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UFSM
Dissertação de Mestrado
AS REPRESENTAÇÕES NO CIRCUITO DAS NOTÍCIAS:
O MOVIMENTO DOS TRABALHADORES RURAIS
SEM-TERRA NO JORNAL ZERO HORA
Vilso Junior Chierentin Santi
PPGCOM
Santa Maria, RS, Brasil
2009
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2
Vilso Junior Chierentin Santi
AS REPRESENTAÇÕES NO CIRCUITO DAS NOTÍCIAS:
O MOVIMENTO DOS TRABALHADORES RURAIS
SEM-TERRA NO JORNAL ZERO HORA
Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado do
Programa de Pós-Graduação em Comunicação,
Área de Concentração Comunicação Midiática,
Linha de Pesquisa Mídia e Identidades
Contemporâneas, da Universidade Federal de
Santa Maria (UFSM, RS), como requisito parcial
para a obtenção do título de Mestre em
Comunicação.
Orientadora: Profª. Dr. Márcia Franz Amaral
Universidade Federal de Santa Maria
Santa Maria, RS, Brasil
2009
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3
Universidade Federal de Santa Maria
Centro de Ciências Sociais e Humanas
Departamento de Ciências da Comunicação
Programa de Pós-Graduação em Comunicação
A Comissão Examinadora, abaixo assinada, aprova a dissertação de Mestrado “As
Representações no Circuito das Notícias: o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-
terra no Jornal Zero Hora”, de autoria do Mestrando, Vilso Junior Chierentin Santi, como
requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Comunicação.
COMISSÃO EXAMINADORA:
Profª. Dr. Márcia Franz Amaral
(UFSM)
Presidente/Orientador
Profª. Dr. Ana Carolina Damboriarena Escosteguy
(PUCRS)
Primeiro membro
Profª. Dr. Christa Liselote Berger Ramos Kuschick
(UNISINOS)
Segundo membro
Prof. Dr. Fábio Souza da Cruz
(UCPel)
Suplente
Santa Maria, 03 de março de 2009
4
Dedico a...
Quem construiu a Tébas das sete portas?
Nos livros constam os nomes dos reis...
Os reis arrastaram os blocos de pedra?
E a Babilônia tantas vezes destruída...
Quem a ergueu outras tantas?
Em que casas da Lima radiante de ouro...
Moravam os construtores?
Para onde foram os pedreiros...
Na noite em que ficou pronta a muralha
da China?
(Bertolt Brecht - Poemas).
5
Agradeço...
Àquelas pessoas que me puseram no caminho –
o seu Vilso e a dona Mery, meus pais.
Àquelas pessoas que sempre compartilharam comigo o caminho –
a Cristiana, a Fabiana, o Jéferson e a Heloíse, meus irmãos.
Também, àquelas que chegaram por último –
a Stéfani, o Otávio e o Christian, meus sobrinhos.
Àquelas pessoas que lutaram comigo no caminho –
no CAFW, na Emater, no MST, na UCPel, na Cultivar e na UFSM.
Àquelas pessoas que me orientaram no caminho –
em especial a Profª. Dr. Márcia Franz Amaral;
e, àquelas que me desorientaram também...
Àquelas pessoas com quem cruzei no caminho –
meus amigos, meus mestres, meus colegas, meus amores...
E, àquelas com quem eu ainda vou cruzar...
E, por último...
Àquele que dizem que criou todas elas, inclusive o caminho –
Deus.
6
“Destacamos, pois,
a necessidade de uma visão mais lata
do ‘universo das notícias’
envolvendo o campo da cultura
e o conflito de representações”
(PONTE, 2004, p.129).
7
RESUMO
O presente trabalho trata dos Estudos Culturais e de sua configuração, do “Circuito da
Cultura” e de sua aproximação com o “Circuito das Notícias”, numa tentativa de abordagem
integral e integradora, que reivindica uma visão global sobre os processos jornalísticos
sustentada na idéia de integração entre produção, texto e leituras. Ele busca sinalizadores
capazes de balizar a incursão no campo da comunicação e do jornalismo e parte das
contribuições teórico-metodológicas dos Estudos Culturais Britânicos, em especial dos
postulados de Richard Johnson (1999) no que se refere ao “Circuito da Cultura”, para
entender e/ou explicar a dinâmica da cultura, dos produtos culturais, e suas intersecções com a
prática jornalística, principalmente no que se refere às representações. Estudar a representação
do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-terra (MST) e de suas ações nos textos do
jornal Zero Hora (ZH), tendo como panorama o Circuito das Notícias” e suas distintas fases,
é nosso objetivo central. Porém aqui, também pretendemos mapear o movimento das
representações e suas transformações ao longo da cadeia produção texto leitura. Dessa
forma, além de reconhecer a competência do jornalismo e do discurso jornalístico no trabalho
de construção das representações, tentaremos responder como se e em que base se assenta
esse movimento que perpassa as diferentes fases do “Circuito das Notícias”, sem esquecer de
suas intersecções e inter-relações.
Palavras chave: Metodologia de pesquisa em jornalismo; Circuito das notícias;
Representações; MST; Zero Hora.
8
ABSTRACT
This work is about the Cultural Studies and its configuration, the “Culture Circuit” and its
approach with the “News Circuit”, in a full and integrating attempt of approach which
revindicates a global view about the journalistic processes based on the Idea of integration
between production, text and readings. It searches signs capable to demarcate the incursion
into the communication and journalism Field and part of the theoretical-methodological
contributions of the Cultural British Studies, in special the ones postulated by Richard
Johnson (1999) which refers to the “Culture Circuit”, to understand and/or to explain the
culture dynamics, of the cultural products and their intersections with the journalistic practice,
mainly which refers to its representations. Studying the representation of the Landless
Workers Movement (MST) and their actions into the Zero Hora newspaper(ZH) texts having
as the scenery the “News Circuit” and their distinct stages is our main purpose. Nevertheless
here we also want to map the representations movement and its transformations along the
production text reading chain. In that way, besides recognizing the aptitude of the
journalism and the journlistic speech at work of the construction of the representations we
will try to answer how this movement works and how it is based this movement which passes
by the different stages of the “News Circuit”, without forgetting its intersections and inter-
relations.
Key-words: Journalism Research Methodology; News Circuit; Representations; MST; Zero
Hora.
9
LISTA DE FIGURAS
FIGURA 1 – Diagrama da produção, circulação e consumo dos produtos culturais
25
10
LISTA DE GRÁFICOS
GRÁFICO 1 Distribuição das matérias referentes ao MST publicadas na Zero
Hora em 2008 – por seção ou editoria .......................................................................
108
GRÁFICO 2 Distribuição das matérias referentes ao MST publicadas na Zero
Hora em 2008 – por mês ou período .........................................................................
109
11
LISTA DE TABELAS
TABELA 1 – Matérias referentes ao MST publicadas na Zero Hora em 2008 ........
107
12
LISTA DE ANEXOS
ANEXO 1 – Da produção: Entrevistas com os jornalistas ........................................
183
ANEXO 2 – Do texto: Matérias publicadas pelo jornal Zero Hora ...........................
197
ANEXO 3 – Da leitura: Grupo focal com os agricultores Sem-terra ........................
207
13
SUMÁRIO
CAPÍTULO 1 – Da introdução: o caminho que nos conduz ...............................
14
CAPÍTULO 2 – Do “Circuito da Cultura” ao “Circuito das Notícias” ..............
20
2.1 Os Estudos Culturais e sua configuração .............................................................
20
2.2 O diálogo entre “Circuito da Cultura” e “Circuito das Notícias” ........................
24
2.3 As representações no “Circuito das Notícias” .....................................................
28
2.4 A matriz representacional hegemônica da questão agrária ..................................
41
2.5 Os momentos do “Circuito das Notícias” ..........................................................
52
CAPÍTULO 3 – Da produção e da publicação das notícias .................................
58
CAPÍTULO 4 – Do texto e seu descentramento ....................................................
97
CAPÍTULO 5 – Da leitura como ato de produção ................................................
124
CAPÍTULO 6 – Das considerações finais: as representações no jornalismo em
processo .....................................................................................................................
168
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................................
177
14
CAPÍTULO 1 –
DA INTRODUÇÃO:
O CAMINHO QUE NOS CONDUZ
A vida é feita de escolhas, opções que carregam consigo seus ônus e seus bônus. A
Ciência, em especial a Ciência Comunicacional, ao que parece, também é feita de escolhas.
Dessa forma, esperamos e torcemos que nossas opções neste trabalho, possam produzir
sempre mais resultados positivos que negativos, no sentido de serem produtivas e proveitosas.
Começamos por esclarecer algumas dessas escolhas: a primeira diz respeito à própria
dedicação aos estudos de Comunicação antes de uma opção meramente acadêmica uma
opção de vida – um sonho sonhado, perseguido e em vias de materialização.
A segunda refere-se à eleição do objeto de estudo o Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem-terra (MST), as representações e sua relação com a comunicação midiática,
especialmente com o jornal Zero Hora (ZH). Ela não é gratuita. Advém daquilo que
defendemos, também para as Ciências Sociais, em especial às Ciências da Comunicação: uma
necessária e urgente “reforma agrária no conhecimento” que, na academia, acabe com os
latifúndios pouco produtivos que se instalaram sobre vastas áreas do pensamento – latifúndios
esses propriedade de pequenos grupos de “eleitose delimitados por barreiras muitas vezes
intransponíveis. Tensionar essas barreiras é o que propomos ao promover um estudo
integrativo entre produção-textos-leituras na perspectiva do “Circuito das Notícias”. Esse
caminho temos perseguido desde a Graduação. Tempo em que nos aproximamos dos
assentamentos de reforma agrária do MST
1
e das investigações realizadas pelo Núcleo de
Pesquisa em Jornalismo do Curso de Comunicação Social da Universidade Católica de
Pelotas (Nupecom/ UCPel)
2
.
1
Atuamos de fevereiro de 2001 a dezembro de 2005 na implantação de assentamentos de reforma agrária no
município de Canguçu (RS), pela Ascar/Emater-RS, empresa oficial de assistência e extensão rural do Estado.
2
Tais pesquisas contribuíram, por exemplo, com os estudos de CRUZ, Fábio Souza da. A Cultura da Mídia no
Rio Grande do Sul: o caso MST e Jornal do Almoço. 2006. Tese. Porto Alegre: PUCRS, 2006; e de SANTI,
Vilso Junior Chierentin. Um jogo sem final: a relação Lasier Martins e MST no contexto da recepção. 2006.
Monografia. Pelotas: UCPel, 2006.
15
A terceira, e talvez a mais importante escolha, está relacionada à forma como
pretendemos ver, para tentar enxergar, a relação entre a Comunicação Midiática e um
Movimento Social organizado. Ela parte da constatação que um grande mero de pesquisas
conduzidas com esse intuito no ambiente Comunicacional, em especial no ambiente do
Jornalismo, não conseguem abarcar integralmente fenômenos como, por exemplo, o
desdobramento das representações midiáticas nas diferentes fases da notícia. Eis o nosso
desafio no presente trabalho.
Ao lançarmos mão do “Circuito da Cultura” proposto por Johnson (1999), daquilo que
Escosteguy (2007) qualificou como um novo e necessário “Protocolo Analítico de Integração
da Produção e da Recepção” e/ou do que Strelow (2007) chamou de Análise Global dos
Processos Jornalísticos” procuramos combinar diferentes técnicas de pesquisa social em
comunicação, num estudo integrador aspirando contemplar juntos, no “Circuito das Notícias”,
os principais momentos do processo Jornalístico produção, textos, leituras para assim
tentar suprimir, da maneira mais integral possível, tal ausência.
Evidentemente que ao estudar a representação do MST com base no “Circuito das
Notícias”, nosso objetivo central, numa dissertação de mestrado exige, pela complexidade de
elementos que envolve, um trabalho mais horizontalizado que verticalizado mais
panorâmico portanto. Temos consciência disso. Porém buscamos exercitar em conjunto tais
metodologias, sem deixar de ressaltar e de reconhecer que, até mesmo por sua situação
“conjuntural”, não será possível aprofundá-las, detalhá-las e esmiuçá-las como estudos
específicos têm realizado em cada um dos certames. Pretendemos analisar o percurso das
representações nas notícias e para acompanhar esse movimento, não será possível aprofundar
todas as instâncias. Achamos, porém que isso não invalida nossas possíveis contribuições.
Partimos de uma concepção da mídia e do Jornalismo como importantes construtores
da realidade social através de sua operação com as representações, pois, ao representar, o
Jornalismo e as notícias acabam por constituir a realidade social. Como o Jornalismo cada vez
mais tem poder simbólico, é fundamental entender como ele representa. Afinal, a
representação constitui. É dessa forma que os discursos jornalísticos acabam por representar
singularmente o mundo sobre o qual se reportam, além de, em tempos de midiatização,
configurar-se como o modelo dominante e/ou preferencial de atribuição de representações.
Se tomarmos as representações como “imagens construídas do real”, de imediato
podemos inferir que os diferentes grupos e campos sociais, de acordo com seu conjunto de
valores simbólicos, organizam as suas próprias matrizes representacionais. Essa matriz ao
16
entrar em contato com a representação dos outros, num movimento dialético, pode
potencialmente gerar conflitos.
O campo da Mídia, no geral, e o campo do Jornalismo em particular, “importantes
construtores da realidade social”, decorrente de sua própria natureza constitutiva, carregam
consigo, em sua genética, esse potencial gerador de conflito, principalmente por se abastecer
de representações oriundas de outros campos, cada uma vinculada aos seus interesses. O
campo político, onde atuam os Movimentos Sociais organizados, em particular o MST
também convive com esse potencial conflitivo. Porém, segundo Berger (2003, p.10), isso não
é de todo mau, pois é a lição apreendida de que o conflito compõe a existência que vai
contribuir para reorientar o olhar sobre as dinâmicas sociais, já que é pelo social que a
conflitualidade se instaura.
Como dissemos, partimos também de algumas carências na pesquisa, como falta de
percepção das práticas sócio-culturais como um “Circuito”. Nesse aspecto, é importante
lembrar que será sempre a conjugação entre as instâncias da produção, do texto e da leitura
que vai determinar a circulação de valores simbólicos e, assim, reger a atividade e o processo
de significação dos diversos campos sociais. É importante também lembrar que é através de
nosso sistema de representação que são delimitados os significados e que estes são produzidos
através da linguagem. Por isso, consideramos que a representação pode ser adequadamente
analisada em relação às formas concretas assumidas pelo significado – nas notícias, por
exemplo junto com o exercício concreto da leitura e da interpretação e sem esquecer dos
condicionantes do ambiente onde elas foram produzidas.
Portanto, mesmo reconhecendo como importante caminho, não pretendemos estudar
somente a representação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-terra nos textos do
jornal Zero Hora. Pretendemos agregar às análises o mapeamento do movimento das
representações no “Circuito das Notícias” em todos os seus momentos produção, textos,
leituras – mesmo que de forma limitada, tendo em vista o caráter desse trabalho.
É dessa forma que, além de reconhecer a competência do Jornalismo e do
discurso jornalístico no trabalho de construção das representações, perguntamos: como
se dá e em que base se assenta esse movimento de representações nos diferentes
momentos do “Circuito das Notícias” quando tomamos para análise as ações do MST
reportadas pelo jornal Zero Hora em suas páginas?
17
A fim de responder tais inquietações, estruturamos o presente relato em seis seções
assim distribuídas: essa primeira, de forma introdutória, trata de clarear o caminho que nos
conduz em nossas considerações. A segunda versa sobre os Estudos Culturais e sua
configuração; o “Circuito da Cultura” de Johnson (1999) e sua aproximação dialógica com o
“Circuito das Notícias”; e sobre as representações no “Circuito das Notícias” e a matriz
representacional hegemônica da questão agrária historicamente construída no Brasil; além de
assinalar a discussão sobre os diferentes momentos do “Circuito das Notícias” (produção,
texto, leituras).
A terceira, a quarta e a quinta parte detalham nossa estratégia teórico-metodológica
para análise dos processos jornalísticos no “Circuito das Notícias”, apresentando as
considerações acerca de seus diferentes momentos: a produção e a publicação das notícias
(Capítulo 3), o texto e seu descentramento (Capítulo 4), a leitura como ato de produção
(Capítulo 5). Nelas também incorporamos o tratamento e a análise dos dados coletados na
pesquisa prática realizada nas diferentes etapas do “Circuito”.
Na produção agregamos a abordagem do newsmaking e buscamos nas entrevistas com
os jornalistas e na observação de suas rotinas produtivas, elementos capazes de emprestar
características à representação acerca do MST e suas ações a fim de categorizá-las como
favorável, desfavorável e/ou tensionada, em relação à matriz representacional hegemônica
anteriormente descrita. Nos textos tomamos como base o estudo de Jacks, Machado & Müller
(2004) e, através da identificação das Sequências Discursivas (SDs) e dos sentidos
predominantes, também procuramos categorizar a representação do MST e de suas ações
como favorável, desfavorável e/ou tensionada em analogia à matriz representacional
hegemônica. E, nas leituras adotamos a proposição de Hall (2003) na tentativa de categorizá-
las como preferencial ou hegemônica, de oposição ou de resistência e/ou negociada, partindo
sempre do que chamamos de matriz representacional hegemônica. Aqui manejamos os dados
extraídos da observação das “rotinas de leitura” dos integrantes do MST e do trabalho com o
grupo focal realizado diretamente no “Acampamento em Luta” de São Gabriel (RS).
Por fim a sexta seção, além de encaminhar para as considerações finais, aspira tratar
da análise de um momento do “Circuito das Notícias” em relação ao outro. Aqui, as
categorias adotadas para análise da representação do MST e de suas ações, tanto na produção
(favorável, desfavorável e tensionada), quanto no texto (favorável, desfavorável e tensionada)
e na leitura (preferencial, de oposição e negociada), serão relacionadas a fim de apontar as
transformações sofridas pela representação em seu percurso.
18
Dessa maneira, podemos hipoteticamente afirmar que a representação do MST e de
suas ações no “Circuito das Notícias” sofre uma transformação significativa. Sofre uma
“torção” e/ou faz um movimento parecido com uma volta de espiral. Se pensarmos a partir da
produção, ela sai de uma posição claramente favorável à matriz representacional hegemônica
(que historicamente é desfavorável aos Sem-terra); passa no texto/notícias por uma posição
onde as negociações são muito mais intensas e visíveis embora aqui ainda estejam muito
mais presentes os sentidos derivados da matriz de representação hegemônica; e transforma-se
numa representação claramente desfavorável ou de oposição, quando encontra a leitura e/ou
os agricultores Sem-terra na posição de leitores.
Convém destacar ainda que pretendemos direcionar as análises dos diferentes
momentos do “Circuito das Notícias” em nosso estudo, relacionando-as com os fatos
noticiados pelo jornal Zero Hora no período de 12/04 a 21/05/2008. Tais fatos estão todos
vinculados à “Jornada Nacional de Lutas” promovida anualmente pelo MST (Abril
Vermelho)
3
e pautam especificamente as ações de ocupação e desocupação da Fazenda
Southall (Estância do Céu)
4
no município de São Gabriel (RS). Tal escolha aspira minimizar
o efeito perigoso das generalizações, pois foram somente esses os acontecimentos por nós
acompanhados de perto, no calor da hora.
Cabe esclarecer também que no momento da produção entrevistamos jornalistas
vinculados ao jornal Diário de Santa Maria
5
, responsável direto pela cobertura dos fatos e
porta de entrada dos acontecimentos na rede de informações do Grupo RBS, da qual a Zero
Hora é a célula mãe quando tratamos de jornalismo impresso. no momento da leitura
trabalhamos com agricultores Sem-terra, vinculados ao MST, todos integrantes do
3
AJornada Nacional de Lutas” marca anualmente um período de intensas mobilizações do MST. Ela é
realizada em alusão ao massacre de Eldorado dos Carajás que ocorreu em 17 de abril de 1996, no Pará. A ação
policial matou 19 Sem-terra e deixou 69 agricultores mutilados, além de diversos feridos. Segundo o
Movimento, em 2008, a Jornada pautou a denúncia da lentidão no processo de Reforma Agrária e dos efeitos
negativos do agronegócio, além apresentar de propostas para reverter à situação. Disponível em
<www.mst.org.br>. Acesso em 15 jan. 2009.
4
A Estância do Céu, de propriedade de Alfredo Southall, possui uma área territorial de 13 mil hectares e,
conforme o MST, acumula dívidas de quase R$ 50 milhões com os cofres públicos. A Fazenda já havia sido
desapropriada em 2003 pelo Governo Federal, mas o processo foi suspenso pelo Supremo Tribunal Federal. Na
área, segundo o Movimento, poderiam ser assentadas 600 famílias Sem-terra. Disponível em <www.mst.org.br>.
Acesso em 15 jan. 2009.
5
Lançado em 2002 e filiado ao IVC, o Diário de Santa Maria é o caçula dos jornais impressos do Grupo RBS no
Rio Grande do Sul. O jornal é responsável pela cobertura da região central do Estado e abrange 35 municípios,
inclusive São Gabriel. Disponível em <www.clicrbs.com.br/jornais/dsm>. Acesso em 15 jan. 2009.
19
“Acampamento em Luta”
6
de São Gabriel (RS) e diretamente envolvidos nas ações reportadas
pelo jornal.
As considerações acerca desses itens apesar de concluídas ainda são indicias. Tratamo-
las ainda como um protocolo de intenções, pela complexidade de elementos que envolvem e
pela variedade de percursos possíveis. No entanto, nossa intenção nesse momento é de clareá-
las o máximo possível a fim de mostrar na concretude o caminho que nos conduz.
6
“Acampamento em Luta” é uma organização provisória montada pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais
Sem-terra para realização de ões reivindicatórias pontuais. No caso de São Gabriel ele reunia famílias dos
cinco acampamentos permanentes que o MST mantém no Rio Grande do Sul.
20
CAPÍTULO 2 –
DO “CIRCUITO DA CULTURA” AO “CIRCUITO DAS NOTÍCIAS”
A mercantilização da cultura, bem como a aceleração da organização capitalista dentro
do universo cultural, facilitada pela atuação progressiva dos meios de comunicação, está entre
os principais fatores que contribuíram para a formatação dos Estudos Culturais como linha de
pesquisa e análise no seu nascedouro. Desde então, essa perspectiva tem se caracterizado
principalmente por vincular suas análises às realidades históricas locais, pela variedade de
objetos que estuda e analisa e por sua interdisciplinaridade. “Aquele que realiza Estudos
Culturais fala a partir de interseções” ressalta García Canclini (1995, p.27).
2.1 Os Estudos Culturais e sua configuração
A Inglaterra não produziu e/ou ofereceu ao mundo apenas a Revolução Industrial.
Grandes correntes de pensamento, ligadas ao desenvolvimento do saber, também foram
gestadas nos domínios britânicos. Uma dessas correntes é, sem dúvida, os chamados Estudos
Culturais que, como a Revolução Industrial, posteriormente se espalhou pelo globo.
Os Estudos Culturais Britânicos surgem no final dos anos de 1950 vinculados ao
CCCS (Centro de Estudos Culturais Contemporâneos) da Universidade de Birmingham na
Inglaterra. Desde o nascimento eles foram pautados pela transdisciplinariedade e fortemente
influenciados pelo estruturalismo e pela semiologia materialista. A escola da terra da rainha
teve seus pressupostos firmados pelos pesquisadores Richard Hoggart, Raymond Willians,
Edward Palmer Thompson e, posteriormente, Stuart Hall.
Para Johnson (1999, p.19) “os Estudos Culturais podem ser definidos como uma
tradição intelectual e política; ou em suas relações com as disciplinas acadêmicas; ou em
termos de paradigmas teóricos; ou, ainda, por seus objetos característicos de estudo”. Sendo
assim, podemos afirmar que no centro de interesse dos Estudos Culturais estão as conexões
entre a cultura, a história e a sociedade.
21
Segundo o autor (1999, p.10-11) os Estudos Culturais são, agora, um movimento ou
uma rede, que tem como principais características sua abertura e versatilidade teórica, seu
espírito reflexivo e, especialmente, a importância de sua crítica. “Crítica como o conjunto dos
procedimentos pelos quais outras tradições são abordadas tanto pelo que elas podem
contribuir quanto pelo que elas podem inibir”.
Historicamente na implementação de seu programa, os Estudos Culturais beberam na
fonte marxista, apesar de inúmeras discussões acerca dessas contribuições para o seu
desenvolvimento. Para Johnson (1999, p.13) as influências de Marx sobre os Estudos
Culturais estão ligadas basicamente às seguintes noções:
A primeira é que os processos culturais estão intimamente vinculados
com as relações sociais, especialmente com as relações e as formações
de classe, com as divisões sexuais, com a estruturação racial das
relações sociais e com as opressões de idade. A segunda é que cultura
envolve poder, contribuindo para produzir assimetrias nas capacidades
dos indivíduos e dos grupos sociais para definir e satisfazer suas
necessidades. E a terceira, que se deduz das outras duas, é que a cultura
não é um campo autônomo nem externamente determinado, mas um
local de diferenças e de lutas sociais.
Outra contribuição importante para os Estudos Culturais em sua trajetória foram as
críticas dos movimentos de luta contra o racismo e do feminismo. Estes acabaram por tornar
visíveis algumas premissas antes não reconhecidas, por produzir novos objetos e por obrigar a
reformulação de outros tantos dentro da tradição.
Segundo Johnson (1999, p.15), falando especificamente do movimento feminista,
antes, o “pessoal” era político, mas deslocado da questão do gênero. Para ele, o feminismo
de maneira geral contribui para um importante deslocamento: “da crítica anterior baseada na
noção de ideologia, para abordagens que se centram nas identidades sociais, nas
subjetividades, na popularidade e no prazer”.
Nessa sucinta linha histórico-temporal fica cada vez mais claro que a cultura não pode
ser apreendida como um todo em nosso tempo. De acordo com Johnson (1999, p.19),
precisamos então de uma estratégia particular de definição para os Estudos Culturais. Uma
estratégia que revise as abordagens existentes e que identifique seus objetos característicos e a
abrangência de sua competência, mas, que também mostre as suas falhas e os seus limites.
“Na verdade, não é de uma definição ou de uma codificação que precisamos, mas de
‘sinalizadores’ de novas transformações”.
22
Porém, aponta que precisamos também da história dos Estudos Culturais a fim de
termos presentes os dilemas recorrentes nas análises e termos uma visão perspectiva dos
projetos atuais. É assim que para Johnson (1999, p.20), “boa parte das fortes continuidades da
tradição dos Estudos Culturais está contida no termo singular ‘culturaque continua útil não
como uma categoria rigorosa, mas como uma espécie de síntese de uma história”.
Outro ponto importante para os Estudos Culturais que tem sido recorrente é o
sentimento, sempre presente, de uma conexão entre o trabalho intelectual e o trabalho
político. Para Johnson (1999, p.21-22), não se pode negligenciar ou relativizar as condições
culturais da política, nem como ficar alheio ao seu maléfico estreitamento mecânico. Pois,
segundo ele, “da mesma forma que a política, a pesquisa deve ser tão profunda, mas também
tão politicamente orientada, quanto nós a pudermos tornar”. Johnson ainda complementa:
“temos de lutar, sobretudo, talvez, contra a falta de conexão que ocorre quando os Estudos
Culturais são dominados por propósitos meramente acadêmicos ou quando o entusiasmo pelas
formas culturais populares é divorciado da análise do poder e das possibilidades sociais”.
Para Johnson (1999, p.23), análise e comparação de problemáticas teóricas ainda são,
portanto, uma componente essencial de toda a análise cultural. Mas, segundo ele, “sua
dificuldade principal é que as formas abstratas de discurso desvinculam as ideias das
complexidades sociais que as produziram ou às quais elas, originalmente, se referiam”.
Ele afirma que temos de ter cuidado porque as clarificações teóricas tendem a produzir
um impulso independente, bastante silenciador e talvez opressivo das novas formas de
discurso. Uma solução proposta por Johnson (1999, p.24) para esse potencial apagamento é
sempre partir de casos concretos, seja para “enquadrar a teoria como uma discussão contínua
e contextualizada sobre questões culturais”, seja para fazer conexões entre os argumentos
teóricos e experiências contemporâneas”.
Para o autor, o termo “cultura” tem valor apenas como um lembrete, mas não como
uma categoria precisa. Segundo ele, falar de cultura é falar de polissemia. Por isso, na
tentativa de emprestar maior precisão ao fenômeno cultural, Johnson (1999, p.25) prefere
falar da relação entre ‘consciência’ e ‘subjetividade’ para melhor defini-la. Para o autor os
problemas centrais dos Estudos Culturais estão situados em algum ponto entre esses dois
termos. Ele afirma:
Para mim, os Estudos Culturais dizem respeito às formas históricas da
consciência ou da subjetividade, ou às formas subjetivas pelas quais nós
vivemos ou, ainda, em uma síntese bastante perigosa, talvez uma
23
redução, os Estudos Culturais dizem respeito ao lado subjetivo das
relações sociais.
Johnson afirma que “consciência”, dentro dessa formulação deva ser entendida como
uma premissa para entender a história humana, com uma forte conotação cognitiva e que tem
a ver com o conhecimento dos níveis sociais e culturais. Mas não é somente isso. Ela também
abriga uma noção de consciência do eu, bem como uma ‘autoprodução moral’ e mental ativa.
“Em outras palavras, os seres humanos são caracterizados por uma vida ideal ou imaginária,
na qual a vontade é cultivada, os sonhos são sonhados e as categorias elaboradas”
(JOHNSON, 1999, p.26).
Segundo o autor, o conceito de “subjetividade” é, aqui, especialmente importante,
desafiando as ausências na consciência. “Ele inclui a possibilidade, por exemplo, de que
alguns elementos estejam subjetivamente ativos eles nos ‘mobilizam’ sem serem
conscientemente conhecidos”. E, dentre outros, também faz a conexão com uma importante
premissa estruturalista: “A subjetividade não é dada, mas produzida, constituindo, portanto, o
objeto da análise e não sua premissa ou seu ponto de partida” (JOHNSON, 1999, p.27).
Admitindo sua influência marxista, em muitas de suas próprias análises sobre os
Estudos Culturais, Johnson (1999, p.29) recorre à noção de “formas”, tanto sociais quanto
históricas, para explicar como os seres humanos produzem e reproduzem sua vida material.
Para ele, os Estudos Culturais, apesar de enxergarem os fenômenos de um outro ponto de
vista, também estão preocupados com formações sociais mais amplas e/ou sociedades inteiras,
junto com seu movimento. “Nosso projeto é o de abstrair, descrever e reconstruir, em estudos
concretos, as formas através das quais os seres humanos vivem, tornam-se conscientes e se
sustentam subjetivamente”.
Quando retoma as contribuições estruturalistas, no que tange às formas, Johnson
(1999, p.29) ressalta que principalmente o caráter estruturado das formas que subjetivamente
ocupamos, como a linguagem, os discursos, os mitos etc., tem apontado para as regularidades
e para os princípios de organização aquelas coisas que fazem com que haja forma; e, tem
fortalecido nossa sensibilidade sobre a dureza, o caráter determinado e, na verdade, sobre a
existência real de formas sociais que exercem suas pressões através do lado subjetivo da vida
social.
Porém, ele mesmo alerta que isto não significa dizer que a descrição da forma, nesse
sentido, é suficiente. É também importante ver a natureza histórica das formas subjetivas,
primeiro do ponto de vista de suas pressões ou tendências, ou seja, tanto pelos princípios do
24
movimento quanto na sua combinação; depois analisar como essas tendências são
modificadas por outras determinações sociais, “incluindo aquelas que estão em ação através
das necessidades materiais” (JOHNSON, 1999, p.30).
Por conseguinte, as abstrações simples que têm sido usadas até o momento não podem
nos levar muito longe. Em acordo com a definição de cultura de Johnson (1999), não se pode
mais limitar o campo a práticas especializadas, a gêneros particulares ou a atividades
populares de lazer. Dessa forma é que, segundo ele, todas as práticas sociais podem ser
examinadas de um ponto de vista cultural, ou seja, podem ser examinadas pelo trabalho que
elas fazem subjetivamente. O que vale também para a mídia, para o jornalismo, para as
notícias e seus modos de produção, circulação e consumo.
2.2 O diálogo entre “Circuito da Cultura” e “Circuito das Notícias”
Com vistas a explicar a complexificação das questões, bem como suas ricas categorias
intermediárias, Johnson (1999) acaba por propor um modelo de análise mais estratificado do
que as teorias gerais a então existentes preocupação também compartilhada por Hall
(2003) dentro da matriz britânica dos estudos culturais. Um modelo que, idealmente,
ambiciona ver os diferentes lados de um mesmo e complexo processo. Um modelo que,
segundo Johnson, ajuda a explicar as questões-chave dos Estudos Culturais suas
fragmentações teóricas e disciplinares a fim de relacionar essas diferenças aos próprios
processos que elas buscam descrever (JOHNSON, 1999, p.31-32).
Para tanto, conforme o autor, faz-se necessária uma descrição, ao menos provisória,
dos diferentes aspectos ou momentos dos processos culturais, aos quais poderiam ser
relacionadas diferentes problemáticas teóricas, como a do “Circuito das Notícias” com a qual
pretendemos trabalhar. O resultado desse exercício é, porém, um modelo não acabado, com
valor heurístico ou ilustrativo, auxiliar na explicação das diferenças teóricas perpetuadas pelos
Estudos Culturais. “Um guia que aponta para as orientações desejáveis de abordagens futuras
ou de que forma elas poderiam ser modificadas ou combinadas” (JOHNSON, 1999, p.33).
A fim de melhorar o entendimento de sua proposta, Johnson (1999, p.33) procura
apresentar seu modelo de forma diagramática (Figura 1). O diagrama, segundo ele:
Tem por objetivo representar o circuito da produção, circulação e
consumo dos produtos culturais. Cada quadro representa um momento
nesse circuito. Cada momento depende dos outros e é indispensável
para o todo. Cada um deles, entretanto, é distinto e envolve mudanças
25
características de forma. Segue-se que se estamos colocados em um
ponto do circuito, não vemos, necessariamente, o que está acontecendo
nos outros. As formas que tem mais importância para nós, em um
determinado ponto, podem parecer bastante diferentes para outras
pessoas, localizadas em outro ponto.
Figura 1 – Diagrama da produção, circulação e consumo dos produtos culturais (JOHNSON, 1999, p.35).
Esse diagrama proposto por Johnson baseia-se, em sua forma geral, numa leitura da
descrição que Marx fez do circuito do capital e suas metamorfoses, onde os processos sempre
acabam por desaparecer nos produtos. Para Johnson (1999, p.34):
Todos os produtos culturais, por exemplo, exigem ser produzidos, mas
as condições de sua produção não podem ser inferidas simplesmente
examinando-os como ‘textos’. De forma similar, os produtos culturais
não são ‘lidos’ apenas por analistas profissionais, mas pelo público em
geral. Por isso, nós não podemos predizer essas leituras a partir de nossa
própria análise ou, na verdade, a partir das condições de produção.
Johnson (1999, p.34) alerta, ainda, que devido à circularidade do sistema as
comunicações tendem a ser transformadas ao longo de seu percurso, principalmente em seu
caminho de retorno. Segundo ele, para compreender adequadamente essas transformações,
temos de compreender as condições específicas do consumo e da leitura”, estas por sua vez
incluem as “simetrias de recursos e de poder” tanto materiais quanto culturais.
26
Também acabam por incluir os elementos culturais ativos no interior de contextos
particulares, as culturas vividas, e as relações sociais das quais essas combinações dependem.
“Esses reservatórios de discursos e significados constituem, por sua vez, material bruto para
uma nova produção cultural. Eles estão, na verdade, entre as condições especificamente
culturais de produção” (JOHNSON, 1999, p.34).
Outro ponto importante assinalado por Johnson (1999, p.35) diz respeito ao fato de
que em nossas sociedades muitas formas de produção cultural assumem também a forma de
mercadorias capitalistas. Assim sendo, conforme o autor, temos de prever tanto condições
especificamente capitalistas de produção, quanto condições especificamente capitalistas de
consumo. “É por isso que nesses casos o circuito é a um só tempo, um circuito de capital e um
circuito de produção e circulação de formas subjetivas”.
A partir dessas considerações é que podemos viabilizar a aproximação proposta do
jornalismo, através das notícias, para com o “Circuito da Cultura”. Jornalismo como uma
prática social e notícia como um produto cultural, como uma mercadoria, que carrega consigo
uma acumulação particularmente rica de significados e de representações, verificáveis pelo
trabalho que fazem subjetivamente e pela modificação histórica de suas tendências. Isso,
conforme Johnson (1999), levanta questões interessantes sobre o que constitui o texto/
discurso e evidencia que nunca será suficiente analisar apenas o “design” das notícias e suas
formas exteriores.
Com esse imbricamento e com a materialização do que chamamos de “Circuito das
Notícias”, outras questões ainda podem ser levantadas, como por exemplo: o que é feito das
notícias de forma mais privada, por grupos particulares de consumidores e de leitores? Dentro
disso, tornam-se passíveis de reflexão afirmações que apontam para que a comunidade
jornalística provavelmente as notícias e as representações que elas movimentam de uma
forma diferente dos leitores que as consomem.
Desvela-se também, a partir daí, que as notícias junto com suas representações podem
ser transformadas em seu uso. Elas podem adquirir valores diferentes dos pensados em
construção primeira. Depois, ainda conforme Johnson (1999), naturalmente, os produtos de
todo esse “Circuito” podem retornar, uma vez mais, para o momento anterior, como lucros
para novos investimentos.
Destarte, aqui tomaremos de empréstimo e como basilar o “Circuito da Cultura”
proposto por Johnson (1999), a fim de operacionalizar num estudo acadêmico-científico, a
27
análise do “Circuito das Notícias” e das representações movimentadas ao longo da cadeia
produção-textos-leituras. Servir-nos-emos também das considerações de Hall (2003) acerca
do modelo de “Codificação/Decodificação”; do que Escosteguy (2007) qualificou como um
novo e necessário “Protocolo Analítico de Integração da Produção e da Recepção”
7
; e/ou
daquilo que Strelow (2007) convencionou chamar de “Análise Global dos Processos
Jornalísticos”
8
.
No “Circuito das Notícias”, trabalharemos com seus diferentes momentos, pois,
conforme Hall (2003, p.388),
Enquanto cada um dos momentos [do processo comunicativo], em
articulação, é necessário ao circuito como um todo, nenhum momento
consegue garantir inteiramente o próximo, com o qual está articulado. Já
que cada momento tem sua própria modalidade e condições de
existência, cada um pode constituir sua própria ruptura ou interrupção
da ‘passagem das formas’ de cuja continuidade o fluxo de produção
efetiva (isto é, a ‘reprodução’) depende.
Segundo Escosteguy (2007, p.119), esse protocolo proposto por Hall (2003) também
se fundamenta na ideia de “comunicação como estrutura sustentada por uma articulação entre
momentos distintos produção, circulação, distribuição, consumo onde cada momento tem
condições próprias de existência”. No entanto, como eles articulam-se entre si, devem ser
analisados um em relação ao outro, sendo cada momento necessário para o todo, mas nenhum
capaz de antecipar por sua conta o próximo.
É notório, consequentemente, que esse tipo de análise é possível dentro de um
ambiente teórico-metodológico híbrido, onde as práticas sócio-culturais, como o jornalismo,
possam ser tomadas e relacionadas dentro de um circuito capaz de conjugar as instâncias de
produção, circulação e leitura. Essas, junto com seus diferentes elementos constituintes
(produtores, textos e leitores), são determinantes na circulação dos valores simbólicos
regentes da atividade e do processo de significação dos diversos campos sociais, configurando
e/ou desenhando o processo comunicativo de maneira conveniente e em sua totalidade.
7
Tal protocolo baseia-se, conforme a autora, tanto na matriz britânica dos Estudos Culturais, através das
produções de Stuart Hall (2003) e Richard Johnson (1999); quanto na sua vertente latino–americana com,
Martín-Barbero (2003), por exemplo. Para detalhamento conferir: ESCOSTEGUY, Ana Carolina. Circuitos de
cultura/circuitos de comunicação: Um protocolo analítico de integração da produção e da recepção. Revista
Comunicação, Mídia e Consumo/ Escola Superior de Propaganda e Marketing. V.4, n.11. São Paulo: ESPM,
2007.
8
Mesmo que a autora insista em qualificar restritivamente seu procedimento analítico como uma “proposta
metodológica”, com o que discordamos, não podemos deixar de reconhecer o seu trabalho como significativo na
pavimentação do caminho que propomos percorrer em nossa pesquisa. Para aprofundamento da proposta ver:
STRELOW, Aline do Amaral Garcia. Análise Global de Periódicos Jornalísticos (AGPJ): uma proposta
metodológica para o estudo do jornalismo impresso. 2007. Tese. Porto Alegre: PUCRS, 2007.
28
O “Circuito da Cultura” proposto por Johnson (1999), junto com o “Circuito das
Notícias” – forma de apropriação por nós adotada – sinaliza a necessidade de que, no plano da
pesquisa, sejam realizados estudos que integrem numa mesma perspectiva a análise das
instituições de mídia e de sua organização; das suas produções e condições de produção; dos
textos e/ou dos seus discursos; dos públicos, de suas práticas e das respectivas relações que se
estabelecem entre todos eles (ESCOSTEGUY, 2007). Trata-se, desse modo, de uma tentativa
de produzir novas formas de conhecimento desvinculadas dos limites de áreas especializadas
e tradicionais que dominam no campo da comunicação. Dela somos partidários e com ela
pretendemos trabalhar no trato do jornalismo, das notícias e das representações que ambos
movimentam.
Segundo Escosteguy (2007), o que esse modelo deixa ver é que os sentidos e suas
representações precisam entrar no domínio das práticas sociais, pois não como considerar
que tenham completado o circuito comunicativo, sem antes terem sido decodificados. Dessa
forma, para a autora, tanto o “receber o texto” (espaço da recepção/decodificação) quanto o
“imputar sentido” (espaço da produção/codificação) são práticas similares de representar e/ou
produzir significações.
Reiterando a proposta de Johnson (1999), que consiste pensar em cada um dos
momentos que compõe o “Circuito” à luz dos outros e para não perder de vista os processos,
Escosteguy (2007, p.128) aponta que a questão fundamental em todo esse arranjo é deter-se
nas relações entre produção/ texto/ leitura – o que também será basilar em nossa proposta que
visa o mapear, ao longo do “Circuito das Notícias”, as representações e os sentidos
mobilizados via representações, quando a pauta no jornal Zero Hora (ZH) é o Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem-terra (MST) e suas ações.
2.3 As representações no “Circuito das Notícias”
A percepção do jornalismo como uma prática sóciocultural e das notícias como
produto cultural, dentro de um modelo de circuito, são fundamentais para que a análise dos
fenômenos noticiosos contemporâneos tenha no conceito de representação uma centralidade.
Assim, conforme Johnson (1999), será a conjugação entre diferentes instâncias produção,
consumo, regulação, representação, identidade – que vai determinar a circularidade de valores
simbólicos, muitos deles impressos nas notícias, regentes da atividade e do processo de
significação dos diversos campos sociais.
29
Para Soares (2007, p.53) representar é uma forma de transcendência, que faz a
existência humana transcorrer num outro patamar de definições, denominações e
interpretações. Representar é próprio do humano. Logo, a representação pode ser tomada
como um elemento comum e necessário, e como o termo genérico das realizações culturais,
pois experimentamos o mundo graças a e através dos sistemas de representação. São elas, as
representações, as geradoras de nossa experiência produto de nossos códigos de
inteligibilidade e de nossos esquemas de interpretação. Em consequência, nenhuma
experiência fora das categorias da representação ou do discurso pode existir, que, como diz
Woodward (2000, p.17), “é por meio dos significados produzidos pelas representações que
damos sentido à nossa experiência e àquilo que somos”.
Como bem aponta Soares (2007), nos últimos anos, o uso do conceito de
representação nos estudos de comunicação e cultura tem sido crescente. Isso não é diferente
quando falamos dos estudos do jornalismo ou da análise das notícias, mais especificamente.
Porém, de imediato, cabe frisar a natureza complexa do fenômeno e a dificuldade de sua
conceituação precisa, pois, quando falamos de representação, não conseguimos falar de algo
claro, objetivo e identificável, mas sim, de um fenômeno que, na sua dupla natureza
(instauração de sentidos/ inscrição material), sofre permanentes alterações tanto na sua
dimensão simbólica quanto nas suas formas concretas de manifestação e/ou aparição sensível.
Ainda conforme o autor (2007, p.48), o ponto de partida da elaboração do conceito de
representação é a filosofia medieval. É ela quem introduz o termo latino repraesentatio para
indicar tanto uma ideia, uma imagem ou ambas as coisas, sugerindo uma semelhança com o
objeto ou coisa representada. “Representar envolvia, portanto, a ideia de representar algo
então ausente como se estivesse presente, ou seja, tornar algo presente outra vez.”
Porém, o primeiro sentido da representação como conceito, ou seja, o conceito de
representação mental, somente irá aparecer no século XII quando se estabelece grande parte
do vocabulário filosófico ocidental. A ele, atribui-se uma função semântica enquanto signo de
outro objeto. Segundo Soares (2007, p.48), a partir daqui, “a representação mental poderia
atuar como uma palavra mental, assumindo um papel linguístico, de modo que as
representações podiam ser combinadas para formar conceitos mais complexos ou sentenças da
linguagem”.
O termo passa então a ser utilizado para se referir ao conhecimento que podemos ter
da realidade perspectiva que vem de Kant o qual considerou a representação como o
gênero onde todas as manifestações cognitivas seriam espécies. Conhecimento este que
30
constrói o mundo cognoscível através das representações marcadas pelas limitações de nossos
sentidos e capacidades (ABBAGNANO, 1982; SOARES, 2007).
Recentemente, a filosofia da mente, através da aproximação das noções de
representação mental e intencionalidade, tem se preocupado com a natureza representacional
do próprio pensamento, considerando o pensamento como “um estado mental sobre algo
diferente de si mesmo” (Soares, 2007, p.48). As representações mentais, por conseguinte, se
constituiriam pela abstração dos dados da experiência, os quais ao serem designados pelos
signos linguísticos tornam-se estáveis, gerando o significado de uma palavra o qual se
encontraria sempre na representação mental que essa palavra exprime.
A preocupação em enfocar o papel das estruturas sociais e das conjunturas históricas
na constituição das representações, vai aparecer como perspectiva de análise para o
problema representacional a partir do século XIX. Conforme Soares (2007, p.48), nesse ponto
é que “passa-se a considerar a possibilidade da produção social das ideias que sancionam
percepções sobre coisas, pessoas, estados e processos”.
Marx e Engels foram precursores dessa lógica ao utilizar o termo ideologia para se
referir às influências das estruturas sociais na formulação das representações vigentes em uma
época histórica. Essa perspectiva acabou por colocar em primeiro plano o modo de produção
material da sociedade quando o problema é a formação das ideias. Segundo Soares (2007,
p.49), “ideologias são, portanto, representações conceituais de caráter político que configuram
a realidade social a partir do prisma de uma classe, destacando-se nesse processo a classe
dominante”. Elas tornam-se, assim, uma forma de representação que se autoalimenta e que
tende a estabelecer um forte antagonismo com formulações concorrentes.
No início do século XX cabe a Durkheim propor o conceito de “representações
coletivas” a fim de tentar indicar categorias capazes de traduzir estados coletivos de
pensamento. Nessas categorias de pensamento a estrutura social é considerada determinante, e
as categorias de pensamento tenderiam a reproduzi-la simbolicamente. Ou seja, para
Durkheim, as representações sociais corresponderiam a representações coletivas categorias
de pensamento através das quais determinadas sociedades elaboram e expressam a sua
realidade. Segundo ele, essas categorias não são dadas a priori e não são universais na
consciência, mas surgem sempre ligadas a fatos sociais, transformando-se em fatos sociais,
passíveis de observação e de interpretação.
31
Na concepção de Durkheim, é a sociedade quem pensa. Destarte, as representações
não são necessariamente conscientes do ponto de vista individual. Assim, de um lado as
representações sociais conservam sempre a marca da realidade social onde nascem, mas
também possuem vida independente, reproduzem-se e se misturam, tendo como causas outras
representações e não apenas a estrutura social. Diz o autor (1978, p.79):
As representações coletivas traduzem a maneira como um grupo se
pensa nas suas relações com os objetos o afetam. Para compreender
como a sociedade se representa a si própria e ao mundo que a rodeia,
precisamos considerar a natureza da sociedade e não a dos indivíduos.
Os símbolos que ela se pensa mudam de acordo com a sua natureza (...)
Se ela aceita ou condena certos modos de conduta, é porque entram em
choque ou não com algum de seus sentimentos fundamentais,
sentimentos estes que pertencem a sua constituição.
para Weber, a vida social que consiste na conduta cotidiana dos indivíduos é
carregada de significações culturais. Para ele essa significação é dada tanto pela base material
quanto pelas ideias, dentro de uma relação adequada, em que ambas se condicionam
mutuamente. Segundo o autor, as ideias ou representações sociais são juízos de valor que os
indivíduos dotados de vontade possuem. Logo, as concepções sobre o real têm uma dinâmica
própria e podem apresentar tanta importância quanto a base material.
Conforme Guareschi & Jovchelovitch (2000, p.93-94) é a partir da tese da recíproca
influência entre os fundamentos materiais, as formas de organização político-social e o
conteúdo das ideias, que Weber vai teorizar sobre certa autonomia do mundo das
representações e sobre a possibilidade concreta de se estudar a eficácia histórica das ideias.
Dentro disso, Weber alerta para a necessidade de se conhecer detalhadamente, em cada caso,
quais os fatores que contribuem para configurar determinado fato ou ação social e chama a
atenção, de um lado, para a importância de se pesquisar as ideias como parte da realidade
social e, de outro, para a necessidade de se compreender a que instâncias do social
determinado fato deve sua maior dependência.
Weber junto com Durkheim nos remete à importância de compreensão das ideias e de
sua eficácia na configuração da sociedade apelando ao estudo empírico do desenvolvimento
histórico. Por outro lado, não contradiz a possibilidade também histórica de conjunturas
socioeconômicas forçarem concepções e atitudes específicas. Por isso a forma como pensa as
ideias é de relação de adequação com a estrutura socioeconômica e política (GUARESCHI &
JOVCHELOVITCH, 2000, p.95).
32
Posteriormente, com o advento da Sociologia do Conhecimento, nos anos 1920 e
1930, os estudos dos determinantes sociais da representação e/ou da construção social da
realidade ganham corpo através da análise dos processos de objetivação das representações e
de sua interiorização por meio da socialização (BERGER & LUCKMANN, 1983). Essa
perspectiva influenciaria na sequência a Psicologia Social de Moscovici (1978) que por meio
do conceito de “representações sociais”, acabaria por se contrapor às “representações
coletivas” de Durkheim.
Para Moscovici (1978, p.28), o conceito de representação social diz respeito a um
corpus organizado de conhecimentos e a uma atividade psíquica através dos quais os homens
“tornam inteligível a realidade física e social, inserem-se num grupo ou numa ligação
cotidiana de trocas e liberam os poderes de sua imaginação”. Segundo ele (2003, p.209-210),
as “representações sociais” são explicações e conceitos originados nas comunicações
interpessoais da vida cotidiana, que operam como formas de familiarização com setores do
mundo estranhos a nós. Isso por meio de uma série de proposições que permitem às pessoas e
às coisas serem classificadas, seus caracteres descritos e seus sentidos e ações explicados.
Como lembra Moscovici (1978, p.174), a representação social surge quando há perigo
para a identidade coletiva e/ou quando a comunicação de conhecimentos submerge as regras
que a sociedade outorgou. Basicamente, sua preocupação central é responder por que as
pessoas fazem o que fazem, compram o que compram, votam, reúnem-se etc. Conforme o
autor, por detrás dessas ações e fundamentando as razões pelas quais as pessoas tomam tais
atitudes, está uma representação do mundo que não é apenas racional e cognitiva, mas um
conjunto amplo de sentidos criados e partilhados socialmente.
Foucault também contribuiu para a discussão das relações entre conhecimento e
contexto histórico/ social. Segundo Hall (1997, p.46), a grande contribuição de Foucault para
o estudo das representações advém da força do seu conceito de discurso, entendido não como
uma fala individual, mas como um sistema de representação, um conjunto de informações que
produz conhecimento sobre um assunto num dado momento histórico.
Na abordagem de Foucault, as falas singulares das pessoas não são livres. Elas fazem
parte de uma série e/ou de um jogo enunciativo geral. Ou seja, existe uma regularidade entre
os conceitos e escolhas temáticas dos falantes que remetem ao que ele denominou
“Formações Discursivas” (GREGOLIN, 2006).
33
A posição de Bourdieu (1989) também é clara nesse sentido: as representações se
materializam nas práticas sociais e nas instituições, mas elas não possuem autonomia em
relação às mesmas. Com influência de Marx, o autor de certa forma relevo à divisão social
de classes em suas análises. No entanto, nos seus estudos ele também delega importância às
relações de sentido, aos bens simbólicos e à dominação simbólica nas relações de classe; é
que a representação aparece.
Bourdieu desenvolve suas considerações a partir de três conceitos básicos: o sistema
de posições, o habitus e a reprodução social. O sistema de posições é uma premissa básica do
estruturalismo segundo o qual um objeto não deve ser buscado como substantivo, portador de
uma essência particular, mas definido dentro de uma perspectiva relacional. O conceito de
habitus, por sua vez, mostra como as aprendizagens sociais (formais e informais) inculcam
modos de percepção e de comportamento aos agentes sociais. E, a reprodução social vai ser o
fenômeno segundo o qual os princípios da distinção e os modos de reconhecimento são
assegurados – essa reprodução não se limita aos tradicionais fatos econômicos, mas sobretudo
explora as consequências da reprodução cultural.
Dentro desses, o habitus será o conceito fundamental para se entender a ideia das
representações sociais em Bourdieu. Conforme o autor é ele quem vai articular os dois
elementos de posição (ideias/ práticas sociais) dentro do qual a representação aparece.
Para Bourdieu (1989), o habitus é o conjunto das disposições adquiridas num contexto
e num momento social particular. Mas ele também é produtor de novas práticas. É uma
matriz, uma gramática geradora, espaço a partir do qual se torna possível uma exteriorização
da interiorização, de modos diferentes ou novos. “Se de um lado ele permite prever uma
determinada maneira de agir, por outro ele é um lugar vago e fluído onde é possível o
confronto entre a regra e o improviso” (BOURDIEU, 1989, p.98).
Na teoria macro de Bourdieu, a teoria do poder simbólico, o habitus é o elemento que
articula os sistemas simbólicos como estruturas estruturadas (passíveis de uma análise
estrutural) e as estruturas estruturantes, ou seja, a concordância das subjetividades
estruturantes (BOURDIEU, 1997, p.08). Estas, no pensamento sobre as representações
sociais, correspondem às dimensões opostas ideia/conhecimento x realidade. A primeira é a
dimensão do sujeito ele pensa, conhece, deseja e tem vontades que se refletem na estrutura
social conservando-a ou modificando-a. A segunda é a dimensão da estrutura social – a
realidade é aquilo que se opõe ao conhecimento, ao desejo e à vontade, ou seja, a estrutura
com a qual o sujeito se depara durante a vida social e que estaria construída antes mesmo
34
de sua existência. O habitus articula, desse modo, sujeito e estrutura – conhecimento e
realidade.
Hall (1997), por sua vez, ao propor uma contextualização acerca das principais
influências teóricas sobre a discussão do conceito de representação e ao agregar aos debates
uma série de análises empíricas, passa a interpretar os sentidos em função de algumas
premissas. De acordo com seus postulados representar é atribuir sentido, classificar e/ou lutar
pela imposição de significados. As representações, consequentemente, atuariam na antesala
das classificações sociais, podendo ser descritas como uma prática social que produz cultura.
Elas são um momento chave no “Circuito da Cultura” o qual, por sua vez, está diretamente
atrelado a elas. Para Hall (1997), representar diz respeito a um trabalho ativo de dar sentido às
coisas. Dessa forma, um dado importante é que a representação sempre será mediada pela
linguagem.
O autor considera ainda a representação como “efeito de uma prática” e quando trata
do “sistema de representação”, aos moldes de Althusser, utiliza o conceito de ideologia a fim
de ilustrá-lo. Para Hall (2003, p.169-170), “sistemas de representação são os sistemas de
significado pelos quais nós representamos o mundo para nós mesmo e os outros”. Segundo
ele, cada prática social é construída na interação entre significado e representação e pode, ela
mesma, ser representada. Em outras palavras, “não existe prática social fora da ideologia” já
que as ideologias são “sistemas de representação materializados nas práticas”.
Conforme Hall (2003, p.170) um dos aspectos importantes sobre os sistemas de
representação é que eles são plurais; eles não são únicos. “Existem diversos deles em qualquer
formação social”, pois, “as ideologias não operam através de ideias isoladas; mas em cadeias
discursivas, agrupamentos, campos semânticos e Formações Discursivas”. Segundo ele (2003,
p.171),
É dentro dos sistemas de representação da cultura e através deles que
nós experimentamos o mundo: a experiência é o produto de nossos
códigos de inteligibilidade, de nossos esquemas de interpretação.
Consequentemente, não experiência fora das categorias de
representação ou da ideologia.
Assim sendo, os sentidos, através dos quais as pessoas vivem a relação imaginária
com suas reais condições de existência, podem ser considerados uma produção dos sistemas
de representação, já que eles estão fundados essencialmente em estruturas inconscientes.
Desse modo, aponta Hall (2003, p.370) a aparente fidelidade da representação à coisa ou ao
35
conceito representado é “o resultado, o efeito, de uma certa articulação específica da
linguagem sobre o real”. O resultado de uma prática discursiva.
Conforme os postulados do autor, o entendimento da cultura com ênfase no
significado e na importância da formação de um senso comum, a partir de um conjunto de
práticas estruturadas pela produção e intercâmbio de significados, serão centrais para o exame
do conceito de representação. É assim que a concepção de cultura como um conjunto de
significados partilhados vai originar o raciocínio de Hall (1997) sobre o funcionamento da
linguagem como processo de significação. Pois, se a linguagem atribui sentido, conforme
lembra o autor, os significados só podem ser partilhados pelo acesso comum à linguagem, que
funciona como sistema de representação.
Por conseguinte, a representação através da linguagem passa a ser central para os
processos pelos quais é produzido o significado. Basicamente linguagens funcionam através
da representação porque fazem uso de elementos que representam o que queremos dizer. Uma
notícia, por exemplo, nessa ótica não terá sentido sozinha.
Segundo Hall (1997), é através do uso que fazemos das coisas, o que dizemos,
pensamos e sentimos como representamos que damos significado. Ou seja, em parte
damos significado aos objetos, pessoas e eventos através da estrutura de interpretação que
trazemos. E, em parte, damos significado através da forma como as utilizamos, ou as
integramos em nossas práticas do cotidiano.
A representação é o processo através do qual os membros de uma cultura fazem uso da
linguagem (geralmente definida como qualquer sistema que dispõe de signos, qualquer
sistema de significação) para produzir sentido. Essa definição, por sua vez, carrega a
importante premissa que as coisas objetos, pessoas e eventos do mundo não têm nelas
nenhum significado final ou verdadeiro. Somos nós, na sociedade, dentro de culturas humanas
– que fazemos as coisas ter sentido, significar. (HALL, 1997, p.61)
Essa é uma visão atrelada à chamada “virada cultural” nas Ciências Sociais e
Humanas e está vinculada à uma abordagem socioconstrucionista, em que a representação é
concebida como importante para a própria constituição das coisas. Aqui, antes de existirem
em si mesmos, os objetos, as pessoas e os eventos irão adquirir significado mediante uma
representação mental que lhes atribui um determinado sentido sociocultural. Hall (1997)
reitera que esse é um processo que atua não somente do plano do pensamento, mas, também
sobre a regulação das relações e sobre a própria prática social.
36
O autor ressalta ainda que a representação pode ser adequadamente analisada em
relação às formas concretas assumidas pelo significado e/ou no exercício concreto da leitura e
interpretação. Isso para ele requer a análise dos verdadeiros sinais, símbolos, figuras, imagens,
narrativas, palavras e sons as formas materiais onde circula o significado simbólico. As
notícias no jornalismo, por exemplo, podem estabelecer uma boa oportunidade para se aplicar
e exercitar certas habilidades analíticas já que, como tantas outras instâncias semelhantes, elas
nos cercam por todos os lados em nossa vida cultural diária.
Contudo, uma ressalva imprescindível à realização dessa análise: não resposta
única e, mais do que isso, correta para o significado de uma mensagem, mas sim uma
interpretação plausível, ainda que não isenta à transformação. Pois, para Hall (1997), o
significado não é direto nem transparente e não permanece intacto na passagem pela
representação. Ele está sempre sendo negociado e inflectido, para ressoar em novas situações.
Devemos aprender, logo, a considerar o significado menos em termos de exatidão e verdade e
mais em termos de efetivo intercâmbio – um processo de tradução, que facilite a comunicação
cultural enquanto sempre reconheça a persistência da diferença e do poder entre os diferentes
falantes dentro do mesmo circuito cultural – lógica que também funciona para o “Circuito das
Notícias”.
Esse processo de tradução operacionalizado pelas representações, ao longo do século
XX parece ter se afastado paulatinamente do domínio ligado às ideias e doutrinas – da
ideologia começando a envolver, cada vez mais, as representações visuais e as encenações
midiáticas. Nas representações midiáticas da atualidade geralmente os conceitos não são
expressos claramente estão na maioria das vezes implícitos nas imagens visuais das
narrativas dos mídia.
Na comunicação midiática hoje é raro encontrar expressões próprias das ideologias.
Elas acabam por se manifestar de forma tácita, como vestígios ou como traços implícitos em
narrativas narrativas jornalísticas, por exemplo. Mesmo assim, a comunicação
contemporânea mantém sua força. Esta tem sido atribuída agora a sua capacidade de
expressão, que, por meio das imagens e das palavras, é capaz de conferir realismo as suas
próprias representações.
A partir de então, a similitude entre imagem e o objeto confere um caráter
testemunhal, de verossimilhança e de realismo às representações da mídia. E é por isso que
devemos cada vez mais atentar para o caráter construído das representações midiáticas.
37
Portanto, um pressuposto básico na análise do processo de representação, apesar do seu
realismo, é o reconhecimento do seu caráter produzido.
As representações midiáticas, conforme Soares (2007, p.50), devem ser analisadas
como “modos de exposição de determinados assuntos ou pessoas que salientam algumas de
suas características, acrescentando ou subtraindo deles certos atributos”. No entanto, as
marcas dessa produção sempre podem ser obliteradas sutilmente, ficando invisíveis.
Como aparentam ser, essas representações instauram ou sancionam, homologam ou
naturalizam certos vieses, sugerindo que “esse” é o modo de ler a sociedade representada. Isso
acaba por fixar ou confirmar diversos estereótipos étnicos, sociais, de gênero etc. Trata-se,
desse modo, da instauração de padrões normais ou modelos, ora de imagens pejorativas ou
idealizadas de populações, categorias sociais, e/ou minorias. Para Soares (2007, p.51), esta
ação dos meios incorpora, num registro naturalista, os procedimentos das representações
sociais de Moscovici (1978), amplificando-os.
Como resultado da onipresença dos meios atualmente, não como negar que as
representações midiáticas são, consequentemente, as mais profusas e importantes para os
estudos de comunicação. Essas representações basicamente vão aparecer no contexto
discursivo e como formas casuais, meras insinuações, pistas, e/ou cenários.
Dessa forma, convém admitir que os textos dos mídia acabam por produzir
determinadas composições, aparentemente colhidas do mundo empírico, que são elevadas à
categoria de representantes de pessoas, situações e fatos. Tais textos, por meio de
intervenções invisíveis do seu autor, são capazes de influenciar de maneira sutil, as
percepções sobre as coisas do mundo.
A representação pode então ser entendida como a projeção, a reprodução do que a
mídia pensa sobre si mesmo e sobre o leitor, numa retradução simbólica que trata de
materializar conceitos ideológicos abstratos em formas concretas. Ela reforça a noção de
reapresentação – o refazer e o trazer à vista diferentes significados. É dessa forma que
representar algo ou alguém na mídia é uma operação de mão dupla em que atuam tanto a
mídia quanto o público.
Assim sendo, o papel das representações postas em circulação pela mídia vai assumir
uma importância particular, já que são elas que organizam e regulam as mais diversas práticas
sociais. Representar, então, pode ser entendido como a associação de significações a um
determinado fato e/ou produto, através das quais surge o sentido do próprio fato, que nunca é
38
direto, mas sempre representado pelas linguagens. Parte-se, por conseguinte, do pressuposto
de que a realidade pode existir fora da linguagem, como de fato existe, mas ela é sempre
mediada por e através da linguagem que produz, através do discurso, tanto o que nós sabemos
quanto o que dissemos.
Tais assertivas, quando pensamos o jornalismo, enfrentam alguns dilemas do ponto de
vista da adequação e precisão das representações. Segundo Soares (2007, p.52), “enquanto se
aceita com naturalidade que um comercial ou uma novela contenha representações
construídas, essa possibilidade é refutada quando se trata de uma reportagem”, por exemplo.
Pressupõe-se que o jornalismo mantém um compromisso ético com a referencialidade e com o
interesse público. No entanto, ele é essencialmente constituído de relatos de acontecimentos,
ou seja, narrativas elaboradas a partir da perspectiva de indivíduos sobre os acontecimentos.
Admitir que as representações são construídas e que elas atuam também no jornalismo
não significa um julgamento moral sobre a prática jornalística em si, mas a admissão de uma
contingência que é própria do trabalho jornalístico. O jornalismo, como um conjunto de
conceitos organizados, disposto e classificados em relações complexas entre si, é por si um
sistema de representação que tanto acolhe quanto constrói representações.
Ele é um processo que apresenta, com uma dinâmica muito característica, um jogo de
equilíbrio que se desenvolve entre o estabelecido e o novo, no qual as representações o
produzidas, trocadas e atualizadas no bojo das relações e onde sujeitos interlocutores
produzem, se apropriam e atualizam, permanentemente, os sentidos que moldam seu mundo e,
em última instância, o próprio mundo. Logo, o lugar do jornalismo e das práticas
comunicativas é um lugar constituinte, e o olhar da abordagem jornalística na perspectiva do
“Circuito das Notícias”, um olhar que busca apreender esse movimento de constituição.
Assim, o jornalismo assume um imprescindível papel de mediação, garantido a
constituição de um sentido comum e indispensável para coesão social. Como diz Verón
(1995), a mídia informativa é o lugar onde as sociedades industriais produzem nossa
realidade, pois ao representar alguma coisa ou alguém, o jornalismo acaba por construir
publicamente essa coisa ou esse alguém e, como ele tem cada vez mais poder simbólico, é
fundamental entender como ele representa e, consequentemente, como a representação
constitui.
Diante desse quadro, consideramos o jornalismo do “Circuito das Notícias” como um
campo fundamental para compreendermos como a realidade é construída diariamente e,
39
dentro dele, a notícia como uma forma atual de contato com o mundo, que ela tanto
trabalha com representações quanto nos oferece as representações de um presente social.
Notícia que pode ser vista como um produto sociocultural, resultado da atividade diária dos
jornalistas, os quais, a partir da cultura profissional, da organização do trabalho, dos processos
produtivos, dos códigos particulares (as regras de redação), da ngua e das regras do campo
das linguagens, no trabalho de enunciação, produzem discursos. Essas operações sobre os
vários discursos resultam em construções que são chamadas de notícias.
Porém, conforme Traquina (2001, p.85), é somente nos anos 1960 e 1970 que surgem
as teorias que passam a partilhar do paradigma da notícia como construção social. A partir de
então é que as notícias puderam ser realmente compreendidas como o resultado de processos
complexos de interação entre agentes sociais: os jornalistas e as fontes de informação; os
jornalistas e a sociedade; os membros da comunidade profissional, dentro e fora da sua
organização. Nessa lógica, buscar o entendimento da complexidade do processo de produção
das notícias, a qual suporta a interação de diversos agentes sociais que exercem papel ativo
numa negociação constante, passou a ser possível.
Desse modo, como diz Lustosa (1996, p.18-21), notícia é o relato, não o fato. Ela é a
informação transformada em produto de consumo mediante técnicas de redação jornalística.
A notícia é sempre uma versão de um fenômeno social, não a tradução objetiva, imparcial e
descomprometida de um fato. Dessa forma, para representar o cotidiano dando-lhe um
tratamento jornalístico, a imprensa realiza verdadeiras construções sobre os acontecimentos.
Mas não é só isso. Conforme Soares (2007, p.53), outra perspectiva em estudos
recentes tem apontado para uma “distribuição” do conhecimento entre pessoas e artefatos
localizando-o tanto em contextos físicos quanto culturais. A representação aqui passaria a
incluir tanto agentes humanos, seus padrões de comunicação e suas práticas, quanto os
artefatos materiais, dispositivos e instrumentos que suportam a disseminação do
conhecimento, tudo isso num mesmo sistema. Nessa abordagem, os meios internos (memória,
experiência etc.) se entrelaçam com os meios externos (dados, diagramas etc.) não permitindo
mais estabelecer uma clara dicotomia entre representações internas e externas, mentais e
sociais (OSBECK & NERCESSIAN, 2006).
Aplicada ao campo da comunicação midiática, ao estudo do jornalismo no “Circuito
das Notícias”, a visão distributiva da representação pode realizar uma síntese entre fatores
racional-cognitivos, sociais e técnicos envolvidos no processo representacional, permitindo a
40
superação de antagonismos entre abordagens que confrontam, por exemplo, a análise das
mensagens e a recepção, na busca de estabelecer o momento ideal da produção de sentido.
Nessa lógica, as representações seriam consideradas como construídas em redes e/ou
circuitos de interação entre pessoas e artefatos (mensagens), nos quais o pólo individual é
possível na presença dos pólos social e material. Uma concepção distributiva, dessa forma,
considera as representações mentais, os processos sociológicos e as representações midiáticas
como instâncias que incidem uma sobre as outras e retroagem de forma dinâmica (SOARES,
2007, p.53).
Vimos, destarte, que as reflexões medievais sobre a representação mental, que
atentavam a dimensão cognitiva, vieram se somar nos séculos XIX e XX ao reconhecimento
das influências sociais e, posteriormente, à profusão das formas representacionais midiáticas,
próprias das tecnologias das comunicações. Estas últimas, inegavelmente, participam cada vez
mais do ambiente cultural em que se o pensamento, o julgamento e a ação dos seres
humanos.
Embora numa perspectiva distributiva possam ser identificadas múltiplas agências de
representação (indivíduos, grupos, escola, partido, sindicato), para a maioria das pessoas os
mídia é que se tornam os provedores primordiais de representações sobre o estado da
sociedade e do mundo.
Sendo assim, as narrativas do campo midiático continuam sendo objeto de diversos
estudos, como este, os quais procuram pôr em evidência a construção das representações
sobre a sociedade, os acontecimentos, as categorias sociais etc. Para tanto, faz-se necessário
que os textos midiáticos sejam sempre vinculados aos contextos aos quais se referem a fim de
que possam atuar como uma ponte ligando a comunicação aos seus processos sociais
empíricos.
É notório, desse modo, que as possibilidades teóricas da aproximação e da interação
entre o jornalismo e as representações sociais oferecem um amplo campo de estudo que busca
dar conta de como o fazer jornalístico contribui diariamente para a construção do real via
representações numa sociedade. Com essa aproximação se torna possível recortar tais
representações e analisá-las de distintas maneiras: interpretar seus significados; analisar sua
organização formal; seu diálogo com outras formas e produtos; reconstruir seus textos;
perceber as intertextualidades etc. Podemos também, por exemplo, pelo caminho das
mediações, radiografar o contexto sociocultural em que estão inseridos os receptores e
41
identificar as marcas de seu cotidiano. Porém é o cruzamento de uma e de outra instância a
barreira atual, o desafio presente.
É uma tarefa difícil estabelecer essa ponte, e parece-nos que a resposta a esse desafio
ainda não foi convenientemente alcançada mas um ponto de partida é indicado, quando se
estabelece ou se compreende a abordagem comunicacional exatamente na costura entre a
análise dos produtos discursivos e a análise da presença e relação dos interlocutores num
mesmo quadro interativo. Essa costura pode esboçar um caminho analítico que se desenvolve
por aproximações e comparações de perspectivas – a transposição do “Circuito da Cultura” de
Johnson (1999) para com o “Circuito das Notícias”, é um exemplo com a qual pretendemos
operar num estudo que busca analisar integralmente o jornalismo e aquilo que lhe vida
seus processos.
2.4 A matriz representacional hegemônica da questão agrária
Na perspectiva de análise das representações no “Circuito das Notícias”, emoldurar a
matriz representacional hegemônica e/ou a estrutura tendencial dominante (HALL, 2003) dos
conflitos de terra no Brasil visa demonstrar previamente a perspectiva de enunciação
historicamente construída para questão agrária no País. O objetivo, portanto, é deixar claro, de
antemão, quais são os sentidos hegemônicos historicamente mobilizados em torno da luta pela
terra em território nacional.
Esses sentidos predominantes, como veremos, estão relacionados com os discursos
produzidos em episódios pretéritos como, por exemplo, o Descobrimento do Brasil, o
surgimento dos Quilombos, a Imigração Européia, a guerra de Canudos e do Contestado, as
Ligas Camponesas e o próprio surgimento do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-terra
(MST). Consideramos tal caracterização fundamental a fim de operacionalizar a análise do
tipo de representação predominante que será mobilizada nos diferentes momentos do
“Circuito das Notícias” – produção/textos/leituras.
Conforme Schmeil (1994, p.128), todos somos influenciados por um sistema de
representação prévio que ultrapassa o contexto presente. “Um sistema de representação que
não é fruto apenas dos meios em geral, mas de uma longa história de relações políticas e
econômicas marcada, quase sempre, por divergências e conflitos”. Dessa forma, são as
formações históricas e ideológicas que acabam por configurar os discursos sociais que
42
circulam em diversos âmbitos de uma relação ao longo do tempo, que a ideologia, segundo
Hall (2003, p.348), nada mais é do que uma “tentativa de fixar o significado”.
Sendo assim, se recuperarmos a noção de hegemonia de Gramsci, veremos que a
construção de um bloco histórico hegemônico se de modo privilegiado no discurso. Para
Jacks, Machado & Muller (2004, p.38), é por meio do discurso que se busca o consentimento
e a adesão. É por meio do discurso, inclusive jornalístico, que “as ideais hegemônicas e
predominantes de uma época ou de um grupo são cristalizadas”. As Formações Discursivas,
por conseguinte, estão ancoradas em Formações Ideológicas suas regras de existência e
estruturas de pensamento. É por isso que não exageramos ao afirmar que tudo o que pensamos
deriva de modos de ver o mundo, os homens, as coisas, e a nós mesmos enquanto seres do
mundo.
Segundo Bonnewitz (2003, p.28), todos nós temos representações espontâneas da
realidade que nos cerca; “elas nos fornecem explicações, que pensamos ser aceitáveis e justas,
dos fatos que observamos”. Assim, elas nos servem de guias e referências na nossa atividade
social cotidiana, dando-nos a impressão de compreender o mundo que nos cerca. Porém,
nossa concepção do mundo também é constituída de representações, por sistemas de
representação. Dessa forma, é notório que para o conhecimento do mundo social precisamos
construir “esquemas de pensamento e expressão”.
Seguindo a lógica do “Circuito das Notícias” admitimos que o jornalismo sustenta-se
num bloco hegemônico de representações, relacionáveis sempre a uma ideologia ele sempre
parte de uma perspectiva de enunciação; porém o jornalismo, como prática sociocultural, é
portador/construtor de discursos dentro de um contexto social, sempre em relação com a
exterioridade. Como apontam Jacks, Machado & Muller (2004, p.41),
Não existe jornalismo sem aquilo que costumamos compreender como
exterior: os fatos, as relações de poder, os contextos sociais, os saberes
históricos, as decisões políticas, os interesses econômicos, as crenças
religiosas, as concepções estéticas. Tudo isso constitui o discurso. O
discurso é o resultado de tudo o que lhe é exterior. Em um movimento
complexo, o jornalismo mostra e esconde o que convém aos seus
enunciadores por meio de estratégias discursivas.
Por isso, lendo as notícias de um jornal ficamos expostos à representação dominante e
corrente num dado momento. No entanto, o jornalismo é uma modalidade de discurso “sobre”
e, para que algo tenha sentido, necessariamente ele mobiliza um conhecimento anterior. Esse
conhecimento, de modo especial, tem a ver com o saber histórico. Então o discurso
jornalístico sempre será atravessado pelo discurso histórico. Já o discurso histórico leva
43
consigo diversas memórias que poderão ser atualizadas pelo discurso jornalístico por meio da
narrativa dos acontecimentos.
Ainda segundo Jacks, Machado & Muller (2004, p.42), não é possível para o analista
avaliar o funcionamento do discurso jornalístico sem buscar suas raízes e suas perspectivas de
enunciação. Dito de outra forma, “não jornalismo desconectado da história, da ideologia e
das relações de poder”. A partir dessa noção, da noção de “interdiscursividade”, é que nos
preocupamos em buscar as raízes históricas da forma de tratamento da questão agrária no
Brasil a fim de remontar historicamente a matriz de representação dominante que envolve a
questão da posse da terra no País.
Nesse sentido, as contribuições de Romão (2002) parecem significativas. A autora, em
sua pesquisa, procura interpretar o papel da memória (interdiscurso) na retomada e
ressignificação do discurso da luta pela terra, passando pelos dizeres produzidos no período
do Descobrimento, Quilombos, Levante de Ibicaba, Canudos, Contestado e Ligas
Camponesas para chegar, enfim, ao discurso circulante na mídia relacionado ao MST.
Segundo ela, a análise dos dados indica, de antemão, que a imagem de “baderneiro e ilegal”
sempre foi associada aos camponeses que se organizam politicamente. Conforme Romão
(2002, p.21), “a análise dos discursos, tecidos ao longo do histórico das lutas populares,
aponta que os Sem-terra foram negados durante os quinhentos anos de Brasil”.
Logo, o discurso sobre a posse da terra não nasce na década de 80, junto com o
surgimento do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-terra, enquanto Movimento Social
organizado. Os sentidos de luta, resistência e justiça, no tocante à distribuição da terra passam
pela resistência indígena no período da colonização; pela luta dos negros contra o cativeiro
nos quilombos; pelo levante dos colonos europeus em Ibicaba; pela vivência igualitária no
arraial de Canudos; pela mobilização de colonos no Contestado; pela articulação das Ligas
Camponesas; para, então, ser ressignificado atualmente pelo MST.
Em suas análises Romão (2002, p.23) identifica de um lado uma Formação Discursiva
dominante, cuja marca é a manutenção do “direito sagrado de propriedade”; e de outro, a
Formação Discursiva dominada, cujo sentido se constrói a partir da luta pela terra e
resistência diante da exclusão. E, será o tensionamento entre ambas que caracterizará a
representação predominante numa época dada.
Para a autora (2002, p.24-25), a Formação Discursiva que agora criminaliza os Sem-
terra,
44
é a mesma que ontem fez significar a necessidade de colonização e
catequese dos “bugres indígenas” sob o avanço pretensioso de instalar a
civilização no Novo Mundo. Também me parece filiada aos sangrentos
massacres de que negros “selvagens e insolentes” foram vítimas no
processo de assenzalamento, dos atributos de “rebeldia e preguiça”
endereçados aos colonos suíços no levante da Fazenda Ibicaba, de que
os “fanáticos e loucos” sofreram por seguirem Antônio Conselheiro e
por ameaçarem o início da República. O mesmo pode ser dito sobre
Contestado, cuja maior acusação recaía sobre o “fanatismo” dos
seguidores de São João Maria e as Ligas Camponesas, cujos líderes
sofreram o estigma de serem “comunistas e perigosos elementos à paz
da sociedade”.
Tais atores, criminalizados em suas práticas políticas e na denominação que
receberam, apontam para uma Formação Discursiva dominante capaz de imprimir um
movimento de sentido que parece orquestrado: apagar as razões sociais que fazem os
excluídos se mobilizarem, sequestrando a sua luta política e narrando, em lugar dela, o
transtorno e a ameaça à paz democrática. Esse “litígio discursivo”, segundo Romão (2002,
p.25) é, sim, determinado por uma “conjuntura construída sócio-historicamente a partir de um
tenso e permanente jogo de poder”.
Assim, a Formação Discursiva dominante que se instala para a questão agrária,
controla a circulação de dizeres e imagens e, sobretudo, virtualiza o que é permitido e
proibido, o que é certo e errado dizer, ou seja, configura uma matriz representacional
hegemônica para a questão. Mais do que isso, é com base nesse movimento que a memória, o
sujeito e o discurso vão significar. Esse sentido dominante, tecido na e pela trama ideológica
vincula o direito de propriedade de terra no plano jurídico como um bem sagrado e intocável.
Seja ela de que tamanho for, de quem for e de onde tenha vindo, a terra significa direito
adquirido. No plano jurídico, principalmente, a ideologia naturaliza esse dizer, bem como
cimenta, por exemplo, a crítica ao Sem-terra como ser fora da lei. Ilegal, então, a forma de
movimentação do MST pode ser nomeada de “invasão”.
Para Romão (2002, p.40), o discurso sobre a terra não se fecha apenas na compreensão
dos fragmentos e depoimentos da atualidade. “Ele é permanentemente ressignificado e res-
guardado pelo jogo da historicidade”, já que há significantes que se repetem, retornam,
voltam a designar os índios, negros cativos, colonos imigrantes, canudenses, caboclos do
Contestado, integrantes das Ligas Camponesas e do Movimento dos Trabalhadores Rurais
Sem-terra.
Entendemos dessa forma, em acordo com Romão (2002, p.41), que esse é justamente
o trabalho de fundo da ideologia: promover a fixação de um dizer, naturalizando o sentido que
45
parece ser o mais legítimo, como se ele fosse o único possível. Assim, o “congelamento de
um sentido oficial, que sobrevive sob a guarda da previsibilidade”. Isso, em nosso
entendimento, acaba por constituir uma matriz hegemônica de representação e/ou, como
aponta Hall (2003), por formatar uma estrutura tendencial dominante de interpretação da
realidade.
Tratando da historicidade do discurso da luta pela terra, Romão (2002) identifica uma
série de movimentos que impulsionaram a formatação de uma matriz representacional
hegemônica da questão agrária no País. O primeiro desses movimentos está relacionado ao
apagamento do outro a partir do discurso do Descobrimento do Brasil. Segundo a autora nesse
traçado discursivo da história fica marcado no discurso que os donos da terra, até então os
índios, “não têm competência para usá-la e explorá-la” e, como na época da descoberta, a
Formação Ideológica do europeu acerca do Novo Mundo era “uma terra de ninguém”, ele se
sentiu à vontade para expropriá-la.
Nesse primeiro movimento, o outro foi discursivamente eliminado, pelo silêncio, na
composição do cenário. Para Romão (2002, p.81), esse mesmo processo discursivo se instala
hoje. “Vejo a mesma manobra de apagamento dos Sem-terra na Formação Discursiva dos
latifundiários”. Os dois discursos criam o efeito de que o outro é diferente pelo que possui de
nocivo, de ruim, de negativo. “Há uma dupla negação em jogo. Em primeiro lugar, o outro
não é como eu, trata-se de um estranho; diferente, portanto. Na sequência, ele é ruim”
(ROMÃO, 2002, p.82).
O segundo movimento marca, com os Quilombos, o início das ações de resistência na
luta pela terra em território nacional. Nessa fase, o negro é o estandarte da imagem de um ser
exótico. Os sentidos de “teimoso, incapaz e incompetente” reforçam a concepção de que se
trata, de fato, de um ser menor, que merece a domesticação. Mesmo assim o homem negro
escravo é o primeiro registro que se tem do trabalhador brasileiro do campo.
Aqui trabalho escravo significa trabalho pesado, trabalho no campo, trabalho com a
terra, confabulando uma extensão de ideias e valores, sempre negativamente compostos.
Processa-se então uma cadeia de transferência de sentidos em que a Formação Discursiva
dominante fortifica a criminalização de todos aqueles que resistem à escravidão. Porém,
conforme Romão (2002, p.85), nesse momento se acrescenta outra representação às
anteriores, incrementando a imagem de “perigo, selvageria e atraso”, que já se fazia do negro.
“Quando ‘rebelde’, por desrespeitar a mortandade e o apresamento, passa a ser criminoso e
perigoso à paz social”. Cria-se, a partir de então, uma associação entre bandidagem e
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trabalho/trabalhador rural. “O lugar a que a ideologia lhes destina é marginal e negativo
duplamente, portanto”.
Tais significantes, sob o efeito da memória discursiva e/ou do interdiscurso, voltam
para ressignificar o Sem-terra organizado em nossos tempos. Segundo Romão (2002, p.95) é
interessante observar que esse mesmo funcionamento de imagens se processa nas
representações atribuídas também aos canudenses.
Com isso, quero dizer que a noção de trabalhador rural se alinhavou no
tecido das representações e valores da cultura brasileira como atividade
menor. Tão pequena, que não precisava ser remunerada. Tão pouco
valiosa, que podia ser feita por qualquer um da massa negra de
deserdados; massa em que se substitui as peças com o mesmo
anonimato com que se joga os descartáveis no lixo.
Para a autora é importante registrar ainda que tal noção imprime um sentido
dominante, oficial, de que ser dono da fazenda é exercício nobre, tarefa reservada para poucos
e que, assim sendo, exige certa mão-de-obra especialmente formada pelos abastados. Em
contrapartida, aos negros e Sem-terra hoje é resguardada a cadeira cativa de
incompetentes para o trabalho intelectual.
O terceiro movimento que colaborou com a formatação de uma matriz de
representação hegemônica da questão agrária está relacionado ao levante de colonos brancos
na Fazenda Ibicaba. Aqui, no mesmo sentido da escravidão, segundo Romão (2002), o
homem do campo é usurpado e colocado no lugar de “coisa” e os sentidos de exclusão e
condições subumanas de vida se mantêm. Junto com isso, o trabalho na lavoura dos outros é
visto como sinônimo de vida desgraçada e o sonho da posse da terra como promessa de
liberdade, prosperidade e fortuna.
Para Romão (2002, p.106), o que mais chama a atenção nesse movimento é a tentativa
de criminalizar os colonos como seres que precisam ser contidos pelas forças nacionais de
segurança. “Ao transferir a queixa dos colonos para a área criminal, o sujeito se coloca na
posição favorável e privilegiada de quem tem os soldados e o Brasil a seu favor”. Se a questão
é policial, consequentemente, a preocupação é nacional, certamente. Esse “movimento
metonímico” provoca o efeito de ampliação do conflito, “amealhando as noções de perigo e
incerteza não para uma fazenda, mas para todas as fazendas de todos os estados e de todo o
país” (ROMÃO, 2002, p.107).
Dessa forma, não se fala do movimento político, fala-se do transtorno e do distúrbio
provocados por ele, cujo enquadramento reduz a mobilização dos colonos a um problema
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policial, de segurança nacional. “A reivindicação política fracassa e é atravessada pelo sentido
de baderna”. Há, desse modo, um desvio de conduta que serve para justificar o rigor da ação
policial. Segundo Romão (2002, p.107), ao propor os soldados como “interlocutores dos
colonos”, se promove uma associação entre o “sujeito da resistência” e o “aparato repressor
do Estado”, alinhavando a imagem de transgressão da Lei e da ordem. Na sequência, é
comprovado pela autora que, tais representações: de perigo nacional; perturbação da ordem; e
necessidade de repressão policial, aparecem como síntese da Formação Discursiva dominante
em mais de um movimento discursivo. Elas podem ser percebidas, por exemplo, também no
discurso sobre Canudos e sobre o MST.
O quarto movimento já diz respeito ao discurso em torno de Canudos. Nele a primeira
tentativa de fixação de sentidos diz respeito à redução do número de envolvidos, na tentativa
de esvaziar o efeito reivindicatório da ação. Conforme Romão (2002), ao colocar o outro no
lugar de minoria, promove-se uma “minimização da luta política” sedimentando a ideia de
que são poucos aqueles insatisfeitos. Exceção, portanto.
O segundo ponto de vista nesse movimento é a representação da população de
Canudos não pela exclusão, mas sim por toda sorte de anomalias físicas e mentais. “Ao
destacar o grupo como doente, bandido e marginal, processa-se uma atribuição de valores
negativos, que desautoriza todos os atos coletivos como derivados de insanidade mental e
desvio dos princípios civilizados da sociedade” (ROMÃO, 2002, p.121). Dessa forma,
segundo a autora, mais uma vez se apaga o dilema social e a justificativa política,
propagando-se a ideia de que não há outro motivo para tais movimentos senão “a desordem, a
bagunça e a perversão de seus atores numa vocação natural para desrespeitar as leis, o Estado
e as instituições”.
Importa ressaltar que até então, o homem e o trabalho rurais eram associados à
representação de incapacidade, agora de loucura. Para Romão (2002, p.139) é a necessidade
de aniquilar a existência do outro e o apagamento da luta popular que “dicursivizam a
urgência” na contenção tanto dos fanáticos de ontem quanto dos Sem-terra baderneiros de
hoje. “À força, se for preciso”.
Além da denominação pejorativa, os feitos e atos dos canudenses são discursivizados
como ilegais pela falta de respeito àquilo que o Estado moderno tem de mais precioso: a
propriedade privada. Sendo assim, diz Romão (2002, p.141), os canudenses merecem uma
dupla acusação: “cegos e ladrões”. Para ela, mais do uma imagem estática, esse discurso
virtualiza o sentido de que a luta pela terra é coisa de bandidos. uma criminalização de
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todos os atos que ‘violentam a propriedade privada’, como um mosaico de acusações graves,
que devem ser tratadas como caso de polícia” (ROMÃO, 2002, p.145).
Seguindo as considerações de Romão (2002, p.154), identificamos o quinto
movimento discursivo associado à Guerra do Contestado, na divisa do Paraná com Santa
Catarina, entre 1912 e 1916. Aqui o caboclo revolto é colocado como um ser fanático,
supersticioso e apegado às benzeduras. Reserva-se para ele, conforme a autora, uma
representação de atraso e afastamento do avanço e da legitimidade da ciência. “A ignorância
passa a ser o maior elemento de identificação e constituição simbólica daquele que luta pela
terra no Contestado”.
Nesse movimento, a religiosidade parece ser discursivizada pelo sentido dominante
como algo perigoso e nocivo para o País, recuperando a memória dos dizeres que também
atribuíam cegueira e insanidade aos canudenses. Como em Canudos, no Contestado, é notório
que são movimentados os mesmos sentidos de negação e criminalização dos indivíduos e de
suas ações. No Contestado, segundo Romão (2002, p.160), recuperação do todas as
imagens que já expostas anteriormente. “Bandidagem, jagunçagem e quadrilha significam a
locomotiva da Formação Ideológica, cuja Formação Discursiva encobre e cristaliza uma
associação entre aquele que busca uma nova ordem social no campo e o inimigo sem rosto e
fora da lei”.
O sexto movimento que colaborou com a formatação de uma matriz de representação
hegemônica da questão agrária diz respeito aos discursos movimentados pelas Ligas
Camponesas no final da cada de 1950, em que a rebeldia e a insatisfação social
relacionadas à posse da terra emergem emprestando ao campesinato algumas das feições que
se mantêm até a atualidade. Nesse momento, dentro da esfera da estabilização e fixação dos
sentidos, a Formação Discursiva dominante que, de acordo com Romão (2002, p.185),
veiculou anteriormente os “satãs-lavradores organizados”, promove uma nova versão do
diabo: “a ameaça vermelha do comunismo”. A partir daqui, os espaços discursivos de
identidade na história do País, que foram constituídos como legítimos e institucionalizados,
põem a nu o perigo dos pobres do campo se politizarem, se organizarem em massa e
mobilizarem tentativas de mudança com relação à distribuição da terra e do poder,
consequentemente.
Conforme a autora (2002, p.185), o tentáculo discursivo desse momento também é
arquitetado no discurso do proprietário da terra e pelo efeito de sentido da baderna, da
bagunça e da perda da estabilidade do estado democrático e de direito. “A diabolização alinha
49
uma gramática com imagens de tal eficácia, que a representação de ‘comunista’ é loteada por
noções de perigo, insegurança, desestabilidade do poder político e ameaça ao país”.
Nessa versão, pertencer ao movimento de luta pela terra sinaliza uma atuação digna de
quadrilheiros e bandidos; versão que se mantém viva até os dias atuais. Na tentativa de
criminalizar a luta, o sentido dominante destitui, mais uma vez, a questão agrária do seu
caráter social. Desligando o tema da área civil ou trabalhista e o atrelando à área penal
endossando o alfabeto, que coloca os Sem-terra como “fora da lei”.
Por último, o sétimo movimento. Ele procura contemplar o discurso acerca do
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-terra (MST) que hoje conhecemos aquele que
pretendemos estudar através do movimento das representações no “Circuito das Notícias”.
Conforme Romão (2002, p.191), poucas mudanças significativas no trato com os lavradores
engendram o quadro da questão agrária atualmente. Ainda hoje ele conta com a permanência
da violência no campo, do latifúndio e das ações abusivas da polícia. A representação
simbólica em jogo, segundo ela, “apenas evidencia e preside uma relação de forças políticas
desiguais, em que o poder de alguns solapa a expectativa de poder de vários”.
Nesse momento, os sentidos mobilizados pelo emprego indiscriminado do termo
“invasão” podem sintetizar a tônica do tratamento da questão. Para Romão (2002, p.203),
invasão remete a uma Formação Discursiva, e consequentemente a uma Formação Ideológica,
que desqualifica a principal estratégia do MST para forçar a reforma agrária no País. Parte daí
o desenho de um sujeito que tem a posse da terra e se ameaçado diante da perspectiva de
perdê-la ou dividi-la. Invadir indica entrar sem permissão, desobedecer à propriedade
privada e, desta forma, ir contra a Lei”.
A ideologia, destarte, proíbe esse sujeito de dizer de outra forma: o seu dizer ganha
eco entre os fazendeiros, associando os Sem-terra a práticas ilegais, ameaçadoras ao Estado de
Direito e criadoras de instabilidade social.
A designação “invadir” é constituída pelo sentido dominante derivado
do latim invadere, cujo sinônimo é entrar à força, conquistar à força ou
apoderar-se violentamente de algo. Ao enunciar tais sentidos, o sujeito
discursiviza a prática de quem não deseja perder o domínio sobre
propriedade de suas terras nem deseja ver a sombra das práticas
distribuitivas passar perto das porteiras de suas fazendas. Funcionando
como um dêitico, o termo “invadir” coloca o sujeito dentro da
propriedade, no lugar fixo de dono no interior da sua fazenda e projeta o
perigo como vindo de fora. A ideologia funciona de modo a reforçar o
atentado à propriedade privada e a violação do direito à terra (ROMÃO,
2002, p.203).
50
No referido momento, em relação à dia, o sujeito acaba por manobrar o sentido, de
tal modo a colocar o Sem-terra como oportunista, desonesto e aproveitador, inclusive dos
jornais, incluindo-o no jogo dos meios de comunicação e na disputa pela informação. É como
se dissesse, segundo Romão (2002, p.204), “o MST faz qualquer negócio para se auto-
promover na tentativa de aparecer na imprensa”. Para a autora, o que predomina é a
depreciação dos camponeses, que são apresentados como oportunistas em dose dupla:
“primeiro, por adentrarem nas terras dos outros; depois, e por consequência, por adentrarem
também nos jornais de outros donos, colocando as regras de civilidade, garantidas pelas leis
de pernas para o ar”.
Quando tratamos do discurso acerca do MST é possível identificar ainda, conforme
Romão (2002, p.225), a mesma Formação Discursiva funcionando na narração dos feitos dos
canudenses ontem e dos sem-terra hoje. Naquele discurso, destruir fazendas, matar o gado,
roubar e ameaçar eram sentidos circulantes. Hoje designar “ameaçar, infiltrar, perturbar,
ultrapassar” qualificam e/ou desqualificam quase todas as ações coletivas do movimento.
Também, para ela, ao usar os termos “grupos, grupelho, pequeno grupo, um setor”, cria-se o
efeito de sentido de que existe somente uma pequena, quase mínima, quantidade de pessoas
envolvidas na luta pela terra. Como vimos, tal estratégia foi verificada nos acontecimentos
das Descobertas, Quilombos, Ibicaba, Canudos e Contestado e Ligas Camponesas,
sinalizando a manobra retórica do sujeito na posição de dono da terra. Resta, por fim,
registrar, segundo a autora que, quando se fala do MST,
Pelo efeito da memória discursiva, o sentido dominante resgata sempre
uma volta à atribuição de “baderna, desordem, crime e ilegalidade”.
Quando os camponeses se organizam e ameaçam promover mudanças, a
Formação Discursiva dominante passa a desqualificá-los de diversas
formas da loucura à criminalidade em um movimento de
apagamento e exclusão, da minoria à baderna, sempre afirmando um
movimento de predicação negativa (ROMÃO, 2002, p.235).
Com isso, pretendemos reafirmar que o discurso do conflito sempre se esgarçou na
história do Brasil. Quando o tema é terra ou reforma agrária, uma turbulenta movimentação
de sentidos prévios acaba por redistribuir os ditos. Ou seja, o movimento discursivo é o
mesmo, guardadas as variações históricas e as particularidades da conjuntura sócio-histórica.
Isso cimenta uma argamassa, chamada de Formação Discursiva dominante, que sustenta uma
matriz representacional hegemônica para a questão. A referida matriz acaba por circular por
todo o sistema de mídia, manifestando-se tanto na produção e nos textos, quanto em suas
leituras.
51
Essa Formação Discursiva dominante e sua respectiva matriz de representação
circulam na grande imprensa promovendo, conforme Romão (2002, p.270), a “satanização
dos Sem-terra” e negando a sua condição reivindicatória. “Além de serem expulsos da terra e
das mínimas condições de vida – marginais, portanto – os Sem-terra e o MST são expulsos da
legalidade, o que os virtualiza como um grande mal na atualidade brasileira”.
Vale lembrar, mais uma vez, que esse movimento de sentidos é afetado pela memória
discursiva. E, nesse caso, os acontecimentos históricos em seus diferentes momentos
conservam a memória discursiva e apontam para o mesmo funcionamento ideológico, além de
recolocarem o conflito agrário como uma grande performance discursiva nacional. Assim
sendo, os sentidos, que acabam por constituir a matriz representacional hegemônica, são
naturalizados pelo discurso oficial e disponibilizados pela memória e/ou interdiscurso, sempre
atribuindo características de desordem, baderna, perigo, subversão e ilegalidade aos
camponeses organizados politicamente. Como vimos, isso é flagrante ao longo dos discursos
relacionados a vários acontecimentos da historiografia brasileira.
Por conseguinte, essa matriz de representação, através de uma Formação Discursiva
dominante, globaliza os efeitos de ilegimitidade da manifestação popular e de criminalização
dos integrantes do Movimento, deslocando sempre a questão da luta pela terra da esfera civil
para a área criminal. Essa tem sido uma tônica recorrente. Segundo Romão (2002), a praxis
discursiva inclui “desmerecer, denegrir e desconstruir a imagem do outro, acusando-o de
formar quadrilha e cometer crimes”, além de implodir a ordem juridicamente igualitária e
democrática do País.
Dessa forma, a naturalização desses sentidos pelo discurso jornalístico pode assegurar
que a mídia, em geral, trabalhe como mediadora, tecendo culpas e responsabilidades,
formulando julgamentos prévios e desfavoráveis aos Sem-terra. Romão (2002), em seu
percurso, identifica, então, mudanças pouco significativas no trato com as disputas
relacionadas à matriz fundiária. Para ela, o quadro ainda hoje continua contando com a
permanência da violência no campo, do latifúndio e das ações abusivas da polícia. É dessa
forma que, em acordo com a autora, sustentamos que o discurso sobre a questão agrária
encontra sustentáculo em uma formação histórica e ideológica que se elabora desde o tempo
do descobrimento do Brasil e, por conseguinte, é uma ideia que circula no imaginário social
brasileiro há mais de 500 anos.
É inegável, dessa forma, a imbricação dos discursos da história e do jornalismo com
efeitos mais intensos neste último – por tratar-se de um discurso menos crítico e mais
52
comprometido com os interesses econômicos. Assim sendo, conforme Jacks, Machado &
Muller (2004, p.143), não se pode duvidar que o jornalismo é um dos principais agentes que
constrói a cultura contemporânea e por isso seu caráter interdiscursivo e sua imbricação com a
história assumem grande relevância.
Porém, cabe aqui um alerta: os jornais e os jornalistas, em alguns casos e quando é
conveniente, parecem se entregar às cegas à um imaginário, sem sentir a necessidade de
verificar o que quer que seja. De tanto que as evidências dos fatos se impõem eles acabam por
negligenciar a apuração dos mesmos. Só que, de fato, não existe jornalismo sem o que
compreendemos como seu ‘exterior’. O discurso nele é o resultado de tudo o que lhe parece
externo. Em um movimento complexo o jornalismo mostra e esconde o que convém a seus
enunciadores por meio de estratégias discursivas.
Logo, no jornalismo, o acontecimento é o ponto de encontro de uma atualidade e de
uma memória. Não jornalismo desconectado da história, da ideologia e das relações de
poder. Sendo assim, a partir da noção de interdiscurso podemos então, como fez Romão
(2002), buscar nos relatos históricos as raízes das tensões entre proprietários e Sem-terras, por
exemplo. Isso porque são as formações históricas dessas tensões que acabam, de certo modo,
autorizando uma Formação Discursiva que separa proprietários e Sem-terras, configurando-os
como adversários e inimigos.
As considerações aqui apresentadas acerca da matriz representacional hegemônica da
questão agrária no Brasil formarão a base para classificação das representações do
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-terra (MST), nos diferentes momentos do
“Circuito das Notícias”, como favorável, desfavorável e/ou tensionada categorização
utilizada por Jacks, Machado & Muller (2004) em sua pesquisa sobre a representação dos
argentinos nos jornais do sul do País; e/ou, conforme as posições preferenciais, negociadas e
de oposição apresentadas por Hall (2003), em seu modelo de codificação e decodificação.
2.5 Os momentos do “Circuito das Notícias”
Nesta pesquisa, através da adoção da matriz do “Circuito das Notícias”, procuramos
propor e operacionalizar uma estratégia de investigação que possibilite a análise de cada uma
das etapas apresentadas por Johnson (1999) em seu modelo, destacando o inter-
relacionamento das mesmas, à luz dos estudos de jornalismo. Ou seja, propomos estudar o
jornalismo tendo como diretriz o circuito comunicacional, verificando todos os momentos
53
desse processo (produção/ textos/ leituras) com seus pontos de intersecção, lançando mão de
teorias e conceitos utilizados pelo campo, especialmente a ideia de representação.
Esse olhar global sobre os produtos jornalísticos tem como premissa colocar em
perspectiva conceitos e inferências que ficariam prejudicados se ancorados em um único
ponto do “Circuito”. Tratamos aqui, destarte, de um arranjo teórico-metodológico híbrido, que
permite o emprego de diferentes técnicas para a análise de um objeto específico dentro do
campo jornalístico desde que voltadas ao percurso de todo o “Circuito das Notícias”. Ou
seja, à pesquisa da produção, dos textos e das leituras articuladas, em nosso caso, ao
movimento de representações, quando a pauta no jornal Zero Hora (ZH) é o Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem-terra (MST) e suas ações.
O “Circuito das Notícias”, analogamente ao “Circuito da Cultura” de Johnson (1999),
compreende três momentos distintos básicos: a análise de produção; a análise de textos; e a
análise de leituras e retornos. Embora esses momentos não sejam estanques e não obedeçam a
uma sequência rígida, podemos, para fins de sistematização, analisá-los em separado que
isso possibilita um melhor entendimento de suas peculiaridades. Porém, é necessário ter
sempre em mente os entrecruzamentos que acompanham esse processo que é rico, contínuo e
sem limites definidos.
Cabe enfatizar, como aponta Johnson (1999, p.106), que o “Circuito” não foi
apresentado como uma descrição adequada dos processos culturais ou mesmo de forma
culturais elementares inclusive daquelas manipuladas pelo fazer jornalístico; que ele não se
trata de um conjunto completo de abstrações em relação a qual toda a abordagem parcial
possa ser julgada; e que ele não constitui, consequentemente, uma estratégia adequada para o
futuro se for tomado como a adição dos três grandes conjuntos de abordagens produção,
texto e recepção usando-as cada uma em seu respectivo momento. Isso não funcionaria
sem que houvesse transformações em cada abordagem e talvez em nosso pensamento sobre
momentos”. Diz ele:
É importante reconhecer que cada aspecto tem uma vida própria a fim
de evitar reduções, mas, depois disso, pode ser mais transformativo
repensar cada momento a luz dos outros, importando para outro
momento objetos e métodos de estudo comumente desenvolvidos em
relação a um determinado momento (JOHNSON 1999, p.106).
O autor (1999, p.106) ainda recomenda que, também no jornalismo, aquelas pessoas
preocupadas com estudos de produção e/ou da codificação precisam examinar mais de perto,
por exemplo, as “condições especificamente culturais de produção”. Segundo ele, nesse
54
aspecto podemos e devemos buscar relações mais ou menos íntimas com a cultura vivida dos
grupos sociais analisados, nem que seja apenas a dos próprios produtores.
Johnson (1999, p.107) alerta ainda que, de forma similar, também precisamos
desenvolver modos de estudos textuais que se articulem com as perspectivas da produção/
codificação e da leitura/ decodificação. Pois, se é possível procurar por sinais do processo de
produção em um texto, também é possível ler os textos como “formas de representação”,
desde que se compreenda que estamos sempre analisando a “representação de uma
representação”.
O primeiro objeto, aquele que é representado no texto, não é um evento
ou um fato objetivo: ele vem com significados que lhe foram atribuídos
a partir de alguma prática social. Dessa forma é possível considerar a
relação, se é que existe alguma, entre os códigos e as convenções
características de um grupo social e as formas pelas quais eles são
representados nas notícias do jornal (JOHNSON 1999, p.108).
Dentro disso, não por que abandonarmos as formas existentes de análise textual
estas, porém, têm que ser adaptadas ao estudo das práticas reais de leitura dos diferentes
públicos, em vez de substituí-las. Dessa forma, a decodificação formal de um texto deve ser
encarada como multiestratificada e aberta. Deve identificar os quadros de referência
preferenciais, mas também leituras alternativas que vão além de quadros de referências
subordinados.
Johnson (1999, p.109-110) enfatiza que aqueles preocupados com a descrição cultural
concreta não podem mais se permitir ignorar a presença de estruturas textuais e de formas
particulares de organização discursiva. Também, segundo ele, precisamos saber o que
distingue as formas culturais privadas em seus modos básicos de organização das formas
públicas, para dessa forma, sermos capazes de especificar linguisticamente, por exemplo, a
relação diferencial entre os campos e os grupos sociais, com os diferentes meios e com os
processos reais de leituras e decodificação que estão envolvidos.
Ao falar do “Circuito das Notícias” falamos, portanto, de um circuito de sentido que
possui momentos distintos, mas momentos articulados entre si. Tais momentos não têm um
caráter autossuficiente, pois a produção sempre se dará em relação à leitura. É por isso que,
conforme com Hall (2003, p.339), temos de saber analiticamente, porque a produção/
codificação e o consumo/ decodificação são diferentes: assim poderemos apontar como
eles se articulam. “Você tem de identificar as diferenças para saber o que as articula”, essa é a
55
pista. O “Circuito das Notícias” nessa aproximação, nada mais é do que uma totalidade
complexa sobredeterminada, que não exclui a ideia de poder.
Dessa forma, nosso primeiro passo na pesquisa está pautado pela observação da
relação entre as práticas dos grupos sociais em foco Sem-terras e Jornalistas e dos textos
que estão em circulação em seus campos. Tal procedimento pretende identificar os elementos
culturais que estão ativos nos meios sociais particulares, além de mapear os resíduos culturais
provenientes de outros campos, que, como procuramos demonstrar de antemão, eles podem
ser considerados como verdadeiros marcadores de relação.
Depois, buscamos operacionalizar um estudo inspirado na matriz teórico-
metodológica do “Circuito das Notícias” a fim de, dentro dela, mapear a relação entre o jornal
Zero Hora periódico que no Rio Grande do Sul compõe o campo do jornalismo e por
consequência o campo das mídias; e o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-terra
integrante do campo político através da identificação e da classificação das representações
da questão agrária e da luta pelo do poder simbólico, que ambos movimentam em seu
“encontro”.
Assim, cremos ser válido retomar a trajetória história desses agentes em seus campos
de influência, bem como a própria teoria dos campos sociais de Bourdieu (1990), a fim de
posicioná-los efetivamente no universo onde atuam e/ou se cruzam. Tal resgate contextual e
histórico será detalhado no momento em que, no “Circuito das Notícias”, o respectivo agente
tiver sua ação destacada – Jornal/ Jornalistas na produção e MST/ Sem-terras na leitura.
No entanto acreditamos que, de imediato, algumas noções generalistas precisam ser
trabalhadas, antes de adentrarmos no “Circuito das Notícias” propriamente dito. A noção de
campo social, emprestada de Bourdieu, é uma delas. Ela vem ao encontro da necessidade de
relacionar o lugar da produção social dos acontecimentos com o lugar da produção simbólica.
Para o autor (1989, p.171),
(...) com a noção de campo obtém-se para apreender a particularidade na
generalidade, a generalidade na particularidade. Pode-se exigir da
monografia mais idiográfica proposições ferais sobre o funcionamento
dos campos, hipóteses muito poderosas sobre o funcionamento de um
estágio particular de um campo particular. É esta concepção que
justifica a apropriação para nosso estudo da relação entre o campo
político e o campo do jornalismo.
Nessa lógica, o território de um campo vai se constituir a partir da existência de um
capital e se organizar na medida em que seus componentes têm um interesse irredutível e
56
lutam por ele. Capital, logo, é outra daquelas noções que necessitam aqui ser detalhadas. Ele é
um conceito chave no modelo proposto por Bourdieu e definível a partir do campo. Na
descrição do autor acerca dos capitais, aparece um em especial – o capital simbólico –
considerado superior aos demais por dar sentido ao mundo e transitar por todos os campos.
Ligado ao capital simbólico temos o poder simbólico, mais um conceito importante.
Conforme Bourdieu (1989, p.14), o poder simbólico se refere basicamente ao poder de
constituir o “dado pela enunciação”. Ou seja, o poder de fazer crer e de fazer ver, de
confirmar e/ou de transformar a visão do mundo e, desse modo, a ação sobre o mundo.
Segundo o autor, ele é um poder quase mágico que permite obter um reconhecimento
equivalente àquele alcançado pela força física ou econômica, graças ao seu efeito específico
de mobilização. Também por ser, na maioria das vezes, ignorado e tomado como arbitrário.
O poder simbólico é um poder de fazer coisas com palavras. É somente
na medida em que é verdadeira, isto é, adequada às coisas, que a
descrição faz as coisas. Nesse sentido o poder simbólico é um poder de
consagração ou de revelação, um poder de consagrar ou revelar coisas
que já existem. Isso significa que ele não faz nada? De fato, como uma
constelação que começa a existir somente quando é selecionada e
designada como tal, um grupo, começa a existir enquanto tal, para os
que fazem parte dele e para os outros, quando é distinguido, segundo
um princípio qualquer dos outros grupos, isto é. Através do
conhecimento e do reconhecimento (BOURDIEU, 1989, p.167).
Esse efeito de mobilização do poder simbólico, no entanto, vai se dar somente através
de série de lutas simbólicas, relacionadas e/ou relacionáveis ao seu capital. Tais disputas
ocorrem nos diferentes campos e entre os diferentes campos, e tem como móvel a própria
representação do mundo social, além da noção de hierarquia. Nessa linha, Bourdieu introduz a
ideia, também fundamental, de que os campos sociais são semiautônomos e que eles contêm
em sua estrutura subconjuntos que tendem a construir novos campos, relativamente
autônomos, e com regras próprias de funcionamento.
Para Bourdieu & Wacquant (1995, p.64), em sociedades altamente diferenciadas, o
cosmos social é constituído pelo conjunto desses microcosmos sociais relativamente
autônomos e esses subconjuntos, que são espaços de relações objetivas, é que vão formar a
base de uma lógica específica e irredutível que irá reger os demais campos. Assim, os campos
não são espaços com fronteiras estritamente delimitadas e/ou totalmente autônomos. Eles
necessariamente se articulam entre si.
Em termos analíticos, um campo pode se definir então como uma rede e/ou como uma
configuração de relações objetivas entre posições onde,
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posições definem-se objetivamente em sua existência e nas
determinações que impõe a seus ocupantes, quer sejam agentes ou
instituições, por sua situação (situs) atual e potencial na estrutura de
distribuição das diferentes espécies de poder (ou de capital) – cuja posse
implica o acesso aos lucros específicos que estão em jogo dentro do
campo e, por conseguinte, por sua relações objetivas com as demais
posições (dominação, subordinação, homologia etc.) (BOURDIEU &
WACQUANT 1995, p.64).
Na maioria dos campos sociais, seus agentes e participantes estão em permanente luta
para estarem mais bem classificados em seu interior – isto é, melhor posicionados no campo –
por isso buscam acumular capital simbólico que vai possibilitar no futuro a reconversão em
ganhos materiais e concretos. No campo da mídia e/ou no campo político isso não é diferente.
Nessa gica, a noção marxista de luta de classes, pode então ser estendida às lutas
simbólicas, sob as formas de “luta de classificação”, nas quais, além dos capitais econômico e
simbólico, contam os capitais cultural e social, orientados na perspectiva dos interesses
materiais dos agentes sociais (BONNEWITZ, 2003, p.15).
Essa também é uma noção generalista considerada fundamental. Isso porque cada
campo, com suas próprias características, passa a abrigar lutas específicas em torno de
determinado capital. Porém, uma premissa comum aos diversos campos é que cada capital
corresponde a um determinado discurso e que as especificidades desse discurso são passíveis
de análise e consideração.
É nesse sentido que, como Berger (2003), consideramos os Movimentos Sociais um
subgrupo do campo político, bem como o jornalismo um subgrupo do campo da mídia, e,
encaramo-los como organismos portadores de discursos com os quais pretendemos trabalhar,
conforme a matriz do “Circuito das Notícias”, principalmente no que diz respeito às
representações que eles movimentam sobre a questão agrária no Brasil. Assim sendo, por fins
didáticos, adentraremos em definitivo no “Circuito” pela porta da produção que é nesse
momento que as mensagens são discursivamente constituídas.
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CAPÍTULO 3 –
DA PRODUÇÃO E DA PUBLICAÇÃO DAS NOTÍCIAS
O primeiro momento efetivo do processo jornalístico no “Circuito das Notícias” é a
produção. Trata-se da construção da notícia, do produto jornalístico em si, e tudo o que está
envolvido nesse trabalho, ou seja, das condições de produção. Sinteticamente, para o
“Circuito das Notícias”, é na produção que residem as preocupações principais acerca da
organização das formas culturais. Nesse momento, investigar as rotinas da produção e sua
relação com as culturas vividas desponta como fundamental, a fim de que possamos mapear
os reservatórios culturais existentes no meio social, que pautam tanto as representações
públicas quanto a vida privada dos agentes envolvidos no processo – no caso os jornalistas.
Outro ponto correlato indica que nesse momento é conveniente prestar atenção nos
aspectos concretos de produção e na organização da instituição produtora. Ou seja, prestar
atenção na organização político-econômica da organização midiática que produz o discurso,
bem como nas representações que ela movimenta. Esse trabalho, sem dúvida, vai influenciar
na posterior análise textual, por isso tem de ser realizado com cuidado.
Para compormos o âmbito da produção das notícias sobre o Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem-terra (MST) no jornal Zero Hora (ZH) e mapearmos as
representações que elas movimentam, junto com a matriz representacional a que se filiam,
desenvolvemos o trabalho nessa fase em três níveis complementares. De imediato é
importante deixar claro que as considerações aqui se referem, especificamente, às ações de
ocupação/desocupação/desdobramentos relacionadas aos atos de entrada e saída dos Sem-
terra na Fazenda Southall, em São Gabriel (RS). Essas ações transcorreram no período de
12/04 a 21/08/2008 e foram exaustivamente cobertas pela rede de jornais do Grupo RBS, da
qual a ZH é a célula mãe. A referida mobilização integra a “Jornada Nacional de Lutas”
anualmente promovida pelo MST a partir do massacre de Eldorado do Carajás em abril de
1996 – o “Abril Vermelho”, como prefere designar a própria Zero Hora.
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Em primeiro lugar, procuramos materializar um levantamento bibliográfico, que tem
por finalidade embasar nossas considerações acerca da produção das notícias e do movimento
de representações, pela consulta de fontes secundárias e de informações anteriormente
coletadas em outros estudos, como nos trabalhos de Berger (2003) e Felippi (2006).
A pesquisa bibliográfica, conforme Stumpf (2008, p.51), num sentido amplo, está
relacionada ao planejamento global de todo trabalho de pesquisa. Ela vai desde a
identificação, localização e obtenção de bibliografia pertinente, até a apresentação de um
texto sistematizado que evidencia o entendimento do pensamento dos autores, acrescido de
considerações pessoais. Já, num sentido mais restrito, trata-se de um conjunto de
procedimentos que visa identificar informações bibliográficas, selecionar os documentos
pertinentes ao tema estudado e proceder à respectiva anotação das referências e dos dados
para que sejam depois utilizados na redação do trabalho acadêmico.
Após a leitura do material disponível, o pesquisador organiza uma
sequência de ideias gicas para formar um quadro referencial teórico e
conceitual que vai lhe oferecer elementos para ao modelo de pesquisa
escolhido. Este quadro deve conter um conjunto de conceitos preferidos
pelo pesquisador para orientar sua pesquisa, buscados na literatura a que
teve acesso (STUMPF, 2008, p.54).
No segundo momento tratamos da caracterização do representante do campo
jornalístico e midiático tomado na pesquisa tanto da Zero Hora, quanto da organização a
que ela pertence, o Grupo RBS; e também da observação das suas rotinas de produção das
notícias sobre o MST. Para tanto, acompanhamos os profissionais do jornal Diário de Santa
Maria, responsável direto pela cobertura dos fatos antes referidos acerca da Fazenda
Southall, e porta de entrada das informações a toda rede de jornais do Grupo RBS, inclusive à
própria Zero Hora.
Atuamos no calor dos fatos. Acompanhamos em todos os momentos os atos realizados
pelos profissionais na cobertura dos acontecimentos. No caso, lançamos mão de recursos
técnicos oriundos da pesquisa participante, basicamente no que se refere aos preceitos de
inserção do pesquisador no ambiente de ocorrência do fenômeno e de sua interação com a
situação investigada.
Segundo Peruzzo (2008, p.130), essa perspectiva encontra respaldo no método
dialético e possibilita a captação dos fenômenos em todas as suas dimensões constitutivas,
desde sua história e dinamicidade até as suas múltiplas determinações inerentes. A ambição
nessa linha é apanhar o fenômeno em sua complexidade e profundidade, ou seja, desde suas
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origens, suas partes constitutivas e seus significados até suas transformações sofridas. “Em
outras palavras, procura captar o movimento e nele compreender a essência e todas as
dimensões do fenômeno”.
Considera-se, portanto, pesquisa participante aquela baseada na interação ativa entre
pesquisador e grupo pesquisado e, principalmente, na conjugação da investigação com os
processos mais amplos de ação social e de apropriação coletiva do conhecimento.
Pesquisa participante é, em alguns casos, um tipo de pesquisa baseado
numa metodologia de observação participante na qual os pesquisadores
estabelecem relações comunicativas com pessoas ou grupos da situação
investigada com o intuito de serem mais bem aceitos. Nesse caso, a
participação é sobretudo a participação dos pesquisadores e consistem
em aparente identificação com os valores e os comportamentos que são
necessários para a sua aceitação pelo grupo considerado (THIOLLENT,
2003, p.15).
É importante registrar ainda que, para a presente pesquisa, a inserção no grupo de
jornalistas pesquisado se deu mediante autorização prévia e com o conhecimento dos
profissionais dos propósitos da investigação.
Num terceiro momento da produção no “Circuito das Notícias”, realizamos entrevistas
com os jornalistas envolvidos na cobertura dessas questões. Primeiro para identificar o papel
de cada um dentro da complexa rede produtiva que envolve uma notícia no Grupo RBS;
depois para confirmar as próprias condições em que essas produções se dão; averiguar o
posicionamento de cada um em relação a sua prática profissional e às questões que envolvem
a cobertura do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-terra e de suas ações; e por fim,
para buscar quais as representações que são preferencialmente acionadas no tratamento da
questão agrária, classificá-las, descrevê-las e relacioná-las com as representações
movimentadas nos demais momentos do “Circuito das Notícias”.
Ao todo dez profissionais foram entrevistados entre editores, repórteres e fotógrafos,
totalizando 11 horas de gravações devidamente registradas. Porém, foram selecionadas para a
pesquisa, pelos critérios de relevância e complementaridade, cinco contribuições. As
entrevistas realizadas foram individuais, do tipo semiestruturada em profundidade e os
profissionais, nos relatos, identificados apenas pelas designações Jornalista 1, 2, 3, 4 e 5,
conforme acordado no momento da coleta das informações.
A entrevista em profundidade é uma técnica qualitativa capaz de explorar um assunto
através da busca de informações, percepções e experiências de informantes para depois
analisá-las e apresentá-las de forma estruturada. Ela tem como característica principal a
61
flexibilidade e procura intensidade nas respostas, não a quantificação. Para Duarte (2008,
p.62), ela é um recurso metodológico que busca recolher respostas a partir da experiência
subjetiva de uma fonte, selecionada por deter informações que se deseja conhecer.
Por ter caráter qualitativo a entrevista semiestruturada permite saber como
determinado atributo é percebido pelo conjunto de entrevistados. Além disso, fornece
elementos para compreensão de uma situação ou estrutura de um problema. Ela, conforme
Duarte (2008, p.63), é uma ferramenta bastante útil para lidar com problemas complexos, pois
permite uma construção baseada em “relatos da interpretação e experiências” relatos das
representações, por exemplo.
A entrevista semiaberta é um modelo de entrevista que tem origem em uma matriz, um
roteiro de questões-guia que dá cobertura ao interesse de pesquisa e empresta flexibilidade ao
trabalho, ao mesmo tempo em que oferece um roteiro de controle. Diz Triviños, (1990,
p.146), “ela parte de certos questionamentos básicos, apoiados em teorias e hipóteses que
interessam à pesquisa, e que, em seguida, oferecem amplo campo de interrogativas, fruto de
novas hipóteses que vão surgindo a medida que se recebem as respostas do informante”.
Em nossa pesquisa tal roteiro, que conta com 12 questões tratadas individualmente
como perguntas abertas, pode ser conferido no Anexo 1 junto com as respostas dos
entrevistados.
Seguindo os preceitos apresentados passamos então ao deslinde do momento da
produção no “Circuito das Notícias” propriamente dito. Para Hall (2003), como é na
produção que se “constrói” a mensagem, a análise do “Circuito” pode se iniciar aí. Segundo
ele, na estrutura da produção vão contar tanto a estrutura institucional, as rotinas de produção,
a interferência de ideologias profissionais e hipóteses sobre a audiência, quanto o meio social
de onde são retiradas essas representações. Contudo, vale destacar que a instância da
produção também é discursivamente constituída.
O meio, no nosso caso o jornal Zero Hora, assim como sua estrutura, nesse processo,
também é fornecedor de mensagens codificadas que estarão impressas no texto que depois vai
chegar ao receptor. É na produção, portanto, que se sinalizam as formas de produzir que irão
afetar o produto final (HALL, 2003). Por isso, direcionar nossa atenção para esse momento
pode fornecer evidências, por exemplo, do período em que esse produto foi concebido, assim
como indicar suas “intenções” e “motivações” ao entrar no mercado de representações.
62
De toda forma, o espaço da produção no “Circuito das Notícias” extrapola o
entendimento de que se incluiria apenas a produção, entendida de modo convencional
como procedimentos necessários para criação propriamente dita de um artefato ou produto.
Em síntese, ela abarca também as distintas narrativas que se associam à construção desses
produtos culturais que o as notícias. Neste momento da pesquisa é importante observar, por
conseguinte, a relação entre a cultura organizacional do veículo de comunicação e a cultura
profissional dos jornalistas envolvidos, conceitos que dialogam com as variáveis das
condições de produção propostas por Johnson (1999) em seu “Circuito” original.
Nesse ponto do “Circuito das Notícias”, aportes teóricos tradicionais, utilizados no
entendimento da prática jornalística, podem lançar luz ao olhar e ser agregados às análises.
Consideramos que alguns dos pressupostos do newsmaking, por exemplo, hipótese de
pesquisa que se debruça sobre as rotinas de produção no jornalismo, podem oferecer tal
contribuição.
O newsmaking diz respeito a um tipo de estudo ligado à sociologia do jornalismo e
que tem ênfase na produção de informações. Ou melhor, na potencial transformação dos
acontecimentos cotidianos em notícia (HOHLFELDT, 2001). O olhar dessa hipótese é
centrado no emissor, visto como intermediário entre o acontecimento e a notícia. Ela
atenção especial ao relacionamento entre jornalistas e fontes, assim como às diferentes etapas
de produção: captação, tratamento, edição e distribuição da informação.
A abordagem do newsmaking articula-se, principalmente, dentro de dois limites: da
cultura profissional dos jornalistas e da organização do trabalho e dos seus processos
produtivos. Cultura profissional diz respeito, nessa ótica, a um conjunto de retóricas, táticas,
códigos, tipificações, representações, rituais e convenções relacionadas às funções da mídia,
do jornalismo e dos jornalistas na sociedade. De acordo com Wolf (2001, p.188), são as
conexões e as relações existentes entre os dois aspectos que constituem o ponto central deste
tipo de pesquisa. Dentro dela um dos caminhos mais pertinente de estudo é a análise do
cotidiano dos jornalistas.
O mundo dos jornalistas, nessa linha, tem merecido atenção especial de pesquisadores
como, por exemplo, Travancas (1992). Segundo ela, os jornalistas não são únicos
responsáveis pela produção das notícias e o complexo processo de manufatura das notícias é
constituído por um grande número de atores, inclusive as próprias empresas de comunicação.
63
Conforme a autora, determinadas carreiras significam bem mais do que uma atividade
de emprego na vida de seus profissionais, gerando um envolvimento que resultará num estilo
de vida e numa visão de mundo específicos. É o caso do jornalista. De certa forma, é essa
perspectiva que faz Zelizer (2000) falar de uma comunidade interpretativa que de uma
maneira geral trata os jornalistas como uma comunidade universal que compartilha valores-
notícia. A proposta de tribo jornalística de Traquina (2005) também não é muito diferente.
Porém, a complexidade do processo de produção da notícia parece não compactuar de
todo com uma certa homogeneidade nos procedimentos e valores da comunidade dos
jornalistas. Por isso, o conceito de “prática jornalística”, a partir do trabalho de Barros Filho e
Martino (2003) sobre o habitus na comunicação, parece mais esclarecedor.
Na produção das notícias, conforme os preceitos emprestados do newsmaking, tem-se
porém, o estabelecimento de uma gama de critérios de relevância que definem a
noticiabilidade de um fato isto é, a possibilidade de ele virar notícia. A noticiabilidade,
destarte, pode ser definida como o conjunto de elementos com os quais os profissionais e as
empresas jornalísticas controlam e produzem a quantidade e o tipo de fatos, entre os quais vão
selecionar as notícias. Os valores-notícia, por sua vez, podem ser caracterizados como os
componentes da noticiabilidade, que é a combinação deles que vai ajudar o jornalista a
definir quais os fatos que serão transformados em notícia veremos depois que esta é a
justificativa preferencial dos profissionais entrevistados para justificar porque o MST é notícia
na Zero Hora.
Os valores-notícia, no processo de produção, operam no sentido de possibilitar certa
organização no caos circundante, tornando assim possível a rotinização do trabalho
aspiração denunciada, no caso, pela institucionalização do posto de “Editor de Produção”,
responsável pela produção da produção, dentro da organização de mídia analisada. Nos
procedimentos produtivos, os valores-notícia são sempre contextualizados, pois, é aí que
adquirem sentidos, desempenham sua tarefa organizacional e se revestem daquela aparência
de bom senso que os torna elementos dados como certos – naturalizados.
Dentro desse contexto, não é exagero afirmar que o jornalismo e os jornalistas
contribuem, no dia-a-dia, para a construção do real e para estabelecer uma trama hegemônica
de representações do mundo e sobre o mundo. Porém, logicamente, as diferenças de acesso
aos meios jornalísticos indicam que as notícias serão o resultado de um complexo processo de
interação social, no qual interessa não apenas a relação entre promotores de acontecimentos e
o campo jornalístico, mas também o que se estabelece dentro da própria tribo dos
64
profissionais da informação. A troca de saberes e experiências entre os jornalistas é muitas
vezes o elemento decisivo na construção da notícia fato comprovável através da descrição
do sistema colaborativo em rede de produção da notícia no Grupo RBS. No campo
jornalístico, constituído pelo conjunto de relações entre agentes especializados na elaboração
de um produto específico conhecido como informação, é habitual ocorrer essa avaliação,
ainda que informal do produto noticioso.
Através dessa análise é possível, também, compreendermos como as culturas vividas e
as relações sociais se estabelecem neste momento do “Circuito” o que permite conectá-lo,
depois, às outras etapas. Mas, não é isso o que importa. Precisamos também, para
pensarmos na integralidade do “Circuito das Notícias”, enxergar o lugar de produção dos
acontecimentos e não somente o lugar de produção das notícias.
Como aponta Bourdieu (1989, p.203), faz parte do dever do jornalista preencher sua
obra com significações aparentemente opostas, oriundas de “outros lugares”, de fora do
campo do jornalismo propriamente dito. Pois, conforme o autor, ao mesmo tempo em que o
profissional satisfaz um compromisso realista, que carrega um valor de atestação, ele vale-se
inegavelmente do simbolismo. Sendo assim, a notícia acaba por acolher em seu interior uma
grande variedade de usos sociais, comandados pelos diferentes sistemas culturais, nos quais
participam todos os seus utilizadores. Um mesmo ato jornalístico, desse modo, pode ser
polivalente e justificar-se simultaneamente, no que se refere a funções muitas vezes distintas.
Porém, na cartilha do bom jornalismo, o simbolismo é, ou pode ser explorado se
não se chocar com a verossimilhança, pois somente dessa forma ela será capaz de
potencializar o efeito de “homologia” e, com ele, o número virtual de consumidores da
informação. Pois, se a notícia é esvaziada e/ou se perde dos “objetos que ambientam a ação,
por conseguinte, é seu contexto que se esvazia”, diz Bourdieu (1989, p.131).
Ainda, segundo o autor, se o “enquadramento jornalístico” seleciona os objetos, o que
é correto, ele também elimina tudo aquilo que não diz respeito à significação pretendida em
seu uso – por isso, ao enquadrar as notícias relacionadas à questão agrária na Editoria Geral, o
jornal Zero Hora sinaliza para uma série variável de posicionamentos performáticos
assumidos. Pois, a notícia só adquire sentido no contexto histórico e organizacional, de acordo
com as posições ocupadas pelo agente que mobiliza suas representações e de acordo com seu
sistema simbólico de referência.
65
Dessa forma, conforme Miranda (2000, p.168), para que as notícias se constituam em
um objeto autônomo de estudo, precisamos considerá-las como obra da cultura e operar-lhes
no sistema de normas que preside a sua fabricação. Devemos, se possível, buscar uma
“análise estrutural das significações” nas notícias a fim de possibilitar o reconhecimento das
normas específicas e explicitamente conhecidas como normas pelos profissionais de
imprensa.
Todavia o sistema entendido como uma uniformidade de normas é
imposto através da produção coerente e estandartizada que se dá no
interior de um veículo de comunicação específico. Por sua vez, a
unidade dos múltiplos grupos profissionais processa-se mediante a
obrigação comum de submissão às regras sociais. Os jornalistas devem
fabricar significações que obedeçam a essas regras, as quais também
devem estar de acordo com as expectativas do leitor (MIRANDA, 2000,
p.169).
Logo, não devemos negligenciar do escrutínio das notícias, e de todas as formas
culturais, o ponto de vista da produção. Porém, não podemos esquecer que essa análise deve
incluir sempre as condições e os meios de produção, especialmente em seus aspectos
subjetivos e culturais. “Não podemos estar perpetuamente discutindo as condições, sem nunca
discutir os atos”, enfatiza Johnson (1999, p.63).
Conforme o autor (1999, p.80), nesse momento é nosso dever resgatar o entendimento
da produção como “um processo social e histórico”, abandonando um pouco a preocupação
excessiva com a “produtividade dos próprios sistemas de significação”. Em nosso estudo, esse
regate se dá na medida em que buscamos relativizar o papel produtivista da produção,
agregando às análises a verificação dos demais momentos – textos e leituras que integram o
“Circuito das Notícias”. Fazemos isso, é verdade, partindo do momento da produção e da
caracterização de um agente produtor em especial, o jornal Zero Hora, mas sem esquecer que
o que nos move é o anseio integrador de mapear o movimento de representações acerca da
questão agrária nas diferentes fazes do “Circuito”.
Quando falamos no jornal Zero Hora, portanto, falamos de um agente produtor de
peso no Rio Grande do Sul. ZH pertence à maior organização de mídia da indústria cultural
gaúcha, o Grupo RBS, e por isso o jornal desfruta de uma série de vantagens que o colocam
como o periódico de referência no Estado. A conceituação de Zero Hora como jornal de
referência vem de Berger (2003) a partir das categorias de Eric Landowski (apud BERGER,
2003). Esse autor identifica duas tendências que reúnem a maioria dos jornais: os de prestígio
ou de referência; e a nova imprensa ou jovem imprensa. Exemplificando ele coloca os jornais
66
franceses Le Monde e Libération, respectivamente, como representantes da primeira e da
segunda categoria.
Berger (2003), por sua vez, identifica no Brasil O Globo e o jornal do Brasil como
pertencentes à primeira categoria e o jornal da Tarde e a Folha de S. Paulo como integrantes
da segunda, basicamente por terem inovado no tratamento gráfico e textual. No caso da
imprensa gaúcha, a autora entende que Zero Hora é o jornal de referência, não por prestígio
ou tradição, o que caberia ao Correio do Povo, mas por integrar o grupo de comunicação
hegemônico no Rio Grande do Sul, o Grupo RBS.
De acordo com Felippi (2006), a supremacia de Zero Hora no Rio Grande do Sul
iniciou-se com o encerramento das atividades dos diários Folha da Manhã e Diário de
Notícias, respectivamente dos grupos Caldas Junior e Diários Associados, entre as décadas de
1970 e 1980, e com a crise do Correio do Povo, cujo apogeu ocorreu em 1984. Foi nesse
momento que ZH, aproveitando a lacuna de seus débeis concorrentes, tanto no mercado
publicitário quanto no jornalístico, ganhou impulso consolidando-se como o principal
periódico diário no Estado.
O jornal Zero Hora é um dos veículos mais antigos do Grupo RBS. Ele foi fundado em
04/05/1964 e completou 44 anos de atividade como líder em circulação no Rio Grande do Sul
conforme o Instituto Verificador de Circulação (IVC), com média diária de 176.961
exemplares em 2008. Desses, aproximadamente 155 mil são correspondentes a assinaturas e
20 mil relacionados à venda avulsa. Segundo o IVC a tiragem média do periódico permanece
estável nos últimos anos. Em 2002 ela era de 169 mil exemplares; em 2003 de 176 mil; em
2004 de 180 mil; em 2005 de 178 mil; em 2006 de 174 mil; e em 2007 mais uma vez de 176
mil exemplares.
Conforme Ribeiro (2004), em 2002 a RBS detinha a segunda maior circulação de
jornais no Brasil. Na soma de todos os periódicos do grupo (Diário Catarinense; jornal de
Santa Catarina; A Notícia; A Hora de Santa Catarina; Pioneiro; Diário Gaúcho; Diário de
Santa Maria), eram impressos 400 mil exemplares/dia. Na sua frente, apareciam somente os
jornais do Grupo Globo (O Globo, Extra e Diário de S. Paulo).
Primeiro periódico impresso do Grupo RBS, Zero Hora foi criado a partir de Última
Hora, de Samuel Wainer, que deixou de circular com o golpe militar de 1964. Depois de ser
adquirido por Ary de Carvalho ele mudou de nome e, em 1970, passou para o controle da
família Sirotsky no exato momento em que o grupo sedimentou a Rede Brasil Sul de
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Telecomunicações (vem daí a designação RBS) e iniciou a expansão multimídia para o
interior do Estado. Hoje, sem dúvida, o Grupo RBS é o maior complexo multimídia do sul do
País.
Segundo Felippi (2006), como empresa jornalística, Zero Hora se destaca pela
estrutura de produção do jornal e por ter seguramente a maior redação entre os impressos do
Rio Grande do Sul. São aproximadamente 200 jornalistas, hierarquizados em repórteres,
pauteiros, subeditores e editores das editorias, editores-chefe e diretor de redação. também
fotógrafos, revisores, arte-finalistas, ilustradores, articulistas – não necessariamente jornalistas
– mais o pessoal administrativo.
Para a autora (2006, p.19), na forma de conduzir a confecção da edição, Zero Hora
também segue o modelo de grandes jornais,
com três reuniões de pauta diárias, sendo a primeira pela manhã, de
avaliação da edição anterior e levantamento inicial de pautas; a segunda
no início da tarde, para definição da maior parte das pautas; a terceira no
final da tarde, de fechamento da edição. Dois editores-chefes revezam-
se do início dos trabalhos, da manhã ao fechamento, que ocorre por
volta das 24 horas. Os profissionais são exclusivos do jornal, com
exceção de alguns comentaristas, que trabalham para os demais veículos
do grupo. O jornal tem sucursais no interior do Estado, com um
jornalista funcionário contratado da empresa e um fotógrafo free-lancer,
com estrutura para o trabalho; e sucursal em Brasília, ocupando a
mesma sede da RBS na capital federal. Vale-se dos demais jornais do
grupo no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina para o intercâmbio de
notícias, através da Agência RBS.
Numa descrição generalista podemos assim caracterizar o jornal Zero Hora: ele segue
o formato tablóide, tamanho de impresso que a própria ZH ajudou a consolidar no Rio Grande
do Sul como o dominante. Seguindo uma tendência do jornalismo brasileiro, iniciada nos
anos 1980, o jornal é dividido em cadernos, que vão de diários a mensais, segmentados por
público e temática, encartados num caderno principal, que ocupa aproximadamente cinquenta
páginas. O corpo principal do jornal traz as editorias tradicionais dos impressos diários:
opinião, política, economia, mundo, geral, esportes, que se mantêm nas sete edições semanais
e garantem a fidelidade a um formato mais clássico de jornalismo impresso.
Em sua história recente, Zero Hora tem tentado conciliar estratégias tanto globais
quanto locais na busca de expansão editorial e econômica. Ao mesmo tempo em que procura
ampliar sua influência nacionalmente – como denuncia sua presença em Brasília, por exemplo
–, trabalha para fortalecer sua imagem como “o jornal” do Rio Grande do Sul, sem esquecer
de seus vínculos com o interior, abrindo e fechando sucursais no Estado e/ou até criando
68
novos veículos, como o Diário de Santa Maria, a fim de atender demandas específicas e/ou
ocupar espaço em importantes nichos de mercado. Tal característica empresta à cobertura de
Zero Hora um caráter particular, pois acaba otimizando os recursos humanos e materiais da
empresa, além de proporcionar um forte intercâmbio de informações através de uma rede
exemplarmente estruturada que agiliza o fluxo de informações no sentido interior-capital e/ou
capital-interior.
Nesse momento do “Circuito das Notícias”, seguindo a proposição de Johnson (1999),
aspiramos ainda lançar mão das contribuições de Hall (2003) pensadas para análise das
leituras e de Jacks, Machado & Müller (2004) formatadas para análise dos discursos, a fim de
relacionar as representações movimentadas pelos jornalistas em seu ambiente de produção,
quando a pauta é a questão agrária, com a matriz representacional hegemônica que
historicamente envolve esse tema no Brasil.
Segundo Hall (2003), toda a sociedade ou cultura tende a impor suas classificações do
mundo cultural, social e político. Essas classificações constituem uma ordem social
dominante que, apesar de não ser unívoca nem incontestável, condiciona determinadas
representações. Nesse contexto, porém, o autor resolve apostar em uma noção de poder e de
estruturação que não apague todos os outros possíveis sentidos, podendo os atores, inclusive
os jornalistas atuantes na produção das notícias, moverem-se entre as posições preferencial,
negociada e de oposição em relação à matriz representacional hegemônica que, no nosso caso,
historicamente reveste a questão agrária e o MST (ESCOSTEGUY, 2007, p.126).
Para Hall (2003, p.400), mesmo aquelas posições produzidas dentro de códigos
profissionais relativamente rígidos como o dos jornalistas derivam de posições hegemônico-
dominantes, onde a reprodução ideológica acontece inadvertidamente, pois:
O código profissional é relativamente independente do digo
dominante, que aplica critérios e operações de transformação próprios
especialmente de natureza técnica e prática. O código profissional,
contudo, opera dentro da hegemonia do digo dominante. Na verdade,
ele serve para reproduzir as definições dominantes precisamente porque
coloca entre parênteses seu caráter hegemônico e opera com digos
profissionais deslocados, que destacam questões aparentemente técnicas
e neutras.
Assim, até mesmo o grupo dos profissionais da notícia pode naturalizar um sentido
decorrente de uma representação, reiterando uma posição hegemônico-dominante sem
perceber sua adesão a uma determinada ideologia conservadora.
69
No grupo de profissionais entrevistados para a pesquisa em questão chama a atenção,
de imediato, o tempo de atividade, indicativo da experiência profissional, que todos detêm.
Conforme a matriz que sistematiza as respostas, disponível no Anexo 1, mesmo o Jornalista
2, que tem menos tempo de atuação profissional, possui aproximadamente três anos de
atuação no mercado. A Jornalista 1 é a segunda de menor experiência, com três anos de
atuação. Depois vêm a Jornalista 3, com dez anos de experiência e o Jornalista 4, com cerca
de 11 anos de experiência. A recordista é a Jornalista 5 com 15 anos de experiência
profissional.
As informações coletadas indicam que no nimo metade dessa experiência
profissional, em todos os casos, está vinculada à atuação desses profissionais em veículos
ligados ao Grupo RBS – do qual Zero Hora faz parte como célula mãe no jornalismo impresso
e o Diário de Santa Maria, veículo ao qual todos se ligam hoje, é o braço local de influência e
atuação. O caso da Jornalista 5 é emblemático nesse sentido. Ela, conforme relato, desde que
começou a trabalhar, trabalha para a RBS. “Eu fui para a RBS antes de eu ser jornalista. Eu
tenho 30 anos, mas eu trabalho 15 anos na RBS. Eu comecei com 15 para 16. Metade da
minha vida, nem tinha me dado conta”.
Todos ocuparam, por conta disso, diversas funções dentro das redações
freelancers, repórteres, diagramadores, editores, editor executivo etc; em distintos veículos do
Grupo, experimentando inclusive práticas de subcontratação, as vezes ilegais, como o caso do
Jornalista 2 que continuou atuando como estagiário mesmo depois de formado. Na ocasião da
pesquisa, a distribuição dos cargos entre os entrevistados era a seguinte: a Jornalista 1, ligada
à editoria de geral, era “repórter de região”, responsável pela cobertura das 35 cidades que
compõem a região central do Estado do Rio Grande do Sul, menos a cidade de Santa Maria; o
Jornalista 2, contratado como repórter freelancer, era vinculado à editoria de polícia, mas,
conforme sua disponibilidade seguidamente convocado para cobertura de pautas de outras
editorias; a Jornalista 3 era editora de produção, responsável por aquilo que chamamos de
“produção da produção e/ou em suas palavras por “tentar organizar o que não é
organizável”; o Jornalista 4 era editor de geral; e a Jornalista 5 era editora-chefe do periódico.
Um ponto comum no discurso dos profissionais entrevistados quando falam de suas
experiências, parece ser a tentativa de desqualificação das experiências anteriores. Para
muitos deles somente depois de ingressarem na legião dos colaboradores do Grupo RBS é que
conseguem exercer plenamente a sua profissão, dentro daquilo que imaginam conveniente
para o bom jornalismo. O trecho da fala da Jornalista 3 pode ilustrar essa consideração: (...)
70
“aqui foi minha primeira experiência profissional mesmo. Porque na A Razão eu trabalhei
fazendo de tudo na redação, mas era bem mais artesanal o trabalho”. Essa visão também é
compartilhada pela Jornalista 1: (...) “lá na A Razão todo mundo é meio pau-para-toda-obra.
Eu já comecei como estagiária e minha primeira reportagem já foi a manchete”; e pelo
Jornalista 2: (...) “lá no jornal A Cidade o troço era complicado. As pautas eram bem
comerciais. Então era sempre aquela briga. Eu queria fazer jornalismo e o diretor queria fazer
promoção”.
A alternância/progressão nos postos e funções, o tempo de atuação dos profissionais
entrevistados nos veículos de Grupo RBS, junto com um flagrante apagamento das
experiências profissionais anteriores denotam a composição de uma matriz pedagógica
própria que rege a “re-formação” dos profissionais dos veículos do Grupo. Essa matriz
pedagógica é nova e diferente daquela trabalhada dentro da Universidade e que trata da
conversão dos estudantes de jornalismo em profissionais da imprensa. Esses profissionais da
imprensa formados pela Universidade necessitam, ao que tudo indica, ser “re-formados” no
dia-a-dia a fim de que possam atuar satisfatoriamente nos veículos da RBS. No entanto, os
termos dessa “re-formação”, para serem bem esclarecidos têm de ser melhor estudados.
Relacionando as experiências profissionais ao que chamamos “experiências sociais”
e/ou culturas vividas na matriz que sistematiza as entrevistas dos jornalistas, responsáveis
diretos pela elaboração dos textos no momento da produção no “Circuito das Notícias”,
podemos perceber que nenhum deles tem ou teve participação ativa em organizações sociais
de classe e em ações de questionamento e reivindicação. Somente o Jornalista 4 admite apoio
a movimentos de cunho estudantil. Os demais, por falta de oportunidade Jornalista 5; de
tempo Jornalista 3; ou por desinteresse em manifestações e “agitos” Jornalistas 1 e 2,
nunca se envolveram com essas ações. Isso talvez explique, não a estranheza no trato com as
mobilizações de massa acerca da questão agrária, mas a própria curiosidade e desejo
manifesto por alguns dos repórteres em cobrir esses fatos.
No caso envolvendo a entrada e saída dos agricultores do Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem-terra na Fazenda Southall em São Gabriel, tanto a Jornalista 1,
quanto o Jornalista 2 manifestaram claramente aos seus editores, no relato sobre sua rotina na
cobertura daqueles fatos, a vontade em fazer a cobertura dos acontecimentos. Na ocupação,
disse a Jornalista 1:
O Jornalista 4 que estava na produção olhou para mim e disse: ‘e daí, tu
pode ir?’ E todo o repórter quando recebe uma pauta dessas se empolga
71
porque é sempre uma grande chance de fazer uma boa estória, de
escrever uma boa estória. Respondi: ‘mas é claro que eu posso!’ Eu
disse: ‘Por favor assim, estou te pedindo, deixa eu ir’. E ele: ‘Está bem,
então vai’ (JORNALISTA 1).
Na desocupação, contou o Jornalista 2: “(...) na quinta-feira, a Jornalista 3 perguntou:
‘quem é que nós vamos mandar para lá?’ Eu disse: ‘manda eu!’ ‘É, a Jornalista 1 está cheia de
coisas, então vai você mesmo’”.
Quando falam do jornalismo em geral e da sua função como jornalistas, os
profissionais entrevistados acabam por invocar valores e definições um tanto quanto
“tradicionais” para falar de sua prática. Conceitos que por vezes compactuam, mas que por
vezes entram em conflito com a descrição de suas ações acerca dos acontecimentos de São
Gabriel, fatos que compõem o corpus da nossa pesquisa. A Jornalista 1, por exemplo, ao se
referir à cobertura de situações conflituosas, que envolvem interesses e atores distintos,
invoca a isenção e/ou a tentativa de isenção como boa conselheira no fazer jornalístico. Diz
ela:
A minha proposta como jornalista e a proposta do jornalismo de uma
forma geral, não é fazer com que as pessoas pensem isso ou assado
sobre o MST, a Brigada Militar, ou sobre os Ruralistas. A nossa
obrigação é colocar o fato na roda. Vamos ouvir Ruralistas; vamos ouvir
o MST; vamos ouvir a Brigada Militar; e vamos escrever a matéria. As
pessoas julguem, da forma que elas acharem correta. Esse é o meu
principio (JORNALISTA 1).
Essa visão, ao que parece, é compartilhada pelo Jornalista 2 quando ele afirma que o
profissional no jornalismo deve apenas contar o que está acontecendo, “botar as vozes falando
cada uma a sua versão e deixar que o leitor tire as suas próprias conclusões”. Ele ainda
acrescenta:
No jornalismo, na minha prática, eu procuro contar o que está
acontecendo, contar o porqdaquilo e contar o que eu vi. Para fazer
jornalismo eu pego as versões e o esquema do que está acontecendo. O
jornalista de maneira nenhuma deve pender para um lado. O jornalismo
deve se isentar do negócio. Então eu ponho a versão dos dois e o leitor
que tire a sua conclusão. O leitor que vai poder dizer, eu não tenho que
dizer (JORNALISTA 2).
Porém, para o mesmo Jornalista 2, isenção parece movimentar sentidos diferentes de
parcialidade. Ele afirma, na continuidade do seu relato, que o profissional de sua área é o olho
do leitor e, por excelência, um contador de estórias verídicas que tenta ser imparcial, mas que
se utilizaria das fontes para ajudar a contar as estórias, “através da versão que cada uma tem
da estória”. Complementa ele:
72
A priori, assim, tu sempre tenta ser imparcial, mas ao mesmo tempo é
meio que impossível tu não se posicionar, tu tem a tua visão e tu fala de
algum lugar. o tem como tu não se posicionar. Tu tenta ser muito
imparcial, mas, o que tu viveu até hoje; o que eu vivi dentro da redação;
o que eu vivi na minha vida pessoal; isso eu acho que influencia, é
determinante até (JORNALISTA 2).
para a Jornalista 3, na prática jornalística o profissional tem de sempre ouvir as
partes envolvidas e observar “como é que está o todo da estória”, o que, conforme ela é uma
recomendação básica do jornalismo. Ela ainda dá a formula: a fórmula é tentar ouvir os dois
lados, ouvir e usar o bom senso, o jornalismo é meio a vida da gente sabe? Tu tens que usar o
bom senso”.
O Jornalista 4, por sua vez, invoca para falar do jornalismo e para o diagnóstico do que
é jornalístico o interesse e o equilíbrio. Para ele o profissional deve buscar sempre, na sua
prática, o que vai atingir o maior número de leitores.
A prioridade é essa: ver o que vai atingir o maior número de leitores, o
que tem mais interesse para mais gente, depois a gente busca certo
equilíbrio. Normalmente tem muita notícia negativa. Diariamente, elas
acontecem naturalmente, então a gente procura mesclar também com
pautas um pouco mais agradáveis. Se está acontecendo uma invasão,
está acontecendo um crime, se está acontecendo um assalto, se a pauta
está recheada dessas coisas, vamos tentar mesclar com algumas coisas
agradáveis tipo uma atividade numa escola etc (JORNALISTA 4).
No entanto, para o jornalismo ele admite a existência do que qualificou como “pautas
obrigatórias”. Nas suas palavras “coisas que não para deixar de cobrir”, de noticiar. “Se o
MST invade uma fazenda, por exemplo, nós não podemos deixar de noticiar, porque é um
fato de repercussão, vai ter interesse e atingir um grande número de leitores”.
Para a Jornalista 5, o jornalismo depende também do investimento. Segundo ela,
obrigatoriamente, uma pauta que envolve uma mobilização intensa de recursos humanos e
materiais deve ser valorizada. Como exemplo, ela cita o caso de São Gabriel. Aliada a essa
consideração ela resgata o que considera algumas missões do jornalismo e dos jornalistas: a
missão de “ajudar as famílias a educar seus filhose de mostrar que “o crime não compensa”.
Para ela “sair do oficial”, dar sempre com uma “ótica mais do leitor” e “tentar ser imparcial”,
também devem ser preocupações recorrentes no jornalismo.
No jornalismo a gente tem de cuidar a forma como escreve, não pode
adjetivar demais; não pode chegar a conclusões porque não é a gente
que tem que chegar, é o leitor que tem que chegar. O nosso papel tem
que ser mais de espectador embora a gente vai conduzir. Claro que a
gente conduz quando a gente está escolhendo. A gente por mais
73
equilibrado que tente ser a gente faz escolhas e já leva a pessoa por um
lado. Impossível que não seja assim. Eu acho que aquela coisa de dizer
que o jornal é imparcial etc. é muito difícil a gente ser imparcial e claro
que a gente tenta não colocar os nossos interesses em primeiro plano. A
gente é uma pessoa e a gente tem preferências (JORNALISTA 5).
Embora admita as dificuldades em torno de uma pretensa imparcialidade dos jornais e
do jornalismo, a Jornalista 5 recomenda ainda uma série de cuidados capazes de emprestar,
conforme ela, maior equilíbrio à produção no jornal e tranquilidade ao profissional
responsável pela cobertura dos fatos.
A gente tenta dentro do jornal ser o mais equilibrado possível e se
cercar de uma série de cuidados para não ser preconceituoso; para não
dar preferência para um; para não valorizar uma religião e menos outra.
Tenta ser justo, para tentar dormir com a consciência tranquila todos os
dias. Isso é o que eu acho fundamental (JORNALISTA 5).
Nessa busca, porém, ela admite que os jornalistas cometam equívocos, pois, “o jeito
de fazer jornal é uma coisa meio artesanal, é feito por um monte de gente e gente que faz
escolhas”. Segundo ela, quando o repórter está cobrindo um acontecimento, ele não consegue
ver tudo e “se algum dia tiver como a gente ver tudo e dar tudo, com o espaço que tudo
mereceria ter, seria ótimo”. O bom jornalismo para a Jornalista 5, além de atentar para esses
princípios, deve “apaixonar” seus profissionais e permitir exercitar “o jornalismo que a gente
acredita”.
Questionados durante as entrevistas individuais, os jornalistas, atores principais no
momento da produção no “Circuito das Notícias”, também emitem considerações
relacionadas aos Movimentos Sociais em geral e ao Movimento dos Trabalhadores Rurais
Sem-terra (MST) em particular. Tais considerações, como veremos, são todas elas
relacionáveis às representações que os profissionais da notícia do veículo em questão têm da
questão agrária.
A Jornalista 1 admite, de imediato, as dificuldades em se definir a questão devido sua
complexidade. Segundo ela a proposta do MST já foi “justa e válida”, mas, com o decorrer do
tempo “as coisas tomaram certas proporções políticas” e ficaram um tanto perigosas. Ela o
considera radical a sua posição em relação ao Movimento, já que sua definição para a questão
não equivale àquela que fala de “uns baderneiros, uns bandidos, uns marginais”, e tampouco
daquela que enuncia “uns santos e uns pobres coitados”. Porém, para a Jornalista 1, como o
MST tomou grandes proporções no Brasil e envolve muita gente hoje, nele sempre “acaba
74
rolando alguma coisa por baixo dos panos”. O sentido de ilegalidade, favorável à matriz
representacional hegemônica da questão agrária aparece, portanto, aqui movimentado.
Tecendo considerações sobre as ações que o MST projeta na sociedade, a Jornalista 1
considera que, numa democracia, “todo mundo tem o direito de reivindicar pelo que acha
justo”, porém, segundo ela, “tudo tem de ser de uma forma racional, de uma forma
organizada”, basicamente porque, nas suas palavras, essas coisas todas, “esse tipo de afronta”,
acaba prejudicando muita gente. “Então eu penso que as reivindicações até podem ser
consideradas justas desde que elas sejam feitas de forma ordeira”. Mais uma vez o sentido
movimentado pela Jornalista 1, nessa passagem, pode ser relacionado à matriz
representacional hegemônica da questão agrária, que denuncia o fato do Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem-terra desrespeitar o estado democrático de direito e a ordem
jurídica na atualidade.
Mesmo não considerando radical sua posição em relação ao MST, a Jornalista 1,
noutro trecho de seu discurso, em que fala das ações por ela presenciadas acerca da Fazenda
Southall, recorre ao mesmo sentido de “bagunceiros”, inicialmente negado para ilustrar o seu
dizer. Ela aponta que depois da desocupação daquela área foi verificado que tudo lá tinha sido
destruído. Estava “tudo quebrado, tudo cheio de pichação nas paredes”. A Jornalista 1 então
sentencia “eu acho assim: tudo bem, querem reivindicar reivindiquem, mas também não
sejam baderneiros a fim de justificar as críticas”.
Para o Jornalista 2 falar do MST e de suas ações “é fogo” já que existem muitos
integrantes do MST que estão no Movimento porque precisam e/ou porque sonham conquistar
a sua terra e o seu espaço. “São pessoas que não têm oportunidade e que estão reivindicando
no Movimento deles”. Mas, segundo ele, tem muita gente no MST que “se aproveita disso e
usa essa questão para fins escusos”. O Jornalista 2 classifica o MST como um Movimento
válido “quando não existe muita influência”. que, para ele, o MST alcançou um patamar
de organização onde é “impossível não existir interesses”, não ter “pessoas que estejam
ganhando”, e “pessoas que estejam manipulando todas essas questões”. Por fim, ele diz: “tem
muita gente que usa desse conflito, dessa tensão, de toda essa questão agrária para poder
ganhar em cima e se promover em cima”.
Desse modo, mesmo partindo de sentidos tensionados ao admitir a validade do
Movimento e seu vel de organização, o Jornalista 2 também acaba por se filiar à matriz
hegemônica de representação da questão agrária num sentido favorável. Ele não consegue se
libertar, em seu dizer, da noção de ilegalidade que historicamente envolve os questionamentos
75
em torno da posse da terra no Brasil. Agregada a essa noção tem-se ainda colocada na sua fala
à ideia de “interesses ocultos”, que como vimos, é outro dos conceitos que vem compor e
acompanhar a matriz representacional hegemônica.
A Jornalista 3, por sua vez, admite tanto o caráter repetitivo das ações do Movimento
dos Trabalhadores Rurais Sem-terra, quanto o caráter repetitivo da cobertura e dos sentidos
movimentados na cobertura dessas ações pelos órgãos de imprensa “eles invadem, tem a
reintegração de posse, eles cedem e saem”. Segundo ela, o MST é hoje um Movimento muito
bem assessorado e que sabe exatamente que “se ele invadir, ele terá a mídia”. Na visão da
Jornalista 3, “ninguém é ingênuo nessa brincadeira”, logo, não existem “santos” no MST. Ela
qualifica o Movimento como reflexo do mundo em que vivemos, pois, “como tudo na
sociedade tem gente muito legal e tem gente que não é muito legal”.
Como reflexo da sociedade em quem vivemos, o MST também tem suas falhas e uma
delas é apontada pela Jornalista 3 como falha grave: “falta é a prestação de contas do
Movimento”. Isso para ela fez com que o MST “perdesse no decorrer da história o foco
principal”. Para ela, hoje, os Sem-terra se perderam totalmente e não desejam mais terra para
“produzir e comer, para ter condições de ter uma casa, de ter filho na escola e todas essas
coisas”. Mais uma vez, o sentido aqui movimentado parece favorável à matriz
representacional hegemônica da questão agrária. Como vimos, loucos e fanáticos perdidos
entre a razão e seus objetivos, são figuras recorrentes no histórico dos conflitos agrários no
Brasil. Sentidos diferentes, mas todos eles derivados da mesma matriz de representação
hegemônica da questão agrária.
Porém, a movimentação de sentidos tensionados em relação à matriz hegemônica de
representação também aparece nos dizeres dos jornalistas entrevistados. A principal
contribuição nessa linha vem do Jornalista 4 que coloca o MST no rol das organizações e/ou
fontes confiáveis. Ele credita tal credibilidade ao tempo de existência do Movimento, a sua
coerência nas ações e ao seu histórico de ocorrências de movimentações. Para o Jornalista 4
as ações do MST acabam sempre tendo uma grande repercussão por afetar não só a quem eles
estão tentando chamar a atenção, mas também outros segmentos da sociedade. O Movimento,
segundo ele, representa um grupo que é organizado, que tem representação e muitos
integrantes, então, de certa forma, “eles também fazem parte da sociedade que a gente quer
contemplar para o leitor. Eles fazem parte desse mosaico todo”.
O Jornalista 4 reitera ainda que o MST é um Movimento que tem algo à dizer: tem um
número considerável de militantes, tem uma reivindicação que é macro e é realmente é um
76
Movimento importante. “A gente sabe quais são os objetivos do Movimento. A gente sabe
bem o que é o MST, pois, é um Movimento que passou dos 20 anos”. Isso acaba por
sustentar, na versão do profissional em questão, os tensionamentos acerca da representação do
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-terra. Diferentemente das contribuições anteriores,
o Jornalista 4 não nega a existência do Movimento, nem tenta desqualificar suas ações e seus
integrantes. Ao contrário, confere credibilidade ao Movimento e, ao fazer isso, retira-o da
ilegalidade e passa a tratá-lo como agente autorizado para questionar a posse da terra em
território nacional. Cabe ressaltar, porém, que esse tipo de tratamento, relativo à representação
do MST, parece ser a exceção e não a regra no ambiente de produção do jornal Zero Hora no
“Circuito das Notícias”. E, não é nada surpreendente que tal depoimento, esteja ligado ao
dizer do único profissional entrevistado que admitiu participação em algum movimento
reivindicatório, mesmo que tenha sido de caráter estudantil.
As informações contidas nas entrevistas ainda dão conta de algumas questões
importantes para o entendimento da prática jornalística neste momento do “Circuito das
Notícias”. Dentre elas, destacamos a seguir aquelas relacionadas ao motivo de o MST ser
notícia e ao enquadramento da questão agrária no periódico em questão.
A autorização para falar do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-terra em seus
textos, segundo a Jornalista 1, vem do potencial conflitivo da questão agrária e da tensão que
envolve a disputa entre atores e campos sociais. “Eu acho que a é tensão, que é o problema,
que é a invasão, a violência. Isso a gente justifica com os valores-notícias, os badnews e os
goodnews”. Ela parte do pressuposto que as pessoas “gostam de ver essas coisas” e aponta
estudos que dizem que as pessoas gostam de ler “coisas complicadas e conflituosas” –
categoria na qual estariam enquadradas as disputas em torno da questão agrária.
Mas, não é isso. Segundo a Jornalista 1, no caso específico do MST, tem de ser
considerado o fato de que o Movimento “tomou grandes proporções no Brasil”; que “é uma
luta antiga”; e que “é uma luta que rendeu diversos tipos de acontecimentos insólitos”.
Como exemplo desses “episódios insólitos” a Jornalista 1 cita: “já teve Carajás, já teve
massacres, teve invasões, teve badernas, teve Congresso quebrado. teve mil coisas
que acabam se tornando parte de uma estória e da construção de uma imagem de um
Movimento e de um conflito”.
Então, cada vez que se fala em MST, segundo ela, os leitores sentem a “necessidade
de saber” o que acontece. “Até porque é um grupo que vai contra as regras”, qualifica a
Jornalista 1. Para a ela, o Movimento também chama a atenção porque suas ações acabam
77
criando “uma situação maniqueísta de bem contra o mal”, e complementa: “se tu vai ver o
cenário que se monta é de MST invadindo, MST tentando invadir e Brigada Militar que a
gente tem instituído que é a lei, que é a ordem, que é quem nos defende, tentando impedir que
aquilo aconteça”.
Então eu penso que talvez seja por isso que as pessoas também se
sentem interessadas em saber. Acho que acaba virando pauta por isso:
por ser um Movimento que tem grandes proporções no Brasil; por ser
uma grande notícia; pela proximidade, porque é aqui em São Gabriel;
porque a gente o Movimento Sem-terra fazendo mil coisas, em mil
lugares do País. A gente no Jornal Nacional. Acho que é assim, acho
que o conflito, a proximidade e a proporção que a coisa já tomou é o
que fazem com que a coisa seja pauta no jornal (JORNALISTA 1).
Porém, a Jornalista 1 admite que o Movimento é potencialmente mais pauta “quando
ele se mexe”, afirmação compartilhada por seus colegas de redação. “Quando o MST se mexe
ele é pauta com certeza, quando ele não se mexe a gente pensa”, diz ela. Na mesma linha,
conforme a Jornalista 3,
Se tu pegar um universo de 100% isso é verdadeiro em 99,99%, ou seja,
o MST, não nos veículos da RBS, mas acho que o MST como um
todo, nacionalmente, é pauta quando ele invade, ou quando tem um
conflito numa rodovia, ou quando faz o Abril Vermelho, ou quando
invade o Ministério Público. É aí que o MST é pauta. Grosso modo, em
99,9% o MST é pauta quando ele invade ou quando ele se movimenta,
quando ele distribui alimentos ou quando faz uma caminhada. Mas
quando tem uma ação deles, sempre uma ação deles (JORNALISTA 3).
Para o Jornalista 2 o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-terra vai ser “sempre
notícia”, basicamente porque “envolve muita gente”, é notícia em todo o Brasil, os
concorrentes sempre cobrem e as pessoas gostam de ler sobre as ações do Movimento. Diz ele
sobre a questão:
É que envolve muita coisa e muita gente. Essa questão agrária é uma
coisa que é batida em todo o Brasil e o MST não é notícia aqui. O
MST é notícia aqui, é notícia em São Paulo, é notícia no Rio é notícia
no Mato Grosso. Então o MST é notícia e a gente não vai deixar de
cobrir isso. Os concorrentes dão o MST, não da mesma forma, mas eles
dão o MST. Se nós não dermos nada, os caras vão dar MST, então a
gente tem que cobrir. E eu acho que é notícia porque envolve muita
gente. O pessoal de São Gabriel estava todo nervoso com a situação. O
pessoal gosta de ler. Olha o que está rolando lá! Então é notícia porque
tem muita gente que gosta de ver, que gosta de ler e o pessoal sempre
cobre isso. E acho que o MST sempre vai ser notícia (JORNALISTA 2).
O Jornalista 2 também concorda que “se os caras estão parados” não tem como “fazer
pauta”, ao mesmo tempo em que presume, pela flagrante organização do Movimento, que ele
78
“usa” as mobilizações muito bem. “Se vale da mídia para conseguir as questões deles”.
Segundo esse profissional, o MST “usa a mídia para fazer notícia, para se promover e para
promover a questão dele”. E complementa: “cada um tem que se valer das armas que tem para
conseguir as coisas e eu acho que eles pensam assim”.
O Jornalista 2 ainda reconhece e até supervaloriza o papel da mídia e da organização
para a qual trabalha como agente mediador na resolução dos conflitos derivados da questão
agrária. Diz ele: “se não tivesse o jornal, a RBS, a puta que o pariu lá, tu achas que eles iriam
conseguir terras para eles?! Eles não iam conseguir!” Para ele, a “questão da disputa” é na
verdade quem determina e que gera a pauta MST. “Não ia ter por que cobrir se ninguém
contrariasse”, afirma.
Por sua vez, o Jornalista 4 reconhece que o jornalismo depende muito da divulgação
de informações realizada pelas organizações. Segundo ele o jornal também é “pautado”.
Como o MST não envia reelises para falar de suas realizações, o jornalista sentencia em
acordo com seus colegas: “o MST é notícia basicamente quando eles fazem alguma ação.
Dificilmente eles aparecem em algum caso fora desse contexto de mobilização”. O Jornalista
4 ainda esclarece que o Movimento raramente avisa o jornal sobre uma mobilização e que, na
grande maioria dos casos, a pauta chega à redação através das autoridades policiais ou pela
representação dos Ruralistas.
Fato novo na fala desse profissional é que o MST também só é notícia porque “a pauta
sempre rende boas imagens”. Como no jornal, conforme ele, se valoriza muito a imagem,
obrigatoriamente o Movimento acaba virando notícia. O Jornalista 4, nesse sentido, pondera
que boas imagens estão relacionadas diretamente com o investimento que se faz na cobertura
de determinado fato e diz: “já que a gente fez o investimento, fomos lá, a concorrência não
foi, então vamos valorizar isso na forma de dar o maior espaço possível e dar o maior número
de imagens”. Segundo ele, uma mobilização do MST tem sempre um elemento fotográfico
muito forte, até mesmo “esteticamente falando”. Por fim, aponta: “às vezes ela tem uma
importância enquanto notícia, mas ela também tem uma estética isso também faz parte”.
Então por conta disso e por ter uma abrangência, porque a gente sabe
que o assunto MST ele é de certa forma palpitante. Ele é amor ou ódio,
normalmente é assim. Então a gente sempre uma importância para
ele por conta disso. Porque é um assunto que motiva discussão, que
repercussão e como sempre rende fotograficamente falando. Então ele
sempre tem um grau de importância nas páginas que reflete isso
(JORNALISTA 4).
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para a Jornalista 5, o Movimento do Trabalhadores Rurais Sem-terra é notícia
porque ele é “um fato grande”. Conforme ela, “as coisas maiores são as que têm mais
consequências ou as que afetam um maior número de pessoas”. Um conflito do MST, nas
suas palavras é “uma bomba pronta para explodir”, e por isso o jornal deve estar sempre
presente. Porém, ela ressalta veementemente que na busca das informações sobre a questão
não pode cometer nenhuma ilegalidade.
A gente tem precisa sempre estar dentro da lei e também essa é a
orientação que a gente passa para os repórteres, para os fotógrafos, para
não cometer nenhuma ilegalidade. Que também não corram riscos
porque essas coisas são perigosas e a gente fica tão envolvido que acaba
se colocando em risco. Se é perigoso, perde a notícia, dificilmente a
gente ganha com isso (JORNALISTA 5).
Conforme a Jornalista 5 o trato da questão agrária historicamente é bem complicado.
No presente caso, na Fazenda Southall, para justificar a noticiabilidade dos fatos a
profissional recorre à posição da comunidade local em relação aos Sem-terra. Segundo ela a
comunidade se “colocou contra os Sem-terra” e se sentia “amedrontada com a presença de
tanto Sem-terra”. Para a Jornalista 5, esse “já é um motivo para a gente noticiar e se preocupar
com o assunto. Outra coisa são os próprios exemplos que o MST vem dando de, às vezes,
ficar uma coisa irracional, de partir para uma coisa irracional de destruição”.
“Mas também depende muito do nosso dia”, diz ela. A jornalista 5 além disso
considera a conjunção de fatos no dia como fundamental para delegar maior ou menor
importância a determinado acontecimento.
As coisas m uma importância de acordo com a importância das outras
no dia. Claro, a gente procura avaliar com o que? Com o conhecimento
jornalístico que a gente vai tendo, com reflexo do que as pessoas lêem
ou deixam de ler. Pela complexidade de elementos, a gente depende de
quanto a equipe está envolvida com outras coisas. A gente também faz
apostas, aposta em ir para São Gabriel. Então algum outro fato deixou
de ser feito para ser feito aquilo, para tentar fazer aquele também
(JORNALISTA 5).
Outro elemento importante que justifica porque o MST é notícia, para a Jornalista 5,
são os efeitos colaterais das ações que o Movimento realiza. Segundo ela, algumas dessas
ações “mexem com a vida de todo mundo” e por isso merecem ser noticiadas. Na verdade,
conforme ela, “não é um único fator, são uma conjunção de fatores que acabam conferindo ao
MST esse status de fato grande que merece ser noticiado”. Por fim, ela sinaliza:
Eu acho que pelo fato de envolver a posse da terra isso é uma coisa que
talvez seja até primitiva. Não sei muito bem quando é que essa briga da
80
posse da terra começou, que a posse de um lugar começou a fazer parte
da história do ser humano, mas eu acho que talvez tenha um pouco
disso. A principal questão é a posse da terra, quem é que tem direito a
ficar com a terra. Para mim está até um pouco ligado ao socialismo e a
essas questões mais políticas, que na verdade têm essas coisas de posse
de terra de quem é dono desse lugar, de quem tem esse poder de ficar
com a terra. Talvez isso seja o que mais chame a atenção
(JORNALISTA 5).
Entre os profissionais entrevistados, parece consenso que as pautas relacionadas à
questão agrária e às ações do MST, que merecem virar notícia pelos motivos antes
apresentados, devem ser tratadas pela editoria de geral do jornal. Segundo eles, dificilmente,
na lógica organizativa em que está pensado o periódico, a situação poderia ser tratada noutro
lugar. Para a Jornalista 1, por exclusão, o MST “fica bem na Geral”, que “a Geral é uma
grande cozinha”, onde, “tudo que não tem o perfil específico de uma editoria vai parar”. Para
ela esse “é o lugar do MST, é onde ele fica mais isento, onde o jornal consegue deixar ele
num lugar melhor”. Ela argumenta:
Porque se a gente encaixar MST na Política a gente vai partir do
pressuposto que é um Movimento com intenções políticas, o que é
absolutamente negado por todos os envolvidos. Se a gente colocar na
Polícia as pessoas podem ter uma interpretação que a gente está pseudo-
marginalizando o Movimento e os envolvidos. Educação não faz o
menor sentido. (JORNALISTA 1).
O Jornalista 2 concorda com essa forma de tratamento, justamente porque segundo ele,
não se tem outra opção para o enquadramento da questão. Diz ele:
Eu acho que está bem enquadrado, porque querendo ou não, faz parte do
nosso cotidiano. Isso é uma coisa que se criou de algum tempo para cá,
mas está implícito no cotidiano das pessoas, o que é cara da Geral, é
uma coisa Geral. Ficaria muito complicado colocar isso numa editoria
de Polícia, por exemplo. Também não se encaixa em Economia essa
questão das ocupações. Não se encaixa na Polícia porque não teve
conflito, teve intenção, mas não teve conflito; não se encaixa em
Política porque não tem intenção política; então acho que se encaixa na
editoria de Geral mesmo (JORNALISTA 2).
Os argumentos da Jornalista 3, extraídos de sua entrevista, também apontam nessa
direção. Para ela o tema é bem tratado na Geral, justamente por ser a Geral “um caldeirão”
onde se alocam diversas coisas. Ela pergunta: “se parar para pensar qual seria o outro
espaço?” Para ela, a questão agrária não é uma questão “Cultural, por exclusão; não é um
assunto de Esporte, por exclusão; e nem um assunto de Polícia, mesmo quando haja conflitos
com a Polícia”. Para a profissional a “raiz do problema” está noutro lugar e não é um
assassinato, não é um crime.
81
Mesmo quando eles estão invadindo uma propriedade, a raiz do
problema, a raiz dessa estória é o conflito agrário então eu não vejo
como um assunto de Polícia. A invasão em si eu não vejo como um
assunto de Polícia. Ele é Político? Ele até poderia ser tratado dentro
da Política. que do jeito que as editorias de Política são configuradas
dentro da rede não sei se a gente teria tantos assuntos assim para tratar.
Nem de Economia. Talvez, por semelhança, ele poderia girar entre
Economia e Política. Mas eu acho que a Geral é a mais adequada
(JORNALISTA 3).
Para o Jornalista 4, tratar o MST na editoria de Geral é uma convenção histórica,
portanto nem merece discussão. “Tratar o MST na Geral é uma convenção. Assim, a questão
agrária, a reforma agrária, é assunto da editoria Geral historicamente. Ao menos sempre foi
assim”. Conforme ele, a temática não tem outra conotação.“Geral é sempre assim, é o que as
editorias específicas não tratam. Isso é tratado pela Geral. Então acabou a questão agrária
sendo convencionada como questão da editoria Geral”. Só que, esclarece o Jornalista 4:
A editoria de Geral não é a prima pobre do jornal. Eu não vejo assim,
até porque as editorias de Geral têm as maiores equipes nos jornais, elas
têm um grau de importância muito grande, e é delas que sai a maioria
das matérias. Por ser a editoria que é mais ligada ao factual, ao que a
qualquer momento pode acontecer, isso cai na editoria de Geral. Ela
também acaba trazendo boas imagens para o jornal, traz fotos, traz as
notícias de última hora etc. (JORNALISTA 4).
Segundo a Jornalista 5, a Geral é onde “está o coração da redação”. É uma editoria que
tem demandas diferentes todos os dias e tem “uma obrigação muito maior em encher o jornal
com manchete”. Para ela, a questão das editorias é um “negócio complicado”. Primeiro
porque as editorias já “foram criadas pelos jornalistas para resolver o seu problema que é o
caos de informações”, depois, porque elas não dão conta plenamente daquilo que elas se
propõem. Ela acredita, porém, que “o MST tem que ser Geral”. Porque “nem sempre ele
envolve a Polícia”, para estar na editoria de Polícia e, como é a questão agrária, é “mais do
que a Economia e mais do que a Polícia” então fica melhor na Geral.
A Jornalista 5, no entanto, trata de valorizar, aos moldes do Jornalista 4 a editoria de
Geral. Conforme seu discurso, a editoria é a principal no jornal e nos jornais como um todo,
basicamente porque tem mais gente e é, em decorrência disso, melhor organizada.
É a editoria que tem mais páginas; é a que, quase todos os dias, coloca a
manchete no jornal e a foto principal de capa; e que ocupa o maior
número de coisas do jornal. A Geral, além de tudo, é uma editoria em
que as pessoas querem trabalhar. A Geral te dá essa adrenalina, porque a
geral é uma editoria que pulsa, não é uma editoria tranquila. É uma
editoria que muda o tempo todo. Os conflitos que são próprios da vida
82
de todo mundo, a editoria tem. Acho que ela é a mais emocionante, mais
interessante. A Geral é assim o nosso coração (JORNALISTA 5).
Na descrição da estrutura e do seu ambiente de produção, os jornalistas entrevistados
na pesquisa apresentam detalhes importantes relacionados aos fluxos produtivos no veículo
em questão, que geralmente não são percebidos nem por colaboradores e fontes, muito menos
por seus leitores. Cabe ressaltar que as informações coletadas na entrevista vinculadas a esses
aspectos puderam ser todas validadas através do recurso da observação participante.
Consequentemente, elas não são meros relatos de uma prática ideal, mas sim parte importante
de um complexo processo de construção textual, composição de mensagens e/ou
movimentação de discursos e representações que no “Circuito das Notícias” imprimem muitas
das marcas depois verificáveis no texto jornalístico e nas leituras desses produtos.
Segundo a Jornalista 1, a primeira coisa que o repórter faz antes de escrever qualquer
matéria, principalmente quando são matérias conflituosas e polêmicas, inclusive sobre o
MST, é conversar com seu editor sobre “como fazer”. Na maioria das vezes a recomendação
básica é “contar o que aconteceu”. Nesse sentido, a Jornalista 1 descreve sua prática na
redação, depois do trabalho de campo, da seguinte forma:
Depois de conversar com o Editor eu escrevo o texto, ai terminado o
texto ele passa para o Editor. O Editor e faz as devidas observações;
tira as devidas dúvidas; coloca na página; essa página é impressa em A4
e passa para o Editor Chefe. O Editor Chefe lê; faz mil perguntas;
coloca mil flechas; e devolve para o Editor. O Editor arruma de
preferência com o repórter do lado que é para não sair nada errado. Se o
repórter não está mais na redação, ele liga para o repórter, reescreve o
texto e lê para o repórter para não ter erro nenhum. Então funciona
assim: passa pelo Repórter, pelo Editor, pelo Editor Chefe, volta e passa
pelos dois de novo e depois vai para a página e daí para a impressão
(JORNALISTA 1).
Nos mesmos moldes, o Jornalista 2 relata que o fluxo produtivo interno na redação
funciona da seguinte maneira: o Editor o texto. Se ele encontra alguma dúvida, se acha que
está faltando alguma coisa, ele liga para o repórter; depois vem a edição propriamente dita,
segundo o repórter, sempre se tem um tamanho de página para ocupar no jornal e tem que
adequar os textos àquele tamanho; na gina, se estiver sobrando texto ele será “cortado”. O
texto passa ainda, conforme o Jornalista 2, pela leitura e revisão, pela Jornalista 5 e pelos
demais Editores do veículo. “Passa por várias tribos até ir para o jornal. eles dão as suas
contribuições e mandam o texto para ser impresso”.
Por sua vez, a Jornalista 3, de acordo com a função que executa dentro da estrutura
produtiva do jornal, assenta seu relato no detalhamento dos procedimentos de “produção da
83
produção no veículo. Segundo ela, tanto a produção quanto a edição são coisas sobre as
quais os leitores não têm a mínima noção nem os jornalistas nos bancos das universidades.
“As pessoas não têm noção, eles acham que o repórter trabalha. Diagramador, produtor,
essas coisa não existem”. Conforme a Jornalista 3 um jornal tem sim as suas rotinas e elas são
importantes, “porque se tu não tiver planejamento tu não vai para frente”. As equipes nos
veículos sempre são pequenas em relação à demanda de trabalho, por isso certas coisas, ela
recomenda, têm de serem feitas com antecedência. “Tu tem que se deslocar, tu tem limitações
tecnológicas, e também de estrutura e tu não tem três carros disponíveis. Então esse é o ponto
da importância do planejamento”.
O trabalho de planejamento para a Jornalista 3 é um “trabalho ingrato”. Diz ela: “eu
sei que se entrar um factual forte amanhã ele vai me derrubar, mas é do jogo. Então, assim, é
um replanejar a cada momento. Mas é isso, otimizar custos, cuidar da operacionalidade das
coisas e tentar organizar o que não é organizável”. Conforme a Jornalista 3, a produção num
jornal é fundamental porque permite desde “pensar as capas”, até “planejar antecipadamente
algumas manchetes”. Sua rotina é descrita da seguinte forma:
Chego de manhã e dou uma olhada no que deixei de pautas no dia
anterior. Minha função é pegar e distribuir essas pautas no universo de
repórteres que eu tenho. Então, muitas vezes eu não tenho repórteres
para cobrir todas as pautas, aí a gente dá prioridade para algumas.
Depois vejo o que está rolando no dia e começo a encaixar uma coisa na
outra. Se tu ver que um repórter ficou com muita coisa, ou se rolou um
factual, tem que passar para outro repórter. Feito isso, eu vou dar uma
olhada na pauta geral do jornal. Como já tenho um pré-espelho, eu
divido o espelho em cima dos pedidos dos editores e em cima do
boneco que a gente recebe do comercial. Depois do almoço tem a
reunião de pauta, onde todos os editores estão e cada um passa a sua
pauta. eu vou para dentro do jornal e dou uma olhada nos repórteres.
E, de tarde, eu estou fazendo a produção do dia seguinte e eu o
quero mais nem saber do dia que está rolando, para mim é amanhã
(JORNALISTA 3).
Também o Jornalista 4, conforme a função que executa dentro da estrutura produtiva
do jornal, detalha, complementando as informações apresentadas pelos Jornalistas 1 e 2
(repórteres) e pela Jornalista 3 (coordenadora de produção), os fluxos de sua rotina no
ambiente de produção. O Jornalista 4 é editor de Geral e desenvolve suas atividades no
período da tarde. Seu trabalho parte, todos os dias, de uma pauta esquematizada pela
coordenadora de produção, onde consta inclusive a previsão do número de páginas de cada
editoria.
(...) Depois da reunião de pauta, onde sempre saem novos
direcionamentos, eu já fico acompanhando o trabalho dos repórteres.
84
Ajudo e começo a planejar, já no início da tarde, o que vai estar no
jornal amanhã e também como vai ser nosso desenho de página. Com o
espelho eu começo a definir: tal assunto vai nessa página; vai ser
abertura de página; isso aqui vai ser nota; isso aqui vai ser foto legenda
etc. Vou definindo, mas tenho que esperar o trabalho dos repórteres. A
gente trabalha com muito adianto. Então muito texto está pronto, e se
tem algum texto pronto, eu posso colocar as páginas para diagramar.
Depois da diagramação, vou lá e edito e entrego para a leitura do Editor,
um Editor de Capa. Ele vai faz, as devidas correções e me devolve.
Faço os ajustes, devolvo para a diagramação e a página vai para a
impressão (JORNALISTA 4).
A Jornalista 5, editora chefe do jornal, tem sua rotina de trabalho pautada pela
complementaridade e supervisão das rotinas até aqui apresentadas pelos profissionais
entrevistados. Seu expediente de trabalho começa pela manhã, onde ela dedica especial
atenção à leitura de e-mails e correspondências. Também inclui a leitura do próprio jornal, de
mais alguns jornais da rede e dos concorrentes principais. A verificação da pré-pauta também
está dentre suas atividades primeiras. Em cima da pauta algumas dicas o repassadas para os
editores e repórteres na tentativa de qualificar a apuração e, consequentemente, o resultado
final do trabalho. À tarde,
A gente repassa a pauta com os editores numa reunião de pauta. Depois
disso, é consolidar essa pauta que está escrita e distribuir ela para
todos os jornais do grupo, para a TV e para a área de circulação.
Algumas dessas pautas vão para a agência RBS que divulga para outros
jornais que podem comprar as informações junto com as fotos, se tem
foto disponibilizada. Então eu distribuo o número de páginas de acordo
com o número de anúncios que chegam nas editorias. Por último, é
passar orientações para os repórteres e para os editores. Também a gente
todas as pautas antes delas saírem e faz uma reunião de Capa, com
o esboço da capa (JORNALISTA 5).
Na descrição de sua rotina a Jornalista 5 admite que um dos processos que mudaram
em seu trabalho diz respeito ao caráter “preventivo” que assumiu sua função, em detrimento
ao caráter “punitivo” que antigamente ela possuía. “Antes eu ficava mais no fim do que no
começo, hoje eu fico mais no começo do que no fim porque a gente entende que quanto
melhor tiverem resolvidas as coisas no começo, menos problema vai chegar aqui no final”.
Segundo ela, ainda sobram muitas páginas para ler e para “fazer observações de regras do
manual; alguma coisa de pontuação, de correção ortográfica, de gramática; alguma coisa de
apuração”. É claro que “eu leio, reviso muito, essa parte continua sendo feita, mas a gente
tenta resolver as coisas mais cedo”.
Depois do detalhamento das rotinas e dos “fluxos internos de produção”, ou seja,
daqueles ocorridos dentro da redação do jornal, passaremos a detalhar com base no relato dos
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jornalistas entrevistados, aquilo que podemos qualificar como “fluxos externos de produção
da notícia. Estes genericamente estão vinculados aos processos de fabrico da notícia que
ocorrem fora do ambiente da organização de mídia. Eles se assentam no processo de apuração
dos fatos potencialmente noticiáveis e incluem desde os fatores que envolveram a seleção das
pautas até a configuração do texto a ser veiculado no jornal. Como relatamos já no início das
considerações acerca do momento de produção do “Circuito das Notícias”, as considerações
aqui tecidas se assentam nos fatos ocorridos e cobertos no período de 12/04 a 21/05/2008
relacionados às ações de ocupação e desocupação da Fazenda Southall em São Gabriel. Antes,
convém lembrar também que consideramos esses dois tipos de fluxos (externos e internos)
complementares no momento da produção no “Circuito das Notícias”, o que, junto com o
movimento de representações em que se envolvem, atesta o complexo processo de
manipulação do fabrico de uma notícia.
Partimos, mais uma vez, das colocações da Jornalista 1. Ela de imediato justifica o
tratamento das questões de São Gabriel por ser esta uma das cidades que compõem a região
de abrangência e responsabilidade do seu veículo e também por ser esta uma área de tensão
onde o MST teria plenos interesses. Em seu relato ela conta que a primeira pauta (revista dos
ônibus) relacionada aos episódios que integram o corpus dessa pesquisa, chegou na redação
através de um fotógrafo freelancer que o jornal mantém em São Gabriel e foi totalmente
desenvolvida e/ou apurada de dentro da redação – “repórter sentado”.
Na sequência, a pauta “invasão da Fazenda Southall” ingressa no ambiente de
produção pela porta da RBS TV e o jornal acompanha a televisão nessa cobertura. A
Jornalista 1 é escolhida para cobrir a pauta por ser a única que se encontrava na redação
naquele momento. Nesse episódio a equipe responsável pela cobertura saiu do jornal às 13h,
chegando a São Gabriel por volta das 15 horas. No caminho, porém, a Jornalista 1 tinha
feito contato com o proprietário da Estância, com representantes do MST e dos Ruralistas. No
local, sem acesso a Fazenda devido às barreiras da polícia, ela tenta falar com o comando da
Brigada a fim de obter informações a respeito do contingente de policiais e das ações a serem
tomadas. Conta ela:
No caminho para São Gabriel eu liguei para o Southall, o dono da
fazenda, e perguntei para ele quantas vezes ela já tinha sido invadida e
ele me disse que era a primeira vez. eu continuei ligando para as
pessoas e ligando para o jornal para dizer qual era a situação. Porque
eles ficaram daqui muito preocupados e com um bafão na nuca da Zero
Hora que quer sempre dar a matéria primeiro. Naquele dia o Southall
tinha entrado com um pedido de reintegração de posse. E aí a gente
tinha uma pressão de tempo muito grande porque a televisão sempre
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tem de fechar antes, às 18h, no máximo já tinha que estar de volta.
Então a gente saiu de porque a situação estava calma. E a gente
voltou para a redação mas meu trabalho não terminou ali e estava longe
de terminar. Só fui para casa por volta das 22h (JORNALISTA 1).
De volta à redação, a Jornalista 1 de imediato conversa com sua editora, que naquele
dia era a Jornalista 3, e decide a forma com que vai estruturar a matéria. “Isso depois de ligar
para o advogado da Southall, para a advogada do MST e para o Juiz para saber se o pedido de
reintegração de posse tinha sido aceito”. O pedido foi aceito no mesmo dia, que foi dado
um prazo de 72 horas para o MST deixar a fazenda. Depois de confirmar a informação, a
Jornalista 1 ainda ligou para o Comandante da Brigada Militar e ele informou que respeitaria
o prazo imposto pela justiça.
Então fui por na matéria. Inclusive o titulo foi ‘MST invade, mas terá
de sair’. Contei toda a estória: como foi a invasão; que horas eles
entraram; quantas pessoas eram; qual era o clima em São Gabriel; o
que eu tinha visto de tensão. Contei quais seriam as ações da Polícia
Militar e se eles estavam aguardando por reforços ou não. Que a Justiça
tinha decidido pela reintegração de posse; que eles teriam 72 horas para
sair; e que a Brigada Militar em principio iria respeitar isso. A gente fez
um quadrinho mostrando especificamente quais eram os motivos da
invasão. A gente fez uma outra retranquinha falando do bloqueio na
estrada; do fato que a imprensa e a imprensa tinha sido impedida de
passar. E a matéria foi isso, foi uma matéria de uma página com fotos e
basicamente contando a estória dessa invasão inédita (JORNALISTA
1).
A pauta “desocupação”, por sua vez, foi coberta pelo Jornalista 2. Ele relata que a
Jornalista 1, que cobriu a “ocupação”, ao voltar da pauta comentou: “sexta-feira vai estourar o
negócio lá”. Na quinta-feira, quando a Jornalista 3 perguntou quem poderia ir para São
Gabriel ele não titubeou e escalou-se para fazer a cobertura. Depois de confirmar que a pauta
era sua, o Jornalista 2 disse que leu tudo o que já tinha saído sobre a questão “para entender o
que estava se passando” e descobrir porque aquilo estava acontecendo. “Conversei com a
Jornalista 1 e peguei uma lista com um monte de telefones e fui para a pauta”.
Saímos às 5h da manhã, que eu esperava que nós fôssemos chegar e
ficar na frente da Southall para ver o pessoal sair e ver o pessoal
revistar. Mas tinha aquele empecilho da barreira da polícia. Tentei
conversar com os Polícias para deixar nós passar. Tentamos fugir pelo
lado e não deixaram nós passar. Então a gente ficou ali toda aquela
manhã. E os contatos foram importantes pelo seguinte: eu consegui
monitorar o que estava acontecendo lá dentro através dos caras do MST.
Como corríamos o risco de voltar sem imagem, eu estava tentando de
alguma forma que o Fotógrafo 1 entrasse e que eu fosse até também
ao menos para ver o que estava acontecendo. A gente ficou ali fazendo
contato. Eu liguei para o MST e o cara que me disse: olha os
Brigadianos estão segurando vocês porque nós vamos sair pelo outro
lado! Nisso veio aquela ordem dos caras os cinegrafistas e fotógrafos
87
vão entrar cinco minutos para fazer imagens. Bom nós tínhamos
imagens; tínhamos a palavra deles; tínhamos a palavra do Coronel; tinha
conversado com os Ruralistas na barreira. Eu tinha toda a estória
montada na minha cabeça. fomos almoçar. Então o pessoal da TV
liga e diz que o MST estava saindo e que os policiais deixaram as
equipes entrar. Assim conseguimos as imagem dos caras saindo dali e
sabemos que eles não foram identificados. Bom, a gente tinha a imagem
dos caras assentados; tinha a imagem dos caras saindo; sabia toda a
estória; vamos voltar para casa (JORNALISTA 2).
Chegando na redação, o Jornalista 2 procurou apurar o resultado da vistoria na
Fazenda Southall. Depois e inúmeras tentativas ele conseguiu falar com o tal do Ouvidor
que afirmou categoricamente: “olha, quebraram tudo; isso aqui é uma coisa que eu nunca
tinha visto antes; isso aqui é selvageria”. O MST, no entanto, conforme o Jornalista 2, não
aceitava as acusações. Bom, eu tinha tudo. Eu tinha porque que eles saíram; onde é que
eles foram; o que aconteceu com a fazenda; que horas eles foram. Tinha toda a estória,
faltava escrever o texto. Tinha 35 cm para escrever o texto. Às 19h eu saí da redação”, disse o
Jornalista 2.
Na pauta revista do acampamento”, conforme a própria Jornalista 3, foi “o dia da
produção”. Segundo ela, esse foi um dia “muito grande”, porque nos demais o jornal tinha se
programado para cobrir o MST, nesse dia foi diferente. No final do expediente do dia anterior,
ela foi surpreendida por um comunicado da RBS TV local, se referindo a uma fonte do
Batalhão de Operações Especiais (BOE) da Polícia Militar que anunciava para a manhã
seguinte a entrada no acampamento do MST em São Gabriel com um mandado de busca e
apreensão. “Eu disse, tu não tem ideia do que vai acontecer. O MST não vai deixar. A
condição para eles saírem da Southall foi que eles não fossem identificados e aí daqui a pouco
eles estão com um mandado de busca e apreensão dentro do acampamento?”, disse a
jornalista
Segundo a Jornalista 3, assim que ficaram sabendo da participação do BOE na
operação imaginaram que a “coisa seria bem complicada”. Imediatamente, os repórteres
começaram a ligar para as fontes e descobriram que outras unidades do Batalhão de
Operações Especiais também estavam mandando soldados para São Gabriel. Pelo potencial
conflitivo da ação, a Jornalista 3 admite que toda redação estava com muito medo do que
poderia acontecer em São Gabriel, mesmo assim não faltaram candidatos para cobrir os fatos.
“Isso começou a pipocar e todo mundo queria ir para o tal do MST. Porque quando fala em
MST todo mundo quer cobrir, os mais fominhas querem todos ir”. Diz ela:
88
Então a gente mandou o Jornalista 6, que já tinha feito uma vez
cobertura do MST. Tu tens de pensar um pouquinho no perfil do
repórter. Isso também faz parte da produção. Aquela manhã foi um
verdadeiro inferno. Eu comecei a trabalhar às 6h em contato direto com
ele. Cheguei ao jornal e começou estourar os rolos do MST. Eles
começaram a bloquear as estradas no Estado, a gente viu que a coisa era
grande e fez todo um replanejamento de espelho com a Jornalista 5. A
hora que bloquearam Julio de Castilhos eu não sabia o que fazer, porque
não tinha mais repórter, não tinha mais equipe, não tinha mais fotógrafo,
não tinha mais nada. O telefone tocando toda hora, a Zero Hora
enlouquecendo a minha cabeça porque queria texto, o Jornalista 6
estava sem telefone. Então a coisa quando começa a ficar grande ela
começa a complicar. Aquele dia foi um dia bem complicado, mas a
coisa foi tranquila. Um fato com potencial que poderia ser problemático
acabou respingando no Estado e só (JORNALISTA 3).
Conforme a Jornalista 3, a primeira ordem era “só sai de no momento em que não
tiver mais Brigada Militar”. Porém, “ninguém melhor do que o repórter e o fotógrafo que
estão lá para avaliar a hora de vir embora”. Conta ela que quando eles saíram, a Brigada ainda
estava lá, mas, eles só saíram porque telefonaram e disseram: “a coisa aqui está muito
tranquila é uma perda de tempo completa ficar aqui. Eles estão terminando de identificar as
pessoas, não vai rolar mais nada, a maioria da Brigada foi, a coisa está realmente tranquila,
vamos voltar”. Segundo a Jornalista 3, o desafio da produção, principalmente nesse dia foi
adequar as decisões ao decorrer dos acontecimentos, para que no final desse tudo certo e o
jornal tivesse material para contar a estória que foi cobrir.
Como eles próprios colocaram, tanto o Jornalista 4 quanto a Jornalista 5 não tiveram
participações especiais na cobertura dos fatos relacionados a entrada, saída e revista do
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-terra em São Gabriel. O Jornalista 4 destaca
apenas que, no caso da Southall, o cuidado maior de sua parte foi colocar alguém de
confiança no local, alguém da equipe que pudesse com uma ligação informar o que estava
acontecendo. Segundo ele, os procedimentos posteriores envolveram a busca de fontes na
Brigada Militar, no segmento ruralista e no MST para dar uma noção do que estava
acontecendo. “Mas a gente nunca usa piamente, a gente não confia 100% porque são
segmentos que têm interesses”. A partir de então, o procedimento indicado pelo Jornalista 4 é
fazer um balanço de tudo, uma média, para ver o que para publicar. “Claro, o melhor é
sempre estar no local se não fica numa guerra de versões. Por isso que a gente tenta ouvir todo
mundo”. Ele ainda complementa:
Essas informações também se baseiam nas pautas anteriores. A gente
sabe, por exemplo, que certo presidente do Sindicato Rural em outras
coisas exagerou. Não que a gente tenha publicado, mas que a gente
soube antes. Ou que de certa forma não foi bem assim como o MST
comentou. Por isso, quando tem essas fontes que tem interesse, a gente
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tem que ter certo cuidado. A gente tem que ouvir todo mundo e depois
fazer uma avaliação do que realmente aconteceu ou não para estabelecer
qual é o enfoque que a gente vai dar. Foi assim que ocorreu
(JORNALISTA 4).
Conforme o Jornalista 4, não é ele como editor quem vai dizer como o repórter deve
escrever seu texto. “Na verdade, é o repórter que vai ter de dizer o que ele tem e em cima
disso a gente começa a construir a notícia. Não vai ser eu quem vai dizer: vai e diz que a
Brigada agiu assim. Não. Depende muito de quem está no campo, de quem foi para a pauta,
para o front”. Segundo o Jornalista 4, não existe ninguém melhor que o repórter que foi a
campo para escolher a “melhor maneira de dizer”.
o envolvimento principal da Jornalista 5, nesta fase, esteve relacionado à pauta
“revista do acampamento”. Segundo ela, sua preocupação primeira foi a de viabilizar a ida de
uma segunda equipe para São Gabriel, pois não se tinha ideia de quando e como as coisas por
lá se desenrolariam. Depois, ela admite uma preocupação com a qualidade da cobertura já que
“nessas coisas é a gente que cobre para a Zero Hora então, a gente precisa supri-los de um
material bom. Nesse momento, a gente é os jornais da RBS, então precisa cobrir bem e com
tempo”. A Jornalista 5 pondera que nesses casos não adianta um repórter chegar de volta as
21h, pois os jornais do grupo não vão conseguir aproveitar o material.
Para atender essa demanda de notícias, não dos jornais, mais de todos os veículos
do Grupo RBS, a empresa ao longo dos anos vem montando e aperfeiçoando um sistema
colaborativo de produção em rede. Esse sistema, além de emprestar agilidade à cobertura dos
canais do Grupo, diminui consideravelmente o custo de produção das notícias. Nesse quesito,
com certeza, o Grupo RBS é exemplar às demais organizações de mídia do País. Na seção
jornalismo impresso, conforme o relato dos jornalistas entrevistados, esse sistema se chama
Note e permite o intercâmbio instantâneo de mensagens, pautas e notícias entre os oito jornais
que integram a rede.
Segundo a Jornalista 1, o Note é um sistema de comunicação interna que funciona
como um e-mail instantâneo. “É como um MSN, que toda vez que tu vai fazer um Note, tu
tens que escrever o destinatário, a mensagem e enviar”. Conforme ela, pelo Note você tem
acesso a “todas as pessoas, de todos os jornais, de toda a rede RBS”. O sistema possui
algumas regras de funcionamento e são essas regras compartilhadas por toda rede que garante
a sua operacionalidade.
Todos os dias, em todos os jornais da rede, a pauta é produzida no início
da tarde. A pauta do dia seguinte, o que vai sair no outro dia no jornal.
90
Ela é definida até às 15h e isso é enviado para todos os editores de todos
os jornais da rede. Dessa forma, todos os dias vêm alguns pedidos,
principalmente da Zero Hora. Porque a Zero Hora é um jornal que
abrange todo o Estado, então eles tem interesse em coisas de Santa
Maria. A Zero Hora é um jornal grande, que cobre o Estado inteiro, e
que precisa da ajuda de suas sucursaizinhas, de seus pequenos
jornaizinhos. Ela é a mãe de todos (JORNALISTA 1).
Conforme a Jornalista 1, normalmente os pedidos da Zero Hora se concentram em
matérias do tipo: “o MST que invade a Fazenda Southall; o assalto ao Big; o tiroteio no posto;
o ladrão preso”. Para ela, são “matérias de grandes proporções que interessam mais a Zero
Hora”. É por esse critério que a Jornalista 1 também explica como seus textos que
tematizavam as ações do MST na Fazenda Southall, em São Gabriel, foram parar nas páginas
de Zero Hora.
Eles me enlouqueceram bastante, o dia inteiro me ligando, para saber a
que horas eu iria entregar o texto, pois tinham que fechar. Eu vim
escrevendo o texto no carro, para que quando eu chegasse tivesse ao
menos um esboço da matéria. A gente manda o texto para eles de uma
forma bruta. Normalmente, como eles têm muita pressa, o repórter
escreve e já manda, sem passar por edição. Eles têm a sua própria
edição. Até porque um texto escrito aqui, sobre o MST em São Gabriel,
é feito de uma forma diferente para o leitor da Zero Hora. Porque o
leitor da Zero Hora é outro. Então eles vão dar uma localizada melhor;
normalmente eles vão dar uma contextualizada melhor, com coisas do
Estado. Então meu tento foi para lá como vão diversas matérias todos os
dias. Tudo por conta desse sistema de colaboração que é uma coisa
estruturada e muito prática (JORNALISTA 1).
O Jornalista 2, ao falar do sistema interno de colaboração e produção em rede,
considera como relevante o fato de a Zero Hora usar muito o material produzido em Santa
Maria. Ele esclarece que geralmente o primeiro passo é mandar um briefing para Zero Hora
on-line “um texto de 18 centímetros”. Segundo ele, no caso das matérias sobre a
desocupação da Fazenda Southall, a Jornalista 3 ligou pedindo para chegar na redação, fazer
um texto prévio e mandar em seguida para a Zero Hora. “Ela me disse: manda para a Zero
uma previsão do que está acontecendo e manda uma foto. chegamos aqui, baixamos as
fotos e mandamos para lá. Quando é assim”,
Passo o texto para o Editor, ele uma primeira olhada e manda.
eles pegam esses textos e publicam. Manda via Note que é o nosso
programa interno. Tem algumas pastas no sistema, uma espécie de
Editorias, nesse caso Geral 2, que é onde a gente escreve para poder ir
para o jornal. O Editor lê, corrige, passa o corretor ortográfico, faz a
medição do texto e passa para Geral 5. Na Geral 5 o material fica
disponível para toda a rede de jornais da empresa. Qualquer jornal pode
usar, esse é o processo: O Editor pegou, passou para Geral 5; a Zero
Hora puxou e saiu no jornal. Eu nem sabia que saiu o meu nome. Eu
vou até achar essa Zero Hora (JORNALISTA 2).
91
Nesse sentido, a Jornalista 3 enfatiza que se trabalha dentro de um jornal que pertence
a uma rede, “não é nós e o nosso umbigo”. Segundo ela, a parceria funciona nos seguintes
termos: “nós somos a Zero Hora na cobertura da região central. Antes do jornal existia aqui a
Casa Zero Hora. Então onde existe o jornal, teoricamente, a Zero Hora não vem cobrir a não
ser que seja uma pauta especial deles”. A Jornalista 3 esclarece, ainda, que uma das
atribuições de seu trabalho é justamente disponibilizar a pauta consolidada do jornal a todos
os veículos da rede. Tarefa compartilhada, conforme relato, com a Jornalista 5.
No meu trabalho da manhã quando eu estou com a pauta finalizada eu
mando ela via Note para todo mundo. O Note é nosso sistema interno de
comunicação. eles me mandam pedidos. O deadline da Zero Hora é
20h então matéria boa para eles tem de ser até às 15h, depois a coisa
complica. Eles vão reduzindo o espaço, tipo eles iriam dar um abre e
acabam reduzindo porque pode não chegar. O problema agora é o on-
line, porque o on-line tem que ser na hora. E o que acontece, eu mando
a pauta de manhã, mas ela vai ser feita de tarde. eles já mandam o
pedido: a gente quer tal coisa e não tem informação ainda
(JORNALISTA 3).
As explicações do Jornalista 4 acerca do sistema de colaboração em rede do Grupo
RBS não trazem elementos tão diferentes, mas ajudam a explicar o funcionamento do mesmo.
Ele relembra que todo o conteúdo produzido pelos diferentes veículos está disponível para a
Zero Hora, assim como todo o conteúdo da Zero Hora está disponível para os diferentes
veículos da rede. A via, portanto, não é de mão única.
Quando a matéria fica pronta para ir para a página ela é disponibilizada
numa editoria chamada Editoria 5. O repórter escreve numa editoria
chamada Editoria 2. o editor vai e lê, faz toda a revisão e ele
depois passa para a Editoria 5. Nesse momento, ela está disponível para
o diagramador puxar o texto para a página e desenhar a gina e está
disponível para todos os outros veículos da rede aproveitar aquele texto.
Essa matéria da Editoria 5 é a matéria finalizada para ir para a gina.
Eu coloquei todos os elementos de página inclusive o título
(JORNALISTA 4).
Abordando, junto com esse sistema de normalização processual de colaboração em
rede, os possíveis constrangimentos que os jornalistas entrevistados sofreriam no exercício de
suas atividades, todos parecem unânimes em refutar qualquer tolhimento em sua plena
liberdade de produção. Os profissionais entrevistados garantem nunca ter sofrido com
nenhum tipo de determinação que indicasse a priorização de determinado ponto de vista ou
posição no tratamento de uma questão. Segundo eles, as únicas orientações disponíveis têm
caráter técnico, são públicas e estão contidas no manual de ética, redação e estilo do jornal.
92
Elas servem apenas quando observadas, para qualificar as produções. A Jornalista 1 se
posiciona da seguinte forma sobre a questão:
A gente sabe, e isso é estudado por diferentes autores, em diferentes
trabalhos, que o jornalista sofre uma série de constrangimentos na sua
rotina produtiva diária. Constrangimentos econômicos, políticos e
sociais. Mas eu acredito, honestamente, que aqui isso não existe. Não
porque eu sou uma filha da RBS e sou empregada do Sirotsky. Mas,
porque no veículo que eu trabalho a gente tem uma grande liberdade
para tratar qualquer assunto. Eu nunca me senti constrangida por
nenhum tipo de empecilho, de determinação. Sempre me senti muito
livre para poder fazer o meu trabalho. É lógico que todo repórter parte
do pressuposto que a gente tem uma hierarquia e que é importante que
tu converses com teu editor antes de fazer o teu texto. Ele vai te dar
algumas dicas. Mas estas dicas são mais de formas de construção, do
que pode ser mais interessante para o leitor, de organização do texto, do
que não fale disso. Isso eu nunca ouvi (JORNALISTA 1).
A Jornalista 1 ressalta apenas a existência de alguns constrangimentos pontuais como,
por exemplo, as barreiras da Brigada Militar que a impediram de exercer sua atividade e as
críticas recebidas por parte dos leitores em algumas matérias. Ela afirma ainda desconhecer,
nesse sentido, qualquer orientação superior de direção de jornal, de direção de Grupo RBS,
para o tratamento das questões do seu dia-a-dia.
Essa visão também é compartilhada pelo Jornalista 2 que também admite como
limitador de seu trabalho apenas as barreiras da Brigada Militar que o impediram de se
aproximar da Fazenda Southall em São Gabriel. Segundo ele, ninguém chegou e lhe disse:
“olha o enfoque que tu vai dar; se tu facilita para esse lado, ou prejudica esse outro”. O
Jornalista 2 garante em sua fala que não existe nenhuma orientação, nenhuma “pauta velada”
no veículo em que ele atua. Diz ele:
Eu acho que o repórter aqui tem bastante liberdade para escrever. Não
tem condicionamento, de forma alguma. Eu falo com toda a sinceridade
e sem medo de falar. Não existe nenhuma orientação para pender para
lado nenhum, nem em outras pautas. O repórter tem total liberdade para
chegar lá, ver o que está acontecendo e contar a sua estória
(JORNALISTA 2).
Na mesma linha, a Jornalista 3 reconhece apenas algumas orientações de caráter
técnico e jurídico, mas não constrangimentos, que servem para reger a prática diária dos
profissionais do Grupo. Segundo ela, o repórter “não tem uma linha”, do tipo vamos puxar
para lá. No máximo, esclarece ela, o que existe são algumas conversas entre repórteres e
editores com o intuito de qualificar as coberturas.
93
Portanto, não tem constrangimentos. Existem alguns cuidados do tipo
ninguém chama o MST de invasor, isso está no manual de ética da RBS.
Eu acho que eles já devem ter tomado algum processo por isso. Mas,
existem alguns cuidados que você tem que tomar que são cuidados
éticos para qualquer matéria que tu for fazer. Agora, não existe essa
estória, esse monstro que se cria: tu já sai com uma ideia e tem que
escrever sobre isso. Isso não existe! Eu trabalho tempos na empresa,
já trabalhei na Central do Interior, já trabalhei lá dentro da ZH, já
trabalhei aqui e eu nunca tive em nenhuma matéria que eu fiz ou que eu
produzi uma orientação do tipo tu tens de escrever X, ou tu tens de
editar X. Acho que é muito da cabeça dos repórteres, porque no
momento em que tu tens um repórter que é ético, nenhum editor
consegue sacanear ele. Porque a pessoa vai sentar, escrever e ponto
(JORNALISTA 3).
Um comentário interessante sobre a questão deriva da análise das falas do Jornalista 4
sobre a questão. Segundo ele, mesmo que a empresa disponibilize o manual de ética a todos
os seus colaboradores, o verdadeiro manual do repórter é o seu editor, que por ser mais
experiente tem essas regras entronizadas. Aponta ele: “na verdade, o manual do repórter,
assim, diariamente, está muito no editor, ele segue as orientações do editor”. Segundo ele o
fato de o manual proibir determinadas práticas é um pouco mito. “No meu trabalho nunca
ninguém me disse assim não, tu não vai dar isso, tu não vai dar desse jeito, principalmente
em relação ao MST. Em relação ao MST não tem nenhuma orientação”.
Aqui, quando eventualmente pauto e passo a fazer a cobertura, não tem
nada que diga assim: você vai tratar a notícia dessa forma! A gente vai
para noticiar o fato por todos os lados, noticiar o que está
acontecendo e simplesmente ser o reflexo do que está acontecendo. E
não tem nenhuma diretriz assim, você vai fazer isso, você não ouve
aquilo, você mais atenção para isso. Até porque a gente mesmo se
pauta, a gente mesmo sabe o enfoque que a gente tem que dar. Não tem
nenhuma orientação tipo a Zero Hora disse que tem de ser assim
(JORNALISTA 4).
“A gente tem um manual e tudo, temos regras que dizem olha, a gente tem que ser
equilibrado, tratar pessoas com isonomia, a gente não pode obter favores pessoais, porque tu é
jornalista”. Conforme a Jornalista 5, são essas as orientações gerais que devem ser seguidas
pelos profissionais, mas, segundo ela, essas não são regras especiais, muito menos
constrangimentos. São regras da vida, apenas adaptadas e aplicadas à prática jornalística. A
jornalista 5, no entanto, reconhece a configuração de mecanismos para se proteger
profissionalmente e para proteger o leitor de um direcionamento agudo. Porém, segundo ela,
É claro que a gente escolhe, faz escolhas diariamente, que a gente
não recebe orientações diárias, de como tem que fazer; nem eu me sinto
uma figura, uma representante da RBS para passar orientações diárias
para os repórteres, de como é que tem que ser. A única coisa que eu
procuro dizer é para eles se cuidarem, para eles não cometerem
94
nenhuma ilegalidade. Dessa forma, gente tenta sempre uma liberdade,
sem induzir o repórter. É claro que ele chega da rua e diz olha eu tenho
isso e isso. Então quem sabe a gente não trata dessa forma; quem sabe
abre com isso; vamos usar uma foto disso. Mas são coisas em nome do
bom jornalismo. É claro que a gente quando diz assim: não seja
preconceituoso, a gente está dando algumas dicas de quais são os
nossos valores (JORNALISTA 5).
Finalizando as considerações relacionadas ao momento da produção no “Circuito das
Notícias”, cabe, ainda, de acordo com as informações colhidas nas entrevistas
semiestruturadas realizadas com os jornalistas, os principais articulistas de discursos e
representações nessa fase, projetar algumas considerações sobre os leitores imaginados na
composição de seus textos relativos à questão agrária. Da “minha e”, aos “representantes
dos segmentos” envolvidos diretamente nas disputas por terras; do “eu mesmo”, aos “biótipos
estatísticos”; percebemos uma enorme variação na opinião dos jornalistas acerca de seus
leitores.
Para a Jornalista 1, os leitores dessas notícias são, primeiramente, os ruralistas, pois
“são os primeiros a ligar no outro dia”; e, depois os próprios jornalistas do grupo. Segundo
ela, as partes envolvidas sempre lêem porque se recebe retorno de ambos. “Ou a gente é
xingado pelo MST ou a gente é xingado pelos Ruralistas”. Mas o leitor, de uma forma geral,
para a Jornalista 1, acaba sendo uma entidade que nunca se sabe direito quem ele é e do que
ele gosta. “Mas acho que as pessoas de uma forma geral se interessam por isso. Hoje, por
exemplo, a gente deu uma manchete do MST no jornal, e a minha mãe, a primeira coisa que
ela viu no jornal foi isso”.
O Jornalista 2, por sua vez, reconhece que nunca parou para pensar em qual a pessoa
que as suas matérias. Ele, na maioria das vezes, diz se colocar no lugar do leitor e partir do
pressuposto que se ele ler determinada matéria e entender o que ele mesmo está dizendo, ela
vai dar conta do que está acontecendo também para o seu leitor. Nesse sentido, o Jornalista 2
afirma:
Eu tento escrever para uma pessoa que não está sabendo de nada. Que
nunca ouviu falar no MST, que nunca ouviu falar do conflito e que
nunca ouviu falar de nada. Eu escrevo para uma pessoa que comece a
ler e entenda o que está escrito. Eu não penso assim num nicho: os
estudantes, os idosos ou as donas de casa. Eu tento pegar como um todo
para que o assunto seja compreensível para as pessoas e que elas
consigam entender o que eu estou escrevendo. Essa é minha
preocupação, agora quem vai ler ou quem vai deixar de ler acho que
fica bem fora da minha alçada (JORNALISTA 2).
95
“Eu acho que o jornalista não tem ideia para quem escreve. Sou bem crítica em relação
a isso e não tenho ideia para quem estou escrevendo as matérias”. Essa é a sincera opinião da
Jornalista 3. No entanto, ela faz um esforço visível para tentar definir o leitor de seu produto
jornalístico. Em relação aos conflitos agrários, a Jornalista 3 considera como leitores todas as
pessoas que fazem parte de um Sindicato Rural; o pessoal ligado aos Movimentos Sociais; e o
MST. “Mais do que isso não sei dizer. É muito empírico isso”. Por fim, ela diz:
O que eu sei do nosso leitor: sei que ele se situa entre as classes A e C;
ele é meio a meio homens e mulheres, e sei que ele é um leitor jovem de
18 a 35 anos. É um leitor que se interessa por assuntos bem ecléticos,
Mas a gente também tem o leitor classe D e isso eu sei pelo empírico da
estória, porque é o leitor que liga para cá. O leitor classe A e B não liga
para cá, é o leitor classe C e D que liga para cá. É o leitor que mora na
vila que liga para sugerir pauta, basicamente por problemas do cotidiano
dele (JORNALISTA 3).
Para o jornalista 4, falando de uma invasão em São Gabriel, ele acha que todo o leitor
médio de São Gabriel, a população média envolvida na cidade lê as notícias desse tipo.
Falando de uma forma geral, fora de São Gabriel, o leitor para ele é gente com mais de trinta
anos que tem algum interesse ligado ao campo. Pode ser porque planta, pode ser porque mora
no interior ou porque é ruralista. “Eu acho que é mais esse público assim. Gente que também
se interessa por política, porque na verdade eu acho também que tem muita política, também é
um Movimento político, não deixa de ser”.
A Jornalista 5 diz que é muito difícil saber quem realmente são os leitores e aponta a
realização de algumas pesquisas como indicadores de um possível “caminho das pedras”.
Essas fornecem indicadores baseados na renda, no sexo e/ou na posição social, que
segundo ela, o leitor das matérias sobre o MST realmente não tem como ser medido. “Eu acho
que cada leitor é de um pedaço do jornal. Em São Gabriel eu acho que todo mundo leu a
reportagem sobre o conflito; os arredores, quem tem terra, por exemplo, também deve ter lido.
Essas pessoas ligadas aos Movimentos Sociais também devem ter lido”.
Essa heterogeneidade reconhecida para os leitores, porém, parece não combinar com a
homogeneidade dos discursos dos jornalistas em torno da questão agrária, nem com a
representação preferencial que eles movimentam em seus dizeres. Apesar das dificuldades em
se definir a questão, devido a sua complexidade, os profissionais entrevistados na maioria das
vezes acabam por movimentar o sentido de “ilegal”, favorável à matriz representacional
hegemônica da questão agrária, para falar do MST e de suas ações, reproduzindo uma
situação maniqueísta de conflito entre o bem x o mal. A acusação de desrespeito ao estado
96
democrático de direito e a ordem jurídica da atualidade também é recorrente na fala dos
profissionais e o sentido de “bagunceiros”, mesmo que inicialmente negado, acaba sempre por
aparecer.
Assim, mesmo partindo de sentidos por vezes tensionados ao reconhecer, por
exemplo, a validade do Movimento e seu nível de organização, os profissionais da notícia
acabam por se filiar à matriz hegemônica de representação da questão agrária num sentido
favorável. Eles não conseguem libertar o seu dizer da noção de ilegalidade que historicamente
envolve os questionamentos em torno da posse da terra no Brasil. Agregada a essa noção
temos ainda à ideia stica de “interesses ocultos” relacionados aos integrantes do MST.
Outro dos conceitos que vem compor e acompanhar à matriz representacional hegemônica da
questão agrária. Loucos e fanáticos perdidos entre a razão e seus objetivos, são figuras
recorrentes no histórico dos conflitos agrários no Brasil. Como vimos, portanto, dizeres
diferentes são movimentados para falar do MST, mas, todos eles parecem derivados da
mesma matriz de representação hegemônica da questão agrária.
Tais dizeres e sentidos, direta ou indiretamente, depois irão se refletir nos textos do
jornal Zero Hora. Porém, a análise conveniente desses textos capaz de sustentar ou não tal
afirmação somente será realizada no momento subsequente do “Circuito das Notícias”.
Mesmo assim, convém lembrar, de imediato, que um discurso é sempre um efeito de sentido –
sempre vem de um lugar e vai para outro. Um discurso é, portanto, sempre consequência. Na
relação com suas fontes o jornalista não se vale apenas da visão da realidade abastecida pelas
fontes, mas também de suas expressões. Em muitos momentos, ele assume a perspectiva de
enunciação dos outros pensando que são as suas. No momento em que produz o texto se
considera o dono desse discurso, seu autor, e não o é. Pois, seu discurso nada mais é do que a
eleição de determinadas estratégias de expressão em detrimentos de outras (JACKS,
MACHADO & MULLER, 2004).
97
CAPÍTULO 4 –
DO TEXTO E SEU DESCENTRAMENTO
O segundo momento, tanto do “Circuito Cultural” de Johnson (1999) quanto do
“Circuito das Notícias”, por analogia, é o texto. Texto corresponde ao texto das notícias, ou
seja, aos textos produzidos por uma organização de mídia do campo do jornalismo (no caso
pelo jornal Zero Hora), na etapa anterior do “Circuito” (a etapa de produção) e que numa fase
subsequente (momento da leitura) encontrarão os leitores do Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem-terra (MST), representantes do campo político.
Dessa forma, para análise do texto no “Circuito das Notícias”, podemos optar, dentre
várias possibilidades: pela Análise do Discurso nos textos; pela análise do conteúdo nos
textos; ou por um estudo semiológico e/ou de linguística nos textos. Em nosso recorte teórico-
metodológico priorizaremos, porém, os recursos da Análise do Discurso nos textos
jornalísticos (notícias) do jornal Zero Hora (ZH) publicados entre 12/04 e 21/05/2008,
período idêntico ao considerado na etapa de produção.
Tais textos estão concentrados em 18 edições do jornal (números 15.566; 15.568;
15.569; 15.570; 15.571; 15.573; 15.582; 15.588; 15.593; 15.596; 15.597; 15.598; 15.599;
15.600; 15.602; 15.603; 15.604e 15.605) e correspondem à cobertura das ações acerca da
ocupação e desocupação da Fazenda Southall no município de São Gabriel (RS). Essas ações
marcam um período tradicional de mobilizações do MST, a Jornada Nacional de Lutas (Abril
vermelho), que relembra anualmente o massacre de 19 agricultores Sem-terra em Eldorado de
Carajás (PA), ocorrido em abril de 1996.
No estudo dos textos, através da Análise do Discurso, buscamos, além de verificar as
formas como a Zero Hora representa o MST em suas notícias, traçar um mapa de sentidos que
o jornal faz circular sobre o Movimento, relacionando-os com a matriz representacional
hegemônica da questão agrária. Também aspiramos garimpar as marcas textuais que nos
ajudam a entender como as representações da questão agrária se tornam efetivas na vida
cotidiana dos leitores e na prática discursiva dos jornalistas.
98
Partindo da materialidade do discurso, ou seja, das notícias sobre o MST e suas ações
acerca da Fazenda Southall (dos textos), procuramos primeiro identificar as Formações
Discursivas relacionando-as às Formações Ideológicas correspondentes, a fim de chegar às
representações predominantes nos enunciados que realmente definem o discurso. Depois,
através de sua aproximação e/ou distanciamento com um sentido principal hegemônico que
historicamente perpassa o tratamento da questão da terra no País, procuramos categorizar as
representações movimentadas acerca do MST, nos moldes de Jacks, Machado & Müller
(2004), como: a) representação desfavorável; b) representação favorável; c) representação
tensionada entre essas duas imagens.
Antes, porém, é necessário detalhar alguns conceitos e pressupostos que embasarão as
considerações neste momento do “Circuito das Notícias”, como por exemplo, as definições de
texto, de discurso, de linguagem, de Formação Discursiva e/ou Ideológica etc. e, também de
alguns recursos metodológicos utilizados advindos da Análise do Discurso.
Como trata da prática da linguagem, da construção de sentidos através da língua, a
Análise do Discurso permite um mergulho no funcionamento do texto jornalístico, do qual se
depreendem características do autor do texto, do contexto no qual ele foi escrito e, mesmo, do
leitor imaginado da referida mensagem (ORLANDI, 2001, p.15).
Ao mesmo tempo, como já referido, não podemos deixar de admitir que um estudo
que pretende se basear numa conjuntura histórica deve ter como premissa a crença que o
contexto é crucial na produção de significado. Assim, de forma mais geral, precisamos
“descentrar o textocomo um objeto de estudo. Ou seja, o texto, não é mais ser estudado por
ele próprio, nem pelos efeitos sociais que se pensa que ele produz, mas, em vez disso, pelas
“formas subjetivas ou culturais que ele efetiva e torna disponíveis” (JOHNSON, 1999, p.75).
Deve ser encarado apenas como um meio para análises e/ou como um material bruto a partir
do qual certas formas podem ser abstraídas.
Em nosso entendimento, a Análise do Discurso pode relacionar-se diretamente com a
proposta do “Circuito das Notícias”, pois, como pontua Orlandi (2001, p.16), ela leva em
conta o homem na sua história, considera os processos e as condições de produção da
linguagem, a relação estabelecida pela língua com os sujeitos que a falam e as situações em
que se produz o dizer. Ou seja, é uma análise que considera, também, aquilo que é exterior ao
texto e o atravessa.
99
A questão que se coloca nessa abordagem é como um texto significa. Nela o processo
de comunicação não é visto de forma linear, com uma clara separação entre emissor e
receptor, atuando em sequência – primeiro um fala e o outro decodifica etc., pois eles
realizam ao mesmo tempo o processo de significação. Ao invés da mensagem, o que se
propõe pensar nessa perspectiva é o discurso. Orlandi (2001, p.21) aponta que o “discurso é o
efeito de sentidos entre locutores” e,
Não se trata de transmissão da informação apenas, pois, no
funcionamento da linguagem, que põe em relação sujeitos e sentidos
afetados pela língua e pela história, temos um complexo processo de
constituição desses sujeitos e produção de sentidos e não meramente
transmissão de informação.
Nessa lógica, as condições de produção que constituem os discursos funcionam de
acordo com certos fatores, dentre eles: relações de sentido, antecipação e relações de força.
Portanto, não discurso que não se relacione com outros. Um discurso sempre irá apontar
para outros, que irão sustentá-lo, assim como sinaliza para dizeres futuros. Deve ser tratado
como um estado do processo discursivo mais amplo, contínuo, sem começo absoluto ou ponto
final. Nesse processo, através do mecanismo de antecipação, o sujeito tem a capacidade de se
colocar no lugar de seu interlocutor, ouvindo suas próprias palavras, antecipando-se a ele
quanto ao sentido que as palavras podem produzir.
Assim sendo, de acordo com o efeito que deseja obter, o sujeito pode escolher o modo
como conduzirá o texto. Esses mecanismos de funcionamento do discurso repousam no que
chamamos de Formações Imaginárias (FI) projeções que permitem passar das situações
empíricas (os lugares dos sujeitos) para as posições dos sujeitos no discurso, como explica
Orlandi (2001, p.39).
É dessa forma que sustentamos que análise de discurso oferece um ponto de vista
conveniente para o estudo desse momento do “Circuito das Notícias”, pois entende a
linguagem não como um simples suporte para a transmissão de informações, mas como o que
permite construir e modificar as relações entre os interlocutores, seus enunciados e seus
referentes (MAINGUENEAU, 2002, p.20). Nessa medida, a linguagem constitui e não apenas
descreve aquilo que é por ela representado. Assim, também os discursos não podem ser
considerados como objetivos. Efetivamente, eles fornecem apenas representações da realidade
baseadas sobre ideias preconcebidas.
Sustentamos também que o discurso é uma forma de representar o conhecimento
acerca de determinado tópico em determinado momento histórico. O discurso tem a ver com a
100
produção de conhecimento através da língua, mas uma vez que todas as práticas sociais
transmitem significados, e os significados moldam e influenciam o que fazemos, todas as
práticas têm um aspecto discursivo (HALL, 1997, p.44).
Dessa forma, Formações Discursivas (FDs) autorizam o que deve e o que não deve ser
dito em determinada configuração sócio-histórica e serão discutidas aqui no âmbito da relação
entre o discurso histórico e jornalístico parte importante dessa discussão foi apresentada
no item referente à matriz representacional hegemônica da questão agrária, no primeiro
capítulo deste estudo. Assim, se pode considerar cada enunciado como um elo na cadeia de
comunicação que os enunciados são inerentemente intertextuais e constituídos por
elementos de outros textos. Essa relação com o que é exterior, com o contexto de enunciação,
e com o contexto sócio-histórico, mostra o texto em sua incompletude, diz Orlandi (1988,
p.194). Quando, no próximo momento, trabalharmos no estudo da recepção e/ou das leituras,
é importante levarmos em conta essa determinação.
O conceito de Formação Discursiva vem de Foucault. Ela é comumente definida como
aquilo que pode e deve ser dito em oposição ao que não deve e não pode ser dito. Nesse
sentido, uma observação importante para o trabalho com FDs vem de Jacks, Machado &
Müller (2004, p.32), segundo elas, “para agarrar uma Formação Discursiva, o analista precisa
trabalhar com algumas regras de formação, ou seja, com aquelas regras que definem como um
mesmo sentido é construído por enunciados distintos”. Para Foucault, o discurso está
constituído por Formações Discursivas e não discursivas, sendo estas últimas tratadas por
Michel Pêcheux como Formações Ideológicas e/ou Formações Imaginárias. Nesse sentido o
discurso materializa pensamento e sentimentos. O discurso é efeito de sentido e não apenas
produtor de sentido.
Conforme Jacks, Machado & Müller (2004, p.39) um discurso nunca se fora do
contexto social, está sempre em relação com a exterioridade. Dessa forma ao analisar o
discurso temos de partir da materialidade do mesmo (dos textos, por exemplo), e primeiro
identificar as Formações Discursivas, apresentando em seguida um mapa de suas respectivas
Formações Ideológicas para então, a partir delas, chegar às representações que esses discursos
movimentam.
Sabemos que o jornalismo é uma narração do real mediada por sujeitos no exercício de
suas subjetividades e que escolhas são permanentes em seu interior, ainda assim, o leito busca
no jornalismo uma porta para o real. Dessa forma, o discurso jornalístico ao inscrever o modo
de produção da linguagem na produção social geral, permite situar a notícia no interior de
101
uma complexa rede produtiva que pode sim, para fins de sistematização, assumir a forma de
um circuito, no caso do “Circuito das Notícias”.
Segundo Orlandi (1988, p.25; 2001, p.152), o discurso jornalístico é um discurso
autoritário e de paráfrase. Pois, se usarmos como critério de observação a interação troca de
papéis entre interlocutores – observamos que estes interagem pelo discurso mas não trocam de
papel: a fonte, o jornalista e o leitor ocupam papéis fixos. Tal característica é facilmente
verificável nos textos tomados para análise em nossa pesquisa. E, se analisarmos pelo critério
da predominância entre polifonia ou paráfrase, podemos afirmar que, apesar da composição
polifônica, o sentido do conjunto do discurso jornalístico tende para o mesmo, ou seja, para a
paráfrase. Além disso, ao acrescentamos as condições de produção (industrial e lucrativa) do
discurso da imprensa, podemos confirmar sua tendência ao tipo autoritário. É isso que
podemos garimpar nos textos das matérias analisada.
Complementando, Berger (2003, p.24) afirma que o primeiro tipo é de consenso, pois
o discurso jornalístico é, acima de tudo, informativo. E, para localizarmos o segundo tipo,
devemos buscar as marcas na notícia, considerando sua propriedade para descrever o tipo de
discurso, como fixação do funcionamento da instituição jornalística que está a se estudar. Para
reconhecer a especificidade do discurso do jornal em análise, ainda segundo Berger, devemos
observar as formas pelas quais o jornal se enuncia, enuncia seus profissionais e seus
destinatários. “Aqui perseguimos a subjetividade do jornal que, como tal, encontra-se no
intervalo das notícias e às margens dos acontecimentos”.
Sendo assim, se o capital gira em torno do discurso e de quem tem as condições de
elaboração do mesmo, é, também, fundamental reconhecer que a imprensa não produz apenas
um tipo de discurso mas que convivem nela diferentes tendências e que as condições sociais e
institucionais no interior de onde ele é produzido contribuem na definição do contorno ou na
ênfase a um tipo.
Por isso o discurso jornalístico é híbrido e somente a observação do
funcionamento do discurso de um jornal e suas condições de produção
permitirá descrever o tipo informativo desse jornal e seu capital que, no
entanto, estará inscrito nas características do discurso midiático: ele é
público, institucionalizado e legitimado para as transmissões do saber
cotidiano. É o discurso da atualidade com recursos estetizantes
(BERGER, 2003, p.24).
Podemos inferir desse modo que, sem dúvida, o discurso jornalístico existe porque
seu conteúdo provém de outros lugares, que ele é um discurso de mediação dos campos
sociais. Mediação, no entanto, não é passagem de um lado para outro, mas lugar de produção
102
e proposição de sentidos, e assim, construção de determinado registro histórico. É assim que,
para Berger (2003, p.188), o discurso jornalístico, pode ser caracterizado como “duplamente
polifônico (composto de muitas vozes) indicando um potencial polissêmico (possibilidades
plurais de sentido) que, no entanto, tende à paráfrase (ao mesmo), inscrevendo-se no tipo
autoritário”. Por outro lado, a voz do receptor no discurso jornalístico também é plural, pois
diferentes tipos de destinatários devem identificar-se na enunciação.
Portanto, o conceito de discurso com o qual trabalhamos é aquele defendido por
Orlandi (1988, p. 180): de linguagem em interação. Desse ponto de vista, a linguagem é
observada em relação às suas condições de produção, ou, dito de outra forma, é aquele em
que se considera que a relação estabelecida pelos interlocutores, assim como o contexto, são
constitutivos da significação do que se diz. Segundo essa perspectiva, embora, de fato, o
momento da escrita de um texto e o momento de seu consumo sejam distintos, na escrita
está inscrito o receptor e, na recepção, o receptor interage com o autor do texto. “O texto é o
lugar, o centro comum que se faz no processo de interação entre falante e ouvinte, autor e
leitor”, diz a pesquisadora.
No “Circuito das Notícias” propomos estudar as condições em que se a produção
do emissor e do receptor em momentos separados mas que se encontram em um ponto
comum, o texto. Porém, não se pode esquecer do contexto já que esse contato entre jornalistas
e leitores se dá também através de outras instâncias. E-mails, telefonemas, conversas pessoais
em eventos ou, até mesmo, visitas à redação, para tratar de determinada matéria. Quer dizer,
embora o texto seja o lugar oficial para esse encontro, o contato se dá também fora dele, e
essa interação deve ser observada.
Assim a Análise do Discurso possibilita detectar o diálogo entre as práticas produtivas
da equipe jornalística e o resultado do trabalho, tanto no veículo em si, quanto junto ao seu
público, quando se chegar ao final da análise do processo. Por isso, que um dos objetivos
desse trabalho é mapear as representações movimentadas nas notícias (textos), através do
discurso de Zero Hora, sobre a questão agrária e o MST.
A Análise do Discurso apresenta um instrumental teórico capaz de conceber o discurso
como efeito de sentidos entre interlocutores. Há, por conseguinte, nessa perspectiva uma
edificação conjunta do social e do linguístico, colocando a história entre a palavra e o sentido.
O discurso como já dissemos será entendido e tomado aqui como efeito de sentido demarcado
pelas relações sociais entre classes na permanente disputa pelo poder e pelo poder dizer.
103
Na Análise do Discurso nossa preocupação recai sobre o movimento de instauração de
sentido, que exige compreender os modos de funcionamento de um discurso. Assim, o
primeiro passo nesse tipo de análise é, conforme Benetti (2007, p.111), enxergar a existência
(apenas operacional e pragmática) de duas camadas: a primeira, mais visível, é a camada
discursiva; a segunda, só evidente quando aplicamos o método, é camada ideológica.
A autora recomenda ainda que comecemos sempre a análise a partir do próprio texto
no movimento de identificação das Formações Discursivas (FDs), considerando que uma FD
é uma espécie de região de sentidos, circunscrita por um limite interpretativo que exclui o que
invalidaria aquele sentido este segundo sentido por sua vez constituiria uma segunda FD.
“No mapeamento dos sentidos, é preciso limitar o campo de interpretação aos ‘sentidos
nucleares’, isto é, à reunião, em torno de uma FD de diversos pequenos significados que
constroem e consolidam aquele sentido nuclear” (BENETTI, 2007, p.112).
Assim existem tantas FDs quantos sentidos nucleares pudermos encontrar em um
texto. Um sentido, porém, é determinado por uma configuração ideológica, que reside nessa
espécie de segunda camada da estrutura do discurso. A lógica da AD nos diz que um sentido
sempre vem representar aquilo que poderia ser dito, naquela conjuntura específica, por
aqueles sujeitos em particular, instados ideologicamente a dizer uma coisa, e não outra.
Segundo Benetti (2007, p.112), essa definição circular amarra a Formação Discursiva
a uma Formação Ideológica, deduzindo que, daquela Formação Ideológica em particular, não
poderia ser construído outro sentido que não aquele. Seguindo a definição clássica de Pêcheux
(1995, p.160) chamaremos então de Formação Discursiva aquilo que, numa Formação
Ideológica dada, isto é, a partir de uma posição dada numa conjuntura dada, determinada pelo
estado da luta de classes, determina o que pode e deve ser dito. Indo além da mera associação
à classe social, a vinculação estrutural entre a Formação Ideológica e a Formação Discursiva
permanece válida.
Na Análise do Discurso, consequentemente, é preciso construir um quadro de FDs
justificadas explicitamente pelos textos em análise. Conforme Benetti (2007, p.113) existem
muitos modos de organizar e nomear as FDs, e cada pesquisador deve encontrar seu modo
particular de trabalho. Em nosso caso, numeramos as Formações Discursivas (FD1, FD2, FD3
etc.) e as nomeamos indicando um sentido principal. Diz a autora,
O que fazemos é localizar as marcas discursivas do sentido rastreado,
ressaltando as que o representam de modo significativo. Depois de
identificar os principais sentidos e reuni-los em torno de Formações
104
Discursivas mínimas, o pesquisador deve buscar, fora do âmbito do
texto analisado, a constituição dos discursos ‘outros’ que atravessam o
discurso jornalístico (BENETTI, 2007, p.113).
Isso nos leva a compreender as Formações Ideológicas que, existindo anterior ao
objeto pesquisado, acabaram por determinar aquelas Formações Discursivas identificadas no
texto. Seguindo as recomendações de Benetti (2007, p.113), para fins de procedimentos
metodológicos, chamaremos de Sequência Discursiva (SD) o trecho que arbitrariamente
recortamos para análise. O objetivo aqui é demonstrar algumas SDs que suportam a Formação
Discursiva favorável, desfavorável, negociada para a questão agrária no discurso do jornal
Zero Hora e assim evidenciar as marcas discursivas de cada FD, ou seja, expressões que
constroem o caminho em direção ao sentido nuclear da FD.
Dentro disso nosso procedimento será ordenado da seguinte forma: 1) Identificar no
texto as Sequências Discursivas; 2) Apontar o sentido nuclear (negrito) de cada uma; 3)
Agrupar as SDs conforme o seu sentido nuclear em cada matéria; 4) Evidenciar a Formação
Discursiva a que elas pertencem; 5) Relacioná-las (as FDs) à Formação Ideológica (matriz
representacional hegemônica) da questão agrária construída historicamente no Brasil; 6)
Categorizá-las como favorável, desfavorável e/ou tensionada. Ou seja, como diz Benetti
(2007, p.115) “no método de análise fazemos o caminho inverso do discurso: partimos do
texto para o que lhe é anterior e exterior”. O resultado desse trabalho pode ser verificado no
Anexo 2.
Conforme Berger (2003, p.12), o desafio do trabalho com a Análise do Discurso, passa
pela elucidação da natureza da linguagem, o que serve fundamentalmente para compreensão
dos campos sociais em ação permitindo que se possa acompanhar o percurso do
“acontecimento acontecendo”, passando pela notícia publicada, até encontrar o consumo, a
leitura e/ou a decodificação.
As notícias sobre a cobertura da ocupação da Estância do Céu, em São Gabriel,
tomadas como base para análise dos textos e das reapresentações que eles movimentam acerca
da questão agrária no jornal Zero Hora são exemplo de caso rotineiro de noticiabilidade do
Movimento no referido jornal. Nesse sentido, partindo da identificação das Sequências
Discursivas, juntamente com a observação de suas condições de produção é que procuramos
dar a conhecer as representações do MST da e na ZH verificando, assim, como se a
construção simbólica de um Movimento Social na grande imprensa. Cabe ressaltar que estas
105
representações ainda encontrarão as leituras de integrantes do próprio Movimento no
momento subsequente do “Circuito das Notícias” e como tal também serão analisadas.
Segundo Berger (2003, p.12), em sua pesquisa sobre o MST, tanto o Movimento
quanto a ZH acabam por encontrarem-se no texto jornalístico. Para ela, portanto, “assim como
a noção de campo quer esclarecer o Movimento Social e o jornalismo em seus contextos, a
noção de discurso deve explicar a encenação dos signos em seu contexto”.
Esse encontro, no entanto, não parecer ser um encontro fortuito. Os dados a seguir
comprovam tal constatação. A pauta questão agrária, e por consequência MST, é recorrente
nas páginas do impresso. Convém de imediato destacar que na Zero Hora a questão agrária
remete diretamente ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-terra. Ambas as
designações, para o jornal são indissociáveis. Para a Zero Hora a questão agrária é uma
questão única e exclusiva do MST. Tal associação praticada pelo jornal, ao mesmo tempo em
que privilegia o MST como ator principal no tensionamento da questão agrária, diminui a
problemática apenas a luta do MST. Implicitamente o jornal recomenda a seguinte leitura
preferencial: isso é coisa do MST, logo você, “cidadão comum” não precisa se preocupar.
No manuseio do produto jornalístico “jornal Zero Hora”, parece flagrante, por essa e
outras constatações, que o periódico acaba por montar para o leitor um guia, um itinerário que
pretende dar conta do cotidiano e enquadrá-lo conforme uma lógica organizativa. Essa matriz
organizativa, como podemos perceber, tem determinado poucas variações na configuração
geral do impresso, ao longo do tempo. Numa descrição mais detalhada, inspirada no trabalho
de Berger (2003, p.60-62), podemos caracterizar nesse sentido o produto jornalístico jornal
Zero Hora da seguinte forma: “sua estrutura continua fixa e sem muitas surpresas – o logotipo
ao alto muda de cor no seu contorno para acompanhar o colorido das fotos”, mas geralmente é
vermelho ou azul.
Suas manchetes são duas: uma textual que confirma o que o último noticiário do dia
anterior indicou como o acontecimento (manchete principal) e uma fotográfica que trata de
outro assunto e/ou tema (manchete fotográfica principal). Alem disso, quatro ou cinco
chamadas acabam por completar a moldura do cartão de visitas da ZH. Na contracapa há
pouco texto, duas manchetes fotográficas apresentam mais dois assuntos tratados na edição,
junto com algumas pequenas chamadas, e a seção Para Falar com ZH mostra os contos para
assinaturas, da redação e para anunciantes. ainda impresso no canto superior esquerdo da
página o horário de fechamento da edição.
106
O jornal pode ser desdobrado pelo leitor, pois conta, além de um Caderno principal e
um Segundo Caderno, com diversos outros Cadernos Especiais. No domingo, Dona ZH,
Empregos & Oportunidades, TV+Show, Dinheiro e ZH Classificados; na segunda-feira
Global Tech, Meu Filho, e Esporte; na terça-feira, Casa & Cia, e Viagem; na quarta-feira,
Digital, e Vestibular; na quinta-feira, Sobre Rodas; na sexta-feira, Kazuka, Gastronomia, e
Campo & Lavoura; e, no sábado, Vida e Cultura.
No dia-a-dia o jornal tem a seguinte sequência: inicia com pequenas notas numa
página não assinada, chamada Informe Especial; contém junto à seção Palavra do Leitor, que
apresenta trechos de cartas enviadas à redação do jornal, o índice, os resultados de uma
enquete diária a respeito das notícias mais lidas: ZH Ontem; a seção ZH amanhã, que projeta,
geralmente, o assunto principal de um dos cadernos encartado na próxima edição; a coluna
Sobre ZH; o texto de um dos colunistas permanentes do jornal etc. No domingo, consta ainda
neste espaço a Carta do Editor, assinada pelo diretor de redação Ricardo Stefanelli, que ocupa
atualmente o cargo que foi, até meados de 2008, de Marcelo Rech.
As ginas 4 e 5 são de Reportagem Especial (considerado um espaço nobre para
exibir reportagens com assuntos em destaque no noticiário dos últimos dias), sendo que de
duas a cinco páginas são de Política Nacional. Na página 10, a colunista Rosane de Oliveira
comenta a Política, principalmente estadual e municipal. Na sequência, vem as páginas de
Editoriais (no seu rodapé o Expediente do jornal), de Opinião e a Coluna Brasília, com Ana
Amélia Lemos. Depois da seção Pelo Rio Grande é a vez da Economia com até seis páginas;
do Informe Econômico de Lurdete Ertel; e da gina do Campo & Lavoura. Posteriormente,
os Indicadores trazem informações numéricas sobre o mercado global de capitais como, por
exemplo, a cotação do dólar e os índices de variação da bolsa de valores; e o Mundo que se
resume em duas páginas e traz informações de agências internacionais como EFE, Reuters,
Ansa etc.
A Geral, por sua vez, pode merecer até 10 páginas e trata de todos os assuntos não
enquadrados nas demais editorias. É o lugar do cotidiano, que incorpora a coluna Viva
Melhor, as Publicações Legais, o Informe do Ensino e o Mapa do Tempo em uma página
colorida que antecede a editoria de Polícia. A Polícia, por sua vez, ocupa de duas a três
páginas. Sucede-a os Anúncios Fúnebres e Religiosos, e as seções TV Aberta, Filmes,
Horóscopo e Cruzadas. Já o Esporte, é uma editoria privilegiada e pode ocupar até seis
páginas. Conta com O Placar ZH e tem quatro colunistas fixos: Paulo Roberto Falcão, Mário
Marcos de Souza e sua Bola Dividida, Wianey Carlet e Ruy Carlos Ostemann. Nas páginas
107
seguintes aparecem o Almanaque Gaúcho com Olyr Zavaschi; e 30 Anos em ZH, que traz
a memória do jornal e o que aconteceu naquele dia três décadas antes. O encerramento do
jornal ficam por conta do colunista Paulo Sant’Ana e suas polêmicas crônicas da vida.
Conforme Berger (2003, p. 61),
A Zero Hora oferece ao leitor um itinerário que pretende dar conta do
cotidiano, facilitado pelas cartolas em corpo 18, claramente
identificadas no alto da página, propiciando a opção de onde parar e ler
e onde saltar para ir ao encontro do que interessa. Informe Especial,
Palavra do Leitor, Reportagem Espacial, Política, Página 10, Editoriais,
Opinião, Economia, Campo & Lavoura, Indicadores, Mundo, Geral,
Tempo, Polícia, Publicações Legais, Esportes, Almanaque Gaúcho,
30 anos em ZH. São estas as palavras chave para ingressar no mundo de
Zero Hora, um mundo ordenado pela linguagem e hierarquirizado por
um gesto de interpretação da redação do que o leitor quer saber.
Dentro desse itinerário proposto por Zero Hora, a designação “questão agrária” parece
ser a senha para o ingresso no mundo discursivamente construído pelo periódico para falar
das questões relacionadas às ações do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-terra e do
próprio MST. Ela sintetiza concretamente a intersecção entre os campos político (do MST) e
midiático (da ZH). Partindo dessa consideração, através de um levantamento detalhado, tanto
quantitativo quanto qualitativo, pretendemos aqui demonstrar também que a “questão agrária”
e/ou as questões do MST, não foram uma “questão menor” na Zero Hora no ano de 2008. O
tema é recorrente no jornal. Ele perpassa diversas seções e aparece, por vezes, em reportagens
especiais. Porém, tem tratamento preferencial na editoria Geral. Apresentamos a seguir alguns
dados extraídos de nosso acervo pessoal, que dão conta dessa intersecção.
Tabela 1 - Matérias referentes ao MST publicadas em Zero Hora em 2008
Seção/ Editoria Número de ocorrências
Capa 13
Contracapa 15
Palavra do Leitor 34
Reportagens especiais 13
Política 09
Editoriais 06
Artigos 10
Economia 04
Geral 116
Polícia 01
Total 221
108
Ao todo foram 221 referências ao MST e à questão agrária no jornal Zero Hora no ano
de 2008. Dividindo estas referências pelos 12 meses do período, temos 18,42 referências/mês.
Ou seja, no mínimo, uma vez a cada dois dias o MST figurou nas páginas de Zero Hora nesse
tempo. Desse total, em 28 oportunidades os fatos envolvendo o MST foram destacados na
capa ou na contracapa do periódico, espaço privilegiado que para o jornal serve para chamar a
atenção dos principais fatos do dia. Desse modo, por quase um mês o Movimento e suas ações
figuraram no jornal como fatos grandes que merecessem destaques em manchetes principais,
manchetes fotográficas e/ou chamadas de capa. Em 2008 nos seus textos, para falar da
questão agrária, a Zero Hora utilizou em suas páginas 67.472 palavras que, juntas, totalizaram
352.142 caracteres.
Gráfico 1 - Distribuição das matérias referentes ao MST publicadas em Zero Hora em
2008 – por seção /ou editoria
Diferentemente do que muitos poderiam imaginar, o maior número de referências ao
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-terra no jornal Zero Hora, em 2008, não ocorreu
em Abril mês que marca o tradicional período de mobilização do MST em nível nacional.
Os meses campeões de referência foram Junho e Julho. Esse período foi marcado basicamente
pela repercussão de algumas ações de “contra-ataque” realizadas pela Brigada Militar e pelo
Ministério Público nos acampamentos do Movimento. Tais ações, além de ocuparem espaços
generosos nos textos produzidos pelo jornal, principalmente na editoria de geral, mobilizaram
um grande número de leitores que tiveram sua opinião publicada pelo veículo, na seção
palavra do leitor a maioria delas aplaudindo o “revide”. Diversos artigos, uns exaltando as
0
20
40
60
80
100
120
Capa
Capa
Capa
Capa
Contra capa
Contra capa
Contra capa
Contra capa
Inf. Especial
Inf. Especial
Inf. Especial
Inf. Especial
Rep. Especial
Rep. Especial
Rep. Especial
Rep. Especial
Política
Política
Política
Política
Editoriais
Editoriais
Editoriais
Editoriais
Artigos
Artigos
Artigos
Artigos
Econom ia
Econom ia
Econom ia
Econom ia
Geral
Geral
Geral
Geral
Polícia
Polícia
Polícia
Polícia
Numero de marias e/ou referências
109
ações, outros repudiando-as, também foram divulgados nesse período. Além, é claro, dos
Editoriais produzidos pelo Grupo RBS.
Gráfico 2 - Distribuição das matérias referentes ao MST publicadas em Zero Hora em
2008 – por mês /ou período
No entanto, para análise do momento texto no “Circuito das Notícias”, como
dissemos, foram selecionadas matérias publicadas pelo jornal Zero Hora no período de 12/04
a 21/05/2008. Esses textos, sim, todos vinculados diretamente à principal mobilização do
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-terra em 2008 que, no Rio Grande do Sul,
marcaram sua Jornada Nacional de Lutas. Os textos selecionados procuram ilustrar o
movimento das representações efetivadas nas páginas do jornal Zero Hora acerca das ações do
MST, e são apresentadas legitimando, rejeitando ou agenciando sentidos gestados em outros
campos, ou vinculados a episódios históricos pretéritos, conforme descrito na matriz
representacional hegemônica da questão agrária.
Tais textos se concentraram basicamente na Editoria Geral (12/04, 14/04, 15/04,
16/04, 19/04, 09/05, 19/05 e 20/05), refletindo a tendência dominante de tratamento
dispensado pelo jornal à questão. No domingo 18/05/2008, no entanto, os textos assumem
caráter de Reportagem Especial, saem da Editoria Geral e ocupam as páginas 4, 5 e 6 do
jornal. No período, em quatro ocasiões os textos são destacados na Capa do jornal de Zero
Hora em 12/04 como manchete secundária; em 15/04 e 18/05 como manchete fotográfica
principal; e em 09/05 como manchete principal. As demais ocorrências foram todas
registradas na seção Palavra do Leitor da página 2 do jornal (28/04, 12/05, 13/05, 14/05,
15/05, 16/05 e 21/05).
0
5
10
15
20
25
30
35
40
45
Janeiro
Janeiro
Janeiro
Janeiro
Fevereiro
Fevereiro
Fevereiro
Fevereiro
Março
Março
Março
Março
Abril
Abril
Abril
Abril
Maio
Maio
Maio
Maio
Junho
Junho
Junho
Junho
Julho
Julho
Julho
Julho
Agosto
Agosto
Agosto
Agosto
Setem bro
Setem bro
Setem bro
Setem bro
Outubro
Outubro
Outubro
Outubro
Novem bro
Novem bro
Novem bro
Novem bro
Dezem bro
Dezem bro
Dezem bro
Dezem bro
Distribuição anual 2008
110
Aqui cabe uma constatação importante: para Zero Hora questões agrárias diferem de
questões agrícolas e, portanto, merecem tratamento diferenciado. A primeira, como vimos, é
enquadrada pelo jornal em sua Editoria Geral. Ela é sempre marcada e, direta ou
indiretamente, envolve ações do MST nelas o Movimento é sempre citado. A segunda é
tratada num suplemento específico chamado Campo e Lavoura que circula uma vez por
semana e/ou aparece atravessando seções como Economia e Política no jornal.
O curioso é que mesmo o MST sendo descrito pelo jornal como Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem-terra, na maioria de suas citações, ele parece não figurar e/ou
compor o cenário do universo agrícola e rural composto por ZH em seu caderno
especializado, que, a organização jamais foi citada nesse suplemento. Não seria exagero,
assim, afirmar que a senha para ingresso no universo agrícola e rural da Zero Hora é a posse
física da terra esse é um mundo de proprietários, portanto. Como o MST não atende tal
pressuposto, para o jornal parece natural tratar o MST, os Sem-terra e a questão agrária noutro
lugar, fora do rural e do agrícola, descolando o Movimento deste espaço e investindo na
representação da organização como um problema social a ser tematizado na Editoria Geral.
A primeira matéria selecionada saiu no sábado 12/04/2008, foi apresentada na capa do
jornal como manchete secundária e anunciava a apreensão pela Brigada Militar de quatro
ônibus do MST em São Gabriel. Chama a atenção nas Sequências Discursivas identificadas
no texto a promoção do conflito e da tensão como fios condutores dos sentidos. De um lado,
do lado da lei obviamente, tem-se a polícia como o agente institucionalizado responsável pela
segurança pública, que “parou os veículos”, “revistou as pessoas”, “identificou todos”,
“registrou ocorrência” e “liberou os passageiros” (SD1); do outro, os foras da lei, aqueles que
“foram abordados” (SD2), que andavam em “transporte irregular” (SD3), que portavam
“quatro foices e seis facões” e que tiveram seu “material apreendido” (SD4).
De acordo com o texto, quando a situação de descontrole causada pelos fora da lei
“parecia controlada” outros ônibus “foram interceptados” (SD5), o que voltou a perturbar o
ambiente. Porém, o “incidente” considerado mais “grave” pela polícia e tomado como
verdadeiro na matéria foi a “incitação à resistência” promovida por uma integrante do MST
que foi presa e levada até a delegacia (SD6). Em contraponto, o texto apresenta, no dizer de
um dos integrantes do MST, “os objetivos” de um pretenso encontro a ser realizado no
município pelo Movimento (SD8) e na “luta pela desapropriação” (SD9) de duas fazendas no
município. Dessa forma, os sentidos que se sobressaem nesse primeiro texto analisados
parecem todos ligados à seguinte Formação Discursiva: “O clima de tensão ronda mais uma
111
vez a região de São Gabriel”. Essa FD posiciona os Sem-terra como “baderneiros ilegais”,
movimentando representações favoráveis, no máximo tensionadas, em relação à matriz
hegemônica que historicamente rege os sentidos da luta pela terra no Brasil.
O segundo texto selecionado também se filia à Formação Ideológica “baderneiros
ilegais” e movimenta sentidos favoráveis à matriz representacional hegemônica. Ele foi
publicado no dia 14/04/2008 e tem como Formação Discursiva que o identifica o seguinte
trecho “Dois integrantes do Movimento dos Trabalhadores Sem-terra (MST) foram presos em
flagrante ontem, em São Gabriel”. Mais uma vez o discurso põe em conflito os homens da lei
que prendem e os homens fora da lei que “são presos”, em “flagrante” ainda por “porte ilegal
de munição de arma de fogo” (SD10).
No dia 15/04/2008 outro texto é publicado. Ele também é apresentado na capa do
jornal, dessa vez como manchete fotográfica principal. Trata da entrada dos Sem-terra na
Fazenda Southall, se resume na Formação Discursiva “Abril vermelho em São Gabriel” e
movimenta uma representação tensionada em relação à matriz hegemônica. Dessa vez, porém,
essa tensão deriva da Formação Imaginária distinta, mas complementar a anterior do “direito
sagrado de propriedade”, que pode ser ilustrada pela SD11 e SD12 “Depois de cinco ameaças,
o MST invadiu da Fazenda Southall, em ação que faz parte de ofensiva nacional do
movimento”; e SD13 “A ação integra o Abril Vermelho, uma mobilização nacional que
lembra o aniversário do massacre de Eldorado dos Carajás”.
Aqui, apesar de se manter o clima de conflito, flagrante pelo emprego do vocábulo
“ameaças”, garante-se o tensionamento da matriz representacional hegemônica ao se
contextualizar a ação, relacionado-a a um episódio pretérito e às demais mobilizações
promovidas pelo MST no País. No entanto, elementos presentes nessas SDs, podem mais uma
vez comprometer os dizeres com sentidos dominantes. O primeiro deles diz respeito à
designação “Abril vermelho”. Lembramos que, para o MST, essa designação, embora extraída
do discurso de um de seus coordenadores não é oficial. O nome dado oficialmente pelo
Movimento a esse conjunto de ações que acontecem rotineiramente no mês de abril é
“Jornada Nacional de Lutas”. O outro diz respeito ao emprego do termo “invasão” que aqui
aparece pela primeira vez nos textos do jornal Zero Hora selecionados para análise.
Conforme Jacks, Machado & Müller (2004, p.61), grosso modo “invadir” significa
tomar à força, ocupar violentamente, obrigar alguém a aceitar a sua presença e as suas regras.
A palavra invasão tem uma conotação agressiva, bélica e transgressora, pois é praticamente
impossível invadir sem violência. Invadir também supõe que no outro extremo existe alguém
112
mais débil, desfavorecido, fragilizado e impotente. A invasão é uma imposição, uma violação
à autonomia, uma negação da liberdade. Para quem sofre a invasão, o invasor é um inimigo
que perturba a ordem natural das coisas. Quem sofre a invasão vê seu poder subitamente
suprimido antes detentor do território, agora em desvantagem; antes no comando, agora
sobre o risco de ser comandado. Instintivamente o invadido toma a posição de alguém que
deve obrigatoriamente defender seu território.
O texto do dia 15/04/2008 marca ainda o aparecimento de um outro ator interessado na
questão agrária e que como veremos terá papel fundamental no desenvolvimento cronológico
dos acontecimentos retratados nos textos. O Juíz e o sistema judiciário. Como aponta a SD14
é ele, o Juíz, quem determina o prazo para saída dos Sem-terra da área, atendendo a um
pedido do proprietário da área, “os invasores deixem a fazenda de forma espontânea até às
10h de sexta-feira”.
Presença garantida, mais uma vez o aparato policial do Estado também figura entre os
agentes retratados no texto, desta vez como observador (SD16), como guardião das leis, já que
promete “respeito ao prazo legal” determinado pela justiça (SD17) e como guardião da
propriedade privada, pois se compromete a permanecer em “alerta” para “evitar que novos
invasores entrem na área”. Porém, o papel que mais chama a atenção para a polícia no
episódio é a afirmação contida na SD20 “a BM já afirmou que punirá os ocupantes pelos
crimes de invasão e dano à propriedade privada” e na SD21 “Todos os invasores serão
identificados e presos”. Identificar os manifestantes e indiciá-los por possíveis crimes parece
ser sim o papel da Brigada Militar, agora puni-los e prendê-los por crimes que nem se sabe se
existem denota um certo exagero.
Nos dizeres dos Sem-terra, eles negam as acusações e justificam rapidamente suas
ações pela cobrança de “rapidez nos assentamentos” (SD22 e SD23). a SD24, SD25 e
SD26 são reservadas às falas dos ruralistas que prometem realizar protestos em contraponto e
cobrar a “reintegração de posse” no prazo estipulado pela justiça.
No próximo texto, uma matéria publicada no dia 16/05/2008, especula-se sobre uma
possível saída do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-terra da fazenda antes do prazo
dado pela justiça. Mesmo o MST refutando tal possibilidade, o que fica explícito na SD31, ao
admitir que não existe acordo nem em relação ao cumprimento da ordem judicial, pois “a
saída dependerá da decisão que será tomada por quem está no acampamento”, seu dizer é
neutralizado pelos argumentos do ouvidor agrário do Estado presentes nas SDs 28, 29 e 30
“ele informou que teria sido feito um acordo entre as partes”. Nesse texto a Formação
113
Discursiva também estaria condicionada a uma Formação Ideológica que estabelece o “direito
sagrado à propriedade” movimentando uma representação tensionada em relação à matriz
hegemônica.
O texto do dia 17/04/2008 foi extraído da seção Editoriais e é, nada mais nada menos,
do que a posição oficial do jornal Zero Hora em relação à principal estratégia de pressão
utilizada pelo MST. “Estratégia improdutiva” é a Formação Discursiva indicial que liga os
discursos e as representações movimentadas à Formação Ideológica e/ou Imaginária de
“baderneiro ilegal” e à matriz representacional hegemônica da questão agrária de uma
maneira favorável. Tal constatação tem base nas Sequências Discursivas SD33 que diz que
mais uma vez os militantes do MST “estão nas ruas, pelas mesmas razões e com o mesmo
tipo de manifestação”; e SD34 que aponta que a “tática usada pelos Sem-terra para alcançá-
las é rejeitada pela maior parte dos brasileiros porque fere a lei e a ordem”.
Conforme os dados levantados na descrição da matriz representacional hegemônica da
questão agrária, as razões que impulsionam a luta pela terra no Brasil não mudaram, talvez
por isso elas continuam se repetindo, assim como não mudaram as formas de elas serem
discursivizadas. Ferir lei e ordem, desse modo, é uma acusação recorrente, quase naturalizada,
em relação à luta pela terra no País.
A SD35 segue na mesma linha e indaga o porquê de as “ocupações de propriedades”,
dos “bloqueios de rodovias” e “invasões em prédios públicos” continuarem a existir, “se os
canais institucionais seguem abertos para negociações”. Na SD36 o Movimento é acusado de
ser “anacrônico e incompatível com a nova realidade do campo” e o governo ironicamente
desqualificado como “preparado para o trato da questão fundiária”. Já as SDs 37, 38 e 39
tratam da diminuição dos conflitos no campo ao mesmo tempo que o “litígio por terras
continua irresolvido”. Manifestações se mostram mais numerosas, mais barulhentas e menos
preocupadas com a lei, a ordem e direitos inalienáveis como o de propriedade e o de ir-e-vir”
é o que aponta a SD41, e uma recomendação explícita encerra o texto com a SD44 “bem que
os sem-terra podiam encontrar estratégias mais produtivas para levar adiante seus pleitos,
buscando o caminho do pragmatismo e do diálogo consequente”.
Assim, parece evidente que o funcionamento discursivo acima materializa
linguisticamente a imagem de que o MST não preza o diálogo com a Lei, dificultando assim a
construção de uma nação civilizada e pacífica. As construções linguísticas presentes nas SDs
indicam que o sujeito desse discurso condena a desobediência civil e o desrespeito à
Constituição, esqueleto da identidade nacional. Ao promover essa narrativa, o lugar social
114
reservado aos Sem-terra mais uma vez remete à ilegalidade, desviando o sentido original de
resistência como qualidade daquele que não se deixa dominar, não aceita nem concorda com
algo e luta contra certa ordem de injustiça já estabelecida.
A matéria publicada no dia 19/04/2008 trata da saída do MST da Fazenda Southall. De
maneira coerente com a terminologia utilizada para a entrada (quando entra o MST invade) o
jornal utiliza o termo “deixa” para falar da saída do Movimento do local. “Depois de dias de
tensão um fim pacífico” é a senha que indica a vinculação do texto a uma Formação
Discursiva análoga àquela descrita na entrada do MST na fazenda. Essa também remete à
Formação Ideológica do “direito sagrado de propriedade” e pode ser ilustrada pelos trechos
das Sequências Discursivas SD45 “o grupo saiu em cinco ônibus”; SD46 “A polícia apenas
acompanhou a retirada e não identificou nenhum dos invasores como exigiam os ruralistas”, e
SD47 “os manifestantes começaram a deixar a fazenda, depois de aceitas as condições”.
Porém a SD48, trata de mais um crime cometido pelos Sem-terra, além da “invasão
propriamente dita: a depredação da fazenda. “Temos respeito com movimento social, mas não
podemos compactuar com atos de banditismo e crueldade”. Aqui, mais uma vez os discursos
são arranjados de maneira favorável à matriz representacional hegemonicamente construída
para a questão agrária. Ao exaltar os crimes potencialmente cometidos pelas Sem-terra, acaba
por se apagar os crimes de que eles são vítimas, como a desigualdade social e a exclusão.
Em 28/04/2008 dois dos textos publicados na Zero Hora foram selecionados para
nossas análises. O primeiro trata-se de uma nota curta oriunda da seção palavra do leitor. O
segundo, mais uma vez do espaço oficialmente institucionalizado como de opinião do jornal,
o editorial. No primeiro caso a Formação Discursiva “Basta de MST” remete diretamente à
Formação Ideológica de “baderneiro ilegal”. As SDs 50 e 51 apresentam duas colaborações
de leitores que o jornal toma para si ao enunciá-las em suas ginas. A pergunta feita na
SD50 é “Até quando iremos conviver com desordeiros impunes?” Ela é literalmente idêntica à
Formação Ideológica que indicamos e depois complementada pela acusação “Estes
criminosos conhecem a utilidade de uma enxada para bater na cabeça de brigadianos”. Na
SD51, os integrantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-terra são acusados de
“meliantes travestidos de integrantes de movimentos sociais”. Segundo o texto “Cabe aos
responsáveis pela lei e ordem fazê-los cumpri-la e não justificar suas transgressões”.
No segundo texto publicado no dia 28/04/2008 a Formação Discursiva “invasão e
Estado de Direito” mais uma vez remete à Formação Ideológica do “direito sagrado à
propriedade” e movimenta sentidos claramente favoráveis à matriz hegemônica de
115
representação. Aqui, como demonstrado nas Sequências Discursivas identificadas os agentes
do discurso se aproveitam do dizer de outros campos, especialmente o jurídico, para embasar
suas considerações. A SD52 confirma o que disse o presidente do Supremo Tribunal Federal,
o ministro Gilmar Mendes, que “condenou as invasões cometidas por grupos de protesto e
movimentos sociais”. Na SD53 ele afirma ainda que “tais atos colocavam perigosamente seus
autores na fronteira da legalidade”, quase que decretando judicialmente a não legalidade das
ações reivindicatórias, só faltou assinar a sentença.
A reiteração dos fatos, conforme a SD55, não advém da falta de resolução dos
problemas sociais que acarretam tais questionamentos, mas da demasiada “tolerância” do
Estado de Direito constituído e isso tem que acabar, “a ordem jurídica não pode ser
atropelada, nem devem os excessos ser ignorados e desprezados” (SD56). Segundo o dizer do
ministro, a “omissão diante da ilegalidade ou a tolerância diante das anormalidades funciona
como a incorporação do patológico na nossa mente”. no dizer do jornal “o patológico, o
doentio, é tanto a agressão à lei e aos direitos de terceiros, quanto a falta de ação oficial contra
tal agressão” (SD57). Os discursos aqui ilustrados pelas referidas Sequências Discursivas,
claramente repetem os mesmo argumentos relacionados à matriz hegemônica de
representação da questão agrária. Poderiam eles seguramente estar vinculados a qualquer
episódio pretérito de luta pela terra, que, parecem repetir os argumentos idênticos àqueles
dos discursos acerca do Contestado e das Ligas Camponesas, por exemplo.
No dia 09/05/2008 o texto “Brigada surpreende o MST em São Gabriel” é o principal
assunto do jornal e assume o caráter de manchete principal do veículo em questão. Ele, mais
uma vez, posiciona no centro dos acontecimentos que envolvem a questão agrária o aparato
policial do Estado. Elege a polícia como interlocutora entre o Sem-terra e a terra e transfere a
luta pela terra de um plano social para um plano jurídico/ criminal. Tais afirmações encontram
base nas Sequências Discursivas identificadas no texto. Já na SD59 fica claro que os Sem-
terra “foram alvos da mesma tática que costumam adotar: o fator surpresa”. Uma operação de
guerra foi montada para revistar e prender os meliantes. Eram 765 policiais, helicóptero,
computadores, ônibus, viaturas, e cães farejadores. Coisa de cinema para apreender “nove
coquetéis Molotov, 81 foices, 16 facões, 19 escudos de madeira, deter cinco pessoas e
identificar 694”. Sem contar que conforme a SD61 “Em represália, o movimento promoveu
bloqueios em 10 pontos de rodovias no Estado”.
A pergunta que não quer calar nesse momento é: de quem mesmo foi a represália? Do
MST que não queria ser revistado no seu acampamento ou da Brigada Militar que tinha
116
deixado explícito o desejo de revistar todos já na saída da Fazenda Southall e não conseguiu?
A SD63 indica que essa será a “nova estratégia da Brigada Militar para enfrentar as invasões
de terra” e que a ofensiva foi necessária para “restabelecer a ordem pública na região”. Da
SD64 até a SD72 os procedimentos realizados pela polícia no local são detalhados. Na SD73
é apresentado o chamado “saldo da operação” e na SD74 a reação dos Sem-terra.
Essas Sequências Discursivas remetem à Formação Discursiva “Nova táctica contra o
MST” e junto com ela a Formação Ideológica de “baderneiros ilegais” e a representação
favorável à matriz hegemônica. Elas posicionam claramente o bem contra o mal,
potencializando o aspecto conflitivo que sempre acompanhou a questão da terra ao longo dos
tempos. Além disso, imprimem a ideia, até certo ponto inédita, que agora o MST vai “provar
do próprio veneno”, fato que como veremos na sequência é muito aplaudido pelos leitores que
enviaram contribuições ao jornal nesse período.
Os textos publicados a seguir, nos dias 12/05, 13/05, 14/05, 15/05 e 16/05/2008 são
todos oriundos da seção palavra do leitor. Claramente, além de pretensamente refletir a
opinião dos leitores do jornal, eles têm a função de manter na agenda o debate sobre a questão
agrária, preparando o terreno para as matérias publicadas na sequência. As Formações
Discursivas identificadas, junto com as Sequências Discursivas que as ilustram, parecem
todas, unanimemente, estar filiadas à mesma Formação Imaginária “baderneiros ilegais”. E,
esta Formação Ideológica se apóia, como visto, numa representação tendencial favorável à
matriz de representação hegemônica que historicamente acompanha a questão da terra.
Mesmo não admitindo, talvez seja exclusivamente com esses leitores que o jornal se preocupa
ao discursivizar a questão da terra e o MST em suas ginas, os quais, obviamente
representam apenas uma parcela dos leitores do veículo.
As Formações Discursivas são identificáveis pelos termos “BX x MST”, “Lei e
ordem”, Indenizações x invasões”, “Haja dinheiro” e “Ordem e progresso” e as Sequências
Discursivas que as indicam são as seguintes: SD75 que fala “O antigo truque do MST, o fator
surpresa, foi utilizado desta vez pela Brigada Militar”, que “parabeniza a BM”, que aponta
que “a ação da BM foi “organizada e sem violência”, que “apóia a tática” e diz que “a
população agradece”; a SD76 que “considera a reação dos integrantes do MST “um tiro no
pé” e deseja que as fichas do BOE acabem na mesa da governadora para dar início ao
processo de reforma agrária no Estado”; a SD77 que diz que “finalmente o Estado resolveu
mostrar que é capaz de tratar bandido como bandido”; a SD78 que solicita que as operação da
BM nesse sentido sejam “feitas com regularidade e em todos os acampamentos do MST”; a
117
SD79 que lembra que “até que enfim o Tribunal determinou que o governo indenize os
proprietários por prejuízos decorrentes de uma invasão do MST”. Também, a SD80 que fala
em “recuperar a paz e a ordem no Estadoe diz que “estamos cansados de tanta baderna”; a
SD81 que aponta o poder público como “financiador do terrorismo rural” e da “caixinha do
MST, um grupo político travestido de movimento social”; e a SD82 que sentencia “o trabalho
da BM em São Gabriel, surpreendendo o MST, merece elogios”.
A edição dominical do jornal Zero Hora tem por característica ser uma edição mais
“revistada”, com textos mais longos, e melhor trabalhada editorialmente, pois se presume que
nos finais de semana as pessoas tenham mais tempo para ler o jornal. No domingo 18/05/2008
a “revista” Zero Hora apresenta como manchete principal estampada em sua capa um
conjunto de textos identificados pela expressão “Diários secretos do MST”. São três matérias
identificadas pelas Formações Discursivas “Cadernos de luta do MST”, “Vandalismo na
fazenda invadida” e “Polícia investiga a ação de milícias”, todas elas facilmente relacionáveis
à Formação Ideológica e/ou Imaginária “baderneiros ilegais” e inegavelmente mobilizadoras
de sentidos favoráveis à matriz representacional hegemônica da questão agrária. Esse
conjunto de textos assume o caráter de “prestação de contas” da ação realizada pela Brigada
Militar dez dias antes e se baseia exclusivamente no relatório da operação montado pela
polícia e repassado para o ouvidor agrário estadual. Uma verdadeira aula de apuração falha
em jornalismo e de dependência flagrante a fontes oficiais para construção dos dizeres.
No primeiro dos três textos, a SD83 aponta que os cadernos apreendidos pela Brigada
Militar em São Gabriel revelam uma “rotina militarizada dos sem-terra”. Como sabemos,
organizações não oficiais com rotina militarizada, na América Latina, são sinônimo de
guerrilha e guerrilha, também para o caso latino-americano, vincula-se por aproximação ao
terrorismo e ao combate ao terrorismo, “moda” que pegou em nosso tempo. O rótulo que o
referido texto busca imprimir nos Sem-terra é: cuidado, os “baderneiros ilegais” podem se
transformar, ou já se transformaram, em “guerrilheiros terroristas”. Esse parece ser referencial
que atravessa diagonalmente os três textos desse conjunto.
As Sequências Discursivas posteriores SD84 e SD85 resgatam, a título de
contextualização, a operação e o “saldo” da operação realizada pela Brigada Militar. Mesmo
que tenham sido apreendidos diversos “utensílios” na ação, conforme a SD86 e diferente do
que fora afirmado antes, o que mais chamou a atenção foram quatro cadernos. “Preenchidos a
caneta, eles se dividem entre diários e atas que relatam o cotidiano dos acampados. São um
misto de orientação dos líderes aos militantes e resumo das discussões internas”. Conforme a
118
SD87, foi a leitura desses cadernos e apenas a leitura deles que embasam as considerações na
matéria. A SD88 aponta a utilização de termos e rotinas militares para o gerenciamento dos
acampamentos como a “organização de rondas de vigilância”. Na SD90 são descritas “noções
de como os acampados podem resistir à desocupação das terras” e de “como podem driblar a
fiscalização”. As SDs posteriores apresentam os principais trechos dos cadernos: SD91
“Como arregimentar apoio”; SD92 “Respostas padrão”; SD93 “Quem tira guarda”; SD94
“Controle do insólito”; SD95 “Pedras, trincheiras e bombas”; SD96 “Desavenças e punições”;
SD97 “Divisão de classes”; SD98 “Lucro com bebidas”; SD99 “Uma invasão”. SD100
“Escolha de alvos”; e SD101 “Medo de flagrante”
Nesse texto verifica-se, portanto, a mesma tentativa de criminalizar o Movimento,
ainda que agora existam outros significantes. O que mais chama a atenção é a rede encadeada
pelos indícios “clandestinamente e segredo”; todos eles significam o perigo e ameaça de uma
organização subterrânea e oculta, que não se mostra inteiramente. Sociedade secreta sempre
esteve associada a uma atividade restrita a poucos, sem finalidade coletiva ou compromissada
com o coletivo. Estrutura cujos objetivos são conhecidos apenas por seus integrantes e não
podem ser partilhados às claras. Dessa forma, o efeito de sentido se concretiza aqui,
promovendo reatualizações e retomadas, consolidando a imagem negativa do MST. Além
disso, o sujeito edifica a noção de marginalidade (e até mesmo ilegalidade), posto que muitas
organizações secretas têm seus objetivos e integrantes anonimamente agindo de maneira
escusa em atentados à ordem “democrática”.
No segundo texto do conjunto, mais uma acusação: na Estância do Céu, o Movimento
“que reclama de exageros da polícia” teria deixado “um rastro de depredação”. Também
nesse caso as SDs iniciais procuram resgatar o contexto e os fatos transcorridos dias atrás
havia se passado um mês da saída dos Sem-terra da Fazenda Southall mas acabam por
recontar e resignificar os acontecimentos lá transcorridos. As SDS102 e 103 relembram que a
“desocupação” foi pacífica, mas as “marcas de vandalismo e atrocidades difíceis de
esquecer”. As SDs 104 e 105 falam das “atrocidades” cometidas: “animais mortos”; “fezes
espalhadas”; “janelas quebradas”; “paredes pichadas”; “estacas de madeira cravadas no solo”;
“uma versão gigante do coquetel molotov” etc. O fato de esses elementos não terem sido
explorados no contexto original das ações causa uma certa estranheza. O que também causa
estranheza é o emprego do termo “desocupação” para se referir a saídas dos Sem-terra da
Fazenda Southall, que, quando entram os Sem-terra “invadem” e quando saem
“desocupam”.
119
O último texto do conjunto publicado no dia 18/05/2008 trata, para fechar a questão,
de supostas denúncias da “existência de uma milícia ligada ao MST”. Para tanto, a matéria
resgata episódios pretéritos, que não possuem relação direta uns com os outros, a não ser pela
citação do MST nos inquéritos que investigam as ações, para montar o cenário de atuação da
possível guerrilha. Na SD 109 é citado um caso de 2003 ocorrido em Júlio de Castilhos; na
SD 110, um caso de São Jerônimo em 2002; e na SD111 um caso de Jóia em 2001. As SDs
112, 113, 114 e 115, por sua vez, introduzem um novo assunto que, aparentemente, não tem
relação com os demais. Somente nesse momento a voz dos Sem-terra e de alguns de seus
apoiadores é detectada. Na SD112 os “Sem-terra dizem que BM agrediu”; na SD113 “a BM
usou balas de borracha”; na SD114 “mais de 50 mulheres ficaram feridas por tiros e golpes de
cassetete”; e na SD 115 o episódio da revista é comparada a “um campo de concentração”.
No dia seguinte, 19/05/2008, outro texto é apresentado com o mesmo intuito de
“prestar contas” aos leitores das ações da Brigada Militar em São Gabriel. Ele trata do
levantamento feito a partir da operação de revista no acampamento do MST em São Gabriel e
mostra que “168 invasores têm antecedentes criminais”, ou seja, “um em cada quatro Sem-
terra envolvidos na invasão das fazendas de Alfredo Southall, tem antecedentes policiais e foi
apontado na Polícia Civil como suspeito de ter praticado algum crime” (SD116). Nele a
Formação Ideológica e/ou imaginária que orienta a composição dos sentidos postos em
circulação também é a de “baderneiros ilegais”. Esses sentidos podem então ser classificados
como favoráveis à matriz de representação hegemônica que historicamente caracteriza a
questão agrária no Brasil.
Na matéria, as SDs 117, 118 e 119 recontam a estória da entrada e saída do
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-terra na Fazenda Southall e da “revista surpresa” e
com “mandado judicial” em seu acampamento dias depois. as SDs 120, 121 e 122
apresentam o resultado, a contabilidade da ação: “168 tinham antecedentes policiais. A maior
parte por lesões corporais e ou ameaça, mas os delitos detectados incluem furtos, receptação e
arrombamentos” (SD120 e 124); “Um era foragido da Justiça” (SD121); ao todo “25% de
antecedentes policiais entre os participantes da invasão” (SD122). Conforme a SD123 “estes
suspeitos de delitos talvez sejam pessoas de outro extrato social, que vão aos acampamentos
do MST sem saber direito o que os espera”. Desse modo, ao revelar os possíveis crimes
cometidos pelos integrantes do MST, o discurso silencia os crimes de que eles são vítimas.
Colocando-os na posição de agentes criminosos, causas do mal, donos da agressão, apaga-se a
120
violência que eles sofrem, encobre-se o sofrimento que lhes é impresso no cotidiano da
miséria e da exclusão.
O texto do dia 20/05/2008 parece tentar liquidar com a polêmica em torno da Estância
do Céu em São Gabriel. Apoiado numa decisão da justiça federal ele anuncia: “Justiça proíbe
a desapropriação da Fazenda Southall”. Trabalhando no entorno da Formação Discursiva
“Decisão foi baseada no fato de a terra ser considerada produtiva”, a matéria movimenta
sentidos derivados da Formação Ideológica do “direito sagrado à propriedade” e também se
vincula de maneira favorável à matriz hegemônica de representação da questão agrária.
Conforme a SD125 é a justiça quem define que “a Fazenda Southall, em São Gabriel, não
poderá ser desapropriada”, contrariando até mesmo os pereceres dos canais institucionais
competentes, no caso do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).
Segundo o juiz, na SD126, “basta a terra ser produtiva para se livrar da desapropriação, sem a
necessidade de a propriedade cumprir funções sociais”. Diz ele que “o cumprimento da
Constituição coloca a salvo o imóvel”. Na SD129 o Incra, por meio da assessoria de
imprensa, disse que “a decisão judicial será analisada antes de qualquer novo procedimento”.
Já o MST informou que “não tinha conhecimento da sentença”.
Com esse episódio se conclui oficialmente o processo de blindagem em torno da
Estância do Céu, uma fazenda de 13 mil hectares capaz de suportar, conforme o MST, o
assentamento de 600 famílias de Sem-terras. O fato curioso é que meses mais tarde, no dia
08/11/2008 o mesmo jornal anuncia “Polêmica em São Gabriel: Terra símbolo para os
ruralistas vai virar assentamento”. No dia anterior o Incra acabara de anunciar a compra de
quase 40% da área, aproximadamente 5 mil hectares, por R$ 31 milhões, onde a previsão é
assentar 330 famílias de colonos Sem-terra.
O último texto da série foi publicado no dia 21/05/2008 na seção Palavra do Leitor e
pode ser caracterizado pela Formação Discursiva “invasores fichados” que, por sua vez,
remete à Formação Imaginária “baderneiros ilegais” e também movimenta sentidos favoráveis
à matriz de representação hegemônica da questão agrária. A única Sequência Discursiva que
compõe o texto, a SD131, repete os argumentos do dia anterior “25% dos participantes tem
antecedentes criminais” agregando que é “por essas e outras é que esse movimento está cada
vez mais desacreditado e deve ser tratado pela Brigada Militar como merece quando
transgride as leis”.
Na análise das notícias no momento texto do “Circuito das Notícias”, destarte,
identificamos que predominantemente, o jornal Zero Hora (ZH) retrata o Movimento dos
121
Trabalhadores Rurais Sem-terra (MST), suas ações e seus integrantes de modo desfavorável.
Ou seja, de modo favorável à matriz representacional hegemônica que historicamente
perpassa o tratamento das questões relacionadas à posse da terra. Esse tratamento pode estar
ligado à complexa relação estabelecida entre o campo político aqui representado pelo MST e
o campo jornalístico caracterizado por Zero Hora. O jornalismo aqui produzido a partir de um
fato objetivo, a ocupação e desocupação da Fazenda Southall, mostra claramente que o
discurso sobre os Sem-terra e sobre a questão agrária no Rio Grande do Sul deriva de valores
históricos e culturais.
Tal consideração encontra base no fato de ser o termo “invasão, invasores e/ou
invadir” recorrente nos textos analisados. Ele aparece nas matérias publicadas em 15/04,
16/04, 18/05 e 19/05. O texto do dia 19/05, por exemplo, tem como título “Levantamento
mostra que 168 invasores têm antecedentes”. Dessa forma, o discurso jornalístico de Zero
Hora parece trazer, alimentar e preservar os sentidos de rivalidade e divergência em relação
aos Sem-terra e ao MST. Esse sentido atravessa diagonalmente os textos, ainda que o tom
informativo seja predominante em muitos casos, encontra-se no texto um sentido desfavorável
que permite cometer essa transgressão. Nos textos de Zero Hora, portanto, se recompõe o
sentido da invasão enfatizando uma espécie de violência simbólica que converte os Sem-terra
em perigosos antagonistas. Os Sem-terra são vistos como indivíduos que vem causar
transtornos na organização do lugar.
Posto em uma posição de sujeito responsável pelo discurso em questão e agregando o
fato de que fala deste lugar e que deve defender a política editorial do meio, o jornalista acaba
reforçando a ideia de invasão com argumentos que passam por alto pelo compromisso ético
do jornalismo de não ofender e não discriminar ninguém. O jornalista aprece o
compreender a complexidade dos sentidos que carrega o termo invasão além de não ter
consciência do poder que lhe é delegado pelo ato aparentemente simples de nomear.
Em relação à palavra invasão, parece claro que o jornalista se ampara numa ideia
considerada consensual de que os Sem-terra são invasores por natureza que tentam derrubar
não as fronteiras físicas de uma propriedade, mas também as fronteiras imaginárias que se
movem em torno das diferenças sociais e culturais. Já, no caso dos membros do MST, a
relação entre os interesses pessoais de quem emite uma opinião e a sua opinião, quando ela
aparece, constrói uma estratégia discursiva que ajuda a pôr sob suspeita a autoridade e
legitimidade dessa fala.
122
No caso das ações acerca da Fazenda Southall, parece óbvio que o jornal não criou tais
fatos e, de certa forma apenas retratou os acontecimentos. Mas o modo como ele retratou
esses acontecimentos é que acaba por constituir a força de seu discurso. A seleção das
palavras, as estratégias de edição, a instituição de termos constituem um tipo de discurso que
não descreve a realidade, mas que cria um efeito de sentido que lhe é num primeiro
momento exterior, mas que em seguida passa a constituí-lo e que depois de naturalizado
parece que sempre fez parte desse discurso.
Somando-se a isso o caráter opinativo de alguns textos, podemos dizer que o
jornalismo de Zero Hora nos oferece um grande marco segundo o qual devemos ler os fatos
relacionados aos Sem-terra e à questão agrária. Porém, questões importantes como a relação
entre o discurso jornalístico e a reafirmação de imagens ou representações de sentido comum
não podem ser negligenciadas. Nesse sentido o discurso jornalístico contribui para reafirmar,
reforçar e reconstruir uma matriz representacional hegemônica que há muito tempo está
colada ao tratamento da questão agrária no Brasil. O discurso jornalístico de Zero Hora sobre
o MST e suas ações traz consigo ideias preconcebidas que circulam num sentido comum,
prestando a estas ideias seu ideal de objetividade o que lhes confere a um status de verdade.
Nesse sentido, projetando o próximo momento do “Circuito das Notícias”, as Leituras,
de acordo com Hall (2003), temos de prestar muita atenção no texto já que ele é um fator
delimitador da decodificação. Segundo o autor, é a partir do texto que a codificação é
efetivada e que preferências de leitura são apresentadas ao receptor. Assim sendo, os sentidos
preferenciais do texto trazem as práticas e as crenças que este objetiva apresentar que, quase
sempre, é a ordem dominante institucionalizada. Como a Análise do Discurso, os estudos
culturais nos ensinam que os sentidos são constituídos quando atuam sobre eles as percepções
do receptor, não existindo, assim, a possibilidade de uma única interpretação. Os textos
jornalísticos são altamente complexos, e no máximo o que pode pretender o jornalista é
indicar um sentido de leitura preferencial. O que ocorre no processo de construção desses
sentidos é um embate em torno das mediações que atravessam o discurso, incluindo a
cultura e o conhecimento de cada sujeito envolvido no processo.
A mediação feita por um jornalista, um agente autorizado que implicitamente é
conhecedor da verdade e o acordo tácito entre os sujeitos desse discurso (o jornalista e o
leitor) são um filtro de grande importância na construção dos sentidos, pois uma das
presunções dessa interlocução é que o jornalista está narrando um fato que conhece melhor
que o leitor. Por conhecê-lo o jornalista aparece então para o leitor como alguém que possui
123
legitimidade para omitir opiniões, inclusive aquelas com alto teor de juízos de valor. Temos
aqui mais uma vez a atuação de um importante conceito, o de Formações Imaginárias
mediando os sentidos desse discurso. O leitor, ao imaginar o jornalista como o sujeito capaz
de narrar o mundo, pode não aceitar o conteúdo da informação recebida, como também
incorporar a linguagem que a atravessa.
O confronto de Formações Discursivas analisadas anteriormente circula no discurso
jornalístico para mostrar que o discurso não irrompe livremente como fruto da vontade de
escolha do sujeito. Porém é certo que o discurso jornalístico organiza direções de leitura,
fazendo circular alguns sentidos e desviando outros tantos, indesejáveis. Ao enunciar, o
sujeito recorta na rede de filiações de sentidos (matriz representacional hegemônica) os
dizeres que melhor contemplam a noção de “verdade segura”, tão proclamada pelos órgãos de
imprensa. Nessa tentativa de explicar o mundo, o discurso jornalístico faz uso de uma retórica
que tem por objetivo fazer a informação parecer segura, confiável e fiel à realidade. A
ideologia se incumbe de fazer parecer que esse é o único modo de dizer. Trata-se de uma
couraça ilusória de que a verdade é absoluta, única e tem um dono. O discurso jornalístico
merece crédito, justamente porque sua voz genérica sinaliza dizeres que parecem tão
verdadeiros, que se tornam lei. E lei não comporta opinião, interpretação, nem crítica; deve
ser aceita e maximizada na sua impessoalidade.
Porém, não custa relembrar, que é sob a forma discursiva que a circulação do produto
se realiza, bem como a sua distribuição para diferentes audiências. Uma vez concluído, o
discurso deve então ser traduzido transformado de novo em práticas sociais, para que o
“Circuito” ao mesmo tempo se complete e produza efeitos. A forma discursiva da mensagem
tem uma posição privilegiada na troca comunicativa do ponto de vista da circulação. E,
portanto, circulação e recepção são de fato momentos do processo de produção, nos termos de
Marx onde sentidos dominantes ou preferenciais implicam na existência de um padrão de
leitura preferencial (HALL, 2003).
124
CAPÍTULO 5 –
DA LEITURA COMO ATO DE PRODUÇÃO
No “Circuito das Notícias” a leitura ou recepção não pode ser considerada um
momento isolado do processo comunicativo. Ela integra a dinâmica da rede, pois todos os
momentos do “Circuito Comunicativo” estão interligados. A leitura como define Johnson
(1999), não é simplesmente assimilação. Ela própria é um ato de produção. Aliada aos estudos
dos momentos produção e texto no “Circuito das Notícias”, a investigação nessa linha permite
o completo desenho do processo comunicacional no veículo em questão.
Para o estudo do momento da leitura no “Circuito das Notícias” diferentes ferramentas
podem ser empregadas: grupos focais, pesquisa participante, pesquisa-ação, entrevista,
história oral etc. O método de trabalho escolhido, no entanto, foi o grupo focal devido a sua
operacionalidade e melhor adaptação ao objeto analisado. Conforme Costa (2008, p.180), o
grupo focal é uma ferramenta de pesquisa qualitativa que ajuda a identificar tendências, a
desvendar problemas e a buscar a agenda oculta dos problemas. “O grupo focal permite a
reflexão sobre o essencial, o sentido dos valores, dos princípios e motivações que regem os
julgamentos e percepções das pessoas”.
O grupo focal permite, ainda, como pesquisa qualitativa, compreender e não inferir ou
generalizar, permite perceber os aspectos valorativas e normativos que o referência em um
grupo particular. “São na verdade uma entrevista coletiva que busca identificar tendências”.
Essa “entrevista coletiva” apresenta como vantagens na hora do trabalho a campo a sinergia
gerada pela participação conjunta do grupo de entrevistados; a interação entre os participante,
que enriquece as respostas; a flexibilidade para o moderador na condução do roteiro de
perguntas; e a profundidade e a qualidade das verbalizações e expressões (COSTA, 2008,
p.181-182). O grupo focal, diz a autora (2008, p.183) “é altamente recomendável quando se
quer ouvir as pessoas, explorar temas de interesse em que a troca de impressões enriquece o
produto esperado e quando se quer aprofundar o conhecimento de um tema”.
125
O grupo focal é uma pesquisa que aspira buscar tipos específicos de informações a
partir dos depoimentos de um grupo de indivíduos claramente definido. Sua preparação
começa pela elaboração de um roteiro de entrevistas, porém, o roteiro não deve funcionar
como uma camisa-de-força. Para montagem do roteiro, no entanto, é necessário ter em mente
os objetivos da entrevista e o foco da dinâmica na pesquisa. Como recomenda Costa (2008,
p.184), um roteiro de perguntas deve conter por volta de 12 questões. A dica é que ele
“comece com perguntas amplas, divergentes e desestruturadas; utilize perguntas focais,
convergente e estruturadas na sequência; e depois, na finalização do roteiro, novamente
perguntas genéricas e amplas”. O roteiro utilizado em nosso trabalho nesse momento do
“Circuito das Notícias possui dez questões as quais procuraram contemplar tais
recomendações. Ele pode ser conferido no Anexo 3.
Como o público-alvo de um grupo focal é definido de acordo com a necessidade do
pesquisador, trabalhamos nesse caso, com dez agricultores vinculados ao Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem-terra (MST), integrantes do “Acampamento em Luta” de São
Gabriel (RS) no período de 21 a 23/05/2008. Cabe ressaltar de imediato que tais agricultores,
tomados aqui na posição de leitores, foram também protagonistas das ações reportadas pelo
jornal Zero Hora no período de 12/04 a 21/05/2008, acerca da Fazenda Southall. Tais matérias
integraram tanto o corpus de análise do momento produção, quanto do momento texto no
“Circuito das Notícias”. Esses textos, no entanto, foram aqui retomados para servir de
substrato às analises da atual fase, aspirando contribuir para o mapeamento de mais um
estágio do movimento de representações no referido “Circuito”. O voluntarismo e a
diversidade de perfis que tanto enriquece o grupo focal foram os critérios básicos utilizados
para composição da equipe de trabalho no acampamento.
Em nossa pesquisa a utilização da técnica grupo focal se justifica por algumas razões,
como por exemplo: permitir aliviar a tensão entre campos sociais distintos; refletir sobre o
conjunto de percepções, além de propiciar o acompanhamento da fluidez do dia-a-dia, sem
tomar posições definitivas ou radicais. Segundo Costa (2008, p.189), ele permitem não
“analisar as estruturas discursivas”, mas também “compreender várias alternativas de métodos
que podem ser adotados” e que, se integrados, geram uma riqueza de perspectivas.
O grupo focal é uma ferramenta que não exige a identificação ou a autoria das
respostas. Os respondentes podem ser identificados por números (Sem-terra 1, por exemplo),
pois, o foco é identificar as tendências sem expor os participantes. De acordo com Puchta
(2004), os grupos focais representam um oásis de liberdade no grande deserto determinista
126
dos questionários. Por outro lado, tem-se a necessidade de saber administrar essa liberdade, a
fim de que ela se faça presente, tanto na condução dos trabalhos para que as repostas sejam as
mais espontâneas possíveis; quanto na análise dos dados, permitindo identificar pistas e
conexões para documentar os mais variados pontos de vista e percepções.
O grupo focal, enfatiza Costa (2008, p.192), “é uma alternativa valiosa para quem quer
ouvir, perceber e compreender as experiências e crenças dos participantes de um grupo”.
Basicamente é isso que nós propomos para análise do movimento de representações no
momento da leitura no “Circuito das Notícias”. Aqui, seguindo as proposições de Johnson
(1999), lançamos mão das contribuições de Hall (2003) no que se refere à análise das leituras
(leitura de oposição, preferencial ou negociada), a fim de relacionar tais representações
movimentadas pelos Sem-terra, quando a pauta é o próprio MST, com a matriz
representacional hegemônica que historicamente envolve a questão agrária no Brasil.
Para isso também utilizamos informações complementares, especificamente
relacionadas às rotinas de leitura e ao funcionamento do setor de comunicação, que advêm da
própria observação empírica no acampamento. Um diário de campo simplificado também foi
formatado a fim de não se perderem tais informações. Nesse momento, porém, ouvir os
leitores, todos membros do MST e participantes ativos nas ações retratadas nas páginas de
Zero Hora no período, parece-nos fundamental a fim de permitir a inserção, nos limites do
possível, nas suas culturas vividas e relações sociais, além de representar, também, uma
estratégia para entender suas rotinas de leitura.
Nesse sentido, cabe de imediato lembrar que os leitores dos textos são sempre leitores
na sociedade. Encará-los dessa forma implica em passar e/ou tentar passar de um momento
analítico mais abstrato (a análise de formas) para um mais concreto (os leitores reais, tais
como eles são constituídos social, histórica e culturalmente), além de admitir tratar a leitura
não como recepção ou assimilação, mas como sendo, ela própria, um ato de produção.
Flagrante nesse entendimento é também a noção de que os leitores se deparam com os
textos no seu dia-a-dia de uma forma bastante promíscua e que esses textos na vida cotidiana
são por natureza “intertextuais”. Portanto, como já usamos nos outros momentos do “Circuito
das Notícias” a categoria discurso para indicar elementos que atravessam diferentes textos,
podemos dizer que todas as leituras são também “interdiscursivas”. Ou seja, nenhuma forma
subjetiva atua, jamais, por conta própria.
127
Sendo assim, podemos afirmar que as combinações derivadas dessas leituras
interdiscursivas advêm de lógicas mais particulares dos leitores ou grupo de leitores: suas
localizações sociais, suas histórias, seus interesses subjetivos, seus mundo privados. É por
isso que as formas de transformações culturais sempre ocorrem nas leituras onde será
contexto quem vai determinar, primeiro o significado e as transformações de uma forma
subjetiva particular, e, depois, a própria forma em questão. O contexto, porém, inclui não só o
contexto das situações imediatas, mas também, o contexto ou a conjuntura histórica mais
ampla.
Dessa forma, qualquer análise em comunicação, inspirada ou não no “Circuito das
Notícias”, ficaria incompleta sem alguma atenção ao próprio ato de leitura e sem uma
tentativa mínima de teorizar seus produtos. Assim sendo, cabe ainda aqui agregar outras
contribuições. A visão apresentada por Martín-Barbero nos parece oportuna no que se refere
ao estudo da leitura e/ou da recepção:
A recepção não é somente uma etapa no interior do processo de
comunicação, um momento separável, em termos de disciplina, de
metodologia, mas uma espécie de outro lugar, o de rever e repensar o
processo inteiro da comunicação. Isto significa uma pesquisa de
recepção que leve à explosão do modelo mecânico, que, apesar da era
eletrônica, continua sendo o modelo hegemônico dos estudos de
comunicação (MARTÍN-BARBERO, 1995, p.40).
A proposta do autor, assim sendo, é a de um estudo não mais dos efeitos dos meios de
comunicação na vida das pessoas, mas, do que as pessoas fazem com os meios e da sua leitura
de todo esse processo, desde o ponto onde ela se coloca no “Circuito”. Convém lembrar que
essa perspectiva dos estudos de recepção só se torna real a partir de 1973, através das
contribuições de autores como Stuart Hall, David Morley, Janice Radway e Ien Ang. São eles
que rompem definitivamente com a noção de consumo passivo de bens simbólicos, mostram
leituras coincidentes entre diferentes tipos de receptores, apresentam alguns marcos
contextuais dessas leituras, e deleitam-se com a produção e com a constatação da figura do
receptor ativo. Somente depois disso, é que essa proposta se consolida internacionalmente e
experimenta uma nova fase marcada pelo estudo das articulações entre texto, receptor e
contexto o que para nós, no “Circuito das Notícias”, é fundamental (CRUZ, 2006;
MASCARELLO, 2001; 2004).
Martín-Barbeiro (1995, p.55) reforça esse argumento ao afirmar:
Eu não poderia compreender o que faz o receptor, sem levar em conta a
economia de produção, a maneira como a produção se organiza e se
128
programa, como e por que pesquisar as expectativas do receptor. Eu não
tenho nenhuma receita, mas ao menos sei o que não quero. Eu não
gostaria que o estudo de recepção viesse a nos afastar dos problemas
nucleares que ligam recepção com as estruturas e as condições de
produção.
No que tange à leitura e/ou à recepção, em especial ao contexto de fala dos receptores,
assume grande importância à verificação das condições em que a produção de sentido está
sendo constituída. Essas “posições de enunciação” delineadas são sempre individuais e se
baseiam em um contexto particular, e ao mesmo tempo blico. Esse complexo contexto que
engloba as condições de produção de sentido, segundo reforça Cruz (2006), consiste nas
mediações. Essas, por sua vez, estão ligadas às diferentes formas de apropriação dos públicos
em relação às mensagens e à construção de sentido a elas vinculada.
A partir de então, admite-se a existência da relação entre diferentes públicos mediada
pelos contextos em que o processo de comunicação se estabelece. Dessa forma, as mediações
passam a ser compreendidas fundamentalmente como um conjunto de fatores estruturantes,
que organizam e reorganizam as leituras, a percepção e a apropriação da realidade, por parte
do agora e mais do que nunca ativo receptor.
para Thompson (2005), a recepção diz respeito a uma atividade, um tipo de prática
pela qual o indivíduo percebe e trabalha o material simbólico que recebe. Conforme o autor,
no processo de recepção, os indivíduos usam as formas simbólicas para suas próprias
finalidades, de maneiras extremamente variadas e relativamente ocultadas, uma vez que essas
práticas não estão circunscritas a lugares particulares.
Dessa forma, se na produção ocorre a “fixação do conteúdo simbólico” em substratos
materiais, na recepção/leitura o processo, mesmo que complementar, é inverso as
representações são libertas para a interferência do tempo e do espaço. Além disso, os usos que
os receptores fazem dos materiais simbólicos podem divergir consideravelmente daqueles (se
é que houve) objetivos pensados ou desejados pelos produtores. Mesmo que os indivíduos
tenham pequeno ou quase nenhum controle sobre os conteúdos das representações que lhes
são oferecidas, eles os podem usar, trabalhar e reelaborar de maneiras totalmente alheias às
intenções ou aos objetivos dos produtores.
A leitura é, desse modo, segundo Thompson (2005), um processo situado, porque
acontece com indivíduos em determinado contexto sócio-histórico; rotineiro, porque é parte
integrante das atividades da vida diária; especializado, porque exige conhecimentos
129
específicos (referentes à técnica, ao conteúdo etc.); e hermenêutico, pois envolve
interpretação, através da qual os produtos adquirem sentido.
Assim, nesse momento do “Circuito das Notícias” pretendemos atentar principalmente
às “práticas sociais de recepção”, entendidas como espaço da produção de sentido, além de
lembrar que as culturas vividas ou o meio social pautam tanto o espaço da produção como o
da leitura. Para Hall (2003), as práticas de recepção não podem apenas ser vistas em termos
de comportamento. Elas são ordenadas por “estruturas de compreensão” bem como
produzidas por relações econômicas e sociais onde os textos em circulação adquirem valor
social ou efetividade política.
Nesse sentido, parece natural que toda a sociedade ou cultura tente impor suas
classificações do mundo cultural, social e político. Essas classificações constituem uma
“ordem social dominante”, apesar de não ser unívoca nem incontestável (HALL, 2003,
p.396). Associada a essa ideia parece-nos óbvia a existência de “sentidos e/ou reapresentações
dominantes ou preferenciais” que, embora não sejam sistemas fechados nem fixos, dão vazão
a “leituras preferências”, numa das possíveis posições-tipo de decodificação (ESCOSTEGUY,
2007, p.126).
O momento da leitura, da recepção ou da decodificação tem, para Hall (2003), suas
próprias condições de existência e é também fruto de uma construção. Porém, ele alerta que se
a codificação produz alguns parâmetros dentro dos quais as decodificações vão operar, é fato
que alguma correspondência entre ambos deve estar impressa, do contrário não haveria uma
troca comunicativa. Pensando dessa maneira é que o autor nos indica as três posições
hipotéticas a partir das quais a decodificação de um discurso e as representações que ele
movimenta podem ser tomadas: a posição hegemônica-dominante (onde o leitor opera dentro
do proposto pelo produtor, decodifica a mensagem de acordo com o esperado); o código
negociado (no qual o leitor reconhece definições hegemônicas, mas se permite adaptá-las ao
seu lugar, podendo ou não dar sua adesão); e o código de oposição (onde o leitor se posiciona
de modo totalmente contrário àquele do produtor, opondo-se à sua mensagem).
Dito de outra forma, ainda segundo Hall (2003, p.345-350), na leitura preferencial as
decodificações se dão dentro do universo da codificação. “O elemento da leitura preferencial
se situa no ponto onde o poder atravessa o discurso, está dentro e fora da mensagem” e nada
mais é do que a tentativa que o poder faz para amarrar a mensagem a um significado. Já uma
leitura sistemática do ponto de vista oposicionista, “pode ou não entender o sentido que foi
preferido na construção, mas via de regra retira do mesmo exatamente o oposto”. O código
130
negociado, no entanto, não é uma posição. “A verdade é que as leituras negociadas são
provavelmente o que a maioria de nós faz, na maior parte do tempo”.
Segundo Hall (2003, p.350), estas não são posições estáticas, mas posições entre as
quais o receptor se desloca dependendo do que a mensagem codificada nele aciona.
As audiências movem-se claramente entre as três posições; logo, elas
são lugares em que se toma posição, não são entidades sociológicas.
Cabe ao trabalho empírico dizer, em relação a um texto particular e a
uma parcela específica da audiência, quais leituras estão operando.
Como dissemos anteriormente, nessa fase do “Circuito das Notícias”, para o
mapeamento das representações acerca da questão agrária, trabalhamos com um grupo
específico de leitores: agricultores vinculados ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-
terra (MST), protagonistas das ações reportadas, que formam o corpus de nossa análise. Tais
leitores não são leitores comuns, nem constituem o padrão de leitores do jornal Zero Hora,
veículo com o qual viemos trabalhando. Eles compõem um grupo de leitores que chamamos
“leitores interessados”, os quais, no exercício de suas leituras, são afetados por diferentes
mediações, a principal delas: o próprio Movimento Social a que pertencem. Mas afinal, o que
são esses “Movimentos Sociais”?
De acordo com Gohn (1997, p.243), os indivíduos quando questionados sobre suas
simpatias ou identificações para com alguns Movimentos Sociais (pela paz, reforma agrária,
ou pelo meio ambiente) não têm dificuldade em identificá-los. “Isso porque tais pessoas
atentam para apenas uma das dimensões dos Movimentos, a do conteúdo da demanda em
si. Elas vêem o Movimento como um todo homogêneo, a partir da imagem que suas ações
projetam na sociedade”. Porém, vinculada às noções oriundas, por exemplo, das ciências
sociais críticas e dos estudos culturais, essa definição se torna mais complexa, pois, acaba por
abarcar outras dimensões, como crenças, valores, diferenças internas etc.
Desse modo, a partir de algumas diferenciações propostas por Gohn (1997, p.245)
entre Movimento e grupo de interesse; quanto ao uso ampliado da expressão Movimentos
Sociais; entre os modos de ação coletiva e o Movimento Social propriamente dito; e, quanto à
esfera de ocorrência da ação coletiva; pode-se enfim deduzir que “Movimento Social refere-se
à ão dos homens na história. Esta ação envolve um fazer por meio de um conjunto de
procedimentos – e um pensar – por meio de um conjunto de ideias que motiva ou dá
fundamento a ação”.
131
Pode-se afirmar, portanto, que os Movimentos Sociais nascem das bases do povo e se
organizam independentemente de instituições públicas e privadas e dos meios tradicionais de
participação, como sindicatos e partidos políticos. Eles surgem como forma de suprir o vazio
deixado por tais instituições como canais institucionalizados, abrindo-se à confluência dos
interesses da sociedade.
Para Berger (2003, p.85):
Os Movimentos Sociais existem em função da distribuição desigual dos
bens produzidos socialmente, o que demanda um tipo de organização
cujo objetivo é reivindicar. No seu interior configura-se a expressão
cultural da desigualdade social. A cultura dos Movimentos Sociais é do
conflito e da solidariedade; da carência, da escassez e da falta, e é ela
que subsidia a possibilidade da reunião e a capacidade de rebelião.
Conforme Fausto Neto (1989, p.14), “a expressão Movimentos Sociais designa
processos dinâmicos, instáveis, de organizações e ações distanciadas em relação aos aparelhos
do Estado”. Assim, pode-se dizer que os Movimentos Sociais, são formas de organização e
mobilização que atuam como ligação entre os processos de reprodução social e a esfera
política, constituindo-se como agentes e construtores entre os dois pólos. Estes Movimentos,
destarte, acabam por integrar o campo político como um subgrupo que traz em sua essência o
desejo de desempenhar um papel transformador na sociedade.
Cumprir o papel de agente transformador no campo social através da vinculação com
o campo político, não é tarefa fácil. No Brasil rural tal personagem começa a ganhar corpo
somente quando os trabalhadores do campo passam a ocupar um espaço de maior relevância
na estrutura social. Isso se em meio a demorados, conturbados e, por vezes, até
contraditórios fenômenos e/ou processos.
Dentre esses fenômenos se pode citar: a rápida urbanização; o voto obrigatório a todos
os cidadãos alfabetizados; o crescimento do proletariado urbano e da classe média; e a
recorrente instabilidade política gerada por diversos fatores como o suicídio de Getúlio
Vargas, as tentativas de impedir a posse de Juscelino Kubitscheck, a renúncia de Jânio
Quadros, às dificuldades para João Goulart assumir o poder, a instituição do parlamentarismo
e o posterior retorno do presidencialismo e, finalmente, a instauração da ditadura militar
(MORISSAWA, 2001, p.32).
Foi nesse cenário de rápidas mudanças de conjuntura, de grande instabilidade política,
de desenvolvimento econômico e de consolidação da indústria que os trabalhadores rurais
emergiram como atores políticos organizados ou em vias de organização. A criação das Ligas
132
Camponesas marcou o início das lutas no meio rural. A partir de então, os camponeses
passaram progressivamente a ser vistos como classe.
Além da organização em ligas, sindicatos e confederações, os camponeses contaram
com o apoio de organizações como o PCdoB (Partido Comunista do Brasil) e também da
Igreja Católica, através da CPT (Comissão Pastoral da Terra) criada em 1975. Estas
pretendiam estender aos trabalhadores do campo, os mesmos direitos adquiridos pelos
trabalhadores urbanos (GOHN, 2000, p.142).
A ULTAB (União dos Lavradores e Trabalhadores Agrícolas do Brasil) também se
caracterizou como uma importante representação dos trabalhadores rurais. Ela objetivava
coordenar as associações camponesas e oportunizar uma aliança política entre os operários e
os trabalhadores rurais. A ULTAB se fazia presente, no Brasil, “em todos os estados, com
exceção do Rio Grande do Sul, onde havia o MASTER (Movimento dos Agricultores Sem-
terra), e de Pernambuco, onde havia as Ligas Camponesas”, aponta Morissawa (2001, p.94).
Nesse cenário, o pioneirismo na luta organizada pela terra no Brasil cabe então ao Rio
Grande do Sul através da constituição do MASTER. O primeiro núcleo do Movimento de
Agricultores Sem-terra surgiu em 1960, no município de Encruzilhada do Sul (RS), onde um
grupo de famílias reivindicava a permanência em uma área de 1.600 hectares. Nos anos
seguintes o Movimento se disseminou por todo o território do Estado. Para o MASTER eram
considerados agricultores Sem-terra o peão, o assalariado rural, o parceiro e os pequenos
proprietários e seus filhos.
Em 1962, o MASTER deu início à forma de luta que mais caracterizaria o Movimento
dos Sem-terra até hoje, os acampamentos. Segundo Gohn (2000, p.144), embora a luta pela
terra seja secular no Brasil, a forma assentamento é contemporânea, e o acampamento surgiu
como uma nova forma de obter, através da pressão, uma resposta do governo em relação à
Reforma Agrária”.
O Movimento dos Trabalhares Rurais Sem-terra (MST) de hoje surge somente no
início dos anos 80 como um novo personagem de luta pela terra no País. Os processos sociais
que criaram sua identidade e deram origem ao Movimento Social têm como base a exclusão
de todo um conjunto de trabalhadores, que foram postos à margem, devido ao processo de
modernização pelo qual passou a agricultura do sul do País. Essa exclusão gerou a
impossibilidade de reprodução social dos pequenos agricultores familiares, que formam a
base da agricultura no Brasil, sendo este o principal motivo de protesto dos trabalhadores
133
rurais. A partir de então, não somente nos Estados do sul, mas em todo o País, foram sendo
geradas lideranças e se incrementando a consciência em torno da luta pela terra e pela reforma
agrária, (MORISSAWA, 2001).
Com os objetivos de promover modificações estruturais na sociedade (direito à terra e
garantia de saúde, educação, emprego e cidadania), o MST despontou como o único
Movimento de massa cujo discurso de luta pela terra foi capaz de se espacializar por todo
País. O seu berço geográfico, sem dúvidas foi a região centro-sul e a sua nascente afetiva foi a
Igreja Católica da Teologia da Libertação, especialmente articulada pelos padres progressistas
nas Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) e na Comissão Pastoral da Terra (CPT).
Fernandes (2000, p.44) em sua pesquisa explica, com riqueza de detalhes, a importância das
CEBs e da Pastoral da Terra para a constituição do MST.
Com nascimento firmado em cartório em 1979, o MST coincidiu com
um período em que cresciam as mobilizações de operários nas capitais
do sudeste, as greves no ABC paulista, o surgimento do Partido dos
Trabalhadores e de lideranças populares, especialmente sindicalistas.
No quadro social, havia também um embrionário desejo de participação
política e se prenunciavam, ainda que longinquamente, as eleições
diretas. No Rio Grande do Sul, a situação dos pequenos camponeses,
expulsos de suas terras, estufava uma situação crítica de migração e
exclusão social, garantidas pela mecanização das lavouras.
Na realidade, de acordo com Stédile e Görgen (1993, p.28), “o Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem-terra não possui uma data específica que defina seu nascimento. A
sua origem combina várias origens e vários locais e a sua história é composta pela soma de
um conjunto de acontecimentos e fatores desenvolvidos a partir de 1978”.
Dentre as ações mais significativas do MST, nos primeiros anos de sua existência,
estão as ocupações em 1979 das glebas Macali e Brilhante, pertencentes à Fazenda Sarandi, e
em 1980 da Fazenda Annoni ambas localizadas no Rio Grande do Sul. Em Santa Catarina
ocorreu a ocupação no município de Campo Erê, da Fazenda Burro Branco. No Paraná, as
lutas pela terra se relacionavam à construção da Barragem de Itaipu, na fronteira entre Brasil e
Paraguai. No Mato Grosso os conflitos estavam vinculados aos embates entre parceiros e
fazendeiros. Outros pontos relevantes são os acampamentos e posteriores os assentamentos na
região do Pontal do Paranapanema em São Paulo. Nos Estados da Bahia, Rio de Janeiro e
Goiás também aconteceram ocupações de terras nesse período (MORISSAWA, 2001, p.124).
A partir de 1981, as lideranças dessas lutas e ocupações, que até então eram isoladas,
passaram a realizar encontros sob a coordenação da CPT. As reuniões aconteciam primeiro
134
em nível estadual e depois interestadual. Em 1984 ocorreu uma espécie de culminância desse
processo de articulação e organização com a realização do I Encontro Nacional dos Sem-terra,
em Cascavel no Paraná. No evento, foi formalizada a criação de uma organização de
camponeses Sem-terra, em nível nacional, com o objetivo de lutar por terra e reforma agrária.
Assim, apenas como fator de referência, pode-se dizer que o MST que hoje se estuda,
nasceu entre os dias 21 e 24 de janeiro de 1984, agregando 80 representantes de 13 Estados
brasileiros. No ano seguinte, em 1985 e em paralelo à volta da democracia no País, durante o I
Congresso Nacional dos Trabalhadores Sem-terra, realizado em Curitiba também no Paraná, o
Movimento é oficializado.
Conforme Berger (2003, p.101),
O Movimento dos Sem-terra surge na cena política nacional no contexto
de contestação do governo militar, associado as experiências de
resistência, às tentativas de expropriação para concentrar capital no
campo, bem como da política do Estado para incentivar a construção de
usinas hidrelétricas. Expulsão e resistência conjugadas a outras
condições, objetivas e subjetivas, foram moldando o rosto do MST. Ao
mesmo tempo há uma memória coletiva (religiosa, de contestação e
arcaica) informando sub-repeticiamente a organização dos sem-terra.
Durante as décadas de 1970 e 1980, MST ancorou o seu discurso no crescimento das
ações de camponeses e trabalhadores sem-terra, territorializando seu alcance em quase todo
País. A cada fazenda ocupada, os acampamentos eram congestionados por mais famílias, que
aderiam ao Movimento. A cada confronto com a polícia, lideranças religiosas se
pronunciavam. Intelectuais passaram a ver com simpatia o Movimento, que levantava a foice
e a enxada durante suas manifestações, simbolizando um ponto de coesão e identificação
política entre seus militantes, além de indicar o desejo de trabalhar na terra.
É claro, dessa forma, que um complexo conjunto de fatores foi determinante para o
surgimento e progressiva organização do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-terra.
Dentre eles podemos citar desde fatores de ordem econômica como o aumento na
concentração da propriedade da terra e o avanço do processo de mecanização da agricultura;
até fatores de ordem social, como o pronunciamento do êxodo rural e o fracasso dos projetos
governamentais de colonização. Por último, também fatores de ordem política relacionados ao
trabalho de conscientização realizado pela Comissão Pastoral da Terra junto com outras
entidades. O surgimento do novo sindicalismo no ABC paulista, bem como o esgotamento do
regime militar e o processo de abertura política, também foram fundamentais no processo
(GRAZIANO DA SILVA, 1982).
135
Estruturado nesses matizes, hoje o MST organiza sua luta pautado pela busca e
ocupação de espaços ociosos; sejam eles físicos, relacionados à reivindicação de um pedaço
de terra e a disputa contra latifúndios improdutivos; sejam eles simbólicos, vinculados à luta
por reconhecimento/legitimação de sua causa e/ou ações. Para tanto, o Movimento e seus
integrantes acabam por formatar discursos movimentando representações diversas as quais
pretendemos mapear no seu encontro com a mídia, mais especificamente com o jornal Zero
Hora, e com a realidade midiática da sociedade atual.
Nessa realidade midiática, como aponta Berger (2003, p109), por vezes “importa
menos o acontecimento do que sua projeção”, por isso é compreensível que um Movimento
Social necessite “projetar-se para existir”, justificando-se, assim, que tenha uma política de
comunicação que busque estratégias para constar na pauta da mídia. Diz a autora:
O MST sabe, com mais ou menos certeza, que a luta pela terra e questão
da reforma agrária não são em si notícia no Brasil, por um lado, porque
ela é a mesma em muitos anos e, assim, não corresponde ao critério de
novidade para ser notícia; por outro, porque não vai ao encontro dos
interesses dos que detêm o poder político e de seus representantes na
mídia. Por isso o MST precisa ‘reinventar’ sua luta. Se a questão da
terra não é notícia, os modos de reivindicá-la podem vir a ser
(BERGER, 2003, p.109).
Apesar de ter relegado, durante muitos anos, a comunicação a um segundo plano o
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-terra vem buscando, atualmente, refleti-la desde
sua perspectiva política e produzir a sua política de comunicação. Conforme Berger (2003,
p.112-114), existe nesse sentido uma clara “subordinação da comunicação às diretrizes
políticas” do Movimento, tanto no plano da concepção programática, como na sua
implementação. Comunicação no MST “exige formação política sobre o assunto”, fato que
como podemos constatar, se reflete na fala dos integrantes do Movimento quando tomados na
posição de leitores no “Circuito das Notícias”. Dessa forma, “enquanto na grande imprensa as
palavras são chamadas à neutralidade, nos Movimentos Sociais o são ao comprometimento”
9
.
A pesquisa de campo nesse momento do “Circuito das Notícias”, como dissemos, foi
realizada no período de 21 a 23/05/2008 no “Acampamento em Luta” localizado na Fazenda
São Paulo II no município de São Gabriel, região central do Rio Grande do Sul.
9
Contribui para esclarecer tal questão o trabalho de MACHADO, Felipe Viero Kolinski; SANTI, Vilso Junior
Chierentin & AMARAL, Márcia Franz. A representação da mídia no jornal do Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem-terra. Santa Maria: JAI/UFSM, 2008. Nele, a representação que o jornal Sem-terra
faz da mídia é analisada. Nesse sentido, o mapeamento da representação que o Movimento faz da imprensa, em
um de seus veículos, auxilia na compreensão do relacionamento entre ambos, além de configurar uma
oportunidade impar para visualização da maneira como se dá a presença da mídia nos veículos, também
midiáticos, do MST.
136
“Acampamento em Luta”, diferente de um acampamento fixo, conforme esclarece a Sem-
terra 9, é um acampamento provisório formado por “companheiros e companheiras de todas
as regiões do Estado e todos os acampamentos do Estado que se organizam. Eles discutem
nos seus acampamentos que é necessário pautar a luta pela terra e contra o latifúndio;
conversam nas regiões e depois vem para a região objetivo”. O “Acampamento em Luta” de
São Gabriel, no momento de nossa pesquisa, contava com aproximadamente 800 famílias
Sem-terra.
Ao detalhar a estrutura e o funcionamento do “Acampamento em Luta”, a Sem-terra 3
lembra que, a exemplo do acampamento fixo, ele conta basicamente com três níveis
organizativos: os núcleos de base, os setores e a coordenação. Diz ela:
Temos a Brigada de Organicidade e a Frente de Massa, que é aquela
equipe que vai e busca as informações de fora e trás para ser discutido
com o todo, com as famílias, que são os núcleos de base. A Frente de
Massa ficaria responsável por essa busca de informações externas que a
gente diz. A Brigada de Organicidade faz mais a discussão interna,
junto com a Direção de Acampamento. Depois nos dividimos pelos
setores. Aí entra: Saúde; Educação; Infraestrutura, que cuida dos
barracos; Comunicação; Produção, que é quem cuida da alimentação, da
horta e essas coisas; Direitos Humanos que é quem cuida da segurança e
faz a vigília. E é mais ou menos isso nossa organização. E essa roda
girando é o que torna tudo isso. Um companheiro não realizando a
tarefa, o seu núcleo ou o seu pelotão, tem o dever de cobrar e fazer com
que essa roda gire (SEM-TERRA 3)
Segundo o Sem-terra 5, o principio básico que determina toda a organização, tanto do
acampamento fixo, do “Acampamento em Luta” e do próprio MST é o trabalho coletivo. Para
ele trabalhar de forma coletiva implica em decidir de forma coletiva “o nosso der é a voz
do povo” porém, decidir de forma coletiva implica a existência de um “pensamento em
comum”. “A decisão que eu tenho e que eu te dizer qualquer um desses companheiros vão te
dizer, vão falar a mesma linguagem. É o que nós chamamos de unidade de pensamento. Então
dentro do acampamento internamente existe isso”.
Dentro nós temos as tarefas. Tu sabes que onde tem povo, temos
deveres, temos funções, temos algumas atividades que são muito
necessárias para poder manter uma vida social, de relação e uma política
de boa vizinhança. Então dentro disso a gente tem as equipes e as
equipes também são de forma coletiva. Várias pessoas, onde cada um
cumpre sua parte e a sua tarefa e assim não uma delegação de cobrar
porque o fulano é chefe. Aqui não existe isso. Nós não temos chefes
então é isso que nos caracteriza enquanto Movimento Sem-terra (SEM-
TERRA 5).
137
O trabalho foi previamente agendado com representantes do Movimento, por telefone,
e contou com a anuência da coordenação local do acampamento. Depois de passarmos por
uma barreira policial que vigiava permanentemente o local, tivemos contato com alguns
representantes do MST, os quais nos encaminharam às lideranças com quem tínhamos
conversado.
Nossa primeira tarefa foi explicar-lhes o objetivo de nosso trabalho e as bases de nossa
proposta. Fomos orientados a esperar a deliberação da coordenação do “Acampamento em
Luta” que estava reunida e que conta com representantes dos diferentes núcleos de base,
oriundos dos diversos acampamentos fixos que o MST mantém no Estado. Posteriormente,
quase no encerramento da reunião, fomos convidados a nos apresentar e apresentar a nossa
proposta a toda coordenação. Os coordenadores esclareceram suas dúvidas, fizeram algumas
perguntas, e apesar de reticentes aprovaram a realização do trabalho. Recomendaram, porém,
a todos os representantes ali reunidos que comunicassem as famílias de seus núcleos o que
aquela “presença estranha” significava e pediram a colaboração de todos.
Na reunião da coordenação também foi destacado um representante voluntário (a Sem-
terra 9) que, junto conosco, ficou responsável pelo encaminhamento dos trabalhos. Numa
conversa informal, esclarecemos dúvidas pontuais e em comum acordo estipulamos o número
de pessoas que participariam da pesquisa (de 10 a 20), bem como o cronograma de atividades.
Ficou estipulado que as pessoas participariam do grupo de discussões por livre adesão, no
entanto, a variabilidade de gênero, idade e distribuição geográfica entre os diferentes núcleos
dos acampamentos fixos deveria ser observada.
As discussões do grupo focal, a partir de então, foram realizadas sempre na parte da
tarde, dos dias 21, 22 e 23/05. As manhãs foram dedicadas à organização do material de
trabalho, conversas informais com as famílias e visita a todos os núcleos do acampamento. O
trabalho foi dividido em três momentos, realizados cada um em um turno. O primeiro esteve
relacionado à apresentação e mapeamento da história de vida dos presentes; o segundo ao
detalhamento do seu relacionamento com a mídia, em especial com o jornalismo impresso,
antes e depois do ingresso no MST; e o terceiro, vinculado ao mapeamento das representações
movimentadas na leitura das notícias, publicadas em Zero Hora, e relacionadas aos atos de
entrada e saída dos Sem-terra na Fazenda Southall. Nessa última fase, os Sem-terra do grupo
focal antes de tecer suas considerações, manipularam a vontade as 18 edições do jornal Zero
Hora que contemplaram a temática no período. No entanto, cabe frisar que a grande maioria
dos textos havia circulado pelo acampamento. Muitos deles foram disponibilizados pelo
138
Sem-terra 1, imediatamente após a sua publicação, num mural instalado pelo setor de
comunicação do “Acampamento em Luta”. Os debates foram todos registrados e transcritos,
totalizaram mais de quatro horas de gravações e encontram-se apresentados no Anexo 3.
Como dissemos anteriormente, serviram de base para o debate nesse momento do
“Circuito das Notícias” as mesmas 18 edições do jornal Zero Hora que utilizamos na fase de
análise da produção e do texto concentradas no período de 12/04 a 21/05/2008. Todas
apresentam textos que versam sobre as ações do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-
terra (MST) acerca da Fazenda Southall em São Gabriel (RS), das quais os próprios leitores
são atores. Lembramos que estas ações também foram acompanhadas no momento da
produção através da observação da rotina produtiva dos jornalistas designados para a
cobertura de tais fatos.
O primeiro encontro do grupo focal de trabalho foi realizado na tarde do dia
21//05/2008 à sombra de algumas árvores distantes 50 metros do aglomerado principal dos
barracos de lona preta, que tradicionalmente marcam esse tipo de mobilização do MST. Os
participantes, em círculo, sentaram-se diretamente no chão de grama, que não se dispunha
de outra forma de acomodação no local. Depois de ouvir atentamente a proposta de trabalho,
tecer algumas considerações gerais e concordar com o cronograma de atividades proposto, os
Sem-terra, ainda sob o signo da desconfiança, iniciam suas falas e contribuições: “é
complicado porque a gente conhece pouco o companheiro” (Sem-terra 5), mas, “levando em
conta que foi passado para a gente que tu é uma pessoa de confiança e que não teríamos
problemas em conversar. vamos adiante” (Sem-terra 3).
Na autoapresentação e na breve descrição da história de vida dos participantes do
grupo focal, um traço comum chama a atenção nas falas. Todos à sua maneira passaram por
situações limites na vida e/ou enfrentaram algum tipo de processo de exclusão, até não
suportar mais e resolver ingressar nas fileiras do MST. Entrar para o Movimento, portanto,
para a maioria dos participantes não foi uma escolha política, mas antes representou a chance
de um novo começo nas suas vidas.
O Sem-terra 1, por exemplo, tem 51 anos, é natural da região Norte do Rio Grande do
Sul, mas mora 34 anos na região metropolitana de Porto Alegre. As dificuldades que o
levaram a ingressar no MST estavam relacionadas ao desemprego, à falta de qualificação
profissional e à sua idade avançada. Em relação às suas filhas acusa discriminação porque
moravam na periferia e porque “não tinha padrão,” para o trabalho, eram “gordas demais”.
139
Na cidade quando a gente estava empregado, por não ter um curso
profissionalizante, a gente dependia daquela migalha de salário da
cidade. Isso quando consegue trabalhar. Quando tem idade não
consegue mais emprego. tem de viver de biscate na cidade,
trabalhando de dia para comer de noite. Quando não tem aquele
dinheiro para comprar comida, fica sem comida (SEM-TERRA 1).
Hoje, porém, no Movimento, o Sem-terra 1 diz que abriu os olhos “para ver onde
estava o alvo”, pena que está muito velho. Então para ele o que restou foi acampar e
conquistar um lote de terra para sua sobrevivência e de sua família. O Sem-terra 2, por sua
vez, tem 34 anos, nasceu em São Leopoldo e diz que teve de entrar na luta pela reforma
agrária e por um pedaço de chão para fugir das drogas e da vila e para consegui um lugar
melhor para viver com sua família. Estória parecida com a da Sem-terra 3 que conta:
Eu morava numa vila. Saí do interior muito cedo e fui para a cidade.
Vivi minha vida toda trabalhando de empregada doméstica. Criei meus
filhos numa vila e ali eu vi meu filho cair nas drogas. Por levantar de
manhã e deixar que a vila os criasse. Eu sofri as consequências por
isso. Mas, fazer o que? Eu precisava trabalhar! Vivia a vida assim, sem
objetivos. Eu acordava de manhã e pensava, mas eu tenho que arrumar
essa casa, mas arrumar por quê? Não tinha mais por quê! A família já
estava se deteriorando, estava muito complicada a situação. Então,
apareceram os companheiros fazendo a massificação e me convidam
para vir para o Movimento. No primeiro instante eu tive muito medo e
depois acabei vindo pela confiança do meu filho de 14 anos. Ele disse
mãe vamos! E acabei aceitando e o meu marido também quis muito vir
(SEM-TERRA 3).
O Sem-terra 4 se diz oriundo de uma sociedade capitalista onde sua família que
trabalhava na agricultura acabou “quebrando”. Como surgiram assentamentos na sua região,
onde ele pode ver a “reforma agrária avançar” e depois de “olhar para a sociedade de onde eu
vim e ver que cada vez era pior. Resolvi, através do conselho de amigos, vir acampar”. O
Sem-terra 5 tem 27 anos e é o único dos participantes do grupo focal que é natural de São
Gabriel. Segundo ele, seu pai durante muito tempo trabalhou num pedaço de chão que era
herança de seu avô. Depois, por desavenças familiares seus pais acabaram se separando e
vendendo a terra. Sem saída, com sua mãe e com seus irmãos menores ele foi trabalhar para
um grande agricultor da região. “Eu trabalhava o dia inteiro e boa parte da noite só para poder
ter o mínimo”, diz ele.
Foi um dia então que eu cheguei ao fundo do poço, sem ter mais saída.
Começamos a entrar em desacordo com o patrão e ele acabou nos
tirando da terra. Como a gente tinha parente na cidade eu resolvi vir
para a cidade. Chegando na cidade foi muito pior! Porque eu não tinha
estudo e era menor, como vai arrumar emprego fixo sendo menor?
(SEM-TERRA 5).
140
A partir de então, apesar da “imagem que eu tinha da TV, da mídia”, foi por influência
de amigos e pela convivência com alguns assentados que o Sem-terra 5 resolveu conhecer o
acampamento e entrar para o MST. Já a Sem-terra 6 é a que, dos participantes do grupo, tem o
menor tempo de acampamento, três meses. Ela tem 45 anos e conta em seu relato que até
tinha uma vida “mais ou menos”, tinha terreno, e tinha casa. Porém, “com a falta de emprego
na cidade a gente vendeu tudo e foi tentar a vida em outro lugar. Chegando não deu certo,
não era como a gente achava que iria ser”. Dessa forma, ela e sua família tiveram de voltar.
Como não tinham mais onde morar, trabalhavam “só para pagar o aluguel” e, diz ela,
começaram a perceber que daquela maneira não iriam conseguir de volta o que antes eles
tinham. “Quando eu fiquei sabendo do Movimento, para mim foi como uma luz no fundo do
túnel”, enfatiza.
O Sem-terra 7 é um ex-soldado da Brigada Militar. “Eu entrei para a Brigada Militar,
sonhando com dias melhores, em plena ditadura militar”. Depois da desilusão e de sua
dispensa, trabalhando sempre em empregos temporários, ele conta que até conseguiu comprar
um pequeno pedaço de terra 1,5 hectares. Porém, ele alega que não consegue sustentar sua
família “numa sociedade tão perversa do jeito que nós temos fora”. Logo, entrar para o
MST significa tentar garantir uma vida melhor para seus filhos. A Sem-terra 8 tem 36 anos e
14 meses está acampada com o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-terra, segundo
ela com o objetivo de ganhar um pedaço de chão e na luta para o que der e vier. Ela relata que
até tinha vida boa fora, mas “não era aquilo que eu queria para o meu filho. Vivendo numa
área de prefeitura que nada era meu. Tinha uma casa boa e tudo, mas nada era meu mesmo, de
concreto”.
Por sua vez, a Sem-terra 9 tem 35 anos e está seis meses no acampamento em
“conjunto com o Movimento lutando pela terra e pela reforma agrária”. Ela conta que a partir
da luta das mulheres em 2007, aconteceu com ela “um processo de luta interna acampar,
não acampar?”. Como foi cada vez ficando mais difícil voltar para sua cidade, durante uma
marcha do Movimento ela tomou a decisão pelo acampamento.
Reorganizei a minha vida, o estudo e tudo e estou no acampamento. O
primeiro momento foi de militância, de contribuir na luta pela terra,
contribuir com as famílias. Ter visto quase 19 mil pessoas no Congresso
Nacional do MST ano passado mexeu demais comigo. Cada fase para
mim foi muito contundente: a luta das mulheres; o abril vermelho em
2007; o congresso (SEM-TERRA 9).
141
Por fim o Sem-terra 10. Ele está acampado há quase dois anos, é estudante do
Movimento Sem-terra, faz agropecuária agroecológica em Pontão (RS), e diz estar na luta
motivado pela “busca de um futuro melhor para nosso povo, para nosso País e pela revolução
socialista”.
Eu motivado por causas revolucionarias, não podia agir de outra forma,
após conhecer o MST. Tinha responsabilidade comigo mesmo de vir
acampar. Eu seria um hipócrita, um demagogo se eu estivesse fora
apenas pregando o socialismo, apenas pregando o comunismo, e se o
viesse experimentá-lo na prática, aqui no MST. Eu como um
revolucionário socialista não adiantava eu ficar na cidade, vivendo uma
vida mais ou menos de classe média, e não vir aqui sentir como o povo
vive para por em prática a minha ideologia. É por isso que eu vim para o
MST. Minha vida é a revolução e enquanto o MST lutar pelo socialismo
e pela revolução eu estarei aqui. Porque como o Che dizia: se tremes de
indignação perante uma injustiça, então somos companheiros (SEM-
TERRA 10).
Depois de caracterizarmos o perfil dos integrantes do grupo focal trabalhado na
pesquisa, o próximo passo na estratégia de análise no momento leitura dentro do “Circuito
das Notícias”, diz respeito à descrição, com base nas falas dos próprios Sem-terra, do MST e
de suas representações. Para a maioria dos componentes do grupo, existe uma diferença
significativa entre “o MST visto de dentro para fora” e o “MST visto de fora para dentro”.
Essa diferença muitos deles tentam pontuar em seus dizeres. Ela, por conseguinte, é uma
diferença perspectívica, flagrada principalmente quando os Sem-terra se referem ao antes e
depois do MST nas suas vidas e/ou quando eles se referem aos que estão fora e os que estão
dentro do Movimento.
O Sem-terra 1 logo reconhece: “aqui a gente aprende aquilo que não tinha lá fora e que
era escondido da gente”. Segundo ele, com o Movimento, “a gente começou a ver uma
luzinha no fim do túnel e aí vê os horizontes, vê as coisa se concretizarem” para um dia “viver
estruturado, alegre e feliz”.
Aqui a gente é tudo companheiro. Aqui enquanto a reforma agrária vive
no papel, a gente já faz a reforma agrária entre os companheiros:
dividindo o pão, o bolo, a erva mate. Tudo o que a gente tem aqui se
divide. Então aqui já acontece essa partícula da reforma agrária. Por isso
que eu encontrei o Movimento e decidi por vir acampar, porque aqui eu
ganharia meu lote de terra e plantaria tudo que era da minha
necessidade, para a minha alimentação (SEM-TERRA 1).
“O MST para mim representa muito porque aqui eu arrumei uma nova vida, uma
mudança de vida muito grande”. Essa é a fala que introduz o depoimento do Sem-terra 2
quando fala do MST. Ele diz também que o Movimento “é tudo” e lhe devolveu a esperança
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para mudar de vida, o que “lá fora” parecia impossível. Para ele, a “marginalidade” de que
tanto acusam o Movimento “não está aqui dentro, a marginalidade está na rua mesmo”.
Porém, a exemplo do Sem-terra 1 ele também reconhece: “o que o povo vê fora é diferente
do que tem aqui dentro. Então, minha própria família, para tu chegar e falar para eles é difícil.
Se tu explicar como é a vida aqui dentro, eles vão preferir acreditar na TV e no jornal. Não na
gente que está aqui”.
Para a Sem-terra 3 o Movimento, além de “uma nova chance de viver”, também serve
para o autorreconhecimento das pessoas. Ela diz que no MST encontrou uma força que não
sabia que tinha. “Eu não tinha nem noção que eu podia voltar a sonhar em ter um futuro
diferente, em ter um futuro melhor”. Ela considera o Movimento a “única maneira que o povo
tem de se organizar” e também lamenta que, por conta da mídia, o “povo fora” não consiga
entender para se organizar e lutar. Pois, segundo ela, “a mídia te põe que é um grupo de
marginal e baderneiro”, mas não é assim, “eu vivo aqui dentro e vejo que é o contrário. Quem
quer, aqui tem a chance de inverter o que a sociedade fora te induz a viver”. Ela lembra
ainda que,ao contrário do que se propagandeia e se imagina, é nos acampamentos do MST
que as pessoas têm segurança. Diferente da cidade, onde segurança significa grade nas
janelas, nas portas etc. No acampamento ela está ligada, para a Sem-terra 3, ao respeito e à
responsabilidade de todos.
Aqui, esses marginais que a mídia fala, eles respeitam uma lona preta e
não ultrapassam aquela lona, sabendo que é empurrar com a mão e
entrar, com o dedo fura. As pessoas respeitam, porque elas se sentem
parte ajudando construir. Essa responsabilidade de cuidar, de um
respeitar o outro, isso para mim foi muito interessante nesse processo no
acampamento. Então é isso: porque se são tão marginais, se são tão
filhos da mãe como dizem, porque iam respeitar tanto uma simples lona
preta? (SEM-TERRA 3).
para o Sem-terra 4 o MST “é uma grande família” onde se compreende que a luta é
por uma sociedade igualitária e mais justa. “Onde tu encontras amigos, tu encontras
companheiros”. Na mesma balada, o Sem-terra 5 diz que antes de entrar para o MST ele tinha
uma visão contrária do Movimento, porém, quando ele “se deparou com a realidade”, viu que
as coisas eram bem diferentes. No MST ele se sente “parte da organização” e também destaca
a clareza dos objetivos da organização.
Aqui somos todos companheiros e aqui tem objetivo. Agora sim, eu me
dei conta que aqui eu posso concretizar meu sonho, que aqui eu não sou
excluído do resto dos meus amigos e dos meus companheiros que nem
eu era fora. E eu acho que o Movimento Sem-terra é a oportunidade
de muitos que andam excluídos do capitalismo, seja na cidade ou no
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interior. Aqui nós temos um objetivo comum que é a terra. E também
uma de nossas grandes metas a curto prazo é a terra, a médio prazo uma
reforma agrária e a longo prazo, porque não, uma sociedade mais
socialista de fato que não fique só nesse capitalismo (SEM-TERRA 5).
“Para mim o MST foi como uma luz no fundo do túnel”. Os argumentos da Sem-terra
6, basicamente repetem o que foi colocado pelos seus companheiros do grupo focal até então.
O Movimento é comparado a uma família, melhor até que a sua própria família, capaz de
garantir segurança, educação e, através da união e da luta, uma vida digna para os seus filhos.
Já o Sem-terra 7 exalta a disciplina como uma das grandes virtudes do MST e complementa:
A mídia vende aquela imagem que aqui é o inferno, pelo contrário aqui
é o paraíso. Aqui eu me sinto seguro e tenho o prazer de sonhar que
daqui a dois, três anos no máximo, ou de repente até amanhã, eu tenha o
meu lote para poder buscar a minha família que está na minha base
excluída. Eu quero que os meus filhos tenham a oportunidade de no
futuro bater no peito e dizerem assim: nosso pai foi para o MST e nos
deixou um avanço para nós melhorar de vida. Porque, se eles não
melhorar não vai ser por minha culpa, por falta de luta (SEM-TERRA
7).
A união e a organização do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-terra também é
destacada pela Sem-terra 8. Segundo ela o MST é o caminho para a conquista da terra e para a
melhoria de vida de sua família. O Movimento “representa muita coisa boa” por conta da
organicidade e da organização, coisas que não existem “lá fora”. “Eu me surpreendi muito
quando eu cheguei no acampamento, porque eu via pela mídia uma coisa diferente, que
falavam totalmente diferente. Eu cheguei e vi a realidade que era o Movimento. Então, o
Movimento para mim representa muitas coisas boas”.
A Sem-terra 9, por sua vez, diz conhecer tanto a teoria, por conta dos seus estudos da
parte de educação no Movimento, quanto a prática do MST. Na prática do Movimento, para
ela, o que chama a atenção é ver “toda a organização”, ver todo o “povo reunido por uma
coisa”, além de conhecer as famílias; conhecer uma outra realidade completamente diferente
da sua.
Além disso, comecei a sentir isso aqui no Movimento a terra. De uns
tempos para eu comecei a sentir terra em mim. A vontade de
produzir. Plantar, colher e contribuir com a luta das famílias e com o
socialismo, pois aqui a gente reparte o pão, reparte o bolo e isso é
importante. Isso a gente constrói aqui dentro. As famílias no tempo de
acampamento elas vão se construindo assim. Elas saem da vida fora
onde tem um individualismo muito grande, onde é cada um por si, e
aqui a gente vai reaprendendo a viver em sociedade. O Movimento tem
muito disso: as pessoas se reencontram (SEM-TERRA 9).
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Do Sem-terra 10 vem uma das definições mais políticas da representação do MST: “O
MST é uma organização de cunho socialista que luta pela reforma agrária. Luta também por
justiça social e por igualdade”. Segundo ele o Movimento responde pelo regate do povo
excluído e explorado e oferece a todos a possibilidade de uma vida digna numa nova
sociedade. Ele valoriza as pessoas por suas virtudes morais e pelos seus valores onde não
importam cor, raça, credo etc. “aqui o que importa é o que tu é”. Para o Sem-terra 10, o MST
é importante porque “ele faz a luta de classes na prática”, ele “ataca a burguesia onde dói”,
pois “ataca a propriedade privada”.
E o MST, assim como eu, busca um mundo mais justo, uma sociedade
igualitária onde as decisões sejam coletivas. Onde as decisões e o poder
não estejam na mão de poucos, tanto o poder político, quanto o poder
econômico. Aquela sociedade que a gente deseja para o Brasil e para o
mundo, dentro dos acampamentos e nos assentamentos, ela é posta em
prática. Se tenta colocar ela em prática. Claro, vários limites. Porém,
essa sociedade de igualdade, onde o ser humano é valorizado e onde
todos m dignidade, um mundo justo, isso se tenta por em prática nos
acampamentos e assentamentos (SEM-TERRA 10).
Navegando pelas considerações dos agricultores, a partir do debate, verificamos que o
discurso dos Sem-terra funciona colocando em situação de equivalência o fato de ingressar na
luta do MST e o fato de nascer para uma nova vida. Ressaltam, assim, um feito gico e
quase místico. Para os leitores, a entrada no MST é um novo nascimento, uma vitória sobre a
morte ainda em vida. Não é apenas um passo de conscientização política, não é apenas a
filiação a uma organização, pois o sujeito na posição de membro do MST muitas vezes
enuncia um atributo mais do que físico e material ao falar da luta. Ele anota sinalizações, que
constroem a imagem de que a purgação dos males, a expulsão dos problemas e o resgate da
vida solidária acontecem com a entrada do excluído no Movimento.
Também fica claro nas falas dos leitores que o excluído, ao se filiar ao MST, recebe
um verdadeiro batismo de conscientização política, conhece um código novo, aprende
palavras até então não experimentadas, se entrega ao discurso do Movimento. Ele incorpora
esse discurso, tomando-o para si e emprestando sentido aos dizeres da organização na sua voz
e nos seus gestos. A palavra parece ter um papel coesivo entre os Sem-terra, ligando-os ao
Movimento e outros trabalhadores que querem fazer parte do MST. Ela veicula interesses,
representando arma de combate e luta políticas.
Outro ponto explorado nos debates do grupo focal na análise do momento da leitura
no “Circuito das Notícias” diz respeito à mídia e/ou a jornalismo. Como podemos perceber,
nos dizeres já apresentados acerca das representações do Movimento dos Trabalhadores
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Rurais Sem-terra, para os Sem-terra, a mídia é colocada como a principal responsável pela
formação da representação “de fora para dentro” do Movimento. Esta representação, como
evidenciamos, é distinta daquela que o MST tem de “dentro para fora”. Nisso parece existir
certo consenso entre os integrantes do Movimento. Parece-nos claro, desse modo, que os
leitores, agricultores Sem-terra pertencentes ao MST, acabam por movimentar sentidos de
oposição à matriz representacional hegemônica da questão agrária no Brasil e/ou por
promover uma leitura, na maioria das vezes, negociada mas resistente em relação às notícias
de sua causa e de suas ações que são veiculadas pelo jornal Zero Hora.
Porém, ao falar especificamente do papel e da importância da mídia, as opiniões entre
eles são bastante distintas. Ela, a mídia, assume nos dizeres tanto papel de “ameaça” quanto
de “ferramenta necessária”. Porém, o sentido mais forte que parece transpassar as
contribuições é ao de mídia/jornalismo como “instrumento de manipulação”.
Para o Sem-terra 1 a dia, em relação ao MST sempre “mostra algo de errado”, as
“falhas” e os “pontos de crise” que existem. Porém ele lembra que esses “pontos de crise”
existem em todas as organizações, não no Movimento. A pergunta que fica sem resposta
para o Sem-terra 1 é “por que não mostram o lado bom?Porque, segundo ele existe um lado
bom. Em relação ao processo de edição tão comum no jornalismo ele ainda acusa: “quando
filmam tudo vão e classificam o que favorece a eles, quando favorece a gente que é
humilde e pobre não mostram para a sociedade ver. Não é assim?”. O Sem-terra 1 ainda
lembra, ao seu modo, das restrições à cobertura dos fatos impostas pela Brigada Militar na
área de conflito. Ele relata que os jornalistas se revoltaram reivindicando “liberdade de
imprensa”. Ao mesmo tempo em que ele apóia o pleito dos profissionais ele questiona qual
era o tipo de liberdade de imprensa que eles estavam reivindicando. “Eu não sei se eles
pensam que com a liberdade de imprensa eles vão ali e fazem do jeito que eles querem e
pronto? De repente favorecendo eles ou favorecendo os latifundiários. Sei de que
maneira eles pensam essa liberdade?”. Por último, ele reconhece a importância da mídia
mesmo na cobertura das ações do MST: “a sociedade fora ninguém vê nada e ninguém
escuta nada se a mídia não está”.
o Sem-terra 2 discorda totalmente desse posicionamento. Para ele, a mídia
representa uma grande ameaça, pois ela prefere “correr atrás de troféus a mostra a verdade”. E
as acusações não param por aí:
A mídia para mim representa uma grande ameaça porque eles preferem
estar correndo atrás de troféus mostrando a guerra e essas coisas. Eles
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vêm aqui e falam mal de nós, descem o pau em nós, mas no momento
em que é para eles vir eles se acovardam. Quando bateram nas mulheres
lá, deram tiros nas mulheres naquela outra ação, porque que eles não
entraram? Depois quando pegam um furinho assim, eles pegam e
descem o cassete. Botam isso no jornal. Mas, para mim, são uns
covardes que não tem nem explicação para o que eles fazem. Porque
que eles não vão na favela e não pegam as pessoas no começo lá, como
elas estão vivendo?! Depois, não entram aqui dentro e tiram a saber, não
vêem mudança de vida das pessoas, não botam no jornal e não publicam
aquilo ali. Eles preferem mostrar o lado ruim. Mas eu acho assim, a
mídia para mim é sem fundamento. Eu acho que falta muita seriedade,
tanto nas imagens quanto nas reportagens (SEM-TERRA 2).
Para o Sem-terra 2, o jornalismo não presta para nada, que os jornalistas, por vezes,
debocham dos acampados nas ações o que ele classifica como uma desumanidade. Para ele, a
imprensa não é séria e só mostra o que quer, pois só cobre os fatos para ganhar dinheiro e para
vender jornal. O Sem-terra 2 ainda reconhece a necessidade de mudança do sistema de mídia
e ao mesmo tempo mostra esperança em relação a que essa mudança aconteça, o que, de certa
forma denota importância à mídia se ela não fosse importante, não servisse para nada, não
haveria por que mudá-la. “Então eu não sei se algum dia vai se conseguir mudar isso, mas
espero que um dia se consiga”.
A Sem-terra 3, por sua vez, classifica que um dos grande problemas da mídia está no
seu conteúdo, ou seja, a divulgação, na maioria dos casos, de notícias que “não são do teu
mundo e que não vão mudar em nada a tua vida”. Segundo ela isso serve para manter “o
pobre” afastado das coisas importantes. “O jornal para ler é muito cansativo e para olhar na
televisão é muito chato. Então é melhor mudar para o Chaves ou para qualquer outro
programa que seja mais alegre”. Para a Sem-terra 3 é essa realidade que a mídia manipula, no
entanto, ela ainda prefere acreditar na mídia e nos jornalistas pois crê que dentro da profissão
tem “muita gente boa”. Segundo ela o problema é o “dinheiro”.
Dentro da profissão eu acredito que tem muita gente boa sim! Tem
muita gente que realmente acredita e aposta. Tem muito repórter
honesto por ai, mas que infelizmente não é valorizado. s vimos isso
na Nenê. Nessa ocupação os repórteres fizeram uma briga muito grande
para poder entrar e poder filmar o que estava acontecendo. E a polícia
peitou, e eles chegaram junto. A polícia mandava recuar, e eles
chegando junto e se peitaram com a Brigada. Ali até eu achei muito
bonita a ação deles, mas é muito difícil acontecer isso também. Eu acho
que tem pessoas honestas sim! Que tem pessoas que merecem o nosso
respeito, porque a gente escutou muitas histórias de jornalistas que
deram sua vida tentando fazer alguma coisa pelo povo. Mas o que
manda muito nessa profissão é o dinheiro. O dinheiro manda em quase
tudo não é? Só não manda no coração do Sem-terra, mas no resto manda
mesmo. Muitos vão trocando de lado e os que aprenderam a ter amor
pelo povo, a falar a verdade às vezes são excluídos (SEM-TERRA 3).
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“A mídia é uma ferramenta muito necessária para nós comunicar. Esse seria o papel
fundamental da mídia”, aponta no início do seu relato o Sem-terra 5. Ele, em sua
contribuição, nos apresenta com riqueza de detalhes argumentos em torno da relação MST/
mídia. Conforme o ele, para o Movimento, a mídia é “uma ferramenta utilizada pela classe
dominante do capitalismo para se posicionar”. Apesar de classificá-la como uma “importante
ferramenta” o Sem-terra 5 identifica que em determinadas situações, a mídia deixa a desejar.
“Eu acredito que a mídia desconhece a força que tem, porque quando ela distorce as
informações, quando elas são distorcidas, ela não está contribuindo com a sociedade, ela está
prejudicando”.
Esse fato é lamentado profundamente pelo Sem-terra 5, pois ele considera que a dia
“influi muito na cultura do País”. Nesse sentido, para o agricultor, a mídia não se preocupa em
valorizar as pessoas e a cultura dos mais pobres, ela está preocupada com marketing em “abrir
espaço para o mercado”, para o “interesse do grande ganho econômico”, da posição social de
quem “domina esses meios de comunicação”. Por isso segundo ele, por vezes, os meios de
comunicação deixam de fazer o seu papel. E qual seria esse papel?
O papel dos meios seria, por exemplo, mostrar porque o povo chegou
naquela situação de pedir, de estar mendigando e ter de chegar de joelho
para pedir alguma coisa. Não é feio pedir, mas é humilhante. Isso aí que
os meios de comunicação deveriam se preocupar: porque que essa
pessoa chegou nisso? Alguém tem de ser responsabilizado? Será o
nosso sistema econômico? Serão nossos governantes? Porque que a
mídia não tem coragem de abrir uma página da Zero Hora, por exemplo,
e colocar o que é um acampamento Sem-terra? Porque que ela não tem
coragem de dizer que aqui nós não passamos fome? Que aqui dentro nós
não temos aquelas brigas que tem fora? Será que isso é colocado nos
meios de comunicação? (SEM-TERRA 5).
A importância delegada aos meios de comunicação pelo Sem-terra 5 advém, conforme
suas considerações, da própria essência do ser humano. O que seria de nós sem nos
comunicar?”, pergunta ele. Em relação aos profissionais que trabalham em comunicação ele
diz perceber que realmente existem “pessoas boas na mídia”. Pessoalmente tem conhecimento
de relatos em que vários jornalistas deixaram dos seus empregos porque as matérias que eles
produziam eram manipuladas por seus patrões e por seus editores. Diz ele: “é claro que o
profissional, que tem vergonha na cara, se ele não conseguir fazer da forma correta, como tem
que ser, ele vai pedir demissão mesmo. Ele não vai baixar a cabeça para o patrão. Ele vai
tentar formar uma equipe de jornal que não tenha medo de dizer a verdade”.
Outro problema identificado pelo Sem-terra 5 no sistema de dia em geral é que as
grandes empresas dominantes do jornalismo não abrem espaço para os pequenos. “Eu nunca
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vi abrir espaço para um pequeno agricultor. Elas não representam o povo, no sentido da
verdadeira sociedade que a gente vive. Representam sim o sistema econômico que está sendo
pregado por esse Estado”. Enquanto isso, segundo ele, o sentimento é de preocupação, porque
a imprensa pode ser “uma grande arma de avanço na sociedade, ou seja, de denúncia das
coisas erradas que acontecem”. Esse é o lado positivo que mostra que a comunicação “tem
lugar na sociedade, tem voz, tem vez e a gente precisa dela. Mas precisamos primeiro que ela
se transforme e que também ela passe por uma revolução. Que ela avance no sentido de olhar
mais para a sociedade”.
“Eu acho que a coitadinha da mídia apanhou valendo hoje. E depois que ela
apanhou, sabe como é, depois de o cara meio tonto, um tapa é fácil de dar”, diz o Sem-terra 7.
Ele, nas suas contribuições, além reconhecer o temor em relação à mídia de hoje, invoca o
papel pedagógico da comunicação, ao se referir à utilização da mídia nas escolas:
Essa maneira que a mídia se apresenta para o MST é pior do que a
sociedade imagina, porque ela está deixando de prestar um serviço até
nos colégios. Pois o grande mal da sociedade brasileira é a falta de
cultura. Vejam, são poucas as pessoas em condições de partir para um
debate. Para essas pessoas é muito difícil ser um contribuinte para o seu
próprio futuro e ter uma vida digna onde essa mídia não consegue
desdobrar ele. Então eu acho que s temos um grande medo dessa tal
de mídia, pela covardia que ela apresenta na nossa frente. Agora na
medida em que ela mudar esse panorama, a gente vai dar um passo
importante para que o Movimento Sem-terra seja visto como realmente
ele é. Não precisa inventar nada (SEM-TERRA 7).
As contribuições da Sem-terra 8, num sentido, são mais restritas. Elas não falam da
mídia, mas sim do jornalismo e das diferenças percebidas entre os diferentes gêneros
jornalísticos. Porém, elas não são menos importantes já que indicam como determinado
público percebe as informações veiculadas nos diferentes suportes. Segundo ela:
O jornalismo de imagem, que é o que sai na TV, ele trabalha de uma
forma mais rápida e mais direta, porque ele mostra a imagem. Ele não
precisa apresentar muito conteúdo para dizer o que está se passando,
porque tu pode ver naquela imagem. o jornal, para fazer uma
denúncia ou mostrar um acidente, para descrever, ele vai usar diversas
palavras. De repente uma foto ou duas para tentar mostrar o que
aconteceu. No jornalismo que trabalha com imagem na televisão fica
muito mais fácil e avança no sentido de ser mais direto e mais objetivo.
Já no jornal enquanto matéria escrita tem que se explicar um pouco mais
e colocar mais elementos para poder transmitir a mensagem sendo o
mais correto possível com a realidade. Eu acredito que quando é do
interesse deles, com certeza eles conseguem fazer isso e muito bem.
Agora depende do interesse de quem está por trás da notícia. É isso que
a gente percebe (SEM-TERRA 8).
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Para a Sem-terra 9 “a mídia emburrece o povo, ela aliena”. Nesse sentido ela parece
compartilhar argumentos com o Sem-terra 2 para falar dos organismos de comunicação.
Segundo ela, os meios de comunicação, que seriam meios para informar a população
brasileira de ambos os lados, não conseguem fazer isso. Ela considera fundamental saber
sempre “ambos os lados”, tanto o lado da burguesia, “porque nós estamos numa sociedade
capitalista e a gente não pode esquecer isso e a gente tem de estar informado sobre o que a
burguesia pensa”; quanto, “sobre o que a pobreza pensa”.
A comunicação deveria ser de ambos os lados, mas ela serve a classe
dominante, ou seja, a burguesia. Ela vai trazer os fatos sempre nessa
linha. É só a gente pegar nosso mural aqui e ler as notícias. Nossa
equipe de comunicação está de parabéns porque eles sempre tentam
trazer jornais para a gente estar informado sobre o que falam da gente. E
a gente está aqui dentro, fica abobado das coisas que falam, porque a
gente não é isso. Ninguém veio perguntar o que a gente pensa! (SEM-
TERRA 9).
A Sem-terra 9 também pega carona na fala da Sem-terra 8 e aproveita para discorrer
sobre as características principais do jornalismo impresso. Conforme ela, “a questão do
jornalismo escrito é que ele tem que “articular as palavras”. A manchete em si, para ela é a
mais importante, porque a “maioria do povo não lê o jornal”, lê apenas as manchetes do jornal
e vê as fotos. Até porque “muitos não sabem ler mesmo, são analfabetos”. Então, para a Sem-
terra 9, o jornal “procura te convencer pela foto, pela manchete e pelo título”. Porque a
“maioria o título e no máximo a explicaçãozinha da foto”. Na maioria das vezes “não lê
toda a notícia no jornal; não procura dentro do jornal outros fatos, outras manchetes; outras
reportagens que contribuam com anterior, para a pessoa compreender toda uma questão”.
Nesse sentido, pondera ela, a pessoa na maioria das vezes, fica repetindo por “o que leu
na manchete e a imagem que viu, sem ler o todo”.
No mesmo sentido da Sem-terra 9, o Sem-terra 10 considera que a mídia na sociedade
capitalista é “totalmente manipulada pela classe dominante. E, a ideologia da classe
dominante é sempre e ideologia dominante”. Além disso, ele destaca em sua contribuição o
caráter privado dos órgãos de comunicação e o caráter potencialmente manipulador da mídia.
Diz ele:
A mídia em toda a sociedade capitalista é privada, ou seja, as ideias que
ela propaga são as ideias dos donos dos meios de comunicação.
Normalmente as rádios, as TVs e os jornais são propriedades da
burguesia, que têm ligações políticas, principalmente da direita. Ou seja,
os jornalistas, os repórteres nada mais são do que fantoches das ideias
da burguesia. Os jornais e todos os meios de comunicação de massa são
utilizados para fazer com que o povo pense certas coisas. Usam-se os
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meios de comunicação de massa para alienar o povo. Fazer com que o
povo perca valores éticos e morais. Que o povo vire apolítico e não
pense em questões sociais, que o povo seja fútil. A mídia tenta tirar a
atenção das questões sociais e das questões políticas. Então a mídia
aliena. Portanto, a culpa da alienação e da miséria do povo brasileiro,
em parte é da mídia. Ela, na verdade, não fala a verdade. Mente em
favor da classe que manda no País. Porque é essa classe dominante que
paga o salário dos jornalistas (SEM-TERRA 10).
Em relação ao jornalismo o Sem-terra 10 argumenta que o mesmo “é comunicação e a
comunicação numa sociedade é fundamental”. Porém denuncia que a “ética do jornalismo”
deveria ser conscientizar o povo, esclarecer, informar e falar a verdade. Ou seja, acima de
tudo o jornalismo precisaria “ter caráter”, porque considera ele, cada noticia de jornal ou de
televisão contribui para a formação de uma opinião e a opinião das pessoas, a opinião da
sociedade como um todo é formada pelo que é noticiado, pelos meios de comunicação”.
São baseadas nessas notícias que as pessoas se posicionam sobre
determinado assunto e por isso o jornalismo é importantíssimo. que
um problema. A ideia é que o jornalismo seja imparcial, seja
transparente. Dificilmente isso acontece! É quase impossível que uma
notícia seja imparcial, que seja transparente, tanto para um lado como
para outro. Então o jornal tanto escrito quanto televisionado, vai
depender muito da intenção daquele que está fazendo a reportagem e
daquele que está editando essa mesma reportagem. Se ele vai querer
favorecer os envolvidos ou se ele vai querer condenar esses envolvidos
(SEM-TERRA 10.
Para o Sem-terra 10, as pessoas são sempre produtos do meio, são influenciadas por
sua família, pela escola, pela igreja, pelo trabalho que elas vão desenvolver; e hoje em dia,
principalmente, pelos meios de comunicação, pelos jornais e pelos programas de rádio e TV.
“Hoje se pode afirmar que as pessoas são o que elas vêem ou lêem nos meios, principalmente
o que elas assistem na TV”. Então, segundo ele, “o jornal constrói parte do que é o ser
humano hoje”. Ele considera que as pessoas são “influenciáveis” e por isso “manipuladas
pelos meios de comunicação” que têm a função de informar, conscientizar, de falar a verdade,
de ser transparente. Mas, “eles nem buscam isso”. Eles buscam “influenciar o povo e manter o
povo nas rédeas, ou seja, fazer com que o povo pense o que eles querem que o povo pense.
Deixar o povo como fantoches, manipular o nosso povo”.
O jornal trabalha com uma opinião totalmente pronta para a cabeça das
pessoas. Uma opinião que não necessariamente seja a realidade e seja a
verdade, mas que a partir do momento em que ele lê, ele acredita.
Porque o povo acredita no jornal e toma aquela opinião para ele. Ou
seja, adquire uma opinião atravessada, equivocada sobre o assunto. Por
isso eu acho que a construção de uma nova sociedade, de um novo
mundo, vai partir da conscientização do povo. E a conscientização do
povo talvez parta de uma revolução jornalística, uma revolução onde
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o jornalismo realmente cumpra a sua função, a sua ética, e não que seja
usado como meio de manipulação da sociedade (SEM-TERRA 10).
Como procuramos demonstrar pelos dizeres dos Sem-terra em relação ao sistema de
mídia em geral, existem posições conflitantes entre os membros do grupo focal,
principalmente quando falam do seu papel na esfera social “ameaça” e/ou “ferramenta
necessária”? Porém, quando no grupo focal entram em pauta o Grupo RBS e o jornal Zero
Hora, o discurso parece uníssono. Tanto o veículo em questão, quando o grupo a que ele
pertence são descritos como “instrumento de manipulação” da classe dominante. A
manifestação a seguir, de iniciativa do Sem-terra 9, acompanhada pelos demais participantes
do grupo demonstra perfeitamente esse modo de dizer: “Fala companheiros a gente não
esquece abaixo RBS! Acho que isso ai já diz um pouquinho”.
Conforme a própria Sem-terra 9 a RBS é o maior meio de comunicação do Estado e
deveria informar e trazer cultura. Mas, no final, “ela vai reproduzir o que os grandes desse
Estado querem”. Ela esclarece que mesmo antes, quando se falou em mídia e dos meios de
comunicação, num contexto geral, “a gente sempre lembra da RBS. A gente lembra de mídia,
lembra de jornal é a RBS, é a Zero Hora, é a Rádio Gaúcha”. Para a Sem-terra 9, nas notícias
publicadas pela RBS, há sempre uma “clara distorção dos fatos, muito mais do que nos outros
meios de comunicação”. Segundo ela, esse é o grande problema:
Eles não serem fidedignos ao que a gente mostra. O que a gente
pretende nunca fecha com o que eles captam e escutam de nós. Eles
acabam passando uma imagem marginalizada do MST e das famílias
que estão aqui, porque eles tentam atacar um Movimento. Na verdade
quando eles falam alguma coisa de errado eles atacam as famílias.
Exemplo disso é o que aconteceu agora, dias atrás quando os “Diários
do MST”, os cadernos de luta forma publicados. Eles nem sabem quais
são as discussões que a gente tem aqui dentro. Então como dizer
aquilo?! Quando a gente faz uma reunião, uma prosa, a gente anota
algumas palavras para lembrar depois, para dialogar no conjunto do
acampamento. E o jornal acabou dizendo mil e uma coisas que ele nem
sabem o que é. Por conta de uma palavra já querem criar na sociedade
gaúcha uma imagem que não é nossa. Em vez de pegar, entrar em
contado com a gente, para tentar entender de fato, e daí veicular as
coisas se for o caso, não. Eles distorcem os fatos como eles bem querem
e sempre para nos mostrar como as piores pessoas desse Estado e desse
País. Para mim a pior raça que tem é aquela empresa (SEM-TERRA 9).
Para o Sem-terra 4 a RBS e o jornal Zero Hora têm única e exclusivamente utilidade
para servir o capital que eles “distorcem os fatos colocando uma outra versão e denegrindo
a imagem, que já não é boa, de um povo que está lutando por justiça, pela realização de uma
vida digna, por melhorias de futuro”. O Sem-terra 4 ainda cita um exemplo dessa prática nos
veículos da RBS.
152
O Movimento sabe que uma fazenda é grande e improdutiva, com
dívidas para a União que são impagáveis com seu próprio capital
territorial, o MST faz a ocupação o Movimento é errado. Porque a
Zero Hora faz a cobertura colocando os fatos distorcidos e incriminando
o próprio Movimento. E o que é pior, escondendo o lado errado do
latifundiário, proprietário de uma área assim, que passou a vida inteira
explorando uma sociedade, explorando pessoas pobres, escravizando o
povo com empregos de salários baixíssimos. E eles não falam nada
(SEM-TERRA 4).
A “distorção” também é considerada pelo Sem-terra 5 como o grande problema
quando se fala da RBS e da Zero Hora. Ele diz que gostaria muito se um dia a Zero Hora, em
algumas edições sobre o Movimento Sem-terra, falasse de “ocupação e não de invasão”.
Segundo ele, isso nunca saiu no jornal, mesmo a Zero Hora sabendo que o Movimento trata
por ocupação o que eles chamam de invasão, o que “tem uma baita diferença”. Isso “acaba
decepcionando, porque é mentira e é claro que quem está do lado de fora e não convive
conosco, não tem essa noção, entende perfeitamente: os caras invadiram”. Essas atitudes vão
refletir na visão do Sem-terra 5 “uma legítima falta de transparência, falta de vergonha num
veículo de comunicação tão grandioso como esse”, porém, ele alerta que quando a sociedade
como um todo, ou a grande maioria dela, “realmente abrir os olhos” e ver quem é a RBS,
quem é a Zero Hora, eles vão ficar em “maus lençóis”. O Sem-terra 5 acaba dizendo que isso
está acontecendo, “nós aqui somos a prova viva disso” e ainda pergunta: “tu imaginou uma
ocupação na RBS a quantia que iria repercutir?Na mesma linha de raciocínio do Sem-terra
5, a Sem-terra 8 admite que “se a Zero Hora passasse a verdade o bicho ia pegar”.
Eu acho que eles têm um pouco de medo porque o nosso Movimento ia
ser bem maior do que é. Se eles mostrassem realmente a realidade, que
o Movimento é o caminho, nós teríamos muito mais companheiros e
isso afetaria muito eles. No meu pensar é isso. Está aí o medo. Por isso
que na RBS ela é a maior parte mentira, é uma farsa. Tudo o que
passa nela tu tem que sempre estar com um atrás e desconfiar. A
Zero Hora eu tirei o chapéu para ela! (SEM-TERRA 8).
A Sem-terra 8 ao falar dos jornalistas – “aquele que realmente faz, aquele que enxerga,
que vê e que tenta desdobrar” – lembra que no caso dos profissionais da RBS eles “vêem com
interesse da própria empresa e por isso distorcem os fatos”. Por isso que, conforme ela,
quando pautam a reforma agrária que é um “objetivo mais popular, um objetivo do povo, de
uma classe diferente, de uma classe oprimida, que a alta sociedade eles vêem como um povo
marginal e que não tem futuro, aí a coisa é diferente da realidade”.
Então, às vezes, a Zero Hora de cara, de capa pode estampar uma
notícia boa, agradável, que faça o público comprar, se interessar e ler.
153
Mas ao virar a página do jornal eu vou me deparar com uma notícia que
vem distorcida, na grande maioria das vezes. Eu como convivo no MST
sei disso, mas a grande maioria não sabe. Inclusive na Zero Hora a
gente nota que falta muita sinceridade. Um truque que o jornal usa
bastante e que a gente percebe é que ele gosta muito de pegar aquela
imagem negativa. mostra o interesse daquele mal profissional que
não quer, ou do editor, seja quem for o culpado, em não mostrar a
verdadeira realidade nossa. A imagem negativa pega mal. Então a gente
que uma distorção nas imagens daquilo que se coloca. Falta um
pouco de seriedade na minha opinião, tanto no jornalismo visual, quanto
nesse jornalismo mais de escrita (SEM-TERRA 8).
“Para mim a RBS não é imparcial e ela não é transparente. Ou seja, ela tem lado e o
lado dela não é o povo, não é o povo trabalhador, não é a maioria. O lado dela são os ricos,
são os latifundiários, são os grandes empresários, são as grandes multinacionais que têm o
dinheiro e que sustentam o Grupo RBS”. Com essa sentença o Sem-terra 10 introduz sua fala
sobre o Grupo RBS e o jornal Zero Hora. Ele diz ainda que, como faz parte do MST e sabe
como funciona, “entristece” ver que um meio de comunicação que poderia ser símbolo de
informação e de cultura, que deveria ter a “ética da verdade”, acaba “mentindo tanto”.
Então o que eu tenho a dizer sobre a RBS e a Zero Hora é que eles m
lado; que eles favorecem a burguesia; eles não são um veículo de
comunicação do povo. Que os jornalistas são formados para mentir,
para ludibriar, para enganar e não para conscientizar e falar a verdade.
Porque se tu for um jornalista imparcial, tu não arranja emprego porque
a RBS a Zero Hora e os grandes veículos de comunicação manipulam as
notícias, eles mentem. Então, se porque a RBS e a Zero Hora
taxam o MST como bandidos, como baderneiros. Porque para eles não é
importante que a sociedade em geral veja o que realmente é o MST.
Uma organização que luta por igualdade e luta por justiça. O povo
nunca ficaria contra isso, mas a RBS, a Zero Hora e os outros veículos
de comunicação da burguesia, distorcem toda a notícia para fazer com
que o MST pareça ser os vilão na história da luta de classes (SEM-
TERRA 10).
Conforme as informações registradas nos debates do grupo focal, ainda é possível
traçar um paralelo tematizando o relacionamento dos agricultores Sem-Terra com a mídia e
com as produções do Grupo RBS, antes e depois do seu ingresso “na luta”. Nesse sentido, é
flagrante nas contribuições em geral que houve mudança no “entendimento” e na forma de se
relacionar com a mídia e com os produtos midiáticos. Tais mudanças materializam novas
posições que vão da indiferença a uma postura crítica em relação às produções. Ousaríamos
apontar, conforme os preceitos de Hall (2003), que passaram de uma leitura tendencial
dominante, para uma leitura negociada com tendências de oposição. Vê-se claramente a
mediação “Movimento Social” atuando na mudança de postura e regendo a forma de se
relacionar com os órgãos de impressa e com seus produtos.
154
Segundo o Sem-terra 1, o jornal a TV e o rádio sempre estiveram presentes em sua
vida “não sei o que tem por trás dos bastidores, mas a gente gosta”, diz ele. Em seu relato, no
entanto ele detalha como tem acesso às publicações impressas, aos jornais, no acampamento
do MST. Conforme o Sem-terra 1, os jornais no acampamento são disponibilizados no mural
do setor de comunicação. “Esses jornais são colocados ali para tira um tempo”. As notícias
são colocadas no mural “para todo mundo ver, para ir aprendendo e para ter uma noção de
como é que a mídia faz”. Esses jornais são trazidos, sempre que possível, por alguém, por
qualquer um. O companheiro quando sai na rua compra um jornal, e trás para o
acampamento. É isso”. Neles houve notícias, por exemplo, “que o Incra tinha comprado
terras para o pessoal e aquilo tudo era uma mentira”. Então, para ele, os jornais “mentem
muito” e as pessoas novas, que estão chegando no acampamento, “às vezes podem querer
desistir por conta dessas notícias”.
Já o Sem-terra 2 relata que quando não estava no Movimento escutava bastante
esporte, olhava bastante o Jornal Nacional e a RBS. Agora “aqui dentro isso não faz mais
parte da minha vida”. Segundo ele, “só se mentira mesmo, só criticando a gente”.
Mesmo tendo o cuidado para não “discriminar” ninguém, ele enfatiza que “se for para ligar
uma televisão, se for para ler uma notícia dessas, eu prefiro estar dentro do Movimento
fazendo minhas tarefas, ajudando a cuidar do povo e dando o melhor de mim aqui dentro”.
Mídia e Movimento, para ele, podem ser excludentes, um substituindo o outro, que lendo
uma notícia, não se apreende nada. “Só vê crime, coisa errada. Tu só aprendes a fazer o
que não deve. Tu arma, assalto a banco, um tomando um tiro, outro indo preso
etc. Tudo coisa errada”.
E hoje não minha vida mudou por inteiro. Minha vida mudou muito. Eu
lia o jornal para procurar um emprego e eu não achava um emprego.
Hoje em dia não. Aqui é bem diferente. Eu não preciso sair atrás de um
emprego, eu tenho tudo aqui dentro, até minha família. Então eu estou
muito feliz com a mudança de vida e não pretendo voltar mais para rua.
Não pretendo sair mais aqui de dentro. Depois que eu ser assentado eu
não vou precisar mais de notícia, não vou precisar de jornal, a única
coisa que eu vou precisar e de cursos de formação para aprender a lidar
na terra e sustentar, eu, minha família (SEM-TERRA 2).
“Do lugar de onde eu vim, da vila, não tinha muito esse contato com a mídia, a não ser
com a novela”, relata a Sem-terra 3. Mas a TV, segundo ela, sempre esteve presente até
descobrir que o barulho da televisão estressava muito. Desse ponto em diante ela disse ter
começado a se desligar da televisão. o jornal, conforme ela, é muito cansativo, dá sono, e é
muito estressante para ler. “Então essa era a minha realidade. E a gente sente no Movimento
155
que tem essas várias realidades. Então é muito complicado, antes informação para mim era
muito pouco pela realidade que eu vivia mesmo”.
Para o Sem-terra 4 a mídia começou a chamar a atenção depois que ele assistiu um
filme chamado “Mera Coincidência”. Segundo ele, o filme conta a estória de um escândalo
sexual do presidente dos Estados Unidos, que para se livrar, em época de eleição, pensa numa
guerra em outro País e chama toda a atenção da população norte-americana para aquele lugar.
Para o Sem-terra 4, a partir daquele dia ele passou a olhar tudo com outros olhos. Ele diz que
tinha o hábito da leitura, mas sempre acreditando muito no que estava lendo ou, no máximo,
comparando uma notícia com a outra. Depois, ele passou a questionar tudo, pois o filme que
assistiu mostrou muito a manipulação das informações, e também a manipulação dos fatos.
Ela conta, ainda, que agora, o MST tem os seus apoiadores que fazem um trabalho externo e
esse trabalho também se preocupa em trazer informações e levar informações. “Isso para ver
se consegue minimamente deixar os fatos mais parecidos com a realidade. É assim que
funciona aqui e isso eu acho muito importante”.
O Sem-terra 5, por sua vez, diz que sempre foi do rádio. “O rádio para mim sempre
foi aquele companheiro para distração e para informação”. Ele conta que antes de vir
acampar, tinha o costume de procurar notícias, em diversos jornais, para pesquisas e já
naquela época ele pôde perceber e avaliar, como é que as coisas saíam no jornal. “Tu via que
estava sempre distorcido. Eles nunca colocavam a real situação”. Desde aquele momento,
então, ele começou a perceber a “falta de seriedade de alguns jornais e de alguns jornalistas”.
Porém, lembra que “a gente está sempre querendo conferir um pouco a notícia”. Segundo ele,
agora enquanto acampado, não se tem aquele acesso direto aos jornais, “porque a gente ta
longe da cidade” e também pela “situação econômica” que não permite pagar um jornal todo
dia. Mas lembra que “sempre que algum companheiro vem da cidade e trás aquele jornal que
já estava vencido, de um dia ou dois, que tem alguma coisa que interessa ao MST e coloca no
nosso mural”.
A Sem-terra 6 relata que quando estava “lá fora” também gostava muito de televisão.
“Eu gostava de olhar novela. Era vidrada em novela”. Segundo ela, depois que entrou no
Movimento começou a acompanhar mais as notícias. “Mas eu nunca fui muito de ler jornal”.
Ela imaginava, quando veio para o MST, que iria sentir falta da televisão. “Mas não, aqui é
tanta ocupação, a gente tem as tarefas, que nem sente falta da televisão. Aqui é bem diferente,
temos aqui bastante companheirismo, amizade e tudo”. o Sem-terra 7 diz que “lá fora”
nunca teve muito tempo de olhar televisão. Passava o tempo trabalhando e quando chegava
156
em casa tinha outras tarefas e não sobrava-lhe tempo para ver televisão. Porém, ele relata que
quando sobrava um tempinho, por exemplo, para ver a luta das mulheres ele dizia: “meu deus
essas mulheres estão ficando loucas, porque estavam passando uma imagem distorcida”.
Depois que veio para o Movimento ele diz que conseguiu apreender e ver o “quanto a gente
aprende lá fora tudo errado”. Para o Sem-terra 7, eles “distorcem tudo e não mostram a
realidade”. Ele diz então que televisão não fez falta quando foi para o acampamento e no
acampamento, quando sobra tempo, escuta rádio. “Eu leio jornal quando posso, quando minha
mulher trás de fora eu leio. Para ficar mais ou menos informado, também não me interesso
muito por notícia lá de fora que não tem muito a ver para mim”.
Em sua contribuição, o Sem-terra 8 detalha como as notícias chegam e circulam dentro
do “Acampamento em Luta”. Também fala do potencial motivador de algumas notícias e dos
efeitos positivo que a circulação destas informações tem, mesmo as “mais esdrúxulas”, para a
mobilização dos acampados, conforme seu relato:
Aqui as notícias chegam da seguinte maneira: a companheirada vai até a
cidade resolver algum problema e trás o jornal de lá. Está passando pela
cidade, o jornal com alguma manchete sobre o MST e trás para cá.
Aqui é encaminhado para o setor de comunicação que coloca no mural
do acampamento. O acampamento tem um mural, ao lado do setor de
comunicação, onde todo o povo tem o acesso de olhar e ler a notícia. No
mural funciona assim: falou do Movimento e a gente teve acesso, vai
para o mural. Não é separado e não existe nenhuma censura sobre as
notícias. Pode ser a notícia mais esdrúxula possível, mesmo assim ela é
colocada ali, até para indignar o povo. Porque o povo está aqui no
Movimento, está acampado, alguns com quatro ou cinco anos de
caminhada e sabe o que é o Movimento Sem-terra. Sabem que o
Movimento não é essa monstruosidade que falam e ai. Quando eles
enxergam uma noticia falando tanta porcaria, tanta abobrinha mesmo
sobre o Movimento, eles se indignam e isso até é positivo para a
Organização e para a motivação do povo. Eles olha esses desgraçados
estão mentindo de novo sobre nós. Outras notícias também que
motivam o povo, como o apoio de outros focos do Movimento no
Estado; de assentamentos fazendo luta também; dos acampamentos que
ficaram nas bases nos ajudando na peleia. Isso motiva muito o povo
porque mostra que o Movimento é grande, é forte e é unificado. Que a
gente está fazendo a luta aqui, mas que tem focos no Estado inteiro, no
País inteiro e que a qualquer momento se nós se apertar aqui, eles vão
nos ajudar, eles vão agir. O Movimento é realmente uma família e
muitos não entendem esse princípio de solidariedade do MST (SEM-
TERRA 8).
a Sem-terra 9 aponta que nunca assistiu muito televisão, principalmente a RBS, por
não confiar no tipo de informação dos programas jornalísticos e da qualidade dos programas
em geral. Porém, ela conta que possuía muito o hábito da leitura tanto de livros, quanto de
jornais. Dos participantes do grupo focal ela era a única que tinha acesso não a Zero Hora,
mas também mídia alternativa e internet – recurso de informação preferido. No acampamento,
157
segundo a Sem-terra 9, ela está reaprendendo a viver “televisão não me faz falta, eu estou
aprendendo a escutar dio, mas é bem complicado porque eu não tinha o hábito do rádio”.
Quando ela tem liberação do acampamento diz que continua procurando informação via
internet e também pede para sua família guardar alguns jornais para trazer para o
acampamento. Esses jornais ela repassa para o setor de comunicação do acampamento. “Mas
sinto falta dessa informação mais diária, mas é uma questão de aprendizado e de mudar o teu
costume de vida”.
O Sem-terra 10, em seu turno, admite que antes de vir acampar, o único meio de
comunicação em que eu buscava informação era a televisão, e com parabólica, em que não
pega a RBS. Segundo ele, raramente lia jornal, só quando seu pai trazia algum exemplar do
local onde trabalhava. “Em geral eu era bem desinformado, mas bem desinformado mesmo”,
admite. “Eu lia livros, a minha leitura eram livros que me chamavam a atenção. Mas acesso a
informação jornalística era bem pouco”. Conforme ele, no acampamento “os companheiros
que vivem com o radinho no ouvido dia e noite (...) quando tem uma ação do Movimento ou
alguma coisa, aparecem os jornais que tem as notícias. O acampamento compra esses jornais
e traz para o povo dar uma olhada. Essas notícias ficam num mural ou se vai distribuindo os
jornais para a companheirada”.
Conforme relatado anteriormente, o terceiro estágio de análise do momento leitura no
“Circuito das Notícias”, está vinculado ao mapeamento das representações movimentadas na
leitura das notícias, publicadas em Zero Hora, e relacionadas aos atos de entrada e saída dos
Sem-terra na Fazenda Southall. Nessa fase, os Sem-terra do grupo focal, antes de tecerem
suas considerações, manipularam a vontade as 18 edições do jornal Zero Hora que
contemplaram a temática no período. Depois disso escolheram determinado texto, a partir do
qual desenvolveram suas considerações. Por último, alguns dos participantes ainda realizaram
uma avaliação geral, tanto da cobertura do jornal Zero Hora no episódio, quando do trabalho
de pesquisa em si.
O Sem-terra 1 elegeu a matéria publicada no jornal Zero Hora no dia 15/05/2008
“Diários secretos do MST” para tecer alguns comentários. Segundo ele, está escrito que
uma mulher tinha de apresentar “aquele comprovante do banco”. Ele explica que isso é
necessário sempre que uma pessoa é liberada pelo acampamento e fica fora por um período
maior que o combinado. Como é permitido sair por “saúde, “justiça” e “finanças” a pessoa
tem de comprovar dessas formas por que ficou tanto tempo fora. Diz ele que “não para
justificar dinheiro ou coisa parecida, para repassar dinheiro para o Movimento”, como o jornal
158
apresenta na matéria. Relacionado a matéria, ele pergunta: “Essa gente não o lado humano
de ninguém e acham que ninguém tem a necessidade de alimento e de ter uma vida melhor”?
Além disso, o Sem-terra 1 aponta o que para ele é mais uma falha na cobertura da Zero Hora.
Segundo ele, o número de polícias que atuaram na revista do acampamento do Movimento
(matéria publicada em 09/05/2008 “Nova tática contra o MST”) é de 1.200, não de 600
como colocou o jornal. “Agora não sei se foi incompetência do cara que fez essa matéria; falta
de coragem desse editor que mandou publicar essa matéria; ou está na cara que a mídia é um
verdadeiro objeto de manipulação mesmo”.
“Olha como eles botam: a gente não invade a gente ocupa! Não existe isso de
principais invasões. Isso é ocupação para lutar pela reforma agrária. Na verdade quem invadiu
foram eles muito antes de nós existirmos. Tomando terra que não era deles”. A partir dessa
fala o Sem-terra 2 concentra seus comentários na matéria publicada em 19/05/2008
“Levantamento mostra que 162 invasores têm antecedentes”.
O meu comentário basicamente se reflete na exclusão do povo na
cidade. De onde esse povo vem?! Eu também morava na cidade e penso
assim: que bom, na minha opinião, que mesmo pessoas, companheiros e
companheiras que tiveram algum dia na vida problemas de ameaças, de
lesões corporais e pessoas que tiveram algum tipo de envolvimento com
a polícia; que bom que hoje procuram um novo jeito de viver e queiram
aprender esse jeito de viver. Isso deveria ser lembrado pelo jornalista e
pelo jornal. Porque se também o MST excluísse esse povo, esse povo
voltaria a roubar, a matar, a estuprar etc. Aqui é uma oportunidade que
essas pessoas têm de resgatar as raízes de seus pais, de seus avós e deles
mesmo. É uma forma deles não voltarem a constituir crime com a
sociedade. Então é uma pena que essa notícia aqui tenta mostrar a
questão de delitos e de crimes e não de recuperação do ser humano. Isso
que é triste! (SEM-TERRA 2).
Segundo o Sem-terra 2, no Movimento existem sim, e ninguém esconde, pessoas que
tiveram um problema ou outro. Porém, quando se conhece a história de vida dos acampados,
as coisas mudam de perspectiva. Mesmo assim, conforme ele, o MST dá oportunidade para as
pessoa se “reconstruir” e se ela não se reconstrói ela mesma sai do Movimento, “com as
próprias pernas e vai embora quando eles bem quiserem”. Noutro exemplo de cobertura falha
de Zero Hora, o Sem-terra 2 cita que na revista do acampamento (notícia de 09/05/2008),
apesar de o jornal mostrar muita coisa, ele não mostra a “humilhação do povo”, “não mostra
as pessoas com sede, as pessoas sentadas no sol sem poder beber água e também muita
desumanidade que eles fizeram ali”. Isso segundo ele não apareceu.
“Eu queria colocar sobre essa reportagem da Zero Hora de domingo 18/05/2008
Cadernos de luta do MST”, anuncia a Sem-terra 3. Para começar, ela diz que os Brigadianos
159
estavam num número bem maior (como o Sem-terra 1) e como eles não conseguiram levar
presos; como eles não conseguiram levar as armas que eles tanto queriam; como eles não
conseguiram provar nada; ficou vergonhosa para eles a ação. “Mexer com o Estado inteiro
para vir prender uma tropa de bandidos e levar seis, por coisa que nem existia, ficou muito
feio”. Conforme a Sem-terra 3, a situação foi tão vergonhosa que resolvem se basear nos
cadernos e “usar a coisa induzindo a companheirada a pensar que Movimento tira dinheiro,
que o Movimento extorque e faz horrores”. Mas enfim, a “mídia funciona do jeito que quer,
para quem quer e para quem paga bem e o jornal aqui é muito claro nesse sentido”. Porém,
ironicamente ela ressalta que também saíram no jornal, nesse dia muitas coisas bonitas:
Tem algumas coisas aqui que eu aachei bonito. Quando eles colocam
que o povo aqui avalia e que a diferença de classes; sobre a reforma
agrária onde convoca o povo para lutar – “os Sem-terra chegam a
produzir uma esperança rumo à reforma agrária e convocam o povo
para lutar, ricos concentram terra comparadas com o dinheiro do povo,
quem sustenta é a Farsul e o Poder Judiciário”. Que bom que eles
colocaram essa parte do caderninho também, que bom, pelo menos isso!
Muito bonita também as bombas aqui, muito interessante às bombas de
“molotow”. O que é isso? Será que eles pensaram que nós íamos atira
neles nossos lampiões e botar fogo? Não sei o que eles acharam! (SEM-
TERRA 3).
Mas, lembra a Sem-terra 3, no geral, o que “dá nojo nessa reportagem são as outras
partezinhas que foram escolhidas dos cadernos do MST”. Conforme ela, na coordenação do
acampamento se faz todo um trabalho, até se chegar a uma conclusão. “De um ponto tu
debate, encaixa e vai formando uma opinião. O povo vai pensando, não vai aceitando e vai
dando a sua contribuição. Tem companheiros que são recém chegados, que ainda não
conseguem fazer o debate na cabeça, e que escrevem algumas coisas. E eles foram lá,
pegaram essa partezinha e colocaram no jornal”. Segundo ela, a dona Helena que aparece
num dos trechos da matéria é do seu acampamento. “Vai ter de cumprir 16 horas de guarda
porque não apresentou os recibos do banco”. “Isso me indignou tanto! Está assim no jornal”!
Para a Sem-terra 3, esse é um exemplo clássico da manipulação praticada pela Zero Hora,
pois os jornalistas pegaram todo um debate da coordenação, onde o povo fala, e recortaram
um pequeno trecho para dizer: “olha ela não apresentou o extrato do banco e por isso ela vai
ter de cumprir 16 horas de guarda. Não trouxe o extrato para dizer quanto tem no banco e
quanto vai dar para o Movimento, então vai ter de tirar guarda. Sinceramente, isso é
manipulação, isso é nojento, muito nojento”.
“Eu gostaria de falar sobre esse Editorial. ‘Invasões e Estado de Direito’ (publicado
em 28/04/2008). Ou seja, lei, legalidade e do descumprimento da lei”, diz o Sem-terra 4.
160
No dia da revista ali na São Paulo 2, o comandante não sei porque
razão, por que motivo resolveu conversar com os Sem-terra que
estavam sentadinhos. Chamou para conversar, uma coisa que é inédita
até hoje. Alguns foram conversar e comparam o debate. E eu cheguei
no meio para dar o meu pitaco. Fiz uma pergunta para ele. Perguntei
se na opinião pessoal dele o mais importante, era o comprimento da lei
ou fazer justiça, ou fazer o que é justo?! Ele imediatamente respondeu
que seria cumprir a lei. O mesmo argumento que está aqui no jornal.
eu respondi que a Reforma Agrária era uma lei, estava na Constituição e
que nós estávamos apenas tentando fazer cumprir a lei. Portanto era a
Farsul e a Brigada que estavam nos impedindo. Foi isso que eu
conversei com ele e é isso que eu tenho a dizer sobre essa reportagem
(SEM-TERRA 4).
No editorial, conforme o Sem-terra 4, se fala muito da lei, porém, ele lembra que as
leis são feitas pelos deputados e que os deputados, mesmo eleitos com o voto do povo, têm
suas campanhas financiadas pela classe dominante e acabam sempre por defender o interesse
da classe dominante. Eles fazem leis que beneficiam a classe dominante. Ou seja, diz o Sem-
terra 4, “a lei não existe para o pobre, a lei é para o rico. O pobre, aquele à margem da
sociedade, o marginal, ele está excluído e essa lei não serve para ele. Agora se o pobre rouba
uma galinha, passa anos na cadeia. Isso prova que num país capitalista a lei é uma ilusão, a lei
é balela”. Para ele, desse jeito ao mesmo tempo em que não cumprem a lei da Reforma
Agrária, o MST tem o direito de não respeitar a lei da propriedade privada, para pressionar,
para que a lei da Reforma Agrária saia do papel. “Então Estado de Direito meu amigo, num
País onde existem milhares de Sem-terra e um proprietário que tem 13 mil hectares
abandonados. Estado de Direito, querer falar em lei, querer falar em justiça, isso ai é
hipocrisia”.
Já, para o Sem-terra 5, todo e qualquer jornal tem alguma coisa de bom que para a
gente aproveitar (...) não vamos condenar todos eles simplesmente pela faixa que diz Zero
Hora, isso aqui não presta”. Segundo ele, o maior objetivo do MST em acompanhar a
cobertura da Zero Hora, é saber se teve repercussão aquelas ações reivindicatórias promovidas
pelo Movimento. “Bom, chegou na Zero Hora! Se chegou na Zero Hora chegou na casa de
muita gente”. Ele ainda complementa:
Então o nosso grande interesse é que se divulguem as nossas ações. O
fato de ser distorcido ou o isso fica a critério da sociedade. O
cidadão tem o poder de avaliação, de perceber quem escerto e quem
está errado. E se alguém duvida de alguma coisa nossa é pegar uma
lona e vir acampar junto conosco. E também nós sabemos que na
sociedade tem muita gente inteligente. Não é nós que vivemos aqui
que sabemos que eles tem esse poder de distorção das notícias. Tem
muita gente lá fora, que entende como o jornal trabalha, a maneira como
ele coloca as coisas. Essas notícias da Zero Hora que distorcem os fatos
161
do MST a gente acaba por chamar de notícias cachaça, de fato de
cachaça. Elas não conseguem direito nem ver, nem mostrar a realidade.
É tudo meio torto. Vêem um caso e fazem dois ou três, fazem um baita
bicho. Como um bêbado quando toma demais e enxerga um punhado,
enxerga duplo mas não enxerga nada (SEM-TERRA 5).
Depois, o Sem-terra 5 ainda faz um extenso relato sobre suas impressões relacionadas
aos fatos e às coberturas dos fatos reportados pelo jornal Zero Hora em matéria do dia
19/05/2008. Devido ao detalhamento e riqueza das considerações, optamos aqui, por
apresentar praticamente na íntegra seus dizeres. Como podemos perceber, a análise parte do
título da reportagem e passa por todos os períodos do texto, até o ponto final.
O que a gente percebe de início: o titulo da reportagem diz Nova tática
contra o MST”. Aqui fica claro que eles não estão preocupados com
nosso problema social, eles estão preocupados em inibir a nossa ação.
Isso é para a gente ver a política podre que o Estado aplica junto com a
Brigada Militar. Os Brigadianos também são uns trabalhadores infelizes
do Estado, que se submetem a isso para ganhar o pão de cada dia.
Depois nos temos o que “acostumados a entrar de surpresa nas
propriedades integrantes do MST foram alvos da mesma tática ao
amanhecer na fazenda em o Gabriel”. Isso mostra que nós estamos
mais avançados que eles porque nos sabemos pensar ainda um passo na
frente. Dessa vez eles copiaram e da próxima vez eles vão deixar
acontecer para depois copiar? Eu quero dizer para eles que nos entramos
na Southall de dia, a Brigada Militar viu, ou seja, eles não tinham massa
suficiente para segurar todo o povo A nossa força ainda é o povo, a
Brigada viu e não pode fazer nada (SEM-TERRA 5).
A discordância em relação ao número de policiais presentes na operação, referida
pelos Sem-terra 1 e Sem-terra 3, também integra o relato do Sem-terra 5, como podemos
conferir a seguir:
Aquele argumento que eles utilizaram, efetivo de 765 PMs, nos nossos
cálculos lá, pelo que nos vimos e em outras reportagens, noutra fontes e
em outros jornais eram mais de mil homens. Então isso mostra a
determinação do Estado em demonstrar que dessa vez o iria perder
para o MST. Eles botaram computadores portáteis, helicóptero, viaturas,
eles colocaram um ônibus aqui. que esse jornal é o a toa que não
colocou o número de ônibus que serviria para levar as pessoas presas do
nosso Movimento. E olha aqui nos dados quantas pessoas eles
prenderam. Cinco pessoas detidas (SEM-TERRA 5).
A forma de tratamento dispensada aos Sem-terra pala polícia e pelos ruralistas,
conforme a argumentação do Sem-terra 5, também acaba sendo incorporada pelo jornal e
pelos jornalistas e aparece claramente na matéria.
Então para ver a forma como eles vêm tratando a gente, como se ali
estivesse se formando uma quadrilha. Eu me pergunto eles acham que
todo mundo é igual? Que todo mundo é sem vergonha, bandido, ladrão?
Eu acho que não é isso e isso ficou bem claro para eles. Porque a
162
estrutura que eles usaram foi praticamente uma ação de guerra. Outra
coisa que o jornal coloca aqui “para restabelecer a ordem política na
região onde está o acampamento” e ai surgem alguns relatos aqui que
mais de centenas de produtores rurais teriam prestado queixa na
delegacia na polícia que nós estaríamos atrapalhando. Eu não sei, mas
quem conhece a região e olhar aqui sabe que juntado tudo não tem 100
produtores. o Southall tem 13 mil hectares. Então da para ver a falta
de conhecimento de quem tentou contar essa matéria (SEM-TERRA 5).
O Sem-terra 5 também critica tanto os objetivos quanto o resultado da operação e
ainda lamenta que as informações repassadas pela polícia aos jornalistas tenham sido tomadas
como absolutas e não tenham passado por nenhum tipo de avaliação critica. Simplesmente
foram tomadas como verdadeiras e reproduzidas nas páginas do jornal Zero Hora.
Olha só: “O objetivo era identificar todos, revistar as barracas e
apreender objetos que pudessem servir de armas”. Pelo amor de Deus,
eles podem entender o que quiser, mas para nós são ferramentas de
trabalho. A foice, o facão, o machado é para cortar lenha, para preparar
a roça e o alimento. Isso aqui eles consideram arma? O cara que roça
para fazer o seu plantio, ele é um terrorista, ele é um bandido? Então é
uma falta de conhecimento e uma distorção mesmo. Eles falam em
bodoques, mas eu não acredito que eles consideram bodoque uma
arma?! O poder que uma funda tem é mínimo perto daquilo que eles
estavam carregando e apontando para os companheiros. Outra coisa
“resultando de um caminhão bcheio de foices”. Se é assim, quantas
foices cada um de nós tinha na mão? Isso ai é ferramenta. Com todo
esse pessoal ai que nós 694 pessoas tinha 32 facas. Isso era
ferramenta de cozinha. 16 escudos Esses são artefatos de compensado
que, se esse jornal prestasse a atenção, veria que cada um deles trás uma
mensagem, porque nós sabíamos que a mídia, ia chegar ia filmar e ia
fotografar. Garrafas de coquetel molotow. Olha o absurdo. Sabe o
que é isso aqui? Isso aqui são nossos lampiões que nós botamos óleo
diesel e querosene para iluminar os barracos (SEM-TERRA 5).
Conforme o Sem-terra 5, a falta de cuidado na apuração dos fatos demonstra o claro
comprometimento do jornal e dos jornalistas com interesses que não são os interesses do
MST. Ele também questiona o fato de, no momento da ação, estarem presentes
exclusivamente repórteres do Grupo RBS como vimos no estudo do momento da produção
do “Circuito das Notícias” foi uma fonte do próprio Batalhão de Operações Especiais quem
avisou o Grupo da operação ainda no dia anterior.
A falta de legitimidade disso aqui, a falta de cuidado, deixa a gente
chateado enquanto acampado. Eu não sei se o objetivo dessa matéria é
deixar nós chateados, mas está colocando para a sociedade como se nós
fossemos uns terroristas. Então eu acho que algumas coisas aqui
poderiam ser melhoradas, poderia ser refeita essa matéria, poderia se ter
mais cuidado. O jornalista podia ter pedido um pouco de satisfação do
que significa isso? E outra pergunta, se foi permitida a entrada de alguns
repórteres desse jornal Zero Hora, porque não deixar outros meios de
comunicação entrar também? Cadê o direito de imprensa, de livre
imprensa, e cadê o direito também que nos temos de colocar a nossa
163
voz, de nós falar. Eles aqui não entrevistaram nenhum de s
simplesmente botaram o que viram (SEM-TERRA 5).
Para o Sem-terra 5, diferente do que foi estampado nas páginas do jornal Zero Hora, as
694 pessoas que foram identificadas são trabalhadores honestos que, com suas famílias,
buscam um futuro dentro do Movimento Sem-terra. Segundo ele, essa foi a única
possibilidade que restou para eles terem uma vida digna, então não devem ser tratados dessa
forma. Por fim, ele sentencia: “Eu acredito que isso não vai ficar assim. Que esse jornal um
dia possa rever essas matérias; ouvir essas pessoas que tiveram ali sentadas com a mão na
cabeça todo esse tempo; que o Estado também reveja o erro que ele cometeu. Uma das
complicações que eu vejo aqui é que a seriedade foi deixada de lado por esse jornal”.
Complementando a descrição do Sem-terra 5, a Sem-terra 9 se propões a relatar o que
realmente aconteceu, o que, segundo ela não se encontra nas páginas do jornal.
Eles cercaram o acampamento e nós também cercamos o acampamento
até que veio uma orientação. Os homens vinham vindo em fila,
separados das mulheres e das crianças para fazer a revista e depois a
identificação. Primeira coisa: tinham crianças que estavam só com o pai,
a mãe não estava aqui, e eles proibiram as crianças de ficar com seu pai.
Mandaram as crianças com as mulheres. Até que a gente começou
reclamar por causa das crianças no sol, ai a gente veio para baixo das
árvores. Enquanto nos estávamos aqui nós estávamos cantando,
brincando de roda com as crianças, as mulheres cantando. Era uma
imagem muito bonita, uma imagem de alegria, porque é uma tarefa
nossa enquanto Movimento tentar que as pessoas se choquem o menos
possível nessas situações. Ai a gente começou a fazer o diabo para
conseguir comida para as crianças e quando começou a liberar as
mulheres nós pegamos baldes na cozinha e passamos com água.
Carregamos água até aqui para nossos companheiros. É indignante isso
aqui porque não mostra toda a realidade (SEM-TERRA 9).
A Sem-Terra 6 vasculhando a mesma reportagem pergunta se a sua “faca de mesa”
não aparece nas fotos e considera que o que foi feito pela Brigada Militar na oportunidade foi
uma “verdadeira humilhação”. Argumento também utilizado pela Sem-terra 8 em sua
manifestação.
Isso o que eles fizeram é uma crueldade, todo mundo com fome e sede.
Até a própria Brigadiana chorou ali vendo a crueldade que estavam
fazendo com a gente. Pois s ficamos mais de cinco horas com as
crianças sem comer e sem nada. Esse dia vai ficar marcado porque foi
horrível. O meu guri tem cinco anos e ele está até hoje traumatizado.
Olha aqui quando os homens estavam sentados pedindo água. Meu guri
até hoje, qualquer barulho que ele escuta mãe é a policia que vem
vindo? A Brigada derrubando cercas e fazendo coisas horríveis. As
crianças com medo dos cachorros. Foi horrível (SEM-TERRA 6).
164
O Sem-terra 10 ao tomar para si o texto, também observa algumas expressões que são
desnecessárias para falar do que acontecera no local. Expressões “fortes” que, segundo ele
tentam excluir os excluídos do MST da sociedade do Rio Grande do Sul.
O jornal aqui fez questão de ressaltar uma coisa que não era necessária
de colocar na notícia que o MST prejudicou. Esse termo fica forte
para quem lê a notícia, pois o MST está prejudicando os gaúchos. Como
se o Movimento que está reivindicando algo também não fosse formado
de gaúchos, da parte excluída da sociedade gaúcha. Depois aqui em
baixo, tinham várias rodovias fechadas, vários bloqueios referentes ao
problema que estava acontecendo aqui conosco. Olha aqui “fuja dos
transtornos” indiretamente está chamando o MST de um transtorno,
de uma baderna. Não mostra que o MST realmente está lutando por algo
nem o que motiva o MST a lutar por isso. Então a gente vê aqui como a
Zero Hora não é imparcial (SEM-TERRA 10).
O Sem-terra 7, porém, lança mão de uma comparação para analisar a matéria
publicada pelo jornal Zero Hora no dia 19/04/2008 “MST deixa a Southall”. Segundo ele, o
jornalista que produziu o texto esqueceu, ou “fingiu que esqueceu”, de colocar na matéria
exatamente aquilo que levou o MST primeiro a ocupar a Fazenda e depois a sair da área. Diz
ele:
Eu moro num município que se desmembrou de Palmeira das Missões,
chamado Novo Barreiro. nós somos em 4.800 habitantes no
município. Em cima disso eu questiono o jornalista que escreveu e o
jornal: estou acampado num município que tem uma fazenda, a
Southall, cuja área de 13.000 hectares é idêntica a área do meu
município. É admissível morar 4.800 pessoas de um município, na
mesma área de uma propriedade que tem um dono? Que gera no
máximo 20 empregos temporários e dois empregos fixos? Acho que
faltou essa reflexão ao companheiro jornalista. A imparcialidade é uma
coisa preocupante num país de 184 milhões de habitantes cujos 60
milhões passam por dificuldades de alimentação. Mas por um lado eles
até estão certos porque até o momento um acampado ganha bem. Eu
estipulo assim, de 700 a 1000 dias para ganhar um lote que equivale a
aproximadamente R$ 100 mil. Então vamos computar quanto ele
ganhou por dia, de R$ 100, 00 para mais (SEM-TERRA 7).
Conforme o Sem-terra 10, de imediato é necessário lembrar que na imprensa “tu
recebe muito lixo jornalístico, que repete, para encher linguiça”. Segundo ele, é um
pouco assim que acontece com o MST. Ele, em suas considerações parte da matéria publicada
pelo jornal Zero Hora no dia 15/04/2008 “Abril vermelho em São Gabriel”. O Sem-terra 10,
no referido texto, consegue identificar algumas marcas que demonstram claramente a opinião
do jornal em relação ao Movimento e à Reforma Agrária, mas não deixa de reconhecer que a
matéria está bem escrita. Diz ele:
165
Essa notícia aqui escrita em geral continua utilizando termos pobres
contra o MST, mas mantém uma certa imparcialidade, uma certa
transparência. É a noticia da ocupação mesmo. Fala bastante do Abril
Vermelho, do Massacre de Eldorado dos Carajás, trás a versão do
Movimento aqui, não a mentira da Brigada Militar de abater gado lá.
No em geral está bem imparcial essa reportagem aqui. Eu achei ela mais
ou menos. Mas como dá para ver a maioria dos depoimentos são do lado
deles. Já aqui tu como a opinião deles está inclusa na notícia. Aqui
fala da ocupação dos assentados na secretaria da agricultura em Porto
Alegre. Eles têm direito aos créditos, porque não adianta por alguém
numa terra e abandoná-lo tendo que plantar com as mãos. Então eles
estão pedindo os créditos que realmente eles m direito, que é lei pela
reforma agrária. Então aqui notícia normal, pois acaba colocando a
notícia em pauta, não dá para pedir mais (SEM-TERRA 10).
Numa avaliação geral da cobertura do jornal Zero Hora acerca do MST e de suas
ações, especialmente as realizadas em São Gabriel, o Sem-terra 5 lamenta que o objetivo
principal do Movimento não seja divulgado nunca. Mas pelo menos, segundo ele, o jornal
mostra. Mesmo que não agrade a forma como ele divulga, ele mostra. “Ele chega às mãos de
várias pessoas que sabem interpretar”. Conforme ele,
Para nós não é positivo as informações que eles colocam, porque a
gente trabalha e aquilo que a gente faz é no sentido de conquistar a
sociedade e mostrar para a sociedade que é uma alternativa para
melhorar a qualidade de vida. Enquanto o jornal não se preocupa com
isso, ele se preocupa em rebaixar as pessoas que estão aqui. Isso para
nós não é problema. Mas o jornal para nós não é problema, muito pelo
contrário, ele é uma ajuda. Porque nós sabemos que está sendo
divulgado e quando tem divulgação nós sabemos que tem os direitos
humanos que estão cobrando melhores condições para nós. Então dentro
desse trabalho da Zero Hora ai eu gostei no sentido de nós termos
conteúdo para debater, porque quando nos debatemos nós avançamos e
isso é importante (SEM-TERRA 5)
O Sem-terra 5 também avalia de uma forma positiva o trabalho de pesquisa realizado e
o considera bastante interessante. Ele ainda reivindica que se que abram mais espaços, com
outros jornais, e que procure depois divulgar o que se aprendeu no acampamento.
Nós temos muito que aprender enquanto comunicação. Inclusive quem
não gostaria de ser manchete de jornal um dia, mostrando que a reforma
agrária é boa e dá certo. Eu espero que um dia esse jornal Zero Hora
venha mostrar o meu lote, no meu assentamento, o lote do companheiro,
da companheira e diga que nós estamos prontos para seguir na luta
enquanto assentado. Também porque, enquanto tiver um Sem-terra
cravando a bandeira, o povo assentado, da mesma família MST, vai ser
manchete na Zero Hora e na RBS. Não interessa como. A luta continua
companheiros (SEM-TERRA 5).
Nesse sentido, a Sem-terra 3, em nome dos outros participantes também destaca
positivamente a realização do trabalho de pesquisa. Diz ela:
166
Eu gostei muito do teu trabalho. Sinceramente, nem acreditava que esse
trabalho pudesse acontecer aqui dentro. Não sei o que tu vai usar dessa
prosa boa que nós tivemos aqui, mas espero que tu use da melhor
maneira possível. Os companheiros pediram para eu falar. Eu
parabenizo o teu trabalho porque é a primeira vez que alguém da linha
da imprensa vem tirar uma convivência conosco, aqui dentro do
acampamento e buscar essas opiniões. Eu achei de uma importância
bastante grande isso.
avaliação da Sem-terra 9 parece dissonante daquela feita pelo Sem-terra 5. Para ela
a cobertura do Grupo RBS, mais precisamente do Zero Hora, no Abril Vermelho e na
ocupação estadual do MST na Fazenda Southall, foi falha. “Eles não cobriram, não deram a
notícia em si”, acusa ela.
Porém, mesmo que eles se negassem a cobrir era impossível não fazer,
porque os outros meios de comunicação estavam fazendo. Então houve
a cobertura. Mas analisando como foi feita essa cobertura: as fotos, a
manchete e o conteúdo; como foi usado isso, você percebe claramente
pender para o lado do capitalismo, pender para o lado de lá. O jornal
pautou a reforma agrária o como algo necessário e justo para a
sociedade brasileira, mas como algo que é um empecilho para o
desenvolvimento. Tanto que ele trata as manchetes do MST como um
assunto geral, banal. Outras como caso de polícia. Então é a forma
como a Zero Hora pauta a notícia, como ela mostra, como ela a
manchete, como ela apresenta o conteúdo que um complicador. Aí é que
está o problema! Porque ela não mostra como de fato é. Nos jornais não
tinha nenhuma das ações dos assentados. Nem a ação dos alimentos, o
convívio com a sociedade pobre daqui. Aqui na Zero Hora, de maneira
alguma interesse em mostrar que a reforma agrária da certo. Ela
pautou a manchete, pautou a notícia, mas sempre distorcendo os fatos.
Isso e triste (SEM-TERRA 9).
Segundo o Sem-terra 10, duas coisas não apareceram no jornal, mas são
importantíssimas para a luta e para a cobertura dessa luta. A primeira estaria relacionadas aos
objetivos das ações, que para ele nunca foram descritos pelo jornal Zero Hora e a segunda
relacionada à liberdade de imprensa no que diz respeito à falta de acesso direto dos jornalistas
aos locais das lutas.
A primeira coisa: nós ocupamos a sede da Southall com o objetivo de
denunciar um latifúndio que é improdutivo. A Sothall é improdutiva é
uma fazenda abandonada. Chega a ser desumano tu ter tanta terra
concentrada e atirada enquanto tem gente passando fome. Então nós
ocupamos a fazenda Southall dispostos a resistir e exigindo o
cumprimento do acordo que foi feito com o Incra no final do ano
passado. Fizemos toda nossa estratégia de resistência. Iríamos resistir
custe o que custar. Porém o que aconteceu, foi feito um acordo para que
houvesse um desfecho pacífico. Um acordado que nós sairíamos de
sem revista, sem a identificação e sem a humilhação que a gente passa
em todas as desocupações e viríamos para uma área que seria nossa,
como assentamento. Portanto os órgãos estaduais, mentiram com esse
acordo. Eles somente fizeram esse acordo, não para evitar um
confronto, e sim porque eles não tinham como mobilizar tropa
167
suficiente para tirar nós da área. Logo depois receberam uma pressão
imensa da Farsul e da burguesia latifundiária, dos feudalistas
criminosos. Por pressão deles, eles vieram fazer a revista. Uma ação
ridícula e deprimente, humilhante para os trabalhadores. Simplesmente
para satisfazer a vontade e o ego de um bando de fazendeiro que nada
faz a não ser enriquecer explorando seus peões e a terra que é do nosso
país e do nosso povo. A segunda coisa que a mídia não noticiou é que a
imprensa não teve acesso a praticamente nada. A ação aconteceu e no
momento que a Brigada vai agir a imprensa, ultimamente, está sendo
proibida de chegar perto, de passar a verdade, de fazer a reportagem
sobre a ação, de cobrir o acontecimento. A Polícia Militar está fazendo
um terrorismo com a imprensa. Então a Zero Hora, numa avaliação
geral tem lado. Está do lado da burguesia, porque quem é dono dessa
empresa, da Zero Hora e da RBS é a burguesia. Quem financia a Zero
Hora é a burguesia. Então a Zero Hora e a RBS são veículos de
comunicação da burguesia e noticia para a burguesia (SEM-TERRA
10).
Desse modo, a partir dos dados trabalhados e das impressões aqui sistematizadas,
parece-nos claro que os leitores, agricultores Sem-terra pertencentes ao Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem-terra, acabam por movimentar sentidos de oposição
(desfavoráveis, consequentemente) à matriz representacional hegemônica da questão agrária
no Brasil. Também, por promover uma leitura, na maioria das vezes, negociada/resistente em
relação aos sentidos movimentados nas notícias veiculadas pelo jornal Zero Hora relacionadas
à sua causa e às suas ões. Como pudemos perceber, apesar dessa matriz de representação
hegemônica também ser formatada pelos discursos da mídia e do jornalismo, ela é composta
de “fora para dentro” e, de acordo com os dizeres dos Sem-terra, não conta da
representação adequada do Movimento. Por isso, o conflito de representações é tão evidente.
Tais considerações, mais uma vez atentam para a importância de tentar entender e/ou
explicar a complexa relação entre o campo da mídia (jornal Zero Hora) e campo político
(Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-terra), através das representações que ambos
movimentam em seu encontro, numa perspectiva relacional e integradora como a do
“Circuito das Notícias”.
168
CAPÍTULO 6 –
DAS CONSIDERAÇÕES FINAIS:
AS REPRESENTAÇÕES NO JORNALISMO EM PROCESSO
Na perspectiva que propomos estudar o jornalismo, conforme o “Circuito das
Notícias”, não podemos admitir a mídia apenas como agente mediador, nem o Movimento
dos Trabalhadores Rurais Sem-terra (MST) e suas ações reportadas pelo jornal Zero Hora
(ZH) apenas como objeto/ acontecimento mediado. Ambos, nessa ótica, integram um único
sistema cultural e, mesmo ocupando posições distintas dentro dessa configuração, devido às
cotas diferenciais de capital acumulado, desenvolvem relações recíprocas, diretas ou indiretas,
de maior ou menor grau de intensidade, conforme determinado período, situação e/ou
contexto.
Para nós, nesse estudo, não foram apenas as relações entre o campo dos Movimentos
Sociais e o campo do jornalismo, nem as relações entre o campo da produção da notícia
(enunciação) e o campo do consumo (recepção) o que importou saber e observar, mas sim o
movimento das representações sobre a questão agrária, tanto na produção quanto no texto e na
leitura. Dentro do que chamamos “Circuito das Notícias”, não podemos mais separar esses
momentos, ainda mais quando falamos em discursos e nas representações que eles tocam ou
movimentam. No “Circuito” todos são produtores de discursos, todos são consumidores de
discursos e todos operam com representações. Entender, e procurar explicar, essa relação
desse novo ponto de vista implica em abandonar velhas formulações e elevar os estudos do
jornalismo a um novo patamar, dentro do campo da cultura e no universo de produção
simbólica – cultura aqui entendida como conjunto de valores ou significados partilhados.
Fundamental à compreensão desse movimento de representações nos diferentes
momentos do “Circuito das Notícias” são também considerações antes trabalhadas, como as
de Hall (1997), acerca do funcionamento da linguagem como processo de significação.
Conforme o autor, é a linguagem que atribui sentido, e os significados podem ser
partilhados pelo acesso comum a ela. A linguagem, nessa ótica, funciona como sistema de
169
representação; ela funciona através da representação; sendo a representação através da
linguagem central para os processos pelos quais o significado é produzido pois, “é através
do uso que fazemos das coisas, o que dizemos, pensamos e sentimos, ou seja, como as
representamos, que damos significado”. Emprestamos significado, portanto, ou pela estrutura
de interpretações que trazemos, o que podemos chamar de culturas vividas, e/ou pela forma
que as utilizamos no cotidiano. Dessa forma, a representação é importante para a própria
constituição das coisas, que, conforme Bourdieu (1989), os indivíduos elaboram
representações para dar sentido à realidade social.
Desse modo podemos dizer que as notícias (textos), inclusive aquelas produzidas pelo
jornal Zero Hora sobre a questão agrária, somente vão adquirir significado mediante uma
representação que lhes atribua um determinado sentido sociocultural e histórico. As notícias,
por conseguinte, também são produtos resultantes de processos de produção cultural e
acontecem na conjugação dos acontecimentos e dos textos. Assim, na lógica do “Circuito das
Notícias”, não podemos mais estudar apenas como são construídos os acontecimentos, temos
obrigatoriamente de ver também como são construídos os textos, pois, é desta maneira que
podemos comprovar que a notícia produção de acontecimento pela linguagem – cria
sentidos mediando as diferentes instâncias do social.
Conforme Hall (1997), isso empresta às abordagens um caráter bastante discursivo,
porém não consideramos isso um problema. Constatamos nesse estudo que, estrategicamente,
é o discurso quem indica o melhor caminho, a melhor forma de percorrer os meandros do
“Circuito das Notícias” em suas diferentes fases. Pois, é o discurso, e nesse caso as
representações que ele movimenta, o substrato comum tanto aos momentos da produção e do
texto, quanto da leitura.
Contudo, nessa linha, não podemos esquecer dos efeitos e consequências da
representação através dos potencias conflitos que ela pode gerar. Esse potencial conflitante
deriva do fato de que os significados não são nunca dados diretamente. Eles não permanecem
intactos na passagem pela representação e estão sempre sendo negociados e inflectidos para
ressoar as novas situações. “Devemos considerar o significado em termos de efetivo
intercâmbio um processo de tradução, que facilite a comunicação cultural, mas que
reconheça a persistência da diferença e do poder entre os falantes dentro do mesmo circuito
cultural”, diz Hall (1997, p.11).
Assim sendo, reconhecemos que estudar representação significa estudar a ligação do
significado e da linguagem com a cultura, o que para nós é fundamental na comunicação e no
170
jornalismo. Pois, “representar é usar a língua/ linguagem para dizer algo significativo para
outrem. A representação é parte essencial do processo pelo qual o significado é produzido e
intercambiado entre os membros de uma cultura” (HALL, 1997, p.11). Se representar é
produzir significado através da linguagem, a representação é a produção do significado, do
conceito em nossa mente, através da linguagem, muito adiante da existência do fato ou da
observação empírica. Dessa forma, no “Circuito das Notícias”, podemos falar em dois
processos principais de representação: um que funciona pelo sistema de correlação a um
conjunto de representações mentais que possuímos; e outro patrocinado pela linguagem que
possibilita a existência de um mapa conceitual partilhado e o intercâmbio de significados e
conceitos.
Conforme Fausto Neto (1989), as representações são resultantes de complexos
processos de produção de sentido e de operações feitas junto às linguagens principalmente
operações de caráter enunciativo. Elas acabam por configurar os textos, que nada mais são do
que o lado visível dessas representações. As representações, ainda conforme o autor, mantêm
uma ligação profunda com os matizes culturais, uma vez que são sistematicamente
significadas pelos processos de produção de sentido; logo, são sempre situadas.
Nessa ótica o jornalismo, que reivindica para si o direito de produzir as representações
dos acontecimentos, opera segundo sua própria capacidade de produzir essas representações –
representações de sentidos. Ele, conforme um conjunto de operações discursivas que lhes são
próprias ou que toma de empréstimo de outros campos sociais, garante para si esse direito
devido, principalmente, ao seu poder enunciativo e/ou de enunciação. É pela força que tem o
poder enunciativo da mídia jornalística que os processos de engendramento das
representações resultam de inúmeras e complexas transações, as quais acabam por dar forma,
pela mediação da linguagem, às representações sobre os atores e os campos sociais.
Dessa forma, como falamos de um “Circuito”, no caso o “Circuito das Notícias”, esse
processo de representação está sempre articulado a um outro momento, sendo possível iniciar
a investigação em qualquer lugar, embora ainda exista um certo destaque para a produção. No
“Circuito” é notório que a mídia prioriza determinadas narrativas e sentidos em detrimento de
outros e que, desse modo, a leitura/recepção não é um espaço livre de pressões. Essas
leituras, mesmo que não possam ser estudadas em relação direta com a posição dos
produtores, se relacionam com as mesmas, mas também mantêm relação com as culturas
vividas e com o próprio texto.
171
Reordenando a proposta de Johnson (1999) do “Circuito da Cultura” para o “Circuito
das Notícias”, reiteramos que também para pensar cada um dos momentos que compõe o
“Circuito” a luz dos outros é fundamental para não perder de vista os processos que envolvem
a representação nem as relações entre os diferentes momentos. É notório, destarte, que esse
tipo de análise é possível dentro de um ambiente teórico-metodológico híbrido, onde as
práticas socioculturais, como o jornalismo, possam ser tomadas e relacionadas conforme um
esquema capaz de conjugar as instâncias de produção texto leitura. Essas, junto com seus
diferentes elementos constituintes (produtores, textos e receptores), são determinantes na
circulação dos valores simbólicos regentes da atividade e do processo de significação dos
diversos campos sociais, configurando e/ou desenhando o processo comunicativo de maneira
conveniente e em sua totalidade.
A percepção do jornalismo como uma prática sociocultural e das notícias como
produto cultural, dentro de um modelo de “Circuito”, são fundamentais para que a análise dos
fenômenos noticiosos contemporâneos tenha no conceito de representação uma centralidade.
Dessa forma, convém admitir que os textos dos mídia acabam por produzir determinadas
composições, aparentemente colhidas do mundo empírico, que são elevadas à categoria de
representantes de pessoas, situações e fatos. Tais textos, por meio de intervenções invisíveis
do seu autor, são capazes de influenciar de maneira sutil, as percepções sobre as coisas do
mundo.
Admitir que as representações são construídas e que elas atuam também no jornalismo
não significa um julgamento moral sobre a prática jornalística em si, mas a admissão de uma
contingência que é própria do trabalho jornalístico. O jornalismo, como um conjunto de
conceitos organizados, disposto e classificados em relações complexas entre si, é por si um
sistema de representação que tanto acolhe quanto constrói representações.
Aplicada ao campo da comunicação midiática, ao estudo do jornalismo no “Circuito
das Notícias”, esta visão pode realizar uma síntese entre fatores racional-cognitivos, sociais e
técnicos envolvidos no processo representacional, permitindo a superação de antagonismos
entre abordagens que confrontam, por exemplo, a análise das mensagens e a recepção, na
busca de estabelecer o momento ideal da produção de sentido. Embora nessa perspectiva
possam ser identificadas múltiplas agências de representação, para a maioria das pessoas, os
mídia é que se tornam os provedores primordiais de representações sobre o estado da
sociedade e do mundo.
172
Seguindo a lógica do “Circuito das Notícias” constatamos na pesquisa que o
jornalismo de Zero Hora, na cobertura do MST se sustenta num bloco hegemônico de
representações, relacionáveis sempre a uma ideologia ele sempre parte de uma perspectiva
de enunciação; porém o jornalismo, como prática sociocultural, só é portador/construtor de
discursos dentro de um contexto social, sempre em relação com a exterioridade.
De toda forma, o espaço da produção no “Circuito das Notícias” extrapola o
entendimento da produção, entendida de modo convencional como procedimentos
necessários para criação propriamente dita de um artefato ou produto. Em síntese, ele abarca
também as distintas narrativas que se associam à construção desses produtos culturais que são
as notícias. A produção é “um processo social e histórico” e não está vinculada apenas à
“produtividade dos próprios sistemas de significação”.
Assim, até mesmo o grupo dos profissionais da notícia do jornal Zero Hora acaba por
naturalizar um sentido decorrente de uma representação, reiterando uma posição hegemônico-
dominante sobre a questão agrária, até mesmo sem perceber. O sentido de ilegalidade,
favorável à matriz representacional hegemônica da questão agrária aparece, portanto, aqui
movimentado. Desse modo, em alguns casos, mesmo partindo de sentidos tensionados ao
admitir a validade do MST e seu nível de organização, os jornalistas não conseguem se
libertar, em seu dizer, da noção de “fora da lei” que historicamente envolve os
questionamentos em torno da posse da terra no Brasil.
No segundo momento do “Circuito das Notícias”, o texto abordamos o texto das
notícias, ou seja, os textos produzidos por uma organização de mídia do campo do jornalismo
(no caso pelo jornal Zero Hora) –, na etapa anterior do “Circuito” (a etapa de produção) e que
numa fase subsequente (momento da leitura) encontra os leitores do Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem-terra, representantes do campo político.
No estudo dos textos, através da Análise do Discurso, podemos além de verificar as
formas como a Zero Hora representa o MST em suas notícias, traçar um mapa de sentidos que
o jornal faz circular sobre o Movimento, relacionado-os com a matriz representacional
hegemônica da questão agrária. Também podemos garimpar as marcas textuais que nos
ajudaram a entender como as representações da questão agrária se tornam efetivas na vida
cotidiana dos leitores e na prática discursiva dos jornalistas.
Nessa gica, o texto, o pode mais ser estudado por ele próprio, nem pelos efeitos
sociais que se pensa que ele produz, mas sim pelas “formas subjetivas ou culturais que ele
173
efetiva e torna disponíveis” (JOHNSON, 1999. p.75). Ele é apenas como um meio para
análises e/ou um material bruto a partir do qual certas formas poderam ser abstraídas. Nesse
sentido, em nosso entendimento, a Análise do Discurso relaciona-se diretamente com a
proposta do “Circuito das Notícias”, pois, como pontua Orlandi (2001, p.16), ela leva em
conta o homem na sua história, considera os processos e as condições de produção da
linguagem, a relação estabelecida pela língua com os sujeitos que a falam e as situações em
que se produz o dizer. Ou seja, é uma análise que considera, também, aquilo que é exterior ao
texto e o atravessa. Assim, a Análise do Discurso nos possibilitou detectar o diálogo entre as
práticas produtivas da equipe jornalística e o resultado do trabalho, tanto no veículo em si,
quanto junto ao seu público, quando chegamos ao final da análise do processo.
Nesse momento, os textos selecionados procuraram ilustrar o movimento das
representações efetivadas nas páginas do jornal Zero Hora acerca das ações do MST, e foram
apresentados legitimando, rejeitando ou agenciando sentidos gestados em outros campos ou
vinculados episódios históricos pretéritos, conforme descrito na matriz representacional
hegemônica da questão agrária. Na análise das notícias no momento texto do “Circuito das
Notícias”, identificamos que, predominantemente, o jornal Zero Hora retrata o Movimento
dos Trabalhadores Rurais Sem-terra, suas ações e seus integrantes de modo desfavorável. Ou
seja, de modo favorável à matriz representacional hegemônica que historicamente perpassa o
tratamento das questões relacionadas à posse da terra. Esse tratamento está ligado à complexa
relação estabelecida entre o campo político, aqui representado pelo MST e o campo
jornalístico caracterizado por Zero Hora. O jornalismo aqui produzido a partir de um fato
objetivo, a ocupação e desocupação da Fazenda Southall, mostra claramente que o discurso
sobre os Sem-terra e sobre a questão agrária derivam de valores históricos e culturais.
Nesse sentido, o discurso jornalístico de Zero Hora contribuiu para reafirmar, reforçar
e reconstruir uma matriz representacional hegemônica que muito tempo está colada ao
tratamento da questão agrária no Brasil. O discurso jornalístico de Zero Hora sobre o MST e
suas ações traz consigo ideias preconcebidas que circulam num sentido comum, prestando a
estas ideias seu ideal de objetividade, o que lhes confere a um status de verdade.
Também, no “Circuito das Notícias” a leitura ou recepção não pode ser considerada
um momento isolado do processo comunicativo. Ela integra a dinâmica da rede, pois todos os
momentos do “Circuito Comunicativo” estão interligados. A leitura, como define Johnson
(1999), não é simplesmente assimilação. Ela própria é um ato de produção e, quando aliada
174
aos estudos dos momentos produção e texto, permite o completo desenho do processo
comunicacional no veículo em questão.
Nesse sentido, cabe de imediato lembrar que os leitores dos textos são sempre leitores
na sociedade e encará-los dessa forma implica em passar e/ou tentar passar de um momento
analítico mais abstrato (a análise de formas) para um mais concreto (os leitores reais, tais
como eles são constituídos social, histórica e culturalmente), além de admitir tratar a leitura
não como recepção ou assimilação, mas como sendo, ela própria, um ato de produção.
Assim, nesse momento do “Circuito das Notícias” atentamos principalmente às
“práticas sociais de recepção”, entendidas como espaço da produção de sentido, além de
lembrar que as culturas vividas ou o meio social pautam tanto o espaço da produção como o
da leitura. Aqui as práticas de recepção não são vistas apenas em termos de comportamento.
Elas são ordenadas por “estruturas de compreensão” bem como produzidas por relações
econômicas e sociais onde os textos em circulação adquirem valor social ou efetividade
política.
Na descrição, do MST e de suas representações com base nas falas dos próprios Sem-
terra, para a maioria dos componentes do grupo, existe uma diferença significativa entre “o
MST visto de dentro para fora” e “o MST visto de fora para dentro”. Esta, consequentemente,
é uma diferença perspectívica, flagrada principalmente quando os Sem-terra se referem ao
antes e depois do MST em suas vidas e/ou quando eles mencionam os que estão fora e os que
estão dentro do Movimento. Outro ponto explorado nos debates do grupo focal na análise do
momento da leitura no “Circuito das Notícias”, que convém ser resgatado, diz respeito à
mídia e/ou ao jornalismo. Como pudemos perceber, a mídia é colocada como a principal
responsável pela formação da representação “de fora para dentro” do Movimento. Esta
representação, como evidenciamos, é distinta daquela que o MST tem de “dentro para fora”.
Parece-nos claro, desse modo, que os leitores, agricultores Sem-terra pertencentes ao MST,
acabam por movimentar sentidos de oposição à matriz representacional hegemônica da
questão agrária no Brasil e/ou por promover uma leitura, na maioria das vezes negociada, mas
resistente, em relação às notícias de sua causa e de suas ações que são veiculadas pelo jornal
Zero Hora. Apesar de essa matriz de representação hegemônica também ser formatada pelos
discursos da mídia e do jornalismo, ela é composta de “fora para dentro” e, de acordo com os
dizeres dos Sem-terra, não conta da representação adequada do Movimento. Por isso, o
conflito de representações é tão evidente.
175
Assim, quando esses dois campos e seus atores sociais se encontram, ou se
aproximam, como numa ação do Movimento, por exemplo, reportada pelo jornal Zero Hora,
os conflitos decorrentes dessa aproximação são inevitáveis. Portanto, ao representar em suas
páginas as posições do MST, a Zero Hora acaba potencializando tais conflitos, uma vez que
delineia uma representação, para o Sem-terra, não representativa do Movimento e de suas
causas perante a sociedade, partindo sempre de um conflito ideal anterior baseado na noção de
propriedade. Sem contar que, o público leitor de Zero Hora, aquele para o qual ela direciona
sua produção, inegavelmente não é o MST. Há, assim, um desacordo entre MST e o jornal
Zero Hora sobre os princípios fundantes do processo jornalístico em sua prerrogativa de
enunciar as representações à esfera pública.
Dessa maneira, podemos afirmar, conforme hipótese inicial, que a representação do
MST e de suas ações no “Circuito das Notícias” sofre uma transformação significativa. Sofre
uma “torção” e/ou faz um movimento parecido com uma volta de espiral. Se pensarmos a
partir da produção, ela sai de uma posição claramente favorável à matriz representacional
hegemônica (que historicamente é desfavorável aos Sem-terra); passa no texto/notícias por
uma posição onde as negociações são muito mais intensas e visíveis embora aqui ainda
estejam muito mais presentes os sentidos derivados da matriz de representação hegemônica; e
transforma-se numa representação claramente desfavorável ou de oposição, quando encontra a
leitura e/ou os agricultores Sem-terra na posição de leitores.
Sabemos, então, que a cultura veiculada pela mídia fornece recursos para que seu
público produza significados a partir das representações por ela disseminadas. No jornalismo
de Zero Hora e nas notícias sobre o MST, certa determinação na mensagem, um sentido
preferencial. Desse modo, parece-nos improvável pensar que, ao acompanhar as notícias e
observar como a questão dos Sem-terra é tratada, seu público não seja de alguma maneira
afetado por tais representações.
Nesse sentido, para os integrantes do MST, uma luta ideológica é travada no “Circuito
das Notícias”. Uma luta que consiste na tentativa de obter um novo conjunto de significados
para um termo ou categoria existente, de desarticulá-lo de seu lugar na estrutura
significativa. É inegável, porém, que as representações midiáticas têm uma correspondência
variável com os estados do mundo, especialmente do mundo social em que o mais
problemático parece ser o uso retroativo da representação midiática, não como o substituto
simbólico de algo, mas como o próprio objeto ou assunto representado, sendo usada como seu
equivalente, numa verdadeira reificação da representação. Dessa forma, se todas essas
176
representações estivessem inseridas em um texto de ficção, saberíamos que são opinião de um
autor. Como elas estão inseridas nas notícias, reportagens e colunas, e constituem um discurso
jornalístico, adquirem outro status e devem ser debatidas em outro nível.
Trabalhar com as representações no “Circuito das Notícias” exige fôlego e muito
tempo, mas, aponta resultados satisfatórios que permite compreender a dinâmica dos
processos jornalísticos, a interferência de agentes internos e externos no seu fazer e o diálogo
que se entre produção textos leituras e culturas vividas e as relações sociais.
Acreditamos que, neste olhar global, reside a principal contribuição dessa perspectiva.
A preocupação com o todo resulta em um trabalho que permite compreender o
processo jornalístico, o apenas o jornalista, a notícia ou seu leitor. Não se trata de uma
abordagem melhor, mas diferente. Que não substitui, em hipótese alguma, as investigações
que se especializam em um dos momentos do processo, mas se soma a elas para jogar mais
luz a essa prática. O “Circuito”, nessa estratégia, é vivo, multifacetado, e rico em
possibilidades, porém, inegavelmente, apresenta fragilidades. Como procuramos analisar os
três momentos do processo comunicativo em integração, temos somados os limitadores
encontrados pelos pesquisadores que se dedicam a cada uma delas, mais os obstáculos que se
impõem por abraçarmos o todo. Ao contrário de quem se dedica a estudar apenas um dos
momentos e que pode pecar pela restrição sob pena de descaracterizar o seu objeto, no
“Circuito das Notícias” devemos estar sempre alertas para não pecar pela superficialidade.
Isso, porém, em nosso entendimento, não invalida as possíveis contribuições aditivas
que a perspectiva do “Circuito das Notícias” permite compreender o jornalismo em seu
processo, além de revelar uma série de características próprias desse fazer. Ela se serve de
técnicas oriundas da investigação social e dos tradicionais estudos em jornalismo, com o
objetivo de possibilitar uma análise abrangente e amparada em um conjunto de métodos que
deve ser problematizado frente a cada objeto.
Tais considerações, portanto, visam desvelar a importância de entender e/ou explicar a
complexa relação entre o campo da mídia (jornal Zero Hora) e campo político (Movimento
dos Trabalhadores Rurais Sem-terra), através das representações que ambos movimentam em
seu encontro, numa perspectiva relacional e integradora como a do “Circuito das Notícias”.
Esse novo ponto de vista implica, como vimos, em reelaborar velhas formulações e elevar os
estudos do jornalismo para um novo patamar, dentro do campo da cultura e no universo de
produção simbólica, sem nunca esquecer daquilo que realmente lhe dá vida – seus processos.
177
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ZERO HORA, Porto Alegre (RS) 14 abr. 2008.
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ZERO HORA, Porto Alegre (RS) 15 abr. 2008.
ZERO HORA, Porto Alegre (RS) 16 abr. 2008.
ZERO HORA, Porto Alegre (RS) 17 abr. 2008.
ZERO HORA, Porto Alegre (RS) 19 abr. 2008.
ZERO HORA, Porto Alegre (RS) 28 abr. 2008.
ZERO HORA, Porto Alegre (RS) 04 mai. 2008.
ZERO HORA, Porto Alegre (RS) 09 mai. 2008.
ZERO HORA, Porto Alegre (RS) 12 mai. 2008.
ZERO HORA, Porto Alegre (RS) 13 mai. 2008.
ZERO HORA, Porto Alegre (RS) 14 mai. 2008.
ZERO HORA, Porto Alegre (RS) 15 mai. 2008.
ZERO HORA, Porto Alegre (RS) 16 mai. 2008.
ZERO HORA, Porto Alegre (RS) 18 mai. 2008.
ZERO HORA, Porto Alegre (RS) 19 mai. 2008.
ZERO HORA, Porto Alegre (RS) 20 mai. 2008.
ZERO HORA, Porto Alegre (RS) 21 mai. 2008.
183
ANEXO 1 –
DA PRODUÇÃO:
ENTREVISTAS COM OS JORNALISTAS
184
ANEXO 2 –
DO TEXTO:
MATÉRIAS PUBLICADAS PELO JORNAL ZERO HORA
185
ANEXO 3 –
DA LEITURA:
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