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Fernando César Franco
INTEGRAÇÃO ENTRE A FILOSOFIA 5S E A
DINÂMICA DO CONHECIMENTO PARA A
FORMAÇÃO DO CIDADÃO PRODUTIVO: análise
prospectiva da teoria e da prática visando à formatação de
uma proposta preliminar de ação.
Belo Horizonte
2006
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Fernando César Franco
INTEGRAÇÃO ENTRE A FILOSOFIA 5S E A
DINÂMICA DO CONHECIMENTO PARA A
FORMAÇÃO DO CIDADÃO PRODUTIVO: análise
prospectiva da teoria e da prática visando à formatação de
uma proposta preliminar de ação.
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Engenharia de Produção da Escola
de Engenharia da Universidade Federal de Minas
Gerais, como requisito parcial à obtenção do título
de Mestre em Engenharia de Produção.
Área de Concentração: Sistemas de Produção
Linha de Pesquisa: Gestão pela Qualidade e
Desenvolvimento do Produto
Orientador: Prof. João Martins da Silva
Belo Horizonte
Escola de Engenharia da UFMG
2006
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Dissertação de mestrado submetida à banca examinadora indicada pelo
Colegiado do Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Produção da
Escola de Engenharia da UFMG, no dia 24 de março de 2006, como parte
dos requisitos necessários à obtenção do grau de mestre em Engenharia de
Produção.
_____________________________________________________
João Martins da Silva – Mestre (DEP/EE/UFMG)
_____________________________________________________
Dario Ikuo Miyake – Doutor (DEP/POLI/USP)
_____________________________________________________
Maria de Lourdes Rocha de Lima – Doutora (DMTE/FAE/UFMG)
_____________________________________________________
Maria José Gazzi Salum – Doutora (DEMIN/EE/UFMG)
_____________________________________________________
Paulo Roberto Cetlin – Doutor (DEMET/EE/UFMG)
AGRADECIMENTOS
À Deus e todas as forças intangíveis que abençoam minha jornada;
À Aline, esposa querida, incentivadora e companheira, presente na minha vida há quase
duas décadas, superando os desafios com amor, dedicação e carinho;
À minha filha Amanda, estrelinha que brilha nas minhas noites, sorriso que ilumina os
meus dias;
Aos meus pais que me guiaram pelos primeiros caminhos;
Ao Professor João Martins, idealista e promotor da dignidade humana, apoiando
intensivamente a formação de cidadãos conscientes, estimulando-os à criatividade e à
realização de seus potenciais, transformando o aqui e o agora em um lugar melhor pra
se viver;
Ao Professor Lin Chih Cheng, pelo apoio e pela visão que acredita na força produtiva e
na capacidade empreendedora do povo brasileiro;
À Dona Noemi, figura nobre e acolhedora que, mesmo em um mundo individualista e
competitivo, mostra ser possível acreditar na simplicidade, na beleza e no potencial
produtivo que todos os indivíduos têm;
Ao Professor Welerson Romaniello, grande incentivador, por ter acreditado em minha
capacidade de forma objetiva e desafiadora;
Ao Dr. Faiçal David Freire Chequer, pela oportunidade concedida;
Ao Professor Geraldo Nilton, pelo companheirismo, pelas críticas e conversas
construtivas nas estradas da vida;
À Professora Eunice Batista, pela atenção e pela colaboração crítica em relação à
redação do trabalho;
À Coronel Luciene, possibilitando a apreciação da proposta junta ao 34º Batalhão da
Polícia Militar de Minas Gerais;
Ao Dr. Maurício Roscoe e colaboradores da UBQ;
Ao Tom, Marcus Vinícius (in memoriam), Renderson, Pedro, Juventino e Anicéia,
companheiros de trabalho que me ajudaram sempre que precisei;
Aos colaboradores do Salão do Encontro, que me fizeram ver que todos os indivíduos
de uma cadeia produtiva são importantes e que cada produto é uma obra de arte
resultante de esforço conjunto, solidariedade e criatividade;
À Zita, bibliotecária do Instituto Santo Inácio, pelo apoio dado em relação a assuntos
ligados ao cristianismo;
A todas as outras pessoas que de uma forma ou de outra, estiveram presentes no
desenvolvimento deste trabalho.
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
5W2H What (O quê), Who (Quem), When (Quando), Where (Onde),
Why (Porquê), How (Como), How much (Quanto / Quanto custa)
ABONG Associação Brasileira de Organizações Não-Governamentais
ACT
Australian Capital Territories
ASISTM
Australian School Innovation in Science, Technology &
Mathematics
BE
Business Excellence
BIRD Banco Internacional para a Reconstrução e o Desenvolvimento
BISTMT
Boosting Innovation, Science, Technology and Mathematics
Teaching
BPR
Business Process Re-engineering
CEB Comunidade Eclesial de Base
CEDAC
Cause and Effect Diagram with Addition of Cards
CEP Controle Estatístico do Processo
CEPAL Comissão Econômica para a América Latina e Caribe
CMEC
Council of Ministers of Education in Canada
CNBB Conferência Nacional dos Bispos do Brasil
CNUMAD Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e
Desenvolvimento
DC Dinâmica do Conhecimento
DEDS Década das Nações Unidas da Educação para o Desenvolvimento
Sustentável
DMAIC
Define, Measure, Analyse, Improve, Control
EAV Engenharia e Análise de Valor
ECOSOC
United Nations Economic and Social Council
FASFIL Fundação e Associação Sem Fim Lucrativo
FGV Fundação Getúlio Vargas
FMEA
Failure Mode and Effects Analysis
FMI Fundo Monetário Internacional
GIFE Grupo de Institutos, Fundações e Empresas
ICT
Information and Communication Technology
IDE Índice de Desenvolvimento da Educação
IDH Índice de Desenvolvimento Humano
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IDE Índice de Desenvolvimento da Educação
IPEA Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
ISER Instituto de Estudos da Religião
ISO
International Organization for Standardization
JIT
Just in Time
MASP Metodologia de Análise e Solução de Problemas
MS Movimentos Sociais
NPB
National Productivity Board
OBC Organização de Base Comunitária
OECD
Organisation for Economic Co-operation and Development
OHSAS
Occupational Health and Safety Assessment Series
OIT Organização Internacional do Trabalho
OMS Organização Mundial da Saúde
ONG Organização Não-Governamental
ONU Organização das Nações Unidas
PDCA Ciclo originário do inglês plan, do, check e act
PIB Produto Interno Bruto
PMMG Polícia Militar de Minas Gerais
PNUD Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
RDH Relatório de Desenvolvimento Humano
SASFRA Serviço Assistencial Salão do Encontro
SPDP
Singapore Productivity Development Project
TPM
Total Productive Maintenance
TQC
Total Quality Control
TQM
Total Quality Management
UBQ União Brasileira para a Qualidade
UEB União dos Escoteiros do Brasil
UN
United Nations
UNESCO
United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization
UNICEF
United Nations Children’s Fund
VIP
Values, Influences and Peers
WOSM
World Organization of the Scout Movement
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
FIGURAS
FIGURA 1 Esquema básico da pesquisa
FIGURA 2 Modelo TQMEX
FIGURA 3 Quatro modos de conversão do conhecimento
FIGURA 4 Representação do método científico
FIGURA 5 Diagrama de representação sobre o ato do raciocínio científico
FIGURA 6 PDCA - Método de gerenciamento de processos
FIGURA 7 Dinâmica do Conhecimento
FIGURA 8 Aprendizado para toda a vida em diferentes setores do plano
de ação
FIGURA 9 Representação gráfica do programa Iniciativa da Excelência
Escolar
FIGURA 10 Representação gráfica do conceito integrado – 5S e DC
FIGURA 11 Representação gráfica do modelo conceitual
FIGURA 12 Representação gráfica do modelo dinâmico
FIGURA 13 Representação gráfica - senso
QUADROS
QUADRO 1 Os quatro temperamentos
QUADRO 2 5S - Significado genérico dos sensos a partir dos ideogramas
japoneses
QUADRO 3 5S - Significados e exemplos típicos
QUADRO 4 Os cinco sensos da qualidade
QUADRO 5 Dois tipos de conhecimento
QUADRO 6 Método de solução de problemas
QUADRO 7 Ranking IDH anos 1999 a 2003
QUADRO 8 Principais projetos e programas do setor educacional nos
quatro países com maior IDH
QUADRO 9 Programa educacional / atendimento mensal
QUADRO 10 Programa de formação profissional em oficinas artesanais
QUADRO 11 Características comuns às áreas produtivas envolvendo a
Filosofia 5S
QUADRO 12 Características comuns às áreas produtivas envolvendo a
Dinâmica do Conhecimento
SUMÁRIO
RESUMO 14
ABSTRACT 15
1. INTRODUÇÃO 16
1.1 Justificativa e relevância do tema 17
1.2 Problema específico 20
1.3 Hipótese de trabalho 20
1.4 Objetivos da pesquisa 21
1.4.1 Objetivo geral 21
1.4.2 Objetivos específicos 21
1.5 Estrutura da pesquisa 21
1.6 Procedimentos metodológicos 23
1.7 Resultados esperados 23
2 POR QUE MUDAR? 25
2.1 Visão panorâmica do Estado do Mundo 25
2.2 O Estado do Brasil 28
3 A FORMAÇÃO DO CIDADÃO PRODUTIVO 32
3.1 Paidéia: a formação do homem integral na Grécia Antiga 32
3.2 O temperamento e o caráter como fatores determinantes da conduta
humana
35
3.3 O caráter do homem cristão 39
3.3.1 A educação cristã e a formação da moral 39
3.3.2 A ética protestante e o espírito do capitalismo 43
3.3.3 O ecleticismo da ética cristã 44
3.3.4 A moralidade do costume 44
3.3.5 A atuação do cristianismo no Brasil 45
3.3.6 Considerações finais 45
3.4 As bases do caráter do homem japonês 46
3.4.1 Confucionismo 46
3.4.2 Budismo 48
3.4.3 Zen-Budismo 48
3.4.4 Xintoísmo 49
3.4.5 Bushido 50
3.4.6 Aspectos controversos da sociedade japonesa 52
12
3.4.7 A autodisciplina e o esforço coletivo 53
3.5 O conceito de cidadão produtivo 54
4 FILOSOFIA E PRÁTICA DO 5S 64
5 A DINÂMICA DO CONHECIMENTO 79
5.1 Introdução ao conhecimento 80
5.2 Introdução à criatividade e à arte de pensar 83
5.3 O método científico clássico 86
5.4 O método científico segundo a visão dos cientistas modernos 96
5.5 As críticas sobre o método científico 100
5.6 O advento do século XX e a utilização de processos de aperfeiçoamento
nas organizações concebida sob a ótica do método
103
5.7 Métodos de solução de problemas - O PDCA e o Ver e Agir como
formatações do método científico
110
5.8 A Dinâmica do Conhecimento 113
6 AS BASES DA EDUCAÇÃO NO SÉCULO XXI 121
6.1 Novos paradigmas em educação 121
6.2 A ONU e entidades da sociedade civil buscam o consenso 125
6.3 Como os Ministérios da Educação de alguns países vêem o problema 128
6.3.1 Programas educativos da Noruega 130
6.3.2 Programas educativos da Suécia 133
6.3.3 Programas educativos da Austrália 136
6.3.4 Programas educativos do Canadá 140
6.3.5 Aspectos comuns encontrados nas nações com maior IDH 141
6.4 Os desafios da nação 143
6.5 Os movimentos de mobilização para a transformação social 143
7 ESTUDO DE CASO EM UMA ORGANIZAÇÃO DO TERCEIRO
SETOR
152
7.1 A instituição 153
7.2 O objeto de estudo: objetivos e métodos 156
7.3 A atividade produtiva 157
7.4 Conclusões 163
8 FINALIZAÇÃO 166
8.1 Revisitando os compromissos assumidos na pesquisa 166
13
8.2 Uma proposta de integração da Filosofia 5S e a Dinâmica do
Conhecimento
168
8.3 Proposta de ação 169
8.3.1 Partindo-se de uma base bem-sucedida 169
8.3.2 Adaptando o conceito de Dinâmica do Conhecimento 169
8.4 Representação dinamizada da proposta 170
8.5 Validação preliminar da proposta 174
8.6 Limitações da proposta 175
8.7 Conclusões e sugestões para estudos futuros 175
9 BIBLIOGRAFIA 177
RESUMO
Esta dissertação integra os conceitos da Filosofia 5S e da Dinâmica do Conhecimento
objetivando a aceleração da formação do cidadão produtivo. Parte-se do indivíduo na
organização e espera-se que, se a proposta for praticada em larga escala, possa contribuir para
os movimentos de mudanças que estão ocorrendo em nível nacional. Num primeiro momento
procurou-se conhecer os dados sobre os Estados do Mundo e do Brasil que justificam os
esforços de mudança de mentalidade – desenvolvimento dos sensos apropriados -, por meio
de um método: a Dinâmica do Conhecimento. Buscou-se suporte teórico para a compreensão
do conceito de cidadão produtivo, da Filosofia 5S e da Dinâmica do Conhecimento, além dos
fundamentos da educação no século XXI, neste caso por meio dos programas estabelecidos
pelos ministérios da educação dos países de maiores IDH – Índice de Desenvolvimento
Humano. Fez-se um estudo de caso em uma organização do Terceiro Setor denominada Salão
do Encontro. Comprovou-se aí que a Filosofia 5S e a Dinâmica do Conhecimento têm os seus
principais elementos presentes em ambiente em que a liderança tem boa educação formal e
familiar, o que a leva a praticar tais conceitos de forma tácita, mesmo quando não são
conhecidos formalmente. Elaborou-se, então, uma proposta preliminar para integração e
difusão dos conceitos que foi submetida a líderes de diversos níveis hierárquicos de
organizações do primeiro, segundo e terceiro setores, que a aprovaram após sugestões de
melhorias. Acredita-se que a proposta está pronta para ser experimentada nesses três tipos de
organizações e que, após correções sucessivas, possa auxiliar na mobilização do potencial
humano para melhorar as condições de vida do povo brasileiro. Ressalte-se que ela representa
apenas uma tentativa de melhorar, simplificar e explicitar o que já está sendo praticado. Sua
originalidade está na integração da forma e do conteúdo. A proposta pressupõe práticas
educativas que poderiam habilitar o cidadão a se tornar um artífice mais consciente na busca
de conhecimento e criação de soluções para problemas locais, como preconiza o movimento
para o desenvolvimento local e sustentável proposto pela Organização das Nações Unidas.
ABSTRACT
This M.Sc. Thesis integrates 5S philosophy and the Knowledge Dynamics concepts with the
aim of accelerating the formation of a productive citizen. Having the individual in the
organization as a start point, it is expected that, if the proposal is practiced in large scale, it
should contribute to changings that are occurring at the national level. In a first instance, data
were searched about the states in the world and in Brazil that would justify the efforts for
changing of thoughts - development of appropriate senses- through a method: the dynamics of
knowledge. Theoretical support was obtained in order to understand the concept of productive
citizen, the 5S philosophy and the Dynamics of Knowledge; in addition the fundaments of
education in the 21st century were also studied based on the programs established by the
ministries of education of the countries with the highest HDI (Human Development Index). A
case study was developed in a organization of the Third Sector named Salão do Encontro
(Meeting Room). It has been proved, then, that the 5S philosophy and the Dynamics of
Knowledge have their main elements present in environments where the leaderships have
good formal and familiar education, leading them to practice those concepts in a tacit way,
even when they have not been formally learned. A preliminary proposal was then elaborated
for integration and diffusion of the concepts. The proposal was submitted to leaders of several
organizational hierarchical levels of the first, second and third sectors, which have approved it
after suggestions for improvement. The proposal is believed to be ready to be tried in these
three types of organizations and that, after successive corrections, it can be of help in the
mobilization of the human potential to improve life conditions of the Brazilian people. It is
worth to note that the proposal represents only an attempt to improve, simplify and elucidate
what has been already practiced. Its originality relies on the integration of the form and
content. The proposal assume educational practices that could allow the citizen to be a more
conscious artificer in the search for knowledge and creation of solution for local problems, as
it is preconized by the movement for local and sustainable development proposed by the
United Nations.
16
"Plante um pensamento, colha uma ação;
plante uma ação, colha um hábito;
plante um hábito, colha um caráter;
plante um caráter, colha um destino".
DITADO POPULAR
1. INTRODUÇÃO
Esta dissertação apresenta os resultados dos estudos teóricos e da análise de um caso para a
combinação de dois temas – a Filosofia 5S e Dinâmica do Conhecimento – visando a
contribuir para a formação do cidadão produtivo. Quanto à Filosofia 5S, trata-se da
instrumentalização do conceito de senso. Quanto à Dinâmica do Conhecimento, trata-se de
uma versão instrumental do método científico. Já o termo “cidadão produtivo” refere-se à
síntese feita por Erich Fromm sobre como poderia ser o perfil do homem, tendo em vista
concretizar a utopia de uma sociedade rica, justa e pacífica. O tema, portanto, é
multidisciplinar, porém seguindo o fluxo de conceitos que estão no contexto da Engenharia de
Produção. Comece-se, pois, com uma pergunta ampla para, ao longo do texto, combinarem-
se amplitude e profundidade, rigor acadêmico e relevância para a vida prática. Em momentos
oportunos serão feitos os recortes teóricos para delimitar a dissertação e, assim, combinar o
seu caráter singular orientado por conceitos universais.
Poderia um cidadão do início do século passado imaginar os feitos revolucionários da
tecnologia que a humanidade alcançou até a virada do ano 2000? O esforço humano erradicou
uma série de doenças que afligiram a humanidade em um passado recente. As novas
descobertas, principalmente aquelas do campo da medicina, indústria aeroespacial,
biotecnologia, nanotecnologia e robótica, possibilitaram aos seres humanos grandes
conquistas que permitiram, inclusive, explorar novas bases em outros planetas. A tecnologia
se espalhou pelas organizações, se infiltrou em nossos lares e se converteu em instrumento de
conforto, imprimindo grande velocidade aos nossos dias. Contudo, dia-a-dia a busca pelos
recursos não-renováveis esgota as reservas naturais. Florestas e montanhas inteiras
desaparecem ao ritmo frenético da exploração humana. No comando da economia em um
mundo globalizado, algumas nações prosperaram favorecidas por essas explorações e pela
tecnologia, mas deixaram à margem milhões de indivíduos que, excluídos das vantagens que
17
o sistema proporciona e submetidos a condições de explorados, compõem a face pobre do
planeta. Uma síntese do quadro geral da humanidade pode ser assim representada
1
:
Se a população mundial estivesse toda representada numa vila de cem habitantes, o cenário seria o
seguinte: haveria sessenta e três asiáticos, treze africanos, dez europeus, nove sul-americanos e apenas
cinco norte-americanos. Estes poucos norte-americanos seriam donos de 59% de toda a riqueza da vila.
Oitenta pessoas viveriam em habitações precárias, setenta seriam analfabetas e cinqüenta mal nutridas. A
diferença entre os 20% mais ricos e os 20% mais pobres do planeta, que era de 11 vezes em 1913, passou
para 30 vezes em 1960, para 60 vezes em 1990 e para 74 vezes em 1997. Vinte por cento da população
mundial detém 86% da renda. Essas mesmas pessoas concentram 74% das linhas telefônicas e 93% da
utilização da Internet.
A busca pela riqueza mobiliza nações inteiras, suas organizações e seus indivíduos,
conduzindo-os às soluções de seus problemas locais. A porção rica do planeta impõe um
ritmo de consumo desenfreado, desestabilizando o cenário sócio-econômico global e gerando
índices intoleráveis de desigualdade. Colocando o dedo indicador sobre o Atlas, identificam-
se dezenas de países, continentes quase inteiros que não possuem condições dignas para a
sobrevivência de todos os seus cidadãos. Nessas nações não se pratica, em larga escala, as
melhores práticas educacionais e produtivas refinadas pela experiência histórica da
Humanidade. Nelas a Filosofia 5S, a Dinâmica do Conhecimento e, conseqüentemente, a
formação do cidadão produtivo, não se alinham de forma sistemática, mas apenas casual. Os
bons resultados desse alinhamento são, portanto, muito localizados e beneficia uma parcela
muito pequena de sua população.
1.1 Justificativa e relevância do tema
O tema proposto, alinhar a Filosofia 5S com a Dinâmica do Conhecimento visando à
formação do cidadão produtivo, justifica-se entre outras, pelas seguintes razões: 1) há
carências substanciais a serem supridas em nosso País; 2) há desperdícios evidentes em todos
os setores de atividade; 3) há potencial humano não utilizado, assim como excelentes recursos
naturais que são usados como renda, ao invés de serem usados como capital para a criação da
base necessária à vida de boa qualidade; 4) novas ações que induzem à produtividade podem
ser integradas em processos educativos. No capítulo “Por Que Mudar” serão apresentados os
dados que justificam as afirmações 1 e 2, enquanto a afirmação 3 será justificada em alguns
dos capítulos subseqüentes.
1
Revista Veja - Edição 1685 - 31/01/01 – Uma Guerra Ideológica
18
Sob uma perspectiva racional crítica, percebe-se que há compromissos mútuos entre o planeta
e seus habitantes, entre as nações e seus cidadãos, entre as organizações e seus colaboradores.
Eles abrangem a satisfação das necessidades básicas das pessoas num contexto de
sustentabilidade, de solidariedade para com as gerações futuras e justificam a elaboração de
um sistema social que garanta emprego, renda, segurança social e respeito a outras culturas,
erradicando a miséria e efetivando programas educativos.
Unindo forças após a Segunda Guerra Mundial, diversos países encontraram nos órgãos,
departamentos, projetos e programas da Organização das Nações Unidas
2
(ONU) a
oportunidade para direcionar um esforço conjunto para a erradicação da miséria, doenças e
guerras que afligem a humanidade. Utilizando mecanismos para impulsionar a distribuição de
renda, a exploração, produção e consumos conscientes, busca-se o equilíbrio desse cenário
sob a égide do desenvolvimento sustentável. A dignidade da vida humana não se estabelece
de acordo com as raças, desenvolvimento econômico ou espaço geográfico. A formação do
cidadão exige a presença de instrumentos para desenvolver seu próprio potencial humano,
colocando suas forças construtivas à disposição da sociedade onde vive. A ONU sabe disso. E
para garantir resultados concretos, busca continuamente soluções objetivas de alcance
popular, portanto, acessível às diversas camadas da população.
Para este trabalho, adotamos uma conceituação de setores enfatizando que o Primeiro Setor é
o setor público, composto pelo governo; o Segundo Setor é composto pela iniciativa privada;
o Terceiro Setor é constituído por organizações sem fins lucrativos e não governamentais que
têm como objetivo gerar serviços de caráter público.
No cenário nacional ampliam-se recursos e competências necessários para o enfrentamento de
grandes desafios, como o combate à pobreza e a incorporação dos excluídos aos direitos
básicos de cidadania. A sociedade civil organizada preenche esse espaço tomando iniciativa
por si mesma, objetivando questões de interesse coletivo. Os números do setor são
significativos. Uma pesquisa realizada pelo IBGE
3
e pelo IPEA
4
, em parceria com a
2
ONU – Organização das Nações Unidas foi criada em 24 de outubro de 1945 para preservar a paz através de
cooperação internacional e segurança coletiva.
3
IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
4
IPEA - Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
19
ABONG
5
e com o GIFE
6
foi concluída em fins de 2004 demonstrando que
(<http://www.abong.org.br>):
Em 2002, havia 276 mil fundações e associações sem fins lucrativos (Fasfil) no país, empregando 1,5
milhão de pessoas. Contudo, os dados da pesquisa apontam uma imensa pluralidade e heterogeneidade
dessas organizações sem fins lucrativos: igrejas, hospitais, escolas, universidades, associações patronais e
profissionais, entidades de cultura e recreação, meio ambiente, de desenvolvimento e defesa de direitos,
etc.
Essas organizações, que compõem o Terceiro Setor, têm em comum, serem, ao mesmo tempo,
voluntárias, autônomas e privadas, formadas por cidadãos que se reúnem livremente em torno
de objetivos comuns. Seus membros adquirem naturalmente hábitos de cooperação,
solidariedade e espírito público e desenvolvem o senso de responsabilidade comum para com
os empreendimentos coletivos, a autodisciplina e o espírito de colaboração.
As organizações do Primeiro e Segundo setores adotam de forma ostensiva métodos e
ferramentas para desenvolver o potencial de seus colaboradores e gerar resultados para seus
dirigentes, proprietários e acionistas. A aplicação da Filosofia 5S nessas organizações tem
demonstrado melhorias nas atitudes dos colaboradores e no ambiente de trabalho. A Dinâmica
do Conhecimento
7
, formatada à luz do método científico, disponibiliza um roteiro
simplificado para a solução de problemas, com aplicação genérica e aperfeiçoamento
contínuo.
Verificando a situação sócio-econômica atual do nosso País, percebe-se a importância de se
instrumentalizar métodos, ferramentas e informações e colocá-los ao alcance dos indivíduos e
das organizações com o intuito de aperfeiçoar o caráter produtivo, provocando melhorias nas
instituições e na vida das pessoas. As experiências bem-sucedidas reforçam a hipótese de que
a sociedade como um todo poderia beneficiar-se dos bons resultados colhidos por muitas
organizações públicas e privadas, além das boas experiências realizadas em âmbito nacional
por alguns países que conseguiram melhorar a qualidade de vida do seu povo em larga escala.
Neste desafio, o desenvolvimento do senso
8
, numa forma apropriada à situação, bem como o
pensamento científico, já se provaram de grande potencial para a realização da transformação
5
ABONG - Associação Brasileira de Organizações Não-Governamentais
6
GIFE - Grupo de Institutos, Fundações e Empresas
7
A Dinâmica do Conhecimento é um modelo desenvolvido pelo Professor João Martins da Silva, pesquisador do
Departamento de Engenharia de Produção da Escola de Engenharia da Universidade Federal de Minas Gerais.
8
O senso é interpretado nesta pesquisa como a essência, os fundamentos da Filosofia 5S.
20
social. Isso pode ser explicitado para as pessoas que ainda não tiveram contatos com métodos
formais de solução de problemas ou mesmo para aquelas que querem aperfeiçoar o método
que utilizam intuitivamente.
1.2 Problema específico
O problema específico deste trabalho consiste em dar uma versão instrumental conjunta à
Filosofia 5S e a Dinâmica do Conhecimento, numa tentativa de ordenar idéias e conceitos que
possam ser aplicados em larga escala. Trata-se, portanto, de tentar melhorar as formatações
instrumentais já existentes e dar-lhes maior amplitude quanto à possibilidade de aplicação.
Em alguns casos, as práticas informais bem sucedidas sugerem que os dois temas são
naturalmente praticados por pessoas que tiveram uma boa educação formal e familiar, dentro
dos moldes humanísticos. Isso leva a crer que é possível, por meio da instrumentalização
desses conceitos, realinhar o comportamento daquelas pessoas que não tiveram as chances de
uma boa educação.
A pergunta básica que se impõe, a partir da observação da realidade, é “Pode-se apresentar
uma proposta com a combinação mencionada visando a auxiliar as pessoas nas organizações
em que atuam a desenvolverem suas capacidades produtivas?“.
Sob o aspecto de sua valoração o problema em si é viável, relevante, novo, exeqüível e
oportuno.
1.3 Hipótese de trabalho
Percebe-se que mesmo sem explicitações via métodos ou ferramentas, a essência da Filosofia
5S (o senso) e a Dinâmica do Conhecimento são praticados em muitas organizações e países.
Por outro lado, há inúmeros casos de situações em que tais conceitos foram aplicados de
forma intencional e explícita, mostrando-se efetivos como aceleradores de grandes mudanças
positivas. Parte-se da hipótese de que as organizações que não se beneficiaram da excelência
da educação dos seus membros e que, portanto, praticam de forma apenas casual e localizada
os conceitos em pauta, poderão acelerar a realização do potencial dos seus colaboradores ao
explicitar-lhes tais conceitos. Por outro lado, mesmo aquelas organizações que já os praticam
poderiam fazê-lo de forma ainda mais efetiva se aprovarem o modelo proposto como sendo
21
mais assimilável. Particularmente quanto ao estudo de caso, espera-se que, devido à
excelência na formação de sua principal líder, a organização escolhida, uma instituição
denominada Salão do Encontro, já pratique grande parte dos conceitos em pauta. Espera-se,
ainda, que tais conceitos estejam, pelo menos em parte, intimamente associados aos conceitos
educacionais de base usados pelos países de melhor IDH cujas práticas educacionais foram
pesquisadas.
1.4 Objetivos da pesquisa
1.4.1 Objetivo geral
O objetivo principal da pesquisa é combinar a Filosofia 5S com a Dinâmica do
Conhecimento, numa proposta de ação de fácil compreensão, para a formação do cidadão
produtivo brasileiro. Como decorrência natural da prática dessa proposta, se aceita pelas
organizações, espera-se contribuir para a transformação social brasileira.
1.4.2 Objetivos específicos
- Explicitar os fundamentos naturais da Filosofia 5S e da Dinâmica do Conhecimento,
através da análise da literatura fundamental sobre esses temas;
- Realizar via estudo de caso a verificação da prática informal dos elementos
correspondentes (Filosofia 5S e Dinâmica do Conhecimento) que compõem o
arcabouço teórico dentro do ambiente produtivo da instituição pesquisada - Salão do
Encontro, uma instituição do Terceiro Setor sediada em Betim, Minas Gerais. A
disponibilização da proposta é relevante para instituições como esta que não possui
métodos formais para a resolução de problemas em suas unidades produtivas.
1.5 Estrutura da pesquisa
A estrutura da pesquisa está sintetizada na Figura 1. Inicia-se com uma abordagem
introdutória sobre o Estado do Mundo, o Estado do Brasil e a formação do caráter do ser
humano, que pode ser estudada a partir de uma perspectiva produtiva. A Filosofia 5S e suas
práticas, a Dinâmica do Conhecimento e o método científico, com definições sobre o método
científico clássico, a sua interpretação segundo a visão dos cientistas modernos, as críticas
22
sobre o método, o advento do século XX com a utilização de processos de aperfeiçoamento
nas organizações concebidos sob a ótica do método e os métodos de solução de problemas.
FIGURA 1 – Esquema básico da pesquisa
As bases para a formação do cidadão produtivo são tratadas a partir de referenciais teóricos,
com estudos sobre a paideia – a formação do homem integral na Grécia, temperamento e
caráter, caráter do homem cristão e caráter do homem japonês. A dinâmica da transformação
social é contemplada pelas práticas educativas, referenciadas a partir das bases da educação
no século XXI e demonstradas pelos novos paradigmas, pelo consenso firmado entre a ONU e
as entidades da sociedade civil, pelos programas onde são relacionadas as melhores práticas
de educação para a formação do caráter nos países com maior Índice de Desenvolvimento
Humano (IDH) e pelos movimentos de mobilização coletiva. O IDH procura espelhar, além
da renda, mais duas características desejadas e esperadas do desenvolvimento humano: a
longevidade de uma população (expressa pela sua esperança de vida ao nascer) e o grau de
maturidade educacional (que é avaliado pela taxa de alfabetização de adultos e pela taxa
combinada de matrícula nos três níveis de ensino). A renda é calculada através do PIB real per
capita, expresso em dólares e ajustado para refletir a paridade do poder de compra entre os
países.
23
1.6 Procedimentos metodológicos
Thiollent in Fleury (1983:59) afirma que as disciplinas tecnológicas cujo componente
normativo ocupa um lugar importante não são ciências “puras” e, metodologicamente, não
são orientadas para a descoberta – embora para ela possam contribuir – e sim para a aplicação.
A engenharia de produção e a tecnologia, intrinsecamente ligadas, orientam a resolução de
problemas no âmbito da organização do trabalho. Quando são feitas referências ao trabalho
coletivo, consideram-se também a sociologia e a psicologia industrial.
A estratégia de pesquisa adotada possui natureza qualitativa, tipos exploratória e descritiva e
observações não-participativas. Sob forma de revisão bibliográfica foi realizada uma pesquisa
abrangendo grande parte da documentação já tornada pública em relação ao tema, quando
foram pesquisados livros, artigos, periódicos, dissertações, fitas de vídeo e sítios na internet.
Os sítios acessados são oriundos de organizações institucionalizadas idôneas. Neles foram
pesquisados e extraídos dados de relatórios e documentos oficiais, portanto, de fontes
primárias. Os temas abordados são conhecidos, alguns no estado-da-arte, e serviram como
base para a composição do presente trabalho.
Um estudo de caso complementa a pesquisa, onde foram verificadas “in loco” as práticas
realizadas em ambiente produtivo de uma Organização do Terceiro Setor – o Salão do
Encontro. Tal estudo visa comprovar a existência de práticas informais relacionadas à
Filosofia 5S e à Dinâmica do Conhecimento e, conseqüentemente a necessidade de se
disponibilizar um método formal e de entendimento popular para auxiliar em ações que
envolvam soluções de problemas desse tipo de organização.
1.7 Resultados esperados
Espera-se que o trabalho realizado possa ter utilidade direta nas organizações dotadas de
líderes com boa capacidade de leitura. Espera-se, ainda, que ele possa induzir o interesse pela
capacitação permanente das pessoas para uma melhor realização dos seus potenciais
inerentes. O caráter do homem cristão e a disposição do povo brasileiro para lidar com
24
situações de grande instabilidade social e econômica tornam favorável ao cidadão comum
utilizar a proposta resultante deste trabalho. Embora a proposta tenha sido extraída de um
critério com rigor científico, não é necessário ser um cientista para entendê-la e colocá-la em
prática. Objetiva-se o alcance popular, onde o contexto ideal é o da busca de conhecimento,
associado a uma parcela de esforço de raciocínio e ação.
25
O caminho da vida pode ser o da liberdade e da beleza, porém nos extraviamos.
A cobiça envenenou a alma do homem... levantou no mundo as muralhas do ódio ...
e tem-nos feito marchar a passo de ganso para a miséria e os morticínios.
Criamos a época da velocidade, mas nos sentimos enclausurados dentro dela.
A máquina, que produz abundância, tem-nos deixado em penúria.
Nossos conhecimentos fizeram-nos céticos; nossa inteligência, emperdenidos e cruéis.
Pensamos em demasia e sentimos bem pouco.
Mais do que máquinas, precisamos de humanidade.
Mais do que de inteligência, precisamos de afeição e doçura.
Sem essas duas virtudes, a vida será de violência e tudo será perdido.
EXTRAÍDO DE “O ÚLTIMO DISCURSO” – CHARLES CHAPLIN
2 POR QUE MUDAR?
2.1 Visão panorâmica do Estado do Mundo
Há milhares de anos o mundo tem servido de cenário para a convivência do ser humano, com
padrões de relacionamento e poder, de exploração da terra, de produção e consumo. Até então
grandes transformações têm ocorrido, mas foi a partir do século passado que se notou a
intensificação maciça desses acontecimentos. Seus resultados podem ser observados
globalmente, em países ricos e pobres: a desigualdade de renda, a explosão populacional, a
devastação de recursos naturais, a escassez energética, as guerras, a corrupção, enfim, uma
série de eventos que geram grandes descompassos econômico, social e ecológico. A série de
males também tem remédios em forma de soluções factíveis: reflorestamento em moldes
sustentáveis, novos modelos de geração de emprego e renda, foco em energias alternativas,
esforço contra o desperdício de recursos, investimentos em educação, saúde e infra-estrutura
básica. Mais do que qualquer alternativa é preciso repensar a questão dos valores humanos.
Existem vários organismos internacionais que pesquisam e disponibilizam conjuntos de
indicadores para ilustrar a situação do mundo atual. Conforme acesso realizado ao sítio
<http://www.unesco.org.br> da UNESCO
9
constatou-se que
10
:
- Na Terra, que hospeda cerca de 6,3 bilhões de pessoas, 15% vivem em países ricos e
consomem 56% dos recursos mundiais;
- 40% vivem em países pobres e representam 11% do consumo;
9
UNESCO – United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization foi fundada em 1945, logo após
a Segunda Guerra Mundial. Tem uma missão ética, o que faz dela uma “organização chave para o futuro”. No
cumprimento dessa missão, destaca-se a cooperação intelectual, para a produção e partilha de conhecimentos.
10
Pronunciamento: "Os Quatro Pilares da Educação: O seu Papel no Desenvolvimento Humano" - São Paulo -
SP, 13 de junho de 2003.
26
- Apenas 358 pessoas são donas de uma riqueza acumulada superior à de 45% da
população mundial;
- Um mundo só não basta: se cada habitante do planeta se comportasse como o
habitante médio de um país de alta renda, precisaríamos de 2,6 planetas para satisfazer
às necessidades de todos.
Ainda de acordo com recentes estudos disponíveis sobre o assunto
11
, realizados pelos técnicos
da ONU, existem (<http://www.un.org>):
- Três bilhões de pessoas que vivem na pobreza (com menos de dois dólares por dia);
- 1,3 bilhões de pessoas vivem na absoluta ou extrema pobreza (com menos de um dólar
por dia);
- Cerca de 830 milhões de pessoas famintas e mal-nutridas;
- Cerca de 750 milhões de pessoas que não possuem acesso à saúde básica.
De acordo com os dados compilados na virada do milênio pelos diversos organismos ligados
à ONU, a pobreza atinge intensamente a Ásia, que concentra 63% dos miseráveis do mundo,
sendo que somente na Índia mais de 300 milhões de pessoas vivem em estado de privação
absoluta. Em termos proporcionais, o epicentro da miséria mundial é a África. No continente
africano, um em cada quatro habitantes passa fome. São 180 milhões de indigentes numa
população de 800 milhões de pessoas. A ONU expõe dados que retratam uma situação global
de forma sintetizada (<
http://www.un.org/>):
1) 113 milhões de crianças estão fora da escola
12
;
2) 2/3 dos analfabetos do mundo são mulheres;
3) Um bilhão de pessoas ainda não têm acesso à água potável;
4) Em média, nos países pobres e em desenvolvimento, a cada 48 partos, uma mãe
morre;
5) Muitos países pobres gastam mais com os juros de suas dívidas do que para superar
seus problemas sociais.
11
Report of the Secretary-General on the work of the Organization - General Assembly Official Records -
Fifty-fourth Session - Supplement No. 1 (A/54/1) - Chapter II - Eradication of poverty
12
"Literacy as Freedom" — United Nations Launches Literacy Decade (2003-2012)
27
Em relação às questões ambientais, destaca-se que em 1972 a ONU realizou uma conferência
em Estocolmo, na Suécia. Daí resultou a Declaração do Meio Ambiente, proclamando que “a
proteção e a melhora do meio ambiente são questões fundamentais, afetando o bem-estar dos
povos e o desenvolvimento econômico do mundo”, e por isso constituem um anseio das
sociedades e um dever dos governos.
Em 1992, a ONU realizou no Rio de Janeiro a Conferência das Nações Unidas sobre Meio
Ambiente e Desenvolvimento (Rio – 92) e convocou a família humana para uma nova
experiência – a do desenvolvimento sustentável. Aí foram adotados os programas globais
intitulados “Agenda 21” e “Declaração do Rio para o Ambiente e Desenvolvimento”, que em
seu princípio número 1, diz: “Os seres humanos estão no centro das preocupações com o
desenvolvimento sustentável. Têm direito a uma vida saudável e produtiva, em harmonia com
a natureza”. Em setembro do ano 2000, os estados-membro que compõem as Nações Unidas
adotaram a Declaração do Milênio, em consonância com consultores de agências
internacionais como o BIRD
13
, FMI
14
, OECD
15
e agências especializadas da ONU. Para
implementar a Declaração do Milênio, reconheceram uma série de 8 metas a serem
alcançadas até 2015 (<http://www.un.org>):
1) Redução, pela metade, da parcela da população mundial que vive sob extrema
pobreza, afligida pela fome e sem acesso a água potável;
2) Alcance da conclusão universal do ensino primário e igualdade de gênero no acesso à
educação;
3) Promoção da igualdade de oportunidade entre os sexos e da autonomia das mulheres;
4) Redução da taxa de mortalidade infantil em 2/3;
5) Melhoria da saúde materna;
6) Combate a Aids, malária e outras doenças, reduzindo suas incidências pela metade;
13
BIRD – Banco Internacional para a Reconstrução e o Desenvolvimento é subordinado ao grupo do Banco
Mundial. Proporciona empréstimos e assistência para o desenvolvimento a países de rendas médias com bons
antecedentes de crédito.
14
FMI – Fundo Monetário Internacional é uma organização que trabalha para promover a cooperação monetária
global, fixar a estabilidade financeira, facilitar o comércio internacional, promover a elevação de emprego e o
crescimento econômico sustentável e reduzir a pobreza.
15
OECD - Organisation for Economic Co-operation and Development agrupa 30 países que compartilham de
um compromisso com o governo democrático e economia de mercado. Produz instrumentos para acordos
internacionais, decisões e recomendações para promover as réguas do jogo em áreas onde o acordo multilateral é
necessário para países individuais progredirem em uma economia globalizada.
28
7) Redução, pela metade, da proporção de pessoas que não têm acesso à água potável e
saneamento básico;
8) Estabelecimento de uma parceria mundial para o desenvolvimento.
No ano de 2002 foi realizada em Joanesburgo, na África do Sul, a Cúpula Mundial sobre
Desenvolvimento Sustentável. O encontro não contemplou tratados importantes entre as
diversas nações, mas debateu sobre os cronogramas relacionados ao desenvolvimento
sustentável, revisando as metas do milênio, consolidadas por chefes de Estado em exercício.
A presente proposta está, de acordo com o que foi visto anteriormente, em sintonia com essas
preocupações mais abrangentes, embora o seu foco sejam as organizações com sede no Brasil.
2.2 O Estado do Brasil
Com referência ao Estado do Brasil podem-se citar dados intrigantes. Atualmente, o Brasil
situa-se entre as maiores economias do planeta. É o país de maior extensão territorial e maior
potencial agrícola da América Latina, mas, antagonicamente, apresenta indicadores sociais
semelhantes ou piores que muitos países da África. Durante os anos do século XX, a riqueza
do país cresceu 100 vezes a uma taxa média de 5% ao ano, próxima ao padrão dos Tigres
Asiáticos
16
– graças, sobretudo, aos primeiros 73 anos desse século, em que o Brasil cresceu
mais que qualquer outro país do planeta. O PIB per capita
17
partiu de valores muito pequenos
em 1900 (R$ 497,00), crescendo quase 12 vezes até chegar a R$ 6.011,00 em 1980. Apesar
disso, o país continuou a se atrasar em relação ao resto do mundo, pois a economia estagnou e
contabilizou um desempenho insuficiente nas décadas de 80 e 90. Em 2005, o Brasil
completou seu décimo ano seguido de crescimento inferior à economia global. Desde 1996, o
PIB
18
mundial cresceu 40%, quase o dobro do brasileiro, que se expandiu 22% no mesmo
período.
16
A partir dos anos 70, alguns países asiáticos apresentaram um crescimento econômico de proporções
espetaculares. Coréia do Sul, Formosa (Taiwan), Hong Kong e Cingapura saem na frente. Malásia, Tailândia e
Indonésia juntaram-se a eles nos anos 80.
17
PIB per capita é o PIB gerado por cada habitante, que pode ser obtido dividindo o PIB total pelo número de
habitantes de uma localidade (país, estado ou cidade).
18
PIB - Produto Interno Bruto representa a soma (em valores financeiros) de toda a produção econômica de uma
determinada região ou parcela da sociedade (qual seja, países, estados, cidades), durante um período
determinado (mês, trimestre, ano, etc).
29
Embora o país tenha atingido tais patamares de crescimento, contabilizam-se níveis de
pobreza que atingem duramente o povo brasileiro. Sob o título “A conta está errada”, a revista
Veja
19
publicou que eram vários os estudos dimensionando a nossa população de miseráveis,
indivíduos que não têm renda suficiente para adquirir diariamente os alimentos em quantidade
mínima necessária à manutenção saudável de uma vida produtiva. Os especialistas não
chegavam a um acordo em termos de um dado específico, pois havia controvérsia sobre a
metodologia a ser aplicada. Para o Banco Mundial
20
existiam no Brasil no ano de 2001, 14
milhões de miseráveis. Para o CEPAL eram 20 milhões. O IPEA
21
apontava 23 milhões. O
Instituto Cidadania apontava 44 milhões e a Fundação Getúlio Vargas contabilizou 50
milhões.
Em acesso aos dados do Banco Central do Brasil através do sítio <
http://www.bc.gov.br/>,
verificou-se que o PIB per capita brasileiro saltou de US$457,12 (valor que hoje corresponde
a países extremamente pobres do continente africano) em 1970 para US$3.326,21 no ano de
2004. Isso significa que a renda do brasileiro aumentou em torno de 7 vezes neste período e
pode ser considerado um bom resultado, se não for comparado com os números de países
ricos e se for levado em consideração que a população no período praticamente dobrou,
passando de 93.139.037 (censo IBGE) para 181.586.030 habitantes (estimativa IBGE).
Embora tenha constatado um aumento no PIB per capita, os níveis de desigualdade da
distribuição de renda, medidos pelo coeficiente de Gini
22
, continuam provocando distorções
intoleráveis para a sociedade. De acordo com o Relatório de Desenvolvimento Humano de
2005, acessado via <http://www.pnud.org.br>, os 10% mais pobres da população brasileira
obtiveram 0,7% da riqueza nacional e os 10% mais ricos, 47% dessa riqueza. Estes dados
possibilitaram ao Brasil atingir um índice de Gini de 59,3. No mesmo ano, a média mundial
19
Revista Veja - Edição 1723 – 24/10/2001 – A conta está errada.
20
Originalmente conhecido como World Bank Group´s, foi concebido durante a Segunda Guerra Mundial, em
Bretton Woods, estado de New Hampshire (EUA) e, em seus trabalhos iniciais, ajudou a reconstruir a Europa no
período pós-guerra. O trabalho de reconstrução permanece como um enfoque importante do Banco Mundial
devido aos desastres naturais, emergências humanitárias e necessidades de reabilitação pós-conflitos, mas
atualmente a principal meta do trabalho do Banco Mundial é a redução da pobreza no mundo em
desenvolvimento.
21
IPEA - Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada foi criado em 1964. É pioneiro na disseminação de
informações e conhecimentos sobre a área econômica do País. Vinculado ao Ministério do Planejamento,
Orçamento e Gestão, o IPEA produz pesquisas, projeções e estudos macroeconômicos, setoriais e temáticos com
o intuito de subsidiar o governo na produção, análise e difusão de informações voltadas para o planejamento e a
formulação de políticas.
22
O coeficiente de Gini é um número entre 0 e 1, geralmente utilizado para medir a desigualdade da renda (ou
seja, o seu grau de distribuição), onde 0 corresponde à igualdade perfeita (onde todos tem a mesma renda) e 1
corresponde à desigualdade perfeita (onde uma pessoa concentra toda a renda). O índice de Gini é o coeficiente
de Gini expressado em sua forma percentual, e é igual ao coeficiente de Gini multiplicado por 100.
30
ficou estabelecida em 67,0, os Estados Unidos obtiveram 40,8, Rússia 31,0, Etiópia 30,0 e
Suécia 25,0.
Saindo de uma perspectiva histórica e posicionando frente a outras nações a renda per capita
brasileira, o Sr. Antônio Ermírio de Morais – renomado industrial brasileiro - escreve sob o
título “Brasil: um PIB vergonhoso” em coluna do jornal Folha de São Paulo de 13 de junho de
2004:
Em 2003, a renda per capita dos brasileiros - marcada por sua terrível e conhecida má distribuição - foi
de apenas US$ 2.789. A Jamaica teve desempenho melhor, com uma renda per capita de US$ 2.962. A
Argentina, que foi destroçada por sucessivas crises financeiras e finalmente pela aventura da moratória,
tem renda per capita de US$ 3.322. É um absurdo que, com tanta riqueza espalhada em um grande
continente, o Brasil gere menos de 1% do PIB mundial e, em termos de renda per capita, fique atrás de
países como o Líbano, Panamá, República Dominicana e Barbados! Se formos nos comparar com os
países ricos, então as diferenças são brutais. Enquanto um brasileiro tem uma renda per capita de US$
2.789, um americano tem de US$ 37.312!
Dimenstein (1999:38) relata: “Chegamos a tal ponto de má distribuição de renda que
conseguimos atrair um executivo de país industrializado, fazendo-o sentir-se milionário. Mas
se chamássemos um operário, iria se sentir dez vezes abaixo de mendigo”.
No último relatório de desenvolvimento humano, relativo ao ano de 2002, o Brasil ocupa a
72ª posição no ranking com um IDH de 0,775. Por outro lado, a ONU divulgou que o Brasil
ocupa a 15ª posição entre as nações mais ricas do mundo. Acima dessa posição existem dois
grupos de países: um formado por países que estão chegando aos seus limites hipotéticos de
capacidade de desenvolvimento, tais como Canadá e Itália, e outro grupo, formado por países
emergentes com grande extensão territorial, como a Índia e a China, que, em comparação ao
Brasil, possuem uma sociedade mais engessada em vários aspectos.
Para ilustrar a grande dinâmica verificada na nossa economia, verifica-se que
23
:
- A economia brasileira chegou a atrair no ano de 2000 investimentos estrangeiros da
ordem de 30 bilhões de dólares;
- Quase metade dos usuários de internet da América Latina concentra-se no Brasil;
- Depois dos Estados Unidos, o Brasil é a nação que mais compra aviões executivos;
- A cidade de São Paulo possui a segunda maior frota de helicópteros do mundo;
23
Revista Veja - Edição 1735 – 23/01/2002 – O paradoxo da miséria
31
- No campo da medicina, existem hospitais e centros de pesquisa nacionais que servem
de referência mundial em áreas como, por exemplo, a cardiologia.
Segundo os pesquisadores do IPEA (<www.ipea.gov.br>), o obstáculo crucial para superar a
pobreza no Brasil não é a falta de recursos, mas a distribuição desigual da renda. Para resolver
esta situação, sugerem a adoção de algumas medidas que incluem a criação de capital humano
(educação na luta contra a pobreza) e o fortalecimento da participação e da cidadania. Sob
esse capital humano esconde-se uma riqueza expressa pelo potencial e pela capacidade
produtiva dos indivíduos que pode ser descortinada através de práticas educativas. Verifica-
se, aqui, uma conexão direta com a proposta desta dissertação que, como já se explicitou em
outros tópicos, consiste na tentativa de integração de dois conceitos vitais para se atingirem as
metas propostas por diversos organismos nacionais e internacionais: a integração entre a
Filosofia 5S e a Dinâmica do conhecimento para a formação do cidadão produtivo.
O capítulo seguinte reporta uma análise da literatura que ilustra e dá suporte aos primeiros
esforços da civilização em construir a educação para a formação do cidadão produtivo.
Desenvolve-se o tema a partir da paideia, onde as buscas pela excelência e pelas virtudes na
construção da moral propiciam a estruturação do caráter dos indivíduos. A conceituação de
caráter e temperamento é seguida pela construção do senso sob a guisa do cristianismo, que
predomina em território brasileiro, descortinando o contato maciço da população com os
códigos de conduta inseridos em escritos que datam de dois mil anos. A constatação do
sucesso em lidar com métodos e técnicas para levar o desenvolvimento à nação em uma
mobilização geral no período pós-guerra, conduziu os estudos do capítulo rumo às bases do
caráter do homem japonês. Esses caminhos levam às conceituações de diversos cientistas
sobre a produtividade que se associa ao caráter das pessoas, mostrando a potencialidade
intrínseca e inerente a todos.
32
As capacidades clamam por serem usadas
e cessam seu clamor apenas quando são bem utilizadas...
Utilizar nossas capacidades é não somente divertido
como também necessário ao desenvolvimento.
Uma técnica, uma capacidade ou um órgão subutilizado
pode tornar-se sede de doenças, atrofiar ou desaparecer,
além de depreciar a pessoa.
ABRAHAM MASLOW (TOWARD A PSYCHOLOGY OF BEING)
3 A FORMAÇÃO DO CIDADÃO PRODUTIVO
Neste capítulo serão abordados os subsídios para se compreender teoricamente o conceito de
cidadão produtivo. Inicia-se com o item 3.1 – Paidéia: a formação do homem integral na
Grécia Antiga – pelo fato de que, na Grécia Antiga concretizou-se, na teoria e na prática, o
melhor que a Humanidade já conseguiu na sua tentativa de formar o cidadão produtivo. Isso
apesar de, simultaneamente, ter-se convivido ali com a escravidão. No item 3.2 – O
temperamento e o caráter como fatores determinantes da conduta humana – apresentam-se
alguns dos conceitos teóricos que mais influenciaram a interpretação do caráter humano, base
para se conceber o cidadão produtivo e a formação do senso, cuja versão instrumental para a
prática educacional está centrada na Filosofia 5S. No item 3.3 – O caráter do homem cristão -
analisa-se o tema tendo em vista que o cristianismo é a principal fonte disponível para
influenciar a formação do caráter e, portanto, do senso do brasileiro. No item 3.4 – As bases
do caráter do homem japonês – apresentam-se algumas teorias sobre as bases fundamentais
que possibilitaram ao Japão recuperar-se das cinzas e, presumivelmente, os motivos que
levaram alguns de seus líderes a propor a prática da Filosofia 5S como principal etapa para
recuperar o País, restabelecendo as condições mínimas para se erigir a estrutura da sua
reconstrução. Finalmente, no item 3.5 – O conceito de cidadão produtivo -, encerra-se o
capítulo 3 com a definição do termo, agora sob uma base teórica sólida, ainda que o autor
principal evocado, Erich Fromm, não tenha feito referências explícitas ao referencial teórico
completo usado no presente capítulo.
3.1 Paidéia: a formação do homem integral na Grécia Antiga
Para iniciar estudos relativos à formação do caráter produtivo, é mister apresentar os
fundamentos que propiciaram a criação de ideais para a vida em sociedade, amparada por
ditames éticos e valores morais que possibilitaram aos indivíduos tecer e colocar em prática
33
um modelo educacional. O conteúdo deste item baseia-se na célebre obra Paideia: A
Formação do Homem Grego, de Werner Jaeger.
A educação tem sido objeto de investigação desde o século V a.C., quando os pensadores
gregos começaram a formatá-la como estratégia fundamental para a cidadania. Além de
formar o homem esta educação deveria ainda formar o cidadão
24
. A antiga educação, baseada
na ginástica, na música e na gramática deixou de ser suficiente, surgindo aí a paideia, clara
quanto à finalidade de se formar um elevado tipo de homem, um ideal grego de formação
humana. Segundo Jaeger (1936:22), a palavra paideia tinha o simples significado de “criação
dos meninos”, em nada semelhante ao elevado sentido que mais tarde adquiriu e que é o único
que nos interessa aqui.
O conceito de paideia não designa unicamente a técnica própria para, desde cedo, preparar a
criança para a vida adulta. A ampliação do conceito fez com que ele passasse também a
designar o resultado do processo educativo que se prolonga para além dos anos escolares, ou
seja, para a vida toda. No plano social, o objetivo da paideia era desenvolver os talentos e
potenciais do educando a serviço da criação na natureza e junto aos seus semelhantes,
aprendendo a ser, a conviver e a respeitar o mundo ao redor. Segundo o princípio da paideia,
formar é domar os instintos cegos e selvagens do homem e transformá-lo em uma obra de
arte, estética e ética.
Os gregos afirmavam que a educação não seria propriedade de um só indivíduo, mas
pertenceria, por essência, à comunidade. O conteúdo dessa educação, como função natural e
universal da comunidade humana, leva à definição do conceito de techne (JAEGER,
1936:21):
O seu conteúdo, aproximadamente o mesmo em todos os povos, é simultaneamente moral e prático.
Também entre os Gregos assim foi. Reveste, em parte, a forma de mandamentos, como: honra os deuses,
honra teu pai e tua mãe, respeita os estrangeiros; consiste por outro lado numa série de preceitos sobre a
moralidade externa e em regras de prudência para a vida, transmitidas oralmente pelos séculos fora; e
24
Segundo verbete do dicionário Houaiss da Língua Portuguesa o termo cidadão, em sua acepção, refere-se a
“habitante da cidade; indivíduo que, como membro de um Estado, usufrui direitos civis e políticos garantidos
pelo mesmo Estado e desempenha os deveres que, nesta condição, lhe são atribuídos; aquele que goza de direitos
constitucionais e respeita as liberdades democráticas”. Em relação ao seu diacronismo, o termo era utilizado na
Grécia antiga indicando o indivíduo que desfrutava do direito de participar da vida política da cidade, o que era
vedado à mulher, ao estrangeiro e ao escravo; para os romanos, era utilizado para o indivíduo nascido em seu
território e que gozava da condição de cidadania.
34
apresenta-se ainda como comunicação de conhecimentos e aptidões profissionais a cujo conjunto, na
medida em que é transmissível, os Gregos deram o nome de techne.
A educação grega tinha um conceito que ilustrava a sua essência: a arete, cujo sentido
principal podia ser definido como (JAEGER,1936:23):
O tema essencial da educação grega é antes o conceito de arete, que remonta aos tempos mais antigos.
Não temos na língua portuguesa um equivalente exato para este termo, mas a palavra virtude na sua
acepção não atenuada pelo uso puramente moral, e como expressão do mais alto ideal cavalheiresco unido
a uma conduta cortês e distinta e ao heroísmo guerreiro, talvez pudesse exprimir o sentido da palavra
grega... Tanto em Homero como nos séculos posteriores, o conceito de arete é frequentemente usado no
seu sentido mais amplo, isto é, não só para designar a excelência humana, como também a superioridade
de seres não humanos; a força dos deuses ou a coragem e rapidez dos cavalos de raça.
Homero associava arete às qualidades morais e espirituais do ser humano, derivando daí um
conjunto de normas de conduta, alheias ao homem comum, ou seja, a arete era considerada a
beleza de caráter que orientava a práxis (a ação cotidiana) humana para o Bem, e tal perfeição
só poderia ser atingida por almas de escol.
Platão dizia que a arete estava inserida no ideal do homem justo, destacando suas quatro
virtudes platônicas (ou cardeais): fortaleza, temperança, justiça e prudência. Distinguia a arete
do saber especializado como a seguir (JAEGER,1936:136):
Ali define ele como oposta ao saber especializado dos homens de ofícios, negociantes, merceeiros,
armadores, a essência de toda a verdadeira educação ou paideia, a qual é educação na arete que enche o
homem do desejo e da ânsia de se tornar um cidadão perfeito, e o ensina a mandar e obedecer, sobre o
fundamento da justiça.
A tese socrática era constituída de paradoxos, onde a virtude é ciência (conhecimento) e o
vício é ignorância. Tal tese também afirma que ninguém peca voluntariamente: quem faz o
mal, fá-lo por ignorância do bem.
O desejo de justiça exercido na polis
25
, era considerada como modeladora do homem grego,
eis que a polis delineava as exigências do perfeito cidadão, além do que imprimia nos
indivíduos seu caráter de modo vigoroso e implacável.
Hesíodo propôs que um novo conceito de educação popular substituísse a formação geral da
personalidade, avaliando cada homem pela eficácia do trabalho realizado. A arete poderia ser
assim compreendida (JAEGER,1936:92):
25
Cidade-Estado, na Grécia Antiga.
35
O trabalho é celebrado como o único, ainda que difícil, caminho para alcançar a arete. O conceito abarca
simultaneamente a habilidade pessoal e o que dela deriva – bem-estar, êxito, consideração. Não se trata da
arete guerreira da antiga nobreza nem da classe proprietária, baseada na riqueza, mas sim da do homem
trabalhador, que tem a sua expressão numa posse de bens moderada.
A partir da série de diálogos socráticos de investigação perpetrados por Platão, os indivíduos
são levados a acreditar que a virtude é necessariamente um saber, se revelando como
conhecimento do bem. Platão chega a derivar a palavra “caráter” de “hábito”, quando faz
referências ao trato infantil, objetivando educar a criança na alegria, lançando harmonia e
equilíbrio do caráter em sua alma.
Aristóteles considerava como cidadãos somente aqueles que participavam da administração
pública. Assim, o cidadão justo, ajuizado e sábio, derivava do Estado moral, onde as boas
ações criavam resultados a partir da virtude e do bom senso que floresciam na alma dos
cidadãos da cidade virtuosa.
Como se vê, a essência da paideia, adaptando o conceito para a situação atual, e tendo em
vista o escopo desta dissertação, é a formação do homem de senso, o cidadão produtivo. A
paideia serviu como cenário para a construção de estudos sobre educação, produtividade,
busca da excelência e formação do homem integral.
3.2 O temperamento e o caráter como fatores determinantes da conduta
humana
A paideia fundamentou a conduta humana e explicitou a prática de virtudes em forma de um
ideal a ser seguido, criando referências para um modelo educacional. Os indivíduos encaram a
virtude como prática do bem e esta como promotora da felicidade dos seres, seja de forma
individual ou coletiva. Para aperfeiçoá-la, esses indivíduos avaliam seus desempenhos
humanos em relação às normas comportamentais pertinentes definindo, assim, a sua conduta.
A discussão que sempre existiu sobre a conduta humana se dá entre dois argumentos causais:
de um lado existe o livre arbítrio do indivíduo, que implica a eventual punibilidade de seus
atos, de outro lado, a constituição biológica, considerada como uma fatalidade orgânica que
empurra a pessoa a agir dessa ou daquela maneira. Pode-se representar essa diferença a partir
de conceituações referentes ao que é chamado de temperamento e caráter.
36
Aparentemente, a teoria mais antiga sobre o temperamento, e que ainda hoje tem os seus
adeptos, foi criada há 2.500 anos por Empédocles (QUADRO 1) (ALLPORT, 1966:59):
A teoria começa com a antiga crença grega, atribuída a Empédocles, do século V a C., de que toda a
natureza é composta de quatro elementos, isto é, ar, terra, fogo e água. O segundo estágio da teoria foi
acrescentado por Hipócrates, o “pai da medicina”, segundo o qual essa fórmula para a natureza como um
todo (o macrocosmo) deve refletir-se na constituição do homem (o microcosmo). Muito antes da época da
endocrinologia, admitiu que esses elementos são representados, no corpo humano, sob a forma de quatro
“humores”. Se um humor predominasse no corpo, deveríamos esperar uma predominância correspondente
de um temperamento. A teoria foi mais elaborada pelo médico romano Galeno, no século II da era cristã.
Galeno via os humores como a raiz não apenas do temperamento, mas também das doenças.
Elementos
cósmicos
Suas
propriedades
Humores
correspondentes
Temperamentos
correspondentes
Empédocles, aprox. 450 a C
Hipócrates, aprox. 400 a C
Galeno, aprox. 150 da era cristã
Ar Quente e úmido Sangue Sanguíneo
Terra Frio e seco Bílis negra Melancólico
Fogo Quente e seco Bílis amarela Colérico
Água Frio e úmido Fleuma Fleumático
Quadro 1 – Os quatro temperamentos
Fonte: Allport (1966)
O temperamento não é imutável, podendo ser modificado dentro de certos limites através de
influências médicas, cirúrgicas, de nutrição, assim como no desenrolar da aprendizagem e das
experiências de vida. Allport (1966:57) realizou uma definição sucinta sobre temperamento:
O temperamento refere-se aos fenômenos característicos da natureza emocional de um indivíduo, na qual
se incluem sua suscetibilidade à estimulação, a intensidade e a rapidez usuais de resposta, a qualidade de
sua disposição predominante, e todas as peculiaridades de flutuação e intensidade de disposição, sendo
que tais fenômenos são vistos como dependentes da organização constitucional e, portanto, como em
grande parte originários da hereditariedade.
O termo caráter origina-se do grego “kharasseín” ou “kharakter” significando,
respectivamente, gravação e marca. Ele foi conceituado da seguinte maneira (ALLPORT,
1966:53):
É a marca de um homem – seu padrão de traços ou seu estilo de vida... O termo caráter adquiriu uma
conotação específica, alheia ao seu sentido original de gravação. Quando dizemos de um homem que tem
“bom caráter”, fazemos referência às suas qualidades morais... Sempre que falamos de caráter, tendemos
a supor um padrão moral e a fazer um julgamento de valor.
Alguns povos antigos já tinham a noção de caráter. Heráclito dizia que o caráter de um
homem era o seu destino. Teofrasto definiu no texto intitulado “Os Caracteres”, a descrição
37
de trinta tipos de caráter morais (dissimulação, bajulação, tagarelice, insolência, vaidade,
avareza, etc.), descritos precisamente com base em suas manifestações habituais. Allport
(1966:67) percebe esta ótica como a seguir: “É uma peculiaridade dos Caracteres de Teofrasto
que os trinta apresentam tipos perversos ou, pelo menos, desagradáveis. Não podemos dizer
se achou desinteressante escrever sobre o homem bom, ou se muitas de suas descrições se
perderam”.
Esquecida durante a Idade Média, quando o termo “caráter” serviu, sobretudo, para designar a
indestrutibilidade da ordenação sacerdotal, essa noção foi retomada no século XVII por La
Bruyère (Les Caractères, 1687), cujos estudos basearam-se nos Caracteres de Teofrasto. Em
Antropologia, ele distingue um caráter físico, que é o sinal instintivo do homem como ser
natural, do caráter moral, que é o sinal do homem como ser racional, provido de liberdade. O
caráter físico diz o que se pode fazer do homem; o caráter moral diz o que o homem é capaz
de fazer de si mesmo.
Existem várias teorias que descrevem o caráter como algo que integra a personalidade do
indivíduo. O caráter é definido ao longo da existência podendo, portanto, ser modificado.
Influenciado pelo ambiente, sua formação se consolida a partir do contexto em que se vive,
podendo englobar a condição social, ambiente familiar, educação e outros aspectos
importantes para a construção de suas características. Percebe-se aí o desenvolvimento, um
aprendizado social que se dá em contato com outros indivíduos. É por meio do caráter que a
personalidade e o temperamento do indivíduo se manifestam. Portanto, conhecer o caráter de
uma pessoa significa conhecer os traços essenciais que determinam o conjunto de seus atos.
A teoria psicanalítica de Freud apresenta duas concepções de caráter. A primeira
26
liga-se às
formulações apresentadas no livro Interpretação dos Sonhos (1900), onde ele afirma que tudo
aquilo que nos ocorre ao longo da vida permanece inscrito em nosso inconsciente sob forma
de traços mnêmicos indeléveis, e o caráter é construído sobre os traços das primeiras
experiências que agiram em nós da maneira mais impressionante. A segunda concepção
27
,
ligeiramente diferente da primeira, entende o caráter como uma formação essencialmente
26
O caráter normal tem a sublimação como mecanismo predominante em sua formação. A sublimação se define
como derivação do impulso sexual em direção a um objetivo não sexual.
27
O caráter reativo tem a formação reativa como mecanismo predominante em sua formação. A formação
reativa é uma atitude ou hábito de sentido oposto a um desejo inconsciente. Freud fornece alguns exemplos de
formações reativas através da análise do pudor, que se opõe às tendências exibicionistas, de nojo, opondo-se às
tendências anais, e da piedade, como reação contra as tendências sádicas do sujeito.
38
defensiva, destinada a reagir face aos impulsos sexuais e a opor-se ao aparecimento de
sintomas.
Adler (1940:173) define assim o que chama de traço de caráter:
Chamamos traço de caráter todo modo especial de expressão pelo qual o indivíduo tenta adaptar-se ao
mundo onde vive. O caráter é um conceito social. Não é possível falar em traço de caráter sem
considerarmos as relações de um indivíduo com o seu ambiente. Pouco importa a espécie de caráter que
tivesse Robinson Crusoé. O caráter é uma atitude psíquica resultante do modo por que o indivíduo se
defronta com o meio onde exerce a sua atividade. É o padrão de procedimento que condiciona, dentro do
senso de sociabilidade do indivíduo, a sua luta para adquirir consideração e predomínio social... Os traços
de caráter são apenas as manifestações exteriores de seu estilo de vida, de seu padrão de conduta.
Devido a disposições orgânicas ou ao fundamento instintivo, Jung
28
(ABBAGNANO,
2000:116) considera o caráter como uma orientação predominantemente inconsciente em sua
teoria dos tipos psicológicos. Sendo assim, o caráter de um indivíduo é a direção em que
ocorre o encontro entre esse homem e a sociedade, quer seja o complexo de atitudes ou
disposições para agir ou reagir em certa direção. Quando verifica o relacionamento entre o
indivíduo e o mundo, Jung considera possível a existência de duas atitudes fundamentais: a
atitude extrovertida, que produz abertura e sociabilidade, a dominação do mundo pelo
indivíduo, com atitude ativa, positiva, criadora; ou então, a atitude introvertida, situação que
indica fechamento, timidez e relutância em se relacionar com os outros e com as coisas.
Seguindo uma linha comportamentalista, Skinner (2003:64) fazia menção às atitudes do ser
humano relacionando-as aos reflexos e condicionamentos aos quais eles se submetem:
Os reflexos, condicionados ou não, referem-se principalmente à fisiologia interna do organismo. Muitas
vezes estamos mais interessados, entretanto, no comportamento que produz algum efeito no mundo ao
redor. Este comportamento origina a maioria dos problemas práticos nos assuntos humanos e é também de
um interesse teórico especial por suas características singulares. As conseqüências do comportamento
podem retroagir sobre o organismo. Quando isto acontece, podem alterar a probabilidade de o
comportamento ocorrer novamente. A língua portuguesa contém muitas palavras, tais como "recompensa"
e "punição", que se referem a este efeito, mas só através da análise experimental será possível formar uma
noção mais clara.
Pelo exposto, leva-se a concluir que o caráter do indivíduo, embora tenha os seus principais
traços mais definitivos definidos na infância, pode ser aperfeiçoado ao longo de sua vida. Tal
observação possibilita que em cenários de aprendizado individual ou coletivo, a motivação
28
Tipos Psicológicos (1913)
39
que leva ao aperfeiçoamento dos hábitos das pessoas e a melhoria do resultado de práticas
estabelecidas, podem contribuir ativamente para o desenvolvimento de um determinado grupo
social. Essa crença coloca-nos diretamente em contado com a perspectiva do senso como
sendo intimamente ligado à idéia de caráter.
3.3 O caráter do homem cristão
A formação do caráter do cidadão brasileiro se desenvolve em um ambiente de religiosidade
predominantemente cristão. Segundo o censo do ano 2000 (IBGE), 150 milhões de brasileiros
se declararam cristãos. O cristianismo, cuja doutrina está constituída pelos evangelhos, se
consolida como extremamente importante para nossos estudos, pois suas bases se estabelecem
em conceitos éticos e morais e na promessa de redenção preconizada pelo Messias (Jesus
Cristo).
3.3.1 A educação cristã e a formação da moral
O cristão segue aos ensinamentos de Jesus Cristo e usa o Novo Testamento para extraí-los de
suas passagens e parábolas, buscando adequar o próprio caráter ao caráter de Jesus. O cristão
vê como essencial ao caráter um estilo de vida, um padrão que seja pleno de expectativas e
que o conduza à prática de virtudes. As primeiras referências à educação clássica no
cristianismo foram feitas como a seguir (MARROU, 1975:479):
A expressão "educação cristã" encontra-se já sob a pena de São Clemente de Roma, por volta de 96; São
Paulo, antes dele, preocupara-se em dar conselhos aos pais sobre a maneira de educar os filhos: esta é
realmente uma das mais constantes preocupações do cristianismo. Quando se fala hoje de "educação
cristã", entende-se as mais das vezes, uma impregnação pelas preocupações cristãs do conjunto da
formação da criança e, antes de tudo, de sua instrução escolar. É preciso tomar cuidado, pois para a Igreja
antiga o termo tem um sentido mais estrito e mais profundo: trata-se essencialmente da educação
religiosa, isto é, de uma parte, da iniciação dogmática: quais são as verdades em que precisamos acreditar
para sermos salvos; e por outra parte, da formação moral: qual é a conduta que convém ao cristão?... A
educação cristã, no sentido sagrado e transcendente da palavra, não podia, como e educação profana, ser
ministrada na escola, mas na e pela Igreja e, por outro lado, no seio da família.
Esta educação se baseia, por um lado, sobre as verdades de que o ser humano necessita para
encontrar a salvação, por outro lado, sobre a formação moral do cristão. Dessa forma seria
dever dos pais instruir os filhos pela fé e pela disciplina, tendo como dever principal a
consolidação da sua vida pelo caminho da moral. Verificam-se fundamentos da tradição judia
40
na essência do cristianismo, em que a família assume um papel preponderante na formação da
consciência religiosa de seus membros.
Essa forma de instrução no seio da família cristã foi definida como a seguir (MARROU,
1975:480):
A família cristã é o meio natural em que se deve formar a alma da criança. Consistindo o fundamento
principal de toda educação na imitação do adulto, trata-se, antes de tudo, de uma educação através do
exemplo, mas esta não exclui um esforço consciente de pedagogia religiosa. Um tratado, por muito tempo
negligenciado, de São João Crisóstomo contém proveitosos conselhos sobre a maneira pela qual os pais
devem educar os filhos. Aos pais, ao pai sobretudo (à mãe para as moças), cabe o cuidado de sua
formação cristã: devem ensinar-lhes a História Sagrada, as belas histórias de Abel e Caim, de Esaú e Jacó,
sob uma forma familiar, esforçando-se para aguçar-lhes a curiosidade.
Por volta do ano 405, Santo Agostinho propôs uma teoria da catequese em seu tratado “Como
catequizar os que ignoram os rudimentos da fé”, cujos valores se prolongaram por muitos
séculos. A formação religiosa do cristão, iniciada a partir do batismo, prosseguiria pela vida
cristã, aproveitando os cultos para fazer leituras e pregações.
Conforme acesso ao sítio do Vaticano (<http://www.vatican.va>), o catecismo
29
da Igreja
Católica é definido como um conjunto de normas que objetivam à educação moral, para a
realização e o aprimoramento do ser humano. O Catechismus Romanus ex decreto Concilii
Tridentini ad Parochos, foi elaborado a partir do Concílio de Trento (1543-1565) sob a
chancela do Papa Pio V e caracterizava-se por uma rígida normatização no campo da moral e
da fé. Em 1912 foi reeditado numa versão resumida: O Catecismo de São Pio X e após o
Concílio Vaticano II foram criados vários subsídios catequéticos, diretórios e novos
catecismos locais, que buscam traduzir o espírito renovador do Vaticano II.
Originalmente expressam-se no catecismo as virtudes humanas, consideradas atitudes firmes,
disposições estáveis, perfeições habituais de entendimento e de vontade que regulam nossos
atos, ordenam nossas paixões e guiam nossa conduta segundo a razão e a fé. Proporcionam
facilidade, domínio e gozo para levar uma vida moralmente boa. O homem virtuoso é o que
pratica livremente o bem. Tais virtudes se adquirem mediante as forças humanas e são frutos
e os germens dos atos moralmente bons. Quatro virtudes desempenham um papel
29
Catecismo da Igreja Católica: Terceira parte – A Vida em Cristo, primeira seção – A Vocação do Homem: A
Vida no Espírito, capítulo 1 – A Dignidade da Pessoa Humana, artigo 7 – As Virtudes, 1 - As Virtudes Humanas.
41
fundamental, e por isso são chamadas virtudes cardeais
30
: a prudência, a justiça, a fortaleza e
a temperança. Todas as demais se agrupam em torno dessas quatro, cujas descrições sucintas
podem ser encontradas em acesso ao sítio <http://www.vatican.va>:
A prudência é a virtude que coloca em prática a razão para discernir em todas as circunstâncias nosso
verdadeiro bem e eleger os meios retos para realizá-lo. Além de ser citada em textos bíblicos, a prudência
também foi citada nos ensinamentos de São Tomás de Aquino
31
e de Aristóteles. É a prudência que guia
diretamente o juízo de consciência, o homem prudente decide e ordena sua conduta segundo esse juízo.
Graças e essa virtude pode-se escolher o bem que se deve fazer e o mal que se deve evitar... A justiça é a
virtude moral que consiste na firme e constante vontade de dar a Deus e ao próximo o que lhe são
devidos. A justiça para com Deus é chamada “a virtude da religião”, a justiça para com os homens dispõe
a respeitar os direitos de cada um e a estabelecer, nas relações humanas, a harmonia que promove o
respeito mútuo entre as pessoas... A fortaleza é a virtude moral que assegura firmeza e constância nas
horas difíceis, na busca constante do bem. Reafirma a vontade de resistir às tentações e de superar os
obstáculos na vida moral. Com essa virtude o ser humano se faz capaz de vencer seus temores, de fazer
frente às suas provas e perdas, inclusive a morte... A temperança é a virtude moral que modera a atração
dos prazeres e procura o equilíbrio no uso dos bens. Assegura o domínio da vontade sobre os instintos e
mantém os desejos nos limites da honestidade.
Segundo a Igreja Católica, as virtudes humanas adquiridas mediante a educação, atos
deliberados e com perseverança e esforço, são purificadas e elevadas pela graça divina. Com a
ajuda de Deus forjam o caráter e impulsionam à prática do bem.
Os cristãos também possuem imperativos morais relacionados em um código de conduta
citado no Velho Testamento da Bíblia Sagrada: são os Dez Mandamentos que ainda hoje se
encontram em vigor. Encontram-se expressos em Êxodo 20.2-17 e Deuteronômio 5.6-21 e,
segundo as escrituras, foram revelados a Moisés, no cume no Monte Sinai, por intermédio de
duas pedras escritas a fogo por Deus.
Para buscar um entendimento da religião na formação da moral dos indivíduos, Vázquez
(1999:89) expõe a seguinte situação:
Se a religião oferece a salvação dos males deste mundo, significa que reconhece a existência real desses
males, isto é, a existência de uma limitação ao pleno desenvolvimento do homem e, neste sentido, é “a
expressão da miséria real”. Por outro lado, prometendo este desenvolvimento na outra vida, significa que,
também nesta forma, a religião não se resigna com os males deste mundo e lhes dá uma solução, ainda
que num mundo ultraterreno, colocado além do mundo real: neste sentido, a religião é “o protesto contra a
miséria real”.
30
O termo origina-se do latim cardus, que significa gonzo, que abre o portal da vida.
31
São Tomás de Aquino designou a virtude humana como ultimum potentiae, ou, em linguagem de hoje, o
máximo daquilo que uma pessoa pode ser.
42
O cristianismo afirmava em seus preceitos que, sem a crença em Deus, apresentada como a
garantia da moral, seria impossível existir uma moral autônoma. Dessa forma ajudou a
fortalecer sistemas econômicos e sociais dominantes (escravidão, feudalismo e capitalismo),
mas atualmente está buscando se afastar dessa tradição conformista, apoiando as forças para a
plena transformação do mundo humano real. Essa transformação permite que as velhas
virtudes (resignação, humildade, conformismo, entre outras) cedam lugar a outras virtudes
associadas ao esforço coletivo.
Konzen (2001:148) propõe a existência do valor moral como um compromisso que constitui a
dimensão ética do ser humano e sua motivação poderia ser expressa da seguinte maneira: “O
espírito de motivação do comportamento moral geralmente se exprime em uma das seguintes
formulações alternativas: a) por dever ou por prazer?; b) por imposição da autoridade (de
Deus...) ou com liberdade autônoma?; c) por esperança de recompensa ou por medo de
castigo?”.
Brooks considera que o indivíduo de elevado caráter moral é uma pessoa cuja conduta está
dirigida intencionalmente para o bem comum, e que a igreja e a escola possuem a tarefa de
estimular o desenvolvimento moral do jovem, usando de sua autoridade impulsora na
formação de seus ideais e de sua conduta. Embora haja forças externas que agem sobre os
indivíduos, deve ser dada maior ênfase à autoridade das forças internas a eles. Pode-se objetar
que o teste pragmático do caráter é a conduta, e que atuar em concordância com os artigos
essenciais dos códigos de conduta é tudo o que se necessita. A elaboração de muitos hábitos e
outros elementos constitutivos do caráter moral é realizada em consonância com a orientação
externa. A liberdade do indivíduo e o aprendizado de como governar a si mesmo são
dificultados pela regulação entre os ambientes interno e externo, onde, neste último, existem
as leis, regras, costumes sociais, métodos, tabus e outras formas de opinião públicas
(BROOKS, 1959:312).
Brooks (1959:316) relaciona o hábito, os ideais e os conhecimentos como elementos
constitutivos do caráter moral. Para a formação dos hábitos, sugere a utilização tanto da
repetição como do efeito relacionado, e seus estímulos relacionados diretamente ao nível de
satisfação obtidos pelas respostas.
43
3.3.2 A ética protestante e o espírito do capitalismo
Por volta do ano 1500, surgiu na Europa um movimento religioso denominado Reforma
Protestante, caracterizado pelo rompimento de grupos religiosos cristãos de origem européia
ocidental com a Igreja Católica Romana. Este movimento deu início ao protestantismo,
atualmente bastante difundido nos Estados Unidos e em vários países da Europa.
Argumenta-se que a ética e as idéias surgidas no seio do protestantismo influenciaram o
desenvolvimento econômico de suas sociedades. Weber (2000:19) realizou estudos
associando a ética protestante ao espírito do capitalismo, e em suas observações fez a seguinte
constatação:
Qualquer observação da estatística ocupacional de um país de composição religiosa mista traz à luz, com
notável freqüência, um fenômeno que já tem provocado repetidas discussões na imprensa e literatura
católicas e em congressos católicos na Alemanha: o fato de os líderes do mundo de negócios e
proprietários do capital, assim como dos níveis mais altos da mão-de-obra qualificada, principalmente o
pessoal técnica e comercialmente especializado das modernas empresas, serem preponderantemente
protestantes.
O fato de que as regiões
32
que aderiram ao protestantismo a partir do século XVI terem sido
economicamente desenvolvidas conduz a uma interrogação histórica: Por que razão essas
regiões foram favoráveis a uma revolução na Igreja? A Reforma Protestante prosseguiu
fazendo uso de controles da Igreja sobre a vida cotidiana e enfatizando a prática das virtudes
como uma forma de imprimir valores às pessoas. As escolas protestantes eram voltadas para
estudos técnicos, visando também a ocupações comerciais e industriais. Já os estudos
católicos estavam altamente orientados a uma espécie de aprendizagem fornecida pelo ginásio
humanístico. Comparando as atitudes entre católicos e protestantes, Weber (2000:23) fez a
seguinte ponderação:
A partir de uma análise superficial, e na base de certas impressões cotidianas, poder-se-ia ser tentado
definir a diferença da seguinte maneira: o maior “alheamento do mundo” do catolicismo, os traços
ascéticos dos seus mais altos ideais, levaram seus seguidores a uma maior indiferença frente aos bens
desse mundo. Esta constatação corresponde, aliás, aos esquemas populares de julgamento de ambas as
religiões. Do lado protestante, essa concepção é usada para a crítica daqueles (verdadeiros ou supostos)
ideais ascéticos do modo de viver católico, ao passo que os católicos a isso respondem com uma crítica ao
“materialismo” resultante da secularização de todos os ideais pelo protestantismo. Um autor
contemporâneo tentou equacionar a diferença das duas atitudes para com a vida econômica da seguinte
maneira: “O católico é mais tranqüilo, tem menos impulso aquisitivo; prefere uma vida, a mais segura
possível, mesmo que isto implique em uma renda menor, à uma vida arriscada e cheia de excitação,
mesmo que essa torne possível a obtenção de honrarias e riquezas. Isso é comprovado de maneira irônica
32
O campo de estudo de Weber estava voltado principalmente à Alemanha, onde vivia.
44
pelo provérbio “coma ou durma bem”. No presente caso, o protestante prefere saciar-se, e o católico
dormir sem ser perturbado”.
Como seres sociais, as pessoas experimentam a vida através do convívio comum e a avaliação
da vocação cristã deve estar voltada não somente para a esfera individual, mas para todo o
grupo. A igreja deve inserir em suas práticas pastorais a idéia central que sugere que o
potencial das pessoas deve ser canalizado para toda a comunidade, fortalecendo a moral
coletiva.
3.3.3 O ecleticismo da ética cristã
Em relação à ética cristã, estudiosos das escrituras sagradas afirmam ser difícil encontrar
unanimidade ou independência de julgamento, devido às várias correntes filosóficas e
religiosas que interpretaram os conceitos encontrados no Novo Testamento. O´Connell
(1976:202) cita esta diversidade como a seguir:
Há um ecleticismo que caracteriza a ética do Novo Testamento. Os provérbios dos sábios, as éticas dos
filósofos estóicos, os padrões éticos contemporâneos, o ensino dos rabinos, o catecismo judeu, os textos
da Bíblia, e o bom senso dos autores: cada um contribui para o conteúdo ético do Novo Testamento. O
resultado é que há abertura e pluralismo na ética do Novo Testamento. Conseqüentemente, não é fácil
nem legítimo reduzir os ensinos éticos do Novo Testamento a uma simples visão ética.
3.3.4 A moralidade do costume
O pensamento de Nietzsche percebe a moral de forma altamente impositiva no contexto
social. Seguindo a sua lógica, ele relaciona a incidência da moral ao anseio de melhorar os
homens da seguinte forma (NIETZSCHE, 2000:52):
De maneira totalmente provisória, eis um primeiro exemplo! Em todos os tempos quis-se “melhorar” os
homens: este anseio antes de tudo chamava-se moral. Mas sob a mesma palavra escondem-se todas as
tendências mais diversas. Tanto a domesticação da besta humana quanto a criação de um determinado
gênero de homem foi chamada “melhoramento”: somente estes termos zoológicos expressam realidades.
Realidades das quais com certeza o sacerdote, o típico “melhorador”, nada sabe – nada quer saber...
Chamar a domesticação de um animal seu “melhoramento” soa, para nós, quase como uma piada. Quem
sabe o que acontece nos amestramentos em geral duvida de que a besta seja aí mesmo “melhorada”. Ela é
enfraquecida, tornam-na menos nociva, ela se transforma em uma besta doentia através do afeto
depressivo do medo, através do sofrimento, através das chagas, através da fome.
45
Inserindo o indivíduo em um contexto moral, Nietzsche mais uma vez denota o lado
impositivo e massacrante dessa moral, denominando-a “moralidade do costume”
(NIETZSCHE, 1999:48):
O imenso trabalho daquilo que denominei “moralidade do costume” - o autêntico trabalho do homem em
si próprio, durante o período mais longo da sua existência, todo esse trabalho pré-histórico encontra nisto
seu sentido, sua justificação, não obstante o que nele também haja de tirania, dureza, estupidez e
idiotismo: com ajuda da moralidade do costume e da camisa-de-força social, o homem foi realmente
tornado confiável. Mas coloquemo-nos no fim do imenso processo, ali onde a árvore finalmente sazona
seus frutos, onde a sociedade e sua moralidade do costume finalmente trazem à luz aquilo para o qual
eram apenas o meio: encontramos então, como o fruto mais maduro da sua árvore, o indivíduo soberano,
igual apenas a si mesmo, novamente liberado da moralidade do costume, indivíduo autônomo supramoral
(pois “autônomo” e “moral” se excluem), em suma, o homem da vontade própria, duradoura e
independente, o que pode fazer promessas – e nele encontramos, vibrante em cada músculo, uma
orgulhosa consciência do que foi finalmente alcançado e está nele encarnado, uma verdadeira consciência
de poder e liberdade, um sentimento de realização.
3.3.5 A atuação do cristianismo no Brasil
As igrejas e templos associados ao cristianismo no Brasil encontram-se espalhados em todo o
território nacional sob várias denominações, principalmente católicos (incluindo movimentos
carismáticos), protestantes (denominados evangélicos, incluindo aí as igrejas pentecostais e
neo-pentecostais) e espíritas. Vários movimentos e organizações servem de instrumentos para
tornar o cristianismo mais atuante, colaborando na superação de problemas que afligem a
coletividade, sejam eles: espirituais, sociais - identificados pelo aumento da pobreza absoluta
e da exclusão social de grande parte da população, ecológicos - identificados, por exemplo,
pelo efeito estufa, a degradação do meio ambiente e a ameaça da falta de água potável.
3.3.6 Considerações finais
A análise dos documentos sobre as doutrinas cristãs permite concluir que, caso os indivíduos
extraiam seus conceitos básicos, interpretando-os para a elevação da moral e da busca pela
excelência humana, o cristianismo pode se constituir em uma fonte importante, capaz de
influenciar a formação do caráter do homem brasileiro. Isso possibilita a construção de
valores morais em um processo educativo para toda a vida. O cristão vale-se de educação e fé
para assimilar seus conceitos religiosos básicos. Com raciocínio e esforço visando à
coletividade, ele colabora diretamente para o aperfeiçoamento de suas virtudes e do
fortalecimento das bases da cidadania plena em ambiente pacífico.
46
3.4 As bases do caráter do homem japonês
Embora o cidadão produtivo brasileiro esteja inserido no contexto do mundo ocidental, não se
pode deixar de contemplar neste estudo observações sobre o caráter do homem japonês e dos
fatos que o levaram a valorizar suas virtudes e a busca da disciplina, realizados em práticas do
cotidiano e incorporados às rotinas das organizações. O fato de o Japão ter sido um dos países
onde a Filosofia 5S foi disseminada e praticada com êxito, servindo como base para a
aplicação de outros métodos e ferramentas organizacionais, leva as pessoas a buscar
interpretações sobre a formação do caráter do povo japonês. A que se deve o sucesso japonês?
Alguns mencionam a “cultura do arroz”, onde os japoneses, acostumados a trabalhar em
equipe, solicitavam a participação de famílias diversas devido à falta de terra. Outros
mencionam que a atuação dos bombardeios americanos durante a Segunda Guerra Mundial
forçou a nação a recomeçar do zero com métodos revolucionários para a indústria nascente.
Esse feito foi possível graças à fusão ocorrida entre o “espírito japonês” e a tecnologia
ocidental. Embora haja inúmeros fatos que ilustrem causas e conseqüências associadas ao
sucesso japonês, o estudo é abordado a partir desse “espírito japonês” e realizado a partir da
formação do caráter do homem japonês. Dessa forma, cita-se sua religiosidade como ponto
primordial para a formação desse caráter. Uma série de doutrinas e religiões tem influenciado
o povo japonês. As idéias de Confúcio (confucionismo), de Sidarta Gautama – o Buda
(budismo), o xintoísmo, o zen e o bushido, são referências que nos conduzem à moral, à
religiosidade e a própria conduta do povo japonês.
3.4.1 Confucionismo
Confúcio (Kong Fuzi – cerca de 551 a 479 a.C.) era um pensador chinês que exerceu forte
presença junto ao seu povo. O seu legado, representado por um conjunto de normas e
elevados valores morais expressos em frases curtas e de fácil entendimento, educou milhões
de chineses ao longo dos últimos 2.500 anos, indicando princípios de retidão, parcimônia e
busca da harmonia. Confúcio adota uma visão pragmática para despertar as forças morais do
homem. Isso pode ser demonstrado como a seguir (KÜNG, 2004:115):
Confúcio confronta-se com a ordem tradicional de uma forma inteiramente prática. E a interpreta de
forma crítica, contra o conformismo exterior e a hipocrisia, buscando uma atitude interior e uma
responsabilidade pessoal. Também, Confúcio não é, como frequentemente se tem afirmado, um mestre
virtuoso ingênuo e piedoso, que apenas prega a harmonia e o conformismo, dessa forma contribuindo para
47
e estabilização do sistema. Pelo contrário, ele defende uma ética muito individual e pessoal, que se traduz
em exigências morais claras. “Quando todos censuram, é necessário analisar; quando todos elogiam é
necessário também analisar” (Anacletos 15,27). É preciso opor-se aos detentores do poder e, em certas
circunstâncias, até mesmo renunciar ao cargo, quando essas circunstâncias se afastam do reto caminho
(Tao).
Sabendo que o homem é bom por natureza, Confúcio não crê no castigo como forma de
educá-lo. Por isso, as leis devem ser rígidas: servem para educar e ajudar a distinguir o que é
bom do que é mau. Acha que o único conhecimento verdadeiro é o que conduz à virtude. O
mestre é sempre positivo. O dever intrínseco do imperador, do príncipe e do nobre, é dar bom
exemplo.
À luz do confucionismo, o indivíduo deve utilizar a luz da razão e penetrar a natureza das
coisas, buscando a sua essência. Deve se esforçar ávida e prazerosamente por incrementar a
cultura pessoal, renovar-se diariamente, melhorar a sua família e o círculo de amizades,
participando ativamente na elaboração de uma ordem universal, sadia e permanente. Confúcio
advogava justiça para todos como o fundamento da vida em um mundo ideal, onde os
princípios humanos de cortesia, piedade filial, e virtudes da benevolência, assim como a
retidão, a lealdade e a integridade de caráter deveriam prevalecer.
O confucionismo, categorizado como um sistema ético e não como uma religião, não possui
igrejas, clero ou credo. Entretanto, tem influenciado sobremaneira as formas de pensamento,
educação e governo do povo, uma vez que trata primariamente de condutas morais e de ordem
social. Verificando a prática dos valores confucianos em Cingapura, Küng (2004:100) afirma:
Por longo tempo os mais de dois milhões de chineses de Cingapura se gloriaram de possuir o melhor de
dois mundos: o mundo da vida chinesa tradicional, com sua cultura e educação, e ao mesmo tempo a
modernidade ocidental, com todas as suas grandes conquistas técnicas e suas imensas possibilidades. Mas
hoje muitos se interrogam sobre o que ainda sobrará da cultura chinesa, caso prossiga o vertiginoso
processo de americanização... Quando por toda a parte em Cingapura se exige autodisciplina, diligência,
capacidade de adaptação, sobriedade, economia, limpeza e ordem, todas essas características são
consideradas como virtudes especificamente confucianas, como expressão de uma ética confuciana do
trabalho, segundo se diz. De fato, nessa sociedade, família, escola, empresa e estado parecem estar, de
modo geral, hierarquicamente organizados: as pessoas são definidas por suas relações sociais umas com
as outras. Cada qual tem o seu lugar bem definido, e a ordem social está garantida quando cada uma
cumpre as exigências do seu papel social.
48
Os ditos de Confúcio, juntamente com os de Mêncio e de outros discípulos, foram reunidos no
"Wu Ching" - os "Cinco Clássicos
33
" e no "Shih Shu" - os "Quatro Livros
34
".
Com a expansão da cultura continental proveniente principalmente da China a partir do século
VI, houve entre outras coisas, no Japão, a importação de uma filosofia específica, o
confucionismo, e uma nova religião, o budismo. As idéias do confucionismo foram
assimiladas pelo povo japonês, adaptando-se a seus hábitos e justificando muitos de seus
costumes.
3.4.2 Budismo
O budismo é um sistema religioso, ético e filosófico, iniciado pelo príncipe hindu Sidarta
Gautama (563-483 a.C.) que, após ter recebido em forma de revelações as Quatro Verdades
35
,
e ao contar aos seus amigos o que lhe havia acontecido, passou a ser chamado de Buda (O
Iluminado). Os relatos que permeiam sua vida são baseados em fatos reais e lendas, por isso
são difíceis de serem distinguidos historicamente. Um dos grandes generais hindus, Asoka,
depois do ano 273 a.C., ficou tão impressionado com os ensinamentos de Buda, que enviou
missionários para todo o subcontinente indiano, disseminando-os também pela China,
Afeganistão, Tibete, Nepal, Coréia, Japão e até Síria. Küng (2004:179) verifica a contribuição
que o budismo oferece para a criação de uma sociedade melhor:
A contribuição específica do budismo para uma ética mundial é esta: sempre e em toda a parte o indivíduo
é desafiado. Cada um tem que percorrer por si mesmo o seu caminho. O homem se faz a si mesmo naquilo
que ele é. Nós nos tornamos homens na medida em que nos exercitamos na conduta humana. O que
importa e o que é decisivo é, na medida do possível, esquecer o eu, exercitar-se na abnegação.
No Japão, o budismo mistura-se com a antiga escola de meditação chinesa chan (zen, em
japonês), dando origem ao zen-budismo.
3.4.3 Zen-Budismo
33
Shu Ching (Livro dos Documentos), sobre a organização política de cinco dinastias da China;
I Ching (Livro das Mutações), sobre a metafísica; Li Ching (Livro das Cerimônias), sobre a visão social; Shi
Ching (Livro das Poesias), sobre a antologia secular e religiosa; Chun-Chiu (Anais das Primaveras e Outonos),
sobre a história da China.
34
Ta Hsio (Grande Aprendizado), ensinamentos sobre a virtude; Chung Yung (Doutrina do Meio), ensinamentos
sobre a moderação perfeita; Lun Yu (Anacletos), coleção das máximas de Confúcio, seus princípios éticos;
Meng-Tze (Mêncio), obra do grande expositor de Confúcio.
35
São respostas baseadas nas quatro perguntas primordiais: o que é o sofrimento, de onde ele vem, como pode
ser superado e qual o caminho para superá-lo.
49
O zen é uma variação do budismo tradicional tibetano e suas raízes estão na China. A
diferença básica entre os dois é que a filosofia do zen tenta reduzir ao mínimo as doutrinas e o
estudo das escrituras sagradas. O zen foi levado da China para o Japão pelo mestre Eisai
(1141-1215), que em 1184 edificou o primeiro templo zen em território japonês. Desse
período até o século XIV, época que o Japão passava por intensas guerras civis, os samurais
ocupavam as esferas do poder. Eles adotaram amplamente o zen como fonte de serenidade e
determinação para enfrentar as adversidades. Procuravam, além da preparação física, cultivar
também a preparação espiritual para saber lidar com os momentos de maior conflito, quando
se apresentavam oportunidades de testar todo o conhecimento e habilidade. Assim, a prática
do zen auxiliava aos samurais a manter a calma e a mente em ordem mesmo diante da morte
iminente. A dificuldade dos samurais se familiarizarem com as histórias clássicas do budismo
chinês propiciou o surgimento de uma nova modalidade de zen, conhecida como "zen do
guerreiro", um método de aperfeiçoamento pessoal que dava valor à experiência prática e que
estimulava o desenvolvimento de uma mente autoconfiante, corajosa e desapegada das coisas
materiais, atributos amplamente valorizados entre os guerreiros. Sendo assim, na filosofia do
zen do guerreiro, de caráter essencialmente prático, os koans
36
e os contos zen advinham de
suas experiências diárias.
3.4.4 Xintoísmo
O xintoísmo (inicialmente denominado xintô) é a principal e mais antiga religião do Japão,
sendo originário de um conjunto de mitos, crenças e ritos que narram a criação do mundo, do
país e da família imperial japonesa. Em seu início, o xintoísmo não era identificado por um
nome, era apenas um apanhado de lendas protagonizadas por divindades, chamadas kamis,
que habitavam todas as coisas desde a criação do mundo. Por volta do século XII, para
diferenciar-se do budismo e do confucionismo, recebeu o nome de xintoísmo, proveniente do
termo de origem chinesa xin-tao que significa "caminho dos deuses". Mais que um conjunto
de crenças e práticas expressas em manifestações sociais e atitudes individuais - diferente do
budismo, que tem origem indiana e influência chinesa - o xintoísmo é uma religião étnica, ou
seja, é a religião de um único povo, no caso, o japonês, se formando e se desenvolvendo no
interior deste. Isso faz com que o xintoísmo não seja proselitista, ou seja, não envia
36
O kung-an [jap. kôan] consiste numa frase ou estória que é paradoxal e não tem aparentemente uma resposta
lógica. Há milhares de kung-ans. O método não consiste apenas em tomar uma frase paradoxal e tentar resolvê-
la. Mas é exercido dentro de um contexto, muito controlado, entre discípulo e mestre, onde este último dá ao
aluno um kung-an específico que o leva para meditar o resto do dia, semana, mês ou ano.
50
missionários para difundi-la entre outros povos. O xintoísmo não possui um código moral,
reduzindo-se a alguns conceitos fundamentais como não prestar atenção às coisas falsas e não
falar falsamente. O fato de não haver reconhecidamente um fundador, profetas, escrituras
sagradas oficiais, filosofia textualmente definida ou dogmas, se tornou motivo para que
alguns estudiosos desconsiderassem o xintoísmo como uma religião. O xintoísmo foi se
formando com a espontaneidade do povo e reelaborado, mais tarde, pela vontade da classe
imperial japonesa. Avalia-se a vida de maneira positiva, assim como os instintos e tudo o que
serve para conservá-la e torná-la mais bela. Ao contrário, avalia-se negativamente a morte e
tudo o que a ela conduz como doença, falta de sorte e infelicidade. Uma virtude
particularmente cultivada no xintoísmo é o senso de honra, considerado até mesmo como um
valor com fim em si mesmo. Depois vem a fidelidade, especialmente ao imperador e, em
seguida, ao grupo a que se pertence, a obediência aos superiores, o sucesso nos estudos e na
vida, o autocontrole e o não prejuízo ao próprio grupo e à sociedade. Alzugaray (1995:145)
relata o desenvolvimento do xintoísmo a partir dos últimos séculos:
O xintoísmo coexistiu pacificamente com outras religiões no Japão até a década de 1870, quando o
governo modernizador passou a reprimir todas as outras religiões e adaptou os ensinamentos xintoístas
para fazer propaganda política do governo. Até a derrota dos japoneses ao final da II Guerra Mundial, o
Xintoísmo de Estado pregava que a obediência ao imperador divino era um dever religioso dos cidadãos.
Em 1946, o Imperador Hiroito renunciou a todas as suas atribuições de divindade e a Constituição escrita
no pós-guerra garante a liberdade religiosa e proíbe qualquer associação entre religião e governo.
3.4.5 Bushido
À época do Japão feudal a combinação dessas doutrinas e religiões formou o código de honra
(não escrito) usado pelos guerreiros samurais
37
. Em acesso ao sítio <http://www.bushido-
online.com.br>, foi encontrada a conceituação do termo bushido:
Bushido, significa literalmente, "caminho do guerreiro" - era um código de honra não-escrito e um modo
de vida para os samurais (a classe guerreira do Japão feudal ou bushi), que fornecia parâmetros para esse
guerreiro viver e morrer com honra. "Seguir o bushido, é dar ênfase à lealdade, fidelidade, autosacrifício,
justiça, modos refinados, humildade, espírito marcial e honra acima de tudo, morrer com dignidade".
Bushido é formado e influenciado pelos conceitos do budismo, xintoísmo e confucionismo.
37
Os samurais (em sua origem significa “aquele que serve”) eram guerreiros japoneses, e suas atuações se
notabilizaram de meados do século 10 até a era Meiji no século 19. Sua maior função era servir, com total
lealdade e empenho, os daimyo (senhores feudais) que os contratavam. Em troca disso recebiam privilégios
terras e/ou pagamentos. Tal relação de suserania e vassalagem era muito semelhante à da Europa medieval,
entre os senhores feudais e os seus cavaleiros. Entretanto, o que mais difere o samurai de quaisquer outros
guerreiros da antiguidade é o seu modo de encarar a vida e seu peculiar código de honra e ética.
51
Do budismo, o bushido resgatou o destemor do perigo e da morte. Um samurai não temia a
morte, pois acreditava nos ensinamentos budistas que pregavam a vida após a morte. Dessa
forma ele poderia ter uma possível reencarnação como guerreiro. Como os samurais não
temiam o perigo, eles faziam uso de técnicas de meditação do zen para limitar tal temor.
Através dos ensinamentos zen, os samurais buscavam a harmonia com seu Eu interior e com
o mundo à sua volta. A prática incessante do desapego possibilitou aos samurais se tornarem a
maior casta de guerreiros que já existiu.
Citados por Alarid e Wang (1997:602), Hayashi e Sours fazem uma analogia da classe
samurai com o ambiente existente dentro das organizações japonesas, afirmando que o
samurai acreditava que o grupo era supremo e que o bem estar individual era relativamente
sem importância. Os valores de dever, benevolência e tolerância criados na classe samurai
foram transformados em respeito dos funcionários japoneses para com seus gerentes e no
conceito de sacrificar as necessidades do indivíduo para a causa da corporação.
O xintoísmo influenciou o bushido através da lealdade, do patriotismo, e da reverência aos
antepassados. Cultuavam tal lealdade e reverência para como o imperador e seu daimyo ou
senhor feudal.
O bushido resgatou do confucionismo a crença em relação às pessoas e suas famílias,
ressaltando o dever filial e as relações entre senhor e servo, pai e filho, marido e mulher,
irmão mais velho e mais novo e entre amigos.
À época do Japão feudal existiu um guerreiro considerado o maior samurai. Seu nome era
Miyamoto Musashi. Entre seus feitos estavam o fato de ter vencido dezenas de adversários e
jamais ter sido superado em combate. Além de dedicar toda a sua vida à prática e estudo do
"Caminho do Guerreiro", também o fez pela escultura, poesia e caligrafia. Aos trinta anos de
idade, quando ele já havia derrotado em combate dezenas dos mais valorosos samurais e
guerreiros de sua época, Musashi se confrontou com a seguinte questão: Que padrões
poderiam ser encontrados nas atitudes que nos conduzem à vitória? Musashi passa então os
próximos vinte anos a investigar tal fato, e depois ainda mais dez anos para se considerar
preparado a escalar a montanha Iwato. Lá, em completo isolamento, deveria produzir a síntese
do seu Caminho. Em 1645, aos sessenta anos de idade e poucas semanas antes de sua morte,
Musashi escalou a montanhas Iwato, para meditar sobre as experiências e conclusões de sua
52
vida. Nesta oportunidade ele escreveu o Livro dos Cinco Anéis (Go Rin No Sho), obra de
referência sobre estratégia que apresenta instigante conjunto de ensinamentos sobre como se
posicionar e agir para superar adversidades de qualquer origem. A essência desta obra pode
ser verificada em <http://www.bushido-online.com.br>:
No seu "Livro dos cinco anéis", Musashi ressalta a importância de discernimento perceptivo, não apenas no
caminho do guerreiro, mas em todas as posições sociais para adquirir uma compreensão objetiva dos
mecanismos do senso de oportunidade e de sucesso. Musashi tentou estabelecer uma base teórica e prática
para completar a personalidade do guerreiro, sob a influência do zen-budismo e confucionismo. Na
introdução do seu tratado sobre a estratégia e artes marciais, Musashi descreve um plano detalhado geral
para evolução da mente do guerreiro como um todo: não pense desonestamente, pense no que é correto e
verdadeiro; coloque a ciência em prática, o caminho está no treinamento; familiarize-se com todas as artes;
familiarize-se com todos os ofícios, conheça o caminho de todas as profissões; perceba as qualidades
positivas e negativas de tudo, distinguindo entre ganho e perda nas questões mundanas; desenvolva
julgamento intuitivo e compreensão de todas as coisas, aprenda a ver tudo com cuidado; note aquelas coisas
que não podem ser vistas tomando consciência daquilo que não é óbvio; preste atenção a tudo, mesmo
aparentes baboseiras, sendo cuidadoso até mesmo nas pequenas questões; não faça nada que não tenha
utilidade.
A favor da sociedade japonesa, verificam-se ensinamentos a partir da imitação e do hábito. As
normas de respeito são observadas e aprendidas no seio da família, atentando-se para a ética
da piedade filial.
3.4.6 Aspectos controversos da sociedade japonesa
Apesar de essa pesquisa ter identificado vários aspectos positivos no caráter do homem
japonês, foram detectados alguns fatos que ferem os direitos conforme são defendidos
atualmente: as tentativas de ocupação em passado recente de outros territórios, realizadas
através de guerras é uma delas. Pode-se citar também a discriminação racial. O país não tem
uma lei doméstica, tipificando a discriminação racial como um ato ilegal. As vítimas de
preconceito têm embasado suas ações judiciais na Convenção Internacional para Eliminação
de Todas as Formas de Discriminação Racial, proposta pelas Nações Unidas, e ratificada em
1995 pelo Japão. Verifica-se também no país a incidência de altas taxas de suicídio.
Rafferty (2001:419) faz uma abordagem dentro do contexto organizacional, afirmando que as
altas taxas de suicídio entre os gestores japoneses é evidência dos custos sociais e humanos do
modelo japonês.
53
A prática do suicídio está incorporada nos padrões comportamentais dos japoneses e
atualmente não é assunto negligenciável. Segundo dados da Organização Mundial de Saúde
(<http://who.int>), para o ano 2000, o número de suicídios chegou a 35,2 (por cada cem mil
habitantes) para homens e 13,4 para mulheres. Nos Estados Unidos, esse número foi de 17,1
para homens e 4,0 para mulheres. Segundo dados relativos ao ano de 1995, no Brasil a taxa
foi de 6,6 para homens e de 1,8 para mulheres. Para os japoneses o suicídio voluntário não é
um ato de desespero, e sim de lucidez e abnegação rigorosas. Ele confere significação à vida
como um todo. A força de vontade que o suicida dá de si próprio expressa soberania, orgulho,
honra e patriotismo, revidando o ultraje e expiando o fracasso. O ato de suicídio japonês é
peculiar porque ele em geral é associado a um significado de valor e vingança. Visto dessa
forma, o suicídio surgiu na antiguidade japonesa, quando os chefes poderosos dos primeiros
clãs guerreiros, em seu enterro, eram acompanhados pelo enterro compulsório dos parentes;
tal prática foi abolida quando o Rei Suinin substituiu familiares vivos por estátuas de
terracota. O Junshi - acompanhamento voluntário na morte – continuou entre senhores e seus
servidores, entre suseranos e seus vassalos, entre o imperador e seus oficiais.
3.4.7 A autodisciplina e o esforço coletivo
As boas práticas baseadas em conceitos religiosos integraram a formação do caráter do
homem japonês, auxiliando-o a reconstruir sua nação. Isso se constitui em sua essência, na
sua maneira de viver e lidar com os problemas do dia-a-dia.
A autodisciplina congrega a melhoria contínua e o esforço individual, que, voltados para o
resultado da coletividade, criam uma mentalidade de união e de trabalho dedicado. Ilustra-se o
sucesso japonês como a seguir (LANDES, 1998:438):
A par das iniciativas do governo e de um compromisso coletivo com a modernização, essa ética do
trabalho e esses valores pessoais tornaram possível o chamado milagre econômico japonês. Foi como se
uma população inteira subscrevesse os valores samurais de tempos idos – a banalização de bushido. Seria
um erro, é claro, ver esse sistema de crença como universal, mas qualquer entendimento sério do
desempenho japonês deve alicerçar-se nesse fenômeno de capital humano culturalmente determinado. Foi
a persona nacional que gerou uma colheita de engenhosas adaptações de tecnologias ocidentais, que do
pouco fez muito, que extraiu extraordinário rendimento de pessoas que, em outras sociedades, teriam
recorrido à sabotagem maciça. Aqueles que se surpreendem com a resistência oposta pelas forças armadas
nipônicas nos meses finais da Segunda Guerra Mundial e a atribuem ao fanatismo ou impulso suicida
passaram por alto o ponto essencial. Trata-se de uma sociedade cujo sentimento de dever e de obrigação
coletiva, em todos os domínios, a distingue do individualismo cultivado no Ocidente.
54
A partir do momento que o comportamento do homem japonês intrigou o Ocidente, face às
mentalidades do Taylorismo e da produção em massa, ele pôde contribuir colocando à mostra
sua filosofia de vida. Esta é apresentada como uma das fontes para se compreender a
formação do caráter produtivo e para a definição de novos padrões de produtividade nas
organizações e na sociedade como um todo.
3.5 O conceito de cidadão produtivo
Finalmente, pode-se concluir o capítulo 3 com a consolidação do conceito de cidadão
produtivo, para cuja formação propõe-se combinar a Filosofia 5S e a Dinâmica do
Conhecimento. Tal conceito constitui-se como elemento-chave do sistema produtivo
capitalista, sendo que o trabalho é uma forma recente (em torno de dois séculos) de conceber
a relação à atividade laboral. Não cabe aqui uma discussão sobre trabalho formal versus
informal ou mesmo sobre empregabilidade. Os estudos são direcionados para a formação do
cidadão produtivo, partindo de estudos sobre o caráter produtivo, associando fundamentos da
cidadania e da atividade produtiva, o que pode ser percebido como objeto propício para a
realização da transformação social. Entende-se aqui transformação social como um processo
necessário, amplo, complexo, lento e gradual de mudança em nível coletivo. Objetivando vida
melhor para todos, esta ocorre através de melhorias em práticas, valores, princípios e
características dos indivíduos.
Toro (1997:23) fez considerações em relação à ótica convencional que comumente é
empregada quando há referências ao termo produtividade:
Tradicionalmente tratamos a produtividade sob o ponto de vista da economia e da produção, por isso ele
define uma sociedade produtiva não apenas como aquela que tem empresas que produzam mais bens e
serviços a preços competitivos, mas como a que produz racional e adequadamente os bens e serviços,
possibilitando uma vida digna para todos.
Frente a estas verdades, percebe-se que a sociedade tamm deva ser produtiva, não apenas as
organizações. Essa definição de produtividade está além da idéia da produção de dinheiro,
cujo custo pode ser a pobreza, a miséria de muitos e a degradação do meio-ambiente. A
produtividade trata da produção de riqueza para o benefício de toda a sociedade e de suas
futuras gerações, porém uma sociedade não será rica se essa riqueza estiver ao alcance de
poucas pessoas.
55
Voltando a atenção para a prática dos indivíduos sob um conceito histórico percebe-se que a
atividade humana tem sido objeto de estudos em várias áreas do conhecimento, com o espaço
de tempo se estendendo desde os primórdios do Paleolítico, por volta de 1.000.000 de anos
atrás até os dias atuais. Verifica-se que o homem, visando à satisfação de suas necessidades,
tem se expressado através de atividades vitais de produção, sejam elas a caça, a coleta de
alimentos, a prática de atividades agropastoris, comerciais, artísticas, esportivas, industriais,
militares, religiosas ou de serviços.
Karl Marx considera que a essência do homem está na sua atividade produtiva. De acordo
com a sua concepção, entre todos os seres, o ser humano é o que foi destinado a trabalhar e
arrancar da natureza o necessário para que ele possa existir, produzindo suas condições
materiais de vida. Estando a essência nessa capacidade transformadora, as representações, os
conceitos e as idéias são produtos da atividade humana de acordo com o modo como é
organizada a atividade produtiva. Essa atividade pode ser assim definida (MARX, 2004:214):
No processo de trabalho, a atividade de homem opera uma transformação, subordinada a um determinado
fim, no objeto sobre que atua por meio do instrumental de trabalho. O processo extingue-se ao concluir-se
o produto. O produto é um valor-de-uso, um material da natureza adaptado às necessidades humanas
através da mudança de forma. O trabalho esincorporado ao objeto sobre que atuou.
Operando uma transformação através de uma atividade, o homem também acrescenta algo ao
valor do objeto transformado. Essa visão teve suas primeiras referências na obra intitulada “A
Riqueza das Nações”, grande marco da literatura econômica. Escrita por Adam Smith, dividia
o trabalho em dois tipos: o produtivo e o improdutivo (SMITH, 1985:285):
Existe um tipo de trabalho que acrescenta algo ao valor do objeto sobre o qual é aplicado; e existe outro
tipo, que não tem tal efeito. O primeiro, pelo fato de produzir um valor, pode ser denominado produtivo; o
segundo, trabalho improdutivo. Assim, o trabalho de um manufator geralmente acrescenta algo ao valor
dos materiais com que trabalha: o de sua própria manutenção e do lucro de seu patrão. Ao contrário, o
trabalho de um criado doméstico não acrescenta valor algum a nada. Embora o manufator tenha seus
salários adiantados pelo seu patrão, na realidade ele não custa nenhuma despesa ao patrão, já que o valor
dos salários geralmente é reposto juntamente com um lucro, na forma de um maior valor do objeto no
qual seu trabalho é aplicado. Ao contrário, a despesa de manutenção de um criado doméstico nunca é
reposta. Uma pessoa enriquece empregando muitos operários, e empobrece mantendo muitos criados
domésticos.
As três principais visões sobre o ser humano em relação às quais foram elaboradas teorias que
servem como fontes para se compreender o caráter produtivo são: a visão psicanalítica, cujo
principal representante é Sigmund Freud; a visão comportamentalista (também chamada de
56
behaviorista), cujo principal representante é Skinner; e a visão humanista, cujo principal
representante escolhido para os objetivos desta dissertação é Erich Fromm, embora existam
outros como Abraham Maslow e Carl Rogers.
Aparentemente, todas as abordagens prestam algum tributo a Freud, razão pela qual será feita
breve menção à sua visão. Para ele, o desenvolvimento da civilização se resume ao
crescimento do indivíduo. A interpretação freudiana trata o processo civilizatório como um
confronto entre o desejo de viver – o instinto de vida (Eros) e o desejo de morrer – o instinto
de morte (Thanatos). A atividade produtiva pode ser percebida a partir de sua obra intitulada
O Mal estar na Civilização, onde afirma (FREUD, 1974:99):
A atividade profissional constitui fonte de satisfação especial, se for livremente escolhida, isto é, se, por
meio de sublimação, tornar possível o uso de inclinações existentes, de impulsos instintivos persistentes
ou constitucionalmente reforçados. No entanto, como caminho para a felicidade, o trabalho não é
altamente prezado pelos homens. Não se esforçam em relação a ele como o fazem em relação a outras
possibilidades de satisfação. A grande maioria das pessoas só trabalha sob a pressão da necessidade, e
essa natural aversão humana ao trabalho suscita problemas sociais extremamente difíceis.
O ideal da ética humanista e os projetos que visam ao desenvolvimento de um homem e de
uma sociedade melhores, podem ser discutidos a partir de análises sobre o caráter produtivo,
iniciando com uma associação ao caráter genital empregado por Freud. A produtividade do
ser humano se potencializa a partir do alcance de sua fase de maturidade sexual, quando passa
a ter capacidade de produção natural. Além de ser visto como um animal racional e social, ele
também é visto como produtor, pois usa sua razão e imaginação para a transformação dos
recursos. A produção, como condição primordial para sua sobrevivência serve, unicamente,
como um símbolo para expressar a idéia de produtividade
38
como integrante do caráter.
Fromm (1972:29) relata a descoberta da face dinâmica do caráter:
Tendo apontado para o significado da descoberta por Freud do conceito dinâmico de caráter, devemos
acrescentar naturalmente que tal conceito não era absolutamente desconhecido antes dele. Desde
Heráclito, que afirmou “O caráter é o destino do homem”, até o drama grego e shakespeariano e os
romances de Balzac, encontramos o mesmo conceito de caráter, ou seja, de que o homem é levado a agir
da maneira que age, que há diversos sistemas de caráter que conduzem a diferentes ações, e que só se
pode entender a personalidade entendendo-se o sistema subjacente ao comportamento do homem. Mas
Freud foi o primeiro cientista e psicólogo a estender-se no estudo do conceito de caráter de forma
científica e que lançou os alicerces para um estudo sistemático da estrutura do caráter.
38
Fromm emprega o termo produtividade associado ao conceito de espontaneidade descrito conforme sua obra O
Medo à Liberdade (1972:28): “Quando buscam a liberdade, as pessoas, tomadas como indivíduos, forçosamente
vão de encontro aos outros e à natureza, e essa união se realiza através da espontaneidade do amor e do trabalho
produtivo. Podemos perceber claramente que, inserido no contexto social, o homem consolida aí o seu caráter
produtivo”.
57
Em sua obra intitulada “A Análise do Homem”, Fromm demonstra tipos ideais de caráter,
concepções que ele diz serem orientações improdutivas e orientação produtiva. Um indivíduo
pode possuir diversos desses tipos, e um tipo pode ser mais predominante que o outro. Fromm
(1981:78) diz que:
A orientação produtiva da personalidade refere-se a uma atitude fundamental, um modo de
relacionamento em todos os setores da experiência humana. Abrange reações mentais, emocionais e
sensoriais aos outros, a si mesmo e aos objetos. A produtividade é a capacidade do homem para usar suas
forças e para realizar as potencialidades a ele inerentes. Se dizemos que ele tem de usar suas forças
subentendemos que é livre e não dependente de alguém que controle essas suas forças. Subentendemos,
ademais, que é guiado por sua razão, porquanto só poderá usar suas forças se as conhecer, souber como
usá-las e para que usá-las. A produtividade significa que ele se experimenta a si mesmo como a
corporificação de suas forças e, ao mesmo tempo, que estas não estão escondidas e alienadas dele.
Para Fromm a simples satisfação das necessidades fisiológicas não seria suficiente para o ser
humano, porque, além disso, ele anseia por poder, amor ou destruição, arriscando a própria
vida defendendo ideais religiosos, políticos ou humanistas. É assim que pode atingir a
felicidade, concretizando as faculdades que lhe são inerentes: a razão, o amor e o trabalho
produtivo. O homem não é apenas um animal racional e social. Pode-se defini-lo também
como um animal produtor com capacidade para transformar os materiais que encontra à mão,
fazendo uso de suas razão e imaginação. É necessário produzir para viver, a produção
material poderia ser percebida freqüentemente como símbolo da produtividade, como uma
faceta do caráter. Assim, a orientação produtiva da personalidade refere-se a uma atitude
fundamental, a um estilo de relacionamento em todos os domínios da experiência humana.
As orientações improdutivas são divididas em: receptiva, exploradora, acumulativa e
mercantil.
A orientação receptiva diz respeito a um indivíduo que deseja sempre receber algo de uma
fonte exterior, seja relacionado à matéria, à afetividade, ao amor, ao prazer ou ao
conhecimento. Este indivíduo pode ser inteligente e, como característica de receptividade,
busca sempre alguém que lhe traga idéias, por isso é bom ouvinte, favorecendo o ambiente
para o recebimento de idéias, tendo, portanto, dificuldade para criá-las. Tem dificuldade em
dizer “sim” e receber um “não” como resposta a alguma solicitação, procurando sempre ter
proximidade com muitas pessoas para se sentir mais seguro. O auxílio das pessoas é
primordial para que realize algo, e isso demonstra a sua dificuldade em um processo em que
58
seja necessário assumir responsabilidades e tomar decisões. Em seus sonhos, associa fome à
carência que sente e a alimentação ao suprimento de amor e atenção que necessita.
A orientação exploradora tem muita semelhança com a orientação receptiva, com a idéia
básica de que possui incapacidade para produzir algo, sendo todo o bem necessário
proveniente de terceiros. Ao contrário desta, na orientação exploradora o indivíduo não espera
receber algo dos outros e sim tomá-lo, utilizando a força ou a astúcia. Sob a forma de idéias,
utiliza-se de plágios e cópias. Sob a forma de bens materiais, acha que deve tirar dos outros o
que estes têm, pois se sente incapaz de produzir algo com a mesma qualidade. Assumem
atitudes de maledicência, hostilidade e manipulação em relação aos outros, que devem ser
considerados em relação ao seu grau de utilidade e conveniência.
A orientação acumulativa é caracterizada pela falta de fé nas situações vindouras e por uma
busca contínua de segurança. Para isso, o indivíduo procura se concentrar na acumulação e na
poupança, buscando sempre o máximo para si mesmo. Conhecemo-lo por avarento, seja por
bens materiais, por idéias ou mesmo por sentimentos. São apegados ao passado e buscam,
dessa forma, rememorar experiências. É pedante, tem obsessiva pontualidade e um apelo
contumaz para a organização das coisas, pois isso o livra do perigo da intromissão. Tudo o
que acontece fora de seu domínio é ameaçador, e isso impede uma maior intimidade em
relação às outras pessoas. Enxergam o processo criativo como um milagre; sua idéia em
relação à fonte que possui é a de que ela é esgotável, por isso dão mais ênfase à morte e à
destruição, ao invés de valorizarem a vida e o crescimento.
Na orientação do caráter do tipo mercantil vislumbra-se o valor de pessoas com base no valor
de troca, como no valor percebido de mercadorias, ou seja, o indivíduo inserido nessa
modalidade é altamente dependente da aceitação pessoal pelas pessoas que precisam de seus
serviços ou que os empregam. O sucesso é determinado pela capacidade que o indivíduo tem
de se apresentar ao mercado, impressionando os outros, fortalecendo sua rede social de acordo
com a conveniência. É essa conveniência que determina os tipos de atitudes a serem
empregadas. Não é preciso ter a competência necessária para executar tarefas, mas
impressionar os outros com suas ações e posturas agressiva, jovial e ambiciosa. A vida em si e
sua felicidade não assumem grande importância como o fato se ser vendável. Isso faz tal
indivíduo ser grande adepto de modismos, pois estes são atrativos para potenciais clientes em
um mercado dinâmico de personalidades. Ao invés de valorizar suas qualidades humanas o
59
indivíduo, portador de orientação mercantil, enfatiza sua valoração em termos de sucessos e
fracassos e seu mundo se faz através de aparências e superficialidades. Sua capacidade de
sentir segurança de forma independente traz grandes problemas de auto-estima, pois ele tenta
ser o que os outros querem que ele seja. Sua realização não se consolida pelo emprego de suas
forças, mas pelo sucesso obtido em suas vendas, visto que enxerga tais forças como
mercadorias à disposição das outras pessoas.
O significado de produtividade aqui mencionado não está intrinsecamente associado à
atividade que conduz ao sucesso e a efeitos práticos, e sim às atitudes do indivíduo, que reage
e se orienta em relação ao mundo e a si mesmo no decorrer de sua passagem pela sociedade
humana. A preocupação de Fromm (1972:104) não estava direcionada ao sucesso do homem,
mas ao seu caráter, sua capacidade e suas potencialidades:
A produtividade é a capacidade do homem para usar seus poderes e para realizar as potencialidades
inerentes a si próprio. Dizer que ele usa seus poderes subentende que deve ser livre e não dependente de
alguém que controle seus poderes. Subentende, ainda, que é orientado pela razão, pois só pode usar seus
poderes se souber quais são. Como usá-los e para que usá-los.
A pessoa produtiva tem poder para animar aquilo em que toca, assim como dar alma àquilo
que a rodeia, dar luz às suas próprias faculdades, incutindo vida em pessoas e coisas. Por sua
própria abordagem produtiva, ela provoca uma reação produtiva em outras pessoas, a menos
que estas sejam tão improdutivas que não possam ser tocadas. Por produtividade entende-se
também a realização de suas potencialidades, a utilização de seus poderes vistos sob os
prismas da potencialização
39
, aptidão e capacidade. Pode usar seus poderes de raciocínio para
a compreensão da essência das coisas, de amor para estreitar relacionamentos, de imaginação
para criar novas visões de mundo. Dessa forma, o indivíduo se relaciona com o mundo
experimentando-o de duas maneiras: reprodutivamente, que é quando simplesmente retrata o
mundo como um filme que se passa na mente, ou generativamente, quando ele concebe,
vivifica e recria esse mundo antes percebido como um filme.
Em “O Coração do Homem” (1970), Fromm faz referências a dois tipos de caracteres:
necrófilos (os que amam a morte) e biófilos (os que amam a vida). Os seres humanos possuem
os dois tipos, um com mais dominância do que o outro.
39
Segundo o autor, “poder” também pode ser associado ao termo “dominação”, não sendo este nosso objeto de
estudo. Conseqüentemente ele relaciona dominação à morte e potência à vida.
60
Os necrófilos amam o que é mecânico, tentam transformar o orgânico em inorgânico por meio
de ordens, tratam as pessoas como coisas, são atraídos pela escuridão e pela noite, utilizam a
força como meio de vida, a capacidade para transformar um homem num cadáver. Essa força
pode destruir a vida, baseando no poder para matar. Este tipo de caráter também pode ser
percebido no pensamento de Freud, quando enfatizou a orientação de Jung para a morte, pois,
quando se encontravam, este falava muito sobre seus sonhos que envolviam mortes, cadáveres
e sangue. Apesar disso, Jung era uma pessoa muito criadora (ao contrário da necrofilia), e aí
equilibrou seus poderes destrutivos, sua criatividade e sua capacidade de cura.
Os biófilos, por sua vez, são totalmente devotados à vida e à sua preservação, buscam atingir
a mais elevada meta de que o homem é capaz. Sua orientação é orgânica, voltada para o amor,
a razão, a inovação e para o crescimento integrado e estruturado. Fromm (1970:50) afirma
que: “A ética biofílica tem seu próprio princípio de bem e mal. Bem é tudo o que serve à vida;
mal tudo o que serve à morte. Bem é reverência pela vida, tudo o que acentua vida,
crescimento, desabrochar. Mal é tudo que abafa a vida, amesquinha-a, divide-a em pedaços”.
Uma questão bastante interessante é que, segundo o autor, tanto a biofilia quanto a necrofilia
podem ser desenvolvidas num contexto de relacionamentos. Um ambiente estimulador,
afetuoso e cordial, com ausência de ameaças e que dê ênfase ao vigor interior e à arte de
viver, com certeza é propício para o desenvolvimento da biofilia. Crescer entre pessoas num
ambiente desencorajador, rotineiro e desestimulante, onde se ama a morte e se estimula o
medo em meio a uma ordem mecânica, este sim é o ambiente favorável para o
desenvolvimento do caráter necrófilo.
Para dizer que a produtividade está plenamente enraizada na identidade dos seres humanos,
Fromm (1992:171) resume da seguinte maneira:
Conscientização, vontade, prática, tolerância com o medo e novas experiências, são todas necessárias se
for para acontecer a transformação do indivíduo. Num certo ponto, a energia e a direção das forças
internas mudaram para o ponto em que o senso de identidade da pessoa também havia mudado. No modo
de existência de posso o motto é: “SOU O QUE TENHO”. Depois da transposição é: “SOU O QUE
ESTOU SENDO”, ou “SOU O QUE TRABALHO”, (no sentido de atividade não-alienada); (Bewirken
em alemão).
A formação do caráter produtivo deve ser edificada em um cenário que haja a conjugação de
educação, trabalho e prazer, configurando um processo de aperfeiçoamento contínuo.
Referindo-se a isso, Russell (1956:3) questiona:
61
Admitindo que a educação deva fazer algo para proporcionar um preparo ao indivíduo e não
simplesmente impedir que lhe surjam obstáculos ao progresso, suscita-se a questão: deve ela preparar
bons indivíduos ou bons cidadãos? A educação deve preparar bons indivíduos ou bons cidadãos? Poder-
se-ia dizer e, aliás, seria dito por qualquer pessoa de tendências hegelianas que não deve haver antítese
entre o bom cidadão e o bom indivíduo. O bom cidadão é o que contribui para o bem geral de todos, o que
constitui o padrão das qualidades do indivíduo.
Russell (1956:5) ressalta a produtividade do indivíduo quando afirma sobre o que seja
necessário para que o homem se torne pleno:
O saber e a sensação ainda não são suficientes para o homem completo. Neste mundo de contínuo
movimento, o homem dele participa como causa de mutações e, na consciência de si mesmo, como causa,
exerce a vontade e torna-se ciente da força. O conhecimento, a emoção e a força, tudo isso deve ser
ampliado ao máximo em prol da perfeição do homem.
Russell percebe que a vontade do indivíduo difere da vontade do cidadão e afirma que tais
indivíduos serão finalmente melhores cidadãos se perceberem primeiro o próprio valor como
indivíduos antes de se entregarem aos compromissos e submissões comuns da vida prática. O
cidadão geralmente tem um propósito preconcebido, e a cooperação, vista como sua
característica fundamental, é sempre intencional, e, quando possível, colocada em prática.
Tendo a expressão “mãos desocupadas, oficina de Satanás” como um ditado antigo a ser
superado, Russell faz algumas considerações sobre a relação do homem e da sociedade com o
trabalho. Nesta oportunidade ele deseja declarar o mal que está sendo causado ao mundo
moderno pela crença de que o trabalho representa virtude e que o caminho para a felicidade e
para a prosperidade consiste numa diminuição organizada do trabalho. Realiza-se um elogio
ao lazer, admitindo que (RUSSELL, 1977:17):
Deve-se admitir que o emprego sábio do lazer é fruto da civilização e da educação. Um homem que tenha
trabalhado longas horas por dia por toda a sua vida ficaria entediado se de repente ficasse ocioso. Mas,
sem uma quantidade razoável de lazer, uma pessoa fica privada de muitas coisas boas da vida. Não há
mais razão pela qual o grosso da população passe necessidades; só um insano ascetismo, em geral
obrigado, faz com que insistamos em trabalhar excessivamente, agora que já não mais há necessidade
disso.
Russell idealiza um mundo onde ninguém seja obrigado a trabalhar mais do que quatro horas
diárias, o tempo livre seria utilizado para dedicação a outras atividades mais prazerosas,
criando felicidade e alegria de viver, ao invés de nervos em frangalhos, monotonia e
dispepsia.
62
Benjamin Franklin, o patriarca da independência norte-americana, um ativo homem de ciência
cujo caráter se revelava como eminentemente prático, via o trabalho como instrumento para a
formação do caráter dos indivíduos (WESEP, 1960:28):
Para Franklin, ganhar dinheiro não constituía um fim em si, e, portanto não era coisa capaz de o levar a
desprezar a formação do caráter. Tinha plena consciência de que essa formação exige em larga medida a
consolidação do hábito e muito trabalho. Em sua opinião, mais valia ter um emprego ou um negócio do
que uma fortuna, porque aqueles contribuíam para formar o caráter e conferir a independência individual.
Com o objetivo de transformar os indivíduos em seres mais virtuosos, Franklin acreditava
mais pela fé profunda que simplesmente pela educação, que havia possibilidade de transmitir
a virtude aos outros. Ele dava mais valor em ser reconhecido como um “praticante do bem”
do que qualquer outro gênero de reputação fazendo, assim, referência ao termo “cidadão útil”.
Altamente pragmático Franklin via dificuldades em ser sempre lógico, o que pode ser
percebido em suas observações (WESEP,1960:64):
Não é possível ser sempre lógico, era o pensamento de Franklin. O que em verdade importa é a maneira
como as pessoas se conduzem, e o fato de isso refletir sobre o comportamento de cada um de nós. Mais
vale fazer as coisas capazes de obter resultados concretos do que aquelas que são rigorosamente justas ou
lógicas. Essa inclinação pela conduta que consegue obter resultados concretos transparece igualmente na
recusa do próprio Franklin de aceitar a Dissertation, que ele mesmo escreveu e que é, precisamente,
demasiado lógico. Com efeito, o problema basilar formulado em Dissertation era o seguinte: O que devo
eu aceitar, uma crença que é lógica ou uma crença que produz resultados? Em todos os casos em que se
punha este problema, esse precursor do pragmatismo que foi Franklin permanecia sempre fiel aos
princípios que defendia: escolhia sempre aquela que produz resultados.
O que importava mais para ele era a maneira como os indivíduos se conduziam, o fato de isso
se refletir sobre o comportamento de cada um. Franklin não era extremamente rigoroso,
aceitando os erros como inevitáveis, desde que não se persistisse neles.
Franklin tinha uma preocupação central em relação à humanidade: a ciência e seus inventos
poderiam ajudar a construir a felicidade dos indivíduos? O pragmatismo, a busca por
resultados e pelo aperfeiçoamento contínuo foram definidos por ele como a seguir (WESEP,
1960:74):
Uma das preocupações fundamentais de Franklin era transformar o mundo num lugar em que a vida fosse
melhor. Primeiro é necessário encontrar uma coisa que obtenha resultados concretos – e essa coisa é o
pragmatismo; depois é preciso usá-lo para fazer do mundo um lugar em que a vida seja melhor – e nisto
consiste o meliorismo; em terceiro lugar, é preciso que não se estabeleçam limites para estas
possibilidades de melhoria – o que é, chamemos-lhe assim, o excelsiorismo.
63
Sendo assim, pode-se concluir que, a partir de diversas abordagens, o caráter produtivo dos
indivíduos pode e deve ser desenvolvido para que os resultados sejam revertidos em benefício
da sociedade onde vivem, assegurando incrementos na qualidade de vida e conseqüentemente
no desenvolvimento sustentável. Isso torna-os diretamente responsáveis pela elevação de
índices de melhoria sócio-econômicos nos ambientes em que vivem em âmbitos local,
regional e global. Segundo a concepção aqui adotada, de natureza notadamente humanista, até
pelo autor tomado como núcleo central da análise feita, Erich Fromm, pode-se dizer que o
cidadão produtivo tem alguns sensos bem desenvolvidos, tais como: competência, integridade
e solidariedade, assim como os sensos de utilização, ordenação, limpeza, saúde e
autodisciplina.
64
“Os gerentes de hoje muitas vezes aplicam sofisticadas
ferramentas e tecnologias para resolver problemas
que o bom senso pode resolver.
Eles deveriam desaprender o hábito de experimentar tecnologias
cada vez mais sofisticadas para resolver os problemas cotidianos.
A maioria desses problemas podem ser resolvidos
através da mera aplicação do bom senso”.
MASAAKI IMAI
4 FILOSOFIA E PRÁTICA DO 5S
Como foi apresentado no Capítulo 3, um dos fundamentos para a formação do cidadão
produtivo está no desenvolvimento de um caráter produtivo que, para efeitos práticos será
aqui considerado como relacionado ao senso. Segundo o Dicionário Aurélio senso significa
“juízo, tino, capacidade de julgar usando a razão”. Quanto a isso, evocam-se os sensos
apropriados no campo capitalista como no comunista, em ambiente ateu ou religioso. Jack
Welch, (2001) um capitalista representativo dos tempos atuais, afirmou que as causas do seu
sucesso estão nos sensos de realidade, competitividade e autoconfiança que lhes foram
transmitidos por sua mãe na infância. Marx, o comunista, condenou as virtudes que levam à
passividade frente às condições de exploração de uma classe por outra, mas, igualmente,
destacou a importância de certas virtudes do homem ativo que coincidem com as descrições
de adeptos do capitalismo. Ele teria dito, segundo Lefebvre (1963), que, como indivíduo
consciente de sua classe, logo, do papel histórico desta classe, o proletário necessita de
coragem, de senso das responsabilidades, de entusiasmo, de disciplina e iniciativa. Ele
precisaria adquirir múltiplos conhecimentos e considerar, como valores, a lucidez na ação e a
inteligência das situações. Essas virtudes deveriam ser adquiridas como uma questão de vida
ou morte, sendo mais necessárias do que o pão de cada dia. Só assim seria possível resolver o
problema da combinação da disciplina coletiva com a iniciativa individual.
Tendo em vista o escopo desta dissertação, interessa detalhar a Filosofia 5S. Esta possibilita a
mobilização para a prática do senso sobre o ambiente, em primeiro lugar, e para o
desenvolvimento do senso nas pessoas como resultado da prática. A formatação de uma
versão instrumental dos sensos como algo direcionado a provocar mudanças ambientais e
sociais no ambiente de trabalho é atribuída aos japoneses e, em especial, creditada ao caráter
que as condições históricas lhes propiciaram desenvolver. Contudo, como parece estar
provado pela sua utilização em vários países, inclusive no Brasil, a Filosofia 5S, também
65
chamada de Programa 5S, tem características universais, devendo apenas ser adaptada às
condições locais.
Após a Segunda Guerra Mundial, o Japão estava inserido em um quadro de destruição de sua
base econômica, e mergulhado em uma grande crise social. Tal situação foi vista pelos
japoneses como oportunidade para buscar o caminho da reconstrução, reestruturando sua
economia e suas práticas de produção, com o objetivo de inserir seus produtos no mercado
globalizado. Para isso, precisava utilizar meios que garantissem a competitividade desses
produtos, através da qualidade inserida no meio fabril e organizacional. Kennedy (1999:397)
ilustra o cenário da reconstrução japonesa no período pós-guerra:
Não pode haver dúvidas que a transformação econômica do Japão depois de 1945 ofereceu o exemplo
mais espetacular de modernização constante naquelas décadas, ultrapassando quase todos os países
“adiantados” existentes, como competidor comercial e tecnológico, e constituindo-se num modelo para a
emulação por outros “estados comerciantes” da Ásia... Em 1950, as coisas mudaram – e ironicamente,
isso aconteceu em grande parte devido aos elevados gastos dos Estados Unidos com a defesa, provocados
pela Guerra da Coréia, que estimularam as companhias japonesas voltadas para a exportação. A Toyota,
por exemplo, corria o risco de falir quando foi salva pela primeira encomenda de caminhões de
Departamento da Defesa dos EUA e o mesmo aconteceu com muitas outras companhias. É claro que o
“milagre japonês” foi produto de muitas outras coisas além do estímulo dos gastos americanos com a
Guerra da Coréia, e também do Vietnã, e a tentativa de explicar exatamente como o país se transformou, e
como outros podem o imitar, passou a ser uma pequena indústria do próprio crescimento. Uma das
principais razões foi a sua crença quase fanática em alcançar os mais altos níveis de controle de qualidade,
tomando emprestado (e aperfeiçoando) técnicas sofisticadas de administração e métodos de produção do
Ocidente.
O apoio dos Estados Unidos na reconstrução do país contou com o envio de um estatístico
chamado Edward W. Deming para o Japão. Tal fato contribuiu decisivamente para a ascensão
da indústria japonesa, embasada nos conceitos nascentes de qualidade.
Qualquer programa, método ou ferramenta desenvolvidos para melhorar a vida das pessoas
envolve mudanças. Para realizar mudanças é importante começar pelas coisas mais básicas,
envolvendo, na medida do possível, facilidade e praticidade. Atitudes realizadas por meio de
tarefas organizadas podem proporcionar melhorias no ambiente de trabalho. A organização é
uma das chaves para um ambiente de trabalho saudável. É fato que quando o ser humano
busca essa organização, ele se torna mais eficiente. Uma razão para este aumento na
eficiência é a diminuição no tempo de busca, resultado de uma área de trabalho organizada.
Em fins da década de 60, os japoneses identificaram cinco princípios para assegurar uma área
de trabalho organizada. Estes princípios são baseados em práticas simples que, percebidas em
profundidade e devido ao alto grau de mobilização, podem proporcionar grande impacto em
66
toda a organização. Os cinco princípios foram identificados utilizando-se palavras japonesas,
todas iniciando pela letra "S", conhecidos a partir de então como "5S".
Azevedo pesquisou a busca do significado do 5S em sua expressão mais genérica (QUADRO
2), o que foi feito a partir da interpretação dos ideogramas japoneses. Tal interpretação se faz
considerando aspectos mecânicos (ação), intelectuais (compreensão) e sociais (coletividade).
Reconhece-se que a essência do conceito 5S, interpretado a partir desses ideogramas, refletem
a síntese da cultura japonesa, fundamentada pelo confucionismo, xintoísmo, budismo e o
bushido - o código de ética que orientava a vida e os atos da classe dos samurais.
Senso Significado genérico
Seiri Um rei com raciocínio lógico, em sua terra, governando-a de forma honesta e
com base na verdade cada uma das coisas torna o conjunto destas coisas
arrumadas / ordenadas
Seiton As camadas das ostras constituídas com o tempo formando uma “tonelada”
com base na verdade (realidade) de cada uma torna o conjunto das ostras
arrumado / ordenado
Seiso O estado de algo que seria varrido somente com a mão, tornando-o límpido,
puro como a água azul. O mesmo ocorre com as falhas humanas, quando são
“laváveis” simplesmente com a água
Seiketsu A pessoa que assume uma linha de conduta ou de valor e a advoga, utilizando
para tal a justiça (a própria espada) como instrumento, tanto nos atos como nos
sentimentos e se mantém pura como a água – totalmente sem mácula
Shitsuke É a beleza da disciplina, da persistência de um peixe (carpa), que perpetua sua
espécie nadando contra a correnteza
QUADRO 2 – 5s - Significado genérico dos sensos a partir dos ideogramas japoneses
Fonte: Azevedo (2003)
Para fazer várias incursões em diversos países da América do Norte, Ásia, Europa e Oceania,
Ho
40
(1999) atribuiu ao 5S um significado que pode ser verificado no QUADRO 3.
Com o apoio da alta administração das organizações, o 5S pode ser incorporado à rotina das
pessoas. O 5S aperfeiçoa o potencial humano e seus benefícios podem ser percebidos em
incrementos na qualidade e na produtividade das organizações. O hábito de fazer as coisas,
associado a estes cinco princípios, proporciona melhoria no ambiente das organizações:
melhoria do relacionamento interpessoal, diminuição dos níveis de absenteísmo, aumento do
dinamismo, melhoria no cuidado com as tarefas executadas, criação de sugestões de como
40
Professor de Gestão da Qualidade e Estratégia dos Centros Internacionais de Gestão (IMC), no Reino Unido.
Fundou a Associação HK 5-S em Hong Kong e treinou mais de 10.000 pessoas como auditores líderes,
promovendo a prática do 5S naquele país, China, Cingapura, Malásia, Austrália, Canadá, Finlândia, Suécia,
Reino Unido e Estados Unidos.
67
melhorar os processos de trabalho, ativação dos trabalhos de CCQs
41
, diminuição de defeitos
e retrabalho dos processos produtivos.
Termo
Original
Significado Exemplo Típico
Seiri
Organização Descarte
Seiton
Sistematização Retenção de documentos por 30 segundos
Seiso
Limpeza Asseio pessoal, responsabilidade
Seiketsu
Padronização Métodos de armazenamento
Shitsuke
42
Auto-disciplina Praticar 5S diariamente
QUADRO 3 – 5S – Significados e exemplos típicos
Fonte: HO (1999)
A partir do início da década de 90, os conceitos do 5S foram trazidos para o Brasil.
Percebendo a importância estratégica do 5S como sistema educacional revolucionário,
centrado na prática e na reflexão, Silva realizou estudos sobre o 5S japonês, pesquisou a
realidade brasileira e formatou o 5S sob essa realidade, fazendo algumas considerações em
relação aos termos originalmente conhecidos (QUADRO 4). Tais pesquisas possibilitaram a
milhares de pessoas, em dezenas de organizações nacionais, a oportunidade de conhecerem e
aplicarem os conceitos do 5S no ambiente de trabalho. Isso se converteu em melhorias
imediatas, abrindo caminho para a inserção de novos métodos e ferramentas de gestão pela
qualidade em seus produtos e processos.
Em seus estudos, Azevedo (2003:50) percebeu que o 5S é um instrumento oportuno para
capacitar colabores de empresas:
O representante da Aços Finos Piratini afirmou que a empresa mantém esforços consistentes para
envolver 100% dos colaboradores da empresa com o 5S há doze anos consecutivos. Já a representante da
empresa Sadia Concórdia afirmou que o 5S tem sido abordado de forma consistente na empresa desde
1993. Em ambos os casos o 5S foi tido como a base dos sistemas de gestão dessas empresas. Ele teria sido
usado como uma oportunidade para a capacitação genérica dos colaboradores dessas empresas para a
solução de problemas em equipe e para a padronização, além do desenvolvimento de uma consciência
aguçada sobre qualidade, saúde, segurança do trabalho e meio ambiente.
41
CCQs - Círculos de Controle de Qualidade serão estudados em um subitem à parte no capítulo 6.
42
O termo shitsuke foi usado originalmente para designar o alinhavo que se faz no quimono, antes de costurá-lo
definitivamente. Como o trabalho do alfaiate antes de provar a roupa. Nesse sentido, e vista dessa forma, é
preciso esclarecer que a disciplina é algo que aprendemos com o objetivo de facilitar a vida (Osada, 1992).
68
Termo
original
Tradução do
termo
Significado (sentido amplo)
Seiri Utilização Utilizar os recursos disponíveis, com bom senso e
equilíbrio, evitando ociosidades e carências
Seiton Ordenação Dispor os recursos de forma sistemática e estabelecer
um excelente sistema de comunicação visual para
rápido acesso a eles
Seiso Limpeza Praticar a limpeza de maneira habitual e rotineira e,
sobretudo, não sujar
Seiketsu Saúde Manter as condições de trabalho, físicas e mentais,
favoráveis à saúde
Shitsuke Autodisciplina Ter todas as pessoas comprometidas com o
cumprimento dos padrões técnicos e éticos e com a
melhoria contínua em nível pessoal e organizacional
QUADRO 4 – Os cinco sensos da qualidade
Fonte: SILVA (1996)
Embora tenham sido empregados dessa forma nas organizações, podem-se encontrar nos
escritos de Freud, além da parcimônia e do autodomínio, os sensos de beleza, limpeza e
ordem como fundamentos para a construção da civilização humana (FREUD, 1974:114):
Evidentemente, a beleza, a limpeza e a ordem ocupam uma posição especial entre as exigências da
civilização. Ninguém sustentará que elas sejam tão importantes para a vida quanto o controle sobre as
forças da natureza ou quanto alguns outros fatores com que ainda nos familiarizaremos. No entanto,
ninguém procurará colocá-las em segundo plano, como se não passassem de trivialidades. Que a
civilização não se faz acompanhar apenas pelo que é útil, já ficou demonstrado pelo exemplo da beleza,
que não omitimos entre os interesses da civilização. A utilidade da ordem é inteiramente evidente. Quanto
à limpeza, devemos ter em mente aquilo que também a higiene exige de nós, e podemos supor que,
mesmo anteriormente à profilaxia científica, a conexão entre as duas não era de todo estranha ao homem.
Contudo, a utilidade não explica completamente esses esforços; deve existir algo mais que se encontre em
ação.
Uma explicação dos conceitos relativos aos cinco sensos inicia-se a partir do senso de
utilização, que significa descartar o que não apresenta utilidade, educar as pessoas para o uso
racional de recursos. É saber onde é o lugar de cada peça, analisar os locais de trabalho e
classificar todos os itens (equipamentos, materiais, informações) de acordo com critérios de
utilidade ou freqüência de uso. Após isso, deve-se retirar do ambiente o que é desnecessário,
eliminando excessos e desperdícios, liberando espaço físico, descartando informações e
controles desnecessários ou ultrapassados. Criam-se facilidades de trânsito interno e maior
senso de organização e economia. Henry Ford dizia que poderia se encontrar em qualquer
sítio americano, mais trastes e utensílios do que em todos os domínios de um chefe africano; o
enxoval de um menino de colégio constava de mais coisas do que uma população inteira de
esquimós possuía. Comparava o homem moderno a um índio que vem à cidade com todo o
69
dinheiro que possui, comprando tudo que vê. Seu senso de utilização e seu esforço visando à
simplicidade tinham como objetivo levar o que era realmente necessário às pessoas (FORD,
1967:19):
Todo o meu esforço visa a simplificação. Se ao povo falta tanta coisa, se até os produtos de primeira
necessidade lhe vêm tão caros (sem falar de certa porção de conforto que deve caber a todos) é porque
tudo o que fabricamos é muito mais complicado do que devera ser. As nossas roupas, a nossa alimentação,
os nossos móveis, tudo poderia ser muito mais simples e ao mesmo tempo de maior beleza. Esses objetos
eram outrora assim fabricados e de lá para cá nada mais fazem os fabricantes senão reproduzi-los.
Segundo Silva (1996:42), o senso de ordenação consiste em dispor os recursos de forma
sistemática e estabelecer um excelente sistema de comunicação visual para rápido acesso a
eles.
Ordenar implica em organizar, colocar as coisas em ordem, arrumar tudo em seu devido lugar,
pesquisar e sistematizar a ordem necessária à existência racional. Tudo deve ser sempre
disponível e com acesso fácil próximo ao local onde ocorre a ação - gemba
43
-, onde é
efetivamente necessário. O uso do senso de ordenação permite a determinação do local certo
dos itens necessários à realização das atividades observando a freqüência de acesso aos
mesmos, a padronização da guarda dos recursos para facilitar a localização posterior dos
mesmos, a criação de códigos de ações, etiquetas ou avisos para maior facilidade na
identificação observando os riscos da poluição visual. A prática do senso de ordenação facilita
a localização do recurso armazenado, possibilita a utilização racional do espaço, reduz o
cansaço físico e mental, e melhora o nível de comunicação entre as pessoas.
O senso de limpeza consiste em manter ambientes limpos e arrumados, transparência nas
relações interpessoais e na realização das diversas atividades que compõem o ambiente
produtivo do indivíduo. O senso de limpeza foi definido por Silva (1996:46): “Portanto, ter
um senso de limpeza equivale a: “praticar a limpeza de maneira habitual e rotineira e,
sobretudo, não sujar”. Num sentido mais restrito, a limpeza consiste em: “eliminar o pó e a
sujeira do ambiente e dos equipamentos””.
Inicia-se o senso de limpeza pelos cuidados com a própria aparência física e condições
psicológicas. Para isso é importante identificar e eliminar as causas da sujeira e poeira
43
Gemba, em japonês, representa o local onde a ação se desenvolve. No cenário dos negócios, gemba significa o
local onde os produtos são fabricados, um laboratório ou uma fábrica, por exemplo.
70
limpando tudo, desde armários, equipamentos e mesas, incentivar os companheiros a fazerem
o mesmo, certificar-se da existência de cestos de lixo apropriados, produzir gerando o mínimo
de lixo possível, desligar e cobrir as máquinas e equipamentos no final do expediente, manter
arquivos físicos e lógicos sempre atualizados. Os cuidados no dia-a-dia com a prática do
senso de limpeza tornam o ambiente mais agradável e sadio, previnem acidentes, contribuem
para a preservação de equipamentos, reduzem o desperdício, evitam a poluição e melhoram a
imagem interna e externa da organização.
O senso de saúde é voltado para o cuidado com o asseio, a aparência pessoal e com a saúde
em sentido pleno. É preciso cuidar da saúde em todos os níveis: físico, mental e emocional.
Não é só no ambiente físico que as melhorias são necessárias. É necessário ter consciência
dos aspectos que afetam a saúde, agindo sobre eles e percebendo uma forma positiva de lidar
com as diversas situações e desafios. A prática do senso de limpeza incentiva a manutenção
das condições do ambiente propícias à saúde, a realização de exames periódicos de saúde, o
cumprimento e aperfeiçoamento dos procedimentos de segurança individuais e coletivos, a
realização de avaliações periódicas das condições do ambiente de trabalho e a promoção de
um clima agradável de trabalho, ativando franqueza e delicadeza nas relações entre as
pessoas. O senso de saúde é realizado tomando certos cuidados com as pessoas (SILVA,
1996:50): “Portanto, não pode haver empresa excelente com empregados sem um “senso de
saúde”. Não adianta mandar “consertar” os empregados em hospitais quando eles ficarem
doentes, pois, sem o senso de saúde, eles estarão permanentemente doentes”.
Dessa forma, conclui-se que a saúde ambiental propicia satisfação e motivação pessoal,
previne e controla stress, danos e acidentes, e melhora a qualidade de vida das pessoas.
O senso de autodisciplina consiste em praticar os "S" anteriores, sem descuidar do constante
aperfeiçoamento. É a busca do autodesenvolvimento que consiste em criar, educar, treinar e
disciplinar, buscando um bom desempenho e atitudes por meio de padrões éticos de conduta.
Isso é realizado através de práticas constantes, consolidando a tomada de consciência dos
indivíduos e possibilitando-os à inserção em uma nova maneira de ser, responsável e
consciente. O ambiente de aprendizado constante deste senso carece de alguns atributos a
serem desenvolvidos pelos indivíduos (SILVA, 1996:56):
71
Aprender sempre, ser paciente e perseverante, agir com integridade, compartilhar; ser justo e honesto são
atributos prontamente associáveis com o conceito de autodisciplina. Portanto, ele não é, de forma alguma,
implantável. Assim como o senso de saúde, ele pode apenas ser estimulado e, mesmo assim, em
ambientes onde existam pessoas que possam dar exemplos e assumir, humildemente, o papel simultâneo
de aprendizes.
O senso de autodisciplina remete à criação de procedimentos claros e possíveis de serem
cumpridos, e, em caso de não cumprimento, é importante ir à procura da causa, atuando em
seguida. Remete à clareza e objetividade nas formas de comunicação escrita ou oral, ao
cumprimento de horários marcados para compromissos e à atribuição de tarefas esclarecendo
sempre o por quê de sua execução. Faz lembrar que só existe dedicação e afinco quando as
pessoas se comprometem com aquilo que estão fazendo, o que ocorre com participação e boa
vontade. Este senso conscientiza sobre a responsabilidade em todas as tarefas por mais
simples que sejam realizando-as dentro dos requisitos de qualidade e consolidando o trabalho
em equipe com o contínuo desenvolvimento pessoal. Benedict (1974:206) define a
autodisciplina como algo fortemente inserido na cultura japonesa:
Nem todos os japoneses se submetem a um treinamento esotérico, por hipótese, mas, inclusive para
aqueles que não o fazem, a fraseologia e a prática da autodisciplina ocupam um lugar marcante na vida. Os
japoneses de todas as classes julgam a si mesmos e aos outros por meio de um sistema de conceitos que
dependem de sua noção do autocontrole e autodomínio técnico generalizados. Seus conceitos de autodisciplina
podem se dividir de forma esquemática entre aqueles que proporcionam competência e os que dão algo mais. A
este algo mais lhe chamarei maestria.
O entendimento do 5S vai além da execução de tarefas baseadas no housekeeping, pois não
contempla unicamente uma visão restrita e limitada ao ambiente físico, mas também conceitos
relacionados à qualidade, e, portanto, à melhoria contínua. Pode-se compreender a relação
existente entre o 5S e a quantidade de produtos defeituosos produzidos, ou até mesmo o
tempo de parada de máquinas para manutenção. Se o 5S não estiver sendo bem conduzido,
dificilmente pode-se fazer outro trabalho de forma eficiente. O 5S é praticado
individualmente, mas os resultados percebidos são coletivos. Isto remete à idéia de que uma
ação vale mais do que muitas palavras. O 5S é considerado um dos fatores que auxiliaram na
recuperação das empresas japonesas, criando a base para a implantação de métodos de
Qualidade Total no Japão.
Em estudo de caso realizado em uma organização australiana, Bryar e Walsh (2002:332)
afirmam que a introdução da prática do 5S impactou o pensamento de todos na organização,
influenciando seus comportamentos tanto dentro como fora do ambiente de trabalho.
72
Ho relata que o 5S se tornou relevante para que as organizações conseguissem se mobilizar
satisfatoriamente, frente aos círculos de qualidade, auditorias pela certificação das normas
ISO
44
, TQM
45
, entre outros (FIGURA 2). Mesmo sem a sua implantação formal, o 5S é
considerado como um fundamento para a implantação de outras técnicas de gestão nas
organizações (1999:299):
A prática do 5S é útil porque ela auxilia a todos na organização a viverem uma vida melhor. Ele é o ponto
inicial do programa TQM. De fato, muitas organizações bem sucedidas, orientais ou ocidentais, já têm
incluídos alguns aspectos do 5S em suas rotinas sem estarem cientes de sua existência como uma técnica
formalizada.
Figura 2: Modelo TQMEX
Fonte: HO (1999:295)
Legenda: 5S - Seiri, Seiton, Seiso, Seiketsu, Shitsuke
BPR - Business Process Re-engineering
CCQs - Círculos de Controle de Qualidade
ISO - ISO 9001/2 Quality Management System
TPM - Total Productive Maintenance
TQM - Total Quality Management
BE - Business Excellence
O reconhecimento do programa 5S como um passo importante para o desenvolvimento das
empresas asiáticas ocorreu da seguinte forma (HO, 1999:296):
Na maioria dos países asiáticos, incluindo Hong Kong, o 5S foi promovido por suas organizações
produtivas sob a batuta da Asian Productivity Organisation no início dos anos 80, mas todos eles
encolheram rapidamente. Com os benefícios da percepção tardia do que deveria ter sido feito, o autor
pensa que a razão principal para a falha foi a falta de uma abordagem sistemática para sua implementação.
44
ISO - International Organization for Standardization é uma organização não governamental que agrega uma
rede de institutos de normas e padrões de 156 países.
45
TQM- Total Quality Management (Gestão da Qualidade Total) é um dos mais populares nomes aplicados aos
princípios e práticas da gestão da qualidade. Diz respeito à satisfação do cliente ao mais baixo custo,
privilegiando uma ênfase especial nas pessoas, na sua formação e no seu envolvimento total com os objetivos da
empresa.
73
Em 1987, solicitado pelo SIRIM – Standards and Industrial Research Institute of Malaysis,
Sam Ho concluiu que o 5S deveria ser utilizado como primeiro passo para o plano nacional de
qualidade de cinco anos a ser implantado na Malásia.
Em 1994 o governo de Hong Kong iniciou a organização de seminários e workshops para
implantar idéias de gestão da qualidade nas empresas. Em 1998 esse mesmo governo, através
do Fundo de Apoio Industrial, contratou o professor Sam Ho, investiu HK$ 4,6 milhões
46
e
colocou em prática um projeto inédito em larga escala para a disseminação do 5S no país. A
campanha visava treinar em 2 anos um contingente de 2.500 gerentes e supervisores. O
objetivo dessa campanha era tornar essas pessoas auditores de 5S. O número de pessoas que
foram treinadas chegou a 8.000. Foi criada uma associação (HK5S Association) para apoiar a
campanha. O treinamento era realizado aos sábados em 2 finais de semana consecutivos,
utilizando apenas meio período. Entre os 2 sábados, o treinando tinha que auditar a
organização em que trabalhava, tirar 10 fotos relativas a bons e maus exemplos de 5S. No
segundo sábado do treinamento foi aplicado um teste escrito e, caso houvesse êxito na
auditoria e no teste, seria entregue um certificado de auditor ao indivíduo. O tema 5S, seus
benefícios, importância, conformidade e dificuldades eram tratados em convenções anuais,
realizadas em Hong Kong. Através de pesquisas aprofundadas em Hong Kong, Japão e Reino
Unido, Ho identificou a importância da prática do 5S como passo inicial para a execução de
programas de TQM. Bem conduzido, o 5S é fundamental para a melhoria de processos e foi
também considerado como ponto-chave para a implantação de ISO 9000
47
, ISO 14000
48
e
OHSAS 18001
49
.
Pheng (2001:340) afirma que disciplina, como proposto nos princípios 5S garante que a
organização conduza suas auditorias internas regulares, assegurando conformidade
46
Moeda utilizada em Hong Kong – denominada dólares.
47
ISO 9000 - As normas da família NBR ISO 9000 foram concebidas para prover um conjunto genérico de
normas de sistema da qualidade, aplicáveis a uma vasta extensão de indústrias e de setores econômicos. Elas são
independentes de qualquer setor industrial/econômico específico. Coletivamente, fornecem as diretrizes para a
gestão da qualidade e os requisitos gerais para a garantia da qualidade.
48
ISO 14000 - As normas da série NBR ISO 14000 têm por objetivo prover às organizações os elementos de um
sistema de gestão ambiental eficaz, buscando equilibrar a proteção ambiental e a prevenção de poluição com as
necessidades sócio-econômicas.
49
OHSAS 18001 - Prescreve um Sistema de Gestão de Saúde Ocupacional e Segurança compatível com a ISO
14001, apoiado nas mesmas ferramentas do ciclo PDCA de melhoria contínua. Esta compatibilidade, permite a
unificação de ambas as normas e a integração com as normas da série ISO 9000, formando uma poderosa
ferramenta de gestão para a empresa.
74
consistente para os requisitos da ISO 9001:2000. A longo prazo, a integração dos requisitos
da ISO 9001:2000 com os princípios do 5S conduziria ao TQM.
Para investigar o impacto da prática recente da Filosofia 5S em organizações do Reino Unido,
Warwood e Knowles (2004) concluíram que o 5S proporciona um ambiente limpo e
organizado, melhoria do fluxo de trabalho e da qualidade, podendo, inclusive, ser considerado
como pré-requisito para a implementação do TQM nas organizações.
Onitsuka (1999:41) relatou que em outubro de 1993 houve um Encontro de Ministros da
Economia de Países Asiáticos (AEM) realizado em conjunto com o órgão japonês MITI
50
.
Este encontro resultou na elaboração de um projeto de cinco anos para implementar, a partir
de 1995, o TQM nas organizações de diversas nações asiáticas: Japão, Brunei, Indonésia,
Malásia, Filipinas, Cingapura, Tailândia e Vietnã. O projeto, administrado pela ACCSQ
(Asean Consultative Comittee in Standards and Quality), em conjunto com o MITI e o
TQMC (TQM Project Comittee), foi proposto para facilitar a implementação e a promoção de
atividades de TQM nas nações asiáticas visando ao desenvolvimento de suas indústrias e à
promoção de comércio internacional. Nesse aspecto, o 5S foi visto como um componente
fundamental para a introdução de tecnologia nas organizações contempladas pelo projeto.
Em seus estudos sobre aprendizado no ambiente de trabalho utilizando a Filosofia 5S, Ho
(1997:188) define como implementá-la na prática:
A implementação do 5S requer comprometimento de todo o pessoal da organização, que vai do topo da
hierarquia até o operacional. É necessário ter uma pessoa responsável para conduzir o 5S por toda a
organização, implementando-o passo a passo. Os passos seguintes irão ajudá-lo a obter êxito: 1 -
assegurar comprometimento pela alta administração, com recursos necessários para treinamento e
melhorias; 2 - definir uma campanha promocional com um cronograma pré-definido; 3 - manter registros
sobre a situação anterior para compará-la à nova situação; 4 - treinamento; 5 - avaliação.
Azevedo constatou a grande importância do programa 5S, implantado em larga escala no ano
de 1990 pelo governo de Cingapura para levar melhorias às organizações daquele país
(AZEVEDO, 2003:52):
O 5S (SEIRI – Arrumação/Classificação, SEITON – Ordenação, SEISO – Limpeza, SEIKETSU – Asseio
e SHITSUKE – Disciplina/Formação moral e ética – segundo a própria definição do país) foi utilizado no
50
MITI - Ministry of International Trade and Industry, que a partir de 2001 foi reorganizado como METI -
Ministry of Economy, Trade and Industry.
75
planejamento da 2ª fase do Projeto de Desenvolvimento da Produtividade em Cingapura (SPDP –
Singapore Productivity Development Project) por ser considerado o elemento necessário à promoção de
melhoria no nível de competência do pessoal do Comitê Nacional da Produtividade (NPB – National
Productivity Board), sendo considerado como possuidor de características importantes na composição de
uma base para o gerenciamento ao estilo japonês, sendo destacadas: trabalho com ética, criatividade e
iniciativa, informação compartilhada, trabalho em equipe, confiança mútua e visão a longo prazo.
Como havia grande despreparo das bases para implementar algumas tecnologias japonesas,
oportunamente a Filosofia 5S foi vista como fundamental e anterior à implantação destas,
citando como exemplo o JIT (Just in Time), TQC (Total Quality Control), TPM (Total
Productive Maintenance), entre outras.
Intensificou-se a prática do movimento 5S em Cingapura. Graças à união de esforços e
dedicação dos empresários, esse movimento teve grande êxito nas organizações chegando ao
ponto de reconhecerem o 5S como fundamental para causar grandes transformações em todo
o país.
O 5S tem sido considerado como um método eficaz em diversas organizações, sendo que,
quanto à sua aplicação, pode-se concluir que (SILVA, 1996:33):
O 5S tem caráter universal, sendo adequado a todas as organizações públicas e privadas,
independentemente de associação com qualquer sistema gerencial em particular. Suas exigências de
natureza física são encontradas, naturalmente, em qualquer organização que se preocupa com a
excelência. Suas exigências de natureza social, entretanto, estão fortemente associadas a pressupostos
positivos sobre o ser humano e, nisto, o estilo administrativo predominante exerce influência decisiva. Ele
representa uma alternativa de humanização, para que as pessoas não amaldiçoem o trabalho... Finalmente,
deve-se ressaltar que o 5S é simples, mas um famoso escritor já disse: “ser simples é a coisa mais difícil
do mundo”. O 5S é profundo, pois a sua prática pode resultar em mudanças na maneira de se perceber o
trabalho e realçar a responsabilidade de cada um na criação de qualidade de vida. Ele é fácil de começar,
difícil de manter mas, sobretudo, é altamente organizador, mobilizador e transformador do potencial
humano latente nas organizações.
Quando as pessoas visitam um hospital, podem observar inicialmente a limpeza, a
organização, segurança e a educação de seu corpo funcional. A primeira impressão é a de que
um local limpo e bem organizado é essencial para uma alta performance. Como alguém pode
esperar que as pessoas possam realizar melhorias contínuas e trabalhar em seu potencial
máximo em locais desorganizados e imundos? Como boas idéias podem ser continuamente
concebidas em locais de trabalho hostis e equipes desagregadas? Como fica a qualidade no
atendimento e no resultado dos serviços oferecidos aos pacientes?
76
O entendimento e a prática da Filosofia 5S contribuem para a criação e manutenção de
ambientes permeados de melhorias contínuas, possibilitando intrinsecamente a realização de
mudanças em diversos níveis organizacionais – estratégico, tático e operacional.
Anteriormente, os tradicionais processos de mudanças estratégicas - nos quais o 5S também
se inclui - eram sumarizados por cinco passos (HO, 1999:316):
1) Visão;
2) Missão;
3) Comportamento;
4) Ação;
5) Cultura.
O novo paradigma do 5S passou a ser:
1) Ação;
2) Comportamento;
3) Missão;
4) Visão;
5) Cultura.
A ação assumiu a dianteira dos processos de mudanças estratégicas nas organizações. O 5S
possibilita que uma nova cultura de aprendizado associado à ação se incorpore no dia-a-dia
das pessoas, fazendo-se poderoso e efetivo agente de mudanças. A mudança de
comportamento derivada da ação possibilita que a missão, visão e cultura sejam
transformadas de formas consciente e consistente.
O campo de ação do 5S é ilimitado. Osada (1992:7) afirma: “Há tanta coisa a ser feita. Há
tantas coisas que o 5S pode fazer por você. Olhe à sua volta”. Assim pode-se perceber como o
5S pode ser considerado um método básico para melhorar a vida das pessoas, um pilar para a
geração de transformação social em larga escala, seja dentro das organizações, nos lares, nas
escolas, enfim, em toda uma nação, onde houver atuação do ser humano.
Quando é feita uma referência à síntese do 5S, busca-se o significado do senso em sua
essência. Partindo para a etimologia, senso (HOUAISS, 2001:2547) é proveniente do latim
77
sensus,, que significa sentido, órgão sensório, sentimento, juízo, razão, inteligência,
significação. É a qualidade de julgar, de sentir, de apreciar; entendimento, percepção. O autor
complementa, citando idéias de sentido, direção e rumo.
Silva (1996:21) refere-se ao senso da seguinte maneira: É prática corriqueira, quando se quer
destacar uma boa qualidade de alguém, ou um conceito moral forte, referir-se à palavra senso
e acrescentar-lhe o atributo desejado. Assim, tem-se: senso de responsabilidade, senso de
cidadania, senso moral etc..
Portanto, a palavra senso já tem forte conotação popular de valor moral, intrínseco a uma
pessoa. As referências feitas ao senso também podem ser associadas à conceituação de senso
comum (ARANHA, 1999:35):
Chamamos senso comum ao conhecimento adquirido por tradição, herdado dos antepassados e, ao qual
acrescentamos os resultados da experiência vivida na coletividade a que pertencemos. Trata-se de um
conjunto de idéias que nos permite interpretar a realidade, bem como de um corpo de valores que nos
ajuda a avaliar, julgar e, portanto, agir.
Diferindo da experiência científica, o senso comum é visto como um conhecimento
espontâneo (vulgar) e empírico, derivado de tentativas empreendidas pelo homem, no intuito
de resolver seus problemas do dia-a-dia. O senso comum é associado a pessoas comuns, não-
especialistas, mas fora de seu campo de especialidade, mesmo o cientista mais rigoroso é
também um homem comum, fazendo uso desse conhecimento espontâneo em seu cotidiano.
Outro conceito de senso que pode ser associado ao contexto é o chamado senso moral. Chauí
(2001:335) identifica a presença do senso moral como a seguir:
O senso e a consciências moral dizem respeito a valores, sentimentos, intenções, decisões e ações
referidos ao bem e ao mal e ao desejo de felicidade. Dizem respeito às relações que mantemos com os
outros e, portanto, nascem e existem como parte de nossa vida intersubjetiva.
À época da Renascença, Descartes detectou a capacidade de escolha que os seres humanos
têm, associando-a a um nível de esforço que parte para a ação concreta e realizadora.
Iniciando seu trabalho intitulado “Discurso do Método” fez a seguinte narrativa sobre o que
ele considerava como bom senso (DESCARTES, 1999:35):
78
Inexiste no mundo coisa mais bem distribuída que o bom senso, visto que cada indivíduo acredita ser tão
bem provido dele que mesmo os mais difíceis de satisfazer em qualquer outro aspecto não o costumam
desejar possuí-lo mais do que possuem. E é improvável que todos se enganem a esse respeito; mas isso é
antes uma prova de que o poder de julgar de forma correta e discernir entre o verdadeiro e o falso, que é
justamente o que é denominado bom senso ou razão, é igual em todos os homens; e, assim sendo, de que a
diversidade de nossas opiniões não se origina do fato de serem alguns mais racionais que outros, mas
apenas de dirigirmos nossos pensamentos por caminhos diferentes e não considerarmos as mesmas coisas.
Pois é insuficiente ter o espírito bom, o mais importante é aplicá-lo bem.
Henry Ford destacou que, embora as coisas desordenadas funcionassem precariamente, o bom
senso poderia intervir positivamente para a melhoria dos processos. Isso foi assim descrito
(FORD, 1967:16): “a atual ordem de coisas, confusa, por vezes estúpida e de vários modos
imperfeita, leva uma vantagem sobre outra qualquer: funciona. Certamente que esta ordem de
coisas se absorverá de modo gradativo em uma outra, que também funcionará não pelo que
terá ela de novo, mas pelo que os homens nela puserem”.
O desenvolvimento de uma nação, a conscientização de grande parcela da população e a
melhoria da qualidade de vida da coletividade são conseqüências da escolha de um caminho.
O que ocorreu em várias nações mundo afora demonstra que a direção a seguir e o esforço
empreendido podem e devem promover seus desenvolvimentos. O senso é uma conquista de
cada pessoa, é um processo contínuo e consciente de aprimoramento, que transforma ao
ambiente e ao próprio indivíduo. O hábito de fazer cada vez melhor proporciona êxito pessoal
e este processo, dinamizado por um grupo cada vez maior de pessoas, favorece o bem estar
coletivo assegurando sustentabilidade e qualidade de vida.
Em acesso realizado ao sítio da UBQ
51
<http://www.ubq.org.br>, verifica-se em entrevista
concedida, que Silva aborda o Programa 5S da seguinte maneira: “Seria melhor não pensar no
5S como um Programa, mas como um movimento cultural. Ele não pode ter um tempo para
iniciar e terminar. Pode-se fazer o movimento com qualquer nomenclatura, ou mesmo sem
uma nomenclatura especial. O importante é estar atento, o tempo todo, à mudança cultural”.
De forma simples, prática e efetiva, a aplicação dos conceitos da Filosofia 5S demonstra
claramente que a iniciativa individual com o uso do senso leva a uma mobilização coletiva
consciente, com resultados surpreendentes para a organização e para a sociedade como um
todo. Isso possibilita o entendimento e a prática da cidadania e, conseqüentemente o
desenvolvimento sustentável.
51
A União Brasileira para a Qualidade (UBQ) é uma entidade civil sem fins lucrativos, composta por empresas e
cidadãos. Foi fundada em 1981 com o objetivo de ajudar as organizações a compreenderem e incorporarem
práticas de Qualidade
79
“Depois de um longo período tentando arduamente resolver
um problema sem sucesso, vemos que a direção correta
tende a surgir repentinamente, num momento de extrema
passividade mental, trazendo consigo a solução.(...)
Um famoso físico escocês me disse uma vez que esse
fenômeno é amplamente conhecido dos físicos ingleses:
- Costumamos nos referir aos Três Bs, ele disse,
- Bus (o ônibus), Bath (o banho) e Bed (a cama).
É aí que ocorrem as nossas grandes
descobertas científicas”.
WOLFGANG KÖHLER
5 A DINÂMICA DO CONHECIMENTO
No capítulo anterior apresentou-se a Filosofia 5S. Neste será apresentada a Dinâmica do
Conhecimento como uma formatação instrumental do roteiro genérico da ação racional,
muitas vezes chamada de método científico. A questão central, aqui, é compreender o roteiro
genérico para se trabalhar com conhecimento, de forma dinâmica, tendo em vista a obtenção
de produtos – bens e serviços – de qualidade, com produtividade, e atendo a diversos critérios
de julgamento quanto à sua validade para a sociedade sustentável. Serão abordados oito
subtópicos, a saber: Introdução ao Conhecimento (5.1), Introdução à criatividade e à arte de
pensar (5.2), O método científico clássico (5.3), O método científico segundo a visão dos
cientistas modernos (5.4), As críticas sobre o método científico (5.5), O advento do século
XX e a utilização de processos de aperfeiçoamento nas organizações sob a ótica do método
(5.6), Métodos de solução de problemas – o PDCA e o Ver e Agir como formatações do
método científico (5.7), A Dinâmica do Conhecimento (5.8).
Assim, pretende-se demonstrar que a Dinâmica do Conhecimento não é um conceito novo.
Trata-se apenas de uma das muitas tentativas de formatações do método científico. Entretanto,
acredita-se que a formatação adotada seja simples, profunda e completa, sendo adequado para
compreender a essência do roteiro básico para se lidar com conhecimento de forma prática e
efetiva. Não há interesse em estudar aspectos dos mecanismos de cognição, mas apenas os
passos mais gerais obrigatórios para se lidar de forma administrada com o tema. A abordagem
será, portanto, pragmática quanto a coisas, mas humanista quanto a pessoas.
80
5.1 Introdução ao conhecimento
Não é objetivo deste trabalho discorrer sobre o tema gestão do conhecimento e todas as suas
variáveis (como por exemplo, procedimentos, políticas, estruturas, marcas, patentes e
relacionamentos), mas sobre o conhecimento dos indivíduos, seus tipos e modos de
conversão, onde percebe-se como ele pode ser criado e transferido dentro das organizações.
O dicionário Aurélio atribui ao verbete “conhecimento” o ato ou efeito de conhecer, idéia,
noção, informação, notícia, ciência, prática da vida, experiência, discernimento, critério ou
apreciação (FERREIRA, 1999:529). Verificando o mesmo termo em fonte eletrônica
(internet), o dicionário Houaiss conceitua conhecimento como o ato ou a atividade de
conhecer, realizado por meio da razão e/ou da experiência; ato ou efeito de apreender
intelectualmente, de perceber um fato ou uma verdade; cognição, percepção; fato, estado ou
condição de compreender; entendimento; a coisa conhecida; domínio, teórico ou prático, de
um assunto, uma arte, uma ciência, uma técnica etc.; competência, experiência, prática;
faculdade de conhecer; intuição, pressentimento ou outra forma de cognição; fato de
reconhecer uma coisa como adrede sabida ou conhecida; reconhecimento; familiaridade (com
uma coisa ou uma pessoa), adquirida pela experiência.
Várias definições de conhecimento são encontradas a partir dos grandes filósofos da
Antigüidade, mas pode-se perceber claramente que ele é fato resultante do relacionamento
entre o indivíduo e o mundo em que vive. Para os filósofos gregos o mundo era considerado
inteligível, ou seja, tudo poderia ser compreendido no mundo pelo pensamento. O
conhecimento seria feito pela formação de conceitos, que eram verdadeiros enquanto fossem
adequados à realidade existente. Poder-se-ia citar também o tratamento do tema conhecimento
por São Tomás de Aquino, que o dividia em conhecimento sensível e conhecimento
intelectual.
Immanuel Kant diferenciava o conhecimento puro (a priori) do conhecimento empírico (a
posteriori). Tal distinção pode assim ser explicada (KANT, 1999:54):
No que se segue, portanto conhecimento a priori entenderemos não os que ocorrem de modo
independente desta ou daquela experiência, mas absolutamente independente de toda a experiência. A eles
são contrapostos ou aqueles que são possíveis apenas a posteriori, isto é, por experiência. Dos
conhecimentos a priori denominam-se puros aqueles aos quais nada de empírico está mesclado. Assim,
81
por exemplo, a proposição: cada mudança tem sua causa, é uma proposição a priori, só que não pura, pois
mudança é um conceito que só pode ser tirado da experiência.
Vários autores fizeram estudos sobre o conhecimento, mas não é nossa intenção esgotar tão
vasto assunto nessa pequena introdução.
Morin (2001:20) faz referências ao conhecimento em um contexto de aprendizado, de saber
necessário à educação do futuro:
O conhecimento não é um espelho das coisas ou do mundo externo. Todas as percepções são, ao mesmo
tempo, traduções e reconstruções cerebrais com base em estímulos ou sinais captados e codificados pelos
sentidos. Daí resultam, sabemos bem, os inúmeros erros de percepção que nos vêm de nosso sentido mais
confiável, o da visão. Ao erro de percepção acrescenta-se o erro intelectual. O conhecimento, sob forma
de palavra, de idéia, de teoria, é o fruto de uma tradução / reconstrução por meio da linguagem e do
pensamento e, por conseguinte, está sujeito ao erro. Este conhecimento, ao mesmo tempo tradução e
reconstrução, comporta a interpretação, o que introduz o risco do erro na subjetividade do conhecedor, de
sua visão do mundo e de seus princípios de conhecimento. Daí os numerosos erros de concepção e de
idéias que sobrevêm a despeito de nossos controles racionais.
O conhecimento está sendo tratado como fator primordial para o desenvolvimento de uma
nação. Isso não é novidade na história da humanidade se lembrarmos que no final do século
XV, Portugal, um pequeno país da Europa, tornou-se grande potência mundial aplicando
estudos sistemáticos, pesquisa e conhecimento aos problemas da navegação oceânica, com o
objetivo de chegar à Índia e dominar o comércio das especiarias. Após anos de heresias na
Igreja, os europeus ingressaram num excitante e dinâmico mundo de inovação, rompendo
com os interesses com as forças do conservadorismo dominante. A sistematização do método
científico e da atividade de pesquisa a partir do século XVIII, serviu como base para a
realização da revolução industrial e para o desenvolvimento que se seguiu. Os países que
proporcionaram ambientes favoráveis à criação e disseminação do conhecimento e a sua
aplicação na produção tornaram-se mais prósperos. Segundo Drucker (2002:25):
Essa transformação foi impulsionada por uma mudança radical no significado do conhecimento. Tanto no
Ocidente quanto no Oriente, o conhecimento sempre foi aplicado ao ser. Então, quase da noite para o dia,
passou a ser aplicado ao fazer. Tornou-se um recurso e uma utilidade. O conhecimento foi sempre um
bem privado. Quase da noite para o dia tornou-se um bem público.
Há algumas décadas acreditava-se que em nações como o Brasil, as vantagens comparativas
como terra, clima e baixos salários podiam ser instrumentos de atração para investimentos e
desenvolvimento. Passados os tempos da Revolução Industrial, o mundo reconhece que as
coisas não são mais assim: além de capital e trabalho, o insumo fundamental para a criação de
riqueza é o conhecimento, que só pode ser criado e transferido quando há pessoas educadas,
82
preparadas para isso. A inclusão do conhecimento como variável de destaque para o
desenvolvimento econômico leva para a teoria econômica a educação e a cultura como
parâmetros explicitamente determinantes do desenvolvimento de uma nação.
Sob uma dimensão epistemológica estabelecida em 1966 por Polanyi, Nonaka (1997) faz a
distinção entre conhecimento tácito e conhecimento explícito. O conhecimento tácito é
pessoal, específico ao contexto, difícil de ser formulado e comunicado. O conhecimento
explícito é transmissível em linguagem formal e sistemática (QUADRO 5).
Conhecimento Tácito (subjetivo) Conhecimento Explícito (objetivo)
Conhecimento da experiência (corpo) Conhecimento da racionalidade (mente)
Conhecimento simultâneo (aqui e agora) Conhecimento seqüencial (lá e então)
Conhecimento análogo (prática) Conhecimento digital (teoria)
QUADRO 5: Dois tipos de conhecimento
Fonte: NONAKA (1997)
Tácito, do latim tacitus, que significa não formalmente expresso, não traduzido por palavras,
que não é preciso dizer por estar implícito ou subentendido. O conhecimento tácito é pessoal e
difícil de ser formalizado e comunicado aos outros, portanto não pode ser documentado. Por
isso há dificuldade na transmissão e no compartilhamento com outros. O conhecimento tácito
está profundamente enraizado nas ações, experiências, emoções, valores e ideais de um
indivíduo. Andar de bicicleta, a regência de uma orquestra, conclusões, insights e palpites
subjetivos incluem-se nessa categoria de conhecimento. O reconhecimento do conhecimento
tácito nos conduz a uma nova perspectiva organizacional, outrora percebida como uma
máquina de processamento de informações, e atualmente como um organismo vivo e
dinâmico.
Explícito, do latim explicitus, que é claro, explicado sem ambigüidade, que não tem reservas
ou restrições na expressão, descrito com precisão e rigor, permitindo formalização (diz-se de
regra, estrutura, princípio etc.), enunciado de modo formal e categórico. O conhecimento
explícito é formal e sistemático, fácil de ser comunicado aos outros, passível de
documentação e armazenamento em meio físico.
83
Para efeito de simples comparação entre os dois tipos de conhecimento, tome-se como
exemplo uma receita de bolo. Uma mesma receita a ser seguida por dois cozinheiros
experientes pode gerar dois bolos com gosto, coloração ou forma diferentes, pois os
cozinheiros agregam sua experiência adquirida (o conhecimento tácito - um conhecimento
subjetivo, não mensurável, que não se transfere de forma objetiva) à receita escrita (o
conhecimento explícito).
Os conhecimentos tácito e explícito possuem quatro modos de conversão, o que possibilita
que um conhecimento tácito seja difundido para outros indivíduos (socialização), se converta
em explícito (externalização), que um conhecimento explícito seja sistematizado
(combinação) ou que o indivíduo aprenda fazendo, convertendo de explícito para tácito
(FIGURA 3).
Socialização
Externalização
Internalização
Combinação
FIGURA 3: Quatro modos de conversão do conhecimento
Fonte: NONAKA (1997)
Os quatro modos de conversão do conhecimento retratam a particularidade de cada conceito e
suas relações, demonstrando o alto grau de dinamismo existente na criação e na transferência
do conhecimento. Essa é a visão que interessa a nossos estudos. Uma visão prática, simples e
de fácil entendimento. Totalmente aplicável e compatível com a realidade atual em nossas
organizações.
5.2 Introdução à criatividade e à arte de pensar
O processo criativo é fundamental para o desenvolvimento do Senso, para as práticas
relacionadas à Filosofia 5S e também é fundamento do ciclo da Dinâmica do Conhecimento,
item a ser verificado mais adiante neste capítulo.
Conhecimento
Tácito
Conhecimento
Explícito
Conhecimento
Tácito
Conhecimento
Explícito
84
As pessoas têm uma capacidade de perceber qualquer coisa ou assunto sob uma nova
perspectiva, por um ângulo diferente. Assim pode-se começar a discorrer sobre a criatividade,
a habilidade para pensar sem limites. A capacidade de ver o que ninguém viu antes, de criar
uma boa solução para um problema. O uso da criatividade permite às pessoas encontrar
maneiras de fazer mais com menos, de aperfeiçoar uma idéia, de inovar um processo, de
simplificar sistemas, enfim, de buscar novos caminhos.
Os fenômenos da criatividade e do processo criativo têm sido objetos de estudo de muitos
pesquisadores. Estes processos contribuem ativamente para a melhoria da vida das pessoas em
uma sociedade e são intrinsecamente relacionados ao processo de resolução de problemas.
Maslow relatou sua impressão em que os conceitos de criatividade e de pessoa saudável, auto-
realizada e inteiramente humana estivessem se fundindo. Ser criativo e fazer ciência está ao
alcance de todos, não apenas a algum seleto grupo de cientistas ou inventores. Desta forma,
Maslow (2002:190) afirma:
...poderia chegar a definir a ciência como uma técnica através da qual as pessoas que não são criativas
tornam-se capazes de criar. De forma alguma isso implica em ridicularizar os cientistas. Considero
maravilhoso que os seres humanos limitados possam ser pressionados para realizar grandes feitos, muito
embora não sejam indivíduos espetaculares. A ciência é uma técnica, social e institucionalizada, mediante
a qual até mesmo o indivíduo ignorante pode ser útil no avanço do conhecimento.
Para Albert Einstein, o desenvolvimento da capacidade de pensamento deveria ser colocado
em primeiro lugar, e não a aquisição de conhecimento especializado. Se uma pessoa domina o
fundamental no seu campo de estudo e aprendeu a pensar independentemente, ela será mais
capaz de adaptar-se ao progresso e às mudanças do que outra cujo treinamento consistiu
apenas na aquisição de conhecimento detalhado. Einstein
52
declarava ser a imaginação mais
importante que o conhecimento, pois que o conhecimento é limitado e a imaginação envolve o
mundo.
Cuellar (1997:102) afirma que:
A noção de criatividade deve ser amplamente utilizada, não apenas para se referir à produção de novas
obras ou formas artísticas, mas para buscar soluções de problemas em todas as áreas possíveis. Longe de
ser exclusivamente ligada às artes, a criatividade é vital para a indústria e o comércio, a educação e o
desenvolvimento social e comunitário... O emprego amplo da criatividade não deve, contudo, impedir-nos
52
"What Life Means to Einstein: An Interview by George Sylvester Viereck," for the October 26, 1929 issue of
The Saturday Evening Post.
85
de refletir sobre o significado e a ênfase do termo, que consiste na ação individual e coletiva de fazer e
inovar. Os grupos humanos, suas instituições e organizações podem ser criativos. Isso pressupõe não só
que incluam indivíduos criativos em seus quadros, mas que, como coletividade, sejam capazes de
desenvolver novos modos de vida em comum e definir novas direções. Essas capacidades não podem ser
impostas ou ensinadas, precisam ser nutridas.
O processo criativo é dividido em dois níveis: individual e coletivo. Quando cita o conceito de
“cidade criativa”, proposto por um grupo de reflexão do Reino Unido, pressupõe uma forma
nova e mais holística de pensamento. Em sua forma coletiva, refere ao pensamento criativo
como (CUELLAR, 1996:106):
O pensamento criativo ajuda a lidar com mudanças e a dar maior ênfase não aos equipamentos físicos,
mas ao meio ambiente, à atmosfera e às infra-estruturas imateriais. As cidades que empregam um
pensamento criativo podem solucionar seus novos problemas urbanos a partir de novas perspectivas e com
instrumentos mais apropriados.
Apesar de o conhecimento ser a matéria-prima das novas idéias, isso não basta para tornar
uma pessoa criativa. Segundo Von Oech (1995:18):
O pensamento criativo supõe uma atitude, uma perspectiva, que leva a procurar idéias, a manipular
conhecimento e experiência. Com essa perspectiva você tenta diversas abordagens – primeiro uma, depois
outra -, freqüentemente sem chegar a nada. Você usa idéias malucas bobas e impraticáveis como
trampolins para idéias novas e práticas. Viola normas ocasionalmente e caça idéias em locais inusitados.
Em suma, ao adotar uma perspectiva criativa, você tanto se abre para novas possibilidades como para a
mudança.
Rogers (1977:309) identifica a tendência do homem para se realizar, para vir a ser suas
potencialidades como causa principal da criatividade, ou seja, a tendência evidente em toda a
vida orgânica e humana, de se expandir, de se estender, de se desenvolver e amadurecer. Ele
divide a criatividade em potencialmente construtiva e potencialmente destrutiva, mas tais
definições devem levar em consideração os juízos locais e temporais, citando como exemplo
as descobertas de Galileu e Copérnico, que, na época, foram consideradas blasfemas e
imorais.
Senge afirma que o exercício da criatividade tem um relacionamento intrínseco com o
aprendizado, e o significado mais profundo desse aprendizado faz referências ao termo
“metanóia” como a seguir (SENGE, 2000:47):
86
Entender o sentido de “metanóia”
53
é entender o significado mais profundo de “aprendizagem”, pois essa
também envolve uma alteração fundamental ou movimento da mente... A verdadeira aprendizagem chega
ao coração do que significa ser humano. Através da aprendizagem, nos recriamos. Através da
aprendizagem tornamo-nos capazes de fazer algo que nunca fomos capazes de fazer. Através da
aprendizagem percebemos novamente o mundo e nossa relação com ele. Através da aprendizagem
ampliamos nossa capacidade de criar, de fazer parte do processo gerativo da vida. Existe dentro de nós
uma intensa sede para este tipo de aprendizagem.
Pode-se atribuir forte conotação de receptividade a novas idéias (criação) e dinamismo (ação)
a essa relação entre criatividade e aprendizado. Tal relação pode ser vista como causadora de
transformações profundas para o indivíduo e conseqüentemente para o ambiente ao qual ele
esteja inserido.
5.3 O método científico clássico
Método é um termo originado do grego méthodos, associação de meta (atrás, em seguida,
através) e hodós (caminho). No dicionário Novo Aurélio são encontradas referências aos
significados deste termo (FERREIRA, 1999:1328):
1. Caminho pelo qual se atinge um objetivo;
2. Programa que regula previamente uma série de operações que se devem realizar,
apontando erros evitáveis, em vista de um resultado determinado;
3. Processo ou técnica de ensino.
Para Abbagnano (2000:668) o termo “método” tem dois significados fundamentais:
1. Qualquer pesquisa ou orientação de pesquisa;
2. Uma técnica particular de pesquisa (indicando um procedimento de investigação
organizado, repetível e autocorrigível, que garanta a obtenção de resultados válidos).
O método científico é o caminho utilizado pelos cientistas para se atingir um objetivo,
corroborando a veracidade dos fatos propostos.
O saber racional da ciência criada pelos gregos (episteme) influenciou a criação da ciência
moderna (scientia). Ambas partem do pressuposto de que existe uma ordem a priori da
53
Metanóia: do grego meta (acima ou além de) e noia (mente). Significa a mudança essencial de pensamento ou
de caráter.
87
realidade que pode ser apreendida pelo homem, mesmo que para os gregos essa ordem não se
encontrava no mundo da experiência. A ciência moderna é vista como um instrumento de
transformação da natureza, enquanto a ciência teórica grega adotava um saber especulativo,
distanciado da técnica, apreendendo a ordem das coisas via contemplação da realidade.
Assim, a ciência grega mantinha-se longe dos aspectos empíricos, práticos e técnicos,
deixando de propiciar suporte à produção de bens e serviços.
A combinação entre ciência e técnica possibilita uma visão do que veio a ser a ciência
experimental moderna. De um lado, a episteme, a tradição do homem letrado, portador de
uma ciência teórica desvinculada do mundo do trabalho. De outro lado, a habilidade do
artesão e do artista, do homem que domina a técnica, fazendo do mundo material à sua volta o
seu ambiente de aprendizado, e do fazer experimental a sua arte e profissão.
A associação dos saberes dos homens da técnica (inovações tecnológicas) e da ciência (teorias
científicas) possibilitou emergir, fora das universidades tradicionais, a ciência experimental.
Isto impulsionou o movimento de apoio e estímulo à pesquisa científica, ocasionando grandes
transformações na vida moderna.
A Royal Society (fundada em 1660 na Inglaterra) e a Academie des Sciences (fundada em
1666 na França), foram as primeiras sociedades onde os cientistas utilizaram propósitos
eminentemente práticos, experimentais e técnicos, o que caracterizava a nova ciência
empírica. A ligação entre ciência e universidade como conhecemos hoje, consolidou-se
somente a partir do século XIX.
A ciência moderna pode ser conceituada como um conjunto de conhecimentos socialmente
adquiridos ou produzidos, historicamente acumulados, dotados de universalidade e
objetividade que permitem sua transmissão, e estruturados com métodos, teorias e linguagens
próprias, que visam compreender e, possivelmente, orientar a natureza e as atividades
humanas (FERREIRA, 1999:469).
Segundo Abbagnano (2000:136), o oposto da ciência é a opinião, caracterizada pela falta de
garantia acerca de sua validade. As diferentes concepções de ciência podem ser distinguidas
conforme a garantia de validade que se lhes atribui. Essa garantia pode consistir: 1º na
demonstração; 2º na descrição; 3º na corrigibilidade.
88
A garantia atribuída pela demonstração é o ideal clássico da ciência moderna, interligando as
afirmações num sistema ou num organismo em que cada uma dessas afirmações seja
necessária, não podendo, então, ser retirada, anexada ou mudada. A garantia validada pela
concepção tem como fundamento a distinção entre antecipação e interpretação da natureza, a
contraposição do método de análise e do método da síntese. A terceira concepção, frente a
ausência da certeza absoluta dos fatos, admite a compatibilidade entre a dúvida e a correção,
ou seja, a falibilidade e a posterior aplicação do processo de correção na presença de provas
mais adequadas.
O conhecimento científico é produzido pela investigação científica, através de seus métodos.
Tais métodos surgem não apenas pela necessidade de encontrar soluções para problemas de
ordem prática da vida diária, mas do desejo de fornecer explicações sistemáticas que possam
ser testadas e criticadas através de provas empíricas. Na tarefa de descobrir a verdade dentro
de sua esfera de atuação, a ciência precisa de critérios claros, métodos de investigação
precisos que descartem as ilusões dos sentidos, os preconceitos, as crenças pessoais
(religiosas ou não), as superstições de todo o tipo. Para isso utiliza-se o método científico. O
cientista é um indivíduo que busca a verdade. Nessa busca ele admite como certo o que
poderia ser chamada de verdade provisória. Diga-se, então, que esta última seja o que é
considerada como verdade científica, e o que a distingue das demais verdades provisórias,
encontradas pelos que não são cientistas, seria o seu acoplamento ao método científico ou à
experimentação.
A revolução científica que ocorreu nos séculos XVI e XVII foi compreendida como um
processo, sendo influenciada pelas antigas visões acerca da natureza. Essas consistiam em um
saber privado ou de iniciados, baseado na tradição hermética, alquimia, astrologia e magia,
que foram substituídos pela ciência moderna que, ao contrário destes, compreendia a
formação de um saber que reunia teoria e prática, ciência e técnica. A cooperação entre
cientistas de um lado e técnicos e artesãos de outro, envolvia um saber experimental que
ajudou a consolidar a implantação da nova visão científica. Reale (1990:192) assim ilustra
esta transição:
O saber de caráter público, cooperativo e progressivo, em suma teria nascido primeiro junto aos artesãos
superiores (navegantes, engenheiros de fortificações, técnicos das oficinas de artilharia, agrimensores,
arquitetos, artistas, etc.) para depois influir na transformação das artes liberais. Ora, o contato, ou melhor,
o encontro entre saber científico e técnico, entre o intelectual e o artesão, é um fato da revolução
científica. O que importa, porém, é a natureza desse contato. Foram os artesãos que ofereceram o novo
89
tipo de saber àqueles que praticavam as artes liberais? Ou foi a sociedade, isto é, a classe burguesa em
ascensão, que impôs como saber aquele próprio dos artesãos superiores?
Podendo ser desenvolvido a partir do conhecimento comum, Popper (2004:538) atribui a
seguinte diferenciação em relação ao conhecimento científico:
...embora eu concorde com a idéia de que o conhecimento científico constitua mero desenvolvimento do
conhecimento ordinário, ou do conhecimento comum, contesto que os problemas de maior importância e
mais fascinantes da Epistemologia devam permanecer completamente ocultos para os que se confinam a
analisar o conhecimento comum, ou ordinário, ou sua formulação em linguagem vulgar.
O conhecimento científico é uma conquista relativamente recente da civilização. A revolução
científica do século XVI marca a autonomia da ciência, a partir do momento em que,
buscando seu próprio método, rompeu com o padrão predominante da reflexão filosófica: o
pensamento aristotélico
54
. A partir desse momento, duas correntes do pensamento ocidental se
apresentaram de forma mais clara: o racionalismo e o empirismo. Embora haja dificuldade em
se delimitar a real distinção existente essas duas correntes na antiguidade, podem-se percebê-
las representadas por Platão (racionalismo) e Aristóteles, que tinha uma posição mais
empirista.
O racionalismo pode ser assim definido (FERREIRA, 1999:1696):
Método de observar as coisas baseado exclusivamente na razão, considerada como única autoridade
quanto à maneira de pensar ou de agir; doutrina que admite, quanto à origem do conhecimento que este,
em última instância, é determinado por princípios racionais, inatos ou a priori, ainda que se possa
condicionar a validade do uso desses princípios à disponibilidade de dados empíricos.
Por sua vez, o empirismo é conceituado no dicionário Novo Aurélio da seguinte maneira
(FERREIRA, 1999:740):
Doutrina ou atitude que admite quanto à origem do conhecimento, que este provenha unicamente da
experiência, seja negando a existência de princípios puramente racionais, seja negando que tais princípios,
existentes embora, possam independentemente da experiência, levar ao conhecimento da verdade.
Essas duas abordagens relacionadas à epistemologia são análogas e utilizam métodos
diferentes para se obter o conhecimento: o racionalismo utiliza a dedução e o empirismo
afirma obter conhecimento a partir da indução. A dedução pode ser conceituada como
(ABBAGNANO, 2000:232):
54
A mecânica de Aristóteles, assim como quase toda sua obra científica, baseava-se principalmente na intuição e
no "bom senso". Dessa forma, suas análises não iam além dos aspectos mais superficiais dos fatos.
90
Relação pela qual uma conclusão deriva de uma ou mais premissas. Na história da filosofia, essa relação
foi interpretada e fundamentada de várias maneiras. Podem-se distinguir três interpretações principais: 1ª
a que a considera fundada na essência necessária ou substância dos objetos a que se referem as
proposições; 2ª a que considera fundada na evidência sensível que tais objetos apresentam; 3ª a que nega
que essa relação tenha um único fundamento e a considera decorrente de regras cujo uso pode ser objeto
de acordo.
A indução é o procedimento que leva do particular ao universal: com esta definição de
Aristóteles concordaram todos os filósofos (ABBAGNANO, 2000:556).
A Renascença sacudiu as cinzas do obscurantismo da Idade Média, trazendo novo fôlego a
todas as áreas do conhecimento humano e dando início à saga de cientistas que revolucionou
o mundo. Nicolau Copérnico (1473-1543) foi um deles. Em seus estudos sobre astronomia ele
contrariou um dogma que havia se perpetuado por mais de mil anos, provocando a ruptura
com o pensamento dominante. Sua concepção de universo é considerada um divisor de águas
na história da ciência - o heliocentrismo
55
, em contraposição à concepção geocêntrica da
tradição aristotélica, engendrou os princípios da revolução científica moderna.
Galileu Galilei (1564-1642) foi pioneiro na combinação da experimentação científica - para
isso fazia uso de uma abordagem empírica - com a utilização da linguagem matemática para
formular leis da natureza descobertas por ele. Sua grande contribuição à ciência foi ter
enfatizado a observação experimental, onde a experiência constitui a principal etapa do
trabalho científico. Em 1623 Galileu editou sua obra intitulada Il Saggiatore (O Ensaiador),
que continha uma exposição dos princípios que devem regular o raciocínio científico e o
processo experimental, defendendo o ceticismo do pesquisador perante as afirmações
aparentemente definitivas. Três princípios fundamentais consolidaram a visão do método
científico, abalando os pilares que fundamentavam até então a visão medieval que se tinha do
mundo (GALILEI, 1996:7):
O primeiro princípio é a observação dos fenômenos tais como eles ocorrem, sem que o cientista se deixe
perturbar por preconceitos extra-científicos, de natureza religiosa ou filosófica... O segundo princípio do
método de Galileu consiste na experimentação. Segundo esse princípio, nenhuma afirmação sobre
fenômenos naturais, que se pretenda científica, pode prescindir da verificação de sua legitimidade através
da produção do fenômeno em determinadas circunstâncias... O terceiro e último princípio da metodologia
55
O heliocentrismo - hipótese heliocêntrica sobre o sistema solar que sustentava ser o Sol o centro do Universo,
girando a Terra e os demais planetas ao seu redor, foi apresentada pela primeira vez por Aristarco de Samos (310
a.C. - 230 a.C.). Entretanto, sua obra foi solenemente ignorada pela posteridade romana e medieval, uma vez que
aqueles pensadores considerados mais cultos, como por exemplo, Aristóteles morrera uma década antes de
Aristarco nascer e defendia o geocentrismo.
91
galileana estabelece que o correto conhecimento da natureza exige que se descubra sua regularidade
matemática.
Em Diálogos sobre as Duas Novas Ciências, Galileu reafirmou a importância do método
experimental para a ciência, no qual, formulada uma hipótese, o cientista a evidencia pela
realização de experimentos e, somente então, parte para as grandes elaborações teóricas.
Ao mesmo tempo Francis Bacon (1561-1626) descrevia o método empírico da ciência na
Inglaterra, formulando uma teoria clara do procedimento indutivo, realizando experimentos,
extraindo deles conclusões gerais e daí testá-las por novos experimentos. Bacon projetou a
obra “Grande Instauração”, que serviu como basilar teórico de seus métodos experimentais e
a dividiu em seis partes:
1. Classificação completa das ciências existentes;
2. Apresentação dos princípios de um novo método para conduzir a busca da verdade;
3. Coleta de dados empíricos;
4. Série de exemplos de aplicação do método;
5. Lista de generalizações para mostrar o avanço permitido pelo novo método;
6. A nova filosofia que iria apresentar o resultado final, organizado num sistema
complexo de axiomas.
Clamando por uma profunda reforma do conhecimento humano, Bacon criticava os filósofos
escolásticos, que embora dotados de inteligências fortes e agudas, mantinham-se
enclausurados em mosteiros e universidades, impossibilitando, mais do que causando grandes
avanços no campo científico. Críticas também foram direcionadas para os alquimistas e
empíricos que recolhiam materiais ao acaso sem conseguir integrá-los num todo coerente e
sistemático. Para Bacon, o saber natural deveria ser concebido como saber ativo e fecundo em
resultados práticos, e o conhecimento sobre as coisas da natureza poderia ser evidenciado por
práticas indutivas (BACON, 1999:81):
Mas a indução que será útil para a descoberta e demonstração das ciências e das artes deve analisar a
natureza, procedendo às devidas rejeições e exclusões, e depois, então, de posse dos casos negativos
necessários, concluir a respeito dos casos positivos. Ora, é o que não foi até hoje feito, nem mesmo
tentado, exceção feita, certas vezes, de Platão, que usa essa forma de indução para tirar definições e idéias.
Mas, para que essa indução ou demonstração possa ser oferecida como uma ciência boa e legítima deve-se
cuidar de um sem-número de coisas que nunca ocorreram a qualquer mortal. Vai mesmo ser exigido mais
esforço que o até agora despendido com o silogismo. E o auxílio dessa indução deve ser invocado, não
92
apenas para o descobrimento de axiomas, mas também para definir as noções. E é nessa indução que estão
depositadas as maiores esperanças.
O conhecimento estava centrado nos objetos; o indivíduo, supostamente neutro, ao interagir
com a natureza conseguia extrair o conhecimento dela. E, como era muito freqüente ter as
mesmas percepções, deduzia-se este como verdadeiro, o que permitiu (ou levou) à idéia de
que, em função das diversas regularidades observadas, a fazer generalizações.
René Descartes (1596-1650) criou um método analítico – chamado método dedutivo – que,
através da dúvida sistemática, consistia em decompor pensamentos e problemas em suas
partes componentes e em dispô-las em sua ordem lógica - características que definiram a base
da pesquisa científica. Nessa concepção racionalista o conhecimento estava na mente das
pessoas. Como é através dos órgãos dos sentidos que os indivíduos tomam contato com a
realidade das coisas, então o conhecimento não está nos objetos, mas em nossas mentes.
Descartes postulou quatro preceitos principais:
1. Evidência - aceitação do que seja evidente, ou seja, que for intuído com clareza e
precisão;
2. Análise - dividir cada uma das dificuldades que se apresentem em tantas parcelas
quantas sejam necessárias para serem resolvidas;
3. Síntese - conduzir com ordem os pensamentos, começando dos objetos mais simples e
mais fáceis de serem conhecidos, para depois tentar gradativamente o conhecimento
dos mais complexos;
4. Enumeração - realizar enumerações de modo a verificar que nada foi omitido.
Descartes baseava toda a sua concepção da natureza na divisão fundamental entre a existência
do pensamento (res cogitans), a matéria (res extensa) e Deus (res infinita). Criador da
expressão Cogito ergo sum (penso, logo existo), afirmava que a única certeza contida no
Cogito é a da existência do eu enquanto ser pensante. A busca das respostas para as incertezas
com a qual se deparava dava-se da seguinte maneira (DESCARTES, 1999:24):
Mas como o testemunho sobre o mundo físico é, na maioria das vezes, fornecido por idéias obscuras,
originadas de impressões sensíveis, Descartes não pode aplicar diretamente a ele o preceito metodológico
da evidência. A existência do mundo físico – e como tal exterior ao pensamento – deve ser então
comprovada através de etapas sucessivas, numa forma de argumentação por aproximações que representa
um crescer da certeza.
93
Isaac Newton (1642-1727) apresentou, além de outros trabalhos, uma obra intitulada
Principia, combinando os métodos de Bacon e Descartes, afirmando que não poderia haver
uma teoria confiável se houvessem experimentos sem interpretação sistemática. Ele entendia
o mundo como uma máquina perfeita, sendo que a cada causa correspondia um efeito, o
futuro de qualquer parte do sistema poderia ser previsto com absoluta certeza desde que seu
estado, em qualquer momento dado, fosse conhecido em todos os seus detalhes. Para ele, a
formulação de hipóteses não tinha efeito na filosofia experimental, afirmando como a seguir
(NEWTON, 1996:258):
...tudo que não é deduzido dos fenômenos deve ser chamado uma hipótese; e as hipóteses, quer
metafísicas ou físicas, quer de qualidades ocultas ou mecânicas, não têm lugar na filosofia experimental.
Nessa filosofia as proposições particulares são inferidas dos fenômenos, e depois tornadas gerais pela
indução. Assim foi que a impenetrabilidade, a mobilidade e a força impulsiva dos corpos, e as leis dos
movimentos e da gravitação foram descobertas.
Os experimentos realizados por Newton, assim como suas observações, permitiram a ele
definir os conceitos para os processos de análise e síntese presentes em sua forma de lidar
com a filosofia experimental (NEWTON, 1996:297):
Como na matemática, assim também na filosofia natural, a investigação de coisas difíceis pelo método de
análise deve sempre preceder o método de composição. Esta análise consiste em fazer experimentos e
observações, e em traçar conclusões gerais deles por indução, não se admitindo nenhuma objeção às
conclusões, senão aquelas que são tomadas dos experimentos, ou certas outras verdades. Pois as hipóteses
não devem ser levadas em conta em filosofia experimental. E apesar de que a argumentação de
experimentos e observações por indução não seja nenhuma demonstração de conclusões gerais, ainda
assim é a melhor maneira de argumentação que a natureza das coisas admite, e pode ser considerada mais
forte dependendo da maior generalidade da indução. E se nenhuma exceção decorre dos fenômenos,
geralmente a conclusão pode ser formulada. Mas se em qualquer tempo posterior, qualquer exceção
decorrer dos experimentos, a conclusão pode então ser formulada com tais exceções que decorrem deles.
Por essa maneira de análise podemos proceder de compostos a ingredientes, de movimentos às forças que
os produzem; e em geral, dos efeitos a suas causas, e de causas particulares a causas mais gerais, até que o
argumento termine no mais geral. Este é o método de análise; e a síntese consiste em assumir as causas
descobertas e estabelecidas como princípios, e por elas explicar os fenômenos que procedem delas, e
provar as explicações.
O método científico compõe-se de várias partes. Considere principalmente o ato de observar,
refletir, experimentar e verificar resultados. Uma conceituação pode ser assim definida
(WEATHERALL, 1970:5):
A base do método científico está no reunir observação e hipótese, ou fato e idéia. O processo é cíclico e
consiste, alternadamente, no aperfeiçoamento dos meios de realizar observações e de reexaminar
hipóteses. Há duas formas principais de aperfeiçoar as observações: levando-as a efeito em circunstâncias
previamente estabelecidas, isto é, como experimentos, ou usando equipamento para fazerem surgir as
circunstâncias especiais necessárias. As hipóteses se aperfeiçoam quando se tornam mais simples,
quantitativas e gerais. O processo de aperfeiçoamento sucessivo, tanto do ponto de vista experimental,
como teórico, não tem fim perceptível. Os processos científicos não levam à verdade absoluta, mas a um
94
conhecimento progressivamente mais bem fundamentado e que, ao tempo, é o de que melhor se dispõe
para propósitos práticos.
Apesar de sua vasta utilização durante os séculos, o método científico foi posteriormente
abordado com um conceito moderno, como apresentado por Lakatos (2005:84): “Com o
passar do tempo, muitas modificações foram feitas nos métodos existentes, inclusive surgiram
outros novos... No momento, o que nos interessa é o conceito moderno do método
(independente do tipo). Para tal, consideramos, como Bunge, que o método científico é a
teoria da investigação”.
A teoria da investigação possui diversas etapas (FIGURA 4) a serem seguidas para alcançar
cientificamente seus objetivos:
a) Descobrimento do problema;
b) Colocação precisa do problema;
c) Procura de conhecimentos ou instrumentos relevantes ao problema;
d) Tentativa de solução do problema com auxílio dos meios identificados;
e) Invenção de novas idéias ou produção de novos dados empíricos;
f) Obtenção de uma solução;
g) Investigação das consequências da solução obtida;
h) Prova (comprovação) da solução.
Não se pode conceber a Dinâmica do Conhecimento Aplicado sem a presença do método
científico, pois é a partir dele que ela foi formatada, para servir aos propósitos de
entendimento popular e de conscientização da importância de se usá-la para a resolução de
problemas.
Alves (2002:24) afirma que quem não é capaz de perceber e formular problemas com clareza
não pode fazer ciência. Reside aí o fato de possibilitar ao cidadão comum utilizar
dinamicamente seu poder criativo, como fazem os cientistas.
Antes de qualquer coisa (ALVES, 2002:10) é necessário acabar com o mito de que o cientista
é uma pessoa que pensa melhor que as outras. A ciência é uma especialização, um
refinamento de potenciais comuns a todos e que sua aprendizagem é um processo de
desenvolvimento progressivo do senso comum. A ciência é uma metamorfose do senso
95
comum. Sem ele, a ciência não poderia existir. Quando um cientista faz algum tipo de
referência a esse senso comum, pensa obviamente nas pessoas que não passaram por um
treinamento científico.
FIGURA 4: Representação do método científico
Fonte: LAKATOS (2005)
O senso comum é visto como um aprendizado adquirido pela prática diária. Seu valor em
nossas vidas pode ser percebido, por exemplo, nos processos produtivos de donas de casa,
pescadores e jardineiros (ALVES, 2002:21):
O senso comum e a ciência são expressões da mesma necessidade básica, a necessidade de compreender o
mundo, a fim de viver melhor e sobreviver. Para aqueles que teriam a tendência de achar que o senso
comum é inferior à ciência, eu só gostaria de lembrar que, por dezenas de milhares de anos os homens
sobreviveram sem coisa alguma que se assemelhasse à nossa ciência. Depois de cerca de quatro séculos,
desde que surgiu com seus fundadores, a ciência está apresentando sérias ameaças à nossa sobrevivência.
Eis aí uma grande oportunidade de argumentação revelando ser plenamente útil a associação
do senso à prática científica: a busca da razão e da verdade sem perder a dignidade, a
solidariedade, a noção de viver em ambiente pacífico e feliz.
96
5.4 O método científico segundo a visão dos cientistas modernos
Conforme percebido no item anterior, o método científico consolidou-se como um roteiro a
ser seguido pelos cientistas à época das descobertas científicas do mundo moderno. A partir
do século XX, as atenções dos estudiosos se voltaram para duas principais correntes de
pensamento que tratam do método científico, propostas por Karl Popper e Thomas Kuhn. Eles
seguem desde o início de seus trabalhos abordagens distintas, conseqüentemente divergindo
em suas conclusões. Popper trabalha com o núcleo do método científico, estabelecendo uma
metodologia e associando-a ao seu método dedutivo de prova (POPPER, 2004:33):
A partir de uma idéia nova, formulada conjecturalmente e ainda não justificada de algum modo –
antecipação, hipótese, sistema teórico ou algo análogo – podem-se tirar conclusões por meio de dedução
lógica. Essas conclusões são em seguida comparadas entre si e com outros enunciados pertinentes, de
modo a descobrir-se que relações lógicas (equivalência, dedutibilidade, compatibilidade ou
incompatibilidade) existem no caso.
Popper combate o indutivismo, chegando até a ignorá-lo e propondo a falseabilidade para que
seja utilizada como critério em relação aos testes de suas teorias (POPPER, 2004:27):
Ora, está longe de ser óbvio, de um ponto de vista lógico, haver justificativa no inferir enunciados
universais de enunciados singulares, independentemente de quão numerosos sejam estes; com efeito,
qualquer conclusão colhida desse modo sempre pode revelar-se falsa: independentemente de quantos
casos de cisnes brancos possamos observar, isso não justifica a conclusão de que todos os cisnes são
brancos... O problema da indução também pode ser apresentado como a indagação acerca da validade ou
verdade de enunciados universais que encontrem base na experiência, tais como as hipóteses e os sistemas
teóricos das ciências empíricas. Muitas pessoas acreditam, com efeito, que a verdade desses enunciados
universais é “conhecida através da experiência”; contudo, está claro que a descrição de uma experiência –
de uma observação ou do resultado de um experimento – só pode ser um enunciado singular e não um
enunciado universal.
Popper reconhece um sistema como empírico ou científico só se ele for possível de
comprovação pela experiência. Adotando o sistema de revolução permanente, composto de
uma atitude crítica sem limitações, deixa claro ser esta a mola propulsora na produção de
conhecimentos. Ao mesmo tempo, Popper define a “simplicidade” como algo altamente
desejável, não sendo necessário admitir um princípio de economia de pensamento; os
enunciados mais simples devem ser apreciados pelos fatos de encerrarem um conteúdo
empírico maior e serem suscetíveis a testes mais rigorosos. Ele afirmou que (POPPER,
2004:159):
Vários pesquisadores de renome se manifestaram acerca da simplicidade de teorias, e todos colocaram, na
condição de regra, que as teorias mais simples devem ser preferidas... Alguns cientistas e filósofos de
fama se pronunciaram acerca da simplicidade e do interesse que ela tem para a ciência. Sugeri que
algumas das afirmações desses filósofos e cientistas podem ser mais bem compreendidas quando
97
admitimos que, discorrendo a respeito da simplicidade, eles tinham em mente, muitas vezes, a
testabilidade.
Popper buscou evidenciar que a ciência é um conhecimento provisório. Para ele o cientista
deveria trabalhar com o falseamento, ou seja, elaborar e testar suas hipóteses procurando não
provas de que ela está certa, mas de que ela está errada. Caso a hipótese não resista ao teste,
diz-se que ela foi falseada. Caso contrário, diz-se que foi corroborada, que funciona através de
sucessivos falseamentos. Popper acreditava no mesmo método empregado pelo senso comum
para a resolução de problemas: o método de tentativa e erro, caracterizado por grande número
de soluções decorrentes de experimentos. Sobre este método, define três estágios a serem
seguidos:
1) O problema;
2) As soluções tentadas;
3) A eliminação.
O problema deve ser verificado, soluções devem ser buscadas para resolvê-los e as soluções
mal sucedidas devem ser eliminadas. A dinâmica da pesquisa científica possibilitou que, de
três estágios, Popper passasse a considerar quatro estágios para o método:
1) O velho problema;
2) Formação de teorias experimentais;
3) Tentativas na eliminação através de discussão crítica, incluindo testes experimentais;
4) Novos problemas, que apareceram da discussão crítica de nossas teorias.
Iniciando o ciclo por um problema original, passará por formação de teorias e elaboração de
discussões críticas, possibilitando aos cientistas a identificação de uma nova realidade, um
novo problema que dará início a um novo ciclo. Essa visão de que um novo problema surgiria
de uma crítica de teorias já era percebida na cosmogonia de Hesíodo e pelos filósofos pré-
socráticos na Grécia antiga. Isso ilustra bem o caráter cíclico do método científico, implicando
em reflexões e experimentos sucessivos. O cientista elabora idéias ou hipóteses definidas à
luz do conhecimento disponível; concebe e realiza experimentos para verificar essas
hipóteses. As hipóteses se aperfeiçoam quando se tornam mais simples, quantitativas e gerais.
O processo de aperfeiçoamento sucessivo, tanto do ponto de vista experimental, como teórico,
98
não tem fim perceptível, não levam à verdade absoluta, mas a um conhecimento
progressivamente mais bem fundamentado.
Tomando por base argumentos históricos, Kuhn traçou um perfil da evolução da ciência,
constituindo-a pelo que denominava “ciência normal”, a pesquisa firmemente baseada em
uma ou mais realizações científicas passadas. Tais realizações tornam-se fundamentos para
práticas posteriores. Pode-se verificar a importância de clássicos famosos (KUHN, 2005:29):
A Física de Aristóteles, o Almagesto de Ptolomeu, os Principia e a Óptica de Newton, a Eletricidade de
Franklin, a Química de Lavoisier e a Geologia de Lyell - esses e muitos outros trabalhos serviram, por
algum tempo, para definir implicitamente os problemas e métodos legítimos de um campo de pesquisa
para as gerações posteriores de praticantes de ciência que serviram por algum tempo para definir os
problemas e métodos legítimos de um determinado campo de pesquisa para as gerações posteriores de
praticantes da ciência.
Kuhn utilizou o termo “paradigma” associado diretamente à “ciência normal” (KUHN,
2005:30):
Com a escolha do termo pretendo sugerir que alguns exemplos aceitos na prática científica real -
exemplos que incluem, ao mesmo tempo, lei, teoria, aplicação e instrumentação - proporcionam modelos
dos quais brotam as tradições coerentes e específicas da pesquisa científica... Homens cuja pesquisa está
baseada em paradigmas compartilhados estão comprometidos com as mesmas regras e padrões para a
prática científica. Esse comprometimento e o consenso aparente que produz são pré-requisitos para a
ciência normal, isto é, para a gênese e a continuação de uma tradição de pesquisa determinada.
Para Kuhn, qualquer idéia proposta no sentido de falsear um paradigma deveria ser malvista
pela comunidade científica, ou seja, o cientista deveria normalmente se acomodar aos dogmas
vigentes, incitando ao corporativismo e ao autoritarismo do especialista - práticas altamente
criticadas por Popper. Dizia também ser o cientista um solucionador de quebra-cabeças, onde
suas tarefas consistem em manipular as peças segundo as regras de maneira que seja
alcançado os objetivos em vista (KUHN, 2005:59):
Resolver um problema da pesquisa normal é alcançar o antecipado de uma nova maneira. Isso requer a
solução de todo o tipo de complexos quebra-cabeças instrumentais, conceituais e matemáticos. O
indivíduo que é bem sucedido nessa tarefa prova que é um perito na resolução de quebra-cabeças. O
desafio apresentado pelo quebra-cabeça constitui uma parte importante da motivação do cientista para o
trabalho.
Albert Einstein também colaborou ativamente para divulgar a idéia do pensamento científico.
Seu impulso criativo para compreender idéias altamente abstratas levou-o a desenvolver a
99
Teoria da Relatividade, revolucionando o pensamento científico com novas concepções de
tempo, espaço, massa, movimento e gravidade.
Einstein prezava a simplicidade como critério relevante em suas observações e experimentos.
Afirmava que a experiência justificava a confiança em que a natureza é a realização do mais
simples que é matematicamente concebível. Sua profunda intuição acerca de elementos
essenciais componentes de um problema, a capacidade de perceber a interação entre esses
elementos e a grande capacidade de concentração, possibilitaram-no desenvolver uma nova
visão do Universo. A apresentação mais clara e sucinta de seus pensamentos sobre o ato do
raciocínio científico está em uma carta endereçada ao seu amigo Maurice Solovine em 7 de
maio de 1952 (FIGURA 5). Nela Einstein apresenta um diagrama e suas explicações
metodológicas (HOLTON, 1979):
1) As experiências,
E
E, nos são dadas;
2)
A
A
são os axiomas, a partir dos quais deduzimos as conseqüências, psicologicamente
A
A baseia-se em
E
E, numa conexão intuitiva, que está sempre sujeita a negação;
3) A partir de
A
A, pelo caminho lógico, são deduzidas as afirmações particulares
S
S cujas
deduções podem pretender ser corretas;
4) Os
S
S estão relacionados com
E
E.
As relações entre os conceitos que aparecem em
S
S e
as experiências
E
E não são de natureza lógica e menos incertas do que as relações de
A
A
com
S
S ;
5) a curva representa a conexão externamente problemática entre o mundo das idéias e
o da experiência.
FIGURA 5: Diagrama de representação sobre o ato do raciocínio científico
Fonte: HOLTON (1979)
100
Os cientistas modernos contribuíram efetivamente para o desenvolvimento do raciocínio
científico, mas foi Einstein quem destacou a importância da intuição quando se referia à
lógica do pensamento científico. Ele entendia o mecanismo do descobrimento como uma
iluminação súbita, quase um êxtase e não como um processo lógico e intelectual, e no passo
seguinte, a inteligência analisava e a experimentação confirmava a intuição. Além disso, ele
afirmava haver uma conexão com a imaginação.
Atualmente o método científico tem sido freqüentemente apresentado nas escolas e através de
livros escolares como uma "receita" para se fazer ciência, que progride graças aos processos
de tentativa e erro, postulando “verdades provisórias”, até que se descubra uma “nova
verdade” para ocupar o lugar daquela que foi descoberta anteriormente.
5.5 As críticas sobre o método científico
Mesmo sabendo que o método científico é amplamente usado nos meios acadêmico e
científico, existem críticas relativas a ele, uma vez que tal método partiu de uma visão
cartesiana, portanto mecanicista.
No emprego do materialismo dialético Marx estudou a realidade objetiva, analisando
metodicamente os aspectos e os elementos contraditórios da realidade humana, contrapondo-
se ao materialismo vulgar, biológico ou fisiológico. Para ele o método proporcionaria apenas
um guia, um quadro geral, uma orientação para o conhecimento de cada realidade. Ele
percebia um dinamismo nas contradições peculiares dos objetos de estudo, por isso concebia a
análise como sendo apenas a primeira parte da pesquisa científica, e que em seguida seria
necessário percorrer o caminho em sentido inverso e reencontrar o todo, o concreto, mas
dessa vez, analisado e compreendido. Marx dizia que o materialismo dialético superava o
racionalismo pelo fato de eliminar seus aspectos restritivos e negativos, associando a razão à
natureza, à prática e à vida. Lefebvre (1963:118) concluiu o pensamento marxista:
Enquanto o velho cientificismo se contentava, quer em privilegiar de forma abusiva esta ou aquela ciência
e de conceber, por exemplo, todas as coisas em termos físicos, matemáticos ou biológicos – quer em
considerar uma soma de resultados adquiridos pelas diferentes ciências – o materialismo dialético coloca
o homem no centro das preocupações; mas trata-se do homem em devir, formando-se por meio do
conhecimento e conhecendo-se na sua formação.
101
As teorias podem falhar em retratar adequadamente certos resultados quantitativos e que, em
surpreendente grau, se revelam qualitativamente inidôneas. Seguindo este conceito principal,
Feyerabend (1977:113) realizou a seguinte crítica em relação ao método científico:
As teorias são submetidas a teste e, eventualmente, refutadas pelos fatos. Os fatos encerram componentes
ideológicos, concepções antigas que foram perdidas de vista ou que jamais chegaram a ser explicitamente
formuladas. Esses componentes são altamente suspeitos. Em primeiro lugar, devido à sua idade e obscura
origem: não sabemos como e por que surgiram; em segundo lugar, porque a sua própria natureza os
protege e sempre os protegeu de exame crítico. No caso de contradição entre uma teoria nova e
interessante e uma coleção de fatos firmemente estabelecidos, a melhor maneira de agir consistirá,
portanto, em não abandonar a teoria, mas utilizá-la para descobrir os princípios ocultos que sejam
responsáveis pela contradição.
Alertando para a inexistência de fronteiras no aprendizado científico, Feyerabend (1977:230)
definiu a ciência como um processo histórico heterogêneo e complexo, que encerra vagas e
incoerentes antecipações de futuras ideologias e, a par delas, contém sistemas teoréticos
altamente refinados, bem como antigas e petrificadas formas de pensamento.
A existência de uma verdade relativa, intrínseca à natureza, enfatiza a necessidade de
abandonar continuamente velhas crenças, adquirindo novas evidências em relação ao objeto
de estudo. Weatherall (1970:262) também comenta a inflexibilidade do método e a
interferência humana em nível de decisão e valores:
O conhecimento científico transforma em tolice os desejos mais loucos e tem destruído tantas ilusões
humanas que as regras básicas de decoro vêem-se privadas da aura de romance que as rodeava. Ao fim, a
escolha de objetivos é feita pelo indivíduo, como resultado de suas próprias experiências, e é pessoal.
Algumas vezes, cientistas que vieram a adquirir fortes convicções acerca do certo e do errado, buscam
justificar suas crenças com a ciência; improcedentemente, por que a ciência não é fonte de certezas e,
acima de tudo, admite a possibilidade de erro e a necessidade de perpétua disposição de rever as idéias,
por fundamentais que pareçam.
Novas visões permitem deixar de enxergar o universo como uma máquina, passando a
concebê-lo como algo dinâmico, integrado e indivisível, cujas partes estão essencialmente
inter-relacionadas. Apesar de reconhecer a importância da clareza de pensamento do
paradigma mecanicista e dos seus métodos para abordagem de problemas, Capra (1982:226)
identificou uma série de limitações na visão de mundo cartesiana:
A visão cartesiana mecanicista do mundo tem exercido uma influência poderosa sobre todas as nossas
ciências e, em geral, sobre a forma de pensamento ocidental. O método de reduzir fenômenos complexos
a seus componentes básicos e de procurar os mecanismos através dos quais esses componentes interagem
tornou-se tão profundamente enraizado em nossa cultura que tem sido amiúde identificado com o método
científico. Pontos de vista, conceitos ou idéias que não se ajustavam à estrutura da ciência clássica não
foram levados à sério e, de um modo geral, foram desprezados, quando não ridicularizados. Em
conseqüência dessa avassaladora ênfase dada à ciência reducionista, nossa cultura tornou-se
102
progressivamente fragmentada e desenvolveu uma tecnologia, instituições e estilos de vida
profundamente doentios.
Na sua obra que trata sobre uma nova compreensão científica da vida em todos os níveis dos
sistemas vivos (organismos, sistemas sociais e ecossistemas), Capra (2004:25) vislumbrou a
mudança de paradigma, inserindo uma visão de mundo holística:
O paradigma que está agora retrocedendo dominou a nossa cultura por várias centenas de anos, durante as
quais modelou nossa moderna sociedade ocidental e influenciou significativamente o restante do mundo.
Esse paradigma consiste em várias idéias e valores entrincheirados, entre os quais a visão do universo
como um sistema mecânico composto de blocos de construção elementares, a visão do corpo humano
como uma máquina, a visão da vida em sociedade, como uma luta competitiva pela existência, a crença no
progresso material ilimitado, a ser obtido por intermédio de crescimento econômico e tecnológico.
Morin elaborou uma crítica ao pensamento cartesiano, onde no lugar da divisão do objeto de
pesquisa em partes, sugeriu o entendimento através de uma visão sistêmica, do todo,
inserindo este novo paradigma no contexto científico com o nome de Teoria da
Complexidade. A percepção do mundo é tida como um todo indissociável, propondo uma
abordagem multidisciplinar dos fenômenos. Contrapõe-se à causalidade por abordar os
fenômenos como totalidade orgânica, abandonando o reducionismo que tem pautado a
investigação científica em todos os campos. Vejamos algumas considerações sobre as
limitações do método (MORIN, 2001:21):
O desenvolvimento do conhecimento científico é poderoso meio de detecção dos erros e de luta contra as
ilusões. Entretanto, os paradigmas que controlam a ciência podem desenvolver ilusões, e nenhuma teoria
científica está imune para sempre contra o erro. Além disso, o conhecimento científico não pode tratar
sozinho dos problemas epistemológicos, filosóficos e éticos.
Em uma outra oportunidade, Morin (1999:56) afirma que os progressos da certeza científica
proporcionam um progresso da incerteza, que todo conhecimento conquistado à ignorância
desemboca num mar de desconhecimento:
Tentei mostrar noutra obra (La Méthode) que o desenvolvimento do conhecimento científico ocasiona não
só a incerteza, mas também regressões do conhecimento. Por um lado, a superespecialização disciplinar
transforma o mundo num quebra-cabeças de peças provindas de jogos diferentes; de súbito, o próprio
mundo, a vida, a existência, o indivíduo, caem nas fendas que separam as disciplinas, bem como na
grande falha que separa ciências naturais e ciências humanas, e isso tanto mais quanto é certo o privilégio
absoluto concedido à redução, à quantificação e à formalização operar como um triturador que destrói as
formas , expele os sucos e só retém a fibra. Por outro lado, o conhecimento fragmentado produzido pela
ciência destina-se cada vez mais não a ser refletido, meditado e discutido por espíritos humanos, mas sim
a ser utilizado pelas instâncias anônimas de empresas e Estados. A ciência aumenta o poder das técnicas,
portadoras de promessas fabulosas, mas também de ameaças de aniquilamento e escravização, desde a
energia nuclear à manipulação bioquímica de cérebros e genes. E, pior, a ciência permanece cega a seu
respeito. Não compreende nem as causas nem as conseqüências da sua ação. Falta-lhe o conhecimento do
103
seu conhecimento; falta-lhe o princípio que a tornaria apta a refletir sobre si mesma, a situar-se
antropológica, sociológica, histórica, lógica e moralmente.
Drucker (2002:147) também reconheceu que as áreas do conhecimento estivessem passando
por grandes mudanças:
O fato de estarmos passando rapidamente de uma visão cartesiana do Universo, na qual são enfatizados
partes e elementos, para uma visão estrutural, com ênfase no todo e nos padrões, desafia todas as linhas
que dividem os campos de estudo e conhecimento... Até o século XIX, praticamente não havia contato
entre o conhecimento e a ação. O conhecimento atendia ao intelecto e a ação baseava-se em experiência e
nas habilidades dela resultantes. Até a segunda metade do século XIX, toda a tecnologia estava separada
da ciência e era adquirida por meio do aprendizado prático.
Finalizando o desenvolvimento das visões críticas, citam-se as palavras de Popper que,
embora tenha defendido uma linha de pensamento associada ao método científico, não se
pode deixar de registrar o momento em que até ele mesmo chega a negar a existência do
método científico (POPPER, 1987):
Começo, regra geral, as minhas lições sobre Método Científico dizendo aos meus alunos que o método
científico não existe. Acrescento que tenho obrigação de saber isso, tendo eu sido, durante algum tempo,
pelo menos, o único professor desse inexistente assunto em toda a Comunidade Britânica. ... Tendo,
então, explicado aos meus alunos que não há essa coisa que seria o método científico, apresso-me a
começar o meu discurso, e ficamos ocupadíssimos. Pois um ano mal chega para roçar a superfície mesmo
de um assunto inexistente.
A abordagem desta pesquisa é realizada a partir do método científico, cujo uso segue pelo
novo milênio, suportando novos estudos e descobertas realizadas pelos cientistas. Mesmo que
tal método seja alvo de críticas de defensores de uma visão mais orgânica e entremeada de
eventos e relacionamentos, o mesmo continua servindo como um referencial, como um roteiro
inicial e ordenado para revelar o pensamento científico.
5.6 O advento do século XX e a utilização de processos de aperfeiçoamento
nas organizações concebida sob a ótica do método
Os sábios da antiguidade viviam longe dos anseios e das exigências do mundo. Realizavam
suas descobertas sem prever sua aplicabilidade comercial, o impacto que poderia ocorrer
diretamente na vida das pessoas. Em fins do século XIX, Thomas Edison, uma grande figura
proeminente no campo das invenções, revolucionou a forma de se criarem dispositivos
visando às necessidades das pessoas. Deve-se isso ao seu senso prático, como relatado a
seguir (FORD, 1942:61):
104
Edison pensou na ciência com o objetivo de torná-la útil ao gênero humano e, em lugar de especializar-se
em qualquer ramo, passou por todos eles a fim de selecionar e reunir os melhores métodos e meios que lhe
permitissem levar a bom termo a obra que ele próprio se impusera...Edison era um laboratório completo
de experiências e, com sua clarividência de homem de ciência teórico e prático, tirou conclusões de tal
forma definitivas, que se nos tornou fácil ver a relação existente entre as descobertas científicas e sua
aplicação presente e futura, segundo as necessidades do homem.
Nessa época eclodiam nas fábricas os processos para a manufatura de diversos produtos, mas
a eficiência dos métodos de trabalho era questionável, pois inexistiam mecanismos de
mensuração e controle das tarefas executadas. Foi nesse ambiente que nasceu o Taylorismo,
que se apresentou como um método de organização “científica” do trabalho.
Para entender o pensamento de Frederick Winslow Taylor é necessário enfatizar que a
passagem do século XIX para o século XX foi marcada pelo crescimento das escalas de
produção nas indústrias, pelo aumento da complexidade do processo produtivo e pela criação
de sindicatos e de conflitos entre capital e trabalho. Taylor possuía uma intenção
essencialmente prática e em seus estudos buscou entendimento para provar que todas as
tarefas, mesmo as mais simples, tinham uma ciência que não poderia ser apreendida pelos
próprios trabalhadores (TAYLOR, 1990:34):
Estabeleço como princípio geral (e me proponho a dar exemplo tendente a provar o fato mais adiante,
nesta obra) que, em quase todas as artes mecânicas, a ciência que estuda a ação dos trabalhadores é tão
vasta e complicada que o operário, ainda mais competente, é incapaz de compreender esta ciência, sem a
orientação e auxílio de colaboradores e chefes, quer por falta de instrução, quer por capacidade mental
insuficiente.
Taylor criou a administração científica para resolver os problemas até então existentes
(ineficiência, desperdício, vadiagem) objetivando aumentar a produtividade e a prosperidade
de empregadores e empregados. Criou a divisão de trabalho onde a administração deveria
planejar e executar trabalhos que até então era atribuição de todos os empregados. Aos
operários cabia executar as tarefas a partir de instruções superiores e não de coação de
capatazes ou, em situação oposta, utilizando os próprios métodos. Taylor sugeriu que a
administração científica tivesse, em sua essência, a combinação de quatro grandes princípios
(TAYLOR, 1990:84):
1 - Substituição do critério individual do operário por uma ciência; 2 - Seleção e aperfeiçoamento
científico do trabalhador, que é estudado, instruído, treinado e, pode-se dizer, experimentado, em vez de
escolher ele os processos e aperfeiçoar-se por acaso; 3 - Cooperação íntima da administração com os
trabalhadores, de modo que façam juntos o trabalho, de acordo com leis científicas desenvolvidas, em
lugar de deixar a solução de cada problema, individualmente, a critério do operário; com a aplicação
105
destes novos princípios, em lugar do antigo esforço individual, e com a divisão equânime, entre a direção
e os trabalhadores, das partes de cada tarefa diária, a administração encarrega-se das atribuições para as
quais está mais bem aparelhada e os operários das restantes.
Quando sugeriu a substituição de métodos empíricos por métodos científicos, Taylor
(1990:33) afirmou:
Ora, entre os vários métodos e instrumentos utilizados em cada operação, há sempre método mais rápido
e instrumento melhor que os demais. Estes métodos e instrumentos melhores podem ser encontrados, bem
como aperfeiçoados na análise científica de todos aqueles em uso, juntamente com acurado e minucioso
estudo do tempo. Isto acarreta gradual substituição dos métodos empíricos pelos científicos, em todas as
artes mecânicas.
Taylor enfatizou a importância do espírito inventivo para desenvolver métodos mais eficientes
para a realização das tarefas em um ambiente onde os métodos utilizados sejam produtos da
evolução, desencadeada a partir do surgimento e da sobrevivência das melhores e mais
perfeitas idéias. Para ele, a administração científica não constituía elemento simples, mas uma
combinação que poderia ser resumida como a seguir (TAYLOR, 1990:101):
1. Ciência, em lugar de empirismo;
2. Harmonia, em vez de discórdia;
3. Cooperação, não individualismo;
4. Rendimento máximo, em lugar de produção reduzida;
5. Desenvolvimento de cada homem, no sentido de alcançar maior eficiência e
prosperidade.
A mudança de mentalidade frente às rotinas no campo fabril foi percebida claramente por
Henry Ford, que realizou o seguinte comentário (FORD, 1967:40):
Todos se recordam que quando se procedeu ao exame do trabalho fabril para ensinar aos operários a
maneira de economizar energia e trabalho corporal, foram eles próprios os maiores adversários disso.
Tinham, talvez, suspeitado que tudo não passasse de uma trama para explorá-los ainda mais; porém o que
sobremodo os incomodou foi a obrigação de saírem dos antigos hábitos da rotina... Todo homem que crê
haver encontrado o seu verdadeiro método de trabalho deve proceder a um rigoroso exame de consciência
para ver se alguma parte do cérebro não lhe permanece ossificada.
A experimentação leva as pessoas a conceberem novas idéias e seus resultados levam a novos
questionamentos. A preocupação e o empenho em buscar melhorias para o processo produtivo
também levaram Henry Ford a observar que as pessoas faziam esforços excessivos para
106
obterem mínimos resultados. Nesse intento, o grande empreendedor do século XX alertava
para a fase em que se necessitava enfatizar a aquisição de uma nova mentalidade, ponderando
sobre o juízo de valores (FORD, 1967:13):
Desde 1914 que inúmeros homens adquiriram uma mentalidade nova. Muitos pela primeira vez na vida
começaram a pensar. Abriram os olhos e convenceram-se de que estavam no mundo. Depois, num
frêmito de independência abrangeram-no com um olhar crítico e desde as bases o encontraram defeituoso.
A intoxicação da investidura de crítico da ordem social costuma romper o equilíbrio do juízo. Todo
crítico moço carece um alto grau deste equilíbrio e propende a destruir a antiga ordem de coisas para
estabelecer uma nova.
Ford afirmava em suas fábricas que os erros faziam parte da experiência, e conclamava seus
funcionários a substituir a simples pesquisa dos defeitos pela análise. Da análise partia para a
crítica. Isto resultava em uma melhor ponderação dos valores e conseqüentemente uma
melhor maneira de realizar, atingindo um progresso real. Dividiu o conhecimento entre
positivo e negativo, mas ambos eram úteis. Percebia a experimentação como um caminho
para a melhoria (FORD, 1967:403):
Erros, quer ocorram no campo social, quer na construção de certa máquina, são freqüentemente o
resultado de honestas pesquisas. O investigador está consciente do objetivo que tem em mira, procura
uma entrada, toma por certo caminho, explora-o e verifica que não era por ali que deveria ter entrado.
Investe em outra direção e vê-se de novo barrado. E assim vai, passo a passo, adquirindo experiência. Não
há desperdício, não há mal nenhum, nada há censurável no seu modo de agir; está reunindo material para
o conhecimento.
As melhorias preconizadas por Ford possibilitaram a implantação da produção em massa,
disponibilizando no mercado de consumo o acesso em larga escala. Essa mentalidade
proveniente de países do Ocidente se instalou a partir do início do século XX no cenário
industrial mundial, como afirmou Womack (1992:18):
A produção em massa de Henry Ford orientou a indústria automobilística por mais de meio século e
acabou sendo adotada em quase toda a atividade industrial na Europa e América do Norte. Atualmente,
porém essas mesmas técnicas, tão arraigadas na filosofia de fabricação, estão frustrando os esforços de
muitas companhias ocidentais no salto para a produção enxuta.
Os métodos de produção eram continuamente aperfeiçoados nas unidades fabris de Ford. O
caráter altamente pragmático de Ford o fez incentivar a instrução continuada, a associação da
teoria com a prática, e a disponibilização do potencial humano a serviço da sociedade. Sua
visão se estendia além dos muros das fábricas e do instante em que vivia. Isso pode ser
percebido no seguinte relato (FORD, 1967:312):
107
Certa vez um persa apareceu de visita à nossa escola industrial. Sua cultura era notável. Tinha tomado
vários graus em escolas superiores da América e da Europa, dominava muitos idiomas e vinha de concluir
um curso de estudos especiais numa de nossas universidades. Não se ilustrava por mero capricho, e sim
no intuito de beneficiar aos seus concidadãos, tendo vindo de visita às nossas fábricas antes do regresso à
pátria ao saber que nelas trabalhavam muitos persas. Ao terminar a visita, disse ele ao nosso diretor,
tristemente: - Minha educação começou com palavras e terminou com palavras e ao voltar à Pérsia nada
levo que possa oferecer ao meu povo. Tinha razão. Educara-se à margem da vida. Aprendera o conteúdo
de certo número de livros, mas não aprendera como melhorar as condições de vida de seu povo. Nem
sequer sabia como ganhar sua própria vida, a não ser ensinando a outros as palavras que havia aprendido.
Pouco mais poderia fazer do que um fonógrafo, cuja manutenção, aliás, custaria muito menos que a dele.
Não obstante submetera-se a exames e fora qualificado como instruído. Instruído para o quê? Era a
pergunta que a si mesmo se fazia.
Percebe-se que os imperativos de controle de tempos e movimentos de Taylor apontavam para
a necessidade de “treinar” os indivíduos nas organizações. Buscando criar e transferir o
conhecimento para o campo da prática e criando um ambiente rico de oportunidades e
experimentações, Ford primava “educar” seus trabalhadores. Eis a diferença que se converte
em resultados concretos para o desenvolvimento do potencial dos indivíduos.
A partir do advento da Segunda Guerra Mundial, quando o Japão foi duramente atingido, a
porção Oriental do planeta começou a intervir no contexto até então definido pelos conceitos
da produção em massa, datados do início do século XX. Com o cessar da guerra os japoneses
deram início ao processo de reconstrução da nação, primando pela recuperação de sua
economia, pela ocupação de mais espaço no contexto econômico. Faziam-no através de
vantagens competitivas que poderiam contribuir para a melhoria dos produtos que haveriam
de colocar à disposição das pessoas no mercado globalizado. Os americanos reinavam
soberanos no setor automotivo e os japoneses queriam se estruturar para mudar essa
configuração hegemônica do mercado. Nos anos 70 e 80 do século passado, algumas crises
relacionadas a salários crescentes e tentativas de redução de jornadas de trabalho afetaram os
sistemas europeus de produção em massa. Podendo ser percebido em escala mundial,
Womack (1992:35) definiu a transição do modelo de produção em massa para o novo modelo
desenvolvido pelos japoneses:
Tal situação de estagnação na produção em massa norte-americana e européia teria prosseguido
indefinidamente, não tivesse uma nova indústria automobilística emergido no Japão. A verdadeira
importância de tal indústria estava no fato de não se tratar de mera réplica do agora venerável enfoque
norte-americano para a produção em massa. Os japoneses estavam desenvolvendo uma maneira
inteiramente nova de se produzir, que nós chamamos de produção enxuta.
Os primeiros indícios desse tipo de produção aconteceram em 1950, quando a Toyota Motor
Company, através de um jovem engenheiro japonês chamado Eiji Toyoda, visitou a fábrica
108
americana da Ford em Detroit para conhecer a realidade dos métodos de fabricação
proporcionados pela produção em massa. Detectou alto nível de desperdícios e, voltando ao
Japão, juntou-se a seu “gênio da produção” Taiichi Ohno e deram início às experiências,
reordenando a cadeia de colaboradores até então definida pelos tão difundidos métodos de
produção em massa.
As práticas adotadas pela Toyota desde então são fundadas nos princípios de evitar e eliminar
desperdícios. Essa organização fez uso do método científico para aperfeiçoar seus processos,
o que possibilitou avanços sob práticas de tentativa e erro a partir de uma base sólida de
conhecimento acumulado. O envolvimento dos trabalhadores na resolução de problemas com
ênfase na transferência de conhecimento era visto da seguinte maneira (WOMACK, 1992:44):
Se os trabalhadores não fossem capazes de antecipar os problemas antes de ocorrerem e de tomar
iniciativas para solucioná-los, todo o trabalho da fábrica poderia facilmente chegar a um impasse.
“Esconder” conhecimentos e poupar esforços – características presentes em todos os sistemas de produção
de massa, na repetida observação dos sociólogos industriais – rapidamente conduziriam ao desastre a
fábrica de Ohno.
Antes de realizar alterações em qualquer procedimento operacional, os trabalhadores da
Toyota executavam rigorosos diagnósticos de como as coisas estavam sendo realizadas,
elencando um conjunto de possíveis ações a serem tomadas, testando, com rigor científico, as
hipóteses elaboradas. Assim foi desenvolvido um método próprio de aprender e operar
mudanças, utilizando seus operadores e gerentes como principais agentes transformadores,
sempre estimulados a repensar processos. O indivíduo que executa uma determinada tarefa
tem pleno conhecimento sobre a mesma, tendo liberdade para pensar, o que facilita o
surgimento de soluções criativas. Atribuiu-se a essa nova forma de produzir de forma
eficiente, integrada e participativa, o nome de “produção enxuta”. A produção enxuta engloba
um conjunto de técnicas para a melhoria nos processos produtivos visando à eliminação de
desperdícios e defeitos de fabricação, custos continuamente decrescentes, garantia da
qualidade e oferta de uma variedade ilimitada de produtos.
A facilidade de lidar com as práticas coletivas deu início a um processo de aperfeiçoamento
contínuo e gradual (kaizen), e todos os processos de fabricação passaram a tratar os erros de
forma diferenciada. Taiichi Ohno instituiu um novo sistema de solução de problemas
denominado “os cinco porquês” (WOMACK, 1992:47):
109
Nas fábricas de produção em massa, a tendência era os problemas serem tratados como eventos aleatórios.
A idéia era simplesmente consertar o erro e torcer para que não acontecesse de novo. Ohno, em vez disso,
instituiu um sistema de solução de problemas denominado “os cinco porquês”. Os trabalhadores da
produção foram instruídos a remontar sistematicamente cada erro até sua derradeira causa (perguntando
“por quê?”, a cada nível do problema descoberto), e encontrar uma solução para que nunca mais
ocorresse.
Buscavam-se soluções para que o problema não voltasse a ocorrer, em vez de, simplesmente,
substituir a peça defeituosa que estivesse paralisando a produção. Esta abordagem reflete, em
essência, o paradigma japonês, que se constitui em combater a causa dos problemas e não
seus efeitos. Tais práticas eliminaram consideravelmente os desperdícios que existiam,
diminuindo custos de produção e melhorando a qualidade dos produtos oferecidos, além de
ativar e difundir o conhecimento pela organização.
As organizações do mundo inteiro perceberam a mensagem principal implícita nos fatores que
proporcionaram o sucesso da Toyota. Entenderam que os ambientes organizacionais
modernos são cenários perfeitos para a implantação de melhorias em processo de aprendizado
contínuo e consciente. Os processos de mudanças nas organizações mais desenvolvidas
envolvem todos os colaboradores, do presidente ao operário, exigindo mudança de
mentalidade, humildade para adquirir novos conhecimentos e esforço para resolver
problemas, criando um ambiente estimulante e propício para a criatividade e a inovação. A
conclusão que se chega sobre o advento da produção enxuta é a seguinte (WOMACK,
1992:221):
Nossa conclusão é simples: a produção enxuta é uma maneira superior de o ser humano produzir bens. Ela
propicia melhores produtos, numa maior variedade, e a custo inferior. Igualmente importante, ela propicia
um trabalho mais desafiador e gratificante para empregados em todos os níveis, da fábrica à alta
administração. Segue-se que o mundo inteiro deveria adotar a produção enxuta, e o mais rápido possível.
Eis a idéia central do método científico em ação, beneficiando o desenvolvimento das
organizações e das pessoas a ela ligadas. Dessa forma constata-se que é possível, benéfico e
urgente levar o pensamento científico de laboratórios de pesquisa e universidades para o chão
de fábrica. O conhecimento é criado no local em que ele é aplicado e os resultados se
ramificam sociedade afora, pois além de tudo, o operário leva seu conhecimento e suas
práticas de melhoria para seus lares e para a sociedade, fortalecendo o desenvolvimento da
cidadania e da qualidade de vida para todos.
110
5.7 Métodos de solução de problemas - O PDCA e o Ver e Agir como
formatações do método científico
A existência de problemas nas organizações compromete a produtividade e a qualidade,
ocasionando perda de competitividade. E ocorre ainda que, de maneira geral, as pessoas
tendem a trabalhar empiricamente, achando que já sabem as soluções dos problemas, sem se
basear em fatos e dados. Acontece que a competitividade de uma organização será maior na
medida em que a mesma esteja capacitada para resolver os seus problemas de forma eficaz.
Foi nas dependências da Bell Laboratories que o estatístico americano Walter Shewhart criou,
ainda na década de 30, o conceito do método de melhorias, hoje conhecido pela sigla PDCA.
O método, que foi originalmente concebido como um ciclo de controle estatístico do processo
podia ser repetido continuamente sobre um determinado problema. Conferindo um caráter
científico às questões relacionadas à qualidade, Shewhart publicou no ano de 1931 o livro
Economic Control of Quality of Manufactured Product. Nos anos 50 o método foi
disseminado por W. Edwards Deming, um especialista em qualidade que o aplicou
intensivamente em trabalhos desenvolvidos em solo japonês.
Deming via o PDCA como uma ferramenta robusta e prática que fornece o caráter científico à
administração moderna, pelo fato de apresentar uma correspondência perfeita com cada uma
das etapas do Método Científico Tradicional. O argumento utilizado pelos defensores do
PDCA é de que seu campo de aplicação não se restringe a alguns setores, mas atende a todos
os níveis de uma organização, desde a alta administração até o "chão de fábrica", enquanto
que o Método Científico possui uma linguagem hermética que o restringe aos ambientes
acadêmico e científico.
O ciclo PDCA ou ciclo de Deming (conhecido também como ciclo PDSA) é um modelo de
melhoria da qualidade que consiste em uma seqüência lógica de quatro passos repetitivos,
utilizados para a melhoria contínua e para o aprendizado nas organizações. As iniciais
originam-se da língua inglesa: Plan, Do, Study (Check) and Act. O ciclo PDCA tem suas
origens remontadas nas primeiras décadas do século passado, e seus créditos são relacionados
ao eminente estatístico Walter A. Shewhart, que introduziu o conceito PDS: Plan - planejar,
Do - fazer e See - verificar. Deming modificou o ciclo de Shewart para PDSA: Plan -
111
planejar, Do - fazer, Study - estudar e Act – agir e de PDSA para PDCA (FIGURA 6).
Segundo o glossário
56
do Instituto de Desenvolvimento Gerencial (INDG), o PDCA pode
assim ser conceituado:
Consiste na utilização do Ciclo PDCA para a solução de problemas. É um método gerencial utilizado
tanto na manutenção como na melhoria dos padrões. Este método é peça fundamental para o controle da
qualidade e deve ser dominado por todas as pessoas da empresa. “O domínio deste método é o que há de
mais importante no TQC.” (Campos, V.F.) O Método de Solução de Problemas
57
(MSP) apresenta duas
grandes vantagens: possibilita a solução dos problemas de maneira científica e efetiva e permite que cada
pessoa da organização se capacite para resolver os problemas específicos de sua responsabilidade. Na
aplicação do MSP são utilizadas as Sete Ferramentas da Qualidade. O Método de Solução de Problemas é
constituído de oito processos (QUADRO 6).
FIGURA 6: PDCA – Método de Gerenciamento de Processos
Fonte: CAMPOS (1994)
O princípio de iteração do PDCA, realizando melhorias em ciclos relativamente curtos
permite às pessoas tentar uma melhoria e obter feedback real em relação à direção e distância
das metas desejadas. Isso pode ser ilustrado pelo exemplo a seguir (SHIBA, 1997:47):
Se você está velejando com a intenção de interceptar um outro barco, periodicamente recalcula a sua rota.
Cada vez que você faz o melhor cálculo que pode. O que você não faz é seguir o cálculo do curso inicial
sem correção até que o cálculo indique que você atingiu o alvo. Você percebe que apesar do maior esforço
inicial para calcular a rota do alvo, este pode estar movendo-se de maneira imprevisível, e as correntes e
ventos com as quais você está velejando podem tira-lo de seu curso. Você segue o princípio de buscar
informações freqüentes sobre sua posição e a posição do alvo em relação à sua rota.
56
Sítio acessado em 26 de agosto de 2005
57
Também é convencionalmente chamado de MASP – Método de Análise e Solução de Problemas
112
QUADRO 6: Método de solução de problemas
Fonte: CAMPOS (1994)
Vários métodos de solução de problemas são usados nas organizações. Como o presente
trabalho foca principalmente a simplicidade e a objetividade, percebe-se que, além do PDCA,
pode-se considerar um outro método denominado “Ver e Agir”.
Discorrendo sobre práticas do Círculo de Controle de Qualidade (CCQ), Silva relata que uma
conceituada organização sediada no Brasil concluiu recentemente ser o método, com suas
ferramentas típicas, impositivo e dogmático, gerando o desinteresse dos circulistas
58
. Tal
organização propôs, então, um método mais livre ao qual chamou de “Ver e Agir”, o que deu
novo impulso ao movimento em suas dependências. O “Ver e Agir” pode ser utilizado para
lidar com problemas que possuam baixo grau de dificuldade (SILVA, 1996:211):
São os problemas que estão “boiando”, cuja solução todos conhecem, geralmente do tipo “Ver e Agir”,
mas que ninguém toma a iniciativa de resolver. O acúmulo desses problemas talvez reflita uma certa falta
de motivação para o trabalho, ou, em alguns casos, maus hábitos herdados da educação familiar ou social.
58
Indivíduos que integram um CCQ, ou seja, os membros dos Círculos de Controle de Qualidade.
113
Isso nos permite fazer uma analogia com o desenvolvimento da capacidade intelectual: deve-
se partir de conceitos e ferramentas simples, promover a evolução dessa capacidade usando
métodos e ferramentas progressivamente mais sofisticados para, finalmente, dar autonomia
total ao estudante, que se torna graduado, especialista, mestre ou doutor. O método “Ver e
Agir” dispensa maiores referências em relação à sua conceituação e entendimento, pois à
percepção de um problema busca-se a ação correspondente para resolvê-lo.
Embora não se definam como métodos cíclicos, não sendo, portanto, objetos dessa pesquisa,
existem diversas ferramentas com níveis de complexidade variados, disponíveis às
organizações para a resolução de problemas. Na área da qualidade pode-se citar uma relação
de sete ferramentas principais: lista de verificação, gráficos/estratificação, diagrama de Pareto,
diagrama de causa e efeito, carta de controle, histograma e diagrama de correlação. Cita-se
também a utilização de um conjunto de metodologias de alta complexidade denominado Seis
Sigma.
5.8 A Dinâmica do Conhecimento
Como relatado em itens anteriores, o método científico, como foi definido, tem o seu uso
restrito aos ambientes acadêmico e científico. Peter Drucker diz que a humanidade passa
atualmente pela Era do Conhecimento e que o conhecimento criado tornou-se o maior ativo
das organizações. De fato, ele afirma que (HSM MANAGEMENT, 1997:65)
59
:
Em primeiro lugar, precisaremos aprender como tornar produtivo o operário do conhecimento. Já se
passaram bem mais de cem anos desde que começamos a trabalhar para tornar produtivo o trabalhador
manual. E, sobre o aumento da produtividade do operário manual que está em torno de 3% ao ano -,
repousa toda a capacidade de crescimento da produção de riqueza no mundo em que vivemos. Nós ainda
nem começamos a trabalhar com a produtividade do operário do conhecimento. Mas já sabemos que ela é
muito diferente da produtividade do operário manual. No caso do trabalhador manual, julgávamos
conhecer a tarefa, e fizemos a pergunta: "Como o trabalho deveria ser feito?' No caso do trabalho do
conhecimento, a pergunta deverá ser: "Qual é a tarefa?"; o como virá muito depois. Hoje, o grande
desperdício no trabalho do conhecimento, em quase todas as organizações, é que os operários do
conhecimento têm muito pouco tempo para aplicá-lo. A maior parte do seu tempo é empregada em coisas
que não acrescentam nada à sua produtividade, à sua contribuição.
O conhecimento deve, portanto, ser construído a partir das bases, nos ambientes
organizacionais e acadêmicos, mesmo em seus níveis elementares. O colaborador de uma
59
Entrevista exclusiva de Peter Drucker: Admirável Mundo do Conhecimento por Peter Drucker.
114
organização ou movimento, bem como o aluno e o professor de uma instituição acadêmica
podem e devem ser os artífices desse empreendimento – o conhecimento – que, revertendo-se
em algo prático, torna-se útil.
A atividade empreendedora é um grande exemplo do conhecimento em ação. Sabe-se que o
Brasil se tornou um país com população altamente empreendedora, característica gerada pela
oportunidade e pela necessidade.
De acordo com o Global Entrepreneurship Monitor 2005 Executive Report, o mais recente
estudo do GEM
60
, o povo brasileiro é o sétimo mais empreendedor do mundo. Esta categoria
de ranking é produzida com base na taxa de empreendedores em estágio inicial, medida pela
porcentagem de pessoas de um determinado país com idade entre 18 e 64 anos, que estão
iniciando um negócio ou já abriram há no máximo três anos e meio. O ano-base do estudo é
2005, revelando o panorama da atividade empreendedora em 35 países. O ranking ficou assim
estabelecido: Venezuela (25%), Tailândia (20,7%), Nova Zelândia (17,6%), Jamaica (17%),
China (13,7%), Estados Unidos (12,4%) e Brasil (11,3%). Os países menos empreendedores
são Hungria (1,9%), Japão (2,2%) e Bélgica (3,9%).
Verificando o índice de sobrevivência dos empreendimentos
61
, ou seja, a chance que têm de
sobreviver no mercado por mais de 42 meses, o Brasil ocupa a décima quarta posição, com
um índice de 0,89. Nesse caso, o Japão ocupa a primeira colocação, com um índice de 2,45.
O aproveitamento do potencial empreendedor do Brasil é a premissa que pode ser utilizada
para preparar o operário do conhecimento e acelerar o processo de transformação social,
reduzindo as desigualdades sociais e econômicas.
Nesse contexto foi desenvolvida a Dinâmica do Conhecimento, uma ferramenta formatada
sob a lógica do método científico. Ela é representada por um processo cíclico composto de
quatro fases principais: ideação, experimentação, sistematização e operação (FIGURA 7).
60
GEM - Global Entrepreneurship Monitor é um projeto de pesquisa executado por um consórcio de
universidades e institutos de pesquisas de diversos países, coordenado pela London Business Schooll (Inglaterra)
e o Babson College (Estados Unidos).
61
Índice obtido a partir do cálculo da razão entre a taxa de empreendedores estabelecidos e a taxa de
empreendedores iniciais – obtida pela divisão da primeira pela segunda.
115
FIGURA 7: Dinâmica do Conhecimento
Fonte: SILVA (2003)
A primeira fase, chamada de ideação, é onde ocorre a concepção, imitação, inovação ou
aperfeiçoamento de idéias. De acordo com o dicionário Novo Aurélio, idear significa
(FERREIRA, 1999:1071): “criar na idéia, na imaginação; imaginar, fantasiar, idealizar,
projetar, planejar, planear, delinear, programar”.
A necessidade de aprender a pensar impulsiona o progresso das civilizações, levando os
indivíduos a desenvolverem suas habilidades e a melhorarem seus níveis de instrução e
disciplina. Percebendo o grande valor do processo de criação de idéias para a educação do
homem, Ford (1967:175) afirmou que:
Um homem educado não é o que memoriza datas históricas, mas o que pode realizar alguma coisa. Quem
não pensa por si não é um homem educado, embora possua muitos diplomas oficiais. Pensar é o trabalho
mais duro de todos; vem daí existirem tão poucos pensadores. É necessário evitar os dois extremos: de um
lado, a atitude de desprezo pela instrução; de outro, o esnobismo trágico dos que, pelo fato de haverem
cursado um determinado sistema educativo, já se crêem libertos da ignorância ou da mediocridade... Se a
instrução não passa do conhecimento de umas tantas conjecturas, qualquer um pode passar por instruído,
estabelecendo suas hipóteses pessoais e, com a mesma razão chamando “ignorante” aos outros, porque
desconhecem as suas hipóteses. O melhor que um indivíduo pode auferir da educação é o domínio das
suas faculdades, o controle dos meios que o destino lhe proporcionou e o aprender a pensar.
A ideação é o início do processo de aprendizagem e da identificação do problema a ser
resolvido, campo fértil para o uso de criatividade, investigação, raciocínios lógico e intuitivo.
Para compor o processo de criação de idéias, a formatação desta fase pode contar com a
elaboração de um plano de ação que contenha os sete itens da ferramenta 5W2H: O que
(what), quem (who), quando (when), onde (where), por que (why), como (how), quanto custa
(how much). Para incitar à prática da criatividade no processo, podem-se criar formulários que
façam referências ao uso de variadas técnicas e metodologias como, por exemplo, o
116
brainstorming e o diagrama de Ishikawa (também conhecido por espinha de peixe ou causa-
efeito). Isso enriquece a aplicação da proposta, possibilitando a anotação das idéias e soluções
e o controle das informações.
Abraham Maslow, renomado cientista conhecido como o “pai da criatividade e inovação”, é
pioneiro dos conceitos relacionados à hierarquia das necessidades e a busca humana por
autorealização. A capacidade de criar é inata ou existe a possibilidade de se formar indivíduos
criativos? Isso foi abordado da seguinte maneira (MASLOW, 2002:205):
O que eu poderia propor como tentativa de conseguir formar a pessoa criativa é que existissem centenas e
quase literalmente milhares de determinantes para a criatividade. Isto é, qualquer coisa que possa ajudar a
pessoa a se mover em direção a uma saúde psicológica melhor ou humanidade mais completa acarretaria
mudanças na pessoa inteira. Este ser humano mais completo e saudável então poderia,
epifenomenalmente, criar e disseminar dúzias, centenas ou até milhões de distinções em termos de
comportamento, experiência, percepção, comunicação, ensino, trabalho e assim por diante, tornando tudo
mais “criativo”.
Sendo a criatividade abordada em um contexto de formação, pode-se criar ambiente e
condições propícios para isso. Maslow relacionou o que poderia auxiliar a criar esse cenário,
de forma a não permitir a incidência de fatores causadores de bloqueio à criatividade
(MASLOW, 2002:211):
Deve-se permitir ser saudável – criativo porém não temeroso de seu íntimo. Isto significa: a) descobrir
quem se é realmente; b) aceitar o fato sem perder a auto-estima ou o medo de desaprovação alheia, e até
mesmo apreciar e ter orgulho disso; c) permitir que o fato seja expressado livremente. Então, a
criatividade será um subproduto automático, porque a pessoa terá se tornado ela mesma (idiossincrática,
única); tornou-se integrada e unificada (inteira); e ela se tornou desinibida, viva; sem controles,
permitindo que seus processos internos dinâmicos se expressem livremente (vivo; e se tornou fácil e sem
esforço), brincadeira. Este desenvolvimento em direção à auto-realização tamm permite
automaticamente que a pessoa seja perceptiva em relação à verdadeira natureza da realidade e flexível em
relação a sua perpétua modificação.
Avançando sobre as limitações de um pensamento mecanicista e cartesiano, a fase de ideação
é campo propício para o desenvolvimento do pensamento sistêmico, que representa uma nova
visão ilimitada e orgânica, assim descrita por Senge (2000:99):
O pensamento sistêmico é uma disciplina para ver o todo. É um quadro referencial para ver inter-
relacionamentos, ao invés de eventos; para ver os padrões de mudança, em vez de “fotos instantâneas”. É
um conjunto de princípios gerais – destilados ao longo do século XX, abrangendo campos tão diversos
quanto as ciências físicas e sociais, a engenharia e a administração. É também um conjunto de ferramentas
e técnicas específicas, originárias de duas linhas de pensamento: a dos conceitos de feedback da
cibernética e a da teoria de “servomecanismo” da engenharia, datadas do século XIX. Durante os últimos
trinta anos, essas ferramentas foram utilizadas para compreender uma ampla variedade de sistemas
117
empresariais, urbanos, regionais, econômicos, políticos, ecológicos e até fisiológicos. E o pensamento
sistêmico é uma sensibilidade à sutil interconectividade que dá aos sistemas vivos o seu caráter único.
A segunda fase denomina-se experimentação, que significa (FERREIRA, 1999:862): “ato de
experimentar, experimento, método científico que consiste em observar um fenômeno natural
sob condições determinadas que permitem aumentar o conhecimento que se tenha das
manifestações ou leis que regem esse fenômeno”.
A noção de que "tudo o que é científico apóia-se na experimentação" retrata o compromisso
do cientista em mostrar-se fiel ao método científico. Por outro lado, apoiar-se na
experimentação não implica, necessariamente, num bloqueio ao raciocínio intuitivo, haja vista
o contato direto com a fase de ideação.
Senge (2000:56) afirma que o aprendizado mais poderoso vem da experiência direta. Na
verdade, aprendemos a comer, engatinhar, caminhar e nos comunicar através de um processo
direto de tentativa e erro – tomamos uma atitude, observamos as conseqüências e então
assumimos ou não outra diferente.
Na experimentação as idéias são colocadas em prática. A experimentação deve ser realizada
de forma criteriosa e exaustiva, visando a ajustar imperfeições e eliminar os erros. Ford
(1967:22) valorizava enfaticamente esta etapa:
Estamos sempre experimentando com idéias novas. Quem passa pelas estradas de Dearborn vê toda a
espécie de carros Ford; são modelos de experiência e não modelos novos. Tenho por norma jamais deixar
escapar uma boa idéia que se me apresente e não decido nunca com precipitação se uma idéia é boa ou
má. Se me parece boa, ou se tem probabilidades para tanto, costumo experimentá-la de todos os modos.
Mas entre experimentar uma idéia e introduzir alterações num carro a distância é grande. Enquanto a
maioria dos fabricantes está sempre pronta para modificar os seus produtos, em vez de modificar os
métodos de fabricação, eu sigo um plano oposto.
Thomas Edison também dedicava bastante atenção à prática da experimentação, como
relatado por Ford (1942:81):
Eu também, quando imagino um resultado químico qualquer, posso fazer centenas ou milhares de
experiências entre as quais haverá a possibilidade de encontrar alguma que prometa o resultado na direção
que pretendo. Quando isso acontece, abandono todas as outras experiências e me dedico exclusivamente
àquela que me pareceu mais indicada e, em geral, obtenho os resultados desejados. Não há dúvida que se
trata de um método empírico, mas a verdade, é que todas as soluções de natureza mecânica foram obtidas
por meio de um penoso e lógico esforço mental.
118
Considerado uma forma de validar uma hipótese definida anteriormente, a experimentação
bem conduzida pode revelar informações confiáveis, tornando o experimento uma forma
essencial de verificação de resultados. Weatherall (1970:4) considerou este fato como a
seguir:
Um experimento bem planejado aumenta o conhecimento, mas ou deixa não respondidas algumas
questões ou sugere novas questões. Após um experimento ou uma série de experimentos, novos esforços
intelectuais se fazem sempre necessários. Por vezes, a reflexão pode prosseguir segundo o mesmo
raciocínio anterior; todavia outras vezes é difícil acomodar uns aos outros fatos mais numerosos e ajusta-
los às idéias existentes.
Ao finalizar o primeiro experimento, deve-se perguntar se ele atende perfeitamente ao que se
deseja obter. Na representação gráfica, o termo utilizado é “satisfaz?”. Nesse momento, o
cientista utiliza sua capacidade de fazer escolhas, baseando-se na observação dos fatos
(experimentos) e chegando a uma conclusão que possa ser atendida por dois caminhos: sim ou
não.
Seja em caso afirmativo ou negativo, as respostas levam a um aprendizado constante. Frente a
esse tipo de situação, Henry Ford percebia que Thomas Edison adotava o seguinte
procedimento (FORD, 1942:97):
Baseado nos conhecimentos que possui, procura resolver racionalmente qualquer problema químico ou
mecânico. Considera uma experiência apenas como uma experiência; se não obtém o resultado que
esperava, de qualquer forma ela lhe serviu como indicação dos elementos que devem ser postos de lado e
então, gradualmente, por um processo de eliminação, descobre o que deve fazer.
Caso a resposta escolhida seja “não”, ou seja, os experimentos não corresponderam às
expectativas, às especificações ou previsões pré-estabelecidas, enfim, o resultado não foi
satisfatório. Nesse caso volta-se à fase 1 (ideação) para os devidos ajustes e concepção de
idéias para se chegar a um novo modelo a ser levado à experimentação. Nesse momento, o
cientista é levado à reflexão, conduzindo-o a um novo patamar de idéias (WEATHERALL,
1970:5):
Em tal ponto, um bom cientista dispõe-se a abandonar boa parte do conjunto de conhecimentos em que se
apóia, para buscar um novo e, de preferência, mais simples modo de tratar todos os fatos que se
manifestaram e de predizer, corretamente, novos fatos. Os grandes avanços da ciência sempre ocorreram
pela substituição de um conjunto de idéias por outro.
119
Caso a resposta escolhida seja “sim”, o cientista escolhe passar para a terceira fase, pois os
experimentos atenderam às especificações desejadas.
Na terceira fase, chamada de sistematização, representa o ato de sistematizar, termo que
significa (FERREIRA, 1999:1866): “Reduzir diversos elementos a sistema, agrupar em um
corpo de doutrina, tornar sistemático”.
Nessa fase, os elementos, meios e processos combinados e levados a um resultado são
alocados a um corpo de doutrina, cria-se um padrão, um modelo a ser seguido. Fazendo uma
analogia com uma tarefa caseira do cotidiano, é como se após várias tentativas sobre
combinações entre diversos ingredientes, o cozinheiro consolidasse uma receita de bolo que
fosse de paladar agradável, saboroso e nutritivo. Esta receita conteria os ingredientes
especificados junto às quantidades desejáveis. Logo após, os procedimentos para a mistura e
cozimento seriam detalhados minuciosamente para que qualquer indivíduo que seguisse as
instruções da receita pudesse dominar um conhecimento já estabelecido e disponibilizado em
padrão com linguagem acessível. Uma vez documentado, o sistema pode ser divulgado como
referência para a resolução de um determinado tipo de problema.
Esta etapa é fruto de ideações, experimentações e observações sucessivas. Efetiva-se o
aprendizado, como resultado dessa dinâmica que migrou a teoria à prática (WEATHERALL,
1970:218):
É possível aprender, por exemplo, lendo o manual de instruções relativo a certo aparelho e é também
possível aprender manipulando o aparelho e verificando o que acontece em conseqüência do que se faça.
Mesmo depois de se haver dominado a forma de operação de um aparelho, o desempenho poderá ser
aperfeiçoado através de atividade repetida. A isto se poderia chamar “efeito de prática”, mas trata-se de
uma alteração de desempenho que decorre de experiências repetidas e, pois, trata-se ainda, de um tipo de
aprendizado.
O aprendizado foi absorvido e posteriormente demonstrado em um modelo. Houve a
conversão do conhecimento na organização. Isto significa que os indivíduos que absorveram o
conhecimento tácito ou explícito a partir do sistema que foi criado, não precisaram passar pela
fase da experimentação, pois outros o fizeram através de uma série de procedimentos que,
consistentemente tornaram possível a criação e a transferência de conhecimento no ambiente.
120
Na quarta fase, a operação, é o ato de operar, que segundo o dicionário Novo Aurélio é
(FERREIRA, 1999:1448): “fazer realizar (alguma coisa) em resultado de trabalho próprio, de
esforço próprio; executar, obrar”.
Nesta etapa, os indivíduos, mesmo sem conhecer todo o processo que levou ao sistema
disponibilizado, podem seguir o modelo que foi testado ou a receita que foi aprovada pelos
outros que passaram por todo o processo até chegar ao sistema ideal a ser disponibilizado para
operar.
O padrão disponibilizado pode ser ativado repetidas vezes. A cada operação realiza-se a
pergunta: Satisfaz?
O indivíduo utiliza dois caminhos diferentes. Sua liberdade de escolha entre o sim e o não é
fruto da avaliação sobre os resultados atingidos, confrontando-os com aqueles que foram
previamente estabelecidos na fase de ideação.
Optando por sim, continua-se a operar satisfatoriamente. Caso contrário passa-se ao processo
de ideação para começar um novo ciclo da Dinâmica do Conhecimento.
121
“Não aceitar a responsabilidade pela realidade em que vivemos é,
ao mesmo tempo, nos desobrigarmos da tarefa de transformá-la,
colocando na mão do outro a possibilidade de agir.
É não assumirmos o nosso destino, não nos sentirmos responsáveis por ele,
porque não nos sentimos capazes de alterá-lo.
A atitude decorrente dessas visões é sempre de fatalismo ou de subserviência,
nunca uma atitude transformadora”.
JOSÉ BERNARDO TORO A.
6 AS BASES DA EDUCAÇÃO NO SÉCULO XXI
6.1 Novos paradigmas em educação
O mundo globalizado e suas transformações nos dão a impressão de uma grande rede
interconectada, orgânica e em constante transformação. As nações em seus diversos setores
buscam continuamente soluções que permitam a formação integral do caráter de seus
cidadãos, configurando um processo educativo que se concretiza além dos muros escolares.
Essa educação se constrói num processo individual e coletivo, onde o sujeito beneficiado é o
próprio agente transformador de uma realidade social, política e econômica, agindo sob a
égide de virtudes que fundamentam a edificação do caráter em ambiente cooperativo e
solidário. A educação, vista como um processo em longo prazo, une tecnologia e humanismo,
o que pode ser definido como a seguir (DELORS, 2005:33):
Trata-se de uma necessidade absoluta, se quisermos nos precaver contra os efeitos indesejáveis do
predomínio em nossas sociedades da tecnologia, da concorrência e das mídias, pois se não tomarmos
cuidado, eles podem levar à “desumanização” dos valores e da cultura. A questão não é rejeitar o
progresso científico e técnico mas, ao contrário, zelar para que ele se incorpore de forma harmônica no
tecido social e cultural e nos valores essenciais do ser humano.
O conhecimento obtido a partir da experiência de vida e dos próprios valores é colocado em
prática. Essa ação que transforma, consolida o aspecto produtivo do ser humano. Se
sistematizado, a prática de um conhecimento pode levar a uma nova teoria, mais aprimorada e
mais consciente. Surgem os novos paradigmas, novos conceitos que, no fundo, buscam uma
vida melhor e mais digna para o cidadão do século XXI.
O Relatório Jacques Delors, elaborado pela comissão internacional da UNESCO no ano de
1996 e publicado no Brasil em 1998, definiu as diretrizes para a educação mundial do século
XXI, visando disponibilizar às pessoas os mapas de um mundo complexo e constantemente
agitado e, ao mesmo tempo, a bússola que permite navegar através dele. Para que isso ocorra,
122
o relatório discorre em torno de quatro aprendizagens fundamentais, quatro pilares do
conhecimento que devem ser utilizados como base ao longo de toda a vida (DELORS,
2001:90):
Aprender a conhecer – este tipo de aprendizagem que visa não tanto a aquisição de um repertório de
saberes codificados, mas antes o domínio dos próprios instrumentos do conhecimento pode ser
considerado, simultaneamente, como um meio e como uma finalidade da vida humana. Meio, porque se
pretende que cada um aprenda a compreender o mundo que o rodeia, pelo menos na medida em que isso
lhe é necessário para viver dignamente, para desenvolver as suas capacidades profissionais, para
comunicar. Finalmente porque seu fundamento é o prazer de compreender, de conhecer, de descobrir;
Aprender a fazer – aprender a conhecer e aprender a fazer são, em larga medida, indissociáveis. Mas a
segunda aprendizagem está mais estreitamente ligada à questão da formação profissional: como ensinar o
aluno a pôr em prática os seus conhecimentos e, também, como adaptar a educação ao trabalho futuro
quando não de pode prever qual será a sua evolução? ; Aprender a conviversem dúvida, esta
aprendizagem representa, hoje em dia, um dos maiores desafios da educação. O mundo atual é, muitas
vezes, um mundo de violência que se opõe à esperança posta por alguns no progresso da humanidade. A
história humana sempre foi conflituosa, mas há elementos novos que acentuam o perigo e, especialmente,
o extraordinário potencial de autodestruição criado pela humanidade no decorrer do século XX... A
educação tem por missão, por um lado, transmitir conhecimentos sobre a diversidade da espécie humana
e, por outro, levar as pessoas a tomar consciência das semelhanças e da interdependência entre todos os
seres humanos do planeta; Aprender a ser – a educação deve contribuir para o desenvolvimento total da
pessoa – espírito e corpo, inteligência, sensibilidade, sentido estético, responsabilidade pessoal,
espiritualidade. Todo o ser humano deve ser preparado, especialmente graças à educação que recebe na
juventude, para elaborar pensamentos autônomos e críticos e para formular os seus próprios juízos de
valor, de modo a poder decidir, por si mesmo, como agir nas diferentes circunstâncias da vida.
O mundo próspero e pacífico, proposto pela UNESCO é idealizado e realizado por um
cidadão criativo e crítico que enfrenta com seriedade e competência os desafios do presente.
Enxerga o futuro e utiliza mecanismos variados para assegurar o desenvolvimento
sustentável.
Citam-se vários temas atuais que envolvem o desenvolvimento humano sob a ótica da
educação: educação para o desenvolvimento do caráter, pedagogia da práxis, ecopedagogia -
educação para a sustentabilidade, educação popular, educação comunitária, educação para a
cidadania planetária e internet. Podem-se sintetizar todos estes temas em um único ponto:
educar para o desenvolvimento humano. Essa modalidade de educação básica deve ser
acessível a todos os seres humanos, como afirma Delors (2001:82):
Um dos principais papéis reservados à educação consiste, antes de mais, em dotar a humanidade da
capacidade de dominar o seu próprio desenvolvimento. Ela deve, de fato, fazer com que cada um tome o
seu destino nas mãos e contribua para o progresso da sociedade em que vive baseando o desenvolvimento
na participação responsável dos indivíduos e das comunidades.
123
Paulo Freire associa a educação à transformação social. Segundo ele, não é possível fazer a
transformação social apenas com idéias e princípios. São necessárias também as estratégias
oportunas e adequadas. E estas só se adotam por quem faz uma leitura de seu mundo. Antes
de aprender qualquer coisa, uma pessoa precisa ler primeiro o seu mundo, analisar e
interpretar os limites e as potencialidades, a correlação de forças históricas e políticas, para se
dar o passo necessário e possível.
Piaget ressalta a importância da liberdade e da criatividade na formação das pessoas.
Incentiva a realização das técnicas de experimentação sem a interferência direta de
educadores que venham a “ditar”, passar receitas ou regras gerais para experimentos
científicos realizados pelos alunos. Uma experiência que não seja realizada pelo próprio
indivíduo gozando de plena liberdade de iniciativa, deixa de ser uma experiência, o que ele
denomina como simples adestramento, destituído de valor formador por falta da compreensão
suficiente dos pormenores das etapas sucessivas. Chega-se ao princípio fundamental dos
princípios ativos, expresso da seguinte maneira (PIAGET, 2002:17):
Compreender é inventar ou reconstruir através da reinvenção, e será preciso curvar-se ante tais
necessidades se o que se pretende, para o futuro, é moldar indivíduos capazes de produzir ou de criar, e
não apenas de repetir. Entretanto, nesse campo tão essencial da formação de futuros homens de ciência e
de técnicos de nível satisfatório para uma educação apropriada ao espírito experimental, coloca-se um
problema que, sem dúvida não é peculiar ao desenvolvimento da explicação física, mas que já começa a
preocupar certos educadores e se haverá de impor cada vez mais a toda pedagogia com base na
psicologia. Para chegar – através da combinação entre o raciocínio dedutivo e os dados da experiência – à
compreensão de certos fenômenos elementares, a criança necessita passar por um certo número de fases
caracterizadas por idéias que adiante irá considerar erradas, mas que parecem ser necessárias para o
encaminhamento às soluções finais corretas.
Paulo Freire sonhava com uma escola democrática construída aos poucos num espaço de
criatividade, onde se praticasse uma pedagogia da pergunta, houvesse ensino e aprendizagem
com seriedade, mas em que a seriedade jamais virasse sisudez. Uma escola em que, ao se
ensinarem necessariamente os conteúdos, se ensinassem também a pensar certo. Para isso
seria necessário abolir a prática do que ele chamava de “consciência bancária” (FREIRE,
1986:38):
O educando recebe passivamente os conhecimentos, tornando-se um depósito do educador. Educa-se para
arquivar o que se deposita. Mas o curioso é que o arquivado é o próprio homem, que perde assim seu
poder de criar, se faz menos homem, é uma peça. O destino do homem deve ser criar e transformar o
mundo, sendo o sujeito de sua ação... A consciência bancária “pensa que quanto mais se dá, mais se
sabe”. Mas a experiência revela que com este mesmo sistema só se formam indivíduos medíocres, porque
não há estímulo para a criação.
124
O dinamismo do mundo moderno exige do homem uma atitude crítica permeada de renovação
e aperfeiçoamento. As bases da educação exigem uma nova postura do indivíduo, de
cooperação e aprendizado constante. Freire (2005:52) relata suas observações como a seguir:
Por isso, desde já, saliente-se a necessidade de uma permanente atitude crítica, único modo pelo qual o
homem realizará sua vocação natural de integrar-se, superando a atitude do simples ajustamento ou
acomodação, apreendendo temas e tarefas de sua época. Esta, por outro lado, se realiza à proporção em
que seus temas são captados e suas tarefas resolvidas. E se supera na medida em que temas e tarefas já
não correspondem a novos anseios emergentes, que exigem, inclusive, uma visão nova dos velhos temas.
Freire (1986:40) identificou dez características que compõem a consciência crítica das
pessoas:
1) Anseio de profundidade na análise de problemas. Não se satisfaz com as aparências.
Pode-se reconhecer desprovida de meios para a análise do problema;
2) Reconhece que a realidade é mutável;
3) Substitui situações ou explicações mágicas por princípios autênticos de causalidade;
4) Procura testar ou verificar as descobertas. Está sempre disposta a revisões;
5) Ao se deparar com um fato, faz o possível para se livrar de preconceitos. Não
somente na captação, mas também na análise e na resposta;
6) Repele posições quietistas. É intensamente inquieta. Torna-se mais crítica quanto
mais reconhece em sua quietude a inquietude e vice-versa. Sabe que é na medida em
que é e não pelo que parece. O essencial para parecer algo é ser algo; é a base da
autenticidade;
7) Repele toda transferência de responsabilidade e de autoridade e aceita a delegação
das mesmas;
8) É indagadora, investiga, força, choca;
9) Ama o diálogo, nutre-se dele;
10) Face ao novo, não repele o velho por ser velho, nem aceita o novo por ser novo, mas
aceita-os na medida em que são válidos.
Henry Ford alertou-nos para o simples fato de se adquirir a consciência crítica, citando o fato
de que os jovens, no uso impetuoso da liberdade de pensar, tendem inicialmente a desprezar
simplesmente o que é velho. Por isso ele sugere aos jovens que aprendam a fazer juízo de
valores, não descartando simplesmente tais idéias.
125
O processo de construção dessa consciência crítica permite o alargamento da visão das
pessoas envolvidas, gerando poder de transformação. Esse poder configura a face dinâmica da
educação, que não pode mais ser considerada como um simples processo de aprendizagem.
Acerca desse assunto, Maslow (2002:234) fez a seguinte conceituação:
A educação não pode mais ser considerada essencialmente ou apenas um processo de aprendizagem; é
também um treinamento do caráter, um processo de treinamento da pessoa. É claro que isto não é
completamente verdadeiro, mas assemelha-se bastante à verdade e pode tornar-se cada vez mais
verdadeiro com o passar dos anos.
Vistos como orgânicos, críticos, conscientes e transparentes, os processos educativos
permitem ao indivíduo construir o cidadão, uma vez que passam a conhecer o contexto em
que se inserem e as suas realidades social, econômica e política. O caráter produtivo insere-se
como integrante desses processos educativos, dando robustez às ações empreendidas na
construção de uma sociedade mais solidária, pacífica e produtiva.
6.2 A ONU e entidades da sociedade civil buscam o consenso
Em acesso ao sítio da ONU (<http://www.un.org>), constatou-se que a mesma foi
estabelecida em 24 de outubro de 1945 por 51 países, que se comprometeram a preservar a
paz através de cooperação internacional e segurança coletiva. Atualmente, a organização
conta como sócios um total de 191 estados soberanos. A ONU tem quatro finalidades básicas:
manter a paz e a segurança internacionais, desenvolver relações amigáveis entre nações,
cooperar em resolver problemas internacionais com a promoção do respeito para direitos
humanos, e ser um centro para harmonizar as ações das nações. A ONU não é um governo do
mundo e não faz leis, entretanto, fornece os meios para ajudar a resolver conflitos
internacionais e formular políticas nas matérias que afetam todos nós. Aí, todos os estados-
membros, sejam eles grandes ou pequenos, ricos ou pobres, com diferentes sistemas sociais e
políticos, têm uma voz e um voto. O Sistema das Nações Unidas é composto por vários
organismos, programas e fundos especializados que trabalham em áreas diversas como saúde,
agricultura, aviação civil, meteorologia e trabalho – por exemplo: OMS (Organização
Mundial da Saúde), OIT (Organização Internacional do Trabalho), Banco Mundial,
UNESCO, UNICEF (United Nations Children’s Fund), entre outros.
126
A ONU utiliza um instrumento universal chamado “declaração”, que compartilha o ideal
comum a ser atingido por todos os povos e nações, com o objetivo de que cada indivíduo e
cada órgão da sociedade se esforcem através do ensino e da educação, promovendo o respeito
a direitos e liberdades estabelecidos. A declaração é um texto solene proclamando princípios
de grande importância e de valor duradouro. Embora não tenha força jurídica impositiva, ela
pode exercer uma influência como fonte de direito unanimemente reconhecida. A cidadania é
um processo consciente que se consolida num contexto de conhecimento e conquista dos
direitos humanos. A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, considerada o
verdadeiro decálogo de liberdade do homem moderno, estabeleceu as primeiras normas para
assegurar a liberdade individual e a propriedade. Foi elaborada para servir de preâmbulo à
Constituição da França. O texto definitivo foi apresentado em forma de dezessete artigos à
Assembléia Nacional e aprovado no dia 26 de agosto de 1789. A aparência de decálogo, de
“catecismo cívico” que a Declaração assumiu devia-se à vida escolar de cunho cristão da
maioria dos parlamentares.
Em 1948 foi aprovada, na Assembléia das Nações Unidas, a Declaração Universal dos
Direitos do Homem, referência mundial para as cartas magnas das nações do planeta.
Extraídas do sítio da ONU (<http://www.un.org>), informações referentes à Agenda 21
definem-na como um plano de ação conjunta que atua nos níveis local, nacional e global. Ela
foi desenvolvida pelos organismos associados da ONU, pelos governos e sociedade civil, em
todas as áreas relacionadas à sustentabilidade do planeta.
A Agenda 21, que contém 40 capítulos em sua forma global, foi concebida e aprovada no ano
de 1992. Constituiu-se aí um processo que durou dois anos e culminou com a realização da
CNUMAD
62
, no Rio de Janeiro, em 1992, também conhecida por Rio 92. O termo "Agenda"
foi concebido no sentido de intenções, desígnio, desejo de mudanças para um modelo de
civilização em que predominasse o equilíbrio ambiental e a justiça social entre as nações.
A Agenda 21 constitui-se na mais abrangente tentativa já realizada de orientar para um novo
padrão de desenvolvimento para o século XXI, cujo alicerce é a sinergia da sustentabilidade
ambiental, social e econômica, perpassando em todas as suas ações propostas. Pode ser vista
62
Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e Desenvolvimento
127
também como um processo de planejamento participativo que resulta na análise da situação
atual de um determinado país, estado, município, região e setor, planejando o futuro de forma
sustentável. Este processo deve envolver toda a sociedade na discussão dos principais
problemas e na formação de parcerias e compromissos para a sua solução em curto, médio e
longo prazos. A análise do cenário atual e o encaminhamento das propostas para o futuro
devem ser realizados dentro de uma abordagem integrada e sistêmica nas dimensões
econômica, social, ambiental e político-institucional da localidade.
Muito difundido atualmente, o conceito de desenvolvimento sustentável surgiu a partir das
necessidades geradas e satisfeitas num mundo de riqueza, mas com enormes desequilíbrios
constatados pela miséria e pela degradação ambiental. Resumindo, o desenvolvimento
sustentável busca assegurar o desenvolvimento econômico, a preservação ambiental e o fim
da pobreza. A ONU e as sociedades civis organizadas buscam um consenso para alcançar
metas que assegurem o desenvolvimento sustentável.
Em acesso ao sítio da UNESCO (<http://unesco.org>), verificou-se a existência de um
modelo principal de cunho educativo, um projeto denominado DEDS - Década das Nações
Unidas da Educação para o Desenvolvimento Sustentável. Seu principal objetivo é integrar
valores inerentes ao desenvolvimento sustentável em todos os aspectos do ensino para
encorajar mudanças no comportamento e permitir a formação de uma sociedade mais
sustentável e mais justa. A visão básica da DEDS é um mundo onde todos possam ter
oportunidades para se beneficiarem com a educação e aprender valores, comportamentos e
estilos de vida necessários para um futuro sustentável e para uma transformação social
positiva.
Em nível nacional, um retrospecto mostra que num primeiro momento, à época da ditadura
militar dos anos 60, os movimentos sociais no Brasil eram em sua grande maioria
clandestinos e tinham como fachadas escolas comunitárias. Alguns exilados dessa época
também mantinham contato com organizações ligadas à igreja. Esses movimentos saíram da
clandestinidade e ganharam força à época das Diretas Já (anos 80) contribuíram
fundamentalmente para a disseminação de um perfil mais popular de cidadania. Pode-se
reportar a mobilização das sociedades civis organizadas a partir da intensificação de ações
128
voluntárias, que possibilitaram entrar em cena as ONGs
63
. Uma sociedade que se organize,
seja em associações de moradores, fundações, ONGs, conselhos comunitários, entre outras -
aos poucos consegue se articular de tal forma a ganhar representação na sociedade, criando
um espaço novo e apresentando um caráter institucional e pouco burocrático para resolver
questões , principalmente sociais.
As sociedades civis organizadas têm grande poder de articulação em sistema de redes, onde
traçam experiências e conhecimentos teóricos, possibilitando sua permanência na esfera
pública. Estas se consolidam como grandes instrumentos para a transformação social. Em
seus núcleos de atuação permitem a criação, aplicação e aperfeiçoamento das práticas
educativas para mudar a realidade de um país com grande perfil empreendedor, dotado de
indivíduos com grande potencial criativo, mas que carecem de ações sistematizadas para
transformar o contexto de desigualdades social, econômica e política.
6.3 Como os Ministérios da Educação de alguns países vêem o problema
Ao mesmo tempo em que estão em processo de construção de riqueza econômica, as nações
desenvolvidas buscam melhoria de qualidade de vida para seus habitantes. Percebe-se que o
processo educativo tem grande compromisso com a formação do cidadão, tornando-o mais
consciente e mais produtivo para assegurar níveis desejáveis de prosperidade e
sustentabilidade. Foram identificados os projetos e programas educativos que consolidam a
formação desse cidadão produtivo, através de valores e ações. Tais programas e projetos
encontram-se bem definidos nos ministérios de educação e órgãos afins em países
desenvolvidos, nações que, pensando em nível coletivo, incentivam a atuação do cidadão,
apóiam a construção do seu caráter, desenvolvendo seu senso e preparando-o para lidar com
soluções de problemas diversos. Objetivando identificar esses programas e suas práticas para
constatar a existência ou não dos fundamentos da Filosofia 5S – o senso e de métodos simples
voltados para a resolução de problemas, foram escolhidos alguns países que seriam os objetos
de estudo: os que possuem melhores IDH.
63 A denominação que as caracteriza foi cunhada na Ata de Constituição da ONU, datada de 1946, onde são
definidas como “entidades civis sem fins lucrativos, de direito privado, que realizam trabalhos em benefício de
uma coletividade”.
129
Os esforços coletivos que os órgãos e ministérios de educação dessas nações fazem em
relação aos programas e projetos realizados pelos seus governos, são traduzidos na busca de
níveis de excelência em seus processos de produção de bens e serviços, de qualidade de vida e
de sustentabilidade. O uso do IDH neste trabalho como fator de escolha deve-se a esses
resultados, que se traduzem em vida melhor para seus cidadãos.
Para mensurar o desenvolvimento econômico de uma nação, utilizava-se o PIB per capita,
mas a partir de 1990 este índice foi substituído pelo IDH, que foi recalculado para os anos
anteriores, a partir de 1975. O IDH objetiva ser uma medida geral e sintética do
desenvolvimento humano, embora não contemple todos os aspectos de desenvolvimento, não
represente a "felicidade" das pessoas e nem indique o melhor lugar no mundo para se viver. O
IDH leva em consideração o PIB per capita, a longevidade e a educação. A longevidade é
aferida utilizando números de expectativa de vida ao nascer. A educação é aferida através do
índice de analfabetismo e da taxa de matrícula em todos os níveis de ensino. A renda é
mensurada pelo PIB per capita, em dólar PPC (paridade do poder de compra - que elimina as
diferenças de custo de vida entre os países). Esses três itens têm a mesma importância no
índice, que varia de zero a um. Para buscarmos modelos educacionais de referência, extraímo-
los dos quatro países escolhidos pela figuração entre as melhores colocações na relação de
IDH nos últimos 5 anos (QUADRO 7): Noruega, Suécia, Austrália e Canadá. Estes são
considerados para o PNUD
64
como de alto desenvolvimento humano, destinados aos países
que possuem índices iguais ou superiores a 0,800. O Brasil, inserido na faixa de países que
têm médio desenvolvimento humano que vai de 0,500 a 0,799, ocupou a 63ª posição em 2003
com índice de 0,792, 72ª posição em 2002 com índice de 0,775, a 65ª posição em 2001 com
índice de 0,777, a 73ª posição em 2000 com 0,757 e a 69ª posição em 1999 com 0,750. Os
países com baixo desenvolvimento humano possuem índice abaixo de 0,500.
O fato de serem detentores de elevados níveis de produção, renda e investimentos em
educação e pesquisa, poderia ser um motivo para considerarmos em nossos estudos alguns
países como os Estados Unidos, Alemanha e Japão. Embora essas nações sejam
eminentemente desenvolvidas, disponibilizando projetos e programas educativos para
melhorar a qualidade de vida de seus cidadãos, não conseguem figurar nas quatro primeiras
colocações do ranking mundial de IDH.
64
PNUD - Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
130
Ano
Ranking
2003 2002 2001 2000 1999
1
Noruega
(0,963)
Noruega
(0,956)
Noruega
(0,944)
Noruega
(0,942)
Noruega
(0,939)
2
Islândia
(0,956)
Suécia
(0,946)
Islândia
(0,942)
Suécia
(0,941)
Austrália
(0,936)
3
Austrália
(0,955)
Austrália
(0,946)
Suécia
(0,941)
Canadá
(0,940)
Canadá
(0,936)
4
Luxemburgo
(0,949)
Canadá
(0,943)
Austrália
(0,939)
Bélgica
(0,939)
Suécia
(0,936)
5
Canadá
(0,949)
Holanda
(0,942)
Holanda
(0,938)
Austrália
(0,939)
Bélgica
(0,935)
6
Suécia
(0,949)
Bélgica
(0,942)
Bélgica
(0,937)
EUA
(0,939)
EUA
(0,934)
7
Suíça
(0,947)
Islândia
(0,941)
EUA
(0,937)
Islândia
(0,936)
Islândia
(0,932)
8
Irlanda
(0,946)
EUA
(0,939)
Canadá
(0,937)
Holanda
(0,935)
Holanda
(0,931)
9
Bélgica
(0,945)
Japão
(0,938)
Japão
(0,932)
Japão
(0,933)
Japão
(0,928)
10
EUA
(0,944)
Irlanda
(0,936)
Suíça
(0,932)
Finlândia
(0,930)
Finlândia
(0,925)
QUADRO 7: Ranking IDH anos 1999 a 2003
Fonte: RDH - Relatório de Desenvolvimento Humano / PNUD
6.3.1 Programas educativos da Noruega
O governo da Noruega disponibiliza desde o ano de 1876 informações sobre a estrutura e o
desenvolvimento da sociedade do país em uma base de dados denominada “Statistics
Norway”. Atualmente esta base é disponibilizada no sítio <http://www.ssb.no>, onde foi
possível extrair dados referentes à sua população, que tem em torno de 4.579.000 habitantes
65
e área total de 385.155km
2.
Por vários anos seguidos, a Noruega tem ocupado a primeira
posição na tabela do RDH
66
, confirmando seu grande desenvolvimento social, notadamente
no campo da educação.
Informações gerais e oficiais sobre a educação na Noruega estão disponibilizadas no sítio
<http://www.norway.org.br/education>. Em acesso a este sítio foi possível constatar que a
expansão do conhecimento tem sido considerada altamente relevante para governo e
população da Noruega, sendo recurso essencial para seu desenvolvimento. Toda a educação
65
Fonte: Statistics Norway – dados projetados para janeiro de 2004
66
RDH - Relatório de Desenvolvimento Humano
131
pública do país é gratuita até o segundo nível. O padrão de instrução em escolas e locais de
trabalho é de grande importância para a qualidade da sociedade, por isso o Ministério da
Educação e Pesquisa se esforça em aprimorar constantemente os currículos de escolas
primárias e em estabelecer centros de excelência em vários campos de pesquisa. O currículo
nacional inclui conhecimento cristão e religioso e educação ética, norueguês, matemática,
estudos sociais, artes e ofícios, ciência e ambiente, inglês (compulsório a partir do primeiro
ano), música, economia doméstica, educação física e, como opcionais, outras línguas
estrangeiras e trabalhos de projetos práticos. Possuem também um sistema para o aprendizado
por toda a vida, direcionado para adultos. Esse sistema possibilita a aquisição de novos
conhecimentos para preparar as pessoas para executar as funções de forma satisfatória na
sociedade e adaptá-las às mudanças demandadas pelo mundo profissional. Existem
atualmente 22 associações desse tipo em funcionamento, congregando representações
políticas, força de trabalho e várias denominações religiosas. A educação à distância,
importante ferramenta para o encontro às demandas da educação continuada, é amplamente
utilizada na Noruega. A cada ano mais de 20.000 estudantes completam cursos oferecidos por
12 instituições autorizadas. Em relação à educação superior, a Noruega é um dos primeiros
países da Europa a seguir as metas estabelecidas no Processo da Bolonha
67
. Existem também
instituições populares de ensino superior que proporcionam visões sob perspectivas holísticas
e existem para encorajar os estudantes nos seus desenvolvimentos em níveis individual, social
e acadêmico. As escolas são pequenas, com 60 a 100 estudantes e seus programas incluem
música, artes dramáticas e musicais, vida natural, meios de comunicação de massa, educação
computacional, ofícios, solidariedade internacional, esportes, entre outros.
O Ministério da Educação e Pesquisa tem feito muitos esforços para melhorar o ambiente de
aprendizado em toda a Noruega. Para isso tem realizado projetos em parceria com outras
organizações e instituições. Em acesso ao sítio <http://odin.dep.no> que contém informações
sobre o Ministério de Educação e Pesquisa da Noruega, verificou-se a existência de um
projeto chamado “Valores nas escolas”, que foi planejado para reforçar a promoção de
67
O Processo de Bolonha é atualmente o maior processo de reforma de educação superior na Europa. Sua
denominação se deve à Declaração de Bolonha, datada de 19 de junho de 1999, assinada pelos ministros da
educação de 29 países europeus, envolvendo grande número de representantes da comunidade acadêmica,
organizações governamentais e não-governamentais. Estabelece seis metas principais para o ano de 2010, assim
definidas: um sistema de fácil leitura e qualidade comparável, incluindo a implementação de diploma
suplemento; um sistema essencialmente baseado em dois ciclos principais: um primeiro ciclo relativo ao
mercado de trabalho; um segundo ciclo requerendo a conclusão do primeiro ciclo; um sistema de acumulação e
transferência de créditos; a mobilidade dos estudantes, professores e pesquisadores; cooperação em garantia da
qualidade; a dimensão européia da educação superior.
132
valores e valores da qualidade nas escolas. O projeto tem recebido a devida atenção por parte
das prefeituras, condados e escolas através de promoção de conferências e reuniões em um
processo cooperativo entre as estâncias. “Solução Criativa de Problemas nas Escolas” é um
programa social de treinamento cognitivo destinado aos jovens de 14 a 16 anos para formar
pessoas com capacidade de resolverem seus próprios problemas.
O aprendizado para toda a vida e as oportunidades educacionais para adultos são princípios
importantes da política educacional deste país. Acreditam que dessa forma possam auxiliar na
formação e na capacitação de mão-de-obra para atender às demandas do desenvolvimento do
país, estando, assim, aptos, competitivos e flexíveis frente às mudanças de um mundo
globalizado. A cada ano, mais de um milhão de pessoas são beneficiados com os projetos de
educação para adultos da Noruega. Utilizam o sistema público de ensino, associações de
educação para adultos, universidades públicas, instituições de ensino à distância e outras
instituições privadas e organizações.
Em janeiro de 1999, o governo norueguês elaborou um conjunto de medidas muito importante
denominado Reforma de Competências. Este foi baseado em um relatório do Comitê
Governamental, debatido e aprovado pelo Parlamento da Noruega. O objetivo principal da
Reforma de Competências é formar as competências através da educação para a ação na
sociedade, no ambiente de trabalho e em nível individual. Eles acreditam que uma população
bem educada é o recurso mais importante da nação para preservar e criar vagas de trabalho,
assegurar qualidade de vida e prevenir o aumento de distorções de classe e de renda.
Existe em andamento na Noruega um plano estratégico educacional intitulado “Educação
Igual na Prática!” visando ter educação para todos. Este plano tem como metas trabalhar com
o perfil multicultural da população, inserindo as pessoas dos grupos de línguas minoritárias no
processo educacional vigente.
Em suas visões, metas e estratégias utilizadas para reduzir as desigualdades econômica e
social, o governo da Noruega defende a tese de que ninguém deve viver em ambiente de
pobreza. Para isso, busca mecanismos para assegurar às pessoas a capacidade de exercer seus
potenciais, escolhendo os próprios caminhos, obtendo trabalho digno, benefícios da
seguridade social e inclusão social.
133
6.3.2 Programas educativos da Suécia
Informações gerais sobre a Suécia podem ser vistas no sítio <http://www.sweden.se>. Neste
portal do governo constatou-se que o país conta com pouco mais de 9.000.000 de habitantes
para uma área de 450.000 km
2
. A Suécia pode ser vista no QUADRO 7 figurando em
colocações privilegiadas no ranking dos últimos relatórios de desenvolvimento humano. Para
este país, a educação desempenha um papel importante no esforço para criar o
desenvolvimento sustentável. Os métodos democráticos, os contatos e as parcerias
internacionais nos diversos níveis educacionais dão oportunidades às pessoas para aprender e
desenvolver a capacidade de lidar com situações e resolver problemas com base no
conhecimento adquirido. Assim, a educação pode ajudar a superar os desafios que o
desenvolvimento impõe e a fazer o desenvolvimento sustentável possível. O governo assegura
acesso à educação para todas as crianças e jovens, independente do gênero, moradia, fatores
econômicos e sociais. Nove anos de estudos compulsórios a partir dos sete anos de idade são
gratuitos para o sistema de escola pública.
O Ministério da Educação, Pesquisa e Cultura da Suécia tem suas informações
disponibilizadas no sítio <http://www.sweden.gov.se>. Neste sítio pôde-se verificar que este
ministério é responsável por tudo que envolve educação e pesquisa como assistência à
infância, educação pré-escolar as escolas compulsória e secundária-superior, educação
superior, pesquisa, assistência em estudos e assuntos de juventude.
O Ministério da Educação, Pesquisa e Cultura é assistido por várias agências: Agência
Nacional para a Melhoria Escolar, Agência Nacional para a Educação (Skolverket) e a
Agência Nacional para a Educação Superior.
A Agência Nacional para a Melhoria Escolar possui informações disponibilizadas no sítio
<http://www.skolutveckling.se>. Nesta base de dados pôde-se constatar a existência de cinco
departamentos que contribuem para incrementar a qualidade na educação: Desenvolvimento
Educacional, Qualidade do Trabalho, Análises, Comunicação e Serviços Administrativos. A
agência coopera com outros agentes como prefeituras, escolas, universidades e
associações profissionais que se interessam pelo desenvolvimento educacional. As
grandes características da agência são flexibilidade e efetividade, respeito às
necessidades locais e peculiaridades e comprometimento com projetos de longo prazo. A
134
melhoria é realizada através da interação. Espera-se que cada membro da sociedade sueca
aprenda e desenvolva-se pelos próprios caminhos. Espera-se que cada pré-escola e
centros de aprendizado para adultos providenciem ambientes estimuladores para o
aprendizado e para o desenvolvimento das pessoas. O maior propósito da Agência
Nacional para a Melhoria Escolar é realizar essas ambições. A agência é responsável por:
1) Suporte geral às escolas dentro de áreas nacionalmente prioritárias;
2) Apoio ao desenvolvimento local da qualidade no trabalho e melhoria do
ambiente de aprendizado;
3) Estímulo ao desenvolvimento de competências profissionais entre os educadores;
4) Programa nacional para formação de líderes educacionais;
5) Suporte o uso ampliado de ICT
68
na educação;
6) Disseminação de conhecimento, experiências e pesquisa entre os educadores;
7) Participação em redes domésticas e internacionais que estimulem a melhoria
educacional.
A agência faz uso de intensa análise para a escolha das estratégias de melhoria. Situações
específicas, necessidades locais e ambições nacionais direcionam o tipo de combinação
necessária ao uso de ferramentas que proporcionam tais melhorias:
1) Suporte específico na forma de programas e projetos de mudança são direcionados
para o ambiente de aprendizado onde problemas cruciais são detectados;
2) Criação e suporte de redes para serem compartilhadas por organizações de
aprendizado;
3) Suporte para o ambiente de aprendizado para organizar os esforços de melhoria
escolar, incluindo projetos de treinamento profissional no ambiente de trabalho;
4) Conhecimento sistematizado sobre aprendizado, avaliação, desenvolvimento social e
tópicos relacionados são disseminados para o ambiente profissional através do
sistema educacional;
5) Métodos para melhoria escolar são desenvolvidos e disseminados.
68
Agregou-se o tem “communication” à Information Technology (IT), daí a nova sigla que passou a ser
utilizada: ICT - Information and Communication Technology.
135
O governo sueco prioriza a melhoria do ambiente de trabalho dentro de certas áreas onde a
agência precisa agir. Atualmente são solicitadas melhorias no aprendizado de habilidades,
competências e conhecimento, especialmente para pessoas jovens que residem em áreas
caracterizadas como segregadas étnica e socialmente.
Todos os estudantes devem dominar as competências básicas e o conhecimento durante os
anos que estiverem em contato com a escola. Se as unidades de ensino falharem em
proporcionar aos estudantes o suporte necessário, a melhoria dos métodos de trabalho assim
como o desenvolvimento dos padrões profissionais têm que ser realizados. A agência para a
melhoria escolar apóia trabalhos com leitura básica, escrita, matemática e trabalho com
estudantes que usam duas línguas.
As opções futuras do programa educativo, oportunidades de carreira e uma boa qualidade de
vida são distribuídas de forma desigual pela sociedade sueca. Uma tarefa da agência é apoiar
iniciativas de desenvolvimento que proporcione aos jovens o máximo em boa educação,
embora eles façam parte de uma área étnica ou socialmente segregada. Uma boa educação
possibilita aos jovens muitas oportunidades futuras.
A ICT ajuda pessoas de todas as idades a aprender. Consiste também em instrumento para
avaliação ou um canal de uso para buscar informações do trabalho de melhoria das escolas a
partir de outras localidades do planeta. A agência apóia o amplo uso do ICT no ambiente de
aprendizado e na difusão do conhecimento.
A Agência Nacional para a Educação (Skolverket) disponibiliza informações no sítio
<http://
www.skolverket.se>. Neste portal pôde-se constatar a existência de um programa
de ação especial referente ao aprendizado para toda a vida. Denominado Lifelong
Learning and Lifewide Learning, ele demanda grande atenção no que se refere à
educação e ao mercado de trabalho (FIGURA 8). O programa de ação contempla os
ambientes da educação formal, o ambiente profissional e a sociedade civil. Esses
ambientes também possuem uma escala que retrata os níveis contemplados pelos diversos
ambientes citados acima.
136
FIGURA 8: Aprendizado para toda a vida em diferentes setores do plano de ação
Fonte: Skolverket Sweden – Agência Nacional para a Educação
6.3.3 Programas educativos da Austrália
O governo da Austrália disponibiliza suas informações oficiais no portal eletrônico
<http://www.australia.gov.au>. Em acesso a este sítio oficial, constatou-se que a Austrália
possui uma área territorial de 7.692.024 km
2
. Sua população já ultrapassou 20.000.000 de
habitantes e o país vem fazendo grandes esforços ao longo dos últimos anos visando ao
desenvolvimento sustentável proporcionando melhor qualidade de vida aos cidadãos.
O Departamento de Educação, Ciência e Treinamento da Austrália possui o sítio
<http://
www.dest.gov.au>. Em acesso realizado a este portal, constatou-se que o governo
australiano faz revisões e reformas contínuas na educação em todos os seus níveis visando a
melhorias sociais e econômicas. Associada a outros fatores, esta postura tem assegurado altos
índices de desenvolvimento humano para a nação. A Austrália tem um sistema de educação
bem desenvolvido com taxas de participação e de conclusão da escola secundária entre as
mais elevadas no mundo. Em muitos casos, os modelos educativos australianos atraem a
atenção internacional e Austrália é convidada a cooperar com o desenvolvimento de
programas educacionais em outros países. Sua política educacional contempla a pré-escola, os
137
níveis primário, secundário e terciário (esse dividido em dois tipos: 1 - treinamento e
educação vocacionais, 2 - superior). Apesar de adotarem o inglês como língua oficial, há
muita atenção em relação a outras línguas: dez línguas aborígines locais, árabe, francês,
alemão, grego moderno, italiano, espanhol, russo, tailandês e vietnamita. O governo federal
também apóia o aprendizado de quatro línguas asiáticas: japonês, indonésio, coreano e
mandarim.
O governo australiano investiu vinte milhões de dólares em iniciativas do ASISTM
69
, um
projeto integrante do programa BISTMT
70
. O ASISTM objetiva encorajar abordagens
inovadoras que envolvam o aprendizado de ciência, tecnologia e matemática, criar um
ambiente para atrair e reter profissionais altamente qualificados, desenvolver uma nova
geração de professores excelentes nas três áreas correlatas e obter resultados com mudanças e
melhorias sustentáveis. Podem se candidatar a receberem fundos: as universidades,
autoridades educacionais, negócios e indústrias, órgãos comunitários, professores, líderes de
associações de professores e organizações científicas.
Ciente da dinâmica global de mercado e da necessidade de empenho pessoal que os negócios
exigem, o governo australiano incentiva amplamente os trabalhadores a desenvolverem
habilidades e desempenharem altos níveis de produtividade. Para isso o Departamento de
Educação, Ciência e Treinamento criou o programa “Skilling Australia - New Directions for
Vocational Education and Training”. Este programa foi disponibilizado em fevereiro do ano
de 2005 e visa a habilitar profissionais para ocuparem posições até então consideradas de
“segunda classe” pela população: cozinheiros, eletricistas, passadores de roupas, empregados
dos ramos da construção civil, eletro-tecnologia, automotivo e manufatura em geral. São
atividades que não necessitam de curso superior para sua realização. As pessoas mais velhas,
que vêm sendo substituídas pelos jovens no mercado de trabalho também foram incluídas nos
programas de treinamento. As mudanças que estão ocorrendo nas tradicionais formas de
emprego, notadamente na prestação de serviços, caracterizam a flexibilidade do sistema
nacional de treinamento em atender às necessidades desses trabalhadores.
69
ASISTM - Australian School Innovation in Science, Technology & Mathematics
70
BISTMT - Boosting Innovation, Science, Technology and Mathematics Teaching
138
O governo atribui o sucesso do sistema australiano de treinamento a dois elementos: a
colaboração nacional e o envolvimento da indústria. Tais elementos evidenciam a criação de
três componentes do novo sistema de treinamento:
1) The National Governance and Accountability Framework, que estabelece a tomada
de decisão dos processos e órgãos responsáveis pelo treinamento, bem como o
planejamento e o monitoramento da performance, a condução da operação e do
crescimento do sistema de treinamento;
2) The National Skills Framework engloba as exigências de garantia da qualidade e
consistência em termos de qualificação, suporte a produtos e a disponibilização do
treinamento;
3) Industry Leadership and Engagement envolve todos os aspectos do novo sistema de
treinamento, atendendo com níveis de excelência a prioridades industriais e
habilidades necessárias à operacionalização das atividades produtivas.
Os governos federal, estadual e dos territórios criaram políticas e estratégias com objetivos
preliminares de melhorar resultados educacionais para os aborígines. Para isso definiu
princípios e padrões balizados em uma estrutura de ação inclusiva e eficaz para os povos
indígenas da Austrália no século XXI. Os princípios reconhecem a capacidade de todos os
povos indígenas alcançarem seu pleno potencial na escola e o papel de pais indígenas como os
primeiros educadores de suas crianças. Os programas incluem o programa estratégico das
iniciativas que envolvem o auxílio tutorial, a sustentação do estudante, a consciência do pai e
a orientação vocacional e educacional.
Existe um programa denominado Iniciativa da Excelência Escolar no território em que se
situa a capital australiana - ACT
71
. Este programa, que pôde ser verificado no sítio
<http://www.decs.act.gov.au>, possui uma estrutura direcionada para a aquisição de altos
padrões do aprendizado, inovação e melhores práticas nas escolas públicas do ACT. O
resultado dos esforços para a excelência escolar é a implantação do ambiente da qualidade nos
domínios da escola que envolve aprendizado, ensino, liderança, gestão, envolvimento da
comunidade e ambiente estudantil. O cerne dessa questão chamada excelência escolar é a
71
Australian Capital Territories
139
realização e o aprendizado do aluno. Um objetivo simples, apoiado por muitos elementos
variados e integrados, como visto na FIGURA 9.
FIGURA 9: Representação gráfica do programa Iniciativa da Excelência Escolar
Fonte: ACT Government – School Improvement Framework
O Departamento Australiano para o Meio Ambiente e Herança promove a consciência
ambiental, dando importância à educação para assegurar um futuro sustentável para todos.
Isso pôde ser verificado no sítio <http://www.deh.gov.au>, que contém informações oficiais
sobre o departamento. Suas atividades de comunicação buscam a mídia de massa, impactando
atitudes das comunidades, setores específicos como negócios e indústria e outras agências
nacionais.
Em abril de 1999, o Ministério da Educação, agências do governo, estados e territórios
concordaram com a Declaração de Adelaide, nas “Metas Nacionais Para a Educação Escolar
no Século XXI”. As informações referentes a esta iniciativa foram disponibilizadas no sítio
<http://www.mceetya.edu.au/nationalgoals/> pelo Conselho Ministerial em Educação,
Emprego, Treinamento e ocupações da juventude. A Declaração determina que quando os
estudantes deixarem a escola, todos deverão tem uma clara compreensão e interesse para
administrar o ambiente natural, com conhecimento e habilidades para contribuir para o
desenvolvimento ecologicamente sustentável.
140
6.3.4 Programas educativos do Canadá
O Canadá, uma confederação composta de dez províncias e três territórios, é o segundo maior
país do mundo em área territorial: 9.970.610 km
2
. De acordo com o sítio Statistics Canada
(<http://www.statcan.ca>), a população do Canadá no ano 2000 foi estimada em 30.750.100
habitantes.
O governo canadense não possui um ministério único para lidar com a área da educação.
Embora este governo desempenhe importante papel na sustentação da educação nacional, com
diversos departamentos no governo federal que se relacionam diretamente com a área (línguas
oficiais, educação superior e desenvolvimento de recursos humanos), no Canadá não existem
ministérios, órgãos ou departamentos na esfera federal relacionados diretamente à educação.
Isso foi constatado em acesso ao site oficial do governo: <http://www.canada.gc.ca>.
A educação é de exclusiva responsabilidade de cada província e território, que juntos, criaram
o CMEC
72
em 1967 para congregar a educação no país, se consolidando como um fórum em
que os ministros provinciais e territoriais se encontram para discutir matérias de interesse
mútuo. O CMEC, que possui um sítio próprio (<http://www.cmec.ca>) é o órgão que
representa os interesses das províncias e dos territórios em trabalhar com as organizações da
educação nacional, governo federal, governos estrangeiros, e organizações internacionais.
A província de Ontário é uma das mais significativas em termos de desenvolvimento
econômico, produzindo em torno de 60% de tudo que é manufaturado do país, além de
possuir a maior população provincial, em torno de 12 milhões de habitantes
73
.
O governo desta província disponibiliza informações oficiais sobre educação no sítio
<http://www.edu.gov.on.ca>. Percebe-se que neste local a educação abrange os níveis
elementar, secundário e superior, além de educação à distância e outras modalidades diversas.
O governo disponibiliza o acesso da comunidade às escolas, apóia estilos de vida saudáveis e
ativos e incentiva a presença do cidadão em atividades comunitárias, promovendo
comunidades seguras e vitais. Em relação às escolas primárias e secundárias, criou uma
associação
74
composta de estudantes, pais, curadores, professores, trabalhadores de apoio e
72
CMEC – Council of Ministers of Education in Canada
73
Dados de Statistics Canada relativos ao ano de 2004.
74
Education Partnership Table
141
diretores. A associação estabeleceu um fórum de discussão com diversos e significativos
assuntos relacionados ao setor educacional. A intenção é proporcionar mudanças reais e
positivas ao sistema educacional, conseguindo bons resultados para os estudantes, para o
desenvolvimento da província e da nação como um todo.
Em 1996 foi editado um guia chamado VIP
75
, projeto elaborado pelo Ministério da
Solicitação Geral e Serviços Correcionais e Ministério da Educação e Treinamento de
Ontário. O guia fornece possibilita aos professores ajudarem aos alunos com informações
relativas a leis, valores, direitos, responsabilidades e auto-estima. Os programas aí contidos
reforçam a responsabilidade da cidadania, comportamento social positivo e valores
comunitários. É enfatizado o respeito à diversidade social e étnica, assegurando o convívio
harmonioso entre os estudantes. O êxito do programa depende da parceria entre educadores e
polícia, e do envolvimento colaborativo da comunidade envolvida. Dentre os valores que
compõem o currículo escolar em Ontário, podem-se citar: aceitação, compaixão, cooperação,
coragem, liberdade, generosidade, honestidade, justiça, paz, respeito ao meio ambiente,
respeito pela vida, auto-respeito, cortesia, igualdade de oportunidade, integridade, lealdade,
moderação, paciência, responsabilidade, autodisciplina e sensibilidade. O estudo dessa gama
de valores provê oportunidades aos alunos para conhecerem os valores básicos da sociedade
canadense e sua diversidade, aprendendo a se responsabilizarem pelas próprias ações. O
programa também foca atenção especial quando a sociedade se volta para a escola, pedindo
ajuda para que os jovens aprendam a lutar com problemas relativos ao cigarro, ao abuso do
álcool e ao uso de drogas. Constantemente o programa é avaliado e melhorias são
implementadas pelos professores e policiais; o resultado pode ser visto inicialmente pela
aquisição de conhecimento e habilidades, mudança de atitudes e realização pelo resultado do
aprendizado dos estudantes.
6.3.5 Aspectos comuns encontrados nas nações com maior IDH
Verifique-se a incidência dos projetos e programas dessas nações (Noruega, Suécia, Austrália
e Canadá), resumindo-a em um quadro (QUADRO 8). Embora envolvam temas que se
relacionam entre si, detectaram-se itens em comum nos quatro países:
75
VIP - Values, Influences and Peers
142
1) Aprendizado para toda a vida;
2) Promoção de valores e mudança de atitudes;
3) Mudanças para detectar e solucionar problemas de forma criativa;
4) Educação para todos (inclusão);
5) Incentivo ao aprendizado de habilidades, competências e conhecimento.
Tipo de projeto / programa Nor Sue Aus Can*
Aprendizado para toda a vida
Promoção de valores e mudança de atitudes
Mudanças para detectar e solucionar problemas de forma
criativa
Educação para todos (inclusão)
Criação de redes para compartilhamento do aprendizado
Sistematização do conhecimento para ambiente profissional
(corpo docente)
Incentivo ao aprendizado de habilidades, competências e
conhecimento
Apoio às iniciativas de desenvolvimento que proporcione aos
jovens o máximo em boa educação
Apoio à inovação em ciência, tecnologia e matemática
Incentivo ao desenvolvimento de habilidades e desempenho de
alto nível em produtividade (trabalhadores)
Implantação do ambiente da qualidade nos domínios da escola
envolvendo aprendizado, ensino, liderança, gestão,
envolvimento da comunidade e ambiente estudantil
Promoção da consciência ambiental, dando importância à
educação para assegurar um futuro sustentável para todos
QUADRO 8: Principais projetos e programas do setor educacional nos quatro países com maior IDH
* A gestão da educação no Canadá é de responsabilidade de cada província, portanto, não há um órgão
federal centralizado.
Os cinco tipos de projetos e programas mais comuns citados acima confirmam a necessidade
de valorização do aprendizado que atenda a todas as pessoas, promovendo o desenvolvimento
do caráter, das habilidades, competências e conhecimento, enfim, levando ao aperfeiçoamento
contínuo do potencial humano com a eliminação de barreiras provocadas pelas segregações
étnicas. A capacidade de resolver problemas de forma criativa dinamiza a geração de
resultados, pois estes vêm em forma de soluções que possam ser aplicadas com uma base de
valores adquiridos em ambiente de sustentabilidade. Percebe-se que as nações que propiciam
bons níveis de qualidade de vida à sua população investem na educação e na formação do
cidadão, conduzindo-o a trilhar o caminho do aprendizado para toda a vida.
143
Abordando questões que envolvem educação e produtividade do trabalho, os pesquisadores da
UNESCO (<http://www.unesco.org>) relatam que os programas educativos desses países
mais avançados visam a instruir e qualificar indivíduos, preparando-os para viver sob a
dinâmica e os imperativos da economia moderna. Minimizam-se dessa forma, o risco de
exclusão e da divisão da sociedade. Os países em desenvolvimento, além de terem prioridades
voltadas para a difusão de conhecimentos e de habilidades técnicas, precisam adotar
programas educacionais para o desenvolvimento de atitudes e comportamentos dos
indivíduos, favorecendo a confiança em si e o espírito de iniciativa, preparando-os para
atividades independentes.
6.4 Os desafios da nação
Embora governo e sociedade venham somando esforços para melhorar a educação neste país,
o Brasil figurou no 71º lugar no ranking do relatório global Educação para Todos (versão
2006), onde a UNESCO acompanha as metas de educação traçadas no ano 2000, envolvendo
123 países. O ranking é baseado no IDE
76
, uma fórmula que soma dados de alfabetização,
matrícula na escola primária, qualidade na educação e paridade de gênero na escola.
A maior parte das crianças brasileiras está na escola, mas o país ainda não conseguiu superar a
falta de qualidade na educação e as dificuldades para a alfabetização de adultos. A UNESCO
contabilizou um total de 771 milhões de analfabetos no mundo. Embora haja metas para
erradicar o analfabetismo no Brasil até o ano de 2015, o país figurou no 9º lugar no ranking
mundial de países com maior número de analfabetos e contabilizou cerca de 17,3 milhões de
pessoas iletradas no ano de 1990, minimizando estes números para cerca de 14,8 milhões para
o ano de 2004. Nessas ocasiões, o primeiro lugar foi ocupado pela Índia, seguida pela China,
Bangladesh, Paquistão, Nigéria, Etiópia, Indonésia e Egito.
6.5 Os movimentos de mobilização para a transformação social
Em contínuo processo de formação, as sociedades se mobilizam para construir novas
mentalidades que aprimorem as relações de convívio social. Isso inclui aos indivíduos a
capacidade de se perceberem como agentes criadores da ordem social, e por isso, se sentem
76
IDE - Índice de Desenvolvimento da Educação
144
responsáveis e capazes de modificar e transformar o contexto em que vivem. Para estarem
aptos a lidar com a diversidade, Toro (1997:16) apresenta aos indivíduos sete aprendizagens
básicas para a convivência social:
1. Aprender a não agredir o semelhante: fundamento de todo modelo de convivência
social;
2. Aprender a comunicar-se: base da auto-afirmação pessoal ou do grupo;
3. Aprender a interagir: base dos modelos de relação social;
4. Aprender a decidir em grupo: base da política e da economia;
5. Aprender a cuidar de si: base dos modelos de saúde e seguridade social;
6. Aprender a cuidar do entorno: fundamento da sobrevivência;
7. Aprender a valorizar o saber social: base da evolução social e cultural.
A transformação social se dá pelo aperfeiçoamento das práticas no contexto social, resultando
em melhoria na qualidade de vida das pessoas. As mudanças na sociedade são potencializadas
no primeiro, segundo e terceiro setores.
Em levantamentos iniciais a partir de práticas percebidas em ambientes produtivos nos
remetem ao fato que as Organizações do Terceiro Setor já nascem com o espírito de
solidariedade e cooperação em seus fundamentos. Estes, associados às respectivas missões,
objetivos e resultados, levam à busca da melhoria contínua, observada a partir de incrementos
da qualidade de produtos e processos e na satisfação das pessoas.
Intrinsecamente considerem-se a presença de práticas educativas e a presença do senso, bases
para a construção do caráter produtivo e da consolidação da transformação social através da
mobilização coletiva.
As mobilizações sociais não devem ser confundidas com campanhas, eventos ou
manifestações públicas. Para Toro (1997:11), mobilizar é convocar vontades para atuar na
busca de um propósito comum, sob uma interpretação e um sentido também compartilhados.
A origem dos movimentos sociais no Brasil pode ser assim reportada (CABRAL,
<http://www.ajudabrasil.org>):
Os Movimentos Sociais (MS) nascem nos anos 60 e ganham visibilidade no Brasil durante o período da
ditadura, na década de 70, com a sociedade civil se colocando contra um Estado autoritário e sob forte
regime militar. Uma relação pautada pela tensão e conflito na oposição ao Estado. Inicialmente, marcados
145
por um forte movimento popular e pelas reivindicações dos trabalhadores, os MS se posicionam com
ambivalência: ora na luta por interesses contra as diversas formas de opressão e pela melhoria da
qualidade de vida (lutas nos espaços de cidadania) ora na luta por interesses contrários e de oposição ao
Estado (lutas no espaço de produção do trabalhador). No final dos anos 70, sob a égide do pensamento
marxista, os sindicatos são os grandes protagonistas na defesa dos direitos da classe trabalhadora,
juntamente com um movimento popular reivindicatório de direitos travado pela luta das associações de
bairro e do movimento pela terra dos trabalhadores rurais e favelados.
Existem diversos movimentos que são voltados ao desenvolvimento do ser humano,
incentivando o aperfeiçoamento do seu potencial e propiciando a transformação social em
larga escala: ONG, OBC – Organizações de Base Comunitária – nesta citam-se como
exemplos a Pastoral da Criança, escotismo, CEB – Comunidades Eclesiais de Base, CCQ,
entre outros.
O cooperativismo, que tem como fundamento a economia solidária, não é abordado nesta
pesquisa, pois como um modo de produção e distribuição alternativo ao capitalismo, aborda
principalmente a posse coletiva dos meios de produção.
A expressão ONG – Organização Não-Governamental foi usada pela primeira vez após a
Segunda Guerra Mundial, como verificado no sítio da ABONG (<http://www.abong.org.br>):
Em âmbito mundial, a expressão surgiu pela primeira vez na Organização das Nações Unidas (ONU) após
a Segunda Guerra Mundial, com o uso da denominação em inglês “Non-Governmental Organizations
(NGOs)” para designar organizações supranacionais e internacionais que não foram estabelecidas por
acordos governamentais. No Brasil, a expressão era habitualmente relacionada a um universo de
organizações que surgiu, em grande parte, nas décadas de 70 e 80, apoiando movimentos sociais e
organizações populares e de base comunitária, com objetivos de promoção da cidadania, defesa de direitos
e luta pela democracia política e social. As primeiras ONGs nasceram em sintonia com as finalidades e
dinâmicas dos movimentos sociais, pela atuação política de proteção aos direitos sociais e fortalecimento
da sociedade civil, com ênfase nos trabalhos de educação popular e na atuação na elaboração e
monitoramento de políticas públicas.
Cabral relata como o termo ONG foi usado pela primeira vez no Brasil (CABRAL,
<http://www.ajudabrasil.org>):
O termo ONG foi usado pela primeira vez no Brasil em 1986, em documento da ONU, referindo-se ao
desenvolvimento de comunidades. Essa proposta refletia uma visão de filantropia própria da sociedade
americana. As ONGs surgem no espaço de luta dos MSs, atuando como mediadoras de órgãos
internacionais no Brasil. Desde a sua origem mantêm uma relação de cooperação com agências
internacionais, como interlocutoras ativas na criação e fomento das ONGs brasileiras. A influência norte-
americana dá-se desde o uso do termo, até o planejamento estratégico da área de atuação, com apoio
financeiro e técnico, e ainda na manutenção dos exilados fora do país durante o período de ditadura e
perseguição política.
146
O processo de institucionalização das ONGs nos anos 80, onde os movimentos sociais tinham
foco no desenvolvimento comunitário para o enfrentamento da pobreza, dá lugar à idéia de
desenvolvimento social, com um debate que busca a atuação mais ampla através da ênfase no
conceito de cidadania.
As OBCs têm uma representante expressiva no cenário nacional: a Pastoral da Criança. As
informações relativas a essa organização foram extraídas de seu sítio específico
(<http://www.pastoraldacrianca.org.br>).
A Pastoral da Criança, organismo de ação social da CNBB – Conferência Nacional dos
Bispos do Brasil é uma organização comunitária de atuação nacional que tem seu trabalho
baseado na solidariedade humana e na partilha do saber. Tem a força de uma rede de
solidariedade humana de 240 mil voluntários, acompanhando mensalmente mais de 1.815.000
crianças no Brasil. Trata-se de uma das maiores organizações da sociedade civil de base
comunitária do mundo, com voluntários capacitados e sistema de informação para avaliação e
monitoramento. Os resultados comprovam sua eficiência e geram reconhecimento mundial,
inclusive da ONU. A entidade tem sido considerada como uma das mais importantes
organizações de todo o mundo a trabalhar com saúde, nutrição e educação da criança do
ventre materno aos seis anos de vida. Seu foco de atuação são as famílias e comunidades. Sua
dinâmica consiste em treinar líderes comunitárias que moram na própria comunidade para a
mobilização das famílias em atividades de combate à mortalidade infantil e de melhoria da
qualidade de vida familiar. O trabalho do líder consiste em acompanhar gestantes e crianças
carentes até seis anos de idade, ensinando as mães e demais familiares ações básicas de saúde,
nutrição e educação, envolvendo especialmente a vigilância nutricional e o desenvolvimento
integral da criança, além de outros cuidados. A Pastoral da Criança desenvolve uma ação
direta com as famílias, sem depender de estrutura local. Cada uma de suas milhares de líderes
visita cerca de 20 casas vizinhas, a quem dá apoio e acompanhamento constante.
A Pastoral da Criança tem como missão “evangelizar”. Tem como objetivo principal o
desenvolvimento integral das crianças, promovendo, em função delas, também suas famílias e
comunidades, sem distinção de raça, cor, profissão, nacionalidade, sexo, credo religioso ou
político, através dos seguintes programas, entre outros que sirvam a suas finalidades
(<http://www.pastoraldacrianca.org.br>):
147
1) Sobrevivência e desenvolvimento integral da criança, através de ações básicas de
saúde, nutrição, educação e comunicação, sobretudo nos bolsões de miséria;
2) Formação humana e cristã das famílias e líderes comunitários, agentes voluntários
da Pastoral da Criança, e apoio especial às pessoas da terceira idade que participam
de suas atividades;
3) Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente; redução da violência familiar e
comunitária;
4) Geração de Renda, para auto-sustentação das famílias acompanhadas, ajuda mútua
entre elas, capacitação da mulher em economia doméstica e nos cuidados com a
criança, com a família e consigo mesma;
5) Alfabetização de jovens e adultos que participam da Pastoral da Criança;
6) Documentação e informação sobre a situação da criança e da família no Brasil;
7) Pesquisa nas áreas de referência programática.
A mortalidade de menores de um ano nas comunidades em que a Pastoral da Criança atua é
60% menor do que a média nacional, que engloba crianças ricas e pobres. Este resultado é
ainda mais significativo quando se observa que a Pastoral tem sua ação concentrada em
bolsões de pobreza e miséria, onde esse índice costuma chegar ao dobro da média nacional.
Dados como este, mostram que, de maneira sistemática e organizada e desenvolvendo a
solidariedade humana, as comunidades são capazes de tornarem-se agentes de sua própria
transformação. É desta maneira que se consegue reduzir a desnutrição e a mortalidade
materno-infantil e educar as famílias, mais especialmente a mulher, como agente de
transformação social. Valores culturais, humanos e cristãos são promovidos no meio familiar
e comunitário, tais como a solidariedade, a fraternidade e o respeito pelo outro. Outros
resultados que merecem destaque são a redução da violência e da marginalidade e o retorno
das famílias atendidas a valores éticos, que estimulam a preservação do que existe de melhor
na vida em comunidade. Assim, pode-se afirmar, com segurança, que atualmente o problema
da violência no ambiente familiar, que afeta a milhares de crianças por ano em todo Brasil, é
muito reduzido nas famílias acompanhadas pela Pastoral da Criança. Esta é uma maneira
eficaz de prevenir, na família, o abandono das crianças, que vão às ruas em busca da
sobrevivência, fugindo do ambiente familiar hostil.
Em entrevista ao sítio Portal do Voluntário (<http://www.portaldovoluntario.org.br>)
Rogério Arns Neumann definiu o segredo do sucesso da Pastoral da Criança:
148
Em 1989 aconteceu em Seul, na Coréia do Sul, a 5ª Conferência Internacional INPF - International
Nutrition Planners Forum, onde foram analisadas seis experiências de sucesso vindas de diversos países,
dentre as quais a Pastoral da Criança. Ao final do Fórum, chegou-se à conclusão que 7 elementos são
fundamentais para o sucesso de iniciativas em saúde e nutrição comunitária. São eles: política bem
definida e fidelidade a ela, sistema de capacitação e materiais educativos, indicadores de avaliação
(processo e impacto), participação comunitária como principal instrumento, baixo custo, capacidade de
multiplicação em larga escala, capacidade de articulação inter-institucional e com diferentes níveis. A
Pastoral da Criança, desde seus primeiros anos de trabalho, vem sendo norteada por estes elementos.
Em acesso ao sítio da UEB – União dos Escoteiros do Brasil <http://www.escoteiros.org.br>,
foram encontradas informações básicas sobre o movimento, principalmente sobre seus
princípios e propósitos. Tido como um movimento de grande poder de transformação social, o
escotismo é basicamente composto por jovens e é voltado para a educação não formal.
Segundo a UEB o propósito do Movimento Escoteiro é contribuir para que os jovens
assumam seu próprio desenvolvimento, especialmente do caráter, ajudando-os a realizar suas
plenas potencialidades físicas, intelectuais, sociais, afetivas e espirituais, como cidadãos
responsáveis, participantes e úteis em suas comunidades, conforme definido pelo seu projeto
educativo. A prática do escotismo estimula a necessidade de explorar, descobrir e querer
saber, fazendo os escoteiros descobrirem o mundo que está além da sala de aula e
aprenderem, entre diversas outras habilidades, a ouvir os outros para aprender e passar seu
conhecimento ao próximo. O escotismo prepara cidadãos responsáveis e participativos através
da educação pela vida.
A prática do escotismo é composta por diversos temas: respeito à diversidade cultural e social,
economia, atividades ao ar livre, espírito comunitário, jogos, preservação ecológica, esportes,
civismo, excursões culturais, temas da atualidade e valores pessoais como honestidade,
responsabilidade e igualdade, entre outros.
O escotismo tem como missão contribuir para a educação dos jovens, por meio de um sistema
de valores baseado na Promessa e na Lei Escoteiras, para ajudar a construir um mundo melhor
onde as pessoas se realizem como indivíduos e desempenhem um papel construtivo na
sociedade.
Objetivam contribuir para que os jovens assumam seu próprio desenvolvimento,
especialmente do caráter, ajudando-os a realizar suas plenas potencialidades físicas,
intelectuais, sociais, afetivas e espirituais, como cidadãos responsáveis, participantes e úteis
em suas comunidades, conforme definido pelo seu projeto educativo.
149
De acordo com a UEB (<http://www.escoteiros.org.br>), existem no Brasil 57.271 escoteiros,
dados relativos ao ano de 2005.
Em nível global, o escotismo apresenta os seguintes números
(<http://www.escotismo.com.br>):
Existem no mundo mais de 25 milhões de Escoteiros, jovens e adultos, homens e mulheres, em 216 países
e territórios. Em 149 países a Organização Escoteira Nacional é internacionalmente reconhecida pela
Organização Mundial do Movimento Escoteiro (WOSM). O Escotismo existe também em 26 Territórios
principais (que têm ligação ou pertencem a outros países). Existem 37 países onde o Escotismo existe,
estando ainda em fase embrionária ou em expansão, mas não possuem ainda uma Organização Escoteira
Nacional associada à WOSM.
As CEBs (Comunidades Eclesiais de Base) são organizações ligadas à Igreja Católica. Uma
conceituação panorâmica pode ser assim definida (<http://www.portalbrasil.net>):
As CEBs são grupos formados por leigos que se multiplicam pelo país após a década de 60, sob a
influência da Teologia da Libertação. Curiosamente, foram idealizadas pelo cardeal-arcebispo do Rio de
Janeiro, dom Eugênio Sales, integrante da corrente católica mais conservadora. Com o decorrer do tempo,
as CEBs vinculam o compromisso cristão à luta por justiça social e participam ativamente da vida política
do país, associadas a movimentos de reivindicação social e a partidos políticos de esquerda. Um dos
principais teóricos do movimento é o ex-frade brasileiro Leonardo Boff. Apesar do declínio que
experimentam nos anos 90, continuam em atividade milhares de núcleos em todo o país. Em 2000, de
acordo com pesquisa do Instituto de Estudos da Religião (Iser), do Rio de Janeiro, existem cerca de 70 mil
núcleos de Comunidades Eclesiásticas de Base no Brasil.
Uma definição do termo Comunidade Eclesial de Base foi assim definida
(JÚNIOR:<http://www.semanasocialbrasileira.org.br>):
COMUNIDADE – As CEBs não são apenas punhados de gente ou aglomerados de pessoas. São
comunidades. Nelas, todos os seus membros são importantes. Todos participam. Aqui não vale o “cada
um por si”. A regra é “um por todos e todos por um” O que faz a comunidade é a vida em comum. Nela, a
gente está unido uns aos outros. Os outros fazem parte da minha vida e eu faço parte da vida dos outros. O
que acontece com os outros, de algum modo, acontece comigo. A comunidade ajuda a gente a enfrentar e
a romper com o egoísmo, a pensar nos outros e a viver para os outros. Ninguém é feliz sozinho. A
felicidade só é possível na convivência, na solidariedade, na comunhão fraterna.
ECLESIAL – É o Espírito de Jesus Cristo que reúne as pessoas e forma a comunidade. As CEBs são
comunidades eclesiais. São Igreja de Jesus Cristo, seu corpo vivo e operante na história. E enquanto Igreja
de Jesus Cristo vive como ele viveu: encarnada no mundo dos pobres, encarregada (de cuidar) da vida dos
pobres, carregando sua cruz (conflito, perseguição, morte) e, assim, participando da vida e da condição
divinas – sendo “Corpo de Cristo”. Numa palavra, as CEBs são comunidades de seguidores e seguidoras
de Jesus Cristo. É o seguimento que faz a comunidade eclesial. Nela, Jesus Cristo continua presente e
atuante no mundo. BASE – As CEBs são a Igreja da base. Base, aqui, significa duas coisas: 1. o chão, o
alicerce, a “célula inicial”, o “primeiro e fundamental núcleo eclesial” (Medellín 15, 10); 2. a “igreja dos
pobres” (João XXIII), a “expressão do amor preferencial da Igreja pelo povo simples” (Puebla 643). A
Igreja da base é, portanto, constituída por pequenas comunidades de pobres e de pessoas solidárias aos
pobres que estão a serviço dos pobres. Nas palavras do teólogo Clodovis Boff, “à irrenunciável ‘opção
150
preferencial pelos pobres’ em nível de sociedade corresponde a ‘opção preferencial pelas CEBs’ em nível
de constituição da Igreja”.
O CCQ - Círculo de Controle de Qualidade é um pequeno grupo de funcionários que
voluntariamente se une para conduzir atividades de controle de qualidade dentro da mesma
área de trabalho. Em seu portal eletrônico, a UBQ disponibiliza informações relativas ao
CCQ, conceituando da seguinte maneira (<http://www.ubq.org.br>):
São pequenos grupos de 5 a 10 componentes, de preferência voluntários, que atuam no mesmo setor de
trabalho ou setores afins e que se reúnem regularmente, pelo menos uma vez a cada 15 dias, com a
finalidade de aprender, discutir e praticar a Método de Análise e Solução de Problemas (MASP) e
Técnicas de Controle da Qualidade, no local de trabalho, em busca de habilitação de todos para a
realização de auto controle e tornar possível assumir a responsabilidade pela Qualidade do que cada um
produz ou realiza, ou seja o Controle Total da Qualidade.
O CCQ teve sua origem no Japão, no início dos anos 60, onde possibilitou resultados
surpreendentes, impulsionando a indústria japonesa e introduzindo sua ampla participação no
cenário mundial. No Brasil o movimento foi iniciado na década de 70, foi quase extinto na
década de 80 e retornou ao cenário organizacional nacional na década de 90.
Os objetivos do CCQ são relacionados pela UBQ (<http://www.ubq.org.br>):
Estas atividades têm como função, a multiplicação de conhecimentos e a criação de hábito de utilização
das ferramentas (técnicas) básicas de Controle da Qualidade e do Método de Análise e Solução de
Problemas (MASP), também conhecido por PDCA. Diferente do que muitos acreditam, os CCQ’s não são
grupos para resolução de problemas, portanto não têm compromisso com resultados, apenas utilizam os
problemas mais corriqueiros como uma espécie de “laboratório”, onde possam aplicar as técnicas para
aprendê-las, e desta forma, capacitar uma quantidade maior possível de pessoas para a aplicação de
diversas metodologias da qualidade e produtividade, tais como: CEP, CEDAC, TPM, EAV, FMEA, etc.,
ou atuarem em grupos específicos para a Solução de Problemas.
A dinâmica do CCQ permite converter benefícios para os circulistas, para a organização e
para a sociedade.
Os movimentos analisados têm em comum, ações individuais integradas visando ao
atendimento de interesses coletivos. Não é questionável a capacidade que as comunidades têm
de se mobilizarem por conta própria, caso haja esforços direcionados para este fim, mas o
projeto pode se tornar um meio para se conseguir recursos externos e não um esforço
planejado de um grupo de pessoas para alcançar um objetivo e modificar determinada
situação. Além disso, a necessidade de escrever projetos e administrar recursos marginaliza o
151
pobre, o analfabeto que não sabe escrever e nem possui conhecimentos próprios para
administrar, o que gera dependência e perda de dinamismo. Os militantes dos movimentos
sociais descobriram nas ONG uma forma possível de atuação passando da denúncia à prática,
da atuação escusa à ação conjunta e transparente. Portanto, há uma tendência a esvaziar a ação
política dos movimentos sociais em nome da valorização da ação cidadã, pois a cidadania
como é desenvolvida pelas ONG fortalece o Estado que está sendo gerido e construído dentro
desses princípios.
O processo de mobilização social inicia-se por indivíduos, grupos ou organizações. Como sua
produtividade é percebida por uma ótica social, Toro (1997:38) conceitua o que vem a ser um
produtor social:
... a pessoa ou instituição que tem a capacidade de criar condições econômicas, institucionais, técnicas e
profissionais para que um processo de mobilização ocorra. Uma Secretaria de Estado, uma instituição
pública ou uma entidade privada, uma pessoa ou um grupo podem ser produtores sociais. O Produtor
Social é responsável por viabilizar o movimento, por conduzir as negociações que vão lhe dar
legimitidade política e social.
O produtor social deve ser capaz de interpretar a realidade social, ser sensível e tolerante,
respeitar e acreditar na capacidade das pessoas, incentivando a liberação de energia e da
criatividade, despertando o espírito empreendedor e a mentalidade pro ativa, possibilitando
aos indivíduos o aprendizado que passa de uma ordem recebida para uma ordem produzida.
Conclui-se que as mobilizações se fazem com pessoas comuns, com diversas formas de
participação, os mesmos propósitos, objetivos e um projeto de comunicação eficaz. Para isso
é importante que hajam definições acertadas e criteriosas para o projeto social que se queira
criar e, antes de tudo a maturidade convertida em visão coletiva e compromisso com a
dignidade humana.
152
O importante é acreditar nas pessoas.
Dê a elas uma oportunidade de trabalho para você ver o que acontece!
O resto vem como conseqüência.
DONA NOEMI
7 ESTUDO DE CASO EM UMA ORGANIZAÇÃO DO
TERCEIRO SETOR
Antes de considerar o estudo de caso propriamente dito, relembrem-se alguns aspectos
relevantes desta dissertação. O autor propõe-se a integrar a Filosofia 5S com a Dinâmica
visando à contribuir para a formação do cidadão produtivo. Portanto, estão implícitos os
seguintes pressupostos básicos: 1) que a Filosofia 5S representa um síntese instrumental da
sabedoria prática encontrada na civilização humana em geral; 2) que a Dinâmica do
Conhecimento tem existência natural, mas que é conveniente explicitá-la numa forma
apropriada; 3) que a formação do cidadão produtivo é o resultado da formação dos sensos
apropriados que, em última análise, tem relação com hábitos e caráter. Foram apresentadas
evidências que, supõe-se, dão respaldo aos pressupostos adotados. Inclusive, verificou-se que
as diretrizes fundamentais dos ministérios de educação dos países com maiores IDHs estão
coerentes com essas hipóteses.
O estudo de caso a ser apresentado visa verificar se a Filosofia 5S e a Dinâmica do
Conhecimento são praticados naturalmente num ambiente em que a líder principal tem
excelente formação familiar e humanística, independente do seu conhecimento formal dos
conceitos relacionados aos dois métodos. Se for verdade, corrobora-se a hipótese de que esses
conceitos devem ser conduzidos de forma a fazer parte da educação como, aliás, pressupõe-se
ter ficado evidente nos capítulos anteriores, especialmente no capítulo 6. Quanto à Dinâmica
do Conhecimento, parte-se da hipótese de que é necessária uma maior necessidade de
explicitação do conceito, embora alguns dos seus aspectos sejam inerentes ao próprio conceito
de senso. Caminhando, pois, para a integração entre os dois conceitos, escolheu-se um caso
em que as hipóteses anteriores poderiam ser testadas.
O objeto de análise escolhido é uma Organização do Terceiro Setor chamada Salão do
Encontro, que tem como princípio fundamental transformar pessoas a partir do trabalho,
aperfeiçoando seus potenciais criativos.
153
Para o desenvolvimento do estudo de caso foram realizadas entrevistas direcionadas para o
conhecimento do ambiente produtivo, o que permitiu extrair grande número de fatos que
compõem e caracterizam tal ambiente. Nosso cenário de estudo abrange todas as oficinas
artesanais da instituição. Foram colhidos relatos de alguns indivíduos para ilustrar partes
desse estudo. As observações realizadas possibilitaram ao investigador questionar o que foi
visto em confronto com o que foi ouvido, por isso afirma-se a presença de elementos que, via
análise visual, corroboram uma realidade concreta. O acesso a publicações proporcionou uma
forma mais veraz para o estudo e fato importante é a constatação que os indivíduos da
instituição que foram entrevistados, perceberam o contato com a Filosofia 5S e a Dinâmica do
Conhecimento como altamente benéficos e necessários para a melhoria do processo
produtivo.
7.1 A instituição
Sediado em Betim, na porção central do estado de Minas Gerais, o SASFRA – Serviço
Assistencial Salão do Encontro, conhecido usualmente como “Salão do Encontro”, é
caracterizado como uma Organização do Terceiro Setor. Fundado em 1970 pela professora
Noemi Macedo Gontijo e pelo Frei Stanislau Bartold, o Salão do Encontro é uma instituição
de direito privado e fins filantrópicos com autonomia política e administrativa que promove o
homem e o cidadão.
Segundo Dona Noemi, é necessária a realização de três fatores para que as pessoas possam ser
felizes: a educação, o trabalho e a moradia. Ela enfatiza a importância da criação de
oportunidades para que os indivíduos mostrem, realizem e desenvolvam seus potenciais
dizendo (VIEIRA, 2002:37): “Todo mundo é capaz de fazer alguma coisa”.
O Salão do Encontro tem instrumentos para desenvolver a transformação nas pessoas.
Percebe-se que (VIEIRA, 2002:60): “A arte, o trabalho criativo, o despertar de dons
adormecidos tornam-se os elementos primordiais com que o Salão vai moldar caráter,
transformar pessoas e possibilitar uma vida digna aos abandonados”.
Consegue-se com isso proporcionar aos participantes noções de responsabilidade e sentimento
de solidariedade, fortalecendo-os na auto-estima e renovando a força da confiança.
154
A instituição possui como objetivos diretos:
1) Proteção à família, à infância, à maternidade, à adolescência e à velhice;
2) Amparo às crianças e adolescentes carentes;
3) Ações de habilitação e reabilitação de pessoas portadoras de deficiência;
4) Inserção ao mercado de trabalho;
5) Assistência educacional e de saúde;
6) Desenvolvimento da cultura.
Sob uma ótica mais profunda, percebe-se que o Salão do Encontro também conta com
objetivos intrinsecamente relacionados ao crescimento do ser humano (VIEIRA, 2002:90):
Distribuir conhecimento, desenvolver a percepção e a sensibilidade, estimular o raciocínio dedutivo e a
criatividade, ensinar a vencer o medo de errar e a exercer o sentido pleno de liberdade, a abrir
oportunidades de crescimento e a despertar sentimentos de solidariedade, respeito, amizade, enfim, educar
para a vida, formando cidadãos de caráter e espírito nobres: esses são os objetivos do Salão do Encontro.
No Salão do Encontro são desenvolvidos vários programas de atendimentos como:
1) Formação profissional (geração de trabalho e renda) através de oficinas artesanais com a
participação de jovens, idosos, portadores de necessidades especiais e de sofrimento mental,
composto por:
- Marcenaria (móveis rústicos);
- Marcenaria (brinquedos pedagógicos);
- Tear mineiro;
- Tear Kilim;
- Tear chileno;
- Tear de sisal (chão e parede);
- Estofamento;
- Cerâmica;
- Confecção de Flores e Arranjos;
- Confecção de Bonecos de Pano;
- Cestaria;
- Oficina de Circo;
155
- Oficina de Brolhas;
- Oficina de Jogos;
- Laboratório (tingimento de fios).
2) Programa educacional com atividades de alfabetização/letramento, reforço e
acompanhamento escolar, oficinas de iniciação artesanal como cerâmica, brinquedos
pedagógicos, bonecas de pano, tapeçaria de sisal, brolhas, técnicas circenses, biblioteca,
educação ambiental, pintura e reciclagem. Este programa, cujas atividades possuem durações
diferenciadas, é voltado para:
- Orientação para educadoras de creche (atendimento a crianças de zero a 03 anos);
- Orientação para educadoras de pré-escola (atendimento a crianças de 4 a 6 anos);
- Orientação para educadoras de escola complementar (atendimento a crianças de 7 a
14 anos);
- Orientação para educadoras de escola suplementar (atendimento a adolescentes de 14
a 18 anos).
3) Programa de atenção à saúde oferecendo almoço e lanche para todos os participantes da
instituição. É composto de:
- Tratamento correto vacas Jérsei;
- Criação de coelhos;
- Criação de cabras;
- Criação de minhocas (produção de húmus);
- Horta sem agrotóxicos (todos os tipos de verduras e legumes);
- Horta de plantas medicinais com laboratório e farmácia medicinal;
- Tratamento odontológico para crianças e adultos.
4) Programa de atenção à moradia com a conclusão de 54 casas para funcionários da
instituição edificadas em terreno próprio com praça de esportes e parque para as crianças.
O Salão do Encontro presta também assistência direta para pessoas que recorrem à entidade
em situação de vulnerabilidade oferecendo alimentação, auxílio-transporte, medicamentos,
roupas e encaminhamento.
156
A instituição recebeu a 19.800 visitantes no ano de 2002. Os atendimentos realizados no ano
de 2004 estão disponibilizados nos quadros abaixo (QUADROS 9 e 10):
Tipo de Atendimento Faixa Etária
Número de
Participantes
Creche 4 meses a 3 anos 44
Pré-escola 4 a 6 anos 450
Escola Complementar 7 a 14 anos 115
Escola Suplementar 14 a 16 anos 30
Educadores/Monitores - 37
Total... 676
QUADRO 9 – Programa educacional / atendimento mensal
Ano de referência: 2004
Fonte: Salão do Encontro
Tipo de Atendimento Faixa Etária
Número de
Participantes
Jovens e Adultos 16 a 59 anos 188
Idosos 60 a 80 anos 65
Portadores de Necessidades Especiais 16 a 60 anos 45
Total... 298
QUADRO 10 – Programa de Formação Profissional em Oficinas Artesanais
Ano de referência: 2004
Fonte: Salão do Encontro
Para o ano de 2004, a instituição contou com a presença de 12 recuperandos – dependentes
químicos no grupo de jovens e adultos do programa de formação profissional. Nesse mesmo
período constatou-se o atendimento particular diário de 15 a 20 pessoas, incluindo transporte,
alimentação e medicamentos.
7.2 O objeto de estudo: objetivos e métodos
Os locais de nosso objeto de estudo são as oficinas artesanais do Salão do Encontro,
compostas por pessoas de 16 a 62 anos de idade.
Foram utilizadas técnicas de entrevistas e de observação não-participante. O objeto de estudo
em si são as práticas realizadas no ambiente das oficinas.
O objetivo principal é comprovar a hipótese de que os colaboradores do Salão do Encontro
possuem o senso e os entronizam em suas atividades diárias, mesmo sem conheceram e
aplicarem formalmente os conceitos da Filosofia 5S. Busca-se também comprovar a
157
necessidade de uma ferramenta, um método que oriente o uso da criatividade e o
desenvolvimento do senso para o apoio à resolução de problemas na organização.
7.3 A atividade produtiva
Foram realizadas entrevistas com os gestores das áreas produtivas (oficinas artesanais) e
almoxarifado do Salão do Encontro de forma a detectar a presença do senso e associá-lo com
a realização do fluxo criativo para a realização das atividades fabris. As oficinas são: tear
chileno, tapeçaria de sisal, marcenaria, cerâmica, fábricas de bonecas, fábrica de flores e
cestaria. Podem-se observar os pontos básicos ressaltados pelos gestores de cada setor. As
sete unidades produtivas têm muitas características em comum que estão diretamente
associadas aos fundamentos da Filosofia 5S e da Dinâmica do Conhecimento. As
representações dos pontos comuns associados ao 5S (QUADRO 11) e dos pontos comuns
associados à Dinâmica do Conhecimento (QUADRO 12) foram construídas como a seguir:
Unid. Produtiva
Item Características da unidade produtiva
1 2 3 4 5 6 7
1.1
Local limpo, silencioso e organizado
1.2
Senso de cooperação e solidariedade
1.3
Alto nível de aproveitamento de sobras
1.4
Atividade produtiva como promotora da saúde
1.5
Oportunidade de demonstrar o potencial
criativo independentemente da idade e da
saúde mental
1.6 Aperfeiçoamento contínuo das práticas
1.7 Alto nível de disciplina
1.8 Atividade produtiva prazerosa
1.9 Ambiente produtivo é propício para a
formação do caráter
QUADRO 11 – Características comuns às áreas produtivas envolvendo a Filosofia 5S
Legenda: 1 - tear chileno
2 - tapeçaria sisal
3 - marcenaria
4 - cerâmica
5 - fábrica de bonecas
6 - fábrica de flores
7 - cestaria
158
Unid. Produtiva
Item Características da unidade produtiva
1 2 3 4 5 6 7
2.1
Incentivo à criação de conhecimento
2.2
Incentivo à transferência de conhecimento
2.3 Aperfeiçoamento contínuo das práticas
2.4 Grande valor às práticas de experimentação
2.5 Erro considerado como necessário ao
aprendizado (sem punições)
QUADRO 12 – Características comuns às áreas produtivas envolvendo a Dinâmica do Conhecimento
Legenda: 1 - tear chileno
2 - tapeçaria sisal
3 - marcenaria
4 - cerâmica
5 - fábrica de bonecas
6 - fábrica de flores
7 - cestaria
Alguns comentários adicionais foram inseridos para ilustrar alguns itens relacionados às
unidades produtivas como a seguir:
Unidade produtiva 1 - Tear Chileno
Composição da equipe - 13 pessoas
Comentários associados às características comuns:
- Item 1.2 (quando é necessário, o grupo se reúne para cooperarem com a realização
dos prazos de entrega previstos);
- Item 1.3 (não há desperdício de material, tudo é aproveitado no processo produtivo –
as sobras podem ir inclusive para outras unidades produtivas);
- Item 1.4 (auxilia o processo de recuperação e manutenção da saúde das pessoas e o
desenvolvimento psicológico e da capacidade motora de pessoas com deficiência,
além de apresentar melhorias nos relacionamentos interpessoais, inclusive em
ambiente familiar);
- Item 1.5 (os participantes com idades variadas e com algum tipo de deficiência física
ou mental, conseguem colocar o potencial criativo à mostra em peças que
apresentam qualidade e beleza);
- Item 1.6 (como o processo produtivo é altamente criativo, busca-se aperfeiçoamento
contínuo em relação à beleza do material acabado, nível de produtividade e bem-
estar pessoal);
159
- Item 1.8 (os participantes que trabalham por prazer - a grande maioria do grupo - são
mais criativos e produtivos do que aqueles que trabalham principalmente por
necessidade financeira);
- Item 2.1 (o apoio em relação às atividades desempenhadas é contínuo, sendo que às
pessoas em início de aprendizagem é disponibilizada uma pequena peça pronta
como amostra do grande trabalho a ser feito);
- Item 2.4 (as combinações de cores são livres, portanto isenta de erros);
Unidade produtiva 2: Tapeçaria sisal
Composição da equipe: 6 pessoas
Comentários associados às características comuns:
- Item 1.2 (o processo de cooperação é intensivo de forma a colaborar ativamente para
um ambiente de trabalho saudável);
- Item 1.3 (não há desperdício de material, pois as sobras são encaminhadas para
outras unidades);
- Item 2.1 (o gestor relatou que a vontade é altamente associada ao processo de
criatividade, o que favorece o contato do participante com as novas técnicas a serem
aprendidas);
- Item 2.4 (o gestor dá muito valor ao processo de experimentação, onde o
participante começa a colocar suas idéias em prática via atividade artesanal);
Unidade produtiva 3: Marcenaria
Composição da equipe: 40 pessoas
O objetivo principal da oficina é formar mão-de-obra especializada.
Comentários associados às características comuns:
- Item 1.4 (inibe que o participante se desvie em direção às drogas, álcool, violência e
ociosidade);
Para esta unidade produtiva, podem-se relacionar mais algumas características específicas:
- Os sensos de utilização e ordenação são bem desenvolvidos na área de estoque de
matéria-prima;
160
- O senso de limpeza é compartilhado por todos, toda a área é mantida limpa, com
limpeza realizada diariamente;
- Alguns participantes ainda se esquecem de usar os equipamentos de proteção, com
isso negligenciam a prática do senso de saúde;
- Os processos de escolha e separação de matéria-prima na área de estocagem são
individuais, realizados pelo participante que vai transformar a madeira, mas sujeitos
à avaliação do gestor, que fornece explicações ao participante caso haja alguma não
conformidade do material escolhido em relação ao que se deseja produzir;
- O processo de manufatura das peças é variado, sendo que não há preferências das
pessoas por um determinado tipo de peça. Tal variação evita a realização de tarefas
repetitivas e permite aos participantes ativarem o processo de criatividade;
- O gestor explica a preferência por trabalhar com jovens pelo fato de não possuírem
“vícios” trazidos de outras organizações;
- O gestor é receptivo a mudanças e melhorias contínuas em seu local de trabalho;
- O gestor conhece algumas práticas vigentes em organizações, mas o grupo
desconhece modelos, programas e ferramentas de níveis médio e complexo para a
realização de melhorias na unidade produtiva;
- O gestor trabalha com dinâmicas de grupo para ativar a valorização pessoal e a
atenção às normas de segurança, visando prevenir acidentes.
Unidade produtiva 4: Cerâmica
Composição da equipe: 13 pessoas
Comentários associados às características comuns:
- Item 1.5 (utilizam-se técnicas básicas para aprendizado, aliadas à criatividade e
habilidade manual);
- Item 1.3 (o desperdício de material é mínimo, uma vez que, se o material não sair
como desejado para determinado cliente, o mesmo fica disponível para atender a
outros gostos, de outros clientes).
- Item 2.1 (inspiração é relevante para a criação das obras);
Somam-se a estas, algumas características específicas da unidade produtiva cerâmica:
161
- Caso não haja muita inspiração, o participante cria uma peça do tipo padrão
(imagem de São Francisco, anjo, entre outros);
- O gestor acredita que o potencial humano pode ser desenvolvido em qualquer
indivíduo, desde que haja vontade de fazê-lo;
- O processo de produção é longo e sem pressa, portanto, não há pressão para a
conclusão e atendimento de prazos curtos;
- Somente uma pequena porção das peças é produzida sob encomenda, portanto,
relacionada a pedidos de clientes;
- Os participantes têm treinamentos com artesãos experientes, que o fazem de forma
voluntária;
Unidades produtivas 5,6 e 7: Fábricas de bonecas, flores e cestaria
Composição da equipe: grupo de 8 pessoas na fábrica de bonecas, 14 pessoas na fábrica de
flores e 5 pessoas na cestaria
Comentários associados às características comuns:
- Item 1.3 (o desperdício de material é mínimo, uma vez que, se o material não sair
como desejado para determinado cliente, o mesmo fica disponível para atender a
outros gostos, de outros clientes);
- Item 1.5 (utilizam-se técnicas básicas para aprendizado, aliadas a criatividade e
habilidade manual);
É mister ressaltar que, embora não seja considerada uma área de manufatura, o almoxarifado
também foi objeto de verificação, pois, além de ser um setor ligado diretamente às unidades
produtivas, possui práticas associadas aos conceitos básicos da Filosofia 5S e da Dinâmica do
Conhecimento. O contato com o responsável no local possibilitou a constatação de que ali há
a adoção de controles simplificados, com referências aos seguintes itens:
- Item 1.1 (a primeira idéia que se tem é que informalmente o responsável aplica os
conceitos da Filosofia 5S em toda a área de estocagem);
- Item 2.1 (a concepção de idéias parte principalmente da gestora - Dona Noemi, mas
o processo é compartilhado e aberto a sugestões. Para cada idéia colocada em
prática, é explicado o motivo de sua adoção);
162
Em entrevistas realizadas nos dias 26 de julho e 04 de agosto de 2005, Dona Noemi,
fundadora e dirigente do Salão do Encontro fez algumas afirmativas onde pôde-se observar
que:
1. Todo o trabalho realizado ali tem esforços direcionados à busca da beleza e da
qualidade;
2. Limpeza e silêncio são as duas riquezas presentes nos locais de trabalho da
instituição;
3. É primordial que haja prazer na realização da atividade produtiva, para isso o
participante busca exercer suas atividades onde se afinize;
4. O local de trabalho é local de alegria;
5. Todo indivíduo tem um potencial inerente que deve ser despertado, permitindo-o
fazer algo útil para a sociedade;
6. O desenvolvimento desse potencial é primordial para que haja melhoria contínua nos
processos produtivos;
7. A criatividade é fundamental para a execução das tarefas;
8. A transferência do conhecimento tácito entre os membros de uma equipe de trabalho
é fundamental para o desenvolvimento de todos;
9. Treinamento é fundamental para início e aperfeiçoamento das práticas;
10. A gestão deve ser compartilhada, onde os funcionários se sentem responsáveis
diretos pela perpetuação, pelo futuro da instituição;
11. Tudo deve ser feito com muito cuidado e atenção;
12. O ambiente para a realização das tarefas deve ser claro e ventilado;
13. Simplicidade é fundamental para a busca de soluções;
14. Um ambiente livre de intrigas é saudável e construtivo para os seres humanos;
15. As pessoas devem buscar resolução para seus problemas pessoais de forma a
propiciar ambiente pacífico e alegre;
16. As pessoas devem buscar a automotivação através do convívio com os outros, da
melhoria dos produtos e processos que realiza diariamente;
17. A melhoria consiste em um processo de educação “sem pressa”, visto por ela como
um processo de formação de longo prazo, onde uma criança com poucos anos de
idade vai se formando, tendo contato com práticas saudáveis no convívio com outros
participantes;
18. A qualidade da alimentação é essencial para a saúde das pessoas;
19. O ambiente é propício para o crescimento pessoal;
163
20. A cooperação existe ao invés da competição;
21. A nobreza de sentimento é grande facilitador para a construção do caráter e para o
relacionamento entre pessoas;
22. O participante tem consciência do que está fazendo, onde ele se vê como parte de
algo maior, trazendo responsabilidades para si;
23. Ter consciência da importância do seu trabalho dentro da cadeia produtiva, o
indivíduo que enrola os fios sabe que sem ele não há como finalizar um produto;
24. O participante tem respeito ao material e equipamentos utilizados, às pessoas e ao
ambiente em que realiza a atividade produtiva;
25. O participante adquire o senso e o leva para seu convívio familiar e para a sociedade
como um todo, fortalecendo seu compromisso com a cidadania e o meio ambiente;
26. Tudo deve ser realizado pensando no meio-ambiente e nas pessoas de forma a
humanizar o local de trabalho;
27. O foco principal é a solução e não o problema.
7.4 Conclusões
A primeira conclusão é formatada confirmando a hipótese de que os colaboradores dessa
instituição já possuem o senso e o entroniza em suas atividades diárias. A presença do senso é
localizada com nitidez nas posturas e atitudes dos gestores e demais participantes, lotados nas
oficinas artesanais. Embora tenha sido detectada a presença da Filosofia 5S – os sensos de
utilização, ordenação, saúde, limpeza e autodisciplina nas práticas usuais do ambiente
produtivo, puderam-se perceber que eles são aplicados sem um conhecimento formal.
Percebe-se que, como o senso já existe em nível intuitivo, permitindo aos indivíduos
realizarem-no através das atividades; os mesmos podem adquirir a cultura científica e assim
aperfeiçoar todos os processos verificados. O senso pode ser realizado a partir de vários níveis
de complexidade: baixa - o simples fazer; média, com a utilização de ferramentas simples,
como por exemplo, as sete ferramentas do controle da qualidade
77
e alta, com o uso de
ferramentas avançadas de controle. No caso do Salão do Encontro, percebe-se que o senso é
77
Segundo o sítio do INDG – Instituto de Desenvolvimento Gerencial, acessado em 01 de agosto de 2005, é o
conjunto de ferramentas criadas visando ao controle de processos, lidando principalmente com dados numéricos
e que resolvem muitos problemas que aparecem no início da da implantação do GQT. São úteis nas fases D e C
do Ciclo PDCA. São: - Gráfico de Pareto; - Diagrama de Causa e Efeito; - Estratificação; - Folha ou Lista de
Verificação; - Histograma; - Diagrama de Dispersão e Gráficos de Controle
164
aplicado a partir de um nível de baixa complexidade, pois é na própria atividade e sem
ferramentas adicionais que se consegue atingir o propósito desejado.
A segunda conclusão é definida confirmando também a presença da busca da melhoria
contínua através da cooperação e da criatividade, executando assim, o ciclo da Dinâmica do
Conhecimento.
A busca pela beleza através da cooperação e da criatividade assegura o cumprimento de uma
jornada prazerosa e facilitam a definição do roteiro a ser seguido. Embora eles não façam uso
de algo sistematizado para a solução de problemas, foi constatado grande esforço realizado na
busca da perfeição. A dinâmica da melhoria individual ali verificada reflete diretamente no
aperfeiçoamento do desempenho coletivo. O sentimento de igualdade faz os participantes
entenderem que ali tudo tem a mesma importância, a mesma dimensão, onde todo e qualquer
trabalho tem valor e todos merecem respeito. O senso de interdependência também é
ensinado, mostrando a relevância das diversas etapas do cultivo/plantio e manufatura de
determinado produto e das pessoas a ele relacionadas. Constata-se isso com a seguir
(VIEIRA, 2002:107):
... para que alguém possa existir perante o outro, é preciso que exista perante ele mesmo. Esse é o mais
difícil dos encontros. Esse é o encontro com a dignidade. Aceitar-se, perceber os limites da sua
competência, alimentar seus sonhos. Reconhecer o mundo imperfeito e sua imperfeição exige empenho,
pureza de intenções, caráter. No Salão do Encontro, sem imposições e preceitos, dogmas ou rigidez, as
pessoas acabam por se encontrar e chegar aos outros, no imenso caleidoscópio da vida. Essa visão faz
com que busquem aperfeiçoar o que acham que está errado no que espelham. Encontram as respostas que
buscam. E, quando encontram, fazem dos outros, seus semelhantes, parceiros, amigos.
O prazer com o qual se realizam o aprendizado e as tarefas dá mostras que ao aprendiz cabe
explorar sua criatividade e ao mestre, dar espaço para que isso aconteça de forma prática e
natural. Educar assim é formar o senso, fundamento para o desenvolvimento do
empreendedorismo, processos de gestão, ecologia e da produtividade. O senso, sendo
transmitido de forma espontânea, é base para que ocorram transformações sociais positivas e
consistentes.
A terceira conclusão é direcionada à formatação da proposta para a resolução de problemas.
Constatou-se que se deve seguir rumo a um claro e intrínseco caminho para a simplicidade, o
cerne das realizações. Isto foi relatado em uma entrevista realizada no Salão do Encontro,
onde Dona Noemi afirmou categoricamente: “O simples é o melhor”. E para comprovar tal
165
fato, ela sugere: “Olhem ao redor, em toda a área do Salão do Encontro. Vejam o resultado e
comprovem por vocês mesmos”.
Espera-se que o contato com a proposta resultante desse trabalho possibilite aos colaboradores
do Salão do Encontro obter uma nova visão, mais ordenada, integrada e sistematizada.
Chegou-se à quarta conclusão que permite dizer ser possível aos colaboradores conhecer a
essência do pensamento científico, transformando-os em pós-graduados na arte de solucionar
problemas e de implantar processos de melhorias contínuas, pois o aprendizado e a dinâmica
do fluxo são ilimitados, gerando benefícios para o ambiente produtivo. Deve-se ressaltar que
essa nova maneira de lidar com os problemas e as atitudes frente ao processo de
autodisciplina são também transportados para outros ambientes onde convivem,
principalmente para o interior de seus lares. A instituição pesquisada tem ambiente propício
para a disseminação do conhecimento, podendo impulsionar tais procedimentos em rede, uma
vez que compartilha com outras instituições e com a comunidade os mesmos ideais de
cidadania e de valorização do ser humano.
166
"Vivemos num mundo cheio de miséria
e ignorância. O dever evidente de cada
um de nós é tentar tornar o pequeno
canto em que vive em algo um pouco
menos miserável e menos atrasado do
que antes de sua chegada“.
ALDOUS HUXLEY
8 FINALIZAÇÃO
8.1 Revisitando os compromissos assumidos na pesquisa
O título desta dissertação é bastante significativo para ilustrar os compromissos assumidos:
“INTEGRAÇÃO ENTRE A FILOSOFIA 5S E A DINÂMICA DO CONHECIMENTO
PARA A FORMAÇÃO DO CIDADÃO PRODUTIVO: análise prospectiva da teoria e da
prática visando à formatação de uma proposta preliminar de ação”. O capítulo 1 detalhou
aspectos necessários ao esclarecimento formal e acadêmico da proposta. O capítulo 2
procurou demonstrar fatos e dados que justificam a necessidade de se promoverem mudanças
significativas na sociedade por meio da formação do cidadão produtivo. O capítulo 3 ofereceu
o arcabouço teórico e prático mais geral para se compreender o conceito de cidadão
produtivo. O capítulo 4 apresentou a filosofia e prática do 5S como uma formatação
instrumental bem sucedida para se preparar o ambiente adequado à formação e atuação do
cidadão produtivo. O capítulo 5 apresentou o arcabouço para se compreender que a Dinâmica
do Conhecimento foi instrumentalizada de forma prática, viável e apoiada nas idéias dos
principais atores envolvidos com a atividade centrada em conhecimento. O capítulo 6
demonstrou que a essência da educação pode ser expressa de várias maneiras, mas todas elas
estão intimamente ligadas à idéia de caráter / senso e visam, em última análise, à formação do
cidadão produtivo. O capítulo 7 demonstrou que a essência da Filosofia 5S e da Dinâmica do
Conhecimento está embutida na boa educação, de forma tácita.
A “proposta preliminar de ação” prometida pode, então, ser apresentada. Antes, entretanto, é
preciso integrar a Filosofia 5S e a Dinâmica do Conhecimento. Essa integração não pode ser
apresentada como fruto necessário da análise lógica formal das considerações feitas desde o
capítulo 1 ao capítulo 7. Assume-se, assim como Einstein, que a ligação é intuitiva, pode ser
aceita ou rejeitada, mas sua validade, se bem que possa manifestar-se como evidente para
muitas pessoas, só pode ser comprovada na prática. Ela representa apenas uma tentativa de
167
ordenar idéias que, em parte, já são praticadas. Em termos isolados, tanto a Filosofia 5S
quanto a Dinâmica do Conhecimento já são praticados por meio de formatações instrumentais
bem sucedidas.
Reforcem-se os argumentos para essa integração. Quanto às observações em relação às
atitudes dos indivíduos, Maslow (2003:9) constatou a seguinte necessidade: “Pelo que
observei em minha experiência, em qualquer situação há uma situação ética, um esforço para
unir a ciência com os objetivos éticos e humanísticos, na tentativa de aperfeiçoar o indivíduo
e a sociedade como um todo”.
Quanto à importância de se adquirem os sensos certos, Jack Welch, um dos mais típicos
representantes do capitalismo afirmou, referindo-se à influência de sua mãe (WELCH, 2001):
“Ela me deu as noções que me levaria ao topo: senso de realidade, competitividade e
autoconfiança”.
Por outro lado, quando se buscam as qualidades que seriam as mais importantes sob a
perspectiva comunista, Marx, seu principal articulador, teria afirmado, segundo Lefebvre, o
seguinte (LEFEBVRE, 1963):
“... Como trabalhador explorado e oprimido, o proletário necessita apenas de paciência e resignação.
Como indivíduo consciente de sua classe, logo, do papel histórico desta classe, necessita de coragem, de
senso das responsabilidades, de entusiasmo; precisa adquirir múltiplos conhecimentos e considerar, como
valores, a lucidez na ação e a inteligência das situações... Quando age na luta econômica e política, a
disciplina e o senso das responsabilidades transformam-se, aos seus olhos, forçosamente, em valores.
Assim, tem de adquiri-los; para ele, é uma questão de vida ou morte..”
Como foi visto, considere-se ainda que os japoneses formataram o 5S para fortalecer os
sensos/caráter/bons hábitos dos cidadãos produtivos. Taylor destacou a importância de se usar
o método científico na produção, idéia que hoje se dissemina pelo mundo na forma
instrumental do PDCA. Einstein afirmou como visto anteriormente, usar um método nas suas
descobertas. A General Electric deu uma formatação instrumental ao método de PDCA para
DMAIC (Define, Measure, Analyse, Improve, Control). Marx e Engels deram tanto
importância ao método científico que o formataram como “dialética materialista”, assumindo-
a como o método necessário para conduzir toda a sociedade. Enfim, as idéias de senso e de
Dinâmica do Conhecimento estão sempre presentes nos diversos momentos em que se pensa a
formação do cidadão produtivo. Verifica-se a seguir a tentativa de integrar os dois conceitos.
168
8.2 Uma proposta de integração da Filosofia 5S e a Dinâmica do
Conhecimento
Percebe-se que os dois conceitos representam as duas faces de uma mesma moeda. O homem
entra em atividade e, quando decide fazê-lo de forma racional, aplica intencionalmente a
Dinâmica do Conhecimento em alguma de suas versões instrumentais, seja com o nome de
método científico, PDCA ou, até mesmo, de forma tácita, como se viu no Salão do Encontro
(Capítulo 7). Se ele parte dos hábitos amplamente corroborados pela civilização, não há
necessidade de se fazer qualquer referência a métodos. Basta aprender e praticar, pois o
método já está embutido. Isso é válido para atividades que possam ser aprendidas por
imitação, bastando “Ver e Agir”. Embora muitas dessas atividades possam ser complexas,
considera-se, para os efeitos desta dissertação que, nesse nível mais elementar, sejam
consideradas somente aquelas a atividades passíveis de serem apreendidas e aprendidas mais
rapidamente sem a necessidade de explicitação de um método.
Quanto às atividades intermediárias, considerem-se aquelas que podem ser mais rapidamente
apreendidas e aprendidas se houver alguma explicitação do método ou que, já sendo
praticadas, podem ser mais bem compreendidas após essa explicitação. Considerem-se,
ainda, as atividades mais complexas que, para serem dominadas, necessitam de uma
explicitação mais detalhada embora, nos casos de educação formal de alto nível, possa-se
seguir um roteiro sem fazer menção a ele, como é o caso da formação de cientistas em
laboratório que aplicam o método tacitamente (WADDINGTON, 1979).
Assim, em conjunto, pode-se afirmar que a prática da Dinâmica do Conhecimento gera como
resultado, o refinamento dos sensos apropriados à situação, no caso os sensos de: utilização,
ordenação, limpeza, saúde e autodisciplina. Este refinamento leva ao desenvolvimento do
senso, à autorealização dos indivíduos. Maslow definiu a autorealização como a realização do
indivíduo em sua plenitude (MASLOW, 2003:1):
Um músico deve compor, um artista deve pintar, um poeta deve escrever, caso pretendam deixar seu
coração em paz. O que um homem pode ser, ele deve ser. A essa necessidade podemos dar o nome de
autorealização... Refere-se ao desejo do homem de autopreenchimento, isto é, à tendência que ele
apresenta de se tornar, em realidade, no que já é em potencial; tornar-se tudo aquilo de que uma pessoa é
capaz.
169
Como resultados externos esta integração propicia lucros, além de criar bases para o
desenvolvimento sustentável e para a transformação social. Por outro lado, com o domínio
dos sensos apropriados, pode-se praticar a Dinâmica do Conhecimento, com ou sem
explicitação em relação aos níveis de complexidade (baixa, média e alta). Segue abaixo a
representação gráfica do conceito integrado entre a Filosofia 5S e a Dinâmica do
Conhecimento (FIGURA 10).
FIGURA 10: Representação gráfica do conceito integrado - 5S e DC
8.3 Proposta de ação
8.3.1 Partindo-se de uma base bem-sucedida
A proposta de ação, uma vez que se aceite o modelo de integração apresentado, decorre dele
naturalmente. Em situações em que se manifestam problemas evidentes relativos aos cinco
sensos (utilização, ordenação, limpeza, saúde e autodisciplina), basta adotar as tecnologias de
mobilização já aprovadas. Veja-se, entre outras, a proposta de Silva (SILVA, 1996), também
apresentada na forma de Movimento Cultural 5S (
www.ubq.org.br). Por outro lado, sugere-
se que, a esta tecnologia de mobilização, acrescente-se um novo e mais abrangente significado
aos sensos.
8.3.2 Adaptando o conceito de Dinâmica do Conhecimento
A seguir propõe-se uma adaptação do modelo de Dinâmica do Conhecimento tendo em vista
melhorar a sua visualização, leitura e manuseio com objetividade. Teve-se em mente que o
170
mesmo possa ser compreendido inclusive por líderes de baixa escolaridade formal. A
expectativa é que a proposta possibilite aos indivíduos ativarem suas capacidades criativas
para a resolução efetiva de problemas, para a correção de falhas e de anomalias detectadas em
processos, produtos e serviços das organizações. Em seu aspecto geral, o modelo gráfico
(FIGURA 11) apresenta em seu núcleo duas figuras circulares que representam a
fundamentação do caráter produtivo dos indivíduos, constituído pelo senso, essência da
Filosofia 5S e pela “consciência crítica” defendida por Paulo Freire como elemento
imprescindível à construção da cidadania.
Nas extremidades do losango estão dispostos quatro campos relacionados ao modelo da
Dinâmica do Conhecimento, como a seguir:
1) Campo das Idéias (ideação);
2) Campo das Experiências (experimentação);
3) Campo dos Padrões (sistematização);
4) Campo das Ações Organizadas (operação).
FIGURA 11: Representação gráfica do modelo conceitual
8.4 Representação dinamizada da proposta
O modelo gráfico é representado em sua forma dinamizada conforme verificado na FIGURA
12. Todas as expressões da proposta se encontram na primeira pessoa do plural, levando à
conotação de trabalho compartilhado (em equipe).
171
FIGURA 12: Representação gráfica do modelo dinâmico
Começando pelo centro do esquema, deve-se considerar o uso do senso (FIGURA 13) em
todas as fases do fluxo, constatando a aplicação dos cinco sensos da Filosofia 5S: utilização,
ordenação, limpeza, saúde e autodisciplina. Conhecido pela prática, o senso é incorporado ao
hábito, induzindo à aceleração da formação do caráter produtivo.
FIGURA 13: Representação gráfica – senso
Após certificação da aplicabilidade do senso, foram adotados conceitos do pesquisador Paulo
Freire, que em sua obra “Educação e Mudança” enumera dez itens para incentivar a instalação
de uma consciência crítica em contexto de aprendizado, de transformação através de
processos educativos. Foram extraídos três conceitos principais que induzem as pessoas à
reflexão quando estão frente à resolução de algum problema:
172
- Sem preconceito: Ao se deparar com um fato, faz o possível para se livrar de
preconceitos, não somente na captação, mas também na análise e na resposta;
- Com diálogo: Ama o diálogo, nutre-se dele;
- O valor do velho e do novo: Face ao novo, não repele o velho por ser velho, nem
aceita o novo por ser novo, mas os aceita na medida em que são válidos.
Segundo Emiliani (1998:623) o diálogo é um caminho poderoso para compartilhar o
conhecimento, obter a aprovação dos outros, aprender, resolver problemas e criar valor. A
suspensão do ego, da emoção, da suposição e dos paradigmas no diálogo, permite que as
discussões venham à tona em uma exploração holística.
O ciclo da proposta é dividido em quatro fases distintas, como a seguir:
1. VAMOS PENSAR
Associada ao campo das idéias, a fase um é denominada “Vamos pensar”. Esta derivou-se da
conhecida Ideação (Dinâmica do Conhecimento). É aí o local apropriado para se realizar
observações, diagnósticos e buscar soluções, utilizando a intuição e o raciocínio, meios que
levam às práticas de imitação, inovação e aperfeiçoamento. Esta fase é também importante
oportunidade para que se realize a criação de conhecimento de forma consciente, permitindo
aos indivíduos exercitarem seus potenciais criativos e ilimitados. Marx dignifica esse
processo criativo, afirmando que há potencialidades adormecidas no homem que devem ser
realizadas, objetivadas pelo trabalho. Assim, por esta via, o trabalho seria entendido como a
diferença fundamental entre o homem e os animais (MARX, 2004:211):
Uma aranha executa operações semelhantes às de um tecelão, e a abelha supera mais de um arquiteto ao
construir sua colméia. Mas o que distingue o pior arquiteto da melhor abelha é que ele figura na mente
sua construção antes de transformá-la em realidade. No fim do processo do trabalho aparece um resultado
que já existia antes idealmente na imaginação do trabalhador.
Com isso fica evidente e de uma maneira prática e sensível a essencialidade do homem na
natureza, transformando-a e dando início a seus projetos através da formatação de idéias.
2. VAMOS TESTAR
Esta fase é derivada da Experimentação (Dinâmica do Conhecimento). Corresponde ao campo
das experiências do modelo conceitual e é o momento de se experimentarem as idéias
concebidas na fase anterior, realizar testes e simulações, enfim verificar se a solução
encontrada funciona na prática. Pode-se montar algum “piloto” ou “protótipo” até que se
173
ajuste totalmente, adequando-o à situação desejada. Durante a fase de testes, deve-se ficar
atento à aprovação dos testes que estão sendo submetidos. Nesse momento pergunta-se:
Testes tiveram resultados satisfatórios? Caso positivo passa-se adiante à fase três (Vamos
compartilhar o conhecimento). Caso negativo deve-se retornar à fase 1 (Vamos pensar).
3. VAMOS COMPARTILHAR O CONHECIMENTO
A fase três, identificada como “Vamos compartilhar o conhecimento”, é relacionada à fase de
Sistematização da Dinâmica do Conhecimento. No modelo conceitual é representada pelo
campo dos padrões e é local apropriado para padronizar e documentar o que foi testado e
aprovado. É aí local apropriado para realizar a transferência do conhecimento que foi criado
nas fases anteriores. Essa transferência pode ser caracterizada pela conversão dos tipos de
conhecimento pesquisadas por Nonaka e Takeuchi (Criação de Conhecimento na Empresa). A
padronização pode ser executada pela criação de documentos para que o conhecimento flua
consistentemente pela organização.
4. VAMOS FAZER
A fase quatro corresponde à fase de Operação da Dinâmica do Conhecimento. Em relação ao
modelo conceitual, associamo-la com o campo das ações organizadas. É expressada pelo
“Vamos fazer”, onde pode-se praticar, ou seja, colocar em funcionamento o que foi
idealizado, testado, aprovado e padronizado anteriormente. Enquanto esta fase é executada,
deve-se perguntar: Atingimos metas e resultados? Caso positivo deve-se manter as ações
organizadas, pois estão atendendo às expectativas de forma satisfatória. Caso negativo, deve-
se reiniciar o processo de busca de soluções, passando à fase um.
Para facilitar o entendimento, a proposta pode ser adequada graficamente para atender a
setores variados sem que haja alterações na seqüência do fluxo. Se tomarmos como exemplo
uma fábrica de móveis ou uma fazenda de criação de bovinos, a ilustração pode ser adaptada e
conter em cada fase uma figura associada ao processo de manufatura, manejo ou cuidado
correspondente.
174
8.5 Validação preliminar da proposta
O processo de validação da presente proposta foi realizado oportunamente por membros de
diversas organizações, em diferentes níveis hierárquicos e graus de escolaridade formal. As
sugestões pertinentes foram incorporadas a este documento.
No decorrer do mês de novembro do ano de 2005 a proposta foi levada à apreciação dos
alunos do curso de Engenharia de Produção da Universidade Federal de Minas Gerais
(UFMG), disciplinas Aprendizagem da Criatividade, Organização Industrial para Engenharia
e Introdução à Tecnologia da Qualidade. Teceram-se alguns comentários, críticas e sugestões,
que foram devidamente avaliados e oportunamente acatados.
A proposta foi apresentada para colaboradores de diferentes níveis organizacionais de uma
empresa do setor têxtil de um grupo multinacional. Estes julgaram-na necessária, oportuna e
objetiva, dizendo ser muito importante traçar metas e perseguir resultados durante a aplicação
do modelo proposto.
No final do mês de novembro do ano de 2005 um grupo de 50 pessoas do 34º batalhão da
Polícia Militar de Minas Gerais (PMMG) teve contato com a proposta, tecendo considerações
quanto à viabilidade, oportunidade e urgência para sua aplicação. Como sugestão, citou-se a
necessidade de que ela seja incorporada à grade curricular da Academia Militar (escola de
formação da PMMG), para que seja levada, gradativamente, a todos os componentes da
corporação. A visão que possuem dos mecanismos de controle sociais possibilitou a eles
sugerirem a implantação da proposta nas escolas em níveis fundamental e médio. A sugestão
inclui-se entre estudos futuros.
No início do mês de dezembro de 2005, a proposta foi apresentada para um grupo de vinte
colaboradores do Salão do Encontro – o objeto do estudo de caso desta dissertação -, sendo
estes integrantes de diversos níveis hierárquicos das unidades produtivas e da área
administrativa. A proposta foi considerada positiva e com potencial de ajudá-los na resolução
de problemas em suas respectivas áreas.
Em meados do mês de dezembro do ano de 2005 a UBQ também tomou ciência do
desenvolvimento da proposta, através de seu presidente. Este a endossou em princípio, porém
destacando a necessidade de que ela seja testada uma organização.
175
8.6 Limitações da proposta
Embora a proposta apresentada seja idealizada para atender aos indivíduos e acelerar a
transformação social em larga escala, é necessário que haja pelo menos uma pessoa para
acompanhar todas as fases do processo. Caso haja mais de uma pessoa lidando com a
proposta, é importante que uma delas esteja empenhada em alocar e organizar idéias,
soluções, processos e pessoas em torno do ciclo. É necessário que os participantes tenham um
mínimo de vontade de melhorar a si mesmo e ao ambiente, bem como o comprometimento
para se atingir as metas e resultados, avaliando-os nas escolhas permitidas da fase “Vamos
Fazer”.
O fato de ela não ser formatada num conceito operacional direto é uma vantagem e, ao mesmo
tempo uma limitação. Porém, se compreendida, ela permite adaptação livre a casos
particulares. A sua limitação, portanto, é uma de suas vantagens.
8.7 Conclusões e sugestões para estudos futuros
A combinação de processos que busque a excelência humana é preconizada por várias figuras
notáveis desde o início da nossa civilização. Autoridades, filósofos, educadores, cientistas,
religiosos, engenheiros, entre outros, defenderam essa busca por métodos variados. Adaptada
à realidade nacional, a proposta aqui apresentada é simplesmente o resultado de uma nova
forma de interpretar, de reformatar essa busca.
A proposta foi construída para representar de forma popular o pensamento científico. A
estruturação da forma de pensar aliada à aquisição do senso espelham o caminho do ser
humano rumo à sua evolução. A predominância dos espíritos solidário e empreendedor do
povo brasileiro, assim como sua formação cristã, podem ser fatores impulsionadores da
proposta.
Espera-se que esta formatação venha de encontro ao caráter de necessidade e de urgência da
sociedade brasileira, possibilitando às pessoas resolverem seus problemas individuais e
coletivos em ambiente sustentável. Uma proposta que transforme essas pessoas em cidadãos
conscientes, que dê a elas condições de aprimorarem suas capacidades produtivas, de
176
contribuírem ativamente para a construção e distribuição da riqueza, bem como da adição de
valor agregado aos produtos e serviços gerados nesta nação.
Estudos futuros poderão contemplar o acompanhamento da aplicação da proposta em variadas
organizações.
O contato com o senso leva os indivíduos a elevar seus níveis de compreensão em relação às
atividades exercidas. Novas visões permitem aprimorar as atitudes, elevando gradativamente
a noção necessária para a efetivação da dignidade humana. Isso possibilita a incorporação da
proposta aos processos educativos vigentes nas escolas brasileiras, uma vez que urge preparar
não somente futuros profissionais do mercado de trabalho, mas cidadãos conscientes dotados
de visão sistêmica e senso de solidariedade, os artífices para a construção de ambientes
colaborativos e sustentáveis.
177
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