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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
INSTITUTO DE LETRAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS
ÁREA: ESTUDOS DA LINGUAGEM
ESPECIALIDADE: LINGÜÍSTICA APLICADA
ESTRUTURAS DE PARTICIPAÇÃO E CONSTRUÇÃO
CONJUNTA DE CONHECIMENTO NA FALA-EM-
INTERAÇÃO DE SALA DE AULA DE LÍNGUA INGLESA EM
UMA ESCOLA PÚBLICA MUNICIPAL DE PORTO ALEGRE
LUCIANA ETCHEBEST DA CONCEIÇÃO
ORIENTADOR: PROF. DR. PEDRO DE MORAES GARCEZ
Dissertação de Mestrado em LINGÜÍSTICA
APLICADA, apresentada como requisito parcial
para a obtenção do título de Mestre pelo Programa
de Pós-Graduação em Letras da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul.
PORTO ALEGRE
2008
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2
AGRADECIMENTOS
Muitas pessoas estiveram presentes nessa jornada acadêmica e agradeço a todas, porém,
algumas são especiais e merecem um agradecimento especial:
Ao meu pai, Wilson, e a minha mãe, Sônia, meus maiores incentivadores, meus melhores
amigos, meus exemplos de vida;
Ao meu orientador, Pedro Garcez, agradeço pela acolhida, pela confiança depositada, pela
orientação segura e pela ajuda constante.
Aos educadores, especialmente a Clara, que abriram portas e janelas para esta pesquisa,
deixando-se ser vistos e gravados;
As professoras do Programa de Pós-Graduação em Letras da UFRGS, Margarete Schlatter,
Luciene Simões e Ana Stahl Zilles, pela competência, pelo carisma e pelo conhecimento que
tanto me inspiraram;
A professora Ana Cristina Ostermann, por ter aceitado fazer parte da banca, compartilhando
todo o seu conhecimento;
Ao Alexandre, querido colega e grande companheiro de pesquisa;
A Lia, por estar sempre disposta a conversar, a ajudar, a compartilhar desde o início da minha
jornada científica;
A Paloma, por toda a ajuda e por todo o carinho;
A Luanda, companheira de viagens da zona sul ao Campus, pelo entusiasmo e pela luta por
um mundo mais justo;
Aos queridos colegas da UFRGS, em especial, o Maurício, a Mariola, a Paola, a Jaqueline, a
Rosane, a Cristina, a Aninha, a Patrícia e o Marden, por todo o apoio;
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3
Aos estimados colegas do ISE, pelas discussões instigantes e pelos momentos de
aprendizagem que tanto me ajudaram;
As minhas amigas queridas, Cibele, Fabiana, Tatiane, Paula e Roberta, pelo incentivo
constante e pela amizade verdadeira;
A Enedir e a Zandra, pelo apoio e por acreditarem em mim;
A minha irmã, Caroline, por mostrar que o mundo é mais que o mestrado;
Ao pessoal da academia Mundo D’Água, responsáveis por manterem viva minha paixão pela
natação;
Ao Bebê, por sempre me receber com “as patinhas” abertas, literalmente;
Aos funcionários da PPG-UFRGS, pela presteza;
A CAPES, pelo auxílio financeiro.
4
RESUMO
Esta dissertação descreve e contrasta a organização de duas estruturas de participação
observadas na fala-em-interação de sala de aula de Língua Inglesa em duas turmas de uma
escola municipal de ensino fundamental de Porto Alegre com vistas a analisar e discutir a
natureza da construção conjunta de conhecimento que os participantes estão fazendo em cada
momento. Para isso, estabeleço uma relação entre as estruturas de participação encontradas
em duas atividades da aula de Inglês e a noção de construção conjunta de conhecimento
elaborada para este trabalho. A fundamentação teórico-metodológica desta pesquisa ancora-se
na Microetnografia Escolar, assim como na Análise da Conversa Etnometodológica e na
Sociolingüística Interacional. Para esta pesquisa foi realizado trabalho de campo que envolveu
observações em eventos de sala de aula em duas turmas do terceiro ano do terceiro ciclo,
durante o ano de 2006. Após o período de observações, foram gerados cerca de dez horas de
dados audiovisuais, que foram digitalizados, segmentados e transcritos. Também foi realizada
uma discussão aberta a respeito do tema com a professora de Inglês das turmas investigadas,
de forma que este trabalho toma contornos de uma pesquisa colaborativa. Durante as
observações, constatou-se que a aula de inglês apresentava dois tipos de atividades. Uma
atividade com foco na revisão de aspectos gramaticais de Língua Inglesa. Uma atividade com
foco na discussão de temas e conflitos da vida social contemporânea. Enquanto na revisão os
participantes produziam respostas para perguntas de informação conhecida, na discussão os
participantes expunham opiniões, construíam argumentos e defendiam pontos de vista. Por
meio da microanálise foi constatado que a organização da fala-em-interação tornou viável, por
um lado, a construção conjunta de conhecimento de natureza reprodutiva, e por outro, a
construção conjunta de conhecimento de natureza emergente.
Palavras-chave: fala-em-interação de sala de aula, estruturas de participação, construção
conjunta de conhecimento, pesquisa colaborativa.
5
ABSTRACT
This master thesis is aimed at describing and contrasting the organization of two participation
structures observed in classroom talk-in-interaction of two English classes of
an elementary
school in the public school system of Porto Alegre. The objective is to analyze and to discuss the
nature of joint knowledge construction that participants perform in two activities of English class.
Finally, the notion of joint knowledge construction and participation structures is established.
Based on the theoretical and methodological contributions of Microethnography,
Conversation Analysis and Interactional Sociolinguistics, fieldwork research including
participant observation and audiovisual recordings of two groups were done. In 2006, roughly
ten hours of audiovisual classroom interactions were recorded. Afterward, they were
digitalized, segmented and transcripted. In order to become a collaborative research, the
theme of this research was openly discussed with one of the participants, the English teacher,
which classes were recorded. It was observed that the English class presented two distinct
activities: one focused on review of English grammar and one focused on discussions of
contemporary social life conflicts. During the review, the participants produced answers to
known-information questions asked by the teacher. Otherwise, during the discussion, the
participants exposed opinions, created arguments and defended points of view. The
microanalysis revealed that the organization of the classroom talk-in-interaction enabled the
reproductive joint knowledge construction and emergent joint knowledge construction.
Key-words: classroom talk-in-interaction, participation structures, joint knowledge
construction, collaborative research.
6
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ..........................................................................................................09
1 AS MÚLTIPLAS FALAS-EM-INTERAÇÃO DE SALA DE AULA ................14
1.1 Fala-em-interação de sala de aula: do controle à aventura.....................................14
1.2 Estruturas de participação: algumas visões a respeito do tema..............................23
1.3 O que se entende por construção conjunta de conhecimento .................................28
1.3.1 Zona de Tensão: participação x conhecimento...................................................31
2 MICROETNOGRAFIA E A VISÃO ÊMICA: UM APARATO
TEÓRICO-METODOLÓGICO ...............................................................................36
2.1 Mais além do meu olhar: a centralidade da noção êmica ......................................36
2.2 A geração de dados.................................................................................................40
2.3 Métodos de análise de dados ..................................................................................48
2.4 Uma escola vivida e pesquisada: o cenário de pesquisa.........................................51
2.4.1 Apresentando os participantes ............................................................................56
2.5 A fase de pesquisa colaborativa..............................................................................58
2.6 As perguntas de pesquisa........................................................................................59
3 INVESTIGANDO AS DISTINTAS ESTRUTURAS DE PARTICIPAÇÃO
DA SALA DE AULA DE LÍNGUA ESTRANGEIRA............................................62
3.1 Conhecimento em pauta e participação dos estudantes: como se dá essa
relação na revisão de tópicos gramaticais de Inglês? ...................................................64
3.1.1 O encadeamento de seqüências IRA....................................................................64
3.1.2 A dificuldade com o inesperado ..........................................................................77
3.1.3 Uma tentativa de construção de autoria .............................................................80
3.2 Discussão de temas da vida social contemporânea ................................................93
3.2.1 O aluno como protagonista .................................................................................93
3.2.2 Aventura e improvisação.....................................................................................106
3.3 Estruturas de participação distintas em uma mesma aula: como fica a relação
com a construção conjunta de conhecimento? .............................................................112
4 LIDANDO COM O DESCONHECIDO: A FASE DE PESQUISA
COLABORATIVA.....................................................................................................119
7
4.1 Implicações da Pesquisa Colaborativa ...................................................................119
4.2 Problematizando as práticas pedagógicas...............................................................120
CONSIDERAÇÕES FINAIS: TODOS PODEM APRENDER .............................134
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .....................................................................145
ANEXOS .....................................................................................................................150
ANEXO 1 .....................................................................................................................151
ANEXO 2 .....................................................................................................................152
ANEXO 3 .....................................................................................................................153
ANEXO 4 .....................................................................................................................154
8
INDÍCE DE QUADROS, FIGURAS E SEGMENTOS
Quadro 1: Dados referentes às observações realizadas em 2006 na turma C31.........45
Quadro 2: Dados referentes às observações realizadas em 2006 na turma C32.........46
Quadro 3: Dados referentes às gravações realizadas em 2006 ...................................47
Quadro 4: Alunos das turmas C31 e C32 em 2006.....................................................57
Figura 1: Configuração da turma C31 no dia 20/11/2006...........................................65
Figura 2: Configuração da turma C31 no dia 27/11/2006...........................................78
Figura 3: Configuração da turma C32 no dia 20/11/2006...........................................81
Figura 4: Transcrição do diálogo elaborado por Clara................................................81
Figura 5: Configuração da turma C31/C32 no dia 02/12/2006...................................108
Segmento 1: “Peter is a student” .................................................................................16
Segmento 2: “Pensar com a cabeça” ...........................................................................24
Segmento 3: “Who are you”........................................................................................65
Segmento 4: “A resposta completa”............................................................................67
Segmento 5: “Maria is a nurse”...................................................................................74
Segmento 6: “Tradução de nomes” .............................................................................78
Segmento 7: “A girlfriend”..........................................................................................82
Segmento 8: “Como vai você” ....................................................................................91
Segmento 9: “Discussão de entrevistas”......................................................................94
Segmento 10: “Filhos ricos e pobres” ........................................................................109
Segmento 11 ................................................................................................................121
Segmento 12 ................................................................................................................125
Segmento 13 ................................................................................................................127
Segmento 14 ................................................................................................................128
Segmento 15 ................................................................................................................129
Segmento 16 ................................................................................................................131
Segmento 17 ................................................................................................................132
9
INTRODUÇÃO
Em 2003 eu tinha a missão de preparar o trabalho para o Salão de Iniciação Científica
da UFRGS. Na época era bolsista e estava no primeiro ano de vigência da bolsa que se
iniciara em março daquele ano. No período inicial, após leituras de textos clássicos da Análise
da Conversa, perspectiva teórico-metodológica adotada pelo grupo de pesquisa Interação
Social e Etnografia (ISE), além de literatura de fala-em-interação de sala de aula (na época
ainda chamada de discurso de sala de aula), caiu em minhas mãos o artigo que seria o “carro-
chefe” dos meus trabalhos como bolsista de iniciação científica. Em O’Connor e Michaels
(1996), a descrição de uma prática chamada revozeamento (revoicing), que é uma
seqüência voltada para a construção conjunta de conhecimento entre os interagentes,
conforme descrita na literatura, em que o professor reformula as contribuições dos estudantes
para que o aluno ou um colega as avalie, dando os créditos pela contribuição original a ele
(aluno). É uma prática rara e alternativa ao encadeamento de seqüências IRA (Iniciação
Reparo - Avaliação) que é comum na sala de aula tradicional, conforme vários trabalhos
mostram (SINCLAIR E COULTHARD, 1975; MEHAN, 1985).
O trabalho para o Salão de Iniciação Científica, em 2003 (CONCEIÇÃO E GARCEZ,
2003), foi uma tentativa inicial de investigar em uma sala de aula uma ocorrência de tal
prática alternativa e relacionar a sua ocorrência como um indicador, na fala-em-interação de
sala de aula, do projeto político-pedagógico de inclusão e aprendizagem para todos. De fato,
encontramos seqüências semelhantes ao revozeamento, mas sabíamos que havia a necessidade
de uma descrição mais detalhada, especialmente em nível seqüencial, para demonstrarmos a
relação da seqüência analisada e o exemplo de revozeamento apresentado em O’Connor e
Michaels (1996).
Como resultado desse trabalho, foi produzido um artigo para a revista Intercâmbio
(CONCEIÇÃO E GARCEZ, 2005). Um dos objetivos era relacionar a ocorrência que
10
tínhamos encontrado, semelhante ao revozeamento, como um indicador do projeto político-
pedagógico da escola investigada. Uma conclusão foi que os dados demonstravam
empiricamente a interação de sala de aula com prioridade para a construção conjunta de
conhecimento. No entanto, essa conclusão foi revista.
No ano seguinte, em 2004, o trabalho cresceu em proporções e complexidade, pois,
como foi dito anteriormente, faltava descrever seqüencialmente o revozeamento, isto é, quais
eram as práticas e ações desse movimento; somente assim seria possível a comparação mais
detalhada, que era o objetivo do trabalho daquele ano. Uma das perguntas de pesquisa do
projeto “Reparo, correção e intersubjetividade na organização interacional e institucional da
escola pública cidadã”
1
(GARCEZ, 2004) era se havia seqüências semelhantes ao
revozeamento nessa escola, pois ela tinha uma longa história de engajamento com a
comunidade e um projeto político-pedagógico construído coletivamente. Como o
revozeamento é uma prática democrática, alternativa à seqüência IRA, criou-se a expectativa
de encontrar seqüências afins, ou seja, com propósitos de construção de conhecimento e não
de reprodução (GARCEZ, 2006).
Nessa busca, encontramos uma seqüência bem semelhante ao revozeamento. Na
seqüência, Sílvia, professora de Português, depois de ler em voz alta para a turma do ano
do ciclo uma história de autoria de Ricardo Azevedo, pediu aos alunos que dessem as suas
opiniões a respeito da história, e que dissessem quem seria o personagem mais inteligente. O
objetivo desse trabalho de 2004 foi descrever seqüencialmente e demonstrar estruturalmente
as diferenças entre duas seqüências de sala de aula, atentando para as práticas de verificação
1
Integrante do Projeto Integrado de Pesquisa “A organização do reparo conversacional, intersubjetividade e
controle social”, que contou com o apoio do CNPq (processo 551226/2002-1).
11
de entendimento e reformulações que o professor fazia da fala dos alunos (CONCEIÇÃO E
GARCEZ, 2004). As principais diferenças entre as seqüências foram assim descritas:
2
Revozeamento
Professor Pergunta
Aluno Resposta
Professor Verificação de Entendimento por Reformulação
3
Aluno Resposta
Ocorrência encontrada
Professor Pergunta
Aluno 1 Resposta
Professor Reformulação + Pergunta
4
ou
Verificação de entendimento por Repetição
5
Aluno 2 Resposta
Uma das conclusões mais importantes da época foi com relação aos propósitos da
seqüência investigada. Em reunião de análise de dados, houve consenso de que a distinção das
práticas (reformulação e verificação de entendimento) indiciava propósitos pedagógicos
diferentes: enquanto o revozeamento parecia visar à construção conjunta de conhecimento, a
seqüência investigada privilegiava a construção de participação. Uma razão para essa
distinção foi o fato de não haver na seqüência investigada uma discussão de conteúdo
curricular. Assim, ficou posto, mesmo que indiretamente, que o nosso entendimento era de
que a construção conjunta de conhecimento estava diretamente relacionada com conteúdo
curricular. O projeto, portanto, foi concluído sem encontrarmos seqüências fortemente
voltadas para a construção conjunta de conhecimento, como o revozeamento. Porém, o fato de
ter encontrado uma seqüência semelhante com o revozeamento nos fez crer que o projeto
2
Salimen e Garcez (2004) também descreveram essas práticas.
3
O professor realoca o turno a um aluno específico; o aluno produtor do turno realocado pelo professor tem a
possibilidade de rejeitar a reformulação feita pelo professor.
4
O professor reelabora turnos de fala anteriores e inicia nova seqüência, sem alocar o turno a um interagente
específico, o que possibilita que qualquer interagente tome o turno.
5
O professor realoca o turno a um aluno específico, possibilitando ao aluno a oportunidade de expansão de seu
próprio turno.
12
político-pedagógico da escola estava sendo realizado coerentemente em sala de aula
(CONCEIÇÃO E GARCEZ, 2005).
Após um breve afastamento para me dedicar a docência de Língua Inglesa em um
curso livre, retornei para o grupo de pesquisa, ainda com a expectativa de encontrar e
descrever os métodos de construção conjunta de conhecimento nas salas de aula dessa escola.
Voltei ao campo em 2006 para a realização da pesquisa que envolve esta dissertação de
mestrado. O objetivo inicial era analisar as práticas pedagógicas dos professores dessa mesma
instituição, que em um turno diferente, e verificar se as ações que se davam na fala-em-
interação de sala de aula estavam oportunizando que o aluno se tornasse sujeito ativo no seu
processo de construção de conhecimento, conforme O’Connor e Michaels (1996),
possibilitando questionamentos, reflexões e discussões produtivas.
Durante o período de observações das aulas de Inglês pudemos notar uma diferença na
estrutura de participação em dois tipos específicos de atividade. Na revisão de tópicos
gramaticais da Língua Inglesa, a professora conduzia a interação por meio de encadeamentos
de seqüência IRA (Iniciação-Resposta-Avaliação), canônica de sala de aula convencional. Já
nas discussões de temas da vida social contemporânea, como mercado de trabalho e
sexualidade, a condução não se dava por meio da seqüência IRA, mas em uma organização
mais semelhante à de um debate.
Dessa forma, o objetivo geral deste trabalho é descrever e contrastar a organização de
duas estruturas de participação observadas na fala-em-interação de sala de aula de Língua
Inglesa em duas turmas de uma escola municipal de ensino fundamental de Porto Alegre com
vistas a analisar e discutir a natureza da construção conjunta de conhecimento que os
participantes estão fazendo em cada atividade. Para isso, estabeleço uma relação entre as
estruturas de participação encontradas nas duas atividades da aula de Inglês e a noção de
construção conjunta de conhecimento elaborada para este trabalho. Além disso, relato a
13
discussão aberta a respeito do tema que fiz com a professora de Inglês das turmas
investigadas, de modo que este trabalho toma contornos de uma pesquisa colaborativa.
A organização deste trabalho se dá em quatro capítulos. No primeiro capítulo discuto a
noção de fala-em-interação, norteadora deste trabalho. Parto de uma visão mais ampla de fala-
em-interação até me deter na fala-em-interação de sala de aula. Reviso algumas pesquisas
sobre estrutura de participação e finalmente apresento a noção de construção conjunta de
conhecimento para este trabalho, assim como uma breve discussão a respeito da tensão entre
participação e conhecimento. No segundo capítulo apresento o enfoque teórico-metodológico
desta pesquisa, discutindo os principais pontos da Microetnografia Escolar, orientação central
deste trabalho, enfatizando a importância de privilégio ao ponto de vista êmico. Aponto
detalhadamente os procedimentos de geração e análise de dados; apresento a história do
cenário de pesquisa e, por fim, as questões que nortearam esta pesquisa. No terceiro capítulo
faço a análise de dados de segmentos transcritos de fala-em-interação de sala de aula,
evidenciando as distinções entre as duas estruturas de participação encontradas e as
relacionando com a definição situada de construção conjunta de conhecimento. Na primeira
parte do capítulo analiso os dados referentes à revisão de picos gramaticais de Língua
Inglesa. Na segunda parte, analiso os dados referentes à discussão se volta para a discussão de
temas da vida social contemporânea. Na parte final do capítulo estabeleço uma relação entre
as estruturas de participação e a natureza da construção conjunta de conhecimento das
atividades. No quarto capítulo apresento os resultados da pesquisa colaborativa e mostro o
diálogo com uma participante, a professora de Inglês cujas aulas foram registradas e
analisadas. Por fim, nas considerações finais, encaminho as conclusões e respondo as
perguntas de pesquisa.
14
1 AS MÚLTIPLAS FALAS-EM-INTERAÇÃO DE SALA DE AULA
Neste capítulo, discuto os principais conceitos analíticos a respeito da organização da
fala-em-interação e de uma de suas modificações: a fala-em-interação de sala de aula. Logo
após, exponho as noções de estrutura de participação e de construção conjunta de
conhecimento conforme concebidas neste trabalho. Finalmente, examino a tensão entre
conhecimento e participação.
1.1 Fala-em-interação de sala de aula: do controle à aventura
A fala-em-interação
6
de sala de aula é uma das formas modificadas de conversa
cotidiana, o cenário básico e primordial a partir do qual todos os outros usos da linguagem se
organizam (CLARK, 2000). Por apresentar modificações profundas em termos
organizacionais, ocasionando a restrição de certas ações e a facilitação de outras, a fala-em-
interação de sala de aula é reconhecida como uma das formas institucionais de fala-em-
interação (SCHEGLOFF, 1987, p. 222), assim como entrevistas, falas de tribunal e sessões da
Câmara de Deputados, por exemplo.
Quando interagimos, executamos ações que acabam constituindo as nossas
experiências cotidianas, isto é, dependendo da forma como essas ações são integradas em
termos situacionais e seqüenciais podemos responder perguntas do tipo: por que se
reconhece tal atividade como “aula” e não como uma “consulta médica”? A resposta não está
no local em que a interação ocorre, uma escola ou um hospital, mas “no fazer conjunto das
pessoas a cada dado momento em que se encontram para fazer o que precisam e desejam
fazer” (GARCEZ, 2006, p. 67).
6
Este estudo compartilha a noção de fala-em-interação apresentada em Garcez (2006), “a fala-em-interação
inclui as atividades vocais e não-vocais constituintes da interação social humana e que engloba todas as formas
faladas de uso da linguagem em interação social, institucionais ou não, em co-presença ou não” (p. 66).
15
Alguns aspectos que caracterizam a fala-em-interação institucional são discutidos em
Drew e Heritage (1992):
1. A
interação institucional envolve uma orientação por parte de pelo menos
um dos interagentes para alguma meta, tarefa ou identidade fulcral (ou
conjunto delas) convencionalmente associada com a instituição em questão.
Em suma, a conversa institucional é normalmente informada por orientações
para metas, de caráter convencional relativamente restrito.
2. A
interação institucional pode amiúde envolver limites especiais e
particulares quanto àquilo que um ou ambos os participantes vão tratar
como contribuições admissíveis ao que está sendo tratado na ordem do dia.
3. A
interação institucional pode estar associada a arcabouços inferenciais e
procedimentos que são peculiares a contextos institucionais específicos (p.
22)
7
.
Portanto, a diferença entre a conversa cotidiana e a fala-em-interação institucional está
no fato de a conversa não exigir de seus participantes um conhecimento especializado, por ser
universalmente praticada, enquanto a fala-em-interação institucional requer certo aprendizado
de suas práticas.
Uma das diferenças entre uma interação em contexto institucional de sala de aula e a
conversa é verificada primordialmente nas modificações no sistema de tomada de turnos. Em
oposição ao que acontece em uma interação em contexto cotidiano, na fala-em-interação de
sala de aula existe um interagente (o professor) responsável por alocar os turnos de fala dos
demais (alunos). Será no momento da interação, ou seja, localmente, que se verá como uma
interação institucional de sala de aula se dará (CONCEIÇÃO E SALIMEN, no prelo).
A fala-em-interação de sala de aula apresenta diferenças observáveis em relação à
conversa cotidiana, sobretudo no uso freqüente de seqüências previsíveis (GARCEZ, 2006),
que se caracterizam da seguinte forma:
Professor – Iniciação
Aluno – Resposta
Professor – Avaliação
7
Tradução reproduzida de Garcez (2006, p. 67).
16
A seqüência conversacional IRA – iniciação, resposta e avaliação (SINCLAIR E
COULTHARD, 1975; MEHAN, 1985) é uma das seqüências mais recorrentes da fala-em-
interação de sala de aula. A organização dessa seqüência revela o seu uso para o fim de
circulação eficiente de informações e avaliação do estudante (MACBETH, 2004), pois o
professor faz uma pergunta, o aluno a responde, e o professor avalia, demonstrando que a
pergunta era de informação conhecida. A seqüência triádica IRA hierarquiza a relação entre
os interlocutores, pois, ao abrir a possibilidade de corrigir o aluno no turno de avaliação, se
estabelece uma relação assimétrica entre eles (GARCEZ, 2006).
Abaixo, temos um exemplo de seqüência IRA em um segmento pertencente aos dados
gerados para esta pesquisa:
Segmento 1 – “Nurse”
(C3120112006-H800:38:03-00:38:20)
01 Clara: I o quê que é nurse,
02 Henrique: °)
03 Beatriz: [ã::] >péra aí< sora ((folheia o caderno))
04 Clara: [hu::m?]
05 Beatriz: R [enf:- enfermeira]
06 Henrique: [acho que é (° °)]
07 Clara: A I::sso:
08 (.)
09 Clara: é enfermeira.
Nesse segmento temos a revisão gramatical de Língua Inglesa proposta por Clara em vista da
avaliação escrita que a turma faria na semana seguinte. Um pouco antes desse segmento, ela
havia pedido para a turma traduzir a frase Maria is a nurse. No entanto, ninguém fez a
tradução de nurse. Clara, então, perguntou o significado de nurse (
o quê que é nurse,
).
Henrique, sem qualquer pausa (l. 02), deu uma resposta, que, no entanto, era incompreensível.
Enquanto isso, Beatriz (l. 03) folheava o caderno procurando o significado da palavra. A
seguir, Clara, em sobreposição com Beatriz, iniciou reparo, sinalizando um problema de
entendimento ou de escuta relacionado com o que Henrique disse (l. 02). Beatriz e Henrique,
em sobreposição, produziram as respostas. Beatriz, mesmo indicando incerteza, respondeu
17
(
enf:- enfermeira
), Henrique, também mostrando dúvida, deu uma resposta, porém
inaudível. Clara, sem pausa, avaliou positivamente a resposta de Beatriz (
I::sso:
),
demonstrando que se tratava de uma pergunta de informação conhecida.
Esse conjunto de práticas caracterizado por pergunta – resposta – avaliação é definidor
da sala de aula convencional pelo fato de o participante que faz a pergunta ter uma resposta
em mente, demonstrando isso no momento em que avalia o participante questionado. Além
disso, uma interação de sala de aula organizada majoritariamente pela seqüência IRA
determina: 1) a “surdez” do professor, pois tendo uma resposta em mente, qualquer outra
resposta que não seja aquela perseguida pode ser recusada, mesmo que seja conveniente,
perspicaz ou surpreendente; 2) o controle social dos alunos, que “reforça a hierarquia entre os
participantes e apresenta a informação dada como verdade para todos os efeitos práticos, a
despeito de sua apreensão cognitiva, intelectual ou política.” (GARCEZ, 2006, p. 69); 3)
reprodução de conhecimento, pois quando um participante faz uma pergunta de informação
conhecida com o intuito de avaliar o conhecimento de outro participante, o trabalho
interacional e pedagógico em pauta se constrói como reprodução de um conhecimento
pronto (CONCEIÇÃO E GARCEZ, 2005), a ser repetido e tomado como correto e completo
para todos os efeitos práticos.
Segundo Cazden (2001), quando certo conjunto de atividades e práticas se torna
familiar e previsível, aulas encadeadas por seqüências IRA, por exemplo, a flexibilidade para
lidar com improvisações se minimiza, pois os participantes, familiarizados com uma certa
rotina, terão que aprender a lidar com novas formas de participações. Na seção 3.1.2, analiso
um segmento em que a fuga de um roteiro estabelecido até então ocasiona um momento
delicado enfrentado pela professora, que tem um dos seus argumentos questionado por um
aluno.
18
Apesar da discussão acima sobre as conseqüências da seqüência IRA, é preciso ficar
claro que não são as estruturas em si que determinam o que acontece em uma interação, mas o
uso local que os seus participantes fazem delas. A seqüência pode, por exemplo, se mostrar
eficiente na apresentação de informação nova justamente por ser econômica e não exigir do
aluno um engajamento maior, que o que se espera dele é uma resposta específica. Para
Mehan (1985, p.127):
A onipresença de perguntas de informação conhecida no discurso
educacional é uma função da distribuição social de conhecimento entre os
professores e alunos; os professores sabem coisas que os estudantes não
sabem. É também uma função do papel do professor; professores são
responsáveis por julgar a qualidade do desempenho dos estudantes8.
Mehan (1985), que caracteriza a seqüência IRA como dois pares adjacentes
9
acoplados, afirma que perguntas de informação conhecida e sua estrutura tripartida se
justificam pela responsabilidade atribuída aos professores em avaliar o nível de conhecimento
dos alunos.
Além da tríade IRA, seqüências interacionais de “conjuntos de tópicos relacionados”,
(TRS)
10
, são tratadas em Mehan (1985). Trata-se de uma combinação de seqüências básicas (a
proposta da atividade) e seqüências condicionais (algo que vai além da proposta da atividade,
mas que se relaciona com a atividade em si). Para o autor, essa seqüência mostra que a
interação professor-aluno não se restringe unicamente a elocuções adjacentes. Por ser uma
espécie de seqüência IRA estendida, as avaliações do professor não se dão após cada resposta
do aluno, mas ao final do conjunto de tópicos, prolongando a interação.
8
No original: The ubiquity of known-information questions in educational discourse is a function of the social
distribution of knowledge among teachers and students; teachers know things that students do not know. It is
also a function of the teacher’s role; teachers are responsible for judging the quality of students’ performance.
9
Por meio dos pares adjacentes pode se observar a seqüencialidade dos turnos de fala. Trata-se de ões que
ocorrem em pares: a primeira parte do par projeta ações específicas como resposta para a segunda parte do par.
Por exemplo, um convite projeta em resposta uma aceitação ou recusa, um pedido projeta uma aceitação ou uma
recusa, etc. (SACKS, SCHEGLOFF E JEFFERSON, 1974/2005).
10
Topically Related Sets
19
Em McHoul (1978), a premissa quanto à seqüência IRA é semelhante à de Mehan
(1985), pois McHoul afirma que os professores têm o direito e a obrigação de comentar a
suficiência da resposta – uma vez que ela foi produzida (p. 190). Segundo o autor, o professor
está no centro da atenção da aula por desenvolver o tópico, selecionar os participantes e os
avaliar. Para ele, os professores são os únicos a distribuírem os turnos criativamente e não
precisam se preocupar em ter seus turnos interrompidos (p. 192). O professor é visto como
alguém que precisa fazer todos os esforços para manter o controle sobre a turma e para a
prevalência da ordem. Assim, qualquer ameaça à ordem deve ser imediatamente eliminada. A
prioridade da interação, nesses termos, está na manutenção da ordem em sala de aula, como,
por exemplo, na utilização da técnica de levantar a mão, diminuindo a possibilidade de
sobreposição de vozes entre os alunos, ou o professor chamando a atenção do aluno,
nomeando-o, evitando que outros se auto-selecionem, diminuindo as chances de ocorrer a
perda do piso único.
A organização da fala-em-interação de sala de aula analisada por McHoul, em que não
auto-seleção por parte dos alunos, mas, apenas seleção feita pelo professor, diminuindo
sensivelmente a possibilidade de sobreposição de fala, dificilmente será observada de modo
consistente na grande maioria das salas de aula da atualidade (RAMPTON, 2006; GARCEZ E
MELO, 2007). Conforme Markee e Kasper (2004), a fala-em-interação de sala de aula é
organizada por “nexos de sistemas de fala inter-relacionados” (p. 492) e não mais como um
conjunto único de práticas durante toda a interação, pois pode haver variabilidade de
estruturas de participação e trocas de fala entre os eventos de sala de aula, com maior ou
menor controle das ações exercidas pelo professor.
Cazden (2001) traz concepções a respeito de sala de aula que se diferenciam dos
trabalhos da cada de 70 e 80, especialmente porque pesquisas etnográficas passaram a ser
mais aplicadas nos estudos. Uma noção especialmente interessante abordada por Cazden é a
20
de aventura na sala de aula. O termo é apresentado quando a autora fala na realização de
outros objetivos pedagógicos que não a reprodução de conhecimento.
A aventura na sala de aula diz respeito à mudança na estrutura de participação,
substituindo uma estrutura mais rígida em que não há, ou há pouca, auto-seleção por parte dos
alunos por participações mais amplas e mais complexas. Com isso, o status do professor
diminui, pois ele perde parte de sua hierarquia e do controle social, que a dependência dos
alunos se torna menor e a participação se torna mais qualificada, diferentemente da
participação restrita a respostas em seqüências IRA.
O professor nesse novo conceito de sala de aula não aloca apenas perguntas para um
aluno específico, mas para a turma como um todo, permitindo, assim, a auto-seleção desses
alunos e, conseqüentemente, aumentando a possibilidade de ocorrência de sobreposições de
fala. Além disso, a possibilidade que determinados participantes participem mais do que
outros. Com isso, o professor terá que aprender a lidar com esse novo repertório de
participações.
Cazden (2001), ao tratar da noção de aventura, faz alusão à competência de músicos
de jazz, que tocam sem partitura, de forma improvisada, mas cujo conhecimento do sistema
musical (conjunto de notas e escalas) é organizado, com regras para combiná-las (p. 39).
11
A
sala de aula, assim como uma orquestra de jazz, necessita da colaboração de todos os
participantes para que o improviso faça algum sentido em termos de construção conjunta.
Para isso, o professor precisa se desvincular de um roteiro idealizado da aula tradicional como
um reflexo da sua experiência como aluno. Em um momento de aperto, em que uma interação
inicialmente orientada para um formato menos tradicional por alguma razão não funciona, o
professor dificilmente não recorrerá ao roteiro tradicional, justamente pelo diferencial que os
professores têm em relação aos demais profissionais: a experiência adquirida como aluno, que
11
Erickson (1982) também faz essa alusão.
21
permite que ele se guie em um modelo que garanta mais segurança em momentos de
dificuldade, sendo, na maioria das vezes, um modelo de interação tradicional (CAZDEN,
2001, p. 40)
12
.
Para Rampton (2006), na contemporaneidade observa-se grande espaço para a
improvisação, pois a sala de aula pode ser um espaço além do “estilo comunicativo
expressivamente defasado da sala de aula tradicional que marginaliza o julgamento dos alunos
e ameaça arrastá-los para o palco, com apresentações do script curricular que no final não
contam mesmo para grande coisa” (p.80)
13
.
Rampton (2006) ao analisar a fala-em-interação da Inner-City Central High, uma
escola londrina com corpo docente engajado, afirma que quando o espaço é aberto para os
alunos, os professores preferem engajar aqueles menos participativos a conter aqueles mais
participativos, criando uma atmosfera em que a fala do professor é desafiada pela fala do
aluno que se demonstra interessado pelo tópico. Trata-se de uma nova forma de organização
da fala-em-interação de sala de aula, em que não mais a prioridade em controlar os alunos
(McHOUL, 1978), mas em lidar com alunos muito participativos cujas formas de participação
nem sempre são canônicas. Esse ambiente híbrido, em que uma prática mais tradicional se
depara com alunos engajados em participar foi encontrado nos dados gerados para esta
pesquisa e serão apresentados no capítulo 3.
Essas participações analisadas por Rampton (2006) nem sempre se mostram em
conformidade com a proposta do professor, podendo estar relacionadas apenas com o
referencial da atividade. Na seção 3.1.3, analiso um excerto em que os participantes
revisavam em sala de aula a tradução de Who are you? e How are you? Um dos participantes
12
No original: For the teacher, we can assume that, in its canonical form, the traditional lesson acts as an
idealized script in the teacher’s head that is the residue of her teaching experience and her many years of an
“apprenticeship of observation” as a student herself.
13
No original: (…) Expressively depleted style of communication which marginalizes students’ judgment but
threatens to drag them onto the platform with curriculum-scripted performances that in the end don’t actually
count for very much.
22
se vale da tradução de uma das frases (Como vai você?) e canta uma canção que traz essa
mesma frase. Apesar de a participação de Henrique não estar estritamente em conformidade
com a proposta da professora, ele, ao menos, demonstra estar acompanhando a discussão.
Além disso, o potencial poético prevaleceu, ao associar o referencial (Como vai você?) com
uma canção (RAMPTON, 2006).
A participação de Henrique pode ser caracterizada como exuberante
14
e não-canônica
(RAMPTON, 2006) pelo fato dessa participação não estar totalmente em conformidade com a
proposta da professora ratificada pelos participantes e pelo engajamento de Henrique em
querer participar da aula, mesmo que seja com uma canção evocada por uma expressão dita
pela professora. Por se tratar de uma forma de fala-em-interação não-canônica, essa
participação não pode ser considerada uma interrupção da aula, mas uma forma de
improvisação (RAMPTON, 2006).
A partir dessa discussão, podemos dizer que a fala-em-interação de sala de aula não
pode ser caracterizada como um conjunto único de práticas, mas constituída de modo situado.
Durante a interação pode haver modificações nas estruturas de participação, possibilitando
mudanças na organização da fala-em-interação. Dessa forma, pode haver uma oscilação entre
momentos de maior e menor controle social exercido pelo professor sobre as ações dos
demais participantes, possibilitando, por exemplo, momentos de participação não-canônica e
momentos de encadeamento de seqüências IRA. Portanto, a fala-em-interação de sala de aula
pode ser múltiplas falas, tradicional em um momento e pouco tradicional em outro,
organizando-se como um “nexo de sistemas de fala inter-relacionados, em vez de um sistema
de troca de falas unificado”
15
(MARKEE E KASPER, 2004, p. 492).
14
Exuberantly over-involved students
15
No original: a nexus of interrelated speech exchange systems rather than as a unified speech exchange system.
23
Ressalto a questão da situacionalidade da fala-em-interação de sala de aula para
assegurar que as asserções analíticas apresentadas no Capítulo 3 não estão baseadas no
binarismo. Apesar da discrepância entre os dois momentos da aula de Inglês, alguns
segmentos analisados (subseções 3.1.2 e 3.1.3) serviram justamente para mostrar que não se
tratava de uma relação inversa entre as duas atividades, mas de um entendimento possível das
ações empregadas pelos participantes.
A seguir, discuto a noção de estrutura de participação desenvolvida por alguns autores.
No final da seção, apresento um resumo dos aspectos abordados pelos autores que trataram do
tema, que considero relevantes para fins analíticos.
1.2 Estruturas de participação: algumas visões a respeito do tema.
Vários autores trataram o tema da participação como uma unidade de análise
(PHILLIPS, 2001; GOFFMAN, 1979/2002; SHULTZ, FLORIO E ERICKSON, 1982;
GOODWIN, 1990/2002;), discutindo conceitos que devem ser levados em conta na hora de
analisar como se a participação em uma dada interação. Neste trabalho, que identificou
configurações distintas da fala-em-interação de sala de aula, um conceito relevante é o de
estrutura de participação, que em Garcez e Ostermann (2002) é definido da seguinte forma:
Configuração da ação conjunta dos participantes de uma situação, um
encontro ou um enquadre interacional, envolvendo desde o arranjo logístico
no cenário até a distribuição dos direitos e deveres mútuos dos diferentes
participantes quanto a quem pode falar e quem deve ouvir em que condição
social no decorrer da atividade e as conseqüências disso em termos de quais
comportamentos serão percebidos como socialmente apropriados (p. 261).
Essa noção resume as principais discussões feitas a respeito do conceito de estruturas de
participação, que, neste trabalho, é entendido como os modos em que a participação se
24
organiza em uma determinada situação social
16
. Algumas discussões a respeito do tema serão
apresentadas a seguir.
Em seu artigo Footing (1979/2002), Goffman diferencia status de participação, relação
de uma pessoa com uma certa elocução, e estrutura de participação, a relação de todas as
pessoas em uma situação social com uma dada elocução (2002, p. 125). Essa noção de
estrutura de participação engloba (a) as formas como os participantes da interação estão
alinhados um com o outro e (b) as formas como eles estão posicionados com relação ao que é
dito.
Relacionada à noção de estrutura de participação, a noção de alinhamento é proposta
por Goffman (1979/2002). O alinhamento diz respeito à postura do participante na sua relação
com o outro, consigo próprio e com o discurso (p. 107). Os interlocutores assumem e
interpretam o alinhamento em uma determinada situação social. Quando modificações
nessa interpretação, por meio de gestos e/ou pistas visuais, altera-se, assim, a orientação do
interlocutor. Veja o excerto abaixo, em que Alan argumenta a respeito da importância dos
estudos para o mercado de trabalho. Ele contesta a resposta de um ex-aluno da escola, que diz
que estudar é importante para “ser digno do seu potencial e ter um bom serviço”.
Segmento 2 – “Pensar com a cabeça”
(C3120112006-H800:20:05-00:20:46)
041 Clara: o quê que tu quer dizer,(0,5)[com essa].
042 Alan: [hein sora, é] é uma coisa
043 assim, se tu estuda:r é óbvio que tu vai ter um: bom
044 serviço .hh mas hoje em dia o mercado de traba:lho que
045 nem a gente vê muitas vezes a gente tá lá no meio (0,4)
046 eu já fui pra lá: (0,3) e ba::h t- tem cara que tem um
047 currículo lá que ba: é:: ?u::ma coisa de louco
048 ?: .hhh
049 Alan e (h)mes(h)mo assim(h) não c(h)onseguem n?a(h)da sora
050 Clara: é. ((Clara assente))
051 (0,7)
052 Alan: hoje em dia: >se< ?tá tu estudando tu vai ser
053 alguma uma coisa,(.) mas se tu não pensar com a cabeça
054 e querer a- agir com os braço (0,4) tu não vai ?muito
16
A arena física e absoluta na qual as pessoas presentes estão ao alcance visual e auditivo umas das outras
(p.123).
25
055 [longe] (0,3) tu tem que pensar que ?vai::
056 Henrique: [°hehehe°]
057 Henrique: se ( ando) hehehe ((risos))
058 Alan: tu tem que pensa::, lá na frente de todos (.) por
059 que enquanto tem um (0,4) que tá fazendo o que tu já fa:z
060 tem outros que tá na tua frente (.) então tem que tá
061 s?empre (0,6) ((gesticula muito)) que nem que nem
062 informática, eu tô fazendo infor?mática (.) mas só
063 que porém enquanto eu tô fazendo ali já tem um lá na
064 frente que já tá pegando a minha vaga, que poderia
065 ser minha entendeu,(0,6) por isso que: esse:, esse, essa
066 resposta dele (0,9) ((engole a saliva))f(h)icou bem
067 colocada mas só que::: [n]
068 Clara: [tu] acha que: não basta só
069 estudar,
070 Alan: não basta [só estudar]
071 Clara: [tem que ter] algo mais,
072 Alan: sim.
A fala-em-interação que organizava este encontro apresentava Clara como a participante que
tinha a maior extensão de fala e que gerenciava a tomada de turno dos demais participantes,
até o momento que Alan se auto-selecionou e se inseriu na interação, realizando um
posicionamento, uma projeção pessoal na interação
17
. Segundo Goffman (1979/2002), isto
representa o alinhamento, a postura, a projeção subjetiva de um participante na relação com o
outro e com o discurso em construção. No caso de Alan, este posicionamento não ocorreu
somente por meio de sua fala, mas também quando ele lançou mão da gesticulação co-
ocorrente ao uso da linguagem, que não deve ser desconsiderada na construção de sentido e
significado social na interação.
Associada a noção de alinhamento está a noção de Footing. Goffman afirma que uma
mudança de footing implica, necessariamente, numa mudança de alinhamento (1979, p. 107),
uma vez que o footing representa o alinhamento, a postura, a posição, a projeção do ‘eu’ de
um participante na sua relação com o outro, consigo próprio e com o discurso em construção”
(RIBEIRO E GARCEZ, 2002, p. 107). A organização do footing diz respeito especialmente
às projeções da estrutura de participação nos enunciados, expressas nos conceitos de animador
17
O segmento completo encontra-se na seção 3.2 e no ANEXO 4.
26
(quem emite a voz), autor (quem seleciona as palavras e sentimentos) e responsável (quem
assume a voz).
Essa noção de footing é um aprimoramento da noção de enquadre de Bateson
(1972/2002), que se refere ao modo como as pessoas interpretam as ações umas das outras por
meio da exclusão e inclusão de possibilidades interpretativas dentro de um enquadre
específico. A noção de enquadre, portanto, se relaciona com a tarefa das pessoas de interpretar
o que está acontecendo em uma interação por meio de elementos de sinalização na fala.
Fabricio e Moita Lopes (2002, p. 19), a respeito de enquadre e alinhamento,
argumentam que “os interlocutores em interação enquadram os eventos ao mesmo tempo em
que negociam relações interpessoais”. Para os autores, alinhamento se refere à atitude dos
falantes frente ao enquadre, ao tópico abordado e a postura em relação aos interlocutores.
Neste trabalho, o conceito de alinhamento é utilizado nas análises do Capítulo 3,
demonstrando que os alinhamentos construídos pelos participantes se diferenciam à medida
que as estruturas de participação da aula de Inglês se distinguem.
Outros autores também trataram da noção de estruturas de participação, entre eles,
Phillips (2001), que ao lidar com as distintas formas de participação entre crianças ameríndias
de uma reserva indígena e crianças brancas de classe média em sala de aula verificou a
importância da configuração espacial e da organização das atividades para compreender como
a participação se modifica dentro da interação. McHoul (1978), por exemplo, afirma que a
organização espacial dos participantes na interação é importante, pois explicita a relação de
direitos e deveres dos participantes. para Mehan (1985), a configuração espacial pode
definir o propósito do evento como mais ou menos formal. Neste trabalho, todos os
segmentos analisados apresentam uma figura com a organização espacial do dia, procurando
demonstrar que a configuração espacial também contribuiu para as mudanças na configuração
da fala-em-interação da aula de Inglês.
27
Goodwin (1990, 2002) acrescenta à análise de estruturas de participação a noção de
organização social na organização seqüencial da fala-em-interação. Por meio da organização
da fala das crianças, que se organizam na chamada He-Said-She-Said (disse-que-disse), a
autora demonstrou que, à medida que essa organização se modificava, conseqüências
interacionais eram geradas, ocasionando, por exemplo, seqüências de discordância. Outra
contribuição (GOODWIN E GOODWIN, 2004) é a inclusão das ações dos participantes na
seqüencialidade da fala e a relevância, em termos de construção da ação conjunta, dos gestos
feitos de forma coordenada com a fala, que são capazes de auxiliar no entendimento da
organização da fala.
Schulz (2007) conceitua analiticamente as estruturas de participação sob o aspecto
microssocial, enfocando a organização da fala, a disposição física dos participantes, as
relações de adaptação mútua e de ajustes das ações dos interagentes em relação aos demais, e
sob o aspecto macrossocial, relacionando todos esses elementos micro com os aspectos
sociais e culturais, além do cenário histórico, presentes nas interações.
Shultz, Florio e Erickson (1982) abordam o conceito de piso conversacional, que eles
caracterizam com um aspecto da estrutura de participação que trata do direito dos
participantes de tomar o turno e serem ouvidos, sendo realizado interacionalmente por meio
do trabalho conjunto. Cazden (2001) separa tomada de turno e acesso ao piso, pois, segundo
ela, não basta ter acesso à palavra, também é preciso ser ouvido e ratificado pelos demais
participantes (p. 81 e 82).
Portanto, a noção de estrutura de participação pode ser um conceito analítico que
auxilia na compreensão da organização da fala-em-interação por levar em consideração
aspectos variados que revelam como estão se dando as ações dos participantes no intercurso
da interação. A partir das visões apresentadas acima, os aspectos que considero relevantes
para serem levados em conta em termos de estrutura de participação seriam: o alinhamento
28
dos participantes (GOFFMAN, 1979/2002); a organização espacial dos participantes
(PHILLIPS, 2001); a organização seqüencial da fala-em-interação (GOODWIN, 1990;
GOODWIN e GOODWIN, 2004); por fim, a tomada de turno, a obtenção do piso
conversacional e a ratificação da participação (SHULTZ, FLORIO e ERICKSON, 1982;
CAZDEN, 2001).
Na próxima seção, trato da noção de construção conjunta de conhecimento, discutindo
questões relevantes para o tema.
1.3 O que se entende por construção conjunta de conhecimento
Menções a construção conjunta de conhecimento aparecem em estudos sobre fala-em-
interação de sala de aula (O’CONNOR E MICHAELS, 1996; CAZDEN, 2001) sem, contudo,
uma definição prévia da expressão. O que se é a sua ligação com atividades que
proporcionem questionamentos, reflexões e discussões mais produtivas do que aquelas
resultantes de estruturas mais fechadas, como a seqüência IRA, por exemplo. Por essa razão, a
noção de construção conjunta de conhecimento que apresento nesta seção é resultante de
minha reflexão a respeito do que considero como relevante para o entendimento do tema neste
trabalho.
Tomo construção conjunta de conhecimento como um conceito que auxilia na
compreensão do aspecto da situacionalidade do evento aula ao descrever como os
participantes de uma interação constroem conhecimentos de naturezas diversas, levando em
conta a estrutura de participação proposta e ratificada por eles.
O conhecimento construído pode ter natureza reprodutiva quando a organização da
fala-em-interação de sala de aula tem sua estrutura de participação restrita ao encadeamento
de perguntas de informação conhecida, ou, ainda, quando o novo é inesperado como, por
exemplo, uma aula de revisão, em que conhecimentos foram construídos em conjunto em um
momento anterior e que, portanto, são de conhecimento de boa parte dos participantes. O
29
conhecimento também pode ser totalmente emergente. Isso ocorre quando a organização da
fala-em-interação de sala de aula possibilita que alguns, ou até mesmo, todos os participantes
se apresentem como potenciais aprendizes de um conhecimento novo, inesperado.
Conhecimento no escopo desse trabalho pode ser entendido tanto como aquele
diretamente relacionado com a disciplina
18
, como também a questões e discussões da vida
social contemporânea (seção 3.2). Essas discussões são importantes para esses alunos que têm
na escola o local ideal para esse tipo de aprendizado. Conceber, nesse escopo, conhecimento
como sinônimo de conteúdo curricular acadêmico é restringir o papel da escola em seu
comprometimento na formação de cidadãos ativos e participantes. Nas aulas de inglês
analisadas, vários conhecimentos estiveram em pauta: respostas curtas e completas, pronomes
pessoais, informações pessoais, tradução, questionamentos sobre sexualidade e mercado de
trabalho.
Ao falar de fala-em-interação institucional, vimos que alguns de seus participantes se
voltam para algumas metas. Na fala-em-interação de sala de aula, por exemplo, quando um
dos participantes faz uma pergunta de informação conhecida com o intuito de avaliar o
conhecimento de outros participantes (seqüência IRA), o trabalho interacional e pedagógico
em pauta se constrói como reprodução por parte desses participantes de um conhecimento
pronto (CONCEIÇÃO E GARCEZ, 2005) detido e controlado pelo professor. Não
previsão de produção de algo novo para esse participante, ou de que diferentes respostas
possam surgir, pois o que se espera é que se reproduzam respostas que poderiam ser esperadas
por esse participante, ou mais “legítimas” que outras, conforme, justamente, a avaliação desse
participante. Trata-se, portanto, do que se entende aqui por construção conjunta de
conhecimento de natureza reprodutiva. Nesse caso, o conhecimento é pré-estabelecido como
correto pelo professor e ratificado pelos demais participantes.
18
No caso da Língua Inglesa, disciplina que este trabalho focou, temos como conhecimentos específicos da
disciplina: verbos, pronomes pessoais, sentenças negativas, interrogativas, afirmativas, tradução, etc.
30
Para que o conhecimento construído se caracterize como novo ou emergente é
importante que a organização da participação se faça mediante ações que vão além de dar
respostas em turnos alocados para perguntas de informação conhecida pelo professor, de
forma que os participantes tenham a possibilidade de trazer algo original, inesperado para a
interação, havendo inclusive a possibilidade de que o professor se apresente como potencial
aprendiz de algo novo.
Corre-se o risco de que as contribuições legítimas, interessantes, novas,
informativas, surpreendentes, enfim, corretas, na fala do produtor da
resposta à pergunta de informação conhecida, tipicamente o aluno, não
sejam ouvidas se não forem mapeáveis ao leque de expectativas de quem fez
a pergunta de informação conhecida (isto é, tipicamente, o professor)
(GARCEZ, 2006, p. 70).
Uma organização que parece ir ao encontro de uma sala de aula voltada para a
construção conjunta de conhecimento é o revozeamento (O’CONNOR E MICHAELS, 1996),
prática alternativa a seqüência IRA. Segundo Conceição e Garcez (2005), o revozeamento é
altamente voltado para a construção conjunta de conhecimento por alinhar os alunos através
de uma estrutura de participação na qual eles comentam as contribuições dadas pelos colegas.
Além disso, eles recebem os créditos pelos comentários.
Tendo em vista que a importância do professor na construção efetiva de conhecimento
dos seus alunos é evidente, pois são as suas atividades sugeridas que proporcionarão, ou não,
possibilidades mais amplas de construção (CAZDEN, 2001), entendo que a postura do
professor também é relevante para a questão da construção conjunta de conhecimento. A
assimetria da relação entre professor e aluno se torna menos evidente quando a interação não
se desenvolve mediante perguntas de informação conhecida e quando o professor deixa de ser
o “ser supremo” da sala de aula e assume o papel de orquestrador.
Uma das prerrogativas de o professor agir como um orquestrador é a modificação do
papel do aluno, que, de sujeito passivo, cuja responsabilidade maior em termos de
31
participação é responder a pergunta (de informação conhecida) que o professor faz, passa a se
tornar mais responsável pelo seu processo de construção de conhecimento. Com as
contribuições não se restringindo a respostas de perguntas de informação conhecida, o modo
de o professor lidar com essas contribuições se multiplicará, pois o professor não apenas
avaliará as respostas, mas também fará reformulações, para que os demais participantes
igualmente tenham acesso ao que foi dito, ou verificações de entendimento, para confirmar o
seu entendimento.
Portanto, construção conjunta de conhecimento é um conceito que contribui para uma
melhor compreensão do aspecto da situacionalidade do evento aula ao relacionar o
conhecimento em pauta (tradução, uso de pronomes pessoais ou questões sobre mercado de
trabalho) e a atividade em curso em sala de aula (debates a respeito de questões sociais
contemporâneas e revisão de aspectos gramaticais). Cabe ressaltar que a atividade em curso
em sala de aula se faz relevante para a análise, pois cada atividade apresenta certas
preferências e restrições em termos de participação. Assim, pode-se empreender a natureza do
conhecimento construído (reprodutiva ou emergente). Dessa forma, ao relacionar essas
questões (conhecimento em pauta, natureza do conhecimento construído e a estrutura de
participação da atividade), a probabilidade de compreender as ações dos participantes da
interação são maiores.
Com um olhar microanalítico para duas estruturas de participação distintas, levando
em consideração as questões discutidas acima, será possível discutir a natureza da construção
conjunta de conhecimento que os participantes empreendem nos dois momentos da aula de
Inglês.
1.3.1 Zona de Tensão: participação x conhecimento
A tensão entre participação e conhecimento está em foco neste estudo e é um tópico
atual e passível de diversas discussões (ROGOFF, 1998, 2005; CANDELA, 2005; SCHULZ,
32
2007). Sob o ponto de vista microetnográfico, alguns autores separam essas noções em suas
análises (ERICKSON, 1982; MEHAN, 1985), pois objetivavam mostrar que também é
necessário aprender a participar, e não apenas aprender os conteúdos acadêmicos. No entanto,
pesquisas vêm demonstrando que aprender é participar assim como participar é aprender.
Além disso, participar pode ser algo que se aprende e que se constrói conjuntamente.
(SCHULZ, 2007; GARCEZ E MELO, 2007). Neste trabalho, essa discussão é de fundamental
importância, que aqui se busca discutir a natureza da construção conjunta de conhecimento
que os participantes estão empreendendo na aula de Inglês. Nesta subseção, apresento
algumas visões a respeito do tema e, no final, a definição adotada neste trabalho.
Com uma perspectiva microetnográfica, Erickson (1982) descreve duas organizações
que simultaneamente padronizam a fala-em-interação de sala de aula: a estrutura de
participação social, que seria um padrão de restrições na alocação de direitos e deveres
interacionais dos membros de um grupo, e a estrutura da tarefa acadêmica, ou estrutura da
atividade pedagógica, que seria um padrão de restrições provido pela seqüência lógica do
conteúdo curricular. Para esse autor, a fala-em-interação de sala de aula é uma improvisação
coletiva de significados. Dessa maneira, a ritualização e a espontaneidade de eventos de fala
são concomitantes na organização social.
Mehan (1985) também analisa de forma separada o conhecimento social e o
conhecimento acadêmico. Para esse autor, enquanto o conhecimento acadêmico se restringe
ao conteúdo curricular, a participação seria aquilo que as pessoas necessitam saber para
operarem de maneira admissível em sociedade. Mesmo assim, de se convir que para isso
acontecer é preciso que esse conhecimento específico seja construído. Portanto, poderíamos
dizer que participar é construir conhecimento sobre as maneiras de operar na sociedade, por
exemplo.
33
a visão de Rogoff (2005) vai ao encontro da idéia de que conhecimento e
participação são noções indissociáveis, ao afirmar que “os seres humanos se desenvolvem por
meio de sua participação variável nas atividades socioculturais de suas comunidades” (p. 38)
e que o desenvolvimento humano “é um processo de participação variável das pessoas nas
atividades socioculturais de suas comunidades” (2005, p. 49). Candela (2005), ao analisar
salas de aulas de séries iniciais no México, demonstra que a participação dos estudantes em
certas práticas os torna co-autores dessas práticas, tornando-os participantes legítimos.
Os trabalhos microetnográficos realizados pelo nosso grupo de pesquisa na escola em
que os dados foram gerados vêm demonstrando que construção de participação e construção
de conhecimento são noções que se sobrepõem. Schulz (2007) ao analisar conselhos de classe
participativos, em que todos os alunos podem participar e ter a palavra para dizer o que estão
aprendendo e o que não estão, afirma que os participantes não distinguem participação e
aprendizagem, tornando, assim, problemática a distinção feita na literatura microetnográfica
(ERICKSON, 1982; MEHAN, 1985). Segundo a autora, construção de participação é
sinônimo de construção de conhecimento:
(...) pois no entender desses sujeitos, não participação sem aprendizagem,
assim como não aprendizagem sem que se participe dela. Tal
entendimento de participação demonstra que ela é fundamental para tudo o
que é realizado na escola. Além disso, entender aprendizagem como algo
que só acontece com participação é ampliar o tal conceito, fazendo com que
ele deixe de ser visto apenas como algo cognitivo, mas passe a levar em
conta os sujeitos históricos e sociais que ali estão envolvidos (p. 134).
Garcez e Melo (2007) ao examinarem a auto-seleção para a tomada de turnos por parte
dos alunos do primeiro ano do primeiro ciclo, isto é, no início da vida escolar, quando novas
práticas interacionais são aprendidas, analisaram ocorrências de controle social corretivo, isto
é, “ações empreendidas por algum participante para direcionar a conduta de outro participante
ou conjunto de participantes”. Por meio desse controle por parte da professora, vemos uma
tentativa de garantir uma participação ordenada, de forma que aqueles que falam sejam
34
efetivamente ouvidos, se constituindo “numa comunidade de respeito e atenção à participação
de todos na construção conjunta de conhecimentos relevantes.”. Segundo os autores, aprender
é participar:
(...) uma organização que sustente essas garantias pode ter de ser aprendida,
em especial em se tratando de participação em encontros com múltiplos
participantes, mais ainda quando a grande maioria dos participantes apenas
se iniciava na participação em eventos institucionais.
Os participantes desta pesquisa pouco se orientam para o entendimento de
conhecimento e participação como coisas distintas. Apresento a seguir uma citação de nota de
campo que redigi durante o conselho de classe participativo de uma turma do terceiro ano do
terceiro ciclo (C32), em que Ivete, orientadora educacional, o cartaz em que os alunos da
turma afirmam que são avaliados, entre outras coisas, pelo comportamento. Posteriormente,
Jorge, professor de Educação Física, faz uma relação entre as noções de comportamento e
conhecimento. A reprodução abaixo diz respeito ao momento em que os professores
comentam o conteúdo dos cartazes elaborados pelos alunos, entre eles, Samanta, que justifica
uma das asserções do cartaz. O comentário de Jorge se refere às respostas dos alunos à
pergunta “Como o professor me avalia?”.
Ivete, então, leu o cartaz, que dizia que, para os alunos, participação era a
forma principal de avaliação dos professores, mas trabalhos e
comportamento também eram avaliados. Todos estavam em silêncio. Ivete
explicou que, no entanto, havia uma unanimidade na forma como os alunos
se avaliariam. Samanta sorriu. Ivete leu o cartaz, que dizia que a principal
forma de avaliação deveria ser o comportamento, seguido de participação,
trabalho e humor. Eliana disse que achava estranho que o humor deveria
ser uma forma de avaliação. Samanta pediu para falar e explicou que
humor era importante, sim, tanto que se ela fosse professora, ela nunca
aprovaria a si mesma, pois estava sempre mal humorada. Todos riram.
Jorge, que estava sentado no fundo da sala, pediu para falar. Ivete pediu
que todos ficassem em silêncio. Jorge disse que estranhou o fato de os
cartazes não falarem em conhecimento. Ele disse que indiretamente havia
uma menção sobre isso nos cartazes. Jorge explicou que comportamento é
socialização, portanto, é aprendizagem. Segundo ele, saber o que fazer na
hora certa, com as pessoas certas; aprender a se comportar é fazer
aprendizagem. Segundo Jorge, isso ainda não estava claro para a turma.
Telma acenava com a cabeça, com o que Jorge dizia. Ivete disse que
concordava com tudo (DIÀRIO DE CAMPO, 22/06/2006, p. 87).
35
Entendo que participação e conhecimento não podem ser analisados separadamente.
Por isso, defendo a visão de que construção de conhecimento e construção de participação são
noções sinônimas, a partir da premissa de que participar é aprender e aprender é participar
(SCHULZ, 2007). Por essa razão, entendo que quando falamos em construção de
conhecimento podemos estar falando também em construção de participação. A relação que
se faz neste trabalho entre conhecimento e participação é, portanto, de que se trata de termos
intrinsecamente relacionados, que não devem ser analisados separadamente.
Depois de apresentar, neste Capítulo 1, as noções teóricas que servem de base para
esta pesquisa, explicitarei, a seguir, os procedimentos metodológicos adotados e o cenário de
pesquisa.
36
2 MICROETNOGRAFIA E A VISÃO ÊMICA: UM APARATO TEÓRICO-
METODOLÓGICO
2.1 Mais além do meu olhar: a centralidade da noção êmica
A Microetnografia Escolar (ERICKSON, 1984, 1990, GARCEZ, 2006, 2008) é o
enfoque teórico-metodológico principal adotado neste trabalho. No entanto, também foram
utilizadas as tradições em pesquisa da Sociolingüística Interacional (RIBEIRO E GARCEZ,
2002), no que diz ao conceito de estrutura de participação, e da Análise da Conversa
Etnometodológica (TEN HAVE, 1999), no que se refere ao aspecto seqüencial da organização
da fala-em-interação.
De acordo com Garcez (2008) a principal preocupação da Microetnografia Escolar
(doravante ME) é a descrição e a análise da interação quanto a sua organização social e
cultural no cenário escolar por meio de registros audiovisuais. Por se tratar de pesquisa
interpretativa, a ME procura privilegiar a perspectiva êmica, isto é, o ponto de vista dos
participantes, para compreender como os participantes estão se orientando para as ações
realizadas, ou, conforme Erickson (2004, p. 163), para as “relações ecológicas de ajustes e de
adaptação mútua” que se dão entre os participantes de uma interação face-a-face.
O uso de registros audiovisuais pode ser vantajoso em alguns aspectos, tais como a
capacidade de completude da análise, pois se pode ver e rever o dado gerado quantas vezes
forem necessárias; por ser um dado gravado, a possibilidade de criação de julgamentos e
tipificações diminui sensivelmente, pois o pesquisador tem a possibilidade de relativizar uma
primeira impressão tirada na observação; pela possibilidade de encontrar fenômenos de
interesse para a pesquisa que são imperceptíveis em uma única observação (ERICKSON,
1990; SCHULZ, 2007).
37
Assim como qualquer perspectiva metodológica, a ME também apresenta limitações.
A primeira é o modo de interação que o pesquisador mantém com os demais participantes
após o final da geração de dados audiovisuais, que se resume na visualização dos eventos
gravados. A segunda é a possibilidade de o pesquisador necessitar de informações de
contextos que nem sempre estão nos dados registrados (ERICKSON, 1990). No entanto, neste
trabalho, essas limitações foram superadas pela extensa observação participante, que permitiu
um conhecimento apurado da orientação dos participantes, e pela fase de pesquisa
colaborativa, em que alguns segmentos de dados foram apresentados a uma participante,
possibilitando que ela opinasse a respeito da análise apresentada e acrescentasse informações
relevantes.
O trabalho de campo, o primeiro e talvez o mais importante passo da pesquisa
microetnográfica, é o momento em que o estabelecimento de vínculos é feito. Nesse ponto, o
pesquisador precisa ter certeza de que, para obter sucesso nesse quesito, é preciso ter respeito
com os participantes e se comprometer eticamente com eles. Nessa etapa inicial da pesquisa, é
requisito básico que se deixe suficientemente claro para os participantes o modo como a
pesquisa será conduzida, desde os primeiros passos da observação até o momento em que a
pesquisa for finalizada e divulgada. Dessa forma, os participantes se sentirão à vontade para
participar e, até mesmo, recusar.
A questão ética deve estar inclusa na pesquisa desde o momento em que ela é
concebida, pois é básico e primordial que se proteja a identidade dos participantes de todas as
formas possíveis. Essa proteção evita que esses participantes sejam expostos
desnecessariamente, especialmente aqueles que se encontram em uma posição mais delicada
na pesquisa. Isso tudo deve ser esclarecido para os participantes, a fim de que se sintam mais
seguros e, por conseqüência, tornando a criação de vínculos mais fácil e agradável.
38
Deixar os participantes à vontade é extremamente positivo para a pesquisa, pois ser
observado por um estranho pode ser mais difícil para alguns participantes, especialmente para
professores (caso desta pesquisa), que, além de lidarem com a agitação anormal dos alunos
devido às primeiras observações, vêem um estranho observando-os em pleno exercício de sua
atividade profissional, o que pode causar a sensação de estarem sendo avaliados pelo
pesquisador. Por isso, como disse Erickson (1990), a melhor maneira de estabelecer vínculos
com os participantes da pesquisa é envolvê-los diretamente, como colaboradores, mais uma
razão para esta pesquisa ter uma etapa colaborativa.
Para a geração de dados, a questão ética continua presente, mais do que nunca, pois,
apesar do estabelecimento de vínculo estar bem encaminhado nessa fase, esse é o momento
em que o objetivo da gravação, o momento em que ela é feita e como ela é conduzida deve
estar muito claro para os participantes, especialmente quando entre os participantes há
crianças e adolescentes, como no caso desta pesquisa. Para isso é feito o uso do formulário de
consentimento, cujo objetivo é dar as informações necessárias a respeito da pesquisa, além de
ser uma forma de o pesquisador ter registrado o consentimento do participante. A
apresentação desse consentimento deve estar bem de acordo com o seu público alvo, pois
nada adianta elaborar um documento de uma complexidade tamanha que impeça a sua
compreensão, que o seu objetivo é de esclarecimento. Esse tipo de documento mostra a
seriedade da pesquisa e dá credibilidade ao pesquisador, pois demonstra o seu
comprometimento com os demais participantes. Na seção 2.2 será relatada a experiência de
elaboração, entrega e devolução do formulário de consentimento informado com os
participantes desta pesquisa.
Para esta pesquisa, o relato dos procedimentos de trabalho de campo foi dividido em
duas etapas: geração e análise de dados, que serão detalhados nas seções 2.2 e 2.3. A primeira
etapa geração de dados compreendeu o passo de entrada em campo, momento de criação
39
de vínculos e de estabelecimento de confiança com os sujeitos de pesquisa, de observação
participante, em que, partindo das perguntas que guiam a pesquisa, procurei relacionar
participantes, locais e eventos, além de reconhecer padrões e variações da organização social.
Para registrar essas observações, redigi notas de campo, que exigiram muito tempo e atenção,
e vinhetas narrativas, especialmente no caso de eventos diretamente relacionados com a
pesquisa e a indisponibilidade de registro audiovisual. O último passo foi a geração de dados
audiovisuais, uma das fases mais complexas da investigação, pois exigiu programação,
persistência, habilidade e improvisação.
a segunda etapa análise de dados compreendeu as etapas de segmentação dos
dados, momento em que foram selecionados os dados mais representativos da pesquisa, que
foram submetidos a microanálise e transcritos conforme a perspectiva da Análise da Conversa
(ATKINSON & HERITAGE, 1984), e análise de dados, momento em que elaborei as
asserções analíticas a partir das análises seqüenciais e complementadas, esporadicamente,
com o exame do diário de campo. Posteriormente, uma educadora e eu (pesquisadora)
discutimos essas asserções analíticas.
A divisão dessas etapas se deu porque a primeira envolveu diretamente os
participantes na condução da pesquisa, isto é, estabeleci vínculos com eles, observei, gravei,
enfim, mantive um contato mais direto, em alguns momentos quase que diários. Já na segunda
etapa foi o momento em que a relação do pesquisador se deu com os dados, tornando a
relação com os demais participantes indireta, à exceção do momento da pesquisa colaborativa,
em que houve a volta ao local de pesquisa e ao contato direto com os participantes.
A geração de dados foi iniciada com o período de observação participante. A ênfase
foi dada para os eventos de sala de aula. O recreio, a aula de Educação Física, reuniões e
conselhos de classe também foram observados e registrados em notas de campo, pois esses
40
contextos se tornaram reveladores da orientação dos participantes. Mais de 150 ginas de
diários de campo foram geradas e utilizadas como dado.
No período de observação participante, segundo Erickson (1990), o pesquisador
precisa: identificar variações nos modos formais e informais de organização social (como
relações identitárias e perspectivas significativas para os participantes); observar como os
eventos se organizam no cenário, e como eles atendem as características de organização social
que podem ser estabelecidas; e olhar para os eventos que ocorrem em diferentes níveis do
sistema (na sala de aula, no pátio, etc.).
A geração de dados audiovisuais foi feita com duas câmeras de vídeo com o objetivo
de ter acesso ao maior número possível de focos de atenção dos participantes. Uma das
complexidades desse processo esteve no fato de a gravação provocar alterações no ambiente
de pesquisa. Mesmo que sutis, ela puderam ser percebidas, especialmente no que se refere aos
estudantes. No entanto, o trabalho de observação se mostrou valioso nesse sentido por
suavizar esse impacto inicial, que nas pesquisas anteriores foram muito mais evidentes.
Outros pontos serão discutidos na próxima seção.
Tendo apresentado e discutido o enfoque teórico-metodológico, apresento a seguir,
com mais detalhes, como se deu a geração e a análise de dados gerados.
2.2 A geração de dados
Conforme dito na seção anterior, o método deste trabalho subdividiu-se em duas
partes: geração, de que trato nesta seção, e análise de dados (2.3), visto que a pesquisa em si
não foi feita em uma única etapa. Porém, a orientação metodológica foi única: busquei sempre
privilegiar o ponto de vista dos participantes, isto é, a visão êmica.
O contato inicial com a escola pesquisada se deu em 2001 em razão do projeto de
pesquisa “Reparo, correção e intersubjetividade na organização interacional e institucional da
41
escola pública cidadã” (GARCEZ, 2004). O objetivo daquele projeto era analisar as práticas
de reparo conversacional, as ações de correção e a sustentação de intersubjetividade entre os
participantes à luz do projeto político-pedagógico da escola. Desse primeiro contato surgiu o
primeiro artigo do grupo sobre a escola (GARCEZ E SCHLATTER, 2002). Em 2003 se deu
na prática o início das negociações para a entrada em campo, com uma reunião em que foi
apresentado o projeto e liberado o nosso acesso à escola. Após essa primeira aproximação,
iniciou-se o trabalho de campo entre os meses de fevereiro e dezembro de 2003. O trabalho
foi feito todo no turno da tarde e as turmas observadas pertenciam entre o primeiro e o
segundo ciclo
19
. Cada membro do grupo observava uma turma, assim o conhecimento da
orientação dos participantes se daria mais rapidamente. Além das turmas, as aulas de
Educação Física na quadra de esportes, o recreio e reunião de professores foram observados e
devidamente registrados em notas de campo que eram redigidas imediatamente após a saída
de escola para que alguns detalhes não fossem esquecidos, que se previa que, em futuras
análises, eles poderiam ser relevantes. Também foi realizada uma entrevista informal com
uma orientadora da escola. Apesar de não termos em mão um questionário estruturado,
tínhamos em mente que cada pergunta realizada por um pesquisador faz parte de um
questionário (DURANTI, 1997), pois de certa forma buscávamos informações que seriam
consideradas na pesquisa. Outra forma de nos inserirmos mais profundamente na rotina e na
história da escola foi obtendo documentos que relatassem, entre outras coisas, a maneira como
o projeto político-pedagógico foi aperfeiçoado ao longo dos anos (MOOJEN ET AL, 1997;
MOLL, 2000). Exemplos desses documentos são as publicações das experiências pedagógicas
dos professores da instituição, divididas em quatro coletâneas (1995, 1997, 2000 e 2006),
chamadas “Relatos de Experiências – um espaço de autoria”.
19
O ensino fundamental nas escolas públicas municipais de Porto Alegre está organizado por ciclos de
formação. São três ciclos, tendo cada um a duração de três anos, o que amplia a escolaridade obrigatória para
nove anos. Mais informações sobre a organização das escolas cicladas de Porto Alegre podem ser obtidas em
Rocha (1996).
42
A geração audiovisual de dados foi feita em três turmas, cujas professoras autorizaram
as gravações com antecedência. Inicialmente foram elaborados formulários de consentimento
informado que foram entregues aos alunos e professores. Prevíamos que a devolução desses
formulários seria custosa e demorada por estarmos lidando com crianças. Seria perfeitamente
compreensível que elas esquecessem de trazer os formulários assinados ou os perdessem. Para
agilizar esse retorno, distribuímos brindes, como adesivos, lápis de silicone e canetas, no que
fomos bem sucedidos. Durante todo o tempo nos dispusemos a esclarecer qualquer dúvida dos
responsáveis desses menores, pois o objetivo do consentimento era este, informar a respeito
da pesquisa.
As gravações ocorreram nas seguintes turmas: B10, com Lívia
20
, professora
referência, e Sílvia, professora de Espanhol; B30, com Sílvia, que nesta turma lecionava
Português e Espanhol; e BP, turma de progressão, com a professora Telma, que lecionava
História. Realizamos ainda a gravação de uma reunião de supervisão com a professora Sílvia
e duas representantes da equipe diretiva: a orientadora, Ivete, e a supervisora escolar, Graça.
No total, foram geradas doze horas de registros audiovisuais, que foram segmentados,
transcritos e analisados seqüencialmente em 2004. Com a criação de um corpus de
ocorrências e um acervo de dados do projeto, foram produzidos vários trabalhos que
apontaram as relações entre as práticas de reparo conversacional presentes na fala-em-
interação com o projeto político-pedagógico da escola
21
. O projeto foi finalizado no início de
2005, e uma das suas conclusões mais importantes foi a da constatação da realização prática
da proposta pedagógica da escola que primava pela inclusão e participação de todos.
Schulz resolveu chamar a atenção para a participação dos alunos em sala de aula. Em
seu trabalho de conclusão do curso de Letras, a pesquisadora examinou como os estudantes
20
Todos os nomes citados neste trabalho são pseudônimos a fim de preservar a identidade dos participantes e a
confidencialidade dos dados.
21
(SCHULZ e GARCEZ, 2003; CONCEIÇÃO e GARCEZ, 2004; SALIMEN e GARCEZ, 2004; SCHULZ,
2004; CONCEIÇÃO e GARCEZ, 2005; GARCEZ, 2006).
43
tomavam o turno de fala e como a professora lidava com tal participação. Na dissertação de
mestrado, Schulz (2007) descreveu e analisou como se dava a participação do aluno na fala-
em-interação escolar, com foco em um evento específico: o conselho de classe participativo,
em que os alunos dizem o que estão aprendendo e o que não estão, demonstrando que as
questões de aprendizagem são tratadas a partir da participação e da palavra do aluno. Uma de
suas principais conclusões da análise de fala-em-interação do conselho participativo e de
outros eventos se sala de aula e da interlocução com agentes educacionais da escola é de que
não distinguem participação e aprendizagem, ou seja, participar é aprender e aprender é
participar (p. 120). Essa conclusão mostrou-se de grande valia na análise a ser apresentada a
seguir no Capítulo 3, especialmente quando uma das estruturas de participação da aula de
Inglês possibilitou que inclusive a professora se apresentasse como aprendiz de algo
potencialmente novo.
Em 2006, o grupo de pesquisa retornou à escola com o projeto “Interação Social e
Etnografia do Projeto Político-Pedagógico da Escola Pública Cidadã
22
. Demos início ao
projeto em março de 2006, assistindo à reunião de planejamento de metas dos educadores da
escola. Contatos telefônicos anteriores foram realizados, manifestando o interesse em retornar
à escola com fins de investigação científica. Pelo fato de termos realizado uma pesquisa
anterior e de os educadores saberem a nossa forma de condução da investigação, a
negociação de entrada não enfrentou maiores problemas.
No mês de abril fui à escola com o objetivo de identificar aqueles professores que
autorizariam serem observados. Como o foco do meu interesse estava nas turmas do último
ano do ensino fundamental, que nas pesquisas anteriores não tinham sido contempladas, já
22
Além da pesquisa que toma forma nesta dissertação, outros projetos que fazem parte são: “Co-construção
justificada de controle social e projeto político-pedagógico em uma escola pública cidadã”, de Paloma Silva
Melo, projeto que resultou na monografia de conclusão do curso de Letras (MELO, 2006); “A construção da
participação na fala-em-interação de sala de aula: um estudo microetnográfico sobre a participação em uma
escola municipal de Porto Alegre”, de Lia Schulz, dissertação de mestrado defendida em 2007 (SCHULZ, 2007);
e “Interação e identidade: a construção de masculinidades na escola”, de Alexandre do Nascimento Almeida,
projeto de tese de doutorado.
44
sabia com quais professores entraria em contato. A orientadora escolar, Ivete, serviu de
intermediária com os professores, facilitando um primeiro contato. De início, uma única
professora recusou-se ser observada, enquanto os demais não tiveram objeções. O período de
observações foi realizado entre os meses de abril e setembro de 2006. A visita sempre era
marcada com uma semana de antecedência, e um dia antes se fazia um contato telefônico com
a escola para confirmar a presença e tomar conhecimento de qualquer alteração na grade de
horários.
Foram observadas atividades de sala de aula de todas as disciplinas
23
, com exceção de
matemática, e tudo se realizou da forma mais tranqüila possível. A minha presença aos
poucos passou a fazer parte do contexto das turmas, que em alguns casos, até me incluíam nas
atividades, como em uma aula de Inglês:
Alan se aproximou da professora e falou baixinho com ela. Logo em
seguida, ela me disse que os alunos estavam curiosos para saber do que eu
era professora e que eles não se lembravam por que eu os estava
observando. Expliquei que estava ali para ver como era a rotina deles, o
que eles falavam em aula, se havia diferença entre as disciplinas e se eles
trabalhavam bastante nesse momento todos riram, inclusive Clara.
Percebi que eles estavam me incluindo na atividade. Confirmei quando a
ouvi corrigindo alguns trabalhos. Alan escreveu: Luciana is an English
teacher. She is far from the greenboard; Roberto escreveu o seguinte:
Teacher Luciana is behind the students; e Cibele escreveu: There is a
young woman in the class. (...) Clara comentou comigo, no corredor, que a
turma já tinha me acolhido e que a maioria dos trabalhos me citava.
Respondi que estava muito satisfeita com a situação (DIÁRIO DE
CAMPO, 14/08/2006, p. 99)
.
Ivete, orientadora pedagógica, que sempre se mostrou acolhedora com o grupo de
pesquisa, foi uma espécie de intermediadora entre os professores e eu, como foi dito,
inclusive em situações mais delicadas, quando duas professoras solicitaram para ela que não
fossem mais observadas, ou quando um outro professor não concordou que o conselho de
classe fosse gravado. Apesar disso, a relação com os professores foi a mais amistosa possível,
sem qualquer estremecimento pela ocorrência desses fatos. Afinal, ninguém era obrigado a se
23
Português, História, Geografia, Filosofia, Ciências, Inglês, Música e Educação Física.
45
deixar ser observado. Além disso, compreender que ser observado no exercício da atividade
profissional é uma situação delicada faz parte da busca de uma visão êmica.
Todas as observações foram registradas em diários de campo, resultando em mais de
150 páginas de anotações. A nota de campo é um registro detalhado das observações
realizadas. Ao observar os participantes, a configuração dos eventos e a relação desses com as
perguntas de pesquisa, pude saber quais asserções analíticas poderiam ser feitas. Sempre
escolhia uma carteira no fundo da sala de aula, em uma posição central, para que fosse
possível ter uma visão de todos os participantes. Eu levava um caderno para as anotações,
porém sempre procurava fazê-las em um momento que todos os participantes estivessem
envolvidos em uma atividade, assim evitaria um desconforto maior. A redação das notas de
campo eram feitas poucas horas após a observação para manter a precisão dos detalhes.
Normalmente, a redação era custosa, levando mais tempo que a própria observação. Abaixo,
os quadros com os dados das observações realizadas:
Quadro 1 – dados referentes às observações realizadas em 2006 na turma C31
Observações Turma C31
Data Disciplina Tempo
05/05/2006 Ed. Física 1h
15/05/2006 Música 30min
15/05/2006 Inglês 1h30min
15/05/2006 História 2h
22/05/2006 Geografia 2h
22/06/2006 Conselho de classe 1h
14/08/2006
Inglês 2h
22/08/2006
Ciências 1h
23/08/2006
Ciências 2h
06/09/2006
Português 2h
Total
15h
46
Quadro 2 – dados referentes às observações realizadas em 2006 na turma C32
Observações Turma C32
Data Disciplina Tempo
18/04/2006 Ciências 2h
24/04/2006 Português 2h
24/04/2006 Música 30min
24/04/2006 Inglês 1h30min
05/05/2006 Geografia 2h
05/05/2006 Ed. Física 1h
06/06/2006 História 2h
06/06/2006 Ciências 1h
06/06/2006 Filosofia 1h
12/06/2006 Pré-conselho 2h30min
22/06/2006 Conselho de classe 1h
03/07/2006
História 2h
22/08/2006
Ciências 1h
23/08/2006
Ciências 2h
Total
21h30min
Durante o período de geração de dados audiovisuais, uma nova negociação foi
estabelecida para saber qual professor autorizaria ter sua aula registrada. Duas se
prontificaram: Lúcia, professora de Ciências, e Clara, professora de Inglês. A anuência de
Clara foi uma grata surpresa, pois nas pesquisas realizadas nos anos anteriores, ela não se
prontificou a nos autorizar a observação de suas aulas. Porém, nesta pesquisa, ela não
permitiu as observações como se prontificou de imediato a ter suas aulas gravadas. Nesses
momentos notamos que os participantes realmente percebem quando uma pesquisa se
compromete com os seus participantes.
Antes que a geração de dados audiovisuais em si fosse iniciada, foram elaborados
consentimentos informados personalizados para professores e alunos (ver ANEXOS 2 e 3), a
fim de obter autorização para o uso das imagens e do material gravado para a pesquisa. A
vivência na comunidade possibilitou o entendimento de que o texto para os alunos e seus
47
responsáveis deveria ser simples e direto em sua explicação, que formulários anteriores,
devido a seu detalhamento técnico, tornaram o entendimento difícil para alguns familiares
desses alunos. Para esta pesquisa não houve problema na devolução, até porque, mais uma
vez, me vali da técnica de distribuir brindes para aqueles que trouxessem o formulário
devidamente assinado como forma de agilizar o processo. Não poderíamos nos estender nessa
fase, pois a próxima seria longa.
As atividades das salas de aula registradas se realizaram entre os meses de outubro e
dezembro de 2006. As gravações foram realizadas com duas câmeras de vídeo, sendo que
uma ficava posicionada na parte da frente da sala, enquanto a outra ficava no fundo da sala,
em uma relação perpendicular, para que fosse possível capturar a sala como um todo. Antes
das gravações, foram realizadas ambientações, ocasiões em que levávamos as câmeras e as
posicionávamos conforme ficariam no dia da gravação efetiva. O resultado foi muito positivo,
pois a novidade deixava de existir nos dias das gravações.
24
Portanto, os dados utilizados nesta pesquisa fazem parte do corpus do projeto de
pesquisa de 2006, com foco nas C30s, duas turmas do último ano do ensino fundamental.
Foram 16 horas de interação registradas e 32 horas de gravação
25
, pois o registro foi feito com
duas câmeras, mas são analisados neste trabalho somente os dados gerados na aula de Inglês –
10 horas de interação e 20 horas de gravação. Além disso, fazem parte dos dados, as notas de
campo e as entrevistas realizadas na fase de pesquisa colaborativa. O quadro abaixo resume as
atividades realizadas durante a geração de dados audiovisuais:
Quadro 3 – dados referentes às gravações realizadas em 2006
24
As gravações foram feitas em conjunto com Lia Schulz, Alexandre Almeida e Pedro Garcez.
25
A distinção entre horas de interação e horas de gravações se deve ao fato de que os ângulos captados pelas
câmeras privilegiam partes diferentes da sala de aula, fazendo com que as imagens geradas se complementem.
Em alguns dos excertos apresentados, a análise foi feita com base na imagem de duas meras, enquanto em
outros foi necessário assistir as imagens de apenas uma câmera.
48
Gravações
Turma Disciplina Data Horas Fitas
02 VHSC
C31 Ciências 17/10/2006
01
01 8mm
04 VHSC
C31 Ciências 25/10/2006
02
01 8mm
02 DVC
C31 Inglês 20/11/2006
02
01 8mm
02 DVC
C31 Inglês 27/11/2006
02
01 8mm
02 VHSC
C32 Ciências 17/10/2006
01
01 8mm
26
04 VHSC
C32 Ciências 25/10/2006
02
01 8mm
02 DVC
C32 Inglês 20/11/2006
02
01 8mm
02 DVC
C32 Inglês 27/11/2006
02
01 8mm
02 DVC
C31/C32
27
Inglês 02/12/2006
02
01 8mm
12 VHSC
08 8mm
TOTAL 16h
10 DVC
Após expor como foi realizada a geração de dados desta pesquisa, passo a relatar
como foi feita a análise de dados.
2.3 Métodos de análise de dados
Nesta seção, reporto os métodos de análise de dados utilizados nesta pesquisa.
Também são relatados os procedimentos segundo os quais os dados audiovisuais foram
digitalizados, segmentados, transcritos e analisados de acordo com a perspectiva
microetnográfica (ERICKSON, 1990).
Depois de finalizada a fase de geração de dados audiovisuais, as gravações foram
submetidas ao processo de digitalização, pois as câmeras utilizadas gravavam vídeos em
26
Mesma fita utilizada em 17/01/2006 na turma C31.
27
As duas turmas estavam juntas.
49
mídias distintas mini-DVD, 8mm e VHSC.
28
Nas pesquisas anteriores, transformávamos a
mídia (8mm) em uma fita VHS, mas com a defasagem desse tipo de tecnologia, procuramos
transformar as dias em DVD. Para tal, foi necessário que nos ambientássemos em um
programa que permitisse esse tipo de adaptação. Após adquirirmos um computador adequado
para o programa
29
, foi instalado o Studio 9, programa de edição e conversão para DVD. Todos
os dados audiovisuais gerados para esta pesquisa foram digitalizados nesse programa,
permitindo, assim a criação de um acervo eletrônico de dados em DVD dos quatro projetos de
pesquisa (GARCEZ, 2006)
30
.
A partir do corpus de gravações, passei a selecionar os segmentos que seriam
analisados. A seleção dos segmentos se deu inicialmente pela visualização na íntegra do
registro audiovisual, fazendo, assim, um levantamento dos segmentos, que, posteriormente,
seriam selecionados para uma análise individual (ERICKSON, 2002). A seleção para esse
trabalho se deu em função das duas estruturas de participação que tinham chamado a minha
atenção no momento das gravações das aulas de Inglês. Primeiramente, foram selecionados os
segmentos referentes as atividades de revisão de Língua Inglesa. Depois foram selecionados
segmentos referentes ao debate de questões sociais contemporâneas. Dessa forma, ao separar
os segmentos pertencentes a cada estrutura de participação, os aspectos que tornam as
estruturas de participação distintas foi se evidenciando.
Passei, então, para a transcrição das interações, conforme a perspectiva da Análise da
Conversa (ATKINSON & HERITAGE, 1984; TEN HAVE, 1999; BUCHOLTZ, 2000). As
convenções dessa perspectiva em pesquisa (ver ANEXO 1) registram hesitações, pausas,
28
Apesar de terem sido utilizadas duas meras em cada gravação, uma teve que ser substituída por problemas
técnicos, portanto, no total, foram utilizadas três câmeras.
29
Financiado pelo CNPq (processo 400872/2006-4)
30
O projeto de pesquisa “Interação Social e Etnografia do Projeto Político-Pedagógico da Escola Pública
Cidadã” engloba os quatro subprojetos. O projeto é apoiado pelo CNPq.
50
repetições e outros aspectos por fazerem parte da fala-em-interação, como aspectos não-
verbais, por exemplo, que também são passíveis de análise (LODER, no prelo).
(...) na maioria dos casos, a produção verbal dos participantes é tomada
como a base para o entendimento da interação, com detalhes visuais
selecionados sendo agregados a esse entendimento para tornar a análise
mais completamente uma análise de interação face a face (TEN HAVE,
1999, p. 09, ênfase no original)
31
.
A transcrição é um passo analítico (OCHS, 1979), pois as escolhas do pesquisador
estão orientadas por objetivos analíticos (DURANTI, 1997; GARCEZ, 2002; GAGO, 2004).
Além disso, qualquer modelo de transcrição utilizado estará sempre a serviço dos propósitos
teóricos, pois ela estará fundamentada pelas escolhas teóricas, metodológicas e analíticas do
transcritor (LODER, no prelo). Em algumas transcrições foram adicionados aspectos
multimodais como complemento, lidando especialmente com aspectos não verbais que se
mostraram relevantes para a análise, tudo isso na busca de uma visão êmica.
A transcrição de fala-em-interação de sala de aula é extremamente onerosa e complexa
de ser feita. Uma razão é o número de participantes, entre dez e trinta pessoas, no caso desta
pesquisa. Não foi raro encontrar momento em que mais de uma pessoa falava ao mesmo
tempo, às vezes três, quatro, cinco... dez. Por isso, optei em transcrever segmentos
representativos de estruturas de participação dominantes, isto é, momentos em que os
participantes estão orientados para um único foco de atenção, excluindo, assim, conversas
paralelas. O uso de duas câmeras resolveu um problema antigo, a dificuldade na identificação
de alguns participantes, pois o posicionamento delas permitiu que todos fossem gravados. As
informações advindas da observação participante também auxiliaram na transcrição.
Os segmentos selecionados para análise foram identificados da seguinte forma:
Primeira linha: número e nome do excerto, tudo em negrito (excerto 1 – “Nurse”);
31
No original: In most cases, the verbal production by the participants is taken as a base-line for the
understanding of the interaction, with selected visual details being added to this understanding to make the
analysis more completely an analysis of face-to-face interaction.
51
Segunda linha: turma, data, tipo de mídia e a duração (
C3120112006-H800:38:03-00:38:20
).
O interesse pelos aspectos seqüenciais da interação motivou a escolha do modelo de
transcrição utilizado na Análise da Conversa Etnometodológica. Cada segmento apresentado
no Capítulo 3 foi analisado seqüencialmente. A partir da transcrição e da visualização repetida
do registro audiovisual, foram analisadas as ações dos participantes da interação, focalizando
o encadeamento de turnos. Assim, foi possível compreender como as ações empreendidas
pelos participantes se relacionam com aspectos que os próprios demonstram como relevantes
(a coordenação entre tomada de turno e direcionamento de olhar, por exemplo).
Como o processo de geração de dados não é neutro, por fazermos escolhas, o mesmo
pode ser dito do processo de análise, que se inicia durante a própria geração de dados e
consequentemente acaba influenciando as próximas etapas analíticas. Para a análise de dados
foi privilegiada a transcrição do dado audiovisual, delimitando as observações analíticas para
os limites impostos pela gravação. No entanto, quando senti a necessidade de
complementação de informações, recorri às anotações do diário de campo, pois elas mostram
como os participantes se orientavam durante o período de observações. Portanto, as asserções
analíticas deste trabalho foram construídas a partir das análises seqüenciais e
complementadas, em alguns casos, com o exame do diário de campo.
Na próxima seção, apresento com detalhes o universo em que a pesquisa foi realizada,
dando ênfase ao processo de elaboração de sua proposta pedagógica, que prima pela inclusão
social.
2.4 Uma escola vivida e pesquisada: o cenário de pesquisa
ENTRE DOIS MUNDOS:
CARACTERIZANDO O CAMPO DE PESQUISA
Mesmo para quem esteve no local onde fica a escola, não deixa de impressionar a
vista espetacular do lago Guaíba e de boa parte da zona sul da cidade. No entanto, o que
52
chama ainda mais atenção, mais do que a vista privilegiada, é o contraste quase que
cinematográfico em que se encontra a escola. No centro de dois mundos, dividindo duas
realidades de absurdas desproporções, está a “escola para todos”. O mundo da pobreza e da
riqueza se separa por míseros cinqüenta metros. Enquanto em um lado, casebres se
empilham uns sobre os outros, carroças fazem o transporte de materiais recicláveis e pessoas
aguardam na parada o ônibus que passa apenas de hora em hora, mansões, piscinas, jardins
floridos e carros de luxo fazem parte do “outro” lado. Uma ruela, ou melhor, a passagem”,
ao lado da escola, une esses dois mundos tão distantes, mas, ao mesmo tempo, tão próximos.
E no meio disso, literalmente, a escola.
Roupas rasgadas e mal cheirosas, cabelos desgrenhados, sapatos velhos e furados
trazem a tona uma realidade que todos sabem que existe, mas para a qual a maioria fecha os
olhos. No entanto, graças à magia da alegria dessas crianças, a pobreza acaba sendo
esquecida, mesmo que por algumas horas, pelo prazer de encontrar os amiguinhos que
compartilham as brincadeiras pueris, pelo lanche que faz esquecer a dor do alimento
racionado e pelos professores e funcionários que não se constrangem em estender a mão,
abraçar, beijar e, até mesmo, dar um “puxão de orelha” quando preciso.
Porém, não desses tipos vive a escola; o contraste não está apenas na paisagem,
mas entre os próprios seres que a constituem. Celulares dos mais diversos tipos; tênis e bonés
de marcas famosas; cadernos com acessórios, acabamentos especiais e, obviamente, com
personagens famosos na capa se tornaram parte desse cenário, algo pouco comum três
anos, quando visitei a instituição pela primeira vez. Pode-se notar esse contraste inclusive
entre os educadores, que se dividem entre aqueles que deixam os seus carros próximos das
belas casas que compõem o “lado rico” e aqueles que ou embarcam no ônibus que passa de
hora em hora ou pegam uma carona com os colegas motorizados.
O grande prédio de alvenaria onde se localizam as salas de aulas, secretaria, sala dos
professores, biblioteca e laboratório de informática marca uma nova era, bem diferente
daquela em que pavilhões de madeira pouco protegiam do frio e tornavam o verão ainda
mais sufocante. Porém, como o passado nunca deve ser esquecido, um prédio de madeira que
tem duas salas de aulas restou. Também um prédio onde funciona o refeitório e um salão
para a prática de esportes, tudo muito amplo e arejado. No entanto, o local favorito de
grande parte dos estudantes é uma área aberta recém ampliada, que abriga uma quadra de
esportes e uma pracinha, sem luxos, mas perfeito para gastarem toda a energia que ninguém
duvida que eles tenham.
53
Enquanto não há aulas, os alunos costumam jogar futebol na quadra (meninos),
brincar na pracinha, correr pelo pátio ou sentar nos bancos de concreto. O período da
manhã, que a minha investigação privilegiou, tem aproximadamente 100 alunos, que em sua
maioria está na faixa dos onze aos dezesseis anos. Não uma separação clara por idade
durante o período em que estão no pátio, mas por sexo. Enquanto as meninas costumam
conversar em pequenos grupos, os meninos correm ou jogam futebol. É comum vê-los
praticando esportes ou brincando com os mais novos, é claro, privilegiando-se da vantagem
de ser mais velho e fisicamente maior nada que alguns de nós não tenhamos feito em um
passado não tão distante.
O universo desta pesquisa é uma escola cuja história de luta se confunde com a
história da comunidade onde ela se insere (MOLL, 2000). Caso haja uma palavra com a qual
possamos definir essa escola é engajamento: dos educadores, para construir uma escola para
todos; da comunidade, para a permanência da escola, enfim, de todas as partes e de todos os
lados.
Trata-se de uma escola de pequeno porte, com aproximadamente 300 alunos
distribuídos em três ciclos nos turnos da manhã e tarde, e cerca de 30 educadores (TITTON,
2006). Conta com um prédio de alvenaria onde se localizam as salas de aulas, secretaria, sala
dos professores, biblioteca e laboratório de informática; um prédio de madeira que tem duas
salas de aulas; e um prédio onde funciona o refeitório e um salão para a prática de esportes.
Também conta com uma área aberta recém ampliada, que abriga uma quadra de esportes e
uma pracinha. Enquanto não há aulas, os alunos costumam jogar futebol na quadra (meninos),
brincar na pracinha, correr pelo pátio ou sentar nos bancos.
A história da escola se inicia em 1965, com a sua construção no alto de um morro,
inicialmente como uma Escola Estadual. Vinte anos depois, após a criação de um condomínio
residencial de luxo nas proximidades, a instituição teve que ser deslocada para a parte mais
baixa do morro, e aí começa a sua história de luta. Unidos, educadores e comunidade,
resolveram criar ações voluntárias a fim de reabrir a escola como um anexo da Escola
54
Estadual, o que foi obtido em 1986. Além disso, a mobilização conseguiu a municipalização
da antiga escola. Assim como a escola, a comunidade se fortalecia e se unia ainda mais com a
criação da Associação dos Moradores e Clube de Mães (TITTON, 2006).
Nos anos noventa, uma nova luta foi estabelecida, dessa vez com alto índice de evasão
escolar e repetência. Várias ações foram implementadas, como a criação de grupos de estudos
e, a mais importante delas, uma proposta pedagógica que englobasse aprendizagem e
inclusão. Inicialmente, apenas alguns educadores se organizaram para tal, mas, aos poucos,
houve um consenso de que a organização de uma nova proposta pedagógica seria fundamental
para resolução dos problemas citados. Porém, poucos daqueles educadores conheciam
suficientemente bem a comunidade onde a escola estava inserida, conforme Titton e Moojen
(2006):
Nesse momento, tendo como referência as concepções e as experiências
individuais, bem como as hipóteses construídas coletivamente, a partir de
descobertas acumuladas e organizadas, bem como dos conhecimentos
produzidos no contexto escolar, o que se tinha em vista era encarar uma
diferente modalidade de conhecer melhor o espaço físico e a diversidade de
condições de moradia e de vida de nossos alunos e pontos peculiares do
Morro A. – conhecimento esse que poucos realmente tinham (p. 22).
Por essa razão iniciou-se uma incursão do grupo de educadores na comunidade,
realizando visitas e entrevistas com os moradores, que em sua maioria mantinha alguma
relação com algum aluno da escola. Com essas visitas ficou claro como o conhecimento da
comunidade seria relevante para a construção de uma proposta pedagógica de inclusão.
Tópicos como violência, sexualidade e educação foram enfatizados, inclusive com a criação
de oficinas e cursos que serviriam de base para o planejamento do trabalho pedagógico
daquele ano (TITTON E MOOJEN, 2006).
Em 1994, com o apoio do Núcleo de Estudos, Pesquisa e Assessoria em Educação
Popular da UFRGS, a escola deu início ao seu próprio projeto de pesquisa, denominada como
“sócio-antropológica”. O objetivo era conhecer melhor o seu aluno, o seu ambiente familiar e,
55
assim, implementar o projeto político-pedagógico. Após a sistematização e organização da
pesquisa, os educadores visitaram e entrevistaram algumas famílias. As notas de campo
registradas geraram um arquivo com material riquíssimo a respeito daquela comunidade. Foi
nesse mesmo período, após a sistematização dos resultados, que foram escritos os princípios
pedagógicos que regem a escola como um verdadeiro mantra até os dias de hoje (TITTON,
2006, p. 39). São eles:
Todos os alunos podem aprender;
Todos os alunos devem permanecer na escola;
Diferença não é deficiência;
O trabalho de grupo qualifica a aprendizagem;
Aprendizagem e “disciplina” não são aspectos excludentes, mas ocupam espaços
diferentes.
Ainda segundo Titton (2006), esses princípios pedagógicos:
Representaram, na época de sua formulação, não uma antecipação de
intenções e ações, mas a assunção de compromissos, legitimamente
autorizados pelos estudos, descobertas e experiências que os professores,
agregando funcionários, vinham realizando (p. 39-40).
O resultado da pesquisa sócio-antropológica foi organizado em um relatório chamado
“Uma Escola Vivida e Pesquisada” (MOOJEN ET AL, 1997). O conhecimento sobre a vida
do aluno, seu ambiente familiar, refletindo diretamente no ambiente escolar, e a mudança de
atitude no corpo docente, mais consciente da realidade que o cerca, foram os principais
resultados dessa pesquisa (TITTON E MOOJEN, 2006).
A década de noventa também foi marcante para a história da escola por ser o período
em que a Secretaria Municipal da Educação, então administrada pelo Partido dos
Trabalhadores, determinasse a implementação da organização do ensino por ciclos. Além
disso, o orçamento participativo chegou à comunidade, com as reuniões feitas na escola, o que
56
resultou, entre outras conquistas, o tão solicitado prédio de alvenaria, entregue em 2005.
Apesar das imposições, a escola sempre manteve uma relação de independência em relação à
Secretaria, procurando reforçar uma postura de autoria e autonomia frente às propostas da
Administração Popular (SCHLATTER E GARCEZ, 2002).
Uma marca da escola e de seus educadores é a produção constante de material
pedagógico. Temos, por exemplo, quatro coletâneas chamadas “Relatos de Experiências um
espaço de autoria”, produzidas entre 1995 e 2006, que tratam de diferentes temas relativos à
prática pedagógica. Aliás, essa é uma preocupação do grupo de educadores da escola, tanto
que eles realizam reuniões semanais e noites de formação mensais, sobre os mais diversos
temas, sempre investindo em suas formações, implementando conhecimentos e
compartilhando experiências. Em 2006 foi lançado o livro “Uma Escola para Todos e uma
Escola para Cada Um” (PERSCH ET AL, 2006), em que boa parte do corpo de educadores da
escola relata experiências, além da própria história da escola o seu nascimento, a
mobilização da comunidade e educadores e a implementação do projeto político-pedagógico
de engajamento e inclusão.
É em ações como essas que vemos a importância da preservação da memória coletiva
do grupo de educadores. Desde o princípio de sua caminhada (PERSCH ET AL, 2006), a
preocupação da escola quanto à questão da inclusão vinha sendo debatida e a partir daí
surgiu toda a mobilização que tornou a escola o que é hoje, um local em que reflexão e prática
andam de mãos dadas. A busca de implementações e melhorias em suas práticas e projetos é o
que torna essa escola tão especial. Não há comodismo; há engajamento.
2.4.1 Apresentando os participantes
Os dados analisados neste trabalho foram gerados em duas turmas do terceiro ano do
terceiro ciclo (C31 e C32) no ano de 2006. A escolha se deu porque os trabalhos anteriores do
grupo de pesquisa contemplaram o primeiro e o segundo ciclos, faltando registros, apenas, do
57
terceiro ciclo. Além disso, era a primeira vez que pesquisávamos no turno da manhã, em
turmas com um professor para cada disciplina, diferentemente das turmas pesquisadas
anteriormente, que tinham um professor regente, um professor de Educação Física e um
professor de Língua Estrangeira.
A C31 era formada por quinze alunos, nove meninos e seis meninas, com idades entre
quatorze e dezesseis anos. A C32 era formada por quatorze alunos, dez meninos e quatro
meninas, com idades entre 14 e 17 anos. Devido às faltas, poucas vezes as turmas tinham mais
do que dez alunos em sala. No quadro abaixo, apresento a composição das turmas (em ordem
alfabética dos pseudônimos).
Quadro 4 – alunos das turmas C31 e C32 em 2006
C31
Abelardo Adriana Alan
Beatriz Carina Cibele
Clarissa Emerson Everton
Henrique Lauro Marcos
Maíra Roberto Sílvio
C32
Alexandre Aline Carlos
Clarissa Glauber José
Luciano Luíza Mariane Marcelo
Paul Ramiro Thomas
Ubiratan Samanta
Os dados foram gerados durantes as aulas de Língua Inglesa ministradas por Clara,
uma das professoras mais antigas do quadro docente e integrante da equipe que realizou a
pesquisa sócio-antropológica que visava implementar o projeto político-pedagógico da escola.
Clara, em 2006, ministrava aulas de Inglês para as turmas do primeiro e terceiro ano do
terceiro ciclo, pela manhã, além das aulas no Laboratório de Aprendizagem, à tarde. Com
aproximadamente 20 anos de docência, Clara também lecionava em uma escola da rede
privada de Porto Alegre. Na pesquisa realizada em 2003, ela não se propôs a ter suas aulas
observadas, mas, em 2006, ela concordou com a observação e o registro.
58
2.5 A fase de pesquisa colaborativa
Na seção 2.2, em que foram tratados os métodos de geração de dados, foi relatado que
pesquisas que tenham como perspectiva metodológica a Microetnografia Escolar têm algumas
limitações, sendo uma delas a possibilidade do pesquisador necessitar de informações de
contextos que nem sempre estão nos dados registrados (ERICKSON, 1990; SCHULZ, 2007).
Uma forma de superar essa limitação é a observação participante, o que nesta pesquisa foi
feita de forma intensiva, permitindo um conhecimento apurado da orientação dos
participantes,
Outra maneira de superar essa limitação é por meio da pesquisa colaborativa. Neste
trabalho, a colaboração dos participantes representa um desafio e um avanço metodológico:
um desafio, pela delicadeza em apresentar uma análise de dados que de certa maneira pode
deixar o participante em uma situação delicada ou vulnerável; um avanço, porque há sempre a
alegação de que as pesquisas não devolvem aos seus participantes os resultados, mantendo
contato com eles apenas na fase de geração de dados. Nesta pesquisa, a devolução foi e será
feita de duas formas: uma devolução foi feita para uma das participantes, que se tornou uma
co-pesquisadora ao acompanhar parte do processo da análise; a outra será para todo o grupo
de educadores da escola em uma noite de formação, em que todo o grupo de pesquisa
apresentará os seus respectivos trabalhos.
Desde o princípio deste projeto de pesquisa estava determinado que um ou mais
agentes educacionais fariam parte do processo de análise de dados. Tudo dependeria do curso
que a pesquisa tomaria. Por um tempo a idéia era solicitar a colaboração de duas professoras,
justamente aquelas que permitiram as gravações de suas aulas. Contudo, durante a análise de
segmentos de fala-em-interação de sala de aula, constatei uma grande diferença nas estruturas
de participação em atividades de uma mesma aula de Inglês. Por essa razão, decidi, então, que
59
a atividade de investigação colaborativa se deteria em apenas uma participante. Os dados da
aula de Ciências serão objetos de análise futuramente.
A negociação para a realização da análise colaborativa se deu da seguinte forma: com
as primeiras conclusões da análise de segmentos de fala-em-interação de sala de aula de
Língua Inglesa, fiz uma visita à escola com o intuito de conversar com Clara a respeito de
minhas descobertas e da possibilidade de apresentá-las a ela para consultá-la sobre as
asserções analíticas que estavam sendo formuladas. Ela se mostrou disposta em marcar uma
data para que nos reuníssemos e assim discutir mais detidamente as análises. Assim foi feito;
marcamos uma data e nos reunimos para rever a minha análise. Assim, análises de alguns
dados foram apresentados a essa participante, possibilitando que ela opinasse a respeito da
análise apresentada e acrescentasse informações relevantes. Posteriormente um outro encontro
foi realizado. Somando os dois encontros, foram aproximadamente duas horas e meia de
discussões produtivas, que serão relatadas no Capítulo 4.
O objetivo da pesquisa colaborativa foi possibilitar que essa participante se
constituísse em co-pesquisadora a partir da problematização de seus contextos. Ao realizar
pesquisa com os educadores no contexto escolar e não sobre eles, espera-se contribuir nos
seus processos de formação contínua, que é tão enfatizado no sistema municipal de ensino de
Porto Alegre. A pesquisa colaborativa permite o diálogo com os sujeitos de pesquisa,
tornando a interação qualitativamente diferente das formas mais tradicionais de pesquisas, que
isolam pesquisadores de pesquisados. Florio-Ruane (2001) argumenta que esse tipo de
diálogo permite uma reflexão crítica, conjunta e mais fidedigna das problematizações das
ações e das práticas pedagógicas dos sujeitos de pesquisa.
2.6 As perguntas de pesquisa
Com o objetivo de descrever e contrastar duas estruturas de participação observadas na
fala-em-interação de sala de aula de Língua Inglesa nos encontros de duas turmas de uma
60
escola municipal de ensino fundamental de Porto Alegre, visando discutir a natureza da
construção conjunta de conhecimento que os participantes empreendem em dois tipos de
atividades, foram elaboradas as seguintes perguntas que nortearam a pesquisa:
1. Como se dá o ensino de Inglês como Língua Estrangeira na escola investigada?
1.1 A fala-em-interação de sala de aula se dá por encadeamento de seqüências IRA?
1.2 Há priorização de produção de formas lingüísticas esperadas pela professora?
1.3 Há espaço para improvisações?
2. Em determinados momentos a professora põe em pauta tópicos não relacionados com a
Língua Inglesa (mas de acordo com os preceitos da escola), como, por exemplo, a
discussão sobre o mercado de trabalho, sexualidade e comparações com escolas privadas.
Com relação a isso:
2.1 Em que âmbito se a diferença no modo de condução desse tipo de discussão com
relação, por exemplo, a aula de Inglês em si?
2.2 Qual a importância dessas discussões? Isso também é considerado “aula”?
3. Como essa professora vê as suas práticas pedagógicas a partir dos resultados de
pesquisa produzidos pela análise de dados de fala-em-interação de sala de aula?
4. Qual relação pode ser feita entre as estruturas de participação encontradas e a noção
situada de construção conjunta de conhecimento?
É importante ressaltar que essas não são as perguntas presentes no projeto de pesquisa,
mas as perguntas que respondem este relatório de pesquisa. Isso se deve às modificações
decorridas no percurso desta pesquisa, conforme relatado na Introdução deste trabalho.
Neste capítulo, apresentei o enfoque teórico-metodológico do trabalho, e os
procedimentos de geração e análise de dados gerados, tendo como guia a busca da visão
êmica. Também relatei a história exemplar do cenário de pesquisa, descrevi a fase de pesquisa
colaborativa e introduzi as perguntas que guiaram a pesquisa.
61
No próximo capítulo, apresentarei a análise de dados, examinando a diferença nas
estruturas de participação na fala-em-interação de sala de aula de Inglês e fazendo a relação
com a noção situada de construção conjunta de conhecimento.
62
3 INVESTIGANDO AS DISTINTAS ESTRUTURAS DE PARTICIPAÇÃO DA SALA
DE AULA DE LÍNGUA ESTRANGEIRA
No presente capítulo, apresento a microanálise de segmentos transcritos de fala-em-
interação de sala de aula com o intuito de evidenciar as distinções entre as duas principais
estruturas de participação encontradas e relacioná-las com a definição situada de construção
conjunta de conhecimento.
A análise está centrada em dois tipos de atividades: atividades de revisão (seção 3.1) e
atividades de discussão (seção 3.2). Denomino atividades de revisão as tarefas realizadas
pelos participantes com o objetivo de rever questões discutidas anteriormente. Já as atividades
de discussão, tomo como a exposição de opiniões e argumentos em que os participantes
compartilham conhecimentos para a manutenção da discussão. Em ambas as atividades,
encontramos preferências e restrições em termos de participação, que são construídas e
ratificadas pelos participantes.
A primeira seção tem como objetivo demonstrar como se dá a relação entre
participação e o conhecimento em pauta. Para isso se investigará como os participantes
organizaram a fala-em-interação nas atividades de revisão de tópicos gramaticais de Língua
Inglesa. O foco de análise estará na forma como a professora conduziu a interação, que tipo
de intervenção ela fez para conduzir a participação dos estudantes, qual estrutura de
participação predominou e como se caracterizou a participação dos alunos. A seção é dividida
em três subseções: a primeira subseção mostra o encadeamento de seqüências IRA, a
principal estrutura de participação desse atividade com propósito de revisão de tópicos
gramaticais de Língua Inglesa. Serão apresentadas três características dessa seqüência
triádica: a) a surdez da professora, b) o aluno como produtor de respostas, c) o jogo de
adivinhação. Em cada uma delas haverá um segmento de fala-em-interação transcrito para
análise. A segunda subseção demonstrará que a fuga de um roteiro pré-determinado pode
63
acarretar em momentos interacionais de “aperto” para a professora que organiza o encontro de
forma tradicional. Por meio de sua fala, um aluno cria uma atmosfera em que a fala da
professora é desafiada. Fica evidente o trabalho interacional custoso que a professora precisa
fazer para contornar a situação. A terceira subseção mostra o modo como a professora tenta
simultaneamente estabelecer uma estrutura de participação por meio de seqüências IRA e
lidar com alguns alunos que participam ativamente da aula. É interessante ver que, apesar da
imposição de uma estrutura de participação rígida, os alunos participam de várias maneiras.
Enquanto alguns se engajam na proposta da professora, outros fazem comentários e
brincadeiras. Segundo Rampton (2006), isso indica que esses alunos estão acompanhando a
atividade, mas de modo não-canônico.
A segunda seção tem como objetivo mostrar outra atividade da aula de Inglês:
discussões de temas da vida social contemporânea. O foco analítico, assim como na seção
anterior, também estará no modo como a professora conduziu a interação. As diferenças
encontradas serão ressaltadas, especialmente no que se refere à participação mais volumosa
dos alunos nessa atividade. Essa segunda seção é dividida em duas subseções. Na primeira
subseção será analisado um segmento cujo foco é uma discussão em sala de aula a respeito de
mercado de trabalho. O objetivo é demonstrar como a participação dos alunos se diferencia
em relação aos dados da seção anterior. Eles propõem o tópico, discutem e se alinham
(GOFFMAN, 1979/2002) uns com os outros. Enquanto isso, a professora serve de mediadora,
fazendo perguntas de esclarecimento e lidando de modos diversos com as contribuições dos
alunos. Na segunda subseção será apresentada uma nova discussão havida em sala de aula,
dessa vez sobre sexualidade. Analiso um segmento de fala-em-interação que uma boa
noção da complexidade da discussão e de como os alunos se posicionam frente a ela.
A terceira seção fará uma relação entre as estruturas de participação encontradas nos
duas atividades da aula de Inglês e a noção de construção conjunta de conhecimento
64
elaborada para este trabalho (seção 1.3). O objetivo é discutir a natureza da construção
conjunta de conhecimento que os participantes empreendem nas atividades da aula de Inglês
que apresentam estruturas de participação claramente distintas.
3.1 Conhecimento em pauta e participação dos estudantes: como se essa relação na
revisão de tópicos gramaticais de Inglês?
Buscando investigar e descrever as duas principais estruturas de participação de duas
salas de aula de Inglês de uma escola municipal de Porto Alegre, investigo, nesta seção, como
os participantes organizaram a fala-em-interação nas atividades de revisão de tópicos
gramaticais de Língua Inglesa. Os registros utilizados são de duas turmas do último ano do
terceiro ciclo e totalizam 10 horas de interação e 20 horas de registros audiovisuais.
A seguir faço a análise dos segmentos selecionados cujos participantes se dedicam a
revisar tópicos gramaticais da Língua Inglesa.
3.1.1 O encadeamento de seqüências IRA
Os excertos a serem analisados nesta subseção são oriundos de uma interação de duas
horas/aula da turma C31. Clara revisava com a turma tópicos gramaticais para a avaliação
escrita que seria feita nos vinte minutos finais da aula. Clara havia colado no quadro cartazes
com os tópicos gramaticais em questão (pronomes pessoais, sentenças afirmativas, negativas e
interrogativas e perguntas e respostas), deu uma explicação rápida e fez questões de
informação conhecida, pois foram avaliadas posteriormente, além de serem diretamente
relacionadas com o que ela havia acabado de explicar. Depois, seguiu para outros tópicos
gramaticais.
Os segmentos a serem apresentados tratam do momento em que Clara faz perguntas.
Fica evidente que a meta é testar o conhecimento do aluno, que se realiza pelo encadeamento
65
de seqüências IRA, impossibilitando maiores discussões, que os alunos se engajarão em
buscar e produzir a resposta esperada por Clara.
Abaixo, são apresentadas três características que ficaram evidentes nessa atividade.
Em cada uma delas há um segmento que dá a exata noção de como a fala-em-interação estava
organizada. No excerto abaixo, a turma revisava o significado e a tradução de perguntas e
respostas de alguns diálogos em Inglês, em um cartaz, colado no quadro. Antes, apresento a
organização espacial do dia.
Figura 1 – configuração da turma C31 no dia 20/11/2006.
a) A surdez da professora
Segmento 3 – “Who are you”
(C3120112006–H801:10:23-01:12:30)
001 Clara: >vamo lá< (.) a primeira (.) HOW ARE YOU,
002 (0,9)
003 Henrique: é:[:]
004 Beatriz: [quem] é vo[°cê°]
005 Henrique: [my] name is
006 Alan: °haha° ((risos))
007 (.)
008 Clara: WHO ARE YOU,
009 Henrique: >my name is °Henrique°<,
010 (. )
011 Clara: he?in? (.) ó tem o ho:w are you e tem o who:
012 are [you]
013 Abelardo: [como] está
014 Clara: hein, qual é o [como] está você e qual é o=
015 Abelardo: [who]
Lauro
Clara
Everton
Quadro
Emerson
Henrique Beatriz
Roberto Carina Alan
Abelardo
Sílvio
66
016 Clara: =quem é: você,
017 (0,6)
.
. ((74 linhas omitidas))
32
.
092 Clara: O DE BA:IXO (.) WHO ARE YOU,
093 (0,7)
094 Henrique: >who are you<
095 Clara <quem é vo[cê>]
096 Henrique: [>my] name is Henrique<
097 Clara: my name is (.) a não eu ã: se eu quisesse:
098 ã a resposta <my name is> eu perguntaria what’s
099 your name (0,4) mas aqui eu perguntei who are you
100 (.) >como é que eu dava< uma resposta mais curta,
101 Henrique: who are you, quem é você,
102 Clara: Eu sou:, I’m:,
103 Henrique: he is Henrique
104 (0,5)
105 Clara: vamos lá
106 (.) ((vira-se para o quadro))
107 Clara: I (.) am:,
108 (0,5)
109 Sílvio: Henrique
110 Clara: Henrique
111 (1,6)
112 Clara: I am Henrique ((escrevendo no quadro))
113 Henrique: e: se eu botar she is Henrique é e:le é,
114 Clara: yeah (.) ah não ela é Henrique she:?
115 Henrique: [[he is]
116 Clara: [[é ela.
117 ?: [[(não adianta)]
118 Clara: é.
119 Carina: °hehe° ((risos))
120 (.)
121 Clara: ã:: aqui (.) what’s your name,
122 ((continuam o exercício))
Nas linhas 01 a 17, vemos a busca de Clara por uma tradução para How are you? e para Who
are you?. Henrique tenta por duas vezes dar a resposta (l. 05 e 09), mas em nenhuma tem o
seu turno ratificado. Abelardo (l. 13) dá uma resposta diferente, e em português, que é
ratificada por Clara, que, a partir de então, busca o correspondente em inglês de cada sentença
(l. 14 e 16). Essa busca se segue por um bom tempo (linhas suprimidas) e somente a discussão
sobre a questão How are you? é concluída. Da linha 92 em diante, vemos que a busca de
Clara passou para a resposta para Who are you?, após ela fazer a tradução da mesma.
Ao tomar o turno (l. 09), Henrique responde (
my name is Henrique
) e Clara
considera a resposta inadequada, justificando a razão porque a resposta não serve naquele
32
O segmento completo está no ANEXO 4.
67
momento: ela quer uma resposta curta (l. 97-100). Se pensássemos em uma situação
cotidiana, contudo, a resposta “Meu nome é Henrique” para a pergunta “Quem é você?” seria
perfeitamente aceitável. Porém, vemos que Clara já tem em mente uma resposta que considera
adequada, fazendo com que qualquer outra seja recusada. A forma como Clara conduz suas
ações corrobora a asserção de Garcez (2006), que diz que o uso da seqüência IRA pode trazer
certa surdez por parte do professor. Na seqüência, ao não obter a resposta esperada de
Henrique (l. 103), Clara acaba produzindo ela própria a resposta desejada (l. 102, 107 e 112).
Fica evidente que, pelo encadeamento de seqüências IRA, Clara testa o conhecimento dos
alunos, que, por sua vez, não produzem a resposta esperada por ela. Henrique, por exemplo,
não tem ratificada uma resposta perfeitamente cabível, porque não era aquela que Clara
julgava como adequada. A surdez de Clara se faz presente nesse momento, ao não ratificar
uma resposta inesperada.
O próximo segmento a ser analisado apresenta uma configuração semelhante de
encadeamento de seqüências triádicas IRA. A revisão do conteúdo trabalhado durante o ano
continua. Clara apontou para um cartaz, colado no quadro, que continha uma série de
perguntas e respostas; leu em voz alta o conteúdo de uma das perguntas, e a turma traduziu e
respondeu as questões. Para facilitar a exposição, o segmento foi dividido em três excertos,
embora esteja reproduzido por inteiro no ANEXO 4.
b) O aluno como produtor de respostas
Segmento 4 – “A resposta completa”
(C3120112006-DV200:08:36–00:11:06/H801:13:51-01:16:19)
001 Clara: ã:: aqui. ((apontando para um pergunta do
002 diálogo))
003 (0,3)
004 Clara: what’s yo:ur occupa:tion,
005 (1,2)
006 Abelardo: qual a sua ocupação.
007 (.)
008 Clara: yeah.
009 (.)
010 Henrique: [°yeah°]
68
011 Clara: [what’s] your occupa:tion,
012 (.)
013 Henrique: stu:de[nt]
014 Beatriz: [s]tuden[t]
015 Emerson: [s]tudent
016 Clara: a resposta comp[le:ta]
017 Henrique: [I am] a studen[t]
018 Clara: [I] am: a student
019 Henrique: [°>eu sou bom<°]. °>eu sou bom<°. ((olhando para os=
020 Clara: [okay:],
021 =colegas que estão à sua frente ))
Após Clara avaliar positivamente a tradução feita por Abelardo (l. 08), vemos que não houve
qualquer pergunta explícita, como: “Qual é a tradução dessa frase?” ou “O que isso
significa?” No entanto, a rotina adotada por Clara é ratificada pelos demais participantes
nessa aula de revisão, em que a interação se dá na maior parte do tempo por meio de
encadeamento de seqüências IRA.
Clara inicia uma nova seqüência IRA (l. 11), desta vez em busca da resposta para a
pergunta e não mais da tradução. Após demonstrar não estar satisfeita com a resposta dada,
ela explica como seria a resposta que ela julga adequada (l. 16). Henrique, em sobreposição
com Clara, um novo candidato a resposta, que é avaliado positivamente por Clara através
de uma repetição (l. 18). Henrique (l. 19), demonstrando ter compreendido a repetição de
Clara como uma ratificação de sua resposta, se auto-elogia (
eu sou bom
).
Nessa primeira parte do segmento, vemos que os alunos se tornaram interacionalmente
competentes na participação nesse tipo de estrutura. Uma das razões para isso é o alinhamento
(GOFFMAN, 1979/2002) que se estabelece entre os participantes, projetando o lugar de cada
um na interação. Os participantes ratificam Clara como a participante com plenos direitos de
fazer perguntas de informação conhecida. Enquanto isso, a participação dos demais acaba
restrita a respostas aos questionamentos de Clara. Chamo a atenção para o fato de um deles
demonstrar satisfação de ter sido bem sucedido naquilo que Clara esperava dele (l. 19).
69
Na continuação do segmento, veremos a tentativa de Clara de seguir a revisão de
conteúdo por meio do encadeamento de seqüências IRA, quando uma resposta inesperada
desencadeia uma série de comentários e risadas.
Continuação (2° excerto)
022 Clara: e se eu dissesse nice to ?meet yo?u:,
023 Alan: too ?too
024 (.)
025 Clara: t(h)oo t(h)oo .hh,
026 Henrique: [hehe ((risos))
027 Abelardo: [hehe
028 ((toda a turma ri.))
029 Alan: [too too
030 Sílvio: [too t(h)oo
031 Henrique: [too too. isso aí é coisa me:i[ga.]
032 Sílvio: [haha]
033 Abelardo: [haha]
034 Clara: [mas: é]
035 Henrique: isso aí é me:igo(h). too too
036 ((toda a turma ri e Beatriz consulta o caderno.))
037 Sílvio: °)é macho. ((coloca o antebraço sobre a testa))
038 Clara: [ni:ce to ?meet ?you,]
039 Henrique: [.h hehe é macho ma[no:] ((também coloca o antebraço=
040 Clara: [EU] QUERO A RESPOSTA COM[PLE:TA]
041 Sílvio: [( )]
042 Henrique: =sobre a testa))
043 [dá tapa na cara de argentino]
044 Beatriz: [°nice to meet you too°]
045 Alan: haha[ha .hh] ((risos))
046 Sílvio: [°hehe°]
047 Henrique: [( )] [na faixa]
048 Clara: [SH:::::]
049 Henrique: hehehe ((risos))
050 Clara: engraçado que na aula passada vocês sa?biam dizer
051 [hoje vocês] esqueceram né::,
052 ?: [(ba::h)]
053 Beatriz: °nice to meet you too°
054 Henrique: [>qual sora<,]
055 Clara: [só a] Beatriz tá dizendo, tá a- a- [>°respondendo°<].
056 Henrique: [(nice to know=
057 Clara: vamos LÁ. nice to ?meet ?you::,
058 Henrique: =to you]
059 Beatriz: nic[e to meet you too.]
060 Alan: [nice to meet you (too [too)].
061 Clara: [nice] to meet you ?too:
062 Henrique: [quê que é isso],
063 Alan: [HA::[::]
064 Henrique(?) [(to to to)
065 Clara: mas na semana passada [°isso°]
066 Beatriz: [nã:o]
067 Alan: [nã:o, véio.] (foi mesmo °foi a
068 sora mesmo°)
065 Clara: [AH:: bo::m]
069 Beatriz: [na aula retrasada]
070 ((alguns alunos continuam comentando))
071 Clara: é. eu acho que ele não esta:va.
072 Henrique: >na aula retrasada eu tava
<
. na aula passada °que
70
073 eu não tava°
074 Beatriz: foi na aula que (ele) tava no jogo °eu acho°
075 Clara: ah:: tá.
076 Henrique: não. eu tava (° °) ((olhando para Beatriz))
077 ((a conversa continua entre os outros alunos))
078 Clara: >guris<. (.) nice to meet you é:: na verdade se eu
079 for traduzir literalmente, ni:ce quer dize::r ã:::
080 ó:timo (0,5) pr- ótimo em encontra:r [você.]
081 Henrique: (nó) to meet you°]
082 Clara: mas na verdade é prazer em te conhece:r,=
083 Sílvio: [tá. e a resposta (não tem)],
084 Clara: =[prazer em t- te] [encontra:r].
085 Henrique: [(nó) to meet you:,] (nó) to meet
086 you. ((olhando para Sílvio))
087 Clara: é assim ó. se eu digo assim, ã se eu disser pra ti
088 prazer em te conhecer, o quê que tu vai dize:r,
089 Henrique: (nó) to meet you. [(nó) to meet you]
090 Clara: [mas é igualme:nte] o:u
091 Sílvio: °)
092 Clara: prazer em te conhecer també:m. então prazer em te
093 conhece:r, prazer em te encontrar, prazer em te
094 encontrar (.) [<também>]
Nessa segunda parte do segmento, Clara (l. 25) repete o turno de Alan, um candidato à
resposta a uma pergunta feita por ela, e, diferentemente de Henrique no excerto anterior, essa
repetição não leva a cabo uma avaliação positiva, até porque ela ri ao mesmo tempo em que
fala (
t(h)oo t(h)oo .hh,
). Após essa avaliação negativa, uma série de risadas e imitações
da resposta de Alan é produzida pelos participantes. Além disso, a resposta de Alan se tornou
tópico para a invocação de identidade de gênero (l. 29, 32, 34, 36). Durante vários segundos, a
resposta de Alan, as reações de riso e menção a identidade de gênero se tornaram o foco
principal da interação.
33
Nas próximas linhas, vemos as tentativas de Clara de retomada do turno (l. 38 a 61).
Ela chega a utilizar um tom mais alto do que vinha usando (l. 40) e tenta mais uma vez que os
alunos respondam a pergunta feita (
EU] QUERO A RESPOSTA COM[PLE:TA
), mas não é
ratificada, pois, alguns participantes continuam comentando e rindo da resposta de Alan. No
entanto, entre essas reações, Beatriz (l. 44) uma resposta para a pergunta de Clara, que
33
A relevância da identidade de gênero apontada pelos participantes se fez presente em muitos momentos.
Almeida (em preparação) tratará desse tópico relacionando com a escolarização. Além disso, Almeida e eu
estamos elaborando um artigo que trata dessas questões (ALMEIDA E CONCEIÇÃO, em preparação).
71
ela fala em um tom muito baixo e não é ratificada. As risadas continuam, e Clara insiste em
retomar o turno (l. 34, 38, 40, 44 e 50).
Como os alunos não produziram a resposta esperada por Clara, ela (l. 50 e 51) passa a
tratar a situação como “esquecimento”, até que Beatriz, novamente, uma resposta (l. 53),
que é ratificada parcialmente por Clara (l. 52), pois o que é ratificada é a participação de
Beatriz e o fato de ela saber a resposta. A sua resposta em si não é ratificada, tampouco é
avaliada, pois Clara (l. 55 e 57) demonstra que quer uma resposta coletiva, deixando claro que
a resposta de somente uma participante (Beatriz) não é suficiente, pois a atenção de Clara está
focada em todos os participantes. Então, Alan e Beatriz respondem a pergunta, e a resposta de
Beatriz finalmente é ratificada (l. 61). Enquanto isso, os participantes passam a lidar com o
desconhecimento da sentença por Henrique (l. 62 a 76).
Henrique (l. 81) repete a sentença em inglês, corroborando que o desconhecimento
demonstrado anteriormente estava se desfazendo. Sílvio (l. 83) fala que sabe o significado
de Nice to meet you, e pede a resposta para essa saudação. Ele não é ratificado imediatamente,
pois no turno seguinte, Clara continua a explicação (l. 84), mas Henrique se auto-seleciona e
uma resposta (
(nó) to meet you:,
). Interessantemente, Henrique, que até pouco tempo
não sabia sequer do que se tratava a sentença, agora se candidata a dar a resposta para Nice to
meet you. Somente então, Clara, tenta resolver a dúvida de Sílvio, fazendo uma relação com a
saudação em português (l. 85 e 86). Apesar de a pergunta estar direcionada para Sílvio, quem
responde é Henrique, em Inglês (l. 89). Clara (l. 90) demonstra não estar satisfeita com a
resposta (
mas
), indicando que quer a resposta em português. Silvio (l. 91) fala algo, e Clara (l.
92 a 94) expande o que parece ter sido a resposta de Sílvio, enfatizando o “também” (l. 94),
que é essencial para diferenciar a pergunta (Nice to meet you) da resposta (Nice to meet you,
too)
72
Temos aqui uma seqüência semelhante às seqüências interacionais de “conjuntos de
tópicos relacionados” (TRS) tratada em Mehan (1985). Uma vez que se trata de uma
combinação de seqüência básica (l. 22, inicio de uma seqüência IRA) e uma seqüência
condicional (l. 29-36, invocação de identidade de gênero), que é evocada após uma avaliação
negativa de Clara (l. 25). O engajamento de Clara está em retomar a seqüência básica, ou seja,
a seqüência IRA.
Nessa segunda parte do segmento, vemos que Clara procura seguir a revisão de
conteúdos de Língua Inglesa por meio do encadeamento de seqüências IRA, mas uma
resposta produzida desencadeia uma série de comentários e risadas por evocarem questões de
gênero. Clara prefere tratar os comentários como esquecimento da resposta. Entre as
tentativas de Clara de retomar o turno, Beatriz produz a resposta para a pergunta feita por
Clara, que só foi ratificada quando os comentários cessaram, e, assim, todos poderiam ouvir.
No próximo excerto, apresento o fechamento do segmento.
Continuação (3° excerto)
092 Clara: prazer em te conhecer també:m. então prazer em te
093 conhece:r, prazer em te encontrar, prazer em te
094 encontrar (.) [<também>]
095 Abelardo: [igualmente] com é que é mesmo,
096 Clara: igualme:nte. [tá::],
097 Abelardo: [não.] [°o:°]
098 Henrique: [ocu]pation vaga:l.
099 Alan: hahahaha ((risos))
100 (.)
101 Clara: tá:::,
102 Abelardo: igualmente é como sora °em inglês°,
103 Clara: Ã::::: eu posso dize:r the same (.) for you, a mesma
104 coisa pra você:. ã:::
105 (0,9)
106 Clara: dep?ende mas n- só a palavra igualmente a gente não usa.
107 (0,5)
108 Clara: [tá::],
109 Abelardo: [e] se não gostar de conhecer, ((mexendo no boné))
110 Clara: se não gosta:r,
111 Abelardo: não.
112 Clara: ã ã ã a gente [>geralmente< diz assim] Ó:, ã it’s=
113 Sílvio: [(ah vale)ser cara dura e falar de uma vez.]
114 Clara: =a pleasure >por exemplo< a- [it’s]
115 Henrique: [no] [I no] I no I=
116 Clara: [sh::] ((para=
117 Henrique: =[no] ((assentindo negativamente com a cabeça))
118 Clara: =Henrique)).
73
119 Clara: [it´s] a pleasure to know you. (.) tá::, it´s a
120 pleasure é um prazer conhecer você. .hh ou it´s
121 not a pleasure
122 Henrique: it’s not a pleasure. ((assentindo negativamente com a
123 cabeça))
124 Clara: não é um prazer.
125 (2,6)
126 Henrique: yo ustedes:
127 (1,7)
128 Henrique: misturar inglês com espanhol.
129 (0,3)
130 Clara: ahn,
131 (.)
132 Beatriz: °não. não faz isso°
133 Henrique: °estudar inglês com espanhol°
134 Clara: certo. FECHO:U?
135 ((Clara pede que eles se organizem em filas para o
136 início da avaliação escrita.))
Nesse excerto temos a continuação da discussão de perguntas e respostas em inglês.
Após Clara explicar a tradução de Nice to meet you (l. 92 a 94), Abelardo (l. 95) pede a
tradução de “igualmente”, mas Clara (l. 96) apresenta um problema de entendimento,
considerando a pergunta de Abelardo como uma opção de resposta para Nice to meet you.
Abelardo, no entanto, tenta sinalizar para Clara o seu problema de entendimento (l. 97), mas
Henrique toma o turno e uma resposta a uma pergunta discutida alguns minutos antes, o
que causa risos e a não-ratificação da questão de Abelardo. Abelardo, novamente, faz a
pergunta (l. 102) e finalmente obtém uma resposta de Clara (l. 103 a 106). Imediatamente,
Abelardo faz uma nova questão (l. 109) e Clara faz uma verificação de entendimento que é
confirmada por ele (l. 111). Clara (l. 112 e 114) tem problemas na produção da resposta, com
uma série de hesitações, e Silvio, em sobreposição com ela, dá uma resposta. Henrique,
também em sobreposição com Clara, dá outra resposta, que em inglês (l. 115). Clara dá
uma resposta para Abelardo (l. 119-121), que é ratificada por repetição por Henrique (l. 122)
e repetida pela própria Clara (l. 124).
Analisando resumidamente os três excertos que compõem o segmento, vemos, no
primeiro, duas seqüências IRA encadeadas. No segundo, depois de Clara iniciar uma
seqüência IRA, uma questão de gênero é posta pela turma. Clara, por sua vez tenta diversas
74
vezes retomar o turno e dar continuidade a seqüência IRA (TRS, MEHAN, 1985). Além
disso, ela demonstra que quer a resposta de todos os participantes, ou seja, um piso único
(McHOUL, 1978), e não somente de uma aluna, mesmo que estivesse dando a resposta certa.
Por fim, no terceiro excerto, Abelardo faz questões, alterando a configuração até então
estabelecida: aluno pergunta, professor responde. Clara tem problemas em lidar com essa
nova configuração, hesitando ao dar as respostas, fazendo com que outros participantes se
sobreponham a ela. É interessante a trajetória de Henrique, que inicialmente debocha de uma
resposta, depois demonstra desconhecimento dessa resposta e no final passa a produzir
respostas, inclusive em inglês.
O fato de se tratar de uma aula de revisão, cuja meta é recuperar conhecimentos
construídos anteriormente, e da professora claramente sinalizar que quer que todos, ou, ao
menos, boa parte dos alunos demonstre que o conhecimento é compartilhado, de certa forma
justifica a utilização da seqüência IRA, que se mostra eficiente para a meta da atividade. Ao
fazer a análise desses segmentos, o objetivo não foi associar a seqüência IRA a uma visão
negativa, mas o fato de a tríade ser a seqüência quase que única dessa atividade.
No próximo segmento, temos a continuação da revisão gramatical de Língua Inglesa
proposta por Clara em vista da avaliação escrita que a turma faria na semana seguinte. A fala-
em-interação continua sendo encadeada por seqüências IRA, e a semelhança a um jogo de
adivinhação fica evidente.
c) O jogo de adivinhação
Segmento 5 – “Maria is a nurse”
(C3120112006-H800:37:52-00:38:25)
01 Clara: eu tirei o nome e botei ?u:m (.) pronome.
02 >porque< o pronome substitu:i (0,3) o nome (.) tá:?
03 (0,3) então (0,7) em nomes masculi:nos né, pra nomes
04 mascu?linos (.) he. ele. então [he is a student]
05 e aqui: ((apontando para o cartaz)) eu (0,3) reduzi.
06 Henrique: he’s
07 Clara: tá:? he’s a stu
dent
08 (0,5)
75
09 Clara: aqui ((apontando para a quarta frase do cartaz))
10 (0,7)
11 Clara: Maria is a nurse.
12 (.)
13 Clara: o quê que quer dize:r?
14 (0,4)
15 Henrique: Ma[ria ]
16 Alan: [Maria] é
17 (0,5)
18 Henrique: a (nun)
19 (0,6)
20 Clara: o quê que é nurse,
21 Henrique: °)
22 Beatriz: [ã::] >péra aí< sora ((folheia o caderno))
23 Clara: [hu::m?]
24 Beatriz: [enf:- enfermeira]
25 Henrique: [acho que é (° °)]
26 Clara: I::sso:
27 (.)
28 Clara: é enfermeira.
29 (.)
30 Clara: tá:?
31 (.)
32 Clara: Maria is a nurse.
33 (0,7)
34 Clara: e aqui, she is a nurse,
35 ((continuam a discussão))
Após finalizar a explicação de uma outra sentença, mas do mesmo exercício de substituição
de nome por pronome pessoal, Clara começa a tratar de uma outra sentença, lendo-a, escrita
em inglês, e perguntando a sua tradução. Henrique e Alan (l. 17, 18 e 20) dão as respostas,
que claramente estão incompletas em termos de tradução, já que apenas o verbo é traduzido, e
o complemento não, ao menos do que se pôde compreender da fala de Henrique. Além disso,
a pausa da linha 17 sinaliza a dificuldade de produzir a tradução de nurse.
Clara sinaliza que as respostas dadas ainda não estão de acordo com o seu propósito, a
tradução, perguntando especificamente o significado de nurse (
o quê que é nurse,
).
Henrique dá uma resposta, que, no entanto, não é compreendida por Clara, que inicia reparo,
sinalizando um problema de escuta (l. 23). Beatriz, após folhear o caderno à procura do
significado da palavra uma resposta, em sobreposição com Henrique, indicando incerteza
(l. 24). Henrique, também mostrando dúvida, também responde, porém, sua resposta é
inaudível. Clara, sem pausa, avalia positivamente a resposta de Beatriz (
I::sso:
),
76
demonstração explícita de que a questão feita era uma pergunta de informação conhecida.
Nesse caso, a informação era conhecida da própria Beatriz, pois ela consulta o caderno,
indicando a retomada de algo já visto.
Nesse segmento, a fala-em-interação de sala de aula se dá pela tríade Iniciação-
Resposta-Avaliação. Clara faz perguntas de informação conhecida por todos os participantes,
a fim de avaliar aqueles que respondam tais questões. Os turnos tomados por Clara são
explicitamente voltados à avaliação dos turnos dos alunos, que por sua vez se restringem às
respostas dessas questões. A interação vira uma espécie de “caça ao tesouro”, ou “caça a
palavra”, uma vez que enquanto não obteve a resposta desejada (enfermeira), Clara insistiu,
até chegar à resposta que queria. Essa busca à resposta desejada parece corroborar com o
objetivo de uma aula de revisão: recuperar algo construído anteriormente.
Durante as observações, observei a mesma estrutura de participação, mesmo não se
tratando de uma aula de revisão.
Quando Clara entrou na aula a maioria dos alunos já a aguardavam. Entrei
logo em seguida e cumprimentei os alunos. Enquanto isso, a professora
escreveu no quadro a data (August 14th, 2006). Logo em seguida, ela
perguntou se eles tinham traduzido o texto que ela tinha entregado na
última aula (...) Clara pediu que eles ditassem o texto em inglês para que a
tradução fosse feita conjuntamente. Um aluno leu uma frase, ela escreveu
no quadro, a turma traduziu e ela avaliou (...) Apesar de ela não estar
escrevendo as traduções no quadro, perguntou para a turma como se
escrevia “espaçosa”, por exemplo. Eles disseram como a palavra era
escrita e ela avaliou, “isso aí” (DIÁRIO DE CAMPO, 14/08/2006, p. 95-
96).
Analisando os três segmentos em termos das atividades realizadas e da configuração
espacial gerada (PHILLIPS, 2001), em que a disposição dos lugares na sala proporcionou que
o direcionamento do olhar dos alunos fosse para Clara, a interlocutora oficial desse encontro,
até então, vemos que o recurso central de organização das interações analisadas nesta
subseção (MEHAN, 1985) foi o encadeamento de seqüências IRA. A configuração proposta
por Clara foi ratificada pelos demais participantes. E com os participantes alinhados
77
(GOFFMAN, 1979/2002) com a proposta de Clara, temos uma aula cujo objetivo central foi
revisar conhecimentos construídos previamente. Ressalto o esforço dela em manter um piso
conversacional único na sala de aula (McHOUL, 1978), como visto na segunda parte do
segmento 4. Além disso, a utilização da seqüência IRA se mostrou eficaz na realização do
objetivo de uma aula de revisão.
Na próxima subseção, mostrarei como a fuga de um roteiro pré-determinado pode
acarretar em momentos interacionais de dificuldade para Clara, que, como vimos, organiza o
encontro de forma tradicional em boa parte dessa atividade de revisão.
3.1.2 A dificuldade com o inesperado
Nesta subseção, trato de um momento delicado em que ocorre a fuga ao roteiro
estabelecido até então. O segmento analisado ocorreu uma semana depois da aula de revisão
cujos segmentos foram apresentados na subseção anterior. Clara havia entregado para a turma
as avaliações feitas na semana anterior e propôs que fosse feita uma correção oral. Na prova,
havia um cabeçalho com itens que os estudantes teriam que preencher, como, por exemplo,
nome, turma, data, etc. No segmento abaixo, temos o momento em que ela relata que muitos
alunos tinham preenchido o item teacher (professor) com o nome traduzido para o inglês. Em
vez de Clara Maria, muitos colocaram Claire Mary
34
. Explicando que não se traduz nome
próprio, Clara tem um dos seus argumentos questionado por um dos estudantes, e fica
evidente que lidar com algo inesperado, ou seja, ter um aluno questionando a sua explicação é
uma situação delicada para Clara.
Como a organização da fala-em-interação da sala de aula analisada se na maior
parte do tempo por encadeamento de seqüências IRA, a possibilidade de um trabalho
interacional custoso diminui, mas, pelo visto, não se extingue. Temos aqui um exemplo que
34
Essa é a tradução para o inglês do pseudônimo adotado.
78
confirma o que foi dito por Rampton (2006), de que o aluno participativo na sala de aula
contemporânea cria uma atmosfera em que a fala do professor é desafiada.
Nesse segmento, Clara fala a respeito de um dos campos do cabeçalho: Teacher, em
que os alunos teriam que escrever o nome da professora. Antes do segmento, abaixo,
apresento a configuração espacial do dia.
Figura 2 – configuração da turma C31 no dia 27/11/2006.
Segmento 6– “Tradução de nomes”
(C3127112006H800:31:30-00:33:00/DV100:28:17-00:29:46)
01 Clara: e daí o student, bom né, aí cada um sabe o seu=
02 Emerson: o seu nome.
03 Clara: =e- não. AH teve gente que botou Claire Mary (0,4)
04 , o meu nome não é Claire Mary ((Clara, em pé,
05
segura a folha do teste com a mão direita e
06
gesticula com a mão esquerda))
07 Emerson: .hã
08 Alan: [há há]
09 Roberto: [há há][há há]
10 Clara: [o meu nome] é Clara (.) Maria. eu
11 sempre deixei muito cla:ro pra vocês que no:
12 inglê:s .h os nomes a gente não tradu:z, (.)
13 vocês já pensaram se por exemplo (.) ã Porto
14 Alegre fosse traduzida,
15 (1,3)
16 Clara: o nome Porto Ale:gre fosse traduzi:do,
17 (0,7)
18 Clara: tá::, quem é que saberia onde é que fica Porto
19 Alegre se fosse traduzido,
20 (0,6)
21 Clara: né::, então os no:mes[: eles são]
22 Sílvio: [>se eles tivessem]tradução<
23 (.)
24 Clara: né:, os nomes eles ficam do j:eito que eles são
25 , e e aí eles são >identificados em qualquer
26 lugar do mundo< nome próprio é nome próprio
Everton
Carina
Marcos Cibele
Henrique
Emerson
Silvio
Ubiratan
Beatriz
Abelardo
Maíra
Quadro
Roberto
Clara
79
27 [e não]
28 Abelardo:
[como é] que os países são traduzidos [(° °)]
39 Clara: [e não] se
30 traduz.
31 (0,4)
32 Clara: eles são traduzi:dos mas são ã:: um[:::]
33 Abelardo:
[que nem]
34 Brasil e Ingl[aterra]
35 Clara:
[umas coi]sas- mas são combina:das
36 , são as conve:nções (.) aí tudo bem por
37 exemplo Brazil com zê: (0,3) né,
38 Brazil com zê e Brasil com éss[e]
39 Abelardo:
[tá.] mas
40
Inglate:rra é:[::]
41 Clara: [Eng]land
42 Abelardo:
é.
43 Clara:
mas é que o no:me origina:l da en- Ingla- NÓ:S é
44 que traduzimos Inglate:rra
45 (0,8)
46 Marcos: [[(germano)
47 Clara: [[tá:,
48 (0,7)
49 Clara:
Inglaterra. na verdade Engla:nd land quer dizer
50 terra né, por isso nós traduzimos por Inglaterra
51 ::, então (0,5)((Henrique fala algo para
52 Marcos)) mas o nome conhecido no mundo inteiro não
53 é Inglaterra é England (0,8) né:,(0,6) e assim
54 vai.
Após produzir uma explicação sobre a não tradução de nomes próprios, Clara deflagra-se com
uma pergunta que invalida boa parte de sua explicação anterior: a tradução de nomes de
países. O modo como ela lida com a questão, inicialmente não satisfaz Abelardo, que fez a
pergunta (l. 28). Utilizando um exemplo dado por ele, Clara lida exclusivamente com a
tradução Brasil/Brazil e England/Inglaterra. Para explicar esse tipo de tradução, ela fala em
convenções. No entanto, fica evidente a dificuldade de Clara em lidar com o inesperado pelas
suas hesitações (l. 32) e pela expressão “e assim vai” (l. 53 e 54), demonstrando o seu
interesse em fechar essa discussão.
Nesse segmento, diferentemente dos demais apresentados na subseção anterior,
Abelardo não se alinha com o posicionamento de Clara, até porque ele altera a sua postura
com relação à proposta de Clara (GOFFMAN, 1979/2002), ratificada até então por todos os
participantes.
80
Erickson (1982) aponta a fala-em-interação de sala de aula entre altamente ritualizada
e altamente espontânea, portanto, por mais restrita que seja a estrutura de participação de uma
atividade, sempre a possibilidade de subverter a ordem e de modificar essa estrutura. O
fato de a fala-em-interação de sala de aula não apresentar uma estrutura uniforme é que
permite que uma prática mais tradicional se depare com momentos como esse, de improviso.
Uma das funções atribuídas à seqüência IRA é o controle social do aluno, pois “reforça a
hierarquia entre os participantes e apresenta a informação dada como verdade para todos os
efeitos práticos, a despeito de sua apreensão cognitiva, intelectual ou política.” (GARCEZ,
2006, p. 69). No entanto, vimos que nem sempre o que é trazido como verdade pelo professor
é aceito, e que ter a sua verdade discutida pode ser interacionalmente custoso, para o
professor, ao menos em comparação com as seqüências empregadas até então.
Na próxima subseção, apresento uma análise da maneira como Clara lida com alguns
alunos que participam ativamente da aula e a sua tentativa de estabelecer a fala-em-interação
por meio do encadeamento de seqüências IRA.
3.1.3 Uma tentativa de construção de autoria
Nesta subseção analiso uma seqüência longa, em que Clara pede que a turma C32
traduza um diálogo proposto. Este segmento de aproximadamente oito minutos foi dividido
em excertos a fim de facilitar a exposição
35
. O interesse está em analisar como Clara tenta
organizar a interação por meio de seqüências IRA e, simultaneamente, lidar com alguns
alunos que participam ativamente da aula com ações que não aquelas que se encaixam na
seqüência. Ou seja, eles não trazem apenas respostas para avaliação de Clara. A forma de
participação é diversa, isto é, enquanto alguns se engajam na proposta de Clara de adequar o
diálogo para o contexto masculino, outros fazem comentários, brincadeiras, mas dentro do
35
O excerto completo está reproduzido no ANEXO 4.
81
contexto da atividade. Temos nos dados, portanto, a participação exuberante descrita por
Rampton (2006).
Clara havia preparado um cartaz que continha um diálogo entre duas meninas sobre
Fred, o namorado de uma delas, propondo uma revisão do conteúdo de Inglês feito até então.
Alguns minutos antes do segmento abaixo, Glauber se tornou alvo de várias brincadeiras de
seus colegas por traduzir uma das frases do diálogo (“Ele é Fred, o meu namorado”). Clara,
então, propõe uma atividade especialmente para os “espertinhos” (como ela própria chamou
os alunos), adequando o diálogo para o contexto local, já que havia dez meninos e apenas uma
menina na sala de aula.
Logo abaixo, apresento a configuração espacial da turma na sala de aula e a
reprodução do diálogo no cartaz elaborado por Clara, que estava colado no quadro
36
.
Figura 3 – configuração da turma C32 no dia 20/11/2006.
Figura 4 – reprodução do diálogo no cartaz elaborado por Clara.
A boyfriend
- Hello, Jane.
- Hello, Mary.
36
O diálogo estava em quatro folhas A4 coladas entre si, de aproximadamente 60cm x40cm. Nessa transcrição
foi adotado o itálico para diferenciar as participantes do diálogo, Jane e Mary. Originalmente foram utilizadas
duas cores: preto e azul.
José Thomas Luciano Paul
Luíza
Glauber
Abelard
o
Ramiro
Ubiratan
Carlos Nicolas
Quadro
porta
Clara
82
- Who is the boy in the picture?
- Guess!?
- Your boyfriend?
- Yes, he is Fred, my boyfriend!
- Oh, he is very nice. Is he short?
- No, he is tall and strong.
- How old is he?
- He is twenty. And he is an engineer.
Segmento 7 – “A girlfriend”
(C3220112006-H800:23:11-00:31:08/DV100:22:09-00:30:06)
01 Clara: ((estalando os dedos)) escutem só:.
02 (0,4)
03 Clara: o ?quê que eu teria que muda:r (0,4) pra ao invés de se:r
04 no masculino fosse (.) tudo no feminino, (0,5) o que
05 está no masculino fosse no feminino,
06 Glauber: em vez de ser [boyfriend], girl- gi:rlfriend
07 Ramiro: [a guél] ((girl))
08 José(?) [guélfriend] ((girlfriend))
09 Ramiro: girlfrie:nd.
10 Clara: tá. então-
11 Glauber: e colocar um nome de guria ali ((apontando para o
12 diálogo))
13 Clara: [ce:rto. vamos lá então],
14 Mathias: [em vez de ser] he is é she i:s.
15 (.)
16 Ramiro: [she]
17 Clara: [deixa] eu apagar isso aqui. ((apaga o quadro))
18 Ramiro: she’s.
19 (0,6)=((Glauber acena com a cabeça para Ramiro))
20 Mathias: she is
21 Clara: vamos lá ((continua apagando o quadro))
22 (2,2)
23 ((alguns meninos conversam entre si))
Assim como nos demais segmentos analisados, vemos Clara na tentativa de conduzir a
interação fazendo perguntas de informação conhecida. As respostas dos alunos são múltiplas.
Por exemplo, Clara demonstra satisfação (l. 10) com as respostas dadas para a pergunta que
fez nas linhas 03, 04 e 05. No entanto, vemos que novas respostas surgem (l. 11 e 14) após
essa avaliação de Clara. A questão da participação exuberante se torna relevante em
momentos como esse, em que participantes de uma interação encadeada por uma estrutura
fechada como a seqüência IRA, não se limitam em aguardar uma nova iniciação para produzir
uma resposta, mas, ao contrário, dão novas contribuições. Além disso, vemos que a
83
informação é conhecida por Clara e também por boa parte dos participantes, afinal, trata-se de
um revisão de conteúdo gramatical. Com as respostas em mãos, Clara tem o recibo de que a
atividade pretendida pode ser levada adiante e volta-se para o quadro, organizando-se para
escrever o novo diálogo no quadro.
No segundo excerto, Clara pede a conversão do tulo do diálogo (A Boyfriend) para
acomodar um diálogo entre dois rapazes.
Continuação (2° excerto)
24 Clara: vamos ver.(.) aqui. ((virada para o quadro))
25 (0,3)= ((meninos continuam conversando))
26 Clara: ao invés de boyfriend eu ponh?o:,
27 Ramiro: guélfriend ((girlfriend))
28 Clara: [girlfriend]
29 Glauber: [gi:rlfriend]
30 Clara: tá. então seria a [girl (0,6) friend] ((escrevendo))
31 Ramiro: [guél (0,6) friend]
32 Clara: okay. (0,9) ahan. (.) então o título ficaria a
33 girlfriend.
34 (0,5)
35 Clara: e aí,
36 (0,5)
37 Mathias: e aí, bele:za,
38 Clara: e aí, bele:za, (.) e aí o que mais eu mudaria,
39 Mathias: ao invés [de botar he] is é she is
40 Ramiro: [é o nome]
41 Clara: ã? ((apontando para Mathias))
42 Ramiro: °em vez de botar nome de guria°
43 Mathias: ali ó. ((apontando para o quadro)) em vez de botar
44 [he is]
45 Glauber: [em vez de ser ali ó] as duas gurias conversando
46 [colocar] dois ca:ra °conversando°
47 Clara: [mhm] ((direcionada para Glauber))
48 Glauber: [ali ó ( )
49 Clara: [ao invés de duas moças conversando dois (0,5)
50 dois rapa:zes, dois ca:ras conversando.
51 Ramiro: °o Glauber já [se interessou] sobre isso°.
52 Clara: [certo]
Vários participantes, quase todos em sobreposição, dão a mesma resposta para o novo título
(
girlfriend
), que é ratificada por Clara (l. 30, 32 e 33). Ela, então, fala algo que é tratado
como um cumprimento e respondido como tal (l. 35 e 37). Apesar de ratificar a resposta,
repetindo-a, Clara esclarece que não se tratava de um cumprimento, mas de uma solicitação
de mais informações (l. 38). Novas respostas são dadas, mas Clara demonstra problemas de
84
escuta (l. 41) com a resposta de Mathias (l. 39), não ratificando a resposta de Ramiro (l. 40),
que veio logo depois da produção de Mathias. No entanto, quem repete e expande a resposta é
Ramiro, que novamente não é ratificado, pois Mathias refaz a sua resposta (l. 43 e 44).
Glauber, por sua vez, também produz uma resposta, que é ratificada por Clara (l. 47, 49,50 e
52). Ramiro, o participante que não teve as suas respostas ratificadas, desta vez faz um
comentário, envolvendo Glauber (l. 51), ao associá-lo com os personagens do diálogo. Vemos
que um mesmo participante que se adequou ao roteiro proposto pode perfeitamente se
esquivar dele com comentários que não se relacionam diretamente com a discussão. Nesse
excerto, o comentário foi feito justamente por alguém que não teve a sua fala ratificada.
No terceiro excerto, vemos que a interação levada a cabo por seqüência IRA segue
ocorrendo.
Continuação (3° excerto)
94 Clara: Ã::: e aí,
95 ( ) = ((conversas paralelas entre alguns alunos))
96 Thomas: e aí, beleza
97 Mathias: e aí
98 Ubiratan: e(h) ai [hehe]
99 Clara: [na terceira] frase, who is the boy in the
100 picture, como [é que fica],
101 Ramiro: [who is] the guél ((girl))
102 Glauber: [who is] who is the gi:rl
103 (.)
104 Clara: who is the:,
105 Ramiro: guél ((girl))
106 Clara: girl in the picture.
Clara, faz algo semelhante ao excerto anterior perguntando e aí? As mesmas respostas são
dadas, ou seja, mais uma vez a pergunta é respondida na forma de cumprimento (l. 96, 97 e
98). Clara explicita o que quer (l.99 e 100) e respostas são produzidas (l. 101 e 102). Clara
produz uma elocução propositadamente incompleta
37
(KOSHIK, 2002), faltando justamente o
substantivo a ser modificado (l. 104). Ramiro dá o substituto, e Clara ratifica a resposta (l. 105
e 106). Vemos, até então, que os excertos se assemelham pelas seqüências IRA, mas também
37
Designedly incomplete Utterances (DIUs).
85
pelas respostas produzidas por múltiplos alunos. Até então, as perguntas feitas por Clara são
seguidas, na maioria das vezes, por respostas de mais de um aluno. Mesmo nesta parte do
excerto, que é bem curto, a resposta é produzida por dois alunos. Na continuação do
segmento, isso se repete.
Continuação (4º excerto)
124 Clara: continuando aqui. ((apontando para o cartaz)) o guess
125 Mathias: continu[a]
126 Clara: [po]deria se:r e aqui ((apontando para a linha
127 seguinte)) (0,4) [your boyfriend],
128 José: [your]
129 Ramiro: your [gélfriend] ((girlfriend))
130 Glauber: [your] [gi:rlfriend]
131 Clara: [ficaria] your girlfriend,
132 ((escrevendo no quadro))
133 Clara: ótimo.
134 Mathias: ye:s.
135 Clara: ahan.
.
. ((04 linhas omitidas))
.
139 Clara: yes:: ((lendo)) e aí, aqui tá yes, he is Fred my
140 boyfriend. como é [que ficaria],
141 Mathias: [quanto] agito
142 Ramiro: yes. daí um nome de guria ali ((apontando para o
143 cartaz)) [(°e daí°)]
144 Clara: [tá] e que nome de guria tu escolherias,
.
. ((30 linhas omitidas))
.
174 Clara: então ficaria (.) YE::S HE IS Dani.
175 Thomas: Dani.
176 Clara: É ISSO,
177 Ramiro: she is Dani.
178 Clara: Ã::,
179 (0,8) = ((conversa entre alguns alunos))
180 Clara: YES HE IS DANI É IS[SO],
181 Ramiro: [she] is Dani
182 Clara: AH:::
183 (1,7) = ((conversa entre alguns alunos))
184 Clara: she is Dani, okay,
185 (0,3)
186 Clara: yes she is Dani.
No excerto acima, vemos que a fala-em-interação segue organizada pelo encadeamento de
seqüências IRA, com múltiplos participantes no que concerne às respostas produzidas. Clara
faz uma pergunta, alguns alunos produzem respostas (l. 128 a 130), e a avaliação é positiva (l.
86
133). Nas linhas 139 a 144, vemos um outro exemplo de seqüência IRA, dessa vez com
apenas dois participantes: Ramiro e Clara.
Nas linhas 174 a 175 temos algo um pouco diferente: Clara sugere como uma das
frases do diálogo deveria ficar após a modificação. Vemos que ela uma sugestão
propositadamente incorreta através da ênfase no pronome he, que deveria ser substituído por
she. Fica claro que ela está testando a atenção dos demais participantes. Ramiro (l. 177)
uma outra sugestão, a correta, aliás. Clara demonstra problema de entendimento (l. 178) e,
após uma pausa, repete a sugestão feita na linha 174. Ramiro sequer espera ela finalizar o
turno e repete a sua resposta, que é prontamente ratificada por Clara (l. 182, 184 e 185).
Temos aqui uma variação na seqüência IRA, em que não há uma pergunta explicitamente
feita, mas a produção de uma sentença propositalmente incorreta cujo propósito é corrigir.
Na continuação do segmento, veremos como Clara lida com uma resposta diferente, e
mais sofisticada, do que a esperada.
Continuação (5º excerto)
228 Clara: certo. Ã::: DEPOIS,
229 Mathias: ( eu não sei ela)
230 Clara: o quê que ele pergunta, ((apontando para o cartaz))
231 Mathias: [[haha
232 Carlos: [[haha
233 Clara: OH [HE IS VERY NICE],
234 José: [°he is very nice°]
235 (1,1)
236 Glauber: she is a pretty gi:rl.
237 Mathias: [oh::]
238 Clara: [aqui]. só um pouquinho. just a moment please. aqui
239 ele diz assim ó, ((apontando para o cartaz)) (.) OH:
240 (.) ela diz né, he is very nice o quê que eu tenho que
241 trocar aqui ou eu não tenho que trocar,
242 Ramiro: [[she is]
243 Glauber: [[she is] a beautiful
244 Ubiratan: (beauti[ful)]
245 Carlos: [B(h)ah]
246 Clara: NO LUGAR DE:,
247 Ramiro: a beautiful
248 Glauber: she [is]
249 Mathias: [ã: han]
250 (0,9)
251 Clara: tá. tu achas que dá pra por she i:s, ((apontando para
252 Glauber))
253 (0,9)
87
254 Glauber: a pretty girl, [ou]
255 Clara: [a pretty] girl. oka:y. exa:to.
256 Clara: então fica assim, (0,3) oh she (0,3) is (0,4) a (0,9)=
257 Glauber: gi:rl.
258 Clara: =pretty girl.((termina de escrever)) oka::y,
Clara segue lendo cada frase do diálogo e pede o significado da frase He is very nice. Glauber
não dá o significado, mas a frase já modificada (l. 236). Clara não demonstra satisfação com a
resposta de Glauber (l. 238-241), evidenciando que ela queria que a resposta deixasse claro o
que deveria ser substituído. Além disso, a resposta de Glauber modifica sensivelmente a
sentença (He is very nice She is a pretty girl). Clara, então, pergunta explicitamente o que
deve ser modificado naquela frase. Alguns alunos dão respostas, mas Clara ainda mostra
insatisfação, pedindo mais informações (l. 246). Três respostas são dadas (l. 247 a 249).
então, Clara ratifica a resposta dada por Glauber na linha 236, falando parte da sentença, que
o próprio Glauber completa (l. 254).
Em suma, como não obteve sucesso em suas perguntas, que visavam explicitar o que
exatamente deveria ser substituído em He is very nice, Clara acaba aceitando a contribuição
de Glauber, que não era exatamente o que ela esperava, pois há modificações além do
pronome he. Clara, que já tinha uma resposta em mente, recusou, até quando foi conveniente,
qualquer outra resposta que não fosse aquela julgada correta por ela (GARCEZ, 2006). No
entanto, pode-se justificar essa ação de Clara de recusar a resposta de Glauber por se tratar de
um conhecimento construído por esses participantes. E como se trata de uma aula de
revisão, entende-se que ela espere que os participantes demonstrem que o conhecimento é
compartilhado e, de preferência, por todos.
A seguir, a última parte do segmento.
Continuação (6° excerto)
292 Clara: ((virada para o quadro)) ele faz uma- aqui ela
293 faz uma pergunta né is (.) he short ((virada para
294 a turma e apontando para o cartaz)) como é que nós
88
295 José: ( ) ((ergue o braço direito enquanto fala))
296 Glauber: she is
297 Clara: o quê que perguntaria,
298 (0,7)
299 Clara: o quê que eu o rapaz perguntaria a respeito de uma
300 moça assim pra saber das qualida:des [dela],
301 Mathias: [ela é] gostosa?
302 Glauber: [she is]
303 Clara: Ã:::,
304 Thomas: gostosa e tem [os peito grande] hehehe
305 Glauber: [°is she°]
306 Carlos: ha[haha]
307 Mathias: [haha]ha
308 Thomas: °is she° ugly,
309 Ramiro: hihi[hi] ((risos))
310 Clara: [u]gl[y]?
311 Glauber: [tu] vai perguntar se ela é feia,
312 Clara: tu perguntaria isso, ((olhando para Thomas))
313 Glauber: claro
314 Thomas: cla[ro]
315 José: [e se] ela tem peito grandes
316 Thomas: haha[ha]
317 Clara: [se ela tem] peitos grandes,
318 Glauber: haha[hahaha]
319 José: [é isso aí °sora°]
320 Clara: GOSTOSA,
321 Glauber: s(h)e ela é gost(h)osa [.hh]
322 Clara: [se] ela é gostosa,
323 Thomas: e se os peito dela são grande
324 Glauber: [cof] ((tosse))
325 Clara: [ENTÃO] VAMOS LÁ.
326 (0,8)
327 Clara: is he- ã is she né:, ((escrevendo no quadro))
328 ?: °is she°
329 Clara: e aí,
.
. ((11 linhas omitidas))
.
340 Clara: certo.
341 (0,3)
342 Clara: então vamos pôr ?cool, ((escreve no quadro))
343 (1,0)
344 Ubiratan: °não°
345 Glauber: le[gal]
346 José: [le]gal
347 Thomas: tá. que arreganho isso aí.
348 Ramiro: tá. e aí,
349 Clara: tá:,
.
. ((28 linhas omitidas))
.
377 Clara: aqui ((virada para a turma e apontando para o cartaz))
378 how ?old is he? ((lendo)) como é que ficaria,
379 ( )
380 Glauber: [[how old] is
381 Ramiro: [[how old is] she
382 Clara: how old is,
383 Glauber: [[sh[e]
384 Ramiro: [[sh[e]
385 Clara: [s:]he
386 (0,6)
89
387 Clara: qual seria a idade dela, [Mathias]
388 Luciano: [cof cof] cof ((tosse))
389 Clara: [vou deixar tu escolheres] a idade.
390 ?: [(° °)]
391 Clara: qual seria a idade da mulher ideal para ser
392 [a tua] namorada,
393 Carlos: [°quarenta°]
394 Glauber: [cof cof] ((tosse))
395 Mathias: dezenove.
396 (0,7)
397 José: Hehe ((risos))
398 Clara: she is nineteen okay, she is ninetten.
Clara, ao pedir a modificação de uma das frases do diálogo, lida diretamente com a
característica física do personagem (Is he short?), indagando o que um rapaz perguntaria a
outro a respeito de uma garota. Mathias (l. 302) uma resposta (
ela é gostosa?
), que é
ratificada e estendida por Thomas (
gostosa e tem os peito grande
). Enquanto isso,
Glauber (l. 297, 303 e 306) tenta produzir uma resposta em inglês (
she is
), mas não é
ratificado. Depois de algumas risadas, Thomas (l. 309) uma resposta em inglês (
is she
ugly,
). Clara (l. 311 e 313) e Glauber (l. 312) perguntam se ele faria esse tipo de pergunta.
Após a confirmação de Thomas, os participantes voltam a mencionar os atributos ditos por
Mathias (l. 302) e Thomas (l. 305), e Clara verifica o seu entendimento (l. 321 e 323). Após
ter a resposta da questão feita no início do excerto, Clara produz o correspondente em inglês
(
is she
) e depois (l. 342) sugere o que parece ser uma tradução para gostosa (
então vamos
por cool,
). Apesar de uma negativa, a sugestão foi aceita, e a discussão dessa frase
encerrada. Interessantemente, cool, a tradução de “gostosa” que Clara oferece, reflete
exatamente o oposto do referente em inglês para gostosa (hot), além disso, uma das
características físicas mencionadas pelos participantes (peitos grandes) não foi traduzida.
Glauber e José (l. 344 e 345) dizem “legal” após a proposta de Clara (l. 342). No entanto,
Glauber e José parecem ter compreendido a oferta de tradução de Clara (cool) não como a
tradução de “gostosa”, mas como a tradução de “legal”, ou seja, em vez de perguntar se a
menina é gostosa, a pergunta seria se a menina é legal. Finalizando, uma das respostas dadas
(
is she ugly,
), gramaticalmente correta, gerou uma pequena discussão quanto a sua
90
utilização nesse contexto, mas não foi mencionada no final da interação como uma
possibilidade de resposta.
no final do excerto, Clara pergunta como uma das últimas frases do diálogo deveria
ser modificada (l. 377 e 378), e dois participantes dão as suas respostas (l. 380 e 381). Ela
reinicia, produzindo uma sentença propositadamente incompleta (l. 382) e os mesmos
participantes dão como resposta o item faltante (l. 383 e 384), que Clara ratifica por repetição
(l. 385). Enfim, temos mais uma seqüência IRA, que estruturou praticamente toda a interação.
Finalizando o excerto, não houve discussão do que deveria ser substituído na frase He is
twenty (He - She), mas a discussão da idade, em português, que se fez relevante para Clara (l.
391 e 392).
Apesar do encadeamento de seqüências IRA, que permeou boa parte da fala-em-
interação no segmento, vimos neste segmento que os alunos foram hábeis em burlar a rigidez
imposta por esse tipo de estrutura, obtendo o piso conversacional (SHULTZ, FLORIO e
ERICKSON, 1982; CAZDEN, 2001) e construindo o novo diálogo de forma conjunta. A
participação deles se deu de várias maneiras: enquanto alguns se engajaram na proposta da
professora, outros fizeram comentários e brincadeiras dentro do contexto da atividade.
Também pudemos ver que aqueles que se alinhavam à professora (GOFFMAN, 1979/2002)
nem sempre esperavam uma nova iniciação para produzir uma resposta, mas, ao contrário,
davam novas contribuições (l. 11 e 14). Além disso, quase sempre que Clara iniciava uma
seqüência IRA, a resposta era produzida por mais de um aluno, ocasionando várias
sobreposições de falas. Portanto, podemos dizer que temos, aqui, um ambiente em que uma
prática mais tradicional se depara com alunos engajados em participar e se tornarem autores
daquilo que estava sendo proposto. Uma das razões para esse ambiente é o fato de Clara não
se dirigir na maioria das vezes a um único aluno, tornando possível, assim, que qualquer um
se auto-selecionasse para dar as respostas.
91
Essa participação, apesar de nem sempre estar totalmente alinhada com a proposta da
professora, demonstra a atenção dos participantes à atividade. Rampton (2006) trata dessa
participação não como uma interrupção da aula, mas como uma forma não-canônica de fala
de sala de aula. O autor analisa segmentos de aulas de Inglês em que uma palavra, ou uma
expressão dita pelo professor, faz com que algum participante lembre de uma canção. Para o
autor essa manifestação “artística” seria uma forma de repetição com contraste (p. 60). Apesar
de Rampton estar tratando de dados de Inglês como Língua Materna em escolas de Londres,
os dados gerados para esta pesquisa apresentaram semelhanças quanto a esse aspecto da
participação. Alguns alunos claramente participavam mais do que os outros, e essa
participação nem sempre estava estritamente em conformidade com a atividade proposta por
Clara, porém, de certa forma, seria uma pista de que esses alunos estavam acompanhando o
que a professora estava dizendo. Veja o segmento abaixo:
Segmento 8 – “Como vai você”
(C3120112006–H801:11:05-01:11:20)
035 Clara: >who are you,[quem é você<]
036 Emerson: [quem- não.] como você [está]
037 Clara: [e HOW]are
038 you é (.) [como va:i] você.
039 Emerson: [como você es-]
040 Henrique: como va:i você: ((cantando no ritmo da música
041 gravada por Roberto Carlos))
042 Clara: é.
043 (0,4)
044 Clara: e aí (.) qua:l é a resposta para o ho:w
045 are you,
046 Henrique: °eu preciso saber° ((cantando))
047 Clara: hein, (.) qual [a resposta para o how are you,]
048 Henrique: [da sua vidA::] ((cantando))
049 (2,4)
050 Emerson: [[como está você]
051 Beatriz: [[como vai você,]
Nesse segmento, a turma revisava o significado e a tradução de perguntas e respostas
de alguns diálogos em inglês. Nesse momento da interação, os participantes confundiam a
tradução de Who are you e How are you. Depois de esclarecidas as respectivas traduções (l.
35-40), Henrique se vale de uma das traduções (como vai você?) e começa a cantar uma
92
canção de Roberto Carlos que traz essa mesma frase. A participação de Henrique o foi
julgada inadequada, pois não nenhum pedido de silêncio, mas também não foi ratificada,
pois Clara pede a resposta de uma das questões, aumentando, inclusive, o volume da voz. Fica
evidente nesse segmento que a participação de Henrique está relacionada apenas com o
referencial (como vai você). No entanto, o potencial poético, conforme aponta Rampton
(2006), prevaleceu.
Nesta seção, procurei demonstrar analiticamente como se deu a relação entre
participação e o conhecimento em pauta. Para isso, investiguei como os participantes
organizaram a fala-em-interação na atividade dedicada à revisão de tópicos gramaticais de
Língua Inglesa. Vimos que a estrutura de participação dessa atividade da aula de Inglês era a
condução da interação primordialmente por meio do encadeamento de seqüências IRA, que se
mostrou eficiente no cumprimento da meta da atividade: recuperação de algo já discutido
pelos participantes. Os turnos de fala dos alunos eram majoritariamente respostas a perguntas
feitas pela professora. Os participantes, que ratificaram essa estrutura de participação, se
mostraram engajados em participar, alinhando-se com a proposta da professora ou
contornando essa proposta, por meio de participações que não estavam completamente
alinhadas com a atividade em questão (item 3.1.3) ou, ainda, desqualificando a fala da
professora (item 3.1.2). Com isso, corrobora-se a premissa de que a fala-em-interação de sala
de aula não é formada por um conjunto único de práticas, mas constituída de modo situado.
Na próxima seção, tratarei de outra atividade da aula de Inglês: discussões de temas
sociais contemporâneos, como mercado de trabalho e sexualidade. Interessantemente, essa
atividade acontecia nas mesmas aulas em que ocorreram os segmentos analisados acima. No
entanto, veremos que a estrutura de participação é bem diferente em relação à estrutura de
participação descrita e analisada nesta seção.
93
3.2 Discussão de temas da vida social contemporânea
Depois de demonstrar analiticamente que a interação nas atividades dedicadas à
revisão de tópicos gramaticais de Inglês era conduzida primordialmente por meio do
encadeamento de seqüências IRA, nos segmentos transcritos abaixo, veremos que a condução
se dava de modo diferente, em uma organização mais semelhante a um debate, com a
professora mediando as opiniões dos alunos. Aliás, a extensão de fala dos alunos nessas
seqüências foi maior que a da professora.
Na subseção 3.2.1, apresento uma discussão a respeito de mercado de trabalho e
evidencio uma grande diferença na estrutura de participação com relação à estrutura de
participação descrita e analisada na seção anterior, enfatizando o modo como Clara se
posicionou diante da interação e a participação dos alunos. Na subseção 3.2.2, analiso um
segmento em que se deu uma outra discussão desse tipo. Desta vez, o pico é sexualidade, e
mais uma vez vemos que a estrutura de participação se distingue daquela observada nos
segmentos de instrução de Inglês, conforme apresentados na seção anterior. O objetivo das
duas subseções é demonstrar analiticamente a constatação de que as configurações
construídas nessas discussões tornaram viáveis a construção conjunta entre professora e
alunos de conhecimento emergente.
3.2.1 O aluno como protagonista
Clara havia organizado em um cartaz as respostas das entrevistas que a turma tinha
feito com os ex-alunos da escola.
38
As perguntas eram relacionadas com o mercado de
trabalho e a importância do estudo. Após cada pergunta, vinham as respostas de todos os ex-
alunos entrevistados, de forma que toda a turma tivesse acesso a todas as respostas. Esse
cartaz estava colado no quadro-negro e a turma estava sentada em semicírculo. A organização
38
Esse projeto se chama: “C31 e C32 pensando no futuro”.
94
da aula tinha, até então, Clara como a participante com o direito garantido a fala, por ter
organizado o cartaz e por saber o conteúdo de todas as entrevistas, que cada aluno sabia
somente o conteúdo da entrevista que fizera. Durante a interação, Clara lia as respostas, fazia
comentários, e a turma participava em algumas ocasiões, com comentários breves.
No segmento abaixo, primeiro de três excertos
39
que compõem o segmento, Clara
comentava uma das respostas das entrevistas. Os excertos apresentados nesta subseção são do
mesmo dia (20/11/2006) e da mesma turma (C31), cuja fala-em-interação foi analisada na
subseção 3.1.1
40
.
Segmento 9 – “Discussão de entrevistas”
(C3120112006-H800:19:09-00:25:26)
001 Clara: então vocês viram aqui ó ((olhando e apontando para o
002 cartaz)) que essas pessoas que conseguiram e:stes (.)
003 empregos aqui, e: e:: e empregos que não são exatamente
004 o que desejar- que deseja:vam, o que tinham pensa:do,(.)
005 conseguiram esses emprego através de pare:ntes, através
006 de ami:gos, não foi através >por exemplo< de um concu:rso
007 não foi né (0,4) por por vias oficia:is vamos dizer, (.)
008 foi aquele parente que arranjou °coisas assim°.
009 Alan: ô sora
010 (.)
011 Clara: oi
012 Alan: mas a senhora acha que:: aquela segunda resposta ali
013 foi: necessariamente: bem colo:cada,((apontando para o
014 cartaz))
015 Clara: qual? ((olhando para o cartaz))
016 (.)
017 Alan: a segunda resposta que a senhora: lá em cima lá
018 Alan: ((apontando para o cartaz))
019 (0,9)
020 Clara: ((olhando para o cartaz)) meus esforços e amigos? ou a
021 minha cunha:da [°meus pais°]
022 Alan: [não sora] é sem ser na:: primeira
023 folha que está do seu lado na segunda °aquele al
024 ((apontando para o cartaz))
025 (2,0)
026 Clara: tu vai ter que me mostra:r
027 (0,8)=((Alan sai da classe e vai apontar a resposta a
028 que se referia))
029 Henrique: mo:stra queri:da.
030 (1,0)
031 Alan: °aqui° ((apontando))
032 (0,8)
033 Clara: qual é,
034 (0,4)
39
O segmento está reproduzido por inteiro no ANEXO 4.
40
A configuração espacial também é a mesma.
95
035 Alan: aqui ó sora essa daqui ó [(° °)]
036 Clara: [estudar] para ser alguém
037 digno de seu potencial e ter um bom serviço. ((lendo))
038 (.)
039 Clara: tá.
040 (0,5)
041 Clara: o quê que tu quer dizer,(0,5)[com essa].
042 Alan: [hein sora, é] é uma coisa
043 assim, se tu estuda:r é óbvio que tu vai ter um: bom
044 serviço .hh mas hoje em dia o mercado de traba:lho que
045 nem a gente vê muitas vezes a gente tá lá no meio (0,4)
046 eu já fui pra lá: (0,3) e ba::h t- tem cara que tem um
047 currículo lá que ba: é:: ?u::ma coisa de louco
048 ?: .hhh
049 Alan e (h)mes(h)mo assim(h) não c(h)onseguem n?a(h)da sora
050 Clara: é. ((Clara assente))
051 (0,7)
052 Alan: hoje em dia: >se< ?tá tu estudando tu vai ser
053 alguma uma coisa,(.) mas se tu não pensar com a cabeça
054 e querer a- agir com os braço (0,4) tu não vai ?muito
055 [longe] (0,3) tu tem que pensar que ?vai::
056 Henrique: [°hehehe°]
057 Henrique: se ( ando) hehehe ((risos))
058 Alan: tu tem que pensa::r, lá na frente de todos (.) por
059 que enquanto tem um (0,4) que tá fazendo o que tu já fa:z
060 tem outros que tá na tua frente (.) então tem que tá
061 s?empre (0,6) ((gesticula muito)) que nem que nem
062 informática, eu tô fazendo infor?mática (.) mas só
063 que porém enquanto eu tô fazendo ali já tem um lá na
064 frente que já tá pegando a minha vaga, que poderia
065 ser minha entendeu,(0,6) por isso que: esse:, esse, essa
066 resposta dele (0,9) ((engole a saliva))f(h)icou bem
067 colocada mas só que::: [n]
068 Clara: [tu] acha que: não basta só
069 estudar,
070 Alan: não basta [só estudar]
071 Clara: [tem que ter] algo mais,
072 Alan: sim.
073 (.)
074 Clara: .h tu tá dizendo que tu tá fazendo informá-
075 tica mas todos os jovens estão fazendo
076 informática, [tu quer] dizer=
077 Emerson: [eu já fiz]
078 Clara: ã:?
079 Emerson: °eu já fiz°
080 Clara: tu já fi[zeste]
081 ?: [eu também]
082 Alan: [tá fazendo] ((aponta para Emerson))
083 Clara: =que a concorrência é muito grande.
084 Alan: sim, tipo, se colocasse um tra- um serviço (0,3) para
085 informática entre eu e o Ponga é óbvio que o Ponga ia
086 pegar [porque ele já terminou=
087 Henrique: [mas o Ponga vai pegar porque ele é mais velho
088 que tu::]
089 Alan: =[ele é, ele já: ele já tem o diploma]=
090 Henrique: [hehe. já tem dezoito anos [hehe]
091 Beatriz: [°pára(h)° ((bate no braço
092 de Henrique))
093 Alan: =a certificação. isso. ainda tem quem comprove ele
094 [entendeu,]
095 Henrique: [oh sora,]
96
096 Sílvio: não adianta ele ir lá: e [fala:r que tá faze:ndo e]=
097 Henrique: [oh sora, oh sora]
098 Sílvio: =(.) o Ponga ir já [faz] (fez)=
099 Clara: [sh sh sh sh] ((direciona o braço
100 para Henrique))]
101 Clara ãhã.
102 Sílvio: =(a vaga) vão dá pro Ponga]
103 Clara: tá.
104 (0,3)
Nas linhas 01 a 35, vemos que, após Clara comentar uma das respostas das entrevistas, Alan
toma o turno (l. 09) para questionar uma das respostas dadas (l. 12 a 14). Clara tem
dificuldade em identificar a resposta, sendo necessário que Alan fosse ao quadro e apontasse a
resposta (linhas 26 a 35). O fato de Clara ter lido essa resposta já algum tempo ocasionou
essa dificuldade na identificação da resposta, pois Alan não questionou a propriedade da
resposta logo após a leitura de Clara. Identificada a resposta (l. 36), Clara pede que Alan
esclareça o porquê do questionamento a essa resposta específica (l. 41). Ele (l. 42 a 49) o
seu ponto de vista, concordando em parte com a resposta, sobre a importância dos estudos, e
acrescentando que o mercado de trabalho está difícil mesmo para aqueles que têm um bom
currículo. Alan também afirma que o estudo pode ser favorável (l. 52 a 55) e, então, faz uma
analogia de que “agir com os braços e não pensar com a cabeça” não faz a pessoa ser bem
sucedida (“ir longe”, nas palavras de Alan). Após a interrupção de Henrique (linhas 56 e 57),
Alan, mais uma vez, retoma o turno por um longo tempo (linhas 58 a 67), justificando, ainda,
a insuficiência da resposta e estendendo o seu argumento iniciado na linha 52, dando um
exemplo concreto (curso de informática).
É importante ressaltar a relevância dessa tomada de turnos de Alan, que se diferencia
sensivelmente das participações mostradas nos segmentos anteriores, que não se trata de
uma resposta a uma questão elaborada por Clara, como aconteceu na maioria das interações
observadas. Nesse caso, Alan faz uma pergunta para Clara, que, sem entender o porquê da
questão, devolve a palavra para ele, que faz uso dela, justificando a sua intervenção, criando
97
um argumento e dando um exemplo. A riqueza na participação de Alan esno fato de que o
argumento condutor da interação foi proposto por ele, que procurou articular a sua posição
frente à opinião de um dos entrevistados. Além disso, nesse momento da interação, ao
contrário da revisão gramatical de Língua Inglesa, as contribuições de Alan excederam às de
Clara.
Após a fala de Alan (l. 58-67), Clara (l. 68) faz uma verificação do seu entendimento a
respeito de toda a argumentação de Alan, perguntando se apenas estudar não bastaria. Ela
também reformula os turnos de Alan e devolve a palavra para ele, dando a possibilidade de
ratificá-la ou retificá-la quanto ao seu entendimento. Alan a ratifica (l. 70) por meio da
repetição de parte do turno de Clara, que, por sua vez, faz uma nova verificação de
entendimento, que novamente é ratificada por Alan (l. 71 e 72). Após uma micropausa, Clara
volta a fazer uma verificação de seu entendimento (l. 74 a 76), se reportando ao turno de Alan
das linhas 58 a 67, mais especificamente quanto à relação entre jovens e cursos de
informática. Emerson (l. 77 e 79) toma o turno e diz que já havia feito um curso de
informática. Alan toma como exemplo o caso de Emerson (que também é chamado de Ponga)
para sustentar ainda mais o seu argumento, afirmando que o colega finalizou um curso de
informática e que, portanto, tem vantagem sobre ele no mercado de trabalho.
Henrique (l. 87 e 90) o se alinha com Alan, dizendo, em sobreposição com Alan,
que Emerson tem vantagem sobre Alan não pelo curso de informática, mas pela idade. No
entanto, Alan não ratifica Henrique e continua falando. Poderia se dizer que Henrique está
apenas acrescentando um novo fator que não havia sido mencionado por Alan, mas não se
trata disso. O trabalho de campo revelou que Alan e Henrique são “desafetos”. Normalmente
o que é dito por Alan, que passou a estudar nessa escola neste ano letivo, é rebatido por
Henrique, aluno veterano. Durante o período de observação participante, foi possível ver
98
alguns momentos de conflito entre os dois, como o registrado na citação de diário de campo
abaixo, a partir de uma observação de uma aula de Português:
Uma das questões continha a expressão “estar em maus lençóis”. Glauco
pediu que alguém explicasse o seu significado. Alan explicou, mas
Glauco ouviu. Henrique comentou para a turma que Alan falava baixinho
que nem uma guria, que queria aparecer para o professor. Alan apenas
olhou para Henrique e nada respondeu. Glauco pediu que eles
respondessem as questões e explicou que esse texto fazia parte da avaliação
da disciplina juntamente com outros dois textos (“Porto Alegre” e “O país
como era antigamente”) que a turma tinha trabalhado. (...) O grupo de
meninos que estava sentado próximo de Glauco conversava e ele perguntou
se eles continuavam indo à biblioteca. Todos disseram que não. Alan
comentou que o gostava de ler aqueles livros, que preferia poesia.
Henrique imediatamente riu e debochou: Ai, que flor! Ai, o Mário
Quintana... Todos riram, inclusive Glauco. (...) O texto falava em carregar
uma cruz (o titulo era “O zero não valeu nada?”). Em um dos trechos, a
narradora falava em rezar para ir bem na prova de matemática. Alan
comentou que as pessoas lembravam de Deus na hora do desespero.
Glauco concordou. Enquanto isso, Marcos, Henrique e Sílvio circulavam
pela sala e diziam que Alan deveria sair enrolado na bandeira que estava
pendurada no teto da sala (do movimento GLS). Glauco pediu que eles se
sentassem e terminassem o exercício. No entanto, Marcos e Henrique
continuaram durante toda a aula chamando Alan de “irmão” e “faxineiro”
41
(DIÁRIO DE CAMPO, 06/09/20006, p. 117-118).
Durante toda a interação, que coincidentemente é protagonizada por Alan, a
participação de Henrique tem um tom de deboche e desalinhamento ao que é dito (por
exemplo, linhas 29, 56, 57, 87 e 90). No entanto, Henrique demonstra estar atento à discussão
(RAMPTON, 2006), optando apenas por não se afiliar a ela. Ele tenta tomar o turno duas
vezes (l. 95 e 97), mas não é ratificado por Clara (l. 99 e 100), ao contrário de Silvio, que
toma o turno e é ratificado por ela (l. 101). Em seu turno, Sílvio se alinha com Alan ao
afirmar que Emerson tem vantagem no mercado de trabalho por já ter concluído um curso de
informática (l. 96, 98 e 102).
nesse primeiro excerto é possível constatar a diferença na estrutura de participação
em comparação com os segmentos analisados na seção anterior. Neste momento da aula um
dos participantes, Alan, articula a sua posição frente à opinião de um dos entrevistados.
41
Alan tem um perfil diferente dos demais meninos por não fazer parte da comunidade, por trabalhar e por fazer
parte de uma igreja protestante.
99
Enquanto isso, Clara verifica o seu entendimento. Até então, não nenhuma seqüência IRA
ou pergunta de informação conhecida. Mas é importante ressaltar que aqui não se trata de uma
aula de revisão, em que se espera que o aluno demonstre que o conhecimento em discussão
foi recuperado.
Conseqüentemente à mudança na estrutura de participação, verificamos nessa primeira
parte do segmento a diferença na organização da participação em sala de aula. Vemos uma
alta produção de fala de um dos participantes, Alan, que argumenta articuladamente; o
alinhamento (GOFFMAN, 1979/2002) de alguns colegas, assim como o desalinhamento de
um deles (Henrique), e, finalmente, o modo como Clara se posiciona na interação: fazendo
verificações de entendimento e pedidos de esclarecimento, como se na continuação do
segmento.
Continuação (2º excerto)
102 Sílvio: =(a vaga) vão dar pro Ponga]
103 Clara: tá.
104 (0,3)
105 Clara: e o que seria a:lgo a mais,((olhando para Alan))
106 (0,4)
107 Alan: ã,
108 Clara: o que ser[ia]
109 Abelardo: [d]iplo:ma, ((olhando para Clara))
110 (0,3)
111 Alan: a cabeça. ((apontando para a cabeça))
112 Emerson: eh burro ((para Abelardo))
113 Clara: na cabe[ça],
114 Alan: [a] cabeça (inclusive) ta- te- muita zente
115 hoje em dia eles só agem com a força dos braço (.)
116 eles acham assim que movendo o:: o mu:ndo [fazendo=
117 Emerson: [
118 °)]=((conversa paralela))
119 Alan: =mundos e fundos entendeu, que nem o pedreiro.
120 o pedreiro só usa a força dos ?braços]. ((Alan gesticula
121 bastante))mas [se ele usasse] a cabe:ça (0,3) entendeu,=
122 Clara: [sh sh sh] ((aponta para a sua direita))
123 Alan: = ele poderia ser muito maior. por que não sei se a
124 senhora viu, os arquite:tos (.) eles n- não eles não
125 saíram lá de cima de um berço de ouro, eles t- tiveram
126 que sair de lá de ba:ixo (.) um pedre- um simples (.)
127 pedreirinho fazendo um cursinho lá (.) meio que aqui
128 correndo pra lá pra cá pra lá(.)((continua gesticulando
129 muito enquanto Clara, com a mão no queixo, olha para ele))
130 e:: o quê, hoje eles são arquitetos, mas por quê, porque
131 eles usa
:ram ((aponta para cabeça)). e aqueles que que
132 eles ficaram levantando ma:ssa e colocando tijo:lo, (.)
100
133 eles vão levar uma vida: (2,0)=((faz gestos como se
134 quisesse dizer “e daí?”)) contínua, uma vida [nor-] se:m
135 Clara: [aham]
136 Clara: e a mesma coisa aquele que ficou só estuda:ndo e que não
137 te:m, (.) não tem experiê:ncia, que nã::o
138 Alan: sim, não, s- quê que adianta tu saber e ter um instrumento
139 bom, de de primeira linha na mão, mas não saber usar,
140 (1,0)
141 Alan: não adianta ?nada.
142 (0,8)
143 Clara: ºexatoº
144 (0,5)
145 Henrique: >fala mais<,
146 (0,4)
147 Clara: é. e vai- e tu <tens razão (.) porque:> o mercado
148 de trabalho quer essas essas= ((aponta para a cabeça))
149 pessoas, que sa:ibam, que tenham o conhecimento
150 mas que saibam principalmente usa:r (0,3) a cabeça
151 pra ((gesticula pra frente)) [né:,]
152 Henrique: [não. não] usar a
153 cabeça, é usar o conhecimento que tem na [°cabeça°]
154 Emerson: [(ca]la a boca)
155 Clara: [mas]
156 usar a cabeça é, ã: saber ã: usar aquele conhecimento,
157 botar na prática aquele conhecimento e fazer (.) além do
158 que todo mundo faz [fazer difere:nte]=
159 Alan: [sim (bo- colocou) a mão no bo:lso.]
160 Clara: =fazer diferente fazer melho:r=
161 Henrique: (virou) gari, ((olhando para baixo))
162 Clara: =né::,
163 (0,6)
Clara (l. 105) pede esclarecimentos de algo que Alan havia ratificado na fala da própria Clara
(l. 71 e 72). Alan uma resposta (l. 111), que é ratificada por Clara (l. 113). Mesmo com a
pergunta sendo direcionada para Alan o que pode ser notado pelo direcionamento de olhar
de Clara –, Abelardo uma resposta (l. 109), que não destoa do que foi discutido
anteriormente e demonstra a sua atenção à interação. Porém, Abelardo parece estar em um
enquadre (GOFFMAN, 1979/2002) diferente de Clara e Alan, especialmente se analisarmos a
entonação ascendente de sua resposta (demonstrada na transcrição pela vírgula). Essa
entonação dá a idéia de que Abelardo aguarda uma avaliação de sua resposta, como na
seqüência IRA. Clara, por não compartilhar esse enquadre, não avaliou a resposta, que por sua
vez, foi avaliada por Emerson (l. 112), que, por sua vez, parece compartilhar o enquadre de
Abelardo. O fato de Abelardo e Emerson parecerem estar em um enquadre distinto de Clara e
101
Alan pode ser devido à uma estrutura de participação recorrentemente adotada nas aulas de
Inglês registradas: encadeamento de seqüências IRA.
Alan expande a sua resposta (l. 114 a 116, 119 a 121 e 123 a 134), retomando a
analogia feita nas linhas 53 e 54 e dando mais um exemplo: a relação entre pedreiro (braços) e
arquiteto (cabeça). A comparação que Alan faz é interessante, pois para ele, o arquiteto se
diferencia do pedreiro justamente por usar a cabeça argumento defendido ostensivamente
por Alan. Ou seja, a idéia de Alan é de que os arquitetos são pedreiros que usaram a cabeça e
não apenas a força dos braços. E o que seria usar a cabeça? Aperfeiçoamento profissional e
estudo (l. 127 e 128). Algo interessante a ser considerado é a posição assumida por Alan, que
é completamente condizente com a discussão Freiriana de educação para mudança”
(FREIRE, 1982). Além disso, a elaboração que ele faz entre argumento e exemplo é muito
eficiente para a posição defendida desde a questão da linha 12, tanto que a sua posição acaba
se tornando o argumento condutor da interação.
Clara se alinha a Alan, dando um novo exemplo: alguém que estuda, mas não tem
experiência profissional (l. 136 e 137). Alan, muito habilmente, faz uma nova analogia
(instrumento/uso) com o que foi dito por Clara (l. 138, 139 e 141), que é ratificado por ela (l.
143). Clara expande a sua ratificação, mostrando-se alinhada com Alan (l. 147 a 151), mas
Henrique fala em sobreposição com ela (l. 152 e 153), fazendo uma correção, que,
claramente, tem pouco a ver com problema de escuta ou entendimento, até porque ele
menciona dois termos chaves do turno de Clara: entendimento e cabeça. No entanto, Clara
contorna qualquer problema de entendimento, e reformula o que havia dito anteriormente (l.
155 a 158, 160 e 162).
Vemos que a estrutura de participação descrita no início do segmento ainda
permanece. O argumento de um aluno, e não da professora, continua conduzindo a interação
nessa sala de aula. A exposição de opiniões e pontos de vista de forma improvisada de alguns
102
participantes se assemelha com a participação nas atividades de revisão (seção 3.1). Ainda,
quando analisamos a participação de Abelardo (l. 109), vemos como a rotina de interações
encadeadas por seqüências IRA pode se fazer presente mesmo quando a interação está sendo
organizada de outro modo, pois, ele parece aguardar uma avaliação de sua resposta, que, por
sinal, é feita por um colega (l. 112). Isso só demonstra que a fala-em-interação de sala de aula
não se caracteriza como uma estrutura uniforme.
Na última parte do segmento, vemos um contra-argumento de uma das participantes.
Continuação (3º excerto)
164 Clara: e:xato. (0,3) e pode ser um gari ((olhando para Henrique))
165 (0,5)
166 Clara: vocês já ouviram ã::
167 Henrique: gari tem que ter até o primeiro grau [°completo°]
168 Clara: [é:]
169 Clara: [até pra ser] gari- mas [vocês viram] aquele-=
170 Alan: [°segundo°]
171 Henrique: [°que segundo (meu)° .hh]
172 ((gesticula irritado))
173 Clara: =aquele cara que começou a: juntar pape:l, (0,6) e
174 foi juntando pape:l, e foi juntando pape:l (0,3) né?
175 e foi indo e indo até que montou uma, uma empre:sa e
176 hoje em dia ele [está]
177 Henrique: [ele é rico]
178 (0,3)
179 Clara: riquíssimo.
180 (.)
181 Clara: juntando papel, a matéria prima dele era aquilo que
182 ninguém mais queria e todo mundo jogava fora (.) .h e ele
183 além de estar <limpando> né, (.) a a:: [a cidade]=
184 Abelardo: [(foi corrido)]
185 é contribuindo pra questão (º º) [ecológico
186 Henrique: [(canta baixinho)
187 hehehe] ((para Abelardo))
188 Clara: =ainda] (0,4) ainda fez ã: muito dinheiro e:: é, né,
189 [apresentou]
190 Alan: [tá] i- isso aí é ma- é mais um exemplo de: que (um cara)
191 [que usou a cabeça].
192 Beatriz: [>tá sora e me diz uma coi]sa, apareceu
193 na televisão um advogado que virou lixe:iro< (.) qual é a
194 explicação ele (usava) a cabeça e estudava um bom tempo
195 pra virar advoga[do]
196 Alan: [é. não usou a cabeça]
197 Clara: sim. não. mas ele virou lixeiro mas um lixeiro que::=
198 (0,3)
199 Henrique: lixeiro de::=
200 Clara: =que [<sabe fazer>,]
201 Henrique: =[de diploma] [°de:::° direito]
202 Beatriz: [>estudou não sei quantos anos]
203 pra se formar em direito< se formou direito advogado
204 por uns três quatro anos e virou li?xeiro ((gesticula
103
205 como se não soubesse o que dizer/fazer))
206 Clara: tá, mas e: mas que tipo de lixeiro,
207 (.)
208 Henrique: ga[ri]
209 Beatriz: [ga]ri normal
210 Clara: é::?
211 (0,6)
212 Alan: sim, [normal aqueles]
213 Abelardo: [é apareceu na [televisão]
214 Henrique: [cata] lixo [aqueles sabe,]
215 Clara: [ahã]
216 (0,3)
217 Clara: ?sim, mas ele deve tá fazendo uma coisa que ele ?gosta,
218 ?provavelmente.
219 Alan: bah
220 Beatriz: ele disse que foi porque ele teve que sair do:
221 deu uma reportagem lá [ºque] ele ficou desempregado e=
222 Clara: [ã]
223 Beatriz: =talº que era muita concorrência.
224 Clara: sim.
225 Beatriz: ?°bah° tá louco estudar vários anos pra (0,6) ºnadaº
226 Henrique: désti láifi ((that’s life))
227 Clara: (pois) é. olha (.) ã: (0,4) o importante, tem gente
228 que pensa assim ó que estuda por que quer e: quer ser
229 determina::da:, determinado profissiona:l porque ganha
230 dinheiro (0,3) porque ganha muito dinheiro (0,4) e, ã::
231 (.) >a ?gente vai passar o resto da ?vida trabalhando
232 naquilo né< e se a gente não gosta muito daquilo=
233 Alan: não [dá]
234 Clara: =[que] graça ?tem, (0,7) né:? a gente ?tem que fazer
235 alguma co:isa de que a gente goste mu:ito (0,5) e aí (.)
236 >?mesmo que não dê muito dinheiro mas pelo menos dá< (.)
237 prazer da gente tá fazendo aquilo que a gente gosta de
238 fazer(0,7)ºné:?º tem que ir °por aí também°.
239 (0,6)
240 Clara: BOM. (0,6) Ã::: em ?que a escola ajudou ou está ajudando
241 para o seu trabalho, tá::,
242 ((continuam discutindo as entrevistas))
Clara, se valendo da fala de Henrique a respeito de garis, tenta exemplificar (l. 166) o
argumento de “usar a cabeça”, mas Henrique faz um comentário a respeito da escolaridade
exigida para a profissão. Clara ratifica-o e concorda com o que foi dito, mas retoma o turno e
dá continuidade ao que tentara dizer anteriormente (l. 168 e 169). Alan entra em sobreposição
com Clara e uma informação distinta à dada por Henrique a respeito da escolaridade
requerida. Henrique discorda imediatamente e de forma bastante irritada, comprovando mais
uma vez que Henrique e Alan estão em pólos distintos na aula, tanto espacialmente (em
104
cantos opostos), quanto nas intervenções. Enquanto isso, Clara está literalmente no meio dos
dois alunos, que a impediram de assegurar o turno
42
.
Clara finalmente obtém o turno (l. 173 a 176, 179, 181 a 183 e 188 a 189) e relata o
caso de um homem que ficou rico juntando papel. Alan não perde a oportunidade de afirmar
que esse exemplo dado por Clara está de acordo com o argumento defendido desde o início
dessa interação, pois, segundo ele, esse homem “usou a cabeça” ao reutilizar aquilo que os
demais descartavam (l. 191 e 192).
Beatriz (l. 192 a 195) dá um contra-exemplo, de um advogado que virou lixeiro, e
pede uma explicação para isso, pois, segundo ela, ele usava a cabeça, que estudou por
muito tempo para virar advogado. Nesse momento temos duas coisas interessantes:
primeiramente, o exemplo dado por Beatriz, que é oposto em relação aos outros exemplos
dados, isto é, alguém que tem uma profissão que requer muitos anos de estudos opta por um
cargo que exige relativamente pouca escolaridade lixeiro; a segunda coisa interessante é o
fato de Beatriz dizer claramente o seu entendimento de usar a cabeça: estudar (l. 194). Alan (l.
196) vê nesse exemplo alguém que, segundo o seu argumento, não “usou a cabeça”.
Nas linhas 197 e 200, notamos que Clara tem dificuldade em lidar com o que foi dito
por Beatriz, até porque ela havia pedido uma explicação para Clara sobre o caso. Henrique
aproveita as hesitações de Clara e se sobrepõe à fala dela em duas ocasiões (l. 199 e 201) para
dizer que o tal homem era “um lixeiro de diploma de direito”. Dessa vez é Beatriz que se
sobrepõe à fala de Henrique (l. 202 a 205). Ela demonstra certa perplexidade com fato de ele
ter estudado alguns anos para se tornar advogado e largar tudo para se tornar lixeiro. A
questão que causa discussão não é o fato de um homem se tornar lixeiro, mas, sim, o fato de
um advogado se tornar lixeiro. Não é à toa que Alan disse que esse homem não usou a cabeça,
42
No Capítulo 4, discuto mais profundamente a disputa entre Alan e Henrique conforme depoimento de Clara
em entrevista.
105
pois, de acordo com o seu argumento, é como se o arquiteto, que ele mencionou
anteriormente, se tornasse pedreiro.
Clara (l. 206) faz uma questão de esclarecimento, que é respondida por Henrique e
Beatriz (l. 208 e 209), mas ela parece ainda não estar convencida de que o homem era um
lixeiro “normal” (l. 210) e alguns alunos reforçam que se trata de um lixeiro como outro
qualquer (l. 212 e 214). Além disso, Abelardo afirmou que esse caso tinha sido objeto de
matéria jornalística e, portanto, não era um exemplo inventado por Beatriz
43
.
Logo a seguir (l. 217 e 218), Clara procura dar uma justificativa para a opção desse
homem: o gosto por aquilo que faz. Beatriz complementa a sua fala, dizendo que o homem
trocou de profissão por causa da alta concorrência e por estar desempregado (l. 220, 221, 223
e 225), retificando o entendimento de Clara, pois a troca de profissão ocorreu por necessidade
e não por gosto pela nova atividade, como sugeriu Clara. Beatriz (l. 225) fecha a sua
intervenção nessa interação, dando a entender que se tornar um lixeiro depois de vários anos
estudando para ser outra coisa é “nada”, e Henrique faz um comentário em inglês sobre a
questão (l. 226). Aliás, esse é o único momento, em todo o segmento, que se faz alguma
menção a algo relacionado ao inglês.
Clara toma o turno e fecha a discussão, dizendo que, mais importante do que o
dinheiro, é o prazer em exercer a profissão escolhida (l. 227 a 232 e 234 a 238). Em toda a
interação, essa é a maior extensão de fala de Clara, quando ela uma posição final para a
discussão. Na maior parte do tempo, Clara foi uma espécie de mediadora, fazendo questões de
esclarecimento e verificações de entendimento, enquanto que alguns interagentes, como Alan
e Beatriz, tiveram um volume de fala significativo, trazendo argumentos que conduziram à
discussão.
43
De fato, o caso tinha sido mostrado no programa de tevê “Globo Repórter” daquele ano, que tinha como tema
a dificuldade de entrada no mercado de trabalho.
106
Ao analisar esse segmento, procurei demonstrar analiticamente como os mesmos
participantes podem organizar a fala-em-interação de sala de aula em estruturas de
participação tão distintas. Questões de respostas conhecidas deixam de ocorrer e o
substituídas por participantes criando e defendendo argumentos, possibilitando participações
mais volumosas, deixando de lado a produção de respostas a perguntas de informação
conhecida pela professora. Além disso, Clara conduz a interação de modo diferente do que faz
nos segmentos apresentados na seção anterior, fazendo verificações de entendimento,
perguntas de esclarecimento e, assim, devolvendo a palavra para os demais participantes.
Na próxima subseção, apresento outro segmento em que os argumentos trazidos pelos
alunos se tornaram os tópicos condutores da discussão.
3.2.2 Aventura e improvisação
ISSO TAMBÉM É IMPORTANTE:
FALANDO ABERTAMENTE SOBRE SEXUALIDADE NA SALA DE AULA
Em uma manhã de sábado letivo, Clara discutia com os alunos o passeio que eles
tinham feito no dia anterior. Esse passeio, que incluía outras escolas da rede pública
municipal de Porto Alegre, tinha como objetivo o esclarecimento sobre doenças sexualmente
transmissíveis e métodos anticoncepcionais, além de pequenos shows com rappers locais.
Após os estudantes afirmarem que o passeio não havia sido proveitoso, porque, segundo eles,
as informações dadas eram de conhecimento prévio. Clara disse estar decepcionada, pois
esperava que os alunos tivessem as suas dúvidas esclarecidas.
Clara, após falar de casos de gravidez de ex-alunas da escola, e explicar como
funciona um dispositivo que, colocado sob a pele, impede a gravidez durante três anos,
mencionou a pesquisa sócio-antropológica feita pelos educadores da instituição em 1994. Ela
disse que uma das questões era por que as meninas assumiam a gravidez. Clara contou que
95% das famílias que responderam o questionário se mostraram contra o aborto. Fazendo
um contraponto, Clara disse que se a pesquisa fosse realizada com os alunos da escola
privada que ela leciona dezoito anos, o resultado seria o oposto. Segundo ela, esses
107
alunos não permitiriam que uma criança atrapalhasse os seus objetivos e que a questão da
preservação da vida o era tão valorizada. Ainda segundo Clara, gravidez, para esses
alunos da escola privada, tem dia e hora marcados.
Após o comentário de Clara, Alan falou que para esses alunos tudo era mais fácil, que
os pais davam tudo que eles pediam, ao contrário deles e de suas famílias, que tinham que
trabalhar muito para terem as coisas. Alguns alunos fizeram comentários irônicos, riram ou
aplaudiram. Alan se irritou e disse para Carlos, que ria e chamava Alan de “irmão”, o
seguinte: “pára de falar merda! Tu não sabe de nada.” Clara pediu que Alan não
respondesse e que Carlos respeitasse a opinião dos colegas e não fosse debochado. Segundo
ela, tudo que alguém falasse era motivo de deboche. Além disso, para Clara, eles falavam
muito e ouviam pouco e isso era problemático.
Clara, após o acontecido, pediu silêncio para ouvir Ubiratan, que havia sido
interrompido pelos colegas. Ubiratan disse que se os pais desses estudantes de escolas
privadas tivessem uma empresa, seriam eles que assumiriam os negócios. Clara, então,
explicou que a vida para esses alunos não era tão fácil assim, pois em troca às facilidades
financeiras que esses alunos recebiam dos pais, eles teriam que estudar muito e serem os
melhores, pois se os pais tivessem uma empresa, como Ubiratan disse, eles teriam que
estudar muito para passar no vestibular da melhor escola de administração para que a
empresa não quebrasse. Ainda segundo Clara, esses alunos de escola privada não recebiam
tudo “de mão beijada”. Nesse momento, a turma estava em silêncio.
Clara voltou a falar de aborto. Segundo ela, que afirmou ser contra o aborto, muitas
meninas nessa escola privada já engravidaram, mas nenhuma levou adiante, pois gravidez,
para essas meninas, tem um momento certo e um acidente não é levado adiante. Nesse
momento, Clara perguntou para a turma: “quem de vocês é a favor do aborto?”. Somente
Beatriz e Clarissa levantaram as mãos. Clara perguntou para Beatriz se a família aprovaria.
Beatriz disse que a sua mãe provavelmente não aprovaria, mas que seus pais teriam que
entender o seu lado. Clara perguntou se eles sabiam quanto custava um aborto. Ninguém
fazia idéia. Alguns chegaram a dizer que não custava nada. Clara disse que a intervenção
custaria aproximadamente 2000 reais. Todos ficaram bem surpresos com o alto valor,
fazendo comentários do tipo “Bah!”. Beatriz disse, no entanto, que faria de tudo para pagar.
Clara perguntou, então, qual seria a melhor forma de evitar uma gravidez. José disse que era
a prevenção. Mathias também disse que sabia qual a melhor forma de evitar essa situação,
mas que não diria. Clara perguntou qual seria essa forma. Após se negar a responder, ele
108
disse que era não fuder”. Clara disse que aquilo não era possível e que ele sabia daquilo.
José, então, disse que a solução proposta por Mathias era possível desde que era ele ficasse
“gastando a mão”. Todos riram. Clara perguntou se Mathias se lembrava da sua “hot girl”,
referindo-se a um fantoche que ele tinha criado e que a apelidou dessa forma, pois, segundo
ele, era assim que ele queria que a sua namorada se caracterizasse. Ele apenas sorriu. Para
finalizar, Clara disse que essa solução era uma fantasia e que ele sabia que não funcionaria.
Nesse momento, a turma estava bem agitada e fazendo muitos comentários entre si.
Clara, após pedir silêncio, perguntou se houve muita “ficação” entre eles. Segundo os
meninos: “Bah! Sora. tinha guria feia e tribufu!”. Beatriz também disse que os meninos
das outras escolas eram todos feios: “Tava crítico, sora”. Clara insistiu e perguntou se eles
realmente não tinham ficado com ninguém. Todos disseram que não. Clara perguntou
diretamente para Alan, que respondeu: “Nada a declarar, sora”. José disse que passou a
valorizar mais as meninas da escola e os outros meninos concordaram. Clara disse que
“para a gente a grama do vizinho sempre é melhor”. Ela também comentou que nos passeios
da escola à Feira do Livro, que ela acompanhou, os comentários eram de que os alunos da
escola eram bem procurados e valorizados pelos jovens das outras escolas. Clara disse que
eram apenas comentários e que naquele momento não entrariam em detalhes, pois eles iriam
corrigir a prova que tinham feito na semana anterior. Finalizando, Clara disse que pediria
para eles escrever sobre o passeio. Um só coro se formou: “Ah, não, sora”.
Nesta subseção analiso um segmento de fala-em-interação de uma aula em uma manhã
de sábado letivo. Clara discutia com os alunos da C31 e C32, que estavam juntos, o passeio
que eles tinham feito no dia anterior. Veremos nesse segmento o momento em que Clara
contava para a turma a respeito da posição favorável ao aborto dos alunos da outra escola em
que ela leciona, uma instituição privada que atende alunos de classe média. Além de mostrar
que a organização não se mediante perguntas de informação conhecida, pretendo
demonstrar como um dos princípios norteadores do projeto político-pedagógico, conhecer o
aluno e o que ele pensa, se faz presente na interação. Antes, a organização espacial do dia:
Figura 5 – configuração da turma C31/C32 no dia 02/12/2006
109
Segmento 10 – “Filhos ricos e pobres”
(C31/C3202122006H800:32:52-00:37:08)
01 Clara: quer dize::r (.) >toda a?quela questão< da preservaçã:o
02 da vida aquilo já pra eles <não é mais um valor (.)
03 importante >
04 (0,4)
05 Clara: tá::,
06 Alan: eu não sei mas: eu acho que eles não vêem as coisas do
07 jeito que a gente vê (. )
08 Clara: [shshsh]
09 Alan: [porque] a gente tem que (lutar) pelos os negócios tem
10 que lutar e eles têm tudo nas mãos pelo que a s-
11 senhora disse pra gente da outra escola
12 Clara: [ahan]
13 Alan: [lá] então pra eles tudo é mais fácil o p- pai e a mãe
14 chegam e ó meu filho tá aqui né, enquanto a gente a
15 gente ó ((junta o dedo indicador e o polegar e sacode a
16 mão direita)) a gente tem que suar pra conseguir as coisa
17 (1,2) =((alguns risos e comentários))
18 Clara: [shshshsh
19 Alan: [OU] ou a mãe também tem que suar ali pra tá em cima,
20 ensinando, fazendo pra gente aprender porque quando a
21 gente for pro mundo, [( os negócio)] entendeu
22 Marcos: [(pro mu:ndo)]
23 Jo [(hahaha)]
24 Clara: shshshsh
25 Alan: a gente já vai ter o entendimento do negócio, eles não.
26 eles vão chegar no mundo e vão quebrar a cara pensando
27 que é tudo fácil, mas não é.
28 Clara: mhm ((concordando))
29 Alan: entendeu?
30 (0,3)
31 Clara: exa:to.
32 ((várias falas em sobreposição))
.
. ((60 segundos omitidos))
.
36 Clara: ((estala os dedos)) o Ubiratan estava falando.
37 Ubiratan:
(as vez que) por exemplo se os pais deles tiver uma
38 empresa e: (eles vão assumir) os negócios deles
39 Clara: [ahan
40 Ubiratan:
[(° °)
Clara
Marcos José Beatriz Mathias
Clarissa Carlos Paul Ubiratan Carina Gisele Cibele
Alan Emerson Everton Silvio Thomas
Quadro
110
41 Clara: só que tem uma coisa Ubiratan. vocês acham que as
42 coisas pra eles são fáceis. (.) não são não. (. ) tá:,
43 exis- exist- existe a facilidade (0,5) ã o acesso a
44 determinadas coisas a a a um por exemplo a quer ir ao
45 cinema, vai ao cinema. quer ir a uma festa, vai a uma
46 festa. não tem preocupação aquela com o dinhe:iro enfim
47 (0,3) mas quem- eles têm que p- dar em troca por essas
48 facilidades que os pais ã oferecem (0,4) eles têm que
49 devolver com estudo. (.) os pais exigem de todos o
50 máximo (0,6) tá:, (.) tem essa exigência (.) é é o que
51 eles têm que fazer a troca. vocês têm tudo isso mas
52 vocês tem que ter o estu:do, vocês têm que ser os
53 melhores. (0,4) tem essa fala em casa pra eles e os pais
54 são super exigentes, quando aparece lá a nota do filho
55 de que o filho não ta indo muito bem, o pai primeiro vai
56 falar com a professora e v- o quê que tá acontecendo
57 professora que o meu filho não tá indo bem. (0,5) aí
58 eles ficam sabendo, não, a senhora pode deixar que as
59 coisas que as coisas vão mudar e pra ter continuidade
60 por exemplo o pai desses que não estudou, que levou a
61 vida assim, ele vai pegar a empresa do pai dele e ele
62 vai quebrar a empresa do pai dele (0,5) se ele não tiver
63 não tiver estudado, ele n- não fizer um bom curso de
64 administração, enfim, tá:, o pai dele tá lá ó a empresa
65 tá lá ã o pai dele tá levando a empresa numa boa e o pai
66 até quer que o filho assuma depois a empresa, mas pra
67 isso ele vai ter que fazer o melhor curso de
68 administração (.) pra ele fazer o melhor curso de
69 administração, ele vai ter que passar no vestibular da
70 melhor universidade (.) e aí tem que estudar. (0,4)
71 embora a troca é exatamente a questão dos estudos. então
72 não é assim tudo de mão beijada não. (0,4) tá:, não é
73 mesmo. eles levam muito a sério a questão dos estudos.
74 (.) tá, cada um tem uma né, um tributo aí a pagar pelas
75 coisas que tem né, mas eu trouxe o exemplo de lá só para
76 falar da questão do: do aborto.
77 ((continua a discussão))
Após o relato de Clara, Alan se auto-seleciona e a sua opinião a respeito dos alunos da
escola privada. Para ele, esses estudantes tinham tudo o que queriam e pouco sabiam da vida,
pois não tinham que se esforçar para obter as coisas, ao contrário dele, Alan, e daqueles
menos favorecidos financeiramente que faziam parte da sua realidade (
a gente
). Alguns
colegas não se alinharam ao argumento de Alan, ironizando ou rindo (l. 22-23). No entanto, a
partir do período de observação participante, percebi que Alan e os demais colegas, meninos,
tinham interações conflituosas, sendo invocada a todo o momento a identidade religiosa e de
gênero de Alan, como mostrado na seção 3.2.1. Por essa razão, pode-se afirmar que o
desalinhamento se deve a essa interação problemática entre ele e os demais colegas, e não ao
argumento dele.
111
Um minuto após a participação de Alan
44
, Ubiratan toma o turno (l. 36-38), se
alinhando a ele e dando um exemplo de uma família que tem uma empresa e que por
conseqüência será herdada pelo filho. Clara, então, produz um longo turno, relatando para a
turma a relação desses alunos da escola privada com os estudos, afirmando que nem tudo é
tão fácil, conforme eles, Alan e Ubiratan, estão achando (l. 41-77). Na sua fala, Clara mostra
para os alunos uma realidade distante dos alunos dessa turma, desconstruindo o estereótipo de
aluno de escola privada que os participantes da interação tinham previamente. Todos, em
silêncio, ouvem atenciosamente o argumento de Clara. No entanto, ela faz isso após tomar
conhecimento do que alguns participantes pensavam a respeito dos alunos de escolas
privadas.
O segmento demonstra a preocupação da professora em proporcionar uma
reconstrução do conhecimento prévio dos alunos a respeito da realidade de alunos de escola
privadas, possibilitando para esses participantes a reflexão sobre elementos de uma realidade
pouco conhecida a partir de um esclarecimento sobre a visão quanto a essa realidade que
Clara faz após os interlocutores mencionarem a fala dela anterior sobre os alunos de outra
escola, revelando um entendimento que não era o que ela propunha.
Nesta seção, procurei demonstrar analiticamente que as discussões de temas da vida
social contemporânea durante a aula de Inglês, apresentou uma estrutura de participação
distinta da atividade de revisão de instrução de tópicos gramaticais de Inglês. A distinção se
deu na organização da participação, com Clara deixando de fazer perguntas de informação
conhecida. Conseqüentemente, a participação dos demais participantes se fez mediante ações
que foram além de dar respostas em turnos alocados. A estrutura de participação dessa
discussão, como se viu, deu-se por meio da auto-seleção dos alunos para exposição de
opiniões e construção e defesa de argumentos.
44
Momento em que Clara chama a atenção da turma, pedindo que a turma ouvisse as opiniões dadas.
112
Na próxima seção, discuto a natureza da construção conjunta de conhecimento que os
participantes estão fazendo em cada atividade da aula de Inglês. Para isso, estabeleço uma
relação entre as estruturas de participação encontradas nos duas atividades da aula de Inglês e
a noção de construção conjunta de conhecimento elaborada para este trabalho.
3.3 Estruturas de participação distintas em uma mesma aula: como fica a relação com a
construção conjunta de conhecimento?
O objetivo desta seção é essencialmente discutir a natureza da construção conjunta de
conhecimento que os participantes estão fazendo nas diferentes atividades da aula de Inglês.
Para tal, relaciono o conhecimento em pauta e a atividade em curso em sala de aula de tal
forma que a natureza do conhecimento construído fique então demonstrada analiticamente.
Como vimos, foram identificados dois tipos de atividades na aula de Inglês com
estruturas de participação e propósitos pedagógicos diferentes. No primeiro tipo de atividade,
o foco estava na revisão de formas gramaticais da Língua Inglesa. Os participantes produziam
respostas para perguntas de informação conhecida pela professora e, em muitos casos, por
eles próprios, pois a discussão girava em torno de algo que havia sido discutido
anteriormente. Além das respostas alguns participantes se engajaram em fazer comentários ou
brincadeiras, que se mostravam relacionadas com o contexto da atividade (RAMPTON,
2006), quando, por exemplo, Henrique (seção 3.1, segmento 8) cantou uma música cujo
refrão era “Como vai você?” no momento da interação em que os participantes procuravam a
tradução de Who are you?. No segundo tipo de atividade, o foco estava nas discussões de
temas e conflitos da vida social contemporânea. O volume de fala da professora foi bem
menor, em comparação com a atividade de revisão. os demais participantes expunham
opiniões, construíam argumentos e defendiam pontos de vista. Perguntas de informação
conhecida foram pouco utilizadas.
Iniciemos com o primeiro tipo de atividade.
113
A partir da análise dos segmentos de fala-em-interação, pude verificar que o
conhecimento em pauta nessa atividade, na verdade, são vários: vocabulário, utilização de
pronomes pessoais, perguntas e respostas, respostas curtas e completas e tradução. E a
atividade que está colocando esses conhecimentos em evidência é uma revisão para uma
futura avaliação escrita.
A interação se deu majoritariamente por encadeamento de seqüências IRA, ou seja, a
professora estava orientada para receber uma determinada resposta do aluno. Se essa resposta
correspondesse à sua expectativa, era avaliada positivamente, ou simplesmente a interação
seguia, indicando que a resposta estava correta. Caso a resposta não correspondesse, duas
possibilidades foram encontradas: uma avaliação negativa ou a postergação da resposta, nesse
caso, a professora refazia a pergunta, a complementava com outras informações ou, ainda, a
reformulava, dando mais uma oportunidade para que a resposta vista como adequada fosse
produzida (MACBETH, 2004). Vejamos alguns exemplos:
1
01 Clara: I a. (1,4) ã:: aqui. ((apontando para um pergunta do
02 diálogo))(0,3) what’s yo:ur occupation,
03 (1,2)
04 Abelardo: R qual a sua ocupação.
05 (.)
06 Clara: A yeah.
2
22 Clara: I o quê que é nurse,
23 Henrique: °)
24 Beatriz: [ã::] >péra aí< sora ((folheia o caderno))
25 Clara: [hu::m?]
26 Beatriz: R [enf:- enfermeira]
27 Henrique: R [acho que é (° °)]
28 Clara: A I::sso:
3
092 Clara: I O DE BA:IXO (.) WHO ARE YOU,
093 (0,7)
094 Henrique: >who are you<
095 Clara I <quem é vo[cê>]
096 Henrique: R [>my] name is Henrique<
097 Clara: A/I my name is (.) a não eu ã: se eu quisesse:
098 ã a resposta <my name is> eu perguntaria what’s
099 your name (0,4) mas aqui eu perguntei who are you
100 (.) >como é que eu dava< uma resposta mais curta,
101 Henrique: who are you, quem é você,
114
Nesse momento de revisão de formas gramaticais da Língua Inglesa, os turnos de fala
dos alunos eram, na maior parte do tempo, respostas a alguma pergunta feita pela professora,
que, então, eram seguidas por alguma forma de avaliação quanto a sua adequação. O fato de
esses segmentos se darem por meio de perguntas de informação conhecida pela professora e
também por boa parte dos demais participantes, indica uma tendência a uma construção de
conhecimento de natureza reprodutiva, exatamente por se tratar de aula de revisão, em que
conhecimentos não são novos para a maioria dos participantes justamente por ter sido
construído anteriormente.
Um fato que devemos considerar é que em uma aula de revisão, a introdução de um
conhecimento novo não seria o objetivo primordial da atividade, mas, sim, o oposto, ou seja,
os participantes demonstrando que aquela série de conhecimentos em pauta não são novos.
Por essa razão, compreende-se por que a professora faz perguntas cuja razão de ser é testar o
conhecimento dos participantes.
Mesmo se tratando de uma aula de revisão, cujo objetivo era rever boa parte da
matéria trabalhada durante o ano, o fato de o conteúdo ser de conhecimento prévio dos
alunos não impede que a interação se organize de forma que o aluno tenha um repertório
maior de participação. Porém, cabe ressaltar que apesar da participação estar concentrada em
respostas às perguntas da professora, os alunos não deixam de participar da atividade. O fato
da professora não nomear os alunos para as respostas contribui ainda mais para a participação,
pois todos se sentem no direito de responder.
Com relação a essa participação ativa nas atividades, foi possível perceber que
enquanto alguns alunos se engajavam na proposta da professora, isto é, responder as
perguntas, outros faziam comentários que de certa forma estavam relacionados com o
contexto da atividade (RAMPTON, 2006). Além disso, aqueles alunos que se alinhavam à
professora (GOFFMAN, 1979/2002) nem sempre esperavam uma nova iniciação para
115
produzir uma resposta, ocasionando diversos casos de sobreposição de voz, ao contrário da
discussão de temas sociais contemporâneos.
Relacionando os conhecimentos em pauta e a atividade em curso, vimos que a
natureza do conhecimento construído é reprodutiva, pois a professora claramente sinaliza que
quer que todos os participantes indiquem que aquele conhecimento é compartilhado por todos
(por exemplo, quando ela não ratifica a resposta de Beatriz esperando uma resposta coletiva).
Por se tratar de uma revisão de conteúdo gramatical, seria injusto afirmar que o fato de não
haver conhecimento novo sendo construído torna essa atividade menos interessante ou
inferior do que a discussão sobre mercado de trabalho. Como foi dito na seção 1.3, cada
atividade apresenta certas preferências e restrições em termos de participação. Aqui,
encontramos alunos respondendo as perguntas da professora, procurando demonstrar que
compartilham o conhecimento construído em um momento anterior. Além disso, cabe
ressaltar que essa atividade de revisão não impede que conhecimentos novos surjam, apenas
não é a meta dessa atividade.
Com relação à segunda atividade, pude verificar que o conhecimento em pauta são
dois: mercado de trabalho e sexualidade. A atividade que está colocando esses conhecimentos
em evidência é uma discussão que emerge durante a leitura de entrevistas realizadas com ex-
alunos da escola (mercado de trabalho) e durante os comentários da turma sobre um passeio
realizado (sexualidade).
A interação não se deu por meio de encadeamento de perguntas conhecidas, mas por
exposição de opiniões e construção e defesa de argumentos. A discussão sobre alunos de
escolas privadas e sexualidade, questão de suma importância para a comunidade local,
(subseção 3.2.2) permitiu que a professora, por meio da opinião de diferentes públicos sobre o
assunto, fizesse uma tentativa de “quebra de estereótipos”, mostrando para os participantes
uma realidade diferente da vivida por eles.
116
Na discussão sobre mercado de trabalho (subseção 3.2.1), por exemplo, o argumento
condutor da interação foi proposto por um aluno, que procurou articular a sua posição frente à
opinião de um dos entrevistados. Outros participantes se alinharam com a posição dele, e
outros defenderam outras posições. A professora nessa interação se limitou a fazer perguntas
de esclarecimento (O que você quer dizer com isso? O que seria esse algo a mais? Que tipo
de gari?) e fechar a discussão, dando a sua opinião. Além disso, nessa interação, ao contrário
do momento dedicado a revisão de conteúdos gramaticais de Língua Inglesa, a extensão de
fala dos alunos foi bem maior do que o da professora. Vejamos o excerto abaixo:
041 Clara: P o quê que tu quer dizer,(0,5)[com essa].
.
. ((dezessete linhas suprimidas))
.
058 Alan: R tu tem que pensa::, lá na frente de todos (.) por
059 que enquanto tem um (0,4) que tá fazendo o que tu já fa:z
060 tem outros que tá na tua frente (.) então tem que tá
061 s?empre (0,6) ((gesticula muito)) que nem que nem
062 informática, eu tô fazendo infor?mática (.) mas só
063 que porém enquanto eu tô fazendo ali já tem um lá na
064 frente que já tá pegando a minha vaga, que poderia
065 ser minha entendeu,(0,6) por isso que: esse:, esse, essa
066 resposta dele (0,9) ((engole a saliva))f(h)icou bem
067 colocada mas só que::: [n]
068 Clara: VE
45
[tu] acha que: não basta só
069 estudar,
070 Alan: R não basta [só estudar]
071 Clara: VE [tem que ter] algo mais,
072 Alan: R sim.
.
. ((setenta e cinco linhas suprimidas))
.
147 Clara: é. e vai- e tu <tens razão (.) porque:> o mercado
148 de trabalho quer essas essas= ((aponta para a cabeça))
149 pessoas, que sa:ibam, que tenham o conhecimento
150 mas que saibam principalmente usa:r (0,3) a cabeça
151 pra ((gesticula pra frente)) [né:,]
.
. ((quarenta e uma linhas suprimidas))
.
192 Beatriz: [>tá sora e me diz uma coi]sa, apareceu
193 na televisão um advogado que virou lixe:iro< (.) qual é a
194 explicação ele (usava) a cabeça e estudava um bom tempo
195 pra virar advoga[do]
196 Alan: [é. não usou a cabeça]
45
Verificação de Entendimento
117
Vemos uma interação cuja estrutura de participação apresenta um leque maior de
participações, em relação à tríade iniciação-resposta-avaliação. Os participantes construíram
argumentos (Alan) e contra-argumentos (Beatriz) em turnos de fala relativamente longos; a
professora reformulava as contribuições para avaliação dos próprios estudantes e dava os
créditos pela contribuição original a eles (l. 147-151) de forma semelhante ao revozeamento.
Essa estrutura de participação, menos restrita e mais flexível, possibilitou que
contribuições novas e inesperadas fossem plenamente ratificadas (CAZDEN, 2001). E com o
crescimento da participação dos alunos em extensão e complexidade, a professora teve que
ampliar o seu repertório de intervenções, antes restrito a avaliações.
Ao relacionar os conhecimentos em pauta e a atividade em curso, vimos que a
natureza do conhecimento construído é emergente. Nas discussões, foi possível perceber que
a estrutura de participação da atividade propiciou a construção de conhecimentos novos entre
os participantes da interação tanto em termos de informação (quando Beatriz fala do
advogado que virou gari), quanto em termos de posicionamento dos estudantes (quando
Ubiratan a sua opinião a respeito de alunos de escolas privadas). Nesse caso, as restrições
em termos de participações eram menores em relação à atividade de revisão.
Em termos de participação é importante ressaltar que em ambas as atividades os
alunos participam e, mais importante, todos puderam participar. A diferença se deu na forma
de participar, enquanto na revisão os alunos participavam para demonstrar que
compartilhavam o conhecimento construído anteriormente, na discussão a participação se deu
para marcar o posicionamento a respeito do tópico. Além disso, teve a participação
exuberante (RAMPTON, 2006), que demonstrava o engajamento do aluno em querer
participar da aula, mas sem estar estritamente em conformidade com a atividade proposta.
Neste capítulo, procurei fazer uma análise de dados de segmentos transcritos de fala-
em-interação de sala de aula, enfatizando a diferença na estrutura de participação de duas
118
atividades da aula de Inglês: uma atividade de revisão de conteúdo gramatical, e uma
atividade focada na discussão de temas da vida social contemporânea. Enquanto na revisão, a
natureza da construção de conhecimento é reprodutiva, porque a professora sinaliza que quer
que todos os participantes da interação indiquem que o conhecimento em pauta é
compartilhado por todos, na discussão sobre mercado de trabalho e sexualidade, a natureza da
construção de conhecimento é emergente.
No próximo capítulo apresento os resultados da pesquisa colaborativa, além de como
se deu o delicado diálogo com Clara. Por meio de transcrições, veremos como os encontros se
constituíram e a opinião dessa participante a respeito da análise apresentada, além de outras
questões.
119
4 LIDANDO COM O DESCONHECIDO: A FASE DE PESQUISA COLABORATIVA
Este capítulo tem como objetivo apresentar detalhadamente como foi realizada a fase
colaborativa desta pesquisa, relatando desde as negociações entre os envolvidos até as
reuniões e os resultados obtidos a partir delas. Subdivido o capítulo em duas seções: a
primeira seção discute como se deu essa fase colaborativa e as suas implicações para esta
pesquisa. Na segunda seção, detenho-me no meu diálogo com a participante, Clara, e mostro a
sua opinião a respeito das análises de segmentos de fala-em-interação de sala de aula.
4.1 Implicações da Pesquisa Colaborativa
Uma das premissas básicas desta pesquisa é a busca de aproximação da visão êmica,
privilegiando o ponto de vista dos participantes frente todas as etapas da pesquisa, desde a
entrada em campo até as análises de dados. Nesta pesquisa, a passagem por todas essas fases,
até a finalização da análise dos dados de fala-em-interação, não significou que essa premissa
se encerrava aí; ao contrário, a consideração de como o participante lida com essa fase final
da pesquisa, em que conclusões são tiradas a partir de suas práticas, nesse caso, em pleno
exercício profissional, se faz relevante.
Como foi dito no Capítulo 2, a fase colaborativa supre algumas carências da pesquisa
microetnográfica, como, por exemplo, a relação que o pesquisador mantém com os demais
participantes, que, na fase de segmentação e análise de dados se resume na visualização dos
eventos gravados. Com a pesquisa colaborativa, além da opinião do participante a respeito da
análise realizada, temos acesso a uma série de informações que nem sempre aparecem em
uma gravação. Uma grande realização da colaboração pesquisador/participante é o
estreitamento da relação, tornando a interação menos formal e mais intensa.
O desconforto de ser observado e/ou gravado, além da sensação de estar sendo
avaliado é um dos grandes problemas da pesquisa etnográfica na questão de estabelecimento
120
de vínculos. Uma forma de evitar esse constrangimento é deixando claro que o objetivo não é
avaliar, mas compreender como os participantes constroem conjuntamente ações por meio da
fala-em-interação. Além disso, para Erickson (1990), a melhor forma de estabelecimento de
vínculos com os participantes da pesquisa seria envolvendo-os diretamente na pesquisa, no
caso desta pesquisa, em co-pesquisador, a partir da problematização de seu contexto.
Na fase de pesquisa colaborativa, é importante que o participante fique à vontade, pois
a criação de um clima tenso, especialmente se o tópico a ser discutido é delicado, pode
prejudicar a interação, fazendo com que o participante se retraia. Outra questão relevante é a
organização do encontro. Sabendo que o encontro teria um tempo limitado, toda a
argumentação foi elaborada com antecedência.
Durante a negociação com Clara para a realização dessa etapa colaborativa, já tendo
identificado as duas estruturas de participação da aula de Inglês, procurei conversar com ela a
respeito de minhas descobertas e da possibilidade de apresentá-las para saber como veria o
que estava sendo concluído. Alguns dias depois, quando fui à escola para confirmar a data do
nosso primeiro encontro, ela disse que gostaria muito de fazer a discussão. Ela também disse
que gostava muito de discutir questões relativas à sala de aula, mas como na escola ela era a
única professora de Língua Inglesa, as possibilidades eram poucas, e que essa parceria com
uma pesquisadora seria muito profícua.
Portanto, ao realizar uma pesquisa com uma agente educacional no contexto escolar e
não apenas sobre ela, esperamos contribuir nos seus processos de formação contínua, sem,
neste caso, intervir em suas práticas, dizendo o que deveria ou não ser feito, pois isso só daria
a pesquisa um caráter avaliativo, o que não é de forma alguma o objetivo.
4.2 Problematizando as práticas pedagógicas
121
Nesta seção trato especificamente dos meus encontros com a participante, Clara.
Nesses encontros, análises de alguns dados foram apresentados a Clara, possibilitando que ela
opinasse a respeito e acrescentasse informações que considerasse relevantes.
Foram realizados dois encontros entre os meses de agosto e outubro de 2007 e
registrados em áudio. O primeiro encontro, que teve a duração de uma hora e trinta minutos,
foi realizado em uma sala da própria escola. O segundo encontro teve a duração de uma hora
e foi realizado na mesma sala. Durante os encontros levei os segmentos de fala-em-interação
transcritos e o DVD com as imagens, porém eles não puderam ser assistidos porque o
aparelho de DVD estava sendo utilizado nas datas dos encontros. Foi preciso, então, relatar
para a participante o segmento. Não tivemos problemas, pois ela lembrava perfeitamente das
aulas.
No primeiro encontro (31/08/2007), o primeiro tópico abordado foi a questão de
alguns alunos (Henrique, Alan e Glauber) chamarem à atenção por motivos diferentes em
alguns dos segmentos. Após mostrar para ela alguns segmentos, como “A resposta completa”,
“A girlfriend” e “Discussão de entrevistas”, todos analisados no Capítulo 3, afirmei que a
relação de Henrique com os outros dois participantes era conflituosa. Além disso, falei que
parecia que algumas questões, como a identidade de gênero parecia ser relevante na interação.
Ela concordou e disse:
Segmento 11
(30082007-mp300:05:00-00:10:04)
001 Pesq. daí assim eu vi por exemplo que o Henrique tinha essa questão
002 com o Glauber mas também tinha com o Alan: (0,4) né, daí a o
003 Alan inclusive eu vi chamando ele de irmão (0,4) o tempo todo,
004 eu acho que ele fazia parte de uma igreja né, ou coisa assim.
005 Clara: .h isso. o [Alan] também=
006 Pesq. [é:]
007 Clara: =era o diferente. agora eu >tava tentando me lembrar [a]qui<=
008 Pesq. [é]
009 Clara: =quem era o Alan né, o Alan também era o diferente.
010 Pesq. ahan
011 Clara: né, porque o Alan não não pertence à comunidade [o]
012 Clara: [ah,] ele
013 também não. [tá.]
122
014 Clara: [é] ó quem não pertence à comunidade (.) o Glauber
015 não pertence a à comunidade, o Alan não pertence à comunidade
016 Pesq. mhm
017 e o próprio Henrique [não pertence] à comunidade.
018 Pesq. [(tu vês). [justa]mente foi esses pra nós
019 Clara: [né:,]
020 Pesq. que ficaram bem [assim] evidente
021 Clara: [e:xato]
022 Clara: então esses três não pertencem à comunidade.
023 Pesq. mh[m]
024 Clara: [e] aí: ã: o:: o Glauber chamava a atenção (.) pelo quê, pelo
025 fato de ele saber inglês, de ele já ter tido inglês antes
026 Pesq. [ahan mhm]
027 Clara: [ele já sabia bastante] né, e ele tinha todo um conhecimento por
028 exemplo de: ã grupos musica::is, né, e:: sabia sa?bia bastante.
.
.((62 segundos suprimidos – Clara fala de Luciano, dupla de Glauber na aula
. de Inglês, que também, segundo ela, tinha um bom conhecimento de Inglês))
029 Clara: o Glauber além de saber inglês, o Glauber tinha a questão social,
030 (.) né, as roupas melhores, um- [uma situação social melhor]
031 Pesq. [ã eu já encontrei] ele
032 inclusive no shopping algumas [vezes]=
033 Clara: [i::sso]
034 Pesq. =ele com um [grupo]=
035 Clara: [é:]
036 Pesq. =de amigos.
037 Clara: e ele quando vinha ele falava de algumas coisas >por exemplo<
038 ele freqüentava lugares que os meus alunos lá da escola
039 particular freqüentam.
040 (.)
041 Pesq. m::
042 Clara: então,
043 Pesq. a[han]
044 Clara: [aqui] se incomodam com isso.
045 (.)
046 Clara: então como é por onde nós vamos incomodar o Glauber né,
047 Pesq. sim
048 Clara: vamos falar da questão da masculinidade dele, vamos por em
049 cheque a masculinidade dele. [então]
050 Pesq. [é.] justamente [(°ahan°)]
051 Clara: [toda a] vez que
052 ele tentava falar eles não podiam rebatê-lo (.) ã ou competir
053 com a questão do conhecimento,
054 Pesq. aha[n]
055 Clara: [e]les pegavam a questão da masculini[dade dele]
056 Pesq. [é verdade]
057 Clara: botar em cheque [a questão da]=
058 Pesq. [é verdade]
059 Clara: =masculinidade.
060 Pesq. ahan
061 (.)
062 Clara: o Alan a mesma coisa.
063 (0,7)
064 Clara: o Alan também, o Alan veio para cá ã::: na própria cê trinta
065 [mesmo]
066 Pesq. [ah::] >então porque ele é o único ano<, então ele não tinha
067 entrado an[tes,]
068 Clara: [é]
069 Pesq. ah t[á.]
070 Clara: [os] dois os [dois vieram]
123
071 Pesq. [os dois entraram] naquele ano,
072 Clara: o: o Glauber e o Alan [entraram] naquele ano.
073 Pesq. [ahan]
074 Clara: o [Glauber veio] por quê,
075 Pesq. [mhm]
076 Clara: porque não pó- ã ã tava tinha repetido né, na escola (.) ã
077 estadual eu acho
078 Pesq. ahan
079 Clara: e veio para cá para
080 Pesq. sim
081 Clara: né,
082 (0,3)
083 Clara: por causa de questão que: que aqui não: não roda né, não
084 reprova
085 Pesq. ahan
086 Clara: e o Alan a mesma coisa.
087 (0,4)
088 Clara: os dois vieram pelo mesmo motivo.
089 Pesq. aha[n]
090 Clara: [e] e vieram na cê trinta e (0,7) rã ((arranha a garganta))
091 o Alan o quê que tem eles chamam de irmão por quê, porque o
092 Alan ele: ele realmente faz parte de uma comunidade
093 evangé:lica,
094 Pesq. ahan
095 Clara: ele é uma espécie de um: pregador da palavra
096 Pesq. eu vi que ele é mu:ito bem articula[do]=
097 Clara: [é]
098 Pesq. =na aula nas vezes [que tinham]=
099 Clara: [i::sso]
100 Pesq. =momentos de discussões na aula assim
101 Clara: [ahan]
102 Pesq. [teve] um dia d- eu até descrevi isso né que foram feitas com
103 ex alunos e e ele deu a opinião dele, [falava] muito bem.
104 Clara: [ahan]
105 Pesq. [bem °articulado°]
106 Clara: [então] é é é são é o o Alan ã fala bem a língua portugue:[sa,]
107 Pesq. [sim]
108 Clara: né? e tem um conhecimento geral bom
109 Pesq. aha[n]
110 Clara: [e] os outros se incomodavam com isso [né,]
111 Pesq. [sim]
112 Clara: então, po- por onde é que nós vamos he[hehe] ((risos))
113 Pesq. [é:]
114 Clara: pegar [né,]
115 Pesq. [ahan]
116 Clara: exatamente a questão (.) .h e aí falam eles põem em cheque a
117 questão da masculinida:de né, de alguma forma nós temos que
118 [ganhar] deles, mostrar se nós não somos melhores na linguagem,
119 Pesq. [ahan]
120 Clara: no conhecimento, na na na nas roupas,
121 Pesq. ahan
122 Clara: nós somos melhores porque nós somos machos (.) né, mais machos
123 que ele
124 Pesq. si[m]
125 Clara: [e] põem em cheque.
126 (.)
127 Clara: que tem uma coisa, (0,3) o o Glauber não mas o Alan ele
128 tinha as meninas todas e- em volta dele ali
129 Pesq. ah[::]
130 Clara: [né,]
131 Pesq. e gerava co- digamos um ciúme [nos outros]
124
132 Clara. [o ciúme] também [e::]
133 Pesq. [hehe] ((risos))
134 Clara e essa coisa do irmão do pregador porque ele sempre que
135 ele teve oportunidade de falar sobre essas questões
136 religio:[sas aqui]=
137 Pesq. [ahan]
138 Clara: =>assim< falou na sala de aula né,
139 Pesq. ahan
140 Clara: isso incomodava né, imagina (.) um colega nosso tem um
141 conhecimento desses né, [hehehe] ((risos))
142 Pesq. [pois é]
143 Clara: isso incomoda.
144 Pesq. ahan
145 Clara: então é é isso. agora (.) os dois mas eles não levavam em conta
146 por exemplo o fato dos dois terem repetido de ano (.) na outra
147 escola. isso não: eles não traziam isso.
148 Pesq. sei
149 Clara: né,
150 Pesq. ahan
151 ((continua))
Coincidentemente, os três alunos que mencionei não pertenciam à comunidade. Clara
apresenta informações interessantes a respeito de Glauber, como, por exemplo, o fato de ele
ter um melhor conhecimento da Língua Inglesa que os demais, assim como uma situação
econômica mais favorecida que a dos colegas, e isso ser relevante para os demais
participantes a ponto de desencadear menções a identidade de gênero (l. 24-60). Além disso, a
fala de Clara reforça um dos argumentos da análise do segmento “A resposta completa”
(subseção 3.1.1), em que afirmo que uma resposta de Alan se tornou tópico para a invocação
de identidade de gênero e durante alguns segundos, a resposta dele e as reações de riso e a
menção a identidade de gênero se tornaram o foco principal da interação. Clara confirmou que
Alan tinha entrado na escola naquele ano (l. 72) e que, ainda, atraía a atenção das meninas, o
que causava ciúmes dos colegas (l. 127-133). Além disso, o fato de fazer parte de uma igreja
evangélica tornava a relação com os colegas conflituosa (l. 134-143), pois, conforme as
observações de campo demonstraram, a todo o momento ele era chamado de “irmão”. Clara
também chamou a atenção para o fato de Alan e Glauber serem repetentes (l. 62-88).
Interessantemente, isso não se fez relevante para os demais colegas. Portanto, por razões
125
religiosas, econômicas e de conhecimento (de Língua Inglesa, no caso de Glauber, e geral, no
caso de Alan), Glauber e Alan se tornaram tópico para a invocação de identidade de gênero.
Clara, por sua vez, não levava a diante uma discussão sobre tema que foram bem-
vindos em outras ocasiões (segmento 3.2.2, por exemplo), pondo em dúvida o propósito que
se depreende das discussões sobre aborto e mercado de trabalho, por exemplo. Por essa razão,
no segundo encontro (18/10/2007), perguntei por que ela não lidava com essas questões de
gênero. Esta foi a resposta:
Segmento 12
(18102007-mp300:11:55-00:23:04)
01 Pesq. parecia assim >não sei se eu estou enganada< mas parece assim que
02 tinha que esse tipo de discussão tem momento,
03 (0,4)
04 Pesq. sa[be,]
05 Clara: [não], sabe o quê que é,
06 (.)
07 Clara: eu eu tava pensando não é só né, n: aqui em toda e qualquer aula
08 Pesq. ahan
09 Clara: tá:,
10 (.)
11 Clara: o quê que eu faço, por exemplo (0,6) ã:: é é a coisa assim ó, de
12 nã:o (0,5) porque se eu fosse conversar sobre aquilo naquele
13 momento,
14 Pesq. ahan
15 Clara: eu ia desviar do fo:co (0,3) da aula.
16 Pesq. a[han]
17 Clara: [se] eu abrir pra isso, aí eles trazem uma coisa, e trazem outra
18 e trazem ou[tra]
19 Pesq. [eles] trazem muita sobre [isso né,]
20 Clara: [eles] trazem muito.
21 Pesq. ahan
22 Clara: e aí, bom e aí eu não não eu não ã foco a aula no objetivo que é
23 trabalhar a a língua do jeito que eu esto:u trabalhando aqui,
24 entende,
25 Pesq. [[ahan]
26 Clara: [[então] não dá pra fazer em todas
27 (0,3)
28 Clara: tá,
29 (.)
30 Clara: então têm vezes que eu corto si:m
31 Pesq. [ahan]
32 Clara: [e] corto de propó:sito,
33 (0,3)
34 Clara: tá?
35 Pesq. ahan
36 Clara: que é assim ó, o foco agora é é em cima: da do texto, é em cima
37 da troca da da da coisa (.) até para ((som de batidas)) porque eu
38 tinha esse objetivo de trabalhar, de ver se eles sabem substituir
39 o: né, e aí se eu for dar atenção para ela, o quê que vai
126
40 acontecer? ela vai trazer, >o outro vai trazer, o outro vai
41 trazer< vai ter gozação
42 (0,3)
43 Pesq. ah: certa[mente]
44 Clara: [e] eu perco: (0,3) a a o objetivo a[qui,]
45 Pesq. [é] o foco ali da
46 au[la]
47 Clara: [até] porque eu sou uma pessoa que me disperso e se me derem a
48 palavra e me deixarem eu vou né:,
49 Pesq. ahan
51 Clara: e aí bom e a aula, e aquilo que a professor(h)a [hehehe]
52 Pesq. [hehehe] ((risos))
53 Clara: é por i:sso.
54 Pesq. ahan
55 Clara: e é de propó:sito que eu (.) corto, eu sinto também uma (.) uma
oportunidade de fala
.
.((404 segundos omitidos – Clara fala de questões de gênero e a rejeição dos
. meninos de outra turma em ler o diálogo “Fred is my boyfriend”))
56 Clara: por i:sso que eu dou essas cortadas de vez em quando e que parece
57 que não isso não interessa para a professora, não. não interessa
58 porque para nós perder
59 (.) = ((alguém bate na porta))
60 Pesq. ah (.) °saem correndo° hehe ((risos))
61 Clara: é.
62 (.)
63 Clara: não interessa porque é para não não perder porque se não eu vou
64 começar a falar sobre isso e:
65 Pesq. vai a aula toda
66 Clara: e vai a aula toda porque eles eles puxam né,
67 Pesq. ahan
68 Clara: então, é nesse sentido e não porque eu não ache:: importante,
69 Pesq. claro
70 Clara: né?
71 Pesq. aha[n:]
72 Clara: [coi]sa assim °quem°
.
.((112 segundos omitidos – Clara e a pesquisadora começam a organizar os
. cartazes feitos pelos alunos))
73 Clara: eu acho que: e- essa interpretação que tu faz tu pode: dizer que
74 a profes- que é a questão mesmo de (0,8) de segurar, (0,8) de não
75 (.) de de de fazer de conta que não ouviu
76 Pesq. ahan
77 Clara: que é para para pod(h)er mant(h)er o foco só na questão da da
78 linguagem porque se nã:o (0,5) pronto lá foi porque eles têm como
79 eles têm uma necessidade muito grande de (.) de falar sobre isso,
80 Pesq. ahan
81 Clara: tu perde né,
A resposta de Clara demonstra que ela tinha um propósito bem claro, trabalhar a língua, como
ela própria disse (l. 22-24), isto é, continuar a revisão de tópicos gramaticais, o que acaba
confirmando a análise de que a invocação de questões de gênero era tratada como uma
interrupção da atividade em questão. Por essa razão, quando Clara afirma, e bom e a aula?
127
(l. 51)
,
interpreto
“aula” como “atividade”, nesse caso, a realização dos exercícios
propostos, pois a introdução de uma discussão de gênero naquele momento “quebraria” um
acordo entre os participantes, isto é, uma proposta de atividade ratificada pelos participantes
dessa interação de sala de aula, nesse caso, a realização de exercícios com temática
gramatical. Portanto, acredito que a percepção de atividades com propósitos distintos na aula
de Inglês sendo que em um desses momentos esse tipo de questão é abordado e discutido
ainda assim se mostra coerente com a fala da participante.
No primeiro encontro, o objetivo era discutir justamente essa percepção da aula de
Inglês. Apresentei para ela a análise que tinha feito, mostrei alguns segmentos transcritos
referentes aos dois momentos da aula e perguntei se ela concordava com aquela análise. Ela
concordou, dizendo “isso”, ”sim”, “ahan”, não fazendo qualquer menção de discordância.
Sobre a discussão a respeito de mercado de trabalho, ela fez o seguinte comentário.
Segmento 13
(30082007-mp300:19:25-00:22:29)
01 Pesq. daí a gente vê que é bem diferente por exemplo daquele momento
02 da: que está sendo instrução de inglês
03 (.)
04 Clara: ahan
05 Pesq. por quê? porque aqui a gente vê assim por exemplo que ele está
06 trazendo alguma coisa diferente
07 Clara: ahan
08 Pesq. né, da[í:]
09 Clara: [por]que é uma resposta que eu não esperava.
10 Pesq. isso.
11 Clara: que é uma argu[menta]ção
12 Pesq. [é]
13 clara: que eu não espe[rava.]
14 Pesq. [isso. é.]
15 (.)
16 Clara: e que eu desco?nheço.
17 (.)
18 Pesq. ahan. [exatamente]
19 Clara: [que eu tô] lidando com o desconhecido.
20 Pesq. ahan
.
.((129 segundos suprimidospesquisadora continua relatando a interação em
. que os participantes discutem a partir da entrevista com ex alunos))
21 Pesq. daí a gente viu >o quê que a gente viu< que a gente achou
22 interessante é que não teve nenhum momento assim de:: de
23 desentendimento, (.) de de briga, de disputa nada assim, um
24 argumento foi feito mas assim entre eles, entre os alunos (.) né,
128
25 daí eu pensei tá e a professora aqui, >daí eu vi que< só (0,3)
26 assim moderando assim a moderadora [>por exemplo<] tem o debate
27 Clara: [ahan]
28 Pesq. tem o moderador [o que tu] queres=
29 Clara: [i:sso]
30 Pesq. =dizer com isso [ó]
31 Clara: [deixando] que eles mesmos .h (.) ã:: tragam
32 o argumento e que se eles tiverem o contra argumento que: que já
33 tá bom,
34 Pesq. [i:sso]
35 Clara: [que] não precisa eu
36 Pesq. ahan
37 Clara: né?
38 Pesq. exatamente.
A posição de Clara evidencia um dos princípios do projeto político-pedagógico da escola que
diz que “todos podem aprender”. E todos, nesse caso, inclui Clara. Quando ela diz “Eu
lidando com o desconhecido” (l. 19), evidencia a premissa de que no momento em a estrutura
de participação não apresenta uma restrição quanto ao espaço que os têm para trazer
contribuições, especialmente questões inesperadas, aumentam-se as possibilidades do
professor se apresentar como aprendiz de algo novo.
Ainda tratando desse momento em que foram discutidos temas da vida social
contemporânea, ela relata o porquê de proporcionar esse tipo de discussão.
Segmento 14
(30082007-mp300:26:55-00:29:05)
01 Clara: entã:o é o tipo da aula que não que não me agrada mas mesmo
02 assim eu continuei porque eu tinha o interesse muito grande em
03 ouvir né, como é que tinha sido aquilo lá porque eu sabia que lá
04 eles iam ouvir todas essas questões (.) né, da da da das doenças
05 né, ã sexualmente transmissí:veis enfim eu que?ria saber o que
06 eles tinham achado até para saber, para ter uma idéia assim do
07 quê que eles (0,5) como eles estão vendo isso o que eles sabem e
08 que tipo de instruções eles já têm até para para eu depois trazer
09 alguma coisa a mais [né,]
10 Pesq. [ahan]
11 Clara: e:: eu tenho essa preocupação da da da educação sexual eu devo
12 ter trazido exemplos de que em uma época tinham tantas alunas
13 grávidas
14 Pesq. isso. exatamente.
15 Clara: e eu sempre falo sobre isso,
16 Pesq. ahan
17 Clara: de que (0,7) de uma época tinha tantas alunas grá:vidas e:
18 depois isso não aconteceu ma:is (.) ou por exemplo quando e eu
19 entrei aqui que os alunos saiam da da da oitava série antiga
20 oitava série e não continuavam e hoje em dia todos
continuam (.)
21 e aí eu tenho essa preocupação de ir ã fazer entrevista com ex
22 alunos
129
23 Pesq. ahan
24 Clara: para trazer o e?xemplo né, para eles sentirem a a se sentirem
25 incentivados a continua:rem estudando né, porque eu acho que é a
26 única maneira de eles né, ã:: conseguirem alguma coisa melhor
27 para eles né,
28 Pesq. ahan
29 Clara: porque aqueles que não estudam que ficam zanzando por aqui no
30 bairro (.) ã o: mundo da da das drogas [assim]
31 Pesq. [ah] é:
32 Clara: o mundo do crime acaba levando acaba ganhando né,
33 Pesq. ahan
34 Clara: e a gente observa assim e e eles vem ele não conseguem olhar a
35 gente nos olhos né, eu por exemplo eu saio ai e eu sei qual é o
36 aluno que vai me olha:r, que vai me cumprimentar e qual é aquele
37 vai baixar a cabeça e que fazer de conta que não me conhece (0,3)
38 né, porque eles eles tem vergonha né, de de né, as vezes eu nem
39 lembro de nome se é aluno nem nada mas eu sinto assim pelo olhar
40 que
41 Pesq. baixa o olhar [( )]
42 Clara: [é] baixando o olho e dizendo tomara que ela não
43 me reconheça né, porque ela pode chegar e perguntar o quê que eu
44 t(h)ô faz(h)endo
45 Pesq. ahan
46 Clara: né, e aí eu °nã
47 ((começa a falar de outra turma))
A fala de Clara
46
, ao demonstrar preocupação em saber que conhecimento os alunos
compartilham a respeito de doenças sexualmente transmissíveis e o que pode ser trazido de
novo para eles, demonstra a plena realização do projeto político-pedagógico da escola,
envolvendo ações de inclusão social observadas na prática de sala de aula. A partir da análise
dos segmentos da seção 3.2 e da fala de Clara, vemos que a participante está plenamente
engajada no propósito de discutir questões que para esses alunos são tão imprescindíveis
quanto as questões relacionadas a disciplina de Língua Inglesa em si.
Quando ainda discutíamos a importância desse tipo de discussão, Clara apresenta uma
situação que dificilmente seria captada por uma câmera.
Segmento 15
(30082007-mp300:48:46-00:50:42)
01 Pesq. nesse aula nessa aula de sábado e nessas pesquisas que tu
02 fizeste no ano passado assim teve alguma coisa assim de
03 motivaçã:o desses alunos assim os resultados da das entrevistas
04 que eles fizeram (.) ã: foi assim como tu estás dizendo desse
46
Alguns minutos antes, Clara tinha revelado que a acústica da sala não era boa e que o fato dos alunos se
sentarem em “U”, com a maioria concentrada no fundo da sala, atrapalhava a aula, pois ela tinha dificuldade de
ouví-los e porque eles ficavam muito tempo conversando entre si. Por essa razão ela afirma que esse tipo de aula
não lhe agradava.
130
05 ano assim tu disseste que no ano passado foi mais na brincadeira
06 assim,
07 Clara: é. não não tanto. porque como é que eu vou te dizer, .h (.)
08 tinha uma a por exemplo, a a:: alguns valorizaram [né,]
09 Pesq. [ahan]
10 Clara: mas tinha uma vo:z ali dentro daquela turma, que por exemplo a
11 voz do Henrique,
12 Pesq. ahan
13 Clara. a voz do:: eu acho que era Ca:rlos,
14 Pesq. o Carlos.
15 Clara: o Carlos (.) esses eram e-esses eram meninos meninos muito
16 revolta:dos assim com a situação eles eles (.) ã: ã: eram alunos
17 né, que tinham consciência da sua da situação social, assim, né?
18 Pesq. ahan
19 Clara: e eram revoltados com aquilo, né?
20 Pesq. ahan
21 Clara: >eram revoltados<
22 Clara: o:: eu não sei se o Henrique ou o Carlos acho que o Carlos, o
23 Carlos é é: a a:dotado enfim, tem toda eles tinham uma situação
24 assim .h então (0,3) ã eu acredito que: <interiormente> (0,3)
25 né, de alguma forma tenha tenha servido,
26 Pesq. [ahan]
27 Clara: [mas assim] eles faziam questão de mostrar que não que
28 Pesq. ah::
29 Clara: que aquilo não .hh ((risos)) não [e(h)ra b(h)em por aí né],
30 Pesq. [( )]
31 Clara: não era por aí. a própria Samanta (.) né, a própria Samanta.
32 (0,5)
33 Clara: então tinha tinha uma coisa assim que eu senti que tinha uma
34 certa (.) ã (1,4) ã: resistência né (.) a a ach- a achar que
35 iria dar certo,
36 Pesq. ahan
37 Clara: né, eles tinham mais aquela coisa assim de .h ã: eles pregavam
38 quase que a derrota antes mesmo de terem: tentado qualquer coisa
39 Pesq. ahan
40 Clara: e se mostrava até ?nã:o adianta tentar porque: né, não vai dar
41 certo mesmo [porque a] nossa vida é assim mesmo
42 Pesq. [ahan]
43 Clara: não é,
44 Pesq. (° °)
Esse tipo de depoimento a idéia da vulnerabilidade de muitos desses alunos e
enfatiza, mais uma vez, o quanto essas discussões pode fazer diferença na vida deles. Além
disso, em termos analíticos, compreende-se melhor porque a participação deles em muitos
momentos se caracterizou como “exuberante” (RAMPTON, 2006), ou seja, faziam
comentários e brincadeiras dentro do contexto da atividade (por exemplo, segmento “A
girlfriend”). Interessantemente, essas participações não-canônicas partiram justamente
daqueles mencionados por Clara.
131
A respeito das estruturas de participação da aula de Inglês, as falas de Clara foram
importantes para a confirmação das asserções analíticas. Quando os participantes discutiam a
respeito de temas sociais contemporâneos, Clara se mostrou à vontade para fazer comentários.
Agora, no momento em que falei do encadeamento de seqüências IRA, Clara foi sucinta,
concordando com a análise, mas sem fazer muitos comentários. No entanto, um dos
comentários demonstra a sua preocupação a respeito da importância que a Língua Inglesa tem
para os ex-alunos, agora no ensino médio, e a sua plena consciência a respeito do ensino de
Inglês. Interessante a sua visão de que o conhecimento de Língua Inglesa pode dar status.
Segmento 16
(30082007-mp300:50:43-00:52:06)
45 Clara: tinha uma coisa assim mas eu acredito eu converso com mu:itos
46 deles em muitos deles e eles estão estudando, estão indo, né, me
47 preocupa muito perguntar pra eles assim ó, até que ponto o
48 inglês que eles tiveram aqui (.) servi:u (.) pra fazer diferença
49 lá.
50 Pesq. [ahan]
51 Clara: [se] eles sentiram assim que o que eles aprenderam aqui
52 realmente ajudou para eles darem conta de lá.
53 Pesq. °ahan°
54 Clara: e eu tenho né, visto eles trazerem assim ba: professora ajudou
55 mu:ito. [ba: a gente]
56 Pesq. [°que legal°]
57 Clara: ba: eu sei muito mais do que os outros caras lá assim faz
58 diferença
89 Pesq. ahan
60 Clara: né, porque o o inglês que eu dou aqui é é muito pouco (0,3) né,
61 eu acho que é muito pouco, né? e poderia ir mu:ito além (.) né,
62 ã <mas eles> dizem que fazem que faz [muita diferença lá.]
63 Pesq. [para o ensino né] que eles
64 v- para o ensino médio [(para ele ° °)]
65 Clara: [é. eles AH::] o professor vem e repete
66 tu:do começa tudo de novo.
67 Pesq. °ahan°
68 Clara: e eu já sabia tudo isso então faz [uma diferença]
69 Pesq. [um::::]
70 Clara: a- até uma maneira de se mostrar (0,3) né, perante os outros.
71 isso eu já sei. [né,]
72 Pesq. [hehehe] ((risos))
73 Clara: então dá um certo status (0,4) saber o in[glês]
74 Pesq. [saber] o inglês
75 (então) dá status
76 Clara: é. eles se viram em muitas situações eles se viram no lugar do
77 do Glauber né,
78 Pesq. ahan
79 Clara: dava status (.) porque o Glauber aqui na escola a única
80 disciplina em que ele se saía b- melhor que os outros era no
81 inglês
82 Pesq. ah é?
83 Clara: então [para o]=
132
84 Pesq. [ah::]
85 Clara: =Glauber dava status né=
86 Pesq. ahan
87 Clara: =saber o inglês
88 ((começa a falar sobre o mau desempenho de Glauber na aula de
89 Português))
Por fim, a fala abaixo a exata noção de como é importante deixar o participante à
vontade. No fim do primeiro encontro, Clara um relato pessoal, relacionando a sua
preocupação com esses alunos ao seu passado como estudante.
Segmento 17
(30082007-mp301:12:02-01:13:07)
01 Clara: e eu fui uma uma uma uma adolescente que não eu não li nenhum
02 li:vro enquanto eu era adolescente (0,3) eu ouvia as histórias
03 que a minha mãe contava, mas aí ã é: eu não tinha acesso a
04 livros né,
05 Pesq. ã
06 Clara: e eu fui ler os meus primeiros livros na universi?dade, na °eu
07 fiz° a universidade de Letras eu li os meus primeiros livros lá
08 mas, assim, lá eu tinha a biblioteca, então eu tudo que eu lia
09 que eu podia pegar eu pegava. ho[je]
10 Pesq. [a]han
11 Clara: eu sou uma divulgadora d(h)e [de livros] né,
12 Pesq. [hehe] ((risos))
13 Clara: e eu e eu abro espaço na minha aula para a leitu:ra hoje a aula é
14 de leitura vocês vão passar a minha aula toda lendo (.) [né,]
15 Pesq. [sim]
16 Clara: exatamente isso (quer dizer) eu agarrei >todas as oportunidades
17 que apareceram para mim< [entendeu,]
18 Pesq. [ahan]
19 Clara: então eu tava lá na roça.
20 Pesq. ahan
21 Clara: .h casada talvez com um ca:ra,
22 Pesq. hehehe ((risos))
23 Clara: né, com um agricultor bem promisso:r, né mas eu tava lá:
24 Pesq. ahan
25 Clara: né, eu não estaria aqui >fazendo esse trabalho< e eu vejo esses
26 caras aqui esses alunos daqui com e e e esse difícil acesso à
27 cultu:ra coisa e- eu me vejo neles,
28 Pesq. ahan
29 Clara: então eu tudo que eu puder=
30 Pesq. ah
31 Clara: =ensinar para eles eu vou ensinar.
A partir dessas falas, posso concluir que essa fase colaborativa da pesquisa se mostrou
muito útil e proveitosa, tanto em termos analíticos, pois as informações dadas auxiliaram a
entender ainda melhor a orientação dos participantes e a confirmar as análises, quanto em
termos de vínculos estabelecidos, que se fortaleceram após essa fase. A idéia principal era
133
tornar essa participante colaboradora no processo de análise a partir de suas opiniões e
acredito que isso foi obtido. Além disso, fica a certeza de que houve uma devolução para essa
participante, que abriu as portas da sua sala de aula e permitiu os registros. Espero, assim, ter
contribuído de alguma forma em suas atividades de sala de aula.
Apresentarei a seguir as respostas às perguntas de pesquisa e as últimas considerações
deste trabalho.
134
CONSIDERAÇÕES FINAIS: TODOS PODEM APRENDER
O presente estudo descreveu e contrastou a organização de duas estruturas de
participação observadas na fala-em-interação de sala de aula de Inglês em duas turmas de uma
escola municipal de ensino fundamental de Porto Alegre. Analisei e discuti a natureza da
construção conjunta de conhecimento que os participantes estavam fazendo em duas
atividades da aula. Para isso, estabeleci uma relação entre as estruturas de participação
encontradas nas atividades e a noção de construção conjunta de conhecimento elaborada para
este trabalho. Por fim, discuti com a professora de Inglês das turmas investigadas a respeito
do tema, de modo que este trabalho tomou contornos de uma pesquisa colaborativa.
Como foi dito, foram identificados dois tipos de atividades na aula de Inglês. No
primeiro tipo de atividade, o foco estava na revisão de formas gramaticais da Língua Inglesa,
em que os participantes produziam respostas para perguntas de informação conhecida pela
professora. Enquanto isso, no segundo tipo de atividade, o foco estava nas discussões de
temas e conflitos da vida social contemporânea, em que os participantes expunham opiniões,
construíam argumentos e defendiam pontos de vista de forma improvisada.
Apesar da discrepância entre as duas atividades da aula de Inglês, busquei não fazer
uma análise baseada no binarismo. Os segmentos analisados na seção 3.1 (subseções 3.1.2 e
3.1.3) serviram justamente para mostrar que não se tratava de uma relação inversa entre as
duas atividades. Vimos, por exemplo, que nem sempre aquilo que é trazido pela professora é
aceito, ocasionando um momento delicado para ela. Vimos também que nem sempre os
participantes se alinharam (GOFFMAN, 1979/2002) com a proposta da professora. Isso não
significou falta de participação, ao contrário, alguns alunos se engajaram fortemente em
participar da aula, mas de forma não-canônica, por meio de comentários e brincadeiras
(RAMPTON, 2006). O fato de a fala-em-interação de sala de aula se constituir de modo
135
situado, e não apresentar uma estrutura uniforme ou um conjunto único de práticas, é que
permitiu que um momento mais tradicional da aula de Inglês se deparasse com momentos
como esses, de improviso e aventura (CAZDEN, 2001).
A partir das discussões feitas neste trabalho, alguns aspectos que considerei relevantes
para serem levados em conta em termos de estrutura de participação foram: o alinhamento dos
participantes (GOFFMAN, 1979/2002), quando demonstrei que os alinhamentos construídos
pelos participantes se diferenciavam à medida que as estruturas de participação da aula de
Inglês se distinguiam; a organização espacial dos participantes (PHILLIPS, 2001), quando
apresentei a disposição dos participantes na sala; a organização seqüencial da fala-em-
interação (GOODWIN, 1990; GOODWIN e GOODWIN, 2004), quando analisei os
segmentos transcritos; por fim, a tomada de turno, a obtenção do piso conversacional e a
ratificação da participação (SHULTZ, FLORIO e ERICKSON, 1982; CAZDEN, 2001),
quando ressaltei os momentos em que os alunos obtiveram o piso conversacional e tinham
suas falas ratificadas.
O conceito de construção conjunta de conhecimento foi entendido neste trabalho como
a relação entre o objeto de discussão (tradução, uso de pronomes pessoais ou questões sobre
mercado de trabalho) e a natureza do conhecimento construído (reprodutiva ou emergente)
para uma melhor compreensão do aspecto da situacionalidade do evento aula. Essa relação foi
de fundamental importância para a compreensão da natureza do conhecimento construído. Em
termos de participação, levei em consideração o fato de que cada atividade (debates a respeito
de questões sociais contemporâneas e revisão de aspectos gramaticais) apresenta certas
preferências e restrições em termos de participação. Além disso, ressaltei que conhecimento e
participação se tratam de termos intrinsecamente relacionados, a partir da premissa de que
participar é e aprender é participar (SCHULZ, 2007), não devendo, portanto, ser analisados
separadamente.
136
Retomando as questões que motivaram esta investigação, respondo-as a partir das
asserções analíticas feitas até então.
A primeira questão enfocou a organização interacional da atividade cujo foco estava
na revisão de questões gramaticais de Língua Inglesa. Com base na forma como Clara
conduziu a interação por meio de encadeamentos de seqüência IRA (Iniciação-Resposta-
Avaliação) e por ela sinalizar que queria que todos, ou, ao menos, boa parte dos alunos
demonstrasse que o conhecimento em discussão era compartilhado, concluí que objetivo
central da atividade foi recuperar conhecimentos construídos anteriormente. Os turnos
tomados por Clara eram voltados à avaliação dos turnos dos alunos, que por sua vez se
engajavam em dar respostas dessas questões que priorizavam a produção de formas
lingüísticas, tornando a interação uma espécie de “caça a palavra”, uma vez que enquanto não
obtivesse a resposta desejada, ela insistia até chegar à resposta que queria. Com isso, pode-se
dizer que a utilização da seqüência IRA se mostrou eficiente para a meta da atividade.
Quando foi visto um sinal de improvisação, notei a dificuldade de Clara em lidar com
o inesperado. No segmento “Tradução de nomes” (item 3.1.2), vimos que ela precisou lidar
com uma questão que invalidou boa parte da sua explicação a respeito da tradução de nomes
próprios. Além disso, ao lidar com esse questionamento, a interação se tornou mais custosa
em comparação com as seqüências IRA, que conduziam à interação, e deixou-a em uma
posição delicada, como ela própria demonstrou por meio das hesitações, comprovando que
não esperava algo do tipo. Numa seqüência IRA bem sucedida, em que o professor mantém o
controle sobre o aluno, uma situação desse tipo dificilmente aconteceria.
Também notei que apesar da rigidez da estrutura de participação da atividade, os
alunos participavam ativamente das atividades. Na maioria dos segmentos analisados foi
possível perceber que, enquanto alguns alunos se engajavam na proposta da professora,
responder as perguntas, outros faziam comentários ou brincadeiras relacionados com o
137
contexto da atividade (RAMPTON, 2006). Essa forma de participação pôde ser vista no
segmento “A girlfriend” (subseção 3.1.3), em que os alunos não se limitaram a aguardar uma
nova iniciação para produzir uma resposta, mas, ao contrário, deram novas contribuições fora
de encaixe com a estrutura IRA, obtendo o piso conversacional (SHULTZ, FLORIO e
ERICKSON, 1982) e sendo ratificados em algumas vezes (CAZDEN, 2001). Na mesma
subseção, pudemos ver essa forma de participação quando um dos participantes se valeu da
tradução de uma das frases (Como vai você?) que revisavam em sala de aula e cantou uma
canção que trazia essa mesma frase.
A segunda questão disse respeito às discussões de questões da vida social
contemporânea. Verifiquei que a condução não se dava por meio da seqüência IRA, mas em
uma organização mais semelhante à de um debate. A participação dos alunos, assim como a
forma da professora lidar com essas contribuições, se deu de forma diferente. O fato de as
contribuições dos alunos não se restringirem às respostas, mas, também às perguntas, opiniões
e comentários, significou uma multiplicação na forma de Clara lidar com essas contribuições,
fazendo perguntas de esclarecimento, verificações de entendimento e reformulações.
A importância desse tipo de discussão está no fato de essa escola lidar com alunos
vulneráveis socialmente. Lidando com esse fato, acredito que o projeto político-pedagógico
da escola, que envolve ações de inclusão social, seja observado também nas práticas de sala
de aula. No caso das aulas investigadas, essa observação foi feita nesse momento da aula em
que foram discutidos temas como aborto, doenças sexualmente transmissíveis e mercado de
trabalho. Acredito que o papel da escola em seu comprometimento na formação de cidadãos
ativos e participantes inclui não apenas discussões restritas às questões específicas de cada
disciplina, mas também esses temas tão presentes na realidade desses alunos. Rocha ratifica a
importância das questões sociais:
138
Ressaltamos que o conhecimento deve ser construído pelo grupo envolvido
e que a mudança no currículo acontecerá se o/a educar/a desenvolver a
consciência política, competência técnica e visão coletiva. Isso significa que
não podemos nos limitar a discutir programas, conteúdos, grades e cargas
horárias (...) necessariamente, o que se busca com uma nova organização
curricular é a inter-relação entre as áreas do conhecimento e entre estas e a
sociedade mais ampla (ROCHA, 1996, p. 10).
Acredito que essas discussões fazem parte da aula de Língua Inglesa, pelo fato de essa
atividade fazer parte de um mesmo encontro, com os mesmos participantes. Além disso, não
qualquer indício de que os participantes não vejam isso como aula, que em nenhum
momento foi feita qualquer menção do tipo “chega de discussão! Vamos começar a aula de
Inglês!”. Até mesmo quando Clara afirma, e bom e a aula? (p. 126)
,
acredito que ela não
esteja desconsiderando as discussões como aula, mas, sim, que o tópico levantado por uma
participante não fazia parte do acordo estabelecido pelos participantes daquela interação, que,
naquele momento, realizavam exercícios com temática gramatical. Portanto, quando Clara diz
“aula”, interpreto como “atividade”, mais especificamente, a realização dos exercícios
propostos. Por meio das análises, concluo que não se trata de duas aulas, mas de atividades
com propósitos pedagógicos distintos na aula de Língua Inglesa: recuperar um conhecimento
já discutido e discutir um conhecimento novo.
A terceira questão disse respeito à fase colaborativa da pesquisa, especialmente no que
diz respeito à opinião da participante que fez parte dessa etapa. As falas de Clara foram
importantes para a confirmação das asserções analíticas a respeito das estruturas de
participação da aula de Inglês. Retomando o que foi dito no Capítulo 4, durante o encontro foi
apresentada para Clara a análise em que se constatava a presença de duas atividades com
propósitos pedagógicos distintos nas aulas de Inglês observadas e registradas. À medida que a
explanação avançava, Clara concordava com a análise proposta, mesmo quando era dito que
uma das atividades se caracterizava pelo encadeamento de seqüências IRA, que igualmente
139
foi explicado. E quando se discutia o debate sobre mercado de trabalho e sexualidade, ela se
sentia mais à vontade para trazer mais informações e dados.
Uma das preocupações era deixar a participante suficientemente confortável durante as
reuniões, e a esse respeito, os dois encontros se mostraram bem sucedidos, pois Clara trouxe,
por exemplo, detalhes do seu passado, que se relacionavam com a sua preocupação com
aqueles alunos. Caso os nossos vínculos não estivessem estabelecidos, provavelmente não
haveria esse tipo de troca, que para isso se requer confiança no pesquisador. Ela também se
mostrou conhecedora da vida de alguns alunos, trazendo detalhes que até podem não sustentar
uma análise de dados, mas que a tornam mais completa. Como é o ponto de vista dos
participantes que se privilegia nesta pesquisa, por ser interpretativa, essa etapa da pesquisa
mostrou-se eficiente na prática.
A última questão fez uma relação entre estrutura de participação e a noção de
construção conjunta de conhecimento. Tive como base o argumento de O’Connor e Michaels
(1996), de que a integração simultânea entre o conteúdo acadêmico e a participação dos
estudantes proporcionaria discussões intelectuais mais complexas. Nesse artigo, uma prática
descrita que apresenta essa integração é o revozeamento (CONCEIÇÃO E GARCEZ, 2005),
em que o professor dá a palavra ao aluno e o revozeia, isto é, reformula a fala desse estudante,
devolvendo a ele a palavra, possibilitando a oportunidade de rever sua fala, contrastá-la com
outras opiniões, e de receber o crédito por sua participação.
No momento em que os participantes revisavam aspectos gramaticais de Língua
Inglesa, em que a interação se dava na maior parte do tempo pelo encadeamento de
seqüências IRA, vimos também a configuração de momentos de “aventura” (CAZDEN,
2001). Não foi localizado nenhum segmento cujas práticas se assemelhassem ao
revozeamento, assim como também não foi encontrada qualquer prática transgressiva.
140
A relação entre estrutura de participação e a natureza da construção conjunta de
conhecimento, nesse momento, se deu dessa forma: a interação se dava por meio de perguntas
de informação conhecida, não necessitando dos alunos um engajamento interacional custoso
(GARCEZ, 2006), ocasionando em uma construção conjunta de conhecimento de natureza
reprodutiva. O aluno, nesse contexto, produzia respostas, simples e curtas, restringindo a sua
participação ao segundo movimento da tríade IRA. Porém, eles nem sempre aguardavam uma
nova iniciação da professora para produzir uma resposta. Como Clara não nomeava os alunos
para responder as questões, vários deles se sentiam habilitados para responder, ocasionando
diversos casos de sobreposição de falas. Além disso, essa estrutura de participação era
familiar para esses participantes, tornando-os interacionalmente competentes na participação
nesse tipo de estrutura. Os participantes também faziam comentários e brincadeiras dentro do
contexto da atividade (por exemplo, segmentos “A girlfriend” e “Como vai você”). Essa
participação nem sempre contribuía diretamente para a atividade em questão (RAMPTON,
2006), mas mostrava que esses alunos estavam atentos à atividade. Tínhamos nesse contexto,
portanto, um conflito entre uma estrutura de participação fechada e alunos muito
participativos.
Ao analisar um tipo de participação não-canônica que pode, tranqüilamente, ser
analisada apenas como uma forma dos alunos “apatifar” a fala da professora ou atrapalhar o
andamento da aula, espero ter demonstrado que essa participação exuberante pode ser vista
também como um indício de que esses alunos estão atentos à discussão, algo difícil de ser
comprovado em aula expositiva em que os alunos permanecem em silêncio. Além disso, a
descrição da participação sob esse ângulo é nova, pois ela é originalmente feita em um
contexto londrino (RAMPTON, 2006).
141
Finalizado, algo importante a ser considerado é o fato de estarmos tratando de uma
aula de revisão. A meta dessa atividade é recuperar conhecimentos construídos anteriormente
e para Clara é importante que todos, ou, ao menos, boa parte dos alunos demonstre que o
conhecimento é compartilhado. A utilização da seqüência IRA se mostrou eficiente para a
meta da atividade, pois a busca à resposta desejada parece corroborar com o objetivo de uma
aula de revisão: recuperar algo já construído. Obviamente, um conhecimento novo poderia ser
construído nessa atividade, mas o interessante é que a meta dessa atividade é demonstrar
justamente que o conhecimento não é novo. Por essa razão é importante que não se associe a
seqüência IRA a uma visão negativa, pois não é a estrutura em si que determina o que
acontece em uma dada interação, mas as ações dos participantes.
Em se tratando da atividade em que os participantes discutiam questões da vida social
contemporânea, vimos que a interação não se dava por meio do encadeamento de perguntas
de informação conhecida pela professora. Ficou claro que o propósito ali não era avaliar ou
testar o conhecimento do aluno, pois eram os alunos que traziam o argumento condutor da
interação. Um dos segmentos, “Discussão de entrevistas” (subseção 3.2.1), assemelha-se
estruturalmente com o revozeamento e, conseqüentemente, com o seu propósito de construção
conjunta de conhecimento novo para todos os participantes.
A relação entre estrutura de participação e a natureza da construção conjunta
conhecimento se deu de forma distinta ao primeiro momento analisado. A primeira diferença
se deu na participação dos alunos, que trouxeram tópicos, argumentaram e alinharam-se com
a opinião dos colegas. Com isso, Clara, que no outro momento fazia perguntas de informação
conhecida para recuperar um conhecimento construído, agora precisava fazer perguntas de
esclarecimento, para compreender o que o aluno queria dizer, fazer verificações de
entendimento, para saber se tinha entendido direito o que havia sido dito e, no final, dar a sua
142
posição no assunto. Nesse caso, tivemos uma construção conjunta de conhecimento de
natureza emergente.
No momento em que os participantes discutiam a respeito da realidade de alunos de
escola privadas (subseção 3.2.2), foi feito um recorte de elementos de uma realidade pouco
conhecida desses participantes, no caso da discussão sobre os alunos de uma escola privada, e
de uma realidade mais próxima, no caso da discussão sobre aborto. Com isso, foi
oportunizado um momento de construção de conhecimento de questões da vida social
contemporânea, como, por exemplo, o preço de um aborto, a importância de um diferencial
no currículo e a forte cobrança que os estudantes de escola privada sofrem dos pais. Portanto,
a relação entre participação e conhecimento, aqui, se deu de forma distinta em relação ao
momento em que os participantes revisavam o conteúdo gramatical trabalhado durante o ano.
Foram proporcionadas discussões intelectuais complexas, conforme O’Connor e Michaels
(1996), mesmo que não estivessem tratando de tópicos diretamente relacionados à Língua
Inglesa.
É importante frisar que nessas discussões, as restrições em termos de participações
eram menores em relação à atividade de revisão, mas em ambas as atividades os alunos
participaram ativamente. Todos puderam participar, mas com a diferença que na revisão os
alunos participaram para demonstrar que um conhecimento era compartilhado, enquanto na
discussão eles participaram para compartilhar o conhecimento ali, naquele momento.
Portanto, corrobora-se o que Schulz (2007) afirmou: participar é aprender e aprender é
participar (p. 120).
A detecção dessas atividades na aula de Inglês mostra como as questões específicas de
uma disciplina e temas sociais relevantes andam de mãos dadas, de modo que os participantes
não demonstram que um seja mais importante ou relevante do que o outro, tampouco que um
seja aula e o outro não. Ambos são igualmente importantes na formação desses cidadãos que
143
além do conhecimento curricular tradicional, precisam saber como não engravidar ou, ainda,
que ter conhecimento de informática não é garantia de emprego.
Sabendo do projeto político-pedagógico da escola, havia a expectativa de que fossem
encontradas práticas voltadas para a construção conjunta de conhecimento na aula de Inglês.
Ao constatar que a organização da fala-em-interação das duas salas de aula de Inglês tornou
viável, por um lado, a construção conjunta de conhecimento de natureza reprodutiva, e por
outro, a construção conjunta de conhecimento de natureza emergente, confirma a afirmação
de Markee e Kasper (2004), de que a fala-em-interação de sala de aula é “um nexo de
sistemas de troca de falas inter-relacionados, em vez de um sistema de troca de falas
unificado” (p. 492), pois os participantes se orientam de formas diferentes no decorrer da
interação, conforme demonstrado nesta pesquisa.
Interessantemente, vimos que um dos princípios do projeto político-pedagógico que
diz que “todos podem aprender” se aplicou inclusive à professora. Vimos isso quando uma
das estruturas de participação da aula de Inglês possibilitou que os participantes da interação
trouxessem contribuições novas (seção 3.2). Clara confirmou essa posição de aprendiz quando
disse “Eu lidando com o desconhecido” (Capítulo 4). Em conjunto, todos os participantes
podem construir conhecimentos novos, especialmente quando a ênfase não fica apenas na
avaliação dos alunos. Basta ser receptivo ao novo, ao inesperado, e não encará-lo como uma
ameaça ao controle social. No entanto, essa afirmação não desqualifica o “não-novo”, que se
mostrou tão interessante na análise.
Ao analisar atividades com propósitos tão distintos da aula de Inglês, procurei não
realizar julgamentos de valores ou fazer avaliações do tipo “isso é bom” ou “isso não é bom”,
mas trazer um entendimento possível das ações empregadas pelos participantes.
Espero que ao introduzir uma etapa colaborativa nesta pesquisa eu tenha inspirado
outros pesquisadores a fazerem o mesmo, pois dar voz aos sujeitos da pesquisa é uma forma
144
de contribuir na qualificação da pesquisa, ao permitir uma reflexão mais fidedigna das ações e
práticas sob análise, e, ao mesmo tempo, no processo de formação contínua do pesquisado,
que pode ter uma oportunidade de discutir as suas práticas. Ressalto, que nesta pesquisa, essa
etapa colaborativa foi apenas uma primeira tentativa e que sua metodologia pode ser
implementada em futuras pesquisas.
Este trabalho visa contribuir com todos aqueles que desejam refletir sobre as suas
práticas pedagógicas, sendo professores, formadores de professores, alunos de graduação e
pós-graduação, assim como aqueles que conhecem apenas os relatos de insucesso da rede
pública de ensino. Espero, ter demonstrado a complexidade do evento aula quanto à sua
organização ao descrever atividades com propósitos distintos. Em questão de minutos, uma
estrutura de participação mais restrita pode dar lugar a uma menos rígida. Com isso, espero ter
demonstrado a complexa trama que a fala-em-interação de sala de aula está envolta e o quão
importante é a microanálise dos seus eventos constituintes.
145
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de Porto Alegre, Secretaria Municipal de Educação, 2006. p. 21-28.
150
ANEXOS
151
ANEXO 1
Convenções de Transcrição*
.
(ponto final) entonação descendente
?
(ponto de interrogação) entonação ascendente
,
(vírgula) entonação de continuidade
-
(hífen) marca de corte abrupto
(flechas para cima e para
baixo)
alteração de timbre (mais agudo e mais
grave)
(flecha para a direita) Ponto de análise destacado
::
(dois pontos) prolongamento do som
nunca
(sublinhado) sílaba ou palavra enfatizada
PALAVRA
(maiúsculas) fala em volume alto
°palavra°
(sinais de graus)
fala em voz baixa
>palavra<
(sinais de maior do que e
menor do que)
fala acelerada
<palavra>
(sinais de menor do que e
maior do que)
fala desacelerada
hh
(série de h’s) aspiração ou riso
.hh
(h’s precedidos de ponto) inspiração audível
[ ]
(colchetes) fala simultânea ou sobreposta
=
(sinais de igual) elocuções contíguas
(2,4)
(números entre parênteses) medida de silêncio (em segundos e
décimos de segundos)
(.)
(ponto entre parênteses) micropausa, até 2/10 de segundo
( )
(parênteses vazios)
segmento de fala que não pôde ser transcrito
(palavra)
(segmento de fala entre
parênteses)
transcrição duvidosa
((olhando para o
teto))
(parênteses duplos) descrição de atividade não-vocal
* Adaptado das instruções para submissão de artigos ao periódico especializado Research on Language and
Social Interaction (Lawrence Erlbaum).
152
ANEXO 2
Formulários de Consentimento Informado usado nesta pesquisa – Educadores
Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Instituto de Letras
CNPq – Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
Projeto de Pesquisa Interação Social e Etnografia do Projeto Político-Pedagógico da
Escola Pública Cidadã
Prédio Administrativo do Instituto de Letras – Sala 203 – Campus do Vale – UFRGS
Av. Bento Gonçalves, 9500 – Caixa Postal 15002 – 91501-970 Porto Alegre, RS
Telefone 3316-7080
CONSENTIMENTO INFORMADO
Porto Alegre, 15 de maio de 2006.
Prezada colega,
Como é de seu conhecimento, somos professores e alunos da UFRGS e fazemos pesquisa
sobre a interação na escola. Temos atuado como pesquisadores na Escola Municipal de
Ensino Fundamental Prof. Gilberto Jorge da Silva alguns anos, e desde 2003 com apoio
do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq. O atual
conjunto de projetos de pesquisa que estamos desenvolvendo foi apresentado na reunião de
início do ano letivo de 2006 e disponibilizado para exame da Equipe Diretiva da Escola, que
apóia a realização do nosso trabalho.
Gostaríamos de contar com a sua autorização para observar e gravar atividades diversas na
Escola. As gravações vão ser sempre agendadas e os registros audivisuais vão ser vistos por
pesquisadores do nosso Grupo. Alguns segmentos poderão ser oportunamente reproduzidos
em apresentações e publicações acadêmicas. Uma cópia de todo material gravado será
confiado à Escola.
Agradecemos pela colaboração. Se quiser saber mais sobre as nossas atividades e propósitos
de pesquisa, ou se quiser esclarecer alguma dúvida, estamos à disposição.
Assinando seu nome nesta folha, você autoriza a gravação em vídeo de aulas e outras
atividades da escola, assim como entrevistas, atestando seu consentimento informado para a
realização dos projetos de pesquisa.
Atenciosamente,
Prof. Pedro M. Garcez
Coordenador da Pesquisa
Nome: _______________________________________________________________
Assinatura:____________________________________________________________
Data: ________________________________________________________________
153
ANEXO 3
Formulários de Consentimento Informado usado nesta pesquisa – Alunos
Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Instituto de Letras
CNPq – Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
Projeto de Pesquisa Interação Social e Etnografia do Projeto Político-Pedagógico da
Escola Pública Cidadã
Prédio Administrativo do Instituto de Letras – Sala 203 – Campus do Vale – UFRGS
Av. Bento Gonçalves, 9500 – Caixa Postal 15002 – 91501-970 Porto Alegre, RS
Telefone 3316-7080
AUTORIZAÇÃO PARA PESQUISA
Porto Alegre, 15 de maio de 2006
Somos professores e fazemos pesquisa sobre a interação na escola. Precisamos da sua
autorização para observar e gravar as atividades na Escola Municipal de Ensino Fundamental
. As gravações vão ser vistas somente por pesquisadores
e o pessoal da escola. A equipe diretiva e os professores da Escola apóiam nossa pesquisa.
Assinando seu nome nesta folha, a senhora ou o senhor autoriza a gravação em vídeo de aulas
e outras atividades da escola, assim como entrevistas.
Agradecemos pela colaboração. Se a senhora ou o senhor quiser saber mais sobre nossa
pesquisa, ou se quiser esclarecer alguma dúvida, pode telefonar para 3316-7080 ou deixar
nome e telefone na secretaria da Escola para entrarmos em contato.
Atenciosamente,
Prof. Pedro M. Garcez
Coordenador da Pesquisa
Nome do aluno/da aluna:________________________________________________
Nome do responsável:___________________________________________________
Assinatura do responsável:_______________________________________________
Data: ________________________________________________________________
154
ANEXO 4
Íntegra dos segmentos que não foram apresentados de forma completa no Capítulo 3.
Segmento 3 – “Who are you”
(C3120112006–H801:10:23-01:12:30)
001 Clara: >vamo lá< (.) a primeira (.) HOW ARE YOU,
002 (0,9)
003 Henrique: é:[:]
004 Beatriz: [quem] é vo[°cê°]
005 Henrique: [my] name is
006 Alan: °haha° ((risos))
007 (.)
008 Clara: WHO ARE YOU,
009 Henrique: >my name is °Henrique°<,
010 (. )
011 Clara: he?in? (.) ó tem o ho:w are you e tem o who:
012 are [you]
013 Abelardo: [como] está
014 Clara: hein, qual é o [como] está você e qual é o
015 Abelardo: [who]
016 Clara: quem é: você,
017 (0,6)
018 Beatriz: [o primeiro é o]
019 Henrique: [o quem é você é o primeiro]
020 Beatriz: é.
021 (0,7)
022 Clara: are you su:re?
023 (0,5 )
024 Clara: tem certeza,
025 Henrique: tenho
026 Abelardo: [[o segundo,]
027 Clara: [[tem?]
028 Beatriz: °eu tenho° (° °)
029 Clara: ó (0,3) who (.) are you,
030 (0,5)
031 Emerson: °é o segundo°
032 Clara: [[quem é você.]
033 Beatriz: [[quem é você]
034 (0,8)
035 Clara: >who are you, [quem é você<]
036 Emerson: [quem- não.] como você [está]
037 Clara: [e HOW] are
038 you é (.) [como va:i] você.
039 Emerson: [como você es-]
040 Henrique: como va:i você: ((cantando no ritmo da música
041 gravada por Roberto Carlos))
042 Clara: é.
043 (0,4)
044 Clara: e aí (.) QUA:L É A RESPOSTA PARA O HO:W
045 ARE YOU,
046 Henrique: °eu preciso saber° ((cantando))
047 Clara: hein, (.) qual [a resposta para o how are you,]
048 Henrique: [da sua vidA::] ((cantando))
049 (2,4)
050 Emerson: [[como está você]
051 Beatriz: [[como vai você,]
052 Henrique: você
155
053 Clara: como vai você, qual é a resposta,
054 Sílvio: (ºmui bién (e tu) heheº)
055 Henrique: não é espanhol meu
056 é inglês [meu]
057 Beatriz: [>eu vou bem<,]
058 Clara: é. eu vou bem e você (0,4) né:, da pra dizer isso
059 e como é que é?
060 Abelardo: hum:::
061 (.)
062 Henrique: vou levando a vida
063 Carina: hehe ((risos))
064 Roberto: [°hehehe°]
065 Alan: [°hehehe°]
066 Clara: [vou levando a vida,]
067 (.)
068 Clara: dá pra dizer [assim ó]=
069 Henrique: [I life]
070 Clara: =I’M: [FI:NE]=
071 Henrique: [life]
072 I life sora, my life
073 Clara: =and yo?u?
074 (1,0)
075 Clara: pode dizer isso, eu vou bem e você, eu tô
076 ótimo e vo?cê? (.) né:, ((escrevendo no quadro))
077 Henrique: my kn:ife
078 Clara: né,
079 Henrique: knife é o quê sora, ´
080 (0,4)
081 Henrique: fine (ºaquele alíº)
082 Clara: não. a- aqui é fine, eu estou ó:timo ((aponta para
083 o quadro))
084 Henrique: eu estou ótimo
085 Clara: é.
086 Clara: [eu estou ótimo e você]
087 Henrique: [fine, fine]
088 Clara: fine.
089 Clara: [[exato.]
090 Emerson: [[numa boa]
091 (0,6)
092 Clara: O DE BA:IXO (.) WHO ARE YOU,
093 (0,7)
094 Henrique: >who are you<
095 Clara <quem é vo[cê>]
096 Henrique: [>my] name is Henrique<
097 Clara: my name is (.) a não eu ã: se eu quisesse:
098 ã a resposta <my name is> eu perguntaria what’s
099 your name (0,4) mas aqui eu perguntei who are you
100 (.) >como é que eu dava< uma resposta mais curta,
101 Henrique: who are you, quem é você,
102 Clara: Eu sou:, I’m:,
103 Henrique: he is Henrique
104 (0,5)
105 Clara: vamos lá
106 (.) ((vira-se para o quadro))
107 Clara: I (.) am:,
108 (0,5)
109 Sílvio: Henrique
110 Clara: Henrique
111 (1,6)
112 Clara: I am Henrique ((escrevendo no quadro))
113 Henrique: e: se eu botar she is Henrique é e:le
é,
156
114 Clara: yeah (.) ah não ela é Henrique she:?
115 Henrique: [[he is]
116 Clara: [[é ela.
117 ?: [[(não adianta)]
118 Clara: é.
119 Carina: °hehe° ((risos))
120 (.)
121 Clara: ã:: aqui (.) what’s your name,
((continuam o exercício))
Segmento 4 – “A resposta completa”
(C3120112006-DV200:08:36–00:11:06/H801:13:51-01:16:19)
001 Clara: ã:: aqui. ((apontando para um pergunta do
002 diálogo))
003 (0,3)
004 Clara: what’s yo:ur occupa:tion,
005 (1,2)
006 Abelardo: qual a sua ocupação.
007 (.)
008 Clara: yeah.
009 (.)
010 Henrique: [°yeah°]
011 Clara: [what’s] your occupa:tion,
012 (.)
013 Henrique: stu:de[nt]
014 Beatriz: [s]tuden[t]
015 Emerson: [s]tudent
016 Clara: a resposta comp[le:ta]
017 Henrique: [I am] a studen[t]
018 Clara: [I] am: a student
019 Henrique: [°>eu sou bom<°]. °>eu sou bom<°. ((olhando para os=
020 Clara: [okay:],
021 =colegas que estão à sua frente ))
022 Clara: e se eu dissesse nice to ?meet yo?u:,
023 Alan: too ?too
024 (.)
025 Clara: t(h)oo t(h)oo .hh,
026 Henrique: [hehe ((risos))
027 Abelardo: [hehe
028 ((toda a turma ri.))
029 Alan: [too too
030 Sílvio: [too t(h)oo
031 Henrique: [too too. isso aí é coisa me:i[ga.]
032 Sílvio: [haha]
033 Abelardo: [haha]
034 Clara: [mas: é]
035 Henrique: isso aí é me:igo(h). too too
036 ((toda a turma ri e Beatriz consulta o caderno.))
037 Sílvio: °)é macho. ((coloca o antebraço sobre a testa))
038 Clara: [ni:ce to ?meet ?you,]
039 Henrique: [.h hehe é macho ma[no:] ((também coloca o antebraço=
040 Clara: [EU] QUERO A RESPOSTA COM[PLE:TA]
041 Sílvio: [( )]
042 Henrique: =sobre a testa))
043 [dá tapa na cara de argentino]
044 Beatriz: [°nice to meet you too°]
045 Alan: haha[ha .hh] ((risos))
046 Sílvio: [°hehe°]
047 Henrique: [( )] [na faixa]
157
048 Clara: [SH:::::]
049 Henrique: hehehe ((risos))
050 Clara: engraçado que na aula passada vocês sa?biam dizer
051 [hoje vocês] esqueceram né::,
052 ?: [(ba::h)]
053 Beatriz: °nice to meet you too°
054 Henrique: [>qual sora<,]
055 Clara: [só a] Beatriz tá dizendo, tá a- a- [>°respondendo°<].
056 Henrique: [(nice to know=
057 Clara: vamos LÁ. nice to ?meet ?you::,
058 Henrique: =to you]
059 Beatriz: nic[e to meet you too.]
060 Alan: [nice to meet you (too [too)].
061 Clara: [nice] to meet you ?too:
062 Henrique: [quê que é isso],
063 Alan: [HA::[::]
064 Henrique(?) [(to to to)
065 Clara: mas na semana passada [°isso°]
066 Beatriz: [nã:o]
067 Alan: [nã:o, véio.] (foi mesmo °foi a
068 sora mesmo°)
065 Clara: [AH:: bo::m]
069 Beatriz: [na aula retrasada]
070 ((alguns alunos continuam comentando))
071 Clara: é. eu acho que ele não esta:va.
072 Henrique: >na aula retrasada eu tava
<
. na aula passada °que
073 eu não tava°
074 Beatriz: foi na aula que (ele) tava no jogo °eu acho°
075 Clara: ah:: tá.
076 Henrique: não. eu tava (° °) ((olhando para Beatriz))
077 ((a conversa continua entre os outros alunos))
078 Clara: >guris<. (.) nice to meet you é:: na verdade se eu
079 for traduzir literalmente, ni:ce quer dize::r ã:::
080 ó:timo (0,5) pr- ótimo em encontra:r [você.]
081 Henrique: (nó) to meet you°]
082 Clara: mas na verdade é prazer em te conhece:r,=
083 Sílvio: [tá. e a resposta (não tem)],
084 Clara: =[prazer em t- te] [encontra:r].
085 Henrique: [(nó) to meet you:,] (nó) to meet
086 you. ((olhando para Sílvio))
087 Clara: é assim ó. se eu digo assim, ã se eu disser pra ti
088 prazer em te conhecer, o quê que tu vai dize:r,
089 Henrique: (nó) to meet you. [(nó) to meet you]
090 Clara: [mas é igualme:nte] o:u
091 Sílvio: °)
092 Clara: prazer em te conhecer també:m. então prazer em te
093 conhece:r, prazer em te encontrar, prazer em te
094 encontrar (.) [<também>]
095 Abelardo: [igualmente] com é que é mesmo,
096 Clara: igualme:nte. [tá::],
097 Abelardo: [não.] [°o:°]
098 Henrique: [ocu]pation vaga:l.
099 Alan: hahahaha ((risos))
100 (.)
101 Clara: tá:::,
102 Abelardo: igualmente é como sora °em inglês°,
103 Clara: Ã::::: eu posso dize:r the same (.) for you, a mesma
104 coisa pra você:. ã:::
105 (0,9)
106 Clara: dep?ende mas n- só a palavra igualmente a gente não usa.
107 (0,5)
158
108 Clara: [tá::],
109 Abelardo: [e] se não gostar de conhecer, ((mexendo no boné))
110 Clara: se não gosta:r,
111 Abelardo: não.
112 Clara: ã ã ã a gente [>geralmente< diz assim] Ó:, ã it’s=
113 Sílvio: [(ah vale)ser cara dura e falar de uma vez.]
114 Clara: =a pleasure >por exemplo< a- [it’s]
115 Henrique: [no] [I no] I no I=
116 Clara: [sh::] ((para=
117 Henrique: =[no] ((assentindo negativamente com a cabeça))
118 Clara: =Henrique)).
119 Clara: [it´s] a pleasure to know you. (.) tá::, it´s a
120 pleasure é um prazer conhecer você. .hh ou it´s
121 not a pleasure
122 Henrique: it’s not a pleasure. ((assentindo negativamente com a
123 cabeça))
124 Clara: não é um prazer.
125 (2,6)
126 Henrique: yo ustedes:
127 (1,7)
128 Henrique: misturar inglês com espanhol.
129 (0,3)
130 Clara: ahn,
131 (.)
132 Beatriz: °não. não faz isso°
133 Henrique: °estudar inglês com espanhol°
134 Clara: certo. FECHO:U?
135 ((Clara pede que eles se organizem em filas para o
136 início da avaliação escrita.))
Segmento 7 – “A girlfriend”
(C3220112006-H800:23:11-00:31:08/DV100:22:09-00:30:06)
01 Clara: ((estalando os dedos)) escutem só:.
02 (0,4)
03 Clara: o ?quê que eu teria que muda:r (0,4) pra ao invés de se:r
04 no masculino fosse (.) tudo no feminino, (0,5) o que
05 está no masculino fosse no feminino,
06 Glauber: em vez de ser [boyfriend], girl- gi:rlfriend
07 Ramiro: [a guél] ((girl))
08 José(?) [guélfriend] ((girlfriend))
09 Ramiro: girlfrie:nd.
10 Clara: tá. então-
11 Glauber: e colocar um nome de guria ali ((apontando para o
12 diálogo))
13 Clara: [ce:rto. vamos lá então],
14 Mathias: [em vez de ser] he is é she i:s.
15 (.)
16 Ramiro: [she]
17 Clara: [deixa] eu apagar isso aqui. ((apaga o quadro))
18 Ramiro: she’s.
19 (0,6)=((Glauber acena com a cabeça para Ramiro))
20 Mathias: she is
21 Clara: vamos lá ((continua apagando o quadro))
22 (2,2)
23 ((alguns meninos conversam entre si))
24 Clara: vamos ver.(.) aqui. ((virada para o quadro))
25 (0,3)= ((meninos continuam conversando))
26 Clara: ao invés de boyfriend eu ponh?o:,
27 Ramiro: guélfriend ((girlfriend))
28 Clara: [girlfriend]
159
29 Glauber: [gi:rlfriend]
30 Clara: tá. então seria a [girl (0,6) friend] ((escrevendo))
31 Ramiro: [guél (0,6) friend]
32 Clara: okay. (0,9) ahan. (.) então o título ficaria a
33 girlfriend.
34 (0,5)
35 Clara: e aí,
36 (0,5)
37 Mathias: e aí, bele:za,
38 Clara: e aí, bele:za, (.) e aí o que mais eu mudaria,
39 Mathias: ao invés [de botar he] is é she is
40 Ramiro: [é o nome]
41 Clara: ã? ((apontando para Mathias))
42 Ramiro: °em vez de botar nome de guria°
43 Mathias: ali ó. ((apontando para o quadro)) em vez de botar
44 [he is]
45 Glauber: [em vez de ser ali ó] as duas gurias conversando
46 [colocar] dois ca:ra °conversando°
47 Clara: [mhm] ((direcionada para Glauber))
48 Glauber: [ali ó ( )
49 Clara: [ao invés de duas moças conversando dois (0,5)
50 dois rapa:zes, dois ca:ras conversando.
51 Ramiro: °o Glauber já [se interessou] sobre isso°.
52 Clara: [certo]
53 Clara: qual seria o nome dos ca:ras,
54 (1,1)
55 Mathias: escolhe aí o:: Glauber
56 Clara: vamo
57 José: [[hehehe
58 Paul: [[hehehe ((risos))
59 ((muitos risos))
60 Clara: sh. vamos lá, (0,4) pode ser Glauber e Ni:colas,
61 Paul: Glauber e [Mathias]
62 Clara: [pode ser] um diálogo entre o Glauber e o Mathias,
63 Carlos: o. pode ser Luciano e Glauber.
64 Thomas: [que] Luciano e Glauber.
65 Clara: [hein],
66 Carlos: ou Ubiratan e Glau[ber].
67 Mathias: [o] Luciano e o Glauber
68 Ramiro: [Luciano e Glauber].
69 Clara: [vamos lá]. Eu vo- gostei do Mathias.
70 Carlos: hahaha ((risos))
71 ((toda a turma ri))
72 Clara: gostei. ((virada para o quadro))
73 (.)
74 Clara: hello Mathias, ((escrevendo no quadro))
75 Mathias: hello teacher,
76 Clara: mhm,
77 José: hehe[he] ((risos))
78 Clara: [e:]
79 Ubiratan: fala Glauber.
80 Clara: hello:
81 Ubiratan: Glauber.
82 Clara: Clauber. ((escrevendo no quadro))
83 (0,4)
84 Carlos: Clau[ber].
85 Paul: [Clauber]
86 Glauber: Clauber
87 Ramiro: Claub[er]
88 Clara: [Glau]ber,
89 Ubiratan: o nome dele é [Clauber]
160
90 Ramiro: [Clauber],
91 Clara: [é tem Clauber também.] o cantor aquele é Clauber ao
92 invés de Glauber. okay.
93 (.)
94 Clara: Ã::: e aí,
95 ( ) = ((conversas paralelas entre alguns alunos))
96 Thomas: e aí, beleza
97 Mathias: e aí
98 Ubiratan: e(h) ai [hehe]
99 Clara: [na terceira] frase, who is the boy in the
100 picture, como [é que fica],
101 Ramiro: [who is] the guél ((girl))
102 Glauber: [who is] who is the gi:rl
103 (.)
104 Clara: who is the:,
105 Ramiro: guél ((girl))
106 Clara: girl in the picture.
107 ((conversas paralelas))
108 Clara: na verdade aqui no lugar de bo:y né: eu não vou
109 escre[ver >porque senão<]
110 ?: [toma aí Ubiratan] ((atira um objeto))
111 Clara: sh::
112 (.)
113 Clara: eu não vou escrever tudo porque senão demora
114 muito te:mpo mas vamos ver, então no lugar de bo:y
115 eu poria,
116 (.)
117 Clara: [[girl
118 Ramiro: [[guél ((girl))
119 Clara: tá. certo.
120 ?: ?ah ?não °sora°
121 Clara: no lugar de boy ali eu não ia-
.
. ((4 segundos omitidos)) = ((conversas paralelas ganham um tom
. mais alto))
122 Clara: certo.
123 (0,9)
124 Clara: continuando aqui. ((apontando para o cartaz)) o guess
125 Mathias: continu[a]
126 Clara: [po]deria se:r e aqui ((apontando para a linha
127 seguinte)) (0,4) [your boyfriend],
128 José: [your]
129 Ramiro: your [guélfriend] ((girlfriend))
130 Glauber: [your] [gi:rlfriend]
131 Clara: [ficaria] your girlfriend,
132 ((escrevendo no quadro))
133 Clara: ótimo.
134 Mathias: ye:s.
135 Clara: ahan.
136 Ramiro: e o nome da guria ali agora.
.
. ((5 segundos omitidos))= ((enquanto Clara escreve no quadro, os
. alunos conversam))
137 Clara: certo.
138 ?: hehehe ((risos))
139 Clara: yes:: ((lendo)) e aí, aqui tá yes, he is Fred my
140 boyfriend. como é [que ficaria],
141 Mathias: [quanto] agito
142 Ramiro: yes. daí um nome de guria ali ((apontando para o
143 cartaz)) [(°e daí°)]
144 Clara: [tá] e que nome de guria tu escolherias,
161
145 (.)
146 ?: o Luciano ou:
147 Ramiro: eu escolheria (nenhum)
.
. ((12 segundos omitidos)) = ((alunos discutem a escolha do nome, entre
. eles Mariazinha e Danielle Winits))
148 Clara: o Jane, tá mas vam[os já que]
149 Carlos: [bota a (quiu)] bota a (quiu) ã: °como é°,
150 Glauber: [[hahaha ((risos))
151 Clara: [[já que os rapazes-
152 Glauber: [hehehe ((risos))
153 Clara: [os rapazes-
154 Ramiro: [deixa ( ) o Glauber escolher sora
155 Clara: já que os rapazes são brasilei:ros né, >que n< a gente
156 escolheu [>aqui<] vamos escolher um nome brasilei:ro?
157 ?: [Glauber]
158 Mathias: va[mo].
159 Clara: [va]mos lá, ((aponta para a turma))
160 Ramiro: ( ) brasileiro
161 Glauber: Marico[ta]
162 Carlos: [Dani] bananinha
163 José: Fi[lomena]
164 Carlos: [Dani] banani[nha]
165 Thomas: [Fi]lomena
166 Clara: bota um nome
167 ((muita conversa entre os alunos))
168 Carlos: Dani.
169 Clara: (Toni), Dani, Dani. Legal.
170 (0,6)
171 Clara: certo.
172 ((continua a conversa))
173 (0,4)
174 Clara: então ficaria (.) YE::S HE IS Dani.
175 Thomas: Dani.
176 Clara: É ISSO,
177 Ramiro: she is Dani.
178 Clara: Ã::,~
179 (0,8) = ((conversa entre alguns alunos))
180 Clara: YES HE IS DANI É IS[SO],
181 Ramiro: [she] is Dani
182 Clara: AH:::
183 (1,7) = ((conversa entre alguns alunos))
184 Clara: she is Dani, okay,
185 (0,3)
186 Clara: yes she is Dani.
187 Ubiratan: tá. mas o: sora,
188 Clara: [a cont-]
189 Ubiratan: [a namorada] é de quem, ali d- do Mathias ou do
190 Glauber,
191 Ramiro: °do Mathia
192 Mathias: tanto faz meu.
193 Thomas: [[hehe
194 Carlos: [[he[he] ((risos))
195 Mathias: [a Dani] até [eu (pegaria) ela]
196 Clara: [dá uma olhadinha] ((apontando para
197 o cartaz))
198 Ubiratan: [ah], do Mathias então sora.
199 Clara: [ó]
200 Clara: ó: ((apontando para o cartaz)) é a namoradinha,
201 José: [[haha
202 Carlos: [[há[ha]
162
203 Ubiratan: [do] Mathias,
204 Clara: tá:, [vamos] lá
205 Carlos: [(aê:)]
206 Ubiratan: mas (então ali) o sora, [( )]
207 Ramiro: [o Glauber] não pode
208 [ser (ele só gosta de homem)]
209 Mathias: [pode ser namorada] do Glauber eu vou pegar ela igual
210 Luciano: hehe[he]
210 Carlos: [ha]ha[ha]
212 Ubiratan [o] Mathias, o Mathias (tu) disse que era
213 namorada do Glau[ber],
214 Ramiro: [mas] o Glauber só gosta de [ho]mem,
215 Clara: [sh]
216 Clara: E A CONTINUAÇÃO AQUI ((apontando para o cartaz))
217 (0,6) = ((algumas risadas entre os alunos))
218 Clara: Ó, SHE IS DANI:, (0,6) my [girlfriend]
219 Glauber: [my gi:rl]friend
220 Clara: oka:y. ((escreve no quadro))
221 (.)
222 Clara: my [girlfriend] ((ainda escrevendo))
223 Mathias: [gi:rlfriend]
224 Ubiratan? °o puxa-saco°
225 Carlos: hehehe
226 Clara: ahan,
227 Ubiratan: °)sora
228 Clara: certo. Ã::: DEPOIS,
229 Mathias: ( eu não sei ela)
230 Clara: o quê que ele pergunta, ((apontando para o cartaz))
231 Mathias: [[haha
232 Carlos: [[haha
233 Clara: OH [HE IS VERY NICE],
234 José: [°he is very nice°]
235 (1,1)
236 Glauber: she is a pretty gi:rl.
237 Mathias: [oh::]
238 Clara: [aqui]. só um pouquinho. just a moment please. aqui
239 ele diz assim ó, ((apontando para o cartaz)) (.) OH:
240 (.) ela diz né, he is very nice o quê que eu tenho que
241 trocar aqui ou eu não tenho que trocar,
242 Ramiro: [[she is]
243 Glauber: [[she is] a beautiful
244 Ubiratan: (beauti[ful)]
245 Carlos: [B(h)ah]
246 Clara: NO LUGAR DE:,
247 Ramiro: a beautiful
248 Glauber: she [is]
249 Mathias: [ã: han]
250 (0,9)
251 Clara: tá. tu achas que dá pra por she i:s, ((apontando para
252 Glauber))
253 (0,9)
254 Glauber: a pretty girl, [ou]
255 Clara: [a pretty] girl. oka:y. exa:to.
256 Clara: então fica assim, (0,3) oh she (0,3) is (0,4) a (0,9)=
257 Glauber: gi:rl.
258 Clara: =pretty girl.((termina de escrever)) oka::y,
259 Mathias: bah o [( ) pra cima] lá [tão ( ) de sapatão hehe]
260 Ubiratan: [(isso aí) eu não sei o quê que é sora,]
261 Clara: [she is a pretty gi:rl]
262 ((girl)), e aí [aq-]
263 Ubiratan: [o sora,]
163
264 Clara: OI,
265 Ubiratan: °eu não sei o quê que é°
266 Clara: tu não sabe o quê é,
267 Mathias: ela é uma linda garota.
268 Clara: exa:to.
269 (.)
270 Clara: lembra daquele filme pretty woman,
271 Ubiratan: ah tá.
272 Mathias: uma lin[da mulher]
273 Clara: [uma] linda mulher, exa:to então a lin- a
274 pre[tty]
275 Glauber: [wo][man].
276 Clara: [gi]rl.
277 (0,5)
278 Clara: NÉ,
279 Clara: pode [por]
280 Mathias: [(> <)][(> <)]
281 Clara: [a- aqui] tem vinte a:nos, né
282 mas pode pôr no lugar de girl [por]
283 Carlos: [quarenta]
284 Thomas: se[ssenta
285 José: [hehe ((risos))
286 Clara: ã::: [woman]
287 Thomas: [(de)]sessenta.
288 Mathias: catorze
289 Thomas: ha[haha ((risos))
290 Clara: [certo.]
291 Carlos: bah [(quarenta)]
292 Clara: [Ã:::]((virada para o quadro)) (0,4) ele faz uma
293 aqui ela faz uma pergunta né is (.) he short ((virada
294 para a turma e apontando para o cartaz)) como é que
295 nós
296 José: ( ) ((ergue o braço direito enquanto fala))
297 Glauber: she is
298 Clara: o quê que perguntaria,
299 (0,7)
300 Clara: o quê que eu o rapaz perguntaria a respeito de uma
301 moça assim pra saber das qualida:des [dela],
302 Mathias: [ela é] gostosa?
303 Glauber: [she is]
304 Clara: Ã:::,
305 Thomas: gostosa e tem [os peito grande] hehehe
306 Glauber: [°is she°]
307 Carlos: ha[haha]
308 Mathias: [haha]ha
309 Thomas: °is she° ugly,
310 Ramiro: hihi[hi] ((risos))
311 Clara: [u]gl[y]?
312 Glauber: [tu] vai perguntar se ela é feia,
313 Clara: tu perguntaria isso,
314 Glauber: claro
315 Thomas: cla[ro]
316 José: [e se] ela tem peito grandes
317 Thomas: haha[ha]
318 Clara: [se ela tem] peitos grandes,
319 Glauber: haha[hahaha]
320 José: [é isso aí °sora°]
321 Clara: GOSTOSA,
322 Glauber: s(h)e ela é gost(h)osa [.hh]
323 Clara: [se] ela é gostosa,
324 Thomas: e se os peito dela são grande
164
325 Glauber: [cof] ((tosse))
326 Clara: [ENTÃO] VAMOS LÁ.
327 (0,8)
328 Clara: is he- ã is she né:, ((escrevendo no quadro))
329 ?: °is she°
330 Clara: e aí,
331 Mathias: se os cara são brasile:iro e as mina também por quê
332 que eles não falam em português né,
333 Carlos: é né,
334 Glauber: [hahaha
335 Ramiro: [hahaha
336 Ubiratan: é sora,
337 Ramiro: é sora,
338 Clara: gracinha. ((dá um sorrisinho))
339 (0,8)
340 Clara: certo.
341 (0,3)
342 Clara: então vamos por ?cool, ((escreve no quadro))
343 (1,0)
344 Ubiratan: °não°
345 Glauber: le[gal]
346 José: [le]gal
347 Thomas: tá. que arreganho isso aí.
348 Ramiro: tá. e aí,
349 Clara: tá:,
350 (0,4)
351 Clara: ã:: e a resposta,
352 (0,4)
353 Ubiratan: (pretty) girl
354 Clara: ã:: onde [é que está] ((olhando para o cartaz))
355 José: [nã:o] coloca não ali. não
356 Thomas: não.
357 José: não.
358 Luciano: hehe ((risos))
359 Clara: é não ou si[m.]
360 Ramiro: [yes][:]
361 Glauber: [y]es.
362 (0,7)
363 Clara: y[es],
364 José: [no]
365 Thomas: não
366 Clara: y[es],
367 José: [no:]
368 Thomas: não
369 Thomas? yes
370 Clara: she is pode se:r, yes, she is.
371 [(3,3)= ((conversa entre alguns alunos))
372 Clara: [yes she (0,4) is ((escrevendo no quadro))
373 (.)
374 Clara: okay.
375 Ramiro: a cool.
376 Thomas? ( ) °oh shit°
377 Clara: aqui ((virada para a turma e apontando para o cartaz))
378 how ?old is he? ((lendo)) como é que ficaria,
379 (0,4)
380 Glauber: [[how old] is
381 Ramiro: [[How old] she
382 Clara: how old is,
383 Glauber: [[sh[e]
384 Ramiro: [[sh[e]
385 Clara: [s:]he
165
386 (0,6)
387 Clara: qual seria a idade dela, [Mathias]
388 Luciano: [cof cof] cof ((tosse))
389 Clara: [vou deixar tu escolheres] a idade.
390 ?: [(° °)]
391 Clara: qual seria a idade da mulher ideal para ser
392 [a tua] namorada,
393 Carlos: [°quarenta°]
394 Glauber: [cof cof] ((tosse))
395 Mathias: dezenove.
396 (0,7)
397 José: Hehe ((risos))
398 Clara: she is nineteen okay, she is ninetten.
399 (.)
400 Clara: e:: que profissão ela teria, [o quê] que ela faria,=
401 Mathias: [°prostituta°]
402 Clara: =qual seria [a occupa:tion dela],
403 Carlos: [p(h)rost(h)ituta]
404 Mathias: [[hehehehe
405 Carlos: [[hehehehe ((risos))
406 ?: (não devia °)]
407 Clara: [what’s] Mathias, what’s her occupation,
408 (0,6)
409 Ramiro: go-go gué:l.
410 (.)
411 Mathias: °não sei sora (
412 (. )
413 Clara: qual seria a ocupação dela,
414 Mathias: °pros[tituta°]
415 Carlos: [°pros]tituta°
416 ?: hehe[he ((risos))
417 Paul: [go]-go guél. ((girl))
418 Clara: [O QUÊ QUE VOCÊS SUGEREM GENTE],
419 Glauber: [hehehehe]
.
. ((18 segundos omitidos)) = ((todos falam e riem ao mesmo tempo. Clara
. toma conhecimento da profissão escolhida pelos alunos: atriz pornô))*
420 Clara: she is an actress
421 Carlos: bah
422 Mathias: hehe[he]
423 Clara: [cert[o]
424 Carlos: [hi]hihi ((risos))
425 Clara: en[tão she is]
426 José: [( ) a namorada do cara]
427 Clara: [she is an actress.]
428 Thomas: [( ) mentiu pra ele]
429 José: [hehehe]
430 Clara: ((bate uma palma)) CERTO.
431 (0,4) = ((os alunos ainda riem e fazem comentários,
432 quanto Clara meche em alguns papéis))
433 Clara: vocês sabem que eu gostei desse jogo,
434 Thomas: (vamo embora) fazer outro aí sora,
435 Clara: legal isso. (.) mu:ito legal. tá::,
436 ((Clara meche em sua bolsa e os alunos conversam entre
437 si))
Segmento 9 – “Discussão de entrevistas”
(C3120112006-H800:19:09-00:25:26)
001 Clara: então vocês viram aqui ó ((olhando e apontando para o
002 cartaz)) que essas pessoas que conseguiram e:stes (.)
166
003 empregos aqui, e: e:: e empregos que não são exatamente
004 o que desejar- que deseja:vam, o que tinham pensa:do,(.)
005 conseguiram esses emprego através de pare:ntes, através
006 de ami:gos, não foi através >por exemplo< de um concu:rso
007 não foi né (0,4) por por vias oficia:is vamos dizer, (.)
008 foi aquele parente que arranjou °coisas assim°.
009 Alan: ô sora
010 (.)
011 Clara: oi
012 Alan: mas a senhora acha que:: aquela segunda resposta ali
013 foi: necessariamente: bem colo:cada,((apontando para o
014 cartaz))
015 Clara: qual? ((olhando para o cartaz))
016 (.)
017 Alan: a segunda resposta que a senhora: lá em cima lá
018 Alan: ((apontando para o cartaz))
019 (0,9)
020 Clara: ((olhando para o cartaz)) meus esforços e amigos? ou a
021 minha cunha:da [°meus pais°]
022 Alan: [não sora] é sem ser na:: primeira
023 folha que está do seu lado na segunda °aquele al
024 ((apontando para o cartaz))
025 (2,0)
026 Clara: tu vai ter que me mostra:r
027 (0,8)=((Alan sai da classe e vai apontar a resposta a
028 que se referia))
029 Henrique: mo:stra queri:da.
030 (1,0)
031 Alan: °aqui° ((apontando))
032 (0,8)
033 Clara: qual é,
034 (0,4)
035 Alan: aqui ó sora essa daqui ó [(° °)]
036 Clara: [estudar] para ser alguém
037 digno de seu potencial e ter um bom serviço. ((lendo))
038 (.)
039 Clara: tá.
040 (0,5)
041 Clara: o quê que tu quer dizer,(0,5)[com essa].
042 Alan: [hein sora, é] é uma coisa
043 assim, se tu estuda:r é óbvio que tu vai ter um: bom
044 serviço .hh mas hoje em dia o mercado de traba:lho que
045 nem a gente vê muitas vezes a gente tá lá no meio (0,4)
046 eu já fui pra lá: (0,3) e ba::h t- tem cara que tem um
047 currículo lá que ba: é:: ?u::ma coisa de louco
048 ?: .hhh
049 Alan e (h)mes(h)mo assim(h) não c(h)onseguem n?a(h)da sora
050 Clara: é. ((Clara assente))
051 (0,7)
052 Alan: hoje em dia: >se< ?tá tu estudando tu vai ser
053 alguma uma coisa,(.) mas se tu não pensar com a cabeça
054 e querer a- agir com os braço (0,4) tu não vai ?muito
055 [longe] (0,3) tu tem que pensar que ?vai::
056 Henrique: [°hehehe°]
057 Henrique: se ( ando) hehehe ((risos))
058 Alan: tu tem que pensa::r, lá na frente de todos (.) por
059 que enquanto tem um (0,4) que tá fazendo o que tu já fa:z
060 tem outros que tá na tua frente (.) então tem que tá
061 s?empre (0,6) ((gesticula muito)) que nem que nem
062 informática, eu tô fazendo infor?mática (.) mas só
063 que porém
enquanto eu tô fazendo ali já tem um lá na
167
064 frente que já tá pegando a minha vaga, que poderia
065 ser minha entendeu,(0,6) por isso que: esse:, esse, essa
066 resposta dele (0,9) ((engole a saliva))f(h)icou bem
067 colocada mas só que::: [n]
068 Clara: [tu] acha que: não basta só
069 estudar,
070 Alan: não basta [só estudar]
071 Clara: [tem que ter] algo mais,
072 Alan: sim.
073 (.)
074 Clara: .hh tu tá dizendo que tu tá fazendo informática mas
075 todos os jovens estão fazendo informática,
076 [tu quer] dizer=
077 Emerson: [eu já fiz]
078 Clara: ã:?
079 Emerson: °eu já fiz°
080 Clara: tu já fi[zeste]
081 ?: [eu também]
082 Alan: [tá fazendo] ((aponta para Emerson))
083 Clara: =que a concorrência é muito grande.
084 Alan: sim, tipo, se colocasse um tra- um serviço (0,3) para
085 informática entre eu e o Ponga é óbvio que o Ponga ia
086 pegar [porque ele já terminou=
087 Henrique: [mas o Ponga vai pegar porque ele é mais velho
088 que tu::]
089 Alan: =[ele é, ele já: ele já tem o diploma]=
090 Henrique: [hehe. já tem dezoito anos [hehe]
091 Beatriz: [°pára(h)° ((bate no braço
092 de Henrique))
093 Alan: =a certificação. isso. ainda tem quem comprove ele
094 [entendeu,]
095 Henrique: [oh sora,]
096 Sílvio: não adianta ele ir lá: e [fala:r que tá faze:ndo e]=
097 Henrique: [oh sora, oh sora]
098 Sílvio: =(.) o Ponga ir já [faz] (fez)=
099 Clara: [sh sh sh sh] ((direciona o braço
100 para Henrique))]
101 Clara ãhã.
102 Sílvio: =(a vaga) vão dar pro Ponga]
103 Clara: tá.
104 (0,3)
105 Clara: e o que seria a:lgo a mais,((olhando para Alan))
106 (0,4)
107 Alan: ã,
108 Clara: o que ser[ia]
109 Abelardo: [d]iplo:ma,
110 (0,3)
111 Alan: a cabeça. ((apontando para a cabeça))
112 Emerson: eh burro ((para Abelardo))
113 Clara: na cabe[ça],
114 Alan: [a] cabeça (inclusive) ta- te- muita zente
115 hoje em dia eles só agem com a força dos braço (.)
116 eles acham assim que movendo o:: o mu:ndo [fazendo=
117 Emerson: [
118 °)]=((conversa paralela))
119 Alan: =mundos e fundos entendeu, que nem o pedreiro.
120 o pedreiro só usa a força dos ?braços]. ((Alan gesticula
121 bastante))mas [se ele usasse] a cabe:ça (0,3) entendeu,=
122 Clara: [sh sh sh] ((aponta para a sua direita))
123 Alan: = ele poderia ser muito maior. por que não sei se a
124 senhora viu, os arquite:tos (.) eles n- não eles não
168
125 saíram lá de cima de um berço de ouro, eles t- tiveram
126 que sair de lá de ba:ixo (.) um pedre- um simples (.)
127 pedreirinho fazendo um cursinho lá (.) meio que aqui
128 correndo pra lá pra cá pra lá(.)((continua gesticulando
129 muito enquanto Clara, com a mão no queixo, olha para ele))
130 e:: o quê, hoje eles são arquitetos, mas por quê, porque
131 eles usa:ram ((aponta para cabeça)). e aqueles que que
132 eles ficaram levantando ma:ssa e colocando tijo:lo, (.)
133 eles vão levar uma vida: (2,0)=((faz gestos como se
134 quisesse dizer “e daí?”)) contínua, uma vida [nor-] se:m
135 Clara: [aham]
136 Clara: e a mesma coisa aquele que ficou só estuda:ndo e que não
137 te:m, (.) não tem experiê:ncia, que nã::o
138 Alan: sim, não, s- quê que adianta tu saber e ter um instrumento
139 bom, de de primeira linha na mão, mas não saber usar,
140 (1,0)
141 Alan: não adianta ?nada.
142 (0,8)
143 Clara: ºexatoº
144 (0,5)
145 Henrique: >fala mais<,
146 (0,4)
147 Clara: é. e vai- e tu <tens razão (.) porque:> o mercado
148 de trabalho quer essas essas= ((aponta para a cabeça))
149 pessoas, que sa:ibam, que tenham o conhecimento
150 mas que saibam principalmente usa:r (0,3) a cabeça
151 pra ((gesticula pra frente)) [né:,]
152 Henrique: [não. não] usar a
153 cabeça, é usar o conhecimento que tem na [°cabeça°]
154 Emerson: [(ca]la a boca)
155 Clara: [mas]
156 usar a cabeça é, ã: saber ã: usar aquele conhecimento,
157 botar na prática aquele conhecimento e fazer (.) além do
158 que todo mundo faz [fazer difere:nte]=
159 Alan: [sim (bo- colocou) a mão no bo:lso.]
160 Clara: fazer diferente fazer melho:r=
161 Henrique: (virou) gari, ((olhando para baixo))
162 Clara: =né::,
163 (0,6)
164 Clara: e:xato. (0,3) e pode ser um gari ((olhando para Henrique))
165 (0,5)
166 Clara: vocês já ouviram ã::
167 Henrique: gari tem que ter até o primeiro grau [°completo°]
168 Clara: [é:]
169 [até pra ser] gari- mas [vocês viram] aquele-=
170 Alan: [°segundo°]
171 Henrique: [°que segundo (meu)° .hh]
172 ((gesticula irritado))
173 Clara: =aquele cara que começou a: juntar pape:l, (0,6) e
174 foi juntando pape:l, e foi juntando pape:l (0,3) né?
175 e foi indo e indo até que montou uma, uma empre:sa e
176 hoje em dia ele [está]
177 Henrique: [ele é rico]
178 (0,3)
179 Clara: riquíssimo.
180 (.)
181 Clara: juntando papel, a matéria prima dele era aquilo que
182 ninguém mais queria e todo mundo jogava fora (.) .h e ele
183 além de estar <limpando> né, (.) a a:: [a cidade]=
184 Abelardo: [(foi corrido)]
185 é contribuindo pra questão (º º) [ecológico
169
186 Henrique: [(canta baixinho)
187 hehehe] ((para Abelardo))
188 Clara: =ainda] (0,4) ainda fez ã: muito dinheiro e:: é, né,
189 [apresentou]
190 Alan: [tá] i- isso aí é ma- é mais um exemplo de: que (um cara)
191 [que usou a cabeça].
192 Beatriz: [>tá sora e me diz uma coi]sa, apareceu
193 na televisão um advogado que virou lixe:iro< (.) qual é a
194 explicação ele (usava) a cabeça e estudava um bom tempo
195 pra virar advoga[do]
196 Alan: [é. não usou a cabeça]
197 Clara: sim. não. mas ele virou lixeiro mas um lixeiro que::=
198 (0,3)
199 Henrique: lixeiro de::=
200 Clara: =que [<sabe fazer>,]
201 Henrique: =[de diploma] [°de:::° direito]
202 Beatriz: [>estudou não sei quantos anos]
203 pra se formar em direito< se formou direito advogado
204 por uns três quatro anos e virou li?xeiro ((gesticula
205 como se não soubesse o que dizer/fazer))
206 Clara: tá, mas e: mas que tipo de lixeiro,
207 (.)
208 Henrique: ga[ri]
209 Beatriz: [ga]ri normal
210 Clara: é::?
211 (0,6)
212 Alan: sim, [normal aqueles]
213 Abelardo: [é apareceu na [televisão]
214 Henrique: [cata] lixo [aqueles sabe,]
215 Clara: [ahã]
216 (0,3)
217 Clara: ?sim, mas ele deve tá fazendo uma coisa que ele ?gosta,
218 ?provavelmente.
219 Alan: bah
220 Beatriz: ele disse que foi porque ele teve que sair do:
221 deu uma reportagem lá [ºque] ele ficou desempregado e=
222 Clara: [ã]
223 Beatriz: =talº que era muita concorrência.
224 Clara: sim.
225 Beatriz: ?°bah° tá louco estudar vários anos pra (0,6) ºnadaº
226 Henrique: désti láifi ((that’s life))
227 Clara: (pois) é. olha (.) ã: (0,4) o importante, tem gente
228 que pensa assim ó que estuda por que quer e: quer ser
229 determina::da:, determinado profissiona:l porque ganha
230 dinheiro (0,3) porque ganha muito dinheiro (0,4) e, ã::
231 (.) >a ?gente vai passar o resto da ?vida trabalhando
232 naquilo né< e se a gente não gosta muito daquilo=
233 Alan: não [dá]
234 Clara: =[que] graça ?tem, (0,7) né:? a gente ?tem que fazer
235 alguma co:isa de que a gente goste mu:ito (0,5) e aí (.)
236 >?mesmo que não dê muito dinheiro mas pelo menos dá< (.)
237 prazer da gente tá fazendo aquilo que a gente gosta de
238 fazer (0,7)ºné:?º tem que ir °por aí também°.
239 (0,6)
240 Clara: BOM. (0,6) Ã::: em ?que a escola ajudou ou está ajudando
241 para o seu trabalho, tá::,
242 ((continuam discutindo as entrevistas))
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