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Dissertação apresentada ao Instituto de Biociências, Letras
e Ciências Exatas da Universidade Estadual Paulista,
Campus de São José do Rio Preto, para obtenção do título
de Mestre em Estudos Lingüísticos, Área de
Concentração: Lingüística Aplicada.
Orientador: Profa. Dra. Maria Helena Vieira-Abrahão
São José do Rio Preto
2009
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II
Mendes, Ciro Medeiros.
Crenças sobre a língua inglesa : o antiamericanismo e sua relação
com o processo de ensino - aprendizagem de professores em formação /
Ciro Medeiros Mendes. - São José do Rio Preto : [s.n.], 2009.
189 f. : il. ; 30 cm.
Orientador: Maria Helena Vieira-Abrahão
Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual Paulista, Instituto de
Biociências, Letras e Ciências Exatas
1. Língua inglesa - Estudo e ensino. 2. Língua inglesa - Formação de
professores. 3. Formação de professores - Crenças. 4. Teletandem. 5.
Antiamericanismo. 6. Interculturalidade. I. Vieira-Abrahão, Maria
Helena. II. Universidade Estadual Paulista, Instituto de Biociências,
Letras e Ciências Exatas. III. Título.
CDU – 811.111-07
Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IBILCE
Campus de São José do Rio Preto - UNESP
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III
BANCA EXAMINADORA
Membros Titulares:
______________________________________________________________________
Prof. Dr. Kanavillil Rajagopalan – UNICAMP
______________________________________________________________________
Prof. Dr. João Antonio Telles - FCL/ UNESP Assis
______________________________________________________________________
Profa. Dra. Maria Helena Vieira-Abrahão - Orientadora
Membros Suplentes:
______________________________________________________________________
Profa. Dra. Ana Mariza Benedetti – IBILCE/ UNESP S. J. Rio Preto
______________________________________________________________________
Prof. Dr. Sérgio Raimundo Elias da Silva – ICHS / UFOP
São José do Rio Preto, 16 de fevereiro de 2009
IV
O conhecimento pelo conhecimento – eis a última armadilha colocada pela
moral: é assim que mais uma vez nos enredamos inteiramente nela.
Friedrich Nietzsche
V
AGRADECIMENTOS
Profa. Dra. Maria Helena Vieira Abrahão, minha orientadora, obrigado pela
honestidade, seriedade, respeito, credibilidade, competência, dedicação,
questionamentos e enormes contribuições. Obrigado pelo carinho. Admiro-te
imensamente, e espero ter aprendido um pouco com teu exemplo, tanto na esfera
pessoal quanto profissional.
Professores deste programa de pós-graduação, obrigado pelo conhecimento
compartilhado e pela seriedade com que realizaram seu trabalho.
Professores Dra. Ana Mariza Benedetti e Dr. João Antônio Telles, obrigado pelas ricas
contribuições feitas durante o exame de qualificação, bem como pelo incentivo e
carinho.
Professor Dr. José Horta Nunes, obrigado pela oportunidade de estágio, pela
disponibilidade, e pelos ensinamentos.
Prof. Dr. Sérgio Raimundo Elias da Silva, obrigado por ter me incentivado e me
iniciado na pesquisa científica. Obrigado pelo apoio, suporte, e preciosos ensinamentos.
Professores e funcionários do Instituto de Ciências Humanas e Sociais da Universidade
Federal de Ouro Preto, obrigado pela formação, apoio e carinho.
Funcionários do IBILCE - UNESP, S. J. do Rio Preto, obrigado pelo apoio e carinho.
Colegas do Programa de Pós-Graduação em Estudos Lingüísticos e do Projeto
TELETANDEM BRASIL, em especial, Suzi Cavalari, Emeli Luz, Melissa Baffi Bonvino
e Kleber Aparecido da Silva, obrigado por compartilharem sua experiência, bem como
pela amizade, apoio, incentivo e carinho.
Alunos e Professores participantes desta pesquisa, muito obrigado pela disponibilidade,
seriedade e comprometimento; em especial, agradeço à participante Alice.
VI
AGRADECIMENTOS ESPECIAIS
Pais, Crizete e José Geraldo, obrigado pelo apoio, incentivo, amor, orientação, exemplo.
Enfim, por tudo que se possa e deva agradecer a um pai e uma mãe tão especiais.
Irmãos, Ivan e Gisele, obrigado pelas palavras de carinho e pelo companheirismo.
Tia Perpétua, obrigado por acreditar em mim, pelo apoio, pelo amor e exemplo de
perseverança.
Tia Lídia, Ivando, Bruno e Juninho, obrigado pelo apoio, carinho e suporte.
Família Mendes, em especial, meus queridos primos, obrigado pelo carinho e por
acreditarem em mim.
Acúrdigos: Braulin Santos, Juliano Pires, Henrique Ibraim, obrigado pela amizade,
companheirismo, suporte, e pela terapia musical. Sucesso e evolução!
Alexandre Alves França de Mesquita, amigo e colega de mestrado, obrigado pelo
suporte, companheirismo, incentivo e ensinamentos.
Amigos, Rafael Mendes, Thiago Alvim e Aloízio Duarte, obrigado pela amizade a
despeito da distância.
Douglas Mendes Corrêa, obrigado por se manter presente, pela amizade e carinho.
Família Batista Pires, em especial, Tia Rosa, obrigado pelo acolhimento, apoio e
carinho.
Nathália, obrigado por tudo. Pelo apoio, suporte, amizade, amor, lições, e obrigado,
famílias Rocha e Tôrres, pelo imenso carinho.
VII
República Tilangas, em especial, Fernanda Vital. Obrigado, meninas, pela amizade e
pelo acolhimento.
Meninas do Reino da Alegria, em especial, Elisa Zamat, Franciele Buzanelli e Mariana
Delfino, obrigado pela amizade, carinho e companheirismo.
Fabrício Teresa, companheiro de casa, obrigado pelo apoio, suporte e por compartilhar
sua experiência.
Diretório Acadêmico Filosofia – Gestão Ponto Político (2008): Adriano Favarin,
Vinícius Francisco, Marcus de Moraes, Leandro Freitas, Elisa Zamat, Angelita
Capobianco, Daniela Manchini, Vivian Cristina, João Ortiz e Janaína Fernandes, muito
obrigado pelo aprendizado, amizade e carinho.
Amigos de Ouro Preto e novos amigos de Rio Preto, obrigado por tudo.
Sem o apoio de cada um de vocês, nada disso teria sido possível.
Meus sinceros agradecimentos.
VIII
SUMÁRIO
ÍNDICE DE FIGURAS .................................................................................................. X
NORMAS PARA TRANSCRIÇÃO ............................................................................. XI
RESUMO / ABSTRACT ............................................................................................. XII
INTRODUÇÃO ............................................................................................................. 01
Contextualização e Justificativa da Pesquisa ..................................................... 02
Objetivo e Perguntas de Pesquisa ...................................................................... 06
Sobre a Dissertação ............................................................................................ 07
CAPÍTULO 1: FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA ........................................................ 08
1.1. Crenças ........................................................................................................ 11
1.2. Preconceito e Estereótipos .......................................................................... 15
1.3. Atitudes e Comportamento ......................................................................... 21
1.4. Alteridade .................................................................................................... 23
1.5. Multiculturalidade e Interculturalidade ....................................................... 29
1.6. Língua Inglesa e o Falante Nativo .............................................................. 33
1.7. Antiamericanismo ....................................................................................... 37
1.8. Ensino – Aprendizagem in-tandem ............................................................. 42
1.9. O Projeto TELETANDEM BRASIL: Línguas estrangeiras para todos ...... 47
1.10. Considerações sobre Aspectos Culturais no Teletandem ......................... 49
CAPÍTULO 2: METODOLOGIA DE PESQUISA ...................................................... 53
2.1. Objetivo e Perguntas de Pesquisa ............................................................... 54
2.2. Natureza da Pesquisa .................................................................................. 55
2.3. O contexto da Pesquisa ............................................................................... 57
2.4. Os Participantes da Pesquisa ....................................................................... 59
2.5. Primeira Fase da Pesquisa ........................................................................... 60
2.6. Segunda Fase da Pesquisa ........................................................................... 63
2.7. Resumo dos Instrumentos de Coleta de Dados Usados na Pesquisa .......... 66
2.8. Procedimento de Análise dos Dados .......................................................... 68
CAPÍTULO 3: ANÁLISE DOS DADOS ..................................................................... 69
3.1. Análise dos Dados da Primeira Fase ........................................................... 70
3.1.1. Associação da Língua Inglesa aos Estados Unidos da América ......... 70
3.1.2. Crenças sobre o outro: EUA e os Estadunidenses .............................. 79
IX
3.1.3. Antiamericanismo ............................................................................... 87
3.1.4. O Perfil de Alice ................................................................................. 98
3.2. Análise dos Dados da Segunda Fase ......................................................... 104
3.3. A Modalidade Teletandem como Provedora de Insumo Intercultural ...... 163
CAPÍTULO 4: CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................. 168
4.1. Primeira Pergunta de Pesquisa .................................................................. 169
4.2. Segunda Pergunta de Pesquisa .................................................................. 171
4.3. Terceira Pergunta de Pesquisa .................................................................. 175
4.4. Limitações da Pesquisa e Encaminhamentos para futuras investigações . 177
4.5. Depoimento de Alice a respeito deste trabalho ......................................... 179
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................................ 181
ANEXOS ..................................................................................................................... CD
Anexos Primeira Fase .................................................................................................. CD
Anexo 1 – Questionário I ............................................................................................. CD
Anexo 2 – Desenhos e Descrições dos Desenhos feitas pelos alunos + pré-análise destes
dados feita pelo pesquisador ........................................................................................ CD
Anexo 3 - Transcrições das Aulas Gravadas (trechos utilizados) ................................ CD
Anexo 4 – Notas de Campo elaboradas durante observações das aulas ...................... CD
Anexo 5 - Análise Primária do Questionário I ............................................................. CD
Anexo 6 - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido ............................................ CD
Anexos Segunda Fase .................................................................................................. CD
Anexo 7 – Guia para Produção dos Diários ................................................................. CD
Anexo 8 – Diários das Interações (feitos por Alice) .................................................... CD
Anexo 9 – Diários das Mediações (feitos por Alice) ................................................... CD
Anexo 10 – Diários das Mediações (feitos pela Mediadora) ....................................... CD
Anexo 11 – Pré-Análise das Interações ....................................................................... CD
Anexo 12 – Excertos de Interação transcritos .............................................................. CD
Anexo 13 – Questionário II .......................................................................................... CD
Anexo 14 – Entrevista Semi-Estruturada ..................................................................... CD
Anexo 15 - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (Português / Inglês) ......... CD
X
ÍNDICE DE FIGURAS
Figura 1: Tabela das aulas gravadas na primeira fase de pesquisa ................................ 61
Figura 2: Quadro de participação nas atividades de coleta de dados da primeira fase .. 63
Figura 3: Quadro das gravações áudio-vídeo das interações em teletandem ................ 64
Figura 4: Relação dos diários coletados durante a segunda fase ................................... 65
Figura 5: Relação dos instrumentos de coleta de dados usados na pesquisa ................. 67
Figura 6: Gráfico “Em qual (quais) país(es) é falada a língua inglesa?” ....................... 71
Figura 7: Gráfico “Países anglófonos por ordem de citação nos questionários” ........... 72
Figura 8: Desenho D11 “The United States of America” ............................................. 73
Figura 9: Gráfico “Que tipo de contato você tem com a língua inglesa?” .................... 73
Figura 10: Tabela “18 maiores arrecadações no cinema brasileiro em 2005” .............. 74
Figura 11: Gráfico “Tópicos Culturais apresentados pelos professores em relação a
países específicos” ......................................................................................................... 77
Figura 12: Gráfico “Qual é a variante mais importante em sua opinião?” .................... 78
Figura 13: Gráfico “Qual a sua opinião sobre os Estados Unidos da América?” .......... 83
Figura 14: Gráfico “O que você pensa dos norte-americanos?” .................................... 83
Figura 15: Gráfico “conteúdo dos desenhos e comentários” ......................................... 83
Figura 16: Gráfico “Você acha que os seus colegas de classe compartilham de sua
opinião a respeito dos EUA e dos norte-americanos?” ................................................. 84
Figura 17: Gráfico “Comente a posição dos EUA no mundo” ...................................... 88
Figura 18: Desenho D3 “The United States of America” ............................................ 89
Figura 19: Desenho D2 “The United States of America” ............................................ 92
Figura 20: Desenho D1 “Uma Visão da América” ....................................................... 98
Figura 21: Desenho D14 “American way of life” ....................................................... 101
XI
NORMAS PARA TRANSCRIÇÃO
Incompreensão de palavras ou segmentos ( )
Truncamento /
Entoação enfática maiúscula
Qualquer pausa ...
Comentários descritivos do transcritor
((minúsculas))
Superposição, simultaneidade de vozes [ ligando as linhas
Indicação de que a fala foi tomada ou interrompida em determinado ponto. (...)
(Adaptado de MARCUSCHI, L. A análise da conversação. São Paulo: Ática, 1986)
XII
RESUMO
Devido à crescente importância dos estudos de crenças a respeito do processo de
ensino-aprendizagem de nguas estrangeiras no Brasil e a necessidade de que esses
estudos, em concordância com as tendências atuais da Lingüística e Lingüística
Aplicada, não se atenham mais somente à identificação e descrição, mas contemplem
também análises mais contextualizadas dessas crenças, tratando das relações destas com
diversos fatores tais como: fatores culturais, políticos, sociais, econômicos, históricos
etc., objetivou-se neste trabalho estudar as crenças de um grupo de professores de língua
inglesa em formação, no que diz respeito à língua inglesa e aos Estados Unidos da
América, bem como as implicações de um crescente sentimento mundial de
antiamericanismo no contexto estudado. Este trabalho também está vinculado ao
terceiro objetivo de pesquisa do projeto temático TELETANDEM BRASIL Línguas
estrangeiras para todos, que diz respeito à formação do professor para o meio virtual. O
teletandem é uma nova modalidade de ensino-aprendizagem que possibilita, através do
uso do computador, a interação à distância em tempo real, fazendo uso simultâneo de
recursos de áudio (fala e escuta), textuais (escrita e leitura) e visuais (webcam, fotos,
quadro para desenho etc.). Destarte, foram também analisadas e discutidas questões
relacionadas a preconceito, estereótipos, alteridade, cultura, identidade,
interculturalidade, dentre outros, em interações teletandem realizadas entre uma
professora em formação, brasileira, e um participante estadunidense. Com base na
análise dos dados coletados através de múltiplos instrumentos, foi possível constatar que
os participantes em questão tendem a associar a língua inglesa a um grupo específico de
países, principalmente EUA e Inglaterra. Foi possível identificar também a presença do
sentimento de antiamericanismo, paralelo a um sentimento de simpatia e adoração pelos
EUA - configurando uma situação de conflito de crenças e levando os participantes a
adotarem estratégias específicas para lidar com esta situação. Com relação à modalidade
teletandem, destaca-se como provedora de contato intercultural, especialmente devido
às condições de simetria global e necessidade mútua, que propiciam um contexto
favorável à resignificação de crenças.
Palavras-chave: Crenças, teletandem, aprendizagem de línguas em ambiente digital,
formação de professores, antiamericanismo, interculturalismo
XIII
ABSTRACT
Due to the growing importance of the studies on beliefs related to the teaching-
learning process in Brazil and the necessity that these studies, in accordance with the
current tendencies of Linguistics and Applied Linguistics, do not consist in simply
identification and description anymore, but also consider more contextualized analyses
of these beliefs, dealing with their relation with several factors such as: culture, politics,
society, economy, history etc., the aim of this work was to study the beliefs of a group
of undergraduate English teachers in what concerns the English language and the United
States of America, as well as the implications of a growing global feeling of anti-
Americanism in a specific context. This work is part of the third research objective of
the thematic project named TELETANDEM BRASIL Línguas estrangeiras para todos,
as it is related to teacher education for the virtual environment. Teletandem is a new
way of teaching-learning that allows real time interaction between distant partners by
using audio (listening and talking), video (webcam, photos, drawing board) and textual
(writing and reading) resources of personal computers. In this regard, issues related to
prejudice, stereotyping, othering, culture, identity, interculturality and others were also
discussed and analyzed in teletandem interactions performed by a Brazilian
undergraduate English teacher and a United States citizen. Based in the analyses of data
collected through multiple instruments, it was possible to perceive that the participants
of the research tend to associate the English language with a specific group of countries,
especially USA and England. It was also possible to identify the presence of the feeling
of anti-Americanism, parallel to a feeling of admiration and adoration concerning the
USA a situation of conflict of beliefs which causes the participants to adopt specific
strategies in order to cope with this situation. In regard to teletandem, it comes into its
own as an intercultural contact promoter, especially due to characteristics of global
symmetry and reciprocity, which set a context that facilitates resignification of beliefs.
Keywords: Beliefs, teletandem, teaching-learning in virtual environment, teacher
education, anti-Americanism, interculturalism.
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Contextualização e justificativa da pesquisa
Ao longo dos últimos anos, o estudo de crenças vem se tornando um importante
tópico de investigação na área de ensino-aprendizagem de línguas estrangeiras no
Brasil, principalmente a partir da década de 90, com os trabalhos pioneiros de Leffa
(1991), Almeida Filho (1993) e Barcelos (1995). Este tem sido um tema recorrente em
um número razoavelmente expressivo de trabalhos de iniciação científica, bem como de
teses e dissertações em programas de s-graduação, não mais concentrados somente
nas universidades de grande porte do país.
No entanto, grande parte desses estudos tinham como foco principal somente a
identificação de crenças relacionadas ao processo de ensino-aprendizagem, o que, de
acordo com Barcelos (2006), não é suficiente, pois atualmente, “os estudos sobre
crenças deveriam investigar crenças sobre aspectos mais específicos” (p.23), além de
tratar da relação destas crenças com outros fatores relacionados ao processo de ensino-
aprendizagem de línguas, tais como: fatores políticos, sociais, econômicos, jurídicos,
históricos etc.
Faz se necessário então, em consonância com Silva (2007) e Barcelos
(Ibid, p. 23), a análise dessas crenças de uma forma mais contextualizada, sendo que “os
avanços na área de cognição e na pesquisa sobre crenças vem se deslocando de um
paradigma positivista de investigação para um paradigma mais social em ASL
1
(Ibid,
p. 32), concebendo a cognição não como algo que acontece “dentro da cabeça de
alguém, mas emerge no processo em progresso dentro de um sistema que consiste do
indivíduo e de seu ambiente” (DUFVA, 2003 apud BARCELOS, op. cit., p. 17).
1
Aquisição de Segunda Língua
3
Presenciamos neste século grandes avanços em desenvolvimento científico e
tecnológico. Dentro da logística do sistema econômico predominante, áreas
relacionadas a biotecnologia, telecomunicações, informática, energia e transporte, por
exemplo, são amplamente subsidiadas pelos setores público e privado. Na busca da
otimização, da permanência ou inserção em mercados consolidados, do domínio de
novos mercados, de ganhos nas margens de lucro, do registro de novas patentes, são
criados grandes centros de pesquisa, cursos universitários, programas de pós-graduação,
órgãos públicos e militares, dentre outros.
Em decorrência da dinamicidade com que esses avanços são gerados, percebe-se
um crescimento no acesso a tais tecnologias, inclusive por parte dos cidadãos do
chamado terceiro mundo, mesmo nas classes de menor poder aquisitivo ainda que de
maneira bastante inferior em comparação aos mais favorecidos economicamente.
Mesmo tendo acesso ao que sobra, o que é obsoleto, descartado, cada vez mais pessoas
têm acesso a tecnologias que poucos anos eram tidas como ficção científica, pois
somente eram vistas nos filmes de Hollywood.
Os avanços no setor de telecomunicações permitem hoje a possibilidade de se
fazer ligações internacionais a custos irrisórios. A Internet se torna uma realidade nos
lares de uma parcela significante da população brasileira, além da existência de centros
de acesso gratuito à rede, mantidos por órgãos públicos e organizações não-
governamentais. Aliado a isso, temos uma enorme quantidade de informações
circulando através de revistas, jornais, livros e, é claro, a televisão.
O contato presencial entre pessoas de lugares distantes também ficou mais fácil
com a queda nos preços de transporte, principalmente no setor reo. Surgiram novas
companhias, as aeronaves se tornaram mais econômicas, e conseqüentemente o número
de pessoas que têm acesso a esse serviço cresceu enormemente nos últimos anos.
4
Esse contato muitas vezes é até inevitável, considerando-se a quantidade de
empresas que globalizaram seus mercados de atuação, e muitas vezes até mesmo suas
linhas de produção.
Temos então, o cenário de um mundo onde as pessoas e as culturas estão cada
vez mais interligadas e interdependentes, um cenário que deveria ser propício aos
princípios da interculturalidade, baseado no respeito às diferenças, mas que não se
apresenta assim tão simples.
O contato intercultural tem aumentado ao longo dos anos e, em conseqüência do
progresso tecnológico, muda também a natureza desse contato. No contexto brasileiro,
devido à magnitude de seu território, não raramente referido como um país que
apresenta dimensões continentais, o contato presencial com pessoas de outros países
sempre foi privilégio de poucos, com exceção é claro das regiões fronteiriças, que por
sua vez nem sempre configuram situações de choque cultural, e dos grandes centros
urbanos.
O fato é que, até cerca de duas décadas, a maior parte das informações culturais
de outros países aos quais os brasileiros tinham acesso provinham dos tradicionais
meios de informação, como revistas, jornais, livros, e principalmente, a televisão. E
uma característica comum destes meios de informação é que eles estão altamente
suscetíveis a filtros, tais como manipulação, estereotipagem, descaracterização,
reducionismo, reprodução de interpretações subjetivas, dentre muitos outros filtros
estes que podem ser motivados por razões ideológicas, mercadológicas, culturais etc.
Como conseqüência, esse tipo de contato “virtual” entre culturas, possibilitado
pela mídia tradicional, apresenta-se claramente como fonte substancial na formação de
estereótipos e preconceitos relacionados aos estrangeiros, por parte da população
brasileira. E foram esses estereótipos e preconceitos interculturais os focos de atenção
5
desta pesquisa, sendo que, dentro das possibilidades de sentido do termo crenças,
destaco então, aqueles que estão ligados a uma pré-conceituação do outro, ou seja, da
imagem e da percepção que temos do diferente quando ainda não o conhecemos de uma
maneira não somente superficial.
Motivado por um episódio ocorrido no início do ano de 2002, no qual um de
meus alunos adolescentes afirmou não ter vontade de aprender a língua inglesa por ser
esta a língua dos estadunidenses, isto, devido a um crescente sentimento de
antiamericanismo que ficou mais latente no Brasil e no mundo a partir dos ataques de
setembro de 2001, principalmente devido à política externa posteriormente adotada
pelos EUA, procurei neste trabalho, investigar os níveis de associação entre língua
inglesa e Estados Unidos da América, em um determinado contexto; as crenças e
atitudes dos participantes em relação àquele país; e também investigar uma nova
modalidade de ensino, o Teletandem, como provedora de experiência intercultural e
potencial ferramenta de resignificação de crenças e preconceitos a respeito do outro
estrangeiro.
A modalidade teletandem se caracteriza pela possibilidade de promover a
interação entre dois aprendizes de línguas estrangeiras através de programas de
computador que permitem a realização de conferências, com a finalidade de
desenvolver competência comunicativa na língua do outro. Essa modalidade permite
que os participantes façam uso dos aspectos oral (ouvir e falar) e visual (ver, ler,
escrever e desenhar) de maneira síncrona, e exceto pela impossibilidade do contato
físico, é muito semelhante a uma interação face-a-face.
6
Objetivo e perguntas de pesquisa
Este trabalho foi orientado pela busca de um maior entendimento das questões
culturais, políticas e psicológicas envolvidas no processo de ensino-aprendizagem e de
formação de professores de línguas estrangeiras.
Mais especificamente, foram investigadas as atitudes e crenças de uma turma de
professores em formação, de um curso de licenciatura em língua inglesa, no que diz
respeito aos Estados Unidos da América e à língua inglesa. Além disso, objetivei fazer
uma análise do potencial do projeto TELETANDEM BRASIL: Línguas estrangeiras
para todos, como provedor de experiência intercultural.
Deste modo, esta pesquisa foi desenvolvida em duas fases conectadas: em uma
primeira fase, procurei entender as crenças e atitudes de todos os alunos dessa turma de
professores em formação, para, na fase seguinte, analisar as interações teletandem entre
um indivíduo proveniente daquela turma inicial (Alice
2
) e um interagente
estadunidense.
Para tal, foram formuladas as seguintes perguntas de pesquisa:
1. Como se manifesta, no contexto estudado, a associação da língua
inglesa aos Estados Unidos da América?
2. a. Quais são as crenças e atitudes dos participantes da primeira
fase da pesquisa (em geral) a respeito dos EUA e dos cidadãos
daquele país?
b. Quais são as crenças e atitudes, específicas de Alice, a respeito
dos EUA e dos cidadãos daquele país?
2
Alice é um nome fictício atribuído à única aluna participante da primeira fase de coleta de dados que
também participou da segunda fase, a qual corresponde às interações na modalidade teletandem.
7
3. De que modo o projeto TELETANDEM BRASIL proporciona a Alice
um contato intercultural? Quais são os reflexos do processo de interação
teletandem nas crenças e atitudes de Alice?
Sobre a dissertação
Este trabalho foi organizado em quatro capítulos, além desta introdução:
Fundamentação Teórica, Metodologia de Pesquisa, Análise dos Dados e Considerações
Finais.
Desse modo, inicio a dissertação com a explanação e delimitação dos conceitos
que fundamentam este trabalho, sendo os principais o conceito de crenças,
antiamericanismo e tópicos relacionados ao ensino-aprendizagem in-tandem. Tendo em
vista que se trata de um trabalho interdisciplinar, como tem sido comum na lingüística
aplicada, procuro, sempre que possível, estabelecer a ligação destes conceitos com a
área de ensino-aprendizagem.
No segundo capítulo, apresento a maneira como foi sistematizado o trabalho de
coleta e análise dos dados, bem como algumas justificativas concernentes à escolha dos
instrumentos de coleta.
Em seguida, no terceiro capítulo, trago a análise e discussão dos dados coletados
na primeira e segunda fases da pesquisa, sempre com a preocupação de pensar os dados
à luz do referencial teórico estabelecido no início do trabalho.
Finalmente, procuro sistematizar as considerações feitas ao longo da análise, de
modo a responder as perguntas iniciais de pesquisa e fazer encaminhamentos no sentido
de contribuir para com o contexto estudado.
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Dos conceitos que fundamentam este trabalho, talvez o mais importante seja o
conceito de crenças (DEWEY, 1933; ROKEACH, 1968; BEM, 1973; ABELSON,
1979; HORWITZ, 1985; EDWARDS, 1985; NESPOR, 1987; ANDERSON, 1985;
PETERMAN, 1991; PAJARES, 1992; ALMEIDA FILHO, 1993; GIMENEZ, 1994;
JOHNSON, 1994, 1999; DUFVA, 2003; BARCELOS, 1995, 2004, 2006; GARCIA,
1995; WOODS, 1996; SILVA, I., 2002; SILVA, 2005; BORG, 2003), visto que este é
um postulado bastante abrangente, em torno do qual, de certa forma, giram algumas das
outras teorias.
Durante a exploração do conceito de crenças, procuro expandi-lo, no sentido de
pensá-lo não somente em relação ao âmbito do ensino-aprendizagem, com a finalidade
de poder abarcar os outros conceitos relacionados a esta pesquisa. A partir disso, faço o
movimento contrário, procurando estabelecer a relação desses conceitos provenientes de
outras áreas e a área de ensino-aprendizagem.
Atrelados ao conceito de crenças estão as definições de preconceito e
estereótipos (BEM, 1973; ADORNO et al, 1950; CHAUÍ, 1996/1997; ÁLVAREZ-
URÍA, 1998; HOUAISS et al, 2001; PEREIRA, 2002; CROCHÍK, 2006), atitudes
(ABELSON, 1968; JONES, 1973; BEM, 1973; REICH, ADCOCK, 1976; BROWN,
2001) e a questão da língua inglesa e o falante nativo (IANNI, 1976; NAYAR, 1994;
PENNYCOOK , 1994; FAIRCLOUGH, 1999; MORGAN, 1995; MOITA LOPES,
1996; FREIRE, 1996; HUNTER, 1997; CRYSTAL, 1997; BARATA, 1999;
WARSCHAUER, 2000; RAJAGOPALAN, 2004; RAJAGOPALAN e
RAJAGOPALAN, 2005; ALMEIDA FILHO, 2005; GIMENEZ, 2001, 2006;
RAJAGOPALAN, 2007).
Outro tema importante deste trabalho, também ligado ao conceito de crenças, é o
fenômeno conhecido como antiamericanismo (PENNYCOOK, 1994; OLIVEIRA,
10
1996; SILVA, A., 2001; VIOLA e LEIS, 2001; VELHO, 2002; LIMA, 2003;
GUIMARAENS, 2003; SIQUEIRA, 2005; ARDILA, 2005; LEIS e SUAREZ, 2005;
ROY, 2005; GIMENEZ, 2006; MEAD, 2006).
O terceiro pilar teórico deste trabalho de pesquisa são as questões que giram em
torno do ensino-aprendizagem in-tandem (SWAIN, BROOKS, TOCALLI-BELLER,
2002; BRAMMERTS, 2003; LEWIS, 2003; KRAMSCH, 1993; BRAMMERTS,
CALVERT, 2003; BARRO et al, 1992; VASSALLO, TELLES, 2006), o projeto
TELETANDEM BRASIL (TELLES, VASSALLO, 2006) e suas implicações sob uma
perspectiva cultural (LÉVY, 1999; BHABHA, 1994; WARSCHAUER, DE FLORIO-
HANSEN, 2003; MATTELART, NEVEU, 2004).
Perpassando todos estes tópicos e relacionados à maneira como lidar com a
questão da diversidade no mundo contemporâneo, estão as teorias de alteridade
(JAMESON, 1984; HARVEY, 1992; PLACER, 1998; ÁLVAREZ-URÍA, 1998;
GARCÍA, 1998; BROWN, 2001; MATTELART, 2005) e de multiculturalidade e
interculturalidade (BAUER, 1987; NARO, 1987; BHABHA, 1994; ÁLVAREZ-URÍA,
1998; CONSTANT, 2000; HALL, 2002; FLEURI, 2000; BORDIEU, WACQUANT,
2000; FLEURI, 2003).
Destarte, inicio a revisão teórica explorando o conceito de crenças, para em
seguida, tratar separadamente dos outros conceitos pilares deste trabalho, sendo que
cada item deste capítulo corresponde a um dos conceitos citados acima.
11
1.1. Crenças
Muitos teóricos detiveram seus esforços na busca de uma definição para o termo
“crenças” (DEWEY, 1933; ABELSON, 1979; NESPOR, 1987; ANDERSON, 1985;
PAJARES, 1992; ALMEIDA FILHO, 1993; JOHNSON, 1994; BARCELOS, 1995,
2004A, 2006; WOODS, 1996; SILVA, I., 2002; SILVA, 2005; dentre inúmeros outros),
principalmente no que tange ao processo de ensino/ aprendizagem. E essa tem sido a
preocupação inicial, quase unânime, dos trabalhos de Lingüística Aplicada referentes ao
assunto.
Uma das primeiras definições do termo, a de Dewey (1933), afirma que as
crenças “cobrem todos os assuntos para os quais não dispomos de conhecimento certo,
dando-nos confiança suficiente para agirmos, bem como os assuntos que aceitamos
como verdadeiros, como conhecimento, mas que podem ser questionados no futuro”.
Silva (2007), ao traçar um panorama histórico do estudo de crenças no contexto
brasileiro, chama atenção para a complexidade deste conceito, atribuindo-a à existência
de vários termos e definições para se referir às crenças: atitudes, valores, julgamentos,
axiomas, opiniões, ideologia, percepções, conceituações, sistema conceitual, pré-
conceituações, disposições, teorias implícitas, teorias explícitas, teorias pessoais,
processo mental interno, estratégia de ação, regras de prática, princípios práticos,
perspectivas, repertórios de compreensão, estratégia social citados por Pajares (1992),
e: teorias populares, conhecimento prático pessoal, perspectiva, teoria prática,
construções pessoais, epistemologias, modos pessoais de entender, filosofias
instrucionais, teorias da ação, paradigmas funcionais, autocompreensão prática,
sabedoria prática, metáforas e crenças acrescentados por Gimenez (1994) e Garcia
(1995).
12
Woods (1996) fala da dificuldade de se estabelecer os limites que separam os
conceitos de crença e conhecimento, e afirma que os termos “conhecimento”,
“pressupostos” e “crenças”
3
devem ser interpretados não como conceitos distintos, mas
como posições em um continuum semântico. Neste caso, a definição de “conhecimento”
como sendo aquilo que é convencionalmente aceito, em contraposição a “crenças”, as
quais se referem à “aceitação de uma proposição da qual não conhecimento
convencional, que não é demonstrável e sobre a qual não há, necessariamente,
consenso” (p.195), e a “pressuposto”, que se refere à “aceitação temporária” (idem) de
algo, é uma categorização útil, por facilitar o estudo dessa área, mas que nem sempre é
muito clara.
Além disso, este autor acrescenta que, mais importante que fazer a distinção
entre o que é crença ou conhecimento, é saber como estes afetam os processos de
tomada de decisão dos professores, no processo de ensino-aprendizagem.
Crenças são, portanto, aqui entendidas como algo dentro daquele continuum
citado por Woods (1996), sobre as quais pode ser estabelecida sua diferenciação em
relação a conhecimento, tanto por uma determinada convenção terminológica,
geralmente relacionada ao conhecimento científico, quanto pelo grau de convicção
atribuído mentalmente a uma proposição por um determinado indivíduo, desde que se
tenha em mente que esta diferenciação é apenas conceitual, superficial e sincrônica.
Seguindo essa linha de pensamento, Borg (2003), apresenta o termo “cognição
de professores”
4
como “um termo inclusivo que abarca a complexidade da mente dos
professores” (p. 86), referindo-se ao que os professores “sabem, acreditam e pensam”
(idem). Segundo este, as experiências anteriores de aprendizagem de línguas produzem
cognições sobre ensino-aprendizagem de línguas, que formam a base de seus conceitos
3
Originalmente BAK (beliefs, assumptions and knowledge).
4
Originalmente “teacher cognition”.
13
iniciais durante sua formação como professor, e que podem continuar influenciando-os
durante sua vida profissional.
Para este estudo, entretanto, é importante que esses conceitos sejam pensados de
uma maneira mais geral, não somente em relação ao processo de ensino-aprendizagem.
Concordo com Silva, I. (2002, p. 65), quando afirma que “parece haver um consenso
entre os estudiosos (HORWITZ, 1985; PAJARES, 1992; GIMENEZ, 1994; JOHNSON,
1994, 1999) no que se refere ao fato de que nossos sistemas de crenças permeiam nossa
forma de pensar e de processar novas informações, tendo portanto, um papel
preponderante na forma como estabelecemos a relação de cognição sobre o mundo e
sobre nós mesmos, e na elaboração de nossas percepções e comportamentos”; e no que
diz respeito ao fato de que “as crenças são socialmente construídas através de um
processo de transmissão cultural, que se por aculturação, educação e escolarização”,
sendo então, de acordo com Dufva (2003 apud Barcelos, 2006, p. 30), “um erro analisar
crenças sem considerar o contexto social e cultural (passado e presente) onde elas
ocorrem”. Barcelos (2006, p. 18) acrescenta ainda que as “crenças são sociais (mas
também individuais) dinâmicas, contextuais e paradoxais”.
Bem (1973) divide os fundamentos psicológicos das crenças e atitudes em
quatro fatores: cognitivos, emocionais, comportamentais e sociais, visto que estas “se
fundamentam em quatro atividades do homem: pensar, sentir, comportar-se e interagir
com os outros” (p. 7), e, “coletivamente, as crenças de um homem formam a
compreensão de si mesmo e de seu meio” (p. 12). Deste modo, as crenças funcionam
como um filtro, um tipo de processador que medeia a relação do indivíduo com o
mundo enquanto em seu estado consciente, ou seja, quando está desperto e fazendo uso
de sua inteligência.
14
Neste sentido, outra característica importante das crenças é a resistência que
estas apresentam no tocante a serem modificadas, mesmo quando a mudança parece
lógica ou existe a necessidade para tal (PAJARES, 1992). Estudos realizados com o
objetivo de analisar o impacto de programas de formação de professores na maneira
como eles trabalham em sala de aula mostraram que, apesar do trabalho teórico e
prático realizado, grande parte das crenças iniciais a respeito do processo de ensino-
aprendizagem permaneceram inalteradas (MCDANIEL, 1991; MCLAUGHLIN, 1991;
WEINSTEIN, 1990 apud JOHNSON, 1999).
De acordo com Peterman (1991 apud PAJARES, 1992) as crenças formam um
tipo de rede semântica esquematizada na qual podem coexistir, em áreas distintas,
crenças contraditórias, sendo que algumas crenças podem ser centrais e mais resistentes
à mudança. Rokeach (1968 apud PAJARES, 1992) complementa este pensamento ao
afirmar que “as crenças diferem em intensidade e poder. Elas variam ao longo de uma
dimensão centro-periferia, e, quanto mais central a crença, mais ela será resistente à
mudança”
5
(p. 318)
6
. E o que define esta centralidade, segundo Rokeach, é o grau em
que determinada crença está interligada a outras crenças, sendo que uma crença com
muitas ligações torna-se uma crença “importante” no sistema de crenças de um
indivíduo, no sentido que outras crenças “dependem” desta crença central.
Quanto à metodologia de investigação de crenças, Rockeach (1968 apud
JOHNSON, 1994) nos alerta para o fato de que as crenças não podem ser diretamente
observadas, mas devem, no entanto, ser inferidas com base no que o indivíduo fala, em
suas atitudes e em seu comportamento.
5
Todas as traduções citadas no corpo do texto, com referência ao original em nota de rodapé, foram feitas
por mim.
6
“Beliefs differ in intensity and power; Beliefs vary along a central-peripheral dimension; and, the more
central a belief, the more it will resist change”.
15
Além dessas definições, acho importante explicitar aqui o conceito de atitude,
que está relacionado ao conceito de crenças, e é definido por Edwards (1985 apud
FIGUEIREDO, 2003, p. 11) como sendo: “uma disposição para reagir favorável ou
desfavoravelmente a um conjunto de coisas”, e é, segundo Figueiredo (2003, p. 11)
“muitas vezes, composta de três componentes: idéias, sentimentos, e uma predisposição
para atuar”.
De acordo com Figueiredo (2003, p. 12-13), é importante que se investigue a
atitude dos aprendizes para com a língua em questão, bem como o sentimento em
relação aos falantes nativos dessas línguas, pois esses fatores podem “influenciar na
aquisição e aprendizado de línguas estrangeiras”.
1.2. Preconceito e estereótipos
“Por meio de uma revolução poderá talvez levar-se a cabo a queda do despotismo pessoal e da
opressão gananciosa ou dominadora, mas nunca uma verdadeira reforma do modo de pensar.
Novos preconceitos, justamente como os antigos, servirão de rédeas à grande massa destituída
de pensamento”
Immanuel Kant
Houaiss et al (2001) traz a seguinte definição de preconceito:
Preconceito. s.m. 1 qualquer opinião ou sentimento, quer favorável quer
desfavorável, concebido sem exame crítico 1.1 idéia, opinião ou
sentimento desfavorável formado a priori, sem maior conhecimento,
ponderação ou razão 2 atitude, sentimento ou parecer insensato, esp. de
natureza hostil, assumido em conseqüência da generalização apressada
16
de uma experiência pessoal ou imposta pelo meio; intolerância <p.
contra um grupo religioso, nacional ou racial><p. racial> cf.
estereótipo ('padrão fixo', 'idéia ou convicção') 3 conjunto de tais
atitudes <combater o p.> 4 PSICN qualquer atitude étnica que preencha
uma função irracional específica, para seu portador <p. alimentados
pelo inconsciente individual> p. lingüístico LING qualquer crença sem
fundamento científico acerca das línguas e de seus usuários, como,
p.ex., a crença de que existem línguas desenvolvidas e línguas
primitivas, ou de que a língua das classes cultas possui gramática, ou
de que os povos indígenas da África e da América não possuem línguas,
apenas dialetos. ETIM pre- + conceito; ver
1
cap- SIN/VAR
antepaixão, cisma, implicância, prejuízo, prejulgamento, prenoção,
xenofobia, xenofobismo; ver tb. sinonímia de repulsão.
Como observamos acima, em seu uso coloquial, não há uma definição que dê
conta de abarcar todos os sentidos relacionados a esta palavra, por exemplo, por haver
alternativas como “quer favorável quer desfavorável”. E mesmo a característica da
anterioridade, que parece inerente àquele conceito, pode ser relativizada, no sentido em
que, se consideramos o preconceito como sendo uma idéia formada previamente, sem
maior conhecimento, poderíamos questionar os critérios que definem este “maior” ou
“menor” conhecimento.
O preconceito é um tipo de crença, e as crenças raramente têm sua origem em
uma única experiência, sendo que “muitas delas são abstrações e generalizações de
várias experiências que ocorreram no tempo” (BEM, 1973, p. 17), e essas
generalizações nem sempre corresponderão à verdade quando aplicadas a situações fora
daquele conjunto de onde se originaram.
Para Bem (1973), é justamente quando um indivíduo considera certas
generalizações como sendo verdades universais que se formam os estereótipos, que por
sua vez, podem não ser “baseados em nenhuma experiência válida, mas são aprendidos
17
como boatos ou são formados a fim de racionalizar nossos preconceitos” (p. 18), sendo
que são “freqüentemente utilizados para justificar um tratamento mesquinho a
indivíduos com base num suposto grupo de características que, na realidade, nem o
indivíduo e nem o grupo possuem” (p. 18).
Para Pereira (2002),
é impossível deixar de se reconhecer que estas crenças não apenas
propiciam que os grupos humanos mantenham sua unidade, como
também permitem que o indivíduo desenvolva e mantenha uma visão
positiva de si próprio e do seu grupo, sobretudo ao estabelecer um
rígido contraste entre os seus próprios atributos positivos e os traços
negativos reputados aos grupos externos (p. 36).
No entanto, de acordo com Bem (1973),
É importante constatar que o processo através do qual surge a maioria
dos estereótipos não é em si mesmo mau ou patológico. Generalizar de
um conjunto limitado de experiências e tratar indivíduos como
membros de um grupo, além de atos cognitivos comuns, são atos
necessários (p. 18).
Neste sentido, como afirma Pereira (ibid, p. 36), “psicologicamente, poder-se-ia
destacar a presença de um esforço cognitivo no sentido de ordenar e simplificar o
mundo, que a complexidade e heterogeneidade que o caracteriza termina por
dificultar a possibilidade de representá-lo internamente”.
Os estereótipos, portanto, não são necessariamente atrelados a atitudes positivas
ou negativas, podendo ou não fazer parte do conglomerado de crenças que formam um
preconceito.
18
Pensando desse modo, o grau de universalidade e solidez de um estereótipo se
modificaria sempre que o indivíduo vivenciasse uma experiência, ou tivesse contato
com algum tipo de relato, de fonte significativamente relevante para si, no que tange ao
objeto de sua generalização, sendo assim, natural que, com a experiência, os
estereótipos diminuam sua área de abrangência - o que não necessariamente ocorre,
principalmente quando se trata de justificação de preconceitos, posto que “o
preconceituoso não é susceptível à argumentação racional e, em diversos casos,
tampouco à experiência, ou seja, se ele se vale de argumentações apresentadas de forma
lógica, elas não lhe servem de contestação” (CROCHÍK, 2006, p. 30). Em consonância,
Pereira (2002) salienta que “parece ser admissível que a mente humana seja regida por
uma certa tendência à parcimônia, o que gera a suposição correlata de que modificar
tendências já estabelecidas e cristalizadas devido a anos e anos de ação dos processos de
socialização não é uma tarefa simples” (p. 86).
Ainda de acordo com Pereira (ibid, p. 98, 99),
o argumento básico da teoria sócio-cultural é a de que os estereótipos se
formam através da observação dos comportamentos apresentados pelos
membros do grupo estereotipado, em especial com padrões de
comportamento tipicamente associados com as expectativas em relação
ao papel desempenhado pelos membros do grupo estereotipado. Assim,
se observadores tiverem poucas oportunidades de observar diretamente
o comportamento dos membros de um determinado grupo social, as
observações restringir-se-ão aos padrões de comportamento
apresentados nas circunstâncias em que eles são retratados pelos meios
de comunicação de massa.
19
Imaginemos um indivíduo que apresente um estereótipo para “brasileiros”:
compondo este estereótipo, temos categorias como aspectos físicos, traços psicológicos,
grau de inteligência, grau de instrução, habilidades inatas, crenças etc. Então, para cada
brasileiro que este indivíduo entre em contato, é natural que ele elimine desse
estereótipo alguma dessas categorias, ou diminua sua força de atuação, sendo parte de
nosso desenvolvimento cognitivo, o fato de aprendermos, “à medida que nossas
experiências se ampliam e multiplicam, a descartar as características irrelevantes das
nossas categorias sociais” (BEM, 1973, p. 19).
também aquelas crenças que fazem parte da cultura, são herdados dela, do
senso comum, um “conjunto de crenças, valores, saberes e atitudes que julgamos
naturais porque, transmitidos de geração a geração, sem questionamentos, nos dizem
como são e o que valem as coisas e os seres humanos, como devemos avaliá-los e julgá-
los. O senso comum é a realidade como transparência: nele tudo está explicado e em seu
devido lugar” (CHAUÍ, 1996/1997, p. 116).
Um pesquisa sobre anti-semitismo realizada no fim de 1940 por um grupo de
psicólogos na Universidade da Califórnia (ADORNO, FRENKEL-BRUNSWIK,
LEVINSON, SANFORD, 1950 apud BEM, 1973, p. 41) por exemplo, sugeriu que a
possibilidade de um indivíduo, que se mostrasse altamente anti-semita, apresentasse
também preconceito contra outras minorias, era muito grande, em consonância com “a
hipótese dos pesquisadores de que o preconceito contra judeus era, em tais indivíduos,
um preconceito geral e que não podia ser simplesmente atribuído a encontros reais
desagradáveis com judeus” (BEM, 1973, p. 41).
Portanto, este preconceito seria parte de uma herança cultural, de uma tendência
do grupo ao qual ele faz parte, ao mesmo tempo em que poderia estar ligado também ao
20
conceito de tendência ao preconceito, onde um indivíduo tende a desenvolver uma
mentalidade avessa ao pensamento crítico e fechada às diferentes visões de mundo.
Para Crochík (2006, p. 13), “o indivíduo preconceituoso tende a desenvolver
preconceitos em relação a diversos objetos ao judeu, ao negro, ao homossexual etc., -
o que indica uma forma de atuação desenvolvida por ele de certa maneira
independente das características dos objetos do preconceito, que são distintos entre si”.
Isto não significa, no entanto, “que a manifestação e o conteúdo frente aos diversos
objetos sejam os mesmos, mas que algo que impede o indivíduo preconceituoso de
ter experiências espontâneas com esses objetos e refleti-las” (ADORNO et al, 1950
apud CROCHÍK, 2006, p. 77).
Destarte, os estereótipos, por serem um fenômeno menos complexo, parecem
estar mais sujeitos à modificação do que os preconceitos, quando se trata de viver
experiências relacionadas ao alvo dessas crenças. O simples contato entre o indivíduo e
o alvo de seu preconceito não acarreta necessariamente uma diminuição, ou mesmo uma
alteração desse preconceito, sendo necessário, para que isto aconteça, que este contato
aconteça em situações favoráveis para tal, no sentido de propiciar as condições mínimas
para que o indivíduo preconceituoso esteja aberto a uma experiência crítica e reflexiva.
Sobre essas condições, Pereira (2002, p. 85) enumera:
Em primeiro lugar, devemos confiar no pressuposto de que o contato
deve ser orientado pelo entendimento de que é possível maximizar a
cooperação e minimizar a competição entre os grupos. Em segundo
lugar, não podemos esquecer que o status de todas as pessoas
envolvidas nestes contatos deve ser o mesmo, seja em relação à
circunstância particular em que ocorre a atividade de contato, seja fora
dela. Em terceiro lugar, é imperativo que selecionemos um número
semelhante de indivíduos de cada grupo e que estes possuam alguma
similaridade em dimensões tais como as crenças e valores, ao mesmo
21
tempo em que devemos evitar selecionar pessoas com diferenças
significativas no campo das competências individuais.
Crochík (2006, p. 30) nos lembra que “o antídoto do preconceito está na
possibilidade de experimentar, sem ter a necessidade de se prevenir da experiência pela
ansiedade que ela acarreta, assim como na possibilidade de refletir sobre si mesmo nos
juízos formados por meio da experiência”. Ao seguirmos as orientações de Pereira
(2002) para esse tipo de experiência, colocamos o indivíduo em situação propícia a que
ele perceba o outro como um igual, pertencente à categoria básica de “gênero humano”
(ÁLVAREZ-URÍA, 1998, p. 102), permitindo assim que ele vivencie uma experiência
relacionada ao alvo de seu preconceito em condições favoráveis ao pensamento crítico e
à mudança.
1.3. Atitudes e comportamento
Diante da dificuldade de que sejam efetuadas certas verificações, com a exatidão
que se espera em um estudo científico, quando se trata de julgamentos preconceituosos,
Jones (1973) sugere que sejam consideradas também as “atitudes e apresentações de
atitudes, bem como comportamentos e conseqüências comportamentais” (p. 54), por
darem uma descrição do “mundo fenomenal das pessoas que respondem a eles” (p. 55),
proporcionando uma maior objetividade.
Para Jones (1973, p 55), “o ponto de partida de qualquer análise de experiência
social significativa começa com o comportamento”. Segundo este autor, o conceito de
atitude é inferido de algum índice de comportamento: “motor manifesto” (Maria
abraçou Joana), “simbólico manifesto” (Maria sorriu ao ver Joana), “comportamento
22
verbal manifesto” (Maria disse: “Eu gosto da Joana”), ou “comportamento verbal
simbólico” (em um questionário, Maria incluiu o nome de Joana em uma lista de
pessoas das quais gostava). Podemos inferir, de maneira geral, que Maria apresenta uma
atitude positiva em relação à Joana.
As atitudes são nossos “gostos e as antipatias”, define Bem (1973, p. 29), São as
nossas “afinidades e aversões a situações, objetos, grupos ou quaisquer outros aspectos
identificáveis do nosso meio, incluindo idéias abstratas e políticas sociais” (ibid, p. 29),
e esses gostos e antipatias, têm origem “nas nossas emoções, no nosso comportamento e
nas influências sociais que são exercidas sobre nós” (ibid, p. 29). Além disso, assim
como as crenças, também “repousam em bases cognitivas” (ibid, p. 29), podendo
também ser “conclusões de silogismos” (ibid, p. 29).
Uma atitude nem sempre é derivada ou condizente com uma crença (uma pessoa
pode ter uma opinião boa a respeito de esportes, acreditar que eles fazem bem à saúde,
por exemplo, e ainda assim não praticar nenhum esporte por não gostar de fazê-lo).
Essa incoerência entre crenças, atitudes e comportamento é comum ao ser
humano, como sugere Bem (1973, p. 62), pois estes elementos fazem parte de redes
interligadas de muitas outras variáveis, como o sistema de valores de uma sociedade,
parâmetros éticos, morais etc. Além disso, as pessoas “raramente se preocupam com a
coerência de suas opiniões e gastam muito pouco ou nenhum tempo pensando sobre
valores, predisposições e implicações” (ABELSON, 1968 apud BEM, 1973, p. 63), pelo
menos até que sejam colocadas na posição de fazê-lo, por exemplo, ao preencherem um
questionário, ou darem uma entrevista.
Em relação ao contexto de ensino-aprendizagem, Brown (2001) nos lembra que
todos os aprendizes de uma segunda ngua apresentam tanto atitudes positivas quanto
negativas em relação a esta língua e ao contexto cultural relacionado a ela, e os
23
professores precisam estar conscientes disso. Para ele, está claro que os aprendizes se
beneficiam ao terem atitudes positivas, ao passo que as atitudes negativas podem levar à
perda de motivação e conseqüentemente a uma baixa proficiência. Brown sugere ainda
que:
as atitudes negativas podem sim ser mudadas, geralmente através de
exposição à realidade (por exemplo, promovendo encontros com
indivíduos genuinamente pertencentes a outras culturas). Estas atitudes
geralmente emergem da exposição indireta a outras culturas ou grupos
através da televisão, filmes, jornalismo, livros, dentre outras fontes que
podem não ser tão confiáveis (Ibid, p. 181)
Sendo assim, o papel do professor é, após desenvolver em si próprio uma
postura crítica e aberta à reflexão e à mudança, proporcionar aos alunos oportunidades
para desmistificar seus estereótipos e quebrar as bases do preconceito através do
entendimento, respeito e valorização do outro e de sua cultura.
1.4. Alteridade
“Ser outro, outro, outro. Cada um deveria voltar a ver-se como outro”
Elias Canetti
Quando tratamos da questão da alteridade, falamos principalmente da diferença
entre um determinado Eu e um Outro, de como são construídas ambas as identidades e a
maneira como estes interagem e se relacionam. Mudanças como as que ocorreram no
sistema econômico mundial, com o advento do capitalismo, não surgem e nem são
24
capazes de se manter sem que estejam acompanhadas de mudanças políticas, sociais e
ideológicas, dentre elas, obviamente, o próprio processo de construção das identidades.
O período de recessão econômica (“estagflação”) de 1973 marcou o início de um
conjunto de processos que caracteriza a passagem do fordismo para um novo regime de
acumulação. A acumulação flexível é caracterizada por um alto teor de inovações nos
campos tecnológico, comercial e organizacional, pelo aparecimento de novos mercados
e formas de provimento de serviços financeiros, assim como pela flexibilidade dos
mercados e processos de trabalho, dos produtos e padrões de consumo.
Harvey (1992) acrescenta que “a acumulação flexível envolve rápidas mudanças
nos padrões do desenvolvimento desigual, tanto entre setores como entre regiões
geográficas” (p. 140). Além disso, implica “níveis relativamente altos de desemprego
estrutural (...) e um retrocesso do poder sindical uma das colunas políticas do regime
fordista” (p. 141).
Esse novo paradigma, essa nova fase da história mundial, denominada pós-
modernidade, é um período marcado pela quase não-existência de alternativas políticas,
por uma instabilidade sistêmica em níveis sem precedentes e pelo enfraquecimento das
tradicionais estruturas de classe, o que resulta na multiplicação de identidades
segmentadas e grupos localizados (mulheres, imigrantes, minorias éticas, dentre outros).
O cientista político Fredric Jameson destaca em tal período:
(...) a explosão tecnológica da eletrônica moderna e seu papel como
principal fonte de lucro e inovação; o predomínio empresarial das
corporações multinacionais, deslocando as operações industriais para
países distantes com salários baixos; o imenso crescimento da
especulação internacional; e a ascensão dos conglomerados de
comunicação com um poder sem precedentes sobre toda a mídia e
ultrapassando fronteiras. (JAMESON, 1984 apud ANDERSON, 1999,
p. 66).
25
Sob um ponto de vista ideológico, pode-se dizer que uma de suas principais
características é um individualismo exacerbado, por exemplo na esfera do consumo,
onde ocorre a transição do consumo de massa de bens duráveis para o consumo
individualizado, característica da chamada cultura yuppie.
Nesse momento, o processo de formação da identidade volta-se à valorização e
ao monopólio do “si mesmo”, que “se apresenta como a substancialidade primeira,
como o referente a respeitar como inquestionável; finalmente, como a prova
convincente, eficaz e humana para tantas e tantas formas de sanção, de qualificação, de
humilhação e de dobramento” (PLACER, 1998, p. 148).
As perspectivas de obsolescência instantânea e a ideologia da descartabilidade
culminam com a perda da capacidade do indivíduo de se localizar e organizar de
maneira coerente dentro da esfera temporal, desestabilizando seu conceito de
significado da vida. Cria-se uma sociedade em que o “o culto à informação negligencia
a cultura e a memória. Só a instrução importa” (MATTELART, 2005, p. 153).
A mudança que nos parece central e de extrema importância para este estudo é
então, inicialmente econômica, tecnológica, e conseqüentemente, envolve inclusive a
maneira como o indivíduo pós-moderno se relaciona com o mundo.
O desenvolvimento científico e tecnológico, principalmente nas áreas de
tecnologia da informação e do transporte, caracterizado, por exemplo, pelo uso de
satélites, da fibra ótica, o surgimento da internet, o uso de contêineres e mudanças
logísticas nos meios de transporte, provoca mudanças radicais na maneira como
vivenciamos o tempo e o espaço. “A ascendência do espaço sobre o tempo na
constituição do pós-moderno está assim sempre em desequilíbrio (...)” (JAMESON,
1984 apud ANDERSON, 1999, p. 68).
26
O fenômeno da compressão do tempo-espaço tem, de acordo com Harvey (1992,
p. 257), tido um impacto “desorientado e desruptivo” sobre as práticas político-
econômicas e sobre a vida social e cultural, desestabilizando por exemplo, as relações
de poder e classe.
Uma das principais conseqüências disso é uma valorização e busca de valores
ligados à instantaneidade (disponibilidade quase imediata de alimentos, serviços,
crédito, etc.) e à descartabilidade (que diz respeito a uma obsolescência não de bens
de consumo, mas também de ideologias, hábitos, crenças, desejos, vontades, etc.).
Segundo Harvey (1992, p. 258), servindo para acentuar a volatilidade e efemeridade
das modas, produtos, técnicas de produção, processos de trabalho, idéias e ideologias,
valores e práticas estabelecidas”, reforçando o imediatismo, a falta de visão da vida por
uma perspectiva histórica, e a não consideração e impossibilidade de se considerar o que
é a longo-prazo, e com isso a perigosa sensação de que “tudo que é sólido se desmancha
no ar”
7
frase usada por Marx para falar da degradação do indivíduo e de seus valores
dentro do capitalismo.
Harvey (1992) também nos chama atenção para o fato de que, com essa
efemeridade, essa volatilidade, surge também um movimento em contrapartida, ou seja,
uma necessidade de se encontrar um lugar seguro, valores maiores e mais profundos nos
quais seja possível encontrar subterfúgio no mundo globalizado, um chão sólido onde
pisar.
Sobre essa questão, Álvarez-Uría (1998) afirma:
Na atualidade fala-se muito da crise, numa crise que dura já desde
aproximadamente uns vinte anos. A principal manifestação dessa crise é
a inadequação de nossas categorias para explicar o que está
7
MARX, K.; ENGELS, F. Manifesto do Partido Comunista . 1848
27
acontecendo. Por isso, estamos perdidos na perplexidade. A quebra dos
sistemas de socialismo real veio acompanhada da transformação
profunda da política de blocos surgida depois da Segunda Guerra
Mundial. A todas as mudanças e à importante crise da condição salarial
responde-se, no melhor dos casos, com o pensamento frágil. Não é
estranho que esse desequilíbrio entre a envergadura das mudanças e o
limitado de nossas reflexões surjam todos os tipos de tábuas de
salvação: desde o retorno dos fundamentalismos religiosos até o auge
dos nacionalismos e irracionalismos de todo o tipo. De novo o outro, o
estrangeiro, o pobre, é objeto de exclusões, de vexames e negações (p.
110, 111).
Em consonância, afirma Mattelart (2005) que:
em contraponto, mas inextricavelmente ligados à mesma reconstrução
dos processos identitários na era dos fluxos transnacionais, tem-se o
refluxo e a fragmentação das identidades, a explosão do comunitarismo,
a multiplicação dos conflitos étnicos, culturais e religiosos mais ou
menos genocidas, as insurreições de confessionalismos e nacionalismos
violentos, que contra-atacam o que percebem como ameaça de
homogeneização (p. 103).
De certa forma, essa volta aos valores tradicionalmente ligados à exclusão
intensifica o processo de fortalecimento da alteridade como diferença excludente, onde
o Outro é construído como um problema, num processo em que:
esculpimos o outro traço por traço, num processo social e quotidiano:
sobre a base da loucura, construímos dia a dia o louco; sobre a diferença
de cor, fabricamos o negro; sobre a diferença de sexos, fazemos da
mulher a costela complementar do homem; sobre a diferença de origem
geográfica, convertemos o forasteiro (GARCÍA, 1998, p. 24).
28
Brown (2001, p. 179) menciona pesquisas sobre cultura que de fato identificam
características culturais que diferenciam uma cultura de outra, citando o exemplo de
como os americanos, os franceses e os hispânicos concebem a relação espaço-tempo.
Para ele, no âmbito do ensino-aprendizagem:
tanto alunos quanto professores de uma segunda língua precisam
entender as diferenças culturais, reconhecer que as pessoas não são
todas iguais por debaixo da pele. Existem diferenças reais entre grupos
e culturas. Nós podemos aprender a perceber essas diferenças, entendê-
las, e acima de tudo, respeitar e valorizar as características pessoais de
cada ser humano (p. 180)
8
.
É essa busca de uma identidade, individual ou coletiva, quando o que é pessoal e
local se tornam novamente mais importantes, essa busca pelos valores profundos e
tradicionais (como a religião, por exemplo), em meio a um turbilhão de incertezas, de
não-lugares e desterritorializações, e a maneira como se dão os processos de construção
da identidade e alteridade nestes tempos - é que consideramos primordial para
entendermos o contexto e a complexidade dos encontros interculturais presentes no
processo de ensino-aprendizagem de línguas.
8
“both learners and teachers of a second language need to understand cultural differences, to recognize
openly that people are not all the same beneath the skin. There are real differences between groups and
cultures. We can learn to perceive those differences, appreciate them, and above all to respect and value
the personhood of every human being”.
29
1.5. Multiculturalidade e interculturalidade
“Para analisar um sistema cultural, é então necessário analisar a situação sociohistórica que o
produz como ele é”
Georges Balandier
Uma das características do fenômeno da globalização é o chamado
“encolhimento do mundo”, no qual se torna mais fácil e freqüente o contato entre
pessoas de distintos lugares ao redor do planeta, tanto por meio das tecnologias de
comunicação quanto de transporte. E com o decorrente aumento da diversidade,
inclusive nos movimentos de migração, aumentam também as diferenças dentro dos
estados nacionais, conceito este, que por sua vez, não deve ser pensado como
homogêneo, conciso, mas deve, ao contrário, ser pensado sob uma perspectiva histórica.
Segundo o pensador austro-marxista Otto Bauer, “nação” é um conceito que
deve ser entendido como um processo, um movimento de contínua transformação:
Em nenhum momento a história de uma nação é concluída. O destino,
transformando-se, submete esse caráter, que nada mais é do que um
resumo do destino passado, às contínuas transformações (...). Assim, o
caráter nacional perde, também, seu pretenso caráter substancial, ou
seja, a ilusão de que ele é o elemento durável no decorrer dos
acontecimentos (...). Situado no meio do fluxo universal, ele não é mais
um ser persistente, mas um devir e um desaparecer contínuos. (BAUER,
1987 apud LÖWY, 2000, p. 69).
Por outro lado, segundo o teórico Stuart Hall (2002, p. 62), por mais que as
“culturas nacionais” não devam ser entendidas como homogêneas, e sim como um
“dispositivo discursivo” sendo “atravessadas por profundas divisões e diferenças
30
internas”, deve-se ter em mente que elas acabam de certa forma sendo “unificadas
através do exercício de diferentes formas de poder cultural”, o que mantém a sensação
de segurança, o sentimento de pertença a uma origem, uma terra natal etc.
Especificamente no contexto de globalização, as diferenças internas e a questão
da diversidade cultural ficam ainda mais complexas e acentuadas, sendo praticamente
impossível pensar em um estado nacional que apresente hoje em seu território uma
monocultura: um só grupo étnico, uma língua etc. De acordo com Bhabha (1994), “o
conceito de culturas nacionais homogêneas, a transmissão consensual ou contígua de
tradições históricas, ou as comunidades étnicas orgânicas (...) estão em processo
profundo de redefinição”(p. 5).
O multiculturalismo é uma das ideologias que surgem como maneiras de se lidar
com essa diversidade cultural, e diz respeito, principalmente nos EUA, a uma idéia de
“respeito pelas culturas das minorias ou dos imigrados (...) e políticas públicas nesse
sentido” (CONSTANT, 2000 apud MATTELART, NEVEU, 2004, p. 90), sendo
caracterizado também pela manutenção das fronteiras. É o convívio de diferentes que se
constituem e continuam sendo diferentes.
Um dos problemas dessa maneira de ver a questão da diversidade é, de acordo
com Fleuri (2000, p. 3), que esta ideologia “pode justificar a fragmentação ou a criação
de guetos culturais, que reproduzem desigualdades e discriminações sociais”. De uma
maneira mais abrangente, Mattelart e Neveu (2004, p. 191), apresentam a denúncia feita
pelos sociólogos Pierre Bordieu e Loïc Wacquant (2000), da ideologia do
multiculturalismo, como sendo um “discurso-tela” que sofre de três vícios:
o “grupismo”, que “reifica as divisões sociais canonizadas pela
burocracia estatal em princípio de conhecimento e de reivindicação
política”; o “populismo”, que “substitui a análise e os mecanismos de
31
dominação pela celebração da cultura dos dominados e de seu ponto de
vista elevado ao nível de prototeoria em ato”; o “moralismo”, “que
representa obstáculo para a aplicação de um sadio materialismo racional
na análise do mundo social e econômico e condena aqui a um debate
sem fim nem efeitos quanto ao necessário reconhecimento das
identidades, enquanto , na triste realidade de todos os dias, o problema
não se situa em nenhuma hipótese nesse nível”, mas nas desigualdades
práticas de acesso ao sistema escolar, ao trabalho, à assistência médica.
O processo de formação dos Estados Unidos da América foi idealizado sob a
bandeira da liberdade e igualdade de direitos para todos, visando uma homogeneização
lingüística e cultural. Segundo Fleuri (2003, p.18), acreditava-se que “na convivência
espontânea entre pessoas de grupos étnicos diferentes, ocorresse um processo de
assimilação cultural recíproca, em que cada um esquecesse suas próprias raízes”, o
chamado “melting pot”. De acordo com Naro (1987, p. 64):
até a Segunda Guerra Mundial permanecia o mito, ou talvez o
estereótipo, do “caldeirão (Melting Pot)”. Segundo a retórica em torno
desta expressão, a América é um país de imigrantes que se uniram sob
uma ideologia dominante e conseguiram compartilhar entre si um
sentimento de igualdade. Os períodos de xenofobismo e de exacerbado
nacionalismo, característicos de períodos de guerra, demonstram que o
grande caldeirão seria mais precisamente descrito como, nas palavras do
historiador americano Carl Degler, uma grande “saladeira (salad
bowl)”, o prato fundo onde cada ingrediente mantém suas
características e seu “sabor” particular, embora contribua para a
composição da salada.
Neste sentido, “as diferenças étnicas e culturais, aparentemente negadas, de fato
não desapareciam, mas se transformavam em desigualdades sociais e em processos de
marginalização” (FLEURI, 2003, p. 19). Fleuri (2003) fala ainda do processo
32
semelhante ocorrido na Europa em relação aos imigrantes chegados após o fim da
Segunda Guerra Mundial, resultando em grandes debates e conflitos sobre a questão de
como lidar com as diferenças.
O interculturalismo, por sua vez, concebe as culturas como sendo híbridas.
Baseia-se no discurso da diferença em oposição à desigualdade, na capacidade de
aceitação da diferença, principalmente por colocar-se na posição do e de outro, na
suposição do diálogo entre iguais na diferença.
Esse novo paradigma dos estudos da cultura coloca em debate os chamados
“entrelugares” (BHABHA, 1994, p. 1), os “espaços de intervenção que emergem de
interstícios culturais”, afirmando as identidades como estando “sujeitas ao plano da
história, da política, da representação e da diferença” (HALL, 2002, p. 87).
Nos alicerces desta forma de pensar a alteridade, está o conceito de “gênero
humano”, que “permite pensar as bases mínimas de um direito de humanidade anterior à
diferença ente fiéis e infiéis, ente cristãos e gentios, permite enfim romper com a divisão
estabelecida por Aristóteles entre homens livres e escravos por natureza” (ÁLVAREZ-
URÍA, 1998, p. 102).
Para Alvarez-Uría (ibid, p. 113):
Conhecer e transcender os limites categoriais herdados é hoje uma
opção possível que amplia o campo de nossa liberdade de escolha e de
negociação coletiva, porque as categorias não são patrimônio exclusivo
de nenhum indivíduo ou grupo social, mas fazem parte do patrimônio
comum (...) Criar as condições materiais e institucionais para a
aceitação do outro, abolir todos os mecanismos, leis e instituições que
promovem a negação dos direitos humanos assumidos pelos povos e
pela sociedade das nações, condicionar em cada sociedade e
universalizar para toda a humanidade um direito de cidadania, que é
preciso aprofundar, é hoje o único caminho para conseguir um avanço
33
qualitativo em nossa limitada ordem categorial e, portanto, também em
nossas próprias vidas.
Assim, a diversidade cultural é vista como um elemento enriquecedor, e não
como um problema a ser resolvido através de compensação e ações afirmativas
baseadas em noções etnológicas obsoletas.
1.6. Língua Inglesa e o falante Nativo
“É um grande equívoco pensar que a política lingüística deve pautar-se pelas descobertas e
afirmações da lingüística ou qualquer outra ciência formal”
Kanavillil Rajagopalan
“As ideologias tornam-se, também, uma parte da pedagogia lingüística, pois, professores e
alunos não são apenas organismos de ensinar e aprender, mas indivíduos, os quais operam
dentro de um sistema social e são, destarte, parte das ideologias que se manifestam nesse
sistema”
9
N. S. Prabhu
Segundo Pennycook (1994), atualmente uma tendência de se referir à língua
inglesa como língua internacional
10
, livre de relações com seu contexto cultural original
(principalmente Inglaterra e EUA), devido ao grande número de falantes desta língua ao
9
“Ideology also becomes a part of language pedagogy because teachers and learners are not just teaching
and learning organisms, but individuals who function within a social system and are therefore a part of
the ideologies expressed by that social system”.
10
Gimenez (2006, p. 61) chama atenção para a existência de controvérsias a respeito da terminologia
utilizada para se referir ao status atual da língua inglesa: lingua franca, English as an international
language, global language, world English.
34
redor do mundo e à importância da mesma no contexto mundial. No entanto, essa é uma
questão que precisa ser analisada com cuidado. É preciso investigar o quanto isso é
verdadeiro em contextos específicos; é preciso estudar a opinião das pessoas a respeito.
No contexto brasileiro, por exemplo, seria pertinente analisar a associação que o
aprendiz de língua inglesa faz da língua com este ou aquele país. Será que o aprendiz de
língua no Brasil já compartilha dessa visão do inglês como língua internacional? Esta é
uma das questões que foram contempladas neste trabalho.
Até o momento, não parece ser essa a visão predominante. Pelo contrário,
autores (NAYAR, 1994; MOITA LOPES, 1996; HUNTER, 1997; BARATA 1999;
RAJAGOPALAN e RAJAGOPALAN, 2005; GIMENEZ, 2006) ressaltam a associação
estabelecida entre a língua inglesa e suas duas principais variantes lingüísticas, o inglês
britânico e o inglês estadunidense, e, conseqüentemente, com a Inglaterra e os Estados
Unidos da América - o que pode ser atribuído ao fato de que “o Império Britânico
ocupou uma posição hegemônica no sistema internacional durante a maior parte da
história” (MEAD, 2006, p. 31), e de que esta posição pertence agora aos EUA.
De fato, segundo Hunter (1997, p. 91) e Gimenez (2001, p.128), nota-se que não
são muitos os estudantes de língua inglesa como língua estrangeira (doravante LE) que
têm consciência da heterogeneidade desta, relacionando-a quase sempre com suas
variantes mais conhecidas: o inglês britânico e o inglês estadunidense o que os remete
necessariamente aos países onde são faladas essas variantes, pois como ressalta Almeida
Filho (2005, p. 45): “toda língua está politicamente vinculada a um país ou conjunto de
países”.
Essa questão é ainda um pouco mais delicada no contexto brasileiro, que vem
sendo altamente influenciado pela cultura dos EUA, principalmente a partir da Segunda
35
Guerra Mundial, quando começou a funcionar a “indústria cultural do imperialismo”
(IANNI, 1976, p. 18).
De acordo com Sargeant (s.d. apud IANNI, 1976, p. 41):
No final da Segunda Guerra Mundial, os americanos estavam ativos
no negócio da persuasão internacional. Estávamos utilizando a maioria
das técnicas hoje em uso, inclusive filmes documentários, traduções de
livros americanos, programas de rádio, mostras fotográficas, bibliotecas
de livros americanos, programas de intercâmbio de pessoas, preparação
de noticiários, fotografias para imprensa, artigos de revistas, cartazes,
filmes, panfletos. Essas cnicas eram aplicadas no exterior por
americanos, operando com muita assistência de cidadãos locais.
No tocante ao processo de ensino-aprendizagem de língua inglesa, sabemos que
grande parte do material didático disponível no mercado reproduz a cultura daquele
país, e isso, aliado ao fato de que muitas escolas incentivam a comemoração de
atividades culturais estadunidenses - como é o caso do Halloween, por exemplo, citado
por Gimenez (2001, p. 128), resulta em uma superexposição dos alunos de língua
inglesa, no Brasil, à cultura dos EUA.
Freire (1996 apud SARMENTO, 2004) nos lembra que “a educação jamais pode
ser entendida enquanto prática neutra e indiferente da reprodução da ideologia
dominante ou de sua contestação” (p. 262), e ao falar sobre os resultados de uma
pesquisa interpretativista, conclui que a sala de aula de língua inglesa não tem oferecido
aos alunos oportunidade suficiente para desenvolver nem uma competência
comunicativa nem uma conscientização intercultural.
Não é dizer que não exista o fenômeno que nos permite pensar o inglês nesse
nível “internacional”. Atualmente, como nos lembram Hunter (1997), Crystal (1997
36
apud WARSCHAUER, 2000, p. 2) e Rajagopalan (2004), o número de falantes não
nativos de língua inglesa supera o de nativos. O próprio conceito de falante nativo já
vem sendo altamente discutido e relativizado com a constatação de que a língua inglesa
pertence a todos os que falam esta língua (RAJAGOPALAN, 2004, P. 111) e a
consciência de que esta ngua não mais está conectada a uma cultura, mas se projeta
no “terreno onde se encontram diferentes culturas” (RAJAGOPALAN, 2007, p. 203).
O fato é que na prática, pelo menos no Brasil, de maneira geral, os usuários da
língua inglesa não têm consciência, nem dos aspectos ideológicos historicamente
inerentes a esta ngua, nem dessa nova forma de pensar o fenômeno do inglês como
ferramenta de comunicação em nível global, estando assim, à mercê dos jogos de poder
e sempre à sombra, em busca do ideal do falante nativo.
Faz-se necessário então, que os professores de inglês, principalmente, tomem
consciência do que significa falar esta língua no mundo contemporâneo, que
“reconceitualizem a maneira como concebem a ligação entre língua e cultura”
(WARSCHAUER, 2000, p. 2)
11
, para que possam introduzir em sua prática uma
maneira mais crítica de pensar e usar a língua inglesa (HUNTER, 1997, p. 98, 99),
proporcionando aos alunos um entendimento maior a respeito das “relações entre
língua, ideologia e poder” (FAIRCLOUGH, 1999 ; MORGAN, 1995 apud
WARSCHAUER, 2000, p. 4)
12
.
11
“First, English teachers will need to reconceptualize how they conceive of the link between language
and culture”.
12
“(…) so that students can better understanding the interrelationship of language, discourse, and power”.
37
1.7. Antiamericanismo
“Aquele que luta contra monstruosidades deve acautelar-se para que não se torne, ele próprio,
um monstro... Quando você olha para dentro do abismo, o abismo também olha pra dentro de
você
13
Friedrich Nietzsche
Com relação à atitude dos brasileiros no que diz respeito à posição atual do
Brasil no contexto mundial, ou seja, à maneira como entendemos e nos relacionamos
com a nossa condição de cidadãos do chamado Terceiro Mundo, Oliveira (1996, p. 42)
destacou dois “perigos” inerentes a essa condição: o primeiro é que somos “membros de
uma cultura tradicionalmente avessa à avaliação crítica de fatos, e, especialmente, de
produtos estrangeiros importados, de qualquer natureza, tecnológica ou cultural”; e o
segundo, paradoxalmente, apresentamos uma “hostilidade incondicional contra estudos
ligados a outras culturas, especialmente as responsáveis por qualquer forma de neo-
colonialismo” – aos quais ela chama respectivamente de “aceitação ingênua” e “rejeição
radical”.
Penso que cada um desses fenômenos, que são extremos e realmente perigosos
no sentido em que configuram uma visão maniqueísta
14
, apesar de coexistirem, variam
quanto ao grau de intensidade, de acordo com a região, com o grau de escolaridade, com
o contexto histórico nacional e internacional, com inúmeras questões subjetivas, dentre
outras variáveis. Sob uma perspectiva histórica, vivenciamos hoje uma situação em que
13
“He who fights with monsters should look to it that he himself does not become a monster... when you
gaze long into the abyss the abyss also gazes into you”.
14
O conceito de maniqueísmo utilizado neste trabalho pouco tem a ver com sua origem religiosa, sendo
que este é usado em seu sentido mais atual para designar um modo de pensar dicotômico, simplista, que
tende à divisão de tudo em dois pólos antagônicos incompatíveis, o Bem e o Mal.
38
“somos constrangidos a nos posicionarmos entre o bem e o mal” (SILVA, A., 2001) e
em que essa rejeição radical parece estar mais acentuada que a aceitação ingênua e
passiva dos fatos, no que diz respeito às nossas relações com os EUA é o chamado
sentimento de antiamericanismo.
Percebeu-se que a superexposição à cultura estadunidense não acarreta
necessariamente uma completa absorção, por parte dos brasileiros, das ideologias e
padrões de comportamento advindos daquele país, como ressaltou Velho (2002, p. 169),
ao relatar o fato de que, após os ataques terroristas ocorridos em 11 de setembro de
2001 nos EUA, “houve um alinhamento com o Ocidente” (idem) por parte dos analistas
brasileiros: falava-se em “nós” e em “nossos líderes” quando se referiam aos países
ocidentais, vinculando o Brasil aos EUA.
No entanto, para a surpresa desses analistas, “a opinião pública não
acompanhava com tanta facilidade, com tanta rapidez, essa identificação com o
Ocidente” (idem) e “esse não-alinhamento foi tão mais surpreendente, porque pôs em
questão a profundidade do processo de americanização da nossa sociedade, sobretudo
da juventude, que parecia óbvia, uma vez que se suponha como em geral ocorre, que a
mídia possui um poder sem limites” (idem).
Notou-se então, após os atentados de 11 de setembro, os ataques dos EUA ao
Afeganistão e, principalmente após a desastrosa incursão dos EUA no Iraque, o
crescimento de um sentimento mundial de antiamericanismo (ARDILA, 2005; VIOLA
e LEIS, 2001; LIMA, 2003; LEIS e SUAREZ, 2005; ROY, 2005; SILVA, A., 2001;
MEAD, 2006).
Sobre esse sentimento anti-americano, Viola e Leis (2001, p. 13) afirmam:
Esta rejeição está misturada, muitas vezes, com sentimentos ambíguos
de admiração e desejo de imitação. O perfil específico do sentimento
39
antiamericano varia muito por países e setores sociais (dentro de cada
país), mas podemos diferenciar pelo menos três .justificativas.
associadas a este antiamericanismo: a) a riqueza e sucesso americano
são produto da exploração do resto do mundo; b) os norte-americanos
impõem seus valores e seu estilo de vida destruindo os de outras
sociedades; c) os EUA não assumem as responsabilidades globais
derivadas de seu papel central no mundo.
A respeito do poder hegemônico dos EUA, Mead (2006), afirma não ser
somente o poder encantador, ou seja, “aquele capaz de divulgar idéias, a cultura e os
valores norte-americanos que seduz e convence, de modo mais ou menos espontâneo,
pessoas diferentes em todo o mundo a apoiar ou, ao menos, aceitar o poder e política
norte-americana” (p. 45). Esse poder é também “enraizado no poder militar, na perícia
tecnológica, num amplo desenvolvimento histórico e no poder econômico, o qual não
pode ser desafiado” (p. 51), e segundo esse autor, os EUA se vêem como “o principal
agente de um processo revolucionário global por meio do qual o capitalismo e a
democracia liberal têm arrebatado o mundo” (p. 69), e o “governo e, de certo modo, a
sociedade norte-americana impõem reformas nos locais onde esses valores não são
respeitados” (p. 69), o que obviamente causa resistências.
Os EUA foram os maiores responsáveis pela aceleração da globalização
econômica, o que, de acordo com Viola e Leis (2001, p. 12), “manteve o alto nível de
integração social das sociedades desenvolvidas”. No entanto, “nas sociedades de renda
média (como o Brasil e várias outras da América Latina), a aceleração da globalização
tende a manter ou aumentar a marginalidade e a exclusão de vastos setores da
população”, e “a maior parte dos países de renda baixa se mantiveram excluídos da
globalização econômica, tendo havido neles um extraordinário crescimento do
sofrimento humano”.
40
Mead (2006, p. 71) atribui também ao “progresso tecnológico estimulado e
acelerado pelo triunfo do capitalismo”, a crise causada pelo terrorismo ou por armas de
destruição em massa, e, sobre essa questão afirma que:
Enquanto o sistema capitalista internacional, construído com tanto
esforço pelos americanos, continuar recompensando as inovações,
podemos esperar o desenvolvimento cada vez mais rápido de novas
tecnologias, especialmente no campo da biologia, capazes de
desencadear uma destruição inimaginável com certa facilidade (Ibid,
p. 71).
Quanto à política externa do atual presidente George W. Bush, a qual Viola e
Leis (2001) classificaram como unilateralista pelo fato de tomar decisões que afetam o
mundo ignorando as instituições internacionais, contribuiu para acentuar esse
sentimento anti-americano, principalmente com a rejeição, por parte dos EUA, de
importantes acordos internacionais, tais como: Protocolo de Kyoto, o Tratado de
Proibição dos Testes Nucleares, o Tratado de Minas Terrrestres, o Tratado de Limitação
de Armas Estratégicas entre os Estados Unidos e a União Soviética, o Protocolo sobre
Armas Biológicas e o Tribunal Penal Internacional, citados por Mead (2006, p. 132).
Além desses fatos, Guimaraens (2003) fala ainda de uma tendência dos
movimentos de esquerda mundial de tentarem impulsionar “um estilo de
antiamericanismo emocional e irracional, que parece condenar indiscriminadamente
tudo o que provenha dos Estados Unidos”,
15
tendo como origem:
Primeiro, o alienado ressentimento comuno-progressista contra os
países livres, principalmente contra os Estados Unidos, provocado
pela derrocada do império soviético em 1990. Derrocada que marca o
15
“Para ocultar estas verdaderas motivaciones, e intentar llevar atrás de a la opinión mundial, las
izquierdas impulsaron esa onda anti-estadounidense emocional e irracional, que parece condenar
indiscriminadamente todo lo que provenga de los Estados Unidos”.
41
coletivismo marxista como uma experiência fracassada e superada,
que se perde na História com um triste saldo de miséria, opressão e
sangue, enterrando os próprios mitos, com os quais enganou a tantos
durante décadas. Segundo, a tendência conservadora de setores
importantes da opinião pública norte-americana, que foi se
consolidando nos últimos anos, influenciando os rumos do país e
constituindo um obstáculo incômodo ao avanço revolucionário.
16
No tocante às crenças, que sabemos serem criadas pelo aculturamento e pela
construção social (PAJARES, 1992, p. 316),
17
esse sentimento de antiamericanismo
pode representar um fator importante no complexo sistema de aparecimento,
transformação e desaparecimento destas, no que diz respeito à língua inglesa.
Rajagopalan (2005) transpõe para a esfera da língua inglesa a mesma tendência
ao maniqueísmo exposta por Oliveira (2006) em relação aos EUA. Para ele, devido ao
modo como se deu a expansão dessa língua no mundo, “acoplada ao poderio
econômico, político, militar e cultural do mundo anglófono” (p. 141), a maneira mais
comum de lidar com a situação tem sido uma rejeição sumária” ou uma “aceitação
resignada” do idioma. Sobre essa rejeição, Rajagopalan afirma:
Uma das formas mais comuns de se posicionar diante da “invasão”da
língua inglesa em nossas vidas é erguer uma muralha de rejeição
psicológica contra o idioma e tudo que ele representa. Às vezes ou
quem sabe, mais comumente - , a rejeição do idioma ocorre em resposta
16
“Primero, el sordo resentimiento comuno-progresista contra los países libres, en particular, contra
Estados Unidos, provocado por el derrumbe del imperio soviético en 1990. Derrumbe que dejó al
colectivismo marxista como una experiencia fracasada y superada, que se pierde en la Historia con un
triste saldo de miseria, opresión y sangre, enterrando los propios mitos con los cuales engañó a tantos,
durante décadas. Segundo, la tendencia conservadora de sectores importantes de la opinión pública
norteamericana, que se fue consolidando en los últimos años, influenciando los rumbos del país y
constituyendo un incómodo obstáculo al avance revolucionario”.
17
“Theorists generally agree that beliefs are created through a process of enculturation and social
construction”.
42
à forma arrogante e unilateral pela qual o mundo anglófono conduz sua
política externa (como no caso da guerra contra o Iraque, para citar
apenas um exemplo recente). (...) em países da América Latina, a
desconfiança em relação à língua inglesa se confunde com as dúvidas a
respeito das pretensões do Grande Irmão do hemisfério norte, pautadas
na longa história de intromissões nos assuntos internos desses países
(2005, p. 140).
Partindo então do pressuposto de que a língua inglesa é ainda geralmente
associada ao poder hegemônico dos EUA e sabendo que este país consolidou o seu
poder através de “uma gama enorme de instituições políticas, econômicas, acadêmicas e
culturais” (PENNYCOOK, 1994, p. 153),
18
contribuindo assim com “a expansão e a
consolidação do domínio do inglês como língua mundial” (SIQUEIRA, 2005, p. 3), e
que, ao mesmo tempo em que existe a necessidade de se adquirir essa língua a fim de
evitar uma exclusão social e econômica em proporções mundiais, e o desejo de adquirir
a língua devido a seu status, existe também um sentimento negativo em relação ao país
em questão (GIMENEZ, 2006), e conseqüentemente, em relação à língua, percebemos
que se configura uma situação de contradições e conflitos, que podem afetar o processo
de ensino-aprendizagem da língua em questão.
1.8. Ensino – Aprendizagem in-tandem
De acordo com Brammerts (2003), o processo em que dois aprendizes de duas
línguas distintas dão suporte recíproco na aprendizagem da língua do outro, sob o rótulo
18
“More responsive to a world of global economic (inter-) dependency and large-scale development
initiatives than the British, the United States consolidated its power through a vast array of institutions
political, economic, academic and cultural”.
43
de Tandem, pode ser associado ao trabalho da organização binacional Deutsch-
Französisches jugendwerk (DFJW), na segunda metade dos anos 1960. Entretanto,
neste estágio, o trabalho in-tandem ainda era “limitado às fases finais (consolidação e
avaliação) do método audiovisual, então em voga” (BAUMANN et al, 1999 apud
BRAMMERTS, 2003, p. 35)
19
.
A partir do fim da década de 1970, foi desenvolvido na Espanha um projeto que
estabelecia parcerias in-tandem entre turistas e aprendizes locais, utilizando material
não relacionado aos cursos de línguas tradicionais - o que representou um avanço nessa
modalidade, no sentido de desenvolver a noção de uma “formação pessoal contínua”.
A modalidade Tandem, como se configura hoje, se desenhou principalmente a
partir dos anos 80, com as teorizações sobre essa atividade e a exploração do conceito
de autonomia, um de seus principais pilares, e, segundo Vassallo e Telles (2006), é
utilizado como alternativa / complemento no ensino-aprendizagem de línguas
estrangeiras.
Sobre autonomia, Lewis (2003, p. 15) afirma que:
se tornar autônomo envolve aprender a analisar as próprias
necessidades, estabelecer metas, monitorar o progresso, gerenciar o
tempo e, no caso da aprendizagem in-tandem, trabalhar em parceria
todas as quais são habilidades muito úteis em ambiente de trabalho.
Isto se torna ainda mais evidente nos tempos atuais, onde cada vez mais se torna
necessário saber interagir e trabalhar em conjunto com um colega que, muitas vezes,
19
“The bilingual courses of the DFJW and other organizations (Baumann et al, 1999) originally limited
tandem work to the final phases (consolidation and evaluation) of the then common audiovisual method”.
44
nem está fisicamente presente, ou nem mesmo fala a mesma língua, ou não compartilha
de uma mesma formação técnica, por exemplo.
Além do desenvolvimento individual, o ensino na modalidade tandem apresenta
um caráter social muito evidente. Lewis (2003), ao comentar trabalhos teóricos na linha
sociocultural neo-Vygotskyana, os quais consideram que “a aquisição ocorre na
interação, e não como resultado dela” (SWAIN, BROOKS, TOCALLI-BELLER, 2002
apud LEWIS, 2003, p.16), nos chama atenção para o fato de o trabalho colaborativo ser
tão facilitador do processo de aprendizagem quanto o almejado desenvolvimento da
autonomia.
Vassallo e Telles (2006) sublinham esta peculiaridade do ensino-aprendizagem
in-tandem: ser capaz de reunir “o máximo da individualização com o máximo da
socialização (...) dois pólos tradicionalmente opostos, que são assim associados de
maneira original, inovadora e harmônica” (p. 92, 93)
20
.
Sob essa perspectiva social, Vassallo e Telles (2006) destacam ainda o potencial
de tal modalidade para prover um “contexto direto e pessoal para experiências de troca
interpessoal e intercultural” (p. 99)
21
, ou seja, ao mesmo tempo em que o indivíduo está
interagindo com o outro, ele está em contato com uma outra cultura através deste: tem-
se o contato com a diferença no plano individual, com o que é específico daquele
indivíduo, e em um plano maior, que reflete as particularidades de uma sociedade, de
um país, um determinado grupo etc.
Brammerts e Calvert (2003) destacam também a importância dessa troca de
informações, no sentido de possibilitar a ambos os interagentes o acesso a uma visão de
20
(…) Tandem learning contemporaneously gathers the maximum of individualization with the
maximum of socialization (…) these two traditionally opposite poles the individual and the social are
associated in original, innovative and harmonic ways”.
21
“Tandem supplies direct and personal context for experiencing intercultural and interpersonal
exchanges”.
45
dentro da vida no país da ngua alvo, além de prover a experiência de saber como seu
próprio país é visto no exterior. Assim, o conhecimento prévio e os estereótipos são
confirmados ou rejeitados de forma natural. o que acontece em total consonância com
a maneira intercultural de lidar com a questão da diversidade cultural na pós-
modernidade.
Barro et al (1992 apud LEWIS, 2003, p. 18)
22
nos lembra que “a
interculturalidade não implica somente entendimento, receptividade, empatia para com
a cultura alheia. De certa forma, ela envolve sempre um grau de distanciamento da
língua e da cultura na qual o indivíduo foi inicialmente socializado”, possibilitando,
portanto, uma experiência na fronteiras entre as culturas, os chamados “entrelugares”
(BHABHA, 1994), ou segundo (Kramsch, 1993 apud LEWIS, 2003), o chamado
“terceiro lugar” (p. 18)
23
.
Isso não significa estar na fronteira entre uma cultura e outra, segundo a maneira
tradicionalmente monolítica de pensar a cultura. Não existe tal momento neutro ou
divisório. Estar na fronteira, segundo Kramsch (1993 apud LEWIS, 2003), significa
encará-la não de uma maneira literal, mas como um “estado mental, no qual o aprendiz
se encontra na intersecção de múltiplos papéis sociais e escolhas individuais” (p. 18)
24
.
Um outro traço positivo da colaboração mútua na modalidade tandem, apontado
por Brammerts (2003), é o fato de que ela parece simplificar a comunicação
intercultural, que ambos os parceiros vêem um ao outro primeiramente, e
principalmente, como indivíduos, para então, de maneira secundária, concebê-los como
pertencentes ou representantes de uma determinada cultura.
22
In other words interculturality implies not simply understanding, receptivity, empathy towards a
second culture. To some extent it also always involves a degree of distanciation from the language and
culture into which one was first socialized”.
23
“third place
24
“(...) Thus we have to view the boundary not as an actual event but, rather, as a state of mind, as
positioning of the learner at the intersection of multiple social roles and individual choices”.
46
Vassallo e Telles (2006) sugerem ainda a ocorrência de um nivelamento neste
tipo de interação: ocorre que a troca de papéis, quando um interagente deixa a posição
favorável de estar utilizando a sua língua e passa a utilizar a língua do outro, acarreta
uma inversão de poderes, neutralizando a relação de certa forma, em um movimento
que eles chamam de “simetria global” (p. 96)
25
, minimizando então o desenvolvimento
de sentimentos como insegurança, sentimento de inferioridade (inclusive aqueles de
origem histórica), timidez etc.
Por outro lado, devemos ser cuidadosos nesse sentido, pois por mais que sejam
minimizadas ou relativizadas as relações de poder entre as culturas, principalmente no
âmbito das nacionalidades, estas estão presentes e de maneira muito mais complexa nos
tempos atuais, como nos adverte Mattelart e Neveu (2004):
Em um mundo onde a web nasceu da crença da comunidade científica
no advento da fluidez e da transparência dos intercâmbios entre iguais,
subsistem sempre relações de força que condicionam as possibilidades e
as modalidades de acesso às diversas visões de mundo na esfera da
ciência dita global (p. 145).
Seriam interessantes, portanto, trabalhos científicos que investigassem
especificamente esses movimentos, essas mudanças nas relações de poder entre
indivíduos de diferentes origens, quando na posição de parceiros interagentes na
modalidade tandem.
25
“Global symmetry”.
47
1.9. O Projeto TELETANDEM BRASIL: Línguas estrangeiras para
todos
O projeto TELETANDEM BRASIL: Línguas estrangeiras para todos foi
desenvolvido na Universidade Estadual de São Paulo (UNESP), com a proposta de
suprir a falta de contato com falantes de línguas estrangeiras por parte dos estudantes
brasileiros, no sentido de desenvolver melhor sua competência comunicativa e cultural.
O Brasil é um país com dimensões continentais, o que, aliado à própria
localização da universidade em questão, longe das rotas internacionais de turismo e
comércio, e ao fato de que poucos são os alunos com condições financeiras de viajar ao
exterior, bem como as universidades com condições de trazer e hospedar alunos
estrangeiros, resulta num quadro particularmente desfavorável à implantação dos
modelos tradicionais de aprendizagem in-tandem.
Uma das possibilidades de se promover esse contato, (e claro, a mais viável até
pouco tempo atrás, tecnologicamente falando) seria o e-tandem, (tandem via e-mail), no
entanto, essa interação seria ainda muito inferior ao contato face-a-face, no que diz
respeito às vantagens do uso da oralidade e do contato visual para a aprendizagem de
línguas.
A modalidade proposta, o Teletandem, consiste na interação de dois aprendizes
de línguas estrangeiras através de programas de computador que permitem a realização
de conferências, como por exemplo o “MSN Messenger
26
” , o ooVoo
27
, ou o “Skype
28
”,
com a finalidade de desenvolver competência comunicativa na língua do outro.
26
© 2008 Microsoft Corporation
27
© ooVoo LLC.
28
© 2008 Skype Limited
48
Essa modalidade permite que os participantes façam uso dos aspectos oral (ouvir
e falar) e visual (ver, ler, escrever e desenhar) de maneira síncrona, e exceto pela
impossibilidade do contato físico, é muito semelhante a uma interação face-a-face.
Telles e Vassallo (2006) apresentam seis princípios que definem bem as
características do Teletandem:
1. é uma nova maneira de se estudar línguas estrangeiras in-tandem à
distância, assistida pelo computador, e que faz uso de produção e
compreensão oral e escrita, além da troca de imagens simultânea através
de webcams;
2. os procedimentos se dão com base em acordo comum e princípios de
reciprocidade e autonomia compartilhado pelos dois participantes;
3. Os participantes são duas pessoas interessadas em estudar a língua um do
outro à distância, de maneira relativamente autônoma. Relativamente
autônoma, porque eles podem recorrer à mediação de um professor
devidamente preparado para utilizar o método e a ferramenta pedagógica.
4. Os participantes do Teletandem são falantes (razoavelmente) competentes
nas respectivas línguas que se propõem a ensinar e não professores
profissionais ou necessariamente nativos;
5. O Teletandem acontece por meio de sessões didáticas, regularmente
compartilhadas e direcionadas à livre conversação em áudio e vídeo;
6. Essas conversações são sistematicamente seguidas de reflexões
compartilhadas entre os dois participantes do Teletandem acerca do
conteúdo, do processo, de língua /linguagem e de aspectos culturais. Essas
reflexões se dão na forma escrita, (permitindo a prática das habilidades de
escrita e leitura nas línguas alvo) podendo ser feitas também na modalidade
e-tandem, quando os participantes proporcionam o feedback relativo às
sessões de interação através do uso de e-mails. (p. 193, 194)
.
29
29
1. Teletandem is a new distance and computer assisted mode of learning foreign languages in-tandem
that makes extemporaneous use of oral and written production, reading and listening comprehension and
webcam images of the participants. 2. Teletandem procedures are carried out on bases of commonly
agreed and shared principles of reciprocity and autonomy between two participants. 3. Teletandem
participants are two people interested in studying each other’s language at a distance in a relatively
autonomous way. We say “relatively autonomous” because they can resort to a teacher’s professional
mediation, if they wish or if they need so. 4. Teletandem participants are (reasonably) competent speakers
of the respective languages. They may or may not be native speakers of the target languages. They are not
49
Sendo assim, o Teletandem difere de uma simples conversação ou bate-papo
entre amigos (mesmo que tenham objetivo de estudarem línguas estrangeiras), mas
configura uma modalidade de ensino-aprendizagem contemporânea e inédita, que
permite o acesso democrático e gratuito às línguas estrangeiras. Isto, entretanto, quando
utilizado de forma adequada, por meio da preparação prévia do aprendiz para exercer tal
atividade e da orientação por parte de professores devidamente preparados.
1.10. Considerações sobre aspectos culturais no teletandem
A modalidade Teletandem surge em decorrência e em total afinidade com vários
aspectos da chamada s-modernidade. A idéia de termos duas pessoas, em lugares
distantes, interagindo de maneira síncrona, se torna possível através da tecnologia
desenvolvida para atender e possibilitar o modo como funciona o sistema econômico
mundial nos dias de hoje.
A pós-modernidade ainda está em definição, e tanto o desenrolar do processo em
andamento de globalização quanto o futuro do sistema capitalista são incertos,
indefinidos - e essas mudanças e incertezas atingem praticamente todas as áreas de
nossas vidas. De acordo com o filósofo da informação Pierre Lévy, uma infra-estrutura
professional teachers. 5. Teletandem teaching/learning processes are accomplished through the
development of regular and didactically aimed sessions of free audio/video distant conversations. 6.
According to Anthony (1972) and Richard & Rodgers (1982), an approach is a set of assumptions,
preferably based on empirical research, as to the nature of language, the nature of learning and the nature
of teaching. 6. These free conversations are followed by shared reflection during which reading and
writing abilities are practiced. These reflections may focus on content, culture, form, lexicon and the
process of Teletandem interaction itself. The reading and writing practices can also take the form of
regular e-tandem practices, such as exchange of written homework assignments by e-mail, when language
feedback and meaningful vocabulary and grammar inputs are given by the Teletandem partner.
50
de comunicação pode ser investida por uma corrente cultural que vai, no mesmo
movimento, transformar seu significado social e estimular sua evolução técnica e
organizacional (LÉVY, 1999, p. 125).
Na era da globalização, quando muitos temem uma homogeneização cultural,
quando a cultura de nações mais poderosas é disseminada de várias formas,
principalmente através das tecnologias de comunicação, influenciando, se misturando, e
às vezes até dizimando culturas “menores”, percebe-se também um movimento no
sentido contrário, uma volta ao nacionalismo, ao localismo: manifestações de fanatismo
religioso, xenofobia, e outras afirmações radicais de cultura que se baseiam em
pensamentos maniqueístas e conduzem à violência em vários níveis.
O Teletandem aparece neste cenário com a possibilidade de ser usado como um
espaço para o exercício da interculturalidade, ao mesmo tempo em que ocorrem trocas
de conhecimento. Os participantes não escolhem seus parceiros, e não têm
conhecimento sobre suas origens, cultura, etnia, etc. até que estes lhe sejam designados.
A única certeza que um participante tem é com relação à língua que o outro deve ter
fluência. Por isso, podemos considerar que além dos princípios básicos de colaboração e
reciprocidade que fazem parte da maneira como funciona essa nova modalidade de
ensino, poderíamos adicionar uma certa “abertura para a alteridade” (LÉVY, 1999, p.
132) como mais um dos pilares e pré-requisitos para esse tipo de interação.
Lévy (1999) define “cibercultura”, como:
a expressão da aspiração de construção de um laço social, que não seria
fundado nem sobre links territoriais, nem sobre relações institucionais,
nem sobre relações de poder, mas sobre o compartilhamento do saber,
sobre a aprendizagem cooperativa, sobre processos abertos de
colaboração (p. 130).
51
Pode-se dizer que há um movimento em direção à neutralização nesses contextos
virtuais, até como conseqüência de tendências homogeneizantes do processo de
globalização e pelo fato de que a internet, de acordo com Warschauer e De Florio-
Hansen (2003), de certa forma “evidencia o papel da linguagem, ao mesmo tempo em
que mascara o papel de outros marcadores de identidade como: raça, gênero ou classe
social” (p. 5)
30
.
No contexto Teletandem, entretanto, onde as interações ocorrem usando áudio e
vídeo, apesar de não se ter muita informação sobre uma pessoa a qual você está
interagindo na internet, você pode facilmente identificar a língua, o sotaque ou o dialeto
usado por ela.
É dizer, as chamadas “comunidades virtuais”, resultantes das interconexões
proporcionadas pela tecnologia, não implicam necessariamente um espaço
desterritorializado, transversal e livre, como afirma Lévy (1999). O próprio autor nos
chama atenção para o fato de que uma comunidade virtual não deve ser considerada
“irreal, imaginária ou ilusória”. Sendo assim, uma vez que a cultura virtual não pode ser
desvencilhada da realidade, posto que é produto, modifica, e está em constante relação
com esta, não pode ser considerada livre das implicações políticas e culturais do
“mundo real”.
Além disso, acredito que em interações por períodos mais prolongados, como no
caso do Teletandem, esse relacionamento acaba migrando para um nível muito mais
próximo do pessoal, e conseqüentemente, para uma esfera onde todas as questões que
giram em torno de identidade e cultura estão envolvidas. Isto, aliado ao fato de que, no
Teletandem, as interações se dão utilizando recursos de áudio e vídeo o que torna o
30
“On the other hand, the internet highlights the role of language while simultaneously masking the role
of identity markers such as race, gender, or class”.
52
processo de identificação muito mais fácil, trazendo à tona os preconceitos e crenças em
relação ao outro.
E, ao contrário do que se possa pensar, essa prévia identificação é um aspecto
positivo dentro de uma perspectiva intercultural - desde que o processo não fique
estagnado neste ponto:
A interconexão para a interatividade é supostamente boa, quaisquer que
sejam os terminais, os indivíduos, os lugares e momentos que ela coloca
em contato. As comunidades virtuais parecem ser um excelente meio
(entre centenas de outros) para socializar, quer suas finalidades sejam
lúdicas, econômicas ou intelectuais, que seus centros de interesse sejam
sérios, frívolos ou escandalosos (LÉVY, 1999, p. 132).
Sendo assim, ao se estabelecerem como iguais na necessidade do outro, no
reconhecimento da capacidade do outro em ajudá-los, ao definirem um objetivo comum,
e de maneira cooperativa trabalharem em conjunto para alcançá-lo, os participantes do
Teletandem desenvolvem condições de superar possíveis obstáculos relacionados à
diferença, no exercício interculturalidade.
Tendo explorado estes conceitos e temas, nos quais fundamentei o processo de
coleta e análise de dados, passo então para a parte metodológica do trabalho, onde trago
detalhes sobre o desenvolvimento desta pesquisa.
53
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A
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54
Neste capítulo apresento a metodologia da pesquisa, trazendo informações sobre
a natureza desta investigação, sobre os instrumentos de coleta de dados, bem como
sobre o contexto e os participantes envolvidos. Antes de fazê-lo, porém, apresento
novamente o objetivo e as perguntas de pesquisa, para que possam ser relacionados à
maneira como se deu o processo de coleta e análise dos dados.
2.1. Objetivo e perguntas de pesquisa
Este trabalho visou uma melhor compreensão das questões culturais, políticas e
psicológicas envolvidas no processo de ensino-aprendizagem e de formação de
professores de línguas estrangeiras.
Mais especificamente, foram investigadas as atitudes e crenças de uma turma de
professores em formação, de um curso de licenciatura em língua inglesa, no que diz
respeito aos Estados Unidos da América, bem como a associação da língua inglesa a tal
país. Além disso, objetivei fazer uma análise do potencial do projeto TELETANDEM
BRASIL: Línguas estrangeiras para todos, como provedor de experiência intercultural.
Para tal, foram formuladas as seguintes perguntas de pesquisa:
1.
Como se manifesta, no contexto estudado, a associação da língua inglesa aos
Estados Unidos da América?
2. a.
Quais são as crenças e atitudes dos participantes da primeira fase da
pesquisa (em geral) a respeito dos EUA e dos cidadãos daquele país?
55
b.
Quais são as crenças e atitudes, específicas de Alice, a respeito dos
EUA e dos cidadãos daquele país?
3.
De que modo o projeto TELETANDEM BRASIL proporciona a Alice um
contato intercultural? Quais são os reflexos do processo de interação teletandem
nas crenças e atitudes de Alice?
2.2. Natureza da pesquisa
“Politizar o ato de pesquisar e pensar alternativas para a vida social são parte intrínseca dos
novos modos de teorizar e fazer LA. Assim, a LA necessita da teorização que considera a
centralidade das questões sociopolíticas e da linguagem na constituição da vida social e pessoal
Luiz Paulo da Moita Lopes
Esta é uma pesquisa que se enquadra na perspectiva qualitativa, por ter como
objetivo a realização de descrições, interpretações e esclarecimentos em um contexto
social, através do uso de vários e distintos instrumentos de coleta de dados, tais como
notas de campo, diários, entrevistas, desenhos etc. (MOITA LOPES, 1996; BURNS,
1999).
Bogdan e Biklen (1998, p. 4-7) enumeram o que consideram ser as
características essenciais de uma pesquisa qualitativa, com a ressalva de que, uma
pesquisa nesta perspectiva, comumente apresentará essas características em níveis
distintos, podendo ocorrer que determinado trabalho nem mesmo apresente alguma
delas. Para estes autores, uma pesquisa qualitativa é:
56
1. Naturalística - a pesquisa qualitativa tem o ambiente natural como sua
fonte direta de dados e o pesquisador é seu principal instrumento de
coleta; deste modo, o pesquisador entra e passa um tempo considerável
em escolas, famílias, vizinhanças, e outras localidades, realizando suas
investigações. Sua preocupação é para com o contexto;
2. Descritiva os dados coletados são de natureza descritiva,
constituindo-se de palavras e ilustrações, ao invés de números
simplesmente. A análise resultante contém citações dos dados a fim de
ilustrar e embasar as discussões. Estes dados geralmente incluem
transcrições, notas de campo, fotografias, vídeos documentos pessoais
etc;
3. Interessada no processo pesquisadores qualitativos estão mais
preocupados com o processo do que com o produto, preocupando-se em
entender como se dão os fenômenos estudados;
4. Indutiva - a análise dos dados tende a ser feita de maneira indutiva. Os
pesquisadores não se preocupam em buscar evidências que comprovem
ou contestem hipóteses previamente definidas, de modo que as
abstrações emergem do conjunto dos dados coletados;
5. Preocupada com a perspectiva dos participantes o pesquisador se
preocupa em capturar a perspectiva de todos os participantes da pesquisa,
a fim de evitar uma interpretação dos dados enviesada e demasiado
centrada na figura do pesquisador.
Este trabalho apresenta ainda uma orientação etnográfica, diferenciando-se dos
demais tipos de pesquisa qualitativa “por sua orientação holística e pela maneira como
57
considera a cultura de forma integral na análise, e não como um de vários fatores a
serem considerados
31
” (WATSON-GEGEO, 1988, p. 36).
A tradição etnográfica, como nos lembra Chaudron (1988), advém da sociologia
e antropologia. E o modo como é incorporada às pesquisas de ensino-aprendizagem de
segunda língua, apesar de não cumprir as exigências de um trabalho essencialmente
etnográfico, possibilita a produção de trabalhos com maior potencial de validade, no
sentido psicológico, à medida que sua análise é baseada nas perspectivas pessoais dos
participantes, e não em construtos impostos de fora para dentro.
Assim sendo, “este tipo de investigação geralmente resulta em uma descrição
detalhada do contexto da pesquisa, levando-se em conta os princípios e regras de
interação que orientam os participantes na produção de ações e significados”
(CHAUDRON, idem, p. 46)
32
.
2.3. O contexto da pesquisa
A pesquisa foi desenvolvida em duas fases: a primeira, envolvendo inicialmente
uma turma do terceiro ano de um curso de licenciatura em língua inglesa, e a segunda,
um par interagente do projeto TELETANDEM BRASIL, sendo que um dos interagentes
era uma aluna participante também da primeira fase da pesquisa.
A primeira fase da coleta de dados se deu em um contexto de sala de aula, no
curso de Letras de uma universidade pública do interior do estado de São Paulo. Estive
31
“Ethnography differs from other forms of qualitative research in its concern with holism and in the way
it treats culture as integral to the analysis (not just as one of many factors to take into consideration)”.
32
“The result of such investigation is usually a detailed description of the research site, and an account of
the principles or rules of interaction that guide the participants to produce their actions and meanings and
to interpret the actions and utterances of others”.
58
em contato com essa turma durante o período de aproximadamente 5 meses,
considerando que a aplicação do primeiro questionário se deu em 03/07/2008 e a
descrição dos desenhos (último instrumento utilizado na turma), em 27/11/2008.
A segunda fase de coleta de dados foi desenvolvida no contexto do projeto
TELETANDEM BRASIL – Línguas estrangeiras para todos. Durante o período de
aproximadamente seis meses foram gravadas as interações teletandem entre uma
interagente brasileira e um interagente estadunidense.
A modalidade teletandem, como dito anteriormente, consiste na interação de
dois aprendizes de línguas estrangeiras através de programas de computador que
permitem a realização de conferências, como por exemplo o MSN Messenger©, o
ooVoo©, ou o Skype©, com a finalidade de desenvolver competência comunicativa na
língua do outro.
Essa modalidade permite que os participantes façam uso dos aspectos oral (ouvir
e falar) e visual (ver, ler, escrever e desenhar) de maneira síncrona, e exceto pela
impossibilidade do contato físico, é muito semelhante a uma interação face-a-face.
Cada interação se dá em duas sessões de 1 hora, cada uma na língua alvo de cada
interagente, sendo que normalmente a parte final das interações é destinada à realização
de feedback e avaliação do processo.
Além das sessões de interação, a interagente brasileira contou com a ajuda de
uma mediadora
33
, uma pós-graduanda que se disponibilizou a ajudar a interagente em
possíveis dúvidas relacionadas ao processo de interação teletandem, além de assistir e
analisar posteriormente os vídeos das interações com a finalidade de sugerir
aprimoramentos, avaliar e discutir o processo em encontros periódicos com a
interagente brasileira.
33
A figura do mediador está prevista e faz parte do aparato institucional necessário ao bom
funcionamento das interações no projeto TELETANDEM BRASIL.
59
O projeto TELETANDEM BRASIL foi exposto aos alunos da turma em questão
ao fim do término do primeiro período de coleta de dados, sendo que, dos 19 alunos, 3
se candidataram a participar.
2.4. Os participantes da pesquisa
A primeira fase da pesquisa se deu no contexto de sala de aula, no curso de
Letras de uma universidade pública do interior do estado de São Paulo. Mais
especificamente, na disciplina Língua Inglesa III, na qual estavam matriculados dezoito
alunos, sendo dois destes em regime especial
34
, e que foi ministrada por dois
professores
35
, sendo que havia uma pré-definição dos dias em que cada professor
assumiria a turma, mas esse calendário era alterado segundo a necessidade dos docentes.
Em relação à segunda fase da pesquisa, devido a fatores diversos, daqueles três
participantes da primeira fase que se candidataram a participar do projeto
TELETANDEM BRASIL, somente um teve continuidade e foi participante na segunda
fase da pesquisa.
Este par é composto por Alice (interagente brasileira, que também participou da
primeira fase da pesquisa) a qual, além de cursar Letras, também exerce a profissão
de professora em um curso de idiomas da rede privada, e Tom
36
, um estadunidense que
cursa doutorado na área de literatura em uma universidade nos Estados Unidos da
34
Alunos de pós-graduação aos quais havia sido concedida a permissão para freqüentar o curso (não
foram considerados na análise dos dados).
35
Os docentes foram nomeados “A” e “B”, de maneira que o professor A foi nomeado dessa forma por
ter ministrado a primeira aula por mim assistida.
36
Tom é um nome fictício atribuído ao interagente estadunidense participante da segunda fase da
pesquisa.
60
América e se inscreveu no programa Teletandem Brasil, através do site, para praticar a
língua portuguesa.
2.5. Primeira fase da pesquisa
Inicialmente foi aplicado um questionário do tipo aberto, contendo dezoito
perguntas. Nesta ocasião, os participantes (treze alunos presentes) tiveram
aproximadamente 55 minutos disponibilizados na parte final da aula para respondê-lo.
Este questionário, desenvolvido por mim, depois de feito o levantamento teórico, foi
examinado por uma banca de professores orientadores, durante uma atividade da
disciplina de Metodologia da Investigação em Lingüística, e posteriormente
aprimorado, antes de ser aplicado.
A partir desse ponto, iniciei a gravação, em arquivos de áudio
37
, das aulas desta
disciplina. Foram treze aulas gravadas ao todo, em um período de dois meses
aproximadamente.
37
Arquivos do tipo .wav (wave). Taxa de bits: 176 kbps; Tamanho da amostra de áudio: 16 bit; Canais: 1
(mono); Taxa de amostragem de áudio: 11 kHz; Formato de áudio: PCM.
61
Figura 1: Tabela das aulas gravadas na primeira fase de pesquisa
A respeito das gravações, Burns (1999, p. 94) afirma serem instrumentos muito
úteis por poderem ser usados tanto para a obtenção de observações e impressões gerais
do contexto de sala de aula quanto para o foco em questões mais específicas, além de
causarem menos desconforto nos participantes que um processo de filmagem, por
exemplo.
Além das gravações, e com o objetivo de tornar mais fácil a sua análise, durante
essas aulas, utilizei também o recurso notas de campo, definidas por Burns (1999 p.
87)
38
como “descrições ou relatos de eventos no contexto de pesquisa que são escritos
de forma relativamente objetiva” e que “constituem uma primeira análise, a qual será
futuramente refinada”. Os materiais fornecidos pelos professores (handouts) também
foram coletados para análise.
38
“Notes, or field notes as they are often referred to in qualitative research, are descriptions and accounts
of events in the research context which are written in a relatively factual and objective style. (…) Writing
notes means more than simply recording data, as the act of writing provides a first analysis from which
research areas can be further refined”.
62
Ao fim deste período, os alunos foram solicitados a fazer desenhos a respeito de
um tema pré-estabelecido. Para isto, foi disponibilizado papel branco, tamanho A4,
39
e
materiais diversos de desenho (caneta esferográfica, caneta hidrocor, lápis de desenho,
lápis de cor, etc.) de várias cores. Todos os alunos presentes se dispuseram a participar.
De acordo com Vieira-Abrahão (2006, p. 229), os desenhos “começam a ser
usados com sucesso, como mais um instrumento para resgatar as visões e expectativas
que têm os alunos, sobretudo os mais novos, sobre o processo de ensino e aprendizagem
de uma língua estrangeira”. Os desenhos feitos pelos aprendizes tiveram como tema “Os
Estados Unidos da América”, com o intuito de identificar possíveis crenças e atitudes
em relação àquele país.
Por fim, após um período de duas semanas aproximadamente, os desenhos feitos
pelos alunos foram devolvidos a eles para que, de posse destes, fizessem uma pequena
descrição, por escrito, do que haviam desenhado. Estas descrições foram usadas como
base de interpretação dos desenhos, por parte do pesquisador.
39
200g/m², A4, 210x297mm.
63
Figura 2: Quadro de participação nas atividades de coleta de dados da primeira fase
40
2.6. Segunda fase da pesquisa
Num período de aproximadamente seis meses, foram gravadas (em áudio e
vídeo) as interações teletandem entre Alice e Tom. Os novos recursos tecnológicos
permitiram que as gravações fossem feitas com um mínimo de invasão e incômodo para
os participantes, visto que o próprio programa do computador registrava as interações,
descartando a necessidade de uma câmera externa.
40
Foram usados os símbolos para alunos que participaram das atividades citadas e X” para alunos
ausentes; Os pseudônimos usados para designar os alunos participantes foram escolhidos aleatoriamente
em listas de nomes de vários países disponíveis on-line.
64
Figura 3: Quadro das gravações áudio-vídeo das interações teletandem
Além disso, foram coletados também os diários redigidos pela participante
brasileira após cada interação, nos quais ela foi orientada a incluir aspectos lingüísticos,
culturais e relacionados ao processo de interação em si, e os diários feitos tanto por
Alice quanto pela mediadora, após as sessões de mediação.
65
Figura 4: Relação dos diários coletados durante a segunda fase
41
Após o período de gravações, foi pedido a essa interagente que respondesse
novamente a um questionário (exatamente o mesmo questionário respondido antes das
interações), para que fosse possível comparar as respostas referentes a cada momento, e
assim, refletir a respeito do impacto das interações teletandem, do contato com o outro,
no que tange às várias questões que dizem respeito a esse projeto, tais como
preconceito, alienação, neo-colonialismo, estereótipos, aceitação ingênua, rejeição
radical, dentre outros acompanhando também o processo de re-significação das
crenças e atitudes da aprendiz brasileira.
41
Alguns diários de interações/ mediações não foram entregues ou não foram redigidos, bem como
algumas interações não foram gravadas. As mediações são agendadas pelos participantes (no caso, a
interagente brasileira e a mediadora) quando julgam necessário.
66
Além do questionário, foram utilizadas técnicas com características dos métodos
projetivos (SELLTIZ et al, 1974) a fim de aumentar a validade dos dados gerados no
segundo momento, posto que o fato de se ter comprometido com um tipo de resposta
num primeiro momento, poderia afetar o conteúdo da segunda resposta, como alertam
Reich e Adcock (1976, p. 44).
Mais especificamente, em um tipo de entrevista semi-estruturada, foram
apresentados à participante brasileira os desenhos produzidos na primeira fase de
pesquisa com o tema de “Estados Unidos da América”, para que, a partir da apreciação
destes, pudessem ser exploradas as questões pertinentes ao desenvolvimento da
pesquisa.
De acordo com Vieira-Abrahão (2006, p. 223) este tipo de entrevista não segue
“uma ordem fixa, o que permite a emergência de temas e tópicos não previstos pelo
entrevistador”, além de “permitir interações ricas e respostas pessoais”.
Desse modo, a partir de tópicos que surgiam durante a apreciação dos desenhos,
o entrevistador, lançando mão de perguntas, em parte previamente elaboradas,
explorava aspectos dos dois questionários respondidos e referentes ao processo de
interação no contexto Teletandem.
2.7. Resumo dos instrumentos de coleta de dados usados na pesquisa
Na primeira fase da pesquisa foram utilizados cinco instrumentos de coleta, com
a finalidade de entender como se manifestam as crenças dos participantes em relação à
língua inglesa e aos EUA no contexto estudado, sendo estes: um questionário, gravações
67
em áudio, notas de campo (produzidas pelo pesquisador), desenhos temáticos e
descrições dos mesmos (produzidos pelos alunos).
Na segunda fase, além das gravações das interações teletandem, foram coletados
os diários das interações, feitos por Alice, os diários das mediações, feitos tanto por
Alice quanto pela mediadora, e foram utilizados mais um questionário e uma entrevista
semi-estruturada, totalizando também cinco instrumentos de coleta de dados. Nesta
etapa, os instrumentos utilizados foram orientados pela busca do entendimento de como
se manifestam e, possivelmente, de como são resignificadas aquelas crenças iniciais da
participante Alice, durante o processo de interação no projeto TELETANDEM, bem
como pela análise do potencial deste projeto, no que diz respeito às questões
interculturais.
Figura 5: Relação dos instrumentos de coleta de dados usados na pesquisa
68
2.8. Procedimento de análise dos dados
Os dados coletados neste trabalho foram analisados pelo processo de
triangulação, que consiste em reunir dados provenientes de diferentes fontes, de modo
que as considerações e conclusões a respeito dos temas pesquisados possam ser testadas
entre si.
Dessa forma, ao comparar diferentes tipos de dados (quantitativos e
qualitativos), e diferentes métodos (observação, entrevistas, técnicas projetivas etc.) de
modo que um seja confrontado com o outro, temos um modelo de análise que, segundo
Burns (1999, p. 25) aumenta a confiabilidade e a validade da pesquisa.
Os instrumentos utilizados na primeira fase da pesquisa tiveram o intuito de
produzir dados que me ajudassem a responder as duas primeiras perguntas de pesquisa.
Desse modo, eu utilizei o questionário como base para então confrontar as asserções
derivadas dessa primeira análise com os outros conjuntos de dados (gravações das aulas
em áudio, notas de campo, desenhos temáticos e descrições dos desenhos).
Na segunda fase da pesquisa, a base para a triangulação com os outros conjuntos
de dados (gravações das interações, diários e entrevista), foi a comparação entre os
questionários aplicados na primeira e na segunda fase da pesquisa.
Apresentados os aspectos metodológicos do trabalho, passo então, no próximo
capítulo, à análise dos dados gerados.
69
C
C
A
A
P
P
Í
Í
T
T
U
U
L
L
O
O
3
3
A
A
N
N
Á
Á
L
L
I
I
S
S
E
E
D
D
O
O
S
S
D
D
A
A
D
D
O
O
S
S
70
3.1. Análise dos dados da primeira Fase
Neste capítulo, apresento a análise dos cinco conjuntos de dados coletados
durante a primeira fase da pesquisa, sendo eles os questionários respondidos, as
gravações de áudio feitas no período de observação de aulas, as notas de campo
produzidas durante as observações das aulas, bem como os desenhos temáticos e suas
respectivas descrições feitos pelos alunos participantes.
A análise está divida em tópicos com temas previamente estabelecidos,
baseando-se na fundamentação teórica e visando responder as duas primeiras perguntas
de pesquisa. Desse modo, procuro dissertar sobre esses tópicos, apoiando-me em pontos
em comum encontrados nos cinco conjuntos de dados produzidos, de modo que os
diferentes tipos de dados se confirmem e se completem.
3.1.1. Associação da língua inglesa aos Estados Unidos da América
Com base nos itens 1 e 2 do Questionário I pode-se inferir que, no contexto
estudado, indícios da associação da língua inglesa mais a um grupo específico de
países do que a outros que também têm essa ngua como língua oficial, segunda língua
ou outro tipo de vínculo.
EUA, Canadá, Austrália e Reino Unido aparecem em 12 das 13 citações e, ao
considerarmos a ordem em que aparecem nas citações (EUA, seis vezes citado em
primeiro lugar, seguido de Inglaterra / Reino Unido, quatro vezes citado em primeiro
lugar), notamos que, ao pensar em países falantes da língua inglesa, boa parte dos
participantes pensou primeiro nos EUA e depois na Inglaterra, o que está em
71
consonância com a teoria da associação da língua inglesa a esses dois países (NAYAR,
1994; MOITA LOPES, 1996; HUNTER, 1997; BARATA 1999; RAJAGOPALAN e
RAJAGOPALAN, 2005; GIMENEZ, 2006).
3
12
6
8
12
2
2
5
12
12
6
5
3
2
3
1
1
1
0 2 4 6 8 10 12 14
Todos
EUA
Reino Unido
Inglaterra
Inglaterra / R. Unido
Escia
País de Gales
Irlanda
Austrália
Canadá
Outros / etc / ...
Colonizados pela Inglaterra
Nova Zelândia
Finlândia
África do Sul
Dinamarca
Suíça
Guiana Inglesa
Figura 6: Gráfico “Em qual (quais) país(es) é falada a língua inglesa?”
42
42
Em função da quantidade de vezes que cada país foi citado nos questionários.
72
0 2 4 6 8
lugar
lugar
lugar
lugar
Austrália
Canadá
Inglaterra / R. Unido
EUA
Figura 7: Gráfico “Países anglófonos por ordem de citação nos questionários”.
Ainda no questionário, no item 9, no qual os alunos foram solicitados a discorrer
sobre a posição dos EUA no mundo, uma das respostas transparece de maneira clara a
ligação que é feita, muitas vezes inconscientemente, dos conceitos em questão:
Excerto 1
já foi dito, é a grande potência mundial. Inevitavelmente, por isso,
controlam o mundo financeiramente e até mesmo no que diz respeito à
língua, visto que o inglês é, indiscutivelmente, a língua universal
(Questionário I).
também indícios dessa ligação no desenho D11, onde, ao retratar a
influência dos EUA no mundo todo”, o aluno
43
escreveu, além de símbolos como
“Coca-Cola”, “McDonald’s”, “Hollywood”, etc, as letras “ABC”, em várias partes do
globo o que indica, a meu ver, a afirmação de que os EUA também influenciam o
mundo no tocante à língua.
43
“aluno” será aqui usado para se referir aos participantes alunos sem distinção de gênero.
73
Figura 8: Desenho D11 “The United States of America”
Ainda nos questionários, no item 5, ao serem questionados sobre o tipo de
contato que os alunos têm com a língua inglesa, a maioria aponta o contexto acadêmico
(10 citações) e filmes (10 citações) como fonte desse contato.
10
10
1
6
3
5
1
1
1
3
3
4
0 2 4 6 8 10 12
1
Internet
Conversa c/ Colegas
Conversa c/ Professores
Conversa c/ Nativos
Livros
Textos
Músicas
Revistas
Filmes
Programas de TV
Trabalho
Universidade
Figura 9: Gráfico “Que tipo de contato você tem com a língua inglesa?”
74
Temos aqui mais um reforço para as teorias em questão, e o que podemos
apontar como uma das possíveis causas dessa associação, visto que grande parte dos
filmes exibidos no país são produções estadunidenses, como podemos ver no gráfico
abaixo, onde, em uma relação das maiores bilheterias no Brasil, no ano de 2005, com
exceção do filme “Dois filhos de Francisco”, produção brasileira, todos
44
os outros
filmes são de origem estadunidense.
Figura 10: Tabela “18 maiores arrecadações do cinema no Brasil em 2005
45
44
O filme “o grito” é uma refilmagem do original “Ju On: The Grudge” (Japão, 2003) em uma co-
produção entre Japão, EUA e Alemanha).
45
Fonte ANCINE - Agência Nacional do Cinema. Disponível on-line em http://www.ancine.gov.br/
media/18%20maiores%20arrecadacoes%20em%202005.pdf
75
Não é dizer que o cinema é responsável pela associação língua inglesa / EUA,
mas os dados corroboram a tese de que este setor é uma importante parcela daquela
“indústria cultural” estadunidense (IANNI, 1976, p.18) que vem influenciando
culturalmente o contexto brasileiro.
Neste sentido, se os alunos têm realmente consciência de como se o seu
contato com a língua inglesa, fica claro que grande parte deste contato se com o
inglês falado nos EUA.
Quanto ao contexto acadêmico, como dito anteriormente, as aulas eram
ministradas por dois professores (um a cada vez, sendo que a maneira como era
organizado o calendário obedecia às necessidades dos mesmos). Destes dois
professores, um utilizava a variante britânica e outro utilizava a variante estadunidense
de inglês
46
, como se pode perceber na ilustração extraída das gravações realizadas
em áudio:
Professor A: [wel g d ‘æftənün ‘klæs] (...) [‘w lkəm tə wən m :
ŋgl ‘læŋgwəd ‘lesən]
47
Professor B: [so wi: hæv h r :n ðə t p əv t f ə na n z :l’redi:
‘kl rli d ’fa nd la k ma ‘f ðər]
48
Este fato retrata o contexto brasileiro em geral, onde é mais comum o contato
com tais variantes da língua inglesa, e é confirmado, no contexto estudado, por exemplo
pelas seguintes afirmações retiradas dos questionários:
46
Esta é uma percepção pessoal baseada em meus estudos de fonologia e fonética da língua inglesa
durante a graduação em Licenciatura em Língua Inglesa.
47
“Well, good afternoon class ... welcome to one more english language lesson” - Gravação realizada no
dia 06/09/2007 (localização: 1’:27’’)
48
“So we have here on the top of it, if a noun is already clearly defined like ‘my father’” - Gravação
realizada no dia 20/09/2007 (localização: 4’:05’’)
76
Excerto 2
Acredito que falo a variante americana. Porque sempre tive mais
contato com essa variante do que com outras
(Questionário I)
Excerto 3
Inglês Americano. Porque é o inglês disseminado no Brasil, é o
ensinado nas escolas, passado pelos filmes e seriados de TV
(Questionário I)
Excerto 4
Inglês . A escola de idiomas na qual estudei ensinava essa variante.
Devido ao contato com essa variante por muitos anos, acabei adquirido-
a
(Questionário I)
Excerto 5
Inglês americano, porque minha formação foi feita com professores que
falam a variante americana, de forma que eu acabei “incorporando” o
sotaque
(Questionário I)
Excerto 6
Às vezes a norte-americana e às vezes a variante do inglês da Inglaterra.
Ainda não me decidi por qual optar, mas acho que prefiro a norte-
americana talvez porque tenho planos de ir para os Estados Unidos no
ano que vem
(Questionário I)
Em relação aos aspectos culturais trabalhados em sala de aula, podemos
observar, no gráfico a seguir, que a maioria dos tópicos trazidos pelos professores são
relacionados à Inglaterra / Reino Unido ou aos EUA, apesar de que em quase todos os
casos os professores buscavam discutir esses tópicos também levando em conta o
contexto brasileiro.
77
picos Culturais apresentados pelos
professores em relação a países específicos
0 2 4 6 8 10 12
Nenhum
Outros
Austrália
Inglaterra / Reino Unido
EUA
Brasil
Total : 13 Aulas
Figura 11: Gráfico “Tópicos Culturais apresentados pelos professores em relação a países
específicos”
De modo geral concluí que, no contexto estudado, indícios bastante
relevantes de que persiste a tendência de se relacionar a língua inglesa mais a um grupo
de países do que a outros nos quais esta língua também é usada como primeira língua,
segunda língua ou outro tipo de relação.
Mais especificamente, percebe-se, em consonância com pesquisadores
anteriormente citados, uma tendência de que esta língua seja associada, em diferentes
níveis, à Inglaterra e, principalmente, aos Estados Unidos da América, sendo que o
contexto de ensino-aprendizagem estudado aqui, orbita em torno de aspectos culturais
(no sentido mais abrangente do termo cultura) relacionados a estas duas nações.
Em contraponto, pude notar também um movimento, por parte dos alunos
estudados, em direção à visão da língua como língua internacional (PENNYCOOK,
1994), apesar de ser em escala bem menor e algumas vezes em conflito com a visão
predominante; por exemplo, quando um aluno afirma que a língua inglesa é falada em
78
todos os países, mas considera a variante estadunidense mais importante, “porque foi a
partir dela que o inglês se tornou a língua internacional
49
.
Do mesmo modo, quando perguntados sobre qual seria a variante mais
importante do inglês (Questionário I, Item 3), os participantes geralmente afirmaram
que nenhuma variante deveria ser considerada mais importante. No entanto, foram
também recorrentes afirmações do tipo “Porém, a variante britânica com certeza é a
mais privilegiada...” (Questionário I, Aluno 1: Alice), ou “... o inglês britânico é
considerado “pattern english” porque é o berço da língua inglesa” (Questionário I,
Aluno 9: Mandisa), sugerindo que, apesar de os alunos terem a consciência de uma
devida igualdade de valores entre essas variantes, o que é um aspecto positivo, eles
percebem que essa ainda não é a realidade, ou ainda refletem a ideologia de uma
variante dominante ou “superior”.
9
1
3
0 2 4 6 8 10
Todas
Britânica
Norte-
americana
Figura 12: Gráfico “Qual é a variante mais importante em sua opinião?”
49
destaque no original.
79
3.1.2. Crenças sobre o outro: EUA e os estadunidenses
Pude observar alguns padrões nas respostas dos alunos, quando perguntados
sobre sua opinião a respeito dos EUA e os cidadãos daquele país. O primeiro, é que boa
parte dos alunos se preocupou em expressar suas opiniões de maneira a deixar claro que
existe uma divisão entre o que é a população e o que são os governantes do país. Apesar
disso, nos excertos 7, 8 e 10, fica pressuposto que a imagem negativa que os
participantes têm do governo estadunidense acaba por compor também suas
representações do país como um todo.
Excerto 7
Na maioria das vezes os enquadramos na visão que temos do país
(Questionário I)
Excerto 8
supõe-se que eles pensam como seus governantes
(Questionário I)
Excerto 9
a única imagem que tenho é a de seu governo
(Questionário I)
Excerto 10
acredito também que essa visão que geralmente temos dos Estados
Unidos se deva ao presidente Bush, que age como se fosse o dono do
mundo. Conheci recentemente norte-americanos que são muito
simpáticos e divertidos
(Questionário I)
80
Nestes últimos excertos, fica evidente que estes participantes estão falando da
tumultuada política externa estadunidense e que, de algum modo, se preocupam em não
formar uma visão preconceituosa da população.
O que não se pode concluir, a partir desses dados, é se essa preocupação
representa uma característica consolidada destes participantes, ou seja, que eles
realmente têm esse discernimento e assumiriam a mesma postura não-preconceituosa
em relação a outras nações, por exemplo, ou se essa divisão é resultado de um conflito
de crenças sobre os EUA, no sentido em que não é difícil perceber nos dados, a
dificuldade que os alunos têm ao tentarem se posicionar de forma “neutra”, livre de
preconceitos ou atitudes.
Como exemplo, observemos alguns trechos do questionário respondido pela
participante Ayla:
Excerto 11
Eu penso que os Estados Unidos é um país como qualquer outro, que
tem uma cultura diferente do Brasil. Existem algumas decisões políticas
e econômicas adotadas pelo país que vão contra minhas convicções
políticas e que me irritam e incomodam, mas eu sei que essas decisões,
muitas vezes, não são apoiadas nem pelos norte-americanos
(Questionário I)
Excerto 12
Sobre os norte-americanos, penso que são pessoas criadas em uma
cultura diferente da brasileira, e que por isso têm hábitos e atitudes que
nos parecem estranhos
(Questionário I)
Excerto 13
Os EUA é um dos países mais ricos do mundo. Eles têm uma tecnologia
avançada em relação a outros países e por isso são detentores de um
81
poder de decisão muito forte sobre outros países, principalmente sobre
os sub-desenvolvidos
(Questionário I)
Excerto 14
Vejo como uma relação explorado-explorador, mas penso que as
condições econômicas na qual os dois países estão não permite uma
relação diferente
(Questionário I)
Excerto 15
Inteligentes (por ter o desenvolvimento tecnológico que eles tem, eles
precisam, no mínimo, serem inteligentes)
(Questionário I)
Percebo, aqui, indícios de uma inclinação pró-EUA por parte desta aluna,
inclusive quando, em alguns momentos, ela faz a divisão política / pessoas, ao dizer que
não concorda com as ações do governo dos EUA, mas que elas não são apoiadas pela
população; ou quando considera a exploração de seu país, pelos EUA, como algo
inevitável, natural. Além disso, esta aluna relaciona o adjetivo “inteligentes” aos
estadunidenses – um tipo de preconceito positivo em relação àquela população.
O que estou dizendo é que os alunos tentam, de alguma forma, ser politicamente
corretos, e não se posicionar, nem negativamente, nem positivamente, ao responderem
os questionários, mas eles não conseguem ocultar suas crenças e atitudes, a meu ver, por
se tratarem de questões bastante presentes e relevantes para suas vidas.
Num outro exemplo, percebemos, que apesar de a aluna querer demonstrar que
não tem uma visão estereotipada da população estadunidense, como se pode ver no
excerto a seguir, ela acaba apresentando traços desta visão ao afirmar, num outro item
do questionário, que os estadunidenses são “preconceituosos e esnobes” (Questionário I,
Aluno 3: Svetla) apesar de que a pergunta do questionário induz a esse tipo de
82
classificação; e ao falar da insistência em impor seu poder para o resto do mundo na
descrição de seu desenho:
Excerto 16
Por não termos contato com a população norte-americana
(“estadunidenses”) não podemos formar opinião sobre eles. Na maioria
das vezes os enquadramos na visão que temos do país
(Questionário I)
Excerto 17
Quando penso nos EUA, penso em todo o poder que eles representam e
impõem ao resto do mundo. Portanto, acho que a águia (símbolo de um
poder forte) segurando todo o globo, representa esse poder que eles
insistem em impor a todos
(
Descrição do Desenho D3
).
Sendo assim, separar a opinião sobre governo e população parece ser uma forma
de lidar com a divergência de crenças, que ficou mais evidente depois do episódio
envolvendo ataques terroristas em 2001, ou seja, visto que coexistem sentimentos
positivos e negativos em relação aos EUA, fica mais fácil lidar como o conflito se o
indivíduo atribui cada tipo de sentimento a segmentos distintos daquele país.
O segundo padrão observado (que não necessariamente exclui o anterior) é uma
tendência a situar-se em um dos extremos, uma tendência ao pensamento maniqueísta,
em acordo com o que pensam Oliveira (1996, p. 42) e SILVA, A. (2001). Percebe-se
claramente que essa divisão é maior quando a opinião é a respeito do país e tende à
neutralidade quando se trata da população.
Ao compararmos os gráficos referentes à opinião dos participantes em relação ao
país, à população estadunidense, e ao conteúdo dos desenhos feitos a respeito dos EUA,
percebemos que, apesar de haver um número considerável de opiniões/ manifestações
83
que tendem à neutralidade ou equilibradas, o número de opiniões que tendem aos
extremos, principalmente aquelas de cunho negativo, é bastante expressivo.
4
6
3
0 1 2 3 4 5 6 7
Opinião Positiva
Opinião Negativa
Opinião Neutra /
Equilibrada
Figura 13: Gráfico “Qual a sua opinião sobre os Estados Unidos da América?”
1
5
7
0 2 4 6 8
Opinião Positiva
Opinião Negativa
Opinião Neutra /
Equilibrada
Figura 14: Gráfico “O que você pensa dos norte-americanos?”
Conteúdo dos Desenhos e Comentários
0 1 2 3 4 5 6 7
Conteúdo Neutro /
Equilibrado /
Indefivel
Conteúdo Negativo
Conteúdo Positivo
Figura 15: Gráfico “conteúdo dos desenhos e comentários” **
50
50
** Baseado em análise sucinta dos mbolos presentes nos desenhos e do conteúdo dos comentários.
Análise disponível nos anexos.
84
Da mesma maneira, os adjetivos mais recorrentes associados aos estadunidenses,
no item 18 do questionário, foram “preconceituosos” (4 ocorrências); “inteligentes” (3
ocorrências); “arrogantes” (3 ocorrências); “nacionalistas” (2 ocorrências) fato que
fortalece a teoria da divisão entre adoração e rejeição.
No item 8 do questionário, no qual os participantes foram solicitados a opinar
sobre o pensamento dos colegas, respondendo se eles achavam que os colegas
concordariam com sua opinião a respeito dos EUA e dos estadunidenses, é interessante
notar que das três respostas negativas, uma afirma que os colegas teriam opiniões mais
positivas que as suas, uma deixa a entender que pode haver uma postura preconceituosa
por parte dos colegas e outra afirma que as opiniões seriam extremas, ou positivas ou
negativas –sugerindo que os próprios participantes percebem essa tendência ao
maniqueísmo quando se trata da opinião comum.
9
3
1
0 2 4 6 8 10
Sim
Não
Não-
identificável
Figura 16: Gráfico “Você acha que os seus colegas de classe compartilham de sua opinião
a respeito dos EUA e dos norte-americanos?”
Este tipo de sondagem, de acordo com Selltiz et al (1974, p. 321), é
característica dos métodos projetivos, e geralmente produz respostas que trazem
reflexos mais fiéis às reais atitudes dos participantes, pois, quando não estão falando
85
diretamente sobre si mesmos, os participantes se encontram mais livres e menos
suscetíveis a pressões internas e externas que possam interferir no conteúdo das
respostas apresentadas.
Além disso, ao afirmarem que seus colegas teriam a mesma opinião, os alunos
estão se comportando de acordo com o que Crochík (2006) aponta como uma das
características do indivíduo preconceituoso, pois, segundo este autor, “o preconceituoso,
em geral, é avesso à subjetividade, conforme demonstram as pesquisas, ele julga não
falar só em seu nome, mas no de uma coletividade a qual ele representa, ou melhor, com
a qual ele se confunde” (p. 41).
Nas aulas observadas não pude detectar episódios de referência direta que
expressassem a opinião dos participantes no que diz respeito aos EUA e à sua
população. No entanto, notei alguns movimentos no sentido de depreciar a própria
cultura, o próprio país, que obviamente está ligado ao processo de admiração e
idealização de outra cultura. Destaco alguns trechos em seguida.
Tendo como referência a frase “The holiday was a total disaster”, os alunos
foram solicitados a formular frases contextualizadas, em um exercício gramatical. Eles
citaram em suas respostas “Guarujá”, “Fortaleza”, Califórnia” e “Paris”. E somente
quando mencionaram Califórnia e Paris, o professor reagiu com afirmações do tipo:
“how can it be?!” “It’s impossible to be a disaster!”, “Have you ever been in Paris?”. Os
alunos riram e pareceram concordar. (Notas de Campo).
Em outra ocasião, o professor estava discutindo com os alunos o filme assistido
e o tema era ascensão social. O professor expressou sua opinião com afirmações do tipo
“Todo mundo prefere ser mais feliz, mais rico”; “andar em limusines ao invés de em
fusquinhas”, afirmando que quando você conhece algo melhor, você sempre irá querer
aquilo em detrimento do que você conhecia antes. Chamou-me a atenção quando o
86
professor disse “uma vez que você tenha viajado ao exterior, acredite, você sempre irá
querer viajar ao exterior novamente! Porque é bom estar no exterior”, porque esta
afirmação pode sugerir, da maneira como se deu o discurso do professor, que, em sua
opinião, o “exterior” seja essencialmente melhor que o Brasil. E, novamente, os alunos
pareceram concordar, como tomei nota nas notas de campo:
Excerto 18
Outra afirmação da professora: “Uma vez que você tenha viajado pro
exterior você vai sempre querer fazê-lo”, “uma vez que você tenha
experimentado algo melhor, você sempre vai querer novamente”. Essa
afirmação contém uma idéia de inferioridade, de caráter nacional,
sugerindo ser melhor o que é exterior. Novamente os alunos parecem
concordar
(
Notas de Campo
).
Outro fato semelhante ocorreu quando, ao abordar o tópico sobre “placas” e
“avisos” o professor perguntou aos alunos onde um aviso sobre batedores de carteiras
poderia ser encontrado, em que tipo de ambiente se poderia encontrar um aviso desses
(Notas de Campo). Um aluno então respondeu: “se fosse no Brasil, em todo lugar!”, e
os colegas deram risadas. Obviamente que se tratou de uma piada, mas nem por isso
deve ser desconsiderado que há um teor de auto-depreciação no comentário.
Este último episódio corrobora a imagem estereotipada de que o brasileiro é
“desonesto”, como citado nos questionários, no item no qual os alunos foram solicitados
a adjetivar determinadas nacionalidades (brasileiros, estadunidenses e ingleses):
hospitaleiros, alegres, desonestos, dependentes, passivos
(Questionário I)
87
alegres, conformados, imobilizados socialmente, diferentes/desiguais,
corruptos, amigáveis, abertos ao novo, superficiais
(Questionário I)
alegres, desonestos, hospitaleiros, dependentes, passivos
(Questionário I)
amigáveis, bons, às vezes malandros, desorganizados
(Questionário I)
Sensual, malandro, inteligente, forte, explorado, traficante, esportista,
pobre, inculto, calorosos, alegres
(Questionário I)
Uma terceira tendência encontrada na análise dos dados é a afirmação, por parte
dos alunos participantes, que lhes falta conhecimento acerca dos estadunidenses, falta
experiência pessoal de convívio com pessoas daquele país. Em resposta aos itens 6 e 7
do questionário, cerca de um terço dos participantes apontaram “mídia”, “imprensa”,
“noticiário televisivo”, “depoimentos alheios” (Questionário I) como fontes de
conhecimento a respeito dos EUA e dos cidadãos estadunidenses, justificando, desta
maneira, eles próprios, o aparecimento de estereótipos e preconceitos.
3.1.3. Antiamericanismo
Analisando os comentários sobre a posição dos EUA em relação aos outros
países, no item 9 do questionário, temos o seguinte quadro:
88
0 2 4 6 8 10
Supremacia
Econômica
Supremacia
lica
Hegemonia
Figura 17: Gráfico “Comente a posição dos EUA no mundo”
Como visto, um número razoável de referências à supremacia bélica e
econômica daquele país.
O mesmo pode ser percebido na figura D3, onde a aluna utilizou a alegoria de
uma águia gigante envolvendo o mundo, para representar essa supremacia. Sobre sua
ilustração, a aluna comenta:
Excerto 19
Quando penso nos EUA, penso em todo o poder que eles representam, e
impõem, ao resto do mundo. Portanto, acho que a águia (símbolo de um
poder forte) segurando todo o globo, representa esse poder que eles
insistem em impor a todos
(Descrição do Desenho D3)
89
Figura 18: Desenho D3 “The United States of America”
Estas citações a respeito da superioridade dos EUA correspondem, em parte, ao
que Viola e Leis (2001, p. 13) apontaram como causas desse sentimento de
antiamericanismo:
Esta rejeição está misturada, muitas vezes, com sentimentos ambíguos
de admiração e desejo de imitação. O perfil específico do sentimento
antiamericano varia muito por países e setores sociais (dentro de cada
país), mas podemos diferenciar pelo menos três .justificativas.
associadas a este antiamericanismo: a) a riqueza e sucesso americano
são produto da exploração do resto do mundo; b) os norte-americanos
impõem seus valores e seu estilo de vida destruindo os de outras
sociedades; c) os EUA não assumem as responsabilidades globais
derivadas de seu papel central no mundo.
90
Um pouco do que Viola e Leis (2003) falam sobre a exploração dos outros
países feita pelos EUA pode também ser percebido nesses dados. Quando perguntados
sobre sua visão da relação Brasil – EUA, os participantes da pesquisa tenderam a
classificar essa relação como sendo amistosa, estável, porém injusta, no sentido em que
o Brasil é explorado, consegue menos vantagens em negociações e é dependente
economicamente dos EUA, como podemos perceber nos seguintes excertos abaixo:
Excerto 20
Acredito que são boas, não problemas entre os governos dos dois
países. Não conheço muito sobre as relações comerciais etc., mas
acredito que também são abundantes e proveitosas (em especial para os
Estados Unidos)
(Questionário I)
Excerto 21
Amistosas. Ambos os países tentam conciliar seus interesses com os do
outro. Geralmente o Brasil conquista menos vantagens.
(Questionário I)
Excerto 22
Vejo que o Brasil se relaciona bem com os Estados Unidos, política,
econômica e culturalmente
(Questionário I)
Excerto 23
É uma relação unilateral. O único beneficiado é os EUA
(Questionário I)
Excerto 24
Injusta (...) Para realizarmos comércio com eles, temos que vender
barato e comprar caro. Temos que arcar com as despesas de transporte
tanto de importação, quanto de exportação porque os nossos navios
vão freqüentemente pra lá e eles não vêm para cá
(Questionário I)
91
Excerto 25
Relação de dependência: Brasil dependente dos Estados Unidos
(Questionário I)
Excerto 26
Penso que é como na maioria dos países do mundo. Os EUA interferem
na nossa economia, na nossa cultura, na nossa ideologia etc
(Questionário I)
Excerto 27
A relação Brasil-EUA é a mesma entre EUA e os outros países
“subdesenvolvidos”. Os EUA tem o poder que não temos e o que acaba
acontecendo é que, muitas vezes, o Brasil fecha acordos que são muito
mais vantajosos para eles do que para nós
(Questionário I)
O mesmo, no tocante à relação de exploração, pode ser visto na ilustração D2,
onde um aluno desenhou um personagem que lembra o Tio Sam
51
movendo uma mão
de proporções gigantescas em direção à América Latina.
51
Personificação nacional dos EUA, o qual data de 1812. Segundo consta na história, Tio Sam teria sido
uma criação de soldados americanos no norte de New York, os quais recebiam barris de carne com as
iniciais U.S (United States, que em português significa Estados Unidos) estampadas. Com essas iniciais
os soldados teriam brincado, falando que elas significavam Uncle Sam (Tio Sam), uma espécie de
referência ao proprietário da companhia fornecedora de carne, Samuel Wilson. Com o passar do tempo o
apelido veio se tornando cada vez mais popular, até que a revista americana Punch o batizou como
símbolo americano. no ano de 1870, o então cartunista Tomas Nast fez o desenho de Tio Sam, com
base no rosto de Abraham Lincoln, o qual era considerado um herói nacional. No ano de 1917, o artista
James Flagg acrescentou um dedo em riste ao desenho de tio Sam, contendo a seguinte frase: “I Want
You” (que em português significa “Eu Quero Você”), que havia sido encomendado pelas Forças Armadas
Americanas, a qual recrutava soldados para a Primeira Guerra Mundial. Tio Sam é atualmente conhecido
em boa parte do mundo. Fonte: <http://www.brasilescola.com/geografia/tio-sam.htm>
92
Figura 19: Desenho D2 “The United States of America”
Em relação ao fato de os EUA imporem, segundo Viola e Leis (2001), seus
valores e seu estilo de vida destruindo os de outras sociedades, o que se pode perceber
nas respostas dos participantes é que a maioria deles parece ver a disseminação da
cultura estadunidense como um processo natural, inevitável, devido à posição que os
EUA tem ocupado no mundo:
Excerto 28
Respeito a cultura de todos os países. Penso que se ela espalhou-se não
pode ser tão ruim como muitos a pintam
(Questionário I)
93
Excerto 29
Acredito que é uma cultura rica e interessante, que foi (e é) difusa (sic)
devido ao status dos EUA após as duas grandes guerras. Não vejo mal
nenhum em sua disseminação, contanto que não se considere que tal
cultura é superior a qualquer outra
(Questionário I)
Excerto 30
Algo forte e inevitável, mas em excesso
(Questionário I)
Excerto 31
Penso que é uma cultura diferente da nossa, e se está sendo
disseminada, é porque as pessoas se adaptam bem a ela e essa adaptação
é conveniente para quem faz
(Questionário I)
Excerto 32
No que se refere à arte, eu gosto muito da literatura de Edgar Allan Poe,
Hawtorne, Ezra Pound, entre outros, gosto muito do cinema e dos
espetáculos também. O mundo vai se contaminando com essa cultura ,
cheia de glamour
(Questionário I)
No excerto 28, no entanto, o próprio participante relata sua percepção da opinião
negativa de outros “muitos” em relação a este tema; No excerto 30, apesar de inevitável,
o processo é visto pelo aluno como excessivo; e no excerto 32, por mais que o aluno
descreva uma situação aparentemente positiva, poderíamos questionar o uso do verbo
“contaminar” para designar o processo de disseminação da cultura estadunidense, visto
que este verbo tem uma conotação claramente negativa.
Ianni (1976), Alves (1988) e Viola e Leis (2001) sustentam uma tese contrária à
tese de um processo natural e inevitável, atribuindo tal disseminação a um certo tipo de
94
imposição intencional e planejada de cultura e valores estadunidenses ao resto do
mundo - o que também se pode perceber nas respostas de alguns alunos:
Excerto 33
Acho forçada, apesar de pacífica. É parecida com a invasão dos
Portugueses no Brasil, em 1500, mas não tem violência física. Eles
oferecem-nos um mundo de fantasias e ilusões que não condiz com a
nossa realidade (de desigualdade social e subdesenvolvimento)
(Questionário I)
Excerto 34
É uma cultura nacionalista, de exaltação do país e da população. É
amplamente disseminada, principalmente através de filmes
(Questionário I)
Excerto 35
Eu acredito que a cultura norte-americana é extremamente nacionalista
e que sua disseminação está diretamente ligada ao seu poderio
econômico: o “marketing” depende do dinheiro
(Questionário I)
No excerto 33, quando o aluno utiliza o termo “invasão”, percebe-se que não
pode se tratar de algo natural; além disso, quando afirma que “não tem violência física”,
fica pressuposto que persistem os demais tipos de violência sofridos pelos habitantes
nativos durante o processo de colonização.
No excerto 34, o aluno corrobora o que diz Ianni (1976) sobre a “indústria
cultural” estadunidense, ao falar da maneira como essa cultura é “disseminada através
de filmes”.
no excerto 35, o aluno faz a conexão entre o poder econômico dos EUA e a
disseminação da cultura estadunidense, mas, ao contrário da tese de que este seria um
95
processo natural e inevitável, conseqüência dessa riqueza, o aluno afirma ser, esta
última, a possibilitadora de um processo de “marketing”.
Ainda sobre essa imposição cultural, destaco a ilustração D11 (Figura 8, p. 89) e
sua respectiva descrição, produzidos por um aluno participante:
Excerto 36
Tive a idéia de mostrar a influência dos EUA no mundo todo! Mostrei
alguns símbolos conhecidos mundialmente como: coca-cola,
Hollywood, McDonald’s, etc. As flechas representam a forte influência
americana (Descrição do Desenho D11).
Em relação à maioria dos participantes, mesmo classificando o processo como
natural, percebem a influência da cultura estadunidense no Brasil como sendo negativa,
geralmente exagerada, e nociva, como podemos ver nos excertos abaixo:
Excerto 37
Ajuda por diminuir ainda mais a auto-estima dos brasileiros, fazendo-os
acreditar que eles são realmente superiores que nós
(Questionário I)
Excerto 38
Estrangeirismos provenientes do inglês, filmes, músicas, produtos,
língua. Os brasileiros encaram apenas como um novo modo de enxergar
o mundo, o que não afeta nossa cultura (mesmo sabendo que as coisas
não são simples assim)
(Questionário I)
Excerto 39
Acredito que seja muito grande. Muitos até deixam de ver a beleza da
cultura brasileira por achá-la pobre comparada à americana
(Questionário I)
96
Excerto 40
Eu creio que a influência é tão grande, que às vezes chego a acreditar
que merecemos o apelido de “macaquitos”. Entretanto, creio que essa
influência está diretamente relacionada a um profundo complexo de
inferioridade por parte dos brasileiros
(Questionário I)
É interessante notar, nos excertos 37, 39 e 40, as citações à baixa auto-estima
dos brasileiros. Esta questão está relacionada, a meu ver, com o processo histórico de
formação da sociedade brasileira, onde a construção da imagem do outro, estrangeiro, se
de modo a colocá-lo quase sempre em um patamar superior em relação ao habitante
nativo. Deste modo, tudo o que vem de fora é considerado melhor. E, numa espécie de
paradoxo cíclico, no qual fica impossível determinar o que é causa ou conseqüência, ou
o que contribui mais para este quadro, percebe-se, concomitantemente a essa baixa auto-
estima do brasileiro e natural valorização do que vem de fora, ideologias e condições
materiais que recriam e reforçam este imaginário a todo momento.
É justamente essa percepção, por parte destes alunos, de que a supervalorização
da cultura do outro, estadunidense, não é natural, mas produto de um processo histórico
e de imposições materiais e ideológicas, que acaba se transformando em um sentimento
negativo, ressentido, em relação àquele país.
A respeito das responsabilidades que os EUA deixam de assumir em relação a
sua posição geopolítica, outra justificativa apontada por Viola e Leis (2003) para o
antiamericanismo, também ocorrem citações nos questionários:
Excerto 41
A imagem passada pela imprensa é a de que o governo dos Estados
Unidos é arrogante e despreocupado com os problemas alheios aos de
sua nação – vide protocolo de kyoto
(Questionário I)
97
Excerto 42
Ele
52
é o maior terrorista que existiu, e sua posição em relação ao
protocolo de Kioto é inadmissível, pois seu país é o que mais emite
gases poluentes no mundo
(Questionário I)
De fato, Mead (2006, p. 132) lista uma série de acordos e tratados internacionais
os quais os EUA não assinaram:
Protocolo de Kyoto, o Tratado de Proibição dos Testes Nucleares, o
Tratado de Minas Terrrestres, o Tratado de Limitação de Armas
Estratégicas entre os Estados Unidos e a União Soviética, o Protocolo
sobre Armas Biológicas e o Tribunal Penal Internacional.
Portanto, conclui-se que nos dados coletados, no contexto estudado, indícios
do chamado sentimento de antiamericanismo, que foi representado artisticamente em
sua essência, a meu ver, na ilustração D1,
53
mas que coexiste com sentimentos
contrários de adoração por tudo que esteja ligado aos EUA, inclusive quando falamos de
um mesmo indivíduo, caracterizando um conflito de crenças a respeito daquele país.
52
George W. Bush, então Presidente dos EUA.
53
Sobre este desenho, o autor escreveu: “The draw tells about the way that American people deal with
their culture. I think they are victims of establish thoughts. That’s why their flag hits the man right in his
guts. But the draw is just “a vision of it”. Part of my vision. It’s not important, anyway.”
98
Figura 20: Desenho D1 “Uma Visão da América”
3.1.4. O perfil de Alice
54
As atitudes de Alice a respeito dos EUA e dos estadunidenses apresentadas no
questionário e no desenho sugerem que suas crenças estão mais ligadas a uma tendência
anti-americanista.
Sobre os EUA, Alice faz as seguintes afirmações:
54
Aluna participante tanto da primeira, quanto da segunda fase de pesquisa. Respectivamente: contexto
de sala de aula e contexto teletandem.
99
Excerto 43
É uma superpotência em decadência. Acredito que em poucos anos será
superado pela China
(Questionário I)
Excerto 44
Como os próprios americanos gostam de dizer, os EUA são o centro do
mundo, quase todos os países dependem dos EUA economicamente
(Questionário I)
Sobre a relação EUA – Brasil:
Excerto 23
É uma relação unilateral. O único beneficiado é os EUA
(Questionário I)
Sobre o presidente dos EUA:
Excerto 45
Acho que ele é o maior responsável por alienar a nação americana com
suas mentiras sobre a guerra. Ele é o maior terrorista que existiu, e
sua posição em relação ao protocolo de Kioto é inadmissível, pois seu
país é o que mais emite gases poluentes no mundo
(Questionário I)
A impressão que se tem ao analisar essas afirmações é que a aluna não concorda
com a situação como ela é, com o poder que tem os EUA e com a maneira como o país
administra esse poder. Por exemplo, na frase “Como os próprios americanos gostam de
dizer, os EUA são o centro do mundo”, a aluna parece estar na posição de ser obrigada a
concordar com essa verdade, mas não gostaria que assim o fosse, o que fica bem
representado em “É uma superpotência em decadência. Acredito que em poucos anos
será superado pela China”.
100
Sobre os estadunidenses ela afirma
Excerto 46
São alienados em sua grande maioria, apesar do acesso que têm a
informação e a tecnologia
(Questionário I)
Excerto 47
fúteis, consumistas
(Questionário I)
Tal perspectiva foi também representada na ilustração (D14) feita pela
participante com o tema “EUA” e com o título “American way of life”, na qual ela
desenhou um estadunidense, gordo, sentado em um sofá, consumindo vários produtos
multinacionais e assistindo à televisão, de onde saem as mensagens “we are the best!” e
“Amazon Forest is ours!”. também uma bandeira dos EUA pregada na parede da
sala. Sobre seu desenho, ela afirma:
Excerto 48
Acho que meu desenho representa um estereótipo do “american way of
life”. Um menino obeso sentado em frente a TV comendo batata frita e
acreditando em tudo que ele vê. Quando penso nos Estados Unidos
penso nisso. Posso estar errada, mas acredito que a maioria da
população seja alienada e acredite nas mentiras que o governo conta. A
censura nos EUA também é muito mais rigorosa que no Brasil, por isso
acredito que toda informação que chega à população americana foi
previamente modificada (Descrição do Desenho D14)
101
Figura 21: Desenho D14 “American way of life”
Fica clara a presença de um estereótipo não raramente encontrado quando se
trata de brasileiros expressando sua opinião sobre estadunidenses, e principalmente,
brasileiros que tem tendências anti-americanistas: a questão do consumo exagerado e da
alienação.
Outra idéia que a aparece nos dados desta aluna é aquela tendência, encontrada
na análise de todos os participantes, de fazer uma divisão entre o país e a população.
Quando fala de alienação, a aluna deixa claro que essa alienação é resultado de forças
maiores, de “mentiras que o governo conta” ou de “informação (...) previamente
modificada”. Desta maneira, esse modo de vida, e o modo de pensar dos estadunidenses
não teria sido desenvolvido por eles próprios, população, historicamente, mas
constantemente imposto por essas forças externas.
102
Esta forma de pensar, como dito anteriormente, pode ser uma forma de lidar com
um conflito de crenças sobre os EUA, que acontece quando se tem uma situação em que
determinados indivíduos conhecem razões óbvias para desenvolver um sentimento
negativo em relação aos EUA, ao mesmo tempo em que fazem parte de um contexto
condicionado culturalmente para que aconteça justamente o contrário.
Uma parcela deste conflito pode ser percebida também quando Alice fala de seu
contato com a cultura estadunidense e de sua opinião sobre esta cultura e sua
disseminação no mundo:
Excerto 49
“Trabalhei durante um ano em restaurantes da rede Mcdonald’s, escuto
música americana, leio livros americanos, consumo produtos
americanos”
(Questionário I)
Excerto 50
“As pessoas estão se esquecendo da sua própria cultura para adotar os
costumes e hábitos dos americanos. Ex. Uma escola pública de **
55
promove anualmente festas de Halloween”
(Questionário I)
Ao mesmo tempo em que Alice critica o fato de que as pessoas estão se
esquecendo da própria cultura por causa do excesso de cultura estadunidense, ela
declara também consumir cultura estadunidense, aparentemente por sua própria opção,
ou seja, sua atitude, percebida através de seu comportamento declarado, difere de suas
crenças, a respeito do consumo de cultura estadunidense.
Até este ponto, a análise conjunta dos dados permitiu-me responder à primeira e
à segunda pergunta de pesquisa, obviamente, com validade apenas para o contexto
55
** Foi ocultada uma citação ao nome da cidade por questões éticas.
103
estudado, sendo necessário que haja outras pesquisas de natureza semelhante para que
seja possível esboçar um panorama generalizado.
Primeiramente, percebo, no contexto estudado, evidências de uma associação da
língua inglesa aos Estados Unidos da América. De maneira geral, os alunos
participantes relacionam estes dois conceitos em níveis distintos, de maneiras distintas,
e essa associação parece ser justificada pela quantidade de contato que estes têm com a
variante americana desta língua e pela quantidade considerável de contato com a
associação língua inglesa + cultura estadunidense em seu cotidiano.
No tocante ao sentimento de antiamericanismo, concluo que há fortes indícios de
que os alunos participantes trazem consigo crenças neste sentido, ou seja, apresentam
estereótipos e preconceitos de conotação negativa em relação aos EUA o que não
invalida o contrário; é dizer, com esse sentimento de antiamericanismo, convive um
sentimento de admiração e adoração àquele país e sua cultura, também identificado nos
dados. Percebe-se, portanto, a existência de um conflito de crenças a respeito dos EUA,
por parte destes alunos.
Como concluído previamente, durante a discussão teórica, é obvio que o conflito
ao qual me referi acima interfere no processo de ensino-aprendizagem de língua inglesa,
porém seria muita pretensão e descompromisso de minha parte apontar uma relação
direta de causa-conseqüência nesse sentido, posto que o sucesso ou o fracasso na
aprendizagem de uma ngua depende de inúmeros outros fatores além de motivação,
que é o aspecto que estaria mais ligado às crenças em questão.
Poderia ser apontado, por exemplo, o fato de que o participante com melhor
desempenho oral em sala de aula é aquele que apresenta atitudes mais positivas em
relação aos EUA, mas sabemos que esta questão não é assim tão simples.
104
Portanto, conclui-se que o sentimento de antiamericanismo está presente, sim, e
está relacionado ao processo de ensino-aprendizagem de língua inglesa, neste contexto,
tendo em vista que a língua inglesa é associada aos EUA. Entretanto, seriam necessários
estudos mais aprofundados para determinar detalhes dessa relação, por exemplo, um
estudo retroativo sobre motivação, que levasse em conta as crenças e atitudes de um
indivíduo, a respeito dos EUA e da ngua inglesa, ao longo de seu processo de
aprendizado desta língua, fazendo uso de documentos pessoais, narrativas de vida,
depoimentos de familiares, dentre outros.
3.2. Análise dos dados da segunda fase
A análise dos dados da segunda fase deu-se de modo a comparar as respostas
apresentadas nos dois momentos distintos (Questionário Fase 1 e Questionário Fase 2) e
buscar, nas interações realizadas no contexto Teletandem, na entrevista semi-
estruturada, e nos diários produzidos durante o processo, a relação entre uma possível
re-significação de crenças da participante brasileira e o próprio processo de interação
telentandem.
Além disso, em uma exploração de caráter mais sincrônico, as sessões de
interação teletandem foram analisadas no sentido de investigar o potencial deste tipo de
interação como provedor de informação intercultural, através da identificação de
situações que vão “ao” ou “de” encontro às crenças da participante brasileira.
De maneira geral, não se percebem diferenças radicais entre as respostas
apresentadas nos dois momentos distintos, corroborando de certa forma a tese de que o
indivíduo que responde a uma mesma série de perguntas em momentos distintos, tende
105
a manter uma certa coerência entre o primeiro e o segundo grupo de respostas (REICH,
ADCOCK, 1976, P. 44), e claro, considerando que estas respostas representam, em
parte, as crenças da participante a respeito das questões tratadas, podemos atribuir esse
quadro àquela resistência que determinados tipos de crenças apresentam no tocante a
serem re-significadas (ROKEACH, 1968; PETERMAN, 1991; PAJARES, 1992).
Apresento então, em seguida, cada questão do referido questionário,
juntamente com as respostas dadas nos dois momentos explicitados, e busco, nos outros
instrumentos utilizados (diários de interações, diários de mediações e as interações
propriamente ditas) elementos relacionados a cada temática.
Questão 1. Em qual (quais) país(es) é falada a língua inglesa?
1: “É falado no mundo inteiro”
2: “Acredito que a língua inglesa seja falada em quase todos os países do mundo, embora
não seja a língua oficial da maioria desses países”
Neste primeiro item, a participante mantém o que havia dito no primeiro
momento, basicamente.
Percebe-se, no entanto, uma pequena mudança de perspectiva na estruturação da
resposta quando, ao invés de afirmar categoricamente “é”, a participante utiliza
“acredito que (...) seja”. Este tipo de mudança retórica, apesar de poder ser associado
aleatoriamente a inúmeros e inidentificáveis fatores, pode também ser indício de um
processo re-significação de crenças por parte da participante.
Destaco abaixo um trecho da primeira interação entre os participantes, no
contexto teletandem, que, a meu ver, pode ter provocado algum tipo de reflexão sobre o
assunto, por parte da interagente brasileira:
106
Excerto 51
Tom: You know, I/ over the weekend, there is this, anh/ it’s/ it’s a lot of
story, but there is this branch of the government, anh, in the United
States, it’s called the CIA, stands for central intelligence agency.
Alice: Unhun
Tom: Mostly they develop ah… ah… How would you say… they/ they
focus on the most part on the… gathering information/ like secret
information about groups and/ and governments in the world. That’s all
they’re dedicated to, to gathering a secret intelligence. Ah, but they put
up this list on the internet, it’s called the world book, where you are able
to look up every country in the world, and they’ll tell you all kinds of/
you now, statistical information about the population, geographical
information about ( )/ all kinds of stuff about these countries. And ah,
and I was reading there and they said that for the spoken languages of
the world, they said that 13 percent of the world speaks
Mandarim/Chinese, it’s a largest/ most populated language ( ) they have
13 percent!
Alice: (( risos ))
Tom: And the next one/ I was surprised, the next one is, eh, it’s
Spanish/ I don’t remember the percentage, but the next one is Spanish.
The third one is English!
Alice: Humm!..
Tom: And then from/ I think after English was Hindi, language of India,
and… and then there is another Asian language, and then it went to/ like
the more western European languages like German ( ) and… and
Portuguese was there. It was one of the smaller ones. I was ( ) because
they have exceptions like 15 percent of other languages, which is
everything else. ( )
[
Alice: (( risos )) Portuguese was everything else? (( risos ))
Tom: No, no, no. Portuguese was right before the everything else.
Portuguese was like/ 2 percent of the world speaks Portuguese, so a
very small amount speaks Portuguese.
Alice: Yes.
Tom: But, I was really surprised the first language, the most populated
language spoken in the world is Mandarim/Chinese. I was/ that was
107
really amazing, and then the two largest following languages/ Spanish/
so that was really interesting, and then, English.
(Interação 1)
Percebe-se que
Alice também se mostra surpresa ao saber que o inglês é somente
a terceira língua mais falada no mundo
56
o que pode ter contribuído para diminuir a
certeza com que ela afirma que esta língua seja “falada no mundo inteiro”.
Em outra interação, quando falam sobre viagens que gostariam de fazer,
Tom, o interagente estadunidense, declara ter vontade de viajar para algum país asiático
onde ele não conseguisse se comunicar utilizando o seu conhecimento de nguas
ocidentais. Alice concorda que seria interessante mas o alerta com a seguinte colocação:
“É, pelo menos algumas coisas acho que você ia ter que saber, né? Como... ... pedir
comida, água, senão... ia ser muito difícil (( risos )) sobreviver”
(Interação 3).
Temos,
portanto, uma situação em que Alice reconhece que o fato de saber inglês pode não ser
suficiente para estabelecer comunicação interpessoal em certos lugares do mundo.
Um outro momento relacionado à questão, mas que, ao contrário, corrobora a
crença inicial de Alice, aparece quando ela fala do ensino obrigatório de inglês no
Brasil, e sobre a possibilidade de que este seja substituído pelo espanhol. Ao afirmar
que a substituição do inglês seria uma “tentativa de deixar as pessoas mais ignorantes”
(Interação 5)
, fica clara a relação estabelecida entre a língua inglesa e o acesso ao
conhecimento, ao resto do mundo.
Nos diários, tanto de mediação, quanto de interação, não encontrei depoimentos
relacionados a este tópico, assim como não foi abordado o tema na entrevista.
56
Provavelmente Tom está se referindo ao ranking relativo a falantes nativos – o que não está claro em
sua fala.
108
Questão 2. Quais são as variantes de inglês que você conhece? (ex: português
brasileiro, português de Portugal etc.).
1: “britânico, americano, canadense, australiano, irlandês...”
2: “Inglês britânico, australiano, americano, canadense etc.”
Aqui, não percebo mudança significativa nas respostas apresentadas.
É interessante notar, no entanto, que a participante, apesar de declarar ser falante
da variante estadunidense (vide Questão 4), não a cita em primeiro lugar,
cronologicamente; e no segundo questionário, Alice cita a variante americana em
terceiro lugar.
Cabe, portanto, o seguinte questionamento: por que razão uma pessoa, quando
perguntada sobre as variantes de ngua inglesa que conhece, citaria a variante que
utiliza como modelo somente em terceiro lugar?
De maneira especulativa, poderíamos associar esta ocorrência ao fato, baseado
na análise do perfil da interagente, de que esta manifesta tendências anti-americanistas –
o que mais uma vez evidenciaria um conflito de crenças a respeito dos EUA, visto que,
de certo modo, ela “escolhe” falar essa variante, ou seja, tem uma atitude positiva em
relação a essa variante, mantendo todavia, um conjunto de crenças negativas à respeito
dos EUA.
Questão 3. Qual é a variante mais importante em sua opinião? Por quê?
1: “Acho que nenhuma variante deveria ser considerada mais importante ou menos
importante que outra, cada uma tem a sua particularidade e a sua importância. Porém, a
variante britânica com certeza é a mais privilegiada, pois as pessoas costumam considerar
essa variedade como o inglês “original”, a “língua de Shakespeare”.”
109
2: “Não considero nenhuma variante mais importante do que a outra. No entanto, a
variante britânica é considerada, por muitas pessoas, como variedade padrão da língua
inglesa.”
Nesta questão a participante mantém sua opinião de que não uma variante de
língua inglesa mais importante. Entretanto, a meu ver, o fato de enfatizar um certo
status privilegiado conferido, por terceiros, à variante britânica, sugere indícios de uma
atitude negativa em relação à variante britânica da língua inglesa.
Para chegar a este pensamento, baseio-me também em uma passagem ocorrida
nas interações, quando o interagente Tom contava a Alice sobre um cliente que
apareceu no banco em que ele trabalha. Segundo Tom, ele não conseguia entender o que
o cliente falava devido ao fato de ele ser britânico. Enquanto Tom fala de como o
sotaque do cliente era carregado, Alice muitas risadas e chega inclusive a perguntar:
“He was like the queen?"
(Interação 12).
Obviamente que as risadas de Alice neste caso poderiam também ser
interpretadas como uma reação natural ao teor cômico do episódio narrado, bem como a
comparação com o “inglês da rainha” poderia ser encarado como uma inocente anedota.
O conjunto dos dados, no entanto, parece apontar para uma atitude negativa em relação
à variante britânica, inclusive como conseqüência do que foi analisado na questão
anterior e coerentemente com o que foi levantado no perfil de Alice a respeito de uma
tendência ao pensamento maniqueísta, ou seja, de acordo com Allport (1962 apud
Pereira, 2002, p. 39) e Tajfel (1981 apud Pereira, 2002, p. 39), dado que a participante
apresenta uma atitude positiva em relação à variante estadunidense da língua inglesa,
supõe-se que ela teoricamente desenvolveria uma atitude negativa em relação à variante
que de certa forma concorre com esta última, a variante britânica.
110
Além disso, apesar de declarar que nenhuma variante do inglês deve ser
considerada melhor ou mais importante que outra, Alice parece ainda não ter essa
questão muito clara quando se trata da própria língua, como podemos ver no seguinte
trecho extraído do diário da mediadora:
Excerto 52
Alice levantou que fica preocupada com seu sotaque de interior, que
percebeu que o parceiro imita sua pronúncia de “R”, se isso é ruim?
Conversamos sobre sotaque de diferentes regiões e países e procurei
tranqüilizá-la sugerindo que isso é perfeitamente normal, que ela não
precisa se preocupar e que ela era apenas um modelo dentre outros com
que ele tem contato (o interagente possui duas professoras de português
e assiste a filmes também) (Diários da Mediadora)
Destarte, me parece que esse é um ponto sobre o qual a participante precisa
refletir, para que possa desenvolver uma visão mais lingüística da questão, posto que
tais atitudes identificadas em relação a uma ou outra variante, tanto de sua língua
materna, quanto de outras línguas, podem ter influências negativas na futura prática da
participante como professora.
As interações com o interagente estadunidense podem, a meu ver, ser
consideradas como um insumo positivo para Alice, no sentido em que pude identificar
alguns momentos em que Tom demonstra esta visão mais esclarecida a respeito de
como deve ser encarada a questão das variantes de uma língua.
Por exemplo, na passagem em que conta sobre o cliente britânico, Tom o faz
com o intuito de demonstrar sua surpresa ao não conseguir entender um outro falante de
língua inglesa, como podemos ver no trecho: “And it just/ it maybe ah, reminded me of,
you know, how… how/ how different I guess English can be”
(Interação 12)
. E ao falar
sobre um vocabulário utilizado por Alice, Tom faz a correção com um teor de sugestão,
111
deixando claro que ele entendeu o que ela havia dito, mas que, nos Estados Unidos, esse
não era o termo mais comumente utilizado:
Excerto 53
Tom: And the other one that I found was/ is/ ah the word that you said
was/ for/ you were describing that gas line? but the word that you
said was chamber? Which works. It’s fine. But I think a more
appropriate word would just be pipe. Or like, pipeline. Ah, anything
with like line would be ok, like, gas line, or fuel line, ah. Because I
think in/ for, Americans, chamber, normally is reserved for like ah… or
a room, or enclosure.
(Interação 14)
Outro momento em que Tom mostra essa visão é quando fala do sotaque de
Alice, deixando claro que é uma coisa que não atrapalha a comunicação e que ela não
precisa se preocupar:
Excerto 54
Tom: your English is really good and it’s really understandable, so I
don’t/ I don’t think that there is anything that needs to be improved.
Anh, I do noticed there is a couple of accents that are not ( ) an English
speaker I
[
Alice: (( risos ))
Tom: think would/ would say (( risos )) It’s the right word, it’s kind to
get it properly and everything, it’s just the accent ( )
(Interação 12)
Questão 4. Qual a variante que você fala? Por quê?
1: Acredito que falo a variante americana. Porque sempre tive mais contato com essa
variante do que com outras.
112
2: Acredito que falo algo próximo da variante americana. Tenho consciência de que não
falo como um falante nativo, e que meu sotaque revela a minha origem, portanto, não sei
se posso afirmar que a variante que falo seja puramente americana. Tenho mais facilidade
em compreender e falar essa variante, pois meus professores sempre utilizaram essa
variante durante as aulas. Apenas tive maior contato com outras variantes quando entrei
no curso de Letras.
Nesta questão, fica muito clara a influência das interações na compreensão que
Alice tem sobre sua produção oral na língua inglesa. Parece-me, baseado na mudança
do discurso apresentado nas respostas, que antes do episódio relatado na Questão 3,
quando Tom fala do sotaque de Alice, ela não estava, ainda, tão consciente de tal
particularidade em relação a sua fala.
Questão 5: Que tipo de contato você tem com a língua inglesa?
1: Sempre assisto a filmes em inglês, escuto músicas, assisto programas de TV. Tenho
aulas de inglês quatro vezes por semana na faculdade e também trabalho em uma escola
de inglês.
2: Atualmente tenho contato diário com a língua, pois além de estudá-la na universidade,
estou trabalhando em uma escola de inglês e também tento assistir a programas de TV e
escutar músicas em inglês sempre que posso.
Nesta questão, não vejo como as respostas poderiam ser influenciadas pelo
processo de interações Teletandem. Exceto, claro, pela inclusão ou não de tal atividade
no escopo de situações de contato com a língua inglesa.
Como podemos ver acima, Alice não incluiu a participação no projeto
Teletandem como situação de contato com a língua. Ou talvez ela tenha considerado o
113
projeto como parte das atividades acadêmicas. De qualquer forma considero esta uma
questão irrelevante neste contexto.
Questão 6: Qual a sua opinião sobre os Estados Unidos da América?
1: É uma superpotência em decadência. Acredito que em poucos anos será superado pela
China.
2: Atualmente é um dos países mais odiados do mundo. Acredito que a imagem atual que
os EUA têm hoje se deve em grande parte à administração do presidente George W.
Bush, que desestabilizou a moeda americana e praticamente assassinou milhares de jovens
americanos quando os mandou para uma guerra infundada, como a do Iraque.
Nestas respostas, percebe-se uma coerência no sentido de que ambas apresentam
algumas das características apontadas por Viola e Leis (2001, p. 13) como possíveis
fontes do sentimento de antiamericanismo (o fato de os EUA serem uma superpotência
e a maneira como o país tem conduzido sua política externa), de modo que a segunda
resposta também corrobora o diagnóstico feito na primeira fase desta pesquisa, no qual
identifiquei tendências ao sentimento de antiamericanismo por parte da aluna
participante.
Além disso, este discurso de que a China virá a superar os EUA
economicamente parece estar circulando ultimamente entre os que manifestam
tendências anti-EUA. Uma previsão inconsistente, pelo menos no momento, segundo
Dupas (2005, p. 24), visto que, mesmo que a China consiga manter um crescimento
excepcional de 8% anual, em vinte anos atingiria um PIB acumulado de 5,4 trilhões de
dólares, ao passo que, aos EUA, bastaria manter um crescimento anual de 2% para
atingir 15,2 trilhões de dólares, ou seja, ainda três vezes maior do que o chinês.
114
A segunda resposta nos remete especificamente a uma das tendências
identificadas no grupo estudado e nas crenças da participante Alice: a de deixar claro
que existe uma diferença marcante entre a opinião que eles têm sobre o governo dos
EUA, e mais especificamente sobre o atual presidente, e a opinião que têm sobre a
população (o que estaria possivelmente ligado a um conflito de crenças).
Na resposta ao primeiro questionário, Alice havia citado George Bush como
“o maior responsável por alienar a nação americana” (Questionário I), deixando clara
essa tendência a dirigir toda a culpa a um único personagem.
Somando-se a isso, identifiquei também, em uma das interações teletandem, uma
passagem que pode ter servido para reforçar essa crença da participante, visto que o
interagente estadunidense afirma serem distintas as opiniões do povo estadunidense, ou
pelo menos de uma parcela dele, as “ciudades metropolitanas”, e a do presidente em
questão:
Excerto 55
Alice: As pessoas elas são preocupadas com a questão ambi/
ambiental? Porque parece que o presidente ele não se preocupa muito
com isso ne? Mas e as pessoas nos Estados Unidos, elas se preocupam?
Tom: Ah... eu penso que ah, nos ciudades metropolitanas, ah, hay
bastante pessoas que são interessadas no ah... no conservar nossa/ nossa
planeta. Ah, me, ah... no ah... nossa presidente, realmente ele casi no
está interessado nisso.
Alice: Unhun.
Tom: Ah, normalmente ele/ ele só está interessado em nossa e/ ah,
economia e ah... e nossa, e essa ( ) de economia.
Entramos em e/ e/ nos
anos/ em el ano que vem/ que ve/ que viene, vamos entrar em uma
“recession”, nossa e/ ah/ economia eu penso que va a ser um poco mas
difícil encontrar trabajo/ trabalho, ah... la maioria de gente não vai tem
ah... não vai tem ah... dinheiro ah... dinheiro extra.
Alice: Unhun.
115
Tom: Em el/ em el ano que viene, dois mil e oito
(Interação 1)
Suponho que Alice tenha feito este questionamento justamente com a intenção
de resolver essa dúvida, esse conflito, e a meu ver, a segunda resposta dada por Alice,
após as interações teletandem, pode ter sido diretamente influenciada por tal passagem.
Além da questão discutida, a citação ao fato que o presidente Bush teria
desestabilizado a moeda americana também pode ser a reprodução do discurso de Tom
na mesma passagem, quando ele comenta da então iminente crise econômica.
Ainda sobre este assunto, Alice pergunta a Tom, em outra interação, se ele havia
assistido a um documentário do cineasta Michael Moore, conhecido por suas críticas ao
governo Bush. Tom responde que sim e que gostou bem, que concorda com muita coisa,
mas que é preciso assisti-lo com uma visão crítica também:
Excerto 56
Tom: I think that/ that a lot of things he said I think were true, ah, but
ah/ I think that he/ but if you watch you can/ you can see where he’s/ he
has a very specific agenda. Like he wants to say/ he wants to prove one
thing after another, after another, and in the end just jump to a
conclusion that makes people think or feel in a certain way. And I think
that there’s more specific questions that can be asked, that aren’t so
general, that would maybe detract from his agenda
(Interação 14)
Alice então pergunta a Tom se este documentário havia sido proibido nos EUA,
pois essa era a informação que ela tinha:
Excerto 57
Alice: I’ve heard this movie was… banned from USA. Is it true?
116
Tom: (( risos )) No! It’s not true… no… (( risos ))
[
Alice: Oh… yeah
Alice: because some people told me “oh he was reelected because this
movie was banned and so on and American people didn’t know, all/ all
of
[
Tom: no…
Alice: this stuff, and ah/ yes I think it was not (( risos ))
[
Tom: no, really not ah/ (( risos ))
Tom: Yeah, no, I don’t think that they’ve banned very much in the
United States/ I think it wasn’t banned, but ah/ it was actually really
popular when it came out it was very, very popular, that director
received ah… an Oscar award if I’m not mistaken for best documentary
at that time, so ah/ so it was really popular.
Alice: Unhun
(Interação 14)
Temos aqui o que parece ser mais uma tentativa de Alice de confirmar sua
crença de que o presidente e o governo dos EUA são responsáveis pela “alienação” dos
cidadãos estadunidenses tentativa que não é bem-sucedida, no sentido em que Tom
esclarece o assunto e Alice, aparentemente, concorda com sua opinião.
Neste mesmo encontro, Alice comenta sobre uma matéria que havia visto em
uma revista em cuja capa estava a foto do presidente George W. Bush e a manchete
turning green”. Alice pergunta a Tom se o presidente dos EUA estaria mudando sua
postura a respeito das questões ambientais, porque para ela aquilo não fazia muito
sentido. Como podemos ver, no excerto abaixo, desta vez, a resposta de Tom é
consonante com a crença de Alice, posto que ele afirma ser esta uma estratégia de
marketing pessoal do presidente, e não uma real preocupação com o meio ambiente.
117
Excerto 58
Alice: I... I didn’t read actually but I saw on… Newsweek’s cover, the
magazine, ah… a picture of President Bush and it was written “turning
green”… something like this. (( risos ))
[
Tom: (( risos ))
Alice: I didn’t understand very well because I/ I didn’t read the article,
but, eh… is he/ eh … I don’t know, eh… changing his mind about, eh…
preserving the planet, and trying to… to create some rules to do this
or… or not?
Tom: Well, as I’ve recently/ I think last week he/ anh / they decided that
they were/ that they they decided that they would going to try to
protect eh/ underwater reef system. I believe that the one that they’re
trying to protect is in Florida. But there is a very large area. Ah, and
what they are thinking of doing is create a national ah… preserve. We
have others (( interrupção )) areas ( ) areas, desert areas. We have/ we
have previous national preserves, but this one is going to be the largest
one. But it’s only at the first step in the process of sanctioning that
lands, so they can be used/ they can be bought, ah/ ah/ so we’ve a long
way off from getting here, but ah, but it it seems that it’s a step in the
right direction/ but, I don’t necessarily think that it´s/ I mean, he’s going
out of office now, ah, it’s January, 21 is the day he leaves office so we
have six more months left in the office, and I think at this point he’s just
trying to create a legacy for himself to be remembered by. Ah. As
another example… in January, ah, Bush’s foreign policy towards ah,
towards middle east ah/ conflicts ah/ specifically Israel and Lebanon, he
changed his tense and he said that he was going to/ that there was going
to be a peace process/ It would be fine
[ [
Alice: Unhun Unhun
Tom: before he leave/ before he left office/ before he was to leave
office. So, after being in office for 8 yea/ you know, 8 and a half years,
final last year he decides that he wants to improve, you know, foreign
relations with
[
Alice: Unhun
118
Tom: Israel and Lebanon and, it’s/ it’s too late. There’s no way that
these things can be changed, and I think that’s another example of his
attempts, to create some legacy for himself, to
[
Alice: unhun
Tom: say that he, you know, was able to do this, to do that, so. I mean
it’s you, it’s
[
Alice: unhun
Tom: like you’re saying, it’s great that/ that, they’re thinking of creating
this, you know, wild life reservation, it/ it’s wonderful, but at the same
time I think that it’s
[
Alice: Unhun
Tom: motivated by his desire to be remembered for something that he
did, so…
Alice: Yeah, I’m sure he is not concerned about global warming and ((
risos ))
[
Tom: (( risos ))
Alice: nothing like this, and I know he has some huge investments
on…
[
Tom: yes
Alice: petrol? Yeah? And…
[
Tom: unhun yeah… I mean, I think he’s/ like you said/ I think
it’s an opportunity, he just wants to be remembered this way
(Interação 14)
Assim, ao falar sobre as verdadeiras intenções de Bush, Tom confirma a suspeita
inicial de Alice, que está ligada às suas crenças a respeito deste e dos EUA, e de certa
forma contribui para a manutenção das atitudes negativas que ela apresenta.
119
Na mesma linha de raciocínio, cito um outro trecho desta conversa no qual Alice
pergunta se é verdade que, por exemplo, a sua conversa poderia estar sendo monitorada
pelo FBI. Tom diz que é possível tecnologicamente, que o FBI pode monitorar pessoas
através de telefones e computador, quando julgar necessário; Tom diz também que
existem muitas pessoas lutando contra esta política. Alice então diz que isso é uma
característica de ditaduras, e que por isso não acredita que seja tão "livre" assim, viver
nos EUA – reforçando mais uma vez a sua crença de um estado de manipulação ao qual
estaria submetida a população estadunidense:
Excerto 59
Alice: One point that called my attention was that, is it true that FBI and
the government can for example, listen to our conversation now, that
they can have access to your computer files and all this kind of things?
Tom: Well, I mean that’s a/ that’s a contemptuous point. I think that it’s
possible for them to ah/ to know ( ) I think that yes it’s possible. And I
think that/ and it is true that some, you know, points, they have been
able to take the conversations of/ of people that they feel are… you
know, ah… engaged in activities they don’t like/ they have been able to
record those ( )/ those conversations, so yeah, that’s true that happens,
but ah… but we’re still/ there is a lot o f people in the United States that
are fighting against that, against this policy of ah…
Alice: Yes, it’s so intrusive, I think! I…
Tom: yeah, I mean/ ( )
[
Alice: It´s like a… a dicta/ torship. Kind of. …
Tom: Unhun
Alice: I don’t know if is it the correct pronounciation… dicta
[
Tom: yeah, a
dictatorship.
Alice: Isso! Yep. Dictatorship.
Tom: yeah.
120
Alice: And I think it’s just like, it’s very similar to this kind of
government. So I, I.
[
Tom: right and…
Alice: I don’t know if it’s so free to live in the US. Maybe there are
[
Tom: ( ) you’re absolutely
right (( risos ))
Alice: listening ((risos)) Let’s change the subject (( risos ))
(Interação 14)
Ainda sobre o presidente dos EUA, Tom conta que o presidente Bush sugeriu a
extração de petróleo no Alaska, uma área de reserva ambiental, para amenizar a crise
atual, e fala sobre o estilo de Bush de sempre apresentar soluções estúpidas e
inexeqüíveis. Alice parece se divertir bastante com esse depoimento (vide risos/ risadas
da participante no excerto seguinte) que, de certa forma, também opera como um
reforço para suas crenças a respeito do presidente estadunidense:
Excerto 60
Tom: and the problem with the Alaska reserve is that it’s protected as a
wild life, you know, sanctuary, so you’re not able to ( ) for oil/ draw for
oil because the ( ). Well what George Bush wants to do at this point is
that/ he says we can alleviate some of our reliance on foreign oil by
opening the/ the
[
Alice: (( risos ))
Tom: Alaska reserve and taking there.
Alice: (( risos ))
Tom: some of the oil that we have. And he says it would make/ it would
make gas much cheaper for us, it will, you know, stop us from
depending on foreign countries… all these things. But, ah, now, you
know the problem is coming up that they will/will/will/ what/ he’ll say/
what he’ll do is that/ he’ll say is, you know, I suggest that you do this,
121
I suggest that you do that, I suggest we take this oil”. But, you know,
his legislators, people in/ you know, in government/ his legislators will
not allow it to happen, so because of that, because his legislators are
preventing him, all Americans must pay, you know, this, you know,
large or higher costs of fuel, but that’s, I mean, that’s very much the
style that he has, he’ll give some stupid
[
[
Alice: Unhun (( risos ))
Tom: or even ( ) you know, solutions (( risos )) to the problem, and
then/ and then when it doesn’t work, he’ll just say “let go, you know, “I
tried, I did what I could
[
Alice: Ah! (( risos ))
Tom: but( ) don’t let my ideas happen”, I mean it’s just silly/ it’s so
stupid.
[ [
Alice: yeah he’s a funny guy ((
risadas ))
(Interação 14)
Podemos perceber que Alice se sente muito à vontade quando Tom apresenta
atitudes negativas em relação ao presidente Bush. Vejo isto como a obtenção de um
respaldo necessário para Alice, no sentido em que ela apresenta atitudes negativas em
relação ao presidente, e que, de certa forma, a transferência da culpa “de todos os
males” para uma única figura resolve o conflito de crenças a respeito dos EUA,
identificado anteriormente.
A respeito desse processo de alienação ao qual os estadunidenses estariam
submetidos, Alice comenta na entrevista semi-estruturada, quando fala da questão da
Amazônia: Num sei, pelo que eu... que eu conversei com algumas pessoas... ne, que/
122
que moram nos Estados Unidos, tem algumas pessoas que realmente pensam isso
57
(Entrevista Semi-Estruturada) e da conjuntura pós-onze de setembro:
Excerto 61
A: acho que às vezes o governo tenta... principalmente depois do... dos
atentados que ocorreram em onze de setembro,
P: Unhun
A: criar essa... essa alienação mesmo nas pessoas, esse estado de terror,
e elas... pensarem que tão sempre sob ameaça, que os Estados Unidos é
o centro do mundo, que tudo de ruim vai acontecer ali... Então, acho
que nem/ assim, por culpa das pessoas talvez, mas ... eu acho que... que
acontece isso lá (Entrevista Semi-Estruturada)
Como podemos ver nestes excertos, mais uma vez percebemos a crença de que o
modo de pensar dos estadunidenses reflete um estado de constante manipulação
ideológica por parte do governo, ou seja, se eles são alheios ao que acontece no resto do
mundo, é porque existe uma força maior que impede que “as coisas estão (estejam) mais
claras (...) pra população” (Questionário I). Parece ser então, direcionado a essa “força
maior”, grande parte do sentimento negativo que a participante apresenta em relação aos
EUA.
Questão 7: O que você pensa dos norte-americanos?
1: São alienados em sua grande maioria, apesar do acesso que têm a informação e a
tecnologia.
2: Acredito que a maioria da população americana não tenha conhecimento do que
acontece além das fronteiras de seu território, pois nas escolas é (sic) transmitido aos
alunos conhecimentos que se referem exclusivamente aos EUA. Além disso, muitos
57
Alice refere-se ao discurso de considerar a Amazônia um patrimônio internacional.
123
americanos não têm interesse em outras culturas e por isso, apesar de terem acesso a todo
tipo de informação, não sabem o que acontece em outros países, salvo raras exceções.
Essas respostas são, em certo grau, contraditórias, pois, ao mesmo tempo em que
mantém a coerência com a crença identificada na questão anterior, que define a
“alienação” dos estadunidenses como sendo, não uma característica inerente à cultura
dos EUA, mas o resultado de um processo de imposição ideológica, Alice afirma que os
estadunidenses não têm interesse em outras culturas, apesar de terem acesso a muita
informação. Ora, se os estadunidenses têm acesso a tanta informação, então deveriam
saber mais sobre outras culturas. Essa contradição se explica mais uma vez pelo conflito
de crenças e atitudes em relação aos EUA, característica anteriormente identificada na
análise do perfil de Alice.
Ou poderíamos, por outro lado, interpretar que a falta de interesse em outras
culturas é entendida por Alice como um dos resultados dessa estratégia de manipulação,
sugerida nas crenças da participante, o que excluiria o caráter contraditório das
respostas. Ou seja, mesmo tendo acesso a muita informação, o estadunidense não estaria
interessado em ter contato com informações sobre outras culturas.
Quanto à afirmação “pois nas escolas é (sic) transmitido aos alunos
conhecimentos que se referem exclusivamente aos EUA” (Questionário II), o
interagente Tom, menciona ter contato com informações sobre outras culturas em suas
aulas (Excerto 71), não só no curso de doutorado, como podemos ver no trecho a seguir:
Ah, as in example I read/ I had a history class years ago/ five years ago,
and we talked about the/ the process of, you know, tapping those rubber
tress to crea/ make tires, and the United States and how an American
company goes to Brazil and how they really exploit all these forests so
that they/ they can make money (…) (Excerto 86)
124
Como Alice respondeu o questionário 2 depois das interações, percebo que ela
não considerou/ assimilou essas informações, e, entendo que ela tenha considerado
esses fatos como uma exceção.
Relacionado a essa questão, destaco um trecho da segunda resposta, no qual
Alice afirma: “não sabem o que acontece em outros países, salvo raras exceções”
(Questionário II). De acordo com Pereira (2002) e Crochík (2006), quando um
indivíduo preconceituoso encontra um indivíduo pertencente ao grupo alvo deste
preconceito, o qual apresenta características contrárias àquelas do grupo estereotipado,
este fato não mudará radicalmente seus estereótipos / preconceitos, visto que ele tende a
classificá-lo simplesmente como uma exceção, uma amostra não significante no que
tange à totalidade do grupo.
De fato, o interagente estadunidense apresenta, em grande parte, comportamento
contrário às expectativas de Alice, quando comparado ao estereótipo de estadunidense
delineado pela participante durante a pesquisa.
Em relação ao que Alice disse sobre os estadunidenses não se interessarem pelo
que acontece fora de seu país, por exemplo, destaco nas interações alguns trechos nos
quais o interagente estadunidense se mostra interessado e/ ou conhecedor de aspectos
culturais brasileiros ou estrangeiros em geral:
Excerto 62
Alice: O seu apartamento é dentro da universidade?
Tom: Não. Meu apartamento é ah... eh... ah/ eh... se/ ah, seis
quilômetros da universidade.
...
Tom: Ah.. custa oito dólares, ce mais ou menos, ah... vinte e quatro
reais.
Alice: Unhum (Interação 1)
125
Excerto 63
Tom: (...) eu ah/ eu ah/ assisti/ assisti um filme no português ( ) esse
filme era um filme docume/ documentário, se chama ah/ ah... es um
filme de poeta português, se chama amor natural ah...
Alice: Amor natal?
Tom: no, natural. (( risos ))
(Interação 5)
Excerto 64
Tom: (...) Me eu lê/lê/ lei que no Brasil ah, o sistema de ah/ de
vagâncias ( ) também está sobre os ah/ educação pramários/ no escola
primárias e secundárias. Esso/ ah, es, ah, ver/ verdadeiro ou/ o/ esso ( )
em Califórnia nos Estados Unidos. Em Califórnia, ah, só as quadras de
vagâncias é sobre a educação ah/ ah, alta, ah...
Alice: Unhun. As/ ensino superior?
Tom: Ah si, si, educação superior. Me eu lei que no Brasil esso no é/
é / é sobre/ também é sobre educação ah/ ah pri/ pri[/ primária. AH.
Esto é diferente aqui nos Estados Unidos. O que você acha sobre esse
diferença?
(Interação 9)
Excerto 65
Alice: (...) esse museu que eu vou visitar terça-feira, ele... ele foi
roubado no/ no começo do ano, o MASP, e... você sabe? Então levaram
u/ um quadro do Cândido Portinari e um do
[ [
Tom: Sí, si, eu sei. Si, si,
Alice: Picasso. Só que a polícia conseguiu achar. Mas foi uma falha da
segurança mesmo,
[
Tom: Unhun. Si, ( )
Alice: não tinha... como fala, alarme. Não tinha nada.
Tom: e...
Alice: eles trocaram, ne, a guarda, e nesse/ nessa meia hora que eles
trocaram, conseguiram roubar e saíram com dois quadros. E filmaram
tudo assim.
126
Tom: Wow. Unhun. Wow, wow. Quando eu lei sobre isso, ah/ ah, um
de os quadros foi ( ) em inglês se chamava “brazilian slave”
Alice: Isso.
Tom: ah, não sei...
[
Alice: é o , em portugs eu acho que é o lavrador de café.
Tom: Ah! Si, si, si.
Alice: Unhun.
Tom: Si, esse é. Ah, me, ah, lo interessante de esse evento é que ah/ ah/
o que foi descubri/ descoberto que o museo não tuv/não tuvo ah, não
tinha segurança de sua arte.
[
Alice: não tinha
(Interação 11)
Excerto 66
Tom: E/e/ eu lei sobre uma ilha, ah, no/ perto do Brasil, ah, que es uma
ilha muito ah, popular para hacer/ para fazer, ah, ecoturismo, ah, que se
chama Fernando de... Noronha?
[ [
Alice: humm Noronha? Unhun
Tom: anham. Estava lendo/ eu lei sobre o beleza de o ilha e de o/ de os
tipos de taxas que os pessoas tem que pagar para ah... para morar ah/
ficar um tempo em/ no... no ilha. Ah, e ah, eu, ah, quero saber ah, poco
mais de sua opinião de/ desse lugar e se você sabe outros lugares
aparecidos e não tão...
Alice: caros? (( risos ))
Tom: caros (( risos ))
(Interação 13)
Excerto 67
Tom: (…) ontem eu ah… eu fui a uma palestra, ah... com uma ministra/
ministério de/ brasileira ah ( )
[
Alice: Ministra?
Tom: Minis/ ministra
Alice: unhun
127
Tom: Ministra de, ah... de igualdade racial
Alice: Aaaah...
Tom: Acho que é uma nova minis/ ministra em Brasil. Ela nos di/ e/ ela
dio que ah, no programa de afirmações no Brasil é algo/ nos es algo
novo, me a ver, algo que, ( ), que, ah... hasta, ah... faz cinco añ/ anos
que cambiam ah ( ) tem algo legal, institucion/ institucionais ah... ah,
para esse tipo de, de ah... ah/ há vantagens para mulheres, pessoas
[
Alice: Unhun
Tom: indígenas, e pessoas ah/ afro-brasileiras.
Alice: Você lembra o nome dela? Ou não?
Tom: Si, ela se chama Matilde Ribeiro
(Interação 9)
Nos excertos acima, percebemos que Tom, ao contrário do que Alice acredita ser
a atitude normal de um estadunidense, tem o costume de ler notícias sobre o Brasil,
além de se interessar por aspectos da cultura brasileira, como filmes, política, cidades
turísticas etc. Tom sabe, inclusive, a cotação da moeda brasileira, como vemos no
excerto 60, quando ele fala de seus gastos com transporte.
Além de se interessar pelo Brasil, Tom demonstra uma postura ainda mais
destoante do estereótipo de estadunidense quando se mostra interessado, também, em
vários acontecimentos políticos que estavam se passando naquele momento.
Acontecimentos estes, sobre os quais Alice nem sempre estava ciente, como as eleições
no Zimbábue e a criação do Banco do Sul, por exemplo fato que serve para destacar
ainda mais essa característica do interagente estadunidense:
Excerto 68
Tom: Another thing I read about ah… about Latin America politics was
the creation of the/ the inception of “banco del sur”. Did you read about
this?
Alice: No! (( risos ))
128
Tom: No? (( risos )) they are/ they are ( )/ It’s supposed to replace the
international monetary fund and the world bank
(Interação 1)
Excerto 69
Tom: Did you hear about Venezuela and their ( )?
Alice: Oh yes! (( risos )) What do you think about that president?
Tom: He’s crazy! Another one, he’s just crazy!
Alice: I… I saw him saying bad things about and I laughed a lot... ((
risos )) and Lula did nothing! He did nothing. And… Lula tries to be
friend with him, I notice this. But he/ this president is so crazy he…
he… he fights with everyone he, he had a fight with the… the king of
Spain. … Did you see that?
Tom: I did and I heard also that there was this big backlash about what
he said/ they had it on cell phone rings…
Alice: oh! (( risos ))
Tom: what he / what did he say… he said ah… in English it’s translated
into “why don’t you shut up?”
(Interação 1)
Excerto 70
Tom: (...) e você sabe sobre lo que está passando no/ no ah... ah/ no... ah
no país de ah... acho que es Zimbábue?
Alice: unh
Tom: Están fazendo ah... outro eleição, ah... eh, neste país africano e ah/
ah/ si, zimbábue/ e están como alguém ( ) o presidente ah/ah... Mugabe
está ah... cam/ quase cambiando o... o votos pra que ele pode quedarse
no/ no/ como se diz “ in power”?
Alice: No poder.
Tom: ah! Pra que ele se pode quedar no poder. Ah, isto é, ah... é muito
interessante porque está passando ah... a nível de/ de país nacional
Alice: Unhun
Tom: E acho que normalmente quando esto passa, ah, essso no está tan
público como em el caso de Zimbábue.
Alice: Unhun. Ele fraudou a eleição, é isso?
(Interação 10)
129
Excerto 71
Tom: (...) e minha seguinte aula é uma aula de sociologia de latin/ de
América Latina, ah, e neste/ ah, nesse aula estou lendo cada semana
uma livro sobre o/ a sociedades ah... o/ ah... de... ah... Améri/ ah...
América Latina. Me, ah, no primeiros se/seis aulas foi sobre somente
[
Alice: Unhun
Tom: Brasil e nos ah... relações raciales no / no Brasil, no primeiro livro
foi sobre, ah/ah... no história de os afro-brasileiros, ah, segunda ah livro
foi sobre o/ fo/foi mais geral sobre o, ah, continente sudamericano,
foi/foi sobre o ah... sistema de... o história de “eugenics” ?
(Interação 11)
Ainda nesse sentido, ao ser perguntado sobre os tipos de filmes que mais gosta,
Tom revela que geralmente assiste a filmes estrangeiros, mostrando-se mais uma vez
interessado em algo que vem de fora dos EUA e contrariando a crença de Alice a
respeito dos estadunidenses:
Excerto 72
Alice: (...) So, ah...what kind of movies do you like to see?
Tom: Ah… I usually like to watch, ah … I like to watch foreign movies,
a lot, it doesn’t really matter ( ) from which countries
Alice: unhun
Tom: Ah, most of the time to watch/ yeah, movies that are foreign.
Ah… particularly European foreign movies but also from different
areas of the world. Ah, usually ( )
(Interação 16)
A própria Alice aponta, nos diários das interações, alguns trechos que ilustram
essa percepção:
130
Excerto 73
Mas, comamos a conversar sobre as notícias da semana. Ele leu em
um jornal no EUA sobre o caso da adolescente paraense que foi presa
em uma cela com mais de 20 homens. Ele ficou perplexo com a notícia
e quis saber se essas coisas eram freqüentes no Brasil
(Diário de Interação 1)
Excerto 74
Depois começamos a falar sobre filmes nacionais. Ele disse que tinha
gostado muito de assistir A Casa de Areia, com a Fernanda
Montenegro. Ele elogiou muito a atuação da atriz brasileira. Como eu
não tinha assistido a esse filme perguntei a ele sobre a história do filme.
Ele me contou e disse que já tinha assistido a outros filmes nacionais,
tais como, Central do Brasil e Cidade de Deus. Disse que gostou muito
dos filmes, mas percebeu que os filmes brasileiros apresentavam muitas
cenas de sexo
(Diário de Interação 1)
Excerto 75
Depois falamos sobre a política no Brasil e ele comparou com o que
acontece no México. Ele também falou que ocorre corrupção nos EUA
mas é um pouco diferente, os políticos utilizam o dinheiro para
continuarem no poder
(Diário de Interação 4)
Excerto 76
Ele me contou sobre um filme-documentário que assistiu em português
chamado "Amor Natural". Disse que nesse filme uma pessoa lê um
poema de Drummond. Disse a ele que conhecia Drummond, apesar de
não ser de poesia, e recomendei "Farewell", li esse livro após assistir
um seminário sobre ele no primeiro ano da graduação e gostei muito
(Diário de Interação 7)
Excerto 77
Depois voltamos a conversar sobre uma palestra que ele assistiu com a
ministra Matilde Ribeiro, a mesma que está envolvida no escândalo dos
cartões corporativos do governo, na * universidade de Tom. Durante a
131
interação me lembrei desse acontecimento, mas fiquei em dúvida se era
a mesma pessoa. Depois da interação ele me mandou um e-mail com
um link de uma notícia que falava sobre ela e sobre seu envolvimento
com os cartões corporativos e então tive certeza de que se tratava da
mesma pessoa.
Falamos sobre diferenças raciais, sobre o sistema de cotas e sobre as
diferenças dos E.U.A. e do Brasil em relação a esses assuntos
(Diário de Interação 10).
Excerto 78
Contei a ele que fui para a casa da minha avó materna em o Paulo.
Dessa vez não pude ir a muitos lugares, mas fui a um lugar muito
diferente e que eu ainda não conhecia, o Tatuapé Garden.
É uma espécie de floricultura gigante que parece muito com um jardim
botânico. Ele pareceu muito interessado enquanto eu fazia a descrição
do lugar
(Diário de Interação 6).
Excerto 79
Ele perguntou a idade mínima para aprender inglês no Brasil e eu disse
que nas escolas o inglês é matéria obrigatória e começa na quinta série
quando a criança tem 11 anos e nas escolas particulares de idiomas as
aulas começam a partir dos cinco anos
(Diário de Interação 7).
Excerto 80
Meu interagente me perguntou sobre Fernando de Noronha, pois tinha
ouvido falar sobre a ilha e quis saber mais informações
(Diário de Interação 12).
Excerto 81
Como na interação passada pedi ao meu interagente que decidisse sobre
qual assunto falaríamos na interação de hoje, ele me enviou um e-mail
dizendo que gostaria de falar sobre o aquecimento global e sobre as
novas tecnologias que estavam relacionadas a esse assunto. A
mensagem enviada por ele também apresentava alguns links de páginas
da BBC em português relacionadas ao assunto (Diário de Interação 13).
132
Temos, portanto, momentos em que a própria Alice percebe o interesse e o
conhecimento de Tom a respeito do Brasil, e, embora ela não faça nenhum comentário
sobre essas percepções, podemos inferir que estes fatos provavelmente surpreendam a
interagente brasileira, pois vão de encontro às suas crenças. No excerto 78, por
exemplo, quando Alice faz a descrição de um tipo de horto que visitou, ela comenta
sobre Tom: “Ele pareceu muito interessado enquanto eu fazia a descrição do lugar”
comentário este que seria desnecessário, a meu ver, se não existisse um pensamento no
sentido contrário, ou seja, a crença de que ele não se interessaria, ou de que, por algum
motivo, ele não se interessaria por questões ambientais.
Também na entrevista, Alice é solicitada a falar sobre o tema, e como podemos
ver, é coerente no sentido de classificar seu interagente como uma exceção:
Excerto 82
P: Ah, não é verdade? Eh... em relação ao seu interagente, você tinha
alguma ex/ eh/ interagente no teletandem, você tinha alguma
expectativa inicial de como ele seria? Qual que era essa expectativa?
[ [
A: Unhun humm
A: é, quando a gente pensa/ pelo menos eu, ne, em... americano, eu
tinha essa idéia, esse estereótipo na minha cabeça. E eu esperava que
fosse assim. Mas me
[
P: Unhun
A: surpreendeu... porque não...
[
P: Ah, então não coincidiu?
A: Não. ... Bem diferente.
P: Unhun. Em que sentido que ele era/ que esse interagente difere desse
estereótipo que você tinha?
133
A: Ah, eh... nessa questão que eu falei assim, eh, de alienação, tudo
isso, ele num/ ele parece ter muita informação, muito conhecimento,
não só sobre a cultura dele mas como, a de outros países
P: unhun
A: Ele é uma pessoa bem aberta, ne, a novos conhecimentos. Não sei se
pelo fato dele ser também descendente de mexicanos, isso ajude...
P: unhun
A: Ne... Isso que eu/ que eu notei assim que ele é muito aberto, a novos
conhecimentos, e... quebrou todas as expectativas assim, que eu tava
esperando uma pessoa fechada, que falasse da cultura dela, que num/
num me desse oportunidade também...
P: Então ele não é um pico americano na sua opinião? (( risos)) ... ok.
Eh... deixa
[
A: Não! (( risos))
P: eu ver aqui ( ) (...) E, o fato de você ter/ eh... interagido com esse
americano no/ no teletandem, eh... altera algum aspecto da forma/ desse
estereótipo que você tem?
A: Bom, eh que/ é complicado. É porque, um estereótipo, é uma idéia
assim geral que você tem/ de tudo. Mas conhecendo ele, eh... me fez
perceber que... eh, meu estereóti/ meu estereótipo pode ta até errado,
num sei. Mas tem pessoas que, que diferem bastante disso nos Estados
Unidos ne, e ele é um exemplo disso.
P: E você conheceu pessoas que/ eh/ americanos/ já/ teve
contato/ que/ que estão dentro desse inte/ desse estereótipo?
A: Não totalmente assim, mas...
P: Unhun
A: Bem parecido (( risos ))
(Entrevista Semi-Estruturada)
Portanto, ao se deparar com um indivíduo que apresenta características muito
distintas em relação ao exogrupo estereotipado, a interagente Alice o considera como
uma exceção, e de certo modo procura uma justificativa (o fato de ele ser descendente
de mexicanos) para explicar tal discrepância.
134
O choque produzido por tal encontro parece então ser amenizado por essa
estratégia que, como sabemos, é característica do indivíduo que apresenta tendências ao
preconceito.
Questão 8: Voacha que os seus colegas de classe compartilham de sua opinião a
respeito dos EUA e dos norte-americanos?
1: Acho que sim.
2: Acho que sim.
Alice parece fazer parte de um círculo de amigos/ contatos que discutem temas
relacionados aos EUA, ou ter acesso a outro tipo de fonte de informações sobre o tema,
pois essas “vozes” aparecem algumas vezes em sua fala, geralmente como provedores
de informação:
Excerto 83
Alice: I’ve heard this movie was… banned from USA. Is it true?
Tom: (( risos )) No! It’s not true… no… (( risos ))
[
Alice: Oh… yeah
Alice: because some people told me “oh he was reelected because this
movie was banned and so on and American people didn’t
[
Tom:
no…
Alice: know, all/ all of this stuff, and ah/ yes I think it was not
[
Tom: no, really not ah/ (( risos ))
Alice: (( risos ))
(Interação 14)
135
Excerto 84
Alice: (…) I don’t know how they teach at school but, I heard
something about, ah… you have in your school books, ah… Amazon
Forest as a… a international territory. Is it true?
(Interação 1)
Excerto 85
Alice: (…) Eu achei legal que você falou de... de alimentos orgânicos,
a gente tava conversando sobre isso esses dias/ eh... nos Estados
Unidos vocês uma... ah/ um... como que eu falo isso, eh... ah, não sei/
uma política ne, de colocar se o alimento ele é transgênico, se é
orgânico ne, em todos os alimentos ... ne? Mas... eh... em países
assim como o Brasil a gente não tem isso ... a gente tava
conversando sobre isso esses dias, eh... porque é bom você poder
escolher ne, o que você quer comer (...)
(Interação 13)
Deste modo, é muito provável que suas crenças a respeito dos EUA e dos
estadunidenses sejam baseadas, majoritariamente, no senso comum, nos discursos que
circulam oralmente, e, ela parece ter mais contato com estes discursos do que com
outras fontes mais “confiáveis” de informação, como podemos perceber em: “(...) some
people told me (...)” (Excerto 83); “I heard something (...)” (Excerto 84); “(...) a gente
tava conversando sobre isso esses dias (...)” (Excerto 85).
O interagente estadunidense, por sua vez, demonstra buscar outras fontes de
informação: “Another thing I read about ah... about Latin America politics was (...)
(Excerto 68); “(...) nesse aula estou lendo cada semana uma livro sobre o/ a sociedades
ah...o/ ah... de... ah... améri/ ah... América Latina (...)” (Excero 71); “Ele leu em um
jornal nos EUA sobre o caso da adolescente paraense (...)” (Excerto 73); “Ele me
contou sobre um filme-documentário que assistiu (...)” (Excerto 76); “Depois voltamos
136
a conversar sobre uma palestra que ele assistiu com a ministra Matilde Ribeiro (...)”
(Excerto 77); “Yeah, absolutely, absolutely. I’ve read ( ) that (...)” (Excerto 88).
Como foi colocado anteriormente, um indivíduo, principalmente aquele com
tendências preconceituosas, tende a sustentar suas crenças baseado no grupo ao qual
pertence e com o qual compartilha um conjunto de crenças relacionadas (PEREIRA,
2002; CROCHÍK, 2006). Essas “vozes”, citadas acima, podem não ser os colegas de
classe de Alice, mas, a meu ver, quando ela afirma que aqueles estariam de acordo com
suas opiniões a respeito dos EUA, ou mesmo quando ela cita essas outras “vozes” em
suas falas, Alice está, de certo modo fazendo esse movimento de auto-inserção em um
grupo, em busca de respaldo para suas crenças.
Com relação à maneira como Alice tem acesso a informações sobre os EUA e os
estadunidenses, penso que ela desenvolveria uma visão/ postura mais crítica se buscasse
fontes de informação, pelo menos, mais variadas.
Questão 9: Comente a posição dos EUA no mundo.
1: Como os próprios americanos gostam de dizer, os EUA são o centro do mundo,
quase todos os países dependem dos EUA economicamente.
2: Por muitos anos os EUA têm sido a maior potência mundial, mas acredito que
em breve cederá lugar a países do oriente, como a China, por exemplo.
Acredito que esta questão foi contemplada na análise das questões 6 e 7.
Quanto à possibilidade de que os EUA sejam superados pela China, citada no
primeiro questionário, e mencionada novamente no segundo questionário, esta opinião
de Alice pode ter sido de certa forma influenciada, por um depoimento de Tom, no qual
137
ele afirma ter ficado surpreso ao saber que algumas nações, inclusive o Brasil, tem
potencial para superar os Estados Unidos economicamente devido à quantidade de
recursos naturais que possuem:
Excerto 86
Tom: You know, another fact that I read when I was looking at that
world book website was the fact that/ that Brazil and the United States
are roughly the same size! And it’s really surprising to me because… as
an American you would, I mean, when I think of Brazil, I would never
think that they’re about the same size as the United States! I guess it’s/
it’s/ it’s of a… you know, the… sort of ah… imperial powerfulness
of the United States that… that they wanna come across with this really
super power, this global power, ah, but you have other places, like
Brazil, ah… like India, like Russia, like China, that have twice as many
natural resources as they have in the United States, it’s, it’s just amazing
to me! It’s, It’s so surprising that you
[
Alice: Unhun
Tom: have these countries that … that when they become developed,
[
Alice: Unhun
Alice: Unhun
Tom: they are gonna so/ they are gonna ( ) the United States, they’re
gonna (
) Russia, ah.. they’re gonna ( ) Japan …
Alice: Unhun
Tom: Ah… just/ just exponentially. There is no… I/ I mean, there is no
competing with/ with these other places. ( ) but it was surprising to
me to read that/ see that. Wow! That, actually …
Alice: Unhun
Tom: Brazil has as many natural resources as the United States does
(Interação 1)
138
Na primeira resposta, Alice afirmou que os EUA logo seriam superados pela
China, não citando qualquer outro país (Questão 6). Na segunda resposta, ela cita a
China como um dos países com potencial de superar os EUA. Desse modo, acredito que
esta mudança de perspectiva pode ter sido provocada pela influência das informações
apresentadas por Tom no trecho acima, posto este cita outros países que estariam em
condições similares de desenvolvimento.
Em uma passagem da entrevista semi-estruturada, Alice faz novamente
referência a algo que vai de encontro à posição hegemônica dos EUA. Quando
perguntada sobre o episódio dos ataques de setembro de 2001, Alice apresenta o
seguinte depoimento:
Excerto 87
A: Eu acho que demorou quase dois meses pro/ pros Estados Unidos
atacarem o Afeganistão, e... eu achei que demorou muito tempo ne, pra
um, pra grande potência ne, como os Estados Unidos, e pra/ pra fazer
essa/ essa/ essa retaliação. Eu acho que num foi uma coisa assim muito
efetiva, foi só pra... num sei pra mostrar pros americanos que eles tavam
fazendo alguma coisa
(
Entrevista Semi-Estruturada
)
Essas duas últimas citações estão de acordo com o que foi dito na questão 6,
tanto no que tange ao diagnóstico de uma tendência antiamericanista por parte de Alice,
quanto à tendência na direção de depreciar o símbolo Estados Unidos da América,
objeto e causa do preconceito em questão.
Acho interessante destacar, no excerto 86, o trecho em que Tom declara ter
ficado bastante surpreso ao saber que o Brasil e os EUA tem praticamente o mesmo
tamanho: “(...) the fact that/ that Brazil and the United States are roughly the same size!
And it’s really surprising to me (...) I would never think that they’re about the same size
139
as the United States!”. Este depoimento de Tom poderia reforçar a crença de Alice de
que os estadunidenses recebem uma educação enviesada nas escolas.
10. Como você vê as relações Brasil – Estados Unidos?
1: É uma relação unilateral. O único beneficiado é os EUA.
2: É uma relação unilateral em que apenas os interesses dos EUA são atendidos.
Alice demonstra muita convicção ao responder essa questão. No entanto, este é,
ainda, um ponto onde podemos mais uma vez visualizar aquele conflito referido no
que tange às suas crenças sobre os EUA. Digo isto, porque neste caso, Alice parece
dirigir a culpa dessa superexploração que sofre o Brasil ao seu próprio país, e não
necessariamente aos EUA, como podemos ver no seguinte trecho de uma interação
teletandem:
Excerto 88
Alice: But it/ ah… in the law, it belongs to Brazil, the most part. But
there’s no, ah… how can I say… let me think. There’s no police, there’s
no ah… taking care of the frontiers, you know? So that/ that is because/
that is/ this fact that contributes to/ to people going there and taking
things and… it’s very rich/ there are lots of nature/ natural resources
there. But ah… the/ the foreign people are picking all of/ all of them.
And we are losing it.
Tom: Yeah, absolutely, absolutely. I’ve read ( ) that. And this is
something that happens. This is part of the reason why I’m interested in
studying Latin America, cause, you have these, ah… external countries
that come in and will develop this ( ) really favourable and ultimately ah
unjust contracts with the governments ah of these places/ that’s
gonna just exploit its resources, and once the resources have been ( )
these/ these countries will just leave ( ) these international
140
organizations/ they’ll just leave and go back to their home countries.
And I think that this definitely speaks ah, why and how United States is
able to really exploit all the majority of all the countries in Latin
America, for there aren’t advantages/ I mean, I was/ ah/ un/ unrelated
topic but I was reading an article about how the United States has really
exploited the/ the/ the movie industry in Latin America and ( ) certain
policies that would prevent it from/ from really ever reaching it’s capa/
you know, capacity. They’ve done things/ foreign policy in the United
States during the the fifties, forties, thirties/ has really kind of set these
things out/ it’s the same for Brazil. Ah, as in example I read/ I had a
history class years ago/ five years ago, and we talked about the/ the
process of, you know, tapping those rubber tress to crea/ make tires, and
the United States and how an American company goes to Brazil and
how they really exploit all these forests so that they/ they can make
money. And. And it’s really sad, because when they leave, no one’s left
to clean up the mess. Except for the Brazilians.
Alice: Yes… That’s true, it’s not/ it’s not only the… the Americans,
it’s, I
[ [
Tom: ( ) go ahead
Alice: think. The whole world. Ah… all people cam/ came here and the
government helps everybody, so… eh… it’s good for everybody except
the Brazilians, I think, this agreement.
Tom: Yeah, no, no, you’re absolutely right.
Alice: Unhun
(Interação 1)
Enquanto Tom fala de como os países grandes exploram a América Latina, Alice
deixa transparecer um ponto de vista distinto quando fala da falta de policiamento
alfandegário e da falta de interesse em cuidar de tais recursos naturais, ou seja, para ela,
os países subdesenvolvidos parecem adotar uma atitude bastante permissiva.
141
Portanto Alice parece entender essa questão de maneira independente dos EUA,
visto que se mostra descrente em relação aos políticos e à maneira como se a política
no Brasil:
Excerto 89
Alice: (…) because it’s all about politics … and I don’t know why, I
can’t understand well these… these things (( risos )) it ah… I get a
little…
[
Tom: unhun
Alice: revolted, when I see this kind of stuff, so I try not to see much
because… actually I/ I don’t believe in politicians in Brazil anymore,
so… anytime I turn the/ the TV on and I see them… talking about
things and… saying that they will improve things in Brazil… and… so
many things they are doing for education, health, and I/ I just think it’s a
lot of bullshit and they are just acting in, in they own benefits. They are
there just for… for receive money and to do good things for themselves.
They are not worried about the… the situation of the/ the population in
Brazil and so on. So I get a little revolted when I, I watch the news and
this kind of things
(Interação 1)
Concordo com os motivos que levam Alice a desenvolver este sentimento em
relação ao próprio país, no entanto, alertaria para que esta questão não fosse encarada
como uma característica intrínseca àqueles nascidos em território brasileiro. Não é negar
que, historicamente, essa baixa auto-estima tenha realmente se desenvolvido na cultura
brasileira durante o processo de formação de nossa sociedade. Ao passo que não
consegue desvencilhar do trato com a coisa pública, a subjetividade e a afetividade, o
“homem cordial
58
”, conceito desenvolvido pelo historiador Sérgio Buarque de Holanda,
para designar essa peculiaridade do brasileiro, acaba sofrendo as conseqüências de uma
58
HOLANDA, S. B. Raízes do Brasil. 26 ed. São Paulo, Companhia das Letras, 1995.
142
administração pública extremamente precária o que acaba por causar-lhe e perpetuar
um sentimento de baixa auto-estima.
É importante, porém, que se considere o fenômeno da exploração como uma
situação geopolítica histórica e complexa, na qual, principalmente os EUA assumem, de
certo modo, o papel de neo-colonizador, cujos interesses são claramente ligados à
manutenção dessa conjuntura, e tem desenvolvido, ao longo de muitos anos, um
trabalho ideológico que suporte a essa situação, como afirma o interagente nessa
mesma ocasião:
Excerto 90
Tom: (…) And I think that this definitely speaks ah, why and how
United States is able to really exploit all the majority of all the countries
in Latin America, for there aren’t advantages/ I mean, I was/ ah/ un/
unrelated topic but I was reading an article about how the United States
has really exploited the/ the/ the movie industry in Latin America and (
) certain policies that would prevent it from/ from really ever reaching
it’s capa/ you know, capacity. They’ve done things/ foreign policy in
the United States during the the fifties, forties, thirties/ has really kind
of set these things out/ it’s the same for Brazil
(Interação 1)
Acredito que Tom esteja se referindo exatamente àquela “indústria cultural do
imperialismo norte-americano” sobre a qual Ianni (1976) disserta em seu livro
Imperialismo e Cultura.
A respeito desta questão, destaco o ponto de vista de Dagnino (1973 apud
IANNI, 1973, p. 55):
Entretanto, as elites governamentais da América latina não estão
conscientemente “vendendo o ps” às potências internacionais. Esta
143
não é a sua intenção. O que elas querem é realizar o desenvolvimento
nacional através da associação com essas potências internacionais. (...)
Por meio desta opção, a vida e a cultura nacionais são subordinadas à
dinâmica do capitalismo internacional. Dessa forma, submetem-se as
culturas nacionais a um processo de homogeneização que é considerado
um requisito para a manutenção do sistema internacional. Da mesma
maneira que as alternativas econômicas e políticas disponíveis para
cada país estão limitadas pela forma de sua inclusão nessa estrutura
mais ampla, e pelas condições reais que definem essa inclusão, assim
também as opções culturais e ideológicas desaparecem da mente das
pessoas. Populações inteiras são subordinadas a opções feitas em outra
parte, por meio de uma constante, eficaz e sutil difusão de conteúdos e
significados condizentes com essas opções.
Quando solicitada a definir os brasileiros através de adjetivos, Alice classificou-
os como acomodados, no primeiro questionário, e como esforçados, no segundo
questionário. Perguntei a ela o que havia motivado tal mudança e ela disse que tem as
duas percepções:
Excerto 91
A: (...) De certa forma são/ acomodados, por que... a gente vê... eh/
várias coisas na TV, político continua roubando,
P: Unhun
A: E... nada acontece, depois a população vai lá, vota nas mesmas
pessoas, e, continua tudo igual... Educação, ninguém... num sei, todo
mundo/ eh... fica revoltado com as coisas que acontecem mas ninguém
tenta fazer nada pra mudar também. Então nesse sentido eu acho
acomodado. Mas, eu acho que esforçado, pelo fato de conseguir/
sobreviver, nesse país, com todos esses problemas, acho que/ que
poderia ser esforçado também, nesse sentido
(Entrevista Semi-Estruturada)
144
Do mesmo modo, percebo que Alice parece confundir as condições históricas e
geopolíticas que, de certa forma, determinam a realidade da sociedade brasileira com
características que seriam intrínsecas do povo brasileiro, sendo esta então, uma questão
sobre a qual ela deveria refletir com mais cuidado, e buscar o desenvolvimento de um
pensamento mais crítico e menos baseado no senso-comum.
11. Qual a sua opinião sobre George W. Bush, atual presidente dos EUA?
1: Acho que ele é com suas mentiras sobre a guerra. Ele é o maior terrorista que
existiu, e sua posição em relação ao protocolo de Kioto é inadmissível, pois seu
país é o que mais emite gases poluentes no mundo.
2: (questão 6)
59
.
Esta questão foi contemplada na análise da questão 6.
12
60
. Que tipo de contato você tem com a cultura norte-americana?
1: Trabalhei durante um ano em restaurantes da rede Mcdonald’s, escuto música
americana, leio livros americanos, consumo produtos americanos.
2: Escuto música americana, como em restaurantes “fast food”, acesso sites de
origem americana. É impossível dizer que não se tem contato com a cultura
americana, pois ela já está incorporada à nossa.
59
6. Atualmente é um dos países mais odiados do mundo. Acredito que a imagem atual que os EUA têm
hoje deve-se em grande parte à má administração do presidente George W. Bush, que desestabilizou a
moeda americana e praticamente assassinou milhares de jovens americanos quando os mandou para uma
guerra infundada, como a do Iraque.
60
Optei por analisar as questões 12, 13, 14 e 15 em conjunto devido ao fato de que elas estão interligadas
e se complementam na investigação de um tema central.
145
13. Com que freqüência você tem contato com a cultura norte-americana?
1: Diariamente, ela está impregnada em todo lugar.
2: Diariamente.
14. O que vopensa a respeito da cultura norte-americana e sua disseminação no
mundo?
1: As pessoas estão se esquecendo da sua própria cultura para adotar os costumes
e hábitos dos americanos. Ex. Uma escola pública de Rio Preto promove
anualmente festas de Halloween.
2: Pelo fato dos EUA terem sido a maior potência econômica mundial nos últimos
anos, a cultura norte-americana disseminou-se facilmente. Sendo assim, além da
dominação econômica, os EUA também exercem uma dominação cultural sobre os
outros países, principalmente sobre os mais pobres.
15. Qual (quais) a(s) influência(s) da cultura norte-americana no Brasil, em sua
opinião?
1: Veja 14.
2: A Cultura americana está influenciando principalmente os hábitos alimentares
dos brasileiros. Apesar da miséria em que vive uma grande parcela da população,
muitos brasileiros, hoje, são obesos e/ou sofrem problemas cardíacos devido a
grande ingestão de gorduras em comidas típicas dos EUA, como hambúrguer e
batata frita.
No tocante a essas questões, a primeira impressão que tive ao analisar as
respostas de Alice foi a de que parece haver um outro conflito de crenças, a respeito da
146
cultura estadunidense, visto que ela declara “consumir” muito dessa cultura, ao mesmo
tempo em que denuncia sua influência negativa na cultura do Brasil e no resto do
mundo. Sobre essa questão, Alice esclarece na entrevista:
Excerto 92
P: Como é que você lida com essa questão: Você consome bastante
cultura americana mas ao mesmo tempo você acha que é uma coisa
negativa ne?
A: Unhun
P: que as pessoas estão esquecendo da própria cultura...
A: Eu acho negativa quando você... passa a valorizar o que vem de
fora, e esquece o que tem aqui dentro.
P: Unhun
A: Eh... tem/ tem várias escolas públicas no Brasil que elas num... num
celebram mais festa junina, nada, mas tem sempre uma festinha de
halloween
P: Unhun
A: Coisas nesse sentido eu acho negativo. Acho que não tem problema
nenhum você ter contato com outras culturas, mas a partir do momento
que você... deixa a sua de lado, aí eu acho que é um problema.
P: Entendi. Então a outra cultura seria mais como enrique/
enriquecimento ne?
A: Isso!
P: ao invés de substituir...
A: Unhun
(Entrevista Semi-Estruturada)
A visão apresentada por Alice nesta resposta é uma visão que se enquadra na
perspectiva intercultural, uma postura desejável e necessária para um indivíduo que
pretende lecionar uma língua estrangeira. Entretanto, sabemos que essa resposta não
necessariamente reflete as crenças e atitudes de Alice, nem é necessariamente refletida
em seu comportamento. Analisemos mais a fundo a questão.
147
Neste trabalho deparei-me com duas teorias opostas sobre a influência da cultura
estadunidense no mundo. Mead (2006) descreve o fenômeno com uma certa
naturalidade, o que ele chama de “poder encantador” dos EUA, “aquele capaz de
divulgar os ideais, a cultura e os valores norte-americanos que seduz e convence, de
modo mais ou menos espontâneo, pessoas diferentes em todo o mundo a apoiar ou, ao
menos, a aceitar o poder e a política norte-americana” (p. 45). Esta característica seria
devida em parte pelo “apelo do que os outros percebem como valores s” (idem) e
também em função da posição e do papel que os EUA assumem no mundo,
principalmente no setor econômico, sendo que, segundo Mead (idem, p. 47), “o governo
norte-americano fez muito pouco para viabilizar isso e, de fato, em alguns casos,
dificultou as tentativas de algumas corporações de investir no exterior” (p. 47).
A outra perspectiva é o que Ianni (1976) chamou de “indústria cultural do
imperialismo”, que teria sua gênese logo após o término da Segunda Guerra Mundial, e
considera que existiu sim, desde então, um esforço do governo estadunidense no sentido
de propagar aspectos culturais e ideologias favoráveis ao projeto de expansão dos EUA
e exploração do resto do mundo, principalmente da América Latina. Alves (1988) e
Viola e Leis (2001) compartilham essa constatação.
Ao analisar a amplitude da disseminação da cultura estadunidense no mundo,
chego à conclusão de que as duas teorias se completam, sendo que este fenômeno não
alcançaria tal projeção se assumisse somente um dos dois lados do continuum
“encantamento-imposição”.
No caso de nossa participante de pesquisa, acredito que Alice considera a
disseminação da cultura estadunidense no Brasil muito mais uma debilidade do
brasileiro, no sentido de apresentar muito pouca resistência a isso, tendendo a valorizar
o que é externo em detrimento da sua própria cultura o que não deixa de ser, em certo
148
grau, verdadeiro; do que o resultado de um conjunto de forças que contribuem para a
formação desse quadro.
No excerto abaixo, retirado da entrevista, a escolha da palavra “crescimento”
para se referir ao modo como a cultura estadunidense se espalhou pelo mundo, pode ser,
a meu ver, um indício desse pensamento:
Excerto 93
A: Eu acho que é o mundo. E... dentro desse mundo, tem o/ os Estados
Unidos ... e tem várias setas saindo dos Estados Unidos em direção aos
outros países. E tem algumas marcas, ne, norte-americanas, espalhadas
por esse mundo, ne, como a Coca-Cola, McDonald´s, Hollywood, All
Star. Um computador ... ne, cifrão, representando o dinheiro... ... acho
que é só.
...
P: Qual que é a impressão que você tem desse desenho quando olha pra
ele?
A: Unhun ... Ah, mais uma vez é a... num sei, é o... crescimento da... da
cultura norte-americana ao redor do mundo, das marcas, do
consumismo...
P: Unhun
(Entrevista Semi-Estruturada)
Ao falar sobre o estadunidense, Alice também corrobora essa idéia pelo
contraste, já que estes sim, segundo ela, valorizam a sua cultura:
Excerto 94
A: Isso. É por que assim... eh... eh, voltando pra esse... estereótipo de
americano, que a gente sempre que eles, eh... dão muito valor na
cultura
{
P: Unhun
149
A: deles, em todos os filmes a gente sempre uma bandeirinha
americana...
P: Unhun
A: Então como eu tava desenhando a casa desse americano, eu coloquei
uma bandeira no... na parede (Entrevista Semi-Estruturada)
Alice afirma que “as pessoas estão se esquecendo da sua própria cultura para
adotar os costumes e hábitos dos americanos” (Questionário I), e parece atribuir este
cenário somente ao fato “dos EUA terem sido a maior potência econômica mundial nos
últimos anos” (Questionário II).
Isso também explicaria o fato de que ela parece ter a necessidade de justificar o
alto nível de envolvimento com a cultura estadunidense afirmando que esta cultura
está “incorporada” à nossa, como podemos ver nos excertos abaixo - corroborando a
tese do conflito de crenças sobre os EUA, ou seja, a própria participante se enquadraria
naquele perfil de brasileiro que se “encanta” por uma cultura alheia, ao mesmo tempo
em que desenvolveu sentimentos negativos em relação a esta cultura.
Excerto 95
É impossível dizer que não se tem contato com a cultura americana,
pois ela já está incorporada à nossa
(Questionário II)
Excerto 96
Diariamente, ela está impregnada em todo lugar
(Questionário I)
Excerto 97
A: ne, o... McDonald’s também seria acho que um/ um símbolo do
consumo...
P: Unhun
150
A: alguma coisa assim... e é uma coisa que já ta/ quase assim inserida na
nossa cultura também. E... a Marylin Monroe. ( )
(Entrevista Semi-Estruturada)
Este conflito transparece também no seguinte trecho da entrevista, onde Alice
associa ao desenho da águia envolvendo o mundo (Desenho D3), ao mesmo tempo: um
aspecto positivo, a questão dos valores estadunidenses, mencionada por Mead (2006) e
representada pela expressão “terra da liberdade”; e um aspecto negativo, a influência
dos EUA sobre o resto do mundo, expressa no uso da palavra “dominação”:
Excerto 98
P: Qual que você acha que foi a intenção da pessoa de desenhar essa
águia com o mundo, envolvendo aí o mundo ( )?
{
A: Bom a águia ne, seria a
representação do próprio país/ dos Estados Unidos e o mundo estaria/
dentro dela porque de certa forma/ de/ de certa forma ela envolve o
mundo inteiro
P: Unhun
A: numa espécie de dominação. Eu acho.
P: Unhun. E... eh... nesse sentido você consegue pensar então na/ no
sentimento dessa pessoa em relação a/ ao país? Você consegue ter mais
claro?
A: Bom, a águia, tem/ num sei, pra mim tem aquela idéia de liberdade
ne, a terra da liberdade, pode
[
P: Unhun
A: ser isso
P: Unhun
A: e o fato do mundo ta dentro dela, é a dominação que ela/ eh, exerce
sobre os outros países do mundo.
P: Entendi... ok. Eh...
(Entrevista Semi-Estruturada)
151
16. Como você entende o processo de Globalização?
1: É um processo que tende a diminuir as barreiras entre os países.
2: Acredito que a globalização implica em uma aproximação entre todos os países
do mundo, porém, essa aproximação tem, primeiramente, em vista, objetivos
econômicos.
Não consegui identificar nos outros dados algo específico sobre o processo de
globalização, principalmente que estivesse ligado à inclusão do caráter econômico na
segunda resposta de Alice.
17. Qual a sua opinião sobre o Capitalismo?
1: Mal necessário.
2: Um mal necessário.
Nota-se que Alice têm uma opinião bem segura a respeito do capitalismo.
Interpreto a expressão “mal necessário” da seguinte forma: Para Alice, o capitalismo é
um sistema ruim mas ela não possibilidade de não ser este o sistema econômico
mundial. Em uma das interações, por exemplo, Alice parece concordar com Tom sobre
a ineficácia do socialismo/ comunismo, opinião esta que pode ter servido para agregar
força à crença inicial de Alice:
Excerto 99
Tom: right. Yes it’s another one that’s just not/ not good, I think that he/
he ( ) this/ this idealized notions of communism and, you know, ah…
and socialism. That/ that people don’t acknowledge/ they fundamentally
don’t work/ I mean/ I’m theoretically sure they’re great ideas but, but in
152
practice they’re/ they just not/they’re not ( ) so… and/ and I’m saying
that in a perspective of someone ah… who of course lives in a, you
know, western society and engages with the capitalist, you know,
economy but still I’m really open to understanding other methods of
thought and fundamentally I think that those/ those ideas just they don’t
work/ there’s a reason why Cuba has ( ) they have like three million
people but there’s a reason why they have such a small population and
aren’t able to sustain, they hardly sustain that kind of economy. Because
it’s/ it’s not/ it’s not really ( ) you know, you can’t support large groups
based on that. So let’s switch the topic
[
Alice: we have a … what?
Tom: I just say let’s switch the topic, let’s talk of something more po/
more positive (( risos ))
Alice: Ok (( risos )) We have the… how can I say, it’s a kind of game
ah… but it’s not Olympic games, it’s pan. Pan American
yeah. Here in Brazil. And
[
Tom: well, the Pan American games?
Alice: there was the… ah… cuban guy that tries to escape.. from Cuba.
[
Tom: humm, yeah.
Yeah, I’ve read about it. Unhun,
Alice: Yes. So, if, eh... the Cuban government was so good, I think
people won’t eh... runaway from there, so…
Tom: Of course.
Alice: lot’s of people, and I knew a… a Cuban girl, she studies in the
US now. And she was here in Brazil last semester, and she said oh, I
love Cuba and Cuba is great” but I said “why you are here?” (( risos ))
if cuba (( risos )) is so great? And she said nothing. So I don’t know ((
risos ))
Tom: (( risos ))
Alice: (( risos)) Yes…
Tom: (( risos )) yeah, actually it’s funny because. Ah. Talking about
immigration in the United States, the Unites States has always
recognized Cuban refugees as exactly that, refugees of their country,
and in that way, the/ the US law allows Cubans to enter, even if it’s il/
153
illegally, enter the United States with the refugee status because they’re
escaping a communist country. They’re the only, ah. Latin Americans,
or ‘latinos’ that/ that this is allowed for. So/ so you have, on one hand
you have this, almost ( ) Cuban population in south Florida, that/ that
are welcomed to the United States, and on/ on the other hand all the
other Latin Americans which are always/ always Mexicans, they’re not
really always
[
Alice: unhun
Tom: Mexicans, but they’re always thought as Mexicans, they’re really
( ) and criminalized, when they get to the United States, because
they’re/ ‘cause the American mind said these people/ these Mexicans
people, we don’t want these ones. But on the other hand you have like
these Cubans, that are/ that are welcomed, so/s/ so what do you think
about/ when you talk about Cubans ( )/ it always brings up these kinds
of rivalry that, a lot of latinos will/ wo/ would tell you about. That…
that they don’t necessarily have. Ah
[ [
Alice: unhun unhun
Tom: think that…
[
Alice: so I/ I think It’s a way of… trying to destroy Cuba, because if
the, the US government is open to Cubans, so everybody will try to
escape from there and there will be nobody there to continue (( risos ))
the… the communism and so on… I think it’s a way of destroying this
(Interação 1)
Portanto, tanto Alice quanto Tom consideram o “fracasso” de Cuba como uma
debilidade do sistema econômico e político adotado naquele país. Ambos não levam em
conta, por exemplo, os embargos econômicos e o isolamento a que aquele país é
submetido por parte dos EUA, apesar de Alice acreditar que existe a intenção de
“destruir” Cuba, por parte dos EUA.
154
Além de considerar o capitalismo uma coisa ruim, Alice parece associar este
símbolo aos EUA, como podemos ver nos excertos seguintes, com destaque para os
trechos “(...) é a fonte do... dos bens materiais, alguma coisa desse tipo, eu acho”
(Excerto 100); “(...) o... crescimento da... da cultura norte-americana ao redor do
mundo, das marcas, do consumismo... (...) ne? ... capitalismo” (Excerto 101); “É acho
que é/ é esse consumismo exagerado... num sei ... eh... é o que eu pensei quando eu,
num sei, lembrei de um/ de um americano (...)” (Excerto 102):
Excerto 100
A: É aqui tem o mbolo da Nike ne, uma marca muito famosa dos
Estados Unidos (...) não sei/ essa pessoa já vê/ eh... o país como um
símbolo de consumo... capitalismo...
P:Unhun. Então a/ você acha que a intenção desse/ desse autor foi
mostrar/ isso/ associar o país à imagem de capitalismo?
A: Acredito que sim ((risos))
P: Unhun. E esse símbolo representa bem essa imagem/ esse país na sua
opinião?
A: É, não só esse como vários ne, mas eu acho que/ que sim.
P: Unhun. Ok. Eh... ( ) Ah, e qual que seria o sentimento então, dessa
pessoa, na sua opinião, ao/ ao desenhar isso, em relação ao país?
(...)
A: Sentimento dela em relação ao país?
P: isso
A: Ah, acho que é... é a fonte do... dos bens materiais, alguma coisa
desse tipo, eu acho.
[
P: unhun
P: Entendi. Como a fonte talvez do capitalismo, o berço...
[
A: Isso.
A: Das coisas que ela quer comprar, que ela quer ter... às vezes ela/ ela
associa com os Estados Unidos.
155
P: Ah ta, então pode ser um/ eh... entendi, pode ser os desejos dela
também...
A: Pode ser...
(Entrevista Semi-Estruturada)
Excerto 101
A: Eu acho que é o mundo. E... dentro desse mundo, tem o/ os Estados
Unidos ... e tem várias setas saindo dos Estados Unidos em direção aos
outros países. E tem algumas marcas, ne, norte-americanas, espalhadas
por esse mundo, ne, como a Coca-Cola, McDonald´s, Hollywood, All
Star. Um computador ... ne, cifrão, representando o dinheiro... ... acho
que é só.
...
P: Qual que é a impressão que você tem desse desenho quando olha pra
ele?
A: Unhun ... Ah, mais uma vez é a... num sei, é o... crescimento da... da
cultura norte-americana ao redor do mundo, das marcas, do
consumismo...
P: Unhun
A: Ne? ... Capitalismo ... Acho que é isso
(Entrevista Semi-Estruturada)
Excerto 102
P: Então, você desenhou, bom, você pode descrever
pra mim? Unhun.
[
A: Bom, vou descrever o
meu desenho.
A: Um menino gordinho, sentado no sofá, comendo, bebendo... Ele ta
usando roupas de marca, da Nike... (( risos ))
P: Unhun
A: tomando Pepsi, comendo Ruffles... Tem uma bandeira dos Estados
Unidos na parede... e ele ta assistindo TV. Na TV tá passando um
programa que fala que a Amazônia é deles.
...
156
P: Ok. ... É então você quer, falar alguma coisa sobre, alguns aspectos
aí? Você citou pelo menos três aspectos diferentes que eu/ que eu pude
ver, uma é a questão do/ das marcas ne, você pode falar
[
A: Unhun
P: alguma coisa sobre isso?
A: É acho que aí é/ é esse consumismo exagerado... num sei ... Eh... é o
que eu pensei quando eu, num sei, lembrei de um/ de um americano
P: Unhum
A: Assim, um bem estereotipado... ne
P: Unhun
A: a gente sabe que não/ não são todos assim, mas é um estereótipo que
a gente tem de americano.
P: Unhun. E aquelas pessoas que desenharam/ por exemplo aquele
símbolo da Nike... aquelas coisas/ flechas indo/ você acha que pensaram
mais ou/ pensaram também dessa maneira?
[
A: Acho que sim
(Entrevista Semi-Estruturada)
Temos nestes excertos momentos nos quais Alice associa o capitalismo aos EUA
de forma espontânea. No excerto 100, Alice considera que o símbolo da Nike, que na
sua opinião representa o capitalismo, serve para compor um conjunto de signos que
representem os EUA, o que é ainda corroborado no excerto 102. Já no excerto 101,
Alice parece considerar os EUA como a fonte do capitalismo, ao analisar o desenho
D11 (Figura 8).
Pelos depoimentos da participante, suponho que ela considere o capitalismo um
sistema econômico “natural”, no sentido de haver essa possibilidade no mundo que
conhecemos, porém, ela considera a maneira como os EUA praticam o capitalismo
como sendo negativa, por exemplo, quando se trata da exploração do resto do mundo e
das profundas desigualdades inerentes a este sistema. Portanto, tanto a associação dos
157
EUA ao capitalismo quanto a constatação de que os EUA praticam uma forma negativa
de capitalismo, agregam mais sentimentos e crenças negativas ao conjunto de crenças
que compõem a tendência antiamericanista de Alice.
18. Que adjetivos você relacionaria às seguintes nacionalidades:
brasileiros ingleses norte-americanos
1: Brasileiros: acomodados; Ingleses: esnobes; Norte-americanos: fúteis,
consumistas.
2: Brasileiros: esforçados; Ingleses: esnobes; Norte-americanos: Alienados.
Nesta questão, os adjetivos atribuídos aos estadunidenses são coerentes com o
que havia sido comentado. O que chama mais atenção, entretanto, é a mudança
radical, entre um momento e outro, do adjetivo atribuído aos brasileiros. Sobre o fato, a
participante responde na entrevista:
Excerto 103
P: Ok. Eh... ( ) E quando você fala em/ também em brasileiros, no
primeiro questionário você colocou os brasileiros como acomodados,
A: Unhun
P: no segundo, você citou eles como esforçados. O que que causou
essa mudança aí?
[
A: Acho que eu num tava bem no/ mo primeiro dia (( risos ))
[
P: (( risos))
A: Então, é/ é que é muito difícil dar um adjetivo só, pra... generalizar.
... É/ é igual a esse desenho
[
158
P: Entendo
A: assim, é um estereótipo. É/ é muito difícil generalizar todos os
brasileiros, todos os americanos
[
P: Unhun
P: Mas falando de estereótipos mesmo, da visão que você tem geral
assim, naquela característica
[
A: né?
P: que/ que representa bem
{
A: De certa forma são/ acomodados, por que... a gente
vê... eh/ várias coisas na TV, político continua roubando,
P: Unhun
A: E... nada acontece, depois a população vai lá, vota nas mesmas
pessoas, e, continua tudo igual... Educação, ninguém... num sei, todo
mundo/ eh... fica revoltado com as coisas que acontecem mas ninguém
tenta fazer nada pra mudar também. Então nesse sentido eu acho
acomodado. Mas, eu acho que esforçado, pelo fato de conseguir/
sobreviver, nesse país, com todos esses problemas, acho que/ que
poderia ser esforçado também, nesse sentido
(Entrevista Semi-Estruturada)
A impressão que tenho é que não é necessariamente o contato que resolve o
problema de se ter conflitos de crenças ou atitudes no que concerne às nacionalidades.
Temos aqui, por exemplo, uma situação em que um indivíduo não consegue definir
entre dois extremos qual seria a característica mais marcante dos habitantes de seu
próprio país. A questão é: seria desejável que a participante conseguisse fazer essa
“classificação”? Qual o problema de encontrar-se em tal situação de conflito?
A meu ver, o fato da participante ser capaz de fazer tal sistematização pelo
simples ato de estereotipar, seria mais indesejável que a situação de conflito de crenças.
No entanto, seria interessante, ou talvez até ideal, que ela conseguisse chegar, por uma
159
perspectiva histórica, a uma característica geral do brasileiro, ou a um conjunto de
elementos que de certa forma determinam essas características.
Alice declara, por exemplo, que os brasileiros são acomodados por que o
fazem nada para mudar a situação do país. Será que Alice tem consciência dos fatores
que permitem ou não que certas mudanças aconteçam em uma sociedade? Das
ideologias e outras forças que impedem essas mudanças de acontecerem? De como
acontecem mudanças em uma sociedade? De como se desenvolveu a sociedade
brasileira?
Interessante notar que, diferentemente de quando é solicitada a traçar um
estereótipo do estadunidense, e ela o faz, mesmo em outros momentos em que isso não
foi solicitado, Alice somente percebe a superficialidade e a dificuldade de realizar esse
processo quando está referindo-se ao brasileiro: Então, é/ é que é muito difícil dar um
adjetivo só, pra... generalizar (...)” (Excerto 103) o que indica que o contato com o
outro é importante, mas no sentido que Alice sente dificuldades em estereotipar os
brasileiros porque os conhece muito bem.
Mais do que isso, fica implícito que a percepção do outro como igual na
diferença é bastante desejosa. Ou seja, Alice não precisaria estabelecer o mesmo contato
que tem com os brasileiros para desenvolver esse mesmo nível de pensamento crítico
também em relação aos estadunidenses. Ao passo que ela tenha desenvolvido esse
pensamento crítico de maneira global, ela entenderá que todos os povos são, em parte,
estereotipáveis, devido a elementos próprios de sua cultura, mas que essas
características podem variar de maneira imprevisível e, mesmo que não variem, devem
ser respeitadas e compreendidas de maneira crítica, e não preconceituosa.
Nesta linha de raciocínio, ao indivíduo que se propõe a desvencilhar-se da
prática do preconceito contra um determinado grupo, não bastaria apenas conhecer
160
indivíduos desse grupo e constatar que, apesar de terem certas características em
comum, eles podem variar infinitamente e talvez serem mais parecidos com esse
indivíduo do que com um ou outro membro do próprio grupo. Esse indivíduo deveria
entender e respeitar, também, aquelas características das quais se pode formar um
estereótipo, aquelas que caracterizam um grupo como tal, e entender que, por mais que
essas características sejam às vezes negativas, estes indivíduos, como seres humanos,
apresentam essas características em níveis muito distintos e podem estar sujeitos à
reflexão e à mudança, quando desejável.
Acredito que essa entrevista possa ter provocado algum tipo de reflexão na
participante, pelo fato de colocar a questão dos estereótipos em evidência o que pode
ser percebido em: “(...) assim, é um estereótipo. É/ é muito difícil generalizar todos os
brasileiros, todos os americanos” (Excerto 103) comentário que aparece logo depois
que Alice se dá conta da dificuldade de estereotipar os brasileiros.
Sobre seu interagente no teletandem e a questão dos estereótipos, Alice responde
na entrevista:
Excerto 104
P: Ah, não é verdade? Eh... em relação ao seu interagente, você tinha
alguma ex/ eh/ interagente no teletandem, você tinha alguma
expectativa inicial de como ele seria? Qual que era essa expectativa?
[ [
A: Unhun humm
A: é, quando a gente pensa/ pelo menos eu, ne, em... americano, eu
tinha essa idéia, esse estereótipo na minha cabeça. E eu esperava que
fosse assim.
[
P: Unhun
A: Mas me surpreendeu... porque não...
[
161
P: Ah, então não coincidiu?
A: Não. ... Bem diferente.
P: Unhun. Em que sentido que ele era/ que esse interagente difere desse
estereótipo que você tinha?
A: Ah, eh... nessa questão que eu falei assim, eh, de alienação, tudo isso,
ele num/ ele parece ter muita informação, muito conhecimento, não
sobre a cultura dele mas como, a de outros países
P: unhun
A: Ele é uma pessoa bem aberta, ne, a novos conhecimentos. Não sei se
pelo fato dele ser também descendente de mexicanos, isso ajude...
P: unhun
A: Ne... Isso que eu/ que eu notei assim que ele é muito aberto, a novos
conhecimentos, e... quebrou todas as expectativas assim, que eu tava
esperando uma pessoa fechada, que falasse da cultura dela, que num/
num me desse oportunidade também...
P: Então ele não é um pico americano na sua opinião? (( risos)) ... ok.
Eh...
[
A: Não! (( risos))
P: deixa eu ver aqui ( ) (...) E, o fato de você ter/ eh... interagido com
esse americano no/ no teletandem, eh... altera algum aspecto da forma/
desse estereótipo que você tem?
A: Bom, eh que/ é complicado. É porque, um estereótipo, é uma idéia
assim geral que você tem/ de tudo. Mas conhecendo ele, eh... me fez
perceber que... eh, meu estereóti/ meu estereótipo pode ta até errado,
num sei. Mas tem pessoas que, que diferem bastante disso nos Estados
Unidos ne, e ele é um exemplo disso.
P: E você conheceu pessoas que/ eh/ americanos/ já/ teve contato/
que/ que estão dentro desse inte/ desse estereótipo?
A: Não totalmente assim, mas...
P: Unhun
A: Bem parecido (( risos ))
(Entrevista Semi-Estruturada)
Desse modo, não a entrevista, mas as próprias interações teletandem parecem
ter servido para causar um ponto crítico, um certo choque, nas crenças de Alice em
162
relação ao estadunidense, como podemos ver em “(...) é, quando a gente pensa/ pelo
menos eu, ne, em... americano, eu tinha essa idéia, esse estereótipo na minha cabeça.
E eu esperava que fosse assim. Mas me surpreendeu... porque não (...) Não... bem
diferente” (Excerto 104).
Este tipo de choque pode, ou não, resultar em resignificações dessas crenças.
Neste caso, se não forem feitos mais esforços neste sentido, principalmente por parte da
própria Alice, acredito que não haja modificações radicais, posto que as crenças de
Alice sobre os EUA e os estadunidenses poderiam ser classificadas como crenças mais
centrais, no sentido em que estão interligadas a outras crenças e representam uma
questão de considerável relevância para sua vida, visto que estão intimamente ligadas ao
ofício exercido por ela e à língua na qual ela escolheu se especializar.
Além disso, como dito anteriormente, Alice considera seu interagente como uma
exceção ao seu estereótipo de estadunidense, o que não seria essencialmente um
problema, na minha visão. O problema aparece quando ela associa essa discrepância ao
fato do interagente estadunidense ser descendente de mexicanos, indicando que ela pode
não estar muito disposta a conceber a possibilidade de que cidadãos daquele país
poderem divergir do estereótipo que ela tem, por mais que ela declare isto na entrevista.
Sobre essa questão, Crochík (2006) afirma que “o preconceituoso não é
susceptível à argumentação racional e, em diversos casos, tampouco à experiência, ou
seja, se ele se vale de argumentações apresentadas de forma lógica, elas não lhe servem
de contestação” (p. 30). Em consonância, Pereira (2002) salienta que “parece ser
admissível que a mente humana seja regida por uma certa tendência à parcimônia, o que
gera a suposição correlata de que modificar tendências estabelecidas e cristalizadas
devido a anos e anos de ação dos processos de socialização não é uma tarefa simples”
(p. 86).
163
Portanto, é um tanto gico este pensamento de Alice: se considerarmos, a partir
da análise dos dados coletados, que Alice apresenta elementos do chamado sentimento
de antiamericanismo, se ela apresenta um conjunto de crenças e atitudes que configuram
um preconceito contra os EUA e a população daquele país em algum vel, é natural
que ela dificulte para si, mesmo que inconscientemente, qualquer processo de
modificação do status simbólico do objeto alvo do preconceito, a custo de causar-lhe
mais um conflito de crenças.
3.3. A modalidade teletandem como provedora de insumo intercultural
Como pudemos perceber na análise dos dados da segunda fase da pesquisa, a
modalidade teletandem pode ser considerada um provedor de informações de cunho
intercultural, na medida em que proporciona aos participantes interagentes um contato
real e direto com o outro, livre de qualquer tipo de filtro externo ou atravessador de
informações. Não é dizer que o teletandem atue como um agente totalmente
neutralizador de qualquer tipo de interferência, mas sim, que não nenhuma forma de
atravessamento nessa interação, a não ser a do próprio equipamento, o qual pode até
restringi-la, ou condicioná-la, de certo modo, mas não modifica as informações
intercambiadas.
Além disso, ao interagirem com um mesmo propósito, um na necessidade do
outro, acredito que as diferenças de poder e status se minimizam, criando uma situação
que tende a aproximá-los à categoria básica de gênero humano (ÁLVAREZ-URÍA,
1998. p. 102), considerando-se assim, antes de qualquer outra categorização, tal como
nacionalidade, cor da pele, gênero, credo, orientação política, sexual etc.
164
Isto não significa, de maneira alguma, que essas categorizações desapareçam. O
que acontece é que, ao colocarmos os interagentes em um mesmo nível, criamos as
condições para que eles olhem através dessas outras categorizações e percebam que na
essência o que os faz iguais é um tanto maior do que aquilo que os faz diferentes.
Ambos os interagentes tiveram, durante o período em que interagiram através
Projeto Teletandem, oportunidade de conhecer mais sobre a cultura do outro, sobre o
ponto de vista, os hábitos, o dia-a-dia, os gostos, as opiniões sobre assuntos os mais
variados, as dificuldades, os preconceitos, as preocupações, as dúvidas etc., ou seja, a
eles, foi disponibilizado este contexto que permitiu conhecer um indivíduo pertencente a
outra cultura, e através da perspectiva do outro, conhecer mais também sobre essa
cultura.
Mais do que isso, foi-lhes dada a oportunidade de conhecer um outro ser
humano, e perceber que o fato de ele pertencer a uma outra cultura, falar outra língua,
praticar outra religião, ter uma outra visão da vida etc., nada disso os impede de
trabalharem juntos para o benefício de ambos, e descobrirem que, essencialmente eles
são iguais, mesmo na diferença.
Durante a análise das interações, identifiquei uma quantidade significante de
momentos onde considero que se manifestou essa característica do processo de
interação teletandem: a possibilidade de troca intercultural. De fato, acredito que esta
possibilidade exista quase em tempo integral, visto que esse tipo de interação se
assemelha, em muito, a uma interação face-a-face.
Além disso, posto que o foco das interações (entenda-se, o conteúdo das
conversas), não é, na maior parte do tempo, a língua em si, os interagentes têm
liberdade para conversar sobre assuntos os mais variados - permitindo, então, o
165
conhecimento do outro (de duas opiniões, crenças, costumes, gostos etc) e da cultura do
outro, através do mesmo.
Destaco, em seguida, alguns trechos nos quais acontecem essas trocas
(principalmente pela perspectiva da interagente Alice):
Excerto 51: Neste excerto, Tom explica parte do trabalho da CIA e comenta
sobre uma pesquisa feita sobre as línguas; Alice se mostra surpresa ao saber que
o inglês é somente a terceira língua falada no mundo (provavelmente Tom se
refere a línguas oficiais);
Excerto 55: Alice pergunta a Tom se os estadunidenses são preocupados com
questões ambientais; Tom responde que sim, em parte, e que o presidente quase
não se preocupa com essas questões este episódio pode ter servido para
reforçar a tendência de Alice a dirigir seu sentimento antiamericano à pessoa do
presidente;
Excertos 56, 57: Alice comenta sobre um documentário crítico ao governo Bush
e pergunta se é verdadeiro o que ela tinha ouvido sobre esta produção: o
documentário teria sido proibido nos EUA, a fim de facilitar a eleição deste
presidente. Tom se mostra surpreso e responde que não. Alice parece aceitar
bem a resposta, mesmo sendo contrária a sua crença em um constante estado de
censura nos EUA;
Excerto 58: Alice comenta uma reportagem de capa de revista que sugeria uma
mudança positiva de comportamento, por parte do presidente Bush, no tocante às
166
questões ambientais; Tom explica melhor o que está acontecendo e ambos
concordam que se tratava de uma estratégia de marketing pessoal do presidente.
Portanto, trata-se de mais um insumo para as crenças/ atitudes negativas de Alice
em relação ao presidente;
Excerto 59: Alice pergunta se é verdade que suas conversas poderiam estar
sendo monitoradas pelo FBI; Tom confirma que essa possibilidade é real e Alice
afirma não acreditar na liberdade plena dos estadunidenses e compara o país a
uma ditadura. A confirmação de Tom pode ter servido para aprofundar a crença
de Alice de que os EUA vivem um estado constante de forte censura e
manipulação;
Excerto 60: Tom conta sobre os planos “estúpidos” do presidente Bush de
explorar petróleo em uma reserva natural; Alice se diverte muito com as críticas
feitas ao presidente estadunidense. Mais um reforço para as crenças/ atitudes
negativas de Alice em relação ao presidente;
Excertos 62 71: Tom se mostra conhecedor de vários aspectos da cultura
brasileira, além de se mostrar bastante interessado, e comentar acontecimentos
políticos que estavam acontecendo na América Latina e no mundo
contrariando, desse modo, o estereótipo que Alice tem de estadunidense;
Excerto 84: Tom se mostra bastante surpreso ao saber que o Brasil e os Eua tem
praticamente o mesmo tamanho o que pode ter servido para reforçar a crença
de Alice de que, nos EUA, a educação oferecida nas escolas é enviesada e
167
centrada no próprio país; Tom ainda fala dos países que podem vir a superar os
EUA economicamente no futuro, provocando, aparentemente, uma mudança nas
crenças de Alice a respeito dessa questão;
Excertos 87, 88: Tom fala de como os EUA exploram recursos naturais dos
outros países da América Latina e propagam ideologias para perpetuar essa
prática; Alice considera essa exploração como sendo mais uma permissividade
dos brasileiros do que culpa dos estadunidenses, no caso do Brasil;
Portanto, temos situações em que Alice tem contato com informações que, tanto
servem para reforçar, quanto para contrariar suas crenças. Mais do que isso, são
informações a respeito de um indivíduo pertencente a outra cultura, da cultura deste
indivíduo, e de seu país uma oportunidade para o exercício da interculturalidade, no
sentido em que as resignificações de crenças ocorrem durante um processo interativo e
colaborativo.
Terminado o procedimento de análise dos dados, passo para o próximo capítulo,
no qual apresentarei minhas considerações finais sobre este trabalho.
168
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169
Neste capítulo trago novamente as perguntas de pesquisa para que, depois de
concluída a análise dos dados, eu possa então refletir, fazer considerações, e apresentar
possíveis conclusões em direção aos objetivos iniciais da pesquisa.
4.1. Primeira pergunta de pesquisa
“Como se manifesta, no contexto estudado, a associação da língua inglesa aos
Estados Unidos da América?”
De maneira geral, os alunos tendem a associar a língua inglesa mais a um
determinado grupo de países do que a outro.
Mais especificamente, indícios suficientes para apontar uma associação mais
recorrente e quase unânime aos EUA, principalmente, e à Inglaterra/ Reino Unido. Ou
seja, quando falam da língua inglesa, estes participantes, de maneira geral estão se
referindo à língua que os norte-americanos ou os ingleses falam, ou à língua “dos”
estadunidenses ou “dos” ingleses.
Pude notar também que os alunos tiveram contato com uma perspectiva mais
filosófica de se entender a língua inglesa, diferenciando-a das demais línguas ao
enquadrá-la em uma categoria especial como “língua internacional” ou “língua franca”.
No entanto, esta visão se apresenta em conflito com a realidade histórica e cultural dos
participantes envolvidos, no sentido em que foram identificados fatores socioculturais
que continuam a propiciar a associação da língua inglesa a determinados países, como,
por exemplo, as próprias aulas na universidade, a indústria cinematográfica, o ensino
nos cursos de línguas e escolas públicas etc.
170
Uma das conseqüências de tal associação, a meu ver, é que estes participantes,
os quais são professores em formação, caso não venham a refletir sobre o assunto,
manterão essas crenças sobre a língua inglesa e, certamente, as reproduzirão em sua
prática profissional, isso, com todas as conseqüências políticas, filosóficas, sociais e
culturais inerentes.
Sobre essas conseqüências, Rajagopalan (2005) exime o professor de sua culpa,
com a condição de que “encare sua tarefa não como alguém que alimenta e perpetua as
desigualdades que (...) a aprendizagem de uma língua estrangeira pode produzir, mas
como alguém que está para empoderar o aprendiz de língua estrangeira, em vez de se
deixar ser dominado por ela” (p. 154).
Não é dizer, portanto, que a maneira ideal de entender a língua inglesa seja
considerá-la livre de qualquer associação a uma ou outra nação. É necessário, no
entanto, que haja uma mudança de comportamento em relação a esta língua, com a
busca da conscientização a respeito dos fatores intrínsecos a ela e adotando-se uma
postura crítico-reflexiva.
Le Breton (2005), por exemplo, nos lembra que:
(...) o inglês se apresenta como uma língua veiculadora do espírito
democrático, o que se traduz em liberalismo no pensamento político e
na ação governamental, no respeito aos valores humanistas e na livre
concorrência na ordem econômica. A geopolítica do inglês é, somando
tudo, um reflexo do triunfo político, econômico, cultural dos povos de
língua inglesa e um meio de aumentar sua influência pela difusão da
língua (...) O front geopolítico do inglês é simultaneamente externo o
poder dos Estados Unidos que aderem à sua filosofia com todas as suas
conseqüências no plano do poder – e interno, com o inglês sendo
considerado como o meio mais seguro de ascensão social (p. 25).
171
Como disse anteriormente, a discussão parece ter sido iniciada, porém, talvez
seja necessário que os alunos voltem seus olhares para sua realidade, que analisem a
maneira como se relacionam na prática com a língua inglesa, como a estudam, como a
ensinam, como a utilizam etc.
Espero que este trabalho proporcione ao menos em parte esse tipo de apreciação
e reflexão, não nos alunos participantes, mas naqueles que, de alguma modo,
vivenciam esse contexto, o qual acredito não ser muito distinto quando saímos do
recorte estudado e pensamos na realidade do país como um todo.
4.2. Segunda pergunta de pesquisa
“Quais são as crenças e atitudes dos participantes da primeira fase da pesquisa
(em geral) a respeito dos EUA e dos cidadãos daquele país? / Quais são as crenças
e atitudes, específicas de Alice, a respeito dos EUA e dos cidadãos daquele país?”
Em geral, as crenças e atitudes dos participantes, no que diz respeito aos Estados
Unidos da América, giram em torno da situação de conflito. Ao analisar os dados da
primeira fase da pesquisa, encontrei três padrões de comportamento que estão de certa
forma em conflito entre si.
O primeiro padrão é uma tendência a diferenciar a opinião que se têm sobre o
governo e aquela que se tem sobre a população do país. Esta tendência, em si, é
resultado de um conflito de crenças a respeito dos EUA. Ao passo que concorrem
sentimentos positivos e negativos a respeito dos EUA, suponho que, ao fazer a distinção
172
entre o governo e o povo daquele país, o indivíduo consegue dividir também suas
crenças e assim justificar suas atitudes, amenizando a situação de conflito.
Em geral, os participantes tenderam a se posicionar negativamente em relação ao
governo e de maneira “neutra”/ equilibrada em relação à população. Quando digo
“neutra”, aqui, estou me referindo a respostas que consideram a população dos EUA
“como outra qualquer”, e equilibrada, no sentido que, quando se posicionaram
negativamente, tiveram geralmente a preocupação de classificar essa negatividade como
herança da cultura ou do governo, ou contrabalancear as atribuições negativas com
outras positivas.
Posto que têm motivos históricos para desenvolver sentimentos negativos em
relação aos EUA, os participantes parecem dirigir esse sentimento negativo,
principalmente, à figura do presidente - a meu ver, uma estratégia adotada
inconscientemente para conciliar as crenças e atitudes, negativas e positivas, que trazem
consigo.
O segundo padrão identificado é uma tendência ao maniqueísmo, ou seja, a
posicionar-se em um dos dois extremos, negativamente ou positivamente, em relação
aos EUA. Esta tendência fica mais acentuada, de acordo como que foi descrito
anteriormente, quando se trata das crenças a respeito do governo, mas não deixa de
existir mesmo quando se trata das crenças a respeito do povo, o que coloca esta segunda
tendência em conflito com a primeira descrita.
Quanto ao terceiro padrão que pude identificar nas respostas, trata-se de um
movimento na direção de justificar as crenças e atitudes negativas em relação à
população estadunidense pela falta de contato com indivíduos pertencentes a essa
cultura. A meu ver, configura mais uma estratégia utilizada inconscientemente no
sentido de amenizar o conflito de crenças existente relacionado aos EUA.
173
Em resumo, temos um símbolo complexo, que é os Estados Unidos da América,
que desperta sentimentos de adoração e ódio ao mesmo tempo, e quando um indivíduo
que traz consigo crenças negativas e positivas a seu respeito é solicitado a se posicionar
em relação a este símbolo, ele se encontra em uma situação de confusão. Neste sentido,
este indivíduo desenvolve estratégias, para, ao menos, amenizar esta situação.
Em termos práticos, os indivíduos do grupo estudado tendem a associar tudo que
é negativo em relação aos EUA ao governo, colocando a população em um patamar de
reflexo das escolhas dos governantes, invertendo-se a estrutura política normal, pois se
sabe que, teoricamente, o governo agiria em acordo com o desejo da população, e não o
contrário mas essa é uma discussão que não cabe aqui, até porque muitas vezes, na
prática, o que acontece é realmente diferente. O que importa é que esses indivíduos
procuram isentar, de toda forma, a população dos EUA de qualquer culpa, inclusive
justificando seus preconceitos contra os estadunidenses pela falta de contato real com
aquela população, na tentativa de conciliar seus sentimentos de amor e ódio em relação
ao país em questão.
Ainda que coexistam no grupo, e geralmente no mesmo indivíduo, crenças
conflitantes no que tange aos EUA, de maneira geral, a quantidade de crenças negativas
é significativamente maior, configurando o chamado sentimento de antiamericanismo.
Foram identificadas na análise dos dados inúmeras citações àqueles fatores que,
segundo os teóricos estudados, podem ser identificados como causa desse sentimento ao
redor do mundo.
Quanto à Alice, que participou de ambas as fases da pesquisa, pode-se dizer que
em pouco difere do diagnóstico geral do grupo, apresentando, da mesma forma,
tendências antiamericanistas, ao mesmo tempo em que traz consigo crenças na direção
oposta. Alice também procura relacionar seus sentimentos negativos em relação aos
174
EUA aos governantes, mas como visto na análise dos dados, nem sempre ela consegue
manter essa divisão, apresentando também crenças negativas em relação à população
estadunidense.
Visto que no contexto estudado a língua inglesa ainda é associada aos Estados
Unidos, e que estes indivíduos se tornarão, em breve, professores desta língua, qual
seria o posicionamento ideal para eles em relação a todas estas questões? Não pretendo
responder esta pergunta de maneira prescritiva, mas posso, com base nas leituras feitas,
fazer algumas considerações.
Em primeiro lugar, esses futuros professores precisam tomar a decisão (até o
ponto em que essa decisão caiba a eles) se vão continuar ou não essa tendência de
associação da língua inglesa a um ou outro país. Será que é o momento de começarem a
refletir mais sobre o inglês como ngua internacional, e mais do que isso, começarem a
praticar mais esse conceito em sua relação cotidiana com a língua? Visto que a língua
inglesa ainda está de certa forma ligada a um determinado grupo de países, será que não
seria a hora de começar a reivindicar essa língua também para os brasileiros?
Com relação aos EUA, penso que, como professores, deveríamos tentar nos
conscientizar mais sobre nossas crenças e atitudes, para que, se porventura viermos a
trazer estas questões para a sala de aula, o façamos com consciência de nosso
posicionamento, seja ele qual for, e possamos assim decidir se devemos ou não
apresentá-lo aos alunos.
Acredito ser fundamental entender as razões históricas que nos levam a
desenvolver sentimentos negativos ou positivos em relação a outras nações, para
podermos então deixar de apenas reproduzir ou incitar estes sentimentos e passar a
problematizar, discutir, analisar, e compreendê-los.
175
Numa perspectiva intercultural, diria que os alunos participantes, de maneira
geral, apresentam uma tendência bastante positiva, pelo menos em discurso, de
considerar que os estadunidenses são seres humanos como quaisquer outros, e se como
nação, prejudicam o resto do mundo, com certeza têm respaldo em ideologias
consolidadas historicamente. Ou seja, um tem todas as condições de entender o modo
como certos comportamentos, que para eles parecem normais, podem parecer absurdos
ao resto do mundo - como disse um dos alunos. E mais, não é difícil encontrar
estadunidenses muito mais esclarecidos, neste sentido, do que muitos brasileiros, como
pudemos perceber com o exemplo do interagente Tom, que se mostrou bastante
consciente e reflexivo no que tange a todas essas questões.
4.3. Terceira pergunta de pesquisa
“De que modo o projeto TELETANDEM BRASIL proporciona a Alice um contato
intercultural? Quais são os reflexos do processo de interação teletandem nas
crenças e atitudes de Alice?”
Durante a análise dos dados da segunda fase de pesquisa, apontei alguns pontos
onde considero que as interações com o interagente estadunidense tiveram algum tipo
de impacto no sistema de crenças de Alice. Pelo que se sabe a respeito do assunto, não
se pode esperar que um indivíduo mude radicalmente suas crenças sobre qualquer que
seja o assunto a não ser que sejam criadas as condições de reflexão, argumentação,
experimentação, dentre outros, necessários para tal (PEREIRA, 2002; CROCHÍK,
2006).
176
O que o Projeto Teletandem proporcionou a Alice foi algo que ela teria
dificuldades de experimentar no contexto onde vive: o contato direto e contínuo, ainda
que por meio do computador, com um habitante nativo de um outro país, mais
especificamente, com um estadunidense, o que certamente alterou, independente de
como, ou em que grau, suas crenças sobre os EUA e os estadunidenses.
Percebi, ao analisar os dados, que ao interagir com um estadunidense, Alice
esteve sujeita a influências sobre suas crenças sobre os EUA, os estadunidenses e a
língua inglesa, tanto no sentido de reforçá-las quanto de contrariá-las. Mais do que
exposta a essas influências, Alice teve oportunidade de discutir, questionar e refletir
sobre várias questões sobre as quais tinha uma opinião formada e que têm relação
direta com sua realidade de professora de língua inglesa.
Destarte, considero que as interações proporcionadas pelo contexto autônomo e
colaborativo do Projeto Teletandem foram bastante enriquecedoras, no sentido de
propiciar à Alice justamente aquilo que os outros participantes reclamaram não ter, o
contato com o estadunidense, para que fosse possível “testar” seus estereótipos e
preconceitos. Obviamente que este contato pode ter servido para aprofundar algumas
das crenças negativas sobre os EUA ou sobre os estadunidenses, mas o que importa é
que essas crenças passam a ser baseadas não mais somente na mídia, em preconceitos,
em senso-comum, e passam a conter um pouco da experiência direta.
A vantagem disso, por mais que se confirme um ou outro preconceito, é que, a
cada contato direto que Alice tenha com um estadunidense, ou qualquer outro diferente,
ela criando as bases para o pensamento intercultural. Freud (1975 apud CROCHÍK,
2006, p. 17) nos lembra que “o medo frente ao desconhecido, ao diferente, é menos
produto daquilo que não conhecemos, do que daquilo que não queremos e não podemos
177
re-conhecer em nós mesmos por meio dos outros”, ou seja, é justamente na experiência
do outro, do desconhecido, que Alice perceberá o quanto eles podem ser iguais.
4.4. Limitações da pesquisa e encaminhamentos para futuras
investigações
Sob uma perspectiva teórica, acredito que essa pesquisa encontra limitações por
lidar com questões muito abrangentes. Por se tratar de um trabalho interdisciplinar
61
,
característica consolidada dos trabalhos em Lingüística Aplicada (RAJAGOPALAN,
2005), torna-se, também, um trabalho no qual o pesquisador se obrigado a dar conta
de assuntos, teorias, e metodologias de pesquisa que escapam à sua formação
acadêmica. Entretanto, essa debilidade se torna relativa à medida que depende do
empenho do pesquisador e é, a meu ver, compensada pela diversidade, que tende a
enriquecer o trabalho.
Em relação às teorias sobre crenças e preconceito, por exemplo, acredito que
tenha sido fundamental realizar algumas leituras na área de Psicologia Social, por mais
que, ao longo dos últimos anos, venha se consolidando, no Brasil, uma tradição de
estudos de crenças no contexto de ensino-aprendizagem. Digo isto, principalmente pela
imensa quantidade de estudos realizados e conhecimento produzido nessa área, dentro
da Psicologia Social, especialmente nas décadas de 60 e 70.
No que tange à questão do antiamericanismo, não se pode estudar tal fenômeno
sem levar em conta aspectos psicológicos, sociais, históricos, políticos e culturais o
61
Prefiro utilizar o termo transdisciplinar.
178
que torna este fenômeno ainda mais difícil de analisar, posto que não se pode dar conta
de todas as variáveis envolvidas.
Quanto à modalidade teletandem, ainda há pouca teoria, principalmente com
foco nos aspectos culturais/ interculturais, visto que os primeiros trabalhos sobre essa
nova modalidade de ensino foram defendidos muito recentemente e a base teórica ainda
está em processo de definição. Bedran (2008, p. 330), por exemplo, destaca como
limitação de sua pesquisa a falta de aprofundamento nessas questões culturais, enquanto
Silva (2008, p. 346) salienta a necessidade de futuros aprofundamentos nos campos da
Psicologia e Antropologia.
Assim sendo, ressalto a importância deste trabalho, no sentido em que procurei
olhar para o contexto teletandem sob essa perspectiva cultural, e destaco a necessidade
de que sejam feitos mais estudos de caráter multi, inter ou transdisciplinar, para que
possam dar conta desses vários aspectos envolvidos na modalidade teletandem.
Ressalto, ainda, a abundância e riqueza de informações encontradas no contexto
teletandem, e sugiro, também, a realização de mais estudos longitudinais que objetivem
investigar o papel de resignificador de crenças em contexto de colaboração.
No tocante às questões práticas, senti dificuldades principalmente na segunda
fase da pesquisa, a qual envolvia o projeto TELETANDEM BRASIL. A maior
dificuldade é aquela que tem sido destacada também nos últimos trabalhos de pesquisa,
como o de Mesquita (2008), no qual ele fala sobre a dificuldade de se conseguir um par
interagente estável para a coleta de dados, além dos problemas ligados ao aparato
eletrônico-informático utilizado para as interações.
Dos três alunos que se candidataram a participar do projeto e de minha pesquisa,
somente uma aluna conseguiu um parceiro estrangeiro realmente interessado em realizar
um trabalho sério e contínuo. Acredito que esses acontecimentos sejam devidos à
179
maneira como os estrangeiros estão entrando em contato com o projeto, no exterior.
Surge então a necessidade de uma maior institucionalização do processo de
envolvimento no projeto TELETANDEM BRASIL, por parte dos interagentes
estrangeiros, como sugere Mesquita (2008), para que estes apresentem um nível de
engajamento equivalente ao dos participantes brasileiros, fazendo valer, deste modo, o
princípio da reciprocidade.
Quanto ao equipamento, a maior dificuldade enfrentada foi em relação à
gravação das interações, visto que os primeiros softwares disponíveis apresentavam
problemas principalmente relacionados a sobrecarga de memória RAM, mesmo com a
utilização de computadores atualizados e considerados próprios para este tipo de uso.
Além disso, eram poucos os softwares que possuíam licença livre, sendo que o software
melhor avaliado para estes fins, pelos usuários e pesquisadores, o ooVoo©, a partir de
um momento também teve seu acesso restrito a assinantes.
Uma sugestão para solucionar este problema seria a busca de parceria, tanto
com a iniciativa privada, quanto, e principalmente, com os cursos de ciências da
computação das universidades públicas na busca do desenvolvimento de softwares
específicos e mais estáveis para a utilização com esses fins.
4.5. Depoimento de Alice a respeito deste trabalho
62
“Acredito que interagir com Tom foi uma experiência única, pois a cada
interação tive a oportunidade de conhecer e de aprender mais sobre a cultura norte-
americana, sobre a população dos Estados Unidos e sobre a minha própria cultura, pois
62
A dissertação completa foi enviada à participante Alice, em versão digital, conforme solicitado pela
própria participante, para que esta, após a leitura, apresentasse um parecer sobre o trabalho.
180
durante as nossas interações percebi que havia muitas coisas em meu país que eu ainda
não conhecia e que deveria conhecer. Muito do que eu acreditava ser verdade também
foi desmistificado por Tom e as nossas interações eram sempre muito agradáveis. As
descrições feitas por Tom sobre o seu país eram sempre bem detalhadas e me faziam
imaginar como seria bom viver naquele lugar, apesar de saber que nem tudo lá é
perfeito e que os EUA tem tantos problemas quanto o Brasil. Além disso, as interações
permitiram que eu aumentasse a minha competência lingüística, pois ao fim de cada
interação reservávamos alguns minutos para uma feedback session e, dessa forma,
discutíamos sobre os nossos erros, acertos e também fazíamos perguntas sobre qualquer
dúvida que pudéssemos ter em relação à língua”.
181
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São José do Rio Preto, 05/03/2009
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