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LUCIANA SANFELICE BAZANELLA
A EVOLUÇÃO DO GERENCIAMENTO DE COMUNICAÇÃO
DAS MARCAS
Dissertação apresentada como requisito para obtenção do
grau de Mestre, pelo Programa de Pós-graduação da
Faculdade de Comunicação Social da Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul.
Orientadora: Profa. Dra. Maria Helena Steffens de Castro
Porto Alegre
2008
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LUCIANA SANFELICE BAZANELLA
A EVOLUÇÃO DO GERENCIAMENTO DE COMUNICAÇÃO
DAS MARCAS
Dissertação apresentada como requisito para obtenção do
grau de Mestre, pelo Programa de Pós-graduação da
Faculdade de Comunicação Social da Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul.
Aprovada em _____ / _____ / 2008.
BANCA EXAMINADORA
__________________________________________________________
Orientadora: Profa. Dra. Maria Helena Steffens de Castro
__________________________________________________________
Prof.(a) Examinador(a):
__________________________________________________________
Prof.(a) Examinador(a):
Porto Alegre
2008
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Para o Clã Sanfelice Bazanella
De onde venho, o que sou, e para onde sempre quero voltar
RESUMO
Em face ao crescimento da importância do consumo na economia e na sociedade, a
dinâmica da comunicação das marcas vem se transformando significativamente e ganhando
relevância na concepção das estratégias empresariais. O mercado saturado de ofertas e apelos
publicitários enfrenta o intenso desenvolvimento de novas tecnologias, procurando criar novas
estratégias de comunicação das marcas. Dado esses fenômenos, as abordagens teóricas
amparadas na lógica que privilegia o produto em detrimento da marca mostram-se
insuficientes. A partir de uma perspectiva semiótica, discutiu-se a evolução do gerenciamento
de comunicação das marcas comerciais desde sua gênese, no início do século XX, até os dias
atuais, na busca de compreender o processo de evolução do gerenciamento das marcas, que
iniciou com um paradigma de comunicação unidirecional e chegou ao cenário contemporâneo
em processo de alta interatividade. O percurso metodológico é guiado pelo método de
sociologia compreensiva proposto por Michel Maffesoli. As técnicas empregadas foram as de
Entrevista em Profundidade, que explora o assunto através do conhecimento e a experiência
dos entrevistados e a Análise de Discurso, de abordagem do tipo hermenêutica, de inspiração
semiológica. Ao relacionar seus depoimentos com os aspectos levantados no estudo, propõe-
se traçar um panorama das verdadeiras mudanças que estão acontecendo no gerenciamento
das marcas. Em uma abordagem prospectiva, essa dissertação ressalta a necessidade da
incorporação do consumidor nas estratégias de comunicação de marcas, considerando a
interação como o fator mais relevante desse novo contexto.
Palavras-chave: Marca. Consumidor. Tribalização. Semiótica. Interatividade.
ABSTRACT
In view of the growing importance of consumerism to the economy and society,
brand communication dynamics have changed significantly and have become more and more
relevant for the creation of business strategies. Saturated with advertising offers and appeals,
the market faces the intense development of new technologies while it tries to create new
brand communication strategies. Given these phenomena, theoretical approaches supported by
the logic that privileges the product to the detriment of the brand have proven to be
unsatisfactory. From a semiotic perspective, we discussed the evolution of commercial brands
communication management from its origin, in the beginning of the XX century, till today, in
an attempt to understand the brand management evolution process, which began based on a
unidirectional communication paradigm and reached the contemporary scenario in a process
of high interactivity. The methodological route is guided by Michel Maffesoli‟s
comprehensive sociology method. We used the following techniques: In-depth Interviews,
which explore the subject through the knowledge and experience of the interviewees, and the
Speech Analysis, hermeneutical type approach based on semiology. By relating their
statements to the aspects raised by the study, we intend to draw a panorama of the true
changes that are taking place in brand management. In a prospective approach, this thesis
points out the need for the incorporation of consumers in brand communication strategies,
considering interaction as the most relevant factor in this new context.
Key words: Brand. Consumer. Tribalization. Semiotics. Interactivity.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ............................................................................................................. 8
2 ESTRATÉGIAS METODOLÓGICAS .................................................................... 15
2.1 SOCIOLOGIA COMPREENSIVA .......................................................................... 15
2.2 TÉCNICA PARA ENTREVISTAS E SELEÇÃO AMOSTRAL .......................... 17
2.3 ANÁLISE DE DISCURSO E TÉCNICA DE ANÁLISE DAS ENTREVISTAS . 21
2.3.1 O campo semiolingüístico ........................................................................................... 21
2.3.2 Técnica de análise da fala dos entrevistados ............................................................ 24
3 A DINÂMICA TRADICIONAL DAS MARCAS .................................................... 26
3.1 CONTEXTO O SURGIMENTO DA MARCA E SUA CONSOLIDAÇÃO
NO MERCADO .......................................................................................................... 26
3.2 CONSUMIDOR UMA VISÃO DA MODERNIDADE ........................................ 30
3.3 COMUNICAÇÃO A GÊNESE DAS TÉCNICAS DE COMUNICAÇÃO
NO GERENCIAMENTO DE MARCAS ................................................................. 32
3.4 ABORDAGENS TEÓRICAS TRADICIONAIS SOBRE GERENCIAMENTO
DE MARCAS .............................................................................................................. 39
4 A NOVA DINÂMICA DAS MARCAS ..................................................................... 45
4.1 CONTEXTO - A CONTEMPORANEIDADE E O CRESCIMENTO
DA IMPORTÂNCIA DAS MARCAS ...................................................................... 45
4.2 UM NOVO CONSUMIDOR ..................................................................................... 52
4.3 ABORDAGENS TEÓRICAS SOBRE MARCAS UMA PERSPECTIVA
SEMIÓTICA ............................................................................................................... 55
4.4 COMUNICAÇÃO EVOLUÇÃO DAS PRÁTICAS ............................................. 62
5 A TRANSIÇÃO DA COMUNICAÇÃO UNILATERAL PARA A
COMUNICAÇÃO INTERATIVA ............................................................................ 69
5.1 CONTEXTO A DESMATERIALIZAÇÃO DO CONSUMO ............................. 69
5.2 CONSUMIDOR AGRUPAMENTOS SOCIAIS POR AFINIDADES
E TRIBALIZAÇÃO ................................................................................................... 73
5.3 ABORDAGENS TEÓRICAS EVOLUÇÃO E CONVERGÊNCIA
DE IDÉIAS .................................................................................................................. 77
5.4 COMUNICAÇÃO 2.0 ................................................................................................ 82
6 O DISCURSO DOS PROFISSONAIS SOBRE A EVOLUÇÃO DA
COMUNICAÇÃO NO GERENCIAMENTO DAS MARCAS .................................. 88
6.1 CIRCUITO EXTERNO DAS FALAS ...................................................................... 88
6.2 PARECER GERAL DAS FALAS ............................................................................ 89
6.3 CONTEXTO CARACTERÍSTICAS DA SOCIEDADE E DO MOMENTO
HISTÓRICO ............................................................................................................... 92
7
6.4 CONSUMIDOR CARACTERÍSTICAS E COMPORTAMENTOS ................. 99
6.5 ABORDAGENS TEÓRICAS SOBRE MARCAS TRATAMENTOS
CONCEITUAIS DO TEMA .................................................................................... 108
6.6 COMUNICAÇÃO CARACTERÍSTICAS DO MERCADO E SUAS
FORMAS DE PRODUÇÃO E LEGITIMAÇÃO .................................................. 115
CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................... 130
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................... 137
ANEXOS ............................................................................................................................... 142
1 INTRODUÇÃO
É sempre com atraso que o amplamente vivido se torna objeto de análises ou mesmo
de observações por parte dos profissionais da teorização da vida social. Da mesma forma, é
discretamente, às vezes secretamente, que se difundem as mudanças importantes, até que um
dia se tornam evidências difíceis de negar, mesmo quando não compreendidas ou aprovadas,
o que poderá dar-se a posteriori.
1
Mas a temática da vida cotidiana não pode mais ser
negligenciada, e esse ressurgimento é significativo da mudança de paradigma que está
ocorrendo atualmente.
Na sociedade pós-moderna, observa-se um novo estado de tempo, uma relação
exacerbada com o consumo e com o novo. Esse estado das coisas caracteriza um movimento
de virtualização crescente, que reúne pessoas por centros de interesses comuns com base no
seu conhecimento partilhado do mundo, pois as mais poderosas forças organizadoras na
sociedade contemporânea são as atividades e relacionamentos que o ser humano usa para dar
sentido à sua vida.
Em nenhum momento da história o indivíduo esteve exposto a tantos apelos de
consumo e de informação. Essa é a era do excesso e da velocidade, o que leva as relações de
compra e venda a transcenderem a satisfação pelo utilitário, na busca do intangível. Ao
escolher como gastar seu tempo e seu dinheiro, geram-se comportamentos que, muitas vezes,
não são passíveis de enquadramento conforme as tradicionais categorizações do mercado e da
academia.
Uma série de fatores fez com que o comportamento do consumidor se assemelhasse
mais a um mosaico de interpretações do que a um rígido sistema de classificação
bibliotecário. A globalização, as novas tecnologias e a maior acessibilidade e transparência
das informações levaram à constituição de uma massa de consumidores volúveis e a modelos
caóticos de comportamentos de consumo.
1
A posteriori - do latim: daquilo que vem depois.
9
Poucas áreas nas empresas foram tão duramente atingidas por essas transformações
como as áreas do marketing e da comunicação. Isso porque, para atender a demandas cada vez
mais complexas, as empresas têm de lidar com custos mais altos, o que as leva a pressionar os
profissionais para entender melhor as necessidades dos consumidores, buscando fontes de
lucro em cada segmento e obtendo resultados mensuráveis.
Essa guerra do marketing será uma guerra de marcas. Se, por um lado, essa
afirmação outorga aos defensores da marca um grande poder nas organizações, por outro, leva
a discussão sobre as marcas para uma esfera de sofisticação que alcança patamares inéditos e
requer estratégias à altura de tal realidade.
A motivação para o desenvolvimento desse trabalho vem da inquietação de perceber
as mudanças no cenário da comunicação de marcas. Essa situação é um paradoxo: ao mesmo
tempo em que rapidamente ruem as formas tradicionais de construir os significados de uma
marca, estas ganham cada vez mais importância na sociedade.
Assim, faz-se necessário refletir sobre os aspectos intangíveis que unem, religam,
integram e, num movimento contínuo, atualizam e determinam muitos movimentos sociais
através das marcas. Os estudos que prevalecem sobre o tema são as publicações com a
temática de branding,
2
em manuais de “dever fazer”, com uma abordagem excessivamente
pragmática e direcionada aos profissionais que buscam entender os processos de consumo
para orientar suas decisões gerenciais.
Assinala-se, portanto, a relevância desse estudo, à medida que a marca se firma como
um dos pilares sobre os quais o mercado se reorganiza e através do qual as instituições e
empresas não só se comunicam, como também propõem sua participação na sociedade a partir
da sua lógica. A presença maciça do discurso das marcas no espaço social é inegável, e a
necessidade de compreendê-lo torna-se cada vez mais relevante. Em uma sociedade regida
pelas leis de mercado, a compreensão dos mecanismos das marcas torna-se importante não
para os profissionais de marketing e comunicação, como também para a sociedade em geral.
2
Branding transformação da palavra de origem inglesa brand (marca) em verbo no gerúndio, branding é a
expressão corrente no mercado que designa o trabalho de construção de uma marca junto ao mercado. Sua
execução é tomada por ações que posicionam a marca e a divulgam no mercado.
10
O olhar desse estudo é comparativo, porém sem uma pretensão de perspectiva
histórica, e sim panorâmica, a fim de elucidar os princípios e pressupostos que legitimaram as
práticas do mercado de comunicação que hoje se encontram em xeque, devido às
transformações do mercado. Trata-se, portanto, de um trabalho exploratório, pois, através da
comparação das temáticas elencadas desde o nascimento das marcas comerciais até os dias de
hoje, é possível evidenciar a evolução do processo de comunicação das marcas. Apesar de
trazer vários fatos datados, não se constitui em uma linha de tempo, pois não tem uma
pretensão de esgotamento, e sim uma visão abrangente que permita reconhecer os aspectos
que fundam a necessidade de uma nova perspectiva para o gerenciamento de comunicação das
marcas.
Testemunha-se um período de ebulição para os comunicadores. As novas tecnologias
têm despertado muito interesse e suscitado questionamentos junto aos profissionais de
comunicação: no momento em que condições de estudar uma inovação, ela está
ultrapassada. O profissional de comunicação de hoje deve ser o grande sintetizador de
informações, à semelhança de um pára-raios. Seu sucesso dependerá de sua competência em
captar os dados, selecioná-los, processá-los, distribuí-los e combiná-los para formar juízos e
elaborar propostas. A ansiedade comum desses profissionais é a incerteza do dia de amanhã.
Muitas empresas, mesmo conscientes da renovada importância das marcas, ainda não
perceberam que, para gerir sua comunicação, visando a adequar suas estratégias, é preciso
repensar suas estruturas e processos para adaptá-los ao novo contexto. Essa é uma das razões
para explicar a falta de respostas condizentes aos novos desafios mercadológicos que se
apresentam. As empresas ainda operam em função de pressupostos ultrapassados, que não se
adaptam à inconstância do comportamento do consumidor atual.
Os profissionais de comunicação operam na pós-modernidade com premissas já
superadas: continuam priorizando suas atividades com ênfase na eficácia na comunicação a
partir da lógica do produto, enquanto os grandes desafios se dão na ordem do intangível e da
criação de mundos de sentido que hoje já norteiam os processos de decisão de consumo.
Dessas inquietações surgiu o grande questionamento do trabalho: buscar
compreender o processo de evolução do gerenciamento de comunicação das marcas, que
iniciou com um paradigma de comunicação unidirecional e chegou ao cenário contemporâneo
11
em acelerada transformação para um modelo interativo. A palavra evolução nesse contexto
não deve ser entendida como melhoria, e sim como a passagem de um estado a outro, o
desenvolvimento progressivo que caracteriza a mudança.
Sendo assim, os objetivos dessa dissertação são os seguintes: compreender a
evolução das marcas a partir do contexto situado na lógica do produto até a desmaterialização
do consumo em uma abordagem semiótica que trata as marcas como instâncias dotadas de
sentido; e compreender a nova dinâmica das marcas, em uma abordagem prospectiva,
refletindo sobre o papel da interação com o consumidor nesse novo contexto.
A fim de alcançar esses objetivos, os caminhos desse estudo foram delineados pelo
método da sociologia compreensiva, que propõe um olhar sociológico sobre o objeto, olhando
de longe o passado para enxergar mais longe o futuro. Maffesoli (1985) substitui o paradigma
da sociologia explicativa que separa, divide e explica através da via reta da razão. A razão
cognitiva da modernidade lugar à razão sensível da pós-modernidade, praticando o que o
autor chama de “sociologia da pele”, realçando o objeto sem se apoderar dele.
Fruto da observação e da participação da autora, publicitária e profissional de
marketing, esse estudo propõe-se a investigar os processos de construção da marca em um
contexto marcado pelas novas possibilidades de interação com o consumidor. No dizer de
Maffesoli (2006, p. 29), “trata-se de um situacionismo complexo, pois o observador está, ao
mesmo tempo, ainda que parcialmente, integrado nas situações descritas por ele”. Isso
determina uma relação não só de proximidade com o objeto, como de participação e interação
entre o observador e o objeto de sua análise.
A conivência e até a cumplicidade que se estabelece nessa relação faz com que o
pesquisador seja capaz de “apreender ou pressentir, as sutilezas, os matizes, as
descontinuidades de tal ou qual situação social” (MAFFESOLI, 1985, p. 44). Ainda, ao
substituir o conceito pela noção, abre-se espaço para comparar realidades distintas, com
abordagens teóricas diferentes, mediante “realidades aproximativas”. Essa atitude mental é
fundamental para a análise proposta de um fenômeno tão complexo, relevante e
contemporâneo como as marcas.
12
Ao fazer a escolha da problemática e do corpus,
3
o pesquisador depara-se com o fato
de que não há uma realidade única, e sim, diferentes formas de concebê-la. Portanto, a
classificação dos temas, sobretudo em estudos comparativos, faz com que seja desenhada uma
linha imaginária que delimita e organiza as informações de forma a facilitar a compreensão do
fenômeno a ser estudado. As categorias temáticas devem ser compreendidas como
modulações da forma; trata-se de uma lente para perceber a realidade. O recorte temático
proporciona um olhar comparativo e traz à tona os principais aspectos que evidenciam as
mudanças no gerenciamento de comunicação das marcas.
Sendo assim, a fim de responder ao problema estabelecido e às questões suscitadas
pelo mesmo, são elencados quatro grandes temas acerca dos quais serão analisadas as
características do gerenciamento de comunicação das marcas. Esses temas serão trabalhados
no interior de cada capítulo, privilegiando o olhar panorâmico sobre o gerenciamento de
comunicação das marcas, traçando um paralelo entre a comunicação tradicional no que tange
às marcas e os desafios impostos pelas mudanças no mercado, principalmente em função das
possibilidades abertas pelas novas tecnologias.
É possível, dessa forma, comparar a análise de cada tema, objetivando fazer um
retrato em que o todo se construa pela soma das partes e possa ainda transcender a separação
temática, utilizada apenas como ferramenta para a compreensão do objeto de estudo. Segundo
Maffesoli (1985, p. 30), as “categorias são irreais e não são, a não ser metodologicamente,
muito úteis para ilustrar, propor imagens de todos estes pequenos nadas significantes ou de
todas as estruturas macroscópicas que constituem nossas sociedades”.
No terceiro capítulo, será discutida, de acordo com as categorias temáticas
estabelecidas, a dinâmica tradicional das marcas. O referencial teórico está ancorado em
autores que analisam o fenômeno das marcas sob essa ótica, tais como Lauterborn,
Vestegaard, Nascimento e Aaker.
Posteriormente, durante o quarto capítulo, serão avaliadas as mudanças que
ocorreram ou ainda estão em curso, estabelecendo uma nova dinâmica. Para tanto, as
referências conceituais de Lipovetsky, Perez, Semprini, Carrascoza e Hall foram
3
Corpus Um corpus é um conjunto de textos que serve como base de análise.
13
fundamentais. Ainda nessa etapa, é introduzida a abordagem semiótica na compreensão das
marcas, referenciando Eco, Santaella, Semprini e Pierce.
No decorrer do quinto capítulo, serão estabelecidas comparações, incluindo a questão
da interação do consumidor, elemento fundamental que permeia as mudanças de paradigma
comunicacional que se presencia nos dias de hoje. A fundamentação teórica parte de autores
atentos às mudanças de paradigma, como Tapscott, Davis e Maffesoli, além de trazer os
conceitos de Keller e Kotler, para fins de comparação.
E, finalmente, será feita a relação entre as considerações levantadas nesse estudo
com os depoimentos de profissionais de reconhecida atuação no mercado de gerenciamento
das marcas, com o intuito de traçar um comparativo entre os discursos sobre as mudanças no
gerenciamento das marcas, verificando a hipótese de que a interação com o consumidor é
aspecto chave no novo contexto que se desenha.
A técnica utilizada é a da entrevista em profundidade, em função do caráter
exploratório desse estudo, com vistas a ampliar conceitos sobre a situação analisada. As
entrevistas serão analisadas de forma qualitativa, com o propósito de melhor explorar o
potencial da experiência de cada entrevistado.
As análises das entrevistas serão realizadas a partir da análise de discurso proposta
pela teoria de Patrick Charaudeau, assumindo a posição de abordagem hermenêutica, de
inspiração semiolingüística. Trata-se de um modelo radicalmente integrado das diferentes
dimensões que constituem o processo enunciativo, contemplando os elementos que se situam
numa dimensão estritamente lingüística, mas também os elementos inseridos na instância
extralingüística e, sobretudo, as relações que uns e outros mantêm entre si, no contrato de
comunicação estabelecido.
Finalmente, esse é um estudo que compreende a temática do cotidiano, porém com as
lentes do futuro. Esse propósito faz com que, ao mesmo tempo em que essas linhas são
escritas, elas podem estar se tornando obsoletas. No entanto, ao sistematizar a evolução da
comunicação das marcas, comparando o referencial teórico com a prática dos profissionais de
mercado, espera-se contribuir para compreender a pertinente questão da mudança de
paradigma comunicacional que influencia decisivamente nas práticas dos profissionais
14
envolvidos no gerenciamento de marcas, considerando que a constituição de níveis de
interação é fator decisivo para as marcas do futuro.
2 ESTRATÉGIAS METODOLÓGICAS
Neste capítulo, serão delineadas as estratégias metodológicas escolhidas como
caminho para a compreensão da evolução da comunicação das marcas, de forma a atingir os
objetivos deste estudo.
2.1 SOCIOLOGIA COMPREENSIVA
A premissa para compreender um fenômeno do qual se faz parte é aceitar o
pressuposto de que há um envolvimento do pesquisador em relação ao objeto pesquisado. Isso
requer uma estratégia metodológica que dê conta de manter a imparcialidade na colocação dos
fatos, bem como a possibilidade de interpretar otimizando o conhecimento e a experiência
adquirida na interação com as dinâmicas que se propõe analisar.
Quando se trata de um objeto em transformação, como é o caso do gerenciamento de
comunicação das marcas, adiciona-se a dificuldade de construir um estudo assertivo, uma vez
que as mudanças ainda não estão consolidadas para criar o referencial teórico com exemplos
práticos que possam auxiliar na compreensão.
Daí a escolha da abordagem da sociologia compreensiva, que não admite essa
participação do pesquisador, como também a valoriza, como um olhar “de dentro”. Esse olhar
exige uma atitude permanente de aproximação e afastamento do pesquisador: aproximação
para utilizar suas próprias experiências e vivências a fim de enriquecer a análise; afastamento
para possibilitar a inclusão imparcial das visões dos atores envolvidos no fenômeno.
Praticar a sociologia compreensiva é admitir que a rua é o laboratório do
pesquisador. Conseqüentemente, aliar a vivência ao ímpeto de descobrir, revelar e analisar as
mudanças que ocorrem no objeto de estudo selecionado é o desafio proposto nesse estudo,
visando a compartilhar o saber e trazer não somente respostas, mas também questionamentos
a serem futuramente respondidos em uma espiral de descoberta e conhecimento.
16
Relacionar acontecimentos aparentemente desconexos é atitude fundamental para
compreender aquilo que está sendo vivido no momento, especialmente em uma época de
efervescência comunicacional. Essa atitude assemelha-se à de um etnógrafo, conforme foi
dito a respeito da opção metodológica de Maffesoli:
Assim como existe o crítico de mídia e o sociólogo crítico da comunicação,
tomando-se Maffesoli como referência, pode-se imaginar um sociólogo
compreensivo da comunicação como poética globalizante do cotidiano. O narrador
do vivido como relação e interface, um etnógrafo da sociedade com um edifício que
se mantém pelo contato e pelo diálogo. Comunicação se mantém também pelos
subterrâneos dos imaginários populares na profundidade das aparências do cotidiano
(SILVA, 2004, p. 47).
Ao conjugar uma ótica participativa com a atitude de abrir mão de uma lógica de
“dever-ser”, Maffesoli abre a possibilidade da prática de uma sociologia compreensiva da
comunicação, ao mergulhar em seus complexos fenômenos.
É essa atitude metodológica que tornou possível interligar idéias para atingir os
objetivos delineados para esse estudo: compreender a evolução das marcas a partir do
contexto situado na lógica do produto até a desmaterialização do consumo em uma
abordagem semiótica que trata as marcas como instâncias dotadas de sentido; e compreender
a nova dinâmica das marcas, em uma abordagem prospectiva, refletindo sobre o papel da
interação com o consumidor nesse novo contexto.
As questões da pesquisa estão relacionadas com as noções de comunicação, consumo
e imaginário, trabalhadas em cada capítulo do referencial teórico. Maffesoli (1998) concentra
seus estudos na vida cotidiana e observa que esses aspectos são elementos marcantes de uma
nova cultura e um novo contexto que está nascendo, revolucionando o estar junto pós-
moderno. A partir dessas noções, buscou-se saber quais as mudanças em curso na dinâmica
das marcas, transformando o paradigma da comunicação unidirecional para uma comunicação
interativa no cenário contemporâneo. Trata-se de proceder por via de aproximações
concêntricas, por sedimentações sucessivas maneiras estas que se mostram respeitosas das
imperfeições e das lacunas que, por um lado, são empiricamente observáveis e, por outro, são
estruturalmente necessárias à existência enquanto tal (MAFFESOLI, 1985).
No entanto, essa flexibilidade não prescinde de uma forma para compreender o
fenômeno, e é nesse sentido que foram propostas as subdivisões como grandes temáticas a
17
serem desenvolvidas para traçar o panorama das mudanças no gerenciamento da comunicação
das marcas. Sendo assim, sem a pretensão do esgotamento do objeto, foi proposto o recorte de
quatro temáticas que percorrem o trabalho, desde o olhar para uma perspectiva do nascimento
das marcas comerciais até o cenário contemporâneo, complementando com as opiniões de
especialistas.
Sendo assim, no interior de cada capítulo, serão abordadas quatro categorias, a fim
de tematizar os principais aspectos que determinam o gerenciamento das marcas, a saber:
Contexto - características da sociedade e do momento histórico;
Consumidor - características e comportamentos;
Comunicação - características do mercado e suas formas de produção e
legitimação;
Abordagens teóricas sobre as marcas - tratamentos conceituais do tema.
Com o objetivo de privilegiar a fluência das idéias, as categorias não estarão
expostas necessariamente na mesma ordem no interior de cada capítulo e não estarão
apontadas necessariamente com o mesmo título. Essa tematização é inspirada no que
Maffesoli (1985) chama de formas estruturantes, que consistem nos fios diretores que
permitem organizar estudos comparativos, sem a “petrificação do objeto”.
Por conseguinte, embora à primeira vista a opção metodológica da sociologia
compreensiva pareça ser incompatível com a idéia de categorização do conhecimento, é na
proposta do próprio Maffesoli que foi inspirada a organização dos conteúdos desse estudo, em
uma perspectiva qualitativa que compreende as categorias como “modulações da forma”
(MAFFESOLI, 1985), utilizadas metodologicamente para evidenciar os principais aspectos do
objeto.
2.2 TÉCNICA PARA ENTREVISTAS E SELEÇÃO AMOSTRAL
As marcas colocam-se na sociedade através de um complexo sistema gerenciado
pelas empresas: sistemas de distribuição de seus produtos, bem como de seu discurso. Esse
18
sistema é orquestrado por profissionais que se dedicam a otimizar os esforços e investimentos
realizados na construção de marcas.
Parte-se, portanto, da premissa de que os profissionais que vivenciam essa realidade
no seu dia-a-dia e têm como desafio não somente analisar, como também prover soluções
adequadas aos desafios que se impõem para o gerenciamento das marcas, são atores
fundamentais para a compreensão desse fenômeno. Com o intuito de incorporar suas
percepções a respeito do momento de transição pelo qual passa o discurso das marcas, foram
realizadas entrevistas que visam a trazer a visão de especialistas para esse estudo.
A opção de técnica para as entrevistas partiu da necessidade de tratar conceitos e
visões a respeito de um tema subjetivo. A entrevista em profundidade é um recurso
metodológico que busca, com base em teorias e pressupostos definidos pelo investigador,
deter informações que se deseja conhecer.
Opta-se pela entrevista aberta em profundidade, que possibilita a descoberta de
pontos-de-vista acerca da temática. Essa escolha deu-se em função das diferentes experiências
de cada entrevistado. A entrevista aberta é propositalmente desestruturada, essencialmente
exploratória e flexível, não havendo uma seqüência predeterminada de questões ou
parâmetros de respostas. Em função disso, essa modalidade de entrevista permite melhor
utilizar o potencial do conhecimento de cada um, inclusive deixando que o próprio
entrevistado enfatize ou diminua a importância dos tópicos apresentados, conforme sua escala
de valor referente ao que está sendo discutido. Barros (2006, p. 65) define da seguinte forma
os procedimentos para a entrevista aberta:
Tem como ponto de partida um tema ou questão ampla e flui livremente, sendo
aprofundada em determinado rumo de acordo com aspectos significativos
identificados pelo entrevistador enquanto o entrevistado define a resposta segundo
seus próprios termos, utilizando como referência seu conhecimento, percepção,
linguagem, realidade, experiência. Desta maneira, a resposta a uma questão origina a
pergunta seguinte e uma entrevista ajuda a direcionar a subseqüente.
As inquietações que surgiram no decorrer deste estudo foram abordadas nas
entrevistas, buscando investigar se eram de fato relevantes, quais seus desdobramentos e de
que maneira cada entrevistado percebia a evolução dos processos comunicativos das marcas
contemporâneas.
19
Em relação à seleção amostral, para os fins dessa análise, optou-se pelo método não-
aleatório de amostragem intencional. A amostra é composta por elementos da população
intencionalmente selecionados pelo pesquisador, em função de sua representatividade para o
objetivo do estudo. Nesse caso, “a amostra não tem seu significado mais usual, o de
representatividade estatística de determinado universo. Está mais ligada à significação e à
capacidade que as fontes têm de dar informações confiáveis e relevantes sobre o tema de
pesquisa” (BARROS, 2006, p. 68).
A seleção dos entrevistados depende, portanto, do julgamento do pesquisador,
proveniente de critérios específicos. A escolha dos entrevistados teve ainda como
embasamento as três condições que fundamentam o direito à fala, segundo concepção de
Charaudeau (2006): reconhecimento do saber, reconhecimento do poder e reconhecimento do
saber-fazer ou credibilidade.
O reconhecimento do saber diz respeito à circulação dos discursos de verdades e
crenças, visto que os sujeitos de uma comunidade social constroem significados consensuais e
pontos de referência a respeito de suas práticas, tendo representações partilhadas concernentes
à percepção do tangível e do vivido.
o reconhecimento do poder, refere-se à legitimidade socioinstitucional,
considerando que os indivíduos são levados a desempenhar papéis diversos, devido à
complexidade de suas atuações enquanto atores sociais.
O reconhecimento do saber-fazer, por fim, diz respeito à credibilidade do sujeito,
combinando a legitimidade do poder e do saber, em um projeto de fala, consistindo em um ato
conjunto que se faz num movimento de vai-e-vem constante entre o espaço externo e interno
da cena comunicativa. A credibilidade representa uma competência, sendo, dessa maneira,
fundadora do direito à palavra. Dessa maneira, foram escolhidos profissionais com
credibilidade no mercado, a fim de garantir a representatividade de seus relatos.
O critério, portanto, para a seleção de amostra, é o conhecimento especializado dos
entrevistados, relativo ao gerenciamento de marcas, bem como o reconhecimento dos mesmos
como referência no mercado quando se trata dessa temática. Tal escolha foi fundamentada na
20
experiência profissional da autora, bem como no acesso aos profissionais com disponibilidade
para uma entrevista em profundidade.
Foram realizadas três entrevistas, no período de fevereiro a março de 2008, com
profissionais atuantes no mercado de comunicação e com destacado reconhecimento em
gerenciamento de marcas. A seguir, a apresentação dos entrevistados:
Arthur Bender Diretor Presidente da KeyJump
Entrevista concedida em 21/02/2008 na sede da KeyJump
Bender é publicitário, professor e palestrante com 20 anos de mercado publicitário e
10 anos como planejamento estratégico de marcas. Diretor de Planejamento da Celebrity
Personal Brand Consulting., vice-presidente de Planejamento da ADVB-RS e vice-Presidente
da ARP Associação Riograndense de Propaganda. Premiado por três anos consecutivos
como Profissional de Planejamento do Ano no RS, possui experiência no planejamento
estratégico de grandes marcas regionais, nacionais e experiência internacional no
planejamento de unificação da marca Telefônica Móvel na Europa e América Central.
Cesar Paz Diretor-presidente da AG2
Entrevista concedida em 28/03/2008 na sede da AG2
Paz possui em seu currículo a criação da AG2 em 1999. Sua experiência de sucesso
junto a marcas como Bradesco, Embraer, C&A, Bunge e GM fez da AG2 uma das maiores
agências de comunicação digital do Brasil. Cesar Paz também foi fundador e presidente da
AGADI (Associação Gaúcha das Agências Digitais) e fundador e diretor da APADI
(Associação Paulista das Agências Digitais).
Gilberto Giustina Diretor de Planejamento da DCS Comunicação
Entrevista concedida em 04/03/2008 na sede da DCS Comunicação.
Sua experiência contempla 15 anos na RBS, onde atuou como coordenador de
pesquisa da Zero Hora, gerente de pesquisa na corporação, gerente de marketing da Net,
gerente de marketing da corporação e gerente de marketing da RBS Plus. Após a RBS,
trabalhou como assessor de comunicação da CEE e três anos é diretor de planejamento da
DCS, uma das maiores agências de publicidade do Brasil. Além da DCS, Gilberto é professor
da ESPM (Escola Superior de Propaganda e Marketing do RS).
21
2.3 ANÁLISE DE DISCURSO E TÉCNICA DE ANÁLISE DAS ENTREVISTAS
Nesta seção será explicitado o embasamento teórico para a análise do material
coletado bem como a técnica desenvolvida para tal fim.
2.3.1 O campo semiolingüístico
A análise das entrevistas será realizada à luz da teoria de análise de discurso de
Patrick Charaudeau. Essa proposta metodológica se apóia sobre um corpus de textos cuja
organização semiodiscursiva se empenha em revelar. De acordo com Soulages (1996, p.144)
“ao desvelar uma série de efeitos pretendidos, os resultados destas análises permitem fazer
conhecer a consolidação de certo número de imaginários sociodiscursivos”.
A análise de um ato de linguagem consiste no confrontamento com o texto. A
intenção é extrair deste texto o máximo de informações, tudo aquilo que o compõe, tudo
aquilo que o constitui, portanto, que está presente, mas é preciso revelar. Tratam-se dos
“possíveis interpretativos” que se cristalizam no ponto de encontro dos processos de produção
e interpretação, ou seja, o produto de uma análise de discurso.
Partindo do pressuposto de que analisar um discurso não é simplesmente pretender
compreender a intenção do sujeito que comunica ou simplesmente dá conta da interpretação
do receptor, Charaudeau (1983) propõe que o sujeito que analisa o discurso seja um
“colecionador de pontos de vista interpretativos”, para que possa, através destes, extrair, por
comparação, constantes e variáveis.
Charaudeau adota uma reflexão epistemológica para a noção de discurso. Para ele,
todo ato de fala, todo ato social é um ato de interação. Assim sendo, analisar um texto não é
nem pretender dar conta apenas do ponto de vista do sujeito comunicante, nem ser obrigado a
poder considerar o ponto de vista do sujeito interpretante. Deve-se, sim, dar conta dos
possíveis interpretativos que surgem (ou se cristalizam) no ponto de encontro dos dois
processos de produção e interpretação.
22
A característica integradora das dimensões que constituem o processo enunciativo é
que faz da perspectiva do autor um avanço no domínio dos estudos sobre a linguagem
(MARI; SILVA E MENDES, 1996). Contempla-se, de forma orgânica, não os elementos
que se situam numa dimensão estritamente lingüística, mas também os elementos inseridos
em uma instância extralingüística, bem como as relações que uns e outros mantêm entre si.
Tendo isso em vista, toma-se a visão de Charaudeau para a análise de discurso. O
discurso é compreendido contemplando o ponto de vista de quem emite, recebe e interpreta a
fala, através de uma estrutura em três níveis:
Sentido comunicativo: todos os vocábulos e enunciados discursivos são
interpretáveis quando se relacionam com uma exterioridade que lhe acrescenta um significado
social modos de falar e escrever em função da situação e dos papéis linguajeiros que
justifiqem o direito à palavra.
Sentido situacional: se ocupa do espaço externo, limitador do ato de
linguagem determinando suas finalidades, a identidade dos sujeitos, o domínio do saber e a
sua dimensão temporal. O sujeito da linguagem é teorizado através do espaço externo do ato
de linguagem, a partir do diálogo que se estabelece entre o processo de produção e de
interpretação.
Sentido lingüístico (semiótico): nesse espaço é construída uma visão
simbolizada e referencial do mundo em relação à exterioridade do ato de linguagem. Lugar de
intervenção do enunciador que deve satisfazer as condições de legitimidade, credibilidade e
de captação para compor um texto. O sentido do discurso se constrói ao término de um
processo duplo de significação de transformação e de transação:
Processo de transformação: Consiste em transformar o mundo a significar em
mundo significado acontece quando os entrevistados falam sobre a dinâmica das marcas e
seu parecer sobre o que acontece no mercado e na sociedade.
Processo de transação: Caracteriza-se por dar ao emissor um significado
psicossocial a seu ato acontece na relação entre entrevistadora e entrevistado. A
entrevistadora, como participante do mesmo meio e integrada nas questões abordadas, é
percebida pelos entrevistados de forma a utilizar linguajar específico, tentando evitar
lugares-comuns” e já partindo do pressuposto de entendimento de conceitos da comunicação.
23
Sendo assim, os entrevistados evitavam dar respostas simples ou falar sobre questões que
julgavam ser de senso comum para um profissional da área.
Para o autor, um ato de linguagem indica uma intencionalidade dos sujeitos falantes,
que depende de suas identidades, resulta de um objetivo de influência e é portador de um
propósito sobre o mundo. É a partir desse pressuposto que serão analisadas as falas dos
entrevistados, com vistas a relacioná-las de forma a indicar um panorama sobre as
transformações que ocorrem na maneira de gerenciar as marcas. A dinâmica proposta pelo
autor pode ser mais bem visualizada através do quadro abaixo:
Figura 1: Processo de significação do discurso
Processo de
Transformação
Processo de
Transação
Processo de
interpretação
24
É possível dizer que é considerado um todo de significação, que integra o espaço
externo e o interno da linguagem, em que somente uma parte é explícita e uma outra é
implícita. Dessa forma, as palavras não possuem um sentido fixado a priori,
4
mas estão em
plena construção de significado. Daí o desafio de analisar as entrevistas que, por seu caráter
subjetivo derivado da necessidade de buscar a opinião subjetiva e qualitativa de profissionais
do mercado, possuem uma grande quantidade de possíveis interpretativos.
O analista/pesquisador está em uma posição de coletor de pontos de vista e, por meio
de comparação, deve extrair constantes e variáveis do processo analisado. No caso deste
estudo, o papel da autora é duplo no que tange às entrevistas: assume o papel de interlocutora
quando entrevistadora, e de analista quando da análise do discurso formado pela fala dos
entrevistados.
2.3.2 Técnica de análise da fala dos entrevistados
As entrevistas serão analisadas a fim de investigar de que forma os profissionais
entendem os aspectos abordados neste estudo, bem como se as considerações referentes à
evolução e mudança na dinâmica das marcas encontram respaldo na prática de mercado.
Realizou-se uma articulação das falas com o referencial teórico, tomando os mesmos
dados sob diferentes pontos de vista em relação ao tema estudado. Dentro de cada categoria
abordada, mostraram-se os principais pontos levantados nas entrevistas, tomando por base a
fala de cada sujeito, a qual foi recortada do discurso de acordo com as temáticas abordadas.
As falas mais significativas foram classificadas de acordo com as mesmas categorias
temáticas dos capítulos do referencial teórico, a fim de complementar e confrontar com os
principais aspectos da pesquisa.
A fim de revelar o caráter da fala dos entrevistados, suas opiniões, crenças e
constatações, a análise das entrevistas se utilizará das marcas do modo de organização
enunciativo do discurso. No âmbito da análise de discurso, o verbo enunciar se refere ao
4
A priori - do latim: partindo daquilo que vem antes.
25
discurso que considere a posição que o sujeito falante ocupa em relação ao interlocutor, em
relação ao que ele diz e em relação ao que o outro diz (CHARAUDEAU, 1996).
O modo de organização enunciativo possui três funções, a saber: “estabelecer uma
relação de influência entre locutor e interlocutor num comportamento alocutivo; revelar o
ponto de vista do locutor, num comportamento elocutivo; retomar a fala de um terceiro, num
comportamento delocutivo” (CHARAUDEAU, 1996, p. 82).
A técnica de análise, portanto, consistirá em buscar as marcas no discurso que
definam os comportamentos enunciativos como alocutivo, delocutivo ou elocutivo. Através
da identificação e análise dessas marcas, é possível identificar o que, para os entrevistados, é
crença, relato, opinião, e assim por diante.
Finalmente, cabe salientar o caráter exploratório das análises, pois é pertinente
questionar: “sobre em que nos apoiamos para fazer inferências interpretativas‟?” Segundo
Charaudeau (1996), é nesse momento que se revela o ponto de vista do pesquisador, que se
alimenta de diversos conceitos fragmentados para construir seu quadro de análise.
Tal proposição é coerente com a sociologia compreensiva de Maffesoli, que valoriza
o olhar de dentro, conforme referenciado anteriormente. Por conseguinte, esse estudo não
trará uma verdade acabada e definitiva, mas novas reflexões acerca da dinâmica das marcas, a
fim de abrir novas possibilidades de compreensão.
3 A DINÂMICA TRADICIONAL DAS MARCAS
Mesmo as mercadorias que os vendedores expõem em suas bancas valem não por si próprias
mas como símbolos de outras coisas: a tira bordada para a testa significa elegância;
a liteira dourada, poder; os volumes de Averróis, sabedoria;
a pulseira para o tornozelo, voluptuosidade
Ítalo Calvino Cidades Invisíveis
Neste capítulo, serão delineadas as características da sociedade, palco do surgimento
e do desenvolvimento de um mercado regido pela gica das marcas, bem como os
pressupostos conceituais que ancoraram o desenvolvimento das técnicas de branding.
3.1 CONTEXTO O SURGIMENTO DA MARCA E SUA CONSOLIDAÇÃO NO
MERCADO
As marcas antecedem o marketing. A essência do seu gerenciamento estende-se por
toda a história humana. Basta olhar detidamente para as religiões, para as nações e causas
ideológicas, que sempre tiveram símbolos de identificação, em torno dos quais os grupos
interagem. As marcas são os resultados da necessidade humana de representar algo para si e
para os outros, em um processo de significação que pode ter os mais diversos objetivos:
demarcar algo como propriedade, agradecer aos deuses, identificar a origem de algo. Enfim,
trata-se da prática eminentemente humana de simbolizar, representar e significar.
Desde a pré-história, o homem vem criando símbolos e usando figuras da natureza,
como o sol e a lua, para representar algo. As primeiras marcas surgem entre os anos 900 e
1200 a.C./d.C., devido às questões de comércio entre as cidades. Eram as marcas de pureza e
foram os primeiros registros de certificado de qualidade de que se tem comprovação histórica.
Tais marcas gráficas representavam a Prata de Lei, sinônimo de grande pureza ou de
alta qualidade, segundo o império que as criava (LAUTERBORN, 2007). O artifício de
utilizar marcas de família ou brasões para distinguir seus produtos era também uma prática
27
utilizada por artistas e artesãos, uma vez que as marcas de identificação, de autoria, de origem
e de procedência eram maneiras de valorizar as suas obras.
No entanto, as marcas comerciais, como hoje se conhece, são um fenômeno
relativamente recente e em permanente modificação. A gênese da marca comercial é
contemporânea do início da era de consumo de massa, que inicia por volta dos anos 1880
(LIPOVETSKY, 2007).
Nessa fase, surge a infra-estrutura necessária (transportes e comunicação) para a
ampliação do alcance dos mercados. O fenômeno da urbanização se acelera e começam a
surgir os grandes mercados urbanos. Nos países mais avançados, começavam a ocorrer
mudanças nos processos de produção e de vendas.
Lauterborn (2007) lista como exemplo algumas marcas que nasceram nesse período e
que são referência de qualidade até os dias de hoje: Dupont (1802), Colgate (1806), Evian
(1826), Procter e Gamble (1837), Goodyear (1839), John Deere (1843), Siemens (1847),
Levi´s (1853), Bayer (1863), Nestlé (1866), Hering (1880), Coca-Cola (1885), General
Electric (1892), Gilette (1895) e FIAT (1899).
Até os anos 1880, “os produtos eram anônimos, vendidos a granel e as marcas
nacionais, muito pouco numerosas” (LIPOVETSKY, 2007, p. 29). Porém, o desenvolvimento
da produção em larga escala ocasiona, pela primeira vez na história, um excesso de oferta
frente à capacidade de absorção do mercado. Tal momento histórico acaba por “inventar” o
marketing de massa e o consumidor moderno.
Nas organizações desse período, as palavras-chave eram especialização,
padronização, repetitividade, elevação dos volumes de produção. A indústria passava a ser a
nova forma de enriquecimento, em detrimento do cultivo da terra. A grande fábrica,
construída para produzir em larga escala, passou a ser o símbolo dessa era. Muitas famílias
tradicionais criaram fábricas e adotaram como marca seus próprios nomes, como Ford,
Mercedes-Benz, Matarazzo e Hering, entre outras.
28
Um dos marcos do início do culo XX foi a fabricação do Ford T,
5
o primeiro
automóvel destinado ao grande público e não somente à classe dominante, pois era fruto da
primeira linha de produção em série. Na sociedade industrial, marcada pela nova forma de
produção, inaugura-se uma nova dinâmica de mercado com uma lógica muito mais
quantitativa do que qualitativa e caracterizada por um grande apetite mercadológico pelas
novidades possibilitadas pelas novas tecnologias de produção.
As novas tecnologias aumentaram geometricamente a capacidade produtiva das
fábricas, sendo o embrião do excesso de ofertas que mais tarde seria um dos fatores que
desencadearia um novo momento no universo do consumo.
A imagem de poder das empresas era muito associada à sua capacidade produtiva e,
por conseguinte, à grandeza do parque fabril. Essa força era considerada a fonte de
credibilidade transferida para o produto. Se o fabricante era poderoso, seus produtos,
certamente, seriam os melhores. Fábrica era praticamente sinônimo de empresa. A partir desse
critério de legitimação de competência, as organizações focavam seus esforços e
investimentos na ampliação de sua capacidade produtiva, considerada o principal ativo que
uma empresa poderia ter.
Observava-se um período de intensas evoluções tecnológicas que eram guardadas
com zelo pelas empresas, as quais procuravam retardar o ciclo de inovações da concorrência,
primando pelo desenvolvimento de metodologias produtivas próprias e exclusivas. Em um
mercado focado na produção para atender a demanda do pós-guerra, e com um grande volume
de novidades no mercado, a concorrência ainda era incipiente e o entendimento da maioria
das companhias caminhava no sentido de produzir e vender para produzir ainda mais e
melhor.
A aceleração dos processos produtivos exigia uma estratégia de distribuição
mercadológica nas mesmas proporções. Era fundamental produzir em massa e vender em
massa. O desenvolvimento das grandes áreas com auto-serviço nos supermercados e a prática
sistemática de desconto vieram responder a essa exigência (LIPOVETSKY, 2007).
5
Ford T - Ford Modelo T, conhecido no Brasil como Ford de Bigode, foi o produto da fábrica norte-americana
que popularizou o automóvel e revolucionou a indústria automobilística, tanto que foi escolhido como o Carro
29
A nova filosofia comercial vigente, de lucrar a partir da quantidade de produtos
vendidos a preços mais baixos no lugar de vender menos produtos a preços mais altos, foi
estabelecida nesse período, em que a crescente quantidade de mercadorias colocadas à
disposição no mercado forçava a espiral de ofertas sempre renovadas.
Como conseqüência, a lógica de quantidade e a inédita mobilização para o consumo
geravam uma euforia mediante as promessas de felicidade e bem-estar da sociedade de
consumo de massa. Segundo Lipovetsky (2007, p. 35), “de um lado, a sociedade de consumo
de massa apresenta-se através da mitologia da profusão, como utopia realizada. De outro, ela
se pensa como marcha rumo à utopia, exigindo sempre mais conforto, sempre mais objetos e
lazeres”.
De acordo com Baudrillard (2007), na sociedade de consumo, pela primeira vez na
história da humanidade, os homens de mais poder estão cercados de objetos e não de pessoas.
A distinção social por meio de objetos não é uma idéia inventada nesse período, mas pela
primeira vez havia uma democratização do consumo, alcançando uma inédita parcela da
população.
Na segunda metade do século XX, os meios de comunicação de massa
desempenhavam um papel fundamental: disponibilizar à população os apelos de consumo, por
intermédio da incipiente técnica publicitária. Os veículos massivos, com destaque para a
televisão, nos anos 1950, funcionavam como um rito social que anulava as distinções
individuais a fim de comunicar com o “eu coletivo (VESTEGAARD, 1994), criando assim a
idéia de massa.
A tríplice invenção da publicidade, da embalagem e da marca comercial
(LIPOVETSKY, 2007) inaugurou a fase de sistematização do conhecimento sobre marcas,
como forma de otimizar os investimentos em comunicação e distribuição do produto no
mercado.
do Século XX. Vigésimo projeto da marca, a partir de 1903, foi produzido por 19 anos entre os anos de 1908 e
1927.
30
O design
6
de produto, ancorado em uma teoria funcionalista em que a forma e a
função deveriam integrar-se, evoluiu juntamente com o design de marca, e começaram a
surgir os primeiros manuais de identidade corporativa. O crescimento da importância do tema
se em função da rápida expansão da cultura de marca: essa passou a ser o dispositivo de
mediação através do qual as empresas se relacionavam com o mercado. Os autores da área da
administração foram os primeiros a dedicarem-se ao tema e acabaram por lançar as bases para
a compreensão que hoje ainda vigora entre a maioria dos profissionais.
3.2 CONSUMIDOR UMA VISÃO DA MODERNIDADE
Na sociedade pré-industrial, a produção e o consumo correspondiam a necessidades
tidas como naturais, em um sistema que não operava segundo a força do desejo, e sim da
necessidade (SODRÉ, 1996).
É a partir da invenção da marca e da publicidade que nasce uma nova relação de
compra e venda: o consumidor passa a relacionar-se com o fabricante diretamente, pois a
marca o identifica. Surge uma nova dinâmica de consumo, na qual o consumidor compra uma
assinatura juntamente com o objeto em si. É a garantia da padronização das características do
produto.
A rápida elevação do nível de vida médio, possibilitada pela democratização do
acesso a bens de consumo, cria uma ambiência de estimulação dos desejos, a euforia
publicitária, a imagem luxuriante das férias, a sexualização dos signos e dos corpos”
(LIPOVETSKY, 2007, p. 35).
É a gênese da figura do consumidor, visto como o receptáculo de todos os novos
produtos que inundavam o mercado. As empresas precisavam escoar sua crescente produção
para um mercado em formação. Nasce, assim, a comunicação publicitária como meio de
6
Design é um esforço criativo relacionado à configuração, concepção, elaboração e especificação de um
artefato. Esse esforço normalmente é orientado por uma intenção ou objetivo, ou para a solução de um
problema.
31
influenciar o mercado. Veestegard (1996, p. 3) define dessa maneira as premissas para o
nascimento da propaganda:
Na medida em que o aparelho de produção de uma sociedade não esteja
suficientemente desenvolvido para satisfazer mais que as meras necessidades
materiais da sua população, é claro que não lugar para a propaganda. Para que
esta tenha algum sentido, pelo menos um segmento da população terá que viver
acima do vel da subsistência: no momento em que isso acontece, os produtores de
bens materialmente desnecessários devem fazer alguma coisa para que as pessoas
queiram adquiri-los, e por isso a propaganda é necessária.
A condição sine qua non
7
para a construção de um discurso publicitário, em termos
de processo de produção, é a possibilidade de agrupar os consumidores em grupos com as
mesmas características, pelo menos no que concerne ao consumo do produto que se quer
anunciar.
A partir de um modelo de estratificação social, focada principalmente nos atributos
de classes sociais (VESTEEGARD, 1996), os publicitários criavam as campanhas com base
nas intenções desse alvo imaginado: o consumidor ideal.
Ora, consumidor é apenas mais uma denominação para ser humano, visto sob a ótica
de suas decisões de compra. E é o caráter funcionalista de compreensão dessa figura que faz
com que muitos pressupostos de práticas de mercado sejam construídos.
Kapferer (2003, p. 82) chega a afirmar que “não cabe ao público dizer o que deve ser
a marca: a marca deve ter sua própria identidade”. Tal abordagem denota o caráter passivo
atribuído ao consumidor e o sentido unidirecional da comunicação das empresas com o
mercado.
No momento do surgimento das marcas, uma visão do consumidor como o alvo
das estratégias de marcas, em uma perspectiva que o considerava como a conclusão do
processo de comunicação. As empresas produziam um determinado produto, que demandava
uma estratégia de promoção, que tinha por objetivo comunicar e informar o consumidor
acerca de sua disponibilidade em uma dada praça (ponto de venda, ou local), a um
7
Sine qua non A tradução literal de sine qua non é "sem a qual não", a indicar que uma condição, fator,
cláusula ou circunstância é essencial, indispensável para a realização de determinado ato, evento ou
circunstância.
32
determinado preço. A essa figura passiva de consumidor, cabia apenas aceitar ou rejeitar o
produto através de seu poder de compra.
A dimensão do poder do consumidor começa a ser percebida com a sofisticação e
profissionalização da comunicação. Um case
8
que se tornou um clássico exemplo disso foi a
experiência da Coca-Cola, a maior marca mundial até os dias de hoje.
Nos anos 70, incomodada com o crescimento ininterrupto de sua nova concorrente, a
Pepsi, a Coca-Cola partiu para um reposicionamento de mercado. Naquele momento, a Coca-
Cola detinha vantagens na distribuição, no preço e no investimento em propaganda
(NASCIMENTO, 2007).
Contudo, em testes cegos conduzidos nos EUA, a Pepsi demonstrava que o seu
produto era preferido em função do sabor levemente mais adocicado. A conclusão da diretoria
da empresa foi a de que havia um problema com o produto em si. Sendo assim, a fórmula da
Coca-Cola foi alterada e lançada em um projeto de proporções mundiais.
O resultado foi uma violenta reação dos consumidores, que organizaram protestos e
manifestações incisivas pedindo o retorno do sabor clássico da Coca-Cola sob a alegação de
que a empresa estava “matando” um símbolo americano.
Esse caso é emblemático em demonstrar o quanto o produto não pode ser
considerado o ponto de partida para compreender os significados da marca, e até que ponto os
consumidores detêm o poder no que tange à identidade da marca.
3.3 COMUNICAÇÃO A GÊNESE DAS TÉCNICAS DE COMUNICAÇÃO NO
GERENCIAMENTO DE MARCAS
No ano de 1875, nasceu, nos EUA, a primeira agência de propaganda, a J. Walter
Thompson Co. Seus objetivos eram vender anúncios nas revistas e nos jornais da época, e
8
Case Do inglês, significa “caso”. Termo utilizado no jargão dos profissionais da área da publicidade para
designar uma situação de implementação de estratégias e técnicas cujo resultado é considerado digno de
estudo ou adoção como modelo de melhores práticas.
33
criar folhetos e catálogos de apresentação desses produtos e das companhias
(LAUTERBORN, 2007, p. 29).
Nessa época, com o advento e o rápido desenvolvimento do mercado editorial, surgiu
a publicidade moderna, fruto da necessidade de financiamento para a viabilização dos
veículos de comunicação.
A propaganda,
9
considerada por muitos um verdadeiro espelho da sociedade,
também é um importante elemento indicativo no processo de construção das marcas ancorado
na identificação de produtos.
Nos anos 1950, em plena era desenvolvimentista, cuja tônica era a industrialização,
ela também refletia esse foco no produto (NASCIMENTO, 2007). Seu papel era vender o que
a empresa produzia, atraindo consumidores e criando novos hábitos. Como vender aspiradores
para um público que não sabia para que servia um aspirador? De forma didática, com
anúncios voltados a ensinar o consumidor a usar o produto, através de textos informativos e
descritivos.
Presenciou-se, então, o nascimento da linguagem publicitária moderna: a era da
mensagem funcional. Em termos de design, os cartazes, painéis e anúncios impressos seguiam
os padrões e estilos artísticos da época, que eram criados por artistas que, para obter uma
renda mais regular, faziam trabalhos também para publicidade. Os textos eram realizados por
escritores, advogados e até religiosos, pessoas consideradas capazes de fazer bom uso da
língua, uma vez que não havia profissionais especializados na incipiente indústria da
propaganda.
Nessa época, quase todos os meios de comunicação de massa possuíam conteúdo e
espaço publicitário. Assim, a importância da atividade publicitária cresceu, mesmo ainda
mantendo o seu estilo relativamente ingênuo e artístico até os anos 1960, quando a atividade
começa a se profissionalizar devido à chegada dos departamentos de marketing de empresas
multinacionais, mais aperfeiçoados tecnicamente.
9
Propaganda = publicidade. É importante registrar que aqui não faremos nenhuma distinção entre os termos
propaganda e publicidade pelo uso corrente como sinônimos no mercado brasileiro. Quando chamamos o
indivíduo que faz propaganda de publicitário, fica mais claro o porquê da não distinção.
34
A propaganda travava uma batalha com o consumidor, ela precisava vencer todos os
obstáculos para persuadi-lo a comprar. A tarefa do homem de propaganda” consistia em
chamar a atenção, despertar o interesse, estimular o desejo, criar convicção e induzir à ação
(VEESTEGARD, 1997).
As práticas publicitárias foram fortemente influenciadas pela obra de David Ogilvy,
intitulada “Confissões de um publicitário”, lançada em 1963, que abordava aspectos práticos
da propaganda. Um de seus méritos foi criar regras simples para fazer anúncios e sistematizá-
las em procedimentos pragmáticos e concisos. Em decorrência de tal contribuição, a obra veio
a transformar-se rapidamente em referência nas faculdades de propaganda, que estavam em
fase de nascimento.
A publicidade também foi influenciada pela Teoria da Gestalt,
10
cujo princípio
fundamental é obter a compreensão de algo através de uma compreensão do todo, e não de
uma decomposição de suas partes.
Ao assumir esse princípio gestáltico de que a análise das partes nunca pode
proporcionar uma compreensão do todo, uma vez que o todo será definido pelas interações e
interdependências das partes, a técnica publicitária buscou a otimização de cada uma de suas
“partes”. Em um anúncio, podem ser consideradas “partes”, a chamada, a imagem, o corpo do
texto, a assinatura. Cada um desses componentes devia ser otimizado tecnicamente com o
intuito de gerar no receptor uma mensagem positiva que induzisse à compra, através da
excelência técnica. Sendo assim, foi estruturada a base da publicidade, embasada nos
pressupostos do produto e com objetivos de eficácia técnica para otimização da recepção das
mensagens.
Esta dinâmica de mercado, que seguia criando novas categorias de produtos, muitas
delas com apenas um competidor, facilitava o trabalho do publicitário, que calcava suas
10
Teoria da Gestalt - A Psicologia da forma, Psicologia da Gestalt, Gestaltismo ou simplesmente Gestalt é uma
teoria da psicologia que considera os fenômenos psicológicos como um conjunto autônomo, indivisível e
articulado na sua configuração, organização e lei interna. A teoria foi criada pelos psicólogos alemães Max
Wertheimer (1880-1943), Wolfgang Köhler (1887-1967) e Kurt Koffka (1886-1940), nos princípios do século
XX. Funda-se na idéia de que o todo é mais do que a simples soma de suas partes.
35
mensagens em informação, mesmo, quando intencionalmente, exagerava nas promessas
relativas ao produto anunciado.
O amadorismo na profissão, evidenciado pela diversidade nos formatos dos anúncios
dessa época, bem como pela imprecisão na periodicidade, começa a ser questionado quando
as empresas multinacionais passaram a exigir a profissionalização da atividade, e a técnica
norte-americana de propaganda comercial começa a exercer forte influência no savoir-faire
11
da publicidade (CASTRO, 2004).
A indústria da propaganda se profissionaliza, cresce, ganha importância ns empresas.
Nos anos 80, o foco na criatividade artística da propaganda atingiu seu auge e a prioridade dos
publicitários consistia em conquistar prêmios como o de Cannes.
12
Campanhas mundiais como as da Pepsi, com Michael Jackson e Tina Turner,
13
com
orçamentos milionários de produção, são sintomáticas dessa época em que se assumiu que a
publicidade era a peça-chave de construção da marca, e a marca era entendida como uma
idealização do real. A publicidade, abertamente fantasiosa, era responsável pela utilização de
75% do orçamento de marketing das empresas (NUNES, 2003).
Entretanto, seu foco estava em construir uma empresa de sonho, uma idealização.
Segundo Nunes (2003, p. 36):
A publicidade se baseava no princípio da construção da imagem desejada pelos
consumidores de uma determinada marca, independentemente de a estrutura,
estratégia e cultura da empresa terem, de fato, condições de garantir a promessa e a
proposta de valor oferecidas pela marca e anunciadas pela publicidade. Diante do
enorme gap
14
existente entre a promessa e proposta de valor da marca e a oferta da
empresa, publicidade tornou-se sinônimo de mentira e forma de “enganação” para
uma grande parte dos consumidores.
Esse discurso descomprometido da publicidade e sua estreita ligação com a
construção de marcas colaboraram para o questionamento que aflorou nesse período sobre o
11
Savoir-faire - O savoir-faire, know-how ou conhecimento processual é o conhecimento de como executar
alguma tarefa.
12
Cannes Festival da Publicidade de Cannes, ocorre anualmente na cidade francesa que nome ao encontro.
Trata-se do mais importante evento da publicidade internacional, reunindo profissionais das mais diversas
áreas desse mercado.
13
Michael Jackson e Tina Turner Artistas norte-americanos da música pop de maior expressão na década de
80, a nível mundial.
14
Gap Do inglês, significa, no sentido utilizado, lacuna, grande diferença ou disparidade.
36
papel da marca. O amadurecimento dos próprios consumidores levou a um questionamento
sobre as promessas idealizadoras da publicidade.
Além disso, por focar-se na massa e não no indivíduo, a publicidade não tem poder
mecânico, mas estatístico (LIPOVETSKY, 2004a). Não possui, portanto, o caráter messiânico
que muitos publicitários tendiam a atribuir à sua atividade.
Esse contexto fez com que as empresas passassem a buscar a equalização de suas
verbas de comunicação, investindo mais em relacionamento com os clientes do que em
propaganda voltada à afirmação de uma imagem.
Em decorrência disso, os gastos com publicidade caíram para 25% da verba de
marketing em 1993. Tal redução causou impactos significativos sobre as agências de
publicidade, que, por sua vez, iniciaram um processo de adequação, ainda em curso, para
redefinir seu papel na construção da marca (NUNES, 2003).
A agência de publicidade, que tinha como principal atividade comprar mídia, começa
a se tornar um modelo obsoleto. As empresas passaram a demandar um planejamento
estratégico global e criação publicitária com ênfase na promessa de marca, em um mercado
em que a venda por demanda primária lugar a um consumo mais sofisticado, no qual a
personalidade singular da marca será fator capaz de agregar valor.
Nos anos 90, a tecnologia começava a ter importância cada vez maior na
comunicação e na vida das pessoas, indicando que no final da década desempenharia um
fundamental papel na economia de mercado.
A propaganda tradicional nasceu com a mídia tradicional de massa e teve seu apogeu
com a TV de presença quase monolítica, distribuída por grandes redes e contando com
monumentais audiências. Conseqüentemente, o mercado de comunicação criou-se, estruturou-
se e legitimou-se a partir dessa lógica de comunicação de massa.
Perez (2004, p. 105) explicita como os pressupostos de controle e seleção de mídia, a
partir de dados quantitativos, condicionaram a maneira de pensar e de produzir a
comunicação:
37
Assumir “massa” como “algo a que se dirigir” impacta na dissolução do indivíduo,
na sua redução ao anonimato e na emergência de um modelo humano como se a
“massa” fosse constituída simplesmente de uma coleção de indivíduos moldáveis.
Esse cenário trouxe impactos profundos na comunicação e, conseqüentemente, na
relação emissor-destinatário, da perspectiva publicitária. A relação das organizações
era amorfa e, em geral, não contemplava as particularidades e peculiaridades que,
felizmente, distinguem cada um dos humanos, os quais, aliás, são os consumidores.
A comunicação era mais autoritária, talvez arrogante e pouco informativa.
O pressuposto de que os membros da audiência, particularmente da mídia tradicional,
são alvos passivos da mensagem, e seu emissor (a empresa, através de sua agência) controla
seu conteúdo, faz com que, por intermédio da propaganda, “marcas sejam construídas em
grande isolamento à medida que as agências criam monumentos imaculados e intocáveis, cuja
imagem iluminada de maneira brilhante é repetidamente transmitida para a mente dos
consumidores” (AAKER, 2000, p. 245).
Do ponto de vista do autor, a propaganda difundida de modo tradicional cria uma
barreira entre a marca e o consumidor, ao qual não é permitido nenhum papel na experiência
da comunicação. A subjetividade do consumidor é ignorada, pois se assume que o mesmo é
um receptor, cuja resposta aos estímulos da comunicação pode ser prevista, desde que a
propaganda seja tecnicamente eficiente. Por conseguinte, isso equivale a dizer que a
experiência de comunicação proposta pelas marcas via mídia tradicional assemelha-se à
observação de um quadro ou uma escultura por trás de um cordão de isolamento de um museu
(AAKER, 2000).
Durante a trajetória evolutiva da propaganda, um aspecto permanece constante: seu
foco no produto, considerado o ponto de partida de qualquer briefing
15
e mesmo para a
definição do posicionamento da marca. As práticas de comunicação das empresas e suas
agências foram criadas a partir da premissa desse controle dos processos de comunicação,
desde o briefing relativo ao produto até a posterior elaboração das estratégias de
comunicação. Um mercado ávido por novidades permitiu o sucesso de produtos
comercializados para uma grande quantidade de pessoas. A euforia do mercado e sua
capacidade aparentemente infinita de absorver ofertas contribuíram para que as estratégias de
comunicação enfatizassem a otimização do discurso, em uma relação infantilizada com o
15
Briefing - Conjunto de informações, organizado em um documento, necessárias para o desenvolvimento de um
trabalho.
38
consumidor. A empresa propunha e explicava ao mercado o quanto o seu produto era melhor
e merecia ser consumido.
As agências de publicidade estruturam-se com base no processo de criação de
anúncios e veiculação em dia tradicional de massa. Nesse contexto, foi criado um modelo
organizacional contemplando as especialidades para “construir” anúncios. As principais
funções na agência de publicidade respondem a essa demanda: Atendimento, Planejamento,
RTVC, Mídia, Criação, Tráfego e Produção (SANT‟ANNA, 1996).
O CENP
16
define a agência justamente através de sua especialização em produzir
anúncios:
Agência de Publicidade ou Agência de Propaganda é nos termos do art. do Dec.
nº 57.690/66, empresa criadora/produtora de conteúdos impressos e audiovisuais
especializada nos métodos, na arte e na técnica publicitárias, através de profissionais
a seu serviço que estuda, concebe, executa e distribui propaganda aos Veículos de
Comunicação, por ordem e conta de Clientes Anunciantes com o objetivo de
promover a venda de mercadorias, produtos, serviços e imagem, difundir idéias ou
informar o público a respeito de organizações ou instituições a que servem.
Considerando que a relação entre agência e clientes configura-se através de uma
remuneração baseada em comissões de mídia tradicional, instala-se a inevitável tendência da
agência incentivar o cliente a anunciar, com a maior quantidade de mídia possível,
independente das reais necessidades do cliente.
Enquanto as maiores agências ainda forem rankeadas
17
por seu volume de transações
em mídia tradicional o mercado continuará seguindo essas regras, pois são suas instâncias de
legitimação. A própria idéia de denominar o cliente da agência de anunciante denuncia sua
intenção: levar o cliente a anunciar produtos, preferencialmente, em mídia tradicional.
A dinâmica da relação “anunciante-agência-mídia tradicional” ocorre como se a
empresa passasse uma procuração para sua agência falar por ela, produzindo seus atos de
linguagem e dividindo o papel de sujeito comunicante. A agência produz as peças
16
CENP - O Conselho Executivo das Normas-Padrão é uma entidade criada pelo mercado publicitário em 1998
para fazer cumprir as Normas-Padrão da Atividade Publicitária, documento básico que define as condutas e
regras das melhores práticas éticas e comerciais entre os principais agentes da publicidade brasileira.
17
Rankeadas - Ranking das agências: O Ibope Monitor utiliza como critério valorar todo e qualquer espaço
ocupado, seja ele gratuito ou não. Para todas as inserções são utilizadas tabelas de preços. Disponível em:
39
publicitárias baseada em sua capacidade técnica de produzir o discurso mais adequado e
eficaz para o cliente. No entanto, de que meios efetivamente dispõem a agência para conhecer
o estado de seu público-alvo? E, como alerta Charaudeau (1983), na ausência de instrumentos
teóricos, não se estaria na contingência de fabricar um público-alvo e tentar lhe impor uma
informação?
A partir de um entendimento sobre como foi construída a figura do consumidor é
possível delinear a forma como se construiu um mecanismo de “fabricação” da comunicação
em mídia tradicional.
3.4 ABORDAGENS TEÓRICAS TRADICIONAIS SOBRE GERENCIAMENTO DE
MARCAS
O início do século XX foi o período que propiciou o aparecimento do conceito de
marca e marketing, demandas de um mercado em acelerada expansão. É ainda nesse fértil
período que surgem os primeiros teóricos do marketing.
Pioneiro da teorização do marketing, embora não utilizasse o termo nos títulos de
seus livros, Peter Drucker escreveu, em 1953, uma importante obra para a organização de
conceitos básicos dessa disciplina: Práticas de Administração de Empresas. Publicada e
traduzida para diversos países, a obra de Drucker estabeleceu as bases para o estabelecimento
dessa disciplina como campo autônomo de estudos.
Contudo, o primeiro autor a escrever e definir o marketing foi Jerome McCarthy,
cunhando o clássico esquema de marketing-mix,
18
ou “Quatro P´s” (NASCIMENTO, 2007).
Essa teorização, que data dos anos 60, trata do conjunto de pontos de interesse para os quais
as organizações devem estar atentas se desejam alcançar seus objetivos mercadológicos. Os
profissionais de marketing usam essas variáveis para estabelecer um plano de marketing. Para
o plano ser bem-sucedido, a estratégia traçada deve refletir a melhor proposta de valor para os
consumidores de um mercado-alvo bem definido.
<http://www.coletiva.net:80/noticiasDetalhe.php?idNoticia=24259>. Acesso em: 29 jan. 2008.
40
O composto é dividido em quatro variáveis chamadas de “Quatro P´s”, a saber:
produto, preço, praça e promoção. Segundo Kotler (2000, p. 416), “produto é algo que pode
ser oferecido a um mercado para satisfazer uma necessidade ou desejo”. Enfim, o que é
vendido pela empresa.
Conforme fica implícito nessa abordagem, produto é algo que foi fabricado e será
absorvido pelo mercado, pois suprirá uma falta. O “P” de preço diz respeito ao valor de troca
do produto. É a expressão monetária do bem ou serviço, calculada a partir da composição de
custos da empresa para produção. A “praça”, ou ponto-de-venda consiste na estratégia de
distribuição do produto, onde e como ele será comercializado, tendo como principal objetivo a
adequação da oferta ao público-alvo delineado pela empresa. Finalmente, a idéia de promoção
é constituída pelas atividades de divulgação, mais tarde entendidas como comunicação, com
vistas a ampliar a venda de produtos.
Apesar de uma aparente ou pretendida eqüidade entre os conceitos, os Quatro P´s
gravitam em torno do produto. Nessa configuração, a marca aparece como um instrumento de
identificação, utilizado pela publicidade, referindo-se à promoção (comunicação). Embora o
conceito dos Quatro P´s não tenha sido originalmente criado por Kotler, esse influente autor
foi seu maior promotor, em seus livros, revistas, artigos e palestras. Como resultado, o
conceito do “composto Quatro P´s” foi amplamente adotado em universidades do mundo
todo, ao passo que o auge do uso dessa fundamentação teórica dentro das grandes empresas
deu-se com maior intensidade nos anos 60 e 70, período também denominado como a Era de
Ouro do Produto (NASCIMENTO, 2007).
No início dos anos 70, Al Ries e Jack Trout estabelecem o conceito de
posicionamento, que rapidamente se tornou muito popular entre publicitários e gerentes de
marketing do mundo inteiro. Tal abordagem propunha que, através da comunicação, se
posicionasse a marca para divulgar um único produto, de modo que tal marca conquistasse o
primeiro lugar em lembrança naquela categoria de produtos. Todavia, ao recomendar
enfaticamente que não fosse feita extensão de linha, Ries e Trout ajudaram a reforçar o
marketing centrado no produto.
18
Marketing-mix - O marketing-mix, ou composto de marketing, é formado por um conjunto de variáveis
controláveis que influenciam a maneira com que os consumidores respondem ao mercado. Teoria formulada
por Jerome McCarthy em seu livro Basic Marketing (1960).
41
na década de 80, o conceito de marketing centrado em produto dava sinais de
envelhecimento. A reputação ou a imagem da marca eram consideradas mais importantes para
vender um produto do que suas características específicas. Diante disso, intensificou-se a
tendência entre a maioria das agências norte-americanas de pensar a substituição do
marketing de produtos pelo marketing de marcas (NASCIMENTO, 2007).
A evolução dessa linha de raciocínio veio a contribuir para o posterior entendimento
de que a marca não é apenas uma questão de imagem e sim um ativo intangível de valor para
as empresas, imprescindível em seu processo de geração de benefícios para os acionistas. A
partir de então, começam a surgir as técnicas de avaliação de ativos intangíveis com o intuito
de dar subsídios, inclusive, para os processos de fusões e aquisições, nos quais a incorporação
da marca como um ativo representa uma grande mudança conceitual.
O crescimento da importância do tema em face à demanda por técnicas eficazes de
avaliação de ativos intangíveis, especialmente a marca, suscita ainda a proliferação de estudos
acadêmicos que passam a discutir especificamente a definição, a função e a otimização do
gerenciamento das marcas.
Tais pesquisas acabaram por gerar conhecimentos indispensáveis para o
estabelecimento da fundamentação teórica amplamente utilizada tanto no mercado quanto no
universo acadêmico. Dada a relevância de suas contribuições a esse respeito, faz-se necessário
apresentar brevemente os princípios do pensamento de Kotler, Aaker, Keller e Kapferer
acerca do gerenciamento de marcas, visto que a perene influência de suas obras estende-se
desde a gênese da sistematização desses conhecimentos até os dias de hoje.
A abordagem mais utilizada no branding afirma que as marcas realizam importantes
funções no sentido de facilitar a escolha e identificar fabricantes, o que permite ao
consumidor atribuir responsabilidades, simplificando as decisões de consumo (KELLER,
2006).
42
Uma definição amplamente utilizada de marca é a da American Marketing
Association:
19
“Uma marca é um nome, termo, sinal, símbolo ou combinação dos mesmos,
que tem o propósito de identificar bens ou serviços de um vendedor ou grupo de vendedores e
diferenciá-los dos concorrentes” (KOTLER, 1998, p. 393).
Na teoria da administração, há ainda uma extensa discussão que opõe marcas e
produtos, na dialética que Aaker (1998, p. 1) estabelece: O produto é algo que é feito na
fábrica; a marca é algo que é comprado pelo consumidor. O produto pode ser copiado pelo
concorrente; a marca é única. O produto pode ficar ultrapassado rapidamente: a marca bem-
sucedida é eterna.
Aaker (1998) afirma que um dos aspectos cruciais para o conhecimento da marca é o
estabelecimento de um forte elo com a classe de produtos a que se refere. Keller (2006,
p.130), por sua vez, chega a afirmar que o produto é o cerne do brand equity: “no coração de
uma grande marca invariavelmente está um grande produto”. Tais afirmativas são decorrentes
da premissa de identificação, na qual o processo de branding se em função de atribuir uma
marca a um produto, ensinando aos consumidores o que é o produto e identificando-o
(KELLER, 2006).
Através do amplamente difundido conceito de brand equity, a marca passou a
integrar as discussões mais relevantes para o futuro das empresas, pois passou a ser uma real
preocupação gerenciar os ativos e passivos ligados a uma marca, fator crucial para o sucesso
dos negócios.
As marcas assumem significados especiais para seus consumidores e são
efetivamente capazes de modificar a experiência de uso dos produtos, mas a teorização
tradicional parte de uma lógica de identificação de produto, na qual a função primordial do
branding é a de fazer com que “os consumidores não pensem que todos os produtos da
categoria são iguais” (KELLER, 2006, p. 7).
19
American Marketing Association Em português, Associação Americana do Marketing trata-se de uma das
maiores associações para profissionais de marketing, constituída de aproximadamente 38.000 membros ao
redor do mundo, atuantes em todas as áreas do marketing. Por mais de seis décadas, a AMA vem liderando a
busca por informação, compartilhamento de conhecimento e desenvolvimento das profissões ligadas à área.
Disponível em: <http://www.marketingpower.com>. Acesso em: 19 fev. 2007.
43
Kapferer (2003, p. 24), por sua vez, entende da seguinte forma o papel da marca:
A marca é um símbolo cuja função é revelar atributos escondidos do produto,
inacessíveis ao contato (visão, toque, audição, odor) e, eventualmente, aquelas
acessíveis pela experiência, quando o consumidor não quiser fazer uso desta última,
a fim de não correr riscos. Enfim, a marca quando renomada incute todo um
imaginário de consumo: a América autêntica e a juventude rebelde de Levi‟s, a
virilidade de Marlboro, o inglês chique da Parker, o positivismo e o hino à
racionalidade do Carrefour, o mito californiano da Apple.
Essa compreensão parte da premissa de que a marca é um emissor de conteúdo, em
uma relação utilitária e operacional da comunicação busca-se a excelência técnica nas peças
de comunicação para obter a otimização da mensagem destinada a um público-alvo idealizado
pela empresa.
Ou seja, os construtores de marca”, gerentes de marketing, publicitários e
consultores, estão amplamente ancorados no conceito de target,
20
que divide o mercado em
segmentos homogêneos, uniformes e coerentes. Esse procedimento deu ao marketing a
fisionomia que ainda hoje possui para muitos profissionais e autores (CARRASCOZA, 2003).
A marca deve ter uma proposta de valor a ser comunicada, mas a negação do papel do
consumidor nesse processo é sintomática do conceito utilitário e operacional que a teoria
tradicional atribui à marca: uma técnica de comunicação a serviço do produto.
Delineia-se, então, o limiar da comunicação neste novo século: o século XX foi o
século da lógica do produto, da propaganda tradicional, e dos Quatro P´s, que têm como
princípio essa mesma lógica. Tal dinâmica é determinada por uma cultura industrial, na qual
se fabricam carros pretos
21
de acordo com a conveniência da empresa.
Na evolução que a comunicação experimentou neste século, configuraram-se teorias,
pressupostos e práticas mercadológicas que estão sendo questionadas no momento de
transição que se vive atualmente. No que diz respeito ao gerenciamento das marcas, observa-
se uma perspectiva estruturalista na sua teorização. De acordo com Roberts (2005, p. 35) “há
20
Target palavra da língua inglesa que significa “alvo”. Expressão largamente utilizada pelo mercado de
comunicação para designar o público-alvo de uma determinada campanha. Poucas são as expressões
utilizadas com tanta freqüência no jargão mercadológico quanto target (CARRASCOZA, 2003, p. 103).
44
muitas pessoas seguindo o mesmo manual. Quando todo mundo tenta vencer a batalha da
diferenciação da mesma maneira, não se chega a lugar algum”.
A maioria dos profissionais de comunicação que hoje atua no mercado, em agências,
em veículos de comunicação ou em cargos estratégicos de marketing nas empresas, foi
formada na época da eficácia na comunicação, baseada em pressupostos que não mais se
sustentam frente a essa nova realidade de consumo.
Isso explica, em parte, as principais dificuldades encontradas pelos executivos,
publicitários e empreendedores: suas práticas são provenientes de premissas ultrapassadas,
que não respondem mais ao complexo jogo do consumo que se instala hoje no mercado. Em
muitas empresas no mundo inteiro, a atividade de marketing está em franco declínio (Fonte:
HSM) em função das rápidas mudanças elencadas neste estudo.
Alheios a essa realidade, publicitários e gerentes de marketing insistem em recorrer à
divisão em classes sociais como procedimento para embasar a definição das estratégias
comunicativas das marcas, e, ancorados nesse pressuposto, desenvolver posteriormente os
planos e as táticas de comunicação.
Celso Loducca, um dos grandes nomes da publicidade brasileira afirmou, em 1997,
que “as agências de propaganda brasileiras são do ano de 1997, mas adotam modelos usados
em 80, 70 e até 60. O que se constata é que ninguém mais resolve seus problemas de mercado
através da propaganda”. Na mesma linha, a Meio e Mensagem publica uma matéria falando
sobre planejamento com o contundente trecho: As companhias querem participação maior e
um estudo profundo da marca além da propaganda tradicional. E as agências não têm
estrutura para oferecer isso”.
É reconhecida, portanto, a deflagração da crise nas agências de publicidade e
departamentos de marketing e comunicação, pois todas as definições, gráficos, tabelas e
diagramas não são mais suficientes para responder ao desafio imposto aos comunicadores do
século XXI.
21
“na qual se fabricam carros pretos” A expressão “carros pretos” é uma alusão à afirmação de Henry Ford,
ícone da Revolução Industrial, que, com sua afirmação: “produzo carros de todas as cores, desde que sejam
pretos”, cristalizou o marco inicial da produção industrial em massa.
4 A NOVA DINÂMICA DAS MARCAS
O ambiente é a alma das coisas. Cada coisa tem uma expressão própria, e essa
expressão vem-lhe de fora. Cada coisa é a interseção de três linhas, e essas três
linhas formam essa coisa: uma quantidade de matéria, o modo como interpretamos,
e o ambiente em que está.
Fernando Pessoa - Livro do Desassossego
O contexto social que propiciou e condicionou o crescimento da importância das
marcas, bem como a descrição das mudanças do comportamento do consumidor em sua
relação com as marcas serão delineadas nesse capítulo. A partir da análise desses fatores, se
possível compreender seu impacto na abordagem teórica das marcas, e nas práticas do
mercado de comunicação, que começa a questionar seus paradigmas.
4.1 CONTEXTO - A CONTEMPORANEIDADE E O CRESCIMENTO DA
IMPORTÂNCIA DAS MARCAS
A partir dessa contextualização, objetiva-se possibilitar a compreensão de como se
deu a rápida evolução das marcas, tornando obsoletas muitas das formas tradicionais de
compreendê-la e buscando construir uma visão prospectiva sobre os principais desafios dos
comunicadores em um mercado de consumo mais sofisticado e complexo. Serão, portanto,
apontadas algumas características da contemporaneidade que entram em ressonância com o
objeto deste estudo.
Lipovetsky (2004b) aponta como característica central deste tempo o movimento e a
flexibilidade sociais que simplesmente ignoram os princípios estruturantes da modernidade e
têm como seu principal valor a relatividade. Esse movimento que se observa coletivamente
tem sua gênese no indivíduo, que, conforme Hall (2005, p. 7) está em um processo de
fragmentação de identidade:
... as velhas identidades, que por tanto tempo estabilizaram o mundo social, estão em
declínio, fazendo surgir novas identidades e fragmentando o indivíduo moderno, até
aqui visto como um sujeito unificado. A assim chamada “crise de identidade” é vista
como parte de um processo mais amplo de mudança, que está deslocando as
46
estruturas e processos centrais das sociedades modernas e abalando os quadros de
referência que davam aos indivíduos uma ancoragem estável no mundo social.
A crise das grandes narrações coletivas favoreceu um enfoque sobre as instâncias
próximas do indivíduo, seus desejos e suas necessidades. Um dos efeitos mais sentidos dessa
realidade é a questão do individualismo, cujo foco na noção de prazer ajudou a difundir a
legitimidade do consumo. No momento em que as grandes estruturas socializantes não
estão mais em expansão, o vínculo social vai se dar em função do indivíduo, inaugurando um
novo espaço social de relacionamentos.
O que se observa, inclusive através das novas formas de interação social mediadas
pela tecnologia, é a necessidade do indivíduo de relacionar-se através da exposição de si
mesmo: daí o sucesso de mecanismos como blogs,
22
sites
23
de relacionamento como o Orkut
24
e o próprio advento da nova era da Internet, que surge com a denominação de Web 2.0,
25
onde
não fronteiras entre produtores e receptores. A afirmação da identidade de cada um se
através da expressão de seus gostos, atitudes e preferências, na busca da originalidade e da
aceitação social, que substitui em grande parte as instâncias legitimadoras da modernidade: a
igreja, o país, a família.
Desse modo, tudo se torna relativo, à medida em que os parâmetros de sociabilização
e agregação não são mais provenientes de fora para dentro, e, sim, a partir do indivíduo em
um processo colaborativo através de grupos unidos por afinidades. Essa abundância de
escolhas e a relatividade instaurada na pós-modernidade podem ser diretamente associadas ao
consumo, embora não se limitem a essa esfera.
Conforme as “velhas” entidades legitimadoras vão perdendo sua função enquanto
vínculos de coesão social, as marcas comerciais assumem, pelo menos em parte, essa função.
22
Blogs - Um weblog, também conhecido como um blog, é um site freqüentemente atualizado, com as entradas
de dados arranjadas em ordem cronológica inversa para que o leitor veja antes a colaboração mais recente. O
estilo é tipicamente pessoal e informal.
23
Sites - Um site ou sítio é um conjunto de ginas Web, isto é, de hipertextos acessíveis geralmente pelo
protocolo HTTP na Internet.
24
Orkut - O Orkut é um site desenhado para ser uma rede social filiada ao Google, criada em 19 de Janeiro de
2004, com o objetivo de ajudar seus membros a criar novas amizades e manter relacionamentos. Seu nome é
originado no projetista chefe, Orkut Büyükkokten, engenheiro turco do Google.
25
Web 2.0 - Web 2.0 é um termo cunhado em 2004 pela empresa estadunidense O'Reilly Media
[1]
para designar
uma segunda geração de comunidades e serviços baseados na plataforma Web, como wikis, aplicações
baseadas em folksonomia e redes sociais.
47
Embora tal aspecto seja negado por muitos autores, as marcas tornam-se cada vez mais um
dos escassos veículos de adesão social que estão à disposição dos indivíduos nas sociedades
contemporâneas, significativamente desideologizadas (PEREZ, 2004).
Se, por um lado, vemos a escassez dos princípios estruturantes formadores da
modernidade, por outro lado, viceja a lógica capitalista de mercantilização do mundo, que
opera permanentemente na criação de novas ofertas, novos produtos e novas marcas.
cinqüenta anos, uma mercearia possuía em estoque cerca de quatro mil itens.
Hoje, um supermercado estoca mais de quarenta mil itens (RIES, 2006). Tal multiplicação
ocorreu em diversos segmentos e ramos de atividade, resultando em mais itens, mais
categorias, mais marcas e mais opções. E é nesse contexto de hiperescolha que devemos
situar as marcas, pois é nesse cenário que se tornam ainda mais necessárias, cumprindo sua
função não de preferência, como também de referência e segurança, ao agir como um fator
de identificação (SEMPRINI, 2006).
Qualquer grande cidade é um exemplo de excesso comunicacional, dada à enorme
quantidade de mensagens às quais é submetido o cidadão comum. O mundo apresenta um alto
índice de estímulos e distrações na ordem de 250 megabytes de tráfego mental novo para cada
sujeito no planeta a cada doze meses (DAVIS, 2003). Por trás disso, um mecanismo
orquestrado pelas empresas a fim de atingir cada consumidor em potencial.
Para se ter uma dimensão desse fenômeno, basta saber que 2.137 dólares são gastos
anualmente para impactar cada habitante do Japão, resultando em “um fluxo inevitável de
mentes aceleradas pela tecnologia, colidindo com uma psique humana cada vez mais
exaurida” (DAVIS, 2003, p. 76).
Como conseqüência, o bombardeio de apelos está tornando os consumidores imunes
às mensagens que não sejam relevantes e oportunas. Numa cidade como São Paulo, uma
pessoa é exposta a sete mil mensagens publicitárias por dia e, como mecanismo de defesa, o
48
indivíduo desenvolve uma mente que seleciona e bloqueia. Não é preciso mais nem zapear
26
com o controle remoto para fugir da publicidade: isso é feito com o pensamento.
É a temporada de caça ao cérebro, com o mesmo princípio que Lévy (2004) chama
de economia da atenção os objetos que detiverem a atenção de cada pessoa,
automaticamente, sofrerão um processo de expansão de produção, o que significa inverter o
processo de produção e colocar nas mãos do consumidor o poder de escolha efetivo.
Roberts (2005, p. 33) denuncia a estafa mental gerada pelo excesso de ofertas: “as
pessoas acabam soterradas por uma avalanche de escolhas. Esqueça a economia da
informação. A atenção humana tornou-se a moeda corrente”. Assim, a assimilação dessa nova
ordem implica inexoravelmente na profunda transformação da lógica orientadora das
estratégias de comunicação outrora vigente: o consumidor não deseja escolher entre
quinhentos canais de televisão, ele deseja aquele único canal que lhe oferece o que prefere
assistir, com tranqüilidade e interesse.
Os jovens estão cada vez mais avessos à simples comercialização de produtos e
serviços, na expectativa de que a marca tenha relevância no contexto de suas vidas, para que
venham a relacionar-se com ela. Todavia, o mesmo avanço tecnológico que dá ao consumidor
o poder de escolha, também dá à indústria uma capacidade de produção virtualmente infinita.
Nesse movimento de mesmo sentido e direções contrárias, é possível afirmar que a
tendência à multiplicação tende a permanecer e até ampliar-se em um horizonte de novos
produtos e novas marcas. Essa explosão de opções cresce de forma acelerada, e não sinais
de retração.
Entretanto, as marcas podem se multiplicar nas empresas, no varejo, e na mídia em
geral, mas o mesmo não acontece na mente do consumidor, pelo simples motivo que o
cérebro humano é seletivo e possui um limite de registros de marcas que pode armazenar
(PEREZ, 2004).
26
Zapear - Zapear é o verbo utilizado para designar o ato de mudar constantemente o canal na televisão,
geralmente através de um controle remoto. Etimologicamente, o zapear pode também ser demonstração de
angústia, desatenção, hiperatividade, tique ou mania.
49
Se o nascimento das marcas esteve intimamente ligado à função de identificação de
produtos, atualmente elas se encontram inseridas em um mercado saturado. Em decorrência
disso, é requerido de sua atuação mais do que a função primária de identificação, demandando
assim que sua carga simbólica seja capaz de estabelecer vínculos, sob pena de engrossar as
fileiras da irrelevância na mente do consumidor, cada vez mais crítico e seletivo.
Tal configuração atinge as estratégias de comunicação das empresas, que até
recentemente planejavam a freqüência, cobertura e exposição da marca por meio de mídias
tradicionais. Atualmente, as pessoas têm acesso a tecnologias capazes de distanc-las de
apelos que não considerem relevantes.
Nessa era de mínima sujeição e máximo de escolhas privadas, de pouca austeridade e
muito desejo, de um mínimo de coerção e máximo de compreensão possível, o consumo
parece cristalizar algumas ansiedades bem típicas do tempo atual.
De acordo com os teóricos do pós-moderno, o próprio fato de atribuir uma grande
importância ao consumo é uma das características centrais desse período e alguns aspectos
fundadores da cultura pós-moderna parecem estabelecer um vínculo particularmente forte
com as lógicas de consumo (SEMPRINI, 2006).
Reivindicando espaços cada vez maiores da vida social, o consumo aparece, para o
bem e para o mal, como o estandarte desta era. A busca de diferenciação social não se dá mais
por questões definidas por hereditariedade como tulos de nobreza. A sociedade capitalista,
herdeira da burguesia, que distingue os cidadãos pelos méritos de suas conquistas em termos
de status e conquistas profissionais, constrói signos de diferenciação baseados no consumo.
“Diga-me o que consomes que te direi quem és”: longe de uma apologia ao consumo,
trata-se de constatar que, da vestimenta ao lugar onde se vive, da fruição do tempo livre à
série de gadgets
27
profissionais (laptops, celulares, blackberries), o sujeito está imerso em
itens a serem consumidos. E é esse mosaico de consumo que compõe a identidade do
indivíduo pós-moderno.
27
Gadgets - Gadget é uma gíria tecnológica recente que se refere, genericamente, a um equipamento que tem um
propósito e uma função específica, prática e útil no cotidiano. São comumente chamado de gadgets
dispositivos eletrônicos portáteis como PDAs, celulares, smartphones, tocadores mp3, entre outros.
50
O grande valor que legitima o consumo é o bem-estar (LIPOVETSKY, 2004b). Esse
valor, tão incorporado e facilmente aceito na sociedade pós-moderna, ênfase ao indivíduo
que quer muito mais do que conforto, busca sensações de qualidades estéticas, beleza e
cultura. Ou seja, a exigência crescente do consumidor não reside em questões técnicas de
performance, e sim, em um anseio de renovar o seu cotidiano através do consumo.
A estetização do cotidiano é um exemplo da busca do bem-estar através de sensações
abstratas, considerando que se busca mesmo na menor escala de consumo um sabonete, uma
caneta esferográfica valores como beleza incorporados através da tangibilização dos
atributos da marca na embalagem, no design, no discurso da marca, etc. Dessa forma, a marca
cumpre um papel na construção de significados sociais.
De acordo com Perez (2004, p. 15), “ao usarmos um determinado produto de uma
certa marca, estamos nos posicionando socialmente, estamos declarando quem somos, do que
gostamos, o que valorizamos, e assim por diante”.
Trata-se, portanto, de uma sofisticação do consumo, extrapolando a questão utilitária
e funcional, buscando sensações subjetivas. O novo patamar de consumo requer um alto nível
de abstração, pois cada objeto está associado a uma carga simbólica e, como signos,
entrecruzam seus significados para a formação da imagem e da identidade do indivíduo. Essa
dinâmica entra em sintonia com o mecanismo das marcas, que se constitui na construção dos
significados associados a cada objeto ou serviço.
A se somar a essa conjuntura de fatores que compõem o cenário de um novo
consumo, está a relação com o tempo. O tempo, como se sabe, é imutável, mas a maneira de
percebê-lo influencia nos comportamentos, não de consumo, como também em outras
esferas.
Lipovetsky (2004b) afirma que o deslocamento do centro de gravidade temporal do
futuro para o presente é uma característica central das condições atuais, afirmando que “a
hipermodernidade é o reinado da urgência” (LIPOVETSKY, 2004b, p. 65). A cultura da
instantaneidade está incorporada de tal forma que não costuma ser questionada: a rapidez é
um valor por si só. A avaliação de competência de um serviço está relacionada à velocidade
com a qual este é realizado, o que gera todo um circuito de valorização da aceleração.
51
Observa-se a onipresença de um sentimento geral de aceleração, pois nunca na
história da humanidade uma quantidade tão significativa de indivíduos compartilhou com
tanta persistência uma visão na qual a mudança rápida e voraz é a constante que define a
condição humana” (DAVIS, 2003, p. 76).
Tal sentimento pode ser identificado na impaciência generalizada, na agressividade
no trânsito, nas conversas do cotidiano, nas quais a tônica do “estou sem tempo” é
permanente, na ascensão de produtos cujo fator tempo esteja incorporado ao seu consumo
(lanchonetes, drive-thru, lojas de conveniência, alimentos prontos congelados) e na
decadência de produtos que não tenham conseguido se adaptar a essa demanda (locadoras de
vídeo com fitas que precisam ser rebobinadas, fichas telefônicas para orelhão que demoravam
para conectar, Internet discada, filmes de máquina fotográfica).
Gianetti (2005) assinala que a mente humana é um ambiente hostil à prática da
abstenção em prol de objetivos remotos no tempo. Essa afirmação é pertinente ao evidenciar
que a obsessão pela rapidez está ligada a uma espécie de instinto humano, finalmente liberado
por uma sociedade que privilegia o presente. Com o deslocamento do eixo temporal para o
presente, legitimam-se as práticas de consumo que privilegiam o gasto em detrimento da
poupança.
Vivencia-se um momento particular da história em que o eixo temporal mais
relevante é o presente, em uma espécie de deificação do aqui e agora. O passado não importa,
o futuro ainda não chegou: o presente é a vida real. Esse Zeitgeist
28
influencia a relação com o
consumo, em uma absoluta impaciência, sob o risco de perder a sua validade em termos de
experiência emocional não basta comprar uma televisão de plasma, é preciso comprar uma
televisão de plasma agora.
O crescimento geométrico nas compras parceladas em cartão de crédito são um
sintoma dessa necessidade de antecipar as compras, mesmo aumentando o endividamento
pessoal, muitas vezes a níveis problemáticos. Tal abordagem é explorada comercialmente no
slogan do cartão de crédito VISA: “Porque a vida é agora”.
29
.
28
Zeitgeist - palavra alemã que se traduz como espírito de um tempo.
29
Slogan do cartão de crédito VISA: “Porque a vida é agora”. Disponível em: <http://publicidad.
visalatam.com/avidaeagora/index.php?id=2>. Acesso em: 04 jan. 2008 -
52
Lipovetsky (2004, p. 61) observa essa impaciência em relação ao consumo ao
afirmar: “consumir sem esperar, viajar, divertir-se, não renunciar a nada, as políticas do futuro
radiante foram sucedidas pelo consumo como promessa de um presente eufórico”. A
aceleração é onipresente e a velocidade é a palavra de ordem.
Esse processo também se reflete na obsolescência programada, uma estratégia
amplamente difundida no mercado que tem como finalidade gerar novos apelos de consumo e
trabalhar a cultura do novo. Em suma, tal procedimento consiste na prática de determinada
indústria produzir bens com vida útil mais curta do que seria tecnicamente viável. Dessa
maneira, o produto é fabricado para durar menos e perder qualidade de tal forma que se torne
ineficiente, exigindo sua substituição por outro novo produto.
Ofertas sempre renovadas são mais do que apenas a ampliação de produtos
disponíveis, geram uma dinâmica de valorização da novidade. Nada parece sinalizar que essa
tendência à multiplicação da oferta, quantitativa e qualitativa, regredir. Surgem
incessantemente novos produtos, novas versões e variedades dos mesmos produtos, novos
usos para velhos produtos e novos formatos de comercialização e promoção.
Enfim, o cenário está pronto: consumidores voláteis, bombardeados de informações,
buscam emoções através do consumo em uma sociedade que privilegia o aqui e agora. Esse é
o contexto que exige uma nova abordagem na compreensão das marcas.
4.2 UM NOVO CONSUMIDOR
O cenário pós-moderno fez despontar um novo tipo de relação de consumo, em uma
dinâmica mais complexa. Na sociedade pós-industrial, caracterizada pelo excesso de oferta e
sofisticação do consumo, as noções de desejo e necessidade são nebulosas e fenômenos como
a estabilidade financeira das economias democráticas ampliou o acesso a bens de consumo de
luxo, em uma horizontalização de consumo nunca antes vista.
Carrascoza (2003, p. 102) esse movimento como uma transição do consumo para
a consumação: “O consumidor mudou! Alerta pós-moderno. Afetado por um novo mundo,
53
recusou-se a permanecer”. Essa mudança de comportamento do consumidor nada mais é que
um reflexo da identidade móvel do indivíduo pós-moderno, que assume comportamentos
diferentes e muitas vezes conflitantes em momentos diversos, sem nenhum centro ou
unificação ao redor de um eu coerente.
A identidade, plenamente unificada e completa, a partir da qual os profissionais de
comunicação formavam seus grupos de referência para distinguir os targets das marcas, é
uma fantasia. Conforme Hall (2005, p. 13), à medida que os sistemas de significação e
representação cultural se multiplicam, somos confrontados por uma multiplicidade
desconcertante e cambiante de identidades possíveis, com cada uma das quais poderíamos nos
identificar ao menos temporariamente”.
Neste contexto da sociedade de consumo, em que a lógica do desejo rege as relações
na busca da distinção e do status, surge um novo consumidor.
Aquele consumidor idealizado pelos construtores de marcas há muito deixou de
existir. A mesma pessoa representa diversos papéis sociais, em um comportamento que se
assemelha a um caleidoscópio. Aparentemente sem nenhuma lógica, uniformidade ou padrão
de consumo, o indivíduo é “muitos consumidores num homem... é um experimentador, um
improvisador, um mutante” (CARRASCOZA, 2003, p. 105).
O consumidor é um zapeador, deseja sensações e satisfaz sua ânsia consumista
através das marcas. Estamos na época do turbocapitalismo, um capitalismo em estado de
hipérbole, em que o turboconsumidor é imprevisível e contraditório (LIPOVETSKY, 2004b).
O consumo emocional, que busca sensações, está acompanhado de uma obsessão
pelo tempo: o consumidor quer andar mais rápido, ser o primeiro, saber de tudo
imediatamente. A lógica da instantaneidade faz ganhar tempo para viver novas experiências.
As motivações de consumo são provenientes do espaço mais privado do indivíduo,
sua subjetividade. Os princípios que explicam comportamentos de consumo aparentemente
sem nexo são o capital sedimentado de significações de cada consumidor, ou seja, o acúmulo
de disposições e de esquemas interiorizados de interpretação do real que faculta ao
54
consumidor a identificação dos efeitos sociais que esta ou aquela compra determina
(CARRASCOZA, 2003).
Logo, a decisão de consumir não é uma ação condicionada por um estímulo, e, sim,
um complexo e incessante jogo de significação vivido intensamente no cotidiano de cada
indivíduo.
Igualmente, a noção de concorrência está nebulosa. Os concorrentes não estão
separados por segmentos de atuação das empresas: o indivíduo possui uma capacidade de
investimento limitada e opta entre fazer uma viagem, comprar um carro ou fazer uma pós-
graduação. O consumidor, hiperconectado e auto-organizado, está reconhecendo seu poder e
está segurando com força as suas necessidades econômicas em uma mão e os seus destinos
econômicos na outra.
O comportamento do consumidor contemporâneo não permite mais classificações
simplistas, como a classificação baseada somente em classes sociais, que “a classe não
pode servir mais como um dispositivo discursivo ou uma categoria mobilizadora através da
qual todos os variados interesses e todas as variadas identidades das pessoas possam ser
reconciliadas e representadas” (HALL, 2005, p. 21).
A partir do comportamento caótico e pós-moderno do consumidor, os grupos de
referência deixam de fazer sentido enquanto pressuposto para alicerçar as estratégias de
comunicação. Em função disso, as razões do sucesso do gerenciamento dos Quatro P´s estão
desaparecendo; a descoordenação do consumo proveniente desses comportamentos faz com
que a cultura de classe não seja mais um conceito válido para compreender os hábitos de
consumo.
A esse respeito, Carrascoza (2003, p. 106) observa que “nem a desesperada tentativa
de se criar targets particulares é mais possível. O indivíduo não serve mais nem como grupo
de referência para si mesmo. Perdeu seu centro, sua unidade”.
O sentimento dessas dificuldades aparece no discurso de profissionais, trata-se de
uma crise anunciada. A crise do paradigma do target gera uma flexibilização da ciência do
55
marketing, bem como o surgimento ininterrupto de novas versões sobre a forma de trabalhar
os problemas mercadológicos.
De acordo com Carrascoza (2006, p. 103), podemos enxergar dois grandes
momentos no gerenciamento das marcas, de acordo com os movimentos de consumo: na
modernidade, a ascensão das teorias do target e a relação dessas com a maneira moderna de
ver e interpretar o mundo. Na pós-modernidade, a dinâmica de consumo impõe uma série de
dificuldades a essas teorias (e práticas) e invalida os pressupostos de classificação de público-
alvo que regem o branding.
4.3 ABORDAGENS TEÓRICAS SOBRE MARCAS UMA PERSPECTIVA
SEMIÓTICA
Apesar de ancorada em uma teoria formulada quase meio século, a operação
focada no produto ainda segue como padrão no mercado, com base em um entendimento de
que basta escoar os produtos da empresa para um mercado que tudo absorve.
Com base nessa premissa da maior relevância do produto e considerando a marca
como uma ferramenta de identificação, a teorização tradicional não alcança o cerne da
subjetividade do consumo contemporâneo.
Atualmente, o papel desempenhado pelas marcas vai além de uma lógica de
identificação e diferenciação, embora essa seja uma premissa para o processo. A marca
preenche sua função original de criar construções mentais para ajudar os consumidores a
organizar seu conhecimento sobre produtos e serviços, mas ocupa também outros espaços na
discursividade social, indo além do próprio mercado.
Uma das alternativas de abordagem desse fenômeno que vem ganhando importância
é a perspectiva semiótica, que propõe um novo modelo para compreender as marcas, a fim de
melhor responder às inquietantes questões colocadas aos profissionais de marketing pelo
consumidor pós-moderno.
56
Conforme Perez (2004, p. 135), “na configuração atual, o papel da semiótica é o de
pulsar o coração do processo de produção de valor. A importância do significado,
especialmente em uma sociedade desmaterializada, possibilita à semiótica ocupar um espaço
estratégico e privilegiado no pensar das organizações”. Para tanto, é pertinente compreender o
campo de estudos da semiótica a fim de identificar as áreas de cruzamento com o fenômeno
das marcas, e de que forma essa ciência pode ajudar a compreendê-lo.
O nome semiótica vem da raiz grega semeion, que quer dizer signo. Semiótica é,
portanto, a ciência dos signos, ou ainda, “a teoria das origens profundas e individuais das
pulsões a significar” (PEREZ, 2004, p. 256). O teórico que se dedicou de forma mais intensa
e apaixonada a essa ciência foi Charles Sanders Peirce, deixando um denso legado de teoria
semiótica. Ora, para Peirce, o termo semiótica era apenas um outro nome para a Lógica
(PEIRCE, 2000).
O processo fundamental de que se ocupa tal ciência é a semiose, que pode ser
entendida como “a cadeia produtiva da construção de sentidos, cuja base fundadora é a lógica
que comanda as diferentes operações entre signo, objeto e interpretante” (HOHLFELDT et
alli, 2001, p. 281).
O esforço empreendido por Peirce foi o de configurar conceitos sígnicos tão gerais
que pudessem servir de alicerce a qualquer ciência aplicada. Portanto, suas definições e
classificações de signo são de grande complexidade, exigindo do leitor um elevado nível de
abstração para compreendê-las.
O autor define um signo como “aquilo que, sob certo aspecto ou modo, representa
algo para alguém. Dirige-se a alguém, isto é, cria na mente dessa pessoa, um signo
equivalente, ou talvez um signo mais estabelecido. Ao signo assim criado denomino
interpretante do primeiro signo. O signo representa alguma coisa, seu objeto” (PEIRCE, 2000,
p. 46).
A idéia de representação aparece constantemente na semiótica. No entanto, essa
representação não é automática ou limitada, uma vez que um signo é um complexo de
relações e é justamente esta sua lógica que permite sua utilização para a compreensão do
fenômeno marca.
57
Cabe assinalar o caráter imaterial do signo, pois não se trata de uma realidade
puramente física. O signo não é uma entidade fixa, mas um local de encontro de elementos
associados por uma relação codificante (ECO, 2002).
Em seu estudo sobre semiótica, Peirce dedicou-se à categorização dos signos, pois
considerava que a “mais importante divisão dos signos faz-se entre ícones, índices e
símbolos” (PEIRCE, 2000, p. 64). Entretanto, essa tríade tão cara ao autor não será objeto
deste estudo, pois independente da categorização que a marca possa assumir como signo,
interessa situá-la como um depósito virtual de sentido, como um signo “guarda-chuva” que
cria um pulsar contínuo de significação.
Para Eco (2002, p. 58), há, na própria definição de signo, esta condição de um eterno
movimento de significação, uma vez que “um signo é tudo que leva outra coisa (seu
interpretante) a referir-se a um objeto a que ele próprio se refere (...) da mesma forma, o
interpretante torna-se por sua vez um signo, e assim sucessivamente. É, pois, a própria
definição de signo que implica em um processo de semiose ilimitada”.
A respeito disso, Peirce (2000, p. 29) afirma que “em conseqüência do fato de todo
signo determinar um interpretante, que também é um signo, temos signos justapondo-se a
signos”. É um anel recursivo, em alusão à complexidade de Morin, em permanente processo
de objetivação/subjetivação, num constante processo de loop
30
que caracteriza a entidade
mutável que é a marca.
Umberto Eco (2002) alertava para o risco de certo “imperialismo semiótico”, em
função do fato de que, praticamente, todos os fenômenos ou processos de comunicação
podem ser estudados através da lógica semiótica: “qualquer tipo de comunicação (entre
humanos ou entre quaisquer outros tipos de aparelhos inteligentes, tanto mecânicos como
biológicos) pressupõe um sistema de significação como condição necessária” (ECO, 2002,
p.6).
Em função dessa abrangência virtualmente infinita da semiose, bem como pelo fato
de ocupar-se dos processos de significação, a semiótica exige um alto grau de abstração para
30
Loop Trata-se de uma palavra inglesa, que originalmente significa “aro”, “anel” ou “sequência”, e que, no
contexto da língua portuguesa, é usada com este último significado.
58
suas análises. Contudo, o campo da semiótica é vasto, mas não indefinido (SANTAELLA,
2007). O propósito desse estudo é o de compreender a marca através da abordagem semiótica
na comunicação, uma vez que a sua dinâmica encaixa-se no processo de significação.
Ora, se o campo semiótico na comunicação ocupa-se de “codificação, decodificação
e recodificação através de códigos um processo dinâmico de significação que implica tanto
a operação conjunta entre fonte e recepção para codificar a informação, quanto à variedade de
códigos que entram em ação no processo de recodificação” (HOHLFELDT et alli, 2001,
p.280), o paralelo que estabelece é justamente este: a dinâmica da marca pós-moderna
corresponde a esse movimento. As operações e fenômenos de que a semiose se ocupa em
compreender se dão na ordem do intangível e do subjetivo, assim como os processos de
construção de marca no contexto do consumo mais complexo e desmaterializado.
Ou seja, não se trata de um circuito de codificação/decodificação; mas sim da
codificação-decodificação-recodificação, o que invalida a prática usual de considerar a
empresa como uma “emissora” de significados para a marca. Eco (2002) afirma que é esta
contínua circularidade que caracteriza a condição de significação e permite o uso dos signos
para referir-se a coisas.
O processo, da forma como é descrito pela semiótica, pressupõe uma atividade
interativa, com uma atuação tanto do emissor quanto do receptor. A dinâmica da marca
corresponde ao movimento semiótico da seguinte forma: a empresa propõe um projeto de
sentido para sua marca, o consumidor recebe essa mensagem, codifica-a, transforma-a de
acordo com suas percepções e a insere novamente no mercado, através de diversas formas de
ressignificação.
Os códigos utilizados pelo consumidor para recodificar a marca são virtualmente
infinitos, e esse processo ocorre sem a necessária consciência dos participantes. Em um
movimento contínuo, os papéis de emissor e receptor confundem-se, uma vez que é difícil
determinar um marco inicial da comunicação, principalmente com marcas que estão no
mercado muito tempo e possuem um capital sedimentado de significações junto à
sociedade.
59
O princípio da generalização semântica também ajuda a compreender o papel da
marca na “montagem” da identidade de cada consumidor. A generalização semântica é uma
teoria segundo a qual um indivíduo transfere o significado de um objeto aos signos associados
a esse objeto que, por sua vez, são transferidos a um novo objeto que possua o mesmo signo
(PEREZ, 2004). Trazendo essa teorização para o campo das marcas, a mensagem emitida por
um produto (signo) é transmitida à marca por um processo de abstração, e dessa a um novo
produto em um processo incessante.
Nessa perspectiva, alguns estudos sobre marcas destacam-se por seu viés semiótico,
como o de Andrea Semprini (2006). Aliando a sólida experiência do autor como consultor de
algumas das maiores marcas mundiais à compreensão dos teóricos da administração que se
ocupam dos estudos sobre marcas, Semprini propõe uma nova forma de compreender as
marcas, invertendo a lógica de produto, a fim de melhor responder às inquietantes questões
colocadas aos profissionais de marketing pelo consumidor pós-moderno.
A dialética produto versus marca não é ignorada: o autor propõe um novo raciocínio,
substituindo a lógica de oposição por uma lógica causal. Admitir como premissa uma
configuração de mercado pós-material não significa prescindir da presença de produtos.
Portanto, não se trata de medir forças entre marcas e produtos. Nessa inversão de raciocínio
em que a marca é a entidade que instala e propõe o projeto de sentido a seus consumidores, o
produto não é oposto, nem complementar à marca. Ele é a sua manifestação (SEMPRINI,
2006).
A preponderância dos valores imateriais que caracterizam a nova dinâmica de
consumo outorga poder às marcas a partir de um único e idêntico movimento que impulsiona
a marca para cima e o produto, para baixo. Isso acontece na velocidade da vida pós-moderna,
em que o profissional de marketing e comunicação está em permanente risco de defasagem de
suas estratégias.
Em função do “empoderamento” das marcas e a partir de uma compreensão
semiótica desse fenômeno, Semprini (2006, p. 151) sugere que o marketing-mix encontra-se
transformado em mix de marca, definido desta forma:
60
No mix de marca, a marca pertence à esfera do conteúdo, do abstrato, do significado.
É aqui que se encontram o projeto de marca, seus valores, suas promessas, suas
orientações e seu savoir-faire. É esta esfera que determina a força de uma marca, sua
originalidade, sua sedução, sua capacidade para produzir sentido, para formalizá-lo e
propô-lo a seu público. Porém, apesar de sua importância estratégica evidente, esta
esfera é invisível, abstrata, conceitual. Uma marca não troca diretamente seu projeto
de sentido, mas as concretizações deste projeto, sob forma de produtos e serviços.
Levando-se em conta que estamos em um processo de transição de um mercado em
que se trocam bens e serviços para um mercado em que se trocam projetos de sentido,
concretizados por produtos e serviços, pode-se afirmar que a lógica do funcionamento da
marca, em um contexto pós-moderno, pôde ser dissociada de sua articulação exclusiva com o
universo do consumo, sendo a forma-marca “um dispositivo geral de formação e de
manifestação semiótica, que permite otimizar o impacto, a eficácia e a força persuasiva de um
projeto de sentido” (SEMPRINI, 2006, p. 24).
Tal abordagem transforma a marca em protagonista do processo de consumo. Dessa
forma, terão sucesso as estratégias que trabalhem prioritariamente o universo de sentido da
marca para, posteriormente, propor a tangibilização desse universo de significações em
produtos e também em comunicação.
O processo de construção da marca é um processo semiótico de construção do
sentido, como atestam as experiências das grandes marcas mundiais. À semelhança do
processo de semiose, a marca é um lugar de transformação da informação em signo; de
geração e circulação de sentido; de construção de campos de significação; de criação de
circuitos de respondibilidade. Ou seja, as operações de significação da marca são operações
de semiose, compreendidas como a “interatividade dialógica entre códigos, discursos,
linguagens que ocorrem em instâncias de enunciação.” (HOHLFELDT et alli, 2001, p. 282).
Santaella (2007) ressalta que o grande legado da semiótica de Peirce foi a
imprescindível fundação fenomenológica e formal para o necessário desenvolvimento de
muitas e variadas semióticas especiais que têm por função descrever e analisar a natureza
específica e os caracteres peculiares dos mais diversos processos e produtos da linguagem:
poemas, teoremas, etc. E por que o uma semiótica da marca? O caráter aventureiro e
subjetivo da exploração semiótica presta-se aos desafios dos gestores de branding, em um
processo em que nada é dado a priori, tudo é processo. Do ponto de vista de Perez (2004,
p.134), “saber engendrar sentidos, manipular, formatar e entregar atributos atrativos é o maior
61
dever para todas as marcas modernas. O significado é a verdadeira ferramenta a partir da qual
todos os processos de criação de valor se prendem e se convergem”.
Comunicar, para Eco (1970), significa deter-se em circunstâncias extra-semióticas,
considerando que a significação se confronta com um quadro global de condições materiais,
econômicas, biológicas, físicas. A complexidade do mercado, que é o contexto no qual os
significados devem ser trabalhados deliberadamente para garantir resultados, demanda um
estudo sobre a produção sígnica que consiste na construção das marcas.
Essa abordagem é tão ou mais pertinente que o estudo para desenvolvimento de
produtos, pois o mercado encontra-se saturado de tecnologias de produção, mas carente de
perspectivas aplicadas ao comportamento do consumidor, uma vez que esse é um tema
multidisciplinar, virtualmente, infinito em possibilidades e em permanente mutação.
Compete aos comunicadores admitir que o que está à venda não são produtos, são
signos. Segundo Carrascoza (2005, p. 108), “olhamos para um jeans na estante e vemos um
signo. Um signo que como todo signo remete a um sentido (sentido que está fora da própria
coisa). Fora do próprio significante. No sujeito que significa. Pois ele deseja. Caso
contrário, onde estaria o sentido das coisas? A partir desta inquietação, faz-se necessário
pensar a comunicação das marcas a partir da seguinte premissa: a de significar marcas
inseridas em um permanente processo semiótico.
Se as idéias também são signos, eis uma relevante constatação para os profissionais
de comunicação: a marca, como signo, reside na mente do consumidor. Essa afirmação não
soa nova, pois muito se fala sobre o poder do consumidor. Todavia, essa abordagem ainda
não faz parte das estratégias de muitas empresas, que seguem buscando atribuir significado
aos seus produtos, ao invés de partir da significação que sua marca propõe para o
desenvolvimento de novos produtos.
62
4.4 COMUNICAÇÃO EVOLUÇÃO DAS PRÁTICAS
A corrida interminável para a originalidade a qualquer preço, a mudança permanente,
o inédito, o efeito, o diferente que caracterizam a publicidade (LIPOVETSKY, 2004a) causam
certo cansaço por parte dos consumidores, que, bombardeados de informações e apelos, não
vêem realizar-se suas promessas mirabolantes.
É lógico que, em um contexto de hiperinformação, uma marca não tem como se
impor sem um projeto de comunicação. É inerente a seu próprio processo o estabelecimento
de um discurso e uma estratégia capazes de comunicá-lo através dos meios mais adequados ao
seu público-alvo.
O mercado das marcas é um mercado de discursos, pois a marca só existe em
comunicação. Mas o que comunicar quer dizer? Estar junto, estar em relação, estar em
vibração comum. Semprini (2006, p. 104) vai exprimir seu conceito de marca justamente por
essa sua característica, definindo-a como o conjunto de discursos relativos a ela pela
totalidade de sujeitos individuais e coletivos envolvidos em sua construção”.
Colocando de outra forma, a marca pode desempenhar o papel de vetor de ligação
através do seu discurso, pelo qual ela posiciona-se no mercado. O poder semiótico da marca
consiste em saber selecionar os elementos no interior do fluxo de significados que atravessa o
espaço social, organizá-los em uma narração pertinente e atraente, para então propô-los a seu
público. Essa proposição se através do seu discurso, considerando o conceito de discurso
que abrange todo o escopo da comunicação de marca, não somente o aspecto textual.
Na visão de Semprini (2006), a comunicação é a condição fundadora da própria
essência da marca considerada como enunciadora de sentido, e a publicidade é uma técnica de
promoção de certos aspectos ou manifestações da marca. Seguindo a gica do mix de marca,
na qual são selecionadas as estratégias de comunicação de acordo com o projeto de sentido da
marca, a publicidade vai apresentar-se como uma das opções possíveis dentre uma enorme
gama de atividades.
63
A evolução da produção de mensagens acompanha a evolução da atividade de
interpretação e do próprio consumo, pois “o discurso publicitário provoca inevitavelmente
uma espécie de aprendizagem, um efeito de sedimentação de um capital cultural próprio dos
sujeitos interpretantes, no que concerne a este ritual sociolinguageiro” (SOULAGES, 1996, p.
148).
No entanto, essa aprendizagem só se dá em função de discursos anteriores, em
diversos suportes, que se acumulam na compreensão do consumidor e proporcionam uma
visível sofisticação em todos os aspectos do discurso publicitário.
É verdade que a desmistificação das grandes corporações e da publicidade fez com
que a comunicação perdesse muito de sua “mágica”: hoje sabe-se que o hamburger da
lanchonete nunca é tão grande e suculento como o da foto do anúncio. E isso causa uma certa
indignação nos consumidores, que confiam muito mais na reputação e no boca-a-boca, ou
seja, na indicação de seus pares em redes sociais, do que na comunicação institucionalizada
da publicidade, sabidamente parcial.
As agências de publicidade vivem o paradoxo de, mesmo inseridas na era da
comunicação, constatar que suas verbas diminuem ao passo que sua legitimidade e sua
relevância para as empresas decaem. Segundo Penteado (2001), a propaganda deixará de ser a
principal forma de comunicação com o mercado e as grandes decisões sobre seu papel e sua
forma de utilização não serão mais tomadas nas agências. Estas continuarão a existir, mas
exercerão um papel secundário, subordinado aos grandes centros de pensamento estratégico,
cujas sementes já foram lançadas.
Pela primeira vez desde a explosão do marketing de massa, em meados do século
XX, a valorização desta personalização da comunicação, que constitui força poderosa que
as empresas podem explorar mas que podem, com muita facilidade, sair do controle de
maneira imprevisível. Penteado (2001) já previa que, embora o século XX tenha sido o século
da propaganda, este tipo de negócio não sobreviveria ao século XXI, pois, nas próximas
décadas, deverá acentuar-se a transformação dos comportamentos de consumo que está em
curso.
64
No epicentro desse processo está a comunicação, dinâmica através da qual as
relações se estabelecem: entre empresa e consumidor, entre comunidades de consumidores,
entre a sociedade e a empresa e em diversas outras possibilidades. A necessidade de
reinventar a comunicação das marcas, que se consolidou no apogeu dos veículos de massa,
antítese do modelo colaborativo representado pela Internet, é uma evidência difícil de negar.
Historicamente, as corporações organizaram-se a partir de estruturas hierárquicas e
linhas de autoridade definidas. Essas estruturas permanecerão existindo, contudo cabe
assinalar as profundas mudanças que estão ocorrendo em decorrência da tecnologia, da
democracia e da economia global e que “estão fazendo emergir novos e poderosos modelos de
produção baseados em comunidade, colaboração e auto-organização, e não em hierarquia e
controle” (TAPSCOTT; WILLIAMS, 2007, p. 9).
Algumas organizações de ponta como o MySpace,
31
o Google
32
e o Projeto Genoma
Humano
33
demonstram isso na sua proposta colaborativa de funcionamento, mas esse mesmo
movimento pode ser observado em um número cada vez maior de empresas que está
percebendo que a colaboração em massa faz parte de uma nova era, na qual as pessoas
participam da economia como nunca antes.
Essa rápida transformação do mercado tem relação direta com a expansão da Internet
e toda a mudança de paradigma comunicacional que a mesma vem causando. Em comparação
com a mídia tradicional, a Web
34
alcançou cinqüenta milhões de lares em apenas cinco anos,
em comparação aos treze anos levados pela TV e os trinta e oito anos pelo rádio (AAKER,
2000).
A fascinação pelas oportunidades surgidas com o meio digital é explicada por
Murray (2003, p. 101) da seguinte forma: o desejo ancestral de viver uma fantasia originada
31
MySpace: Site internacional que oferece fóruns de discussão de comunidades virtuais, compartilhamento de
vídeos e blogs.
32
Google: o nome da empresa que criou e mantém o maior site de busca da Internet, o Google Search.
33
Projeto Genoma Humano: O Projecto Genoma Humano (PGH) teve por objetivo o mapeamento do genoma
humano. Consistiu num esforço mundial para se decifrar o genoma. Após a iniciativa do National Institutes of
Health (NIH), centenas de laboratórios de todo o mundo se uniram à tarefa de sequenciar, um a um, os genes
que codificam as proteínas do corpo humano e também aquelas seqüências de DNA que não são genes.
34
Web - A World Wide Web (que significa "rede de alcance mundial", em inglês; também conhecida como Web
e WWW) é um sistema de documentos em hipermídia que são interligados e executados na Internet. Os
documentos podem estar na forma de vídeos, sons, hipertextos e figuras.
65
num universo ficcional foi intensificado por um meio participativo e imersivo, que promete
satisfazê-lo de um modo mais completo do que jamais foi possível”.
Empresas nascidas no ambiente virtual como Dell, Amazon e eBay têm mostrado
que a rede pode desafiar os modelos de negócios dominantes de setores inteiros e criar marcas
fortes ao fazê-lo. Mas mais do que novas oportunidades de negócios, a Internet acena com
uma nova forma de pensar a comunicação. Aaker (2000, p. 246) assinala que, em contraste
com o modelo tradicional de comunicação, a Web diz respeito a experiências:
... no ambiente da Web, o papel do público é ativo; a atitude de inclinar-se ao invés
de reclinar-se muda tudo. O público geralmente tem uma meta funcional em mente
buscar informações, entretenimento ou transações e desconsidera ou trata como
incômoda qualquer coisa que se interponha.
Trata-se de uma mudança significativa, pois, ao incluir as marcas voluntariamente no
seu dia-a-dia de acordo com a relevância de sua mensagem, o consumidor cria um vínculo
não mais forte com a marca, como também de uma outra natureza. Para ilustrar essa
diferença, Aaker (2000) compara a experiência de passar um dia na Disneylândia com o de
assistir a um filme da Disney. Ter a experiência direta com a marca cria uma intensa
associação pessoal com a marca Disney que nem mesmo o melhor filme da empresa pode
esperar gerar.
A experiência imersiva proporcionada pela Internet faz com que se abram novas
possibilidades de comunicação. Esse fato não costuma ser questionado pelos profissionais
ligados à área. Talvez o maior desafio seja compreender que a experiência desse caráter faz
com que os consumidores tenham expectativas diferentes também em outros meios, uma vez
que sua relação com a marca se transforma. Segundo Murray (2003, p. 102):
A experiência de ser transportado para um lugar primorosamente simulado é
prazerosa em si mesma, independentemente do conteúdo da fantasia. Referimo-nos a
essa experiência como imersão. Imersão é um termo metafórico derivado da
experiência física de estar submerso na água. Buscamos de uma experiência
imersiva a mesma impressão que obtemos num mergulho no oceano ou numa
piscina: a sensação de estarmos envolvidos por uma realidade completamente
estranha, tão diferente quanto a água e o ar, que se apodera de toda a nossa atenção,
de todo o nosso sistema sensorial. Gostamos de sair de nosso mundo familiar, do
sentido de vigilância que advém de entrarmos nesse mundo novo, e do deleite que é
aprendermos a nos movimentar dentro dele.
66
É difícil determinar o que é causa e o que é conseqüência: o desenvolvimento
tecnológico causou o maior empoderamento dos indivíduos, ou os indivíduos sempre
ansiaram por mais participação na sociedade e, em função disso, desenvolveram tecnologias
que dessem vazão a essa necessidade? De qualquer forma, o desenvolvimento tecnológico
coroa, viabiliza, legitima e traz um senso de urgência a essa desmontagem do sistema
hierárquico nas organizações. Maffesoli (1999, p. 21) coloca a questão da participação e da
interatividade como o cerne da nova dinâmica de relações na era da Internet:
O uno perde terreno para a diversidade. As relações tornam-se policêntricas. A
comunicação deixa de ser unilateral. O receptor torna-se também um emissor. A
interatividade substitui as trocas dirigidas. A Internet já representa uma ruptura em
relação à ordem estabelecida. A representação cede cada vez mais lugar à
participação.
As mudanças de relações fazem com que o início do século XXI seja um momento
de profundas transformações, no qual se presencia o prelúdio de uma era baseada em novos
princípios, visões de mundo e modelos de negócio. A efervescência dessa época condiz com a
ampliação da participação dos indivíduos em grupos sociais, e surgem “novas formas de
colaboração em massa que estão mudando a maneira como bens e serviços são inventados,
produzidos, comercializados e distribuídos globalmente” (TAPSCOTT; WILLIAMS, 2007,
p.20).
uma relevante razão para considerar a evolução da inteligência coletiva, fruto da
intensificação da interação social possibilitada pela Internet, como um processo que se
intensificará nos próximos anos: a projeção da primeira geração de pessoas a crescerem em
plena era digital. Esse contingente de pessoas, nascidas entre 1977 e 1996, é maior do que o
do próprio Baby Boom
35
e, pela sua própria força demográfica (serão cerca de dois bilhões de
pessoas), dominará o século XXI (TAPSCOTT; WILLIAMS, 2007).
É a geração da colaboração devido a uma característica marcante: ao contrário de
seus pais, que assistiam a 24 horas de televisão por semana (dados dos EUA), os jovens dessa
geração crescem interagindo (TAPSCOTT; WILLIAMS, 2007). Passividade é algo que
não existe no dia-a-dia destes jovens, relevância é a palavra-chave. O raciocínio que a
35
Baby Boom Trata-se de qualquer período onde o coeficiente de natalidade cresce de forma acentuada e
anormal. O termo se popularizou no pós-Segunda Guerra Mundial, quando houve um aumento importante da
natalidade nos EUA.
67
comunicação via web desenvolve é o do hipertexto: em um processo intuitivo e contínuo, o
navegador está permanentemente fazendo escolhas de acordo com seus interesses. Em função
disso, essa geração não se contentará em ser um receptor passivo, uma vez que, desde tenra
idade, passa seu tempo pesquisando, lendo, inspecionando, autenticando, colaborando e
organizando informações de acordo com suas preferências.
Para essa geração radicalmente pós-moderna, é difícil imaginar um mundo moderno
banhado de certezas, no qual não existia a plataforma tecnológica para interagir do modo
como é feito hoje via Web. Ou seja, “enquanto seus pais eram consumidores passivos de
mídia, os jovens de hoje são criadores ativos de conteúdo midiático e têm sede de interação”
(TAPSCOTT; WILLIAMS, 2007, p. 63).
Essas transformações e o novo espírito dessa geração afetarão o mercado de
comunicação de forma crescente. No entanto, ainda é uma incógnita de que forma isso
ocorrerá. Porém, ao admitir a relevância das mudanças em curso, abre-se a possibilidade para
compreender o núcleo que regerá a comunicação no futuro: a interatividade.
Ora, para o gerenciamento das marcas, entidades produtoras de sentido, também
deve ser considerado esse pressuposto para que possam não somente adaptar-se, como
também interagir nesse novo contexto.
As implicações para os profissionais do marketing e da comunicação são
significativas. Mas não se trata exclusivamente do mesmo desafio dos publicitários dos anos
50, que buscavam descobrir a melhor forma de utilizar os novos meios de comunicação de
massa, em um raciocínio de otimização do meio de comunicação. O desafio que se impõe é o
de compreender as transformações que a Internet está causando, ou ajudando a consolidar, no
modo como as pessoas se relacionam e, de forma mais específica, como o consumidor se
relaciona com as marcas.
As empresas ainda operam, em sua grande maioria, com um modelo de comunicação
unidirecional, partindo do anunciante e todo o aparato representado pela agência, veículos,
etc. em direção aos consumidores. Equivale a dizer que as organizações tinham voz, mas não
ouvido (PEREZ, 2004).
68
Na sociedade atual, a entidade sígnica da marca necessita cada vez menos da
condição material antecedente do produto, que a marca acaba “desencarnando dos produtos
que lhe deram origem, passando a significar muito além deles próprios” (PEREZ, 2004,
p.111). Sendo assim, o objetivo da publicidade deixa de consistir em anunciar produtos e
passa a ser significar marcas mesmo quando para significar marcas seja necessário anunciar
produtos.
O discurso do trabalho em prol das marcas já foi incorporado em muitas agências.
Contudo, a operação ainda está fundamentada na arraigada lógica do produto, ponto de
partida das estratégias de comunicação. Muitas agências ainda não conseguiram descobrir de
que forma inverter o raciocínio que parte do produto e transformá-lo em um raciocínio que
tenha sua gênese na marca.
Por fim, a comunicação continuará a crescer e a ocupar novos espaços e sempre
precisará de especialistas para lidar com desafios cada vez mais complexos. As possibilidades
são diversas e começam a ganhar mais força no mercado. Em observação a tal tendência, faz-
se importante salientar que “as novas tecnologias não impactaram em aumento da
racionalidade e redução da carga simbólica das mensagens publicitárias, ao contrário, cada
vez mais os consumidores deixam de consumir produtos tangíveis para se enveredarem pelo
mundo fugidio dos símbolos” (PEREZ, 2004, p.106). Visto que cada vez mais será o
consumidor quem liderará o processo comunicativo, o mercado de comunicação será obrigado
a reconfigurar-se de acordo com essa nova relação.
5 A TRANSIÇÃO DA COMUNICAÇÃO UNILATERAL PARA A COMUNICAÇÃO
INTERATIVA
It´s the end of the world as we know it (and I feel fine)
Trecho de música do R.E.M.
Neste capítulo serão delineados os principais fatores que se encontram em fase de
transição no gerenciamento das marcas, comparando a dinâmica tradicional com a atual, a fim
de construir a visão prospectiva a que esse estudo se propõe.
5.1 CONTEXTO A DESMATERIALIZAÇÃO DO CONSUMO
A maioria dos líderes empresariais de hoje cresceu em uma era diferente da que vive
diariamente. Segundo Argenti (2007, p. 1) “a diferença entre o mundo que essas pessoas
conheceram na infância e o mundo que seus netos enfrentarão no século XXI é absolutamente
assombrosa”.
Esse profundo contraste aponta e faz parte de um processo mais amplo de transição
da nossa realidade baseada no mundo físico para uma vivência essencialmente mental. Tal
realidade, que pode ser denominada de imagética (DAVIS, 2003), determina uma relação
intangível no que diz respeito ao trabalho, às relações afetivas, ao dinheiro, e, finalmente, ao
consumo. De acordo com Davis (2003, p. 31):
O mundo imagético não é imagético no sentido do ilusório, do fantástico. Ele é um
mundo invisível, produzido por idéias e elétrons e pode ser vivido na imaginação
humana. Ele é o mundo cada vez mais imperativo de dados digitais bombardeando
neurônios, de trabalho e inovação de conhecimento, de imagem e marcas, de uma
nova visão da física sobre o funcionamento do mundo, que lida com mecanismos
infinitos demais ou pequenos demais para serem algo que não seja imaginado.
As evidências dessa transformação estão por toda parte. Peter Drucker (2001) chama
essa nova era da economia de sociedade pós-capitalista, na qual o centro de gravidade não é
70
mais o capital ou os recursos naturais e nem mesmo o trabalho, e sim o conhecimento, as
idéias e a inovação.
Nesse novo contexto, as idéias são o “novo aço, a matéria-prima com a qual tudo é
construído e sustentado. Indícios que sustentam essa constatação podem ser encontrados ao
analisar-se as mudanças ocorridas na economia e nas relações de trabalho. No começo do
século XX, dois terços dos trabalhadores americanos ganhavam a vida fabricando coisas, ao
estilo de Henry Ford, ao passo que, no começo do século XXI, dois terços ganham a vida
tomando decisões (DAVIS, 2003, p. 44).
Conseqüentemente, proliferam produtos que são pensados e não fabricados em um
mercado em que a atenção é a moeda real dos empreendimentos e dos indivíduos. Com efeito,
o sustento de uma grande parcela da população provém da realização de trabalho invisível,
o qual será recompensado através de transações monetárias virtuais. Evidencia-se, assim, que
uma grande parte das transações de trabalho se dão na ordem do abstrato/intangível.
Em relação ao consumo e ao lazer, não é difícil observar que se cobiçam os objetos
imagéticos, de alto valor agregado e pouca tangibilidade, e que as pessoas se reúnem em
ambientes virtuais, onde o deslocamento e comunicação se dão através de operações não-
físicas. Presencia-se, portanto, um consistente movimento na base econômica de muitos
países de deslocamento substancial do sistema produtivo para o consumo, movendo-se da
racionalidade material para o plano do desejo e, em decorrência disso, para o campo da
subjetividade e da intangibilidade (PEREZ, 2004).
Em se tratando da desmaterialização do consumo, a intangibilidade é um conceito
importante. Na área da administração, o termo intangível caracteriza o principal atributo que
distingue serviços de produtos, com características associadas como não-palpável, dinâmico e
efêmero (LAROCHE et alli, 2001). A despeito de ser freqüentemente considerada como
sinônimo de “não-físico”, a intangibilidade vai além da não-materialidade.
Os aspectos intangíveis não estão restritos ao universo de serviços, pois surgem
também como as construções mentais que ocorrem no processo de consumo. O conceito de
intangibilidade do segmento de serviços admite a proposição da existência de uma
intangibilidade mental (LAROCHE et alli, 2001), cuja principal característica é a capacidade
71
do consumidor de construir uma representação mental do produto. Exemplificando, um forno
microondas pode ser mais intangível do que uma refeição em um restaurante para um
indivíduo que nunca teve contato ou não sabe da existência do forno.
As pessoas podem sentir-se desconfortáveis com a tendência de se gastar mais em
coisas intangíveis do que em objetos tridimensionais, no entanto o valor maior e o entusiasmo
mais intenso dos gastos são da esfera psicológica. Sodré (1996, p. 101) afirma que “o produto
define-se basicamente como desejo, como uma noção psíquica que compele a consciência na
direção de um objeto”. Isso porque todo o consumo é significado por seus agentes sociais,
transcendendo o valor de uso imediato dos bens, impondo-se como desejável e transformando
o consumo em uma operação simbólica e não mais puramente utilitária.
Esse movimento de valorização do intangível acontece na dinâmica interna das
empresas, que concentram esforços em investimentos imateriais para ganhar em
competitividade. Para Maffesoli (2005, p. 17), isso significa que “no coração do real há um
irreal irredutível, cuja ação não pode ser menosprezada”.
Sob essa perspectiva, um automóvel é um produto “real”, visível e tangível. No
entanto, na construção desse imenso e pesado objeto, existe uma gama de expectativas e
desejos a serem atendidos, através de pesquisas, inovações, design. Ou seja: mesmo a
estrutura mais pesada, o objeto tangível e a tecnologia inovadora estão consagrados à
produção de benefícios de ordem imaterial para o consumidor.
A tecnologia torna menos desiguais as condições de competição entre as empresas,
no sentido de que as bases físicas como estrutura de produção, mão-de-obra especializada,
maquinário, etc., não proporcionam mais uma competitividade sustentável a longo prazo. Em
razão disso, tais diferenciais competitivos estão mais passíveis de serem contornados,
copiados ou superados pelas empresas concorrentes.
Nas condições de competição atual, as vantagens duráveis são derivadas de bens
intangíveis como habilidades humanas, capacidades logísticas, bases de conhecimento, marca
e outras forças de serviço que os competidores não conseguem reproduzir facilmente e que
são compreendidas pelos clientes como o verdadeiro valor agregado da empresa (PEREZ,
2004).
72
A tecnologia constitui-se na grande facilitadora dessa transição, fato que pode ser
ilustrado em fenômenos como o do YouTube
36
. Todavia, é necessário não restringir os
fenômenos que acontecem através de operações não-tangíveis a questões mediadas pela
tecnologia, e sim entender que ela apenas acelera esse processo de abstração, pois treina o
indivíduo a negociar com dados incorpóreos, fazendo com que cada um torne-se um habitante
da mente (DAVIS, 2003).
Essa generalização do imaterial, no entanto, não consiste em um distanciamento dos
aspectos práticos e funcionais da vida corrente em favor das dimensões imateriais. Conforme
Semprini (2006), observa-se muito mais uma interpenetração e uma submissão crescente aos
aspectos da intangibilidade do que uma negação da concretude. A esse respeito, cabe uma
alusão ao pensamento de Baudrillard (2003):
Os signos evoluíram, tomaram conta do mundo e hoje o dominam. Os sistemas de
signos operam no lugar dos objetos e progridem exponencialmente em
representações cada vez mais complexas. O objeto é o discurso, que promove
intercâmbios virtuais incontroláveis, para além do objeto... Atualmente, cada signo
está se transformando em um objeto em si mesmo e materializando o fetiche, virou
valor de uso e troca a um só tempo. Os signos estão criando novas estruturas
diferenciais que ultrapassam qualquer conhecimento atual.
E é justamente essa transformação, o deslocamento do foco principal do consumidor
de uma realidade tangível (características do produto) para o nível intangível (sensações,
promessa de marca, vínculo subjetivo) que transforma a dinâmica do consumo, com a rápida
expansão de um consumo muito mais experiencial ou emocional do que ligado ao status
(LIPOVETSKY, 2004a).
O consumo é vida, lazer, identidade e cimento social, pois atravessa transversalmente
a sociedade, agregando-se à subjetividade do indivíduo. O novo consumo, desmaterializado e
carregado de significados, é solo fértil para o crescimento da relevância das marcas, pois
desenvolver territórios simbólicos e manipular a abstração são aspectos típicos de seu
funcionamento.
Quase tudo pode ser convertido à lógica da marca: produtos, serviços ou pessoas.
Considerando a evolução do mercado, compreendido como o espaço de trocas de
36
YouTube - O YouTube é um site na Internet que permite que seus usuários carreguem, assistam e
compartilhem vídeos em formato digital.
73
mercadorias, pode-se afirmar que houve uma espécie de substituição das promessas ofertadas
pelos bens de consumo em função das promessas da marca.
Está em curso a mudança de um modelo de consumo utilitário para um modelo de
consumo no qual a troca de valor é encontrada na carga simbólica da marca. Tal mudança não
é homogênea e encontra-se em estado avançado em segmentos como o de moda e com pouca
expressão em segmentos commoditizados.
37
O contexto pós-moderno fez emergir esse novo consumo, que, tendo como principal
núcleo do seu processo de transformação a desmaterialização, demanda uma nova maneira de
compreender a marca: de uma lógica de identificação de produto para uma lógica de
manipulação de significados.
5.2 CONSUMIDOR AGRUPAMENTOS SOCIAIS POR AFINIDADES E
TRIBALIZAÇÃO
Com a saturação dos bens de consumo, passamos da cultura material à cultura dos
bens imateriais e dos serviços, o que faz emergir novas formas de subjetividade do
consumidor (SEMPRINI, 2006). Essas novas formas de subjetividade estão no cerne do novo
consumo, que provoca a necessidade de uma nova compreensão do fenômeno das marcas.
Maffesoli (2005) afirma que a principal característica das sociedades pós-modernas é
a formação das redes, que se elaboram através dos signos de reconhecimento transversais:
práticas culturais, faixas de idade, participação em grupos afetivos. O neotribalismo consiste
no processo de massificação constante em que acontecem condensações e organizam-se tribos
mais ou menos efêmeras que comungam valores minúsculos, chocando-se, repelindo-se e
atraindo-se numa constelação de contornos mal definidos e totalmente fluidos.
É a desumanização real da vida urbana que produz esses agrupamentos específicos
com a finalidade de compartilhar a paixão e os sentimentos, sendo que a interação,
37
Commoditizados - Commodities são produtos básicos, homogêneos e de amplo consumo, que podem ser
produzidos e negociados por uma ampla gama de empresas.
74
particularmente visível nesses grupos, permite aludir a uma alma coletiva que anima o
conjunto da vida cotidiana (MAFFESOLI, 2006). O autor batizou de tribalismo esse
movimento social contemporâneo, privilegiando uma abordagem do aspecto coesivo da
partilha sentimental de valores encontrado sob diversas modulações em numerosas
experiências sociais.
Lévy (1996), por sua vez, propõe características semelhantes para as comunidades
virtuais, que reúnem pessoas não por seus nomes, posições geográficas ou sociais, mas,
segundo centros de interesses, numa paisagem comum do sentido ou do saber. Com o advento
do conceito de comunidade virtual, a posição geográfica e mesmo a necessidade de presença
perdeu muita importância para a formação de uma comunidade de interesses. Apesar de “não
presente”, essa comunidade está repleta de paixões e de projetos, de conflitos e de amizades.
Ela vive sem lugar de referência estável: em toda parte onde se encontram seus membros... ou
em parte alguma (LÉVY, 1996).
A respeito desse fenômeno, Carrascoza (2003, p. 105) assinala o quanto as
mediações determinadas pelo pertencimento a esta ou aquela classe social não conseguem
mais dar conta deste fenômeno, pois tribos, famílias, etnias, gêneros, profissões e instituições
apresentam suas próprias formas de mediação simbólica, com seus papéis específicos, sendo
que “cada sujeito está envolvido com muitas densificações sociais não mais mediadas por
uma estrutura unificadora.
É relevante assinalar que a vitalidade e o dinamismo das relações que se estabelecem
entre os grupos marcam o fenômeno do novo consumidor. Nessas redes, “a religação é vivida
por ela mesma” (MAFFESOLI, 2006, p. 58), em ritos tribais vividos nos agrupamentos
sociais, nos ajuntamentos esportivos, bem como “na fúria consumista das grandes lojas de
departamento, dos hipermercados, dos centros comerciais que, é certo, vendem produtos, mas
antes de tudo, destilam simbolismo, quer dizer, a impressão de pertencer a uma espécie
comum (MAFFESOLI, 2006, p.168). um estranho instinto de mimetismo que rege a
tribo. Isso provém de um vibrar em comum, sentir em uníssono, experimentar coletivamente,
tudo o que permite a cada um, movido pelo ideal comunitário, de sentir-se daqui e em casa
neste mundo, o conceito de estética de Maffesoli (2006).
75
Trata-se de um processo circular de reconhecimento, que explica o desenvolvimento
do simbolismo sob suas diversas modulações observado em nossos dias. Essa dinâmica possui
uma intensa intersecção com a lógica da marca, pois conduz intuitivamente para um conjunto
de procedimentos dos integrantes da tribo, hábitos que passam pela moda, pelo
comportamento, pela maneira de compreender o mundo. Enfim, o que une o grupo não é uma
coerção e sim um determinado conjunto de interesses comuns e afinidades. O recorte desse
estudo refere-se à possibilidade de que esses atributos podem estar sintetizados em uma
marca.
Ao referir-se a consumidores de uma determinada marca, pode-se aplicar o conceito
de “habitus”, citado por Maffesoli (1997) para designar uma comunidade de estilo que
condensa as características gerais de uma realidade viva específica, sendo que, através do
habitus, cada um reconhece, sem discussão nem argumentação, o que faz o mundo comum.
Esse curioso processo que visa a um reconhecimento do outro como igual na diferença
(LIPOVETSKY, 2004b) calca a agregação em torno das marcas.
A marca garante ao consumidor que o anônimo comunga de seus valores, tem
interseção com alguma parte da sua vida.:“Uso Mizuno, eu corro”. O papel da marca nesse
processo é o de vetor de ligação, em uma dinâmica que aproxima o existir do consumir, quase
se confundindo “consumo, logo existo” (CARRASCOZA, 2003, p. 105). O próprio
indivíduo é percebido como um signo, uma vez que suas escolhas de consumo (roupas, carro,
habitação, lazer) ajudam a compor o mosaico de sua identidade frente aos grupos sociais que
participa.
Não é novidade para os profissionais de marketing e comunicação que o significado
incorporado em uma marca pode ser bastante profundo, e o relacionamento entre ela e o
consumidor pode ser visto como um tipo de vínculo ou pacto. No contexto desagregado em
que se situa o fenômeno das marcas, em função do declínio das ideologias e da crise dos
grandes discursos, “as marcas tornam-se fortes indicadores, formas de agregação coletiva e de
identidade” (SEMPRINI, 2006, p. 33). A esse respeito, é curioso notar o quanto, no desejo de
diferenciação, atinge-se uma intensa conformidade os adolescentes são um caso típico, pois
têm obsessão por marcas e agem por mimetismo em função do grupo que integram
(LIPOVETSKY, 2000).
76
A marca não exige nada senão a adesão do indivíduo: o consumo. Não exige
exclusividade, não impõe regras de moral, nem pretende dar respostas totalitárias. A marca
apenas propõe um conjunto de valores e incita à participação do indivíduo.
A marca aparece no cerne deste estar-junto tribal, pois garante aos consumidores o
reconhecimento no outro de determinadas características pré-concebidas e experiências
coletivas. Tratam-se das experiências compartilhadas através das marcas, cujo primeiro
objetivo é o de propor um projeto de sentido, uma relação e um contrato fundados sobre a
cumplicidade partilhada. Como forma de afirmação de sua identidade, o consumidor “vai às
compras” no mercado simbólico, no qual as marcas se situam. As marcas possuem um
sistema de sentido que facilita esse processo, visto que ela se constitui em um universo de
significação prêt-a-porter.
38
Eis o desafio do comunicador: construir uma mensagem para uma miríade de tribos
que se condensam em massa, cujos integrantes transitam livremente entre os grupos e, numa
política pós-moderna, praticam radicalmente a cultura inclusiva do “e”. Ser dona de casa e
tatuada. Ser esportista e fumante. Ser cosmopolita e analógico. Ser politicamente correto e
racista. Almoçar McDonald´s e jantar no restaurante vegetariano. D a fluidez e a
relatividade características da pós-modernidade, cristalizadas em comportamentos flexíveis
marcados por um “engajamento a la carte” (CARRASCOZA, 2003, p. 105).
Poder-se-ia, ainda, entrar na descrição de casos clássicos como tribos de
consumidores que têm na marca o seu vetor de ligação. Um caso pioneiro em estudos de
etnografia demonstrou como a Harley-Davidson se tornou este elemento organizador para os
motoqueiros de forma a ser um símbolo com características religiosas em torno do qual é
articulada toda uma ideologia de consumo, ancorada em valores como liberdade pessoal,
machismo, patriotismo e herança americana (SCHOUTEN, John W.; MCALEXANDER,
1995). Este tipo de agrupamento social é especialmente significativo para exemplificar a
capacidade da marca de construir um imaginário. Apesar de ser um exemplo extremo,
contribui para o entendimento da capacidade das marcas de influenciar as tribos e atuar como
identificadores poderosos nos processos de coesão do grupo.
38
Prêt-a-porter- O mesmo que ready-to-wear. Expressão que significa “pronto para vestir” ou “pronto para
usar”. Surgiu no final da década de 1940 para indicar roupas confeccionadas em série, como resultado da
industrialização da moda. Até então, as roupas eram feitas sob encomenda e sob medida.
77
O consumidor da era cibernética cria suas redes de amigos, publica e pesquisa na
Internet. Fora da rede, reivindica seu direito de opinar sobre os produtos que usa. O
consumidor cria o seu próprio conteúdo, gosta de interferir nos processos de decisão das
empresas e de indicar produtos para os seus amigos. É um processo inexorável, pois hoje
ferramentas que possibilitam o empoderamento do consumidor. Perez (2004, p. 106) assinala
este fenômeno como uma evolução positiva:
A grande contribuição das novas tecnologias e também da concorrência é que os
consumidores, antes ignorados, passaram a fazer parte das preocupações das
organizações. O consumidor foi elevado à categoria de prioridade e passou a receber
um “ouvido” para despejar suas considerações. Essa nova postura da comunicação
organizacional, até então unidirecional, abre a possibilidade de interação com seus
“receptores”, tornando um pouco mais equilibrado o processo comunicacional.
A partir desse entendimento da vitalidade e da movimentação social que engendra os
complexos agrupamentos sociais pós-modernos, situam-se a marca como um dos vetores
pelos quais as tribos identificam-se e compartilham experiências. Ora, para acompanhar esse
permanente processo de ressignificação das marcas e estabelecer estratégias de comunicação à
altura desse desafio, é preciso compreender que o ponto de partida da comunicação deve ser a
possibilidade de interação e a incorporação efetiva do consumidor, classicamente considerado
um receptor passivo, admitindo a sua participação na construção de significados das marcas.
5.3 ABORDAGENS TEÓRICAS EVOLUÇÃO E CONVERGÊNCIA DE IDÉIAS
O caráter evolutivo da marca exige estudos que sejam aplicáveis e contemporâneos,
pois “se antes as organizações pesquisavam o desejado por um nicho de consumidores,
empenhavam-se em criar ofertas que atendessem às exigências identificadas em suas
pesquisas; agora, o que cobiçam é a criação de signos deslocados do próprio produto”
(CARRASCOZA, 2003, p. 107). A função original de identificação perde seu lugar central na
lógica das marcas, pois estas se situam em um plano distinto, de significação própria.
Segundo Kapferer (2003, p. 101), “toda pessoa responsável por uma marca que existe
muito sabe bem que a marca, ao longo do tempo, adquire certa autonomia, um sentido
específico”.
78
Não é mais possível ignorar o movimento de tomada de poder pelo consumidor: o
futuro já chegou. Em função dessas mudanças, os avanços teóricos e gerenciais refletem-se no
novo modelo de brand equity que é hoje trabalhado como baseado no cliente, no qual a
premissa básica é: “a força da marca está no que os clientes aprenderam, sentiram, viram e
ouviram sobre ela como resultado de suas experiências ao longo do tempo. Em outras
palavras, a força de uma marca está no que fica na mente dos consumidores” (KELLER,
2006, p. 36).
O branding, do ponto de vista tradicional, na divisa entre a comunicação e a
administração, possui um excessivo pragmatismo ao lidar com questões subjetivas como o
comportamento do consumidor. Portanto, cabe a questão: em um mercado complexo e
voltado para os valores imateriais e o consumo emocional, ainda é possível compreender a
marca apenas como um instrumento de identificação de um produto? Ou isso seria ignorar as
dinâmicas muito mais complexas e ancoradas em processos semióticos que regem a guerra
das marcas nos dias de hoje?
Semprini (2006, p. 73) afirma que “o desenvolvimento, no seio do consumo, de
dimensões imateriais e imaginárias, entra então em íntima ressonância com a própria essência
da lógica de marca”. Essa essência, em uma perspectiva que extrapola a função originalmente
atribuída a ela puramente de identificação é a sua capacidade de suscitar associações
simbólicas intercambiáveis com os consumidores em um processo que vai além do consumo e
se através de operações mentais e de alto grau de abstração. O gerenciamento da
comunicação deve ser pensado a partir da premissa da intagibilidade, conforme Ries (2006,
p.120): “o branding ocorre na mente e não tem uma realidade física”.
É interessante notar o quanto, apesar da teoria tradicional referente ao branding
operar com um pressuposto focado no produto, algumas idéias e aplicações convergem com a
perspectiva semiótica. Diversos conceitos caros aos profissionais de marketing como
posicionamento, alma da marca, DNA da marca ou valores da marca, também encontram eco
nessa proposição de Semprini (2006), à medida que representam as associações abstratas de
atributos, benefícios e significados que uma marca contém em seu escopo.
A chave dessa convergência está no fato observado por Keller (2006) de que as
associações de marca são criadas em parte a partir das fontes de informação controladas pelos
79
profissionais de marketing, mas também podem ser criadas por experiência direta dos
consumidores, a partir de informações sobre a marca comunicadas por fontes de informações
neutras, por premissas ou inferências transmitidas pela própria marca.
A abordagem semiótica é convergente com o conceito de Keller (2006) de “nó da
marca”, inclusive no que tange à dualidade emocional/racional que o autor coloca como
fundamental em marcas fortes: um desempenho de produto adicionado de imagens
associadas.
Quando Aaker (1998) propõe que o envolvimento dos consumidores é essencial para
o gerenciamento de marcas e que os consumidores fiéis detêm o grande conhecimento sobre a
marca, é preciso compreendê-lo com a perspectiva de Semprini (2006): o imaginário da marca
não está nem na mão da empresa nem na do consumidor; eles precisam construí-lo juntos.
É nesse ponto que as idéias convergem: os profissionais de marketing parecem estar
reconhecendo que estão diante de uma nova realidade na qual o significado de cada marca é
um processo de via dupla, contemplando uma boa dose de imprevisibilidade no processo.
Kotler (1998, p. 394) assinala que, apesar de alguns analistas verem as marcas como o
principal ativo de uma empresa, a marca na verdade representa um conjunto de consumidores
e, portanto, “o ativo fundamental que permeia o patrimônio representado por uma marca é o
valor patrimonial dos consumidores”.
Em uma abordagem prospectiva, o essencial é considerar que está instituído o papel
do consumidor não só como receptor, como também no papel de produtor de significados para
as marcas, pois, na era da interatividade, são eles que decidirão, com base em suas crenças
sobre a marca, para onde ela deve ir. Keller (2006, p. 38), consonante, sentencia: “... assim, no
final das contas, o verdadeiro valor e as perspectivas futuras de uma marca ficam nas mãos
dos consumidores e de seu conhecimento da marca”.
Aaker (2006) propõe como um dos dínamos do brand equity o conjunto de
associações que uma marca é capaz de gerar. O conjunto de associações nada mais é do que o
mundo possível proposto pela marca, um pacote compacto de informações para o consumidor,
proporcionando-lhe um meio de assimilação. Para Semprini (2006, p. 21), a marca possui em
sua essência a capacidade de gerar mundos possíveis, com a seguinte configuração:
80
Um mundo possível é uma construção de sentido altamente organizado, no qual
confluem elementos narrativos, fragmentos de imaginário, referências
socioculturais, elementos arquétipos, e qualquer outro componente que possa
contribuir para tornar este mundo significativo para o destinatário. Estes mundos
oferecem ao indivíduo propostas imaginárias, sistemas de sentido organizados que
funcionam como estímulos e recursos para construir sua identidade, seus projetos,
seus imaginários pessoais e sincréticos.
A idéia dos mundos possíveis proposta por Semprini (2006) passa por um crivo de
relevância na relação com o consumidor, que considerará mais fortes as associações que
podem envolvê-lo de tal forma que se misturam à sua vida, conforme a concepção de Aaker
(1998).
Para Semprini (2006), não se diminui a importância atribuída por Aaker às
características e aos benefícios do produto ou serviço, nem de suas evidências físicas como
embalagem e canais de distribuição, mas considera-se que esses elementos são partes e
tangibilizam o universo de significado da marca.
Em última análise, esse é o produto oferecido pela marca: um mundo possível. Seria
possível também chamá-lo de imaginário, considerando que imaginário pode ser definido
como um estado de espírito, algo que estabelece vínculo (MAFFESOLI, 2001). O imaginário
como bacia semântica, rede etérea e movediça de valores e sensações partilhadas (SILVA,
2003) é uma noção que muito bem explica aquilo que hoje se utiliza no mercado como DNA
da marca aquilo que a define na essência, em termos de simbólico, e que é compartilhada
por seus consumidores.
Entretanto, opta-se pela noção de mundo possível por evocar a sensação de lugar,
que traz, por complementaridade, uma noção de ambiência que faz sentido no universo do
consumo. Usar uma roupa Adidas é ser teletransportado para um universo não do esporte,
como também da vitalidade, da modernidade, do “esporte fashion”.
39
Evoca a metáfora de
Alice que se encantou com o espelho e foi absorvida para um mundo fantástico. O receptor
não é uma folha em branco, esperando por ser preenchida com os conteúdos introjetados pela
marca. Qualquer consumidor sabe que o anúncio não é real. Mas, efetivamente, não é isso que
importa. O que interessa ao consumidor é ver, naquela proposta de sentido, não a realidade, e
sim uma idealização do real. O sentimento de empatia (“esta marca me compreende,
39
Fashion Termo em inglês que significa “moda” ou, como adjetivo, a qualidade de estar em sintonia com as
últimas tendências da moda".
81
antecipou o que eu queria”) é presente no processo de identificação com as propostas de
significado das marcas, que funcionam como estímulos e recursos para o indivíduo construir
sua identidade, seus projetos e imaginários.
O mundo possível de uma marca funciona através da interação. É nesse jogo de
trocas que as marcas estabelecem relação com o mercado em um plano não-tangível. O
processo de semiose se dá de forma ininterrupta, visto que a mensagem sempre possui
espaços em branco a serem preenchidos. São nos pequenos acontecimentos e na partilha
cotidiana das emoções, que acontece a ressignificação da mensagem das marcas. A maneira
como o consumidor se refere à marca, a forma e a ocasião na qual utiliza seus produtos, o
valor que está disposto a pagar pelo produto, a recomendação da marca ou a fala pejorativa, e
até mesmo a indiferença perante a mensagem de uma marca, são formas de ressignificar e
retransmitir o conteúdo proposto por uma marca.
Hoje é reconhecido o fundamental papel desempenhado pelo consumidor na
construção da identidade da marca. Entretanto, em uma visão que insiste em considerar a
empresa como um emissor, muitas vezes, não fica claro de que forma o consumidor
efetivamente participa desse processo. Em outras palavras, a abordagem de foco no cliente
parece mais um discurso do que uma prática. Esse procedimento que se assemelha a uma via
de mão única, baseado na supremacia do emissor (a empresa), está perdendo sua validade
como modelo de negócio, à medida que está deixando de trazer resultados positivos.
uma herança teórica que enfatiza o poder da emissão, em visões críticas da
comunicação que ignoram as possibilidades de interlocução e mesmo de ressignificação das
mensagens por parte dos consumidores. A idéia de manipulação absoluta, típica do
pensamento moderno, pode ser relacionada com a Escola de Frankfurt,
40
que afirma que os
sujeitos não têm liberdade de escolha ou possibilidade de seleção, são capturados por
esquemas pré-fabricados.
40
Escola de Frankfurt - A Escola de Frankfurt é nome dado a um grupo de filósofos e cientistas sociais de
tendências marxistas que se encontram no final dos anos 1920. A Escola de Frankfurt se associa diretamente à
chamada Teoria Crítica da Sociedade. Deve-se à Escola de Frankfurt a criação de conceitos como "indústria
cultural" e "cultura de massa".
82
Com a diluição da massa e o advento da tribo, os estereótipos vão perdendo terreno
para representações mais específicas e fluidas. De acordo com Tacussel (2002), o
enfraquecimento do enfoque crítico segundo o qual a alienação era o fator central da
cotidianidade, abre espaço para uma atitude compreensiva frente aos fenômenos
comunicativos.
No entanto, atualizando as idéias dos pensadores críticos, pode-se comparar o
cenário atual, com o advento das novas tecnologias que permitem e incentivam a interação,
com o mecanismo de reconhecimento que Adorno (1976) verificava na arte: um
reconhecimento que não é um fim em si mesmo e sim o caminho para uma nova experiência.
Maffesoli (2003, p. 19) diminui a importância da crítica da mídia, justamente por
valorizar a resistência passiva por parte dos chamados espectadores. O autor argumenta que a
manipulação é muito mais um desejo dos moralistas, que gostariam de controlar uma emissão
poderosa, eficaz e apta a surtir um efeito calculado sobre uma recepção passiva, do que uma
realidade em si. E ainda afirma, “felizmente o mundo não funciona assim”, assinalando a
astúcia popular que ressignifica as mensagens dirigidas a esta suposta massa amorfa de
indivíduos.
5.4 COMUNICAÇÃO 2.0
A dinâmica das marcas encontra-se em nova fase, com seu papel e sua natureza
profundamente modificados, em função da radical evolução do contexto socioeconômico
atual (PEREZ, 2004). Desse modo, a crescente desmaterialização do consumo sofistica as
relações comerciais e transformam o trabalho do comunicador no desafio de significar de
forma pertinente as marcas e suas manifestações materiais, os produtos. É esse mesmo
processo que torna a noção de intangibilidade cada vez mais profunda, pois à medida que as
práticas de consumo são mais impregnadas de instâncias simbólicas, mais o objeto de troca
passa a ser o próprio sentido.
Um exemplo representativo da mudança de papel das marcas é proveniente de uma
das primeiras empresas a compreender e praticar o seu negócio como administração da marca:
83
a Nike. Trata-se de uma empresa que ajudou a consolidar o modelo de fabricação sem
fábricas próprias. A empresa controla o design e o desenvolvimento dos produtos, a
distribuição e, principalmente, a comunicação.
Esse modelo de negócios foi pioneiro em demonstrar o sucesso da estratégia de
priorizar o branding em detrimento das atividades industriais. Com uma agressiva ação de
mercado e foco na marca, “a Nike não vende mais nem belos sapatos nem pés bonitos, ela
vende um potencial humano, um desenvolvimento pessoal, uma promessa descrita no slogan
Just do it. Por um instante, o sentido é concretizado no tênis” (PEREZ, 2004, p. 134).
Atualmente, as pesquisas de extensão de linha são algumas das mais procuradas nas
empresas de consultoria de branding. A interpenetração de marcas em diversos segmentos,
expressa na extensão de marcas, demonstra a maturidade dos consumidores em transferir os
significados da marca para outra classe de produtos ou serviços. A marca prepara sua própria
evolução, que “sugere implicitamente que no futuro seu projeto poderia concretizar-se em
outro lugar, em novos produtos ou manifestações” (SEMPRINI, 2006, p. 23).
Essa independência da marca aparece nos fenômenos de extensão de linha, em que a
identidade da marca expande-se para novos produtos. A sua autonomia pode chegar à
desencarnação total levando-a a adquirir um sentido de vida totalmente descolado do produto,
como acontece com a marca Bombril que, atualmente, designa outros produtos que não
apenas a lã de aço (PEREZ, 2004).
Quando uma marca se propõe a incluir um novo produto (nova manifestação de seu
projeto de sentido) no mercado, o consumidor, que detém em seu imaginário a percepção do
conceito desta marca, pode assimilar um novo produto, entendendo-o como uma extensão
natural, ou rejeitá-lo como um intruso que não se insere na promessa da marca.
Na abordagem semiótica, pode-se considerar como manifestação da marca todo o
conjunto de ações e relações que dizem respeito à marca, desde a forma de utilização dos
produtos por parte do consumidor até todas as evidências físicas da marca (embalagens,
propaganda, comunicação). Essa dinâmica interativa dos movimentos das marcas pode ser de
fato muito incômoda para os executivos de marketing, à medida que coloca muito poder nas
mãos do consumidor, vendo-o como o agente que vai, através de suas mais insignificantes
84
atitudes, construir o projeto de sentido das marcas que consome. Nessa perspectiva, a empresa
possui um papel muito menos central no estabelecimento da imagem de marca do que muitos
empresários gostariam.
A marca pode, então, ser entendida como a instância que fornece um contexto dotado
de sentido a uma experiência ou a um imaginário que, sozinhos, tenderiam a ser imprecisos ou
muito abstratos. A marca não é, ela está. Em constante processo, a marca “é o resultado,
sempre provisório, de um processo contínuo de trocas e de negociações que implica diversos
papéis de um grande número de protagonistas” (SEMPRINI, 2006, p. 109).
Até pouco tempo atrás era possível comparar a comunicação de uma marca com uma
emissão televisiva: uma mensagem focada no produto, construída de forma eficaz, chegando
ao destinatário da forma e no momento em que foi determinado pelo emissor. Na pós-
modernidade, pode-se comparar a relação com a marca observando-se a navegação através da
Internet, onde toda a informação está disponível o tempo todo, em que o destinatário
ressignifica e reutiliza as mensagens (transformando-se também em um emissor) em trocas
imprevisíveis e tendo como paradigma a participação, em detrimento da postura de
espectador.
Segundo Penteado (2001), essa transformação aparece quando se constata que o
antigo espectador ou leitor da mídia tradicional adjetivos que denominam o mesmo
personagem que figura como cliente ou consumidor nos planos de marketing sai da sua
posição tradicionalmente passiva e passa a interagir com os canais de informação.
O mundo possível de uma marca é cristalizado em seu discurso, em permanente
processo recursivo, em que abolem-se as barreiras entre produtores e receptores no
permanente processo de significação. Essa inversão de papéis vem somar-se ao intrincado
processo de sofisticação do consumo pós-moderno e, dessa maneira, cresce o questionamento
referente ao papel da comunicação nesse contexto.
Nesse sentido, é oportuno aludir à Comunicação 2.0, fazendo-se referência ao termo
Web 2.0, freqüentemente utilizado para definir a nova geração da Internet, em que os
internautas participam como criadores de conteúdo. A idéia da Comunicação 2.0 é justificada
ao considerar-se a marca como uma entidade semiótica, construída através de um discurso
85
que não é uma via de mão única, pois está sempre se construindo a partir das percepções dos
consumidores. O processo enunciativo da marca é permanente, pois “cada ato da marca é uma
nova enunciação que se inscreve na continuidade de sua primeira enunciação” (SEMPRINI,
2006, p. 157).
Cabe aqui uma referência à dinâmica proposta por Lévy (1996) na dicotomia
virtual/atual. vy (1996) traz à reflexão o movimento contínuo de mutação dos modos de ser
das entidades. A marca é um conjunto de possibilidades que podem ser atualizadas, no
vocabulário do autor. O conceito de atualização aparece então como a solução de um
problema, uma solução que não estava contida previamente no enunciado, ou seja, uma
criação, invenção de uma forma a partir de uma configuração dinâmica de forças e de
finalidades. A dinâmica da marca consiste na dinâmica do virtual: uma problemática. Uma
vez que a marca não é algo pré-definido e, sim, está sempre em movimento, abrindo um
campo de interpretação, suas atualizações geram um constante loop, um circuito de
objetivação e subjetivação, dialética característica do virtual/atual (LÉVY, 1996).
Se a marca, através de seu discurso (que não se constitui somente de suas mensagens
comerciais veiculadas, compreende um conjunto de informações disponíveis, desde o rótulo
do produto, até o site institucional da empresa fabricante), conseguir fazer crer que a adesão à
sua proposta é uma ferramenta de interação, ela possui mais chances de sucesso. De todo o
conjunto de informações disponíveis, o público absorverá aquilo que tem interseção com seus
interesses, ou seja, a própria informação é classificada de acordo com a sua capacidade de
gerar relação.
A interação vem a ser uma real incorporação do consumidor nas estratégias das
empresas, e não somente uma relação controlada, em que a empresa determina a forma como
se dará a relação. Ao admitir uma comunicação de duas vias, supera-se a idéia de considerar
como possibilidade de interação um anúncio com amostras grátis de produtos e inaugura-se
uma nova fase em que a empresa define seus rumos através das promessas contidas em sua
marca. Promessas que são continuamente atualizadas de acordo com a relação estabelecida
com seus consumidores. Nesse sentido, Perez (2004, p. 133) compara:
... se na fase precedente as marcas se nutriam e se sustentavam na comunicação, na
fase atual a marca produz significados e se aproxima mais do público. A marca
86
propõe a seus públicos um compartilhar. Consumir Lancôme, por exemplo, significa
compartilhar uma visão feminina doce e romântica.
Esse compartilhar implica admitir que as marcas existem na mente dos
consumidores, como entidades perceptuais que são. Segundo Ries (2006, p. 16), marketing
não tem a ver com mercados, marketing tem a ver com mentes”, sendo que o principal
objetivo de um programa de branding é a mente dos consumidores. Para abrir espaço na
mente do consumidor, a marca deve propor, por meio de uma estratégia comunicacional que o
considere como agente do processo, um convite para esse jogo de significações. Nessa
dinâmica, o consumidor interativo avalia a relevância da proposta de valor das marcas de
forma cada vez mais criteriosa.
A Comunicação 2.0, portanto, está marcada por um caráter aleatório, não uma
linearidade nas mensagens emitidas pela marca. O consumidor, imerso em suas percepções
seletivas, recebe fragmentos das mensagens emitidas e as ressignifica conforme a sua
percepção. O comunicador deve levar em conta que sua mensagem não será recebida “por
inteiro”.
Tal contexto implica perda de controle por parte das empresas, mas parece não haver
volta nesse processo. Apesar de a utilização das sugestões dos consumidores para o design, a
produção e o marketing parecer uma questão de simples bom senso, muitos gestores ainda não
estão preparados para isso. Conforme Roberts (2005, p. 177):
As empresas consideram difícil abrir mão do relacionamento de controle que
mantêm com os consumidores. Isso significa que estão muito relutantes em dar
liberdade ao poder do consumidor inspirador. passamos da fase da libertação.
Esses consumidores ganharam imenso poder com a internet, e vão usá-lo de formas
que fogem à nossa imaginação.
Algumas empresas têm exemplos animadores de incorporação dos consumidores em
suas estratégias: a Tramontina desenvolve e testa sua linha de facas para gourmets com um
conselho de consumidores. O modelo de trabalho do Google e do Linux está baseado na
colaboração de seus consumidores para a evolução de seus produtos. O Windows, de modo
semelhante, possui um conselho de testadores a nível mundial que recebem em primeira mão
as novas versões dos novos softwares para efetuarem um período de testes. A Claro Digital
instituiu um grupo de consumidores para criar o seu evento “Claro que é Rock”, deixando a
seu encargo escolhas como a programação, o preço e o local do evento.
87
No entanto, ainda são poucas as empresas que possuem alguma política de confiar o
próprio conteúdo aos seus clientes. Uma pesquisa da consultoria Rapp Collins constatou que
apenas 0,5% das empresas brasileiras mantêm blogs próprios (Fonte: REVISTA AMANHÃ),
um fato sintomático do receio que os executivos têm de uma forma de comunicação tão
aberta, democrática e sem intermediários. Todavia, os blogs são especialmente representativos
dessa nova relação com o consumidor, visto que retratam de maneira muito nítida a intensa
movimentação dos consumidores:
... eles traçam a cada momento um retrato dos pensamentos e sentimentos das
pessoas a respeito do que está acontecendo agora, fazendo com que a web deixe de
ser uma coleção de documentos estáticos e passe a ser uma conversa em
andamento... eles indicam a facilidade crescente com que os usuários finais podem
criar as próprias notícias e o próprio entretenimento e contornar as fontes
estabelecidas. Centenas de comunidades com interesses específicos estão se
formando e, dentro delas, as pessoas trocam animadamente informações e opiniões a
respeito de qualquer coisa, de tricô a nanotecnologia (TAPSCOTT; WILLIAMS,
2007, p. 56).
Modelos colaborativos de negócio exigem estratégias de comunicação colaborativas,
e estas serão pensadas dentro de novos modelos de agência de publicidade, que tenham outras
instâncias de legitimação e instituam novas formas de produção. Trata-se da exigência de uma
nova postura por parte dos responsáveis pelo gerenciamento das marcas, que devem aprender
com os clientes, em vez de aprender sobre os clientes. Portanto, um novo tipo de empresa, e
conseqüentemente de marca, está surgindo. Uma empresa mais aberta, que compartilha
recursos, relaciona-se com a sociedade e utiliza o poder e o conhecimento dos clientes para
evoluir e desenvolver seus negócios.
6 O DISCURSO DOS PROFISSONAIS SOBRE A EVOLUÇÃO DA
COMUNICAÇÃO NO GERENCIAMENTO DAS MARCAS
As principais idéias de cada capítulo, que induzem à reflexão sobre a evolução da
comunicação no gerenciamento das marcas, são rediscutidas partindo do referencial teórico e
colocadas em debate com as afirmações dos entrevistados. Os trechos mais relevantes em
cada tema de análise buscam responder ao grande questionamento desse estudo: quais as
mudanças que estão em curso na dinâmica das marcas, transformando o paradigma da
comunicação unidirecional para uma comunicação interativa no cenário contemporâneo?
6.1 CIRCUITO EXTERNO DAS FALAS
O discurso é o resultado da combinação das circunstâncias em que se fala ou escreve.
É válido, portanto, afirmar que a identidade daquele que fala (locutor/emissor) e daquele a
quem se dirige (interlocutor/receptor), bem como a relação de intencionalidade que os liga e
as condições físicas dessa troca interferem e condicionam a construção do discurso.
Essas condições são estruturadas a partir do contrato de comunicação, que define
toda a produção linguageira (CHARAUDEAU, 1996). Todo ato de linguagem depende de um
contrato de comunicação que determina, em parte, os protagonistas da linguagem em sua
dupla existência de sujeitos agentes e de sujeitos de fala.
Para descrever as condições de um contrato específico, é preciso reunir as produções
discursivas que se supõem pertencer a um mesmo tipo de situação. Esse estabelecimento de
fronteiras remete à possibilidade de agrupar os textos segundo certos critérios de semelhança,
isto é, “construir uma tipologia” (CHARAUDEAU, 1996, p. 39). No caso deste estudo, o
conjunto das falas dos entrevistados consistirá no corpus de texto a ser analisado. Trata-se
aqui de uma tipologia que denominamos “entrevista em profundidade”, caracterizada por um
contrato de comunicação específico, que determinou a situação de troca, estabelecendo a
relação entre os enunciados.
89
Algumas condições das entrevistas são dignas de nota, por consistirem, no aspecto
extralingüístico do discurso, determinar em algum nível o caráter da interação. Em todos os
casos:
Entrevistado e entrevistadora se conheciam previamente.
Os entrevistados concederam a entrevista em seu local de trabalho, o que
assegurou tranqüilidade e sentimento de estar à vontade.
Os entrevistados eram informados de que haviam sido escolhidos em função de
sua credibilidade e legitimidade como especialistas no assunto gerenciamento de
marcas, o que lhes colocava na posição de conhecedor, e passavam a agir como
tal.
Os entrevistados tinham conhecimento que a entrevistadora era atuante no
mercado de comunicação e, portanto, utilizavam-se muito de linguajar específico.
A informalidade resultante dessas condições influenciou diretamente na forma pela
qual os entrevistados se expressaram. Assim, além do linguajar coloquial, é possível observar
a falta de cuidado com aspectos gramaticais. Muitas frases não estão concluídas, pois, no
contexto da entrevista, eram utilizados gestos e expressões que marcavam o significado da
resposta de forma não-verbal.
6.2 PARECER GERAL DAS FALAS
Considerando esses aspectos do contrato de comunicação estabelecido, trata-se de
incluir sempre como pano de fundo as condições de produção do discurso, procurando
identificar o projeto de fala do sujeito comunicante. O extenso material resultante das
entrevistas é proveniente do “clima” de conversa estabelecido durante as entrevistas, que
acabou gerando uma reflexão sobre os temas abordados, repleta de exemplos da experiência
profissional de cada um.
As falas se configuraram de forma muito fluida e informal, com notável presença de
gírias, palavrões, palavras em inglês e jargões específicos de profissionais da área (a
considerar alguns exemplos: target, briefing, Web). Em muitas respostas, o uso do
90
pronome “tu”, porém não como uma referência à entrevistadora e sim como uma forma de
falar genericamente (a frase “tu não consegue mais fazer isso” possui o significado de “não é
mais possível fazer isso”), uma idiossincrasia da fala coloquial gaúcha.
É digno de nota o fato dos entrevistados, na condição de especialistas de determinado
tópico e estando, sob diversos aspectos, livres para expressarem sua opinião, tomarem uma
postura de enunciador de verdades.
A fim de desvelar os possíveis interpretativos que foram expressos nesse denso
material, serão identificadas as marcas do modo enunciativo do discurso. Tais marcas são a
evidência lingüística do projeto de fala do locutor e servirão como instrumento para ir além do
que está posto na fala e compreender os seus implícitos. Conforme referenciado
anteriormente, o modo de organização enunciativo possui três funções: comportamentos
alocutivo, elocutivo e delocutivo.
Comportamento alocutivo: o sujeito falante enuncia sua posição em relação
ao interlocutor no momento em que, com o seu dizer, o implica e lhe impõe um
comportamento. Assim, o locutor age sobre o interlocutor. Esse comportamento praticamente
não aparece nas falas, pois os entrevistados estão expressando seus saberes e crenças a
respeito de um tema, sem implicação do interlocutor (entrevistadora) na sua fala.
Comportamento elocutivo: o sujeito falante enuncia seu ponto de vista sobre
o mundo, sem que o interlocutor esteja implicado nessa tomada de posição. O resultado é uma
enunciação que tem como efeito modalizar subjetivamente a verdade do propósito enunciado,
revelando o ponto de vista interno do sujeito falante. Tal comportamento engloba a maior
parte dos pareceres emitidos pelos entrevistados, contemplando ponto de vista do saber
constatação e saber/ignorância; ponto de vista de avaliação opinião e apreciação; ponto de
vista de motivação obrigação, possibilidade/querer; e ponto de vista de engajamento
promessa, aceitação/recusa, acordo/desacordo ou declaração.
Comportamento delocutivo: o sujeito falante se apaga de seu ato de
enunciação e não implica o interlocutor. Ele testemunha a maneira pela qual os discursos do
mundo (provenientes de um terceiro) se impõem a ele. Acontece nos casos de opiniões que os
entrevistados julgam serem partilhadas ou de senso comum, e expressam os propósitos
dizendo “como são as coisas”, atuando como um relator de discursos de terceiros.
91
A trajetória de cada um dos entrevistados também transparece no seu discurso,
confirmando que a sua identidade socioinstitucional e a posição que ocupa nas diferentes
redes de práticas sociais estão presentes na sua forma de perceber os fenômenos e,
conseqüentemente, na forma de falar sobre eles. Segundo Charaudeau (1996, p. 27):
Os indivíduos de uma sociedade não são, enquanto atores sociais, seres únicos e
simples. Porque eles participam de vários ramais da relação, são levados a ter
comportamentos diversos e a desempenhar papéis diferentes uns dos outros, papéis
que, em troca, lhe dão status específicos.
É possível, portanto, identificar comportamentos diferentes por parte de cada
entrevistado, decorrentes de suas experiências e vivências profissionais, conforme resumido
no seguinte parecer:
Cesar Paz, que é sócio-diretor de uma das maiores agências de comunicação digital
do país, é o entrevistado que mais faz o paralelo entre o a dinâmica tradicional e a nova
dinâmica das marcas, sempre procurando evidenciar as mudanças. O fato de estar em
permanente contato com novas tecnologias influencia no seu discurso.
Arthur Bender possui uma empresa de inteligência competitiva, atuando
especificamente com planejamento estratégico. A sua vivência traz uma abordagem voltada
para o mercado em suas falas, sempre procurando dar um parecer sobre o contexto,
exemplificando com cases.
Por fim, Gilberto Giustina, como diretor de planejamento de uma das maiores
agências de publicidade do país, traz uma visão do publicitário integrada à visão do cliente.
A partir da exploração das falas dos entrevistados, serão abordados os quatro grandes
temas deste estudo, com o intuito de responder à problemática proposta de compreender as
mudanças em curso na dinâmica das marcas e quais as perspectivas que se desenham para os
profissionais da área, considerando as percepções de renomados profissionais do mercado.
92
6.3 CONTEXTO CARACTERÍSTICAS DA SOCIEDADE E DO MOMENTO
HISTÓRICO
Ao analisar os discursos dos entrevistados, nota-se que o contexto da sociedade em
que nos encontramos, e conseqüentemente do mercado, marca de forma decisiva o
entendimento do fenômeno das marcas.
uma grande inquietação em relação às mudanças, embora elas não sejam
apontadas em um período específico, e sim como um estado permanente. Trata-se de uma
percepção de falta de alternativas. De acordo com Cesar Paz, ou se é agente das mudanças,
ou se é refém das mudanças. Gilberto Giustina, por sua vez, aponta que esse é um momento
de transição e que “o mercado nunca vai parar de mudar”.
Ambas as falas demonstram um comportamento delocutivo, em que o locutor age
como se fosse possível não ter um ponto de vista, relatando os fatos como uma verdade
evidente. Essa configuração revela o quanto os entrevistados pressupõem que a única
constante na comunicação das marcas é justamente a mudança apontada como a premissa
desse estudo a transição de um modelo tradicional de gerenciamento da comunicação das
marcas para um modelo mais adequado às novas configurações de mercado.
Atentando-se mais especificamente sobre o caráter dessas mudanças, surge uma
comparação entre uma situação passada, que era conhecida, e uma situação contemporânea
apontando para um futuro em que a complexidade no gerenciamento das marcas se amplia de
forma crescente.
Arthur Bender afirma que a falta de diferenciação é a principal preocupação dos
profissionais de marketing e comunicação, apontando-a como uma conseqüência do boom
tecnológico: “o grande mal dos nossos dias, mas está cada vez ficando pior, é a falta de
diferença por equiparação tecnológica. pouco tempo atrás tu tinhas um diferencial
competitivo pequeno com relação à tecnologia e tu conseguia se destacar no mercado, durante
certo tempo, com esse diferencial”.
93
Esse enunciado consiste em uma constatação comportamento elocutivo em que o
locutor reconhece um fato do qual ele diz limitar-se a observar a existência da maneira mais
exterior e objetiva possível. Logo a seguir, o entrevistado muda seu comportamento
enunciativo e prossegue sua fala com uma declaração: Esse diferencial hoje cai por terra em
questão de semanas, em questão de minutos e tu não consegue mais ter isso, e tu não
consegue sustentar nada diferente, do ponto de vista funcional.”
O comportamento elocutivo da declaração contém uma certeza sobre um propósito,
sendo que a fala serve apenas para reforçá-la. É possível ainda evidenciar nessa fala um ponto
de vista de avaliação, em que o entrevistado demonstra uma inquietação com a velocidade das
mudanças. A combinação das modalidades enunciativas nessa fala permite avaliar que: o
entrevistado constata um fato (a falta de diferenciação por equiparação tecnológica), declara
as conseqüências desse fato (esse diferencial não é mais sustentável no mercado atual), e no
todo do enunciado manifesta sua avaliação de ordem afetiva em relação aos fatos relatados
(marcas da apreciação negativa no discurso: o uso da expressão o grande mal” para definir
um acontecimento, a colocação do tempo como um fator negativo em tom exagerado “em
questão de minutos”, o uso repetido da expressão “não conseguir”, o uso da expressão “cai
por terra”).
Apesar de os entrevistados não precisarem o período dessas mudanças, nem um fato
específico que marque de forma clara essa linha do tempo, a comparação com um modelo
tradicional, inclusive como uma tentativa de propor um novo modelo de comunicação para as
marcas. Paz compara:
“Do ponto de vista do modelo de comunicação, durante praticamente 50 anos, se
viveu um ciclo virtuoso, de comprar anúncios com determinado produto, pois comprar
anúncio significava distribuir e vender mais, conseqüentemente, gerar lucro... O limite do
ciclo de consumo estava muito mais na produção, e a gente viveu isso durante muito tempo.
Criava-se essa possibilidade, então, de comprar anúncio, de ter uma capacidade de comprar
anúncio. Fazer comunicação em nível de massa significava certamente vender mais, vendendo
mais gerava lucro, e podia criar novos produtos e esse ciclo ia assim se construindo.
É possível perceber que o entrevistado narra um acontecimento. As marcas do
locutor, como seu ponto de vista ou sua ação sobre o propósito enunciado, não aparecem
94
nessa fala. Nesse caso, o entrevistado utiliza-se da modalidade assertiva correspondente à
constatação e ao saber, em que ele relata de que forma se configurava o mercado de
comunicação tradicional e quais as conseqüências que a dinâmica desse mercado trouxe para
o momento atual.
A asserção pode ser identificada pelo uso da impessoalidade (“se viveu”, “criava-
se”). O uso dos advérbios que manifestam certeza (“certamente” e “absolutamente”) permite
ainda atribuir um caráter de convicção, pois o entrevistado trata o propósito que relata como
uma evidência. A utilização da modalidade delocutiva (constatação e saber; convicção) é
digna de relevo nesse contexto, pois demonstra o quanto a visão de uma comunicação baseada
no modelo de massa é percebida pelo entrevistado como uma dinâmica de mercado referente
ao passado. Para o entrevistado, isso é tão evidente, que não coloca em jogo o seu ponto de
vista e sim apresenta esse fato como uma verdade, apresentando “o mundo como ele existe”.
Após narrar seu entendimento sobre a dinâmica tradicional das marcas, Paz compara:
Então, a gente começou a ter uma variedade muito grande de produtos em que uma
variedade absolutamente exponencial de anúncios acabou criando muita irrelevância na
comunicação. Então, a gente chegou num momento em que um volume de informação que o
ser humano pode consumir está absolutamente overloaded
41
na informação de comunicação,
então, tu não consome mais”.
Nesse enunciado, fica evidente que o entrevistado compara dois momentos da
comunicação: a comunicação de massa, marcada por certezas e caracterizada como “ciclo
virtuoso” e “um momento de exageros de ofertas que gera a ineficiência da comunicação.
O conjunto de transformações apontadas nesse estudo, que engloba diversos fatores
que afetam a dinâmica do consumo, mostra-se, portanto, condizente com a voz dos
profissionais, que consideram essa condição de mudança permanente um aspecto inerente ao
mercado, inclusive apontando a discussão desse aspecto como um discurso considerado
lugar-comum.
41
Overloaded Palavra da língua inglesa que significa “sobrecarregado”.
95
Em relação a esse fator, Giustina explica: “Isso (o contexto de transformações), eu
sei que parece uma coisa velha, a gente está discutindo o fim da Revolução Industrial. Eu
aprendi a fazer penico: um jeito de vender. Esse conceito veio lá da Revolução Industrial
e por incrível que pareça ainda persiste, ainda persiste. Onde é que eu ponho esse meu
produto”?
À primeira vista, essa fala do entrevistado pode ser compreendida como uma
constatação, à medida que reconhece um fato: a dinâmica focada no produto, conceito nascido
na revolução industrial, ainda persiste no mercado. No entanto, a abordagem que transparece
através das marcas “eu sei que parece uma coisa velha” e a expressão por incrível que
pareça” é a de opinião. O entrevistado apresenta um fato sobre o qual ele mesmo possui um
parecer: o fato do mercado de comunicação permanecer imerso em uma cultura da revolução
industrial no que tange ao gerenciamento das marcas é uma visão tão ultrapassada, que é
surpreendente que ainda perdure.
Na tentativa de compreender o cenário contemporâneo, os entrevistados partem da
premissa de que há uma superexposição, um efeito de sedimentação que torna necessária uma
nova lógica a fim de que a comunicação continue surtindo efeito na construção de um capital
para a marca.
A afirmação de Paz a esse respeito é assertiva: A gente tem um volume tão grande,
um absurdo tão grande de informação, que ela se torna de uma forma geral irrelevante. Esse
comportamento delocutivo demonstra o quanto o entrevistado considera o excesso de
informações como um fato que se impõe à fala e não há espaços para questionamentos.
De fato, o excesso de apelos de consumo é uma evidência difícil de negar. A própria
utilização de palavras exageradas (volume tão grande, absurdo tão grande) por parte dos
entrevistados para descrever essa situação é um indicativo de que há um sentimento de
inquietação a respeito desse tópico. É preciso, portanto, partir da premissa do excesso e buscar
novas lógicas de comunicação para as marcas, que não estejam necessariamente ou
unicamente vinculadas à freqüência de exposição de mensagens de marca.
O mesmo aspecto é especialmente assinalado por Bender, que descreve a
contemporaneidade como “a sociedade do excesso” em que vigora a lógica do “hiper”,
96
utilizando a expressão de Lipovetsky (2004b). Uma evidência interessante que o entrevistado
assinala acerca desse fenômeno é o esgotamento das palavras: “As palavras perderam o
sentido por serem tão, tão, tão “super, super, hiper” que não é. Por exemplo, se tu pegar
algumas palavras como “sensacional”, perdeu sentido o “sensacional”, pois tem o
hipersensacional, tem o mega, supersensacional semana de prêmios. A palavra se esgotou,
tipo fadiga de material”.
O enunciado cumpre um papel de constatação, sendo que busca narrar um fato sem
julgamentos. O uso do pretérito perfeito como tempo verbal evidencia que o entrevistado
deseja trazer imparcialidade ao seu enunciado, dizendo que o seu conteúdo é um
acontecimento passado. O que contribui com esse estudo no sentido de evidenciar o quanto o
esgotamento dos apelos publicitários é um senso comum entre os profissionais. Esse aspecto é
tratado como um fato observado pelos especialistas na área, sendo que não é preciso
manifestar convicção a seu respeito, pois é algo que está posto.
Ora, de que forma é possível construir o discurso de marca em um contexto de
hiperinformação em que as próprias palavras perdem seu sentido e seu efeito? A adjetivação
das palavras, conforme exemplo de Bender (o “mega sensacional”) acaba não sendo mais um
recurso eficiente, pois uma banalização dessas expressões, que deixam de gerar impacto
junto aos consumidores.
O caráter assertivo desses enunciados vem confirmar os aspectos levantados a
respeito da estafa mental e da hiperescolha de produtos resultante de políticas empresariais
como a obsolescência programada. Esse excesso é decorrente da gica da mídia tradicional,
em que o planejamento de apelos publicitários é realizado a partir da premissa de controle da
audiência. Em outras palavras, quanto maior a quantidade e o impacto das mensagens
emitidas pela marca, maior a chance de sucesso.
Em contrapartida, o advento da Internet e seu rápido crescimento questionam e
conflitam com esse modelo, por disponibilizar ao usuário a opção de escolha por relevância
da mensagem. O questionamento da premissa de poder do emissor é necessário, pois as
empresas estão encontrando dificuldades em controlar o que é compartilhado pelos
consumidores a respeito de suas marcas. A partir do momento em que se cria a plataforma
97
para amplificar as percepções dos consumidores a Internet , impõe-se o desafio de
gerenciar as marcas contemplando o consumidor como um emissor de mensagens.
Muitas marcas de sucesso contemporâneas construíram sua história de êxito a partir
de uma estrutura de comando e controle muito bem definida. Há, portanto, a legitimação
desse modelo unilateral de comunicação. É a velocidade das mudanças que ocorrem no
mercado de hoje que faz com que essa premissa seja questionada.
O depoimento de Paz evidencia a preocupação com o papel do consumidor nessa
nova economia: “a partir do momento que você tem uma democratização dos meios de
informação, isso tudo se perde, essa estrutura de hierarquia de comando, controle, ela fica
muito mais difícil. Porque eu não tenho mais controle, as pessoas falam bem ou mal de
mim (da empresa), independente da minha vontade, por que elas têm espaço hoje para
trabalhar e distribuir a informação em larga escala e fazer com que uma informação que eu
repasse para dez pessoas de uma forma muito rápida, quase instantânea, se multiplique
exponencialmente”.
O entrevistado explica a premissa (a democratização dos meios de informação) e
suas conseqüências (as pessoas falam da empresa/marca com uma repercussão considerável,
uma vez que existem os meios para isso). Trata-se, portanto, de uma constatação, em que o
entrevistado apresenta um fato de forma afirmativa, porém mantém seu papel na fala, não
utilizando marcas delocutivas que trariam impessoalidade ao enunciado.
Em outras palavras, ao dizer o quanto a perda de controle da emissão de mensagens
sobre a marca é um fato inexorável, o entrevistado expõe o quanto, nesse contexto de
mudança permanente, de excesso e saturação de apelos e perda de controle da emissão, o
desafio da comunicação relevante torna-se cada vez mais complexo. Tal desafio consiste em
uma batalha travada na dimensão do tempo, na disputa pela atenção do consumidor, para que
ele se sensibilize com a proposta da marca e venha a aderir a ela na forma do consumo.
É necessário despertar a atenção desse sujeito consumidor, pois o seu tempo é a nova
moeda. E é a escassez dessa moeda que faz com que os comunicadores precisem investir em
novas alternativas, cada vez mais sofisticadas, de conquistar o público. O desafio de construir
98
uma estratégia de comunicação para as marcas nesse contexto precisa contemplar a
diversidade de canais disponíveis.
Na visão de Paz, “a cada dia surgem novas possibilidades, surge um leque de
alternativas, absurdamente grandes, numa multiplicidade de veículos, de ferramentas, isso é
muito complicado”.
De todos os entrevistados, Paz é o que mais se utiliza da enunciação delocutiva,
atuando como um relator dos acontecimentos. Nesse caso, novamente em sua fala é possível
perceber o apagamento dos sujeitos da fala em detrimento do propósito em si. O uso do
advérbio “absurdamente”, reforçado pelo uso da palavra “multiplicidade” para se referir aos
veículos e ferramentas, concluindo com a oração “isso é muito complicado”, permite
evidenciar o quanto o entrevistado enfatiza a quantidade de possibilidades da comunicação no
mercado contemporâneo.
Portanto, ele não somente constata esse fato, como o apresenta em um enunciado
com marcas de convicção. É interessante notar que, ao referir-se às diversas alternativas que
surgem de comunicação nesse novo contexto, surge a inquietação revelada pela frase “isso é
muito complicado”. Um cenário de diversas alternativas poderia ser encarado de forma
positiva em outro contexto. O que revela que também para os profissionais de comunicação
há esse sentimento de cansaço, de excesso de novidades.
A natureza dos fenômenos apontados pelos entrevistados, bem como sua intensidade,
ainda está em processo de assimilação por parte das empresas, o que explica a defasagem de
muitas estratégias de comunicação de marca. A esse respeito, Giustina afirma: Vamos
combinar... isso é sobrevivência. Tu não tem mais nenhuma marca, por maior que seja, que
tenha a facilidade de simplesmente entrar (no mercado) com um produto que está fazendo.
Nenhuma. O entrevistado apresenta, mesmo que de forma implícita, seu julgamento a
respeito do fato apresentado (a assimilação das mudanças do contexto nas estratégias de
branding). Ele se inclui na afirmação (“vamos combinar”) e afirma sua posição em discurso
quase persuasivo (com as marcas: “isso é sobrevivência”, a repetição da palavra “nenhuma”).
Mais uma vez o mercado é descrito como um contexto que é preciso “sobreviver”. A
afirmação que não admite exceções repetidamente dizendo que nenhuma marca pode
99
simplesmente entrar no mercado evidencia a necessidade de operar a partir da lógica de
marca, pois não é mais possível deduzir que a expertise
42
de produção será suficiente para o
sucesso da marca.
De uma forma geral, é possível perceber que a asserção (comportamento delocutivo)
e a constatação modalidades que demonstram certeza acerca de um fato são utilizadas para
se referir ao passado, narrando acontecimentos ou constatando verdades. A modalidade
elocutiva de opinião é utilizada quando se fala sobre futuro, ou quando é demandada do
entrevistado uma projeção a respeito de como as mudanças do mercado afetarão as marcas.
Essa característica do discurso corresponde ao fato dos profissionais terem sido formados em
uma realidade que se encontra em transformação na maioria de seus aspectos.
A nova dinâmica das marcas, delineada por uma lógica de consumo que privilegia a
circulação de signos, faz com que a tecnologia de produção, aspecto tão valorizado desde o
advento do mercado de massa, esteja perdendo importância na busca por competitividade. A
euforia consumista apontada por Baudrillard resultou em excesso de apelos, que anestesiaram
o consumidor.
A idéia de um mercado como uma massa de indivíduos não dá mais conta do
fenômeno do consumo, em um contexto em que a Internet é apontada como pivô da mudança.
Assim sendo, a análise do contexto evidencia as novas exigências do consumidor e a
multiplicidade de alternativas de comunicação, apontando para uma complexidade crescente
no gerenciamento das marcas.
6.4 CONSUMIDOR CARACTERÍSTICAS E COMPORTAMENTOS
A questão da mudança também aparece freqüentemente entre os entrevistados
quando se referem ao comportamento do consumidor. Giustina ressalta que essa mudança é
uma reação às novas possibilidades de comunicação, uma vez que as suas necessidades
permanecem inalteradas. Trata-se de assumir uma posição para a pergunta causal: o
42
Expertise Do inglês, significa perícia.
100
consumidor queria mais interação e, em função disso, criaram-se os canais, ou, a partir da
criação dos canais, o consumidor descobriu que queria interação?
Bender, ao citar um case de um cliente, expressa a dificuldade em compreender os
desejos do consumidor: “Na verdade eu não sei as necessidades que meu target quer. Se eu
perguntar para ele, ele também não sabe”. O entrevistado opta por iniciar o enunciado através
da modalidade elocutiva do saber/ignorância, em que ele declara explicitamente que não
detém conhecimento a respeito de um propósito (as necessidades do target que pretende
atingir). A seguir, ele muda seu comportamento enunciativo para a declaração afirmativa, em
que revela um fato (se eu perguntar para ele, ele também não sabe). É interessante notar que a
declaração que encerra esse enunciado justifica a falta de saber do entrevistado em relação ao
tema. Ou seja, através da combinação das modalidades enunciativas, o entrevistado afirma
não ter conhecimento de um fato relevante, porém sem perder sua credibilidade de
especialista no assunto.
Em outro momento, Bender reafirma: “A gente faz pesquisa para o varejo. Tu
pergunta para as pessoas o que eles querem, eles querem o barato, preço bom, prazo para
pagar, muita variedade, muitas ofertas e não diz nada”. À primeira vista, o entrevistado narra
um acontecimento a partir de uma declaração (a gente faz pesquisa para o varejo). No entanto,
as suas escolhas semânticas denunciam uma apreciação negativa (o uso repetido da palavra
muito, a dupla negação não + nada, o tom irônico do enunciado). Pode-se perceber uma
desilusão por parte do entrevistado ao colocar o fato de que o recorrente questionamento a
respeito do desejo dos consumidores não é respondido nem pelos próprios.
Bender aponta, portanto, como uma das características centrais do comportamento do
consumidor o fato de “ele não saber o que quer”. A idéia da pesquisa de marketing é
questionada nesse contexto: a sua metodologia deve ser repensada para sondar os desejos do
consumidor sem questionar diretamente, pois não haverá respostas diretas ou completas.
Giustina coloca esse fato de uma forma mais imparcial, através da modalidade
elocutiva da constatação: “Tu nunca tem o controle total do que se passa na cabeça do
consumidor. O cérebro continua sendo um mistério até para os neurologistas, a que se dirá
para os psicólogos, psiquiatras e publicitários”. A sua opção enunciativa demonstra que a falta
de controle e a inquietação referente ao comportamento do consumidor pós-moderno é um
101
fato externo que é observado pelo entrevistado. De onde é possível concluir que, a partir da
admissão que o processo de assimilação de marcas é um processo mental, o profissional que
possui o desafio de propor os discursos da marca precisa admitir a complexidade inerente à
subjetividade humana.
Bender explicita da seguinte forma o papel da marca nesse jogo: “Esse é um grande
sentido que as marcas o, de te ajudar na tua própria personalidade. Pode parecer um apelo
muito consumista, mas é isso”. Esse enunciado assume a forma de declaração implícita,
concluindo que, apesar da sua declaração poder soar como algo negativo (um apelo muito
consumista), o que foi dito é o que ele acredita. Essa idéia resgata a concepção de Semprini
de que o discurso da marca agrega-se à subjetividade do indivíduo, em que o mundo possível
proposto pela marca oferece propostas imaginárias, sistemas de sentido organizados que
funcionam como estímulos e recursos para o indivíduo construir sua identidade.
Repensar o papel do consumidor passa, portanto, não por uma divisão de classes
ancorada em critérios simplistas, e sim por compreender a complexidade e a contraditoriedade
inerente ao comportamento humano que se expressa no consumo. A conseqüência dessa
abordagem é um agrupamento de pessoas aparentemente distintas em função de hábitos
comuns e afinidades.
A esse respeito, Bender afirma: Não tem um avião para quem ganha 200 mil e um
avião para quem ganha 30, o avião é o mesmo. Os lugares são os mesmos. Não existe uma
Paris para um ou para outro. São clusters,
43
mas todos eles com uma linha mestra em cima de
busca de prazeres, momentos de prazeres especiais”. Nesse caso, o entrevistado expõe,
através de exemplos, que o mercado não está fatiado por níveis salariais. O agrupamento para
comunicação das marcas precisa ser feito através dos interesses comuns (a linha mestra da
busca de prazeres, no exemplo do enunciado). Sendo assim, existem os bens a serem
consumidos (produtos ou serviços, como andar de avião ou ir a Paris, no exemplo do
enunciado) e a companhia aérea ou a secretaria de turismo de Paris, as quais não serão
eficazes se pensarem sua comunicação a partir da divisão por classes sociais.
43
Clusters - Termo em inglês cujo um dos significados é “agrupamento”. Palavra largamente utilizada no
mercado publicitário para designar um agrupamento de consumidores, sob determinados critérios.
102
A prática da divisão do target com base nas classes sociais é um procedimento que
não vem perdendo importância e eficácia, como está se tornando inviável, em função da
acessibilidade de consumo propiciada pelo crédito. O exemplo citado por Bender ilustra esse
aspecto: Um target novo eu acho que é mais um estilo de vida, do que certamente de classe
social. O óbvio, tá? Tu vai pegar um tênis Nike de 500 pila que tem um cara da classe C que
paga em dez vezes. Excetuando as marcas de luxo, que serão sempre inacessíveis à grande
massa, o resto põe na prestação e deu. Não consegue mais ter essa visão.
Esse enunciado contém uma combinação de modalidades enunciativas. Inicia com
uma fala em modalidade elocutiva de opinião, onde o entrevistado especifica a sua posição a
respeito de uma informação (o que é um target novo). Essa modalidade está em configuração
explícita, através da utilização da expressão “eu acho”. A seguir, o entrevistado faz uma
transição para a modalidade delocutiva de asserção. É como se o entrevistado percebesse que
sua fala fosse de senso comum e se justifica através da expressão “o óbvio, tá?” A última
oração consiste em uma declaração em modo delocutivo, com a forte marca da
impessoalidade (“não consegue mais ter essa visão”). A configuração desse enunciado
permite deduzir que o entrevistado entende que a defasagem da utilização da divisão por
classes é uma verdade que se impõe sobre o qual ele não está expressando seu ponto de vista e
sim apenas atuando como um relator de algo que é evidente.
A premissa da divisão de público-alvo através de classes sociais é um exemplo do
questionamento a respeito sobre as mudanças do consumidor e o impacto nos modelos de
trabalho para os profissionais de marketing. Essas transformações não aconteceram, ou estão
acontecendo, em ruptura súbita a um modelo vigente e sim de forma gradual. Entretanto,
parecem ter sido mais fortemente percebidas pelos profissionais da área quando a
concorrência acirrou-se e as campanhas publicitárias passaram a não obter mais os mesmos
resultados na construção de uma marca de sucesso.
Por outro lado, em termos de comunicação de marcas, vender “tudo para todo
mundo” não é uma estratégia válida do ponto de vista operacional; seria um retrocesso em
direção à idéia de massa. Daí a necessidade de agrupar o público-alvo, porém, a partir de
novos critérios.
103
Maffesoli propõe que essa formação de grupos acontece, e, embora não haja uma
tangibilização ou sequer uma consciência de seus próprios integrantes, esse grupo não é uma
criação de laboratório. Embora não possua necessariamente uma união geográfica, ele não é
um agrupamento ficcional a fim de facilitar a comunicação, é uma tribo.
Na fase do target, os profissionais agrupavam o público-alvo por critérios como
sexo, faixa etária, classe social, formação escolar, etc. A partir desses critérios variáveis,
tentava-se compreender e formular as características desse grupo: onde se encontram essas
pessoas, em que bairro moram, onde fazem compras, para onde viajam nas férias. Com base
nesses critérios de estratificação, eram construídas as estratégias de comunicação de marcas.
Mas esses grupos (exemplo: mulheres de idade entre 25 a 30 anos, pertencentes à classe C, e
com escolaridade de curso superior completo) não existiam. Não se comunicavam. Não
possuíam necessariamente rituais conjuntos. E o mais relevante: não tinham necessariamente
interesses comuns.
A visão de Maffesoli a respeito dos agrupamentos sociais contrapõe essa lógica: o
autor observa que as tribos são formadas a partir de núcleos de interesse, comungando
pequenos valores a fim de compartilhar sentimentos e afinidades. No entanto, o que interessa
ao comunicador é que esses grupos existem, logo eles precisam ser identificados, não criados.
Porém, a dificuldade reside na inconsciência por parte dos membros e na fluidez de seus
comportamentos de consumo (conceito de engajamento à la carte de Carrascoza), os quais
obedecem a critérios volúveis e inconstantes.
O simbolismo dos grupos e seus rituais podem ser pistas para os profissionais de
comunicação identificar esses agrupamentos. O reconhecimento do outro como igual na
diferença, apontado por Lipovetsky, é concretizado através da marca e a identificação desse
processo pode ser uma poderosa ferramenta para o profissional estabelecer suas estratégias de
comunicação de marca de uma forma mais eficaz do que através do agrupamento por critérios
defasados.
A partir da disponibilização de plataformas para interagir, opinar, controlar seu
próprio processo de consumo, o consumidor passa a ser mais exigente porque tem acesso a
informações da empresa e de seus concorrentes, além de possuir canais para contatar a
empresa e/ou outros consumidores da marca. Se uma marca não lhe oferece rapidez na
104
entrega, ou portfólio
44
convenientemente diversificado, ou assistência técnica, ele busca outra
alternativa sem maiores dificuldades.
Contudo, o desejo de interatividade do consumidor segue como um problema sem
resposta para muitos profissionais. Giustina assinala o quanto o desejo de interação e
participação do consumidor sempre esteve presente: “O consumidor quer interatividade, o
consumidor quer essa interatividade a vida toda. O que não havia talvez fosse a Internet, mas
ele sempre quis. O consumidor quer entretenimento, como sempre quis. Quando tinha um
balão de gás para o consumidor e tu dava, tu estava propondo uma interação com a marca e tu
estava dando para ele uma diversão”.
Nesse enunciado, o entrevistado opta inicialmente por uma configuração delocutiva
assertiva de declaração. O uso repetido da palavra sempre complementado pela expressão
“a vida toda” (com o mesmo significado da palavra “sempre”) são as marcas dessa
modalidade. Ao trazer um exemplo (distribuir balão de gás), o entrevistado revela sua opinião
sobre o que o entrevistado considera como interatividade. Cabe aqui a lembrança do uso do
pronome “tu” correspondendo à impessoalidade. Nesse caso, a fala “tu estava propondo”,
corresponde a “estava-se propondo”, e a fala “tu estava dando para ele uma diversão”,
corresponde a “estava-se dando para ele uma diversão”. Essa característica é importante, pois
é a combinação do verbo ser/estar com o subjuntivo que consiste na configuração explícita da
delocução, sendo, portanto, um enunciado de opinião-convicção delocutiva.
A repetição das idéias (o consumidor quer interatividade... quer essa interatividade a
vida toda... ele sempre quis), bem como a entonação impaciente do locutor também reforçam
de forma implícita essa configuração que transparece a posição do entrevistado de que sempre
houve interação com o consumidor, mesmo que de formas não consideradas clássicas.
Ao falar em interatividade, freqüentemente, os entrevistados entendem o debate
como uma discussão sobre a Internet ou sobre as novas mídias digitais. Contudo, a interação
não acontece somente na Internet. Giustina reafirma sua posição de que a interação com a
marca começa com a interação com o seu produto, exemplificando: “Se eu vou fazer uma
44
Portfólio - Termo de origem anglo-saxônica que designa o conjunto de títulos e ões de um investidor,
individual ou institucional; ou documento formal que apresenta as experiências de aprendizagem fora da
escola, sendo utilizado para solicitar reconhecimento acadêmico da aprendizagem experimental.
105
panela cantar, por que quando está quente o arroz a panela canta, é outra forma de interagir.
Se eu vou fazer um joguinho na Internet onde tu vai colocando as coisas na panela e depois
ela diz se a receita vai te matar ou vai te deixar mais forte, é interação.
Novamente, o entrevistado manifesta uma atitude de certeza e convicção. É
interessante constatar que, ao falar do desejo de interação do consumidor como um fato do
passado, o entrevistado apresenta um comportamento delocutivo, transparecendo que a
evidência que ele coloca é uma verdade em si. Já ao propor uma forma de interagir com uma
situação real do presente (o seu cliente Tramontina), ele opta por um comportamento também
de opinião-convicção, porém se incluindo no enunciado, dizendo que essa é a sua posição, e,
portanto, admitindo que possa haver outras.
E ainda, ao ser questionado sobre a interação através da incorporação do consumidor
na própria definição do escopo da marca, o entrevistado enfraquece ainda mais a sua
convicção, ao optar pela modalidade elocutiva de opinião-suposição: Bom, eu acho que ele
está. Essa é uma das maravilhas da Internet, claro, o consumidor poder imediatamente
produzir conteúdo, gerar conteúdo, se envolver com a marca. Se tu não oferecer inclusive, ele
faz.” A opinião está marcada de forma explícita pela utilização do verbo “acho”, mas é digno
de nota a hesitação evidenciada pelo uso da palavra “bom”, antes do início do enunciado. A
fala segue com o tom opinativo (“essa é uma das maravilhas”), até ser concluída com uma
constatação: “se tu não oferecer, inclusive, ele faz”.
Finalmente, ao ser questionado sobre as possibilidades de interatividade, com uma
abordagem prospectiva, o entrevistado migra para a elocução saber/ignorância, em
configuração explícita marcada pelo verbo saber: Eu não sei se tem um modelo, insisto, acho
que agora todo mundo está muito nisso, tem quem gerar conteúdo, tem que fazer o
consumidor interagir”. O entrevistado declara que não tem conhecimento sobre o tópico
pressuposto (modelos de interatividade na comunicação das marcas), demonstrando o nível de
incerteza que mesmo os especialistas possuem em relação às possibilidades de comunicação
que se apresentam e as demandas do novo consumidor.
Ao abrir a via de comunicação para o consumidor responder à marca, ele exige uma
resposta qualificada e coerente com as promessas feitas pela sua comunicação. Talvez esse
seja o caminho para um relacionamento mais aberto com o consumidor. Paz aponta esse
106
questionamento como uma demanda inexorável para os profissionais de comunicação:
“Então, essa história do colaborativo ela faz parte de uma necessidade, de uma tendência
dessa geração, de sentir colaborando, transformando informação e transitando, levando
informação para outros, buscando informação entre seus grupos, faz parte, faz todo o
sentido.
Paz constata o fato de que entender e incorporar o consumidor nas estratégias de
marca é inerente ao processo de comunicação. A nova geração, que nasceu imersa na
cultura digital, está intensificando esse movimento ao demonstrar aos pais perplexos, desde a
mais tenra idade, um aguçado instinto de compartilhamento de informações. A intimidade dos
jovens com os canais que permitem um estado de conexão permanente enfraquece os
pressupostos de freqüência de mídia utilizados na concepção de estratégias de comunicação.
Pensar na rotina de um adolescente de hoje é constatar essas mudanças.
Para ilustrar tal questão, Paz descreve o fenômeno da seguinte forma: “Hoje não
existe um adolescente que tem acesso a bens de consumo com 16, 17 anos, que não chegue e
não se conecte no primeiro momento que vai estar se utilizando principalmente do Orkut,
do MSN, o tempo todo conectado, fazendo várias outras coisas ao mesmo tempo”. O tom
afirmativo desse enunciado marca a posição do entrevistado de que ele está apenas
constatando os hábitos dos novos consumidores.
Paz ainda afirma: “Mas o estar conectado, estar no canal digital é um estado, ele não
é uma ação, é um estado permanente. E ele está fazendo outras ações em cima deste estado
permanente que ele cria, de estar digital. Se é um estado permanente, e se a Internet já está no
telefone dele, no mobile, no iphone, ele já é um estado permanente constante”. Dando
continuidade ao enunciado anterior, Paz opta novamente por um comportamento elocutivo de
constatação, observando um fato.
Seu comportamento enunciativo muda, porém, ao manifestar-se a respeito dos
desafios para as marcas em relação ao comportamento da nova geração: “Essa geração tem
uma forma de interagir e de se relacionar com rios canais ao mesmo tempo, de uma forma
dinâmica, não linear, que vai exigir com que as marcas tenham um posicionamento que seja
relevante nesses canais”. À primeira vista, esse enunciado soa como uma constatação. No
entanto, deve ser considerada como uma opinião-convicção em configuração implícita pelo
107
seu tom afirmativo e por tangibilizar o diferencial do trabalho desenvolvido pela empresa de
Paz. Sendo assim, ao afirmar categoricamente que a nova geração exigirá (não deixa
alternativas) um posicionamento nos novos canais digitais (especialidade da sua empresa), o
discurso é quase persuasivo, manifestando a posição do interlocutor: o seu enunciado valoriza
o seu trabalho.
Esse estar online é uma nova forma de se conectar com o mundo, visto que interfere
nas relações sociais, nas relações afetivas, nas noções de identidades e de grupos, na maneira
de obter e distribuir informação, dentre tantos outros aspectos. A abrangência dessa
transformação ainda é difícil de avaliar, em função da velocidade com que ocorre, e por ser
um fenômeno contemporâneo.
Em relação à maneira como esse novo consumidor percebe e lida com a
comunicação, nota-se que migrou-se de um modelo em que a empresa disponibilizava a
mensagem em um determinado formato e freqüência, para uma configuração em que o
conteúdo está disponível o tempo todo e deve ser acessado pelo consumidor conforme seus
interesses. Será a relevância do conteúdo que fará com o que o consumidor realmente
incorpore a mensagem da marca, selecionando-a como relevante dentre a imensa quantidade
de apelos a que está sujeito.
Daí a tendência em comunicar conceitos de marcas através da associação com
conteúdo, criando blogs de discussão a respeito de um assunto que tenha convergência com a
mensagem da marca (em alinhamento com o conceito de mundo possível de Semprini), ou
ainda através de entretenimento, tendo como premissa que o consumidor busca a experiência
e receberá a mensagem da marca como um bônus de associação. É o exemplo dos filmes
virais que são compartilhados em função de seu caráter de entretenimento em conexão com o
imaginário da marca.
Mas à medida que se compreende a dimensão desse fenômeno, torna-se claro que a
mudança da forma de se relacionar com as marcas é apenas uma fração desse movimento. E,
como a dinâmica da marca é ancorada na comunicação, a mudança de paradigma
comunicacional provocado por esse estado online faz com que os profissionais busquem na
mudança do consumidor uma explicação para tentar achar alternativa. O já referenciado
contexto de hiperinformação e hiperoferta criou o ambiente da falta de diferenciação que
108
resulta nos blindsapontados por Paz, a cegueira que acomete os consumidores que passam
a não enxergar mais a comunicação, os anúncios, o comercial, o outdoor na rua.
Observar o comportamento dessa geração é uma boa forma de tentar projetar os
desafios dos comunicadores e gerenciadores de marca. A longo prazo, essa geração se tornará
economicamente ativa e preponderante no mercado, o que gerará uma seleção natural das
marcas em favor das que souberem responder aos desafios impostos por essa nova
comunicação.
A respeito desse tópico, Paz coloca: “eu acho que as marcas que no longo prazo vão
se estabelecer e vão construir vão ser aquelas que estiverem na cabeça dessa geração que vem
se formando, que é a geração Yahoo, como a gente chamava”. Cabe assinalar que mesmo o
entrevistado mais propenso a enunciados delocutivos, que marcam os propósitos como
verdades inquestionáveis, ao se referir ao futuro das marcas (quais marcas se construirão e se
estabelecerão) utiliza-se da opinião elocutiva, marcada na sua forma explícita pelo verbo
“acho”, denunciando sua posição e não uma verdade em si.
Presencia-se, assim, um momento crucial, no qual a nova geração não assimila e
valoriza o mesmo tipo de comunicação vigente na maioria das empresas. A perspectiva de
dirigir-se a um consumidor mais complexo, com comportamento fluido e cambiante, aparece
na fala dos entrevistados como uma fonte de ansiedade, uma vez que os procedimentos de
produção dos discursos das marcas não estão adequados para essa realidade.
Essa inquietação aparece na modalização das falas dos entrevistados: utilizam-se da
constatação e asserção quando se referem às mudanças do comportamento do consumidor;
utilizam-se da opinião com espaço privilegiado da suposição ao se referir ao futuro.
6.5 ABORDAGENS TEÓRICAS SOBRE MARCAS TRATAMENTOS
CONCEITUAIS DO TEMA
Giustina proferiu um comentário durante sua entrevista que talvez resuma a
percepção dos entrevistados referente às definições conceituais acerca do tema gerenciamento
109
de marca: “escrever sobre marcas é como dançar sobre arquitetura”. A citação é uma forma de
relatar um discurso enunciado. Nesse caso, serve para trazer uma opinião de terceiros para
reforçar sua posição de dificuldade em abordar conceitualmente o tema marca.
A velocidade com que ocorrem as mudanças do mercado e do comportamento do
consumidor provoca uma dificuldade na produção de estudos que possam antecipar e até
acompanhar esses movimentos. Bender assinala: “Tudo que a gente aprendeu sobre marcas
vem dos anos 50, desse branding mais moderno de gerenciamento. Mas, por exemplo, a
gente sabe há muito tempo sobre sensorialidade da marca... não se trabalha os sentidos ainda e
isso tem uma potência fantástica”.
O entrevistado inicia sua fala descrevendo um fato objetivo (“tudo que a gente
aprendeu sobre branding vem dos anos 50). À medida que o raciocínio evolui, é possível
perceber o caráter opinativo do enunciado, em configuração implícita, pois uma crítica
subentendida quando o locutor revela que existe algo com uma potência fantástica (trabalhar a
sensorialidade da marca) e que ainda não foi explorado.
A defasagem da teoria sobre marcas é apontada também por Giustina: A velocidade
com que tu cria, com que tu mata uma marca, é cada vez mais rápida, a velocidade é muito
rápida. É tu espalhar o problema que tu teve com uma marca, essa marca foi para o saco.
Ao mesmo tempo, uma marca se constrói em 24 horas. O que é estranho, não bate com o meu
aprendizado de que uma marca se constrói ao longo de muito tempo, não estou dizendo que
não é isso, mas tu mantém ela ao longo do tempo, tu precisa todos os dias reforçar e até
revisar o teu compromisso como marca.
A primeira parte do enunciado consiste em uma constatação afirmativa, em que o
entrevistado expõe o fato de que, atualmente, as marcas são criadas e destruídas muito
rapidamente. Em seguida, o entrevistado assume um tom dubitativo, caracterizando a opinião
implícita, em uma atitude de crença (e) de suposição. A combinação das modalidades
evidencia que o entrevistado contrapõe o que é fato constatado com o que ele aprendeu sobre
marcas. Trata-se da oposição entre teoria e prática, em que o entrevistado explicita como o
que ele aprendeu sobre marcas não é condizente com a realidade que ele enfrenta diariamente
no seu trabalho.
110
Ao perceber que as conceituações apenas tangenciam o cerne do gerenciamento de
marcas, há certo descrédito na teoria acadêmica, conforme Giustina: “sem dúvida nenhuma, a
disciplina de marketing está conduzida mais para entender que marca tem uma importante
parte para o gerenciamento dos Quatro P‟s, mas é muito mais que desenhar o produto e
colocar um preço”. Ou seja, ao afirmar que a teoria referente às marcas não conta do
fenômeno como um todo, assume uma modalidade assertiva de convicção. O uso da
expressão “sem dúvida nenhuma” no início do enunciado marca a ênfase em apresentá-lo
como um propósito que se impõe aos interlocutores, transparecendo sua intenção na fala de
marcar a defasagem encontrada nas teorias do marketing em relação à realidade de mercado.
Reconhecendo que as marcas seguiam uma cartilha que não mais responde aos
desafios do branding na contemporaneidade, Paz propõe uma atualização, porém sem apontar
caminhos: “...as marcas que estavam acostumadas a serem construídas a partir dos modelos
clássicos têm que se adequar a essa nova realidade... é preciso ser inteligente, dentro de cada
setor, de cada segmento, de cada indústria, saber como se apropriar bem, como se utilizar bem
desse ambiente novo, totalmente transformador em relação ao que se utilizava no passado.
O entrevistado opta por uma modalidade delocutiva de obrigação, em que se
caracteriza uma ação que deve ser realizada. O uso das expressões “tem que” e “é preciso”
são as marcas dessa modalidade. Portanto, o entrevistado sequer detém-se em explicar o que
seriam os “modelos clássicos”, pois ele estabelece em seu enunciado que é preciso atualizar
esses conceitos.
Paz ainda defende: “tem toda uma estética totalmente diferente daquilo que a gente
está acostumado a viver no modelo tradicional de comunicação. Acho que existe um desenho
de novas plataformas com um novo marketing que está se construindo”.
Através da modalidade elocutiva de opinião (em configuração explícita marcada pelo
verbo “acho”), o entrevistado reafirma sua posição de invalidar as abordagens tradicionais de
compreensão das marcas.
A abordagem conceitual é substituída por uma abordagem pessoal sobre o que é
marca, em uma perspectiva subjetivista, conforme Giustina: “Para mim, a marca é o que está
dentro da cabeça do consumidor. Tu pode não criar, mas está feito. A modalidade elocutiva
111
de opinião do enunciado, combinada com seu conteúdo, um tom quase testemunhal para o
conceito de marca. De onde se pode deduzir que o conceito de marca está tão difuso, mesmo
na comunidade especializada, que não “facções” a serem adotadas ou rejeitadas e sim
perspectivas pessoais sobre o entendimento do que é a marca.
Giustina salienta o quanto à marca se configura como esse arcabouço de significados
que comporta todos os elementos do processo de compra: “quando se diz que o consumidor
não quer marca agora, ele quer preço, que preço está dentro da marca, marca é uma soma
de elementos, é sempre a soma de todos os elementos que geram algum tipo de imagem na
cabeça do consumidor. Então a marca sempre existe e a marca é fundamental”.
Encontra-se aí o raciocínio da abordagem semiótica que vê a marca como o princípio
fundador que produzirá os signos de reconhecimento, dentre eles o produto em si, gerando um
circuito de significação e ressignificação estabelecido entre a empresa e o mercado. Esse
processo é compreendido como a dinâmica da marca, mas não é abordado pelos entrevistados
em forma de enunciados teóricos sobre a marca. É explicado de uma forma condizente com o
conceito de semiose de Peirce: uma cadeia produtiva de construção de sentidos.
O exemplo de Bender ilustra o entendimento da marca como processo semiótico de
atribuição de significados, no referenciado processo de generalização semântica: “tu tem
uma vaga idéia de quem tu é. Tu sabe que é uma mulher na sociedade. Agora, se tu é
moderna, se tu é ultra moderna, se é da tribo das modernas... tem tanta segmentação, tem
tanto cluster dentro dessas coisas, que tu não sabe mais saber quem tu é. vem o papel da
marca em tentar te ajudar a entender quem tu és, por que tu sabe o seguinte, se eu usar Prada,
eu me enquadro em alguma coisa, ...se usar Adidas, eu vou me enquadrar com outra... Nesse
sentido as marcas te ajudam a te entender quem tu és na sociedade... eu me escoro nela, ela
me ajuda a me dizer quem é eu então consigo me definir como “XPTO” não sei do quê do
target”.
Como protagonista do processo de consumo, a marca extrapola sua articulação
exclusiva com o universo do consumo, constituindo-se em um dispositivo de transformação
da informação em signo. Recorrente entre os entrevistados, a idéia de que a marca está na
cabeça do consumidor confirma a validade da abordagem semiótica, a qual entende a marca
como um conjunto de significados. A marca parece tornar-se onipresente. De acordo com
112
Giustina, “não existe produto genérico, por que tu cataloga na tua cabeça. Como te disse no
início, sei que é meio simplista, mas marcas são atalhos”.
A maneira assertiva de construção desse enunciado marca uma declaração
afirmativa, em que o locutor declara um verdadeiro saber, atribuindo-se uma posição de
autoridade. A autoridade nesse caso foi estabelecida no contrato de comunicação, em que o
entrevistado assume o status de especialista no assunto e declara seu saber a respeito da sua
visão a respeito das marcas.
Em seguida, o entrevistado detalha o seu pensamento: Marcas são atalhos, tipo
assim, eu comi esse pão uma vez. Eu juntei um monte de informação sobre aquele pão e a
próxima vez que eu comer, vou comer sabendo disso. O locutor explicita a lógica da verdade
que fora enunciada em sua declaração.
Dentro da mesma gica pessoal e subjetiva para definir as marcas, Bender afirma:
“Marca como mito, preenche buraco emocional na sociedade. Exemplo: acho que a eleição do
Lula, como marca, era um buraco emocional da sociedade, pois as coisas não davam certo, de
certa forma não davam certo”.
O entrevistado assume a mesma forma enunciativa de Giustina: faz uma declaração
afirmativa, através de um estatuto de autoridade e depois assume um discurso explicativo que
reforça sua declaração: A história da Harley Davidson, nos EUA, é isso, é um certo
momento da sociedade americana em que Harley Davidson teve um significado muito forte de
retorno a suas raízes, de reconstrução da indústria dos Estados Unidos, em cima de uma marca
deles, uma marca que tinha significados... Durou quase uma década essa história de resgate
dos valores americanos, de ultra conservação, um buraco emocional, que várias marcas
aderiram a isso no momento certo. Que conseguiram compreender que tinham um buraco e
entraram ali.
Compreender que as empresas colocam signos à venda através de produtos significa
admitir o papel da marca como protagonista na construção de significados, construção de
identidade e, conseqüentemente, de valores. A utilização da lógica da marca para o
gerenciamento de carreira de pessoas públicas tangibiliza esse aspecto um tanto incômodo das
marcas comerciais, consideradas extremamente valorizadas.
113
Dentre a miríade de símbolos que circulam na sociedade, o consumidor reconhece as
marcas e faz suas opções de acordo com o universo de significações proposto pela marca.
Trata-se do processo circular de reconhecimento apontado por Maffesoli, que necessita de um
símbolo para engendrar essa dinâmica.
A respeito da relação entre marca e produto, Bender foi questionado se acreditava em
um novo paradigma de colocar a marca como aspecto fundador das decisões de comunicação,
em detrimento do produto. Sua resposta: “Acredito piamente nisso... Então vem, o “puta”
desafio da década de descobrir o que o mercado quer, mas que ele ainda não sabe que quer”.
O entrevistado assume explicitamente um comportamento enunciativo de opinião
(com a marca do verbo “acredito”, evidenciando a convicção através do advérbio
“piamente”). Sua próxima fala está imbuída de uma opinião implícita, em que o entrevistado
manifesta a sua posição sobre qual o maior desafio para o profissional de comunicação de
marcas: descobrir o que o mercado quer, mesmo que não esteja no próprio mercado essa
resposta. A convicção do entrevistado vai ao encontro da inversão de raciocínio proposta por
Semprini: ao contrário da lógica da produção, privilegiar o savoir-faire de construção da
marca.
Saber engendrar, manipular e entregar atributos atrativos é o maior dever da marca, a
partir da perspectiva semiótica. A imprevisibilidade desse processo é alta e inquieta os
profissionais que percebem não estar no controle dessa situação. Segundo Giustina: “Tu
nunca tem o controle total do que se passa na cabeça do consumidor. O que estou dizendo é
que há uma possibilidade de tu gerir e tu tentar passar o que quiser da maneira mais
controlável possível para que o consumidor pense parecido com o que tu é, com que é a tua
atitude dentro aquele produto, daquele composto. Então, marca é fundamental, marca é
inevitável”.
A impessoalidade da primeira frase do enunciado evidencia um comportamento
delocutivo de opinião-convicção. A frase “tu nunca tem o controle total do que se passa na
cabeça do consumidor” corresponde a “é certo que não se possui o controle total do que se
passa na cabeça do consumidor”. Ou seja, para o entrevistado esse é um fato que não está em
discussão. Em seguida, passa-se para um comportamento elocutivo de declaração, em que o
locutor “retorna” ao circuito interno da fala através da exposição de um saber, assumindo uma
114
posição de denunciador. A marca da revelação está em “o que estou dizendo”, equivalendo a
“vou dizer o que sei”. E a sua fala é concluída com uma constatação “marca é fundamental,
marca é inevitável”.
O mercado mostra-se paradoxal, pois, ao mesmo tempo em que exige cada vez mais
estratégias globalizadas, acentua as diferenças locais e evidencia os diferentes estágios de
desenvolvimento de mercados e da percepção dos consumidores. Essa falta de uniformização,
conjugada com a crescente e contraditória demanda por estratégias de comunicação de marcas
que ultrapassam fronteiras, requer uma abordagem conceitual que possa ser aplicável em
diversos mercados.
Ao dar o exemplo do Google, uma empresa voltada para o mercado digital e com
ampla influência global, Paz aposta que esse modelo de negócios tem o potencial de apontar o
caminho para uma abordagem conceitual condizente com esses desafios: “eles (Google) não
estão importando o modelo da propaganda, não estão colocado num formato padrão, estão
podendo fazer mídia ao mesmo tempo em que prestam serviço relevante. Isso tem todo o
sentido, isso é o novo, isso é o que eu chamo de novas plataformas para um novo marketing,
modelo de comunicação”. O entrevistado configura esse enunciado de forma a transparecer
uma apreciação implícita, à medida que constrói quase que uma argumentação para reforçar o
que o entrevistado aprecia na estratégia do Google. E é notável a quantidade de vezes que essa
marca é citada pelos entrevistados. O fato de ser atualmente a marca mais valiosa do mundo
indica que não é por acaso que é utilizada como exemplo pelos especialistas.
A era de ouro do produto, tão bem representada conceitualmente pela teoria dos
Quatro Ps”, é considerada parte do passado pelos entrevistados. Cabe salientar o fato de que,
no esforço de compreender o papel das marcas, os entrevistados não citem autores como
referência nem sequer uma vez. Vários cases o citados em contextos diversos, porém a
conceituação teórica é negligenciada; dado que é característico da metodologia da entrevista
aberta permitir que o entrevistado enfatize os pontos que considera mais relevantes, é
reveladora essa lacuna na fala dos entrevistados.
Charaudeau (2008) identifica o conjunto de discursos sobre o mundo através de um
recorte do domínio do saber. O autor compreende que os sujeitos de uma mesma comunidade
social constroem significados consensuais a respeito de suas práticas, em função de suas
115
experiências partilhadas. Os entrevistados podem ser considerados como componentes de um
mesmo grupo de profissionais especialistas em gestão de marcas, embora com vivências
diferentes. Assim, percebe-se essa tendência de tangenciar a conceituação teórica do
gerenciamento de marcas. A falta de ênfase e objetividade na abordagem dessa temática pode
ser interpretada como uma dificuldade em abordar o assunto, ou como uma avaliação de baixa
relevância da questão.
Por outro lado, a abordagem semiótica que compreende a marca como um processo
interativo de recepção, codificação, transformação, ressignificação e retorno, encontra eco em
diversas falas dos entrevistados que a compreendem como um processo permanente de
construção. Talvez a dificuldade em teorizar e refletir a respeito das marcas seja proveniente
da complexidade desse processo, em permanente estado de loop, e na percepção manifestada
de que o branding acontece na mente, confirmando a citação de Ries.
Finalmente, é possível adicionar à subjetividade da conceituação das marcas a
ansiedade dos profissionais em relação à velocidade das mudanças e o caráter evolutivo da
marca, que inexoravelmente determina as práticas dos profissionais de comunicação.
6.6 COMUNICAÇÃO CARACTERÍSTICAS DO MERCADO E SUAS FORMAS
DE PRODUÇÃO E LEGITIMAÇÃO
As mudanças apontadas no cenário social e nos comportamentos do consumidor
permeiam as percepções dos entrevistados a respeito do mercado de comunicação. Os
entrevistados manifestam a permanente sensação de estarem vivenciando um momento de
intensa volatilidade, na visão de Paz: “a gente vive, a gente está no olho do furacão, e desse
olho do furacão saem alguns modelos mais vencedores, que vão ser muito mais modelos do
que os modelos da propaganda tradicional”. A afirmação em constatação é reconhecida na
modalidade não somente por seu caráter afirmativo, como também pela inclusão do locutor na
situação relatada, embora com a pretensão de imparcialidade na descrição do fenômeno
enunciado.
116
O mesmo tipo de estrutura enunciativa é utilizado por Giustina ao referir-se a essa
inquietação proveniente das mudanças nos paradigmas do mercado: “estamos numa fase em
que está mais forte o questionamento e a discussão das agências como modelo, qual é nosso
papel efetivamente... é um processo complexo, não é um plano de marketing ou
comunicação”.
As opções semânticas e de configuração desses enunciados transparecem a
abordagem imparcial que os entrevistados pretendem ter em relação às mudanças, embora
manifestem claramente (através do uso da terceira pessoa) que se referem a um grupo
(mercado) do qual fazem parte. Tal aspecto é reforçado na seguinte fala de Bender, referente à
crise no mercado de comunicação: “Ninguém sabe a saída. Quem disser que sabe a saída, está
mentindo. Está todo mundo brincando de fazer uma coisa diferente”.
Na falta de modelos de sucesso consolidados e amplamente aplicáveis, em função da
sofisticação exigida para a construção de marcas, as estratégias e táticas estão em permanente
teste. Segundo Paz: “você vai aprendendo fazendo e se tu dominar esse ambiente e suas
alternativas, tu não precisa dos formatos, dos modelos padrões, mas tu tem que ter isso como
parte do teu conhecimento. E é a dificuldade que as agências estão enfrentando, que é montar
suas estruturas. Elas não conseguem montar, elas não têm isso na sua estrutura, na sua base,
não tem tatuado no DNA”.
O enunciado inicia com um caráter afirmativo, impondo uma condição (se tu
dominar esse ambiente e suas alternativas) para a obrigação que ele descreve a seguir. Essa
configuração evidencia que o entrevistado está expondo uma característica do mercado e
enuncia a obrigatoriedade dos profissionais conhecerem os formatos e alternativas, mesmo
que os padrões não sejam necessariamente colocados em prática.
Esse enunciado no seu todo pode ser compreendido como uma opinião implícita, em
que o locutor avalia o propósito enunciado (o é preciso padrões, mas a dificuldade das
agências é justamente essa falta de padrões). A ênfase argumentativa (explicação do porquê
as agências enfrentam dificuldades frente ao novo ambiente do mercado) explicitada pelas
escolhas semânticas (não tem tatuado, na sua base”), e a repetição da idéia (“elas não
conseguem”, “elas não m”, “não tem tatuado”) demonstram que o entrevistado acredita que
as agências não estão preparadas para esse ambiente.
117
A descrição de Paz acerca da inadequação das agências para os novos desafios do
mercado se evidencia nas mudanças promovidas por muitas agências. Atualmente, percebe-se
um movimento de revisão das suas estruturas de criação, planejamento e atendimento para dar
conta das demandas que ultrapassam a necessidade de criar campanhas publicitárias para
mídia de massa e precisam construir estratégias e táticas de marketing direto, eventos,
comunicação digital, marketing promocional, entre outros.
A área de planejamento nas agências é a que mais articula os diversos setores
internamente a fim de montar o planejamento e plano geral de comunicação de marca para os
clientes. Sendo assim, é interessante o depoimento de Giustina, o qual declara que a dupla de
criação uma verdadeira instituição nas agências desde seus primeiros formatos está
falecida: Nesse sentido que digo falecida, pois não é mais passar por uma dupla, passa-se por
um monte de gente, mas eu acho que as agências nesse momento questionando, estão todas
em diferentes estágios. O termo forte e carregado de simbolismo (falecida) compõe a opinião
do entrevistado, caracterizada pelo uso do verbo “acho”.
Embora os entrevistados declarem a necessidade de adaptação por parte dos
profissionais, Paz alerta: o desafio eu acho que é um pouco mais simples: existe uma
necessidade, uma carência de formação de profissionais. Não existem profissionais, não existe
um volume, o mercado continua formando profissionais para trabalhar nos modelos anteriores
de comunicação, o modelo antigo. Continua e vai continuar formando nos próximos anos.
Todas as faculdades de comunicação que a gente tem, salvo raríssimas exceções, elas formam
profissionais num modelo anterior e que vem se esgotando”.
O uso do verbo “acho” faz do enunciado uma opinião explícita, em que o
entrevistado revela sua opinião a respeito de um fato que ele relata. Recupera-se o caráter
delocutivo desse enunciado, pois, no contexto da fala, a convicção que o entrevistado
demonstra e o uso repetido de expressões de certeza (“não existem”, “não existe”, “continua e
vai continuar”, “todas”) demonstram que o locutor opta por esse “modo de dizer” que apaga o
locutor e o interlocutor da fala, pois, para ele, o conteúdo de seu enunciado é um fato
evidente.
A resistência em relação às mudanças pelo próprio mercado é principalmente sentida
no circuito das grandes agências, segundo Paz: As principais agências, os principais
118
veículos, eles passam por uma quebra, uma ruptura do modelo tradicional, um modelo de
negócios da propaganda de uma forma geral, que sempre se estabeleceu e foi construída
dentro de um modelo de negócios rentável, do comissionamento das agências, do
posicionamento dos veículos. Isso sempre favoreceu grandes veículos, grandes agências, e
isso sempre funcionou bem, até por que criava expectativa nas pequenas agências e nos
pequenos veículos de poderem se transformar em grandes agências um dia. Uma indústria que
se alimentava do sonho também”.
Nesse enunciado, Paz constata a ruptura com o paradigma do sistema anunciante-
cliente-veículo. Contudo, uma mudança dessa magnitude não está circunscrita somente ao
campo de trabalho das agências de publicidade, e sim todo um trade de veículos de
comunicação, fornecedores e as empresas de uma forma geral, impactando, por conseqüência,
na forma de pensar a comunicação das marcas.
Portanto, conforme afirma Giustina, descobrir as alternativas de estratégias de
comunicação para as marcas é um trabalho que envolve uma complexa relação entre agência e
cliente: “Existem vários modelos, alguns mais consolidados, outros menos consolidados.
Existem agências que estão conseguindo, mas efetivamente isso não é um trabalho da
agência, é um trabalho que não prescinde um cliente, necessariamente, faz parte desse
processo. Não é assim, deixa eu passar para a agência a gestão da minha marca”.
A partir de um fato constatado (existem vários modelos), o entrevistado manifesta,
uma convicção (não é um trabalho da agência), marcada pelo uso dos advérbios
“efetivamente” e “necessariamente”. Essa opção enunciativa é interessante, pois demonstra
que o entrevistado coloca a participação do cliente como uma obrigação para a gestão da
comunicação das marcas. Trata-se de uma postura que revela que o trabalho de gerenciamento
das marcas é compreendido como uma tarefa colaborativa entre cliente e agência, uma noção
muito recente no mercado.
Até bem pouco tempo atrás, quando se iniciou a migração do marketing de produto
para o marketing de marcas, a agência assumia uma postura de especialista que permitia
pouca participação do cliente, tendo como único papel a aprovação das peças produzidas pela
agência. Ao enunciar de forma delocutiva a importância da participação do cliente, o
119
entrevistado eleva esse fato a um patamar de propósito inquestionável, ponto muito revelador
para essa análise.
Giustina também manifesta, em configuração de opinião explícita: “eu acho que é
uma transição mesmo por que a gente resolveu perguntar quem somos, todo mundo resolveu
se perguntar ao mesmo tempo quem somos. E o cliente resolveu perguntar “quem vocês são”?
Vem acontecendo isso”.
Todavia, o mesmo entrevistado, ao ser perguntado se os clientes estão preparados
para absorver a mudança de paradigma que consiste em privilegiar a marca como centro de
decisões da empresa, pondera: acho que isso tem várias vias, assim como tem diferentes
clientes em diferentes momentos. Mas acho que a maioria, não. A maioria não está”. Em
configuração explícita marcada pelo verbo acho, o entrevistado manifesta sua opinião sobre
a falta de preparo das empresas para lidar com essa realidade.
A resistência a modelos mais colaborativos e interativos de comunicação advém de
uma cultura empresarial ancorada em pressupostos de hierarquia e controle. De acordo com
Paz: “essa resistência é muito grande por que as marcas não estão acostumadas com isso. Elas
estão acostumadas com uma comunicação que é unilateral. Eu vou para a Rede Globo e insiro
a minha comunicação e dou a informação que eu quero. Elas não estão preparadas para
receber uma opinião de usuário, quanto mais uma opinião que vai ficar postada e que todo
mundo vai ver. Nessa fala, a constatação transparece através da modalização possível “eu
não julgo, eu constato”.
A seguir, o entrevistado afirma: Então, a dificuldade do gestor de marcas é muito
grande, na medida em que tem que quebrar uma cultura de corporação e de corporação
vencedora, que administra muitas vezes várias marcas. E quebrar isso é um trabalho muito
difícil por que é uma cultura estabelecida e vencedora”. Percebe-se que a fala evolui para uma
configuração de opinião, embora em configuração implícita.
É interessante notar que a opção pela constatação revela certa frieza por parte do
entrevistado ele simplesmente está colocando os fatos da forma mais imparcial possível. Os
enunciados de constatação, no caso das entrevistas, geralmente são utilizados como
120
plataforma para a opinião do entrevistado que vem a seguir: ele constata um fato que serve
como justificativa para sua opinião a respeito de uma situação.
Ao tratar sobre as formas de produção e os sistemas de trabalho da comunicação de
marcas, fala-se muito na inexorabilidade das mudanças, mas de que mudanças se está
falando? Falar em transição significa admitir que não haja respostas prontas. Giustina afirma
que “cada vez menos a publicidade é vista como saída de todos os males. Cada vez mais se
percebe que o nome da ferramenta não importa”. A expressão combinada “cada vez mais...
cada vez menos” tem uma função de advérbio, caracterizando assim uma constatação em
modalidade delocutiva. O uso do comportamento delocutivo é sempre muito revelador, pois
marca os fatos que o locutor considera como inquestionáveis.
A lógica da navegação na Internet faz com que a cultura do “quanto mais freqüência,
maior a eficácia”, modelo vigente na era da propaganda tradicional, perca a validade enquanto
forma de construir o imaginário das marcas. A Web tangibiliza a necessidade do comunicador
de evoluir para modelos à altura do desafio da comunicação individualizada. E o que se no
mercado é uma tentativa de aplicar as técnicas de produção da comunicação tradicional para
estratégias que contemplem a Internet como um novo meio.
Paz, que possui uma sólida experiência no desenvolvimento de estratégias voltadas
para a comunicação digital, salienta que o excesso da mídia tradicional alimenta esse
“cansaço” por parte dos consumidores, que vêem na navegação online uma alternativa de
suprir suas necessidades de informação e entretenimento de acordo com seus próprios
critérios. Entretanto, nesse momento de transição, uma tentativa de importar o modelo
tradicional de comunicação para dentro da Internet. Porém, da mesma forma que um anúncio
de jornal não possui eficácia ao ser veiculado na televisão, a técnica publicitária da mídia
tradicional muitas vezes não se aplica à plataforma Web.
Ao referir-se a essa transição do mercado, Paz sentencia: “pega um modelo que é
baseado na “não-interatividade” (comunicação de massa) e tenta colocar dentro desse
ambiente, que é interativo. Isso é tu colocar o triângulo dentro do redondo, o quadrado dentro
da estrelinha, não funciona. Apesar de não haver uma marca explícita de apreciação, o
entrevistado revela seu sentimento a respeito do propósito (a tentativa de importação de
modelos não-interativos para uma plataforma interativa). Ao fazer a analogia de que isso é
121
como “colocar o quadrado dentro da estrelinha”, o entrevistado manifesta certa irritação com
o fato que está expondo e ainda conclui: Isso é um modelo fadado ao fracasso num curto,
médio ou num longo prazo”.
Essa importação de modelos e técnicas é uma espécie de paliativo ou uma solução
temporária para tentar descobrir de que forma a comunicação de marcas pode se estruturar em
novas plataformas interativas. Curiosamente, Giustina e Bender manifestam o mesmo tipo de
sentimento a respeito desse assunto, em um tom de apreciação negativa evidente. Giustina
afirma: “O que eu acho uma merda é que a maior parte das empresas não pensa antes.
fazem o hot site
45
por que está na moda. Não tem a menor idéia de que marca está sendo
criada na cabeça do cara e do quer dizer sobre a marca.” Sobre esse mesmo tópico, Bender é
radical: “aí esses estrategistas de “merda” pegam toda a porcaria que tem no mundo real e
levam o lixo para o mundo virtual, onde poderia ser limpo, ser de outra forma”.
Ainda nessa mesma configuração de sentimento de desaprovação, Bender conclui:
Eu acho que a interatividade tem um canal de conhecimento, de relacionamento maravilhoso
a ser explorado, mas acho que a cabeça da gente, dos marketeiros e das agências, ainda é
pensar mídia de massa e trazer esse mesmo viés para dentro do meio Internet. Pode ver que as
campanhas virais, não são virais, são filmezinhos adaptados da TV que põe lá.
Paz afirma, em tom de constatação resignada: “então, a gente vive, e a gente vai
viver algum tempo com isso, a tentativa de criar um modelo importado dos modelos
tradicionais e convencionais para dentro de um ambiente totalmente interativo e com isso vem
os modelos dos formatos padrões, especialmente, o que a gente o que a gente muito
nos papéis de conteúdo, banner,
46
os pop ups.
47
É um processo de tentativa e erro. Mas, no mundo dos negócios, o erro não é algo
desejado. Ao contratar um especialista em comunicação, a empresa que possui uma marca a
gerir quer ouvir a palavra “resultado” e não “erro”. Mas a verdade é que a complexidade do
cenário e o amplo leque de alternativas para o gerenciamento de marcas faz com que o
45
Hot site Trata-se de um site de caráter promocional.
46
Banner - O banner é a forma publicitária mais comum na internet, muito usado em propagandas para
divulgação de sites na Internet que pagam por sua inclusão. É criado para atrair um usuário a um site através
de um link.
47
Pop ups - Janela de conteúdo publicitário que abre automaticamente ao acessar-se uma página de um site.
122
profissional tenha que empregar alternativas cada vez mais personalizadas de estratégias de
comunicação. E a personalização faz com que o benchmark
48
seja uma prática cada vez mais
difícil de ser aplicada, pois cada marca possui necessidades de comunicação muito
específicas.
Giustina constata: Os sistemas de database
49
permitem uma individualização na
comunicação em grandes proporções e de forma automatizada... o que aconteceu é que essas
ferramentas de relacionamento individual ganharam muito mais capacidade de gestão. Todas
elas são muito mais geríveis. A Internet permite falar com a Lu, com o Gilberto”. No entanto,
mais adiante em sua entrevista, Giustina alerta: Embora sejam mais geríveis, mais fáceis de
gestão essas novas ferramentas, elas ainda estão em experimentação. E, posteriormente,
conclui: Quem está fazendo tem que saber que está correndo risco, que está testando, que
está experimentando.
Analisando-se a situação de forma mais ponderada, é possível perceber que se trata
de uma evolução que adiciona alternativas de gerenciamento da comunicação das marcas, ao
invés de uma simples substituição. Acerca desse contexto, Giustina afirma: “as agências
continuam com as mesmas ferramentas que sempre tiveram, que agora está mais visível
que existe uma salada de fruta de possibilidades. Novamente a opção pela constatação surge
em um contexto em que o entrevistado descreve as muitas alternativas disponíveis para o
branding em oposição a um modelo anterior de comunicação de massa, focado no produto,
que exigia uma eficácia técnica da comunicação de marcas, com ênfase na publicidade
tradicional construída para os meios de comunicação de massa.
A quantidade de alternativas faz com que os gestores de marca tenham complexas
demandas, segundo Paz: Juntar os elementos, juntar os argumentos, mostrar isso e discutir e
ganhar espaço dentro de uma grande corporação, defendendo os novos modelos de
comunicação é alguma coisa que as empresas vêm fazendo e alguns gestores têm
48
Benchmark - Benchmarking é a busca das melhores práticas na indústria que conduzem ao desempenho
superior. O benchmarking é visto como um processo positivo e pró-ativo por meio do qual uma empresa
examina como outra realiza uma função específica a fim de melhorar como realizar a mesma ou uma função
semelhante. O processo de comparação do desempenho entre dois ou mais sistemas é chamado de
benchmarking, e as cargas usadas são chamadas de benchmark.
49
Sistemas de database Sistemas de bancos de dados.
123
conseguido fazer, mas não é um trabalho simples, não é um trabalho fácil. Então, do ponto de
vista dos gestores, eu acho que tem esse grande desafio que é muito cultural.
Dentre essa miríade de alternativas, a discussão sobre o papel da mídia. Ao
contrário do que possa parecer pelo caráter alarmista de alguns enunciados, a mídia,
compreendida no seu sentido etimológico de mecanismo que media o processo de
comunicação, não está perdendo espaço, como conquista um protagonismo cada vez maior
em uma sociedade que privilegia a informação e a comunicação.
Em decorrência disso, os entrevistados fazem essa distinção de que o debate sobre a
comunicação de marcas não passa por uma substituição de mídias e sim pela incorporação e
gerenciamento de variáveis de crescente complexidade. Conforme Paz: “sempre vai ter um
espaço para a mídia, mas isso não pode ser um seqüencial de vinte outdoors na saída de Porto
Alegre, onde eu queria enxergar o Guaíba. Não pode ser um pop up que abre em cima do
conteúdo que eu fui buscar e que estou interessado em ver. O Google não faz isso. O
Buscapé
50
não faz isso. Tu vai e tu busca tua informação e sabe que tu vai ter uma mídia
que pode ser relevante, que está associada ao conteúdo.
O entrevistado faz uma afirmação (“sempre vai ter um espaço para a mídia”) e logo
após enuncia sua opinião através de um exemplo (“não pode ser um seqüencial de outdoors na
saída de Porto Alegre onde eu queira enxergar o Guaíba”). Através desse exemplo, o locutor
diz que é preciso que a mídia perca seu caráter autoritário de emissão de conteúdo a despeito
da vontade do consumidor. Ao trazer dois cases (Google e Buscapé) que o entrevistado
apresenta como modelos corretos, ele evidencia sua opinião a respeito do papel da mídia no
novo contexto de mercado.
Giustina apresenta sua posição a respeito desse aspecto: Essa questão toda do auê,
das novas mídias. Eu acho bárbaro. Eu acredito muito em novas mídias, mas eu me preocupo
muito a forma como isso é abordado. O debate para mim sempre vem torto. As pessoas
sempre fazem palestras, artigos dizendo as novas mídias estão aí, quem não usar as novas
50
Buscapé - O BuscaPé Informação e Tecnologia Ltda., com sede em São Paulo, é uma empresa brasileira que
criou e mantém sites de busca da internet. A empresa é proprietária entre outros do site buscape.com.br,
um serviço gratuito de busca de produtos e pesquisa de preços. Fundado em São Paulo, Brasil, em junho de
1999.
124
mídias morre, porque a tendência são as novas mídias, o consumidor quer as novas mídias ou
quer a interatividade, quando na verdade as novas mídias são ótimas, mas elas só têm
importância se forem conseqüência de uma necessidade realmente.
Ao decupar esse enunciado, tem-se a seguinte configuração: inicia com a
apresentação de julgamento sobre o propósito em caráter explícito, marcada pelo verbo
“acho” (“acho bárbaro essa questão do auê das novas mídias), em seguida pelo verbo
“acredito” (“acredito muito em novas mídias”), e concluindo com o verbo “me preocupo”
(“me preocupo muito com a forma como isso é abordado”). O seu julgamento é explicado a
seguir, quando o entrevistado diz que as novas mídias não são uma necessidade absoluta e sim
uma das alternativas possíveis, mas que devem ser utilizadas em um composto que privilegia
as necessidades de comunicação de cada cliente.
Ainda em caráter apreciativo, o entrevistado conclui: Então, eu não gosto muito dos
alarmistas “acabou a agência”, “acabaram as mídias velhas, agora, as novas mídias...
existem novas formas de usar as velhas dias, existem velhas formas de usar as novas
mídias, existem novas formas de usar todas mídias, o que importa é a forma de usar as mídias,
não importa se a mídia é velha ou nova”.
Ao ser questionado se existe um padrão no mercado contemporâneo, Paz pondera:
Tem, mas o problema é que não tem do jeito que a gente gostaria que tivesse um padrão.
Como é bom viver com um padrão, com processos, com modelos, mas não é, esse ambiente
não é um modelo. A essa constatação, o entrevistado adiciona um enunciado em que revela
sua falta de conhecimento a respeito da questão: começa a existir uma padronização nima
de modelos, mas nesse momento é muito difícil de dizer”. O entrevistado admite que, no
momento atual, ele não sabe dizer se um know-how
51
que sirva como modelo para o
gerenciamento de comunicação das marcas. E ainda conclui mais adiante: Por que se
tivessem formatos padrões, se fosse só fazer banner, pop up e um hot site bacana, isso
qualquer um fazia, é muito fácil”. Nesse momento, o enunciado migra para uma opinião, em
que o entrevistado valoriza a dificuldade que, muitas vezes, é exposta como um problema
para os profissionais.
51
Know-how - O know-how, savoir-faire ou conhecimento processual é o conhecimento de como executar
alguma tarefa.
125
Pode-se, então, concluir que será eficiente a estratégia de comunicação de marca que
estiver aberta a todas as inúmeras possibilidades de dias consagradas, novas plataformas
interativas, ações presenciais, comunicação personalizada. Giustina é otimista ao resumir esse
momento: “Todas as possibilidades são boas. Eu posso falar individualmente com todos os
meus consumidores se eu quiser. Eu posso fazer isso por marketing direto, eu posso fazer isso
pela Internet, eu posso fazer isso pelo telefone, posso bater na porta de cada um, eu posso
fazer o boca-a-boca, eu posso criar advogados de marca, eu posso criar patrulhas de marca,
botando quinhentas es para defender a Tramontina (cliente da DCS) junto aos seus
núcleos. (...) Que nome tem isso? Para mim o nome disso é idéia genial. Para mim isso é uma
grande idéia. Ao referir-se a uma projeção (todas as possibilidades), o entrevistado assume
uma postura de opinião (marcada pela expressão “para mim”), relativizando, portanto, o
conteúdo de seu enunciado.
Para responder de que forma o consumidor pode ser incorporado na comunicação,
Giustina evoca o “depende”, conforme a resposta aqui transcrita: “É muito caso a caso. Sei
que é uma resposta muito fácil o depende, mas a melhor resposta para essa pergunta (De que
forma você entende que na comunicação o consumidor possa ser incorporado no modelo que
não é mais “top-down”?) é o “depende”. Graças a Deus é o depende. Depende do que o
produto quer, depende de como a marca está de propondo a ser, depende até do momento de
mercado da marca, às vezes ela pode ficar quietinha e pronto. O entrevistado manifesta sua
opinião através de atitudes de crença, revelando seu ponto de vista, inclusive, justificando-o
(“Graças a Deus é o „depende”).
A incorporação do consumidor, comparada ao processo da Web 2.0 no Capítulo 5,
pode ser recuperada em algumas falas no sentido de compreender esse novo momento da
comunicação. Paz define da seguinte forma esse conceito, advindo da terminologia da
Internet: “Web 2.0 é basicamente o conjunto de valores que permite com que através da
intervenção do usuário, a intervenção da pessoa que está acessando a um determinado
sistema, quanto mais ele se utilize desse sistema melhor esse sistema vai ficar. Seja através do
conteúdo, inserindo conteúdo e fazendo com que ele seja cada vez melhor, refinando isso,
refinando muitas vezes até, seja através da indicação de melhores funcionalidades, então, a
Web 2.0 nada mais é do que isso. As pessoas interagem com as plataformas de uma forma
com que elas fiquem cada vez melhores. Como especialista em dias digitais, Paz assume
126
nesse momento uma postura de autoridade, dando uma declaração sobre um fato que ele
detém o conhecimento, em modalização de “vou dizer o que sei”.
Em função de se tratar de um termo proveniente da Internet, Comunicação 2.0,
muitas vezes confunde-se com comunicação na Internet, confusão sobre a qual Paz expressa
sua opinião: Uma estratégia de Comunicação 2.0 não é, não representa a necessidade de toda
a estratégia de comunicação ser criada num ambiente digital. Isso é um ponto importante”.
Exige-se, portanto, pensar a comunicação de forma a incorporar o consumidor, tendo
como premissa não privilegiar o papel do emissor e sim compreender a marca como um
circuito em permanente processo de ressignificação. Para fazer frente a esse desafio, Paz
aponta as demandas para o gestor de comunicação de marcas: “Precisa realmente entender
muito bem, ter uma intimidade muito grande com esse ambiente todo digital, que é complexo,
é muito complexo, e ter um entendimento muito claro das marcas que tu trabalha. Nesse
momento, a modalidade enunciativa é delocutiva-obrigação, em que o entrevistado expõe
obrigatoriedade de forma impessoal, evidenciando sua postura de relator daquilo que é
necessário fazer: ter um grande conhecimento e intimidade com o ambiente digital e com as
necessidades da marca que precisa se inserir nesse contexto.
Não se trata de uma tarefa fácil, visto que exige dos gestores das marcas uma atitude
de desapego para com os modelos tradicionais, segundo o mesmo entrevistado: Tu conseguir
estar presente de uma forma relevante é tu abrir mão de todo um modelo de comunicação
anterior, esquecer e entrar nesses novos canais com alguns requisitos básicos. Um é ter que
privilegiar a individualidade. Eu tenho que me relacionar realmente de uma forma muito mais
individual... eu tenho que respeitar de forma absoluta o direito e a opinião desse consumidor.
Eu tenho que ser autêntico e honesto, não adianta eu pegar e forçar, como a gente a
comunicação no modelo tradicional tentando fazer o modelo nessas novas plataformas.
É importante lembrar aqui a característica da fala coloquial que utiliza o pronome
“tu” como modalidade impessoal. Nesse caso, ao dizer “tu abrir mão”, o entrevistado refere-
se ao mercado como um todo. Sendo assim, caracteriza-se novamente o enunciado delocutivo
de obrigatoriedade. A partir de uma constatação (estar presente de forma relevante é abrir mão
de um modelo anterior), o locutor manifesta a necessidade absoluta de tratar a comunicação
de forma individual, com uma abordagem autêntica e desvinculada de formas tradicionais de
127
“forçar” a mensagem persuasiva, prática recorrente nos meios de comunicação de massa
(modelo tradicional).
A resistência em transformar a forma de pensar a marca, bem como de comunicá-la,
apenas prejudica a performance da empresa. Segundo Paz: “Era possível com investimento e
uma boa publicidade e um bom trabalho de RP, assegurar-se que isto estava controlado e hoje
a situação é diferente. Embora exista uma resistência, essa resistência ela acaba não sendo
muito efetiva, por que queira ou não as grandes marcas, as grandes empresas, esse efeito pode
ser negativo ou positivo de se falar das marcas é fácil hoje tu fazer uma pesquisa na
blogosfera
52
e ver quantos posts
53
existem sobre a marca Globo, por exemplo, TV Globo,
posts que são independentes da vontade da família Marinho, são milhares”.
Mas não basta inserir ações em um formato que permita a colaboração do
consumidor, ou até mesmo incentivando essa participação, se a proposta conceitual da marca
não tiver relevância. Se o comunicador cometer o erro de tratar a colaboratividade como mais
uma tendência momentânea da técnica publicitária tradicional, corre o sério risco de fracassar
nas ações propostas, conforme alerta Paz: “Agora, as ações têm que ser muito bem
estruturadas, muito bem pensadas para não cair no ridículo. “Ah, entendi o modelo é
colaborativo, então, vou fazer uma ação colaborativa, colaborativo é fazer upload
54
de vídeo
na Internet”, corre o perigo de se frustrar e não ter nenhuma relevância... Então as ações de
Web 2.0 são interessantes na medida em que a colaboração faça sentido num contexto mais
amplo do que o colaborar por colaborar, do colaborar porque eu vou ganhar um premiozinho.
O conteúdo tem que ser relevante, o assunto tem que ser relevante, a discussão tem que ser de
verdade.
O entrevistado enuncia mais uma vez obrigatoriedades para os profissionais de
comunicação adequarem-se ao processo da Comunicação 2.0: “as ações m que ser muito
bem estruturadas”, o conteúdo tem que ser relevante, o assunto tem que ser relevante, a
discussão tem que ser de verdade”.
52
Blogosfera - Blogosfera é o termo coletivo que compreende todos os weblogs (ou blogs) como uma
comunidade ou rede social.
53
Posts - entradas de texto cronóligas em websites/blogs.
54
Upload - Upload é a transferência de dados de um computador local para um servidor. Caso ambos estejam
em rede, pode-se usar um servidor de FTP, HTTP ou qualquer outro protocolo que permita a transferência.
128
Essa nova atitude resulta em uma comunicação autêntica no sentido de que
transparece a preocupação da empresa não somente em afirmar que seu produto é o melhor,
como também na incorporação efetiva do ponto de vista do consumidor a respeito da marca.
Recupera-se, então, a idéia de Lipovetsky, que a publicidade não responde mais sozinha às
demandas de comunicação das marcas, anunciando o fim da era desenvolvimentista da
propaganda com foco no produto e na mensagem funcional. As falas dos entrevistados
confirmam a proposição de Aaker de que as marcas não podem mais ser construídas “em
cativeiro”.
As plataformas da Internet que permitem e incentivam a interação do consumidor
demandam uma maneira de gerenciar a comunicação que seja condizente com o desejo do
consumidor de participar da construção do capital simbólico da marca. Como o processo de
significação das marcas é incessante e complexo, é necessário considerar que a personalização
da identidade da marca sempre se dará à revelia da empresa, pois parte da subjetividade do
consumidor. Daí a dificuldade de se estabelecer e estruturar modelos que atendam às
necessidades das empresas de posicionar suas marcas no mercado.
O conteúdo a ser comunicado pela marca, incluído o simbolismo inerente ao seu
imaginário, deve ser coerente com o interesse do consumidor. Em decorrência da dificuldade
de sistematizar essas experiências tão recentes, o mercado sofre com a falta de profissionais
capacitados para construir essa nova forma de branding.
O grande questionamento de “como fazer” permanece sem resposta. Os entrevistados
estão cientes da necessidade de abrir o canal de comunicação para que o consumidor participe
ativamente da construção da marca (algo que ele fará de qualquer forma, pois hoje possui as
ferramentas para isso). Todavia, ao passo que esse novo cenário traz inquietações aos
profissionais de comunicação, também é portador de boas notícias. Abrem-se possibilidades
inéditas de conhecer hábitos de consumo e obter informações sobre os consumidores. A
comunicação personalizada hoje é uma real possibilidade, em função das inovações
tecnológicas.
A compreensão do problema de comunicação e o espaço simbólico que a marca se
propõe a ocupar no mercado faz com que profissionais de alto nível sejam requisitados para
dar conta desse desafio. Sem modelos prontos para serem seguidos, os gestores de marcas
129
deparam-se com um leque tão grande de alternativas que não raro acabam por provocar
ansiedade e, conseqüentemente, interferindo no processo decisório. Entretanto, não se deve
cair na armadilha de criar um falso dilema, o de discutir quais são as mídias ou quais os
modelos que serão vencedores nesse novo contexto.
Por fim, cabe salientar a ênfase que os entrevistados deram aos tópicos relacionados
às práticas de comunicação. É ainda digno de relevo o fato de muitas falas estarem carregadas
de subjetivismos e sentimentos de inquietação, angústia e indignação. Além de ser o assunto
sobre o qual os entrevistados mais discorreram, também é o que mais contém falas em forma
delocutiva em que o entrevistado declara de forma imparcial, assumindo uma posição de
saber a respeito do tópico. No entanto, esse tom afirmativo e enfático está muito mais presente
nas críticas e apontamentos de modelos fracassados do que na indicação de práticas corretas.
Em outras palavras, mais uma vez o comportamento da fala transparece certeza sobre o que
está mudando e dúvida sobre como será o futuro.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esta dissertação originou-se da inquietação de perceber que há uma realidade em
intensa transformação na comunicação, gerando dificuldade em agrupar os elementos tão
diversos que impactam no gerenciamento de comunicação das marcas. O recorte deste estudo
privilegiou essa abordagem panorâmica, a fim de buscar compreender o processo de evolução
do gerenciamento das marcas, que iniciou com um paradigma de comunicação unidirecional e
chegou ao cenário contemporâneo em acelerada transição para um modelo interativo.
Tal opção implica um escopo de abordagem generalista, sem o aprofundamento total
em cada aspecto levantado, privilegiando a visão panorâmica do fenômeno em detrimento das
particularidades ou o ineditismo de algumas informações. É, portanto, ao final do trabalho,
que se torna possível compreender o fio condutor que interliga as idéias e conecta os pontos, a
fim de traçar esse panorama.
A contemporaneidade das mudanças no gerenciamento da comunicação das marcas,
sua característica multidisciplinar, e a necessidade de profundas reflexões acadêmicas
conjugadas com a prática de mercado, faz com que seja particularmente difícil encontrar
estudos que contemplem essas mudanças. Sendo assim, a construção do trabalho encontrou
sua fundamentação na sociologia compreensiva pela própria natureza do seu objeto, pois foi
necessário buscar, em diversos autores, os fragmentos do conhecimento até construir a
evolução da comunicação das marcas como objeto, muitas vezes aplicando noções que não se
referiam diretamente ao fenômeno das marcas.
Através do mosaico construído, proveniente de autores diversos, publicações de
comunicação, depoimentos de profissionais do mercado e a própria experiência da autora,
buscou-se o alcance dos objetivos desse trabalho, traçando o panorama do fenômeno da
evolução da comunicação das marcas a partir do contexto situado na lógica do produto até a
desmaterialização do consumo, em uma abordagem prospectiva, refletindo-se sobre o papel
da interação com o consumidor nesse novo contexto.
O depoimento dos profissionais veio somar-se ao referencial teórico e, na análise dos
seus “modos de dizer”, foram recuperados os implícitos das falas, desvelando o que para eles
131
é fato evidente e o que é posição pessoal. Na visão de Charaudeau (2006, p. 41): “é na carga
semântica dos vocábulos, por meio dos modos de organização discursiva que os integram, e
numa situação de intercâmbio que se podem levantar as marcas desses jogos.
Portanto, o fato de os entrevistados combinarem modalidades enunciativas que
transparecem certeza para se referir ao passado e a situações de mudança, e modalidades que
indicam suposição, opinião ou dúvida para se referir a projeções, é extremamente revelador.
A falta de respostas definitivas por parte dos entrevistados é característica do momento de
transição em que se encontra o mercado de comunicação.
A análise de contexto evidenciou a rápida evolução das marcas e o crescimento de
sua relevância, em uma sociedade em que o próprio consumo conquistou um protagonismo
inédito. Porém, esse fenômeno encontra-se em acelerada mutação; seu próprio dinamismo
gerou um excesso de apelos e hiperoferta de produtos que atualmente está no cerne da
necessidade de reinventar a comunicação das marcas. A sofisticação dos processos de
consumo que se observa em que o signo desempenha um papel fundamental, faz com que as
estratégias e táticas de comunicação tenham que ser revistas.
Em face a essa realidade, os profissionais manifestam uma profunda inquietação com
essas mudanças e evidenciam em suas falas uma característica assertiva no que se refere a
uma situação passada que era conhecida, em contraposição à angústia e à dúvida no que se
refere ao contexto atual e suas possibilidades de evolução. A Internet aparece como o grande
marco dessa mudança, visto que o impacto das novas tecnologias nos mais diversos aspectos
da vida contemporânea é fonte significativa de ansiedade, pelas inúmeras possibilidades que
contempla.
Com relação à figura do consumidor, a sua gênese como sujeito em relação direta
com o fabricante, ocorrida no início do século XX, possibilitou a estratificação social, que
condicionou a comunicação de massa. Esse raciocínio gerou uma idealização de um
consumidor transparente e relativamente simples de ser identificado. No entanto, esse
indivíduo plenamente unificado não existe, e o que se encontra na prática profissional é a
defasagem das estratégias ancoradas na divisão por grupos de referência.
132
Os agrupamentos sociais em redes, com signos de reconhecimento transversais,
constituem-se em desafio para os profissionais que precisam ler as entrelinhas dos processos
de decisão de compra em uma instância simbólica e não simplesmente utilitária. Nesse
sentido, a fala dos entrevistados traz a inquietação do questionamento das ferramentas de
informação e pesquisa, uma vez que nem o próprio consumidor sabe enunciar seus desejos.
Há, portanto, o reconhecimento pelos profissionais de que seu comportamento de consumo
não é controlável ou previsível, invalidando as teorias ancoradas na idéia do target.
Outro problema que se apresenta para os profissionais de comunicação é a demanda
da interatividade dos consumidores. Apesar de eles reconhecerem que esse desejo sempre
esteve presente, o surgimento de novas plataformas que facilitam essa interação veio a tornar
essa necessidade uma urgência. O maior envolvimento exigido pelo consumidor é alimentado
por essas possibilidades. Ainda, a sensação de que esse desejo será uma exigência no futuro é
reforçada pelo comportamento da nova geração de consumidores que cresceu acessando a
Internet, e, em permanente estado online, possui outras demandas de resposta para as quais as
empresas devem estar preparadas.
As abordagens teóricas sobre marcas, cristalizadas no período dos Quatro Ps, seguem
como padrão no mercado e nas universidades, e sua ênfase no produto implica conseqüente
compreensão da marca como instrumento de identificação a seu serviço. Entretanto, a fala dos
profissionais manifesta um profundo descrédito nas teorias sobre marcas, trazendo suas
perspectivas pessoais para definir a marca. A abordagem semiótica, no entanto, aparece de
forma muito clara no momento em que os entrevistados propõem suas definições para marcas:
atalhos que sintetizam um arcabouço de significados. O processo de objetivação e
subjetivação é o cerne do processo de construção da marca, onde os autores e os entrevistados
convergem: a marca atinge autonomia e um sentido específico, descolado do próprio produto
e seu principal papel é engendrar, formatar e entregar sentidos.
É interessante notar como profissionais profundamente envolvidos com o branding,
não se propõem a enunciar conceitos prontos a respeito do gerenciamento de marcas. Ora, a
idéia de especialidade parte da premissa de conhecimento profundo acerca de um tema. O
especialista deveria ser o profissional que tem a legitimidade para responder a respeito da
problematização de um assunto. No caso das marcas contemporâneas, ser especialista parece
significar o oposto: é admitir que não haja uma resposta definitiva ou fechada.
133
Quanto às práticas do mercado de comunicação no que tange às marcas, que se
considerar que a teorização do branding e o desenvolvimento da excelência da técnica
publicitária em prol da construção das marcas são fenômenos recentes. O pressuposto do
controle da emissão foi fundamento para toda uma sistematização do conhecimento e das
práticas profissionais de comunicação para as marcas.
A velocidade do surgimento de novas alternativas, novas mídias, novos formatos,
novas técnicas e novos modelos de interação entre cliente-agência-veículo geram significativa
defasagem entre a absorção de tais inovações pelo mercado e a profusão de novas práticas,
tornando o conhecimento rapidamente obsoleto. Esse fator ocasiona resistência à mudança
nas empresas, especialmente as de grande porte, que possuem planejamentos estratégicos a
longo prazo e, muitas vezes, não possuem a flexibilidade de incorporar novidades com o
ritmo imposto pelo mercado.
Diante do questionamento generalizado do mercado de comunicação, e
reconhecendo o contexto de mudança e efervescência, os profissionais admitem que as
estruturas das empresas e agências de publicidade não estão plenamente preparadas para
responder à altura a esses desafios. Abrir mão da linearidade das mensagens de marca e
assumir os desafios da Comunicação 2.0 é uma tarefa que deve ser encarada pelas
universidades e profissionais, que percebem que a tentativa de importar os modelos da
comunicação tradicional para um contexto de maior complexidade não será suficiente para
gerar a relevância necessária nas mensagens de marca.
Percebe-se, conseqüentemente, uma atitude diferente por parte das empresas que
começam a buscar as respostas para os questionamentos referentes às necessidades dos
consumidores junto ao mercado. Dessa forma, constrói-se uma parceria entre clientes e
agências que buscam soluções de comunicação com base não somente em suas intenções de
posicionamento no mercado, como também nas percepções dos consumidores.
Essa nova dinâmica das relações entre os profissionais de comunicação é condizente
com as relações que as pessoas querem ter com as empresas, e a marca media esse processo,
que é o símbolo de reconhecimento da empresa. A nova geração de consumidores,
referenciada anteriormente como Geração Net, faz com que as demandas de interatividade
sejam palavras de ordem para as empresas que querem obter espaço para suas marcas. Para
134
fazer com que esses consumidores catalisadores tenham adesão à proposta da marca, as
empresas terão que rever seus pressupostos de controle de emissão, embora não se esteja
falando da decadência da mídia e sim de uma nova atitude de comunicação: a personalização
das estratégias e a incorporação dos consumidores.
Essa evolução das práticas de comunicação acompanha uma evolução da
interpretação, recepção e consumo o efeito de sedimentação apontado por Soulages. As
novas tecnologias não reduziram a carga simbólica inerente às trocas semióticas propostas
pelos discursos das marcas, mas sim mudaram a forma como se esse processo. A nova
dinâmica das relações comunicacionais apontada por Maffesoli pode ser aplicada a esse
contexto: uma nova forma de pensar a comunicação repensando os pressupostos de controle
da emissão, através da colaboração, da personalização e da valorização do boca-a-boca.
Os consumidores cada vez mais formam uma imensa força online que fornece a si
mesma bens, entretenimento e serviços. Desse modo, as empresas correm riscos de se
tornarem espectadores irrelevantes, caso não façam a adequação de suas estratégias a esse
raciocínio interativo. Em síntese, os consumidores estão prontos para serem os catalisadores
das campanhas, têm idéias que importam e podem transformar uma marca. Em um mundo de
blogs, sites de busca, de leilões, e que tem como ícone empresas como o Google, as marcas
não estão mais seguras atrás de cordões de isolamento. Mesmo que não seja este o desejo de
seus executivos, “a marca caminha por entre as pessoas, uma situação que oferece riscos e
oportunidades em medidas iguais” (AAKER, 2000, p. 246).
A palavra relevância vem ganhando significativo espaço exatamente por exprimir
não somente a noção de importância, como também a idéia de adequação. O conteúdo
relevante é o conteúdo “limpo”, em consonância com o que o consumidor está buscando,
embasado e estruturado em um raciocínio do hipertexto e da navegabilidade. Traduzindo para
um exemplo prático, trata-se da mensagem da marca inserida no contexto que o consumidor
está procurando, sem falsos ou inoportunos apelos de venda.
Em oposição à linearidade, a noção de espiral, presente nas reflexões de Morin e
Maffesoli, na qual o consumidor está sempre recuando ou avançando e fazendo associações
imprevisíveis de conteúdo. Não existe um manual ou regras funcionalistas de eficácia para o
135
gerenciamento das marcas na era da interação. Esse know-how precisa ser construído
simultaneamente às transformações do mercado.
Dessa maneira, o comportamento do consumidor pós-moderno incita à discussão
sobre a interatividade. A noção de interatividade encontra-se muito relacionada à Internet,
como pôde ser percebido na fala dos entrevistados. No entanto, a noção de interatividade é
uma idéia recente, que começa a ter visões críticas e cujo sucesso e formato só serão possíveis
avaliar com o passar do tempo. No momento atual, é importante pensar na interatividade
como aspecto fundamental da comunicação das marcas, em uma abordagem que transcende
os aspectos puramente tecnológicos.
Sendo assim, compreender a Internet exclusivamente como uma mídia também é um
simplismo que não conta das inúmeras implicações do advento da era digital. As
possibilidades abertas por esse meio, ainda que em processo de concretização, transformaram
e estão transformando não somente a maneira como as pessoas e as empresas comunicam-se,
como também a maneira como elas pensam e tomam suas decisões inclusive as de compra.
A discussão sobre a interatividade na comunicação de marcas, portanto, tem mais a
ver com a inexorabilidade desse paradigma, que suscita a busca de alternativas para atender a
essa demanda por parte das marcas, do que com a pura utilização do meio Internet como
mídia. Essa mudança de pensamento muitas vezes altera profundamente modelos de negócios
anteriormente consagrados.
Pela própria natureza de seu escopo, esse estudo demarca um período. A intenção de
propor uma abordagem ampla sobre a marca pretende fugir da superficialidade e da pura
análise de cases, utilizando idéias da sociologia e da comunicação contemporânea para ajudar
na compreensão das intensas mudanças que se apresentam. Tendo isso em vista, conclui-se
que não respostas definitivas, uma vez que se vivencia um período de transição, em que o
modelo tradicional ainda vigora, e, apesar de as mudanças serem sentidas e muitas vezes
inquestionáveis, não há a legitimação de uma fórmula para gerenciar a comunicação de
marcas.
Todavia, o simples fato de compreender a marca como uma produtora de
significados e adotar essa postura mais aberta para seus consumidores, faz com que as
136
empresas busquem as formas da Comunicação 2.0, da mesma forma que encontraram quando
surgiu a comunicação de massa. Considerando a marca como um processo de enunciação, no
sentido de que ela se converte de uma entidade semiótica abstrata para uma ocorrência
concreta, é na administração dessas ocorrências, contemplando a participação e a interação
dos consumidores, que se fará o upgrade da comunicação tradicional para a Comunicação 2.0:
um conjunto de ações que parte da significação da marca e atua lado a lado com os
consumidores na construção do seu mundo possível.
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ANEXOS
ANEXO A
ENTREVISTA: 21 de Fevereiro de 2008
Arthur Bender - Presidente Key Jump
Luciana: Por que as pessoas saem do mundo real?
Entrevistado: As pessoas estão querendo o mundo virtual, pensando no traço
psicológico, para sair da “porra” do mundo real, essa “merda” toda, com essa poluição visual
toda, esse excesso todo de impactos. Aí tu sai, vai para o mundo virtual que é diferente do
mundo real, onde tu vai ter uma outra vida. esses estrategistas de “merda” pegam toda a
porcaria que tem no mundo real e levam o lixo para o mundo virtual, onde poderia ser limpo,
ser de outra forma. Então tu leva frontlight, tu leva backlight, tu leva as mesmas porcarias,
que não fazem sentido nenhum. Essa foi a grande “cagada”, uma espécie de estouro de
manada viral. Eu me lembro dessa época que escrevi esse post, saiu na Revista Exame, em
página dupla, anúncio de um seminário em São Paulo “como aproveitar o Second Life”,
“como fazer negócios no Second Life”, imobiliária, farmácia, locadora de carro... quem fez
primeiro, que foi a Fiat, acho que foi uma sacada diferente, por que era diferente. Agora, os
seguidores todos jogaram dinheiro fora, entende? Como a Secretaria de Turismo de Porto
Alegre...
Luciana: Faça uma análise de contexto, focado na questão das marcas. Como
trabalhar a questão da interatividade, não é a questão de Internet, pois a Internet
modificou a forma como as pessoas vão consumir, mas não necessariamente as pessoas
farão isso via Internet, isso é comunicação. Então, se instalou uma crise no mercado,
uma crise nas agências, no papel do marketing...
Entrevistado: Ninguém sabe a saída. Quem disser que sabe a saída está mentindo.
Está todo mundo brincando de fazer uma coisa diferente.
Luciana: O pressuposto é o seguinte, que não é mais mídia de massa, portanto
não é mais controle, é uma coisa mais democrática, horizontal. Tu consideras essa
questão da interação um fator-chave para o gerenciamento das marcas no futuro?
Entrevistado: Eu acredito que sim, como um meio complementar, mas não como
meio principal. Me uma grande marca criada no mundo online. Uma grande que
trabalhou online e é uma grande marca. Tu olha assim, Dell Computers, abrindo lojas no
mundo. A Dell está abrindo lojas, por que será, entende? Fazendo o contrário de todo mundo,
por que precisa fazer também. Eu acho que a interatividade tem um canal de conhecimento,
de relacionamento maravilhoso a ser explorado, mas acho que a cabeça da gente, dos
“marketeiros” e das agências, ainda é pensar dia de massa e trazer esse mesmo viés para
dentro do meio Internet. Pode ver que as campanhas virais, não são virais, são filmezinhos
adaptados da TV que põe lá. tu olha assim no YouTube, “nasce mágico” todo mundo se
manda, que do “caralho”, por que é diferente. Agora, o YouTube botando anúncio pago
contamina o meio, tira a diferenciação do meio e vira mais um meio. Tira o aspecto diferente
que eu acho que era o que as pessoas buscavam, filmezinhos caseiros. “Ah, vou ver a Lu fez
uma coisa louca, lá...”, mas elas não querem ir para ver o filme da Coca-Cola ou querem
ver o da Coca-Cola, mas de um jeito completamente diferente, que a gente viu muito no
seminário, algumas coisas legais. Mas tu olha aqueles grandes cases “Dove” e tu três
palestrantes com o mesmo case. Não têm muitos cases.
Luciana: Tu acreditas que existe uma crise no marketing, na comunicação?
Entrevistado: o diria que é uma crise. Acho que ninguém conseguiu achar a
forma boa de trabalhar ainda. Eu acho que tem uma super expectativa em cima do meio.
Luciana: Por que tu achas que nesse momento as pessoas estão inseguras em
relação a planejamento. Independente da questão da Internet, não é Internet, mas de
gerenciamento de marcas, de branding. As pessoas hoje ainda não sabem o que fazer,
estão descobrindo. Assim como descobriram nos anos 50 como fazer TV. Agora, a
questão da marca se tornou central, como fazer isso? Existe uma crise de modelo de
negócios. Quem faz, quem sabe fazer. Tu estás com uma iniciativa que é inovadora, por
que isso?
Entrevistado: Eu separaria em dois pontos, olhando a web e as novas mídias, do
ponto de vista “negócios”, do tipo e-commerce, pegando um lugar árido como o varejo. Hoje
a idéia é que o varejo tem que ser multiplataformas, é quase uma obrigação, não é uma
inovação nenhuma. Eu quero comprar no Ponto Frio, quero comprar pelo telefone, pela
Internet, quero também ter a possibilidade de ir na loja física. Eu acho que esse é um aspecto
do negócio ou das novas mídias, como vai ter portabilidade, eu quero comprar uma geladeira
no celular. Esse é um aspecto “negócio” que talvez seja o melhor compreendido até agora e tu
grandes exemplos de gente ganhando muito dinheiro, “Submarino”, “Americanas.com”,
negócios consolidados, não é brincadeirinha. Negócio do “caralho” mesmo. Acho que esse é
um aspecto. Agora, o aspecto marcas, pela marca, eu não colocaria toda essa expectativa
nas novas mídias. Vou te dar um exemplo disso. Tudo que a gente aprendeu sobre marcas
vem dos anos 50, desse branding mais moderno de gerenciamento. Mas por exemplo, a
gente sabe muito tempo sobre sensorialidade da marca... eu li algum tempo o livro “A
Marca Multissensorial Brandsense”, agora pouco, acho que no carnaval... e tu assim o
quanto não é aqui, no mundo, não se trabalha os sentidos ainda e isso tem uma potência
fantástica, tipo em relação ao que gente sabe que é físico mesmo, em relação a amor à marca;
é o cheiro que vai me levar a uma lembrança, e essa lembrança que me lembra uma música e
que me lembra uma sensação que me lembra um momento, que transforma meu espírito... e
que eu associo à uma marca, que teoricamente a gente sabe bastante tempo, mas pouca
gente trabalha. Trabalha cor, trabalha muitas vezes o efeito auditivo (entrevistador:
privilegia eu acho que a visão...) principalmente a visão dos sentidos, mas o olfato, texturas,
coisas assim, é muito pouco explorado. (entrevistador: tu não acha trabalhar os sentidos
não é uma questão de interatividade?) É interatividade. A gente ainda é primário
trabalhando aqui e agora tu tem o meio eletrônico muito forte que a gente nem conseguiu
entender o que seria físico, que daria para fazer no ponto de venda, por exemplo, fácil, né? Tu
nem conseguiu fazer isso e tu quer fazer marca via Internet. Eu acho que tem uma
expectativa demais disso, que eu acho que é um meio que te permite fazer relacionamento.
Teria que saber mais, mais conhecimento para ter uma relação melhor.
Luciana: O que tu colocarias como fator-chave para o profissional de marketing
e comunicação que ele tem que se direcionar para gerenciar as marcas do futuro? Não
pode abrir mão, no que tem que mudar no teu trabalho, no que tem que investir? Não
uma discussão de que mídia tu vais trabalhar ou investir. Em relação a branding mesmo.
O que os consumidores, nesse movimento caótico de consumo, vão buscar nas marcas e
que o profissional de marketing de comunicação tem que proporcionar?
Entrevistado: Vou te dizer algo altamente primário, mas eu acho que é a essência de
tudo, que é posicionamento, diferenciação. O grande mal, dos nossos dias, mas está cada vez
ficando pior, é a falta de diferença por equiparação tecnológica. Há pouco tempo atrás tu tinha
um diferencial competitivo pequeno com relação à tecnologia e tu conseguia se destacar no
mercado, durante um certo tempo, com esse diferencial. Esse diferencial hoje cai por terra em
questão de semanas, em questão de minutos e tu não consegue mais ter isso, e tu não
consegue sustentar nada diferente, do ponto de vista funcional. Pega esse exemplo dos
aparelhos ou das operadoras, o que uma tem a outra também tem. O ponto-chave seria
diferenciação, utilizando todas as plataformas possíveis, mas diferenciação e aderência desse
posicionamento às necessidades daquele teu target.
Luciana: Como tu definirias o target? Porque não é mais a mesma classe social
que vai definir...
Entrevistado: Não desse target velho.
Luciana: O que é um target novo?
Entrevistado: Um target novo eu acho que é mais de um estilo de vida, do que
certamente de classe social. O óbvio, tá? Tu vai pegar um tênis Nike de 500 “pila” que tem
um cara da classe C que paga em dez vezes. Excetuando as marcas de alto luxo, que serão
sempre inacessíveis à grande massa, o resto põe na prestação e deu. Não consegue mais ter
essa visão. Eu fiz um trabalho de vinhos pouquinho tempo. Planejei uma marca de vinhos,
uma loja agora, “Via Vino”. O target era impressionante, por que o consumidor padrão alto, a
gente fechou como hedonista. O cara de vinho dessa loja é um hedonista, exibido hedonista.
que tem o exibido hedonista médio e o alto exibido hedonista, mas para você ter uma idéia
da dificuldade de fazer essa classe social é que eles me deram mais ou menos um perfil de
renda que era o cara básico, era o que ganha de 20 a 30 mil, e que consome mais ou menos
2,5 mil reais por mês de vinhos. Esse é o “pé-de-chinelo da turma”. É o bonsai target, o
centro do target, é o que movimenta a loja, então, tinha algumas variações, mas o topo da
coisa é o cara que consome de 25 a 30 mil de vinhos por mês. Esse “aqui” consome a renda
“desse” por mês de vinho. Então a gente estava tentando fazer a renda e a gente pensava
assim... “cem mil”, não o cara não ia colocar 25% da renda dele em vinho. Seria insano o
cara, então tem que ser 150... mas ainda assim, 10% da tua renda em vinhos é um
comprometimento muito grande. O cara ganhava mais de 200 mil por mês, no nimo para
5% da sua renda diária, é pesado, né? Esse cara dos 200 mil freqüenta os mesmos lugares
desses de 30. É um cluster.
Luciana: Vai dando uma experiência...
Entrevistado: Como hedonista, por que também permite que a Lu compre uma
garrafa de vinho de 70 reais, concorda? Ela não vai tomar 10 garrafas. Então, é esse tipo de
segmentação. Vamos pegar pessoas que curtam os prazeres da vida e que vinho e cultura, que
é a essência da coisa, façam sentido para essas pessoas. Nós... a gente focou em hedonistas.
Esses caras têm o perfil assim: confrarias de gourmet, daí tu tem vários, todos eles, fumam
charutos Churchill de 150 dólares cada charuto, cubanos e tal... mas viajam para os mesmos
lugares. Não tem um avião para quem ganha 200 mil e um avião para quem ganha 30, o avião
é o mesmo. Os lugares são os mesmos. Não existe uma Paris para um ou para outro. São
clusters, mas todos eles com uma linha mestra em cima de busca de prazeres, momentos de
prazeres especiais.
Luciana: Ou seja, a diferenciação não vai se dar em relação à tecnologia ou ao
produto, então, tu sai da questão produto...
Entrevistado: Experiência... diferenciação e experiência. A gente viu que todas as
lojas de vinho seguem a linha alma de armazém, que é um conceito bacana, legal, material de
demolição... e que precisava ter diferenciação disso. Tem dez lojas que tem a mesma cara, do
mesmo jeito. A gente trabalhou com a idéia de cinco sentidos para isso, por que o cara era
hedonista. Eu trabalhei com uma metáfora, qual seria a metáfora do prazer nos cinco
sentidos? Uma forma... cheguei à idéia de que a forma é curva. A gente trabalhou com
imagens do Guggenhein à linha da traseira da Mercedes 350 LS... mas de que o prazer era
curvo. A partir daí, a gente fez uma espécie de plataforma para a arquitetura e para
comunicação do ponto de venda, de texturas, entende, que o prazer é soft, o prazer é
escorregadio. Daí se definiu texturas, para a coisa dos sentidos, os cheiros... as coisas todas e
todo mundo está trabalhando. O espírito todo da marca está em cima de prazer, traduzir
prazer, mas a base de tudo isso era criar uma experiência diferente para a compra de vinhos. É
nisso que acredito. Que falta muito para as marcas.
Luciana: O que falta?
Entrevistado: Diferenciação. Ter uma marca visualmente bonita... mas a promessa
não é diferente. Por que as pessoas têm que ficar de pé? O cara vai comprar uma garrafa de
vinho de 7 mil reais. Esse cara que gasta 25 mil por mês. Ele não é alcoólatra. Ele sobe o
valor do rótulo. Ele consome vinhos de 1,5 mil, 2mil, 3,mil, 7 mil cada garrafa. Ele consome
as mesmas 150 garrafas do outro por ano, muda o rótulo. Por que deixar esse cara de pé,
olhando? Esse cara poderia estar sentado numa poltrona. Por que as lojas não têm poltronas?
É nesse tipo de diferenciação. Está na marca, mas precisa estar retratado de alguma forma, no
meio da coisa, que é o ponto de venda, uma loja.
Luciana: Tu tens que partir de uma promessa da marca (entrevistado: muito
amarrada, isso aí...) e a partir disso tu tomas as todas as outras decisões, inclusive, a
decisão da manutenção...
Entrevistado: Isso aí... Tu vai determinar até os meios que tu vai utilizar, para ter
aderência com a essa proposta. A minha promessa é o prazer. Que meios eu poderia usar que
tivessem nexo com o prazer? Não é qualquer meio. Não é a mensagem, mas o veículo
também deveria ter... tu vai ficando altamente diferenciado, pois a promessa vai sendo
traduzida não nas mensagens mas também nos meios, também no jeito de impactar as
pessoas.
Luciana: Existia um paradigma de não partir da marca, partir do produto,
quando a diferença era na tecnologia... Ah, o meu vinho, minha loja é a melhor, então, a
minha marca será assim, tu inverte: a minha marca tem essa promessa, então, minha
loja vai ser... teu centro de decisão será a marca e não a promessa, e não no produto.
Acredita nisso?
Entrevistado: Acredito piamente nisso. É possível primeiro tu pensar o que eu vou
vender como experiência. Tem um cara chamado José Martins, que tem vários livros, o
primeiro foi “Arquétipos em Marketing”, depois ele escreveu “A Natureza Emocional da
Marca”. Ele trabalhou para a Globo durante um tempo. uns 10 anos, eu conheci
pessoalmente esse cara em São Paulo. O que ele fazia? Ele criava espíritos para marcas.
“Malhação” é dele, “Globo Esporte” é dele. Então ele estava fazendo assim, ele primeiro
criava o espírito, o espírito “Malhação”. Desse espírito nasceu o programa chamado Malhação
e que nasceram... Aí, a Globo licencia produtos a ver com malhação, como o Globo Esporte
ele criou alguns countries da época, do início dos anos 90, daquela moda. Ele criava
espíritos. Daí a Globo criava um programa. O que era o programa? O programa construía a
marca, o conteúdo da marca, a essência da marca, a partir dali derivavam produtos, então,
eram espíritos. Era o que ele fazia para a Globo. É uma coisa maluca... Por exemplo, vou
fazer uma loja, mas se meu foco é prazer, eu tenho um monte de coisas com uma certa
aderência a vinho, a ambiente, à atmosfera de prazer que está em torno do vinho, que tem
taças, tem componentes físicos, mas tem um monte de outras coisas, cultura...
Luciana: Dos componentes físicos partem os componentes abstratos...
Entrevistado: É isso aí... E esse abstrato pode dar uma amarração muito legal. Ele
tem que estar muito bem amarrado, mas aí é que tem uma marca forte e diferenciada.
Luciana: O consumidor... queria que você falasse um pouco sobre o que disse na
palestra, no Congresso, da questão da relevância. Tinha um meio controlador de
comunicação. Eu tenho esse copo, esse copo é maravilhoso, até faço uma música para te
dizer que ele é maravilhoso... E o que as pessoas dizem com esse monte de apelos... aqui
“vai te fuder com esse copo”, nem ouve o que eles estão falando... Agora, se eu tiver num
momento que eu precise desse copo, eu vou avaliar tua proposta, ou estar preparado
para isso. É a questão da relevância. Eu mesmo colocar o consumidor no primeiro
plano. Fale sobre a questão de relevância, colocar o consumidor em primeiro plano,
questão da inversão de raciocínio?
Entrevistado: Eu acho que tem o primeiro aspecto uma questão que é da nossa
época, da sociedade do excesso, a idéia do “hiper, hiper”, que é muito gozado. Se tu analisar,
as pessoas dizem isso é bonito, compram por que é bonito. Isso aqui passou a ser super
bonito. passou a ser “super, hiper” bonito. Tu olha o varejo, que é a podridão do varejo. A
“hiper, hiper, a mega oferta”, então, tu tem que ter um superlativo tão forte, que esgotou o
vocabulário, tu não consegue mais dizer, e fica cada vez mais igual. Não sei onde eu li, mas
tem um artigo bárbaro sobre isso, sobre o esgotamento das palavras. As palavras perderam
o sentido por serem tão, tão, tão “super, super, hiper” que não é. Por exemplo, se tu pegar
algumas palavras como “sensacional”, perdeu sentido o “sensacional”, pois tem o hiper
sensacional, tem o mega, super sensacional semana de prêmios. A palavra se esgotou, tipo
fadiga de material. você tem que buscar uma nova palavra para fazer aquilo, devido ao
esgotamento do varejo. Quanto à relevância, aqui vem um outro viés, que é o comportamento
do consumidor, óbvio, o conhecimento, tentar descobrir onde está a inovação. Se tu pensar:
“vou atender as necessidades do meu target”, na verdade eu não sei as necessidades que meu
target quer. Se eu perguntar para ele, ele também não sabe. A gente faz pesquisa para o
varejo. Tu pergunta para as pessoas o que eles querem, eles querem o barato, preço bom,
prazo para pagar, muita variedade, muitas ofertas e não diz nada. Então vem, o “puta” desafio
da década de descobrir o que o mercado quer, mas que ele ainda não sabe que quer. Como um
monte de coisa que a gente compra que jamais imaginava que ia querer coisa dessa, que
alguém te diz que tu quer. Aí é que entra a inovação. Inovação da promessa, dos produtos, de
descobrir coisas novas e tentar descobrir quem se interessaria por essas cosias, entrar na alma
do consumidor. vem uma visão mais da sociedade, mais antropológica, será que as
pessoas... estudar grandes movimentos, grandes tendências ou micro tendências. Trabalhei
pouco tempo com a idéia, principalmente, com esse negócio do prazer, com dois vieses, duas
grandes tendências: “a busca do Oh!” da Melinda Davis, que é genial aquele capítulo, e o
movimento slow na Europa, slow food, slow sexy. O que isso significa? Se tu conseguir
entender esses grandes movimentos para traduzir para o marketing no dia a dia, talvez tu
consegue entender melhor a cabeça dos consumidores e passar a oferecer coisas que tenham
relevância na vida das pessoas.
Luciana: Ou seja, parte da relevância para daí dizer o que tu vai oferecer como
produto...
Entrevistado: Para ajustar tua promessa, para ter aderência da tua promessa com
aquilo que tu nem saiba que tu está precisando, mas talvez tu precise ir ali na Dinarte Ribeiro
comprar teu vinho de 70 “pau” para ter teu momento do “Oh!”, de um jeito diferente, sentado
numa poltrona, deitado numa cama, alguma coisa assim, para viver uma experiência diferente
de compra de vinho, de prazer, que tu merece por que tua vida é uma desgraça, pois tu
trabalhou 30 horas por dia. Aqui tem uma visão maior de entender o que está acontecendo no
mundo, na cabeça das pessoas e tentar ajustar a tua promessa para ter aderência com isso.
Luciana: Qual o papel da marca na construção da identidade do consumidor?
Do tipo: “vou comprar a blusa dessa marca que tem a ver comigo ou esse vinho por que
tem a ver comigo”. De que forma isso acontece, de que forma pessoas trabalham com as
marcas para construir sua própria identidade, sua própria imagem?
Entrevistado: Marcas preenchem buracos emocionais na sociedade. Marca como
mito, preenche buraco emocional na sociedade. Exemplo: acho que a eleição do Lula como
marca que era um buraco emocional da sociedade, onde as coisas não davam certo, de certa
forma não davam certo. E a gente tinha um cara de terno e gravata, um grande intelectual, que
falava vários idiomas e tal, mas que não resolvia a situação. Na mesma época, o Felipão era
endeusado, também era um sujeito humilde, operário, batalhador. Existia um buraco onde a
sociedade queria aderência naquele momento. Pode ser que agora não seja mais isso. Mas na
verdade esse excesso também acontece com as pessoas, tu não consegue mais dizer quem tu é.
Eu não sei quem eu sou, tu também não sabe quem tu és. Tu tem uma vaga idéia de quem tu
é. Tu sabe que é uma mulher na sociedade. Agora, se tu é moderna, se tu é ultra moderna, se é
da tribo das modernas... tem tanta segmentação, tem tanto cluster dentro dessas coisas, que tu
não sabe mais quem tu és. Aí vem o papel da marca em tentar te ajudar a entender quem tu és,
por que tu sabe o seguinte, se eu usar Prada, eu me enquadro em alguma coisa... se usar
Adidas, eu vou me enquadrar com outra... Nesse sentido as marcas te ajudam a te entender
quem tu és na sociedade. Ah, porque os consumidores de Prada, se comportam dessa forma,
são pessoas assim.... é como se eu dissesse para tudo que eu sou assim por que eu uso assim
por que eu uso essa marca, eu me escoro nela, ela me ajuda a me dizer quem é. Eu então
consigo me definir como “XPTO” não sei do quê do target. Esse é um grande sentido que as
marcas dão, de te ajudar na tua própria personalidade. Pode parecer um apelo muito
consumista, mas é isso. A história da Harley Davidson, nos EUA, é isso, é um certo momento
da sociedade americana em que a Harley Davidson teve um significado muito forte de retorno
às suas raízes, de reconstrução da indústria dos Estados Unidos, em cima de uma marca deles,
uma marca que tinha significados, Hell‟s Angels usarem bandeiras, por acidente, bandeiras
dos EUA, essa coisa americanóide toda em cima de Harley Davidson. O mito vai sendo
construído. Aquele momento, aquela coisa. Tem um livro muito louco, que não sei se tu leu,
que é “Como as Marcas se Tornam Ícones”. Ele explora esse tipo de história e mostra o
seguinte: na era Reagan, daquele grande seqüestro que durou meio ano na embaixada
americana pelos muçulmanos. Os EUA estavam sendo atrolados assim pela indústria
japonesa, estavam enfrentando uma “puta” recessão. O Reagan não conseguia resolver as
coisas. Naquele momento, o Arnold Schwarzenegger, com aquele filme onde ele pilota uma
Harley Davidson, teve um “puta” significado, uma Fat Boy (não lembra o nome do filme).
Mas mostrava um americano forte, um machão, tu uma série de marcas que pegaram
esse mito e começaram a trabalhar em cima de resgate do operário americano, da força
americana, Budweiser começou a trabalhar com isso. Durou quase uma década essa história
de resgate dos valores americanos, de ultra-concentração dos valores, um buraco emocional,
que várias marcas aderiram a isso no momento certo. Que conseguiram compreender que
tinham um buraco e entraram ali.
ANEXO B
ENTREVISTA: 28 de Março de 2008.
Cesar Paz Diretor-Presidente da AG2
Luciana: Qual o papel das marcas na comunicação hoje?
Entrevistado: Bem, acho que tem que contextualizar isso sem entender um grande
divisor de águas, que o os modelos de comunicação. A gente viu, e ainda vive uma parte
disso, um modelo de comunicação e mídia de massa, que agora começa a se transformar de
uma forma radical. Do ponto de vista do modelo de comunicação, durante praticamente 50
anos, se viveu um ciclo virtuoso, de comprar anúncios com determinado produto, pois
comprar anúncio significava distribuir e vender mais, conseqüentemente, gerar lucro, então,
uma ansiedade, uma necessidade muito grande de consumo que existia e um limite do ciclo de
consumo estava muito mais na produção e a gente viveu isso durante muito tempo. Criava-se
essa possibilidade, então, de comprar anúncio, de ter uma capacidade de comprar anúncio.
Fazer comunicação em nível de massa significava certamente vender mais, vendendo mais
gerava lucro, e podia criar novos produtos, e esse ciclo ia assim se construindo. Então, a gente
começou a ter uma variedade muito grande de produtos em que uma variedade absolutamente
exponencial de anúncios acabou criando muito irrelevância na comunicação. Então, a gente
chegou num momento em que um volume de informação que o ser humano pode consumir
está absolutamente overloaded, na informação de comunicação, então, tu não consome mais.
Tu começa a criar os blinds, tu começa a não enxergar a comunicação, não ver os anúncios,
não ver o comercial na TV, não olhar para o outdoor na rua. Esse é um comportamento
humano, né? A gente tem um volume tão grande, um absurdo tão grande de informação, que
ela se torna de uma forma geral irrelevante. O que começa acontecer com o advento especial
da Internet como plataforma apoteótica de comunicação, né? Até pode se dizer comunicação
de massa por que, enfim, por que o número de usuários no Brasil são mais de 40 milhões...
Luciana: Pela quantidade de pessoas...
Entrevistado: Pela quantidade de pessoas que interagem com o ambiente, então, a
gente tem um grande elemento transformador nos modelos de comunicação, a partir do
momento em que a Internet, e a Internet traz, como qualquer advento de meio de
comunicação, eu acho que a gente tem cinco principais na história da humanidade: a escrita,
com os livros, depois os periódicos, que é a informação quente, depois o rádio, trazem a
emoção e a voz, depois a televisão com a imagem, e a Internet. Todo o grande advento dos
meios de comunicação de massa, acaba tendo um elemento que acaba sendo definitivo para
criar novos comportamentos e novas formas de interagir, então. No caso da Internet, é a
interatividade. No caso da televisão, é a imagem, o eletrosom. No caso dos periódicos e da
questão da escrita, e depois da escrita, de uma forma como Goldenberg de produzir muito
rápido de poder gerar os periódicos e tal, mas a Internet tem a interatividade como elemento
transformador. O que ela é diferente? Ela é interativa e a partir do momento em que ela é
interativa ela atende uma necessidade, uma necessidade também humana de estar no controle,
de ter o comando de poder ver aquilo que tu quer na hora que tu quer. Isso é básico da
construção de todo o modelo dessa plataforma que é a Internet, exceto a questão da mídia, que
a dia ela tem um viés muito forte de uma tentativa de importar o modelo tradicional para
dentro da Internet. Esse é o grande desafio. Pega um modelo que é baseado na não-
interatividade e tenta colocar dentro desse ambiente, que é interativo. Isso é tu colocar o
triângulo dentro do redondo, o quadrado dentro da estrelinha, não funciona, então, a gente
vive, e a gente vai viver algum tempo com isso, a tentativa de criar um modelo importado dos
modelos tradicionais e convencionais para dentro de um ambiente totalmente interativo e com
isso vem os modelos dos formatos padrões, especialmente, o que a gente o que a gente
muito nos papéis de conteúdo, banners, os pop ups... Isso é um modelo fadado ao fracasso
no curto, no médio ou no longo prazo. Não existe hoje um grande portal de conteúdo que viva
de mídia. Embora, tu diga que é uma das coisas que se apresentam hoje, quem quer fazer
comunicação em larga escala, talvez tenha que se utilizar desses recursos, mas eu fugi um
pouquinho...
Luciana: Em relação às marcas, nesse contexto, tu disseste que iria
contextualizar...
Entrevistado: Nesse contexto, as marcas estavam acostumadas a serem construídas
a partir dos modelos clássicos tem que se adequar a essa nova realidade. Nessa nova
realidade, é preciso ser inteligente, dentro de cada setor, de cada segmento, de cada indústria,
saber como se apropriar bem, como se utilizar bem, desse ambiente novo, totalmente
transformador em relação ao que se utilizava no passado. Eu não diria, por exemplo, que as
marcas de grande consumo de massa, devam parar de fazer televisão, o que seria um absurdo.
Hoje, o impacto da televisão ainda é muitas vezes maior, principalmente, no grande público,
no consumidor comum, do que é uma estratégia bem construída com modelos bem
desenhados num ambiente digital, seja ele mobile, Internet, enfim. Isso não é uma loucura, tu
não passa de um meio para outro, isso é um processo de transição longo, lento, gradual em
que indústrias que são mais próximas, muito mais de massa do que de nicho, talvez tenham
essa vibração um pouco mais lenta.
Luciana. Tu entendes que está em curso uma transformação de modelo de
comunicação baseado numa outra atitude do consumidor?
Entrevistado: Esse é outro ponto. Isso é linguagem comum. Existe um
comportamento diferente, um modelo de consumo diferente e esse modelo de consumo eu
diria que vem em dois níveis. O primeiro nível é a transformação de um consumidor que tem
o que a gente chama de market sense formado no modelo anterior. Esse consumidor tem uma
transformação nos seus atos, no seu modelo de consumo, mas isso não é tão brutal. Ele se
adéqua, ele passa a utilizar o celular, mas ele usa três ou quatro funcionalidades, ele continua
vendo televisão, lendo jornal impresso, ele tem toda sua estrutura e todos os seus modelos
formados num modelo de comunicação anterior e aceita bem esse modelo, ele vai se
transformar ligeiramente, ele vai se transformar um pouco. E existe a outra questão que é ter
uma geração construindo, sim, em cima dos novos modelos de comunicação, em cima de
uma outra forma de interagir e de se relacionar com o mundo, conseqüentemente com as
marcas. Isso é um outro problema muito maior e esse problema ele tem uma visão de médio e
longo prazo. Então, tudo depende de uma estratégia de marca, de uma estratégia de... o
quanto eu quero atingir?”, “o quanto eu quero renovar minha marca a ponto de atender uma
nova geração?”, que, sim, tem toda uma estética totalmente diferente daquilo que a gente
está acostumado a viver no modelo tradicional de comunicação. Acho que existe um desenho
de novas plataformas com um novo marketing que está se construindo. Esse modelo passa
pela dificuldade que já citei de tentar, a indústria, o negócio, o business, de tentar importar um
modelo da comunicação tradicional para essas novas plataformas que vêm surgindo. Então,
essas novas plataformas que vêm surgindo elas têm que vencer uma série de barreiras. Uma
barreira é exatamente dessa necessidade que o próprio mundo dos negócios força, a indústria
da comunicação força, de colocar ele dentro de um modelo anterior, de um modelo de
comunicação não interativo, linear, de alta qualidade, pela qualidade de apelo e que acaba
tendo... e aí se perdem anos na construção de um novo modelo dessas novas plataformas.
Luciana: E o que tu achas... tem uma nova geração que vai ter uma mentalidade
diferente, o que tu dirias que é a principal diferença dessa nova geração em relação à
questão das marcas, o que essa nova geração vai esperar das marcas?
Entrevistado: Essa geração tem uma forma de interagir e de se relacionar com
vários canais ao mesmo tempo, de uma forma dinâmica, não linear, que vai exigir com que as
marcas tenham um posicionamento que seja relevante nesses canais. Tu conseguir estar
presente de uma forma relevante é tu abrir mão de todo um modelo de comunicação anterior,
esquecer e entrar nesses novos canais com alguns requisitos básicos. Um é ter que privilegiar
a individualidade. Eu tenho que me relacionar realmente de uma forma muito mais individual.
Luciana: Independente de uma massa, queres dizer?
Entrevistado: Independente de uma comunicação geral assim. É muito mais uma
comunicação de nicho do que uma comunicação de massa e cada vez mais uma comunicação
de nicho. Eu tenho que respeitar de forma absoluta o direito e a opinião desse consumidor. Eu
tenho que ser autêntico e honesto, não adianta eu pegar e forçar, como a gente a
comunicação no modelo tradicional tentando fazer o modelo nessas novas plataformas. Ele
“posta” um artigo na Week Picture, um negócio fake, não duas horas para aquele artigo
sair por que os caras não aceitam, vêem que é fake, ou vai nas comunidades do Orkut e
começa a “postar” posts de interesse da marca que sejam legais, mas é fake. Aquilo a partir do
momento que é identificado por essas comunidades, ele é mal visto, é rejeitado, então tem o
efeito contrário, efeito de prejuízo de marca ao invés de algum ganho de marca. Então, a
individualidade, a questão da capacidade de respeitar muito a opinião do consumidor e a
possibilidade também de fazer algo que seja relevante, interativo, que preste algum serviço,
que tenha alguma função. A gente vê, por exemplo, o maior case da Internet, do ponto de
vista do que se pode chamar de mídia, é o Google, por que o Google presta um serviço. De
uma maneira elegante que ele encontrou, ele também faz anúncio através dos links
patrocinados, mas ele está te dando alguma coisa muito legal para te pedir. Isso não nasceu do
dia para noite, um trabalho de entender como é que poderia se fazer mídia de uma forma bem
adequada à realidade desse novo consumidor que interage no ambiente digital e com a
Internet, especialmente e com a web. O Brasil é o maior em número de horas de exposição, é
o líder da utilização da Internet, em termos de exposição por usuário. Os caras conseguiram.
Não é a toa que é o maior player dessa época, dessa nova geração, dessa nova economia
digitalizada. está o Google fazendo serviço, prestando serviço de graça em contrapartida
ele tem lá de uma forma elegante de colocar seus anúncios. Isso não é só no Google, vou citar
o exemplo no Brasil que é o Buscapé, que é um site de comparação de preços. Ele está te
dando serviço, ele está fazendo ali de uma forma elegante, respeitando fundamentalmente o
direito de consumidor de que não quer ver propaganda, não está a fim de ver propaganda, ele
está a fim de comprar.
Luciana: Quando tu dizes elegante, quer dizer o seguinte: que talvez a nova
forma de comunicar seja uma abordagem menos agressiva ou prestando um serviço? O
que queres dizer com “uma forma elegante de fazer essa comercialização”?
Entrevistado: Quer dizer que não... Sempre vai ter um espaço para a mídia, mas isso
não pode ser um seqüencial de vinte outdoors na saída de Porto Alegre, onde eu queria
enxergar o Guaíba. Não pode ser um pop up que abre em cima do conteúdo que eu fui buscar
e que estou interessado em ver. O Google não faz isso. O Buscanão faz isso. Tu vai lá e tu
busca tua informação e sabe que tu vai ter uma mídia que pode ser relevante, que está
associada ao conteúdo. Quer dizer, cada vez mais se utiliza disso, mídia associada a conteúdo
da Internet, em que tu pode também acessar esses anúncios, essa informação e mídia, sem
perder a essência do objetivo que te levou até aquele site. Esses são exemplos para mim muito
claros e que tem sucesso, por que fazem isso de uma forma muito correta. Não estão
importando o modelo da propaganda, não estão colocado num formato padrão e estão
podendo fazer mídia ao mesmo tempo que prestam serviço relevante. Isso tem todo o sentido,
isso é o novo, isso é o que eu chamo de novas plataformas para um novo marketing, modelo
de comunicação.
Luciana: E nessa transição de modelo, que estás colocando, o que tu dirias que
são os principais desafios para os profissionais de comunicação, para os profissionais de
marketing que são responsáveis pelo gerenciamento das marcas, de uma indústria que
tem uma cultura muito arraigada nas questões que tu disseste. Hoje, sou profissional de
marketing, eu vejo que existe uma transformação, uma nova geração. Quais são os
desafios que esse profissional, que o comunicador tem, para o gerenciamento de suas
marcas?
Entrevistado: A gente precisa dividir um pouco os papéis. Uma coisa é o
publicitário, o cara que tem uma responsabilidade por fazer uma comunicação bacana para
uma marca, utilizar as ferramentas corretas, outra coisa é o gestor de marca, o cara que está do
outro lado que é cliente e que tem uma responsabilidade sobre a marca e encontra numa
estrutura de empresa, normalmente, de empresa vencedora, falando de uma forma geral de
grandes marcas, marcas de sucesso, uma estrutura de comando e controle muito bem definida.
Se a gente pegar qualquer marca hoje vencedora, marca líder, ela primeiro tem essa tradição
de ser uma empresa vencedora e venceu dentro de um modelo, então, ela sempre teve uma
estrutura de comando e controle sobre as ações que evita e que faz com que ela seja muito
resistente a novos modelos e isso a gente pode ver de forma muito clara, depois que a gente
começou a falar muito em web 2.0, que nada mais é que um conjunto de valores que privilegia
basicamente o seguinte: que os sistemas web ou que as estruturas... (interrupção
possivelmente de uma secretária) ...quando se começou a se falar em web 2.0, se discutiu
muito, teve muita confusão em relação a isso, basicamente tentando resumir aí, web 2.0 é
basicamente o conjunto de valores que permite com que através da intervenção do usuário, a
intervenção da pessoa que está acessando a um determinado sistema, quanto mais ele se
utilize desse sistema melhor esse sistema vai ficar. Seja através do conteúdo, inserindo
conteúdo e fazendo com que ele seja cada vez melhor, refinando isso, refinando muitas vezes
até, seja através da indicação de melhores funcionalidades, então, a web 2.0 nada mais é do
que isso. As pessoas interagem com as plataformas de uma forma com que elas fiquem cada
vez melhores e mais interessantes, então, quando se começou a falar em web 2.0, se discutia
muito com grandes marcas. “A marca “X” tem que ter o blog corporativo ou empresa “X” tem
que ter o blog corporativo ou tem que abrir o seu site para opinião do usuário ou tem que criar
áreas para o usuário interagir, colaborar e fazer...”. Essa resistência é muito grande por que as
marcas não estão acostumadas com isso. Elas estão acostumadas com uma comunicação que é
unilateral. Eu vou para a Rede Globo e insiro a minha comunicação e dou a informação que
eu quero. Elas não estão preparadas para receber uma opinião de usuário, quanto mais uma
opinião que vai ficar postada e que todo mundo vai ver. Então, a dificuldade do gestor de
marcas... ela é muito grande, na medida em que tem que quebrar uma cultura de corporação e
de corporação vencedora, que administra muitas vezes várias marcas. E quebrar isso é um
trabalho muito difícil por que é uma cultura estabelecida e vencedora.
Luciana: Por que eu vou mudar?
Entrevistado: Por que eu vou mudar...
Luciana: Por que tem que mudar?
Entrevistado: Por que vem uma série de coisas... mas os argumentos da mudança,
eles estão naquela situação em que ou tu é agente das mudanças ou tu é refém das mudanças.
Esse é o desafio, por que as mudanças elas vêm e elas estão presentes. Juntar os elementos,
juntar os argumentos, mostrar isso e discutir, ganhar espaço dentro de uma grande corporação,
defendendo os novos modelos de comunicação, é alguma coisa que as empresas vêm
fazendo e alguns gestores têm conseguido fazer, mas não é um trabalho simples, não é um
trabalho fácil. Então, do ponto de vista dos gestores, eu acho que tem esse grande desafio que
é muito cultural. Do ponto de vista das agências, do mercado publicitário de uma forma geral,
das agências digitais... o desafio eu acho que é um pouco mais simples, existe uma
necessidade, uma carência de formação de profissionais, não existem profissionais, não existe
um volume, o mercado continua formando profissionais para trabalhar nos modelos anteriores
de comunicação, o modelo antigo, continua e vai continuar formando nos próximos anos.
Todas as faculdades de comunicação que a gente tem, salvo raríssimas exceções, elas formam
profissionais num modelo anterior e que vem se esgotando. Mas eu acho que o desafio é um
pouco mais simples, na medida em que os elementos de inovação e ousadia são mais
característicos desse mercado e são mais fáceis de serem assimilados. Existe uma resistência
um pouco menor de parte dos prestadores de serviço, dentro do modelo da comunicação, do
que das grandes estruturas e as grandes marcas... mas eu também, lógico, a gente também
passa por um processo em que essas empresas, em especial as principais agências, os
principais veículos, eles passam por uma quebra, uma ruptura do modelo tradicional, que é
um modelo rentável, modelo de negócios da propaganda de uma forma geral, que sempre se
estabeleceu e foi construída dentro de um modelo de negócios rentável, condicionamento das
agências, do posicionamento dos veículos, isso sempre favoreceu grandes veículos, grandes
agências e isso sempre funcionou bem, até por que criava expectativa nas pequenas agências e
nos pequenos veículos de poderem ser grandes. Então é uma indústria que se alimentava do
sonho também: “Eu tenho uma pequena agência, mas se eu ganhar uma conta grande eu vou
arrebentar e tal...”. Isso podia nunca acontecer, mas alimentava a indústria e alimenta, então,
tem um monte de gente pequena querendo se favorecer e pensando num modelo que... bastava
uma sorte, uma grande conta, uma jogada para as coisas acontecerem, então, esse modelo é
bem fechadinho, é bem formatado. E ele precisa ser rompido pelos novos desenhos, pelos
novos modelos, novas ferramentas... Existe uma dificuldade nisso, mas eu não acho que seja
tão grande para os profissionais, por que o profissional que trabalham nesse meio, de uma
forma geral, ele está aberto a isso, tem informação, ele está ligado, ele é formador de opinião,
ele está acompanhando o que acontece, ele está quase up to date o tempo todo, então, tem
responsabilidades diferentes. O gestor de marcas e o gestor da comunicação.
Luciana: Essa questão que tu colocaste do controle, até foi uma coisa que me
chamou atenção na tua entrevista, que as empresas têm dificuldades em abrir mão desse
controle. Em primeiro lugar, tu achas realmente que existiria esse controle ou é uma
ilusão de controle? Por que, no momento que tu lanças uma mensagem, ela pode ter um
significado... o fato de eu ter lançado ela e ninguém devolver nada não quer dizer que ela
não gere outras ressonâncias sobre as quais se tenha controle. Existia mesmo esse
controle e se é tão confortável por que eu tenho que mudar? Qual a pressão? Qual o
movimento que faz com que o gestor da marca tenha que mudar isso?
Entrevistado: Esse controle eu acho que de fato ele existia, na medida em que tu
não tinha uma democratização nos meios de informação. Ele existia. Eu posso dizer que o
Bombril tem mil e uma utilidades, a dona de casa vai ver que ele tem só duas, mas eu compro
mais mídia e insisto que ele tem mil e uma e ela vai acabar achando que tem mil mesmo. E ela
vai sair para comprar se eu fizer uma mídia bacana. Isso existia, era muito mais fácil. A partir
do momento que você tem uma democratização dos meios de informação, isso tudo se perde,
essa estrutura de hierarquia de comando, controle, ela fica muito mais difícil. Porque aí eu não
tenho mais controle, as pessoas falam bem ou mal de mim, independente da minha vontade,
por que elas têm espaço hoje para trabalhar e distribuir a informação em larga escala e fazer
com que uma informação que eu repasse para dez pessoas de uma forma muito rápida, quase
instantânea, se multiplique exponencialmente. Então, existia sim, era possível com
investimento e uma boa publicidade e um bom trabalho de RP de se assegurar que isto estava
controlado e hoje a situação é diferente. Embora exista uma resistência, essa resistência acaba
não sendo muito efetiva, por que queira ou não as grandes marcas, as grandes empresas, esse
efeito pode ser negativo ou positivo de se falar das marcas é fácil hoje tu fazer uma pesquisa
na blogosfera e ver quantos posts existem sobre a marca Globo, por exemplo, TV Globo,
posts que são independentes da vontade da família Marinho, são milhares. Para alguns
clientes a gente faz isso, monitora isso. Saber se estão falando bem ou mal de marcas que a
gente controla, faz um rastreamento. Isso pelo menos por amostragem a gente consegue fazer
uma varredura das impressões que têm sido positivas, negativas. Isso é um trabalho básico de
monitoramento em cima da blogosfera, que é fundamentalmente colaborativa.
Luciana: Da blogosfera? Como é que se faz isso? Vai contar teu segredo...
Entrevistado: Tem consolidadores de coisas de conteúdo de blogs, que acabam
varrendo toda a blogosfera, todo dentro de algoritmos de busca como o do Google e tu pode
fazer uma pesquisa nesses consolidadores de blogs para poder ver se nessa varredura existem
posts sobre a empresa A, B, C, ou da marca A, B, C e com isso tu vai e seleciona alguns,
tem que ler os posts para poder ver se tem coisas positivas e negativas e tal.
Luciana: Como tu enxergas assim, se tu pudesses escrever agora um envelope
lacrado dizendo como tu acha que seriam as marcas no futuro assim, uma marca que
tivesse assim valores, tivesse uma atitude, que vai realmente ser vanguarda ou que vai
ser um modelo para o futuro, daqui vinte anos, daqui trinta anos? O que tu dirias que é
uma tendência dentro das marcas?
Entrevistado: Eu acho que as marcas que no longo prazo vão se estabelecer e vão
construir vão ser aquelas que tiverem na cabeça dessa geração que vem se formando, que é a
geração Yahoo, como a gente chamava, é uma geração que a gente tem que observar que não
assumiram o poder de compra ainda. Se a gente for olhar um pouquinho para trás, vai ver que
a Internet comercial tem pouco mais de dez anos. A minha filha de 17 anos, com seis, sete
anos ela começou, ela cresceu dentro de um ambiente em que ela tinha esse ambiente de
interatividade plena e de controle e comando, totalmente ao dispor. Mas ela tem 17 anos, ela
não assumiu o poder de compra, ela não compra ainda. Ela depende ainda do dinheiro do pai,
do cartão do pai, mas em seguidinha ela vira esse jogo. ela assume o quê? Ela assume o
poder de compra. Não mais o poder de influenciar, mas o poder de comprar. Ela vai para o
mercado de trabalho, vai começar a produzir, vai fazer parte da mão-de-obra assalariada do
país e vai começar a consumir. vai começar a consumir de verdade, dentro dessa
construção de modelo de pensar e de agir, de impulso de compra, que é diferente da nossa.
Então, nós vivemos um momento que é um momento muito... as marcas que vão estar na
cabeça deles vão ser as marcas que realmente vão ter sucesso. Não vai ser mais o modelo
anterior. Agora, tem outra questão, como que essas marcas vão estar na cabeça deles? De que
forma essas marcas vão se inserir? Eu diria que tem hoje, para não ficar num discurso muito
teórico sobre a utilização dos canais digitais, existem marcas que vêm fazendo isso muito
bem. Citaria o exemplo da Coca-Cola, que é uma marca centenária, foi case de marketing
por “ene” vezes, em diferentes momentos na história recente da construção de marcas e do
marketing. Ela de novo passa por um processo muito interessante de utilização dos canais
digitais muito legal. Eu vivi uma experiência agora com a minha filha que foi... ela que nunca
tomou Coca-Cola na vida, já tomou Coca-Cola, mas não toma, não gosta.
Luciana: Que bom para ela.
Entrevistado: em casa nem tem Coca-Cola. Ela chegou em casa um dia dizendo
feliz da vida que era embaixadora da Coca-Cola. Tinha sido escolhida, tinha sido eleita junto
com, sei lá, mais dez pessoas, em Porto Alegre para serem embaixadoras da Coca-Cola. Num
projeto muito legal, que é um projeto do Estúdio Coca-Cola, projeto em que a Coca-Cola unia
diferentes músicos, de diferentes tendências, num negócio bem bacana, politicamente correto
juntava o rapper com o roqueiro, e fazer apresentação, um circuito em diferentes cidades. E
os embaixadores da Coca-Cola tinham a responsabilidade de trabalhar pelo sucesso desses
shows, desses espetáculos, e ela tinha sido selecionada em cima de dois critérios: uma
entrevista feita pelo Messenger, pelo MSN, e o segundo tinha sido uma tarefa que era
construir uma comunidade no Orkut e levar para o maior número de pessoas. Depois de ter
sido identificada, também pelo Orkut, pelo número de amigos no Orkut. Então, quer dizer
que foi uma ação toda de seleção de pessoas que tiveram uma relação muito rica com a marca,
por que estiveram envolvidas num processo show” e que não necessariamente consomem
Coca-Cola. Mas que passaram por todo um processo, inclusive de seleção e do próprio
desafio para buscar e para ser embaixadora da Coca-Cola e para isso tinha uma série de
vantagens, camarote vip no show, viajar para São Paulo, foram lá conhecer artistas.
Luciana: Tinha uma ação virtual que desembocava numa ação que era um
evento, uma atividade...
Entrevistado: Mas tinha todo um trabalho bem construído no ambiente digital e que
logicamente pode levar para o ambiente físico. Tu não vai divulgar uma marca e achar que
o ambiente digital vai ser o suficiente. Precisa ter ações da vida real, do mundo real. Então, a
Coca-Cola é um bom exemplo de utilização correta, na minha visão, na minha visão, na
minha experiência no ambiente digital. Eu diria que é uma marca que certamente, se continuar
com esse trabalho, se tiver consistência nesse trabalho e me parece que vem tendo, é uma
marca que vai estar naturalmente na cabeça dessa geração, nesse momento, no momento em
que eles consumirem. Coca-Cola já não faz mais filmes de 30 segundos, ela faz filmes de seis
minutos, em que ela faz um estrondoso lançamento na Internet e depois ela pode utilizar
fragmentos desse filme editado na TV, mas não é mais a ação principal. A produção não é
mais de 30 segundos, ela uma produção de seis minutos.
Luciana: Ela já migrou?
Entrevistado: Ela migrou para uma outra forma de fazer comunicação e ela nasce
num ambiente digital e parte para os outros modelos de comunicação e para outras mídias.
Aqui no Brasil tem a Nokia, um trabalho muito legal, a própria Skol, eu acho tem um trabalho
consistente na web, Claro, eu acho que é outra marca que trabalha bem.
Luciana: Todas essas marcas que tu disseste, elas têm algumas ações, como tu
disseste da Coca, que iniciam na Internet e depois partem para ações presenciais,
eventos (citação de exemplos). Como tu vês essa integração?
Entrevistado: Tu não pode... Com esse objetivo de construir marca, em cima de uma
nova geração, que vem na verdade modernizar essas marcas, rejuvenescer essas marcas, é
lógico que tu não pode dispensar, eu acho que a Internet, o ambiente digital como um todo
como um canal, eu não diria que é preferencial, mas muito privilegiado, muito relevante nesse
contexto todo de ações. Então, ele tem que ser, senão o centro da ação, ele tem que ser muito
relevante em todas essas ações. Eu diria que na maioria das vezes o centro das ações,
derivando para outras atitudes, por que o contato dessa geração com os canais digitais é diário
e permanente.
Luciana: Estão sempre no ar...
Entrevistado: E num evento, ele vai ir eventualmente, ele vai ter uma experiência
bacana indo no evento ou vendo um filme, ou estando exposto a uma outra mídia, mas o canal
digital faz parte da vida dele, ele convive com essa geração num modelo de intimidade
absoluta. Hoje não existe um adolescente que tem acesso a bens de consumo com 16, 17 anos
que não chegue e não se conecte no primeiro momento que vai estar se utilizando
principalmente do Orkut, o MSN, o tempo todo conectado, fazendo várias outras coisas ao
mesmo tempo. Mas o estar conectado, estar no canal digital é um estado, ele não é uma ação,
é um estado permanente. E ele está fazendo outras ações em cima deste estado permanente
que ele cria, de estar digital. Se é um estado permanente, e se a Internet está no telefone
dele, no mobile, no iphone, ele já é um estado permanente constante. Não é mais o
permanente quando estou em casa. Então, se ele é um estado permanente constante, o fora
disso é offline, quando eu não estou mais online. Isso vai ser um standard. O fora disso vai
ser quando ele disser “estou offline”. Eu agora estou offline. Isso vai ser o offline. Então, quem
souber utilizar bem esses canais vai...
Luciana: E para a gente concluir, não como tu disseste de web 2.0, quando eu
te digo assim... uma estratégia de comunicação 2.0, o que tu entende por isso?
Entrevistado: Uma estratégia de comunicação 2.0 não é, não representa a
necessidade de toda a estratégia de comunicação ser criada num ambiente digital. Isso é um
ponto importante. Existia um afã muito grande em relação a isso quando começou a se
discutir e não se entendia muito bem o que era essa evolução da Internet. Aquele negócio que
era Internet um para muitos e passou a ser de muitos para muitos. Uma relação diferente. A
estratégia de cada marca não depende de uma estratégia que seja web 2.0 ou que seja
simplificando um pouco e correndo algum risco e que seja colaborativa. A estratégia web 2.0
é essencialmente colaborativa. Eu crio algum ambiente, eu crio alguma situação onde o
usuário vai interagir de uma forma horizontal, plural, sei lá, fazer a colaboração, colocar
posts, inserir fotos e imagens. Existem hoje muitas ações colaborativas absolutamente
frustradas. É fácil se imaginar que em cima de uma marca, de um apelo interessante, eu crio
um ambiente que sai caro construir, para que os usuários coloquem, “postem”, façam upload
de vídeos, deles interagindo com a marca. Isso é a maior furada. Conheço ações que com
enorme mídia, premiação, ao longo de três semanas tiveram vinte vídeos postados,
cinqüenta. Ainda não é simples tu achar que a pessoa vai chegar e imaginar a relação dela
com uma marca em cima de uma promoção qualquer, vai produzir um filmezinho, vai pegar e
transformar esse vídeo num formato que sirva e vai fazer um upload desse vídeo para que ele
seja visto. Não é assim. Não é simples assim, né? Então, essa ação ela tem que ser muito bem
pensada, estruturada para não cair no ridículo, do colaborativo acima de tudo, altamente
colaborativo, todo mundo vai e “posta”, todo mundo vai e põe fotos. Então, as ações de
web 2.0 são interessantes na medida em que a colaboração faça sentido num contexto mais
amplo do que o colaborar por colaborar, do colaborar porque eu vou ganhar um premiozinho.
O conteúdo tem que ser relevante, o assunto tem que ser relevante, a discussão tem que ser de
verdade. E o ambiente, que repito, custa caro para fazer um ambiente colaborativo,
principalmente se o que tu faça seja multimídia, para fazer achando que o pessoal vai e vai
“postar” ou não. Eu dou um exemplo claro de uma coisa interessante e simples. Agora, vai
entrar uma companhia aérea no Brasil que é uma companhia aérea que ela vem... ela é uma
subsidiária de uma empresa americana que se chama Jetblue, eles vão entrar no Brasil, ele
querem o mercado brasileiro, mercado da aviação brasileira interessa para esses caras. Eles
fizeram uma ação que é colaborativa mas que é muito interessante, que diz o seguinte: tem um
site que é www.voceescolhe.com.br. Você entra nesse site e sugere o nome dessa empresa,
tem cinco opções para sugerir o nome da empresa, quer dizer, colaborativa. Quer dizer, eu
estou lá e fazendo uma sugestão. O nome dessa empresa que vai operar no Brasil. Lógico, tem
uma premiação bacana, que se o nome que tu sugeriu for o escolhido, tu vai ter o direito
vitalício de voar nessa companhia. Nos três primeiros dias, tinha 60 mil sugestões de
nomes, então, 60 mil pessoas que se cadastraram, que deram CPF, que disseram onde
moram... cria uma base interessante para trabalhar o relacionamento, trabalhar de uma
forma correta, sem spam. Em três dias os caras levantaram mais de 60 mil nomes e cadastros
completos que são bem complexos até para se obter, mas que tem interesse em fazer ações. E
certamente vão estourar, pelo que eu entendi da ação ali, 300, 400, 500 mil nomes, numa ação
talvez aí de três semanas. Isso feito de uma forma simples, barata, sem nenhum grande alarde,
então, essas coisas... essa marca vai ser construída a partir de um modelo que é interessante,
que começa interessante. Do mesmo jeito que talvez a Gol tenha inovado na venda de
passagens aéreas pela Internet, quando ninguém fazia isso. Tudo vinha de um modelo anterior
de agenciamento de empresas de turismo no meio, conseqüentemente custavam mais caro,
então, acho a Gol outro exemplo interessante dos canais digitais. Então, essa história do
colaborativo faz parte de uma necessidade, de uma tendência dessa geração, de se sentir
colaborando, transformando informação, e transitando, levando informação para outros,
buscando informação entre seus grupos, faz parte, faz todo o sentido. Agora, as ações têm que
ser muito bem estruturadas, muito bem pensadas, para não cair no ridículo. “Ah, entendi... o
modelo é colaborativo, então, vou fazer uma ação colaborativa, colaborativo é fazer upload de
vídeo na Internet”, corre o perigo de se frustrar e não ter nenhuma relevância.
Luciana: E existe um modelo de trabalho vencedor?
Entrevistado: Tem, mas o problema é que não tem do jeito que a gente gostaria que
tivesse um padrão. Como é bom viver com um padrão, com processos, com modelos, mas não
é, esse ambiente é um modelo.
Luciana: Quando tu crias uma ação, tu ficas naquela vai ser um grande sucesso
ou vai ser um “mico”, como tu disseste: “ninguém vai participar”... Qual o critério?
Entrevistado: O critério depende de um negócio que é muito mais difícil do que é a
comunicação, do que foi a comunicação até hoje. Precisa realmente entender muito bem, ter
uma intimidade muito grande com esse ambiente todo digital, que é complexo, é muito
complexo, e ter um entendimento muito claro das marcas que tu trabalha, por que se tivesse
formatos padrões, se fosse fazer banner, pop up e um hot site bacana, isso qualquer um
fazia, é muito fácil. Agora, a partir do momento que tu entra, cada dia surgem novas
possibilidades, surge um leque de alternativas absurdamente grande, numa multiplicidade de
veículos, de ferramentas, isso é muito complicado.
Luciana: É basicamente personalização?
Entrevistado: É altamente personalizado.
Luciana: Vai no caminho de personalização, não é um plano de mídia, como se
fazia. É uma ação personalizada...
Entrevistado: É uma ação personalizada que envolve toda uma estratégia e essa
estratégia pode ter o apoio da mídia, especial da mídia online, para potencializar um pouco a
ação. Mas também o vários formatos que você vai ter que estar medindo o tempo todo e
atualizando, então, essa comunicação. É uma comunicação complexa, muito mais cara para
fazer, diferente do que se pensa e que ela vai ter que buscar às vezes até em detrimento de
qualidade. A gente tem filmes de 30 segundos que é coisa para cinema. Isso porque na medida
em que aquele ciclo anterior funcionava bem, só o que você podia ter era ganho de qualidade.
Luciana: Sim, eficiência técnica...
Entrevistado: Cada vez mais qualidade técnica. Mas chega uma hora que dá vontade
de dizer “eu vou parar com fotograma e só rodar os comerciais”.
Luciana: Isso é caro por que é um trabalho muito intelectual? Personalizar para
cada cliente vai ter que pensar uma coisa?
Entrevistado: Não é só... eu tenho que fazer rádio, TV e jornal. Agora, tem que ter
gente muito capacitada, num ambiente muito complexo. Esse é o ponto. A gente vive, a gente
está no olho do furacão, e desse olho do furacão sai alguns modelos mais vencedores, que vão
ser muito mais modelos do que os modelos da propaganda tradicional, mas sai.
Luciana: Eram três agora são trinta...
Entrevistado: Ou era três vai ser trezentos...
Luciana: São trezentos...
Entrevistado: Começa a existir uma padronização mínima de modelos, mas nesse
momento é muito difícil de dizer.
Luciana: Vão ter que montar um modelo. Você parte do pressuposto de ter que
personalizar os projetos?
Entrevistado: Vou te dar um exemplo que a gente viveu. A Embraer, que é um
cliente principal para a gente alguns anos, num lançamento de um avião que se chama
Fino, o menor avião num setor novo que a Embraer começou a focar quatro, cinco anos
atrás que é a aviação executiva. A Embraer nunca trabalhou com uma aviação executiva,
sempre trabalhou com a aviação comercial, fazia aviões para empresas aéreas, e aviação de
defesa. Ela começou a focar há alguns anos atrás na aviação executiva, que é um mercado
muito grande. Na aviação executiva, que são os jatinhos executivos, ela fez um desses jatos
que é o Fino, o menor deles, que é um jato que tem um preço, se é que se possa ter alguma
coisa mais barata, é um preço mais baixo, dois milhões e meio de dólares. Quando eles
lançaram esse avião, eles tinham um desafio, o avião voaria daqui a três anos, o protótipo.
O primeiro protótipo da Embraer voou depois de três anos de lançamento do projeto. que
nesse meio tempo, tem que começar a comercializar esse avião. Então, como é que se
comercializa um avião que não existe? Nós desenvolvemos um negócio que é muito legal, que
é uma ferramenta toda ela web based, baseada na web, em que a gente modelou foto-
realisticamente esse avião em 3D com interação. Então, 3D de um avião por dentro e por fora,
com interação. Desenvolvemos ferramenta para aquele vôo sobre diferentes ambientes. Eu
tenho um avião em 3D, foto-realístico, parece que estou vendo uma foto, tanto por dentro
quanto por fora, eu viro o avião, eu olho para trás, eu olho para frente e eu faço ele voar em
diferentes ambientes. Isso foi uma ferramenta de venda absurda, por que tu chegava no
cliente, tu podia customizar, montar o sistema de pintura dele, voando sobre a cidade dele,
voando sobre Londres, voando sobre Paris, com as opções de interior que satisfariam a ele ou
à empresa dele. E foi com essa ferramenta que a Embraer vendeu 700 aviões, antes do
primeiro vôo.
Luciana: Tu fizeste um catálogo virtual interativo?
Entrevistado: Catálogo virtual e interativo. Eu podia ter feito dia, podia ter feito
hot site, ambiente colaborativo.
Luciana: É mais uma ferramenta de vendas do que...
Entrevistado: No fundo, tu quer vender. Para vender, qual a melhor coisa? É um
super trabalho, é um case nosso, que é maravilhoso, vamos fazer um negócio que seja bom.
Eu não vou chegar para um fazendeiro do Texas ou um sheik árabe.
Luciana: Quando foi isso?
Entrevistado: Ainda funciona, mas o primeiro o foi em outubro do ano passado e
naquele momento já haviam 700 aeronaves vendidas.
Luciana: Que legal César, parabéns!
Entrevistado: Então é um “puta” case.
Luciana: Tu tiras do nada, não é um modelo que tu repetes...
Entrevistado: Não é, mas o que tu está fazendo, está se utilizando de um ambiente
digital da interatividade para ajudar a marca, no fim um produto de outra grande marca que é
a Embraer, a fazer negócio, podia fazer mídia no Wall Street Journal.
Luciana: Ou fazer um mega filme institucional, dizendo que a Embraer é o
“máximo”...
Entrevistado: Um filme maravilhoso... Vai gastar quanto?
Luciana: Tu estás me confirmando que independente do trabalho... tu vais
aprendendo fazendo, não tem receita de bolo.
Entrevistado: Você vai aprendendo fazendo e se tu dominar esse ambiente e suas
alternativas, tu não precisa dos formatos, dos modelos padrões, mas tu tem que ter isso na tua
parte de conhecimento. E a dificuldade que as agências estão enfrentando é montar suas
estruturas. Elas não conseguem montar, elas o têm isso na sua estrutura, na sua base, não
têm isso tatuado no DNA. Então, elas vão e fazem uma ação, que a base pode ser legal, um
hot site bacana, agora é colaborativo, e faz um monte de ação. A última campanha da Skin,
quando eu abri o hot site e vi lá, aquela história toda, Ivete Sangalo bombando e tal. E na
Internet era um hot site colaborativo, “poste” seu vídeo. Tu tinha que fazer o conteúdo, o
apelo da promoção da Internet era colaborativo, era pedir para fazer um vídeo com o slogan
“Pega Leve”. Por que eu vou fazer um vídeo e “postar” no site, fora a questão de um
premiozinho legal, que pode ter meia dúzia de cara.
ANEXO C
ENTREVISTA: 04 de Março de 2008
Gilberto Della Giustina - Diretor de Planejamento DCS
Luciana: Qual a relevância da marca na estratégia de comunicação nas
empresas?
Entrevistado: A relevância da marca é total. Vou dizer o óbvio, mas é bom reforçar
sempre. É uma discussão que vai longe. Quando se diz que o consumidor não quer marca
agora, ele quer preço, que preço está dentro da marca, marca é uma soma de elementos, é
sempre a soma de todos os elementos que geram algum tipo de imagem na cabeça do
consumidor. Então a marca sempre existe e a marca é fundamental. A marca é o que faz com
que o consumidor de alguma maneira, atalhe, é um atalho, em relação ao que a empresa se
propôs. Eu não vejo, não é nem questão de discutir a importância da marca, eu não vejo
situação, eu não vejo história, eu não vejo nenhum tipo de possibilidade de não haver a marca.
Nem que tu não crie a marca, mas para mim a marca é o que está dentro da cabeça do
consumidor. Tu pode não criar, mas está feito. A marca não é criada só por ti, na verdade tu te
aproveita dessa possibilidade que é o consumidor, criando a marca na cabeça dele e tu tenta
gerenciar isso o máximo possível. Marca é inevitável. O que eu posso dizer é que o
importante é tu gerenciar isso. Ela vai ser criada de qualquer jeito.
Luciana: Parte do pressuposto que tu não tens controle sobre isso?
Entrevistado: Tu nunca tem o controle total do que se passa na cabeça do
consumidor. O cérebro continua sendo um mistério até para os neurologistas, a que se dirá
para os psicólogos, psiquiatras e publicitários. O que estou dizendo é que há uma
possibilidade de tu gerir e tu passar o que quiser da maneira mais controlável possível para
que o consumidor pense parecido com o que tu é, com que é a tua atitude dentro aquele
produto, daquele composto. Então, marca é fundamental, marca é inevitável.
Luciana: Tu achas que hoje os profissionais de marketing, publicitários, ou as
agências de uma forma geral, estão conseguindo ter um modelo de negócios, uma forma
de gerenciar, que seja eficiente ou que condizente com esse desafio?
Entrevistado: Eu acho que como, na minha visão, esse é um momento de transição,
claro que o mercado nunca vai parar de mudar. Essa coisa de que estamos num momento de
mudanças, mudança é permanente graças a Deus, mas estamos numa fase em que está mais
forte o questionamento e a discussão das agências como modelo, qual é nosso papel
efetivamente. Quem é que está pensando na marca, é o cliente, somos nós, é uma área dentro
da nossa estrutura, a dupla de criação, quase falecida dupla de criação.
Luciana: Acha que é falecida a dupla de criação?
Entrevistado: Acho, acho por que nós temos muitas duplas aqui, mas não são mais
duplas, são profissionais excelentes. Tu vai olhar em algumas agências em São Paulo que são
trios, por que tem o planejador junto. Tu vai olhar outra, são dois diretores de criação, porque
aquela pauta pede isso ou as nossas duplas dizem que isso não é conosco pois tem a
publicidade para resolver, chama alguém de promoção. Nesse sentido que digo falecida, pois
não é mais passar por uma dupla, passa-se por um monte de gente, mas eu acho que as
agências nesse momento questionando, estão todas em diferentes estágios. Então você me
pergunta se existe um modelo. Existem vários modelos, alguns mais consolidados, outros
menos consolidados. Existem agências que estão conseguindo, mas efetivamente isso não é
um trabalho da agência, é um trabalho que não prescinde um cliente, necessariamente, faz
parte desse processo. Não é assim: “deixa eu passar para a agência a gestão da minha marca”.
É um processo complexo, não é só um plano de marketing ou comunicação. Acho que, sim,
tem agências se movimentando nesse sentido.
Luciana: Então, tu achas que estamos num momento de transição. Tu achas que
é movimento de mercado, é uma transição no modelo de consumo, na relação com as
marcas?
Entrevistado: Não. Essa questão toda do auê”, das novas mídias. Eu acho bárbaro.
Eu acredito muito em novas mídias, mas eu me preocupo muito com a forma como isso é
abordado. O debate para mim sempre vem torto. As pessoas sempre fazem palestras, artigos,
dizendo que as novas mídias estão aí, quem não usar as novas mídias morre, porque a
tendência são as novas mídias, o consumidor quer as novas mídias ou quer a interatividade,
quando na verdade as novas mídias são ótimas, mas elas só têm importância se forem
conseqüência de uma necessidade realmente. Em relação à interatividade, o consumidor quer
interatividade, o consumidor quer essa interatividade a vida toda. O que não havia talvez fosse
a Internet, mas ele sempre quis. O consumidor quer entretenimento, como sempre quis.
Quando tinha um balão de s para o consumidor e tu dava, tu estava propondo uma
interação com a marca e tu estava dando para ele uma diversão. Não era um joguinho virtual,
mas era. E o funcionamento é o mesmo, que agora tu tem outras mídias. Quando falo em
transição, não estou falando nesse sentido de haver novas mídias. Falo em transição, no
sentido de que, isso sim, cada vez menos a publicidade é vista como a panacéia de todos os
males. Cada vez mais se percebe que o nome da ferramenta não importa. “Não é faz uma
campanha aí, é faz alguma coisa que não sei que nome tem”. Nesse sentido, a agência
perdeu um pouco a identidade. Sou agência de publicidade, então, o quê que eu faço? Eu faço
tudo ou não faço tudo. Eu busco parcerias ou não busco parcerias, eu deixo para o cliente
fazer, eu faço muito bem alguma coisa? Eu faço tudo, eu busco parceiros, eu não faço nada,
junto forças tarefas. Se for pensar bem todos esses modelos são válidos, nenhum está errado e
todos estão em prática nesse momento, desde bureau criativo até agências completas ou até
agências que fazem publicidade, não importa. O que importa é tu fazer bem e tu abordar
clientes que precisem daquilo. Na verdade, o consumidor continua obedecendo à escala de
Maslow, as necessidades continuam sendo as mesmas, o que ele tem são as realidades novas
para se relacionar. A mudança do comportamento do consumidor é uma reação às novas
possibilidades. As necessidades dele são as mesmas. Mesma coisa as agências, elas continuam
com as mesmas ferramentas que sempre teve, que agora está mais visível que existe uma
salada de fruta de possibilidades. Então, eu não gosto muito dos alarmistas “acabou a
agência”, “acabaram as dias velhas, agora, as novas mídias”. Um palestrante disse ano
retrasado em Cannes, a discussão era exatamente essa, ele disse que existem novas formas de
usar as velhas mídias, existem velhas formas de usar as novas mídias, existem novas formas
de usar todas as mídias, o que importa é a forma de usar as mídias, não importa se a mídia é
velha ou nova, então, eu acho que a transição mesmo por que a gente resolveu perguntar
quem somos, todo resolveu se perguntar ao mesmo tempo quem somos. E o cliente resolveu
perguntar quem vocês são? Vem acontecendo isso. Sem dúvida nenhuma, a disciplina de
marketing está conduzida mais para entender que marca tem uma importante parte que é mais
do que o composto dos Quatro P‟s, é mais que desenhar o produto e colocar um preço.
Luciana: Então tu entendes que a importância da marca tem mais a ver com
essa inversão de raciocínio. De colocar a marca num primeiro plano?
Entrevistado: Sim, porque ela é o início de tudo, né? Quando tu chegou, eu estava
mandando um e-mail para a diretoria, por que tem o planejamento da DCS, estamos em plena
discussão, não é um planejamento 2008, é um planejamento continuado, e a primeira coisa
que eu botei é que tem algumas coisas mais imediatas que a gente tem que decidir, aí eu botei:
o conceito criativo da agência. Agente sabe, a gente discutiu, mas não foi de imediato para
esse ano ou para os próximos anos. eu disse assim: “É urgente, por mais incrível que
pareça”, mas normalmente você pensa assim: “urgente é o evento que tem...”, é o jornalzinho,
a newsletter interna... o, o mais urgente é o conceito criativo. E coloquei: isso vem antes e
atravessa tudo. Se não tiver o conceito criativo de marca, então, ela vem antes. Não pode mais
fazer um plano, o produto é esse, minha estratégia será de capilarização, e eu não vou
trabalhar promocionalmente... Tu tem que começar perguntando quem a gente é, não adianta.
Não é filosófico mais isso, não é mais uma filosofia, a gente tem um slogan. A marca é
uma coisa que tem que estar impregnada.
Luciana: Ainda sobre a idéia de marca e sua tangibilização... De que forma tu
trabalhas na estratégia essa questão da transformação do abstrato para o concreto?
Entrevistado: Estabelecer o intangível é um grande desafio, desenhar o
intangível, por que a gente não trabalha mais o planejamento, a gente não trabalha mais
assim a frase que traduz a marca “é essa”. Às vezes a gente faz um vídeo, não temos uma
palavra, pessoal, que é o conceito de one word position”. Não. Tu conseguir traduzir o
produto em one word”. Eu não acredito, mas eu acho bárbaro esse exercício. A gente faz
esse exercício, mas a gente corre o risco de cair em qualidade, então, às vezes, a gente faz um
vídeo de imagens e passa para a criação, e passa para todas as nossas criações, e todas as
ferramentas, pegamos uma música que já existe e diz: “olha, a cara desse produto é isso aqui”.
A gente cada vez mais trata o posicionamento da marca de forma intangível, e para criação
isso é ótimo. Não tem nada mais vivo que botar um vídeo clipe mostrando o boteco onde
vende o Conhaque Presidente, que é nosso cliente, que não se chama nem ponto de venda, se
chama ponto de dose, por que é um lugar onde realmente tem ovo colorido, salsicha, enfim,
para onde a gente vai, o planejamento vai para lá, viver, respirar. E às vezes levamos a criação
para para comer um ovo colorido, tomar um conhaque, é mais forte do que... Daí tu
pergunta sobre a tangibilização. Primeira coisa é que o posicionamento é cada vez mais
intangível. Tem uma frase, que não lembro de quem é, a metáfora é boa, mas é mais ou menos
assim: “escrever sobre marcas é mais ou menos como dançar sobre arquitetura”. A arquitetura
está ali, tu olha e tu enxerga, mas como a marca é invisível na sua alma, então, tu tem que
tangibilizar. A gente tangibiliza para nossas áreas internas cada vez menos com palavras, mas
cada vez mais com imagens, com sons, com outras coisas. Quando eles vão tangibilizar,
sim, temos que buscar palavras. Hoje a criação veio conversar, querendo saber o que a gente
queria testar, como a gente tinha dois ou três conceitos que a gente resolveu trocar idéia com
o cliente, “o que tu acha desses conceitos, como te sente mais confortável?”. “Eu gosto de
todos”, eu disse não, não tem como, então, vamos testar. Aí a criação perguntou, “o que vocês
querem testar?”. Tu quer um anúncio... ?” Eu quero aquilo que você acha que deve ser
testado. Eu disse para eles “Tu tem uma imagem, me uma imagem. Tem uma frase, me
uma frase. Tem uma música, me uma música. Diz tu como criação o que tu está sentindo
que tu está afim de testar com teu trabalho, que não é testar competência, é exercitar a
competência, então, tangibiliza todas as frases, imagens”... às vezes, a gente discute não vai
ter mais uma frase, o espírito dessa campanha está nas cores, o espírito dessa campanha está
no tipo de movimento, o espírito dessa campanha é promocional. A primeira tangibilização
difícil é a do posicionamento. Adoro um case inglês, de alguns anos, que o planejamento
tinha que passar um posicionamento de uma tele-entrega de flores. Daí, tu vai cair no comum,
tu imagina que a tele-entrega de flores é uma demonstração de carinho. No dia que tinha
reunião, a reunião era de manhã, todas as pessoas que iam na reunião, às 9 da manhã,
receberam um buquê de flores. Aquilo foi a forma de passar o conceito. Do tipo o que tu
sentiu quando recebeu? É uma tangibilização que depois a criação transformou em campanha,
em anúncio, e isso é bárbaro, pois como nós temos uma branding team aqui, a gente passa
essas idéias para o branding team, gente de mídia, atendimento, de promoção, de Internet, de
design, de ponto de venda e até de publicidade, todos na mesma hora começam a propôr. O
que começa a sair da cabeça de um acaba de alguma maneira encharcando todo mundo,
naturalmente tudo que todo mundo propõe, tem aquele espírito. E é tão natural e orgânico o
conceito de branding team, que as ferramentas que não se enxergam acabam se afastando.
Param de ir nas reuniões e continua o branding team, exatamente como uma coisa só. E a
gente raramente chama pelo nome ferramenta, vamos fazer um viral. Como assim, fazer um
viral? Não existe isso. Viral é conseqüência de uma comunicação qualquer. Quem sabe a
gente faz um evento? Se é relações públicas, se é promoção? Se precisa de evento, por que
precisa que esse conceito tem que ser traduzido em atendimento. No evento, você bota
atendimento dessa marca de serviço disso, enfim, a tangibilização acontece cada vez.... nome
a gente depois, que os nomes atrapalham muito. Os nomes fecham... as palavras existem
para eu que consiga falar contigo. As palavras existem para que a gente se comunique, mas
elas também bloqueiam. E o conceito da DCS é muito esse. A gente fez uma manifesto, um
videozinho de dois ou três minutos, que fala exatamente isso, a gente adora fazer perguntas, a
gente adora achar muitas respostas por que existem várias e a gente não gosta de falar de
fórmula pronta, por que bloqueia todo processo de pensamento criativo e está funcionando
aqui. Isso não é discurso, isso é bacana. A gente erra e erra o tempo todo, mas não é discurso.
Luciana: Tinha um modelo de comunicação das agências, dos próprios clientes,
que era muito focado numa eficiência técnica. Vou fazer um anúncio que seja o mais
eficiente possível, eu tenho um target que eu pré-defini, muito na faixa etária e classe
social, uma divisão até primária. Se eu tiver um anúncio que seja eficiente, vai gerar
“esse”, “esse” efeito. Uma coisa do tipo top-down, baseada numa eficácia de
comunicação. O consumidor sempre quis uma interatividade, sempre desejou isso,
talvez não tivesse os meios. De que forma você entende que na comunicação o
consumidor possa ser incorporado no modelo que não é mais esse top-down? Como
trazê-lo para o processo de produção também?
Entrevistador: Bom, eu acho que ele está. Essa é uma das maravilhas da Internet,
claro, o consumidor poder imediatamente produzir conteúdo, gerar conteúdo, se envolver com
a marca. Se tu não oferecer inclusive, ele faz. É tu ver a quantidade de spufs, aquelas
versões falsas comerciais que os patrocinadores vão e largam em tudo. Às vezes a marca
falsa até tenta fazer, mas às vezes o consumidor vai e faz sozinho, é dele a marca, se
apropria da marca, mas ele sempre fez isso. A Coca-Cola virou Coca-Cola por que as pessoas
começaram a guardar a garrafa, guardar o cartaz, gostaram das imagens do rótulo, é da
interatividade. Eu não sei se tem um modelo, insisto, acho agora que todo mundo está muito
nisso, tem quem gerar conteúdo, tem que fazer o consumidor interagir. Então vai lá na
Internet e cria uma coisa que o consumidor... McDonalds está pagando para que você conte
suas histórias. Eu acho tudo isso muito bom. Agora, eu não sei. Eu acho que a melhor resposta
para sua pergunta é “não sei”. Se tu não souber, tu não cai na armadilha. Vamos pensar assim,
por exemplo, eu tenho um cliente como a Stihl. Não preciso fazer uma coisa na Internet,
necessariamente, para envolvê-lo na marca. Eu posso fazer o produto ser eficiente no sentido
de interagir, posso oferecer novos usos para o produto e ele passa a interagir de outro jeito
com o produto. Hoje, a gente estava brincando aqui, comendo pão e não tínhamos faca,
estávamos cortando com as tesouras Tramontina. Por que a gente não utiliza a tesoura para
cortar pão? Uma outra forma de interação com o produto. Eu posso simplesmente estimular
esse produtor, através de cartaz no ponto de venda, que ele faça outros usos para a motosserra,
que faça esculturas. É uma forma de gerar interação com a marca. Por que vou pegar a marca
através do produto e gerar outro ambiente. É isso que é interatividade, é eu me apropriar da
marca de outras maneiras. Pode ser um joguinho na Internet, pode ser eu construindo a
historinha, construindo um comercial, com fez a Elma Chips. Pode ser qualquer interação.
Interação ou interatividade já acontece com o produto. Como a Tramontina começou a
construir sua marca? Pela presença. As mulheres sempre dizem “eu amo Tramontina”, sempre
está na festa de Natal, na festa de Ano Novo. O produto. (Luciana: faz parte da vida da
pessoa...) A interação com a marca começa com a interação com o produto. Se eu vou fazer a
panela cantar, por que quando está quente o arroz e a panela canta, é outra forma de interagir.
Se eu vou fazer um joguinho na Internet onde tu vai colocando as coisas na panela e depois
ela diz se a receita vai te matar ou vai te deixar mais forte, é interação. Se eu fizer uma
promoção, escreva uma frase “diga por que você ama sua mãe” e concorra a uma viagem para
o Paquistão, é interação. Algumas marcas nem precisam inclusive de uma maior interação do
que uma boa relação com o produto. É muito caso a caso. Sei que é uma resposta muito fácil
o “depende”, mas a melhor resposta para essa pergunta é o “depende”. Graças a Deus é o
depende. Depende do que o produto quer, depende de como a marca está se propondo a ser,
depende até do momento de mercado da marca, às vezes ela pode ficar quietinha e pronto.
Luciana: Tu achas que os clientes estão preparados para fazer essa inversão de
não estou pensando no “eu tenho esse controle remoto aqui”, faz o que a marca tem
que significar e, sim, primeiro o que a marca tem que significar para ver que controle
remoto que eu vou fazer. Tu achas que os clientes estão preparados?
Entrevistado: Acho que isso tem várias vias, também tem diferentes clientes em
diferentes momentos. Acho que a maioria, não. A maioria não está. Mas eu vou te dar um
exemplo da gente. Antes de criar o produto e ver como chega no mercado, tu pensar o que o
mercado está querendo. Na Azaléia, hoje, tem cada vez mais essa relação com a área de
produto. A gente acabou de fazer uma pesquisa gigante de Olimpikus e outra de Dijean, as
apresentações são feitas para as áreas de marketing e de produto ao mesmo tempo. Olha, as
meninas estão pedindo mais isso ou mais aquilo, o comportamento das meninas é mais assim.
Não é bem chegar para a área de produto, elas não gostam de fitinhas, elas gostam de
estrelinhas, elas não gostam de branco, elas gostam de rosa, não é nem isso, é dizer isso
também, como tendências, mas é dizer que elas estão muito mais malandras, “olha, os caras
estão querendo tecnologia”, mas assim, estão querendo tecnologia para se sentir assim. A
parte atitudinal também vai para o pessoal de produto. Segunda-feira, eu e meu planejador
responsável pela Olimpikus estamos indo para Parobé, para ver os novos produtos que estão
sendo prototipados, em cima do que passamos para eles. Então essa integração é perfeita. É
o ideal, sem dúvida nenhuma. O marketing nos chamou para conversar com o produto. O
produto tem interesse, então, a gente apresenta para todos os designers de sapato. E antes, na
pesquisa, no desenho da pesquisa, eles colocam suas perguntas, o que vocês acham disso ou
daquilo.... e às vezes eles vão para pesquisa junto, dependendo do que a gente está fazendo, de
onde estamos fazendo. Então, o marketing da empresa, a área de produto e a agência
trabalhando juntos o tempo todo não tem nada mais delicioso. Na Azaléia, a gente não
apresenta uma campanha direta, a gente apresenta o conceito. O que vocês acham? É isso ou
não é? Esse é o caminho, essa é a cara da marca, então, vamos fazer a campanha. a gente
reduzia a refação... O cliente dizia: “...mas isso não está no modelo que vocês deram lá...”, ou
seja, (Luciana: é uma coisa mais integrada) ele não diz isso não é o que eu pedi, isso não é
o que vocês pediram.
Luciana: Dessa forma você está incluindo o consumidor. Tu foi falar com o
consumidor e trouxe para dentro da empresa e disse que desta forma você pode gerar a
interação. Isso é interação...
Entrevistado: Claro que sim. Isso é a interação com o consumidor da melhor
maneira possível. E às vezes não é perguntar para o consumidor, inclusive, é ir para a casa
dele passar o dia, olhando efetivamente. Tu não pergunta para ele: “onde é que tu gosta de
guardar tua sandália?”, tu olha que ele guarda na caixa. você pensa se é um
comportamento que me interessa. Esse relacionamento que ele tem com a marca através do
produto guardado na caixa, uma coisa da qual eu posso me apropriar ou não. Vale ou não
vale? no início tu está pensando com ele. Talvez isso seja uma excelente forma de
pensar que a interatividade com o consumidor começa perguntando para ele. Na Tramontina
também, estamos num meio de um processo. Como a Tramontina são várias “Tramontinas”...
Luciana: Como assim são várias “Tramontinas”?
Entrevistado: São várias “Tramontinas”, eu digo... a Tramontina tem uma
Tramontina de pias e cubas, tem uma Tramontina de travessas, tem uma Tramontina de
material elétrico... e agora, eu usei exemplos específicos, utilidades domésticas voltadas para
table... material elétrico, pias e cubas, para cada um desses a gente vai fazer um estudo desses
gigante de ir para para ver como o consumidor está utilizando o produto, como é que ele
quer o produto, para chegar para o pessoal de fábrica. É o pessoal de fábrica, no caso, que nos
contrata inclusive, não é nem o marketing. (Luciana: Ah, é?) Nesse caso, sim, pois são as
fábricas que nos pagam as pesquisas. Então, a gente vai lá, a gente faz um plano sugerindo
PDVs, sugerindo comunicação, sugerindo posicionamento para marca, mas também dizendo
que os produtos estão indo para esse lado ou para aquele, por que os produtos têm que ser
consumidos. Não tem mais como dizer: “toma essa baixela agora e dá um jeito”. Tem clientes
que são diferentes, em momentos diferentes, situações, mesmo dentro de uma Tramontina,
tem diferentes níveis, mas definitivamente a visão tem que ser de mercado, não de produto.
Isso eu sei que parece uma coisa velha, a gente está discutindo o fim da Revolução Industrial.
Eu aprendi a fazer penico, “dá um jeito de vender”. Esse conceito veio da Revolução
Industrial e por incrível que pareça ainda persiste, ainda persiste. Onde é que eu ponho esse
meu produto? Mas eu acho que, se por um lado persiste, todos os nossos clientes pelo menos
estão perguntando o que o consumidor vai comprar. Pelo menos isso eles estão perguntando,
eles podem não estar fazendo 100% ainda, mas estão perguntando o que o meu consumidor
vai comprar.
Luciana: Tem segmentos que estão mais à frente, mais sofisticados, que estão
compreendendo isso e outros que ainda não compreenderam?
Entrevistado: Vamos combinar... isso é sobrevivência. Tu não tem mais nenhuma
marca, por maior que seja, que tenha a facilidade de simplesmente entrar com um produto que
está fazendo. Nenhuma. A Tramontina é uma marca excelente, mas ela bate ali com um
monte de chinês, fazendo um monte de coisa, um monte de marquinhas, fazendo coisinhas e
atacando de guerrilha, então a gente não pode simplesmente, para ela mesmo, se deitar sobre
os loros, não, eu sou Tramontina.
Luciana: Então tu achas que uma perspectiva de futuro ou como modelo que tu
vê, não de interatividade, mas como modelo de gerenciamento das marcas, tu s
baseado numa visão de mercado primeiro?
Entrevistado: Sim, até fico meio constrangido de dizer. Por ser “cancheiro” assim. É
irreversível. O futuro é bom, pois sobreviverão as marcas que fizerem isso. O consumidor
tem muita escolha e isso é uma das maravilhas da Internet também, por que ele pode trocar
essa idéia. A velocidade com que tu cria, com que tu mata uma marca, é cada vez mais rápida,
a velocidade é muito rápida. É tu espalhar o problema que tu teve com uma marca, essa
marca foi para o saco. Ao mesmo tempo, uma marca se constrói em 24 horas. O que é
estranho, não bate com o meu aprendizado de que uma marca se constrói ao longo de muito
tempo, não estou dizendo que não é isso, mas tu mantém ela ao longo do tempo, tu precisa
todos os dias reforçar e até revisar o teu compromisso como marca. Mas de um dia para o
outro, olha o que foi a lista das maiores marcas e como está a lista das mais fortes de hoje, que
não estavam lá cinco anos. Google foi uma marca criada num par de anos. Não existe
nenhuma marca que pode se deitar sobre suas glórias, hoje. Ela tem, sim, que ser construída e
reconstruída todos os dias.
Luciana: Essa questão de não de permanência, de revisando a marca e tudo
mais, em relação a uma perspectiva de futuro para todos os segmentos, em termos de
modelos de negócios, a questão de mídia de massa, a importância que adquire uma
personalização da experiência com a marca em contraponto a uma coisa que tu vinhas e
dizia via TV monolítica, “esse penico aqui é bom”, em contrapartida agora de um
movimento muito mais rápido, muito mais complexo, as marcas se constroem, como o
Google de uma outra forma, de uma outra dinâmica, num boca-a-boca, coisa mais de
experiência. De que forma tu vês que a pessoa do marketing, da empresa, do publicitário,
pode fazer, ter algum tipo de gerenciamento sobre isso, algum tipo de participação, que
seja? Tu colocas a marca no mercado e esse fluxo vai acontecer, tu querendo ou não. De
que forma tu podes influenciar isso? Como tu vais fazer para participar disso, entender
que isso vai acontecer sem a tua participação ou não? As pessoas vão falar, vão construir
e destruir a tua marca. Isso vai acontecer. De que forma tu podes tentar se inserir nesse
processo? De que forma tu achas que isso é mais eficiente?
Entrevistado: A mídia de massa, o conceito de mercado é um conceito falso, pois o
que existem são consumidores individuais, então, como é o que acontece, mercado é um
conceito de economia. Eu penso de um jeito, tu pensa de outro, e qualquer pessoa que entrar
aqui pensa de um jeito diferente. que quem quer vender empadinha, e entra aqui para
vender empadinha para dez, tem que pensar como é que eu falo com esses dez ao mesmo
tempo. Eu posso oferecer para cada um, mas também eu posso economizar e gritar uma
vez. Parece que todos aqui estão com fome. Então, o que eu vou fazer, vou entrar e vou gritar
“olha a fome, pessoal!” e tu criou um mercado, o mercado das pessoas que sentem fome.
Eu estou dizendo que tem alguma coisa que tem em todo mundo e isso que chamo de
mercado. Por isso a TV funciona e sempre vai funcionar. Tem uma coisa que vai unir muita
gente que é mais fácil colocar num comercial na TV. Eu vou vender Pomarola. A Pomarola
pode se apropriar individualmente de uma relação com cada uma das consumidoras ou dos
consumidores, ou de quem faz comida, mas também pode ir na TV falar com milhões de
pessoas ao mesmo tempo, falando de muita coisa: ”deixe sua comida mais gostosa”. Esse é o
conceito de mercado. Eu continuo acreditando que este é um nível de verniz que tu tem na
marca para falar com pessoas. O que aconteceu agora, que tu também usou adequadamente no
que tu falou, é que estas outras coisas que continuavam existindo, tu te apropriou do conceito
de Pomarola diferente de mim, quando assistiu ali, que continua existindo. A minha marca
Pomarola é diferente da tua. Não adianta. Por que eu peguei o que eles disseram, o que eles
queriam que eu pensasse e juntei com que eu quero, que pode ser positivo ou negativo, que
pode ser que molho pronto nunca é igual. Tu vai dizer: “minha vida é muito mais prática
assim”. Tu sempre criou a marca individualmente. O que aconteceu é que essas ferramentas
de relacionamento individual ganharam muito mais capacidade de gestão. Todas elas são
muito mais geríveis. A Internet permite falar com a Lu, com o Gilberto, individualmente, e
quando tu me pergunta assim o que se pode fazer, como vai fazer isso... a personalização da
marca de um a um, sempre vai acontecer à revelia. O que tu vai é ter muitas ferramentas para
poder falar de igual para igual, mas não sei te dizer assim, eu acredito muito na mensagem
geral. Não tenho necessariamente que interferir individualmente. Eu posso promocionalmente
captar o nome dessa pessoa, eu posso entender pôr um chip nessa mulher e descobrir toda vez
que aquela mulher que está passando pela minha loja e está com falta de vitamina C e,
portanto eu posso gritar assim: “Oh, Cecília compra Pomarola por que tu está com baixo
índice de vitamina C!”. Eu posso fazer isso, eu acredito nisso. Já tenho experiências nesse
sentido. Tipo ter um GPS. Na medida que teu celular passa por qualquer onda, quem tu é,
quais são tuas necessidades, tu está tendo absoluto controle individual de comunicação. Eu
estou te dando o exemplo mais bem acabado do oposto da TV. (Luciana: os dois extremos)
Tecnicamente tu ser reconhecido até o nível de saber que proteínas você está com deficiência,
para te avisar. Eu acho que você pode ir até aí. Mas a única coisa que eu faço questão de
dizer. Não precisa necessariamente, não é assim... a tendência “é” personificar e botar um
chip embaixo do dedo do consumidor para saber sempre que ele está precisando de
determinado produto. Eu não acho que precise sempre isso. Eu acho que é uma possibilidade.
Luciana: Seja de que forma que venha a mensagem para o consumidor,
independente de que forma isso acontecer, não necessariamente imediatizado, no
ponto de venda, ou como tu dissesse, através do uso do produto, a forma que eu corto o
pão com a tesoura, pode ser como estou significando a marca e de qualquer forma eu,
como consumidora, vou significar essa marca. Vai acontecer de qualquer forma?
Entrevistado: Não existe produto genérico. Por que tu cataloga na tua cabeça. Como
te disse no início, sei que é meio simplista, mas marcas são atalhos. Marcas são atalhos tipo
assim, eu comi esse pão uma vez. Eu juntei um monte de informação sobre aquele pão e a
próxima vez que eu comer, vou comer sabendo disso. Ou não gosto por que é amargo, ou esse
pão é delicioso e isso impede que eu tenha que experimentar todos os pães toda vez para saber
qual é o que eu quero. Isso impede que eu tenha que ler todos os conteúdos do sabão em
para saber se é aquele que eu quero. “É Omo”, eu já sei do que se trata, é esse que compro, ou
“é Omo” sei do que se trata, eu não quero. Ou “é Omo”, sei do que se trata, e vou
comprar por que deixa minha roupa mais branca ou por que deixa minha roupa mais viva, ou
por que, enfim, a minha empregada usa esse. Tu vai significar de qualquer maneira, a
diferença é que quando tu é o owner, ou tu é o zelador da marca, tu pode ajudar a interferir
nisso, tu pode interferir simplesmente gritando na praça ou tu pode ir e botar o GPS no
cara. Eu não sei quais são as ferramentas, te confesso, o GPS para mim é uma visão muito
clara, eu posso fazer esse marketing direto, marketing indireto, posso fazer isso, oferecendo
uma possibilidade de entretenimento, por que isso é verdade, o consumidor está cheio de
possibilidades, cheio de coisas. O tempo é a nova moeda e para tu ganhar o tempo do
consumidor, tu tem que conquistar essa atenção dele, não tenho dúvida nenhuma. E essa
atenção é uma das formas de conquistar é oferecendo alguma coisa que interessa
individualmente a ele. E a Internet permite isso, enfim. Mas o mais importante é tu ter o
raciocínio completo sempre. O raciocínio completo é que o consumidor está criando a tua
marca na cabeça. Tu tem a possibilidade de ajudar a construir essa marca, que tu pode
construir gastando dez reais e falando com ele ou gastando um milhão, mas falando com
um milhão de pessoas. Todas as possibilidades são boas. Eu posso falar individualmente com
todos os meus consumidores se eu quiser. Eu posso fazer isso por marketing direto, eu posso
fazer isso pela Internet, eu posso fazer isso pelo telefone, posso bater na porta de cada um, eu
posso fazer o boca-a-boca, eu posso criar advogados de marca, eu posso criar patrulhas de
marca, botando quinhentas mães para defender a Tramontina junto aos seus núcleos. Tem
duzentas mil... meio efeito Neston “existem mil e uma maneiras de fazer, invente uma
delas”... A Johnson & Johnson e a Procter & Gamble fazem essas patrulhas de mães. Eles
contratam patrulhas de mães, essas mães trabalham na sua comunidade, testando produto,
distribuindo folders, conversando com os caras. Isso também é um boca-a-boca, isso também
é relações públicas, isso também é interatividade, e que nome eu dou? Em que capítulo do
meu planejamento eu boto isso? No capítulo 4, 4.1,...? Não sei. Que nome tem isso? Para mim
o nome disso é idéia genial. Para mim isso é uma grande idéia. Putz, que bom. Mulheres
legítimas trabalhando tua marca ali. Que nome eu dou para a criação de um hotsite onde o
consumidor pode dizer o que ele acha da marca e ganhar coisas. Também, idéia genial, se
realmente a marca precisar. O que eu acho uma merda é que a maior parte das empresas não
pensa antes. fazem o hotsite por que está na moda. Não tem a menor idéia de que marca
está sendo criada na cabeça do cara e do quer dizer sobre a tua marca. Nesse sentido até a
gente tem uma ferramenta muito legal que se chama day one, quem vem da JWT na verdade,
que é do Tool Box deles, que no mínimo a gente passa um dia inteiro toda a equipe do cliente
e a nossa, perguntando o que a gente quer. Antes de ver o viral. A gente teve clientes
dizendo “me um viral”. Como assim? A gente até chegou num viral. Por que você quer
fazer isso? Sente necessidade de sua marca se projetar? Tu quer uma projeção individual?
Que tipo de atributo da tua marca que tu acha que precisa ser viralizado ou precisa se
espalhar? E curiosamente no primeiro ano a gente não fez, isso aqui é campanha, isso não é
viral. No segundo ano, “olha esses atributos que a gente está agregando agora, depois de
discutir de lançar a pesquisa, tem toda a cara de provocação promocional, então, vamos
fazer?” Vamos.
Luciana: É isso que faz a diferença entre dar certo ou não, correto? A
propósito, o que não deu certo?
Entrevistado: Embora sejam mais geríveis, mais fáceis de gestão essas novas
ferramentas, elas ainda estão em experimentação. Sei lá, 15%, menos dos 20% dos virais
implementados nos Estados Unidos deram certo até hoje. Quem está fazendo tem que saber
que está correndo risco, que está testando, que está experimentando, que é que nem mala
direta 1%, 2% até cinco anos atrás era um excelente retorno, mas hoje obviamente se cobra
mais por que as ferramentas de devolução são muito maiores. Mas quando 1,5%, 2% quando
começou era o retorno. Então, deixa o viral se virar.
169
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
B362e Bazanella, Luciana Sanfelice
A Evolução do gerenciamento de comunicação
das marcas. / Luciana Sanfelice Bazanella. Porto Alegre,
2008.
168 f.
Dissertação (Mestrado em Comunicação Social)
Faculdade de Comunicação Social, PUCRS.
Orientação: Profa. Dra. Maria Helena Steffens de Castro.
1. Comunicação Social. 2. Comunicação Organizacional.
3. Marcas (Propaganda). 4. Publicidade. 5. Comunicação
em Marketing. I. Castro, Maria Helena Steffens de .
II. Título.
CDD 659.111
Ficha elaborada pela bibliotecária Cíntia Borges Greff CRB 10/1437
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