio do Leverger;
Região Norte Mato-Grossense: União do Sul e Vera.
A rede física municipal instalada para atender as necessidades ambulatoriais
de saúde da população regional, conforme mostra a Tabela 10, conta com três postos
de saúde, cinco centros de saúde, uma policlínica, um ambulatório hospitalar –
Hospital Municipal de Rondonópolis - um centro de especialidades (CEADAS), uma
clínica de fisioterapia Centro de Reabilitação do Deficiente Físico Nilmo Junior,
três centros odontológicos, uma unidade de terapia renal substitutiva, 27 unidades de
saúde da família na zona urbana e duas na área rural, um laboratório central para
112
análises clínicas, oito farmácias básicas e uma farmácia de manipulação, uma central
de regulação, uma central de ambulância, dois Centros de Atendimento Psicossocial
(CAPS) e um centro de dermatologia.
Tabela 10 - Unidades prestadoras de serviço ambulatorial em Rondonópolis
Rede Ambulatorial
Unidades
Feder
al
Estadual Municip
al
Filantrópic
a
Privada Outro
s
Total
Posto de Saúde
- -
03 - - - 03
Centro de Saúde
- -
05 - - - 05
Policlínica
- -
01 - - - 01
Ambulatório de Hospital Geral
- 01
01 01 - - 03
Centro de Especialidades
- -
01 - - - 01
Clínica de Fisioterapia e Reabilitação
- -
01 - - - 01
Centro Odontológico
- -
03 - - - 03
Unidade de Coleta e Transfusão (UCT)
- 01
- - - - 01
Banco de Sangue
- 01
- - 01 - 02
Agência Transfusional (AT)
- 01
- - - - 01
Unidade de Terapia Renal Substitutiva
- -
01 - - - 01
Unid. De Saúde da Família – Z. Urbana
- -
27 - - - 27
Unid. Saúde Família – Z. Rural
- -
02 - - - 02
Lab. Central Análise Clínica
- 01
01 - - - 02
Farmácia Básica
- -
08 - - - 08
Central de Regulação
- 01
01 - - - 02
Central de Ambulância
- -
01 - - - 01
CAPS
- -
02 01 - - 03
Farmácia de Manipulação
- -
01 - - - 01
Centro de Dermatologia
- -
01 - - - 01
Fonte: MATO GROSSO, 2006b.
A rede ambulatorial municipal se completa com unidades de serviço de saúde
estaduais, a saber: um ambulatório hospitalar estadual localizado na área
ambulatorial do Hospital Regional Irmã Elza Giovanela, uma unidade de coleta e
transfusão (UCT) estadual, um banco de sangue estadual, uma Agência
Transfusional (AT) estadual, um laboratório central de análises clínicas estadual e
uma central de regulação. a iniciativa privada contribui com uma unidade de
coleta de sangue e a filantrópica com um ambulatório hospitalar e um Centro de
Atendimento Psicossocial Álcool e Drogas (CAPS), ambos vinculados ao Hospital
Paulo de Tarso.
Conforme mostra Tabela 11 a rede hospitalar é composta por um hospital
estadual, o Hospital Regional Irmã Elza Giovanela, um municipal, o Hospital e
Pronto-Socorro de Rondonópolis, um filantrópico, o Hospital Paulo de Tarso e dois
113
hospitais privados, a Santa Casa de Misericórdia com atendimento obstétrico e
pediátrico e o Hospital São José, com atendimento pediátrico. O Hospital Regional
Irmã Elza Giovanella oferece serviços em traumato-ortopedia, oftalmologia,
otorrinolaringologia, neurologia e cardiologia, além de dispor de uma unidade de
pronto socorro e é referência para internações em urgência e emergência para toda a
população da microrregião através do Consórcio Intermunicipal de Saúde (CIS) Sul
Mato-grossense constituído em 1998 e que conta com a adesão dos 19 municípios,
conforme é mostrado na Tabela 12.
Tabela 11 – Hospitais que compõem a rede do SUS de Rondonópolis
REDE HOSPITALAR
Unidades
Federal Estadual Municipal Filantrópica Privada Outros
Tota
l
Hospital Geral
- 01 01 01 02 - 05
Hospital
Psiquiátrico
- - - 01 - - 01
Pronto Socorro
Geral
- 01 01 - - - 02
Outros - - - - - - -
Fonte: MATO GROSSO, 2006b.
114
Tabela 12 - Municípios que compõem o CIS Sul Mato-grossense
Ano e nº total de habitantes por município Município
2002 2003 2004 2005 2006
Extensão Km2
22
2
Alto
Araguaia
11.545 11.607 11.738 11.811
11.884
5.538
Alto Garças 8.341 8.344 8.350 8.353
8.348
3.660
Alto Taquari 4.784 4.926 5.226 5.392
5.556
1.395
Araguainha 1.339 1.332 1.319 1.312
1.304
689
Campo Verde
19.587 20.685 22.991 24.267
25.532
4.795
Dom Aquino 8.346 8.313 8.243 8.204
8.168
2.205
Guiratinga 12.201 11.995 11.562 11.323
11.084
5.358
Itiquira 9.451 9.568 9.813 9.949
10.083
8.634
Jaciara 24.849 25.337 26.363 26.930
27.494
1.659
Juscimeira 12.298 12.406 12.635 12.762
12.889
2.205
Paranatinga 15.481 15.545 15.681 15.755
15.830
24.178
Pedra Preta 14.113 14.346 14.835 15.106
15.375
4.193
Poxoréo 19.220 18.845 18.056 17.619
17.186
6.923
Primavera de
Leste
45.608 48.278 53.881 56.982
60.059
5.472
Rondonópolis
155.803 158.391 163.824 166.830
169.811
4.165
Santo A.
Leste
1.975 2.020 2.113 2.165
2.216
3.597
São José do
Povo
3.080 3.091 3.113 3.126
3.142
444
São Pedro da
Cipa
3.536 3.556 3.596 3.618
3.639
344
Tesouro 2.832 2.693 2.402 2.242
2.084
4.017
TOTAL 374.389 381.278 395.741 403.746 411.684
----
Fonte: MATO GROSSO, 2006b.
Outras unidades e serviços completam a rede de serviços do Sistema Único
de Saúde em Rondonópolis conforme mostra a Tabela 13.
Tabela 13 - Demais unidades e serviços que compõem a rede do SUS em Rondonópolis
Unidades Federal Estadual Municipal Filantrópica Privada Total
Centro de
Zoonoses
- - 01 - - 01
Serviço de
Vigilância
Sanitária
-
01
01
-
-
02
Laboratório de
Análises Clínicas
-
01
01
01
10
13
Serviço de
Radiodiagnóstico
Médico
-
01
02
01
02
06
Serviço de
Radiodiagnóstico
Odontológico
-
-
02
-
02
04
Unidade Móvel
- 02 08 - - 10
Outros
(odontomóvel)
-
-
01
-
-
01
Samu
- - 01 - -
Fonte: MATO GROSSO, 2006b.
115
6 A FORMULAÇÃO DO SUBSISTEMA DE ATENÇÃO À SAÚDE
INDÍGENA
A saúde das populações indígenas na época da colonização era assistida pelos
missionários que tinham como “missão” a sua catequização. no século XX com a
expansão das fronteiras econômicas para o Centro-Oeste do Brasil e a construção das
linhas telegráficas e das ferrovias houve intenso massacre dos índios que habitavam
essas terras, especialmente o Mato Grosso. Foi criado, então, o Serviço de Proteção
ao Índio e Localização de Trabalhadores Nacionais (SPILTN). Este órgão estava
vinculado ao Ministério da Agricultura e se destinava a “proteger” aquelas
populações, visando a sua integração progressiva à sociedade nacional, bem como a
integração das suas terras ao sistema produtivo nacional. Mais tarde a denominação
mudou para Serviço de Proteção ao Índio (SPI), mas a atenção à saúde dos povos
indígenas continuou de forma desorganizada e esporádica.
Na década de 50 foi criado o Serviço de Unidades Sanitárias Aéreas (SUSA),
vinculado ao Ministério da Saúde, que tinha por finalidade levar até essas populações
as ações básicas de saúde que incluíam a vacinação, o atendimento odontológico e o
controle da tuberculose e de outras doenças transmissíveis.
Em 1967 o SPI foi extinto e no seu lugar foi criada a Fundação Nacional do
Índio (FUNAI), vinculada ao Ministério da Justiça. Baseada no sistema do SUSA, a
FUNAI criou as Equipes Volantes de Saúde (EVS), que realizavam atendimentos
esporádicos de consulta médica, imunização e supervisão do trabalho dos auxiliares e
atendentes de enfermagem residentes em áreas indígenas (MINISTÉRIO DA
SAÚDE, 2002c). Devido à falta de recursos e à organização inadequada da
assistência, entre outros motivos, as EVS foram se fixando nos centros urbanos e
tornando ainda mais esporádica a sua presença nas aldeias. Na realidade, poucos
destes integrantes eram qualificados para prestar atendimentos em saúde,
especialmente os que ficavam nas terras indígenas executando ações assistenciais
curativas e emergenciais.
Na década de 80, no contexto da redemocratização do país, o Movimento de
Reforma Sanitária teve na VIII Conferência Nacional de Saúde (MINISTÉRIO DA
116
SAÚDE, 1986a) traçadas as novas bases da Política Nacional de Saúde. Esta
Conferência e a seguinte (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 1993a) propuseram a
realização de outras duas conferências que tratassem especificamente da atenção à
saúde indígena: a I Conferência Nacional de Proteção à Saúde do Índio (I CNPSI)
(MINISTÉRIO DA SAÚDE, 1986a) e a II Conferência Nacional de Saúde dos Povos
Indígenas (II CNSPI) (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 1993b), realizadas
respectivamente, nos anos de 1986 e 1993. Ambas defenderam a elaboração de um
modelo diferenciado e baseado na estratégia de Distritos Sanitários Especiais
Indígenas (DSEI), como meio para garantir a esses usuários o acesso universal e
integral à saúde. Voltado para as necessidades percebidas pelas comunidades os
DSEIs deveriam garantir a participação destes usuários desde o planejamento até a
execução da política de saúde indígena ainda a ser elaborada.
A elaboração da proposta dos DSEIs teve por fundamentação a Constituição
Federal Brasileira (BRASIL, 1988) que reconheceu e afirmou a importância das
organizações socioculturais dos povos indígenas assegurando-lhes a capacidade civil
plena, tornando obsoleta a tutela e estabelecendo a competência da União para
legislar e tratar das questões que os envolvessem.
Em 1999, o Decreto 3.156, de 27 de agosto (BRASIL, 1999a), dispôs sobre
as condições para a prestação de assistência à saúde dos povos indígenas no âmbito
do SUS, alterando os dispositivos do Decreto 564 de 8 de junho de 1992 (BRASIL,
1992) e do Decreto 1.141 de 19 de maio de 1994 (BRASIL, 1994). De acordo com
este último as atividades de prevenção à saúde eram de responsabilidade da
FUNASA e as de assistência da FUNAI, se tornando conhecido ironicamente entre
os profissionais de saúde como o Decreto da atenção à saúde do “índio em pé” e do
“índio deitado”.
O Decreto 3.156/99 estabeleceu a responsabilidade da União sobre a saúde
indígena, respeitando os princípios e diretrizes do SUS. Enfatizou que as ações e
serviços prestados não deveriam prejudicar as que fossem desenvolvidas pelos
municípios e estados. Assegurou ainda, que ao Ministério da Saúde caberia a
formulação de políticas voltadas para a promoção, prevenção e recuperação da saúde
destas populações. Tais ações deveriam ser executadas pela Fundação Nacional de
Saúde (FUNASA) por intermédio dos Distritos Sanitários Especiais Indígenas
117
(DSEI) em terras indígenas, assegurando a atenção básica. Dentre as diretrizes
traçadas é de particular importância para este estudo a garantia de acesso aos índios e
às comunidades indígenas às ações de nível primário, secundário e terciário do
Sistema Único de Saúde. O Decreto 3.156/99 também dispôs sobre a formação dos
Conselhos Indígenas Distritais e Locais, suas atribuições e composição, atendendo ao
princípio de participação social no SUS.
Verifica-se a partir deste Decreto que toda a elaboração do modelo de atenção
à saúde indígena recomendado pelas Conferências de Saúde Indígena segue a
corrente de pensamento balizada pelo caráter prescritivo das estratégias, no qual o
ato de pensar precede a execução das ações o proporcionando o aprendizado e
acarretando a inconsistência do modelo, como veremos ao longo deste trabalho.
Tendo em vista as competências dos municípios de caráter facultativo
previstas no Decreto 3.156/99 (BRASIL, 1999a), o Ministério da Saúde estabeleceu,
através da Portaria 1.163, de 14 de setembro de 1999 (MINISTÉRIO DA SAÚDE,
1999a), as responsabilidades na prestação da assistência à saúde dos povos indígenas
e criou os fatores de incentivo para a atenção sica e de assistência ambulatorial,
hospitalar e de apoio diagnóstico. Reafirmando que a execução das ações de saúde
seria de responsabilidade da FUNASA reiterou que este órgão deveria fazê-lo em
estreita articulação com a Secretaria de Assistência à Saúde (SAS/MS) atendendo às
políticas e diretrizes definidas para a atenção à saúde dos povos indígenas no Brasil.
Esta possibilidade representa claramente um plano específico das instâncias
superiores, para tornar legal a articulação entre a FUNASA/MS e os outros entes
federativos, talvez vislumbrando para o futuro a municipalização das ações de saúde,
uma vez que esta foi recomendada pela IX Conferência Nacional de Saúde
(BRASIL, 1993a) e naquele momento a inclusão dos usuários indígenas nas redes
municipais e estaduais de saúde representava um impasse a ser resolvido. Este
conflito de opiniões perdura até os dias atuais como será apresentado nos próximos
capítulos deste trabalho.
Dentre as atribuições definidas para a FUNASA destaca-se que cada Distrito
deve contar com uma rede hierarquizada de serviços para a atenção básica dentro das
terras indígenas, e que o acesso aos serviços de maior complexidade localizados fora
dos territórios indígenas deve ser articulado e pactuado com os gestores municipais e
118
estaduais. Portanto, é atribuição da FUNASA/DSEI garantir e executar os
encaminhamentos dos usuários indígenas para dia e alta complexidade na rede de
serviços existentes. Esta atribuição é afirmada em todos os instrumentos legais
emitidos pela FUNASA ou pelo Gabinete do Ministro, entretanto consiste em uma
estratégia pretendida e não realizada no território de abrangência do DSEI Cuiabá,
especialmente o Pólo-Base Rondonópolis situação observada e relatada neste
trabalho.
Entretanto, a Portaria 1.163/99 (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 1999a)
determinou, também, as responsabilidades da Secretaria de Assistência à Saúde
(SAS) para organizar a assistência à saúde dos povos indígenas identificando os
municípios com áreas indígenas e as suas estruturas assistenciais de referência,
devendo estas unidades federadas atuar complementarmente no custeio e na
execução das ações de atenção à saúde do índio, promovendo as adaptações
necessárias na estrutura e na organização do SUS para recebê-los. Também foi
atribuída a SAS a responsabilidade, juntamente com a FUNASA, de garantir o
acesso destes usuários a todos os níveis de atenção à saúde no âmbito do SUS.
Para incentivar as ações em atenção básica, a ser realizadas por municípios,
foi criado o Fator de Incentivo de Atenção Básica (FIAB), destinado a apoiar a
implantação de Agentes Indígenas de Saúde (AIS) e de Equipes Multidisciplinares de
Saúde Indígena (EMSI). Essas equipes deveriam ser formadas por médico, dentista,
enfermeiro, auxiliar de enfermagem e AIS. A Portaria 1.163/99 (MINISTÉRIO DA
SAÚDE, 1999a) atribuiu à FUNASA a responsabilidade para informar à SAS sobre a
composição e o número das EMSI que seriam contratadas pelo município candidato
a receber o Fator de Incentivo da Atenção Básica (FIAB). Esta é uma maneira de
submeter o município ao aval da FUNASA e mantê-lo como órgão responsável pela
execução das ações em saúde aos povos indígenas. Após a contratação o valor do
incentivo seria acrescido ao teto financeiro municipal e transferido fundo a fundo,
diretamente pela SAS/MS.
Retomando as definições de estratégia defendidas por MINTZBERG et al.
(2006b) é possível identificar no parágrafo anterior exemplos das definições de
estratégia como pretexto e como perspectiva ligada a escola de poder, ou seja, os
incentivos caracterizam claramente um pretexto para envolver os municípios e os
119
estados na garantia de acesso dos povos indígenas no SUS. No entanto, também é
facilmente observada a perspectiva da FUNASA/MS em reafirmar-se responsável
pela identificação dos municípios que deveriam participar desta articulação,
perspectiva esta que mostra a tendência da FUNASA em centralizar as decisões no
seu âmbito. Este fato dificulta as relações de cooperação entre os entes federativos
em questão e o próprio Ministério da Saúde na figura da FUNASA dada à
especificidade do federalismo brasileiro onde os municípios e os estados constituem-
se em entes federativos com autonomia política, administrativa e financeira, portanto
com poder de decisão.
Mas apesar de a Portaria 1.163/99 (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 1999a) ter
criado o FIAB ela não estabeleceu o seu valor, indicando que uma nova
regulamentação definida pela SAS e pela FUNASA deveria fazê-lo. Esta definição
só veio a se realizar em 2007, como será visto a seguir.
Quanto ao Incentivo de Assistência Ambulatorial, Hospitalar e de Apoio
Diagnóstico para a população indígena, a Portaria 1.163/99 (MINISTÉRIO DA
SAÚDE, 1999a) o destinou aos estabelecimentos hospitalares que assistissem estes
usuários, considerando suas especificidades na assistência. O valor a ser repassado
também deveria ser definido pela SAS e incidir sobre os procedimentos pagos
através do Sistema de Internação Hospitalar (SIH/SUS), não podendo ultrapassar
30% da produção das AIHs aprovadas.
A Lei 9.836 de 23 de setembro de 1999, a Lei Arouca (BRASIL, 1999b),
assim denominada pela participação do Deputado Federal Sergio Arouca na sua
defesa no Congresso Nacional, alterou a Lei 8.080/90 (BRASIL, 1990a) em seu
artigo 19, criando no Sistema Único de Saúde (SUS) um Subsistema de Atenção à
Saúde Indígena e organizando-o em Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEI).
Essa lei estabeleceu o relacionamento entre o subsistema de saúde e os órgãos
responsáveis pela política indigenista; permitiu uma atuação complementar por parte
de estados, municípios e organizações não-governamentais; determinou a
necessidade de diferenciação na organização do SUS para atender às especificidades
da atenção intercultural em saúde, recuperando o princípio de eqüidade das ações de
saúde; possibilitou, também, a representação indígena no Conselho Nacional de
Saúde, nos conselhos estaduais e municipais; estabeleceu o financiamento no âmbito
120
da União para os DSEI; adotou uma concepção de saúde integral e diferenciada;
aplicou os princípios do SUS de descentralização, hierarquização e regionalização ao
subsistema de saúde indígena.
Através da Portaria 852, de 30 de setembro de 1999 (MINISTÉRIO DA
SAÚDE, 1999b), emitida pela FUNASA/MS, foram criados os Distritos Sanitários
Especiais Indígenas e definidas as suas atribuições (ver Figura 8). Esta portaria
reiterou o disposto no Decreto 3.156/99, atribuindo ao DSEI, dentro do âmbito da
FUNASA, a responsabilidade sobre a execução das ações direcionadas para a
promoção, prevenção e recuperação da saúde do índio. Definiu, ainda, a competência
desta unidade sobre determinado território indígena, assim como a sua
responsabilidade para organizar os serviços de saúde de forma hierarquizada,
garantindo a participação e o controle social. Definiu, também, as atividades
pertinentes ao Chefe do Distrito Sanitário Especial Indígena e ao Coordenador
Regional da FUNASA, entre as quais, destaca-se a articulação com as Secretarias
Estaduais e Municipais de Saúde que participam da rede de serviços do Distrito,
visando integrar as ações do DSEI ao SUS.
Figura 8 – Distribuição dos DSEIs no território nacional por ocasião de sua criação
Fonte: Ilustração dos DSEI criados pela Portaria 852/1999b.
121
No entanto, no Estado de Mato Grosso houve impasses para a criação dos
DSEIs devido ao processo de discussões interinstitucionais para a distritalização da
saúde indígena, que vinha ocorrendo desde o início da década de 90 entre os
prestadores de serviços blicos e filantrópicos, como a Fundação Nacional do Índio
(FUNAI), o Conselho Indigenista Missionário (CIMI), a Operação Amazônia Nativa
(OPAN), a Missão Salesiana e a Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT) e os
povos indígenas cujos territórios estavam em discussão. Como resultado foi proposta
a criação de oito DSEIs, mas o Departamento de Saúde Indígena (DESAI/FUNASA)
apresentou a recomendação para a criação de três DSEIs no Estado de Mato Grosso:
Cuiabá, Xavante e Xingu, e outros quatro com estados vizinhos: Vilhena (RO/MT),
Araguaia (GO/TO/MT), Kayapó (PA/MT) e Porto Velho (AM/RO/MT) (ver Figura
8).
Assim, nos últimos anos uma extensa legislação vem sendo publicada com a
finalidade de adequar o acesso dos povos indígenas à atenção à saúde, visando
garantir os princípios do SUS. Neste contexto, a organização física dos Distritos
Sanitários Especiais Indígenas (DSEI) foi legalmente definida pela Portaria 479, de
13 de agosto de 2001 (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2001), emitida tendo em vista a
necessidade de estabelecer as diretrizes para elaboração de projetos de saúde,
abastecimento de água, melhorias sanitárias e esgotamento sanitário em áreas
indígenas. De acordo com o estabelecido nesta Portaria a organização dos serviços
do DSEI deveria ser hierarquizada e composta por cinco estabelecimentos: Posto de
Saúde Indígena Tipo I (PS I); Posto de Saúde Indígena Tipo II (PS II); Pólo-Base
Tipo I (PB I); Pólo-Base Tipo II (PB II); e, Casa de Saúde do Índio (CASAI)
conforme mostra a Figura 9.
122
Figura 9 - Rede hierarquizada das unidades de referência e contra-referência, responsáveis técnicos e
integração do DSEI com a rede do SUS
Fluxo de Referência e Contra-Referência no
Âmbito do DSEI
PS I
AIS
Auxiliar de
Enfermagem
PS II
PB I
EMSI
PB II
CASAI
Rede do SUS
Legenda
As setas
representam
os fluxos de
Referência e
Contra-
referência no
DSEI e entre
ele e a rede do
SUS
Enfermeiro e
Auxiliares de
Enfermagem da
CASAI
Fonte: Adaptado do Plano Distrital de Saúde Indígena/DSEI Cuiabá, 2005-2007.
O Posto de Saúde Tipo I (PS I) deve representar a porta de entrada da rede
hierarquizada de serviços de saúde. Sua infra-estrutura deve ser a necessária para que
o AIS desenvolva as suas atividades nas aldeias. O AIS é um membro da aldeia
capacitado pela FUNASA e supervisionado pela equipe multidisciplinar de saúde
indígena. Sua base de atuação é a família indígena, devendo, através de visitas
domiciliares, promover a educação sanitária, assistência primária, vigilância em
saúde, prevenção e controle de doenças (MS, 2001). O PS I deve permitir as
seguintes atividades: acompanhamento do desenvolvimento infantil e de gestantes;
atendimento aos casos de doenças mais freqüentes (infecção respiratória aguda,
diarréia, malária, etc.); acompanhamento de pacientes crônicos e submetidos a
tratamentos de longa duração; primeiros socorros; promoção da saúde e prevenção de
doenças mais prevalentes; acompanhamento de imunização; ações de educação
sanitária; comunicação via rádio e atividades que ofereçam suporte à equipe
multidisciplinar.
O Posto de Saúde Tipo II (PS II) deve servir de referência para o AIS e
apoiar a equipe multidisciplinar. A sua principal característica, e que o diferencia do
123
anterior, é a presença obrigatória do auxiliar de enfermagem. As ações que deve
executar são todas as realizadas no Posto de Saúde Tipo I, acrescidas de controle das
doenças transmissíveis, coleta de material para exame, vigilância epidemiológica e
nutricional, informação em saúde, coleta e análise sistemática de dados e atividades
de apoio à equipe multidisciplinar (MS, 2001).
O Pólo-Base é um estabelecimento de saúde do DSEI que deve servir de
referência para o AIS do Posto de Saúde Tipo I, e para o auxiliar de enfermagem do
Posto de Saúde Tipo II. São definidos 02 (dois) tipos: Pólo-Base Tipo I (PB I) e
Pólo-Base Tipo II (PB II). O Pólo-Base Tipo I deve estar localizado em terras
indígenas e deve realizar todas as atividades dos Postos de Saúde acrescidas de:
capacitação, reciclagem e supervisão dos AIS e auxiliares de enfermagem; coleta de
material para exame; esterilização de materiais; imunizações em atividades de rotina;
coleta e análise de dados; investigação epidemiológica; informações sobre a
ocorrência de doenças; prevenção de câncer ginecológico através de
exame/coleta/consulta, podendo realizar outras atividades compatíveis com o
estabelecimento. Estas atividades devem ser conduzidas pela equipe multidisciplinar
lotada permanentemente na área e composta por médico, enfermeiro, odontólogo e
auxiliares de enfermagem.
o Pólo-Base Tipo II deve se localizar no município de referência. Sua
estrutura física deve ser compatível com serviços de apoio técnico e administrativo.
Neste estabelecimento não devem ser realizadas atividades de assistência à saúde,
pois as necessidades dos usuários devem ser sanadas em unidades de assistência do
SUS da rede municipal. Suas atividades são: armazenamento de medicamentos e
material de deslocamento para outras terras indígenas; comunicação via rádio;
investigação epidemiológica, informações sobre a ocorrência de doenças, elaboração
de relatórios de campo; coleta, análise e sistematização de dados; planejamento das
ações das equipes multidisciplinares; organização das campanhas de vacinação; e
administração.
Além dos Postos de Saúde dos Pólos-Base, o DSEI conta com a Casa de
Saúde do Índio (CASAI), estabelecimento de apoio localizado em municípios
estratégicos para receber e apoiar o índio que vem referenciado de uma aldeia para
ser assistido na rede do SUS. Deve ser conduzida por um Chefe cujas atribuições
124
são: providenciar o recebimento de pacientes encaminhados pela equipe
multidisciplinar do próprio DSEI e/ou de outro Distrito Sanitário Especial Indígena;
prestar assistência de enfermagem aos pacientes pós-hospitalizados e em fase de
recuperação; providenciar o acompanhamento de pacientes para consultas, exames e
internações hospitalares; fazer a referência e contra-referência com a rede do SUS e
com os Pólos-Base; e articular o retorno, quando necessário (BRASIL, 1999;
MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2001).
Esta recomendação legalmente instituída representa, como comentado
anteriormente, uma estratégia pretendida e em parte deliberada no território de
abrangência do DSEI Cuiabá, Pólo-Base Rondonópolis. Aqui foi possível verificar
que a rede organizada de forma hierárquica nas terras indígenas não foi
implementada, fomentando a criação de estratégias locais para garantir o acesso
destas populações aos serviços de saúde municipais. Além da CASAI Rondonópolis
foram construídos alguns Postos de Saúde tipo I e tipo II que como será descrito no
Capítulo 4 promovem o encaminhamento para a CASAI Rondonópolis e esta
responsabiliza-se pela inclusão dos usuários na rede do município. Também constitui
uma estratégia pretendida e não realizada a atenção em saúde visando a
recomendação internacional da Promoção da Saúde nas terras indígenas cuja
responsabilidade seria da FUNASA/MS.
A Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas foi aprovada
em 31 de janeiro de 2002, pela Portaria 254, do Ministério da Saúde (MINISTÉRIO
DA SAÚDE, 2002c), considerando as disposições publicadas e descritas acima, e
estabeleceu a Comissão Intergestores Bipartite (CIB) como espaço de articulação
entre estado, município e FUNASA/DSEI. Além disso, trata de questões sobre a
preparação de recursos humanos para atuação em contexto intercultural, incluindo o
Programa de Formação de Agentes Indígenas de Saúde sob a responsabilidade do
DSEI; monitoramento das ações em saúde desenvolvidas no âmbito do DSEI dentro
da perspectiva do Sistema de Vigilância da Saúde, identificando os seus fatores
condicionantes e determinantes, estabelecendo prioridades na alocação de recursos e
orientações que facilitem a participação da comunidade; articulação dos sistemas
tradicionais indígenas de saúde com as práticas modernas de atenção; promoção e
uso adequado de medicamentos, etc.
125
A implantação desta política requer a adoção de um modelo complementar e
diferenciado de serviços voltado para a proteção, promoção e recuperação da saúde
das populações indígenas. Para a sua efetivação se faz necessária a criação de uma
rede de serviços em terras indígenas que tenha por objetivo superar as deficiências de
cobertura, acesso e aceitabilidade do Sistema Único de Saúde por esta população. Os
órgãos envolvidos desde a formulação até a sua implementação, conforme mostra a
Figura 10, foram definidos em Portaria específica emitida pelo Gabinete do Ministro
da Saúde: a Portaria 70/GM de 20 de janeiro de 2004 (MINISTÉRIO DA SAÚDE,
2004).
Figura 10 - Organograma dos órgãos responsáveis pela Política Nacional de Atenção aos Povos
Indígenas
Ministério da Saúde
FUNASA/SAS
DESAI
CORE
DSEI/Condisi
Estados,
Municípios,
Organizações Governamentais e
Organizações Não-Governamentais
Organizações responsáveis pela saúde dos
povos indígenas
Fonte: Adaptação da Portaria 70/2004.
Segundo as competências estabelecidas pela Política Nacional de Saúde
Indígena compete:
- ao Ministério da Saúde formular, aprovar e normatizar a Política Nacional de
Atenção à Saúde dos Povos Indígenas;
126
- à FUNASA as funções de coordenar, normatizar e executar as ações de atenção à
saúde dos povos indígenas, observando os princípios e diretrizes do Sistema Único
de Saúde (SUS);
- ao Departamento de Saúde Indígena da Fundação Nacional de Saúde
(DESAI/FUNASA), entre outras funções, planejar, coordenar e garantir a assistência
farmacêutica; coordenar e executar o sistema de informação; propor normas,
critérios, parâmetros e métodos para a alocação dos recursos financeiros; controlar a
qualidade e avaliar as ações de saúde voltadas para os povos indígenas;
- às Coordenações Regionais da Fundação Nacional de Saúde (CORE/FUNASA)
coordenar e articular, no âmbito de cada unidade federada, a execução das ações de
saúde indígena: planejar, em conjunto com o DSEI, as ações integrais de saúde
indígena, e articular junto à CIB o fluxo de referência de pacientes do distrito
sanitário aos serviços de média e alta complexidade do SUS, entre outros.
A Portaria 70/GM/2004 (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2004) também dispôs
sobre as competências do DSEI, do Conselho Distrital de Saúde Indígena
(CONDISI), dos estados e municípios, das instituições governamentais e das não
governamentais. Reafirmou a competência do DSEI para planejar, coordenar e
executar as ações de saúde em sua área de abrangência, executar o fluxo de
referência e contra-referência para média e alta complexidade, articular as práticas de
saúde com a medicina tradicional respeitando as características culturais de cada
etnia; e definiu o Chefe do DSEI como autoridade sanitária responsável pela saúde
na área de abrangência do Distrito. Esta definição constitui razão de impasses
interinstitucionais que resultam na discussão sobre a autonomia do gestor municipal
de saúde sobre as terras indígenas localizadas em seu território municipal como será
relatado por um gestor entrevistado durante o período de coleta de dados deste
trabalho.
Ao CONDISI, a Portaria 70/2004 (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2004) reiterou
funções de aprovação e acompanhamento da execução do Plano Distrital de Saúde
Indígena, o acompanhamento das ações dos Conselhos Locais de Saúde Indígena e o
controle social das atividades relacionadas à saúde dos povos indígenas. Aos estados,
municípios, instituições governamentais e não-governamentais ficou assegurada a
atuação complementar na execução das ações de atenção à saúde dos índios, mas
127
reservou à FUNASA a competência para definir, de acordo com as características das
populações envolvidas, quais ações complementares ficariam a cargo das entidades
citadas.
Em 2005, tendo em vista a necessidade de implementar as práticas de saúde
voltadas para as especificidades étnicas e culturais, e buscando garantir a
integralidade da ação através da participação de várias instâncias de gestão do SUS
na atenção à saúde aos povos indígenas, o Ministério da Saúde editou uma nova
Portaria: a Portaria 1.088/2005 (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2005). Esta portaria
dispôs sobre a necessidade da elaboração de um Termo de Compromisso que deveria
ser submetido à apreciação da Comissão Intergestores Bipartite (CIB), da Comissão
Intergestores Tripartite (CIT) e do Conselho Nacional de Saúde (CNS) para depois
ser empregado na pactuação com os gestores municipais e estaduais.
Esta mesma Portaria dispôs sobre a inclusão do Agente Indígena de
Saneamento (AISAN) e do Auxiliar de Consultório Dentário na equipe
multidisciplinar de saúde indígena constituída por médico, enfermeiro,
odontólogo, auxiliar de enfermagem e Agente Indígena de Saúde (AIS). Criou,
também, os núcleos de composição das Equipes Multidisciplinares de à Saúde
Indígena (EMSI), a saber:
1. Núcleo Básico de Atenção à Saúde Indígena - responsável pela execução das
ações básicas de atenção à saúde e composto por enfermeiro, auxiliar de
enfermagem, AIS e AISAN.
2. Núcleo de Referência de Atenção Básica à Saúde Indígena - responsável pela
atenção básica à saúde da população indígena nos Pólos-Base e na rede
integrada do SUS, composto por médico, odontólogo e auxiliar de consultório
dentário.
3. Núcleo Matricial de Atenção Básica à Saúde Indígena - responsável pela
execução das ações de atenção integral à saúde dos índios na área de
abrangência do DSEI e da rede integrada do SUS, composto por profissionais
que atuam na saúde indígena e que a equipe mínima multidisciplinar não
contempla.
A Portaria 1.088/2005 (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2005) foi suspensa por
duas vezes para a análise de impactos financeiros e apreciação da CIT e após estas
128
duas suspensões caiu em esquecimento. Entre outros exemplos, já citados neste
estudo, a emissão da Portaria 1.088/2005 representa o caso mais claramente
identificado de formulação de uma estratégia quando esta forma de elaboração de um
plano não condiz com a realidade local, regional ou nacional, ou seja, esta Portaria
foi criada, preconizou alguns critérios, mas não foi implementada exemplificando,
também, uma estratégia pretendida e não realizada.
Em 2006, através da Portaria 645 (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2006a), o
Ministério da Saúde instituiu o Certificado Hospital Amigo do Índio, que deveria ser
oferecido aos estabelecimentos de saúde que fizessem parte da rede do Sistema
Único de Saúde (SUS), contudo sem que este certificado representasse um incentivo
financeiro. Para que fosse concedido tal certificado o estabelecimento deveria
contemplar certos critérios que visasse incentivar o respeito às especificidades dessas
comunidades, promovendo as adaptações necessárias na estrutura e organização do
SUS e propiciando a integração e o atendimento em todos os níveis de assistência.
Ainda em 2006 a IV Conferência Nacional de Saúde Indígena (MINISTÉRIO
DA SAÚDE, 2006b) recomendou a autonomia gestora dos DSEIs, sendo instituído,
através da Portaria 394, de 24 de abril de 2006 (FUNDAÇÃO NACIONAL DE
SAÚDE, 2006), o Grupo de Trabalho de Re-estudo da Área de Abrangência dos
DSEIs.
Recentemente, através da Portaria 2.656 de 17 de outubro de 2007
(MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2007), o Ministério da Saúde regulamentou os valores
dos Incentivos Financeiros para a Atenção Básica (IAB PI) e para a Atenção
Especializada (IAE PI) aos povos indígenas, revogando a Portaria nº. 1.163/99
(MINISTÉRIO DA SAÚDE, 1999a). Também estabeleceu critérios e prazo para a
elaboração do Termo de Compromisso a ser utilizado na pactuação entre o
DSEI/FUNASA e os municípios, tornando-o um instrumento obrigatório na ocasião
da pactuação.
Cabe ressaltar que antes da Portaria 2.656/2007 (MINISTÉRIO DA SAÚDE,
2007) as pactuações eram feitas verbalmente entre o DSEI e o município, e
oficializadas através de um memorando interno da FUNASA para a Secretaria de
Assistência à Saúde (SAS) responsável pelo repasse dos incentivos.
129
6.1 O PLANO DISTRITAL DE SAÚDE INDÍGENA NO DSEI CUIABÁ
A principal atribuição dos DSEIs é proporcionar ao usuário indígena ações de
nível primário em saúde, seja de forma direta ou indireta, quando a execução das
atividades é atribuída a Organizações Não-Governamentais (ONGs), Fundações
Universitárias ou por Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público
(OSCIPs) além da responsabilidade por garantir o acesso do paciente indígena à rede
hierarquizada de serviços do SUS quando as suas necessidades somente poderão ser
atendidas com ações de média e/ou alta complexidade. Estas, por sua vez, devem ser
oferecidas a todos os usuários indígenas pelos estados e municípios de forma
pactuada e integrada no Plano Distrital de Saúde Indígena (PDSI).
O Plano Distrital de Saúde Indígena (PDSI) é o instrumento utilizado pelo
DSEI para a gestão dos serviços e das ações em saúde para todos os povos sob a sua
jurisdição. Este instrumento de gestão deve ser elaborado com a participação das
populações indígenas, através dos seus Conselhos Locais e Distritais, sendo
conduzido pelo DSEI e homologado pela FUNASA para posterior execução,
demonstrando mais uma vez o caráter prescritivo implícito na formulação da sua
estratégia de ação.
No Distrito Sanitário Especial Indígena Cuiabá (ver Figura 11), segundo
informações constantes no PDSI, a atenção básica é realizada por intermédio de dez
Equipes Multidisciplinares de Saúde Indígena (EMSI), sendo que a elas estão
integrados os 45 Agentes Indígenas de Saúde (AIS) e os 28 Agentes Indígenas de
Saneamento (AISAN). Todos estes profissionais são contratados pelas instituições
conveniadas OPAN, Halitinã e UNISELVA/UFMT, e atuam em 31 Postos de Saúde
localizados nas aldeias.
130
Figura 11 - Localização do Distrito Sanitário Especial Indígena Cuiabá - MT
Disponível em: www.funasa.gov.br
Disponível em: www.funasa.org.br
As unidades seguintes para referência deveriam ser os Pólos-Base tipo I
localizados em terras indígenas onde deveria manter diariamente uma Equipe
Multidisciplinar de Saúde responsável pelos procedimentos referidos na Portaria
479/2001 (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2001). No entanto os usuários são
encaminhados a um dos cinco Pólos-Base de Saúde (PBS): Cuiabá, Rondonópolis,
Tangará da Serra, Brasnorte e Chiquitano, que constituiriam a primeira referência
para os agentes indígenas de saúde que atuam nas aldeias, com o apoio de 11 centros
de saúde em municípios próximos. Aqui também se faz importante ressaltar que no
âmbito do DSEI Cuiabá o Pólo-Base Rondonópolis constitui-se de um Pólo-Base
tipo II e pela CASAI Rondonópolis, demonstrando claramente a incompatibilidade
do que foi formulado e o que de fato foi implementado.
Ainda constituem parte da organização do DSEI Cuiabá-MT, três Casas de
Saúde do Índio (CASAI), localizadas nos municípios de Cuiabá, Rondonópolis e
Tangará da Serra, que contribuem com o acolhimento, alojamento e alimentação dos
pacientes e acompanhantes, e também prestam serviços de assistência de
enfermagem integral, além de providenciar a regulação dos pacientes na rede do
SUS. Esta regulação será amplamente descrita e analisada nos próximos capítulos,
131
contudo convém antecipar que no caso Pólo-Base Rondonópolis os profissionais não
regulam, mas desenvolvem atividades de articulação com os profissionais
municipais no sentido de garantir o acesso aos níveis de atenção, tornando claro o
impasse que há entre a FUNASA/MS e o município.
Segundo informações obtidas no CORE/FUNASA, a partir dos Pólos-Base de
Saúde, os usuários que não apresentarem resolutividade são encaminhados para a
rede do SUS das mais variadas formas e de acordo com as realidades locais. Esses
encaminhamentos podem ser para:
a) serviços especializados na sede do próprio município ou no mais próximo;
b) hospital local de pequeno porte com baixa complexidade e resolução (algumas
clínicas básicas e equipamentos de terapia e/ou diagnóstico);
c) hospital regional de médio porte com média complexidade e resolução; ou
d) hospital geral especializado de grande porte em alta complexidade e
resolutividade.
Verifica-se que no discurso da instituição, como também se observará no
fluxo planejado no Plano Distrital de Saúde Indígena (PDSI), os Pólos-Base de
Saúde ora existem no imaginário da FUNASA, ora se fazem presente somente no
PDSI.
O DSEI Cuiabá conta com 13 hospitais em Mato Grosso que recebem
incentivos para atendimento aos povos indígenas, além da rede do SUS, incluindo os
laboratórios de apoio diagnóstico. Dentre estes hospitais convém ressaltar que, no
caso Pólo-Base Rondonópolis, o Hospital São Marcos Ltda recebe o incentivo,
porém encontra-se desativado demonstrando claro descontrole da FUNASA/MS
frente ao repasse e prestação de contas por parte da unidade de serviço. Esta
preocupante situação aponta para uma urgente reavaliação dos critérios estabelecidos
para a contratação dessas unidades hospitalares. Assim, é desta forma que, segundo o
Plano Distrital de Saúde Indígena, o Subsistema de Atenção à Saúde Indígena através
do DSEI/Cuiabá atende ao critério de regionalização da rede de serviços do SUS.
Como mostra a Figura 9, este é um distrito bastante complexo devido à
atenção à saúde de vários povos indígenas diferenciados quanto à cultura e à
localização dos seus territórios em regiões econômica, social e ambiental cujas
132
características influenciam diretamente o processo saúde-doença e o acesso aos
serviços de saúde.
Conforme mostra o Quadro 3, os programas de saúde priorizados no Plano
Distrital de Saúde Indígena (FUNDAÇÃO NACIONAL DE SAÚDE, 2007) estão
voltados para a vigilância nutricional, saúde da mulher, saúde da criança,
imunização, controle de DSTs/AIDS, uso abusivo de álcool e drogas, malária,
leishmaniose e doença de Chagas, hipertensão arterial e diabetes, saúde bucal e
medicamentos. São previstas ainda capacitações de conselheiros e a realização de
reuniões ordinárias do Conselho Distrital de Saúde Indígena (CONDISI). Ainda que
tratem de necessidades de saúde definidas pelo perfil epidemiológico predominante
na maioria dos brasileiros, a elaboração dos programas apresentados no Quadro 3
condiz com a formulação verticalizada das ações fundamentada no Modelo
Assistencial Médico-Privatista e no Modelo Assistencial Sanitarista ao contrário do
que a proposta dos Distritos Sanitários defendida por MENDES (1996) orienta, ou
seja, um modelo organizacional que tenha como embasamento para as necessárias
mudanças na prática de saúde o Modelo Vigilância da Saúde. Este podendo dialogar
com o Modelo de Ações Programáticas ou Modelo Saúde da Família ou, ainda, a
proposta internacional da Promoção da Saúde.
133
Quadro 3 - Áreas programáticas, resultados previstos e setor responsável conforme o PDSI
ÁREA PROGRAMÁTICA RESULTADOS (METAS) SETOR
RESPONSÁVEL
Vigilância Nutricional Implementar o Programa de Vigilância
Nutricional
Halitinã, OPAN e
UNISELVA
Saúde da Mulher Implantação do Programa de Saúde da
Mulher
PCCU
DSEI e Instituições
Parceiras
Saúde da Criança Redução de incidência de infecções
respiratórias agudas
Redução de Incidência de Diarréia
Halitinã, OPAN e
UNISELVA
Controle das Doenças
Imunopreviníveis
Coberturas vacinais nos níveis
preconizados pelo Programa Nacional de
Imunização
Halitinã, OPAN e
UNISELVA
Controle das DSTs/AIDS Garantir a prevenção, o diagnóstico e o
tratamento das DSTs/AIDS nas aldeias
Uso abusivo de álcool e drogas
DSEI, Instituições
parceiras e EMSI
Controle das Doenças
Transmitidas por Vetores
Garantir o controle da prevalência de
malária, leishmaniose tegumentar e
doença de Chagas
DSEI e EMSI
Saúde Bucal Programa de Saúde Bucal
Profissionais, equipamentos e material
permanente.
Confecção de próteses
Prevenção
DSEI, Instituições
parceiras e EMSI
Doenças Crônico-
Degenerativas
Garantir o controle e acompanhamento
de portadores de hipertensão arterial e de
Diabetes
Halitinã, OPAN e
UNISELVA
Assistência Farmacêutica Aumentar o acesso e a satisfação do
usuário em relação aos medicamentos
Diminuir a perda de medicamentos e
adequação do local de armazenamento
DSEI
Fonte: FUNDAÇÃO NACIONAL DE SAÚDE, 2007.
Além das morbidades existentes em todos os Pólos-Base, tais como
tuberculose, leishmaniose, infecções respiratórias agudas, doenças diarréicas, DSTs,
etc., existem também as especificidades de cada Pólo-Base, influenciadas pela
localização geográfica das aldeias e o contato dos seus habitantes com a sociedade
envolvente. Como exemplo das implicações das relações ambientais com a saúde se
nota, no Pólo-Base de Rondonópolis, problemas relacionados ao alcoolismo, fator
responsável por morbidade e mortalidade por causas externas.
134
6.1.1 O Fluxo Planejado pelo PDSI para o Atendimento aos Usuários
Indígenas
O fluxo planejado é o fluxo estabelecido no Plano Diretor Regionalizado
(PDR) e no Plano Distrital de Saúde Indígena (PDSI). O primeiro, foi coordenado
pela Secretaria Estadual de Saúde do Estado de Mato Grosso (SES/MT) e, consiste
na organização das Microrregiões e Regiões de saúde e na apresentação da pactuação
das referências de saúde para cada módulo assistencial constantes na Programação
Pactuada e Integrada (PPI), demonstrados para a Microrregião Sul Mato-grossense
no Capítulo 2. O segundo, foi coordenado pelo Distrito Sanitário Especial Indígena
Cuiabá (DSEI Cuiabá) e, apresenta o fluxo de referência e contra-referência
planejado para atender a todos os povos indígenas, cujas Terras Indígenas estejam
localizadas no território da sua abrangência que se sobrepõe aos limites geográficos
municipais previamente estabelecidos.
Segundo o PDSI 2005-2007 (FUNDAÇÃO NACIONAL DE SAÚDE, 2007)
o Pólo-Base Rondonópolis é oficialmente responsável pela atenção à saúde dos
Bororo, e para o atendimento destes usuários conta com duas Equipes
Multidisciplinares de Saúde Indígena (EMSI) assim distribuídas:
1) EMSI 1: composta por um médico, um enfermeiro, um odontólogo, três
técnicos de enfermagem, três agentes indígenas de saúde (AIS) e quatro
agentes indígenas de saneamento (AISAN). Esta EMSI é responsável pelas
aldeias Gomes Carneiro, Tandarimana, Jurigue, Pobore, Praião e Piebaga.
2) EMSI 2: composta por um médico, um enfermeiro, um odontólogo, três
técnicos de enfermagem, quatro AIS e dois AISAN. Esta EMSI é
responsável pelas aldeias Merure, Morada Bororo, Garças, Perigara e
Aterradinho.
As equipes multidisciplinares de saúde indígena e os outros profissionais são
contratados pela Fundação UNISELVA/UFMT, como é esclarecido pelo depoimento
a seguir:
135
Então a ONG vai se apresenta, manifesta o interesse de trabalhar [...].
Então aqui, por exemplo, nós estamos pactuando na atenção à saúde,
então levando em conta que vamos elencar todas as ações por bloco:
atenção à saúde, encargos sociais [...] por exemplo, aqui s pactuamos
com esta conveniada a UNISELVA a contratação de 15 AIS, 15 agentes
de saúde indígena este valor aqui está pra 12 meses, cada agente recebe
cerca de um salário mínimo que vai multiplicar por 12, vezes 15 e que
vai dar este valor aqui; aqui é o AISAN que é o agente indígena de
saneamento, são 17 AISAN, técnicos de enfermagem e assim
sucessivamente. depois a gente entra no, por exemplo, mão-de-obra
eventual, pactuamos vinte dois reais que é para assessoria contábil,
geralmente este setor fica na sede da conveniada (Entrevistado 2,
setembro, 2007).
O depoimento anterior não relata se há, ou não, envolvimento direto das
comunidades indígenas na escolha ou aprovação da conveniada a ser contratada
conforme preconiza a Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas.
Portanto, aponta para a não contemplação do princípio da participação social tanto
como princípio fundamental orientando para a democratização dos serviços de saúde,
quanto como princípio organizativo valorizando as instâncias de discussão, no caso o
Conselho Distrital de Saúde Indígena (CONDISI). Ainda assim é possível verificar
que os recursos destinados à conveniada são parte dos recursos do DSEI e devem ser
empregados na execução dos programas de saúde elaborados pelo Distrito sobre a
orientação das instâncias superiores da FUNASA/MS, não contemplando a
recomendação da referida política para a orientação das ações de saúde tendo em
vista as especificidades locais. Um gestor, ao discutir esse processo, relatou que
Os programas eles já vêem das diretrizes da FUNASA. É a FUNASA
que estabelece as diretrizes dentro da sua instância institucional que é a
saúde dos povos indígenas e saneamento, a partir destas diretrizes nós
fazemos através do planejamento estratégico, nós pensamos nos
objetivos estratégicos e que também são pensados a nível central. [...] O
DSEI operacionaliza os programas no sentido de monitorá-los,
acompanhá-los e implementá-los. [...] Então é assim [deveria ser] isto
aqui é um Plano Distrital, certo, então nós pensamos num Plano Distrital
que é para eu definir, eu tenho, por exemplo, em 2000, nós tínhamos
saúde da família, saúde da criança, programa saúde da mulher e
imunização, hoje nós temos 13 programas. Então o Distrito em si ele
cresceu, hoje nós temos tuberculose e hanseníase, nós temos núcleo de
vigilância ambiental, nós temos saúde mental, hoje saúde do adulto que
nós acrescentamos este ano, então nós temos uma série de programas, né,
que são programas de governo. Então a medida que você vai
implantando e implementando os programas faz-se necessário os
coordenadores dos programas, porque senão dependendo da área do
profissional ele não vai ser capaz, por exemplo, nós temos os
136
fisioterapeutas, cada um tem sua especificidade e sua importância, né.
Então a medida que vamos implantando um programa é preciso que
tenha um profissional à frente dele porque os programas eles são
operacionalizados em área e o coordenador destes programas fica aqui,
na estrutura do Distrito. E os insumos necessários para operacionalizar
este programa eles saem daqui, eles são pensados aqui nesta unidade,
dentro do Distrito e a aquisição propriamente dita, os processos de
compra, a contratação, são feitas aqui. [...] O Distrito que contrata e
muitas vezes a conveniada. [...] tudo o que nós precisamos pra suprir as
necessidades de insumos e serviços nós apenas pedimos, nós fazemos
um documento chamado de pedido de bens e serviços, nós temos um teto
orçamentário pra trabalhar [...], então nós temos que colocar todas as
nossas necessidades, isto fora o orçamento que foi destinado para as
ONGs. Cada uma das ONGs, a OPAN, a UNISELVA, a HALITINÃ tem
um teto. [...] Então nós temos aqui os programas e os desdobramentos
dele né, as etapas, as metas que nós temos que alcançar [...] na verdade o
que seria o ideal [...] a Presidência vem e fala: olha vocês têm um teto
de 11 mil pra dividir e então se tem que adequar este teto de 11 mil, e se
tem a OPAN, a Associação HALITINÃ, tem a Fundação UNISELVA,
certo, a gente tem três instituições pra dividir. Agora como é esta divisão
de dinheiro é de quem tem mais força política. Então por isto que esta
gestão, esta interlocução ela é feita diretamente com a Presidência da
FUNASA, é uma gestão política e política partidária também que acaba
tendo peso (Entrevistado 2, setembro, 2007).
Este depoimento também se contrapõe ao que consta no PDSI no que se
refere aos caminhos percorridos para a sua elaboração,
Toda a equipe técnica do DSEI Cuiabá participou da capacitação para
elaboração do novo modelo do Plano Distrital de Saúde para o período
de 2005 a 2007.
A seguir foi elaborado um cronograma de visitas às aldeias para colher a
opinião das comunidades indígenas sobre o modelo de assistência à
saúde em vigor, incluindo também as solicitações das comunidades para
constar no novo Plano Distrital de Saúde. As visitas foram realizadas
pelos técnicos do DSEI, acompanhados pelos coordenadores das
instituições parceiras à FUNASA, com a presença dos profissionais de
saúde que atuam nas aldeias e membros do Conselho Local de Saúde de
cada aldeia. [...] Todas as sugestões e críticas registradas nas reuniões
foram consideradas na elaboração do Plano Distrital, realizada pelos
técnicos do DSEI. Em seguida os esboço do Plano foi novamente
apresentado nas aldeias, para fechamento final com as comunidades
indígenas, contando com a presença dos conselheiros locais e distritais
de saúde.
Finalmente o Plano foi submetido à apreciação do CONDISI, em reunião
extraordinária realizada com esta finalidade específica [suposto espaço
para data da reunião].
As maiores dificuldades enfrentadas para a elaboração deste Plano
Distrital foram relacionadas ao transporte dos técnicos do DSEI e
coordenadores das instituições parceiras até as aldeias, pois o DSEI não
dispõe de veículos para acompanhamento e supervisão das ações de
saúde desenvolvidas em sua área de abrangência. Devido a esta
137
dificuldade houve atraso no prazo previsto para a conclusão do Plano
(FUNDAÇÃO NACIONAL DE SAÚDE, 2007, p.3).
SPOSATI e LOBO (1992) analisam o controle social e as faces que os atores
podem dar a este instrumento de controle e participação nas decisões relacionadas à
gestão dos serviços públicos, em especial os da saúde. O controle social tem como
pressuposto maior a alteridade, o reconhecimento da existência e da importância do
outro nas arenas de discussão, e isto abre um espaço para uma pertinente
consideração tendo como objeto o depoimento acima transcrito.
Assim, a alteridade poderá ser distorcida e dar ao controle social pelo menos
três formas: alteridade cooptada, que tem na desinformação a fragilidade da
representação, facilitando a cumplicidade para interesses restritos; a alteridade
subalternizada, onde o outro é considerado uma visita no espaço supostamente social,
coletivo, e para que o assunto não tome proporções não compreendidas, a sua
importância é amenizada podendo ter informações ocultadas com o intuito de não
constranger a “visita”; e, a terceira, denominada de alteridade tutelada, é o espaço da
tecnoburocracia onde os técnicos, supostamente detentores do conhecimento, têm o
poder popular de advogar a causa.
No âmbito do DSEI Cuiabá e do município de Rondonópolis existem as três
formas de “alteridade” quando o outro é o índio usuário da rede de serviços de saúde.
A alteridade cooptada é identificada pelo desconhecimento por parte da população
indígena sobre a organização do SUS e a garantia do acesso universal a todos os
habitantes deste país, independentemente de raça, cor, religião, assim eles ficam
dependentes da articulação e da presença dos profissionais da CASAI Rondonópolis;
sem conhecimento não opinião e isto fragiliza o sujeito como ser democrático e
participante. A alteridade subalternizada está claramente identificada na ausência dos
Bororo na composição do Conselho Municipal de Saúde (embora não seja
obrigatória em virtude de lei) ou a sua presença em situações pontuais como no caso
do recurso acumulado nos cofres do município. E enfim, a alteridade tutelada
subsidia a FUNASA e a conveniada na advocacia do índio, mesmo que não se admita
oficialmente está ele sendo considerado relativamente incapaz, ou por desconhecer,
ou por ser reduzido a um caso particular no qual a manutenção da sua cultura termina
138
por ser um argumento para forças institucionais se manterem no poder. Esta última
consideração não tem por objetivo desmerecer o papel dos grupos socialmente
organizados nos quais alguns indivíduos assumem a defesa dos menos favorecidos,
como por exemplo o movimento indígena, mas ressaltar a importância da autonomia
e da autodeterminação de todos os cidadãos brasileiros, e neste caso os índios do
DSEI Cuiabá.
Assim, mesmo que a Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos
Indígenas garanta a participação social através dos Conselhos Locais e do CONDISI,
é clara a sua verticalidade na elaboração do PDSI no âmbito deste Distrito, assim
como a falta de articulação entre os espaços de discussão com os seus equivalentes
na comunidade envolvente. Os depoimentos a seguir reforçam esta análise.
Os programas eles já vêem das diretrizes da FUNASA. É a FUNASA
que estabelece as diretrizes dentro da sua instância que é a saúde dos
povos indígenas e o saneamento a partir destas diretrizes nós fazemos
através do planejamento estratégico, nós pensamos os objetivos
estratégicos e que também são pensados a nível central (Entrevistado 2,
setembro, 2007).
Eu nunca participei, não me convidaram também, né. Sempre faziam
reunião aqui com negócio de saúde,dispois eu vi que tá no caminho
do bem, no caminho que é pra sê, eles pararo, (Usuário 3, junho,
2007).
É necessário que esta situação avance para se compor um espaço de fato
democrático, onde em respeito às diferenças se permita e reconheça a presença do
diferente, e assim se conceba o processo de construção do direito à saúde de forma
coletiva.
A seguir são descritos os fluxos planejados para cada uma das dez aldeias
Bororo estabelecidos no Plano Distrital de Saúde Indígena (PDSI). Deve ser
ressaltado, no entanto, que no caso da aldeia Aterradinho o PDSI não dispõe de
informações sobre caracterização do acesso aos serviços de saúde e composição
populacional, embora conste na lista de aldeias atendidas pela EMSI 2.
139
6.1.1.1 Aldeia Jurigue
Esta aldeia está localizada em Rondonópolis e não tem Posto de Saúde
próprio, utilizando a unidade localizada na aldeia de Tandarimana, a 20 minutos de
distância por acesso terrestre. O pólo-base da sua referência é o de Rondonópolis,
que regula os pacientes para o Posto de Saúde Municipal. O acesso desta aldeia ao
pólo-base é feito por via terrestre e leva aproximadamente duas horas (ver Figura
12).
A CASAI fica no município de Rondonópolis. Contudo, os serviços de saúde
de média e alta complexidade estão no município de Cuiabá, ao qual os usuários são
conduzidos, também via terrestre, levando aproximadamente cinco horas (Figura 9).
Nesta aldeia vivem nove pessoas.
6.1.1.2 Aldeia Pobore
Esta aldeia também está localizada em Rondonópolis. Como na anterior, não
tem Posto de Saúde no seu território, utilizando o posto localizado na aldeia de
Tandarimana, a 30 minutos por via terrestre. O pólo-base de referência é o de
Rondonópolis e os seus usuários são conduzidos ao Posto de Saúde Municipal por
deslocamento terrestre que leva 2h20min (ver Figura 12). Também utilizam a
CASAI de Rondonópolis quando necessitam. A atenção de média e alta
complexidade é oferecida no município de Cuiabá localizado a aproximadamente
seis horas de viagem de acesso terrestre. Sua população é de 35 pessoas.
6.1.1.3 Aldeia Praião
Também localizada em Rondonópolis, não possui Posto de Saúde próprio e
utiliza os serviços de saúde oferecidos no PS de Tandarimana a 20 minutos de
viagem por via terrestre. Seus habitantes são referenciados ao Posto de Saúde
Municipal pois não lhes é proporcionado um Pólo-Base legalmente preconizado (ver
Figura 12). A CASAI está localizada no município de Rondonópolis distando da
aldeia duas horas por via terrestre. Semelhantemente às outras aldeias, os serviços de
140
média e alta complexidade são referenciados para o município de Cuiabá, distando
cinco horas de viagem por acesso terrestre. Apresenta uma população de 29 pessoas.
Figura 12 - Fluxos planejados para os usuários das aldeias Jurigue, Pobore e Praião
Aldeias Jurigue, Pobore e
Praião (Rondonópolis/MT)
Aldeia Tadarimana
PS
CASAI
(Rondonópolis)
Rede do SUS
(Cuiabá/MT)
Posto de Saúde Municipal
(Rondonópolis/MT)
Legenda
As setas representam o fluxo de referência
para os usuários das aldeias
Jurigue, Pobore e Praião.
Fonte: FUNDAÇÃO NACIONAL DE SAÚDE, 2007.
141
6.1.1.4 Aldeia Tadarimana
Também localizada na área rural do município de Rondonópolis, apresenta
um Posto de Saúde que presta serviços aos seus habitantes e aos demais que não têm
no seu território esta unidade de serviço. Contudo, não dispõe de Pólo-Base como
preconizado em lei, fazendo uso do Posto de Saúde Municipal de Rondonópolis,
distando 1h30min por via terrestre. Como todas as aldeias mencionadas, os seus
habitantes utilizam a CASAI localizada na área urbana de Rondonópolis e os
serviços de média e alta complexidade são referenciados para Cuiabá, distando
quatro horas de viagem por via terrestre. Esta aldeia conta com 229 habitantes. A
Figura 13 mostra o fluxo planejado para esta aldeia.
Figura 13 - Fluxo planejado para os usuários da aldeia Tadarimana
Posto de Saúde
Rede do SUS (Cuiabá/MT)
CASAI
(Rondonópolis/MT)
Aldeia Tadarimana (Rondonópolis/MT)
Legenda
As setas representam o fluxo de
referência para a aldeia
Tadarimana.
Posto de Saúde Municipal
(Rondonópolis/MT)
Fonte: FUNDAÇÃO NACIONAL DE SAÚDE, 2007.
142
6.1.1.5 Aldeia Merure
Esta aldeia está na área rural do município de General Carneiro, MT,
apresentando no seu território um Posto de Saúde e Pólo-Base instituído na própria
aldeia. A CASAI, utilizada quando necessário, fica no município de Aragarças, GO,
distando duas horas de viagem por acesso terrestre. A atenção em média e alta
complexidade é oferecida no município de Cuiabá, a quatro horas de viagem via
terrestre. A população total desta aldeia é de 400 habitantes. A Figura 14 mostra
diagramaticamente o fluxo planejado para esta aldeia.
Figura 14 – Fluxo planejado para os usuários da aldeia Merure
Aldeia Merure
(General Carneiro/MT)
CASAI
(Aragarças/GO)
Rede do SUS
(Cuiabá/MT)
Legenda
As setas representam
os fluxos de referência
e contra-referência
para os usuários da
aldeia Merure.
Posto de Saúde e
Pólo Base
Fonte: FUNDAÇÃO NACIONAL DE SAÚDE, 2007.
143
6.1.1.6 Aldeia Morada Bororo
Também localizada na área rural de General Carneiro, tem no seu território
um Posto de Saúde. Porém, os serviços de maior complexidade são referenciados ao
Pólo-Base da aldeia Merure, distante a trinta minutos por via terrestre. A CASAI
utilizada é a do município de Aragarças, GO, referência do DSEI Xavante, distante
duas horas e trinta minutos por via terrestre. Igualmente às demais aldeias os serviços
de média e alta complexidade são proporcionados em Cuiabá distante 3h30min de
viagem por via terrestre. Conta com uma população de 68 pessoas. A Figura 15
demonstra o fluxo planejado para os usuários da aldeia Morada Bororo.
Figura 15 - Fluxo planejado para os usuários da aldeia Morada Bororo
Aldeia Morada Bororo
(General Carneiro/MT)
Aldeia Merure
(General Carneiro/MT)
CASAI
(Aragarças/GO)
Rede do SUS
(Cuiabá/MT)
Posto de Saúde
Legenda
As setas representam os
fluxos de referência
para os usuários
da aldeia Morada Bororo.
Pólo Base
Fonte: FUNDAÇÃO NACIONAL DE SAÚDE, 2007.
144
6.1.1.7 Aldeia Garças
Localizada na área rural do município de General Carneiro, conta com um
Posto de Saúde. O Pólo-Base utilizado fica na aldeia Merure, distante a 30 minutos
por acesso terrestre. A CASAI utilizada fica em Aragarças, GO, distante duas horas
de viagem por via terrestre. A atenção em saúde de média e alta complexidade é
referenciada para o município de Cuiabá, não havendo informações da distância e do
período em horas da viagem no Plano Distrital. Esta aldeia abriga 91 pessoas. A
Figura 16 mostra graficamente o fluxo planejado para esta aldeia.
Figura 16 – Fluxo planejado para os usuários da aldeia Garças
Aldeia Garças
(General Carneiro/MT)
Aldeia Merure
(General Carneiro/MT)
CASAI
(Aragarças/GO)
Rede do SUS
(Cuiabá/MT)
Posto de Saúde
Legenda
As setas representam os
fluxos de referência
para os usuários da
aldeia Garças.
Pólo Base
Fonte: FUNDAÇÃO NACIONAL DE SAÚDE, 2007.
145
6.1.1.8 Aldeia Piebaga
A aldeia Piebaga está localizada nos arredores do município de Santo
Antônio do Leverger, MT, e no seu território tem um Posto de Saúde. O Pólo-Base
de referência é a própria CASAI, localizada no município de Rondonópolis, distante
uma hora de viagem por via terrestre. Os serviços de média e alta complexidade
oferecidos estão no município de Cuiabá, distante três horas por via terrestre. Esta
aldeia conta com 100 habitantes. A Figura 17 mostra de forma gráfica o fluxo
planejado para esta aldeia.
Figura 17 – Fluxo planejado para os usuários da aldeia Piebaga
Aldeia Piebaga
(Santo Antônio do Leverger/MT)
Posto de Saúde
CASAI
(Rondonópolis/MT)
Rede do SUS
(Cuiabá/MT)
Legenda
As setas
representam os
fluxos de referência
para os usuários da
aldeia Piebaga.
Fonte: FUNDAÇÃO NACIONAL DE SAÚDE, 2007.
146
6.1.1.9 Aldeia Gomes Carneiro
Localizada na área rural de Santo Antônio do Leverger, MT, conta com um
Posto de Saúde e um Pólo-Base no seu território. A CASAI utilizada é a de
Rondonópolis, distante duas horas por via terrestre. Analogamente às demais aldeias
utiliza os serviços de média e alta complexidade oferecidos no município de Cuiabá,
distante cinco horas de acesso terrestre (ver Figura 18). Sua população é de 309
pessoas.
Figura 18 – Fluxo planejado para os usuários da aldeia Gomes Carneiro
Aldeia Gomes Carneiro
(Santo Antônio do Leverger/MT)
Posto de Saúde e Pólo Base
CASAI
(Rondonópolis/MT)
Rede do SUS
(Cuiabá/MT)
Legenda
As setas representam
os fluxos de
referência para os
usuários da aldeia
Gomes Carneiro.
Fonte: FUNDAÇÃO NACIONAL DE SAÚDE, 2007.
147
6.1.1.10 Aldeia Perigara
Localizada no município de Barão de Melgaço, MT, conta com um Posto de
Saúde e um Pólo-Base. A CASAI de referência está no município de Cuiabá, bem
como os serviços de dia e alta complexidade, distante uma hora por via fluvial
acrescida de duas horas por via terrestre. A população desta aldeia é composta por 83
pessoas. A Figura 19 mostra o fluxo planejado para esta aldeia.
Figura 19 – Fluxo planejado para os usuários da aldeia Perigara
Aldeia Perigara
(Barão de Melgaço/MT)
CASAI
(Cuiabá/MT)
Rede do SUS
(Cuiabá/MT)
Legenda
As setas representam
os fluxos de
referência
e contra-referência
para os usuários da
aldeia Perigara.
Posto de Saúde e Pólo Base
Fonte: FUNDAÇÃO NACIONAL DE SAÚDE, 2007.
148
6.1.1.11 Aldeias Pakuera, Alto Ramalho, Paikun e Aturua (T.I.Bakairi, etnia Bakairi)
A Terra Indígena Bakairi localizada parte em Paranatinga e parte em Planalto
da Serra, foi homologada pelo Decreto 293, de 30 de outubro de 1991 (BRASIL,
1991) e está sob a administração regional da FUNAI Cuiabá. Suas ações em saúde
estão sob a responsabilidade do DSEI Cuiabá que repassa parte das suas atribuições à
Fundação UNISELVA. A Terra Indígena Bakairi possui uma área de 61.405ha onde
residem 415 índios em nove aldeias: Pakuera, Aturua, Cabeceira do Azul, Iahodo,
Kaiahoalo, Kuiakware, Alto Ramalho, Paikun e Sawopa. Dentre as ameaças que os
povos indígenas em geral enfrentam, se destaca a presença de conflitos fundiários
devido à presença de fazendeiros nos seus limites fronteiriços. A Missão Católica ali
sediada estimula e desenvolve três projetos de valorização cultural: um projeto de
valorização do patrimônio imaterial; outro de preservação cultural, memória e
patrimônio; e outro de produção audiovisual (ISA, 2008).
Segundo o PDSI 2005/2007 (FUNDAÇÃO NACIONAL DE SAÚDE, 2007)
o Posto de Saúde da aldeia Pakuera é referência para os seus próprios habitantes e
para as seguintes “aldeias satélites”: Cabeceira do Azul, Iahodo, Kaiahoalo,
Kuiakware, Alto Ramalho, Paikun e Sawopa. A aldeia Aturua possui o seu próprio
Posto de Saúde, que também deve fazer o mesmo fluxo planejado para a aldeia
Pakuera (ver Figura 20).
149
Figura 20 – Fluxo planejado para as aldeias da Terra Indígena Bakairi
Ald. Sawopa
Ald. Paikun
Ald. Alto
Ramaho
Ald. Kuiakware
Ald. Kaiahoalo
Ald. Iahodo
Ald. Cabeceira
Azul
Aldeia Pakuera
Posto de Saúde Municipal
(Paranatinga)
CASAI Cuiabá
Rede do SUS
(Cuiabá)
Ald. Aturua
Fonte: FUNDAÇÃO NACIONAL DA SAÚDE, 2007.
Assim, para a Terra Indígena Bakairi o PDSI estabelece a seguinte
organização dos níveis de atenção à saúde: um Posto de Saúde tipo II na aldeia
Pakuera. Esta aldeia é referência para o atendimento em nível primário sub-nível 1
para os seus habitantes e os residentes nas aldeias satélites. Quando necessário, estas
unidades devem encaminhar os usuários para o posto de saúde municipal de
Paranatinga; se as necessidades forem de procedimentos de maior complexidade os
usuários devem ser encaminhados para a CASAI Cuiabá e desta para a rede de
serviços de saúde na própria capital, pois pertencem ao Pólo-Base de Cuiabá e não ao
Pólo-Base Rondonópolis, como mostra a Figura 20. É pertinente ressaltar que o
trajeto da aldeia Pakuera até o município de Paranatinga leva aproximadamente três
horas de viagem por via terrestre; e de Paranatinga até Cuiabá aproximadamente oito
horas, pois a distância entre os dois municípios é de 450km.
150
7 O SUBSISTEMA DE ATENÇÃO À SAÚDE INDÍGENA E A SUA
RELAÇÃO COM A REDE MUNICIPAL DE SAÚDE
Com o reconhecimento constitucional da importância das sociedades
indígenas e da competência da União para legislar e tratar das questões que as
envolvem teve início um processo de reconhecimento e extensão de direitos sociais
voltados para os povos indígenas, dentre eles, o direito à saúde. Assim,
aproximadamente dez anos após a criação do Sistema Único de Saúde foi criado o
Subsistema de Saúde Indígena como componente do SUS. Desta maneira, foi
atribuída à FUNASA/MS a responsabilidade de garantir a todos os povos indígenas a
universalidade do acesso aos níveis de assistência, a integralidade da assistência, a
participação social e a eqüidade. Um dos gestores entrevistados descreve essa
situação da seguinte forma:
Então nós temos o Sistema Único de Saúde e nós temos o Subsistema de
Saúde, que é o DSEI, cuja finalidade seria a saúde indígena neste Sistema
Único de Saúde. É, este sistema aqui da mesma forma como nós temos um
sistema hierarquizado, descentralizado e tal, nós temos que ter e observar
isto também (Entrevistado 2, setembro, 2007).
Entretanto, desde que assumiu tais responsabilidades a FUNASA não dispõe
nem de recursos humanos, nem de infra-estrutura suficientes para a execução desta
função. Os depoimentos nos esclarecem que a instituição passa por um momento de
impasse quanto a sua existência e permanência no cenário nacional como executora
da atenção à saúde dos povos indígenas, contrariando ao que foi estabelecido desde o
Decreto 3.156/99 (BRASIL, 1999a) e Lei Arouca (BRASIL, 1999b).
Digamos que daqui a dez anos se nós não garantirmos a construção física
vai ocorrer a descentralização [municipalização] a qualquer momento
porque as adesões pelo Pacto da Saúde já estão ocorrendo, que é a
consolidação do SUS. Então eu costumo dizer o seguinte: daqui uns dez
anos quando nós sairmos de cena, porque o Distrito Sanitário tinha uma
vida útil predeterminada que eram quatro anos e nós já estamos indo pra
oito. [...] então este Acórdão ele puxou a orelha da FUNASA porque
em 2004 a Portaria 70 que diz que nós do Distrito Sanitário somos
autoridade sanitária [...] a FUNASA teria que suprir de medicamentos,
de combustíveis, de hora-vôo, então são ações específicas da instituição
que ela não pode terceirizar, não poderia passar para o convênio. que
151
a FUNASA teimou e continuou pactuando estas ações, até porque é
muito mais rápido [...] nós trabalhamos com uma legislação engessada,
arcaica, pra outra realidade que não a indígena, que tem que ser tratada
com especificidades e com diferença, mas a lei não abriu espaço pra isto;
em função disto a gente vive apanhando. Aí o que aconteceu? O Acórdão
823, que é de junho de 2005, veio e chamou a FUNASA pra
responsabilidade de novo e disse: olha em 2004 naquelas portarias
ministeriais saiu que vocês teriam que assumir essas atribuições aqui. E
deu um bode danado. E com isso a FUNASA teve que propor uma
repactuação com as conveniadas e que foi o que aconteceu agora no
início deste ano, ou seja, ela teve que retomar as responsabilidades dela e
deixar quase que especificamente a contratação de profissionais pros
convênios. Até então ela pactuava tudo que você possa imaginar. Aí
depois veio o Tribunal de Contas da União e diz: vocês estão burlando a
Constituição Federal porque vocês não estão fazendo concurso público e
isto é uma forma de burlar a Constituição porque este monte de
profissionais que estão aí [...]. São 34 Distritos Especiais no Brasil,
imagina só aqui em Mato Grosso são quatro Distritos: o Xavante, o
Kaiapó, o Xingu e o Cuiabá, né, e a força de trabalho aqui no DSEI
Cuiabá são trezentos e poucos funcionários, então quando se pára pra
pensar trabalhando no serviço público a princípio só que nós temos
vários vínculos e tal, mas todos eles de certa forma burlaram a
Constituição que diz que emprego público, que cargo público
mediante concurso público, né. E isto dando pano pra manga pra
FUNASA porque ela tem um déficit de pessoal de três mil e
quatrocentos pessoas, praticamente está sendo obrigada a fazer um
concurso, não dá pra fazer às pressas, pra fazer concurso não está nem na
governabilidade do Presidente da FUNASA e sim da Casa Civil, do
Ministério do Orçamento [...], vagas precisam ser aprovadas, o processo
é lento. começam a comentar: ah mas o subsistema deveria funcionar
quatro anos, está indo pra oito, será que vale a pena ainda?
(Entrevistado 2, setembro, 2007).
A informação de que as atividades da FUNASA/MS deveriam ser conduzidas
por tempo predeterminado não condizem com os pressupostos da Política Nacional
de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas que reafirma o Subsistema de Atenção à
Saúde Indígena como estratégia de atenção à saúde dos povos indígenas. Outro
aspecto a ser destacado no depoimento anterior é a incapacidade em recursos
humanos da instituição, tendo em vista que, tanto no momento de criação do SUS
quanto do Subsistema o Brasil encontrava-se sobre forte influência do Fundo
monetário Internacional (FMI), órgão contrário a ampliação das atividades do Estado
como nação, o que não justifica a atual conjuntura da rede hierarquizada nas terras
indígenas. Assim, até os dias atuais, assegurada por normatizações específicas, a
FUNASA/MS faz convênios com organizações não governamentais e
governamentais no sentido de assegurar o direito à saúde dos índios, como observado
no seguinte depoimento:
152
[...] porque nós assumimos em 99 de supetão, então a coisa veio, é claro
tiveram algumas conversas [...] definiram como seria o Subsistema [...].
que a FUNASA não fez concurso público, ela não se preparou, nem
se qualificou [...] por exemplo nós temos aqui a Associação Halitinã e
ela cuida dos Paresi; nós temos a Fundação UNISELVA que cuida
dos Bororos, Bakairi, Umutina e Guató; Irantxe, miki, Enawene nawe é a
OPAN. [...] quer ver é igual quando você vai pactuar com o município, o
que eu posso regular para o município, o que eu posso garantir de
consultas, de exames por exemplo, na Policlínica do Coxipó ou na
Policlínica Odontológica do Coxipó: olha eu tenho uma demanda tal e eu
gostaria de saber qual a periodicidade que eu posso mandar e quantas
pessoas eu posso mandar e pra quais procedimentos (Entrevistado 2,
setembro, 2007).
Especificamente importante para a relação entre a FUNASA/MS e os
municípios foi a Portaria 1.163/99 (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 1999a), pois ela
criou o “Fator de Incentivo de Atenção Básica” destinado a apoiar a implantação de
AIS e EMSI para atender as comunidades indígenas, numa clara tentativa de
aproximar a FUNASA/MS dos municípios que nos seus limites territoriais
apresentassem terras indígenas. No entanto, o cumprimento do estabelecido pela
Portaria 1.163/99 (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 1999a) apresenta problemas, como é
relatado pelo gestor:
[...] em 2002 teve um Diretor que atentou para a Portaria 1.163 e ele
falou: mas espera aí, então nós temos uma outra fonte de recurso onde
nós podemos buscar contratação de pessoal especificamente de equipes
multidisciplinares de saúde indígena que é o recurso da SAS. Então a
SAS, a Secretaria de Atenção à Saúde, que é um órgão ligado ao
Ministério da Saúde, ele tem um recurso que é o recurso do PAB
variável e por força da Lei Orgânica do SUS que é a LOSUS 8.080 de 90
e a 8.142 de 90, esta Lei obriga o governo federal a repassar somente
fundo a fundo municipal ou estadual, então como este não pode vir
diretamente pra FUNASA por força de Lei, certo, então qual foi a grande
sacada deste Diretor quando ele viu esta lei e disse: temos uma outra
fonte de recurso pra contratação de equipes multidisciplinares de
saúde indígena (Entrevistado 2, setembro, 2007).
Embora a FUNASA tenha atribuições não delegáveis, estas podem ser
complementadas pelos municípios e/ou estados. Assim, representada pelo seu
Coordenador Regional ou Chefe de Distrito, foi estabelecida a prática de acordar
verbalmente com o município em questão o emprego do recurso a ser transferido
fundo a fundo, encaminhando a solicitação para a Secretaria de Atenção à Saúde
(SAS) do Ministério da Saúde através de um memorando; então o pacto era validado
153
com o repasse mensal do valor solicitado. O seguinte relato de um gestor é bastante
esclarecedor:
Em alguns municípios é mais fácil e em outros a gente encontra mais
dificuldade. As nossas pactuações m ocorrido verbalmente [...] na
verdade elas deveriam ser oficializadas e tratadas de forma institucional.
Então nós temos aqui a Prefeitura Municipal de Rondonópolis, nós
temos aqui duas situações. Aqui s temos o DSEI Cuiabá e nós temos
aqui o Pólo-Base de Rondonópolis que ficaria normal em Rondonópolis,
vem o governo federal aqui e repassa o recurso da SAS do Ministério
da Saúde para a Prefeitura de Rondonópolis. Este recurso aqui ele é
específico pra contratar equipe multidisciplinar de saúde indígena [...].
entra o Chefe do Distrito aqui ele vem e conversa com o gestor
municipal, Prefeito ou Secretário Municipal de Saúde, diz: olha nós
temos um recurso que é da Secretaria de Atenção à Saúde, que é do
PAB, Piso de Atenção Básica Variável, se vocês quiserem pactuar
conosco a contratação de [...] (Entrevistado 2, setembro, 2007).
[...] a FUNASA definia quanto ia para os municípios, pactuava, isto não
era uma coisa estruturada. Os atores que iam e negociavam [...] e a
FUNASA depois que fazia esta pactuação local encaminhava o
memorando para a SAS referindo o valor e os profissionais (Entrevistado
3, outubro, 2007).
Na ocasião da vigência da Portaria 1.163/99 (MINISTÉRIO DA SAÚDE,
1999a) além de se tratar de um recurso destinado à atenção à saúde das comunidades
indígenas, quem tinha a responsabilidade sobre a indicação do município a recebê-lo
era a FUNASA/MS, que também devia determinar o destino do recurso
remanescente em fundo municipal quando por alguma razão não fosse utilizado. No
entanto, embora a responsabilidade de indicação tenha sido reiterada pela Portaria
2.656/2007 (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2007), é importante ressaltar que não é
mais permitido utilizar este recurso para outros fins que não os especificados nesta
portaria. Ainda assim, observa-se que o município fica dependente das orientações da
FUNASA/MS e isto tem sido causa de impasses interinstitucionais, além de
dificultar as pactuações locais, como relatado pelo gestor 2:
entra o Chefe do Distrito ele vem conversa com o gestor municipal
[...] eles se sentem laranja, né, porque você diz: olha eu tenho deste
recurso porque eu preciso contratar pessoal pra trabalhar pra nós, mas eu
preciso de uma prefeitura. Então eles se sentem laranja e perguntam: mas
o que eu ganho com isso? E daí esse dinheiro vem pra mim, eu contrato
pra vocês e ainda vou pagar os encargos sociais? Percebe como é
complicado? Por exemplo, um salário de um médico é cinco mil e
154
quinhentos reais, segundo a tabela da SAS e o odontólogo é quatro mil e
quinhentos reais, e esse valor aqui é líquido. Então aí você tem que
convencer a prefeitura pra ela pagar os encargos sociais destes
profissionais. Quer dizer, depende do ponto de vista, é uma coisa que
precisa ser muito bem trabalhada e com muito cuidado, porque se a gente
partir do princípio que é uma responsabilidade social do prefeito e do
gestor municipal porque aqueles indígenas são munícipes dele e são
eleitores dele [...]. Eu acredito que a FUNASA não saiu de cena ainda
por causa da resistência de alguns gestores. Salvo o Pacto pela Saúde que
está comprando as adesões, eles estão financiando a atenção básica e não
deixa de ser uma moeda de troca: olha eu vou financiar tudo o que vocês
quiserem mas vocês têm que atender todas as pessoas inclusive o índio.
que a gente ainda tem pessoas que falam: eu não quero saber de índio
aqui. Eles criam associações, eles desviam o caminho: olha eu não quero
saber desse povo aqui, resolva isto que eu pago por aqui. Esta é a
realidade. [...] O objetivo é convencer eles a receber o meu recurso, eu
resolvo o meu problema e que na verdade o meu problema é o problema
do município (Entrevistado 2, setembro, 2007).
O segundo depoimento evidencia uma clara condução das normatizações para
o incremento do processo de municipalização da saúde, inclusive a saúde dos povos
indígenas. Entretanto, deve se observar que este caminho é insistentemente contrário
às reinvindicações daqueles que defendem a autonomia do DSEI com o
fortalecimento do Subsistema. Ainda neste depoimento observa-se evidências de
discriminação étnica o que torna claro, também, que ao mesmo tempo que o processo
de municipalização da saúde indígena toma forma legal através do Pacto de Gestão
(MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2006c) ocorrem resistências por parte de alguns
gestores municipais quanto a garantia do acesso aos serviços de saúde pela
população indígena.
A partir de 2006, por ocasião da discussão e regulamentação do Pacto pela
Saúde, que entre outros critérios estabeleceu o repasse fundo a fundo através de
cinco blocos de financiamento, juntamente com a posterior regulamentação da
Política Nacional de Atenção Básica, foi retomada uma discussão, iniciada pela
FUNASA/MS em 2005 e referida na portaria 1.088 (MINISTÉRIO DA SAÚDE,
2005) que desde aquele momento foi esquecida, ou seja, sobre a regulamentação e o
controle do recurso.
Agora, não diretamente na SAS, mas sob a responsabilidade do
Departamento de Atenção Básica do Ministério da Saúde (DAB/MS), a discussão
tomou proporções legais e entrou em vigor a Portaria 2.656/07 (MINISTÉRIO DA
SAÚDE, 2007) que regulamenta o repasse dos recursos para as ações em saúde
155
voltadas para a população indígena e realizadas pelos municípios e/ou estados. Na
visão de dois gestores entrevistados,
[...] O que aconteceu ao longo dos anos, de 2002 pra cá. Em 2002
quando o Ubiratan, o primeiro Diretor de Saúde Indígena da FUNASA,
quando ele teve esta sacada aqui então ele buscou um valor e o valor era
pouco, irrisório, mas necessário que atendia as necessidades, tá. aos
poucos, ao longo dos anos este valor foi subindo de forma que este ano
quando nós fizemos a conta, s observamos que o que se gasta hoje
com o recurso da SAS corresponde a quase setenta por cento do valor
que se gasta com o recurso próprio, teve uma escala assustadora. Isto é a
municipalização. E você me responde agora por q você acha que
veio esta medida aqui [refere-se à Portaria 2.656/07]: vamos segurar a
municipalização. Opa espera aí vamos segurar a municipalização por
aqui ó [refere-se à redução do valor do recurso para a contratação de
equipes multidisciplinares] (Entrevistado 2, setembro, 2007).
Este recurso antes ficava diretamente na SAS [...]. A partir do ano
passado inclusive com a formação dos blocos [...] que ele compõe o PAB
Variável, esta parte que cabe à Atenção Básica passou a fazer parte do
Departamento de Atenção Básica, então quem responde por isto é o
DAB (Entrevistado 3, outubro, 2007).
Esta nova discussão foi fomentada pelo Conselho Nacional de Secretários
Estaduais de Saúde (CONASS) e pelo Conselho Nacional de Secretários Municipais
de Saúde (CONASEMS), ambos solicitando maior autonomia sobre o recurso que
integra os recursos do Piso de Atenção Básica destinado aos municípios, além de ter
sido pauta da IV Conferência Nacional de Saúde Indígena (MINISTÉRIO DA
SAÚDE, 2006b), que recomendou a autonomia do DSEI. Um dos gestores
entrevistados relatou que
[...] isto foi pauta de CONASEMS e CONASS. O próprio CONASEMS
pediu que se fizesse uma reformulação geral da 1.163 e que isto não
ficasse nos incentivos, essa era uma demanda reprimida para as
autoridades municipais e estaduais de saúde (Entrevistado 3,
outubro/2007).
Entre as regulamentações trazidas pela Portaria 2.656/07 (MINISTÉRIO DA
SAÚDE, 2007) cabe destacar o Termo de Compromisso, que é o instrumento que
formaliza a pactuação entre a FUNASA/MS e o município, o estabelecimento de
valores fixos loco-regionais per capta e por equipe multidisciplinar de saúde, assim
como a proibição do uso do recurso para fins o discriminados, e aceitando a sua
156
devolução para o Fundo Nacional de Saúde, demonstrando assim uma maior
preocupação por parte do governo federal com o controle deste recurso. Como
relatou um dos gestores entrevistados,
Isto coloca um limite. Na Amazônia Legal nem tanto[...] porque antes
tinha um per capita que variava de 3,00 a 16.000,00 e se tinha estes
valores sem nenhum critério. [...] o que eles não usavam do recurso era
utilizado pra construir CASAI, por exemplo, e o que a gente propõe é
que este recurso volte se não utilizado (Entrevistado 3, outubro, 2007).
Espera-se que a regularização destes valores proporcione maior controle
sobre o seu uso, uma vez que ele deve representar apenas um incentivo para ações e
procedimentos de saúde, não devendo ser necessariamente empenhado para a
contratação de equipes multidisciplinares, AIS e AISAN. Como relatou um gestor,
O fato de ela [a Portaria 2.656/07] ter alguns artigos que fale sobre a
equipe não vincula o recurso a isto, o recurso é para financiamento em
atenção básica. [...] pode ser a própria equipe que atua a receber. Vai
pactuar números de consultas e de procedimentos ou vai garantir que o
profissional até a aldeia, atenda na unidade, no posto (Entrevistado
3, outubro, 2007).
Fica evidente que embora estes recursos saiam dos cofres da União,
responsável pela gestão e execução das ações de saúde aos povos indígenas, eles são
destinados aos cofres municipais e mesmo que o seu uso deva ser resultante de um
consenso entre as instâncias envolvidas, dentre elas a FUNASA/MS, não deve ser
entendido como um recurso que venha a fazer parte das ações da FUNASA/MS, pois
para isso ela dispõe de recursos próprios. Em última análise, o IAB-PI deverá ser
destinado às ações voltadas para os povos indígenas, mas sob a responsabilidade do
município atuando de forma complementar às da FUNASA/MS. O relato de um dos
gestores confirma que, “[...] com o Pacto [...] com a portaria 204, que regulamenta os
blocos de financiamento, fica claro que é para estados e municípios, a FUNASA/MS
tem um orçamento próprio que é quase o dobro deste valor pra custeio, fora
capital” (Entrevistado 3, outubro, 2007).
Tendo este contexto geral na busca por maiores esclarecimentos quanto ao
atendimento aos povos indígenas pelo município de Rondonópolis foi constatado um
157
conflito interinstitucional ocorrido no primeiro semestre do ano de 2007 ligado ao
repasse deste incentivo. Não um consenso quanto às razões que levaram o
município a deixar tal recurso acumular no fundo municipal. Entretanto, fica muito
claro que uma vez bloqueado e impedido de ser devolvido conforme a legislação
vigente, na ocasião a Portaria 1.163/99 (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 1999a), o seu
emprego deveria ser fruto de orientação da FUNASA/MS. Foi neste momento que o
conflito se instalou com sérios prejuízos para a garantia do acesso e a qualidade do
atendimento aos usuários Bororo.
Em alguns momentos ficou claro que a prefeitura teria como objetivo utilizar
este recurso para incrementar os serviços de saúde municipais existentes e
disponíveis ao acesso da população indígena, mas isto, até o momento de finalização
da coleta de dados pelas entrevistas, ainda estava em negociação como comprova a
declaração a seguir:
[...] tem um repasse que é feito todos os meses e este repasse estava
acumulado, parado numa conta da prefeitura. [...] O prefeito esteve in
loco neste CASAI [...] e nós observamos que realmente as instalações
eram muito ruins [...] foi aonde o prefeito juntamente com todo o
conselho dos índios [...] decidimos comprar com aquele dinheiro que
estava parado [...] uma Van e estar melhorando as condições físicas da
CASAI. Então hoje nós temos uma unidade [...] onde a gente propôs com
mais este dinheiro que está acumulado estar melhorando este nosso posto
de saúde da COAB pra estar dando atendimento diferenciado para o
índio. [...] então está sendo estudado, eles estão conversando, nós vamos
estar analisando realmente o que for melhor pra eles, se vai ser realmente
mexido na CASAI ou se vamos ter uma unidade [...] que atenda em
separado o índio do branco [...] (Entrevistado 1, maio, 2007)
Porém, não conhecimento, por parte da Secretaria Municipal de Saúde de
Rondonópolis, da Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas e dos
seus pressupostos, acarretando, dessa maneira, um precário entendimento do critério
da especificidade étnica e cultural, confundido em alguns depoimentos como a
defesa de privilégios comprometendo, portanto, a integralidade das ações em saúde.
Além disto, disputas institucionais ligadas à gestão propriamente dita da saúde
indígena, também caracterizada pela disputa de poder sobre o território, são razões
que assumem maior importância tanto no âmbito da FUNASA/MS quanto do
município. Quem de fato é o gestor da saúde indígena? O município, órgão federado
158
autônomo sobre o seu território ou a FUNASA/MS órgão do Ministério da Saúde
responsabilizada pela inclusão dos usuários indígenas no Sistema Único de Saúde?
Segundo relatos obtidos na pesquisa de campo essa dualidade é também sentida em
termos operacionais, como mostra a seguinte fala:
Então esta Portaria 70 que diz que nós do Distrito Sanitário somos
autoridade sanitária [...] lá naquela portaria tá, porque a gente não tem
autoridade nenhuma na verdade. Você quer ver, pega o distrito aqui, nós
temos dezesseis municípios, cada gestor municipal é uma autoridade
municipal, ele é uma autoridade sanitária no seu município, unidade da
federação. E o Chefe do Distrito? Eles são autoridades sanitárias também
do Distrito Sanitário cuja jurisdição abrange os dezesseis municípios,
quem é a autoridade sanitária? [...] No âmbito do Subsistema tem uma
autoridade sanitária que é o Chefe do Distrito, mas a partir do momento
que eu entro na jurisdição municipal, do gestor municipal, que é o
Secretário Municipal de Saúde e aí? Que autoridade tem o Chefe do
Distrito? E vice-versa (Entrevistado 2, setembro, 2007).
Em meio a este conflito não se identifica uma proposta efetiva de implantar e
implementar os princípios da referida política. Vincula-se o recurso ao sentido de
uma justa recompensa por prestar o serviço a quem dele necessita; porém, como este
não está sendo repassado fica estabelecida uma condição de igualdade destes
usuários com os outros munícipes na disputa pelo atendimento, condição que é
mediada e facilitada pela CASAI Rondonópolis. O depoimento a seguir é bastante
ilustrativo dessa situação.
Então foi feita a proposta, foi aprovada, que não está acontecendo, um
está cumprindo sua parte, nunca deixou de fazer [...], que o recurso
não está vindo, está bloqueado. [...] mas de uma maneira geral o
atendimento está e é a mesma qualidade da população geral [...] ele é
atendido como qualquer outro usuário, mas não se aquela preferência
como cem por cento que é o que se pretendia se tivesse aquela
ampliação[...] de ter aquele controle todo (Entrevistado 2, maio, 2007)
Se não se vislumbra um entendimento entre instâncias meso-gestoras quanto
ao repasse dos recursos e, conseqüentemente, a um atendimento diferenciado para os
usuários indígenas, não se pode dizer o mesmo em nível micro-gestor, pois os
profissionais tanto da CASAI quanto das unidades de serviço municipal
desenvolvem cotidianamente estratégias emergentes que garantem o acesso dos
159
usuários indígenas aos diferentes níveis de complexidade da atenção em saúde.
Como relatou um dos gerentes,
Às vezes tem dois indiozinhos agendados e elas chegam com quatro, a
gente consegue O agendamento pré-natal sempre é feito anteriormente
[...] chega hoje alguém procurando eu vou ali no caderno e vejo [...] está
cheio mas não é prolongado, então a gente agenda ela vem, aí quando sai
desta consulta já deixa a próxima remarcada. [...] este atendimento aqui
nesta cidade ajuda muito porque, poxa, eles chegarem ali, precisarem de
um pediatra vim aqui e a gente conseguir encaixar [...] (Entrevistado 25,
maio, 2007).
Entretanto, não conformidade entre os depoimentos quanto ao local mais
adequado para o atendimento a estes pacientes. Alguns defendem o estabelecimento
de uma equipe multidisciplinar de saúde na CASAI Rondonópolis sob o argumento
de facilitar o acesso; para outros, a melhor opção está em incrementar os serviços
existentes, sendo que esta solução conta com o apoio de alguns usuários indígenas.
Um entrevistado se mostrou preocupado com essa situação e comentou como o
prefeito tentou resolver, ou atenuar o problema.
[...] talvez seria melhor se tivesse um local, um centro de saúde de
referência deles, como o Centro de Saúde da Cohab pra eles não ficarem
andando muito dentro da cidade [...] ou então se eles estivessem sendo
atendido mais próximo da CASAI, seria melhor pra eles, pra eles ter
uma referência. foi que o prefeito propôs pra aumentar este centro de
saúde pra atender e ser referência deles, dos índios Bororo e da
população branca, daí que eles não aceitaram, diz que se fosse pra
arrumar aqui tinha que arrumar na CASAI que não tinha um
alojamento digno, que precisava de reformas lá. que ele fez uma
apartamento lá e tal, e comprou a Van com o dinheiro, mas diz que ainda
restava do dinheiro ainda e este dinheiro ainda está por (Entrevistado
19, maio, 2007).
Considerando os posicionamentos ambíguos não se deve esquecer que a
CASAI deve ser um local de apoio aos usuários indígenas que necessitam do
atendimento, acolhendo o usuário e os seus familiares, e não uma unidade que
ofereça atendimento em saúde. Caso contrário risco de se construir um sistema de
saúde voltado para os povos indígenas paralelo ao sistema nacional de saúde, não
reconhecendo este último como uma política de estado universal direcionada pela
eqüidade.
160
7.1 O FLUXO FORMAL DO DSEI CUIABÁ NAS TERRAS INDÍGENAS E
AS SUAS RELAÇÕES COM O MUNICÍPIO DE RONDONÓPOLIS
O fluxo formal é o fluxo formalmente indicado aos usuários pelos
profissionais de saúde das instituições envolvidas e que não segue os fluxos de
referência estabelecidos no PDR e no PDSI. Esse fluxo é resultante da articulação
criativa entre os níveis de atenção realizado pelos profissionais de saúde da CASAI
Rondonópolis e os profissionais da rede municipal de serviços de saúde, e tem como
principal artifício as relações pessoais.
Este fluxo representa claramente as estratégias emergentes defendidas por
MINTZBERG et al. (2006b). Para melhor compreender a descrição a seguir, convém
lembrar que o Subsistema de Atenção à Saúde Indígena deve assegurar o acesso do
usuário à rede de assistência em saúde, ainda na aldeia, através de um modelo
organizacional hierarquizado dividido em Postos de Saúde tipo I e II, Pólo-Base tipo
I e II e CASAI. Com exceção da CASAI e Pólo-Base tipo II os outros dois devem
estar em terras indígenas, como é confirmado no depoimento a seguir:
[...] então nós temos o Sistema Único de Saúde e nós temos o Subsistema
de Saúde, que é o DSEI, cuja finalidade seria a saúde indígena neste
Sistema Único de Saúde. [...] nós temos a responsabilidade pela atenção
integral aos povos indígenas, mas especificamente a atenção básica. Por
que integral? Porque a partir do momento que é de nossa
responsabilidade pegar o índio que está na comunidade e levar para a
primeira referência. (Entrevistado 2, setembro, 2007).
BECH (2002) esquematiza o modelo de atenção em saúde segundo os
critérios de organização dos recursos. Desta maneira, o primeiro nível de atenção em
saúde deveria contemplar dois sub-níveis: o sub-nível 1, que equivale à atuação das
equipes do Programa Saúde da Família (PSF) e Programa de Agentes Comunitários
(PACS), e o sub-nível 2, equivalente às policlínicas e centros de saúde. Os demais
níveis de atenção, secundário e terciário, deveriam, através de tecnologias de
densidade tecnológica crescente, oferecer resolutividade em hospital/ambulatório
especializado e hospital/alta tecnologia, respectivamente. Este modelo auxilia a
compreensão do modelo de atenção em saúde estabelecido pela Política Nacional de
161
Atenção à Saúde dos Povos Indígenas para a organização hierarquizada dos serviços
de atenção básica em terras indígenas considerando seus saberes culturais e práticas
tradicionais de auto-cuidado. O depoimento a seguir caracteriza bem esse modelo.
Então nós temos aqui a aldeia, em cada aldeia desta geralmente nós
temos um Posto de Saúde e neste Posto de Saúde é onde trabalha o AIS
e o AISAN, é o Agente Indígena de Saúde e o agente indígena de
saneamento, que são os profissionais que atuam diretamente nas aldeias,
tá. A primeira referência deles vai ser o lo-Base tá, então digamos que
aqui seria o Pólo-Base de Rondonópolis. Então eu estou falando da
estrutura de referência deles, [...] se nós não garantirmos resolutividade
na atenção básica neste Pólo-Base aqui, que ficam as equipes
multidisciplinar de saúde indígena, o supervisor de saneamento, então se
eu não encontro resolutividade aqui [na verdade tudo aqui já é o SUS], aí
eu vou referenciá-lo pra o primeiro município de referência
(Entrevistado 2, setembro, 2007)
Portanto, o nível primário no seu sub-nível 1 que está representado pelos
Postos de Saúde tipo I e tipo II, que devem estar lotados pelo AIS, pelo AISAN e
pelo Técnico de Enfermagem, cujas funções são equivalentes ao do Agente
Comunitário de Saúde da rede municipal, embora em terras indígenas deva ser
valorizadas as práticas tradicionais de cuidado. O sub-nível 1 também está
representado pelo Pólo-Base tipo I onde deve estar lotada a Equipe Multidisciplinar
em Saúde (EMSI) equivalente a Equipe Saúde da Família. Os demais níveis de
atenção, o sub-nível 2, o secundário e o terciário, devem ser contemplados na rede de
serviços municipal e/ou estadual, sendo de responsabilidade da CORE/FUNASA e
DSEI/FUNASA a integralidade das ações. Cabe ressaltar que o Pólo-Base tipo II e a
CASAI não têm unidades equivalentes na organização da rede para os usuários não
indígenas, pois essas unidades foram criadas para dar suporte aos índios em trânsito
submetidos a cuidados de saúde.
Ainda assim, o é esta a organização que se observa no âmbito do DSEI
Cuiabá, especificamente no Pólo-Base Rondonópolis, onde se verifica uma
reorganização interna na qual o Pólo-Base tipo I é “virtual” - termo utilizado pelos
profissionais do DSEI para mostrar que a sua existência é no PDSI, e não
materialmente, como demonstra o relato à seguir.
162
Então aqui nós temos a sede da Coordenação Regional, ela é uma
unidade gestora e nós somos Distrito Sanitário, apesar de sermos
chamados de autoridade sanitária nós somos gestores das ações e das
responsabilidades, só, porque os gestores dos recursos é a Coordenação
Regional ta, então aqui nós temos desdobramentos, nós temos as Casas
de Saúde do Índio, por exemplo nós temos a CASAI Rondonópolis, a
CASAI de Tangará da Serra e tem a CASAI Cuiabá. Nós temos três
Casas de Saúde e temos os Pólos Base que são virtuais enquanto
estrutura organizacional da FUNASA e que está no regimento interno e
tudo mais. [...] Ela não existe fisicamente. O único lo-Base físico, com
estrutura física que nós temos no âmbito do Distrito Cuiabá é o do
Bacaval que fica nos Parecis, no município de Campo Novo do
Parecis, a conveniada lá é a Associação HALITINÃ. [...] É uma bandeira
de luta minha tornar estes Pólos-Base virtuais em físicos, porque os
Pólos- Base virtuais são os PSFs indígenas de amanhã, porque o que nós
temos de PSF hoje, estas Policlínicas, estas estruturas físicas que
ofertam a atenção básica à população não indígena, na população
indígena em área indígena deveriam ser os Pólos-Base (Entrevistado 2,
setembro, 2007).
Em Rondonópolis, o Pólo-Base não constitui uma unidade física localizada
em uma aldeia estrategicamente escolhida para lotar a Equipe Multidisciplinar de
Saúde Indígena (EMSI), mas sim corresponde a um território amplo que se sobrepõe
aos limites geográficos de três municípios: Barão de Melgaço, Santo Antônio de
Leverger e Rondonópolis, podendo receber pacientes indígenas de outros municípios
e de outras microrregiões. O Pólo-Base Rondonópolis tem na CASAI Rondonópolis
a sua sede e está localizado no município de Rondonópolis.
Este território de abrangência intermunicipal equivale também ao espaço de
atuação da Fundação UNISELVA/UFMT, responsável pelas atividades em saúde
realizadas nas aldeias. As ações que deveriam estar disponibilizadas aos usuários
indígenas no Pólo-Base tipo I, são supridas pela rede municipal a partir dos centros
de saúde. A Figura 21 mostra esquematicamente essa reorganização que expressa o
fluxo formal estabelecido pelos profissionais tanto da CASAI Rondonópolis quanto
do município, para dar a estes usuários a garantia do acesso aos serviços de saúde.
163
Figura 21 – Fluxo formal do Pólo-Base Rondonópolis, DSEI Cuiabá, MT
Aldeia Praião
Aldeia Pobore
Aldeia Tadarimana
CASAI /Rondonópolis
Aldeia Gomes Carneiro
e Piebaga
Pólo Base de
Rondonópolis
Rede Municipal
de Saúde
(Rondonópolis/MT)
Aldeias Pakuera,
Alto Ramalho e Paikun
Aldeia Sangradouro
Fonte: Ilustração com base nos depoimentos dos entrevistados, colhidas no período de maio à outubro,
2007.
Na Terra Indígena Tadarimana, localizada nos limites geográficos do
município de Rondonópolis, as aldeias menores, Pobore e Praião estão sob os
cuidados dos Agentes Indígenas de Saúde (AIS) e de Saneamento (AISAN). Estes
referenciam os pacientes para a aldeia Tadarimana onde fica lotado um técnico de
enfermagem, que tem ligação direta com a CASAI de Rondonópolis através de rádio
ou telefone. A CASAI é quem se responsabiliza por referenciar este usuário aos
serviços de saúde municipal, respeitando as necessidades dos pacientes e os níveis de
complexidade. Este fluxo formalizado entre os profissionais foi relatado por um
usuário indígena da seguinte forma: “Aí a gente liga de lá [...] o postinho de saúde
da aldeia tem enfermeiro se tem problema eles pedem pelo rádio se pode ser
marcada a consulta, a pessoa vem no carro. [...] precisando aquele paciente ele
entrega aí na CASAI, né! “(Usuário 1, junho, 2007).
As aldeias Pakuera, Alto Ramalho e Paikun são da etnia Bakairi e, segundo o
Plano Distrital de Saúde Indígena, deveriam ter como referência o município de
Cuiabá. Entretanto, utilizam a rede de saúde municipal de Rondonópolis. Além desta
etnia, também foram encontrados registros de usuários da etnia Xavante residentes
na aldeia Sangradouro. Os Xavante são de responsabilidade do DSEI Xavante e,
164
portanto, têm no território deste Distrito as referências planejadas. os integrantes
das aldeias Gomes Carneiro e Piebaga, Bororo residentes no município de Santo
Antônio do Leverger, são em grande quantidade registrados pela CASAI
Rondonópolis, embora para o PDSI o município de referência deveria ser Cuiabá.
O fluxo de referência formal é um exemplo do exercício do princípio da
integralidade quando reflete a existência de uma rede local de assistência baseada na
experiência dos profissionais de saúde e na satisfação dos usuários. Embora o
princípio da integralidade tenha em si um conceito mais ampliado, é possível analisá-
lo à luz dos conceitos de estratégia emergente e estratégia realizada de MINTZBERG
et al. (2006b). Neste caso, a estratégia emergente é a própria estratégia dos
profissionais da CASAI de articular as ações de saúde com os profissionais de saúde
do município para inserir os usuários indígenas na rede de atenção à saúde uma vez
que não está prevista no plano, exceto para as ações nos Centros de Saúde como
foi demonstrado no Capítulo 3. Aqui a estratégia emergente corresponde às práticas
locais exercidas pelos atores com o objetivo de garantir a assistência à saúde dos
índios em todos os níveis de atenção oferecidos pela rede municipal de saúde. Já a
estratégia realizada se confirma através do fluxo formal, pois a sua prática apresenta
alguns elementos dos fluxos planejados de forma combinada
2
. MINTZBERG et al.
(2006c) ao discorrer sobre a formação das estratégias esclarece o processo de
moldagem destas à medida que são implementadas e, recordando o exemplo do
oleiro e do gerente é possível se verificar a recondução das ações no âmbito do Pólo-
Base Rondonópolis a começar pelo seu próprio conceito.
MATTOS (2004) identifica pelo menos três sentidos para o princípio da
integralidade: o primeiro diz respeito à articulação das ações preventivas com as
assistenciais; o segundo se refere à organização dos serviços de saúde; e o terceiro
está voltado para as práticas de saúde.
Embora o princípio da universalidade do acesso garanta o direito à saúde a
todos os cidadãos brasileiros, a FUNASA foi responsabilizada por torná-lo legítimo
aos povos indígenas. Assim, a garantia da integralidade como princípio fundamental
2
Os fluxos planejados são as estratégias deliberadas. No Plano Distrital de Saúde Indígena (PDSI) o
elemento apresentado é a CASAI Rondonópolis; e no caso do Plano Diretor Regionalizado (PDR) o
elemento planejado que complementa a estratégia emergente é a rede municipal de saúde de
Rondonópolis.
165
relativo às ações entre os serviços de saúde voltado para os usuários indígenas
oficialmente cabe à FUNASA. Através do DSEI a FUNASA deve garantir a
organização hierarquizada dos serviços de saúde na área indígena garantindo as
ações de atenção básica a todos os seus habitantes, seja de forma direta, seja através
de parcerias com ONGs ou municípios. Também cabe a ela, por meio do CORE e do
DSEI, garantir o acesso destes usuários a qualquer outro nível de atenção. Este
princípio deve ser garantido através da pactuação entre as instituições envolvidas
caracterizando a estratégia como posição adotada pela organização frente ao meio.
Porém, nem sempre este pacto é firmado e freqüentemente ocorrem conflitos
relacionados à responsabilidade pelas ações e pelo recebimento de incentivos ao
atendimento, não estando voltado para o direito universal à saúde e tão pouco à
diversidade étnica e cultural dos povos indígenas. Isto fica flagrante no seguinte
depoimento de um dos gestores.
Veja a PPI é um momento que a FUNASA não despertou ainda que
ela teria que estar participando, fica muito da gente, fica muito da
compreensão, entendimento, da responsabilidade e do interesse de cada
Chefe do Distrito, digamos assim. Na medida do possível eu tenho
procurado conversar com os municípios até por conta desta história do
Pacto da Saúde [...] e a gente deveria na verdade estar pactuando junto
com eles porque o problema é que nós da FUNASA não conseguimos
descer do altar ainda, entendeu? E eu reconheço isto, nós ficamos na
quase contramão do sistema, porque a gente despertou pro SUS
quando levou um susto, porque até então a própria FUNASA, a própria
direção da FUNASA não tinha despertado pra isso, e o SUS ele vem
sendo discutido desde 1982, já se discutia o SUDS né, e a gente
começou a despertar: opa, espera aí! é que nós começamos a fazer a
descentralização, por exemplo a utilizar a tecnologia de controle das
doenças, das endemias, quando passamos a distribuir as unidades de
saúde para os municípios, foi em 1992, as endemias foi mais pra frente
em 1997, passamos as endemias, aí depois mudou a missão da
instituição e tal, fomos assumindo outras funções, outras atribuições e
em 1999 assumimos a saúde indígena e eu diria, eu arrisco em dizer que
foi em meados da década de 90 que a FUNASA despertou que nós
estávamos no SUS, que nós éramos o SUS e até hoje o que eu observo é
assim que precisa descer do altar ainda e dizer que nós somos o Sistema
Único de Saúde e que nós precisamos estar pactuando junto. É, que
assim, é, eu fico preocupado porque nós temos que ter uma diretriz, um
norte da direção maior da instituição dizendo que rumo tomar, por
exemplo você pega o Pacto pela Saúde, por exemplo, na página [...] é
a única referência que eles fazem da FUNASA, então eu acredito que a
FUNASA ela continua tendo a responsabilidade pelas ações da saúde
indígena mas assim, é uma citação muito curta, muito pequena, bem
específica e pontual. Eles citam em duas linhas e ponto final e você não
mais falar em FUNASA em lugar nenhum [...] o que eu quero dizer é
166
o seguinte que quando você tem instituições ainda que sejam de bens
comuns, pensando em uma finalidade única mas agindo de forma
diferente fica complicado, você não tem uma sinergia, a tão falada
transversalidade entre as instituições, entre os Ministérios e entre as
esferas de governo (Entrevistado 2, setembro, 2007).
Atualmente, não pactuação entre a FUNASA/DSEI Cuiabá e o município
de Rondonópolis, situação fortemente demonstrada nos depoimentos. Porém, entre
os municípios de abrangência do Pólo-Base de Rondonópolis se destaca Santo
Antônio do Leverger pela situação diferenciada com que administra o Incentivo de
Atenção Básica para os Povos Indígenas (IAB-PI). Este município recebe no seu
fundo R$ 73.350,00 (setenta e três mil, trezentos e cinqüenta reais) oriundos dos
cofres da União, repassa este valor para uma Organização da Sociedade Civil de
Interesse Público (OSCIP), o Instituto Creatio, que contrata grande parte dos
profissionais que atuam na CASAI Rondonópolis, unidade sob a responsabilidade do
DSEI/FUNASA e localizada no município de Rondonópolis. Um dos gestores
entrevistados descreve bem essa situação.
E Santo Antônio é uma outra história [...] o recurso vem fundo a
fundo e a prefeitura municipal é que se conveniou ao Instituto Creatio
[...] então o Ministério da Saúde repassa pra cá, para prefeitura municipal
que repassa para o Instituto Creatio e que contrata os profissionais [...]
então aqui é administração indireta (Entrevistado 2, setembro, 2007)
Contudo, além da complementaridade por parte dos municípios às ações da
FUNASA, ela poderá efetivar convênios com Organizações Não-Governamentais
(ONGs), Fundações Universitárias e/ou Associações Indígenas no sentido de garantir
a atenção básica em terras indígenas. Isto ocorre em todo o território nacional e tem
base legal na Lei Arouca (BRASIL, 1999b), sendo que este processo deve ser
formalizado através da Planilha de Intenções de Trabalho acordada entre a ONG e a
FUNASA.
Esse procedimento no âmbito do DSEI Cuiabá, bem como na maioria dos
Distritos Sanitários Especiais Indígenas em todo o país, se faz necessário devido à
incapacidade física e de recursos humanos do próprio DSEI para executar as ações
em saúde em toda a sua área de abrangência. Assim, as ações em saúde estão
167
divididas da seguinte maneira entre as conveniadas: Associação Halitinã, atende os
Paresi; a Fundação UNISELVA, os Bororo, os Bakairi, os Umutina e os Guató; e a
OPAN, os Enawene Nawe, Miki e Irantxe.
Observa-se uma situação peculiar quanto ao atendimento dos Nambiquaras.
Os integrantes desta etnia manifestaram descontentamento em relação ao
atendimento prestado. Então, o Distrito assumiu as ações, mas os novos profissionais
contratados são mantidos pela mesma organização não-governamental rejeitada, a
OPAN, conforme relatou um gestor:
[...] por 2005 eles entenderam que a OPAN não tinha mais condições
de cuidar da saúde deles [...] aí nós criamos um meio termo entre a
OPAN e o DSEI [...] nós fizemos um misto de gestão, os profissionais
foram contratados pela OPAN, mas a gestão direta é do Distrito
(Entrevistado 2, setembro/2007).
O convênio com as ONGs tem início de um modo geral com a manifestação
da ONG formalizando o seu interesse em trabalhar com determinada etnia ou
território esclarecendo a sua experiência na condução destes trabalhos, capacidade
estrutural e de recursos humanos para as ações, plano de ação, etc. Depois de
manifestada a intenção, que poderá ser no DSEI ou no CORE, quem decide é a
Presidência da FUNASA e, para isto, também são levadas em consideração questões
políticas e políticas partidárias, como mostra este depoimento:
[...] mas geralmente elas apresentam um protocolo de intenções se
candidatando e dizendo que capacidade que elas têm, qual foi a
experiência que elas tiveram e a força de trabalho delas, mostrando seu
perfil. Os manifestos são os desejos de trabalhar e em que região que eles
gostariam [...] a princípio é isto, mas tem uma coisa que é a questão
política que é feita diretamente na Presidência da FUNASA. [...] A porta
de entrada pode ser até o DSEI mas geralmente a Presidência da Funasa
que é procurada (Entrevistado 2, setembro, 2007)
Estes convênios têm uma vigência de no máximo cinco anos, mas durante
esse período eles são renovados anualmente. Antes da renovação é habitual uma
recontratação das ações e confirmação da intenção de continuar por parte das
instituições envolvidas. Como relatou um gestor,
168
Todos os convênios, por lei, não podem ser superior ao período de cinco
anos [...] e eles m uma vigência anual, isto é, a cada 12 meses a
FUNASA antes do término do convênio eles propõem a re-pactuação das
ações [...] quatro meses antes eles propõem a continuação, porque se não
vão continuar a FUNASA tem que procurar outra pra que as ações não
tenham prejuízo (Entrevistado 2, setembro, 2007).
Destaca-se neste processo a necessária apreciação do CONDISI da proposta e
da organização requerente tendo em vista os pressupostos da Portaria 70/2004
(MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2004), contudo este momento não foi relatado pelos
entrevistados. A dimensão do princípio da integralidade que se relaciona com a
prática de saúde (MATTOS, 2004), aparentemente, também não está contemplada
nas práticas da conveniada UNISELVA nas aldeias Bororo e Bakairi, pois essa
deveria contratar várias equipes de modo que ficassem fixas e estabelecessem
vínculos com a comunidade atendida, porém o que se são equipes
multidisciplinares de saúde indígena itinerantes e com intensa rotatividade nas
aldeias, conforme consta dos seguintes relatos:
Nós temos aqui, por exemplo, 11 equipes multidisciplinares de saúde
indígena em todo o DSEI. Temos equipes itinerantes, digamos assim,
elas trabalham 20 dias em área e descansam 10 dias, poderiam ficar por
exemplo mais fixas em determinada região mas daí por jogo de cintura
das conveniadas ao invés de contratar mais de uma equipe eles fazem
rotatividade em áreas diferentes (Entrevistado 2, setembro, 2007).
Hoje dotô Jaime vem, não sei se vai vim mesmo pra fazê trabaio na
aldeia fica uma semana lá. [...] consultando todo mundo, a central que é
Tadarimana, Jurigue, Praião e Pobore (Usuário 3, junho, 2007).
A apropriação das reflexões feitas por MATTOS (2004, p.1.414) de que
“Defender a integralidade é defender antes de tudo que as práticas em saúde no SUS
sejam sempre intersubjetivas, nas quais profissionais de saúde se relacionem com
sujeitos, e não com objetos”, aponta para a conclusão que as equipes
multidisciplinares de saúde indígena realizam ações focalizadas, fragmentadas e de
reduzida qualidade colocando em risco a aplicabilidade dos princípios fundamentais
do SUS.
169
7.1.1 Os Índios e o Acesso à Rede Municipal de Saúde em Rondonópolis
Dentre as unidades ambulatoriais e hospitalares municipais de Rondonópolis
a população indígena utiliza com maior freqüência: o Centro de Saúde Arnaldo
Foster, comumente denominado Posto de Saúde da COHAB; o Centro de Saúde
Jardim Guanabara, também identificado pela população como FUSMAT (antiga
Fundação de Saúde de Mato Grosso); o ambulatório hospitalar e unidade de pronto-
atendimento do Hospital e Pronto-Socorro Municipal de Rondonópolis; a Santa Casa
de Misericórdia; o Hospital Regional Irmã Elza Giovanella; o centro de
especialidades (CEADAS); e a policlínica.
O fluxo formalmente indicado pelos profissionais de saúde aos usuários
indígenas para garantir o acesso à rede hierarquizada de serviços de saúde no Pólo-
Base Rondonópolis, desde os postos de saúde nas aldeias até as unidades de saúde
municipais, pode ocorrer de três maneiras. A primeira diz respeito ao acesso do
usuário aos serviços de atenção básica de saúde, como demonstrado na Figura 22. De
acordo com os registros e relatos, o usuário sai da aldeia em busca de tratamento de
saúde, se hospeda na CASAI e é acompanhado pelos seus profissionais até as
Unidades Básicas de Saúde, entre as quais a mais utilizada, devido à proximidade da
CASAI Rondonópolis é o Posto de Saúde da COHAB. Este oferece atendimento
médico em três especialidades básicas: ginecologia/obstetrícia, pediatria e clínica
médica, consulta de enfermagem pré-natal e curativos em geral.
Após a consulta médica o usuário retorna para a CASAI. Caso tenham sido
solicitados exames laboratoriais o usuário é encaminhado para outro centro de saúde
denominado Centro de Saúde Jardim Guanabara (ou FUSMAT) para agendar e/ou
realizar o procedimento solicitado. Dali voltará para a CASAI, onde aguardará o
resultado ou voltará para a aldeia e aguardará contato via rádio ou telefone para
retornar a Rondonópolis para nova consulta.
170
Figura 22 - Fluxo formal para atenção básica realizado pelos usuários indígenas na rede municipal de
saúde em Rondonópolis
Posto de Saúde
Aldeia
CASAI
CASAI
Posto de Saúde da Coab
As setas verdes identificam o fluxo de referência
As setas amarelas identificam a contra-referência
Centro de Saúde Jardim Guanabara
Fonte: Informações obtidas na CASAI Rondonópolis durante o período de coleta de dados.
A segunda maneira está relacionada às necessidades de urgência e
emergência tendo o Hospital e Pronto-Socorro Municipal e a Unidade de
Atendimento de Urgência e Emergência do Hospital Regional Irmã Elza Giovanella
como locais de primeiro atendimento. Neste caso, os usuários indígenas, quando
dispõem de carro na aldeia, se deslocam para a unidade hospitalar entrando em
contato com a CASAI durante o percurso ou ao chegar na unidade. Se não tiverem
meio de transporte imediato e à sua disposição, solicitam para a CASAI e esta manda
um carro para buscar o paciente e seus familiares. Assim, somente em situações de
emergência os usuários se dirigem às unidades de saúde sem o acompanhamento dos
profissionais de enfermagem da CASAI; contudo os mesmos são avisados durante o
trajeto da aldeia até o município ou no momento da chegada. A Figura 23 mostra
graficamente o fluxo formal para a urgência e emergência.
171
Figura 23 – Fluxo formal para urgência e emergência
Posto de Saúde
da Aldeia
CASAI
Hospital e Pronto Socorro Municipal de
Rondonópolis
Hospital Regional
Irmã Elza Giovanela
Hospital São José
Santa Casa de
Misericórdia
Legenda
Setas Verdes
Indicam o fluxo de
referência para
procedimentos de
urgência e
emergência.
Fonte: Informações obtidas na CASAI Rondonópolis durante o período de coleta de dados.
A terceira maneira lida com o acesso aos procedimentos especializados.
Nestes, o paciente sai do Posto de Saúde da aldeia e busca, através da CASAI, para
ser atendido como demonstrado na Figura 24. A rede especializada é amplamente
utilizada pelos índios que são encaminhados via Central de Regulação (CER) ou, em
casos de urgência e emergência, através do Pronto-Socorro Municipal ou Unidade de
Atendimento de Urgência e Emergência do Hospital Regional Irmã Elza Giovanella.
Para procedimentos M1, M2 e M3 os pacientes Bororo, independente da
unidade de referência, seja ela o Posto de Saúde ou a rede hospitalar do SUS, passam
pela CASAI para que esta os encaminhe. Este encaminhamento se da seguinte
forma: se os procedimentos solicitados são oferecidos pelo Centro de Especialidades
(CEADAS), Policlínica e Hospital Paulo de Tarso, os profissionais de enfermagem
da CASAI Rondonópolis articulam com a Central de Regulação as consultas e/ou
exames necessários; mas, se o procedimento solicitado for fisioterapia a própria
CASAI refere o paciente diretamente ao Centro de Reabilitação do Deficiente Físico
Nilmo Junior, unidade de reabilitação sob gestão municipal ou à Clínica de
Fisioterapia Dr. Alcides, conveniada à rede do SUS; se a necessidade for
odontológica os pacientes são encaminhados para a APAE. Se necessário, os
pacientes permanecem hospedados na CASAI até o término do tratamento ou então
retornam para as aldeias. A Figura 24 mostra esses fluxos.
172
Figura 24 – Fluxo formal para procedimentos M1, M2 e M3 para os usuários indígenas
Posto de Saúde
da Aldeia
CASAI
Central de Regulação
Centro de Reabilitação
do Deficiente Físico
Nilmo Junior ou Clínica
De Fisioterapia Dr. Alcides e
APAE
CEADAS,
Policlínicas e
Hospital Paulo
de Tarso
Hospitais SUS
Centros de Saúde
Legenda
Setas Verdes
Indicam o fluxo de referência para procedimentos M1,
M2 e M3.
Setas Laranjas
Indicam a contra-referência para os procedimentos M1, M2
E M3.
Fonte: Informações obtidas na CASAI Rondonópolis durante a coleta de dados.
Para todos os procedimentos observa-se a presença dos profissionais da Casa
de Saúde do Índio (CASAI) encaminhando e/ou acompanhando os pacientes às
unidades de serviço. Devido a isto, a contra-referência ocorre na mesma proporção
em que se dá o acesso aos serviços, como mostram os seguintes depoimentos:
[...] Os Bororo são encaminhado pra e daqui pra Cuiabá é
encaminhado pela CASAI ou pelo Hospital mas com o conhecimento da
CASAI. Mas Rondonópolis, graças à Deus, é uma cidade que quase tudo
se resolve aqui e de todas as unidades que eu conheço esta daqui sempre
foi em primeiro lugar pelo fato de Rondonópolis ter quase tudo e ser
atendido aqui. Então, quando os Bororo sai é encaminhado pela CASAI
ou pelo médico direto pra Cuiabá, inclusive é a gente que leva e traz
(Entrevistado 30, junho, 2007).
[...] É assim que funciona eles saem da aldeia, porque não tem a
equipe que deveria ter, os auxiliares de enfermagem encaminham pra
cá, por exemplo: [...] o paciente está sentindo dor torácica, apresentando
temperatura o que que você acha? Ele tomou tal medicação na aldeia,
usou isto, isto e isto e não está apresentando melhora. eu falo:
Manda pra mim. manda pra CASAI, faz uma pré-consulta comigo,
o técnico acompanha até a unidade pra tratar, até o PA, tipo assim, no
PA consulta com um clínico. que às vezes eu não gosto de ir no
PA, porque é mais urgência e emergência, o que que eu estou
fazendo? Estou tentando consultas em postos de saúde, porque a consulta
é mais detalhada, conversa com o médico; no PA é mais urgência e
173
emergência, rapidão e a gente tenta vagas nas unidades hospitalares
pra consultar com um clínico e de ele encaminha para um especialista
tipo otorrino, um obstetra, um neuro. a gente vai e a questão da
vaga na central de vagas e se consegue regular este paciente para um
especialista, só que é um pouco mais demorado. Agora se o clínico
avaliando ele que a questão é mais séria, é grave, ele encaminha
de imediato de vai logo, não aguarda não. [...] Então é assim eles
saem da aldeia tem a folha de encaminhamento né, que são estas aqui.
Aqui tem a data, a aldeia de origem, por exemplo Tadarimana, o destino,
vamos supor pra CASAI, a pessoa ou paciente põe o nome dele aqui, o
sexo, a idade, a ação demandada, o procedimento, se é emergência ou
urgência põe um xizinho aqui. Aqui neste espaço conta a história do
paciente, o que ele referiu na aldeia, por exemplo cefaléia, dor
torácica, o auxiliar coloca isto lá na aldeia e o auxiliar assina aqui,
manda pra mim. Chegando aqui a gente ouve a história dele na pré-
consulta, manda para as unidades pra ser atendido, atendeu lá, o médico
fez prescrição, chegando aqui eu sei que eles estão tomando medicação
de 6 em 6 horas, de 8 em 8 horas, de 12 em 12, na hora certinha, na
aldeia eu não tenho esta certeza se ele vai tomar. Lá é o seguinte a
medicação chega com o paciente, aqui os meninos preparam a
medicação e dizem: Esta aqui você vai tomar as 14 horas na sua casa.
Aí eu me pergunto será que ele tomou esta medicação? Por isto se for um
caso mais grave eu deixo ele comigo aqui e quando eu vejo que ele
apresentou melhora ele vai pra aldeia, aí eu coloco falta tomar mais
tantos dias a medicação, aí quando ele volta pra aldeia é a contra-
referência e aqui neste espaço de contra-referência eu relato tudo o que
ele fez, foi consultado com tal doutor, em tal unidade, foi avaliado isto,
isto, fez tal exame, foi diagnosticado tal situação e foi prescrito tal
medicamento, coloca os cuidados tudo certinho que tem que ser feito
na aldeia, se tiver retorno anoto: Aguardar agendamento de retorno
que será dia tal. [...] se for, por exemplo no dia 15, ele tem que estar
aqui no dia 14, ele vem um dia antes (Entrevistado 28, maio, 2007).
7.2 O FLUXO POR CONTA DO USUÁRIO NAS TERRAS INDÍGENAS
SOB A ABRANGÊNCIA DO PÓLO-BASE RONDONÓPOLIS
O fluxo por conta do usuário é aquele realizado sem o auxílio dos
profissionais de saúde sejam da FUNASA, sejam do município. Este fluxo mostra os
próprios caminhos que o usuário utiliza para garantir o seu acesso à determinada rede
de serviços.
Não foi encontrado nenhum relato que indicasse a existência deste fluxo no
Pólo-Base Rondonópolis. Ao contrário os índios demonstram intensa dependência
dos profissionais de saúde da CASAI Rondonópolis para ter acesso aos serviços de
saúde municipais. Esta dependência é em parte explicada pela história de dominação
sofrida pelas comunidades indígenas Bororo, Bakairi e Xavante.
174
Com base nos depoimentos fica uma dúvida, ainda por ser esclarecida em
estudos futuros, a respeito da existência de preconceito no atendimento aos usuários
indígenas, como evidenciam os depoimentos a seguir.
Aqui no município, desde a época que eu trabalhava com a saúde
indígena e até hoje eles são bem aceitos, os índios; o pessoal aceita bem,
eles são bem atendidos algum ou outro médico que diz assim: Ah, mas
estes índios têm verba exclusiva pro médico atender eles, o que eles vêm
fazer aqui! E eu falo assim: Olha doutor estes médico eles é volante, ele
não mora numa aldeia, enquanto ele está numa aldeia o outro índio
adoeceu, foi picado por uma cobra, aconteceu acidente, e aqui é a
referência deles e a gente tem que trazer eles aqui. ele fica nervoso e
eu falo: financeiro eu não entendo de financeiro, o senhor procure o setor
financeiro e vai conversar porque eu entendo de assistência, que a
pessoa tem que ser atendida e é aqui que é o local de trazer ele! Então eu
falava assim quando eu trabalhava, entendeu? Algum ou outro
profissional que se referia a isto, mas do contrário são bem assistidos as
pessoas são bem atendidos por eles (Entrevistado 23, maio/2007).
Assim ao meu ver esta questão é boa, eu até agora não tive nenhum
problema com a equipe médica da cidade, o povo é bem atendido, nunca
tive divergência com médico nenhum, todos atendem muito bem [...], a
questão dos exames né, atendem direitinho, tudo certinho (Entrevistado
22, maio, 2007)
Atualmente, o maior problema encontrado pelos usuários indígenas e pelos
profissionais dos serviços municipais é a dificuldade de comunicação e o despreparo
dos profissionais para atender esta população diferenciada, conforme mostra o
depoimento a seguir:
Olha na verdade, eu até me surpreendo porque a faculdade não base
nenhuma pra gente atuar na saúde indígena e eu fiquei sabendo que tinha
esta vaga, deixei meu currículo em Cuiabá e fui chamado pra atuar aqui
que, tudo bem os procedimentos quanto aos índios e não-índios é a
mesma coisa, que a cultura é diferente, é mais trabalhoso trabalhar
com eles do que com os não-índios, entendeu? [...] Na fala, na ngua
deles. [...] Em relação aos médicos eles atendem sem problema nenhum,
o único problema com relação aos médicos é quando eles atendem
Xavantes, porque alguns Xavantes não falam português; não tem
comunicação, agora mesmo veio uma criança com desidratação e a mãe
não fala português, não tem aquela troca de informação, então a gente
pede quando vem alguém pra que venha alguém que fale o português.
E na internação o pessoal dos hospitais pede que alguém acompanhar
e que acaba ficando junto na internação, o ideal é que a gente tivesse
aqui uma enfermaria pra atendê os índios, uma enfermaria indígena
igual Brasnorte, tem uma área indígena, um Pólo-Base indígena e aqui
que Rondonópolis recebe este dinheiro deveria já ter implantado nas
175
unidades Santa Casa, São José, nos hospitais a enfermaria indígena para
atender o índio ali dentro (Entrevistado 23, maio, 2007).
Ao ser interrogado sobre a qualidade de um possível atendimento a um
usuário que por ventura chegasse sozinho a uma unidade de serviços de saúde, um
entrevistado relatou:
Eles chegariam e ficariam meio perdido, porque tem toda aquela parte
de documento, as vezes perguntam uma coisa pra eles e eles não vão
saber falar. E quando eles vão acompanhado, quando a gente fala é o
paciente X elas sabem até o que o paciente tem, elas conseguem
imaginar o que o paciente pode estar sentindo, aí eles têm dificuldade pra
passar pros médicos, eles têm facilidade de passar pra gente, lá eles
ficam inibido e acabam não passando e onde pode acontecer de
prescrever um medicamento que não vai surtir efeito porque faltou
informações (Entrevistado 23, maio, 2007).
MACHADO et al. (2007) defendem uma outra dimensão da integralidade.
Para eles a integralidade é tratada como eixo norteador da educação em saúde
visando o exercício do trabalho em equipe desde a formação do profissional. Estes
autores defendem também, a existência de estratégias que favoreçam o diálogo, a
troca, a transdisciplinaridade entre os diversos saberes, formais e não-formais, que
possam contribuir com as ações de promoção à saúde tanto a nível individual quanto
coletivo. Então, se é para ser assim, os depoimentos transcritos levam à conclusão de
que alguns dos profissionais envolvidos com o atendimento ao índio não estão
preparados para fazê-lo. A preparação profissional é precária e seletiva tanto para a
condução das estratégias de atuação que poderiam associar a prevenção e a
assistência, quanto na prática do acolhimento, na compreensão dos saberes culturais
que conduzem às ações de aceitação ou de negação do procedimento estabelecido.
Esta situação é evidenciada no seguinte depoimento:
[...] Agora eu acho que teria que ter, inclusive eu havia comentado
com a enfermeira do Pólo Regional, sobre a necessidade de preparar a
equipe dos hospitais para o atendimento indígena, capacitação com toda
a equipe médica, toda a equipe, entendeu? Teria que ter esta capacitação
inclusive [...] ficou de ver isto e ficou de chamar eu e um outro
profissional que também trabalha aqui e é índio pra estar indo nos
hospitais pra falar com os médicos sobre a capacitação para o
atendimento aos povos indígenas. [...] Eu fiquei sabendo que vai haver
uma pós na UFMT em saúde indígena e que a prioridade era o pessoal
176
que trabalhava em área. Eu fiz o curso básico de antropologia com o
antropólogo Edson na Chapada, muito bom. Lá eu aprendi todo o
perfil do índio de todas as etnias, foi muito bom, foi bem básico né, e
me falaram desta pós que iria acontecer em Cuiabá. E eu acho que todo o
profissional que trabalha com saúde indígena tem que ter uma
capacitação em antropologia, porque entra, e a gente o sabe como
mudar a cabeça destes índios de um dia pro outro. Nem é mudar, eles
têm os costumes deles, a tradição deles e eu não vou conseguir mudar. E
muitos funcionários quando entram aqui pra trabalhar eles querem que
seja igual o branco, não vai ser igual o branco. O jeito de falar, a postura
deles, tudo isto não vai ser nunca igual a nós. A questão dos
acompanhantes quando vêm pacientes pra cá, agora diminuiu, mas antes
vinha até cinco acompanhantes e eu acabo conversando com eles e
retornam os outros ficando um só, mas o índio quando adoece a família
adoece, aí eles vêm pra cá porque quanto mais próximo do paciente
melhor, ocorre aquela troca de energia positiva e a pessoa vai melhorar
mais rapidamente. Se o paciente está aqui na CASAI e a família está
na aldeia eles não ficam tranqüilos, acaba vindo todo mundo. Tem
muita gente que não entende a saúde indígena, acha um absurdo! Mesmo
este curso de capacitação precisaria para os nossos técnicos de
enfermagem, lógico não tão aprofundado quanto uma pós-graduação ou
numa faculdade né, eu acho que esta capacitação em antropologia não
teria que ser para a equipe de saúde, teria que ser também para os
Chefes de CASAI, para que todos entendessem por que as vezes a
CASAI lota, por que vem tanta gente, às vezes eles não entendem isto.
Eu fiz a capacitação na Chapada, a gente fala pra eles e eles não
acreditam, eles falam que isto não existe: Eles são assim porque eles
querem ser mesmo! Não entendem que é a história deles! (Entrevistado
23, maio, 2007).
177
8 COMPARAÇÃO ENTRE OS FLUXOS PLANEJADOS E O
FLUXO FORMAL PARA OS USUÁRIOS INDÍGENAS: ACESSO
E UTILIZAÇÃO DOS SERVIÇOS
Das 10 aldeias Bororo, citadas no Plano Distrital de Saúde Indígena (PDSI)
(FUNDAÇÃO NACIONAL DE SAÚDE, 2007), pacientes de somente seis foram
registrados pela CASAI de Rondonópolis: as aldeias Tadarimana, Pobore e Praíão no
município de Rondonópolis; as aldeias Gomes Carneiro e Piebaga no município de
Santo Antônio do Leverger; e a aldeia Merure no município de General Carneiro.
Não foi possível identificar se as demais (Jurique, Garças, Morada Bororo e
Perigara) seguiram o fluxo planejado, formal ou, se para estas aldeias ocorre algum
fluxo por conta do usuário em busca do acesso, tendo em vista que o objeto de estudo
foi o Pólo-Base Rondonópolis e a aprovação do CONEP ressaltou a atuação da
equipe de pesquisa fora das aldeias.
Entretanto, pacientes das etnias Bakairi e Xavante foram citados nos mesmos
registros como usuários da rede municipal de saúde do município de Rondonópolis.
É o caso das aldeias Pakuera, Alto Ramalho e Paikun da etnia Bakairi no município
de Paranatinga; da aldeia Sangradouro da etnia Xavante no município de General
Carneiro. A aldeia Sangradouro divide o território de ocupação com a aldeia Merure
do povo Bororo e, embora sejam etnias rivais, os usuários são acolhidos da mesma
maneira pelos profissionais da CASAI sem alterar significativamente a dinâmica da
unidade, como confirmam os seguintes depoimentos:
Não, na nossa dinâmica não, o que pode ocorrer é que Bororo não gosta
de Xavante e não simpatiza muito com Bakairi; então é entre eles e não
nós, pra mim particularmente, chegou aqui é índio e tudo igual, e é
atendido tudo igual (Entrevistado 23, maio, 2007).
Os Bororo não queriam que a gente atendesse nem Bakairi e nem
Xavante aqui dentro. Eles queriam a etnia deles, mas é uma briga
entre eles. A CASAI tem que atender qualquer índio que bater aqui.
Tranqüilo, porque quanto ao agendamento tanto agendo para Bakairi,
para o Bororo e para o Xavante. [...] Eu procuro separar, eu não deixo no
mesmo quarto o Bororo, o Bakairi e o Xavante. Outra coisa quando vem
Bakairi pra eu agendo a consulta e se o médico não pede exame no
dia seguinte já volta, Eu já peço as passagens pra Cuiabá de ida e volta
pra não dar problema aqui dentro (Entrevistado 31, maio, 2007).
178
Os nossos são Bororo, todos são Bororo, mas nós atende outras etnias
também, o Bakairi e o Xavante. Mas casualmente, não é repetido, direto.
Como a Casa de Saúde do Índio é nacional, a gente tem que atender todo
o índio que chegar no nosso portão, então nós atende todos os que chega.
O Xavante é difícil acontecer, mas acontece, e nós atende ele mesmo que
o Bororo não aceite. O Bororo não gosta, eles m rivalidade, mas nós
atendemos (Entrevistado 4, maio, 2007).
8.1 ALDEIAS TADARIMANA, POBORE E PRAIÃO (T.I. TADARIMANA)
A aldeia Tadarimana está localizada na área rural de Rondonópolis, na Terra
Indígena Tadarimana (T.I. Tadarimana). Tem um Posto de Saúde tipo II na qual fica
lotado um auxiliar de enfermagem e onde se hospeda a Equipe Multidisciplinar de
Saúde Indígena (EMSI), contratada pela Fundação UNISELVA, responsável pela
assistência à saúde dos seus moradores. Próximo a esta aldeia existem mais duas
aldeias menores, ditas “aldeias satélites”, Pobore e Praião, cujos moradores utilizam
os mesmos serviços de saúde oferecidos para os da aldeia Tadarimana.
De acordo com o PDSI, e utilizando o modelo de BECH (2002) para maior
compreensão, todas as ações caracterizadas como de nível primário sub-nível 1
deveriam ser garantidas pela Fundação UNISELVA em caráter permanente a todos
os moradores desta aldeia atendendo às orientações da proposta da Promoção da
Saúde também dialogando com o Modelo Saúde da Família. Porém, no Livro de
Registros de Atendimentos Ambulatoriais da CASAI Rondonópolis, registros de
procedimentos realizados nos usuários indígenas nos postos de saúde de
Rondonópolis que vão desde consultas médicas até procedimentos individuais
preventivos e educação em saúde, demonstrando claramente a ineficiência do
planejamento destas ações pela conveniada e pelo Distrito Sanitário Especial
Indígena (DSEI). Estes achados evidenciam claramente a reprodução do modelo
médico hegemônico focado na concepção de saúde como ausência de doença e não
como qualidade de vida. A análise comparativa entre os fluxos planejados e o formal
demanda uma reflexão sobre os princípios básicos (ou fundamentais) do SUS, bem
como os princípios organizativos considerando os contextos locais.
BECH (2002) conceitua “territorialidade” como o espaço demograficamente
delimitado, espaço físico, onde devem atuar as unidades de saúde responsáveis pelos
grupos humanos ali estabelecidos. Este conceito vem de encontro com o de território-
179
físico defendido por MENDES (1996). Ampliando o conceito de territorialidade,
“território” não pode ser somente um espaço estaticamente delimitado, apenas um
espaço físico. Território é um espaço onde circulam pessoas e estas não seguem
necessariamente a organização administrativa, pensada e planejada. Território é um
espaço vivo onde as pessoas vivem as suas diferentes realidades e por isto é preciso
focar nos problemas que envolvem o território geográfico, o território como um
espaço político, o território como uma unidade federativa, como um espaço
comunitário e como um lugar de expressão cultural para que as ações
governamentais sejam efetivas (BOUSQUAT e OLIVEIRA, 2006; RIBEIRO, 2007).
Este incremento reflexivo sobre a concepção de território reflete o conceito de
território-processo (MENDES, 1996). Portanto, o espaço físico que delimita o
território de atuação do município de Rondonópolis, tornando-o responsável por seus
habitantes, contempla também o território enquanto espaço vivo, conforme mostram
os seguintes depoimentos:
[...] Os Bororo são encaminhados pra e daqui pra Cuiabá, é
encaminhado pela CASAI ou pelo Hospital, mas com o conhecimento da
CASAI. Mas Rondonópolis, graças à Deus, é uma cidade que quase tudo
se resolve aqui, e de todas as unidades que eu conheço esta daqui sempre
foi em primeiro lugar pelo fato de Rondonópolis ter quase tudo e ser
atendido aqui. Então quando o Bororo sai é encaminhado pela CASAI ou
pelo médico direto pra Cuiabá, inclusive é a gente que leva e que traz
(Entrevistado 1, maio, 2007).
[...] Tanto que muitos pacientes que ficam doentes na aldeia não querem
ir pra Cuiabá, preferem vir pra cá, não sei se é mais perto, ou é
prioridade deles (Entrevistado 2, junho, 2007).
A [...] esta técnica de enfermagem que eu te falei que já está aposentando
disse que foi reunido uma equipe de índios em Cuiabá para falar da
qualidade da assistência das CASAI, e eles disseram que das CASAI do
Mato Grosso a melhor é a daqui de Rondonópolis. Eu fiquei até feliz por
isto porque a qualidade da assistência, a agilidade da assistência, das
consultas né, [...] também por isto a procura destes pacientes é pra
(Entrevistado 5, maio, 2007).
Eu vim exame de é [...] eu sinto pobrema de cabeça, dor assim. eu
fiz RX, já peguei todo o resultado, falta ir no médico, mas falta um
exame chegar, quando este exame chegar eu vou no médico, eu vou
embora. [...] Os exames aqui foi tudo fácil porque eles já tinha colocado
vaga né. Eles manda chamá quando eles agenda, né. [...] Recebe, recebe
bem. Eu acho que ta tudo bom. Este enfermeiro eu achei ele muito
bom da veis que eu vim aqui com meu guri, ele é atencioso, a gente vai
na consulta ele pergunta o que deu lá, quando que tem que voltá (Usuário
2, junho, 2007).
180
Outro princípio organizacional da rede de serviços a ser considerado nesta
análise comparativa é o da cobertura. “Cobertura” é o critério que estabelece a
existência de uma ou mais equipes assistenciais prestando serviços em saúde a um
grupo de pessoas (BECH, 2002). Este critério não está sendo contemplado pelo
município uma vez que não equipes multidisciplinares atuantes nas aldeias e que
façam parte do quadro de profissionais da rede municipal de saúde de Rondonópolis.
Exceção a isto são os “mutirões”, ações propostas pelo município, mas que não têm
regularidade e não utilizam os pressupostos da Promoção da Saúde, ou seja, ações
intersetoriais voltadas para o desenvolvimento sustentável e promoção da cidadania.
Por outro lado, a FUNASA deveria prestar assistência em nível primário aos índios
Bororo; contudo, como já relatado e analisado as Equipes Multidisciplinares de
Saúde Indígena (EMSI) são itinerantes, com ações pontuais e fragmentadas. Dessa
forma, o princípio da cobertura se encontra ameaçado tanto pela falta de ações
realizadas pelo município de forma complementar quanto pela FUNASA através da
conveniada nas aldeias Tadarimana, Pobore e Praião.
Seguindo a análise, se o princípio da cobertura não se aplica à realidade
destas aldeias, também comprometimento do pressuposto organizacional:
“estratégia única”. “Os serviços de saúde devem ter uma estratégia comum em cada
um dos níveis de atenção, assim como direção única, sem deixar de respeitar o que
cada setor ou território possui de particularidades” (BECH, 2002, p.15). Este
conceito reforça a prática da integralidade em todas as suas dimensões, mas mais
especificamente na que se relaciona com as práticas de saúde nas aldeias e nas
unidades de serviço da rede municipal. Considerar as especificidades culturais e
étnicas nas práticas de saúde por parte dos profissionais não é somente um princípio
organizativo, mas um pressuposto básico para que se garanta de fato o direito à
saúde; portanto, ele deve ser um objetivo a ser sempre alcançado.
Conforme mostram os depoimentos a seguir, a maioria dos procedimentos
utilizados pelos Bororo na rede básica de saúde municipal são os ginecológicos, os
obstétricos e os pediátricos:
A maioria são os ginecologistas com os pré-natais e as crianças com
problemas respiratórios (Entrevistado 1, maio, 2007).
181
São as doenças respiratórias, né. A parte da diarréia não é muito porque
eles usam muito o leite materno, agora bronquite, bronquiolite,
pneumonia, viroses (Entrevistado 10, junho, 2007).
Tem muita criança, muita gestante e também casos de DSTs; e os demais
é clínico mesmo, machuca ali, ou uma picada de cobra; também aparece
muito, casos de ortopedia porque na aldeia eles jogam muita bola
(Entrevistado 14, maio, 2007).
O Quadro 4 mostra os fluxos planejados para a atenção básica, PDSI e PDR,
comparados com o fluxo formalmente indicado pelos profissionais à comunidade
Bororo de Rondonópolis.
Quadro 4 - Fluxos de referência planejados e formal para atenção básica para os Bororo residentes
em Rondonópolis
Fluxos Planejados Procedimentos Grupo
PDSI PDR
Fluxo Formal
Consulta Pré-natal
02
PS Tadarimana
(EMSI) ou
PS Rondonópolis
Rondonópolis
PS Tadarimana
(EMSI) e/ou CASAI
Rondonópolis - PS
Rondonópolis
Consulta em pediatria
02
PS Tadarimana
(EMSI) ou
PS Rondonópolis
Rondonópolis
CASAI
Rondonópolis – PS
Rondonópolis
Procedimentos individuais
preventivos e de dentística
(odontologia)
03
PS Tadarimana
(EMSI)
Rondonópolis
CASAI
Rondonópolis – PS
Rondonópolis
Assistência às doenças
prevalentes na infância
00
PS Tadarimana
(EMSI)
Rondonópolis
CASAI
Rondonópolis - PS
Rondonópolis
Consulta em clínica médica
02
PS Tadarimana
(EMSI) ou
PS Rondonópolis
Rondonópolis
CASAI
Rondonópolis – PS
Rondonópolis
Consulta em ginecologia e
obstetrícia
02
PS Tadarimana
(EMSI) ou
PS Rondonópolis
Rondonópolis
CASAI
Rondonópolis – PS
Rondonópolis
Assistência ao parto
02
PS Tadarimana
(EMSI)
Rondonópolis
CASAI
Rondonópolis – PS
Rondonópolis
Educação em saúde
(Palestra em psicologia)
04
PS Tadarimana
e/ou PS
Rondonópolis
Rondonópolis
CASAI
Rondonópolis – PS
Rondonópolis
PPD
01
PS Tadarimana
e/ou PS
Rondonópolis
Rondonópolis
CASAI
Rondonópolis – PS
Rondonópolis
Procedimentos
especializados realizados
por médico, enfermeiro e/ou
nível médio
07
PS Tadarimana
e/ou PS
Rondonópolis
Rondonópolis
CASAI
Rondonópolis – PS
Rondonópolis
Consulta/atendimento de
urgência em clínicas
02
PS Tadarimana
e/ou PS
Rondonópolis
CASAI
Rondonópolis – PS
182
médicas
Rondonópolis Rondonópolis
Eletrocardiograma
17
PS Tadarimana
e/ou PS
Rondonópolis
Rondonópolis
*CASAI
Rondonópolis – PS
Rondonópolis
Atendimento médico de
urgência com observação de
até 8 horas
02
PS Tadarimana
Rondonópolis
**CASAI
Rondonópolis - PS
Rondonópolis
Fonte: FUNDAÇÃO NACIONAL DE SAÚDE, 2007; MATO GROSSO, 2006; ENTREVISTAS DE
MAIO A NOVEMBRO, 2007.
* Como no PS de Tadarimana não eletrocardiógrafo, este exame é oferecido no Centro de Saúde
Jardim Guanabara.
** Os pacientes com necessidades médicas em caráter de urgência, em geral por acidentes ofídicos e
hipertensão arterial, são conduzidos ao Hospital e Pronto Atendimento Municipal de Rondonópolis.
Quanto às gestantes moradoras em Tadarimana, sabe-se que deveriam ser
atendidas no PS de Tadarimana e o parto realizado na própria aldeia, como parte da
manutenção dos costumes culturais, uma vez que este momento tem significado
diferenciado para as populações indígenas. Embora este seja um conceito
antropológico conhecido e aceito pela maioria dos profissionais envolvidos, este
depoimento chamou a atenção para a especificidade deste momento:
[...] Era um sonho meu atender índios, e eu sempre tive na minha cabeça
que parto de índio era uma coisa muito tranqüila quando na realidade nós
temos observado na prática aqui que não é [...] nós temos uns partos
normais difíceis que acabam virando cesariana, eu tive experiência;
então deixar um trabalho desse para a aldeia onde não tem suporte é
complicado. Porque quando está correndo tudo bem, está correndo tudo
bem, mas parto normal não é bem assim, elas têm que ter um nível de
atenção igual a toda mulher e pelo jeitinho delas até mais, porque elas
não sabem reclamar, pelo menos com a gente aqui, não sei na aldeia,
mas o trabalho de parto delas [...] elas diferem bem do branco porque
elas não são de gritar, chorando, implorando cesárea, não acontece isto!
Elas ficam quietinhas até a hora de darem a luz, entendeu? É diferente,
mas isto não significa que elas não mereçam atenção, eu acho que até
tem que tomar cuidado porque como elas ficam quietinhas se o médico
não tomar cuidado ele perde o parâmetro! (Entrevistado 11, junho,
2007).
Assim, segundo informações da CASAI e do PS municipal de Rondonópolis,
mesmo quando as gestantes indígenas recebem o primeiro atendimento na aldeia, são
encaminhadas para a rede municipal para integrar o programa Saúde da Mulher e, na
ocasião do parto, ser atendidas na rede hospitalar, contrariando claramente o que foi
proposto pelo Modelo Assistencial da Vigilância da Saúde que fundamenta as
práticas de saúde nos Distritos Sanitários Especiais Indígenas e, em última análise,
183
contraria o Plano Distrital de Saúde Indígena que preconiza a Saúde da Mulher e da
Criança como áreas programáticas a serem contempladas ou pela UNISELVA ou
pelo DSEI em terras indígenas. Para as pacientes das aldeias Pobore e Praião, a
assistência ao parto também é oferecida na rede hospitalar municipal, principalmente
pela Santa Casa de Misericórdia. De maneira semelhante à das grávidas da aldeia
Tadarimana, o acompanhamento pré-natal é feito nos postos de saúde da rede
municipal, inclusive quando a Equipe Multidisciplinar de Saúde Indígena (EMSI)
esteve na área.
[...] Existe um médico que ele é contratado pelos índios e eu acho que é o
estado que paga ele. [...] Eu estou falando pra você porque eu recebo
muitas cartinhas dele com as gestantes índias e elas passaram por ele,
né. [...] Mas não sei te explicar o motivo que já é uma prática de algum
tempo das gestantes índias virem a este posto de saúde quando eu
trabalho aqui, então eu tenho um grande movimento de atendimento
destas índias aqui. Eu tenho feito, ou tento fazer, com maior carinho.
Acho que elas têm ficado satisfeitas com o nosso atendimento, e até
também porque eu dou plantão na Santa Casa, porque aqui é o
atendimento do pré-natal, e na Santa Casa é o hospital aqui do município
que é conveniado com o SUS que quando elas vão ganhar nenê elas m
pra cá. Então como eu faço plantão lá, eventualmente acontece de os pré-
natais que eu tenho feito acabar nascendo comigo também. Então talvez
por estes atendimentos acabou criando um certo vínculo (Entrevistado
10, junho, 2007).
Os procedimentos odontológicos individuais preventivos deveriam ser
realizados no PS de Tadarimana quando da presença do profissional odontólogo
integrante da EMSI, mas os registros da CASAI mostram estes procedimentos,
juntamente com os de dentística, sendo realizados na APAE municipal de
Rondonópolis, supostamente devido às condições inadequadas para o atendimento na
aldeia, fazendo com que as ações fiquem comprometidas.
Assim, todos os procedimentos registrados pela CASAI Rondonópolis,
embora de responsabilidade principalmente do DSEI Cuiabá e da conveniada, são
oferecidos pelo município respeitando o planejado para a microrregião e definido no
Plano Diretor Regionalizado (PDR), mas com a articulação da CASAI
Rondonópolis. Observa-se aqui uma situação ambígua quanto à inserção dos
pacientes indígenas na rede de serviços de saúde do SUS, pois mesmo existindo uma
equipe teoricamente voltada para o atendimento nas terras indígenas em nível
primário, o município oferece, simultaneamente, os mesmos serviços tanto à
184
população não indígena quanto à indígena. Esta situação aponta para a necessidade
de adequar as práticas de saúde da EMSI considerando as especificidades culturais
dos povos indígenas, onde os profissionais devem voltar as suas ações para a
promoção da saúde no ambiente em que vivem os grupos sociais.
Embora não se pretenda aqui fazer uma análise profunda sobre a situação dos
serviços de saúde e os seus respectivos financiamentos, objeto de intensos debates
tanto nacionais quanto internacionais, se faz necessário considerar que com muita
freqüência se o fenômeno da “mercantilização da saúde” na nossa sociedade.
Neste sentido, NOGUEIRA e PIRES (2004, p.756) relataram que:
A estreita relação entre o direito à saúde e o fundo público [...] mostra
que o potencial das ões e serviços de saúde ultrapassa o papel da
regulação política da força de trabalho, sendo, também, uma atividade
potencial e crescentemente lucrativa que envolve diversos setores
produtivos, desde os produtores de insumos e pesquisas até as
intervenções, via atendimento médico e hospitalar à população.
No contexto loco-regional em estudo, o Pólo-Base de Rondonópolis e a sua
relação com a rede municipal de saúde, se observa o citado fenômeno com muita
clareza ao se deparar com o conflito interinstitucional comentado relacionado ao
Incentivo de Atenção Básica aos Povos Indígenas (IAB-PI). É certo que as práticas
de saúde demandam recursos para garanti-las e que os mesmos devem ser fruto dos
esforços dos três entes federativos: União, estados e municípios; contudo, não devem
constituir obstáculos ao bem maior que é o direito universal do acesso à saúde.
A Carta Magna (BRASIL, 1988) brasileira traz no seu texto dois artigos
pertinentes para a reflexão e posterior análise contextual sobre os direitos sociais e o
direito à saúde:
Art. 6 São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o
lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à
infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.
Art. 196 A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido
mediante políticas sociais e econômicas que visem a redução do risco de
doença e agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços
para a sua promoção, proteção e recuperação.
185
No campo jurídico, “direito” pode assumir pelo menos três significados e
ainda ser diferenciado em direito individual e direito coletivo. Assim, para
DALLARI e FORTES (1997) “direito” é um sistema de normas que regulamenta o
comportamento do indivíduo na sociedade; “direito” é sinônimo de justiça; e,
“direito” pode ainda ter um sentido subjetivo. Embora seja importante conhecer estes
significados do termo direito, para o setor saúde é fundamental que se tenha em
mente as suas dimensões individual e coletiva.
O direito individual está associado à liberdade do indivíduo, e no caso
específico da saúde diz respeito à liberdade de escolha, por exemplo, quanto ao tipo
de tratamento e as condições de trabalho. no plano social, o direito à saúde se
relaciona tanto às obrigações dos indivíduos visando o bem comum, como por
exemplo, a vacinação, o isolamento em caso de alguma doença infecto-contagiosa,
ao controle do meio-ambiente, etc; quanto à garantia da oferta de atenção à saúde a
todos que deles necessitam (NOGUEIRA e PIRES, 2004).
Portanto, o direito universal à saúde não garante aos Bororo o acesso a
todos os serviços públicos, municipais e estaduais, como também garante, na forma
da lei, um atendimento diferenciado, não entendo esta diferenciação com caráter de
privilégio, mas respeitando as escolhas desses pacientes em se submeter ou não a um
determinado procedimento. Assim, embora estes usuários tenham acesso aos serviços
de saúde e não tenha ocorrido nenhum depoimento que revelasse o contrário, é certo
que isso ocorre devido à articulação dos profissionais envolvidos e é com pesar que
se constata um risco iminente de não contemplá-lo nas instâncias superiores das
instituições envolvidas.
Embora sem a lei não se garanta a igualdade de todos, também não é só com a
sua existência que se garante o acesso de todos aos serviços de saúde. Sendo assim, é
importante a análise das condições de acesso vividas pelos usuários indígenas
Bororo.
TRAVASSOS e MARTINS (2004) fazem uma extensa revisão bibliográfica
sobre os instrumentos utilizados por diversos autores para avaliar acesso e
acessibilidade. Acesso, segundo estas autoras, apresenta um conceito complexo,
impreciso e pouco claro quando relacionado ao uso dos serviços de saúde, além de
variar conforme o autor, conforme o momento e principalmente conforme o
186
contexto. Assim, é melhor falar sobre utilização dos serviços, tendo em vista que o
termo acessibilidade também é amplamente utilizado e interpretado, bem como
dividido em subcategorias, por exemplo, acessibilidade sócio-organizacional,
acessibilidade geográfica, etc.
RAMOS e LIMA (2003) utilizam três subcategorias para classificar os
achados sobre acesso: acesso geográfico, acesso econômico e acesso funcional. Da
mesma maneira serão utilizados estes tipos de acesso para analisar os achados neste
estudo.
Sendo o acesso geográfico caracterizado pela forma e tempo de
deslocamento, e distância entre a residência do usuário e o serviço de saúde, segundo
RAMOS e LIMA (2003) o tempo ideal seria de 30 minutos entre a residência do
usuário e a unidade de serviço, com a forma de deslocamento terrestre. Para as
aldeias da Terra Indígena Tadarimana a única forma de deslocamento é por viatura
da FUNAI ou da FUNASA/MS. A primeira fica constantemente na aldeia e a
segunda fica na CASAI e é disponibilizada para buscar os usuários quando
necessário. Aqui é importante destacar dois depoimentos que revelam as dificuldades
encontradas.
[...] assim porque as vezes falta é verba aqui pra nós pra comprá alguma
coisa pro carro pra manter, porque se não tiver o carro pra levar pro
hospital não tem jeito. Se você não tem o carro pra ir buscar na aldeia às
vezes passa da hora também né. [...] A CASAI atende a saúde, a
CASAI vai na aldeia buscar os que têm problema de saúde, fazer uma
consulta, um exame, um raio X. Agora problema da outra, da parte
burocrática deles, da parte de iniciação da FUNAI, a FUNAI tem um
caminhão que vai buscá eles e que traz eles pra fazê a comprinha
deles, pra receber o dinheirinho deles, é a FUNAI que traz. Só que
muitas vezes a FUNAI tem o carro lá e não tem o combustível pra ponhá
no carro, eles solicita pra gente, por eles de idade precisá buscá o
dinheirinho deles, comprá a comida deles, senão eles vão ficá doente,
então muitas vezes a FUNASA/MS compratilha com este abastecimento
deste carro que eles m, mas não é sempre. A gente pede pra Cuiabá pra
vê se Cuiabá libera pra gente se der (Entrevistado 8, maio, 2007).
Da aldeia Tadarimana, daqui 40km, olha daqui é mato que vai daqui
na aldeia. É muita dificuldade da aldeia aqui; da viatura que precisa
porque não tem viatura dentro. O carro de uma unidade da aldeia
na oficina, porque sempre lá tem primeiro lugá o carro da saúde né, que é
a Toyota, e hoje nem a F4 mil nem a Toyota de saúde. Ocê passa no
rádio o caso da doença urgente tem que í o carro daqui da CASAI pegá
paciente na aldeia, o que acontecendo na nossa aldeia. Muita gente
fica doente, acaba não vindo pra cidade tratá. Tem as veis que [pausa],
187
ah muita dificuldade porque Toyota tando lá, carro de saúde, porque de
repente alguém fica doente, passa rádio, carro não tá aqui, até carro
chegá, até ele í na aldeia, paciente já [...], né, passa necessidade né,
sendo que num tem como carro de saúde na aldeia, fica doente na
hora já trais pra CASAI daqui manda pro hospital. E hoje nóis sem
carro lá na aldeia (Usuário 3, junho, 2007).
O tempo de deslocamento desses usuários, segundo o PDSI, é de 1h30min até
Rondonópolis e cerca de 4h até Cuiabá; mas, segundo depoimentos, há controvérsias,
e quando a estrada está em boas condições o tempo necessário para se deslocar da
aldeia Tadarimana até Rondonópolis é menor.
Aqui na saúde do município quem feis esta casa aqui foi o prefeito, feis a
reforma, estrada tá uma delícia num gasta 40km, vai visitá lá, pega
asfalto depois sai do asfalto, pega cascalho até na aldeia! Estradão,
prefeito pôs a máquina, retocô a estrada, boa, porque esta estrada vale
pra muita coisa, conforme doença urgente a estrada boa, poquinho, 15
minuto, 10 minuto ce aqui. Agora se a estrada ruim o tempo que
gasta 15 minuto nóis gasta 30, 40, porque a estrada tem que corrê devagá
e o paciente coitado tá sofrendo né! (Usuário 3, junho, 2007).
Conforme mostra o depoimento, a distância da aldeia Tadarimana até
Rondonópolis é de aproximadamente 40km é importante lembrar que nela os
usuários de Pobore, Jurigue e Praião devem receber o atendimento da EMSI.
Contudo, também é dela que os mesmos saem quando encaminhados para
Rondonópolis. A busca pelos serviços de saúde neste município não está somente
ligado ao fato de a aldeia estar próxima da área urbana municipal, mas sim pelo
acolhimento dos profissionais da CASAI e pelas experiências vividas por todos,
caracterizando o acesso funcional à rede de serviços de saúde que, segundo Adami
apud RAMOS e LIMA (2003) se define quanto a necessidade dos serviços serem
oportunos, contínuos, atenderem a demanda real e serem capazes de assegurar o
acesso à outros níveis hierárquicos do sistema” (p.28).
Nos depoimentos a seguir fica claro como são organizados os agendamentos
diários para as consultas em pediatria, clínica médica e exames de raio X.
Antigamente não era assim, hoje por exemplo tem senha no médico, ocê
tem uma ficha e ocê é atendido, o branco pode na frente mas tem
médico esperando ocê. É só chegá lá já tem ficha lá né (Usuário 3, junho,
2007).
188
[...] No caso do clínico e do pediatra a gente não tem mais aquela
prioridade porque antes tinha aquela prioridade, a gente ligava e cada
unidade de saúde tinha duas vagas para clínico, agora não, a gente tem
que ir e geralmente a gente leva o acompanhante e deixa ele lá, e ele
pega ficha; ou o próprio paciente, dependendo da idade se for adulto;
antes era cedo tinha que chegar às seis horas e pelas oito e meia ou
nove horas eles entregam a senha né, o paciente volta, almoça e
desce pra consulta. E o pediatra também era mesma coisa, mas pra
pediatra é mais fácil a gente chega conversa com as meninas, a gente fala
que não está bem e é paciente indígena, né, aí a gente está sempre
conseguindo uma vaguinha. na policlínica a gente sempre conversa
com um ou com outro e eles sempre encaixa um, dois a mais.
(Entrevistado 2, junho, 2007).
[...] É antes era assim a gente ia antes lá pra agendar pra o outro dia e era
chegar com o paciente pra ser atendido e agora não, tem que pegar a
ficha e esperar pra depois consultar com o médico (Entrevistado 4,
junho, 2007).
Porém, também fica claro que na ocasião do repasse havia maior facilidade na
articulação entre a CASAI Rondonópolis e os serviços de saúde municipais da rede
de atenção básica, tendo em vista que a CASAI não é uma unidade de serviço
cadastrada no Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES) e que
portanto, não tem cotas (vagas) pré-estabelecidas. O impasse frente ao repasse do
IAB-PI causou alterações na dinâmica das regulações dificultando o acesso dos
usuários indígenas aos serviços num primeiro momento sendo retomada a articulação
no momento seguinte após intervenção do Escritório Regional de Saúde de
Rondonópolis. Aqui se verifica que o acesso funcional desses usuários aos serviços
de saúde tem sido testado com freqüência. No dizer de um dos entrevistados,
Tem época que não tem jeito, são muitos exames e eles não têm
paciência de esperar, vem aquele monte de pedido de raio X , mas a
gente graças à Deus, está caminhando bem, eu acho que eles não têm
o que reclamá não. A [...] de Cuiabá disse que por mês era um
cardiologista, um especialista por mês em Cuiabá, era a maior
dificuldade pra conseguir um especialista em Cuiabá, e aqui é um por
semana que a gente consegue (Entrevistado 2, junho, 2007).
Este depoimento confirma que o processo de utilização dos serviços de saúde
resulta da interação entre o usuário e o profissional do serviço, e mais, que o usuário
é responsável pelo primeiro contato com o serviço e que cabe ao profissional dar
continuidade conforme defendido por TRAVASSOS e MARTINS (2004). Assim, o
usuário busca no posto de saúde da aldeia resposta para a sua condição enferma e o
189
posto o encaminha para a CASAI Rondonópolis e esta articula com as unidades de
serviço da rede de saúde municipal para garantir a continuidade do acesso.
O acesso econômico se pela facilidade ou dificuldade de o usuário ser
atendido, considerando forma de deslocamento, procedimentos, obtenção de
medicamentos, custo de deslocamento, de procedimentos, de medicamentos e
condição social atual (RAMOS e LIMA, 2003). Para os usuários indígenas, a maioria
dos procedimentos é realizada na rede pública de saúde e, eventualmente, são
encaminhados para a rede privada, neste caso sob a responsabilidade do DSEI
Cuiabá, como mostra o depoimento a seguir.
É bom atendimento principalmente porque pra ela não tem fila, já o
médico dela já atende, vai direto lá, entende. Agora não sei os outro, né.
[...] nóis pega remédio dela tudo comprado, consultas, exame dela, tudo
é pago, quem paga é a UNISELVA. É só partículá, por causa desta
doença dela, consulta, exame é só partículá (Usuário 3, junho, 2007).
Convém recordar que Rondonópolis não recebe o IAB-PI no seu fundo
municipal como Santo Antônio do Leverger e Paranatinga, mas tem registrado no
cadastro do Fundo Nacional de Saúde (FNS) duas unidades hospitalares: a Clínica
São José e o Hospital São Marcos Ltda, sendo que ambos recebem o Incentivo
Assistencial Ambulatorial, Hospitalar e de Apoio ao Diagnóstico à População
Indígena nos respectivos valores de R$ 2.000,00 (dois mil reais) e de R$ 1.000,00
(mil reais). É importante ressaltar o descontrole sobre o repasse deste incentivo, pois
de acordo com o depoimento transcrito a seguir, o Hospital São Marcos Ltda. não
atende mais a população indígena, pois não se encontra em funcionamento.
E aqui os hospitais eles recebem o incentivo, né, a Santa Casa recebe
todo mês mil trezentos e setenta e cinco reais, o Hospital São Marcos
recebe mil reais, que está afechado e ainda recebe este dinheiro. Não
sei pra onde está indo este dinheiro e nunca atendeu o índio desde
quando eu entrei aqui. Eu entrei aqui, quer dizer eu assumi a CASAI em
vinte e três de agosto de dois mil e seis, e ele vem recebendo este
incentivo que se chama IAPI e aí eu pedi pro José Maurício na época que
ele veio aqui na nossa região pra ele ver esta questão e repassar para o
PA, né, lá eles atende mais os índios (Entrevistado 1, maio, 2007.
A legitimidade do direito ao acesso em todos os serviços de saúde municipais
e/ou estaduais devido à condição de munícipe atende ao fluxo planejado pelo Plano
190
Diretor Regionalizado (PDR), coordenado pela Secretaria Estadual de Saúde e
pactuado pelos municípios da microrregião Sul Mato-Grossense. Neste ponto se faz
necessário lembrar que a Coordenação Regional da FUNASA/MS
(CORE/FUNASA/MS), não participa desta pactuação, embora seja preconizada
pelos instrumentos jurídicos descritos e discutidos no Capítulo 3, não estabelecendo
vínculos legais e planejados com os demais, visando garantir o acesso aos serviços e
promovendo o que a sua criação objetivou: a inclusão destes usuários no Sistema
Único de Saúde.
A função de articulação fica a cargo dos profissionais da CASAI
Rondonópolis que, embora vinculados à FUNASA/MS, devem responder pela
execução deste pressuposto, assim como pelo acolhimento e acompanhamento dos
pacientes e dos seus familiares, mas, contudo, essa atividade de regulação deveria ser
precedida da pactuação entre as instituições gestoras. Talvez seja a dificuldade para
apreender de quem é a responsabilidade da gestão em saúde nas terras indígenas que
se localizam nos limites geográficos municipais, se do gestor municipal ou se do
Chefe do Distrito, que dificulte a comunicação entre estas instituições, acarretando
sérios problemas aos usuários.
Convém reforçar que o princípio da integralidade está em risco, contemplado
de forma frágil através das atividades dos profissionais da CASAI Rondonópolis que
buscam atender às necessidades em saúde destes usuários. Além disso, as atividades
nas terras indígenas estão sob a responsabilidade da UNISELVA, que visivelmente
apresenta dificuldades para atender ao que se propõe: promoção, proteção,
recuperação e reabilitação de todos os habitantes destas aldeias.
No entanto, para contemplar o princípio da integralidade, se faz necessário
um plano de atuação voltado para as necessidades dos índios e das suas famílias
ainda na aldeia, seja pela conveniada, seja pelo município, mas que leve em
consideração as estratégias reais e criativas desenvolvidas no local. Assim, uma
reorganização das unidades de atendimento nas terras indígenas, como: postos de
saúde equipados com rádio ou telefone, facilitadores da comunicação entre o auxiliar
de enfermagem e a CASAI Rondonópolis; materiais e equipamentos para a prestação
de primeiros socorros aos pacientes; uma viatura ou ambulância para conduzi-los até
a área urbana do município; e a manutenção da CASAI seria mais adequado, tanto do
191
ponto de vista humanizado quanto administrativo-orçamentário, do que uma rede
organizada hierarquicamente, como proposto pela Política Nacional de Saúde
Indígena, mas que não se concretiza na realidade da saúde dos povos indígenas sob a
abrangência do Pólo-Base Rondonópolis.
Assim, se a UNISELVA tem dificuldades para atender ao que deveria, se o
município não apresenta uma proposta de atenção à saúde voltada para a
especificidade étnica e cultural desta população no que se relaciona às suas
necessidades na aldeia, mesmo que numa perspectiva de complementaridade às ações
programadas pela FUNASA/MS, e a Secretaria Estadual de Saúde se abstém de
qualquer responsabilidade frente a isto. Resta então concluir que, neste caso, a
existência da CASAI e o comprometimento dos seus profissionais é fundamental
para a garantia do acesso equânime e integral destes pacientes a qualquer nível de
atenção da rede municipal de saúde.
Nos fluxos de referência para o atendimento em média complexidade, pois
não registros de procedimentos de alta complexidade, é ainda maior o
descompasso entre o planejado deliberado no PDSI e o que de fato ocorre, que é o
fluxo formalizado pelos profissionais da CASAI Rondonópolis conforme mostra o
Quadro 5.
Quadro 5 - Fluxos de referência planejados e formal para média complexidade níveis 1, 2 e 3 para os
Bororo residentes no município de Rondonópolis
Média Complexidade – M1
Fluxos Planejados Procedimentos Grupo
PDSI PDR
Formal
Atendimento médico com
observação de 24 horas
07 CASAI
Rondonópolis
Cuiabá
Rondonópolis CASAI
Rondonópolis
Rondonópolis
Exames ultra sonográficos 14 CASAI
Rondonópolis
Cuiabá
Rondonópolis CASAI
Rondonópolis
Rondonópolis
Exames de hematologia 11 CASAI
Rondonópolis
Cuiabá
Rondonópolis CASAI
Rondonópolis
Rondonópolis
Exames de imunologia 11 CASAI
Rondonópolis
Cuiabá
Rondonópolis CASAI
Rondonópolis
Rondonópolis
Exames parasitológicos 11 CASAI
Rondonópolis
Cuiabá
Rondonópolis CASAI
Rondonópolis
Rondonópolis
Radiodiagnóstico 13 CASAI
Rondonópolis
Rondonópolis CASAI
Rondonópolis
192
Cuiabá Rondonópolis
Patologia clínica 11 CASAI
Rondonópolis
- Cuiabá
Rondonópolis CASAI
Rondonópolis
Rondonópolis
Média Complexidade – M2
Atendimentos especializados em
ortopedia
07 CASAI
Rondonópolis
-
Cuiabá
Rondonópolis CASAI
Rondonópolis
Rondonópolis
Procedimentos traumato-
ortopédicos
09 CASAI
Rondonópolis
-
Cuiabá
Rondonópolis CASAI
Rndonópolis
Rondonópolis
Patologia clínica 11 CASAI
Rondonópolis
Cuiabá
Rondonópolis CASAI
Rondonópolis
Rondonópolis
Radiodiagnóstico 13 CASAI
Rondonópolis
-
Cuiabá
Rondonópolis CASAI
Rondonópolis
Rondonópolis
Exames complementares e
triagem neonatal
11 CASAI
Rondonópolis
-
Cuiabá
Rondonópolis CASAI
Rondonópolis
Rondonópolis
Fisioterapia 18 CASAI
Rondonópolis
Cuiabá
Rondonópolis CASAI
Rondonópolis
Rondonópolis
Média Complexidade – M3
Procedimentos especializados
(neurologia, dermatologia,
endocrinologia,
otorrinolaringologia,
*penumologia)
07 CASAI
Rondonópolis
Cuiabá
Rondonópolis CASAI
Rondonópolis
Rondonópolis
Atendimento pré-hosp
italar
emergência e trauma I
07 CASAI
Rondonópolis
Cuiabá
Rondonópolis CASAI
Rondonópolis
Rondonópolis
Exame de Patologia Clínica 11 CASAI
Rondonópolis
Cuiabá
Rondonópolis CASAI
Rondonópolis
Rondonópolis
Eletroencefalografia 17 CASAI
Rondonópolis
-
Cuiabá
Rondonópolis CASAI
Rondonópolis
Rondonópolis
Fonte: FUNDAÇÃO NACIONAL DE SAÚDE, 2007; MATO GROSSO, 2006; ENTREVISTAS
REALIZADAS NO PERÍODO DE MAIO A NOVEMBRO, 2007.
Observações: * Os casos de pneumologia foram registrados na aldeia Pobore e os atendimentos foram
realizados no CEADAS.
Na hipótese de se pôr em prática os fluxos planejados pelo PDSI seria
necessária uma ambulância com saída diária de Rondonópolis à Cuiabá a fim de
garantir o acesso aos serviços de saúde na capital. Além disso, seria imprescindível
que a rede municipal de serviços de saúde do município de Cuiabá fosse um exemplo
de eficiência e qualidade no atendimento. Ainda que nestes termos, a implementação
do PDSI se mostra um movimento contrário do que se quer, atualmente, para a
Política Estadual de Saúde: a descentralização dos serviços e a qualificação das
193
microrregiões de saúde para veis de maior complexidade com o intuito de
desafogar as unidades de saúde de Cuiabá, referência para a maioria dos municípios
estaduais.
Além destas questões organizacionais e de logística, ressalta-se a aparente
desconsideração no planejamento dos fluxos de referência quanto ao bem-estar do
paciente indígena submetendo-o a um desgaste emocional e físico ao se propor o seu
transporte por aproximadamente 250 km, ao invés de garantir o seu atendimento no
próprio município a que pertence, a não mais de 40 km.
De acordo com as informações fornecidas pelos profissionais da CASAI, em
geral, as necessidades de traumatologia e ortopedia são devido a traumas ocorridos
pela intensa prática de esportes (futebol) e/ou de origem crônico-degenerativa, como
é o caso das discopatias degenerativas e artropatias, principalmente de joelho. As
sessões de fisioterapia, condutas voltadas para a reabilitação e a prevenção de
complicações, são realizadas, na sua maioria, numa clínica particular conveniada
com o SUS e não pelo Centro de Reabilitação para Deficientes Físicos Niumo Junior,
unidade de serviço vinculada à rede municipal de saúde. Contudo, os
encaminhamentos devem conter autorização desta unidade municipal para a unidade
conveniada; por isto, nos livros de registros, o local referenciado é o próprio Centro
de Reabilitação. As condutas fisioterapêuticas a que são submetidos os usuários são
especificamente na área de traumato-ortopedia.
Os livros de registros citam casos de malformação congênita em algumas
crianças indígenas, como por exemplo, a hidrocefalia, o que tem conduzido as mães
indígenas ao controle de natalidade através do programa municipal. Esta conduta
submete estas mulheres a sérias restrições para a vida social na aldeia devido às
incisões cirúrgicas necessárias para a realização dos procedimentos; além disso,
limita a reprodução colocando em risco a sobrevivência da etnia. Mas, nem as
penalidades sofridas, nem tão pouco as preocupações relacionadas à sobrevivência
do seu povo podem inibir o desejo de se submeterem a estas práticas da medicina
moderna quando frente ao sofrimento de dar à luz a crianças portadoras de
necessidades especiais, ou a recém-nascidos que irão a óbito por condições
incompatíveis à vida. Estes casos necessitam de estudos voltados para detectar as
possíveis causas destas alterações congênitas, que poderão estar: no alto índice de
194
alcoolismo, inclusive crianças se embriagam; na proximidade das grandes plantações
de grãos em que estas aldeias se localizam, submetendo os seus moradores a cargas
excessivas de agrotóxicos; e na consangüinidade.
Ainda assim, as crianças com necessidades especiais não são submetidas a
tratamento fisioterapêutico ou de terapia ocupacional devido à resistência cultural e
ao difícil acesso viário à área urbana. Estas condutas requerem regularidade no
atendimento e são de longa duração e, dependendo do caso, são para vida toda.
Semelhante aos procedimentos em atenção básica, para os de dia
complexidade a presença dos profissionais da CASAI Rondonópolis é de
fundamental importância para a garantia do acesso aos serviços de saúde.
Compreende-se, desta forma, que o fluxo formalizado por estes profissionais
aproxima os usuários das unidades de saúde, incluindo-os na rede municipal, fazendo
uso de relações pessoais com os profissionais municipais.
Para os procedimentos de média complexidade, que requeiram internação de
até 24 horas, os pacientes são conduzidos pela CASAI Rondonópolis para o Hospital
e Pronto Atendimento Municipal; deste, se necessário, são encaminhados para o
Hospital Regional, em casos principalmente de traumatologia e ortopedia, ou para os
hospitais conveniados com o SUS, como a Santa Casa de Misericórdia ou o Hospital
São José, em casos de ginecologia, obstetrícia e pediatria. Mas, quando os
procedimentos necessários não são em caráter de urgência e emergência, uma vez
solicitados são “negociados” pelas técnicas de enfermagem na Central de Regulação
e encaminhados para o Centro de Especialidades (CEADAS) do município. O ato de
“negociação” consiste no encaixe destes pacientes na lista de usuários a ser regulados
para as especialidades clínicas, pois a título de lembrete, não pactuação de cotas
entre o município e a CORE/FUNASA/MS. Sem esta prática os usuários teriam que
se submeter a seqüência normal de regulação dos procedimentos válida para os
outros munícipes de Rondonópolis.
Ao se comparar o fluxo planejado no PDSI com o fluxo formal, o que se
verifica é que o planejado no PDSI negligencia determinados aspectos, tais como
transporte, custo-benefício e bem-estar, assim como o conceito de acessibilidade,
propondo um longo percurso a ser percorrido até a unidade de atendimento em
Cuiabá. Esta comparação também evidencia uma adaptação loco-regional
195
objetivando atender as necessidades desta população utilizando os recursos
disponíveis. Assim, no fluxo formal para o acesso à rede municipal de saúde
aparecem elementos do fluxo planejado no PDSI, a CASAI Rondonópolis, e do
Plano Diretor Regionalizado (PDR), ou seja, a própria rede municipal de saúde de
Rondonópolis.
8.2 ALDEIAS GOMES CARNEIRO E PIEBAGA (T.I. TEREZA
CRISTINA)
Estas duas aldeias estão localizadas dentro dos limites geográficos do
município de Santo Antônio do Leverger, na microrregião Baixada Cuiabana, região
Centro-Norte. Entre os municípios mato-grossenses que fazem fronteira com ele
quatro são considerados importantes para este trabalho: Campo Verde,
Rondonópolis, Barão de Melgaço e Cuiabá devido às relações que mantêm entre si
para garantir o acesso aos serviços de saúde aos seus habitantes ou pela presença de
índios Bororo em seus limites territoriais.
Santo Antônio do Leverger está a aproximadamente 30km de distância de
Cuiabá, com uma extensão territorial de aproximadamente 12.000 km2, com um total
aproximado de 19.000 habitantes e IDH de 0,71. Apresenta um clima tropical quente
e subúmido com temperatura média anual de 24 graus a mínima e 42 graus Celsius a
máxima (AMM, 2007).
O município tem sua habilitação de acordo com a NOAS SUS 01/02
(MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2002) em GPAB-A e para procedimentos de média e
alta complexidade o PDR apresenta duas opções: uma é o município de Campo
Verde, localizado na microrregião Sul Mato-grossense e habilitado em GPSM, que
pactua com Rondonópolis os procedimentos de média complexidade vel 2 e 3 (M2
e M3), tendo Cuiabá como referência para alta complexidade, assim como a maioria
dos municípios do Estado de Mato Grosso. A outra opção de referência para todos os
procedimentos de média e alta complexidade é a capital Cuiabá (ver Quadro 8).
O território deste município era habitado pelos índios Bororo que até hoje
habitam a Terra Indígena Tereza Cristina (T.I. Tereza Cristina), contando com as
196
aldeias Gomes Carneiro e Piebaga. Estas duas aldeias têm Postos de Saúde e devem
receber a visita da Equipe Multidisciplinar de Saúde Indígena (EMSI) da mesma
maneira que a aldeia Tadarimana; porém, para Piebaga a referência planejada para os
casos que necessitam de atenção em níveis de maior complexidade, ou quando a
EMSI não está na área, é a própria CASAI de Rondonópolis, conforme ilustrado nas
Figuras 18 e 19 .
Para a aldeia Gomes Carneiro, o PDSI admite a existência de um Pólo-Base
tipo I na própria aldeia considerando que lá os seus moradores são assistidos em
todos os procedimentos de atenção básica, necessitando da CASAI de Rondonópolis
somente para os casos de média e alta complexidade, sendo então encaminhados para
Cuiabá. Entretanto, verifica-se que na aldeia Gomes Carneiro não existe um Pólo-
Base tipo I e sim um Posto de Saúde tipo II, com a presença de um técnico de
enfermagem. Já na organização estabelecida no PDSI para a aldeia Piebaga, observa-
se que o próprio plano desconfigura a organização dos níveis de atenção
estabelecidos pela Política Nacional de Saúde Indígena, quando referencia a CASAI
Rondonópolis como unidade de atendimento, pressupondo que nela exista uma
equipe multidisciplinar de saúde indígena à disposição para dar assistência, ainda
numa perspectiva de reprodução do modelo médico hegemônico. Na realidade, o que
existe é uma CASAI, onde ficam o enfermeiro responsável e sua equipe de
enfermagem, e um Pólo-Base tipo II com funções administrativas, ambos no mesmo
local, mas com funções diferentes.
Assim, verifica-se que os princípios de territorialidade, cobertura, estratégia
única e resolutividade por níveis de complexidade não estão contemplados na Terra
Indígena de Tereza Cristina, apontando para a necessidade de reorganização da
atenção à saúde dos Bororo nestas aldeias e implementação organizativa da estratégia
estruturante para os serviços de saúde, os Distritos Sanitários (MENDES, 1996). Nos
registros ambulatoriais da CASAI Rondonópolis as aldeias que mais utilizam os
serviços de saúde da rede municipal de Rondonópolis são Tadarimana, Gomes
Carneiro e Piebaga, conforme evidencia o depoimento a seguir: “Todo mundo vem
pra cá, a Gomes Carneiro vem pra [refere-se ao município Rondonópolis]
(Entrevistado 9, maio, 2007).”
197
O Quadro 6 compara os fluxos de atenção básica para aldeia Gomes Carneiro
e o Quadro 7 para a aldeia Piebaga.
Quadro 6 Os fluxos planejados e o formal para a atenção básica aos usuários da aldeia Gomes
Carneiro, etnia Bororo
Fluxos Planejados Procedimentos Grupo
PDSI PDR
Formal
Consulta em clínica médica 02
PB General
Carneiro
Santo Antônio do
Leverger
CASAI
Rondonópolis
Rondonópolis
Atendimento médico de
urgência com observação (até 8
horas)
02
PB General
Carneiro
Santo Antônio do
Leverger
CASAI
Rondonópolis
Rondonópolis
Assistência ao parto 02
PB General
Carneiro
Santo Antônio do
Leverger
CASAI
Rondonópolis
Rondonópolis
Consulta de pré-
natal realizada
por médico
02
PB General
Carneiro
Santo Antônio do
Leverger
CASAI
Rondonópolis
Rondonópolis
Consulta em pediatria 02
PB General
Carneiro
Santo Antônio do
Leverger
CASAI
Rondonópolis
Rondonópolis
Procedimentos individuais
especialmente preventivos em
odontologia
03
PB General
Carneiro
Santo Antônio do
Leverger
CASAI
Rondonópolis
Rondonópolis
Procedimentos individuais em
dentística (odontologia)
03
PB General
Carneiro
Santo Antônio do
Leverger
CASAI
Rondonópolis
Rondonópolis
Educação em saúde
(Palestra em psicologia)
02
PS General
Carneiro
Santo Antônio do
Leverger
CASAI
Rondonópolis
Rondonópolis
Consulta pré-
natal realizada por
médico
02
PB General
Carneiro
Santo Antônio do
Leverger
CASAI
Rondonópolis
Rondonópolis
Teste específico para diabetes
mellitus
07
PB General
Carneiro
Santo Antônio do
Leverger
CASAI
Rondonópolis
Rondonópolis
Eletrocardiograma 17
PB General
Carneiro
Santo Antônio do
Leverger
CASAI
Rondonópolis
Rondonópolis
Teste imunológico pra gravidez
11
PB General
Carneiro
Santo Antônio do
Leverger
CASAI
Rondonópolis
Rondonópolis
Fonte: FUNDAÇÃO NACIONAL DE SAÚDE, 2007; MATO GROSSO, 2006; ENTREVISTAS
REALIZADAS NO PERÍODO DE MAIO A NOVEMBRO, 2007.
A rede de serviços municipal de Rondonópolis é utilizada em toda a sua
amplitude mostrando a ineficácia da formulação do PDSI e dos serviços de saúde
realizados na área indígena. O perfil dos pacientes das aldeias Gomes Carneiro e
Piebaga não se diferencia muito daquele das aldeias Tadarimana, Pobore e Praião, o
198
que leva a indagar sobre a adequação desses procedimentos à diferenciação étnica
atribuída aos DSEIs.
As consultas em clínica médica normalmente ocorrem no Centro de Saúde
Jardim Guanabara, Policlínica e Posto de Saúde da COAB. As consultas médicas
(pediatria, clínica médica e obstetrícia) que necessitam de um período de observação
de até 8 ou 24 horas são realizadas no Hospital e Pronto Atendimento Municipal de
Rondonópolis. Após este primeiro atendimento, caso seja necessário, o paciente é
encaminhado para os hospitais de referência com nível de complexidade maior,
Hospital Regional, Santa Casa de Misericórdia e Hospital São José; se não, retornam
para a CASAI Rondonópolis de onde voltam para a aldeia. Para as necessidades de
urgência e emergência ocorridas na aldeia, os pacientes são trazidos até o Hospital e
Pronto Atendimento Municipal de Rondonópolis com viatura própria; mas, durante o
trajeto, os profissionais da CASAI são comunicados e devem se dirigir para a
unidade para acompanhá-los no procedimento.
A assistência ao parto das gestantes indígenas de Gomes Carneiro e de
Piebaga é feita pela Santa Casa de Misericórdia, seja ela situação de
urgência/emergência ou não. Os livros de registros não fornecem informações sobre
o tipo de parto, se normal ou cesariana; contudo na entrevista com o Médico Obstetra
mais citado foi informado que em geral são partos difíceis que requerem cuidados
especiais e, na experiência dos demais profissionais, são pacientes fáceis de atender.
Assim, as pacientes que a gente tem acesso, que vêm ter bebê aqui com a
gente está tudo bem, porque onde elas vivem existem cnicos de
enfermagem que orientam e que cuidam delas. Então isto torna mais
fácil, quando elas vêm pra elas estão meio preparadas e a gente
vai fazer o resto dos cuidados. [...] porque as vezes tem mãezinha que
vem pra e chega com bebê. Já ganhou o bebê e vem com o
bebê no colo, a gente vai fazer o resto dos cuidados né, que é
orientar direito a mãezinha, a gente que está tudo bem com o bebê.
Elas são os tipos de pacientes que dão menos trabalho, [...] indígenas são
ótimas cuidar delas! (Entrevistado 11, julho, 2007).
Mas, os profissionais reforçam a necessidade de ter acompanhantes para
facilitar a comunicação, como mostra o seguinte depoimento.
[...] tem mesmo que ter uma pessoa acompanhando, uma pessoa que já
entende a cultura deles, convive com eles pra estar acompanhando
199
porque é uma, como posso dizer, é um pessoal de cultura diferente e que
não se adapta ao nosso meio tão fácil, ele se adapta entre aspas. Vo
tirou os costumes deles e colocou o nosso costume, então pra ele isto
causa sofrimento [...]. Então precisa ter uma pessoa instruída que
realmente entende eles e que realmente convive com eles pra que esteja
passando isto pra gente (Entrevistado 5, julho, 2007).
As consultas de pré-natal e o acompanhamento, embora as mulheres
indígenas com freqüência, cheguem à unidade de saúde com a gravidez avançada,
foram realizadas em maior número no Centro de Saúde Rio Vermelho da rede
municipal de Rondonópolis.
Se, por um lado, a extensa relação de procedimentos clínicos, em nível
primário, utilizados pelos moradores das aldeias Gomes Carneiro e Piebaga
demonstram a intensa falta de assistência em saúde por parte da conveniada
responsável por estas aldeias, por outro também refletem a ineficácia do município
ao assistir os seus munícipes indígenas nas suas necessidades de saúde em qualquer
nível de atenção. Convém lembrar que o município de Santo Antônio do Leverger
recebe dos cofres da União um IAB-PI de aproximadamente R$73.500,00 (setenta e
três mil e quinhentos reais) mensais, que correspondem a cerca de 50% do Piso de
Atenção Variável. O Incentivo de Atenção Básica dos Povos Indígenas (IAB-PI) é
utilizado para a contratação de profissionais de saúde atuantes na própria CASAI
Rondonópolis. Uma entrevistada relatou que
Santo Antônio recebe, mas nunca faz nada em Gomes Carneiro e
Piebaga para os índios que moram lá, mesmo porquê é muito longe pra ir
lá; então termina que Rondonópolis atende o município de Santo
Antônio. O contato que existe é entre o chefe de posto, mas a saúde
mesmo de Piebaga e Gomes Carneiro é atendida em Rondonópolis. É
atendido todo mundo aqui, e a prefeitura daqui nunca fez questão porque
sabe a dificuldade que é ir pra lá, então atende todo mundo. O prefeito
chegou a ir numa reunião e falou que estava recebendo doze mil por mês,
foi em 2005 que ele falou que esse dinheiro era pra ajudar em saúde, mas
ele nunca ajuda a saúde. O negócio de saúde é todo aqui em
Rondonópolis (Entrevistado 1, junho, 2007).
Quanto à situação na aldeia Piebaga, o Quadro 7 mostra a relação de
procedimentos registrados e a comparação dos fluxos de referência para a atenção
básica aos moradores desta aldeia.
200
Quadro 7 Os fluxos planejados e o fluxo formal de atenção básica para os usuários da aldeia
Piebaga, etnia Bororo
Fluxos Planejados Procedimentos Grupo
PDSI PDR
Formal
Assistência ao parto 02
PS Piebaga e/ou
CASAI
Rondonópolis
Santo Antônio
do Leverger
*CASAI
Rondonópolis
Rondonópolis
Consulta/atendimento de
urgência em clínicas básicas
02
P
S Piebaga e/ou
CASAI
Rondonópolis
San
to Antônio
do Leverger
CASAI
Rondonópolis
Rondonópolis
Consulta em ginecologia e
obstetrícia
02
P
S Piebaga e/ou
CASAI
Rondonópolis
Santo Antônio
do Leverger
**CASAI
Rondonópolis
Rondonópolis
Educação em saúde (Palestra
com Psicólogo)
02
PS Piebaga
S
anto Antônio
do Leverger
***CASAI
Rondonópolis
Consulta em clínica médica,
pediatria
02
P
S Piebaga e/ou
CASAI
Rondonópolis
Santo Antônio
do Leverger
CASAI
Rondonópolis
Rondonópolis
PPD 01
P
S Piebaga e/ou
CASAI
Rondonópolis
Santo Antônio
do Leverger
CASAI
Rondonópolis
Rondonópolis
Coleta de material para
exame citopatológico
07
P
S Piebaga e/ou
CASAI
Rondonópolis
Santo Antônio
do Leverger
CASAI
Rondonópolis
Rondonópolis
Fonte: FUNDAÇÃO NACIONAL DE SAÚDE, 2007; MATO GROSSO, 2006; ENTREVISTAS
REALIZADAS NO PERÍODO DE MAIO A NOVEMBRO, 2007.
* As gestantes são encaminhadas para a Santa Casa de Misericórdia na ocasião do parto,
semelhantemente às gestantes de outras aldeias Bororo.
** Estes atendimentos foram realizados no Centro de Saúde Rio Vermelho.
*** O procedimento de educação em saúde foi promovido pela Secretaria Municipal de Saúde de
Rondonópolis.
Pelo PDSI, quando os pacientes da aldeia Piebaga necessitam de
atendimentos não oferecidos no posto de saúde da aldeia, eles também devem ser
encaminhados para a CASAI de Rondonópolis, pois esta equivale ao Pólo-Base tipo
I. Contudo, o que se observa é que a maioria dos atendimentos em saúde é buscada
em Rondonópolis na rede pública de saúde. Com relação a isto cabe ressaltar
algumas situações relevantes: nem os índios Bororo residentes em qualquer destas
aldeias compõem o mero de munícipes de Rondonópolis, nem alguma
pactuação entre os municípios vizinhos para tal atendimento, e nem tão pouco entre o
município de Rondonópolis com o CORE/FUNASA/MS. O que se presume que haja
é um acordo entre a CORE/FUNASA/MS e o município de Santo Antônio do
Leverger para, através do Instituto Creatio, contratar os profissionais lotados na
CASAI Rondonópolis.
201
As ações planejadas e estabelecidas no PDSI para garantir o acesso aos
serviços de média complexidade nível 1 (M1) voltadas para atender as populações
Bororo destas duas aldeias evidenciam novamente o descaso em relação ao paciente
ao submetê-lo a um percurso de aproximadamente sete horas de viagem, duas horas
aproximadas da aldeia até a CASAI Rondonópolis mais cinco horas de viagem pela
BR 163 até Cuiabá. Esta situação poderia ser resolvida entre as instituições
envolvidas, a Secretaria Municipal de Saúde e a CORE/FUNASA/MS, ao firmarem
um pacto para estes procedimentos, ou os municípios envolvidos poderiam fazê-lo;
contudo, o que se vê é a completa alienação de todos os envolvidos.
Se o PDSI não atende as necessidades dos usuários indígenas, no PDR o
fluxo de referência está ainda mais aquém ao propor duas referências: Campo Verde
e Cuiabá. O município de Campo Verde surge neste contexto porque é referência
para todos os munícipes de Santo Antônio do Leverger; portanto, os índios Bororo
moradores neste município também teriam essa referência. Porém, sem a
interferência da CASAI Rondonópolis acredita-se ser difícil o acesso destes
pacientes à rede de serviços do município de Campo Verde, além de não ser este
município historicamente referência para os mesmos usuários ao buscar a atenção
médica moderna.
Por outro lado, a referência Cuiabá também não atende às necessidades destes
usuários, pois eles preferem ir até Rondonópolis para ser atendidos, e depois retornar
para as aldeias do que passar pela rede municipal de Santo Antônio de Leverger e ser
encaminhados para Cuiabá. Associado a esta preferência é reconhecidamente mais
compatível com os conceitos de acesso (acesso geográfico, econômico e funcional)
que estes pacientes sejam encaminhados para a rede de serviços de Rondonópolis do
que deslocá-los das aldeias até Rondonópolis e de lá para Cuiabá.
Assim, se as condições de acesso são maiores em Rondonópolis, novamente a
articulação e a cooperação solidária seria a solução para tornar a estratégia emergente
em estratégia deliberada, ou seja, o fluxo formal em fluxo planejado, e garantir, de
fato e de direito, a assistência à saúde dos Bororo residentes em Santo Antônio do
Leverger na rede municipal de Rondonópolis. Isto não seria uma atitude de bom
senso como atenderia os critérios de territorialidade, cobertura e estratégia única
202
voltados para a organização de um sistema de saúde equânime, como mostram os
seguintes depoimentos.
Eu penso que é uma coisa em que um ajuda o outro e eu acredito que se
realmente uni e pôr pra frente a coisa vai melhorar bastante. A gente
consegue muita coisa. Eu acho que tem coisas muito pequenas que você
é que deixa de fazer, agora se você uni, você consegue fazer muita coisa
porque é importante sim a parceria entre os dois, muito importante,
porque a FUNASA/MS está em Cuiabá e o município está aqui, então, se
os dois estão juntos a gente procura eles aqui, facilita o trabalho da gente
(Entrevistado 1, maio, 2007).
Eu acho um excelente negócio, porque eu acho muito difícil por exemplo
a FUNASA/MS ela contratar sozinha um neurologista pra ir na aldeia
de vez em quando ou um otorrinolaringologista, um ginecologista, um
pediatra. Isto seria uma coisa de primeiro mundo e isto iria encarecer
demais o sistema, eu teria que entrar na verba da FUNAI, entrar em
Brasília, ver quem está com esta grana, porque saúde custa dinheiro [...]
então eu acho que este sistema de contratar vários especialistas para o
especialista ir, eu acho que na prática vai ser muito difícil funcionar
porque vai ficar muito caro e vai ficar quase inoperante; ou as vezes vai
pagar um profissional que ele pouco vai na aldeia pra trabalhar porque
ele vai ser requisitado muito pouco dependendo do tamanho das aldeias,
entendeu? [...] então eu acho mais prático utilizar a estrutura montada
pelo município (Entrevistado 15, junho, 2007).
O Quadro 8 sintetiza os fluxos de referência para a média complexidade nos
níveis 1, 2 e 3 para os Bororo das aldeias Gomes Carneiro e Piebaga.
203
Quadro 8 Os fluxos planejados e o fluxo formal para M1, M2 e M3 para os usuários das aldeias
Gomes Carneiro e Piebaga, etnia Bororo
Média Complexidade – M1
Fluxos Planejados Procedimentos Grupo
PDSI PDR
Fluxo Formal
Atendimento médico com
observação de 24 horas
07 CASAI
Rondonópolis
Cuiabá
Cuiabá ou Campo
Verde
CASAI
Rondonópolis -
Rondonópolis
Exames ultra sonográfcos 14 CASAI
Rondonópolis
Cuiabá
Cuiabá ou Campo
Verde
CASAI
Rondonópolis -
Rondonópolis
Exames em patologia clínica 11 CASAI
Rondonópolis
Cuiabá
Cuiabá ou Campo
Verde
CASAI
Rondonópolis -
Rondonópolis
Radiodiagnóstico 13 CASAI
Rondonópolis
Cuiabá
Cuiabá ou Campo
Verde
CASAI
Rondonópolis -
Rondonópolis
Consulta ortopédica com
imobilização provisória
07 CASAI
Rondonópolis
Cuiabá
Cuiabá ou Campo
Verde
CASAI
Rondonópolis -
Rondonópolis
Média Complexidade – M2
Fisioterapia 18 CASAI
Rondonópolis
Cuiabá
Cuiabá ou
Rondonópolis
CASAI
Rondonópolis
Rondonópolis
Atendimentos especializados em
ortopedia
07 CASAI
Rondonópolis
Cuiabá
Cuiabá ou
Rondonópolis
CASAI
Rondonópolis
Rondonópolis
Consulta em psiquiatria 07 CASAI
Rondonópolis
Cuiabá
Cuiabá ou
Rondonópolis
CASAI
Rondonópolis -
Rondonópolis
Consulta em cardiologia 07 CASAI
Rondonópolis
Cuiabá
Cuiabá ou
Rondonópolis
CASAI
Rondonópolis
Rondonópolis
Consulta em clínica cirúrgica 07 CASAI
Rondonópolis
Cuiabá
Cuiabá ou
Rondonópolis
CASAI
Rondonópolis
Rondonópolis
Exames complementares e triagem
neonatal
11 CASAI
Rondonópolis
Cuiabá
Cuiabá ou
Rondonópolis
CASAI
Rondonópolis
Rondonópolis
Radiodiagnóstico 13 CASAI
Rondonópolis
Cuiabá
Cuiabá ou
Rondonópolis
CASAI
Rondonópolis
Rondonópolis
Cultura para BAAR 11 CASAI
Rondonópolis
Cuiabá
Cuiabá ou
Rondonópolis
CASAI
Rondonópolis
Rondonópolis
Antígeno prostático específico
(PSA)
11 CASAI
Rondonópolis
Cuiabá
Cuiabá ou
Rondonópolis
CASAI
Rondonópolis
Rondonópolis
Patologia Clínica 11 CASAI
Rondonópolis
Cuiabá
Cuiabá ou
Rondonópolis
CASAI
Rondonópolis
Rondonópolis
Consulta em ortopedia 07 CASAI
Rondonópolis
Cuiabá
Cuiabá ou
Rondonópolis
CASAI
Rondonópolis
Rondonópolis
Média Complexidade – M3
204
Consulta em urologia 07 CASAI
Rondonópolis
Cuiabá
Cuiabá ou
Rondonópolis
CASAI
Rondonópolis
Rondonópolis
Consulta em pneumologia,
endocrinologia, neurologia,
otorrinolaringologia e dermatologia
07 CASAI
Rondonópolis
Cuiabá
Cuiabá ou
Rondonópolis
CASAI
Rondonópolis
Rondonópolis
Tomografia 13 CASAI
Rondonópolis
Cuiabá
Cuiabá ou
Rondonópolis
CASAI
Rondonópolis
Rondonópolis
Fonte: FUNDAÇÃO NACIONAL DE SAÚDE, 2007; MATO GROSSO, 2006; ENTREVISTAS
REALIZADAS NO PERÍODO DE MAIO A NOVEMBRO, 2007.
As informações obtidas na CASAI Rondonópolis revelam que os
procedimentos especializados, que necessitam de internação por até 24 horas, são
oferecidos no Hospital e Pronto Atendimento Municipal de Rondonópolis. Após este
período, se a internação indicar mais tempo os pacientes são encaminhados para os
hospitais da rede pública ou conveniados a ela: o Hospital Regional, a Santa Casa de
Misericórdia e o Hospital São José.
Os exames ultra sonográficos registrados foram realizados na Santa Casa de
Misericórdia, tanto em usuárias internados, quanto nos que estavam no ambulatório,
evidenciando que esta unidade hospitalar também oferece procedimentos
ambulatoriais às pacientes indígenas. Os exames em patologia clínica (hematológicos
e de microbiologia) foram coletados no Centro de Saúde Jardim Guanabara e
enviados para análise ao Laboratório Central do município; os exames realizados
nos pacientes internados foram coletados e analisados no próprio laboratório da
Santa Casa de Misericórdia.
Como nos casos de Tadarimana, os procedimentos em traumatologia
realizados foram em decorrência de traumas ocorridos pela prática de esportes nas
aldeias. Os usuários são recebidos no Hospital e Pronto Atendimento Municipal e, se
for necessário procedimentos de maior complexidade eles são referenciados para o
Hospital Regional Irmã Elza Giovanela.
Convém destacar que, exceto os procedimentos oferecidos pelo Hospital e
Pronto Atendimento Municipal de Rondonópolis, todos os outros são regulados pela
Central de Regulação através da articulação e encaminhamento realizado pelos
profissionais da CASAI Rondonópolis.
205
Seguindo uma tendência de planejamento do Distrito Sanitário Especial
Indígena Cuiabá (DSEI Cuiabá) observa-se que para atender às necessidades de
saúde em média complexidade níveis 2 e 3 (M2 e M3) aos Bororo dessas duas
aldeias, novamente a referência é Cuiabá com todas as dificuldades apresentadas por
este município, em termos de eficiência e qualidade na assistência, tais como:
número limitado de vagas acarretando intensa demora no atendimento, que por sua
vez expõe todos os pacientes a um número maior de complicações e seqüelas;
reduzido número de profissionais especializados nas mais diversas áreas de atuação,
sobrecarregando os que estão na rede de serviços e, conseqüentemente, reduzindo a
qualidade da assistência; insatisfação salarial que contribui para a queda da
qualidade dos serviços oferecidos e compromisso com os usuários; poucos leitos
hospitalares à disposição da população, entre outros.
Neste contexto, o PDSI se mostra um plano pouco adaptado às necessidades
dos usuários indígenas, além de evidenciar o pouco conhecimento por parte dos seus
elaboradores quanto aos caminhos historicamente construídos por eles na busca da
cura. Por outro lado, o PDR, mesmo apresentando as duas opções aos habitantes do
município de Santo Antônio do Leverger, não oferece um caminho facilitado para
estes usuários, uma vez que se os mesmos necessitassem dos serviços de média
complexidade em Cuiabá teriam que ser encaminhados pelo próprio município de
origem. Ora se não há registros de que os moradores destas aldeias são atendidos na
rede municipal de saúde de Santo Antônio do Leverger, é pouco provável que se
desloquem sozinhos para Cuiabá.
Seguindo na análise, o outro fluxo proposto pelo PDR no qual os usuários
indígenas deveriam ter o atendimento de atenção básica na rede municipal de Santo
Antônio do Leverger, esta deveria encaminhá-los ao município de Campo Verde a
fim de serem atendidos em média complexidade nível 1 (M1) e daí seriam
encaminhados para Rondonópolis nos casos de média complexidade níveis 2 e 3 (M2
e M3), pois Campo Verde é módulo assistencial para si e para Santo Antônio do
Leverger, sendo que Rondonópolis é o município-pólo da microrregião. Entretanto,
seria extremamente difícil os usuários Bororo das aldeias Gomes Carneiro e Piebaga
percorrer este caminho devido à inexistência de uma CASAI, instituição fundamental
206
para a garantia do acesso e facilitadora do diálogo destes usuários com os demais
profissionais de saúde.
Outro aspecto a ser considerado, e aqui não afetando os usuários
indígenas, mas todos os munícipes, é a excessiva burocracia que requer a regulação
dos procedimentos aos usuários que compõem a lista de referenciados tendo em vista
que o número de vagas na rede de saúde se mostra reduzido na maioria dos
municípios, acarretando demora no atendimento. Associado a isto se observa o longo
percurso percorrido desde a aldeia até os municípios de referência, de maneira que as
aldeias Gomes Carneiro e Piebaga se localizam próximas de Rondonópolis e mais
distantes de Campo Verde e de Cuiabá. Portanto, conclui-se que se os fluxos
planejados não conseguem satisfazer às necessidades dos usuários indígenas, estes,
com o auxílio dos profissionais, buscam outros fluxos mais compatíveis com as
realidades loco-regionais.
Analisando a adequação do atendimento aos princípios fundamentais do SUS
observa-se que a universalidade e a igualdade do acesso estão contempladas, mas
quem garante o acesso às unidades de atendimento não é Santo Antônio de Leverger
e, sim, Rondonópolis na sua rede de serviços de saúde. Além disso, a integralidade
na atenção à saúde se encontra deficiente devido à precária atenção básica realizada
pelas EMSI contratadas pela UNISELVA nas aldeias.
8.3 ALDEIAS PAKUERA, ALTO RAMALHO E PAIKUN (T.I. PAKUERA
OU BAKAIRI)
Nos Livros de Registros Ambulatoriais da CASAI Rondonópolis foram
encontrados registros de pacientes da etnia Bakairi que estiveram sob a
responsabilidade dos profissionais desta casa de saúde e das unidades de saúde
municipais, embora pertençam oficialmente ao Pólo-Base Cuiabá. Os pacientes eram
moradores das aldeias Pakuera, Alto Ramalho, Paikun e Aturua, todas localizadas na
T.I. Bakairi, no município de Paranatinga.
Durante os trabalhos de campo foi possível entrevistar um paciente da aldeia
Aturua que estava hospedado na CASAI Rondonópolis aguardando os resultados de
207
exames laboratoriais para retorno médico. Foi-lhe perguntado o por quê da busca por
atendimento em Rondonópolis e não em Cuiabá. Então ele explicou:
Nóis temo que esperá vaga, nóis viemo pra cá porque em Cuiabá o
atendimento pra nóis não bom não. Sempre nóis vai pra quando nóis
vai fazê tratamento nóis vai pra lá, mais eles tão muito parado, meu pai
foi lá, ele tá com os osso do joeio tudo quebrado né, aí eles tiraram raio X e
ele foi pra lá, ele tem pobrema de vista, pobrema de coração, e voltô do
memo jeito. [...] Aqui o tratamento é mais rápido, fais tempo que eu venho
consultá aqui com este pobrema que eu sinto a respeito de saúde (Usuário
2, junho, 2007).
A etnia Bakairi se distribui em duas terras indígenas: a T. I. Pakuera ou
Bakairi, distribuída nos municípios de Paranatinga e Planalto da Serra; e a T. I.
Santana no município de Nobres. Estes municípios estão no Estado de Mato Grosso,
mas em microrregiões de saúde diferentes: Paranatinga e Planalto da Serra estão,
respectivamente, nas microrregiões Sul Mato-grossense e Baixada Cuiabana e,
Nobres na Microrregião Centro-Norte.
O PDSI estabelece um fluxo de referência para estas aldeias conforme
mostrado na Figura 20; porém, o que acontece de fato é que os Postos de Saúde das
aldeias Pakuera e Aturua se comunicam com a CASAI Rondonópolis, e esta recebe e
encaminha o usuário através da rede municipal de saúde em Rondonópolis como
ilustra a Figura 25 e confirma o depoimento a seguir.
Aqui nós temos muito mais prioridade que em outros municípios no
agendamento. Exemplo disso nós temos pacientes de Paranatinga, que
demora um ano ou dois pra fazê um exame e as vezes nem consegue
fazer o exame, vem pra e consegue em uma semana (Entrevistado 3,
junho, 2007).
208
Figura 25 – Fluxo formal para os usuários da etnia Bakairi
Fonte: Informações obtidas na CASAI Rondonópolis durante o período de coleta de dados.
A distância entre os dois municípios, Paranatinga e Cuiabá, é de
aproximadamente 275km e consome, aproximadamente, três horas para ser
percorrida. Assim, tanto o acesso funcional como o geográfico é maior quando se
considera o município de Rondonópolis, e não Cuiabá.
A outra Terra Indígena é a Santana e está localizada em Nobres. Foi
homologada pelo Decreto 98.143 de 15 de setembro de 1989 (BRASIL, 1989) e a
FUNAI/ADR Cuiabá administra o seu território. As ações em saúde também estão
sob a responsabilidade do DSEI Cuiabá, e não referências de usuários residentes
nesta Terra Indígena nos registros da CASAI Rondonópolis. Como, o município de
Nobres recebe R$ 10.750,00 (dez mil setecentos e cinqüenta reais) no seu fundo pelo
repasse do IAB-PI, supõe-se que este incentivo esteja subsidiando as ações em
atenção básica para os usuários Bakairi lá residentes.
De acordo com o PDSI, o PS das aldeias Pakuera e Aturua (Terra Indígena
Bakairi) recebem a visita da EMSI da conveniada UNISELVA, que atende as
necessidades de atenção básica de toda a população destas aldeias e das aldeias
Rede do SUS
(Rondonópolis)
CASAI
Rondonópolis
Aldeia Pakuera
Aldeia Aturua
Legenda
As setas representam o fluxo formal
para os usuários da etnia Bakairi
209
satélites a ela referenciadas, sempre numa perspectiva de reprodução dos modelos
assistenciais Médico-Privatista e Sanitarista.
Segundo o PDR, Paranatinga está habilitado em GPAB-A pela NOAS SUS
01/02 (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2002) e tem pactuado com Rondonópolis as
ações em média complexidade níveis 1, 2 e 3 (M1, M2 e M3); portanto, deve
assegurar as ações em atenção básica para todos os seus munícipes inclusive os
índios. Este município tem cadastrado no Fundo Nacional de Saúde (FNS) dois
estabelecimentos: o Hospital e Maternidade São Benedito e a Prefeitura Municipal de
Paranatinga, sendo que esta recebe R$ 114.000,00 (cento e quatorze mil reais) no seu
fundo referente ao IAB-PI. É lamentável constatar que as ações a que se destina este
recurso parecem não chegar ao seu destino, mesmo quando ele constitui mais de 50%
dos recursos repassados pela União ao município.
O Hospital e Maternidade São Benedito recebe R$ 4.374,00 (quatro mil
trezentos e setenta e quatro reais) mensais relativos ao repasse fundo a fundo do
Incentivo Assistencial Ambulatorial, Hospitalar e de Apoio ao Diagnóstico à
População Indígena (IAE-PI). Portanto, embora tenha sido pequeno o número de
usuários registrados pela CASAI Rondonópolis, verifica-se que os mesmos buscam
neste município atenção em saúde que deveria ser oferecida na aldeia ou na rede
municipal de saúde de Paranatinga. Estes dados apontam, para a necessidade de ser
investigado com maior profundidade as razões que levam os moradores destas
aldeias a se deslocarem até Rondonópolis a fim de receber atendimento em saúde,
assim como os meios de transporte e a alocação de recursos para isto. Assim,
semelhantemente aos Bororo, estes usuários utilizam amplamente a rede de serviços
de Rondonópolis, desde a atenção básica até a média complexidade nível 3 (M3).
Tendo como conceitos norteadores para esta discussão aqueles discutidos
para os Bororo nas Terras Indígenas Tadarimana e Tereza Cristina, o caso da T.I.
Bakairi aponta para sérias restrições ao princípio da universalidade do acesso e
integralidade. Os depoimentos também apontam para dificuldades de acesso nas suas
dimensões geográfica, econômica e funcional aos serviços de saúde da rede
municipal de Paranatinga e desta para Cuiabá, apesar de o recurso ser de valor
consideravelmente alto. Com os dados encontrados também se constata que os
critérios de territorialidade, cobertura e estratégia única estão ameaçados; por isso, o
210
acesso aos serviços de saúde se consolida através da conformação de um novo fluxo
de referência que tem em outra rede de serviços a garantia do atendimento.
Semelhante aos Bororo, a CASAI Rondonópolis se encarrega de articular o
atendimento destes usuários na rede de serviços de saúde de Rondonópolis,
contemplando os princípios de universalidade e eqüidade do acesso a todos os níveis
de atenção. O Quadro 9 mostra os fluxos de referência planejados e formal para os
usuários Bakairi e consolida o não cumprimento das estratégias deliberadas, e sim da
estratégia emergente
3
(MINTZBERG et al., 2006b).
Quadro 9 Os fluxos planejados e o fluxo formal para todos os níveis de atenção para os usuários
Bakairi das aldeias Pakuera, Alto Ramalho e Paikun
Atenção Básica – AB
Fluxos Planejados Procedimentos Grupo
PDSI PDR
Formal
Assistência ao parto 02
PS Pakuera
e/ou PS
Paranatinga
Paranatinga
*CASAI
Rondonópolis
Rondonópolis
Consulta/atendimento de
urgência em clínicas básicas
02
PS Pakuera
e/ou PS
Paranatinga
Paranatinga
CASAI
Rondonópolis
Rondonópolis
Teste imunológico pra
gravidez
11
PS Pakuera
e/ou PS
Paranatinga
Paranatinga
CASAI
Rondonópolis
Rondonópolis
PPD 01
PS Pakuera
e/ou PS
Paranatinga
Paranatinga
CASAI
Rondonópolis
Rondonópolis
Média Complexidade – M1
Exames ultra sonográficos 14
*CASAI Cuiabá
Cuiabá
Rondonópolis
CASAI
Rondonópolis
Rondonópolis
Atendimento médico por
observação por até 24 horas
07
CASAI Cuiabá
Cuiabá
Rondonópolis
CASAI
Rondonópolis
Rondonópolis
Média Complexidade – M2
At
endimentos especializados
em ortopedia
07
CASAI Cuiabá
Cuiabá
Rondonópolis
CASAI
Rondonópolis
Rondonópolis
Consulta em cardiologia 07
CASAI Cuiabá
Cuiabá
Rondonópolis
CASAI
Rondonópolis
Rondonópolis
Consulta em oftalmologia 07
CASAI Cuiabá
Cuiabá
Rondonópolis
CASAI
Rondonópolis
Rondonópolis
Exames complementares e
11
CASAI Cuiabá
Rondonópolis
CASAI
3
Para o caso Bakairi o fluxo formal é uma estratégia emergente, pois não apresenta elementos das
estratégias deliberadas combinados, como no caso dos Bororo.
211
triagem neonatal
Cuiabá Rondonópolis
Rondonópolis
Média Complexidade – M3
Consulta em otorrinolaringologia
e dermatologia
07
CASAI Cuiabá
Cuiabá
Rondonópolis
CASAI
Rondonópolis
Rondonópolis
Fonte: FUNDAÇÃO NACIONAL DE SAÚDE, 2007; MATO GROSSO, 2006; ENTREVISTAS
REALIZADAS NO PERÍODO DE MAIO A NOVEMBRO, 2007.
8.4 TERRA INDÍGENA SANGRADOURO DA ETNIA XAVANTE
Os índios Xavantes habitam 11 Terras Indígenas, conforme mostra o Quadro
11 e todas estão sob a responsabilidade do DSEI Xavante. Entretanto, nos registros
da CASAI Rondonópolis foram encontradas referências a usuários originários da
Terra Indígena Sangradouro/Volta Grande, localizada em três municípios mato-
grossenses: General Carneiro, Poxoréu e Novo São Joaquim. Na T. I. Sangradouro os
Xavantes dividem o território com os índios Bororo, embora sejam grupos
historicamente rivais.
Esta Terra Indígena é atravessada pela Rodovia BR 070, que liga Cuiabá a
Barra do Garças e apresenta uma vegetação de cerrado banhada pela Bacia Araguaia.
Aqui se encontram duas organizações indígenas: a Associação da Comunidade
Bororo, da aldeia Kudorojari Sangradouro, e a Associação Xavante Warã, dos índios
Xavante.
Entre as últimas notícias divulgadas amplamente pelos jornais locais e
nacionais está o alto índice de mortalidade infantil cujas causas de maior destaque
são a desnutrição e a desidratação. Também a falta de saneamento nas aldeias
contribui significativamente para o agravamento dos quadros de morbidade e de
mortalidade das pessoas, especialmente as crianças, que ingerem alimentos
contaminados, uma vez que, freqüentemente, as necessidades orgânicas são feitas
nos fundos das casas de alvenaria em que moram (ISA, 2008). O depoimento a
seguir destaca o alto índice de desnutrição dos usuários desta etnia:
Na minha opinião, hoje, o grande problema do índio, pelo menos aqui na
nossa região, é um problema de alimentação, uma desnutrição absurda.
Lógico, não tenho dados pra dizer com as crianças, mas a gente na
televisão. Mas os adultos que eu atendo a gente que são pessoas
212
desnutridas [...], hoje em dia o que a gente vê, porque eu pergunto pras
enfermeiras que vêm aqui junto com os índios, ninguém faz nada, fica
esperando a alimentação cair do céu ou ganha uma cesta básica [...]
(Entrevistado 11, maio, 2007).
Mas, além destes problemas, têm merecido freqüente destaque na mídia os
conflitos de terras entre os índios e os fazendeiros da região.
Embora historicamente rivais, os índios Xavante dividem o território de
Sangradouro com os Bororo e também utilizam a CASAI Rondonópolis,
ocasionalmente. Segundo os profissionais da CASAI Rondonópolis, quando na
mesma ocasião índios Bororo e Xavante se encontram hospedados, são necessários
certas práticas para que não ocorram conflitos, como por exemplo, a separação dos
ambientes de convivência.
Os registros oficiais também informam que os Xavante buscam na rede
municipal de saúde de Rondonópolis procedimentos associados principalmente à
atenção básica. Estes pacientes, em geral, são encaminhados pelos profissionais do
município de General Carneiro ou de Barra do Garças e não dependem da CASAI
Rondonópolis para articular a sua regulação, pois quando chegam à CASAI estão
com o procedimento agendado.
A reduzida presença nos registros oficiais reforça, em princípio, o fluxo
planejado no PDR, pois a presença da CASAI se dá pelo acompanhamento aos
serviços de saúde e durante a fase de recuperação do paciente até o seu retorno à
aldeia. Os Xavante dependem muito pouco dos serviços de articulação desenvolvidos
pela CASAI Rondonópolis, situação contrária aos usuários oriundos das etnias
Bororo e Bakairi. O Quadro 10 mostra o fluxo planejado pelo PDSI e o formal para a
assistência aos Xavante. Neste caso, para avaliar a presença contemplada nos
princípios do SUS voltados para a atenção em saúde desta população indígena são
necessários estudos mais aprofundados, não objeto deste trabalho, uma vez que a
unidade de análise é o DSEI Cuiabá no seu Pólo-Base Rondonópolis, e não no DSEI
Xavante.
213
Quadro 10 Os fluxos planejados e o fluxo formal para os usuários Xavante da Terra Indígena
Sangradouro
Procedimentos Atenção Básica Grupo Fluxo Planejado
PDR
Fluxo Formal
Consulta/a
tendimento de urgência
em clínicas básicas
02 General Carneiro CASAI Rondonópolis
Rondonópolis
Procedimentos Média
Complexidade
Grupo Fluxo Planejado
PDR
Fluxo Formal
Exames complementares e triagem
neonatal
11 Barra do Garças CASAI Rondonópolis -
Rondonópolis
Patologia Clínica 11 Barra do Garças CASAI Rondonópolis
Rondonópolis
Fonte: FUNDAÇÃO NACIONAL DE SAÚDE, 2007; MATO GROSSO, 2006a.
Quadro 11 – Terras Indígenas Xavante, DSEI Xavante, MT
Terras
Indígenas
Situação
Jurídica/2008
FUNAI
Regional
Área de
Ocupação
(ha)
População Municípios
Areões
Decreto s/n
02/10/1996
Água Boa 218.515 832 Água Boa
Areões I e II
Em identificação
Água Boa
24.450 (TI
Areões I)
16.650 (TI
Areões II)
-
Nova Nazaré
Chão Preto
Decreto s/n
30/04/2001
Nova
Xavantina
12.740 56 Campinápolis
Maraiwatsede
Barra do
Garças
165.241
-
Bom Jesus do
Araguaia;
São Félix do
Araguaia;
Alto Boa Vista.
Marechal
Rondon
Decreto s/n
02/10/1996
Barra do
Garças
98.500 500 Paranatinga
Parabubure
Decreto 306
30/10/1991
Campinápolis
224.447 3.162 Nova Xavantina
Pimentel
Barbosa
Decreto 93.147
20/08/1986
Nova
Xavantina
328.966 1.667 Ribeirão
Cascalheira e
Canarana
Sangradouro
Decreto 249
30/10/1991
Barra do
Garças
100.280 858 Poxoréu, Novo
Joaquim e
General Carneiro
São Marcos
Decreto 76.215
08/09/1975
Barra do
Garças
188.478 1.813 Barra do Garças
Ubawawe
Decreto s/n
30/08/2000
Nova
Xavantina
52.234 349 Santo Antônio
do Leste
Fonte: ISA, 2008; BRASIL, 1975, 1986, 1991, 2000, 2001.
214
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O processo histórico da colonização do Estado de Mato Grosso, desde o
avanço das Bandeiras até a organização político-administrativa atual, permitiu maior
compreensão dos dados coletados no município de Rondonópolis. A história de
colonização do Estado reportou aos primórdios do processo de dominação que, ainda
hoje, impera no mundo e é a maior causa das desigualdades sociais: o colonialismo.
Num mundo dividido entre Portugal e Espanha, a busca desenfreada por metais
preciosos, levava os homens a se aventurar em grandes navegações para a conquista
dos continentes ainda desconhecidos. Terra fértil e metais preciosos foram as
maiores riquezas encontradas por aqui e, assim, a metrópole declarou o Brasil sua
colônia tratando de explorá-lo.
Entretanto, também aqui viviam outros habitantes não tão preocupados com o
valor atribuído aos metais que emergiam à flor da terra cujo modo de vida e
organização social contrariava os exploradores portugueses e espanhóis. Vieram
muitos navios a fim de dar continuidade ao processo de ocupação do novo continente
e foram criadas vilas que posteriormente foram elevadas a capitanias, entre elas a
Capitania de São Paulo, cujo território, desconsiderando o Tratado de Tordesilhas,
abrangia o Estado de Mato Grosso.
As principais características do colonialismo mercantilista foram
vislumbradas no avanço das Bandeiras em busca de metais preciosos e índios para
compor a mão-de-obra escrava demasiadamente cara quando africana. O
mercantilismo, e na seqüência o imperialismo, deixaram marcas até hoje observadas
na organização social dos povos indígenas, situação verificada por ocasião das
entrevistas aos usuários Bororo e Bakairi. A descoberta do ouro, as plantações de
cana-de-açúcar, a pecuária no início extensiva e depois para o corte aceleraram a
ocupação de Mato Grosso garantindo os novos limites fronteiriços, entretanto
contribuíram de forma significativa para a completa desestruturação dessas
comunidades.
Mais tarde, já no século XX, era preciso ocupar de fato todo o território mato-
grossense e mais precisamente após os anos 50 houve um fluxo intenso de imigrantes
215
da região Sul do país que vinham com este propósito. Assim, através da história foi
possível acompanhar a conquista gradativa e desenfreada das terras mato-grossenses
e ao mesmo tempo se viu pouca preocupação oficial com a condição imposta às
comunidades tradicionais indígenas ainda aqui residentes.
Atualmente, as principais atividades de trabalho no Estado de Mato Grosso
são a agropecuária e o comércio, com destaque para o mercado externo na
exportação de soja, dentre outros produtos primários como o algodão, a madeira e a
carne para a União Européia, a Ásia e o Oriente Médio. O avanço do agronegócio no
Mato Grosso permite que conflitos históricos sobre a posse da terra e o uso não
sustentável das suas riquezas se perpetuem, interferindo no modo de vida das
comunidades indígenas.
Os efeitos do desmatamento têm afetado substancialmente as fontes
principais de sobrevivência destes povos, tornando escassa a caça, as condições do
extrativismo e a pesca, que está substancialmente afetada pela contaminação dos
mananciais pelos agrotóxicos utilizados nas lavouras de grãos. A conseqüência mais
significativa disto é a escassez dos alimentos naturais tradicionais, que gera uma
crescente dependência de recursos federais para a aquisição de alimentos
industrializados, induzindo à incorporação de novos hábitos de vida que acabam
contribuindo, tanto para desintegrar os ritos sociais, como para o desenvolvimento de
doenças crônico-degenerativas.
O conhecimento sobre o uso das plantas medicinais para o auto-cuidado
também se encontra ameaçado pelo contato com a sociedade envolvente, pois os
novos hábitos descaracterizam a compreensão da origem das doenças no contexto
tradicional. Algumas etnias ainda resistem a este avanço tecnológico, mas
dificilmente conseguirão escapar ilesas deste processo.
Considerando esse contexto extremamente desfavorável à sobrevivência das
etnias indígenas do Mato Grosso, fica evidente que este contraste descomunal entre a
produção de riquezas e os efeitos perversos gerados demanda, não apenas, a
elaboração de Políticas Públicas que resguardem os direitos de todos os povos
indígenas à educação, à saúde, à organização comunitária, à preservação cultural e às
alternativas econômicas sustentáveis, mas principalmente que essas políticas sejam
eficiente, eficaz e efetivamente implementadas.
216
A história continuou, e o Brasil adquiriu dívidas sociais intensas com sua
população à medida que o modelo de desenvolvimento capitalista foi se
consolidando. Após vários anos de ditadura, no processo de redemocratização do
país nos anos 80 foi criada a Política Nacional de Saúde que trouxe a universalidade,
a integralidade, a eqüidade e a participação social como princípios fundamentais do
SUS a serem gradualmente efetivados através da descentralização política,
administrativa e econômica dos estados e dos municípios. Este processo se deu
através da implantação das Normas Operacionais Básicas e das Normas de
Assistência à Saúde, esta última preconizando o PDR, a PPI e o PDI como
instrumentos de gestão responsáveis pela efetivação do princípio da regionalização e
da hierarquização dos serviços, mais uma vez o caráter impositivo da formulação de
estratégias se faz presente. Além disso, a pactuação precursora de uma gestão
solidária está longe de se fazer efetiva, ao menos no âmbito da Microrregião Sul
Mato-Grossense, cujo município de Rondonópolis se responsabiliza pela assistência
da grande maioria dos habitantes da região ao recebê-los sob as mais diversas
situações.
Essa política de Estado disposta a elevar o Brasil em níveis admissíveis de
qualidade de vida de sua população, também trouxe uma preocupação oficial com a
saúde das populações indígenas. No entanto o resultado foi uma política nacional
voltada para a diversidade através de sua formulação desconectada das reais
condições destes usuários afastando-se cada vez mais de seu propósito, a inclusão
desses no Sistema Único de Saúde, por isso é necessário o reconhecimento da
importância das definições de estratégia propostas por MINTZBERG e
colaboradores (2006). O Plano Distrital de Saúde Indígena distante de originar-se do
diálogo com a sociedade indígena também falha ao reproduzir o modelo médico
hegemônico desconhecendo as orientações do modelo assistencial que embasou a sua
elaboração.
O fluxo formalmente indicado pelos profissionais de saúde tanto da CASAI
Rondonópolis, quanto da rede municipal de saúde de Rondonópolis, consiste na
versão adaptada do fluxo planejado pelo PDR e pelo PDSI às realidades conflituosas
desencadeadas entre as instâncias gestoras que acarretam sérios prejuízos à
concepção de direito à saúde, cidadania e democracia.
217
Comparar os fluxos de referência planejados pelos Planos com o fluxo formal
identificado por ocasião do trabalho de campo permitiu também identificar os
descompassos existentes entre o que foi pretendido e o que de fato acontece.
Compreender as experiências vividas pelos profissionais de saúde na busca por
garantir o acesso dos usuários indígenas revelou o comprometimento dos mesmos
com os princípios fundamentais do SUS, ainda que em condições ambientais
desfavoráveis. A satisfação dos usuários indígenas, frente aos serviços garantidos,
mostrou total desconhecimento desses com relação às dificuldades enfrentadas por
aqueles ao longo do processo de regulação.
O trabalho desenvolvido permitiu, também, atestar que ainda existem dois
desafios básicos para que o Sistema Único de Saúde efetive os princípios
fundamentais que o estruturam. O primeiro, está na urgência em mudar o modelo
assistencial de saúde, pois quase vinte anos passaram e ainda é possível identificar o
predomínio do modelo assistencial médico-privatista e do modelo sanitarista nas
nossas práticas de saúde. Esta predominância também se mostra na organização dos
serviços com vista para as ações especializadas e de alto custo em detrimento da
valorização dos conhecimentos populares e das práticas de saúde tradicionais,
especialmente nas relativas aos povos indígenas.
O segundo desafio identificado está em preparar profissionais de saúde sob a
perspectiva de substituir a concepção de saúde como ausência de doença, o que
estimula a demanda por serviços médicos, pela concepção que saúde representa, em
primeira instância, qualidade de vida.
Estes desafios conduzem ao momento que sucedeu a criação do SUS quando
diversas propostas surgiram no sentido de reorientar e reorganizar este sistema nos
três âmbitos: nacional, regional e local, embora umas se aproximaram mais do nível
macro, outras se preocuparam em tratar das relações entre os atores no nível micro.
Para melhor compreender a realidade encontrada buscou-se nos modelos de
atenção dito “alternativos” argumentos para analisar as práticas de saúde e a
organização hierarquizada do Subsistema de Atenção à Saúde Indígena no âmbito do
DSEI Cuiabá, Pólo-Base Rondonópolis.
O projeto de Distrito Sanitário traz conceitos de grande relevância, tais como,
território-processo, território-físico, regionalização e hierarquização dos serviços,
218
porém não propôs de que forma as ações de saúde em nível primário, secundário e
terciário deveriam ser conduzidas. Esta lacuna abre o diálogo entre este modelo de
atenção com outras estratégias, por exemplo a Saúde da Família, a Promoção da
Saúde e o Modelo de Ações Programáticas (MENDES, 1996; TEIXEIRA, 2006).
Elaborar uma estratégia que contemplasse a diversidade dos povos indígenas
do Brasil foi no mínimo um avanço para um país que retomava os caminhos da
democracia e do respeito aos direitos de cidadania.
Entretanto, os achados de campo evidenciaram que a formulação pretendida e
deliberada não se fez realidade no território do DSEI Cuiabá, Pólo-Base
Rondonópolis, pois a proposta de complementaridade por parte da rede municipal de
saúde passou a representar a efetiva garantia do acesso aos serviços de saúde com
todos os seus níveis de complexidade para o usuário indígena. A formulação do
Subsistema reflete uma prática cada vez mais comum no âmbito da gestão pública
neste país, ou seja, a formulação de políticas em descompasso com as realidades
locais a que se destinam.
Por fim, o que se viu no Pólo-Base Rondonópolis foi uma política nacional,
que ao impor seus critérios através da centralização de poder da FUNASA/MS abriu
espaço para a competição inter-institucional, para o despreparo técnico e para o
ajuste de interesses alheios aos da satisfação dos usuários e que excluem a
experiência dos profissionais de saúde envolvidos. Além disso, intensas discussões
vieram à tona, entre elas o impasse sobre a responsabilidade sanitária nos territórios
indígenas, antes disputada entre a FUNAI, órgão do Ministério da Justiça (MJ), e a
FUNASA, órgão do Ministério da Saúde (MS), agora entre esta e o município.
Este achado reporta a necessária retomada da discussão do critério de
descentralização para os territórios indígenas, diretriz do Sistema Único de Saúde,
tendo em vista que sobre esses parece haver “mandes e desmandes” pondo em risco
o acesso e a garantia da continuidade dos atendimentos à saúde destes usuários, além
de dificultar a elaboração de estratégias emergentes fundamentadas nas práticas
cotidianas já consolidadas.
Por fim, como processo avaliativo com abordagem qualitativa este trabalho
tornou possível a avaliação das estratégias utilizadas pelo DSEI Cuiabá, Pólo-Base
Rondonópolis, tendo em vista os princípios fundamentais e organizativos do SUS.
219
Embora amplamente discutido nos capítulos anteriores, convém ressaltar que esses
princípios não são contemplados devido aos conflitos entre o município e a
FUNASA/MS.
220
RECOMENDAÇÕES PARA OS GESTORES
Partindo do pressuposto que todo o trabalho científico deve ser relevante, este
estudo recomenda algumas ações à FUNASA/MS, ao Conselho Municipal de Saúde
de Rondonópolis e a UNISELVA/UFMT, a fim de tornar o acesso com qualidade
dos usuários indígenas efetivo em todos os níveis de atenção à saúde. Estas sugestões
têm por objetivo a implementação do princípio da participação social tanto através
dos órgãos colegiados, CONDISI e Conselho Municipal de Saúde, como por meio
das ações individuais, ou de grupo, amplamente defendidas ao longo deste estudo.
Assim, a primeira recomendação está relacionada a esse princípio: garantir a
participação efetiva das lideranças indígenas na elaboração do Plano Distrital de
Saúde Indígena, assim como dos profissionais de saúde envolvidos, tanto da CASAI
Rondonópolis, quanto da UNISELVA/UFMT. Além disso, recomenda-se que sejam
transformadas em estratégias deliberadas, e realizadas, as estratégias criativas
desenvolvidas pelos profissionais de saúde da CASAI Rondonópolis para garantir o
acesso dos usuários Bororo, Bakairi e Xavante na rede municipal de saúde, inclusive
a reabilitação de Rondonópolis para receber o Incentivo de Atenção Básica aos
Povos Indígenas (IAB-PI).
Relacionado a este incentivo recomenda-se a desabilitação do Hospital São
Marcos Ltda reconhecidamente desativado por todos os entrevistados e que ainda
continua recebendo em seu fundo o Incentivo de Atenção Especializada aos Povos
Indígenas (IAE-PI) como denunciado neste trabalho.
Além de garantir a participação dos atores envolvidos, especialmente as
lideranças indígenas, no processo de elaboração do PDSI, é urgente a elaboração do
Termo de Pactuação que deverá apresentar os profissionais contratados, a carga
horária de trabalho, as metas previstas e os indicadores a ser alcançados, para que
seja possível a universalidade do acesso e a integralidade da atenção com vistas para
a eqüidade.
A recomendação seguinte diz respeito à capacitação de pessoal técnico para a
atuação tanto nas aldeias quanto na CASAI Rondonópolis, assim como, os
profissionais de saúde municipais tendo em vista que todos realizam práticas de
221
saúde voltadas para esses usuários. A estratégia que deve permear os cursos de
capacitação para este público alvo, deve ser fundamentada nos pressupostos do
modelo de Distrito Sanitário e Promoção da Saúde tendo em vista a importância das
ações intersetoriais, do fortalecimento da cidadania, do empoderamento, do respeito
às práticas culturais e do direito à saúde.
Esta recomendação complementa a anterior reforçando a atuação voltada para
a atenção primária por parte da conveniada em terras indígenas cumprindo os
pressupostos da Política Nacional de Saúde Indígena e o modelo assistencial do
Distrito Sanitário Especial Indígena.
E, por fim, recomenda-se que o CORE e o DSEI Cuiabá representem os
direitos dos usuários indígenas, especialmente Bororo e Bakairi, na PPI promovendo
a pactuação do acesso aos serviços municipais de saúde tendo como referência as
práticas já desenvolvidas pelos profissionais de saúde da CASAI Rondonópolis.
222
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sanitárias do Sistema Único de Saúde. São Paulo/Rio de Janeiro:
HUCITEC/ABRASCO; 1993a. p. 187-220.
________ A reforma sanitária e os modelos assistenciais. In: Rouquayrol MZ.
Epidemiologia & Saúde. 4.ed. Rio de Janeiro: MEDSI; 1993b. p. 455-467.
________ Políticas de descentralização e atenção primária à saúde. In: Rouquayrol
MZ. Epidemiologia & Saúde. 5.ed. Rio de Janeiro: MEDSI; 1999. p. 489-503.
Pazos, LS. La evaluación de programa sociales en el Estado liberal. In: VII Congreso
Internacional del CLAD sobre La Reforma del Estado y de la Administración
Pública, Lisboa, Portugal, 8-11 Oct; 2002 [acesso 17 set 2008].[Disponível em
http://www.clad.org.ve/fulltext/0044540.pdf]
Ramos DD, Lima MADS. Acesso e acolhimento aos usuários em uma unidade de
saúde de Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil. Cad Saúde Pública. 2003; 19(1):
27-34.
230
Ribeiro O. O Desafio. In: Abutakka A, Lima MB, organizadores. Mato Grosso em
números. Edição 2006. Cuiabá: Central de Texto; 2006 [acesso em 12 out 2007].
Disponível em:
www.seplan.mt.gov.br
Ribeiro PT. Direito à Saúde: integridade, diversidade e territorialidade. Ciênc Saúde
Coletiva. 2007; 12(6): 1525-1532.
Silva MVCP, Mendes EV. Pacto de Gestão: da municipalização autárquica à
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Horizonte; 2004.
Siqueira EM, Costa LA, Carvalho CMC. O Processo Histórico de Mato Grosso. 3.
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________ Saúde da família, promoção e vigilância: construindo a integralidade da
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________ Promoção da saúde e SUS: um diálogo pertinente. In: Teixeira CF, Solla
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Yin RK. Estudo de caso: planejamento e métodos. 3. ed. Porto Alegre: Bookman;
2005.
231
ANEXOS
Anexo 1 – Formulário para identificação do fluxo formal.
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
INSTITUTO DE SAÚDE COLETIVA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO
NÚMERO DE ORDEM
FORMULÁRIO DE REGISTRO DE DOCUMENTOS DE REFERÊNCIA
1.MUNICÍPIO: 2.MÊS REF.:
3.PESQUISADOR: 4.LOCAL DE COLETA DOS DOCUMENTOS:
USUÁRIO
ORIGEM DESTINO FLUXO
ORDEM
5.SEXO
1.MASC 2.FEM
6.IDADE
7.SIT RESIDÊNCIA*
8.SERVIÇO DE ORIGEM*
9.TIPO DE DOCUMENTO
10.DATA
ATENDIMENTO
11.PROCEDIMENTO
REFERENCIADO
(exame ou especialidade)
12.NOME DO SERVIÇO
REFERENCIADO
(local)
13.MUNICÍPIO
14.DATA
ATENDIMENTO
15.COMPARECEU
1.SIM 2.NÃO
99.NÃO EXISTE
16. RECURSO UTILIZADO
1. PROPRIO 2. SUS (MS;
SES)
17.COMPLEXIDADE
18.GRUPO
1
2
3
4
5
232
Anexo 2 Entrevista para o profissional responsável pela saúde indígena na
Secretaria de Assistência à Saúde (SAS/MS)
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
INSTITUTO DE SAÚDE COLETIVA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO
Entrevistado (a): _____________________________________________________
Data da entrevista: ____/____/____
ENTREVISTA PARA O PROFISSIONAL RESPONSÁVEL PELA SAÚDE
INDÍGENA NA SECRETARIA DE ATENÇÃO À SAÚDE – SAS/MS
1 Em que contexto a Portaria 2.656/07 foi elaborada? Quem participou deste
processo?
2 Como a SAS deverá se fazer presente desde o planejamento a a execução das
ações de atenção à saúde indígena? Como esta participação ocorria ainda na vigência
da Portaria 1.163/99?
3 A que ações os incentivos IAB-PI e IAE-PI se destinam exatamente? Como
deverão ser executadas?
4 Como os valores estabelecidos nessa portaria foram elaborados? A quem caberá o
pagamento dos encargos sociais referentes a contratação dos profissionais?
5 Como poderá o município utilizar o IAB-PI? De forma direta? Ou poderá lançar
mão de OSCIPs e/ou outras organizações?
6 No artigo 5 a nova portaria trata da composição das EMSI, onde estes profissionais
deverão atuar, na aldeia ou nas unidades de serviço já disponíveis na rede municipal?
7 De que maneira a SAS participará da escolha dos estabelecimentos que deverão
receber o IAE-PI? Quais os critérios para esta escolha além do Certificado Hospital
Amigo do Índio?
8 Como a SAS se fará presente na PPI dos serviços especializados?
9 No artigo 7 a portaria determina os critérios para os municípios e os estados
receberem os incentivos, como este processo ocorria na vigência da Portaria
1.163/99?
10 No artigo 11 a portaria trata das atribuições dos estados entre elas o apoio técnico
aos municípios, às CORE e aos DSEI, o que é este apoio técnico?
11 Retomando o papel da SAS, como esta deverá participar da organização da
atenção à saúde indígena no âmbito nacional?
12 Que instrumentos utilizará para viabilizar a atenção dos povos indígenas junto aos
estados e municípios?
13 Da mesma maneira como a SAS garantirá o acesso a todos os níveis de atenção à
saúde aos povos indígenas?
14 A nova portaria estabelece o monitoramento dos incentivos através da utilização
dos sistemas nacionais de informação, como este processo se dava na vigência da
Portaria 1.163/99?
233
Anexo 3 – Entrevista para o Secretário Municipal de Saúde de Rondonópolis
Data da entrevista: ____/_____/_______
Município: ________________________________
Entrevistador: _____________________________________
Nome do Entrevistado:_________________________________
ENTREVISTA COM O GESTOR DO MUNICÍPIO
(SECRETÁRIO MUNICIPAL DE SAÚDE)
1 Qual é a sua formação?
2 Há quanto tempo é responsável pela saúde do município?
3 Quais são as áreas prioritárias de saúde no município?
4 Como o Sr. percebe a saúde no seu município?
5 Quais são as maiores qualidades do sistema de saúde do seu município?
6 Na sua opinião, quais são os maiores problemas do sistema de saúde de seu
município?
Enfatizar os seguintes aspectos: estrutura, recursos humanos e sanitário
(patologias/agravos)
7 Por gentileza, fale sobre a sua percepção quanto a saúde dos índios residentes neste
município.
8 A sua Secretaria atende usuários indígenas que residem em outros municípios?
Existe maior procura em determinado período do ano?
9 O que o Sr. acha de atender os índios residentes em Rondonópolis e os que residem
em outros municípios vizinhos?
10 Qual a orientação da sua Secretaria quanto ao atendimento a estes usuários?
11 algum tipo de acordo (formal ou tácito) entre o município e a FUNASA/MS
para o atendimento destes usuários?
12 O Sr. tem conhecimento se atendimento de usuários indígenas deste município
em outros municípios?
13 O Conselho Municipal de Saúde discute o atendimento dos usuários indígenas
neste município? Se sim, quais são os tópicos discutidos e como são encaminhados?
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
INSTITUTO DE SAÚDE COLETIVA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO
234
14 Algum dos representantes indígenas participa das reuniões do Conselho
Municipal de Saúde como ouvinte ou como membro? O inverso ocorre?
15 A última Conferência Municipal de Saúde contemplou discussões acerca da
assistência à saúde dos usuários indígenas (sim/não)? Se sim, quais?
16 O Sr. tem conhecimento quanto custa o atendimento dos índios para o município?
17 O município tem em seu planejamento algum recurso direcionado ao atendimento
para os usuários indígenas?
18 Existe articulação de entre os diversos setores (ambiente, saúde e planejamento)
que contemple a integralidade da ação em saúde e em especial os usuários indígenas?
Como ela ocorre?
19 O Sr. acredita num trabalho em conjunto com a FUNASA para oferecer melhor
cobertura de atendimento para a população do seu município descendentes dos povos
indígenas considerando a estrutura física e os recursos humanos existentes? Se sim,
como seria este trabalho?
20 Como foi feito/definido o processo de regionalização da saúde local? (PPI, PDR).
Quem conduziu esse processo? Quanto tempo levou?
21 Existem registros deste processo?
22 Que fatores anteriores importaram na definição das referências?
Verificar: negociações informais, fluxos estabelecidos pelos usuários,
distância.
23 Qual a sua opinião dos atendimentos/resultados prestados pelos serviços de
referência?
24 Sr. Secretário você tem conhecimento de como os usuários indígenas, em especial
os Bororo chegam às unidades de serviço em saúde de seu município?
25 Gostaria de fazer mais algum comentário sobre o Sistema de Saúde na região de
fronteira?
235
Anexo 4 – Entrevista para o Chefe do DSEI Cuiabá/MT
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
INSTITUTO DE SAÚDE COLETIVA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO
Nome do Entrevistado:
Data da Entrevista: ____/____/____ Município: _________________
ENTREVISTA COM O CHEFE DO DSEI CUIABÁ/MT
1 Quais os municípios que se encaixam no território de atuação do Pólo-Base
Rondonópolis?
2 Como está organizada a oferta de ações básicas em saúde no Pólo-Base
Rondonópolis? Quais etnias a ele são referenciadas?
3 Como são firmados os convênios com as ONGs dentro da jurisdição do DSEI
Cuiabá?
4 Quais os critérios utilizados para a assinatura dos convênios?
5 Em que nível se dá (local, regional ou federal)?
6 Qual o período de duração destes convênios?
7 Quanto a alocação dos recursos voltados para a Atenção Básica de quem é a
atribuição?
8 Qual a relação da FUNASA com a SAS/MS (lembrar da Portaria 1.163/99)?
9 Como está pactuada a relação entre o Instituto Creatio e o DSEI/FUNASA?
10 Quais os serviços de saúde atribuídos a UNISELVA e quantas equipes de
saúde estão disponíveis?
11 Se à UNISELVA cabem as ações básicas em saúde praticadas nas aldeias, por
quê os serviços de saúde básica do município de Rondonópolis são utilizados? O que
está pactuado para os índios que não estão nos limites geográficos do município de
Rondonópolis?
12 De acordo com a NOAS SUS 01/02 as ações em saúde de média e alta
complexidade devem ser pactuadas entre os municípios e o estado. Para garantir o
acesso aos serviços de saúde à população indígena a regulamentação do Subsistema
atribui ao DSEI/CORE a responsabilidade por esta integração então como se esta
pactuação? Existe algum documento que as instituições devem assinar para firmar
este acordo?
236
13 As ações em saúde estão garantidas na PPI do Estado de Mato Grosso em
especial para a Microrregião Sul Mato-Grossense nestas ações está garantido o
acesso dos usuários indígenas aos serviços de saúde?
14 Como o Sr. a complementaridade das ações em saúde básica e de
média/alta complexidade pelos municípios?
15 Quanto ao Incentivo de Atenção Básica aos Povos Indígenas destinados aos
municípios que têm Terras Indígenas, como se dá? Quem está responsável por fazer
esta ponte entre os índios que necessitam dos serviços e o município em questão?
Qual o papel da SAS neste processo de organização e repasse do fator de incentivo?
16 A que se destina especificamente este incentivo?
17 Por falar em IAB-PI na mesma portaria que estabelece a maneira pela qual
deverá ser firmado, também, orientações referentes a uma nova organização dos
serviços em saúde no âmbito do DSEI, como se esta organização em Núcleo
Básico de Atenção à Saúde Indígena, Núcleo de Referência de Atenção Básica à
Saúde Indígena e Núcleo Matricial de Atenção Básica à Saúde Indígena (lembra da
Portaria 1.088/2005)?
18 Quais as dificuldades encontradas para executar o Subsistema de Atenção à
Saúde Indígena?
19 Qual sua opinião sobre as novas diretrizes para a descentralização e
regionalização propostas pelo Pacto de Saúde/2006?
20 Como está sendo repassado os recursos para a saúde indígena aos municípios
segundo o critério dos 5 blocos?
237
Anexo 5 Entrevista para o profissional de saúde, incluindo o Chefe da CASAI
Rondonópolis, os Coordenadores de Atenção sica e de Média Complexidade, os
Gerentes das Unidades Básicas Saúde, enfermeiros e técnicos de enfermagem da
CASAI Rondonópolis e do município.
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
INSTITUTO DE SAÚDE COLETIVA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO
Data da entrevista: ____/_____/_______ Município: _________________________
Serviço de Saúde:_____________________________________________________
Entrevistador: ________________________________________________________
Nome do entrevistado: _________________________________________________
Função: _____________________________________________________________
ENTREVISTA COM OS PROFISSIONAIS DE SAÚDE
1 Qual é a sua formação?
2 Há quanto tempo o (a) Sr.(a) atua neste Serviço de Saúde?
3 Quais são as áreas prioritárias de saúde no município?
4 Como o Sr. percebe a saúde no seu município?
5 Quais são as maiores qualidades do sistema de saúde do seu município? E da
FUNASA/MS para a população indígena?
6 Na sua opinião, quais são os maiores problemas do sistema de saúde de seu
município? E da FUNASA/MS?
(Enfatizar os seguintes aspectos: estrutura, recursos humanos e sanitário
(patologias/agravos)
7 Por gentileza, fale sobre o trabalho de saúde voltado para a população indígena.
8 Este município recebe usuários indígenas de outro município?(Se sim), o
atendimento desta demanda interfere na dinâmica do serviço? De que forma?
Também verificar: Existe algum programa de prevenção em sua unidade que prevê a
incorporação de usuários indígenas? Quais?
9 O Sr. saberia me dizer quais são os tipos de atendimentos mais procurados nesta
unidade pelos usuários indígenas?
10 Como faz para identificar os usuários indígenas?
238
11 O Sr. tem conhecimento se usuários indígenas residentes neste município buscam
atendimentos em serviços de saúde em municípios vizinhos? Se sim, quais serviços?
Que motivos o Sr. considera que as pessoas teriam para procurá-los?
12 O Sr. acha que deveria haver um projeto conjunto entre o município e a
FUNASA/MS para melhor atender a população indígena? Se sim, quais seriam as
prioridades desta proposta?
13 Gostaria de fazer mais algum comentário sobre o Sistema de Saúde na região?
239
Anexo 6 Entrevista para o marcador de consultas da CASAI Rondonópolis e da
Central de Regulação de Rondonópolis
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
INSTITUTO DE SAÚDE COLETIVA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO
ENTREVISTA PARA MARCADOR DE CONSULTAS/PROCEDIMENTOS
Data da entrevista: ____/_____/_______ Município: ______________________
Local de Trabalho: _________________________________________________
Entrevistador: _____________________________________________________
Nome do entrevistado: ______________________________________________
1 Qual é a sua formação/função?
2 Há quanto tempo o Sr. agenda as consultas?
3 Como o Sr. percebe a saúde no seu município?
4 Esta unidade recebe encaminhamentos de brasileiros residentes no outro lado da
fronteira? O que se faz?
5 Esta unidade recebe encaminhamento de estrangeiros? O que se faz?
6 Quais são os tipos de atendimentos mais procurados nesta unidade por brasileiros
residentes no outro lado da fronteira?
7 Quais são os tipos de atendimentos mais procurados por estrangeiros nesta
unidade?
8 Nesta Unidade é feito algum registro dos atendimentos prestados aos brasileiros
residentes no outro lado da fronteira e/ou estrangeiros? Que tipo de registro?
(Verificar também: quantidade de informações existentes nestes registros, o
que é feito com essas informações, pedir para ver e bater cópias xérox).
9 Como faz para identificar os brasileiros residentes no outro lado da fronteira e os
estrangeiros?
10 O Sr. tem conhecimento de moradores deste município que buscam atendimentos
em serviços de saúde do outro lado da fronteira? Se sim, quais serviços? Como eles
conseguem tais atendimentos?
11 Como o Sr. faz para encaminhar uma pessoa para determinado serviço?
(Verificar: Que documento precisa? Qual a orientação que ele tem? Qual
orientação que ele dá? Ele conhece a PPI?)
240
12 Qual o tempo de espera para marcação de consulta? (Como atende a demanda
reprimida?).
13 Existe um controle de comparecimentos ou não às consultas/procedimentos
agendados? Como é feito? O que vocês fazem com essa informação?
14 O Sr. tem noção do que os pacientes pensam sobre os serviços para os quais eles
são encaminhados? Fale sobre isso.
241
Anexo 7 – Entrevista para o representante do Conselho Municipal de Saúde de
Rondonópolis.
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
INSTITUTO DE SAÚDE COLETIVA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO
Data da entrevista: ____/_____/_______ Município: ________________________
Entrevistador: ______________________________________________________
Nome do Entrevistado: _______________________________________________
ENTREVISTA PARA REPRESENTANTE DO CONSELHO MUNICIPAL DE
SAÚDE
1 Quem o Sr. representa no Conselho Municipal de Saúde?
2 Qual é a sua formação?
3 Há quanto tempo participa do Conselho Municipal de Saúde?
4 Você recebeu alguma formação para a atividade de conselheiro?
5 Quais são as áreas prioritárias de saúde no município?
6 Como o Sr. percebe a saúde no seu município?
7 Quais são as maiores qualidades da saúde no seu município?
8 Na sua opinião, quais são os maiores problemas do sistema de saúde de seu
município?
(Enfatizar os seguintes aspectos: estrutura, recursos humanos e sanitário
(patologias))
9 É de seu conhecimento as condições de saúde dos usuários indígenas residentes
neste município?
10 Alguém representante do Conselho Distrital de Saúde Indígena (CONDISI)
participa das reuniões do CMS? O inverso ocorre?
11 Como são as reuniões do CMS?
(recebimento de pauta antecipadamente, freqüência dos membros, convocação
prévia e horário)
12 O Conselho Municipal de Saúde discute o atendimento dos usuários indígenas?
Se sim, quais são os tópicos discutidos e como são encaminhados?
13 O Sr. tem conhecimento de quanto o município gasta com o atendimento prestado
a esses usuários?
14 O Sr. tem conhecimento de quais são os tipos de atendimento mais procurados no
município pela população indígena?
15 O Sr. tem conhecimento de algum acordo (formal ou informal) entre o município
e a FUNASA/MS? Quais são?
16 O Sr. tem conhecimento se usuários indígenas utilizam algum serviço em outro
município?
17 A última Conferência Municipal de Saúde contemplou discussões acerca da
assistência à saúde aos usuários indígenas? (sim/não) Se sim, quais?
18 Na sua opinião, como deveriam funcionar os serviços de saúde voltados para o
atendimento dos usuários indígenas neste município?
242
19 O CMS participou do processo de regionalização?
20 O Sr. tem conhecimento de como essas pessoas resolvem seus problemas de
saúde quando não conseguem o atendimento ou os encaminhamentos necessários?
21 O que o Sr. pensa sobre os encaminhamentos para atendimento em saúde fora do
município?
22 Qual a sua opinião sobre o processo de participação, discussão e de deliberação
do CMS em relação às políticas de saúde, investimento e custeio?
Perguntar sobre:
execução do Plano Municipal de Saúde;
impacto das ações realizadas de saúde junto à população;
cumprimento das deliberações do Conselho;
funcionamento da rede de serviços de saúde;
resultado das denúncias encaminhadas ao Conselho;
utilização dos recursos financeiros destinados à saúde
23 Como é ser conselheiro de saúde?
24 Quais estratégias têm sido adotadas no município para o fortalecimento da
participação social?
25 Como é a relação do CMS com outras entidades públicas? (Ministério Público,
Conselho Tutelar, FUNASA/MS)
26 Gostaria de fazer mais algum comentário sobre o Sistema de Saúde na região?
243
Anexo 8 – Roteiro para conversa com usuário indígena.
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
INSTITUTO DE SAÚDE COLETIVA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO
ROTEIRO PARA CONVERSA COM USUÁRIO
1 Motivo da vinda ao serviço de saúde
2 Acesso à unidade de saúde
2.1 Identificar:
- formas de acesso,
- distância,
- tempo de deslocamento,
- acessibilidade física,
- possíveis dificuldades.
3 Percepção do usuário sobre a forma de recepção nas unidades
3.1 Identificar:
- forma de acesso ao serviço e possíveis dificuldades;
- identificar forma de agendamento
4 Resolução do problema/causas para não resolução
4.1 Mede a resolutividade do serviço do ponto de vista do usuário
5 Necessidade de retornar à unidade
5.1 Itens como: não conseguiu atendimento no dia, profissional não estava, etc.
6 Necessidade de realização de exames complementares
6.1 Identificar:
- local;
- forma de ida/volta;
- documentos de encaminhamento
7 Formas de aquisição de medicamentos prescritos
8 Referenciamento para outro serviço
8.1 Identificar:
- local;
- forma de ida/volta;
- documentos de encaminhamento
9 Referenciamentos anteriores
10 Etnia do usuário
244
10.1 Identificar:
- motivo da busca de atendimento no Brasil ou no país vizinho
11 Influência do “ser índio” no atendimento
12. Percepção sobre o atendimento
13. Sugestões para a melhoria dos serviços de saúde utilizados.
245
Anexo 9 – Termo de consentimento livre e esclarecido.
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
INSTITUTO DE SAÚDE COLETIVA
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Título da Pesquisa: Avaliação das estratégicas loco-regionais de articulação entre os níveis
de cuidado à saúde: estudo de múltiplos casos nos estados do Rio Grande do Sul, Mato
Grosso e Pernambuco
Pesquisadores Responsáveis: Profª. Drª. Maria Ceci Misoczki e Maria Clara Vieira Weiss
Esclarecimentos sobre a pesquisa: Este estudo tem por objetivo avaliar a articulação da
atenção básica com os demais níveis do sistema de saúde, considerando tanto as estratégias
oficialmente determinadas, quanto as desenvolvidas de forma criativa, resultado das práticas
do dia-a-dia realizadas nos contextos loco-regionais, tendo como um dos estudos de caso o
DSEI Cuiabá – MT, em seus Pólo-Base de Rondonópolis e Tangará da Serra.
As informações serão obtidas através de documentação registrada oficialmente nas
unidades de serviço em saúde utilizadas pelos usuários indígenas referenciados aos Pólo-
Base citados acima, inclusive as Casas de Saúde Indígena - CASAI, observação direta das
práticas de cuidado aos pacientes, aplicação de questionários adequados aos diferentes
participantes no processo – profissionais de saúde, gestores e reguladores dos procedimentos
clínicos, assim como entrevistas em profundidade com alguns usuários e líderes locais. Estas
entrevistas têm como objetivo identificar o nível de satisfação do usuário e dos demais
profissionais envolvidos no processo que busca garantir o acesso com qualidade dos serviços
de saúde oferecidos nas unidades de referência.
Esclarecemos que a pesquisa não faz parte de nenhum programa de governo e não
oferece nenhum risco para os entrevistados mas, se por ventura, as perguntas causarem
algum constrangimento asseguraremos que as mesmas serão interrompidas. A pesquisa
contribuirá na qualificação dos trabalhadores de saúde com os quais a equipe de pesquisa
estará interagindo, considerando tanto a construção coletiva dos conhecimentos obtida com a
prática do dia-a-dia quanto a experiência em procedimentos já estabelecidos de pesquisa.
246
Qualquer informação adicional sobre o estudo pode ser solicitada a qualquer
momento para a Prof. Drª Maria Clara V. Weiss (ISC/UFMT) telefone (65) 3615-8881 ou
Maria Ceci Misoczki (EA/UFRGS) telefone (51) 3316-3086 e/ou Karem Dall”Acqua Vargas
telefone (65) 3023 4421.
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Participantes da Pesquisa
Eu, ................................................................................................................. estou informado
dos objetivos, procedimentos, riscos e benefícios desta pesquisa, descritos acima.
Entendo que terei garantia de confidencialidade, ou seja, que apenas dados consolidados
serão divulgados e ninguém além dos pesquisadores terá acesso aos nomes dos participantes
desta pesquisa. Entendo também, que tenho direito a receber informações adicionais sobre o
estudo a qualquer momento, mantendo contato com os pesquisadores principais. Fui
informado ainda, que a minha participação é voluntária e que se eu preferir não participar ou
deixar de participar deste estudo em qualquer momento, isso NÃO me acarretará qualquer
penalidade.
Compreendo tudo o que me foi explicado sobre o estudo a que se refere este documento e
concordo em participar do mesmo.
PARTICIPANTE: ...............................................................................................
PESQUISADOR: ................................................................................................
LOCAL: .............................................................. DATA: ......./ ......../ 2007.
OBS.: Autorização solicitada antes das entrevistas
247
Anexo 10 – Parecer do CONEP/MS.
248
249
Anexo 11 – Parecer final do CEP/HUJM/UFMT
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