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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA – UNEB
DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO – CAMPUS I
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO E CONTEMPORANEIDADE
ANA LÚCIA SOARES DA CONCEIÇÃO ARAÚJO
A CRIANÇA COMO SUJEITO DE DIREITO:
as interfaces das instituições comunitárias nas políticas de Educação Infantil
Salvador
2007
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ANA LÚCIA SOARES DA CONCEIÇÃO ARAÚJO
A CRIANÇA COMO SUJEITO DE DIREITO:
as interfaces das instituições comunitárias nas políticas de Educação Infantil
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Educação e Contemporaneidade da
Universidade do Estado da Bahia como parte dos
requisitos para obtenção do grau de Mestre em
Educação.
Orientadora: Profª Drª Ronalda Barreto Silva
Salvador
2007
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Jovenice Ferreira Santos – Bibliotecária CRB-5/1280
A659c
Araújo, Ana Lúcia Soares da Conceição
A criança como sujeito de direito: as interfaces das instituições
comunitárias nas políticas de educação infantil / Ana Lúcia Soares
da Conceição Araújo. – Salvador, 2007.
164 f.: il.
Orientadora: Profª Drª Ronalda Barreto Silva.
Dissertação (Mestrado) – Universidade do Estado da Bahia.
Programa de Pós-Graduação em Educação e Contemporaneidade,
2007.
1. Educação infantil – Políticas públicas. I. Silva, Ronalda
Barreto. II. Universidade do Estado da Bahia. III. Título.
CDD 372.210981
Aos protagonistas mirins que motivaram
a construção deste trabalho, em especial, à
minha querida filha e as crianças de São Caetano.
AGRADECIMENTOS
A Deus pela força interior concedida a cada passo no processo de construção deste trabalho.
Ao meu pai, in memorian, que me ensinou o valor do trabalho para dignidade humana.
À minha mãe, mulher guerreira, que enfrentou muitas filas em busca de uma vaga na escola
pública, ensinando a cada filho e filha o valor da educação.
À minha filha, Priscila, pelos preciosos momentos de carinho e alegria.
Ao meu companheiro Jurandir, que dividiu comigo as dores e delícias do percurso desta
pesquisa com afeto e compreensão.
À minha irmã Antonia, pelo carinho e dedicação à Priscila, dando-me tranqüilidade para
refletir, analisar, escrever.
Ao meu irmão, Antônio, pelo estímulo e trocas de saberes extremamente importantes para
compreender a história das crianças e das mulheres da humanidade.
À minha querida orientadora, Ronalda, pelo acolhimento, ternura e competência ingredientes
que não faltaram na confecção deste trabalho.
Às amigas e colegas da Creche UFBA pela inspiração, partilha de vitórias e apoio nos
momentos difíceis.
Ao grupo de pesquisa Políticas Públicas e Educação da UNEB pelas contribuições sempre
pertinentes e atitudes solidárias durante o caminho.
Às lideranças de São Caetano e gestores que ajudaram a tecer este projeto com suas histórias
e participações na escola da vida.
Às professoras Vera Vasconcellos e Liana Sodré pelas valiosas contribuições na qualificação.
Para mim,
mais importante que o Estado é a sociedade,
mais importante que qualquer governo
é a ação da cidadania.
Este é meu credo.
Entre o presidente e o cidadão, fico com o cidadão.
Meu antiestatismo não tem a mesma origem
do pensamento neoliberal.
Sou crítico do Estado porque quero democratizá-lo
radicalmente, submetê-lo radicalmente
ao controle da sociedade, da cidadania.
Não quero o Estado no planalto, mas na planície.
Não quero o presidente, mas o cidadão.
Não quero o salvador, mas o funcionário público
eleito para gerenciar o bem comum.
Herbert de Souza (Betinho)
RESUMO
O presente trabalho se constitui em uma proposta de investigação do mestrado de Educação e
Contemporaneidade da Universidade do Estado da Bahia, da linha Educação, Gestão e
Desenvolvimento Local Sustentável. O objeto de estudo são as creches comunitárias que
emergem de associações de bairro, focalizando as políticas públicas de Educação Infantil,
buscando analisar a relação dessas instituições com as ações governamentais do município de
Salvador, bem como as formas de intervenção da população no intuito de possibilitar o acesso
e permanência das crianças de 0 a 06 anos nesse nível da educação básica. A escolha por essa
faixa etária se deu por perceber constantes iniciativas dos moradores do bairro São Caetano
(bairro periférico da capital) em prover o cumprimento do dispositivo legal do direito à
educação da criança pequena. O percurso metodológico foi alicerçado em interpretação
dinâmica da realidade, observando nos fatos as contradições e influências históricas,
econômicas e sociais na compreensão do fenômeno estudado. Os procedimentos que
ajudaram a compreender as implicações e fronteiras entre o papel do Estado e as instituições
comunitárias na consecução das políticas de Educação Infantil foram entrevistas semi-
estruturadas e análise documental. Os sujeitos da pesquisa que colaboraram com o processo
investigativo foram gestores dos órgãos públicos vinculados à Educação Infantil,
representantes de ONG’s, líderes da associação, profissionais e crianças das instituições
comunitárias que auxiliaram na tessitura de como vem sendo implementado o acesso,
expansão e a permanência das crianças nas creches e pré-escolas comunitárias. Como
resultado constatou-se que a (re) configuração atual do papel do Estado tem mantido a
transferência de responsabilidade para o âmbito privado na expansão da Educação Infantil no
Município, caracterizado por um serviço que não atende às especificidades da infância,
funcionando como antecipação do Ensino Fundamental ou como um espaço que “guarda” as
crianças enquanto os membros da família cumprem a jornada de trabalho. Ademais, apesar de
as instituições comunitárias assumirem parcela da educação das crianças de 0 a 06 anos das
camadas menos favorecidas do Município de Salvador, existe uma descontinuidade no
repasse dos recursos e a falta uma política pública de formação para os professores dessas
instituições tem gerado um despreparo profissional que afetam os direitos fundamentais
básicos da criança.
Palavras-chave: Educação Infantil, políticas públicas, permanência qualitativa, instituições
comunitárias.
ABSTRACT
The present work if it constitutes in a proposal of investigation of the master's degree of
Education and Contemporary of the University of the State of Bahia, of the line Education,
Administration and Maintainable Local Development. The study object is the community day
cares that they emerge of neighborhood associations, focusing the public politics of Infantile
Education, looking for to analyze the relationship of those institutions with the government
actions of the municipal district of Salvador, as well as the forms of intervention of the
population in the intention of making possible the access and the children's permanence from
0 to 06 years in that level of the basic education. The choice for that age group felt for
noticing the residents' of the neighborhood São Caetano constant initiatives (outlying
neighborhood of the capital) in providing the execution of the legal device of the right to the
small child's education. The methodological course was found in dynamic interpretation of
the reality, observing in the facts the contradictions and influences historical, economical and
social in the understanding of the studied phenomenon. The procedures that helped to
understand the implications and borders between the paper of the State and the community
institutions in the attainment of the politics of Infantile Education were glimpsed semi-
structured and documental analysis. The subject of the research that they collaborated with the
process investigate were managers of the public organs linked to the Infantile Education,
representatives of ONGs, leaders of the association, professionals and children of the
community institutions that you/they aided in the tessitura of as it has been implemented the
access, expansion and the children's permanence in the day cares and community preschools.
As result was verified that the (reverse) current configuration of the paper of the State has
been maintaining the transfer of responsibility for the private extent in the expansion of the
Infantile Education in the Municipal district, characterized by a service that doesn't assist to
the specificities of the childhood, working as anticipation of the Fundamental Teaching or as a
space that "keeps" the children while the members of the family accomplish the work day.
Besides, in spite of the community institutions they assume portion of the children's education
from 0 to 06 years of the less favored layers of the Municipal district of Salvador, it possesses
a discontinuity in it reviews it of the resources and the lack of a public politics of formation
for the teachers of those institutions has been generating a professional unpreparedness that
affects the child's basic fundamental rights.
Word-key: Infantile education, public politics, qualitative permanence, community
institutions.
Relação das Abreviaturas e Siglas
ACREDITE – Associação das Creches e Pré-escolas Comunitárias
AEEC – Associação dos Educadores das Escolas Comunitárias
ANDI - Agência de Notícias de Direitos para Infância
APLB – Associação dos Profissionais Licenciados da Bahia
AVANTE - Avante Qualidade e Vida
CLT - Consolidação das Leis do Trabalho
CEPAL - Comissão Econômica para América Latina e Caribe
CEIC – Centro de Educação Infantil Comunitário
CRE – Coordenadoria Regional de Educação
ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente
EFA - Education for All
IAC - Instituto de Ação Comunidade
IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
LBA – Legião Brasileira de Assistência
LDBEN – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
MEC – Ministério da Educação e Cultura
NEBA - Necessidades Básicas de Aprendizagem
OMEP - Organização Mundial para Educação Pré-Escolar
ONG – Organização Não-Governamental
ONU – Organização das Nações Unidas
SMEC – Secretaria Municipal de Educação e Cultura
SETRADS - Secretaria Municipal do Trabalho e Desenvolvimento Social
SETRAS – Secretaria do Trabalho e Ação Social do Estado da Bahia
UNESCO – Organização das Nações Unidas para Educação, a Ciência e a Cultura
UNICEF – Fundo das Nações Unidas para a Infância
SUMÁRIO
Introdução..........................................................................................................................
13
O percurso metodológico..................................................................................................
21
Capítulo I – Onde tudo começa... o lugar da criança de 0 a 06 anos
1. A função da mulher fora do espaço doméstico...............................................................
27
2. A criança como sujeito social.........................................................................................
32
3. A concepção de Educação Infantil vinculada pelo projeto neoliberal...........................
38
Capítulo II – As políticas sociais e as políticas educacionais na arena do Estado
1. O Estado como mediador das correlações de forças.......................................................
47
2. O significado da política social na organização capitalista.............................................
51
3. Política educacional: peças do quebra-cabeça da política social....................................
55
4. O Estado contemporâneo e as políticas de Educação Infantil: lacunas intencionais?....
59
Capítulo III – O acesso e expansão da Educação Infantil no Município de Salvador
1. Os efeitos da descentralização administrativa................................................................
67
2. Os entraves da dotação orçamentária..............................................................................
77
3. O sentido da participação na proposta de Educação Integral e Integrada no Município
de Salvador..........................................................................................................................
80
Capítulo IV – As políticas de Educação Infantil em São Caetano: desvelando os
significados de intervenção
1. O histórico de mobilização por creches e pré-escolas em São Caetano........................
92
2. As distorções conceituais da função da sociedade civil..................................................
99
3. O baú Mãe Flor: as implicações do discurso comunitário..............................................
108
Capítulo V – Qualidade versus realidade: os obstáculos entre o discurso e a
prática
1. A qualidade no âmbito da educação da primeira infância: os desafios da realidade......
113
2. A permanência possível: A Creche-Escola Didática Arco-Irís.......................................
119
3. O Centro de Educação Infantil da Associação dos Moradores: o espaço
disponível............................................................................................................................
132
4. O educar e cuidar nos Centros de Educação Infantil Comunitários na voz dos sujeitos
de direito..............................................................................................................................
136
Considerações Finais.........................................................................................................
139
Referências.........................................................................................................................
142
Anexos................................................................................................................................
150
13
Introdução
Os espaços formais de educação para crianças muitas vezes são pautados em
perspectivas que as concebem como resultado da ação exclusiva do meio ou determinadas
pelos aspectos hereditários e maturacionais, desconsiderando-as como sujeitos que
transformam e são transformados nas relações produzidas pela cultura e sua experiência
histórica. É mais fácil imputarmos às crianças a nossa lógica de conhecer e encarar o mundo a
escutar as suas diversas formas de expressão, indagações persistentes, aparentemente
supérfluas, mas extremamente ricas e relevantes. Para nós, educadores que, geralmente,
experimentamos processos formativos castradores é mais conveniente criarmos um ideal de
criança, segundo os nossos valores e representações de ser adulto a estarmos abertos ao jeito
próprio de descobrir e olhar o mundo.
A experiência de dez anos como professora de Educação Infantil com crianças de 0 a
03 anos em uma instituição pública de nível superior, que se propõe a estabelecer
“compromisso social”, foi estimuladora para esta investigação. Trabalhar com seres humanos
tão pequenos, vulneráveis e, ao mesmo tempo, capazes é um desafio cotidiano de ação-
reflexão-ação. Quando não se almeja efetuar uma educação alicerçada em princípios de
transmissão, assimilação e disciplina de corpos dóceis, e sim de uma prática pautada na
formação de cidadãos autônomos, criativos e críticos, a postura de professor comprometido e
reflexivo é de extrema relevância.
Dessa forma, provoca desestruturações e construções desestabilizadoras no
aprimoramento profissional mas muito enriquecedora quando colhemos os frutos na
autonomia e posicionamentos infantis em pequenas situações do cotidiano. Uma simples
autodefesa de uma criança, por exemplo, no momento de conflito entre seus pares, sem a
intervenção do adulto, já denotaria indícios de um ser capaz de lidar e resolver seus conflitos,
assim como uma resposta negativa diante de uma imposição autoritária assume um caráter
importante na formação humana desses pequenos protagonistas sociais.
Apesar de anteriormente ter trabalhado com crianças das séries iniciais, atuar como
educadora na Educação Infantil, sem exercer a função de “tia” ou “mãe”, tem sido um grande
aprendizado. O olhar torna-se mais aguçado, não só para dentro do espaço que atua, mas para
as práticas que se assemelham ou para aquelas que exercem um diferencial no fazer
pedagógico. É preciso estar o tempo todo efetuando uma auto-avaliação, a fim de trazer
14
atividades novas, porque a rotina para as crianças até certo ponto a organiza e é salutar, mas a
“mesmice” é enfadonha. As próprias crianças, por meio da indisposição em participar de
certas atividades, demonstram que é preciso mudar e ser flexível ao seu momento de aprender
e criar.
O trabalho educativo com as crianças de 0 a 06 anos requer uma ação acolhedora e um
conhecimento das necessidades do seu desenvolvimento, pois educar não se restringe à
apreensão de conteúdos, mas às trocas mútuas de apropriação sócio-cultural com espaços
pedagógicos variados e desafiantes para possibilitar o seu crescimento psicomotor, cognitivo,
emocional e social.
Observando o entorno onde eu morava, emergiu o desejo de compreender e contribuir
para que as implementações das políticas de Educação Infantil respeitassem as crianças como
pessoas de direitos, tendo em vista, entre outros, que esta é uma prerrogativa, desde 1998,
prescrita na Constituição. Partindo dessa premissa, a superação exclusiva de guarda e
proteção das instituições de Educação Infantil para suprir a ausência dos seus pais enquanto
estão trabalhando fora dos seus lares, constitui-se uma preocupação neste estudo. Para as
crianças de classes sociais desfavorecidas, essa não é uma condição de opção, mas um direito
imprescindível para garantia de uma existência digna.
A inquietação pelo estudo foi motivada por verificar constantes iniciativas de
integrantes da comunidade e líderes de associações de bairros em São Caetano e áreas
adjacentes com o intuito de prover o acesso das crianças pequenas à Educação Infantil. A
verificação dessas alternativas foi detectada nos 25 anos de convivência próxima à Baixa do
Camurugipe, um dos seus logradouros.
O fato que desencadeou esta pesquisa foi o conhecimento da dificuldade de uma
família do bairro, composta por uma criança de 03 anos, uma mãe empregada doméstica e um
pai que estava desempregado há cinco anos e executava trabalhos temporários como pedreiro.
Com a perda do trabalho fixo da figura paterna que garantia o pagamento do aluguel, da
alimentação, do fornecimento de água e energia elétrica, a mãe precisou trabalhar fora do
espaço doméstico, para ajudar no orçamento da família; com isso, seu filho passou a ficar
sozinho em casa até o cumprimento da sua jornada de trabalho.
Quando indagada sobre o motivo pelo qual seu filho não estava matriculado em uma
creche de período integral, explicou que ele havia freqüentado uma creche particular, mas não
foi possível mantê-lo por muito tempo porque o valor da mensalidade era incompatível com a
renda da família. Finalizou a sua fala dizendo que as creches “populares” (comunitárias)
existentes no bairro tinham uma qualidade a desejar, mas o seu “sonho” era que seu filho
15
pudesse estudar antes de ingressar na 1ª série do Ensino Fundamental. Diante da angústia e do
anseio social dessa família que, provavelmente, se constitui uma demanda de outras famílias
de Salvador, suscitou o desejo de compreender os mecanismos que dificultam ou colaboram
para a concretização da política de Educação Infantil enquanto um direito da criança.
Nesse populoso espaço geográfico, caracterizado por uma população de baixa renda
até o ano 2000 o contingente populacional perfazia um total de 52.429 habitantes;
abrangendo a área de ponderação
1
de Santa Luzia e São Caetano. Em Salvador, de acordo
informações do IBGE, a existência dos bairros é apenas cultural, pois não existem limites
determinados por lei para sua delimitação, como ocorrem em outros municípios da Bahia e do
Brasil. A renda das famílias, conforme a última amostra censitária era de um a dois salários
mínimos quando os membros residentes possuíam trabalho fixo.
Uma outra característica de São Caetano é que aglutina micro-bairros, tais como: Boa
Vista de São Caetano, Capelinha de São Caetano e Sunssunga. Juntos, formam um bairro
extenso em tamanho e problemas infra-estruturais e sociais provocados pelas circunstâncias
socioeconômicas, as quais a população foi se submetendo na tentativa de sobreviver frente às
possibilidades postas no caminho. Por isso, o bairro cresceu de forma desordenada, com
muitas casas construídas em encostas ou qualquer pedaço de terra, onde as pessoas pudessem
se estabelecer. À proporção que os habitantes foram fixando residência, organizaram-se em
associações para reivindicar construção de escolas, saneamento básico, fornecimento de
energia elétrica e distribuição de água encanada e pavimentação asfáltica.
No que se refere à oferta da Educação Infantil, foco deste estudo, mesmo com a
pressão da população há limitações em relação ao acesso público das crianças a esse nível de
ensino. O bairro possui 03 instituições públicas municipais que atendem crianças em idade
pré-escolar (04 a 06 anos) em turno parcial: Antonio Carvalho Guedes localizada na
Sunssunga, Helena Magalhães situada na Boa Vista de São Caetano e Consul S. S. Schindler
no final da rua principal de São Caetano; entretanto, não existe nenhuma creche pública para a
faixa etária de 0 a 03 anos. A ausência na oferta para este segmento, bem como a falta de
atendimento integral para a pré-escola impulsionaram a criação de instituições comunitárias e
similares. As três creches comunitárias existentes foram criadas por membros das associações
de bairro da Capelinha de São Caetano e da Rua Fonte da Bica de Baixo que fica localizada
próxima à BR-324. Ao longo das ruas principais do bairro, observa-se um número
1
Informações obtidas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, da unidade estadual da Bahia.O termo
área de ponderação, corresponde à unidade geográfica composta por um agrupamento de setores censitários
formado por área contínua, situada em um único quadro urbano ou rural, podendo abranger um ou mais bairros.
16
significativo de creches e pré-escolas privadas de pequeno porte.
Além da inserção da mulher no processo produtivo, a demanda social por creches e
pré-escolas, principalmente em regime de atendimento integral, aparece pela peculiaridade da
primeira infância que requer uma atenção mais efetiva e permanente do adulto. Especialmente
nos três primeiros anos de vida, em que a assistência para suprir as necessidades básicas da
criança, como alimentação e higiene, até possuir certa autonomia, é imprescindível para sua
sobrevivência.
Aliada a essa característica da infância, a concepção de criança, que perpassava, no
final do século XIX, como um ser “frágil” e “ignorante”, colaborou para emergência de
entidades filantrópicas originadas das classes socialmente abastadas, por meio de um
atendimento assistencialista, buscando suprir as necessidades médica, dentária e nutricional.
Ao mesmo tempo, segundo Campos (1987), vinculava a idéia de que as crianças pobres
deveriam ser educadas e orientadas duramente para não prejudicar a “ordem social” pela
delinqüência, enquanto os filhos dos ricos eram tratados por “amas” contratadas para
discipliná-los e inculcar-lhes regras da alta sociedade.
Nas décadas de 1970 e 1980, período de maior abertura política e emergência das
tensões sociais latentes no Brasil, intensificaram-se as reivindicações por creches. O
movimento feminista exigiu uma nova configuração para o seu atendimento, não mais como a
proposta inicial com a qual se destinava, assistencialista-custodial, mas para que assumisse
um caráter educacional como um direito da criança de 0 a 06 anos e dever do Estado.
A partir da década de 1990, outros instrumentos legais foram formulados na tentativa
de reiterar a elevação das crianças como sujeitos sociais. O Estatuto da Criança e do
Adolescente, Lei nº 8.069/90, foi o primeiro documento a reafirmar o que estava postulado na
Constituição Brasileira de 1988: a importância de priorizar a formulação e execução de
políticas sociais públicas para infância, como prescrito no art. 4º, parágrafo único. No que
tange ao setor educacional, dispõe que a criança tem direito à educação, a fim de proporcionar
o pleno desenvolvimento de sua pessoa e o preparo para cidadania, com acesso à instituição
pública, gratuita, perto de sua residência. Reforça, ainda, a necessidade de atendimento em
creches e pré-escolas para crianças de 0 a 06 anos.
Os anos 90 foram marcados por mudanças sociais significativas no plano global,
cristalizando as políticas neoliberais de forma mais efetiva nos países em desenvolvimento,
principalmente com as orientações das instituições financeiras multilaterais, exercendo um
colonialismo camuflado e sutil como “as guardiãs dos pobres”. As políticas sociais passam a
ser o foco para a erradicação da pobreza e a Educação assume um papel importante como
17
mecanismo de manobra para as alterações estruturais nos países periféricos. Inicia-se com
mais intensidade, como corrobora Peroni (2003), uma era marcada por política social sem
direitos sociais.
No Brasil, essa força dos organismos internacionais é traduzida em várias reformas
que interferiram na política educacional, dentre as quais podemos citar o Plano de Reforma
do Estado, apresentado por Pereira (1995), que buscava desonerar o Estado com as políticas
sociais, designando-lhe uma função de regulador e não mantenedor.
A proposta dessa reforma trazia três eixos norteadores: a privatização, a terceirização
e a publicização dos serviços públicos prestados pelo o Estado. Pereira (1999) define a
privatização como a forma de o Estado transferir para o setor privado as atividades que
podem ser controladas pelo mercado com a venda de empresas estatais. A terceirização como
uma forma de transferir, para o setor privado, serviços auxiliares ou de apoio com a
contratação de empresas terceirizadas mediante licitação pública. E, por último, a
publicização que consiste na transferência para o setor público não-estatal dos serviços sociais
e científicos prestados pelo Estado. De acordo com Pereira (1999), essa transição do papel do
Estado geraria a transformação de organização estatal em organização social de direito
privado, pública não-estatal. Partindo dessa premissa, ao elencar os serviços que seriam
desonerados pelo Estado, a creche aparece, com clareza, como um dos itens da educação:
No meio, entre as atividades exclusivas de Estado e a produção de bens e serviços
para o mercado, temos hoje, dentro do Estado, uma série de atividades na área social e
científica que não lhes são exclusivas, que não envolvem poder de Estado. Incluem-se
nesta categoria as escolas, as universidades, os centros de pesquisa científica e
tecnológica, as creches, os ambulatórios, os hospitais, entidades de assistência aos
carentes, principalmente aos menores e aos velhos [...].(PEREIRA apud PERONI,
1997, p.12).
A publicização é o aspecto que mais prejudica a consolidação da Educação Infantil
como política pública. Se o Estado atendia de forma limitada à demanda existente, jogando
para a sociedade civil a responsabilidade por sua implementação, com a possibilidade de
publicizá-la a concretude para o acesso e permanência qualitativa das crianças oriundas das
famílias desprovidas de recursos ficou ainda mais distante do cumprimento pleno do poder
público estatal.
Ainda no turbilhão das mudanças da década de 1990 que influenciaram na redefinição
do papel do Estado, foi criada a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, nº
9.394/96, com vistas a materializar algumas políticas educacionais. A Educação Infantil
18
aparece como primeiro nível da educação básica. O Estado, entretanto, coloca-se no dever de
ofertá-la de forma gratuita, mas não postula como obrigatoriedade de sua função, como nos
demais níveis de ensino.
2
Como podemos perceber, por essa breve trajetória para a educação das crianças de 0 a
06 anos no Brasil, o distanciamento em relação aos aparatos legais e a realidade concreta
continua. Como atender à demanda existente, se na LDB o próprio Estado posiciona-se
omisso em prover um bem social, que é a necessidade de acesso das crianças dessa faixa
etária à Educação Infantil?
A implementação de creches, criadas e geridas pelo poder público municipal em
Salvador, carece de uma investigação mais aprofundada. Apesar de diretrizes nacionais para
ampliação e melhoria da qualidade do atendimento na Educação Infantil anunciar a tentativa
de superação do assistencialismo para o caráter educacional, desde a década de 1990, ainda
encontramos, na prática, ausência de atendimento em regime integral ou parcial das crianças
pequenas pelo Município. Percebe-se como a relação de número de creches e pré-escolas
públicas nos bairros periféricos de Salvador são incipientes e díspares.
Essa constatação pode ser observada em São Caetano. Inicialmente existia uma creche
filantrópica criada pelo empenho de uma moradora, chamada Mãe Flor, que atendia às
crianças do local em tempo integral; atualmente, atende em turno parcial. A associação de
bairro criou uma outra creche, que não conseguiu se manter por muito tempo devido à
dificuldades de recursos materiais e humanos. Mesmo assim, a presidente da associação
atende a um número reduzido de crianças, por sua casa não comportar uma quantidade maior
de crianças e para evitar a suspensão total do atendimento. As crianças atendidas são filhos de
empregadas domésticas que não possuem quem cuide das mesmas, enquanto suas mães
cumprem sua jornada de trabalho para garantir a subsistência da família.
No mesmo local, surgiu uma creche ligada à uma determinada igreja evangélica, cuja
principal fonte de recursos é o trabalho voluntário dos moradores e contribuição dos próprios
pais para sustentação do atendimento. Como podemos perceber, em detrimento das
dificuldades enfrentadas, as creches foram criadas pela população local no intuito de atender
à demanda social.
A legitimação dessas instituições, sem fins lucrativos, que investem na educação -
2
Conforme artigo Art. 4, que estabelece é dever do Estado com a educação pública será efetivado mediante a
garantia de:I – ensino fundamental, obrigatório e gratuito[...];II – progressiva extensão da obrigatoriedade e
gratuidade ao ensino médio;IV – atendimento gratuito em creches e pré-escolas às crianças de zero a seis anos de
idade
19
entidades comunitárias, filantrópicas e confessionais, como prescrito no artigo 213 da
Constituição de 1988, anuncia uma ambigüidade no papel do Estado por denotar uma
omissão consentida pelo poder público, uma vez que o desobriga de assegurar a integralidade
de acesso e permanência qualitativa na Educação Infantil.
Somado a isso, como pontua Bastos & Peixoto (1991), as alternativas encontradas pela
população para assumir para si, total ou parcialmente, a responsabilidade do Estado, são
marcadas pela precariedade de condições infra-estruturais para manutenção contínua do
serviço, por uma mão-de-obra muitas vezes despreparada, e pela ausência de uma proposta
que associe o educar e o cuidar de uma forma que respeite o desenvolvimento das crianças.
Essas inquietações estão atreladas, também, ao caráter público e privado da educação
brasileira. A Educação Infantil, como parte da educação básica atual, está inserida nessa
relação contraditória, a qual, ao longo dos anos, sempre esteve interpenetrada: espaços
públicos e privados, sem consumar-se como um direito de todas as crianças de 0 a 06 anos e
como política pública estatal. É possível que a minimização do Estado, imposta pelas políticas
neoliberais na nova fase do capitalismo, deixe essa lacuna para a educação da criança pequena
de forma mais visível, uma vez que abre caminho para uma educação pública não-estatal.
As famílias dos extratos sociais marginalizados de outros bens sociais básicos tentam
buscar alternativas, a fim de resgatar um dos seus direitos cerceados: a Educação Infantil
pública, gratuita e de qualidade. Dessa forma, diante do exposto, procura-se investigar a
seguinte questão-problema: de que forma as alternativas encontradas pela população de
Salvador, em decorrência das lacunas deixadas pela política educacional, configuram-se como
uma forma de ampliação, acesso e permanência qualitativa do direito das crianças de 0 a 06
anos na educação inicial?
As discrepâncias entre políticas nacionais para a Educação Infantil e a aplicação das
mesmas no Município de Salvador suscitaram algumas questões norteadoras que norteou o
processo de investigação:
1. As creches e/ou pré-escolas que emergem pelo empenho de comunidades locais
funcionam como mecanismos de pressão para efetivação e ampliação de políticas
públicas para Educação Infantil?
2. O princípio de co-gestão e/ou conveniamento com as creches privadas, sem fins
lucrativos (comunitárias, confessionais e filantrópicas), proporciona uma
participação ampla, crítica e democrática nas reivindicações do direito à educação
das crianças de 0 a 06 anos, ou representa a consolidação da publicização do
serviço público, segundo a perspectiva de Bresser Pereira?
20
3 As propostas de subsídios financeiros e pedagógicos para as instituições
comunitárias são distribuídas uniformemente, como as mantidas pelo Município,
de uma forma que proporcione uma qualidade no trabalho desenvolvido com as
crianças?
Diante desses questionamentos as seguintes hipóteses embasam o processo de
investigação a fim de discutir o problema da pesquisa:
1. as instituições de Educação Infantil, instaladas pelo empenho de membros da
comunidade, representam uma estratégia política e ideológica do Estado, para
legitimar a privatização da educação pública para a primeira infância;
2. a prática de conveniamento e o discurso da própria comunidade, para gerir a
organização pedagógica e administrativa dos estabelecimentos erguidos pelo
empenho dos seus membros, legitimam a atuação do público não-estatal,
retraindo a oferta pública como direito da criança.
3. a desproporcionalidade na distribuição dos recursos financeiros e subsídios
pedagógicos, para as instituições sem fins lucrativos, proporciona a
prevalência e a continuidade de um atendimento com um enfoque
assistencialista.
Constitui-se como objetivo principal compreender a relação entre a implementação
das políticas públicas para a Educação Infantil e as instituições educativas sem fins lucrativos
(creches comunitárias), na garantia do acesso, ampliação e permanência qualitativa na ação de
educar-cuidar das crianças de 0 a 06 anos. Daí, desdobram-se os seguintes objetivos
específicos:
1. Analisar a relação entre as políticas educacionais para a primeira infância propostas
pela União e o Município de Salvador como direito da criança e dever do Estado.
2. Analisar a relação entre cidadania e os mecanismos de intervenção da população de
São Caetano para garantia da ampliação e as condições de oferta da Educação Infantil.
3. Caracterizar o papel do Estado frente ao acesso e permanência das crianças de 0 a 06
anos na educação.
O suporte teórico utilizado para atingir os objetivos da pesquisa foi apoiado,
principalmente, em obras que apontassem um contraponto de superação dos ideais neoliberais
propostos por Hayek (1977) e Friedman(1980) que propunham a desregulamentação do
Estado na oferta e manutenção dos direitos sociais e a transferência para a sociedade civil com
medidas individuais e isoladas. Para tanto, foram utilizadas as obras de Montaño (2002), por
21
fazerem uma crítica ao padrão emergente de intervenção social, desencadeadas a partir da
década de 1990, e Semeraro (1999), por acenarem para uma visão ampliada de Estado e uma
função de engajamento político, crítico e consciente da sociedade civil alicerçada na visão
gramsciana.
Para dar conta dos conceitos de política social e política educacional foram utilizados
alguns aspectos do Manifesto Comunista de Marx e Engels (1998), tendo como obra
norteadora as discussões de Azevedo (2004) sobre os mecanismos de controle e emancipação
das políticas públicas na dinâmica de construção da sociedade, enfatizando a importância da
educação como um dos setores responsáveis pela formação humana.
No que tange à permanência qualitativa no trabalho com as crianças de 0 a 06 anos,
tomou-se como subsídio teórico a concepção de Dahlberg (2003), que discute o termo
qualidade em uma perspectiva dialética, atentando-se para os significados que ocorrem no
processo educativo e não nos resultados, a fim de possibilitar o desenvolvimento de crianças
autônomas, críticas e criativas.
O Percurso Metodológico
Optou-se como método da investigação o materialismo histórico-dialético, por
oferecer bases para uma interpretação dinâmica da realidade, observando nos fatos as
contradições e influências históricas, econômicas e sócio-culturais. Partindo desses
pressupostos, as partes isoladamente não explicam por si só o fenômeno estudado, mas é
preciso situá-lo com o todo e o processo, por isso serão enfatizados os fatores que explicam o
movimento da realidade social.
Como aspecto central no método, a categoria acolhida será a contradição. Na
perspectiva dialética, as contradições internas da realidade evidenciam-se pela ausência do
pleno consenso, apesar de, em algumas situações, haver intersecções em torno de objetivos
comuns. Nessa direção, os conflitos emergentes são benéficos, pois evitam imobilismo dos
indivíduos, funcionando como importantes atalhos para ações revolucionárias e
transformadoras. Como afirma Chauí (1994, p. 37), “na contradição só existe a relação, isto é,
não podemos tomar os termos antagônicos fora dessa relação. São criados por essa relação e
transformados nela e por ela”.
Considerando esses princípios, para compreender os mecanismos que delimitam o
micro faz-se necessário contextualizar o momento histórico, político, social e econômico do
macro que compõe o todo da organização social. Esta pesquisa, como uma abordagem
22
qualitativa, não despreza a análise de dados quantitativos, por acreditar que os números
revelam as intenções e conflitos das relações sociais da realidade.
Especificamente, em relação aos procedimentos metodológicos, optou-se pela análise
do conteúdo de entrevistas semi-estruturadas e dos documentos que regulamentam as políticas
de ampliação e funcionamento das instituições de Educação Infantil, promulgadas pelo MEC
e pela Secretaria de Educação do Município de Salvador, no decênio 1997-2007. Esse,
inclusive, constitui-se na periodização da pesquisa, por se caracterizar em uma fase marcada
pela criação de várias políticas educacionais com intuito de consolidar os dispositivos
apontados principalmente pela Constituição de 1988 e a Nova LDBEN, na consecução da
educação como um direito da criança.
Foram selecionados três documentos para discussão das categorias acesso e
ampliação, sendo dois editados pelo MEC e um promulgado pela Prefeitura Municipal de
Salvador. A escolha foi motivada por discorrerem nas formas de maximização da oferta de
Educação Infantil como direito de todas as crianças de 0 a 06 anos, a saber: 1) Subsídios para
Credenciamento e Funcionamento de Instituições de Educação Infantil, volume I, publicado
em maio de 1998, na gestão do Presidente Fernando Henrique Cardoso; 2) Política Nacional
de Educação Infantil: pelo direito das crianças de 0 a 06 anos à Educação, publicado em
2005, no Governo de Luis Inácio Lula da Silva e 3) as Políticas e Diretrizes para o
Desenvolvimento Infantil Integral e Integrado promulgado, em 2004, pelo Prefeito da cidade
de Salvador.
Buscou-se, tanto nos documentos como nas entrevistas, compreender como vêm
atuando as instâncias federal, estadual e municipal na consecução das políticas educacionais
para a primeira infância na cidade de Salvador. Em relação ao acesso, procurou-se entender
como o poder municipal vem assumindo a responsabilidade de institucionalização das
creches e pré-escolas e as formas de ingresso disponíveis para a população. Ainda dentro das
categorias de acesso e expansão, buscou-se compreender como vem sendo distribuída a
dotação orçamentária para as instituições públicas e comunitárias, a fim de assegurar a oferta
da Educação Infantil como um bem público e gratuito. Pretende-se, ainda, analisar a
concepção de educação integral e integrada vinculada no documento do Município de
Salvador.
No que se refere à mobilização da comunidade por alternativas para o acesso à
Educação Infantil, por intermédio de entrevistas com os líderes e moradores do bairro,
procurou-se filtrar das categorias de participação e dotação orçamentária os meios utilizados
para suprir a demanda por espaços educativos para as crianças.
23
Em relação à permanência qualitativa, foram analisadas cinco fontes documentais: os
Critérios para um Atendimento em Creches que Respeite os Direitos Fundamentais das
Crianças, elaborados em 1997
3
; o parecer sobre as Diretrizes Curriculares Nacionais para a
Educação Infantil, aprovado em 1998; a resolução das Diretrizes Curriculares Nacionais
para Educação Infantil de 1999 editados no Governo de Fernando Henrique Cardoso e os
Parâmetros Nacionais de Qualidade para Educação Infantil
4
, vol. I e II, publicado em 2006,
ambos na gestão do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A seleção dos referidos
documentos deve-se pelos aspectos que influem diretamente no trabalho realizado dentro das
instituições em uma perspectiva educacional e, não apenas, de assistência à infância,
enfocando de forma indissociável o cuidar e o educar com vistas a respeitar às peculiaridades
dos primeiros anos de vida da criança.
Ainda contemplando a análise da categoria permanência qualitativa foram escolhidas
duas instituições comunitárias como campo empírico da pesquisa: a Creche-Escola Arco-irís,
situada na Capelinha de São Caetano, por atender um número significativo de 60 (sessenta)
crianças e por ter sido fundada pela iniciativa de algumas mulheres moradoras do bairro. E a
creche fundada pela presidente da Associação de Moradores da Rua Nova Camurugipe e Rua
Fonte da Bica de Baixo. Os procedimentos utilizados para compreensão da dinâmica interna
das instituições foram entrevistas com os respectivos profissionais, conversas informais com
as crianças e observações da rotina dos dois estabelecimentos.
Criou-se um roteiro de observação em que foram anotados, em um diário de campo,
os aspectos infra-estruturais como número de salas, mobiliário, materiais e brinquedos
disponíveis e área externa. Em relação ao funcionamento, observou-se a quantidade de
crianças por sala, como se organizava a entrada, saída, o banho, alimentação, repouso, o
tempo de realização das atividades com as crianças, a utilização do parque, a relação com a
comunidade. No que se refere aos profissionais, atentou-se para o perfil e o papel dos
profissionais que trabalham na instituição e o envolvimento da família na gestão e no trabalho
desenvolvido com as crianças.
As questões dirigidas aos gestores e profissionais buscavam responder à última
questão norteadora da pesquisa sobre os aspectos qualitativos desenvolvidos na relação com
3
Maria Campos e Fúlvia Rosemberg com base na realidade brasileira e estudos na área de Educação Infantil,
elaboraram um documento que estabelecesse critérios para um trabalho de qualidade nas instituições de
Educação Infantil, de modo a respeitar os direitos fundamentais da criança.
4
Embora os Parâmetros Nacionais de Qualidade para Educação Infantil (2006) delineiam diretrizes para a
qualidade em creches e pré-escolas, neste trabalho, será contemplado como análise o documento Critérios para
um Atendimento em Creches que Respeite os Direitos Fundamentais das Crianças (1997), por ser um dos
documentos mais antigos, após a promulgação da LDB e possuir maior visibilidade nacional.
24
as crianças, dentro das subcategorias apontadas pelo documento Critérios para um
Atendimento em Creches que Respeite os Direitos Fundamentais da Criança (1996),
procurando compreender a política de sustentação de funcionamento das instituições
observadas, no que tange à continuidade do atendimento de modo a promover os direitos
fundamentais da criança em relação à brincadeira; ao ambiente físico; ao contato com a
natureza; à higiene e à saúde; à alimentação; à ampliação dos conhecimentos e
desenvolvimento da identidade cultural, racial e religiosa; à atenção durante o período de
adaptação
5
à instituição; à atenção individual; à expressão dos sentimentos infantis; à
proteção, ao afeto e à amizade. Aliado a esse documento, buscou-se levantar os aspectos
contemplados na proposta pedagógica e na prática propostos tomando como base as
indicações das Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação Infantil de 1999
6
, buscando
entender como se processa os fundamentos norteados pelos princípios éticos, políticos e
estéticos; as práticas de educação e cuidado, a avaliação das crianças, a gestão da instituição e
a relação com as famílias. Esse documento foi utilizado porque, segundo o parecer da Câmara
de Educação Básica 022/98, são mandatórias para todas as instituições.
Os sujeitos da pesquisa foram os 10 profissionais que trabalhavam nas instituições,
crianças de 02 a 06 anos e as famílias. Como amostra do grupo familiar das crianças foram
escolhidos cinco representantes que tivessem filhos de 02 a 06 anos, uma para cada idade,
sendo um com o filho em turno parcial e quatro de crianças que ficavam em período integral.
Inicialmente, foi estabelecido o contato com os líderes-coordenadores das instituições para
especificar o objetivo da pesquisa e os procedimentos éticos de autorização para as
entrevistas e fotografias das crianças e das instalações físicas.
A aproximação com os adultos e as crianças ocorreu em um processo de inserção
gradual de trocas, a fim de os sujeitos pesquisados e pesquisadora pudessem estabelecer
vínculos e entrosamento. Os adultos demonstravam-se um pouco desconfiados, faziam
perguntas a respeito das intenções do estudo naquele espaço - a cada profissional era
esclarecido o objetivo da pesquisa. A conquista e a confiança foram se firmando aos poucos,
para não inibí-los e restringir informações importantes no roteiro da entrevista.
As crianças, por outro lado, sentiam-se à vontade para falar. Alguns aspectos da
dinâmica do cotidiano foram enriquecidos com conversas informais com as crianças, ora
5
Alguns estudiosos da área redimensionaram a nomenclatura “adaptação” para “inserção”, por considerar que o
significado do primeiro termo traz a idéia subjacente de ajustamento, submissão a uma situação dada e
“inserção” implica trocas mútuas de significações tanto da criança nova recém-ingressa e sua família quanto dos
profissionais da insttituição.
6
A resolução n. 01, de 7 de abril de 1999, institui os itens que devem ser observados na proposta pedagógica
das instituições de Educação Infantil
25
individualmente, ora em trio, a depender do ruído presente, sem definição de uma amostra
específica, sempre respeitando o desejo e a disponibilidade de falar de cada criança, nos
momentos que estavam sem a presença do professor ou outro profissional da instituição por
perto, para não inibí-las. Dentre as perguntas direcionadas às crianças, destacam-se: Quanto
tempo ficava na instituição, se o dia todo ou só um turno? Com quem e onde morava? O que
fazia durante o tempo em que permanecia na instituição? O que achava da professora?O que
mais gostava de fazer e o que menos gostava? As entrevistas com os adultos foram guiadas
pelo roteiro, anexo.
A partir de então, foram registradas no diário de campo as observações da rotina das
instituições e alguns aspectos que não poderiam ser contemplados apenas com as entrevistas
realizadas com os adultos que trabalhavam na instituição, como o momento da chegada e da
saída, o repouso, o tempo e o lugar das brincadeiras livres e/ou dirigidas, a alimentação, o
asseio pessoal das crianças, as atividades pedagógicas coordenadas pelo professor, a atuação
dos profissionais de apoio, as instalações infra-estruturais e as dependências físicas.
Embora a lei nº 11.274/05 considere a criança de 06 anos como integrante do Ensino
Fundamental, no decorrer do trabalho essa idade será citada como parte da Educação Infantil,
porque na época da pesquisa de campo esse processo encontrava-se em fase de transição.
O trabalho está estruturado em cinco capítulos. O primeiro pretende discutir o papel
da mulher na criação dos seus filhos em decorrência da sua inserção no processo produtivo.
Em seguida, traça-se a trajetória histórica que posiciona a criança como sujeito social,
finalizando com a concepção de infância veiculada pelos organismos internacionais na
implementação do projeto neoliberal para a educação.
O segundo capítulo busca discutir as categorias conceituais de Estado, política social
e política educacional, analisando como atuam na dinâmica da sociedade para atender e
mediar os interesses e os conflitos entre as classes. Com essa perspectiva, será discutido o
papel do Estado, a partir da década de 1990, na formulação das diretrizes e programas para a
educação das crianças pequenas.
O terceiro capítulo faz um mapeamento do acesso e expansão da Educação Infantil no
Município de Salvador, apontando os efeitos da descentralização administrativa para esse
segmento de ensino. Analisa-se como as lacunas deixadas pelas políticas educacionais, no que
se refere à responsabilidade de institucionalização e aos recursos financeiros, dificultam a
oferta da Educação Infantil como direito público e gratuito para todas as crianças.
O quarto capítulo pretende elucidar os conceitos de terceiro setor e comunidade como
um discurso mistificador de transferência de responsabilidade e intervenção da sociedade
26
civil, tomando a realidade de São Caetano como um exemplo de alternativa localizada na
esfera privada. No último capítulo, com base em duas experiências concretas de instituições
comunitárias, analisa-se os aspectos que podem dificultar ou favorecer a qualidade do
trabalho educativo, utilizando como referência os direitos fundamentais de promoção para o
desenvolvimento integral da criança, no documento Critérios para um Atendimento em
Creches que Respeite os Direitos Fundamentais das Crianças (1996) e as Diretrizes
Nacionais Curriculares para Educação Infantil (1999).
27
CAPÍTULO I
ONDE TUDO COMEÇA... O LUGAR DA CRIANÇA DE 0 A 06 ANOS
1. A função da mulher fora do espaço doméstico
Alterações na organização da sociedade moderna levaram à modificação do papel
social da mulher e da criança, sujeitos outrora negligenciados na participação coletiva, dando-
lhes, ainda que de forma tímida, avanços e imputando desafios para superar as contradições.
O presente capítulo tem a pretensão de discutir o redimensionamento das funções desses dois
protagonistas sociais. Ao referir-me à criança, estarei falando da primeira infância, faixa etária
de 0 a 06 anos, por ter sido alvo, ao longo do século XX, de teorias do desenvolvimento e
políticas governamentais na área educacional, seja com o objetivo de manter a ordem social
ou como forma de valorizá-la como sujeito histórico-social.
Em seguida, serão traçados os desdobramentos históricos que configuraram a
Educação para as crianças de 0 a 06 anos, como direito no Brasil. Por último, busca-se
analisar os interesses e as influências externas das “nações” que fazem parte do mega-bloco
de poder econômico e político, a partir dos anos 90, tendo os organismos internacionais como
representantes do jogo de poder, impondo mudanças nas políticas educacionais dos países em
desenvolvimento, com intuito de consolidar as novas forças produtivas.
Começando com o papel da mulher na construção da sociedade, pode-se considerar
que a diferenciação e exploração nas relações de trabalho, assim como o rompimento da
discriminação social e étnico-racial constituem campos de luta a se conquistar para uma
inserção mais igualitária em relação ao homem. No que tange à posição social da criança, a
necessidade da interpelação do adulto para auferir os direitos pertinentes ao seu
desenvolvimento físico, cognitivo e sócioemocional requer, também, enfrentamentos críticos
e políticos a fim de evitar acesso desigual e anulação das características específicas da
infância.
28
Ao contrapor-se aos ideais medievais, o projeto da modernidade, ancorado nos
pressupostos iluministas de eqüidade social, valorização do indivíduo e emancipação política
e econômica, não atendeu às expectativas a que se propôs. Desde o século XVIII até os nossos
dias, as mudanças de paradigmas da modernidade ficaram no plano aparente, emoldurando e
fortalecendo a acumulação do capital, alargando o fosso da desigualdade social em todos os
ângulos da vida humana. Como conseqüência, trouxe uma crise generalizada e falta de
esperança aos excluídos dos bens sociais básicos, que nunca alcançaram à distribuição
eqüitativa de renda prometida pelo sistema capitalista.
Autores como Berman (1986), Bauman (2001), Lyotard (1985), Hall (2005), tentam
nomear esse mal-estar tentando dar conta das inquietações do homem contemporâneo: “pós-
modernidade”, “modernidade tardia”, “alta modernidade”. Seja qual for a sua nomenclatura,
estamos vivendo um momento histórico de angústias e descrédito nas propostas de dias
melhores. Aflições que, ao mesmo tempo, possibilitam os atores sociais resistir e criar outras
formas de luta para garantir o suprimento de suas necessidades, bem como a participação
enquanto seres historicamente situados que tentam minimizar ou superar suas condições de
existência.
Rousseau (2005), em seu discurso proferido aos cidadãos de Genebra, em 1750, sobre
a origem e os fundamentos das desigualdades entre os homens, alerta-nos que o
estabelecimento desse convívio em sociedade e a racionalidade nas ações humanas inicia uma
condição desigual e desumana, tendo, também, a propriedade privada e a noção de governo
como formas de sufocar a liberdade do homem natural, dividindo os homens entre
governantes e governados, resultando, muitas vezes, em um estado despótico, entre senhores e
escravos. Rousseau almejava ter nascido em um país onde tanto o soberano como o povo
pudesse ter um único e um mesmo interesse: a felicidade comum entre os indivíduos.
Para um melhor entendimento como se processa a desigualdade entre os homens,
Rousseau (2005) nos convida a conhecer o próprio homem, não o homem civilizado, mas o
homem natural. Alega que seria preciso um distanciamento da razão para adentrar e
compreender um dos princípios que regem a alma humana: os sentimentos de
autopreservação, que consiste em atitudes de compaixão e de comiseração que se valem da
proteção a outros de sua espécie. Esses valores se perdem um pouco no projeto da
modernidade, uma vez que o individualismo, preconizado pelo acúmulo de capital e garantia
da propriedade privada individual, passa a gerenciar a conduta humana, perdendo a noção de
coletividade.
29
Quando o homem natural passa a agregar-se a outros homens, não só pelas
necessidades básicas de caça, pesca e defesa, mas pelo amor conjugal e paternal, surge a
primeira comunidade: a família. Uma tímida noção de propriedade emerge como forma de
delimitar papéis sociais. Para Rosseau (2005) a perfectibilidade humana levou o homem a
perceber que entre os membros do seu próprio grupo familiar uns eram mais fracos, outros
mais hábeis, levando a uma disputa.
Apesar de ser considerado um democrata liberal romântico, por compreender que o
homem natural era bom, Rousseau nos traz elementos cruciais que nos fazem entender a
desvirtuação dos ideais iluministas que, posteriormente, foram abarcados pela burguesia com
o intuito de manter seus privilégios e fortalecer o discurso para manter-se no comando da
nova ordem social. A família, por exemplo, passa a ser fruto da agregação por laços de amor
conjugal e paternal, surgindo a primeira forma de determinar o domínio entre os sujeitos de
um pequeno grupo social, definindo os papéis sociais, delimitando as capacidades masculinas
e femininas; discurso que tentou desde os primórdios da humanidade submeter a mulher à
uma condição de inferioridade.
Por outro lado, à medida que o capitalismo se expandia, as indústrias modernas
precisavam de um contingente maior de mão-de-obra, forçando a inserção não só de homens
no mercado de trabalho como, também, de mulheres. As circunstâncias sócioeconômicas
geraram no operariado feminino sentimentos de culpa, insatisfação, desejo de realização
pessoal e participação política.
Felizmente, como salienta Berman (1986), a denúncia da vida moderna é polifônica e
dialética, pois os seres humanos buscam os valores negados pela própria modernidade.
Homens e mulheres tentam obter soluções e fôlego, acreditando na perspectiva de dias
melhores para os problemas que lhes afetam para “o dia de amanhã e o dia depois de amanhã”
(BERMAN, 1986, p. 23). As contradições da modernidade, ainda de acordo com o autor,
levam-nos não só a um desejo de crescer economicamente, mas, sobretudo à possibilidade de
crescimento em experiência, conhecimento e realização.
A tentativa de aliar o direito à maternidade e à participação social sempre gerou, nas
mulheres, angústias e desafios, na luta por direitos iguais aos homens. Dentre as
reivindicações, a proteção, a assistência e a garantia de espaços educativos dignos para os
seus filhos que não possuíssem idade para agir por conta própria.
Entretanto, a história não permitiu e nem deu tempo à mulher para desvencilhar-se dos
preconceitos e subjugações sociais. A educação como um direito para os seus filhos
pequenos, enquanto estavam fora de seus lares, sempre foi motivo de incessantes lutas e
30
reivindicações. Como corrobora Hall (2005):
Ele (o movimento feminista) questionou a clássica distinção entre “dentro” e
o “fora”, o “privado” e o “público”. O slogan do feminismo era: “ o pessoal é
político. Ele abriu, portanto, para a contestação política, arenas inteiramente
novas de vida social: a família, a sexualidde, o trabalho doméstico, a divisão
doméstica do trabalho, o cuidados com as crianças. ( HALL, 2005, p. 45)
Os problemas pessoais como dimensão política, explicitados por Hall (2005),
evidenciam a necessidade de envolver no projeto de emancipação da mulher os seus filhos,
com uma educação de qualidade, isenta de assistencialismo, com um cunho político
pedagógico no fazer cotidiano das instituições educativas. A maternidade, por sua vez, teria
que ser vista como um direito e não uma punição para a negação de realização pessoal e
política da mulher.
As próprias contradições da “pós-modernidade” geraram desafios no mundo
contemporâneo, com vistas a resgatar valores perdidos na sociedade moderna como
cooperação em detrimento da competição individual. A ação coletiva do movimento feminista
sempre tentou tomar fôlego em meio ao “turbilhão” da vida moderna, como corrobora
Bauman (2001):
Esse é, essencialmente, o modelo republicano de unidade, de uma unidade
emergente que é uma realização conjunta de agentes engajados na busca de
auto-identificação; uma unidade que é um resultado, e não uma condição
dada a priori, da vida compartilhada; uma unidade erguida pela negociação e
reconciliação, e não pela negação, sufocação ou supressão das diferenças
(Bauman, 2001, p.204).
O engajamento das mulheres frente aos problemas pessoais e discriminação social, no
cenário brasileiro, não ficou distante pela busca da unificação política dos anseios
individuais. Gohn (1985) destaca, a partir da década de 1970, o processo de abertura política,
sobretudo no Estado de São Paulo, junto às comunidades pobres da periferia, como um
momento decisivo. Naquele período, as mulheres atuaram contra a carestia e o movimento
pela anistia (1973-1978). Abriu-se também, espaço para a construção de uma luta unificada
mais abrangente e concreta por creches, exigindo um redimensionamento do seu papel social
enquanto instituição educativa que respeitasse a identidade social, histórica e cultural da
criança.
Como forma de condensar as inquietações do movimento feminista, o Conselho
31
Estadual da Condição Feminina de São Paulo, juntamente com o Conselho Estadual da
Mulher, na década de 1980, lançou dois cadernos questionando a função assistencialista das
instituições que se dedicavam ao atendimento das crianças pequenas. Nesses importantes
cadernos, aponta a importância de associar o educar e cuidar como elementos constitutivos e
indissociáveis do trabalho educativo.
Assim como um lugar que respeitasse a criança como um cidadão que interage com
outros sujeitos historicamente situados, em uma relação horizontal, como um ser humano
global, com desejos e com uma lógica própria de conhecer o mundo. Os textos desses
cadernos denunciaram as aspirações das famílias de vida socioeconômica desfavorecida,
consubstanciando-se em um forte canal para subsidiar os avanços legislativos atuais.
A indignação das mulheres pela negação do acesso aos filhos menores de 06 anos a
um espaço educativo não se restringiu, apenas, ao universo do Sudeste do Brasil. Costa
(1990), no relatório de pesquisa do Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre a Mulher –
NEIM, da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da UFBA, revela a luta de mulheres
dos setores populares em busca de melhores condições de vida e participação para si e sua
família, a partir do final da década de 1970, na capital da Bahia. Um grupo de mães
trabalhadoras do Subúrbio Ferroviário de Salvador encampou uma série de manifestações
junto aos órgãos públicos reivindicando ao Governo do Estado mais recursos para construção,
ampliação e manutenção das creches instaladas pelo empenho da população.
Ainda segundo Costa (1990), em outubro de 1983 a Comissão de Mulheres da
Federação de Bairros de Salvador lançou a “Campanha Unificada por Creches” que resultou
em vários encontros de mulheres dos diferentes bairros da cidade com a intenção de romper
com o isolamento e a desarticulação dos clubes de mães e outros grupos associativos, visando
a ação conjunta em defesa dos interesses da mulher. Em 1988, graças a esse movimento, foi
possível a obtenção de recursos que permitiram a ampliação de algumas creches comunitárias
e a construção de outras. Uma outra importante bandeira levantada por essas mulheres foi a
apresentação de uma emenda popular à Lei Orgânica de Salvador de 1990, exigindo o repasse
de recursos públicos e a contratação de pessoal para as creches comunitárias que, pela
primeira vez, foram mencionadas em uma lei municipal como responsabilidade dos poderes
públicos, apesar de existir como prerrogativa na Constituição de 1988, assim como a
ampliação da Educação Infantil para as crianças de baixa renda, anexo (01).
Assim, pode-se destacar a luta pela emancipação feminina como um dos grandes
expoentes revolucionários responsáveis pela consolidação da Educação Infantil como direito
da criança pequena e dever do Estado, por reivindicar, como um dos requisitos de igualdade
32
de gênero, um espaço educativo que atendesse os filhos das mulheres–mães sem quaisquer
discriminações.
2. A criança como sujeito social
Até o final do século XII, a infância permaneceu de forma anônima na construção
social. Segundo Ariés (1981), a representação pictórica da criança desconsiderava suas
características próprias, pois os pintores e miniaturistas a apresentavam como adultos de
tamanho reduzido, não atribuindo caráter individual e particular nas apresentações. As
vestimentas também demonstravam a indiferença com a infância, pois, tão logo os bebês
deixavam os tecidos que o envolviam, do nascimento até a queda do umbigo, as crianças
passavam a ser vestidas iguais aos adultos do seu convívio. Ariés (1981) sinaliza essa
indiferença para com a criança por ela ser concebida como alguém com perspectivas de “vir-
a-ser”, incompleto, como um ser “sem movimento na alma, sem forma reconhecível no
corpo”.
A indiferença não era restrita, apenas, no plano representativo. Na relação com os
membros da família ocorria um tratamento desleal para com as crianças, cabendo ao pai ou
responsável pela sua tutela exercer total domínio. SANTANA (1998, p. 21) recorda que “o
pai tinha sobre o filho o direito de vida e de morte, direito de castigá-lo à sua vontade, de
mandar flagelá-lo, de condená-lo à prisão, de excluí-lo da família”.
Por apresentar menor poder de defesa, as crianças, ainda segundo a autora, vêm
sofrendo ao longo dos últimos séculos, os resultados das conveniências ideológicas do mundo
adulto que imperam e são superadas a cada momento. A própria igreja disseminava a idéia
por meio do teólogo cristão Santo Agostinho que, ao nascer a criança já trazia consigo a
personificação do mal, em decorrência do pecado original. Essa concepção contribuiu, até
finais do século XVII, para que a criação dos filhos e os cuidados desde o nascimento fossem
confiados, pelas mulheres dos extratos sociais prestigiados, às amas de leite. De vez em
quando as famílias mais sensíveis visitavam as crianças, mas de um modo geral não
procuravam saber do seu estado. O trabalho das amas de leite se tornou um negócio rentável,
mas desastroso para as crianças. Somado à supressão de afeto e aconchego dos pais, a falta de
supervisão e controle ocasionou em alto índice de mortalidade infantil, como demonstra
Santana (1998):
33
Como conseqüência havia uma alta taxa de mortalidade infantil de crianças.
Dessas, cerca de 20% sobreviviam e, entre as abandonadas, uma em cada dez
chegava aos 20 anos. Algumas delas morriam até mesmo no transporte para casa
das amas, pois no balanço das carroças muitas eram atiradas nas estradas sem que
alguém percebesse e, quando chegavam a perceber, isso não lhes causava
qualquer constrangimento ou sentimento de perda. A morte da criança era algo
que não comovia nem mesmo a família, sendo considerada por todos, como um
acontecimento normal. (SANTANA, 1998, p. 22)
A conseqüência gerada pela alta taxa de mortalidade, segundo Santana (1998), levou a
um desfalque na força militar dos países e na mão-de-obra para a produção de bens e
suprimentos para a subsistência das populações. Inicia-se, a partir de então, ações dos líderes
governamentais dos Estados, sugerindo o povoamento, grandes proles e que as famílias
pudessem assumir os cuidados dos filhos, a fim de garantir soldados para o seu exército e
assegurar força de trabalho. A preservação da vida da criança e o reconhecimento infantil
estava condicionado ao serviço útil ao mundo adulto.
Por volta de 1789, com o advento da revolução industrial, outro fenômeno semelhante
acontece em decorrência da contratação de mão-de-obra acessível e barata, constituída por
mulheres e crianças, desencadeando a denominada “matança dos inocentes”. Essa condição
desumana para a infância levou a repensar em um espaço alternativo que pudesse baixar os
índices de mortalidade. Foi no século XIX, segundo Ariés (1981), que a escola passou a ser a
alternativa mais viável de separar a criança do mundo do adulto, discurso que foi largamente
disseminado no Norte da Europa. “O final adequado a uma história da infância deve
certamente ser uma descrição do processo em que a escola substituiu o trabalho como
principal ocupação para pessoas de pouca idade” (HEYWOOD 2004, p. 2003). A necessidade
de conceber a criança como um ser singular resultou na necessidade de pensar em brinquedos
infantis, vestimentas próprias, espaços físicos adequados ao seu tamanho e sua proteção.
A situação desfavorável da criança, como ser humano que possui certa dependência
do adulto, ainda a subjuga a manobras de poder e a reduz a um mero objeto. Concebê-la como
co-autora do mundo que a cerca, com um jeito peculiar de pensar, querer e sentir que são
próprios da infância, ainda é um anseio na atualidade.
O direito e o respeito à vida é o mínimo que a humanidade pode garantir para uma
criança. O sopro vital não delineia vida plena, mas a forma como o desenvolvimento afetivo,
físico e mental da criança tem sido respeitado pelo adulto é o que diferencia. Um poder
autocrático por parte do adulto, seja na família, na escola, em uma direção pré-determinada,
cabendo apenas se adaptar às regras, dificilmente educará adultos conscientes, críticos e
34
atuantes.
Um outro aspecto importante a observar é a condição peculiar das crianças como
sujeitos sociais. A incapacidade civil plena devido à sua idade para exigir o cumprimento dos
seus direitos, suscita dos seus representantes, porta-vozes de sua cidadania, participação ativa
junto às instâncias políticas que regulamentam os bens sociais. A educação como uma das
necessidades essenciais para formação humana plena para os cidadãos “mirins” depende da
participação e empenho dos seus representantes legais.
No plano formal, a Educação Infantil visa atender as crianças de 0 a 06 anos,
configurando-se como a primeira etapa da educação básica. A responsabilidade das pessoas
envolvidas no trabalho com as crianças da primeira infância é de suma importância, pois,
nessa fase da vida humana ocorrem mudanças bio-psicossociais, intensas e significativas na
estruturação do desenvolvimento infantil que servirão como suporte permanente em todas as
etapas de sua vida.
Cavalleiro (2000) salienta a importância do espaço da instituição de Educação Infantil
como uma das instâncias primárias de socialização, por introduzir a criança em uma parte do
mundo objetivo da sociedade; inserção que amplia, intensifica as experiências infantis,
ajudando a compreender os valores, opiniões e atitudes do universo social mais abrangente.
Essa dinâmica socializadora se dá na medida em que a criança convive com outras crianças e
adultos fora do seu grupo familiar, bem como o contato com outros objetos de conhecimento,
possibilitando outros modos de leitura de mundo. A Educação Infantil, então, configura-se,
concomitantemente a outros espaços, como um importante ambiente de estruturação da
personalidade e identidade da criança, refletindo por toda a sua vida.
Ao ser estabelecido na Constituição de 1988 como um direito da primeira infância, a
função social da instituição de Educação Infantil extrapola o mero espaço de guarda, enquanto
seus pais estão trabalhando para se transformar em um importante espaço educativo de
promoção do crescimento integral das crianças de 0 a 06 anos. Entretanto, o percurso para a
Educação Infantil alcançar o patamar de direito da criança foi demarcado por muitas
contradições decorrentes das políticas governamentais pontuais e compensatórias.
Tomando como ponto de partida a década de 1930, período que a infância no Brasil,
segundo Nunes (2005), sofreu uma intervenção social mais acentuada, fruto do projeto
industrial do país, as ações previam medidas de controle jurídico sobre a infância dos mais
pobres, identificada como a “infância dos delinqüentes e abandonados” (NUNES, 2005, p.
74). O marco ideológico dessa política foi retratada, de acordo com a autora, no Código de
Menores de 1927, que sofreu poucas alterações em 1979, mas que não traduziu em práticas
35
consistentes para a primeira infância, pois as reformulações dirigiam-se à regulamentação do
trabalho do adolescente.
Para as crianças pequenas, os mecanismos de intervenção eram compensatórios,
organizados em uma perspectiva assistencial, no âmbito privado das entidades filantrópicas e
tutelares de iniciativa do Estado. A criança pobre era concebida de “menor”, no sentido de
infratores sociais, cometendo ou não delito. Toda ação da sociedade era de higienização
social, através de ordem disciplinar, ideologia conduzida até final da década de 1980.
O Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei 8.089/90, substituiu o Código de Menores
de 1979. Esse instrumento legal centra-se na proteção integral da criança, colocando-a como
um sujeito de direitos, apontando a responsabilidade e deveres da família, da sociedade e do
Estado. No que tange à educação, as ações sugeridas no ECA responsabilizam o poder estatal
na consecução das políticas. Em relação ao atendimento em creches e pré-escolas são
sugeridas aplicação judiciais, caso o acesso à educação das crianças de 0 a 06 anos for
violado, como corrobora o capítulo VII, da referida Lei
7
.
Outro importante aparato legal posterior ao ECA, que confirma a legitimação da
Educação da primeira infância como direito da criança e dever do Estado, é a Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº 9.394/96; contudo, aponta uma contradição, por
não considerar como obrigação do poder estatal. A lacuna deixada no texto da legislação
gerou uma restrita expansão na oferta pública, privilegiando inclusão de crianças das classes
abastadas a oportunidade de freqüentar instituições de Educação Infantil. Enquanto para as
crianças de segmentos socioeconômicos desfavorecidos, impera, ainda, alternativas precárias
ou são totalmente privadas do acesso ao primeiro nível da Educação Básica.
O déficit do panorama da oferta da Educação Infantil pode ser visualizado no Plano
Nacional de Políticas para as Mulheres (2004), editado pelo governo federal na pesquisa
realizada em diversas unidades da federação, em 2003, revelando um alto índice de
atendimento às crianças em idade pré-escolar na iniciativa privada e um número irrisório na
rede pública, principalmente nas regiões onde se concentram taxas de ocupação feminina
como na região Sudeste.
A pesquisa do MEC/INEP (2003) retrata, ainda, um percentual insuficiente de acesso
às creches e pré-escolas: 71,62% das crianças de 0 a 06 anos não estavam matriculadas na
7
Da proteção judicial dos interesses individuais, difusos e coletivos: Art. 208 - Regem-se pelas disposições desta
Lei as ações de responsabilidade por ofensa aos direitos assegurados à criança [...] referentes ao não
oferecimento ou oferta irregular de atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a seis anos. (ECA,
Lei nº 8.069/90, p. 64)
36
Educação Infantil. Em relação à população de crianças de 0 a 04 anos, apenas 5,8% estavam
freqüentando uma creche e 22,57% a pré-escola, conforme quadro abaixo:
Crianças matriculadas de 0 a 06 anos em creches e na pré-escola – Brasil - 2003
População de 0 a 06 anos matriculada
Unidades da
Federação
População de
crianças de 0 a
06 anos
Em creche Em pré-escola Total %
Brasil
Norte
Nordeste
Sudeste
Sul
Centro-Oeste
21.005.855
1.618.203
6.805.327
8.159.231
2.856.648
1.566.466
1.221.876
59.276
307.817
563.980
218.245
72.558
4.738.931
358.466
1.423.104
2.116.746
582.024
258.591
5.960.807
417.742
1.730.921
2.680.726
800.269
331.149
28,38%
25,82%
25,43%
32,86%
28,01%
21,14
Fontes: IBGE – Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios 2003, MEC/ INEP.
No período de 2000-2006, na Bahia, apesar do crescimento em pequena escala de
crianças matriculadas na Educação Infantil nas áreas urbana e rural, observa-se um número
bem pequeno de crianças de 0 a 03 anos nos espaços públicos das redes municipal e estadual.
Enquanto a pré-escola tinha um quantitativo de 2.347.057, às creches apresentaram apenas
428.755 em todo o Estado durante os seis anos. Verifica-se, ainda, um decréscimo da
matrícula em creche no ano de 2006, em torno de 19% em relação a 2005, conforme tabela
abaixo:
Matriculas em creches e pré-escolas, segundo a região geográfica, nas redes municipal e
estadual de ensino no Estado da Bahia 2000-2006
Creches Pré-escola
Ano
Urbana Rural Urbana Rural
2000 33.413 7.481 202.186 86.316
2001 45.532 10.630 219.143 93.852
2002 48.566 10.656 224.119 92.755
2003 49.559 10.417 234.042 93.416
2004 58.566 12.536 296.630 124.178
2005 61.814 14.611 191.004 145.956
2006 50.372 14.602 193.218 150.242
Total
347.822 80.933 1.560.342 786.715
Fonte: dados coletados do INEP de 2000-2006.
Em Salvador, segundo o documento que estabelece metas e ações para a política da
37
educação municipal 2005-2008, os dados permitem mapear um grande distanciamento da
oferta de creches e pré-escolas públicas. O censo de 2000 do IBGE apontava 294. 414
crianças de 0 a 06 anos no Município. Em 2004, da população de 0 a 06 anos, apenas 59.697
crianças freqüentavam creches e pré-escolas, sendo 10,6% na rede pública estadual, 26,0% na
rede municipal e 63,4% na rede particular.
Ao trazer os dados para a realidade mais próxima, a exemplo de São Caetano, na
última amostra censitária do IBGE, em 2000, o bairro tinha 6.448 crianças na faixa etária de 0
a 06 anos. Em 2006, o número de matrícula de crianças, segundo censo escolar da Secretaria
de Educação do Município de Salvador era de apenas 1.221 crianças em idade pré-escolar na
rede pública municipal.
Os números demonstram que a garantia de uma política pública que possibilite a
inserção igualitária de crianças pertencentes a uma classe social economicamente
desfavorecida, sobretudo como direito social, ainda é um grande desafio na atualidade. Para
as mulheres que, geralmente, são chefes de família, esse acesso é mais restrito e distante de
concretização, pois a sua remuneração, geralmente, garante precariamente a alimentação.
Um espaço educativo adequado à criança pequena está associado à concepção de
infância que vislumbre não só à prática, mas, também, a construção do espaço físico e
gestacional das instituições a que atendem. França (1987) ressalta que a instituição de
Educação Infantil deve-se desfazer, em primeiro lugar, do papel de substituta da mãe, pois
poderá ficar paralisada, tentando suprir a ausência da mesma de forma precária, preocupando-
se em alimentar e cuidar das crianças segundo os padrões de produtividade, preparando-as
para a vida futura como se fossem peças de uma máquina para serem moldadas, polidas e
ajustadas para serem usadas por outras pessoas.
Ao revisar o histórico do aparecimento das instituições para primeira infância,
principalmente no que se refere às creches, percebemos que, ainda, é regida por estereótipos
que não propiciam efetivamente um atendimento que ofereça às crianças uma inserção na
sociedade como seres pensantes. A oferta para atender a uma necessidade dos pais constitui
uma prática corrente. No entanto, mais importante que atender a uma demanda de suas figuras
paternas e/ou maternas é atender às demandas para o desenvolvimento das crianças pequenas.
A situação das creches que emergem das organizações comunitárias é ainda pior, pois
ficam à mercê de doações da sociedade civil e esforços voluntários de membros da
comunidade, muitas vezes, sem o devido preparo para o trabalho com as crianças. Por outro
lado, essas instituições procuram suprir uma evidente necessidade de suas comunidades: a
construção de creches. Por isso, é preciso reverter a concepção de creche e pré-escola como
38
uma dádiva do Estado para repensá-la como um direito social do cidadão em crescimento,
como afirma Sanches:
As marcas desse processo histórico trazem no seu bojo, muitas vezes, preconceitos,
estigmas, mascarados por teorias científicas, discursos modernistas e liberais, que
na concepção subjacente estão impregnados de uma visão paternalista, de ajuda, de
favor, de uma dádiva àqueles que são necessitados. (SANCHES, 2003, p. 70)
A criança precisa viver a infância plenamente; as brincadeiras pertinentes a cada etapa
do seu desenvolvimento devem ser respeitadas. Antecipar aprendizagens, não fará dela um
gênio. Percebê-la como sujeito que interage conosco é extremamente relevante nas ações de
educar e cuidar no cotidiano das instituições de Educação Infantil. As crianças aprendem com
seu jeito peculiar, cabendo a nós, adultos, acompanhá-las como parceiros do processo de
estruturação da sua personalidade, cidadania e autonomia.
3. A concepção de Educação Infantil vinculada pelo projeto neoliberal
A educação passa a ser considerada um dos principais determinantes da
competitividade entre os países, a partir da década de 1990. A condição para sobreviver à
concorrência do mercado mundial, bem como ser um cidadão do século XXI, é dominar os
códigos da modernidade, que consistem em adequar a educação dos trabalhadores ao novo
paradigma produtivo.
Shiroma (2004) afirma que os códigos da modernidade consistem na aquisição de
conhecimentos e necessidades básicas dos indivíduos para possibilitar a participação na vida
pública e inserção no mundo produtivo da sociedade moderna, tendo como pré-requisitos as
seguintes capacidades:
o manejo das operações aritméticas básicas, a leitura e compreensão de um texto
escrito, a comunicação escrita, a observação, descrição e análise crítica do
entorno, a recepção e interpretação das mensagens dos meios de comunicação
modernos e participação no desenho e execução do trabalho em
grupo.(SHIROMA, 2004, p. 64)
Para evitar levantes dos oprimidos e, ao mesmo tempo, garantir sua reestruturação, os
organismos internacionais dotados de representantes comprometidos com a sustentação do
39
sistema capitalista atuam nos países periféricos com políticas de ajuste estrutural. A educação
está inserida na teia de relações da sociedade, onde a contradição alimenta sua característica
de uma forte aliada para o desenvolvimento socioeconômico ou para a superação da ordem
vigente. Essa ambigüidade faz da educação um instrumento relevante de controle social. Se de
um lado os atos de ensinar e aprender podem submeter homens, mulheres e crianças à
apropriação dos padrões sociais dominantes para o fortalecimento da sociedade capitalista, de
outro pode provocar resistências e possibilidades revolucionárias de mudanças para evitar
atar-se às amarras que o poder hegemônico impõe.
A Conferência Mundial de Educação para Todos, em 1990, constitui o marco das
atuais mudanças na educação. Contou com o financiamento da UNESCO, UNICEF, Banco
Mundial e PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento). Esse evento, que
contou com a participação de vários líderes governamentais, ONGs, associações profissionais
e especialistas em educação de todo o mundo, teve o intuito de obter o consenso para as
reformas educacionais. Constatou-se, o que já era de se esperar, devido à tamanha
desigualdade social existente, que os países que fazem parte do chamado bloco “E9”
(Bangladesh, Brasil, China, Egito, Índia, Indonésia, México, Nigéria e Paquistão)
8
, possuem
os maiores índices de analfabetismo do mundo.
A conferência apontou estratégias para as políticas educacionais desses países com o
intuito de adaptar os recursos humanos às mudanças científicas e tecnológicas do mercado
global, com a prerrogativa de guiá-los rumo ao “desenvolvimento”. Para a consecução dos
objetivos, era preciso implementar os princípios acordados na Declaração de Jomtien que
consistia na garantia de “uma educação básica de qualidade a crianças, jovens e adultos
(SHIROMA, 2004, p.56-57).
O velho slogan Educação para Todos foi retomado para implementação de uma nova
configuração do capital humano com a oferta de conhecimentos e habilidades específicas que
correspondessem às novas demandas do sistema produtivo. O termo qualidade é, também,
exaustivamente debatido pelos organismos internacionais, mas com foco nos resultados,
excluindo-se o processo de como a cobertura ao acesso à educação em todos os níveis se
concretizaria.
Os organismos internacionais propuseram, concomitantemente, um novo
redimensionamento do papel do Estado, de provedor e administrador para uma função de
8
O bloco E9 é composto por países que possuem potencial de desenvolvimento e apresentam elevado índice
populacional.
40
regulador, avaliador, incentivador e gerador das políticas. Para viabilizar a nova
configuração estatal, a descentralização e a integração deveriam ser efetivadas nos anos
seguintes, sendo traduzidas como “desconcentração de tarefas e concentração de decisões
estratégicas”, como corrobora Shiroma (2004, p.65). Constituiria, a partir da década de 90, a
condição sine qua non para a implantação das novas políticas educacionais.
Segundo Shiroma (2004), o Brasil vivenciou uma Reforma do Estado em duas grandes
etapas. A primeira, que reformou o seu núcleo central, dando-lhe as funções citadas e a
segunda, com reformas mais pontuais, por área de atuação, incluindo a educação. Uma nova
cultura escolar é implementada, com aspectos economicista e produtivista, cuja concepção de
qualidade é passível de ser questionada a partir de parâmetros historicamente determinados.
Um dos questionamentos a fazer é referente à conclamação de uma educação para
“todos”. Embora na Conferência de Jomtien considerasse a educação básica como aquela que
vai do nascimento até a vida adulta, contraditoriamente, ao arrolar a prioridade para
universalização da mesma, privilegiou-se a educação primária, que, no caso do Brasil,
corresponde ao ensino fundamental. A Educação Infantil foi enfocada como assistência, cuja
intervenção predominava, ainda, em uma perspectiva de troca de favores aos necessitados,
não como um atributo educativo. As metas da Conferência de Jomtien para o decênio 1990-
2000, no que tange à educação das crianças de 0 a 06 anos, enfatiza que sua ampliação
aparece sob o prisma assistencialista, com baixos custos como podemos observar em uma das
metas:
Educação básica: Extensão das atividades de desenvolvimento da criança durante a
primeira infância, incluindo intervenções apropriadas e de baixo custo baseadas na
família e na comunidade. (Declaração mundial sobre a sobrevivência, a proteção e
o desenvolvimento das crianças nos anos 90 e plano de ação para implementação,
30/07/1990).
Para concretização das idéias preconizadas na Conferência de Jomtien, os Estados
deveriam, concomitantemente às condições adequadas, reformular suas vias de acesso a partir
das ações que Torres (2004) sintetiza abaixo:
1. promover um contexto de políticas de apoio no âmbito econômico, social e
cultural;
2. mobilizar recursos financeiros, públicos, privados e voluntários, reconhecendo
que o tempo, a energia e o financiamento dirigidos à educação básica constituem o
41
mais profundo investimento que se possa fazer à população e ao futuro do país;
3. fortalecer a solidariedade internacional, promovendo relações econômicas
justas e eqüitativas para corrigir as disparidades econômicas entre as nações,
priorizando o apoio aos países menos desenvolvidos e de menores ingressos e
eliminando os conflitos e contendas a fim garantir um clima de paz. (TORRES
apud SHIROMA, 2004, p.61).
Entretanto, a ambigüidade deixada pela Conferência de Jomtien, no que se refere à
universalização da educação básica, descartou a possibilidade do dever público estatal de
oferecer a Educação Infantil com provimento total dos recursos financeiros e materiais. Tal
dedução decorre das estratégias dos Estados em propor intervenção da família e da
comunidade nas formas do trabalho voluntário e do financiamento privado. Este último
aparece, muitas vezes, como doações esporádicas, possibilitadas por deduções fiscais.
Um dos objetivos da Conferência de Jomtien era fomentar os princípios de
aprendizagens necessárias para a demanda socioeconômica que norteariam a prática das
políticas educacionais, que ficaram conhecidos como NEBA (necessidades básicas de
aprendizagem). A educação de qualidade previa a realização das NEBA em todo o mundo, as
quais se configuravam em conhecimentos teórico-práticos que os sujeitos-alunos deveriam
solucionar ao se depararem frente a seis situações: “1) sobrevivência; 2) o desenvolvimento
pleno de suas capacidades; 3) uma vida e trabalho dignos; 4) uma participação plena no
desenvolvimento; 5) a melhoria da qualidade de vida; 6) a tomada de decisões informadas e 7)
a possibilidade de continuar aprendendo” (SHIROMA 2004, p. 58). O acordo ressaltava,
ainda, que os meios educacionais deveriam ser diferenciados conforme pertencimento
territorial, cultural, sexo, raça e gênero.
O capital humano necessário a longo prazo e de alto valor para o sistema produtivo
vigente seria a educação, ou melhor dizendo, o treinamento das crianças, a partir do ensino
fundamental, pois, ao ingressarem no ensino médio e superior atenderiam rapidamente às
condições do mercado, considerando que as novas tecnologias, em diferentes esferas, assim
exigiam. A educação tinha que atingir o objetivo de gerar trabalhadores competitivos e
antenados às rápidas mudanças do mundo globalizado. O como, não importava, uma vez que
os resultados eram mais importantes para uma educação que qualificasse em tempo hábil e na
qualidade em que a nova ordem econômica demandava; por isso, o ensino fundamental
possuía um grande valor econômico. Como Torres (2000) assinala, a partir de um dos
documentos do Banco Mundial de 1995:
42
A educação é pedra angular do crescimento econômico e do desenvolvimento
social e um dos principais meios para melhorar o bem-estar dos indivíduos.
Ela aumenta a capacidade produtiva das sociedades e suas instituições
políticas, econômicas e científicas contribui para reduzir a pobreza,
acrescentando o valor e a eficiência ao trabalho dos pobres e mitigando as
conseqüências da pobreza nas questões vinculadas à população, saúde,
nutrição [...] o ensino de primeiro grau é a base e sua finalidade fundamental
é dupla: produzir uma população alfabetizada e que possua conhecimentos
básicos de aritmética capaz de resolver problemas no lar e no trabalho [...].
(BM apud TORRES, 2000, p.2)
Com o reordenamento financeiro-administrativo na descentralização do Estado
proposta pelo Banco Mundial, os municípios ficaram encarregados de atender às demandas da
educação infantil e do ensino fundamental. Diante das dificuldades fiscais dos municípios,
desencadeou-se a omissão para o provimento da Educação Infantil, negligenciando-a ou
colocando-a em segundo plano; fato ocorrido principalmente nas cidades desprovidas de
infra-estrutura social. Silva (2002) salienta que essa situação se constitui em desdobramentos
da concepção de Educação Infantil pelo Banco Mundial por não concebê-la como rentável e
passível de atender aos interesses do mercado. Esse nível educacional que não tinha uma
expressiva cobertura ficou, mais uma vez, penalizado.
Segundo Sarpa & Costin (2006), quando as crianças chegam à primeira série do
ensino fundamental sem ingressar em uma instituição de Educação Infantil, tendem à
repetência e evasão, muitas vezes não concluindo os níveis subseqüentes. Como indicativo de
sanar o problema que afeta os interesses para qualificação da mão-de-obra das séries
seguintes, o Banco Mundial propõe a inclusão das crianças de 06 anos no Ensino
Fundamental, fomentando a idéia de que o aumento dos anos de permanência na escola irá
melhorar a qualificação das pessoas.
Essa justificativa não soluciona a falta de cobertura da Educação Infantil pelo poder
público. Pode colaborar para a escolarização precoce da criança pequena. Em aceno de
consentimento, o Ministério da Educação e Cultura sancionou a lei nº 11.274/05, ampliando o
Ensino Fundamental para 09 anos.
9
No Brasil, a tão almejada ampliação da escolaridade, proposta pelo Banco Mundial,
9
O ensino fundamental obrigatório, com duração de 9 (nove) anos, gratuito na escola pública, iniciando-se aos 6
(seis) anos de idade, terá por objetivo a formação básica do cidadão.(Brasil, Lei nº 11.274/05)
43
resultou na referida lei, a fim de atender aos interesses do nível de maior valor econômico,
proposto pelo Banco: o ensino fundamental. A legislação escamoteia a negligência do Poder
Público em prover integralmente e com qualidade as demandas para oferta da educação da
criança de 0 a 06 anos. Alicerça, ainda, interesses dos organismos internacionais para intervir
na política educacional brasileira desde a infância, tendo em vista a formação do indivíduo
enquanto trabalhador e consumidor, negando a consciência política, cultural e autônoma da
existência individual para o bem da coletividade.
Por outro lado, a própria forma de organização do sistema produtivo fez emergir a
contradição calcada na necessidade da inclusão da criança pequena no sistema educacional.
Entretanto, o ingresso precoce das crianças no Ensino Fundamental merece um olhar atento
para evitar dois perigos: o primeiro consiste em que a infância deixe de ser um processo
natural da vida com suas peculiaridades, considerando que nesta fase aprender envolve
conhecer o mundo brincando e interagindo com o adulto, que, apesar de mais experiente, é
co-parceiro no seu crescimento, na estruturação de sua identidade, personalidade e
apropriação dos bens culturais. O segundo risco, é de ainda na primeira infância vincular a
formação das crianças de 06 anos ao mercado de trabalho, obrigando-a a assimilar conteúdos,
técnicas e informações com o objetivo de proporcionar retorno econômico cada vez mais
cedo.
Outras agências internacionais, que atuam nos países em desenvolvimento, calcadas
nos ideais de benfeitores sociais são a UNESCO e o UNICEF. No Brasil, a UNESCO
comprometeu-se a assumir a concretização da meta estabelecida pelo Marco de Ação Dacar
(2000). Nesse encontro, o MEC se fez presente, apresentando um relatório avaliativo EFA
(education for all). A educação da primeira infância deveria ter alcançado sua meta de
expansão na década 1990-2000, entretanto, como isso não foi efetivado, a UNESCO
incumbiu-se de propiciar a “expansão e aprimoramento da assistência e da educação da
primeira infância, especialmente para as crianças mais vulneráveis e desfavorecidas” nas
próximas décadas (UNESCO, 2003, p.135).
A grande questão está nos parceiros que estão por trás, como o Banco Mundial e o
Fundo Monetário Internacional que visam o controle inflacionário dos países devedores para
inserí-los no circuito financeiro global, estabelecendo condições para empréstimos, alterando
as decisões econômicas dos paises em desenvolvimento para continuar prevalecendo o poder
hegemônico de nações, como os Estados Unidos e a Inglaterra, de modo que o campo fértil
para investimento e fortalecimento do capital esteja garantido.
44
No ano 2001, a UNESCO realizou o Seminário “A Cidadania Antes do Sete”, por
intermédio da Fundação ORSA, entidade empresarial que atende a crianças em situação de
risco e a ANDI (Agência de Notícias de Direitos para Infância), com apoio do Instituo Airton
Senna e do UNICEF. O Seminário enfocou a importância da mídia na propagação para a
educação da primeira infância. A Educação Infantil foi tomada de um custo-benefício
privilegiado para a economia, propondo como um dos objetivos:
Realizar uma cobertura menos pontual, abordando o tema Educação Infantil de
forma sistemática, ética e responsável. Trazer a criança para o centro da pauta,
mesmo que ela ainda não figure como prioridade na agenda das políticas públicas.
Relacionar a Educação Infantil à economia, cultura, história, política, saúde e
ambiente, situando a educação e o cuidado da primeira infância como ponto
estratégico para o desenvolvimento humano e social.
A chamada ‘grande imprensa’ privilegia os assuntos de economia e política, mas
não relaciona esses temas ao ensino. Quando a educação ganha destaque, em geral
o foco está nos ensinos superior e médio ou no vestibular e na pesquisa científica.
Isso reflete a pouca importância atribuída à infância no contexto econômico do
país, bem como um escasso conhecimento sobre a importância de experiências de
qualidade nessa fase da vida.(BRASÍLIA,UNESCO,2001, p.19 e p.24)
A UNESCO, ao solicitar que a grande mídia coloque na ordem do dia as políticas
públicas para a infância, omite que a Educação Infantil sempre se constituiu uma prioridade
nacional na realidade brasileira, pois esta foi uma reivindicação dos movimentos populares
desde a década de 1970. Entretanto, a educação para as crianças pequenas sempre se edificou
por medidas assistencialistas, pontuais ou compensatórias, não democratizando o acesso como
um bem público e gratuito numa perspectiva educativa que respeitasse as especificidades da
infância.
A tão almejada qualidade apontada pela UNESCO não deveria se configurar em uma
antecipação do ensino fundamental, como sugerido, preparando a mão-de-obra de acordo com
interesses do mercado de trabalho desde a tenra idade, mas em um processo educativo que
respeite a infância como mais uma parte importante da vida do ser humano.
O UNICEF, por sua vez, trabalha em conjunto com os Conselhos de Direitos e as
Prefeituras Municipais com dois eixos de atuação: “a sensibilização e a capacitação das
famílias, a fim de ajudar a fortalecer suas competências para cuidar de seus filhos, e a
mobilização e a capacitação dos órgãos governamentais, a fim de melhorar e aumentar os
serviços para essa faixa etária”( UNICEF, 2006, p.1). Sua ação dirige-se tanto para as
instituições públicas como para as instituições comunitárias. Em Salvador, uma de suas
45
atuações é efetuada pela organização não-governamental: Avante Qualidade e Vida
(AVANTE), que atua na região do subúrbio com o discurso da “Atenção Integrada e
Integral”, como explicitado no site da UNICEF:
Crianças recebem assistência integral em Salvador : No subúrbio da capital baiana,
um projeto coordenado pela organização não-governamental Avante, Qualidade,
Educação e Vida e apoiado pelo UNICEF oferece novas oportunidades para
meninos e meninas com menos de 7 anos de idade. É o Atenção Integrada e
Integral, que reúne 30 educadores, 30 profissionais de apoio, 30 técnicos em saúde
do governo municipal e 100 agentes comunitários para ensinar às famílias o que
mais elas podem fazer por suas crianças (grifo nosso). O projeto garante que 530
meninos e meninas de 400 famílias da região recebam acompanhamento especial e
tenham o melhor desenvolvimento possível (UNICEF, 2006, p.1)
A AVANTE concebe e implementa projetos de educação e mobilização social por
meio de parcerias. A sua proposta de atuação junto às famílias poderá estar transferindo a
responsabilidade na oferta e execução da Educação Infantil para a população, que sofre com
carências socioeconômicas as mais diversas, colaborando para a desregulamentação do
Estado.
A Educação para crianças de 0 a 06 anos ainda é uma utopia a se consolidar como
direito, principalmente, para a faixa etária de 0 a 03 anos, que recorrem a qualquer tipo de
alternativa . A influência dos organismos internacionais, apesar de reconhecer a falta de
cobertura, tem se utilizado de estratégias políticas que colocam, inclusive para as crianças
pequenas os interesses do capital acima dos seres humanos. O UNICEF é um dos exemplos
do exercício dessa prática, transferindo a responsabilidade da educação formal para as
famílias. Arcar com mais esse encargo social é pesado demais para mães e pais que precisam
lutar por condições mínimas de subsistência.
O Banco Mundial, por sua vez, está preocupado em garantir o capital humano
habilitado aos seus interesses para continuar promovendo o desenvolvimento econômico dos
países que espoliam os denominados periféricos. As estratégias mundiais, que sugerem para
reformulação das políticas sociais nesses países, intensificam o fosso social da desigualdade.
A inserção da criança como um capital humano que precisa estar preparado desde a tenra
idade para o mercado pode descaracterizar a fase da infância. O brincar, veículo essencial
para apropriação sócio-cultural, como preconizado por Vygotsky (1998) e outros autores que
se debruçam sobre a importância do jogo e da brincadeira, quando excluídos do processo
educativo, poderá atrofiar as trocas e experiências criativas, prejudicando o curso saudável do
desenvolvimento infantil.
46
O ingresso da criança de 06 anos no Ensino Fundamental mascara a ausência de
acesso e permanência qualitativa em instituições de Educação Infantil. Apenas um ano de
inserção em uma unidade educacional não irá dar conta das etapas antecedentes e necessárias
para o desenvolvimento da formação humana da criança. Não só o aspecto léxico-fonológico
da leitura e da escrita, mas sobretudo, a leitura de mundo, as experiências com as diversas
linguagens que a criança precisa para se firmar enquanto ser.
Educar crianças de 0 a 06 anos implica em ações de aprendizagem para a vida e não
para o mercado, pois os modos de produção sempre se reestruturam, mas o que permanece,
independente do desenvolvimento econômico da sociedade, são pessoas críticas, autônomas.
Os conhecimentos científicos devem ser apreendidos, dando sentidos com as interações
sociais que o educando estabelece com seus pares, os professores, a família e a comunidade.
A perda da idade de 06 anos para Educação Infantil poderá incorrer na dissipação do
movimento, dos aspectos lúdicos, do simbólico, enfim de experiências imprescindíveis para
estruturação da primeira infância e etapas futuras da vida adulta.
Um possível desaparecimento da infância e ser criança poderá ser superado com ações
de denúncia, resistência e reivindicação constantes junto aos poderes públicos competentes.
Cabe aos educadores e as famílias a luta para reverter para quem é de direito, em quantidade e
qualidade, os impostos pagos para garantia do acesso à Educação Infantil pública e gratuita.
O Estado como mediador das necessidades sociais, econômicas e culturais de diferentes
grupos da sociedade, como será visto no capítulo seguinte, constitui-se em um importante
canal de intervenção na realidade.
47
CAPÍTULO II
AS POLÍTICAS SOCIAIS E AS POLÍTICAS EDUCACIONAIS
NA ARENA DO ESTADO
Ninguém pode estar no mundo, com o mundo e com os
outros de forma neutra. Não posso estar no mundo de luvas
nas mãos constatando apenas. A acomodação em mim é
apenas caminho para inserção, que implica decisão,
escolha, intervenção na realidade.
(Paulo Freire)
1. O Estado como mediador das correlações de forças
Este capítulo tem a intenção de delinear o conceito e o papel do Estado na formulação
e intervenção das políticas públicas. Adicionado à discussão conceitual de Estado, será
definido o significado das políticas sociais na organização da sociedade capitalista e das
políticas educacionais como mecanismo que planeja e constrói um importante e estratégico
setor social: a educação. Por último, serão traçadas as mudanças históricas do panorama
econômico e político, no momento contemporâneo, configurando, ainda, um atendimento
lacunar da Educação Infantil como direito da criança e dever do poder estatal.
O Estado atua nas áreas estratégicas que representam locus concreto de domínio,
desigualdade e insatisfação, assim como nos setores que possuem pertencimento claro e
definido, como o bancário e o industrial, que favorecem de forma direta e explícita o
desenvolvimento econômico da sociedade. A intervenção estatal nas demandas da realidade
social, em diferentes épocas, oscila entre intenção de atender às classes antagônicas em
conflitos; ora privilegiando o poder hegemônico, ora atendendo ao clamor da classe social e
economicamente desfavorecida, a fim de amenizar as tensões.
Segundo Bobbio (1987), o Estado como ordenamento político nasce da dissolução da
comunidade primitiva baseada sobre os laços de parentesco e a formação de comunidade
derivadas da junção de vários grupos por razão de subsistência material e defesa contra
arbitrariedade externa. O Estado moderno representa a transição da barbárie para a idade civil,
48
substitui-se o homem natural que agia por seus próprios instintos para ao homem civilizado,
denominado de cidadão, passando a ter sua liberdade protegida pelo Estado. A propriedade
individual é marco inaugural da atuação do Estado como espaço de forças antagônicas, como
corrobora Bobbio (1987):
Com o nascimento da propriedade individual nasce a divisão do trabalho, com a
divisão do trabalho a sociedade se divide em classes, na classe dos proprietários e
na classe dos que nada têm, com a divisão da sociedade em classe nasce o poder
político, o Estado cuja função é essencialmente a de manter o domínio de uma
classe sobre a outra recorrendo à força, e assim a e impedir que a sociedade
dividida em classes se transforme num estado de permanente anarquia. (BOBBIO,
1987, p. 74)
Nessa nova forma de organização social de desiguais, emergem também a dicotomia
entre público e privado. O Estado, pelo contrato social, efetua a mediação para controlar as
forças conflitantes entre as classes. Caracteriza-se por relações de subordinação entre
governantes e governados, ou seja, na relação entre detentores do poder de comando de um
lado e destinatários do dever de obediência do outro Bobbio (1987). As concepções de Estado
formuladas por Marx e Gramsci esclarecem como, dialeticamente, o movimento entre as
classes ocorre.
Na concepção de Marx & Engels (1998), a relação entre Estado e sociedade se
inscreve pela liberalização do indivíduo das obrigações feudais e a ingerência dos modos de
produção instaurada que fundam a formação contratualista.As críticas ao contratualismo são
geradas pelas contradições provocadas pela organização social do capitalismo e pela emersão
social e política do trabalhador, denominado por ele na época de proletariado. O Estado, para
Marx, possui uma origem alicerçada na desigualdade e no conflito de classes em decorrência
do surgimento da propriedade privada, com a função de assegurar e conservar a dominação e
a exploração de uma classe sobre a outra.
Segundo Barbosa (2004), Marx empresta de Hegel os conceitos de sociedade civil
como o conjunto das relações econômicas e dos interesses privados e a sociedade política
como correspondente ao Estado. Embora Marx percebesse uma profunda conexão entre os
dois conceitos, para ele cabia à sociedade civil o papel decisivo da relação estabelecida entre
ambos. O Estado, de acordo Marx (1983), constituía-se num instrumento voltado para
garantia das próprias bases sobre as quais se apoiariam a sociedade civil. O Estado burguês,
por exemplo, protegia as relações capitalistas de produção, de forma a assegurar o domínio do
49
capital sobre o trabalho, a reprodução ampliada do capital, a acumulação privada do produto
social, a redistribuição do fundo público em benefício do capital, etc. Portanto, o Estado seria,
ao mesmo tempo, parte integrante das relações capitalistas de produção e de defesa destas.
Entretanto, segundo (MARX, 1982, p.25), “o modo de produção da vida material
condiciona o processo em geral de vida social, política e espiritual. Não é a consciência dos
homens que determina o seu ser, mas ao contrário, é o seu ser social que determina sua
consciência”. Assim sendo, as próprias contradições da vida material, a partir do conflito
existente entre as forças produtivas sociais e as relações de produção, poderiam provocar uma
ação transformadora dos indivíduos submetidos a uma condição desigual. Uma vez
organizados deveriam desenvolver uma consciência de classe liberta dos valores e das
concepções burguesas. Por isso, o Estado, na visão de (MARX apud BARBOSA, 2004, 171),
“desaparecia com o fim da ‘pré-história da humanidade’, isto é, com o fim da história humana
caracterizada pela propriedade privada e pela desigualdade social”.
Com base na concepção marxiniana sobre o caráter de classe do Estado e o seu papel
como afirmação e consolidação do capitalismo, Gramsci, por outro lado, conceitua o Estado
como “todo complexo de atividades práticas e teóricas com que a classe dirigente justifica e
mantém não só o domínio, mas consegue obter o consenso ativo dos governados [ou, ainda,
como] organismo próprio de um grupo, destinado à criar as condições favoráveis á expansão
máxima deste grupo” (GRAMSCI apud MACIEL, 2004, p. 221).
Partindo dessa definição geral, na visão gramisciana o Estado não só como aparelho
político-jurídico de dominação social, especializado na coerção e repressão, mas também
como aparelho ideológico-cultural, capaz de obter o consenso social para a classe dominante.
Daí emerge sua teoria de ‘Estado ampliado’, ou seja, o conjunto articulado entre sociedade
política e sociedade civil que organiza e conecta as diversas faces do sistema de dominação
social: “o mundo da produção, a infra-estrutura e o mundo da política e da ideologia, a
superestrutura” (MACIEL, 2004, p.221).
Para Gramsci, o conceito de Estado, em sentido amplo, traduz-se na articulação entre
sociedade civil, por meio dos aparelhos privados de hegemonia e o aparato burocrático civil
militar, ou seja, o Estado no sentido estrito. Os diversos aparelhos privados de hegemonia são
formados pelos partidos, pelos jornais, pelas igrejas, pelas associações, etc. Na acepção
Gramsciana, o Estado (sociedade política) e sociedade civil estão ligados como partes de um
mesmo sistema de dominação social, cabendo observar como a sociedade civil se insere nessa
dinâmica, se conquistando o consenso ou não para o grupo dominante, como afirma Maciel
(2004):
50
Por isso, fazem parte da sociedade civil tanto os aparelhos privados de hegemonia
quanto os de contra-hegemonia. Estes encontram-se ligados às classes subalternas e
funcionam no sentido de disputar a hegemonia no seio da sociedade, combatendo a
visão de mundo dominante, elaborando e propagando uma visão de mundo
alternativa e organizando a ação político-prática dos grupos subalternos (MACIEL,
p. 223, 2004)
Maciel (2004) ressalta que a distinção de Gramsci entre sociedade política e sociedade
civil é estritamente metodológica, pois, na realidade, elas estão ‘organicamente’ ligadas. Essa
separação é típica da teoria liberal para justificar que a diminuição do Estado e o aumento
da sociedade civil poderia gerar mais democracia e liberdade. A formulação gramsciana é
dialética, não dual na relação das duas esferas na organização social.
Partindo das duas definições esboçadas, deduz-se que a intervenção do Estado na
realidade é resultante das correlações de forças engendradas na sociedade. Assim sendo, como
corrobora BONETI (2006, p. 76), “o Estado se apresenta como apenas um agente repassador à
sociedade civil” das decisões travadas entre os agentes de poder. No bojo desse embate, como
Gramsci salientava, coexistem as relações de poder dos grupos econômicos e políticos,
classes sociais e demais organizações da sociedade que determinam um conjunto de ações à
instituição estatal, a fim de indicar os rumos administrativos, econômicos e políticos para
estruturação social.
Conclui-se que o Estado, como mediador dos anseios das forças sociais em conflito é
o responsável em promover a coordenação do ordenamento legal e implementar as políticas
sociais. A educação como uma política social, para ser legitimada como direito de todos
cidadãos, necessita da atuação estatal, mediante políticas educacionais, para assegurar acesso
como um bem público gratuito e de qualidade. Para a classe que não detém o poder
econômico para colocar seus filhos em um espaço educacional privado, condição da maioria
da população brasileira, especificamente soteropolitana, que é o recorte deste trabalho, torna-
se um imperativo de máxima urgência a expansão com condições favoráveis ao
desenvolvimento infantil do primeiro nível da educação básica.
Essa ressalva é esclarecedora porque, apesar de utilizar a máquina governamental, o
direito à educação pública, gratuita e de qualidade não é uma política de governo, mas uma
política estatal de caráter permanente que solicita a manutenção do Estado, pois é este o
gerenciador político das forças em conflito e o arrecadador dos impostos. Requer, também, o
envolvimento contínuo da sociedade civil no intuito de aperfeiçoar o acesso e permanência
qualitativa à educação, com pressões para ampliação perante os poderes públicos
51
competentes, indicando e/ou clamando o que precisa ser melhorado para promover a
emancipação humana como forma de repasse dos impostos pagos pela maioria da população
excluída do bem educativo.
2. O significado da política social na organização capitalista
Em diferentes momentos históricos, as políticas sociais sofreram oscilações no seu
provimento por representar uma faca de dois gumes: servem como condições de
sobrevivência precária ou necessária ao trabalhador assalariado e, ao mesmo tempo,
desempenham um papel de reguladora das massas, podendo influenciar no fortalecimento e
retroalimentação das diversas fases do capitalismo.
Para compreensão da política social na teia que tece a sociedade contemporânea, faz-
se necessário (re)atualizar, compreender os conceitos de cidadania e direitos. A relação
jurídica do Estado de Direito passou a gerir a vida do homem urbano a partir das Cartas
Constitucionais francesa e norte-americana e, posteriormente, reafirmada pela Organização
das Nações Unidas para escamotear as relações sociais desiguais. Após a II Guerra Mundial,
estabeleceu-se, no plano formal, direitos iguais a todos os homens. De acordo Manzini-Covre
(2006) a idéia de igualdade formal foi preconizada pela concepção de que o trabalho e a
capacidade de cada um poderiam promover condições igualitárias.
De acordo com Calil (2003), a organização da sociedade estava fundada nos ideais de
liberdade, igualdade e fraternidade da Revolução Francesa, em 1789. Esse marco histórico
consumou-se pela tomada da Bastilha - prisão política símbolo da monarquia francesa e
deflagou-se com aliança dos trabalhadores urbanos, camponeses e a pequena burguesia
comercial. Todos esses grupos sociais viviam em estado de extrema injustiça social, tendo
que pagar impostos para manter os privilégios da nobreza absolutista da época. Os pequenos
burgueses foram gradativamente se transformando em partidos de interesses e criando formas
de perpetuação no poder político, social e econômico. Nesta breve retrospectiva, pode-se
inferir que a classe burguesa, que crescia politicamente, forjou um golpe nas suas
transformações nas classes com as quais se aliou.
O leque de opções da bandeira da revolução pode ser resumida em algumas premissas.
Aliberdade abarcaria mais os direitos universais de ordem física e subjetiva, como o direito à
locomoção, expressão, crença. Entretanto, para ser livre é preciso que as pessoas sejam
52
libertas, sobretudo, da miséria e dos “subs” da vida - subalimentação, submoradia,
subeducação, subemprego. A igualdade tão alardeada restringiu-se, ao longo do século XX,
no respeito às características peculiares dos indivíduos; não que as questões de raça, cor, sexo,
estado civil, dentro outras, sejam indispensáveis, mas necessitam ser ampliadas, pois na
realidade cotidiana, principalmente na saúde e educação, consiste em tratar igualmente os
iguais e desigualmente os desiguais em ações desproporcionais.
A fraternidade, por sua vez, propunha-se a expandir os direitos do âmbito individual
para o coletivo. Neste século, foi substituída pelo lema da “solidariedade”, que, na verdade,
delega às pessoas a aquisição do bem comum. Esses ideários foram traduzidos em políticas
sociais na tentativa de amenizar suas contradições. Como afirma Marx (1818-1833), garante
apenas uma “conservação” e “reprodução” da vida do trabalhador de forma precária. Por
isso, Marx & Engels (1998) propõem uma outra sociedade:
O que o trabalhador adquire por meio de sua atividade é, pois, o mínimo necessário
para conservação e reprodução de sua vida humilde. Nós, de modo algum, temos
intenção de abolir esta apropriação pessoal do produto do trabalho, uma
apropriação que é feita para manutenção e a reprodução da vida humana e que não
deixa excedente algum que conceda poder sobre o trabalho alheio. Queremos
apenas abolir o caráter miserável desta apropriação, sob a qual o trabalhador vive,
meramente, para aumentar capital e permite-lhe viver somente o quanto o interesse
da classe governante requer. (MARX & ENGELS, 1818-1833, p. 34, 1998).
A sociedade moderna reporta-se à noção de cidadania como, apenas, uma forma de
aquisição dos direitos civis, sociais e políticos . Segundo Manzi-Covre (2006), toda vez que o
direito de dispor do próprio corpo for cerceado, a exemplo da locomoção e da liberdade de
expressão, estamos diante da negação do exercício dos direitos civis. Os direitos sociais, por
sua vez, referem-se às necessidades essenciais que repõem a força de trabalho, garantindo a
sustentação do corpo humano e que produzem o bem-estar: alimentação, habitação, saúde,
educação, previdência e outros que produzem a felicidade de se sentir gente.
Manzi-Covre (2006) define os direitos políticos como os mecanismos de deliberação
do homem sobre sua vida, incluindo nesse campo, o direito da livre expressão de pensamento,
a prática política nos organismos de representação direta (associação de bairro, sindicatos,
partidos, movimentos sociais, escolas) e indireta (parlamento, assembléias), todas as formas
de resistência às imposições. A importância do papel dos direitos políticos é auxiliar na
efetivação dos direitos civis e sociais, quando há participação ativa, ampla e crítica na busca
de acesso real para todos.
Como todos participam de alguma forma na construção das cidades na sociedade
53
capitalista, os homens que vendem sua força de trabalho de modo direto aos comerciantes ou
grandes industriais, todos, no plano formal, têm o direito de usufruir dos resultados dos lucros
da produção. A cidadania é ecoada como se a distribuição e o acesso aos direitos civis, sociais
e políticos fossem repartidos, igualitariamente, a todas as pessoas, independente de classe,
sexo, raça ou cor.
Entretanto, a luta travada entre as correlações de forças econômicas e políticas
influenciam ou determinam a obtenção de qualquer desses direitos. Como ressalta a autora:
“[...] Nesse contexto está a difícil reflexão: os direitos de uns precisam condizer com os
direitos dos outros, permitindo a todos o direito à vida no sentido pleno – traço básico da
cidadania” (MANZINI-COVRE , 2006, p.15).
A cidadania é o instrumento e a possibilidade de luta indispensável para concretização
dos direitos, a forma como os mesmos são partilhados, e a participação efetiva no processo
de decisão para auferí-los é o que caracterizará se os sujeitos sociais exerceram a sua função
enquanto cidadãos. Em uma sociedade que, geralmente, estende a integralidade dos direitos
aos proprietários da produção, a sua ação deve ser incorporada no cotidiano, na busca pela
dignidade humana. E Manzini-Covre (2006) sugere essa prática cidadã como tentativa de
superar ou minimizar esse tratamento desigual:
Só existe cidadania se houver a prática da reivindicação, da apropriação de
espaços, da pugna para fazer valer os direitos do cidadão. Nesse sentido, a prática
da cidadania pode ser a estratégia, por excelência, para construção de uma
sociedade melhor. Mas primeiro pressuposto dessa prática é que esteja assegurado
o direito de reivindicar os direitos, e que o conhecimento deste se estenda cada vez
mais à toda população. (MANZINI-COVRE, 2006, p. 10)
Daí, decorrem as seguintes questões: como essa igualdade de direitos é distribuída? E
nas mãos de quem fica concentrada a fatia privilegiada do processo de produção? Em que
condições de liberdade os trabalhadores e seus filhos se apropriam da sua existência? Nesse
sentido, Vieira (2004) ressalta um aspecto importante para compreensão crítica da política
social: na superação de classificar os direitos sociais como estatistas e não-estatístas,
propondo os primeiros como derivados da ação do Estado e os segundos como provindos dos
movimentos sociais, pontua-se que a realidade é construída pelo homem em uma relação de
cumplicidade, e o Estado é a representação de uma dada sociedade civil. O desafio da
política social é encontrar um princípio de justiça, mas seja qual for a opção ideológica que
assuma, seja da maximização da acumulação ou maximização da eqüidade, o que se obtém é a
modificação relativa do perfil de desigualdade existente.
54
Sendo assim, as políticas sociais, independente do desenvolvimento econômico da
sociedade, deveriam ser mantidas pelo poder estatal, pois ele é a representação política das
classes que convivem em constante conflito na organização social. O Estado é o espaço onde
os problemas e necessidades dessas classes deveriam ser resolvidos de forma eqüitativa, mas,
como sabemos, a disputa de poder oferece dois pesos e duas medidas. Um outro importante
aspecto a ser levantado é que as políticas sociais asseguram o mínimo para a conservação e
reprodução humana, como salientado por Marx & Engles (1998), no Manifesto Comunista.
Deduz-se também, que a configuração e qualidade das políticas sociais são traduzidas,
conforme o grau de participação, reivindicação, resistência e intervenção dos membros
oprimidos da sociedade civil.
Vieira (2004) alude às políticas sociais nos países latino-americanos como um
“arremedo” e “vítimas” da ação ou omissão dos governos que estão despreocupados com a
maioria da população e almejam atender aos interesses dos grupos econômicos e financeiros
dos países muito capitalizados, como da América do Norte, Europa e Ásia, assim como os da
própria América Latina - países que se valem de uma democracia formal, característica da
democracia liberal, pautada na representação e edificam um Estado de Direito autoritário na
prática política e na própria cultura:
São sociedades que passam por sérias transformações econômicas, que as levaram,
nos últimos dez anos ou quinze anos, a uma política econômica com política social
direcionada a cuidar momentaneamente de indigentes, de maneira focalizada,
dispersa e seletiva. Aparecem programas e diretrizes relacionados com a política
social; tais programas e diretrizes em si revelam somente pretensões de uma
política social. Quase sempre não se concretizam, apenas se transformam em
programas e diretrizes para serem exibidos à sociedade, sem intervenção nela,
porque não têm intenção de intervir, (VIEIRA, 2004,p. 104).
As políticas públicas advindas do Estado, nessa perspectiva, anunciam a correlação de
forças em um equilíbrio instável de compromissos, empenhos e responsabilidades sociais.
Revelam as características próprias de intervenção estatal submetida aos interesses gerais do
capital na organização e na administração da coisa pública, contribuindo para assegurar a
cooptação e o controle social.
Talvez a luz no fim do túnel ou a esperança de que sempre é possível nadar contra a
corrente esteja nas próprias condições de exclusão e injustiça social. Marx e Engels (1998)
apontam a possibilidade de superação, frente aos obstáculos engendrados dentro da dinâmica
dos modos de produção e organização social do sistema, pela luta coletiva desencadeada pelo
55
descontentamento e agregação consciente dos indivíduos subalternizados:
O avanço da indústria, cujo promotor involuntário é a burguesia, substitui o
isolamento dos trabalhadores, em virtude da competição, pela combinação
revolucionária, devido à associação.[...]. O que a burguesia, portanto, produz,
acima de tudo, são seus próprios coveiros. A sua queda e a vitória do
proletariado são igualmente inevitáveis (MARX &ENGELS, 1998, p . 29)
.
A expansão da igualdade, liberdade e a realização do bem comum (fraternidade) em
seu significado mais verdadeiro - a emancipação humana - poderá ser concretizada com um
posicionamento político e consciente das pessoas excluídas, a fim de evitar a aniquilação da
vida. O exercício da cidadania só tem sentido quando os indivíduos se engajam coletivamente,
não só com intuito de atender às necessidades básicas, mas, sobretudo, ao acesso a todos os
níveis de existência, incluindo o papel de cada pessoa como sujeito na realização de suas
conquistas sociais e políticas.
3. Política educacional : peças do quebra-cabeça da política social
A política educacional é direcionada por mecanismos “técnicos” que criam diretrizes,
sistematizam e regulamentam e, ao mesmo tempo, regulam os conflitos e divergências
existentes na tentativa de homogeneizar as ações. A legislação, segundo Martins (1994),
funciona como um elemento ‘técnico’ que diz ‘falar pelo povo’, exercendo um controle do
sistema escolar, visando a sua uniformização no âmbito de uma nação, de um Estado. Nesse
sentido, uma das formas de materialização de políticas sociais é a elaboração de leis.
Para entender a política educacional na esteira da política social é preciso analisar a
função da educação como um direito importante à vida plena do ser humano e os mecanismos
que operam para encaixá-la como uma importante peça de estruturação da sociedade. A luta
pela escola pública, gratuita e universal foi evocada, na idade Moderna, a partir do discurso
proferido pela ascensão da burguesia para reprodução de seus constructos ideológicos,
utilizando-se do Estado de Direito para inculcação cultural dos seus símbolos e valores. Em
contrapartida, o homem é, também, protagonista da sua história, assimilando, agindo e
reagindo na sua relação com seus pares e com a natureza. Neste trabalho será demarcada a
concepção de educação trazida por Paulo Freire (1996), por designar um papel dialético à
56
escola formal, dando relevância no que se passa dentro dos seus muros e ressoa fora deles, no
que se aprende e se educa nesse importante espaço de tensão.
Como sabemos, esse locus envolve alguns mitos e muitas esperanças, por isso, a
educação formal ministrada na escola ainda é muito cobiçada por todas as classes sociais, seja
pelo sonho de ascensão, domínio, liberdade ou transformação. A ausência de neutralidade que
cabe à educação lhe oferece um desígnio, consciente ou inconsciente, como um dos
importantes instrumentos para o homem agir no meio social. Por isso, a sua função bivalente
amedronta os que dirigem e detém o poder, assumindo um caráter de suma importância a cada
reorganização da sociedade:
[...] como experiência especificamente humana, a educação é uma forma de
intervenção no mundo. Intervenção que além do conhecimento dos conteúdos
bem ou mal ensinados e/ou aprendidos implica tanto esforço de reprodução
da ideologia dominante quanto a seu desmascaramento. Dialética e
contraditória, não poderia ser a educação só uma ou só a outra dessas coisas.
Nem apenas reprodutora nem apenas desmascaradora da ideologia
dominante. Neutra, “indiferente” a qualquer destas hipóteses, a da reprodução
da ideologia dominante ou a de sua contestação, a educação jamais foi, é, ou
pode ser. É um erro decretá-la como tarefa apenas reprodutora da ideologia
dominante como erro é tomá-la como uma força de desocultação da
realidade, a atuar livremente, sem obstáculos e duras dificuldades. Erros que
implicam diretamente visões defeituosas da História e da consciência.
(PAULO FREIRE, 1996, p. 98-99)
A cada transformação das forças produtivas da sociedade, em diferentes momentos
históricos, redimensiona-se a visão de homem que pretende formar para tentar adequar às
mudanças. A educação como uma das molas-mestras da formação humana é retomada como
uma forte aliada do processo. A conceituação apontada por Freire (1996), como prática social
humana, evidencia sua dimensão dialética e prioritária podendo subjugar ou emancipar
crianças, jovens e adultos.
Ao esboçar o conceito de política é sempre bom revisitar a acepção clássica do termo
originado do adjetivo polispolitikós - que designa tudo referente à cidade, por
conseqüência, ao urbano, civil, público, social. Partindo dessa acepção, política é um campo
de estudo da esfera das atividades humanas articuladas às coisas do Estado. Na sociedade
capitalista moderna, o Estado representa o poder político que atua na proibição, no
ordenamento, no planejamento, na legislação e/ou intervenção, sempre tentando mediar as
forças sociais em confronto, “com efeitos vinculadores a um grupo social definido e ao
exercício do domínio exclusivo sobre um território e da defesa de suas fronteiras”
(SHIROMA, 2004, p. 07).
57
Azevedo (2004) acrescenta algo muito pertinente no posicionamento da educação
como política pública. O programa de ação definido pela política educacional é construído no
contexto das relações de poder e domínio, no qual plasmam as assimetrias, a exclusão e as
desigualdades que se configuram na sociedade e na própria educação. Assim, a política
educacional formulada para cada nível de ensino, requer um olhar crítico frente à
reconfiguração socioeconômica do seu tempo, pois retrata o conjunto de significações de um
dado momento histórico e social de uma realidade.
Com base nas considerações de Shiroma & Azevedo (2004), bem como Paulo Freire
(1996), deduz-se que a política educacional, como um programa de ação que se materializa
mediante a ação das instituições do Estado, tem na máquina governamental o principal
veículo para concretizar os objetivos de reestruturação da sociedade, o que atribui à educação
seu caráter de política pública. A política educacional é um dos meios para projetar o acesso
e a formação de diversos tipos de pessoas que a sociedade necessita, definindo a forma e o
conteúdo do saber a ser ensinado para legitimar e assegurar os princípios ideológicos da
sociedade que está sendo criada ou reedificada. Seguindo essa premissa, toda política
educacional é carregada de intenções. Quando lemos as entrelinhas de suas intenções,
conhecemos que tipo de homem e sociedade pretende formar.
Toda a política educacional tem, a priori, o objetivo de “transformar”, por intermédio
da educação, os indivíduos e a sociedade em algo melhor; mas, como sabemos, determinados
grupos sociais e ideologia a define. Ao se materializar, pode educar indivíduos como massa
de manobra para os processos produtivos emergentes da estrutura econômica vigente ou trazer
à tona a exploração para imputar a consciência crítica para resistir, reivindicar e lutar por
condições humanas menos desiguais.
Azevedo (2004) propõe uma abordagem analítica no espaço de interseção entre as
abordagens liberalista e funcionalista, por ambas não atenderem à educação como uma
política pública. A vertente liberalista fundada no ideário de Adam Smith e revigorada a partir
da década de 1970 por Hayek (1944) e Friedman (1980), pelos ideais do neoliberalismo,
apregoando a desregulamentação do Estado nas políticas sociais e o mercado como regulador
e distribuidor de renda, o que causou um fosso social gigantesco, acirrando ainda mais a
desigualdade.
A abordagem funcionalista fundamentada nas idéias de Durkheim, ainda segundo a
autora, ao supervalorizar a educação, buscou posicionar a escola em um lugar privilegiado,
mas sempre com intuito de manter a ordem vigente para funcionar de forma harmoniosa e
omitir as estruturas macros que regem a relação entre capital e trabalho. A interseção da
58
autora transpõe, também, a lógica marxista na medida em que acolhe a exploração e
desigualdades denunciadas por Marx (1998), apontando como saída do quase determinismo
provocado pelas estruturas econômicas uma acepção ampliada de Estado, na visão de
Gramsci:
[...] numa acepção ‘ampliada’ do Estado como concebeu Gramsci: como instância
superestrutural que engloba a sociedade política – locus da dominação pela força e
consentimento – e a sociedade civil – o lugar desta dominação pelo
consentimento”(GRAMSCI apud AZEVEDO 2004, p. 59).
Semeraro (1999) mostra dificuldade dessa dimensão política da sociedade civil na
visão gramsciana e, ao mesmo tempo, a importância de criar condições de saída do fatalismo
e submissão das classes trabalhadoras, a fim de desenvolver forças de sua subjetividade para
alcançar uma sociedade construída pela participação de todos:
Ao direfenciar-se da sociedade política, a sociedade civil reabre a questão do
poder, uma vez que “a base histórica do Estado foi deslocada” e, com o
surgimento de complexas superestruturas, se dilatam os epaços para a
determinação de uma nova hegemonia. Nas novas estratégias de luta,
portanto, era necessário partir duma concepção ampliada de Estado e
sociedade.(SEMERARO, 1999, p. 27)
Como a política educacional está vinculada à reestruturação da sociedade de um dado
momento histórico, a sua construção, por sua vez, está alicerçada pelas forças sociais que têm
“poder de voz e decisão”. Para que os anseios coletivos alcancem as instituições do Estado,
consolidando em políticas ou programas de ação que atendam à maioria de forma digna e
universal, faz-se necessário que as pessoas alijadas do processo de construção e acesso dos
bens materiais de consumo e sociais participem, ocupando os espaços de legitimação.
A educação, como prática social humana, pode agir e intervir para reverter a política
educacional em uma política pública mais universalista. Para tanto, é preciso ultrapassar os
interesses individuais e atuar na dimensão de favorecer o bem comum de todos os sujeitos
sociais que constroem a sociedade, promovendo a consciência política das condições
concretas do sujeito, seu papel assume uma dimensão importante de minimizar ou superar a
injustiças sociais.
59
4. O Estado contemporâneo e as políticas de Educação Infantil: lacunas intencionais?
Na configuração contemporânea, a ação do Estado está à mercê dos interesses dos
grupos dominantes e do mercado, não mais por uma função mantenedora, mas como
reguladora das políticas sociais, transferindo para a sociedade civil a aquisição dos bens
básicos necessários para a existência da vida humana. Discurso legitimado pelas vigentes
transformações socioeconômicas da nova fase do capitalismo, que induziu o rompimento das
fronteiras entre os países, a perda da soberania nacional, exigindo cada vez mais um capital
humano qualificado, flexível e criativo para as novas mudanças tecnológicas fundadas na
sociedade da informação e expansão da sua nova forma de acumulação: o capital financeiro.
Culmina em um novo liberalismo econômico que vem acarretando efeitos colaterais
desastrosos para a classe que tinha pouco ou nenhum acesso à moradia, saúde, educação,
seguridade social, transporte e segurança. Nessa conjuntura, os quatros primeiros passaram a
ser objetos de luxo, mesmo sendo pagos pelos próprios trabalhadores.
Em princípios do século XX, o capitalismo entra em colapso com a crise de 29,
gerando uma grande depressão, provocando uma grande recessão, desemprego, instabilidade
socioeconômica, afetando drasticamente os Estados Unidos, bem como outros países
desenvolvidos e em desenvolvimento. Instaura-se, nesse momento histórico, um Estado
intervencionista para apaziguar as discrepâncias sociais.
Apresenta-se, a partir de meados da década de 1930, um Estado de Bem-Estar Social
configurando em uma atuação da esfera política mantenedora dos direitos sociais da
população desamparada. A segunda guerra mundial influenciou também essa nova
configuração do Estado, à medida que o flagelo social provocado pela guerra intensificava
ainda mais a pobreza dos países envolvidos. Nos Estados Unidos e Grã-Bretanha essa
intervenção dá-se em provimento de uma educação pública estatal, uma previdência social
estável, investimento em projetos habitacionais, direito à saúde pública e fortalecimento dos
sindicatos para assegurar os direitos trabalhistas do trabalhador.
No Brasil, o papel do Estado foi incrementado por um processo diferenciado das
outras nações pela cristalização de privilégios nas políticas sociais, pois o corporativismo, a
fragmentação e seletividade agregados a um forte autoritarismo político excluíam a maioria
da população. Por isso, autores como Draibe e Aureliano (1989), caracterizam o Welfare State
60
brasileiro como um sistema “meritório-particularista” uma vez que o acesso aos benefícios,
bem como ao tipo oferecido, era condicionado pela posição do indivíduo ou grupo no
mercado de trabalho.
Um dos primeiros a disseminar as idéias de um novo liberalismo econômico foi
Hayek, em 1944, no seu livro o Caminho da Servidão. A sua obra foi escrita no contexto da II
Guerra Mundial, momento que preponderava a inspiração socialista na organização da
sociedade. A economia planificada e a intervenção do Estado faziam-se presentes e eram
necessárias para minimizar as conseqüências da guerra, bem como a superação da estrutura
capitalista vigente que não garantia a tão almejada condições de igualdade proposta no início
da Idade Moderna .
Com intento de defender a propriedade privada e coibir a expansão do socialismo, pois
o coletivismo coloca em cheque o individualismo dos que detinham os meios de produção,
Hayek (1977) defende a livre concorrência e a não intervenção do Estado em todos os campos
sociais. Segundo os seus argumentos, os próprios indivíduos eram responsáveis pela ausência
da melhoria de suas condições sociais a que são expostos:
Quando a marcha da civilização toma um rumo inesperado - quando, ao invés do
progresso contínuo que nos habituamos a esperar, vemo-nos ameaçados por males
que nos parecem próprios das passadas épocas do barbarismo – naturalmente
pomos a culpa em tudo exceto em nós mesmos. (HAYEK, 1977, p.11)
No final da década de 1970, em decorrência dos declínios da acumulação do capital
nos países industrializados desenvolvidos e, posteriormente, do socialismo real dos países que
propunham uma economia planificada como a Alemanha, Itália e Rússia, começa-se a vir à
tona e germinar o discurso ideológico dos ideais neoliberais preconizados por Hayek (1977) e
Friedman (1980). Em todas as partes do mundo retoma-se o discurso da liberdade do mercado
e da ausência de intervenção do Estado nas políticas sociais e na economia. Uma das
alegações dos expoentes do neoliberalismo era que o Estado não possibilitava ao cidadão a
liberdade de escolher sobre os bens sociais e que a prática de um Estado mantenedor gerava
práticas corporativistas de interesse dentro da própria máquina estatal.
Na verdade, os argumentos eram utilizados para promover a livre concorrência e a
insurgência de uma forma de acumulação mais agressiva e sutil que era
o capital financeiro, dominante nesse regime de acumulação, vive de retiradas
sobre a riqueza criada na produção, transferidas por meio de circuitos diretos
61
(dividendos sobre o lucro de empresas) e indiretos (juros de obrigações pública) e
empréstimos aos Estados, que, por sua vez, representam retiradas sobre a renda
primária que circula nos impostos. ( CHESNAIS apud SILVA, 2001,p. 157)
Difundiu-se, a partir de então, o discurso da transferência de responsabilidade dos
indivíduos na obtenção das políticas sociais. Em relação à educação, uma das ações cabíveis
para isentar a função do poder estatal seria o trabalho voluntário. O argumento de
FRIEDMAN (1980, p. 48) era que “a cooperação voluntária não é menos eficaz para
organizar as atividades de caridade do que para coordenar a produção para o lucro”. O autor
ainda sugere em suas idéias, a atuação direta dos pais em vez do Estado, alegando que
ninguém melhor que os próprios pais poderiam prover a educação pública de qualidade. Para
tanto, os pais arcariam com os custos operacionais, exceto o pagamento dos professores que
seriam efetuados por ações voluntárias. Recursos privados substituiriam recursos fiscais.
Como podem arcar com a educação dos seus filhos se o que ganham assegura-lhes
parcos acessos aos bens sociais básicos, como alimentação e moradia, que são, ainda, bens
sociais nobres na conjuntura em que vivemos? O conhecimento dos seus direitos como
cidadãos, a luta e reivindicação em espaços públicos de discussões que trazem as angústias de
cada grupo excluído talvez sejam os primeiros passos para exigir mudanças reais no acesso e
permanência qualitativa dos seus filhos à educação.
Enquanto algumas nações tinham um Estado de Bem-Estar Social, no Brasil a
trajetória histórica demonstra, principalmente, no que se refere à educação, um Estado
preocupado com a consolidação do seu poder. Antes mesmo de se reorganizar de modo a
prover com qualidade os bens sociais à população menos favorecida, o Estado brasileiro
consentiu e implementou sua reforma para atender às políticas econômicas do neoliberalismo,
veinculadas pelos organismos internacionais.
Landin (1993), numa breve retrospectiva histórica, demonstra a configuração do
Estado brasileiro nas políticas educacionais. Segundo a autora, do período colonial até a
revolução de 30 preponderava um modelo de desenvolvimento socioeconômico oligárquico e
agrário exportador. A igreja católica, nesse período, assumia o papel do Estado por meio da
assistência aos necessitados. A partir da revolução de 30, o país se volta aos interesses
industriais, mas as obras sociais religiosas continuavam imperando; a reivindicação era que o
Estado criasse mecanismo de coordenação e fiscalização da beneficência privada. Inaugura-
se uma ampla intervenção do Estado na economia e na sociedade; enfatiza-se a diferenciação
62
da estrutura produtiva na acumulação industrial e regulação social. Na era Vargas,
importantes direitos trabalhistas foram consolidados por pressões sociais, como a
Consolidação das Leis do Trabalho – CLT (Landim, p. 23, 1993).
Landim (1993) caracterizou esse período de intervenção do Estado brasileiro como
uma “cidadania regulada”, enraizada em um sistema de estratificação ocupacional e não em
códigos de valores políticos; por isso não o denomina como um momento Walfare State como
em outras nações. As medidas nos planos sociais eram fragmentadas e tendenciosas ao
processo de industrialização emergente.
No que se refere ao atendimento da primeira infância, o Estado criou em 1942 a LBA -
Legião Brasileira de Assistência - como uma das primeiras ações efetivas do governo de
proteção às crianças pequenas. A presidência dessa instituição era designada pelas primeiras
damas da República e seu patrimônio era constituído de doações – contribuições particulares e
recursos públicos. As instituições vinculadas à LBA foram destituídas no início da década de
90, após muitas discussões quanto ao seu caráter assistencialista e não educativo, bem como
quanto aos desvios de verbas.
Com o golpe de Estado de 1964, como reação às possíveis ameaças de revolução
social, instala-se um Estado ditador passando a intervir com autoritarismo e forte regulação na
oferta dos bens sociais. A universalização da educação pública foi insignificante devido ao
alto poder de coerção do Estado. Por outro lado, houve uma maciça inserção do país na esfera
de controle do capital internacional, trazendo sérias conseqüências, mais tarde, com o
endividamento do Estado, nos investimentos, na modernização da indústria e construção de
estradas. Segundo Landin (1993), nesse período ficou difícil quantificar o universo das
entidades sem fins lucrativos que encontravam brechas para atuar.
Nos meados da década de 80, o país atravessou um momento de abertura política,
também por pressões externas. As idéias de Friedman (1980) começavam a ecoar entre as
nações com o discurso de liberalismo econômico e ajuste fiscal do Estado, entre outros. Por
outro lado, a voz dos silenciados pela ditadura começavam a se levantar, como era o caso dos
movimentos populares reivindicando seus direitos sociais.
As entidades sem fins lucrativos, atuando nas associações de bairro, movimentos
comunitários e entidades filantrópicas de diversas vertentes religiosas, passam a ter
visibilidade como formas alternativas da população marginalizada alcançar os bens sociais.
Nesse bojo, a própria constituição de 1988 garante à essas entidades o financiamento do
63
Estado para suas atividades, desde que não tenham finalidades lucrativas
10
.
Na década de 90, por influência das mudanças implementadas pelo fenômeno da
globalização (rompimento das fronteiras para acumulação do mercado financeiro) e
mundialização (divisão do mundo em mega-blocos hegemônicos de poder e dominação aos
paises periféricos), vimos a retração do Estado nas políticas sociais e o surgimento de um
forte discurso de implementação do público não-estatal.
A partir de 1995, no governo de Fernando Henrique Cardoso, é implementado, por
intermédio do MARE – Ministério de Administração e Reforma do Estado - um Plano Diretor
dessa reforma. A medida constituiu-se em uma política de privatização do público. O mentor
da reforma foi o então Ministro Luiz Carlos Bresser Pereira. A sua proposta é de
responsabilizar o chamado “terceiro setor”, “setor não-governamental” ou “setor sem fins
lucrativos” para assumir a área de oferta de serviços de educação, saúde e cultura com
financiamento do Estado na administração dos interesses coletivos públicos. Sua justificativa
é que essa prática caracteriza-se por uma participação cidadã da sociedade civil nos assuntos
públicos.
Na suas proposições para justificar a atuação dessa modalidade de intervenção, Pereira
(1999) propõe que os serviços sejam prestados por voluntários da sociedade, não por
servidores públicos, por considerar que estes oneram a máquina estatal. Discrimina quatro
esferas de propriedade no capitalismo contemporâneo: a propriedade pública estatal que
possui o poder do aparato do Estado; a propriedade pública não-estatal, que está voltada para
o interesse público e não possui fins lucrativos e é regida pelo direito privado; a propriedade
corporativa sem fins lucrativos, mas voltada para interesses de um determinado grupo ou
corporação e, por fim, a propriedade privada voltada para o lucro ou interesse privado.
Na perspectiva de atuação do Estado, indicada por Pereira (1999), a implementação do
público não-estatal, no provimento dos serviços públicos sociais, aponta as seguintes
vantagens: pluralização na oferta dos serviços, flexibilização e desburocratização da gestão
social e responsabilidade dos dirigentes e participantes da organização.
Nota-se a retirada do poder estatal como produtor direto de bens e serviços, com a
incrementação dos níveis de responsabilidade para a sociedade civil, efetuando a privatização
do público, com consentimento do Estado. A quem recorrer para reivindicar educação pública
10
De acordo preceitua o artigo 213 da Constituição Federal: “desde que comprovem finalidade não
lucrativa e apliquem seus excedentes financeiros em educação” (CF. art. 213, I).
64
e qualidade do ensino? Se todos são responsáveis, o Estado não assume nem mais a função de
mediador das atrocidades e disparidades sociais.
Na grande mídia são veiculadas propostas de responsabilidade social da sociedade
civil na oferta de ações educativas com a privatização de espaços destinados à manutenção do
poder público estatal. Sua função, apenas de regulador social, é conveniente para o acúmulo
financeiro sem fronteiras, pois os impostos são revertidos para pagamento da dívida
provocada pelas concessões dos organismos multilaterais.
A prática, no Brasil, de um público não-estatal na prestação de serviços para a
educação da criança pequena é antiga. As organizações sem fins lucrativos sempre existiram
para suprir o déficit público da oferta de atendimento. Entretanto, a partir de 1995, como uma
das proposições da Reforma do Estado, essa prática foi legalizada pelo poder estatal.
Embora a prescrição da Constituição de 1988 preceitue que a Educação Infantil “é
dever do Estado e opção da família” e a LDBEN a posicione como a primeira etapa da
educação básica, o poder estatal vem-se omitindo da sua função de ofertar creches e pré-
escola como uma política pública. Para as famílias de baixa-renda que não têm liberdade de
escolha, por questões sociais adversas, o cercear do direito dos filhos menores de 06 anos à
educação, acirrando ainda mais o fosso da desigualdade e exclusão, possibilita margem para
organizações sem fins lucrativos se firmarem de modo legítimo como público não-estatal,
fazendo com que a população busque quaisquer alternativas que estejam ao seu alcance.
O censo da Educação Infantil realizado em 2001, pelo Instituto Nacional de Estudos e
Pesquisas Educacionais – INEP - revela, por exemplo, a antiga prática voluntária na educação
das crianças de 0 a 06 anos:
A participação da sociedade na Educação Infantil por meio do trabalho voluntário é
bastante expressiva. Em 7 mil estabelecimentos, 8% do total, o cargo de direção é
ocupado por um voluntário. Existem também 5 mil escolas que têm pessoas
trabalhando espontaneamente no setor administrativo. Em serviços relacionados à
alimentação das crianças são outros 4,6 mil estabelecimentos contando com o
voluntariado.
Segundo o levantamento, o trabalho voluntário é sempre mais significativo nas
escolas onde há maior número de crianças. Naquelas têm mais de 100 alunos, o
percentual de participação na direção é de 10% dos estabelecimentos. Nos cargos
administrativos o índice é de cerca de 8%.
Em 7% das creches, cerca de 1,8 mil escolas, os voluntários são responsáveis pela
coordenação ou orientação pedagógica dos alunos. Na pré-escola existem 3,5 mil
estabelecimentos que contam com pessoas nessa mesma função. O voluntariado
também é expressivo na função de professor: 1,7 mil estabelecimentos de creche e
65
5,7 mil que oferecem a pré-escola têm a participação de membros da comunidade.
(MEC/INEP, 2001, p. 4)
Fincada em princípios da “boa vontade”, “caridade”, “solidariedade”, a ação
voluntária como uma ação permanente de trabalho esconde uma série de mecanismos
espoliativos que prejudicam a permanência qualitativa do atendimento educacional à criança
pequena. Garantem apenas o acesso precário a Educação Infantil, ainda em uma concepção de
“guardá-las”, enquanto seus pais estão trabalhando.
Quando membros da comunidade se propõem a essa prática, prejudicam a si mesmos,
pois sua força de trabalho é vendida gratuitamente, negando direitos trabalhistas básicos como
a remuneração mensal, pagamento das férias, 13º salário, enfim, desqualifica o
reconhecimento profissional dos educadores que desempenham qualquer atividade educativa
com as crianças, desde a elaboração da alimentação à realização direta das atividades
pedagógicas. O depoimento da ex-presidente e membro fundadora da Associação das
creches e pré-escolas - ACREDITE
11
- revela as conseqüências do trabalho voluntário
permanente:
[...] existe um percentual de 3% que o Município libera a cada 6
meses pra instituições comunitária e filantrópicas que são filiadas a
uma associação ou que são associadas diretamente ao Município, e
eles recebem um percentual,uma verba,que eu não sei de fato a
origem dela,mas ela é destinada à remuneração dos profissionais. Aí
esse dinheiro chega na instituição e o profissional recebe esse
dinheiro que, às vezes ,chega ao salário, mas não é uma coisa que
acontece sistematicamente, mensalmente, acontece 2 vezes no ano e
que pra instituição é um grande presente porque principalmente
chega em dezembro todo mundo quer receber um dinheirinho. Só
que acontece uma série de problemas, por exemplo, eles escrevem as
3 professoras na instituição,como todo mundo ali não tem carteira
assinada e não recebem, então o valor daquelas três é rateado pela a
zeladora, cozinheiro, por A, B e C.Então, eu que trabalhei na sala de
aula, dando aula pra 40 meninos durante os 10 meses tenho que
socializar minha remuneração, dividir com os outros profissionais
também.
12
A precariedade das relações de trabalho influencia na qualidade do atendimento, uma
11
Associação fundada em 04 de novembro de 1999, possuía até abril de 2006, 40 instituições filiadas.
Ela congrega os líderes e profissionais que trabalham nas creches e pré-escolas comunitárias, confessionais e
filantrópicas e foi criada para aprimoramento dos professores e discussão das condições de trabalho.
12
Entrevista concedia em abril de 2006, na sede da ACREDITE, localizada no Caminho de Areia, em Salvador-
BA.
66
vez que essa situação escravizante consentida gera descontentamento, cria desequilíbrio
emocional com alteração de humor, impaciência, que serão refletidos no trato com as
crianças. Ora, as pessoas da comunidade precisam de comida, de aprimoramento, de
seguridade social para usufruir desses bens sociais necessários a uma vida digna, precisam de
um valor mínimo correspondente à venda de sua força de trabalho - como essas pessoas
desempenharão satisfeitas o seu trabalho se o básico, para garantia de sua sobrevivência, é
negado?
Um outro grave problema é a formação dessas pessoas. Geralmente, o único requisito
para ocupar uma função nessas instituições, que emergem pelo empenho da população, é o
“gostar de crianças”, o que ocasiona o desconhecimento de fundamentos psicológicos e
sociofilosóficos dos primeiros seis anos de vida infantil, acarretando, mais uma vez, um
assistencialismo voltado, apenas, para o cuidado com as necessidades de alimentação e asseio
da criança, como corrobora a presidente da associação e coordenadora da creche da Baixa de
Camurugipe, em São Caetano, quando indagada sobre a sua formação e o motivo pelo qual
resolveu trabalhar com Educação Infantil: “Trabalho porque gosto de crianças, desde os 18
anos. Decidi fazer um trabalho voluntário, porque as mães sempre precisavam”
13
.
O trabalho voluntário é assumido em função de alternativas imediatas e pontuais
encontradas pela comunidade, em função da negligência do Estado de prover o seu dever
universal, gratuito e público com a Educação Infantil. Na verdade, a liberdade de escolha das
famílias de baixa renda para os seus filhos pequenos consiste na implantação de espaços
inadequados para o seu desenvolvimento, com recursos humanos despreperados para o
trabalho de Educação Infantil, arcado com materiais da própria comunidade. No próximo
capítulo, serão descritos os fatores e impasses, em Salvador, que têm dificultado o acesso e a
expansão da educação de 0 a 06 como um dever estatal.
13
Entrevista concedida em novembro de 2006 ,na residência da presidente da associação dos moradores da
Baixa do Camurugipe, em São Caetano
67
CAPÍTULO III
ACESSO E EXPANSÃO DA EDUCAÇÃO INFANTIL
NO MUNICÍPIO DE SALVADOR
1. Os efeitos da descentralização administrativa
Os documentos expressam as intenções políticas e filosóficas engendradas na
dinâmica do poder econômico e hegemônico da sociedade civil. Os aparatos burocrático-
administrativos do Estado, por sua vez, tentam traduzir os anseios resultado das tensões da
realidade.
Neste capítulo, almeja-se fazer uma análise dos instrumentos legais que versam sobre
o acesso e a expansão da educação da primeira infância e como suas diretrizes estão sendo
operacionalizadas em Salvador, a partir do decênio 1996-2006. A opção por esse período se
deu porque, após a promulgação da LDBEN nº 9.394, em 1996, uma série de
regulamentações foram estabelecidas pelo MEC e Secretarias Municipais com o discurso de
universalizar a expansão da oferta da Educação Infantil pública como direito de todas as
crianças e superar a conotação, apenas, de assistência ao seu atendimento. Além disso, o
arcabouço dessas políticas tinha como um dos objetivos descentralizar a responsabilidade de
institucionalização, repassando para o poder municipal a administração e organização da
educação inicial.
No que se refere ao âmbito nacional, foram selecionadas duas legislações instituídas
pelo MEC, para análise: Subsídios para Credenciamento e Funcionamento de Instituições de
Educação Infantil, volume I, publicado em 1998, na gestão do Presidente Fernando Henrique
Cardoso e a Política Nacional de Educação Infantil: pelo direito das crianças de 0 a 06 anos
à Educação, publicado em 2005, no Governo de Luis Inácio Lula da Silva. A escolha por
esses documentos foi motivada pela sua elaboração a cargo da instância de poder que ficaria
responsável pela institucionalização da oferta e da administração da Educação Infantil,
apontando ações para a consolidação do acesso e da expansão desse segmento.
O documento Subsídios para Credenciamento e Funcionamento de Instituições de
Educação Infantil, publicado em 1998, é composto de dois volumes. O primeiro apresenta os
fundamentos legais, princípios e orientações gerais para a educação infantil; lista
considerações sobre a formação do professor como definido na LDBEN; referencia o
68
processo de regulamentação para implantação de creches e pré-escolas públicas, privadas e
conveniadas.
O segundo volume traz algumas discussões teóricas à luz de alguns estudiosos da
infância sobre desenvolvimento cognitivo, social, afetivo e psicomotor nos seis primeiros
anos de vida da criança e a importância de valorizar a cultura da infância. Entretanto, será
tomado como análise apenas o volume I por traçar diretrizes para as categorias que
influenciam o acesso e a expansão da Educação infantil: a responsabilidade de
institucionalização e do financiamento.
O volume I reforça os fundamentos legais da Constituição de 1988 e da LDBEN nº
9.394/96 que reconhecem a Educação Infantil como dever do Estado e direito da criança,
estabelecendo os seguintes princípios gerais e orientações:
a) a Educação Infantil é a primeira etapa da Educação Básica; apesar de não ser
obrigatória, constitui um direito que o Estado tem o dever de cumprir;
b) as instituições de educação infantil são as creches que atendem as crianças de zero a
três anos e onze meses e as pré-escolas com a faixa etária de quatro a seis anos e onze
meses;
c) os espaços educativos para a primeira infância devem proporcionar condições
adequadas para a promoção do bem-estar da criança, ampliando suas experiências e
incentivando o conhecimento do ser humano, da natureza e da sociedade, cumprindo
indissociavelmente as funções de educar e cuidar;
d) as propostas pedagógicas devem contemplar a diversidade das populações infantis,
respeitando o seu grau de desenvolvimento, oferecendo o regime de funcionamento
em tempo integral ou parcial;
e) a avaliação das crianças será realizada pelo registro e acompanhamento, sem a função
de promoção, não se constituindo pré-requisito para o Ensino Fundamental;
f) todas as instituições de Educação Infantil integram o Sistema Municipal de Ensino,
devendo os órgãos responsáveis baixar normas complementares, autorizar, credenciar
e supervisionar estabelecimentos;
g) as crianças com necessidades especiais, sempre que possível, devem ser atendidas na
rede regular.
O documento ainda estabelece orientações sobre a gestão da Educação Infantil na fase
de transição para o poder municipal. Uma das incumbências seria a identificação de todos os
estabelecimentos de creches, pré-escolas e similares que oferecessem às crianças atendimento
sistemático em espaços coletivos para efetuar a orientação e o credenciamento junto ao
69
sistema. Adicionado à essa ação, as creches e pré-escolas criadas ou que viriam a ser criadas
deveriam ser integradas ao Sistema de Ensino até 1999.
No que tange à regulamentação das instituições de Educação Infantil, o documento
reitera, várias vezes, que, embora a Educação Infantil seja de competência municipal, o
Estado e a União têm o dever constitucional de prestar assistência técnica e financeira aos
Municípios para garantir o atendimento da demanda.
O documento Política Nacional de Educação Infantil: pelo direito das crianças de 0 a
06 anos à Educação, reafirma a necessidade de expandir a oferta educacional, principalmente
para as crianças de 0 a 03 anos. Estabelece que em cinco anos, a partir de 2005, deveriam ser
atendidos 30% da população de até 03 anos de idade e 60% da população de 4 a 6 anos. Até o
final da década, a meta a ser alcançada seria de 50% das crianças de 0 a 03 anos e 80% das de
4 e 5 anos. Com base nas projeções explicitadas, estabelece diretrizes, objetivos, metas e
estratégias para a Política Nacional de Educação Infantil. Além de reforçar como direito da
criança e dever do Estado o acesso a esse nível de ensino, acrescenta a gratuidade do
atendimento como uma das premissas fundamentais.
Em relação aos objetivos, adiciona quatro aspectos importantes que não foram
contemplados no documento anterior: a garantia de recursos financeiros para a manutenção e
desenvolvimento da Educação Infantil; a garantia de espaços físicos, equipamentos,
brinquedos e materiais adequados para as instituições, considerando as necessidades
educacionais especiais e a diversidade cultural; a ampliação dos recursos orçamentários do
Programa Nacional de Alimentação Escolar para as crianças; e a articulação da Educação
Infantil com o Ensino Fundamental, de forma que evite o impacto da passagem de um período
para o outro em respeito às culturas infantis e garantindo uma política de temporalidade da
infância.
Para a efetivação dos objetivos que dizem respeito ao acesso e à expansão, recomenda
que as instituições de Educação Infantil ofereçam, no mínimo, 4 horas diárias de atendimento
educacional, ampliando gradativamente para tempo integral, considerando a demanda real e
as características da comunidade atendida nos seus aspectos socioeconômicos e culturais.
Sugere também que os profissionais da instituição, as famílias, a comunidade e as crianças
participem da elaboração e implementação das políticas.
As metas para a efetivação do acesso e da expansão propostas referem-se a um
acréscimo de 50% das crianças de 0 a 03 anos e 80% das crianças de 04 a 06 anos até 2010,
mas não definem se essa projeção será para rede pública. Indicam também a aplicação de
outros recursos municipais, além dos 10% vinculados ao FUNDEF – Fundo Nacional de
70
Desenvolvimento do Ensino Fundamental.
14
As estratégias listadas no documento referente ao
ingresso e à ampliação pública da Educação Infantil são:
a) apoio técnico e pedagógico com a construção de políticas municipais, envolvendo a
formação de equipes técnicas;
b) criação de controle social dos recursos da Educação Infantil;
c) definição e implementação de ação supletiva e redistributiva da União, com base em
decisões políticas e compromissos sociais firmados nos planos nacional, estadual e municipal
de educação;
d) inclusão da Educação Infantil no sistema de financiamento da Educação Básica,
garantindo a inclusão de responsabilidade orçamentária da União para a manutenção e a
continuidade do atendimento às crianças;
e) consolidação da Comissão de Política de Educação Infantil do Comitê Nacional de
Políticas de Educação Básica e ambos como parceiros na implementação, no
acompanhamento e na avaliação da Política Nacional de Educação Infantil;
f) apoio financeiro aos municípios e o Distrito Federal na construção, na reforma ou na
ampliação das instituições de Educação Infantil, bem como na aquisição de mobiliários,
brinquedos e materiais pedagógicos.
Apesar dos avanços legislativos dotados de “boas intenções”, há sempre um
distanciamento entre o discurso legal e a realidade. As incongruências entre o que é dito no
plano formal e a concretização das políticas em relação ao acesso, à expansão e à
permanência qualitativa na Educação Infantil não é diferente na Cidade de Salvador. No
último censo de 2000, realizado pelo IBGE, a cidade contava com uma população infantil na
faixa etária de 0 a 06 anos de 294.414 crianças. Em 2004 apenas 59.697 crianças
freqüentavam creches e pré-escolas, sendo 10,6% na rede pública estadual, 26% na rede
municipal e 63,4% na rede particular .
15
A descentralização administrativa foi uma das justificativas propostas pelo Banco
Mundial para promover o ajuste fiscal dos Estados, a fim de isentar o poder estatal do seu
papel de mantenedor da educação para apenas regulador das políticas educacionais. No Brasil,
um dos efeitos imediatos da descentralização para a Educação Infantil foi a municipalização.
Essa incumbência institucional foi estabelecida na LDBEN, no artigo11, alínea V e reforçada
no documento “Subsídios para Credenciamento e Funcionamento de Instituições de
14
O Recurso, hoje, é relativo ao FUNDEB.
15
Dados extraídos do documento da SMEC Educação de qualidade, novos rumos para a cidade: política para
educação pública municipal de Salvador 2005- 2008. Esse documento constata o déficit, mas não propõe ações
para oferta da Educação Infantil.
71
Educação Infantil”, em 1998:
O Estado tem deveres também para com educação da criança de 0 a 06 anos,
devendo criar condições para expansão do atendimento e melhoria da qualidade,
cabendo ao Município a responsabilidade de sua institucionalização, com apoio
financeiro e técnico das esferas federal e estadual [grifo nosso]. (BRASIL, 1998)
Quando trazemos a responsabilidade de institucionalização da Educação Infantil pelo
poder municipal para o contexto de Salvador, detecta-se muitas controvérsias na prática dessa
diretriz. Uma delas é que desde a edição do referido documento apenas a pré-escola, ou seja, a
faixa etária de 4 a 6 anos foi incorporada à rede pública municipal de ensino.
O Município atende um total de 16.750 crianças distribuídas conforme se verifica
abaixo, na tabela do censo escolar de 2006. Os bairros de Pirajá e São Caetano são os que
atendem ao menor número de crianças porque têm poucas instituições de Educação Infantil,
apesar de possuir uma numerosa população de 0 a 06 anos e as famílias possuírem baixa
renda. A Coordenadoria Escolar da Orla é a que abrange o maior número de bairros. Apesar
de ser uma área nobre da cidade, a matrícula localiza-se nos bairros mais pobres: Nordeste,
Vale das Pedrinhas, Santa Cruz, Boca do Rio, Vasco da Gama, Engenho Velho da Federação.
Diante do número de bairros que compreende, 1.664 crianças matriculadas representam um
número pequeno, haja vista o contingente populacional da área. A mesma lógica se aplica a
Itapuã e ao Subúrbio.
Coordenadoria Regional Escolar Educação Infantil
Pirajá 847
São Caetano 1.221
Cidade Baixa 1.223
Liberdade 1.428
Cajazeiras 1.433
Cabula 1.511
Centro 1.630
Orla 1.664
Subúrbio I 1.664
Subúrbio II 1.704
Itapuã 2.425
Fonte; censo escolar 2006/SMEC
Apesar do resultado do censo escolar da Secretaria Municipal de Educação e Cultura –
72
SMEC - listar o item Educação Infantil, essa tabulação refere-se, unicamente, à faixa etária
de 04 a 06 anos. Essa constatação ficou evidenciada em entrevista com a Coordenadora do
Programa de Educação Infantil da SMEC. O Município dá alguns subsídios em apenas duas
creches: Teresa Cristina localizada no bairro de Itapuã e Vovó Zezinha localizada em
Arenoso, oferecendo professores da rede, fardamento no início do ano letivo e merenda
escolar. A cessão do espaço, bem como recursos pedagógicos, a manutenção das necessidades
infra-estruturais e apoio administrativo (merendeira, auxiliar de classe, serviços de escritório e
gerais) nas duas creches são mantidos em convênio com a organização MAIS SOCIAL
16
e a
Fundação Lara Harmonia, como afirma a entrevistada:
O próprio convênio é estabelecido por essas organizações. Por exemplo, a merenda,
coisas que precisam, são essas instituições que mantêm através de convênio. O local é
estabelecido pela instituição [creche] e não pela rede [municipal]. Agora a rede entra
com os professores (...) a merenda escolar que vai pra outra [escola], vai p’ra essas
[comunitárias] (...) fardamentos de outras escolas vão pra lá, professores também são
da rede municipal.
17
Embora a gestora afirme que o poder público municipal assuma, em parceria, as
necessidades de alimentação, professores e fardamento das crianças, ao mesmo tempo, na sua
fala, evidencia que as duas creches conveniadas com a Secretaria de Educação não são
assumidas na sua totalidade pelo poder municipal. Como ficam os recursos necessários à
manutenção qualitativa e contínua do trabalho pedagógico, a exemplo dos brinquedos
pedagógicos, materiais de consumo para as atividades, revisão das instalações infra-
estruturais e outras demandas que porventura solucionem situações que prejudiquem o
processo educativo? Apenas com a merenda, fardamento e professores é possível sustentar o
desenvolvimento das atividades com as crianças?
Durante a entrevista, a gestora da SMEC fez questão de ressaltar que o Município está
procurando cobrir o atendimento às crianças de 04 a 05 anos, indicando que a parcela de
crianças de 06 anos, a partir de 2007, estaria na 1ª série do Ensino Fundamental:
A educação infantil é até 05 anos, porque até a própria lei diz que é facultativo à
criança aos 6 anos ir para o ensino fundamental, isso já vem da LDB há muito tempo.
Com a ampliação do ensino fundamental, essas crianças vão ter... por exemplo, elas
16
Organização não-governamental que recebe apôio financeiro da Prefeitura; trabalha com jovens em busca do
primeiro emprego; com idosos realizando atividades desportivas; oferece apoio pontual para creches
comunitárias e outras entidades que trabalham com assistência na comunidade.
17
Entrevista concedida em novembro de 2006, na Secretaria Municipal de Educação e Cultura.
73
saiam da educação infantil e iam para o 1º ano de escolarização do ensino
fundamental, mas nessa classe tinha crianças de 7, 8 e 6 anos que chegavam da
educação infantil, e muitas delas nem iam pra escola, como não tem muitas escolas de
educação infantil, não tinham acesso, e só chegavam lá no ensino fundamental com 7,
8 anos, ficavam sem freqüentar a escola antes disso (grifo nosso). Com a implantação,
agora, do ensino fundamental, essas crianças vão ter a turma dela garantida, turma de
6 anos, tanto que a proposta da rede é sair da educação infantil e pra uma classe de 6
anos. Só vai ter nessa classe crianças de 6 anos ,mesmo aquelas que venham de fora,
que nunca tenham freqüentado a educação infantil, vão ficar nesta classe de 6 anos,
pra não ter essa mistura de 6,7,8 anos todo mundo junto
18
.
Antes mesmo de cumprir com o seu dever de criar espaços de Educação Infantil para
atender à demanda social existente, o poder municipal empurra o problema para outro nível de
ensino, escamoteando a ausência de cobertura da sua competência. Quando questionada sobre
o motivo pelo qual o Município ainda não havia assumido o atendimento das crianças de 0 a
03 anos, a coordenadora da SMEC apontou o financiamento como o grande empecilho para o
poder municipal, como revela em sua fala:
O Ministério Publico está fazendo várias reuniões com as redes pra
ver se essas creches passam logo pra rede municipal porque não é
mais de responsabilidade do Estado ficar com a educação infantil, só
que, como não há recursos pra educação infantil, acredito que esteja
esperando o Fundeb indicar. Mas o recurso que a SETRAS recebe
da assistência poderia estar passando pra educação, passando esse
recurso, talvez, as creches venham mais rapidamente, porque não
tem porque o Município receber essas escolas e a assistência social
continuar recebendo este recurso. Se ela não está mais atendendo
tem que repassar para o Município. Aliás, é melhor que fique por lá
a vim de forma ‘capenga’.
19
O segmento da faixa etária de 0 a 03 anos, desde a promulgação da LDBEN a maio de
2007
20
ficou vinculado ao poder estadual. As instituições que atendem essa população
estavam alocadas na Secretaria de Trabalho e Ação Social – SETRAS - e não na Secretaria de
Educação como proposto no documento Subsídios para Credenciamento e Funcionamento de
Instituições de Educação Infantil (1998). Além disso, o número de creches é insignificante
diante da demanda existente. Existem 46 (quarenta e seis) Centros de Educação Infantil que
atendem em turno integral uma parcela da pré-escola; desse total, apenas 23 (vinte e três)
recebem crianças na faixa etária de 0 a 03 anos. Conforme entrevista concedida por uma das
coordenadoras de ações de execução direta da SETRAS: “[...] atualmente há 46 (quarenta e
18
Entrevista concedida em novembro de 2006, na Secretaria Municipal de Educação e Cultura.
19
Idem
20
Devido a aprovação do FUNDEB a prefeitura assinou um termo de ajustamento de conduta, no dia 20 de maio
de 2007, assumindo totalmente as creches que estavam vinculadas ao poder estadual. Até 2008 pretende-se
concluir a transição. Ver www.htttp://açãoeducativa.org.br.
74
seis) Centros de Educação Infantil (...) mais ou menos a metade possui berçário para atender
às crianças a partir de 04 meses. Infelizmente a procura é maior que a oferta, mas não
podemos atender a todos”.
21
A vinculação das creches a uma secretaria de assuntos relacionados à assistência e
trabalho evidencia o propósito equivocado ou intencional do poder público na garantia da
educação como direito das crianças de 0 a 03 anos, o que evidencia a predominância da
concepção assistencialista para essa faixa etária. A subordinação a uma instância pública de
ações sociais flutuantes revela e reforça a visão antiga para as crianças menores na
perspectiva de amparo ao invés de direito. A educação para primeira infância deveria ser um
direito social permanente de todas as crianças independente da idade, como prescreve o
documento que estabelece os critérios de credenciamento e funcionamento, em análise:
A educação infantil tem como finalidade o desenvolvimento integral da
criança de zero a seis anos de idade, complementando a ação da família e da
comunidade. É direito inalienável da família e da própria criança,
considerada como cidadã, sujeito histórico criador de sua cultura [grifo
nosso]. (BRASIl, 1998, p. 8)
Infelizmente, a indicação dessa prerrogativa fica apenas no plano formal das leis,
talvez até por desconhecimento dos cidadãos que não possuem espaços de conhecer e exigir o
acesso aos bens sociais a que têm direito. Nesse sentido, a população sofre os efeitos de uma
descentralização administrativa mal resolvida para a Educação Infantil que camufla, na
prática, a transferência de responsabilidades.
A autonomia aparente para os municípios e para as escolas gera a transferência de
responsabilidade que recai, quase sempre, para a população sobrecarregada em prover as
condições materiais necessárias para a perpetuação da sua existência. O discurso dos que
detêm a força econômica e política é tão bem articulado e as necessidades das pessoas de
baixa renda são tão urgentes que, geralmente, não lhes dão a chance de refletir e reivindicar
por medidas amplas e concretas, assumindo o ônus da omissão dos poderes públicos
competentes de forma focalizada, como reitera Silva Jr (2004):
Formulam-se, outrossim, as políticas e avaliações e a concepção de que a autonomia é
da escola, onde estão os problemas e a solução. São questões elucubradas pelo MEC –
entre outras relevantes razões, por desconhecimento da historicidade da instituição
escolar – e que buscam proporcionar uma falsa autonomia fundada na articulação com
a comunidade e com a sociedade civil para encontrar soluções. Esse é o princípio
21
Entrevista concedida em novembro de 2006 na SETRAS.
75
fundamental da municipalização desconcentradora e de seu papel político na
reorganização da sociedade civil (SILVA JR, 2004, p. 79).
Deduz-se, então, em relação à responsabilidade de institucionalização da Educação
Infantil, que há uma verdadeira confusão de competência administrativa e organizativa. O
Município que deveria ser a instância de poder público responsável pela expansão e oferta
desse nível de ensino, nos dez anos após a promulgação da nova LDBEN em Salvador,
assumiu apenas a pré-escola.
O poder estadual que deveria apoiar o Município em regime de colaboração, na
verdade, vem assumindo uma pequena parcela da faixa etária de 0 a 03 três anos e, ainda,
atende algumas crianças na idade pré-escolar, sem nenhuma articulação com o poder público
municipal. Essa situação desencadeia um atendimento fragmentado e lacunar, levando as
famílias dos extratos sociais desfavorecidos a assumir as conseqüências provocadas pela
pseudo-desencentralização, obrigando-as a buscar alternativas para prover, além de outras
necessidades indispensáveis para sua sobrevivência, o direito à educação de seus filhos.
O confuso emaranhado de responsabilidade institucional para o acesso e a ampliação
da Educação Infantil em Salvador tem gerado, principalmente para as camadas de baixa
renda, diversos tipos de instituições e formas de ingresso nesse nível de ensino. Observa-se a
ausência do poder municipal em assumir, integralmente, a função que lhe cabe: o atendimento
de crianças de 0 a 05 ou 06 anos, bem como a quantidade incipiente de instituições providas
pelo poder estadual tem suscitado a busca de alternativas individuais e locais da população
com o objetivo de suprir a ausência do poder público.
Os estabelecimentos criados pelo empenho da comunidade totalizam um número de
176 credenciados. Desses, a maioria atende crianças a partir de 1 ano de idade, perfazendo um
total, no ano de 2006, de 16.000 crianças. O depoimento da diretora geral da Associação dos
Educadores das Escolas Comunitárias
22
revela o descompasso de responsabilidade da oferta
da Educação Infantil em Salvador:
A escola comunitária é uma necessidade no Município de Salvador e também em
outros municípios porque é ela que hoje detém a maioria do atendimento das crianças
de 01 a 06[anos]. Aumentamos muito o nosso quantitativo. Em 1985 nos reunirmos
com em média 35 instituições comunitária. Atualmente temos 176, destas 42 são das
quatro primeiras séries do ensino fundamental e 134 são creches e pré-escolas.
Atendemos um total de 16.000 crianças
23
.
22
Esta associação é responsável pelo cadastro das instituições comunitárias junto a SMEC para o repasse anual
dos 3% dos recursos e participa do Fórum Baiano de Educação Infantil.
23
Entrevista concedida na VI Conferência Municipal de Ação Social, em agosto de 2007.
76
Engloba-se, inclusive, as instituições privadas de pequeno porte dos bairros afastados
do centro da cidade como “comunitárias”. Como podemos perceber no depoimento da
fundadora da ACREDITE:
O que é realmente a educação comunitária? Que a gente entende que historicamente
perdeu a característica dela, não é mais o mesmo modelo de comunitária do passado.
A creche comunitária que eu compreendo deveria ser aquela creche que é gerida,
administrada, coordenada e concebida por uma comunidade que precisa daquele
serviço. Mas a creche comunitária de hoje se mistura entre filantrópica, confessional,
escolinha particular, particular para pobre (que a gente tem colocado esse nome) tem
particular para pobre e particular para pobre-pobre. Mas a comunitária que eu
compreendo é ligada ao movimento daquela comunidade, que conhece aquela
realidade, que vai ter um foco até no Projeto Político-Pedagógico da instituição de
acordo com o perfil social e cultural da sua realidade. Infelizmente o PPP tem servido
apenas para legitimar a instituição, pra registrar no MEC, na Secretaria Municipal da
Educação.
Hoje o papel da creche comunitária tem sido suprir a ausência do Município, aliás,
não só hoje, sempre foi, e cada vez mais, porque mesmo agora sendo uma
responsabilidade do município assumir, essa transição de tirar a creche do Estado para
o Município tá sendo uma confusão muito grande porque têm questões diversas
24
.
A gratuidade como princípio fundamental do direito das crianças pequenas em
instituições públicas, como disposto no documento Política Nacional de Educação Infantil:
pelo direito das crianças de 0 a 06 à educação, vem sendo camuflada com acesso em
instituições de pequeno custo, muitas delas apoiadas no discurso da educação comunitária. O
pagamento da mensalidade é efetuado desde alimentos entregues pelas próprias famílias ou
valores em espécie, que variam de R$ de 10,00 (dez reais) a R$ 100,00 (cem reais), no
mínimo. O mais agravante é que a clientela é composta, na sua maioria, por mães solteiras,
diaristas ou empregadas domésticas, que a muito custo se desdobram no pagamento do
aluguel de suas moradias, alimentação e encargos com fornecimento de água e luz, como
revela o depoimento das coordenadoras de duas instituições, no bairro de São Caetano:
É recolhida uma taxa da mensalidade... por ser comunitária nós cobramos uma taxa
menor que a redondeza, p’ra gente manter o aluguel, as meninas também, porque elas
fazem um trabalho voluntário, mas nós damos uma gratificação mensal para elas, a
gente precisa dos pais em relação à isso e ao aluguel.
25
As mães não pagam uma taxa, mas semanalmente contribuem com um quilo de
alimento. Todas são empregadas domésticas e faxineira, elas não podem nem dar
mais, não têm de onde tirar, ou então não vão conseguir viver.
26
24
Entrevista concedida em abril de 2006 na sede da ACREDITE.
25
Entrevista realizada com a vice-coordenadora da Creche Escola-Didática Arco-íris, localizada no bairro de São
Caetano, em junho de 2007, concedida na sede da instituição.
26
Entrevista realizada com a presidente e coordenadora da Creche da Associação da Baixa do Camurugipe e
Rua Fonte da Bica de Baixo, em novembro de 2006, cedida na sua residência em São Caetano.
77
Outro aspecto importante a ressaltar é que a concepção de educação comunitária,
cunhada pelos movimentos sociais das décadas de 1970 e 1980, também é esvaziada,
perdendo-se o caráter político, contra-hegemônico e transformador da práxis de uma
educação popular. Substitui-se por uma visão instrumental de educação, como preconizadas
por Gadotti e Gutiérrez (2001), na medida em que esses autores propõem uma perspectiva
educativa comunitária multicultural e pós-moderna adaptada à nova fase do capitalismo,
fincada no paradigma produzido pela microeletrônica, informática e globalização das
comunicações para se tornar uma “educação de ponta”. Ora, se a educação comunitária tem
que estar atrelada à lógica das forças produtivas do sistema, como poderão desvelar os
mecanismos de submissão, exclusão e interesses antagônicos de classe?
Como afirma Silva Jr. (2004), a municipalização do ensino provocada pela
descentralização do Estado desencadeia uma aparente autonomia do Município ao transferir o
fazer educacional do âmbito da União para essa esfera e, em um mesmo movimento, repassa
deveres do Estado com os direitos sociais subjetivos do cidadão para a sociedade civil. O
poder municipal tem alegado que a ausência de financiamento é o grande entrave para não
assumir a totalidade do atendimento da Educação Infantil, provocando um impasse para
expansão da oferta no Município de Salvador.
2. Os entraves da dotação orçamentária para Educação Infantil
O financiamento para a Educação Infantil se inscreve nas regras estabelecidas no
orçamento público fixadas na Constituição de 1988 e em outras legislações federais, como a
LDBEN nº 9.394/96 e a Lei nº 4.242/96 que dispõe sobre o Fundo de Manutenção e
Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (FUNDEF).
A Constituição Federal, no artigo 212, foi a primeira legislação a estipular os padrões
mínimos de recursos destinados à educação para os municípios, definindo que 25% da receita
orçamentária deveria ser direcionada para a Educação Básica. À Educação Infantil cabia
apenas 10% desse percentual, entretanto, como salienta Schoor (2004), muitas administrações
municipais se queixam dos encargos gerados pela educação das crianças pequenas, dando-
lhes um enfoque eminentemente de despesas. Desconsidera-se que nenhuma outra área de
desenvolvimento humano/social de responsabilidade das administrações públicas é mais
importante do que a educação, e, em especial, nos primeiros anos de vida, nos quais se
78
iniciam os processos formativos de sujeitos autônomos, criativos e questionadores,
características indispensáveis para independência política, econômica e intelectual de um país.
Os municípios, quase que na sua grande maioria, não arcam financeiramente com
recursos específicos para a primeira infância, concebendo-a como despesa e não como
investimento, como nos demais níveis da educação. Talvez por não trazer de imediato ou em
curto prazo os interesses formativos para desenvolvimento social e econômico do sistema.
Apesar do documento Subsídios para Credenciamento das Instituições de Educação
Infantil dispor que “O Estado e a União têm o dever constitucional de prestar assistência
técnica e financeira aos Municípios para garantir o atendimento à demanda. Vê-se que a
educação infantil não é exclusividade da competência municipal. A prioridade legal é uma
tarefa que deve ser compartilhada entre os Estados e os Municípios com o apoio, incentivo e
colaboração da União” ( Brasil, 1998, p. 17). Em Salvador, a colaboração mútua entre as três
esferas de poder nunca saiu do universo abstrato das leis.
A falta de um fundo específico para a Educação Infantil tem gerado negligência dos
poderes públicos na cobertura desse nível de ensino em Salvador. Embora a cidade tenha uma
receita razoavelmente alta advinda do turismo e do comércio, como discriminados nos dados
do IBGE em 2000, a maioria das crianças de 04 a 06 anos, quando conseguem se matricular
em uma instituição pública, freqüentam turno parcial e a faixa etária de 0 a 03 quase não tem
acesso.
Geralmente, a referência ao financiamento nos instrumentos legais são bem gerais,
exceto no documento Política Nacional de Educação Infantil: pelo direito das crianças de 0 a
06 anos, que designa como fonte de financiamento para oferta, ampliação, aquisição de
materiais pedagógicos e infra-estruturais das instituições um valor percentual do orçamento
municipal destinado ao ensino. Lê-se em uma de suas metas que “todos os municípios devem,
além de outros recursos municipais, os 10% dos recursos de manutenção e desenvolvimento
do ensino não vinculados ao Fundef sejam aplicados, prioritariamente, na Educação Infantil”
(BRASIL, 2005, p. 21).
Entretanto, o atendimento da Educação Infantil, desde a LDBEN, não tem sido
prioridade em Salvador. O poder municipal sempre alegou não possuir condições financeiras
de incorporar todo o segmento da Educação Infantil. Em um dos jornais de grande circulação
da cidade, o prefeito reafirma esta justificativa: “afinal, Salvador faz parte dos 82% das
cidades que, segundo a União dos Municípios Brasileiros, declararam não ter como atender à
demanda da educação infantil com recursos próprios”(Correio da Bahia 30/05/2007).
A isenção de arcar com os custos das instituições públicas que atendem de 0 a 05
79
anos tem resultado na terceirização dos serviços, justificando o enxugamento da máquina
estatal. Essa forma de contratação provoca alta rotatividade de pessoas que, muitas vezes, não
têm compromisso com os princípios norteadores dos centros de Educação Infantil, podendo
acarretar descontinuidade no trabalho desenvolvido com as crianças e, conseqüentemente,
trazer prejuízos na formação de vínculos afetivos tão necessários para as crianças se sentirem
acolhidas e amadas. Essa prática foi constatada na fala da coordenadora da SETRAS:
O apoio financeiro, nutricional e infra-estrutural é realizado por empresas
contratadas para esses serviços e algumas fundações Em relação à FASEC, o
pessoal é contratado e permanece até esse contrato ser renovado. Têm
algumas pessoas que são da educação e que estão também trabalhando na
creche, mas são poucos os casos. Existem pessoas que são da FUNDAC que
estão também nessas atividades, mas a maioria do pessoal, salvo engano, são
da FASEC.
27
Tanto nas falas das gestoras das instâncias estadual e municipal, bem como da
representante dos movimentos de base, a ACREDITE, evidencia-se grande expectativa em
relação ao Fundo da Educação Básica – FUNDEB:
Está vindo um sonho que com o FUNDEB as coisas serão solucionadas, mas
eu questiono administração desse dinheiro. Como vai acontecer? Será que
eles vão simplesmente aceitar que o quadro que existe hoje seja do
profissional que vai receber a remuneração ou vai fazer algum concurso p’ra
entrar? E se isso acontecer, como é que fica a história da instituição, a
concepção daquilo que chamamos de comunitário? A creche comunitária
deixa de existir. (Representante da ACREDITE)
28
O Ministério Público está fazendo várias reuniões com as redes (municipal e
estadual) pra ver se essas creches passam logo pra rede municipal, porque
não é mais de responsabilidade do estado ficar com a educação infantil. Só
que como não há recursos p’ra educação infantil acredito que esteja
esperando o FUNDEB ( Coordenadora da SMEC).
29
Esse fundo tem a pretensão de apoiar financeiramente as instituições públicas e as
entidades privadas, sem fins lucrativos, com a manutenção infra-estrutural e de pessoal da
Educação Infantil e do Ensino Fundamental. Significa que há muita demanda, pois atender a
todos os dois níveis do ensino básico, as instituições públicas, filantrópicas, confessionais e
comunitárias não será tarefa fácil. Severino (2005) alerta-nos para essa ambivalência na
distribuição de recursos públicos: “a questão do repasse de verbas públicas a instituições
privadas continua envolta na penumbra de ambigüidade que sempre obscurece a política de
27
Entrevista concedida em novembro de 2006 na SETRAS.
28
Entrevista concedida em abril de 2006 na sede da ACREDITE.
29
Entrevista concedida em novembro de 2006 na SMEC.
80
utilização dos recursos financeiros de origem pública no custeio da educação” (SEVERINO,
2005, p. 39).
Caso esses recursos não sejam distribuídos eqüitativamente e fiscalizados pelos
membros da sociedade civil poderão ser desviados ou direcionados para necessidades
supérfluas e a expansão da Educação Infantil, assim como a melhoria das condições da oferta
corre o risco de ficar mais penalizada. Para evitar a continuidade das conseqüências negativas
para esse nível de ensino, é preciso considerar o empenho das manifestações dos fóruns
regionais, segmentos de base e estudos que reforçam a sua relevância para o processo
educativo da criança pequena.
3 O sentido da participação na proposta de Educação Integral e Integrada do
Município de Salvador
Uma das recomendações do documento Política Nacional de Educação Infantil: pelo
direito das crianças de 0 a 06 anos refere-se, como uma das ações para expansão da
Educação Infantil, a participação dos profissionais das instituições e da comunidade na
elaboração, implementação e avaliação das políticas públicas. O discurso da participação
sempre vem à tona quando há descontentamento na aquisição de algum bem social; os
encaminhamentos das discussões durante o processo, no entanto, definirão se contemplou os
anseios de todos os envolvidos ou as decisões ficaram nas mãos de poucos, como geralmente
acontece na democracia representativa.
Bordenave (1994) justifica que as razões do entusiasmo atual pela participação se dão
por oferecer vantagens, tanto para os setores progressistas que desejam uma democracia mais
autêntica, como por aqueles desfavoráveis aos avanços populares. Isso porque a participação
pode promover objetivos de liberação e igualdade ou manter a situação de controle de muitos
por alguns.
Apesar de a participação ativa proporcionar a consciência política das forças
populares, pois fortalece o seu poder de reivindicação, preparando-as para adquirir mais
poder na sociedade, muitas vezes a função da participação assume uma conotação meramente
formal de fazer parte, ao invés tomar parte das decisões. Bordenave (1994, p. 23) salienta
que “a prova de fogo da participação não é o quanto se toma parte, mas como se toma parte”;
esta postura é o que diferencia uma participação ativa da passiva e distingue o cidadão inerte
do engajado.
81
O autor traz uma conceituação importante nos processos de participação. Muitas
pessoas participam em associações atuando apenas no plano micro da realidade, embora não
pretendem unicamente tirar benefícios pessoais e imediatos. Às vezes, pensa-se, de forma
errône, que a participação social é a soma das associações de que se é membro ativo. A
participação social implica em uma ação de intervenção nas lutas sociais, econômicas e
políticas do seu tempo. Como corrobora Bordenave (1994):
A macroparticipação, isto é, a participação macrossocial, compreende a intervenção
das pessoas nos processos dinâmicos que constituem ou modificam a sociedade,
quer dizer, na história da sociedade. Sua conceitualização, por conseguinte deve
incidir no que é mais básico na sociedade, que é a produção dos bens materiais e
culturais, bem como sua administração e seu usufruto (BORDENAVE, 1994, p.
24).
O documento Políticas e Diretrizes para o Desenvolvimento Infantil Integral e
Integrado, elaborado pela Prefeitura Municipal de Salvador, em 2004, na gestão do prefeito
Antonio Imbassahy, revela os conflitos e características de uma participação em perspectiva
de fazer parte formalmente do processo de construção. Cada segmento buscou atender os
seus interesses, esquecendo-se da necessidade mais ampla da universalização da Educação
Infantil. Os compromissos supra-partidários e corporativistas dificultaram a tradução de um
documento que respondesse às demandas sociais.
A opção de analisar este documento foi desencadeada, também, por ser o primeiro e
único documento até 2006 a propor ações de expansão da oferta da educação inicial no
Município de Salvador, principalmente para as crianças oriundas das camadas sócio-
econômicas desprestigiadas.As Políticas e Diretrizes para o Desenvolvimento Infantil
Integral e Integrado, contou com a participação da Secretaria Municipal de Educação e
Cultura – SMEC, Secretaria Municipal da Saúde – SMS, Secretaria Municipal do Trabalho e
Desenvolvimento Social – SETRADS, Instituo de Ação Comunidade - IAC e o UNICEF
uma série de proposições foram traçadas com intuito de promover ações integradas com esses
órgãos do município para o cumprimento dos direitos da criança em todos os aspectos
imprescindíveis para o seu desenvolvimento, a educação para primeira infância é uma das
metas prioritárias a ser alcançada.
O processo de construção desse documento foi marcado pela articulação e conflitos
político-partidários dos órgãos públicos e entidades representativas da sociedade civil,
principalmente, aquelas coligadas às instituições comunitárias. O primeiro ponto a destacar
como análise é a entidade que ficou responsável pela coordenação dos trabalhos, a AVANTE,
82
organização não-governamental contratada pelo UNICEF para coordenar os trabalhos. Apesar
de a esfera Municipal ser a responsável pela expansão e administração da Educação Infantil, a
Secretaria de Educação entrou como convidada e não como coordenadora e articuladora dos
trabalhos. Na fala da coordenadora da Educação Infantil da SMEC da época verifica-se o
desencontro de competência no direcionamento das discussões.
Na verdade a construção do documento foi provocada pela iniciativa do UNICEF,
né? partiu de uma organização não-governamental. O UNICEF por conta do
atendimento à infância ele contratou uma ONG, a AVANTE que, praticamente
coordenava no sentido de mobilizar, né? que era financiada pelo UNICEF para
fazer isso.
30
Observa-se a existência de controvérsias no motivo que desencadeou a construção do
documento. Para a ONG que coordenou a construção do documento o motivo principal era porque não
existia um documento que regulamentasse a Educação Infantil no Município, como se verifica na fala
da sócio-fundadora da AVANTE, responsável pela coordenação dos trabalhos no período:
Bom, primeiro porque não existia antes nada que regulamentasse ou que definisse,
orientasse a educação infantil no município. Esse foi um esforço que foi feito, que
decorreu de um projeto elaborado pela AVANTE com o apoio do UNICEF e da
Secretaria Municipal da Educação o projeto se chamava Atenção Integral Integrada
ao Direito da Criança.
31
Então, esse Projeto foi feito durante três anos inicialmente
com Centros de Educação Infantil Comunitários, depois foi incorporado o trabalho
da Secretaria também com um Centro da Educação Infantil Municipal Cid Passos
que funcionou um pouco como piloto desse projeto, como modelo de uma Atenção
Integral Integrada, né?
32
Na fala da representante da Associação das Escolas Comunitárias, no entanto, o
motivo pelo qual desencadeou a construção do documento foi a pauta de reivindicações das
instituições oriundas das comunidades que assumiam uma parcela significativa da Educação
Infantil: “O que provocou a constituição do documento é que existe, né? A escola
comunitária, uma necessidade no município de Salvador, né? E também em outros municípios
porque é ela que hoje detém a maioria do atendimento a crianças de 0 à 06 anos da Educação
Infantil.”
33
A parceria estabelecida na construção do documento evidencia o deslocamento do
30
Depoimento da ex-coordenadora da Educação Infantil da Secretaria Municipal de Educação da época
,entrevista concedia em agosto de 2007, no Centro de Educação Municipal Cid Passos.
31
O projeto Atenção Integrada e Integral reuniu 30 educadores, 30 profissionais de apoio, 30 técnicos em saúde
do governo municipal e 100 agentes comunitários para ensinar às famílias o que elas podiam fazer por suas
crianças. O projeto atendeu 530 crianças em Salvador. Foi coordenado pela AVANTE e apoiado pelo UNICEF.
32
Entrevista realizada em novembro de 2007, na sede da AVANTE.
33
Entrevista concedida na VI Conferência Municipal de Ação Social, em agosto de 2007.
83
papel das ONGs nas relações com o Estado e as lutas dos movimentos sociais. De acordo
com Montaño (2002), as organizações não-governamentais nos anos 70 e 80 desenvolviam
em geral uma estratégia de enfretamento ao sistema seja via demanda ao Estado ou
organização de manifestações populares que, ao lado dos movimentos socais, gradativamente,
passaram a ser os atores principais. Ainda segundo o autor, as agências multilaterais passaram
a financiar essas organizações com idéias anti-estatais para intervir nos movimentos sociais
com potencias de conflito, funcionando como ‘amortecedor social’.
A partir da década de 1990, com maiores possibilidades de obtenção de recursos e
apoio do próprio movimento social, pois, muitas vezes, as ONGs contratavam os próprios
portadores de carências materiais, geralmente “militantes”, o que acarreta a adesão e
credibilidade junto os protagonistas dos movimentos sociais. As ONGs passam a estabelecer
uma relação com o Estado clientelista por apresentar maior eficiência gerencial, atuando
como parceiros. Outra conseqüência é a alteração da relação movimento social-Estado, que
ao invés de fazerem a interlocução direta, passa a ser intermediada pelas ONGs, podendo
acarretar em um relacionamento despolitizado e funcional ao projeto neoliberal, cujos
motivos são explicitados por Montaño (2002):
[...] as ONGs passam a ter mais espaço na mídia (...), maior respaldo e
credibilidade social; sua atual lógica gerencial dá-lhes um ar de maior eficiência
que, num contexto altamente meritocrático, passa a constituir uma distinção central
com movimentos sociais. Assim, nos anos 90, as ONGs crescem em quantidade e
em número de membros, enquanto os movimentos sociais seguem o caminho
inverso.
O Estado e as agências internacionais não o mais “obrigados” a tratar diretamente
com os movimentos sociais, mas agora a relação é de forma indireta, intermediada
pela ONG, mais “eficiente”, mais “razoável”, mais “bem comportada” e, além
disso, estes organismos podem escolher seu parceiro, seu interlocutor, definindo a
ONG com a qual tratarão. (MONTAÑO 2002, p. 272-273).
Gohn (2005) também faz uma crítica da assessoria das chamadas organizações não-
governamentais, salientando que essas instituições por assumirem “a dianteira dos
movimentos sociais”, muitas vezes, não compartilham os conhecimentos técnicos para suas
bases e lideranças. Dentro da perspectiva de “eficiência gerencial” a ONG AVANTE elaborou
com o apoio da Secretaria de Educação que seria a principal executora, bem como os demais
órgãos públicos ligados à Saúde e Assistência Social, um documento preliminar para que as
entidades representativas da sociedade civil pudessem fazer suas contribuições. O projeto
tinha como um dos principais objetivos articular os programas das Secretarias da Educação,
Saúde e Ação Social para não haver superposição de recursos. Os eixos norteadores eram
84
construir coletivamente um conjunto de políticas que incorporasse o significado da infância e
do direito da criança à educação, à saúde e a assistência.
Em relação à Educação o Município de Salvador, ficaria responsável pela qualificação
de recursos humanos e pela incorporação progressiva das creches e pré-escolas comunitárias e
confessionais à Rede Pública Municipal de Ensino, pautando os aspectos pedagógicos nas
Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação Infantil. O intuito do texto preliminar era
promover a divulgação e discussão para o documento definitivo, junto às comissões da
Câmara de Vereadores relacionadas com o tema e aos Conselhos Municipais de cada
secretaria que deveria prestar a atenção à criança de 0 a 06 anos.
De acordo com a coordenadora da AVANTE as contribuições das entidades ligadas às
instituições comunitárias foram muito poucas, bem como do sindicato da Associação dos
Profissionais Licenciados da Bahia – APLB, como relata em entrevista. A todo momento, no
decorrer da entrevista, a coordenadora se justificava que quando se referia “a gente”, estava
englobando os órgãos públicos que participaram da elaboração do documento:
As escolas, os professores, as escolas, as instituições comunitárias da AEC as
representações, né? O sindicato, a APLP, a gente teve pouca contribuição para a
construção do documento, mas tivemos essa etapa e em seguida com o pouco que a
gente recebeu continuando a discutir, continuando a trabalhar a gente... quer dizer
surgiu esse documento a idéia que esse documento fosse, ele foi anunciado pelo
prefeito. À época ele foi lançado oficialmente, inclusive numa reunião lá na Cid
Passos foram convidados todos os professores da educação infantil, os centros de
educação infantil comunitários, representações da área, apresentou-se o documento
final.
[...] tinha sido pensado fazer uma grande conferência para a apresentação do
preliminar e depois teve uma devolução. Não chegou a ter esse grande, essa grande
apresentação. O documento foi apresentado, foi distribuído e a gente esperou
receber as contribuições, como eu te falei, praticamente não vieram, vieram muito
poucas, então a gente não teve, não vou dizer que teve confronto não, a gente teve
talvez até mais dificuldade em ser como a gente queria as coisas. Eu tô dizendo nós
as secretarias e os órgãos públicos envolvidos
34
No depoimento da representante das instituições comunitárias, entretanto, ficou
evidente que aconteceu uma vasta discussão nas suas bases, com dezessete reuniões em
modalidade de seminários, abrangendo os bairros que mais atendiam à população menos
favorecida da cidade de Salvador. Extraindo relatórios com pauta de reivindicações dos
Centros de Educação Infantil Comunitários, a fim de sanar vários problemas infra-estruturais
dos estabelecimentos, as condições salariais dos trabalhadores dessas instituições e o
34
Sócio-fundadora da AVANTE e coordenada dos trabalhos de elaboração do documento, realizada em
novembro de 2007 na sede da instituição.
85
reconhecimento do “saber construído nas comunidades”, como um saber legítimo:
Dentro do âmbito das escolas comunitárias nós fizemos dezesete reuniões em
núcleo, né? Que abrangia desde Porto Santo, né? Até o Calabar, né?(...) A maioria
da concentração delas está no subúrbio ferroviário, Plataforma, Escada, Ilha
Amarela, Rio Nilo, Nova Constituinte, Periperi, nessa faixa aí, então assim nós
nucleamos as escolas, né? E fizemos esses dezessete encontros, depois fizemos um
encontro final, um seminário que foi de dois dias, do qual nós encaminhamos as
necessidades para que a equipe da Secretaria que estava formulando esse plano,
contemplasse os desejos, as discussões das escolas comunitárias.
35
Os principais itens identificados nos fragmentos de relatórios do arquivo da AEC
como demandas e necessidade dos Centros de Educação Infantil para serem contempladas no
documento Políticas e Diretrizes para o Desenvolvimento Integral e Integrado, discutido
nessas reuniões foram: a reinteração das leis que garantem o apoio técnico, material e
financeiro dos poderes públicos às escolas comunitárias; falta de escolas de qualidade nas
comunidades mais carentes; a população de crianças de 0 a 03 anos fora das creches; abaixo-
assinado, passeatas e convites às autoridades para que visitassem os bairros e sentissem suas
necessidades. Segundo os relatórios não faltaram esforços, mas os resultados foram mínimos;
avanços na resolução dos problemas da falta de escolas nos bairros; na formação dos
educadores, no aproveitamento do saber popular, como um saber de resistência;
instrumentalização dos educadores comunitários para o enfrentamento e combate ao
analfabetismo e propor alternativas que enriquecessem a valorização das Escolas Públicas
Comunitárias
do Estado da Bahia. Pauta antiga de reivindicação conforme expressa a presidente da
AEC:
Os anseios das escolas comunitárias eram... a gente... todo documento que você
pega de elaboração vem desde 1985 quando as escolas estavam assim no antro (sic)
das suas organizações, praticamente seriam as mesmas coisas; formação de
professor, espaço físico adequado, financiamento, recursos, merenda escolar,
material didático e uma atenção integrada à criança.
36
O clamor durante a construção do documento das instituições comunitárias, que se auto
conclamam como “públicas comunitárias”, não se fez ouvir como co-partícipe da elaboração do
documento, pois, segundo a representante da AEC, as reivindicações do movimento não foram
contempladas no documento, a participação foi apenas pró-forma:
35
Entrevista concedida na VI Conferência Municipal de Ação Social, em agosto de 2007.
36
Idem
86
Aliás, nesse documento a gente teve uma critica muito séria que apesar da escola
comunitária ser organizada e ter participado de toda elaboração desse documento
não tem assim a cara dela, nós nos sentimos assim, né? Bem tímidos nesse
documento que ele não faz referência que deveria ter sido feita diante da
participação ativa da escola comunitária.
O impasse é que eles... não respaldaram os anseios de... vamos dizer assim, ele não
tem a cara da escola comunitária, eu me lembro que na época eu discuti com a
coordenadora do documento que era Dalva, antes, né? E quem... era a sub-
secretária e ela me dizia assim: “esse documento é para o sistema de educação do
município ele não vai servir pra escola comunitária, não podemos apresentar um
documento para o sistema que tenha, na sua maioria, referências às escolas
comunitárias”, aí a gente se sente assim contemplada aqui, ali, no documento em si.
A comunidade ela não vai apresentar, apesar de ela ter apresentado, de ela ter
mostrado as suas demandas.
37
Nas vozes das pessoas entrevistadas que participaram do processo de construção do
documento ficou patente a tensão identitária dos Centros de Educação Infantil Comunitários -
CEIC. Embora se auto-declarem como públicos não-estatais, nomenclatura posta, inclusive,
no Plano Diretor de Reforma do Estado de 1995, ao mesmo tempo sofrem discriminações
para aquisição de recursos e reconhecimento dos profissionais junto aos poderes públicos.
Para as instituições comunitárias, a existência dos CEICs representa uma oposição à educação
estatal configurada, na visão do movimento, como um saber hegemônico desvinculado da
cultura e do saber popular, que pretende ser gerido pelos membros da comunidade e apoiado
pelos poderes públicos. Como revela a gestora da SMEC da época, que participou do processo
de construção do documento:
Mas, assim o centro comunitário ele tem uma grande expectativa, eles acham que a
Secretaria vai assumir, vai repassar recursos, há um repasse de 3% pra as creches
que estão credenciadas (...). A idéia é que continua do jeito que eles estão, mas que
a Secretaria financie pague o salário do professor. Quando vai para uma discussão
nos centros comunitários eles não querem passar a administração para o poder
público não, mas que o poder público financie... e esse é o grande mistério, né? O
interesse dos movimentos sociais, das creches comunitárias, das entidades
filantrópicas etc que não têm como se manter e aí fica um trabalho muito precário
no atendimento. Por um lado o poder público não assume, porque se o Ministério
Público recebe alguma denúncia e vai ver uma creche comunitária sem a menor
estrutura de atendimento, crianças em fundos de quintais, professoras sem
formação, fecha e o poder público não coloca
as crianças em outro espaço.
38
37
Entrevista concedida na VI Conferência Municipal de Ação Social, em agosto de 2007.
38
Depoimento da ex-coordenadora da Educação Infantil da Secretaria Municipal de Educação da época,
entrevista concedia em agosto de 2007, no Centro de Educação Municipal Cid Passos.
87
Observa-se na fala da coordenadora da AVANTE uma tendência dos CEICs de
preencher a lacuna deixada pelo Estado:
Porque com todos os movimentos de educação comunitária aqui no Brasil, aqui na
Bahia, particularmente Salvador, pode ser que em outros países seja diferente, eles
surgem muito em função da lacuna do Estado e não de uma proposta alternativa às
existentes, como em alguns países desenvolvidos você tem iniciativas chamadas
comunitárias que são na verdade uma contra- posição à educação, ao ensino oficial,
então eles não surgem porque não há escolas, eles surgem porque querem um
modelo diferente da escola pública. Aqui (...) com certeza não é essa origem, a
origem é a lacuna do serviço público, então as escolas se organizam. Antes a gente
tinha uma rede razoável também de escolas comunitárias de ensino fundamental,
em função da lacuna do setor público, na medida que o setor público assume essa
função a tendência tem sido uma retração, por exemplo, hoje você conta nos dedos
as escolas comunitárias de Ensino Fundamental. Eu acho que existe ainda a daqui
do Calabar, a Escola Aberta do Calabar, existe a Primeiro de Maio conserva uma
escola fundamental comunitária e a Luiza Maim que eu também não sei se tá só
com o ensino fundamental, mas a tendência é retrair porque se você tem ensino
público as pessoas acabam indo pro ensino público, né?
Na medida em que o poder público assume a educação infantil como uma
responsabilidade sua eu imagino que a tendência seja também diminuir. Eu não vou
dizer desaparecer totalmente, mas diminuir significativamente a oferta dos centros
de educação comunitários, eh... o que eu não acho ruim, acho, pelo contrario acho
que é um bom sinal, eu acho que o poder público está assumindo o que ele tem que
fazer o papel, a sua função, a sua responsabilidade e quem sabe, se numa outra
época os centros comunitários surgirem de fato como uma alternativa ao público
diferente na formatação, na formulação, né? É uma proposta de fato diferente pra
atender uma demanda real, existente, de uma diferença que eu acho que não existe
no Brasil a gente ainda não chegou nisso não, a gente ta é querendo mudar o feijão
com arroz que deveria ser obrigação do Estado, né? mas eles estão aqui
contemplados como parte do sistema, né? Inclusive isso aqui (mostra o documento)
é política de diretrizes para o desenvolvimento infantil integral, integrado na
perspectiva do sistema de educação e não da escola
municipal, dos centros de
educação infantís comunitários, entendeu?
39
Nos depoimentos das entrevistadas e nas demandas e necessidades das instituições de
Educação Infantil comunitárias, percebe-se os impasses que facilitam para que permaneça,
desde a sua origem, no início da década de 1980, assumindo de forma precária um serviço
público como a educação. Infelizmente, o sistema capitalista por meio do projeto neoliberal
que imputa como uma das estratégias, a retirada do Estado no provimento das políticas sociais
vem solapando os ideais dos movimentos sociais em relação à educação popular. Esvazia-se,
assim, os objetivos de uma escola comunitária ou CEIC que apregoa como uma de suas
premissas uma práxis educativa libertária ou revolucionária, nascida e gerida na e pela
comunidade, mas com o provimento dos recursos pelo poder estatal, sem restringir a
39
Sócio-fundadora da AVANTE e coordenada dos trabalhos de elaboração do documento, realizada em
novembro de 2007, na sede da instituição.
88
universalização da educação pública que cabe ao Estado. Freire (2000) pontua:
[...] centrando-se a educação popular na produção cooperativa, na atividade
sindical, na mobilização e na organização da comunidade para assunção por ela da
educação de seus filhos e filhas através de escolas comunitárias, sem que isto deva
significar um estímulo ao Estado para que não cumpra um de seus deveres, o de
oferecer educação ao povo ( FREIRE, 2000, p. 132).
A contradição é percebida, também, dentro dos próprios aparatos legais, como a
Constituição Federal de 1988 e a resolução do Conselho Municipal de Educação de Salvador
nº 003/99, embora definam como responsabilidade do Estado o repasse dos recursos por
considerar as instituições comunitárias, como sem fins lucrativos. Ao mesmo tempo, não as
posiciona como públicas, mas sim, como instituições de direito privado, o que pode ser uma
das conseqüências para ficarem à margem do sistema de educação do município.
Em relação aos órgãos públicos envolvidos na discussão, criou-se impasse em ralação
ao orçamento. Cada secretaria atuava de forma isolada, dentro de sua área específica.
Segundo a coordenadora da AVANTE, a proposta era que uma única fonte orçamentária
desse conta das demandas da Secretaria de Educação, Saúde e Ação Social com uma ação
integrada para a infância no município. Entretanto, não chegou a ser definido porque cada
órgão defendia a sua ótica de ação. Como revela a coordenadora da AVANTE:
(...) então eu diria que teve mais confronto, né? Nessa articulação dentro do poder
público. O que compete a cada uma, por exemplo, esse orçamento, que tem um
orçamento de ação social que era para merenda, para apoio às creches comunitárias,
tem um orçamento na saúde que se destina à vacinação, atenção aos primeiros
cuidados da criança, e tem um orçamento da educação que é pra escola, então você
tentar trabalhar isso com um orçamento só, isso a gente teve muita dificuldade, não
se chegou a definir. A perspectiva era de uma atenção integral e integrada dos
setores e eu acho que ai é que está um dos pontos mais difíceis de articular (...).
40
As famílias que tinham filhos nos CEIC Aerê e Zé Calmon de Sá e na pré-escola
municipal Cid Passos, que funcionaram como pilotos do projeto do UNICEF Atenção
Integral e Integrada à Criança, participaram de forma indireta com seminários, palestras
40
Sócio-fundadora da AVANTE e coordenada dos trabalhos de elaboração do documento, realizada em
novembro de 2007, na sede da instituição.
89
promovidas pelas três secretarias, a fim de orientar como educar e cuidar dos seus filhos. A
comissão que estava responsável pela condução do documento, aproveitou esses encontros
para fazer um diagnóstico das demandas das famílias e suas principais reivindicações eram
emprego e renda para que pudessem “criar os seus filhos”, apoio à maternidade e um serviço
de Educação Infantil que “cuidasse bem” de suas crianças.
Embora as diretrizes deste documento ainda não tenham sido operacionalizadas,
pretende-se fazer a operacionalização de suas estratégias quando todo o segmento da
Educação Infantil for transferido para a rede municipal, segundo entrevista com a gestora da
SMEC. Nessa direção, a sua análise é pertinente para o entendimento da concepção de
educação integral e integrada, tendo em vista que o mesmo poderá nortear a execução da
política pública para as crianças de 0 a 06 anos em Salvador.
No seu preâmbulo consta o perfil sócio-econômico das famílias e o número de
crianças, jovens e adultos com ingresso na escola a partir da década de 1990. O diagnóstico
indica altas taxas de desemprego, informalidade e precariedade de ocupações, assim como
pequena participação da esfera pública na oferta de Educação Infantil. Justifica-se a criação
desse documento como forma de reduzir as desigualdades sociais detectadas. As propostas
estão fundadas em três eixos indissociáveis: a atenção à criança, a proteção à maternidade e o
apoio à família. O principal compromisso é assegurar a efetivação dos direitos das crianças de
0 a 06 anos no município, tendo como objetivo integrar todas as ações dirigidas para essa
faixa etária, articulando com as ações governamentais aquelas relativas às famílias e à
sociedade civil.
Além desses itens, define a visão de criança como “[...] sujeito de direitos, cidadão em
processo e alvo de interesses, preocupações e ações”(SALVADOR, 2004, p.24). Por fim,
estrutura os princípios norteadores, diretrizes, proposições e a forma de sustentabilidade dessa
política. Estes cinco últimos itens serão focados por trazer nas linhas e entrelinhas, as
intenções de sua efetivação para educação das crianças de zero a seis anos.
O primeiro princípio norteador do documento é que “a criança é sujeito de direitos e
prioridade absoluta” ( SALVADOR, 2004, p. 28). Com base na Declaração dos Direitos da
Criança, algumas proposições são listadas para fazer cumprir o respeito a todas as
necessidades do desenvolvimento infantil. No que concerne à educação aponta em um dos
seus itens:
90
Promoção de debates e conferências com a sociedade civil sobre o direito dos
trabalhadores à assistência gratuita a seus filhos e dependentes, desde o
nascimento até seis anos de idade, em creches e pré-escolas (grifo nosso),
conforme artigo 7º inciso XXV, da Constituição Federal/88. (POLÍTICAS E
DIRETRIZES PARA O DESENVOLVIMENTO INFANTIL INTEGRAL E
INTEGRADO, 2004, p. 31).
Com a justificativa de que “a família é o espaço natural de proteção, cuidado e
educação da criança pequena”, no segundo princípio designa ao núcleo familiar a função
exclusiva de educar e cuidar a criança pequena. O mais agravante é que às famílias de baixa
renda essa prerrogativa torna-se imperativa. A esfera pública se esquiva mais uma vez de
prover a integralidade do seu dever com o discurso de participação e responsabilidade dos
membros familiares da criança. Essa intenção pode ser observada na seguinte diretriz
expressa no documento:
Promover e proteger as famílias para garantir o desenvolvimento integral e
integrado da criança, tendo como prioridade aquela pertencente às famílias de baixa
renda, com a presença de crianças pequenas no núcleo familiar, valorizando a
competência da família como direito e dever, no que se refere a cuidar, proteger e
educar seus filhos. (POLÍTICAS E DIRETRIZES PARA O
DESENVOLVIMENTO INFANTIL INTEGRAL E INTEGRADO, 2004, p. 33)
O modo como esta “proteção” às famílias se estabelecerá, consta no terceiro eixo
norteador que diz: “o Município é o responsável imediato pelo desenvolvimento infantil
integral e é a área da educação a condutora desse processo, integrada e articulada
intersetorialmente com as demais políticas sociais, com ênfase para as áreas da assistência
social, saúde e cultura” (Salvador, 2004, 36). Para a consecução dessa disposição legal, o
município propõe a “articulação de oferta de programas, projetos, serviços e atividades das
áreas de educação, saúde e assistência social não só para as crianças dos Centros de Educação
Infantil, como para as que permanecem em casa” (Salvador, 2004, p. 38).
Cada órgão ligado à educação, saúde e assistência social deveria possuir profissionais
dentro das instituições de Educação Infantil. Nota-se, todavia, uma perspectiva de
formulações de projetos pontuais direcionadas às famílias, quando na verdade deveria
universalizar o acesso com a criação de espaços físicos para educação de zero a seis anos. O
ambiente privado é um importante espaço de socialização, aprendizagens e estruturação do
desenvolvimento infantil, mas o espaço formal de educação para crianças de zero a seis anos
exerce, também, uma função ampla, enriquecedora e complementar ao crescimento da criança
pequena. Não pode, portanto, ser privilégio de poucos.
91
Contudo, as prerrogativas desse documento vislumbram um futuro de uma concepção
de educação integral e integrada desvirtuada. A criança não é vista como um ser completo
com corpo, mente e emoção agindo, simultaneamente, mas fragmenta a criança à medida que
propõe um atendimento setorizado por cada órgão. Ação “integrada” é uma forma de
justificar a substituição da educação da esfera pública para o âmbito privado. Ao debitar à
educação infantil a responsabilidade pela redução das desigualdades sociais, perpassa o
entendimento de uma função compensatória, como se em um passe de mágica a mesma
pudesse resolver as contradições estruturais da sociedade. Ficou evidente, também, que ao
Estado cabe programas pontuais das secretarias ligadas à educação, assistência e saúde com
vistas a sanar problemas pontuais que ameacem a ordem social.
92
CAPÍTULO IV
AS POLÍTICAS DE EDUCAÇÃO INFANTIL EM SÃO CAETANO:
DESVELANDO O SIGNIFICADO DE INTERVENÇÃO
A práxis, porém, é a reflexão e ação dos homens
sobre o mundo para transformá-lo.
Sem ela, é impossível a superação da contradição
opressor-oprimido.
(Paulo Freire
)
1. O Histórico da mobilização por creches e pré-escolas em São Caetano
Nesta seção do trabalho, pretende-se elucidar o espaço de tensão em que se
concentram a esfera pública e privada e, de certa forma, definem a forma e os contornos da
organização social e o papel do Estado. Como exemplo concreto será retratado a experiência
de alguns protagonistas do bairro de São Caetano na luta pela direito à Educação Infantil.
A história da mobilização por creches e pré-escolas em São Caetano se insere no
contexto mais amplo dos movimentos sociais no Brasil, no início dos anos 80, assim, como no
âmbito da conjuntura sócio-econômica da época. As diferentes instituições comunitárias
existentes foram originadas pela luta isolada de algumas mulheres ou do empenho da
associação dos moradores, mas sempre partindo da representação feminina com um propósito
comum, apesar de buscarem também benefícios pessoais e imediatos: um lugar onde deixar os
seus filhos enquanto estavam cumprindo sua jornada de trabalho.
De acordo com Gohn (2005), os movimentos sociais se organizam em função de uma
problemática urbana, seja no que tange à habitação, uso do solo ou o acesso aos serviços e
equipamentos coletivos de consumo. As creches e pré-escolas enquadram-se, nesta última
demanda social, por se caracterizar como um artefato coletivo que presta cuidado e educação
às crianças de 0 a 06 anos. A autora aponta três formas básicas de agregação das lutas
populares: as sociedades amigos de bairros ou associação de moradores; associação de favelas
e as lutas e movimentos específicos pela moradia ou por equipamentos urbanos. Embora as
três modalidades reivindiquem em torno de objetos semelhantes, as distinções se operam
93
conforme a sua origem, concepção político-ideológica, o desenvolvimento do processo
histórico, as articulações e os encaminhamentos das demandas e o produto resultante de suas
ações.
As Sociedades Amigos de Bairros ou Associação de Moradores é caracterizada por
Gohn (2005) pela política da troca de voto para melhoria infra-estrutural do bairro, não se
desenvolve uma consciência crítica de se reivindicar como um direito ou rebeldia. As ações
são efetivadas por um jogo consensual de “bom relacionamento” e clientelismo, as atitudes de
exigir ou solicitar são preteridos pelas de favor.
As Associações de Favelas, ainda conforme a autora, lançam-se na luta pela habitação
popular. Vítimas das conseqüências estruturais do sistema como desemprego, baixa
remuneração, ausência de imóveis compatíveis com suas rendas e outras precariedades,
interagem com os diferentes agentes sociais das instâncias estatais, político-partidárias,
religiosas, dentre outras, para fazer jus ao uso do solo onde deram início às construções de
suas moradias. A negociação integra desde a legalização do terreno aos aspectos básicos de
infra-estrutura, como fornecimento de água e energia elétrica com tarifa reduzida.
A terceira forma de organização popular nomeada por Gohn (2005, p.36) são as
Associações e Movimentos Comunitários: “não se organizam muito em entidades
demarcadas, mas em coletivos unificados por regiões geográficas”. A mobilização envolve os
setores mais espoliados da sociedade, as reivindicações giram em torno da noção de direitos.
Há uma divisão interna do trabalho, com coordenadores, comissões, abrangendo agentes
eclesiais de base, líderes comunitários e várias assessorias. O posicionamento político perante
as autoridades é de igualdade nas falas e nos atos.
Em São Caetano, grande parte da mobilização por espaços de Educação Infantil
assemelha-se à última forma de organização popular, geralmente, sendo representada por
mães ou lideranças da comunidade. Apresenta, concomitantemente, traços do modelo das
Sociedades Amigos de Bairros ou Associação de Moradores, porque suas lutas pairam nos
resultados imediatos sem o enfrentamento político com o Estado, característica importante das
Associações e Movimentos Comunitários. Tudo é aceitável desde que não haja suspensão do
uso do equipamento coletivo almejado, por isso a doação ou troca de favores são muito
presentes e sempre bem-vindas. Existe também, uma rede de cooperação, mas todas as ações
permanecem no universo local das necessidades.
O aparecimento de espaços alternativos de creches e pré-escola no bairro se inscreve
no contexto da década de 1980, período que houve uma estagnação econômica, perda da
qualidade de vida da população com aumento do número de desempregados e da
94
criminalidade, doenças infantis, aumento dos sem teto, sem terra, que persiste até os nossos
dias.
Ao mesmo tempo, a opressão sócio-política provocada pelo regime da ditadura foi
substituindo, aos poucos, pela aprendizagem de se organizar e reivindicar. Uma das bandeiras
era a construção de uma Nova Constituição que pudesse abarcar os anseios sociais antes
oprimidos. Como corrobora Gohn (2005, p. 58), “[...] do ponto de vista político a década não
foi perdida. Ao contrário, ela expressou o acúmulo de forças sociais que estavam represadas
até então, e que passaram a se manifestar”. Em relação às demandas da educação escolar,
creches e pré-escolas para as crianças de 0 a 06 anos foi um dos pontos de pauta.
Na conjuntura sócio-econômica e política delineada acima emergiu a primeira creche
em São Caetano, precisamente em 1984. Originou-se pelo empenho da esposa do presidente
da Associação de Moradores das ruas Nova de Camurugipe e Fonte da Bica de Baixo em
decorrência da solicitação de mulheres que necessitavam trabalhar para garantir o sustento de
sua família e não tinham com quem deixar seus filhos pequenos.
A creche atendia crianças de 01 ano a 06 anos e ficava localizada no fundo da casa do
presidente da associação. Atendia mais de 50 crianças em turno integral. A manutenção infra-
estrutural e de gêneros alimentícios era mantida por bazar, doações dos próprios moradores ou
favores de alguns políticos pela troca de voto, o trabalho era desenvolvido pela própria
fundadora, que ficava responsável, sozinha, por todas as crianças, como relata em entrevista:
Desde os dezoito anos eu sempre trabalhei com criança, sempre ajudando, fazendo
trabalho comunitário. Quando a associação foi fundada por mim e por meu ex-marido
fiquei dando aula às crianças, aqui em casa, era tipo uma creche o dia todo. Depois
com o tempo parei esse trabalho, dei um tempo, mas aí o povo não me deixava em
paz, pedindo para eu abrir uma creche. As mães choravam na minha porta dizendo que
se eu não abrisse iam pedir esmolas com seus filhos. Eu fui vendo tanta criança e o
povo pedindo, que abri aqui no fundo uma creche, uma mini-creche inicialmente, e aí
o trabalho deu certo. (...) era mais de 50 crianças que eu não dava conta, peguei um
esgotamento físico.
41
A instituição ainda existe, embora tenha diminuído o seu quantitativo por conta das
dificuldades materiais e humanas. Atende à mesma faixa etária inicial, embora, por falta de
espaço físico próprio, por um certo período o atendimento ficou sendo realizado na residência
da presidente da associação. Atualmente, possui uma sede própria construída em 2006 por
41
Entrevista realizada com a coordenadora da Creche da Associação da Rua Nova do Camurugipe e Rua Fonte
da Bica de Baixo,em São Caetano, na sua residência, em novembro de 2006.
95
doação de alguns comerciantes do bairro e políticos para barganha de voto. A sua construção
foi realizada por mutirão dos moradores.
A estrutura física é composta com uma sala grande, um sanitário e uma varanda
pequena. Atende, atualmente, 25 crianças, segundo alegação da Presidente da Associação de
Moradores, em função de não possuir o tempo que tinha antes, apesar da demanda por um
atendimento bem maia amplo. Inclusive, algumas adolescentes fazem rodízio para ficar com
as crianças durante o tempo de atendimento, que é das 8 às 18:00 horas. Conforme relato da
responsável pela creche: “Tem assim umas jovens, adolescentes de dezesseis [anos] que se
prontificam, revezando entre si, tá ali ensinando( ...) fazendo um trabalho razoável.”
42
De sua origem aos dias atuais, o movimento dos moradores deste perímetro de São
Caetano, em relação à reivindicação de subsídios como uma política mais ampla de direito da
criança e dever do Estado é ignorado. A Presidente da Associação de Moradores fica dando
“jeitinhos” para sanar os problemas, como relata em um dos trechos da sua fala: “assim as
mães ajudam no que podem, mandam uma merenda, ajudam no almoço e a gente também tem
ajuda da CEASA com a doação das frutas e verduras que eles não conseguem vender”
43
.
Evidenciou-se, também, no decurso da entrevista, uma distorção da finalidade de
atendimento dos dois segmentos da Educação Infantil. Em vários momentos o termo “creche”
se referia ao aspecto do regime de horário das crianças – turno integral, embora atendesse
crianças de 04 a 06 anos. Equívoco verificado nas demais instituições comunitárias visitadas
no bairro.
Ainda em meados dos anos 80 surgiu uma outra instituição para atender crianças
pequenas, na mesma rua, com a iniciativa de uma mulher batizada pela comunidade de “Mãe
Flor”. Como ato de “bondade” ela fundou uma creche e pré-escola, de turno integral, que
atendia em média 100 crianças
44
. Segundo depoimento das professoras, a instituição ainda é
“comunitária” – filantrópica e atende crianças de 2 a 06 anos. No ano 2006 obtive
informações de que a escola atendia apenas crianças do Ensino Fundamental.
O silêncio de “Mãe Flor” e seu mistério em relação aos fatos da fundação e o motivo
pelos quais criou a sua creche e pré-escola, não é só para mim, mas para as outras lideranças
do bairro também. Em conversa informal uma ex-diretora da associação alertou: “ela é um
42
Entrevista realizada com a coordenadora da Creche da Associação das Ruas Nova Camurugipe e Fonte da
Bica de Cima em São Caetano, na sua residência em novembro de 2006.
43
Mercado que vende frutas, legumes e outros gêneros alimentícios em Salvador. Consideramos preocupante a
qualidade dos produtos que o mercado “não consegue vender”.
44
Infelizmente não foi possível fazer entrevista com Mãe Flor por sua recusa. Várias vezes fui à instituição, que
se localiza no pavimento abaixo de sua residência, mas as professoras informavam que ela não estava. Consegui
em um dado momento falar ao telefone com ela, entretanto foi ríspida e incisiva, que não iria falar sobre a
“creche” porque agora ela tinha uma “escola”.
96
baú fechado, desista”. A sua omissão tem uma história vivenciada à distância e ao mesmo
tempo perto, pois morava na mesma rua. A instituição que fundou e atendia em turno integral
tinha 04 salas, 02 banheiros, cozinha e uma pequena varanda com grades. Sempre víamos
chegar caminhões carregados de alimentos, que além de suprir as necessidades da instituição
ela distribuía com os moradores. Certo dia uma rede de televisão da cidade chegou à sua
instituição no momento exato da distribuição: uma denúncia anônima a delatou. Depois desse
episódio, o espaço ficou fechado por algum tempo. Passado alguns anos, reabriu e,
atualmente, continua atendendo, cobra uma taxa mensal, mas não atende mais em turno
integral.
Além dessas instituições, existem outras duas denominadas de ‘creche’ por atender em
turno integral. Uma emergiu pela iniciativa de três irmãs da Capelinha de São Caetano. A
outra foi criada a partir do movimento do Clube de Mães a Serviço da Vida e da Esperança de
uma igreja evangélica, fundada em 13/03/2000, situa-se próximo à Baixa do Camurugipe.
Ambas atendem em média 60 crianças e surgiram por necessidades distintas, apesar de o pano
de fundo ter sido a substituição da ausência das figuras materna e/ou paterna, enquanto
estavam cumprindo sua jornada de trabalho.
A instituição Creche-Escola Didática Arco-Ìris que se auto-denomina comunitária,
localiza-se na Capelinha de São Caetano e nasceu pelo desejo de três irmãs que gostavam de
ensinar crianças e aproveitaram este sentimento para atender à demanda existente. Atende
crianças de 1 ano e 7 meses ao Ensino Fundamental. Segundo entrevista realizada com a
diretora não atende berçário por causa da ausência de espaço e condições materiais para
recebê-los, mesmo com a grande procura pelos responsáveis de crianças nessa faixa etária.
Para manter o atendimento cobra uma taxa mensal aos pais e recebe uma contribuição
da AEEC (Associação dos Educadores das Escolas Comunitárias), como relata em seu
depoimento:
Por ser comunitária nós cobramos uma taxa menor que da redondeza, p’ra a gente
manter o aluguel, as meninas também, porque elas fazem um trabalho voluntário, mas
nós damos uma gratificação a elas mensal então agente precisa dos pais em relação à
isso e ao aluguel.
Agora nós recebemos uma contribuição da AEC (Associação das Escolas
Comunitárias), mas é um dinheiro anual, é uma ajuda que eles dão p’ra as escolas,
geralmente em dezembro, janeiro, fora isso a gente vai “empurrando com a
barriga”(....) e os pais também ajudam, além da mensalidade com o próprio trabalho
deles. Alguns dizem que vem ajudar, mas depois inventam uma desculpa e não
aparecem.
45
45
Entrevista realizada em junho de 2007, na sede da instituição, na Capelinha de São Caetano.
97
A Instituição comunitária originada pelo Clube de Mães a Serviço da Vida e da
Esperança, localiza-se em uma área muito violenta, inclusive, esta é uma das justificativas de
sua implantação, como resgatado no seu memorial:
A priori, o surgimento do Clube de Mães ocorreu por meio de reivindicações dos
moradores em relação à existência de uma escola-creche que atendesse a necessidade
das mães que trabalhavam e não tinham com quem deixar seus filhos.
Em decorrência dessa situação as crianças estavam vivendo um processo de
marginalização, pois, mesmo sendo ainda pequenas passaram a ser alvo das facções
criminosas. Preocupadas com esse fato, um grupo de mães resolveu se reunir e então
propuseram a fundação de uma Escola-Creche, como sendo uma solução para o
problema das famílias que não tinham como educar seus filhos, devido ao trabalho de
tempo integral.
Essa organização popular foi capaz de desenvolver realmente a fundação do Clube de
Mães a Serviço da Vida e da Esperança, que se constituiu como fator principal de
transformação social. O objetivo principal do Clube de Mães é atender às
necessidades das mães que necessitam trabalhar para sobreviver, por isso, o trabalho
voluntário prestado por mães da própria comunidade na Escola permite a
tranqüilidade das mães em relação à educação de seus filhos, pois, sabem onde e com
quem estão as suas crianças. (MEMORIAL DA CRECHE SERVIÇO DA VIDA E
ESPERANÇA, 2000, p. 1)
A creche se mantém com os recursos de uma ONG italiana Ágatha Esmeralda, pelo
repasse da prefeitura de 3%, que, segundo depoimento da coordenadora, é anual e irregular e
por doações esporádicas de alimentos, através do projeto Prato Amigo vinculada a ONG Mais
Social. A instituição tem um computador, DVD e televisor, materiais tecnológicos raros nas
outras instituições comunitárias, fruto dos subsídios financeiros das próprias mães, que
contribuem com quanto e quando podem, e alguns recursos das ONG’S. Na fala da
coordenadora ficou evidente o envolvimento emocional com seu trabalho, tentando sozinha
minimizar a situação precária das crianças, em um “espírito maternal” , mesmo na sua
ingênua forma de “cuidado” e zelo:
É muito menino, e aí todo dia tem gente lá na porta: ‘oh! Pelo amor de Deus me ajude’, que a
gente sabe a realidade, né? Têm algumas mães que contribuem, outras não contribuem, são
zero oitocentos, então eu sou aquela mãe que se preocupa com aqueles, que eu chamo de meus
filhos, né? São meus filhos. Eu não quero que ninguém faça nada, porque são meus filhos que
eu tomo assim do coração porque...(emociona-se)
Ah! Eu amo meus filhos, eu hoje tava numa reunião com Secretário de Saúde porque eu sou
agente comunitário, então quando eu saio deixo o almoço tudo pronto, já eu tava assim... mas
assim meu Deus porque eu gosto de botar o almoço deles porque eu acho que eu boto a
quantidade certa sei lá, eu acho que o poder da mãe é todo especial com os filhos, né
46
?
Esta fala da coordenadora, bem como as intenções que impulsionaram a sua criação,
46
Entrevista realizada na residência da coordenadora da creche, em agosto de 2007.
98
como explicitado no seu memorial, de válvula de escape das facções criminosas do perímetro,
revela a “preocupação” como um fenômeno alienante das relações humanas frente à realidade
objetiva. KOSIK (1976) afirma que a atitude de “preocupação” substitui a categoria
“trabalho” como um processo criador e transformador das ações do homem em relação ao seu
meio, manifestando-se à consciência diária como um mundo já pronto e provido de aparelhos,
equipamentos, relações e contatos, em que os indivíduos, isoladamente, através da ocupação
(ação meramente reprodutora), busca dar respostas direta e imediata aos problemas que
parecem ser desconectados com a totalidade, cuja a origem está oculta.
Montaño (2002) também delineia a função social de intervenção do “ator voluntário”
como um agente que deixa de ser sujeito, passando a se materializar num sistema supra-
histórico. Deixa-se levar pelo princípio que “já não se faz a (nem se pensa na) história, mas
apenas em estórias, singulares e cotidianas” (MONTAÑO, 2002, p. 243).
A instituição conta com o trabalho voluntário de quatro pessoas: uma professora, uma
auxiliar, um porteiro, que, às vezes, exerce a função das duas primeiras e uma pedagoga que
trabalha no turno matutino, organizando as atividades para a professora ministrar. O trabalho
voluntário, segundo relato da coordenadora, é o grande problema. Certa feita uma pessoa que
trabalhou voluntariamente colocou a instituição na justiça, o que acarretou a retenção do
recurso financeiro oferecido pela Prefeitura, como revela em sua fala:
E eu tive um problema com a justiça que uma pessoa que estava lá, mas aquele pai
que é santo e poderoso ele viu que eu não merecia isso. A sorte nossa que
conseguimos com a ONG o ressarcimento que ela estava pedindo. A gente não tem
fundo, não tem dinheiro em caixa. E a gente investe no que faz, é investido ali nos
meninos, entendeu? Se você tem alguma pendência com a justiça a Prefeitura não lhe
dá os 3%, que é pouco, mas ajuda.
E ela foi uma das pessoas que fundou a entidade junto com a gente, uma das mulheres
que a filha dela ficava lá também, mas hoje em dia é assim você ajuda as pessoas, mas
você não espere bondade delas.
A dificuldade que a gente tem é com o pessoal, uma grande dificuldade porque eu
mesmo queria poder assinar a carteira do pessoal, eu queria dá possibilidade de
trabalhar, mas eu não tenho como, não tenho, não tenho mesmo. Eu achava que uma
das coisas que devia ser valorizada dentro da entidade seria o pessoal se a gente
conseguisse uma pessoa que dissesse: “esse pessoal vai ser meu, vai entrar na minha
folha”. Uma empresa assim, eu queria que ela dissesse que ia tomar aquelas quatro
pessoas, entendeu? Isso me deixaria bem mais aliviada.
47
Percebe-se em todas as mobilizações por instituições de Educação Infantil no bairro
uma tentativa de cada um de forma isolada sanar suas dificuldades. A concepção da creche
comunitária como um princípio democrático da co-gestão, em que se integram comunidade e
Estado para realização da atividade de serviço à criança, como preconizado por Castro (1991),
47
Entrevista concedida na sua residência em agosto de 2007.
99
é substituída pela visão neoliberal de ações individuais e a prática da parceria precária com as
organizações não-governamentais, camuflando os interesses políticos e contradições de
classe.
Montaño (2002) aponta uma perspectiva contra-hegemônica de articulação da
sociedade civil que comunga com a concepção ampliada de Estado em Gramsci: a
mobilização, como lutas sociais, por direitos sociais. Neste movimento, a participação da
comunidade não é concebida como gerenciadora de recursos e executora dos serviços sociais,
mas como luta conjunta, fundamentada e orientada pelas contradições de classes,
pressionando e obrigando “Estado e o capital a absorver certas demandas e a incorporá-las
como função do Estado” (MONTAÑO ,2002, p. 278).
Partindo desse pressuposto, a mobilização da sociedade civil não é desenvolver ou
compensar os serviços sociais que o Estado não assume ou descentraliza para o âmbito
privado, mas devem ser lutas com intuito de preservar e ampliar conquistas históricas para
suprir as demandas sociais da coletividade, desmascarando os mecanismos e interesses nas
esferas do Estado, do mercado, da produção e da própria sociedade civil que tentam manter o
controle e privilégio de uma determinada classe hegemônica.
A história da mobilização por creches e pré-escolas em São Caetano, revela medidas
paliativas provocadas pela ausência do poder estatal, ainda como iniciada nos anos 70. No
cotidiano das famílias de extratos sociais desfavorecidas são essas instituições que vêm
suprindo, de fato, as demandas por esses equipamentos coletivos do jeito que podem. Não
pode se perder de vista de que forma este atendimento tem funcionado como uma política que
respeite os direitos fundamentais da criança.
2. As distorções conceituais da função da sociedade civil
O discurso da nova ordem de estruturação capitalista distorce a função da sociedade
civil preconizada por Gramsci, para escamotear e manter a desigualdade social de forma
dissimulada e incumbir à família, à comunidade e à filantropia o provimento dos direitos
sociais como um processo solidário, legítimo e inevitável. Essa forma de intervenção social
delega papéis a um chamado “terceiro setor”, fomentado por um sentimento de
“comunitarismo”, pacificador, a fim de garantir a transferência de responsabilidade do Estado
para o âmbito privado no acesso aos bens sociais. Desse modo, apazigua o descontentamento
da população marginalizada com soluções fragmentadas, pontuais e locais para atingir os
100
objetivos neoliberais de supremacia do mercado financeiro.
É preciso retirar o véu do significado dos conceitos de terceiro setor, comunidade e
sociedade civil para esclarecer as formas de “engajamento” e/ou “intervenção” social
implementada a partir dos anos 90. Idéias ancoradas no pensamento neoliberal para
intensificar a hegemonia da função substitutiva do Estado e consolidação da nova fase
produtiva do capital.
Bauman (2000) chama-nos atenção para o perigo do esquecimento da arte de
questionar e traduzir os problemas pessoais em questões de ordem pública. Ao veicular o
Estado como insustentável, seus porta-vozes expressam a necessidade de auto-confiança, de
contar com os próprios recursos na aquisição dos bens sociais para sobrevivência humana. A
atitude de repassar para o âmbito pessoal, privado, as questões que afligem aparentemente o
individual, enfraquece uma ação para o bem da coletividade em uma ação pública e impessoal
de engajamento, participação, pois a necessidade de uma pessoa, uma família, pode ser a
necessidade de todos. De acordo com Bauman (2000, p.55), “a insegurança privatizada usa
muitas máscaras, mas quase nunca revela sua verdadeira face, que – como rosto da Medusa –
só pode ser encarada sob o risco da paralisia”. O autor, também, sinaliza essa nefasta forma de
retraimento para a qualidade da luta conjunta:
Uma vez privatizada e entregue aos recursos pessoais a tarefa de lidar com a
insegurança existencial humana, os medos que cada um sente só podem ser
“contados”, mas não partilhados ou unidos numa causa comum com a qualidade
nova da ação conjunta. Não há um caminho óbvio que leve dos terrores
privatizados às causas comuns que podem se beneficiar do confronto e
enfrentamento conjunto. (BAUMAN, 2000, p. 54)
Vale ressaltar que a definição do que seja do domínio público e do privado é
estabelecido conforme a relação de poder engendrada pelas forças políticas e econômicas da
estruturação de uma dada sociedade. Bobbio (1987) distingue esfera pública quando um
determinado grupo social diferencia o que pertence ao grupo enquanto tal, à coletividade e a
esfera privada aquilo que pertence a membros singulares ou grupos menores, a exemplo da
família. A diminuição ou o aumento de uma dessas esferas é acompanhado por juízos de valor
contrapostos que convergem, podendo ser substituídas.
Dentre os valores descritos pelo autor que interfere no equilíbrio ou descompasso das
esferas pública e privada é a distinção de desiguais e iguais promovida nas relações sociais. A
sociedade de desiguais é caracterizada por detentores do poder e comando de um lado e
destinatários da obediência do outro. Postula-se, também, a idéia de justiça distributiva
101
inspirada na concepção de que a autoridade pública tem plenos poderes na distribuição de
honras ou de obrigações, segundo o mérito de cada um. A sociedade de iguais, por sua vez,
caracteriza-se por relações de patamares igualitários, de coordenação, sem superposição de
poder. A esse tipo de relações sociais Bobio (1987) imputa uma visão de justiça cumutativa
pautada em um valor justo de troca correspondente ao esforço ou objeto trocado.
Bobbio (1987) faz essa descrição axiológica dos conceitos de público e privado para
inferir que a primazia do público sobre o privado e vice-versa, varia de acordo com o sentido
valorativo atribuído a cada um. Se os interesses privados são subordinados aos interesses da
coletividade, representado pelo Estado, que invade e engloba gradativamente a sociedade
civil, tem-se a publicização do privado. Se os interesses privados, por intermédio dos grandes
grupos, usufruem dos aparatos públicos para o alcance dos próprios objetivos, obtem-se a
privatização do público.
A prevalência de um desses primados, entretanto, varia de acordo com a concepção
política, ideológica e econômica das forças produtivas de dado momento histórico na
organização da sociedade. A supremacia de uma das duas esferas predomina conforme seus
membros decidem o sentido do bem comum. A tentativa de cooptação das massas sempre
pode ocorrer, por isso é preciso, nesse território de tensão e luta, uma ação autônoma e crítica.
Como afirma Bauman (2000), a ambivalência da esfera pública/privada como terra de muitos
donos e de propriedade disputada requer um espaço no qual os conflitos e anseios pessoais
tornem-se públicos para decisão do sentido do bem comum.
Para os gregos esse espaço era a ágora, nos dias atuais esse espaço pode ser todos os
lugares ocupados pela zona de conflito e concorrência de domínio. Gohn (2005) sinaliza algo
importante, como possibilidade de superação da classe oprimida, a ação de uma cidadania
coletiva engendrada no interior da prática social através do processo de identidade político-
cultural provocada pelas lutas cotidianas. Talvez este seja um caminho para as necessidades
pessoais de ordem pública serem explicitadas e desmistificadas do âmbito de questões
individuais de caráter privado.
Segundo Montaño (2002), nas décadas de 1980 e 1990 fomentou-se a necessidade de
uma zona de intersecção que pudesse dar conta dos anseios da população pela falta de
suprimento das políticas sociais. Difundiu-se a idéia, calcada nos pensadores neoliberais,
baseada na seguinte premissa: “se o Estado está em crise e o mercado tem uma lógica
lucrativa, nem um nem o outro poderiam dar resposta às demandas sociais” (MONTAÑO,
2002, p, 54). Cabia, então, a um suposto setor imparcial da sociedade, suprir as necessidades
de educação, saúde, segurança, seguridade social, o responsável seria o terceiro setor. Este
102
setor legitima a primazia do privado no que se refere à oferta dos serviços sociais básicos,
principalmente para a população de baixa ou nenhuma renda, por intermédio da privatização
do público, como explicitado anteriormente por Bobbio.
Ainda segundo Montaño (2002), esta zona de intersecção materializa a atividade
pública pelo setor privado, delegando às próprias vítimas da exclusão social arcar e executar a
prestação dos serviços sociais essências para sua subsistência. A família e a tão enaltecida
comunidade, que nada mais é que a reunião molecular de várias famílias, além de seus
membros venderem sua força de trabalho e não ganharem o correspondente pelo esforço
desempenhado, têm que prover suas necessidades básicas. Estas usurpadas pela falta de
repasse dos impostos pagos propiciado pela função substitutiva do Estado e pelo excedente
dos lucros do mercado e sua lógica de precarização do trabalho.
Ainda no seu turno, Montaño (2002) destaca algumas desvirtuações conceituais que
fundamentam a existência do termo terceiro setor que denomina de debilidades teóricas. A
primeira delas é a representação ordinal como terceiro. Ao identificar e dividir o Estado como
o primeiro setor, o mercado como segundo e a sociedade civil como terceiro, desconsidera
que, historicamente, é a sociedade civil que produz suas instituições, o Estado, o mercado,
etc., “há clara primazia histórica da sociedade civil sobre as demais esferas; o terceiro setor na
verdade seria o primeiro” (MONTAÑO, 2002, p.54). Podemos inferir que esta é uma
nomenclatura falseada e deturpada do papel e da denominação da sociedade civil que não
supera a dicotomia público/privado, mas funciona como resultado do jogo ideológico para
justificar a transferência de responsabilidade do poder estatal.
A segunda acepção teórica débil, apontada por Montaño (2002), são as entidades que
comporiam o terceiro setor. Embora o termo terceiro setor tenha sido cunhado pela primeira
vez nos EUA, na transição dos anos 70 para os 80, sua origem data do século XV a XIX, com
as instituições beneficentes e de caridade. No Brasil, as ações filantrópicas foram
representadas, na maioria das vezes, pelas Santas Casas de Misericórdia e Cruz Vermelha.
Segundo ainda o autor, a composição do terceiro setor seria vinculada à categoria da
filantropia. Entretanto, foi em 1998, na Argentina, no IV Encontro Ibero-Américo do Terceiro
Setor que ficou definido como partícipes do setor as organizações “privadas, não
governamentais, sem fins lucrativos, auto-governadas, de associação voluntária”
(MONTAÑO, 2002, p.55).
O autor esclarece que as controvérsias do tipo de instituições que fariam parte do
terceiro setor, se movimentos pacíficos ou organizações de lutas de maior impacto e
enfrentamento, evidencia e gera ambigüidade no seu papel social, pois ao mesclar diferentes
103
sujeitos como aparentemente iguais camufla o jogo de interesses e as estratégias de
manipulação. A fusão de interesses, espaços e significados sociais diversos, contrários e
contraditórios, confundem mais que esclarecem a função de sua existência, como questiona e
corrobora:
Que conceito é esse que reúne, no mesmo espaço, organizações formais e
atividades informais, voluntárias e/ou individuais; entidades de interesses político,
econômico e singulares; coletividade das classes trabalhadores e das classes
capitalistas; cidadãos comuns e políticos ligados ao poder estatal?
Assim, o termo terceiro setor não reúne um mínimo consenso sobre sua origem
nem sobre sua composição ou suas características. Tal dissenso é clara expressão de
um conceito ideológico que não dimana da realidade social, mas tem como ponto
de partida elementos formais e uma apreensão da realidade apenas no nível
fenomênico. Sem a realidade como interlocutora, como referência, acaba-se por ter
diversos conceitos diferentes (Montaño, 2002, p.57-58).
A ausência de densidade teórica do termo revela o sentido e a utilidade de encobertar a
realidade com o objetivo de agir de forma ideologizada sobre ela. Montaño (2002) delineia o
caminho para o “neoliberalismo light”, para o qual convergem autores como Bresser Pereira,
já citado nesse trabalho com o discurso de uma terceira alternativa configurada em público
não-estatal. Os pensamentos de Tocquevillle (1827- 1839) que percebia o Estado como
aparato da “tirania da maioria” e Hayek (1977) como o “caminho da servidão”, ambos
propagavam a diminuição da esfera estatal. O que esses dois teóricos postulavam em comum
era o mercado como regulador da organização social. Os membros da sociedade civil, por sua
vez, através de esforços individuais isolados supririam suas necessidades.
Segundo Montaño (2002, p.60), Tocqueville presenciou a perda dos seus avós e seus
pais por processos revolucionários, por isso via com certo temor qualquer movimento contra-
hegemônico, pois poderia cercear a liberdade no sentido de preservar o direito de ir e vir.
Como forma de evitar revolução e favorecer a igualdade, desde que a liberdade fosse mantida,
dizia: “as revoluções só acontecem naquelas nações onde os cidadãos não são capazes de
conduzir o processo democrático com liberdade”. Tocqueville percebia a igualdade como um
processo providencial e natural, a sociedade civil deveria se valer de organizações de
associação livre, nas quais o cidadão pudesse participar de acordo com seus interesses
privados, vinculando-se com outros por intermédio da mútua ajuda.
Sustentava, também, que o Estado deveria ficar nas mãos de poucos e a massa popular
sem intervir de forma ativa, apenas participasse de associações livres da sociedade civil, na
intenção de impedir que os processos revolucionários prejudicassem a liberdade. A
participação cidadã ficaria sujeita a uma participação subordinada. O foco do associativismo
104
pensado por Tocqueville era uma concepção corporativa das associações, agrupava-se por
interesses culturais e locais, pois as mesmas não tinham um caráter classista, mas meramente
profissionais, agregando trabalhadores e patrões (Tocqueville apud Montaño, 2002, p. 68).
Hayek (1977), por sua vez, defendia um sistema social organizado através do livre
mercado, como meio para garantir a liberdade individual. Para ele o Estado despreza as
diferenças e que a intervenção do mesmo não permitia o “esforço pessoal dos indivíduos”.
Para o autor, só o Estado de Direito, no plano formal das leis, é capaz de resguardar a
igualdade de oportunidades e não a igualdade real “substitutiva”. Esse Estado de direito, para
facilitar a livre concorrência, mantém em alguma medida uma política social-assistencialista,
provida de forma precária e dirigida aos indivíduos que não alcançaram a condição de
sobrevivência. As outras demandas sociais deveriam ser atendidas de forma descentralizada,
providos, alternadamente, pelo mercado e entidades assistenciais.
Gera-se, então, na década de 1980, uma rede solidária como efeito de poder,
subordinando a vida das pessoas a auxílios pontuais e fragmentados. Tudo em nome da
preservação da propriedade privada, enriquecimento e concentração de renda dos detentores
dos meios de produção e, sobretudo, livre regulação do mercado. A introdução desse discurso
resultou em uma corrente que também está submersa nas práticas do chamado terceiro setor,
em voga na atualidade com o objetivo de recuperar as relações humanas e incentivar a
integração social das pessoas: o comunitarismo ou o retorno aos laços da comunidade.
A gênese da avalanche comunitarista, segundo Semeraro (1999,) foi desencadeada
principalmente nos Estados Unidos, em oposição ao projeto de renovação do liberalismo dos
anos 70. Essa concepção procura criticar o individualismo tão aclamado por Haeyk (1977),
buscando restaurar os laços familiares, comunitários e nacionais, com o intuito de dissolver a
visão contratualista e mercantilista inserida na sociedade atual pelo projeto da modernidade. O
homem, na percepção dos comunitaristas deve ser vinculado às suas raízes históricas, étnicas
e culturais. Embora o discurso do retorno aos vínculos comunitários seja sedutor em uma
sociedade marcada por diversos tipos de discriminação, desemprego, exclusão e perda
gradativa do valor da pessoa humana, este novo paradigma pode trazer consigo um
conformismo generalizado, uma vez que o respeito às tradições, à paz e à acordos
comunitários convencem a naturalização das condições da realidade existente.
Esse retorno aos ideais comunitários traz custos à capacidade humana de enfrentar a
dinâmica da vida cotidiana de forma crítica e conflituosa. As questões políticas, econômicas
e os mecanismos ideológicos perversos de exclusão são mascarados com o discurso de
cidadania solidária. Sennet (1988) alerta-nos que o contato comunitário tenta forjar o
105
desenvolvimento urbano moderno como uma resposta para o desaparecimento das cidades.
Estes padrões de vínculos comunitários, no entanto, não despertam qualquer desejo de se
refazer a própria cidade, apenas alimentam uma fuga com a consecução de ‘alternativas’,
transformando os valores psicológicos em relações sociais.
O incentivo predominante na atualidade é desenvolver a personalidade individual por
meio de experiências de aproximação e de calor humano para com os outros, postula-se o
mito de que os males da sociedade são decorrentes da impessoalidade, alienação e frieza.
Sennet (1988) salienta que a soma desses três aspectos constitui a ideologia da intimidade
para justificar o declínio da cultura pública, pois quanto mais os problemas sociais estiverem
próximos das preocupações interiores psicológicas de cada pessoa, mais irão encontrar
soluções nos domínios privados da vida.
Deduz-se que o clamor pelo retorno aos laços comunitários escamoteia as estruturas
políticas mais amplas da sociedade, a fim de manter as contradições do sistema e evitar o
confronto. As medidas locais e pontuais assumem o lugar dos embates impessoais e
abrangentes de forma ilusória, não dando um poder real à micro-localidade da comunidade,
como corrobora o autor:
[...] quanto mais as pessoas estão mergulhadas nestas paixões de comunidade, tanto
mais as instituições de base de ordem social permanecem intocadas. [...]. Essas lutas
envolvem tanto as pessoas em questões de identidade, solidariedade ou dominação
internas que, quando chegam os momentos reais do poder de negociação e a
comunidade precisa se voltar para as estruturas mais amplas da cidade e do Estado,
detentores do poder efetivo, a comunidade estará tão absorta em si mesma, que ficará
surda ao que estiver de fora dela, ou então estará esgotada, ou fragmentada. (SENNET
1988, p. 377-378)
Como estratégia para modificar a postura intimista dos laços comunais, o autor propõe
o destemor pela impessoalidade, pois a pessoalidade encoraja a vida coletiva de natureza
“paroquial”. As ligações impessoais, por outro lado, obriga as pessoas a conhecerem as
outras pessoas a fim de fazer uso do “nós” de forma mais profunda e ampla para atingir toda a
sociedade. O medo do desconhecido, segundo Sennet (1988), faz com que as pessoas
enfrentem, assimilem e explorem a realidade exterior em escala paroquiana.
A visão comunitarista como solução para os problemas sociais talvez represente uma
válvula de escape para fugir do terrível e complicado mundo, bem como uma maneira de
compensar as duras exigências de uma ação política transformadora da ordem pública.
Semeraro (1999) aponta como um caminho de superação do comunitarismo um dos princípios
do pensamento de Gramsci que situa as relações locais e cotidianas num quadro sociopolítico
106
mais amplo, a fim de livrar da estagnação e das possíveis manipulações para deixar emergir as
disputas políticas e econômicas da divisão social. Para tanto, retoma a concepção gramsciana
de sociedade civil.
Semeraro (1999) resgata nos escritos dos Cadernos do Cárcere de Gramsci os
princípios que fundamentam o conceito de sociedade civil na visão gramsciana, procurando
revelar a densidade política do seu significado:
Para Gramsci a sociedade civil é uma ‘arena’ privilegiada da luta de classe, uma
esfera do ser social, onde se dá uma intensa luta pela hegemonia; precisamente por
isso, ela não é o outro Estado, mas – juntamente com a ‘sociedade política’ ou o
‘Estado-coerção’ – um dos seus inelimináveis momentos constitutivos.
(SEMERARO, 1999,p. 10).
Por estar submersa em uma correlação de forças, nem tudo que vem da sociedade
civil pode ser caracterizado como “bom” (ela pode ser hegemonizada pela classe que
oprime), e nem tudo que provém do Estado pode ser visto como ´’mau” (ele pode expressar as
demandas que se originam das classes subalternas). Para compreender as interfaces de
domínio, subjugação ou emancipação é preciso fazer uma análise histórica das correlações de
forças atuantes em cada momento para definir as potencialidades e função negativas ou
positivas tanto da sociedade civil como do Estado.
A obra de Gramsci é mediada pela idéia que toda condição histórica pode ser mudada
pela livre e consciente ação de homens organizados. Para ele a ‘liberdade é a força imanente
da história’, a sua manifestação aparece concretamente na vontade associativa dos homens, no
movimento de determinação política de grupos organizados face às múltiplas formas e
interesses sociais com vistas a uma contra-hegemonia capaz de se afirmar como direção e
gerar auto-determinação. Nesta direção, a liberdade e a criatividade não ficam no âmbito
abstrato, mas fazem parte do objetivo essencial do ser humano. Criam condições para as
classes trabalhadoras saírem do fatalismo e submissão, a partir do desenvolvimento de suas
forças subjetivas, a fim de alcançarem uma nova sociedade construída pela participação de
todos.
Para evitar os extremos do ‘economicismo’ ou do ‘estatolatria’, Gramsci (apud
Semeraro, 1999) propõe uma relação dialética de identidade distinção entre sociedade política
e sociedade civil, duas esferas situadas na superestrutura, distintas e com uma relativa
autonomia, mas inseparáveis na prática. Enquanto a sociedade civil aloca organismos
‘privados’ e ‘voluntários’, como os partidos, as organizações sociais, os meios de
comunicação de massa, escolas, igrejas, empresas etc. - sua caracterização está pautada pela
107
elaboração e difusão das ideologias e dos valores simbólicos que objetivam a ‘direção’. A
sociedade política compreende as instituições mais públicas, como o governo, a burocracia, as
forças armadas, o sistema judiciário, o tesouro público etc. – caracteriza-se pelo conjunto de
aparelhos que concentram o monopólio legal da violência e objetiva a dominação. “Essas
duas esferas estão intimamente ligadas, pois a articulação de consenso e coerção garante a
supremacia de um grupo sobre toda a sociedade e a verdadeira estruturação no poder”
(SEMERARO, 1999, p. 74).
Através da reflexão crítica das necessidades de todos os homens, não de mentes
privilegiadas, é possível a descoberta de meios mais eficientes de produção e organização,
assim como a busca no sentido da existência individual e coletiva, relacionando com os nexos
da realidade econômica, política e filosófica que circunda o universo das pessoas. A filosofia
da práxis proposta por Gramsci rompe com as certezas absolutas e arrogância das elites, bem
como os interesses políticos autocráticos. Parte do pressuposto de que tudo é passível de
transformação, quando os sujeitos conscientes e organizados tomam iniciativa na sociedade.
A sociedade civil, para Gramsci, não está orientada em função do Estado, nem se
reduz à obediência das relações econômicas da burguesia, mas é o extenso e complexo espaço
da organização social, onde se travam enfrentamentos ideológicos, políticos e culturais que
delineiam a hegemonia de um grupo dirigente sobre toda a sociedade. Considerando a
dialética entre sociedade civil e sociedade política, a primeira representa para Gramsci,
também, um espaço decisivo para as classes trabalhadoras, porque as mesmas podem
aprender a travar lutas em diversas frentes para neutralizar as raízes do poder da classe
dominante e promover a emancipação sócio-política das massas populares, universalizando
concretamente os valores de liberdade, responsabilidade e participação ao ponto de tornar
obsoleta a função do Estado.
Diferente da visão liberal-burguesa que concebe a sociedade civil como um lócus do
indivíduo separado, tendo como ponto de partida e de chegada o indivíduo, para Gramsci, a
sociedade civil é “o terreno onde os indivíduos privados de sua dignidade e fragmentados em
suas atividades podem encontrar condições para construir a sua subjetividade e
personalidade” (SEMERARO, 199, p. 160). Ao organizar-se livre e criativamente, os sujeitos
não desenvolvem apenas suas potencialidades individuais, mas também suas dimensões
públicas e coletivas. Partindo desse pressuposto, o percurso é do ser particular para o social.
Diferencia-se do associativismo perpetuado por Tocqueville e os neoliberais, pois há uma
coletivação das necessidades materiais, políticas e culturais em dimensão pública. O
indivíduo, ainda que seja o centro autônomo das decisões, nunca age isoladamente, mas
108
sempre como um ser dentro de uma concreta trama social, interligado com outros sujeitos
livres, com os quais se defronta e constrói consensualmente a vida em comum.
A propagação de uma sociedade civil amórfica preconizada pela emergência do
terceiro setor e o retorno aos laços comunitários, apenas retrai a participação ativa e
consciente de homens e mulheres alijados do processo de construção da sociedade. Como
podem agir livremente, se os acordos consensuais entre parceiros de interesses de classes
antagônicas convivem pacificamente? É preciso desmistificar as amarras do conformismo
para desvelar as estratégias de exclusão. Esse redimensionamento do papel da sociedade civil
poderá ser possível com a retirada do véu dos conceitos e a ação transformadora dos
protagonistas sociais escondidos, calados, ludibriados do processo de construção da sua
realidade concreta.
Entretanto, o associativismo ou a ação do “terceiro setor” intensificado pelo projeto
neoliberal, a partir dos anos 90, vem conduzindo, ainda mais, as organizações da sociedade
civil a intervir nas próprias demandas locais de sua realidade, fundamentadas na focalização e
desconcentração das respostas. Apresenta-se como um fenômeno que não diz respeito às
organizações do Estado, tido como burocrático e ineficiente, nem do mercado, concebido
como lucrativo. Desloca-se, então, para o microssocial com o discurso de “auto-
responsabilização do cidadão”, “da comunidade local”, “solidariedade social”, “ajuda mútua”
para assumir serviços típicos de Estado. Esta forma de intervenção setorizada pode ser
observada na história de mobilização por creches e pré-escolas em São Caetano, com a
ingerência de iniciativas do âmbito privado na busca de alternativas de interesse público.
3. O baú Mãe Flor: as implicações do discurso comunitário
O tesouro e segredos do baú “Mãe Flor”
48
guarda 25 anos de história que se iniciou na
década de 1980 e acumula na sua memória até os dias atuais, trazendo a complexidade social
que emana em São Caetano e que, provavelmente, é a realidade de outros bairros. Na sua
fala, evidencia-se como a visão de transferência de bem-estar social para o âmbito privado à
população de baixa renda funciona como uma rede de apaziguamento da omissão do Estado
48
Após muitas tentativas, em novembro de 2007, foi possível entrevistar “Mãe Flor”. A insistência em seu
depoimento deu-se por ser uma das lideranças mais antigas do bairro com este tipo intervenção social, e por ser
referida por outros líderes do bairro como “afortunada” por conseguir os subsídios necessários para a
manutenção do trabalho.
109
frente à falta de assunção dos direitos sociais que lhe cabe. Muitas vezes, as “pequenas
soluções” são divulgadas como grandes exemplos pelo governo e pela mídia, entretanto, não
aparecem os percalços do processo, as lutas e as conseqüências das medidas focalizadas.
Formada em magistério, título que fala com muito orgulho, Mãe Flor vem substituindo
a função do Estado em todas as dimensões da vida das pessoas do bairro. A sua atuação
“materna” começou atendendo mais de duzentas crianças, inicialmente em creche e escola,
estendendo-se a prestação de serviço para o Conselho Tutelar com cursos profissionalizantes,
como descreve:
(...) depois que eu comecei o trabalho comunitário, atender à comunidade, atender à
associação, atender às crianças, então o pessoal acha que o trabalho que eu faço é
um trabalho de papel de mãe, aí ficou mãe Flor, aí hoje eu sou conhecida como
Mãe Flor em todo Brasil, entende?
Olhe, antigamente eu atendia duzentas e poucas crianças na creche e escola.
Ficavam o dia todo, até de dormir, e ainda atendia menino do Conselho Tutelar, o
Ministério Público mandava pra gente. Agora, por falta de recurso, teve que parar,
né? Tinha curso profissionalizante, né?
Atualmente o serviço oferecido às crianças destina-se à faixa etária de 02 a 06 anos,
que freqüentam um turno, no matutino e vespertino, perfazendo um total de 130 crianças.
Além disso, distribui cestas básicas para as famílias, doadas por uma fundação. Na sua
concepção, a creche é identificada pelo regime integral de funcionamento e a oferta das três
refeições, os principais motivos pelos quais, segundo ela, não foi possível manter a “creche”.
Ainda hoje, cede uma das refeições do dia para as crianças, como relata no seu depoimento:
Era muito difícil, era muito difícil... antigamente, quando tinha creche... porque
creche a gente tem que ter três alimentações pra dar a uma criança, né? Pra gente
botar as crianças, pra tá passando necessidade? Então é preferível matutino,
vespertino, mesmo assim tem crianças, hoje, que vem aqui até sem almoçar, a mãe
pede: “Oh, meu filho não almoçou não, tem como almoçar aí?”, “Meu menino não
tomou café não.” Chega e toma seu café aí . Creche tem muita responsabilidade,
despesa de água, de luz, né? Pessoas disponíveis pra trabalhar, né? Porque tem que
trabalhar voluntário.
E fora isso, nosso trabalho comunitário, atendemos não só as crianças, mas as
famílias também, dando cinco quilo(sic) de farinha, cinco quilo(sic) de feijão que
foi doado pela FUNAB. Esse ano, em setembro, atendemos quinhentas famílias
,
cada pessoa dez quilos de feijão, e aí o trabalho é esse aí...
Assim como os outros Centros de Educação Infantil Comunitários presentes no bairro,
a descontinuidade no conveniamento com os órgãos públicos acarreta em dificuldades para a
110
manutenção do serviço, impondo às famílias a participação nos custos, com o fim de “dar um
agrado” às pessoas voluntárias que prestam serviço as crianças, como relata:
Não, eu toda vida tive... que apoio? Tem menina aqui que a gente pede dez reais,
aquelas que podem colaborar, tem mães que preferem tirar o filho do que colaborar.
Esse ano eu estou fazendo diferente, próximo ano vai ser dez de matrícula e cinco
mensais, então não tem bolsa, porque não é possível que alguém não tenha cinco
reais pra colaborar, que esses cinco reais vai ser pra gente dá um agrado às
meninas, tá entendendo?
Oh, agora, ultimamente aqui, a pior dificuldade encontrada é a alimentação. É o gás
que a gente compra fiado, a luz que até o dia da inauguração tava cortada, agora
que fiz um parcelamento que ligou a luz.
Segundo Jesus (2004), uma das idéias sustentadas pelo movimento das instituições
comunitárias é a característica de sua gestão envolver, de forma democrática e ampla, a
participação de todos os membros da comunidade, principalmente das famílias interessadas,
não apenas no que tange às demandas administrativas, sobretudo, no fazer pedagógico.
Quando há incidências de evasão, “Mãe Flor” entra em contato com as famílias para saber o
que está acontecendo, e ao mesmo tempo, explica a importância da educação para vida das
crianças. A falta de consciência das famílias em relação à necessidade de participação, às
vezes, dificulta essa preciosa relação dialógica, como depõe “Mãe Flor”:
Porque os pais mesmo, tem pais que o menino chega... que o nosso trabalho não é a
quantidade, e sim a qualidade. Então, se o menor tem três meses que não vem na
escola, a gente tem que saber o que tá acontecendo... quando a gente vai saber, aí as
mães, às vezes, não quer ser chamada a atenção... tira a criança. Tem mães que só
fazem matricular o menino, reunião aqui elas não gostam de participar.
Mamãe não vai deixar de tomar cerveja, né? Ainda tem isso, né?
A luta de “Mãe Flor” não consiste só em convocar e ajudar às famílias, ela exerce
também a árdua função de buscar as parcerias para continuidade do trabalho. O próprio
Estado, ao invés de garantir os repasses dos recursos estabelecido em Lei, apoiando no que
for necessário, exerce apenas uma função fiscalizadora, com intenções de penalizar, ainda
mais, as carências sociais que a própria população tem que suprir, o que a deixa um pouco
indignada.
O discurso comunitário vigente, sob a égide de intervenção social do terceiro setor,
como explicitado por Montaño (2002), não agrega as lutas, mas cada grupo, isoladamente,
toma conta de seus problemas. Inclusive, há uma rivalidade entre as próprias lideranças que
possuem as mesmas demandas sociais. As necessidades não são discutidas coletivamente,
111
mas quem primeiro consegue os benefícios assume um status de privilégio na comunidade o
que, por sua vez, gera relações interpessoais de confronto. Mãe Flor expressa a perseguição
sofrida por conseguir as parcerias para o seu trabalho:
(...) o ano passado mesmo eu tive com Dra. Márcia Guedes promotora do
Ministério Público, ela me mandou várias notificações e disse: “Eu não quero
fechar sua associação porque admiro muito seu trabalho, mas a senhora vai me dar
três meses, se não vamos fechar, que nós dependemos de uma autorização da
secretaria municipal”. E essa autorização só saía se tivesse dois banheiros, hoje,
graças a Deus, a escola tá toda reformada, nós fizemos uma parceria com o Center
Lapa e foi inaugurada no dia 14 de novembro, agora, nós temos três banheiros,
entendeu? E aí ninguém pode dizer que nós somos clandestinos. E ainda tem uma
política aqui, se alguém me procura lá embaixo dizem que não me conhece porque
acham que as coisas só vêm para aqui?
As conseqüências dessas formas de intervenção, com uma série de dificuldades e
carências para suprir a falta de espaços para a Educação Infantil implica na qualidade do
trabalho desenvolvido com as crianças. Observa-se uma concepção de educação
hierarquicamente transmissora e uma visão de Educação Infantil voltada para a antecipação
do Ensino Fundamental, talvez por desconhecimento dos fundamentos cognitivos,
lingüísticos, psicomotores, sociais e afetivos da infância, depositando neste nível de ensino, a
expectativa em resolver as condições sociais das crianças, como podemos perceber na crítica
ao ingresso das crianças de 06 anos no Ensino Fundamental
49
:
Aqui a gente atende assim, quer dizer, não atende pela faixa etária da criança, eu atendo pela
carência, nós temos menino aqui de dois anos, e é maternal. Agora, aqui ajoelhou tem que
rezar, ajoelhou tem que pegar no laço, porque lugar de criança é na escola, tá entendendo?
Temos também uma aqui de dez anos, ele tá se alfabetizando agora, e é deficiente tá
entendendo? E esse ano que as escolas públicas não alfabetizam crianças? A criança que tem
seis anos tem que está na 1ª série, e eu entendo que a base da criança é a alfabetização, né? E
assim a que não for alfabetizada não tem como acompanhar a 1ª. série, e assim, a gente
acompanha a criança na alfa, e prepara ele pra série, quer dizer, vários meninos que estão no
ginásio já passaram tudo pela gente, por incrível que pareça, a maior parte desses
meninos que
freqüenta hoje, são filhos de ex-alunos que já passou por aqui.
Um aspecto observado na visita à instituição coordenada por “Mãe Flor” foi a placa de
reinauguração, com data de 14 de novembro de 2007. O Center Lapa que foi o parceiro na
reforma do espaço fez uma placa que denomina o atual espaço de “Creche Mãe Flor”. Este é
um equivoco cometido por várias instituições comunitárias, que não atendem crianças de 0 a
03 anos, mas porque recebe uma parcela na idade de 02 ou 03 anos se autodenomina creche e
49
Depoimento de Mãe Flor concedido na sede da instituição, em novembro de 2007.
112
não Centro de Educação Infantil, como prescrito nos documentos do MEC, embora na fala da
depoente várias vezes declarar que não tem creche, na ilustração da foto abaixo ainda persiste
as incongruências com esse segmento da Educação Infantil:
Os equívocos à concepção de creche são visivelmente marcados nas instituições que
foram observadas e serão analisadas no capítulo seguinte. O baú Mãe Flor do bairro de São
Caetano é mais um entre outros espalhados pela cidade de Salvador que, diante da demanda e
da necessidade, utiliza-se das condições e oportunidades que chegam ao seu alcance.
113
CAPÍTULO V
QUALIDADE VERSUS REALIDADE:
OS OBSTÁCULOS ENTRE O DISCURSO E A PRÁTICA
1. A qualidade no âmbito da educação da primeira infância: os desafios da
realidade
A universalização da educação brasileira sempre foi um objetivo a ser alcançado.
Entretanto, quase sempre se limitou ao número de alunos matriculados como sinônimo de
democratização. O esquecimento de atrelar a qualidade como outra face importante do acesso
à educação pública e gratuita ficou à margem. Como afirma Demo (1994, p. 09), “é equivoco
pretender o confronto dicotômico entre qualidade e quantidade, pela razão simples de que
ambas as dimensões fazem parte da realidade e da vida”. O aspecto quantitativo é tão
importante quanto as condições da oferta, uma não invalida a outra.
A qualidade, a partir da década de 1990, principalmente para educação básica, foi
muito ecoada pelos organismos internacionais como forma de homogeneizar para fins
específicos de interesses da nova fase do capitalismo. Por isso, a definição do conceito de
qualidade ou “parâmetros” utilizados para direcionar o que vem a ser uma educação
qualitativa deve ser analisada com cautela. A educação lida com processos formativos de uma
prática social humana não linear. Pautá-los em “padrões” homogeneizados implica no risco de
provocar a anulação do homem como sujeito de sua existência material e cultural.
O termo qualidade é um termo polêmico por sua origem ser fundamentada na
otimização do mundo dos negócios e na produção de bens e serviços privados. Mesmo assim,
a busca por sua exeqüibilidade é perseguida por todos que primam por resultados satisfatórios
e positivos. Quando o levamos para o setor da educação, as discussões tornam-se palpitantes e
conflituosas, pois, não trata de avaliar objetos, mercadorias, mas os impactos de um processo
complexo que envolve variáveis políticas, filosóficas, sociais e culturais diversificadas que
influenciam na formação de seres humanos. Por isso, a definição de critérios de qualidade não
pode ser linear, objetiva, nem pautada em parâmetros padronizados, porque cada sujeito
114
inserido no processo educativo é único e ao mesmo tempo fruto da interação que estabelece
com os seus semelhantes e seu meio.
A crescente busca da qualidade no campo da educação é permeada, também, por jogos
de interesses políticos e econômicos que devem ser considerados na análise do conceito.
Dahlberg, Moss & Pence (2003, p 122) pontuam que a emergência do ‘discurso da qualidade’
foram criados na década de 20 com o intuito de manter o controle e a garantia do mesmo
padrão dos produtos industrializados, sendo retomado em 1950 para reconstruir a economia
do Japão devastada pela guerra e restabelecer sua posição no comércio mundial. O norte-
americano W. Ewaards Deming, especialista em qualidade, desenvolveu métodos baseados
em reputação de alta qualidade para as grandes companhias japonesas com o intuito de tornar
seus produtos competitivos. Os princípios que norteavam os padrões de qualidade dos
produtos deveriam apresentar previsibilidade, consistência, redução de variação e adequação
ao uso ou propósito. No inicio da década de 1980, a administração da Qualidade Total se
expandiu na Europa e na América do Norte como um dos principais fatores para o sucesso
nos mercados globais.
Ainda segundo os autores, foi na mesma década que o manejo e a garantia da
qualidade foram repassados para ‘os serviços humanos, desta vez dos Estados Unidos para a
Europa, disseminando para outras partes do mundo ocidental. Em uma conjuntura política e
econômica, motivada por programas de privatizações maciças, cortes no orçamento da
previdência social e bem-estar social. A abordagem ideológica perpassada era fundada no
mundo dos negócios, a fim de favorecer o liberalismo do mercado vinculado pelas tendências
globais. À proporção que as companhias e os governos foram se descentralizando para a
crescente competição das forças de mercado, procurava-se ao mesmo tempo manter o controle
através da aplicação e da avaliação de critérios de qualidade, como descreve Dahlberg, Moss
& Pence (2003):
[...] a administração por objetivos tornou-se uma nova maneira de dirigir e controlar
os serviços. A principal idéia da administração por objetivo é que regras e planos
relativamente detalhados são substituídos por objetivos claros – ‘administração
através de objetivos’ – e por estratégias para avaliação da realização do objetivo. Com
a descentralização e desgulamentação aumentadas, a avaliação da qualidade dos
programas de educação e cuidado da primeira infância vão crescer em importância
como um instrumento para administração. (DAHLBERG, MOSS & PENCE 2003, p.
124)
Na década de 1990, o Banco Mundial, para manter controle da “formação” do capital
humano necessário para as novas demandas dos modos de produção do sistema, sugeriu a
115
administração por objetivos como força propulsora de mensurar a qualidade da educação. De
acordo com Torres (1998), atrelou a verificação do rendimento escolar, a partir do julgamento
e cumprimento de metas, como completar o ciclo de estudos e aprender bem o que se ensina,
conforme os parâmetros estabelecidos. Para o BM a qualidade é possível por meio de
determinados insumos: o aumento do tempo de instrução, o oferecimento de livros didáticos,
melhoria do conhecimento do professor, privilegiando a capacitação em serviço para a
formação dos professores da educação básica. A construção da aprendizagem é reduzida a um
rol de conteúdos pré-estabelecidos pelo órgão controlador do sistema educacional, como se os
educandos fossem um recipiente vazio, desprovidos de historicidade.
Quando trazemos o conceito de qualidade para a educação da primeira infância sua
definição requer muita ponderação para não arriscar em apresentá-la como uma verdade
universal, descontextualizada, isenta de valor cultural. Geralmente, os critérios de qualidade
são estabelecidos por critérios mensuráveis básicos, na tentativa de reduzir a complexidade e
a diversidade do serviço prestado, condensando em avaliações numéricas e normalizações
subjacentes ao contexto em que uma instituição está inserida.
Apesar das limitações e da origem da emergência do conceito de qualidade, não
podemos perder de vista que o campo educacional necessita buscar a validade e o sentido do
seu fazer pedagógico para a formação humana. A diferença da educação para o universo dos
negócios deve estar em valorizar a construção de significado do que se ensina e aprende nas
ações do cotidiano escolar. Devem-se perseguir os princípios que fundamentam as visões de
homem, mundo e conhecimento a fim de ajudar na formação de crianças, jovens e adultos
autônomos, críticos, conscientes e produtores da sua existência individual e coletiva. Nesta
direção, é preciso avaliar o que, o porquê, como e em que condições acontecem o processo
educativo. Quais as capacidades e conhecimentos culturalmente acumulados pela humanidade
são indispensáveis e (re)significados pelos educandos para uma vida cotidiana
transformadora.
Considerando que a prática de Educação Infantil tem se orientado com base em três
funções e concepções, conforme pontua Civiletti (2000): assistencialista, cumprindo a função
apenas de guarda e proteção; preparatória para o Ensino Fundamental visando antecipar o
processo de escolarização como mecanismo de compensar carências para crianças que
pertencem às classes populares para prevenir possíveis fracassos escolares; como objetivo em
si mesmo com intento de permitir o desenvolvimento integral da criança de forma natural e
espontânea, percebendo-a como um ser histórico e social.
Vários documentos editados pelo MEC têm trazido a necessidade de atrelar a oferta às
116
condições do atendimento. A palavra qualidade faz eco, muitas vezes, desarticulada de outras
necessidades que não dependem apenas das pessoas que estão desempenhando o seu trabalho.
Geralmente, estabelece como parâmetros aspectos formais que são esquecidos no trabalho
cotidiano com as crianças. Os documentos Subsídios para Credenciamento Funcionamento
de Instituições de Educação Infantil, e Política Nacional de Educação Infantil: pelo direito
das crianças de 0 a 06 anos à Educação, enquadram-se nesta perspectiva porque apontam o
projeto político pedagógico e a formação do professor como os principais fatores responsáveis
pela precariedade do atendimento às crianças.
Com intuito de dar forma e/ou contornos a uma permanência qualitativa que respeite
os direitos fundamentais da criança e de forma efetiva o MEC, pressionado por pesquisadores
e fóruns de discussões do campo da Educação Infantil criou documentos específicos para a
questão da qualidade, dos quais podem ser destacados: Critérios para um Atendimento em
Creches que Respeite os Direitos Fundamentais das Crianças de 1997; a resolução que define
as Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação Infantil, em 1999 e os Parâmetros
Nacionais de Qualidade para Educação Infantil em 2006.
Os Critérios para um Atendimento em Creches que Respeite os Direitos Fundamentais
das Crianças organizados por Campos e Rosemberg , em 1997, posiciona as especificidades
do desenvolvimento da criança no centro das políticas para promoção da qualidade em
espaços de Educação Infantil, atribuindo ao Estado, à família, aos profissionais suas
respectivas responsabilidades de modo a respeitar os direitos essenciais para o bem-estar e
desenvolvimento da criança. O respeito à dignidade e aos direitos básicos da criança, diz
respeito: à brincadeira; a um ambiente aconchegante, seguro e estimulante; ao contato com a
natureza; a higiene e a saúde; a uma alimentação sadia; a ampliação dos conhecimentos e
desenvolvimento da identidade cultural, racial e religiosa; a uma especial atenção durante
seu período de adaptação à instituição; a atenção individual; a expressão dos sentimentos; a
proteção; ao afeto e a amizade.
Outro importante aspecto a ressaltar neste documento é que não há uma cisão entre as
idades, para não haver equívocos históricos de considerar a creche como característica de
turno integral e atendimento apenas à faixa etária de 0 a 03 anos e a pré-escola como uma
ante-sala do Ensino Fundamental. Reúne os dois segmentos em um só, focalizando o
atendimento para as crianças entre 0 a 06 anos e denominando de creches. O importante
elemento a salientar é que contém critérios relativos à organização e o funcionamento interno
das creches, que dizem respeito às práticas concretas adotadas no trato direto com as crianças
e explicita critérios relativos à definição de diretrizes e normas políticas, programas e sistema
117
de financiamento tanto para as instituições governamentais como não governamentais.
As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (1999), por sua vez,
foram consubstanciadas anteriormente, pelo parecer nº 022/98 da Câmara de Educação
Básica, que prescreveu como “mandatórias para todas as instituições de cuidado e educação
para as crianças de 0 a 06 anos, a partir de sua homologação (Brasil, 1998, p. 2) as normas
instituídas nas diretrizes. Esse documento discorre sobre os princípios norteadores das
propostas curriculares e os projetos pedagógicos, estabelecendo paradigmas para a concepção
de educar e cuidar em creches e pré-escolas ou centros de educação infantil com vistas a um
atendimento de qualidade. Para tanto, as propostas pedagógicas das instituições devem seguir
as seguintes proposições:
a) basear-se em aspectos éticos, políticos e estéticos
50
;
b) explicitar a identidade pessoal das crianças, famílias, professores e
profissionais, bem como da própria unidade educacional;
c)
promover práticas de educação e cuidados possibilitando a integração das
dimensões física, emocional, cognitivo, lingüística e social da criança,
entendendo-a como um ser completo e “indivisível”;
d)
buscar a interação das diversas áreas de conhecimento e aspectos da vida
cidadã para o provimento de conhecimentos básicos da construção de
conhecimentos e valores pessoal e coletivo;
e)
organizar estratégias de avaliação, através de acompanhamento e registros das
etapas alcançadas nos cuidados e na educação para as crianças de 0 a 06 anos,
sem o objetivo de promoção;
f)
ser criadas, coordenadas, supervisionadas e avaliadas por um profissional
formados em Educação ou outros profissionais de áreas afins, bem como os
familiares das crianças;
g) garantir a gestão democrática, com um atendimento multidisciplinar para
garantir os direitos básicos das crianças e das famílias.
Os Parâmetros de Qualidade para Educação Infantil foi o último documento criado
em 2006 com o propósito de “estabelecer parâmetros de qualidade dos serviços de Educação
50
Os princípios éticos referem-se à autonomia, a responsabilidade, a solidariedade e o respeito ao bem comum;
os princípios políticos diz respeito aos direitos e deveres de cidadania, ao exercício da criticidade e ao respeito à
ordem democrática; os princípios estéticos contemplam a sensibilidade, a criatividade, a ludicidade e a
diversidade de manifestações artísticas e culturais.(Brasil, 1999, art. 2)
118
Infantil, como referência para a supervisão, o controle e a avaliação, e como instrumento para
adoção das medidas de melhoria da qualidade” (Brasil, 2006,p. 07). Este documento é
constituído de dois volumes. No volume I utiliza pesquisas de experiências de países
europeus, dos Estados Unidos, bem como estatísticas do Banco Mundial para justificar o
investimento nos aspectos qualitativos da primeira infância, sempre vislumbrando a criança
como a “esperança do amanhã” e entendendo a Educação Infantil como patamar para as
etapas subseqüentes da vida escolar, principalmente a pré-escola.
No volume II especifica, detalhadamente, os padrões de qualidade com atribuições
para as esferas federal, estadual e municipal como reguladores da Educação Infantil e, por
último, define os critérios para um funcionamento qualitativo das instituições, públicas ou
privadas, sobre os seguintes aspectos: a proposta pedagógica; o turno de funcionamento
parcial/integral; professores e demais profissionais que atuam na instituição e a gestão escolar.
É mister ressaltar que o labor desse setor da sociedade lida com a formação humana
dos membros que a constrói, tratando-se das crianças de 0 a 06 anos uma prática educativa
com vistas a desenvolver seres autônomos, criativos, questionadores, cidadãos do presente,
conhecedores e produtores de sua cultura é imprescindível, pois é o alicerce fundamental para
as etapas futuras da vida. Contudo, a marca histórica no país do distanciamento entre
legislação e as condições ou efetivação na realidade não é diferente no âmbito da educação.
Com base nos documentos Os Critérios para um Atendimento em Creches que
Respeite os Direitos Fundamentais das Crianças (1997) e na resolução que define as
Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação Infantil (1999) o discurso da qualidade, aqui
colocado, será ancorado pelas categorias que podem possibilitar condições de uma oferta que
respeite as especificidades das crianças de 0 a 06 anos, como sujeitos de direito haja visto que
esses documentos subsidiam elementos essenciais para o desenvolvimento integral das
mesmas.
A marca histórica no Brasil do distanciamento entre legislação e o as condições ou
efetivação na realidade não é diferente no âmbito da educação. No universo de São Caetano,
por exemplo, constata-se nos Centros de Educação Infantil Comunitários, apenas a Creche-
Escola Didático Arco-Iris possui formalmente uma proposta pedagógica. Embora o parecer nº
022/98 e a resolução do Conselho Municipal de Educação de Salvador (anexo 02) prescrevam
como um dos pré-requisitos para a instalação tanto dos estabelecimentos governamentais
como não governamentais, evidenciando a velha prática de um fazer, sem se dar conta do por
que estão fazendo.
119
2. A permanência possível: Creche-Escola Didática Arco-iris
A instituição comunitária Creche-Escola Didática Arco-iris foi criada pelo empenho
de três irmãs e pela necessidade dos moradores do bairro da Capelinha de São Caetano, em
1993. Assemelha-se a um pequeno prédio, funcionando no primeiro e segundo piso de uma
casa alugada, possui 05 salas de aula; uma cozinha que ao mesmo tempo é a despensa; uma
área externa acimentada que funciona o parque com alguns brinquedos de aço e um sanitário
para uso de adultos e crianças. Atende um total de 60 crianças, metade freqüenta o período
integral.
A cozinha
Sanitário
120
Em cada turno, as crianças possuem um intervalo de 30 minutos para brincar no
parque, momento muito esperado e ameaçado de perda para aquelas crianças nomeadas como
“indisciplinadas”. O parque possui uma pavimentação de cimento, embora ocorra constantes
atritos entre crianças, elas brincavam sozinhas sem o acompanhamento do adulto. Tanto as
crianças da Educação Infantil como das séries iniciais do Ensino Fundamental, usufruíam
como momento único. Corriam e extravasavam a necessidade de movimentar-se que, quase
não existiam nas atividades desenvolvidas com as professoras, nas suas respectivas salas.
O parque Infantil
No primeiro piso existem três salas onde funcionam a Educação Infantil, assim
distribuído: uma sala pequena que trabalha com crianças de 04 a 06 anos, com um total de 20
crianças. Nessa sala possui apenas uma janela veneziana próximo ao teto que impede que a
ventilação seja agradável. O outro espaço recebe a faixa etária de 2 a 4 anos, com uma média
de 18 crianças, fica na sala da casa, local que transita as crianças de outras salas porque é
passagem para se dirigir ao banheiro, à cozinha e ao parque. No horário do almoço é
disponibilizada como refeitório das crianças. Existe outra sala que atende às crianças em
período integral denominada creche. Esta é ampla e arejada, possui duas janelas com grades,
sem mobiliário quase nenhum. O segundo piso possui duas salas, no qual funcionam as duas
primeiras séries do Ensino Fundamental.
O horário de funcionamento é das 7:00h às 17:00h. As crianças que ficam meio
período saem as 11:30h, as que ficam o dia todo almoçam às 12:00h e repousam na sala, na
qual funciona a sala denominada creche. Antes do almoço elas tomam o único banho do dia,
sendo agrupadas pela auxiliar de quatro em quatro, separando meninos de meninas. A
121
autonomia das crianças era presente neste momento, elas pegavam os utensílios para se
banharem e vestiam-se sozinhas, utilizando o uniforme para à tarde ficarem nas “salas de
aula”. Como demonstram as imagens abaixo:
Momento após o banho
Apesar das dificuldades de conseguir os alimentos, através de doações da ONG Mais
Social ou das famílias, o preparado da refeição das crianças que permanecem o período
integral é uma rotina sagrada. O preparo do almoço além dos ingredientes alimentícios, tinha
uma pitada de amor, criatividade, por parte da cozinheira, que estabelecia uma relação
materna de responsabilidade com as crianças. Embora não tinha conhecimento de direito do
valor nutritivo dos alimentos, como pertinente a uma nutricionista, exercia o conhecimento
tácito no preparo das refeições. Como visto nos dias de observação e na fala da cozinheira:
Arroz, feijão, às vezes é macarrão, às vezes é macarrão com molho, é frango
assado, é frango cozido, é frango enrolado, é bastante verdura, bastante fruta, mas
agora as mães tá até agradecendo porque eles já comem, eh... é, às vezes, eu faço
almôndegas com verduras, essas coisas, faço purê de batata, faço um monte de
coisas, aí eles comem.
É a escola quem dá porque eles em casa não comem nada e aqui eles estão
comendo bastante, e têm muitos, aí mesmo que a gente ainda dá na boca, até os
grandes, porque em casa não comem, e aqui eles comem direitinho. A metade come
122
sozinho, a outra metade a gente precisa dá, os pequenininhos. Ai às vezes dá pra
tapear pra comer direitinho.
51
Este é um momento esperado por muitas crianças, como afirma Santana (1998), elas
contam, na maioria das vezes, com a garantia, apenas, da alimentação principal oferecida pela
instituição por causa do escasso alimento oferecido, em geral, na camada social à qual
pertence. A preocupação com a quantidade também era muito pleiteada na distribuição das
refeições. Os adultos conheciam aquelas crianças que mais precisam estar com “as barrigas”
satisfeitas, como justificavam o motivo pelos quais alguns pratos eram mais fartos, quando
não repetidos.
O momento da refeição
51
Entrevista realizada com a cozinheira em agosto de 2007, a partir do final de setembro ela saiu da instituição
por falta de pagamento da sua remuneração
123
A instituição conta no seu quadro de pessoal, com 04 professoras, 03 com nível médio
e uma cursando Pedagogia à distância. As três professoras são as próprias irmãs que criaram a
instituição e a outra é uma prima delas. Duas das irmãs acumulam a função de diretora e vice-
diretora, várias vezes na semana aquela que é responsável pela direção necessita se ausentar
para participar de reuniões na ONG Mais Social ou na AEC para buscar subsídios para
manutenção da instituição e assegurar a continuidade do serviço. Quando isso acontece,
junta-se as turmas ou uma professora se desdobra em duas salas passando “tarefas”.
Para as professoras, os escassos recursos financeiros interferem no aperfeiçoamento
profissional, assim como na continuidade do serviço. Apontam como uma das conseqüências
para a formação a questão salarial e o repasse das verbas diferenciado em relação às
instituições públicas vinculadas ao poder municipal e as oriundas por empenho de moradores
da comunidade, como revela uma das professoras: “Até hoje eu aprendo, mas aqui o grande
problema é o salário da gente. É um trabalho muito difícil de fazer porque você tem que ficar
renovando. As públicas são atendidas, nós comunitárias, a merenda e o almoço nos viramos
com os pais”.
52
A instituição tinha, além dessas professoras, uma merendeira-cozinheira e uma
auxiliar que tinha o Ensino Fundamental incompleto. A auxiliar “olhava” as crianças quando
as mesmas estavam na sala denominada creche, ajudava a dar banho e, segundo sua fala, às
vezes brincava de roda: “eu brinco com as crianças, dou tarefa pra eles fazerem aqui na sala,
pintura, alguma coisa, assim pra ficar rabiscando, e o que mais... (pensa)? Brinco com eles de
roda, pega-pega e só”
53
. Vale ressaltar que nos dias de observações, nunca foi presenciado
uma atividade dirigida por ela.
A auxiliar e a cozinheira-merendeira ficaram trabalhando até setembro de 2007, pois
realizavam um trabalho voluntário, segundo a direção da escola. Entretanto, em entrevista
revelaram o descontentamento com a designação de voluntárias, pois, segundo os seus
depoimentos, recebiam uma remuneração de forma irregular, este inclusive foi um dos
principais motivos da saída delas. Alegavam, também, que não estavam prestando um serviço
por livre arbítrio e gostaria de assinar a carteira de trabalho:
52
Professora das crianças de 2-4 anos, prima das três irmãs.
53
Auxiliar da instituição, entrevista concedida em agosto de 2007, na Escola Didática-Arco Íris.
124
[...] dizem que nós somos voluntárias, mas nós não somos não, porque
recebemos R$ 150,00 reais, apesar de a gente receber atrasado. Já temos três
meses atrasados. Elas são boas (referindo-se as irmãs responsáveis pela
instituição), mas não dar para ficar assim, eu trabalho porque preciso
também. Acho que elas dizem isso porque não assinam a nossa carteira
54
Campos (2002) alerta-nos para os desencontros nas práticas de Educação Infantil, nos
quais são levantados calorosas discussões sobre a necessidade da formação superior das
professoras e educadoras, no entanto, a situação é análoga à expressão utilizada por Roberto
Shwarz, pois continua a existência de dois universos paralelos, um com “idéias fora do lugar”
e um outro com “lugares fora das idéias”. Na medida em que expõe as crianças de 0 a 04
anos, por longas horas, sob a responsabilidade de mulheres com pouca instrução, mal pagas,
“sem o preparo nenhum para atingir os ambiciosos objetivos fixados no referenciais e
diretrizes curriculares para esta faixa etária” (CAMPOS, 2002, p. 32). Esta realidade podia ser
observada com as pessoas que prestavam serviço à instituição.
Após a saída da cozinheira-merendeira e a única auxiliar, as professoras ficaram, ainda
mais sobrecarregadas, assumindo as atividades pertinentes à sua função e, ao mesmo tempo,
preparavam o almoço. Quando a instituição conseguia alguma doação tinha alguma fruta para
oferecer como lanche e as crianças ficavam felizes e agradecidas, principalmente aquelas que
não podiam trazer regularmente. As crianças traziam o seu lanche de casa, aquelas que não
levavam, por falta de condições, ficavam com os olhos cumpridos para a merenda do colega.
As professoras sempre estimulavam a dividir, tinha dias que alguns, por livre e
espontânea vontade, compartilhavam o lanche, mas quando traziam o preferido exclamavam:
“puxa, esse é o biscoito que eu mais gosto”, mas, enfim, dividiam. Esta criança, por exemplo,
tinha outros três primos que faziam rodízio para dividir entre eles durante a semana, às vezes
era uma garrafinha de suco, um pacote de biscoito recheado para ratear com os quatro.
Tinham duas crianças que nunca traziam, mas as professoras pediam para alguém que
desejasse dar um pouco do lanche, geralmente, não hesitavam e dividiam o biscoito, o
salgadinho, o suco e até uma ou duas colheres de iogurte. Era um exercício solidário que fazia
transpor os ensinamentos que aprendiam em sala, imposto pelas circunstâncias, mas singular
na construção de valores. Sem querer, as crianças exerciam o princípio ético da solidariedade,
indicado nas Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação Infantil.
A sala denominada creche é o espaço onde alternam as crianças que ficam de
período integral tanto da Educação Infantil como do Ensino Fundamental, ou seja, agrega
54
Auxiliar da instituição, entrevista concedida em agosto de 2007, na Escola Didática-Arco Iris
125
crianças de 2 a aproximadamente 8 anos. Ficavam em média 16 crianças pela manhã e 14 à
tarde. Quando as crianças estavam pela manhã na sala do jardim II e alfabetização (faixa
etária de 4 a 6 anos) e nas salas do ensino fundamental, à tarde ficam nessa sala com
atividades livres, sem a mediação do adulto a não ser quando emergia um atrito ou para
lembrar os momentos de asseio e saída. O mesmo procedimento acontecia no turno matutino,
as crianças da pré-escola (2 a 3 anos e 11meses) e algumas do ensino fundamental ficam
nesta sala, brincando, contando histórias entre si, posicionando cadeiras próximas a janela
para conversarem com os homens do caminhão do lixo ou com os vizinhos que passam pela
rua. Entretanto, o espaço não era organizado com este fim, as próprias crianças desenvolviam
suas atividades, qualquer elemento transformava-se em brinquedo.
A sala é ampla e arejada, mas desprovida de brinquedos, possuí umas 04 cadeiras de
madeira pequenas um pouco desgastadas, porém, é o único lugar que o mobiliário condiz com
a estatura das crianças. Tem um som quebrado e alguns livros de histórias que os pais
compraram no início do ano. Nessa sala ainda guardam-se os dois colchões de solteiro que as
crianças utilizam no momento de repouso, os lençóis e as mochilas das crianças que ficavam
o dia todo.
A sala creche é um oásis controverso, apesar de os adultos não estruturavam o espaço
para brincadeiras livres das crianças nem para jogos tradicionais caracterizadores da cultura
local ou nacional, quando apareciam era para reclamar com as crianças ou lembrá-los do
horário do lanche, do almoço, do parque, do banho. Entretanto, as interações entre as crianças
eram criativas, espontâneas e autônomas. Ações quase não permitidas quando estavam com
atividades dirigidas pelos adultos, uma vez que a ênfase na aquisição da escrita e leitura
estavam em primeira instância dentro das chamadas “salas de aula” até para as crianças de 2
anos.
Embora o espaço não atendesse à prerrogativa da LDBEN, que era o acesso para as
crianças de 0 a 03 anos, a sala denominada creche era um espaço onde as crianças podiam
ser elas mesmas. Algumas fotos abaixo revelam um pouco o momento lúdico que
vivenciavam, onde estavam inteiros, longe dos ensinamentos mecânicos e desconectados com
as especificidades da infância:
126
Brincadeira livre
Muitas histórias para contar
Momentos de afeto, alegria e autonomia
Amizade com a vizinhança
As brigas eram constantes, às vezes as crianças resolviam-se entre si, as maiores
protegendo as menores, outras chamavam o adulto para apartar. Como corroboram Carvalho
& Meneghini (2007), Rego (1995) as interações espontâneas são importantes para o processo
de desenvolvimento das crianças. Todavia, as crianças precisam da proximidade física ou
visual do adulto que cuida dela, a fim de se sentirem segura, além do mais é imprescindível a
presença do adulto, não só em preparar o espaço para que as crianças explorem como
desejarem ,mas, como um parceiro mais experiente, este momento constitui um momento rico
de observação e/ou interação com as crianças para conhecê-la melhor e partilhar suas
investidas criativas, quando solicitada. Contudo, quando este momento é utilizado para passar
127
o tempo, sem intenção de proporcionar em um espaço rico em desafios, sem a presença do
adulto, não necessariamente para intervir, pode acarretar problemas de diversas ordens.
A sala creche, representa, também, a dissonância e a tensão do período integral x
período parcial, que Campos (2002) pontua como um dos entraves da política educacional,
por não ter tradição de atender em turno integral, opõe-se a abrir esta possibilidade em seus
estabelecimentos, faz-se arranjos que, muitas vezes, as mais prejudicadas são as crianças,
como explicitado no fragmento:
Infelizmente, a LDB vem sendo interpretada de maneira a associar a creche ao
período integral e a pré-escola ao meio período de funcionamento. Isso é
compreensível, dadas as diferentes tradições e identidades desses dois tipos de
atendimento. Entretanto, a lei em nenhum momento determina qual o período em
cada faixa etária, assim também como não o faz em relação ao ensino fundamental,
médio ou superior. (CAMPOS, 2002, p. 30)
A sala creche era ignorada pelas professoras, nas conversas informais durante as
visitas. Quando se referenciava à mesma, elas demonstravam que não tinha muito haver com
aquele espaço, desconversavam, dizendo que ministravam aula, mas não era responsável pela
creche. Com a saída da cozinheira-merendeira e da auxiliar, a professora que ficava com as
crianças de 2 a 4 anos, à tarde, passou a assumir pela manhã a creche e a preparar o almoço,
sem atividades intencionalmente programadas, apenas “tomava conta”, encaminhando as
crianças para o banho, distribuindo o lanche e amenizando os atritos. À tarde percebia-se o
limite de sua exaustão, pois gritava muito com as crianças e ameaçava, por qualquer motivo,
ficarem sem o esperado parque, quando alguma criança a chamava, exclamava: “sou uma,
espere!”
O acúmulo de funções nessas instituições é preocupante, pois acarreta uma sobrecarga
de trabalho às pessoas. Geralmente são mulheres que se desdobram no trabalho doméstico em
suas próprias casas e múltiplas funções nas instituições com, em média, 10 horas ininterruptas
de serviço. Além de não terem nenhuma proteção das leis trabalhistas, por exercerem uma
ação “voluntária” pela força das circunstâncias, sofrem o estresse psíquico, físico e mental e,
consequentemente, a falta de equilíbrio emocional, estado muito importante na relação com a
criança.
A estrutura física e a organização do espaço da Creche Escola Didática Arco-Iris é o
espaço possível de se oferecer, não atende a vários requisitos indicados no documento que
Rosemberg & Campos (1996) apontam como necessários para respeitar os direitos
128
fundamentais da criança. O risco do parque com pavimentação inadequada, sem tanque de
areia ou grama, a altura das janelas, o sanitário com os equipamentos não compatíveis com a
estatura das crianças, são uns dos indícios da oferta de uma instituição comunitária que
sobrevive de medidas focalizadas e do custeio das próprias famílias, caracterizada por uma
população pauperizada pelas circunstâncias sociais e econômicas, provocadas pela
impossibilidade de inserção na economia formal e retração de acesso aos bens sociais básicos.
Como salienta Campos (2002), a transferência de atribuições governamentais para o mercado
ou ações pontuais das ONGSs, tem agravado áreas que acumulam déficits históricos de
universalização dos serviços, dentre os quais insere-se a Educação Infantil.
Os instrumentos legais que versam sobre os atributos qualitativos que devem permear
tanto na proposta pedagógica como na prática dos espaços de Educação Infantil, apontam
como um item imprescindível à ação conjunta dos profissionais e das famílias como os tecelãs
do fazer educativo. Cada segmento, no entanto, traz consigo a concepção de como o trabalho
realizado pode favorecer o desenvolvimento de crianças críticas, criativas, autônomas, cidadãs
do presente.
Autores como Zabalza (1998) e Cruz (2001) elencam como um dos elementos-chave
para uma Educação Infantil de qualidade a participação da família. A relação pode se dar de
quatro formas: com a oferta de serviço de informação, apoio emocional ou orientação
oferecida pelos profissionais; com empenho dos pais pelo programa ou pela equipe
profissional, levantando fundos, defendendo direitos ou coletando informações; com a ação
complementar à instituição dos pais com as crianças em casa, compartilhando conquistas e
com a realização de planejamento, avaliação, projetos conjuntos, discussões de tópicos de
interesse comum com os pais e profissionais. No entanto, na creche Escola Didática Arco-
Iris, percebe-se um envolvimento pontual e rápido dos profissionais com as famílias,
basicamente restringindo-se à despedida da criança nos momentos de entrada e saída, e nas
reuniões que acontecem à cada unidade, cuja freqüência dos pais é muito baixa, em média 05
a 08. Na reunião observada, o assunto restringiu-se, essencialmente, às notas das crianças do
Ensino Fundamental e comportamentos (in) adequados do segmento da Educação Infantil.
Tanto nas falas das famílias como das professoras, um trabalho de qualidade se
materializa por algumas categorias que podem ser assim agrupadas: a) o desenvolvimento
como sinônimo de escolarização precoce; b) o movimento e o brincar como prejudiciais para
aprendizagem e condicionantes de hábitos; c) o cuidado e a proteção como ações
indispensáveis de atenção às crianças; d) O financiamento dos custos operacionais da
129
instituição como indicador de participação da família; e) a avaliação assume um caráter
unilateral e classificatório.
a) O desenvolvimento como sinônimo de escolarização precoce
Ao apontar a perspectiva educativa para os espaços para Educação Infantil, geralmente
tem se executado o outro extremo que antes afetava mais as crianças de 04 a 06 anos: a
antecipação da escolarização. Atualmente, até as crianças a partir de 02 anos são atingidas
pela ênfase na alfabetização. Observa-se um trabalho mecânico e penoso com as crianças,
provocando os rótulos cada vez mais cedo, classificando-as de “desinteressadas” ou
“danadas”, por não desejarem “treinar” ou fazer as tarefas.
A valorização pela grafia do nome, escrita das letras e números são trabalhadas
intensamente durante toda a rotina como condição indispensável. As crianças ficavam horas
copiando letras, palavras da lousa, treinando traçados, as que não conseguiam sentia-se
inferiorizadas, pois eram muito rotuladas pelos colegas. A expectativa para apreensão dos
códigos da língua aparecia como forte interesse das professoras e unânime para as famílias
entrevistadas. As crianças eram consideradas “desenvolvidas” quando estavam grafando
letras, números, palavras ou respondendo “prontamente” as ditas tarefas de coordenação
motora, como revelam os depoimentos:
Eu explico no quadro, eles copiam....primeiro eles fazem uma atividade dever,
aprendem as vogais, as consoantes, aprendem a escrever os nomes deles..ah e os
números também. E uma coisa que a gente trabalha é a coordenação motora (...).
55
Eu gosto da escola porque meu filho está se desenvolvendo muito, ela já escreve as
letras, o nome, sabe contar. Eu acho o ensino daqui muito bom.
56
Brito (2005) aponta como um grande desafio da Educação Infantil construir bases para
que as crianças possam participar criticamente da cultura escrita, não se preocupando em
ensinar as letras, numa perspectiva redutora de alfabetização. À medida que a criança vivencia
a experiência de objetos da cultura escrita, dos modos de organizar a cultura escrita, dos
gêneros da escrita, que ela encontrará sentido no escrito, de modo que, quando aprender o
sistema de escrita, verá sentido para ela. O autor ainda afirma que a antecipação do ensino das
letras sem trazer o debate da cultura escrita para o cotidiano, desrespeita o tempo da infância e
55
Depoimento da professora responsável pelas crianças de 02 a 4 anos, concedido em outubro de 2007.
56
Depoimento de uma mãe de uma criança de 03 anos, concedido em outubro de 2007.
130
sustenta uma educação tecnicista, em que prevalecem os mitos da “precocidade” e da
“superespecialização”, fomentados pela égide da competitividade, aumentando as diferenças
sociais, ao invés de combatê-las.
b) O movimento e o brincar como prejudiciais para aprendizagem e
condicionadores de hábitos
O brincar e o movimento como veículos essenciais de valorização da socialização e
recriação das experiências infantis, assumem muitas vezes um lugar secundário nas propostas
de Educação Infantil por denotar “indisciplina” ou quando usados, tendem a serem utilizados
para fins pára-didáticos ou restringe apenas ao momento do intervalo no parque, isso foi
evidenciado nas falas das professoras: “ a gente sempre faz as brincadeiras no intervalo do
recreio ou então a sexta-feira que é a maior parte da aula é recriação”.
57
Na concepção de
uma mãe o brincar atrapalhava do desenvolvimento do seu filho:“ eu só acho que ele brinca
muito, por isso não faz as tarefas direito”
58
.
Segundo Kishimoto (2006) essas são funções equivocadas do brincar porque estão
vinculadas à concepção de que o brincar não pode integrar-se às atividades educativas para
ocupar uma tarefa fora da sala, predominando o uso delimitado dos brinquedos e tempo para
brincar para um determinado fim. Esquece-se que o brincar livre ou os jogos tradicionais
podem desenvolver a autonomia e ajudar na apropriação do universo cultural ao qual a
criança está inserida.
c) o cuidado e a proteção como ações indispensáveis de atenção às crianças
O zelo com a higiene e a guarda dos seus filhos enquanto estão trabalhando foram
aspectos apontados pelas famílias como demonstrativos de trabalho de qualidade:, como uma
das mães sinalizara: “Quando eu pego meus filhos vejo que elas cuidam bem, porque eles
estão bem limpinhos”. “Você vê que é uma relação de mãe para filho.” Duas mães alegaram
que o trabalho precisava melhorar porque seus filhos chegavam em casa muito machucados.
57
Depoimento da professora das crianças de 04-05 anos.
58
Depoimento de uma mãe de uma criança de 04 anos
131
Apenas uma mãe sinalizou a instituição como um espaço sociabilizador importante,
em decorrência da configuração familiar no qual a criança estava inserida: “ele é muito
sozinho, aqui ele brinca, faz novas amizades”.
d) O financiamento dos custos operacionais da instituição como indicador de
participação da família
Um dos questionamentos da entrevista era o que elas faziam pela instituição. Esta
pergunta foi recebida com espanto por todas as mães, as respostas eram incisivas, como se
estivessem contribuindo demais ou demonstravam sentimento de culpa por não poder
contribuir porque estavam desempregadas, realizando trabalhos pontuais, como faxina. Para
as famílias entrevistadas a participação consistia apenas no pagamento da mensalidade, como
expressou uma das mães: “Eu tenho! Pago a mensalidade em dia, né, tem que fazer mais
alguma coisa?” Algumas respondiam com um sentimento de culpa ou como se a indagação
estivesse cobrando pela regularização da mensalidade: “é que eu fiquei desempregada e os
trabalhos que eu consegui são a conta para pagar as despesas de casa”
59
.
e) a avaliação assume um caráter unilateral e classificatório
No que tange à avaliação das crianças, ficou evidente o caráter classificatório,
contrariando as Diretrizes Nacionais Curriculares para Educação Infantil, bem como a
LDBEN que apontam para uma perspectiva de acompanhamento e registro das etapas
alcançadas nos cuidados e educação, não em uma intenção de resposta aos conteúdos
ensinados, nem de retenção ou passagem para o ensino fundamental. O calendário é dividido
em quatro unidades, ao término de cada uma todas as crianças da Educação Infantil fazem
uma prova na qual é atribuído conceitos, conforme os parâmetros estabelecidos pela
professora. Como explica uma das professoras: “Eles fazem prova dentro do assunto, só para
ver como eles estão. Não tem nota. Nós damos regular, bom ou ótimo”
60
.
Para as professoras, a substituição de notas para atributos redimensiona a forma de
avaliar as crianças. Compartilhando das considerações de Oliveira (2007), esta prática pode
provocar uma visão estereotipada, perpassada por um viés pessoal ideológico que só atrapalha
na relação com a criança. A autora sugere que a avaliação na Educação Infantil deve servir-se
59
Depoimento de uma mãe de uma criança de 04 anos
60
Depoimento da professora responsável pela turma de 2 a 4 anos.
132
de modelos que detecte “zonas de desenvolvimento proximal
61
de cada criança, ou seja, buscar
conhecer caminhos emergentes, e não meramente constatar obstáculos” (OLIVEIRA, 2007,
p.254). O processo de acompanhamento e registro do desenvolvimento deve levar em
consideração como a criança interage com seu contexto de desenvolvimento, visto que as
respostas às situações vivenciadas pelas crianças dependem de um conjunto de fatores e são
sempre provisórias, dado que a criança e a relação que estabelece com seu ambiente estão em
constante mudança.
Nesse sentido, descrever como a criança interage com o adulto e seus pares, como
experimentar suas possibilidades corporais, plásticas, lingüística e simbólica são alguns dos
itens a constar em um registro avaliativo, sem rótulos, pois o desenvolvimento infantil
apresentado em um dado não é estanque, nem definitivo, mas sempre passível de
modificações a depender das relações que estabelece com o seu universo interativo. Faz
necessário considerar, também, que cada criança é única e tem o seu jeito próprio de
demonstrar diferentes competências sociais, assim como conhecer e se apropriar do seu
universo cultural. Somado a isso, avaliar na Educação Infantil implica, a partir da observação
e acompanhamento das crianças, redimensionar o contexto educacional no qual à criança está
inserida, melhorando as condições de trabalho; realizando o aperfeiçoamento dos seus
profissionais e estabelecendo uma relação dialógica e de cumplicidade com as famílias.
Embora na proposta da instituição um dos objetivos seja a formação de crianças
cidadãs, críticas, por intermédio do lúdico e a valorização da identidade do grupo social ao
qual pertencem, evidencia-se no cotidiano uma fazer pedagógico com ações fragmentadas. O
contato com a comunidade, elementos da natureza são vivenciados no plano abstrato,
lembrados nas datas comemorativas. A ludicidade como meio por excelência de as crianças
estabelecerem relações com as pessoas e se apropriarem do seu universo sócio-cultural é
concebida como perda de tempo ou ócio improdutivo.
3. O Centro de Educação Infantil da Associação dos Moradores: o espaço disponível
A instituição de Educação Infantil fundada pela Associação dos Moradores da Rua
Nova de Camurugipe e Rua Fonte da Bica de Baixo, possui um história de 23 anos de
61
Conceito cunhado por Vigotsky (1998) refere-se ao “espaço” entre as conquistas já a adquiridas pelas crianças
e é capaz de desenvolver sozinhas e aquelas que para se efetivar precisam da colaboração de parceiros mais
experientes.
133
existência para atender à demanda das famílias desses dois logradouros. O espaço fica
próximo à sede da associação, é composto por uma sala ampla, uma cozinha e um sanitário
para adultos e crianças. Freqüenta em torno de 20 a 25 crianças, na idade de 02 a 06 anos.
Como atende à idade dos dois segmentos da Educação Infantil, pode-se nomear de Centro,
pois assim prescreve os documentos nacionais
62
, entretanto, para a coordenadora denomina-se
creche. O horário de funcionamento é das 7:00 às 17:00h, podendo estender por mais ou
menos duas ou três horas, porque a maioria das famílias são compostas por mães solteiras,
empregadas domésticas que, segundo a coordenadora da instituição, cumprem, às vezes, mais
de oito horas de trabalho.
Cozinha
62
Documentos como Subsídios para Credenciamento e Funcionamento de Instituições de Educação Infantil, de
1998 e Política Nacional de Educação Infantil: pelo direito das crianças de 0 a 06 anos à educação, de 2005.
134
A concepção de creche geralmente perpassada pelas instituições comunitárias é definida pelo
caráter do tempo de funcionamento, se turno integral e pela realização das atividades de
higiene e alimentação das crianças como explica a fundadora: “Eu chamo creche, né, porque
as crianças ficam o dia todo, as mães só vêm pegar elas à noite. Além do mais, aqui elas
comem, dormem, tomam banho.”
A instituição não possui uma proposta pedagógica, mas várias crianças receberam a
ação de cuidar e educar compreendida por aquelas pessoas. Os aparatos legais que institui a
política educacional para Educação Infantil não ecoam naquela comunidade, ou não são
ouvidos pela prioridade dada às necessidades imediatas.
Não há um quadro de profissionais fixos. Nas visitas realizadas presenciou-se uma
rotatividade de pessoas voluntárias que ficavam “olhando” as crianças, como elas mesmas
definiam o seu papel. A formação das quatro pessoas entrevistadas é de, no mínimo, até a
quarta série do Ensino Fundamental, apenas uma jovem está cursando a oitava série. Durante
o tempo de permanência das crianças, essas pessoas, que são mulheres da comunidade, não
desempenham nenhuma atividade previamente planejada, que possibilite explorar as diversas
formas de expressão da criança conhecer o mundo. Nas suas falas, o trabalho que
desempenhavam era bom, basicamente por dois motivos: resguardava dos riscos da
vizinhança e promovia a melhoria das condições de saúde das crianças como revela,
respectivamente, duas pessoas que ficavam responsáveis pelas crianças:
É melhor as crianças ficarem aqui do que ficarem sozinhas em casa. Em casa ela
pode se queimar no fogão ou ficar na rua correndo risco de vida porque aqui não
está fácil. Aqui nós olhamos elas até suas mães chegarem do trabalho.
63
O que eu acho bom, é que a experiência da gente mostra que muitas vezes as
creches salva as crianças, no sentido que resgata a sua vida, porque às vezes chega
uma criança que não tem o menor cuidado, sem a menor condições, e quando você
vê algum tempo depois, você observa o quanto ela se desenvolveu, aí você vê que a
partir daqueles cuidados que ela recebeu na creche ela é uma outra criança, mais
saudável. E isso alegra muito a gente, quando você vê quando chegou e como
está.
64
A interação com a família é estabelecida com contatos rápidos no momento da entrada
e saída das crianças. As famílias não procuram saber a respeito do trabalho desenvolvido com
seus filhos, desde que os mantenham limpos e bem alimentados, como depõe uma mãe de
uma criança de 04 anos: “Elas cuidam muito de minha filha, quando eu chego, ela está bem
63
Entrevista realizada com uma voluntária que trabalha na instituição em agosto de 2007.
64
Entrevista realizada com uma voluntária que trabalha na instituição, em setembro de 2007
135
limpinha. Outra coisa: as crianças comem bem aqui.”
O aspecto pedagógico é negligenciado, não há área externa para as crianças brincarem.
Os brinquedos são das próprias crianças que ficam andando pela sala, sentam, se agrupam
para conversarem, trocarem, inventarem suas brincadeiras ou ficam com os olhos fitos de
saudade da rua. Este espaço denuncia o outro extremo que, ainda, é oferecido às crianças de
baixa renda, marcado pelo assistencialismo e quase anonimato pelo acompanhamento dos
poderes públicos.
Momento de brincar
O informativo do Fórum Baiano de Educação Infantil (2006)
65
demonstra a situação
das instituições comunitárias junto ao Conselho Municipal de Educação. No referido ano, dos
159 estabelecimentos que entraram com o pedido de autorização de funcionamento, apenas 17
foram autorizadas pelo CME, por não possuírem o alvará ou outro documento similar
expedido pelo órgão próprio da prefeitura Municipal de Salvador, declarando a possibilidade
de funcionamento do espaço no local previsto. A “creche” criada pela Associação dos
Moradores de São Caetano, tem 23 anos de um trabalho que muito pouco atende os direitos
essenciais para o desenvolvimento integral da criança, detendo-se a função de “guarda” com
ênfase nos cuidados alimentares e de higiene.
A redução do trabalho desenvolvido aos cuidados elementares de banho, alimentação e
repouso limitam outras formas de expressão e possibilidades psicomotoras, afetivas,
65
Dados coletados no site do Fórum Baiano de Educação Infantil www.ceap.gov.br.
136
cognitivas e sociais de aprender da criança. Cruz (2001) destaca que os cuidados com as
crianças suscitam outros cuidados que extrapolam as necessidades fisiológicas e físicas na
medida em que elas necessitam de espaços, materiais e oportunidades constantes para correr,
pular, brincar, desenhar, tocar, bem como outros desafios para conhecer a si próprias, as
outras pessoas e os objetos. A necessidade de ampliação de informações e experiências
significativas acerca da ciência, arte, folclore, contos, música, assistir filmes, recriar histórias,
enfim enriquecer o seu imaginário e apropriar sobre seu meio e cultura são igualmente
indispensáveis.
Apesar da instituição analisada não ter uma proposta pedagógica formalmente
estruturada, a sua prática evidencia um fazer pelo fazer, pela dicotomização do cuidar e
educar, concebendo a criança como um ser incompleto e divisível ou voltada a educação
compensatória.
4. A experiência do educar e cuidar nos Centros de Educação Infantil Comunitários na
voz dos sujeitos de direito
Todo espaço de Educação Infantil independente da prática e das condições infra-
estruturais oferecidas, constrói uma concepção de sociedade e de como as pessoas que
compõem esse corpo social pode e/ou dever se portar diante das situações do seu cotidiano.
Para as crianças pequenas, as trocas afetivas estabelecida com seus pares e/ou adultos, os
fatos, acontecimentos que vivenciam, assumem uma conotação no seu processo formativo
importante para as etapas futuras de sua vida. Tais experiências funcionam como mensagens
que são decodificadas pelas crianças e podendo favorecer na constituição de si mesmo como
sujeitos.
De acordo com Oliveira (2007), desde o nascimento o bebê é confrontado com as
características físicas do seu meio e com as construções materiais e subjetivas elaboradas nas
práticas sociais. Construções que abarcam as dimensões objetivas (formas de organização
social, de atividade ou de trabalho, ferramentas ou obras) e dimensões representativas,
codificadas pelas palavras carregadas de significações e valores do contexto no qual a criança
está inserida. Nas entrevistas realizadas com as crianças das duas instituições, evidencia-se
um conjunto de categorias que indicam o significado da permanência em um ambiente
diferente do grupo familiar, destacam-se: a) a aspereza na relação como marca de rejeição à
137
instituição; b) Estudar, brincar e aprender como ações dicotômicas e c) a higiene e a
alimentação como ações essenciais.
A aspereza torna-se uma marca na rejeição à instituição quando o adulto que deveria
ser o mediador exerce o seu poder de forma verticalizada, dominando a criança pela égide do
medo. Segundo o documento Critérios para um Atendimento em Creches que Respeite os
Direitos Fundamentais das Crianças uma relação afetiva acolhedora para com as crianças é
essencialmente necessária para proporcionar confiança e possibilitar a consolidação das trocas
partilhadas. As crianças, no entanto, sentem-se tolhidas e reprimidas em expressar seus pontos
de vista quando a relação, principalmente com os adultos, impõe um autoritarismo capaz de
imobilizá-las, como relata uma criança: “Se você estudasse aqui ia te dar agonia. Ela grita no
nosso ouvido e depois bota a gente de castigo. Tem vez que ela grita no nosso rosto e grita no
nosso ouvido”
66
.
Oliveira (2007) discorre sobre a importância do afeto como um importante mediador
no trabalho com a criança de 0 a 06 anos por construir valores sobre os objetos, pessoas e
situações, conferindo significações imprescindíveis na valorização de determinados objetivos
e certos elementos, eventos ou situações por parte da criança, porque para elas o afeto e a
cognição são aspectos inseparáveis. Entretanto, muitas vezes, por desconhecimento dos
fundamentos de como as crianças se apropriam de si mesmas, dos seus pares e dos objetos, há
o exercício de domínio por parte do adulto para que as crianças “se comportem” dentro da
perspectiva que idealizou, seja consciente ou não de ser criança.
Na Creche Didática Arco-irís, estudar, brincar e aprender aparecem como ações
dicotômicas. Como as crianças aprendem a ler e escrever os códigos corretos da língua desde
a tenra idade, o brincar livre, espontâneo ou por intermédio dos jogos tradicionais não assume
a importância central no trabalho pedagógico. Estar na sala creche pela manhã representa
usufruir das peripécias da infância, à tarde significa a seriedade da vida porque estudam e
aprendem, muitas vezes para atender às expectativas dos pais, como expressaram duas
crianças: “ Na creche eu brinco, almoço, de tarde eu estudo e aprendo”
67
; “vou dizer uma
coisa pra você, eu não gosto de estudar na sala à tarde, mas minha mãe diz que eu tenho que
aprender as coisas da tarefa, agora gosto de ficar na creche a gente brinca de power rangers,
eu sou a força animal”
68
.
66
Relato de uma criança de 06 anos.
67
Depoimento de uma criança de 05 anos.
68
Entrevista com uma criança de 04 anos.
138
A higiene e a alimentação foram as ações mais significativas pontuadas pelas
crianças que permaneciam o tempo integral. Em ambas instituições configuram como uma
oportunidade de exercitar a sua independência e suprir as carências alimentares: “eu almoço
sozinha, tomo banho sozinha e como sozinha, ah e me visto sozinha”
69
; “aqui é bom porque
tomo banho, merendo, almoço muito, bem muito”
70
; “ na creche o que mais gosto de fazer é
dormir e comer”
71
. Talvez o direito a alimentar-se bem assuma tamanha dimensão por
pertencerem a um grupo familiar configurado, na sua grande maioria, por mulheres,
empregadas doméstica ou diaristas, que se sustentam com até um salário mínimo por mês e
garantem o sustento sozinha de seus filhos. Para essas famílias seus filhos estarem em uma
creche e pré-escola ainda não assume um caráter educativo, mas assistencial.
Pensar em qualidade em espaços como analisados acima implica em reestruturação nas
políticas públicas para Educação Infantil. Se a Constituição de 1988 e a LDBEN garantem
subsídios do poder estatal com recursos financeiros, deixá-los com profissionais voluntários
sem a devida formação, com uma estrutura física improvisada ou incompatível com as
especificidades da infância, traz como conseqüência práticas equivocadas de educação e
cuidados como constatadas nas duas instituições.
As pessoas envolvidas no processo educativo com as crianças dessas instituições
geralmente não têm conhecimento dos documentos instituídos pelo MEC, a exemplo das
Diretrizes Curriculares Nacionais de Educação Infantil que sintetiza em poucas páginas
proposições de forma simples como deveria ser um trabalho que respeita a fase da primeira
infância. Tanto as gestoras das instituições como as professoras, quando indagadas sobre o
conhecimento dos dois documentos discutidos neste capítulo, afirmaram que “já ouviram
falar”, mas nunca tinham lido. Infelizmente, as crianças das camadas menos favorecidas são
duplamente penalizadas pela omissão da função do Estado na garantia do direito à educação e
pelo acesso a práticas e condições precárias disponíveis.
69
Idem
70
Idem
71
Depoimento de uma criança de 05 anos
139
Considerações finais
As discussões presentes neste trabalho, referente às alternativas encontradas pela
população na tentativa de suprir a lacuna do Estado na Educação Infantil, possibilitam fazer
algumas considerações a partir dos resultados encontrados, no sentido de que se configuram
ou não como atendimento ao direito das crianças de 0 a 06 anos. Tais considerações, embora
não sejam definitivas, apontam para mudanças e estratégias nas políticas educacionais no
município de Salvador, a fim de minimizar a permanência em condições de estabelecimentos
e práticas que não respeitam as demandas sociais, afetivas, psicomotoras, lingüísticas e
cognitivas das crianças pequenas.
No estudo, tornou-se evidente que ainda persiste o acesso diferenciado das crianças
conforme a origem da classe social a que pertence. Aquelas oriundas das camadas menos
favorecidas que não possui condições de escolha, em função da situação sócio-econômica de
suas famílias, são postas em qualquer tipo de espaço disponível, desde que fiquem protegidos
e assistidos. Haja vista que trabalhar para as mulheres desse extrato social não configura
apenas um meio de realização profissional, mas de sobrevivência.
Pesquisa do IBGE (2005) revela que 50% das mulheres de Salvador são as únicas
mantenedoras de suas casas, o que também intensifica a necessidade de um espaço para deixar
os seus filhos, embora este não deva ser o único objetivo da necessidade de espaços de
Educação Infantil, pois acima de tudo é um direito da criança e o espaço apenas de “guarda”,
não outorga à criança o princípio de cidadania se colocadas em qualquer tipo e condições de
ambiente.
As creches e/ou pré-escolas que emergem pelo empenho de comunidades locais
funcionam como mecanismos para preencher a lacuna do Estado, incentivando a privatização,
uma vez que as próprias famílias assumem financeiramente a sustentação e a continuidade do
serviço, deixando de lado a gratuidade que caracteriza a “escola” pública. O discurso de que a
comunidade deve arcar com a educação de seus filhos vem servindo como forma de manobra
do projeto neoliberal para isentar o Estado na garantia de proteção social, no caso do estudo,
em destaque a educação.
A descentralização administrativa como uma das estratégias utilizadas nas reformas
dos Estados, evidencia-se como um dos aspectos que mais prejudicou nesses dez anos, após a
promulgação da LDBEN, o acesso e a expansão pública da educação em Salvador,
consituindo-se como direito das crianças dos extratos sociais desfavorecidos. A falta de
140
colaboração entre a esfera estadual e municipal gerou pouca expansão de creches e pré-
escolas públicas estatais no município. Ao deixar a pré-escola apenas como responsabilidade
do município intensificou o aparecimento de alternativas de baixo custo para a população. O
estudo revelou também uma necessidade de Centros de Educação Infantil que atendam em
turno integral - talvez essa seja uma saída para os equívocos cometidos em relação à
concepção de creche.
Um fundo específico para financiar a Educação Infantil foi um dos álibis para
justificar a fragmentação, a falta de expansão pública em quantidade e qualidade no
município. Entretanto, o processo de construção do documento Políticas e Diretrizes para o
Desenvolvimento Infantil Integral e Integrado demonstrou os interesses antagônicos e
políticos entre os próprios órgãos públicos e as tensões jurídicas e partidárias com as
instituições, sem fins lucrativos, que se auto declaram públicas não-estatais, mas não recebem
com regularidade o incipiente percentual de 3% de repasse dos recursos que fazem jus. A
responsabilidade para solucionar os entraves administrativos em Salvador é transferida como
expectativa para o FUNDEB.
O princípio de co-gestão e/ou conveniamento com os Centros de Educação Infantil
Comunitários proporciona uma participação pró-forma, quando não ausente, perante os
poderes públicos. Um exemplo desta prática foi o leque de reivindicações sugeridas pelas
instituições comunitárias, para incluir no documento Políticas e Diretrizes para o
Desenvolvimento Infantil Integral e Integrado no município, a fim de amenizar os problemas
infra-estruturais e o pagamento de pessoal.
O histórico de mobilização por creches e pré-escolas em São Caetano revelou como a
incrementação de espaços criados pela própria população não vem promovendo lutas
articuladas e amplas para a consolidação da Educação Infantil no município como uma
política pública. A busca por soluções imediatistas impossibilita manifestações e pressões
para ações coletivas. As ONG’s e as próprias famílias assumem a função do Estado com
ações pontuais e paliativas, escamoteando as mudanças estruturais que desencadeiam esta
forma de intervenção social.
A falta de um controle e acompanhamento dos órgãos competentes vem
proporcionando a continuidade da educação e cuidados para as crianças de 0 a 06 anos, com
um enfoque assistencialista ou partindo do extremo da escolarização precoce, nos moldes do
saber hegemônico criticado pelos próprios movimentos da educação popular. A falta de apoio
técnico-pedagógico e financeiro da Secretaria Municipal de Educação e Cultura tem
comprometido ainda mais o fazer pedagógico dessas instituições, pois as políticas de
141
formação não alcançam os profissionais dos CEIC nem em serviço, nem de forma continuada.
O estudo também revelou um forte laço solidário entre os moradores, mesmo com as
dificuldades materiais que possuem, criando lideranças e mecanismos de saídas para evitar
sucumbir frente às mudanças estruturais do sistema e a falta de oferta dos bens sociais
elementares. Apesar de locais, quem sabe possam ecoar como forma de enfrentamento mais
amplo e emancipatório. Finalizo este trabalho com uma frase de uma das protagonistas da
construção deste trabalho, Mãe Flor: “estou cansada de dar entrevista, sabe o que eu
queria mesmo ver: mudança!”.
142
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INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS ANÍSIO
TEIXEIRA- INEP
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MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO - MEC
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SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO E CULTURA -SMEC
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150
Anexo 01
Emenda Popular Creche
Dê-se ao art. 169 do Anteprojeto da Lei Orgânica de Salvador, relatório Silvoney Sales de
Almeida, a seguinte redação:
Art. 169 - ..........................................................................................................................
§ 1º ...................................................................................................................................
§ 2º O Município garantirá vagas suficientes para atender toda a demanda de creches, ensino
pré-escolar e primeiro grau.
I – É facultado o apoio técnico e financeiro dos poderes públicos federal e estadual.
a) É permitido, na forma da lei, o repasse de recursos orçamentários para a contratação de
pessoal qualificado, observando o disposto no inciso IX do artigo 37 da constituição Federal.
II – No atendimento em creches e pré-escolas, observa-se-á as seguintes normas::
a) – Creche Empresa. São aquelas definidas em lei, cabendo aos trabalhadores na falta de
instalação da mesma no local de trabalho, a indicação da creche que será conveniada,
preferencialmente nos bairros de maior densidade de trabalhadores.
b) – Creche Pública. São aquelas construídas e mantidas pelo poder público e deverão
funcionar em dois turnos ininteruptos de 06 horas.
c) – Creche Comunitária são aquelas organizadas, construídas e mantidas pelas
comunidades de bairros, permitida a participação do Poder Público, subsidiariamente,
sem interferência em sua gestão.
d) – As Creches Comunitárias terão patrimônio próprio, oriundo da comunidade.
e) – Às Creches Comunitárias são asseguradas manutenção de pedagogia própria no caso
da participação do Município com pessoal em sua infra-estrutura.
III - O Município deverá alocar recursos para a construção de creches comunitárias,
assegurando sua gestão à comunidade beneficiada.
§ 3º - ...........................................................................................................................................
§ 4º - Para os efeitos no disposto neste artigo, a Câmara Municipal instituirá, como órgão
auxiliar, na forma da lei, o conselho Municipal da Criança e do Adolescente, com a seguinte
diretriz:
I – Decidir sobre a política de creches;
II – Fiscalizar, supervisionar e apoiar as creches na assistência integral à criança e ao
adolescente;
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III – Acompanhar a aplicação do artigo 227, in fine, da Constituição Federal.
Cidade de Salvador (BA)
18 de fevereiro de 1990
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Anexo (02)
Resolução do CME 003/99
Estabelece normas disciplinando a autorização e Reconhecimento de Educação Infantil do
Sistema Municipal de Ensino do Município de Salvador e dá outras providências.
O Conselho Municipal de Educação, no uso das suas atribuições, RESOLVE:
Artigo 1º - A autorização de funcionamento e a supervisão/inspeção das instituições, públicas
e privadas, de Educação Infantil, que atuam na educação de crianças de zero a seis anos, serão
submetidas às normas desta Resolução.
Parágrafo 1º - Entende-se por instituições públicas de Educação Infantil, as criadas ou
incorporadas, mantidas e administradas pelo Poder Público.
Parágrafo 2º - As instituições privadas de Educação Infantil são enquadradas nas categorias
de particulares, comunitárias, confessionais ou filantrópicas, nos termos do Artigo 20 da Lei
nº 9.394/96.
Artigo 2º - O processo para autorização de funcionamento dos estabelecimentos de Educação
Infantil, deverá ser encaminhado ao Conselho Municipal de Educação, instruído em relatório
de verificação “in loco”, pelo menos 120 dias antes do prazo previsto para início das
atividades e deverá conter:
I. Requerimento dirigido ao Presidente do Conselho Municipal de Educação ao qual
compete a autorização, subscrito pelo representante legal da entidade mantenedora;
II. Termo de compromisso do requerente, declarando conhecer as normas deste
Conselho, a legislação pertinente em vigor, comprometendo-se a não dar publicidade, não
fazer reserva de vagas, não efetuar matrícula e não iniciar as atividades antes do ato de
autorização de funcionamento, respondendo perante a justiça pelo inadimplemento dos
compromissos assumidos;
III. Registro do mantenedor, se da iniciativa privada, junto aos órgãos competentes:
Cartório de Títulos e Documentos, Junta Comercial e Cadastro Geral dos Contribuintes do
Ministério da Fazenda;
IV. Identificação e endereço da instituição de Educação Infantil;
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V. Comprovação da propriedade do imóvel, sua locação ou cessão, por prazo não
inferior a dois anos;
VI. Planta baixa ou croqui dos espaços e das instalações, com identificação das
dimensões em m2;
VII. Relação do mobiliário, equipamentos, material didático-pedagógico e acervo
bibliográfico;
VIII. Relação dos recursos humanos e comprovação de sua habilitação e escolaridade;
IX. Previsão de matrícula com demonstrativo da organização da classe;
X. Regimento que expresse a proposta curricular e organização pedagógica,
administrativa e disciplinar da instituição de Educação Infantil;
XI. Proposta Curricular nos termos da Resolução do CNE/CEB/01/99;
XII. Projeto Pedagógico;
XIII. Alvará ou outro documento similar expedido pelo órgão próprio da Prefeitura
Municipal do Salvador, declarando a possibilidade de funcionamento da escola, no local
previsto.
Artigo 3º - A Educação Infantil será oferecida em:
I. Creches ou entidades equivalentes para crianças de até três anos de idade;
II. Pré-escolas, para crianças de quatro a seis anos de idade;
Parágrafo 1º - Para fins desta Resolução, entidades equivalentes a creches, às quais se refere
o inciso I deste Artigo, são todas as responsáveis pela educação e pelo cuidado da criança de
zero a três anos de idade.
Parágrafo 2º - As instituições de Educação Infantil que mantêm, simultaneamente, o
atendimento de criança de zero a três anos em creche e de quatro a seis anos em pré-escolar
constituirão centros de Educação Infantil, com denominação própria.
Parágrafo 3º - As crianças com necessidades especiais serão, preferencialmente, atendidas na
rede de creches e pré-escolas, respeitando o direito ao atendimento adequado em seus
diferentes aspectos.
Artigo 4º - Os processos com documentação incompleta, independente de terem sido
protocolados no órgão competente, ficarão impedidos de tramitar.
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Parágrafo 1º - Ao ser verificado que o processo não está completo ou existe falha na
documentação, ao peticionário será concedido para complementação do processo ou correção
de falhas, prazo de trinta dias corridos, a contar da data de recebimento de da notificação.
Parágrafo 2º - A Câmara específica do Conselho Municipal de Educação determinará o
arquivamento dos pedidos abrangidos por esta Resolução, nos seguintes casos:
a) quando o requerente não complementar de modo satisfatório o processo ou não corrigir as
falhas verificadas na documentação, no prazo fixado no parágrafo anterior, o que será
considerado desistência do pedido;
b) Quando as justificativas contrariarem a legislação pertinente e as normas em vigor.
Artigo 5º - O pedido de autorização de funcionamento deverá ser protocolado na Secretaria
Municipal de Educação no primeiro semestre do ano anterior ao previsto para o
funcionamento do estabelecimento de ensino.
Parágrafo 1º - O Conselho Municipal de Educação deverá manifestar-se em decisão final
sobre pedidos de autorização de funcionamento até o dia 30 de novembro do ano em que os
processos tiverem sido protocolados.
Parágrafo 2º - Os pedidos de renovação de autorização de funcionamento deverão ser
requeridos no ano em que expirar a autorização, de acordo com o prazo estabelecido no caput
deste artigo.
Artigo 6º - Se uma entidade mantenedora pretender fazer funcionar cursos em mais de um
local, deverá requerer autorização de funcionamento em processos independentes.
Artigo 7º - A desativação das instituições de Educação Infantil, autorizadas a funcionar,
poderá ocorrer por decisão do mantenedor, devendo atender legislação específica a ser
definida pelo respectivo Sistema de Ensino.
Artigo 8º - O Projeto Pedagógico deve estar fundamentado numa concepção da criança como
cidadã, como pessoa em processo de desenvolvimento, como sujeito ativo da construção do
seu conhecimento, como sujeito social e histórico marcado pelo meio em que se desenvolve e
também o marca.
155
Parágrafo Único: Na elaboração e execução do Projeto Pedagógico será assegurado à
Instituição de Educação Infantil, na forma da Lei, o respeito aos princípios do pluralismo de
idéias e de concepção pedagógica.
Artigo 9º - Compete à instituição de Educação Infantil elaborar e executar o seu Projeto
Pedagógico, considerando:
Parágrafo 1º - O regime de funcionamento da instituição de Educação Infantil atenderá às
necessidades da comunidade, podendo ocorrer de forma ininterrupta no ano civil, respeitados
os direitos trabalhistas ou estatutários.
Parágrafo 2º - O currículo de Educação Infantil deverá assegurar a formação básica comum,
observadas as Diretrizes Curriculares, nos termos do artigo 9º da Lei nº 9.394/96, e demais
normas pertinentes.
Artigo 10 – A avaliação na Educação Infantil será realizada mediante acompanhamento e
registro do desenvolvimento da criança, tomando como referência as finalidades estabelecidas
para esta etapa da educação, sem objetivo de promoção, mesmo para acesso ao ensino
fundamental.
Artigo 11 – Os parâmetros para organização das classes decorrerão do Projeto Pedagógico de
cada estabelecimento recomendada a seguinte relação professor/criança: • Crianças de 0 a 1
ano – 06 crianças/01 professor • Crianças de 1 a 2 anos – 08 crianças/01 professor • Crianças
de 2 a 3 anos – 12 a 15 crianças/01 professor • Crianças de 3 a 6 anos – 20 a 25 crianças/01
professor
Artigo 12 – A direção da instituição de Educação Infantil será exercida por profissional
formado em curso de graduação em Pedagogia ou em nível de pós-graduação em Educação.
Parágrafo Único: Inexistindo profissional com a formação exigida, admitir-se-á, mediante
autorização do órgão próprio do Sistema de Ensino, profissional de nível superior de áreas
afins ou formado em nível médio na Modalidade Normal, desde que comprove experiência
em educação infantil de, no mínimo, dois anos.
156
Artigo 13 – O docente para atuar na Educação Infantil, será formado em curso de nível
superior (graduação plena, ou cursos seqüenciais) admitida como formação mínima a
oferecida em nível médio.
Parágrafo Único: O sistema de ensino promoverá o aperfeiçoamento dos professores
legalmente habilitados para o magistério, em exercício das instituições de Educação Infantil.
De modo a viabilizar a formação que atenda aos objetivos deste segmento e as características
da criança de zero a seis anos de idade.
Artigo 14 – As mantenedoras das instituições de Educação Infantil poderão organizar equipes
multiprofissionais para atendimentos específicos às turmas sob sua responsabilidade, tais
como pedagogo, psicólogo, pediatra, nutricionista, assistente social e outros.
Artigo 15 – A supervisão/inspeção, que compreende o acompanhamento do processo de
autorização e a avaliação sistemática do funcionamento das instituições de Educação Infantil
é de responsabilidade do Sistema, a quem cabe velar pela observância das leis de ensino e das
decisões do Conselho Municipal de Educação, atendido o disposto nesta Resolução.
Artigo 16 – Compete aos órgãos específicos da secretaria Municipal de Educação e Cultura
definir e implementar procedimentos de supervisão, avaliação e controle das instituições de
Educação Infantil, na perspectiva de aprimoramento da qualidade do processo educacional.
Parágrafo 1º - O resultado desta supervisão/inspeção será objeto de proposta ao Conselho
Municipal de Educação que fará cessar os efeitos dos atos de autorização da instituição
quando comprovadas irregularidades ou verificado o não cumprimento da Proposta
Pedagógica.
Parágrafo 2º - As irregularidades deverão ser apuradas e as penalidades aplicadas de acordo
com a legislação específica do Sistema de Ensino, assegurando o direito à ampla defesa.
Artigo 17 – Os espaços serão projetados de acordo com a proposta pedagógica da instituição
de educação infantil, a fim de favorecer o desenvolvimento das crianças de zero a seis anos,
respeitadas as necessidades e capacidades.
Parágrafo Único – Em se tratando de turmas de Educação Infantil, em escolas de ensino
fundamental e/ou médio, alguns destes espaços deverão ser de uso exclusivo das crianças de
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zero a seis anos, podendo outros serem compartilhados com os demais níveis de ensino, desde
que a ocupação se dê em horário diferenciado, respeitada a proposta pedagógica da escola.
Artigo 18 – Todo imóvel destinado à Educação Infantil pública ou privada, dependerá de
aprovação pelo órgão oficial competente.
Parágrafo 1º - O prédio deverá adequar-se ao fim a que se destina atender, no que couber, às
normas e especificações técnicas da legislação pertinente.
Parágrafo 2º - O imóvel deverá apresentar condições adequadas de localização, acesso,
segurança, salubridade, saneamento e higiene, em total conformidade com a legislação que
rege a matéria.
Artigo 19 – Os espaços internos deverão atender às diferentes funções da instituição de
Educação Infantil e conter uma estrutura básica apropriada a este segmento da educação.
Parágrafo Único – Em relação à área coberta para as salas de aula e/ou outras atividades, a
dimensão mínima exigida é de 1,50 m2 por criança atendida.
Artigo 20 – As áreas ao ar livre deverão possibilitar as atividades de expressão física, artística
e de lazer, incluindo também áreas verdes.
Artigo 21 – As instituições de Educação Infantil da rede pública e privada, em funcionamento
na data da publicação desta Resolução, deverão integrar-se ao respectivo sistema de ensino,
até 23 de dezembro de 1999, de acordo com o Art. 89 da Lei nº 9.394/96.
Parágrafo 1º - Os órgãos executivos do Sistema estimularão a antecipação da integração das
instituições de Educação Infantil ao sistema de ensino, em benefício da manutenção e da
melhoria do atendimento.
Parágrafo 2º - A integração será acompanhada e verificada pela supervisão/inspeção, exercida
pelo órgão próprio do Sistema Municipal de Ensino, que encaminhará ao Conselho Municipal
de Educação, para parecer conclusivo, baseado em relatório, que comunique o estágio de
adaptação às disposições desta Resolução.
Parágrafo 3º - À vista do relatório a que se refere o parágrafo anterior, o Conselho Municipal
de Educação poderá conceder prorrogação do prazo para a instituição sob exame adequar-se
às normas desta Resolução.
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Artigo 22 – Não terão validade legal os atos escolares praticados antes do ato de autorização
de funcionamento pelo Conselho Municipal de Educação, sendo de exclusiva
responsabilidade da entidade mantenedora os danos causados aos alunos, em decorrência da
inobservância desta norma.
Artigo 23 - O disposto no caput do Artigo 5º desta Resolução não se aplica aos
estabelecimentos com previsão de início de funcionamento para o ano 2.000.
Parágrafo Único – As solicitações para estes casos deverão ser protocoladas até o dia 30 de
setembro de 1999, atendendo as disposições do Artigo 2º desta Resolução.
Artigo 24 – O reconhecimento dos Estabelecimentos de Ensino a que se refere o caput esta
Resolução será objeto de abertura de processo próprio, dirigido ao Presidente do Conselho
Municipal de Educação e solicitado pelo Diretor da Instituição Pública ou representante legal
da entidade mantenedora.
Parágrafo Único – No prazo de 04 (quatro) anos, após a autorização de funcionamento,
poderá ser solicitado o reconhecimento, atendidos os critérios estabelecidos pelo Conselho
Municipal de Educação. Artigo 25 – Esta Resolução entrará em vigor na data de sua
publicação, revogadas as disposições em contrário.
Salvador, 09 de julho de 1999.
Conselheiros: ANA RITA DE OLIVEIRA GOMES, EDUARDO LESSA GUIMARÃES,
ELZA PEREIRA SANTANA ANDERS, ELZA SOUZA MELO, ISA MARIA FONSECA
CASTRO, LINDALVA DOS REIS AMORIM, MARIA ANÁLIA COSTA MOURA,
MARIA ANGÉLICA GONÇALVES COUTINHO, PAULO MENDES DE AGUIAR e
GISÉLIA FIGUEIREDO PASSOS Presidente em Exercício
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(Anexo 03)
Roteiros de entrevista
Roteiro de Entrevista para os órgãos e ONGS que estabelecem parceria com as creches
Instituição/órgão
Nome
Função
1. Quem é a instituição/ órgão?
2. Quais as ações da instituição/órgão junto as creches comunitárias e/ou municipais?
3. Qual o papel das creches comunitárias?
4. Qual apoio financeiro, pedagógico, nutricional, infra-estrutural e para saúde das
crianças atendidas nos centros de Educação Infantil municipais e comunitárias?
5. Segundo a legislação as creches são responsáveis por crianças de 0 a 03 anos e pré-
escola 4 a 6 anos, ambos atendimentos correspondem a Educação Infantil. Como se
encontra a cobertura desse nível de ensino tanto em quantidade como em qualidade de
serviço prestado?
6. Quais as dificuldades das creches comunitárias para a manutenção de qualidade do
trabalho com as crianças?
7. Qual a expectativa e ou planos da Instituição/órgão para as políticas de Educação
Infantil em Salvador?
160
(Anexo 04)
Roteiro de entrevista para os professores
Nome
Função
Formação
Quanto tempo trabalha na creche
Carga Horária
Quantos adultos trabalham na sala:
A idade das crianças:
Nomenclatura do grupo:
Número de crianças na sala: Integral: Parcial:
1) Porque você decidiu trabalhar com crianças da Educação Infantil?
2) Como você realiza a adaptação das crianças novas à creche?
3) Como você distribui o tempo com as atividades das crianças?
4) Como é distribuído o tempo para as brincadeiras? E a brincadeira de faz-de-conta?
Você dirige todas as brincadeiras ou elas brincam espontaneamente?
5) Qual horário do parque? Quanto tempo às crianças ficam lá?
6) As famílias recebem orientação sobre a importância das brincadeiras para
desenvolvimento das crianças?
7) Como e quando é realizada a higiene pessoal das crianças que ficam turno
integral/parcial? São vocês que realizam ou outras pessoas?
8) Como vocês trabalham a relação das crianças com a natureza? Há contato com o
ambiente natural? Realizam passeios a zoológicos, parques ou praças da cidade?
9) As crianças ouvem ou contam histórias?
10) Como é trabalhado as questões de conhecimento social ( bairro, da cidade, a
identidade cultural, racial e religiosa)? As manifestações de preconceitos de raça,
gênero e religião?
11) Como a linguagem e o conhecimento matemático são trabalhados?
12) Como é realizado o seu aperfeiçoamento profissional?
13) Quais as dificuldades você aponta para a sua valorização profissional aqui na creche?
14) Qual a diferença de uma creche comunitária para uma pública em relação ao trabalho
educativo realizado para você?
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(Anexo 05)
Nome
Função
Formação
Quanto tempo trabalha na instituição
Carga Horária
Entrevista para a Direção da Instituição
1) Como surgiu a instituição?
2) Existe um projeto político pedagógico?
3) Como é estabelecido a relação com as famílias?
4) O orçamento repassado pelo poder público é suficiente para atender bem as crianças e
pagar os profissionais?
5) Como é efetivada a formação prévia ou em serviço dos profissionais?
6) Formas de contribuição para manutenção da creche?
7) Quem orienta o trabalho pedagógico? Existe algum suporte do poder público para a
parte pedagógica, nutricional, saúde e psicológica?
8) Quais foram/são os principais dificuldades encontradas para o trabalho da CEIC?
Quais as alternativas encontradas para sanar os problemas?
9) Como está a procura para atendimento de crianças de 0 a 06 anos na creche?
10) Com que recursos financeiros vocês conseguem efetivar a reforma, manutenção dos
mobiliários, das instalações da creche?
11) A prefeitura estabelece alguma norma para segurança, higiene e orientações para o
trabalho pedagógico ou a instituição definem estas questões?
12) Como financeiramente é mantida da alimentação das crianças?
13) Como é planejada a alimentação das crianças?
14) As famílias são informadas sobre a alimentação das crianças?
162
(Anexo 06)
Roteiro para os órgãos públicos
Órgão
Nome
Função
1. Quais as ações do órgão junto as creches comunitárias e/ou municipais?
2. Qual apoio e/ou subsídios financeiro, pedagógico, nutricional, infra-estrutural e para
saúde das crianças atendidas nos centros de Educação Infantil municipais e
comunitárias?
3. Segundo a legislação as creches são responsáveis por crianças de 0 a 03 anos e pré-
escola 4 a 6 anos, ambos atendimentos correspondem a Educação Infantil. Como se
encontra a cobertura desse nível de ensino tanto em quantidade como em qualidade de
serviço prestado?
4. Quais as dificuldades das creches comunitárias e municipais para a manutenção de
qualidade do trabalho com as crianças?
5. Qual as políticas em implementação, expectativa e /ou planos da órgão para as
políticas de Educação
163
(Anexo 07)
Roteiro de Entrevista
Gestores e entidades da sociedade civil
Documento : Diretrizes para o desenvolvimento integral e integrado
Data / /
Nome
Função
1)O que provocou a construção do documento?
2) Período de elaboração do documento?
3) Entidades que participaram?
4) Quais os anseios das creches e pré-escolas comunitárias em relação a este documento?
5) Qual era proposta de conveniamento/ apoio em relação aos aspectos técnicos pedagógicos
com os órgãos públicos?
6) O financiamento das creches e pré-escolas comunitárias ?
7) Qual seria o papel das creches e pré-escolas comunitárias para expansão e acesso a
Educação Infantil com a execução do documento?
* Quais os impasses entre as organizações comunitárias e órgãos públicos municipais?
* Em que medida o documento favorece as creches e pré-escolas comunitárias?
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(Anexo 08)
Roteiro de Observação
Nome da Instituição
Estrutura do espaço interno e externo
Número de sala
Quantidade de crianças por sala:
Regime de funcionamento (parcial/integral):
Organização da entrada e saída das crianças
A organização do banho
Preparo e organização da alimentação
Momento do repouso
Como e quando se dá a utilização do parque pelas crianças
Como se organiza o tempo e a realização das atividades pedagógicas
Como ocorre a entrada e saída das crianças
Como se processa a relação das famílias com a instituição
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